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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO V – Nº 27 – OUT-NOV 2015 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes COMITÊ TÉCNICO Alexandre Ramalho Miranda Caroline Nogueira Accioly Leonardo Schmitt De Bem COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Affonso Samuel Sala, João Luiz de Amuedo Avelar, Jorge Luiz Souto Maior, Leila Cristina Calasans Barreto Santos, Leonardo de Oliveira Maximo, Leonardo Schmitt De Bem, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Lucas Tadeu de Aguiar Ottoni, Luciano de Campos Prado Motta, Martinho Neves Miranda, Regis Fernando Freitas da Silva, Victor Emanuel Bertoldo Teixeira ISSN 2236-9414

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Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano V – nº 27 – out-noV 2015

Diretor executiVoElton José Donato

Gerente eDitoriAl e De consultoriAEliane Beltramini

coorDenADor eDitoriAlCristiano Basaglia

eDitorAValdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conselho eDitoriAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos Paes

comitê técnico

Alexandre Ramalho MirandaCaroline Nogueira AcciolyLeonardo Schmitt De Bem

colAborADores DestA eDiçãoAffonso Samuel Sala, João Luiz de Amuedo Avelar, Jorge Luiz Souto Maior, Leila Cristina Calasans Barreto Santos,

Leonardo de Oliveira Maximo, Leonardo Schmitt De Bem, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Lucas Tadeu de Aguiar Ottoni, Luciano de Campos Prado Motta, Martinho Neves Miranda, Regis Fernando Freitas da Silva, Victor Emanuel Bertoldo Teixeira

ISSN 2236-9414

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 5, n. 27 (out./nov. 2015)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo escolhemos como Assunto Especial o tema “O Trabalho Voluntário e as Olimpíadas de 2016”, com a publicação de um artigo de autoria dos Drs. Jorge Luiz Souto Maior e Victor Emanuel Bertoldo Teixeira.

Os autores analisaram que “o trabalho voluntário na organiza-ção dos Jogos de 2016 também está inserido em medidas excepcionais. Além dos 65.000 trabalhadores de empresas contratadas, o COI preten-de contratar 7.000 e ainda utilizar 70.000 sob o regime de voluntariado, destes 45.000 atuarão nas Olimpíadas e 25.000 nas Paraolimpíadas.”

Já na Parte Geral desta edição, publicamos diversos Acórdãos na Íntegra, Clipping Jurídico e Seções Especiais.

Na Seção de Doutrinas, levamos a você um vasto conteúdo de doutrinas com excelentes estudos de autoria de Leonardo Schmitt De Bem, Louis Augusto Dolabela Irrthum e Luciano de Campos Prado Motta, Regis Fernando Freitas da Silva, Affonso Samuel Sala, Leila Cristina Calasans Barreto Santos e Leonardo de Oliveira Maximo.

Nas Seções Especiais publicadas, destacamos a Seção Especial de-nominada “De Frente para o Gol”, com um artigo da lavra do Dr. Martinho Neves Miranda intitulado “A FIFA, o FBI e o Monstro da Corrupção: Não Basta Punir”; e a Seção “Prática Processual”, com uma peça redigida pe-los Drs. João Luiz de Amuedo Avelar e Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni.

Por fim, desejamos a você uma excelente leitura!

Eliane Beltramini

Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .......................................................................... 7

Assunto EspecialO TrabalhO VOlunTáriO e as Olimpíadas de 2016

dOuTrina

1. Trabalho Voluntário na Organização das Olimpíadas e Paraolimpíadas do Comitê Olímpico InternacionalJorge Luiz Souto Maior e Victor Emanuel Bertoldo Teixeira ............................ 9

Parte GeraldOuTrinas

1. O Conceito de Doping e o Princípio da LegalidadeLeonardo Schmitt De Bem ............................................................................ 22

2. Aumentos (In)Justificados dos Preços de Ingressos pelos Clubes de FutebolLouis Augusto Dolabela Irrthum e Luciano de Campos Prado Motta ............. 27

3. Considerações sobre a Aplicação do Princípio da Consunção no Direito DesportivoRegis Fernando Freitas da Silva ..................................................................... 46

4. Contrato de Licença de Uso de Imagem de Atleta Profissional de FutebolAffonso Samuel Sala ..................................................................................... 54

5. A Importância do Seguro para o Atleta, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil das Entidades DesportivasLeila Cristina Calasans Barreto Santos ........................................................... 78

6. Cláusula Indenizatória Desportiva na Hipótese de Dispensa de Atleta de Futebol por Justa Causa: da Lei Pelé ao Projeto de Lei do Senado nº 109/2014Leonardo de Oliveira Maximo ...................................................................... 97

Jurisprudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Superior do Trabalho .................................................................... 1122. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região ............................................. 1443. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ...................................................... 1574. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ................................................. 1665. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina .......................................... 169

ementário

1. Administrativo e Constitucional .................................................................. 1742. Civil ............................................................................................................ 1763. Penal .......................................................................................................... 1814. Previdenciário ............................................................................................. 183

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5. Trabalhista .................................................................................................. 1866. Tributário .................................................................................................... 196

Seção Especialde FrenTe para O GOl

1. A FIFA, o FBI e o Monstro da Corrupção: Não Basta PunirMartinho Neves Miranda ............................................................................ 198

práTica prOcessual

1. Recurso Voluntário com Pedido de Efeito SuspensivoJoão Luiz de Amuedo Avelar e Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni .................. 201

Clipping Jurídico ................................................................................................... 209

Bibliografia Complementar ....................................................................................... 213

Índice Alfabético e Remissivo ................................................................................... 214

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços ele-trônicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/ca-dastrodeautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

O Trabalho Voluntário e as Olimpíadas de 2016

Trabalho Voluntário na Organização das Olimpíadas e Paraolimpíadas1 do Comitê Olímpico Internacional

JORGE LUIZ SOUTO MAIORJuiz do Trabalho, Titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, Professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP.

VICTOR EMANUEL BERTOLDO TEIXEIRAAssistente Jurídico em Gabinete de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A agenda dos megaeventos no Brasil não se esgotou em 13 de julho de 2014, data do encerramento da Copa do Mundo da Fifa2 no novo estádio do Maracanã. A partir de 5 de agosto 2016, no mesmo Rio de Janeiro, onde os alemães ergueram a taça, está prevista a entrega de medalhas para os vencedores das diversas modalidades esportivas disputadas nas Olimpíadas e Paraolimpíadas do Comitê Olímpico Inter-nacional (COI)3.

Assim, na linha dos estudos realizados pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital4, este artigo possui o intuito de explicitar como o trabalho voluntário planejado para os Jogos de 2016 opera na lógica do estado de exceção permanente, que envolve os aludidos eventos.

Em primeiro lugar, não se pode perder de vista a tendência mun-dial de crítica à expansão dos espaços privados dos mercados em detri-

1 Adotaremos as expressões “Paraolimpíadas” e “Jogos Paraolímpicos”, porque “paralímpico”, utilizada pela organização dos jogos e acolhida por parte da Imprensa Brasileira, consiste em grosseira tentativa de aproximar a grafia em português daquela em inglês (paralympic), conforme ensinado por Pasquale Cipro Neto (Paralímpico? Haja bobagem e submissão! Folha de São Paulo. São Paulo, 6 set. 2012. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/64838-paralimpico-haja-bobagem-e-submissao.shtml>. Acesso em: 2 nov. 2014).

2 Fédération Internationale de Football Association.3 International Olympic Committee.4 Vinculado ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo.

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mento do espaço público e dos serviços públicos, aliada ao funciona-mento autoritário do poder político5.

Tais sintomas podem ser tidos como consequências do que Gilberto Bercovici chama de estado de exceção econômico permanen-te, no qual a razão do mercado é a razão do Estado. Assim, impõe-se a adaptação do direito interno aos imperativos neoliberais do capital financeiro, por meio da diminuição das possibilidades de interferência popular, bem como da limitação dos direitos da população em geral para garantir a propriedade privada e acumulação capitalista6.

No mais, ocorre a erosão da autoridade pública, despolitização das relações econômicas e redução da vida democrática ao mínimo. Afi-nal, o mercado acaba por tomar decisões políticas fundamentais todos os dias, independentemente da vontade popular, em um momento de fragilidade de sindicatos, partidos políticos e até do próprio parlamento7.

Desse modo, ainda segundo Gilberto Bercovici, as constituições democráticas e sociais encaram barreiras a sua concretização, pois seus princípios são constantemente suspensos e violados para que o capita-lismo seja garantido8.

Também nessa linha, Giorgio Agamben acredita que o estado de exceção passa a ser, na realidade contemporânea, o paradigma de go-verno, inclusive naqueles tidos por democráticos, ainda que não haja sua declaração no sentido técnico. Assim, sob o pretexto de se aplicar o direito, o aspecto normativo deste é aniquilado por uma violência gover-namental que ignora o direito internacional no âmbito externo e instala um estado de exceção permanente no âmbito interno9.

Estas ponderações se inserem no âmbito do conceito de estado de exceção traçado pelo pensador italiano, segundo o qual tal figura re-presenta a abertura de uma separação entre a realidade e a lei em vigor. Assim, a norma não se aplica, ficando suspensa, para, em tese, garantir

5 ŽIŽEK, Slavoj. Problemas no Paraíso. Trad. Nathalia Gonzaga. In: Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013. p. 104.

6 Constituição e estado de exceção permanente: atualidade de Weimar. 2. ed. Rio de Janeiro: Azougue, 2012. p. 106-108.

7 Idem, p. 109-111.8 Idem, p. 118-119.9 O estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2004. p. 13 e 131

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sua existência e aplicação na situação de normalidade, sendo que, por outro lado, atos sem valor de lei adquirem essa força10.

Pois bem, os megaeventos não fogem a esta lógica, servindo estra-tegicamente para reforçar o posicionamento do Brasil como bom lugar para investimentos, em um contexto de proliferação de empreendimen-tos imobiliários de alto padrão nas proximidades dos complexos esporti-vos. Ocorre, ao mesmo tempo, a expulsão da população mais pobre, por meio da remoção violenta ou decorrente da valorização imobiliária11.

Por exemplo, na Vila Autódromo, onde há décadas residem cen-tenas de famílias, estas darão lugar às obras do Parque Olímpico, que, por sua vez, depois dos Jogos, irá se tornar um empreendimento imobi-liário12.

Recorde-se que, segundo Raquel Rolnik, os procedimentos ado-tados durante as remoções para os megaeventos não correspondem àqueles determinados pelo marco internacional dos direitos humanos. Desrespeita-se o direito de informação, participação e assistência dos atingidos, além de as compensações financeiras serem insuficientes, sendo certo ainda que os reassentamentos ocorrem em locais distantes, com prejuízo ao acesso à rede de subsistência das pessoas13.

Em relação às contas governamentais, não se pode olvidar que, no plano federal, a Lei nº 12.780/2013 garante isenções fiscais bilionárias14. Há também dispensa de tributos estaduais15 e municipais16. De outra parte, em julho de 2014 já estavam previstos gastos públicos da ordem de 2,30 bilhões tão somente para projetos associados exclusivamente à

10 Idem, p. 48-49 e 61-63.11 FERREIRA,JoãoSetteWhitaker.Apresentação:Umteatromilionário.In:Brasil em jogo: o que fica da Copa

e das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2014. p. 12-13.12 MAGALHÃES,LuizErnesto.Consórcio lideradopelaOdebrechtvence licitaçãoparaoparqueOlímpico.O

Globo. Rio de Janeiro, 5 mar. 2012. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/consorcio-liderado-pela-odebrecht-vence-licitacao-para-parque-olimpico-4220966>. Acesso em: 2 nov. 2014.

13 Megaeventos: direito à moradia em cidades à venda. In: Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2014. p. 69.

14 OLIVEIRA, José Carlos. MP terá dispositivo para evitar abusos com isenções para organizadores dasOlimpíadas. Agência Câmara Notícias. Brasília, 7 dez. 2012. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/esportes/429582-mp-tera-dispositivo-para-evitar-abusos-com-isencoes-para-organizadores-das-olimpiadas.html>. Acesso em: 2 nov. 2014.

15 Leinº6.423/2013eResoluçãonº293/2010daSecretariadeEstadodaFazendadoRiodeJaneiro.16 Lei nº 5.230/2010.

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organização e à realização do evento (pertencentes à chamada Matriz de Responsabilidades), como os centros esportivos17.

Pois bem, o trabalho voluntário na organização dos Jogos de 2016, como se verá, também está inserido nestas medidas excepcionais.

Além dos 65.000 trabalhadores de empresas contratadas, o COI pretende contratar 7.000 e ainda utilizar 70.000 sob o regime de volun-tariado, destes 45.000 atuarão nas Olimpíadas e 25.000 nas Paraolim-píadas18.

Segundo o site da própria organização (http://www.rio2016.com/voluntarios/), o processo seletivo envolve diversas etapas, iniciadas em outubro de 2014, e que culminam com o recebimento das credenciais somente em julho de 2016. Durante esse período (chamado de Jornada do Voluntário), os candidatos, que deverão possuir 18 anos completos até fevereiro de 2016, passarão por entrevista e treinamentos, virtuais e presenciais, inclusive com participação nos eventos-teste19, assim como verificação de antecedentes criminais.

Em alguns casos, os treinamentos poderão corresponder a três dias, sendo exigidos ao menos 10 dias de trabalho na época dos Jogos, com folgas dependendo da função a ser desempenhada. Não se localizou de-claração oficial a respeito da jornada de trabalho, mas cabe recordar que ela era de 10 horas por dia nos Jogos de Londres em 201220. Alerta-se também que a organização não confere abono por faltas, sugerindo-se o planejamento para que a pessoa esteja em gozo de férias ou licença de sua ocupação habitual.

17 Autoridade Pública Olímpica. APO divulga atualização da Matriz de Responsabilidades dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos RIO 2016. Rio de Janeiro, 29 jul. 2014. Disponível em: <http://www.apo.gov.br/wp-content/uploads/2014/07/ReleaseMatriz9.docx>. Acesso em: 2 nov. 2014.

18 ROMAR,Juliana.Rio2016abreinscriçõesparaProgramadeVoluntários.PrefeituradoRiodeJaneiro.RiodeJaneiro, 28 ago. 2014. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=4927148>. Acessoem:2nov.2014.Informaçõesobtidastambémnopróprioendereçoeletrônicodasorganizaçõesdosjogos: <http://www.rio2016.com/jogo-aberto/perguntas>. Acesso em: 2 nov. 2014.

19 Já estão programados 45 eventos-teste (Autoridade Pública Olímpica. Rio terá 45 eventos-teste paraOlimpíadas. Rio de Janeiro, 8 ago. 2014. Disponível em: <http://www.apo.gov.br/index.php/rio-tera-45-eventos-teste-para-a-olimpiada-2/>. Acesso em: 2 nov. 2014).

20 GIBSON,Megan.OlympicVolunteersAreEarningThe“GamesMakers”Title.Time.Londres,8ago.2012.Disponível em: <http://olympics.time.com/2012/08/08/olympic-volunteers-are-earning-the-games-makers-title/>. Acesso em: 2 nov. 2014.

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Além do uniforme, fabricado na China21, e de treinamento virtual de idiomas, os ditos voluntários receberão brindes exclusivos, alimen-tação nos dias de trabalho, transporte na região metropolitana da capi-tal fluminense e certificado de participação. Não serão disponibilizados acomodação e transporte durante o processo seletivo e a atuação para aqueles que não morem na cidade dos Jogos. Ressalte-se ainda que não haverá credencial especial ou ingressos para que eles assistam às com-petições.

As atividades serão realizadas na cidade do Rio de Janeiro, inclusi-ve em seus aeroportos, e nas cidades específicas do futebol – São Paulo, Brasília, Salvador e Belo Horizonte.

Ademais, existe uma enorme gama de afazeres a serem desenvol-vidos em inúmeros segmentos. Vejamos de modo resumido: (a) recep-ção e assistência nas instalações, Vila dos Atletas, aeroportos, centros de imprensa, bem como auxílio na recepção, transporte, recreação, aco-modação das delegações na Vila Olímpica; (b) orientação do público, organização de filas, controle de ingressos e credenciais, bem como acompanhamento de portadores de necessidades especiais; (c) assis-tência a patrocinadores e parceiros; (d) distribuição, manuseio, suporte, manutenção de equipamentos esportivos, na área de competição e em locais de treinamento; (e) apoio operacional, administrativo e logístico nos eventos oficiais, programas culturais e competições; (f) produção de conteúdo para canais de comunicação, auxílio na coordenação das conferências de imprensa e atuação na zona mista; (g) divulgação dos resultados das competições aos profissionais da imprensa; (h) contro-le e distribuição de uniformes, bem como de itens de engajamento; (i) controle das escalas de trabalho; (j) auxílio na produção de credenciais; (k) suporte à logística e ao protocolo das cerimônias de abertura e encer-ramento, até mesmo auxiliando cabeleireiros, maquiadores, figurinistas, além de atuação na cenografia e nos bastidores; (l) auxílio na premiação, inclusive carregando medalhas e flores, assim como acompanhando os atletas entre a área de espera e o pódio; (m) participação no elenco das cerimônias; (n) acompanhamento, até mesmo servindo como intérprete, dos atletas e dos integrantes das delegações durante os Jogos; (o) assistên-

21 LANCEPRESS.UniformedevoluntáriosdaOlimpíadasdoRioserãofeitosnaChina.FolhadeSãoPaulo.SãoPaulo, 22 out. 2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2014/10/1536419-uniformes-de-voluntarios-da-olimpiada-do-rio-serao-feitos-na-china.shtml>. Acesso em: 2 nov. 2014.

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14 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 27 – Out-Nov/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

cia médica aos atletas, com consultas agendadas e emergenciais, além de atendimento odontológico; (p) controle, armazenamento e transpor-te de produtos farmacológicos; (q) realização de serviços antidoping; (r) suporte técnico para serviços de informação; (s) operação de placares e de rádios portáteis, além da atuação nas estatísticas dos resultados das competições; (t) condução de veículos leves entre as regiões de compe-tições; (u) gerenciamento do volume de pessoas nos transportes oficiais dos Jogos e auxílio na atualização de informações do fluxo de veículos, bem como do sistema de monitoramento de transporte; (v) prestação de informações sobre as rotas de transportes e seus horários; (x) seleção dos próprios voluntários22.

Não é por outro motivo que na aludida página eletrônica oficial consta que o voluntário possui “a responsabilidade de fazer os Jogos acontecerem”. Aliás, por meio de depoimentos emotivos em vídeos institucionais23, medalhistas pátrios reforçam esse dever, valendo-se de enunciados como: “sem eles nenhuma vitória ou recorde seria possível”; “enquanto a gente está dormindo, descansando, concentrando para a prova, eles estão mantendo a Vila funcionando, mantendo o transporte para todos os locais”; “sem o atleta não acontecem os jogos, mas sem o voluntário também não”; “aquele amigo de todas as horas”; “tem que ter boa vontade, paciência e querer se doar”; “preparados para qualquer desafio”.

Curiosamente, essas pessoas descritas como heróis preparados e com estado de espírito elevado, essenciais para a realização das Olimpí-adas e das Paraolimpíadas, são alijadas do direito fundamental à relação de emprego, insculpido no art. 7º, I, da Constituição. Essa circunstância inclusive faz cair por terra pronunciamentos oficiais no sentido de um suposto legado em termos de redução de desigualdades, geração de em-pregos e melhoria dos direitos do cidadão24.

22 Ressalte-sequeaprópriaorganizaçãoadmiteautilizaçãodevoluntáriosetrabalhadoresterceirizadosparaodesempenho das mesmas tarefas, como no caso dos motoristas (Disponível em: <http://www.rio2016.com/jogo-aberto/orcamento/desdobramento-de-despesas>. Acesso em: 2 nov. 2014).

23 Disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=zxdj8sso3w8&list=plnv6ovichp4bcalsqhghn70iqjyt8xim5>; <https://www.youtube.com/watch?v=tr3aubqcglm&list=plnv6ovichp4bcalsqhghn70iqjyt8xim5>; <https://www.youtube.com/watch?v=ms6pbpco2zg&list=plnv6ovichp4bcalsqhghn70iqjyt8xim5>. Acesso em: 2 nov. 2014.

24 Nesse sentido, Luis Fernandes, Secretário-Executivo doMinistério do Esporte e coordenador dos GruposExecutivosdoGovernoBrasileiroparaaCopadoMundode2014eparaosJogosOlímpicoseParaolímpicos(Para além dos Jogos: os grandes eventos esportivos e a agenda do desenvolvimento nacional. In: Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2014. p. 59).

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Não perdendo de vista o já exposto e retomando algumas das re-flexões realizadas no artigo “Trabalho voluntário e infantil na organiza-ção da Copa do Mundo”, de Victor Emanuel Bertoldo Teixeira25, serão apresentados a seguir os motivos pelos quais o Direito do Trabalho não tolera essa forma de vinculação nestas circunstâncias.

A extração da mais-valia, por meio da exploração do trabalho alheio, consiste na essência do capitalismo, de modo que a relação de emprego é tida como a regra geral de vinculação de uma pessoa (natu-ral) ao tomador de serviços. Pode-se até mesmo se afirmar a existência de uma presunção no ordenamento jurídico pátrio a esse respeito, con-forme expresso na Súmula nº 212 do Tribunal Superior do Trabalho26.

Não se pode perder de vista ainda que o pleno emprego deve ser um dos princípios norteadores da ordem econômica, na esteira do art. 170, VIII, do Texto Constitucional.

Por outro lado, a ausência do elemento onerosidade descaracteri-za a relação de emprego, configurando o trabalho voluntário ou gratuito, o qual, coerentemente com a linha de raciocínio exposta, também cons-titui modalidade excepcional de relação de trabalho27. Segundo Amauri Mascaro Nascimento, carece este tipo de finalidade profissional, por não ser assalariado28.

Esclareça-se. Aliada à inexistência do escopo oneroso por parte do prestador do serviço (animus contrahendi), a ausência no plano objetivo de remuneração, contrapartida pelo trabalho prestado, fulmina a confi-guração do vínculo empregatício29.

Aliás, a caridade, a assistência e a filantropia podem ser tidas, de certa forma, como manifestação de contrariedade das pessoas à exclu-são e à miséria geradas pela desordem mundial, em demonstração de cidadania e solidariedade. Nas últimas décadas, tanto o impulso foi re-

25 RDT, Brasília, v. 20, n. 7, p. 4-9, 2014. 26 DELGADO,MauricioGodinho.Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 324-325. O

teordareferidaSúmulaéoseguinte:“DESPEDIMENTO–ÔNUSDAPROVA–Oônusdeprovarotérminodo contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípiodacontinuidadedarelaçãodeempregoconstituipresunçãofavorávelaoempregado”.

27 SÜSSEKIND,Arnaldo.Curso de direito do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 423.28 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito de trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

p. 227-228, 245-247.29 DELGADO,MauricioGodinho.Op.cit.,p.299-301.

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levante que se coloca a atividade organizada nesse sentido, chamada de terceiro setor, ao lado do Estado e do mercado.

Logo, deve estar presente no trabalho voluntário a índole graciosa do prestador (sem onerosidade), a qual não é afastada com o ressarci-mento de despesas relativas ao próprio serviço (caráter indenizatório), segundo o art. 3º da Lei nº 9.608/199830.

Contudo, não basta apenas isto. Na esteira da lição de Mauricio Godinho Delgado, a benemerência desta forma de labor reside na di-mensão subjetiva, mencionada no parágrafo anterior, e na causa be-nevolente dos serviços realizados, dimensão objetiva. Nesse contexto, o referido autor explicita que o tomador deverá ser entidade pública de qualquer natureza, instituição privada sem fins lucrativos ou a pró-pria comunidade, sendo que o art. 1º da referida lei ainda apresenta rol exemplificativo dos objetivos do trabalho voluntário – cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade, podendo ainda ser complementado pela militância políti-ca e pelas atividades religiosas desenvolvidas por leigos31.

Destarte, mostra-se admissível tão somente em hipóteses nas quais a própria natureza da atividade justifique a ausência de remuneração32. Isso porque o serviço voluntário não pode ser meio para multiplicação de ganhos com concentração de renda no plano social33.

Por óbvio, não se enquadra nos propósitos aludidos o empreendi-mento esportivo dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do COI, o qual, embora diga não buscar o lucro, por ser uma associação, em caso de resultado financeiro positivo, 20% deste ficará para ele, 20% para o Co-mitê Olímpico Brasileiro (COB), também uma associação, e o restante para benefício geral do esporte no País.

30 O diploma legal não escapa de críticas da doutrina. “Voluntariado não precisaria, em tese, de regulamentação por lei. Ou bem a pessoa se ativa com espírito altruísta, em nome de uma convicção cívica ou religiosa, entrando e saindo da entidade à hora que lhe aprouver, ou bem estaremos diante de aproveitamento de mão deobraclandestina,seaentidadecomeçarcomníveiscrescentesdeexigências,horários,metasecondiçõesde trabalho. [...] Deve-se interpretar o art. 2º como sendo apenas uma recomendação, para facilitar eventual provaouparaaclararalgumadúvidasobreaépocaouopropósitodacaridadeempreendidapeloserhumano,e nunca como condição essencial de validade ou mesmo como presunção de formação do vínculo de emprego em caso de adesão pela via verbal” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado: partegeral.2.ed.RiodeJaneiro:Elsevier,v.1,2013.p.93-94).

31 DELGADO,MauricioGodinho.Op.cit.p.362-364.32 SÜSSEKIND,Arnaldo.Op.cit.,p.423.33 DELGADO,MauricioGodinho.Op.cit.,p.363.

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Ademais, a mera circunstância de se tratar de associações não afasta a configuração da relação de emprego (art. 2º da CLT), ainda mais considerando o fato de que, no caso dos Jogos, sua própria realização consiste em um dos objetivos destas organizações, que compõe o cha-mado Movimento Olímpico, sob a autoridade e liderança do COI (ponto 1.1 da Carta Olímpica)34.

Esta última entidade tem o papel de assegurar a celebração regu-lar dos Jogos (ponto 2.3 da Carta Olímpica), sendo que ao COB cabe a designação dos Comitês Organizadores dos Jogos Olímpicos, Jogos Pan--americanos e Jogos Sul-americanos, quando o Brasil for a sede (art. 4º, VII, do Estatuto Social do COB)35.

O Comitê Organizador dos Jogos, por sua vez, responde direta-mente ao Conselho Executivo do COI36, pois este entrega a organização dos Jogos ao Rio de Janeiro, cidade cede, e ao COB, Comitê Olímpico nacional do País (ponto 35 da Carta Olímpica).

Desse modo, constata-se uma inadmissível substituição de força de trabalho em atividade inerente à atuação da pessoa jurídica em ques-tão. Isso porque se pretende a utilização de enorme número de voluntá-rios em praticamente todas as funções necessárias para a ocorrência do evento esportivo, o qual consiste na própria essência dos entes envolvi-dos, inclusive porque são propriedades do COI não somente os próprios Jogos, mas também o símbolo olímpico (cinco anéis), bandeira olímpica, lema olímpico, os emblemas olímpicos, o hino olímpico, a chama olím-pica e a tocha olímpica (ponto 7 da Carta Olímpica).

A isto se conjuga a exposição de mais de trinta marcas, nacionais e internacionais, associadas aos Jogos37, reforçando a lógica de explora-

34 International Olympic Committee. Olympic Charter. Lausanne: 2013. Disponível em: <http://www.olympic.org/Documents/olympic_charter_en.pdf> Acesso em: 3 nov. 2014.

35 Disponívelem:<http://www.cob.org.br/uploads/midias/optimized/2014/07/28/zgwdjqb49lykmqvcwt2daddf35.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2014.

36 OComitêExecutivo(ExecutiveBoard)éoórgãoqueadministraoCOI(ponto19.3daCartaOlímpica).37 Patrocinadoresolímpicosmundiais:Coca-Cola,Atos,Bridgestone,Dow,GE,McDonald’s,Omega,Panasonic,

P&G,Samsung,Visa.PatrocinadoresoficiaisdosJogosOlímpicosRio2016:Bradesco,BradescoSeguros,Correios, Embratel, Claro,Nissan. Apoiadores oficiais dos JogosOlímpicosRio 2016: Cisco, Estácio, EY,Batavo,Sadia,Skol,361º.FornecedoresoficiaisdosJogosOlímpicosRio2016:EFEducationFirst,ISDS,Nielsen,Nike,ManpowerGroup,Technogym.FornecedordosJogosOlímpicosRio2016:EMC.Patrocinadorparaolímpico mundial: Atos. Patrocinadores oficiais dos Jogos Paraolímpicos Rio 2016: Bradesco, Bradesco Seguros,Correios,Embratel,Claro,Nissan,Omega.ApoiadoresoficiaisdosJogosParaolímpicosRio2016:Cisco,Sadia,361º.FornecedoresoficiaisdosJogosParaolímpicosRio2016:EFEducationFirsteOttobock.Informações obtidas em: <http://www.rio2016.com/mais/patrocinadores>. Acesso em: 3 nov. 2014.

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ção comercial destas competições. Nesse contexto, não se pode deixar de mencionar que tais eventos também não escapam à fetichização da mercadoria típica do capitalismo.

Como ensina Nelma Gusmão de Oliveira, no fim do século XX, conseguiu-se associar o mercado aos valores morais do Olimpismo. As-sim, passou-se a comercializar o aglomerado de valores vinculados ao Movimento Olímpico, pois são altamente valorizados pelo marketing, como honra, integridade, determinação, competividade e excelência38.

Assim, o COI negocia, com exclusividade por território ou catego-ria de produto, a associação entre determinada marca ou rede de televi-são e aqueles valores, o que é enriquecido pela restrição de publicidade durante as provas dentro dos locais de competição e na tela das emis-soras39.

Os próprios voluntários podem ser tidos como uma espécie de manifestação destes valores, exigindo-se determinada conduta por parte deles, os quais devem promover a alegria, valorizar outras pessoas e fazer acontecer. Nessa linha, os comportamentos desejados são proativi-dade, comprometimento, adaptabilidade a situações diversas, energia e atitude positiva. Deve-se saber trabalhar em equipe, conviver bem com pessoas diferentes e haver preocupação com todos ao seu redor.

Nestes termos, o trabalho voluntário nos Jogos não passa pelo cri-vo dos critérios cumulativos estabelecidos por Jorge Luiz Souto Maior, quais sejam: (a) prestação do serviço não atrelada à sobrevivência ou à satisfação de alguma necessidade essencial do prestador; (b) afaze-res não utilizados com proveito econômico pelo tomador de serviços; (c) amadorismo, ou seja, não constitui atividade profissional do presta-dor de serviços; (d) caráter benevolente, de prazer pessoal ou vínculo de natureza familiar ou religiosa40.

A fraude aqui denunciada não é elidida pelo fato de os trabalha-dores não estarem sendo forçados a tanto, pois os princípios da impera-tividade das normas trabalhistas e da indisponibilidade ou irrenunciabi-

38 Jogoespetáculo,jogonegócio.In: Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2014. p. 28.

39 Idem, p. 30.40 Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. São Paulo: LTr, v. II, 2008. p. 60.

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lidade dos direitos trabalhistas não permitem que se disponha do próprio salário.

A irrenunciabilidade, característica fundamental do Direito do Trabalho, impede que a força de trabalho seja utilizada fora dos padrões jurídicos fixados pelos direitos trabalhistas. Assim, se o trabalhador não pode simplesmente abrir mão de seus direitos, não será permitida, pela mesma razão, a renúncia ao direito fundamental ao recebimento de jus-ta retribuição pelo serviço prestado, conforme garantido pelo art. 23, inciso III, da Declaração Universal dos Direitos do Homem41.

Além disso, propaga-se o argumento de que a atuação como vo-luntário consistiria em oportunidade única na vida do trabalhador, tendo em vista o contato com pessoas de diferentes culturas, a participação em dois dos maiores eventos esportivos do mundo, a prática de ação solidária de auxílio aos visitantes e o incremento curricular. Portanto, percebe-se que essas pessoas estão pagando com seus próprios direitos à possibilidade de vivência de seus sonhos e desejos, motivo pelo qual não se pode concordar com o juízo de que seriam simplesmente estúpi-das, culpabilizando-se em última instância as maiores vítimas42, alijadas de direitos fundamentais por força da perversa lógica do estado de ex-ceção permanente.

A propósito, as pessoas que pretendem se envolver no evento das Olimpíadas na qualidade de voluntários devem se perguntar como es-tão se sentido os milhares de voluntários que atuaram nesta condição na Copa de 2014 após terem notícia das vultosas quantias de que se apropriaram empresas, entidades e personalidades em decorrência da realização da Copa no Brasil43.

41 Idem, p. 59.42 Como constantemente se faz com as mulheres sujeitas à violência doméstica e sexual, bem como com o

trabalhador acidentado. 43 Seguemdiversas notícias a respeito. CHADE, Jamil. Contratos daCopa de2014 serão examinados pela

JustiçadosEUA.OEstadodeSãoPaulo.Zurique,3 jun.2015.Disponívelem:<http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,contratos-da-copa-de-2014-serao-examinados-pela-justica-dos-eua,1700021>. Acessoem:7jul.2015.MATTOSO,Camila.RomárioconsegueassinaturasparainstaurarCPIdaCBF.ESPN.com.br. Brasília, 27 maio 2015. Disponível em: <http://espn.uol.com.br/noticia/513390_romario-consegue-assinaturas-para-instaurar-cpi-da-cbf>.Acessoem:7jul.2015.EmpresaqueinvestigacasodepropinateveR$ 13 mi em contratos da Copa. Folha de São Paulo. São Paulo/Brasília, 22 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2015/03/1606663-empresa-alema-investiga-denuncias-de-propina-na-copa-do-mundo-do-brasil.shtml>.Acessoem:7jul.2015.AGÊNCIADENOTÍCIAS.LucrodaFifacomCopa no Brasil atinge valor recorde. Folha de São Paulo. São Paulo, 21 mar. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/212849-lucro-da-fifa-com-copa-no-brasil-atinge-valor-recorde.shtml>. Acesso em: 7 jul. 2015.

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Aliás, os “voluntários” da Copa ainda podem recorrer ao Judiciá-rio, pleiteando os seus direitos que foram vilipendiados, para que qual-quer pecha de “otário da Fifa” não fique marcada na história.

Ao fim e ao cabo, explora-se uma mercadoria singular e rentável, o espírito olímpico, sem qualquer preocupação com a responsabilidade social inerente ao capitalismo sob a égide do Direito Social, o qual es-tabelece retornos econômicos à sociedade para viabilização de projetos relativos à política de emprego e do Seguro Social, ao mesmo tempo em que organiza o processo produtivo, preservando a dignidade do traba-lhador, elemento central da produção de riquezas, e fixando margens para a concorrência44.

Vislumbra-se ainda patente contradição com os próprios princí-pios fundamentais do Olimpismo declarados na Carta Olímpica. Ora, o proclamado estilo de vida com responsabilidade social e respeito aos princípios éticos fundamentais universais evidentemente não irá se cons-truir com a organização dos Jogos nos moldes descritos, a qual, ao con-trário do anunciado, não se preocupa com a preservação da dignidade humana, considerando o que foi aqui relatado.

A responsabilidade social não consiste em mera mercadoria asso-ciada à marca. Ela impõe a devolução à sociedade de parcela dos be-nefícios propiciados pelo modelo de exploração econômico, por meio do respeito, no mínimo, aos direitos trabalhistas daqueles cujo trabalho serviu ao tomador, ainda que indiretamente45.

Assim, a organização dos Jogos se vale da mesma estratégia de grandes empresas, inclusive públicas, as quais divulgam suas iniciativas benevolentes como meio de escamotear formas de contratação preca-rizadoras de direitos, como a subcontratação, e política ostensivamen-te repressiva das atividades de reivindicação de direitos por parte dos trabalhadores. Na verdade, o intuito é a vinculação de suas marcas a atividades de interesse social (assistencialismo), suplementando, em par-cela de pequenas proporções, o papel que seria do Estado, que inclusive parece estar associado a este mecanismo46.

44 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho:teoriageraldodireitodotrabalho–ParteI.v.I.SãoPaulo: LTr, 2011. p. 583.

45 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego. São Paulo: LTr, v. II, 2008. p. 177 e 180.

46 Idem, p. 179.

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Entretanto, todo esse movimento antidemocrático, inserido – como não poderia deixar de ser – no contexto do processo de reprodução do capitalismo atualmente, não passa despercebido pela população brasi-leira, que protesta com milhares na rua desde o ano passado, expondo as contradições latentes em nossa sociedade.

São Paulo, julho de 2015.

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Parte Geral – Doutrina

O Conceito de Doping e o Princípio da Legalidade

LEONARDO SChMITT DE BEMProfessor Adjunto de Direito e Processo Penal na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Doutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano (Itália) e pela Universidad de Castilla La Mancha (Espanha), Mestre em Direito Penal pela Universidade de Coimbra (Portugal), Membro do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo.

Em que pese todos possam ter um conhecimento vulgar sobre o doping, os elementos de sua definição ainda carecem de um amparo, de um fundamento científico, e alguns especialistas reconhecem essa situação quando oferecem suas contribuições doutrinárias1. O que pare-ce simples põe de manifesto enormes dificuldades, até o ponto de não lograr chegar a um consenso. Essa ausência de consenso gera enorme consequência no âmbito do direito penal, pois uma das exigências do princípio da legalidade é a descrição das condutas proibidas de forma precisa ou determinada. Assim, como atribuir uma possível responsabi-lidade penal ao esportista se não se sabe efetivamente como definir o doping?

Vejamos inicialmente as tentativas de definição. No âmbito das instituições internacionais, considerando a busca por uma definição ge-ral, delimita-se formalmente o doping em função de infrações a normas antidoping, como no Código Mundial Antidoping2. O legislador espa-nhol também seguiu essa orientação. A Lei nº 7/2006, de 21 de novem-bro, de proteção da saúde e da luta contra o doping no esporte, em seu primeiro artigo define o doping no esporte como “o descumprimento ou a infração por parte das pessoas que, estando obrigadas a isso, violam a normativa prevista na Lei, em particular o disposto nos arts. 13 e se-

1 RAMOSGORDILLO,Antonio.Unproblemacontinuadoysinfinal,ladefinicióndedopaje. Revista Jurídica del Deporte,Pamplona,n.11,p.349-355,2004.LEITE,Alaor.Odoping como suposto problema jurídico-penal: umestudointrodutório. In: Doping e Direito Penal. São Paulo, 2011. p. 19-23.

2 A Agência Mundial Antidoping, criada oficialmente em 10 de novembro de 1999, resultado da Conferência de Lausanne, Suíça, aprovou o Código Mundial Antidoping em 2003. Posteriormente, este Código foiincorporado na Convenção Internacional contra o doping no esporte da Unesco, de 19 de outubro de 2005, porém apenas a título meramente informativo (art. 3º, 2). Seus subscritores se comprometeram a adotar as medidas adequadas e compatíveis com os princípios destacados no documento (art. 3°, 1). A definição do doping consta no primeiro capítulo do CMA: “o dopingsedefinecomoumaouváriasinfraçõesdasnormasantidoping,segundoodispostodoart.2.1aoart.2.8doCódigo”.

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guintes da mesma”3. Igualmente, a Lei portuguesa nº 38/2012, de 28 de agosto, que aprovou a lei antidopagem no esporte, adotando as regras do Código Mundial, não apresenta expressamente uma definição, contu-do, depois de frisar no primeiro número do terceiro artigo que a prática de doping está proibida por todos os praticantes esportivos dentro e fora das competições, no número seguinte enumera muitos exemplos que constituem violação das normas antidoping por parte dos atletas ou de seu pessoal de apoio4.

Por outro lado, a primeira definição reconhecida oficialmente du-rante aproximadamente vinte anos se afastava de uma construção mera-mente formal e tratava de definir materialmente o doping, ou seja, fazia referência ao conteúdo da conduta de doping, como, por exemplo, do uso pelos esportistas de substâncias ou métodos proibidos. A definição foi a aprovada pelo Comitê de Educação Extraescolar do Conselho de Europa, em 1963, que definiu doping

a administração a uma pessoa sã, ou a utilização por ela mesma, de substâncias estranhas ao organismo ou de substâncias fisiológicas, em quantidades ou por vias anormais, com o fim de conseguir um aumento artificial do rendimento desta pessoa ao participar de uma competição. Ademais, incluíam-se na prática do doping determinados procedimentos destinados a potenciar a forma física de um esportista.5

Os modelos normativos francês e italiano trabalham com essa orientação material. A Lei francesa nº 650/2008, de 3 de junho, relativa à luta contra o doping e a proteção da saúde dos esportistas, define o doping como “o uso de substâncias ou métodos com o fim de modificar artificialmente a capacidade esportiva ou destinados a mascarar o em-prego de produtos dopantes”6. Por sua vez, a Lei italiana nº 376/2000, de

3 É interessante que a Lei nº 10/1990, de 15 de outubro, valia-se de definição material do doping e que identificava o dopingcom“ousodesubstânciasegruposfarmacológicosproibidos,destinadosaaumentarartificiosamente as capacidades físicas dos esportistas ou a modificar os resultados das competições”. O combate ao doping no país ibérico começou dez anos antes, por meio da Lei nº 13/1980, de 31 de março.

4 Salvo a Lei nº 27/2009, de 19 de junho, que adotava uma definição formal, todos os diplomas anteriores seguiram uma orientação material. Assim: Decreto-Lei nº 474/1979, de 8 de setembro; Decreto-Lei nº 187/1997, de 26.07.1997; e Decreto-Lei nº 390/1991, de 10 de outubro.

5 CASTANHEIRA,SergioNunoCoimbra.O Fenómeno do Doping no Esporte. Coimbra: Coimbra, 2011. p. 19.6 “A luta contra o doping na França é intensa. Antes do diploma atual, outras leis foram promulgadas. Por

exemplo, em ordem temporal decrescente: a Lei nº 405/2006, de 05 de abril; a Lei nº 223/1999, de 23 de março; a Lei nº 432/1989, de 28 de junho; a Lei nº 412/1965, de 1º de junho”. Veja-se: AA.VV. Dopage et Conduites Dopantes. Dossier Documentarie. Publications consultables au CIRDD Alsace, Janvier, 2012.

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14 de dezembro, que regula a proteção sanitária da atividade esportiva e a luta contra o doping, conceitua doping como

o subministro ou consumo de medicamentos ou substâncias bioló-gicas ou farmacologicamente ativas e a adoção ou a sujeição às práticas médicas não justificadas por razões patológicas e idôneas para alterar as condições psicofísicas ou biológicas do organismo com o fim de modifi-car o rendimento dos atletas. (art. 1º, n. 2)

Esta lei também equipara ao doping

o subministro de remédios ou de substâncias biológicas ou farmacologi-camente ativas de práticas médicas não justificadas por razões patológi-cas, dirigidas e de qualquer modo idôneas para modificar os resultados dos controles sobre o uso de medicamentos, das substâncias e das práti-cas indicadas no número anterior.7 (art. 1º, n. 3)

O jovem Alaor Leite, em sua análise, enfatiza que o conceito ma-terial faz referência à essência do esporte, pertencendo a este, mais além do fair play, o ideal de naturalidade do corpo humano ou o ideal de saú-de. Isso significa que o doping constitui um mal em si mesmo. Por sua vez, a definição formal prescinde do conteúdo da essência do esporte, supostamente ofendida, entre outras coisas porque não há apenas uma concepção correta do que é o esporte, recorrendo a uma definição em branco. Como do conceito material derivam sérios problemas e como não é função do Direito Penal definir o que é o esporte em sua essên-cia, o ilustre autor assinala que a preferência é a adoção de um concei-to formal; é dizer, o doping como uma violação de regra antidoping. Em verdade, trata-se de um conceito tautológico ou com circularidade evidente, porém inevitável. Por isso, põe em dúvida se deste modo é possível respeitar a determinação da lei penal, como consequência do princípio da legalidade8.

É possível dizer que não há uma aceitação jurídica uniforme sobre o conceito de doping. Assim, como seria possível criminalizar o que não se pode definir universalmente? Neste marco considero uma proposta interessante a solução de Alaor Leite que sustenta que uma definição

7 A atual referência normativa italiana em matéria de dopingéoresultadodainsuficiênciasancionatóriadaLeinº 1.099/1971, de 26 de outubro, e da conversão das contravenções penais constantes no texto em ilícitos simplesmente administrativos por meio da Lei nº 689/1981, de 24 de novembro.

8 LEITE,Alaor.Op.cit.,p.20-22.

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depende da finalidade de proteção de existente tipo penal, é dizer; “por meio de um conceito teleológico”. Segundo o autor, portanto, “somente é possível conceituar o doping depois de uma definição sobre qual é o bem jurídico protegido pelo dispositivo e em que extensão a tutela deve ocorrer”9. No entanto, independentemente do bem jurídico eleito, é re-levante destacar que o legislador apenas estará autorizado a proibir pe-nalmente o doping no esporte sempre que o próprio esporte, pelos seus próprios participantes, obste sua prática. Como o ordenamento jurídico deve ser concebido como um conjunto de normas harmônicas, não seria possível compreender que possa, em seu íntimo, apresentar discrepân-cias. Justamente por ser assim, seria inaceitável a irracionalidade que comportaria o pretender fazer uso do recurso penal para punir o que não está proibido no esporte.

Ademais, a própria definição das substâncias e métodos proibi-dos deve ser definida no âmbito esportivo e posteriormente respeitada pela regulação penal. Deve existir uma lista única, que descreva cate-goricamente os objetos proibidos, para não gerar possíveis problemas de concreção das listas. Para ilustrar este fato, a política antidoping no beisebol americano foi iniciada no começo nos anos noventa do século passado, mas o controle do uso dos anabolizantes somente ocorreu no novo século. Durante anos faltou legitimidade para a punição penal dos esportistas, pois a eles era autorizada a utilização de substâncias que melhoravam artificialmente seus desempenhos.

Estas construções revelam a acentuada importância da estrutura formal esportiva, considerando que, existindo a proibição do doping, evidentemente ela será prévia à prática do esporte ou anterior ao sistema esportivo e derivada de uma convenção humana. Os atletas não podem ser obrigados a praticar um esporte que não querem praticar. Assim, o doping constituiria a violação de uma regra constitutiva de caráter con-vencional. Ambas as construções, ademais, revelam uma razão plausível para justificar por que a lei penal se mantém (especialmente no Brasil, ainda que alguns considerem a tipificação prevista no art. 41-E do Esta-tuto do Torcedor) ou se manteve tanto tempo afastada de alguns contex-tos esportivos, e por que poderá voltar a se distanciar (especialmente na Europa).

9 Idem, p. 22.

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Apresentando considerações afins e, inclusive, sendo o primeiro penalista a frisar essas ideias, Luís Greco, com ampla referência biblio-gráfica, particularmente do Direito e da Filosofia alemã, descreve que, antes de os atletas decidirem sobre se a ausência do doping seria uma regra constitutiva do esporte ou sobre se a proibição de determinadas substâncias seria uma regra constitutiva do jogo, não estaria o Estado autorizado a oferecer uma proteção penal, pois não haveria objeto a ser tutelado. Esse autor trata de fazer valer um modelo liberal no qual o fundamental é a perspectiva dos esportistas, e conclui que “no caso do doping, tem-se a aparentemente paradoxal situação de que o objeto de tutela somente passa a existir se o Estado, num primeiro momento, mantém distância”10.

10 GRECO,Luís.Sobrealegitimidadedapuniçãodoautodopingnosesportesprofissionais.In:Doping e Direito Penal. São Paulo, 2011. p. 79-80.

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Parte Geral – Doutrina

Aumentos (In)Justificados dos Preços de Ingressos pelos Clubes de Futebol

LOUIS AUGUSTO DOLABELA IRRThUMAdvogado do Escritório Lucchesi Dolabela, atuando com direito civil, consumidor, de família e desportivo, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, Especialista em Direito Desportivo e Negócios, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais.

LUCIANO DE CAMPOS PRADO MOTTAAdvogado, Pós-Graduando em Direito Desportivo e Negócios do Esporte pelo CEDIN/IAED, Pós-Graduando em Direito de Empresa pelo IEC PUC-Minas.

RESUMO: O presente artigo pretende discutir se o aumento significativo do valor dos ingressos por ocasião da disputa de final de campeonato ou de rodada decisiva é abusivo.

PALAVRAS-CHAVE: Clubes; torcedor; ingressos; aumento preço; justificativa.

ABSTRACT: This article discusses the significant increase in the value of the tickets during the final race of the championship deciding round or is abusive.

KEYWORDS: Clubs; fans; tickets; increase price; justification.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Torcedor/consumidor; 2 Caso Atlético/MG x Cruzeiro (2014); 3 O pre-ço abusivo no CDC; 4 Alguns precedentes jurídicos; 4.1 Procon/PR X Atlético/PR (2004); 4.2 Mi-nistério Público RJ X Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (2007); 4.3 Procon-PR X Atlético/PR (2013); 4.4 Flamengo X Atlético/PR (2013); 5 Modalidades de majoração no preço; 5.1 No curso de ou entre uma temporada e outra; 5.2 Em razão de um jogo específico; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A discussão com relação aos ingressos para a final da Copa do Brasil 2014, entre o Clube Atlético Mineiro (Atlético-MG) e o Cruzeiro Esporte Clube (Cruzeiro), parece não ter fim.

Recentemente, após a primeira partida em que o Atlético-MG foi mandante, ela ganhou novos capítulos, que reacenderam o debate acer-ca do aumento (in)justificado do preço dos ingressos pelos clubes de futebol.

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O tema não se restringe somente à comprovação ou à caracteri-zação de que haja uma abusividade nessa majoração. Questionamentos tais como qual seria o limite entre a liberdade de preço e o preço abu-sivo, ou quando o Estado poderia e/ou deveria intervir na formação do preço evidenciam uma reflexão muito mais complexa e profunda do que aparenta ser, em um primeiro momento.

Poder-se-ia dizer que da mesma forma que um clube de futebol opta por aumentar o preço dos ingressos diante de uma partida decisiva, os hotéis aumentam as suas diárias nos períodos de maior temporada, as empresas aéreas o fazem com as passagens aéreas, e essa prática se estende a todos os demais ramos de maneira natural.

O presente trabalho não se propõe a estabelecer métodos ou cri-térios para que se determine, objetivamente, quando há ou não abusivi-dade no aumento de um ingresso, e tampouco aprofundar na dicotomia intervenção estatal e livre iniciativa. Pretende-se tão somente, a partir do CDC e da análise de alguns julgados, levantar questões reflexivas e tecer comentários críticos em face da discussão que ora se apresenta.

1 TORCEDOR/CONSUMIDOR

O torcedor brasileiro, com o advento da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), foi alçado à condição de consumidor por equiparação, fazendo por merecer a proteção do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e especial atenção dos órgãos de proteção ao consumidor, entre os quais os Procons.

Por definição legal, torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompa-nhe a prática de terminada modalidade desportiva, sendo presumidos a apreciação, o apoio ou o acompanhamento.

Lembra Gustavo Vieira de Oliveira que

a norma esculpida na Lei Pelé equiparava ao consumidor, para fins de aplicação do CDC, tão somente a figura do espectador pagante, assim entendido o sujeito que comparece fisicamente à arena, tendo o seu acesso possibilitado por intermédio da aquisição, mediante pagamento, do ingresso para determinado evento esportivo. (Oliveira, 2011, p. 16)

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Contudo, tal questão encontra-se superada, eis que a Lei nº 10.671/2003, mais conhecida como Estatuto do Torcedor, ampliou essa definição, que, conforme o art. 2º, passou a abranger, além do tor-cedor pagante, todo aquele que “aprecie, apoie, ou se associe a qual-quer entidade de prática desportiva do país e acompanha a prática de determinada modalidade desportiva”.

Ao torcedor, em especial ao que comparece fisicamente à are-na, devem ser assegurados ingressos, condições de higiene, segurança, transporte, alimentação etc.

Em relação aos ingressos, o Estatuto do Torcedor apenas preceitua ser direito do torcedor partícipe que os ingressos para as partidas inte-grantes de competições profissionais sejam colocados à venda até 72 horas antes do início da partida correspondente.

Nada diz o Estatuto do Torcedor quanto à fixação do valor dos ingressos ou o aumento (in)justificado do ticket em função da realização de partida decisiva ou àquela em que o clube mandante vislumbre aufe-rir significativa renda com a venda dos bilhetes.

2 CASO ATLÉTICO/MG X CRUZEIRO (2014)

Em partida válida pelas quartas de final da Copa do Brasil 2014, o Atlético-MG enfrentou o Corinthians-SP, no estádio do Mineirão, com ingressos a preço único, no valor de R$ 50,00, tendo alcançado um público de 32.640 pagantes, para uma renda bruta de R$ 1.704.425,00. Com o intuito de facilitar o cálculo, se a renda bruta for dividida pelo público pagante, chega-se a um valor médio de R$ 52,21 pagos por cada torcedor1.

Na rodada seguinte, contra o Flamengo, no mesmo está-dio, os preços já variavam entre R$ 100,00 e R$ 150,00. Na partida, 41.352 torcedores pagaram ingressos, totalizando uma renda bruta de R$ 4.615.660,00. O valor médio pago por ingresso foi de R$ 111,61. Só

1 Ocálculodarendabrutatotalenvolvediversosfatores,taiscomo:programasdesóciotorcedores;quantidadede ingressos disponibilizados e vendidos por cada setor; a meia-entrada determinada em lei e a quantidade destesingressoscomercializados;aexistênciadeáreasVIPscompreçosdiferenciados;acomercializaçãodeingressosdestinadosàadministradoradoestádio(nocaso,aMinasArena),eovalorcobradoporelaetc.

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no valor médio do ingresso, entre uma fase decisiva e outra, houve um aumento de aproximadamente 113,77%.

Na final, o Atlético-MG optou por jogar em um estádio de menor capacidade, o Independência. Em jogo realizado no dia 12 de novem-bro, o Atlético-MG obteve uma renda bruta de R$ 4.741.300,00, para um público pagante de 18.578, com preços variando entre R$ 200,00 e R$ 700,00. Realizando os mesmos cálculos, cada torcedor pagou em média R$ 255,21. Isso equivale a um aumento de 128,66% se compa-rado à partida contra o Flamengo, e de 388,81%, se comparado ao jogo contra o Corinthians.

Para fins de comparação, na final da Copa Libertadores da América de 2013, realizada no Mineirão, o Atlético-MG obteve uma renda bruta de R$ 14.176.146,00, para um público pagante de 56.557 pessoas. O ingresso médio pago por torcedor foi de R$ 250,65. Ou seja, na final da Libertadores, o torcedor atleticano pagou “mais barato” do que na final da Copa do Brasil, por incrível que pareça.

