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Revista SÍNTESE Direito Imobiliário ANO VII – Nº 39 – MAIO-JUN 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Saletti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ailton Nossa Mendonça, Alessandro Allef da Silva, Cláudio Oliveira de Carvalho, Eulâmpio Rodrigues Filho, Fernando da Fonseca Gajardoni, Giselle Leite Franklin, Juliana Sales Barket, Mateus Sobrinho, Maurício Barroso Guedes, Raoni Rodrigues, Rodrigo Karpat, Rogério Tadeu Romano, Rosemary Samartino Herran, Sabrina Berardocco ISSN 2236-1553

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Revista SÍNTESEDireito Imobiliário

Ano VII – nº 39 – MAIo-Jun 2017

ReposItóRIo AutoRIzAdo

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Simone Costa Saletti Oliveira

conselho edItoRIAl

Christiano Cassetari, Luciano Lopes Passarelli, Luiz Antonio Scavone Junior, Luiz Henrique Sormani Barbugiani, Marcelo Manhães de Almeida, Rubens Carmo Elias Filho

colAboRAdoRes destA edIção

Ailton Nossa Mendonça, Alessandro Allef da Silva, Cláudio Oliveira de Carvalho, Eulâmpio Rodrigues Filho, Fernando da Fonseca Gajardoni, Giselle Leite Franklin,

Juliana Sales Barket, Mateus Sobrinho, Maurício Barroso Guedes, Raoni Rodrigues, Rodrigo Karpat, Rogério Tadeu Romano, Rosemary Samartino Herran, Sabrina Berardocco

ISSN 2236-1553

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Imobiliário.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço: [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Imobiliário. – Vol. 1, n. 1 (jan./fev. 2011)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v.; 23 cm.

Bimestral. v. 7, n. 39, maio/jun. 2017

ISSN 2236-1553

1. Direito imobiliário.

CDU 347.453 CDD 342.1242

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Escolhemos o tema “Ações Possessórias – Novo CPC” para tratarmos na edição da Revista SÍNTESE Direito Imobiliário.

De acordo com Luiz Rodrigues Wambier, a posse “consiste no poder de fato que o sujeito detém sobre coisa corpórea”.

O objetivo das ações possessórias é proteger o possuidor, já que, nos termos do art. 1.210 do Código Civil, “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”.

Luiz Rodrigues Wambier elenca as ações possessórias como típicas, quais sejam: reintegração, manutenção e interdito proibitório. Já as ações que não versam propriamente sobre a posse, como a nunciação de obra nova, não são ações possessórias típicas, pois não possuem o objetivo de tutelar a posse.

Para discorrer sobre o assunto, contamos com a brilhante colabora-ção dos ilustres juristas: Fernando da Fonseca Gajardoni, Cláudio Oliveira de Carvalho e Raoni Rodrigues, Eulâmpio Rodrigues Filho, Alessandro Allef da Silva, Ailton Nossa Mendonça e Rosemary Samartino Herran, Mateus Sobrinho e Juliana Sales Barket.

Na Parte Geral selecionamos conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Direi-to, tais como: Rodrigo Karpat, Sabrina Berardocco, Maurício Barroso Guedes e Giselle Leite Franklin.

E, ainda, destacamos na Seção “Com a Palavra, o Procurador”, artigo de Rogério Tadeu Romano intitulado “Princípios e Terminologia do Registro de Imóveis”.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Ações PossessóriAs – Novo CPC

DoutriNAs

1. Os Conflitos Coletivos pela Posse de Imóveis no Novo CPCFernando da Fonseca Gajardoni .................................................................9

2. O Novo Código de Processo Civil e as Ações Possessórias – Novas Perspectivas para os Conflitos Fundiários Coletivos?Cláudio Oliveira de Carvalho e Raoni Rodrigues .....................................13

3. A Distorcida Proteção Possessória no Novo CPCEulâmpio Rodrigues Filho.........................................................................33

4. A Posse e as Ações Possessórias no CPC/2015Alessandro Allef da Silva ..........................................................................39

5. Das Ações Possessórias – Lei nº 13.105, de 2015Ailton Nossa Mendonça e Rosemary Samartino Herran ...........................48

6. Ações Possessórias no Novo CPCMateus Sobrinho ......................................................................................58

7. Comentários Gerais à Sistemática das Ações Possessórias no Novo CPCJuliana Sales Barket ..................................................................................60

Parte Geral

DoutriNAs

1. Atividade Comercial Dentro de Condomínios ResidenciaisRodrigo Karpat .........................................................................................63

2. A Prescrição e a Ação de Rescisão de Compromisso de Venda e CompraSabrina Berardocco ..................................................................................66

3. Comprovação do Recolhimento do ITBI: perante o Tabelionato de Notas ou do Registro de Imóveis?Maurício Barroso Guedes .........................................................................84

4. Considerações a Respeito da Alienação Fiduciária Frente à HipotecaGiselle Leite Franklin ..............................................................................105

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JurisPruDêNCiA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1122. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1193. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1264. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1345. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios ................................1426. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais .......................................1497. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná .................................................1558. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ......................................1669. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ...............................17010. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina .....................................18411. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ............................................191

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................195

Seção EspecialCom A PAlAvrA, o ProCurADor

1. Princípios e Terminologia do Registro de ImóveisRogério Tadeu Romano ..........................................................................218

Clipping Jurídico ..............................................................................................225

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................230

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected] Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected]

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

Os Conflitos Coletivos pela Posse de Imóveis no Novo CPC

FERNANDO DA FONSECA GAJARDONIDoutor e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP (FD-USP), Professor Doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP – Ribeirão Preto (FDRP-USP), Juiz de Direito no Estado de São Paulo.

A história recente do País nos dá conta das graves consequências da efe-tivação das decisões judiciais em possessórias derivadas de conflitos coletivos pela posse de imóveis (urbanos e rurais), com famílias inteiras sendo removidas de suas habitações sem amparo estatal; com eventual ocorrência de excessos no cumprimento dos mandados de reintegração e manutenção de posse, inclusive com pessoas sendo lesionadas e mortas no confronto; enfim, com a ausência de tutela do direito social à moradia e à dignidade humana a bem da exclusiva tutela do direito à propriedade/posse.

Certamente por isso, nos debates em torno da aprovação do projeto do CPC/2015, havia forte pressão de parlamentares ligados aos movimentos so-ciais para que sempre, em qualquer tipo de possessória derivada de conflitos coletivos pelo imóvel urbano ou rural (procedimento comum ou especial), fosse realizada audiência de conciliação/mediação antes da decisão liminar. Ao que se opunham os parlamentares ligados aos proprietários rurais (bancada ruralis-ta), que viam em tal intento evidente violação ao direito de propriedade, além de incentivo à realização de invasões de imóveis urbanos e rurais (ainda que atendentes de sua função social).

Acabou prevalecendo posição intermediária, que reconhece a necessida-de de realização da audiência de conciliação/mediação para ações possessórias de rito comum (força velha), mas não para as possessórias de rito especial (força nova), em que a liminar (tutela da evidência) pode ser apreciada (e deferida) sem a realização de qualquer tentativa de autocomposição prévia.

Assim, os arts. 554 e 565, parágrafos, do CPC/2015 estabelecem que no litígio coletivo pela posse ou propriedade de imóvel (urbano ou rural), quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, para qual serão intimados o Ministério Público e a Defensoria Pública (na óbvia

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situação de haver interessados hipossuficientes), podendo ainda dela participar os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, do Estado ou do Distrito Federal e dos Município onde se situe a área objeto do litígio (que serão intimados a se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório).

A disposição tem vários objetivos, todos louváveis.

Primeiro, pretende evitar – por meio de prévia tentativa de conciliação/mediação – que conflitos coletivos pela posse do imóvel sejam resolvidos (ad-judicados), exclusivamente, pelo Poder Judiciário, permitindo que as partes em litígio (esbulhadores/turbadores e possuidor/proprietário) possam, de comum acordo, deliberar sobre a eventual desocupação da área, inclusive estabelecen-do calendário de desocupação.

E segundo, pois o regramento reconhece que o conflito coletivo pelo imóvel urbano e rural é, antes de mais nada, um conflito social, motivo pelo qual traz para dele participar não só órgãos tutelares do interesse público e social (Ministério Público e Defensoria Pública), como também órgãos do Po-der Executivo federal, estadual, distrital e municipal responsáveis pela política agrária e pela política urbana do Estado.

A partir da participação nos processos, tais órgãos podem, eventualmen-te, reconhecer o interesse público ou social na área esbulhada/turbada para fins de desapropriação, assentamento rural ou construção de moradias urbanas, equilibrando o direito de propriedade/posse da área (compensação financeira) com o direito social à moradia e à dignidade humana; ou mesmo para dar suporte aos esbulhadores/turbadores que, uma vez desalojados, precisarão de amparo social na busca de uma nova ocupação ou lugar para ficarem.

Todavia, algumas dificuldades são encontradas na interpretação da disci-plina do NCPC a respeito do tema.

Não é clara a definição do que seria um “litígio coletivo pela posse do imóvel”.

Lamentavelmente, o CPC/2015 não deu parâmetros seguros para a afir-mação, de modo que competirá à doutrina laborar para encontrar algum pa-drão. Padrão, aliás, bastante importante, em vista das nuances procedimentais existentes caso se afirme que de litígio coletivo possessório se trata.

Duas posições são sustentáveis.

Uma primeira, no sentido de que deve ser compreendida a expressão “litígio coletivo pela posse do imóvel” à luz do regramento atinente aos proces-sos coletivos (arts. 81 e seguintes do CDC), compreendendo tanto os casos de direitos coletivos stricto sensu (sujeitos indeterminados ligados entre si por uma

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relação jurídica base, inclusive com o adverso), quanto os de direitos indivi-duais homogêneos relativos à posse (sujeitos indeterminados ou determináveis ligados entre si por evento de origem comum). Não se deve confundir, assim, litígio coletivo (em que o objeto da ação é coletivo) com casos de invasão prati-cada, individualmente, por várias pessoas (litisconsórcio passivo), caso em que a disciplina do art. 565 do CPC/2015 não precisa ser observada.

Outra posição vem no sentido diametralmente oposto, no sentido de que a expressão “litígio coletivo pela posse do imóvel” teria sido utilizada em sen-tido atécnico, não sendo compreendida, pois no regime atinente aos processos coletivos (arts. 81 e seguintes do CDC).

A impressão que se tem nesse primeiro momento é que, na verdade, deve a expressão ser compreendida dentro da ótica do art. 554, § 1º, do CPC, isto é, é aplicável o regramento do art. 565 do CPC/2015 para os casos de ações possessórias em que figure no polo passivo grande número de pessoas, independentemente de se tratar de ação coletiva (passiva) ou de litisconsórcio multitudinário. Nesta última situação, o caso concreto (número de litisconsor-tes, impossibilidade de identificação individualizada deles, etc.) é que definirá a natureza coletiva do litígio possessório.

Outra questão que não ficou clara no NCPC é sobre a adequada interpre-tação a ser dada ao art. 565, § 1º, do CPC/2015.

Sem fazer referência expressa às possessórias de rito comum (como no caput do art. 565), o art. 565, § 1º, do CPC/2015 estabelece que, concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição da ação (e não do deferimento da liminar), caberá ao juiz designar audiência de mediação/conciliação. Prevaleceu o entendimento de que, após um ano de ocupação do imóvel pelos supostos invasores, a situação de fato já estaria estabilizada, o que recomendaria a realização de uma audiência de mediação/conciliação, seja qual for a fase em que o processo se encontre (antes da sentença).

A grande dúvida que exsurge da disposição comentada é se ela seria apli-cável, também, às ações possessórias obedientes ao rito especial, considerando que o caput do art. 565 do CPC/2015 só cuida das possessórias de rito comum (esbulho/turbação ocorridos há mais de ano e dia).

A lógica imporia que o § 1º do art. 565 estivesse conectado ao caput do dispositivo, de modo que a resposta tecnicamente ideal seria a de que somente no não cumprimento das liminares deferidas em possessórias de rito comum (força velha) seria necessária a designação de nova audiência de conciliação/mediação.

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Mas isso não faz muito sentido, pois: a) já houve a realização, em vão, de uma audiência de conciliação/mediação logo após a propositura da ação pelo procedimento comum; b) o CPC/2015 é completamente atécnico no tocante à paragrafação de seus dispositivos, sendo comum artigos cujos parágrafos enun-ciam normas autônomas sem vínculo algum com o caput da disposição que as suporta (vide os 19 parágrafos do art. 85 do CPC/2015); e c) não há distinção alguma, para fins de consolidação da situação de fato (e para existência dos mo-tivos que justificam a realização da audiência de conciliação/mediação), entre os litígios coletivos pela posse de imóvel ocorrido há mais ou menos de ano e dia, quando se tratar de não cumprimento da liminar após mais de 1 (um) ano da distribuição da ação.

Por isso, em juízo inaugural sobre essa nova questão, acreditamos que o § 1º do art. 565 também é aplicável às possessórias de rito especial, derivadas de conflitos coletivos pelo imóvel (urbano ou rural).

Por fim, uma última nota.

Considerando que não é o próprio Poder Judiciário que executa a or-dem de reintegração/manutenção deferida, o Poder Executivo (responsável pelo cumprimento da ordem) tem a possibilidade de utilizar o art. 565, § 1º, CPC/2015, por pura conveniência política, para definir o rito a ser seguido na possessória em trâmite.

De fato, bastará o Executivo retardar o cumprimento da decisão de rein-tegração/manutenção de posse liminarmente deferida, para impor a realização da audiência de conciliação/mediação pelo Judiciário, expediente que tem o condão de tornar inefetivo o comando judicial e, além disso, desacelerar a mar-cha processual.

Urge, portanto, que a sociedade civil fique atenta, a fim de evitar referida manobra, que acabará por tornar regra a realização de uma audiência que, no processo legislativo do NCPC, foi moldada para ter cabimento apenas em situ-ações excepcionais1.

1 O presente texto, com as devidas adaptações, é uma breve resenha do que escrevi sobre o procedimento especial das ações possessórias no recém-lançado Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC/2015 (São Paulo: Método, 2016), escrito em coautoria com os também autores desta coluna Luiz Dellore, Andre Roque e Zulmar Duarte. Convidamos nossos leitores para conhecer melhor a obra em <http://goo.gl/FHI4wU>.

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

O Novo Código de Processo Civil e as Ações Possessórias – Novas Perspectivas para os Conflitos Fundiários Coletivos?1

The New Code of Civil Procedure and the Possessory Actions – New Perspectives for the Collectives Land Conflicts?

CLáuDIO OLIvEIRA DE CARvALhODoutor em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador (2014), Professor assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Integrante do Núcleo de Assesso-ria Jurídica Alternativa – NAJA, PROEX/UESB – Vitória da Conquista/Bahia.

RAONI RODRIGuESEspecialista em Direito Tributário pela Universidade Candido Mendes, Professor da Faculdade Batista Brasileira – FBB, Bahia.

RESUMO: Em 18 de março de 2016, um novo Código de Processo Civil passará a viger no Brasil, tra-zendo diversas inovações normativas, entre as quais se destacam algumas poucas modificações no procedimento das ações possessórias para conflitos fundiários coletivos. As instituições e os movi-mentos sociais ligados à causa da reforma urbana, depois de grande mobilização durante o processo legislativo do novo Código, não conseguiram transformar em leis a maior parte de suas demandas, e vêm o aludido texto legal como fruto de uma vitória conservadora. Resta ao presente estudo analisar as suas principais modificações normativas, avaliando se elas serão realmente capazes de enfrentar o grave problema de habitação que marca a evolução histórica da maioria das cidades brasileiras. Objetiva-se, com isso, enriquecer o debate sobre a efetivação do direito à moradia, seja no âmbito local, seja no internacional, já que 2016 também é o ano da Habitat 3, a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Direito ao urbanístico; direito à moradia; conflitos fundiários urbanos; ações pos-sessórias; novo Código de Processo Civil.

1 CARVALHO, C.; RODRIGUES, R. O novo Código de Processo Civil e as ações possessórias – Novas perspectivas para os conflitos fundiários coletivos? / The new Code of Civil Procedure and the possessory actions – New perspectives for the collectives land conflicts? Revista de Direito da Cidade, Local de publicação (editar no plugin de tradução o arquivo da citação ABNT), 7 fev. 2016. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/20912>. Acesso em: 31 maio 2017.

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ABSTRACT: On March 18, 2016, a new Civil Procedure Code will come into effect in Brazil, bringing several regulatory innovations, among which stand out a few changes in the procedure of possessory action to collective land conflicts. Institutions and social movements linked to the cause of Urban Reform, after massive mobilization during the legislative process of the new Code, failed to turn into laws most of their demands, and come the aforementioned legal text as the result of a conservative victory. It remains to this study to analyze its main legislative changes, assessing whether they will actually be able to address the serious housing problem which marks the historical evolution of most Brazilian cities. The objective is to thereby enrich the debate on the realization of the right to housing, either locally, or in the international since 2016 is also the year of Habitat 3, the Third United Nations Conference on Housing and Sustainable Urban Development.

KEYWORDS: Right to urban; right to housing; urban land conflicts; possessory actions; new Civil Procedure Code.

INTRODUÇÃO

Ao longo do processo de formação e crescimento das cidades brasileiras, a legislação urbanística teve um importante papel de servir aos interesses de uma minoria hegemônica, atuando como instrumento de segregação ou ex-clusão social, e delimitando acessos distintos a elementos urbanos dos mais essenciais. Naturalmente, com o passar do tempo, os movimentos sociais e as instituições ligados à causa da reforma urbana passaram a lutar por uma ela-boração legislativa condizente com os anseios e as necessidades da população urbana. O resultado disso foi significativo, já que resultou na criação de uma nova ordem jurídico urbanística, inaugurada com alguns capítulos da Consti-tuição Federal de 1988 (CF/1988), e mais tarde fortalecida com o advento do Estatuto da Cidade de 2001 (EC).

O progressismo que marcou a renovação da legislação urbanística nacional, por outro lado, não tem conseguido lidar com a premissa de que existe uma relação de antagonismo entre lei e realidade social (Castro, 2000, p. 79), um claro distanciamento entre teoria e prática. E a referida premissa não é exclusividade do Direito brasileiro. Em documento preliminar da Habitat 3, a conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre moradia e desen-volvimento urbano sustentável, existem evidências de que, independentemente de o direito à moradia ser positivado constitucionalmente em praticamente to-dos os países do mundo, a insegurança jurídica na posse de imóveis urbanos ainda é uma realidade global. Anualmente, milhões de pessoas são expulsas de suas habitações contra a sua vontade, por meio de decisões judiciais facilmente contestáveis, e sem receberem as compensações devidas (ONU, 2015, p. 4).

Reconhecendo a necessidade de proteção jurídica da posse como ele-mento essencial à moradia adequada, a Habitat 3 se voltará, entre outras coi-sas, para a criação de novas abordagens teóricas a respeito da posse (ONU,

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2015, p. 9). Para isso, deverão ser discutidos os limites e as possibilidades dos mecanismos legais já existentes, além da possibilidade de desenvolvimento de instrumentos jurídicos que sejam mais efetivos. O aludido debate será deveras salutar para o Brasil, visto que 2016, ano da Habitat 3, é também o ano em que um novo Código de Processo Civil (CPC) entrará em vigor, depois de intenso debate sobre as mudanças nas regras das ações possessórias.

O Brasil é um dos países com o maior déficit habitacional do mundo. Mais de seis milhões de famílias não possuem moradia, o que corresponde a cerca de 22 milhões de pessoas vivendo às margens de um dos direitos huma-nos mais fundamentais (Boulos, 2012, p. 14). Por outro lado, a concentração de renda e propriedade imóvel no Brasil exibe números semelhantes, mas opostos. O número de residências vazias é praticamente o mesmo que o correspondente ao déficit habitacional: 6,07 milhões (Amado, 2015, p. 1). A ausência de uma política pública habitacional realmente resolutiva e a existência de uma varie-dade de imóveis urbanos carentes de função social2 são motivos determinantes para a existência de conflitos fundiários urbanos. A ocupação desses imóveis por movimentos sociais acaba revelando para toda a sociedade um grave pro-blema social que produz repercussões significativas na gestão da cidade e na vida de muitos de seus habitantes (Brasil, 2013, p. 11).

Pelo exposto, o presente estudo buscará compreender o conteúdo jurí-dico emanado dos conflitos possessórios coletivos. Sabe-se que a ocupação de imóveis gera embates sociais que, na maioria das vezes, são judicializados por meio das ações possessórias3. Desse modo, espera-se avaliar se as modificações trazidas pelo novo CPC irão permitir uma segurança jurídica da posse mais só-lida em favor das ocupações coletivas.

O DIREITO À MORADIA E A SUA RELAÇÃO COM A POSSE

O direito à moradia é reconhecido internacionalmente como um dos mais básicos para a sobrevivência e a dignificação dos seres humanos. A pró-pria Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo XXV, estabelece que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, alimentação, vestuário e habitação [...]” (ONU, 2015, p. 1). O Brasil, signatário dos principais documentos de direitos

2 Imóveis carentes de função social são aqueles mantidos vazios pelos proprietários, ou, mesmo que edificados, permanecem inutilizadas ou subutilizadas. O que determinará se um determinado imóvel cumpre o mínimo de requisitos para se considerar “socialmente funcional” são os dispositivos legais elaborados por cada Município, por meio do plano diretor.

3 Cabe frisar que são três as ações ou os interditos possessórios previstos na ordem jurídica brasileira: a ação de reintegração de posse, a de manutenção de posse e o interdito proibitório, cuja pretensão se direciona, respectivamente, para os casos de esbulho, turbação ou ameaça.

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humanos internacionais, internalizou em seu sistema jurídico esse direito fun-damental, dispondo sobre ele na CF/1988 e em uma série de leis esparsas4.

É necessário ressaltar que a ideia de moradia não se limita à mera busca por um teto, um abrigo. Principalmente depois do Pacto Internacional de Di-reitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), de 1966, passou-se a defender a ideia de uma moradia adequada, que seria aquela dotada dos seguintes com-ponentes:

1. Segurança jurídica da posse;

2. Disponibilidade dos serviços, materiais, benefícios e infraestrutura;

3. Gastos suportáveis;

4. Habitabilidade;

5. Acessibilidade;

6. Localização; e

7. Adequação cultural. (ONU, 2014, p. 2)

É visível que a segurança jurídica da posse é o primeiro e mais importante dos componentes, pois costuma dar ensejo a todos os outros.

A necessidade de proteção à posse é essencial principalmente em países como o Brasil, nos quais a ocupação para fins de moradia não é uma opção. Trata-se, na verdade, da única oportunidade que parcela considerável da po-pulação possui de ter acesso a uma habitação (Boulos, 2012, p. 46) devido aos preços exorbitantes dos imóveis, motivados pelas práticas especulativas do mercado, e à ausência de políticas habitacionais capazes de atender às deman-das sociais das cidades contemporâneas. Entendendo a posse como fenôme-no inerente do modelo capitalista de desenvolvimento urbano hoje vigente, a ONU, por meio do Comentário Geral nº 4 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Desc), orienta que, seja qual for o tipo de ocupação, “[...] todas as pessoas devem possuir um grau de segurança de posse que lhes garanta a proteção legal contra despejo forçado, perturbação e qualquer tipo de outras ameaças” (ONU, 2014, p. 7).

É notável que a abordagem da ONU considera as ocupações e a proteção jurídica da posse como sendo partes integrantes do direito à moradia adequada, e como meios de efetivação para o mesmo. Com base nisso, surge a necessida-de de rever o conteúdo do direito à moradia presente nos documentos legais, sobretudo na Constituição brasileira. Sabe-se que ainda hoje existe uma visão

4 A CF/1988 coloca a moradia entre os direitos sociais. O direito à moradia ainda é objeto do Estatuto da Cidade, da Lei nº 11.124, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, além da Lei nº 11.481, que dispõe sobre a regularização fundiária de interesse social em imóveis da União.

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mais conservadora que tende a limitar o direito à moradia a uma condição de norma programática, ou seja, uma exigência a ser cobrada do Estado, assim como a saúde, a segurança pública e a educação. Não poderia ser invocado quando dois particulares se envolvessem em conflitos, e, portanto, não poderia ser oponível aos proprietários de imóveis5.

Mas a doutrina jurídica contemporânea já superou a concepção mais limitada do direito à moradia, fazendo referência a um direito “de” moradia. Quando se modifica a locução destacada, o conteúdo desse direito se amplia. Passa a abarcar, por isso, não apenas a prestação de políticas habitacionais por parte do Estado, mas também a possibilidade de ser invocado durante conflitos possessórios entre particulares. Essas previsões não se encontram estruturadas em um conjunto específico de normas jurídicas, mas podem ser facilmente ve-rificáveis como “consequência jurídica da proteção possessória, eventualmente dada ao possuidor de boa-fé, de um imóvel urbano para habitação” (Castro, 2000, p. 93).

A despeito das exigências constitucionais relativas ao cumprimento da função social da propriedade e à essencialidade do direito de moradia, as solu-ções judiciais aplicadas aos conflitos fundiários urbanos ainda costumam igno-rar as particularidades públicas desses embates. As origens do litígio dificilmen-te são enfrentadas, o que acaba por gerar ainda mais passivos sociais e jurídicos, sobretudo nas cidades mais populosas (Brasil, 2015, p. 11).

Ao promover o despejo forçado dos ocupantes, o Judiciário tende a esti-mular o retorno à condição anterior ao conflito, que se caracteriza pela existên-cia de inúmeros terrenos urbanos carentes de função social, rodeados por po-pulações de sem teto que vêm em tais terrenos a única possibilidade de adquirir moradia. O despejo, por isso, costuma perpetuar a tensão existente entre as duas diferentes partes, e o conflito a qualquer momento retorna ao seio social.

Para reduzir a distância existente entre os processos judiciais e a concre-tização do direito à moradia, diversos movimentos sociais e instituições ligados à causa da reforma urbana procuraram levar ao Legislativo nacional orienta-ções para mudanças nas regras processuais das ações possessórias6. Tendo em vista que na época um novo CPC estava sendo elaborado, as aludidas orien-

5 Em estudo que avaliou os acórdãos proferidos por desembargadores do Estado de São Paulo, Núbia Campos (2015) chegou à conclusão de que muitos magistrados tendem a considerar o direito à moradia como norma programática, que depende de efetivação infralegal. Ela demonstra que essa visão de conferir menor eficácia ao direito à moradia ainda é comum no Judiciário brasileiro, apesar de a doutrina costumar apontar para direção inversa.

6 Cabe diferenciar direito material e direito processual. Enquanto o primeiro deles estipula direitos e deveres, o segundo trata das regras procedimentais que serão seguidas em uma ação judicial para a realização dos direitos ou o cumprimento dos deveres, e geralmente são organizados em um Código Processual, como é o caso do próprio CPC. Sem regras processuais que os garantam, os direitos materiais dificilmente alcançam sua efetividade jurídica. Vê-se que os movimentos envolvidos com a luta pela democratização da moradia claramente modificaram suas estratégias legislativas. Deixaram de exigir que o direito à moradia seja repetido

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tações foram incluídas no Projeto de Lei (PL) do novo Código, para que fosse devidamente votada ao longo do processo legislativo. Nesse interim, as forças conservadoras do Congresso Nacional conseguiram se articular para frear parte das demandas que viriam a ser absorvida pelo novo CPC, algo que, como será verificado nos próximos tópicos, acabou por limitar o caráter social das ações possessórias vigentes a partir de 18 de março de 2016.

OS CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS

Os conflitos fundiários urbanos são inerentes ao modelo capitalista de produção das cidades. A concentração de propriedade e a especulação imobi-liária, somadas à ineficiência das políticas públicas habitacionais, acabam por gerar dois grupos sociais distintos que frequentemente irão colidir seus interes-ses: (a) de um lado, os proprietários de grandes glebas urbanas, que se compor-tam como detentores de um direito de propriedade absoluto, que lhes permite ter bens imóveis sem lhes proporcionar qualquer função social; e (b) no extremo oposto se encontram os grupos de segregados do processo de urbanização, cuja ocupação de imóveis vazios ou inutilizados é a única forma de eles possuírem, pelo menos por algumas noites, um teto sobre suas cabeças.

Segundo o art. 3º da Resolução nº 87, emitida pelo Ministério das Cida-des (Brasil, 2013, p. 19), o conflito fundiário urbano é definido como a

disputa pela posse ou propriedade de imóvel urbano, bem como impacto de empreendimentos públicos e privados, envolvendo famílias de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis que necessitem ou demandem a proteção do Estado na garantia do direito humano à moradia e à cidade.

E, adentrando no objeto análise do presente artigo, o que dizer das ações possessórias iniciadas contra a ocupação de imóveis não dotados de sua função social? Na complexidade das relações sociais do mundo contemporâneo, é na-tural que, em alguns casos, dois ou mais sujeitos tenham direitos distintos sobre um mesmo objeto. Quando os limites de exercício desses direitos não estão bem estabelecidos, o conflito surge naturalmente (Castro, 2000, p. 89). No caso das ações possessórias analisadas, vê-se, recorrentemente, o embate entre dois direitos distintos: a propriedade versus o direito de moradia consubstanciado na posse temporária de um imóvel7. Mas, analisando a questão criticamente, esse conflito não é decorrente da técnica jurídica, mas de questões políticas e

em inúmeros documentos legais e passaram a exigir modificações nas regras processuais garantidoras de um processo judicial capaz de concretizar o aludido direito.

7 Para a maioria dos juristas a posse não seria um direito em si, mas um fato social que gera repercussões no mundo jurídico. Um breve exemplo: não existe um direito à posse de um edifício vazio, mas um direito à moradia. A manutenção na posse depende do exercício de habitá-la, sob pena de esse fato não ser digno de defesa jurídica.

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culturais. Não se pode dizer que existem direitos colidindo. O que ocorre é o choque entre um direito e um privilégio:

1. O acesso à moradia por parte de grupos sociais vulneráveis, e

2. O privilégio de uma minoria que acumula propriedades imóveis urbanas sem lhes dar qualquer função social.

Diante da disparidade existente entre os interesses em questão, a ação possessória utilizada por um proprietário de imóvel sem função social contra uma coletividade não poderia ter as mesmas regras processuais de conflitos individuais. A ocupação, como exercício legítimo de posse, é de fundamental interesse público, como veremos a seguir, e precisa ser protegida através de meios processuais eficazes.

A QUESTÃO DA ILEGITIMIDADE DA POSSE PROVENIENTE DAS OCUPAÇÕES COLETIVAS

A posse proveniente das ocupações coletivas sofre de limitações jurídicas no que se refere a sua legitimidade, que precisam ser devidamente enfrentadas para o bom seguimento do presente estudo. O Direito brasileiro considera que a posse oriunda de ocupações realizadas sem o consentimento do proprietário é injusta. Como regra adicional do sistema jurídico, a posse injusta não pode se converter para justa, o que impediria a defesa possessória dos ocupantes. Desse modo, ao ver seu imóvel ser ocupado contra a sua vontade, o proprie-tário facilmente pode se valer de uma ação possessória alegando que o grupo de pessoas que adentrou em seu bem o fez de forma ilegal. Não resta qualquer dúvida quanto a isso.

O problema de aplicação normativa se encontra quando existe irregula-ridade também por parte do proprietário. Sabe-se que irregularidade fundiária não é uma exclusividade dos grupos de baixa renda. As classes mais abasta-das também são violadoras das legislações fundiárias, mas, diferentemente da população mais pobre e carente de alternativas, elas fazem por opção (Brasil, 2010, p. 12).

É justamente quando a posse irregular dos ocupantes confronta o exer-cício irregular do direito à propriedade que a defesa possessória deve assumir bases jurídicas mais amplas. No caso das ocupações de imóveis carentes de função social, a manutenção dos ocupantes nos imóveis acaba se tornando mais legítima do que o despejo que acarretará um retorno do bem a um estado de subaproveitamento.

É claro que esse entendimento necessita de uma exegese mais ampla, que considere as ações possessórias dentro de um sistema jurídico constitucio-nalizado, que deve prezar pela harmonização das diferentes regras e princípios

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que convivem no sistema. Uma interpretação mais ampla é a forma mais justa e eficaz de resolver conflitos jurídicos como o analisado no momento.

Quando os conflitos possessórios envolvem um choque entre uma posse ilegítima e uma propriedade exercida de forma irregular, o direito à moradia e a função social da propriedade devem ser invocados para produzir decisões judiciais condizentes com o ordenamento constitucional brasileiro.

Outra questão a ser enfrentada é se a posse oriunda de uma ocupação coletiva pode assumir o estado de realizador de um direito à moradia não con-cretizado por políticas públicas. Existem instrumentos jurídicos próprios para a regularização fundiária, como a regularização fundiária de interesse específico, prevista na Lei nº 11.977, de 2009, que seria um instrumento mais apropriado para a superação dessa problemática. Por outro lado, o art. 8º do Estatuto da Cidade traz o instituto da desapropriação sanção, capaz de absorver os imóveis que não possuem sua função social. Trata-se de uma forma mais direta e apro-priada de limitar o direito de propriedade quando mal exercido.

Ocorre que, em um País no qual as políticas públicas e as ações estatais raramente procuram reverter o quadro de segregação socioespacial presente nas suas cidades, a procura por soluções judiciais de curto prazo acaba sendo uma alternativa viável para manter a subsistência e a dignidade de todos aque-les carentes de moradia, mesmo que provisoriamente.

A IMPORTÂNCIA DA POSSE E A NECESSIDADE DE SUA DEFESA JURÍDICA

Defendendo a superioridade social e econômica da posse sobre a pro-priedade, Valcir Gassen (apud Muniz, 2015, p. 1) afirma que “a posse da terra nasce das relações concretas entre os homens, sendo que, na trajetória da pro-priedade, esta sempre foi o mais importante meio de produção da riqueza”. Essa superioridade ainda é salientada por Albuquerque (2002, p. 194):

A posse, em nossa dimensão territorial, é forma de aproveitamento econômico do solo e forma de produção de riqueza para o possuidor e para toda a sociedade. A posse é forma de ocupação primária, corresponde ao fim último de liberdade e de dignidade da pessoa humana, na medida em que possa estar ligada aos di-reitos de moradia, possa implementar a erradicação da pobreza e torne efetiva a igualdade entre todos.

Mas essas não são as únicas funções sociais da posse. Quando decorre da ocupação por parte de uma coletividade carente de moradia, a posse assume visível conotação política, já que denuncia tanto as insuficiências de políticas públicas habitacionais aptas à resolução do problema quanto a existência de inúmeros imóveis sem qualquer função social. Deve-se salientar que as terras rurais ou urbanas não podem ser reproduzidas ou ampliadas, diferentemente

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de outros bens. Desse modo, usar os territórios de forma efetiva, eliminando os vazios especulativos, confere mais riqueza e desenvolvimento social a um país.

Além da importância marcante na área pública, a proteção da posse tam-bém é essencial para a harmonização das relações privadas. Quando se instaura um conflito no qual dois ou mais sujeitos se dizem proprietários de um mesmo bem, opta-se por manter o referido objeto do conflito sob os cuidados do atual possuidor, até que, em um segundo momento, seja verificada a titularidade do imóvel. Essa regra decorre do princípio da conservação do fático, nascido no Direito romano e difundido por todo o mundo (Rodrigues, 2014, p. 1). A razão de existência da aludida regra é desenvolvida a partir de uma conclusão lógica: se sempre que fosse expulso do seu imóvel o proprietário tivesse que provar sua condição sobre o bem, a prestação jurisdicional tardaria a resolver o conflito social (Muniz, 2015, p. 1). Provar ser o possuidor até a data do conflito é algo mais simples, algo que dará ensejo a uma decisão jurisdicional mais célere.

O objetivo de uma ocupação e da defesa da posse subsequente quase nunca é o de adquirir a propriedade do imóvel em questão. O proprietário do bem imóvel ingressará, posteriormente, com uma ação reivindicatória (em regra), que tem por característica o fato de ser mais lenta, já que é baseada na comprovação de titularidade sobre o bem e tem o andamento processual ordi-nário, assim como a grande maioria das milhões de ações que se enfileira no Judiciário. Mas, até isso ocorrer, a garantia de que as ações possessórias não resultarão na remoção imediata dos ocupantes é um importante ganho para a mobilização social em torno da efetivação do direito à moradia.

Ao serem mantidos na posse do imóvel até que a propriedade seja ava-liada pelo Judiciário, os ocupantes ganharão semanas ou meses a mais nos imó-veis, resolvendo temporariamente a questão da falta de moradia. Uma ocupa-ção prolongada acaba por revelar ainda mais a ausência de políticas públicas habitacionais capazes de dar aos habitantes das cidades o bem mais básico que qualquer ser humano deseja possuir: uma casa. Acrescenta-se, ainda, que a permanência dos possuidores serve de denúncia contra o proprietário que se omite de destinar função social ao seu imóvel. O Poder Público, com isso, se sente pressionado em aplicar as sanções cabíveis.

Nas palavras de Marcus Dantas (2013, p. 482):

Como se indicou, nas ocupações normalmente realizadas o objetivo não é “pas-sar a ser o proprietário do bem”, até mesmo porque o juiz não pode, pura e simplesmente, desapropriar um imóvel e passá-lo para o nome dos ocupantes. Em verdade, a atuação dos movimentos sociais [...] têm o objetivo de chamar a atenção das autoridades públicas para a existência de uma dúvida acerca do cumprimento da função social por parte do proprietário do bem ocupado.

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Independente do forte embasamento jurídico e social que existe na ocu-pação urbana praticada por movimentos sociais, na maioria dos conflitos fun-diários coletivos a defesa possessória não funciona devidamente. E aqui reside uma questão arraigada na cultura brasileira, perpetuada pela mídia e confirma-da pelas decisões dos magistrados: a criminalização dos movimentos de ocupa-ção, que se tornam “caso de polícia”, situações que devem ser extirpadas das cidades em nome da paz social e da defesa da propriedade privada.

Resta ao próximo tópico a tarefa de avaliar se as alterações trazidas pelo novo CPC serão capazes de reverter essa lógica, possibilitando que as ocupa-ções coletivas não sejam consideradas menos legítimas do que a manutenção de propriedades imóveis carentes de função social.

CONTRAPONTOS ENTRE O CPC DE 1973 E O CPC DE 2016

Contexto soCial e polítiCo

O CPC de 1973 foi outorgado durante um regime de exceção, iniciado no Brasil com o golpe militar de 1964. Na época, as demandas sociais eram tidas como opostas à ordem e à segurança nacional, e as ocupações coletivas juridicamente tiveram o mesmo tratamento simplório dado aos conflitos indi-viduais (Viana, 2014, p. 67). Desse modo, as demandas diversas contidas nos aludidos conflitos nunca teriam espaço adequado para ser discutidas ao longo do processo judicial. É claro que a CF/1988 renovou toda a ordem jurídica do País, a ponto de muitos institutos jurídicos passarem a ser reinterpretados com o fim de se alinharem ao sistema. Infelizmente, isso não ocorreu, em termos práticos, com as ações possessórias.

Apesar de orientações como as do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que os magistrados se pautem por princípios constitucionais atinentes ao direito à moradia e à função social da propriedade (Dantas, 2013, p. 466), du-rante o julgamento das ações possessórias, as regras processuais civis ainda são aplicadas ou mal aplicadas de acordo com o que for mais conveniente para os proprietários. Ao magistrado é conferida ampla possibilidade de realizar despe-jos de grupos de ocupantes sem considerar a complexidade de direitos funda-mentais envolvidos no caso concreto. A defesa da propriedade costuma ser a única motivação para todas as suas decisões.

Nos últimos anos, essa limitação da lei processual para considerar as pe-culiaridades das ocupações coletivas foi questionada pelos movimentos sociais e pelas instituições ligados à causa da reforma urbana. E o momento parecia propenso. Um novo CPC estava sendo elaborado, dessa vez por meio de um processo altamente democrático. O PL que deu vida ao novo Código sofreu mais de novecentas emendas parlamentares durante todo o processo legislativo.

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Mais de trezentas pessoas foram ouvidas em audiências públicas, inclusive os membros de todas as entidades de classe e associações que apresentaram suges-tões (Didier Jr., 2013, p. 1). Mas nem por isso podemos dizer que as demandas progressistas para a modificação nas regras das ações possessórias foram bem atendidas. Durante a elaboração do PL, forças conservadoras se posicionaram contra as demandas progressistas, com base no argumento de que as alterações propostas estimulariam as invasões coletivas, o que agravaria, segundo eles, os conflitos urbanos (Silva, 2015, p. 9). Independente da superficialidade do argu-mento apresentado, as principais alterações processuais pleiteadas pelo movi-mento reformista foram barradas, conforme será demonstrado a partir de agora.

AÇÃO DE FORÇA NOVA E DE FORÇA VELhA

Um elemento central para as ações possessórias é a questão da força nova e força velha. A lei civil brasileira resolveu conferir uma proteção maior àquele que intenta ação possessória no prazo de ano e dia, contado da data da agressão. As ações iniciadas dentro desse prazo são chamadas de força nova e geram a possibilidade de conferir uma liminar própria para os seus autores. Tal liminar foge da regra geral do sistema jurídico brasileiro, pois não exige os requisitos comuns das demais liminares, mas apenas o disposto no art. 927 do CPC de 1973:

I – Demonstrar a posse anterior sobre a coisa;

II – A turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III – A data em que a posse foi violada;

IV – A preservação da posse, embora turbada em se tratando de ação de manu-tenção e a perda da posse em se tratando de ação de reintegração.

A liminar permite ao juiz instituir a remoção dos ocupantes imediata-mente. Caso o prazo transcorra, a ação será de força velha, e a liminar própria a ser apresentada não será mais concedida. Isso não quer dizer que o autor não possa intentar uma liminar comum, mas o que dificulta a sua concessão é o re-quisito periculum in mora8, difícil de ser provado para alguém que permaneceu por mais de um ano sem procurar reaver a posse de seu bem.

Houve tentativas de se eliminar essas regras no novo CPC caso o bem imóvel em questão não cumprisse uma função social, ou pelo menos quando se tratasse de ocupações coletivas.

8 Expressão latina que significa “perigo na demora”. Por exigência desse requisito, o autor da ação deve provar que, caso a proteção jurídica que ele demanda tarde a ocorrer, pode haver dano de difícil ou incerta reparação. Isso motivaria a concessão de uma medida liminar, que protegeria seus interesses jurídicos até que a ação seja julgada posteriormente.

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Durante a elaboração do projeto de lei que originou o novo CPC, o De-putado Padre João chegou a encaminhar uma emenda parlamentar que procu-rou acrescentar o cumprimento da função social da propriedade como requisito para a concessão da liminar possessória. Na justificativa para a sua emenda, o aludido deputado redigiu:

O requisito do cumprimento da função social para a tutela possessória é con-sequência direta da Constituição, em seus seguintes dispositivos: art. 5º, inci-so XXIII, art. 170, inciso III, art. 182 § 2º, art. 184, art. 185, parágrafo único e art. 186, regulamentados pelas Leis nºs 10.257/2001 e 8.629/1993. Para o Mi-nistro do Superior Tribuna de Justiça Teori Albino Zavascki, a função social da propriedade diz com a utilização dos bens, e não com sua titularidade. Função social da propriedade realiza-se “mediante atos concretos, de parte de quem efe-tivamente tem a disponibilidade física dos bens, ou seja, do possuidor, [...] seja ele detentor ou não de título jurídico a justificar sua posse”. Por isso a função so-cial diz mais respeito ao fenômeno possessório do que ao direito de propriedade. Esta é a importante lição do jurista Luis Edson Fachin, para quem a “função social é mais evidente na posse e muito menos evidente na propriedade”. Não existe sentido, na ordem constitucional vigente, em se proteger posse que não cumpra sua função social. (Siqueira, 2011)

A supracitada emenda parlamentar acabou por ser rejeitada pela maioria dos legisladores, impedindo que a função social se tornasse um requisito para a concessão de liminares possessórias. Assim, indivíduos que abusam do seu direito de propriedade, não conferindo função social aos seus bens imóveis, continuam protegidos pela norma civil.

DiferenCiação entre posse inDiviDual e Coletiva e a liminar própria Das ações possessórias

Enquanto o Código de 1973 não faz qualquer distinção processual nas ações possessórias individuais ou coletivas, o novo CPC apresenta uma tímida diferença processual entre eles. Nas ações que recaírem sobre a posse coletiva, haverá a necessidade da realização de audiência de mediação para que seja concedida medida liminar. Como veremos a seguir, essa alteração será menos utilizada na prática do que se pensa. No momento, cabe elucidar que o novo CPC trata a posse coletiva com praticamente o mesmo cuidado que trata a indi-vidual, apesar de serem manifestações totalmente diferentes do ponto de vista social e político.

a Citação

A lei processual civil atual permite que a citação em casos de ocupação coletiva seja feita por edital, ou seja, por meio de veículos de comunicação oficial ou não que, espera-se, chegará ao conhecimento dos réus. A ação, com base nisso, é proposta contra todos indistintamente, sem que se identifique cada

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um dos sujeitos envolvidos. Por ser uma citação ficta ou presumida, o processo seguirá mesmo que a coletividade de ocupantes não manifeste defesa.

A regra é descrita por processualista Marcus V. Gonçalves (2011, p. 784): “Não sendo possível a citação pessoal, seja porque o local tornou-se inacessí-vel, seja porque não é possível identificar os invasores, o juiz autorizará que seja feita por edital, na forma do art. 231, I e II, do CPC”.

Nota-se, por parte dos aplicadores do Direito, uma interpretação legal excludente, que transforma ocupantes em invasores perigosos que devem ser mantidos a distância, mesmo durante um processo judicial. É visível que o Po-der Público, por meio de suas instituições, agrava a cada dia o quadro de se-gregação urbana. Além de destruir, muitas vezes, os modos de subsistência dos grupos sociais mais vulneráveis, estimula a separação de culturas dentro de uma mesma cidade, delimitando que algumas “classes perigosas” (Dabrowski, 2003, p. 175) devem ter acesso restrito ao devido processo legal, em nome da segurança dos agentes do Estado e do proprietário autor da ação.

As condições sociais dos ocupantes de imóveis urbanos muitas vezes impedem que eles tenham acesso aos meios de comunicação utilizados para propagar o edital, sendo que, na maioria das vezes, ela é veiculada em publi-cações oficiais do Judiciário, impressas ou virtuais. O resultado evidente disso é a remoção de pessoas que não tiveram a oportunidade de apresentar defesa. Para evitar esse notório atentado à legítima defesa e ao contraditório, o novo CPC dispõe, em seu art. 554, § 1º, que, “[...] no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais”. Para isso, o oficial de justiça deverá procurar os ocupantes no local um por vez, citando-os individualmente. Apenas os que não forem encontrados após a diligência deverão ser citados por edital.

Para ampliar ainda mais a existência da demanda, o § 3º do mesmo art. 554 ainda dispõe que “[...] o juiz deverá determinar que se dê ampla publi-cidade da existência da ação prevista no § 1º [...], podendo, para tanto, valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação de cartazes na região do conflito e de outros meios”. Dois são os efeitos imediatos desse dispositivo: primeiramente, aumentará a segurança dos ocupantes em conhecerem a exis-tência da ação possessória; e, em segundo lugar, permitirá que toda a sociedade tenha conhecimento do conflito possessório. Assim, tanto as omissões do Estado em prover moradia popular quanto a existência de terrenos urbanos carentes de função social serão levados a público.

Para que a defesa dos direitos da coletividade seja ainda mais efetivada, de forma simultânea à citação dos ocupantes ocorrerá a intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública (em casos de hipossuficiência econômica). Es-

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pera-se que a participação desses órgãos em todas as ações possessórias coleti-vas reduza o número de violações ao direito da ampla defesa e do contraditório, além do respeito à dignidade dos ocupantes durante todo o processo judicial.

a função soCial Da proprieDaDe Como requisito De ConCessão Da liminar

Parte da doutrina aponta que, apesar de a função social da proprieda-de não estar entre os requisitos para concessão de liminar especificados no art. 927 do CPC de 1973, uma simples análise sistemática do ordenamento jurídico poderia colocá-lo como tal. Isso decorre do fato de o sujeito que alega que sua posse foi violada injustamente deve provar que está exercendo essa posse dentro dos limites da legalidade, ou seja, deve demonstrar que a sua pos-se é justa. É esse o fundamento maior da ação possessória: coloca que a posse injusta deve deixar de existir, abrindo caminho para o exercício de uma posse justa. Então, se a função social é descumprida, a posse é injusta e, por isso, não merece proteção jurídica.

No âmbito das ações possessórias, a função social é tão importante que muitos juízes costumam motivar as remoções com base no fato de o proprie-tário cumprir alguma função social. Analisando julgados do Paraná, Marcus E. Dantas (2013, p. 475) chegou à conclusão de que os magistrados costumam colocar o cumprimento da função social como “[...] mecanismo de qualifica-ção da posse quando tal verificação é benéfica para o autor da ação”. O oposto acontece quando esse fato irá prejudicar o proprietário que ingressou com a ação, oportunidade em que os magistrados frisam que a função social da pro-priedade não é elemento a ser tratado durante a ação possessória, muito menos como fundamento para concessão de liminar.

O visível desequilíbrio entre as diferentes partes que compõem as ações possessórias preocupa os setores mais progressistas da sociedade há tempos. Isso motivou que parte das demandas levadas ao Congresso Nacional durante a elaboração do novo CPC fosse justamente relativa à inclusão da função so-cial da propriedade como requisito para concessão de liminar. A análise dessa questão não poderia depender apenas do juízo de valor dos magistrados, mas, pelo contrário, deveria se tornar um arcabouço de regras das quais os juízes não poderiam deixar de seguir.

E essa talvez tenha sido a maior derrota da reforma urbana durante a confecção do novo Código: a ausência da função social da propriedade como requisito expresso.

a auDiênCia De meDiação

A concessão de liminar costuma ser um ato judicial que independe de uma análise mais profunda sobre o caso e de ouvir a versão da parte contrária.

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É uma medida excepcional no sistema jurídico, e é fornecida para casos em que o autor da ação possa apresentar elementos probatórios que permitam ao magistrado ter uma compreensão com relativa precisão, mesmo estando “a dis-tância” do fato social que gerou o conflito jurídico. Há situações, por sua vez, em que o juiz, não conformado apenas com as alegações do autor da ação, pode entender necessária a avaliação mais profunda dos fatos. Duas medidas podem ser adotadas: (a) a inspeção judicial, pela qual o magistrado irá ao lo-cal gerador do conflito para se certificar da existência das circunstâncias que motivem a liminar; ou (b) audiência de justificação prévia, na qual o autor e o seu advogado serão convocados para fornecer mais esclarecimentos, podendo estar presente também o próprio, salvo se o conhecimento deste puder tornar a medida ineficaz.

Atente-se para o fato de que é o juiz que determinará, conforme o seu en-tendimento, se esses procedimentos serão ou não necessários. Esse é o motivo para, na prática, serem utilizados muito raramente, principalmente nos conflitos possessórios coletivos. Para reverter essa situação pela qual decisões são emi-tidas pelo Judiciário sem que haja uma análise mais fiel da realidade social, os movimentos sociais e as instituições ligados à causa da reforma urbana defende-ram mudanças processuais que tornem a audiência de justificação prévia uma etapa obrigatória para a concessão das liminares, quando essas recaírem sobre uma ocupação coletiva. Durante os debates sobre o novo CPC, essa audiência foi aperfeiçoada até o ponto de criarem o instituto da audiência de mediação.

Segundo o art. 565 do novo CPC, nas ações possessórias de força velha, a liminar só poderá ser concedida após audiência de mediação a ser realizada no prazo de 30 dias. O Ministério Público e a Defensoria Pública serão intimados a comparecer, assim, como órgãos responsáveis pela política agrária ou urbana dos três níveis de governo. Por ser uma audiência de mediação, os réus terão espaço obrigatório nelas. Assim, o juiz deverá ouvir as suas versões e conhecer as suas perspectivas antes de conceder a liminar.

A audiência de mediação seria uma grande inovação do novo CPC caso não fosse restrita às ações possessórias de força velha. Possuidores que ocupem imóveis por menos de um ano e dia não poderão se valer desse recurso tão im-portante para a construção política e social do direito à moradia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dinâmica com que o Judiciário encara as ações possessórias necessita de mudanças capazes de impedir que os juízes decidam sem observar os valo-res contidos nos documentos internacionais de direitos humanos e na CF/1988. Não resta dúvida de que as remoções forçadas são uma ameaça à concretização de uma diversidade de direitos humanos fundamentais. Sabe-se que o acesso à

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moradia adequada é uma pré-condição para “[...] a realização de vários outros direitos humanos, incluindo o direito a trabalho, saúde, segurança social, voto, privacidade, dentre outros” (Brasil, 2013, p. 69), e isso se explica pelo fato de os direitos humanos serem indivisíveis e inter-relacionados, principalmente um direito tão essencial como o de ter um lugar onde habitar. O próprio direito à cidade, enquanto potencialidade para viver a cidade e participar do seu projeto futuro, parte do princípio que o cidadão deve, primeiro, se estabilizar em um local, para que, depois, possa encarar a dinamicidade urbana. Sem a estabilida-de, não se vive o dinâmico.

Depois de lutar pela elaboração normativa que enriquecesse o conteúdo do direito à moradia, os movimentos sociais e as instituições ligados à causa da reforma urbana foram assertivos em direcionar seus esforços para modificar as regras processuais que transformam esse direito em decisões judiciais favoráveis às populações segregadas sócio e espacialmente. O problema é que o recente envolvimento com as modificações no CPC não geraram tantos frutos, como pode ser verificado nos tópicos anteriores. Dificilmente as novas regras irão produzir melhorias significativas na concretização do direito à moradia e no respeito a outros direitos humanos.

Independentemente de as modificações do novo CPC serem tímidas, elas precisam ser conhecidas e aproveitadas ao máximo. Além disso, as suas limita-ções precisam ser bem delimitadas, para que se tornem fundamentos de futuros debates na arena política. Reconhecendo essas necessidades, o presente estudo apontará, de forma objetiva, para alguns pontos que merecem atenção de to-dos aqueles que se debruçam sobre a temática do direito à cidade e do direito à moradia. Esses mesmos pontos se tornarão experiências interessantes para serem apresentadas, inter-relacionadas e (re)assimiladas pelo Brasil no contexto internacional, sobretudo na conferência da Habitat 3 da ONU. É o momento de mencioná-los:

1. A posse não é uma ameaça ao direito de propriedade. As ações possessórias não podem ensejar a assimilação da propriedade por parte do possuidor. Elas apenas o mantém na posse até que a titu-laridade do imóvel seja avaliada em ação posterior, mantendo a paz social até lá. É, por isso, um instrumento de estabilização social fundamental para a sobrevivência do próprio instituto da proprieda-de privada. A opinião pública, baseada em interpretações midiáti-cas e excludentes, acaba colocando as remoções como alternativa necessária para que o proprietário retome o seu imóvel, o que não passa de uma grande falácia. Nesses casos, a única forma que um sujeito pode perder a sua condição de proprietário perante o bem é a seguinte: a ocupação coletiva pode levantar questionamentos do Poder Público com relação à existência de função social em

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determinado imóvel urbano, o que pode ensejar medidas como a expropriação. Salienta-se que isso não decorre da ocupação em si, mas do cumprimento das normas constitucionais que não permite que imóveis urbanos permaneçam com quem não os dê função so-cial (Marés, 2003, p. 117).

2. Em análise sistemática do atual ordenamento jurídico processual, já existe a possibilidade de a função social da propriedade se inserir no rol de requisitos para a concessão de liminar. O proprietário que não dá destinação social ao seu imóvel urbano, descumprindo preceitos constitucionais, tem apenas a posse injusta sobre o mes-mo e, por isso, não merece a proteção jurídica. O presente estudo abordou a essencialidade que a função social da propriedade tem para a efetivação do direito à moradia.

3. A questão da posse de má-fé por parte dos ocupantes de imóveis urbanos que não cumprem função social deve ser enfrentada com os mesmos argumentos. A posse em ocupações de movimentos so-ciais é tida como injusta pela maioria dos aplicadores do Direito. Mas o fato de o proprietário também não ter a posse justa acaba impedindo que a permanência dos ocupantes no imóvel litigioso seja interrompida por ação possessória.

4. A citação de todos os ocupantes se tornou elemento obrigatório na ação possessória. Caso seja descumprida, a própria decisão judicial poderá ser derrubada posteriormente, por meio de ação rescisória. Talvez seja um mecanismo capaz de reverter mandados de despejo decididos com cerceamento de defesa.

5. As liminares precisam ser medidas judicias excepcionais nos ca-sos de conflitos fundiários coletivos, aliás, elas têm a característica de verdadeiras tutelas antecipadas, já que “[...] a retirada imediata dos ocupantes esvazia completamente o fato social criado com a ocupação, o que dificulta a reversão do resultado posteriormente reconhecido como injusto” (Dantas, 2013, p. 480).

6. A audiência de mediação será um instituto pouco verificado na prática, já que fica restrita às ações de força velha. Mesmo assim, as instituições e os movimentos sociais ligados à causa da reforma urbana devem se aperfeiçoar no sentido de aproveitar ao máximo as oportunidades que possam surgir com a audiência. Um cuida-do, porém, deverá ser tomado: a mediação a ser aplicada nessas audiên cias não deve ser feita com técnicas convencionais de reso-lução de conflito, úteis nos litígios privados, mas prejudiciais em situações que envolvem grande número de pessoas vulneráveis so-

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cialmente. A mediação não pode encarar os dois lados como iguais, pois direitos dos mais fundamentais estão sendo confrontados com privilégios.

7. A evolução dos aspectos processuais que possibilitam a resolução dos conflitos fundiários coletivos também precisa compreender outros institutos jurídicos além da posse. Instrumentos como a usu-capião urbana e a concessão real do direito de uso, por exemplo, poderiam se tornar mais presentes no cotidiano das cidades brasi-leiras caso fossem regidos por regras processuais que considerassem os direitos fundamentais envolvidos nos litígios jurídicos advindos, sobretudo, de ocupações coletivas.

8. Independente dos avanços normativos ocorridos nas últimas déca-das, a cultura do Judiciário precisa ser modificada, no sentido de formar juízes mais aptos a resolver os conflitos fundiários, conside-rando os direitos fundamentais envolvidos e consolidando os dispo-sitivos constitucionais atinente à efetivação do direito à cidade. A própria estrutura do Judiciário deve abrir espaço para a criação de varas próprias para o julgamento de conflitos fundiários urbanos, que agreguem funcionários públicos capazes de captarem as nuan-ces que emanam do referido conflito.

As reais consequências que o novo CPC trará aos conflitos fundiários ur-banos ainda são desconhecidas. Deverão ser analisadas com o passar do tempo, para que, depois, possam ser debatidas entre os diversos segmentos da socieda-de. Sabe-se que a mera modificação legislativa muitas vezes não é capaz efeti-var direitos, necessitando de um grande esforço social no sentido de controlar o processo de aplicação das normas jurídicas. E uma real mudança relativa à efetivação de direitos humanos fundamentais não está dissociada do próprio meio como o Direito é apresentado à sociedade.

No Brasil, o sistema jurídico ainda é tido mais como uma estrutura de normas a ser imposta à sociedade, e não como um instrumento a serviço dessa sociedade. Pensa-se no direito enquanto formalidade, e não enquanto função. Ensina-se “o que é direito”, mas pouco sobre “para que serve o direito” (Bobbio, 2007, p. 51). Essa mudança de perspectiva, chamada de teoria funcional do di-reito, é proposta por Norberto Bobbio e aponta para outro foco na relação entre a lei e os seres que são regidos por elas.

Uma nova teoria sobre o Direito também traria entendimentos mais re-levantes sobre a proteção jurídica da propriedade. Difundir “para que serve o direito de propriedade” seria um grande passo para que a função social da cidade pudesse ser melhor desenvolvida no ordenamento jurídico brasileiro. E, seguindo o ponto de vista de Jacques Távora Alfonsin (2006, p. 175), essa

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função da propriedade deve receber status de “social” somente se servir como vetor de desenvolvimento dos direitos sociais, entre os quais o direito à moradia é um dos mais fundamentais.

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

A Distorcida Proteção Possessória no Novo CPC

EuLâmPIO RODRIGuES FILhOGraduado pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Doutor e Pós-Doutor em Direito, Advogado.

A ação de esbulho é a de reintegração de posse, de rito especial (v. art. 554 do novo CPC). Qualquer dos interditos segue o procedimento especial, dando margem à liminar se a turbação ou o esbulho datar de menos de ano e dia. Se esse prazo foi ultrapassado, o legítimo possuidor não perde o direito de se valer das possessórias; só que, nesse caso, o procedimento a ser observado para a ação é o comum, diretamente, sem oportunidade para liminar. Se ele provar que tinha posse, que ela foi molestada em determinada data anterior, à evidência, sem que tenha transcorrido o prazo de usucapião, poderá seu direito ser reconhecido e restituída a posse que se propõe a demandar.

O art. 554, § 1º, do novo CPC, a vigorar empós da vacatio legis, deter-mina o seguinte:

Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

§ 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

Essa disposição, colocada em meio à vacuidade jurídica, à guisa de com-plemento ideológico, à evidência, para que haja infindável procrastinação do curso do processo com violação do alegado propósito anunciado com ênfase por juristas, determina que, se no polo passivo da ação possessória figurar gran-de número de pessoas, sem indicar o critério para se ver que o número de inva-sores é grande, e sem explicitar de que natureza o grupo e razões, intimar-se-á, obrigatoriamente, o Ministério Público, e, se houver algum réu hipossuficiente economicamente, também a defensoria pública.

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Trata-se, ao que se vê, de uma imitação do “petitório” concebido no possessório, contra toda a sistemática jurídica historicamente concebida e aper-feiçoada.

Essas providências vêm repetidas no art. 565 e parágrafos do mesmo CPC embrião.

Reza, então, o art. 565, § 4º, do novo CPC:

Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a tur-bação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2º e 4º.

[...]

§ 4º Os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório.

Ao que se deduz dos textos, essa parte do Código trata do possuidor es-bulhado como incapaz e com seu direito coartado por disposições legais que mancham o brilho de quantos participaram das discussões preparatórias da ela-boração do novo CPC.

De fato, à luz do regulamento de todas as outras demandas previstas no sistema jurídico, cuida-se, especialmente nesta estação, de tratamento legal diferenciado, discriminatório e em desalinho com a Constituição da República.

Depois, aparecem disposições idênticas, confirmatórias, com igual resul-tado, no §o 4º do art. 565 do mesmo embrião, acrescido de determinação de intimação a órgãos responsáveis pela “política agrária” e pela “política urbana” da União, do Estado ou do Distrito Federal e do Município, para audiência e para manifestarem “seu interesse” na causa, bem como sobre a “existência de possibilidade de solução para o conflito possessório”.

A expressão do novo CPC alça, de forma a generalizar, a busca da prote-ção possessória contra invasores de terra, à condição de “conflito”.

Da leitura do texto percebe-se, além do que já foi indicado, que a de-manda possessória será uma exposição de penduricalhos, entre eles a injurídica autorização para terceiros pretensamente interessados “opinarem” sobre “pos-sibilidade” de solução da lide.

Trata-se da mais evidente imposição legal do compartilhamento da ju-risdição entre o Judiciário e terceiros, à míngua de autorização constitucional.

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O princípio da indelegabilidade resulta do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. Como os demais Po-deres, a CF fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário, e não pode a lei alterar a distribuição feita pelo legislador constituinte. Nem mesmo pode um juiz, atendendo a seu próprio critério e talvez à sua própria conveniência, delegar funções a outro órgão. É que cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio, mas o faz em nome do Estado, agente deste que é. (Jackson Aguiar, “Da jurisdição e da ação: conceito, natureza e características; das condições da ação e institutos funda-mentais do processo civil: jurisdição, ação, processo (09.07.2013), Wikipédia, Enciclopédia Livre, Web)

Não padece dúvida de que soa esquisito, no caso, o sujeito intimado a suscitar interesse na demanda litigiosa inter alios, e, ao mesmo tempo, garantir possibilidade de solução da lide, inda mais prevendo a lei caso de “solução”, e não de “composição”.

O § 5º do art. 565 do novo CPC, a sobrevir, determina que “ao litígio sobre propriedade de imóvel [sic] tais disposições têm o efeito também, de comprimir de vez o direito do titular de domínio sobre imóveis”.

Art. 565. [...]

[...]

§ 5º Aplica-se o disposto neste artigo ao litígio sobre propriedade de imóvel.

Nesse ponto, aliás, surpreendentemente o novo Código esqueceu-se de que a ação reivindicatória já é, por natureza, com todo o teor de abrangência, real, e de efeito erga omnes, caracterizando a disposição referida improprieda-de singular.

Trata-se, ao que se pode vislumbrar, de texto específico, particular, inse-rido no projeto amplo do Código de Processo Civil, visando a criar uma situa-ção particular para determinados grupos de invasores de terra.

Além disso, afigura-se necessário lembrar que há Estados no Brasil, que sob regime do CPC de 1973, por meio de seus Tribunais de Justiça, expedi-ram resoluções incrementando ilegitimamente a lei processual, adotando regras como estas aqui lembradas, que virão integrar o sistema processual civil, como se viu demonstrado.

