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Direito Público ANO XI – Nº 62 – MAR-ABR 2015 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CORPO ADMINISTRATIVO EDITORIAL Adriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Bruno Degrazia, Carlos Maurício Lociks de Araújo, Eder Pereira Assis, Everaldo Magalhães Andrade Júnior, Fernanda Almeida Abud Castro, Francisco Valle Brum, Guido Cerqueira Café Mendes, Hugo Souto Kalil, Ivete Oliveira Alves, Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Micaela Dominguez Dutra, Odilon Cavallari de Oliveira, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva COMITÊ TÉCNICO Edevaldo Siqueira Gaudencio COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Aline Oliveira Mendes de Medeiros Franceschina, Gustavo Carvalho Chehab, Ian Pimentel Gameiro, Peter Haberle, Thiago Anton Alban, Tommaso Nicola Poli ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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Direito PúblicoAno XI – nº 62 – MAr-Abr 2015

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT),

Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),

Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),

Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdMInIstrAtIvo edItorIAlAdriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Bruno Degrazia, Carlos Maurício Lociks de Araújo, Eder Pereira Assis,

Everaldo Magalhães Andrade Júnior, Fernanda Almeida Abud Castro, Francisco Valle Brum, Guido Cerqueira Café Mendes, Hugo Souto Kalil, Ivete Oliveira Alves, Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Micaela Dominguez Dutra, Odilon Cavallari de Oliveira, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva

coMItê técnIcoEdevaldo Siqueira Gaudencio

colAborAdores destA edIção

Aline Oliveira Mendes de Medeiros Franceschina, Gustavo Carvalho Chehab, Ian Pimentel Gameiro, Peter Haberle, Thiago Anton Alban, Tommaso Nicola Poli

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 11, n. 62; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.

Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Muito se tem escrito sobre o direito civil constitucional e sobre as in-junções do direito constitucional no direito processual e das modulações que exerce no direito penal. Não menos relevante é considerar as inflexões que as normas constitucionais exercem sobre institutos do direito administrativo. Este número adotou como tema central precisamente este ponto, a ele dedicando, além de achados doutrinários, um apanhado de precedentes jurisprudenciais que, estimamos, poderá interessar ao leitor.

Dando seguimento à publicação de textos que ganharam a aura de clás-sicos, quer pelo seu caráter precursor, quer por refletirem a razão do prestígio alcançado pelos seus autores, sugerimos a leitura do ensaio de Peter Häberle sobre a presença do tema “Europa” em diplomas constitucionais recentes.

Boa leitura!

Paulo Gustavo Gonet Branco

Editor

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

doutRina

1. O Direito entre o Estado e o Estado de Direito: Revisitando a Teoria do Direito e do Estado de León DuguitIan Pimentel Gameiro ................................................................................9

doutRina estRangeiRa

1. Las Transformaciones de la Administración Pública Entre Constitución Formal Y Constitución MaterialTommaso Nicola Poli ...............................................................................24

textos clássicos

1. O Fundamentalismo como Desafio do Estado Constitucional: Considerações a Partir da Ciência do Direito e da CulturaPeter Haberle ...........................................................................................58

estudos JuRídicos

1. A Incidência dos Direitos Fundamentais no que Tange às Relações PrivadasAline Oliveira Mendes de Medeiros Franceschina ....................................81

JuRisPRudência

1. Acórdão na Íntegra (STJ) .........................................................................100

2. Ementário ...............................................................................................127

Parte GeraldoutRinas

1. Extrafiscalidade, Estado Social e Teorias de Justiça: Possibilidades DialógicasThiago Anton Alban ...............................................................................135

2. A Técnica da Modulação dos Efeitos da Decisão e a sua Aplicação pelos Juízes, Tribunais e Conselhos de JustiçaGustavo Carvalho Chehab .....................................................................146

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JuRisPRudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................1652. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1733. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1784. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1865. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1916. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................195

ementário

1. Administrativo ........................................................................................2012. Ambiental ..............................................................................................2063. Constitucional ........................................................................................2104. Processo Civil e Civil ..............................................................................2135. Penal/Processo Penal..............................................................................2186. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................2237. Tributário ...............................................................................................229

Clipping Jurídico ..............................................................................................236

Resenha Legislativa ..........................................................................................240

Bibliografia Complementar .................................................................................241

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................242

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

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– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEW

Todos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os convites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Público.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 9-23, mar-abr 2015

Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais

O Direito entre o Estado e o Estado de Direito: Revisitando a Teoria do Direito e do Estado de León Duguit

IAN PIMENTEL GAMEIROAdvogado, Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra.

Submissão: 19.03.2014Decisão Editorial: 15.05.2014

RESUMO: O artigo objetiva oferecer uma leitura ampla e detalhada da pouco estudada obra de León Duguit. Inicia, pois, com a reconstituição dos antecedentes teóricos que sustentam o seu pensa‑mento, a saber, as teorias de Herbert Spencer e Émile Durkheim, e segue, a partir daí, com a sua concepção do Estado, do Direito, e do Estado de Direito. A teoria de Duguit, no contexto atual em que se questiona o papel do Estado e do Direito a partir de fenômenos como o constitucionalismo multinível e o cosmopolitismo societal, pode oferecer respostas interessantes e daí a necessidade de revitalizá‑la.

PALAVRAS‑CHAVE: Estado; Direito; Estado de Direito.

ABSTRACT: The article aims to provide a comprehensive and detailed reading about the less stu‑died Leon Duguit’s work. It starts, then, with the reconstitution about the theoretical background underpinning their thinking, namely the theories of Herbert Spencer and Emile Durkheim, and con‑tinues from there, with his conception of the state, the law, and the rule of law. Duguit’s theory, in the current context, questioning the role of the State and Law from phenomena such as multilevel constitutionalism and societal cosmopolitanism, can offer interesting answers and hence the need to revitalize it.

KEYWORDS: State; Law; Rule of Law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Antecedentes teóricos; 1.1 O Organicismo Evolucionista de Herbert Spencer; 1.2 A Sociologia Experimentalista de Émile Durkheim; 2 O Estado; 3 O Direito; 4 O Estado de Direito; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O Direito entre o Estado e o Estado de Direito propõe-se a dissertar sobre antiga, porém atualíssima, teoria do Estado, do Direito, e da relação que estes dois elementos da vida social mantêm entre si.

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10 ........................................................................................................DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 9-23, mar-abr 2015

O tema se justifica não só porque se ocupa do pensamento de León Duguit1, mas, sobretudo, porque revigora no contexto específico do constitu-cionalismo multinível, da interconstitucionalidade, da multiculturalidade e do cosmopolitismo a discussão em torno da concepção do Estado, do seu real papel social e da sua relação de subordinação com o Direito.

Isso implica, pois, em se considerar necessário reconhecer o contexto jurídico-político e social em que está inserta a doutrina de Duguit: a França da segunda metade do século XIX até o primeiro quartel do século XX. Aliás, a boa leitura da sua obra, a sua compreensão adequada, implica em reconhecer as influências dessa específica condicionalidade histórico-social sobre o seu pensamento.

Isso porque Duguit acompanhou de perto uma França efervescente po-liticamente. Uma França que se afirmava republicana, como o Estado da coisa pública, pelo menos sob o ponto de vista espiritual, mas que não conseguia se sustentar politicamente como tal; um Estado que basicamente alternava entre curtas repúblicas e longas monarquias.

Duguit se afirmava republicano, e toda sua construção doutrinária do Es-tado e do Estado de Direito tinham como objetivos se opor às teorias autoritárias da Herrschaft que prosperavam na Alemanha e se prestavam, de certo modo, a sustentar o poder político como direito subjetivo dos que estavam à testa do ente estadual.

É desse ponto de partida que se deve ler Duguit, e partindo dele, então, traçar-se-á as linhas da sua concepção do Estado e do Estado de Direito, a partir do Direito, permeando a exposição com a reconstrução dos diálogos que es-tabeleceu com Spencer e Durkheim, os teóricos que lhes forneceram as bases fundamentais sobre as quais se assenta seu pensamento.

A despeito das inúmeras “certidões de óbito” que lhe foram sendo pas-sadas ao longo da história, o Estado, assim entendido como produto cultural e político da humanidade, vai resistindo, e, portanto, buscar no passado as res-postas para as dificuldades presentes, marcadamente as que revigoram os ques-tionamentos em torno da sua real função social em um contexto político cada vez mais condicionado às exigências jurídicas do plano internacional, afigura--se alternativa viável.

Não constitui objetivo desse artigo, no entanto, cumpre logo advertir, oferecer a partir de Duguit as respostas para as inquietudes e complexidades

1 Pierre Marie Nicolas León Duguit (1859-1928) foi um jurista francês especializado em direito público, nomeadamente em Direito Constitucional e Teoria do Estado, que exerceu sua carreira acadêmica na Universidade de Bordeaux, onde posteriormente se tornou decano, no período da França oitocentista (REALE, 2002, p. 439).

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RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 9-23, mar-abr 2015

contemporâneas envolvendo a estatalidade. É seu objetivo, na verdade, instigar o leitor a refletir e encontrá-las considerando agora a proposta formulada por esse autor em tempo igualmente conturbado na história do Estado.

1 ANTECEDENTES TEÓRICOS

A concepção de Estado e de Estado de Direito desempenha papel fun-damental na Teoria do Direito proposta por León Duguit. Melhor dizendo: só se explica qual sua concepção de Estado e de Estado subordinado ao Direito perpassando, por imperiosa necessidade metodológica, pela sua compreensão acerca do Direito e de seu fundamento.

Como Duguit é pouco estudado no contexto brasileiro, seja pela Filosofia do Direito no que concerne à sua concepção da normatividade, seja pela dog-mática constitucional no que se refere à sua concepção de Estado e de Estado de Direito, quase nada se sabe sobre os precedentes teóricos que esteiam toda a sua doutrina, quer seja a do Estado, quer seja a do Direito.

Assim, em obséquio ao apego e rigor científico exigidos pela proposta do autor, é justo iniciar esse percurso de reconstrução a partir dos teóricos que forneceram a Duguit as bases sobre as quais sustenta o seu pensamento e com quem este dialogou intensamente.

No entanto, uma nota preliminar é importante: a razão pela qual pro-positalmente excluiu-se Jean-Jacques Rousseau e o seu republicanismo liberal do objeto de análise, a despeito de sua influência sobre o autor, só se justifica porque tal concepção é adotada por Duguit na perspectiva da filosofia política.

Isto é, o autor não dialoga diretamente com Rousseau; não utiliza suas ideias para fundamentar um dado pensamento. Duguit adota a ideia da repúbli-ca rousseauniana e a defende como um ideal político, como concepção politi-camente adequada da vida em sociedade e do Estado.

Assim como se poderia entender que a monarquia é a forma política ade-quada de Estado por favorecer tais ou quais benefícios à sociedade, e construir uma tese defendendo tal forma de constituição da unidade política, Duguit o faz em relação à república. Daí por que se diz que a ideia de república em Duguit é assumida na perspectiva da filosofia política, uma vez que dependente, por isso mesmo, da sua concepção da vida e da boa vida em sociedade.

1.1 o orgAnIcIsMo evolucIonIstA de herbert spencer

Se os séculos XVI e XVII foram os séculos das ciências exatas, das trans-formações matemáticas, físicas e astronômicas, o século XVIII sem dúvida foi o das ciências biológicas (Laraia, 2005, p. de Internet). Os grandes descobrimen-

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RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 9-23, mar-abr 2015

tos sobre a natureza, a revelação científica de algumas de suas leis e o peso intelectual que detinham os seus investigadores ditaram os rumos da Ciência naquele período.

As explicações sobre a vida antes dadas em uma perspectiva algorítmica passaram a ser oferecidas na perspectiva naturalística/biológica. E a vida em sociedade não tardou em ser também analisada segundo esse ponto de vista.

O marco teórico que sustentou o organicismo evolucionista enquanto teoria sociológica fora, inquestionavelmente, o estudo acerca da evolução bio-lógica das espécies lançado por Charles Darwin, e vários foram aqueles que se serviram das bases teóricas lançadas por Darwin para explicar a vida em sociedade.

Foi com Herbert Spencer, no entanto, que a escola orgânica se destacou.

A ideia de Spencer (Costa, 2005, p. 70), representando aqui o núcleo em torno do qual girava o pensamento da escola orgânica evolucionista, consistia basicamente em reconhecer a sociedade como um organismo vivo dotado de sistemas e funções específicas, interdependentes e dispostas com vistas à manu-tenção do todo social, que teria evoluído do mais primitivo ao mais complexo “[...] através de um processo de diferenciação estrutural apoiado na superio-ridade de adaptação através da seleção natural” (Buttel, 1992, p. de Internet).

Orgânica a sociedade porque estaticamente identificadas suas funções pelos diversos, porém conexos, órgãos que a compõem; evoluída haja vista ser dotada de órgãos mais adaptados estruturalmente às suas funções em razão da seleção natural pela qual passaram e, consequentemente, porquanto mais inte-grados ao complexo social em razão da sua maior especialização.

Por ora é a noção que importa ter presente, mas se verá adiante que a ideia vendida pela escola orgânica evolucionista fora fundamental para que Duguit desenvolvesse sua concepção do Estado.

1.2 A socIologIA eXperIMentAlIstA de éMIle durkheIM

Embora Durkheim fosse adepto com reservas do organicismo defendido por Spencer (Buttel, 1992, p. de Internet), assim como Marx, Engels (Soares, 2009, p. 65) e praticamente todos os teóricos clássicos, outras foram as suas contribuições para a ciência, particularmente para a sociologia: a noção de solidariedade e a concepção do fato social.

Do organicismo e da sua ideia fundante de que a sociedade é segmenta-da em órgãos com funções específicas, porém interconexas, Durkheim assentou sua concepção de solidariedade como fundamento da lei social que impelia os homens a se acharem vinculados uns com os outros e com o todo. Da psico-

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logia experimental de Wilhelm Wundt (Araújo, 2009, p. de Internet), de quem foi aluno, Durkheim se serviu do método da observação para constatar que o comportamento humano não era moldado somente por regras escritas ou pres-crições explícitas; um tal regramento comportamental implícito também exercia sua influência sobre o homem (Sabadell, 2010, p. 47).

A construção de Durkheim se inicia, pois, com essas duas constatações.

A primeira consiste em perceber que o homem não se basta; está con-denado a uma vida gregária, mais ou menos intensa conforme se ache em maior ou menor grau de relacionamento com os demais, vínculo ao qual se referiu como solidariedade social em seu célebre A divisão do trabalho social (Durkheim, 1999, p. 85-109).

A segunda, pois, resulta da percepção de que essa inter-relação entre os homens é determinada por um conjunto de condições, de maneiras, de pen-samentos, enfim, por um conjunto de normas, prescritas e não prescritas, que exercem certa influência sobre os seus comportamentos, circunstância que de-nominou de fato social (Durkheim, 2007, p. 1-14).

Durkheim articula, então, essas duas constatações para afirmar que, se uma dada sociedade se mantém vinculada e os seus órgãos assim se relacio-nam, tendo como nota de coesão os fatos sociais dos costumes, da tradição, da religião ou da mera semelhança, o tipo de solidariedade que lhe é particular é o da solidariedade mecânica.

Tais sociedades impõem aos seus membros deveres particularmente rígidos. To-dos devem respeitar as regras estabelecidas pela autoridade. Os valores sociais decorrem da tradição e da religião e o grupo organiza-se como uma verdadeira comunidade, fundamentada em relações de parentesco e na preservação da pro-priedade coletiva. (Sabadell, 2010, p. 48)

Se, por outro lado, essa mesma sociedade passa a se vincular, e os seus órgãos a se relacionar, a partir do fato social do trabalho, especializado e inter-dependente, estará presente em causa, então, a solidariedade orgânica.

A sociedade moderna caracteriza-se, ao contrário, pela solidariedade orgânica (ou por dessemelhança). Trata-se de uma sociedade complexa, fundamentada na divisão do trabalho, segundo o princípio da especialização. O indivíduo não se vincula diretamente a valores sociais, não está submetido a liames tradicionais, a obrigações religiosas ou comunitárias. A solidariedade cria-se através de redes de relacionamento entre indivíduos e grupos, onde cada um deve respeitar as obrigações assumidas por contrato. (Sabadell, 2010, p. 49)

À maior interdependência entre os órgãos caracterizadora da sociedade mais complexa Durkheim deu o nome de solidariedade orgânica; à menor in-

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terdependência típica da sociedade menos complexa o autor chama de solida-riedade mecânica (Durkheim, 1999, p. 85-109).

A ideia de solidariedade social e da sua dupla distinção, como original-mente pensada por Durkheim, será fundamental para Duguit desenvolver a sua teoria acerca do que constitui para si o fundamento do Direito, a sua concepção sobre a normatividade e como ela se constrói, e o porquê, ao fim e ao cabo, deve o Estado se submeter ao Direito.

2 O ESTADO

As bases teóricas fincadas em ensinamentos da sociologia de Durkheim, de Spencer e de todos os outros que de uma ou outra forma se perfilhavam à corrente do organicismo evolucionista e do experimentalismo sociológico dos séculos XVIII e XIX forçosamente fizeram Duguit incluir-se, segundo classifica-ção epistemológica do Direito e do pensamento jurídico, na escola sociológica e antiformalista do Direito.

É sociológica porque nega, de um lado, a autonomia do Direito e do pensamento jurídico e o explica a partir dos esquemas e métodos próprios da sociologia, predominantemente sob o prisma do fato social; antiformalista, de outro, porque repudiava a lei como forma e questionava “[...] o rigor conceitua-lista e o distanciamento entre a teoria jurídica da época e a dinâmica social” existente (Dri, 2010, p. de Internet).

Essa é a pedra de toque do modo de pensar do autor e nesse contexto é que se insere a sua teoria do Estado.

A doutrina de Duguit rejeita de modo veemente a ideia de que o Estado constitui-se como entidade coletiva autônoma e soberana, que existe por si e para si sem considerar que “[...] a sociedade é formada de indivíduos e de que só estes possuem realidade concreta em razão de cujas exigências a coletivida-de se organiza” (Reale, 2002, p. 440).

Billier e Maryioli (2007, p. 270) afirmam que “o Estado, começa ele por observar, não existe sob a forma de poder público ou de soberania. Estes são conceitos vazios, desprovidos de qualquer referência semântica, por detrás dos quais está a diferenciação entre os governantes e governados”.

Para construir sua teoria do Estado, Duguit retoma, então, como se disse antes, a ideia básica do organicismo evolucionista, segundo a qual a sociedade se assemelharia a um organismo vivo dotado de sistemas e funções específicas e interdependentes que teria evoluído do mais primitivo ao mais complexo por meio da seleção natural, pela qual foram selecionados os órgãos mais adapta-dos estruturalmente às suas funções.

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E afirma: não se trata o Estado de uma ficção jurídica; tampouco de pes-soa coletiva e soberana. O Estado nada mais é do que o resultado de um proces-so diferencial, de natureza social e histórica, pelo qual se distinguiram os fracos dos fortes. É, pois, uma diferenciação provocada pela própria sociedade, que se explica como produto da evolução social, e cujo produto (o Estado) necessita receber uma legitimação somente atribuível pela própria comunidade, por meio do Direito, tendo em conta a necessidade de reforço ou proteção da solidarie-dade social, da interdependência social (Duguit, 1903, p. 01).

Isso é claro em seu pensamento, conforme exposto:

Para nos conformar com o hábito, e porque é cômodo, utilizaremos ordinaria-mente a palavra Estado; fica bem entendido, porém, que, no nosso modo de pensar, esta palavra não designa, em absoluto, essa pretensa pessoa coletiva e soberana, que não passa de um fantasma, mas os homens reais que de fato são os detentores da força. (Duguit, 1923, p. 31)

Isto corresponde a dizer que Duguit, considerando o Estado como o gru-po de pessoas detentoras da maior força em virtude da natural evolução social dos indivíduos, julga ser necessário legitimar-se, pelo Direito, em benefício da solidariedade social e com o escopo de evitar a sua utilização arbitrária, a força maior e superior da qual esse específico corpo de indivíduos se vale.

Daí se extrai, então, dois pontos capitais da Teoria do Estado de Duguit.

O primeiro diz quanto à natureza do poder político, da força maior que faz o todo prestar obediência a alguns, e se traduz em palavras da seguinte forma:

O poder governamental existe, respondeu ele, não há dúvida, e não pode deixar de existir. Eu tão-somente nego que seja um direito. Afirmo que aqueles que de-têm esse poder detêm um poder de fato e não um poder de direito. Dizendo que eles não têm o poder público, quero dizer que eles não têm o direito de formular ordens e que as manifestações de sua vontade não se impõem como tais aos go-vernados. (Duguit apud Reale, 2000, p. 77)

A segunda, pois, diz quanto ao fato de o Estado somente se legitimar quando utilizar sua maior força em benefício da sociedade, reforçando ou pro-tegendo a solidariedade orgânica ou interdependência entre os indivíduos. Essa noção, aliás, é fundamental para que se compreenda sua Teoria do Direito.

3 O DIREITO

Como se viu, a noção de evolução social e diferenciação dos indivíduos em dada sociedade, própria do organicismo evolucionista, foi fundamental para que Duguit constatasse a verdadeira realidade que estava associada ao termo

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Estado: grupo de pessoas que detêm a maior força ou poder no âmbito de certo contexto político.

Dessa ideia de evolução e diferenciação social, temperada com a dou-trina de Durkheim acerca da divisão do trabalho e da dicotomia essencial que estabelece em relação à solidariedade social, é que Duguit parte para a elabo-ração da sua concepção do Direito, do que constitui seu fundamento e como a normatividade surge ou se forma na sociedade.

O autor deixa, aliás, textualmente expressa sua vinculação ao pensamen-to de Durkheim.

É Durkheim, em seu belo livro A divisão do trabalho social, o primeiro a determi-nar a natureza íntima da solidariedade social e a mostrar suas formas essenciais: a solidariedade por similitudes e a solidariedade por divisão do trabalho; ele denomina a primeira, também, de solidariedade mecânica, e a segunda de soli-dariedade orgânica. (Duguit, 1923, p. 9 – tradução nossa)

Duguit inicia sua tese, então, considerando como a verdadeira razão que aproxima os homens e os obriga a viver em comunidade a sua incapacidade para dar conta da vida, sua insuficiência em dar respostas satisfatórias a todas as necessidades quotidianas.

O homem, para ele, não é uma ilha, e não tem possibilidade de ser, sob o prisma particular da sua capacidade, autossuficiente; ao contrário, a limitação da força humana é uma realidade irrecusável, e qualquer teoria ou pensamento social que escape dessa consideração está invariavelmente fadado ao insucesso.

Dessa trágica e inelutável condição da existência humana, Duguit extrai duas verdades para si fundamentais.