Conforme divulgou a ESPN (2014), ver a final da Copa do Rei esse ano, disputada entre Real Madrid e Barcelona, foi mais barato do que as-sistir ao primeiro jogo da decisão da Copa do Brasil. Ainda, ao contrário da práxis tupiniquim, os dirigentes espanhóis, conscientes da situação econômico social vivenciada na Espanha, resolveram reduzir o preço do ingresso mais barato em 25%, se comparados à decisão do mesmo título realizada em 2011.

O Cruzeiro não fica para trás, agora como mandante do jogo deci-sivo da final da Copa do Brasil, contra o Atlético-MG, a ser realizado no estádio do Mineirão, já definiu o preço dos ingressos que variam entre R$ 200,00 (setores amarelo inferior e laranja inferior) e R$ 1.000,00 (se-tor roxo superior). Em jogos válidos pelas quartas de final e semifinal, da mesma competição, o Cruzeiro cobrou “apenas” R$ 120,00 pelo setor roxo superior. Ou seja, entre a final e as duas outras fases da competição houve um aumento de 733,33%.

Tendo em vista essa situação, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação civil pública, com tutela de emer-gência e pedido de liminar, em face do Cruzeiro, requerendo, entre ou-tras coisas, que o valor máximo a ser cobrado se limitasse a R$ 500,00.

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Em decisão inaudita altera parte (Minas Gerais, 2014), o Juiz de Di-reito José Maurício Cantarino Villela determinou que o Cruzeiro comer-cializasse o ingresso do Setor Oeste (Roxo) Superior por R$ 500,00 (ante-riormente vendido a R$ 1.000,00), sob pena de multa de R$ 10.000,00, para cada ingresso vendido. Diante do quadro fático apresentado aos autos, entendeu o magistrado que havia indícios consistentes de que o Cruzeiro havia violado o art. 24, § 1º, da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) e os arts. 39, X, e 51, IV, § 1º, III, todos do CDC.

O caso possui outras particularidades que também influenciaram na decisão do magistrado, pois o Cruzeiro, em princípio, estaria ven-dendo ingressos a preços diferenciados para os seus torcedores, e teria determinado que o ingresso mais oneroso fosse, inclusive, mais caro que os dos “setores VIP do Estádio, mesmo sem assumir tal condição física e de conforto”.

Ademais, o reajuste aplicado ao Setor Oeste (Roxo) Superior, que foi o destinado à torcida visitante (Atlético/MG), teria sido desproporcio-nal se comparado ao realizado nos demais setores do estádio, variando entre 375% e 833,33%.

Apesar da pertinência de todos os argumentos apresentados, para o presente trabalho interessa a abusividade no aumento do ingresso em decorrência de uma partida decisiva.

No que diz respeito ao reajuste no preço dos ingressos, entendeu o magistrado que ele foi realizado “sem observar parâmetro proporcio-nal, e sem justificativas e critérios razoáveis”, portanto, abusivo. Nesse sentido, os reajustes nos diversos setores do estádio variaram entre 375% e 833,33%, mas “os locais de visibilidade do campo permaneceram os mesmos com relação ao jogo anterior da semifinal”, e mais, não houve qualquer incremento no serviço.

Diante desse quadro, percebe-se que o cerne do problema não foi sequer enfrentando pelo MP. O MP se preocupou, tão somente, que a elevação do preço dos ingressos para o Setor Oeste Superior seguisse o percentual médio aplicado às outras 10 categorias de ingressos existen-tes, cuja apuração atingiu 418,28% (Minas Gerais, 2014).

Ora, estaria o MP sugerindo que o aumento na ordem de 400% fosse algo natural, não abusivo? Haveria justa causa suficiente que justi-

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ficasse o aumento retromencionado, entre um jogo e outro? Onde esteve o MP nos diversos outros jogos de Atlético/MG e Cruzeiro, mas não se restringindo a eles, em que houve aumento significativo no preço dos ingressos, sem quaisquer justificativas para o torcedor/consumidor?

Em outras palavras, o MP quer simplesmente resolver esse proble-ma, dada a repercussão e a notoriedade que ele ganhou, ou abrir um precedente que vise tutelar, efetivamente, os reais interesses do torcedor/consumidor ao se iniciar ou possibilitar uma maior discussão acerca do aumento sem justa causa no preço dos ingressos praticados por diversos clubes de futebol.

Como se vê, o tema é muito mais complexo do que aparenta.

3 O PREÇO ABUSIVO NO CDC

Segundo Michael Sandel (2011), um dos mais importantes filóso-fos que leciona na Universidade de Harvard, a discussão entre abuso de preços é, sobretudo, uma questão de moral e lei.

Conforme afirma Jeff Jacoby, citado por Sandel, “não é extorsão cobrar o que o mercado pode suportar. Não é ganância nem falta de pudor. É assim que mercadorias e serviços são fornecidos em uma socie-dade livre” (Sandel, 2011, p. 13).

Em verdade, na hora de auferir o preço final do ingresso de uma partida decisiva, diversos fatores podem influenciar, como, por exem-plo a capacidade física do estádio, o horário da partida, o adversário, a importância do jogo, seja com relação aos aspectos técnicos ou com a visibilidade midiática que o mesmo proporcionará, entre outros.

Contudo, basicamente, tudo isso se resume a uma lei: a da oferta e da procura. Não há como fugir dessa regra. Quanto mais pessoas es-tiverem dispostas a pagar um preço elevado por um produto, mais ele tende a se elevar.

Em outro diapasão, “o Estado deve proibir abuso de preços mesmo que, ao agir assim, interfira na liberdade de compradores e vendedores de negociar da maneira que escolherem?” (Sendel, 2011, p. 13).

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Qual a justificativa para o aumento significativo dos preços? Os clubes podem livremente praticar referidos aumentos?

No caso em tela, trata-se de um conflito entre dois princípios: o da livre iniciativa e o da defesa do consumidor. E não somente de uma ingerência estatal no desporto, como muitos o querem.

A política nacional das relações de consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores e a proteção de seus interesses econômicos, atendidos os seguintes princípios: reconheci-mento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; pela presença do Estado no mercado de consumo; harmonização dos inte-resses dos participantes das relações de consumo; coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado consumo.

Lembra Claudia Lima Marques (2009, p. 43) que as normas que compõem o direito do consumidor “são de direito privado, mas nenhu-ma delas é disponível, como afirma claramente o art. 1º do CDC. Todas as suas normas são de ordem pública (logo, indisponíveis à vontade das partes, mesmo por contrato)”.

O CDC, em seu art. 39, inciso X, veda ao fornecedor de produ-tos ou serviços, entre outras práticas abusivas, elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. Impõem ao fornecedor de produtos ou serviços transparência e boa-fé nos métodos comerciais e proíbe o abuso de direito.

O simples fato de tratar-se de final de campeonato não é justa cau-sa hábil a permitir o aumento leonino dos preços, em total afronta à lei de proteção ao consumidor e aos princípios consagrados no CDC, o que torna o aumento praticado ilegal e abusivo.

Oportuna a lição do Mestre Antonio Herman V. Benjamin ao co-mentar o art. 39, inciso X, do CDC, que considera prática abusiva, logo ilegal, a elevação de preço sem justa causa:

Esse inciso, também sugerido por mim, visa a assegurar que, mesmo num regime de liberdade de preços, o Poder Público e o Judiciário tenham mecanismos de controle do chamado preço abusivo. Aqui não se cuida de tabelamento ou controle prévio de preço, mas de análise casuística que o juiz e a autoridade administrativa fazem, diante de fato concreto. A regra, então, é que os aumentos de preço devem sempre estar alicer-

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çados em justa causa, vale dizer, não podem ser arbitrários, leoninos ou abusivos. Em princípio, numa economia estabilizada, elevação superior aos índices de inflação cria uma presunção – relativa, é verdade – de carência de justa causa. (Benjamin, 2009, p. 228)

Claramente, a única (in)justificativa, para o aumento significativo de preço pelos clubes é auferir o máximo de lucro possível, o que não se pode admitir, por violar os princípios do Código de Defesa do Consumi-dor e por configurar prática abusiva.

Caso desejem aumentar o preço dos ingressos de forma significati-va e justificada, deveriam os Clubes apresentar ao Poder Público (Estado, Procon e Ministério Público) as causas que justifiquem a elevação de preço, entre as quais o aumento com quadro móvel e demais despesas para a realização da peleja.

Ensina Flávio Tartuce (2013, p. 389) que “a expressão justa causa deve ser interpretada de acordo com a realidade social de ampla tutela dos consumidores e, em casos de dúvidas, deve prevalecer a sua pro-teção”, e que “a prática de alteração do preço sem motivo representa afronta à boa-fé objetiva e às justas expectativas depositadas no negócio de consumo”.

O torcedor, e não só as autoridades fiscalizadoras, tem que ter o conhecimento do critério de reajuste de preço do ingresso sob pena de violação do art. 6º, III, do CDC, que determina como direito fundamen-tal do torcedor-consumidor a informação clara e adequada acerca das características do serviço prestado.

4 ALGUNS PRECEDENTES JURÍDICOS

Apesar de não ser a regra, historicamente, alguns Procons e o pró-prio Ministério Público já interviram, inclusive judicialmente, em alguns casos semelhantes.

4.1 Procon/Pr X Atlético/Pr (2004)

Em 2004, o Procon/PR ajuizou ação civil pública, em face do Clu-be Atlético Paranaense (Atlético/PR), pedindo que o ingresso cobrado pelo ente desportivo (R$ 30,00) no Campeonato Brasileiro de 2004 fosse

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reduzido para o valor anteriormente cobrado (R$ 15,00), ou, alternati-vamente, apresentasse, mediante perícia, as razões que justificassem o aumento de 100% nos valores do ingresso, entre uma rodada e outra do Brasileirão.

Em sede de antecipação de tutela, o juiz, Dr. José Roberto Pinto Júnior, da 8ª Vara Cível de Curitiba, concedeu a liminar pleiteada, de-terminando que o preço cobrado para a arquibancada normal, nos jogos do Campeonato Brasileiro, voltasse ao valor de R$ 15,00, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00.

Considerou o magistrado que os clubes de futebol possuem um elevado interesse social e que a cobrança do valor referido representaria “uma quantia difícil de ser suportada por substancial parcela da torcida [...]”. Ademais, afirmou que os investimentos do clube realizados no estádio não poderiam recair injustificadamente sobre o torcedor/consu-midor. Por fim, aduziu que o aumento na razão de 100% no valor do ingresso afrontaria o art. 39, IV, do CDC, vez que o Atlético/PR estaria “prevalecendo-se da condição social de seus torcedores/consumidores para impor-lhes o serviço prestado” (Paraná, 2004a).

Irresignado com a decisão, o Atlético/PR interpôs agravo de ins-trumento pugnando pela reforma da decisão, alegando que o aumento do preço do ingresso seria justificado pelo fato de a arquibancada ter ganhado cadeiras e que a diminuição no valor do ingresso diminuiria a receita de bilheteria, o que, consequentemente, aceleraria o processo de descapitalização do clube.

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) manteve a deci-são afirmando que o clube deveria obedecer às normas dispostas tanto no Estatuto do Torcedor quanto no CDC. E que o aumento injustificado de 100% no valor dos ingressos feriria o inciso V do art. 39 do CDC, que determina que o fornecedor de serviços ou produtos não pode “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva” (Brasil, 1990).

Nesse sentido, destaca-se parte do voto:

[...]

Portanto, nesse caso a questão jurídica controvertida cinge-se justamente acerca da excessividade ou abusividade do preço praticado pelo clube.

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A princípio, um aumento de 100% (de R$ 15,00 a R$ 30,00) para presta-ção de um serviço ou venda de um produto já seria suficiente para carac-terizar o excesso. Contudo, no caso em tela, há outras circunstâncias que também o evidenciam. Isso porque não houver, como alegou o autor, a apresentação de uma planilha de custos que corroborasse a necessidade desse aumento (em que pese isso possa ou deva ser feito na ação prin-cipal). Da mesma forma, como bem salientou o autor na petição inicial, o aumento do preço do ingresso não ocorreu na mesma medida que a renda real do trabalhador no Brasil. (Paraná, 2004b)

4.2 Ministério Público rJ X FederAção de Futebol do estAdo do rio de JAneiro (2007)

A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), em conjunto com os clubes que disputam o campeonato, decidiram que os ingressos para o Campeonato Carioca de 2007 tivessem um aumento de 100% com relação aos preços praticados no ano anterior.

Em que pese à época a decisão ter sido tomada pelo presidente da FERJ, Sr. Rubens Lopes, que, por decisão da Justiça do Rio, havia sido destituído do cargo, o que invalidaria o aumento, importante são as reflexões acerca da abusividade dessa majoração do preço do ingresso.

O Ministério Público ajuizou ação civil pública, em face da FERJ, pleiteando, entre outras coisas, a nulidade no reajuste do preço.

Na decisão quanto à antecipação dos efeitos da tutela, a Juíza Márcia Cunha de Carvalho, da 2ª Vara Empresarial, deferiu a liminar suspendendo o aumento dos ingressos das partidas do Campeonato Ca-rioca 2007. Em sua fundamentação, observou a ilegitimidade dos di-rigentes da FERJ na decisão que majorou o preço dos ingressos, mas destacou também que o aumento “foi excessivo e desproporcional e que os torcedores ficaram impossibilitados financeiramente de arcar com os custos dos ingressos” e que o alto número de manifestações dirigidas à ouvidoria do MP apontariam no sentido da abusividade do aumento (Lancepress, 2007).

Entre os diversos argumentos defendidos, o aumento encontrava óbice no art. 39, X, do CDC, e no não respaldo na conjuntura econô-mica do País, vez que nenhum dos índices que medem a inflação teria atingido patamar tão alto.

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Na sentença, a juíza declarou a nulidade do reajuste do preço dos ingressos das partidas do campeonato carioca de futebol da primeira divisão de profissionais de 2007 e, ainda, condenou a Federação ao pagamento de indenização aos torcedores que pagaram a mais pelos ingressos indevidamente majorados, quantia essa que seria apurada em liquidação por artigos.

Insatisfeito com a decisão final, a FERJ interpôs apelação. No jul-gamento, o TJRJ manteve a decisão originária, reduzindo somente o va-lor dos honorários advocatícios:

No que tange ao mérito, pouco há a se considerar, pois com todas as evi-dências a tese recursal não tem qualquer guarida, já que em nossa atual realidade econômica, o reajuste dos ingressos em 100% (cem por cento) demonstra-se totalmente desproporcional, eis que não alicerçado em ne-nhuma justificativa a amparar o abusivo aumento. (Rio de Janeiro, 2008)

4.3 Procon-Pr X Atlético/Pr (2013)

Durante a disputa do Campeonato Brasileiro de 2013, a partir da 6ª rodada, o Atlético-PR resolveu aumentar em 50% o preço dos ingres-sos para o setor mais barato do estádio, passando a custar R$ 150,00.

Atento, o Procon/PR, considerando o aumento abusivo, notificou o clube exigindo explicações para a referida mudança. Após a justifica-tiva, o Procon analisaria o caso e, constatada a violação dos direitos do consumidor, poderia aplicar uma multa que variaria de R$ 400 a R$ 6 milhões (Araújo, 2013).

Em justificativa, o Atlético/PR afirmou que o encarecimento no preço dos ingressos ocorreu, basicamente, por conta de três fatores: (I) investimentos realizados na obra do Estádio Joaquim Américo, em razão de sua reforma para a Copa do Mundo; (II) custo de locação do estádio do Paraná Clube (Vila Capanema) durante a reforma do seu pró-prio estádio; (III) baixo número de novas adesões no plano de sócios torcedores (Procon, 2013).

A intervenção do Procon/PR parece ter surtido efeito: na rodada seguinte, o Atlético-PR fixou o preço do seu ingresso em R$ 120,00.

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4.4 FlAMengo X Atlético/Pr (2013)

Na final da Copa do Brasil de 2013, o alto valor dos ingressos co-brados pelo Clube de Regatas Flamengo para a partida decisiva voltou à tona. Atento, o Procon do Estado do Rio de Janeiro convocou o clube para explicar as razões que motivaram o aumento.

Consta do site da referida instituição:

A Secretaria de Estado de Proteção e Defesa do Consumidor (Seprocon), através do Procon/RJ, emitiu convocação neste segunda-feira, 11 de no-vembro, para que representes do Clube de Regatas do Flamengo compa-reçam à sede da secretaria na quarta-feira (13/11) para explicar a razão do aumento do preço dos ingressos para a decisão da Copa do Brasil, contra o Atlético-PR, no Maracanã, no dia 27 de novembro. No docu-mento, o Procon/RJ pede, ainda, que os representantes apresentem a pla-nilha dos custos do jogo para verificar se não houve majoração abusiva no (sic) preços das entradas.

Na semifinal da Copa do Brasil jogada pelo Flamengo no mesmo Mara-canã, o preço da entrada inteira variou entre R$ 100 e R$ 280. Já com vistas à final da competição, os ingressos, que começaram a ser vendidos hoje, estão com um valor bem maior: o mais barato custa R$ 250 e o mais caro, R$ 800. Além disso, os sócio-torcedores terão desconto de apenas 40% nos ingressos, quando normalmente essa redução é de 50%.

“É até compreensível um aumento de valor nos ingresso (sic) para a final. O bom-senso seria uns 10%. Por isso, é lamentável querer ganhar tanto com o torcedor justamente agora”, afirmou a secretária de Estado de Pro-teção e Defesa do Consumidor, Cidinha Campos, que questionou tam-bém a redução no desconto para o sócio-torcedor: “Não podem anunciar que o sócio-torcedor tem sempre um determinado desconto, e em um grande esse benefício ser reduzir”.

Caso não houvesse acordo, o Procon/RJ estaria disposto a ajuizar uma ação civil pública, com pedido de liminar, requerendo a suspensão da venda dos ingressos, a solicitação para que fossem estipulados preços razoáveis, além da devolução do dinheiro referente aos ingressos que já houvessem sido comercializados. Ainda, haveria a possibilidade de bloqueio da renda e aplicação de multa de até R$ 7 milhões de reais. Da mesma forma, prontamente, agiu o Ministério Público (MP) abrindo um inquérito (Nascimento, 2013).

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Diante do impasse, tanto o Procon/RJ quanto o MP ajuizaram ação requerendo a diminuição dos valores no preço dos ingressos.

Em ação movida pelo MP, o Juiz Marcello Rubioli, do Juizado Adjunto do Torcedor e Grandes Eventos da 02ª Vara Cível da Ilha de Go-vernador, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, concedeu liminar determinando que o preço dos ingressos fosse aumentado em 100% sobre os preços praticados na partida da semifinal.

Destaca-se a fundamentação do magistrado que entendeu ser abu-sivo o aumento realizado pelo Flamengo (em alguns setores até 400%), sustentando que o quantum de 100% se baseava na diferença de preços praticada entre a semifinal e final da Copa do Mundo do Brasil, que não chegava a 90%.

Por fim, concluiu:

A incidência de um aumento em percentual tão elevado só poderia ser aceita mediante prévia disponibilização, aos torcedores consumidores e aos órgãos de defesa e proteção dos mesmos, das planilhas de custos e da forma como foram elaborados os cálculos que tenham embasado a estipulação do reajuste ora cobrado. (Corrêa, 2013)

Posteriormente, em Mandado de Segurança impetrado pelo Flamengo, o TJRJ entendeu ser incompetente o Juizado Especial para julgar uma ação civil pública, extinguindo o processo sem o exame do mérito (Rio de Janeiro, 2013a).

O Procon/RJ também ajuizou ação civil pública, entretanto, pe-rante a 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, requerendo, em sede de antecipação dos efeitos da tutela de mérito, que, tendo em vista o princí-pio da razoabilidade, o aumento dos preços dos ingressos se limitassem a 30%, bem como o bloqueio judicial da renda líquida da partida final para garantir o ressarcimento dos torcedores. A liminar não foi concedi-da, pois o juiz não vislumbrou a presença do fumus boni iuris.

Segundo o magistrado:

A precificação, no caso concreto, depende da análise mais aprofundada, sendo questionável até que ponto deve o Poder Judiciário imiscuir-se na quantificação do que é ou não razoável no que tange ao valor do ingres-so, considerando-se a natureza privada da atividade. (Flamengo, 2013)

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Insatisfeito com a decisão, o Procon/RJ interpôs agravo de instru-mento sustentando que o aumento realizado pelo Flamengo no preço dos ingressos era abusivo, o que afrontaria diretamente o disposto no art. 6º, IV, do CDC.

O TJRJ manteve a decisão do juízo a quo:

A questão de fundo (razoabilidade ou não do preço do ingresso para a final da Copa do Brasil) constitui matéria de fato que requer análise valorativa aprofundada, não sendo possível compreender, desde logo, mediante cognição perfunctória, pela presença de verossimilhança na hipótese. (Rio de Janeiro, 2013b)

Ainda, não vislumbrou a existência do periculum in mora por en-tender que, ao final, caso a ação fosse julgada procedente, o ressarci-mento poderia ser feito em rendas futuras.

Atualmente, o processo encontra-se na “fase” de especificação de provas.

5 MODALIDADES DE MAJORAÇÃO NO PREÇO

A majoração no preço do ingresso em uma partida de futebol pode se apresentar de duas formas: (I) o preço do ingresso pode aumentar como um todo, sofrendo um reajuste, podendo ocorrer tanto no curso de um campeonato, quanto entre uma temporada e outra; (II) ou em razão de um determinado jogo, dada a sua importância, especificidade.

Ora, as razões que justificam o aumento do ingresso nas duas si-tuações colocadas anteriormente são diferentes, portanto, a análise tam-bém tem que ser feita de forma distinta.

5.1 no curso de ou entre uMA teMPorAdA e outrA

Nesta forma, basicamente, há todo um estudo que se faz, ou deve-ria se fazer, para que se estipule quanto custará o ingresso em uma deter-minada temporada. Análise essa que perpassa pelo grau de importância do campeonato (campeonato regional, Copa do Brasil, Séries A, B, C, D; Libertadores etc.), do clube, pela comodidade e segurança oferecida pelo estádio, pelo planejamento orçamentário, conjuntura socioeconô-mica do País etc.

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O aumento de 100% no valor dos ingressos realizados pelo Atlético/PR em 2004 e no Campeonato Carioca de 2007, e o de 50% pretendido pelo mesmo Atlético/PR, durante o Brasileirão 2013, de-monstraram, no mínimo, a falta de planejamento dos clubes e entidades administrativas, que não souberam ou não realizaram um estudo para determinar o preço dos seus ingressos, pois, em ambas as situações, não restou demonstrado nenhum fator extraordinário que justificasse um au-mento tão significativo de forma repentina.

5.2 eM rAzão de uM Jogo esPecíFico

A justificativa aqui se restringe, exclusivamente, pela importância de uma determinada partida em específico, seja em razão da inaugura-ção de um estádio, do adversário (se se trata de um clássico ou não), ou por ser uma final de campeonato, entre outros.

Qualquer análise que se faça tem que levar em conta as especifi-cidades da atividade, no caso, do futebol.

Por exemplo, um time que a cada fase de um “mata-mata” aumen-te o valor do ingresso em R$ 50,00. Caso, diante de um jogo decisivo, visando atrair mais torcedores, opte por manter o preço dos ingressos ou até mesmo reduzi-los, fazendo uma promoção. Não seria nenhum absurdo se, na fase seguinte, ele cumulasse dois aumentos e cobrasse R$ 100,00 a mais no ingresso se comparado à fase anterior. Portanto, todas essas peculiaridades também devem ser levadas em consideração.

O que não se pode admitir é que entre uma fase e outra haja ele-vação no preço manifestamente abusiva, como forma de se transferir um provável mal planejamento para o torcedor. Há que se respeitar o princípio da razoabilidade.

Convém destacar que, a longo prazo, pelo menos com relação aos grandes clubes, essa discussão tende a, cada vez mais, se tornar inócua. O programa de sócios torcedores faz com que o clube, em razão da se-gurança de se receber um valor determinado todo mês/ano, abra mão de obter uma renda extraordinária em um determinado jogo.

Ou seja, no programa de sócios ideal, que já existe em alguns clubes europeus, não haveria mais venda de ingresso, pois todos os se-tores do estádio já estariam ocupados pelos sócios torcedores que teriam

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acesso livre a todos os jogos. E o reajuste na renda se limitaria a um au-mento na mensalidade/anuidade.

Se, na final da Libertadores de 2013, todos os setores do estádio fossem ocupados pelos sócios torcedores do Atlético, a renda não ultra-passaria R$ 3 milhões2.

CONCLUSÃO

Não se pretende, de forma alguma, impedir com que os clubes se aproveitem dos bons resultados conquistados dentro de campo, como forma de aumentar os rendimentos, principalmente se considerarmos que a atual situação econômico-financeira dos clubes brasileiros exigem a obtenção do “maior lucro possível”.

Entretanto, não pode haver abuso, excesso nessa majoração, sob pena de afrontar o CDC. O que se defende aqui é que, em quaisquer das situações, existem limites quanto ao aumento do preço dos ingressos, e que a determinação desse quantum dependerá do caso concreto, não podendo ser imputado nenhum valor objetivo.

Os clubes devem se atentar para o fato de que a elevação no pre-ço dos ingressos não pode ocorrer de maneira abrupta, sem nenhum critério. Novamente, bate-se na tecla do profissionalismo na gestão do futebol, e de como isso pode interferir diretamente na relação torcedor/cliente e clube.

No outro diapasão, resta aos órgãos de fiscalização, Procons, Mi-nistério Público, efetivamente, contribuírem em resguardar os interesses dos torcedores-consumidores, e não somente se aproveitarem de um ou outro caso específico, que ganha grande notoriedade na mídia, como forma de autopromoção pessoal ou institucional.

O aumento injustificado nos preços de ingressos em uma partida de futebol não pode ser analisada de forma fria, calculista ou descontex-tualizada. Há que se levar em consideração, sobretudo, todas as pecu-liaridades intrínsecas ao desporto de alto rendimento, principalmente, o futebol.

2 Cálculorealizadocombasenoborderôoficialdojogoqueinformaquecadasócio,namodalidadeGalonaVeiaBlack,queéoquedálivreacessoatodososjogos,pagouoequivalenteaR$50,00poringresso.

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O que se deseja, em última análise, é resguardar o interesse do tor-cedor, sem que isso tome as vezes de uma interferência estatal na gestão do clube, e estabelecer esse limite é o desafio.

REFERÊNCIAS

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CORRÊA, Douglas. Justiça determina que Flamengo reduza preço de ingressos da final da Copa do Brasil. Agência Brasil, Brasília, 14 nov. 2013. Disponível em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-11-14/justica-de-termina-que-flamengo-reduza-preco-de-ingressos-da-final-da-copa-do-brasil>. Acesso em: 19 nov. 2014.

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Parte Geral – Doutrina

Considerações sobre a Aplicação do Princípio da Consunção no Direito Desportivo

REGIS FERNANDO FREITAS DA SILVAAdvogado, Pós-Graduando em Direito Desportivo e Processo Civil e Direito Civil.

O Princípio da Consunção e/ou Absorção, o qual tem sua origem no direito penal, é amplamente aplicado no Direito Desportivo, e o visua lizamos em decisões dos Tribunais de Justiça Desportiva no País.

Essa aplicação dá-se no momento de mensuração das penas das infrações disciplinares, principalmente tendo em vista a característica especial do Direito Desportivo: a de ser um Direito Híbrido.

Antes de adentrar no âmbito desportivo, faz-se necessário tra-zer alguns conceitos que tratem desse princípio, pois facilitam a eluci- dação.

O conflito de normas nos ordenamentos jurídicos sempre foi pau-ta de estudos e discussões. Podem ocorrer situações complicadíssimas envolvendo a interpretação de Lei quando ocorre colisão de normas válidas na resolução de casos concretos, principalmente no âmbito do direito penal, no qual, muitas vezes, há um conjunto de infrações-meio, contidas em uma infração-fim.

Justamente nessas hipóteses que a aplicação do Princípio da Con-sunção faz-se necessária, principalmente quando os ilícitos estão interli-gados para a concretização de um mesmo fim.

Para auxiliar na travessia destas turvas águas, resumidamente, a intenção é trazer explanação sobre diversos conceitos de Direito Penal para se compreender melhor esse instituto tão importante no ordena-mento jurídico brasileiro, que, como já dito, vem sendo utilizado em outras esferas.

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O conflito aparente de normas, de acordo com Luiz Flávio Gomes, é “quando duas ou mais leis penais (ou dois ou mais artigos de lei) vi-gentes são aplicáveis para mesma infração”1, ou seja, “o requisito para a identificação de tal conflito é a existência de um ato único, para o qual se comina pena em duas ou mais normas”.

A resolução desses conflitos entre regras se dá pelo princípio da consunção/absorção com o fundamento de que o ordenamento jurídico está impedido de punir em duplicidade seus jurisdicionados pelo mes-mo ilícito.

Luiz Regis Prado entende que,

pelo critério, princípio ou relação de consunção, determinado crime (norma consumida) é fase de realização de outro crime (norma consun-tiva) ou é uma regular forma de transição para o último – delito pro-gressivo. Isso significa, na primeira modalidade, que o conteúdo do tipo penal mais amplo absorve o de menor abrangência, que constitui etapa daquele, vigorando o princípio major absorbet minorem. Desse modo, os fatos não se acham em relação de species a genus, mas de minus a plus, de parte a todo, de meio a fim.2

Ainda acerca do princípio da consunção, Rogerio Greco assevera que é aquele segundo o qual a conduta mais ampla engloba a outra, ou seja, ela absorve outras condutas menos amplas, que normalmente são condutas de menor gravidade, que acabam sendo o meio necessário ou a normal fase de preparação ou de execução de outro crime, ou nos casos de antefato e pós-fato impuníveis3.

Esta aplicação se dá, conforme explicita Damásio de Jesus, lecio-nando sobre soluções para o conflito de normas, pela desconsideração do delito preparatório: “nestes casos, a norma incriminadora que descre-ve o meio necessário, a normal fase de preparação ou execução de outro crime, ou a conduta anterior ou posterior, é excluída pela norma a este relativa. Lex consumens derogat legi consumptæ”4.

1 GOMES,LuizFlávio.Direito penal:partegeral.2.ed.rev.atual.SãoPaulo:RevistadosTribunais:IELF,v.1,2004.

2 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5. ed. RT, v. 1. p. 233.3 GRECO,Rogério.Curso de direito penal–Partegeral.RiodeJaneiro:Impetus,2003.4 JESUS,DamásioEvangelistade.Direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1995. p. 99, § 1º.

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Por fim, o princípio da consunção tem como característica tentar di-rimir possíveis conflitos relacionados ao concurso aparente de normas pe-nais, pois tem o viés de absorver as condutas que servem como meio para a prática de um delito-fim, servindo como ponte para a prática do ato.

EXEMPLOS DE CASOS COM A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NO DIREITO DESPORTIVO

Após esse breve resgate ao conceito penal do princípio da consun-ção, fica mais clara sua aplicação no Direito Desportivo, no que tange às infrações disciplinares.

Nessa senda, é possível visualizar diversas situações de atos em uma partida de futebol que, quando chegam ao Tribunal de Justiça Des-portiva, são passíveis da aplicação desse princípio.

Podemos utilizar como exemplo o caso de um membro da co-missão técnica que invade o campo de futebol para impedir que a bola entre no gol. Aqui temos a invasão de campo, que tem pena prevista no art. 258-B do CBJD, e o ato do membro da comissão técnica que impede o gol, o que seria a atuação contrária à ética esportiva, e que tem pena prevista no art. 243-A do CBJD.

Faz-se mister dizer que o ato criou uma situação totalmente di-versa das regras do jogo. Ainda que tenha a autoria de um terceiro, a prática, sem dúvida, alterou o resultado do jogo.

Mesmo frente ao ato que inegavelmente alterou o resultado da partida, o árbitro não pode tomar nenhuma medida, como conceder o gol, por exemplo, porque o gol efetivamente não aconteceu. Neste caso, tendo a bola batido em terceiro, não pertencente a nenhuma das equipes; restaria ao árbitro paralisar a partida, ao membro da comissão técnica ser expulso e o jogo recomeçaria com bola ao chão, salvo as exceções da regra5.

5 RegrasdeFutebol2013-2014.Regra3:Funcionáriosoficiaisdeumaequipe:“Otreinadoreosdemaisoficiaisincluídosnalistadejogadores(aexceçãodejogadoresesubstitutos)sãoconsideradosfuncionáriosoficiais.

Seofuncionáriooficialdeumaequipeingressanocampodejogo:

o árbitro deverá paralisar o jogo (mesmo que não imediatamente se o funcionário oficial da equipe nãointerferir no jogo ou se cabe aplicar uma vantagem);

o árbitroprovidenciaráa retiradado funcionário oficial do campode jogoe,no casode sua conduta serincorreta,oárbitrodeveráexpulsá-lodocampodejogoedesuasimediações;

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Neste caso, ao time prejudicado não restaria nenhuma alternativa além do ingresso com denúncia junto à Procuradoria de Justiça Despor-tiva, para que o caso fosse apreciado no Tribunal de Justiça Desportiva. Voltando à análise do exemplo citado, para bem demonstrar como se daria a aplicação do princípio da consunção na resolução deste proble-ma, necessário primeiro analisarmos cada uma nas normas punitivas en-volvidas no ato. O CBJD estabelece em seu art. 243-A que atuar de for-ma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente, é punível com multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze parti-das, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação6.

Por sua vez, o parágrafo único do mesmo artigo prevê o agrava-mento da pena, caso o infrator atinja o resultado pretendido7.

Vejamos o art. 258-B do CBJD. O referido artigo prevê que para aquele que invadir local destinado à equipe de arbitragem, ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização, inclusive no intervalo regulamentar, será aplicada pena de suspensão de uma a três partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se su-plente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão

seoárbitroparalisarapartida,deveráreiniciá-lacombolaaochãonolocalondeabolaseencontravaquandoojogofoiparalisado,amenosqueojogotenhasidoparalisadocomaboladentrodaáreademeta;nessecaso,oárbitrodeixarácairabolanalinhadaáreademetaparalelaàlinhademeta,nopontomaispróximodo local onde a bola se encontrava quando o jogo foi paralisado”.

6 Íntegradoartigo243-A:“Art.243-A.Atuar,deformacontráriaàéticadesportiva,comofimdeinfluenciaroresultadodepartida,provaouequivalente.(IncluídopelaResoluçãoCNEnº29de2009).PENA:multa,deR$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetidaaesteCódigo;nocasodereincidência,apenaserádeeliminação.(IncluídopelaResoluçãoCNEnº 29 de 2009)”.

7 “Parágrafoúnico.Sedoprocedimentoatingir-seoresultadopretendido,oórgão judicantepoderáanularapartida, prova ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de doze a vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta asetecentosevintedias,sepraticadaporqualqueroutrapessoanaturalsubmetidaaesteCódigo;nocasodereincidência,apenaserádeeliminação.”

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pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código8.

Observa-se que a pratica demonstrada no exemplo se enquadra perfeitamente à norma existente no art. 243-A. A invasão de campo, por um membro da comissão técnica que sequer é um jogador que estava escalado para atuar na partida, na tentativa de interferir no lance do gol é uma clara e cristalina manifestação de atuação contrária à ética des-portiva.

Todavia, a prática de invasão de campo também está contida no art. 258-B. Neste caso, seria justa a aplicação das duas penas? Ao que parece, uma justa saída para este caso perpassaria pela aplicação do princípio da consunção.

Explicando, fica muito claro que há uma concorrência de ilícitos, a invasão de campo e a atuação contrária à prática desportiva, existindo, assim, duas penas distintas para um único fato.

A pena para invasão de campo é mais branda, pois se resume à suspensão de uma a três partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comis-são técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural.

Já a pena para a prática de atuação contrária à ética esportiva tem previsão de pena muito mais severa, compreendendo multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se pratica-da por qualquer outra pessoa natural, podendo acarretar eliminação da competição em caso de reincidência, sendo que o mesmo dispositivo legal prevê a dobra dos prazos de suspensão, caso o objetivo pretendido

8 Redação original do art. 258-B: “Art. 258-B. Invadir local destinado à equipe de arbitragem, ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização, inclusive no intervalo regulamentar. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009). PENA: suspensão de uma a três partidas, provas ou equivalentes, sepraticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código.(IncluídopelaResoluçãoCNEnº29de2009).§1ºÉfacultadoaoórgãojudicantesubstituirapenade suspensãopeladeadvertência sea infração fordepequenagravidade. (IncluídopelaResoluçãoCNEnº 29 de 2009). § 2º Considera-se invasão o ingresso nos locais mencionados no caputsemanecessáriaautorização.(IncluídopelaResoluçãoCNEnº29de2009)”.

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com o ato contrário à ética desportiva seja atingido, podendo o órgão judicante, inclusive, anular a partida.

Nesse caso, a aplicação do princípio da consunção é totalmente necessária, pois a invasão de campo foi apenas o meio para atingir um fim, que no nosso exemplo era impedir que a equipe adversária realizas-se um gol no time do infrator membro da comissão técnica.

CASOS DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NA JUSTIÇA DESPORTIVA

A seguir, seguem julgados nos quais houve a aplicação do Prin-cípio da Consunção. Em um deles, o clube recorrente deixou de tomar providências que prevenissem o lançamento de objetos no campo, e assim acarretou o atraso do início da partida.

Temos aqui o lançamento de objetos no campo e o atraso da par-tida, pois o árbitro verificou a ocorrência desse lançamento, fato que motivou o atraso na partida.

Assim, em razão da aplicação do princípio da consunção, o atraso do início da partida foi absorvido pelo lançamento de objeto no campo de jogo, conforme segue o julgado:

PROCESSO Nº 115/2014 – Jogo: EC Bahia (BA) X Figueirense FC (SC) – categoria profissional, realizado em 14 de setembro de 2014 – Cam-peonato Brasileiro Série A – Denunciados: EC Bahia, entidade de prática desportiva, incursa no Art. 191, 213, III e 213, § 1º, todos do CBJD – Au-ditor Relator Dr. Lucas Rocha Lima.

RESULTADO: “Por maioria de votos, aplicar a perda de mando de cam-po de duas partidas com portões fechados ao EC Bahia cumulada com a multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por infração ao art. 213, III, § 1º, n/f do art. 183, ambos do CBJD, ficando absorvido o art. 191, III, do CBJD c/c art. 8º, IV e VIII do RGC. O pagamento da multa aplicada deve ser comprovada nos autos, no prazo de 07 (sete) dias, sob pena da imputação contida no art. 223, do CBJD”. Funcionou na defesa do EC Bahia o Dr. Paulo Rubens Máximo, que apresentou prova documental e requereu a lavratura do acórdão.

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No caso a seguir, também refere-se a uma situação parecida com o caso anterior que tratava de lançamento de objeto no campo de jogo, cominado com a desordem na praça de desporto. Segue decisão:

PROCESSO Nº 299/2013 – Recurso Voluntário – Recorrente: Paysandú

Sport Club – Recorrido: Terceira Comissão Disciplinar.

Auditor Relator: Dr. Paulo César Salomão Filho.

RESULTADO: “Por unanimidade de votos, se conheceu do recurso para

no mérito, dar lhe parcial provimento, para minorar as multas aplicadas

ao Paysandú Sport Club para R$ 25.000,00 (vinte cinco mil reais), mais

a perda de mando de campo por 3 (três) partidas, com portões fechados,

por infração ao art. 213 I, III n/f art. 183 – sendo absorvido o art. 191,

I – para R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por infração ao art. 205, e por

infração ao art. 211 multá-lo por R$ 5.000.00 (cinco mil reais), todos do

CBJD –. Sendo determinado o prazo de 7 (sete) dias para o cumprimento

da obrigação, sob pena das sanções previstas no art. 223 do CBJD”. Fun-

cionou na defesa Dr. Itamar Cortes e Dr. Alberto Maia.

CONCLUSÃO

Após a análise dos exemplos e observando os conceitos do princí-pio da consunção, percebe-se que esse é aplicável nas infrações discipli-nares desportivas. Isso além de verificar-se claramente que a aplicação do princípio da consunção é uma prática comum na Justiça Desportiva, mais ainda tendo em vista que muitas ocorrências no campo de jogo ou na prática da competição esportiva são atos concorrentes, e que alguns acabam sendo meio para o resultado de um único fato.

Ainda que trazido do Direito Penal, tal princípio tem grande sime-tria com o CBJD, pois as características das penas disciplinares esporti-vas se assemelham às punições penais.

Por fim, a aplicação do Princípio da Consunção tem aparecido diuturnamente nos Tribunais Desportivos, muito em razão do grande leque de penas desportivas que contém tanto o CBJD como nos regula-mentos das competições esportivas.

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REFERÊNCIAS

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Disponível em: <http://cdn.cbf.com.br/content/201312/20131209120000.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2015.

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: parte geral. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais: IELF, v. 1, 2004.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal – Parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.

JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1995.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5. ed. RT, v. 1.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://cdn.cbf.com.br/content/201507/20150709151309_0.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2015.

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Parte Geral – Doutrina

Contrato de Licença de Uso de Imagem de Atleta Profissional de Futebol

AFFONSO SAMUEL SALAPós-Graduando em Direito Desportivo pelo Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresa-riais – INEJE, Rio Grande do Sul.

RESUMO: O presente trabalho científico oferece e explora as peculiaridades dos Contratos de Licen-ça de Uso de Imagem do Atleta Profissional de Futebol. Fez-se uma comparação entre o contrato individual de trabalho e o contrato de trabalho desportivo, especificando as características do segun-do em relação ao primeiro, enfocando primordialmente a relação da imagem do atleta quanto aos conflitos entre o entendimento do direito de arena e do direito de imagem, assim como as maneiras com que tanto as entidades quanto os atletas buscam burlar a lei no que se refere ao contrato de licença de uso de imagem, prevendo menores gastos com tributos. O presente trabalho pretende construir um raciocínio demonstrando as diferenças dos contratos individuais de trabalho com re-lação ao contrato de trabalho desportivo, trazendo à tona as suas especificidades. Posteriormente abordou-se o Contrato de Licença de Uso de Imagem do Atleta Profissional de Futebol, explanando as características do direito civil incorporadas nelas, o direito de imagem em geral, o direito de imagem no direito desportivo, as diferenças quanto ao direito de arena e as formas com que clubes e atletas tentam burlar a lei.

PALAVRAS-CHAVE: Direito desportivo; contrato de licença de uso de imagem; atleta profissional de futebol; direito de personalidade; contrato de trabalho desportivo; direito de arena.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contrato de trabalho; 1.1 Contrato individual de trabalho; 1.2 Contrato de trabalho desportivo; 1.2.1 Características; 2 Contrato de licença de uso de imagem de atleta profis-sional de futebol; Conclusão, Referências.

INTRODUÇÃO

O futebol trata-se de um fenômeno social, e, como todos os gran-des fenômenos sociais, merece ser regulamentado e organizado, para que o andamento do mesmo ocorra da melhor maneira possível, portan-to, essas regulamentações não devem só abranger os praticantes como também os promotores dos eventos esportivos.

Entretanto, com esses eventos, os atletas tornam-se pessoas notá-veis, comparados a artistas, tanto pelo fanatismo dos torcedores quanto pelos admiradores do bom futebol. Com essa notoriedade, a contratação passa a ser mais um atrativo para o clube, que terá a imagem desse atleta

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vinculada à sua entidade. Podendo a imagem do atleta ser quantificada, ele e o clube fazem uma troca, em que o primeiro repassa o direito de exploração de sua imagem por meio do contrato de licença de uso de imagem ao clube e este fica no dever de fazer o uso da imagem do atleta relacionado à entidade, da forma que achar mais conveniente.

O tema do referido trabalho é o “contrato de licença de uso de imagem do atleta profissional de futebol”, estudando as repercussões de seus aspectos jurídicos quanto à Lei nº 9.615/1998 e ainda sobre o cará-ter das parcelas percebidas a título de direito de imagem.

O principal objetivo desse trabalho é a análise das peculiaridades referentes ao contrato de licença de uso de imagem do atleta profissional de futebol, identificando as diferenças entre os contratos individuais de trabalho e os contratos especiais de trabalho desportivo, especificando as características do contrato que rege o exercício do atleta profissional, diferenciando o direito de imagem do direito de arena com base na Lei nº 9.615/1998 e na doutrina, assegurando a observância do direito de personalidade no tocante ao direito de imagem, com base na Constitui-ção Federal de 1998 e no Código Civil de 2002.

Portanto, buscou-se relacionar o contrato individual de trabalho com o contrato de trabalho desportivo, elencando e explicando suas características e peculiaridades, tais como o vínculo de trabalho despor-tivo, a cláusula penal e o prazo determinado no contrato etc.

Ulteriormente examinou-se o contrato de licença de uso de ima-gem do atleta profissional de futebol, em todos os seus aspectos, con-ceituando o direito de imagem e o direito de arena, diferenciando-os, elucidando sua participação no ordenamento jurídico brasileiro e clari-ficando quanto à natureza da verba referente a esse direito.

Assim, iremos efetivar a abordagem do conteúdo de licença de uso de imagem do atleta profissional de futebol que, em seu começo, era apenas um esporte ou atividade física, tornando-se hoje um rentável comércio e relação jurídica que impõe o estado.

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1 CONTRATO DE TRABALhO

1.1 contrAto individuAl de trAbAlho

Essa modalidade de contrato é o que formaliza o vínculo de em-prego entre empregador e empregado. Na CLT está disposta no art. 4421, expressando que pode ser firmada na forma expressa ou tácita.

Na doutrina encontram-se vários conceitos; o doutrinador Maurício Godinho Delgado conceitua o contrato empregatício brilhan-temente:

[...] pode ser definido o contrato empregatício como o acordo de vonta-des, tácito, ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não even-tualidade, onerosidade e subordinação ao tomador. A definição, portan-to, constrói-se a partir dos elementos fáticos-jurídicos componentes da relação empregatícia, deflagrada pelo ajuste tácito ou expresso entre as partes.2

Da área desportista, Zainaghi, em um de seus livros, conceitua su-perficialmente dizendo que “o contrato de trabalho é o instrumento pelo qual uma pessoa física se obriga a prestar serviços de forma não even-tual, e subordinada, a uma pessoa jurídica ou a outra pessoa física”3.

Além da faculdade de ser feito na forma expressa ou tácita, o pacto pode ter um prazo para findar, os chamados contratos por prazo deter-minado ou a termo, ou sem prazo preestabelecido para o término do contrato, os chamados contratos por prazo indeterminado.

No que toca os contratos por prazo determinado, a menos comum, para o contrato ser pactuado, ele tem que respeitar uma das hipóteses elencadas no § 2º do art. 443 da CLT:

Art. 443. O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.

1 “Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação deemprego.”

2 DELGADO,MaurícioGodinho.Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 501.3 ZAINAGHI,DomingosSávio.Os atletas profissionais de futebol no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

p. 54.

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§ 1º Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

§ 2º O contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:

a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predetermina-ção do prazo;

b) de atividades empresariais de caráter transitório;

c) de contrato de experiência.

Além dessas hipóteses elencadas no artigo referido anteriormente, existe uma quarta circunstância em que se pode prefixar um prazo para o término do contrato, que “consiste nos contratos de duração prefixa-da tipificados por legislação extravagante à CLT, como ocorre com os contratos de atleta profissional de futebol, artista profissional e outros”4.

A outra é o contrato por prazo indeterminado, sendo este a regra, o motivo de esse contrato ser o mais usado é bem explicado por Vólia Bomfim Cassar:

O contrato a termo é considerado prejudicial ao trabalhador, seja por impedir sua inserção na empresa de forma permanente, refletindo no seu não comprometimento total com aquele emprego, seja por discriminá-lo frente aos demais empregados “efetivos”, pois normalmente o empre-gado dispensa tratamento distinto aos efetivos e aos “temporários”. O empregado contratado por prazo certo não “veste a camisa da empresa”, porque sabe que sua permanência naquele emprego é interna. O con-trato por prazo determinado traz ao trabalhador insegurança, já que tem ciência da data ou momento da extinção de seu contrato. Com isso, o tra-balhador busca todo o tempo nova colocação no mercado. Quanto mais curto o contrato por prazo determinado, mais nefasto ao empregado. Por conta disso, esta espécie de contrato constitui uma exceção ao princípio da continuidade de emprego.5

4 DELGADO,MaurícioGodinho.Op.cit.,p.535.5 CASSAR, Volia Bomfim. Direito do trabalho.6.ed.Niterói:Impetus,2012.p.603.

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Segue Vólia agora explicando o motivo de o contrato por prazo indeterminado ser o de maior benefício ao empregado:

Desta forma, não havendo prova ou cláusula a respeito, presume-se que o ajuste foi feito sem limite de tempo para sua duração, isto é, de vigência indeterminada, chamado pela CLT de contrato por prazo indeterminado. Esta presunção decorre do princípio da continuidade da relação de em-prego, que pressupõe que não faz parte dos interesses do homem médio o desejo pela vida nômade e instável, preferindo prosseguir numa mesma relação de emprego, sem prazo certo, que lhe proporcione alguma previ-sibilidade de gastos e vida social.6

Mesmo o contrato por prazo indeterminado sendo o de maior be-nefício ao empregado, no contrato de trabalho desportivo existem pecu-liaridades que fazem com que esse acordo seja firmado de forma dife-renciada do trabalhador comum.

1.2 contrAto de trAbAlho desPortivo

A legislação aplicada aos contratos de trabalho desportivo são a Lei Pelé e a CLT, adequando-se perfeitamente às circunstâncias em dis-cussão.

Assis Neto delimita quem são os praticantes do futebol que devem ser abrangidos pela legislação trabalhista pertinente ao esporte:

O atleta amador não é abrangido pelo direito do trabalho exatamente porque não é um profissional. A atividade de que desenvolve é recreati-va, destina-se ao seu lazer, não traz a marca de uma obrigação jurídica, daí porque não figura como parte de uma relação de emprego.

A relação jurídica que prende o jogador de futebol profissional ao clube é trabalhista. Trata-se, portanto, de um contrato de trabalho, regido pelas leis trabalhistas, pelas leis desportivas e pelos regulamentos da Fedéra-tion Internacional de Football Association (Fifa).7

Esse tipo de contrato ocorre de um acordo entre duas partes, o atleta profissional de um lado e a agremiação desportiva, “através de um

6 Idem, p. 603-604.7 ASSISNETO,SebastiãoJoséde.O desporto no direito.Araras:Bestbook,1998.p.38.

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pacto forma, no qual resta claro o caráter de subordinação de primeiro em relação a este último, mediante remuneração e trabalho prestado de maneira não eventual. Deve-se entender por formal como sendo o con-trato de natureza escrita”8.

O contrato de trabalho desportivo segue os mesmos fundamentos do contrato individual de trabalho, já estabelecidos pela CLT, porém, como se trata de um acordo especial, haverá algumas características peculiares necessárias para que as partes se vinculem contratualmente.

1.2.1 cArActerísticAs

Entre todas as características, existem algumas essenciais para que o contrato vincule efetivamente a parte contratante e a contratada (ou seja, se não houver uma dessas características, o vínculo é descaracteri-zado), particularidades essas pontuadas com maestria por Sá Filho:

a) existe o caráter da onerosidade, por se compensar os serviços presta-dos mediante remuneração;

b) contém natureza de subordinação, visto que há a questão do estado de obediência do atleta em relação ao adquirente dos direitos à utilização da sua atividade desportiva, ficando assim o jogador juridicamente subordinado ao clube de futebol;

c) há ainda o caráter de habitualidade, revelando a natureza não eventual da prestação de serviços pelo atleta; e

d) a prestação de serviços deve ser realizada pessoalmente, em virtude de o atleta não poder se fazer substituir por outrem para o cumprimento do seu contrato.9

A essas características somam-se os da alteridade, exclusividade, caráter consensualista, bilateralidade, entre outros, que são característi-cas básicas, também do contrato de trabalho individual.

A CLT prevê em seu art. 443 que o contrato de trabalho pode ser pactuado na forma verbal ou escrita, pois nesse ramo do direito prevale-

8 ZAINAGHI,DomingosSávio.Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 15-17.

9 SÁFILHO,FábioMendes.Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 46.

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ce o princípio da informalidade, porém, o contrato de trabalho desporti-vo, por se tratar de um contrato especial, não obedece a esse princípio, rechaçando a determinação celetista e cumprindo o disposto no art. 28 da Lei nº 9.615/1998, obrigando a ser firmado de forma escrita, impres-cindivelmente.

Sobre a necessidade de o contrato ser exclusivamente escrito, jus-tifica Sá Filho:

Essa previsão legal deve-se ao fato de que essa modalidade contratual está cercada de particularidades. Tal afirmação torna-se possível, pois, caso o contrato de trabalho firmado entre clube e atleta fosse de maneira verbal, minoraria qualquer segurança jurídica por parte do empregado e do empregador, se necessário fosse ingressar no Poder Judiciário, a fim de discutir os direitos e as obrigações as quais cada um se comprometeu a cumprir.10

O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol envolve o empregador desportivo e o atleta profissional de futebol.

A definição de empregador e empregado vem logo no caput dos arts. 2º11 e 3º12 da Consolidação das Leis do Trabalho, respectivamente, e, nesse sentido, Arnaldo Süssekind define o empregado:

qualquer indivíduo que faz de sua atividade-trabalho sua profissão, dela usufruindo os meios necessários à sua manutenção, é um trabalhador profissional. Se essa atividade for executada de forma contínua, em virtu-de de um contrato de trabalho subordinado, será ele também um empre-gado daquele que comandar a prestação de seus serviços e lhe pagar, em troca, os salários ajustados.13

Essas duas partes, ao firmarem o contrato, terão de determinar o prazo para o contrato viger, já que é de interesse tanto da entidade des-

10 Idem, p. 54.11 “Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade

econômica, admite, assalaria edirige aprestaçãopessoal de serviço. §1ºEquiparam-seao empregador,para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.”

12 “Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,sobadependênciadesteemediantesalário.”

13 SÜSSEKIND,Arnaldo.Direito constitucional do trabalho. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 100.

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portiva quanto do atleta que o mesmo seja feito a termo, uma vez que nesse período os atletas são regularmente assediados por outras equipes, e lhes oferecido salários e condições de trabalho melhores que a sua atual entidade desportiva, garantindo-lhes o cumprimento do contrato, ou, se ocorrer a rescisão, seja indenizado.