Mas “a experiência” tem revelado que a obrigação, e não a faculdade de se conclamar “ex officio, além de outros órgãos, promotores de justiça, se não há razões outras fora das já previstas no CPC de 1973, não melhora em ponto algum o curso do processo relativo à possessória, pois, ao contrário, tem piora-do, já que, em razão da forte incidência de forças ideológicas, torna-se iterativa

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a criação de meios que retardam o curso da ação, ao ponto de nós mesmos estarmos patrocinando interesses em causa dessa natureza, com dois anos de liminar deferida e não cumprida em razão dos múltiplos incidentes amiúde descabidos provocados em autos respectivos.

A carência de direito a ser amparado em favor de quem busca se impor pela força na propriedade alheia tem sido uma realidade própria da natureza do Estado Democrático de Direito, que, aliás, vem sofrendo agressões de toda sorte nos últimos anos, no sentido de se ver distorcido o princípio da igualdade no âmbito do Direito Processual e instalado autêntico Tribunal de Exceção, em franco desprezo aos princípios da igualdade e da legalidade democráticas.

E nem sempre a imposição de mãos de ferro cria situação favorável ao delinquente esperançoso de uma vitória em meio culto.

Exalça-se, ademais, que soluções canhestras ordinariamente não desen-laçam corretamente questões jurídicas elaboradas ao longo dos séculos pelos luminares da ciência do Direito.

De fato, a 6ª Câmara Cível do TARS já proclamou:

Tenho que, apesar do caráter quase satisfativo da liminar em tela, o se manter os agravantes na posse apenas contribuiria para aumentar os problemas sociais a que se referem os agravantes, desde que a sorte da ação, evidenciada a invasão, apresenta-se em princípio, selada. Quanto mais tempo se passar, e mais dolorosa será a retirada determinada pelo Juízo a quo, certo que a tendência é a dos inva-sores irem fincando raízes no curso do tempo.

Não há dúvida de que eventual permanência dos invasores na área vin-dicada pelo dono ou possuidor, durante tempo superior ao necessário para uma pacífica e rápida desocupação, só lhes causaria “expectativas infundadas”, con-forme decidiu a 20ª Câmara Cível do TJRS:

[...] Todavia, inadmissível, em outro sentido, arrastar-se a execução da reinte-gração. Isso só geraria expectativas infundadas para os agravantes, consolidando situação de fato que poderia se tornar insustentável ao final, com graves conse-qüências para ambas as partes. Além do mais, certa a conclusão da juíza ao re-ferir que “a permanência da ocupação por período maior somente aumentaria o conflito social gerando prejuízo ao autor e aos próprios ocupantes da terra” [...]. (TJRS, Agravo de Instrumento nº 599211042, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. José Aquino F. de Camargo, 22.06.1999)

A seu turno, a douta Juíza Janine Stiehler Martins, do Estado de Santa Catarina, pondera:

O direito positivo não pode ser fechado às conquistas sociais e ao projeto de so-lidariedade fulcrado na realização da cidadania. Desta forma, incumbe à política do direito uma visão não dogmática, mas comprometida com a transformação da

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sociedade e de seus interesses, os quais podem ser racionalizados pelo legislador e pelo juiz. Esta racionalização intenta a busca da validade material da norma, ou seja, compatibilizar o socialmente desejado e necessário ao homem, e não apenas a sua validade formal, mediante obediência às normas processuais para sua vigência.

Ferreira de Melo, em sua obra Fundamentos da política jurídica, ressalta que a política do direito deve ser comprometida com o justo, ético, legítimo e necessá-rio. O mesmo autor cita, em sua obra, que os autores que dedicaram atenção e importância à política jurídica foram reducionistas em suas concepções. (Janine Stiehler Martins, “Posse no atual Código Civil: Alguns redimensionamentos ne-cessários ao político do direito”, JSMartins-enm.org.br).

CONCLUSÃO

Evidente que a indicação de complexidade, assim estabelecida pela lei, exige pelo menos uma sugestão visando à solução que evite preju-ízo ao autor da demanda possessória, e o próprio Código, pelo que se pode extrair da sua redação, dá ensanchas a semelhante propósi-to, por tratar-se, no caso, de regra de exceção.

Para eventual adoção das providências relativas à obrigatoriedade da participação do Ministério Público e quejandos, o CPC relegou ao juiz poderes para estabelecer, segundo suas preferências, o que seja “grande número” de demandados.

Se a competência para tanto foi atribuída ao juiz, a ele caberia eleger número infinito, por exemplo, de invasores, suficiente para justificar a concla-mação de tantas figuras ao processo, por natureza complicado.

O infinito pode ser visto de muitas perspectivas. A intuição percebe-o como uma espécie de “número” maior do que qualquer outro. Para algumas tribos primitivas é algo maior que três, representando “muitos”, algo incontável. Para um fotógrafo o infinito começa a dez metros da lente, ao passo que para um cosmólogo pode não ser suficiente para conter o universo. Para um filósofo é algo que tem a ver com a eternidade e a divindade. Mas é na matemática que o conceito tem as suas raízes mais profundas, sendo a disciplina que mais contribuiu para a sua com-preensão. (Eli Maor, “To infinity and beyond: a cultural history of the infinite”, Wikipédia)

Lembra-se que para as ciências exatas a lógica é neutra.

Não esclarecendo o novo CPC a quantidade de invasores, a fim de se ver como de “elevado número”, visando a evitar criação de obstáculos ao normal curso do processo, a fórmula legal restou aberta, livre, de modo a que se tolere uso de interpretação restrita pelo juiz, a permitir o recebimento do maior núme-ro de causas possível, livres de formalidades injustificáveis.

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Patente, portanto, a liberdade que se entrevê concedida, de o juiz es-colher para concepção do número de litisconsortes para os fins enumerados critérios de conveniência e de justiça.

Em conclusão, tem-se que, conforme Orosimbo Nonato, “muitos são os caminhos da Justiça, inclusive o da Lei”.

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

A Posse e as Ações Possessórias no CPC/2015

ALESSANDRO ALLEF DA SILvAAdvogado, Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

As ações possessórias estão reguladas nos arts. 554 a 568 do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), especifica-mente no Capítulo III do Título III (“Dos procedimentos especiais”) do Livro I da Parte Especial da novel legislação, em três seções.

De fato, denota-se que o diploma processual civil a viger a partir de 2016 manteve a divisão constante no CPC/1973 dos procedimentos especiais, entre os de jurisdição contenciosa (os quatorze capítulos do Título III do Livro I da Parte Especial) e os de jurisdição voluntária (Capítulo XV, com 12 seções).

Acerca de tal diferenciação, comenta Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 430) que, ao invés de dividir, muito mais condizente com o sentido da mo-derna processualística seria a desjudicialização dos procedimentos de jurisdi-ção voluntária (aqueles em que o juiz não atua para resolver o conflito entre as partes, mas tão somente para integrar, chancelar, a vontade delas), a teor do incentivo que a nova legislação processual oferece aos meios alternativos de solução de conflitos (art. 3º, §§ 2º e 3º, do CPC/2015).

Ainda na linha do que ensina Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 432), a opção do legislador para caracterizar um procedimento como especial é feita: a) considerando razões históricas, tradicionais (portanto, sem grande vincula-ção ao direito material respectivo)1; e b) pelas “peculiaridades do próprio direito material envolvido” (2015, p. 431), a indicar que o direito substancial dita ao legislador adjetivo a necessidade da criação de um outro e específico procedi-mento, para a adequada e eficiente prestação jurisdicional.

Portanto, os procedimentos especiais, com cognição parcial justamente para a racionalização da prestação jurisdicional que visam a garantir (com o aporte do art. 5º, inciso XXXV, da CF), têm sua razão de ser pelo direito material que viabilizam, o qual, diante de valores ditados pelo ordenamento substantivo,

1 Cite-se a oposição que, no CPC/2015, está entre os procedimentos especiais, ao passo que, no Código de 1973, se apresenta como modalidade de intervenção de terceiros.

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não pode ser processado na vala comum do procedimento padrão (que não fica inviabilizado pelo ajuizamento dos especiais).

O procedimento das possessórias é especial, variante do procedimento comum (paradigma), alocado no mesmo Livro I da Parte Especial do CPC/2015, suprarreferido, logo após a regulação do procedimento comum (“Do procedi-mento comum”).

Nesse sentido e com relação às possessórias, o procedimento especial contencioso que as caracteriza visa a tutelar a posse, protegê-la de agressões e ameaças iminentes.

A posse é um estado fático de aparência, juridicamente relevante (Venosa, 2011, p. 28), o que denota, pois, a necessidade de a resguardar, prio-ritariamente, frente à propriedade, estado de direito. Nesse sentido, para Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 28), “cabe ao Direito fornecer meios de proteção àqueles que se mostram como aparentes titulares de direito” e “a posse trata de estado de aparência juridicamente relevante, ou seja, estado de fato protegido pelo direito”.

Portanto, visam as possessórias à proteção de situações de fato (a posse) em detrimento de situações de direito (a propriedade), que serão analisadas judicialmente, as últimas, a posteriori, com amplitude e segurança.

As teorias mais difundidas, que procuram explicar a posse2, são a subjeti-va e a objetiva. Para a teoria clássica, ou subjetiva, de Savigny, a posse abrange o corpus, elemento material, poder físico sobre a coisa, e o animus, elemento subjetivo, a intenção de possuir3, a posse, assim, como fato e direito. Conside-rando, pois, a teoria de Savigny, a posse diferencia-se da detenção, situação em que não há o animus (é a condição do locatário, comodatário, depositário, entre outros).

Já, para a teoria objetiva, de Lhering, a posse constitui-se tão somente pelo corpus, o elemento material: a posse como exteriorização de um direito sobre a coisa, com a sua utilização econômica, ainda que em nome de outrem. A adoção da teoria objetiva permite a coexistência da posse direta e indireta sobre o mesmo bem (usufruto, comodato, locação, entre outros).

2 “Na concepção mais aceita, o vocábulo posse provém de possidere; ao verbo sedere apõe-se o prefixo enfático por. Nesse sentido (semântico), posse prende-se ao poder físico de alguém sobre a coisa. Há também os que sustentam que o termo deriva de potis (senhor, amo).” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais, 11. ed., 2011, p. 30)

3 Acerca do animus, comenta Arnoldo Wald (1991, p. 66): “Também não constitui posse o simples contato material sem vontade deliberada e consciência de praticar certos atos sobre o objeto. Assim o espectador no cinema não é possuidor da cadeira que ocupa, nem a pessoa que janta num restaurante tem a posse dos talheres e dos pratos que lhe são servidos”.

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Nesse sentido, permite-se ao possuidor indireto também acionar as pos-sessórias para a proteção da sua posse. Essa é a teoria adotada no ordenamento pátrio (art. 1.196 do CC) e resulta na posse como um direito.

Mas qual é a espécie desse direito: real ou pessoal? Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes e Pontes de Miranda4 visualizam-no como um direito real: na posse, a sujeição da coisa à pessoa é direta e imediata, e o direito do possuidor é exercido erga omnes como todo direito real.

Entretanto, no tocante à legitimidade ativa do cônjuge, junto ao autor, no ajuizamento das possessórias, em composse ou em atos praticados por ambos os cônjuges (art. 10, § 2º, do CPC/1973)5, visualiza-se exemplo de comunhão de direitos e obrigações, independentemente da relação do casal com a coisa, a evidenciar direito pessoal.

Também, ao se adotar a teoria objetiva para a conceituação da posse, mister o reconhecimento da posse justa e da injusta. Justa é a posse adquirida em conformidade com o direito, ao passo que a injusta é a adquirida de forma violenta, clandestina ou precária (arts. 1.200 e 1.208 do CC).

Considerando a teoria subjetiva, visualiza-se a posse de boa ou de má--fé (art. 1.201 do CC), o que gera efeitos quanto aos frutos colhidos durante a posse (art. 1.214 do CC) e à indenização no tocante às benfeitorias, também no exercício da posse (art. 1.219 do CC).

Importante ainda para a determinação da legitimidade ativa nas pos-sessórias é a diferenciação entre a posse direta e a indireta, nos termos do art. 1.197 do Código Civil.

A posse direta é a do não proprietário que exerce alguma das faculdades concernentes ao domínio6 (possuidor), enquanto que, na indireta, o proprietário cede a outrem alguma das prerrogativas que possui sobre a coisa.

Silvio Venosa (2011, p. 31) diferencia também o ius possidendi (direito de posse e propriedade) do ius possessionis (fundado unicamente na posse, consoante com o aspecto externo da relação da pessoa com a coisa), conside-rado, o último, pela teoria objetiva e a ser tutelado na via processual. Ainda, comenta o autor (2011, p. 33), a diferenciação, considerando a teoria objetiva adotada, que o art. 485 do Código Civil de 1916 estabelecia entre domínio (concernente às coisas incorpóreas) e propriedade (englobante das relações das pessoas com as coisas corpóreas e incorpóreas).

4 GOMES, Orlando. Direitos reais. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983; MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, v. 10 a 21, 1971; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

5 Correspondente ao art. 73, § 2º, do CPC/2015.6 Ainda considerando a adoção da teoria subjetiva, não acatada pelo ordenamento jurídico pátrio.

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Assim, considerando toda a dogmática existente acerca da posse, vis-ta como aparência que deve ser protegida prioritariamente ante a situação de direito concernente à propriedade, no âmbito processual denota-se, pois, os juízos possessório e petitório.

O juízo petitório (petitorium iudicium) considera exclusivamente o di-reito de propriedade, constituído por um caráter eminentemente ofensivo do proprietário, que deve provar juridicamente sua qualidade de senhor da coisa (são as ações reivindicatórias, de usucapião e imissão de posse).

Já o juízo possessório trata da questão da posse e, pois, refere ao caráter defensivo do possuidor, que visa, justamente, a defender sua vinculação com a coisa (a posse) de violência ou agressão iminentes.

Por isso, são as possessórias rápidas e eficientes, com uma cognição par-cial (prova somente da posse, fato externo), com vista a manter íntegro um estado fático.

No concernente às possessórias7, consigna o art. 554, caput, do CPC/20158 a fungibilidade que as caracteriza, considerando também o interdito proibitório, em vista da extensão do procedimento da reintegração/manutenção de posse a ele (art. 568 do CPC/2015). Os parágrafos do citado dispositivo, na visão de Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 440), constituem uma das maiores inovações do novel diploma processual no referente à matéria, ao estabelece-rem regras facilitadoras da citação dos corréus nos casos “em que figure no polo passivo grande número de pessoas” (art. 554, §§ 1º e 2º, do CPC/2015) e da “intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipos-suficiência econômica, da Defensoria Pública”, além da publicidade conferida ao procedimento (art. 554, § 3º), sem correspondentes na legislação de 1973.

Entretanto, critica-se justamente a indeterminação do “grande número de pessoas”, a ser feita, pois, pelo magistrado, e a intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública, o que representará, na verdade, uma procrastinação do feito, caracterizado, justamente, pela maior celeridade, consentânea aos proce-dimentos especiais.

7 Cássio Scarpinella Bueno critica o uso do termo “ações” que o CPC/2015 utiliza para nomear os diferentes procedimentos especiais que regula (2015, p. 434-435), pois, segundo o autor, o vocábulo liga-se, sobretudo, ao direito material, integrando as “expressões idiomáticas”: opções legislativas, oriundas da tradição e não da técnica, apesar de reconhecer a praticidade do uso: “O uso daquelas expressões é útil, não nego, porque seria muito cansativo escrever e ler, invariavelmente, que mais correto do que ‘ação de consignação em pagamento’ é ‘procedimento especial de jurisdição contenciosa no qual o autor pretende a prestação de tutela jurisdicional consistente no reconhecimento judicial da extinção da obrigação pelo devedor em face de seu (s) credor (es), mediante o pagamento em consignação ocorrida no plano material”.

8 Correspondente ao art. 920 do CPC/1973.

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Consequentemente, aponta-se que tal situação ocasionará na inversão da possessória em petitória, o que é vedado também na seara processual (art. 557, caput, do CPC/2015)9.

Nos termos do art. 555, I e II, do CPC/201510, além do pedido posses-sório, pode ser cumulado pedido de perdas e danos e indenização dos frutos, além de “imposição de medida necessária e adequada para: I – evitar nova turbação ou esbulho; II – cumprir-se a tutela provisória ou final” (art. 555, pará-grafo único, do CPC/2015).

Já o art. 556 do CPC/201511 regula a defesa do réu nas possessórias, o que caracteriza o “caráter dúplice” do procedimento: o réu pode receber tutela ju-risdicional equivalente à do autor no mesmo processo, sem formalidades, sendo desnecessária, pois, a reconvenção pelo legitimado passivo12. O art. 55713 e o seu parágrafoúnico do CPC 2015 reforçam a diferenciação entre os juízos pos-sessório e petitório, ao vedar a propositura de ação para o reconhecimento do domínio na pendência da possessória, o que confirma os fundamentos alhures acerca da proteção privilegiada conferida pelo ordenamento jurídico pátrio à posse, em detrimento da propriedade14-15.

As possessórias tutelam a denominada “posse nova”, ou de “força nova”, ocorrida em ano e dia do ajuizamento (art. 558 do CPC/2015)16.

Para a “posse velha”, ocorrida a mais de ano e dia do ajuizamento, o próprio parágrafo único do art. 558 da legislação adjetiva determina que o procedimento será o comum, “não perdendo, contudo, o caráter possessório”. Portanto, nos termos dos dispositivos mencionados, a par de na posse velha

9 Data maxima venia, não concordamos com tais argumentos, haja vista que a inclusão de tais disposições foi feita, justamente, com o fim de acelerar o procedimento e impedir a revelia, a ser evitada de todas as formas no âmbito dos procedimentos especiais, além de visar ao oferecimento de maiores oportunidades de defesa e contraditório, com o intuito de cumprir, efetivamente, a promessa de salvaguarda da posse.

10 Correspondente ao art. 921 do CPC/1973.11 Correspondente ao art. 922 do CPC/1973.12 Acerca deste dispositivo, Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 438-440) aduz que o réu apresenta, na verdade,

pedido contraposto em face do autor, o que não concordamos, pois o pedido contraposto é específico do procedimento dos Juizados Especiais, regulado pela Lei nº 9.099/1995. Já Silvio de Salvo Venosa comenta, oportunamente, que o caráter dúplice das possessórias decorre da lei, como forma de concentrar todas as controvérsias concernentes à posse em um único procedimento, e não da deliberação das partes. Observa o autor: “Mas a declaração de improcedência do pedido do autor não define com autoridade de coisa julgada a posse do réu sobre a área litigiosa” (2011, p. 139).

13 Correspondente ao art. 923 do CPC/1973.14 O que diferencia as possessórias é, fundamentalmente, a causa de pedir das mesmas: a posse, enquanto que

as petitórias têm como causa de pedir o domínio.15 Vide a jurisprudência: “Ação possessória. Judicia duplicia. Prova testemunhal e pericial. Não cabe, em sede

possessória, a discussão sobre o domínio, salvo se ambos os litigantes disputam a posse alegando propriedade ou quando duvidosas ambas as posses alegadas. Não cabe, em recurso especial, reapreciar em concreto as provas em que se basearam as instâncias ordinárias para declarar a improcedência da demanda e fixar a área a ser restituída ao demandado remanescente. Recursos especiais não conhecidos” (REsp 5.462/MS, J. 20.08.1991).

16 Correspondente ao art. 924 do CPC/1973.

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não ser possível o deferimento da liminar própria das possessórias (art. 562 do CPC/2015, mencionado infra), cabe a concessão da tutela antecipada, nos ter-mos dos arts. 294 a 311 do NCPC, apesar de, segundo Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 149), “como há procedimento especial e circunstâncias próprias para o deferimento de liminar para as possessórias, as medidas gerais de antecipação de tutela, a nosso ver, mostram-se incompatíveis nesse campo”.

Fechando a Seção I (“Disposições gerais”) do rito das possessórias, o art. 559 do CPC/201517 trata da caução a ser prestada pelo autor provisoriamen-te mantido/reintegrado na posse, se o réu provar que o demandante não tem como suportar as perdas e os danos, na improcedência do pedido (exceto se o demandante for hipossuficiente).

Acerca desse dispositivo, Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 149-151) faz importantes considerações: que ele não se aplica, por obviedade, aos interditos proibitórios; que a caução, se real, será em dinheiro ou espécie, prestada na forma dos arts. 826 a 830 do CPC/1973 (“Da caução”)18; que deverá haver a prova da inidoneidade financeira do autor (ausência de outros bens, excesso de dívidas, número excessivo de ações ajuizadas em face do demandante); que, na hipótese de insatisfatória a caução, deverá haver o depósito judicial da coisa, com o fito de dar continuidade à liminar e ao próprio procedimento. Por fim, aconselha Venosa que a caução, a ser oferecida por termo nos autos, seja apen-sada, a fim de se evitar tumulto no processamento (diante da possível instrução probatória acerca da situação financeira do demandante).

A Seção II (“Da manutenção e da reintegração de posse”) abre, a partir do art. 560 do CPC/201519, a regulamentação dos remédios possessórios pro-priamente ditos (manutenção e reintegração de posse). Tais disposições devem ser analisadas em consonância com o disposto no art. 1.210 do Código Civil20 e também em conjunto com os arts. 170, III, 182, § 2º, e 186, ambos da Cons-tituição Federal21. Para Venosa (2011, p. 130), “a mais grave das ofensas é o esbulho, em que o possuidor é despojado do poder de fato sobre a coisa [...] Busca-se recolocar o agente na disposição do direito possessório”. Acerca da manutenção, continua o autor (2011, p. 130): “A turbação situa-se em menor grau. Os atos turbativos molestam e dificultam a posse, sem suprimi-la do sujei-

17 Correspondente ao art. 925 do CPC/1973.18 Sem correspondentes no CPC/2015.19 Correspondente ao art. 926 do CPC/1973.20 “Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e

segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. § 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse. § 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.”

21 Acerca da correspondência constitucional, comenta Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 129): “Em princípio, não há que se proteger a posse, se a propriedade não cumpre sua função social”.

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to”. O art. 561 do CPC/201522 dispõe justamente acerca da causa de pedir das possessórias, que conferirá tal caráter a essas ações.

Já o art. 562 do CPC/201523 trata da expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, pelo magistrado, já ao analisar a inicial (“es-tando a petição inicial devidamente instruída”). Não havendo suficientes ele-mentos probatórios do direito do demandante, o juiz designará uma “audiên-cia de justificação”, com a participação do autor e do réu, para a colheita de provas e possível expedição, em audiência, do mandado liminar (art. 563 do CPC/2015)24.

Acerca desses dispositivos, comenta Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 146), que só o fato de o juiz designar a audiência de justificação (que, devi-do à urgência, deve ser agendada para a data mais próxima na pauta do juízo) já demonstra que a petição inicial do autor está apta para o encaminhamento processual, pois, no caso de inépcia da inicial, a ação seria extinta de plano25. Ainda, aduz o mencionado autor (2011, p. 146), que o mandado liminar de manutenção ou reintegração de posse está sujeito aos mesmos requisitos das demais cautelares (fumus boni juris e periculum in mora), que a decisão conce-dente está sujeita a agravo de instrumento e, de modo geral, não pode ser modi-ficada, salvo em retratação em sede de processamento do agravo ou alterações na situação fática, que recomendem a suspensão da liminar (a fungibilidade das possessórias – art. 554 do CPC/2015).

Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 146) recomenda, ainda, que a liminar possessória seja dada somente na audiência de justificação, pois, “com a pre-sença do réu citado para tal, poderá o juiz não somente obter a conciliação, como também decidir com base em prova mais palpável, colhendo diretamente os testemunhos acerca do conflito possessório”.

O conteúdo da audiência prévia também é material importante para a decisão em segundo grau, no agravo de instrumento contra a decisão que defere ou indefere a medida, ou de eventual mandado de segurança para obtenção de efeito suspensivo excepcional a esse recurso.

Por fim, indaga o autor qual a função do réu na audiência de justificação se não foi aberto a ele, ainda, o prazo para contestar, a ser iniciado quando da decisão acerca da liminar (art. 930 do CPC/1973, ou art. 564 do CPC/2015).

O mesmo autor responde que, a par de o prazo de contestação ainda não ter iniciado, pode o demandando, considerando o princípio constitucional da

22 Correspondente ao art. 927 do CPC/1973.23 Correspondente ao art. 928 do CPC/1973.24 Correspondente ao art. 929 do CPC/1973.25 Art. 295, I, c/c o art. 267, I, ambos do CPC/1973, correspondentes aos arts. 330, I, c/c art. 485, I, ambos

do CPC/2015.

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ampla defesa (art. 5º, LV, da CF), produzir provas em audiência, sobretudo com a oitiva do depoimento do autor e das testemunhas por ele trazidas, além da oitiva de suas próprias testemunhas e do seu depoimento.

O parágrafo único do art. 56226 torna obrigatória a audiência prévia quando a medida liminar a ser oferecida for em face das pessoas jurídicas de direito público. Para Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 439), tal disposição é inconstitucional, violadora do princípio da isonomia, inscrito no art. 37 da Car-ta Maior, e por isso não devia ser mantida na novel legislação processual civil. Segundo ele, inexiste presunção de que as pessoas jurídicas de direito público não agridam a posse particular (vide a criação doutrinária da “desapropriação indireta”).

O art. 564 do NCPC27 estabelece o prazo para o autor promover a citação do réu, a partir da decisão concessória da liminar, mesmo que em audiência prévia (parágrafoúnico do mesmo dispositivo).

Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 440) aponta para o art. 565 do NCPC28 como a grande evolução que o novo Código trouxe no tocante às possessórias, juntamente com os parágrafos do art. 554 do novel diploma adjetivo.

Segundo ele, a preocupação do legislador para com a realidade social do País, sobretudo no concernente às questões fundiárias, foi o cerne para a adição do supracitado dispositivo na matéria das possessórias.

Seja pela possibilidade de mediação, quando da posse velha, antes da decisão liminar (art. 565, caput) e caso a medida não seja cumprida, no prazo de 1 ano da sua concessão (art. 565, § 1º), seja pelo comparecimento do Mi-nistério Público, da Defensoria Pública “sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça” e dos “órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município” que tiverem “interesse no processo”, para a “possibilidade de solução para o conflito possessório” (art. 565, §§ 2º e 4º), e também pela possibilidade de ins-peção judicial (§ 3º) e extensão das normas em comento para o “litígio sobre propriedade de imóvel” (§ 5º), sem sombra de dúvida o art. 565 inserto na Lei Adjetiva muito contribuirá para a solução dos conflitos por terras, que assolam o País e que, sem o diálogo necessário entre os envolvidos (a que se propõe o dispositivo), poderá ter consequências fatais29.

26 Correspondente ao art. 928, parágrafo único, do CPC/1973.27 Correspondente ao art. 930 do CPC/1973.28 Sem correspondência no CPC/1973.29 Vide a notícia: <http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2015/11/integrantes-do-mst-tentam-impedir-

-reintegracao-de-posse-em-ubirajara.html>.

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Compondo a Seção III (“Do interdito proibitório”), os arts. 567 e 568 do CPC/201530 regulam o interdito proibitório e estendem o procedimento das ou-tras possessórias a esse procedimento especial.

Acerca do interdito proibitório, ensina Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 130) que ele “é utilizado na situação de agressão iminente ou receio justifi-cável de perturbação da posse. Cuida-se de situação em que a turbação ou o esbulho são altamente prováveis e atuais”. Com efeito, segundo autor, o interdi-to proibitório é cabível mesmo na hipótese de justo receio, caracterizado pelo “temor justificado de violência iminente contra a posse” (atos preparatórios de invasão do imóvel/arma de fogo apontada na direção do possuidor, hipótese de agressão atual).

Também, segundo Venosa, o interdito visa a tutelar a ameaça ao “estado de fato de bens incorpóreos”, tais como a supressão do fornecimento de energia elétrica, a suspensão de sinais televisivos e informáticos, de linha telefônica ou outra modalidade de comunicação (2011, p. 153).

Prevê-se a expedição do mandado proibitório como forma de coibir a situação de ameaça ou violência iminente sobre a posse, com a imposição de pena pecuniária na hipótese de descumprimento. Sílvio de Salvo Venosa aponta que a pena pecuniária (astreintes) é fundamental para a efetividade do interdi-to, sendo que, caso o autor não requeira o mandado proibitório, deve o juiz concedê-lo de ofício (2011, p. 153).

De todo o exposto, denota-se que a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, apesar de ter mantido quase a totalidade das disposições do CPC de 1973 no que tange às possessórias, trouxe inovações importantes e necessárias, tais como as inscritas nos parágrafos do art. 554 do novo diploma e o próprio art. 565.

Tais dispositivos vieram em boa hora, a fim de minorar conflitos fundiá-rios, oriundos das disputas acerca da legitimação da posse coletiva.

30 Correspondentes aos arts. 932 e 933 do CPC/1973.

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

Das Ações Possessórias – Lei nº 13�105, de 2015

AILTON NOSSA mENDONçABacharel em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto (1997), Graduação em Ciências Físi-cas e Biológicas com Habilitação em Matemática pela Fundação Educacional de Votuporanga (1983), Mestrado em Direito Público pela Universidade de Franca (2000). Atualmente, é As-sessor Jurídico da Prefeitura Municipal de Fernandópolis e Professor nível 05 da Universidade Camilo Castelo Branco.

ROSEmARy SAmARTINO hERRANAcadêmica de Direito da Unicastelo – Universidade Camilo Castelo Branco (Fernandópolis/SP).

RESUMO: As ações possessórias são remédios processuais cabíveis quando o possuidor de um bem se sente esbulhado, turbado ou ameaçado de perder sua posse. A comprovação dessa posse é fundamental para o cabimento das ações possessórias, pois existem ações específicas no caso de proteção do bem pelo proprietário, normatizadas por meio das ações reivindicatórias. São três as ações possessórias, segundo nosso ordenamento: manutenção da posse, reintegração da posse e interdito proibitório. Com o advento do novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 2015, que entrou em vigor no dia 17 de abril de 2016, pouco se alterou nas regras existentes referentes às ações possessórias, mas houve a inclusão de dispositivos regulamentando, em especial a legitimida-de coletiva e a possibilidade de mediação em conflitos derivados da posse de bens.

PALAVRAS-CHAVE: Processo civil; posse; esbulho; turbação; ameaça e inovações.

ABSTRACT: The possessory actions are appropriate procedural remedies when the possessor of a good feel dispossessed, disturbed or threatened to lose possession. Proof of this ownership is critical to the pertinence of possessory actions, as there are specific actions in the case of the well by the owner protection, standardized by the Shares vindicatory. Are three (3) the possessory actions, in our land: the possession of maintenance, ownership and reintegration interdiction. With the advent of the New Code of Civil Procedure, Law 13105 of 2015, which entered into force on April 17, 2016, little has changed in the existing rules relating to possessory actions, but there was the inclusion of regulating devices, in particular, collective legitimacy and the possibility of mediation in conflicts arising from the ownership of assets.

KEYWORDS: Civil lawsuit; possession; robbery; disturbance; threat and innovations.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Posse e propriedade; 1.1 Da posse; 1.2 Da propriedade; 2 Das ações pos-sessórias; 2.1 Ações de reintegração de posse; 2.2 Ações de manutenção na posse; 2.3 Ações de interdito proibitório; 2.4 Da legitimidade das ações possessórias; 2.5 Da fungibilidade das ações pos-sessórias; 2.6 Do caráter dúplice e cumulabilidade das ações possessórias; 3 Das inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Com a finalidade de se tutelar a proteção da posse, as ações possessórias exigem a prova dessa posse. Essa comprovação é necessária, pois nosso orde-namento é claro na distinção entre propriedade e posse, apresentando ações diferentes para cada caso.

O proprietário de um bem é aquele no qual sua definição está estabe-lecida no art. 1.228 do Código Civil, que diz ser proprietário aquele que tem a faculdade de gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem injus-tamente a possua ou detenha. Já a posse se encontra definida no art. 1.196 do mesmo Código, em que aduz ser possuidor todo aquele que tem de fato o exer-cício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade. Assim no caso de o proprietário sentir-se esbulhado ou turbado, as ações cabíveis são as ações reivindicatórias, e ao possuidor, nas mesmas circunstâncias de esbulho, turbação ou ameaça, as ações cabíveis são as ações possessórias, ou seja, as ações reivindicatórias tutelam o domínio e as possessórias a posse.

São três as ações possessórias existentes em nosso ordenamento, con-forme os arts. 554 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015: ações de manutenção de posse, ações de reintegração de posse e interdito proibitório. Cada uma delas tem como objetivo a proteção possessória e são identificadas pelo ato que coloca em risco a posse. Tais atos são denominados esbulho, que é aquele em que o possuidor ofendido por tal ato perde a posse de um bem; turbação, que é um ato ofensivo de menor potencial ofensivo, um incômodo e que não provoca a perda da posse pelo possuidor; e a ameaça, que é um ato que provoca no possuidor um justo receio de que terá sua posse agredida. A identificação de qual ação será intentada pelo possuidor nem sempre é simples de ser identificada, porém existem respaldos dos princípios que regem as ações possessórias que permitem, inclusive, que seja aceita pelo juiz, uma por outro.

O objetivo deste trabalho é, além de demonstrar, de forma clara e objeti-va, quais são as possibilidades, as exigências e o procedimento para a proposi-tura de ação possessória com enfoque nas alterações e inovações trazidas pelo novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 2015.

1 POSSE E PROPRIEDADE

1.1 Da posse

Antes de adentrar efetivamente nas ações possessórias, cabe salientar so-bre o conceito de “posse” e “propriedade”. Conforme aduz o Código Civil, no seu art. 1.196: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Ainda o mesmo

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ordenamento esclarece, em seu art. 1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Neste contexto, aquele que mantem algum dos atributos inerentes ao direito de propriedade é o possuidor da coisa e a ele é dado o direito de intentar com as ações possessórias. Portanto, a posse não se confunde com proprieda-de, porém é protegida como uma exteriorização dela, o que deixa evidente o acolhimento da teoria objetiva da posse, desenvolvida por Ihering. Teoria esta onde a posse constitui-se apenas pelo corpus, o elemento material, a posse ain-da que em nome de outrem, como a exteriorização de um direito sobre a coisa, inclusive com utilização econômica, permitindo a coexistência da posse direta e indireta sobre o mesmo bem.

Ainda não há de se confundir posse com detenção, pois o legislador se preocupou em fundamentar as situações em que o agente tem poder de fato sobre a coisa, deveria ter a posse, mas, por opção legislativa, houve a desclas-sificação para detenção (arts. 1.198 e 1.208 Códigos Civis). Assim, não sendo considerado possuidor, embora se pareça com ele, não poderá valer-se das ações possessórias nem de outro efeito que a lei atribua à posse.

A posse nem sempre é exercida do mesmo modo e intenções e a presen-ça de vícios, objetivos ou subjetivos, influem na qualificação da posse. A sua classificação é de suma importância para definir o direito à proteção posses-sória.

Segundo Humberto Theodoro Júnior:

Admite a lei várias classificações da posse. Mas uma delas é decisiva para que o possuidor possa obter ou não a tutela dos interditos possessórios: Trata-se da que vem contida no art. 489 do Código Civil, e que prevê a existência de posse justa e posse injusta. Somente a posse justa desfruta da proteção das ações possessórias.

A posse injusta é aquela definida pelo art. 489 do Código Civil, que é a adquirida por meio de violência, clandestinidade ou precariedade. Podendo, portanto, as ações possessórias serem utilizadas para tutelar direito corpóreo; sendo assim, inadmissível para direito não corpóreo. A posse justa é aquela que não se deu de forma violenta, clandestina ou precária. Exigindo que a sua origem não apresente vícios, o que a torna ilícita. Podendo exemplificar como a posse por contrato, usucapião, etc. A posse justa está definida no art. 1.200 do Código Civil e somente ela poderá valer-se das ações possessórias.

1.2 Da proprieDaDe

A propriedade é um direito real, está elencada no art. 1.225 do Código Civil e garante ao seu titular um poder direto e imediato sobre a coisa. No

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art. 1.228 do mesmo Código a legislação confere ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor a coisa. É um direito complexo em função de existirem vários outros direitos consubstanciados, ou seja, inseridos em si; absoluto, por garantir ao seu titular o direito de utilizar a coisa da forma que quiser, não se extinguindo pelo seu não uso; perpétuo, por ser característica intrínseca da pro-priedade; exclusivo, devido ao fato de o proprietário poder proibir que terceiro pratique qualquer ato de domínio.

A segunda parte do art. 1.228 do Código Civil prescreve que o proprietá-rio tem a faculdade de reaver a coisa do poder de quem injustamente a possua ou detenha. Assim sendo, o direito de propriedade é dotado de uma tutela es-pecífica, que é fundado no direito de sequela por meio da ação reivindicatória, podendo utilizá-la contra quem a possui ou detém injustamente.

2 DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS

As ações possessórias estão definidas nos arts. 554 e seguintes do Código de Processo Civil, que entrou em vigor no dia 17 de março de 2016. Para cada ação possessória existe uma lesão correspondente. O ordenamento jurídico bra-sileiro trás três espécies de ações possessórias, são elas: as ações de reintegração de posse, as ações de manutenção da posse e o interdito proibitório (Código de Processo Civil de 2015).

2.1 ações De reintegração De posse

A ação de reintegração de posse é cabível quando o possuidor é privado do bem possuído, ou seja, ele é completamente afastado do bem, denominado esbulho. Essa espécie de ação possessória é aquela adequada para a proteção da posse quando essa é molestada injustamente, esbulhada por meio de vio-lência, clandestinidade ou precariedade. Está prevista no art. 560 do Código de Processo Civil e visa ao restabelecimento da posse pelo seu possuidor, fazendo cessar o esbulho. Portanto, a intensidade da agressão à posse é que irá determi-nar se a ação será de reintegração ou manutenção da posse.

2.2 ações De manutenção na posse

A ação de manutenção na posse tem como objetivo a proteção do pos-suidor contra atos materiais advindos do ofensor, denominados de atos de tur-bação. Nesse caso, o possuidor não perde a disposição física que tem sobre bem. A turbação é uma ofensa de menor intensidade em relação ao esbulho. No caso de turbação, não houve a perda da posse, apenas limitação de sua posse; portanto, a ação de manutenção de posse é cabível e encontra sua previsão legal no art. 560 do Código de Processo Civil.

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2.3 ações De interDito proibitório

A terceira e última ação possessória é chamada de interdito proibitório, que é uma ação preventiva e cabível quando o legítimo possuidor do bem so-frer uma ameaça de turbação ou de esbulho. Ou seja, em tais ameaças, apesar de não terem sido praticadas, o ofensor se encontra na iminência de levá-las a efeito, não bastando apenas a mera desconfiança do possuidor, e sim um “justo receio”, que nada mais é do que a necessidade de o autor demonstrar a probabilidade de iminente agressão à sua posse. A ação de interdito possessório não pode se basear em temor meramente subjetivo, devendo ser caracterizada a partir de elementos objetivos, e, embora tenha como pressuposto o “justo re-ceio” de moléstia na posse, o interdito possessório também pode ser requerido para evitar a repetição de atos de agressão à posse.

Cabe ainda dizer que o possuidor, turbado ou esbulhado, ainda conta com a proteção jurídica, conforme o art. 1.210, § 1º, do Código Civil, que garante a manutenção ou a reintegração da posse efetuada em legítima defesa pelo possuidor, desde que a faça logo e que os atos de defesa ora praticados não vão além dos indispensáveis ao propósito estabelecido.

2.4 Da legitimiDaDe Das ações possessórias

Tem legitimidade de propor uma ação possessória todo aquele que se afirme possuidor e tiver a sua posse turbada, esbulhada ou ameaçada. Con-forme aduz o art. 561 do Código de Processo Civil, incumbe ao autor da ação possessória provar: I – a sua posse; II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

Percebe-se que a primeira verificação a ser feita antes da propositura de uma ação possessória é se o autor realmente é o detentor da posse, o que será fundamental para o acolhimento da ação possessória, visto que a sua não com-provação descaracteriza tal ação.

Sobre o assunto esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “Assim, a pessoa que adquire um imóvel e obtém a escritura definitiva, mas não a posse, por exemplo, porque o vendedor a retém, não pode socorrer-se da ação possessó-ria, porque nunca teve a posse, a ação apropriada nesse caso, será a de imissão na posse”.

A segunda verificação a ser feita é com relação à prova da turbação ou do esbulho praticado pelo réu. O autor da ação deve descrever como prova quais os fatos que estão cerceando o exercício da posse. Assim, como terceira verificação, deve o autor da ação provar a data do esbulho e da turbação. A data da turbação ou do esbulho é de suma importância, pois dela depende o

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procedimento que será adotado. Será rito especial (posse nova), com pedido de liminar, se lesões praticadas há menos de ano e dia do ajuizamento da ação ou quando passado o prazo de ano e dia (posse velha) do rito comum; porém, não perdendo o caráter possessório. Nesse sentido, aduz a jurisprudência que “é cabível a ação possessório mesmo superado p ano e dia, com a única alteração relativa ao descabimento da concessão liminar da manutenção ou reintegra-ção” (RT, 722/168).

Ainda é importante a prova da data da turbação ou do esbulho para a verificação de eventual prescrição da ação, que, de acordo com o art. 205 do Código Civil, é de 10 anos.

A quarta verificação refere-se à necessidade de o autor da ação de manu-tenção de posse provar a continuidade de sua posse, ou seja, mesmo tendo sido molestado, ainda não a perdeu para o réu. Como já foi dito, se já não possui mais a posse do bem, a ação a ser intentada será a de reintegração de posse.

Com relação ao interdito proibitório, o novo Código de Processo Civil manteve suas considerações jurídico-normativas em separado na Seção III, em seus arts. 567 e 568. A ameaça existente sobre o bem com eminência de uma turbação ou um esbulho pode levar o possuidor por meio de ação de interdito proibitório na tentativa de evitar que venham a consumar-se.

2.5 Da fungibiliDaDe Das ações possessórias

Embora cada violação da posse encontre-se normatizada em um tipo de ação própria, por não ser na prática tão fácil de distinguir qual a agressão ocor-reu, o legislador valeu-se do princípio da fungibilidade para tutelar essas ações.

Conforme o art. 554 do Código de Processo Civil, o juiz poderá julgar uma ação possessória pela outra, desde que no caso o erro existente não seja grosseiro, ou seja, o juiz pode conceder a tutela possessória adequada, de acor-do com o que restar provado no caso concreto, independentemente da espécie da ação possessória (pedido) proposta, partindo-se do pressuposto de que o im-portante é discutir e demonstrar a posse (causa de pedir das ações possessórias). Isso porque, por exemplo, o incômodo à posse (turbação) pode se transformar, no curso do tempo, em usurpação da posse (esbulho), assim como a ameaça de turbação ou de esbulho pode se transformar em real turbação ou em verdadeiro esbulho. A norma expressamente alude apenas a fungibilidade entre as tutelas possessórias (reintegração de posse, manutenção de posse e interdito proibitó-rio), estando descartadas, desse modo, as ações reivindicatórias e de imissão de posse, que não são possessórias, mas sim petitórias (fundadas no domínio).

Sobre a fungibilidade esclarece Misael Montenegro Filho: “Para a fungi-bilidade das ações, transformando-se uma – incorreta – em outra – a correta –,

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exige-se a adequação entre ritos dos dois processos, além de uma sintonia entre os fundamentos jurídicos das demandas”.

2.6 Do Caráter DúpliCe e CumulabiliDaDe Das ações possessórias

Mantido em sua íntegra na nova redação do Código de Processo Civil, o caráter dúplice da ação possessória, em seu art. 556, traz a possibilidade de cumulação de pedidos, sendo, portanto, lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse ajuizar, além da proteção possessória, ação de indenização por prejuízos da turbação ou do esbulho cometidos pelo autor.

Sendo assim, proposta ação de reintegração de posse, o réu, em sua con-testação, pode demandar manutenção, alegando que a posse é sua e, assim, que sofreu turbação – ou mesmo esbulho –, embora já tenha retomado a posse de mão própria. Diante disso, pode ainda postular indenização pelos danos sofridos.

Em hipótese inversa o raciocínio é o mesmo, em que é proposta ação de manutenção de posse. Em ambos os casos, embora o réu possa requerer tute-la do direito na contestação, dispensando-se a reconvenção, cabe-lhe obvia-mente afirmar e provar os seus direitos à proteção possessória e à indenização (art. 373, I, do CPC), outorgando-se ao réu o direito de requerer duas tutelas na própria contestação.

O possuidor de má-fé é obrigado a indenizar os frutos que percebeu, o que colheu por antecipação e os que o possuidor deixou de perceber por sua culpa (art. 1.216 do CC). Assim, o réu pode alegar esbulho do autor e demandar tutela de reintegração de posse cumulada com tutela ressarcitória dos frutos. Essa tutela ressarcitória pode ser específica (com base no art. 497 do CPC) – pedindo, o autor, a entrega de frutos da mesma espécie e qualidade – ou pelo equivalente. Nesses casos, para a definição do dano, as despesas de produção e custeio devem ser levadas em consideração para que não ocorra enriquecimen-to ilícito, expressamente vedado pelo art. 884 do Código Civil.

3 DAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – LEI Nº 13.105/2015

O novo Código de Processo Civil não altera muito as regras hoje existen-tes no que se refere às ações possessórias, porém acrescenta alguns dispositivos regulamentando, em especial, a legitimidade coletiva e a possibilidade de me-diação em conflitos derivados da posse de bens.

O art. 554 e seu § 1º tratam de ação possessória em que grande número de pessoas figure no polo passivo, onde a citação será feita pessoalmente pelos ocupantes que forem encontrados no local e por edital dos demais, ainda que

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seja determinada a intimação do Ministério Público, e, caso envolva pessoas com hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

No § 2º do mesmo artigo, aduz que o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez e os que não forem identificados serão citados por edital.

Seguindo, em seu § 3º o juiz dará ampla publicidade acerca da existência da ação e dos respectivos prazos processuais, podendo se valer de anúncios em jornais ou rádios locais, publicação de cartazes na região dos conflitos e de outros meios. Sobre este artigo ressalva Cassio Scarpinella:

O art. 554, caput, preserva a “fungibilidade” entre as “ações possessórias”. Os três novos parágrafos estabelecem regras a serem observadas na citação “no caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas”, sem prejuízo da oitiva do Ministério Público e, se for o caso, da Defensoria Pú-blica.

No art. 555, houve apenas a separação em seu caput e parágrafo único do que é pedido de tutela jurisdicional a ser formulado pelo autor, ainda que de forma cumulada, do que é técnica para a efetivação da tutela jurisdicional relativa à posse.

Já o art. 557 do novo Código de Processo Civil reforça a diferenciação entre ação possessória e ações petitórias, em que a primeira discute exclusiva-mente a posse e a segunda a propriedade. Segundo o caput do referido artigo, na pendência de ação possessória, é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

O novo Código de Processo Civil, em seu art. 558, também não altera a dinâmica existente entre as ações ajuizadas dentro do prazo de um ano e um dia da data do esbulho e da turbação, que são chamadas de ação de força nova, que continuam seguindo o procedimento especial e as ações ajuizadas após um ano e um dia da data do esbulho ou da turbação, ações essas de força ve-lha, que seguirão o procedimento ordinário, sem, contudo, perder o seu caráter possessório.

No que diz respeito ao art. 559, traz uma melhora na sua redação e acrescenta a possibilidade de caução (real ou fidejussória) ressalvando a impos-sibilidade da parte economicamente hipossuficiente.

O art. 564 do novo Código de Processo Civil trás uma novidade no prazo de 15 dias para apresentação de contestação, o que não se confunde com o prazo de cinco dias para que o autor viabilize a citação do réu. A importância dessa novidade está em, ao determinar a citação do réu, acabar por desviar do procedimento comum que, em regra, a citação é feita para que ele compareça à

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audiência de conciliação ou de mediação (art. 334 do novo Código de Processo Civil).

No entanto, a maior inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil está previsto no art. 565, que dispõe sobre litígios coletivos pela posse de imó-vel. Segundo esse artigo, nos litígios coletivos em que o esbulho ou a turbação tenha ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de con-cessão de liminar, deverá designar audiência de mediação com realização em até 30 (trinta) dias.

Em seu § 1º aduz que, caso seja concedida a liminar, se essa não for executada no prazo de um ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação, seguindo o disposto nos parágrafos seguintes. Sendo assim, a realização da audiência de mediação passa a ser um ato obriga-tório quando se tratar de litígio coletivo pela posse.

No § 2º do artigo em questão, o Ministério Público será intimado para comparecer à audiência de mediação assim como a Defensoria Pública nos casos em que houver parte beneficiária da gratuidade da justiça, passando a ser ato obrigatório à realização de audiência de mediação quando se tratar de litígio coletivo pela posse.

Em seu § 3º existe, ainda, a previsão expressa da realização de inspeção judicial pelo juiz, que poderá comparecer à área do objeto de litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.

Por fim, o § 4º do mesmo artigo inova ao prever que órgãos responsáveis pela política agrária e política urbana da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse na causa e a existência de possibilidades de solução do conflito possessório.

CONCLUSÃO

Concluímos nosso trabalho deixando a importância da diferenciação en-tre posse e propriedade para a devida apresentação das ações possessórias em função da existência, em nosso ordenamento, de outras ações que podem se confundir, caso não esteja bem esclarecida a presença do possuidor de um bem que se sente turbado, esbulhado ou ameaçado. Elas não se confundem com as ações reivindicatórias, pois estas tutelam o domínio sobre determinado bem e estão legitimados para intentar tais ações aqueles que se consideram proprietá-rios legítimos do bem. Também não se confundem com a ação de imissão da posse e com a ação de reintegração da posse, pois elas tutelam o direito de se adquirir a posse de um bem que não possuía anteriormente, e as de reintegração tutelam a proteção da posse no caso de esbulho.

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E quanto às mudanças e inovações trazidas pelo novo Código de Proces-so Civil, podemos destacar as do art. 565, que não trazia quadro comparativo no Código anterior, de 2002, que se refere aos litígios coletivos pela posse de imóveis.

REFERÊNCIAS

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. V, 2009.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, v. 3, 2015.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, 2002.

sites

Disponível em: <http://www.infoescola.com/direito/posse-detencao-e-proprieda -de/>. Acesso em: 23 mar. 2016, às 14h16min.

Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI222070,11049-Co -mentarios+gerais+a+sistematica+das+acoes+possessorias+no+novo+CPC>. Acesso em: 23 mar. 2016, às 15h21min.

Disponível em: <http://caetanoadvogados.blogspot.com.br/2012/09/qual-diferen -ca-entre-esbulho.html>. Acesso em: 23 mar. 2016, às 16h42min.

Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI222070,11049-Co- mentarios+gerais+a+sistematica+das+acoes+possessorias+no+novo+CPC>. Acesso em: 18 abr. 2016, às 16:00h.

Disponível em: <estudosnovocpc.com.br/2015/07/30/artigo-554-ao-568/>. Acesso em: 18 abr. 2016, às 16:00h.

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

Ações Possessórias no Novo CPC

mATEuS SOBRINhOAdvogado em formação, atua em escritório com enfoque na área cível, imobiliária, empresarial e integra o núcleo de mediação e conciliação.

As ações possessórias são meios cabíveis para proteger o legítimo possui-dor que esteja sendo ameaçado ou lesado em seu direito. O Código de Processo Civil prevê três espécies de ações utilizadas para tutelar o possuidor e a sua posse.

A ação de manutenção de posse visa a manter o indivíduo em seu estado de posse contra qualquer ato que impeça o pleno exercício de sua posse, o que se denomina turbação.

Já a ação de reintegração de posse é utilizada quando o possuidor se vê despojado da posse de maneira injusta, o que se denomina de esbulho. Salien-ta-se que esse tipo de ação funda-se na posse, caso esteja discutindo a proprie-dade do imóvel, o correto seria ajuizar ação reivindicatória.

Por último, o interdito proibitório, movido para prevenir o legítimo pos-suidor em face de uma ameaça de turbação ou esbulho que está na iminência de ocorrer.

No novo Código de Processo Civil não houve alterações tão profundas na sistemática das ações possessórias, preservando maioria das disposições; en-tretanto, o novo CPC traz alguns dispositivos novos.

Estabelece regras quando houver vários litigantes no polo passivo, pos-sibilitando que o oficial de justiça procure os ocupantes por uma vez e faça a citação pessoal; caso não sejam encontrados, far-se-á citação por edital. Tam-bém serão intimados o Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência, a Defensoria Pública. Além disso, acrescenta que o juiz dará ampla publicidade sobre a existência da ação e dos respectivos prazos proces-suais, podendo se valer de anúncios em jornais ou rádios locais, publicação de cartazes na região dos conflitos e de outros meios.

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Poderá o autor cumular ao pedido possessório a condenação em perdas e danos e indenização de frutos, podendo requerer, ainda, medida para evitar nova turbação e esbulho para fiel cumprimento da tutela provisória ou final.

É mantido, no novo CPC, a natureza dúplice das ações possessórias, o que viabiliza que o réu, em sede de contestação, possa demandar proteção possessória e indenização pelos prejuízos de turbação ou esbulho cometido pelo autor.

Na pendência de ação possessória, não poderá, tanto autor quanto réu, demandar em busca de domínio da coisa, pois discute-se a posse, exceto se ajuizada em face de terceira pessoa.

Ademais, regem-se pelo procedimento especial do Título III do Capítulo III: as ações fundadas em posses novas (até 1 ano e dia) e as fundadas em posse velha (mais de 1 ano e dia) serão regidas pelo procedimento comum.

Preserva-se, também, a possibilidade de o autor prestar caução, caso o réu prove a qualquer tempo que ele carece de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência, responder por perdas e danos, situação em que o juiz designar-lhe-á o prazo de cinco dias para requerer caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, exceto para aqueles que sejam economicamente hipossuficientes.

O novo CPC deixa claro que, sendo concedido ou não o mandado limi-nar de reintegração ou manutenção de posse, o autor deve promover nos 5 dias subsequentes a citação do réu para oferecer contestação em 15 dias, diferente do procedimento comum que, geralmente, a citação é para a audiência.

Um relevante dispositivo trazido pelo CPC/2015 diz respeito às regras para os litígios coletivos sobre a posse do imóvel e também sobre a propriedade do imóvel. O CPC prevê que, nos litígios coletivos sobre posse do imóvel que fundar-se em turbação ou esbulho com mais de um ano e dia (posse velha), o juiz deve, antes de apreciar pedido de liminar, designar audiência dentro de trinta dias.

Sendo expedida a liminar e se não for cumprida em um ano, o juiz deve designar uma audiência de mediação. Será também intimado Ministério Pú-blico e a Defensoria pública em caso de haver beneficiário da Justiça gratuita.

O juiz poderá se fazer presente na área objeto do litígio, se necessário, para efetivação da tutela jurisdicional; além disso, os órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, do Estado ou do Distrito Fede-ral e do Município onde se situe a área objeto do litígio, poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para o conflito possessório.

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Assunto Especial – Doutrina

Ações Possessórias – Novo CPC

Comentários Gerais à Sistemática das Ações Possessórias no Novo CPC

JuLIANA SALES BARkETAdvogada de Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

A partir de 17 de março de 2016, as ações possessórias serão reguladas pelos arts. 554 e seguintes do novo Código de Processo Civil. Todavia, poucas foram as inovações trazidas pela Lei nº 13.105/2015 no que diz respeito ao procedimento a ser seguido por essas ações.

Inicialmente, cumpre salientar que o ordenamento jurídico prevê três ações distintas que têm o condão de proteger o legítimo possuidor e a sua posse: a ação de reintegração de posse, a ação de manutenção de posse e o interdito proibitório.

A ação de reintegração de posse é o remédio processual cabível quando o possuidor é despojado do bem possuído, prática essa denominada esbulho.

A ação de manutenção na posse visa a proteger o possuidor que tem o seu exercício da posse dificultado por atos materiais do ofensor denominados de atos de turbação. Nesse caso, o possuidor não perde a disposição física sobre o bem. Trata-se, portanto, de uma ofensa de menor intensidade em relação ao esbulho.

A terceira e última ação possessória é chamada de interdito proibitório, e é cabível quando o legítimo possuidor do bem sofrer uma ameaça de turbação ou de esbulho. Ou seja, embora tais atos – de turbação ou esbulho – não te-nham sido praticados, o ofensor se encontra na iminência de levá-los a efeitos.

Cumpre salientar que o novo CPC praticamente não altera as regras hoje existentes acerca das ações possessórias, mas acrescenta alguns dispositivos re-gulamentando, em especial, a legitimidade coletiva e a possibilidade de media-ção em conflitos derivados da posse de bens.

Uma das inovações trazidas se encontra prevista nos parágrafos do art. 554. Conforme o novo dispositivo, no caso de ação possessória em que fi-gure no polo passivo grande número de pessoas, será feita a citação pessoal dos

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ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais; será ainda determinada a intimação do Ministério Público e, se envolver pesso-as em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

Nesse caso, o oficial de justiça procurará os ocupantes no local por uma vez e os que não forem identificados serão citados por edital.

Ainda, o juiz dará ampla publicidade acerca da existência da ação e dos respectivos prazos processuais, podendo se valer de anúncios em jornais ou rádios locais, publicação de cartazes na região dos conflitos e de outros meios.

Todavia, conforme já informado, poucas foram as alterações sofridas pe-las ações possessórias, sendo que alguns dos artigos apenas reproduzem o que hoje já é previsto.

Exemplo disso é o art. 556, que manteve o disposto no atual art. 922, tra-duzindo a natureza dúplice das ações possessórias. Segundo tal artigo, é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.

Já o art. 557 reforça a diferenciação entre as ações possessórias, em que se discute exclusivamente a posse, e as ações petitórias, que têm como único fundamento a propriedade.

Segundo o caput do referido artigo, na pendência de ação possessória, é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor ação de reconhecimento do domí-nio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa.

O novo CPC também manteve inalterada a dinâmica existente entre as ações ajuizadas dentro do prazo de um ano e um dia da data do esbulho e da turbação, ações essas chamadas de força nova. Tais ações continuarão seguin-do o procedimento especial, que se encontra previsto na Seção II do Capítulo dedicado às possessórias.

Já as ações ajuizadas após um ano e um dia da data do esbulho ou da turbação, ações essas de força velha, seguirão o procedimento ordinário, sem, contudo, perder o seu caráter possessório.

No que diz respeito ao art. 559, o mesmo melhorou a redação do atual art. 925 ao determinar que, deferida a liminar de reintegração ou de manu-tenção na posse, e demonstrando pelo réu que o autor carece de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência – caso a demanda seja julgada impro-cedente –, responder por perdas e danos, deverá o réu prestar caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a impossi-bilidade da parte economicamente hipossuficiente.

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Frisa-se que os arts. 560 a 564 repetem a sistemática atualmente prevista, conferindo poderes ao juiz para deferir, sem ouvir o réu, a liminar pleiteada ou, caso entenda necessário, designar audiência de justificação para que autor justifique suas alegações, devendo o réu ser citado para comparecer a essa au-diência.

Salienta-se que tal regra não é aplicável às ações movidas em desfavor das pessoas jurídicas de direito público, sendo imperativa a prévia oitiva dos respectivos representantes judiciais.

Contudo, a maior inovação trazida pelo novo Código de Processo Civil está prevista no art. 565, artigo esse que dispõe acerca de litígios coletivos pela posse de imóvel.

Segundo o artigo em epígrafe, nos litígios coletivos em que o esbulho ou a turbação tenha ocorrido há mais de ano e um dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão de medida liminar, deverá designar audiência de media-ção, a realizar-se em até 30 dias.

Já o § 1º preceitua que, caso concedida a liminar, se essa não for execu-tada no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de distribuição, caberá ao juiz designar audiência de mediação, seguindo o disposto nos parágrafos seguintes.

Ou seja, a realização de audiência de mediação passa a ser um ato obri-gatório quando se tratar de litígio coletivo pela posse.

Ainda, nesses casos, o Ministério Público será intimado para comparecer à audiência de mediação, e a Defensoria Pública será também intimada sempre que houver parte beneficiária da gratuidade da justiça.

Há, ainda, a previsão expressa da realização de inspeção judicial pelo juiz, que poderá comparecer à área do objeto de litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional.

Por fim, o § 4º do referido artigo inova ao prever que órgãos responsáveis pela política agrária e política urbana da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios onde se situe a área objeto do litígio poderão ser intimados para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse na causa e a existência de possibilidade de solução do conflito possessório.

Este é um breve panorama da nova dinâmica das ações possessórias com a entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015, o novo Código de Processo Civil.

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Parte Geral – Doutrina

Atividade Comercial Dentro de Condomínios Residenciais

RODRIGO kARPATAdvogado Militante na área cível há mais de 10 anos, Sócio no escritório Karpat Sociedade de Advogados1, Consultor da Rádio Justiça de Brasília e da OK FM. É considerado um dos maio-res especialistas em direito imobiliário e em questões condominiais do País. Além de ministrar palestras e cursos em todo o Brasil, escreve como colunista do site Síndico Net e do Jornal Folha do Síndico. Apresenta os programas Vida em Condomínio, da TV Creci, e Por Dentro dos Tribunais, do Portal Universo Condomínio.

As unidades de edifícios restritamente residenciais não se prestam para que ali sejam instalados escritórios ou comércios para o exercício de qualquer atividade ou profissão, a fim de que se evitem perturbações ao sossego, à saúde e à salubridade dos que ali coabitem, e ainda para que não ocorra o desvio de finalidade da edificação, conforme preceituam os arts. 1.335, II, e 1.336, IV, do Código Civil.

Art. 1.336. São deveres do condômino:

[...]

IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes. (grifei)

Porém, a proibição da instalação de uma empresa/comércio dentro de uma unidade residencial não pode ser confundida com o exercício profissional dentro de uma unidade residencial; caso contrário, o home office, que é traba-lhar dentro de casa, mesmo sem que ali se receba clientes, estaria desviando a finalidade da edificação, o que de fato não ocorre.

Entendo ainda que um ocupante de uma unidade pode receber eventual-mente um cliente, por exemplo: um médico, um advogado que receba espora-dicamente seus clientes, sem que isso desvie a finalidade da edificação, porém fica condicionado a não perturbar a rotina do prédio, não colocar em risco os demais moradores em função de aumento de tráfego de pessoas e não sobrecar-regar o funcionamento do prédio. Ou seja, desde que a atividade profissional seja secundária à da moradia e não interfira na rotina condominial, deve ser tolerado.

1 A Karpat Sociedade de Advogados é o maior escritório de direito imobiliário e condominial do País. Cobrindo, também, as diversas áreas do direito desde 2007, o escritório é responsável por gerenciar mais de 7.000 processos.

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64 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Tratou o saudoso Biasi Ruggiero2 em sua obra Questões imobiliárias:

A residência há de ser a destinação principal. O morador pode, perfeitamente, ser pessoa que exerce qualquer tipo de trabalho cujo desempenho é compatível com a residência. Há pessoas que se dedicam a aulas particulares, dadas indivi-dualmente a alunos, em horários diferentes. Há médicos, advogados, indústrias, comerciantes e outros profissionais que, ocasionalmente, recebem visitas com a finalidade de tratar assuntos ligados aos seus ofícios.

Tais atividades são secundárias em relação à residência, que é atividade princi-pal. A residência é a finalidade maior; a prática de alguma atratividade profissio-nal é a finalidade menor.

A proibição de desvio de destinação tem, evidentemente, suas razões. Visa coibir um uso tão intensivo que exceda o limite normal em uma residência evitando que a afluência de pessoas chegue a conspirar contra a tranquilidade e a segu-rança dos demais ocupantes, a desvalorizar patrimonialmente as unidades e a aumentar as despesas com maior solicitação de serviços.

O limite para o recebimento eventual de clientes deve ser a perturbação ao sossego, a segurança e a interferência nociva na vida da comunidade. Caso seja verificada situação prejudicial ao convívio coletivo, o síndico deve imedia-tamente coibi-la, inclusive com medida judicial, caso necessário.

Assim, algo sem interferência ao dia a dia e com finalidade quase que doméstica, como no caso de aulas particulares e de escritor, são toleráveis e não interferem na vida cotidiana.

Nos deparamos, recentemente, com um caso de um morador que, den-tro de uma cozinha residencial, faz alimentos para fora. Assim, desde que isso não ocorra com a alteração da cozinha residencial para uma cozinha industrial, sem que onere os demais condôminos (como ocorreria no caso de necessidade de alteração do sistema de gás ou, ainda, caso o gás não seja in-dividualizado), desde que não traga qualquer risco à segurança, não prejudi-que o sossego dos demais vizinhos, não sobrecarregue a portaria com entregas e retiradas, julgamos ser totalmente possível a manutenção da continuidade de produção de alimentos de forma amadora dentro de um prédio residencial. Deve-se ainda prestar atenção para que a empresa não esteja estabelecida no local residencial.

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO COMINA-TÓRIA – OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – CONDOMÍNIO RESIDENCIAL – EX-PLORAÇÃO DE ATIVIDADE COMERCIAL – USO NOCIVO DA PROPRIEDADE – VIOLAÇÃO À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO – RECURSO NÃO PROVIDO

2 RUGGIERO, Biasi. Questões imobiliárias. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 73.

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– A utilização de imóvel residencial para fins comerciais caracteriza uso nocivo da propriedade e porque há vedação expressa na convenção do condomínio.