Primeira, a de que o homem está condenado a viver, por sua própria natureza, uma vida de comunidade, uma vida de partilha. Diz ele:

Nosso ponto de partida é o fato incontestável de que o homem vive em socie-dade, sempre viveu em sociedade e não pode viver mais que não em sociedade com seus semelhantes, e que a sociedade humana é um fato primário e natural, e em maneira alguma produto ou resultado da vontade humana. Todo homem forma, pois, parte de um grupo humano; o tem formado e formará sempre, por sua própria natureza. (Duguit, 1923, p. 05 – tradução nossa)

Segunda, a de que, na vida em sociedade, vida comunal pensada nos termos do organicismo evolucionista, considera operar-se uma natural evolu-ção e diferenciação social, afinal de contas os indivíduos possuem interesses e predisposições diferentes, carências distintas e vocações indeterminadas para um campo igualmente múltiplo e indeterminado de ação (Reale, 2002, p. 442).

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Sua concepção mesmo do Estado se assenta, como foi mostrado em tópico pre-cedente, nessa ideia.

Diante dessas duas verdades, Duguit afirma: a solidariedade é um fato social. Um fato social porque, ante a incapacidade natural do homem, impele--o, condiciona-o a uma vida de sociedade, de permuta com seus semelhantes, a fim de que as suas necessidades singulares sejam supridas pelas respostas e habilidades dos outros.

A vida comunal só se justifica mesmo na medida em que, reconhecendo o indivíduo sua incapacidade diante da vida e da natureza, busca em seus se-melhantes as respostas e soluções das quais precisa para continuar dando curso ao seu plano de vida.

Com efeito, ainda que Duguit considere a existência de comunidades cuja coesão ainda se assente em elementos particularmente rígidos como os da religião, dos costumes e da tradição, ainda assim, nessas sociedades, um nível ínfimo de divisão do trabalho terá se operado, porque mais uma vez volta-se ao fato inescapável de que nem todos poderão solucionar a integralidade dos seus problemas privados, e a solução para questões singularmente insolvíveis será buscada no próximo.

Os homens distribuem-se em campos múltiplos de ação. Cada qual realiza uma tarefa, que pode estar ou não de acordo com as suas tendências naturais, mas que ele deve realizar, momentânea ou definitivamente, para poder subsistir. A atividade particular de cada homem deve harmonizar-se com as atividades dos outros, daí resultando o estabelecimento de uma divisão geral do trabalho, que é o fato fundamental da sociedade, segundo Duguit. O que constitui a sociedade e lhe dá estrutura é a divisão do trabalho. (Reale, 2002, p. 442)

Assim, para Duguit, importando nesse ponto o pensamento de Durkheim, uma sociedade será mais evoluída quanto mais se operar a divisão social do tra-balho, com o consectário lógico de, quanto mais especializada, mais coesos e interdependentes estarão os indivíduos.

A essa interdependência entre os indivíduos, originada pela divisão e especialização do trabalho, Durkheim chamou de solidariedade orgânica, e Duguit, aproveitando integralmente essa noção, a tem para si como o funda-mento do Direito.

A propósito, Miguel Reale traduz em exemplos a dicotomia que Durkheim estabelece em relação à solidariedade:

Solidariedade mecânica é aquela que se estabelece quando duas ou mais pes-soas, tendendo a um mesmo fim, praticam a mesma série de atos. Num exemplo elementar, podemos lembrar o esforço conjugado de cinco ou dez indivíduos para levantar um bloco de granito. Este é um caso de coordenação do traba-

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lho, que tem como resultado a solidariedade mecânica. Quando, porém, os in-divíduos, para realizar determinados fins, para alcançar determinada meta, não praticam os mesmos atos, mas atos distintos e complementares, temos a divisão de trabalho orgânica, que tem como resultado a solidariedade orgânica. (Reale, 2002, p. 441-442)

Duguit considera, pois, que o Direito é a um só tempo um fato social e uma necessidade da sociedade. Um fato posto que se traduz em um conjunto de regras sociais expressas condicionantes da vida humana; e uma necessidade porque se predispõe vocacionalmente a regular um modo predeterminado e organizado de reação da sociedade ante a violação do seu princípio fundante, a solidariedade orgânica.

Em uma sociedade especializada, fragmentada de acordo com o traba-lho, cada indivíduo detém uma função social específica, um trabalho a desen-volver. E é dever de cada membro desenvolver sua função da melhor maneira possível, entregar para a sociedade a melhor prestação que puder dar consi-deradas as suas habilidades e limitações; ao fim e ao cabo, sua atuação deve aumentar e realizar ainda mais a solidariedade orgânica.

Quando o indivíduo deixa de cumprir seu papel, a sociedade especiali-zada deixa de receber certa prestação com a qual contava, e, consequentemen-te, uma reação em retaliação a essa conduta transgressora deve ocorrer. O fun-damento do Direito, portanto, é este: o fato incontestável da interdependência social dos membros de certa comunidade; e o seu papel consiste exatamente em estabelecer regras preordenadas de reforço da solidariedade social, de um lado, e um modo predeterminado e organizado de reação ante a ofensa à soli-dariedade, de outro.

O Estado mesmo, tido por Duguit como o conjunto de pessoas que his-toricamente se diferenciaram das demais pela força, só se legitima quando, por meio das regras jurídicas, fornece aos cidadãos os serviços públicos de que necessitam para reforçar a solidariedade, a um tempo, e quando oferece prote-ção à solidariedade, por meio do uso juridicamente autorizado da força, pelas punições que impõe àqueles que a aniquilam de certo modo.

Bem, mas se o fundamento do Direito é o fato da solidariedade orgânica e a sua razão de existir repousa na necessidade de se estabelecer um modo predeterminado e organizado de reforço e proteção à incontestável interdepen-dência humana, no que consistiria ao fim e ao cabo o próprio Direito?

Duguit responde essa questão da seguinte forma.

Cada sociedade possui no seu interior um modo muito particular de agir, de pensar e de sentir. Esse conjunto de pensamentos, de sentimentos e de ati-tudes coletivas constitui um verdadeiro regramento da vida em sociedade, e in-

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questionavelmente exerce influência sobre os indivíduos, seja para reprimi-los, seja para estimulá-los, tendo-se em conta o dever de reforço à solidariedade. Foi o que Durkheim chamou de fato social.

Esse regramento da vida social, e nisso consiste o ineditismo de seu pen-samento, está escalonado em três patamares distintos segundo a intensidade do risco que a violação das suas disposições implicam à solidariedade: o das regras morais, o das regras econômicas e o das regras jurídicas.

As regras morais representam o regramento mais geral e particularmen-te mais rígido da vida social. Isso porque traduzem implicitamente a ideia de como os indivíduos devem se relacionar para que a solidariedade orgânica seja reforçada; de como devem eles agir para coletivamente viverem bem.

Usar determinada vestimenta em certa ocasião, manter conduta proba e urbana no trato com os demais, ser honesto, praticar caridade, entre várias outras regras de essência eminentemente moral traduzem o que aquela determi-nada comunidade espera dos seus componentes na relação que são obrigados a manter. É a reprodução da velha máxima popular: se somos obrigados a nos relacionar, procuremos fazê-lo da melhor maneira possível.

A violação de uma regra moral corresponde, então, ao fim e ao cabo, a uma ofensa dirigida a toda coletividade, e não a um indivíduo em específico. Uma tal conduta afrontosa, como andar desnudo pelas ruas, comporta um juízo crítico e uma tomada de postura por parte da coletividade, que sente ameaçada a sua unidade pela prática do ato violador em referência.

E aí a sua repreensão será tanto mais intensa quanto mais ameaçador for o ato infrator à coesão social. Daí se explica o fato de Duguit entender que a moral social representa o regramento mais favorecedor da solidariedade orgâ-nica, uma vez que sua violação sempre e em todo caso corresponderá a uma ofensa irrogada contra a própria sociedade (Reale, 2002, p. 445).

Mas se as regras morais representam o regramento mais geral e particu-larmente mais rígido da vida social, o mesmo já não se pode dizer das regras econômicas. Isso porque o regramento econômico da sociedade traduz-se na ideia de como os recursos devem ser socialmente geridos pelos indivíduos para reforçarem a solidariedade orgânica; de como devem eles administrar os bens para que vivam bem.

Fazer economias, utilizar somente o essencial e não consumir mais do que se possui traduzem-se em pequenas mensagens emitidas pela sociedade acerca do que espera dos indivíduos que a compõem em relação à gestão dos bens e recursos disponíveis.

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Diferentemente do que ocorre quando uma regra moral é violada, é per-feitamente possível que a violação de uma regra econômica não atinja a socie-dade, que diga respeito somente ao indivíduo que a violou, sendo ele mesmo o seu principal prejudicado (Reale, 2002, p. 445).

A regra segundo a qual não se deve gastar mais do que se possui interes-sa a toda coletividade, é verdade, haja vista que, não fosse assim, os recursos disponíveis facilmente se esgotariam. Mas, ao mesmo tempo em que interessa à integralidade social, interessa mais ainda ao próprio indivíduo, o primeiro e imediato prejudicado.

Com efeito, a violação de uma regra moral sempre importa em uma ofen-sa irrogada contra toda a sociedade, mas nem toda violação de ordem econô-mica importará assim em um imediato desacato diferido contra a coletividade.

E nisso é que se diferenciam as normas morais das normas econômicas, segundo Duguit.

Mas e o Direito?

Bem, para Duguit, o Direito consiste, em suma, no regramento da vida social composto por normas morais e econômicas, as mais importantes, consi-deradas essenciais para o reforço e proteção da solidariedade orgânica, que a sociedade entende devam ser elas garantidas pela força do Estado.

Isto é, o Direito se forma, e assim é concebido, como o conjunto de nor-mas morais e econômicas garantidas pela força estatal por exigência da própria sociedade. Diz ele que “uma regra econômica ou moral torna-se norma jurídi-ca quando na consciência da massa dos indivíduos, que compõem um grupo social dado, penetra a ideia de que o grupo ou os detentores da maior força podem intervir para reprimir as violações dessa regra” (Duguit, 1923, p. 53).

Por isso o autor afirma categoricamente que o Estado, o grupo dos deten-tores da maior força, só se legitima quando, de um lado, usa sua potência para reforçar a solidariedade orgânica por meio da concessão aos indivíduos dos serviços públicos dos quais necessitam para desempenhar mais adequadamente suas funções, e, de outro, quando utiliza essa mesma força pelo Direito para punir aqueles que violem as regras jurídicas.

Eis o Direito para León Duguit.

Uma última curiosidade antes de encerrar o tópico presente:

Duguit é conhecido, e assim foi chamado por Maurice Hariou (Reale, 2000, p. 76), um de seus contemporâneos, de anarquista de cátedra. E assim foi chamado não somente pela sua concepção do Estado e do Direito comple-

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tamente revolucionária e avessa ao pensamento dominante no período, mas, sobretudo, pela introdução da ideia de função social no Direito.

Para Duguit, aquilo que se concebe por direito subjetivo deve ser con-cebido, na verdade, como o dever jurídico de reforço da solidariedade. Isto é, as garantias jurídicas postas em benefício do indivíduo, como o direito à liberdade, por exemplo, devem ser interpretadas como um dever que obriga o indivíduo a agir em reforço da solidariedade, no caso, sendo livre o suficiente para desenvolver suas potencialidades (Duguit, 1912, p. 37).

Assim, as concessões jurídicas grafadas sob a nomenclatura de direitos subjetivos que se fazem aos indivíduos têm uma função social, qual seja a de propiciar a partir do seu âmbito normativo o reforço da solidariedade social.

4 O ESTADO DE DIREITO

A concepção de Duguit acerca do État Légal é tranquilamente dedutível da sua construção acerca do Estado e do Direito.

A ideia de que o Estado constitui o grupo das pessoas detentoras da maior força quando articulada com a ideia de que o Direito constitui o conjunto de regras morais e econômicas que a sociedade exige sejam garantidas pela força deixa em evidência a concepção de Duguit acerca do tema: o Estado é de Di-reito, e só pode ser assim, porque somente a sociedade tem o poder de formá--lo e a autoridade de dizer quando o ente estadual pode, por meio das regras jurídicas, usar a força em seu benefício.

Em outras palavras: a sociedade compreende que o Estado, à maneira como todos os outros indivíduos, está a serviço de uma função dentro do con-texto social, ofício igualmente submetido à realização da solidariedade orgâni-ca. E compreende também que a sua peculiaridade é justamente a de deter a maior força. O Estado é de Direito, é condicionado à normatividade, porque as regras jurídicas surgem a partir da criação social, no momento em que a socie-dade exige do Estado, posto estruturalmente a serviço da solidariedade social, a garantia de determinada norma moral ou econômica pela força.

O Direito se impõe ao indivíduo, então, da mesma forma que se impõe ao Estado. Daí porque somente se legitima o ente estadual quando usa sua força nos momentos predeterminados pela coletividade, por meio do Direito, e em benefício desta, para reforço da solidariedade social.

Assim, portanto, o Estado que não presta respeito à regra de Direito não é um Estado legítimo, porque usa sua força e sua elevada potencialidade em momento não autorizado pela sociedade, em benefício de si próprio e dos seus interesses (Billier; Maryioli, 2007, p. 270).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constituiu objetivo desta pesquisa reconstruir o percurso teórico trilhado por Duguit para sua construção doutrinária do Estado e do Estado de Direito pelo Direito.

Por isso, fez-se necessário investigar as bases fundamentais em que se assenta a sua doutrina, a saber, o organicismo evolucionista, cujo maior expo-ente foi Herbert Spencer, e a sociologia experimentalista de Durkheim, para desvendar até que ponto foram decisivas para Duguit, e em que ponto o autor as utilizou.

E viu-se que o diálogo com esses autores, aliado à influência recebida, foi intenso e decisivo para o desenvolvimento da sua obra.

Isto consistiu, aliás, em uma das maiores preocupações da pesquisa: dei-xar claro, ante a malversação da sua teoria e das suas bases, em que sentindo Spencer e Durkheim influenciaram o pensamento de Duguit.

De outro lado, buscou-se elaborar uma pesquisa que não apenas deixas-se evidenciado o percurso decorrido pelo autor, mas, sobretudo, as suas ideias marcantes dentro da Teoria do Estado. A introdução da ideia de que o Estado está a serviço da sociedade para reforço e proteção do seu traço marcante, a solidariedade, recupera a noção do contrato social de Rousseau e a reaviva em tempos de transformações estruturais da sociedade, da economia e do Direito a discussão em torno da função social do Estado e da sua razão de existir.

Aliás, a ideia de função social sempre muito viva na obra de Duguit intro-duziu importantes e necessárias transformações na concepção atual dos direitos subjetivos, isto é, implicou no reconhecimento de que os direitos individuais exercem determinada função social e cedem determinado perímetro espacial em benefício da sociedade.

A restrição do objeto de pesquisa em torno da elucidação das suas ideias a partir da reconstrução histórica das influências teóricas que recebeu teve, por isso mesmo, somente uma motivação: oferecer um texto claro e “limpo” de juízos críticos ante a consideração de que León Duguit ainda é pouco estudado e mal compreendido.

As considerações críticas da obra ficam para um próximo artigo que te-nha tal propósito. Até lá, no entanto, ficam-se as reflexões, que agora tomam como ponto de partida, ou pelo menos consideram, o pensamento de Duguit.

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Assunto Especial – Doutrina Estrangeira

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 24-57, mar-abr 2015

Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais

Las Transformaciones de la Administración Pública Entre Constitución Formal Y Constitución Material

TOMMASO NICOLA POLIInvestigador, Universidad de Bari y Universidad de Granada.

Traducido del italiano por Susana Ruiz Tarrías.

Recibido: 3 de abril de 2014Aceptado: 5 de mayo de 2014

RESUMEN: Este trabajo analiza la evolución y la organización actual de las Administraciones Públicas, así como su compatibilidad con las Constituciones de postguerra. Toma en cuenta la definición del concepto de Administración Pública, distinguiendo entre un sentido subjetivo en relación con la organización estructural de la Administración, y la Administración Púbica en sentido objetivo o funcional. En atención al sentido subjetivo, el trabajo vuelve sobre las transformaciones que ha provocado la globalización, la creación de organizaciones regionales e internacionales, y las técnicas de devolución de autonomía.

PALABRAS CLAVES: Administración pública, Constitución, Unión Europea, subsidiariedad, presupuesto equilibrado, autonomía territorial.

ABSTRACT: The paper analyzes the evolution and the current organization of the PA and its compatibility with the principles of the Postwar Constitutions. It considers a definition of the concept of the PA, distinguishing between PA in subjective sense, with relation to all the organizational structures of the administration, and PA in the “objective” or functional sense. Concerning the PA in subjective sense it goes over again the transformations that the process of economic globalization, the creation of international and regional organizations, the devolution of forms of autonomy more increasingly accentuated at the peripheral level have determined.

KEYWORDS: Public administration; Constitution; European Union; subsidiarity; balanced budget; territorial autonomy.

SUMARIO: 1 Introducción: Intentos de definición y marco general; 2 Algunas consideraciones desde la reciente crisis económico‑financiera: la crisis de normatividad de las Constituciones del Estado social y democrático de derecho; 3 La proliferación de los aparatos públicos frente a la transformación de la sociedad; 4 Un nuevo “horizonte” para la administración pública; 5 La transferencia de funciones administrativas a los ciudadanos: el principio de subsidiariedad; 6 La introducción de modelos privatistas y las Autoridades administrativas independientes; 7 La deslocalización territorial de las funciones administrativas; 8 La constitucionalización del equilibrio presupuestario y la renovada centralización: el Estado de nuevo protagonista; 9 Observaciones finales.

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1 INTRODUCCIÓN: INTENTOS DE DEFINICIÓN Y MARCO GENERAL

La locución administración pública identifica a todas las personas jurídicas que desarrollan funciones esencialmente administrativas. Administración pública y administraciones han sido, durante mucho tiempo, identificadas, pudiendo considerarse, en ambos casos, sinónimos del término burocracia. Hoy, sin embargo, los dos conceptos no parecen superponerse. La administración, en ese momento, se refiere a la actividad concreta dirigida a la tutela de intereses públicos, pero no se identifica exclusivamente con la actividad de los aparatos públicos estatales o periféricos.

En el análisis jurídico, actualmente, esta distinción entre administración y administración pública se superpone a la de administración pública en sentido subjetivo y administración pública en sentido objetivo. La primera se refiere a la organización, es decir, a todas las articulaciones organizativas de la administración que, como consecuencia del proceso de globalización, de la expansión del Derecho comunitario y del papel de los entes territoriales, no están constituidas tan sólo de singulares órganos públicos estatales; la segunda, por el contrario, se refiere a la auténtica y propia actividad (o función) de administrar, como conjunto de actividades dirigidas a la salvaguarda de intereses públicos, que hoy se desarrolla también por sujetos privados1.

La presente contribución, por lo tanto, partiendo de la crisis económico- -financiera que amplía la percepción de la distancia entre la representación democrática y el ejercicio del poder autoritario y de la función administrativa estatal, trata de analizar y profundizar en la evolución y la actual organización de la administración pública en sentido subjetivo y su relativa compatibilidad con los principios de las Constituciones posteriores a la II Guerra Mundial. Estas últimas estaban pensadas y redactadas en un contexto en el que el Estado nación constituía la entidad jurídica principal en el orden internacional y mundial y, afirmando la neutralidad de los órganos administrativos y su diferenciación funcional del gobierno2, vinculaban la actividad administrativa a la soberanía

1 Sobre esta distinción véase a M.S. Giannini, Diritto amministrativo, Milano, Giuffré, 1970, p. 6; U. Allegretti, “Il valore della Costituzione nella cultura amministrativistica”, Dir. pubbl., nº 2, 2006, pp. 760 ss.; C. Franchini, ““L’organizzazione”, en S. Cassese (a cura di), Trattato di diritto amministrativo, Vol. I, Giuffré, Milano, 2003, pp. 251 ss.; G. Napolitano, “Pubblica Amministrazione in Italia”,http://www.treccani.it/enciclopedia/pubblica-amministrazione-in-italia_(XXI-Secolo). Para una definición de administración pública vid. M.S. Giannini, “Amministrazione pubblica”, enhttp://www.treccani.it/ enciclopedia/amministrazione-pubblica_(Enciclopedia_delle_scienze_sociali). Un intento de definición del concepto es desarrollado también en la doctrina española por R. Entrena Cuesta, “El concepto de administracion publica en la doctrina y en el derecho positivo españoles”, Rev. der. Admin., nº 32, 1960, pp. 57 ss..

2 En la Constitución italiana, manteniendo el carácter no representativo y políticamente no responsable de los órganos administrativos, la diferenciación funcional entre el Gobierno entendido como órgano, en parte, expresión de la mayoría política (art. 94 Const.), y la administración imparcial (art. 97 Const.), se manifiesta en términos más nítidos que en otros textos constitucionales. La imparcialidad y la eficiencia de la administración pública ha sido equilibrada mediante la previsión, en el art. 95 Const., de la responsabilidad del indirizzo político y administrativo del Presidente del Consejo de Ministros y de la responsabilidad de cada

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popular a través de la afirmación del principio de legalidad que reclama que toda decisión administrativa tenga su fundamento jurídico en la ley, la cual, a su vez, define los límites en los que debe desarrollarse la actuación de la administración pública3.

2 ALGUNAS CONSIDERACIONES DESDE LA RECIENTE CRISIS ECONÓMICO-FINANCIERA: LA CRISIS DE NORMATIVIDAD DE LAS CONSTITUCIONES DEL ESTADO SOCIAL Y DEMOCRÁTICO DE DERECHO

La reciente crisis económico-financiera4 ha acentuado el mencionado proceso erosivo de la soberanía de los Estados naciones, quienes, desde hace tiempo, han perdido progresivamente el papel central en la vida política, económica y social en beneficio de nuevos centros de poder institucionales y no institucionales, y ha puesto en evidencia la relativa crisis de normatividad de las Constituciones, cuyas disposiciones, a pesar de no resultar siempre idénticas sino sometidas a continua regeneración semántica como consecuencia de los cambios económicos, sociales y político-institucionales5, aparecen ahora privadas en gran parte del propio rasgo de prescripción6 y, por lo tanto, de la capacidad de reconocer el pluralismo y de resolver el conflicto social a través de procedimientos y principios funcionales al mismo7.

Ministro respecto de los actos del propio ministerio. Acerca de este aspecto, véase P. Carrozza, “Governo e amministrazione”, en G.F. Ferrari, A. Di Giovine, P. Carrozza (a cura di), Diritto costituzionale comparato, Laterza, Roma-Bari, 2009, p. 890; F. Sorrentino, “Brevi riflessioni su sovranità popolare e pubblica amministrazione”, www.associazionedeicostituzionalisti.it. En general, sobre administración y Constitución italiana, véase U. Allegretti, Amministrazione pubblica e Costituzione, Cedam, Padova, 1996.