O contrato de trabalho desportivo com prazo determinado tem essa nomenclatura porque, ao firmarem o contrato, haverá necessaria-mente a obrigação de estar previamente estipulado o prazo em que vi-gorará aquele vínculo.

O prazo dos contratos dos atletas profissionais do futebol foi pri-meiramente estipulado pela Lei nº 6.354/1976, em que o tempo mínimo era de três meses e o máximo de dois anos, porém, com a criação da Lei Zico e da Lei Pelé, revogou-se o dispositivo que determinava o prazo supracitado, pelo artigo 30, caput, da Lei Pelé, o qual determina o prazo mínimo de vigência de três meses e o máximo em cinco anos.

O parágrafo único do mesmo artigo, que vige determinando a duração do contrato dos atletas profissionais de futebol, prevê uma in-compatibilidade referente ao art. 445 da CLT, o qual determina o prazo máximo da duração dos contratos por prazo determinado em geral por dois anos.

Outra distinção entre a CLT e a Lei Pelé se encontra nos arts. 451 e 452, ambos da Consolidação, os quais possibilitam tornar o contrato por prazo determinado em por prazo indeterminado, sendo essa previsão to-talmente incompatível com o contrato de trabalho desportivo, uma vez que é impossível, no ramo desportista, um contrato vigorar sem prazo determinado14.

O prazo abarcado no art. 3015 da Lei Pelé também será cumprido nos contratos de formação, assinados por jovens atletas com idade não inferior a 14 anos e nunca superior a 21 anos, com agremiações despor-tivas. Esse atleta receberá do clube formador um auxílio financeiro, sob a forma de contrato de aprendizagem, podendo ser pactuado livremente

14 SÁFILHO,FábioMendes.Op.cit.,p.56.15 “Art.30.Ocontratodetrabalhodoatletaprofissionalteráprazodeterminado,comvigêncianuncainferiora

três meses nem superior a cinco anos.”

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e sem gerar vínculo empregatício entre eles, conforme art. 29, § 4º, da Lei Pelé16.

Cabe aqui ressaltar que o atleta profissional, quando firma o con-trato com o clube, já se vincula de forma trabalhista com a agremiação, desta forma, o registro na federação competente é exigido para que o atleta esteja regularizado, dando-lhe condições legais de jogo, com a possibilidade de ser inscrito em qualquer competição pelo clube adqui-rente.

Quanto a isso, ressalta Zainaghi: “A obrigatoriedade do registro do contrato no Conselho Regional de Desportos e a inscrição nas entidades regionais e na CBF representam procedimentos de ampla garantia para ambas as partes, tendo em vista o caráter público da medida”17.

Portanto, a separação do vínculo empregatício e as condições de jogo se fazem necessárias, uma vez que a primeira se dá no momento em que o contrato é firmado, e a segunda com o registro desse contrato nas federações competentes.

O vínculo empregatício aparece no momento da assinatura do contrato entre atleta profissional contratado e agremiação desportiva contratante, fato que gera a obrigação da instituição a pagar salários, resultantes da relação empregatícia.

Para que o vínculo de trabalho seja efetivamente reconhecido, o contrato tem que ser feito de forma escrita, subordinando o atleta para com o clube adquirente, por ele ser pago para prestar seus serviços con-tratados na relação jurídica.

Vale ressaltar aqui que apenas o contrato de atletas profissionais de futebol gerará o vínculo de emprego; o contrato de formação, que é assinado quando o atleta está em processo de formação, nas categorias de base dos clubes, não gera tal vínculo.

16 “Art.29.Aentidadedepráticadesportivaformadoradoatletateráodireitodeassinarcomele,apartirde16(dezesseis)anosdeidade,oprimeirocontratoespecialdetrabalhodesportivo,cujoprazonãopoderásersuperior a 5 (cinco) anos.

[...]

§ 4ºO atleta não profissional em formação,maior de quatorze emenor de vinte anos de idade, poderáreceberauxíliofinanceirodaentidadedepráticadesportivaformadora,sobaformadebolsadeaprendizagemlivremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vínculo empregatício entre as partes.”

17 ZAINAGHI,DomingosSávio.Os atletas profissionais..., p. 63.

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Já o vínculo desportivo, ou a condição de jogo, é um vínculo com-plementar ao empregatício, uma vez que concerne basicamente no re-gistro do contrato de trabalho na federação à qual o clube é filiado, ou a confederação nacional.

Com tal registro, o atleta profissional já está vinculado desportiva-mente ao clube, podendo, a partir de então, participar de competições18.

Outra peculiaridade muito importante dos contratos de trabalho que surgiu em 2011, por meio da Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, foram as Cláusulas Indenizatórias e as Cláusulas Compensatórias.

A cláusula indenizatória desportiva está disposta no art. 28, I, § 1º19, em que se limita a multa a ser paga em transferências nacionais, podendo ser livremente pactuadas, porém não excedem a duas mil ve-zes o salário contratual, e em transferências internacionais a multa não tem um limite máximo, podendo ser fixado pelo valor que bem entender o clube.

Já a cláusula compensatória desportiva está explicada no art. 28, II, § 3º20, que refere a multa que a agremiação terá de pagar ao atleta, em caso de rompimento do contrato, abordados no art. 28, § 5º, III e V21, que são os decorrentes de inadimplemento salarial e por dispensa imo-tivada, conhecida como multa rescisória, que será pactuada livremente entre as partes no momento da feitura do contrato, sendo essa limitada a quatrocentas vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão

18 SÁFILHO,FábioMendes.Op.cit.,p.61.19 “Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de

trabalhodesportivo,firmadocomentidadedepráticadesportiva,noqualdeveráconstar,obrigatoriamente:I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidadedeprática desportiva à qual estávinculadooatleta,nasseguinteshipóteses:[...]§1ºOvalordacláusulaindenizatóriadesportivaaqueserefereoincisoIdocaputdesteartigoserálivrementepactuadopelasparteseexpressamentequantificadonoinstrumentocontratual:I–atéolimitemáximode2.000(duasmil)vezesovalormédiodosaláriocontratual,paraastransferênciasnacionais;II–semqualquerlimitação,paraastransferênciasinternacionais.”

20 “Art.28.[...]II–cláusulacompensatóriadesportiva,devidapelaentidadedepráticadesportivaaoatleta,nashipótesesdosincisosIIIaVdo§5º.[...]§3ºOvalordacláusulacompensatóriadesportivaaqueserefereoincisoIIdocaputdesteartigoserálivrementepactuadoentreasparteseformalizadonocontratoespecialdetrabalhodesportivo,observando-se,comolimitemáximo,400(quatrocentas)vezesovalordosaláriomensalnomomentodarescisãoe,comolimitemínimo,ovalortotaldesaláriosmensaisaqueteriadireitooatletaaté o término do referido contrato.”

21 Art.28.[...]§5ºOvínculodesportivodoatletacomaentidadedepráticadesportivacontratanteconstitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendonaturezaacessóriaaorespectivovínculoempregatício,dissolvendo-se,paratodososefeitoslegais:[...] III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de práticadesportivaempregadora,nostermosdestaLei;[...]V–comadispensaimotivadadoatleta.”

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e um limite mínimo que será a soma dos salários que o atleta receberia até o final do contrato.

Uma das lacunas da Lei nº 12.395/2011 foi a não inclusão de previsões para a dispensa por justa causa ou motivada pelo jogador, podendo ter pontuado cada forma de extinção contratual também pro-porcionada pelo atleta.

A solução não fugiria das dispensas motivadas pelo empregado, determinadas nos casos de contrato a termo na justiça trabalhista co-mum, porém teríamos pontuado tais formas na legislação especificada-mente desportiva.

2 CONTRATO DE LICENÇA DE USO DE IMAGEM DE ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL

Visto todos os detalhes do contrato, podemos analisar com mais propriedade o contrato de licença de uso de imagem de atleta profissio-nal de futebol desde as suas primeiras aparições até os dias de hoje.

Introduziremos o tema falando dos direitos de personalidade que são direitos subjetivos, íntimos do sujeito, tendo por objetivo a tutela dos bens e valores essenciais da pessoa, tanto no âmbito físico quanto no moral e intelectual22.

Este direito emana da dignidade da pessoa humana, tutelado pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III23, estando vincu-lado ao titular desse direito de maneira perpétua.

Há uma discussão sobre a partir de qual momento passa-se a se ter direito à personalidade. A teoria da concepção afirma que esses di-reitos estarão vinculados desde o momento da concepção, protegendo aos embriões ou nascituros. Por outro lado, existe a teoria natalista, esta adotada pelo Código Civil de 2002, que determina que a personalidade se inicia no nascimento com vida24.

22 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 283.23 “Art.1ºARepúblicaFederativadoBrasil, formadapelaunião indissolúveldosEstadoseMunicípiosedo

DistritoFederal,constitui-seemEstadoDemocráticodeDireitoetemcomofundamentos:[...]III–adignidadeda pessoa humana; [...].”

24 NADER,Paulo.Curso de direito civil: parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 146.

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Outrossim, segue até mesmo após a morte, como o prorrogação do direito ao corpo vivo. Por motivo de religião, que realiza um culto aos mortos, o direito ampara o de cujus, com tutelas referentes à digni-dade da pessoa humana e à prática de cerimônias fúnebres25.

Quanto às características, o art. 1126do Código Civil de 2002 dis-põe tratar-se de direitos intransmissíveis, pois não podem ser transferidos a outrem, irrenunciáveis, por não poder passar da pessoa do titular e não podendo ser limitado voluntariamente.

Essas características são as dispostas no Código Civil, porém, na doutrina são descobertas outras características como oponível erga omnes, indisponível, impenhorável, imprescritíveis.

A primeira característica encontra-se junto ao direito de persona-lidade por tratar de um direito absoluto, ou seja, que se opõe a todos, atribuindo à coletividade o dever de respeitá-los.

Indisponível, visto que, ainda por vontade própria, o direito de imagem não pode mudar de titular, porém, sua cessão pode ocorrer por intermédio do contrato de licença de uso de imagem, que definirá as verbas a serem pagas e as formas com que a imagem será usada.

São impenhoráveis e imprescritíveis, “não se extinguindo nem pelo uso, nem pela inércia na pretensão de defendê-los, e são insuscetí-veis de penhora”27.

Esse direito tutela amplamente os aspectos pessoais do ser huma-no, como o corporal, interior e exterior, sendo defesos pela Constituição Federal de 1988, sendo inclusive cláusula pétrea, estando entre o rol de Direitos e Garantias Fundamentais, dispostos pela mesma no art. 5º28, inciso X.

25 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade.6.ed.RiodeJaneiro:ForenseUniversitária,2003. p. 91.

26 “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis,nãopodendooseuexercíciosofrerlimitaçãovoluntária.”

27 DINIZ,MariaHelena.Curso de direito civil brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 120.28 “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade,nostermosseguintes:[...]X–sãoinvioláveisaintimidade,avidaprivada,ahonraeaimagemdas pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...].”

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Ainda em sede dos direitos de personalidade, são tutelados da mesma forma pelo Código Civil de 2002, abordado nos arts. 1129 e 1230.

O objetivo dessas proteções, tanto constitucionais como civis, é explicado com exatidão por Bittar, sendo:

proteção eficaz à pessoa humana, em função de possuir, como objeto, os bens mais elevados do homem. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que deles se despoje o titular, emprestando-lhes cará-ter essencial. Daí, são, de início, direitos intransmissíveis, indispensáveis, restringindo-se a pessoa do titular e manifestando-se desde o nascimento.31

Desses direitos personalíssimos temos o direito de imagem, que compreende características as quais diferenciam cada um dos seres hu-manos, sendo uma das principais projeções da personalidade jurídica.

O direito de imagem é classificado como um dos direitos à per-sonalidade, caracterizado como extrapatrimonial, de caráter personalís-simo, tem a finalidade de proteger a pessoas de alguma publicação ou divulgação da sua imagem, de forma indevida, ofendendo sua dignidade e sua vida privada.

Como a tecnologia não para de avançar, a cada dia é mais fácil transmitir imagens por meio de eletrônicos, fazendo com que qualquer pessoa vire presa inofensiva e possa ter sua honra desrespeitada a qual-quer momento.

O doutrinador Carlos Alberto Bittar, falando sobre o Direito de Imagem, refere:

O direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos com-ponentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identifica no meio social.32

29 “Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis,nãopodendooseuexercíciosofrerlimitaçãovoluntária.”

30 “Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

31 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos de personalidade.2.ed.RiodeJaneiro:ForenseUniversitária,1995. p. 87.

32 Idem, p. 88.

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Está pacificado entre os doutrinadores que se trata o direito de imagem um direito autônomo, sendo protegido individualmente, sem necessariamente haver a lesão de outro direito para ser o dano reparado.

A doutrinadora civilista Maria Helena Diniz elucida dizendo que

o direito de imagem é autônomo, não precisando estar em conjunto com a intimidade, a identidade, a honra, etc., embora possam estar em certos casos tais bens a eles conexos, mas isso não faz com que sejam partes integrantes em do outro. Não se pode negar que o direito à privacidade ou à intimidade é um dos fundamentos basilares do direito à imagem, visto que seu titular pode escolher como, onde e quando pretende que sua representação externa (imagem-retrato) ou sua imagem-atributo seja difundida.33

Portanto, trata-se de um direito à personalidade autônomo, ou seja, um direito individual, independente dos outros direitos, vindo a figurar ineditamente na Constituição Federal de 1988.

Com o advento do Constituição Federal de 1988, o direito de ima-gem foi regulado como um dos direitos de personalidade, que está am-parado no art. 5º, incisos V, X, e XXVIII, alínea a.

Esse direito é elevado ao patamar de Cláusula Pétrea, levando em consideração o que dispõe o art. 60, § 4º, inciso IV34, uma vez que está entre os direitos fundamentais, e incluído no título de direitos e garantias individuais.

À luz do direito de personalidade, declara Carlos Alberto Bittar: “Os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstas no ordenamento jurídico exata-mente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, intimida-de, honra à intelectualidade e outros tantos”35.

Tal direito deriva da dignidade da pessoa humana, sendo ligado fortemente com a condição humana. Esses direitos tutelam a pessoa em

33 DINIZ,MariaHelena.Direitoàimagemesuatutela.In:BITTAR,EduardoC.B.;CHINELATO,SilmaraJuny(Coords.). Estudos de direito do autor, direito da personalidade, direito do consumidor e danos morais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 84.

34 “Art.60.AConstituiçãopoderáseremendadamedianteproposta:[...]§4ºNãoseráobjetodedeliberaçãoapropostadeemendatendenteaabolir:[...]IV–osdireitosegarantiasindividuais.”

35 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos de personalidade. 2. ed..., p. 85.

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seus aspectos corporais (corpo, nome, voz), interior (intimidade, privaci-dade, honra subjetiva e objetiva) e exterior (imagem e reputação).

O art. 5º, inciso XXVIII, alínea a, da Constituição Federal, citado anteriormente, serviu para atualizar o conceito que se tinha de direito de arena, deixando de ser um direito autoral, para proteger a participação individual do atleta em obra coletiva nas atividades desportivas.

No atual Código Civil de 2002, o direito de imagem vem expresso no art. 20:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmis-são da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Alguns doutrinadores negam a definição imposta pelo Código Ci-vil, argumentando que afronta a Constituição Federal; um exemplo é o que diz Regina Sahm: “Enquanto a Constituição de 1988 os contempla em sua autonomia e amplitude, o Código Civil os restringe com exceção da consagração de um direito geral de personalidade por meio de uma cláusula geral”36.

Portanto, tal interpretação dada pelo Código Civil de 2002, está desatualizada, afrontando inclusive a Constituição Federal, do modo que a mínima exposição da imagem da pessoa, sem qualquer tipo de autorização, mesmo sem ter ferido sua respeitabilidade, honra ou boa fama, gera o dever de indenizar. A parte final do mesmo artigo também contraria a Constituição, além da jurisprudência e a doutrina majoritária, pois a demonstração da imagem de alguém, inclusive para fins institu-cionais, possibilita o ofendido a ter esse dano reparado37.

A apreciação à imagem do jogador não começou há pouco tempo, ela vem desde muito antes de as partidas serem transmitidas pela televi-são, quando as partidas eram veiculadas somente pelos rádios, era feita

36 SAHM, Regina. Direito à imagem no direito civil contemporâneo:deacordocomonovoCódigoCivil,Lei nº 10.406 de 10.01.2002. São Paulo: Atlas, 2002. p. 237.

37 DONINI, Odivaldo. Imprensa livre, dano moral, dano à imagem, e sua qualificação à luz do novo Código Civil. São Paulo: Método, 2002. p. 63.

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a exteriorização dos jogadores que se sobressaíam dentro dos campos, para os espectadores que estavam em casa, somente ouvindo o jogo.

Deste período, temos o exemplo clássico de Leônidas da Silva, que foi considerado o melhor jogador da Copa do Mundo de Seleções do ano de 1938, atuando pelo Brasil, tendo sido exteriorizada a “imagem” do atleta pelo rádio. Após retornar ao País, foi contatado pela empresa de Lacta, para que fechasse o contrato para a produção do conhecidíssi-mo “Diamante Negro”, apelido de Leônidas da Silva38.

Outro exemplo que podemos dar, esse com um significativo hu-manitário imenso, é o de Ronaldo Nazário, primeiro brasileiro a receber o título de embaixador da ONU, que cede sua imagem para campanhas na luta pela paz, promovidas pela entidade desde 1998, e que faz visitas a regiões de conflitos armados, como Kosovo, Israel etc.39.

Diante dos casos de sucesso, os clubes viram uma oportunidade de potencializar suas receitas divulgando sua marca pela popularidade de seus atletas e a partir de então começaram a serem firmados esses contratos de licença de uso de imagem.

O contrato que será feito para a concessão do uso da imagem é o de licença de uso de imagem, uma vez que não é a imagem o objeto do contrato e sim a licença de uso.

Para que o acordo quanto à imagem do atleta esteja correto, o contrato de licença de uso de imagem tem de ser firmado, e, por se tratar de intransmissibilidade, deve-se prestar atenção às cláusulas referentes ao uso da imagem, uma vez que só será válida se estabelecer o uso de-terminado e temporário da imagem.

Bittar explica como deve ser feito o contrato de licença de uso de imagem:

Os contratos devem especificar a finalidade, as condições do uso, o tem-po, o prazo e demais circunstâncias que compõem o conteúdo do negó-cio, interpretando-se restritivamente, ou seja, permanecendo no patrimô-nio do licenciante outros usos não enunciados por expresso. Não podem

38 JOGADORde futebolbrasileiro:LeônidasdaSilva.Disponívelem:<http://educacao.uol.com.br/biografias/leonidas-da-silva.jhtm>. Acesso em: 6 abr. 2013.

39 AVOLTAdofenômeno.Disponívelem:<http://veja.abril.com.br/especiais/penta/p_026.html>.Acessoem:6abr. 2013.

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esses contratos – quando de exclusividade – importar em cerceamento da liberdade da pessoa ou sacrifício longo de sua personalidade, sendo considerada nula, como cláusula potestativa, a avença que assim dispu-ser (ex.: um contrato em que o titular se despojasse definitivamente de um direito dessa ordem).40

O atleta, cuja imagem está sendo concedida, terá a faculdade de poder escolher as formas e circunstâncias em que vai ser exibido ao pú-blico. Desta forma, se o contrato disser que a imagem será utilizada em outdoors, essa mesma imagem não poderá ser usada em revistas ou em jornais, e sim exclusivamente em outdoors.

Essa circunstância, se ocorrer, tratar-se-á de um ilícito, uma vez que se entende por ilícito a prática sem o consentimento e, obviamente, os que excedem o contrato.

O fato de esse direito ser personalíssimo traz uma peculiaridade, explicada por Ezabella: “O caráter personalista desse direito possibilita que essa licença de uso possa ser revogada a qualquer momento, inde-pendente de ter sido cumprido total ou parcialmente o contrato, sem prejuízo de que esta revogação implique em indenização por perdas e danos”41.

Para descrever o que acontece na relação entre atleta e clube, no que toca à licença de uso de imagem, é levada em consideração a finalidade do contrato, a inter-relação com o contrato de trabalho e seus reflexos.

Como visto anteriormente, a supervalorização da imagem do pro-fissional, sendo muitas vezes causada pela idolatria dos torcedores, fez com que os clubes e patrocinadores “acordassem” para essa nova fonte de renda, investindo em jogadores que já têm uma imagem e jogadores que surjam da base e se identificam com o clube.

O atleta concederia a sua imagem para o clube para este utilizar aparecendo em eventos, revista do clube, campanhas de sócios e patro-cinadores, vender camisas e acessórios com seu nome, divulgar a marca

40 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos de personalidade. 2. ed..., p. 46.41 EZABELLA,FelipeLegrazie.O direito desportivo e a imagem do atleta. São Paulo: IOB Thomson, 2006.

p. 111.

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do clube por meio de comerciais, entre outras inúmeras formas com que a imagem do jogador pode ser utilizada.

Nos dias de hoje, são inúmeros os casos de clubes utilizam da imagem do jogador e da reputação que ele tem de todas as formas, para promover a marca do clube, casos como os de Ronaldo (Corinthians), Andrés D’Alessandro (Internacional), Ronaldinho Gaúcho (Atlético/MG), Neymar (Santos), Hernán Barcos (Grêmio), Seedorf (Botafogo), entre muitos outros.

No momento em que o contrato de trabalho é firmado, o clube já detém o direito de imagem do atleta enquanto estiver laborando. Desta forma, o atleta fica obrigado a usar as vestes oficiais do clube em todos esses momentos, inclusive jogos, treinos, viagens, entrevistas etc.

Porém, o uso da imagem do jogador, além da jornada de trabalho, depende da assinatura do contrato de licença de uso de imagem, espe-cificando a forma em que será usado, a remuneração e o prazo em que será utilizada a imagem.

Tratamos aqui de um instituto civil, sendo afastado o valor refe-rente ao contrato de licença de uso de imagem, para efeitos trabalhistas, conforme destacado por Jayme Eduardo Machado:

De observar-se que, pela sua natureza e finalidade, a retribuição pela cessão do direito de uso de imagem do jogador não pode ser considera-da para efeitos trabalhistas, e, pois, não integra a remuneração para os efeitos de cálculo do valor da cláusula penal por descumprimento, rom-pimento ou rescisão unilateral “do contrato formal de trabalho”, prevista no art. 28 e seus parágrafos da Lei Pelé.42

Da mesma forma que a verba referente ao contrato de licença de uso de imagem não é admitido para efeitos trabalhistas, também não su-porta incidência fiscal, fato esse que faz com que alguns clubes almejem fraudar a lei, usando desse artifício.

Porém, com o notório benefício de não arcar com as despesas fis-cais e trabalhistas, os clubes passaram a fraudar a lei, fazendo com que, no momento de firmar o contrato, fossem assinados dois termos para

42 MACHADO,JaymeEduardo.O novo contrato desportivo profissional. Sapucaia do Sul: Notadez Informação, 2000. p. 75.

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dividir a remuneração do atleta. Sendo o primeiro o contrato de traba-lho, abarcando parte, muitas vezes a menor, do salário real, e o segundo o “contrato de imagem”, em que residiria o restante da remuneração. Desta forma, os encargos trabalhistas e fiscais recairiam somente sobre o primeiro, deixando a negociação mais atrativa tanto para clube quanto para atleta.

Com a reiterada prática dessa forma de evasão fiscal pelos clubes, começaram a surgir julgados na Justiça do Trabalho, concluindo que o contrato de licença de uso de imagem tratava-se de uma fraude ao contrato de trabalho, ponderando que se partia do pressuposto que nem sempre que haja esses dois contratos se configurará uma ilegalidade.

Apenas a título exemplificativo, trago uma decisão sobre o tema, julgado em 25 de outubro de 2012, que trata do jogador Rafael Felipe Scheidt, quando atuava pelo clube Botafogo de Futebol e Regatas, que tramitava com o número TST-AIRR-800-86.2009.5.01.0025, na 2ª Turma, sob a relatoria da Desembargadora Maria das Graças Silvany Dourado Laranjeira.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – ATLETA PRO-FISSIONAL DE FUTEBOL – CONTRATO DE LICENÇA DO USO DE IMAGEM – FRAUDE – NATUREZA SALARIAL DA VERBA RECEBIDA A TÍTULO DE “DIREITO DE IMAGEM” – O quadro fático descrito pelo Tribunal Regional revela o intuito fraudulento na celebração do contrato de licença do uso de imagem, razão pela qual decidiu bem a egrégia Corte Regional ao conferir natureza salarial à parcela percebida pelo re-clamante a título de direito de imagem. Logo, para se chegar à conclusão diversa, necessário seria o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado nesta esfera extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST, o que impede falar em violação do artigo 28, § 7º, da Lei nº 9.615/1998. Agravo de instrumento não provido.43

Entretanto, há quem contrarie o entendimento do TST, como Álvaro Melo Filho, conforme elucida:

43 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-800-86.2009.5.01.0025. Agravante: Botafogo de Futebol e Regatas. Agravado: Rafael Felipe Scheidt. Relatora:MariadasGraçasSilvanyDouradoLaranjeira.Julgadoem:24out.2012.Disponívelem:<http://www.tst.jus.br/>. Acesso em: 15 maio 2013.

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Mas, voltando ao contrato de cessão do direito de uso da imagem, desta-que-se que este é geralmente firmado entre o clube e uma empresa consti-tuída pelo jogador com o animus de, licitamente, reduzir encargos sociais e tributários, ou seja, usando interposta pessoa jurídica, enquanto o con-trato de trabalho desportivo, em face da exigível pessoalidade e intransfe-ribilidade da prestação de serviços pelo artista, não permite esse artifício jurídico ser firmado por pessoa jurídica da qual o atleta, em regra geral, é sócio principal e majoritário e o clube empregador o seu único cliente.44

No mesmo sentido, complementa Zainaghi:

A cessão do direito de imagem só existe em virtude da profissão de atleta, isto é, os clubes celebram com o jogador (uma pessoa jurídica por este constituída) um contrato pelo qual irão “trabalhar” a imagem do atleta, ou seja, vão divulgá-la, inclusive ligando-a à venda de produtos. Ora, se o referido contrato é celebrado entre clube e atleta em virtude da relação de trabalho, parece-nos evidente a fraude e consequente nulidade de tais pactos. [...] Não estamos a defender que o direito à imagem é indisponí-vel por completo. Poderá o seu detentor dispor parcialmente do mesmo, seja a título gratuito ou oneroso. Insistimos que o que é vedado pelo direito do trabalho é a utilização de contratos de cessão de imagem, para desvirtuar a aplicação da legislação laboral.45

A desproporção entre os valores colocados no Contrato de Tra-balho e no Contrato de licença de uso de imagem do atleta profissional de futebol demonstra a má-fé com que foi firmado esse pacto. Desta forma, a maior parte da remuneração do atleta estaria sendo paga como uma obrigação civil, tentando desqualificar a natureza trabalhista. Des-ta forma, o atleta estaria ganhando mais pela sua imagem do que pela prática do futebol, dentro do gramado, que lhe traz notabilidade, fama e prestígio46.

Outro fato que caracteriza a fraude é a contratação da licença de uso de imagem do atleta e não fazer a utilização da mesma. A ocorrên-cia disso não aponta que a fraude esteja existindo realmente, porém que pode estar havendo alguma fraude naquele negócio jurídico, até porque

44 MELOFILHO,Álvaro.Novo regime jurídico do desporto. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 125.45 ZAINAGHI,DomingosSávio.Nova legislação desportiva..., p. 36-39.46 SOARES, JorgeMiguel Acosta.Direito de imagem e direito de arena no contrato de trabalho do atleta

profissional. São Paulo: LTr, 2008. p. 87.

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a agremiação pode contratar determinado atleta para um evento futuro e incerto, e o mesmo não aconteça por qualquer motivo.

Esse acúmulo de fatos e características levou até o TST essa discussão, que já está pacificada, conforme o Processo nº TST--AIRR-1830-20.2009.5.10.0019, que nos mostra: “Em relação à nature-za jurídica das verbas decorrentes do uso de imagem, a decisão comba-tida está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que tem caráter remuneratório, a exemplo das gorjetas previstas no art. 457 da CLT”47.

Desta forma, nos últimos anos, jogadores têm questionado judi-cialmente a validade desse “contrato de imagem”, buscando a anexação desse valor ao seu salário e todos os reflexos, baseados no art. 948 da CLT cumulado com o art. 16749 do Código Civil.

CONCLUSÃO

O presente artigo alcançou seu objetivo, uma vez que se propôs o estudo do Contrato de Licença de Uso de Imagem do Atleta Profissional de Futebol, com base nas legislações que regem o desporto no País, en-fatizando a Lei nº 9.615/1998, chamada de Lei Pelé, assim como diver-sos outros dispositivos referentes à imagem.

A contratação de jogadores já consagrados fez com que os clubes tivessem a chance de pactuar com esses atletas a licença do uso de sua imagem, a fim de alcançar lucros futuros com artigos que levassem o nome do atleta renomado, como ocasionar a visibilidade da sua marca tanto no âmbito nacional quanto internacionalmente.

Com essa possibilidade de usar da imagem e trazer mais lucros para seus clubes, começaram a investir ainda mais em profissionais já consagrados, reservando a eles valores astronômicos, tanto com o salá-rio quanto com o contrato de licença de uso de imagem.

47 BRASÍLIA. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de Instrumento emRecurso de Revista nº AIRR-1830-28.2009.5.10.0019. Agravantes: Flávio Luís da Silva e Brasiliense Futebol Clube Ltda. Agravados: Osmesmos.Relator:EmmanoelPereira.Julgadoem:15mai.2013.Disponívelem:<http://www.tst.jus.br/>.Acesso em: 4 jun. 2013.

48 “Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”

49 “Art.167.Énuloonegóciojurídicosimulado,massubsistiráoquesedissimulou,seválidofornasubstânciae na forma.”

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Os clubes assinam com o jogador um contrato para criar o vínculo da entidade com o atleta e, no mesmo momento, assinam um contrato de licença de uso de imagem, para explorar a imagem dos atletas, pa-gando parcelas mensais pelo uso.

Geralmente, esses contratos contém uma discrepância muito gran-de de valores, sendo a parcela da licença do uso de imagem, quase sempre, valor muito maior ao do contrato de trabalho.

Porém, já restou estudado que não há um percentual certo para que o contrato de licença de uso de imagem seja considerado uma frau-de ao contrato de trabalho desportivo, tendo que ser analisado todos conforme as peculiaridades de cada caso, para que não haja uma maior insegurança jurídica no âmbito desportivo.

A maior evidência da fraude ocorre quando há a contratação do direito de imagem e a sua não utilização, fator esse que revela e des-mascara a irregularidade, tendo o TST entendido que, quando não há a exploração da imagem do atleta efetivamente, o valor recebido com natureza civil passe a ter natureza trabalhista e integram a remuneração do atleta.

De tal modo, conclui-se que clube e atleta utilizam de meios cap-ciosos para não arcar com despesas ainda maiores com impostos e con-tribuições. A constituição da empresa em nome do atleta, que ambicio-naria a exploração da sua imagem, nada mais é do que uma farsa, por ter apenas um cliente, sendo esse o clube para quem está se cedendo a imagem do atleta.

Enfim, houve um grande avanço referente à fiscalização dos con-tratos e da relação de emprego, porém ainda há muito que melhorar para que as leis desportivas alcancem seus principais objetivos de forma satisfatória.

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Parte Geral – Doutrina

A Importância do Seguro para o Atleta, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil das Entidades Desportivas

LEILA CRISTINA CALASANS BARRETO SANTOSPós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho na Faculdade de Direito Damásio de Jesus, Advogada.

RESUMO: O presente artigo trata sobre assuntos relacionados ao Direito Desportivo em seu as-pecto trabalhista-desportivo. Objetiva-se, para tanto, expor as discussões doutrinárias e jurispru-denciais, os entendimentos atuais e as perspectivas existentes sobre o seguro de vida e contra acidentes pessoais, que ganhou caráter obrigatório a partir das alterações dispostas no art. 45 da Lei nº 9.615/1998; a previsão e ocorrência do acidente de trabalho e os seus aspectos jurídicos, e, por fim, da responsabilidade civil das entidades desportivas no decorrer do contrato de trabalho firmado com o atleta. O tema é de extrema importância no sentido de que o Direito Desportivo possui uma dimensão que tem poucos reflexos no meio jurídico e, mais especificamente, no âmbito trabalhista, pois ainda se vê esse ramo como algo obscuro, desconhecido. Portanto, o presente artigo cuida de reflexões sobre os assuntos apontados e a esperança de que os meios legislativos e jurisprudenciais evoluam e passem a dar maior importância aos assuntos apresentados, uma vez que a própria Cons-tituição Federal dispõe da importância do desporto no dia a dia dos cidadãos brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE: Desportivo trabalhista; seguro; acidente; responsabilidades.

ABSTRACT: This article discusses issues related to Sports Law in its labor-sporty look. The purpose is, therefore, exposed the doctrinal and jurisprudential discussions, current understandings and exis-ting perspectives on life insurance and personal accident, which won compulsory from the changes required in article 45 of Law nº 9.615/1998; the weather and the occurrence of accidents at work and its legal aspects and finally; the liability of sports bodies throughout the employment contract signed with the athlete. The theme is very important in the sense that the Sports Law has a dimension that has few consequences in the legal environment and, more specifically, in the workplace, because still see this business as something obscure, unknown. Therefore, this article takes care of reflections on the issues and pointed out the hope that the legislative means and jurisprudence evolve and start to give greater importance to the issues presented, since the Federal Constitution itself has the impor-tance of sport in everyday day of Brazilian citizens.

KEYWORDS: Sports-labor; safe; accident; responsibilities.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da atividade do atleta; 2 Do seguro obrigatório; 3 Acidente de trabalho – Aspectos trabalhistas e previdenciários; 4 Responsabilidade civil das entidades desportivas; Re-ferências.

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INTRODUÇÃO

Os anos se passaram, e com o tempo acabei assumindo mi-nha identidade: não passo de um mendigo do bom futebol. Ando pelo mundo de chapéu na mão, e nos estádios suplico: – Uma linda jogada, pelo amor de Deus!

E quando acontece o bom futebol, agradeço o milagre – sem me importar com o clube ou o país que o oferece.

(Eduardo Galeano, Futebol ao sol e à sombra)

É hora de falar do Direito Desportivo. Mais: é hora de falar do Di-reito Trabalhista-Desportivo.

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu art. 217, o valor do desporto para a sociedade, categorizando-o como um direito social, um direito concedido ao cidadão, um dever e uma responsabilidade do Esta-do no âmbito social no que se refere ao fomento das práticas desportivas.

Como os direitos sociais visam à formação do cidadão, preparan-do-o para as relações de trabalho, o desporto surge desde uma atividade de lazer até uma atividade em sentido laborativo.

O atleta profissional possui tratamento legislativo específico, não sendo considerado um trabalhador comum e, atualmente, é regido pela Lei nº 9.615/1998. Tal lei traz ao atleta a condição de empregado e, ex-tensivamente, de segurado da previdência social.

É a Lei nº 9.615/1998, também conhecida como Lei Pelé, que traz em seu corpo todas as normas e diretrizes a serem aplicadas ao atleta profissional e às entidades desportivas.

No presente estudo abordaremos os aspectos referentes à impor-tância do seguro trazido pela Lei nº 12.395/2011 em alteração à Lei Pelé, os pontos a serem destacados e discutidos no que se refere ao aci-dente de trabalho que ocorre durante a execução do contrato firmado entre atleta e clube e, por fim, da tão discutida responsabilidade civil das entidades de prática desportivas.

Após breve exposição sobre a atividade do atleta, o estudo seguirá apresentando o tópico referente ao seguro obrigatório do art. 45 da Lei nº 9.615/1998, discutindo e apontando todos os entendimentos e pontos

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controversos acerca da disposição legal, bem como apontando projetos legislativos em andamento e possíveis soluções a serem encontradas no decurso do tempo e do amadurecimento do pensamento sobre o tema.

O tópico seguinte cuida em apresentar, conceituar e discutir os pontos existentes na ocorrência e caracterização do acidente de traba-lho, abordando os aspectos trabalhistas e os aspectos previdenciários. Por fim, apresentando as discussões acerca da possibilidade ou não de aplicação das regras referentes à estabilidade do emprego nos ca-sos apresentados e apontando reflexões necessárias para formar opinião acerca do tema proposto.

Concluindo o presente estudo, chegamos ao último tópico expon-do e discutindo todos os aspectos referentes à responsabilidade civil das entidades de prática desportiva no tocante ao acidente de trabalho e nas consequências advindas do espírito competitivo inerente a atividade do atleta.

O principal objetivo do estudo é fomentar, instigar e fazer com que a reflexão seja a consequência natural diante do conteúdo apresen-tado, pois é desses momentos que o ser humano pode vir a criar futuras e grandiosas conquistas, contribuindo sempre para um mundo maduro, inteligente e melhor.

1 DA ATIVIDADE DO ATLETA

O termo lesão é algo que estamos acostumados a associar ao mun-do do atleta. Seguindo os ensinamentos de Álvaro Melo Filho, temos que o desporto inclui-se entre as profissões de desgaste rápido, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes, desvalorização resultante de incapacidade por contusões, lesões e acidentes de trabalho de atletas profissionais.

A atividade do atleta compreende a realização de exercícios físi-cos constantemente, alguns de forma excessiva, o que, fisiologicamente, desgastam o tecido muscular e torna a ocorrência de lesão algo susce-tível.

A atividade desportiva possui como característica a existência da competitividade e esse fato pode, naturalmente, vir a ocasionar lesões, contusões e o próprio acidente de trabalho, o que, consequentemente,

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causará a desvalorização do atleta e vem a justificar a existência jurídica de uma espécie de proteção suplementar.

Assim, diante dos excessos e da falta de estrutura no ambiente de trabalho, nota-se a necessidade da regulamentação legal para a proteção e a segurança do atleta, uma vez que o seu sucesso e a sua realização profissional dependem única e exclusivamente do seu corpo e condicio-namento físico.

Toda essa situação ocasionou o surgimento da figura do seguro obrigatório.

2 DO SEGURO OBRIGATÓRIO

Conforme demonstrado, o desgaste físico é um ponto determinan-te para reduzir o tempo de exercício da atividade profissional de quem exerce tal função.

Durante o tempo em que vigorou o art. 29 da Lei nº 8.672/1993, houve a primeira tentativa de criar uma norma que estabelecesse um sistema de seguro obrigatório para os atletas profissionais na tentativa de encobrir os riscos inerentes às atividades realizadas.

Com o passar do tempo, percebeu-se que essa legislação não re-sultou em nada de concreto que protegesse o atleta profissional.

Em 1998 surgiu a Lei nº 9.615, que trouxe, em seu art. 45, § 1º, um texto completo que criou a obrigatoriedade da contratação de seguro de acidente de trabalho para os atletas vinculados às entidades de prática desportiva, fixando, também, que o valor a ser indenizado deveria ser, no mínimo, o valor total da remuneração pactuada no contrato de traba-lho firmado entre a entidade desportiva e o atleta profissional.

No histórico do mundo desportivo, percebeu-se que essa obriga-ção também não se tornou em ação concreta pelas partes relacionadas.

Com isso, o art. 45 da Lei nº 9.615/1998 teve a sua redação alte-rada pela Lei nº 12.395/2011 e passou a determinar a obrigatoriedade da contratação do seguro pela entidade desportiva em prol do atleta profissional pertencente ao quadro com a finalidade de cobrir os riscos a que estão sujeitos, acrescentando a responsabilidade da entidade prática

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desportiva quanto às despesas médico-hospitalares. Importando ressaltar que essa obrigação será aplicada apenas aos clubes de futebol, uma vez que o art. 94 da mesma lei dispõe tal ressalva.

Para Álvaro de Melo Filho1, a intenção do seguro desportivo é a de cobrir principalmente os atletas profissionais de alto rendimento, preve-nindo, de alguma forma, o risco do óbito ou incapacidade desportiva, seja esta última de caráter parcial, total, temporária ou permanente que resultam da prática da atividade desportiva.

A Lei nº 12.395/2011 também acrescentou ao artigo mencionado os §§ 1º e 2º. O § 1º aponta que a importância segurada deve garantir o direito à indenização mínima que esta deve ser correspondente ao valor anual da remuneração pactuada, e que o seu pagamento deverá ser realizado ao beneficiário indicado no contrato ou ao próprio atleta profissional.

O § 2º, por sua vez, determina a responsabilidade das entidades desportivas pelas despesas médico-hospitalares e pelos gastos com me-dicamentos necessários à reabilitação do atleta enquanto não houver o pagamento pela seguradora da indenização prevista no § 1º.

Mesmo com a previsão legal da obrigatoriedade da contratação do seguro de vida exposta no art. 45 da Lei nº 9.615/1998, é importante destacar que esse artigo não trouxe a previsão de sanção para o clube que não cumprir o estabelecido, ou seja, não há previsão expressa em lei de punição para o clube que não respeitar o previsto em lei e não re-alizar a celebração do contrato de seguro de vida e acidente de trabalho para os seus atletas.

Nota-se, com isso, que, infelizmente, a tendência é que os clu-bes não cumpram o requisito do artigo mencionado por não existir a previsão legal e expressa de uma possível sanção. Isso faz com que a norma mencionada adquira um caráter apenas e meramente sugestivo, não adquirindo o caráter sancionatório, o que faz com que, diante dos costumes brasileiros aos quais estamos acostumados a lidar no dia a dia, o cumprimento não exista com o vigor necessário que deveria.

1 MELOFILHO,Álvaro. Nova Lei Pelé:avançoseimpactos.RiodeJaneiro:Maquinária,2011.p.217.

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No cenário atual, com a falta de previsão de sanção diante da ausência da contratação do seguro obrigatório, tem sido comum verifi-car o ajuizamento de reclamações trabalhistas de iniciativa dos atletas profissionais em face dos clubes pleiteando o pagamento de indeniza-ção diante da ausência comprovada do seguro de vida e de acidentes pessoais pelo clube.

Fazendo uma ligação entre o Direito Desportivo e o Direito Civil, podemos caracterizar que a ausência da contratação do seguro fará com que o clube seja responsabilizado pela prática de tal ato, sendo esse considerado ato ilícito, pois, como prevê o art. 186 do Código Civil, há a responsabilidade de indenizar por preencher os requisitos exigidos, quais sejam: a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que vem a causar um prejuízo ou violação de direitos.

Assim, ocorrendo o prejuízo ao atleta, o dano deverá ser reparado pelo agente que lhe deu causa.

Deste modo, alinhando ao pensamento do legislador, a responsa-bilidade civil será caracterizada apenas quando houver o dano. Se não há dano, não há responsabilidade e direito à indenização.

Isso nos leva a uma reflexão: se o atleta sofrer uma contusão, por exemplo, durante o exercício de suas funções, caberá a aplicação do art. 45 da Lei nº 9.615/1998 e, obviamente, será devida a indenização referente ao seguro previsto no dispositivo legal. No entanto, se o clube, praticando o que caracteriza o ato ilícito, não celebrou o contrato de se-guro de vida, será o clube, na figura de empregador, o responsável pela indenização na tentativa de reparar o dano sofrido pelo seu empregado.

O ponto de discussão e reflexão é: Quando o clube não contrata o seguro obrigatório e o atleta não sofre nenhum tipo de acidente durante a execução do contrato firmado, deve haver alguma reparação diante da ausência da contratação prévia?

Considerando o art. 45 da Lei nº 9.615/1998, se o clube não cum-prir com o previsto, deveria ser responsabilizado e condenado ao paga-mento da indenização ao atleta, mas como a lei mencionada não traz

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a possibilidade de sanção diante do não cumprimento do seu texto, a lacuna deverá ser preenchida pelo Poder Judiciário.

E, para o Judiciário, esse tema, nessa peculiaridade, não possui um entendimento pacífico. O Tribunal Superior do Trabalho2, em sede de julgamento de recurso de revista, já entendeu que, se não houver cláu-sula penal que traga a previsão de sanção quando do descumprimento da contratação de seguro de vida e acidentes, não haverá a possibilidade de condenação ao pagamento de indenização quando o atleta sair ileso.

Em julgamento diverso, o Tribunal Superior do Trabalho concede o pagamento da indenização mesmo quando não há dano e há a au-sência comprovada do contrato de seguro. O TST tem concedido essa indenização aos funcionários bancários que transportam valores e ficam expostos ao risco da função, mas, no caso do atleta profissional, não poderá assim julgar, pois a sanção é algo que deve vir de forma expressa e literal na norma, sendo de interpretação restritiva, o que não autoriza a analogia, por assim resultar na inocuidade e ineficácia do dispositivo legal.

O entendimento é pacífico quando se refere à indenização diante de lesão sofrida pelo atleta no curso do contrato e o empregador não realizou a contratação prévia do seguro. Nesse caso, a jurisprudência entende que há o artigo de lei que confere aos clubes uma obrigação, não uma faculdade, e que a ausência de contratação cria a responsabili-dade substitutiva de indenização.

A indenização não é algo que serve apenas para ilustrar e servir na ocorrência do dano ou acidente de trabalho. A intenção da indenização é buscar diminuir algo que venha, futuramente, impedir ou restringir a atuação do jogador na prática desportiva, pois a sua atuação, por si só, expõe o profissional diretamente à ocorrência de lesões, contusões, aci-dentes mais graves e até a morte, como ocorreu com o jogador Serginho, em 2004, durante partida oficial pelo São Caetano.

O seguro desportivo obrigatório não existe apenas no sistema jurídico brasileiro. Em Portugal, desde a publicação do Decreto-Lei nº 10/2009, há a obrigação legal de contratação de seguro obrigatório

2 Recurso de Revista nº 38100-70.2005.5.04.0015, Relª Min. Maria de Assis Calsing.

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que cubra os riscos de acidentes pessoais decorrentes da prática despor-tiva e dos possíveis deslocamentos em função da atividade.

No entanto, diferentemente do Brasil, a legislação portuguesa traz em seu texto a previsão de sanções a serem aplicadas quando não ocor-rer a contratação do seguro, reforçando que a responsabilidade será to-talmente do empregador e este responderá como se fosse o segurador.

No nosso sistema legislativo, a perspectiva de mudança aparece na possibilidade que seja aprovado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 531/2011, que busca a alteração do art. 45 da Lei nº 9.615/1998 em dois sentidos. A primeira alteração é a extensão do seguro obrigatório aos responsáveis técnicos das equipes, ou seja, que permaneça a obrigação do contrato de seguro aos jogadores e que se passe a exigir que esse contrato também exista para os técnicos. A se-gunda alteração, e pode-se considerar como a mais importante, é a exi-gência de comprovar a contratação do seguro como condição sine qua non para a participação da equipe, abrangendo jogadores e treinadores, nas competições que venham a ser disputadas.

Enquanto o referido projeto de lei não for posto em plenário para votação, a alternativa legal e restante aos atletas de futebol é a de exigir, na fase de contratação, a existência de cláusula penal que responsabilize o clube empregador ao pagamento de indenização na hipótese de não cumprimento do previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998, independente da ocorrência de dano durante a execução do contrato firmado.

Idealizando a obrigação na contratação do seguro e da cláusula penal como forma de aplicar uma sanção ao clube que descumprir a lei, temos mais um objeto a ser abordado: os efeitos da lesão e o tempo de tratamento.

O Ministro do Trabalho Guilherme Augusto Caputo Bastos3 apon-ta, em sua obra sobre Direito Desportivo, que as lesões decorrentes da prática desportiva não devem ser equiparadas ao acidente de trabalho que estamos acostumados a estudar quando se trata de trabalhador co-mum. E complementa: “Tampouco há a figura do auxílio-acidente, esta-bilidade, suspensão do contrato nem afastamento, até porque, não raro,

3 BASTOS,GuilhermeAugustoCaputo.Direito desportivo. Brasília: Alumnus, 2014. p. 57.

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as lesões são suportadas dentro das instalações da própria entidade des-portiva”.

Buscando decisões acerca do entendimento da Corte Trabalhista, percebe-se que o entendimento formado e que vem sendo firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho é o de que o recebimento do seguro só deverá ocorrer quando comprovada a lesão grave que importe invalidez permanente ou morte, dentro dos termos estabelecidos no contrato de seguro entre clube e atleta4, não sendo cabível o recebimento quando o acidente de trabalho não gerar incapacidade ou invalidez permanente (total ou parcial) e quando o atleta demonstrar que o tratamento utiliza-do trouxe recuperação total e eficiente.

O entendimento apontado supra é totalmente subjetivo, ou seja, os casos deverão ser julgados cautelosamente, sendo observados to-dos os aspectos e dependerão basicamente da forma de interpretação e compreensão que o julgador terá ao deparar-se com o tema e busque uma solução que seja efetiva para todas as partes processuais, tudo isso enquanto a solução mais correta, que é aquela que vem do Poder Le-gislativo, seja elaborada, votada e passe a fazer parte do nosso mundo jurídico.

Importa destacar o tema referente ao valor da indenização.

A lei desportiva, em seu multimencionado art. 45, prevê que a indenização deverá ter valor mínimo e esse valor deve corresponder ao valor da remuneração anual pactuada. Como é de conhecimento, o contrato de trabalho desportivo tem prazo e esse prazo é de, no mínimo, três meses e, no máximo, de cinco anos. Sendo firmado um contrato de trabalho entre uma entidade desportiva e um atleta profissional pelo prazo de cinco meses, é válido e justo definir que o valor de indenização securitária deverá ser equivalente e estipulado como da remuneração anual? A meu ver, a aplicação da proporcionalidade seria inadmissível no Direito, pois deveríamos ter uma legislação que seja proporcional e que tenha aplicação proporcional equivalente, o que é defeso em termos de direito.

4 Exemplo desse entendimento: os termos e fundamentos encontrados no acórdão do Recurso Ordinário nº 1226-16.2011.5.18.0006.

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Por fim, a título de conclusão do presente tópico, por falta de pre-visão legal, no cálculo da indenização não será possível incluir as férias, o FGTS e o 13º salário. A indenização deverá incluir as verbas que, para o atleta, possuem natureza salarial, que são as correspondentes ao salário e as que possuem natureza de remuneração, que são as luvas, o direito de arena e o bicho, por exemplo.

3 ACIDENTE DE TRABALhO – ASPECTOS TRABALhISTAS E PREVIDENCIÁRIOS

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu art. 7º, inciso XXII, a previsão do direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, assegu-rando aos trabalhadores, incluindo os atletas profissionais, as normas de higiene, saúde e segurança.

Como já mencionado, o corpo do atleta é, falando de forma primi-tiva, o seu principal, senão o único, meio de trabalho. Os acidentes de trabalho que ocorrem aos atletas são bem diferentes dos que ocorrem ao trabalhador comum, pois o atleta, corriqueiramente, vem a sofrer lesões, contusões, distensões, problemas nas articulações, nos joelhos, no ten-dão e muitos outros problemas médicos e físicos.

Não podemos falar em acidente de trabalho sem antes conceituar-mos a sua ocorrência, os seus requisitos e as previsões legais sobre o tema.

Acidente de trabalho é todo infortúnio que ocorre fora dos padrões do exercício da profissão a serviço do empregador, no caso desportivo, a serviço da entidade desportiva contratante. Segundo o art. 19 da Lei nº 8.213/1991, o acidente de trabalho é aquele que provoca, ao empre-gado, uma lesão corporal ou uma perturbação funcional que venha a causar a morte ou a perda ou redução, seja ela de caráter permanente ou temporário, da capacidade para o trabalho.

No artigo seguinte, o art. 20, a lei traz em seu texto o que pode ser considerado acidente de trabalho: a doença profissional e a doença do trabalho. A doença profissional é assim denominada quando é produzi-da ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência. A doença do trabalho, por sua vez, é aquela que é ad-

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quirida ou desencadeada em razão de condições especiais em que o trabalho é realizado e que se relacione diretamente.

Necessário destacar que a doença degenerativa, a doença inerente a grupo etário e a doença que não cause incapacidade laborativa não serão consideradas, por motivos lógicos, doenças do trabalho.

Aplicando ao Direito Desportivo, será considerada doença pro-fissional, por exemplo, o estiramento muscular. O que, consequente-mente, caracteriza também a ocorrência do acidente de trabalho, pois acontece em decorrência do exercício das funções de trabalho do atleta.

Em outras palavras, mencionando o que ensina Álvaro Melo Filho5, temos que o desporto é uma das profissões que tem um rápido desgaste físico, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes, a desvalorização do atleta por consequência das contusões, lesões e aci-dentes de trabalho que venham a causar algum tipo de incapacidade.

Assim sendo, comprova-se a necessidade de medidas legais que visam a proteger o atleta do presente e estabelecendo uma perspectiva de um futuro programado e que garanta condições dignas e humanas ao profissional que, diante de toda exposição física e do desgaste ao qual está suscetível, não possui um longo tempo de atividade profissional.

No aspecto previdenciário, a legislação atual será aplicada ao atle-ta profissional e este gozará de todos os direitos e benefícios previstos na Lei nº 8.213/1991.

Os atletas profissionais de futebol são segurados do sistema previ-denciário brasileiro, na condição de empregados, sendo segurados obri-gatórios da Previdência Social e descontando o valor correspondente à contribuição previdenciária legal.

Assim, ocorrendo o acidente do trabalho, o clube deverá emitir o Comunicado de Acidente de Trabalho – CAT e o atleta terá legitimi-dade para receber as prestações acidentárias previstas na lei previden-ciária, prevalecendo e aplicando a regra recente estabelecida por meio da Medida Provisória nº 664/2014, que alterou o art. 60, § 3º, da Lei nº 8.213/1991 e passou a determinar que caberá ao empregador pagar

5 MELOFILHO,Álvaro.Nova Lei Pelé:avançoseimpactos.RiodeJaneiro:Maquinária,2011.p.217.

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o salário do atleta nos primeiros 30 dias de afastamento. A partir do 30º dia, a responsabilidade será do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em realizar o pagamento do benefício correspondente.

Caberá ao INSS a responsabilidade pelo pagamento do benefício, uma vez que, além dos pontos apresentados, os clubes contribuem com o percentual de 5% de sua arrecadação para o Instituto.

O auxílio-acidente, previsto também na Lei nº 8.213/1991, em seu art. 86, só será concedido quando resultarem sequelas que impliquem na redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o segurado e que, após o acidente de trabalho, ficaram assim configuradas.

O contrato de trabalho será suspenso e o tempo levado para o restabelecimento físico do atleta será prorrogado.