(TJMG, AC 10647110075437001/MG, 12ª Câmara Cível, Rel. José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 12.06.2013, Data de Publicação: 21.06.2013)

Outra questão que merece atenção é para os condomínios que têm per-mitido que os condôminos utilizem os endereços de suas empresas no edifício, apenas para questões fiscais, tais como recebimento de correspondências. Si-tuação que deve ser tolerada somente mediante declaração assinada pelo pre-tendente de que não utilizará a unidade com finalidade comercial. Esses casos ocorrem, por exemplo, quando um morador quer abrir uma loja virtual, seja representante comercial, e precisa, perante os órgãos públicos, ter um endereço para abrir a empresa.

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Parte Geral – Doutrina

A Prescrição e a Ação de Rescisão de Compromisso de Venda e Compra

SABRINA BERARDOCCOAdvogada, Especialista em Direito Imobiliário pela PUC/SP, Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP, Especialista em Direito Empresarial pela EPM (Escola Paulista da Magistratura), Palestrante convidada na Escola Superior da Advocacia – ESA, Professora Assistente no Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da PUC-COGEAE/SP.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A prescrição e os direitos potestativos; 2 Do compromisso de venda e compra de lotes de terreno; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O objeto deste estudo é o direito potestativo do vendedor em rescindir compromisso de venda e compra de lote de terreno, em razão do inadimple-mento do comprador, ainda que a cobrança das parcelas do citado contrato tenha sido fulminada pela prescrição.

O tema é um dos mais complexos do Direito Civil, seja pela dificuldade em se compreender o fenômeno da prescrição que fulmina o exercício da ação, após certo lapso de tempo, ainda que permaneça latente o direito subjacente, seja pelo fato de ser de difícil aceitação a existência de direitos imprescritíveis.

De fato, a prescrição não fulmina a obrigação natural (pagamento do contrato) que subsistiria para fins do exercício da pretensão rescisória por parte do vendedor; entretanto, sua subsistência (o direito ao recebimento do crédito) não garante que o contrato seja resolvido pela causa (inadimplemento).

1 A PRESCRIÇÃO E OS DIREITOS POTESTATIVOS

A prescrição no Código Civil brasileiro está disciplinada no Título IV do Livro III da Parte Geral, em seus arts. 189 a 206, preocupando-se o legislador em estabelecer os prazos de prescrição e as causas suspensivas e interruptivas, sem, contudo, melhor definir o instituto e a sua aplicação, que fica à mercê das variáveis da doutrina e jurisprudência, acentuando a dificuldade em se com-preender melhor o fenômeno da extinção da pretensão.

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O que o art. 1891 traz é a máxima de que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição...”2, ou seja, a prescrição é o fenômeno que fulmina a pretensão, após certo lapso de tempo (conforme prazos eleitos pelo legislador nos arts. 205 e 206), do direito de que é titular, após sua violação.

Desta disciplina tão reduzida, para um fenômeno tão importante, pode--se concluir que, para que a prescrição incida, deve concorrer os seguintes elementos: (a) existir um direito e não mera expectativa de direito; (b) ocorrer uma violação a tal direito3; (c) ter o titular ciência de tal violação, para, então, a partir desta, ter a possibilidade de postular sua pretensão4.

A pretensão de que trata o Código Civil deve ser entendida não como mera exigência, mas como um poder de exigir fundado, conforme nos ensina José Carlos Barbosa Moreira5:

Na perspectiva do novo Código Civil, só mereceria o nome de pretensão a pretensão fundada, aquela que se baseie num genuíno poder de exigir.

Concebida a pretensão como exigência, as coisas mudam de figura. Se alguém exige a prestação sem ter direito, ou sem que o direito haja violado (e, portanto, sem poder de exigir), existirá uma pretensão, embora infundada.

Da posição que se adote depende a valoração que se fará do art. 189. O juízo de valor inevitavelmente variará conforme se prefira o critério subjetivo (pretensão = poder de exigir).

À vista de seu teor, repita-se, a disposição parece mais compatível com o primeiro do que com o segundo.

Para que nasça a pretensão, segundo o art. 189, é mister não apenas que o direito exista, senão também que tenha sido violado. A violação será pressu-posto tão necessário quanto a própria existência do direito.

1 Uma observação se faz necessária em relação a esse artigo. Muito embora o texto fale em violação, existem direitos que prescindem desta, como, por exemplo, o direito real de propriedade. O proprietário mediante simples turbação tem a pretensão de impedir a ameaça à sua posse e, portanto, poderá ingressar com a medida judicial adequada, ainda que não tenha, de fato, ocorrida a violação a tal direito.

2 Destacamos. A expressão pretensão aparece com o art. 189 inserido pela Lei nº 10.352/2001 (CC/2002) e é colocada como elemento principal para o entendimento da prescrição, o que antes não se via no Código Civil revogado. José Carlos Barbosa Moreira muito bem coloca essa crítica à redação do art. 189 apontando: “A pretensão emerge da condição de simples ponto de passagem episódico e secundário, a que – com as exceções de praxe – costumavam relegá-la, e move-se para o centro da paisagem, converte-se em tópico por assim dizer obrigatório nas elaborações doutrinárias. E sua compreensão, como já ressalta da mera leitura do dispositivo, será essencial para a elaboração teórica do instituto da prescrição” (Notas sobre pretensão e prescrição no sistema do novo Código Civil brasileiro. Revista Forense, ano 99, v. 366, p. 1, abr. 2003).

3 Leia-se tal assertiva com a observação já feita na nota 1.4 No sentido “poder de exigir, não como pura exigência”, conforme ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira

(op. cit., p. 121).5 Op. cit., p. 7 e 8.

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Denota-se que a prescrição não é apenas um fenômeno que ocorre per si pelo decurso do tempo; devem concorrer ao tempo a existência de violação e a sua ciência pelo titular, sem a qual, sequer se inicia o transcurso do prazo estabelecido pela lei para a consumação da prescrição.

Tanto é assim que o art. 198 do Código Civil estabelece que não cor-re a prescrição (a) contra incapazes de que trata o art. 3º do mesmo Código, (b) contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios e (c) contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.

Veja-se a propósito julgado recente do Superior Tribunal de Justiça, que bem ilustra a questão da prescrição no que tange ao início do prazo de sua vi-gência que não se resume à simples contagem do tempo a partir da ocorrência da violação do direto, mostrando-se necessário que essa contagem tenha início a partir da ciência do titular, ou seja, no nosso entendimento, esse tempo deve vir qualificado pela plena capacidade de entendimento:

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC/1973 – VIOLAÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – AÇÃO INDENI-ZATÓRIA – DANOS MORAIS E ESTÉTICOS – ATROPELAMENTO – COLETIVO – PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO – TRANSPORTE DE PASSAGEIROS – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – LEI Nº 9.494/1997 – VÍTIMA – MENOR IMPÚ-BERE – INÍCIO DO PRAZO – ARTS. 167, I, DO CC/1916 E 198, I, DO CC/2002 – MAIORIDADE RELATIVA – VERBA INDENIZATÓRIA – DEMORA PARA AJUI-ZAMENTO DA DEMANDA – INFLUÊNCIA NO ARBITRAMENTO – RAZOABILI-DADE – JUROS DE MORA – TERMO INICIAL – SÚMULA Nº 54/STJ

1. Ação indenizatória ajuizada em junho de 2009 por vítima de atropelamento ocorrido em julho de 1991 provocado por condutor de ônibus de propriedade da empresa ré - prestadora de serviço público de transporte de passageiros. Au-tora que, à época do evento danoso, contava com 2 (dois) anos de idade, e que foi acometida de severas lesões corporais, incapacidade total temporária e dano estético grave e permanente.

2. Recurso especial interposto pela empresa ré objetivando ver reconhecida a prescrição da pretensão autoral ou, alternativamente, reduzidas as verbas indeni-zatórias fixadas na origem (no valor de R$ 20.000,00 [vinte mil reais] pelo dano estético e de R$ 15.000,00 [quinze mil reais] pelos danos morais suportados pela vítima do acidente) e fixada a data em que proferida a sentença como termo ini-cial de incidência dos juros moratórios.

3. Consoante a jurisprudência desta Corte, o prazo de prescrição da pretensão indenizatória em desfavor de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços públicos é quinquenal, a teor do que expressamente dispõe o art. 1º-C da Lei nº 9.494/1997.

4. A prescrição não corre contra os absolutamente incapazes (arts. 167, I, do CC/1916 e 198, I, do CC/2002). Por isso, em se tratando de ação indenizatória promovida por vítima que, à época do acidente objeto da lide, contava com

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apenas 2 (dois) anos de idade, o cômputo do prazo prescricional só tem início na data em que ela atinge a maioridade relativa.

5. No caso, em que pese o atropelamento da então menor ter ocorrido em 13.07.1991, o prazo prescricional só começou a correr em 08.07.2004, data em que ela completou 16 (dezesseis) anos de idade. Inequívoca, portanto, a não ocorrência da prescrição da pretensão autoral, visto que a demanda foi proposta em 17.06.2009, antes, portanto, de esvaído o prazo prescricional quinquenal, que teria como termo final a data de 08.07.2009.

6. A Corte Especial firmou a orientação de que “a demora na busca da reparação do dano moral é fator influente na fixação do quantum indenizatório, a fazer obrigatória a consideração do tempo decorrido entre o fato danoso e a proposi-tura da ação” (EREsp 526.299/PR, DJe de 05.02.2009).

7. A fixação da indenização em patamar relativamente baixo se comparada a casos análogos e a inexistência de elementos que indiquem que o fator tempo não teria sido levado em consideração pela Corte local desautorizam a pretendi-da redução das verbas indenizatórias, tanto por danos morais quanto por danos estéticos, arbitradas na espécie.

8. Nos termos da Súmula nº 54/STJ, “em caso de responsabilidade extracontratu-al, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso”.

9. Recurso especial não provido.

(REsp 1567490/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 27.09.2016, DJe 30.09.2016 – g.n.)

Gisela Sampaio da Cruz e Carla Wainer Chalréo Lgow6 colocam a ne-cessidade de se analisar pelo menos quatro fatores para saber se uma pretensão prescreveu ou não, são eles:

(i) qual é a pretensão em causa, quer dizer, como esta se qualifica; (ii) qual é o prazo que a lei estabelece para o seu exercício; (iii) quando se inicia a contagem de tal prazo e, (iv) se houve ou não alguma suspensão ou interrupção do pra-zo prescricional. À primeira vista, esta análise pode parecer simples. Entretanto, diante de situações concretas, inúmeras peculiaridades podem se apresentar, de-vendo o intérprete optar por uma das soluções possíveis.

É preciso levar em conta, no trabalho hermenêutico, a razão de ser da prescrição, de modo que o resultado da interpretação não desvirtue a sua ratio. Assim, por um lado, não se deve penalizar o credor não inerte e, por outro, deve-se garantir a segurança jurídica, inerente ao instituto.

Na esteira do que foi dito antes, o art. 199 do Código Civil traz outras situações nas quais também não corre a prescrição, são elas: (a) pendendo con-

6 TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, v. III, 2012. p. 566.

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dição suspensiva7, (b) não estando vencido o prazo8 e (c) pendendo ação de evicção. Como se vê, em tais hipóteses, o prazo não começou a fluir, pois não há exigibilidade e violação de tais direitos, a corroborar o entendimento da necessidade do nascimento da ação – actio nata –, citada por Agnelo Amorim Filho, se referindo a textos sobre o tema da autoria de Savigny e Câmara Leal9:

Mas há um ponto que deve ficar bem ressaltado, porque interessa fundamen-talmente às conclusões do presente estudo: os vários autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixam esse termo, sem discrepância, no nascimento da ação actio nata, determinado, tal nascimento, pela violação de um direito, Savigny, por exemplo, no capítulo da sua monumental obra dedicado ao estudo das condições da prescrição, inclui, em primeiro lugar, a actio nata, e acentua que esta se caracteriza por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em Juízo; e b) violação desse direito (op. cit., t. IV, p. 186). Também Câmara Leal afirma peremptoriamente:

“Sem exigibilidade do direito, quando ameaçado ou violado, não satisfeita sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada; e, sem o nascimento desta, pela necessidade de garantia e proteção ao direito, não pode haver prescrição, porque esta tem condição primária a existência da ação. Duas condições exige a ação, para se considerar nascida nata, segundo a expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, à qual tem ela por fim remover. [...].

O momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação – actioni nondum natae non praescribitur.

Desde que o direito é desrespeitado, violado ou ameaçado, ao titular incumbe protegê-lo e, para isso, dispõe da ação...” [Câmara Leal, Da prescrição e da de-cadência, p. 10, 32 e 256]. (g.n.)

Portanto, a ação seria um pressuposto para a ocorrência da prescrição, no sentido de que, com a violação de certo direito, estaria legitimado o titular a ingressar em juízo e, caso não o faça no prazo estabelecido pela lei, extinguir--se-á a possibilidade de tal ingresso, o que não quer dizer que ainda não exista o direito que daria causa à pretensão. A máxima de que a “prescrição extingue

7 CC, art. 125: “Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele vista”.

8 “Não vencido o prazo, a obrigação é inexigível (art. 394) e, quanto à evicção (arts. 447 a 457), aponta Clóvis Bevilaqua ‘que o comprador de uma coisa não pode invocar a prescrição em seu favor, se terceiro propuser ação de evicção, e enquanto esta não for julgada’ [Código Civil comentado, 11. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1956, v. I, p. 360]” (PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado, doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2013 (por Nestor Duarte nos comentários ao art. 199)

9 Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 86, n. 744, p. 480, out. 1997.

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a ação e não o direito”10, embora venha sendo repetida ao longo dos anos, não é imune das críticas lançadas pelos estudiosos do tema, haja vista sua falta de critério científico para tal distinção.

A decadência, fenômeno diverso da prescrição, ainda é tratada no Có-digo Civil com escassez de detalhamento, o que acirra a confusão e aplicação errônea entre esses dois institutos. O Código Civil dedica apenas cinco artigos para tratar da decadência e pouco traz de subsídios para o operador do Direito aplicá-la na prática.

No art. 207, expressa que à decadência não se aplicam as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição, revelando, talvez, um pilar a que se segurou a doutrina para fazer a distinção entre decadência e prescrição sem enfrentamento do problema.

Agnelo Amorim Filho, em sua clássica lição sobre os critérios científicos para distinguir a prescrição da decadência11, critica a assertiva de que a “dis-tinção entre os dois institutos é aquele segundo o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito”, pois não partiriam de uma base cien-tífica, revelando-se falho e inadequado em seu entendimento.

Referido autor propõe, então, um critério mais preciso, após analisar o critério trazido por Câmara Leal, que, apesar de reconhecido como útil na prá-tica, se mostraria falho12, utilizando-se como ponto de partida a classificação dos direitos desenvolvida por Chiovenda, revelando a categoria dos direitos potestativos.

10 Criticado por Agnelo Amorim Filho: “O critério mais divulgado para se fazer a distinção entre os dois institutos é aquele segundo o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito. Entretanto, tal critério, além de carecer de base científica, é absolutamente falho e inadequado, pois pretende fazer a distinção pelos efeitos ou consequências, se bem que aqueles sejam, realmente, os principais efeitos dos dois institutos. O critério apontado apresenta-se, assim, com uma manifesta petição de princípio, pois o que se deseja fazer, precisamente, é quando o prazo extintivo atinge a ação ou o direito. O que se procura é a causa e não o efeito” (op. cit., p. 727).

11 Texto já citado (RT 744/97).12 Agnelo Amorim Filho aponta o critério sugerido por Câmara Legal, criticando-o: “Processo distintivo

indiscutivelmente mais vantajoso do que aquele é o sugerido por Câmara Legal, assim resumido pelo seu autor: ‘É de decadência o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral ou bilateral, quando prefixado ao exercício do direito pelo seu titular. E é de prescrição, quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege. Quando, porém, o direito deve ser exercido por meio da ação, originando-se ambos do mesmo fato, de modo que o exercício da ação representa o próprio exercício do direito, o prazo estabelecido para a ação deve ser tido como prefixado ao exercício do direito, sendo, portanto, de decadência, embora aparentemente se afigure de prescrição (Câmara Leal, Da prescrição e da decadência, 1. ed., p. 133-134). Todavia, o critério proposto por Câmara Leal, embora muito útil na prática, se ressente de dupla falha: Em primeiro lugar, é um critério empírico, carecedor de base científica, e isto é reconhecido pelo próprio Câmara Leal, pois ele fala em discriminação prática dos prazos de decadência das ações (op. cit., p. 434). Com efeito, adotando-se o referido critério, é fácil verificar, praticamente, na maioria dos casos, se determinado prazo extintivo é prescricional ou decadencial, mas o autor não fixou, em bases científicas, uma norma para identificar aquelas situações em que o direito nasce, ou não, concomitantemente com a ação, pois é este o seu ponto de partida para a distinção entre os dois institutos. Em segundo lugar, o critério em exame não fornece elementos para se identificar, direta ou mesmo indiretamente (isto é, por exclusão), as denominadas ações imprescritíveis” (RT 744/97, p. 727).

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Segundo a classificação de Chiovenda, os direitos se dividem em duas categorias: a primeira, os direitos que buscam obter uma prestação (positiva ou negativa) de outrem (sujeito passivo); e a segunda, chamada de direitos potes-tativos, em que não se busca uma prestação e são exercidos pela manifestação de vontade de seu titular, gerando uma situação de sujeição do sujeito passivo.

Nos direitos potestativos, o sujeito passivo não tem qualquer influência no ato de vontade do sujeito ativo, ou seja, o titular exerce seu direito, subme-tendo o sujeito passivo a tal exercício. Nesse sentido:

A segunda grande categoria é a dos denominados direitos potestativos, e com-preende aqueles que a lei confere a determinadas pessoas de influírem, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras, sem o concurso da vontade destas. Desenvolvendo a conceituação dos direitos potestativos, diz Chiovenda: “Esses poderes (que não se devem confundir com as simples ma-nifestações de capacidade jurídica, com a faculdade de testar, de contratar e semelhantes, a que não corresponde nenhuma sujeição alheia), se exercitam e atuam mediante simples declaração de vontade, mas, em alguns casos, com a necessária intervenção do juiz. Têm todas de comum tender à produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e a cargo de outro, o qual nada deve fazer, mas nem por isso pode esquivar-se àquele efeito, permanecendo sujeito à sua produção” [...]. (Agnelo Amorim Filho, op. cit., p. 728)

Partindo-se da ideia da existência de duas grandes categorias de direitos, os que almejam uma prestação de outrem (direitos pessoais e reais) e os que não têm esse objetivo (direitos potestativos), é possível abrir o leque para, então, classificar as ações em condenatórias, constitutivas e declaratórias. As conde-natórias visam à obtenção de uma determinada prestação do sujeito passivo, podendo ser positiva (entrega de um bem, por exemplo) ou negativa (absten-ção da prática de determinado ato). Já as constitutivas, que também podem ser positivas ou negativas, não visam à obtenção de uma prestação, mas, sim, a alteração do estado jurídico, seja pela criação, modificação ou extinção de um estado anterior; e, por fim, as ações declaratórias, que buscam obter uma certeza jurídica13.

Referido direito enquadra-se na categoria das ações constitutivas (nega-tivas, isto é, desconstitutivas de uma relação jurídica), pois visam à extinção de

13 Leonardo Faria Schenk, em comentários ao art. 19 do NCPC, esclarece: “As ações meramente declaratórias são instrumentos indispensáveis para a tutela dos direitos subjetivos legal ou constitucionalmente assegurados, podendo o autor, por meio delas, restringir o seu interesse à simples declaração de existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica, ou da autenticidade ou da falsidade do documento. [...] O Código atual, assim como o anterior, não esclarece as espécies de relações jurídicas que facultam o pedido meramente declaratório do autor, devendo a sua aceitação ser ampla e abarcar não apenas a existência e a inexistência de um vínculo jurídico entre dois sujeitos, como também o seu modo de ser, expressão que deve ser compreendida como qualquer qualidade juridicamente relevante desse vínculo” (Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. Coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 103).

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uma relação jurídica e o retorno ao status quo dessa relação que se materializou com a assinatura do compromisso de venda e compra. Em sendo constitutivo tal direito, estar-se-ia diante de um direito potestativo e, portanto, não sujeito à prescrição, fenômeno afeto às ações de cunho condenatório.

Dentro da classe dos direitos potestativos, Agnelo Amorim Filho propõe duas categorias:

a) aqueles que, por medida de segurança dos negócios jurídicos, a lei não per-mite sejam exercidos mediante simples declaração de vontade, nem mesmo quando estão de acordo todos os interessados, inclusive aquele que sofre a sujei-ção (ações constitutivas necessárias, segundo a terminologia adotada por Cala-mandrei). Ex.: ações anulatórias de casamento; e b) aqueles direitos potestativos que são exercidos por meio de ação apenas subsidiariamente, isto é, quando os outros interessados não concordam em que eles sejam exercidos mediante sim-ples declaração de vontade. Ex.: a ação de divisão. (RT 744/733)

O critério científico proposto pelo jurista supracitado traz com maior cla-reza as ações prescritíveis e imprescritíveis, carreando às prescritíveis a exis-tência de uma violação e, por conseguinte, o nascimento da pretensão con-denatória do titular do direito violado; desprovendo as imprescritíveis dessa carga condenatória, já que o titular não almeja a obtenção de uma pretensão do sujeito passivo, mas, sim, o exercício de um direito a que o sujeito passivo de-verá se submeter (critério da sujeição pela vontade do sujeito ativo, como, por exemplo, nas ações de despejo motivadas pela denúncia vazia; em tal hipótese, o locador manifesta sua vontade de retomada do prédio, desde que dentro dos requisitos da lei, a qual fica sujeito o locatário; o mesmo ocorre com a ação de consignação de chaves na locação14, etc.).

14 Nos termos dos julgados:

“APELAÇÃO – AÇÃO CONSIGNATÓRIA – LOCAÇÃO – Direito potestativo do locatário. Causalidade atribuída ao réu para o ajuizamento da demanda, diante da primeira tentativa frustrada pela imposição de realizar reparos no imóvel. Negado provimento” (Comarca: Ribeirão Preto, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel. Hugo Crepaldi, Data do julgamento: 10.11.2016, Data de registro: 10.11.2016)

“APELAÇÃO – AÇÃO CONSIGNATÓRIA – NULIDADE RECHAÇADA – ADSTRIÇÃO AO PEDIDO – AÇÃO DÚPLICE – DIREITO POTESTATIVO – DENÚNCIA DO CONTRATO – BOA-FÉ OBJETIVA – Nulidade repelida (arts. 128 e 460, ambos do CPC 1973). Decisão que abrange a matéria de defesa, ausência de nulidade em virtude da natureza dúplice da ação consignatória; a rescisão antecipada do contrato de locação constitui direito potestativo do locatário (art. 4º da Lei nº 8.245, de 1991). A existência de débito inadimplido, multa não satisfeita ou reparos necessários não impede a denúncia do contrato. Termo final da data do ajuizamento da consignatória. Precedentes. Conduta contrária à boa-fé objetiva, na figura parcelar do duty to mitigate the loss (art. 422 do CC). Recurso parcialmente provido.” (Comarca: Guarulhos, 30ª Câmara de Direito Privado, Relª Maria Lúcia Pizzotti, Data do julgamento: 18.05.2016, Data de registro: 15.06.2016)

“RECURSOS DE APELAÇÃO – AÇÃO CONSIGNATÓRIA – Ausência de nulidade da sentença, já que não houve afronta ao princípio da congruência. Direito potestativo do locatário de depositar as chaves e extinguir o contrato de locação, o que não implica quitação de quaisquer obrigações decorrentes do contrato. Parte ré que deu causa à demanda, devendo arcar com os ônus de sucumbência. Majoração do quantum fixado pelo Juízo a quo. Negado provimento ao recurso da ré e recurso da autora parcialmente provido.” (Comarca: Sorocaba, 25ª Câmara de Direito Privado, Rel. Hugo Crepaldi, Data do julgamento: 25.08.2016, Data de registro: 25.08.2016)

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É claro o pensamento de Agnelo Amorim Filho:

Pelo que foi dito acima já se pode concluir que as ações constitutivas tem as seguintes características: a) não pressupõem a existência de lesão a um direito, como ocorre nas ações condenatórias; b) por meio delas não se exige uma pres-tação do réu, mas apenas se pleiteia a formação, modificação, ou extinção de um estado jurídico; c) não são meio para se restaurar um direito lesado, mas meio pelo qual se exercitam duas classes de direitos potestativos; d) não tem por obje-tivo a satisfação de uma pretensão, se se entender como tal “o poder de exigir de outrem uma prestação”, pois os direitos potestativos são, por definição, “direito sem pretensão” (quando muito há, nas ações constitutivas, uma pretensão de na-tureza especial, isto é, uma pretensão dirigida contra o Estado, ou uma pretensão à tutela jurídica, ou “pretensão à prestação jurisdicional”, como quer Pontes de Miranda, mas ele mesmo acentua que não se deve confundir “pretensão de direi-to material” com “pretensão à tutela jurídica” – Comentários ao Código de Pro-cesso Civil, 1. ed., 1º v., p. 19); finalmente: e) as sentenças proferidas nas ações constitutivas (positivas ou negativas) não são suscetíveis, e nem carecem de exe-cução, pois o conteúdo de tais ações se esgota com o provimento judicial que de-termina a criação, modificação, ou extinção do estado jurídico. (Somente quando a ação constitutiva se encontra cumulada com uma ação condenatória é que se pode cogitar de execução, mas aí a execução diz respeito a essa última. Ex.: a ação para rescindir o contrato de compra e venda de coisa recebida com vício redibitório, e reaver o preço pago, mais perdas e danos [...]. (RT 744/733,734).

Os direitos potestativos (constitutivos positivos ou negativos) não são, portanto, objeto de prescrição, mas sim de decadência, restando mais clara a distinção entre os dois institutos15. Tal posicionamento é corroborado também por Nelson Nery16, ao afirmar que “a classificação dos direitos subjetivos se faz necessária porque os direitos potestativos estão sujeitos à decadência e os direi-tos a uma prestação estão sujeitos à prescrição”.

E, complementa se referindo à teoria trazida por Agnelo Amorim Filho com lições de Chiovenda:

Esta teoria vem corrigir o entendimento vulgarizado que procura distinguir as espécies pelo critério de que a prescrição atingiria a ação enquanto a decadência atingiria o direito. Já dissemos que não se trata disto.

15 José Carlos Barbosa Moreira aponta que doravante não são mais justificáveis os equívocos cometidos entre ambos os institutos, apontando: “De tudo que se expôs, fazendo-se abstração de outras possíveis espécies de ações (como a ação meramente declaratória), é lícito extrair as seguintes correlações: direito a uma prestação – pretensão – ação condenatória – prescrição; direito potestativo – ação constitutiva – decadência. O esquema não é novo; mas o Código Civil de 2002, ministrando elementos que o abonam, certamente lhe confere a autoridade inerente ao direito positivo. Doravante, já não serão justificáveis os equívocos em que, ao propósito, costumava incidir parte da doutrina” (op. cit., p. 126).

16 Prescrição e decadência, XII, p. 353 a 381.

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A questão é saber qual a natureza do direito atingido, para separar o que é pres-crição e o que é decadência e, depois, verificar se no caso concreto ocorreu uma das duas hipóteses.

As pretensões que se exercem mediante ações declaratórias são perpétuas, pois a qualquer tempo se pode pedir (pedido) a declaração da existência ou da inexis-tência de uma relação jurídica.

Já as pretensões exercitáveis por meio de ações condenatórias, que visam obrigar a comportamento, são sujeitas, sempre, à prescrição e as constitutivas, que visam a criar, modificar ou extinguir situações jurídicas subjetivas, se acaso tiverem prazo estipulado em lei, este prazo será de decadência. As pretensões que se exercitam mediante ações mandamentais e executivas, como têm em si um pre-ceito condenatório ou constitutivo, seguem o regime do preceito que englobam. (p. 364)

Assim, por opção legislativa o Código Civil não traz uma lista com os prazos de decadência, de forma reunida, como fez o legislador com relação aos prazos de prescrição (CC, arts. 205 e 206), estando tais prazos espalhados pela legislação, a exemplo do art. 17817 do Código Civil, que trata da ação anulatória do negócio jurídico, ou, ainda, da ação renovatória de que trata a Lei de Loca-ção (Lei nº 8.245/199118), entre outros19.

Diante do que até agora foi exposto e limitada a análise da prescrição em relação à ação de rescisão pelo inadimplemento do comprador, tendo por obje-to lote de terreno, analisaremos, a seguir, a disciplina jurídica que dá sustenta-ção ao compromisso de lote de terreno para refletir se a pretensão do vendedor pode ser acometida pela prescrição, pela decadência ou por nenhuma das duas, por se tratar de direito potestativo não sujeito a prazo.

2 DO COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA DE LOTES DE TERRENO

Limitada a análise do compromisso de venda e compra de lote de terreno (loteamento), sujeito, portanto, às disciplinas do Decreto-Lei nº 58/1937 e da Lei nº 6.766/1979, que traçam as diretrizes gerais e especiais desse tipo de ne-

17 “Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

I – no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.” (g.n.)18 “Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato,

por igual prazo, desde que, cumulativamente:

[...]

§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.”

19 CC, arts. 445, 446, 501, 516, 1.560, 1.788, 1.939, 1.955, 1.958, 1.971, etc.

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gócio jurídico, há de se afirmar, de início, que a Lei nº 6.766/1979 traz o prazo de decadência de 180 dias para o loteador submeter o projeto aprovado do lo-teamento ou desmembramento ao registro imobiliário, sob pena de caducidade (art. 1820) e, no que tange à rescisão, traz apenas o prazo para que o adquirente purgue a mora após ser regularmente notificado da inadimplência (art. 3221), sem prever qualquer prazo para o exercício de tal direito (resolução).

A notificação deve ser clara, de forma que o devedor fique ciente do dia, modo e local onde satisfará a obrigação. Não basta notificar para os fins do De-creto-Lei nº 745/196922 ou para saldar a dívida sem esclarecer o seu exato valor.

Em verdade, conclui-se que não há previsão na lei quanto ao prazo de decadência para que o vendedor exerça o direito de rescindir o compromisso pela inadimplência, porque a legislação da época teve como propósito tornar os compromissos irretratáveis (art. 25)23 evitando-se a especulação imobiliária existente à época antes da vigência do Decreto-Lei nº 58/1937.

Portanto, referido decreto-lei prevê a irretratabilidade24 dos compromis-sos de venda e compra de lotes rurais e a Lei nº 6.766/1979 (que regulamentou por completo o loteamento urbano) assim prevê para os lotes urbanos (art. 25).

A Súmula nº 166 do Supremo Tribunal Federal é clara nesse sentido: “Compromisso de compra e venda. Arrependimento. Decreto-Lei nº 58/1937,

20 “Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos [...]”

21 “Art. 32. Vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30 (trinta) dias depois de constituído em mora o devedor.”

22 Com redação alterada pela Lei nº 13.097/2015:

“Art. 1º Nos contratos a que se refere o art. 22 do Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, ainda que não tenham sido registrados junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, o inadimplemento absoluto do promissário comprador só se caracterizará se, interpelado por via judicial ou por intermédio de cartório de Registro de Títulos e Documentos, deixar de purgar a mora, no prazo de 15 (quinze) dias contados do recebimento da interpelação.

Parágrafo único. Nos contratos nos quais conste cláusula resolutiva expressa, a resolução por inadimplemento do promissário comprador se operará de pleno direito (art. 474 do Código Civil), desde que decorrido o prazo previsto na interpelação referida no caput, sem purga da mora.”

23 “Art. 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros.” (Lei nº 6.766/1979)

24 É que a promessa de compra e venda com cláusula de arrependimento faculta a qualquer das partes a resilir unilateralmente o contrato, mediante denúncia notificada à outra, a teor do disposto no art. 473 do Código Civil em vigor, em função do direito potestativo que lhes é conferido.

No entanto, o direito de arrependimento só pode ser exercido enquanto não integralizado o preço certo e ajustado, pois, do contrário, entende-se que houve decadência ao direito postestativo das partes, lesão da boa-fé do promitente comprador adimplente e abuso de poder por parte do promitente vendedor. Contudo, é importante lembrar que somente é possível a pactuação de cláusula de retratabilidade nos contratos de imóveis não loteados, já que o Decreto nº 58/1937 e a Lei nº 6.766/1979 não admitem o arrependimento nos contratos de imóveis sob o regime de loteamento, seja urbano, seja rural, eis que visaram evitar a especulação imobiliária.

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art. 15. É inadmissível o arrependimento no compromisso de compra e venda sujeito ao regime do Decreto-Lei nº 58, de 10.12.1937”.

Logo, em princípio, o compromisso de lote de terreno é irretratável pela simples vontade do loteador, permitindo a legislação, em outra medida, a resci-são de pleno direito pelo inadimplemento (art. 22), agora com a redação dada pela Lei nº 13.097/2015.

Tal paradoxo – irretratabilidade e rescisão de pleno direito – foi tempera-do pela jurisprudência que entendeu pela necessidade de ação25 para a configu-ração da rescisão do compromisso de venda e compra, submetendo, portanto, os loteadores à medida judicial. Referido entendimento encontra guarida no princípio da boa-fé e da necessidade de se averiguar a extensão da mora para fins de rescisão, de forma a evitar abuso por parte dos vendedores que, com a mora de uma parcela, poderiam fazer valer a rescisão. A boa-fé contratual e a teoria do adimplemento substancial são as bases da necessidade da medida judicial, coibindo, em certa maneira, abuso do contratante e submetendo a inadimplência ao Judiciário para análise de sua exata configuração e autoriza-ção para a resolução do contrato.

Dessa forma, em sendo necessária a medida judicial para a rescisão do compromisso pelo inadimplemento do comprador, caberá a este notificá-lo, para, então, ingressar com a ação. Nesse sentido, a jurisprudência é dominante:

Agravo de instrumento. Ação de rescisão contratual c/c reintegração de posse e indenização. Concessão da tutela antecipada em benefício da agravada. Ale-gação de que o inadimplemento é matéria incontroversa. Dúvida, entretanto, relacionada à extensão da mora e, por consequência, à configuração do adim-plemento substancial. Inviabilidade, ainda, da imediata rescisão contratual e da respectiva reintegração do vendedor na posse do imóvel. Necessidade de equa-cionamento, por primeiro, da efetiva mora contratual. Providências, no mais, dependentes da decretação judicial de rescisão do contrato, independentemente da existência de cláusula resolutiva expressa ou de constituição em mora dos compradores. Entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça: AgRg--REsp 1.337.902/BA, Min. Luis Felipe Salomão. Agravo provido. (Agravo de Ins-trumento nº 2143593, 97.2016.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Comar-ca: Jacareí, Rel. Donegá Morandini, Data do julgamento: 19.08.2016, Data de registro: 19.08.2016 – g.n.)

E esse é o posicionamento unânime do Superior Tribunal de Justiça, até então:

25 Muito embora tenha a Lei nº 13.097/2015 alterado a redação do Decreto-Lei nº 745/1969 que trata da notificação para fins de purgação da mora, conforme nota 22, aceitando a rescisão de pleno direito. Mais uma vez, a legislação, em dissonância com o entendimento doutrinário e jurisprudencial aceita a cláusula resolutiva expressa, o que certamente desafiará nova reflexão na jurisprudência sobre sua aplicabilidade ou não aos compromissos de venda e compra de imóvel loteado.

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É firme a jurisprudência do STJ no sentido de ser imprescindível a prévia mani-festação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja legislação, em dissonância com o entendimento dou-trinário e jurisprudencial aceita a cláusula resolutiva expressa, o que certamente desafiará nova reflexão na jurisprudência sobre sua aplicabilidade ou não aos compromissos de venda e compra de imóvel loteado. consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos. Por con-seguinte, não há falar-se em antecipação de tutela reintegratória de posse antes de resolvido o contrato de compromisso de compra e venda, pois somente após a resolução é que poderá haver posse injusta e será avaliado o alegado esbulho possessório. (AgRg-REsp 1.337.902/BA, Min. Luis Felipe Salomão – g.n.)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – MANUTEN-ÇÃO DA DECISÃO – NATUREZA DO CONTRATO CELEBRADO – ANÁLISE – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ – CLÁUSULA RESOLUTÓRIA EX-PRESSA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – AUSÊNCIA DE EFEITO AUTOMÁTICO – NECESSIDADE DE AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL – AGRAVO REGI-MENTAL DESPROVIDO. (AgRg-AREsp 175.485/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, J. 10.12.2013, DJe 17.12.2013)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – VIOLAÇÃO – ART. 535, II, DO CPC – NÃO-OCORRÊNCIA – RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR INADIMPLEMENTO – CLÁUSULA RESOLUTÓRIA EXPRESSA – NECESSI-DADE DE MANIFESTAÇÃO JUDICIAL PARA A RESOLUÇÃO DO CONTRATO – PRECEDENTES – 1. [...] 2. Diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva norteador dos contratos, na antecipação de tutela reintegratória de posse, é imprescindível prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a re-solução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa. 3. [...] 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg-REsp 969596/MG, 4ª Turma, Min. João Otávio de Noronha, DJe 27.05.2010)

CIVIL E PROCESSUAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRU-MENTO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – NECESSIDADE DE PRÉVIA RESCISÃO CONTRATUAL – INTERPELAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL – IN-SUFICIENTE – I – Permanecendo o promissário na posse do imóvel, cabe ao promitente promover a ação de resolução do contrato, não bastando para tan-to as interpelações judicial em extrajudicial. II – Agravo improvido. (AgRg-Ag 1.004.405/RS, 4ª Turma, Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 15.09.2008)

A medida judicial, como se vê, obrigatória, também se coaduna com a natureza jurídica dos direitos potestativos, conforme sustentado por Agnelo Amorim Filho:

Finalmente, há uma terceira categoria de direitos potestativos que só podem ser exercidos por meio de ação. A ação, aqui, já não tem caráter simplesmente

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subsidiário, ou facultativo, mas obrigatório, como forma de exercício do direito. Consequentemente, nessa terceira categoria não se dispensa a propositura da ação nem mesmo quando todos os interessados, inclusive aqueles que sofrem a sujeição, estão de acordo em que o direito seja exercitado por outra forma. É por esse motivo que Calamandrei dá, a tais procedimentos judiciais, a denominação de ações necessárias... (RT 744/731 – g.n.)

Assim, firmada a premissa da necessidade da ação judicial para a resci-são do compromisso, cabe-nos indagar o seguinte: (a) A ação judicial é de qual natureza?; b) Está sujeita à prescrição ou decadência?; c) Há prazo fixado na lei?

A ação de rescisão visa a desconstituir uma relação jurídica e, portanto, se encerra na classificação da ação constitutiva (negativa), que tem como ca-racterística não a exigência de uma prestação (condenatória), mas sim o pleito de formação, modificação ou extinção de um estado jurídico, como já referido pelos ensinamentos de Agnelo Amorim Filho, o que responde à primeira inda-gação sugerida.

Na sequência, e em resposta à segunda indagação proposta, há de se afirmar que, em sendo constitutiva a natureza jurídica da ação de rescisão, enquadrando-se, inclusive, na categoria de direitos potestativos, não se pode falar em prazo de prescrição, pois não se almeja uma prestação com a medida (tipicamente das ações condenatórias), sendo cabível apenas falar em decadên-cia. Portanto, se a ação é desconstitutiva e, em razão de tudo o que já se expôs no capítulo antecedente, referida ação não está sujeita a prazo de prescrição, mas sim de decadência.

A última indagação que nos resta responder é se há prazo de decadência estabelecido na lei específica que disciplina a venda de lotes em prestação (lo-teamento) para definir se o direito potestativo do vendedor está ou não sujeito a prazo.

De tudo o que se observou a respeito do Decreto-Lei nº 58/1937 e da Lei nº 6.766/1979, e legislações posteriores sobre o tema, não há prazo es-tabelecido para o exercício do direito de rescisão por parte do vendedor em caso de inadimplemento do comprador, concluindo, de certa maneira, ser tal direito, imprescritível26 e potestativo, não sujeito à decadência. Certamente tal afirmação pode causar certo desconforto aos operadores do Direito que têm

26 Imprescritível no sentido de não sujeito a prazo de prescrição ou decadência. Agnelo Amorim Filho aponta a impropriedade da expressão “ações imprescritíveis” com muita clareza: “A expressão em foco tem, por conseguinte, uma compreensão mais ampla do que o sentido em que é utilizada, pois abrange uma categoria de ações (aquelas sujeitas a decadência) que não se tem em mente abranger quando se faz uso dela. Talvez a anomalia decorra da confusão que muitos fazem entre os institutos da prescrição e da decadência, ou da dificuldade que há em distingui-los. Mas, como a precisão dos conceitos é fundamental nos domínios do Direito, há necessidade de ser substituída a expressão ações imprescritíveis por uma outra que corresponda com exatidão à ideia que se pretende exprimir, e concilie a realidade com a lógica. Para esse fim não vemos outra melhor do que a expressão ações perpétuas...” (op. cit., p. 493).

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na prescrição e decadência acalanto de paz e segurança social27. Entretanto, não se pode criar prazo onde a lei assim não estabelece, de modo a aceitar que existam, sim, direitos potestativos perpétuos28.

Nesse sentido sustenta Agnelo Amorim Filho:

Com referência àqueles direitos potestativos para cujo exercício a lei não achou necessário fixar um prazo especial, fica prevalecendo, então, o princípio geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade (os direitos não se extinguem pelo não-uso), pois não há dispositivo estabelecendo um prazo geral para que os direitos potes-tativos sejam exercitados sob pena de extinção. (Op. cit., p. 737)

Assim, a existência de tais direitos não desequilibra a segurança social de que os institutos da prescrição e decadência são alçados a compor. Em verdade, os direitos potestativos perpétuos não perturbam a paz social, pois, na verdade, não almejam uma prestação, mas apenas a formação, modificação ou extinção de um estado jurídico anterior.

Na hipótese do compromisso de venda e compra inadimplido, a existên-cia do direito potestativo do vendedor em rescindir o pacto não gera intranquili-dade social, até porque aquele que está em mora sabe que poderá ser acionado para resolver o contrato, já que deu causa a tal ato.

Para concluir tudo o que já se disse, servimo-nos dos ensinamentos de Nelson Nery sobre o tema:

As pretensões que se exercem mediante ações constitutivas, por sua vez, estão sujeitas à decadência, na existência de previsão de prazo, ou são perpétuas, se não houver prazo específico fixado para seu exercício. Tratam-se de ações que veiculam o exercício de poderes jurídicos, os quais caracterizam-se por uma possibilidade de alteração direta do patrimônio daquele que está sujeito ao po-der. São os direitos de formação, que ensejam ações constitutivas. Entretanto, é necessário prazo específico para que este direito seja exercido, caso contrário, a pretensão que se exerce mediante ação constitutiva também é perpétua. (Op. cit., p. 366 – g.n.)

27 Como aponta Nelson Nery: “[...] Assim, em razão disso, houve quem viesse na prescrição, um instituto menor que servia para apenamento do titular de um direito; esse fundamento absolutamente equivocado – é que já vem, há muito, sendo rechaçado pela doutrina, que modernamente [e corretamente] não mais fundamenta a prescrição na punição do credor e, sim, ao revés, (i) no direito e na proteção ao devedor, que não pode ficar eternamente vinculado, (ii) e também no interesse social que há na estabilização das relações jurídicas, servindo à paz social, à harmonia social, à ordem pública. Alguns autores, inclusive, denominam-na de patrona do gênero humano [patrona generis humani], dada sua relevância. Esses são, modernamente e a nosso juízo, os corretos fundamentos que justificam o instituto jurídico da prescrição. Nesse contexto, a ampla maioria da doutrina vem rechaçando e/ou se afastando do argumento da ‘punição’ do credor, enxergando na prescrição a proteção do devedor e, especialmente, o instituto do contexto social de sua funcionalidade, de proteção do interesse social [paz social, segurança jurídica] a justificar-lhe a existência (fundamento social), como se pode observar, por exemplo, em Savigny, Teixeira de Freitas, Clóvis Bevilaqua, Ponte de Miranda, Agnelo Amorim, entre outros” (op. cit., p. 354 e 355).

28 Como afirma Agnelo Amorim Filho: “São perpétuas (ou imprescritíveis) todas as ações declaratórias, e também aquelas ações constitutivas para os quais a lei não fixa especial prazo de exercício” (p. 748).

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CONCLUSÃO

Diante de tudo o que se ponderou, algumas reflexões merecem destaque:

a) a prescrição, modernamente, não pode ser vista como uma punição ao credor negligente, mas sim como um instrumento de paz e tran-quilidade social;

b) a clássica divisão das ações de Chiovenda em ações condenatórias, constitutivas (positivas ou negativas) e declaratórias se revela como um critério técnico científico para a verificação da prescrição e de-cadência, conforme apontado por Agnelo Amorim Filho;

c) nas ações condenatórias, o bem da vida almejado é a prestação a ser perseguida do sujeito passivo; nas constitutivas, não se almeja uma prestação, mas sim a modificação, formação ou extinção de um estado jurídico anterior, submetendo o sujeito passivo à sujei-ção do titular do direito, enquanto que, nas ações declaratórias, se busca uma certeza jurídica;

d) a prescrição é fenômeno que incide apenas nas ações condenató-rias, enquanto que a decadência atua nas ações constitutivas. As ações declaratórias são imprescritíveis;

e) os direitos potestativos são sujeitos a prazo de decadência, desde que fixados em lei. Na ausência, esses direitos serão imprescritíveis, ou seja, não sujeitos à decadência;

f) o compromisso de venda e compra de lote de terreno sujeito ao regime jurídico do Decreto-Lei nº 58/1937 e da Lei nº 6.766/1979 é irretratável, conforme art. 25, e não há na legislação específica a estipulação de prazo de decadência para o exercício da pretensão do vendedor em rescindir o compromisso pelo inadimplemento do comprador;

g) a ação de rescisão, apesar de prevista a resolução expressa, se mos-tra obrigatória para averiguação da extensão da mora, muito em-bora, com a alteração do art. 22 do Decreto-Lei nº 745/1969 pela Lei nº 13.097/2015 possa o Judiciário novamente avaliar a questão e mudar o entendimento, caso reste demonstrado não ter havido qualquer abuso pelas partes na vontade de resilir a avença, autori-zando a resolução expressa;

h) considerando que a ação é necessária, a notificação de que trata o art. 32 da Lei nº 6.766/1979 se mostra como pressuposto essencial para o exercício do direito potestativo de rescisão da avença.

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Parte Geral – Doutrina

Comprovação do Recolhimento do ITBI: perante o Tabelionato de Notas ou do Registro de Imóveis?

Proof of Discharge of Property Transmission Tax Inter Alive: before the Notary’s Office or the Registry of Real Estate?

mAuRÍCIO BARROSO GuEDESEspecialista em Direito Notarial e de Registro, Advogado, Consultor Jurídico, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná.

RESUMO: O estudo analisa se a alteração da redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985, promovi-da pela Lei nº 13.097/2015, ensejou a obrigação de Tabeliães de Notas exigirem a prova de quitação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos no momento da lavratura de escrituras públi-cas relativas à transmissão da propriedade, domínio útil ou de direitos reais sobre imóveis.

PALAVRAS-CHAVE: Imposto; comprovante de quitação; escritura pública; registro de imóveis.

ABSTRACT: The study analyzes if the amendment of the article 1, paragraph 2, of Law number 7.433/1985 promoted by Law number 13.097/2015 resulted in the obligation of Notaries require proof of discharge of property transmission tax inter alive at the time of drawing up of notarial deeds concerning the transmission of property, domain, useful or rights in rem in immovable property.

KEYWORDS: Tax; proof of discharge; notarial deed; registry of real estate.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito, fato gerador e momento de exigibilidade da quitação do ITBI; 1.1 Do conceito de “fato gerador” de obrigações tributárias; 1.2 ITBI – Previsão constitucional e legal; 1.3 Do aspecto temporal da obrigação tributária – Transmissão entre vivos; 2 Do entendimento dos Tribunais Superiores sobre a matéria; 3 Da Lei nº 7.433/1985; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objeto analisar se a alteração da redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985, promovida pela Lei nº 13.097/2015, ensejou a obrigação de Tabeliães de Notas exigirem a prova de quitação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos (ITBI) no momento da lavratura de escrituras públicas relativas à transmissão da propriedade, domínio útil ou de direitos reais sobre imóveis.

Isso porque havia consolidado entendimento de que a redação original do mencionado artigo apenas impunha aos Tabeliães de Notas a menção da

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guia do Imposto, não competindo ao Notário exigir a comprovação de sua qui-tação.

Ocorre que, com a alteração promovida pela Lei nº 13.097/2015, muito embora mantida a redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985 na parte que se refere ao recolhimento do Imposto, alguns Registradores de Imóveis passaram a entender que teria ocorrido alteração do fato gerador do Imposto de Trans-missão de Bens Imóveis Inter Vivos. E, por esse motivo, estão a exigir que os Tabeliães de Notas façam constar nos atos notariais a sua quitação.

Assim, para esclarecer a controvérsia, dividiremos o presente trabalho em três partes. Na primeira, faremos uma completa análise a respeito das previ-sões legais que nos levam ao conceito, fato gerador e momento da exigibilidade da quitação do ITBI. Em seguida, analisaremos a jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre o tema. Por fim, apresentaremos nossas conclusões a respeito da questão.

1 CONCEITO, FATO GERADOR E MOMENTO DE EXIGIBILIDADE DA QUITAÇÃO DO ITBI

1.1 Do ConCeito De “fato geraDor” De obrigações tributárias

Como questão preliminar necessária à compreensão do presente estudo, faz-se necessário traçar breves esclarecimentos a respeito do conceito de fato gerador de obrigações tributárias.

De início, destaca-se que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), em seus arts. 113 e 114, conceitua “fato gerador” como sendo “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”1, que, por sua vez, dá ensejo à obrigação tributária principal, que “tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”2.

Sobre o tema, discorre Ricardo Alexandre3:

Segundo o art. 114 do CTN, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em Lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.

1 CTN: “Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”.

2 CTN: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.

3 ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 274.

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Situações necessárias são todas aquelas que precisam estar presentes para a con-figuração do fato. São verdadeiros requisitos. Assim, a entrada de uma mercado-ria em território nacional é situação necessária para ocorrência do fato gerador do imposto de importação. Entretanto, para que a obrigação nasça, também é necessário que a mercadoria seja estrangeira.

É por conta desse raciocínio que o dispositivo legal que afirma que a situação é definida não só como necessária, mas também como suficiente para o surgimen-to da obrigação principal.

Por sua vez, o art. 116, inciso II, do CTN prevê que, em se tratando de situação jurídica – como no caso do ITBI –, ocorre o fato gerador e tem-se por existentes os seus efeitos “desde o momento em que esteja definitivamente constituída [situação jurídica], nos termos de direito aplicável”4.

A respeito, novamente nos remetemos aos conhecimentos de Ricardo Alexandre5:

Nos termos do art. 116, II, do CTN, salvo disposição de Lei em contrário, consi-dera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, tratando-se de situa-ção jurídica, desde o momento em que esteja essa definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Como a situação já é disciplinada por outro ramo da ciência jurídica, para ve-rificar a completude do evento definido em Lei como fato gerador de tributo, o intérprete deverá buscar, no direito aplicável, a estipulação do momento em que a situação está definitivamente constituída.

Assim, se o interprete quer saber quando a propriedade imóvel está definitiva-mente transferida para efeito de configuração do fato gerador dos impostos sobre a transmissão (ITBI e ITCMD) ou para o efeito de modificar o sujeito passivo dos impostos sobre propriedade imóvel (IPTU e ITR), a resposta está na lei civil.

Posto isso, e tendo por base o indissociável conhecimento técnico de que a obrigação tributária de pagamento do Imposto apenas surge com a ocorrência do fato gerador, e que em relação ao ITBI, por se tratar de uma situação jurídica, o fato gerador considera-se ocorrido “desde o momento em que esteja defini-tivamente constituída, nos termos de direito aplicável”, passemos à análise do ITBI, seu fato gerador e as previsões a ele relativas.

4 CTN: “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.

5 ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 278.

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1.2 itbi – previsão ConstituCional e legal

No que interessa ao presente estudo, o ITBI e o ITCMD inicialmente en-contravam previsão no CTN, que em seu art. 35 fixava os fatos geradores do imposto e atribuía competência aos Estados para instituí-los:

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na Lei civil;

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, a competência para instituir impostos sobre a transmissão de bens imóveis inter vivos foi transferida aos Municípios, conforme se observa do art. 156, II:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

[...].

Por sua vez, a competência para instituir o imposto de transmissão causa mortis e sobre doação permaneceu com os Estados e o Distrito Federal, nos termos do art. 155, I, da CF/1988:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

[...].

Portanto, a CF/1988, além de alterar a competência para instituir impos-tos sobre a transmissão de bens imóveis entre vivos (art. 156, II), também aca-bou por estabelecer que o fato gerador do imposto ocorre em 3 (três) situações jurídicas, quais sejam: a) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou por acessão física (equivalente ao disposto no art. 35, I, do CTN); b) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia (equiva-

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lente ao disposto no art. 35, II, do CTN); c) a cessão de direitos relativos às trans-missões supramencionadas (equivalente ao disposto no art. 35, III, do CTN).

Posto isso, no que interessa para este artigo, delimitaremos nossa análise às duas primeiras hipóteses, que têm por situação jurídica a ser analisada a “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia”.

Assim, tem-se como centro da controvérsia a necessidade de apurar em qual momento a legislação vigente considera definitivamente constituída a situa- ção jurídica “transmissão inter vivos de bem imóvel ou de direitos reais sobre imóveis” (fato gerador), que dá ensejo à obrigação tributária de pagamento do ITBI.

Em outras palavras, faz-se necessário analisar o aspecto temporal da obrigação tributária (momento em que se considera “nascida”), de modo que se responda, no caso em apreço, se o fato gerador do ITBI ocorre quando da lavratura da escritura pública ou quando do registro do ato notarial no registro de imóveis competente.

A respeito da importância de se verificar o momento em que ocorre o fato gerador, discorre Ricardo Alexandre6 (grifamos):

O ponto central do estudo do direito tributário é a teoria do fato gerador. Saber se e, em caso positivo, quando ocorreu o fato gerador é a questão de maior im-portância dentro dessa matéria, tanto para o Fisco, quanto para o contribuinte.

Neste ponto, será analisado o aspecto temporal da obrigação tributária, ou seja, o momento em que esta se considera nascida, como decorrência da verificação, no mundo dos fatos, da situação definida em Lei como fato gerador.

O Código Tributário Nacional divide os fatos geradores em dois grandes grupos: um compreendendo os definidos com base em situações de fato; e outro com-posto por aqueles definidos com base em situações jurídicas. Como se verá, de-pendendo do enquadramento do fato gerador numa dessas hipóteses, diferentes serão as regras relativas ao momento em que o mesmo se tem por completo e acabado.

[...]

Algumas vezes, as situações definidas como fatos geradores de tributos se en-quadram com precisão em alguma hipótese já prevista em lei como geradora de consequências jurídicas. Noutras palavras, mesmo antes de a lei tributária definir determinada situação como fato gerador de um tributo, já há norma, de outro ramo do direito, estipulando efeitos jurídicos para o mesmo fato. Neste caso, pode-se dizer que o fato gerador do tributo configura uma situação jurídica.

6 Idem, p. 277.

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Em outras hipóteses, a situação escolhida pelo legislador para a definição do fato gerador do tributo possuía apenas relevância econômica, mas não era definida em qualquer ramo de direito como produto de efeitos jurídicos. Nestes casos, é correto afirmar que o fato gerador foi definido com base numa situação de fato.

É óbvio que, após a Lei tributária definir certa situação como fato gerador do tributo, tal situação passa a ser uma situação jurídica, uma vez que, verificada no mundo concreto, produz como efeito o surgimento do vínculo jurídico-tributário. Entretanto, para classificar a situação como “de fato” ou “jurídica”, o CTN se pre-ocupou em identificar se, independentemente da tipificação como fato gerador de tributo, a situação já configurava um instituto jurídico disciplinado em outro ramo de direito (normalmente civil ou comercial).

Assim, ao instituir impostos sobre a propriedade, o legislador tomou por base, para a definição do fato gerador, situações que, independentemente da Lei tribu-tária, já possuíam seus contornos e efeitos definidos pela lei civil. Dessa forma, os impostos sobre a propriedade (IPTU, ITR e IPVA) têm por fatos geradores situa-ções jurídicas.

Ao contrário, ao definir como fato gerador do imposto de importação a entrada da mercadoria estrangeira em território nacional, o legislador tributário conferiu efeitos jurídicos a uma mera situação de fato, não definida como produtora de efeitos jurídicos em qualquer outro ramo da ciência jurídica.

Perceba-se que hipótese de incidência do imposto de importação não é compra de mercadoria estrangeira. Se assim fosse, o fato gerador seria uma situação jurí-dica, pois o contrato de compra e venda é disciplinado pelo direito civil, que lhe estabelece os efeitos.

Nesse sentido, observa-se que, para a compreensão do fato gerador do ITBI, tal qual previsto na CF/1988, faz-se essencial um conhecimento multidis-ciplinar, em necessária conversa com o Direito Civil para a compreensão de conceitos tais como o de “transmissão de bem imóvel”, “domínio útil”, “direitos reais sobre imóveis” e “direitos reais de garantia”.

Sobre o tema7,

a atual Constituição de 1988, em seu art. 156, II, estabelece como sendo dos Mu-nicípio a competência tributária para a instituição do imposto sobre a “transmis-são inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”. Aqui, percebe-se com clareza que o legislador constituinte apropriou-se de noções de outros ramos do direito para estabelecer os enunciados prescritivos que, interpretados, conduzirão à norma de

7 DO VALLE, Maurício; FERNANDES, Cintia Estefânia; CUNHA, Carlos Renato. In: GRILLO, Fabio Artigas; DA SILVA, Roque Sérgio D’Andrea Ribeiro (Coord.). Código Tributário Nacional anotado. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná, 2013. p. 154/155. Disponível em: <http://www.oabpr.org.br/downloads/ctn_v2.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2015.

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incidência do ITBI. Observe que é no direito civil que se encontram as noções de “bem imóvel”, de como se dá a sua “transmissão”, de “direitos reais de garantia” e, ainda, de “cessão de direitos”, por exemplo. Assim, para se identificar a norma de incidência do ITBI é necessário mergulhar no Direito Civil. Argos Gregório é um dos doutrinadores a sustentar que o art. 35 do Código Tributário Nacional foi derrogado, de nada servindo para a identificação da norma de incidência do ITBI8.

Passemos à análise das três materialidades possíveis, previstas pela Constituição Federal, quais sejam, i) a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato onero-so, de bens imóveis, por natureza ou acessão física; ii) a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia; e iii) a cessão de direitos à aquisição de bens imóveis.

A transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física.

Ao tratar dessa materialidade, Aires Fernandino Barreto é enfático ao sustentar que não basta o “[...] só ato ou negócio jurídico apto à transmissão de proprieda-de”, da mesma forma em que o “[...] só ato jurídico da transcrição” é insuficiente. Eu suas palavras, a sua “[...] prefenição constitucional” seria o “[...] fato-efeito de transmissão imobiliária, resultante da conjugação desses dois fatos”9.

Há quem sustente que a necessidade de ser o negócio realizado inter vivos é “secundária”. De acordo com Argos Gregório, “[...] não se trata de condição necessária para a tributação referida”. Para o autor, amparando-se na casuística, “[...] é fácil afirmar que uma transmissão onerosa de imóveis entre pessoa física e uma empresa, ou mesmo entre duas empresas, apesar de não se enquadrar em tais molduras, será igualmente tributada pelo ITBI. O mesmo raciocínio vale para as transações imobiliárias que apresentem como uma das partes a figura do espólio”10.

Ao tratar dos bens imóveis por natureza ou acessão física, devemos lembrar do art. 79 do Código Civil de 2002, de acordo com o qual “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”.

Tem-se, assim, que, para analisar o aspecto temporal da obrigação tribu-tária em discussão, há necessidade de interpretação das hipóteses de ocorrência

8 Eis suas palavras: “Uma necessária observação: em relação á prescrição legal da regra matriz de incidência do ITBI, poderia o leitor menos atento encontrá-la disciplinada na redação do art. 35 do Código Tributário Nacional. Todavia, em coerência a todo o contexto histórico anteriormente narrado, ressalte-se que tal artigo encontra-se atualmente derrogado, respeitando a irrenunciável alteração do sistema do ITBI prescrito pela Carta de 1988. Caberá, portanto, às legislações específicas municipais o traço dos pormenores da norma jurídico-tributária correspondente ao ITBI” (GREGÓRIO, Argos. Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. In: JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira; PASIN, João Bosco Coelho (Coord.). Tributos em espécie: fundamentos e elementos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 330.

9 Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Curso de direito tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 988.

10 GREGÓRIO, Argos. Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI. In: JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira; PASIN, João Bosco Coelho (Coord.). Tributos em espécie: fundamentos e elementos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 334.

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do fato gerador do ITBI nos termos do “direito aplicável” (cf. art. 116, inciso II, do CTN); no caso concreto, o Direito Civil.

1.3 Do aspeCto temporal Da obrigação tributária – transmissão entre vivos

Conforme visto, no que interessa ao presente estudo, o ITBI tem por fato gerador a transmissão, a qualquer título, da propriedade, do domínio útil ou de direitos reais sobre imóveis (exceto os direitos reais de garantia).

Sendo manifesta tal situação no CTN e na CF/1988, passaremos a ana-lisar quando ocorre tal transmissão, ou seja, o aspecto temporal da obrigação tributária.

Para tanto, necessário se faz o estudo do direito aplicável à espécie, sen-do que a transmissão entre vivos de propriedade e direitos reais sobre imóveis encontra previsão nos arts. 1.227 e 1.245 do Código Civil/2002:

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser ha-vido como dono do imóvel.

§ 2º Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de in-validade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

Como se observa, toda e qualquer dúvida que pudesse existir a respeito do momento em que se opera a definitiva constituição da “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia” é expres-samente dirimida pela análise dos institutos previstos na CF/1988 e no CTN, à luz do CC/2002.

Isso porque tanto o art. 1.227 quanto o art. 1.245 não deixam dúvidas ao estipular que a transmissão da propriedade ou de direitos reais sobre imóveis apenas se opera em definitivo quando do registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Vale dizer, enquanto não registrada a escritura pública junto ao Registro de Imóveis competente, não há transferência de propriedade! E se não há trans-ferência de propriedade, também não ocorre o fato gerador do ITBI.

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Nesse sentido, a qualquer tempo antes do registro junto ao ofício compe-tente podem as partes desistir do negócio entabulado por simples distrato do ato notarial. Situação completamente diversa daquela na qual a escritura pública é levada a registro, oportunidade em que o adquirente será o proprietário do imóvel até que o registro venha a ser cancelado.

Francisco Eduardo Loureiro, discorrendo a respeito do art. 1.227 do CC/200211, aborda o tema do seguinte modo:

Segue nosso sistema jurídico o modelo do Direito romano, que já exigia formali-dade posterior ao contrato para aquisição do domínio (traditio). O contrato é títu-lo, que somado ao modo (registro) prova a transmissão e a aquisição de direitos reais sobre bens imóveis.

[...]

Em vista do caráter constitutivo e causal do registro, a Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) cria minuciosos mecanismos de segurança de acesso dos títu-los (arts. 167 a 288), consolidados em diversos princípios, bem mais examinados nos comentários aos arts. 1.245 a 1.247 do Código Civil.

Note-se a ressalva do próprio art. 1.227 em que o registro é constitutivo somente em relação às transmissões por atos inter vivos e a título negocial derivado. Os modos originários de aquisição da propriedade imobiliária – usucapião e acessão – independem do registro, que tem efeito meramente publicitário e regularizador, visando a permitir que ulteriores alienações a título derivado tenham acesso ao registro, preservando a continuidade.

Prossegue o mesmo autor, agora em comentários ao art. 1.245 do CC/200212:

O caráter constitutivo do registro: Como mencionado no comentário ao art. 1.227 do Código Civil, ao qual se remete o leitor, o registro imobiliário é constitutivo da propriedade e demais direitos reais sobre coisa imóvel, adquiridos a título derivado e por ato entre vivos, salvo exceções expressamente previstas em lei.

[...]

Nosso sistema de aquisição da propriedade e de outros direitos reais segue a tradição do Direito romano, exigindo título mais modo, consistente em uma pro-vidência suplementar que, somada ao título, prova a transmissão do direito real. Ao contrário do sistema francês, a propriedade sobre coisas imóveis adquiridas a título derivado não se transmite somente com o contrato (solo consensu), mas, ao contrário, exige o registro do título no registro imobiliário. Até o registro, o adquirente é mero credor do alienante. O registro é que converte o título, simples gerador de crédito, em direito real.

11 PELUSO, Cezar (Coord.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 3. ed. rev. e atual. Barueri/SP: Manole, 2009. p. 1160/1161.