3 P. Cerbo, “Il potere di organizzazione della pubblica amministrazione tra legalità ed autonomia”, www.forumcostituzionale.it. Para una reconstrucción de los principios que rigen la relación entre administración pública y Gobierno en la Constitución italiana, vid. G.M. Salerno, “I rapporti tra Governo e Amministrazione: spunti ricostruttivi”, en Il Filangieri, Quaderno 2010, Jovene, Napoli, 2011, pp. 135 ss.

4 Sobre las razones de la crisis y las soluciones adoptadas para hacer frente a la crisis de los poderes reguladores vid. M. Siclari, “Crisi dei mercati finanziari, vigilanza, regolamentazione”, Riv. trim. dir. pubbl., nº 1, 2009, pp. 45 ss.; F. Merusi, “Il sogno di Diocleziano. Ruolo del diritto pubblico nelle crisi economiche”, Riv. trim. dir. ec., nº 1, 2013, pp. 9 ss.

5 Acerca de la evolución de las Constituciones y sus disposiciones pueden apreciarse, si se desea, las consideraciones introductorias y las referencias contenidas en mi trabajo “Nuove forme di cittadinanza nel costituzionalismo multilivello: gli sviluppi della giurisprudenza europea e costituzionale”, KorEuropa, nº 3, 2013, pp. 1 ss. Para un análisis de los principales conceptos sobre los que se funda la experiencia estatal en el nuevo orden global nos remitimos a S. Cassese, “Le trasformazioni dello Stato”, en S. Cassese, P. Schiera, A. von Bogdandy, Lo Stato e il suo diritto, il Mulino, Bologna, 2013, pp. 10 ss..

6 S. Rodotà, “Il pensiero debole dell’Europa che s’accontenta”, La Repubblica, 9 gennaio 2014, pp. 1, 28; A. Ruggeri, “Crisi economica e crisi della Costituzione”, www.giurcost.org, pp. 1 ss., especialmente pp. 14-15; G. Grasso, Il costituzionalismo della crisi. Uno studio sui limiti del potere e sulla sua legittimazione al tempo della globalizzazione, Editoriale scientifica, Napoli, 2012, pp. 21, 145 ss.; M. Luciani, “L’antisovrano e la crisi delle Costituzioni”, Riv. dir. cost., 1996, pp. 124 ss..

7 Este es el trabajo destacado del Derecho Constitucional. Nos remitimos a F. Balaguer Callejón, ““La crisi costituzionale in Europa”, en S. Mangiameli (a cura di), The european crisis. Interpretation and answers, Giuffré, Milano, 2012, p. 9; Id., La proiezione della Costituzione sull’ordinamento giuridico, trad. it. di A.M. Nico, Cacucci, Bari, 2012, pp. 70 ss.; Id., “Crisi economica e crisi costituzionale in Europa”, KorEuropa, nº 1, 2012, pp. 1 ss..

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Las agencias de «rating», «in primis», ponen cotidianamente en discusión la supremacía, y también la igualdad, de los Estados naciones en el tablero internacional. Inicialmente surgidas para resolver el problema de la asimetría informativa de los inversores en el mercado, se han apropiado autónomamente, en los últimos años, del poder de juzgar los presupuestos estatales según parámetros de naturaleza económico-financiera y política, alterando los equilibrios internacionales e indicando las políticas nacionales a adoptar. En consecuencia, la soberanía ya no divide sólo a los Estados naciones o, todo lo más, se comparte con las organizaciones supranacionales regionales. La circunstancia resulta singular si se tiene en cuenta que estas agencias – que deberían estar dotadas de un alto nivel de reputación en el mercado de los inversores por su especialización en el sector crediticio –, han apoyado la creación de los mismos productos financiaros desencadenantes de la crisis financiera8. Las agencias de «rating» aparecen como actores principales en el escenario global, hasta el punto de que, en 1996, el editorialista Thomas L. Friedman equiparó el poder de Moody’s al de los Estados Unidos de América en tanto que consideraba a ambos capaces de poder provocar efectos desastrosos en la escena global: los Estados Unidos a través de las bombas, Moody’s depreciando activos financieros9.

La crisis económica se convierte, por lo tanto, también en crisis consti-tucional, haciendo referencia, especialmente, al gradual y progresivo, casi irre-versible, proceso de deslegitimación asimétrico del poder político en beneficio de organismos técnicos y neutrales, que no están en condiciones de desarrollar la importante labor del Derecho Constitucional: de un lado, el de reconocer el pluralismo y el conflicto social y, de otro, de alcanzar acuerdo a través de procedimientos y principios que sean funcionales para la resolución del conflic-to10. De este modo, las medidas previstas, a cualquier nivel normativo, corren el riesgo de ampliar la distancia entre centros de poder de decisión y grupos sociales, alimentando el conflicto en lugar de conducirlo a la resolución11. Las

8 C. Pinelli, “L’incontrollato potere delle agenzie di rating”, www.costituzionalismo.it, nº 2, 2012, pp. 1 ss.; Id., “Le agenzie di rating nei mercati finanziari globalizzati”, Riv. trim. dir. econ., nº 4, 2012, pp. 229 ss.; A. Benedetti, “Le agenzie di rating tra crisi dei modelli di mercato e criticità dei processi di regolamentazione”, www.costituzionalismo.it, nº 2, 2012, pp. 1 ss.; G. Nori, “La sovranità degli Stati, il rating e le regole sulla concorrenza”, www.forumcostituzionale.it, pp. 1 ss.; L. Ammanati, “Mercati finanziari, società di rating e meccanismi di regolazione”, www.amministrazioneincammino.luiss.it, pp. 1 ss..

9 Sobre la capacidad del rating de alterar los equilibrios financieros y monetarios y de condicionar la agenda política de los Estados y de las organizaciones internacionales, nos remitimos a las observaciones críticas de G. Sirianni, “Il rating sovrano”, www.costituzionalismo.it, nº 2, 2012, pp. 1 ss..

10 Según F. Balaguer Callejón, ““La crisi costituzionale in Europa”, cit., p. 9, son dos las condiciones necesarias para que pueda hablarse de Derecho Constitucional. Sobre la necesidad del desarrollo constitucional para el reconocimiento del conflicto social y para su resolución, nos remitimos a las consideraciones del mismo A., La proiezione della Costituzione sull’ordinamento giuridico, trad. it. di A.M. Nico, Cacucci, Bari, 2012, pp. 70 ss..

11 Cfr. F. Balaguer Callejón, ““Una interpretación constitucional de la crisis economica”, ReDCE, nº 19, 2013, disponible on line en http://www.ugr.es/~redce/REDCE19/articulos/15_F_ BALAGUER.htm.

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políticas públicas estatales, por el contrario, intentan mantener la confianza de los mercados financieros para continuar teniendo acceso al crédito. Esto lo con-siguen a través del respeto a los vínculos europeos, con la participación en las sedes supranacionales (donde tales vínculos son definidos y donde se controla su observancia), y la confianza de los operadores económicos que requieren un incremento de competitividad de los países12.

Baste pensar en las cartas enviadas al Gobierno italiano y al español por el Presidente saliente, Jean Claude Trichet, y del entrante, Mariano Draghi, del BCE el 5 de agosto de 2011 indicando la necesidad de aprobar una serie de reformas estructurales, que hacían referencia a la liberalización de los servicios públicos locales y de las profesiones, las privatizaciones, el mercado de trabajo, el sistema de «welfare», y el sistema de contratación para mejorar la productividad. Las dos cartas se refieren a «l’avvenuto passaggio del potere d’indirizzo politico, nel campo della politica economica, ma con ricadute ovviamente a largo raggio sull’intero ventaglio d’azione dell’indirizzo politico, degli organi politici nazionali, rappresentativi politicamente, eletti in forma democratica, a un organo “tecnico”, non rappresentativo politicamente, né eletto democraticamente, e fortemente irresponsabile, in ragione della sua (pretesa indipendenza)»13.

La aprobación de las medidas previstas a nivel europeo y recibidas a nivel interno, en unos casos a través de modificaciones de la Constitución y en otros a través de previsiones de mecanismos de protección de los presupuestos más férreos14, no precedidas de un profundo debate parlamentario, en la presunta convicción de ser las únicas, además de las mejores soluciones posibles, demuestra, sin embargo, la disonancia de los actores políticos, también en el caso en que los mecanismos decisionales no hayan sido completamente sobrepasados, respecto de la opinión pública, que, de hecho, se expresa, por doquier, implícitamente con un voto de desconfianza frente a los partidos políticos tradicionales en beneficio de movimientos populistas15. Se tratan de aplicar, de hecho, los mecanismos de la ciencia económica al Derecho público y, también, incluso, al Derecho Constitucional, «esponendo come verità assolute ed inevitabili i postulati del modello economico vigente ed anche di una determinata politica económica»16, sin considerar, como subraya Francisco

12 G. Pitruzzella, “Crisi economica e decisioni di governo”, www.rivistaaic.it, nº 4, 2013, p. 5.13 G. Grasso, Il costituzionalismo della crisi, cit., pp. 82 ss.; Id., “Crisi dei mercati e sovranità dello Stato:

qualche elemento di discussione”, 16 luglio 2012, www.apertacontrada.it, p. 3.14 F. Bilancia, “Note critiche sul c.d. «pareggio di bilancio»”, www.rivistaaic.it, nº 2, 2012, p. 4.15 En sentido crítico respecto del desapoderamiento de los Parlamentos nacionales se expresa P. Caretti, “La

dimensione internazionale della crisi finanziaria e i suoi riflessi nelle istituzioni di cooperazione sovranazionale e sui rapporti tra queste e gli ordinamenti nazionali”, www.gruppodipisa.it, p. 5.

16 F. Balaguer Callejón, “L a dimensione costituzionale dello Stato sociale di Diritto”, de próxima publicación en Studi in onore del Professor Francesco Gabriele, trad. it. di T.N. Poli.

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Balaguer Callejón, que el «discorso economico sta conducendo così ad una situazione di «stand by» del Diritto costituzionale in molti paesi europei, con costituzioni normative che sono in sospeso in aspetti fondamentali tanto per quello che si riferisce ai “processi democratici” quanto per quello che colpisce la dimensione sociale»17.

3 LA PROLIFERACIÓN DE LOS APARATOS PÚBLICOS FRENTE A LA TRANSFORMACIÓN DE LA SOCIEDAD

En 1985 Massimo Severo Giannini había puesto su atención en la pérdida del monopolio de la administración del Estado central. Además del Estado central, identificaba, al menos, otros seis centros administrativos. Sin embargo, subrayaba que el Estado permanecía como el «centro político» di tutte le amministrazioni, conservando «una primaria centralità di affluenze»: el Estado, de hecho, era considerado el destinatario principal de toda la constelación de órganos que dependen de él en el ejercicio de funciones administrativas18.

Hasta ahora, aunque de modo diferente, al menos desde el nacimiento del Estado nación, con atribuciones progresivamente crecientes, las relaciones de la sociedad en la Europa continental habían sido reguladas por los aparatos públicos, reduciendo la incertidumbre en las relaciones sociales19. El paso del Estado liberal al Estado social, por ejemplo, ha supuesto la incorporación del Estado en la sociedad por un doble conjunto de razones: de un lado, el Estado monoclase se ha convertido en pluriclase20 y, de otro, el Estado ha intervenido directamente en la resolución de conflictos económicos y sociales para ree-quilibrar las distorsiones del funcionamiento del mercado21. En consecuencia, desde la Segunda Guerra Mundial en adelante, la promoción de los intereses ligados al Estado se ha manifestado prevalentemente a través de la intervención directa del Estado en la economía, puede decirse que a través de la responsa-bilización a los poderes públicos del conjunto del modelo de producción y de la asignación de los recursos, transfiriendo a la administración pública la labor de desarrollar la función distributiva, en lugar de dejarla al funcionamiento es-pontáneo del mercado. El desarrollo del Estado social, por lo tanto, ha supuesto

17 F. Balaguer Callejón, “La dimensione costituzionale dello Stato sociale di Diritto”, cit..18 M.S. Giannini, Il pubblico potere. Stati e amministrazioni pubbliche, il Mulino, Bologna, 1985, pp. 12 ss.19 Sobre la capacidad de las instituciones públicas para reducir la incertidumbre en las relaciones sociales y

favorecer el desarrollo de las relaciones productivas, nos remitimos a D.C. North, Istituzioni, cambiamento istituzionale, evoluzione dell’economia, il Mulino, Bologna, 2007, passim.

20 M.S. Giannini, Il pubblico potere, cit.21 J. Esteve Pardo, La nueva relacion entre Estado y sociedad, Marcial Pons, Madrid, 2013, passim; F. Balaguer

Callejón, “La dimensione costituzionale dello Stato sociale di Diritto”, cit.

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la expansión de la actividad de la administración pública y, en particular, de la actividad prestacional y de servicios22.

En las Constituciones normativas del Estado social de Derecho es perfectamente visible un mandato constitucional de este tipo. Se encuentran en las disposiciones relativas a las relaciones ético-sociales, económicas y políticas reconociendo para el conjunto del ordenamiento, incluida la administración pública, el deber de promover y favorecer el cumplimiento de prestaciones sociales. Se debe acoger, por lo tanto, la tesis de Umberto Allegretti, quien, aunque refiriéndose exclusivamente a la Constitución italiana, reconoce la existencia de una «doppia coestensività di Costituzione e amministrazione: la costituzione è coestensiva dell’amministrazione (la copre tutta); l’amministrazione è coestensiva della costituzione (ossia, in tutta la costituzione c’è – anche – una dimensione amministrativistica)»23.

La Constitución italiana concibe la administración pública como el instrumento privilegiado para la consecución de numerosos fines de interés público recopilados en ella y sintetizados en la fórmula del art. 3, prf. 2, de la Constitución a través del principio fundamental de igualdad real. Entre las intervenciones encomendadas a la República y, por lo tanto, a la administración pública, se pueden mencionar la tutela del paisaje y del patrimonio histórico- -artístico, el desarrollo de la cultura y de la investigación científica y técnica (art. 9), la iniciativa económica pública (art. 41, pár. 1), la gestión de los servicios públicos esenciales (art. 43), las obligaciones de garantizar las prestaciones sanitarias (art. 32), los derechos a la educación y al estudio (arts. 33 y 34), la protección social y la asistencia a los discapacitados (art. 38)24.

Los mismos argumentos sirven para otras Constituciones. La Constitución española, por ejemplo, incluye expresiones inequívocamente referidas a los poderes públicos: «aseguran la protección social, económica y jurídica de la familia» (art. 39), «promoverán las condiciones favorables para el progreso social y económico y para una distribución de la renta regional y personal más equitativa» (art. 40), «velará especialmente por la salvaguardia de los derechos económicos y sociales de los trabajadores españoles en el extranjero» (art. 42), «promoverán y tutelarán el acceso a la cultura» (art. 44), «garantizarán la conservación y promoverán el enriquecimiento del patrimonio histórico, cultural y artístico de los pueblos de España y de los bienes que lo integran» (art. 46), «garantizarán [...] la suficiencia económica a los ciudadanos durante la

22 Según E. Forsthoff, Stato sociale in trasformazione, Giuffré, Milano, 1973, el Estado social es obra de la legislación y de la administración, pero no es susceptible de integrarse en una estructura constitucional.

23 U. Allegretti, Amministrazione pubblica e Costituzione, cit., pp. 72 ss. y 100 ss., quien, a su vez, se remite a M. Nigro, “La pubblica amministrazione fra costituzione formale e costituzione sostanziale”, en Studi per Bachelet, Giuffré, Milano, 1980.

24 M. Cammelli, La pubblica amministrazione, il Mulino, Bologna, 2004, p. 81.

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tercera edad» (art. 50), «garantizarán la defensa de los consumidores y usuarios» (art. 51)25.

El Preámbulo de la Constitución de la V República francesa de 1958 establece expresamente en algunos enunciados el compromiso de la «Nación» en la promoción de tareas de interés general: asegura al individuo y a la familia las condiciones necesarias para su desarrollo; protege a todos los trabajadores, y, en particular, a los niños, a las madres y a los ancianos, la protección de la salud, la seguridad social, el reposo y el tiempo libre; garantiza a niños y adultos la instrucción, la formación profesional y la cultura. Prevé una labor del conjunto de la colectividad y, por lo tanto, no sólo de los poderes públicos, en la garantía a todos los seres humanos de medios adecuados de subsistencia.

Esta ordenación, descrita de forma general, ha caracterizado a las Constituciones normativas de la segunda posguerra, quienes han atribuido, de un lado, la primacía de las fuentes del derecho a la legislación y, de otro, han asignado a la administración pública la protección concreta de los intereses públicos. En otras palabras, se ha afirmado que «la legge prevede, l’amministrazione provvede»26. Las dos funciones, por tanto, están estrechamente relacionadas, como se advierte, con especial claridad, por ejemplo, en la Constitución italiana, a través de la constitucionalización del principio de legalidad que constituye título de legitimidad y límite al ejercicio de la función administrativa27.

El progresivo distanciamiento entre la economía y la fuerza reguladora del derecho estatal y la relativa pérdida de los Estados del monopolio de la creación jurídica como consecuencia del fenómeno de la globalización28 resitúan hoy, bajo nuevas perspectivas, el problema de la relación entre instituciones

25 Sobre el marco institucional de la administración pública española J.L. Melain Gil, “La administración pública a partir de la Constitución espa ñola del 1978”, Rev. Esp. Der. Const., nº 47, 1996, pp. 59 ss.; J. Suay Rincon, “Reflexiones sobre la posición de la Administración pública en la Constitución española de 1978. En particular, comentarios a los artículos 103.1 y 106.1 de la Constitución”, Rev. Der. Pol., nº 37, 1992, pp. 83 ss.; F. Garrido Falla, M. Baena Del Alcazar, R. Entrena Cuesta, La administración en la Costitución, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1980.

26 M. Cammelli, La pubblica amministrazione, cit., p. 12.27 F. Sorrentino, “Brevi riflessioni su sovranità popolare e pubblica amministrazione”, en www.

associazionedeicostituzionalisti.it. La subordinación de la administración a la ley y al control judicial constituye uno de los principios cardinales del Estado de Derecho. En la Ley Fundamental alemana se refieren tanto al sometimiento de la administración a la ley (art. 20 pár. 3) como al sometimiento al control judicial (art. 19 pár. 4 y 92 y ss.). Nos remitimos a M.D. Poli, “Il settore pubblico in Germania tra “continuità” e “trasformazioni”, www.amministrazioneincammino.luiss.it, p. 2. En la Constitución española el principio de legalidad es consagrado en el art. 103, mientras que el sometimiento de la actividad administrativa al control judicial está previsto en el art. 106. Al respecto, A. Aguilar Calahorro, “La dimensión del Estado y de las Administraciones públicas en España”, de próxima publicación en el nº 20 de la ReDCE.

28 Acerca del proceso de globalización de los mercados y, sobre todo, sobre la tensión entre derecho y economía vid. P. Grossi, “Globalizzazione, diritto, scienza giuridica”, en Il Foro It., nº 5, Parte 4, 2002, pp. 151 ss.; J.F. Sanchez Barrilao, “Derecho europeo y globalización: mitos y retos en la construcción del derecho constitucional europeo”, ReDCE, nº 12, pp. 115 ss..

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y evolución económica, teniendo en cuenta que los poderes públicos y sus estructuras administrativas, desde siempre, se han ocupado del gobierno de la economía29. Por un lado, de hecho, la crisis de la soberanía estatal en sentido vertical y en sentido horizontal dificulta reconducir el denominado sistema multinivel en una síntesis unitaria30, por otro, las Constituciones decimonónicas – que tendían a apropiarse de la política, aspirando a la realización de un proyecto pre-elaborado mediante la predisposición de un papel activo del Estado en la economía –, ceden el paso a fenómenos de autoorganización frente a la complejidad de una sociedad que no trata ya de darse por supuesta como una realidad predefinida31.

Se aprecian, simultáneamente, algunos procesos que se pueden reagrupar en tres categorías: el fin del viejo modelo de intervención de la economía, la introducción de las relaciones internacionales y comunitarias y las dinámicas internas. En una primera aproximación, todas ellas se pueden reconducir al fenómeno más amplio de la «deregulation»32. Las liberalizaciones del mercado, la privatización de las empresas públicas, la creación de autoridades de regulación, la deslegalización y la aparición de nuevas fuentes del derecho constituyen, a título meramente ejemplificativo, índices del progresivo retraimiento del derecho público en comparación con la actividad de dirigismo parcial o total de sectores de la economía que antaño condicionaban o limitaban la actividad económica privada.

En este sentido, resulta oportuno preguntarse si el Estado – que, quizás, ha perdido o está progresivamente perdiendo la capacidad de intervenir directamente en muchos sectores de la regulación de la vida pública –, tiene todavía la posibilidad de incidir, al menos, indirectamente, a través de actividades de regulación o, por lo menos, si es todavía el destinatario final de todas las directrices que emanan de las nuevas organizaciones administrativas institucionales y espontáneas33. Es posible constatar, en principio, que los

29 Sobre la relación histórica entre los poderes públicos y las relaciones económicas nos remitimos a M. D’Alberti, Poteri pubblici, mercati e globalizzazione, il Mulino, Bologna, 2008, pp. 15 ss..

30 A. Ruggeri, “CEDU, diritto ‘eurounitario’ e diritto interno: alla ricerca del ‘sistema dei sistemi’”, www.gruppodipisa.it, passim.

31 Respecto de la dificultad de las Constituciones para ordenar y regular los fenómenos políticos y sociales nos remitimos a M. Carducci, “Sulla economia politica del costituzionalismo «multilivello»”, en G. Rivosecchi, M. Zuppetta (a cura di), Governo dell’economia e diritti fondamentali nell’Unione europea, Cacucci, Bari, 2010, pp. 103 ss.; M. Azpitarte Sánchez, “La función de la Constitución en el contexto contemporáneo”, ReDCE, nº 12, pp. 171 ss.

32 G. Di Plinio, Il common core della deregulation, Giuffré, Milano, 2004; C.P. Guarini, “Riflessioni in tema di regolazione del mercato attraverso autorità indipendenti”, en F. Gabriele, G. Bucci, C.P. Guarini (a cura di), Il mercato, le imprese, i consumatori, Cacucci, Bari, 2002, pp. 187 ss.

33 Se preguntan acerca de este aspecto, G. Amato, “Il costituzionalismo oltre i confini dello Stato”, Riv. trim. dir. pubbl., nº 1, 2013, p. 2; F. Gabriele, “Processi di decisione multilivello e governo dell’economia: alla ricerca della sovranità economica”, en F. Gabriele, M.A. Cabiddu (a cura di), Governance dell’economia e integrazione europea. Processi di decisione politica e sovranità economica, Vol. I, Giuffré, Milano, 2008, pp. 3 ss.