Pela lei trabalhista, na suspensão do contrato de trabalho o dever de pagar pelo salário do empregado-segurado não será do empregador. No entanto, isso não é o que ocorre na prática desportiva, pois é comum que os clubes continuem pagando os valores correspondentes aos salá-rios do seu jogador, ou uma parte destes, pois, na maioria dos casos, o tratamento médico e a recuperação do atleta sempre é acompanhada, como estamos acostumados a ver, por médicos relacionados ao clube contratante.

A mesma lei que traz a previsão do pagamento dos benefícios previdenciários é a que traz a previsão da estabilidade do empregado acidentado. O art. 118 da referida lei traz a previsão de que o segurado que sofreu o acidente de trabalho terá garantida a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa pelo prazo mínimo de doze meses, sendo esse prazo contabilizado a partir da cessação do auxílio-doença acidentário, não dependendo do recebimento do auxílio-acidente.

Lembrando que o contrato de trabalho do atleta profissional é por prazo determinado, destacando que, a meu ver, a expressão “prazo de-terminado” é formada por uma redundância, pois todo prazo é deter-minado, temos que o tempo mínimo do contrato celebrado será de três meses e o máximo de cinco anos.

Como seria aplicar a estabilidade a um contrato que tem data pro-gramada para início e término?

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Há discussões doutrinárias acerca do tema. Para alguns doutrina-dores, destacando, nesse momento, Andréia Conte Pichetti6, o pensa-mento é o de que, por ser, obrigatoriamente, por tempo determinado, o contrato de trabalho do atleta profissional não acarretará o direito à estabilidade provisória. Para outros, há a estabilidade provisória utili-zando como base a Súmula nº 378 do Tribunal Superior do Trabalho, que traz em seu item III a garantia da estabilidade provisória de emprego decorrente do acidente de trabalho para os empregados com contrato de emprego por tempo determinado.

Afirma Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga7 que, “desta for-ma, poderá haver o entendimento de que o atleta, em razão das carac-terísticas da atividade que desempenha, não faz jus à estabilidade provi-sória, porém o fato do contrato de trabalho ser por prazo determinado, não terá o condão de afastar tal direito”.

O conceito da estabilidade é a permanência do empregado no em-prego, restringindo o empregador de dispensá-lo por qualquer motivo, exceto nos casos de falta grave ou extinção da atividade da empresa. É uma medida utilizada para concretizar o princípio da continuidade da relação de emprego.

No direito do trabalho, há a ocorrência da reintegração do empre-gado ao cargo ocupado quando, na condição de estável, foi dispensado pelo empregador sem justo motivo ou falta grave.

Nesses casos, a Justiça do Trabalho determina, seguindo os ritos legais, que seja o empregado reintegrado ao trabalho e que cumpra o período de estabilidade restante e correspondente. No entanto, há casos em que já resta configurado que o retorno do empregado não lhe trará benefícios, pois o ambiente de trabalho torna-se insustentável e não faz bem à saúde do empregado conviver e trabalhar em uma situação des-sas. Nesses casos, a justiça tem se posicionado pelo pagamento dos sa-lários correspondentes ao período estável, como forma de indenização pela ausência de possibilidade de reintegração.

6 PICHETTI, Andréia Conte.Curso de direito desportivo sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, v. 2, 2010. p. 627.

7 VEIGA,MauríciodeFigueiredoCorrêada.Direito do trabalho e desporto. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 205.

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No caso do empregado com contrato a termo, especificando o atleta profissional, entendo que alguns aspectos devem ser avaliados, destacando principalmente: a vontade e o relacionamento das partes.

O contrato por prazo determinado, como assim é chamado na doutrina, atende também ao princípio da livre iniciativa trabalhista, o que defende que o empregado deve sempre buscar condições satisfató-rias de trabalho e proteção, desde que seja lícita a atividade.

Isso faz com que o jogador, imaginando no cenário do futebol, sempre busque o clube que melhor atender aos seus objetivos e que lhe ofereça as melhores condições de trabalho e de sociabilidade, afinal, esse é um dos objetivos do emprego: sociabilizar o trabalhador ao meio.

Assim, continuando o raciocínio, se o jogador tiver um bom rela-cionamento com o clube e tiver a possibilidade de comprovar, deverá ser detentor da estabilidade provisória. Além do que, se a lesão que cau-sou o acidente e ocasionou o recebimento do benefício previdenciário foi sanada, mas o jogador ainda não recuperou todo o seu condiciona-mento físico anterior, deverá o clube ser obrigado a obedecer a regra de estabilidade, pois, sem condicionamento físico adequado, nenhum outro clube terá interesse em contratar o jogador assim que encerrado o contrato estabelecido com o clube em que trabalhava ao em tempo do acidente.

Em outro aspecto, estando o jogador na condição de estável e so-frendo com retaliações internas ou, em outros termos, o ambiente de trabalho não tem sido propício ao desejável para execução das suas ati-vidades, o mesmo deverá pleitear o término do vínculo com o clube, da estabilidade, e pedir pela indenização referente ao período estável que não será gozado por responsabilidade do empregador.

Não existem posicionamentos jurisprudenciais firmados sobre esse aspecto no direito trabalhista-desportivo, reforçando que o posicio-namento e as ideias expressadas são puramente de título argumentativo.

Por fim, reforçando sobre o tema do seguro obrigatório já apresen-tado e conectando-o ao acidente de trabalho, resta destacar que, inde-pendente do benefício previdenciário concedido e das questões traba-lhistas e previdenciárias a serem observadas, se o acidente de trabalho for caracterizado, o jogador ou o beneficiário apontado, farão jus ao

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pagamento do valor assegurado como indenização na apólice do seguro realizado entre o clube e a empresa seguradora.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS ENTIDADES DESPORTIVAS

Traz a Constituição Federal em seu art. 7º, XXVIII, que é direito fundamental do trabalhador o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obriga-do, quando incorrer em dolo ou culpa”.

Como já discutido e apresentado, torna-se impossível dissociar a relação de trabalho do atleta profissional de futebol com as lesões sofri-das em decorrência do trabalho prestado. As lesões ocorrem diante da demanda de força, resistência e determinação destinadas pelos jogado-res em razão da competitividade existente nos jogos realizados.

Assistir aos jogos de futebol faz com que presenciemos várias le-sões, sejam elas leves ou graves e que podem resultar na incapacidade de continuar o jogo, sendo, assim, uma incapacidade denominada sú-bita, ou, na incapacidade temporária, que afastará o jogador de alguns jogos futuros ou até mesmo a incapacidade definitiva, que fará com que o atleta fique afastado totalmente de toda e qualquer prática desportiva.

No entanto, apesar de assistirmos e estarmos afeitos a essa situa-ção, é necessário, no mundo jurídico desportivo e trabalhista, refletirmos sobre as consequências dessas lesões.

Nessa reflexão, surge a responsabilidade civil dos clubes perante o jogador que veio a sofrer determinada lesão física.

Traz Guilherme Augusto Caputo Bastos8, em sua obra, que a res-ponsabilidade civil poderá “ser definida como a obrigação de reparar o dano causado por uma pessoa a outra, fundada na ideia de contrapres-tação equivalente ao resultado antijurídico de determinada atividade” (grifo original).

A conduta, o resultado antijurídico, o nexo causal entre a conduta e o resultado e, em regra, o dolo ou a culpa do agente são os requisitos

8 BASTOS,GuilhermeAugustoCaputo.Direito desportivo. Brasília: Alumnus, 2014. p. 163.

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necessários para a configuração da responsabilidade que aqui discuti-mos.

Destrinchando cada requisito, resumidamente, temos que a con-duta poderá ser omissiva ou comissiva, ou seja, envolve o fato de atuar ou não atuar nos casos em que a legislação determina, por meio de obrigação, a conduta a ser praticada. O resultado antijurídico é a confi-guração de que algo gerou um fato que vai de encontro ao proposto pela norma jurídica, ou seja, o fato que gerou um dano. O nexo causal entre a conduta e o resultado é o elo que liga a conduta do agente e o resul-tado obtido diante de tal conduta. Por fim, o dolo ou a culpa do agente, como conhecidos juridicamente, compreendem o fato de observar se a intenção do agente, na ocorrência do fato, decorreu da vontade ou não. É desse requisito que surgem as duas teorias que tratam do assunto.

Responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. Essas são as duas teorias que tratam da responsabilidade do emprega-dor em indenizar civilmente o seu empregado quando este vem a sofrer qualquer dano relacionado ao desempenho das funções que fora contra-tado para exercer.

A primeira teoria é baseada na teoria do risco e está prevista no parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Para essa teoria, mesmo ausente a conduta culposa ou dolosa do empregador, há a obrigação de reparar, desde que haja a previsão legal para tanto ou que a empresa exerça uma atividade que caracterize a possibilidade de risco potencial à integridade física e psíquica do trabalhador. No entendimento dos es-tudiosos da área trabalhista, a atividade de risco é a que expõe o em-pregado a uma chance maior de sofrer acidentes, quando comparado a outros trabalhadores.

A segunda teoria é baseada na teoria da culpa e defende que só haverá a obrigação de indenizar se surgir a conduta, dolosa ou culposa, do empregador, o nexo causal entre o evento danoso e a atividade de-senvolvida pelo empregado.

Na justiça trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho tornou en-cerrada a discussão acerca de qual teoria seria aplicada na relação de trabalho, entendendo ser aplicada a teoria da responsabilidade objeti-va, incluindo os casos de acidente de trabalho, pois trata-se de garantia

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adicional aos trabalhadores em conformidade com todos os direitos e garantias previstos no art. 7º da Carta Maior.

Com isso, a atividade de risco sempre será avaliada e decidida caso a caso.

Como uma das características do contrato de trabalho é o fato des-te ser sinalagmático, temos que ambas as partes, atleta e clube, possuem obrigações recíprocas e devem ser observadas para a caracterização da responsabilidade civil nos casos apresentados.

Ao mesmo tempo em que caberá ao empregador realizar todos os esforços possíveis para assegurar a recuperação do atleta e manter em dia a remuneração pactuada, caberá ao jogador apresentar-se à entidade desportiva atendendo as instruções por ela apresentadas, empenhar-se para garantir a sua total recuperação no tempo previsto e cumprir as obrigações compatíveis com o contrato de trabalho firmado.

A título de ilustração e tentando exemplificar a questão da respon-sabilidade de forma mais didática e compreensível, temos como exem-plo o acórdão proferido pelo Tribunal Superior do Trabalho em sede de recurso de revista no processo ajuizado por jogador de futebol contra o Joinville Esporte Clube.

No caso apresentado, o jogador, ora demandante, comprovou que encerrou a sua carreira ou sofreu uma lesão na cartilagem do calcanhar durante um jogo de futebol.

No julgamento do recurso de revista mencionado, o Ministro Walmir Oliveira da Costa9 entendeu que, no caso apresentado, a compe-titividade e o desgaste físico são os fatores responsáveis pela desvaloriza-ção do atleta em sua profissão e, aplicando a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, condenou o clube ao pagamento de indeniza-ção por danos morais e materiais.

Para o Ministro, a obrigação dos times profissionais é a de cuidar e preservar a saúde física dos seus jogadores, reparando os possíveis danos advindos da prática profissional. Diante da obrigação entendida pelo Ministro, adquire-se a responsabilidade objetiva de, independentemente

9 Recurso de Revista nº 393600-47.2007.5.12.0050, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa.

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de culpa, reparar o dano causado, aumentando essa responsabilidade quando do não cumprimento do que prevê a lei desportiva em relação à contratação do seguro para o atleta.

Em contrapartida, não se pode deixar de falar do art. 2º da CLT, que define que empregador é aquele que assume os riscos da atividade econômica, o que faz com que o entendimento seja o de que a própria lei trabalhista adota a teoria objetiva da responsabilidade civil em rela-ção aos danos causados ao empregado no momento em que está execu-tando o seu contrato de trabalho.

Portanto, os riscos que correm os atletas durante a execução do contrato de trabalho são inerentes ao desporto praticado e, por esse mo-tivo, justificam, por si só, a adoção da teoria da responsabilidade obje-tiva quando da ocorrência do acidente de trabalho ao clube que figura como empregador da relação trabalhista-desportiva. Tudo isso sendo re-forçado quando, por ato voluntário, o clube não restou com a obrigação de contratar o seguro previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998. Restando a exceção a essa regra apenas quando o dano ocorreu por culpa exclu-siva do atleta, desde que comprovada, ou quando este concorreu para que o dano acontecesse.

REFERÊNCIAS

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Parte Geral – Doutrina

Cláusula Indenizatória Desportiva na Hipótese de Dispensa de Atleta de Futebol por Justa Causa: da Lei Pelé ao Projeto de Lei do Senado nº 109/2014

LEONARDO DE OLIVEIRA MAXIMOAdvogado, Masters in Business Administration pela London School of Business and Finance (University of Wales), Pós-Graduado em Direito de Empresa pelo CAD (Centro de Atualização em Direito), Especialista em Marketing Global pela London School of Business and Finance, Pós-Graduando em Direito Desportivo e Negócios do Esporte pelo Cedin/IAED (Centro de Es-tudos em Direito Internacional/Instituto de Altos Estudos em Direito).

RESUMO: Este estudo busca traçar um breve panorama da extinção do contrato de trabalho despor-tivo por justa causa, analisar a cobrança de cláusula indenizatória desportiva nesta circunstância e analisar o Projeto de Lei do Senado nº 109/2014 acerca do tema.

PALAVRAS-CHAVE: Atleta profissional; justa causa; cláusula indenizatória desportiva; projeto de lei; dispensa motivada; Lei Pelé.

ABSTRACT: The present study aims at drawing a brief landscape of the termination of sports employ-ment contracts in Brazil through fair dismissal, analyzing the charging of sports indemnification clause and scrutinizing the Senate’s Bill of Law nº 109/2014 on the subject.

KEYWORDS: Professional athlete; dismissal with cause; sports indemnification clause; bill of law; fair dismissal; Pelé Law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Formas de extinção do CETD; 2 Justa causa nos contratos especiais de trabalho desportivo; 3 Cláusula indenizatória desportiva na circunstância de justa causa; 4 O Projeto de Lei do Senado nº 109/2014; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD) reveste-se de uma série de particularidades que o diferencia de outras avenças de na-tureza trabalhista. Isto se dá em função da natureza própria do universo desportivo, que tem caráter bastante peculiar em relação às demais sea-ras laborais. Clama, destarte, por um regramento próprio, em que alguns dos preceitos tradicionais do Direito do Trabalho são modulados e apli-cados de maneira única aos contratos ali confeccionados.

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Entre as particularidades inerentes ao CETD, a extinção do pacto laboral figura como instituto peculiar, que segue normas bastante espe-cíficas. Desde o prazo determinado do contrato de trabalho (art. 30 da Lei nº 9.615/1998) – em oposição à regra geral da continuidade indeter-minada do vínculo no tempo – à composição das verbas indenizatórias, há um universo de especificidades que hão ser observadas.

O presente artigo tem por objetivo traçar um breve panorama das formas de extinção do contrato de trabalho do atleta profissional de fute-bol, com foco específico na hipótese em que o mesmo se finda de forma motivada, em razão do cometimento, por parte do trabalhador, de ato que configure justa causa. Indo adiante, buscar-se-á abordar a disciplina da dispensa motivada e a sua possibilidade de aplicação sob a égide da Lei Pelé, perquirindo-se do cabimento de cobrança da cláusula indeni-zatória desportiva, por parte do clube, em relação ao atleta que comete ato ensejador de justa causa. Finalmente, far-se-á uma breve análise do Projeto de Lei do Senado nº 109/2014, que modifica o art. 28 da Lei nº 9.615/1998 para dispor sobre a dispensa por justa causa do atleta e a cláusula indenizatória desportiva a ela referente.

1 FORMAS DE EXTINÇÃO DO CETD

O art. 28, § 5º, da Lei nº 9.615/1998 dispõe que o vínculo despor-tivo do atleta, por ser acessório ao vínculo empregatício, dissolve-se nas ocasiões em que este segundo se extinguir. Passa, assim, a enumerar as circunstâncias em que referida cessação do contrato de trabalho pode se operar. São elas:

1. Término da vigência do contrato de trabalho ou seu distrato: tra-ta-se, aqui, da circunstância em que o pacto laboral ou seguiu seu cur-so normal – esgotando-se na dimensão temporal inicialmente pactuada (entre 3 meses e 5 anos, a teor da legislação) – ou foi extinto por inicia-tiva conjunta das partes, ao sabor de seu poder sincrônico de transigir.

Na primeira hipótese, ocorre o que Maurício Godinho Delgado (2008) denomina terminação normal do contrato de trabalho. No dizer do eminente jurista: “Pactuados regularmente os contratos a termo, eles irão firmar clara especificidade também no tocante a suas caracterís-

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ticas, regras e efeitos jurídicos. Nesse quando, eles distinguem-se por estarem submetidos a lapsos temporais geralmente estreitos e rígidos”1.

Já, na segunda hipótese, as partes, no exercício de seu livre poder para pactuar, podem decidir que é chegado o momento de realizar dis-trato contratual, nos termos da legislação, sem que as verbas indenizató-rias sejam devidas de uma a outra. Trata-se de caso de resilição bilateral (Barros, 2002, p. 356)2.

2. Pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou compensa-tória desportiva: configuram hipóteses clássicas de resilição unilateral, por meio da qual a extinção do contrato se dá via ato da parte, em ex-pressão de seu direito potestativo. Conforme lição de Arnaldo Sussekind: “Excepcionalmente a lei pode conferir o poder potestativo à resilição pela vontade unicamente de uma das partes, como nos contratos de tra-balho por prazo indeterminado na CLT, em que há a necessidade apenas da concessão do prévio aviso” (1996, p. 267)3.

3. Rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsa-bilidade da entidade de prática desportiva pagadora: trata-se aqui de hipótese clássica de resolução contratual, modalidade em que o contra-to de trabalho extingue-se por prática de falta por uma das partes. Alice Monteiro de Barros4 esclarece que “a causa da resolução é a inexecução relevante das obrigações de uma das partes, seja ela culposa ou involun-tária, ou derivada de considerável dificuldade na execução da prestação contratual em razão de onerosidade excessiva advinda das prestações”.

4. Rescisão indireta nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista: também situação flagrante de resolução contratual, a exem-plo do item anterior.

5. Dispensa imotivada do atleta: a seu turno, e a exemplo do item 2 deste capítulo, está-se diante de situação de resilição unilateral, am-parada no poder potestativo de uma das partes. Consoante Jorge Neto e Cavalcante, “já com relação à resilição unilateral, ocorre a extinção

1 DELGADO,MaurícioGodinho.Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 241.

2 BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 356.

3 SÜSSEKIND,Arnaldoetal.Instituições de direito do trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 1996. p. 221.4 BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos

controvertidos e tendências. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 197.

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do contrato de trabalho do jogador de futebol, pois há o desinteresse de uma das partes, em manter o vínculo de trabalho”5.

2 JUSTA CAUSA NOS CONTRATOS ESPECIAIS DE TRABALhO DESPORTIVO

A análise das hipóteses legais para cessação do vínculo desportivo entre atleta e clube, decorrente da extinção do contrato de trabalho, faz emergir uma curiosa (e preocupante) constatação: a de que a Lei nº 9.615/1998 simplesmente não traz previsão legal para a ocorrência de justa causa do empregado, hipótese de resolução contratual que se dá quando o obreiro, por meio de sua conduta, pratica ato que laiva gravemente a continuidade da relação laboral.

Márcio Túlio Viana preceitua que a justa causa é “prática de ato capaz de fazer desaparecer o elemento confiança recíproca, ou mesmo capaz de perturbar gravemente o lado moral da relação de serviço”6. Já Maurício Godinho Delgado leciona:

Para o Direito brasileiro, justa causa é o motivo relevante, previsto le-galmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do sujeito contratual comitente da infração. Trata-se, pois, da conduta tipificada em lei que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa da parte comitente.7

Infere-se, pois, da lição doutrinária que a ocorrência de justa causa contamina de forma tal a relação de trabalho que torna praticamente im-possível a sua continuação. E confere, assim, ao empregador a faculdade de promover a resolução do pacto laboral de forma motivada. Trata-se, destarte, de extinção do contrato sob ônus do trabalhador faltoso. Além da diminuição das verbas a serem pagas, a justa causa lança mácula na vida profissional do trabalhador. Cabe ainda salientar que a dispensa com justa causa possui caráter múltiplo, assumindo distintas facetas ao mesmo tempo: modalidade de extinção e penalidade máxima (Giglio, 2005, p. 254)8.

5 JORGENETO,FranciscoFerreira;CAVALCANTE,JoubertodeQuadrosPessoa.Manual de direito do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, t. I, 2004. p. 315.

6 VIANA,MárcioTúlio.O que há de novo em direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p 145.7 DELGADO,MauricioGodinho.Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 109.8 GIGLIO,WagnerD.Direito processual do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 242.

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Pois bem. A Lei nº 6.354/1976, que precedeu a Lei Pelé na disci-plina do regime jurídico dos atletas profissionais (os de futebol, especifi-camente), trazia o seguinte comando em seu art. 20:

Art. 20. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho e eliminação do futebol nacional:

I – ato de improbidade;

II – grave incontinência de conduta;

III – condenação a pena de reclusão, superior a 2 (dois) anos, transitada em julgado;

IV – eliminação imposta pela entidade de direção máxima do futebol nacional ou internacional.

De se notar, logo, que a legislação anterior não só abordava dire-tamente o assunto como estabelecia hipóteses específicas de ocorrência da justa causa, inclusive preceituando a eliminação do atleta do futebol nacional.

Não obstante, a Lei nº 12.395/2011, ao introduzir uma série de alterações à Lei Pelé, determinou, em seu art. 19, a revogação integral da Lei nº 6.354/1976. Assim é que, por disposição direta e literal de lei, eliminou-se a disciplina específica da extinção do contrato de trabalho por justa causa para os atletas de futebol.

Lado outro, por óbvio a questão não poderia ficar desamparada de disciplina legal, porquanto o fenômeno laboral tem sobeja força em nossa sociedade e clama por regulação. Em verdade, o art. 28, § 4º, da Lei nº 9.615/1998 traz expressa disposição no sentido de que aplicam--se ao atleta profissional as normais gerais da legislação trabalhista e seguridade social, naquilo que não contrariarem o diploma específico (no caso, a própria Lei Pelé).

Assim é que a doutrina e jurisprudência entendem, de forma as-sente, a possibilidade da aplicação subsidiária do art. 482 da CLT à ma-téria. Utilizam-se, portanto, as causas gerais de demissão por justa causa também no tratamento da modalidade específica que é o contrato espe-cial de trabalho desportivo. Dirceu Arcoverde aduz:

Assim como tem como obrigação contratual a participação em treinos, concentração, jogos, a manutenção do preparo físico e a disciplina tática

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dentro de campo, o jogador de futebol também deve se preservar em sua vida extracampo. Em casos extremos de indisciplina dentro ou fora de campo, o clube de futebol pode demiti-lo por justa causa, utilizando-se subsidiariamente dos casos autorizadores previstos no art. 482 CLT.9

Nesse diapasão, Alice Monteiro de Barros registra, inclusive, que, “para os atletas, a incontinência de conduta é avaliada com mais rigor do que o critério adotado para os empregados em geral e poderá confi-gurar-se mesmo fora das dependências da agremiação”10.

Claro está, destarte, que malgrado haja sido a disposição espe-cífica da justa causa do atleta de futebol afastada em função da Lei nº 11.295/2011, a ele aplica-se normalmente o instituto, conforme dis-posto no art. 482 da CLT.

3 CLÁUSULA INDENIZATÓRIA DESPORTIVA NA CIRCUNSTÂNCIA DE JUSTA CAUSA

Assentada a noção de que o instituto da justa casa presta-se a dar fim ao contrato de trabalho do atleta de futebol, perquire-se, de outro lado, das consequências financeiras e organizacionais que uma atitude de tal porte poderia ocasionar para a entidade de prática desportiva. Isto porque, especialmente no futebol de alto rendimento dos clubes das primeiras divisões, os investimentos em contratações são vultosos. Há grande clamor da torcida por aquisições de jogadores de renome, que melhorem a imagem geral do time e elevem o nível técnico. O torcedor de futebol deseja ver resultados e títulos – não se importando muito com o custo de tais conquistas e a capacidade financeira do clube. A torcida acaba, assim, por pressionar os dirigentes, que, de seu turno, ultimam transações de valores portentosos para ter no elenco profissionais de peso.

Ora, uma vez investida uma alta soma em um jogador, o que se espera é que ele:

i. proporcione ao clube excelente resultados nas competições;

9 ARCOVERDE, Dirceu. Lei omissa. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias?p_p_id=15&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_15_struts_action=%2Fjournal%2Fview_article&_15_groupId=10157&_15_articleId=4970455&_15_version=1.1>. Acesso em: 1º out. 2015.

10 BARROS, Alice Monteiro de. Contratos e regulamentações especiais de trabalho: peculiaridades, aspectos controvertidos e tendências. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 94.

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ii. gere eventualmente um aporte futuro de recursos ao clube, quando de uma ocasional transferência para outra agremia-ção, por meio do pagamento da cláusula indenizatória des-portiva.

Caso o atleta em questão passe a praticar os atos previstos no art. 482 da CLT, dando azo, assim, à dispensa por justa causa, as con-sequências para o clube podem ser lastimosas. Isto porque, ao extinguir o contrato, a entidade de prática desportiva abre mão, de certa forma, do trabalho de um profissional cuja performance gerava uma dupla ex-pectativa de resultados: o esportivo e o financeiro. No dizer do Ministro Alexandre Belmonte do TST:

Muitos especialistas entendem que a lei não faz a previsão de justa causa porque seria um “tiro no pé”. Seria o mesmo que o clube estar jogan-do fora um investimento feito para ter o atleta, na medida em que, ao despedi-lo por justa causa, ele estaria perdendo o direito ao retorno do investimento.11

Ou seja: investiu-se em um profissional que, por sua conduta, tor-nou impossível a continuidade da relação de trabalho. E, em razão de tal impossibilidade, a entidade de prática desportiva ver-se-ia alijada dos retornos esperados quando da contratação.

Assim é que se abre espaço para a seguinte indagação: O cometi-mento de justa causa pelo atleta de futebol daria azo à cobrança da cláu-sula indenizatória desportiva, prevista no art. 28, I, da Lei nº 9.615/1998?

A resposta seria afirmativa, consoante o citado Ministro Alexandre Belmonte. Em seu entender:

Se na transferência de um clube para o outro o primeiro tem direito a uma indenização por abandono de serviço, da mesma forma o clube também deveria ser indenizado se ocorrem um dos casos de despedi-da por justa causa previstos na CLT. Se o atleta deu causa ao término do contrato, ele tem que pagar a cláusula indenizatória, disciplinada no art. 28 da Lei Pelé. (Belmonte, op. cit.)

11 BELMONTE,AlexandreAgra.LeiPelédeixoucolunasobredemissãoporjustacausa.Disponívelem:<http://www.conjur.com.br/2013-jun-16/nao-previsao-legal-demissao-atletas-justa-causa-lei-pele>. Acesso em: 1º out. 2015.

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A corrente que escora a interpretação supraexposta baseia-se no conceito da cláusula indenizatória desportiva como instrumento de res-sarcimento ao clube pela extinção antecipada do contrato de trabalho, decorrente da atuação do atleta. Lembre-se que tal verba é vista como pacificamente devida quando ocorre uma das hipóteses do art. 28, I, a e b, da Lei nº 9.615/1998: transferência do jogador para outra entidade na constância da pacto laboral presente ou retorno do mesmo às atividades em outro clube no prazo de até 30 meses.

Para parte da doutrina, uma terceira hipótese, de fundo hermenêu-tico, consistiria justamente no pagamento da referida indenização pelo atleta ao clube nas situações em que o seu comportamento levasse o empregador ao ato extremo de dispensá-lo por justa causa. O argumento basilar de tal posição seria a necessidade de que o empregador recupe-rasse, pelo menos em parte, o alto investimento que fez ao contratar o jogador, visto que o atleta agora estaria deixando o clube em função de seu próprio proceder inadequado – e que tem repercussão imediata na saúde financeira do clube.

Em que pese a referida inteligência, posicionamo-nos em sentido contrário. Isto porque a dispensa por justa causa será sempre, em última análise, uma faculdade do empregador. Ao fazer uso de seu poder disci-plinar e efetivamente fulminar o contrato de trabalho em razão de uma das hipóteses do art. 482 da CLT, o clube está optando por exercer uma possibilidade que lhe é ofertada pela lei, mas jamais imposta. Ou seja, quem demite em casos de justa causa é sempre o empregador, nunca o empregado (a este assiste a rescisão indireta, tratada em artigos outros da legislação). Este segundo pode, de fato, haver cometido atos sobejamen-te reprováveis e que abalam a relação laboral, estremecendo o vínculo de confiança indispensável a uma convivência saudável. Todavia, ainda assim, quem ultima a dispensa motivada e sepulta a relação de trabalho, nesta circunstância, é o empregador, por meio de opção que a ele assiste exclusivamente.

Ora, se a cláusula indenizatória desportiva é devida pelo atleta nos casos em que ele decide dar cabo ao contrato de trabalho, e se, de outro ponto, o uso da dispensa por justa causa é faculdade ímpar do clube empregador (e somente deste), não vemos como aquiescer à hipótese de que o manejo da segunda possa dar azo ao pagamento da primeira.

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Outro ponto que nos parece eximir o jogador do pagamento da cláusula em comento diz respeito ainda à dinâmica de aplicação de valores no Direito do Trabalho. Em uma relação laboral usual, o funcio-nário despedido por justa causa não se obriga a cumprir aviso-prévio ou indenizá-lo ao empregador. Não deve, destarte, o pagamento de qual-quer quantia ao patrão, mesmo havendo cometido ato tão reprovável que impossibilitou a continuidade do vínculo de emprego. A punição se encerra no próprio ato de perder o emprego, ver-se desligado daquela relação, não tendo consequências ulteriores com caráter indenizatório. Com efeito, não havendo disposição explícita em sentido contrário no que concerne aos atletas de futebol, há de aplicar-se a regra geral da CLT, por força do art. 28, § 4º, da Lei Pelé. E a referida regra absoluta-mente não traz qualquer previsão de pagamento de verba indenizatória.

De se lembrar que a controvérsia objeto deste artigo ganhou corpo após a Lei nº 12.395/2011, que revogou a Lei nº 6.354/1976, deixando a justa causa do atleta de futebol sem regulamentação legal clara. Assim é que o tema mostra-se, de fato, atual e em franca construção, carecendo de manifestação maciça tanto por parte da doutrina quanto da jurispru-dência. De fato, em pesquisa nos sítios do TRT de algumas regiões e do TST, não se logrou localizar feito em que a verba ora excutida houvesse sido efetivamente cobrada por clube em relação a atleta, por ocasião de sua demissão por justa causa. Crê-se que, à medida que novos feitos judiciais forem ajuizados, e à medida que a doutrina debruçar-se mais detidamente sobre o tema, profícuas discussões com defensores de am-bas as teses hão de fomentar o debate, que é sempre produtivo.

4 O PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 109/2014

Buscando dirimir as dúvidas suscitadas pela lacuna legislativa, o Senado Federal apresentou, no ano passado, o Projeto de Lei do Senado nº 109/2014, que trata justamente da dispensa motivada do atleta e da cláusula indenizatória a ela referente. Transcrevem-se, a seguir, trechos do dispositivo de justificação do projeto:

Entendemos que as hipóteses da CLT não são totalmente adequadas ao contrato de trabalho dos atletas, pois não dispõem nem sobre a possibili-dade de exclusão do atleta pela entidade desportiva de sua modalidade, nem oferecem ao contratante a necessária proteção em face do mau pro-cedimento do contratado.

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Se, efetivamente, a realidade da esmagadora maioria dos atletas profis-sionais se caracteriza pela proletarização e pela baixa remuneração, não é menos verdade que em vários casos de grande exposição, a contrata-ção de um atleta de alto rendimento configura um elevado investimento por parte da entidade desportiva, investimento que merece proteção.

Por esse motivo apresentamos o presente projeto, que reintroduz a hi-pótese de dispensa motivada do atleta por exclusão de sua modalidade esportiva e que expressamente prevê a possibilidade de indenização eco-nomicamente equilibrada ao contratante, em caso de dispensa motivada do atleta.12

Claro está, pois, que o fenômeno sociojurídico deu gênese à ne-cessidade de regulamentação da situação fática, pelo que a casa legis-lativa iniciou a sua atuação. O projeto encontra-se em plena discussão pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, tendo sido objeto de uma audiência pública no dia 17 de junho do ano corrente. A referida audiência foi solicitada pelos senadores Dário Berger e Antonio Anastasia, e contou, entre outros, com a presença do ministro do Tribu-nal Superior do Trabalho, Alexandre Agra Belmonte, do assessor jurídico da Confederação Brasileira de Futebol, Amilar Fernandes Alves, e do presidente do Sindicato de Atletas Profissionais de São Paulo, Rinaldo José Matorelli. O ex-jogador Romário, atualmente senador, também par-ticipa ativamente dos debates acerca do tema.

O projeto de lei propõe a adição de poucos (conquanto muito significativos) dispositivos à Lei nº 9.615/1998, a saber:

– Inclui uma alínea c ao item I do art. 28, para acrescentar que a cláusula indenizatória desportiva será também devida ex-clusivamente à entidade de prática desportiva em mais uma circunstância, além daquelas já previstas em lei:

Art. 28. [...]

I – [...]

c) pela dispensa motivada do atleta, caso em que não poderá exceder àquela a que teria direito o atleta em idênticas condições.

12 BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 109/2014. Modifica o artigo 28 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=147578&tp=1>. Acesso em: 1º out. 2015.

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– Inclui um item VI ao § 5º do art. 28, para acrescentar que o vínculo desportivo do atleta dissolve-se também por sua dis-pensa motivada:

Art. 28. [...]

[...]

§ 5º [...]

VI – com a dispensa motivada do atleta.

– Inclui um § 11 no art. 28, para adicionar cláusula específica de dispensa motivada do atleta, além das já previstas na CLT:

Art. 28. [...]

[...]

§ 11. Constitui justa causa para a dispensa motivada do atleta – além das arroladas nas alíneas a a l do art. 482 da Consolidação das Leis do Traba-lho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – a eli-minação do atleta imposta pela entidade de direção desportiva máxima, nacional ou internacional.

Da leitura dos dispositivos que se pretende acrescentar à Lei nº 9.615/1998, extrai-se que a justa causa cometida pelo atleta daria en-sejo ao pagamento de cláusula indenizatória desportiva ao clube, tendo o seu valor, nesta circunstância, limitado ao que o próprio jogador re-ceberia em condições idênticas. Tem-se a impressão de que o legislador desejou criar uma situação de paridade, neste particular, entre os valores da cláusula compensatória desportiva e indenizatória desportiva, espe-cificamente quando ocorrer a justa causa de qualquer das partes – seja por meio da dispensa motivada do atleta pelo clube, seja por meio da resolução do contrato pelo atleta em caso de rescisão indireta.

O novel alínea c do item I do art. 28 traria, assim, vultosa modifi-cação à sistemática da justa causa no contrato de trabalho do atleta, vez que:

i. oficializaria a obrigatoriedade de pagamento de cláusula in-denizatória do jogador à entidade de prática desportiva quan-do ele cometesse justa causa;

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ii. equipararia os valores das cláusulas indenizatória e compen-satória desportiva, na circunstância específica da ocorrência de justa causa por qualquer das partes.

Tratam-se de alterações significativas, e que certamente impacta-rão na confecção das referidas cláusulas, caso de fato o PL prospere. É curioso, porém, observar a iniciativa de aproximar os valores compen-satórios e indenizatórios, hodiernamente colocados em patamares tão diversos.

A proposta do projeto de lei dividiu opiniões na citada audiência pública para a sua discussão. De um lado, Alexandre Agra Belmonte (ministro do TST) posicionou-se favoravelmente às modificações postas. Afirmou o jurista:

Poderia ser adotada esta solução: o atleta pagaria indenização à entidade desportiva conforme prejuízos comprovados. Então, nesse caso o clube teria que comprovar os prejuízos para poder ter esse retorno, observando que a CLT prevê, em contratos temporários, a hipótese de indenização do empregado demitido ao empregador.13

Já o representante da CBF, Amilar Fernandes Alves, adverte para o perigo da aplicação das alterações, observando que “menos de 5% dos jogadores recebem salário alto. Essa minoria não deve ser levada em conta. Temos que olhar a maioria. Na maior parte dos casos, o jogador é hipossuficiente”. O ex-jogador e atual senador Romário posiciona-se também contrário à estipulação da cláusula indenizatória desportiva nesta seara, aduzindo: “Eu nunca concordo com a CBF em nada, mas desta vez a CBF acertou. Não tem sanção maior ou punição maior do que o jogador deixar de receber o que está no contrato. Justa causa é ruim para qualquer empregado, não só jogador de futebol”14.

O assunto, como se pode ver, é polêmico e merece detida análise. Em um primeiro momento, parece-nos que a referida obrigatoriedade de pagamento da cláusula indenizatória desportiva em situações de jus-

13 BELMONTE,AlexandreAgra.LeiPelédeixoucolunasobredemissãoporjustacausa.Disponívelem:<http://www.conjur.com.br/2013-jun-16/nao-previsao-legal-demissao-atletas-justa-causa-lei-pele>. Acesso em: 1º out. 2015.

14 ARCOVERDE, Dirceu. Lei omissa. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias?p_p_id=15&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_15_struts_action=%2Fjournal%2Fview_article&_15_groupId=10157&_15_articleId=4970455&_15_version=1.1>. Acesso em: 1º out. 2015.

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ta causa, da forma como foi colocada no PL, de fato pautou-se muito naquele pequeníssimo percentual de jogadores que percebem salários vultosos, e cuja dispensa motivada ocasionaria real prejuízo aos clu-bes. Olvidou-se, em nosso entender, o jogador médio brasileiro, cor-respondente a mais de 90% do contingente de atletas profissionais, que raramente recebe mais de 2 salários-mínimos por mês e que enfrentaria intransponível dificuldade caso condenado fosse a pagar tal montante.

Outro aspecto do projeto de lei digno de intensa nota é a criação de uma nova causa de dispensada motivada do atleta (ademais de to-das as já existentes na CLT), qual seja, a sua eliminação pela entidade de direção desportiva máxima, nacional ou internacional – no caso de nosso estudo, CBF e Fifa, respectivamente. O legislador pretende, desta forma, garantir que o atleta que tenha cometido infração de tamanha gravidade que haja sido eliminado pelos órgãos esportivos possa ser, também, dispensado motivadamente pelo clube. Aqui, relacionamento desportivo e laboral fundem-se, de forma que a punição em uma seara transpõe-se também para a outra. Tratar-se-iam, por exemplo, de hipóte-ses de dopagem reiterada ou outra sorte de comportamento que tornasse impraticável que o jogador seguisse com sua atividade, o que refletiria, por óbvio, diretamente também em seu contrato de trabalho.

A disposição do novel § 11 pode revelar-se como um louvável instrumento no sentido de compelir o atleta de futebol a observar as re-gras da modalidade esportiva e abster-se, principalmente, da utilização reiterada de substâncias dopantes ou de atos inaceitáveis de violência.

CONCLUSÃO

Fenômeno social de inegável importância, o futebol demanda a existência de uma série de regramentos jurídicos que acompanham a sua especificidade, visto diferenciar-se da maioria das atividades coti-dianas. No tocante às relações entre atletas e clubes de futebol, con-quanto a CLT seja de grande importância norteadora e supletiva, a Lei nº 9.615/1998 é o diploma que, entre outros aspectos, dispõe mais de-talhadamente sobre a dinâmica do vínculo laboral – de seu nascedouro à sua morte.

Assim é que as formas de extinção do contrato de trabalho do atle-ta de futebol obedecem a uma série de comandos específicos, geralmen-

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te delineados de maneira razoável na popularmente chamada Lei Pelé (que, por sinal, busca regular as relações em todas as searas do esporte, e não apenas a do futebol profissional).

O referido diploma, porém, é silente no que concerne à dispensa motivada do atleta que comete ato configurador de justa causa. A maté-ria encontrava regulamento na revogada Lei nº 6.354/1976, que trazia detalhadas as circunstâncias ensejadoras da justa causa. Todavia, desde a alteração da Lei nº 9.615/1998 pela Lei nº 12.395/2011, tais disposi-ções perderam vigência e validade, abrindo caminho para um vácuo legislativo no tocante ao tema. Utiliza-se, pois, hodiernamente, a dis-posição contida no art. 482 da CLT para nortear o instituto da dispensa motivada do jogador.

Malgrado parte da doutrina sustente que a cláusula indenizatória desportiva é devida pelo atleta ao clube quando o primeiro comete ato configurador de justa causa, afiliamo-nos à corrente que defende não haver supedâneo legal para tanto. Firmamo-nos, principalmente, na no-ção de que a dispensa em si por justa causa é opção do empregador, ato de vontade sua, e não do empregado – e, portanto, inábil a gerar a obrigação de pagamento da cláusula.

Finalmente, observamos que o Projeto de Lei do Senado nº 109/2014 busca suprir a lacuna legislativa, trazendo a previsão ex-pressa, para dentro da Lei nº 9.615/98, do cometimento de justa causa pelo atleta profissional, assim como da necessidade legal de pagamento da cláusula indenizatória desportiva ao clube. O valor de tal cláusula, não obstante, equipara-se para jogador e entidade de prática desportiva, consoante a disposição do projeto de lei. Note-se ainda que o aludido projeto traz também a introdução de um nova circunstância ensejadora de dispensa motivada pelo clube, somando-a ao rol das já existentes e previstas na CLT.

REFERÊNCIAS

ARCOVERDE, Dirceu. Lei omissa. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias?p_p_id=15&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&_15_struts_action=%2Fjournal%2Fview_article&_15_grou-pId=10157&_15_articleId=4970455&_15_version=1.1>. Acesso em: 1º out. 2015.

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BELMONTE, Alexandre Agra. Lei Pelé deixou coluna sobre demissão por justa causa. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-16/nao-previsao--legal-demissao-atletas-justa-causa-lei-pele>. Acesso em: 1º out. 2015.

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______. Princípios de direito individual e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2001.

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VIANA, Márcio Túlio. O que há de novo em direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2012.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1537

Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑1552‑69.2011.5.01.0031Acórdão4ª Turma

RECURSO DE REVISTA – ATLETA PROFISSIONAL – DIFERENÇA DE DIREITO DE ARENA – ACORDO JUDICIAL – ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL LEGAL DE 20% – IMPOSSIBILIDADE

1. Conforme redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, vigente à época do contrato de emprego do Reclamante, o percentual mínimo estabelecido a título de direito de arena, antes da alteração pela Lei nº 12.395/2011, era de 20%.

2. Acordo judicial em que se estipulou a redução do percentual legal pago aos atletas profissionais a título de direito de arena viola a norma legal. O entendimento majoritário do TST é de que nem a negociação coletiva, tampouco o acordo judicial entre o clube reclamado e o sindicato, têm o condão de afastar a incidência do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de maneira que a previsão do percentual de 20%, mais benéfica e em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, deve ser respeitada como patamar mínimo da norma, em face do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.

3. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento, no particular.

RECURSO DE REVISTA – ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – CONTRATOS SUCES-SIVOS – PRESCRIÇÃO BIENAL – UNICIDADE

1. Nos termos do art. 30 da Lei nº 9.615, “o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”.

2. Desse modo, a própria lei determina que a contratação de atle-tas profissionais ocorra por tempo determinado, estabelecendo, inclusive, os períodos de duração máxima e mínima. Saliente-se que, nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, o prazo prescricional bienal conta-se da extinção do contrato de trabalho.

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3. O prazo prescricional, portanto, começa a fluir do termo final do contrato de trabalho por tempo determinado, não obstante as partes hajam, posteriormente, acordado a permanência da presta-ção de serviço, mediante a celebração de novo contrato, também por tempo determinado.

4. Reputar os contratos por tempo determinado, sucessivamente acordados, sem solução de continuidade, como “contrato único” implicaria, em última instância, convertê-los em contrato por tem-po indeterminado, em ofensa à imposição legal.

5. Recurso de revista do Reclamado de que se conhece e a que se dá provimento, no aspecto.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-1552-69.2011.5.01.0031, em que é Recorrente e Recorrido Thiago Rocha da Cunha e Recorrido e Recorrente Botafogo de Futebol e Regatas.

Irresignado com a r. decisão interlocutória de fls. 1.171/1.172 da numeração eletrônica, mediante a qual a Vice-Presidência do Eg. Tribu-nal Regional do Trabalho da Primeira Região denegou seguimento ao recurso de revista, interpõe agravo de instrumento o Reclamante.

Aduz, em síntese, que o recurso de revista é admissível por viola-ção de dispositivos de lei e da Constituição Federal e divergência juris-prudencial.

De outro lado, o Reclamado interpõe recurso de revista às fls. 1.127/1.139 da numeração eletrônica, alegando violação de disposi-tivos de lei e divergência jurisprudencial.

A Vice-Presidência do Eg. TRT da Primeira Região admitiu o re-curso de revista interposto pelo Reclamado por vislumbrar divergência jurisprudencial (fls. 1.172/1.174 da numeração eletrônica).

O Reclamado apresentou contraminuta às fls. 1.227/1.234 da nu-meração eletrônica e contrarrazões às fls. 1.236/1.242 da numeração eletrônica; e o Reclamante contrarrazões às fls. 1.177/1.192 da numera-ção eletrônica.

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Não houve remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho (art. 83 do RITST).

É o relatório.

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE

1 CONhECIMENTO

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, conhe-ço do agravo de instrumento.

2 MÉRITO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

2.1 Atleta profissional. Diferença de direito de arena. Acordo judicial. Alteração do percentual mínimo legal. Impossibilidade

O Eg. TRT de origem, de um lado, manteve a r. sentença que re-jeitou o pedido de diferenças de direito de arena, por entender válido o acordo judicial entabulado entre o clube de futebol e o sindicado da categoria profissional que reduziu o percentual mínimo respectivo, pre-visto no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de 20% para 5%.

De outro, deu parcial provimento ao recurso ordinário do Recla-mante para acrescer à condenação o pagamento de direito de arena referente à competição “Copa Sulamericana de 2008”.

Eis o teor do acórdão recorrido, no ponto:

“DIREITO DE ARENA/REDUÇÃO DO PERCENTUAL

O autor requer o pagamento de diferenças e reflexos, até o limite mínimo de 20% estabelecido no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a título de direito de arena do Campeonato Carioca de 2009, Brasileiros de 2008 e 2009, Copa do Brasil de 2009 e Sulamericana de 2008, bem como reflexos legais.

O réu alega, na defesa, que a redução do percentual atinente ao direito de arena fora pactuada com a entidade sindical do obreiro, sendo per-mitida por lei.

O Juízo de origem sobre a questão assim se manifestou, verbis:

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‘[...] As partes divergem quanto ao percentual cabível ao autor deste direito de arena. É certo afirmar que o Sindicato de classe informou os valores percebidos pelo autor em cada campeonato de que participa-ra “vestindo a camisa” do Clube reclamado, mas não informa qual o percentual que corresponderia tais valores. A reclamada confessa que o percentual fora de 5% e alega que nos contratos de trabalho que ce-lebrara com o autor era o percentual previsto. Neste E. TRT, já se pro-nunciara sobre o percentual a ser pago ao atleta na seguinte decisão:

“Direito de Arena. Atleta profissional de futebol. Parágrafo único do art. 42 da Lei nº 9.615. Lei Pelé. Percentual de 5% pactuado através dos sindicatos dos atletas profissionais e dos clubes de futebol, atende a tal norma legal, inexistindo diferença de 15% a deferir. Recurso do autor a que se nega provimento” (RO 0000008-31.2010.5.01.0015, 09.06.2011, 6ª T., Rel. Alexandre de Souza Agra Belmonte).

Este Juízo entende que a expressão “salvo convenção em contrário” disposta no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, chamada de Lei Pelé, que disciplina o desporto no Brasil é justamente o acordo formalizado pela entidade sindical que deliberou sobre o pagamento de apenas 5% ao autor. O reclamado e o autor, através de seu sindicato de clas-se, convencionaram quanto ao pagamento de apenas 5% ao autor relativo ao direito de arena pela sua participação nos campeonatos indicados na prefacial. O valor pago a título de “direito de arena”, por sua natureza salarial deverá compor a maior remuneração do autor nas parcelas pagas ao longo do pacto laboral único. Assim, indefiro os pedidos nos itens A e B da prefacial e procedem em parte os pedi-dos no item C da prefacial pelos valores indicados pela entidade de classe’ (fl. 826).

Os documentos de fls. 45/50 confirmam a transação realizada entre o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro – Saferj; a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro – Clube dos Treze; a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro e a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, em 18.12.2000, pondo fim ao litígio que se desenrolou perante a 23ª Vara Cível desta Comarca e o documento de fl. 794 demonstra que foi requerido ao Juízo supramencionado a homo-logação do acordo.

No aludido ajuste, ficou estipulado que o direito de arena passasse a ser destinado ao Sindicato dos Atletas, na condição de representante legal da categoria, o percentual equivalente a 5% do preço total ajustado com as

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emissoras de televisão (Cláusula 4ª, alínea a). A transação foi firmada em caráter irrevogável e irretratável, obrigando aos transatores (Cláusula 9ª) e, evidentemente, aos seus representados, ou seja, aos atletas profissio-nais de futebol e aos clubes de futebol.

É importante destacar que o sindicato dos Atletas de Futebol atuou na referida ação judicial e celebrou a referida transação judicial como subs-tituto processual, na defesa dos interesses coletivos e individuais de toda categoria, nos termos do art. 8º, inciso III, da CRFB.

Assim, a transação judicial produz efeito em relação a todos os clubes re-presentados pelo Clube dos Treze, pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro e pela Confederação Brasileira de Futebol.

De toda sorte, há lei específica autorizando a redução do percentual re-ferente ao direito de arena (Lei nº 9.615/1998, art. 42, § 1º), sendo certo que mesmo antes da nova redação conferida à lei supracitada, ou seja, época em que foi assinado o acordo (18.09.2000), quando o percentual previsto era de 20%, já havia ressalva em seu texto quanto à possibilida-de de redução daquele percentual.

Com redação dada pela Lei nº 12.395 de 2011, o art. 42 da Lei nº 9.615/1998, está assim redigido, verbis:

‘Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a repro-dução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo des-portivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos au-diovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e es-tes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).’

Ressalte-se que, no contrato de trabalho firmado entre o autor e o clube, consta na cláusula 5ª o reconhecimento do acordo firmado e homolo-gado perante a 23ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro referente ao direito de arena previsto no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (fls. 791 e 792).

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Assim, como o percentual de 5% (cinco por cento) já havia sido estabe-lecido deve ser reconhecido e aplicado, por força do art. 7º, XXVI, da CRFB, não fazendo jus às diferenças pela redução do percentual como sentenciado.

Todavia, verifica-se nos autos que houve repasse de verbas ao reclaman-te referente a todos os campeonatos apontados no rol de pedidos (fls.31), com exceção da Copa Sulamericana de 2008, a qual não consta do ofí-cio do Sindicato a fls. 798 como pago ao autor.

Neste contexto, faz jus o autor ao pagamento do direito de arena em relação à Copa Sulamericana, visto que a prova documental produzida a fls. 759/764 confirma a participação do atleta nos jogos realizados, mas o reclamado não provou o repasse ao Sindicato dos eventos em que o reclamante esteve presente, ônus que lhe cabia (art. 333, II do CPC), ob-servado o percentual acordado pelo clube com as entidades desportivas (5%) e a proporção 1/18, com reflexos nas verbas contratuais, como se apurar em regular liquidação de sentença.

Dou provimento parcial.” (fls. 1.091/1.093 da numeração eletrônica; gri-fos nossos)

Inconformado, o Reclamante, nas razões do recurso de revista, aponta violação dos arts. 7º, VI, e 114 da Constituição Federal, 444, 611, 613 e 614 da CLT, 269, I e II, do CPC, 103, § 1º, e 104 do CDC e 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, bem como indica arestos para configuração de divergência jurisprudencial.

A redução do montante a ser distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento, de 20% para 5% da autorização, ainda que mediante acordo judicial celebrado entre o Sindicato que representa os atletas e o clube de futebol, implica viola-ção do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, na redação vigente antes da alteração promovida pela Lei nº 12.395/2011.

Em decorrência, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista do Reclamante.

Com fulcro nos arts. 897, § 7º, da CLT, 3º, § 2º, da Resolução Administrativa nº 928/2003 do TST, 228, caput e § 2º, e 229, caput, do RITST, proceder-se-á à análise do recurso de revista na primeira sessão ordinária subsequente.

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B) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO

1 conheciMento

Considero atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilida-de do recurso de revista.

1.1 Atleta profissional de futebol. Contratos sucessivos. Prescrição bienal. Unicidade

O Eg. TRT de origem manteve a r. sentença que reconheceu a uni-cidade entre os contratos por tempo determinado sucessivamente acor-dados entre o Reclamante, atleta profissional de futebol, e o Reclamado.

Eis o teor do v. acórdão regional, no aspecto:

“UNICIDADE CONTRATUAL/PRESCRIÇÃO BIENAL

Pretende o reclamado a reforma da sentença que declarou a existência de contrato único no período de 01.05.2008 a 31.12.2009, e por conse-quência, rejeitou a prescrição bienal arguida pelo reclamado.

Alega o reclamado que o autor é atleta profissional de futebol e para tal função foi contratado, sendo regido por lei específica (Lei nº 9.615/1998). Aduz que o art. 30 da referida lei, prevê, obrigatoriamente, contrato por prazo determinado aos atletas profissionais por período nunca inferior a três meses e superior a cinco anos.

O autor, na inicial, informa que firmou dois contratos por prazo determi-nado, como atleta profissional, em face do mesmo empregador. O pri-meiro de 01.05.2008 a 31.12.2008 e o segundo, logo em seguida, de 05.01.2009 a 31.12.2009. Aduz que entre os contratos houve simples substituição de cláusulas, e o fato do autor e o réu firmarem novo ajuste contratual não constituem contratos autônomos entre si, mas sim contra-tos sucessivos com vínculo laboral ininterrupto. Requer que seja reco-nhecida a unicidade contratual no período de 01.05.2008 a 31.12.2009.