12 Idem, p. 1202/1203.

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Além disso, nosso sistema de aquisição da propriedade é causal. O registro cons-titui a propriedade imobiliária, mas permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Ao contrário do sistema alemão, no qual o registro sofre processo de de-puração e se torna abstrato, em nosso sistema jurídico o registro não se desliga do título. Daí se extraem as duas marcas fundamentais do registro no nosso sistema jurídico: é constitutivo da propriedade e de outros direitos reais sobre coisa imó-veis adquiridas a título inter vivos e derivado e é causal, pois se encontra ligado ao título que lhe deu origem.

Flávio Tartuce também discorre sobre o tema13:

O registro do título aquisitivo é a principal forma derivada de aquisição da pro-priedade imóvel, regulamentada entre os arts. 1.245 a 1.247 do CC. Sendo forma derivada, o novo proprietário do bem é responsável pelas dívidas que recaem sobre a coisa, caso dos tributos. Quanto à compra e venda, uma das principais formas de transmissão inter vivos, há regra específica nesses termos, conforme o art. 502 do CC (“O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição”).

Nos termos do art. 108 do CC/2002, os contratos constitutivos ou translativos de direitos reais sobre imóveis devem ser feitos por escritura pública, se o imóvel tiver valor superior a trinta salários mínimos. A escritura pública é lavrada no Tabelionato de Notas, de qualquer local do País, não importando a localização do imóvel. Se o imóvel tiver valor igual ou inferior a trinta salários mínimos, está dispensada a escritura pública, podendo o contrato ser celebrado por instrumen-to particular, eis que em regra a forma é livre (art. 107 do CC).

Esse esclarecimento inicial é útil para apontar que a escritura pública não serve para a aquisição da propriedade imóvel, sendo apenas uma formalidade que está no plano da validade dos contratos de constituição ou transmissão de bens (art. 104, inciso III, do CC – menção à forma prescrita e não defesa em lei). O registro imobiliário, que se situa no plano da eficácia do contrato, é que gera a aquisição da propriedade imóvel, e deve ocorrer no Cartório de Registro de Imó-veis do local de situação da coisa (arts. 1º, IV, e 167 a 171 da Lei nº 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos). Da mesma forma, estatui o art. 1.227 do CC/2002 que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Com tom suplementar ao que consta do art. 1.227, dispõe o art. 1.245 do CC que se transfere entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. O atual Código Civil substitui a antiga menção à transcrição do título pelo termo destacado (arts. 531 a 534 do CC/1916). Tal registro gera uma presunção relativa de propriedade, conforme reconhece enunciado aprova-do na V Jornada de Direito Civil (Enunciado nº 503).

13 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, volume único, 2015. p. 743/744.

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Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel (art. 1.245, § 1º, do CC). Além disso, enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel, o que é consagração da teoria da aparência (art. 1.245, § 2º, do CC). Complementando, na I Jornada de Direito Civil, aprovou-se o Enunciado nº 87 do CJF/STJ, prevendo: “Considera-se também título translativo, para fins do art. 1.245 do novo Código Civil, a promessa de compra e venda devidamente quitada (arts. 1.417 e 1.418 do CC e § 6º do art. 26 da Lei nº 6.766/1979)”. O enunciado doutrinário ressalta a importância prática do compromisso de compra e venda, seja registrado ou não, para os fins de aquisição do domínio.

No mesmo sentido, Ricardo Alexandre é taxativo quanto à ocorrência do fato gerador do ITBI quando do registro da “transmissão da propriedade imobiliária”14:

Com base numa leitura do art. 35 do Código Tributário Nacional à luz do art. 256, II, da atual CF, o fato gerador do ITBI é a transmissão inter vivos, a qual-quer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.

No Direito brasileiro, a transmissão da propriedade imobiliária ocorre mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, de forma que, antes do registro, o alienante continua na condição de dono do imóvel (CC, art. 1.245 e seu parágrafo único).

Brandelli, por sua vez, leciona15:

O ITBI, imposto de competência municipal, tem por fato gerador a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos à sua aquisição (art. 156, II, da CF).

Conforme lembra Roque Joaquim Volkweiss, “sendo o fato gerador do ITBI a transmissão da propriedade (domínio) do imóvel nos termos da lei civil [...] esta somente se dá no momento da transcrição do título de transferência no Registro de Imóveis.

Se o fato gerador do ITBI é a transmissão inter vivos da propriedade imóvel ou de direitos reais sobre imóveis (exceto os de garantia), certamente que ele decorre do registro no Registro de Imóveis competente, sem o que não se pode falar em transmissão de propriedade por ato inter vivos, nem de constituição de direito real. Esta é a regra já consagrada pelo STJ.

14 ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015. p. 595.

15 BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 381.

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Portanto, resta translúcido que, da leitura conjunta dos arts. 156, II, da CF/1988 e 35 do CTN, com os arts. 1.227 e 1.245 do CC/2002, o fato gerador do imposto sobre transmissão de bens imóveis entre vivos se dá no momento do registro do título junto ao ofício de registro de imóveis competente.

Antes disso, não há relação jurídica tributária, sendo inconstitucional e ilegal exigir que as partes promovam o recolhimento de imposto em momento anterior à apresentação do título para registro no Registro de Imóveis.

2 DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE A MATÉRIA

Conforme exposto, o ITBI encontra-se previsto no art. 156, II, da CF/1988, motivo pelo qual já foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal em mais de uma oportunidade, sempre sob o entendimento de que o seu fato gerador ocor-re apenas quando do registro do título junto ao Registro de Imóveis (grifamos):

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – FATO GE-RADOR – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – IMPOSSIBILIDADE – A obri-gação tributária surge a partir da verificação de ocorrência da situação fática prevista na legislação tributária, a qual, no caso dos autos, deriva da transmissão da propriedade imóvel. Nos termos da legislação civil, a transferência do domí-nio sobre o bem torna-se eficaz a partir do registro. Assim, pretender a cobrança do ITBI sobre a celebração de contrato de promessa de compra e venda implica considerar constituído o crédito antes da ocorrência do fato imponível. Agravo regimental a que se nega provimento.16

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI – FATO GERADOR: REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA EFETIVA DA PROPRIEDA-DE – PRECEDENTES – AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVI-MENTO.17

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO – ITBI – FATO GERADOR – TRANSFERÊN-CIA DA PROPRIEDADE – REGISTRO EM CARTÓRIO – CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPRE-MO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERE-CE TRÂNSITO – REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA – PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA – ACÓRDÃO RECORRIDO PU-BLICADO EM 13.03.2014 – O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do que assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. Entender de modo diverso

16 STF, ARE 805859-AgRg, 1ª Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, J. 10.02.2015, Processo Eletrônico DJe-044 Divulg. 06.03.2015, Publ. 09.03.2015.

17 STF, ARE 798241-AgRg, 2ª Turma, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 01.04.2014, Acórdão Eletrônico DJe-073 Divulg. 11.04.2014, Publ. 14.04.2014.

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demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.18

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ITBI – ALCANCE DO ART. 150, § 7º, CF – MATÉRIA NÃO DECIDIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO – 1. A matéria atinente ao alcance do art. 150, § 7º, da CF não foi objeto de decisão nas instâncias ordinárias. Normas da legislação municipal que não foram analisadas no acórdão recorrido. Impossibilidade de análise, em sede de recurso extraordi-nário, de questões não decididas na origem, sob pena de supressão de instância. 2. O entendimento da jurisprudência desta Corte é de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, mediante o registro competente. 3. Agravo regimental não provido.19

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPOS-TO DE TRANSMISSÃO INTER VIVOS DE BENS IMÓVEIS – ITBI – MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – REGISTRO DO IMÓVEL – 1. Está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido.20

Na mesma esteira, quando incitado a se manifestar acerca da legalidade de legislação que viesse a estipular fato gerador para momento anterior ao re-gistro do título, o Superior Tribunal de Justiça sempre se manifestou no sentido de que o fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis (art. 35, I, do CTN) ocorre apenas quando do registro junto ao ofício competente (grifamos):

TRIBUTÁRIO – ITBI – FATO GERADOR – OCORRÊNCIA – REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL – 1. O Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento. 2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da pro-priedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente. 3. Recurso especial não provido.21

18 STF, ARE 839630-AgRg, 1ª Turma, Relª Min. Rosa Weber, J. 25.11.2014, Processo Eletrônico DJe-248 Divulg. 16.12.2014, Publ. 17.12.2014.

19 STF, ARE 765899-AgRg, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 11.02.2014, Processo Eletrônico DJe-053 Divulg. 17.03.2014, Publ. 18.03.2014.

20 STF, AI 764432-AgRg, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 08.10.2013, Acórdão Eletrônico DJe-231 Divulg. 22.11.2013, Publ. 25.11.2013.

21 STJ, REsp 1504055/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 17.03.2015, DJe 06.04.2015.

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TRIBUTÁRIO – ITBI – FATO GERADOR – OCORRÊNCIA – REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL – 1. Rechaço a alegada violação do art. 458 do CPC, pois o Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento. 2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente. Precedentes do STJ. 3. Agravo regimental não provido.22

TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – ITCMD – DOAÇÃO – REPETIÇÃO DE IN-DÉBITO – PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – DECISÃO JUDICIAL ANULATÓRIA DO ACORDO JUDICIAL QUE ENSEJOU O RECOLHIMENTO – ART. 165, II, DO CTN – 1. Recurso especial no qual se discute o termo inicial da prescrição para a ação de repetição de indébito de imposto sobre a transmissão de bem imóvel mediante doação (ITCMD). No presente caso, o contribuinte, em face de acordo de separação judicial, prometeu doar a nu-propriedade de bem imóvel às filhas, e, para isso, recolheu, em 29.12.1998, o imposto de transmissão correspondente. Todavia, em face de ação proposta pela ex-esposa, a aludida promessa de doação foi declarada ineficaz, por decisão transitada em julgado em 08.08.2002 (com consequente registro imobiliário do bem em nome da ex-esposa), o que motivou o recorrente a pedir a repetição de indébito administrativamente em 17.11.2006, a qual foi negada em 30.07.2007, dando ensejo a presente demanda judicial, ajuizada em 15.08.2007. 2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante o registro do negócio jurídico junto ao ofício competente. Nesse senti-do, acerca do ITBI, já decidiu o STJ: REsp 771.781/SP, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 29.06.2007; AgRg-AgRg-REsp 764.808/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 12.04.2007. 3. O recolhimento do ITCMD, via de regra, ocorre antes da realização do fato gerador, porquanto o prévio pagamento do imposto é, normalmente, exigido como condição para o registro da transmissão do domínio. Assim, no presente caso, não é possível afirmar que o pagamento antecipado pelo contribuinte, ao tempo de seu recolhimento, foi indevido, por-quanto realizado para satisfazer requisito indispensável para o cumprimento da promessa de doação declarada em acordo de separação judicial. 4. Consideran-do, portanto, que é devido o recolhimento antecipado do ITCMD para fins de consecução do fato gerador, não se mostra possível a aplicação do art. 168, I, do CTN, porquanto esse dispositivo dispõe sobre o direito de ação para reaver tributo não devido. 5. Deve, portanto, na espécie, ser prestigiado o entendimento adotado pelo acórdão a quo, no sentido de que o direito de ação para o contri-buinte reaver a exação recolhida nasceu (actio nata) com o trânsito em julgado da decisão judicial do juízo de família (de anulação do acordo de promessa de doação) e o consequente registro imobiliário (em nome exclusivo da ex-esposa) que impediram a realização do negócio jurídico prometido, na medida em que, somente a partir desse momento restou configurado o indébito tributário (lato

22 STJ, AgRg-AREsp 215.273/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 02.10.2012, DJe 15.10.2012.

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sensu) pelo não aproveitamento do imposto recolhido. Aplica-se, in casu, por analogia, o disposto no art. 168, II, do CTN. 6. Recurso especial não provido.23

Posto isso, ante ao disposto no art. 156, II, da CF/1988 e no art. 35, I, do CTN, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm rechaça-do toda e qualquer dispositivo de lei ou regulamento que vise a antecipar o re-colhimento do ITBI para momento anterior ao fato gerador, qual seja, o registro junto ao Registro de Imóveis competente.

3 DA LEI Nº 7.433/1985

Feitas essas considerações, passemos à analise pontual do disposto no art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985, com redação dada pela Lei nº 13.097/2015, objeto da controvérsia em tela.

Prevê a atual redação de mencionado artigo:

Art. 1º Na lavratura de atos notariais, inclusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os docu-mentos expressamente determinados nesta lei.

[...]

§ 2º O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento com-probatório do pagamento do imposto de transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

O ponto central da discussão está na primeira parte do aludido § 2º, quando menciona que “o Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do imposto de transmissão inter vivos [...]”.

Isso porque há quem interprete tal dispositivo no sentido de haver impos-to aos tabeliães de notas a proibição de lavrar escritura pública referente a imó-vel sem exigir prévia comprovação do pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis entre vivos.

De outro lado, há aqueles que defendem que o tabelião apenas deverá consignar no ato notarial o comprovante do pagamento do Imposto de Trans-missão de Bens Imóveis Inter Vivos nas hipóteses em que as partes, por livre e espontânea vontade, tenham optado por antecipar o seu recolhimento.

A nosso ver, acertado o segundo entendimento.

23 STJ, REsp 1236816/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 15.03.2012, DJe 22.03.2012.

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Primeiro, pois, conforme demonstrado ao longo deste artigo, toda a sis-temática tributária constitucional e legislativa brasileira não admite outra inter-pretação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985 que não a de que se trata de mera faculdade às partes, de modo a facilitar o registro do título junto ao Registro de Imóveis.

Qualquer interpretação destoante significaria entender pela possibilidade de antecipação do fato gerador do imposto de transmissão inter vivos para mo-mento anterior à efetiva transmissão (registro do título no Registro de Imóveis), em nítida ofensa à constitucional previsão.

Vale ressaltar que o sistema tributário brasileiro, em especial no que se refere ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis entre vivos, não admite uma interpretação isolada de dispositivos legais, exigindo sempre a sua análise siste-mática, do que se extrai a completa teratologia do entendimento pela obrigato-riedade de os Tabeliães de Notas exigirem o prévio recolhimento do ITBI para a lavratura da escritura pública.

Segundo, pois a interpretação pela antecipação do fato gerador para o momento da lavratura da escritura pública ensejaria, também, ofensa ao direito fundamental à propriedade insculpido no art. 5º, XXII24.

Vale dizer, não bastasse a flagrante inconstitucionalidade da qual tal in-terpretação se revestiria por ofensa ao disposto no art. 156, II, da CF/1988, também estar-se-ia tornando requisito obrigatório à aquisição de propriedade o prévio pagamento do imposto, antes mesmo de sua transmissão!

Terceiro, pois estamos diante de norma infraconstitucional (Lei nº 7.433/1985), que, em hipótese alguma, enseja alteração/revogação da previ-são constitucional sobre a matéria, deixando mais uma vez evidente a impossi-bilidade de alterar o fato gerador previsto no art. 156, II, da CF/1988.

Logo, enquanto vigente o art. 156, II, da CF/1988, é inconstitucional e, portanto, inaplicável qualquer previsão infraconstitucional em sentido contrá-rio.

Quarto, pois, conforme demonstrado, a jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal é pacífica no sentido de que o fato gerador do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos ocorre apenas com o registro do título junto ao Registro de Imóveis.

Nesse aspecto, a propósito, vale ressaltar que não se socorre qualquer alegação no sentido de que tais decisões não teriam mais aplicação já que ante-

24 CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; [...]”.

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riores à nova redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985. Isso porque referido entendimento da Suprema Corte tomou por base a previsão constitucional sobre o tema (art. 156, II, da CF/1988), que, como dito, evidentemente não restou alterada pela lei infraconstitucional.

Ainda que assim não o fosse – o que se diz somente para argumentar –, o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar a matéria após a entrada em vigor da nova redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1504055, em 17.03.2015:

TRIBUTÁRIO – ITBI – FATO GERADOR – OCORRÊNCIA – REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL – 1. O Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento. 2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da pro-priedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente. 3. Recurso especial não provido.25

Quinto, pois a alteração promovida em referido art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985 se limitou a suprimir a previsão de inserção no ato notarial das certidões de feitos ajuizados:

Redação oRiginal da lei nº 7.433/85

Redação dada pela lei nº 13.097/2015

Art. 1º Na lavratura de atos notariais, in-clusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta lei.[...]§ 2º O Tabelião consignará no ato notarial, a apresentação do documento comprobató-rio do pagamento do imposto de transmis-são inter vivos, as certidões fiscais, feitos ajuizados, e ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

Art. 1º Na lavratura de atos notariais, in-clusive os relativos a imóveis, além dos documentos de identificação das partes, somente serão apresentados os documentos expressamente determinados nesta lei.[...]§ 2º O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comproba-tório do pagamento do imposto de trans-missão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.

Ora, se o entendimento doutrinário e jurisprudencial sempre foi no sen-tido de que é inexigível o prévio recolhimento do ITBI como requisito para a lavratura de escritura pública, e se nesse aspecto não houve qualquer alteração na redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985, então evidente o completo descabimento de qualquer pretensão de alteração na interpretação.

25 STJ, REsp 1504055/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 17.03.2015, DJe 06.04.2015.

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CONCLUSÕES

a) É inexigível o recolhimento do ITBI antes de ocorrido o seu fato gerador;

b) Quanto à controvérsia objeto do presente artigo, a CF/1988 prevê, em seu art. 156, II, que o Imposto de Transmissão de Bens Imó-veis entre vivos possui por fato gerador a “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis”;

c) O art. 116, II, do CTN, por sua vez, prevê que, tratando-se de situa-ção jurídica (como ocorre com o ITBI), o fato gerador da obrigação tributária considera-se ocorrido “desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável”;

d) No que se refere ao ITBI, é o Direito Civil que indica o aspecto temporal do fato gerador, visto que comporta os conceitos funda-mentais ao seu entendimento, entre outros, do momento em que ocorre a transmissão de propriedade de bem imóvel (art. 1.245 do CC/2002) e de direitos reais (art. 1.227 do CC/2002);

e) Tanto o art. 1.227 quanto o art. 1.245, ambos do CC/2002, preve-em que a “transmissão” apenas ocorre quando do registro do título perante o Ofício de Registro de Imóveis competente, sendo esse o momento em que ocorre o fato gerador do ITBI;

f) A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tri-bunal Federal é pacífica acerca da total impossibilidade de anteci-par o fato gerador do ITBI para momento anterior ao do registro do título junto ao Registro de Imóveis;

g) A antecipação do fato gerador para o momento da lavratura da es-critura pública ensejaria ofensa ao direito fundamental à proprie-dade insculpido no art. 5º, XXII, visto que criaria requisito prévio (pagamento do imposto) à sua aquisição.

Logo, i) se a obrigação tributária referente ao pagamento do ITBI apenas nasce com a ocorrência do fato gerador; ii) se os fatos geradores de referido imposto estão previstos na CF/1988, que determina que ocorre apenas com a “transmissão”; e iii) se a “transmissão” para os fins de ITBI se concretiza em definitivo unicamente com o registro do título junto ao Ofício de Registro de Imóveis competente, então se conclui pela impossibilidade de que qualquer ato infraconstitucional venha a estipular hipótese de exigibilidade do ITBI em momento anterior ao registro do título no Registro de Imóveis – respectivo fato gerador.

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Posto isso, conclui-se que o art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/1985 não impõe aos tabeliães de notas a obrigatoriedade de exigir que as partes comprovem a prévia quitação do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis para a lavratura de escritura pública.

Qualquer exigência em sentido contrário é flagrantemente inconstitucio-nal e vai contra a sistemática tributária nacional e o entendimento dos Tribunais Superiores.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Parte Geral – Doutrina

Considerações a Respeito da Alienação Fiduciária Frente à Hipoteca

GISELLE LEITE FRANkLINAdvogada em Vitória/ES, Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Anhanguera – Uniderp), Mestranda em Direito Privado (PUC/MG).

SUMÁRIO: Introdução; 1 A alienação fiduciária; 2 Argumentos favoráveis à alienação fiduciária; 3 Argumentos desfavoráveis à alienação fiduciária; 4 A hipoteca; 5 Argumentos favoráveis à hipote-ca; 6 Argumentos contrários à hipoteca; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O direito real de garantia, segundo Orlando Gomes (1999, p. 343), é aquele que confere ao titular o poder de obter o pagamento de uma dívida com o valor ou a renda de um bem aplicado exclusivamente à sua satisfação.

O Código Civil de 2002 elenca quatro direitos reais de garantia, quais sejam: penhor, anticrese, hipoteca e propriedade fiduciária.

No presente trabalho, analisar-se-ão as vantagens e desvantagens da alie-nação fiduciária em comparação com a hipoteca.

1 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

A alienação fiduciária não é um direito real de garantia tão antigo como os demais, mas atualmente tem sido mais utilizado pelo mercado na atualidade, sendo aplicado principalmente em aquisições de automóveis e máquinas.

A preferência por tal instituto se dá por ser mais favorável ao credor, por meio de contratos de adesão, como se demonstrará a seguir.

A propriedade fiduciária sobre bens imóveis, fungíveis e demais espécies de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando o Código Civil naquilo que não for incom-patível com a legislação especial (Farias; Rosenvald, 2008, p. 362).

Nos termos do art. 1.361 do Código Civil, considera-se fiduciária a pro-priedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Não obstante, o art. 22 da Lei nº 9.514 conceitua alienação fiduciária como o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de

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garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade reso-lúvel de coisa imóvel.

Ensinam Farias e Rosenvald (2008, p. 358) que ocorre a alienação fidu-ciária quando o credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta de bem móvel, em garantia de financiamento efetuado pelo devedor alienante, resolvendo-se o direito do credor fiduciário com o posterior adimple-mento da dívida garantida.

2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Uma das vantagens da alienação fiduciária é que o credor fiduciário con-verte-se automaticamente em proprietário do bem, tendo no valor do bem dado em garantia o eventual numerário para satisfazer-se no caso de inadimplemento da obrigação pelo devedor fiduciante.

No entanto, mesmo voltando a propriedade plena para o credor fidu-ciário, este é obrigado a levar o imóvel para leilão público, no prazo de trin-ta dias após a consolidação da propriedade em seu nome, como disposto no art. 27, caput, da Lei nº 9.514, in fine: “Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel”.

No primeiro leilão, o menor lance deverá corresponder, no mínimo, ao valor de avaliação do imóvel. Caso seja inferior, deverá ser realizado um segun-do leilão, quando poderá ser aceito o maior lance, desde que igual ou superior ao valor da dívida e mais as despesas com a realização do leilão, os prêmios de seguros, os encargos legais e as contribuições condominiais (art. 27, § 2º). Se o valor apurado no leilão for superior à dívida e às despesas, o saldo positivo será restituído ao devedor (art. 27, § 4º).

Após análise de todo teor do art. 27, verifica-se que, se no primeiro leilão não se atingir o valor pretendido para a satisfação do crédito devido, a obriga-ção extinguirá por meio da consolidação do bem na pessoa do credor, como forma de pagamento.

Ainda, o bem alienado fica protegido da ação de outros credores do fi-duciante. Assim, embora havendo credores do devedor fiduciante munidos de privilégios legais, o bem dado em propriedade fiduciária não fará parte dos ativos do devedor, não integrando o acervo concursal.

Tal é o que dispõe o § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária:

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Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

[...]

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação ju-dicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, du-rante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Não obstante, a massa falida tem a faculdade de manter o contrato, emendando a mora, com fulcro no art. 118 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 118. O administrador judicial, mediante autorização do Comitê, poderá dar cumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, realizando o pagamento da prestação pela qual está obrigada.

Desse modo, segundo a previsão da Lei de Falências e Recuperação Ju-dicial de empresas, os bens de propriedade fiduciária não se submetem aos efeitos da recuperação judicial do fiduciante e nem integrará a massa em caso de falência.

3 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS À ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Muito embora a alienação fiduciária seja a mais utilizada por ser uma garantia mais vantajosa, há nela alguns aspectos negativos.

O bem fiduciário é resolúvel, porquanto que sua constituição tem o es-copo único de garantia pelo tempo em que durar a obrigação principal. Assim, a propriedade do credor já nasce com a previsão genética de sua destruição, como aduzem Farias e Rosenvald (2008, p. 365).

Os supracitados autores lecionam que, pelo fato de o direito eventual já integrar seu patrimônio, o fiduciante pode manejar ações possessórias para tutelar a sua posse direta perante terceiros, inclusive contra o próprio fiduciário. Ainda, poderá promover ações reais contra quem viole o direito de proprieda-de, pois, mesmo antes da reversão da propriedade para a sua titularidade, o seu direito eventual já possui natureza real.

Após a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante poderá resgatar a propriedade, com a averbação do cancelamento do título em cartório, confor-me art. 25, § 2º, da Lei nº 9.514, verbis:

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Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.

[...]

§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o cancelamento do registro da proprie-dade fiduciária.

Outro ponto negativo ocorre quando, se no primeiro leilão não conseguir arrecadar o valor pretendido para satisfazer o crédito, a obrigação se extinguirá por meio da consolidação da propriedade na pessoa do credor, que deixará de receber a dívida em sua integralidade, senão vejamos:

Art. 27. [...]

[...]

§ 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

Por fim, há de se considerar que, na propriedade fiduciária, faculta-se ao devedor gozar do bem enquanto remanescer o débito, mantendo os poderes dominiais de uso e fruição da coisa.

4 A hIPOTECA

A hipoteca é o direito real que o devedor confere ao credor, sobre um bem imóvel de sua propriedade ou de outrem, para que o mesmo responda pelo resgate da dívida.

Trata-se de um contrato acessório, pressupondo a existência de um con-trato ou uma obrigação principal por ele garantido.

Ensina Silvio Rodrigues que a hipoteca “é o direito real recainte sobre um imóvel, um navio ou um avião, que, embora não entregues ao credor, o assegu-ram, preferentemente, do cumprimento da obrigação”.

Já Orlando Gomes (1999, p. 375) a define como “o direito real de ga-rantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento de uma dívida”.

5 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À hIPOTECA

Mesmo não sendo a garantia mais vantajosa, a hipoteca possui alguns argumentos positivos.

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Caso o valor arrecadado com a venda do imóvel não seja suficiente para quitar a dívida, o credor hipotecário pode prosseguir com a execução até que o crédito seja integralmente quitado, diferentemente da alienação fiduciária, como anteriormente exposto.

O direito de garantia da hipoteca produz efeitos erga omnes, ou seja, o credor tem o direito de perseguir o imóvel nas mãos de quem o possui.

A hipoteca convencional tem duração máxima de 30 anos, mediante averbação requerida por ambas as partes, conforme art. 1.485 do Código Civil.

Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que per-faça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.

Orlando Gomes explica que “a cláusula relativa ao prazo fica ao arbítrio das partes, mas a lei intervém ao estabelecer que o contrato não pode subsistir além de 30 anos. Decorrido esse prazo, perime”.

Tal prazo refere-se apenas às hipotecas convencionais. No que tange às hipotecas legais, essas perduram indefinidamente.

Ainda, a hipoteca pode propiciar a venda judicial da coisa garantida, a fim de que o credor receba a quantia que lhe é devida, preferencialmente aos demais credores do devedor, salvo em relação às custas judiciais, aos tribu-tos e às obrigações trabalhistas. A respeito, vale mencionar o julgado a seguir: “O credor hipotecário tem preferência para receber seu crédito no processo de execução em primeiro lugar e sem concorrência de terceiros, independen-temente de ter promovido a execução de seu crédito e efetivado a penhora” (RT 651/154).

O art. 1.476 aduz que o dono do imóvel hipotecado poderá, mediante novo título, constituir mais hipotecas, em favor do mesmo credor, ou até mesmo de outros credores. Gervásio (2010) entende ser isso positivo, “na medida em que um bem de alto valor poderia servir para cobrir mais de um débito, possi-bilitando-se a satisfação de dívidas de múltiplos credores, o que não é possível na alienação fiduciária”.

Outro argumento é que na hipoteca o ônus poderá ser dividido na hipó-tese de o imóvel ser loteado ou houver a constituição de um condomínio edilí-cio, gravando-se cada unidade proporcionalmente ao seu valor, o que facilitará a venda na hipótese de inadimplemento da obrigação (Gervásio, 2010).

Por fim, necessário expor que a hipoteca extingue-se pela arrematação ou adjudicação do bem hipotecado. Assim, caso o bem hipotecada sofra pe-

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110 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – DOUTRINA

nhora em virtude de processo de execução ajuizado por outro credor, o titular do direito real não será prejudicado, pois a penhora não importa na extinção da hipoteca.

6 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À hIPOTECA

Assim como a alienação fiduciária, a hipoteca também tem o objetivo de fomentar a economia, porém está cada vez mais em desuso, uma vez que seu campo de incidência é restrito, pois é limitado a bens imóveis.

Sendo uma restrição sobre o valor da coisa onerada, o direito do credor hipotecário mantém-se suspenso até o prazo prefixado para o adimplemento da obrigação principal. Enquanto isso, o devedor permanece com todos os atri-butos dominiais, podendo usar, gozar e dispor da coisa hipotecada, sendo-lhe vedado apenas praticar atos que degradem a garantia. Só após a arrematação do bem é que o devedor perderá a posse, e, consequentemente, o direito de perceber os frutos.

Caso a coisa venha a perder valor diante da negligência do devedor em sua conservação, dar-se-á o vencimento antecipado da dívida se, depois de intimado, o devedor não substituir ou reparar a coisa hipotecada, conforme art. 1.425, I, do Código Civil.

Enquanto não quitada a dívida, o devedor pode promover a exploração econômica do imóvel, podendo até mesmo oferecê-lo a terceiros, para que esses possam usufruir do bem.

Ao contrário da alienação judiciária, em que o leilão extrajudicial é uma via célere, em se tratando de hipoteca, no caso de inadimplência é necessário o ingresso de execução judicial, com a posterior penhora do bem, para depois levantá-lo em hasta pública, o que leva um longo tempo para recuperação do crédito.

Ainda, em caso de falência, o bem hipotecado poderá integrar a massa falida, podendo frustrar o recebimento do crédito do credor hipotecário, haven-do concurso com outros credores com direito de preferência:

Código Civil:

Art. 1.483. No caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel.

Parágrafo único. Pode o credor hipotecário, para pagamento de seu crédito, re-querer a adjudicação do imóvel avaliado em quantia inferior àquele, desde que dê quitação pela sua totalidade.

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Nos termos do art. 1.475 do Código Civil, é nula a cláusula contratual que estipule a inalienabilidade do imóvel na pendência do pagamento, objeti-vando preservar o direito subjetivo de propriedade do devedor.

Por fim, não há possibilidade de hipoteca sobre bens de família voluntá-rios instituídos pela entidade familiar, uma vez que o direito à moradia é direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988.

CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, embora a hipoteca possua grandes argumentos fa-voráveis, essa vem sendo cada vez mais enfraquecida, porquanto que traz mais prejuízos aos credores do que a alienação fiduciária.

Assim, a alienação fiduciária é mais favorável ao credor, principalmente por ser o titular do bem imóvel e este não fazer parte da massa falida, o que facilita os negócios imobiliários e confere-lhe segurança jurídica.

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MENEZES, Rafael. Reais na coisa alheia. Disponível em: <http://www.rafaeldeme-nezes.adv.br/reaiscoisa/aula17.htm>. Acesso em: out. 2010.

RODRIGUES, Silvio. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, v. 5, 1980.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2642

Superior Tribunal de JustiçaAgInt no Recurso Especial nº 1.459.179 – RJ (2013/0362478‑9)Relator: Ministro Raul AraújoAgravante: Condomínio do Centro de Abastecimento do Estado de GuanabaraAdvogado: Luciano Vianna Araújo – RJ080725Advogada: Mia Alessandra de Souza Reis Schneider e outro(s) – RJ144122Agravado: Mega Marcas Comércio Varejista Atacadista e Distribuidora de Alimentos e Bebidas Ltda. ME e outroAdvogado: Walter da Costa Martins e outro(s) – RJ022081Agravado: Solidez Segurança e Vigilância Ltda.Advogado: Felipe Lopes Figueiredo e outro(s) – RJ103989

ementa

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – FURTO EM CONDOMÍNIO COMERCIAL – FALhA NO SISTEMA DE SEGURANÇA FORNECIDO POR EMPRESA CONTRATADA PELO CONDOMÍNIO – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA – PROVA DOS DANOS EMERGENTES E LUCROS CESSANTES – REEXAME DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO NÃO PROVIDO.

aCórDão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo in-terno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 16 de março de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Raul Araújo Relator

relatório

O Senhor Ministro Raul Araújo:

Trata-se de agravo interno interposto por Condomínio do Centro de Abastecimento do Estado de Guanabara contra decisão que negou provimento ao recurso especial do agravante com os seguintes fundamentos: (I) ausência de deficiência na prestação jurisdicional; (II) incidência da Súmula nº 284 do STF

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quanto ao art. 1.348, V, do Código Civil; e (III) aplicação da Súmula nº 7 do STJ quanto ao art. 333, I, do CPC/1973.

Em suas razões, o agravante insiste na argumentação de que houve nega-tiva de prestação jurisdicional, uma vez que o Tribunal de origem não se mani-festou sobre dois argumentos principais: a não observância da correta distribui-ção do ônus da prova, nos termos do art. 333, I, do CPC/1973; e a ausência de responsabilidade do condomínio pela segurança de cada unidade autônoma, conforme determina o art. 1.348, V, do Código Civil.

Alega que a aplicabilidade dos arts. 333, I, do CPC/1973 e 1.348, V, do Código Civil envolve questão exclusivamente de direito, sendo inaplicável a Súmula nº 7 do STJ.

Afirma que a convenção condominial não previa a responsabilidade do Condomínio agravante pela segurança e fiscalização das unidades autônomas. Ausente, assim, qualquer responsabilidade pelos supostos danos sofridos pela agravada.

Mega Marcas Comércio Varejista Atacadista e Distribuidora de Alimen-tos e Bebidas Ltda. ME apresentou impugnação, pugnando pela manutenção da decisão agravada (e-STJ, fls. 486/505).

Embora devidamente intimada, Solidez Segurança e Vigilância Ltda. dei-xou de apresentar impugnação (e-STJ, fl. 526).

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Raul Araújo (Relator):

Em que pesem as bem lançadas razões recursais, não merece êxito o inconformismo, devendo ser mantida a decisão agravada.

Trata-se, na origem, de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por Mega Marcas Comércio Varejista Atacadista e Distribuidora de Alimentos e Bebidas Ltda. ME em face de Centro de Abastecimento do Estado de Guanabara – Cadeg e Solidez Segurança e Vigilância Ltda. alegando que, não obstante as instalações da primeira ré estivessem monitoradas e protegidas pela segunda ré, mediante contrato de proteção e vigilância em valor mensal elevado, no dia 02.01.2007 houve o arrombamento da loja com a subtração de grande parte do estoque.

O Juiz de Direito julgou parcialmente procedente o pedido para conde-nar as requeridas, solidariamente, ao pagamento de danos emergentes fixados

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em R$ 58.395,23 (cinquenta e oito mil, trezentos e noventa e cinco reais e vinte e três centavos).

As partes apelaram, sendo que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento aos apelos das requeridas e deu parcial provimento à apelação da autora para condenar as rés ao pagamento de lucros cessantes no valor de 20% (vinte por cento) sobre o valor fixado a título de danos emergentes.

Seguiu-se o presente recurso especial, interposto pelo Condomínio do Centro de Abastecimento do Estado de Guanabara com base na violação aos arts. 333, I, e 535, II, do CPC/1973 e 1.348, V, do Código Civil. Além de defi-ciência na prestação jurisdicional, as razões recursais sustentaram que o con-domínio não tem responsabilidade pelo furto ocorrido nas unidades autônomas e que o autor/recorrido não comprovou adequadamente os supostos danos e prejuízos decorrentes do furto.

No que se refere à negativa de prestação jurisdicional, não se verifica a alegada violação ao art. 535 do CPC/1973, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas. De fato, inexiste omissão, obscuridade ou contradição no aresto recorrido, por-quanto o Tribunal local, malgrado não ter acolhido os argumentos suscitados pelo recorrente, manifestou-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.

Impende ressaltar que, “se os fundamentos do acórdão recorrido não se mostram suficientes ou corretos na opinião do recorrente, não quer dizer que eles não existam. Não se pode confundir ausência de motivação com funda-mentação contrária aos interesses da parte” (AgRg-Ag 56.745/SP, Relator o emi-nente Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 12.12.1994). Nesse sentido, confiram--se os seguintes julgados: REsp 209.345/SC, Relator o eminente Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 16.05.2005; REsp 685.168/RS, Relator o eminente Ministro José Delgado, DJ de 02.05.2005.

Acrescente-se que, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o magistrado não está obrigado a se pronunciar sobre todos os pontos abordados pelas partes, mormente quando já tiver decidido a controvérsia sob outros fundamentos (EDcl-REsp 202.056/SP, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJ de 21.10.2001).

Em suma, os embargos de declaração alegaram omissão sobre dois argu-mentos: não houve comprovação do suposto dano emergente; e o Condomínio não é responsável pela segurança interna de cada unidade autônoma, mas ape-nas pelas áreas comuns.

Tais temas já tinham sido devidamente apreciados no acórdão recorrido, sendo desinfluente a menção expressa aos dispositivos legais suscitados pelas partes.

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Quanto ao art. 1.348, V, do Código Civil, tal dispositivo legal encerra normatividade que não guarda relação com a fundamentação apresentada nas razões de decidir do Tribunal a quo e, por isso, não tem aptidão para excluir a responsabilidade solidária do Condomínio pelo furto ocorrido nas instalações comerciais do autor da ação indenizatória, decorrente de falha no sistema de segurança fornecido pela segunda demandada, contratada pelo Condomínio recorrente.

Com efeito, o art. 1.348 estabelece competir ao síndico: “V – diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores.”

A Corte local concluiu que a hipótese é de responsabilidade civil por fa-lha na prestação do serviço e solidariamente pela má eleição do serviço contra-tado, resultando em prejuízo sofrido pelo autor. Segundo o Tribunal a quo, se o Condomínio contratou os serviços de segurança, deve responder solidariamente pela ocorrência dos danos decorrentes do furto, na medida em que se obrigou a oferecer segurança aos seus condôminos e/ou comerciantes ali instalados, cobrando taxas remuneratórias elevadas para a execução do serviço e, portanto, assumindo uma obrigação de resultado.

A propósito, confira-se a fundamentação do v. acórdão recorrido (e-STJ, fls. 341/342):

“Trata-se de ação ordinária de responsabilidade civil de danos materiais c/c da-nos morais, visando a Autora indenização pelos danos sofridos em decorrência do arrombamento e furto de mercadorias no interior de sua loja, localizada no condomínio da primeira ré [Cadeg], o qual possui serviço de vigilância 24 horas fornecido pela segunda ré.

[...]

O fato narrado na inicial é incontestável, posto que comprovado com o registro de ocorrência acostado às fls. 26/27, bem como o laudo pericial de fls. 31/32. Restou a ser apurado pelo Juízo sentenciante as responsabilidades pelo dano so-frido pelo autor, as quais acertadamente reconheceu como sendo solidariamente dos réus.

Desde que contratado pelo condomínio (segundo apelante) os serviços de se-gurança do primeiro apelante, está afirmada a responsabilidade solidária, na medida em que aquele, a título de prevenir fatos dessa natureza e oferecer co-modidade de segurança aos seus condôminos e/ou comerciantes ali instalados, assumiram o risco do empreendimento, notadamente porque o serviço prestado pelo segundo réu se mostrou falho.

Alie-se a isso o fato de o segundo apelante ter cobrado dos condôminos signifi-cativas taxas remuneratórias pela execução do serviço de segurança e, não obs-

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tante, pretende transferir ao autor unicamente a responsabilidade pelos prejuízos por ele sofridos.

Como bem lançado na r. sentença, ‘A culpa do primeiro Réu decorre da má es-colha do preposto na prestação do serviço, tendo o código civil de 2002, em seu art. 933, estabelecido responsabilidade objetiva nesta hipótese, e não mais culpa presumida, como era no código anterior.’

Está equivocado o primeiro apelante, haja vista que seu objeto é justamente a prestação de serviço de segurança e vigilância, e por isso responde, no caso, ob-jetivamente, segundo a teoria do risco do empreendimento, como acima referido [art. 14 do CDC]. Seu serviço era exatamente o de prevenir tais investidas ilícitas, o que não logrou bem executar. Daí, respondem solidariamente o primeiro e segundo apelantes pelos danos causados ao terceiro apelante.”

Como visto, o art. 1.348, V, do Código Civil não possui pertinência com o decidido no v. aresto hostilizado, não tendo, assim, força normativa suficiente para reformar o acórdão impugnado.

Com efeito, “a indicação de artigo de lei federal tido por violado que não guarda pertinência temática com a matéria discutida nos autos obsta o conhe-cimento do recurso especial, a teor da Súmula nº 284/STF” (REsp 846.049/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ de 08.09.2008).

Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONA-MENTO – VIOLAÇÃO AO ART. 535 – INOCORRÊNCIA – COMANDO INCA-PAZ DE INFIRMAR A CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO – TAXA DE 6% AO ANO – EFICÁCIA DA MP 1.577/1997 – PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM – PRECEDENTES

[...]

3. Não pode ser conhecido o recurso especial se o dispositivo apontado como violado não contém comando capaz de infirmar o juízo formulado no acórdão recorrido. Incidência, por analogia, a orientação posta na Súmula nº 284/STF.

[…]

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.” (REsp 884.146/MT, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 16.08.2007)

Não se trata de falta de prequestionamento do art. 1.348, V, do Código Civil, como equivocadamente concluiu o agravante de modo a insistir na anula-ção do acórdão recorrido por deficiência na prestação jurisdicional. Ocorre que tal dispositivo legal não contém comando capaz de infirmar o juízo formulado no acórdão recorrido, sendo deficiente a fundamentação do recurso especial di-

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rigida a excluir a responsabilidade civil do Condomínio demandado, amparada tão somente no citado artigo de lei.

Ressalta-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que “o condomínio tem o dever de indenizar caso resulte de-monstrado que, explícita ou implicitamente, obrigou-se a propiciar seguran-ça, responsabilizando-se por falhas quanto a isso” (REsp 39.424/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3ª T., Julgado em 07.06.1994, DJ de 22.08.1994, p. 21.262).

O agravante alega que, ao contrário do precedente citado acima, no caso concreto o Cadeg nunca se obrigou a fornecer segurança para as unidades au-tônomas do Condomínio, limitando-se sua responsabilidade às áreas comuns.

Ocorre que o acórdão recorrido está amparado na premissa de que, ao cobrar dos condôminos significativas taxas remuneratórias pela execução do serviço de segurança (este no valor mensal de R$ 98.320,29) e oferecendo tal comodidade aos seus condôminos e/ou comerciantes, assumiu o risco do em-preendimento, notadamente porque o serviço prestado pela segunda deman-dada se mostrou falho. Assim, sua responsabilidade decorre da má escolha do preposto na prestação do serviço.

Nessa linha, pode-se concluir que o Condomínio obrigou-se, sim, a pro-piciar segurança, devendo-se responsabilizar por falhas quanto a isso.

No tocante à comprovação satisfatória, por parte do autor, dos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes do furto (ofensa ao art. 333, I, do CPC/1973), a reforma do julgado demandaria, necessariamente, o reexame do substrato fático-probatório dos autos, providência vedada no âmbito estreito do recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 7 do STJ.

O agravante não logrou êxito em demonstrar o desacerto da decisão agravada, a qual merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos.

Diante de tais pressupostos, nega-se provimento ao agravo interno.

É como voto.

CertiDão De Julgamento quarta turma

Número Registro: 2013/0362478-9

Processo Eletrônico AgInt-REsp 1.459.179/RJ

Números Origem: 02594267320088190001 20080012566360 201324558622 2594267320088190001

Pauta: 16.03.2017 Julgado: 16.03.2017

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Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Humberto Jacques de Medeiros

Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação

Recorrente: Condomínio do Centro de Abastecimento do Estado de Guanabara

Advogado: Luciano Vianna Araújo – RJ080725

Advogada: Mia Alessandra de Souza Reis Schneider e outro(s) – RJ144122

Recorrido: Mega Marcas Comércio Varejista Atacadista e Distribuidora de Alimentos e Bebidas Ltda. ME e outro

Advogado: Walter da Costa Martins e outro(s) – RJ022081

Recorrido: Solidez Segurança e Vigilância Ltda.

Advogado: Felipe Lopes Figueiredo e outro(s) – RJ103989

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos

agravo interno

Agravante: Condomínio do Centro de Abastecimento do Estado de Guanabara

Advogado: Luciano Vianna Araújo – RJ080725

Advogada: Mia Alessandra de Souza Reis Schneider e outro(s) – RJ144122

Agravado: Mega Marcas Comércio Varejista Atacadista e Distribuidora de Alimentos e Bebidas Ltda. ME e outro

Advogado: Walter da Costa Martins e outro(s) – RJ022081

Agravado: Solidez Segurança e Vigilância Ltda.

Advogado: Felipe Lopes Figueiredo e outro(s) – RJ103989

CertiDão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2643

Superior Tribunal de JustiçaConflito de Competência nº 139.581 – MG (2015/0079827‑3)Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas CuevaSuscitante: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Conselheiro Lafaiete/MGSuscitado: Juízo de Direito da 9ª Vara Cível de Brasília/DFInteres.: Maria das Gracas RossiAdvogado: Luciana Gonçalves Dias e outro(s)Repr. por: Jayme VieiraAdvogado: Hudson Cunha

ementa

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – PROCESSUAL CIVIL – USUFRUTO VITALÍCIO DE IMÓVEL – DIREITO DE ADMINISTRAÇÃO E PERCEPÇÃO DOS FRUTOS – AÇÃO PESSOAL – COMPETÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DO RÉU

1. Conflito suscitado em ação por meio da qual a autora pretende a condenação da parte demandada a restituir a plenitude de seus pode-res de usufrutuária vitalícia de imóvel, para que possa administrá-lo e perceber os frutos correspondentes.

2. Inexistência de controvérsia quanto à existência do direito real de usufruto vitalício, já constituído em favor da autora em ação de se-paração litigiosa e por escritura pública, nos moldes do art. 1.391 do Código Civil.

3. Hipótese em que nem mesmo a posse do imóvel é objeto de dis-cussão, visto que se pretende definir apenas quem deve administrá-lo e a quem devem ser destinados os frutos dele advindos.

4. Demanda originária fundada em direito pessoal, a atrair a apli-cação do art. 94 do Código de Processo Civil/1973, que estabelece como competente o foro do domicílio do réu.

5. Ademais, havendo pedido da própria autora, que não reside no Distrito Federal, para que os autos fossem remetidos à Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG, deve tal pleito ser interpretado como opção pelo foro do domicílio do réu, conforme autoriza a segunda parte do art. 95 do CPC/1973.

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6. Nos termos do art. 95 do Código de Processo Civil/1973, não re-caindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras ou nunciação de obra nova, o autor pode optar pelo foro do domicílio do réu ou de eleição.

7. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG, ora suscitante.

aCórDão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito para decla-rar competente o Juízo de Direto da 3ª Vara Cível da Comarca de Conselhei-ro Lafaiete/MG, o suscitante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Luis Felipe Salomão, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão.

Brasília (DF), 22 de junho de 2016 (data do Julgamento).

Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva – Relator

relatório

O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

Trata-se de conflito negativo de competência em que é suscitante o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG, tendo como suscitado o Juízo de Direito da 9ª Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/ DF.

Na origem, Maria das Graças Rossi ajuizou, perante o juízo suscitado (Brasília/DF), ação nominada como reivindicatória de usufruto vitalício de imó-vel localizado na Capital Federal, em desfavor de seu ex-marido e seus filhos, residentes e domiciliados em Conselheiro Lafaiete/MG.

O Juízo suscitado declinou da competência sob o fundamento de que “a situação debatida nos autos não se refere a nenhuma das hipóteses que determi-ne a competência absoluta da situação do imóvel” , entendendo que se aplica ao caso “a regra geral de que a ação deve ser proposta no domicílio dos réus” (fl. 29 e-STJ).

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O Juízo suscitante, por seu turno, com fundamento no art. 95 do CPC/1973, defende que o caso é de competência absoluta, tendo em vista que a parte autora, com base no direito real de usufruto vitalício sobre imóvel, rei-vindica a posse, o uso, a administração e a percepção de frutos.

O Ministério Público Federal, em seu parecer (fls. 39-42 e-STJ), opinou pelo conhecimento do conflito para que seja declarada a competência do Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator):

O conflito está configurado e deve ser dirimido.

O art. 95 do Código de Processo Civil de 1973 estabelece:

“Art. 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.”

O preceito supramencionado, em sua primeira parte, fixa a regra geral de competência absoluta para, em seguida, estabelecer hipótese excepcional em que, ao alvedrio do autor, pode ser relativizada.

Interpretando-o, conclui-se que, em se tratando de demandas versando sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras ou nunciação de obra nova, deverá ser observada, obrigatoriamente, a regra geral da primeira parte do dispositivo, dando-se como competente o foro da situação da coisa.

Não recaindo o litígio sobre nenhuma dessas hipóteses, pode o autor optar pelo foro do domicílio, mas a tanto não está obrigado.

Mediante interpretação sistemática e teleológica da norma em comento, presume-se que o legislador, ao utilizar a expressão “foro do domicílio”, estava se referindo ao domicílio do réu, sobretudo diante da regra geral estabelecida no preceito anterior (art. 94) para as ações fundadas em direito pessoal e em direito real sobre bens móveis.

Essa dúvida, aliás, foi definitivamente eliminada com a edição do Código de Processo Civil/2015, que assim disciplinou a matéria:

“Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.

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§ 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.” (grifou-se)

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery bem esclarecem os motivos determinantes dessa regra processual de competência (Código de Pro-cesso Civil Comentado e legislação extravagante. 9. ed. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2006, p. 95):

“[...]

Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis, é competente o foro da situ-ação da coisa (forum rei sitae), tendo em vista que o juiz desse lugar, por exercer ali sua função, tem melhores condições de julgar essas ações, aliado ao fato de que as provas, normalmente, são colhidas mais direta e facilmente.”

Essa proximidade do juiz da causa com o imóvel objeto do litígio não parece ter nenhuma utilidade prática para a solução da presente controvérsia, como se passará a expor.

No caso vertente, não há controvérsia quanto à existência do direito real de usufruto vitalício, tendo em vista que este foi constituído em favor da autora nos autos da Ação de Separação Litigiosa nº 15.427/1991 (e-STJ fl. 13) e por escritura pública lavrada perante o Cartório do 4º Ofício de Notas de Brasília (e-STJ fl. 18), atendendo, portanto, ao que dispõe o art. 1.391 do Código Civil:

“Art. 1.391. O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir--se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis.”

Ademais, não obstante também pleitear na inicial a declaração do direito de usufruto, o que a autora pretende, a rigor, é somente que os demandados sejam condenados a devolverem a plenitude de seus poderes de usufrutuária, a fim de que possa administrar o imóvel sem a interferência de outras pessoas (e-STJ fl. 9).

Vale registrar, a propósito, que nem mesmo a posse do imóvel é objeto de discussão, visto que se pretende definir apenas quem deve administrá-lo e a quem devem ser destinados os frutos dele advindos.

Quanto a esse aspecto, a parte autora ainda traz como argumento o fato de que, nos Autos da Ação de Alimentos nº 18004022548-4, que tramitou pe-rante a 2ª Vara da Comarca de Congonhas/MG, ficou acordado que a adminis-tração do multicitado imóvel ficaria a cargo da autora (e-STJ fl. 19).

A demanda originária, portanto, está fundada em direito pessoal, a atrair a aplicação do art. 94 do CPC/1973, que estabelece como competente o foro do domicílio do réu.

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Em situação semelhante, esta Corte conferiu o seguinte tratamento à ma-téria:

“PROCESSO CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO ANULATÓRIA – ESCRITURA PÚBLICA DE CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS POSSES-SÓRIOS – DIREITO PESSOAL – DIREITO REAL IMOBILIÁRIO – COMPETÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DO RÉU – ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 95 E 100 DO CPC

1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de cessão e transferência de direitos possessórios, ajuizada em agosto de 2009, da qual foi extraído o presente conflito de competência, concluso ao Gabinete em 07.05.2010.

2. Discute-se a competência para julgamento de ação declaratória de cessão de direitos possessórios, considerando o disposto no art. 95 do CPC e a existência de outras duas ações, em que se discute a posse do bem, e que tramitam no foro da situação deste.

3. A partir da exegese da norma do art. 95 do CPC, na hipótese do litígio versar sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova, a ação correspondente deverá necessaria-mente ser proposta na comarca em que situado o bem imóvel, porque a compe-tência é absoluta.

4. Por outro lado, a ação, ainda que se refira a um direito real sobre imóvel, pode-rá ser ajuizada pelo autor no foro do domicílio do réu ou, se o caso, no foro eleito pelas partes, se não disser respeito a nenhum daqueles direitos especificados na segunda parte do art. 95 do CPC, haja vista se tratar de competência relativa.

5. Na hipótese, conforme apontado pelo juízo suscitante, o litígio analisado não versa sobre nenhum direito real imobiliário, mas sobre a eventual nulidade da escritura de cessão de posse de imóvel, por razões formais. Aliás, é importante mencionar, nesse contexto, que nem mesmo a posse do imóvel é objeto da pre-sente ação.

6. Não há competência absoluta do foro da situação do bem para o julgamento da presente ação, sendo inaplicável o art. 95 do CPC. A competência é relativa, devendo ser fixada de acordo com as regras do art. 100 do CPC.

7. Nem mesmo poder-se-ia pensar em conexão entre a ação declaratória e as ações de reintegração de posse e embargos de terceiro porque não se vislumbra identidade de pedidos ou de causa de pedir, conforme prevê o art. 103 do CPC, para autorizar a reunião dos processos.

8. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito de São José do Ouro/RS” (CC 111.572/SC, Relª Min. Nancy Andrighi, 2ª S., Julgado em 09.04.2014, DJe 15.04.2014).

Além disso, ainda que se levasse em conta o despiciendo pedido decla-ratório do direito ao usufruto formulado na inicial, não se pode desconside-

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rar que a própria autora, que não reside no Distrito Federal, requereu perante o Juízo suscitado que os autos fossem remetidos à Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG.

Não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras ou nunciação de obra nova, pode tal pedido ser interpretado como opção da autora pelo foro do domicílio do réu, conforme autoriza a segunda parte do art. 95 do CPC/1973, a justificar o acolhi-mento da exceção de incompetência e a remessa dos autos ao Juízo suscitante.

Ante o exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG, ora sus-citante.

É o voto.

CertiDão De Julgamento segunDa seção

Número Registro: 2015/0079827-3

Processo Eletrônico CC 139.581/MG

Números Origem: 0183081548434 183081548434 20080110279577

Em Mesa Julgado: 22.06.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Pedro Henrique Távora Niess

Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner

autuação

Suscitante: Juízo de Direito da 3ª Vara Cível de Conselheiro Lafaiete/MG

Suscitado: Juízo de Direito da 9ª Vara Cível de Brasília/DF

Interes.: Maria das Gracas Rossi

Advogado: Luciana Gonçalves Dias e outro(s)

Repr. por: Jayme Vieira

Advogado: Hudson Cunha

Assunto: Direito civil – Coisas – Usufruto

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CertiDão

Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito para declarar competente o Juízo de Direto da 3ª Vara Cível da Comarca de Conselheiro Lafaiete/MG, o sus-citante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Luis Felipe Salomão, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2644

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.654.965 – SP (2016/0045323‑0)Relator: Ministro Herman BenjaminRecorrente: Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNITRecorrido: Eloi CerchiariAdvogado: Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista – SP061528

ementa

RECURSO ESPECIAL – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – PRESCRIÇÃO – DIREITO REAL – PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA – SÚMULA Nº 119/STJ – CÓDIGO CIVIL DE 2002 – ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO – PRESCRIÇÃO DECENAL – REDUÇÃO DO PRAZO – REGRA DE TRANSIÇÃO

1. Descabida a tese de que o prazo prescricional teria início na data do decreto expropriatório, pois não se trata de desapropriação direta, mas indireta. Isso porque apesar de ter sido inicialmente observado o processo de desapropriação, a indenização não foi paga, nos termos do pactuado entre expropriante e expropriado, de modo que o acordo não se aperfeiçoou assim como a desapropriação direta que se con-volou em indireta.

2. O prazo de cinco anos de que trata o art. 10 do Decreto nº 3.365/1941 dirige-se ao expropriante, cabendo a ele ajuizar a ação ou efetivar acordo dentro do prazo quinquenal, o que não se confun-de com o prazo de que dispõe o expropriado para intentar ação de desapropriação indireta.

3. Com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos” (Súmula nº 119/STJ).

4. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo da usucapião extraordi-nário para 10 (dez) anos (art. 1.238, parágrafo único), devendo-se, a partir de então, observar as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotando-o nas expropriatórias indiretas. Prece-dentes: REsp 1.300.442/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 26.06.2013; REsp 944.351/PI, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 15.04.2013.

5. Especificamente na hipótese dos autos, levando-se em conta que o recorrente o recorrente está na posse do imóvel desde 09.03.1998

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e que não decorreu mais da metade do prazo vintenário do código revogado, consoante a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002, incide o prazo decenal do atual Codex, a partir de sua en-trada em vigor 11.01.2003.

6. Assim, tendo em vista que a ação foi proposta em 26.02.2010, consoante consta do acórdão recorrido, antes do transcurso de 10 (dez) anos da vigência do Código Civil de 2002, não se configurou a prescrição.

7. Recurso Especial não provido.

aCórDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justi-ça: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão vota-ram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 06 de abril de 2017 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

relatório

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Trata-se de Recurso Especial (art. 105, III, a, da CF) interposto contra acórdão assim ementado:

DIREITO ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO – PRAZO PRESCRICIONAL – CONVOLAÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO DIRETA E INDIRETA – CADUCIDA-DE DO DECRETO EXPROPRIATÓRIO – AUSÊNCIA DE INDENIZAÇÃO – PRA-ZO PRESCRICIONAL DE VINTE ANOS – INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO

1. Não obstante a ação esteja rotulada como sendo de desapropriação direta, por ter havido apossamento do bem pelo Estado a princípio com prévia observância de processo de desapropriação, com declaração de utilidade pública e avaliação do valor do bem, de desapropriação direta não se trata.

2. Por força do disposto no art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, decorrido o prazo de cinco anos da declaração de utilidade pública, sem a realização de acordo em relação ao valor da gleba objeto do Decreto expropriatório, tampouco ajuizamento da correspondente ação de desapropriação, ocorre a caducidade do respectivo Decreto.

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2.1 Embora tenha caducado o decreto, conforme entenderam as autoridades administrativas, o processo expropriatório seguiu seu curso normal. Conforme consta da apelação interposta, o imóvel encontra-se na posse do poder público, argumento que em momento algum foi contraditado pelo apelado.

2.2 Uma vez que a indenização não foi paga, nos termos do pactuado entre expropriante e expropriado, o acordo celebrado não se aperfeiçoou, assim como o regular trâmite da desapropriação direta. Aliás, o acordo sobre o valor do bem desapropriando só teria se concretizado “...no momento em que o expropriando recebe o preço fixado na avença e é assinada, no caso de imóvel, a respectiva escritura pública de transferência de domínio” (A desapropriação: à luz da dou-trina e da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 211).

2.3 A desapropriação direta acabou se convolando em indireta. CF, art. 5º, XXIV. Doutrina. Outro entendimento fere a “justa indenização” prevista constitucional-mente. Equivale a permitir à Administração tomar um bem para si, promover um processo administrativo que resultou em sua avaliação, com a qual o particular concordou, e depois não pagar ao particular, sob o argumento de que seu direito decaiu. Precedente do C. STJ e do TRF 5ª R.

3. Em se tratando de desapropriação indireta, a prescrição não ocorreu por força do estabelecido na Súmula nº 119 do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a qual “A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos” (Órgão julgador: Primeira Seção, data do julgamento: 08.11.1994, data da publicação/fonte: DJ 16.11.1994, p. 31143). Sobre o prazo vintenário das desapropriações indiretas, ver seguintes precedentes do C. STJ.

4. A prescrição, sendo vintenária, ainda não havia se concretizado quando do ajuizamento da ação, razão pela qual não há que se reconhecer prescrito o direi-to de ação dos apelados.

5. Apelação conhecida a que se dá provimento, por força da inocorrência da prescrição, determinando-se ao primeiro grau de jurisdição que proceda a novo julgamento da causa.

Não foram opostos Embargos de Declaração.

O recorrente alega que o art. 10, parágrafo único, do Decreto nº 3.365/1941 foi violado, pois teria ocorrido a decadência do direito de o re-corrido em receber a indenização. Assevera que o expropriado teria o prazo de cinco anos contado da publicação do ato expropriatório, em 22.08.1996, para obter tal valor. Informa que em 09.03.1998 o DNIT tomou posse da área, com autorização do expropriado; no dia 23.07.2001 o recorrido concordou com o valor da avaliação e não mais peticionou para requerer o citado montante; em 24.03.2003 ajuizou a presente demanda para obter o pagamento da indeniza-ção. Pleiteia, subsidiariamente, a aplicação do prazo prescricional do art. 1º do Decreto 20.910/1932 c/c o art. 2º do Decreto-Lei nº 4.597/1942.

É o relatório.

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voto

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): A irresignação não me-rece prosperar.

Ao decidir a controvérsia, o Tribunal a quo consignou:

Consta dos autos que a desapropriação direta iniciou-se com a publicação da Portaria nº 880/DES (fls. 64 e 204), de 22.08.1996, que declarou de utilidade pública o imóvel de propriedade de Eloi Cerchiari.

Em 09.03.1998, o expropriado firmou documento autorizando a entrada de má-quinas de terraplanagem no imóvel (fls. 66 e 225).

O Laudo de Avaliação, datado de junho de 2001, consta das fls. 229/257, tendo o imóvel sido avaliado em R$ 2.538,00 (dois mil quinhentos e trinta e oito reais e oito centavos).

Em 23.07.2001, Eloi Cerchiari concordou com esse valor da indenização, de R$ 2.538,00 (fl. 93).

Por meio da Nota de Esclarecimento (fl. 268), de junho de 2001, a Comissão de Avaliação informa que o laudo avaliatório está em consonância com as normas técnicas vigentes.

O Relatório Analítico do Laudo nº 22 Lote-5-B/SP (fls. 69/70), datado de 27.12.2001, demonstra ainda que o valor do imóvel foi apurado nesse montante.

Em 22.05.2002, o Representante do DNER-SP recomenda que se dê prossegui-mento ao trâmite processual, diante da sua verificação de que (i) a propriedade foi devidamente avaliada, (ii) a documentação apresentada pode ser considerada adequada, e (iii) o proprietário concordou com a avaliação efetuada.

Em 19.06.2002, o Coordenador da 8ª UNIT/DNIT solicita a aprovação do laudo de avaliação e as providências cabíveis.

Em 26.07.2002, o Despacho do PG/DNIT nº 136/2002 (fls. 65 e 273) indeferiu o pagamento da indenização, na esfera administrativa, nos autos do Processo nº 51180.002869/99-71, ao fundamento de que o Ato Expropriatório nº 880/DES foi fulminado pela decadência, nos termos do art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Referido Despacho tem o seguinte teor:

[...]

Em 24.03.2003, essas informações foram reafirmadas pelo Ofício nº 286/2003 do DNIT (fl. 14), nos seguintes termos:

[...]

Não consta dos autos eventuais e possíveis pedidos do expropriado de levanta-mento do valor acordado.

A ação ordinária, no bojo da qual foi interposta a apelação ora analisada, foi proposta por Eloi Cerchiari contra o DNIT em 26.02.2010.

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Não obstante a ação esteja rotulada como sendo de desapropriação direta, por ter havido apossamento do bem pelo Estado a princípio com prévia observância de processo de desapropriação, com declaração de utilidade pública e avaliação do valor do bem, de desapropriação direta não se trata.

Por força do disposto no art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, decorrido o prazo de cinco anos da declaração de utilidade pública, sem a realização de acordo em relação ao valor da gleba objeto do Decreto expropriatório, tampouco ajui-zamento da correspondente ação de desapropriação, ocorre a caducidade do respectivo Decreto. Estabelece o art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, in verbis:

[...]

Embora tenha caducado o decreto, conforme entenderam as autoridades admi-nistrativas, o processo expropriatório seguiu seu curso normal.

Conforme consta da apelação interposta, o imóvel encontra-se na posse do poder público, argumento que em momento algum foi contraditado pelo apelado.

Uma vez que a indenização não foi paga, nos termos do pactuado entre expro-priante e expropriado, o acordo celebrado não se aperfeiçoou, assim como o regular trâmite da desapropriação direta. Aliás, o acordo sobre o valor do bem desapropriando só teria se concretizado “...no momento em que o expropriando recebe o preço fixado na avenca e é assinada. no caso de imóvel, a respectiva escritura pública de transferência de domínio” (A desapropriação: à luz da dou-trina e da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 211).

Diante disso, a desapropriação direta acabou se convolando em indireta.

[...]

Consoante se extrai do acórdão recorrido e das próprias razões recursais, o recorrente, desde 09.03.1998, está na posse do imóvel, que pertencia ao re-corrido, não tendo efetuado qualquer pagamento por ele (imóvel).