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Estados nación no desaparecen, si bien, cambian en función de los intereses de la economía y, en consecuencia, del mercado: el mercado, de hecho, se convierte en un productor de novedades jurídicas, y en el creador del nuevo marco institucional34.

En este nuevo ámbito institucional surge, además, la cuestión de si el proceso de liberalización de los mercados y desregulación del derecho público, especialmente a través de la adopción de elementos propios del derecho privado, suponen una reordenación de las Constituciones nacionales de la segunda posguerra, corrigiendo los defectos de la forma del Estado social y democrático de Derecho, o bien favorecen e, incluso, aceleran su progresivo desmantelamiento y su definitiva desaparición.

4 UN NUEVO “HORIZONTE” PARA LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA

4.1 el fIn del vIeJo Modelo de IntervencIón en lA econoMíA: lA IrrupcIón de lA gobernAnzA y del derecho AdMInIstrAtIvo globAl

Actualmente, después de casi treinta años desde el intento de Massimo Severo Giannini de enumerar los aparatos administrativos, resulta difícil sobremanera llevar la cuenta de todas las administraciones («rectius» los aparatos administrativos) que, en el tiempo, han sido creados e indicar, de un modo exhaustivo, sin olvidar ninguna, todas las administraciones, dada la creciente y penetrante difusión de los centros de poder tanto a nivel vertical por la erosión de la soberanía estatal hacia arriba y hacia abajo, como a nivel horizontal por la promoción de la actividad de los individuos, singulares y asociados, para el desarrollo de actividades de interés general.

Ante todo, es preciso destacar, como ha subrayado la reciente crisis económico-financiera y se ha aludido anteriormente, que la democracia representativa, que encontraba sus coordenadas propias en el instrumento legislativo, cede el paso a instrumentos de gobernanza35, especialmente a nivel internacional, que encuentran salida en inéditas modalidades de producción normativa, el denominado «soft law». Gobernanza y «soft law» están, de hecho, diametralmente opuestos respecto a los aspectos caracterizadores del Estado constitucional de Derecho, incorporados en las Constituciones normativas de la segunda posguerra. La administración por ministerios, estrechamente vinculada por una relación de producción y responsabilidad frente al circuito democrático,

34 M.R. Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione. Diritto e diritti nella società transnazionale, il Mulino, Bologna, 2000, p. 14, 20 ss.

35 Sobre el concepto de governance en contraposición al de government véase D. Urania Galetta, “Trasparenza e governance amministrativa nel diritto europeo”, en Riv. it. dir. pubbl. com., nº 1, 2006, pp. 265 ss.; M.R. Ferrarese, La governance tra politica e diritto, il Mulino, Bologna, 2010, p. 7.

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ha sido sustituida parcialmente por centros de poder sub-nacionales, nacionales y supranacionales, de elevado carácter técnico que, en la mayor parte de los casos, están desvinculados de cualquier relación de responsabilidad con los titulares del poder representativo; las formas de producción normativa de naturaleza pública, especialmente la ley del Parlamento, son reemplazadas por recomendaciones internacionales que se desarrollan en la relaciones entre los nuevos agentes del derecho internacional36. Estas últimas no son vinculantes, no expresan obligaciones, sino propósitos y están dirigidas a facilitar la cooperación entre los países miembros de las diversas organizaciones37.

La crisis fiscal del Estado, causada por la imposibilidad de continuar alimentando expectativas sociales, y la ampliación del mercado, debida a los fenómenos de interdependencia de la economía a escala planetaria, imponen, en consecuencia, el nacimiento de nuevos poderes públicos globales y regionales. El FMI (Fondo Monetario Internacional), la OMC (Organización Mundial del Comercio), la ONU (Organización de Naciones Unidas), las organizaciones de base regional, como la Unión Europea, el NAFTA («North American Free Trade Agreement») en el área norteamericana, el Mercosur (Mercado Común del Sur) en el área latinoamericana, la ASEAN («Association of South-East Asian Nations») en el área del sudeste asiático, las grandes empresas multinacionales, las ciudades globales como New York y Londres, constituyen, a título meramente ejemplificativo, la manifestación más nítida de la crisis del control de la política estatal sobre la economía y de su relativa transferencia a sedes orgánicas superiores a la dimensión de ésta o, incluso, más simplemente, a su supresión38.

En este nuevo contexto los procesos decisionales no irradian de arriba a abajo según los esquemas tradicionales. El proceso descrito determina el fin de las características específicas del Estado democrático de Derecho de la segunda posguerra: el ocaso de la concepción de la supremacía de los Parlamentos nacionales y de la centralidad de la ley, la disolución de la clara diferenciación entre derecho público y derecho privado y, en última instancia, la crisis de la división de los poderes del Estado39.

Los nuevos sujetos internacionales, en tanto que sujetos que desarrollan una actividad de interés general, por una parte, están dotados de una administración, de recursos y de procedimientos; de otra parte, inciden en el

36 Sobre este proceso nos remitimos a M.R. Ferrarese, La governance tra politica e diritto, cit.; I.M. Marino, “Diritto, amministrazione, globalizzazione”, en Dir. ec., nº 1, 2005, pp. 25 ss.

37 L. Perrotti, “Le organizzazioni internazionali”, en Trattato di diritto amministrativo, cit., pp. 1741-1742.38 M.R. Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione, cit., pp. 101 ss.; F. Cocozza, Diritto pubblico applicato

all’economia, Giappichelli, Torino, 2007, pp. 75 ss.; S. Cassese, La nuova Costituzione economica, Laterza, Roma-Bari, 2008, pp. 291 ss.; Id., La crisi dello Stato, Laterza, Roma-Bari, 2002, p. 37; E. Sciso, Appunti di diritto internazionale dell’economia, Giappichelli, Torino, 2007, pp. 7 ss.

39 M.R. Ferrarese, La governance tra politica e diritto, cit., pp. 21 ss.

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derecho administrativo nacional. De hecho, los ordenamientos internos están, en grado cada vez mayor, obligados a respetar un derecho establecido desde fuera del Estado y pierden la exclusividad de sus funciones. Las organizaciones internacionales influyen en el reparto de las funciones nacionales y, según su poder normativo y decisional, sobre el ejercicio de estas mismas funciones, inspirando la orientación, los procedimientos y los institutos jurídicos. Las administraciones nacionales, a su vez, se convierten en los principales órganos de ejecución periféricos de estos organismos, instaurando con ellos un proceso comunicativo de “fecunda fertilización” de institutos jurídicos40. Ello sucede especialmente en el proceso de integración europea, en tanto que éste no se produce solo por vía normativa, a través de la producción de contenidos que se insertan directamente en los ordenamientos de los Estados miembros, sino también por vía administrativa, puesto que los aparatos administrativos – como los jueces- de cada país miembros son llamados a darles ejecución directa como órganos de la Unión41.

La globalización, además, produce la difusión de un conjunto de técnicas derivadas del sector privado para la mejora de la eficiencia del sector público. Éstas son sintetizadas por la doctrina mediante la fórmula del «new public management», en referencia a una revolución directiva mediante la instauración de procesos de «agencification, de marketisation, de customer orientation, de orientación a los resultados, de mejora de la gestión financiera (value for money), de outsourcing»42.

4.2 lA fugA del derecho AdMInIstrAtIvo InducIdA por el proceso de IntegrAcIón europeo

El originario orden internacional, basado en la igualdad de los Estados, ha sido sustituido por un nuevo orden mundial al que se asoman nuevas organizaciones que no funcionan según las lógicas democráticas.

Las organizaciones internacionales, como los entes públicos económicos privatizados, se han organizado según las reglas propias del derecho privado. El FMI y el BM (Banco Mundial) han sido sometidos a los principios propios de las empresas, de ahí que las decisiones sean adoptadas en base a la mayoría del capital suscrito por los Estados miembros en lugar de la mayoría de los votos expresados por los Estados miembros43. En consecuencia, las líneas directrices del orden mundial son siempre expresadas por los países que ostentan la

40 L. Perrotti, op. cit., pp. 1716-1717, 1721.41 Sobre la evolución del derecho administrativo europeo, nos remitimos a S. Cassese, “La signoria comunitaria

sul diritto amministrativo”, en Riv. it. dir. pubbl. com., nº 2-3, 2002, pp. 291 ss.42 M. Savino, “Le riforme amministrative”, en Trattato di diritto amministrativo, cit., pp. 2279-2280.43 F. Galgano, La forza del numero e la legge della ragione. Storia del principio di maggioranza, il Mulino,

Bologna, 2007, pp. 209 ss.

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mayoría del accionarado de estas organizaciones44. Se asiste, pues, a una progresiva privatización de las formas de producción jurídica que «porta con sé uno scivolamento di potere dagli stati alle forze economiche dei mercati»45.

La liberalización de los intercambios y el desarrollo de las finanzas han liberado a los operadores económicos de los límites fijados por los Estados y han creado una distancia insuperable entre los límites del derecho estatal y la expansión de la economía46. El rápido desarrollo de la técnica favorece, por lo tanto, un proceso de transformación del orden internacional a través del cual las fronteras estatales son sustituidas por nuevos contornos que no son fijados por la política sino por la economía47. Ya no son, por lo tanto, los poderes estatales quienes determinan la disciplina aplicable a las relaciones económicas, sino que el derecho aplicable lo eligen las empresas multinacionales48. Se produce, así, el denominado «shopping law system», en virtud del cual los empresarios deslocalizan la producción allí donde pueden obtener las condiciones más favorables respecto del coste del trabajo y los beneficios fiscales49. De modo reflejo, con el fin de obtener inversiones e incrementar la competitividad del país a nivel global, los Estados tratan de atraer a las empresas mediante la adopción de sistemas fiscales y de protección social más favorables50.

Las raíces de esta dinámica global se localizan en el proceso de financiarización de la economía a escala internacional y en la integración europea a nivel supranacional. De hecho, como consecuencia de la crisis de los acuerdos de «Bretton Woods», fundados en la condición del dólar como standard monetario indiscutible sobre los cambios fijos y sobre la función reguladora y crediticia del FMI, la decisión estadounidense, madurada tras el brusco desarrollo de la economía alemana y japonesa, de sustituir el sistema de cambios fijos por otro de cambios flexibles, cuya determinación ha sido vinculada a las fluctuaciones de las monedas en los mercados internacionales para recuperar competitividad a nivel internacional, ha iniciado una fase de

44 L. Ronchetti, “Il nomos della deterritorializzazione”, en Riv. dir. cost., 2003, p. 110.45 M.R. Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione, cit., p. 61.46 Sobre la tensión entre derecho y economía, véase nº Irti, Norma e luoghi. Problemi di geo-diritto, Laterza,

Roma – Bari, 2004, p. 9; Id., “Tramonto della sovranità e diffusione del potere”, Dir. soc., nº 3-4, 2009, pp. 473 ss.

47 Esta es la opinión expresada por L. Ronchetti, op. cit., p. 114. Acerca de la transformación del derecho internacional se pronuncia también E. Sciso, op. cit., p. 4. También M.R. Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione, cit., p. 94.

48 Sobre la divergencia entre Derecho constitucional y el proceso de globalización, V. Teotonico, “Globalizzazione e Welfare State. Dal declino delle politiche sociali alle prospettive del loro rinnovamento”, en F. Gabriele, G. Bucci, C.P. Guarini (a cura di), Il mercato: le imprese, le istituzioni, i consumatori, pp. 379 ss.

49 nº Irti, Norma e luoghi. Problemi di geo-diritto, cit., p. 84; U. Beck, Che cos’è la globalizzazione? Rischi e prospettive della società planetaria, trad. it. de E. Cafagna e C. Sandrelli, Carocci, Roma, 2009, p. 15.

50 Cfr. M.S. De Vries, “L’attacco allo Stato. Un confronto di idee”, en Riv. it. dir. pubbl. com., nº 6, 2000, pp. 1229 ss.

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interdependencia económica mundial también como consecuencia de la liberalización de los movimientos de capitales51.

Los Estados, a fin de protegerse de los riesgos de la interconexión entre las economías, han procedido a acelerar los procesos de integración económica regional. La superposición de las reglas elaboradas a nivel comunitario ha modificado profundamente los textos de las Constituciones nacionales. De hecho, la Comunidad económica europea (ahora Unión Europea), aunque nacida con una finalidad estrictamente económica, ha incluido de manera notable en todos los tratados formas peculiares de la acción estatal.

Según un sector de la doctrina el proceso de integración europea habría provocado una modificación en sentido sustancial de las Constituciones de los Estados miembros como consecuencia de las cláusulas de apertura al derecho de emanación europea, hasta el punto de provocar una re-lectura de las disposiciones constitucionales relativas a las relaciones económicas y sociales. De hecho, resulta una opinión usual, la de que el ordenamiento comunitario (ahora europeo), nacido de una concepción económica eminentemente neoliberal, se ha centrado en el valor del mercado y de la concurrencia52. Francesco Cocozza ha afirmado al respecto, que la Constitución italiana ha sido heterointegrada por el principio fundamental del mercado de la constitución europea y de sus axiomas, los cuatro principios de libertad de circulación (mercancías, capitales, servicios y trabajadores)53, junto a la convicción de que, a pesar de que los Tratados propugnan la neutralidad relativa a la propiedad y a la gestión de las empresas (art. 222 TCE), la iniciativa económica debería ser estrictamente privada54.

La realización de estos objetivos ha sido perseguida a través de un recorrido de reformas en los Estados miembros que trataban de obtener los siguientes resultados:

1. Que el derecho privado sustituya a los estatutos especiales de derecho público aplicables a las empresas públicas;

51 Sobre el sistema de Bretton Woods y sobre el proceso de progresiva financiarización de la economía a escala mundial vid. G. Bucci, “La sovranità popolare nella trappola delle reti multilivel”,www.costituzionalismo.it, pp. 10 ss.

52 F. Cocozza, “Riflessioni sulla nozione di Costituzione economica”, Dir. ec., 1992, p. 90; S. Cassese, “La Costituzione economica europea”, Riv. it. dir. pubbl. com., nº 6, 2001, p. 908.

53 F. Cocozza, Incidenza del diritto delle Comunità europee sul diritto pubblico nazionale dell’economia, en F. Gabriele, G. Bucci, C.P. Guarini (a cura di), Il mercato: le imprese, le istituzioni, i consumatori, cit., p. 77. Sostiene que, de este modo, se ha adoptado un modelo económico lejano del seleccionado por la mayor parte de las democracias occidentales de la segunda posguerra, I. Ciolli, Le ragioni dei diritti e il pareggio di bilancio, Aracne, Roma, 2012, pp. 30 ss.

54 G. Amato, “Autorità semindipendenti ed autorità di garanzia”, en Riv. trim. dir. pubbl., 1997, p. 657.

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2. Que la forma jurídica de la sociedad privada ocupe el lugar de los instrumentos de intervención de los poderes públicos (haciendas públicas, entes públicos económicos);

3. Que el contrato sustituya al acto unilateral del poder público (la medida administrativa de autoridad);

4. Que en lugar de la medida unilateral intervengan acuerdos entre los sujetos de derecho público o entre estos últimos y los privados;

5. Que la instauración de autoridades administrativas independientes sustituya a la autoridad administrativa tradicional controlada por el poder político55.

5 LA TRANSFERENCIA DE FUNCIONES ADMINISTRATIVAS A LOS CIUDADANOS: EL PRINCIPIO DE SUBSIDIARIEDAD

La consagración del principio de subsidiariedad horizontal56, además del vertical, en el art. 5 TUE, favorece la participación de los individuos en el ejercicio de funciones de la administración con la consiguiente reducción de las actividades, especialmente prestacionales, de los aparatos públicos57. Ello

55 Sobre este intento de enumeración nos remitimos a F. Cocozza, Diritto pubblico applicato all’economia, cit., p. 67.

56 A decir verdad, los Tratados no consagran expresamente el principio de subsidiariedad horizontal sino únicamente el de subsidiariedad vertical. No obstante, la doctrina ha identificado numerosos rasgos reconducibles a supuestos de subsidiariedad horizontal, que hacen referencia, especialmente, a las disposiciones que tratan de aproximar las decisiones a los ciudadanos y a la regulación de las relaciones desarrolladas en materia económica y la tutela del mercado competitivo. Sobre el intento de localizar el principio de subsidiariedad en su versión horizontal en los Tratados europeos nos remitimos a L. Grimaldi, Il principio di sussidiarietà tra ordinamento comunitario e ordinamento interno, Cacucci, Bari, 2006, pp. 105 ss. y 132 ss. Una muestra del principio de subsidiariedad horizontal se podría encontrar en el art. 5 del Protocolo (nº 2) sobre la aplicación de los principios de subsidiariedad y proporcionalidad cuando dispone que «Los proyectos de actos legislativos tendrán debidamente en cuenta la necesidad de que cualquier carga, tanto financiera como administrativa, que recaiga [...] sobre los agentes económicos o los ciudadanos sea lo más reducida posible y proporcional al objetivo que se desea alcanzar».

57 Sobre el principio de subsidiariedad en el ordenamiento italiano vid. A. D’Atena, “Costituzione e principio di sussidiarietà”, Quad. cost., nº 1, 2001, pp. 13 ss.; L. Antonini, “Il principio di sussidiarietà orizzontale: da Welfare State a Welfare Society”, Riv. dir. fin. e sc. fin., nº 1, 2000, pp. 99 ss.;. T.E. Frosini, “Profili costituzionali della sussidiarietà in senso orizzontale”, Riv. giur. Mezz., nº 1, 2000, pp. 15 ss.; I. Massa Pinto, “Spunti per una riflessione sul ruolo del principio di sussidiarietà nel rapporto tra Unione Europea e soggetti subnazionali”, en T. Groppi (a cura di), Principio di autonomia e riforma dello Stato, Giappichelli, Torino, pp. 77 ss.; V. Cerulli Irelli, voz “Sussidiarietà (diritto amministrativo)”, en Enc. Giur. Trecc., Vol. XXX, Agg., Giuffré, Milano, 2003, pp. 1 ss. Sobre la progresiva implementación del principio de subsidiariedad en los ordenamientos europeos vid. G.F. Ferrari, “Federalismo, regionalismo e decentramento del potere in una prospettiva comparata”, Le Reg., nº 4, 2006, pp. 625 ss. Sobre el principio de subsidiariedad en clave comparada: en el ordenamiento jurídico español vid. F. Balaguer Callejón, “Il principio di sussidiarietà nella Costituzione spagnola e negli Statuti di autonomia, nella prospettiva europea”, www.amministrazioneincammino.luiss.it, pp. 1 ss.; en el ordenamiento alemán vid. D. Schefold, “Democrazia e sussidiarietà nell’esperienza tedesca”, en G.C. De Martin (a cura di), Sussidiarietà e democrazia. Esperienze a confronto e prospettive, Cedam, Padova, 2008, pp. 135 ss.; en el ordenamiento portugués vid. M.S. D’Oliveira Martins, “Democrazia e sussidiarietà. Esperienze, problemi e prospettive. Il caso portoghese”, www.amministrazioneincammino.luiss.it, pp. 1 ss.

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debería comportar una obligación de abstención de los poderes públicos de intervenir en los ámbitos prestacionales y de actividad en los que la iniciativa privada, con o sin fin de lucro, parece capaz de satisfacer espontáneamente las exigencias y las necesidades provenientes de la sociedad. Valoriza, en otras palabras, la autónoma administración de los ciudadanos de cara a la realización de finalidades de interés general, como consecuencia de la reducción del papel de los poderes públicos en las actividades económicas y del reconocimiento de una competencia general y prioritaria del individuo en materia económica. Se afirma, por lo demás, que a través del principio de subsidiariedad horizontal se habría introducido el principio institucional del mercado58, un principio superior al de la libre iniciativa económica y sus corolarios.

En realidad, la introducción de dicho principio no puede reducirse a su aplicación en el ámbito de las relaciones exclusivamente económicas. Afecta al paradigma bipolar que había caracterizado al derecho administrativo, asignando un papel preeminente a la administración pública, y que se basaba en la construcción de la dicotomía según la cual los intereses públicos son satisfechos por sujetos públicos y los privados por sujetos privados59. Constituye la manifestación, quizás más evidente, de la que José Esteve Pardo define como «nueva relación entre Estado y sociedad»60 a través de la progresiva transferencia de funciones administrativas al sector privado61 y, al mismo tiempo, determinaría también la que Umberto Allegretti ha definido como «desoggettivizzazione» de la administración pública por los aparatos públicos, fruto de la traslación del concepto de administración poder a la administración función a través de una interpretación no sólo formal sino especialmente material de la Constitución normativa62.

El principio, sea en su versión vertical u horizontal, puede ser definido en una doble acepción: de un lado, es posible identificar un nivel preferencial de ejercicio de las funciones administrativas, del otro, la decisión en favor del nivel más próximo a los ciudadanos parece relativizada por la posibilidad de atracción de las funciones a niveles superiores. La combinación de la intervención de

58 Según ciertas interpretaciones, de hecho, sería posible individualizar el principio de subsidiariedad horizontal, de modo indirecto, a través de una reconstrucción de las disposiciones de los Tratados en materia económica. Cfr. A. Moscarini, “Sussidiarietà e libertà economiche”, Dir. soc., 3, 1999, pp. 433 ss.; L. Grimaldi, op. cit., pp. 137 ss. Sobre la introducción del principio del mercado y de la competencia en Constituciones no reformadas nos remitimos a G. Amato, “Il mercato nella Costituzione”, Quad. cost., nº 1, 1992, p. 16; G. Guarino, “Pubblico e privato nella economia. La sovranità tra Costituzione ed istituzione comunitarie”, Quad. cost., nº 1, 1992, p. 32.

59 S. Cassese, “L’arena pubblica. Nuovi paradigmi per lo Stato”, Riv. trim. dir. pubbl., 2001, p. 602.60 J. Esteve Pardo, La nueva relacion entre Estado y sociedad, cit., pp. 85 ss.61 J. Esteve Pardo, “La extension del derecho público: una reacción necesaria”, Rev. Admin. Públ., nº 189,

2012, p. 14.62 U. Allegretti, Amministrazione pubblica e Costituzione, cit., pp. 108 ss.. Sobre la relación entre función

administrativa e intereses públicos nos remitimos a P.G. Mattarella, “L’attività”, en Trattato di diritto amministrativo, cit., pp. 702 ss.

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los poderes públicos y de los ciudadanos supone «un nuovo modo (inedito) di amministrare»63, representado por la confluencia entre lo público y lo privado que persiguen objetivos de interés general64. Estos sujetos, aun cuando sean privados, participan en el ejercicio de actividades de interés general, en la observancia de especiales medidas de regulación o en la aplicación de las mismas normas previstas para la administración pública. Por ejemplo, la normativa italiana sobre el procedimiento administrativo impone a los sujetos privados encargados del ejercicio de actividades administrativas asegurar el respeto de los principios generales, nacionales y comunitarios, de la actuación administrativa (art. 1, pár. 1 ter., Ley de 7 de agosto de 1990, nº 241)65. Por otro lado, sin embargo, el principio de subsidiariedad se inserta en una dinámica dirigida a aproximar las instituciones a la comunidad y, en consecuencia, a los ciudadanos que son los principales destinatarios. En cualquier caso, sea en la primera o en la segunda versión, es posible, por tanto, identificar un claro valor material del principio que se traduce en un criterio de preferencia en las relaciones con el ciudadano, singular o asociado, que se convierte en el parámetro frente al que se compara tanto la idoneidad de los diversos niveles de gobierno como la obligación de favorecer la autónoma iniciativa de los individuos en el desarrollo de actividades de interés general66.