O Juízo de origem declarou a unicidade contratual ao seguinte funda-mento, verbis:

‘A Súmula nº 20 do Colendo TST era bastante clara, na época de sua vigência, ao orientar a tendência da jurisprudência: ‘Não obstante o pagamento da indenização de antiguidade presume-se em fraude à lei a resilição contratual se o empregado permaneceu prestando ser-

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viço ou tiver sido, em curto prazo, readmitido’ (grifos nossos). É certo afirmar, porém, que esta Súmula do Colendo TST fora cancelado pela Resolução Administrativa nº 106/2001. Contudo, a referência orien-tação jurisprudencial pode ajudar na compreensão pela Resolução Administrativa nº 106/2001. Contudo, a referida orientação jurispru-dencial pode ajudar na compreensão dos fatos desta lide.

Não há controvérsias de que o autor tenha mantido dois contratos de trabalho com a reclamada, por prazo determinado. Também é fato in-controverso que o autor, no interregno dos dois contratos de trabalho por prazo determinado não lhe prestou qualquer serviço. É importan-te salientar que o interregno entre os contratos decorreu no período de 01.01.2009 a 04.01.2009, por quatro dias apenas. De toda sor-te, mesmo que tenha sido esta a hipótese dos autos, merece censura deste Judiciário Trabalhista, eis que a fraude à lei restou manifesta. O art. 453 da CLT, ante os termos da Súmula acima mencionada, diante da jurisprudência majoritária trabalhista, no entendimento este juízo, não tem a conotação e amplitude dados pela reclamada. A ju-risprudência trabalhista firmou também seu entendimento no sentido de se considerar como ‘curto prazo’, mencionado no texto celetista como até noventa dias. A readmissão do autor na reclamada nun-ca ultrapassou este período quando da primeira resilição contratual efetivada. [...] A reclamada sustenta a tese de que a contratação por prazo determinado do autor decorria da natureza jurídica da contra-tação. Destes fatos constata-se que a atividade desempenhada pelo autor não era transitória ou sazonal. O autor somente não prestara serviços para a reclamada no interregno entre os contratos celebrados por única e exclusiva vontade do empregador. O autor executava as mesmas funções e tarefas em ambos os contratos de trabalho, nada modificando em sua vida funcional. Desta ilação, não há que se falar em contrato de trabalho diverso daquele celebrado, num segundo pe-ríodo. O autor não prestou serviços no interregno entre os contratos celebrados com a reclamada pelo fato desta não o ter convocado ao trabalho. A contratação do autor em dois contratos de trabalho por prazo determinado decorre única e exclusivamente da vontade do seu empregador. Esta forma de contratação promovida entre as partes é nula, na medida em que fraudou direitos trabalhistas, na forma do art. 9º da CLT. A hipótese dos autos refere-se à atividade permanente da reclamada e não aquela transitoriedade prevista no caput declara--se a Unicidade Contratual celebrado entre as partes, reconhecendo-

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-se incidentalmente, a existência de contrato único no período de 01 de maio de 2008 a 31 de dezembro de 2009. Ante a fraude à lei reconhecida pelo juízo é de se rejeitar a arguição da Prescrição Bie-nal’ (fls. 823/824).

A Lei nº 9.615/1998 teve por objetivo assegurar a plena liberdade pro-fissional ao atleta e garantir que seu vínculo com o empregador não seja eterno, rompendo com a norma anterior que prevê o regime do passe.

O art. 30 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) estabelece que: ‘o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos’, e em seu parágra-fo único afasta expressamente a regra do art. 445 da CLT, segundo a qual o contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de dois anos.

Todavia, é perfeitamente possível que o atleta firme novos ajustes por prazo determinado com seu antigo empregador, mantendo o vínculo em-pregatício, sem que eles constituam contratos autônomos.

Interpretar de forma contrária implica em desvirtuar a finalidade da Lei nº 9.615/1998, o que traz prejuízo para o empregado, uma vez que a prescrição bienal seria contada a partir do final de cada contrato de tra-balho e, a lei que tem por objetivo garantir a liberdade contratual do atleta seria utilizada para frustrar seus direitos trabalhistas.

No caso dos autos, é evidente que o novo ajuste entre o atleta e o clube teve por finalidade a prorrogação do vínculo trabalhista, e não o estabe-lecimento de um novo contrato de trabalho. Isto porque o 1º contrato vigorou de 01.05.2008 a 31.12.2008, por sete meses e o 2º contrato, de 05.01.2009 a 31.12.2009, por onze meses. Entre os contratos decorreu um interregno de apenas 4 (quatro) dias. Portanto, é patente a intenção das partes de prorrogar o pacto, e não a de firmar um novo ajuste.

Neste contexto, conclui-se que a natureza do novo ajuste é de prorroga-ção do contrato de trabalho anteriormente firmado.

O fato de o contrato de trabalho de atleta profissional ser prorrogado indefinidas vezes não desnatura a sua natureza de contrato por prazo determinado, sendo certo que não é aplicável a essa modalidade con-tratual o art. 451 da CLT, segundo o qual a prorrogação de um contrato por prazo determinado por mais de uma vez o transmuta em contrato por prazo indeterminado.

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Com efeito, prorrogação e indeterminação do prazo são institutos que

não se confundem, sendo perfeitamente concebível a prorrogação de su-

cessivos contratos por prazo determinado, sem que ocorra a conversão

em contrato por prazo indeterminado.

Assim, não havendo incompatibilidade entre a prorrogação contratual e

o fato de o contrato ter prazo determinado, a renovação do vínculo de

trabalho de atleta profissional por sucessivas vezes não implica o reco-

nhecimento de vários contratos de trabalho, mas, sim, um único contrato

que foi prorrogado diversas vezes.

Correta a r. sentença de origem que reconheceu a existência de contrato

único no período de 01.05.2008 a 31.12.2009, e como o termo inicial da

prescrição para a propositura da ação é a extinção da relação de empre-

go, que no caso dos autos se conta a partir da extinção definitiva do con-

trato de trabalho, que foi prorrogado, não há falar em prescrição bienal.

Nego provimento.” (fls. 1.088/1.090 da numeração eletrônica; grifos

nossos)

Inconformado, o Reclamado, nas razões do recurso de revista, aponta violação do art. 30 da Lei nº 9.615/1998, bem como indica ares-to para configuração de divergência jurisprudencial.

Nos termos do art. 30 da Lei nº 9.615, “o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”.

Desse modo, se (1) a própria lei determina que a contratação de atletas profissionais ocorra por tempo determinado, estabelecendo in-clusive os períodos de duração máxima e mínima; e, (2) nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, o prazo prescricional bienal con-ta-se da extinção do contrato de trabalho, o prazo prescricional começa a fluir do termo final do contrato de trabalho por tempo determinado.

Irrelevante, a meu juízo, para fins de contagem do prazo prescri-cional, que as partes hajam, após o termo final, acordado pela perma-nência na prestação de serviço, mediante a celebração de novo contra-to, também por prazo determinado.

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A sucessividade contratual, diferentemente da prorrogação, con-siste na pactuação de novo contrato a termo, logo após a extinção de um contrato anterior – também por tempo determinado.

Reputar os contratos por tempo determinado, sucessivamente acordados, sem solução de continuidade, como “contrato único” impli-caria, em última instância, convertê-los em contrato por tempo indeter-minado, em absoluta ofensa à imposição legal.

Na hipótese, por exemplo, de contratos por tempo determinado com duração de um ano cada, mas sucessivamente acordados durante cinco anos ininterruptos, admitir a tese de unicidade contratual impli-caria permitir ao atleta profissional, por ocasião da extinção do quinto contrato, pleitear direitos referentes ao primeiro deles, extinto há quatro anos.

Tal conclusão revela-se em patente ofensa ao art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, que, como cediço, estabelece o prazo prescricio-nal de dois anos para postular créditos resultantes das relações de traba-lho após a extinção do contrato de trabalho.

Entendo, ressalte-se, que a tese de que os contratos sucessivos, em razão da ausência de solução de continuidade da prestação de serviços, devem ser considerados como “contrato único” para todos os efeitos, inclusive para efeitos de fluência do prazo prescricional, ofenderia prin-cípios de lógica pura, especialmente o princípio da não contradição, segundo o qual “uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”.

Os contratos celebrados entre empregador e atleta profissional, afinal, não podem (a) constituir contratos sucessivos por tempo determi-nado e, ao mesmo tempo, (b) serem considerados como contrato único – com duração, aliás, possivelmente maior do que a máxima autorizada em lei –, pois significaria convertê-los em contrato por prazo indetermi-nado.

Desse modo, do término de cada contrato por prazo determinado começa a fluir o prazo prescricional bienal.

Nesse sentido, a propósito, recente precedente desta Eg. Quarta Turma do TST:

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“RECURSO DE REVISTA – ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – CON-TRATOS SUCESSIVOS – PRESCRIÇÃO BIENAL – UNICIDADE – 1. Nos termos do art. 30 da Lei nº 9.615, ‘o contrato de trabalho do atleta pro-fissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três me-ses nem superior a cinco anos’. 2. Desse modo, a própria lei determina que a contratação de atletas profissionais ocorra por tempo determina-do, estabelecendo, inclusive, os períodos de duração máxima e mínima. Saliente-se que, nos termos do art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, o prazo prescricional bienal conta-se da extinção do contrato de trabalho. 3. O prazo prescricional, portanto, começa a fluir do termo final do con-trato de trabalho por tempo determinado, não obstante as partes hajam, posteriormente, acordado a permanência da prestação de serviço, me-diante a celebração de novo contrato, também por tempo determinado. 4. Reputar os contratos por tempo determinado, sucessivamente acor-dados, sem solução de continuidade, como ‘contrato único’ implicaria, em última instância, convertê-los em contrato por tempo indeterminado, em ofensa à imposição legal. 5. Recurso de revista de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento.” (RR 1612-89.2010.5.06.0014, Rel. Min. João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 08.04.2015, 4ª T., Data de Publicação: DEJT 08.05.2015)

Diante do exposto, ao reconhecer a unicidade dos contratos su-cessivamente celebrados entre o atleta profissional de futebol e o Recla-mado, o primeiro vigente entre 01.05.2008 e 31.12.2008 e o segundo entre 05.01.2009 e 31.12.2009, o Eg. TRT de origem violou o art. 30 da Lei nº 9.615/1998.

Conheço do recurso de revista do Reclamado, no aspecto, por vio-lação do art. 30 da Lei nº 9.615/1998.

1.2 Direito de arena. Natureza jurídica. Reflexos

O Eg. TRT de origem deu parcial provimento ao recurso ordinário interposto pelo Reclamado para excluir os reflexos do direito de arena no repouso semanal remunerado.

Manteve, contudo, os reflexos em depósitos de FGTS, férias acres-cidas de um terço e décimo terceiro salário.

Eis o teor do v. acórdão regional, no ponto:

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“DIREITO DE ARENA/INTEGRAÇÃO

O réu alega que o valor recebido pelo autor a título de direito de arena não tem relação alguma com o contrato de trabalho, não constituindo salário e consequentemente, não repercutindo nas demais verbas traba-lhistas. Requer a reforma da decisão de origem.

O autor, na inicial, postulou os reflexos relativos a título de direito de arena nas verbas contratuais (13º salários, férias acrescidas de um terço, RSR e FGTS).

O Juízo de origem deferiu os reflexos postulados ao entendimento de que a parcela tem natureza salarial, acrescentando que ‘a doutrina tem atribuído a natureza de remuneração ao direito de arena, de forma seme-lhante às gorjetas que também são pagas por terceiro’, e que no caso dos autos, ‘os valores informados pela entidade sindical de classe sofreram incidência de Imposto de Renda, denotando ao juízo seu caráter salarial’ (fls. 824/826).

O direito de arena é uma criação jurídica destinada especificamente para atividades esportivas e encontra-se inserido na Lei nº 9.615/1998, em seu art. 42, verbis:

‘Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de ne-gociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º. Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.’

Assim, a titularidade do direito de arena é da entidade de prática des-portiva e, por determinação legal, apenas o atleta que tiver participado do evento fará jus ao recebimento de um percentual do preço estipulado para a transmissão ou retransmissão do respectivo evento esportivo.

Neste contexto, embora pago por terceiros, o direito de arena percebido pelo atleta, em verdade, é uma contraprestação pelo trabalho prestado em favor do clube, ou seja, não tem por intuito indenizar o atleta, mas, sim, remunerá-lo por sua participação no espetáculo.

Prelecionando sobre o tema, Domingos Sávio Zainaghi (Os atletas profis-sionais de futebol no Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 1988, p. 147), ensina que a natureza jurídica do chamado direito de arena é de remu-

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neração, devido à similitude do instituto com a gorjeta, incidindo sobre o pagamento todas as obrigações trabalhistas (FGTS, férias, 13º salário e recolhimento previdenciário).

Comunga da mesma opinião a ilustre magistrada e doutrinadora Alice Monteiro de Barros, em artigo intitulado: O Atleta Profissional do Fute-bol em face da Lei Pelé, publicado na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, 30 (60): 153-170, jul.-dez./1999, verbis:

‘A doutrina tem atribuído a natureza de remuneração ao direito de arena, de forma semelhante às gorjetas que também são pagas por terceiro. A onerosidade deste fornecimento decorre de lei e da opor-tunidade concedida ao empregado para auferir esta vantagem. O va-lor alusivo ao direito de arena irá compor apenas o cálculo do FGTS, 13º salário, férias e contribuições previdenciárias, pois o Enunciado nº 354 do TST retira-lhe a incidência do cálculo do aviso prévio, re-pouso, horas extras e adicional noturno.’

Neste contexto, embora pago por terceiros, o direito de arena percebido pelo atleta, em verdade, é uma contraprestação pelo trabalho prestado em favor do clube, ou seja, não tem por intuito indenizar o atleta, mas, sim, remunerá-lo por sua participação no espetáculo.

Deste modo, correta a r. sentença de origem ao deferir a integração do direito de arena na remuneração do autor para fins de cálculo do FGTS, férias acrescidas de um terço e 13º salário, não integrando, porém, no RSR de acordo com a Súmula nº 354, aplicada por analogia.

Dou provimento parcial.” (fls. 1.090/1.091 da numeração eletrô-nica; grifos nossos)

Inconformado, o Reclamado, nas razões do recurso de revista, aduz que “o legislador, através das mudanças introduzidas pela Lei nº 12.325/2011, principalmente no § 1º do art. 42, normatizou a nature-za civil da parcela direito de arena, não repercutindo assim no contrato de trabalho do autor” (fls. 1.138/1.139 da numeração eletrônica).

Aponta violação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, bem como indica arestos para configuração de divergência jurisprudencial.

A Lei nº 12.325/2011 alterou o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, que disciplina o direito de arena, para conferir-lhe a seguinte redação:

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“Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos au-diovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.” (grifo nosso)

Contudo, o contrato de trabalho do Reclamante, cujas pretensões não se encontram prescritas, perdurou de 05.01.2009 a 31.12.2009, an-tes, portanto, do início da vigência da Lei nº 12.325/2011, de modo que a nova redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 não se aplica à hipótese vertente.

Desse modo, em face do princípio da irretroatividade, a natureza jurídica do direito de arena deve ser interpretada segundo o que previa a redação anterior do dispositivo, a seguir transcrita:

“Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de ne-gociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.” (grifo nosso)

Depreende-se da norma infraconstitucional que o direito de arena constitui retribuição aos atletas profissionais em virtude da participação em espetáculo esportivo.

Assim, diante da ausência de explicitação quanto à natureza da parcela na redação original do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, apli-cável à hipótese vertente, e por consistir verba paga em decorrência da prestação dos serviços, no caso, a participação em evento esportivo, o direito de arena integra a remuneração do empregado (art. 457, caput, da CLT), de modo que, realizada por terceiros à relação empregatícia, revela-se aplicável, analogicamente, o entendimento perfilhado na Sú-mula nº 354 do TST, referente às repercussões das gorjetas.

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A importância paga a título de direito de arena gera, portanto, re-flexos nos depósitos de FGTS, nas férias acrescidas do terço constitucio-nal e no décimo terceiro salário.

Em idêntico sentido, os seguintes precedentes de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho:

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – INTEGRAÇÃO À REMUNERA-ÇÃO – A doutrina e a jurisprudência vêm-se posicionando no sentido de que o direito de arena previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a exemplo das gorjetas, que também são pagas por terceiros, integra a remuneração do atleta, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista conhecido e não provido. [...]” (RR 8800-58.2004.5.04.0028, Rel. Des. Conv. José Maria Quadros de Alencar, Data de Julgamento: 06.11.2013, 1ª T., Data de Publicação: DEJT 08.11.2013; grifos nossos)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – INTEGRAÇÃO – É de se consignar, inicialmente, incontroverso nos autos que o contrato de trabalho de atleta profissional do reclamante com o Grêmio Foot--Ball Porto Alegrense foi firmado em 01.03.2003 com data de térmi-no em 31.12.2008, ou seja, antes das alterações promovidas pela Lei nº 12.395/2011 na Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998). Neste contexto, a presente controvérsia será analisada em face da antiga redação da Lei nº 9.615/1998, vigente à época em que firmado o contrato de trabalho de atleta profissional do autor. A doutrina tem atribuído natureza remu-neratória à verba denominada ‘direito de arena’. A referida verba é con-siderada como sendo componente da remuneração – art. 457 da CLT. O valor referente ao que o clube recebe como direito de arena e repassa ao jogador, entretanto, irá compor apenas o cálculo do 13º salário e férias + 1/3, visto que a Súmula nº 354 do TST, aplicada por analogia ao caso, exclui a incidência, no caso das gorjetas, do cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal. Recurso de revista conhecido e desprovido.” (RR-102200-53.2009.5.04.0028, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 08.10.2014, 2ª T., Data de Publicação: DEJT 17.10.2014; grifos nossos)

“[...] B) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO – RECURSO DE REVISTA – 1. DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – PERÍO-DO CONTRATUAL ANTERIOR À LEI Nº 12.395/2011 – 2. DIREITO DE

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ARENA – COMPETIÇÃO INTERNACIONAL – PRÊMIOS – PERÍODO CONTRATUAL ANTERIOR À LEI Nº 12.395/2011 – DECISÃO DENEGA-TÓRIA – MANUTENÇÃO – No tocante à natureza jurídica da cota-parte de participação do trabalhador atleta profissional no direito de arena, a jurisprudência dominante tem-na considerado como remuneratória, por analogia com as gorjetas e outras verbas pagas por terceiros ao empre-gado em decorrência do contrato de trabalho. O enquadramento dessa verba no tipo jurídico da remuneração resultaria da circunstância de o texto original do art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998 não ter explicitado a natureza jurídica da vantagem repassada parcialmente aos atletas a partir do preço acertado com as redes de transmissão dos espetáculos despor-tivos. A omissão da lei desportiva específica faria incidir, por corolário, a regra geral celetista relativa aos pagamentos habituais feitos por terceiros ao empregado em vista do trabalho por este prestado no contexto da relação de emprego – regra geral concernente à parcela remuneração, inferida pela jurisprudência do art. 457, caput, da CLT, conforme Súmula nº 354 do TST. Entretanto – tal como ocorrido com a cessão do direito de imagem –, a inserção, na Lei Pelé, de novo dispositivo (§ 1º do art. 42), por meio da Lei nº 12.395, de 2011, pode introduzir alteração na linha interpretativa até então dominante. É que o novo preceito legal enquadra, explicitamente, como parcela de natureza civil, a participação do atleta trabalhador na cota-parte do direito de arena explorado pelo emprega-dor, cujo montante é pago pelas entidades mais média envolvidas. De-termina ainda o novo texto legal que serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, sendo por estes distribuídos aos atletas participantes do espetáculo (art. 42, § 1º, Lei Pelé, em sua nova redação). Na hipótese, os fatos que deram origem à lide ocorreram na vigência do texto original do art. 42, § 1º, da Lei Pelé, o que confere natureza jurídica salarial à cota-parte de participação do trabalhador atleta profissional no direito de arena. Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de re-vista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os ter-mos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.” (ARR 233900-12.2008.5.02.0007, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 08.10.2014, 3ª T., Data de Publicação: DEJT 10.10.2014; grifos nossos)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – REFLEXOS – I – A decisão regional está de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que o direito de arena possui nature-

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za remuneratória (e não salarial) e que, para efeito de reflexos, a parce-la equipara-se às gorjetas, o que atrai a aplicação analógica da Súmula nº 354 deste Tribunal. Dada a natureza remuneratória do direito de are-na, a parcela gera reflexos sobre a gratificação natalina, as férias com o terço constitucional e o FGTS, mas não sobre o aviso-prévio, o adicional noturno, as horas extras e o repouso semanal remunerado. II – Recurso de revista de que não se conhece. [...]” (RR 923700-67.2009.5.09.0008, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 27.08.2014, 4ª T., Data de Publicação: DEJT 05.09.2014; grifo nosso)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – A jurisprudência desta Corte tem atribuído natureza jurídica remunera-tória à parcela paga ao atleta decorrente do denominado direito de arena. De outro lado, não corresponde a uma parcela paga diretamente pelo empregador, aproximando-se do sistema das gorjetas. Portanto, em face de sua similaridade com as gorjetas, aplica-se, por analogia, o art. 457 da CLT e a Súmula nº 354 do TST, o que exclui os reflexos no cálculo do avi-so-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal e autoriza repercussão em gratificação natalina, férias com o terço constitucional e FGTS. Precedentes. Não conhecido.” (RR 2960-19.2012.5.02.0036, Rel. Min. Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 11.02.2015, 5ª T., Data de Publicação: DEJT 20.02.2015; grifos nossos)

“RECURSO DE REVISTA – [...] DIREITO DE ARENA – NATUREZA JU-RÍDICA – APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA Nº 354/TST – PRO-VIMENTO PARCIAL – É certo que a parcela paga a título de direito de arena é paga por terceiros e visa remunerar o atleta, restando eviden-ciada a sua natureza remuneratória. Nesse sentido, a jurisprudência desta c. Corte firmou entendimento pela aplicação analógica da Súmu-la nº 354 do c. TST, quanto aos reflexos devidos. Assim, correto o de-ferimento de reflexos em 13º salários, férias acrescidas do terço cons-titucional e FGTS. Recurso de revista conhecido e não provido. [...]” (RR 610-95.2011.5.04.0017, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 24.09.2014, 6ª T., Data de Publicação: DEJT 26.09.2014; grifos nossos)

“RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 – DIREITO DE ARENA – NATURE-ZA JURÍDICA REMUNERATÓRIA – De origem constitucional e ligada à imagem, a participação em jogos de futebol e eventos desportivos gera o

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direito à percepção de parte da receita auferida pela entidade que con-trata a sua transmissão ou retransmissão (arts. 5º, XXVIII, da Constituição Federal e 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998). Tal retribuição constitui direito individual, na medida em que, sem o atleta, não há que se falar no espe-táculo e é por meio do esforço humano por ele despendido, a sua energia produtiva, que o resultado é alcançado. É direito conexo ao contrato de trabalho, com o qual possui inquestionável vínculo, e apresenta nature-za remuneratória, mas não salarial, considerando que, embora também decorra do labor prestado pelo atleta, o pagamento é efetuado por tercei-ro, representado pela dedução do percentual aludido, incidente sobre a quantia obtida pelo clube. Dessa conclusão decorre que, para efeito de reflexos, a parcela se equipara às gorjetas. Assim, a citada verba gera re-flexos apenas sobre o 13º salário e o FGTS, mas não sobre o aviso-prévio, o adicional noturno, as horas extras e o repouso semanal remunerado, nos moldes da Súmula nº 354 desta Corte. Precedentes. Recurso de re-vista de que não se conhece. [...]” (RR 800-04.2012.5.09.0011, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 13.05.2015, 7ª T. Data de Publicação: DEJT 22.05.2015; grifos nossos)

“[...] B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE – 1. NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA ‘DIREITO DE ARENA’ – O direito de arena possui natureza salarial, uma vez que é vinculado ao contra-to de trabalho e à prestação de serviços dos jogadores profissionais aos clubes, ainda que pago por terceiros. Assim, aplicam-se por analogia as disposições do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 desta Corte Superior, com consequente reflexo dessa parcela sobre férias acrescidas de 1/3, 13º salário e FGTS. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto. [...]” (ARR 1841-97.2010.5.03.0025, Relª Min. Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 25.02.2015, 8ª T., Data de Publicação: DEJT 27.02.2015)

Assim, ao limitar a incidência de reflexos do direito de arena nos depósitos de FGTS, férias acrescidas de um terço e décimo terceiro sa-lário, o Eg. TRT de origem decidiu em conformidade com a iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

Emerge, portanto, em óbice ao conhecimento do recurso de revis-ta do Reclamado, no aspecto, o entendimento consolidado na Súmula nº 333 do TST.

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Não conheço.

2 MÉRITO DO RECURSO DE REVISTA

2.1 Atleta profissional de futebol. Contratos sucessivos. Prescrição bienal. Unicidade

Como corolário do conhecimento do recurso de revista do Recla-mado, por violação do art. 30 da Lei nº 9.615/1998, dou-lhe provimento para, ajuizada a reclamação trabalhista em 07.12.2011, declarar a pres-crição total da pretensão ao recebimento de diferenças de direito de are-na referentes às competições “Campeonato Brasileiro de 2008” e “Copa Sul-americana de 2008” e dos respectivos reflexos, relativa ao primeiro contrato de trabalho celebrado, extinto em 31.12.2008.

C) RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE

1 CONhECIMENTO

Considero atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilida-de do recurso de revista.

1.1 Atleta profissional. Diferença de direito de arena. Acordo judicial. Alteração do percentual mínimo legal. Impossibilidade

Discute-se a validade de acordo judicial em que se estipulou a redução do percentual pago aos atletas profissionais a título de direito de arena.

O direito de arena consiste, na prática, na negociação relacionada com a transmissão ou retransmissão das imagens dos espetáculos ou eventos desportivos dos quais participem os atletas.

O art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que regulamenta a ma-téria, à época da vigência dos contratos de emprego do Reclamante, anteriormente à edição da Lei nº 12.395/2011, assim dispunha:

“Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de ne-gociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

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§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes, do espetáculo ou evento.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos, cuja duração, no conjunto, não exceda de três por cento do total do tem-po previsto para o espetáculo.

§ 3º O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desportivo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.” (grifo nosso)

Entendo que, em conformidade com o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, que estabelece que vinte por cento do preço total da au-torização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento, a redução para o percentual de 5% não ostenta validade em face da norma legal.

Nesse sentido, vem decidindo o Tribunal Superior do Trabalho:

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – À luz do art. 42, § 1º, da Lei nº 6.915/1998, a parcela -direito de arena- é decorrente da partici-pação do profissional de futebol em jogos e eventos esportivos, estando diretamente relacionada à própria prestação laboral do atleta e não ape-nas ao uso de sua imagem. Com efeito, referido direito é vinculado ao trabalho prestado pelo autor, ao longo dos 90 minutos do jogo, momento em que desempenha a sua atividade específica de profissional jogador de futebol. Observe-se, por relevante, que o mencionado art. 42 é flexível somente no que se refere à percentagem a ser ajustada, e ainda assim, garantindo ao trabalhador atleta um limite de 20 por cento. Entende--se, portanto, devida a contraprestação, a qual deverá ser previamente ajustada, respeitando-se aquele percentual mínimo, o que não significa retirar-se sua natureza salarial, como entendeu o eg. TRT. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR 130400-49.2003.5.04.0006, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 22.09.2010, 2ª T., Data de Publicação: DEJT 01.10.2010; grifos nossos)

“RECURSO DE REVISTA – DESCABIMENTO – DIREITO DE ARENA – ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE LEI POR ACORDO ENTRE OS INTERESSADOS – IMPOSSIBILIDADE

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1. O direito de arena se refere à prerrogativa oferecida às entidades de prática desportiva para autorização ou não da fixação, transmissão ou re-transmissão pela televisão ou qualquer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, vinte por cento, como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, conforme previsão legal. 2. Por sua vez, a base constitucional da parcela é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Cons-tituição Federal, que assegura a proteção, nos termos da lei, às partici-pações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 3. A Lei é clara ao prever que o valor referente ao direito de arena será no mínimo de vinte por cen-to, pelo que a expressão, salvo convenção em contrário, se refere à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou à possibilidade de am-pliação do percentual. Decorre daí que não é possível a diminuição do valor de vinte por cento definido em Lei. Agravo de instrumento conhe-cido e desprovido.” (AIRR 1699-66.2011.5.02.0064, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 25.09.2013, 3ª T., Data de Publicação: DEJT 27.09.2013; grifo nosso)

“DIREITO DE ARENA – PERCENTUAL DE 20% PREVISTO EM LEI – RE-DUÇÃO POR ACORDO JUDICIAL – O Tribunal Regional deferiu ao Reclamante o pagamento de diferenças do direito de arena, a serem cal-culadas sobre o percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, conforme estipulado em acordo ju-dicial. No recurso de revista, o Reclamante defende que o percentual de 20% estabelecido na lei para o cálculo do direito de arena é o percentual mínimo assegurado e que, nem por norma coletiva, é possível reduzi--lo, apenas majorá-lo. Conforme demonstra a própria data de autuação do recurso de revista nesta Corte Superior (ocorrida em 27.11.2010), os direitos discutidos na presente controvérsia e a publicação do acórdão recorrido são anteriores à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011 (ha-vida em 17.03.2011). Assim, aplica-se à hipótese a redação original do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, segundo o qual, salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mí-nimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais parti-cipantes do espetáculo ou evento. Nos termos do referido dispositivo legal, era de 20% o critério a ser usado para o cálculo do direito de arena, salvo convenção em contrário. A adoção da expressão como mí-nimo denota logicamente que o percentual de 20% poderia ser majora-

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do por meio de convenção, mas nunca reduzido. Por conseguinte, ao considerar válido o acordo judicial em que se reduziu de 20% para 5% o percentual do direito de arena, o Tribunal Regional violou o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (na redação anterior à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (RR 57800-35.2009.5.04.0001, Rel. Min.: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 06.02.2013, 4ª T., Data de Publicação: DEJT 05.04.2013; grifo nosso)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – Foi demonstrada apa-rente divergência jurisprudencial, nos termos exigidos no art. 896 da CLT. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – ACORDO FIRMADO JUDICIALMENTE ENTRE CLUBE E SINDICATO – INVALIDADE – A entendimento do relator, ainda que considerado o acordo judicial firmado, a sua incorporação à ordem trabalhista haveria de considerar o prazo máximo por que vigeria um acordo ou convenção coletiva de igual teor, ou seja, só poderia ter validade pelo prazo de 2 anos das normas coletivas, nos termos do art. 614, § 3º, da CLT. No caso dos autos, o acordo sequer ocorreu por meio de norma coletiva. Ademais, o acórdão revela que o pacto foi entabulado em 18/9/2000 e o direito pleiteado é relativo aos campeonatos de 2006 e 2007, muito após o prazo de dois anos previsto no § 3º do art. 614 da CLT. De toda sorte, prevalece nesta Turma a compreensão de que a previsão do per-centual mínimo de 20%, em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, encontrava-se em evidente sintonia com o princípio da irrenunciabilida-de dos direitos trabalhistas. É que a referida norma prevê expressamente possibilidade de alteração do percentual, desde que respeitado o per-centual mínimo previsto: vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo. A expressão no mínimo não faria sentido, ou seria inútil, se estivesse a permitir que convenção em contrário pudesse reduzir esse percentual. Se entendido como formalmente válido o acordo firmado, seus termos não podem gerar efeitos porque reduziu de 20 para 5% o direito de arena, em patente desacordo com a previsão do art. 42, § 1º, da Lei Pelé. Recurso de revista conhecido e provido. MULTA POR EM-BARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS – O recurso de revista encontra-se desfundamentado, no tópico, pois a reclamada não se repor-tou às hipóteses do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido.” (RR 173200-94.2009.5.03.0108, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga,

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Data de Julgamento: 29.08.2012, 6ª T., Data de Publicação: 28.09.2012; grifo nosso)

Desse modo, ao reconhecer a validade do acordo judicial que re-duziu o percentual mínimo de 20% para 5%, referente ao montante a ser distribuído entre os atletas profissionais participantes do espetáculo esportivo, o Eg. TRT de origem decidiu em ofensa ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, na redação vigente antes da alteração promovida pela Lei nº 12.395/2011.

Ante o exposto, conheço do recurso de revista do Reclamante, no aspecto, por violação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998.

1.2 honorários advocatícios. Perdas e danos

O Eg. TRT de origem rejeitou o pedido de honorários advocatícios a título de perdas e danos, ao fundamento de que os arts. 389 e 404 são inaplicáveis ao processo do trabalho.

Eis o teor do v. acórdão regional, no ponto:

“HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Pretende o reclamante a reforma da sentença para que sejam deferidos honorários advocatícios sob a forma de indenização prevista nos arts 389 e 404 do Código Civil.

A sentença de origem indeferiu o pedido ao fundamento de que ‘hono-rários de sucumbência ainda não encontram respaldo nesta Justiça Espe-cializada’ (fls.826 verso).

Os honorários advocatícios somente são devidos nesta Justiça quando atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/1970, não derrogada pelo art. 133 da Constituição Federal de 1988, entendimento consubstanciado nas Sú-mulas nºs 219 e 329, do C. TST.

Na presente hipótese, o reclamante não está assistido pelo sindicato de classe, razão pela qual são indevidos honorários advocatícios, por não atendidos aos requisitos da Lei nº 5.584/1970, bem como a indenização prevista nos arts. 389 e 404 do Código Civil, inaplicáveis ao processo do trabalho.

Para melhor fundamentar, passa-se a transcrever, no que pertinente a ementa do Acórdão do C. TST:

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‘[...] HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – A concessão de honorários de

advogado, na Justiça do Trabalho, não decorre da aplicação do princípio

da sucumbência, nos moldes do processo civil (art. 20, § 3º, do CPC), ou

do princípio da restituição integral (arts. 389, 395 e 404 do Código Ci-

vil), tampouco do art. 133 da Constituição da República, pois não foram

modificadas as normas específicas a respeito da matéria. O art. 133 da

Constituição da República, ao prever que o advogado é indispensável à

administração da Justiça, ressalva expressamente a aplicabilidade das leis

vigentes. Assim, empregam-se o art. 791 da CLT, que assegura às partes

o jus postulandi, e as Leis nºs 1.060/1950, 5.584/1970 e 7.115/1983,

que concretizam o comando do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição

da República.’ Nego provimento.” (fl. 1.093 da numeração eletrônica;

grifos nossos)

Inconformado, o Reclamante, nas razões do recurso de revista, aponta violação dos arts. 389, 404 e 944 do Código Civil.

Na Justiça do Trabalho, a concessão de honorários advocatícios encontra fundamento específico no art. 14 da Lei nº 5.584/1970, que disciplina a matéria nos seguintes termos:

“Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere à

Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da

categoria profissional a que pertencer o trabalhador.

§ 1º A assistência é devida a todo aquele que perceber salário igual ou

inferior ao dobro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao

trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econô-

mica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da

família.

§ 2º A situação econômica do trabalhador será comprovada em atestado

fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência

Social, mediante diligência sumária, que não poderá exceder de 48 (qua-

renta e oito) horas.

§ 3º Não havendo no local a autoridade referida no parágrafo anterior, o

atestado deverá ser expedido pelo Delegado de Polícia da circunscrição

onde resida o empregado.”

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Ao interpretar os aludidos dispositivos de lei, o Tribunal Superior do Trabalho firmou entendimento que se consolidou nos termos da Sú-mula nº 219, I, que orienta:

“SÚMULA Nº 219 DO TST – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CABI-MENTO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1 ao item I) – Res. 197/2015, DEJT Divulgado em 14, 15 e 18.05.2015

I – Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte, concomitante-mente: a) estar assistida por sindicato da categoria profissional; b) com-provar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (art. 14, § 1º, da Lei nº 5.584/1970). (ex-OJ 305da SBDI-I)”

Tal entendimento foi, posteriormente, corroborado pela Súmula nº 329, na qual se reconheceu a validade da Súmula nº 219, mesmo após a promulgação da Constituição Federal. Assim consagra a Súmula nº 329:

“SÚMULA Nº 329 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ART. 133 DA CF/1988 (mantida) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 – Mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece válido o entendimento con-substanciado na Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.”

Na hipótese vertente, o Eg. TRT de origem rejeitou o pedido de pa-gamento de honorários advocatícios, a título de indenização por perdas e danos.

Ao assim proceder, o TRT decidiu em harmonia com a iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que pacificou o entendimento acerca da inaplicabilidade dos arts. 389 e 404 do Código Civil ao processo do trabalho.

A título ilustrativo, transcrevo os seguintes precedentes oriundos de todas as Turmas do TST:

“[...] HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – INDENIZAÇÃO – JUSTIÇA DO TRABALHO – LEI Nº 5.584/1970 – ARTS. 389, 404 E 944 DO CÓDIGO CIVIL – APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA NÃO AUTORIZADA – 1. Por não

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decorrerem da aplicação do princípio da mera sucumbência, os honorá-rios advocatícios, na Justiça do Trabalho, somente são devidos quando demonstrado o preenchimento concomitante dos requisitos exigidos no art. 14 da Lei nº 5.584/1970: o direito ao benefício da justiça gratuita e a assistência do sindicato. Nesse sentido dispõe a Orientação Juris-prudencial n.º 305 deste Órgão uniformizador. 2. Havendo regência le-gal específica a regular a matéria, não há como se admitir a aplicação subsidiária do Código Civil, com o fim de tornar sustentável o direito à indenização a reparar perdas e danos oriundos da contratação de advo-gado particular. 3. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR 94000-31.2008.5.02.0066, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 08.05.2013, 1ª T., Data de Publicação: 17.05.2013; grifo nosso)

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE AMERICA-NA [...] HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PERDAS E DANOS PREVIS-TOS NA LEGISLAÇÃO CIVIL – Os honorários advocatícios constituem acessório inseparável do pedido principal de pagamento das perdas e danos, visto que o pagamento da indenização advinda da contratação de advogado não existe por si só, pois pressupõe a existência do pedido principal de pagamento das perdas e danos, não se configurando, assim, a hipótese dos arts. 389 e 404 do Código Civil. No mais, no processo trabalhista, ao contrário do que estabelecido no processo civil, não vigo-ra o princípio da sucumbência como único critério para a concessão da verba honorária, que é regulada pelo art. 14 da Lei nº 5.584/1970, Assim, a sua concessão se encontra condicionada também ao preenchimento dos requisitos indicados na Súmula nº 219, item I, do TST. Esta Corte já se posicionou no entendimento de que, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, permanece válido o teor da Súmula nº 219 do TST, conforme se infere dos termos da Súmula nº 329 do TST, que ratificou o mencionado precedente. Esse entendimento é igualmente confirmado pela Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1.

Extrai-se da decisão recorrida não estarem, neste caso, não configurados os requisitos exigidos na Justiça Trabalhista para o deferimento da verba honorária, pelo menos no que se refere à assistência sindical. Assim, o Regional, ao deferir o pagamento da verba honorária, agiu em contra-riedade ao disposto na Súmula nº 219 do TST. Agravo de instrumento desprovido.” (ARR 831-54.2010.5.15.0099, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15.05.2013, 2ª T., Data de Publicação: 24.05.2013; grifos nossos)

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“RECURSO DE REVISTA – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PERDAS E DANOS (SÚMULAS NºS 219 E 329/TST) – O entendimento desta Cor-te é no sentido de ser inaplicável o disposto nos arts. 389, 395 e 404 do Código Civil, em face da evidência de, na Justiça do Trabalho, não vigorar o princípio da sucumbência insculpido no Código de Processo Civil, estando os honorários advocatícios regulado pelo art. 14 da Lei nº 5.584/1970. Os honorários estão condicionados estritamente ao pre-enchimento dos requisitos indicados na Súmula nº 219 do TST, ratificada pela Súmula nº 329 da mesma Corte, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal ou encontrar-se em situação econômi-ca que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família, entendimento confirmado pela Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1, não havendo falar em perdas e danos. Recurso de re-vista conhecido e provido, no aspecto.” (RR 61600-72.2009.5.02.0051, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 15.05.2013, 3ª T., Data de Publicação: 17.05.2013; grifo nosso)

“[...] DE REVISTA. SÚMULAS NºS 219 E 329 DO TST – INAPLICABILI-DADE DOS ARTS. 389 E 404 DO CÓDIGO CIVIL – A questão do de-ferimento dos honorários assistenciais no âmbito da Justiça do Trabalho está pacificada por este Tribunal por meio da Súmula n.º 219, cuja orien-tação foi mantida mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, como confirma o Verbete Sumular nº 329. Impende registrar, por oportuno, que, havendo norma específica quanto ao cabimento dos honorários advocatícios na seara da Justiça do Trabalho, não há de se aplicar a legislação civil, no caso os arts. 389 e 404 do Código Civil. Precedentes desta Corte. Decisão em sentido contrário merece ser mo-dificada. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.” (ARR 1852-25.2010.5.02.0003, Relª Min. Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 17.04.2013, 4ª T., Data de Publicação: 19.04.2013; grifo nosso)

“RECURSO DE REVISTA – 1. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – PER-DAS E DANOS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO CIVIL – ARTS. 389 E 404 DO CC – INAPLICÁVEIS – A controvérsia se resume em saber se cabí-vel a condenação da reclamada ao pagamento, a título de reparação de danos, dos honorários advocatícios convencionais ou extrajudiciais, aqueles originalmente pactuados entre as partes. Apesar de facultativa a representação por advogado no âmbito da Justiça Trabalhista (art. 791 da

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CLT), a contratação do causídico se traduz em medida razoável, talvez até imprescindível, daquele que se vê obrigado a demandar em juízo, es-pecialmente ao se considerar toda a complexidade do sistema judiciário, que, para um adequado manejo, requer conhecimentos jurídicos subs-tanciais, que não são, via de regra, portados pelo juridicamente leigo. Nessa linha é que a contratação de advogado, não poucas vezes, traduz--se em verdadeiro pressuposto do adequado exercício do direito consti-tucional de acesso à Justiça (art. 5º, VI, da Constituição Federal), pois sem o auxílio profissional de um advogado poderia o demandante, por falhas técnicas, ter prejudicado o reconhecimento de seus direitos materiais. Certo que para ter substancialmente satisfeitos seus direitos trabalhistas o reclamante foi obrigado a contratar advogado e a arcar com as despesas desta contratação (honorários convencionais ou extrajudiciais), deve a reclamada ser condenada a reparar integralmente o reclamante. Isso por-que foi aquela que, por não cumprir voluntariamente suas obrigações, gerou o referido dano patrimonial (despesas com honorários advocatícios convencionais). Incidência dos arts. 389, 395 e 404, do CC. Princípio da reparação integral dos danos. Precedente do STJ. No entanto, por disci-plina judiciária curvo-me ao entendimento majoritário desta Corte Su-perior que, em casos similares, já decidiu pela inaplicabilidade dos arts. 389 e 404 do CC na seara trabalhista, limitando a concessão da verba honorária às hipóteses de insuficiência econômica do autor acrescida da respectiva assistência sindical, inexistente no caso em exame. Recurso de revista conhecido e provido. [...]” (RR 1485-47.2011.5.03.0032, Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 22.05.2013, 5ª T., Data de Publicação: 31.05.2013; grifo nosso)

“RECURSO DE REVISTA – [...] ADVOCATÍCIOS – 1. A jurisprudência predominante nesta Corte Superior não tem admitido a aplicação sub-sidiária, ao processo do trabalho, da legislação civil que trata de ho-norários advocatícios (art. 389, 395 e 404 do CC), pois não há lacu-na na legislação trabalhista sobre a matéria, e deve ser observada a Lei nº 5.584/1970. 2. No caso dos autos, o reclamante não está assistido por seu sindicato de classe, conforme exigem a lei, as Súmulas nºs 219 e 329 do TST, bem como a Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1 do TST. 3. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (RR 159000-25.2009.5.12.0046, Relª Min. Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 22.05.2013, 6ª T., Data de Publicação: 24.05.2013; grifo nosso)

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“RECURSO DE REVISTA – [...] HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – AU-SÊNCIA DE ASSISTÊNCIA DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIO-NAL – Mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, per-manece válida a determinação contida no art. 14 da Lei nº 5.584/1970, no sentido de que a condenação referente aos honorários advocatícios no processo do trabalho não decorre pura e simplesmente da sucum-bência, dependendo da observância dos requisitos afetos à prestação de assistência sindical e à impossibilidade da parte de demandar sem pre-juízo do próprio sustento, consoante preconizado nas Súmulas nºs 219 e 329 e na Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1 do TST. Nes-se diapasão, existindo regulamentação expressa na Lei nº 5.584/1970, quanto à concessão de honorários de advogado na Justiça do Trabalho, não se há de cogitar na incidência de honorários advocatícios de forma indenizável em decorrência da aplicação subsidiária das normas insertas nos arts. 389, 402, e 404, do Código Civil. Recurso de revista não co-nhecido.” (RR 850-41.2011.5.09.0245, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 22.05.2013, 7ª T., Data de Publicação: 31.05.2013; grifo nosso)

“RECURSO DE REVISTA – PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO – [...] 3. HO - NORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DANO MATERIAL – Na Justiça do Tra-balho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios se dá apenas nos casos previstos na Lei nº 5.584/1970, havendo a necessidade da ocorrência concomitante do benefício da justiça gratuita e da assis-tência por sindicato (Súmulas nºs 219 e 329 do TST). In casu, o Regio-nal condenou o reclamado ao pagamento de indenização por perdas e danos, decorrentes da contratação de advogado, independentemente do preenchimento dos requisitos previstos na Lei nº 5.584/1970, contra-riando a Súmula nº 219, I, desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR 526-23.2012.5.14.0004, Relª Min. Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 15.05.2013, 8ª T., Data de Publicação: 17.05.2013; grifo nosso)

O v. acórdão regional, portanto, encontra-se em conformidade com o entendimento perfilhado na Súmula nº 219, I, do Tribunal Su-perior do Trabalho, que determina como requisito para a concessão de honorários advocatícios, além da sucumbência e da percepção de salá-rio inferior ao dobro legal ou declaração de pobreza, a assistência pelo sindicato da categoria profissional, ausente nos presentes autos.

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Emergem, pois, em óbice ao conhecimento do recurso de revista do Reclamante, no particular, o disposto no art. 896, § 7º, da CLT e o entendimento perfilhado na Súmula nº 333 do TST.

Não conheço.

2 MÉRITO DO RECURSO DE REVISTA

2.1 Atleta profissional. Diferença de direito de arena. Acordo judicial. Alteração do percentual mínimo legal. Impossibilidade

Como corolário do conhecimento do recurso de revista do Re-clamante por violação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, dou-lhe provimento para condenar o Reclamado ao pagamento de diferenças de direito de arena, considerado o percentual mínimo de 20%, conforme apurado em liquidação de sentença, com os reflexos deferidos, obser-vada a prescrição total das pretensões referentes ao primeiro contrato, vigente entre 01.05.2008 e 31.12.2008.

isto Posto

Acordam os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade:

(1) conhecer do agravo de instrumento do Reclamante e, no mé-rito, dar-lhe provimento para determinar o processamento do recurso de revista do Reclamante;

(2) não conhecer do recurso de revista do Reclamado quanto ao tema “direito de arena – natureza jurídica – reflexos”;

(3) conhecer do recurso de revista do Reclamado no tópico “atleta profissional de futebol – contratos sucessivos – pres-crição bienal – unicidade”, por violação do art. 30 da Lei nº 9.615/1998, e, no mérito, dar-lhe provimento para, ajui-zada a reclamação trabalhista em 07.12.2011, declarar a prescrição total da pretensão ao recebimento de diferenças de direito de arena referentes às competições “Campeonato Brasileiro de 2008” e “Copa Sul-americana de 2008” e dos respectivos reflexos, relativa ao primeiro contrato de trabalho celebrado, extinto em 31.12.2008;

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(4) não conhecer do recurso de revista do Reclamante quanto ao tema “honorários advocatícios”; e

(5) conhecer do recurso de revista do Reclamante, no tópico “di-reito de arena – diferenças”, por violação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, e, no mérito, dar-lhe provimento para con-denar o Reclamado ao pagamento de diferenças de direito de arena, considerado o percentual mínimo de 20%, conforme apurado em liquidação de sentença, com os reflexos deferi-dos, observada a prescrição total das pretensões referentes ao primeiro contrato, vigente entre 01.05.2008 e 31.12.2008.

Brasília, 24 de junho de 2015.

João Oreste Dalazen Ministro Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região2ª Turma – 4ª CâmaraProcesso TRT/15ª Região nº 0000121‑86.2011.5.15.0135Recurso OrdinárioRecorrente: José Henrique Gonçalves FonsecaRecorrido: Esporte Clube São BentoOrigem: 4ª Vara do Trabalho de SorocabaJuiz(a) Sentenciante: Marco Antonio Macedo André

hORAS EXTRAS – JOGADOR DE FUTEBOL – CONCENTRAÇÃO E VIAGENS PARA A DISPUTA DE JOGOS – LEGISLAÇÃO ESPECIAL – ATIVIDADES NORMAIS E PREPARATÓRIAS DO ATLETA – INDEVIDAS

O contrato de trabalho de atleta profissional do futebol traduz re-lação de emprego com peculiaridades próprias a torna diversa da relação ordinária trabalhista, atraindo a aplicação da legislação es-pecial, de modo que a concentração e as viagens para disputa de jogos são enquadradas como atividades normais e preparatórias do atleta, não comportando o pagamento de horas extras.

CLÁUSULA PENAL – ART. 28 DA LEI Nº 9.615/1998 – OBRIGAÇÃO DEVIDA PELO ATLETA EM FACE DA ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA – INDEVIDA

A cláusula penal inserta no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 é obriga-ção devida pelo atleta profissional nos casos em que o contrato de trabalho é rompido por sua iniciativa. Não há falar em pagamento de cláusula penal quando o clube é o motivador do rompimento contratual.

LUVAS – ATLETA PROFISSIONAL – AUSÊNCIA DE PRÉVIA PACTUAÇÃO CONTRATUAL – INDEVIDA

As luvas desportivas denotam reconhecimento do valor e desem-penho personalíssimo do atleta, sendo devida apenas quando pac-tuada entre os contratantes, não podendo ser imposta pelo Judi-ciário.

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Da r. sentença de fls. 150/174, que concluiu pela procedência par-cial dos pedidos, integrada pela decisão de embargos declaratórios de fls. 178/182, recorre o reclamante contra a sentença que acolheu a inép-cia do pedido de horas extras, requerendo, também, a reforma quanto à causa de afastamento e deferimento de verbas rescisórias, multa art. 479 da CLT, cláusula penal, luvas e salário pago por fora, conforme razões de fls. 184/193.

Não houve recolhimento de custas, porquanto a cargo da recla-mada.

Contrarrazões às fls. 197/200.

Processo não submetido ao Ministério Público do Trabalho, de acordo com os arts. 110 e 111, do Regimento Interno deste E. Tribunal.

É, em síntese, o relatório.

voto

Conheço do recurso, eis que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

INÉPCIA DA INICIAL – hORAS EXTRAS

A sentença acolheu a inépcia da inicial quanto ao pedido de horas extras, sob o fundamento de que o autor sequer mencionou a jornada de trabalho que exercia e que pretendia ver reconhecida, limitando-se a indicar horas em que participou de jogos aos domingos e períodos de viagens, contra o que se insurge autor, requerendo seja afastada a preli-minar e julgado o mérito dos pedidos.

A petição inicial observa as disposições contidas no art. 840 da CLT e no art. 282 do CPC, eis que o reclamante apresentou os fatos e pedidos, notadamente quanto ao pleito de horas extras, ao alegar não ter usufruído da folga semanal pelo exercício de sua atividade de atleta profissional durante as disputas de jogos aos domingos, sem folga com-pensatória, além de requerer o pagamento de horas extras pelas viagens ocorridas para as cidades onde seriam disputados os jogos.

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O pedido, nesses termos, possibilitou a apresentação de defesa pela reclamada, conforme se infere às fls. 56/60, ao alegar que o obrei-ro sempre gozou de folga semanal, e que sua jornada não ultrapassava 8 horas diárias, razão pela qual, com a devida vênia ao entendimento esposado pela 1ª instância, decido dar provimento ao recurso do recla-mante para afastar a inépcia da inicial quanto ao pedido de horas extras.

Tratando-se de matéria de direito e havendo elementos nos autos, passo à análise do pedido de horas extras (CPC, art. 515, § 1º).

Constou da inicial que “o reclamante durante todo o contrato, de-vidos (sic) às suas atividades de atleta profissional de futebol, foi alijado de desfrutar, por completo, de uma folga semanal nas semanas em que jogava aos domingos”, bem assim ultrapassava a jornada diária legal, em média seis horas, nos dias em que os jogos eram disputados em cidades distantes (fls. 08/09), requerendo o pagamento de horas extras (itens “e”, “g” e “h” do rol de pedidos da inicial – fl. 15).

Cinge-se a discussão ao pagamento das horas extras referentes à disputa de jogos aos domingos destinados ao repouso semanal, período de concentração de jogador de futebol e horas de percurso para as cida-des de disputa de jogos.

O contrato de trabalho do reclamante, atleta profissional do fute-bol, traduz relação de emprego com peculiaridades próprias que a torna diversa da relação ordinária trabalhista, atraindo a aplicação do art. 7º da Lei nº 6.354/1974, vigente à época dos fatos, e que assim estabelecia, in verbis:

“O atleta será obrigado a concentrar-se, se convier ao empregador, por prazo não superior a 3 (três) dias por semana, desde que esteja programa-da qualquer competição amistosa ou oficial e ficar à disposição do em-pregador quando da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede.

Parágrafo único. Excepcionalmente, o prazo de concentração poderá ser ampliado quando o atleta estiver à disposição de Federação ou Confe-deração.”

O art. 6º da Lei nº 6.354/1976 também estabelecia que o “horário normal de trabalho será organizado de maneira a bem servir ao adestra-mento e à exibição do atleta, não excedendo, porém, de 48 (quarenta e

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oito) horas semanais, tempo em que o empregador poderá exigir fique o atleta à sua disposição”, mas foi revogado pela Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que passou a estabelecer a jornada de trabalho desportiva normal de 44 (quarenta e quatro) horas semanais (art. 28, § 4º, VI).

Cumpre citar que o art. 28, § 4º, IV da Lei nº 9.615/1998, incluído pela Lei nº 12.395/2011, mesmo não vigente à época, traduz a regra ge-ral antes já praticada, garantindo aos atletas “repouso semanal remune-rado de 24 (vinte e quatro) horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana”.

Diante de tais disposições legais, a concentração e as viagens para disputa de jogos são enquadradas como atividades normais e preparató-rias do atleta, não comportando o pagamento de horas extras.