Descabida a tese de que o prazo prescricional teria início na data do decreto expropriatório, pois, como bem ressaltado pelo acórdão recorrido, não se trata de desapropriação direta, mas indireta. Isso porque apesar de ter sido inicialmente observado o processo de desapropriação, a indenização não foi paga, nos termos do pactuado entre expropriante e expropriado, de modo que o acordo não se aperfeiçoou assim como a desapropriação direta que se convolou em indireta.

Ademais, como igualmente frisado pelo aresto vergastado, o prazo de cinco anos de que trata o art. 10 do Decreto nº 3.365/1941 dirige-se ao expro-priante, cabendo a ele ajuizar a ação ou efetivar acordo dentro do prazo quin-quenal, o que não se confunde com o prazo de que dispõe o expropriado para intentar ação de desapropriação indireta.

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Nesse sentido, confira-se o elucidativo precedente do Superior Tribunal de Justiça a que já se referira o aresto impugnado:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC: INEXISTÊNCIA – ART. 10 DO DECRETO--LEI Nº 3.365/1941 – CADUCIDADE DO DECRETO EXPROPRIATÓRIO – PRES-CRIÇÃO VINTENÁRIA – OCUPAÇÃO DA PROPRIEDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DIFERENÇA ENTRE O VALOR FINAL DA INDENIZAÇÃO E O VALOR DA OFERTA – NÃO APLICAÇÃO DO ART. 27, § 1º DO CPC

1. Inexiste violação do art. 535 do CPC se o Tribunal a quo pronuncia-se expres-samente sobre as questões ditas omissas ou se deixou de fazê-lo por tratar-se de inovação processual, não estando, por isso, obrigado a manifestar-se.

2. Não há contradição quando, não obstante o inconformismo da parte, há coe-rência no raciocínio desenvolvido pelo Tribunal.

3. O prazo de que trata o art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 dirige-se ao expro-priante, a quem cabe ajuizar a ação de desapropriação direta ou efetivar acordo dentro do prazo quinquenal, o que não se confunde com o prazo vintenário de que dispõe o expropriado para intentar ação de desapropriação indireta (Súmula nº 119/STJ).

4. A análise da tese de que o Município não ocupou a área esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ.

5. O Decreto-Lei nº 3.365/1941 é a lei a ser aplicada aos processos de desapro-priação, o qual, por ser lei especial afasta a lei geral, o CPC, em nome do princí-pio da especialidade.

6. A chamada desapropriação não é ação especial e sim ação ordinária de in-denização, razão pela qual aplica-se a lei geral e não a lei especial da desapro-priação.

7. Pelo disposto no § 3º do art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, com a redação dada pela MP 2.183-56/2001 (só aplicável aos processos posteriores ao apos-samento), os honorários devem incidir sobre a diferença entre o valor final da indenização e a oferta (§ 1º do mesmo dispositivo legal).

8. A regra não tem aplicação nas desapropriações indiretas porque sendo ação ordinária aplica-se a regra geral. Ademais, não há oferta.

9. Recurso especial do Município improvido e recurso especial dos autores pro-vido em parte.

(REsp 788.282/PR, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., Julgado em 17.04.2007, DJ 30.04.2007, p. 303)

Como cediço, com fundamento no art. 550 do Código Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que “a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos” (Súmula nº 119/STJ).

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O Código Civil de 2002 reduziu o prazo da usucapião extraordinário para 10 (dez) anos (art. 1.238, parágrafo único), devendo-se, a partir de então, observar as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotando-o nas expropriatórias indiretas. Precedentes: REsp 1.300.442/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 26.06.2013; REsp 944.351/PI, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 15.04.2013.

Especificamente na hipótese dos autos, levando-se em conta que o recor-rente está na posse do imóvel desde 09.03.1998 e que não decorreu mais da metade do prazo vintenário do código revogado, consoante a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002, incide o prazo decenal do atual Codex, a partir de sua entrada em vigor 11.01.2003.

Assim, tendo em vista que a ação foi proposta em 26.02.2010, consoante consta do acórdão recorrido, antes do transcurso de 10 (dez) anos da vigência do Código Civil de 2002, não se configurou a prescrição.

Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial.

É como voto.

CertiDão De Julgamento segunDa turma

Número Registro: 2016/0045323-0 REsp 1.654.965/SP

Números Origem: 00017318120104036104 1666134 17318120104036104 20106104000017315

Pauta: 06.04.2017 Julgado: 06.04.2017

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Elaeres Marques Teixeira

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

autuação

Recorrente: Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT

Recorrido: Eloi Cerchiari

Advogado: Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista – SP061528

Assunto: Direito Administrativo e outras matérias de direito público – Intervenção do Estado na propriedade – Desapropriação

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������������������������������������133

CertiDão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães (Presidente) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2645

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoAgravo de Instrumento – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0102689‑42.2014.4.02.0000 (2014.00.00.102689‑8)Relator: Desembargador Federal Guilherme DiefenthaelerJuíza Federal Convocada Helena Elias PintoAgravante: Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaProcurador: Procurador FederalAgravado: Gilio Lorencini Netto e outrosAdvogado: sem advogadoOrigem: 2ª VF Cachoeiro – Cível/Execução Fiscal (00004248820144025002)Juiz Federal Dimitri Vasconcelos Wanderley

ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO – REFORMA AGRÁRIA – INCRA – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – ESBULhO POR 13 ANOS – LIMINAR INDEFERIDA – INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – DECISÃO NÃO TERATOLÓGICA – LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ – RECURSO IMPROVIDO

1. Trata-se de Agravo de Instrumento a fim de reformar decisão pro-ferida em Ação de Reintegração de Posse que indeferiu a medida liminar pleiteada para imissão na posse de imóvel objeto de desapro-priação pelo Incra.

2. Passado mais de ano e dia do esbulho possessório – cerca de 13 anos (posse velha), submetido, por via de consequência, ao rito co-mum (art. 924 do CPC/1973), é possível a concessão da tutela anteci-pada, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 273 do CPC/1973.

3. No caso vertente, ausente ao menos um dos requisitos do art. 273 do CPC/1973, já que não se vislumbra, nesta análise preliminar, con-forme bem asseverou o Juízo de Origem, “[...] o periculum in mora, indispensável ao deferimento da medida. Afinal, tratando-se de posse antiga, caberia ao Incra demonstrar concretamente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. No entanto, não veio aos autos, ao menos neste limiar do processo, comprovação inequívoca de que a permanência dos réus na área objeto da lide acarretará danos graves à autarquia, ao patrimônio público ou a outros interesses envolvidos

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na demanda, de modo a justificar a expedição do mandado de reinte-gração sem se oportunizar o exercício prévio do contraditório”.

4. Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do re-curso.

5. Ademais, esta Corte tem deliberado que apenas em casos de de-cisão teratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagrantemente ilegal, ilegítimo e abusivo, justificaria a reforma pelo órgão ad quem, em Agravo de Instrumento. E, nesse contexto, a ilegalidade da decisão deve ficar demonstrada, pois, do contrário, o conflito deve ser resolvido ao final, no bojo da sentença a ser examinada pelo Tribunal competente, em grau de recurso, com cognição ampla.

6. Agravo de Instrumento improvido.

aCórDão

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Oitava Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora, constante dos autos e que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2017.

Helena Elias Pinto Juíza Federal Convocada

relatório

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, a fim de reformar a decisão, cuja có-pia se encontra acostada às fls. 25/27, proferida pelo Juízo da 02ª Vara Fe-deral de Cachoeiro de Itapemirim, da Seção Judiciária do Espírito Santo, nos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 0000424-88.2014.4.02.5002 (2014.50.02.000424-8), que indeferiu a medida liminar pleiteada para imissão na posse do imóvel expropriando.

Sustenta o Agravante (fls. 01/24), em síntese, que:

1. O Incra, após a desapropriação para fins de reforma agrária do imó-vel rural denominado “Fazenda Safra” (Proc. Judicial nº 0011030-

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40.1998.4.02.5002), criou o Projeto de Assentamento “PA Nova Safra”, passando a assentar famílias de trabalhadores rurais be-neficiadas na conformidade da Lei nº 4.504/1964, c/c o Decreto nº 59.428/1966, Lei nº 8.629/1993 e instruções normativas internas da Autarquia. Dentre as famílias cadastradas e beneficiadas pelo Projeto, um dos beneficiários contemplados foi o Sr. Levino Tomé da Rocha, juntamente com sua família, que assinou, na condição de parceleiro, compromisso junto a Autarquia, se comprometendo a explorar a parcela que lhe foi destinada e a cumprir as regras cons-tantes do termo de declaração que firmou. O não cumprimento de tais regras importaria na exclusão dos mesmos do Plano Nacional de Reforma Agrária – PNRA. O assentado Levino Tomé da Rocha fa-leceu em 23.06.2001, fato que levou o Incra a dar início aos proce-dimentos administrativos voltados a garantir a posse da parcela aos herdeiros. Durante a tramitação do processo, o réu Gílio Lorencini Netto passou a intervir no caso apresentando procuração outorgada por um dos filhos, vindo a solicitar a transferência do contrato de assentamento. No ano de 2003, foi constatado efetivamente o esbu-lho do lote pelo Sr. Gílio Lorencini Netto. Para tanto, o réu alegou que um sucessor do beneficiário falecido teria vendido o lote ao invasor Vanderley Francisco Lorencini, tendo o Réu Gilio ficado na posse indireta do lote.

2. Ao tomar conhecimento da suposta venda da parcela pelo benefi-ciário e da sucessão de eventos que resultou na atual conforma-ção de pessoas invasoras (requeridos nesta Ação), as quais estão resistindo às medidas administrativas efetivadas para que viessem a desocupá-lo. Constata-se inequivocamente o “esbulho direto” do imóvel por parte dos requeridos, traduzindo-se pela insistência em permanecer irregularmente na área, mesmo após as devidas notifi-cações administrativas para desocupá-la, configurando a má-fé dos invasores.

3. Estreitíssima, portanto, a possibilidade de se configurar a boa-fé na ocupação de imóveis públicos, motivo pelo qual, não há dúvida de que a posse dos requeridos não é justa e de boa-fé. Ela é injusta por-que originária ou de uma suposta compra e venda contratada com quem não tinha, nem nunca teve, o direito de negociação do bem, ou por se tratar de invasão de pessoas que não têm o perfil nem o direito de figurarem como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA. Assim sendo, a posse ora exercida pelos Requeridos é de má-fé, pois mantida por esbulhadores sabedores

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de que o bem imóvel pertence ao Incra, tendo, por conseguinte, consciência da sua ilegitimidade.

4. O art. 25, § 4º da Lei nº 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e seu Decreto nº 59.428/1966, art. 72, recepcionados pela Constituição Federal de 1988, coíbem, expressamente, a alienação de parcelas sem con-sentimento do Ente Agrário, atualmente, o Incra.

5. Pela regulação especial do art. 71 do DL 9.760/1946, mesmo sendo a posse ilegal do lote 31 do PA Nova Safra mais antiga que um ano e um dia, ainda assim é plena e juridicamente correta e necessária a concessão da liminar aqui pleiteada.

6. Ainda que não aplicável ao caso o disposto no art. 71 do DL 9.760/1946, o Incra vem requerer sucessivamente a concessão da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional em seu favor, pois, a teor do art. 273, do CPC, a antecipação da tutela jurisdicional está condicionada à existência de prova inequívoca do direito pleiteado e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Requer a sua imediata reintegração de posse na área ocupada pelos Agra-vados. Informações do Juízo de Origem à fl. 212.

Sem contrarrazões.

O Ministério Público Federal, em seu parecer de fl. 218, opinou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

voto

A Exma. Juíza Federal Convocada Helena Elias Pinto (Relatora):

Cumpre salientar que, embora já esteja em vigor o Código de Processo Civil de 2015, a análise deste recurso será feita à luz do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que vigente quando interposto, nos termos do art. 14 do CPC/2015.

A decisão agravada está assim lançada:

“DECISÃO

Trata-se de ação de reintegração de posse com pedido de tutela antecipada ajui-zada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em face de Gílio Lorencini Netto, Vanderley Francisco Lorencini, Aline de Jesus Silva Simão, Luciano Ribeiro Simão, Antonio Maraques Ribeiro, Marilza da Glória Oliveira e Vanda Silva de Jesus.

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O autor alega, em síntese, ter ajuizado ação de desapropriação para fins de re-forma agrária visando desapropriar o imóvel rural denominado Fazenda Safra, localizado nos municípios de Itapemirim e Cachoeiro de Itapemirim/ES, sendo autuada sob nº 0011030-40.1998.4.02.5002, em trâmite nesta 2ª Vara Federal.

Afirma que foi deferida a imissão da autarquia na posse do bem, o que veio a se perfectibilizar em 10 de dezembro de 1998, data a partir da qual o Incra passou a exercer a posse sobre a área, passando a assentar famílias de trabalha-dores rurais beneficiadas na conformidade do previsto no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964).

Segundo consta da inicial, o assentado Levino Tomé da Rocha, que foi con-templado juntamente com sua família (inclusive filhos menores), faleceu em 23.06.2001, fato que levou o Incra a dar início aos procedimentos administrati-vos voltados a garantir a posse da parcela aos herdeiros.

Aduz que, na mesma época, o réu Gílio Lorencini Netto passou a intervir no caso, apresentando procuração outorgada pelos supostos parentes do assentado falecido, vindo a solicitar a transferência do contrato de assentamento. Prossegue afirmando ter constatado esbulho do lote 31 pelo referido réu, tendo o notifica-do, ainda no ano de 2003, para que apresentasse justificativas acerca da suposta venda ilegal do lote.

Contudo, o Sr. Gílio deu continuidade ao esbulho, conforme registros de diligên-cias realizadas por servidores do Incra, passando a afirmar que um sucessor do beneficiário falecido teria vendido parte da parcela, sem anuência da autarquia, ao invasor Vanderley Francisco Lorencini, tendo o réu Gílio ficado na posse in-direta do lote.

Afirma que as notificações e diligências realizadas em sede administrativa não obtiveram êxito na desocupação da área. Sob diversos fundamentos, sustenta que os réus detêm a posse ilegal do imóvel, perpetrada em um esquema de posse indireta do lote engendrado pelo Sr. Gílio Lorencini Netto.

Em sede liminar, requer a reintegração de posse, nos termos do art. 71 do Decre-to-Lei nº 9.760/1946 (reintegração ope legis), ou, subsidiariamente, a expedição de mandado para desocupação da área, a título de tutela antecipada.

Em caráter definitivo, requer a condenação dos réus ao pagamento de 10% (dez por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano que o Incra ficou privado da posse, bem como condenação ao ressarcimen-to da autarquia pelos eventuais danos ambientais e/ou benfeitorias erigidas no imóvel pelo falecido assentado Levino Tomé da Rocha com créditos repassados pelo próprio Incra.

Com a petição inicial de fls. 01/17 vieram os documentos de fls. 18/173.

É o relatório.

Segundo consta da inicial, o esbulho imputado aos réus vem sendo praticado há aproximadamente 13 (treze) anos. Portanto, não se aplica ao caso o rito próprio das medidas liminares possessórias, de que tratam os arts. 924 e 928 do CPC.

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Assim, a reintegração de posse, em caráter liminar, deve observar os requisitos inerentes à antecipação dos efeitos da tutela, previstos no art. 273 do CPC, os quais devem ser observados mesmo em relação a requerimentos formulados com base no art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946.

No caso dos autos, porém, não restou suficientemente demonstrado o periculum in mora, indispensável ao deferimento da medida. Afinal, tratando-se de posse antiga, caberia ao Incra demonstrar concretamente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. No entanto, não veio aos autos, ao menos neste limiar do processo, comprovação inequívoca de que a permanência dos réus na área objeto da lide acarretará danos graves à autarquia, ao patrimônio público ou a outros interesses envolvidos na demanda, de modo a justificar a expedição do mandado de reintegração sem se oportunizar o exercício prévio do contraditório.

Evidentemente, tais constatações, decorrentes do exame perfunctório da matéria, não inibem eventual responsabilização dos réus, inclusive no âmbito criminal, se for o caso, pela ocupação irregular, sendo certo que a presente decisão poderá ser revista, a qualquer tempo, após a efetivação do contraditório ou se sobrevie-rem circunstâncias que o justifiquem (art. 273, § 4º, do CPC).

Ante o exposto, indefiro a medida liminar pleiteada.

Citem-se os réus, seguindo o procedimento ordinário, para que, querendo, apre-sentem contestações no prazo legal, devendo especificar as provas que preten-dem produzir, individualizando-as e esclarecendo sua pertinência com o objeto da demanda. Havendo pedido de prova testemunhal, o respectivo rol deverá ser apresentado com a contestação.

Apresentadas as contestações, intime-se a parte autora para manifestar-se, no prazo de 10 (dez) dias, devendo, na mesma oportunidade, especificar as provas que pretende produzir, individualizando-as e esclarecendo sua pertinência com o objeto da demanda, apresentando, se for o caso, o rol de testemunhas.

Dê-se vista dos autos ao MPF, para que diga sobre a sua intervenção no feito, inclusive diante da suposta prática, em tese, de crime tipificado no art. 20 da Lei nº 4.947/1966, conforme fls. 07/08 da petição inicial.

Oportunamente, remetam-se os autos à Sedic para distribuição dos autos por dependência ao Processo nº 0011030-40.1998.4.02.5002.

Por fim, retornem conclusos.

Publique-se. Intimem-se.” (grifo meu)

Certo é que para o deferimento da medida liminar em demanda pos-sessória pressupõe, necessariamente, o ajuizamento da ação dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho (posse nova), conforme previsto no art. 924, do Código de Processo Civil de 1973, o que não foi observado no presente caso, tendo em vista a constatação do esbulho ter ocorrido no ano de 2001, cerca de 13 anos anteriormente à ação de reintegração de posse.

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Passado mais de ano e dia do esbulho possessório (posse velha), submeti-do, por via de conseqüência, ao rito comum (art. 924 do CPC/1973), é possível a concessão da tutela antecipada, desde que preenchidos os requisitos estabe-lecidos no art. 273 do CPC/1973 que exige a existência de prova inequívoca, verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, bem como, a verificação de existência de perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, não se contentando com a simples aparência de direito – fumus boni iuris – ou perigo da demora na prestação jurisdicional – periculum in mora.

No caso vertente, ausente ao menos um dos requisitos do art. 273 do CPC/1973, já que não se vislumbra, em análise perfunctória, conforme bem as-severou o Juízo de Origem, “[...] o periculum in mora, indispensável ao deferi-mento da medida. Afinal, tratando-se de posse antiga, caberia ao Incra demons-trar concretamente o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. No entanto, não veio aos autos, ao menos neste limiar do processo, comprovação inequívoca de que a permanência dos réus na área objeto da lide acarretará da-nos graves à autarquia, ao patrimônio público ou a outros interesses envolvidos na demanda, de modo a justificar a expedição do mandado de reintegração sem se oportunizar o exercício prévio do contraditório”.

Neste sentido é o entendimento desta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – REFORMA AGRÁRIA – INCRA – LIMINAR INDEFERIDA – REQUISITOS INEXISTENTES

1. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Instituto Nacional de Colo-nização e Reforma Agrária – Incra, em face da decisão que, em ação de reintegra-ção de posse, indeferiu o pedido de liminar com fulcro no art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946.

2. A concessão da antecipação de tutela sem a oitiva da parte contrária só deve ser admitida naqueles casos em que os elementos trazidos aos autos sejam su-ficientes ao convencimento, de plano, de que se encontram presentes a veros-similhança das alegações e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

3. Considerando-se que as irregularidades na ocupação da terra que levaram ao bloqueio dos demandados do Programa Nacional de Reforma Agrária foram ini-ciadas no ano de 2007 e que os mesmos residem no imóvel há mais de sete anos, não deve ser determinado, prima facie, o despejo sumário previsto no art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, face à ausência de periculum in mora a embasar o deferimento da tutela requerida.

4. Segundo entendimento desta Egrégia Corte apenas em casos de decisão terato-lógica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste tribunal seria

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justificável sua reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções.

5. Agravo de instrumento desprovido.

(TRF 2ª R., Ag 0001972-85.2015.4.02.0000, 8ª T., Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, decisão 28.10.2015) (grifo meu)

Ademais, esta Corte tem deliberado que apenas em casos de decisão te-ratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagran-temente ilegal, ilegítimo e abusivo, justificaria a reforma, pelo órgão ad quem, em Agravo de Instrumento. E, nesse contexto, a ilegalidade da decisão deve ficar clara e inequívoca, pois, do contrário, tudo deve ser resolvido ao final, no bojo da sentença e pode ser examinado pelo Tribunal competente, em grau de recurso (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., Ag 0005070-44.2016.4.02.0000, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, e-DJF2R 12.12.2016, unânime).

Assim, no caso dos autos, não há qualquer demonstração efetiva de ile-galidade na decisão agravada, ou mesmo convincente comprovação de que a tutela antecipada, foi indeferida ao arrepio da legislação de regência ou, ainda, que exista qualquer risco de irreversibilidade derivada do seu indeferimento.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

Helena Elias Pinto Juíza Federal Convocada

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e TerritóriosÓrgão: 2ª Turma CívelClasse: ApelaçãoProcesso: 20160110382027APC(0009814‑08.2016.8.07.0001)Apelante(s): Q1 Comercial de Roupas S/AApelado(s): 2008 Empreendimentos Comerciais S/ARelatora: Desembargadora Sandra RevesAcórdão nº 1003149

ementa

CIVIL E EMPRESARIAL – AÇÃO DE DESPEJO – RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL – RETOMADA DE IMÓVEL LOCADO – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL – SUSPENSÃO PREVISTA NO ART. 6º DA LEI Nº 11.101/2005 – NÃO APLICAÇÃO – BEM DE CAPITAL ESSENCIAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – RECURSO CONhECIDO E NÃO PROVIDO

1. De acordo com o art. 161, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, o plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de ações contra o devedor em favor de quem é deferido.

2. O deferimento de recuperação extrajudicial não atinge os credores de que trata o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, a exemplo do cre-dor proprietário de bem locado à sociedade em recuperação.

3. A recuperação extrajudicial não tem o condão de operar a novação das obrigações contratuais contraídas pelo devedor.

4. Não configura retirada de bem de capital, essencial à atividade em-presarial do devedor, a retomada de imóvel locado que não constitui o principal estabelecimento empresarial da sociedade em recupera-ção judicial.

5. O princípio da preservação da empresa deve compatibilizar-se com a equidade contratual, não sendo razoável exigir-se de tercei-ros sacrifícios desproporcionais a pretexto de viabilizar o soergui-mento de empresa sob recuperação extrajudicial, mormente quando esta já acumula débitos elevados e confessos a título de despesas locatícias.

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6. Recurso conhecido e desprovido. Honorários majorados em 1%, totalizando 11% (onze por cento) sobre o valor correspondente a doze meses de aluguel, de acordo com o art. 58, III, da Lei nº 8.245/1991.

aCórDão

Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Sandra Reves – Relatora, João Egmont – 1º Vogal, Carmelita Brasil – 2º Vogal, sob a presidência da Senhora Desem-bargadora Carmelita Brasil, em proferir a seguinte decisão: negar provimento. Unânime, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 15 de março de 2017.

Documento assinado eletronicamente Sandra Reves Relatora

relatório

Trata-se, na origem, de ação de despejo aviada por 2008 Empreendimen-tos Comerciais S.A. em desfavor de Q1 Comercial de Roupas S/A (Loja Camisa-ria Colombo), oportunidade em que requereu a rescisão do contrato de locação firmado entre as partes e a condenação da ré nas verbas de sucumbência, em virtude do inadimplemento dos aluguéis referentes a três espaços comerciais localizados no Boulevard Shopping, situado nesta Capital Federal.

Extrai-se da inicial que em 28 de janeiro de 2009 as partes ajustaram con-trato de locação referente aos salões comerciais T36, T37 e T38 do empreendi-mento comercial Boulevard Shopping Brasília, contrato este que, em virtude de termo aditivo, teve sua vigência prorrogada até 24 de junho de 2019. Em função do inadimplemento contratual, a parte ré confessou dever à autora o valor de R$ 145.969,14, atualizados até 16 de julho de 2015, e comprometeu-se a pagar o débito em 6 parcelas.

Consta que a ré, ora recorrente, não cumpriu o acordo firmado para pa-gamento do débito vencido, além de não honrar o pagamento dos alugueres e demais encargos pertinentes aos meses de outubro de 2015 a abril de 2016.

Em decisão interlocutória, o juízo da 23ª Vara Cível de Brasília fixou os honorários advocatícios em 20% do valor do débito e determinou a citação do locatário (fl. 49).

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A ré, em contestação (fls. 93/104), requereu pleiteou a designação de audiência de conciliação e, no mérito, argumentou: (i) que o inadimplemento se deve às condições econômicas desfavoráveis engendradas pela crise econô-mica e pela forte queda nas vendas; (ii) que a função social da empresa deve ser preservada, evitando-se privá-la de seu ponto comercial em virtude de inadim-plemento gerado por dificuldades financeiras momentâneas; e, (iii) que a verba honorária deve ser reduzida para 10% do valor da causa.

Requereu, ao fim, o direito de purgar a sua mora somente em relação aos valores efetivamente devidos.

Réplica da autora às fls. 170/173.

Finda a instrução, sobreveio a sentença às fls. 175/176, na qual o Juiz da 23ª Vara Cível de Brasília julgou procedentes os pedidos formulados na inicial e decretou a resolução do contrato de locação, com a determinação de desocu-pação do imóvel no prazo de 15 dias, sob pena de despejo compulsório, além de fixar custas e honorários no percentual de 10% do somatório de 12 alugueres previstos no contrato.

A ré opôs embargos de declaração (fls. 177/189), em que foi requerida a suspensão da ação de despejo pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob o espeque do deferimento de plano de recuperação judicial pela 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo/SP.

Ouvida a autora acerca dos embargos (fls. 271/279), o MM. Juiz rejei-tou o pleito contido nos aclaratórios e manteve a decisão tal qual proferida, fls. 282/283.

Inconformada, a ré interpõe o presente recurso de apelação (fls. 285/305), em que requer, preliminarmente, o deferimento da suspensão da ação de despe-jo por 180 dias. No mérito, aduz que os créditos sujeitos à recuperação extraju-dicial serão objeto de novação, motivo pelo qual não há falar-se em inadimple-mento contratual consistente em falta de pagamento.

Argui ainda que o bem objeto desta ação é primordial às atividades em-presariais desempenhadas, de modo que o deferimento do pedido de despejo dificulta ainda mais a recuperação econômico-financeira da sociedade empre-sária, além de ferir decisão proferida em sede de competência absoluta pelo Juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Co-marca de São Paulo/SP, que, supostamente, teria declarado o imóvel tratado na ação como bem essencial à apelante.

Requereu, por fim, o deferimento da gratuidade de justiça.

Contrarrazões às fls. 314/328, em que a apelada aventou, preliminar-mente, a inadmissibilidade do recurso, ao argumento de que este não impugnou

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especificamente os fundamentos da sentença atacada e de que inaugura tese não levantada anteriormente nos autos. No mérito, requereu o desprovimento do apelo e a majoração da verba honorária para 20%, mantida a base de cálcu-lo estipulada em sentença.

Visando impedir a expedição imediata de mandado de despejo, a re-corrente formulou petição (fls. 336/340), distribuída sob nº 2016002047606-2, requerendo o deferimento de efeito suspensivo ao apelo ordinário, a fim de que permaneça no exercício de sua atividade empresarial no imóvel objeto da ação de despejo até a apreciação do mérito recursal.

Diante da ausência dos requisitos elencados no art. 1.012, § 4º, do CPC, o pedido de efeito suspensivo impróprio à apelação interposta foi indeferido em 21 de novembro de 2016 por esta relatora.

Preparo recolhido à fl. 357.

É o breve relato do necessário.

votos

A Senhora Desembargadora Sandra Reves – Relatora:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida nos autos da ação de despejo, que, à vista de inadimplemento contratual da apelante, julgou procedentes os pedidos formulados na inicial para decretar a resolução do con-trato de locação, com a determinação de desocupação do imóvel no prazo de 15 dias, sob pena de despejo compulsório, além de fixar custas e honorários no percentual de 10% do somatório de 12 alugueres previstos no contrato.

A apelante sustenta, preliminarmente, que o juízo da recuperação, no exercício da sua competência absoluta, determinou a suspensão das ações e execuções ajuizadas pelos credores abrangidos pelo plano de recuperação ex-trajudicial, do qual faz parte o autor, pelo prazo de 180 dias.

Diz que a ação de despejo, ainda que não cumulada com cobrança de aluguéis, revela demanda líquida, de natureza executória, amoldando-se à or-dem emanada do juízo paradigma.

Alega que se dedica ao comércio varejista de roupa desde 1917 (Gru-po Colombo), mas que vem enfrentando grave dificuldade financeira causada pela crise econômica que assola o país, levando-a, inclusive, a ajuizar pedi-do judicial de homologação de plano de recuperação extrajudicial, distribuí-do à 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo (nº 1058981-40.2016.8.26.0100).

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Articula que a recuperação extrajudicial implica a novação da dívida locatícia, nos termos do art. 59 da Lei nº 11.101/2005 e art. 360, inciso I, do CC, circunstância que afastaria o inadimplemento contratual que dá substância à ação de despejo.

DA PRELIMINAR

Rejeito, de início, a preliminar levantada pela apelante, consistente na necessidade de suspensão da ação de despejo por força do deferimento do pla-no de recuperação extrajudicial pelo Juízo competente.

Analisados os autos, verifica-se que o que foi deferido pela 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo/SP foi o processamento de recuperação extrajudicial (fls. 248/250), e não de recuperação judicial, como alega a recorrente.

Sobre o tema, dispõe o art. 161, § 4º, da Lei nº 11.101/2005 – LRF, que a recuperação extrajudicial não acarreta a suspensão das ações em curso movidas contra o credor, verbis:

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá pro-por e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

[...]

§ 4º O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acar-retará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pe-dido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recupe-ração extrajudicial.

Portanto, rejeito a preliminar.

DO MÉRITO

No mérito, de igual modo não merece acolhimento as alegações da ape-lante.

Cinge-se a controvérsia à delimitação da extensão dos efeitos de decisão de deferimento de plano de recuperação extrajudicial sobre o andamento de ação de despejo, quando não cumulada com cobrança de créditos decorrentes da locação.

A recuperação extrajudicial constitui meio de superação de crises finan-ceiras em que o próprio mercado age para renegociar as dívidas da sociedade que enfrenta dificuldades, não se confundindo com a recuperação judicial.

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De acordo com Fábio Ulhoa Coelho1:

403. Requisitos subjetivos para homologação da recuperação extrajudicial

Para simplesmente procurar seus credores e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída negociada para a crise, o empresário ou sociedade empresária não precisa atender a nenhum dos requisitos da lei para a recuperação extraju-dicial.

Estando todos os envolvidos de acordo, assinam os instrumentos de novação ou renegociação, e assumem, por livre manifestação da vontade, obrigações cujo cumprimento espera-se proporcione o reerguimento do devedor.

Quando a lei, no art. 161 e outros dispositivos, estabelece requisitos subjetivos para a recuperação extrajudicial, ela está se referindo apenas ao devedor que pretende, oportunamente, levar o acordo à homologação judicial. Se essa não é necessária (porque todos os atingidos aderiram ao plano) nem conveniente (porque não tem interesse o devedor em arcar com as despesas do processo), é irrelevante o preenchimento ou não das condições legalmente referidas.

A LRF prevê2, também, que as disposições próprias da recuperação ex-trajudicial não se aplicam aos créditos previstos no art. 49, § 3º, o qual trata do crédito de proprietário de coisa locada e estabelece a prevalência do direito de propriedade do locador:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

[...]

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente ven-dedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevoga-bilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de pro-priedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respec-tiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

1 Comentário à lei de falências e de recuperação de empresas. 11. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/library.html, consultado em 14.01.2017, às 19h03.

2 Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 1º Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

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Vê-se, portanto, que o crédito oriundo da locação não se sujeita à recu-peração extrajudicial da sociedade devedora.

Em razão da inteligência do dispositivo, também não há novação das obrigações da recorrente, porquanto a ação de que se trata não sofrerá os efeitos do deferimento do plano de recuperação.

No que diz respeito à alegação de que o despejo resta obstado pelo fato de o bem locado constituir-se em bem essencial à atividade empresarial, tam-bém não merece acolhida a argumentação.

Deveras, o art. 49, § 3º, da LRF não permite, durante o prazo de suspen-são a que se refere o § 4º do art. 6º da Lei, a venda ou a retirada do estabeleci-mento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

No entanto, o estabelecimento do devedor e os bens de capital essenciais à sua atividade empresarial não englobam, necessariamente, imóvel de proprie-dade de terceiro que se encontra em sua posse por força de contrato de locação, especialmente quando já foi dito nos autos que o principal estabelecimento empresarial do Grupo Colombo está em São Paulo (fl. 199).

A possibilidade de recuperação judicial, ensejada pelo legislador, não pode significar poder ilimitado conferido à sociedade empresária para manter os negócios ou se reerguer em claro detrimento de terceiros, com atribuição a estes últimos de obrigações contratuais desproporcionais e sem substrato jurí-dico.

Frise-se, ainda, que a dívida total já acumulada, conforme informado pelo recorrido (fl. 324), é de montante elevado (R$ 650.644,14) e não há indí-cios de seu possível pagamento por parte da ora recorrente.

Com essas razões, conheço e nego provimento ao recurso. Nos termos do § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários em 1%, totalizando 11% (onze por cento) sobre o valor correspondente a doze meses de aluguel, de acordo com o art. 58, III, da Lei nº 8.245/1991.

É como voto.

O Senhor Desembargador João Egmont – Vogal

Com o relator

A Senhora Desembargadora Carmelita Brasil – Vogal

Com o relator

DeCisão

Negar provimento. Unânime.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2647

Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0209.13.007360‑1/001Comarca de CurveloApelante(s): Copermil Construtora Ltda.Apelado(a)(s): Amanda da Silva AlvesNumeração: 0073601‑Relator: Des.(a) José Flávio de AlmeidaData do Julgamento: 14.12.2016Data da Publicação: 24.01.2017

ementa

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL – CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR – NÃO COMPROVADOS – DANOS MORAIS DEVIDOS – QUANTUM

1. A construtora tem o ônus de provar o atraso na instalação de ener-gia elétrica por culpa da Cemig, que de regra, não caracteriza caso fortuito e/ou força maior, para eximir-se da responsabilidade pelos danos causados em razão do atraso na entrega do imóvel.

2. “Embora o mero descumprimento contratual não seja apto a gerar indenização por dano extrapatrimonial, o atraso demasiado ou in-comum na entrega do imóvel ocasiona séria e fundada angústia no espírito do adquirente, que interfere no seu bem-estar, não se tratando de mero dissabor, ensejando, assim, indenização compensatória pelo dano moral sofrido”.

3. O valor da indenização por danos morais quando se revela exa-gerado nas circunstâncias do caso concreto deve ser reduzido, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, e para evitar o enriquecimento indevido.

aCórDão

Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Des. José Flávio de Almeida Relator

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voto

Copermil Construtora Ltda. apela da sentença (fls. 150v/151v) destes au-tos de ação ordinária que julgou procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:

“[...] Isto posto, julgo procedente a pretensão inicial para condenar a ré a pagar à autora o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, confirman-do a liminar anteriormente concedida, e extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, ão, nos termos do art. 20, º, do Código de Processo Civil. Pric. Os presentes ficam desde já intimados.”

A apelante alega (fls. 169/180) a “impossibilidade de concessão de danos morais”; que “o atraso se deu por culpa exclusiva da Cemig, sendo, portanto, fato alheio e externo à atividade da Apelante, não podendo ser responsabilizada por ato de terceiros”; que “na remota hipótese desse juízo considerar presentes os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, esta resta afastada diante da ocorrência de caso fortuito externo”; que se “considerada a configuração da responsabilidade civil da Ré, é de se notar que não foram demonstrados danos morais, eis que não foram sofridos” que “os Autores não lograram êxito em demonstrar o suposto ato ilícito praticado pela Ré apto a ensejar a responsabi-lidade civil desta”; que “o simples descumprimento contratual [...] não acarreta em dano moral”; que “o valor da condenação foi fixado em quantia demasia-damente exagerada”; que “deve levar em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”. Pede a reforma da sentença.

Preparo regular (fl. 182).

Resposta pela apelada alegando “resta inegável a frustração experimen-tada pela Recorrida com o atraso injustificado na entrega do imóvel adquirido por culpa exclusiva da Recorrente, não se tratando de mero aborrecimento ou simples insatisfação, mas de relevante frustração decorrente de descumprimen-to contratual ensejando a devida compensação” (fls. 187/193).

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

Noticia a autora que “firmou com a requerida, Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e mútuo para construção de unidade Habitacional com fiança, alienação fiduciária em garantia e outras obrigações [...] assinado pelas partes no dia 14 de maio de 2012 [...]. Ocorre que o prazo inserido no instrumento contratual como data limite para entrega do imóvel foi de 11 (onze) meses, contados a partir da data da assinatura do contrato (14.05.2012). Sendo assim, a entrega deveria ter ocorrido em 14 de abril de 2013, conforme estabelecido na cláusula quarta do presente contrato. Entre-

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������������������������������������151

tanto, o parágrafo nono da terceira cláusula, dispõe que a Fiadora dispõe de 60 (sessenta) dias após a data da conclusão das obras para a efetiva entrega das chaves do imóvel ao Devedor, só que este prazo também já foi transcorrido, pois a data limite para entrega da chave aos contratantes seria o dia 14 de junho 2013. [...]. Este transtorno todo está gerando muita aflição e insegurança sobre o futuro da moradia e, que é o bem maior a ser conquistado por quem sonha em ter sua casa própria. [...] Só que, como podemos notar, já estamos no mês de agosto, e o dia 30 de junho já passou faz tempos e nada ficou resolvido. [...] A requerente Amanda e seu marido Paulo ficaram sabendo, por meios de algumas pessoas, que o motivo que até o presente momento a casa não foi entregue é de-vido ao fato de ainda na ser possível fazer a ligação da rede elétrica no conjunto Habitacional, porque a Construtora fez um contrato com a empresa de energia afirmando que o Conjunto seria de Casa Popular e quando da vistoria, a Cemig constatou que não se trata de casas populares e sim de casa de nível médio.” Pediu a determinação de entrega do imóvel e a condenação da construtora a lhe indenizar pelos danos morais sofridos.

Em sede de liminar, o MM. Juiz de Direito determinou a entrega do imó-vel no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de multa (fls. 93/94). Ao final, julgou procedentes os pedidos iniciais, confirmando a liminar concedida, sob os se-guintes fundamentos:

[...] Analisando os fatos e as provas produzidas, temos que, efetivamente, o con-trato prevê o prazo máximo para conclusão das obras em 11 meses. Ainda que as obras estivessem concluídas dentro do prazo, conforme alegado pelo réu, certo é que o imóvel não foi entregue à autora, ao argumento de que a Cemig não pro-cedeu ao fornecimento de energia ao conjunto habitacional no qual se encontra o imóvel da autora. Ocorre que, nos termos da lei de regência, as cláusulas que tenham dubiedade devem ser interpretadas em favor do consumidor, valendo ressaltar que a relação existente é de consumo, e aplicável, portanto, as normas do CDC. Dentro desse prisma, não há dúvida de que a afirmação constante do contrato, no sentido de que as obras devem estar concluídas dentro de deter-minado prazo, gera no adquirente/consumidor, a legítima expectativa de que o imóvel lhe será entregue dentro do referido prazo, ou, no máximo, dentro do pra-zo de prorrogação, uma vez existente. No presente caso, tanto o prazo original quanto o previsto para prorrogação foram ultrapassados, em muito, pela empresa ré. O fundamento trazido pela ré, para se esquivar da responsabilidade pelo atra-so na entrega do imóvel, consistente em problemas com a Cemig, não podem ser classificados como caso fortuito ou fora maior. As empresas que atuam nessa seara, como a ré, sabem muito bem de todos os empecilhos que podem surgir para a efetiva entrega dos imóveis aos adquirentes, tratando-se, sejam problemas de fornecimento de energia, água ou outros semelhantes, não apenas previsíveis, mas, também, expressamente previstos como obrigação legal pela própria Lei nº 6.766/1979. Resumindo, o contrato gera, claramente, a legítima expectativa as adquirentes/consumidores de que o imóvel lhe será entregue, para moradia,

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no prazo de conclusão das obras, e, uma vez que o prazo foi descumprido, por longo período, certo é que tal situação gera abalos de toda ordem ao adquirente, que ultrapassam os meros dissabores do cotidiano, impondo-se, assim, a conde-nação da ré ao pagamento de danos morais à autora, que, no presente caso, fixo, observando os parâmetros cabíveis, em R$ 10.000,00.

Pois bem. Vejo que a apelante não nega o atraso na entrega do imóvel à apelada, mas busca se eximir de sua responsabilidade contratual ao atribuir à Cemig culpa pelo descumprimento do prazo contratual.

A apelante aduz que “o atraso se deu por culpa exclusiva da Cemig, sendo, portanto, fato alheio e externo à atividade da Apelante, não podendo ser responsabilizada por ato de terceiros”.

Todavia, a apelante não provou que o atraso tenha se dado por culpa da Cemig, e, por esse motivo, teria ficado impedida de entregar o imóvel no prazo previsto no contrato.

Não há qualquer documento nos autos que comprove que Cemig tenha dado causa ao atraso. E ainda que assim fosse, esses infortúnios são previsíveis em obras deste porte, sendo de pleno conhecimento das construtoras a possibi-lidade de sua ocorrência, tanto que, para além do prazo para a entrega da obra, estipulam um prazo de tolerância, como é o caso dos autos.

Nos termos do art. 373, II, do Código de Processo Civil, “o ônus da prova incumbe [...] ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”.

Portanto, não caracterizado caso fortuito e/ou força maior ou outro mo-tivo justificado, a apelante responde pelos danos causados à apelada em razão do atraso na entrega do imóvel.

A inadimplência contratual, em princípio, não é fato gerador de dano moral. No entanto, o caso concreto exige atenção especial, observando-se o tempo de atraso e outros transtornos diretamente relacionados ao atraso no cumprimento da obrigação contratual.

O atraso demasiado e injustificável na entrega do imóvel não pode ser considerado como mero dissabor, muito pelo contrário, é inegável o abalo emocional para a apelada (angústia e frustração).

Portanto, entendo que está caracterizado o ato ilícito praticado pela ape-lante e o dano moral experimentado pela apelada, que deve ser indenizada.

Em casos semelhantes ao destes autos, envolvendo atraso demasiado, aqui adoto a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que de-cidiu:

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������������������������������������������153

[...] O Tribunal de origem condenou a recorrente ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de atraso injustificado na entrega de imóvel que ul-trapassou o prazo de tolerância de 180 dias. O acórdão recorrido está de acordo com a orientação do STJ de que é cabível indenização por danos morais decor-rentes de excesso de prazo na conclusão de obra e entrega de imóvel. A respeito do tema, veja-se o seguinte julgado: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – EX-CESSO DE PRAZO NA ENTREGA DE IMÓVEL – ALEGAÇÃO DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NO TOCANTE À CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL – MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ – DIS-SÍDIO NÃO DEMONSTRADO – RECURSO DESPROVIDO – 1. Analisando o acervo fático-probatório do processo, concluiu o Tribunal de origem que, na hipótese, o atraso na entrega da obra ultrapassou a esfera do mero descumpri-mento contratual ou do dissabor diário, ensejando reparação a título de danos morais, que foram fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais). 2. O conhecimento do recurso especial, fundado na alínea c do permissivo constitucional, exige a demonstração analítica da divergência jurisprudencial invocada, por intermédio da transcrição dos trechos dos acórdãos que configuram o dissídio e da indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados (RISTJ, art. 255, § 2º). 3. Ocorre que, na espécie, o acolhimento da pretensão autoral levou em consideração as peculiaridades do caso concreto, matéria que não é de direito, mas de fato, o que inviabiliza a demonstração da divergência, mesmo porque o dissenso que autoriza o conhecimento do recurso especial pela alínea c diz respeito a teses jurídicas e não à interpretação de fatos da causa. 4. Agravo re-gimental a que se nega provimento.” (AgRg-AREsp 801.201/RS, Rel. Min. Marco Aurelio Bellizze, 3ª T., DJe de 09.06.2016). Caso, pois, de aplicação da Súmula nº 83/STJ. Ademais, rever o entendimento do Tribunal de origem acerca do ex-cessivo prazo na entrega demandaria a incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que é incabível em recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. [...] (Agravo em Recurso Especial nº 923.302/MG, Min. João Otávio de Noronha, 22.08.2016)

No que diz respeito ao quantum da indenização por danos morais, sabe--se que não há critério objetivo para o arbitramento, e, assim, o julgador deve valer-se de moderação, levando em conta o grau de culpa e a extensão do dano causado, bem como a situação econômica das partes.

Analisando detidamente as circunstâncias do fato controvertido, enten-do que os R$ 10.000,00 (dez mil reais) arbitrados pelo MM. Juiz de Direito estão dentro dos limites da razoabilidade e proporcionalidade, atendendo ao caráter pedagógico da condenação e não favorece enriquecimento indevido da apelada.

Conclusão.

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154 �����������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Diante do exposto, com fundamento no art. 93, IX da Constituição Fede-ral e art. 131 do Código de Processo Civil, nego provimento à apelação, man-tendo incólume a sentença recorrida.

Condeno a apelante ao pagamento das custas recursais

Des. José Augusto Lourenço dos Santos – De acordo com o(a) Relator(a).

Desª Juliana Campos Horta – De acordo com o(a) Relator(a).

Súmula: “Negaram provimento ao recurso.”

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2648

Tribunal de Justiça do Estado do ParanáApelação Cível e Reexame Necessário nº 1.566.358‑4Origem: 3ª Vara Cível e da Fazenda Pública da Comarca de Toledo/PRApelante: Município de ToledoApelados: Ana Maria Bourcheidt e outrosRelator: Des. Carlos Mansur Arida

ementa

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – VALOR DA JUSTA INDENIZA- ÇÃO APURADO EM LAUDO PERICIAL IDÔNEO – JUROS COMPENSATÓRIOS CORRETAMENTE ARBITRADOS – REMUNERAÇÃO PELO CAPITAL QUE O EXPROPRIADO DEIXOU DE AUFERIR EM RAZÃO DA PERDA ANTECIPADA DO IMÓVEL – JUROS MORATÓRIOS – TERMO INICIAL – PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO SEGUINTE ÀQUELE EM QUE DEVERIA TER OCORRIDO O PAGAMENTO – hONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS ADEQUADAMENTE, CONFORME ART. 27, § 1º DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941 – RECURSO NÃO PROVIDO E SENTENÇA MANTIDA EM SEDE DE REEXAME NECESSÁRIO.

relatório

Ana Maria Bourscheidt e outros ajuizaram ação ordinária de indeniza-ção por desapropriação indireta em face do Município de Toledo sustentando, em suma, que: (i) o falecido Benno Reinoldo Bourscheidt, do qual os autores são herdeiros, adquiriu em 1986 o imóvel denominado Lote Rural nº 70, com 10.459, na área urbana do Distrito de Vila Nova, cidade de Toledo, o qual se encontra dentro do perímetro urbano da referida localidade; (ii) em 2009, o Mu-nicípio requerido desapropriou uma área contínua ao lote dos requerentes, para construção de um conjunto habitacional; (iii) o ente municipal, necessitando realizar a ligação entre a Rua Antônio Prado, invadiu e apropriou-se indevida-mente de parte do terreno dos autores, asfaltando-a e colocando à disposição dos munícipes, sem realizar legalmente a desapropriação, nem pagar o justo preço dessa área; (iv) a área invadida pelo requerido compreende uma faixa de cerca de 9,30 metros ao longo dos 81,71 metros da confrontação leste, ne-cessários para a complementação da largura da via pública e da reserva para o passeio, perfazendo uma apropriação ilegal de 759,70 metros quadrados, com valor de mercado orçado em R$ 120.000,00; (v) resta evidente o enriqueci-mento ilícito por parte do Município, eis que se apropriou indevidamente de

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parte da área dos autores sem, contudo, realizar qualquer contraprestação aos mesmos; (vi) em 2009, foi feito pedido administrativo de indenização por meio do protocolo nº 72733, o qual não teve resposta. Requereram a procedência da demanda com a consequente condenação do Município de Toledo ao paga-mento de indenização aos autores correspondente ao valor da área apropriada.

O requerido apresentou contestação aduzindo que: (i) há necessidade de citação de todos os herdeiros do falecido Benno Reinoldo Bourscheidt, uma vez que trata a lide de litisconsórcio necessário; (ii) o protocolo requerido pela viúva Ana Maria Bourscheidt foi respondido, em 07.12.2012, no sentido de que a indenização somente seria possível após a conclusão formal da partilha, eis que o imóvel estava registrado em nome de pessoa falecida, não havendo que se falar em má-fé por parte do Município; (iii) ocorreu a prescrição da preten-são autoral, tendo em vista que a área apropriada não era mais utilizada pelos proprietários há mais de 20 (vinte) anos, antes mesmo do Município realizar as devidas obras de alargamento e melhoramento da via, pois era usada pelos moradores da redondeza, como forma de passagem; (iv) o Município de Toledo e os demais munícipes não poderiam aguardar a iniciativa de regularização do imóvel pelos herdeiros do proprietário, a qual não ocorreu até o momento, ante a extrema necessidade e utilidade pública, inexistindo esbulho na proprieda-de dos autores; (v) quanto ao valor da indenização, o pedido realizado pelos requerentes é totalmente desarrazoado e desvirtuado do valor de mercado dos imóveis localizados no Distrito de Vila Nova. Pugnou pela improcedência da ação.

Os requerentes apresentaram impugnação à contestação (mov. 59.1).

Adiante, o feito foi saneado, sendo afastada a preliminar de prescrição, bem como deferidas as provas pericial e testemunhal.

O Município interpôs agravo retido em face da decisão que afastou a preliminar de prescrição, sendo a decisão mantida.

Foi realizado laudo pericial (mov. 252), bem como houve manifestação das partes acerca do mesmo (mov. 256.1 e 258.1).

Em audiência de instrução e julgamento, foram tomados esclarecimentos do perito, bem como ouvidas as testemunhas arroladas, sendo também formali-zada uma proposta de acordo por parte dos autores.

As partes apresentaram alegações finais, momento em que o requerido recusou a proposta de acordo.

Sobreveio a sentença, por meio da qual o Magistrado julgou procedente o pedido, para o fim de: a) desapropriar a área de 817, 10 m2, do imóvel parte noroeste do Lote Rural nº 70 integrante do 15º Perímetro da Fazenda Britânia, Município de Toledo, com área total de 10,459,00 m2, devidamente indivi-

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dualizada no mapa que instrui o laudo pericial; b) imitir o requerido, definiti-vamente na posse do imóvel expropriado, servindo esta sentença como título translativo da propriedade em favor do Município de Toledo; c) condenar o réu ao pagamento da importância de R$ 139.209,00, a qual deverá ser atualizada monetariamente pelo IPCA, a partir de 13.03.2016, data da juntada do laudo pericial aos autos, até a data da expedição de precatório; d) condenar o réu ao pagamento de juros compensatórios de 12% ao ano, a partir de 09.10.2009, e juros moratórios de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser efetuado, nos termos do art. 100, da Constituição; e) condenar o réu ao pagamento das custas processuais, dos ho-norários periciais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 5% do valor da condenação.

Determinou o reexame necessário.

O Município de Toledo apelou alegando, em síntese, que: a) a pretensão de indenização pela inutilização de parte do imóvel pertencente aos autores está fulminada pela prescrição, não havendo que falar em indenização; b) o laudo pericial e a avaliação foram elaboradas com base em critérios subjetivos, unilaterais e em desacordo com a Lei Federal e Municipal de parcelamento de solo, bem como em desconformidade com as regras previstas na ABTN NBR 14653-3; c) a sentença deve ser anulada para que outro laudo pericial seja rea-lizado; d) os juros compensatórios devem incidir, a partir da juntada aos autos do laudo pericial, o que ocorreu em 15.03.2016 e, além disso, os juros morató-rios devem incidir, à taxa de 6% ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ter sido efetuado e tão somente se o precatório não for pago dentro do prazo legalmente previsto; e) os honorários advocatícios devem ser minorados e fixados no percentual máximo de 0,5% do valor da condenação, nos termos do art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Requer o provimento do recurso.

Devidamente respondido o recurso, os autos foram encaminhados à D. Procuradoria Geral de Justiça, que se posicionou pelo não provimento do re-curso.

Após, retornaram para julgamento.

É o relatório.

voto e seus funDamentos

1 ADMISSIBILIDADE

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e do reexame necessário.

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2 DO RECURSO DE APELAÇÃO

2.1 presCrição

O primeiro dos argumentos apresentados pelo apelante diz respeito à prescrição da pretensão indenizatória contra ele aduzida.

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento há bastante tempo consolidado no sentido de que a ação de desapropriação indireta possui natu-reza real e, como tal, possui prazo prescricional vinculado ao lapso temporal exigido para a usucapião.

No caso em discussão, verifica-se que os autores tiveram a posse com-prometida, no ano de 2009, tanto que, no mesmo ano, fora protocolado pedido administrativo junto à Prefeitura Municipal de Toledo (protocolo 72733).

Nesse sentido, outrossim, foi o depoimento prestado pela vizinha dos autores, Sra. Dulce Donat Patussi, a qual alegou que não faz mais de 10 (dez) anos que a Prefeitura iniciou às obras no local.

Vejamos:

“[...] o imóvel dos autores era cercado, sendo que uma máquina da Prefeitura tirou a cerca, sendo que no local foi feito um asfalto; [...] não faz mais de 10 (dez) anos que foi tirada a cerca e feito o asfalto, sendo que antes não existia nenhuma passagem no local [...]. (Grifo nosso).

Inclusive, a testemunha arrolada pelo Município, Sr. Norislvaldo Pentea-do de Souza, aduziu em Juízo que a pavimentação asfáltica ocorreu em 2009, ano em que o Município entregou as Casas do Programa “Minha casa, minha vida”.

Sendo assim, aplica-se ao caso o prazo de 10 (dez) anos, previsto no art. 1.238, parágrafo único, do CPC/2002.

Por sua vez, embora o Município apelante sustente que a área pertencen-te aos autores já era utilizada pela comunidade local, desde 1994, não trouxe qualquer comprovação nesse sentido.

Sendo assim, deve ser mantida a decisão que não acolheu a preliminar da prescrição.

2.2 valor Da Justa inDenização

A desapropriação por utilidade pública encontra permissivo constitu-cional no art. 5º, XXIV, com demais disposições conferidas pelo Decreto-Lei nº 3.365/1941.

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É um ato de império que extingue compulsoriamente a propriedade do administrado, mas que não pode representar sacrifícios aos direitos individuais deste além dos estritamente necessários à expropriação.

Com efeito, a Constituição impõe que o expropriado deve ser compen-sado mediante justa indenização, definida pelo Excelso jurista Celso Antônio Bandeira de Mello como:

“[...] aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem expropriado, ou seja, aquela cuja importância deixe o expropriado absolutamente indene, sem prejuízo algum em seu patrimônio. Indenização justa é a que se consubstancia em importância que habilita o proprietário a adquirir outro bem perfeitamente equivalente e o exime de qualquer detrimento.

Para que assim se configure deve incluir juros moratórios, juros compensatórios, correção monetária, honorários advocatícios e outras despesas [...].”

(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 900)

2.2.1 In casu, evidencia-se que o valor da justa indenização deve ser estabelecido em conformidade com o laudo pericial confeccionado funda-mentadamente por perito idôneo e equidistante das partes, o qual devidamente atendeu ao comando do art. 26 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, segundo o qual:

Art. 26. No valor da indenização, que será contemporâneo da avaliação, não se incluirão os direitos de terceiros contra o expropriado. (Grifou-se)

Analisando o laudo pericial (fls. 546-565), verifica-se que o valor nele apontado para indenização (R$ 139.209,00) é compatível com a área desa-propriada e que a perícia é idônea, tendo levado em consideração as peculia-ridades do imóvel e as benfeitorias nele constantes, devendo o valor apurado prevalecer.

O perito desenvolveu os trabalhos mediante o levantamento das carac-terísticas da área efetivamente atingida pela expropriação, como, por exemplo, topografia, condições do terreno, localização, acesso e construções nas proxi-midades do terreno.

Extrai-se do laudo que o perito elaborou o parecer com base na visto-ria realizada no terreno, bem como em comparação às pesquisas de valores das terras, utilizando-se o método comparativo direto com homogeneização por fatores, conforme descrito na Norma Brasileira. Foram comparados imóveis com características semelhantes, em que os valores do m² foram ajustados para deixar a amostra homogênea.

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Deste modo, deve ser acolhido o valor indicado no laudo pericial defini-tivo, uma vez que realizado em conformidade com a aplicação de metodologia de pesquisa de mercado.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça há muito sedimentou entendimen-to nesse sentido, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – DESAPROPRIAÇÃO – REFORMA AGRÁRIA – VALOR DA INDENIZAÇÃO – [...] 2. O laudo oficial ocupa grande relevância no processo judicial de desapropriação, porquanto apresenta elaboração criteriosa da quan-tificação do valor indenizatório. 3. A despeito de o julgador não estar adstrito à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, por força do art. 145 do CPC, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. (STJ, AgRg-AREsp 500.108/PE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 07.08.2014, DJe 15.08.2014)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – [...] 1. “Em se tratando de desapro-priação, a prova pericial para a fixação do justo preço somente é dispensável quando há expressa concordância do expropriado com o valor da oferta inicial” (AgRg-REsp 993.680/SE, DJe de 19.03.2009).

(STJ, AgRg-AREsp 203.423/SE, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., Julgado em 19.09.2013, DJe 26.09.2013)

Pela lógica dos fundamentos acima expostos, não assiste razão ao Mu-nicípio quanto ao pleito de nulidade da sentença, a fim de que outro laudo pericial seja elaborado.

2.2.2 Ademais, consta na perícia que o imóvel está situado na rede urba-na da localidade de Vila Nova, posicionado entre o centro e Conjunto Habita-cional (fl. 549). (Grifo nosso).

Nos termos do art. 32, § 1º, do Código Tributário Nacional, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos seguintes itens: meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; abasteci-mento de água; sistema de esgotos sanitários; rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar e escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

Ora, nos termos do depoimento prestado pela testemunha Dulce Donat Patussi, esta confirmou que o seu imóvel, o qual é contiguo ao bem objeto da lide, é tributado pelo IPTU, além de trazer outras informações. Vejamos:

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“[...] é vizinha dos autores, residindo em Vila Nova, desde 1981; [...] há no lo-cal água encanada, transporte público, energia elétrica, linha telefônica, escolas, posto de saúde; [...] o centro fica a mais ou menos umas 4 quadras da comunida-de; [...] paga IPTU sobre o imóvel [...]. (Grifo nosso)

No mesmo sentido, foi o depoimento prestado pelo perito judicial, em Juízo:

“[...] o imóvel é de natureza urbana, pois tem as condições/infraestruturas de perímetro urbano, uma vez que: ao norte tem uma frente para Avenida, a qual inclusive uma ciclovia iluminada; tem lindeiro conjunto habitacional [...], a loca-lidade tem ainda um conjunto industrial; [...] o imóvel não pode ser comparado aos lotes rurais, embora na matrícula esteja denominado como imóvel rural; [...] o imóvel é servido por energia elétrica, telefonia, água encanada, etc.; [...] (Grifo nosso).

Sendo assim, diferente do que alega o Município recorrente, não há dú-vida que trata-se de imóvel urbano.

Logo, a sentença deve ser mantida também nesse tocante.

2.3 Dos Juros Compensatórios e moratórios

2.3.1 Ademais, padece de cabimento a insurgência do Município quanto ao pedido de que os juros compensatórios devam incidir a partir da juntada aos autos do laudo pericial, ocorrida em 15.03.2016.

Segundo a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Juros compensatórios são devidos pelo expropriante ao expropriado, a título de compensação pela perda antecipada da posse que este haja sofrido. Como a ‘justa indenização’ só é paga no final da lide, o expropriado, cuja posse foi subtraída no início dela, se não fosse pelos juros compensatórios, ficaria onerado injustamente com a perda antecipada da utilização do bem.” (Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 741)

Desse modo, agiu com acerto o Douto Juízo de primeiro grau ao fixar os juros compensatórios à taxa de 12% ao ano, como, inclusive, estabelecem as Súmulas nºs 408/STJ e 618/STF, contados a partir da imissão na posse, ocorrida em 09.10.2009, nos termos das Súmulas nºs 69/STJ e 114/STJ.

Neste mesmo sentido é o entendimento deste E. Tribunal de Justiça:

REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – UTILIDADE PÚBLI-CA – DIREITO À INDENIZAÇÃO CARACTERIZADO – PERÍCIA DEVIDAMEN-TE ELABORADA – OBSERVAÇÃO DAS NORMAS TÉCNICAS – ADOÇÃO DO VALOR APURADO EM PERÍCIA QUANDO INEXISTENTE QUALQUER VÍCIO – CORREÇÃO MONETÁRIA – APLICADA PELO ÍNDICE IPCA, A PARTIR DE

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30.06.2009 – JUROS COMPENSATÓRIOS INCIDENTES – JUROS DE MORA DE-VIDOS A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DO EXERCÍCIO SEGUINTE ÀQUELE EM QUE O PRECATÓRIO DEVERIA TER SIDO PAGO – HONORÁRIOS SUCUM-BENCIAIS – OBSERVAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 27, § 1º DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941

1. O laudo pericial elaborado de forma objetiva, com imparcialidade e com a devida fundamentação deve ser acolhido para fixação do valor da indenização devida.

2. A correção monetária da indenização, porque tem a finalidade de preservar o valor do crédito, aviltado pela inflação, deve utilizar o índice IPCA, a partir de 30.06.2009, que melhor reflete a realidade inflacionária.

3. Os juros moratórios nos casos de desapropriação devem incidir a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1941.

4. Os juros compensatórios, destinados a compensar o que o desapropriado dei-xou de ganhar com a perda antecipada do imóvel, ressarcir o impedimento do uso e gozo econômico do bem, ou o que deixou de lucrar, são devidos na por-centagem de 12% ao ano, em respeito à decisão liminar proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 2.332/DF, a partir da imissão na posse do imóvel, até a data da expedição do precatório originário.

5. Na fixação dos honorários de sucumbência deve-se observar o disposto no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Sentença parcialmente modificada em reexame necessário.

(TJPR, 5ª C.Cív., RN 1426350-4, Campo Largo, Rel. Nilson Mizuta, Unânime, J. 24.11.2015) (Destacou-se).

2.3.2 No que tange aos juros moratórios, o MM. Juiz os fixou em 12% ao ano, com incidência a partir do primeiro dia 16 do ano subsequente àquele em que a indenização deva ser paga, nos termos do art. 100 da Constituição Federal.

Ou seja, os mesmos devem ser fixados em 6% ao ano sobre o valor fixa-do na sentença, com termo inicial em 1ª de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, na forma do sistema de precatórios re-gulado no art. 100 da CF (art. 15-B, DL 3.365/1941), de modo que a sentença não merece reparo.

Neste sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e das Câmaras de Direito Público deste e. Tribunal:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – JUROS MORATÓRIOS – TERMO INICIAL – HONORÁRIOS – 1. Os juros moratórios fluem a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ocorrer. Afasta-se a aplicação do disposto na Súmula nº 70/STJ às ações de desapropria-

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ção em curso quando do advento do art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/1941, incluído pela MP 1.577/1997, mesmo que iniciadas no período anterior. 2. Os limites de 0,5% e 5% para os honorários advocatícios, previstos no art. 27, § 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, aplicam-se às sentenças proferidas após a publi-cação da MP 1.997-37/2000. 3. Recurso Especial provido.

(STJ, REsp 1141575/SP, 2009/0098157-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Data de Julgamento: 10.11.2009, T2 – Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 11.12.2009)

Acerca do preceito legislativo citado, convém destacar o seguinte excerto extraído do voto do Ilustre Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin:

O art. 15-B do DL 3.365/1941 determina o cálculo dos juros moratórios “a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da CF”. Isso porque a mora das entidades públicas inicia-se somente após o término do exercício financeiro em que a verba relativa ao precatório deveria ter sido incluída no orçamento (§ 1º do dispositivo consti-tucional).

(REsp 1129510/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 25.05.2010, DJe 30.06.2010)

2.5 Honorários aDvoCatíCios

Melhor sorte não assiste à municipalidade quanto aos honorários advo-catícios, que foram fixados de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

É que, o art. 27, § 1º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 limita os honorários de advogado aos percentuais de 0,5% a 5%, senão vejamos:

Art. 27. [...]

§ 1º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os hono-rários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais).

Por essa razão, o valor arbitrado a título de honorários advocatícios me-diante apreciação equitativa do juiz deve remunerar condignamente o trabalho do advogado, não podendo ser aviltante nem excessivo, guardando razoabi-lidade com os elementos de cognição constantes dos autos com os parâme-tros estabelecidos nos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC/1973, atuais §§ 2º e 8º do NCPC/2015.