El principio, por lo demás, ha recibido, progresivamente, reconocimiento constitucional, tanto en su versión vertical como en la horizontal, en algunas de las Constituciones de los países miembros de la Unión Europea, especialmente para hacer frente a la crisis fiscal de las finanzas públicas y favorecer la ejecución por parte de las entidades locales y los particulares de las funciones sociales67, e incluso podrían identificarse algunos indicios en Constituciones no reformadas68.

63 G. Arena, “Il principio di sussidiarietà orizzontale nell’art. 118, u.c. della Costituzione”, www.astrid-online.it, p. 22.

64 Para representar esta confluencia entre lo público y lo privado se habla de «tercer sector». Sobre este aspecto nos remitimos a M. Buquicchio, “Profili pubblicistici nell’evoluzione del “Terzo settore” tra economia e sussidiarietà”, en L. Chieffi (a cura di), Il Processo di integrazione europea tra crisi di identità e prospettive di ripresa, Giappichelli, Torino, 2009; G. Tiberi, “La disciplina costituzionale del terzo settore”, en www.astridon-line.it, pp. 1 ss.; S. De Gotzen, “Volontariato, sussidiarietà, pluralismo sociale e la tentazione del dirigismo (ancora sulla riforma della normativa sul volontariato – osservazioni sulla bozza governativa del 17 settembre 2003 di riforma della l. 266/91)”, Ist. fed., nº 5, 2003, pp. 918 ss.

65 Art. 1, par. 1 ter, Ley de 7 de agosto de 1990 nº 241: «I soggetti privati preposti all’esercizio di attività amministrative assicurano il rispetto dei criteri e dei principi di cui al comma 1, con un livello di garanzia non inferiore a quello cui sono tenute le pubbliche amministrazioni in forza delle disposizioni di cui alla presente legge». Sobre este aspecto vid. S. Pellizzari, “Il principio di sussidiarietà orizzontale nella giurisprudenza del giudice amministrativo: problemi di giustiziabilità e prospettive di attuazione”, Ist. fed., nº 3, 2011, pp. 609 ss.

66 Sobre el valor material y no sólo procedimental del principio vid. A.M. Poggi, “Il principio di sussidiarietà e il “ripensamento” dell’amministrazione pubblica”, www.astridon-line.it, pp. 1 ss.; G. Tiberi,op. cit., pp. 15 ss.

67 G.U. Rescigno, “Sussidiarietà e diritti sociali”, Dir. pubbl., nº 1, 2002, pp. 5 ss.68 Sobre estos intentos en la Constitución española vid. F. Balaguer Callejón, “Il principio di sussidiarietà”, cit.,

pp. 7 ss.

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6 LA INTRODUCCIÓN DE MODELOS PRIVATISTAS Y LAS AUTORIDADES ADMINISTRATIVAS INDEPENDIENTES

El proceso de liberalización de los mercados y de privatizaciones de las empresas públicas comienza a principios de los años ochenta del pasado siglo en virtud de las políticas neoliberales inspiradas en los Estados Unidos de América por Ronald Reagan y en el Reino Unido por Margaret Thatcher. Dicho fenómeno ha resultado, además, favorecido por la convicción de que, a pesar de que los Tratados propugnen la neutralidad respecto de la propiedad y de la gestión de las empresas, la iniciativa económica debe ser estrictamente privada. El art. 106 TFUE impone, de hecho, a los Estados miembros, no adoptar ni mantener respecto de las empresas públicas ninguna medida contraria a la libre competencia y al principio de no discriminación. Se requiere, por tanto, que se aplique el principio de neutralidad (y, en consecuencia, de indiferencia) del proceso de integración de los Estados miembros de la Unión Europea respecto a la intervención pública en la economía. Esto resulta especialmente destacable habida cuenta de que las empresas encargadas de la gestión de servicios de interés económico general o que tienen el carácter de monopolio han sido sometidas a las normas del Tratado69.

La reducción de las empresas públicas tiene lugar a través de la privatización, primero formal y después material. La primera no constituye un redimensionamiento del aparato organizativo público sino únicamente la sustitución de los regímenes especiales de derecho administrativo por modalidades organizativas privatistas; la segunda determina la cesión efectiva de las participaciones accionariales públicas a sujetos privados70. No obstante, ésta no se produce de manera uniforme en todos los países europeos. Adquiere dimensiones importantes en Italia, España y Francia pero no en Alemania por la resistencia de los sindicatos del sector, reticentes a la transferencia de las empresas públicas al régimen común del derecho privado71.

El fenómeno descrito favorece la consiguiente expansión, en los Países de tendencias liberales, de autoridades administrativas independientes,

69 F. Cocozza, Diritto pubblico applicato all’economia, cit., p. 67.70 Acerca del proceso de privatización de las empresas públicas en Italia nos remitimos a S. Cassese, La nuova

Costituzione economica, cit., pp. 217 ss.; A.M. Nico, Omogeneità e peculiarità nei processi di privatizzazione, Cacucci, Bari, 2001; B. Cavallo, “La privatizzazione degli enti pubblici economici”, en F. Gabriele, G. Bucci, C.P. Guarini (a cura di), Il mercato, le imprese, i consumatori, cit., pp. 53 ss.; M. Clarich, “Privatizzazioni e trasformazioni in atto nell’amministrazione italiana”, Studi e note di economia, nº 1, 1996, pp. 21 ss.; A. Colavecchio, “Privatizzazioni e liberalizzazione nel settore dei servizi pubblici: cause d’origine e condizioni d’attuazione”, Amministrazione e politica, nº 5-6, 1998, pp. 661 ss.. Sobre el proceso de privatización en España, nos remitimos a A. Troncoso Reigada,Privatización, empresa pública y Constitución, Marcial Pons, Madrid, 1997; A.M. Nico, “Le privatizzazioni in Spagna”, en R.G. Rodio (a cura di), Le privatizzazioni in Europa, en Trattato di diritto amministrativo (dir. G. Santaniello), Cedam, Padova, 2003, pp. 397 ss.; S. Martín-Retortillo Baquer, “Reflexiones sobre las privatizaciones”, en Rev. Adm. Públ., nº 144, 1997, pp. 7 ss.

71 M.D. Poli, “Il settore pubblico in Germania tra “continuità” e “trasformazioni”, cit., p. 8.

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organismos de derecho público a los que se encomienda la actividad de regulación en los respectivos sectores de actividad. La liberalización de los servicios de interés económico general no supone la ausencia de intervención pública en la actividad de regulación de la economía, sino la asunción de una nueva forma de intervención consistente en el ejercicio de una actividad de vigilancia respecto de los usuarios/consumidores72. El Estado no puede dejar, de hecho, a los competidores entre sí con el peligro de que se puedan producir monopolios u oligopolios, sin perjuicio de que existen valores e intereses que no son tutelados por el mercado. Éste es el caso, por ejemplo, de la tutela de la dignidad humana, de la protección del medio ambiente, etc.73.

De una lado, pues, se constata la enajenación de sectores completos de servicios vinculados al monopolio estatal o de algún modo proporcionados o suministrados por sujetos públicos, sea en régimen de derecho administrativo, o sea en régimen de derecho común; de otro lado, sin embargo, son establecidas las autoridades de regulación del mercado, quienes fijan las reglas de funcionamiento, organización y control de la prestación de los servicios públicos.

El desarrollo de las autoridades administrativas independientes plantea el problema de su cualificación y de su ubicación en el ordenamiento constitucional de los Estados miembros de la Unión Europea. Desarrollándose sobre el modelo de las «indipendent regulatory commissions americanas»74, las características heterogéneas de las diversas autoridades y la falta de una previsión constitucional hacen difícil la aplicación de reglas generales. Las autoridades administrativas independientes están diferenciadas del poder gubernativo de dirección política en contraste con los ordenamientos europeos de tipo monista como Francia e Italia, donde todas las administraciones son aparatos al servicio del Gobierno y del Ministro responsable de su ministerio ante el Parlamento.

No obstante, en algunos ordenamientos, a fin de otorgar un fundamento constitucional a las autoridades de regulación, atendiendo a la respectiva atribución de poderes normativos secundarios, se han realizado reformas constitucionales: el art. 267.3 de la Constitución portuguesa prevé la posibilidad de crear autoridades administrativas independientes mediante ley; el

72 También existen, sin embargo, motivaciones de carácter interno para la expansión de organismos de regulación del mercado. En Italia, especialmente en los años 90, la crisis del sistema de partidos ha favorecido su nacimiento para evitar las degeneraciones de los condicionamientos y de las degradaciones de la política. Cfr. M. Cammelli, La pubblica amministrazione, cit., p. 79.

73 D. Notaro, Autorità indipendenti e norma penale. La crisi del principio di legalità nello Stato policentrico, Giappichelli, Torino, 2010, p. 11.

74 Sobre el modelo americano y sobre la progresiva confluencia de los modelos, nos remitimos a G. Di Plinio, Il common core della deregulation, cit., pp. 34 ss.; E. Vírgala Foruria, “Agencias (y Agencias reguladoras) en la Comunidad Europea”, ReDCE, nº 5, 2006, pp. 145 ss.. Sobre la génesis y los caracteres del modelo estadounidense nos remitimos a C.P. Guarini, Contributo allo studio della regolazione indipendente del mercato, Cacucci, Bari, 2005, pp. 163 ss., y a las referencias doctrinales allí citadas.

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art. 101.A de la Constitución griega ha establecido la duración del mandato de los componentes de tales organismos75.

En otros ordenamientos, sin embargo, a falta de una referencia constitucional expresa que legitime la posibilidad de instituir órganos que deroguen el principio de responsabilidad ministerial, la doctrina y la jurisprudencia han tratado en vano de encontrar un fundamento sobre la base de una interpretación sistemática de algunas disposiciones constitucionales.

En Italia76, una parte de la doctrina ha intentado justificar el nacimiento de estas instituciones apoyándose en el principio de la mayor descentralización administrativa (art. 5)77 y sobre el principio de separación entre la política y la administración (arts. 97 y 98)78. No obstante, el art. 118 de la Constitución, en su nueva formulación consecuencia de la reforma del Título V, identifica los diferentes niveles territoriales a los que corresponde el ejercicio de las funciones administrativas sin mencionar las autoridades independientes. El reconocimiento de los principios de legalidad, de imparcialidad y de buen funcionamiento (art. 97) y aquél según el cual la actividad administrativa está al servicio de la Nación (art. 98) han permitido elaborar la distinción entre funciones de «indirizzo» reservadas a los órganos de gobierno, y funciones de gestión, reservadas al aparato administrativo, pero no permite lograr legitimar la total independencia del Gobierno teniendo en cuenta la elección constitucional de un modelo de administración pública de cuño ministerial.

Otra parte de la doctrina, sin embargo, ha fundamentado en la particular significación de algunos derechos constitucionales, que destacan en determina-dos sectores, la reclamación de una especial actividad de garantía que no puede ser desarrollada a través del ejercicio de la normal actuación administrativa. Siguiendo esta teoría, estas instituciones serían instituciones de la libertad y re-

75 E. Vírgala Foruria, “Los organismos reguladores en la crisis económica: su reformulacíon en la ley de economía sostenibile”, Rev. Esp. Der. Const., nº 94, 2012, p. 70. Desde una perspectiva comparada nos remitimos a G. Grasso, “L’anomalia di un “modello”: le autorità (amministrative) indipendenti nei Paesi membri dell’Unione europea. Prime ipotesi per un “inventario”, Il Politico, nº 2, 2000, pp. 261 ss.; Id., “Spunti per uno studio sulle Autorità amministrative indipendenti: il problema del fondamento costituzionale (Italia, Francia, Stati Uniti d’America)”, Quad. reg., 1993, pp. 1303 ss.

76 Sobre la naturaleza jurídica de los organismos de regulación y su compatibilidad con el ordenamiento estatal italiano, vid. ex multis, C.P. Guarini, Contributo allo studio della regolazione indipendente del mercato, cit., pp. 187 ss.; Id., “Riflessioni in tema di regolazione del mercato mediante autorità indipendenti”, en F. Gabriele, G. Bucci, C.P. Guarini (a cura di), Il mercato, le imprese, i consumatori, Cacucci, Bari, 2002, pp. 233 ss.; M. Cuniberti, “Autorità amministrative indipendenti e Costituzione”, Riv. dir. cost., 2002, pp. 3 ss.; F. Donati, “Le autorità indipendenti tra diritto comunitario e diritto interno”, www.associazionedeicostituzionalisti.it; A. Riviezzo, “Autorità amministrative indipendenti e ordinamento costituzionale”, Quad. cost., nº 2, 2005, pp. 321 ss.; F. Merusi, M. Passaro, Le autorità indipendenti, il Mulino, Bologna, 2011.

77 Cfr. A. Predieri, L’erompere delle autorità amministrative indipendenti, Firenze, 1992, pp. 52 ss.78 M. Cuniberti, “Autorità amministrative indipendenti e Costituzione”, Riv. dir. cost., 2002, pp. 56 ss.

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cibirían su propia legitimación en la primera parte de la Constitución, dedicada a los derechos y las libertades fundamentales79.

Análogamente, en el ordenamiento español80, la cuestión principal se refiere a la compatibilidad de las autoridades de regulación del mercado con el art. 97 de la Constitución, que establece que «el Gobierno dirige [...] la Administración civil». La independencia de las autoridades administrativas independientes contradice la actividad de dirección del Gobierno en las relaciones con la Administración, prevista en la Constitución.

Se ha afirmado al respecto, que las autoridades serían órganos administrativos no sujetos al poder de dirección política del Gobierno en virtud de la voluntad expresamente manifestada por la Ley81. Se objeta, sin embargo, que la creación de autoridades independientes no puede ignorar la previsión de la dirección por el Gobierno de la actividad administrativa que se concreta principalmente en dos mecanismos, el nombramiento y el cese de los altos cargos de la administración pública y la capacidad de dictar instrucciones a los organismos que componen la organización administrativa. Considerando que ambos mecanismos no están previstos para los organismos de regulación sino que, todo lo más, se contempla una actividad de dirección del Gobierno muy reducida que permite, únicamente en situaciones particulares, remover o no renovar a sus miembros, la doctrina española más rigurosa sostiene su inconstitucionalidad y la consiguiente necesidad de una reforma constitucional que los legitime constitucionalmente82.

En Francia, el Consejo de Estado y el Consejo Constitucional se han pronunciado a favor de la constitucionalidad de los organismos de regulación. A pesar de que éstos no estén previstos en la Constitución y sean difícilmente conciliables con el principio de división de poderes, especialmente con las previsiones al respecto de los arts. 20 par. 2 y 21 pár. 383, la Constitución no impide que puedan ser creadas otras autoridades administrativas, que gozan de

79 G. Amato, “Autorità semi-indipendenti e autorità di garanzia”, cit., pp. 645 ss.80 Sobre la compatibilidad de las autoridades de regulación en el ordenamiento español, vid. E. Vírgala Foruria,

“Las Autoridades administrativas independientes en España: su regulación jurídica”, en P. Chirulli, R. Miccù (a cura di), Il modello europeo di regolazione. Atti della giornata di studio in memoria di Salvatore Cattaneo, Jovene, Napoli, 2011, pp. 289 ss.; A. Eizmendi Amayuelas, “Ultimas tendencias de la administración independiente espa ñola”, R.V.A.P., nº 91, 2011, pp. 147 ss.; L. Pomed Sanchez, “Fundamento y naturalezza juridica de las Administraciones indipendientes”, en Rev. Adm. Públ., nº 132, 1993, pp. 117 ss.; E. Garcia Llovet, “Autoridades administrativas indipendientes y Estado de derecho”, Rev. Adm. Públ., nº 131, 1993, pp. 61 ss.; J.M. Sala Arquer, “El Estado neutral. Contribución al estudio de las administraciones independientes”, Rev. Esp. Der. Adm., nº 42, 1984, pp. 401 ss..

81 F. López Ramón, “El Consejo de Seguridad Nuclear: un ejemplo de administración independiente”, Rev. Adm. Públ., nº 126, 1991, p. 193.

82 E. Vírgala Foruria, “Las Autoridades administrativas independientes en España: su regulación jurídica”, cit.83 G. Grasso, “Spunti per uno studio sulle Autorità amministrative indipendenti: il problema del fondamento

costituzionale (Italia, Francia, Stati Uniti d’America)”, cit., pp. 1325 ss.

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una independencia relativa desde la perspectiva de que no están sustraídas a la responsabilidad del Gobierno84.

La dificultad de encontrar un fundamento para las autoridades en las Constituciones nacionales ha llevado a la doctrina a reconducir su creación a ámbito el ordenamiento comunitario85. La normativa europea permite, de hecho, en ciertos sectores, también el ejercicio de poderes normativos por parte de las Autoridades independientes, constituyendo un fundamento de legitimación que satisfaría el principio de legalidad, a pesar de que estos poderes vengan atribuidos a órganos que difícilmente son compatibles con la arquitectura constitucional interna y que, por lo demás, no reciben ninguna legitimación democrática de tipo representativo86. El derecho de carácter supranacional no impone un modelo uniforme de autoridad de regulación de los diferentes sectores del mercado, dejando a los Estados miembros la adaptación de la creación de estos organismos a las peculiaridades del propio ordenamiento político- -constitucional. Establece, sin embargo, un modelo, cuya configuración en los ordenamientos de carácter monista implica necesariamente, una atenuación del principio de responsabilidad ministerial y la sustitución de una relación de responsabilidad respecto de las instituciones comunitarias.

7 LA DESLOCALIZACIÓN TERRITORIAL DE LAS FUNCIONES ADMINISTRATIVAS

La modernización de la administración pública se ha manifestado, especialmente en Europa, a través de la aprobación y la realización de reformas constitucionales y legislativas descentralizadoras que han afectado a los niveles intermedios de gobierno (por ejemplo, Regiones o Comunidades Autónomas) pero también a los entes locales. Casi al mismo tiempo, se ha evidenciado un proceso de reforma de los poderes locales en los principales países de la Unión Europea: en España en 1985, en Italia en 1990, en Gran Bretaña en 1992 y en el 2000, en Francia en 1992 y en 200387.

84 Conseil constitutionnel, Decisiones 84-1973, de 26 de Julio de 1984; 86-217, de 18 de septiembre de 1986; 86-224, de 23 de enero de 1987; 88-248, de 17 de enero de 1989.

85 Es posible mencionar en favor de dicha tesis, al menos, una referencia textual en la normativa italiana relativa a la regulación de la competencia. El art. 1, pár. 4, de la Ley de 10 de octubre de 1990, nº 287 prevé, de hecho, que «L’interpretazione delle norme contenute nel presente titolo (norme sulle intese, sull›abuso di posizione dominante e sulle operazioni di concentrazione) è effettuata in base ai principi dell›ordinamento delle Comunità europee in materia di disciplina della concorrenza».

86 Sobre la relevancia de las autoridades independientes en la normativa europea vid. P. Bilancia, “Autorità amministrative indipendenti e processo di integrazione europea”, en F. Gabriele, G. Bucci, C.P. Guarini (a cura di), Il mercato, le imprese, i consumatori, cit., pp. 17 ss.; nº Longobardi, “Le autorità amministrative indipendenti nel diritto globale”, www.amministrazioneincammino.luiss.it, pp. 1 ss..

87 En general, sobre los procesos de descentralización del poder político y administrativo a nivel periférico en los Estados miembros de la Unión Europea, nos remitimos a M. Caciagli, Regioni d’Europa. Devoluzioni, regionalismi, integrazione europea, il Mulino, Bologna, 2003.

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El proceso de descentralización de las funciones administrativas responde a un proyecto, inspirado por la Unión Europea, de aproximación de la administración a los ciudadanos, ofreciendo nuevas formas de participación política a la dirección política de la administración pero también permitiendo una mayor participación directa de los ciudadanos en la actividad administrativa. Por este motivo, muchas Constituciones incorporan el principio de subsidiariedad vertical. El art. 5, pár. 3 TUE, de hecho, establece que «En virtud del principio de subsidiariedad, en los ámbitos que no sean de su competencia exclusiva, la Unión intervendrá sólo en caso de que, y en la medida en que, los objetivos de la acción pretendida no puedan ser alcanzados de manera suficiente por los Estados miembros, ni a nivel central ni a nivel regional y local, sino que puedan alcanzarse mejor, debido a la dimensión o a los efectos de la acción pretendida, a escala de la Unión». En base a la interpretación de esta norma el escalón territorial más próximo a los ciudadanos, el local, es titular de la competencia administrativa general. Todos los demás niveles territoriales resultan titulares de las funciones administrativas que les corresponden en base al principio de subsidiariedad vertical y al principio de proporcionalidad88. La previsión de formas más o menos acentuadas de autonomía regional o local tiene que afrontar, sin embargo, la tradición centralizadora de algunos Países. La Constitución de la V República francesa, por ejemplo, no distribuye directamente las competencias del Estado y de los entes sub-estatales, dejando la determinación de los principios fundamentales de autogobierno de las colectividades territoriales a la ley (art. 34.3)89.

Por otro lado, la descentralización política y la multiplicación de los niveles de gobierno dan lugar a una creciente interdependencia de las políticas entre los distintos niveles. La fragmentación de la administración resulta, pues, un factor de complicación, reclamando la introducción de instrumentos de acuerdo y de cooperación tanto horizontal (entre sujetos institucionales situados al mismo nivel) como vertical (entre sujetos institucionales situados en distinto nivel). Los diferentes niveles de gobierno, por lo tanto, no pueden considerarse aisladamente, debiendo colaborar en el ejercicio de las propias funciones, sobre todo en circunstancias en las que se requiere una atracción de las tareas hacia escalones más altos de la administración por razón de exigencias de carácter unitario.

No obstante, el análisis de la organización de la administración pública nos permite distinguir dos modelos teóricos de organización territorial de las funciones administrativas: el primero de origen germánico, denominado

88 Vid. Supra par. 5.89 K. Blairon, “La dimensión del Estado y de las Administraciones públicas en perspectiva comparada. El caso

francés”, de próxima pubblicación en el nº 21 de la ReDCE, pp. 9, 24.

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federalismo de ejecución, en el que la función ejecutiva no sigue necesariamente a la legislativa, pudiendo ser atribuida al ente que no posee la correspondiente función legislativa; el segundo de derivación estadounidense, que es definido por la doctrina con la expresión administración dual90, en el que cada entidad de gobierno desarrolla sus propias funciones en las materias de competencia legislativa que tiene asignadas91.