Nesse sentido, trago à colação ilustrativo aresto do C. TST:

“JOGADOR DE FUTEBOL – HORAS EXTRAS – PERÍODO DE CONCEN-TRAÇÃO – Nos termos do art. 7º da Lei nº 6.534/1976, a concentra-ção do jogador de futebol é uma característica especial do contrato de trabalho do atleta profissional, não se admitindo o deferimento de ho-ras extras neste período. Recurso de Revista conhecido e não provido. (RR 129700-34.2002.5.03.0104, Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, Data de Julgamento: 24.06.2009, 2ª T., Data de Publicação: DEJT 07.08.2009)”

O reclamante não desvencilhou de seu ônus de comprovar que a jornada semanal ordinária ultrapassava 44 horas, razão pela qual indevi-do o pedido constante da letra “h” do rol constante da inicial.

Quanto ao repouso semanal remunerado, esta relatora entende que, consoante termos da defesa, competia ao autor comprovar que não lhe foi concedida folga compensatória, quando os jogos ocorriam aos domingos, entretanto, vencida, neste ponto, acolho o entendimento ma-joritário desta E. Câmara ao julgar ser do empregador o ônus de compro-var a concessão da folga compensatória.

Contudo, não há falar em pagamento em dobro dos domingos, haja vista que a lei do atleta profissional não garante que o repouso se-manal deva recair obrigatoriamente aos domingos.

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Não comprovada documentalmente a concessão de folga com-pensatória, nos termos do art. 28, § 4º, IV da Lei nº 9.615/1998, inclu-ído pela Lei nº 12.395/2011, decido dar parcial provimento ao recurso obreiro para condenar o reclamado ao pagamento de 24 horas extras na semana em que houve disputa de jogos no domingo, acrescidas dos reflexos em 13º salário, férias + 1/3, aviso-prévio e FGTS.

CONTRATO DE TRABALhO ATLETA PROFISSIONAL – RESCISÃO CONTRATUAL

A sentença reconheceu ter havido contrato de trabalho de expe-riência entre as partes e rescindido antecipadamente por vontade do clube empregador, deferindo apenas o saldo salarial, indeferindo o pa-gamento da indenização prevista no art. 479 da CLT, multa de 40% do FGTS e demais verbas rescisórias, contra o que recorre o reclamante.

Tem razão.

Para o deslinde da questão, mister analisar a formalidade do con-trato de trabalho havido entre as partes.

Incontroverso que o autor foi contratado em 15.01.2009, median-te contrato de experiência, como atleta profissional de futebol, conforme consta no registro de sua CTPS (fls. 21/22).

Alegou o autor nunca ter sido efetuado o pagamento correto e tempestivo dos salários, recebendo sempre valor inferior e em atraso. Afirma que mesmo tendo rescindido o contrato de trabalho, o reclamado não efetuou o pagamento das verbas rescisórias, multa do art. 479 da CLT, multa de 40% do FGTS e recolhimentos previdenciários.

Em defesa o reclamado confirmou a existência de contrato por prazo determinado no período de 15.01.2009 a 15.06.2009, afirmando, entretanto, que a rescisão contratual foi motivada por exclusiva vontade do reclamante e que as verbas rescisórias foram pagas corretamente.

Não foi acostado aos autos contrato de trabalho, termo de resci-são, recibos de pagamento de salários ou verbas rescisórias, ressaltando que nenhuma das partes produziu prova oral.

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Nos termos do caput do art. 28 da Lei nº 9.615/1998, a atividade do atleta profissional é caracterizada por contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva.

O art. 30 de referida lei estabelece que “o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”, e seu parágrafo único também é expresso ao afirmar a inaplicabilidade do art. 445 da CLT, que, por sua vez também trata da contratação por experiência, de modo que seria inválida a contratação do autor, mediante contrato de experiência.

Ainda que assim não fosse, o contrato de trabalho do reclamante perdurou de 15.01.2009 a 19.04.2009, suplantando o período máximo de 90 dias de experiência. Nessa linha, considerando que o reclamado confessou que o contrato de trabalho por prazo determinado encerraria em 15.06.2009, somado ao documento constante do banco de dados da CBF, que indica a mesma data (fl. 26) e a teor do art. 481 da CLT, com a vênia ao entendimento constante da sentença, era do clube empregador o ônus de comprovar que a rescisão antecipada do contrato por prazo determinado ocorreu por vontade do jogador, do qual não se desincum-biu satisfatoriamente.

Ademais, a alegação do reclamado cai por terra, eis que o docu-mento de fl. 24 esclarece que “em razão da não classificação da equi-pe para a 2ª fase do Campeonato Paulista da Série A2-2009, a Direto-ria Executiva, tal como havia conversado na época das contratações, está rescindido os contratos de trabalho dos atletas a partir desta data – 20.04.2009”

As provas constantes dos autos revelam que o contrato foi res-cindido em 19.04.2009, sem anotação da baixa e sem recebimento de verbas rescisórias, posto não ter o reclamado comprovado o pagamento mediante recibo. O alegado atraso no pagamento de salários, depósitos fundiários e recolhimentos previdenciários também não foi infirmado satisfatoriamente.

O § 5º do art. 28 da Lei nº 9.615/1998, incluído pela Lei nº 12.395/2011, assim dispõe:

“O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho

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desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:

I – com o término da vigência do contrato ou o seu distrato;

II – com o pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória desportiva;

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de respon-sabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;

IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e

V – com a dispensa imotivada do atleta.”

Todavia, a rescisão contratual ocorreu em 15.04.2009, quando ainda não estavam vigentes tais dispositivos legais, atraindo a aplicação do § 2º do art. 28 e art. 31, com a redação então vigente à época:

“§ 2º O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contra-tante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolven-do-se, para todos os efeitos legais:

I – com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou

II – com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsa-bilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei.

Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de traba-lho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou interna-cional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos.”

Frise-se que, nos termos do § 2º do art. 31, também é considerada mora contumaz a falta de recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias, conforme reconhecido nos presentes autos.

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Assim sendo, decido dar provimento ao recurso obreiro para de-clarar a rescisão contratual antecipada do contrato de trabalho do autor, por culpa do empregador, decorrente do atraso no pagamento de salá-rios, depósitos fundiários e recolhimentos previdenciários, nos termos do art. 31 da Lei nº 9.615/1998, condenando o clube reclamado ao pagamento da multa prevista no art. 479 da CLT, considerando-se a me-tade dos salários que seriam devidos pelo período restante do contrato, de 19.04.2009 a 15.06.2009, bem como o pagamento de 03/12 de 13º salário proporcional, 3/12 de férias proporcionais acrescidas do terço constitucional, depósitos fundiários e recolhimentos previdenciários so-bre as verbas rescisórias, multa de 40% sobre a totalidade dos depósitos fundiários, nos termos dos pedidos de fls. 15/16, analisados sucessiva-mente (itens k, k1, k2 e k3).

Ressalto já terem sido deferidos, saldos salariais, depósitos fundi-ários referentes a todo interregno contratual e multa prevista no art. 477 da CLT, quanto ao atraso no pagamento das verbas rescisórias.

Por fim, diante da Súmula nº 368 do C. TST, esclareço ser esta Jus-tiça Especializada competente apenas para determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias sobre as verbas condenatórias e não quanto ao período contratual reconhecido.

CLÁUSULA PENAL

Postula o autor o pagamento da cláusula penal prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998.

Mais uma vez, sem razão.

Na data da rescisão contratual ocorrida em 19.04.2009, estava vigente a seguinte redação do art. 28 da Lei nº 9.615/1998:

“A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas,

é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de traba-

lho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direi-

to privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as

hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.” (g.n.)

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Inicialmente, cumpre destacar que não houve juntada de contrato de trabalho formal entre as partes, inexistindo prova de pactuação de referida cláusula penal.

Ainda que assim não fosse, a jurisprudência majoritária da mais alta corte trabalhista entende que a cláusula penal inserta no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 é obrigação devida pelo atleta profissional nos casos em que o contrato de trabalho é rompido por sua iniciativa, e não pela entidade desportiva. Assim, no caso dos autos, sendo o clube o motiva-dor do rompimento contratual, não haveria que se falar em pagamento de cláusula penal, sendo garantido ao atleta, os direitos previstos na le-gislação comum trabalhista, notadamente a multa rescisória prevista no art. 479 da CLT, conforme já deferido.

Com a alteração conferida pela Lei nº 12.395/2011, ficou melhor esclarecida a questão, confirmando o entendimento anteriormente con-ferido art. 28 da Lei nº 9.615/1998 e ora aplicado, no sentido de que a cláusula penal, substituída atualmente pela cláusula indenizatória, era obrigação exclusiva do jogador destinada ao clube, conforme ilustrativo aresto abaixo transcrito:

“RECURSO DE REVISTA – ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – CLÁUSULA PENAL – CABIMENTO – 1. A jurisprudência do TST, a res-peito dos arts. 28 e 31 da Lei nº 9.615/1998, em sua antiga redação – antes da alteração promovida pela Lei nº 12.395/2011, que entrou em vigor em 17.03.2011 –, firmou-se no sentido de que a cláusula penal, prevista no art. 28 do diploma legal, se destinava a indenizar a entidade desportiva, em caso de extinção contratual por iniciativa do empregado, em razão do investimento feito no atleta. Na hipótese de rescisão anteci-pada do contrato de trabalho por parte do empregador, caberia, assim, ao atleta a multa rescisória referida no art. 31 da mesma norma, na forma es-tabelecida no art. 479 da CLT. 2. A corroborar tal entendimento, o atual teor do art. 28, I e II, da Lei nº 9.615/1998, contempla cláusula indeniza-tória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta e cláusula compensatória desportiva, devi-da pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º, quais sejam, rescisão decorrente do inadimplemento sala-rial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista e dispensa imotivada do atleta e o art. 31 complementa: A entidade de

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prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos. Depreende-se, pois, que a cláusula indenizatória veio substituir a cláusula penal e a cláusula compensatória, a multa do art. 31 da Lei, concernente à indenização do art. 479 da CLT. 3. Assim, tendo em conta que o pleito tem como causa de pedir a cláusula penal prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998, que, no entender desta Corte, é indevida pela entidade desportiva, ainda quando ensejadora da rescisão antecipada, conquanto não se possa excluir a cláusula penal imposta na origem, dados os limites da reformatio in pejus, tampouco se há falar em majoração do valor arbitrado a tal título, pelo juízo a quo. Reputo, pois, ilesos os arts. 1º, IV, 3º, I, e 5º da Carta Magna, 28, caput, §§ 2º, II e III, e 4º, 29, 31, § 3º, 33 e 93 da Lei nº 9.615/1998, 8º, 479 e 480 da CLT, e 4º, III, do CDC. Aplicação da Súmula nº 333/TST e do § 4º do art. 896/CLT. Recurso de revista não conhecido.” (RR 16600-65.2006.5.15.0092, Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 21.08.2012, 1ª T., Data de Publicação: DEJT 31.08.2012)

Destarte, inexiste respaldo jurídico para a reforma pretendida, ra-zão pela qual nego provimento.

LUVAS

A verba postulada estava disciplinada na Lei nº 6.354/1976, vi-gente à época da contratação do reclamante, assim dispondo em seus arts. 3º e 12:

“Art. 3º O contrato de trabalho do atleta, celebrado por escrito, deverá conter: [...]

III – o modo e a forma da remuneração, especificados o salário os prê-mios, as gratificações e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas; [...]

Art. 12. Entende-se por luvas a importância paga pelo empregador ao atleta, na forma do que for convencionado, pela assinatura do contrato.”

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As luvas desportivas denotam reconhecimento do valor e desem-penho personalíssimo do atleta e, diante dos termos legais, é devida apenas quando pactuada entre os contratantes, não podendo ser imposta pelo Judiciário.

Em contestação a reclamada afirmou não ter pactuado com o au-tor qualquer pagamento de “luvas”. Nesses termos, inexistindo compro-vação nos autos acerca da pactuação de referida verba, não há respaldo legal para a reforma postulada.

Nada a reparar.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – FALTA DE ANOTAÇÃO DA RESCISÃO CONTRATUAL NA CTPS

O Juízo de origem rejeitou o pedido indenizatório, por entender que o descumprimento de obrigações trabalhistas pelo empregador, en-seja apenas indenização de natureza patrimonial.

Insurge-se o reclamante, requerendo o deferimento do pedido de indenização por danos morais, decorrentes da ausência de anotação do contrato de trabalho e da data de saída em sua CTPS.

Sem razão.

O contrato de trabalho foi anotado, mesmo que de forma incom-pleta e sem observar a legislação especial do atleta profissional, eis que foi anotado na modalidade de contrato de experiência.

A reparação decorrente do dano moral encontra fundamento legal nas disposições contidas no art. 5º, V e X da Constituição Federal, sendo considerado aquele proveniente da violação dos direitos individuais de cada cidadão relativamente à sua intimidade, privacidade, honra e ima-gem, de natureza íntima e pessoal em que se coloca em risco a própria dignidade da pessoa humana, diante do contexto social em que vive.

Considerando que a carteira profissional é documento de suma importância ao trabalhador, porquanto registra o seu histórico do tra-balho é de se considerar que a ausência de anotação do contrato de trabalho impede o acesso do trabalhador a benefícios previdenciários, ao FGTS e a programas governamentais, desprestigiando-o em relação à

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sociedade, impingindo-lhe sentimentos de clandestinidade e violando, por conseguinte, sua dignidade.

Entretanto, no caso dos autos, houve anotação do contrato de tra-balho, faltando apenas a anotação da rescisão contratual, o que difere da situação em que o trabalhador permanece sem registro em CTPS.

Ao contrário do que alega o autor, não há impedimento legal para anotação e registro de novo contrato trabalho sem a baixa do anterior, de modo que não configurado o alegado dano moral, pois no caso dos autos a conduta do empregador não acarretou prejuízo direto ou indire-to ao empregado, ressaltando que o pedido não foi efetuado com base no atraso de pagamento de verbas rescisórias.

Recurso improvido.

SALÁRIOS PAGOS POR FORA

Insurge-se o reclamante contra o r. decisório que indeferiu seu pleito no tocante ao pagamento de salário “por fora” e reflexos.

Não tem razão.

Na inicial o autor pleiteou que fosse reconhecido o recebimento de salário no importe de R$ 2.000,00 mensais, alegando ter sido regis-trado em CTPS apenas R$ 1.000,00, recebendo o restante extrafolha. A reclamada, em defesa, afirmou que a remuneração do autor consistia no pagamento de salário fixo no importe de R$ 1.000,00 mensais, nos termos do registro constante em CTPS (fl. 21).

Ao contrário do que alega o recorrente, não houve confissão da reclamada.

Não foram acostados aos autos quaisquer documentos comproba-tórios da tese inicial, não tendo sido produzida prova oral.

Entendo que a r. decisão deva ser mantida por não ter o autor se desincumbindo do ônus da prova, de maneira satisfatória, encargo que lhe competia, nos termos do art. 818 da CLT e do art. 333, I do CPC.

Mantenho, portanto.

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Diante do exposto, decido: conhecer do recurso de José Henrique Gonçalves Fonseca e o prover em parte para afastar a inépcia quanto ao pedido de horas extras, condenar o reclamado ao pagamento de 24 horas extras na semana em que houve disputa de jogos no domingo, acrescidas dos reflexos em 13º salário, férias +1/3, aviso-prévio e FGTS; declarar a rescisão contratual antecipada do contrato de trabalho do au-tor, por culpa do empregador, condenando o clube reclamado ao paga-mento da multa prevista no art. 479 da CLT, considerando-se a metade dos salários que seriam devidos pelo período restante do contrato, de 19.04.2009 a 15.06.2009, bem como o pagamento de 03/12 de 13º salário proporcional, 3/12 de férias proporcionais acrescidas do terço constitucional, depósitos fundiários e recolhimentos previdenciários so-bre as verbas rescisórias, multa de 40% sobre a totalidade dos depósitos fundiários, nos termos dos pedidos de fls. 15/16, analisados sucessiva-mente (itens k, k1, k2 e k3), conforme fundamentação.

Para os efeitos da Instrução Normativa nº 3/1993, II, “c”, do C. TST, arbitrado o acréscimo condenatório em R$ 5.000,00. Custas pelo reclamado, no importe de R$ 100,00.

Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza Desembargadora Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoEmbargos de Declaração em Agravo Legal nº 0002678‑69.2004.4.03.6000/MS2004.60.00.002678‑9/MSRelator: Desembargador Federal Luiz StefaniniEmbargante: União Federal – MexAdvogado: SP000019 Tércio Issami TokanoEmbargado: Acórdão de fls.Interessado: os mesmosInteressado: Rosinei Monteiro dos SantosAdvogado: MS008597 Evaldo Correa Chaves e outro(a)Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara de Campo Grande > 1ª SSJ > MSNº Orig.: 00026786920044036000 1ª Vr. Campo Grande/MS

eMentA

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – MILITAR – RECONhECIMENTO DE OMISSÃO – EFEITOS INFRINGENTES – REFORMA – ACIDENTE EM JOGO DE FUTEBOL – ACIDENTE EM SERVIÇO – INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO MILITAR – REFORMA COM REMUNERAÇÃO DO POSTO QUE OCUPAVA NA ATIVA

1. No caso, já não há qualquer dúvida sobre estar o ora embar-gante incapaz apenas para o serviço castrense, estando apto para outros tipos de trabalho. Trata-se de ponto exaustivamente discu-tido e analisado tanto na sentença quanto na decisão do recurso de apelação.

2. Fixado esse fato, passa a ser relevante para determinar se há ou não direito à reforma apenas saber se há nexo causal entre a incapacidade e a atividade militar. Consta do acórdão embargado que esse nexo não existe pois os acidentes sofridos consistiram em “lesões sofridas durante partida de futebol”.

3. Limitando-se a justificar assim a inexistência de nexo causal, entendo que houve omissão do acórdão ao deixar de apreciar o argumento de que, embora ocorridos em partidas de futebol, o acidente que gerou a incapacidade ocorreu em um treinamento para a “Olímpiada da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada”, pecu-liaridade importante para a análise do caso, que não se levou em

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consideração e que é suficiente para que seja estabelecido o nexo causal que foi negado pela decisão embargada.

4. Com efeito, sindicância concluiu que se tratou de acidente em serviço, pois ocorreu durante o exercício da função militar, fican-do constatado, ainda, que não houve imperícia, imprudência ou negligência por parte do sindicado.

5. Diante disso, é de se reconhecer a existência de acidente em ser-viço e, consequentemente, o direito à reforma na mesma gradua-ção que ocupava, nos termos do art. 108, inciso III, c/c art. 109, ambos da Lei nº 6.880/1980.

6. Atribuição de efeitos infringentes aos Embargos de Declaração pois, sanada a omissão, a alteração da decisão surge como conse-quência necessária.

7. Embargos de declaração acolhidos para condenar a União a proceder à reforma do autor com proventos equivalentes aos sol-dos da mesma graduação que ocupava na ativa, nos termos do art. 108, III, da Lei nº 6.880/1980 – Estatuto dos Militares.

AcÓrdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, nos ter-mos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 1º de setembro de 2015.

Luiz Stefanini

relAtÓrio

O Exmo. Desembargador Federal Luiz Stefanini (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos por Rosinei Monteiro dos Santos diante de acórdão de fls. 427/430 que negou provimento a seu agravo legal.

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O embargante alega que houve omissão da decisão que deixou de considerar que os acidentes que o atingiram se trataram de acidentes em serviço, pois o primeiro ocorreu em uma competição entre pelotões e o segundo em um treinamento para Olimpíadas da 4ª Brigada de Cavala-ria Mecanizada.

Intimada a se manifestar sobre os embargos (fl. 447), a União ale-gou que não há omissão na decisão embargada, sendo os embargos de declaração recurso impróprio para modificá-la e que já ficou provado que o embargante não é inválido, podendo exercer atividades que lhe garantam o sustento.

É o relatório.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Luiz Stefanini (Relator): Cum-pre enfatizar, inicialmente, que os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão embargado, obscuridade, contradição, quando for omitido ponto sobre o qual deveria pronunciar--se o juiz ou tribunal ou, por construção jurisprudencial, erro material.

No caso, já não há qualquer dúvida sobre estar o ora embargante incapaz apenas para o serviço castrense, estando apto para outros tipos de trabalho. Trata-se de ponto exaustivamente discutido e analisado tan-to na sentença quanto na decisão do recurso de apelação.

Fixado esse fato, passa a ser relevante para determinar se há ou não direito à reforma apenas saber se há nexo causal entre a incapaci-dade e a atividade militar. Consta do acórdão embargado que esse nexo não existe pois os acidentes sofridos consistiram em “lesões sofridas du-rante partida de futebol”.

Limitando-se a justificar assim a inexistência de nexo causal, en-tendo que houve omissão do acórdão ao deixar de apreciar o argumento de que, embora ocorridos em partidas de futebol, o acidente que ge-rou a incapacidade ocorreu em um treinamento para a “Olímpiada da 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada”.

Trata-se de peculiaridade importante para a análise do caso, que não se levou em consideração e que é suficiente para que seja estabele-cido o nexo causal que foi negado pela decisão embargada.

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Com efeito, à fl. 24 consta atestado de que “Rosinei Monteiro dos Santos do 11º R. C. Mec., quando participava de treinamento da equi-pe de futebol do regimento, no interior do quartel, foi confirmado o acidente em serviço, conforme sindicância apurada por este comando, declaro que não houve, por parte do acidentado imprudência, desídia, imperícia, prática de transgressão disciplinar ou crime militar” (grifei) e à fl. 245 conclusão de sindicância no sentido de que “o acidente ocorrido com o Sd EP Rosinei Monteiro dos Santos, em 03 de Julho de 2003 ca-racteriza-se como acidente em serviço, pois ocorreu durante o exercício da função militar, ficando constatado ainda que não houve imperícia, imprudência ou negligência por parte do sindicado”.

Diante disso, é de se reconhecer a existência de acidente em ser-viço e, consequentemente, o direito à reforma na mesma graduação que ocupava, nos termos dos seguintes dispositivos da Lei nº 6.880/1980:

Art. 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que:

I – atingir as seguintes idades-limite de permanência na reserva:

[...]

II – for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas;

[...]

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de:

[...]

III – acidente em serviço;

IV – doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;

[...]

§ 1º Os casos de que tratam os itens I, II, III e IV serão provados por atestado de origem, inquérito sanitário de origem ou ficha de evacuação, sendo os termos do acidente, baixa ao hospital, papeleta de tratamento nas enfermarias e hospitais, e os registros de baixa utilizados como meios subsidiários para esclarecer a situação.

[...]

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Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será refor-mado com qualquer tempo de serviço.

Reproduzo, a seguir, ementas de julgados que reconhecem direito a reforma em casos muito semelhantes ao dos autos:

DIREITO ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO – MILITAR – ACIDENTE EM SERVIÇO – REFORMA – MESMA GRADUAÇÃO – RETIFICAÇÃO – GRAU HIERÁRQUICO SUPERIOR – AUSÊNCIA DE DIREITO

1. A sentença, acertadamente, negou a retificação da reforma a militar, à vista da correção do ato administrativo que o reformou com proventos da mesma graduação que ocupava na ativa, Cabo, à inexistência de in-validez.

2. O perito judicial esclareceu que embora o autor apresente lesão do nervo fibular comum da perna direita, em virtude de acidente durante uma partida de futebol na Marinha, não está incapacitado para todo e qualquer trabalho.

3. A Marinha, ao reformar o autor com proventos de Cabo, mes-ma graduação que ocupava, fez um adequado enquadramento da Lei nº 6.880/1980, arts. 108, IV, e 109.

4. Apelação desprovida. (TRF 2ª R., AC 200951010094168, Desª Fed. Nizete Lobato Carmo, 6ª T.Esp., e-DJF2R – Data: 22.08.2014)

AGRAVO RETIDO – REMESSA NECESSÁRIA – APELAÇÃO – ADMINIS-TRATIVO – MILITAR – REFORMA REMUNERADA COM BASE NO SOL-DO QUE OCUPAVA NA ATIVA – CONCESSÃO – ART. 108, III, C/C ART. 109 DA LEI Nº 6.880/1980 – PROTUSÃO DISCAL – INCAPACIDA-DE DEFINITIVA PARA O SAM – DANOS MORAIS – NÃO CONFIGU-RAÇÃO – DADO PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA E À APELAÇÃO

1. O agravo retido não deve ser conhecido, na medida em que não foi cumprido o disposto no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, que assim dispõe: “Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer ex-pressamente, nas razões ou na resposta de apelação, sua apreciação pelo Tribunal”.

2. O autor ingressou no Exército em 07.03.1994 e foi desincorporado em 11.03.2004, na graduação de Cabo. No dia 17.05.1995, ao participar de partida de futebol da Olimpíada do Batalhão, veio a cair em cima de

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uma pedra, provocando lesão em sua coluna vertebral. A sindicância instaurada pela Administração Militar reconheceu o fato como acidente em serviço, bem como concluiu que não houve imprudência, imperícia, negligência ou prática de transgressão disciplinar.

3. O militar, temporário ou de carreira, terá direito à reforma ex officio, desde que seja julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas, ex vi do art. 106, inciso II, da Lei nº 6.880/1980. Se a incapacidade definitiva decorrer de acidente em serviço que o torne in-capaz apenas para o serviço militar, será reformado com qualquer tempo de serviço e com a remuneração do posto que ocupava na ativa, ex vi do art. 108, inciso III, c/c art. 109, ambos da Lei nº 6.880/1980.

4. In casu, foi realizada inspeção médica pelo perito judicial, cuja con-clusão foi a de que o autor é portador de hérnia de disco L4-L5 e L5-S1, com protusão discal que compromete o canal medular, mas que não o torna incapaz, total e permanentemente, para qualquer tipo de atividade laborativa.

5. Tendo em vista que o autor encontra-se definitivamente incapaz ape-nas para o serviço ativo militar e que a lesão sofrida, como visto, decor-reu de acidente sofrido em serviço, faz este jus à concessão de reforma remunerada com a remuneração do posto que ocupava na ativa, ex vi do art. 108, inciso III, c/c art. 109, ambos da Lei nº 6.880/1980.

6. Não restou comprovado a prática de ato abusivo ou ilegal pela Admi-nistração Militar apto a violar a dignidade do autor e interferir de modo intenso no seu comportamento psicológico, de maneira que o pedido de indenização a título de danos morais não se sustenta.

7. Agravo retido não conhecido. Dado parcial provimento à remessa necessária e à apelação da União Federal, tão somente para afastar a condenação da União ao pagamento de indenização a título de danos morais. (TRF 2ª R., Ap-Reex 200451010131714, Desª Fed. Flavio de Oliveira Lucas,5ª T.Esp., e-DJF2R – Data: 28.07.2014)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO RESCISÓRIA – MILI-TAR TEMPORÁRIO – REFORMA – ACIDENTE EM SERVIÇO – INCAPA-CIDADE DEFINITIVA PARA SERVIÇOS MILITARES – LEI Nº 6.880/1980 – VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – PEDIDO QUE SE EX-TRAI DA EXORDIAL – AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE

1. O pedido é aquilo que se pretende com a instauração da demanda e se extrai a partir de uma interpretação lógico-sistemática do afirmado na

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petição inicial, recolhendo todos os requerimentos feitos em seu corpo, e não só aqueles constantes em capítulo específico ou sob a rubrica “dos pedidos” (STJ, REsp 120.299/ES, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJU de 21.09.1998).

2. É cabível ação rescisória, com fundamento no inciso V do art. 485 do CPC, quando a sentença violar literal disposição de lei, competindo ao tribunal examinar os fatos e o direito aplicado ao caso.

3. O acidente que vitimou o autor, ocorrido em torneio de futebol pro-movido pela Organização Militar onde prestava serviço militar, deve ser considerado acidente em serviço.

4. Comprovada a incapacidade definitiva para o exercício de Serviços Militares, em razão de acidente em serviço, o autor tem direito à reforma com proventos equivalentes aos soldos da mesma graduação que ocupa-va na ativa, nos termos do art. 108, III, da Lei nº 6.880/1980 – Estatuto dos Militares.

5. Mesmo cumprindo o serviço militar obrigatório, o autor era conside-rado militar na ativa, uma vez que incorporado às Forças Armadas para prestação de serviço militar inicial (art. 3º, § 1º, a, II, do Estatuto dos Militares).

6. Ação rescisória julgada procedente. (TRF 1ª R., AR 0018535 7020044010000, Des. Fed. Antônio Sávio de Oliveira Chaves, 1ª S., DJ Data: 31.03.2006, p. 03)

ADMINISTRATIVO – MILITAR NÃO ESTÁVEL – AERONÁUTICA – LE-SÃO NO MEMBRO INFERIOR ESQUERDO – RELAÇÃO COM SERVIÇO MILITAR – INCAPACIDADE PARA ATIVIDADE CASTRENSE – DIREITO À REFORMA REMUNERADA – PROVENTOS EQUIVALENTES AO SOLDO DO POSTO/GRADUAÇÃO EXERCIDO À ÉPOCA – LEI Nº 6.880/1980, ARTS. 106, II, E 108, III

Na hipótese vertente, militar da reserva remunerada da Aeronáutica apre-senta lesão no membro inferior esquerdo, em decorrência do acidente de serviço sofrido, por ocasião de partida de futebol entre Aeronáutica e Exército, fato que incapacita o postulante para as atividades militares.

O postulante se insere na hipótese do art.106, II c/c o art.108, III da Lei nº 6.880/1980, visto que a lesão sofrida apresenta relação de causalidade com o serviço militar.

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Entretanto, por não restar comprovada sua incapacidade para quaisquer atividades da vida civil, sua reforma deve corresponder ao posto que o militar ocupava quando na ativa. Tal como determinado pelo ilustre sentenciante. Apelação e remessa obrigatória improvidas. (TRF 5ª R., AC 9105019800, Des. Fed. José Maria Lucena, 1ª T., DJe Data: 04.06.2010, p. 153) (grifei)

Ou seja, constatada e sanada a omissão impõe-se a alteração do acórdão embargado para que a União seja condenada a proceder à reforma do autor com proventos equivalentes aos soldos da mesma graduação que ocupava na ativa, nos termos do art. 108, III, da Lei nº 6.880/1980 – Estatuto dos Militares.

Observo, por fim, que tal hipótese de atribuição de efeitos infrin-gentes aos embargos de declaração é reconhecida pelo Superior Tribu-nal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL – JUSTIÇA GRATUITA (LEI Nº 1.060/1950, ARTS. 4º, 6º E 9º) – CONCESSÃO – EFICÁCIA EM TODAS AS INSTÂNCIAS E PARA TODOS OS ATOS DO PROCESSO – RENOVAÇÃO DO PEDIDO NA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO – DESNECESSIDADE

1. A atribuição de efeitos infringentes aos Embargos de Declaração é possível, em hipóteses excepcionais, para corrigir premissa equivocada no julgamento, bem como nos casos em que, sanada a omissão, a contra-dição ou a obscuridade, a alteração da decisão surja como consequência necessária.

2. O acórdão embargado negou provimento ao Agravo Regimental de Carlos Chaves, sob o argumento de que: a) não se pode conhecer do re-curso interposto sem a comprovação do preparo nos moldes do art. 511, caput, do Código de Processo Civil; e b) a jurisprudência do STJ também pacificou-se no sentido de que o preparo deve ser feito no momento da interposição do recurso, sob pena de deserção, sendo certo, outrossim, que na hipótese de o recorrente ser beneficiário da justiça gratuita, deve haver a renovação do pedido quando do manejo do recurso, uma vez que o deferimento anterior da benesse não alcança automaticamente as interposições posteriores.

3. Todavia, o entendimento atual da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, uma vez concedida, a assistência judici-ária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do

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processo, nos expressos termos do art. 9º da Lei nº 1.060/1950, sendo desnecessário para o processamento do recurso que o beneficiário refira e faça expressa remissão na petição recursal acerca do anterior defe-rimento do benefício (AgRg-EAREsp 86.915/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Corte Especial, Julgado em 26.02.2015, DJe 04.03.2015).

4. Embargos de Declaração acolhidos com efeitos infringentes para afas-tar a deserção e determinar o retorno dos autos ao Relator, a fim de que prossiga na análise dos demais requisitos de admissibilidade recursal. ..EMEN:(STJ, EDAGREsp 201402855147, Herman Benjamin, 2ª T., DJe Data: 22.05.2015 ..DTPB:.) (grifei)

Diante do exposto, acolho os embargos de declaração para conde-nar a União a proceder à reforma do autor com proventos equivalentes aos soldos da mesma graduação que ocupava na ativa, nos termos do art. 108, III, da Lei nº 6.880/1980 – Estatuto dos Militares.

É o voto.

Luiz Stefanini Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1540

Tribunal de Justiça do Estado de São PauloRegistro: 2015.0000577142Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito PrivadoVoto nº 16784 (Processo Digital)Agravo de Instrumento nº 2162541‑24.2015.8.26.0000Relator(a): Carlos AbrãoComarca: São Paulo (17ª Vara Cível)Agravante: Sociedade Esportiva PalmeirasAgravado: Assunção Representações e ParticipaçõesNúmero na origem: 1060894‑62.2013.8.26.0100

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL NA PENDÊNCIA DO AGRAVO CONTRA DESPAChO DENEGATÓRIO DO RECURSO ESPECIAL – AGREMIAÇÃO DESPORTIVA – BLOQUEIO ONLINE DA SOMA R$ 774.528,09 – RECURSO – PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE DO EXECUTADO – CARÁTER NÃO ABSOLUTO DA CONSTRIÇÃO EM DINhEIRO – IMÓVEL DE DIFÍCIL COMERCIALIZAÇÃO, CONSIDERANDO AINDA A DEFASAGEM ENTRE O CRÉDITO E O VALOR DA AVALIAÇÃO DO BEM – CERCA DE 10% DA EXECUÇÃO – POSSIBILIDADE DA PENhORA PRETENDIDA – INVIABILIDADE DO APRISIONAMENTO INTEGRAL DO VALOR – CRITÉRIO DO JUÍZO DE EQUIDADE – PONDERAÇÃO – JUÍZO PRUDENCIAL – MÁXIMA DE EXPERIÊNCIA – DEVENDO PARTE DO NUMERÁRIO PERMANECER EM BLOQUEIO E OUTRA SER LEVANTADA A FAVOR DA RECORRENTE PROSSEGUINDO-SE COM A PENhORA DE 25% DA BILhETERIA ATÉ ALCANÇAR O TOTAL DA OBRIGAÇÃO, CUJO LEVANTAMENTO PARA TANTO SERÁ EXIGIDA CAUÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO COM EXPRESSA DETERMINAÇÃO.

decisão MonocrÁticA

Vistos.

1. Cuida-se de agravo tirado contra r. decisão digitalizada reporta-da à fl. 242 do instrumento, ordenando o bloqueio Bacen online do cré-dito integral, em regular liquidação de sentença, para transferência do valor em depósito judicial, cuja agremiação desportiva se rebela, suscita violação dos dispositivos normativos, não houve prévia manifestação, haveria preclusão da substituição à penhora, preconiza efeito suspensi-vo, dita necessidade de caução pelo credor, arrosta provimento.

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2. Recurso tempestivo, veio preparado (fls. 996/997).

3. Peças essenciais anexadas (fls. 23/995).

4. Decido.

O recurso comporta parcial provimento, com expressa determi-nação.

Em regular etapa de liquidação de sentença, pleiteou-se, em subs-tituição à penhora do bem imóvel, fosse feita a constrição online Bacen--Jud.

E nesse aspecto, não se cogita de violação do contraditório, ne-cessidade prévia de manifestação ou que se tenha violado qualquer pre-dicado, ainda que não seja absoluta ordem relacionada ao numerário.

Entretanto, em casos dessa natureza, levando em conta o juízo prudencial e de ponderação, atravessando as agremiações, como todo país, séria crise financeira, absorção, de uma só vez do valor poderia tra-zer repercussão negativa e refratária ao princípio da menor onerosidade do executado.

Evidentemente, o valor de R$ 774.528,09, transferido para con-ta judicial, já aprisionado (fl. 247), poderá, aparentemente, colocar em maior dificuldade a agremiação esportiva, além de todo o conjunto de despesas para manutenção de suas atividades.

Bem por isso, retratado o aspecto da máxima de experiência, de-termina-se o aprisionamento do valor de R$ 350.000,00, cujo levanta-mento far-se-á mediante caução, e a importância remanescente será, de imediato, levantada pela recorrente, prosseguindo-se mediante penhora da bilheteria de 25% dos jogos realizados pela agremiação, expedindo--se o necessário, até o atingimento do saldo credor exigido na causa.

A finalidade da penhora de bilheteria, remanesce incontroverso, materializa tempo suficiente, a exemplo da penhora de faturamento, ob-jetivando não desfalcar a recorrente de recursos financeiros necessários à consecução de suas atividades.

Caberá, portanto, ser feita penhora de 25% da bilheteria, com apresentação de relatório mensal pela agremiação, e depósito do valor

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em conta do juízo, até se alcançar a soma, em diferença, do crédito exigido.

Isto posto, monocraticamente, com expressa determinação (pe-nhora do faturamento de 25% da bilheteria, até alcançar o total do cré-dito), dou parcial provimento ao recurso, mantendo aprisionada a soma R$ 350.000,00, cujo levantamento far-se-á mediante caução, sendo que a diferença caberá à agremiação desportiva, confeccionada a guia, no tríduo legal, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC.

Comunique-se de imediato ao Douto Juízo, por via eletrônica.

Eventuais recursos protelatórios ou manifestamente infundados poderão acarretar sanções correspondentes, inclusive perdas e danos.

Certificado o trânsito, tornem à origem.

Ficam as partes cientificadas que eventuais recursos posteriores poderão ser julgados virtualmente, inexistente oposição, na forma da Resolução nº 549/2011, do Órgão Especial deste E. Tribunal, publicada no DJe de 25 agosto de 2011 e em vigor desde setembro de 2011.

Int.

São Paulo, 13 de agosto de 2015.

Carlos Abrão Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1541

Tribunal de Justiça do Estado de Santa CatarinaAgravo de Instrumento nº 2014.033054‑2, da CapitalRelator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira

PENhORA SOBRE DIREITO DE CRÉDITO DE CLUBE DE FUTEBOL DEVEDOR – 30% – VALOR COMPROVADAMENTE EXCESSIVO EM RAZÃO DA SUA DELICADA SITUAÇÃO FINANCEIRA, DE CONhECIMENTO NOTÓRIO NO ESTADO E NO PAÍS – EXEQUENTE QUE, INCLUSIVE, RECONhECE TAL CONDIÇÃO – REDUÇÃO OPERADA PARA QUE, A UM SÓ TEMPO, SE RESGUARDE O DIREITO DE CRÉDITO, EM hARMONIA AO DIREITO À TUTELA EXECUTIVA, E A MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE DO INADIMPLENTE, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE DO DEVEDOR

Penhorados direitos de crédito em proporção excessiva, revela-se medida apropriada ao caso a redução, e não o levantamento da penhora, pois, em tal caso, a um só tempo se assegurará a satis-fação do credor em harmonia com o que apregoa o princípio da efetividade, que se liga ao direito fundamental à tutela executiva, e se garantirá, com amparo no princípio da menor onerosidade da execução (art. 620 do CPC), que o executado se organize fi-nanceiramente e não se torne totalmente insolvente, ao menos a ponto de não adimplir as verbas mínimas necessárias ao desenvol-vimento da sua própria atividade, tais como aquelas de natureza trabalhista.

Agravo parcialmente provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2014.033054-2, da comarca da Capital (Precatórias, Recuperações Judiciais e Falências), em que é agravante Figueirense Futebol Clube, e agravada Brazil Soccer Sports Management Ltda.:

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime dar provimento parcial ao recurso, vencido parcialmente o relator ape-nas com relação ao percentual da penhora sobre o crédito, nos termos do voto do relator. Custas legais.

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O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Monteiro Rocha, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. João Batista Góes Ulysséa.

Florianópolis, 30 de julho de 2015.

Gilberto Gomes de Oliveira Relator

relAtÓrio

Trata-se de agravo, por instrumento, interposto por Figueirense Fu-tebol Clube da decisão do Juiz de Direito da Vara de Precatórias, Recu-perações Judiciais e Falências da Capital que, em carta precatória expe-dida por determinação do Juiz de Direito do Fórum Regional da Barra da Tijuca/RJ para citação, penhora e avaliação de bens do ora agravante em favor da lá exequente e aqui agravada, Brazil Soccer Sports Management Ltda., deferiu pedido de penhora de créditos dos direitos de transmissão que referido clube tem a receber perante a Globo Comunicação e Parti-cipações S.A. e a Globosat Programadora Ltda., limitada, porém, a 30% (trinta por cento) do total.

Defende, em síntese, que o percentual da penhora deve limitar--se a 05% (cinco por cento) dos seus direitos de crédito ou em quantia inferior à fixada.

Para tanto, discorre que é um dos maiores clubes de futebol do Estado, de expressão nacional, e que passa por severa crise financeira, notadamente em razão do rebaixamento para a Série “B” do Campeona-to Brasileiro de 2012, pois isto reduziu substancialmente suas receitas, a ponto, inclusive, de ter suas atividades comprometidas acaso não obte-nha êxito em seu intento.

Arrazoou que, mesmo com a perspectiva de ascensão à Série “A” do Campeonato Brasileiro, há previsão de um défict acumulado de R$ 43,3 milhões para o ano de 2014 em decorrência do passivo acumu-lado ao longo dos anos.

Disse, a título exemplificativo, que, das várias dívidas assumidas, possui um passivo de R$ 7,5 milhões, o qual é proveniente de acordos trabalhistas pagos com a parcela mensal de R$ 400 mil reais.

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Salientou que, mesmo que todas as receitas estimadas para o ano de 2014 ingresse em seus cofres, não conseguira equilibrar suas fi nanças.

Colacionou jurisprudência e pautou-se pelo provimento.

Foi concedida a antecipação dos efeitos da tutela para limi-tar a penhora em 10% (dez por cento) dos valores devidos ao clube (fls. 238/240).

Foram ofertadas contrarrazões (fls. 247/258) através das quais a agravada reconhece que o clube de futebol agravante encontra-se em situação financeira delicada; porém, defende que tal situação é reflexo da sua má administração, que realiza pagamento de créditos a terceiros (empresas parceiras) e, com isso, inviabiliza o próprio clube.

Disse, no mais, que os documentos amealhados no presente agra-vo, demonstrativos financeiros e balancetes, são unilaterais e que a pe-nhora no patamar de 30% (trinta por cento) dos contratos de transmissão não é suficiente para, por si só, causar dano irreparável ao clube.

Entende, pois, que a penhora, tal qual determinada, é adequada.

Pugnou pelo não provimento do agravo interposto.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

Decido.

voto

Eminentes colegas, estou a prover o agravo; mas, em parte.

A questão fática é relativamente simples. O agravante, Figueirense Futebol Clube, é devedor da agravada, Brazil Soccer Sports Management Ltda., da quantia de R$ 960.620,20 (novecentos e sessenta mil seiscen-tos e vinte reais e vinte centavos), em execução em curso no Juízo da Barra da Tijuca, RJ.

Foi expedido, por aquele Juízo, carta precatória para citação, pe-nhora e avaliação de bens e, aqui na Capital, escoado o prazo para pagamento, em cumprimento ao determinado, o Juízo da Vara de Pre-

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catórias, Recuperações Judiciais e Falências determinou a penhora de 30% (trinta por cento) dos de créditos, advindos da cessão dos direitos de transmissão, que referido clube tem a receber das empresas de tele-comunicações – Rede Globo.

O clube alega que tal quantia é onerosa e pode dificultar ainda mais a sua delicada situação financeira; a agravada reconhece tal situação financei-ra delicada, porém, atribui tal défict à má administração do clube, que opta por pagar empresas parceiras ao invés de liquidar seus débitos perante seus credores.

Ocorre que, independentemente da qualidade da administração do corpo diretor de tal clube, se prejudicial ou não aos interesses di-retos dele e de seus credores e atletas, não se está aqui a discutir sobre eventual fraude contra credores, de modo que não se pode dizer, como alegado, que tais atos têm a intenção deliberada de prejudicar eventuais credores, como a agravada.

Nestes termos, como não se pode falar em má-fé, como não se pode estimar um aumento da lucratividade do agravante em razão da sua possível ascensão à Séria “A” do Campeonato Brasileiro e como a agravada reconhece que o clube agravante passa por sérias dificuldades financeiras (art. 334, inciso II, do CPC), o que, a propósito, vem demons-trado pelos demonstrativos financeiros e balancetes amealhados aos au-tos (art. 333, inciso I, do CPC) e é, neste Estado e no País, fato público e notório por aqueles que gostam ou não de futebol (art. 334, inciso I, do CPC)1, tenho que a manutenção do percentual fixado por ocasião da an-tecipação dos efeitos da tutela recursal, no importe de 10% (dez por cen-to) dos valores advindos da cessão dos direitos de transmissão (contratos de fls. 55/118), revela-se a medida mais apropriada ao caso pois, a um só tempo, assegurará a satisfação da credora em harmonia com o que apregoa o princípio da efetividade, que se liga ao direito fundamental à

1 “Com dívida de R$ 65,3 milhões, o Figueirense está entre os 20 clubes mais endividados do país, de acordo com dados do estudo feito pelo consultor em marketing e gestão esportiva Amir Somoggi. O clube alvinegro aparece na 17ª colocação do levantamento que leva em consideração o balanço financeiro de 2014. O Figueirense seguiu a tendência nacional e não conseguiu diminuir a dívida, saltando de R$ 56,8 milhões de 2013 para os atuais R$ 65,3 milhões, uma diferença de 15% [...]. O balanço financeiro do Figueirense foi apresentado no fim de abril, e aprovado pelo Conselho Deliberativo. O aumento da dívida, inclusive, causou crítica de alguns conselheiros, que votaram contra a aprovação. O desentendimento na votação culminou no pedido de renúncia do presidente do Conselho Fiscal, José Carlos Silva”. Disponível em [http://www.infoesporte.com.br/notícias/figueirense/estatísticas/06052015/figueirense-esta-entre-os-20-clubes-mais-endividados-do-pais. Acesso em: 26 maio 2015, às 17:41 horas] (destaquei).

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tutela executiva, e garantirá, com amparo no princípio da menor one-rosidade da execução (art. 620 do CPC), que o executado se organize financeiramente e não se torne totalmente insolvente, ao menos a ponto de não adimplir as verbas mínimas necessárias ao desenvolvimento da sua atividade, tais como aquelas de natureza trabalhista.

É possível que, neste momento, tal percentual não satisfaça a exe-cução já instaurada por completo, até porque a agravada é credora de alto valor, que se acresce de juros ao longo do tempo; porém, ao passo que a credora tem ao seu dispor outros meios para alcançar a efetividade do seu direito de crédito, não se pode agora, apenas para a satisfação de um só credor, inviabilizar por completo a atividade do clube executado, que comprovadamente conta com altos custos para manter seu quadro de funcionários e, principalmente, atletas.

Por tais razões, com a simplicidade que o caso permite, voto no sentido de dar parcial provimento ao agravo para reduzir a penhora ar-bitrada em 30% (trinta por cento) para 10% (dez por cento) dos créditos dos direitos de transmissão que o agravante tenha a receber junto à Glo-bo Comunicação e participações S.A. e Globosat Programadora Ltda.

Não obstante acolhido por unanimidade a proposta deste Relator, fiquei vencido apenas em relação ao percentual já que a douta maioria, por idêntica fundamentação, compreendeu como mais proporcional à situação a quantia de 20% (vinte por cento) de tais créditos.

Então, por unanimidade o agravo é provido em parte para que a redução se opere, nos moldes definidos pela maioria, para 20% (vinte por cento).

É, pois, como voto vencedor e, em ínfimo aspecto, vencido.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

1542 – Conselho Regional de Educação Física – treinador de futebol – inscrição – não obrigatoriedade

“Processual civil e administrativo. Treinador de futebol. Conselho Regional de Educação Física. Inscrição. Não obrigatoriedade. Leis nºs 8.650/1983 e 9.696/1998. 1. Recurso especial em que se discute a obrigatoriedade do registro em Conselho Regional de Edu-cação Física como condição para o exercício da função de técnico ou treinador de futebol. 2. Os arts. 2º, III, e 3º da Lei nº 9.696/1998 e 3º, I, da Lei nº 8.650/1993 não trazem nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores/técnicos de futebol nos Conselhos Regionais de Educação Física. Precedentes. 3. ‘1. A expressão “preferencialmente” constante do caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 (lei específica que dispõe sobre as relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol) tão so-mente dá prioridade aos diplomados em Educação Física, bem como aos profissionais que, até 22 de abril de 1993 (data de início da vigência da lei), comprovem o exercício de cargos ou funções de treinador de futebol, por no mínimo 6 meses, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional. Assim, quan-to ao exercício da profissão de treinador profissional de futebol, a Lei nº 8.650/1993 em nenhum momento coloca restrição aos não diplomados ou aos que não comprova-rem o exercício do cargo ou função por prazo não inferior a seis meses. [...]. 3. A Lei nº 9.696/1998 (lei geral que dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Educação Física) define que apenas profissionais com registro regular no respectivo Conselho Regional poderão atuar na atividade de Educação Física e receber a designação de “Profissional de Educa-ção Física”, mas não traz, explícita ou implicitamente, nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores e monitores de futebol nos Conselhos de Educação Física’. Nesse sentido: AgRg-AREsp 702.306/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., Julga-do em 23.06.2015, DJe 01.07.2015; REsp 1.383.795/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 26.11.2013, DJe 09.12.2013. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 700.269 – (2015/0097731-3) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 02.09.2015 – p. 1126)

1543 – Conselho Regional de Educação Física – treinador de tênis – inscrição – desne-cessidade

“Apelação e remessa necessária. Direito administrativo. Profissional de Educação Fí-sica não graduado. Possibilidade de registro junto ao Cref. Experiência profissional comprovada até a vigência da lei. Improvimento. 1. Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta em face de sentença proferida mandado de segurança obje-tivando a obtenção de registro profissional junto ao Conselho Regional de Educação Física. 2. A Lei nº 9.394/1996, ao disciplinar o exercício da profissão de educação física, possibilita aos profissionais que, até a data do início da vigência da referida Lei, tivessem comprovadamente exercido atividades próprias dos profissionais de educa-ção física, sejam inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física. 4. A documentação acostada aos autos demonstra que o autor possui vasta experiência

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como profissional de tênis desde o ano de 1978, como se extrai das diversas decla-rações firmadas pela Federação de Tênis do Estado do Rio de Janeiro, Clube Naval e Associação Atlética Banco do Brasil, além de ter frequentado cursos, dentro e fora do país, e participado de competições ligadas ao tênis em datas anteriores à entrada em vigor da Lei nº 9.696/1998. 5. Nada obstante às normas administrativas terem elenca-do os documentos considerados idôneos, para fins de inscrição – Carteira de trabalho devidamente assinada; Contrato de trabalho, com firmas reconhecidas das partes em cartório à época de sua celebração; Documento público oficial do exercício profissio-nal – verifica-se que não são os únicos meios hábeis à comprovação do exercício da atividade profissional. 6. Apelação e remessa necessária conhecidas e improvidas.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0001495-22.2014.4.02.5101 – 6ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Libonati de Abreu – DJe 29.09.2015 – p. 466)

1544 – Servidor público atleta – redução da jornada de trabalho – vedação

“Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público local. Redução da jorna-da de trabalho para servidores atletas. Lei nº 2.967/2002 e Decreto nº 23.122/2002. Modulação. Vedação do benefício a servidor que cumpre jornada laboral especial. Enfermeiro. Cargo sujeito à carga horária diferenciada. Servidor optante por carga ho-rária de trabalho estendida na forma autorizada por lei especial. Redução. Concessão. Vedação legal. Argumentos desprovidos de razoabilidade. Moralidade administra-tiva. Preservação. Segurança denegada. Sentença reformada. 1. O Decreto Distrital nº 23.122/2002, que regulamenta a Lei nº 2.967/2002, que dispõe sobre a redução da jornada laborativa do servidor atleta como incentivo à prática do desporto entre os servidores da Administração Direta e Indireta do Distrito Federal, veda a concessão do benefício da redução de jornada para a prática de atividades desportivas quan-do o servidor público distrital está sujeito à jornada de trabalho fixada em legisla-ção especial, conforme dispõe o art. 5º desse instrumento normativo regulamentador. 2. Fruindo o servidor, porquanto ocupante do cargo de enfermeiro da Secretaria de Saú-de do Distrito Federal, de jornada laborativa diferenciada – Lei Distrital nº 3.322/2003 –, enquadra-se na vedação legal que obsta sua contemplação com redução da jor-nada laborativa, notadamente porque já fixada em parâmetros inferiores ao exigido dos demais servidores ante as peculiaridades das funções afetadas ao cargo, restando obstado, pois, que seja agraciado com a redução da jornada na forma regulada e auto-rizada para os servidores praticantes de atividades esportivas e inseridos em programas de formação de atletas. 3. Conquanto optando o servidor por estender sua jornada laborativa semanal na forma autorizada pela legislação correlata, passando a laborar 40h (quarenta horas) semanais, o fato não ilide sua inserção na exceção legalmente estabelecida que veda a redução de jornada ao servidor atleta, à medida que continua sujeito à jornada laborativa diferenciada e sua extensão, por ter derivado da sua opção, ensejara-lhe incremento remuneratório, resultando que a redução da jornada labora-tiva, sob essa realidade, a par de repugnada pelo legislador, afigurar-se-ia afrontosa ofensa aos princípios da moralidade e eficiência administrativa, pois voltaria a laborar sob jornada reduzida – 28h (vinte e oito horas) semanais –, e, não obstante, fruiria da remuneração concernente à jornada laboral estendida por sua opção – 40h (quarenta

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horas) semanais. 4. Apelação e remessa necessária conhecidas e providas. Unânime.” (TJDFT – PADM 20140110332612 – (894549) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 23.09.2015 – p. 130)

Civil

1545 – Copa do Mundo – compra de ingressos pela Internet – direito de arrependimen-to – devolução – cabimento

“Juizados especiais cíveis. Direito do consumidor. Compra de ingressos para a Copa do Mundo de 2014. Serviço contratado fora do estabelecimento comercial. Internet. Direito de arrependimento. Prazo de reflexão. Cobrança indevida. Devido o reembol-so do valor adimplido. Dano moral inexistente. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada, em parte. 1. Rejeito a preliminar suscitada pela recorrida em contrarrazões (não conhecimento por inobservância ao princípio da dialeticida-de), porquanto as razões recursais guardam relação lógica com os fundamentos da sentença vergastada. 2. Incidem na espécie as regras insertas no Código de Defesa do Consumidor, na medida em que o conflito em julgamento se trata de relação de consumo, como quer a dicção dos arts. 2º e 3º do CDC. 3. Aplica-se o disposto no art. 49 do CDC às compras efetuadas por meio da rede mundial de computadores, pois realizadas fora do estabelecimento comercial. Precedente do STJ: REsp 1340604/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 15.08.2013, DJe 22.08.2013. 4. Nos termos do art. 49 do CDC, o consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7 (sete) dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a compra ocorrer fora do estabelecimento comercial (prazo de reflexão). 5. In casu, a consumidora formalizou o pedido de cancelamento no mesmo dia da aquisição (fl. 50), dentro do prazo de 7 (sete) dias a que tinha direito, e mesmo assim teve debitado em seu cartão de crédito o valor correspondente à compra can-celada (fl. 45), o que assegura a ela o direito de reaver o valor efetivamente pago por serviço não usufruído e previamente cancelado, nos termos da sentença atacada. 6. No tocante ao dano moral, é certo que houve a falha na prestação do serviço, ao serem negados à autora o cancelamento e a devolução do valor pago. Não obstante, tenho que o tempo gasto na tentativa de solução do caso (desde junho de 2014), malgrado tenha trazido incontestes dissabores à parte recorrida, por si só, não se mostra apto a configurar grave afronta aos atributos da personalidade da consumidora. Anoto que a recorrida, inclusive, confirmou em audiência que teriam sido feitas duas compras de ingresso, uma primeira equivocada e uma segunda ‘que logrou êxito para o jogo esco-lhido’ (fl. 43), de sorte que sequer houve a perda do evento almejado, tudo a culminar na inexistência de situação apta a gerar dano extrapatrimonial passível de reparação. 7. Desse modo, urge excluir a condenação à reparação dos danos morais. 8. Prelimi-nar da parte recorrida rejeitada. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada, em parte, para excluir a condenação por danos morais. No mais, mantida por seus próprios fundamentos. 9. Sem condenação em custas e honorários, à míngua de recorrente integralmente vencido. 10. Acórdão elaborado de conformidade com o

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disposto nos arts. 46 da Lei nº 9.099/1995, 12, inciso IX, 98 e 99 do Regimento Inter-no das Turmas Recursais.” (TJDFT – Proc. 20150310058643 – (888361) – 3ª T.R.J.E. Distrito Federal – Rel. Juiz Carlos Alberto Martins Filho – DJe 31.08.2015 – p. 596)

Comentário Editorial SÍNTESECuidaoacórdãoemquestãodoprazoparaadevoluçãodemercadorianocasodearrependimento do consumidor,

AprevisãoestácontidanaLeinº8.078/1990noseguintedispositivo:

“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”

RosanaGrinberg,discorrendosobreosprazosestabelecidosnaLeinº8.078/1990,que trata dos direitos dos consumidores, assim asseverou:

“Finalmente, a questão do prazo de 7 (sete) dias para devolução de mercadoria e desistência de contrato, prevista no art. 49 do CDC. O dispositivo legal, embora bas-tante claro, tem levado consumidores que adquirem um produto numa loja, depois de algum tempo, a quererem devolver, pelas mais diversas razões, e procurar os órgãosdedefesadosconsumidores,reclamandoqueofornecedornãoquisreceber.Ora,essapermissibilidadesóseaplicase‘acontrataçãodefornecimentodeprodu-tos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ouadomicílio’.Significadizer:sãoaquelassituaçõesemqueumfornecedorbateàporta do consumidor para lhe vender livros ou panelas ou produtos de limpeza. O consumidor,muitasvezes,premidopelalábiadovendedor,oupelotempo,semcon-diçõesdemelhorrefletir,adquireoprodutoesódepoisverificaquenãolheinteressaa compra. Nestes casos, a Lei permite que o consumidor exercite o seu direito de arrependimento, previsto no artigo mencionado (7 dias), situação em que o produto serádevolvido,comrestituiçãoimediatapelofornecedor,dosvaloreseventualmentepagos, a qualquer título, monetariamente atualizados.