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A respeito do tema, vejamos o entendimento das Câmaras de Direito Público desta Corte de Justiça:

DIREITO ADMINISTRATIVO – APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE DESAPROPRIA-ÇÃO – AGRAVO RETIDO – APRECIAÇÃO NÃO REITERADA NAS RAZÕES RE-CURSAIS – NÃO CONHECIMENTO – APELO DO EXPROPRIANTE – VALOR INDENIZATÓRIO – PREVALÊNCIA DO LAUDO DO PERITO JUDICIAL – MA-NUTENÇÃO DO MONTANTE FIXADO PELO EXPERT, EQUIDISTANTE AO INTERESSE DAS PARTES – JUROS COMPENSATÓRIOS – APLICAÇÃO DA SÚ-MULA Nº 618, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – FIXAÇÃO CORRETA EM 12% AO ANO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SUCUMBÊNCIA DO EX-PROPRIANTE – APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO DA EXPROPRIADA – ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO E DE NULIDADE DO DECRETO DE UTI-LIDADE PÚBLICA POR FALTA DE MOTIVAÇÃO – ARGUIÇÕES QUE SOMENTE PODEM SER DIRIMIDAS EM AÇÃO PRÓPRIA – INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 20, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941 – HONORÁRIOS SUCUMBEN-CIAIS – MAJORAÇÃO DEVIDA PARA 5% (CINCO POR CENTO) SOBRE A DI-FERENÇA ENTRE O VALOR OFERECIDO E AQUELE FIXADO NA SENTENÇA – AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO – PRIMEIRO APELO DESPROVIDO – SEGUNDO APELO PROVIDO EM PARTE.

(TJPR, 4ª C.Cív., AC 1356838-0, Coronel Vivida, Rel. Abraham Lincoln Calixto, Unânime, J. 04.08.2015)

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – (4) O valor arbitrado a título de honorários advocatícios mediante apreciação equitativa do juiz deve remunerar condigna-mente o trabalho do advogado, não podendo ser aviltante nem excessivo, mas guardar razoabilidade com os elementos de cognição constantes dos autos do processo em cotejo com os parâmetros estabelecidos nos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC.

(TJPR, 5ª C.Cív., AC 1308547-7, Sertanópolis, Rel. Adalberto Jorge Xisto Pereira, Unânime, J. 01.09.2015)

Assim, tendo em vista o trabalho desempenhado pelo advogado e o tem-po exigido para o seu serviço, entendo que os honorários devem ser mantidos consoante fixado pela sentença, razão pela qual o apelo do Município não merece trânsito.

3 CONCLUSÃO

Por tais fundamentos, voto no sentido negar provimento ao apelo do Município de Toledo, devendo ser mantida a sentença em sede de reexame necessário.

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DeCisão

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação e manter a sentença em sede de ree-xame necessário.

Participaram do julgamento, acompanhando o relator, os Des. Luiz Mateus de Lima, presidente, com voto, e Leonel Cunha.

Curitiba, 06 de dezembro de 2016.

Des. Carlos Mansur Arida Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio de JaneiroVigésima Sexta Câmara Cível/ConsumidorAgravo de Instrumento nº 0053124‑34.2016.8.19.0000Agravantes: Falcão Manoel Telles Empreendimentos Imobiliários Ltda. e MDL Realty Incorporadora S/AAgravado: Leandro Augusto da Silva LezioRelatora: Desª Sandra Santarém Cardinali

AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONSUMIDOR – PROVA PERICIAL QUE APUROU O VALOR DE ALUGUEL DO IMÓVEL OBJETO DA LIDE, A FIM DE LIQUIDAR OS LUCROS CESSANTES NO PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE O 181º DIA APÓS O PRAZO PREVISTO PARA ENTREGA DAS ChAVES E O DIA DA RESCISÃO DO CONTRATO PELA SENTENÇA – PERÍCIA QUE SE BASEOU EM ANÚNCIOS DE IMÓVEIS PARA LOCAÇÃO NÃO CONDIZENTES COM O IMÓVEL OBJETO DA LIDE, INCLUINDO AINDA NO SOMATÓRIO DO SALDO DEVEDOR VALORES JÁ QUITADOS PELA RÉ A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, RESCISÃO CONTRATUAL E hONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE NOVO LAUDO PERICIAL PELO PERITO DESIGNADO NOS AUTOS, PARA QUE REFAÇA OS CÁLCULOS, EXCLUINDO DO SOMATÓRIO DO SALDO DEVEDOR OS VALORES JÁ QUITADOS PELA RÉ, BEM COMO PARA QUE APURE OS LUCROS CESSANTES COM BASE NOS ANÚNCIOS APRESENTADOS PELA RÉ REFERENTES A IMÓVEIS DE MESMO PADRÃO, A CONTRATOS DE ALUGUEL DE OUTROS IMÓVEIS SITUADOS NO MESMO CONDOMÍNIO ONDE SE SITUA O IMÓVEL ADQUIRIDO PELO AUTOR, BEM COMO EM OUTROS ANÚNCIOS IMOBILIÁRIOS DE IMÓVEIS SIMILARES – RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.

aCórDão

Vistos, relatados e discutidos os autos da presente apelação cível, em que são partes as acima indicadas, Acordam os Desembargadores que integram a Vigésima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora.

relatório

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Falcão Manoel Telles Empreendimentos Imobiliários Ltda. e MDL Realty Incorporadora S/A, contra decisão do Juízo da 46ª Vara Cível da Comarca da Capital que, nos autos da ação de rescisão contratual c/c indenizatória, proposta por Leandro Augusto da

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Silva Lezio, homologou o laudo pericial de fls. 447/457, o qual fixou o aluguel mensal do imóvel objeto da lide em R$ 1.850,00, para fins de apuração dos lucros cessantes em que foi condenada a agravante, pela não fruição do imóvel em decorrência da mora na entrega, apurando ainda um saldo credor no valor de R$ 123.369,78, incluindo, além dos lucros cessantes, o valor relativo à con-denação por dano moral e aos honorários de sucumbência (indexador 000236).

Alegam as agravantes que a perícia foi designada somente para apuração dos lucros cessantes, já tendo sido paga a parte líquida do julgado, qual seja, a indenização por danos morais, bem como a relativa à rescisão contratual e os honorários sucumbenciais, tendo o autor, inclusive, dado quitação. Sustentam ainda que o valor de aluguel apurado para o imóvel objeto da lide, a fim de apurar os lucros cessantes, não corresponde às características e localização do mesmo. Assim, pugnam para que:

a) Seja o presente recurso recebido e distribuído in continenti, conce-dendo-lhe efeito suspensivo ativo, para o fim de anular a homologa-ção do Laudo Pericial de fls. 447/457 e coibir o pagamento do valor a ser executado;

b) Seja o presente recurso provido, para reformar o r. decisum proferi-do em 1º grau de jurisdição, para que declare nula a homologação do laudo pericial de fls. 447/457 e determine seja realizada nova perícia com novo expert, dessa vez, observando o pagamento reali-zado nos autos e a quitação outorgada pelo agravado no que tange à parte líquida da sentença, os limites da perícia e, mais importan-te, de modo a proceder ao cálculo dos valores devidos a título de lucros cessantes atendendo às características, valor e localização do imóvel objeto do contrato, amostras extraídas do mesmo em-preendimento e, ainda, a jurisprudência desta Corte e o método da rentabilidade.

c) Se esse não for entendimento de V. Exas. requer seja o i. perito in-timado a fim de aplicar a jurisprudência desse Tribunal de Justiça, a fim de que os lucros cessantes sejam apurados na base de 0,5% do valor atualizado do imóvel entre o período compreendido entre agosto de 2011 a março de 2013, não sendo crível que em 2011, 2012 e 2013 o valor do imóvel tenha correspondido a R$ 1.850,00 mensais, sob pena de causar danos irreparáveis às agravantes e en-riquecer de maneira ilícita o agravado.

Decisão concedendo efeito suspensivo e abrindo prazo para contrarra-zões (indexador 000034).

Contrarrazões do agravado (indexador 000039), em que se destaca a afir-mação de que “Conforme exposto em petição de fls. 519, apesar de o perito ter

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calculado os valores relativos aos danos morais, rescisão contratual e honorá-rios sucumbenciais, esses valores já haviam sido pagos e essa parte do laudo não foi utilizado pelo agravado, tendo sido útil apenas a parte que versava sobre os lucros cessantes”. Quanto ao valor do aluguel apurado pelo expert, o agravado sustenta que está dentro da média de mercado de imóveis similares.

É o relatório.

voto

Em juízo de admissibilidade, reconhece-se a presença dos requisitos ex-trínsecos e intrínsecos, imprescindíveis à interposição do recurso.

O art. 437 do CPC, em sua redação, deixa a critério do julgador a deter-minação ou não de realização de nova perícia, nos casos em que a controvérsia não lhe parecer devidamente elucidada. Tal hipótese se traduz em verdadeira faculdade do magistrado, uma vez que este se encontra na condição de diretor do processo, sendo o destinatário final das provas.

Outrossim, só lhe será autorizada a determinação de realização de nova perícia quando, de fato, constate, por meio da análise conjunta da perícia an-terior com as demais provas coligidas aos autos, que a matéria não se encontra devidamente esclarecida, sendo que tal apreciação cabe tão somente ao julga-dor e não às partes.

Inicialmente, conforme se extrai de fl. 228 (indexador 000228) e das con-trarrazões ao presente agravo, são incontroversos o pagamento e a quitação relativos à indenização por danos morais, à rescisão contratual e aos honorários de sucumbência, sendo destinada a perícia apenas para apurar os lucros cessan-tes. Não obstante, o perito fez constar no somatório do saldo devedor os valores a esses títulos (indexador 0000236).

Outrossim, observando-se o laudo pericial (indexador 0000236) na par-te que apurou o aluguel do imóvel objeto da lide, a fim de liquidar os lucros cessantes no período compreendido entre o 181º dia após o prazo previsto para entrega das chaves (01.08.2011) e o dia da rescisão do contrato pela sen-tença (27.03.2013), é possível depreender que o perito se baseou em anún-cios de imóveis para locação não condizentes com o imóvel objeto da lide (fl. 241). Com efeito, o imóvel adquirido pelo autor está localizado na Av. Dr. Manoel Teles, 1.500, Centro, Duque de Caxias/RJ, com 50,92m2 (indexador 000069), enquanto aqueles utilizados como parâmetro, cujo aluguel varia de R$ 1.600,00, R$ 2.300,00 e R$ 1.650,00, se localizam no Jardim 25 de Agosto e no Jardim Primavera, bairros mais nobres no Município de Duque de Caxias. Não obstante, estes apartamentos ainda possuem 70 e 100m2, além de suíte, o

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que o imóvel adquirido pelo autor não possui, segundo alega a agravante e não foi impugnado pelo agravado.

A fim de comprovar que o imóvel objeto da lide não se iguala aos referi-dos imóveis utilizados como parâmetro na perícia, a agravante acostou anúncio de imóvel situado na Av. Brigadeiro Lima e Silva, no Jardim 25 de agosto, com 70m2 e sem suíte, com valor de R$ 1.000,00, de outro na mesma rua do imóvel objeto da lide, com a mesma metragem quadrada, pelo valor de R$ 650,00, e de um localizado na Vila Itamarati, com 60m2, pelo valor de R$ 1.200,00 (indexador 000248 – fls. 261/262). Acostou ainda três contratos de locação de imóveis situados no mesmo condomínio e bloco em que se situa o imóvel adquirido pelo autor, sendo dois referentes ao mesmo imóvel, com valores de aluguel entre R$ 1.000,00, R$ 1.100,00 e R$ 1.200,00, entre os anos de 2013 e 2014 (indexador 000321 e seguintes).

Sendo assim, conclui-se pela necessidade de elaboração de novo laudo pericial pelo perito designado nos autos, para que refaça os cálculos, excluindo do somatório do saldo devedor os valores já quitados pela ré, bem como para que apure os lucros cessantes com base nos documentos apresentados pela ré nos indexadores 000321 e seguintes, bem como em anúncios imobiliários de outros imóveis situados no mesmo bairro daquele objeto da lide, e de padrão e metragem similares, vez que não se pode ter como parâmetro também somente os valores de aluguel de dois imóveis no condomínio em que se situa o imóvel adquirido pelo autor.

Isso posto, voto pelo provimento parcial do recurso para anular a decisão que homologou o laudo pericial e determinar a realização de nova prova peri-cial, conforme fundamentação acima.

Rio de Janeiro, na data da sessão.

Des. Sandra Santarém Cardinali Relatora

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do SulApelação Cível nº 70069812485CNJ: 0191442‑89.2016.8.21.7000Décima Nona Câmara CívelComarca de Porto AlegreApelante: Vitor Hugo de Souza BicaApelado: Sopal Sociedade de Ônibus Porto Alegrense Ltda.Apelado: Associação dos Moradores da Vila Dois IrmãosApelado: Habitasul Empreendimentos Imobiliários Ltda.Apelado: Cia. Comercial de Imóveis

APELAÇÃO CÍVEL – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – LOTEAMENTO DOIS IRMÃOS – FASE 3 – PORTO ALEGRE – DEMANDA MOVIDA POR ADQUIRENTE DE LOTE EM FACE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES QUE PROMOVEU A VENDA, DA PROPRIETÁRIA REGISTRAL (CCI) E DAS EMPRESAS ADQUIRENTES DAS ÁREAS (hABITASUL E SOPAL) – PRETENSÃO DE IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA A CONCLUSÃO DO LOTEAMENTO E ENTREGA DO LOTE, E, SUCESSIVAMENTE, DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL, COM INDENIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS – SENTENÇA QUE RECONhECEU A LEGITIMIDADE PASSIVA APENAS DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES – RECURSO DO AUTOR

Empresa Sopal. Adquirente de área diversa daquela objeto da aqui-sição efetuada pelo autor. Ausência de qualquer participação no ne-gócio ou de responsabilidade pela área. Consequente ilegitimidade passiva, como reconhecido no juízo de origem.

Empresas CCI e Habitasul. Embora houvessem, inicialmente, efetuado a promessa de compra e venda da área à Associação de Moradores, esta última não foi imitida na posse do imóvel, por força de cláusula contratual expressa. Tampouco anuíram com a comercialização de lotes no local pela Associação. De resto, buscaram a resolução da avença em demanda própria, aforando, também, ação de reintegra-ção de posse da área. Inviável, em tal contexto, a pretendida respon-sabilização das aludidas rés quanto aos prejuízos alegados pelo autor, seja na ótica do Código de Defesa do Consumidor, seja na ótica da lei de parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766/1979). Empresas que não tiveram parte na pretensa cadeia de consumo e que não se carac-terizam como loteadoras. Consequente ilegitimidade passiva, como reconhecido no juízo de origem.

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Apelação desprovida.

aCórDão

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cí-vel do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminen-tes Senhores des. Marco Antonio Angelo e Des. Eduardo João Lima Costa.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2016.

Desª Mylene Maria Michel, Presidente e Relatora

relatório

Desª Mylene Maria Michel (Presidente e Relatora):

Cuida-se de “ação revisional de contrato cumulada com obrigação de fazer e pedido de perdas e danos” ajuizada por Vitor Hugo de Souza Bica em face de Associação dos Moradores da Vila Dois Irmãos, Habitasul Empreendi-mentos Imobiliários Ltda., Companhia Comercial de Imóveis e Sociedade de Ônibus Portoalegrense Ltda. – Sopal, sustentando, em síntese: 01) “em 04 de setembro de 2010, o autor celebrou Termo de Compromisso junto à Associa-ção de Moradores da Vila Dois Irmãos, para compra de um terrenos (lote), na planta e que se encontra dentro de uma área maior” (fl. 03); 02) um lote, de nº 10, no valor R$ 24.400,00, tendo o autor pago uma entrada de R$ 4.000,00, com o saldo restante avençado em 68 parcelas de R$ 300,00; 03) vem efe-tuando regularmente os pagamentos mensais; 04) contudo, a área apresenta situação irregular; 05) em 28 de dezembro de 2009 a Prefeitura de Porto Alegre embargou a construção do loteamento; 06) em reunião ocorrida na Prefeitura, a Associação e a Habitasul informaram que o procedimento de regularização já estaria em fase final e que, enquanto isso, seriam suspensas as atividades no local e proibida a venda de lotes; 07) todavia, o autor apurou que a Associação não está cumprindo as providências necessárias à regularização e que continua comercializando lotes; 08) descobriu o autor que “[...] na verdade, o loteamen-to é clandestino. Nada será realizado naquele local, e nas chamadas Fases 1 e 2, a própria Prefeitura deu início a processo de ‘Regularização Fundiária’, ou

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seja, todas as pessoas das chamadas Fases 1 e 2, na verdade não são vistas pelo Poder Público como proprietárias, e sim como ‘posseiras’, ‘invasoras’”; 09) há negligência dos réus nos procedimentos necessários à regularização da área e não há qualquer garantia de que a Associação cumprirá as providências neces-sárias; 10) “a venda de lotes, sem sequer conceder aos que já vem adimplindo com o pagamento das parcelas qualquer documento que lhe permita obter li-cença para edificar no lote, ou pior ainda, sequer há um lote, uma vez que não possui documentos que lhe permita obter a licença para edificar...”; 11) “tais loteadores (as quatro Rés) não são urbanizadores, mas especuladores...”; 12) o loteamento não está regularizado para habitação, não possuindo autorização da Prefeitura, tampouco registro no Álbum Imobiliário; 13) o autor investiu suas economias; 14) ”[...] procura a tutela judicial para que o contrato seja suspenso, não necessitando mais realizar os pagamentos até que o lote adquirido esteja em condições regulares para a construção, sem que isto signifique mora con-tratual, pois a suspensão do contrato e em consequência dos pagamentos se torna imperiosa, na medida em que, o loteamento poderá nem ser legalizado, correndo o risco de perder todas as economias disponibilizadas para a aqui-sição da propriedade”; 15) não foi observado o procedimento previsto na Lei nº 6.766/1979; 16) a gleba em que realizado o loteamento clandestino é de propriedade da ré Companhia Comercial de Imóveis; 17) a ré Habitasul inter-mediou a venda da área para a Associação ré; 18) o terreno é um todo maior, de 217.449m², matriculado sob o nº 46.941 no Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre; 19) a matrícula foi aberta em 1982, tendo como proprietária a Companhia Comercial de Imóveis (fl. 09); 20) em 18.10.2005, a matrícula foi transportada para o Registro de Imóveis da 6ª Zona, recebendo o nº 31.218; 21) depois, foi desdobrada em dois terrenos, em 21.02.2006, ambos de pro-priedade da Companhia Comercial de Imóveis; 22) um terreno, com área de 145.065m², recebeu a matrícula nº 32.119; 23) o outro terreno, com área de 72.383m², recebeu a matrícula nº 32.120; 24) posteriormente, receberam as matrículas nºs 42.810 e 42.811; 25) em 30.06.2010 o terreno foi vendido para a ré Sopal, “[...] conforme matrícula nº 32.120, mesmo já tendo sido vendido para a ré Associação...”; 26) “estas duas matrículas constam como sendo de propriedade da Sopal... Agora observe que nos contratos realizados pela ré As-sociação está sendo vendidos lotes da matrícula antiga, a 31.218, em que pese ter ocorrido alterações no ano de 2006, e, o contrato de compra e venda entre a Habitasul e a Associação referir-se a apenas uma parte do terreno da matrícula nova, de nº 32.119 de área de 71.598m²”; 27) questiona: “como a Habitasul vendeu uma parte do terreno de matrícula 32.119 sem ser a dona do terreno?”; 28) “como a Companhia Comercial de Imóveis S/A intermediou este contrato sem ser a dona do terreno?”; 29) “por que a Sopal legítima proprietária do imó-vel não aparece nos contratos, mas firmou termo de compromisso na Procura-doria Geral do Município de Porto Alegre?”; 30) “Por que a Associação registra

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nos contratos de venda de lotes a matrícula antiga do terreno?”; 31) ”[...] todas as partes tinham conhecimento de que a Associação estava adimplindo com a aquisição da gleba vendendo os lotes de forma irregular, isto é, os valores pagos pelos mutuários na verdade eram intermediados pela Associação em benefício das demais requeridas, ou seja, todas participaram para a existência do ilícito”; 32) há responsabilidade solidária; 33) os réus devem concluir as providências necessárias à regularização do loteamento; 34) na impossibilidade, o autor deve ser indenizado por perdas e danos; 35) “[...] não pode a ré Associação realizar o projeto de parcelamento do solo, bem como a regularização do loteamento somente depois de quitados os contratos...”; 36) o autor não recebeu a posse do lote, apesar de previsto no contrato o prazo de seis meses, após o pagamento da primeira parcela, o que enseja a incidência de multa contratual.

Requer, em antecipação de tutela, seja autorizada a suspensão dos pa-gamentos mensais pelo autor, sem caracterização da mora, com vedação de inclusão em cadastro de proteção ao crédito.

Pleiteia o reconhecimento da responsabilidade solidária das rés ou não, com a sua condenação na regularização do loteamento.

Sucessivamente, na hipótese de não regularização, requer a resolução da avença, com a condenação das rés no pagamento de indenização por perdas e danos, nos termos postulados (itens 9 a 13), abrangendo a restituição dos valo-res pagos, em dobro.

Requer, a inversão do ônus da prova e o deferimento de AJG.

Juntou procuração e documentos, fls.11-33.

Deferida AJG, e determinada a apensação do processo. Concedida em parte a antecipação de tutela, fl.38-38v.

A Associação dos Moradores da Vila Dois Irmãos, juntou procuração, fl.44 e ofereceu contestação (fls. 45-49), sustentando, em síntese: 01) prelimi-narmente, que o autor não está cumprindo com a antecipação de tutela, deven-do realizar os pagamento das parcelas em atraso acrescidas de multa de 10% e honorários advocatícios de 20%, nos termos contratuais; 02) que a suspensão dos pagamentos acarreta prejuízo à contestante; 03) “nas ações judiciais consta também no pólo passivo, a Habitasul... que realizou uma promessa de compra e venda da referida área com a requerida, com cláusula de regularização da titularidade junto ao Registro de Imóveis, em face da aprovação do projeto de desmembramento da matrícula”; 04) em razão disso, e do atraso no pagamento das parcelas devidas à Habitasul, esta última ajuizou ação de resolução contra-tual, o que é prejudicial à contestante e aos adquirentes dos lotes; 05) a ré tem o maior interesse em regularizar o loteamento; 06) transformou a associação em cooperativa habitacional, para buscar recursos públicos; 07) não pode ser

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tratada como loteadora, porque é entidade sem fins lucrativos, não dispondo de todo o valor do contrato para pagamento à vista do terreno, tampouco dos projetos arquitetônicos e de infra-estrutura (fl. 47); 08) “[...] os adquirentes assim não entenderam o tipo de comercialização realizada, principalmente, no que se refere à colaboração de todos de forma cooperada para a concretização do objetivo final, a casa própria”; 09) aduz que somente é possível regularizar o loteamento, conforme constou do contrato com o autor, após a quitação inte-gral do preço; 10) o termo de compromisso firmado com o autor contém, de forma transparente, o tipo de negócio realizado; 11) não se trata de loteamento clandestino; 12) sempre esteve empenhada em resolver os problemas.

Requer a designação de audiência de conciliação e o julgamento de im-procedência da ação, fl.49. Juntou documentos, fls. 51-65.

Citada, a ré Sopal ofereceu contestação (fls. 75-78), sustentando, em síntese: 01) preliminarmente, ilegitimidade passiva; 02) no mérito, a posse é exercida pela Associação e pelo autor; 03) “[...] em tempos pretéritos a referida área foi objeto de invasão por inúmeras famílias as quais organizaram a reque-rida Associação... cuja qual adquiriu a área da invasão e posteriormente outro tanto para o fim de regularizar o loteamento junto a Prefeitura...”; 04) as rés So-pal, Habitasul e Companhia Comercial são lindeiras do imóvel da Associação; 05) cumpre à Associação responder perante os adquirentes dos lotes; 06) o autor tinha conhecimento do processo de ocupação da área; 07) “tinha e tem ciência que a requerida Associação gesta junto a Prefeitura Municipal todos os esforços para a regularização da área. Não querer pagar as prestações men-sais é mora, e como tal deve ser encarada...”; 08) “[...] a requerida Sopal nada pode ser condenada... porquanto não detém posse ou propriedade da área onde estabelece-se a controvérsia...”.

Pede a extinção do feito em relação à Sopal, sem resolução de mérito. Sucessivamente, pede a improcedência da demanda. Procuração e documen-tos, fls.79-87.

Designada audiência de conciliação, a qual restou prejudicada.

A Associação de Moradores fez juntar aos autos planta e outros docu-mentos, fls.91-95.

Desapensados os feitos (ações propostas por outros adquirentes).

As rés Habitasul e Companhia Comercial também contestaram (fls. 98--113), sustentando, em síntese: 01) preliminarmente, ilegitimidade passiva da Habitasul e da Companhia Comercial de Imóveis; 02) a Companhia Comercial era proprietária de um terreno de 217.449m², matriculado sob o nº 31.218 no Registro de Imóveis da 6ª Zona; 03) em 1986 a Companhia vendeu o imóvel para a Habitasul; 04) os contratos com terceiros sempre indicaram a titulari-

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dade da Habitasul com a anuência da Companhia; 05) em 21.2.2006 houve o primeiro desmembramento da matrícula, gerando as matrículas de nºs 32.119 (145.065m²) e 32.120 (72.383m²); 06) em 21.5.2010 a matrícula de nº 32.119 (145.065m²) foi desmembrada, gerando as matrículas de nºs 42.810 (71.598m²) e 42.811 (73.467m²); 07) “logo, para o todo maior do terreno, que inicialmente contava com 217.449m² e estava matriculado sob o nº 31.218, atualmente exis-tem 3 matrículas de números 32.120 (72.383,35m²), 42.810 (71.598,72m²) e 42.811 (73.467,23m²), todas inscritas no Registro de Imóveis da 6ª Zona de Por-to Alegre”; 08) o caso, contudo, envolve apenas a área da matrícula nº 42.810; 09) em 06.2.1995 a Habitasul firmou contrato de cessão de direitos aquisiti-vos sobre imóvel com a Sopal, com anuência da Companhia, tendo por objeto a fração ideal de 50.000m² da parte correspondente à matrícula nº 32.120; 10) em 22.4.2005 a Habitasul firmou nova cessão com a Sopal, com a anuência da Companhia, referente à fração restante de 22.383,35m², correspondente à matrícula nº 32.120; 11) na mesma data, 22.04.2005, a Sopal vendeu a Felipe Bordin Goldani, representante da Associação, os 22.383,35m², da matrícula nº 32.210, com a anuência da Habitasul; 12) desse modo, permaneceu a Ha-bitasul com as áreas das matrículas de nºs 42.810 e 42.811, de 71.598,72m² e 73.467,23m²; 13) quanto à matrícula nº 32.120, a Sopal ficou com 50.000m² e a Associação com 22.383,35m²; 14) em 01.09.2009 a Habitasul e a Asso-ciação firmaram promessa de compra e venda, tendo por objeto a área de 71.598,72m², correspondente à matrícula nº 42.810; 15) a imissão na posse da Associação, contudo, dependia do pagamento, no mínimo, de 30% do preço, de que estivesse em dia com os pagamentos e da assinatura de escritura pública de compra e venda com alienação fiduciária; 16) “o que ocorre, no entanto, é que mesmo sem o cumprimento dos termos do contrato, ou seja, sem ter assina-do a escritura e sem estar devidamente imitida na posse da área, a Associação demandada passou a alienar as terras a terceiros, tentando induzir a existência de um parcelamento do solo ilegal e irregular, como se proprietária da área fosse e à absoluta revelia das contestantes. Foi o que ocorreu com o autor”; 17) não possui nenhuma relação com a contratação entre o autor e a Associa-ção; 18) “o que havia entre as contestantes e a Associação era uma simples promessa que não permitia sequer a obtenção da posse do imóvel, o que vi-ria a ocorrer apenas quando da escritura para transferir a propriedade, com a constituição de garantia por alienação fiduciária”; 19) desse modo, o feito deve ser extinto, por ilegitimidade passiva, em relação à Habitasul e à Companhia; 20) “a corré, Associação... mesmo sem dar cumprimento aos termos do Contra-to de Promessa de Compra e Venda... ou seja, mesmo sem tem assinado a es-critura e sem estar devidamente imitida na posse da área, passou a, igualmente, alienar as terras a terceiros, tentando induzir a existência de um parcelamento do solo ilegal e irregular, como se proprietária da área fosse”; 21) do descumpri-mento contratual da Associação, “[...] surgiu uma idéia em verdade não ocorri-

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da, da realização de um loteamento irregular da área, cuja posse e propriedade ainda pertencem às ora contestantes”; 22) “como resultado, a Habitasul... e a Companhia... vem sendo citadas em inúmeras ações de responsabilidade ci-vil, cominadas com obrigação de fazer... acusadas de fatos para os quais não contribuíram, e, mais, exigindo responsabilidades que jamais assumiram”; 23) em decorrência, promovem as rés ação de resolução contratual em face da Associação; 24) no mérito, não possuem qualquer responsabilidade pelos atos entre o autor e a Associação; 25) não podem responder por contratos que des-conhecem; 26) não há prova de que as contestantes seriam responsáveis pelo loteamento; 27) as contestantes não têm qualquer relação com o auto de infra-ção da Prefeitura Municipal; 28) a maioria dos contratos entre a Associação e os adquirentes são anteriores, inclusive, à própria promessa de compra e venda entre a Habitasul e a Associação; 29) os negócios firmados entre a Associação e terceiros são nulos (item B2); 30) à época do negócio do autor, a Associação era proprietária apenas da área de 22.383,35m², adquirida da Sopal em 2005, de maneira que resulta nulo qualquer negócio envolvendo a área de 71.598,72m², de titularidade da Habitasul.

Requerem a extinção do feito, sem resolução de mérito, em relação às rés Habitasul e Companhia Comercial. Sucessivamente, pedem a improcedência da demanda. Juntaram documentos, fls. 114-189.

Interposto agravo de instrumento em face da decisão que determinou o desapensamento das ações. Negado seguimento ao recurso pela Desª Nara Leonar Castro Garcia (18aCC).

Houve réplica, fls. 205-209v.

Relegado o exame das preliminares para o julgamento de mérito, as par-tes foram instadas acerca do interesse probatório, fl. 229.

Realizada audiência de instrução. Decretada a revelia da Associação de Moradores da Vila dois Irmãos. Tomado o depoimento pessoal do autor, e acolhida a prova emprestada (testemunha Sinome Somensi – Procuradora do Município de Porto Alegre) do processo nº 001/1.10.0259472-4; declarada en-cerrada a instrução (fls. 268-272).

Memoriais pela Habitasul Crédito Imobiliário e Companhia Comercial de Imóveis, fls. 274-278; autor, fls. 279-282, e, Sopal, fls. 283-285.

Sobreveio sentença que assim dispôs, fls. 286-294:

“Ante o exposto, julgo:

a) inicialmente, extinto o feito em relação aos réus Habitasul Empreendimentos Imobiliários, Sopal – Sociedade De Ônibus Porto Alegrense Ltda. e Companhia Comercial de Imóveis, vez que reconheço sua ilegitimidade passiva, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC;

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b) procedente o pedido de rescisão contratual, para declarar rescindido o con-trato firmado entre o autor e a requerida Associação dos Moradores da Vila Dois Irmãos, com a devolução dos status a quo ante das partes; como consequência, determinar a restituição dos valores pagos pelo autor, na forma simples, bem como aplicar a multa contratual, em 10% sobre o valor do contrato, corrigidos pelo IGP-M e com incidência de juros de 1% ao mês, a contar da data de cada pagamento;

c) por fim, deixo de condenar o requerido pelas perdas e danos.

Condeno a requerida Associação dos Moradores da Vila Dois Irmãos ao paga-mento das custas processuais, bem como honorários advocatícios do patrono do autor, que fixo em R$ 1.500,00, atualizados pelo IGP-M, atentando para os critérios do art. 20, § 4º, do CPC.

Condeno, ainda, o autor ao pagamento dos honorários advocatícios dos patronos dos demais requeridos, cuja ilegitimidade passiva foi reconhecida, que fixo em R$ 1.000,00, para cada, atualizados pelo IGP-M, atentando para os critérios do art. 20, § 4º, do CPC. Suspendo a exigibilidade em razão da gratuidade.”

Habitasul e CCI Imóveis juntaram instrumento de procuração, e cópia de acordo firmado com a Associação de Moradores da Vila Dois Irmãos, e escritu-ra pública de compra e venda dos imóveis das matrículas nºs 42.810 e 42.811 (295-328).

O autor se manifestou, exigindo o cumprimento do contrato, fls. 331-333.

Por meio de apelação, fls. 338-342, o autor se insurge em face da sen-tença, sustentando, em síntese: a) que a sentença nada dispôs sobre a aplicação do CDC expressamente requerida, deixando de inverter o ônus da prova; b) a relação havida entre o Apelante e a Ré Associação de Moradores da Vila Dois Irmãos é contratual (existe um contrato de compra e venda de lote). O referido lote, por sua vez, é parte integrante de um “grande terreno de propriedade da Ré CCI, que cedeu os direitos para a Ré Habitasul, que por sua vez, firmou contrato com a ré Associação com a anuência da ré CCI...”; c) “[...] a relação entre todos os Réus, estão configuradas em contratos, tanto que a ré Habitasul ingressou com demanda para devolver o dinheiro da ré Associação...”; d) está caracte-rizada a relação de consumo e a hipótese de loteamento, o que determina, também, a incidência da lei de parcelamento do solo urbano; e) o art. 47 da Lei nº 6.766/1979 determina a solidariedade (fl. 340); f) “[...] existe uma relação entre as Rés, já que na verdade, o tal ‘todo maior’, é uma área inútil, sem valor comercial frente aos mapas... que mostra ser a região uma reserva ecológica, de proteção ambiental, além do laudo do DEP [...] atestando que o terreno é uma área de risco de inundações”; g) “sem valor comercial, a única solução viável à proprietária CCI era a realização de parcelamento de solo, loteando para pessoas

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de baixa renda, retirando daí algum lucro” (fl. 340); h) as fases 1, 2 e 3 consti-tuem loteamento clandestino; i) a Habitasul tinha o dever de vistoriar o imóvel, tinha dever de cautela; j) o loteador responde objetivamente, nos termos do CDC; k) “o proprietário do imóvel responde, como se incorporador fosse, pois não haveria o fornecimento dos lotes à venda, se ele... não disponibilizasse o terreno”; l) a Habitasul recebeu dinheiro dessas transações, e a sentença afirma que a mesma não tinha ciência; m) “[...] entre todas as Rés ocorreram diversos movimentos não onerosos (ninguém negocia imóvel sem obtenção de lucro) visando a dissolver e omitir a real situação do imóvel (imprestável)”; n) a prova produzida nos autos, em suma, ampara a versão da inicial.

Requer o recebimento do recurso independente de preparo (AJG), a refor-ma da sentença para reconhecer a relação de consumo, declarar a inversão do ônus da prova. Determinar a reabertura da instrução para intimar o autor acerca do acordo noticiado; declarando nulo o acordo. Requer o provimento do apelo para que seja reconhecida a solidariedade das codemandadas Sopal, Compa-nhia Comercial de Imóveis e Habitasul Crédito Imobiliário, com a inversão do ônus sucumbencial.

Recebida a apelação no duplo efeito.

Contrarrazões pela Sopal, fls. 350-352, pleiteando, em síntese, o despro-vimento do apelo.

Habitasul e a Companhia, igualmente ofereceram contrarrazões (fls. 353- -360), reiterando manifestações anteriores nos autos e pleiteando, em síntese, o desprovimento do apelo. Também invocam o acordo celebrado no curso do feito, com a aquisição das áreas pela Associação.

Habitasul e a Companhia juntaram cópias de acórdãos de julgamento em ações correlatas.

É o relatório.

votos

Desª Mylene Maria Michel (Presidente e Relatora):

Eminentes Colegas.

Recurso interposto na vigência do CPC/1973 devendo se orientar pelas suas regras.

A causa já é de conhecimento deste colegiado.

A sentença apelada resolveu a avença condenando a Associação na de-volução dos valores pagos. De outra parte, reconheceu a ilegitimidade de parte das rés Sopal, Habitasul e Companhia Comercial de Imóveis (CCI).

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Como visto, para além da incidência do CDC e inversão do ônus da prova, essencialmente o recurso de apelação pretende o reconhecimento da responsabilidade solidária das aludidas codemandadas Sopal, Habitasul e CCI.

De antemão, a juntada de simples cópia de acordo envolvendo a Asso-ciação de Moradores da Vila Dois Irmão e a Habitasul e CCI, depois de senten-ciado o feito, tem por mote noticiar o fato nos autos, e não interfere no deslinde desta lide.

Dito isso, inicialmente, cumpre elucidar a situação da área objeto do litígio.

A ré CCI era proprietária de um terreno urbano de 217.449,30m², nesta Capital, o qual restou posteriormente adquirido, por meio de promessa de com-pra e venda, pela ré Habitasul, no ano de 1986 (não houve, contudo, o registro da aquisição no Álbum Imobiliário, permanecendo a área em nome da CCI).

Posteriormente, em 2006, houve o desmembramento da área em dois imóveis, com áreas de 145.065,95m² (matrícula nº 32.119, fl. 77) e de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120).

Em 2010, a área de 145.065,95m² (matrícula nº 32.119) foi fracionada em duas, de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810) e de 73.467,23m² (matrícula nº 42.811).

Nesta perspectiva, o antigo imóvel de 217.449,30m², após os dois des-membramentos, passou a ser representado por três áreas: de 72.383,35m² (ma-trícula nº 32.120); de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810); e de 73.467,23m² (matrícula nº 42.811).

Em que pese o registro da área de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810) tenha ocorrido apenas em maio de 2010, a mesma já havia sido objeto de contrato de promessa de compra e venda entre a Habitasul e a Associação de Moradores, com a anuência da CCI, em setembro de 2009.

De outra parte, a área de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120) foi objeto de dois contratos de cessão de direitos em favor da ré Sopal, de 50.000m² e de 22.383,35m², cuja escritura pública foi outorgada pela CCI em maio de 2010.

A área de 73.467,23m² (matrícula nº 42.811), de resto, permaneceu em nome da CCI (embora adquirida pela Habitasul em 1986).

Anoto, outrossim, que a Sopal firmou contrato de cessão de direitos em favor de representantes da Associação de Moradores, com anuência da Habita-sul, relativamente à fração de 22.383,35m², da área de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120).

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Em síntese: a) a CCI permaneceu titular da área de 73.467,23m² (ma-trícula nº 42.811), embora tenha sido esta objeto de aquisição pela Habita-sul; b) a Associação de Moradores era promitente compradora da área de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810) e cessionária da fração de 22.383,35m² da área de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120); c) a parte remanescente da área de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120), ou seja, 50.000m², havia sido adquirida pela Sopal.

No caso, convém salientar, a promessa de compra e venda entre a Habi-tasul e a Associação de Moradores, com a anuência da CCI, teve por objeto a área de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810), onde acabou sendo empreendido o loteamento (fase 3).

As outras áreas – de 73.467,23m² (matrícula nº 42.811) e de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120) – são estranhas ao presente feito.

A presente ressalva é relevante porque, como se vê ofício da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, do depoimento pessoal do autor (CD. fl.272) e do depoimento da procuradora do Município (fls. 268-270 – prova emprestada), na área adquirida pela Sopal, de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120), já havia se estabelecido um loteamento irregular, em situação consolidada, quanto ao qual ocorrem tratativas de regularização.

O imóvel adquirido pelo autor, contudo, objeto da presente demanda, insere-se em loteamento estabelecido em área diversa, no caso, aquela de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810), não se confundindo, portanto, com as áreas de 73.467,23m² (matrícula nº 42.811) e de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120).

Em tal contexto, cuidando-se, na espécie, de área que jamais foi adquiri-da pela Sopal, já se pode de pronto ratificar a sua ilegitimidade passiva reconhe-cida na sentença apelada, salientando-se, também, que a aludida ré não teve parte no contrato firmado com o autor, tampouco praticou qualquer conduta relativamente à aludida área.

Não sendo parte no contrato firmado pelo autor, não sendo proprietária ou adquirente daquela área, e nada fazendo relativamente àquele imóvel, des-cabe a responsabilização da Sopal.

Remanesce, todavia, a questão relativa à responsabilidade das rés CCI e Habitasul.

De antemão, refiro que a questão vem ensejando divergência nesta Cor-te, como se vê de precedentes exarados em demandas análogas, também pro-postas por adquirentes de lote no mesmo local: a egrégia 17ª Câmara Cível reconheceu a responsabilidade solidária da Habitasul e da CCI nas Apelações Cíveis nºs 70068365238, relator o desembargador Gelson Rolim Stocker, J. em 30.06.2016, e 70069567972, Relator o Desembargador Giovanni Conti,

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Julg. também em 30.06.2016; a 20ª Câmara Cível, em seu turno, não reconhe-ceu a legitimidade de parte das aludidas rés, como se vê das Apelações Cíveis nºs 70068867944 e 70068882760, ambas de relatoria do desembargador Car-los Cini Marchionatti, Julg. em 11.05.2016.

Nas condições do caso, não vejo como reconhecer a pretendida legitimi-dade passiva das rés Habitasul e CCI.

Em primeiro lugar, observo que as aludidas rés não tiveram parte no con-trato de promessa de compra e venda firmado entre o autor e a Associação de Moradores, tampouco prestaram qualquer anuência àquela avença.

Ou seja, o negócio envolvendo a aquisição do lote foi pactuado exclu-sivamente entre o autor e a Associação de Moradores, à revelia das outras rés.

Em segundo lugar, a Associação de Moradores jamais foi imitida na posse da área pela Habitasul, o que dependia, nos expressos termos do contrato de promessa de compra e venda da área, do pagamento de 30% do preço e da ou-torga de escritura pública com pactuação de alienação fiduciária em garantia.

Tais condições nunca se implementaram, em razão da inadimplência das parcelas do preço pela Associação, o que determinou, aliás, o ajuizamento de ação de resolução contratual pela Habitasul (Proc. nº 001/1.11.0059872-4, aforada em 23.3.2011), assim como a propositura de ação de reintegração de posse (Proc. 001/1.14.0103495-1, aforada em 29.4.2014), em face da Associa-ção e dos ocupantes do imóvel, por conta do ingresso indevido na área. Jamais houve regular imissão da Associação na posse da área.

Em suma: as rés agiram diante da inadimplência da Associação e também em face das tentativas de ocupação indevida da área, jamais anuindo com a venda dos lotes pela Associação, tampouco com a implantação de loteamento irregular no local, com comercialização de lotes.

No ponto, invoca o autor a participação da Habitasul em reunião promo-vida pela Prefeitura Municipal, para fins de regularização fundiária.

Ocorre que, como restou informado no ofício do Município, tal reunião abrangeu apenas o loteamento consolidado na área objeto de venda à ré Sopal, não tratando da área objeto do presente litígio.

Também o depoimento da procuradora do Município destaca que ape-nas na área da Sopal havia loteamento consolidado.

A ação civil pública referida pelo apelante (Proc. 001/1.13.0160268-0) não abrange as rés CCI e Habitasul, mas apenas a Associação e a Sopal, vislumbrando-se, portanto, que diz respeito à área de 72.383,35m² (matrícula nº 32.120), adquirida pela Sopal.

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A procuradora do Município, em seu depoimento, referiu que na área objeto do presente feito não havia qualquer estrutura, nada indicando a efetiva instalação de loteamento, ainda que irregular.

Em tal contexto, as rés Habitasul e CCI (supostamente integrantes do mes-mo grupo econômico) não podem ser consideradas loteadoras, nos termos da legislação de parcelamento do solo urbano (v. Lei nº 6.766/1979, com as alte-rações da Lei nº 9.875/1999).

Quanto ao tema, devo observar que, na perspectiva das aludidas rés, os adquirentes dos lotes, a exemplo do autor, em verdade, são invasores da área, até porque a Associação de Moradores, com quem eles contrataram, jamais foi imitida na posse.

A Associação de Moradores comercializou os lotes sem qualquer anuên-cia das rés Habitasul e CCI, violando, inclusive, os próprios termos da promessa de compra e venda da área, porquanto nem sequer imitida na posse.

Desse modo, não estando caracterizadas as aludidas rés como loteado-ras, e inexistente qualquer conduta sua no sentido de anuir com a comercializa-ção dos lotes pela Associação, inviável a sua responsabilização nos termos da legislação de parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766/1979, com as altera-ções da Lei nº 9.875/1999).

Pelos mesmos motivos, inviável a responsabilização das rés nos termos do Código de Defesa do Consumidor, porque não participaram, de maneira alguma, direta ou indireta, na cadeia negocial que envolveu a comercialização do lote ao autor.

O autor alega, ainda, que o imóvel em questão estaria compreendido em área de proteção ambiental (próxima a um arroio), e também sujeita a inun-dações, apresentando-se, assim, como área de improvável venda e de pouca valorização comercial.

Sustenta, assim, que o negócio teria sido lucrativo para os envolvidos (CCI e Habitasul, que estariam recebendo valores pela área, de improvável ex-ploração econômica; a Associação, porque recebia recursos mediante a venda os lotes), embora todos cientes que a área jamais comportaria, efetivamente, um loteamento regular, assim atuando todas as rés em prejuízo de adquirentes como o autor.

O argumento não convence.

Sobrepõe-se que nenhum óbice jurídico havia à compra e venda da área pela proprietária, cumprindo às partes negociantes avaliar o interesse e as van-tagens quanto ao negócio.

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Da mesma maneira, a venda da área, em si mesma, pela CCI e Habitasul à Associação, desacompanhada de outros elementos, não autoriza conclusão no sentido da anuência daquelas rés quanto à instalação de loteamento irregu-lar no local.

E o comportamento adotado pela CCI e pela Habitasul relativamente ao negócio celebrado com a Associação, como já destacado, igualmente afasta a ilação, tendo elas pleiteado a resolução do negócio, buscando, inclusive, pro-teção possessória.

Seguindo no exame das alegações recursais, anoto que, nos autos da ação de reintegração de posse movida pelas aludidas rés em face da Associa-ção, e às vésperas do cumprimento do mandado de reintegração, restou cele-brado acordo (juntado, por cópia, neste feito, após a prolação de sentença).

No âmbito de tal acordo, a Associação concordou com a procedên-cia dos pleitos resolutório e possessório; não obstante, requereram as partes a suspensão do cumprimento da ordem de reintegração de posse, avençan-do nova promessa de compra e venda, agora tendo por objeto duas áreas: a de 71.598,72m² (matrícula nº 42.810), objeto do presente feito, e aquela de 73.467,23m² (matrícula nº 42.811).

A venda deu-se por valor expressivo (R$ 1.400.000,00), com uma entra-da de R$ 250.000,00, e o restante a ser quitado no prazo de cinco anos.

A superveniente celebração do acordo, com a extinção, com resolução de mérito, das ações movidas pelas rés em face da Associação, pactuando-se nova venda de áreas, nenhuma repercussão possui no presente litígio, a não ser o fato, talvez interessante para o autor, de que a Associação obteve, em face do acordo, a propriedade registral da área (escritura pública juntada aos autos).

Reunindo as considerações acima, ratifico a sentença apelada, no senti-do da ilegitimidade passiva das rés Sopal, Habitasul e CCI.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.

É o voto.

Des. Marco Antonio Angelo – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Eduardo João Lima Costa – De acordo com o(a) Relator(a).

Desª Mylene Maria Michel – Presidente – Apelação Cível nº 70069812485, Comarca de Porto Alegre: “Negaram provimento ao recurso de apelação. Unâ-nime.”

Julgador(a) de 1º Grau: Ivortiz Tomazia Marques Fernandes

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaApelação Cível nº 2014.028145‑2, de CriciúmaRelator: Desª Substituta Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – POSSE E PROPRIEDADE DE IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE PESSOA DEMANDADA EM EXECUÇÃO – PROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU – RECURSO DA EXEQUENTE-EMBARGADA – LEGITIMIDADE PARA OPOR OS EMBARGOS PRESENTE – REQUISITOS DO ART. 1.046 DO CPC DE 1973, VIGENTE À ÉPOCA, CUMPRIDOS PELA EMBARGANTE – AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA – DESNECESSIDADE – SÚMULA Nº 84 DO STJ – AUSÊNCIA DE PROVA DA POSSE OU PROPRIEDADE DO IMÓVEL – TRANSFERÊNCIA DA FRAÇÃO DO IMÓVEL PENhORADO COMPROVADA ATRAVÉS DA PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNhAL COLIGIDA NOS AUTOS – ÔNUS CUMPRIDO PELA EMBARGANTE – ART. 373 DO CPC DE 2015 – PROVAS NÃO IMPUGNADAS EM PRIMEIRO GRAU – NEGÓCIO REALIZADO EM DATA ANTERIOR À CONSTRIÇÃO JUDICIAL – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONhECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2014.028145-2, da comarca de Criciúma (1ª Vara Cível), em que é apelante Banco do Brasil S/A, e apelado Bistek Supermercados Ltda.:

A Primeira Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembar-gador Cláudio Valdyr Helfenstein (Presidente), e o Exmo. Sr. Desembargador Artur Jenichen Filho.

Florianópolis, 02 de junho de 2016.

Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer Relatora

relatório

Bistek Supermercados Ltda. aforou os presentes embargos de terceiro, contra Banco do Brasil S/A, aduzindo, alegando, em síntese, ser legítima pos-suidora da área remanescente de 447m², dentro da área maior constante na matrícula nº 475, atual matrícula nº 12.343, a qual foi penhorada na execução nº 020.00.16184-5, área que foi adquirida em 1999.

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Citada, a instituição financeira requerida deixou transcorrer in albis o prazo concedido para defesa.

Foi designada audiência de instrução e julgamento, na qual foram ouvi-das três testemunhas arroladas pelas partes.

O magistrado a quo julgou procedentes os embargos de terceiro (fl. 118), com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, acolho os embargos para afastar da penhora o imóvel de 447m² de posse da embargante como descrito na inicial, tal devendo ser ressalvado quando no momento oportuno na execução. Condeno o embargado no paga-mento das custas processuais e honorários advocatícios, estes que arbitro em R$ 3.000,00, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 20 do CPC.

A instituição financeira interpôs recurso de apelação (fls. 121/127), ale-gando, em suma, que o imóvel pertencia ao sócio da executada no processo principal, que também é sócio da empresa Bistek; que o imóvel possuía hipote-ca e, como direito real de garantia, é indivisível. Que não houve registro da ale-gada venda na matrícula do imóvel não havendo comprovação da propriedade da área remanescente. Que os embargantes não figuram como possuidores ou proprietários do imóvel, uma vez que o Sr. Frederico, executado nos autos em apenso, alienou o imóvel, restando notória a fraude à execução.

Foram apresentadas as contrarrazões (fls. 13/143), ascenderam os autos a este egrégio Tribunal de Justiça.

Este é o relatório.

voto

O recurso deve ser conhecido, uma vez que presentes os requisitos de admissibilidade.

A instituição financeira apelante sustenta que a embargante-apelada não figura como possuidora ou proprietária do imóvel em questão, não possuindo legitimidade para opor os embargos de terceiro.

O art. 1.046 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época, cor-respondente ao art. 674 do Novo CPC, dispõe que:

Art. 1.046. Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inven-tário, partilha, poderá requerer Ihe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos.

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§ 1º Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor. [...]

Portanto, para que seja legitimado, basta que seja proprietário ou possui-dor, e que não seja parte da execução.

No caso presente a embargante não é parte da lide executória, e discute a posse e propriedade do bem, razão pela qual é parte legítima para figurar no polo ativo dos embargos de terceiro.

Também sustenta a instituição financeira que não houve registro do con-trato ou averbação na matricula do referido imóvel.

A jurisprudência vem se manifestando no sentido de que é admissível a oposição de embargos de terceiro fundamentado em posse advinda de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

Este é o entendimento deste Tribunal:

TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE TERCEIRO – OPOSIÇÃO PELOS POSSUIDO-RES, QUE ADQUIRIAM OS IMÓVEIS POR MEIO DE CONTRATO PARTICU-LAR DE COMPRA E VENDA, QUE NÃO INTEGRARAM O POLO PASSIVO DAS EXECUÇÕES FISCAIS – PARTES LEGÍTIMAS PARA OPOR EMBARGOS DE TER-CEIRO – Nos termos do art. 1.046, “Quem, não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, sequestro, alienação judicial, arreca-dação, arrolamento, inventário, partilha, poderá requerer Ihe sejam manutenidos ou restituídos por meio de embargos”. ALEGADA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR, EM RAZÃO DE SUPOSTA FALTA DE COMPROVAÇÃO DA POSSE DO BEM, POR CONTA DA AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DA AQUISIÇÃO NO RE-GISTRO IMOBILIÁRIO – IMPROPRIEDADE QUE NÃO AFASTA A POSSE EXER-CIDA PELOS EMBARGANTES E, COM ISSO, O DIREITO À DEFESA POR MEIO DE EMBARGOS DE TERCEIRO – EXEGESE DA SÚMULA Nº 84 DO STJ – Versa a Súmula nº 84 do STJ que “é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. PENHORA – OFICIAL DE JUSTIÇA QUE PENHORA TERRENO SEM COMPARECER AO LOCAL, CERTIFICANDO, INCLUSIVE, EQUIVOCADAMENTE, A INEXISTÊNCIA DE BENFEITORIAS – TER-RENO QUE CONTINHA EDIFÍCIO JÁ PRONTO E VENDIDO A TERCEIROS – EVIDENTE DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 143 E 659 – NULIDADE MANTIDA – “As formalidades legais devem ser cumpridas de forma irrestrita pelo oficial de justiça, sob pena de invalidar os atos processuais que produziu. É um trabalho que, indubitavelmente, tem que ser exercido in loco. As informações trazidas aos autos por ele devem traduzir a mais pura realidade, revestindo-se de inteira transparência, sendo inadmissível que não correspondam aos acontecimentos que efetivamente ocorreram e aos bens existentes. Em sede de execução, onde o patrimônio da parte sofre a constrição judicial num primeiro plano, e a sua liberdade num seguinte, esses dados ganham notório relevo, pois irão nortear

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as decisões do magistrado” (STJ, Habeas Corpus nº 2007/0067364-4. Rel. Min. José Delgado, J. 15.05.2007). [...]. (TJSC, Apelação Cível nº 2015.018520-1, da Capital, Rel. Des. Francisco Oliveira Neto, J. 02.06.2015)

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – PENHORA DE IMÓVEL – ALEGAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL POR MEIO DE PERMUTA EM DATA ANTERIOR À CONSTRIÇÃO JUDICIAL – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – RE-CURSO DA EMBARGADA – COMPROVAÇÃO DA POSSE – DOCUMENTOS DOS AUTOS, OS QUAIS NÃO FORAM IMPUGNADOS, QUE SÃO SUFICIEN-TES PARA COMPROVAR A PERMUTA DO IMÓVEL E O EXERCÍCIO DA POSSE PELOS EMBARGANTES – INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MÁ-FÉ – NEGÓCIO JURÍDICO OCORRIDO ANTES DA PENHORA OU DO PROCESSO EXECUTIVO – REGISTRO DO CONTRATO DE PERMUTA OU AVERBAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS – DESNECESSIDADE – SÚMULA Nº 84 DO STJ – “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”. [...] Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. (TJSC, Apelação Cível nº 2013.067022-3, de Blumenau, Relª Desª Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, J. 06.11.2014)

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL – “CONTRATO DE GAVETA” – PENHORA – IMÓVEL HIPOTECA-DO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – POSSE DECORRENTE DO CONTRATO PARTICULAR – FALTA DE AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO IMO-BILIÁRIO – SÚMULA Nº 84 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – Não há óbice à alienação de imóvel hipotecado a terceiro, porquanto a hipoteca destina-se tão somente a garantir o pagamento da dívida, não interferindo na fruição e disposição do bem. O “con-trato de gaveta”, embora supostamente ineficaz perante o credor hipotecário, não deixa de ter validade entre comprador e vendedor, com reflexo perante terceiros. O interesse do credor hipotecário não pode ferir o direito de propriedade do terceiro de boa-fé. “É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro” (Súmula nº 84 do STJ). (TJSC, Apelação Cível nº 2014.036258-7, de Forquilhinha, Rel. Des. Fernando Carioni, J. 01.07.2014)

No tocante à prova da propriedade ou posse do imóvel em questão, esta é incumbência da parte embargante, visto que se trata de fato constitutivo de seu direito, pelo art. 373, I, do CPC/2015 [antigo 333, do CPC de 1973]:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

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No que tange à definição de ônus da prova, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery discorrem:

Ônus de provar. A palavra vem do latim, onus, que significa carga, fardo, peso, gravame. Não existe obrigação que corresponda ao descumprimento do ônus. O não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa. A produção probatória, no tempo e na forma prescrita em lei, é ônus da condição de parte (Código de Processo Civil Comen-tado e legislação extravagante. 10. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 2007. p. 608).

No caso concreto, trata-se o imóvel penhorado individualizado como o lote nº 2, com área remanescente de 31.605,43 m2, registrado sob a matrícula nº 12.343, anteriormente matricula nº 475, localizado na cidade de Nova Veneza.

A embargante junta a relação de Cadastro Imobiliário da Prefeitura de Nova Veneza, de 2001, onde consta a inscrição imobiliária nº 6.1.2.12.001, referente ao lote 12, quadra 2, com área de 453,75 m2 (fls. 30/41).

Também se junta o contrato de locação do referido imóvel de 453,75 m2 (fls. 45/46) e fotografias do imóvel (fls. 43/44), onde foi construída uma resi-dência, a qual faz limite com o imóvel da associação do Bistek.

Há um relatório técnico com plantas baixas do imóvel lote nº 2, com área remanescente de 31.605,43 m2, registrado sob a matrícula 12.343, demonstran-do que esse foi loteado, em mais de trinta lotes menores, identificando o lote de 453,75 m2 em discussão (fls. 49/54).

Nenhuma destas provas foi impugnada pelo embargado.

O mesmo relatório técnico apresenta como confrontantes ao lote em questão Nivaldo Bongiolo e Valdemiro Goulart.

Nivaldo Bongiolo prestou depoimentos nos autos e alegou ser vizinho do lote em discussão, adquirindo o imóvel citado em 2001, quando o Bistek já era proprietário do imóvel em questão, e havia pessoas morando na casa azul (fl. 116).

Rosimere Medeiros José alegou ser locatária da casa existente no imóvel desde 2011, e que tinha conhecimento de que a casa pertence à empresa em-bargante há bastante tempo (fl. 115).

Arizoli Velho sustentou ser caseiro-zelador da associação do Bistek há cerca de 20 anos, que as fotos juntada aos autos demonstram o local e que em 1999 a residência estava construída e já pertencia à empresa embargante (fl. 117).

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Estas provas, portanto, são suficientes para demonstrar os fatos constitu-tivos do direito da embargante, suprindo o ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil de 2015.

Portanto, ainda que não se tenha confeccionado contrato de compra e venda para averbação do registro imobiliário, resta evidenciado que a embar-gante adquiriu fração da área remanescente da área de 31.605,43 m2, e exerce sua posse desde então, antes da efetivação da penhora, que não foi escriturada porque não houve a regularização do loteamento realizado.

Este é o entendimento deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – SENTENÇA DE PROCEDÊN-CIA – IRRESIGNAÇÃO DO EMBARGADO – APELANTE QUE REQUER A MA-NUTENÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO, DA PENHORA E DA HASTA PÚBLICA – PARA O RECONHECIMENTO DA FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO BASTA QUE A ALIENAÇÃO TENHA OCORRIDO NA PENDÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE REDUZIR O DEVEDOR À INSOLVÊNCIA – O RECONHECIMENTO DO NE-GÓCIO FRAUDULENTO DEPENDE, TAMBÉM, DO REGISTRO DA PENHORA DO BEM ALIENADO OU DA PROVA DA MÁ-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE – SÚMULA Nº 375 DO STJ – EXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE O IMÓVEL FOI ADQUIRIDO PELO EMBARGANTE EM DATA MUITO ANTERIOR À PENHORA – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ADQUIRENTE TINHA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA EXECUÇÃO EM CURSO – PRESUNÇÃO RELATIVA DE BOA--FÉ NÃO DERRUÍDA PELO CREDOR – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CO-NHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação Cível nº 2015.050367-4, de Turvo, Relª Desª Soraya Nunes Lins, J. 29.10.2015) grifei.

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – PENHORA SOBRE IMÓVEL – FRAUDE À EXECUÇÃO – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE REGISTRO DE CONSTRIÇÃO DO BEM QUANDO DA SUA AQUISIÇÃO PELOS EMBARGAN-TES – MÁ-FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES NÃO DEMONSTRADA – EXEGE-SE DA SÚMULA Nº 375 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA – Se os embargantes comprovaram que, à época da aquisição do imóvel, inexistia registro de penhora ou qualquer outro impedi-mento da sua alienação, e não demonstrada a sua má-fé, na condição de tercei-ros adquirentes, impossível reconhecer a fraude à execução, tampouco manter--se a constrição sobre o bem. [...]. (TJSC, Apelação Cível nº 2015.054559-3, de Itapoá, Rel. Des. Robson Luz Varella, J. 06.10.2015)

EMBARGOS DE TERCEIRO – TRIBUTÁRIO – PENHORA INCIDENTE SOBRE BEM IMÓVEL CUJO REGISTRO CONSTA EM NOME DE OUTREM – TRANSFERÊN-CIA DA POSSE COMPROVADA ATRAVÉS DA PROVA TESTEMUNHAL – POSSI-BILIDADE – AUSÊNCIA DE REGISTRO EM CARTÓRIO IMOBILIÁRIO – IRRELE-VÂNCIA – EXISTÊNCIA DE OUTROS INDÍCIOS NOS AUTOS, A COMPROVAR A POSSE DA EMBARGANTE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CONDENA-ÇÃO DO EMBARGADO – DESCABIMENTO – PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE

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– RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível nº 2014.073639-7, de Criciúma, Rel. Des. Paulo Ricardo Bruschi, J. 30.06.2015)

A instituição financeira-apelante alega ainda que o imóvel objeto da pe-nhora pertencia ao sócio da executada no processo principal, que também é sócio da empresa Bistek, que o imóvel possuía hipoteca e, como direito real de garantia, é indivisível, bem como que o Sr. Frederico, executado nos autos em apenso, alienou o imóvel, restando notória a fraude à execução.

O Sr. Frederico, citado pela instituição financeira, não faz parte da exe-cução que deu origem aos embargos em julgamento, nem ele consta na matrí-cula nº 12.343 juntada aos autos (fls. 23/24), portanto, não há o que se falar em fraude à execução por conta desta inexistente operação.

Não há provas de que um dos sócios da executada Ghislandi Ind. Com. de Madeira Ltda. é sócio da embargada Bistek. Também não há provas nos au-tos que a área de 31.605,43 m2 possuía hipoteca.

Nesta esteira, diante das provas constantes nos autos, acertada o afasta-mento da constrição judicial.

Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe pro-vimento, mantendo incólume a sentença vergastada.

Este é o voto.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado de São PauloConselho Superior da MagistraturaRegistro: 2016.0000913472Apelação nº 1004659‑02.2015.8.26.0037Apelante: Espólio de Cleyce Apparecida Paiva SantosApelado: 2º Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de AraraquaraVoto nº 29.536

REGISTRO DE IMÓVEIS

Dúvida inversa. Escritura pública de inventário. Juízo negativo de qualificação registral. Indispensabilidade de prévia retificação bilate-ral. Erro na abertura da matrícula que compromete direitos de tercei-ros. Inadmissibilidade da correção de ofício. Ofensa ao princípio da continuidade registral. Dúvida procedente. Recurso desprovido.

Inconformado com a sentença que confirmou o juízo negativo de qualifi-cação registral1, o recorrente interpôs apelação com vistas ao registro da escritu-ra pública de inventário dos bens deixados por Cleyce Apparecida Paiva Santos.

Alega que o erro ocorrido por ocasião da abertura da mat. nº 1.469 do 2º RI de Araraquara é passível de correção na via administrativa, de ofício. Argu-menta que a omissão, na tábua registral, no tocante à propriedade pertencente à autora da herança, não exige retificação judicial. Para a inscrição requerida, acrescenta ser irrelevante o regime de bens das segundas núpcias de Oscar dos Santos. Destarte, pretende a reforma da decisão impugnada2.

Recebido o recurso3, os autos, depois da r. decisão monocrática do E. Des. Vito Guglielmi, foram enviados ao C. Conselho Superior da Magistratura, porque a discussão envolve dúvida e registro em sentido estrito4. A Procuradoria Geral da Justiça, por sua vez, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação5.

É o relatório.

1 Fl. 79.2 Fls. 82-87.3 Fl. 89.4 Fls. 98-100 e 104.5 Fls. 106-108.

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O interessado, irresignado com o juízo negativo de qualificação registral, suscitou dúvida inversa6, criação pretoriana então historicamente admitida por este C. CSM7 e regrada pelas NSCGJ8: ou seja, ao invés de requerer a suscitação de dúvida ao Oficial de Registro, dirigiu seu inconformismo diretamente ao Juiz Corregedor Permanente.

A dúvida inversa, apesar do vocábulo empregado na sentença9, foi jul-gada procedente, e não improcedente, pois confirmou o questionado juízo de qualificação registral10. Feita essa ressalva, a r. decisão impugnada deve ser confirmada, desprovendo-se a apelação interposta pelo interessado.