La Ley fundamental incorpora el denominado federalismo de ejecución92: el art. 83 GG asigna la ejecución de las leyes federales a los «Länder» y a sus administraciones, salvo que la Ley fundamental disponga o permita otra cosa93. Sin embargo, resultan raras las disposiciones constitucionales que asignan la competencia para desarrollar las leyes federales directamente a la Federación94. En estos casos, antes de la reforma federal de 2006, la ejecución de las leyes federales por parte de los «Länder» podía ser bloqueada sólo por una ley federal aprobada por ambas cámaras del Parlamento alemán. Sin embargo, para evitar que el «Bundesrat» se opusiera a la ejecución de las leyes federales, a modo de aquellos monocamerales, la reforma del federalismo ha introducido un mecanismo más flexible, atribuyendo la ejecución de las leyes federales a la competencia exclusiva del «Bundestag» salvo algunas hipótesis excepcionales95.

Los demás ordenamientos constitucionales siguen, como máxima, el principio de la administración dual. De este modo, se respeta el principio de la

90 El ordenamiento estadounidense ha pasado, sin embargo, de un modelo de federalismo de tipo dual a un federalismo de tipo «cooperativo», cuyo momento decisivo puede ser identificado en los años treinta de 1900, o lo que es lo mismo, en los años del New Deal. La Gran Depresión requirió una respuesta nacional que se tradujo en múltiples intervenciones para la recuperación económica. No obstante, el Tribunal Supremo, únicamente tras algunas vacilaciones, ha abandonado la teoría del federalismo dual para abrazar el cooperativo, también sobre la base de una interpretación extensiva de la Commerce Clause. Nos remitimos a L. Stroppiana, Stati Uniti, il Mulino, Bologna, 2006, pp. 104 ss.

91 Acerca de esta distinción vid. R. Bifulco (a cura di), Ordinamenti federali comparati. II. America Latina, India, Europa, Unione Europea, Giappichelli, Torino, 2012, p. 339.

92 Otro ordenamiento que adopta el federalismo de ejecución es el austríaco. Sin embargo, ha sido considerado lleno de lagunas debido a un reparto de competencias «intrincado, hiperdetallado y totalmente desequilibrado en favor de la Federación». La Constitución federal austríaca prevé cuatro tipos de reparto de competencias: la federal a través de la legislación y ejecución (art. 10 B-VG), la federal mediante la actividad legislativa y regional mediante la ejecución (art. 11 c. 1 B-VG), la del Bund mediante la legislación de principio y los Länder a través de la legislación de aplicación y de la ejecución (art. 12 B-VG), y, finalmente, la regional tanto por la legislación como por la ejecución (art. 15 B-VG). Nos remitimos a F. Palermo, “Il federalismo austriaco: un cantiere sempre aperto”, www. issirfa.cnr.it.

93 Art. 83 GG: «Los Länder ejecutarán las leyes federales como asunto propio, salvo que la presente Ley Fundamental determine o admita otra cosa».

94 Distingue en cinco grupos la competencia administrativa residual de la Federación M. D. Poli, “La Administración pública en Alemania: principios, etapas evolutivas y sostenimento del sistema frente a la crisis”, de próxima publicación en el nº 20, 2013, de la ReDCE.

95 [95] A. Anzon Demmig, “La “modernizzazione” del federalismo in Germania: spunti di riflessione per l’attuazione e l’aggiornamento del regime delle competenze legislative nell’ordinamento italiano”, www.federalismi.it, 11 ottobre 2006, p. 6; G. Piccirilli, “Föderalismusreform e ruolo del Bundesrat: la genesi della revisione costituzionale tedesca del 2006 e la riduzione delle leggi “bicamerali”, www.amministrazioneincammino.luiss.it, pp. 5-6; J. Woelk, “Eppure si muove: la riforma del sistema federalismo fiscale tedesco”, Ist. fed., nº 2, 2007, pp. 201 ss.

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correspondencia de las funciones legislativas y las funciones administrativas de los diferentes niveles de gobierno enumerados en la Constitución.

El ordenamiento constitucional español es un caso de este tipo. La administración estatal española sigue el modelo de administración dual y se subdivide en diferentes planos: central, estatal, y periférico que, a su vez, se subdivide en autonómico y provincial. Se distinguen, de hecho, competencias exclusivas del Estado que tienen por objeto tanto el ejercicio de la función legislativa como la ejecución, las competencias compartidas con la definición de los principios fundamentales por el Estado y del resto de la normativa legislativa y ejecutiva por parte de las Comunidades Autónomas, las competencias compartidas que tienen por objeto la legislación por parte del Estado y la ejecución por parte de las Comunidades Autónomas y, en última instancia, las competencias exclusivas, legislativas y ejecutivas, de las Comunidades Autónomas96.

La Constitución, sin embargo, no define las materias de competencia de las Comunidades Autónomas, remitiendo su delimitación a los Estatutos de Autonomía dentro de los límites fijados por la Constitución97. En algunos casos, aunque la competencia legislativa corresponde al Estado central, la Constitución atribuye su ejecución directa a las Comunidades Autónomas. Éste es el caso, por ejemplo, de la materia relativa a la legislación laboral98.

La Constitución italiana, con posterioridad a la reforma del Título V, ha abandonado el denominado principio del paralelismo que implicaba el ejercicio por parte de las Regiones, de las funciones administrativas en las mismas materias de competencia legislativa99. Difícilmente subsumible en uno de los dos modelos anteriormente indicados, adopta «un sistema di amministrazione diffusa nella società»100 en el que las relaciones entre los diferentes niveles de gobierno no se articulan a través del principio de jerarquía sino del principio

96 Sobre esta distinción en el ordenamiento español nos remitimos a F. Balaguer Callejón (dir.), G. Camara Villar, J.F. López Aguilar, M.L. Balaguer Callejón, J.A. Montilla Martos, Manual de derecho constitucional, Vol. I, Tecnos, Madrid, 2010, pp. 348-349.

97 Art. 147.2,d) de la Constitución española: «Los Estatutos de Autonomía deberán contener: [...] las competencias asumidas dentro del marco establecido por la Constitución y las bases para el traspaso de los servicios correspondientes a las mismas».

98 Art. 149.1.7ª de la Constitución española: «El Estado tiene competencia exclusiva sobre las siguientes materias: [...] Legislación laboral; sin perjuicio de su ejecución por los órganos de las Comunidades Autónomas».

99 Art. 118.1 de la Constitución italiana (anterior a reforma): «Corresponden a las Regiones las funciones administrativas relativas a las materias enumeradas en el artículo anterior, salvo las de interés exclusivamente local, que pueden ser atribuidas por las leyes de la Republica a las Provincias, a los Municipios o a otros entes locales».

100 M. Picchi, L’autonomia amministrativa delle Regioni, Giuffrè, Milano, 2005, p. 468.

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de subsidiariedad, adecuación y diferenciación, consagrados en el texto constitucional desde la reforma del Título V101.

A tales efectos, se deben distinguir la potestad reglamentaria del Estado y de las Regiones y el ejercicio de las funciones administrativas.

El art. 117.6 de la Constitución italiana atribuye expresamente el ejercicio de la potestad reglamentaria a las Regiones en las materias de competencias compartidas, además de en aquellas exclusivas o residuales. En las de competencia legislativa estatal, sin embargo, la potestad reglamentaria reside en el Estado, salvo delegación en las Regiones. Los Municipios, las Provincias y las Ciudades metropolitanas tienen potestad reglamentaria respecto de la organización y el desarrollo de las funciones que tienen asignadas102.

Por lo que se refiere al ejercicio de las funciones administrativas es el Municipio el ente dotado de competencia administrativa general salvo que, para asegurar el ejercicio unitario, sea conferida a Provincias, Ciudades Metropolitanas, Regiones o Estado, sobre la base de los principios de subsidiariedad, diferenciación y adecuación103. El mecanismo original italiano puede ser definido como móvil: la enumeración de las competencias establecidas en la Constitución debe ser leída sistemáticamente con la interpretación del principio de subsidiariedad proporcionada por la Corte constitucional104.

La Corte constitucional, en la Sentencia nº 303 de 2003, ha definido el principio de subsidiariedad como «un meccanismo dinamico che finisce col rendere meno rigida [...] la stessa distribuzione delle competenze legislative»105, a pesar de que ésta se refiera exclusivamente a las funciones administrativas. A tal fin, reclama exigencias unitarias que recorren también contextos caracterizados por un acentuado pluralismo institucional como la «konkurriende Gesetzgebung» en el ordenamiento constitucional alemán o la «supremacy clause» en el ordenamiento federal estadounidense. La sentencia, en particular, reconoce que la fuerza de atracción de la subsidiariedad no puede dejar de tener consecuencias sobre el ejercicio de la función legislativa. El principio de legalidad, de hecho, impone que las funciones administrativas asumidas por la subsidiariedad sean organizadas y reguladas por la ley estatal,

101 Sobre los principios rectores de la administración periférica en Italia nos remitimos a M. Cammelli, “I raccordi tra i livelli istituzionali”, Ist. fed., nº 2, 2010, pp. 309 ss..

102 V. Cerulli Irelli, C. Pinelli, “Normazione ed amministrazione nel nuovo assetto costituzionale dei pubblici poteri”, www.astridon-line.it, pp. 36 ss.

103 Art. 118.1 de la Constitución italiana: «Se asignan a los Municipios las funciones administrativas, a menos que, para asegurar su ejercicio unitario, se encomienden a las Provincias, Ciudades metropolitanas, Regiones y al Estado en virtud de los principios de subsidiariedad, de diferenciación y de adecuación”.

104 A. D’Atena, “Tra Spagna e Germania: i modelli storici del regionalismo italiano”, en Scritti in onore di Aldo Loiodice, Cacucci, Bari, 2012, p. 351.

105 Corte cost., Sent. 303 de 2003 ( cons. in dir. 2.1 ).

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aunque comprendan ámbitos de las competencias regionales106, siempre que, como consecuencia de un procedimiento, «la valutazione dell’interesse pubblico sottostante all’assunzione di funzioni regionali da parte dello Stato sia proporzionata, non risulti affetta da irragionevolezza alla stregua di uno scrutinio stretto di costituzionalità, e sia oggetto di un accordo stipulato con la Regione interessata»107.

8 LA CONSTITUCIONALIZACIÓN DEL EQUILIBRIO PRESUPUESTARIO Y LA RENOVADA CENTRALIZACIÓN: EL ESTADO DE NUEVO PROTAGONISTA

El inicio de la descentralización administrativa en Europa había establecido las premisas para el definitivo ocaso de la histórica regla «unità politica = unità amministrativa»108 y para la consagración del pluralismo institucional paritario. Como sucede a menudo, sin embargo, en las crisis económico-financieras los Estados nacionales han asumido la tarea de «Stato salvatore»109 a fin de reconstruir los equilibrios económicos y sociales que podían resultar irremediablemente afectados. En este contexto han realizado los gastos las autonomías regionales y locales, así como el correspondiente ejercicio de las funciones administrativas. No se trata de un acontecimiento localizable en un país, sino, por el contrario, de un fenómeno difundido en toda el área europea110. La percepción de la situación se aprecia en las afirmaciones del Presidente de la Conferencia de las Regiones italianas, Vasco Errani, el 27 de septiembre de 2011, quien, en una especie de despedida fúnebre, ha afirmado que «il federalismo è morto», comentando la reducción del rating de once entes territoriales italianos por parte de la agencia Standard and Poor’s, como consecuencia de los efectos de las medidas económicas realizadas por el gobierno central en los últimos años111.

La constitucionalización del equilibrio presupuestario en las Constituciones de los Países miembros de la Unión Europea112, recomendada (o

106 Define como «único» en la perspectiva comparada el mecanismo adoptado por el legislador de la revisión constitucional A. D’Atena, “Tra Spagna e Germania: i modelli storici del regionalismo italiano”, cit., p. 351.

107 Corte cost., Sent. 303 del 2003 ( cons. in dir. 2.2 ). Acerca de este pronunciamiento véanse los comentarios de A. D’Atena, “L’allocazione delle funzioni amministrative in una sentenza ortopedica della Corte costituzionale”, Giur. cost., nº 3, 2003, pp. 2776 ss.; A. Anzon, “Flessibilità dell’ordine delle competenze legislative e collaborazione tra Stato e Regioni”, ivi, pp. 2782 ss.; A. Moscarini, “Sussidiarietà e Supremacy clause sono davvero perfettamente equivalenti?”, ivi, pp. 2791 ss.; A Gentilini, Dalla sussidiarietà amministrativa alla sussidiarietà legislativa, a cavallo del principio di legalità”, ivi, pp. 2805 ss..

108 M. Cammelli, La pubblica amministrazione, cit., p. 85.109 G. Napolitano, “Il nuovo Stato salvatore: strumenti di intervento e assetti istituzionali”, Giorn. dir. amm.,

nº 10, 2008, pp. 1083 ss.110 Sobre los efectos de la crisis económico-financiera sobre el sistema de las autonomías locales en Europa y la

consecuente racionalización del sistema local, nos remitimos al número monográfico de Ist. Fed., nº 3, 2012.111 G. Gardini, “Editoriale. Le autonomie ai tempi della crisi”, Ist. fed., nº 3, 2011, p. 457.112 Sobre la constitucionalización del equilibrio presupuestario, desde una perspectiva comparada, en los

diferentes ordenamientos de la Unión Europea vid. C. De Caro, “La limitazione costituzionale del debito in

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mejor impuesta) por las previsiones de los nuevos instrumentos de gobernanza europeos113, ha terminado por poner en riesgo los resultados alcanzados en relación a la asignación y distribución periférica de las funciones administrativas en virtud de la perniciosa ecuación «riduzione della spesa = riduzione dell’autonomia» a nivel periférico.

El modelo de referencia alemán, introducido a través de la reforma del «Föderalismusreform II» de 2009114, se difunde, con sus virtudes y defectos, en todos los ordenamientos constitucionales. El conocido art. 109, pár. 3 GG, establece expresamente que los presupuestos de la Federación y los «Länder» deben estar equilibrados, prohibiendo el recurso a cualquier préstamo. El legislador constitucional, sin embargo, diferencia la posición de la Federación y de los «Länder»: para la Federación, el equilibrio presupuestario deberá considerarse respetado también cuando el endeudamiento no supere el límite del 0,35% del producto interior bruto nominal; por el contrario, a los «Länder» no les está permitido recurrir a ninguna forma de endeudamiento, aunque la Ley Fundamental se remita a su autonomía para la regulación de los detalles en el ámbito de las competencias que tienen atribuidas115. La nueva regulación introduce una importante novedad en las relaciones entre centro y periferia que no podrá evitar desplegar efectos sobre la evolución de la forma de Estado. Como ha subrayado Raffaele Bifulco, de hecho, una parte de la reforma constitucional

prospettiva comparata: un confronto tra Francia e Spagna”, in AA.VV., Costituzione e pareggio di bilancio, Jovene, Napoli, 2011, pp. 267 ss.; I. Ciolli, “I Paesi dell’Eurozona e i vincoli di bilancio. Quando l’emergenza economica fa saltare gli strumenti normativi ordinari”, www.rivistaaic.it, nº 1, 2012; A. Pirozzoli, “Il vincolo costituzionale del pareggio di bilancio”, ivi, nº 4, 2011; D. De Grazia, “Crisi del debito pubblico e riforma della Costituzione”, IANUS, nº 7, 2012, pp. 153 ss.; G. Delledonne, “Financial Constitutions in the EU: From the Political to Legal Constitution?”, STALS Research Paper, nº 5, 2012, pp. 8 ss.; M.A. Orlandi, “Vincoli di bilanci europei e ordinamenti dei Paesi dell’Europa centro orientale”, www.forumcostituzionale.it, pp. 1 ss.

113 El art. 3, pár. 2, del Tratado de Estabilidad, Coordinación y Gobernanza en la Unión económica y monetaria (denominado “fiscal compact”) establece expresamente que la “regla del equilibrio presupuestario” deberá ser incorporada en los ordenamientos jurídicos nacionales, preferiblemente a nivel constitucional, en un plazo de un año desde la entrada en vigor del Tratado. Sobre los instrumentos de governance europeos derivados de la crisis económico-financiera v. F. Fabbrini, “Il Fiscal compact: un primo commento”, Quad. cost., nº 2, 2012, pp. 434 ss.; M.P. Chiti, “La crisi del debito sovrano e le sue influenze per la governance europea, i rapporti tra Stati membri, le pubbliche amministrazioni”, Riv. it. dir. pubbl. com., nº 1, 2013, pp. 1 ss.; A. Bar Cendón, “La reforma constitucional y la gobernanza económica de la Unión Europea”, Teoría y realidad costitucional, nº 30, 2012, pp. 59 ss.; F. Donati, “Crisi dell’euro, governance economica e democrazia nell’Unione Europea”, www.rivistaaic.it, nº 2, 2013, pp. 1 ss.

114 Para un cuadro sintético: Servizio Studi del Senato, La riforma costituzionale tedesca del 2009 (Föderalismusreform II) e il freno all’indebitamento, aprile 2011, nº 287. Sobre algunos comentarios respecto de la introducción de la regla de equilibrio presupuestario en Alemania v. R. Bifulco, “Il pareggio di bilancio in Germania: una riforma costituzionale postnazionale?”, www.rivistaaic.it, nº 3, 2011, pp. 1 ss., R. Perez, “La nuova disciplina del bilancio in Germania”, www.astrid.eu, pp. 1 ss.; M. Kölling, “Los límites de la deuda pública según la reforma de la Ley fundamental alemana del 2009”, enREAF, nº 16, 2012, pp. 74 ss.; A. Arroyo Gil, “La reforma constitucional de 2009 de las relaciones financieras entre la Federación y los Länder en la República Federal de Alemania”, REAF, nº 10, 2010, pp. 40 ss.

115 El único medio de compensación de la mayor rigidez respecto de los Länder proviene de la circunstancia de que para éstos la nueva constitución (y por lo tanto, la previsión de la medida más rigurosa que impide recurrir a cualquier medio de endeudamiento sobre el producto bruto de sus propios Presupuestos), no resulta aplicable, según prevé el art. 143d, pár. 1 GG, hasta el 1 de enero de 2020.

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puede producir el efecto de evitar situaciones de endeudamiento para los «Länder» que puedan conducirlos a la quiebra; de otro lado, la reducción de la capacidad de gasto de los entes federados se repercute en la capacidad de realizar inversiones, considerando especialmente que algunas materias – que constituyen el motor del Estado social- son competencia de los «Länder»116.

Esta diferencia estructural de regulación entre centro y periferia se re-produce claramente también en las reformas constitucionales heteroimpuestas, adoptadas en Italia y en España. En Italia, la reciente reforma constitucional, que entrará en vigor durante el ejercicio financiero de 2014, ha enriquecido la regulación del presupuesto, previendo en una serie de disposiciones el prin-cipio de equilibrio presupuestario (arts. 81, 97 y 119 Const.)117. La regulación excesivamente rigurosa en virtud de la previsión de parámetros más férreos de los impuestos a nivel supranacional118, reproduce una preferencia por el Estado: el Estado se reapropia de la competencia legislativa y ejecutiva en materia de «armonización de los presupuestos públicos» (art. 117, pár. 2, letra e), que se transforma de competencia concurrente en exclusiva, terminando por ratificar a nivel constitucional lo que la jurisprudencia de la Corte Constitucional había ya afirmado. La decisión nº 70 de 2012, de hecho, ha anticipado la aprobación de la Ley constitucional de introducción del equilibrio presupuestario, declarando inconstitucional una Ley de Presupuestos de la Región de Campania por falta de respeto a la obligación de cobertura de los gastos al que refiere el art. 81, pár. 4 Const., y por contravenir los principios contables del Estado y la coordinación

116 R. Bifulco, “Il pareggio di bilancio in Germania”, cit, p. 3.117 La Ley constitucional nº 1 de 2012 ha modificado el texto de los arts. 81, 97 y 119 Const. Únicamente por

vía indirecta era posible deducir de la antigua redacción del art. 81, pár. 4 Const. el principio del equilibrio presupuestario. Éste establecía que «Cualquier otra ley que imponga nuevos y mayores gastos deberá indicar los medios para hacerles frente». La nueva regulación, sin embargo, establece el principio del equilibrio presupuestario para el Estado previendo la posibilidad de recurrir al endeudamiento previa autorización de las Cámaras, adoptada por mayoría absoluta de los miembros, en el supuesto de circunstancias excepcionales. El principio de equilibrio presupuestario se convierte, pues, en regla de oro del sistema constitucional italiano, considerado que éste se establece, en el sentido del art. 97 Const., para todas las administraciones públicas. Del mismo modo, se reitera en el art. 119 Const., para los Municipios, las Ciudades metropolitanas, las Provincias y las Regiones. Sobre la introducción del equilibrio presupuestario en la Constitución italiana véase, ex multis R. Bifulco, “Jefferson, Madison e il momento costituzionale dell’Unione. A proposito della riforma costituzionale sull’equilibrio di bilancio”, www.rivistaaic.it, nº 2, 2012; A. Brancasi, “Il principio del pareggio di bilancio in Costituzione”, www.osservatoriosullefonti.it; C. Golino, “I vicoli al bilancio tra dimensione europea e ordinamento nazionale”, www.amministrazioneincammino.luiss.it; G. Scaccia, “Equilibrio di bilancio tra Costituzione e vincoli europei”, www.osservatoriosullefonti.it; D. Morgante, “La costituzionalizzazione del pareggio di bilancio”, www.federalismi.it.

118 De hecho, el art. 81, pár. 2 Const. it., no prevé la posibilidad de intervenciones de política económica en régimen de objetivos mínimos a diferencia del Fiscal compact que permite en momentos coyunturales un límite porcentual de endeudamiento del 0,5%. En otras palabras el ordenamiento constitucional italiano renuncia a un instrumento de intervención en la economía para sostener las políticas públicas. Cfr. F. Bilancia, op. cit., p. 4. Responde a las observaciones expresadas por Bilancia D. Cabras, “Su alcuni rilievi critici al c.d. “pareggio di bilancio”, www.rivistaaic.it, nº 2, 2012.

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de las finanzas públicas, establecidos por el legislador estatal en el sentido del art. 117, pár. 2, letra e) y pár. 3 Const.119.

La previsión de la autonomía financiera de ingresos y gastos de las Regiones en los límites de las restricciones económicas y financieras derivadas del ordenamiento europeo se ha limitado por ulteriores límites que suponen «un freno irreversibile y definitivo»120. El art. 119 pár. 6 Cost. admite la posibilidad para todos los entes territoriales de recurrir al endeudamiento «únicamente para financiar gastos de inversión» pero «con la consiguiente definición de planes de amortización y a condición de que para el conjunto de los entes de cada una de las Regiones se respete el equilibrio presupuestario».