No caso, contudo, de uma consumidora, por exemplo, que adquire um vestido numa loja, de cor vermelha e, ao chegar em casa, o marido não gosta, porque acha que vermelhonãolhecaibem,nãoháqualquerobrigaçãodofornecedor(loja)lhetrocaroureceberovestidodevolta.Seofizerserápormeraliberalidade,porumaquestãode marketing,objetivandoasimpatiadacliente.Domesmomodo,nãoháqualquerobrigaçãodofornecedornosentidodetrocarmercadoria,queoconsumidor,apósaaquisição,encontrouporpreçoinferioremoutroestabelecimento,jáquenãohá,nomomentopolítico-econômicodopaís,tabelamentodepreços,cabendoaoconsu-midor pesquisar os mesmos antes de comprar o produto ou de contratar o serviço.” (Dosprazosnocódigodoconsumidor.Repertório de Jurisprudência IOB, 3/14829, nº 19/1998, p. 403, 1ª quinz. out. 1998)

1546 – Copa do Mundo – compra e venda de ingresso – ação de restituição – cabimento

“Compra e venda de ingressos para a Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha. Ação de restituição de quantia paga com indenização por danos materiais e morais. Carência de ação e ilegitimidade de parte. Inocorrência. Se a empresa requerida se com-prometeu a obter os ingressos para os jogos da Copa do Mundo e não os obteve, deve responder por danos materiais. Inocorrência do suposto bis in idem. Dano moral con-

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figurado. Valor arbitrado em observância aos princípios da proporcionalidade e razoa-bilidade. Valor mantido. Sentença mantida. Recurso não provido, rejeitadas as prelimi-nares.” (TJSP – Ap 0002113-75.2011.8.26.0022 – Amparo – 26ª CDPriv. – Rel. Bonilha Filho – DJe 15.09.2015)

1547 – Dano moral e material – criança e adolescente – contratação por empresário intermediário de clubes de futebol – condições precárias de alojamento e higie-ne – cabimento

“Recurso especial. Direitos individuais homogêneos. Ação coletiva de reparação de danos materiais e morais. Criança e adolescente. Contratação por empresário interme-diário de clubes de futebol. Condições precárias de alojamento e higiene. Extinção do processo. Ilegitimidade ativa do Ministério Público. Manutenção. Perda superveniente do objeto. Substituídos que se tornaram maiores de idade. Direito individual disponí-vel. Interesse social inexistente. 1. Cuida-se de ação coletiva de indenização por dano moral e material ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e pelo Ministério Público do Trabalho da 3ª Região em face de empresário de futebol, tendo sido alegado que os 19 (dezenove) substituídos, então menores de idade, estavam em condições precárias de acomodação, saúde, alimentação e higiene, circunstância que seria violadora de preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Bem ou mal, uma vez extinta a ação por ilegitimidade do Parquet, no estágio em que se encontra o processo, ocorreu a perda superveniente de objeto do presente recurso especial, em razão da substancial alteração do cenário fático-jurídico subjacente à causa. 3. ‘Não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particula-res, ainda que decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos indivi-duais disponíveis, ainda que homogêneos, estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art. 127). [...] Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direi-tos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados’ (RE 631.111, Relator(a): Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, Julgado em 07.08.2014, DJe 30.10.2014). 4. Atualmente, a tutela buscada pelo Ministério Público circunscreve-se tão somente a direitos patrimoniais de pessoas maiores de idade e capazes de, por conta própria, deduzir suas pretensões de forma individual. Vale dizer que os direitos em conflito são disponíveis e não se revestem de inegável interesse social. 5. O Minis-tério Público, no caso em apreço, não intentava debelar um problema social, mas sim fazer as vezes de um grupo reduzidíssimo de substituídos mediante a tutela coletiva de direitos, os quais, muito embora à época do ajuizamento fossem de relevância transcendental em razão da especial proteção conferida pelo ordenamento jurídico à criança e ao adolescente, atualmente, não despontam com tamanha grandeza de modo a autorizar a legitimação extraordinária do Parquet. Extinção do processo por ilegitimidade ativa do Ministério Público mantida. 6. Agravo regimental não provi-do.” (STJ – AgRg-REsp 1.379.509 – (2013/0114814-0) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 31.08.2015 – p. 1374)

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1548 – Ingresso – falsidade do documento e de negativa de entrada no estádio – laudo do instituto de criminalística – desconstituição – ação de indenização

“Apelação. Ação de indenização por danos morais e materiais. Consumidor. Aquisição de ingresso para final de campeonato. Arguição de falsidade do documento e de negati-va de entrada no estádio. Ausência de prova da aquisição junto à empresa recorrida ou de fraude na emissão do ingresso. Laudo do instituto de criminalística que denota a con-formidade do ticket. Não desconstituição da perícia. Presunção de veracidade dos docu-mentos públicos. Deficiência probatória do autor. Art. 333, I, do CPC. Desprovimento. Em conformidade com a Jurisprudência pacífica e uniforme dos Tribunais pátrios, nota-damente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, atinente à interpretação da regra de distribuição do ônus da prova, tem-se que, ‘Nos termos do art. 333, I do CPC, caberá ao autor a demonstração dos fatos constitutivos do seu direito e ao réu a demonstração dos fatos extintivos modificativos ou impeditivos do direito do autor’. 1. Segundo regra em epígrafe, atinente à distribuição do onus probandi, não tendo o consumidor, ao denotar a falsidade de ingresso para final de campeonato de futebol, comprovado a sua aquisição junto à empresa ré ou, sequer, desconstituído laudo pericial do instituto de criminalística lavrado no sentido da regularidade do documento, resta imperiosa a manutenção da sentença pela improcedência dos pedidos.” (TJPB – Ap 0007132-26.2012.815.0251 – 4ª C.Esp.Cív. – Rel. Des. João Alves da Silva – DJe 01.09.2015 – p. 14)

1549 – Penhora – cotas de transmissão de campeonato de futebol – cabimento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Cumprimento de sentença. Decisão que determinou a penhora de cotas de transmissão de campeonato de futebol. Princípio da menor onerosidade não afastada. Possibilidade de constrição sobre bem que tratar maior segurança ao credor para alcançar seu crédito. Art. 535. Ausência de omissão. Matéria que demanda reexame de prova. Súmula nº 7 do STJ. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. A Corte local, com base nos elementos fático-probatórios dos autos, concluiu ser legítima a recusa da credora do imóvel dado à penhora pelo recorrente por não possuir certeza e liquidez, afastando, ainda, a alegação de que o bem fosse capaz de garantir a totalidade da execução. O acolhimento da pretensão recursal demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 2. O acórdão fundamentou o justo motivo da penhora, sobre as cotas de transmissão do Clube nos campeonatos transmitidos pela Rede Globo, na inexistência de outras formas menos onerosas ao devedor; que a medida não inviabilizaria suas atividades e, ainda, que os valores autorizados não atingiria a receita pertencente aos jogadores, observando desse modo, o disposto no art. 42 da Lei nº 9.615/1995 (Lei Pelé). A revisão dos fundamen-tos que ensejaram esse entendimento exigiria reapreciação do conjunto probatório dos autos. 3. Ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 559.583 – (2014/0196042-3) – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 28.08.2015 – p. 1314)

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1550 – Penhora – transmissão televisiva do campeonato brasileiro de futebol – cabi-mento

“Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Contrato de confissão de dí-vida celebrado entre clube de futebol e empresa. Carta precatória. Penhora de 30% dos valores recebidos pelo clube em razão dos contratos de transmissão televisiva do campeonato brasileiro de futebol. Decisões que determinam a constrição até ulterior deliberação acerca da garantia integral do juízo. Ausência de interposição de recurso a tempo e modo. Preclusão temporal. Intempestividade caracterizada. Recurso não co-nhecido. Incumbia ao Executado se insurgir, nas oportunidades em que foram lançadas as decisões amparando a penhora até posterior decisão que reconhecesse a garantia integral da dívida, a tempo e modo, em grau de recurso, que a constrição cessasse inde-pendentemente de nova decisão. Além disso, a questão atinente ao crédito executado, integralmente já garantido, sequer foi alvo de decisão em primeiro grau de jurisdição, sendo que qualquer deliberação acerca da matéria pelo juízo ad quem configura su-pressão de instância.” (TJSC – AI 2015.013579-4 – Rel. p/o Ac. Des. João Batista Góes Ulysséa – DJe 31.08.2015)

1551 – Responsabilidade civil – ação indenizatória – competição desportiva – alcance

“Agravo de instrumento. Processual civil. Responsabilidade civil. Ação indenizatória. Direito privado. Competição desportiva. Decisão que indeferiu pedido antecipatório. Análise preliminar do pleito de concessão dos benefícios da assistência judiciária. Pre-paro recolhido. Ato incompatível. Não conhecimento no ponto. Afastamento ou desti-tuição dos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Clube Atlético Paranaense (CAP) de seus cargos. Invalidade de partida de futebol. Atribuição de pontos ao time visitante e consequente cancelamento da homologação da tabela do campeona-to brasileiro. Impossibilidade. Perda superveniente do objeto recursal. Pleito de nulidade de decisão do Superior Tribunal de Justiça desportiva. Descabimento. Inexistência de elementos suficientes a embasar as alegações do agravante neste momento a alterar a independência e autonomia do órgão. Necessidade de cognição exauriente e profunda. Verossimilhança das alegações não verificada. Ausência de indícios a indicar hipotético risco de torcedores. Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação não constatados. Decisão mantida. Recurso conhecido em parte e desprovido.” (TJSC – AI 2014.013000-7 – Rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves – DJe 14.08.2015)

1552 – Responsabilidade civil em acidente de trânsito – ação de indenização – legitimi-dade ativa – transporte de delegação de clube de futebol – evento danoso com vítima fatal – alcance

“Apelação cível. Responsabilidade civil em acidente de trânsito. Ação de indenização. Legitimidade ativa. Transporte de delegação de clube de futebol. Evento danoso com vítima fatal. Sentença de procedência ratificada. Precedentes. Tratando-se os autores de pais e irmãos da vítima fatal do acidente, inquestionável sua legitimidade ativa para pleitear indenização pelos danos decorrentes da morte do ente querido. Irrefutáveis os contornos fáticos do acidente, já que o ônibus da empresa ré tombou e caiu no barranco, provocando a morte e lesões corporais em diversos passageiros da delegação do clube

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de futebol denominado Grêmio Esportivo Brasil de Pelotas, incidentes os arts. 734 e 735 do CC, que preconizam que, em situações como a presente, a responsabilidade é obje-tiva. Indenização por danos morais decorrentes da morte repentina do filho e irmão dos autores, fixada no equivalente a 110 salários mínimos para cada uma, importância que atende às funções esperadas da condenação e não destoa dos parâmetros praticados por este Colegiado em casos similares, inclusive, decorrentes do mesmo evento danoso. Em relação ao pedido de que a Seguradora denunciada seja condenada ao pagamento dos danos morais nos limites da apólice, carece de interesse recursal, pois já atendida pelos termos do dispositivo sentencial. Preliminar rejeitada. Apelação da ré improvida. Apela-ção dos autores improvida.” (TJRS – AC 70063102156 – 12ª C.Cív. – Rel. Des. Guinther Spode – J. 27.08.2015)

Penal

1553 – Ação penal – quadrilha – venda de “raspadinha da sorte” – exploração de jogos de azar – Justiça Federal – incompetência

“Conflito negativo de competência. Ação penal. Quadrilha dedicada à venda de supos-tos títulos de capitalização denominados ‘raspadinha da sorte’. Conduta que se amolda mais à exploração de jogos de azar do que a de crime contra o sistema financeiro. In-competência da Justiça Federal. Súmula nº 38/STJ. 1. A colocação à venda de títulos de capitalização denominados ‘raspadinha da sorte’ pela importância de R$ 1,00 (um real) a unidade, com a possibilidade de o comprador ser sorteado com vários prêmios (como casa, geladeiras, caminhões e outros) mais se assemelha a uma espécie de loteria do que a um título de capitalização. Isso porque, embora o título de capitalização também ofereça a possibilidade de o comprador concorrer a sorteios ao longo do tempo em que o capital por ele investido fica imobilizado, ao final de determinado prazo, mesmo não tendo sido contemplado em nenhum sorteio, o investidor recebe de volta o valor do título, no mínimo, com correção monetária. Já nas diversas espécies de loteria, está-se diante de um título de crédito (geralmente ao portador) que habilita alguém a concorrer a um prêmio mediante jogo ou aposta. Não há promessa de repetição do valor inicial-mente investido e o resultado é sabidamente incerto (aleatório). 2. Assim sendo, a des-peito da denominação dada à ‘raspadinha da sorte’, ela não corresponde a um título de capitalização e, por consequência, não haveria delito enquadrável na Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro) a justificar a competência da Justiça Federal para o julgamento da ação penal. 3. Muito embora haja um interesse nítido da União na per-secução penal dos que exploram jogos de azar sem a devida autorização e fiscalização dos órgãos federais competentes, a própria Constituição Federal, em seu art. 109, IV, excluiu da competência da Justiça Federal o julgamento das contravenções penais, ainda que praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o que foi refor-çado pelo Enunciado nº 38 da Súmula desta Corte. 4. A possibilidade de surgimento de evidências, ao longo da instrução probatória, que apontem na direção de outros delitos, demonstra não ser possível firmar peremptoriamente a competência definitiva para jul-gamento da presente ação penal. Isso não obstante, deve-se ter em conta que a definição

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do Juízo competente em tais hipóteses se dá em razão dos indícios coletados até então, o que revela a competência da Justiça Estadual. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 5ª Vara Penal da Comarca de Marabá/PA, o suscitado.” (STJ – CC 137.509 – (2014/0328575-3) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 16.09.2015 – p. 618)

1554 – Jogos – casa de bingos – pagamento em cheque – efeitos

“Recurso especial. Civil. Dívida de jogo. Casa de bingos. Funcionamento com amparo em liminares. Pagamento mediante cheque. Distinção entre jogo proibido, legalmente permitido e tolerado. Exigibilidade apenas no caso de jogo legalmente permitido, confor-me previsto no art. 815, § 2º do Código Civil. 1. Controvérsia acerca da exigibilidade de vultosa dívida de jogo contraída em Casa de Bingo mediante a emissão de cheques por pessoa diagnosticada com estado patológico de jogadora compulsiva. 2. Incidência do óbice da Súmula nº 284/STF no que tange à alegação de abstração da causa do título de crédito, tendo em vista a ausência de indicação do dispositivo de lei federal violado ou objeto de divergência jurisprudencial. 3. ‘As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento’ (art. 814, caput), sendo que ‘o preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos’ (art. 814, § 2º, do Código Civil). 4. Distinção entre jogo proibido, tolerado e legalmente permitido, somente sendo exigíveis as dívidas de jogo nessa última hipótese. Doutrina sobre o tema. 5. Caráter precário da liminar que autorizou o funcionamento da casa de bingos, não se equiparando aos jogos legalmente autorizados. 6. Inexigibilidade da obrigação, na espécie, tratando-se de mera obrigação natural. 7. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.406.487 – (2013/0318934-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.08.2015 – p. 1891)

1555 – Jogos de azar – contrabando/descaminho internacional de máquinas caça-ní-queis – Justiça Federal – competência

“Conflito negativo de competência entre juiz federal e estadual. Inquérito policial. Pos-sível contrabando/descaminho internacional de máquinas (computadores) programadas para exploração de jogos de azar (caça-níqueis) acessados via Internet. Indícios suficien-tes da origem estrangeira das máquinas e de sua entrada ilegal no País. Competência da Justiça Federal. 1. A 5ª e a 6ª Turmas desta Corte têm entendido que, para a caracteriza-ção do delito de contrabando/descaminho internacional de máquinas programadas para exploração de jogos de azar, é necessária a demonstração de fortes indícios (e/ou provas) da origem estrangeira das máquinas e de sua entrada ilegal no País. 2. Situação em que a procedência estrangeira dos componentes das máquinas (computadores) destinadas à exploração de jogos de azar está fundada em laudo de exame pericial. 3. Por sua vez, a ilegalidade da entrada dos aparelhos eletrônicos no país advém tanto da não apresen-tação de notas fiscais e/ou guias de importação pelo proprietário dos aparelhos, quanto do fato de que Instrução Normativa SRF nº 309, de 18.03.2003, proíbe a importação de máquinas eletrônicas (assim como suas partes, peças e acessórios) programadas para a exploração de jogos de azar. 4. A possibilidade de descoberta de outras provas e/ou evidências, no decorrer das investigações, levando a conclusões diferentes, demonstra

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não ser possível firmar peremptoriamente a competência definitiva para julgamento do presente inquérito policial. Isso não obstante, tendo em conta que a definição do Juízo competente em tais hipóteses se dá em razão dos indícios coletados até então, revela--se a competência da Justiça Federal para condução do Inquérito Policial. 5. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara de Niterói/RJ, o suscitante.” (STJ – CC 134.715 – (2014/0161918-0) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 17.09.2015 – p. 875)

Previdenciário

1556 – Acidente do trabalho – auxílio-acidente – jogador de futebol – lesão no om-bro direito – incapacidade parcial e permanente – comprovação – pagamento devido

“Acidente do trabalho. Auxílio-acidente. Jogador de futebol. Lesão no ombro direito. Incapacidade parcial e permanente comprovada. Nexo causal com o labor demonstra-do. Laudo pericial conclusivo. Benefício devido. Acidente do trabalho. Atualização dos atrasados. Índices econômicos pertinentes. ADI 4357/STF e Repercussão Geral nº 810. Acidente do trabalho. Questões relativas ao precatório. Discussão e definição apenas na fase adequada (execução). Determinações contidas na sentença quanto a essa matéria julgadas prejudicadas. Remessa oficial parcialmente provida. Apelo autárquico despro-vido.” (TJSP – Ap 1009902-44.2013.8.26.0053 – São Paulo – 16ª CDPúb. – Rel. João Negrini Filho – DJe 14.09.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEA ementa em destaque cuida da comprovação da incapacidade parcial e permanen-te do jogador futebol e o direito ao seu recebimento de auxílio-acidente.

Oportuno o destaque da seguinte ementa:

AUXÍLIO-ACIDENTE–REDUÇÃODACAPACIDADE–LAUDOPERICIAL–COMPRO-VAÇÃO–“Direitoprevidenciárioedireitoprocessualcivil.Auxílio-acidente.Acórdãosparadigmas.Inexistênciadesimilitudefático-jurídica.QuestãodeOrdemnº22/TNU. Requisitos. Verificação. Laudo pericial. Reexame de provas. Súmula nº 42 da TNU. Pedido de uniformização não conhecido. 1. A sentença de 1ª instância julgou im-procedenteaçãoprevidenciáriaajuizadapelarecorrente,atravésdaqualrequereua concessão do benefício de auxílio-acidente, desde quando cessou a percepção do benefíciodeauxílio-doença.Entendeuojuizfederalquenãoédevidoobenefíciopre-videnciárioalmejado,poisinexistenosautosprovadaefetivareduçãodacapacidadelaboral da autora para o desempenho de sua atividade habitual, como sequela de suas lesões, tendo, inclusive, voltado a manter vínculo empregatício (2006-2007) namesmafunçãoqueexerciaantesdoacidente(2004):‘Nãohouveimpugnaçãoda autora à conclusão pericial. Nesse contexto, não se considera provada a redução da capacidade laborativa para o desempenho da atividade habitual da demandante, salientando-se que o perito afirmou ter havido mínima repercussão da sequela do acidente na capacidade laborativa em geral, não especificando qualquer impacto na capacidadeparaoexercíciodaatividadeefetivamenteexercidapelaautora’.2.Asentençafoiconfirmadaporacórdãoda4ªTurmaRecursaldosJuizadosEspeciaisFederais/RS,lastreadonasconclusõesdoRecursoEspecialnº1.108.298/SC(Rel.Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª S., DJ 06.08.2010). O Colegiado entendeu

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que a recorrente não demonstrou ter implementado o requisito relativo ao efetivo decréscimo de capacidade para o trabalho que exercia, a fim de perceber o auxílio--doença:‘Comefeito,obenefíciodeauxílio-acidenteédevidocomoindenizaçãoaoseguradoque,apósaconsolidaçãodaslesõesdecorrentesdeacidentedequalquernatureza ou causa, reste com sequelas que impliquem a redução de sua capacidade aotrabalhoquehabitualmenteexercia.Destarte,éindispensávelque,paraalémdemero dano à saúde do segurado, as sequelas decorrentes do acidente efetivamente causem uma redução da capacidade do segurado às funções que exercia. [...] Nesta senda, considerando as conclusões do perito que funcionou em Juízo, constata-se que, nada obstante exista uma redução genérica da capacidade do segurado, não hádese falaremlimitaçãoefetivaàsuaatividadehabitual’.3.Nãoobstanteasconclusõesdasentençaedoacórdão,arecorrenteinsistenoprovimentodorecurso,alegandoquedemonstrouterpreenchidoosrequisitosnecessáriosàconcessãodobenefício auxílio-doença. 4. O incidente sub judice não deve ser conhecido. Com efeito, a tese geral que a recorrente busca inferir dos julgados trazidos à colação aponta no sentido de que a lei previdenciária não faria distinção entre os grausdereduçãodacapacidadelaborativa(mínima,médiaoumáxima),sendobastanteque o laudo pericial conclua pela lesão e que existiu a citada diminuição como resultadodoacidente.4.1Aocontrário,amoldurafáticadademandaapontaparasituação diversa: a autora sofreu um acidente de trânsito, do qual resultou fratura devértebrascervicais;olaudopericialconstatouque,apósaconsolidaçãodasle-sões causadas pelo acidente, a autora apresentava redução mínima da capacidade labor ativa, sem enquadramento no Anexo III do Decreto nº 3.048/1999. Por fim, combaseeminformaçõesdaprópriaautora,oexpert informou que a mesma, na época do exame pericial, trabalhava normalmente como metalúrgica, inclusive na data em que realizado o exame. De outro turno, não se aplica, ao caso, a Súmula nº 44/STJ, por referir-se a moléstia auditiva. 4.2 Presente essa quadra, não existe similitudefáticaejurídicanosjulgadoscotejados,oqueatraiaincidênciaeaapli-cação da Questão de Ordem nº 22 desta TNU. 5. Além disso, tanto o Juiz Federal como a Turma Recursal reconheceram que não se encontram presentes as condições necessáriasparaquevenhaaserconcedidooauxílio-acidente,apartirdaanálisedosfatosedasprovasdosautos,máximeolaudopericial.Modificarestasconclu-sõesimplicariarevolveroconjuntofático-probatóriodosautos,oqueéinadmissívelem sede de incidente de uniformização de jurisprudência (TNU, Súmula nº 42). Nesse sentido, confira-se o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no AgRg--AREsp405.418/SP,Rel.Min.SérgioKukina,1ªT.,Julgadoem20.02.2014,DJe28.02.2014. 6. Pedido de Uniformização de jurisprudência não conhecido.” (TNU –Proc.5008510-64.2012.4.04.7107/RS–Rel.JuizFed.BrunoLeonardoCâmaraCarrá–DJe02.05.2014)

1557 – Auxílio-acidente – atleta profissional de futebol – goleiro – traumatismo crânio--encefálico – prévio requerimento administrativo – falta de interesse de agir – inadmissibilidade

“Ação acidentária. Auxílio-acidente. Atleta profissional de futebol (goleiro). Acidente típico. Traumatismo crânio-encefálico. Sentença de procedência. Irresignação do réu. Ausência de prévio requerimento administrativo. Falta de interesse de agir. Inadmissi-bilidade. Ausência de incapacidade laborativa e nexo etiológico. Laudo pericial con-clusivo. Incapacidade parcial e permanente com prejuízo de sua função habitual. Au-xílio-acidente configurado. Fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula

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nº 111 do Superior Tribunal de Justiça. Incidência de juros e correção monetária. Sen-tença reformada em parte em sede de reexame necessário. Apelação da autarquia par-cialmente provida e sentença reformada em parte, em sede de reexame. Necessário. Mantido o Decreto de procedência da ação.” (TJSP – Ap 0010061-13.2012.8.26.0223 – Guarujá – 16ª CDPúb. – Rel. Nazir David Milano Filho – DJe 21.08.2015)

Comentário Editorial SÍNTESETrata a ementa em destaque do instituto do prévio requerimento administrativo.

A CF/1988, no art. 5º, XXXV, traz o princípio da inafastabilidade do controle juris-dicional:

“Art. 5º [...]

[...]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça adireito;

[...].”

Além disso, vejamos o entendimento proferido pelo nobre Procurador Dr. Luiz Anto-nio Miranda Amorim Silva:

“Dessemodo,enquantoaAdministração,combasenaprópriaseparaçãodepoderese no princípio da autotutela, tem a prerrogativa de, como regra, através de proce-dimentopróprio,dirimirquestõesevitandoaprovocaçãodoJudiciário,oparticulartem, em razão da inafastabilidade e do sistema de freios e contrapesos, o direito de levarsuademandaaoJudiciário.

Tem-se, então, um verdadeiro choque de princípios.

Deve-se buscar, assim, conciliar tais normas através de um juízo de ponderação, com a noção de que a existência do princípio da separação de poderes não inviabi-liza o direito de ação e de que o direito de acesso à justiça não revoga a tripartição de poderes.

[...]

Dessaforma,umacessoaoJudiciáriocondicionadoaoesgotamentodaviaadminis-trativa,emregra,acarretaanegaçãodopróprioacessoàjustiçanosentidomoderno.Isto é, impor tal condição, em inúmeras situações, significa alijar a parte da possibi-lidadedeacessoaumJudiciárioefetivo,aumaordemjurídicajusta.

Por isso, o Verbete Sumular nº 213 do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR) e o nº 9 do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região apontam pela desnecessidade de exaurimento da via administrativa. Atente-se:

‘Súmulanº213–Oexaurimentodaviaadministrativanãoécondiçãoparaapropo-situradeaçãodenaturezaacidentária.’

‘Súmulanº9–Emmatériaprevidenciária,torna-sedesnecessáriooprévioexauri-mentodaviaadministrativacomocondiçãodeajuizamentodaação.’”(Esgotamentoda via administrativa e requerimento administrativo na concessão dos benefícios previdenciários.Disponívelem:http://online.sintese.com.Acessoem:02out.2015)

1558 – Auxílio-acidente – jogador de futebol – lesão no joelho esquerdo – redução da capacidade de trabalho não revelada – continuidade das atividades sem qual-quer restrição – benefício indevido

“Acidente do trabalho. Auxílio-acidente. Jogador de futebol. Lesão no joelho esquer-do. Redução da capacidade de trabalho não revelada. Continuidade das atividades sem

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qualquer restrição. Sentença mantida. Benefício indevido. Apelo desprovido.” (TJSP – Ap 1002143-24.2013.8.26.0281 – Itatiba – 16ª CDPúb. – Rel. João Negrini Filho – DJe 24.09.2015)

Trabalhista

1559 – Ação civil pública – clube de futebol – categorias de base – treinamento – for-mação profissional – crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos – im-possibilidade

“I – Agravo de instrumento. Ação civil pública. Obrigação de não fazer determinada no acórdão regional. Abrangência. Potencial afronta ao princípio da isonomia inscrito no art. 5º, caput, da Constituição Federal. Caracterizada a potencial violação do art. 5º, caput, da Constituição da República, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – Recurso de revista. 1. Ação civil pública. Clube de Futebol. Categorias de base. Treinamento, com objetivo de formação profissional, característico da modalidade esportiva ‘desporto de rendimento’, de crianças e adoles-centes com idade inferior a 14 anos. Impossibilidade. 1.1 Acórdão regional mediante o qual o TRT concluiu pela prática da modalidade esportiva ‘desporto de rendimento’, prevista no inciso III do art. 3º da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), com intuito de formação profissional, pelas crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos que treinam nas dependências do Clube réu, situação que caracteriza a existência de verdadeira relação de trabalho, vedada pelos arts. 7º, XXXIII, e 227, § 3º, I, da Constituição Fede-ral. 1.2 A conclusão do Regional, diante da moldura fática revelada no acórdão, para além de dar efetividade aos mencionados preceitos constitucionais, harmoniza-se com as disposições do inciso III do art. 3º da Lei nº 9.615/1998, e com aquelas dos arts. 3º, parágrafo único, II, e 29, § 4º, da Lei nº 9.615/1998 (na redação então em vigor), as quais não contemplam a possibilidade de prática de desporto de rendimento por crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos. Tampouco auxilia a parte a alegação de afronta ao art. 5º, II, da Carta Magna, pois a violação reflexa do princípio da legalidade não autoriza o processamento do recurso de revista (Súmula nº 636 do STF). Recurso de revista não conhecido. 2. Ação civil pública. Obrigação de não fazer determinada no acórdão regional. Abrangência. Afronta ao princípio da isonomia inscrito no art. 5º, caput, da Constituição Federal. As divisões de base abrangem tanto as ‘escolinhas de futebol’ mantidas pelos Clubes como as categorias voltadas à formação profissional dos atletas mirins. Nessa perspectiva, a condenação do réu a ‘abster-se de realizar testes de seleção e integrar às suas categorias de base crianças e/ou adolescentes com idade infe-rior a 14 anos’ e a ‘proceder ao afastamento de suas categorias de base das crianças ou adolescentes com idade inferior a 14 anos’ implica na vedação de admitir, para fins de prática da modalidade de desporto educacional, de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos na ‘escolinha de futebol’ por ele mantida. Na forma como posta a decisão recorrida, o Clube reclamado está impossibilitado de manter, em suas catego-rias de base, crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, situação que resulta em afronta ao art. 5º, caput, da Carta Magna, na medida em que o recorrente ficará em condição de desigualdade em relação aos demais Clubes de futebol. Some-se a circuns-

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tância de que o objetivo da ação civil pública não foi o de proibir a prática de futebol, nas dependências do réu, por crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, mas o de assegurar que essa prática possua finalidade recreativa e educacional, dentro da modalidade de desporto educacional, sem a realização de testes de seleção, tampouco de treinamento com objetivo de formação profissional. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 0165600-22.2009.5.03.0011 – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 25.09.2015 – p. 1820)

1560 – Acordo judicial – coisa julgada – redução do percentual de 20% para 5% – al-cance

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Diferenças do direito de arena. Coisa julgada. Redução do percentual de 20% para 5%, por meio de acordo judicial firmado pelo Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol do Estado de São Paulo – Sapespe e a União dos grandes clubes de futebol brasileiro em ação cível. Efeitos do ajuste. 1. Ao rejeitar a preliminar de coisa julgada, o Tribunal Regional adotou três fundamentos dis-tintos e suficientes, cada um deles, por si só, para a manutenção da decisão. 2. Ocorre que, nem as razões da revista, tampouco a minuta de agravo de instrumento trazem alegações contrárias aos dois primeiros fundamentos adotados pelo Tribunal Regional. 3. Nesse contexto, considerando que a fundamentação vinculada dos recursos de natu-reza extraordinária exige que as alegações tenham pertinência com as hipóteses legais de conhecimento do recurso (art. 896 da CLT), para se chegar à conclusão de efetiva afronta ao art. 5º, XXXVI, da CF/1988, seria necessário que a recorrente atacasse cada um dos fundamentos do decisum. 4. Quanto à matéria de fundo, o que se pode deduzir, pe-los elementos do acórdão, é que o Tribunal Regional considerou inadmissível o acordo judicial firmado entre o Sabesp e a União dos Grandes Clubes de Futebol Brasileiro, pre-vendo a redução do percentual mínimo previsto no art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), anterior à sua alteração ocorrida no ano de 2011. 5. No particular, sem adentrar no exame do plano da validade do acordo judicial firmado pelo sindicato em ação cível, é certo que o entendimento iterativo, notório e atual deste Tribunal Superior, quanto à interpretação do texto do § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, na redação anterior à Lei nº 12.395/2011, é no sentido de que a pactuação então permitida, seja por negociação coletiva ou por acordo judicial, deveria observar o mínimo legal de 20%, em homena-gem ao princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Precedentes. 6. Conclui--se, pois, que na espécie, o ajuste citado não tem o pretendido efeito individual para o re-clamante, porque não observa o percentual mínimo legal. O acordo judicial firmado na ação cível é inaplicável para o fim de restringir o direito do autor de postular a diferença de percentual do direito de arena. Agravo de instrumento não provido. Direito de arena. Natureza jurídica salarial. 1. A pacífica jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o direito de arena, quanto ao período anterior à edição da Lei nº 12.396/2011, equipara-se às gorjetas, integrando a remuneração do atleta profissional, nos moldes do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 do TST. Precedentes. 2. Dissenso jurisprudencial inválido, nos termos da Súmula nº 337 do TST. Agravo de instrumento não provido.” (TST – AIRR 0002050-86.2011.5.02.0016 – Rel. Des. Conv. André Genn de Assunção Barros – DJe 07.08.2015 – p. 1066)

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Comentário Editorial SÍNTESENov.acórdãodiscutiu-seosefeitosdacoisajulgada.

Os Mestres Carlos Henrique Bezerra Leite e Cristiano Paulo de Oliveira, assim ex-plicam:

O Código de Processo Civil define o conceito da Coisa Julgada como a eficáciada sentença aplicada de forma concreta e inalterável, conforme descreve o seu art.467,noqual“Denomina-secoisajulgadamaterialaeficácia,quetornaimutávele indiscutívelasentença,nãomaissujeitaa recursoordinárioouextraordinário”,oportunidadeemqueSérgioGilbertoPorto,emumadesuasobras,sustentaqueoreferido artigo trata das “definições legais” da Coisa Julgada. (PORTO, 1996, p. 51)

Trata-se da segurança jurídica desejada, fim da pretensão resistida por meio do comandodecisórioválido,certezadaaplicaçãodoDireitoeconcretizaçãoda im-possibilidade de se submeter àmatéria já discutida a novas análises, colocandofimaocicloderecursos,chegandoaogozodaeficáciafuturaedesejadaportodaa sociedade.

Carlos Henrique Soares observa que “desde a formação do direito romano, a ideia que permeia da coisa julgada é, justamente, de segurança jurídica e não de eterni-zaçãodasdiscussõesjudiciais”(SOARES,2009,p.274).

Prova que, desde muito tempo, o desejo da conclusão das demandas de forma única e precisa, sem que se torne uma constante nas searas da Justiça, não é uma carac-terísticarecente,masalgoquejáestavaseformando,cujosreflexos,infelizmente,cresceram ao absurdo.

[...]

Alcançada o julgamento pela Coisa Julgada, não cabendo qualquer possibilidade de recurso, reveste-se de uma nova roupagem, ensejando a estabilidade e certeza às relações jurídicas, qual seja a de garantia constitucional, conforme previsto no art. 5º, inciso XXXVI daConstituição Federal de1988, a “Lei não prejudicará odireito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

CelsoNeves,citadoporSérgioGilbertoPorto,ensinaquea“coisajulgadaéoefeitoda sentença definitiva sobre o mérito da causa que, pondo termo final à controvérsia, fazimutávelevinculativo,paraasparteseparaosórgãosjurisdicionais,oconteúdodeclaratóriodadecisãojudicial”tornandocertoesegurooqueanteseraduvidoso.(PORTO, 1996, p. 52)” (A relativização da coisa julgada trabalhista. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 01 out. 2015)

1561 – Atleta profissional – contrato de trabalho desportivo – cláusula penal – paga-mento indevido

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Atleta profissional. Contrato de trabalho desportivo. Cláusula penal. Obrigação imposta apenas ao atleta profissional pelo rom-pimento antecipado do pacto laboral. O caput do art. 28 da Lei nº 9.615/1998, em sua redação original, ao estabelecer a cláusula penal para os casos de descumprimento, rom-pimento ou rescisão contratual, dirige-se somente ao atleta profissional. Tal penalidade não se aplica às hipóteses de rescisão indireta ou voluntária e antecipada do contrato de trabalho por iniciativa do empregador. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 0000132-71.2014.5.08.0017 – Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho – DJe 18.09.2015 – p. 2315)

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1562 – Atleta profissional – contrato de trabalho individual – vínculo empregatício – reconhecimento

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Atleta profissional. Contrato de trabalho individual. Reconhecimento do vínculo empregatício. Súmula nº 126 do TST. Confirma-da a ordem de obstaculização do recurso de revista, na medida em que não demonstrada a satisfação dos requisitos de admissibilidade, insculpidos no art. 896 da CLT. Agravo de instrumento não provido.” (TST – AIRR 0000957-31.2012.5.02.0444 – Rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho – DJe 18.09.2015 – p. 2075)

1563 – Atleta profissional – direito de arena – percentual – redução – impossibilidade

“Agravo de instrumento do reclamante. Recurso de revista. Honorários advocatícios con-tratuais. Perdas e danos. Impossibilidade. Esta Corte já sedimentou entendimento quanto ao deferimento de honorários advocatícios nesta Justiça não se sujeitar à mera constata-ção de sucumbência, mas ao preconizado nas Súmulas nºs 219 e 329 deste C. TST, bem como ao disposto na Lei nº 5.584/1970. Ausentes os requisitos legais exigidos, não há que se falar em honorários advocatícios. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. Agravo de instrumento do reclamado. Botafogo de Futebol e Regatas. Atleta profissional. Direito de arena. Redução do percentual legal. O entendimento predominante neste C. TST é no sentido da impossibilidade de redução do percentual legalmente previsto para o pagamento do denominado direito de arena aos atletas profissionais do futebol. Dian-te disso, estando o v. Acórdão Regional em consonância com iterativa, notória e atual jurisprudência desta C. Corte, não há que se falar em violação ao dispositivo apontado, sendo, ainda, despiciendo o exame da apontada divergência jurisprudencial, como pre-ceituam a Súmula nº 333 deste C. TST e o art. 896, § 7º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AIRR 0001565-96.2011.5.01.0054 – Relª Desª Conv. Vania Maria da Rocha Abensur – DJe 18.09.2015 – p. 1416)

Comentário Editorial SÍNTESECuidaov.acórdãodaimpossibilidadedareduçãodopercentualdodireitodearena.

Reza o seguinte dispositivo:

“Art.42.Pertenceàsentidadesdepráticadesportivaodireitodearena,consistentena prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meioouprocesso,deespetáculodesportivodequeparticipem.(Redaçãodadaaocaput pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)

§1ºSalvoconvençãocoletivadetrabalhoemcontrário,5%(cincoporcento)dareceita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassa-dos aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletasprofissionaisparticipantesdoespetáculo,comoparceladenaturezacivil.(Re-daçãodadaaoparágrafopelaLeinº12.395,de16.03.2011,DOU17.03.2011)

§2ºOdispostonesteartigonãoseaplicaàexibiçãodeflagrantesdeespetáculoouevento desportivo para fins exclusivamente jornalísticos, desportivos ou educativos ou para a captação de apostas legalmente autorizadas, respeitadas as seguintes condições:(RedaçãodadapelaLeinº13.155,de04.08.2015,DOU–Ed.Extrade05.08.2015,conversãodaMedidaProvisórianº671,de19.03.2015,DOUde20.03.2015)

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I–acaptaçãodasimagensparaaexibiçãodeflagrantedeespetáculooueventodesportivodar-se-áemlocaisreservados,nosestádioseginásios,paranãodetento-res de direitos ou, caso não disponíveis, mediante o fornecimento das imagens pelo detentor de direitos locais para a respectiva mídia; (Redação dada ao inciso pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)

II–aduraçãodetodasasimagensdoflagrantedoespetáculooueventodesportivoexibidasnãopoderáexceder3%(trêsporcento)dototaldotempodeespetáculoou evento; (Redação dada ao inciso pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)

III–éproibidaaassociaçãodasimagensexibidascombasenesteartigoaqualquerforma de patrocínio, propaganda ou promoção comercial. (Redação dada ao inciso pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011)

§3ºOespectadorpagante,porqualquermeio,deespetáculooueventodesportivoequipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.”

OAdvogadoDr.JúlioCésardePaulaGuimarãesBaía,assimexplica:

“Verifica-se, portanto, que o direito de arena é a prerrogativa que as entidades des-portivas têm de negociar, autorizar ou não a fixação, transmissão ou retransmissão deimagemdeespetáculodequeparticipem.

O § 1º do dispositivo legal em comento fixa um percentual mínimo de 20% da ar-recadação com a comercialização desse direito, que deve ser destinado aos atletas. Cumpre destacar que os atletas e os clubes são livres para pactuarem outro percen-tual, desde que seja observado o mínimo de 20%.

Da leitura do mesmo § 1º, constata-se que somente os atletas profissionais têm direito ao recebimento de quantia referente ao direito de arena. A lei exclui os atletas amadores e semiprofissionais do rateio da importância a ser destinada aos atletas em virtude do mencionado direito.

Grandeparte dadoutrina critica essa exclusãodo legislador, vez quepode gerarsituações injustas. A título ilustrativo, vale imaginar a comercialização dos direitos de transmissão de uma partida de futebol da categoria júnior, na qual podem parti-cipar atletas profissionais, semiprofissionais e amadores, vez que seu limite é idade predeterminada. Uma equipe pode ter apenas um jogador profissional, enquanto queaoutrapodetervários.Nomomentodadistribuiçãododireitodearena,oúnicoprofissionaldaquelaequipe receberá todoomontantedestinadoaosprofissionaisdaqueleclube,enquantoqueodireitodearenadaoutraentidadeserádividoentreosváriosatletasprofissionais,gerandoumasituaçãodesproporcional.

O § 2º do mesmo art. 42 prevê que os flagrantes, com fins jornalísticos ou educa-tivos,quenãoultrapassem3%dototaldotempoprevistoparaoespetáculo,nãonecessitam ser pagos.” (Licença do uso da imagem e do direito de arena no contrato de trabalho de atleta profissional. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 01 out. 2015)

1564 – Atleta profissional – direito de arena – redução do percentual legal – impossibi-lidade

“Agravo de instrumento do reclamado. Recurso de revista. 1. Juízo prévio de admissibili-dade pelo tribunal regional. O recurso submete-se a um juízo prévio de admissibilidade a ser realizado pelo Tribunal Regional de origem quanto aos pressupostos extrínsecos (tempestividade, regularidade de representação processual, preparo), bem como quanto

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aos pressupostos intrínsecos (requisitos previstos no art. 896 da CLT), cabendo a esta C. Corte Superior uma segunda análise, a qual não se vincula aos termos em que fora profe-rido o despacho agravado. A competência dos Tribunais Regionais para exame dos pres-supostos de cabimento dos recursos encaminhados a este Tribunal Superior está prevista no art. 682, IX e no art. 896, § 1º, da CLT. 2. Santos Futebol Clube. Atleta profissional. Direito de arena. Redução do percentual legal. O entendimento predominante neste C. TST é no sentido da impossibilidade de redução do percentual legalmente previsto para o pagamento do denominado direito de arena aos atletas profissionais do futebol. Dian-te disso, estando o v. Acórdão Regional em consonância com iterativa, notória e atual jurisprudência desta C. Corte, não há que se falar em violação ao dispositivo apontado, sendo, ainda, despiciendo o exame da apontada divergência jurisprudencial, como pre-ceituam a Súmula nº 333 deste C. TST e o art. 896, § 7º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AIRR 0001250-64.2013.5.02.0444 – Relª Desª Conv. Vania Maria da Rocha Abensur – DJe 18.09.2015 – p. 1376)

1565 – Atleta profissional – jogador de futebol – cláusula compensatória – pagamento devido

“Atleta. Jogador de futebol. Cláusula compensatória desportiva devida ao autor. Se o empregador deu causa à rescisão contratual deve pagar ao atleta a cláusula penal com-pensatória.” (TRT 17ª R. – RO 0500089-21.2014.5.17.0181 – Rel. Gerson Fernando da Sylveira Novais – DJe 03.09.2015 – p. 129)

1566 – Atleta profissional – vínculo de emprego – configuração

“Jogador de futsal. Ausência de liberdade de prática. Atleta profissional. Vínculo de em-prego configurado. O principal traço diferenciador entre o atleta profissional e o atleta não profissional (vulgo ‘amador’) é a liberdade de prática do desporto (Lei nº 9.615/1998, art. 3º, parágrafo único, II). Identificada essa liberdade de agir, ainda que o atleta receba ‘incentivos materiais’ e ‘patrocínio’, será considerado atleta não profissional. Não é o caso. As cláusulas dos contratos de ‘bolsa atleta’ celebrados entre as partes deixam de-masiadamente nítido que o autor não praticava o esporte por – como alegado em defesa – prazer e diversão, mas por ofício, porquanto não possuía um patamar mínimo de es-colha em sua atuação. Antes, deveria seguir, rigorosamente, as determinações da equipe com a qual mantinha o vínculo desportivo exclusivo, possuindo, também restrições de ordem pessoal, próprias de jogadores profissionais. Contexto que revela a real natureza do ajuste entre as partes, marcado por diretrizes impositivas denotadoras, por si só, do cerceio da liberdade do jogador, aspecto também confirmado pela prova oral. Sob outro ângulo de análise, não encontra amparo no Direito, muito menos na seara justrabalhista, a discriminação no que tange à modalidade em comento. O simples fato de se praticar futebol de salão, ao invés do tradicional futebol de campo, não representa óbice ao re-conhecimento de seu caráter profissional. Insustentável antever-se qualquer justificativa minimamente razoável para pretensa diferenciação entre os dois tipos de futebol que pudesse, a seu turno, legalizar tratamento tão díspare entre os atletas, a ponto de não serem, os primeiros, sequer reconhecidos como profissionais. A propósito,a Classifica-ção Brasileira de Ocupações (CBO), do Ministério do Trabalho e Emprego, já considera

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o jogador de futsal como atleta profissional de futebol (‘3771-10 – Atleta profissional de futebol: Atacante – no futebol, Atleta de futebol sete, Atleta de futsal, Esportista no futebol, Goleiro, Jogador de futebol, Meio campista no futebol, Zagueiro – jogador de futebol’ (www.mtecbo.gov.br)). Vínculo de emprego que se reconhece. Recurso do autor a que se dá provimento.” (TRT 9ª R. – RO 0001347-63.2014.5.09.0661 – Relª Sueli Gil El Rafihi – DJe 25.09.2015 – p. 158)

1567 – Atleta profissional de futebol – cláusula compensatória desportiva – cabimento

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Atleta profissional de futebol. Cláusula compensatória desportiva. Cabimento. Violação ao art. 28, da Lei nº 9.615/1998 e di-vergência jurisprudencial não configurada. Não provimento. Considerando os registros fáticos constantes do v. acórdão, para se adotar conclusão diversa, seriam necessários outros elementos de prova, pois aqueles que restam consignados na decisão Regional respaldam a conclusão do órgão julgador, que entendeu que além de inexistir previsão contratual de cláusula penal e ser em benefício exclusivo da entidade desportiva, houve o pagamento de todos os salários devidos. Ademais, nega-se provimento ao agravo de instrumento, quando a decisão proferida está em consonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência desta Corte, pois o entendimento é que a cláusula compensatória desportiva, antiga, cláusula penal, prevista no art. 28, da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) destina-se às entidades desportivas e não ao atleta profissional, o que atrai a incidência da Súmula nº 333, TST e do art. 896, § 4º, da CLT. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AIRR 0001010-48.2013.5.03.0153 – Rel. Des. Conv. Cláudio Armando Couce de Menezes – DJe 25.09.2015 – p. 1378)

1568 – Competência – Justiça do Trabalho – contrato de cessão de uso de imagem de treinador de futebol – alcance

“Competência. Justiça do Trabalho. Contrato de cessão de uso de imagem de treinador de futebol. Relação de trabalho. Sentença anulada. É da competência da Justiça do Tra-balho, nos termos do art. 114, I, da CF, o processamento e julgamento de causa em que se discute contrato de cessão de direito de imagem, coligado ao contrato de trabalho, celebrado entre clube de futebol e o treinador de futebol. Sentença anulada de ofício, com determinação de remessa dos autos. Resultado: apelação não conhecida, com de-terminação.” (TJSP – Ap 0126008-04.2009.8.26.0100 – São Paulo – 8ª CDPriv. – Rel. Alexandre Coelho – DJe 24.09.2015)

1569 – Competência material – Justiça do Trabalho – contrato de trabalho celebrado entre atleta profissional e entidade de prática desportiva – alcance

“Justiça do Trabalho. Competência material. Contrato de trabalho celebrado entre atleta profissional e entidade de prática desportiva. A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar ação em que o atleta profissional busca a satisfação de direitos decor-rentes do vínculo de emprego estabelecido com a entidade de prática desportiva (CF, art. 114, I). A competência da Justiça Desportiva é limitada à apreciação de questões disciplinares e referentes a competições desportivas (CF, art. 217, § 1º c/c art. 50 da Lei nº 9.615/1998), com que não se confunde o vínculo empregatício, portanto não há

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que se falar em incompetência material pelo não exaurimento da via desportiva. Recur-so ordinário do reclamado a que se nega provimento, no particular.” (TRT 9ª R. – RO 0000265-37.2014.5.09.0001 – Rel. Benedito Xavier da Silva – DJe 04.08.2015 – p. 156)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso discutindo acerca da competência da Justiça do Trabalho para julgaraçãoentreatletaprofissionaleentidadedepráticadesportiva.

OAdvogadoDr.PabloGimenezdosSantosfazosseguintescomentários:

“HádeseressaltaraindaqueoconstituintereconheceuacompetênciadaJustiçaDesportivacomoprioritáriaparaasmatériasdedisciplinaeorganizaçãodecompe-tições, em relação à Justiça comum.

CertoéqueháapossibilidadedesubmissãodematériadesportivaàapreciaçãonaJustiça comum, salvaguardando, assim, o direito fundamental previsto pelo art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/1988, desde que esgotadas as instâncias da Justiça Despor-tiva.

Noentanto,ovínculoassociativoqueuneentidadesdepráticadesportiva(clubes)eas entidades de administração do desporto (nacionais e, sobretudo, internacionais) e as normas estatutárias destas fazem comque não seja frequente a prática declubesrediscutiremdecisõesdaJustiçaDesportivaperanteoPoderJudiciário,assimentendido como a Justiça comum.

Talvínculoassociativoestáprevistono§1ºdoart.1ºdaLeiPelé,quedispõesobreofatodapráticaformalserreguladapornormasnacionaise internacionaiseporregras de cada modalidade, aceitas pelas entidades nacionais de administração do desporto.

Assimsendo,osclubesnãotemohábitodelevarquestõesaoJudiciário,porteme-remaaplicaçãodesanções,jáque,nocasodoFutebol,aFifareprovatalconduta,emquepesehaverprevisãolegalnoordenamentopátrio.

A Justiça Desportiva ganha importância ainda em razão das peculiaridades do mun-do desportivo, que demanda decisões céleres e conhecimento específico sobre cada uma das modalidades.