Conforme a mat. nº 1.469 do 2º RI de Araraquara, que se filia à transcri-ção nº 6.468, de 1º de março de 1963, o imóvel nela descrito, localizado na avenida D. Pedro II, sem número, na Vila Sampaio, em Araraquara, pertence a Oscar dos Santos e a sua esposa Maria Lucon dos Santos. Tal situação, aliás, subsiste desde a abertura da matrícula, em 13 de abril de 197811.

Assim, dentro desse contexto, o pretendido registro da escritura pú-blica de inventário e partilha do bem proveniente do espólio da Sra. Cleyce Apparecida Paiva Santos resta desautorizado. Ora, a autora da herança, nada obstante o documentado no título e a partilha realizada12, não consta, na tábua registral, como proprietária do bem imóvel identificado na mat. nº 1.469 do 2º RI de Araraquara.

Vale dizer: a inscrição requerida viola o princípio da continuidade regis-tral. Encontra legítimo obstáculo no princípio do trato sucessivo. Logo, o acesso da escritura pública ao registro supõe a prévia retificação da matrícula, insus-cetível de ser promovida, de ofício, pelo Registrador, a despeito do sustentado pelo recorrente.

Na realidade, não houve mero erro na transposição de dados da trans-crição nº 6.468, de 1º de março de 1963, para a mat. nº 1.469, ambas do 2º RI de Araraquara. E isso porque, na transcrição, embora o adquirente Oscar dos Santos fosse casado com Cleyce Apparecida Paiva Santos13, não se identificou,

6 Fls. 1-5.7 Apelação Cível nº 23.623-0/1, Rel. Des. Antônio Carlos Alves Braga, J. 20.02.1995; Apelação Cível

nº 76.030-0/8, Rel. Des. Luís de Macedo, J. 08.03.2001; e Apelação Cível nº 990.10.261.081-0, Rel. Des. Munhoz Soares, J. 14.09.2010.

8 Item 41.1 do Cap. XX.9 Fl. 79.10 Cf. Apelação Cível nº 990.10.261.081-0, rel. Des. Munhoz Soares, J. 14.09.2010: “a nomenclatura

utilizada pelo art. 203 da Lei de Registros Públicos não faz distinção entre a dúvida comum e a inversa, razão pela qual na verdade a dúvida foi julgada procedente, a despeito do erro material contido na sentença.”

11 Fls. 15-17.12 Fls. 19-25.13 Fls. 28-29.

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à época, no registro, a esposa dele; apenas constou que era casado, e sem men-ção ao regime de bens14.

Desse modo, a prévia retificação registral exigida, e questionada pelo recorrente, ainda, entretanto, que administrativa, mas por iniciativa dos inte-ressados, é indispensável, malgrado revelado, com os documentos exibidos, o erro cometido por ocasião da abertura da mat. nº 1.469 do 2º RI de Araraquara.

A retificação de ofício, medida excepcional, não se justifica. Mesmo a retificação unilateral a requerimento de algum dos interessados fica vedada, a despeito da documentação apresentada, tendo em vista encerrar risco de pre-juízos para terceiros e, particularmente, por afetar os direitos dos herdeiros de Maria Lucon dos Santos, falecida no dia 2 de março de 200015, que, necessaria-mente, deverão intervir no procedimento de correção do erro registral.

Enfim, a retificação bilateral direta e que pode dar-se, em princípio, na esfera administrativa, então em procedimento extrajudicial ou judicial é impres-cindível para o registro visado, ainda que evidenciado o equívoco na atribuição de propriedade a Maria Lucon dos Santos, com quem Oscar dos Santos era casado, em segundas núpcias, ao tempo do descerramento da mat. nº 1.469 do 2º RI de Araraquara16, mas não à época da aquisição do bem imóvel por meio da transcrição nº 6.468, de 1º de março de 1963.

Isto posto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

Pereira Calças Corregedor Geral da Justiça e Relator Assinatura Eletrônica

aCórDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1004659-02.2015.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que são partes é apelante Espólio de Cleyce Apparecida Paiva Santos (espólio), é apelado 2º Ofício de Re-gistro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Araraquara.

Acordam, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u. Vencido, em sede de preliminar, o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

14 Fls. 13-14.15 Fl. 32.16 Fls. 15-17 e 38.

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O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Pau-lo Dimas Mascaretti (Presidente), Ademir Benedito, Xavier de Aquino, Luiz Antonio de Godoy, Ricardo Dip e Salles Abreu.

São Paulo, 10 de novembro de 2016.

Pereira Calças Corregedor Geral da Justiça e Relator Assinatura Eletrônica

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Parte Geral – Ementário2653 – ação de apreensão e depósito – contrato de venda a crédito de bem móvel – cláusula de

reserva de domínio – mora do comprador – comprovação

“Direito processual civil. Recurso especial. Ação de apreensão e depósito. Contrato de venda a crédito de bem móvel. Cláusula de reserva de domínio. Mora do comprador. Comprovação. Noti-ficação extrajudicial. Possibilidade. 1. Ação ajuizada em 23.06.2014. Recurso especial interposto em 26.04.2016. Autos conclusos em 30.09.2016. 2. A mora do comprador, na ação ajuizada pelo vendedor com o intuito de recuperação da coisa vendida com cláusula de reserva de domínio, pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial enviada pelo Cartório de Títulos e Documen-tos. 3. Recurso especial provido, para reestabelecer os efeitos da decisão interlocutória que deferira o pedido liminar de apreensão e depósito do bem.” (STJ – REsp 1.629.000 – (2016/0255695-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 04.04.2017 – p. 1517)

2654 – ação de cobrança – compra e venda de imóvel – serviços de corretagem

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Compra e venda de imóvel. Serviços de corretagem. Ausência de violação do art. 1.022 do CPC/2015. Inexistência de contra-to escrito. Prova testemunhal. Reexame. Impossibilidade. Súmula nº 7 do STJ. Agravo improvido. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/1973, porquanto o Tribunal de origem decidiu a matéria de forma fundamentada. O julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos invocados pelas partes, quando tenha encontrado motivação satisfatória para dirimir o litígio. 2. A altera-ção das conclusões adotadas pela Corte de origem demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto no Enunciado Sumular nº 7 deste Tribunal Superior. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.036.508 – (2016/0335252-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 16.05.2017 – p. 864)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática desta relatoria que conheceu do agravo para conhecer parcialmente do recurso especial e, nesta extensão, negou-lhe provi-mento, assim ementada:

“AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – SERVIÇOS DE CORRETAGEM – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 – INEXISTÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO – PROVA TESTEMUNHAL – REEXAME – IMPOSSIBI-LIDADE – SÚMULA Nº 7 DO STJ – AGRAVO CONHECIDO PARA CONHECER PARCIALMENTE DO RECURSO ESPECIAL E, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.”

Os agravantes, em suas razões, sustentaram a violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015 e 728 do CC/2002, bem como a inadequada aplicação da Súmula nº 7/STJ, tendo em vista a desnecessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório. Repisam os argumentos do especial alegando que o acórdão recorrido não se manifestou quanto ao fato de que “o negócio foi iniciado pelos Autores, na condição de corretores, mas foi concluído pelo Réu, que também era corretor de imóveis, tendo sido reconhecidamente alteradas integralmente as condições do negócio pactuado e como não havia cláusula de exclusividade, evidente que não poderiam os Autores Recorridos receber integralmente a comissão pela venda, se teve ela a participação de outro corretor, no caso o Primeiro Requerido, impondo-se a divisão da comissão, conforme previsto no instituto legal suso arguido”.

Buscaram, assim, a reconsideração da decisão agravada ou o julgamento deste recurso pelo colegiado.

O STJ negou provimento ao agravo interno.

O ilustre Jurista Denis Donoso assim assevera sobre a remuneração do corretor:

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“De acordo com o art. 724 do Código Civil, ‘a remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais’. É dizer, pois, que a remuneração do corretor será arbitrada conforme os usos e cos-tumes sempre que não for fixada em lei ou não prevista no contrato, valendo relembrar que este pode ser verbal.

Nas corretagens imobiliárias, por exemplo, a tabela do Creci fixa a remuneração em 6% (seis por cento) sobre o valor do contrato principal, sendo este o parâmetro utilizado pela jurispru-dência quando a fixação da verba for judicial.

Assim:

‘Mediação. Comissão de corretagem. Cobrança. Fixação em 6%. Tabela Creci 2ª Região. Apli-cabilidade. Os negócios imobiliários possuem características próprias colimando propiciar ao mediador da transação negocial, direito ao recebimento da comissão, via de regra, estimada em 6% conforme tabela homologada pelo Creci 2ª Região em 17.10.1996, como remune-ração por seu trabalho.’ (TJSP, Apelação sem Revisão nº 642.667-00/7, 2º TACív., Rel. Des. Américo Angélico, J. 04.02.2003; JTA-Lex 199/487)

Nada impede, a nosso ver, que a remuneração seja combinada com base no chamado over price, isto é, o valor que exceder o pretendido pelo vendedor. Assim, se o vendedor quer o preço de R$ 100.000,00 (cem mil reais) pela coisa e o corretor conseguir realizar sua venda por R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), a comissão será de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Sendo o direito em questão disponível, basta que haja previsão expressa neste sentido no contrato celebrado entre as partes.” (Aspectos relevantes sobre o contrato de corretagem no Código Civil de 2002. Revista IOB Direito Civil e Processual Civil, n. 51, jan./fev., 2008

2655 – ação de cobrança – contrato de compra e venda de imóvel – reconsideração da decisão monocrática – saldo residual – correção – periodicidade anual

“Processual civil e civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Contrato de compra e venda de imóvel. Reconsideração da decisão monocrática. Saldo residual. Correção. Periodicidade anual. Ausência de interesse recursal. 1. Não assiste interesse em recorrer do agra-vante quando a tese defendida em suas razões recursais estão em consonância com o decidido no acórdão recorrido. 2. Agravo interno provido. Agravo em recurso especial conhecido. Recurso especial não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 672.199 – (2015/0050350-4) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 04.05.2017 – p. 1584)

2656 – ação de nunciação de obra nova – obrigação de fazer – demolição de imóvel – astreintes

“Agravo de instrumento. Ação de nunciação de obra nova. Obrigação de fazer. Demolição de imóvel. Astreintes cumprimento de sentença. Astreintes. Intimação pessoal: A multa cominatória pode ser cobrada sem intimação pessoal do devedor, desde que intimado o procurador, orientação que segue o julgamento EAg 857.758, do STJ. Ademais, a penalidade fixada na sentença com a publicação produz eficácia imediata às partes. Logo, desnecessária a providência. Valor executa-do: conforme dispõe o art. 537, § 1º, do CPC/2015, é possível a redução do valor imposto a título de astreintes. Ademais, conforme entendimento do e. STJ, a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada, podendo seus valores ser revistos a qualquer tempo. Sendo assim, é caso de redução do valor executado, de R$ 224.967,41 para R$ 56.241,00, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade (art. 8º do NCPC). Deram parcial provimento ao agravo de instrumento.” (TJRS – AI 70070476619 – 19ª C.Cív. – Rel. Des. Eduardo João Lima Costa – J. 16.02.2017)

Transcrição Editorial SÍNTESECódigo de Processo Civil:

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“Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.

§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:

I – se tornou insuficiente ou excessiva;

II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.”

2657 – ação de revisão contratual c/c indenização por danos morais – atraso na entrega de imóvel

“Agravo interno no agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação de revisão contratual c/c indenização por danos morais. Atraso na entrega de imóvel. Decisão monocrática que negou provimento ao recla-mo. Irresignação dos autores. 1. Esta Corte firmou o posicionamento de que o mero descumprimen-to contratual, caso em que a promitente vendedora deixa de entregar o imóvel no prazo contratual injustificadamente, embora possa ensejar reparação por danos materiais, não acarreta, por si só, danos morais. Precedentes. 2. Incide a Súmula nº 7/STJ quanto à pretensão de ver reconhecida a ocorrência de dano moral em decorrência do atraso na entrega do imóvel, tendo em vista que o Tribunal de origem, fundado nos elementos probatórios colacionados aos autos, afirmou inexistir ato ilícito indenizável. Para acolher a tese deduzida no apelo extremo acerca da comprovação do abalo moral dos compradores, seria imprescindível promover o reenfrentamento do acervo fático--probatório dos autos, providência vedada a esta Corte. 3. Outrossim, é iterativa a jurisprudência do STJ no sentido de que a incidência da Súmula nº 7 do STJ impede o conhecimento do recurso lastreado, também, na alínea c do permissivo constitucional, uma vez que inexiste identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática de cada caso. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 365.279 – (2013/0210655-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.05.2017 – p. 1628)

2658 – ação ordinária – arras e comissão de corretagem – devolução

“Agravo interno no agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação ordinária. Pretensão à devolução de arras e comissão de corretagem. Decisão monocrática que negou provimento ao reclamo, mantida a inadmissão do recurso especial. Insurgência dos réus. 1. Razões do agravo interno que não impug-naram especificamente os fundamentos invocados na decisão monocrática que negou seguimento ao recurso especial. Em cumprimento ao princípio da dialeticidade, deve o agravante demonstrar, de modo fundamentado, o desacerto de cada fundamentos da decisão agravada nos termos do art. 1021, § 1º do NCPC. Incidência do óbice Enunciado na Súmula nº 182 do STJ: ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC[1973] que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’. 2. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 794.502 – (2015/0254119-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 08.05.2017 – p. 1411)

2659 – ação reivindicatória – existência de escritura pública de demarcação – alteração da linha divisória originalmente definida – titularidade do domínio do autor – individualiza-ção da área

“Recurso especial. Processual civil. Ação reivindicatória. Existência de escritura pública de demar-cação. Alteração da linha divisória originalmente definida. Titularidade do domínio do autor. Indi-vidualização da área. Posse injusta dos réus. Arts. 524 do CC/1916 e 1.228 do CC/2002. Requisitos reconhecidos pelas instâncias ordinárias. Súmula nº 7/STJ. Recurso improvido. 1. A reivindicatória,

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de natureza real e fundada no direito de sequela, é a ação própria à disposição do titular do domínio para requerer a restituição da coisa de quem injustamente a possua ou detenha (CC/1916, art. 524 e CC/2002, art. 1.228), exigindo a presença concomitante de três requisitos: a prova da titularidade do domínio pelo autor, a individualização da coisa e a posse injusta do réu. 2. A distinção entre de-marcação e reivindicação, segundo o entendimento doutrinário, reside na circunstância de que, na reivindicação, o autor reclama a restituição de área certa e determinada; havendo incerteza quanto à área vindicada, prevalece a demarcação. Ademais, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, ‘o ponto decisivo a distinguir a demarcatória em relação a reivindicatória é “a circunstân-cia de ser imprecisa, indeterminada ou confusa a verdadeira linha de confrontação a ser estabele-cida ou restabelecida no terreno”’ (REsp 60.110/GO, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., DJ de 02.10.1995). 3. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a titularidade do domínio do autor, a efetiva individualização da coisa vindicada e a posse injusta dos réus, e inexistindo, por outro lado, dúvida quanto à linha divisória entre os imóveis, previamente definida por meio de escritura pública, a simples constatação da alteração do traçado original da linha divisória anteriormente fixada não pressupõe a necessidade de nova demarcação, sendo cabível, na espécie, a demanda reivindicatória. 4. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.060.259 – (2008/0112989-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 04.05.2017 – p. 1780)

2660 – ação revisional – aluguel – valor equidistante – ônus da sucumbência

“Processual civil. Agravo interno. Agravo em recurso especial. Ação revisional. Aluguel. Valor equi-distante. Ônus da sucumbência. Distribuição entre as partes. 1. A sucumbência é recíproca quando o novo valor do aluguel é estabelecido de forma equidistante à pretensão do autor e à do réu. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 952.017 – (2016/0185259-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 10.04.2017 – p. 724)

2661 – arrematação de imóvel em hasta pública – dívidas condominiais – necessidade de previ-são no edital da praça – honorários advocatícios

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Arrematação de imóvel em hasta pública. Dívidas condominiais. Necessidade de previsão no edital da praça. Honorários advocatícios. Reexame de prova. 1. Não se admite o recurso especial quando sua análise depende de reexame de matéria de prova (Súmula nº 7, do STJ). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 395.018 – (2013/0308363-6) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 04.05.2017 – p. 1662)

2662 – Compra e venda – bem imóvel para entrega futura – comissão de corretagem e taxa Sati

“Contrato imobiliário. Compra e venda. Bem imóvel para entrega futura. Comissão de corretagem e taxa Sati. Pedido não apreciado pela r. sentença. Citra petita. Nulidade não reconhecida. Causa madura para julgamento. Aplicação do art. 1.013, § 3º, inciso III, do NCPC. Devolução dos valores pagos a tais títulos. Legitimidade passiva da ré, construtora, reconhecida. Legitimidade da corré que pertence ao mesmo conglomerado econômico e que está inserida na mesma cadeia de con-sumo. Preliminar rejeitada. Cobrança, no entanto, prescrita. Prazo trienal. Entendimentos firmados pelo C. STJ em recurso representativo de repetitivos. Reconhecimento de ofício e pedido julgado improcedente. Atraso na obra. Caso fortuito ou força maior não verificados. Súmula nº 161, deste Tribunal. Atraso caracterizado desde a data prevista para entrega do imóvel até a disponibilização física deste aos adquirentes. Súmula nº 160, deste Tribunal. Data da expedição do habite-se irrele-vante. Responsabilidade da construtora ré reconhecida. Indenização por lucros cessantes devida. Correção do saldo devedor no período de mora. Aplicação do INCC. Inadmissibilidade. Medida re-conhecidamente abusiva, pois transfere o ônus do atraso da promitente vendedora ao consumidor. Substituição pelo IGPM. Índice previsto pós-obra. Ressarcimento dos valores pagos indevidamente.

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Cabimento. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 1012444-54.2014.8.26.0100 – São Paulo – 1ª CDPriv. – Rel. Rui Cascaldi – DJe 21.02.2017)

2663 – Compra e venda de imóvel – comissão de corretagem – dever de informação – responsa-bilidade pelo pagamento

“Agravo interno nos embargos de declaração no recurso especial. Compra e venda de imóvel. Co-missão de corretagem. Dever de informação. Responsabilidade pelo pagamento. Agravo não provi-do. 1. A Orientação Jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, consolidada no julgamento do REsp 1.599.511/SP, submetido ao rito dos recurso repetitivos, firmou-se pela validade da cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contra-tos de promessa de compra e venda de imóvel, desde que previamente informado a respeito. 2. No caso, o Tribunal local expressamente consignou que os ora agravantes tiveram ciência antes da as-sinatura do contrato da transferência do encargo relativo ao pagamento da taxa de corretagem e que tal obrigação consta no contrato, razão pela qual não há que se falar em ilegalidade da cobrança. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-REsp 1.477.970 – (2014/0218033-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 24.04.2017 – p. 1240)

2664 – Compromisso de compra e venda de bem imóvel – cooperativa – atraso injustificado na entrega

“Agravo interno no recurso especial. Compromisso de compra e venda de bem imóvel. Cooperativa. Atraso injustificado na entrega. Afastado o direito à retenção. Lucros cessantes devidos. Agravo in-terno não provido. 1. A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que não há direito à retenção de valores de caráter administrativo na hipótese de descumprimento contratual da cooperativa, oca-sionado pelo atraso na entrega do imóvel, sendo devida a restituição integral dos valores já pagos. 2. A demora na entrega do imóvel na data previamente acordada resulta na rescisão do contrato de compra e venda e, em consequência, o dever de reparação por lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o tempo em que a Cooperativa permaneceu em mora. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.533.885 – (2015/0118912-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 16.05.2017 – p. 987)

2665 – Condomínio – taxa de cobrança – prazo prescricional

“Civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Taxa de condomínio. Cobrança. Prazo pres-cricional. Cinco anos. Decisão mantida. 1. O STJ fixou, em recurso especial repetitivo, o entendi-mento de que, ‘na vigência do Código Civil de 2002, é quinquenal o prazo prescricional para que o Condomínio geral ou edilício (horizontal ou vertical) exercite a pretensão de cobrança da taxa condominial ordinária ou extraordinária constante em instrumento público ou particular, a contar do dia seguinte ao vencimento da prestação’ (REsp 1.483.930/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Julgado em 23.11.2016). 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 855.253 – (2016/0025852-0) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 20.02.2017 – p. 1732)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno, interposto contra decisão desta relatoria que negou provimento ao agravo nos próprios autos, mantendo a inadmissibilidade do recurso especial.

Em suas razões, a agravante sustenta não se aplicar a Súmula nº 83/STJ ao caso. Defende ser de 10 (dez) anos o prazo prescricional para cobrança de taxas condominiais. Afirma haver divergência jurisprudencial acerca do tema, bem como violação do art. 205 do CC/2002.

Ao final, pediu a reconsideração da decisão agravada, ou o julgamento do agravo interno pelo Colegiado.

O STJ negou provimento ao recurso.

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O Jurista Fernando Henrique Guedes Zimmermann assim disciplina sobre as despesas de condomínio:

“O Código Civil de 2003 inovou ao dispor no § 1º do art. 1.336 que a multa em caso de atraso no pagamento das despesas condominiais será de até dois por cento sobre o valor do débito. Antes da vigência do atual Código, referida multa tinha por limite máximo a cota de vinte por cento sobre o valor devido pelo condômino inadimplente. Diante da inovação legal, ampla batalha jurídica tem sido travada nos tribunais, sem, no entanto, haver uma posição definida quanto a qual deverá ser o valor aplicado na prática. O problema reside no fato de o atual código não ter revogado, de forma expressa, a Lei nº 4.591/1964, que era a que dispunha, de forma exclusiva, sobre os condomínios em edificações e incorporações imobiliárias. Com efeito, até a edição do Novo Código Civil, era patente a aplicação do § 3º do art. 12 da supra-citada lei, o qual estipulava a multa de até 20% sobre o débito. Com a nova disposição legal, limitando a multa em 2%, restou uma lacuna quanto às situações em que deve ser a nova lei aplicada. O novo patamar está no bojo do código, no entanto, tem-se que a lei anterior não foi revogada. É sabido que lex posterior derogat priori, razão pela qual devem ser aplicados os critérios da lei mais recente às convenções condominiais entabuladas a partir da data em que entrou em vigência o Novo Código Civil. No entanto, nas convenções já existentes, a matéria é nebulosa. A convenção já existente é ato jurídico perfeito, protegida nos termos do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal. Além disso, tem-se que a Lei nº 4.591/1964 não foi expressamente revogada, tal como se observa do art. 2.045 do Novo Código. Analisando--se somente sob esse ponto de vista, é de concluir-se que, nestes casos, pode ser aplicada a multa de 20%, se a convenção assim o permitir. No entanto, quer nos parecer que não é este o caso. Mesmo não tendo sido revogada expressamente, não deve ser utilizado disposto na Lei nº 4.591/1964. Quando o Código foi publicado, o legislador não fez qualquer ressalva quanto à aplicabilidade do art. 1.336, razão pela qual deve-se entender ter aplicação imediata, in-clusive nas convenções já firmadas. Além disso, certo é que, mesmo não tendo sido revogado expressamente, o disposto no § 3º do art. 12 da Lei nº 4.591/1964 é diametralmente oposto ao conteúdo do § 1º do art. 1.336. A integralidade de uma lei não ter sido revogada é uma coisa, mas manter os efeitos de dispositivo contido em lei antiga, desconsiderando a lei nova é inadmissível. O que não foi regulado pelo atual Código pode e deve manter vigência, mas as partes expressamente disciplinadas pela lei nova revogam as disposições anteriores. Vale dizer ainda que ato jurídico perfeito é aquele que já se consolidou no espaço e no tempo. A parte da convenção que dispõe sobre a aplicação da multa somente será aplicada em caso de inadimplemento do condômino, razão pela qual depende ainda de evento futuro e incerto. Pode-se dizer, portanto, que esta parte da convenção não está consolidada no tempo, depende da ocorrência do inadimplemento. Resta concluir que a convenção é um ato jurídico perfeito, mas não em cláusulas que dispõem sobre eventos futuros, como é o caso da multa. Logo, ocorrendo o inadimplemento após a entrada em vigor do Novo Código, deve-se aplicar a multa de 2% tão somente. E isto se dá em razão de não poder existir dois dispositivos disciplinando a mesma matéria, especialmente se ambos somente diferem nos parâmetros utilizados para a aplicação de multa. É certo que a lei não foi revogada expressamente, mas também é certo que a lei mais nova revoga a anterior, e em especial, existindo dois artigos com os mesmos dizeres, diferindo somente em sua explanação quantitativa (quantum devido), deve o mais novo prevalecer. Frise-se também que a convenção é um ato jurídico perfeito, desde que não contenha cláusulas que extrapolem a data de sua celebração, como é o caso da multa, que somente será devida quando o inadimplemento ocorrer, isto é, a qualquer tempo. Como bem se observa, a qualquer tempo é diferente de agora. Logo, a convenção que prevê a multa de 20% por inadimplemento continha cláusula voltada para o futuro. Não se pode afirmar se tratar tal cláusula de ato jurídico perfeito, eis que seus efeitos se projetam para frente, não sendo perfeito o que ainda não ocorreu. Dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 6º, § 1º, que ‘reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou’. A imposição de multa não se consuma até que o condômino torna--se inadimplente, o que pode ocorrer a qualquer momento. Como se vê, se o inadimplemento

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ocorrer após a entrada em vigor do Novo Código, tem-se que o ato somente se consumará nesta data, portanto, não é ato jurídico perfeito já consumado sob a égide da lei anterior. Desta forma, qualquer inadimplemento condominial ocorrido após a entrada em vigor do Novo Códi-go deve ser pautado pelas novas disposições legais, devendo ser aplicada a multa no patamar de 2%.” (Condomínio edilício – Redução da multa de 20% para 2%. Disponível em: http://online.sintese.com)

João Batista Lopes, em seu livro Condomínio, nos ensina que:

“A pontualidade no pagamento das despesas de condomínio constitui dever dos condôminos e fator importante para a boa administração do edifício.

Em razão disto, o condômino impontual fica sujeito a sanções estabelecidas na convenção de condomínio, entre elas multa de até 20% sobre o débito, juros de 1% ao mês e atualização monetária.

[...]

A ação de cobrança deve ser intentada pelo condomínio e não pelo síndico, que é órgão exe-cutivo daquele.

Ainda que desprovido de personalidade jurídica, o condomínio possui capacidade judiciária a teor do nº IX do art. 12 do CPC e quem o representa é o síndico como estabelece o mesmo arti-go.” (LOPES, João Batista. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 113-114)

2666 – danos materiais e morais – indenização – atraso na entrega de unidade imobiliária – lu-cros cessantes

“Processual civil. Recurso especial. Indenização por danos materiais e compensação por danos morais. Atraso na entrega de unidade imobiliária. Lucros cessantes. Presunção. Cláusula penal mo-ratória. Reversão. Cumulação com lucros cessantes. Possibilidade. Jurisprudência consolidada no STJ. Reexame de fatos e provas. Interpretação de cláusulas contratuais. Inadmissibilidade. Harmonia entre o acórdão recorrido e a jurisprudência do STJ. Súmula nº 83/STJ. Fundamentação. Deficiente. Súmula nº 284/STF. Dissídio jurisprudencial. Não indicação do dispositivo legal com interpretação divergente. Súmula nº 284/STF. Dano moral não configurado. 1. A inexecução do contrato pelo promitente-vendedor, que não entrega o imóvel na data estipulada, causa, além do dano emergen-te, figurado nos valores das parcelas pagas pelo promitente-comprador, lucros cessantes a título de alugueres, que deixariam de ser pagos ou que poderia o imóvel ter rendido se tivesse sido entregue na data contratada. Trata-se de situação que, vinda da experiência comum, não necessita de prova (art. 335 do CPC/1973). Precedentes. 2. É possível a inversão da cláusula penal moratória em favor do consumidor, na hipótese de inadimplemento do promitente vendedor, consubstanciado na au-sência de entrega do imóvel no prazo pactuado. Precedentes. 3. A cláusula penal moratória, ao con-trário do que ocorre em relação à pena compensatória, restringe-se a punir o retardo ou imperfeição na satisfação da obrigação, não funcionando como pré-fixação de perdas e danos. Por isso, a multa moratória não interfere na responsabilidade do devedor de indenizar os prejuízos a que deu causa. Precedentes. 4. O reexame de fatos e provas e a interpretação de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. 5. O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudên-cia do STJ não merece reforma. 6. A ausência de indicação de dispositivo infraconstitucional viola-do importa no não conhecimento do recurso especial quanto ao tema ante a incidência da Súmula nº 284/STF. 7. Não se conhece do recurso especial quando ausente a indicação expressa do dispo-sitivo legal a que se teria dado interpretação divergente. 8. A jurisprudência do STJ vem evoluindo, de maneira acertada, para permitir que se observe o fato concreto e suas circunstâncias, afastando o caráter absoluto da presunção de existência de danos morais indenizáveis. 9. O dano moral, na hi-pótese de atraso na entrega de unidade imobiliária, não se presume, configurando-se apenas quan-do houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa

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e anormal violação a direito da personalidade dos promitentes-compradores. 10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ – REsp 1.665.550 – (2016/0142411-8) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 16.05.2017 – p. 902)

2667 – desapropriação – execução judicial – recolhimento de custas

“Processual civil. Execução judicial em processo de desapropriação. Recolhimento de custas. Re-curso especial que aponta dispositivo legal que não se relaciona com a questão em discussão. Recurso deficiente. Súmula nº 284/STF. I – Objetiva o recorrente não recolher as custas iniciais no processo de execução contra a Fazenda Pública. O Tribunal a quo, analisando a questão, afirmou que o exequente está obrigado ao recolhimento de custas no processo de execução, sob pena do cancelamento da distribuição, em conformidade com o art. 257 do CPC/1973. II – Para combater a decisão acima referida, o recorrente apontou violação do art. 30 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 e do art. 730 do CPC/1973. III – Em relação ao disposto no art. 30 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, este não foi examinado pelo Tribunal a quo, faltando o necessário requisito do prequestionamen-to. Por outro lado, o art. 730 do CPC/1973 não disciplina a cobrança e recolhimento de custas judiciais, não havendo relação do citado dispositivo com a questão apresentada pelo recorrente. Nesse diapasão, o recurso encontra-se deficiente, porque, em se tratando de recurso especial, faz-se necessária a subsunção da controvérsia a um dispositivo infraconstitucional, visando promover o desiderato constitucional reservado ao Superior Tribunal de Justiça, consistente na interpretação da ‘Lei Federal’. Incidência da Súmula nº 284/STF. IV – Recurso especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.597.609 – (2016/0099191-8) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 02.05.2017 – p. 1900)

2668 – desapropriação – levantamento de quantia – oitiva da parte expropriante

“Processual civil. Administrativo. Desapropriação. Levantamento de quantia. Oitiva da parte expro-priante. Agravo de instrumento. Não conhecimento do agravo em recurso especial que não ataca os fundamentos da decisão recorrida. I – Negou-se seguimento ao recurso especial com base nos óbices de: ausência de violação/negativa de vigência/contrariedade, Súmula nº 7/STJ e divergência não comprovada. Agravo nos próprios autos que não impugna os fundamentos da decisão recorri-da. II – São insuficientes para considerar como impugnação aos fundamentos da decisão que nega seguimento ao recurso especial na origem: meras alegações genéricas sobre as razões que levaram à negativa de seguimento, o combate genérico e não específico e a simples menção as normas infra-constitucionais, feita de maneira esparsa e assistemática no corpo das razões do agravo em recurso especial. III – Incumbe à parte, no agravo em recurso especial, atacar os fundamentos da decisão que negou seguimento ao recurso na origem. Não o fazendo, é correta a decisão que não conhece do agravo nos próprios autos. IV – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 1.041.777 – (2017/0004109-4) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 26.05.2017 – p. 1482)

2669 – desapropriação indireta – prescrição – direito real

“Recurso especial. Desapropriação indireta. Prescrição. Direito real. Prescrição vintenária. Súmula nº 119/STJ. Código Civil de 2002. Art. 1.238, parágrafo único. Prescrição decenal. Redução do prazo. Regra de transição. 1. Descabida a tese de que o prazo prescricional teria início na data do Decreto expropriatório, pois não se trata de desapropriação direta, mas indireta. Isso porque apesar de ter sido inicialmente observado o processo de desapropriação, a indenização não foi paga, nos termos do pactuado entre expropriante e expropriado, de modo que o acordo não se aperfeiçoou assim como a desapropriação direta que se convolou em indireta. 2. O prazo de cinco anos de que trata o art. 10 do Decreto nº 3.365/1941 dirige-se ao expropriante, cabendo a ele ajuizar a ação ou efetivar acordo dentro do prazo quinquenal, o que não se confunde com o prazo de que dispõe o expropriado para intentar ação de desapropriação indireta. 3. Com fundamento no art. 550 do Códi-

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go Civil de 1916, o STJ firmou a orientação de que ‘a ação de desapropriação indireta prescreve em 20 anos’ (Súmula nº 119/STJ). 4. O Código Civil de 2002 reduziu o prazo do usucapião extraordiná-rio para 10 (dez) anos (art. 1.238, parágrafo único), devendo-se, a partir de então, observar as regras de transição previstas no Codex (art. 2.028), adotando-o nas expropriatórias indiretas. Precedentes: REsp 1.300.442/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 26.06.2013; REsp 944.351/PI, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 15.04.2013. 5. Especificamente na hipótese dos autos, levando-se em conta que o recorrente o recorrente está na posse do imóvel desde 09.03.1998 e que não decorreu mais da metade do prazo vintenário do código revogado, consoante a regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/2002, incide o prazo decenal do atual Codex, a partir de sua entrada em vigor 11.01.2003. 6. Assim, tendo em vista que a ação foi proposta em 26.02.2010, consoante consta do acórdão recorrido, antes do transcurso de 10 (dez) anos da vigência do Código Civil de 2002, não se configurou a prescrição. 7. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.654.965 – (2016/0045323-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 27.04.2017 – p. 1471)

2670 – desapropriação por interesse social – reforma agrária – indenização

“Processual civil. Administrativo. Desapropriação por interesse social. Reforma agrária. Indeniza-ção fixada segundo laudo pericial. Revisão. Impossibilidade. I – Hipótese em que o Tribunal de origem, com base no conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que o valor da indenização foi apurado pelo perito judicial goza de confiabilidade e isenção. Rever tal entendimento implica ree-xame da matéria fático-probatória, o que é vedado em recurso especial. Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. II – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 949.235 – (2016/0180393-1) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 24.05.2017 – p. 1114)

2671 – despejo – empresa em recuperação judicial – sujeição ao juízo natural

“Conflito positivo de competência. Ação de despejo. Empresa em recuperação judicial. Sujeição ao juízo natural. A ação de despejo movida pelo proprietário locador em face de sociedade empresá-ria em recuperação judicial não se submete à competência do Juízo recuperacional. Precedentes. Conflito de competência não conhecido.” (STJ – CC 148.803 – (2016/0245106-9) – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 02.05.2017 – p. 1486)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de conflito positivo de competência, com pedido liminar.

Duas ações: Ação em trâmite perante o Juízo da Vara Empresarial: recuperação judicial da sociedade suscitante, e, Ação em trâmite perante o Juízo de São Paulo: despejo por falta de pagamento, cumulada com cobrança..

Sustentou-se, em síntese, que o juízo onde se processa a recuperação judicial é o único com-petente para decidir acerca do destino de bens e ativos essenciais ao cumprimento do plano de recuperação judicial.

Na decisão liminar, o tribunal indeferiu o pedido de sobrestamento da ação de despejo.

O STJ não conheceu do conflito de competência e declarou prejudicado o exame do agravo interno interposto contra a decisão que indeferiu a liminar.

Sobre a questão do despejo, vale trazer as lições de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior:

“As ações de despejo fundadas na falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação, de aluguel provisório, de diferenças de aluguéis, ou somente de quaisquer dos acessórios da locação, sofreram alterações significativas de modo a torná-las mais dinâmicas e, sobretudo, pacificar-se antigas controvérsias jurisprudenciais.

Com efeito, resolveu-se definitivamente a questão da legitimidade passiva para figurar nas ações de despejo. O fiador deveria ser réu na ação de despejo quando sua responsabilidade é apenas pelo pagamento do débito?

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204 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Pela nova redação do art. 62, I, da Lei nº 8.245/1991, o pedido de rescisão da locação poderá ser cumulado com o pedido de cobrança dos aluguéis e acessórios da locação. Nessa hipótese, citar-se-á o locatário para responder ao pedido de rescisão, e o locatário e os fiadores para responderem ao pedido de cobrança, devendo ser apresentado, com a inicial, cálculo discriminado do valor do débito.

Assim, o polo passivo contará com o locatário e o fiador. O objeto imediato pretendido nos pedidos é plúrimo: despejo e cobrança. E cada réu responderá pelo objeto mediato que lhe toca (pagamento, no caso do fiador; pagamento e despejo, no caso, o locatário).

Por outro lado, o locatário e o fiador poderão evitar a rescisão do contrato purgando a mora no prazo de 15 (quinze) dias contado de suas citações, desde que promova o pagamento do débito atualizado mediante depósito judicial, incluídos neste valor: a) os aluguéis e acessórios da locação que vencerem até a sua efetivação; b) as multas ou penalidades contratuais, quan-do exigíveis; c) os juros de mora; d) as custas e os honorários do advogado do locador, fixados em dez por cento sobre o montante devido, se do contrato não constar disposição diversa.

Haja vista que a lei não fez menção sobre o início do prazo para a purgação da mora, entende-mos que se aplica a regra dos arts. 214, III, e 191, todos do Código de Processo Civil. Assim, quando houver vários réus (fiador e locatário), o prazo para purgação inicia-se a partir da data de juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório cumprido. E se os réus possuírem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contes-tar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos e inclusive purgar a mora.

Eis que o valor a ser depositado corre por conta e risco do locatário ou do fiador, o locador poderá discordar do quantum apurado. Nessa hipótese, o depositante será intimado através de seu advogado para complementar a diferença em 10 (dez) dias.

Não sendo integralmente complementado o depósito, o pedido de rescisão prosseguirá pela diferença, podendo o locador levantar a quantia depositada (art. 62, IV).

Esse depósito complementar é denominado emenda da mora pela lei. Na sua redação antiga, não se admitia a emenda da mora se o locatário já houvesse utilizado essa faculdade por duas vezes nos doze meses imediatamente anteriores à propositura da ação.

Agora se arrocharam ainda mais as possibilidades do locatário. A nova redação delimitou que não se admitirá a emenda da mora se o locatário já houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores à propositura da ação.

Proferida a sentença de procedência do pedido, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, com redução para 15 (quinze) dias se: a) entre a citação e a sentença de primeira instância houverem decor-rido mais de quatro meses; ou b) o despejo houver sido decretado com fundamento em mútuo acordo; infração legal ou contratual; falta de pagamento de aluguéis e acessórios; para reparos urgentes determinados pelo Poder Público; ou nas denúncias vazias de contratos ajustados por escrito com prazo superior a 30 (trinta) meses e prorrogados indeterminadamente.

Contudo, nessa última hipótese, e apenas nela (denúncia vazia de contratos com prazo supe-rior a 30 (trinta) meses prorrogado indeterminadamente), será necessária a caução de valor não inferior a 6 (seis) meses nem superior a 12 (doze) meses do aluguel, atualizado até a data da prestação da caução.

Desse modo, tem-se por novidade importante e de destaque pela nova redação da lei: em caso de inadimplência de aluguéis ou acessórios, proferida a sentença de desocupação, essa fixará prazo de 15 dias para desocupação, podendo ser executada provisoriamente independente-mente de caução.” (Inovações da lei de locações. Revista SÍNTESE Direito Imobiliário, São Paulo: IOB, v. 1, n. 1, 2011)

2672 – direito de vizinhança – ação de indenização por danos materiais e morais – legitimidade

“Agravo interno nos embargos de declaração no agravo em recurso especial. Direito de vizinhan-ça. Ação de indenização por danos materiais e morais. 1. Elementos dos autos que comprovam a legitimidade da autora, e a existência de erro de digitação com a conclusão pelo afastamento da

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prescrição. Inépcia que não foi analisada em primeira instância. Reexame de fatos e provas. Súmula nº 7 desta Corte. 2. Dissídio jurisprudencial prejudicado. 3. Requerimento da parte agravada para aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Improcedência. 4. Agravo impro-vido. 1. Na hipótese em análise, o Tribunal local, tomando os elementos de provas dos autos, con-cluiu pela legitimidade da autora para figurar no polo ativo, pela existência de erro de digitação que afastou a prescrição, bem como que a alegação de inépcia da petição inicial não foi apreciada em primeiro grau. Assim, o acolhimento do inconformismo, segundo as alegações apresentadas pelas insurgentes, demanda revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em tema de recurso especial, nos termos do Enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 2. Se o Tribunal local concluiu com base no conjunto fático-probatório, impossível se torna o confronto entre o paradigma e o acórdão recorrido, uma vez que a comprovação do alegado dissenso reclama consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento, o que não é possível de ser feito nesta via excepcio-nal, por força da Súmula nº 7 desta Corte. 3. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do desprovimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória, o que, contudo, não ocorreu na hipótese examinada. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 955.062 – (2016/0191657-3) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 18.05.2017 – p. 2460)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão monocrática desta relatoria que rejeitou os embargos de declaração provenientes de decisão que conheceu do agravo para negar pro-vimento ao recurso especial, assim ementada:

“AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – DIREITO DE VIZINHANÇA – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – 1. OFENSA AOS ARTS. 131, 165, 458 E 535 DO CPC/1973 – INEXISTÊNCIA – 2. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – COM-PETÊNCIA DO STF – 3. ELEMENTOS DOS AUTOS QUE COMPROVAM A LEGITIMIDADE DA AUTORA, E A EXISTÊNCIA DE ERRO DE DIGITAÇÃO COM A CONCLUSÃO PELO AFASTA-MENTO DA PRESCRIÇÃO – INÉPCIA QUE NÃO FOI ANALISADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – REEXAME DE FATOS E PROVAS – SÚMULA Nº 7 DESTA CORTE – 4. DISSÍDIO JURIS-PRUDENCIAL PREJUDICADO – 5. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.”

Em suas razões, as agravantes pretendem a reforma da decisão agravada sustentando a ocor-rência de erro de fato, na medida em que o Tribunal estadual concluiu que a agravada teria legitimidade ativa, em razão do fato de que residia no imóvel, porém é incontroverso nos autos que ela não mais reside no imóvel, em razão dos supostos vícios que o acometeram. Portanto, a narrativa de que “a agravada residia no imóvel na época da construção não foi desmentida pelas rés”.

Alegaram ainda que a alteração da data dos fatos narrados na inicial de 2010 para 2012 não se trata de “erro de digitação”, isso porque não houve apenas um, mas quatro erros, portanto, nítida a intenção de evitar o reconhecimento da prescrição trienal. Desse modo, pugnam para que o termo inicial do prazo prescricional da pretensão autoral seja aquele informado na data de 2010 e não na data que consta na réplica em 2012.

O STJ negou provimento ao agravo interno, aduzindo que no presente caso, contudo, o agravo interno apresentado não se mostra manifestamente inadmissível ou improcedente, tampouco sua interposição pode ser considerada abusiva ou protelatória.

Maria Helena Diniz ensina:

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206 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

“Há restrições à propriedade que surgem ante a necessidade de conciliar o seu exercício por

parte de proprietários confinantes, pois a vizinhança, por si só, pode dar origem a conflitos.

Entre os limites impostos à propriedade, está uma seção específica para os limites pertinentes

ao ‘direito de construir’ – arts. 1.299 a 1.313 do CC/2002.

O art. 1.299 determina que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe

aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

O proprietário que erguer qualquer construção, com infringência dos regulamentos administra-

tivos e dos direitos de vizinhança, estabelecidos no Código Civil, causando dano a alguém, terá

inteira responsabilidade pelo fato, sendo obrigado a reparar o prejuízo.” (Curso de direito civil

brasileiro. Direito das coisas. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2002. p. 226-227)

O direito de vizinhança é distinguido pela proximidade, ou, melhor, pela pouca distância que

existe entre os proprietários dos imóveis ou condôminos. Diante disso, qualquer prejuízo que

venha a ser causado ao outro tem que ser reparado de forma a não causar mais problemas ou

perturbações no seu direito.

Sobre este direito, vejamos os esclarecimentos de Eusébio Carvalho:

“A propriedade é um direito fragmentado e a função social incide em cada regime proprietário.

Contudo, é importante ficar claro que a intensidade da sua funcionalização pode até variar de

propriedade para propriedade, mas nunca irá abandonar os princípios constitucionais garanti-

dores da dignidade da pessoa humana.

A função social da propriedade não é uma limitação ao direito de propriedade, e sim um de

seus elementos constitutivos, interagindo diretamente no conceito. Nesse sentido, André Osó-

rio Godinho, em brilhante trabalho doutrinário, assevera que:

‘Outra diferença reside no fato de que as limitações apenas atingem o exercício do direito, mas

nunca sua substância, e que só se justificam se uma nova concepção do direito de propriedade

é aceita.

A função social atinge a própria essência do direito de propriedade, modificando o seu conteú-

do e criando as condições propícias para a legitimidade das restrições impostas ao domínio. A

função social também não representa um ônus para o proprietário pois, na realidade, a mesma

visa simplesmente fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira normal, cumprindo o

fim a que se destina.’” (Direito à propriedade – Do discurso à realidade. Revista IOB de Direito

Civil e Processual Civil, nº 24, p. 19, jul./ago. 2003)

2673 – direito de vizinhança – imóvel – encravamento – relativização – servidão de passagem – direito real

“Civil. Passagem forçada. Direito de vizinhança. Imóvel. Encravamento. Relativização. Servidão de passagem. Direito real. Prescindibilidade do encravamento. Via utilizada há vários anos. Caminho alternativo de difícil acesso. Direito à passagem forçada reconhecido. 1. Na esteira do atual posi-cionamento jurisprudencial, o encravamento imprescindível ao deferimento da passagem forçada, instituto alusivo ao direito de vizinhança, não precisa ser absoluto, desde que se prove que a outra possibilidade de ingresso na propriedade seja de difícil acesso, dificultando o trânsito de veículos e pessoas; Já o instituto da servidão de trânsito ou de passagem, direito real, prescinde da existência do encravamento do imóvel. 2. Comprovando-se nos autos que os autores utilizam, há mais de vinte anos, determinada via de acesso à sua propriedade, lhes deve ser reconhecido o direito à passagem forçada pelo prédio vizinho, notadamente quando a outra via existente seja de difícil acesso e obstaculize o trânsito de veículos e pessoas.” (TJMG – AC 1.0134.13.009377-3/001 – 10ª C.Cív. – Rel. Cabral da Silva – DJe 17.05.2017)

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������207

2674 – direito de vizinhança – muro – construção – responsabilidade dos lindeiros – gastos

“Civil e processo civil. Apelação cível. Direito de vizinhança. Muro. Construção. Responsabilidade dos lindeiros. Gastos. Impugnação específica. Ausência. 1. É dever dos confinantes concorrer, em partes iguais, para as despesas da construção e da conservação dos intervalos, muros, cercas e ta-pumes divisórios, nos termos do § 1º do art. 1.297 do Código Civil. 2. Se um dos vizinhos constrói às suas expensas o muro que divide os lotes, o outro é obrigado a ressarcir a metade das despesas. 3. Constitui obrigação do réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, sob pena de serem considerados verdadeiros os não impugnados. 4. Recurso desprovido.” (TJDFT – Proc. 20110710151976APC – (1014828) – 8ª T.Cív. – Rel. Mario-Zam Belmiro – J. 19.05.2017)

2675 – direito de vizinhança – reparação de danos materiais e morais – alegação de danos em imóvel causados por construção de prédio no lote vizinho – nexo de causalidade

“Apelação cível. Direito de vizinhança. Civil e processual civil. Reparação de danos materiais e morais. Alegação de danos em imóvel causados por construção de prédio no lote vizinho. Nexo de causalidade entre os alegados danos e a obra. Configuração. Perícia judicial. Laudo técnico. Vali-dade. Art. 473 do CPC. Adequação. Dever de indenizar do responsável pela obra. Danos morais in re ipsa. Caracterização. Litigância de má-fé. Não ocorrência. Sentença mantida. 1. Nada obstante o direito de o proprietário construir no seu imóvel, há de ser observado que, na forma disciplinada no art. 187 do Código Civil comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifes-tamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 2. As restrições ao direito de vizinhança decorrem da necessidade de se estabelecer limites dentro dos quais o proprietário pode atuar sem causar prejuízos aos seus vizinhos, haja vista o preceito encartado no art. 1.311 do Código Civil, segundo o qual não é permitida a execução de obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias, sendo que o proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, até mesmo nos casos em que tenham sido realizadas as obras acautelatórias. 3. Comprovado que o responsável pela construção não se atentou para o dever de cuidado necessário ao promover a construção do seu prédio, o que resultou em recalque da fundação em razão da desestabilização do terreno, oca-sionando fissuras, trincas e rachaduras nas paredes, piso e telhado do imóvel vizinho, impõe-se o dever de indenizar. 4. Verificado que o laudo da perícia técnica que instrui os autos está de acordo com os preceitos insertos no art. 473 do Código de Processo Civil, rejeita-se a alegação de invalida-de da prova. 5. Não invalida o laudo pericial o fato de ser igual ao que foi antes nulificado em razão da ausência de intimação da parte para participar da perícia, haja vista que o perito pode chegar à mesma conclusão, independentemente da presença das partes e seus assistentes. 6. A construção em imóvel vizinho que provoca fissuras, trincas e rachaduras nas paredes, piso e telhado da casa vizinha ao ponto de o conserto demandar a saída dos moradores do local configura dano moral in re ipsa, ou seja, independentemente da comprovação do abalo psicológico sofrido pela vítima, haja vista que é possível presumir o nível de desconforto, insegurança, angústia e aflição que afetam a esfera íntima do indivíduo. 7. Não configurada a prática de quaisquer dos atos previstos no art. 80 do Código de Processo Civil, não há que se falar em litigância de má-fé. 8. Apelação conhecida e não provida.” (TJDFT – Proc. 20150310161456APC – (1012155) – 1ª T.Cív. – Relª Simone Lucindo – J. 16.05.2017)

2676 – exceção de incompetência – ação de reintegração de posse – imóvel funcional – alega-ção de conexão entre a demanda possessória e aquela que se pretende anular

“Processual civil. Exceção de incompetência em ação de reintegração de posse. Imóvel funcional. Alegação de conexão entre a demanda possessória e aquela que se pretende anular. Ato adminis-

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trativo que transferiu a autora, militar, para a reserva remunerada, perdendo, portanto o direito à ocupação. Recurso especial cujo trâmite foi denegado pela não impugnação do fundamento uti-lizado pela Corte local para não determinar a reunião das demandas. Não se podendo permitir a veiculação tardia das necessárias alegações. Impossibilidade. Inovação recursal. Agravo regimental do particular a que se nega provimento. 1. Não se pode permitir à parte recorrente que comple-mente posteriormente suas razões recursais, quando não impugnou a totalidade dos fundamentos da decisão originalmente recorrida. 2. Agravo Regimental do particular a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 839.454 – (2016/0009889-1) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 31.03.2017 – p. 562)

2677 – execução de astreintes – impugnação – multa fixada em cumprimento de sentença de homologação de acordo de alimentos – entrega de bem imóvel – obrigação incerta

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Execução de astreintes. Impugna-ção. Multa fixada em cumprimento de sentença de homologação de acordo de alimentos. Entrega de bem imóvel. Obrigação incerta. Ausência de individualização da coisa. Inexigibilidade da multa. Matéria suscitada em embargos de declaração. Preclusão. Inexistência. Questão de ordem públi-ca. Exigibilidade do título executivo. Condição da ação executiva. Omissão relevante (CPC/1973, art. 535). Agravo provido. 1. Arguida, em embargos de declaração, a inexigibilidade da multa (as-treintes) fixada em sede de cumprimento de sentença de homologação de acordo, em razão da ausência de individualização do bem imóvel a ser entregue pelo devedor, a Corte local limitou-se a afirmar que se tratava de inovação recursal e supressão de instâncias, ignorando tratar-se de questão de ordem pública, relativa à própria exigibilidade do título executivo. 2. As matérias de ordem públi-ca, conhecíveis de ofício pelas instâncias ordinárias, ainda que suscitadas apenas em embargos de declaração, devem ser examinadas pelo Tribunal de origem, sob pena de omissão. 3. Agravo interno provido, para dar provimento ao recurso especial.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 660.837 – (2015/0026577-0) – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 16.05.2017 – p. 915)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial, tendo em vista a ausência de violação do art. 535, II, do CPC.

Insurgem-se os agravantes, alegando que a norma processual contida no art. 535 do CPC foi malferida, tendo em vista que, “...ao indicar que violado foi o art. 535, II, do CPC de 1973, por não ser analisada a matéria pertinente ao cabimento das astreintes, o REsp apontou corre-tamente o dispositivo legal malferido, visto que incabível a arguição de inovação recursal quan-do se cuida de matéria cognoscível de ofício. O recorrente, portanto, atuou exatamente como determina a jurisprudência desse Colendo Superior Tribunal, razão pela qual, especificamente quanto à necessidade de a Corte a quo se manifestar sobre a questão da persistência ou não da multa cominatória em caso no qual não havia sido especificado o objeto da obrigação de dar coisa incerta, roga-se pelo provimento do presente recurso e, consequentemente, o seguimento do Recurso Especial quanto a esse tema. Noutro vértice, quanto à intransferibilidade dos va-lores porventura depositados a título de pagamento da multa (evidentemente, caso a mesma venha a ser mantida), porque caberiam à prole agravada, não à genitora, não se verifica, data venia, matéria cuja apreciação evidencie supressão de instância, pois se o Tribunal Estadual deliberou sobre o cabimento das astreintes (embora se omitindo quanto ao ponto essencial delineado alhures) é consequência natural que ele deve definir quem são os beneficiários da verba e se a representante dos menores pode dela dispor, apesar da existência de pensão alimentícia. Também aqui deveria a Corte local haver se posicionado até de ofício. Portanto, igualmente, aplica-se tudo quanto acima exposto: a omissão é essencial ao deslinde da causa; a questão é de ordem pública, tendo sido suscitada em embargos de declaração; não há outro fundamento autônomo do julgado que supra a necessidade de enfrentar o ponto omisso”.

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O STJ negou nego provimento ao agravo regimental

De Plácido e Silva assim define astreintes:

“Vocábulo de origem francesa, sem tradução para o vernáculo, indica, na técnica processual civil, a pena pecuniária nas execuções. É a medida cominatória de constrição contra devedor de obrigação de fazer ou não fazer, cujo valor diário, fixado pelo juiz na sentença executada, que durará enquanto permanecer a inadimplência.” (Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 90)

Humberto Theodoro Júnior, conceituando astreintes como sendo a multa como meio de coa-ção, assim assevera:

“A imposição bem como a exigibilidade da multa pressupõe ser factível o cumprimento da obrigação em sua forma originária. Comprovada a impossibilidade da realização da prestação in natura, mesmo por culpa do devedor, não terá mais cabimento a exigência da multa coer-citiva. Sua finalidade não é, na verdade, punir, mas basicamente obter a prestação específica. Se isso é inviável, tem o credor de contentar-se com o equivalente econômico (perdas e danos). No entanto, se essa inviabilidade foi superveniente à imposição da multa diária, a vigência da medida prevalecerá até o momento do fato que impossibilitou a prestação originária. A revoga-ção da multa, por outro lado, torna-se cabível, tanto por impossibilidade objetiva da prestação (o fato devido tornou-se materialmente inexequível), como por impossibilidade subjetiva do devedor (este caiu, por exemplo, em insolvência).” (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 159)

A natureza jurídica de astreintes é coativa e não indenizatória, sendo a sua fixação em multa diária até que seja cumprida a obrigação.

2678 – Financiamento – imóvel na planta – taxa de construção – juros – período previsto no contrato – legalidade – atraso na entrega – cobrança indevida

“Civil. Processo civil. Imóvel na planta. Financiamento. Taxa de construção. Juros de obra. Juros de pé. Período previsto no contrato. Legalidade. Atraso na entrega. Cobrança indevida. Danos morais. Fundamentos da sentença não infirmados. I – É legal a cobrança da chamada taxa de construção, ou juros de obra, ou, ainda, juros de pé, antes da entrega das chaves de imóvel adquirido na planta, desde que tal cobrança obedeça a previsão contratual, mormente no que se refere à data de entrega do imóvel. II – Em decisão monocrática acerca da ‘taxa de obra’, datada de 25.02.2016, o e. Min. Marco Aurélio Bellizze, Relator do Agravo em Recurso Especial nº 828.193/RJ (2015/0316381-3), concluiu que ‘...a cobrança da referida taxa após o decurso do prazo previsto para a entrega do imóvel desvela-se ilegal e abusiva, precipuamente, porque o promitente comprador em nada con-tribuiu para a delonga injustificada no cumprimento da obrigação contratual assumida pela promi-tente vendedora’. III – Em tendo sido pactuados pelas partes encargos para dois momentos distintos, fase de construção e fase posterior a esta, consoante Cláusula Sétima do contrato, e em tendo sido consentido que, findo o prazo fixado para o término da construção, ainda que não concluída a obra, dar-se-á início ao vencimento das prestações de retorno, estas previstas especificamente para o período posterior à fase de construção, não se justifica a cobrança, pela CEF, de valores referentes à taxa de construção depois do prazo estabelecido para tanto. IV – O Código de Defesa do Consu-midor é aplicável às instituições financeiras, conforme entendimento jurisprudencial, sumulado por meio do enunciado nº 297 do e. Superior Tribunal de Justiça, bem como firmado pelo c. Supremo Tribunal Federal, de que a relação jurídica travada entre a parte e a instituição financeira é típica relação de consumo (art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078). V – Segundo já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar recurso em que estava em discussão questão vinculada a contrato de mú-tuo, firmado segundo as regras previstas para o SFH, ‘a repetição em dobro do indébito prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC exige a existência de pagamento indevido e de má-fé do credor’ (AgRg-AREsp 337.505/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., DJe de 19.02.2016), o que não

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ficou demonstrado, no caso dos autos. Assim, é devida apenas a devolução simples dos valores cobrados indevidamente ao autor depois da fase de construção do contrato, finda em 30.08.2011, de acordo com o cronograma contratual estipulado pela CEF. VI – Recurso de apelação do autor a que se dá parcial provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0007407-54.2012.4.01.3304 – 6ª T. – Rel. Des. Jirair Aram Meguerian – J. 15.05.2017)

2679 – Fraude à execução fiscal – incorporação do imóvel ao patrimônio do município – meio originário de aquisição da propriedade

“Processual civil. Fraude à execução fiscal. Incorporação do imóvel ao patrimônio do município. Meio originário de aquisição da propriedade. Fundamento não impugnado. Súmula nº 283/STF. 1. Defende a recorrente que está caracterizada fraude à Execução Fiscal, a qual não depende de averbação da penhora no registro de imóvel. 2. Sucede que o caso em tela apresenta peculiaridade ressaltada como razão de decidir pelo Tribunal a quo, a saber: impossibilidade de desfazimento do ato jurídico, uma vez que o imóvel fora incorporado ao patrimônio do Município mediante desa-propriação, meio originário de aquisição da propriedade. 3. O Recurso Especial não impugna tal motivação, motivo pelo qual incide o óbice da Súmula nº 283/STF: ‘É inadmissível o recurso extra-ordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles’. 4. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.650.357 – (2017/0017557-6) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 25.04.2017 – p. 1490)

2680 – Hipoteca – levantamento – financiamento habitacional – SFH – FCVS – cessionário – “contrato de gaveta” – legitimidade ativa

“Processual civil. Agravo interno. Recurso especial. Ação de obrigação de fazer. Hipoteca. Levan-tamento. Financiamento habitacional. SFH. FCVS. Cessionário. ‘Contrato de gaveta’. Legitimidade ativa. Fundamento do acórdão não impugnado. Súmula nº 283/STF. Prescrição. Termo inicial. Re-exame de fatos e provas. Cláusulas contratuais. Inadmissibilidade. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. Prova pericial. Produção. Necessidade. Reexame de fatos e provas. 1. A existência de fundamento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas conclusões – impede a apreciação do recurso especial. 2. O reexame de fatos e provas e cláusulas contratuais em recurso especial é inadmissível. 3. O dissídio jurispruden-cial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.580.427 – (2016/0030221-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 09.05.2017 – p. 2022)

2681 – locação – ciência da locatária quanto à aquisição do imóvel por terceiro – pagamento ao antigo proprietário

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Locação. Ciência da locatária quanto à aquisição do imóvel por terceiro. Pagamento ao antigo proprietário. Afastada a hipótese pela Corte local de pagamento putativo. Revisão. Súmula nº 7/STJ. Agravo improvido. 1. No caso, quanto à contrariedade aos arts. 113, 309, 421 e 422 do Código Civil de 2002, a Corte de origem afirmou que a locatária, ora agravante, teve efetiva ciência da alienação do imóvel, não havendo como reputar válido o pagamento realizado, visto que não houve erro. A inversão do que foi de-cidido pelo Tribunal de origem, tal como propugnada nas razões do apelo especial, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório dos autos, providência que encontra óbice na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt--Ag-REsp 784.073 – (2015/0243499-9) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 10.04.2017 – p. 715)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão desta relatoria que conheceu do agravo para negar provimento ao recurso especial, com base nos seguintes fundamentos: (a) ausência

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de violação ao art. 535 do CPC/1973; (b) no que tange à contrariedade aos arts. 113, 309, 421 e 422 do Código Civil de 2002, a Corte de origem afirmou que a locatária, ora agravante, teve efetiva ciência da alienação do imóvel, não havendo como reputar válido o pagamento realizado, visto que não houve erro. A inversão do que foi decidido pelo Tribunal de origem, tal como propugnada nas razões do apelo especial, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório dos autos, providência que encontra óbice na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.

Nas razões recursais, a parte agravante sustenta, essencialmente, seja afastada a incidência da Súmula nº 7/STJ, alegando que: “A questão em comento se dá acerca da aplicabilidade do art. 309 do Código Civil, sendo que consta expressamente na sentença que não houve a comunicação dos adquirentes informando a compra e venda do imóvel.”

O STJ negou provimento ao agravo interno.

O relator afirmou que, na hipótese dos autos, no que toca à contrariedade aos arts. 113, 309, 421 e 422 do Código Civil de 2002, o aresto impugnado, com base no suporte fático-proba-tório carreado aos autos, foi categórico ao considerar que a empresa locatária tinha ciência da aquisição por terceiro do imóvel locado, e mesmo assim continuou efetuando o pagamento dos

aluguéis ao antigo proprietário.

Geraldo Gonçalves da Costa nos traz a seguinte lição:

“Mas, a grande inovação trazida pela Lei nova refere-se à garantia do exercício do direito à

aquisição do imóvel (direito real de preferência), mediante a adjudicação compulsória, uma

vez que agora a própria Lei regulamentou em seu texto o modo como deve o contrato ser

averbado no cartório de imóveis, condição essa indispensável para a aquisição do imóvel.