La reforma constitucional española del art. 135 Const. ha formulado la regla de oro del equilibrio presupuestario para todas las administraciones públicas, precisando expresamente que el Estado y las Comunidades Autónomas no podrán incurrir en una situación de déficit estructural que supere los límites establecidos por la Unión Europea a los Estados miembros121. Se procede, como ha subrayado Juan Francisco Sánchez Barrilao, a «la constitucionalización tanto de las propias Comunidades Autónomas, como de la integración de España en

119 La sentencia proviene de la cuestión de legitimidad constitucional promovida por el Presidente del Consejo de Ministros respecto de diversas disposiciones contenidas en la Ley de la Región de Campania, de 15 de marzo de 2011, nº 5, de aprobación del “Presupuesto de la Región de Campania para el año 2011, y Presupuesto para el trienio 2011-2013”, posteriormente modificada por la Ley regional de 6 de diciembre de 2011, nº 21, relativa a “Ulteriores disposiciones urgentes en materia de finanzas regionales”. Las disposiciones hacen referencia al avence de previsiones previstas en el ejercicio precedente con cobertura financiera de partidas de gasto del Presupuesto y con especial referencia a fondos vinculados; las implicaciones del principio de cobertura financiera con respecto al recurso al mercado financiero y a instrumentos financieros derivados; las implicaciones del principio de prudencia con respecto al montante del crédito inherente a los gastos no realizados en relación a las sumas canceladas. La Corte constitucional ha juzgado fundadas las alegaciones formuladas por el Presidente del Consejo de Ministros, sosteniendo la no conformidad con el principio de cobertura financiera del art. 81, pár. 4 Const, en lo que respecta a «realizzare il pareggio di bilancio in sede preventiva attraverso la contabilizzazione di un avanzo di amministrazione non accertato e verificato a seguito della procedura di approvazione del bilancio consuntivo dell’esercizio precedente». Sobre la sentencia de la Corte constitucional nº 70, de 28 de marzo de 2012, nos remitimos a las reflexiones de G. Rivosecchi, “Il c.d. pareggio di bilancio tra Corte e legislatore, anche nei suoi riflessi sulle Regioni: quando la paura prevale sulla ragione”, www.rivistaaic, nº 3, 2012, pp. 5 ss.; D. Morgante, “Il principio di copertura finanziaria nella recente giurisprudenza costituzionale”, www.federalismi.it; M. Nardini, “La “tutela degli equilibri di bilancio” delle Regioni nella sentenza nº 70/2012 della Corte costituzionale, alla luce dei nuovi articoli 81 e 119 della Costituzione (nota a sentenza 28 marzo 2012 nº 70)”, www.amministrazioneincammino.luiss.it; D. Monego, “Ius superveniens in via principale tra trasferimento della questione, estensione ed illegittimità consequenziale”, www.forumcostituzionale.it.

120 G. Grasso, Il costituzionalismo della crisi, cit. p. 109.121 La regla del equilibrio presupuestario ha sido introducida a través de una revisión constitucional y ha sido

promulgada por el Rey y publicada el mismo día, el 27 de septiembre de 2011, en el Boletín Oficial del Estado (BOE). Sobre la constitucionalización del equilibrio presupuestario en la Constitución española, ex multis, G. Ruiz-Rico Ruiz, “La Constitución normativa y el principio de estabilidad presupuestaria”, Ist. fed., nº 1, 2013, pp. 229 ss.; M. Medina Guerrero, “La reforma del artículo 135 CE”, Teoría y realidad costitucional, nº 29, 2012, pp. 131 ss.; M.J. Ridaura Martinez, “La reforma del artículo 135 de la Constitución española: ¿Pueden los mercados quebrar el consenso constitucional?”, ivi, pp. 237 ss.; M.J. Moran Rosado, “El factor europeo en la reforma constitucional española. Algunos apuntes sobre los aspectos internacionales de la segunda reforma de la Constitución española”, Rev. gen. der. comp., nº 11, 2012, pp. 1 ss.; R. Tur Ausina, F. Sanjuán Andrés, “Spagna. La riforma dell’art. 135 della Costituzione introduce appositi limiti al deficit e al debito pubblico”, DPCE on line, nº 4, 2011.

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la Unión Europea; y en cuanto a ésta, además, integrando el Derecho europeo como parámetro de constitucionalidad»122.

El Tribunal Constitucional ya había reconocido en la sentencia nº 134 de 2011, la capacidad del Estado para aprobar disposiciones legislativas en materia de estabilidad económico-financiera, situando su fundamento constitucional en algunas materias expresamente reservadas a la competencia estatal123. La reforma constitucional, por tanto, no atribuye un nuevo título competencial al Estado central. Renueva su fundamento constitucional y, a tal fin, somete la regulación del Presupuesto a la Ley Orgánica. La reforma constitucional, a diferencia de la solución alemana e italiana, no establece directamente los límites al déficit y al endeudamiento público pero encomienda dicha misión a una expresa Ley Orgánica, previendo que los gastos para el pago de la deuda pública tienen preferencia respecto a otras tipologías de gasto (art. 135.3 segundo periodo).

El art. 135.5, de hecho, dispone expresamente que una Ley Orgánica desarrollará los principios a los que se refiere este artículo y, entre otros aspectos, regulará la distribución de los límites de déficit y de deuda entre las diferentes administraciones públicas, las situaciones excepcionales que permitan derogar tales límites, la forma y los términos para recuperar el déficit producido, la metodología y el procedimiento para el cálculo del déficit estructural y la responsabilidad de cada administración en caso de inobservancia de los límites de estabilidad financiera. A su vez la nueva Ley Orgánica atribuye al Estado la posibilidad de fijar unilateralmente los objetivos de presupuesto de todas las Administraciones territoriales, incluidas las Comunidades Autónomas; la regulación anterior, sin embargo, dejaba la determinación de los objetivos de cada Comunidad Autónoma al Consejo de Política Fiscal y Financiera (CPFF). Éste último tiene ahora un papel meramente consultivo. El art. 15 de la Ley Orgánica nº 2 de 2012124, que desarrolla la regulación constitucional, establece que, en el primer semestre de cada año, el Gobierno, mediante acuerdo del Consejo de Ministros, a propuesta del Ministro de Hacienda y previo parecer del Consejo de Política Fiscal y Financiera de las Comunidades Autónomas

122 J. F. Sanchez Barrilao, “La crisis de la deuda soberana y la reforma del artículo 135 de la Constitución Española”, Bol. Mex. Der. Comp., nº 137, 2013, pp. 679 ss.. En términos similares se ha precisado que la reforma constitucional ha constatato, a través de la «cláusula europea» del equilibrio presupuestario, la pertenencia de España a la Unión Europea. Cfr. J. García-Andrade Gomez, “La reforma del artículo 135 de la Constitución española”, Rev. Adm. Públ., nº 187, 2012, p. 60; G. Ruiz-Rico Ruiz, op. cit., p. 235.

123 La Sentencia del Tribunal Constitucional identificaba la legitimidad de la intervención estatal en materia de equilibrio presupuestario en los siguientes ámbitos competenciales: las bases y la coordinación de la planificación general de la actividad económica (art. 149.13), las finanzas públicas y la deuda del Estado (art. 149.14), el sistema monetario (art. 149.11) y las bases del régimen jurídico de las Administraciones públicas (art. 149.18). Cfr. A. Galera Victoria, “El legislator autonómico y el principio de estabilidad presupuestaria”, Teoría y realidad costitucional, nº 31, 2013, p. 617.

124 Ley Orgánica 2/2012, de 27 de abril de 2012, de Estabilidad Presupuestaria y Sostenibilidad Financiera (LOEPSF). La Ley ha sido modificada en algunos contenidos por la posterior Ley Orgánica 4/2012, de 28 de septiembre de 2012.

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fija los objetivos para alcanzar el equilibrio presupuestario y de reducción del déficit público125. Las Comunidades Autónomas no pueden influir ni directa ni indirectamente en las decisiones en materia financiera, siendo el parecer del Consejo de Política Fiscal y Financiera preceptivo pero no vinculante126.

El marco constitucional, además de la normativa europea, afecta, por tanto, a la autonomía de las Comunidades Autónomas. Las Administraciones públicas y, en consecuencia, las Comunidades Autónomas, no pueden determinar ni incidir sobre la decisión relativa a los límites de endeudamiento de las cuentas públicas. Con mayor razón la regulación constitucional excluye que las administraciones públicas puedan determinar las circunstancias excepcionales que permiten superar los límites de déficit estructural y de volumen de deuda pública remitiendo también esta definición a la Ley Orgánica (art. 135.4)127.

La legislación de desarrollo del art. 135 – que viene a formar parte integrante del denominado bloque de constitucionalidad – produce la «recentralización del modelo autonómico y local»128, confiriendo al Estado mecanismos de control, de corrección y sancionadores sobre el conjunto del sector público, aun cuando muchas Administraciones, como las Comunidades Autónomas, han sido dotadas de autonomía constitucional129, vulnerando la autonomía política y la capacidad de incidir en algunos sectores clave de competencia autonómica130. Se está produciendo, en consecuencia, una progresiva revisión indirecta del modelo autonómico a través del principio del equilibrio presupuestario y la atribución de poderes e instrumentos al Estado central con capacidad para incidir sobre la configuración y estructura de la forma de Estado131.

9 OBSERVACIONES FINALES

La proliferación de los aparatos administrativos ha supuesto la contextual y progresiva erosión del monopolio de la administración estatal que, repartida

125 M. D. Arias Abellán, “Estabilidad presupuestaria y deuda pública: su aplicación a las Comunidades Autónomas”, REAF, nº 18, 2013, p. 150.

126 Ibidem, p. 151.127 Ibidem, p. 137.128 G. Ruiz-Rico Ruiz, op. cit., p. 257.129 Sobre los mecanismos de control de las reglas de estabilidad y de sostenibilidad cfr. E. Albertí Rovira, “El

impacto de la crisis financiera en el Estado autonómico español”, Rev. Esp. Der. Const., nº 98, 2013, pp. 63 ss.; J. Esteve Pardo, “La nueva relacion entre Estado y sociedad”, cit., pp. 148-149; L. Ferraro, “La crisi finanziaria e lo Stato autonomico spagnolo”, www.rivistaaic.it, nº 4, 2012, p. 6; M.D. Arias Abellán, op. cit., pp. 155 ss..

130 E. Albertí Rovira, op. cit., pp. 63 ss., subraya que muchos de los intrumentos adoptados por el Estado en el último año para contener el déficit y reducir la deuda pública han incidido en algunos ámbitos de competencias de las Comunidades Autónomas de gran importancia. Entre ellos, el autor recuerada la sanidad, la educación, la función pública, el comercio interior y algunas prestaciones sociales (p. 80). También G. Ruiz-Rico Ruiz, op. cit., p. 260.

131 G. Ruiz-Rico Ruiz, op. cit., p. 261.

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antes entre centro y periferia, se ha convertido, con el paso del tiempo, en «multiorganizzativa»132. Las nuevas articulaciones de la administración no pueden ser todas definidas como sujetos de derecho público, sometidas a la disciplina del derecho especial. Como se ha podido observar, de hecho, la mayor parte de las organizaciones internacionales, que influyen incluso en la potestad decisoria y sobre la relativa capacidad de gasto y de control de las finanzas de los Estados, son entes de derecho privado que funcionan según la regulación del derecho común, la del derecho privado. Las mismas relaciones entre los Estados parecen sometidas al principio plutocrático más que al principio de la paridad entre los Estados en las relaciones internacionales. Existen, de hecho, Estados que dentro de las organizaciones “regionales”, tienen una facultad de intervención mayor respecto a otros Países y una capacidad de «moral suasion» sobre la definición de las políticas de los Estados más débiles.

De otro lado, las mismas formas y modalidades de intervención de los nuevos sujetos de derecho y de los Estados cambian de forma. La crisis económico-financiera es ejemplificativa de este proceso. El instrumento informal de las cartas enviadas por el Banco Central Europeo a los Gobierno italiano y español, representan nuevas formas de coerción de poderes neutrales sobre la capacidad decisoria de los Estados. Dificilmente reconducibles a las fuentes del derecho tradicionalmente entendidas, representan verdaderas y propias recomendaciones vinculantes que tratan de orientar las políticas de los Ejecutivos estatales hacia formas de redimensionamiento de la burocracia y de intervención en la economía dirigidas a tranquilizar a los mercados financieros, quienes se convierten en los principales destinatarios de las políticas estatales.

Las principales directrices de la reforma de la administración y de las formas de regulación en la economía representan el efecto del fenómeno de la globalización y, especialmente, de la participación en el proceso de integración europea, unida a algunas degeneraciones internas, la crisis fiscal del Estado y la expansión de actos de corrupción, causados por el entrelazamiento entre política y administración. La consagración del principio de mercado y de la concurrencia, la predilección por modalidades de iniciativa económica privada, la previsión de límites al endeudamiento del Estado y de los entes periféricos, la consagración del principio de subsidiariedad y de proporcionalidad, la preferencia por formas de administración y de decisión más próximas a los ciudadanos, inducen a los Estados de la Unión Europea a reformas constitucionales y legislativas. Estas últimas, más o menos similares en todos los países de la Unión, reflejan un proceso inverso a aquel que, hasta ahora, se había producido. Antes la economía y los mercados habían sido funcionales a la potestad decisional de los

132 Prefiere este término antes que el de administración “pluralista” o “policéntrica” C. Franchini, op. cit., p. 266. También declina en plural el concepto de administración pública R. Caridà, “Principi costituzionali e pubblica amministrazione”, www.giurcost.org, p. 1.

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poderes públicos y de los Estados, ahora la globalización económica produce un fenómeno inverso que, aún no suponiendo la desaparición de los aparatos públicos y de los Estados, produce «una funzionalità invertita tra stati e mercati» en virtud de la cual «l’economia modifica in maniera sotterranea e silenziosa il quadro istituzionale»133 para haccerlo más adaptable a sus propias necesidades.

Se trata de una evolución repetida en el curso de los últimos decenios. En un principio con la disminución de los entes públicos económicos a traves del proceso de privatización y la consiguiente proliferación de las autoridades administrativas independientes, dificilmente subsumibles en el seno de la organización de la administración continental por ministerios, y la devolución a nivel periférico de una multiplicidad de objetivos institucionales para simplificar el pesado aparato administrativo del Estado central; ahora a través de la constitucionalización del equilibrio presupuestario y la re-centralización de la competencia en materia de disciplina financiera y de límites al endeudamiento en la Unión Europea y, después, en el Estado en calidad de garante de las obligaciones asumidas por los Ejecutivos en sede supranacional e internacional. En cambio, el Estado y las administraciones públicas no desaparecen sino que resultan funcionales en la nueva ordenación de poderes. El Estado se convierte únicamente en una de las entidades que gobiernan el orden jurídico mundial en una posición subalterna respecto de las otras, destinatario y ejecutor de las decisiones que son adoptadas en otras sedes y desvinculadas de los mecanismos democráticos. Las administraciones estatales, sin embargo, se aproximan a las otras administraciones internacionales y supranacionales, convirtiéndose, en la mayor parte de los casos, en instrumentos de ejecución periféricos de estos organismos, asumiendo la misma posición en la organización, de las administraciones locales.

El proceso de desarrollo provoca, pues, progresivamente, el declive de la concepción de la supremacía de los Parlamentos nacionales y de la centralidad de la ley, la difuminación de la clara división de poderes del Estado. Al mismo tiempo se producen fenómenos de expansión de la regulación pública al sector privado: los sectores privados se apropian de funciones públicas y, consecuentemente, resulta difícil establecer una distinción precisa entre público y privado. Desaparece en muchos sectores la Administración pública, o por lo menos su posición de protagonismo o de titularidad indiscutida; no desaparece, sin embargo, la dimensión pública que se difunde directamente en la sociedad, favoreciendo una nueva relación entre Estado y sociedad, caracterizada por la presencia de intervención pública y de iniciativa privada para la persecución de objetivos de interés general134.

133 M.R. Ferrarese, Le istituzioni della globalizzazione, cit., p. 14.134 J. Esteve Pardo, La nueva relación entre Estado y sociedad, cit., pp. 28, 187.

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Assunto Especial – Textos Clássicos

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Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais

O Fundamentalismo como Desafio do Estado Constitucional: Considerações a Partir da Ciência do Direito e da Cultura*

PETER HABERLEJurista alemão.

SUMÁRIO: Introdução ao problema; I – Delimitação conceitual do “fundamentalismo”, a ordenação metódica de suas formas de aparição: elementos de um inventário; II – Teoria e realidade do tipo Es‑tado constitucional. Caracterização a partir da perspectiva jurídica e científico‑cultural; III – O Estado constitucional na (prova de) confirmação frente aos fundamentalismos de nosso tempo; Perspectiva e conclusão.

INTRODUÇÃO AO PROBLEMA

O leitor de periódicos encontra quase diariamente notícias que provam um conflito entre o mundo moderno, “secularizado” e, sobretudo, de cunho profundo ocidental de uma parte, e correntes fundamentalistas de outra. Recor-de-se a “condenação à morte” ou “divina” do Ayatollah Khomeini e seus corre-ligionários e companheiros de luta contra S. Rushdie, que desafia a comunidade universal dos direitos humanos. Lemos manchetes como: “Os fundamentalistas avançam – Por que cresce a resistência contra a civilização ocidental?”1 ou “Nossa marcha começou – O fundamentalismo islâmico”2. Ouvimos a frase: “um sérvio não se deixa comprar nunca... É seguirá sendo fundamentalista nacionalista”3, e, no suplemento literário de um diário se encontra uma pergun-ta como “Guerra cultural global e total?”4. Lemos um ensaio: O fundamentalis-mo islâmico entre “meia modernidade” e a ação política5, e observamos uma

* Título original: Der Fundamentalismus als Herausforderung des Verfassungstaates: rechts-bzw. Kulturwissenschaftlich betrachtet. Publicado in: Líber Amicorum Josef Esser, editado por E. Schimidt e H.-L. Weyers, C. F. Muller, Heidelberg, 1995, p. 49-75.

1 M. Wollfsohn, in: Die Zeit nº 14, de 24 de abril de 1993, p. 54.2 B. Dörle. In: Especial Spiegel, 4/1993, p. 34: “Die Erde 2000”.3 Citado segundo H. Kurzke. In: FAZ, de 14 de agosto de 1993, p. 27.4 SZ de 21/22, de agosto de 1993, p. 3.5 De B. Tibi. In: Aus Politik und Zeitgeschichte B 33/93, de 13 de agosto de 1993; M. Riesebrodt, Islamicsher

Fundamentalismus aus soziologischer Sicht.

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campanha de G. Wallraf contra o fundamentalismo6. Inteiramo-nos de que exis-tem nomes “na lista de objetivos criminosos dos fundamentalistas islâmicos”7, e na França se forma um novo fundamentalismo, que invoca autores da re-volução conservadora e oferece valores indubitáveis como “nação”, “povo”, “cultura nacional”8. Na própria Turquia, o país modelo de Estado laico, apesar de sua população islâmica, observa-se agora uma “diversidade de correntes fundamentalistas”9. Um reputado autor10 de artigos de fundo, embora previna contra a confusão do fundamentalismo com o Islã, assinala também: “o funda-mentalismo islâmico e a democracia são incompatíveis”. Ouvimos diariamente notícias sobre o terror dos fundamentalistas da Frente Islâmica de Salvação da Argélia, que, em 1991, obteve uma grande vitória eleitoral, a qual, no entanto, lhe foi “arrebatada” pelos militares. Entrementes deveria resultar motivo de re-flexão a seguinte questão: eram fundamentalistas Pedro e Paulo, Maria e José?11.

Uma acumulação tal de notícias diárias faz presumir que as numerosas formas de aparição do fundamentalismo desafiam radicalmente toda ciência, como forma racional de busca da verdade em virtude de métodos manifesta-dos, até no fundo a negam. O conjunto – aberto – das disciplinas particula-res deve fazer frente ao fundamentalismo, na medida em que essa doutrina de salvação predica, com pretensões de verdade, que não se questionam, e que são, prima facie, o contrário da civilização científica atual, iniciada na antiga Grécia. A teoria constitucional como forma da modernidade deve, dessa forma, personificar-se também para opinar. Se, segundo Hegel, filosofia é “seu tempo expresso em ideias”, pode-se ousar a variante: as Constituições são hoje, como talvez nunca anteriormente, seu tempo expresso em ideias. Constituem o foro da sociedade aberta, na qual se discutem e se decidem questões contemporâ-neas, e a fé atualmente quase global nas Constituições e nos direitos humanos se confirma uma vez mais na luta pelas “corretas” Constituições nacionais da Europa Oriental, formadas, conforme o modelo comum europeu/atlântico, após a queda da sociedade fechada do marxismo.

6 Ich gehe jetzt Klinken putzen. In: Der Spiegel, n. 35/1993, de 30 de agosto de 1993, p. 194 e ss.7 Carta ao diretor de B. Tibi, FAZ, de 23 de novembro de 1993, p. 11.8 Compare-se R. Herzinger. Der neue Kulturnationalismus, Die Zeit, n. 34, de 20 de agosto de 1993, p. 40.9 A respeito, A. Baron, Von innen bedroht, FAZ, de 30 de outubro de 1993, p. 10. No entanto, sobre a

recepção progressiva do Direito ocidental na Turquia (p. ex., melhoria da posição da mulher e dos filhos não matrimoniais), veja-se também G. Bozhurt, Vom Tanzimat zur europäischen Rechtsstaatlichkeit, FAZ, de 8 de dezembro de 1993, p. 14.

10 W.G. Lerch, Bosnien und dis Muslime in Europa, FAZ, de 25 de agosto de 1993, p. 1.11 Nesse sentido a contribuição de M. Spiker, FAZ, de 12 de maio de 1993, p. 12; vejam-se também as palavras

moderadas do Papa João Paulo II in: Centesimus annus (1991): “A Igreja não fecha os olhos ante o perigo do fanatismo ou do fundamentalismo dos que crêem poder impor aos demais seres humanos, em nome da ideologia presuntivamente científica ou religiosa, sua concepção do que é verdadeiro e bom. A verdade cristã não é desse tipo. A fé cristã, que não é nenhuma ideologia, não pretende constranger a diversa realidade sociopolítica em um rígido esquema. Reconhece que a vida do ser humano da história se desenvolve sob diferentes e não sempre perfeitas condições. Por isso, o respeito à liberdade corresponde ao proceder da Igreja, que sempre afirma a dignidade transcendente da pessoa”.