Nessesentido,aLeiPeléprevê,emseucapítuloVI,quetratada‘ordemdesportiva’a conferência da prerrogativa de ditar normas de modalidades e aplicar sanções disciplinares às entidades nacionais de administração do desporto, o que acontece por meio dos Tribunais instituídos por elas.

A normatização dos procedimentos da Justiça Desportiva é feita pelo Conselho Na-cional do Esporte (CNE) –Ministério do Esporte, conformedetermina o art. 11,inciso VI, da Lei Pelé.

OCódigoBrasileirodeJustiçaDesportiva(CBJD),estãoprevistas,entreoutrascoi-sas, as atribuições da Justiça Desportiva, a organização, a forma composição dos seus tribunais, os processos, os prazos, as sanções, os recursos, etc.

Conforme apresentado, verifica-se que a Justiça Desportiva tem previsão e fixa-ção de competência em sede constitucional, sendo regulada, ainda, pela Lei nº9.615/1998epelaResoluçãoCNEnº29,de2009(CBJD).

Vista a competência, atribuição e organização da Justiça Desportiva, para com-preensão do caso objeto do presente estudo, urge a definição de quem são seus jurisdicionados.” (Competência da Justiça Desportiva x Competência da Justiça Co-mum:AnáliseaPartirdoCasoCorinthians(KevinEspada).Revista SÍNTESE Direito Desportivo, ano 3, n. 16 (dez./jan. 2014), São Paulo: IOB, 2011)

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1570 – Contrato de aprendizagem – direito desportivo – prazo de vigência – obser-vação

“Agravo de instrumento do Ministério Público do Trabalho. Contrato de aprendizagem esportivo. Prazo de vigência. Art. 29 da Lei Pelé x art. 428, § 3º, da CLT. O § 4º do art. 29 da Lei Pelé, o qual prevê que o atleta não profissional maior de 14 anos e menor de 20 anos poderá receber auxílio financeiro na forma de bolsa aprendizagem livremen-te pactuado por contrato formal, sem a formação de vínculo empregatício, não limita o contrato a dois anos. O acordão recorrido não desrespeita a norma insculpida no art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal, uma vez que está de acordo com a idade mínima para contrato de aprendizagem. Agravo de instrumento não provido. Recurso de revista do América Futebol Clube. Atleta em formação. Bolsa-auxílio. Contrato especial de apren-dizagem. Art. 29, § 4º, da Lei nº 9.615/1998. A formação psíquica e corporal do ado-lescente mereceu atenção especial na Constituição de 1988, que no art. 227 adotou a teoria da proteção integral. Com isso, impôs critérios rígidos para a utilização da mão de obra nessa fase com o fim de garantir formação intelectual e social do jovem em for-mação. O art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal e o art. 29, § 4º, da Lei nº 9.615/1998 permitem o trabalho do maior de quatorze anos, desde que na condição de aprendiz. O acesso do menor ao esporte é fundamental para sua formação psíquica e social. A sua prática traz benefícios nos âmbitos da saúde, do lazer e social, uma vez que impõe regra de convivência e frequentemente pode abrir espaço para profissionalização com o amadurecimento do adolescente. Por outro lado, a ordem jurídica impõe, como regra, a remuneração de todas as atividades. Conjugando-se o preceito da exigência de contra-prestação com o princípio da proteção integral que rege as relações com adolescentes, conclui-se que o § 4º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998, ao afirmar que ‘poderá receber auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal’ apenas possibilitou a remuneração do atleta não profissional em formação por bolsa de aprendizagem estabe-lecida por contrato formal, sem que gere vínculo empregatício. Ao dizer que ‘poderá’, não permitiu o contrato sem contraprestação, mas admitiu que seja por meio de bolsa. Quanto à alegada violação do art. 29, § 4º, da Lei nº 9.615/1998 em razão da tabela de valores fixada pelo Regional de acordo com a idade, também não tem razão o recorren-te. O dispositivo não permite a contratação de atleta em formação sem contraprestação. Porém, ele também não fixa critérios de pagamento. Portanto, inviável o reconhecimen-to de violação literal de dispositivo de lei federal nos moldes exigidos pelo art. 896, c, da CLT. Recurso de revista não conhecido.” (TST – ARR 0166400-29.2009.5.03.0018 – Relª Desª Conv. Cilene Ferreira Amaro Santos – DJe 21.08.2015 – p. 2619)

1571 – Dano moral e material – jogador de futebol – lesão ocorrida durante o treino – indenização – descabimento

“I – Agravo de instrumento. Recurso de revista. Jogador de futebol. Lesão ocorrida du-rante o treino – Dano moral e material. Ante possível violação do art. 927, caput, do CCB, deve-se dar provimento ao agravo de instrumento para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – Recurso de revista. Jogador de futebol. Lesão ocorrida durante o treino. Dano moral e material. Discute-se o direito

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à indenização por dano moral e material de empregado – jogador de futebol, contratado em 01.06.2010 – que durante o treino lesionou o tornozelo. O Tribunal Regional enten-deu impossível a caracterização da culpa do réu pelo evento danoso, ao fundamento de que o laudo pericial revela que a referida lesão antecede a 14.07.2010 (data do evento danoso), visto demonstrar a existência de ‘rotura antiga do tornozelo, assim verificado pela “[...] Má definição das fibras do ligamento tálo-fibular anterior [...]’”. Entendeu com-provado que a lesão sofrida pelo atleta era preexistente e que ‘nada nos autos infirma a retidão do procedimento do empregador quanto à segurança e proteção no trabalho’. Em consequência, o Regional também concluiu pela inexistência do nexo de causalidade com as atividades resultantes da execução do contrato de trabalho. A Lei nº 9.615/1998, que institui normas gerais sobre desporto, dispõe no item III do art. 34 e no art. 45, res-pectivamente, que são deveres da entidade de prática desportiva empregadora submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva e contratar seguro de acidentes de trabalho para atletas profissionais a ela vinculados, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. In casu, não se tem notícia de que a ré tenha submetido o autor, ao tempo da contratação (01.06.2010), a exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva e que tenha contratado seguro de acidentes de trabalho, conforme dispõem os dispositivos referidos. Ora, se o fundamento utiliza-do pelo Regional para exclusão da culpa do réu foi exatamente a lesão pré-existente que revela ‘Má definição das fibras do ligamento tálo-fibular anterior’, esta teria, no mínimo, atuado como concausa no evento lesivo. Ademais, se a ré tivesse procedido aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, conforme determina o art. 34 da Lei 9.981, de 2000, teria detectado eventual lesão preexistente, a fim de to-mar as cautelas necessárias para evitar o agravamento do quadro. Cabe ainda consignar que a Lei nº 8.213/1993 em seu art. 21, I, equipara a acidente do trabalho – ‘o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído direta-mente para a morte do empregado para redução ou perda de sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção medica para sua recuperação’. Portanto, restam caracterizados o nexo causal, o dano e a culpa da ré, incidindo, dessa forma, a responsabilização subjetiva, apta a ensejar a condenação em danos morais e materiais. Recurso de revista conhecido por violação do art. 927, caput, do CCB e provido.” (TST – RR 0000205-03.2011.5.10.0111 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 11.09.2015 – p. 919)

1572 – Direito de arena – percentual de 5% – redução – possibilidade

“Recurso de revista. Direito de arena. Período contratual entre 15 de abril de 2009 e 14 de abril de 2012. Lei nº 12.395/2011. Acordo judicial em se que reduz o percentual referente ao repasse aos atletas. Invalidade. A discussão tratada na hipótese refere-se à validade da transação judicial celebrada entre o sindicato que representa os atletas de futebol e a entidade que representa as entidades desportivas empregadoras, estipulando o percentual de 5% a título de direito de arena a ser repassado aos atletas. Nos termos do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, o percentual mínimo estabelecido a título de direito de arena, antes da alteração pela Lei nº 12.395/2011, era de 20%. Diante disso, acordo judicial em que se estipula a redução do percentual legal pago aos atletas profissionais a

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título de direito de arena viola a norma legal. A jurisprudência deste Tribunal é no sen-tido de que nem a negociação coletiva, nem o acordo judicial entre o clube reclamado e o sindicato, têm o condão de afastar a incidência do disposto no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de maneira que a previsão do percentual de 20%, mais benéfica e em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, deve ser respeitada como patamar mínimo da norma.” (TST – RR 0000830-65.2012.5.02.0033 – Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho – DJe 04.09.2015 – p. 2524)

1573 – Direito de imagem – natureza jurídica – integração nas verbas rescisórias – ca-bimento

“I – Recurso de revista interposto pelo reclamado. Direito de imagem. Natureza jurídica. Integração nas verbas rescisórias. I – A decisão regional está em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a verba paga pela entidade des-portiva ao atleta a título de cessão do uso do direito de imagem possui natureza remune-ratória, porque a imagem do atleta decorre diretamente do desempenho de suas ativida-des profissionais na entidade desportiva. II – Recurso de revista de que não se conhece. II – Recurso de revista interposto pelo reclamante. Multa. Cláusula penal. Rescisão an-tecipada. Atleta profissional. I – A decisão regional está de acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a cláusula penal prevista no art. 28, caput, da Lei nº 9.615/1998, em sua antiga redação, tem como beneficiário apenas o clube contra-tante, na hipótese de ruptura unilateral do contrato por parte do atleta profissional, não se aplicando esse dispositivo legal em favor do atleta. II – Recurso de revista de que não se conhece.” (TST – RR 0001539-13.2010.5.12.0027 – Relª Desª Conv. Cilene Ferreira Amaro Santos – DJe 25.09.2015 – p. 2009)

1574 – Penhora – renda de jogo – limitação – possibilidade

“Clube de futebol. Penhora de renda. Limitação. A despeito de a jurisprudência atual do C. TST, retratada na Súmula nº 417 e na OJ 93 da SBDI-2, assegurar que não fere direito líquido e certo do executado ordem de penhora a recair sobre faturamento da empresa, por força da interpretação dada ao art. 655 do CPC. Aqui lembrado por analogia, tal entendimento vem sendo mitigado pelas Cortes Trabalhistas, limitando o montante a ser objeto de constrição, garantindo-se a continuidade da atividade econômica. Segurança parcialmente concedida.” (TRT 18ª R. – MS 0010188-07.2015.5.18.0000 – Relª Marilda Jungmann Gonçalves Daher – DJe 11.08.2015 – p. 110)

Tributário

1575 – Taxa – cobrança – partida de futebol – concentração pública – efeitos

“Apelação. Ação anulatória de cobrança de tarifa. Procedência do pedido mediato. Co-brança de valor pela organização do sistema viário pela CET. Partida de futebol realizada pela CBF. Impugnação da natureza do montante cobrado. Definição pelo órgão especial. Natureza de preço público. Constitucionalidade da Lei Municipal nº 14.072/2005. Pos-sibilidade de cobrança dos valores posteriormente ao espetáculo ou ensaio. Conceito de

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concentração pública abrange a partida de futebol. Inteligência dos arts. 1º, § 2º e 6º da Lei Municipal nº 14.072/2005 e do art. 10 do Decreto Municipal nº 46.942/2006. Confi-guração de serviço público qualifica a cobrança da taxa. Prestação da atividade voltada à promoção do evento esportivo. Higidez da cobrança feita pela CET. Improcedência do pedido de anulação do débito. Procedência da reconvenção. Sentença mantida. Nego provimento ao recurso.” (TJSP – Ap 0017978-79.2010.8.26.0053 – São Paulo – 9ª CDPúb. – Rel. José Maria Câmara Junior – DJe 19.08.2015)

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Seção Especial – De Frente para o Gol

A FIFA, o FBI e o Monstro da Corrupção: Não Basta Punir

MARTINhO NEVES MIRANDASócio-Gerente da Área de Direito Desportivo de CMARTINS Advogados Associados, Procu-rador do Município do Rio de Janeiro, Mestre em Direito pela UNESA, Coordenador do curso de Pós-Graduação de Direito Desportivo da Universidade Cândido Mendes/IAVM, Professor da Universidade Cândido Mendes, da Fundação de Estudos do Mar e da Escola Superior de Advocacia do Rio de Janeiro e de São Paulo, Diretor Jurídico da Associação Brasileira dos Treinadores de Futebol – ABTF. Autor do livro O Direito no Desporto.

O escândalo do tamanho de um monstro. E dessa vez sem mitolo-gias, folclores ou lendas. As acusações feitas pelo FBI contra vários diri-gentes da Fifa deram as cores de um esquema de corrupção aterrorizante e extremamente voraz pelo vil metal que já escravizou tantas gerações.

Mas poucos estão atentos para o fato de que, tão importante quan-to punir, será agir para que isto não volte a acontecer.

Para isto, fundamental se torna averiguar as condições que leva-ram à eclosão desse esquema denunciado pelo FBI e que vem deixando atônita a comunidade internacional.

O naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck foi o primeiro a pro-por, no início do século XIX, uma teoria de evolução biológica.

Dizia ele que o ambiente faz com que os seres vivos moldem seus próprios órgãos para que se adaptem a essa realidade. Assim, por exem-plo, a girafa teve seu pescoço aumentado pela necessidade de alcançar os ramos altos das árvores; o morcego teve seus olhos atrofiados pela pouca exposição ao sol e etc.

Se sua teoria não explicou por completo o fenômeno da evolução das espécies, serve bem para compreender o escândalo da Fifa, pois o ambiente em que se movem as instituições desportivas constituem o habitat propício para o cometimento de desvios, a começar pela forma de administração e controle dessas entidades.

De fato, geridas em formato de associação sem fins lucrativos, elas atuam sem os controles internos e governamentais que são próprios das sociedades empresárias.

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Mas o escândalo na Fifa deixou claro que a inexistência de fins lucrativos passa bem longe dessas entidades, pois, além de não se sus-tentarem com a contribuição de seus associados, elas operam no mundo dos negócios, alienando direitos de transmissão e realização de com-petições, que foi precisamente o cenário em que as fraudes teriam se operado.

A universalização do esporte é outro elemento relevante para di-ficultar uma fiscalização, pois cada país tem sua própria legislação e limites territoriais para agir, e, sem uma normalização internacional, fica difícil combater tantas irregularidades.

Basta ver que o regime do passe do jogador de futebol só se encer-rou com uma decisão de âmbito internacional, proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no célebre caso “bosman”, produzindo efeitos perante o velho continente, acabando por repercutir por todo o mundo.

O terceiro e talvez o maior dos problemas é o fato de que as fede-rações desportivas atuam em autêntico regime de monopólio.

Com efeito, as federações desportivas internacionais atribuíram a si próprias poderes exclusivos de organização e regulamentação da mo-dalidade que representam no plano mundial.

Por sua vez, elas se valem de um único interlocutor por continente e para cada país individualmente, que passaram a deter direitos exclusi-vos para organizar sua modalidade nesses espaços geográficos.

Ou seja, o esporte atua sob regime de monopólio tanto nacional quanto internacionalmente.

O ambiente é, portanto, propício para dar ensejo ao que ocorreu: sem fiscalização e com imenso poder monopolista, altos dirigentes, de acordo com o FBI, teriam se envolvido em fraudes na concessão de di-reitos cuja titularidade exclusiva é da Fifa ou de suas filiadas.

Caso sejam confirmadas as acusações do FBI, estar-se-á, portanto, diante de tema nem um pouco esportivo: uma violação ao direito anti-truste, com menosprezo ao princípio da livre concorrência.

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E esse escândalo traz uma pá de cal para o velho e revelho argu-mento de que essas entidades não devem ser fiscalizadas pelo Estado “por serem autônomas e por ser o esporte um assunto eminentemente privado”.

Objeção nada mais que ultrapassada, pois, além de que de espor-te isso não tem nada, quem atua sob regime de monopólio há de estar sujeito ao controle do Poder Público, a fim de impedir que entes mono-polistas não abusem de sua “posição dominante”.

E não foi por acaso que as investigações foram conduzidas pelos Estados Unidos, já que é precisamente naquele país que as normas anti-trustes surgiram por meio da Sherman Act, de 1890, e inspiraram todo o mundo a criarem leis que preservem a livre concorrência e impeçam a realização de fraudes ao mercado.

Ademais, não se pode considerar que não exista interesse público quando cifras astronômicas estão envolvidas, pois onde há muito dinhei-ro, aumenta-se a possibilidade de que delitos de ordem financeira sejam praticados.

Por isso, este episódio não pode servir apenas para fazer com que os culpados sejam punidos. Há que se criar regras de controle e meca-nismos de fiscalização tanto no plano internacional quanto no direito interno de cada país.

Pois, como dizia Lamarck, “se os organismos progridem de acordo com o meio ambiente” e se nada for feito preventivamente, novos esque-mas continuarão a criar Dráculas ou Franksteins de corrupção, ao invés de simples morcegos ou girafas...

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Seção Especial – Prática Processual

Recurso Voluntário com Pedido de Efeito Suspensivo

EXMO. SR. PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA DO FUTEBOL, DR. CAIO CÉSAR VIEIRA ROChA

Autos nº 037/2015 – 4ª coMissão disciPlinAr

Clube Atlético Mineiro, já qualificado nos autos do processo em epígrafe, não se conformando com a r. decisão proferida em 29.05.2015 – mas cujo respectivo acórdão só foi disponibilizado em 09.06.2015 – pela Quarta Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Des-portiva do Futebol – STJD, que o apenou com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por infração ao art. 213, III, § 2º, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD, vem, tempestiva e respeitosamente, por seu advogado ao final assinado, apresentar Recurso Voluntário com Pedido de Efeito Suspensivo, conforme razões anexas.

Termos em que

Pede e espera deferimento.

De Belo Horizonte, MG,

Para o Rio de Janeiro, RJ, em 12 de junho de 2015.

João Luiz de Amuedo Avelar OAB/MG 51.744

Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni OAB/MG 102.383

AUTOS Nº 037/2015 – 4ª COMISSÃO DISCIPLINAR

rAzÕes do recurso voluntÁrio

Ínclitos auditores, Egrégio Tribunal:

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202 ����������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 27 – Out-Nov/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – PRÁTICA PROCESSUAL

I – BREVE RELATO DOS FATOS

1. Às 16h00 do dia 17.05.2015, o Clube Atlético Mineiro e Flumi-nense Football Club se enfrentaram em partida válida pelo Campeonato Brasileiro da Série A – 2015, no Estádio Mané Garricha, em Brasília – ou seja, em campo “neutro”.

2. Ambos os clubes foram denunciados por infração ao art. 213 do CBJD, em razão de um arremesso de moeda na direção do então treinador do Fluminense Football Club, relatado na súmula do jogo pelo árbitro da partida.

3. Na sessão de julgamento, foram apresentadas provas documen-tais e de vídeo, tendo restado provado que (i) a moeda foi atirada por um torcedor do Fluminense e (ii) não houve qualquer prejuízo ao andamen-to do jogo, que não foi interrompido por um segundo sequer em razão do fato em questão.

4. Apesar de a Procuradoria de Justiça Desportiva ter requerido, na Sessão de Julgamento, a absolvição do Clube Atlético Mineiro, reconhe-cendo a atipicidade da conduta do ora recorrente, a Quarta Comissão Disciplinar decidiu condenar as equipes à pena de multa no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais), respectiva-mente, por infração ao art. 213 do Código Brasileiro de Justiça Despor-tiva – CBJD.

5. Em seu voto de fls., o i. Relator limitou-se a assim fundamentar a mencionada decisão: “os clubes foram denunciados por infração ao tipo previsto no art. 213, III, do CBJD, qual seja, deixar de tomar providências capazes de prevenir (sic) e reprimir o lançamento de objetos no campo ou no local da partida, fato este devidamente comprovado”. Nada mais foi dito para embasar a (equivocada e absurda, data venia) condenação.

II – DO EFEITO SUSPENSIVO

6. Vejamos o que dispõe o CBJD:

Art. 147-A. Poderá o relator conceder efeito suspensivo ao recurso vo-luntário, em decisão fundamentada, desde que se convença da verossi-milhança das alegações do recorrente, quando a simples devolução da

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matéria puder causar prejuízo irreparável ou de difícil reparação. (Incluí-do pela Resolução CNE nº 29 de 2009)

Art. 147-B. O recurso voluntário será recebido no efeito suspensivo nos seguintes casos:

[...]

II – quando houver cominação de pena de multa.

7. Portanto, por si só seria suficiente para a concessão do efeito suspensivo o fato de ter sido aplicada pena de multa ao Clube recorrente.

8. Como se isso não bastasse, também se observado o mencionado dispositivo, imperativa a concessão do efeito suspensivo ora pleiteado, já que “a simples devolução da matéria pode causar prejuízo irreparável ao recorrente” bem como presentes no caso destes autos o fumus boni iuris e o periculum in mora.

9. Isto porque, como provado na sessão de julgamento e conforme será demonstrado a seguir, o Clube Atlético Mineiro deveria ser absolvi-do, data venia.

10. Além disso, na hipótese de indeferimento do pedido de efeito suspensivo, o recorrente será impossibilitado de ter acesso ao constitu-cionalmente garantido direito ao duplo grau de jurisdição (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, também previsto no CBJD (art. 138, § 1º) e na Lei Pelé (art. 53, § 3º, da Lei nº 9.615/1998).

11. Assim, pelo exposto, comprovados o fumus boni iuris e o pe-riculum in mora, requer a concessão de efeito suspensivo ao recurso ora interposto, considerando-se que presentes todos os requisitos para tanto e que assim tem sido deferido em situações similares analisadas pelo STJD do Futebol.

III – DA PRETENSA INFRAÇÃO

12. Apesar de todas as providências dos clubes mandante e visi-tante, nos deparamos naquela oportunidade com uma ação isolada de um único torcedor, que levou à denúncia da i. Procuradoria de Justiça Desportiva.

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13. Contudo, mesmo depois de oferecida a denúncia, a i. Procu-radoria de Justiça Desportiva requereu durante a sessão de julgamento a absolvição do Clube recorrente, após ter tido acesso às provas produ-zidas e se convencido da inexistência de infração por parte do mesmo – até porque, repita-se, é ponto inconteste que o arremesso da moeda se deu por um torcedor do Fluminense, que discutia desde as cadeiras do estádio com o treinador de sua equipe, a qual naquele momento era goleada por quatro gols a zero.

14. Este posicionamento/requerimento da i. Procuradoria de Jus-tiça Desportiva, da qual certamente não se esquivará o Tribunal Pleno do STJD do Futebol, decorre da inarredável conclusão de que o Clube Atlético Mineiro, ainda que atuando fora de seus domínios, em estádio onde atuava pela primeira vez como “mandante” e onde não tem fami-liaridade com a “operação” do jogo, adotou todas as providências que estavam ao seu alcance visando à prevenção e à repressão de incidentes e desordens. Senão, vejamos:

a) Houve uma reunião prévia com Federação Brasiliense de Fu-tebol e as autoridades de segurança (inclusive Polícias Militar e Civil e Corpo de Bombeiros), oportunidade em que se esti-pularam todas as premissas e medidas necessárias à boa logís-tica e à garantia da segurança dos envolvidos no espetáculo (atletas, comissões técnicas, diretorias, árbitros e torcedores).

b) O recorrente, para auxiliar as autoridades de segurança e prevenir incidentes, contratou seguranças particulares, não tendo havido qualquer falha no acesso ao estádio, na revista dos torcedores (afinal, é permitido o ingresso de moedas no estádio, pelo que não há que se falar em falha da repressão neste aspecto) quando do ingresso ao estádio e à distribuição e controle interno dos agentes de segurança escalados.

c) O recorrente não auxilia nem custeia viagens, ingressos etc. para seus torcedores. Logo, não pode ser acusado de fomen-tar as atividades de torcedores.

d) O recorrente, no intuito de prevenir tumultos e infrações disciplinares, efetivamente trabalha junto ao seu torcedor e promove campanhas educativas nos canais de comunicação com o seu torcedor (telão da Arena Independência, postos

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de venda de ingressos, redes sociais, TV Galo – vide matéria juntada aos autos e imprensa em geral) – o que tem surtido efeitos positivos, o que se pode concluir pelo fato de na últi-ma década o recorrente não ter tido maiores problemas com seus torcedores nos jogos em que é detentor do mando de campo).

15. Ora, por tudo isso, o recorrente em nada contribuiu para o incidente (de proporções mínimas, quase despercebíveis) – muito pelo contrário. Como o § 2º do art. 213 do CBJD impõe que o clube só pode ser apenado se houver contribuído para os fatos, a absolvição é impe-rativa.

16. Quanto à não separação das duas torcidas, atacada pela i. Pro-curadoria de Justiça Desportiva na denúncia de fls., das duas uma: ou (i) o d. Procurado é contra as tentativas de volta de paz aos estádios, por meio de “setores com torcida mista”, em que se prega a não violência e a convivência pacífica de torcedores rivais, a teor de experiência de sucesso ocorrida em “Grenal” no início deste ano (vide reportagens juntadas aos autos) – hipótese que muito nos estranharia, ou (ii) a Procuradoria foi infe-liz ao mencionar que o Atlético foi omisso ao não separar as torcidas e ao associar o arremesso da moeda a esta não separação (separação esta que não ocorreu em apenas um lugar do estádio), arremesso este que se daria com ou sem a separação, pois decorreu da insatisfação com o resultado do jogo e com a atuação de sua equipe. Ora, (i) se as torcidas estives-sem separadas, a moeda ainda assim teria sido atirada e, (ii) se o árbitro pudesse identificar de qual torcida veio a moeda, esta também teria sido atirada. Portanto, afasta-se a tese de responsabilidade do clube mandante em razão de naquela oportunidade um dos setores receber torcedores de ambos os clubes.

17. Façamos uma reflexão com as seguintes indagações: qual ato infracional praticado pelo Atlético? Qual a participação do Atlético no ocorrido? O que mais poderia ter feito o recorrente, que, repita-se, é uma associação desportiva sem fins lucrativos, que não goza de poder de polícia? Quais outras providências caberiam ao clube, que esteve a todo lado dando suporte aos seguranças particulares contratados e às au-toridades responsáveis pela segurança, que é matéria de ordem pública?

18. Assim sendo, o Clube Atlético Mineiro entende ter esgotado tudo o que lhe competia providenciar, pelo que injusta sua condenação

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no caso em debate e imperativa a reforma da decisão de primeira ins-tância.

19. Há mais: a teor de normas da Fédération Internationale de Football Association – Fifa, citadas pela i. Procuradoria de Justiça Des-portiva na denúncia, (i) de acordo com o art. 65 do regulamento ali transcrito, as associações que organizam as partidas (no caso, CBF e Federações) – e não os clubes – devem garantir a segurança e a manu-tenção da lei e da ordem, e, (ii) pelo que dispõem os arts. 66.1 e 66.2, cada clube é responsável pela conduta de seus torcedores, não havendo que se responsabilizar o mandante pelo comportamento dos visitantes em casos como aquele em debate.

20. Por fim, é preciso se destacar que o incidente em questão não teve qualquer gravidade e sequer levou à paralisação da partida, que transcorreu normalmente, a teor do relato do árbitro na súmula e das imagens e reportagens exibidas na sessão de julgamento. Diante da au-sência de prejuízo a quem quer que seja, ainda que se entenda pela tipicidade da conduta do recorrente, sua apenação seria excessiva e des-necessária, em respeito ao Princípio da Insignificância, o qual é definido pelo Supremo Tribunal Federal – STF da seguinte maneira:

Princípio da Insignificância (crime de bagatela)

Descrição do Verbete: o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na ab-solvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (grifo nosso)

(Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?/letra=P&id=491>.)

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21. Ora, se o Princípio da Insignificância deve ser aplicado a cri-mes que não importem em lesão a bens jurídicos relevantes, mister se faz sua aplicação também a infrações disciplinares desportivas, que, da mesma forma, não causem nenhum tipo de lesão e/ou prejuízo a ou-trem, como o caso em debate.

22. Além disso, o caso em tela atrai também a aplicação do Princí-pio da Razoabilidade, este que está insculpido no art. 2º, XIV, do CBJD, como princípio norteador e interpretativo, e que pode ser entendido como

uma diretriz de senso comum, ou mais exatamente, de bom-senso, apli-cada ao Direito. Esse bom-senso jurídico se faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu espírito. Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exer-cício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. (Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/292526/principio-da-razoabilidade>.)

23. Portanto, ao interpretar o caso em tela, não podemos apenas nos ater ao texto frio da norma, mas sim ao espírito da mesma e o bem por ela tutelado e à completa ausência de lesão, prejuízo ou qualquer re-sultado que represente desvalor à organização da partida e competição, decorrente da conduta do Clube Recorrido.

24. Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de direito penal. Parte Geral. 10. ed. Saraiva, v. 1, 2006, p. 26-27) explica bem esta ideia:

[...], é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o pon-to de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. [...] Assim, a irrele-vância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas es-pecialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, [...]. (grifo nosso)

25. Entendendo o ora recorrente ter demonstrado que fez tudo o que estava ao seu alcance para prevenir e reprimir desordens em sua

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praça de desporto, outra alternativa não resta a este colegiado senão a absolvição do Clube Atlético Mineiro.

26. Caso assim não se entenda, o que se admite apenas por dever de ofício e em respeito ao Princípio da Eventualidade, requer o recor-rente a redução da multa que lhe foi aplicada, tendo em vista a ausência de gravidade da conduta do Clube Atlético Mineiro e a grave situação financeira enfrentada pelos clubes brasileiros nos dias atuais, de maneira a prestigiar todas as zelosas medidas por ele adotadas enquanto detentor do mando de campo e junto ao seu torcedor.

IV – PEDIDOS E REQUERIMENTOS

27. Diante de tais razões, pede e requer:

a) seja recebido, processado e julgado o presente recurso pelo Tribunal Pleno deste STJD do Futebol, nos termos da legisla-ção em vigor;

b) seja o presente recurso recebido também no efeito suspensi-vo, e;

c) no mérito, seja dado provimento ao Recurso Voluntário in-terposto, modificando-se a v. Decisão a quo, para que o re-corrente seja absolvido, ou ad argumentandum, seja drastica-mente reduzida a pena de multa aplicada ao Clube Atlético Mineiro.

Termos em que

Pede e espera deferimento.

De Belo Horizonte, MG,

Para o Rio de Janeiro, RJ, em 12 de junho de 2015.

João Luiz de Amuedo Avelar OAB/MG 51.744

Lucas Thadeu de Aguiar Ottoni OAB/MG 102.383

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Clipping Jurídico

Ministro nega liminar contra afastamento de sigilo bancário do presidente da CBF

O Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou liminar no Man-dado de Segurança (MS) nº 33751, impetrado pelo Presidente da Confederação Bra-sileira de Futebol (CBF), Marco Polo Del Nero, contra ato da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Futebol requerendo o afastamento de seu sigilo bancário. No entendimento do relator, a CPI, conduzida pelo Senado Federal, produziu um ato suficientemente fundamentado. Ele ressaltou também que as instituições privadas po-dem ser investigadas pelo Legislativo federal, e que o futebol é uma área inserida na competência legislativa do Congresso Nacional. “A análise preliminar, própria desta fase de cognição, dá a entender que a Comissão indicou fundamento mínimo da su-posta vinculação do impetrante ao contexto fático, de modo que não se verifica abuso flagrante de seus poderes investigatórios”, afirma o ministro. Segundo o requerimento de instauração da Comissão, a CBF constitui elemento de possível relevância para a investigação, havendo menção de alto dirigente da entidade em participação de fatos investigados nos EUA relativamente à Federação Internacional de Futebol (Fifa). Mesmo que não figure como investigado formal, a condição de alto dirigente da CBF de Del Nero o coloca em situação de ligação aos fatos em apuração, justificando a medida adotada pela CPI. Quanto ao tema da CPI, o ministro entende que os atos praticados na esfera privada não estão imunes à investigação parlamentar, desde que evidenciada a presença de interesse público no tema. A Constituição Federal con-sagra que é dever do Estado fomentar práticas desportivas (art. 217), e o Congresso Nacional já se ocupou do tema, por exemplo, ao aprovar o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003). Para o ministro, a investigação não incorre em devassa desprovida de interesse público, uma vez que “os fatos apurados têm abrangência nacional e relacionam-se ao futebol, esporte de inegável predileção nacional”. Com esse en-tendimento, Edson Fachin negou o pedido liminar, sem prejuízo de evoluir nesse entendimento ao apreciar o mérito do MS. Processos relacionados: MS 33751. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Palmeiras terá parte da bilheteria dos jogos penhorada para pagar dívida

O Desembargador Carlos Abrão decidiu que deverão ser bloqueados R$ 350 mil da Sociedade Esportiva Palmeiras, e que o time precisa guardar, obrigatoriamente, 25% da bilheteria de seus jogos até pagar dívida com a empresa Assunção Representações e Participações. A decisão, monocrática, foi proferida em agravo de instrumento im-petrado pelo clube contra sentença que bloqueou o valor total da dívida, de R$ 774,5 mil. O magistrado acolheu parte do pedido sob a alegação de que “o valor transferido para conta judicial, já aprisionado, poderá, aparentemente, colocar em maior dificul-dade a agremiação esportiva, além de todo o conjunto de despesas para manutenção de suas atividades”. Assim, parte do valor foi liberado e o time apresentará relatório mensal sobre a penhora dos 25% da bilheteria, até alcançar a soma exigida. Ao julgar o pedido, o desembargador levou em conta a situação de penúria do futebol brasilei-ro. “Atravessando as agremiações, como todo o País, séria crise financeira, absorção, de uma só vez do valor poderia trazer repercussão negativa e refratária ao princí-

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pio da menor onerosidade do executado”, afirmou Abrão. Agravo de Instrumento nº 2162541-24.2015.8.26.0000. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Clube não comprova concessão de folga compensatória, e jogador de futebol conquista direito a horas extras

A 4ª Câmara do TRT-15 deu provimento apenas parcial ao recurso de um jogador de futebol, numa ação movida contra um clube da região de Sorocaba. O pedido do atleta incluía horas extras, por permanecer à disposição do empregador nas concen-trações e em viagens, bem como em dias de jogo, além de indenização por danos morais, pela falta de anotação da rescisão do contrato em carteira. A sentença pro-ferida pelo juízo da 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba acolheu a alegação de inépcia da inicial, feita pela reclamada, quanto ao pedido de horas extras. Para o juízo, o jogador “sequer mencionou a jornada de trabalho que exercia e que pretendia ver reconhecida, limitando-se a indicar horas em que participou de jogos aos domingos e períodos de viagens”. Segundo afirmou o jogador nos autos, “durante todo o contrato, devido às suas atividades de atleta profissional de futebol, foi alijado de desfrutar, por completo, de uma folga semanal nas semanas em que jogava aos domingos”. Além disso, ele disse que também ultrapassava a jornada diária legal em seis horas, em média, nos dias em que os jogos eram disputados em cidades distantes. Por tudo isso, entendeu que merecia ganhar horas extras. No entanto, a relatora do acórdão, De-sembargadora Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza, salientou que “o contrato de trabalho do reclamante, atleta profissional do futebol, traduz relação de emprego com peculiaridades próprias, que a torna diversa da relação ordinária trabalhista”. Segundo destacou o acórdão, essa relação particular de emprego dos jogadores atrai a aplicação do art. 7º da Lei nº 6.354/1976, vigente à época dos fatos e que estabele-ce que “o atleta será obrigado a concentrar-se, se convier ao empregador, por prazo não superior a três dias por semana, desde que esteja programada qualquer compe-tição amistosa ou oficial, e ficar à disposição do empregador quando da realização de competição fora da localidade onde tenha sua sede”. Pelo art. 6º da mesma lei, o “horário normal de trabalho será organizado de maneira a bem servir ao adestra-mento e à exibição do atleta, não excedendo, porém, de 48 horas semanais, tempo em que o empregador poderá exigir que o atleta fique à sua disposição”. Esse artigo, porém, foi revogado pela Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que passou a estabelecer a jornada de trabalho desportiva normal de 44 horas semanais (art. 28, § 4º, inciso VI). O colegiado ressaltou ainda que o inciso IV desse artigo da Lei Pelé, incluído pela Lei nº 12.395/2011, mesmo não vigente à época, traduz a regra geral antes já prati-cada, garantindo aos atletas “repouso semanal remunerado de 24 horas ininterruptas, preferentemente em dia subsequente à participação do atleta na partida, prova ou equivalente, quando realizada no final de semana”. Com base em tais disposições legais, a Câmara decidiu que “a concentração e as viagens para disputa de jogos são enquadradas como atividades normais e preparatórias do atleta, não comportando o pagamento de horas extras”. Além disso, o colegiado negou o pagamento em dobro dos domingos, “haja vista que a lei do atleta profissional não garante que o repouso semanal deva recair obrigatoriamente aos domingos”. No entanto, uma vez que o

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clube não comprovou a concessão de folga compensatória, a Câmara decidiu dar parcial provimento ao recurso do jogador, condenando o clube ao pagamento de 24 horas extras, acrescidas dos reflexos em 13º salário, férias mais adicional de um terço, aviso-prévio e FGTS, para cada semana em que houve disputa de jogos no domingo. O colegiado negou, por outro lado, a indenização por danos morais pela falta de anotação da rescisão contratual na carteira de trabalho do atleta. O juízo de origem já havia rejeitado o pedido, por entender que o descumprimento de obrigações tra-balhistas pelo empregador enseja apenas indenização de natureza patrimonial. O colegiado, por sua vez, afirmou que “o contrato de trabalho foi anotado, mesmo que de forma incompleta e sem observar a legislação especial do atleta profissional, eis que foi anotado na modalidade de contrato de experiência”. Mesmo considerando a importância das anotações em carteira, como “documento de suma importância ao trabalhador, porquanto registra o seu histórico de trabalho”, a Câmara ressaltou que “houve anotação do contrato de trabalho, faltando apenas a anotação da rescisão contratual, o que difere da situação em que o trabalhador permanece sem registro em CTPS”, e lembrou que, “ao contrário do que alega o autor, não há impedimento legal para anotação e registro de novo contrato de trabalho sem a baixa do anterior, de modo que não ficou configurado o alegado dano moral”, uma vez que a conduta do empregador “não acarretou prejuízo direto ou indireto ao empregado”. (Processo nº 0000121-86.2011.5.15.0135). Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

Câmara considera direito de imagem como verba salarial e Criciúma terá de pagar R$ 400 mil ao zagueiro Thiago Heleno

Decisão também prevê indenização de R$ 100 mil por dano moral ao atleta. Criciú-ma tem prazo de oito dias para recorrer. Foi publicada nesta quarta-feira (9) a decisão da 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina (TRT-SC) que con-dena o Criciúma Esporte Clube a pagar R$ 300 mil em direitos de imagem ao zagueiro Thiago Heleno, que atuou pelo time em 2013, e atualmente joga pelo Figueirense. O jogador também receberá indenização de R$ 100 mil por ter sido afastado do grupo e obrigado a treinar isolado dos demais atletas. O caso aconteceu em 2013. Quatro meses após ter sido contratado, o zagueiro deixou de receber o pagamento mensal pelo direito de imagem e foi afastado do treinamento regular do grupo. O clube ale-gou que tomou as medidas devido a uma série de problemas técnicos e disciplinares. Já a defesa do jogador alegou que as ações foram unilaterais e tinham como objetivo forçar o zagueiro a pedir a rescisão do contrato de trabalho. Após analisar as provas e argumentos de ambos os lados, os desembargadores entenderam que a direção do clube usou o direito de imagem para diminuir artificialmente o valor do salário do jogador, evitando o pagamento de encargos trabalhistas. Para a Desembargadora--Relatora Águeda Maria Lavorato, a parcela tinha clara natureza salarial, já que era paga como contrapartida ao serviço prestado, e não pelo uso do nome, voz e ima-gem do atleta em campanhas publicitárias. “Comungo do entendimento recente dos Tribunais do Trabalho de que esses valores, embora pagos por terceiros, realmente têm conotação salarial, tal como ocorre com as gorjetas”, observou a relatora, no que foi seguida pela maioria dos integrantes da Câmara. Dano moral: No julgamento, os

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desembargadores também decidiram condenar o Criciúma a pagar indenização de R$ 100 mil em danos morais por ter afastado o atleta dos demais jogadores, obrigan-do-o a treinar em separado e em horários especiais. Para a relatora, a decisão teve caráter disciplinar e gerou inegável constrangimento ao profissional. “Na impossi-bilidade de aplicar penalidades mais adequadas ou até mesmo rescindir o contrato, o clube enveredou pelo caminho nada recomendável e ilícito de tirar o profissional do contato com a bola, fim para o qual foi contratado, isolando-o indefinida e com-pletamente do grupo”, criticou a relatora. Com a publicação da decisão, o clube tem agora oito dias para apresentar recurso. Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região.

Plácido de Castro Futebol Club é condenado a pagar verbas trabalhistas e salá-rios atrasados a jogadores

O juízo da Vara do Trabalho de Plácido de Castro (AC) condenou o Plácido de Castro Futebol Club a pagar salários atrasados de 6 meses e demais direitos trabalhistas a um atleta profissional que jogou pelo time em 2014, mas que não teve a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Perante o não comparecimento do reclamado à audiência, a Juíza do Trabalho substituta, Jamille Carvalho Ribeiro Pires, declarou a confissão ficta, considerando ainda o depoimento pessoal do reclamado e de uma testemunha. Diante dos fatos, a magistrada condenou o time a pagar os salários atrasados de janeiro de 2014 a junho de 2014, somando o importe de R$ 6 mil, férias proporcionais de 2014, acrescidas do terço constitucional com base no salário do jogador de R$ 2 mil, além de 13º proporcional tendo em vista o período contratual reconhecido pelo juízo de 20.01.2014 a 30.06.2014 e com base no salário recebido pelo reclamante. O time foi condenado ainda a depositar e comprovar nos autos o montante relativo ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de 8% de todo o período contratual, além da multa do art. 477, § 8º, da CLT, no valor de R$ 2 mil, e multa do art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho, limitada ao valor requerido. Reincidência: no mesmo dia, a juíza também julgou uma reclama-ção trabalhista de um segundo atleta profissional contra o Plácido de Castro Futebol Club, que pedia, além da anotação da CTPS, o pagamento dos salários acordados em R$ 1.500 dos meses de março a junho de 2014. Da mesma forma, a magistrada tam-bém reconheceu o vínculo empregatício, concedeu férias proporcionais, 13º salário proporcional, multas do art. 477, § 8º, da CLT, no valor de R$ 1.500 mil, multa do art. 467 da Consolidação das Leis do Trabalho, incidente sobre saldo de salários, férias proporcionais acrescidas de 1/3 e 13º salário proporcional, devendo ser obser-vada a limitação ao valor pedido, além de realizar a anotação na CTPS do reclamante e o depósito do montante relativo ao FGTS de 8% de todo o período contratual. As decisões são passíveis de recursos (Processos nºs 0000147-75.2015.5.14.0425 e 0000146-90.2015.5.14.0425). Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região.

Fechamento da Edição: 13�10�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGO DOUTRINÁRIO

• ReflexõesJurídico-SociaisacercadoTrabalhoVoluntárionaCopa do Mundo

Saulo Nunes de Carvalho Almeida Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

O TrabalhO VOlunTáriO e as Olimpíadas de 2016

•Trabalho Voluntário na Organização das Olim-píadas e Paraolimpíadas do Comitê Olímpico Internacional (Jorge Luiz Souto Maior e Victor Emanuel Bertoldo Teixeira) ....................................9

Autor

JOrGe luiz sOuTO maiOr

•Trabalho Voluntário na Organização das Olim-píadas e Paraolimpíadas do Comitê Olímpico Internacional .........................................................9

VicTOr emanuel berTOldO Teixeira

•Trabalho Voluntário na Organização das Olim-píadas e Paraolimpíadas do Comitê Olímpico Internacional .........................................................9

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

aTleTa

•Contrato de Licença de Uso de Imagem de Atle-ta Profissional de Futebol (Affonso Samuel Sala) ............................................................................54

acidenTe de TrabalhO

•A Importância do Seguro para o Atleta, o Aciden-te de Trabalho e a Responsabilidade Civil das Entidades Desportivas (Leila Cristina Calasans Barreto Santos) .....................................................78

inGressO

•Aumentos (In)Justificados dos Preços de Ingres-sos pelos Clubes de Futebol (Louis Augusto Dolabela Irrthum e Luciano de Campos PradoMotta) ..................................................................27

JusTa causa

•Cláusula Indenizatória Desportiva na Hipóte-se de Dispensa de Atleta de Futebol por Justa Causa: da Lei Pelé ao Projeto de Lei do Senado nº 109/2014 (Leonardo de Oliveira Maximo) ............................................................................97

princípiO

•Considerações sobre a Aplicação do Princípio da Consunção no Direito Desportivo (RegisFernando Freitas da Silva) ....................................46

•O Conceito de Doping e o Princípio da Legali-dade (Leonardo Schmitt De Bem) ........................22

Autor

aFFOnsO samuel sala

•Contrato de Licença de Uso de Imagem de Atle-ta Profissional de Futebol .....................................54

leila crisTina calasans barreTO sanTOs

•A Importância do Seguro para o Atleta, o Aci-dente de Trabalho e a Responsabilidade Civildas Entidades Desportivas ....................................78

leOnardO de OliVeira maximO

•Cláusula Indenizatória Desportiva na Hipóte-se de Dispensa de Atleta de Futebol por Justa Causa: da Lei Pelé ao Projeto de Lei do Senadonº 109/2014 .........................................................97

leOnardO schmiTT de bem

•O Conceito de Doping e o Princípio da Lega-lidade ..................................................................22

lOuis auGusTO dOlabela irrThum

•Aumentos (In)Justificados dos Preços de Ingres-sos pelos Clubes de Futebol .................................27

lucianO de campOs pradO mOTTa

•Aumentos (In)Justificados dos Preços de Ingres-sos pelos Clubes de Futebol .................................27

reGis FernandO FreiTas da silVa

•Considerações sobre a Aplicação do Princípioda Consunção no Direito Desportivo ...................46

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

aGraVO

•Agravo de instrumento – execução de título judicial na pendência do agravo contra despa-cho denegatório do recurso especial – Agre-miação desportiva – Bloqueio online da soma R$ 774.528,09 – Recurso – Princípio da menor onerosidade do executado – Caráter não ab-soluto da constrição em dinheiro – Imóvel de difícil comercialização, considerando ainda a defasagem entre o crédito e o valor da avaliação do bem – Cerca de 10% da execução – Possi-bilidade da penhora pretendida – Inviabilidade do aprisionamento integral do valor – Critério do juízo de equidade – Ponderação – Juízo pru-dencial – Máxima de experiência – Devendo parte do numerário permanecer em bloqueio e outra ser levantada a favor da recorrente prosseguindo-se com a penhora de 25% da bi-lheteria até alcançar o total da obrigação, cujo levantamento para tanto será exigida caução – Recurso parcialmente provido com expres-sa determinação (TJSP) .............................1540, 166

aTleTa

•Cláusula penal – Art. 28 da Lei nº 9.615/1998 – Obrigação devida pelo atleta em face da as-sociação desportiva – Indevida – Horas extras

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RDD Nº 27 – Out-Nov/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������215 – Jogador de futebol – Concentração e viagens para a disputa de jogos – Legislação especial – Atividades normais e preparatórias do atleta – Indevidas – Luvas – Atleta profissional – Ausên-cia de prévia pactuação contratual – Indevida(TRT 15ª R.) .............................................1538, 144

embarGOs

•Embargos de declaração – Processual civil – Administrativo – Militar – Reconhecimento de omissão – Efeitos infringentes – Reforma – Aci-dente em jogo de futebol – Acidente em servi-ço – Incapacidade para o serviço militar – Re- forma com remuneração do posto que ocupa-va na ativa (TRF 3ª R.) ..............................1539, 157

penhOra

•Penhora sobre direito de crédito de clube de fu-tebol devedor – 30% – Valor comprovadamente excessivo em razão da sua delicada situação financeira, de conhecimento notório no estado e no país – Exequente que, inclusive, reconhe-ce tal condição – Redução operada para que, a um só tempo, se resguarde o direito de crédi-to, em harmonia ao direito à tutela executiva, e a manutenção da atividade do inadimplente, em observância ao princípio da menor onerosi-dade do devedor (TJSC) ...........................1541, 169

recursO de reVisTa

•Recurso de revista – Atleta profissional – Dife-rença de direito de arena – Acordo judicial – Alteração do percentual legal de 20% – Impos-sibilidade ...........................................................112

•Recurso de revista – Atleta profissional de fu-tebol – Contratos sucessivos – Prescrição bie-nal – Unicidade (TST) ..............................1537, 112

EMENTÁRIO

Assunto

Administrativo e Constitucional

TreinadOr

•Conselho Regional de Educação Física – trei-nador de futebol – inscrição – não obri-gatoriedade ..............................................1542, 174

•Conselho Regional de Educação Física – trei-nador de tênis – inscrição – desnecessidade ................................................................1543, 174

serVidOr públicO

•Servidor público atleta – redução da jornada de trabalho – vedação .............................1544, 175

Civil

cOpa

•Copa do Mundo – compra de ingressos pela Internet – direito de arrependimento – devolução – cabimento ...........................1545, 176

•Copa do Mundo – compra e venda de ingresso – ação de restituição – cabimento ..............1546, 177

danO mOral

•Dano moral e material – criança e adolescente – contratação por empresário intermediário de clubes de futebol – condições precárias de alo-jamento e higiene – cabimento ................1547, 178

• Ingresso – falsidade do documento e de ne-gativa de entrada no estádio – laudo do ins-tituto de criminalística – desconstituição – ação de indenização ................................1548, 179

penhOra

•Penhora – cotas de transmissão de campeonato de futebol – cabimento ............................1549, 179

•Penhora – transmissão televisiva do campeonato brasileiro de futebol – cabimento .............1550, 180

respOnsabilidade ciVil

•Responsabilidade civil – ação indenizatória – competição desportiva – alcance .............1551, 180

•Responsabilidade civil em acidente de trânsi-to – ação de indenização – legitimidade ativa – transporte de delegação de clube de futebol – evento danoso com vítima fatal – alcance ................................................................1552, 180

Penal

açãO penal

•Ação penal – quadrilha – venda de “raspadinha da sorte” – exploração de jogos de azar – Justiça Federal – incompetência ..........................1553, 181

JOGOs

• Jogos – casa de bingos – pagamento em cheque –efeitos ......................................................1554, 182

• Jogos de azar – contrabando/descaminho in-ternacional de máquinas caça-níqueis – Justiça Federal – competência ............................1555, 182

Previdenciário

acidenTe dO TrabalhO

•Acidente do trabalho – auxílio-acidente – joga-dor de futebol – lesão no ombro direito – in-capacidade parcial e permanente – comprova-ção – pagamento devido ..........................1556, 183

auxíliO-acidenTe

•Auxílio-acidente – atleta profissional de futebol – goleiro – traumatismo crânio-encefálico – pré-vio requerimento administrativo – falta de inte-resse de agir – inadmissibilidade ..............1557, 184

•Auxílio-acidente – jogador de futebol – lesão no joelho esquerdo – redução da capacida-de de trabalho não revelada – continuida-de das atividades sem qualquer restrição –benefício indevido ...................................1558, 185

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216 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 27 – Out-Nov/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Trabalhista

açãO ciVil pública

•Ação civil pública – clube de futebol – catego-rias de base – treinamento – formação profissio-nal – crianças e adolescentes com idade infe-rior a 14 anos – impossibilidade ..............1559, 186

acOrdO Judicial

•Acordo judicial – coisa julgada – redução dopercentual de 20% para 5% – alcance.....1560, 187

aTleTa prOFissiOnal

•Atleta profissional – contrato de trabalho des-portivo – cláusula penal – pagamento indevido ................................................................1561, 188

•Atleta profissional – contrato de trabalho in-dividual – vínculo empregatício – reconheci-mento ......................................................1562, 189

•Atleta profissional – direito de arena – percen-tual – redução – impossibilidade .............1563, 189

•Atleta profissional – direito de arena – redu-ção do percentual legal – impossibilidade ................................................................1564, 190

•Atleta profissional – jogador de futebol – cláu-sula compensatória – pagamento devido .1565, 191

•Atleta profissional – vínculo de emprego – confi-guração ...................................................1566, 191

•Atleta profissional de futebol – cláusula compen-satória desportiva – cabimento ................1567, 192

cOmpeTência

•Competência – Justiça do Trabalho – contra-to de cessão de uso de imagem de treinador de futebol – alcance ................................1568, 192

•Competência material – Justiça do Traba-lho – contrato de trabalho celebrado en-tre atleta profissional e entidade de práti-ca desportiva – alcance ...........................1569, 192

cOnTraTO de aprendizaGem

•Contrato de aprendizagem – direito desportivo– prazo de vigência – obser vação ............1570, 194

danO mOral

•Dano moral e material – jogador de futebol – lesão ocorrida durante o treino – indenização – descabimento ......................................1571, 194

direiTO de arena

•Direito de arena – percentual de 5% – redução– possibilidade .........................................1572, 195

direiTO de imaGem

•Direito de imagem – natureza jurídica – in-tegração nas verbas rescisórias – cabimento ................................................................1573, 196

penhOra

•Penhora – renda de jogo – limitação – possibili-dade ........................................................1574, 196

Tributário

Taxa

•Taxa – cobrança – partida de futebol – concen-tração pública – efeitos ............................1575, 196

Seção Especial

DE FRENTE PARA O GOL

Assunto

cOrrupçãO

•A FIFA, o FBI e o Monstro da Corrupção: NãoBasta Punir (Martinho Neves Miranda) ...............198

Autor

marTinhO neVes miranda

•A FIFA, o FBI e o Monstro da Corrupção: NãoBasta Punir ........................................................198

Prática Processual

Assunto

recursO

•Recurso Voluntário com Pedido de Efeito Sus-pensivo (João Luiz de Amuedo Avelar e LucasThadeu de Aguiar Ottoni) ..................................201

Autor

JOãO luiz de amuedO aVelar

•Recurso Voluntário com Pedido de Efeito Sus-pensivo .............................................................201

lucas Thadeu de aGuiar OTTOni

•Recurso Voluntário com Pedido de Efeito Sus-pensivo .............................................................201

CLIPPING JURÍDICO

•Câmara considera direito de imagem como ver-ba salarial e Criciúma terá de pagar R$ 400 mil ao zagueiro Thiago Heleno ................................211

•Clube não comprova concessão de folga com-pensatória, e jogador de futebol conquista di-reito a horas extras .............................................210

•Ministro nega liminar contra afastamento de si-gilo bancário do presidente da CBF ...................209

•Palmeiras terá parte da bilheteria dos jogos pe-nhorada para pagar dívida .................................209

•Plácido de Castro Futebol Club é condenado a pagar verbas trabalhistas e salários atrasadosa jogadores ........................................................212

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................ 213