Diz o art. 33 da Lei nº 8.245/1991, o seguinte: O locatário preterido no seu direito de pre-

ferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais

despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de 6

meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação

esteja averbado pelo menos 30 dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel”. Parágrafo

único. “A averbação far-se-á à vista de qualquer das vias do contrato de locação, desde que

subscrito também por duas testemunhas.” (Direito de preferência na lei do inquilinato. Juris

Síntese IOB, n. 57, jan./fev. 2006)

José da Silva Pacheco, ao discorrer sobre o direito de preferência do locatário, segundo o

art. 27 da Lei nº 8.245/1991, nos ensina que:

“Hipóteses em que se opera a preferência do locatário – o art. 27 da Lei nº 8.245/1991 arrola

a venda, promessa de venda, cessão, promessa de cessão ou dação em pagamento como en-

sejadoras do direito de preferência do locatário. Para esse efeito, é preciso que o imóvel locado

seja objeto de um dos atos acima mencionados. Quem for proprietário poderá vender, prometer

vender ou dar em pagamento o imóvel, quando o locatário terá preferência em adquiri-lo em

igualdade de condições. Se o locador for apenas promitente comprador do imóvel, poderá

prometer cedê-lo ou ceder os seus direitos sobre o imóvel, quando o locatário, também, poderá

exercer o direito de preferência.” (Tratado das locações, ações de despejo e outras. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 320)

2682 – locação – fiança – prorrogação – entrega das chaves

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Locação. Fiança. Prorrogação. Entrega das chaves. 1. Diante da existência de cláusula expressa no contrato de aluguel prevendo que a responsabili-dade dos fiadores perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação destes, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado. Precedentes. 2. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 981.809 – (2016/0240504-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.04.2017 – p. 658)

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2683 – nunciação de obra nova – direito de vizinhança – inexistência de afronta

“Recurso de apelação cível. Nunciação de obra nova. Inexistência de afronta ao direito de vizi-nhança preconizado nos arts. 1299 e seguintes do código civil. Recurso conhecido e provido. I – A rigor, os arts. 1.299 e seguintes do Código Civil compreendem normas atinentes ao direito de vizinhança, especificamente normas civis que norteiam o empreendimento de construções segundo parâmetros de preservação de intimidade e proteção da propriedade adjacente, evitando que os vizinhos devassem a intimidade uns dos outros, ou mesmo que objetos caiam ou sejam lançados no imóvel lindeiro, sendo que, dentre as proibições sobressai a de abertura de janelas, eirados, terraço ou varanda a menos de um de metro e meio do limite do terreno vizinho. II – Por outro turno, o art. 1.302, parágrafo único, do Código Civil, é preclaro ao consignar que caso haja no imóvel vizi-nho ‘vãos ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição’ o proprietário do imóvel adjacente poderá, ‘a todo tempo, levantar a sua edificação ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade’. III – Na hipótese, as provas coligidas nos autos não evidenciam transgressão do Recorrente à qualquer norma de Direito Civil, eis que conforme se depreende da Planta da Cons-trução e Fotografias dispostas nos autos, o mesmo empreendeu as edificações dentro dos limites estabelecidos de sua propriedade, não adentrando na propriedade da Recorrida, bem como não promovendo a abertura de janelas, eirados ou varandas na construção, que possibilite acesso visual ao imóvel da Recorrida, a menos de metro e meio. IV – Em relação ao muro empreendido e que se encontra de frente para as janelas e o fosso de ventilação, o levantamento deste é plenamente possí-vel, ante o disposto no parágrafo único do art. 1.302, do Código Civil, não podendo a Recorrida se insurgir contra a edificação, eis que, na verdade é sua residência que não está edificada a metro e meio da linha divisória. V – Recurso conhecido e provido.” (TJES – Ap 0010429-38.2012.8.08.0024 – Rel. p/o Ac. Subst. Rodrigo Ferreira Miranda – DJe 04.05.2017)

2684 – penhora – bem de família – execução de título extrajudicial – garantia em favor de ter-ceiro

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Execução de título extrajudicial. Penhora. Bem de família. Garantia em favor de terceiro. Art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990. Aplicação da Súmu-la nº 83/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte orienta que a exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo tomado diretamente em favor do próprio devedor. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt-Ag-REsp 790.169 – (2015/0246768-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 05.05.2017 – p. 1893)

2685 – penhora – bens suficientes para garantir os débitos executados – certidão positiva de débitos com efeito de negativa – expedição

“Tributário e processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Certidão positiva de débitos com efeito de negativa. Expedição. Penhora de bens suficientes para garantir os débitos executados. Ausência de violação do art. 535 do CPC. Agravo interno da Fazenda Nacional despro-vido. 1. A controvérsia dos autos foi inteiramente apreciada, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer omissão, contradição ou obscuridade. Observe-se, ademais, que o julgamento diverso do pretendido, como na espécie, não implica ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O tema referente à expedi-ção da Certidão Conjunta Positiva com Efeitos de Negativa foi devidamente analisado pela decisão embargada, constando, expressamente que os débitos estão garantidos, por força das penhoras efetivadas (fl. 152). Reexaminar essa questão probatória é medida inviável no âmbito do Recurso Es-pecial, por implicar não somente a revalorização dos fatos, mas a sua própria configuração. 3. Agra- vo Interno da Fazenda Nacional desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 256.376 – (2012/0237931-1) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 17.05.2017 – p. 1329)

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2686 – posse – ação de reintegração – contrato de arrendamento mercantil de veículo

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de reintegração de posse. Contrato de arrendamento mercantil de veículo. Falta de prequestionamento. Súmulas nºs 211 do STJ. Falta de cotejo analítico. Agravo não provido. 1. A matéria referente ao adimplemento substan-cial não foi objeto de prequestionamento pelo Tribunal de origem,mesmo após a oposição de em-bargos de declaração. Persistindo a omissão, cabia à recorrente ter alegado, nas razões do recurso especial, violação ao art. 535 do CPC/1973, ônus do qual não se desincumbiu (Súmula nº 211/STJ). 2. Não se viabiliza o recurso especial pela alegada violação ao art. 535, do CPC/1973, pois, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribu-nal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 3. O recorrente não comprovou o dissídio pretoriano nos termos exigidos pelos dispositivos legais e regimentais que o disciplinam, notadamente pela não transcri-ção dos trechos dos acórdãos em confronto e pela ausência do necessário cotejo analítico entre as teses supostamente divergentes, situação que inviabiliza a admissibilidade do apelo nobre pela alínea c do permissivo constitucional. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 723.217 – (2015/0134016-9) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 04.05.2017 – p. 1679)

2687 – promessa de compra e venda – contrato particular – inadimplemento contratual – atraso na entrega de imóvel – multa moratória

“Promessa de compra e venda. Apelação cível. Contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel. Inadimplemento contratual. Atraso na entrega de imóvel. Multa moratória. Consideran-do o princípio da isonomia, nada há de ilegal na condenação das demandadas ao pagamento de multa, em razão do atraso na entrega da obra, mormente levando em conta que se trata de relação de consumo, sendo aplicável o disposto no art. 52, § 1º, do CDC. Juros de mora. Assim, na medida em que aplicada a multa moratória, descabe, neste caso, a incidência dos juros, pois se trata de penalidades excludentes, a teor do contido na cláusula nona do contrato. Despesas condominiais. O STJ, ao julgar o REsp. 1297239/RJ, definiu que a responsabilidade do adquirente de imóvel pelo pagamento das cotas condominiais tem início com a imissão na posse do bem, o que deve ser observado, no caso em tela. Danos materiais. Os danos materiais para serem ressarcidos devem ficar cabalmente comprovados nos autos, o que ocorreu no presente caso, em relação às alegadas despesas com a reparação dos defeitos construtivos. Danos morais. Configuração. Quantum man-tido. Cabível indenização a título de danos morais, pois comprovada a sua ocorrência, decorrente do inadimplemento contratual quanto ao prazo final de entrega do imóvel. Reduzido, no entan-to, o quantum indenizatório, a fim de se adequar aos parâmetros de razoabilidade utilizados por esta Câmara para casos semelhantes ao sub judice. Apelação parcialmente provida.” (TJRS – AC 70071123392 – 19ª C.Cív. – Rel. Des. Voltaire de Lima Moraes – J. 16.02.2017)

2688 – promessa de compra e venda de imóvel – distrato – estipulação de restituição de 50% dos valores pagos

“Apelação cível. Promessa de compra e venda de imóvel. Distrato, com estipulação de restitui-ção de 50% dos valores pagos. Pretensão do autor ao ressarcimento integral dos valores pagos, autorizada apenas a retenção de 10%. Sentença de parcial procedência da demanda. Recurso da ré. Relação contratual regida pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Instrumentos de adesão. Flexibilização da autonomia da vontade. Abusividade na estipulação de retenção, pela promitente vendedora, de percentual superior a 10% dos valores pagos pelo consumidor. Ausen-te demonstração de prejuízos a maior. Jurisprudência reiterada. Vedação do enriquecimento sem causa. Apelação desprovida.” (TJRS – AC 70070512538 – 19ª C.Cív. – Relª Desª Mylene Maria Michel – J. 16.02.2017)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de demanda em que sustenta, em síntese, o autor:

a) adquiriu imóvel na planta; b) em razão de descontentamento quanto à execução da obra, desistiu do negócio; c) a ré, contudo, dos valores pagos, da ordem de R$ 29.982,40, restituiu apenas a quantia de R$ 9.268,00; d) são abusivas as cláusulas que impedem a restituição dos valores; e) consoante a jurisprudência, deve ocorrer a retenção de apenas 10% dos valores pagos; f) a ré responde a diversas demandas relativas ao atraso da obra.

Pede a devolução integral dos valores pagos, com a retenção de apenas 10% do aludido montante.

O juízo de origem julgou procedente, em parte, a demanda condenando a ré no pagamento da quantia de R$ 17.716,00, já considerado o abatimento de 10% dos valores pagos. Eis o dispositivo:

“Diante do exposto, julgo procedente em parte, o pedido formulado por Paulo Luis Carvalho de Freitas em face de Caliandra Incorporadora Ltda., para o efeito de condenar a ré ao paga-mento ao autor da quantia de R$ 17.716,00 (dezessete mil, setecentos e dezesseis reais), já considerado o abatimento de 10% a título de penalidade em favor da ré e a quantia que já fora paga pela construtora. O valor a ser restituído deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a contar do pagamento, com juros de mora de 1% ao mês, incidentes da citação.

Face à mínima sucumbência do autor, que decaiu apenas quanto a uma parte do valor postu-lado, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao procu-rador do autor, que arbitro em 15% sobre o valor da condenação, com base no art. 20, § 3º do Código de Processo Civil.”

Contra a sentença insurge-se a ré, por meio de apelação, sustentando, em síntese: a) o ato jurídico perfeito, relativo ao instrumento de resolução da avença, não pode ser revisto; b) as partes pactuaram distrato, estipulando, livremente, o valor a ser restituído; c) não há nulidade no ajuste entre as partes; d) houve quitação firmada pelas partes; e) tendo rescindido o con-trato e recebido os valores, não pode o autor pleitear outras quantias; f) deve ser extinto o feito, sem resolução de mérito, por carência de ação; g) no mérito, a promessa de compra e venda estipula a retenção progressiva dos valores no caso de resolução da avença; h) é desproporcio-nal a sentença ao desconsiderar os termos do contrato entre as partes; i) deve ser observado o critério previsto no contrato; j) o autor tinha ciência das cláusulas as quais se obrigara; l) não há vantagem exagerada para a ré; m) a ré realizou gastos com a administração da obra; n) razoável, assim, a retenção de parte dos valores; o) sucessivamente, deve ser admitida a retenção de 25% dos valores pagos.

Pede a extinção do feito, sem resolução de mérito. Sucessivamente, pede a reforma da sen-tença para julgar improcedente a demanda. Ainda sucessivamente, pede seja autorizada a retenção de 25% dos valores pagos.

O TJRS negou provimento ao recurso de apelação.

O relator ressaltou que não incide no caso o contido no § 11 do art.85 do CPC, consoante orientação do colendo STJ, no Enunciado Administrativo nº 6, in verbis: Somente nos recur-sos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC.

Araken de Assis assim discorrer sobre o distrato:

“Em tema de distrato, as discrepâncias terminológicas e conceituais que turvam o heterogêneo panorama da extinção das obrigações cobram seu elevado tributo. É preciso, acentua Pontes de Miranda, limpar-se a linguagem de erros e ambiguidades lastimáveis.

Para Orlando Gomes, por exemplo, o distrato constitui uma espécie de resilição do negócio jurídico: de um lado, encerra o contrato para o futuro, ostentando natureza bilateral, vez que assenta em dupla declaração de vontade; de outro, também representa uma modalidade de revogação, expressando o contrarius consensus dos figurantes

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O distrato não revoga, porque nenhum dos distratantes retira a vox anteriormente emitida, uma vez ajustado o desfazimento do vínculo antes formado. Bem ao contrário, semelhante atitude dos parceiros pressupõe a subsistência daquela emissão de vontade. Em tal rumo aponta a doutrina portuguesa, qualificando de ‘revogação’ a destruição voluntária do contrato por mútuo acordo ou por iniciativa de um dos figurantes (revogação ‘unilateral’).

Fundamentalmente, o distrato não resile o contrato, porque não o dissolve, ou desfaz, desde o início (resolução, eficácia ex tunc) ou a partir de certo momento (resilição, eficácia ex nunc). O distrato elimina a eficácia do negócio quanto ao futuro, de modo que o contrato, que foi, continua sendo, embora acabado, encerrado e desprovido de efeitos. O distrato não ‘descontra-ta’, exceto em sentido assaz figurado. Tampouco consagra um mútuo dissenso: os distratantes concordam plenamente, entre eles não há desacordo (mutuus dissensus) ou desentendimento, vez que ambos, obviamente, querem distratar.

Disso resulta, em suma, que o distrato é o trato em sentido contrário. O art. 472 consagra o contrarius consensus. De acordo com Pontes de Miranda, a figura prevista neste dispositivo representa o contrato pelo qual se desfaz a relação jurídica de dívida existente, ou, se a dívida ainda não existe, contrato pelo qual se desfaz o vínculo de que se irradiariam as dívidas futu-ras. É o contrato pelo qual os figurantes eliminam o vínculo, para o futuro, que anteriormente estabeleceram entre si. Relevada a imprópria menção à figura da risoluzione consensuale, mostra-se correto o conceito ministrado por Vicenzo Roppo: il contratto com cui le parti sciolgono un precedente contratto fra loro, liberandosi dal relativo vincolo.

Da remissão de dívida distingue-se, perfeitamente, o distrato. E isso, porque a remissão, im-plicitamente reconhecendo a dívida, libera o devedor. A teor do art. 385, trata-se de um contrato e localiza-se, na doutrina, a afirmativa de que a remissão se destina a extinguir a relação jurídica.

A rigor, o ato do credor extingue tão-só a dívida. De toda sorte, o pacto dos distratantes assume outro sentido, dispondo para o futuro e, ao contrário da remissão, não eliminará somente a(s) dívida(s), recíprocas ou não, mas todo o vínculo e seus efeitos jurídicos em conjunto. Por tal motivo, e ressalva feita à disposição em contrário dos distratantes, as prestações porventu-ra realizadas comportam restituição. Desse modo, o distrato gerará, em alguns casos, nova relação jurídica, predisposta à restituição recíproca, ou não, conforme a natureza do negócio distratado, das prestações que se hajam efetuado.

E o distrato se distingue do pacto, que, por vezes, os figurantes inserem em determinados contratos, a exemplo da compra e venda, assegurando a uma delas o direito de recobrar sua prestação, seja a favor do vendedor (pactum de retrovendendo), seja a favor do comprador (pactum de retroemendo), representando o primeiro a retrovenda (art. 505): o direito outorga-do ao vendedor de recuperar a coisa, dentro de certo prazo, mediante a restituição do preço e das despesas, não repousa em declarações de vontade de sinal contrário ao negócio anterior. E da resolução, ainda que ex nunc (resilição), distingue-se o distrato, porque aquela é unilateral. A quitação libera o obrigado, que adimpliu a dívida, e não se confunde com o distrato. Por isso, a 4ª Turma do STJ assentou que o recibo de pagamento não constitui meio próprio para des-fazer cláusula contratual, porque a mudança do vínculo em documento que se presta a atestar a quitação pode induzir em erro o devedor.” (Do distrato no novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

2689 – promessa de compra e venda de imóvel – hipoteca – ausência de especificação do dispo-sitivo de lei federal violado – contrariedade

“Agravo interno no recurso especial. Civil. Promessa de compra e venda de imóvel. Hipoteca. Ausência de especificação do dispositivo de lei federal violado. Contrariedade a enunciado de sú-mula. Súmula nº 284 do STF. Dissídio jurisprudencial. Não comprovação. 1. Não é possível admitir recurso especial, fundado na alínea c do permissivo constitucional, quando a parte recorrente deixa de apontar, especificamente, qual o dispositivo de lei federal supostamente violado. Ademais, a

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mera alegação de ofensa ao enunciado sumular não se equipara ao termo ‘lei federal’, sobre o qual teria ocorrido a interpretação jurisprudencial divergente. Incidência, na espécie, por analogia, da Súmula nº 284/STF. 2. Na hipótese em exame, o dissídio jurisprudencial não foi demonstrado, uma vez que o recorrente se limitou a citar acórdão trazido como paradigma, sem realizar o necessário cotejo analítico, em desatenção ao disposto no art. 255, § 1º, do Regimento Interno desta eg. Corte. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.175.089 – (2010/0003402-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 16.05.2017 – p. 968)

2690 – Seguro habitacional – FCVS – substabelecimento com assinatura digitalizada ou “esca-neada” – diferença

“Processual civil. Indenização securitária. Seguro habitacional. FCVS. Substabelecimento com as-sinatura digitalizada ou ‘escaneada’. Diferença em relação à assinatura digital. Impossibilidade de aferição da autenticidade. Vício insanável nesta instância. Agravo em recurso especial improvido. I – A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de nas ‘[...] hipóteses em que se cuida de assinatura digitalizada ou “escaneada”, e não de assinatura digital, não há como se aferir segu-ramente a autenticidade do substabelecimento em favor do advogado que subscreveu o especial’ (AgRg-AREsp 471.037/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 27.05.2014, DJe 03.06.2014). II – Agravo interno improvido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 741.829 – (2015/0166946-9) – 2ª T. – Rel. Min. Francisco Falcão – DJe 02.05.2017 – p. 1626)

2691 – Seguro habitacional – manifestação de interesse jurídico da Caixa econômica Federal – competência da Justiça Federal

“Agravo interno no agravo (art. 544 do CPC/1973). Seguro habitacional. Manifestação de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal. Competência da Justiça Federal. Aplicação da Súmula nº 150 do STJ. Precedentes do STJ. 1. Apresentada manifestação de interesse da Caixa Econômica Federal no deslinde do feito, em obediência ao enunciado contido na Súmula nº 150 do STJ, compete à Justiça Federal decidir sobre a existência do interesse jurídico que justifique a presença, no proces-so, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Precedentes desta Corte Superior. 2. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 19.005 – (2011/0146375-3) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 04.05.2017 – p. 1655)

2692 – SFH – ação cautelar – acordo homologado nos autos da ação principal – perda do objeto

“Civil e processual civil. Sistema Financeiro da Habitação – SFH. Ação cautelar. Acordo homolo-gado nos autos da ação principal. Perda do objeto da cautelar. 1. Nos termos do art. 808, inciso III, do Código de Processo Civil – CPC/1973 (art. 309, inciso III, do CPC/2015), cessa a eficácia da medida cautelar ‘se o juiz declarar extinto o processo principal,com ou sem julgamento de mérito’. 2. A ação cautelar destina-se a resguardar a utilidade e a eficácia do processo principal até que sobrevenha o provimento jurisdicional definitivo. A análise, nesse tipo de demanda, limita-se à verificação da ocorrência simultânea dos requisitos atinentes ao fumus bonis iuris e ao periculum in mora, necessários à concessão da tutela jurídica pleiteada. 3. Assim, homologado o acordo fir-mado nos autos do processo principal, perde o objeto a ação cautelar, em razão da inexistência de resultado útil a ser protegido. 4. Processo extinto, sem resolução de mérito, com base no art. 485, inciso VI, do CPC/2015.” (TRF 1ª R. – Proc. 00195477520114010000 – 6ª T. – Rel. Des. Daniel Paes Ribeiro – J. 08.05.2017)

2693 – SFH – invalidez permanente – mutuário – seguro – cobertura – prescrição – prazo

“Agravo interno no recurso especial. SFH. Invalidez permanente. Mutuário. Seguro. Cobertura. Prescrição. Prazo de um ano. 1. A Segunda Seção desta Corte decidiu que é de um ano o prazo

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prescricional das ações do segurado/mutuário contra a seguradora, nas quais se busca a cobertura de sinistro relacionado a contrato de mútuo firmado no âmbito do SFH (EREsp 1272518/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 2ª S., J. 24.06.2015, DJe 30.06.2015). 2. O cômputo do prazo ânuo começa a correr da data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral (Súmula nº 278/STJ), permanecendo suspenso entre a comunicação do sinistro e a data da recusa do paga-mento da indenização (Súmula nº 229/STJ) (AgRg-EDcl-REsp 1507380/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 08.09.2015, DJe 18.09.2015). 3. No caso, decorrido mais de um ano entre a ciência da invalidez e a comunicação do sinistro, declara-se a prescrição. 4. Agravo inter-no não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.562.309 – (2015/0262504-5) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 19.04.2017 – p. 2672)

2694 – SFH – seguro habitacional – contrato de financiamento habitacional – prescrição ânua

“Agravo interno. Recurso especial. Seguro habitacional adjeto a contrato de financiamento ha-bitacional (SFH). Prescrição ânua. Aplicação do art. 206, § 1º, II, b, do CC. 1. Em harmonia com o princípio da unirrecorribilidade recursal, observada a prévia interposição de recurso contra a decisão recorrida, constata-se a preclusão consumativa em relação aos embargos interpostos poste-riormente. 2. Aplica-se a prescrição ânua do art. 206, § 1º, II, b, do CC/2002 para a ação proposta pelo mutuário/segurado para recebimento da indenização do seguro adjeto a contrato de mútuo habitacional (SFH). 3. O termo inicial da prescrição conta-se da data da ciência inequívoca da in-capacidade do segurado (Súmula nº 278 do STJ). 4. Agravo interno de fls. 512/535 não conhecido. 5. Agravo interno de fls. 488/511 provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.420.961 – (2013/0376895-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 30.05.2017 – p. 1002)

2695 – Título extrajudicial – execução – contrato de locação de imóvel residencial

“Processual civil. Agravo interno no recurso especial. Embargos do devedor. Execução de títu-lo extrajudicial. Contrato de locação de imóvel residencial. Embargos de declaração. Omissão, contradição ou obscuridade. Não ocorrência. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. Fundamento do acórdão não impugnado. Súmula nº 283/STF. Interpretação de cláusula contratual. Reexame de fatos e provas. Inadmissibilidade. Honorários de sucumbência recursal. Majoração. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC/1973, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausên-cia de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 3. A existência de funda-mento do acórdão recorrido não impugnado – quando suficiente para a manutenção de suas con-clusões – impede a apreciação do recurso especial. 4. A interpretação de cláusulas contratuais e o reexame de fatos e provas em recurso especial são inadmissíveis. 5. Agravo interno no recurso espe-cial não provido, com majoração dos honorários.” (STJ – AgInt-REsp 1.368.281 – (2013/0040396-5) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 23.03.2017 – p. 1728)

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Seção Especial – Com a Palavra, o Procurador

Princípios e Terminologia do Registro de Imóveis

ROGéRIO TADEu ROmANOProcurador Regional da República aposentado, Professor de Processo Penal e Direito Penal, Advogado.

I – A AQUISIÇÃO DE DIREITOS SOBRE IMÓVEIS

O Código Civil alemão de 1896 instituiu uma sistemática para a transfe-rência do domínio baseada na inscrição do contrato no registro do imóvel, ato precedido da depuração do título em processo sumário, que corre perante os juízes do registro imobiliário. No sistema jurídico alemão de propriedade imo-biliária, a sua base é o cadastro de toda a propriedade imóvel. Sem a adoção de livros fundiários rigorosamente escriturados não seria possível estabelecer tal técnica.

A transcrição no registro decorre de um acordo formal de transmissão, que se erige, então, sem convenção jurídico-real e resulta de declaração de vontade dos interessados especificamente à transcrição. Feito o registro com a observação das normas do direito imobiliário formal que estatui rito próprio e somente se efetua em decorrência de ato judicial que retira do título vícios, a transcrição assume a natureza de negócio jurídico abstrato, valendo por si mesma independente do negócio jurídico causal anterior. Assim, promovido o registro nos livros fundiários, a transmissão se desprende do negócio jurídico subjacente (compra e venda, doação, etc.), para valer como negócio jurídico translativo da propriedade imóvel. Adquire, assim, uma força probante de pre-sunção iuris et de iure de propriedade. Dono é aquele que tem a propriedade registrada em seu nome.

Pelo sistema germânico, a transcrição opera a transmissão e faz prova plena da propriedade que se presume na titularidade daquele em cujo nome o registro está.

No Brasil, com o Código Civil de 1916 e, ainda, com o Código Civil de 2002, as coisas se passam de forma diversa.

No Brasil, contrato não opera a transferência do domínio. Geralmente, tão somente um direito de crédito, que é chamado de direito pessoal. Somente o registro no Registro de Imóveis para a transferência da coisa imóvel cria o direito real. É a transcrição do instrumento no cartório de registro da sede do imóvel que opera a aquisição da propriedade.

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR �����������������������������������������������������������������������219

Mas, no Brasil, na sistemática pátria, o registro não tem a natureza de negócio jurídico abstrato, mas causal. É um ato jurídico causal, somente por-que opera a transferência da propriedade dentro das forças e sob condição de validade formal e material do título. O seu pressuposto fático será, portanto, um título hábil a operar a transferência, cabendo ao Oficial do Registro a função de proceder a um exame, podendo levantar ao juiz competente dúvidas, em um procedimento de jurisdição voluntária, que tiver, seja quando a capacidade das partes ou a qualquer requisito formal do negócio jurídico de transmissão ou outro elemento que lhe parece faltar para que esse direito se repute escorreito.

Mister que se lembre que, uma vez efetuada a transcrição, ou a inscrição de título constitutivo de algum outro direito diverso da propriedade, presume-se pertencer o direito real à pessoa em cujo nome se transcreveu ou se inscreveu. A propriedade se considera adquirida na data da apresentação do título a regis-tro, observando-se lapso de tempo entre a prenotação do protocolo e o registro.

A presunção que aqui se fala é iuris tantum.

A transcrição é causa determinante da aquisição da propriedade imóvel, como, ainda, não se infirma o registro da autoridade do seu oficial, que deverá vir de sentença.

Há o princípio da publicidade, de tal forma que é pelo registro que qual-quer pessoal toma conhecimento das especificidades do imóvel e do negócio, como ensinou Caio Mário a Silva Pereira (Instituições de direito civil). Nos direi-tos reais de garantia, como a hipoteca, essa publicidade é ainda exigida.

Outro princípio a se ter em conta é o da legalidade, por meio do qual, se o oficial efetuou a transcrição ou inscrição, foi porque nenhuma irregularidade encontrou.

Nas palavras de Darcy Bessone (Da compra e venda, 2ª edição, p. 43), “a esse de que a compra e venda brasileira é produtiva tão-somente da obrigação de transferir o domínio significa que o objeto do acordo de vontades é a criação dessa obrigação, e não a própria transferência do domínio”.

Prossegue Darcy Bessone, que isso se compreende em Direito alemão, porque, nele, como já ficou visto, a compra e venda é estranha ao negócio translativo, que tem por base um outro contrato (o dinglicher Vertrag) abstrato e, pelos efeitos, real. Poder-se-ia compreender tal tese, também, em Direito Romano, embora a emptio et venditio se referisse à posse, porque os romanos praticavam modos de a adquirir (mancipatio, in iure cessio e traditio) de nature-za contratual, embora não a percebessem.

Mas como disse Darcy Besssone (obra citada), entre nós, não se pode aceitar a aludida tese, por ser certo que não dispomos de um segundo acordo de vontades, de um segundo contrato, integrativo do negócio (não sobre a obriga-

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220 ��������������������������������������������������������������������RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – COM A PALAVRA, O PROCURADOR

ção de transferi-lo), que está na compra e venda, ou não está em parte alguma, não existe.

Passamos, então, a melhor compreender essa questão diabólica.

Como ainda acentuou Darcy Bessone,

é certo, todavia, que tal acordo insere-se na compra e venda. Para chegar-se a essa conclusão, assume importância decisiva o art. 134 do Código Civil que expressamente menciona que “contratos constitutivos ou translativo de direitos reais”, incluindo-se, entre estes, a compra e venda. No n. 23, mostramos que essa disposição recebe complementação de outros preceitos do Código Civil, como os arts. 530, I, 531, 676, 856, I, 857, 858, 860, parágrafo único, 862 etc.).

Faço essas ponderações lembrando que os artigos se referem ainda ao Código Civil revogado.

Disse, então, Darcy Bessone que “o Direito brasileiro aproxima-se do francês e do italiano, que consideram a compra e venda como um acordo de vontade sobre a própria transferência do domínio, não sobre a obrigação de transferi-lo”.

Mas o que se tem é que, “aproximando-se, não se identifica cm eles, entretanto, porque, aqui, o registro no Registro Imobiliário, em relação aos bens imóveis e a tradição, quanto aos bens móveis, são, ao contrário, do que ocorre na França e na Itália, atos integradores do negócio translativo”.

Sob esse aspecto, o nosso direito filia-se ao Direito germânico.

Mas também não se identifica com esse, porque, no Direito alemão, o acordo de vontades sobre a transferência do domínio, embora seja essencial, não se estabelece na compra e venda, que é simplesmente obrigacional e encer-ra autêntica promessa de alienar, mas, sim, em um segundo contrato, real pelos efeitos translativos que suscita.

O registro do direito real sobre o imóvel, indicando que é o seu proprie-tário, atendeu a que, se o oficial do registro efetuou a transcrição ou inscrição; se o fez, não encontrou qualquer irregularidade intrínseca ou extrínseca.

Mesmo nos casos de ações divisórias ou demarcatórias, de cunho decla-ratório, a publicidade do registro reside no efeito de oferecer segurança erga omnes.

Ainda registram-se sentenças que, nos inventários e nas partilhas, adjudi-ca-se bens de raiz em pagamento da dívida de herança, caso em que a sentença produz o papel de alienação inter vivos.

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A lei ordena, ainda, que sejam transcritas a arrematação e as adjudica-ções, em hasta pública. Fala-se em vendas judiciais, e não de arrematações que se realizam em leilões privados.

Se à prenotação do título sobrevier a falência ou insolvência do alienante e a transcrição se atrasar por culpa do oficial ou pelo julgamento da improce-dência de dúvida por este levantada, a transcrição subsequente retroage à data em que a apresentação é prenotada em cartório, como se houvesse realizado concomitantemente.

Nos contratos de compra e venda é muito comum as partes pactuarem que a escritura pública de compra e venda só será outorgada ao comprador, após a quitação da última parcela, quando o imóvel for alienado a prazo.

II – OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO DE IMÓVEIS NO BRASIL

O princípio geral dos registros públicos é o da publicidade, pois é por meio do registro que se tornam públicos os atos e fatos nele registrados. O re-gistro público é um sinal exterior que garante os direitos a seus titulares e dá validade e efeitos a eles.

Disse Serpa Lopes (Tratado dos registros públicos, 2ª edição, p. 49 e 50) que o interesse da publicidade no registro imobiliário resulta da necessidade de se lhe dar uma feição equivalente a uma espécie de estado civil do imóvel, assinalando todas as suas mutações e recebendo o contato de todas as circuns-tâncias modificativas, quer inerente à coisa, quer ao direito de seus titulares.

Os princípios que são a base do sistema que rege o registro de imóveis no Brasil são os que seguem:

1. Princípio da inscrição: significa que a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante a inscrição no registro. Ainda que uma transmissão ou oneração de imóveis haja sido estipulada negocialmente entre particulares, na verdade, só se constituirá para produzir o desloca-mento da propriedade ou de direito real do transmitente ao adqui-rente pela inscrição. Assim, a mutação jurídico-real nasce com a inscrição e, por meio desta, se exterioriza a terceiros;

2. Princípios da presunção e da fé pública: pelo sistema brasileiro, o título, per se, não prova o domínio porque a propriedade se adquire pelo registro. A prova do domínio da coisa imóvel se dá com o título de aquisição registrado. Em matéria de aquisição da propriedade imóvel pelo registro, adota-se, como já referenciado, do sistema francês, o princípio de registro à vista de um título, e do sistema germânico o princípio do registro como prova do domínio que, en-

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tretanto, induz uma presunção relativa (iuris tantum), e não abso-luta (iuris et de iure), de propriedade, ficando sempre ressalvada ao verdadeiro dono a prova em contrário. Presume-se pertencente o direito real a quem registrou. De outro, a fé pública, como ensinou Afrânio de Carvalho (Registro de imóveis, 1982, p. 211 e 212), tem sua influência limitada aos negócios jurídicos, aos acordos de von-tades ajustados entre as partes. Assim fala-se que, além de cobrir os negócios jurídicos, a fé pública cinge-se a amparar os direitos que eles conduzem à inscrição, não os fatos carregados simulta-neamente com eles, como a situação geográfica, sua extensão, sua exploração econômica, suas construções e seu preço. Isso porque a fé pública protege a inscrição dos direitos, não dos fatos a ele liga-dos, uma vez que a eventual inexatidão destes não se convalida em favor do titular inscrito por ficar fora do abrigo do princípio;

3. Princípio da prioridade: significa que, em um concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam por uma relação de precedência firmada na ordem cronológica do seu aparecimento, isto é, prior tempore potior iure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição, no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois, como assinalou Nussbaum, em Direito hipotecário (Madrid, 1929, p. 30);

4. Princípio da especialidade: significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individualizado. Este princípio, que é consubstancial ao registro de imóveis, desdobra o seu significado para abranger a individualização obrigatório de todo o imóvel que seja objeto do direito real, a começar pelo de propriedade, pois a inscrição não pode versar sobre todo o patrimônio ou sobre um nú-mero indefinido de imóveis. Toda dívida que seja garantida por um direito real (como, por exemplo, a hipoteca), deve ser objeto desse princípio;

5. Princípio da legalidade: o sistema jurídico brasileiro adota o prin-cípio da legalidade ou legitimidade, em virtude do qual a validade da inscrição depende da validade do negócio jurídico que lhe dá origem e da faculdade de disposição do alienante. Ao passo que o Direito alemão põe esse negócio jurídico na figura de um acordo jurídico real abstrato, por força do qual as partes, perante a auto-ridade, meramente dão o seu consentimento à inscrição, o Direito brasileiro o situa na figura de um acordo jurídico obrigatório, em que as partes dão o seu consentimento a todas as estipulações entre elas ajustadas;

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6. Princípio da continuidade: que se apoia no de especialidade, uma vez que significa que em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidades à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular;

7. Princípio da instância: significa que a ação do registrador deve ser solicitada pela parte ou pela autoridade. Há necessidade de pos-tulação do registro. Caso a autoridade cartorária entenda ser ne-cessário, irá suscitar dúvida, procedimento de jurisdição voluntária, solicitando que o juiz dirima eventual discussão sobre o registro público em torno do qual é objeto.

III – TERMINOLOGIA DO REGISTRO

Registro é um termo genérico que cobre vários termos específicos, utili-zados no registro público, quais sejam: inscrição, averbação e transcrição.

Esses três termos específicos designam, desde a Lei Imperial de 1864, respectivamente, o assento seletivo de declarações ou, por extrato, o assento dependente da existência do anterior, marginal a este, e o assento copiativo das declarações em inteiro teor. Mas, entretanto, como se vê, o terceiro, além de designar a reprodução integral dos documentos, como acontece no Livro Auxi-liar e no Registro de Títulos, costumava ser empregado nas leis civis em lugar do primeiro, como informou Afrânio de Carvalho (obra citada, 3ª edição, p. 108).

Veio a Lei nº 6.015, trazendo a dicotomia no registro de imóveis entre registro e averbação.

Para Afrânio de Carvalho (obra citada, 3ª edição, p. 132), a diferença consiste em que a inscrição existe por si, ao passo que a averbação depende, para existir, de anterior inscrição, visto como se apõe verba a escrita preexisten-te. Ambas cobrem mutações jurídico-reais, mas há distinções. Cabe dizer que a inscrição protege toda aquisição – de propriedade, de direito real e de posição admonitória –, ao passo que a averbação resguarda toda movimentação subse-quente. Em suma, tem-se o que segue:

Inscrição

– Aquisição da propriedade originária ou derivada (transmissão da propriedade);

– Constituição de direito real limitado ou de ônus a ele equiparado (bem de famí-lia, promessa irretratável de venda, etc.);

– Premonição de riscos sobre a propriedade inscrita (arrestos, sequestros, penho-ras, contraditas).

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Averbação:

– Extinção da propriedade por abandono ou renúncia (cancelamento);

– Transmissão de direito real limitado ou de ônus a ele equiparado: cessão de hipoteca, de promessa de venda, contrato de locação com cláusula adjeta de vigência contra o adquirente, de contrato de renovação de locação para fins comerciais, caução de hipoteca, de direito sobre a propriedade;

– Extinção de direito real limitado (cancelamento);

– Modificação do conteúdo do direito de propriedade (construção, reconstrução, demolição) do direito real limitado (prorrogação de hipoteca, alteração da sua taxa de juro, etc.).

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Clipping Jurídico

proposta permite que terras públicas sejam adquiridas por usucapião

A Câmara dos Deputados analisa a Proposta de Emenda à Constituição nº 292/2016, que permite que terras devolutas sejam adquiridas por usucapião – ou seja, pela pos-se prolongada, na forma estabelecida em lei. Terras devolutas são terras públicas sem destinação pelo Poder Público e que em nenhum momento integraram o patrimônio de um particular, ainda que estejam irregularmente sob sua posse. O autor da proposta, deputado Remídio Monai (PR-RR), afirma que hoje o usucapião não resolve os conflitos fundiários, urbanos e rurais, “visto que o instituto jurídico só se aplica às ocupações e posses de terras particulares”. Segundo ele, atualmente as terras devolutas são a maioria absoluta das ocupações e posses, mas não podem ser adquiridas por usucapião. Para o parlamentar, a proposta, se aprovada, “poderá criar um novo norte para a política fundiária, no momento em que assegurará o direito de propriedade aos cidadãos que pacificamente ocupam terras devolutas”. “Essas terras não têm aproveitamento para o Poder Público, mas constituem a única opção de sobrevivência para o posseiro que as torna produtivas”, afirmou ainda o deputado. A admissibilidade da PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Caso aprovada, a proposta será analisada por comissão especial, criada especificamente com essa finalidade. Depois, será votada em dois turnos no Plenário, antes de seguir para o Senado (Íntegra da pro-posta: PEC 292/2016). (Conteúdo extraído do site da Câmara)

Bem de família pode ser penhorado se o devedor tenta burlar cobrança

A Advocacia-Geral da União (AGU) afastou, na Justiça Federal, a impenhorabilidade de bem de família por causa do abuso de direito do devedor. A decisão foi obtida após diversas tentativas de localização de valores para garantir execução fiscal. Em defesa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as procuradorias federais no Tocantins (PF/TO), e junto à autarquia ambiental (PFE/Ibama), conseguiram a penhora de imóvel em nome do executado. Para reverter a decisão, o de-vedor acionou a Justiça para que fosse declarada a impenhorabilidade do bem. Alegava que se trata de seu único imóvel e local de residência e, por isso, seria protegido como bem de família. Entretanto, as unidades da AGU demonstraram que, após a citação na ação de execução, o devedor alienou dois imóveis em 2012 para adquirir somente um, no qual passou a residir para caracterizá-lo como bem de família. De acordo com as procuradorias, as transações foram realizadas com duas finalidades: impedir sua pe-nhora e não pagar o que lhe é cobrado. Nessa situação, que alegaram ser de flagrante má-fé e de abuso de direito pelo devedor, os procuradores federais defenderam que deveria ser afastada a proteção legal da impenhorabilidade do bem de família. A Vara Única da Subseção Judiciária de Gurupi (TO) acolheu os argumentos apresentados pela AGU e manteve a penhora do imóvel. “O executado dissipou seu patrimônio com a indisfarçável finalidade de não pagar o que lhe é cobrado, malferindo o princípio da boa-fé. Deveria o executado ter quitado a dívida com os valores recebidos quando da venda dos aludidos imóveis. Como não a fez, laborou, nessa ocasião, em fraude, e agora em abuso de direito, devendo o seu alegado bem de família ser penhorado”, destacou. O magistrado baseou seu entendimento em diversos precedentes do Superior Tribunal

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de Justiça (STJ). “A proteção (do bem de família) não pode ser utilizada para abarcar atos diversos daqueles previstos na Lei nº 8.009/1990, afastando-se a proteção quan-do verificada a existência de atos fraudulentos ou constatado o abuso de direito pelo devedor que se furta ao adimplemento da sua dívida, sendo inviável a interpretação da norma sem a observância do princípio da boa-fé”, decidiu. A PF/TO e a PFE/Ibama são unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da AGU (Execução Fiscal nº 1229-39.2011.4.01.4302 – Vara Única da Subseção Judiciária de Gurupi/TO). (Conteúdo ex-traído do site da Advocacia-Geral da União)

Suspensas ações que discutem inversão de cláusula penal contra construtora que atrasa entrega de imóvel

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que seja suspensa em todo o País a tramitação dos processos individuais ou coletivos que discutam a possibilidade de inversão, em desfavor da construtora, de cláusula penal estipulada exclusivamente contra o comprador, nos casos de atraso na entrega de imóvel em construção. A de-cisão foi tomada pelo colegiado ao determinar a afetação de dois recursos especiais sobre o assunto para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (art. 1.036 do novo Código de Processo Civil). O relator dos processos é o ministro Luis Felipe Salomão. O tema está cadastrado sob o número 971 no sistema de recursos repetitivos, com a seguinte redação: “Definir acerca da possibilidade ou não de inversão, em desfavor da construtora (fornecedor), da cláusula penal estipulada exclusivamente para o adquirente (consumidor), nos casos de inadimplemento da construtora em virtude de atraso na en-trega de imóvel em construção objeto de contrato ou de promessa de compra e venda. A suspensão do trâmite dos processos não impede a propositura de novas ações ou a celebração de acordos. Em um dos recursos submetidos à análise da seção, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que, nos casos de rescisão contratual em que a mora é da empresa vendedora e o comprador não quer mais cumprir o contrato, não são devidos lucros cessantes, multa moratória ou inversão de cláusula penal compensatória, em razão da distinção e finalidade de cada um desses institutos. Contra o julgamento de segunda instância, o consumidor defende no STJ a possibilidade de inversão da cláusula penal em desfavor da construtora, em virtude de seu inadimplemento ao não entregar o imóvel. O novo Código de Processo Civil (CPC/2015) regula nos arts. 1.036 a 1.041 o julgamento por amostragem, mediante a seleção de recursos especiais que tenham con-trovérsias idênticas. Ao afetar um processo, ou seja, encaminhá-lo para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, os ministros facilitam a solução de demandas que se repe-tem nos Tribunais brasileiros. A possibilidade de aplicar o mesmo entendimento jurídico a diversos processos gera economia de tempo e segurança jurídica. No site do STJ, é possível acessar todos os temas afetados, bem como saber a abrangência das decisões de sobrestamento e as teses jurídicas firmadas nos julgamentos, entre outras informações. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Crime ambiental poderá impedir empresa de receber financiamento oficial

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.186/2016, do deputado Chico D’Angelo (PT-RJ), que proíbe empresas que cometeram crimes ambientais de receberem

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financiamento oficiais de crédito, como os do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES). Atualmente, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) já pune a empresa com suspensão de atividades, interdição temporária do estabelecimento e proibição de contratar com o Poder Público ou receber dele subsídios, subvenções ou doações. “Faltou, a nosso ver, a proibição de receber financiamentos de estabelecimen-tos oficiais de crédito”, afirmou D’Angelo. O projeto também inclui prazo de três anos para proibição de receber financiamento ou de contratar com o Poder Público quando houver reparação integral do dano ambiental. A lei estabelece proibição de dez anos em caso de reparação parcial. A proposta também institui o Cadastro de Crimes contra o Meio Ambiente, a ser administrado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Re-cursos Naturais Renováveis (Ibama). As empresas que cometeram crime ambiental só poderão sair do cadastro se repararem o dano cometido. Segundo D’Angelo, o cadastro ajudará no cumprimento da lei com informações sobre os crimes ambientais e seus agentes facilmente disponíveis ao administrador público. O Ibama poderá emitir uma certidão negativa por crimes ambientais, com validade de 30 dias, enquanto comprova se a empresa fez a reparação. A certidão, incluída na Política Nacional do Meio Ambien-te (Lei nº 6.938/1981), será pré-requisito para as empresas conseguirem financiamento governamental. O texto também inclui a regularidade ambiental como exigência para a empresa participar de licitação. A regularidade será comprovada pela certidão negativa por crimes ambientais. A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993) estabelece cinco exi-gências para participar de licitação como regularidade fiscal e trabalhista e habilitação jurídica, técnica e econômico-financeira. “Consideramos importante que a proibição de contratar com o Poder Público dos condenados por crime ambiental seja explicitada na Lei de Licitações”, disse D’Angelo. A proposta tramita em caráter conclusivo e será ana-lisada pelas Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Finanças e Tributação (inclusive quanto ao mérito); e de Constituição e Justiça e de Cidadania (Íntegra da proposta: PL 5.186/2016). (Conteúdo extraído do site da Câmara)

plenário do STF aprova tese sobre cobrança de ipTU de empresa privada que aluga imóvel público

Na sessão plenária os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram a tese de repercussão geral relativa ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 601720, rea-lizado em 6 de abril último, quando foi afastada a imunidade tributária para cobrança de imposto municipal de terreno público cedido a empresa privada ou de economia mista. A tese, sugerida pelo ministro Marco Aurélio (redator do acórdão), prevê que “incide o IPTU considerado o imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado devedora do tributo”. O recurso foi interposto ao STF pelo Município do Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que garantiu a imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição Federal, à concessionária Barrafor Veículos Ltda., que ocupava um terreno de propriedade da União cedido em contrato de concessão ao lado do Aeroporto de Jacarepaguá, na capital do Estado. O TJRJ entendeu que a imunidade tributária recíproca – que veda aos entes da Federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) cobrar impostos uns dos outros – alcança imóvel de propriedade da União cedido a empresa

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privada para exploração de atividade econômica. No recurso extraordinário, o muni-cípio sustentou que a regra não se aplica quando o imóvel cedido não tem destinação pública, entendimento que foi acolhido pela maioria dos ministros, seguindo o voto do ministro Marco Aurélio. Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin (relator) e Dias Toffoli. Na sequência, os ministros deram continuidade ao julgamento do RE 434251, que trata do mesmo tema, e aplicaram o mesmo entendimento do RE 601720. Em seu voto-vista, a ministra Cármen Lúcia seguiu o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa (aposentado), pelo provimento do recurso interposto pelo Município do Rio de Janeiro. Ela reafirmou que a incidência da imunidade, no caso, não resiste a uma interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, que apontam em sentido con-trário à sua extensão, que favoreceria não o ente federado, mas uma empresa privada. Acompanharam esse entendimento na sessão os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Representantes do governo afirmam que Mp agiliza regularização fundiária

A comissão mista que analisa a Medida Provisória nº 759/2016, que trata da regulari-zação fundiária urbana e rural, promoveu audiência pública com representantes dos Ministérios das Cidades e da Casa Civil, além da Secretaria de Patrimônio da União, que participaram diretamente da elaboração da medida. De modo geral, eles reafirmaram a intenção do governo em simplificar e agilizar os processos de regularização fundiária urbana e rural. A MP 759 abriu a possibilidade de o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) efetuar o pagamento em dinheiro das terras desapropriadas, e não apenas com Títulos da Dívida Agrária (TDAs). O objetivo, segundo o governo, é facilitar a regularização de lotes à medida que a negociação direta diminuiu as deman-das judiciais. O texto também uniformiza as regras de titulação de terras na Amazônia no âmbito do Programa Terra Legal, a fim de impedir atrasos nos programas de assen-tamento, segundo o governo federal. Presente na audiência, o diretor do Departamento de Assuntos Fundiários Urbanos do Ministério das Cidades, Sílvio Figueiredo, explicou que, para essa meta de desburocratização se concretizar, a clareza do conceito de re-gularização foi o ponto fundamental: “Uma das coisas que procuramos modificar foi o conceito da regularização”. A regularização acontece no núcleo que tenha destinação e finalidade urbana, não importa a zona em que ele esteja. Após a regularização, o pre-feito irá fazer o cadastramento e lançar o IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano]. Se estiver grudado à cidade, é uma área urbana; se estiver longe, será uma área de expan-são urbana, assim considerada. “Foi o jeito que achamos para podermos, de uma certa forma, resolver essas questões que estão presentes em nosso País”, explicou. Ainda em relação à regularização urbana, o presidente da comissão mista, deputado Izalci Lucas (PSDB-DF), citou avanços em outros pontos do texto. “Com relação à Reurb [Regulari-zação Fundiária Urbana] específica, eu espero que, no texto do relatório, a gente possa contemplar, primeiro, os ocupantes que não construíram, para que eles tenham o mesmo direito de quem construiu. Até porque eles contribuíram com as benfeitorias do núcleo urbano de loteamento. Acho que também já entramos em acordo quanto à questão do preço para que, no caso urbano, seja considerada também a valorização da benfeitoria

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no empreendimento, para que tenha um preço justo”, disse. Já o Ministério do Meio Am-biente, que não participou da elaboração da medida provisória, sugeriu alguns ajustes, a fim de garantir a visão socioambiental e o combate ao desmatamento, sobretudo na regularização fundiária rural. O secretário de extrativismo do Ministério, Mauro Pires, defendeu o aperfeiçoamento do Programa Bolsa Verde, criado para incentivar a per-manência das populações tradicionais nas áreas prioritárias de conservação ambiental. O programa paga R$ 300,00 a cada três meses a famílias que ajudem a preservar o meio ambiente em assentamentos da reforma agrária ou áreas próximas a unidades de conservação de uso sustentável. “Fizemos a sugestão no sentido de aprimorar a legisla-ção desse programa, de modo a permitir que o reajuste desse valor, em vez de ser por lei, possa ser, como acontece no Programa Bolsa Família, reajustado mediante decreto presidencial, portanto, mediante regulamento. Isso tornaria esse processo mais rápido”, argumentou. A sugestão do Ministério do Meio Ambiente foi transformada em emen-da apresentada pela deputada Leandre (PV-PR). O relator da comissão mista, senador Romero Jucá (PMDB-RR), vai receber sugestões sobre a medida provisória até o dia 20. O deputado Izalci já anunciou que colocará o relatório em votação no dia 25. (Conteúdo extraído do site da Câmara)

Senador critica liberação de compra de terras por estrangeiros

A proposta do governo que libera a compra de terras por estrangeiros é uma afronta ao interesse nacional, afirmou, em Plenário, o senador Jorge Viana (PT-AC). Segundo Viana, a Casa Civil teria acabado de finalizar um projeto de lei com esse objetivo. A proposta do governo, que deve ser encaminhada ao Congresso Nacional, libera a compra e o arren-damento de terras por empresas com controle estrangeiro, sem estipular limite de área. O senador quer ouvir representantes do governo em um debate nas Comissões de Meio Ambiente (CMA) e Relações Exteriores (CRE). “É uma afronta ao interesse nacional. Ela [a proposta] autoriza que um estrangeiro bilionário se torne dono de 25% do território de um município”, criticou. (Conteúdo extraído do site do Senado)

Fechamento da Edição: 09�06�2017

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

assunto

Ações PossessóriAs – Novo CPC

•Ações Possessórias no Novo CPC (Mateus Sobrinho) .............................................................58

•A Distorcida Proteção Possessória no Novo CPC (Eulâmpio Rodrigues Filho) ..................................33

•A Posse e as Ações Possessórias no CPC/2015 (Alessandro Allef da Silva) ...................................39

•Comentários Gerais à Sistemática das Ações Possessórias no Novo CPC (Juliana Sales Barket) ............................................................................60

•Das Ações Possessórias – Lei nº 13105 de 2015 (Ailton Nossa Mendonça e RosemarySamartino Herran) ...............................................48

•O Novo Código de Processo Civil e as Ações Possessórias – Novas Perspectivas para os Con-flitos Fundiários Coletivos? (Cláudio Oliveira de Carvalho e Raoni Rodrigues) ................................13

•Os Conflitos Coletivos pela Posse de Imóveisno Novo CPC (Fernando da Fonseca Gajardoni) ....9

autor

AiltoN NossA meNDoNçA e rosemAry sAmArtiNo HerrAN

•Das Ações Possessórias – Lei nº 13105 de 2015 ....48

AlessANDro Allef DA silvA

•A Posse e as Ações Possessórias no CPC/2015 .....39

CláuDio oliveirA De CArvAlHo e rAoNi roDrigues

•O Novo Código de Processo Civil e as Ações Possessórias – Novas Perspectivas para os Con-flitos Fundiários Coletivos? ..................................13

eulâmPio roDrigues filHo

•A Distorcida Proteção Possessória no Novo CPC ...33

ferNANDo DA foNseCA gAJArDoNi

•Os Conflitos Coletivos pela Posse de Imóveis no Novo CPC ........................................................9

JuliANA sAles BArket

•Comentários Gerais à Sistemática das Ações Possessórias no Novo CPC ...................................60

mAteus soBriNHo

•Ações Possessórias no Novo CPC ........................58

rAoNi roDrigues e CláuDio oliveirA De CArvAlHo

•O Novo Código de Processo Civil e as Ações Possessórias – Novas Perspectivas para os Con-flitos Fundiários Coletivos? ..................................13

rosemAry sAmArtiNo HerrAN e AiltoN NossA meNDoNçA

•Das Ações Possessórias – Lei nº 13105 de 2015 ....48

Índice Geral

DOUTRINAS

assunto

AlieNAção fiDuCiáriA

•Considerações a Respeito da Alienação Fidu-ciária Frente à Hipoteca (Giselle Leite Franklin) ... 105

CoNDomíNio

•Atividade Comercial Dentro de Condomínios Residenciais (Rodrigo Karpat) ..............................63

itBi

•Comprovação do Recolhimento do ITBI: perante o Tabelionato de Notas ou do Registro de Imó-veis? (Maurício Barroso Guedes) ..........................84

PresCrição

•A Prescrição e a Ação de Rescisão de Compro-misso de Venda e Compra (Sabrina Berardocco) ............................................................................66

autor

giselle leite frANkliN

•Considerações a Respeito da Alienação Fidu-ciária Frente à Hipoteca .....................................105

mAuríCio BArroso gueDes

•Comprovação do Recolhimento do ITBI: pe-rante o Tabelionato de Notas ou do Registro de Imóveis? ..........................................................84

roDrigo kArPAt

•Atividade Comercial Dentro de CondomíniosResidenciais .........................................................63

sABriNA BerArDoCCo

•A Prescrição e a Ação de Rescisão de Compro-misso de Venda e Compra ...................................66

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������231 ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

assunto

CoNDomíNio

•Agravo interno no recurso especial – Ação de indenização – Furto em condomínio comercial – Falha no sistema de segurança fornecido por empresa contratada pelo condomínio – Respon-sabilidade solidária – Prova dos danos emer-gentes e lucros cessantes – Reexame de provas – Impossibilidade – Recurso não provido (STJ) ................................................................2642, 112

DesAProPriAção

•Recurso especial – Desapropriação indireta – Prescrição – Direito real – Prescrição vinte-nária – Súmula nº 119/STJ – Código Civil de 2002 – Art. 1.238, parágrafo único – Prescrição decenal – Redução do prazo – Regra de tran-sição (STJ) ................................................2644, 126

DesPeJo

•Civil e empresarial – Ação de despejo – recu-peração extrajudicial – Retomada de imóvel locado – Inadimplemento contratual – Suspen-são prevista no art. 6º da Lei nº 11.101/2005 – Não aplicação – Bem de capital essencial – Não configuração – Recurso conhecido e nãoprovido (TJDFT) .......................................2646, 142

imóvel

•Apelação cível – Ação ordinária – Atraso na entrega do imóvel – Caso fortuito ou força maior – Não comprovados – Danos morais de-vidos – Quantum (TJMG) .........................2647, 149

loCAção

•Agravo de instrumento – Consumidor – Prova pericial que apurou o valor de aluguel do imó-vel objeto da lide, a fim de liquidar os lucros cessantes no período compreendido entre o 181º dia após o prazo previsto para entrega das chaves e o dia da rescisão do contrato pela sen-tença – Perícia que se baseou em anúncios de imóveis para locação não condizentes com o imóvel objeto da lide, incluindo ainda no soma-tório do saldo devedor valores já quitados pela ré a título de indenização por danos morais, rescisão contratual e honorários de sucumbên-cia – necessidade de elaboração de novo laudo pericial pelo perito designado nos autos, para que refaça os cálculos, excluindo do somatório do saldo devedor os valores já quitados pela ré, bem como para que apure os lucros cessantes com base nos anúncios apresentados pela ré re-ferentes a imóveis de mesmo padrão, a contratos de aluguel de outros imóveis situados no mesmo condomínio onde se situa o imóvel adquirido

pelo autor, bem como em outros anúncios imo-biliários de imóveis similares – Recurso a que se dá parcial provimento (TJRJ) ....................2649, 166

Posse

•Apelação cível – Embargos de terceiro – Posse e propriedade de imóvel registrado em nome de pessoa demandada em execução – Pro-cedência em primeiro grau – Recurso da exe-quente-embargada – Legitimidade para opor os embargos presente – Requisitos do art. 1.046 do CPC de 1973, vigente à época, cumpridos pela embargante – Ausência de averbação no registro de imóveis de contrato de compra e venda – desnecessidade – Súmula nº 84 do STJ – Ausência de prova da posse ou propriedade do imóvel – Transferência da fração do imó-vel penhorado comprovada através da prova documental e testemunhal coligida nos autos – Ônus cumprido pela embargante – Art. 373 do CPC de 2015 – Provas não impugnadas em primeiro grau – Negócio realizado em data anterior à constrição judicial – inexistência de prova da má-fé – Sentença mantida – Recurso conhecido e desprovido (TJSC) ................2651, 184

PresCrição

•Apelação cível e reexame necessário – Ação ordinária de indenização por desapropriação indireta – Prescrição – Inocorrência – Valor da justa indenização apurado em laudo pericial idôneo – Juros compensatórios corretamente ar-bitrados – Remuneração pelo capital que o ex-propriado deixou de auferir em razão da perda antecipada do imóvel – juros moratórios – Ter-mo inicial – Primeiro dia do exercício seguinte àquele em que deveria ter ocorrido o pagamen-to – honorários advocatícios fixados adequada-mente, conforme art. 27, § 1º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 – Recurso não provido e sentença mantida em sede de reexame necessário (TJPR) ................................................................2648, 155

PromessA De ComPrA e veNDA

•Apelação cível – Promessa de compra e venda de imóvel – Loteamento dois irmãos – Fase 3 – Porto Alegre – Demanda movida por adqui-rente de lote em face da associação de mora-dores que promoveu a venda, da proprietária registral (CCI) e das empresas adquirentes das áreas (Habitasul e Sopal) – Pretensão de imposi-ção de obrigação de fazer para a conclusão do loteamento e entrega do lote, e, sucessivamen-te, de resolução contratual, com indenização de perdas e danos – Sentença que reconheceu a legitimidade passiva apenas da associaçãode moradores – recurso do autor (TJRS) ...2650, 170

reformA AgráriA

•Agravo de instrumento – Reforma agrária – Incra – Reintegração de posse – Esbulho por 13 anos

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232 ������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

– Liminar indeferida – inexistência dos requisi-tos do art. 273 do CPC – Antecipação de tutela – Decisão não teratológica – Livre convenci-mento motivado do juiz – Recurso improvido(TRF 2ª R.) ...............................................2645, 134

registro

•Registro de imóveis (TJSP) ........................2652, 191

usufruto

•Conflito de competência – Processual ci-vil – Usufruto vitalício de imóvel – Direito de administração e percepção dos frutos – ação pessoal – Competência do foro do domicíliodo réu (STJ) ..............................................2643, 119

EMENTÁRIO

assunto

Ação De APreeNsão

•Ação de apreensão e depósito – contrato de venda a crédito de bem móvel – cláusula de re-serva de domínio – mora do comprador – com-provação .................................................2653, 195

Ação De CoBrANçA

•Ação de cobrança – compra e venda de imóvel – serviços de corretagem .........................2654, 195

•Ação de cobrança – contrato de compra e venda de imóvel – reconsideração da decisão monocrática – saldo residual – correção – perio-dicidade anual .........................................2655, 196

Ação De NuNCiAção De oBrA NovA

•Ação de nunciação de obra nova – obrigação de fazer – demolição de imóvel – astreintes ................................................................2656, 196

Ação De revisão

•Ação de revisão contratual c/c indenização por danos morais – atraso na entrega de imóvel ................................................................2657, 197

Ação orDiNáriA

•Ação ordinária – arras e comissão de correta-gem – devolução .....................................2658, 197

Ação reiviNDiCAtóriA

•Ação reivindicatória – existência de escritura pública de demarcação – alteração da linha divisória originalmente definida – titularida-de do domínio do autor – individualização daárea .........................................................2659, 197

Ação revisioNAl

•Ação revisional – aluguel – valor equidistante– ônus da sucumbência ...........................2660, 198

ArremAtAção

•Arrematação de imóvel em hasta pública – dí-vidas condominiais – necessidade de previ-são no edital da praça – honorários advoca-tícios ........................................................2661, 198

ComPrA e veNDA

•Compra e venda – bem imóvel para entrega futura – comissão de corretagem e taxa Sati ................................................................2662, 198

•Compra e venda de imóvel – comissão de cor-retagem – dever de informação – responsabili-dade pelo pagamento ..............................2663, 199

ComPromisso De ComPrA e veNDA

•Compromisso de compra e venda de bem imóvel – cooperativa – atraso injustificado naentrega ....................................................2664, 199

CoNDomíNio

•Condomínio – taxa de cobrança – prazo pres-cricional ..................................................2665, 199

DANo mAteriAl

•Danos materiais e morais – indenização – atra-so na entrega de unidade imobiliária – lucroscessantes .................................................2666, 201

DesAProPriAção

•Desapropriação – execução judicial – reco-lhimento de custas ...................................2667, 202

•Desapropriação – levantamento de quantia –oitiva da parte expropriante .....................2668, 202

•Desapropriação indireta – prescrição – direitoreal ..........................................................2669, 202

•Desapropriação por interesse social – reforma agrária – indenização ..............................2670, 203

DesPeJo

•Despejo – empresa em recuperação judicial – sujeição ao juízo natural ..........................2671, 203

Direito De viziNHANçA

•Direito de vizinhança – ação de indenização por danos materiais e morais – legitimidade ................................................................2672, 204

•Direito de vizinhança – imóvel – encravamen-to – relativização – servidão de passagem – di-reito real ..................................................2673, 206

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RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������233 •Direito de vizinhança – muro – construção –

responsabilidade dos lindeiros – gastos....2674, 207

•Direito de vizinhança – reparação de danos ma-teriais e morais – alegação de danos em imó-vel causados por construção de prédio no lotevizinho – nexo de causalidade .................2675, 207

exCeção De iNComPetêNCiA

•Exceção de incompetência – ação de reintegra-ção de posse – imóvel funcional – alegação de conexão entre a demanda possessória e aquelaque se pretende anular ............................2676, 207

exeCução

•Execução de astreintes – impugnação – multa fixada em cumprimento de sentença de homo-logação de acordo de alimentos – entrega debem imóvel – obrigação incerta ...............2677, 208

fiNANCiAmeNto

•Financiamento – imóvel na planta – taxa de construção – juros – período previsto no con-trato – legalidade – atraso na entrega – cobran-ça indevida ..............................................2678, 209

frAuDe à exeCução

•Fraude à execução fiscal – incorporação do imóvel ao patrimônio do município – meio ori-ginário de aquisição da propriedade ........2679, 210

HiPoteCA

•Hipoteca – levantamento – financiamento ha-bitacional – SFH – FCVS – cessionário – “con-trato de gaveta” – legitimidade ativa ........2680, 210

loCAção

•Locação – ciência da locatária quanto à aqui-sição do imóvel por terceiro – pagamento aoantigo proprietário ...................................2681, 210

•Locação – fiança – prorrogação – entrega daschaves .....................................................2682, 211

NuNCiAção De oBrA NovA

•Nunciação de obra nova – direito de vizinhan-ça – inexistência de afronta .....................2683, 212

PeNHorA

•Penhora – bem de família – execução de títu-lo extrajudicial – garantia em favor de terceiro ................................................................2684, 212

•Penhora – bens suficientes para garantir os dé-bitos executados – certidão positiva de débi-tos com efeito de negativa – expedição ...2685, 212

Posse

•Posse – ação de reintegração – contrato de ar-rendamento mercantil de veículo ............2686, 213

PromessA De ComPrA e veNDA

•Promessa de compra e venda – contrato parti-cular – inadimplemento contratual – atraso naentrega de imóvel – multa moratória .......2687, 213

•Promessa de compra e venda de imóvel – dis-trato – estipulação de restituição de 50% dosvalores pagos ...........................................2688, 213

•Promessa de compra e venda de imóvel – hipo-teca – ausência de especificação do dispositivode lei federal violado – contrariedade ......2689, 215

seguro

•Seguro habitacional – FCVS – substabelecimen-to com assinatura digitalizada ou “escaneada”– diferença ...............................................2690, 216

•Seguro habitacional – manifestação de interesse jurídico da Caixa Econômica Federal – com-petência da Justiça Federal ......................2691, 216

sfH

•SFH – ação cautelar – acordo homologa-do nos autos da ação principal – perda doobjeto ......................................................2692, 216

•SFH – invalidez permanente – mutuário – se-guro – cobertura – prescrição – prazo ......2693, 216

•SFH – seguro habitacional – contrato de fi-nanciamento habitacional – prescrição ânua ................................................................2694, 217

título extrAJuDiCiAl

•Título extrajudicial – execução – contrato delocação de imóvel residencial .................2695, 217

Seção Especial

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

assunto

registro

•Princípios e Terminologia do Registro de Imó-veis (Rogério Tadeu Romano) ............................218

autor

rogério tADeu romANo

•Princípios e Terminologia do Registro de Imóveis ..........................................................................218

CLIPPING JURÍDICO

•Bem de família pode ser penhorado se o deve-dor tenta burlar cobrança ..................................225

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234 ������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDI Nº 39 – Maio-Jun/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Crime ambiental poderá impedir empresa de re-ceber financiamento oficial ...............................226

•Plenário do STF aprova tese sobre cobrança de IPTU de empresa privada que aluga imóvelpúblico ..............................................................227

•Proposta permite que terras públicas sejam ad-quiridas por usucapião ......................................225

•Representantes do governo afirmam que MP agiliza regularização fundiária ...........................228

•Senador critica liberação de compra de terraspor estrangeiros .................................................229

•Suspensas ações que discutem inversão de cláusula penal contra construtora que atrasa en-trega de imóvel ..................................................226