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O desafio do fundamentalismo de nossos dias se agrava ironicamente no exato momento em que o fundamentalismo político-ideológico do marxismo fracassou, e em que o ano de 1989 se nos deparou como “annus mirabilis”, a “hora mundial do Estado constitucional”. Igualmente contraditório parece que agora até esse Estado constitucional, encarnado pelos anos 1776, 1787, 1789, 1948, etc., precipite-se, por sua vez, em crises, que quiçá o debilitem frente aos desafios do fundamentalismo, provocados também por ele: pense-se na crise de identidade do Ocidente, no retorno do nacionalismo militante e das guerras civis, no materialismo e economicismo, que caracterizam as democracias oci-dentais saturadas de bem-estar. Expressões-chave são a falta de espírito cívico, e, especialmente na Alemanha, a incapacidade de compartilhar – apesar do afortunado acontecimento da reunificação alemã. Muitas democracias euro-peias têm como difícil fazer política constitucional com suas necessidades de reforma, não somente a Itália. A Conferência de Direitos Humanos de Viena, de 1993, levou à consciência pública o conflito entre o fundamentalismo, a con-cepção do Direito islâmico e a universalidade dos direitos humanos de cunho ocidental – o acordo de paz entre os palestinos e Israel, no outono de 1993, constitui sinal contrário nesse panorama pessimista. Igualmente algumas dos armistícios por intermediação da ONU (por exemplo, em Cambodja).

Essas expressões-chave devem provar que também um representante da ciência do Direito está desafiado quando se trata de ocupar-se cientificamente de “o” fundamentalismo. É evidente que aqui o jurista deve entender ampla-mente seu objeto e seus métodos: somente a ciência do Direito operante como ciência da cultura pode realizar sua colaboração a um fenômeno como o fun-damentalismo. Porque este concerne à cultura em sentido amplo, profundo e totalmente. Nela, o Direito só forma um fragmento. Os textos jurídicos, escritos ou não, como normas, como literatura, como textos clássicos desde Aristóteles até Kant, J. Rawls e H. Jonas, ou como jurisprudência, vivem de seus contextos – culturais. Apesar da importância do microcosmo das proposições jurídicas e das constituições dogmáticas, igualmente eficazes resultam os contextos culturais, nos que aquelas alcançam seu perfil último e realizam suas funções. A ciência do Direito, em especial a teoria constitucional, é uma ciência cultural; colabora conforme uma divisão de trabalho na busca da verdade com outras ciências culturais como a história ou a economia política; mas conserva seu proprium (a busca aberta da justiça e do bem comum) e sua própria responsabilidade – pre-cisamente frente a uma corrente atual, que, como o fundamentalismo, a desafia hoje radicalmente.

I – DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DO “FUNDAMENTALISMO”, A ORDENAÇÃO METÓDICA DE SUAS FORMAS DE APARIÇÃO: ELEMENTOS DE UM INVENTÁRIO

Realizou-se um inventário do fundamentalismo em três passos: (1)

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histórico, em relação com as guerras de religião, a colonização e cris-tianização da América e o marxismo-leninismo como com o fundamentalismo cristão e islâmico, também o protestante, (2) específico em cada âmbito, isto é, religioso, político, econômico, também ecológico, bem como (3) contemporâ-neo: os exemplos de situações de conflito no Estado constitucional, Alemanha (a título de exemplo).

Um propósito de definição conclui o inventário (4).

Como amplo problema cultural, o fundamentalismo tropeça, no Direito, como manifestação cultural (ocidental), com sua aspiração de universalidade, amiúde não suficientemente estudada; a ciência jurídica ordenada culturalmen-te somente abarca uma parte da confrontação. Também a mesma ciência jurídi-ca, afinada, ampliada e aprofundada a partir da ciência da cultura depende do trabalho prévio, simultâneo e posterior, das demais disciplinas. Essa considera-ção não diminui o trabalho, mas preserva expectativas exageradas.

1 InventárIo hIstórIco: A AntIguIdAde/crIstIAnIsMo, guerrAs de relIgIão, colonIzAção e crIstIAnIzAção dA AMérIcA, o MArXIsMo-lenInIsMo e outros regIMes totAlItárIos

Vamos, inicialmente, dar uma olhada no material de exemplos históricos. Em função do critério da sociedade aberta constituída em Estado constitucional, entram nas categorias de fundamentalismo os seguintes períodos históricos: em primeiro lugar, o desafio do mundo antigo existente no primeiro cristianismo que se concebia de modo absoluto e o declínio daquele – a questão de se Pedro e Paulo eram “fundamentalistas”, citada na introdução, não se formulou ironicamente. Quando o cristianismo se converteu, sob Teodósio I, em religião oficial (380 d.C) e começou a perseguir, por sua vez, as religiões competidoras, já se era “fundamentalista”. Nas guerras de religião, bem como nas guerras civis religiosas da Europa, as confissões opunham-se de forma “fundamentalista”, isto é, excluindo-se reciprocamente em termos modernos de forma “totalitá-ria” e “terrorista”. Outro exemplo, propicia-o a controvérsia de Valladolid, que Reinhold Schneider cita no seu relato “Las Casas ante Carlos V”12(*). Em 1550 se tratava da questão de se os habitantes dos novos territórios de ultramar eram filhos de Adão ou se haviam de ser imputados ao reino animal. Schneider faz dizer ao capelão da Corte, Juan Ginés Sepúlveda, como garante da “solidez do sistema terráqueo”:

12 R. Schneider. Las Casas vor Karl V, 1952, p. 158; veja-se também B. Dahms, Bartolomé de Las Casas (1484-1566), 1993.

* Bartolomé de Las Casas foi um frade dominicano, bispo de Chiapas (México) e defensor dos índios. Por isso, é criticado por Juan Ginés Sepúlveda. Muito querido do povo mexicano, seu nome hoje é lembrado como um dos maiores humanistas e missionários da História do Cristianismo (NTb).

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Por isso, combato eu o padre Las Casas, porque ele remove os fundamentos (!) sobre os que nossa existência descansa, e introduz o destrutivo em nossa vida e ousa fazer isso ademais na hora em que foi dada à nossa nação a ordenação do mundo e ela deve mostrar para todos os tempos futuros, se é capaz de ordená-lo e de ser responsável do destino do mundo.

O colonialismo, bem como uma versão do cristianismo teológico, bus-cava fazer os índios escravos por natureza. O imperador declarou desde logo os índios homens. No fundo ressoam aqui modelos de argumentação típicos de nossa terra. Em uma formulação moderna: o reconhecimento da natureza humana dos índios significou uma etapa no caminho aos direitos humanos uni-versais.

Como designação programática, o “fundamentalismo” está presente desde princípios do século XX: no leste e sul americanos apareceu de 1910 a 1915 uma série de escritos intitulados “The Fundaments”, com o subtítulo “A Testimony to the Truth”. Seus editores se uniram posteriormente (1919) na “Worlds Christian Fundamental Association”. O protesto desses protestantes dirigia-se em suma contra a modernização da religião e da sociedade. O ponto de partida era a infalibilidade das Sagradas Escrituras, os adversários a ciência bíblica crítica e a imagem científico-técnica do mundo13. Diretamente relevante para os juristas foi o processo Scopes (“o processo dos macacos”), ocorrido em Tennesse, em 1925. Nele solicitou o movimento fundamentalista protestante a eliminação da teoria darwiniana da evolução (por “blasfêmia divina”) das aulas de biologia nas escolas públicas. Se a Corte Suprema dos Estados Unidos havia de se ocupar posteriormente da oração nas escolas e da admissibilidade da leitura da Bíblia nas escolas públicas14; e se, na última década, aumentam as escolas privadas orientadas para o fundamentalismo, põe-se de manifesto como o fundamentalismo cristão desafiou os Estados Unidos da América como exem-plo representativo do tipo Estado constitucional – como este, representante da modernidade, suscita, por sua vez, uma variante de fundamentalismo. Depois de que o fundamentalismo protestante nasceu no foro de uma sociedade aberta como a dos Estados Unidos da América (também nominalmente), o fundamen-talismo deve depender também dos problemas do Estado constitucional e não vir somente “de fora”.

13 Na literatura: Th. Meyer. Fundamentalismus. Aufstand gegen die Moderne, 1989; W. Künneth/A. Schwarz/A. Köberlein. Fundamentalismus?, 1990; St. Pfürtner. Fundamentalismus, 1991.

14 A Corte Suprema estadunidense exarou, em 1962 e 1963, duas sentenças, em virtude das quais se eliminou a oração nas escolas públicas (aos olhos dos fundamentalistas, uma ofensa à “América cristã”). O fundamentalismo cresceu igualmente em relação a uma decisão de 1973, que admitiu o aborto até um determinado mês da gravidez. A respeito, veja-se, na literatura: K. Cartens. Grundgedanken der amerikanischen Verfassung und ihre Verwirllichung, 1954, p. 220 e ss. (casos dos Testemunhas de Jeová); G. R. Stone et alia. Constitutional Law, 2. ed., 1991, p. 1455 e ss. (“The Constitution and Religion”); p. 929 e ss. (Roe v. Wade); W. Haller. Supreme Court und Politik in den USA, 1972, p. 52 (caso Saudação à bandeira).

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Enquanto que o marxismo-leninismo é de ficar como advertência – era uma “doutrina de salvação totalitária”, excludente das demais e com pretensão de abarcar todo o mundo; e é – esperemos que não só temporariamente – in-ferior frente aos valores fundamentais do Estado constitucional dos direitos hu-manos, democracia, economia social de mercado (embora, também, tenha de agradecer precisamente à sua crítica), agora umas palavras sobre o fundamenta-lismo islâmico15. Essa “variante” de fundamentalismo domina – como conceito de luta – a imprensa diária; convém proceder de forma mais diferenciada. Antes de tudo, não se deve perder de vista as formas historicamente mais antigas da história da civilização cristã: existe, desde já, por exemplo, um “fundamenta-lismo católico”16, quiçá presente no “Opus Dei” ou no caso do bispo Haas, em Chur/Zurich, bem como no protesto do bispo francês Lefebvre contra o concílio Vaticano II; recorde-se da antiga disputa dos “modernistas”17. Como expres-são política do fundamentalismo islâmico, consideram-se a revolução iraniana (1978), o assassinato de Sadat (1981) e, também, a luta de resistência, com êxito, contra a URSS no Afeganistão (até 1989). Na obstante, não nos devemos deixar levar por esses acontecimentos para uma “condenação” global do fun-damentalismo islâmico18.

A história da difícil relação entre a Europa cristã e o Islã não pode ser evo-cada aqui, nem sequer em grandes linhas. Até as pessoas cultas apenas sabem já que a transmissão da filosofia clássica da antiga Grécia se deve, na Idade Mé-dia europeia, a sábios da religião muçulmana, como M. Maimónides, que era, na Idade Média, o vínculo entre árabes e judeus. Outros pontos culminantes constituem a aparição das “Mil e uma noites” (1717) e do “Diwán oriental” de Goethe (1819). Como investigador oportuno do Oriente, é meritório F. Rückert. No entanto, devem captar-se as muito diferentes correntes no Islã, também as diferenças em cada país; os caminhos de “regresso ao ‘verdadeiro Islã’” e seu tratamento do progresso científico e do desenvolvimento não são, em absoluto, totalmente uniformes. Ademais, os problemas nacionais e sociais dos distintos países são muito diferentes: pense-se nos governantes árabes e muçulmanos

15 Na literatura: A. Hottinger. Islamischer Fundamentalismus, 1993; Bassam Tibi. Islamischer Fundamentalismus, moderne Wissenschaft und Technologie, 1992; Die fundamentalistische Herausforderung, 1992; Die Verschwörrung. Das Trauma arabischer Politik, 1993; B. Dörler. “Unser Marsche hat begonnen”. Der islamische Fundamentalismus, Especial Spiegel, 4/1993, p. 34 e ss., Die Erde 2000, Wohin sich die Menschheit entwickelt. Em opinião do filósofo sírio Sadik al-Azm, nas sociedades do Islã, a tendência vai também, desde já, em direção à privatização, individualização e interiorização da religião: “Seremos uma sociedade pós-islâmica”. FR, de 7 de fevereiro de 1994, p. 10.

16 A esse respeito, W. Beinert (Ed.). “Katholischer Fundamentalismus”. Härelische Gruppen in der Kirche?, 1991.

17 Desde 1904, nos documentos eclesiais, falava-se do “modernismo” que havia de ser combatido. O Papa Pio X condenou-o como herético. Em 1910, foi imposto a todo sacerdote o “juramento antimodernista”. A respeito, N. Trippen. Antimodernisteneid. In: Lexikon für Theologie und Kirche, 3. ed., v. I, p. 761, 1993.

18 Da literatura sobre o Islã: E. Gellner. Der Islam als Gesellschaftsordnung, 1992; W. Ende/U. Steinbach (Ed.). Der Islam der Gegenwart, 1984; Weltmacht Islam, editado pela Landeszentrale für politische Bildung, 1988; A. Th. Khoury. Begegnung mit dem Islam, 1992.

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da Arábia Saudita e Kuwait e nas tensões sociais e distanciamento entre po-bres e ricos (a maioria situada à margem do mundo moderno, a minoria hoje europeizada, isto é, privilegiada), pense-se também nos países nos quais o Islã é já ou ainda “ideologia do Estado” (Arábia Saudita, Paquistão, Irã, Sudão), ou onde representa (ainda) uma ideologia contrária opositora (por exemplo, Argélia, Egito, Jordânia, Malásia), e o diferente grau de islamização da ciência e da economia ante a dinamização do mundo, convertido em um só nos séculos XIX e XX. Assim, na teocracia do Irã somente um conselho de guardiões com-posto de sacerdotes tem acesso exclusivo ao “saber secreto” e à interpretação do Alcorão (V. Neinhaus). Uma teoria constitucional comparativa do Islã, ine-xistente até agora, teria de investigar de que maneira a amplitude de variação do Islã se reflete também nos Textos Constitucionais e em sua realidade, e que influência tem a doutrina social do Islã (solidariedade dos ricos com os pobres, proibição de práticas antissociais como negócios de interesse e jogos de azar). Uma prova de natureza especial representa agora a luta por Bósnia.

Em lugar de todas as tendências de converter o Islã em uma “imagem inimiga” é de se pôr outra coisa: o diálogo entre as religiões e culturas, como se promove agora por um círculo formado em Paris19, para que não se chegue à luta entre as culturas, profetizada por S. Huntington; e – com B.-H. Lévy – o entendimento20 de que mais que nunca é necessário “incorporar os compo-nentes islâmicos na cultura europeia – também na França, onde não se quer reconhecer que o Islã se converteu na segunda religião”21. Isso não supõe apa-gar as diferenças, mais ou menos o entendimento de B. Tibi22 (22): “Na Europa houve Reforma, Ilustração e a grande Revolução Francesa, isto é, acontecimen-tos históricos em que se baseiam o projeto cultural europeu da modernidade e sua imagem racionalista do mundo”. Tudo isso falta no Islã. (Também por isso existe um sentimento de inferioridade frente ao mundo de cunho europeu). Entrementes deve-se criar uma base de diálogo, que faça impossível no futuro que uma casa de modas ocidental, como ocorreu em janeiro de 1994, utilize sacrilegamente traços árabes do Alcorão como ornamento no vestido de uma modelo, o que imediatamente provocou que o autocrata líbio Kadafi falasse do “início de uma nova Cruzada”23.

19 Veja-se FAZ, de 28 de janeiro de 1994, p. 27: “Islã fraterno”, em que servem apenas de ajuda as críticas contra o Ocidente liberal como “adversário”, por parte do filósofo R. Garaudy (compare-se, no entanto, também, o livro “Promessa Islã”, 1992).

20 Citado segundo a entrevista do SZ, SZ de 8/9 de maio de 1993, p. 13: “Guerra pela alma da Europa”.21 Com acerto W. Lepenies. Mit dem Fernrohr gegen den Koran, mit der Wissenschaft gegen Fremde Kulturen,

Die Zeit de 5 de novembro de 1993, p. 46: “Sabem nossos estudantes de seletividade algo da grande contribuição do Islã à civilização europeia”. Ibidem também em favor de meu “Programa Averroes” como paralelo ao programa de Intercâmbio “Erasmus”.

22 Bassam Tibi. Die Verschwörung. Das Trauma arabischer Politik, 1993.23 A respeito, W. G. Lerch. Was die Muslime an einem Kield von Chanel erregt, FAZ de 25 de janeiro de 1994,

p. 7.

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2 InventárIo segundo âMbItos específIcos

Neste ponto podem bastar algumas expressões-chave24. Podem-se dis-tinguir:

– o fundamentalismo religioso, exemplos se encontram em quase todas as religi-ões (mundiais), também no judaísmo (exceto no budismo?25. Quiçá até em todas as religiões se encontre um “potencial fundamentalista” (M. E. Marty); – O funda-mentalismo político, por exemplo, em forma de um nacionalismo extremo que luta por “limpezas étnicas” nos Bálcãs; – o fundamentalismo econômico, mais ou menos os “fundamentalistas” da economia pura de mercado que criticam os modelos de “constituição econômica mista” (E. R. Huber) ou a “economia social de mercado” ecologicamente orientada, como os que acolhem algumas Consti-tuições dos Länder do Leste da Alemanha;– o fundamentalismo científico, no sen-tido de uma absolutização das ciências como no marxismo ou em paradigmas, teorias e “escolas” científicas concretas. Conforme o entendimento moderno da ciência, fundamentalismo e ciência se excluem em virtude do mandato de exa-me constante dos fundamentos sustentadores (que se aplica também ao Direito); – por fim, o fundamentalismo ecológico – a disputa entre “fundamentalistas” (Fundis) e “realistas” (Realos) é conhecida, mas se trata ademais da proibição absoluta de ensaios com animais, a proibição de qualquer tecnologia genética.

Essas são somente classificações aproximativas. Os distintos âmbitos de-pendem amiúde uns dos outros. Assim, por exemplo, o fundamentalismo reli-gioso orienta-se em parte também politicamente (os ortodoxos e sérvios ou os protestantes norte-irlandeses); o fundamentalismo econômico se alimenta tam-bém de modelos políticos tidos por absolutos. O seguinte inventário proporcio-na mais material ilustrativo.

3 conflItos AtuAIs no estAdo constItucIonAl dA repúblIcA federAl dA AleMAnhA

O inventário deve ser aqui igualmente seletivo. Embora fosse adequado ampliar os conflitos entre as correntes fundamentalistas e o Estado constitucio-nal a vários países desse tipo – junto aos EEUU, seria de se analisar a França e seus problemas como os fundamentalistas islâmicos na escola e na vida pú-blica, também Israel –, nesse lugar se pode enumerar só alguns materiais da Alemanha. Deve-se levar em conta que o Estado constitucional está desafiado pelo fundamentalismo em muitas de suas singularidades nacionais, e que deve-

24 Algumas oportunas classificações em F. Hufen. Fundamentalismus als Herausforderung des Verfassungsrechts und der Rechtsphilosophie. In: Staatswissenschaften und Staatspraxis, 1992, p. 455 (459 e ss.).

25 Segundo M. Spieker (Waren Petrus und Paulus, Maria e Josef Fundamentalisten?, FAZ de 12 de maio de 1993, p. 12), existe também no judaísmo e no hinduísmo um “fundamentalismo politicamente relevante”. Referindo-se ao conceito de “totalitarismo religioso” de O. von Nell-Breuning, interpreta também a “teologia da libertação” como um tipo de fundamentalismo que queria deduzir exclusivamente da fé uma resposta a todas as questões da vida privada e pública.

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mos pensar sempre no plano de abstração mais elevado do Estado constitucio-nal como tipo, não somente como exemplo nacional concreto.

O material alemão de casos de conflito entre o ordenamento jurídico da Lei Fundamental e as correntes fundamentalistas é já variado e ocupa, sobretu-do, os tribunais. Uma pequena seleção a respeito: o Tribunal administrativo de Münster e o de Lüneburg defrontaram-se recentemente com a importância das disposições de vestimenta do Alcorão no ensino escolar26. Ambos os tribunais afirmaram que as estudantes muçulmanas podem deduzir do artigo 4.2 da Lei Fundamental um direito à dispensa da aula coletiva de natação – o paralelismo com o caso francês do “véu islâmico na escola”, decidido por um ditame do Conseil d’Etat em 198927 é patente. No âmbito escolar se desenvolveram tam-bém os casos dos “professores Bhagwan”28. De forma clara e correta se decidiu que as posições fundamentalistas dos padres não protegem da escolarização obrigatória29. Outros conflitos se encontram no Direito Administrativo dos bens de domínio público30 (por exemplo, cobre a atividade missionária dos grupos fundamentalistas a finalidade a que se destinam as salas municipais?31 ou: tem o Estado o dever de proteção de um membro de uma seita que quer abandoná-la e que é ameaçado com sanções?). Quase dramático é o problema da punibili-dade da repatriação de crianças para um país islâmico32. E igualmente atual e controvertida é a questão de em que condições pode o Estado prevenir contra “seitas juvenis” (adolescentes ou também adultos?)33. Em todas essas questões reconhece-se a forte dependência do Direito34 de seu âmbito cultural e a inten-sidade, ainda hoje, do cunho cristão de nossa cultura jurídica.

4 prIMeIro Intento de delIMItAção: cArActerístIcAs dos MovIMentos fundAMentAlIstAs

O inventário desenvolvido, em diversas direções – histórica, por âmbitos específicos, atual da República Federal –, permite um primeiro intento de de-

26 OVG Münster, NVwZ 1992, p. 77; OVG Lüneburg, ibid., p. 79; a respeito na lit.: F. Hufen, loc. cit., p. 462; A. Spies, Verschleierte Schülerinnen in Frankreich, NVwz 1993, p. 637 (638).

27 A respeito, A. Spies, op. cit., p. 637 e ss.28 BVerwG, DVBl. 1988, p. 695.29 Veja-se BVerwG, NVwZ 1992, p. 371.30 O Tribunal Federal suíço afirmou que o dever dos motoristas de portar boné também se aplica aos membros

da comunidade religiosa dos sijs: EuGRZ 1993, p. 595 e ss.31 A respeito, F. Hulen, op. cit., p. 462.32 BGH, NJW 1990, p. 1489.33 A respeito, F. Hufen. op. cit., p. 463; BVerwGE 82, 76; da crescente lit. geral: P. Badura, Der Schulz

von Religion und Weltanschauung durch das GG, 1989; A. von Campenhausen, Aktuelle Aspekte der Religionfreikeit, ZevKR 37 (1992) p. 1152 e ss.; W. Heintschel von Heinegg/O. Schäfer, Der Grundrechtsschutz (neuer) Religionsgemeinschaften unda die Grenzen staatlichen Handelns, DVBl. 1991, p. 1341 e ss.: W. Shatzschneider, Rechtsordnung und “destruktive Kulte”, BayVBl. 1985, p. 321 e ss. – Sobre o problema da subvenção de uma associação que luta contra as regiões juvenis: BVerwGE 90, 112.

34 A respeito, por exemplo, R. Zippelius, Die Bedeutung spezifischer Keitden für die Staats - und Rechtsgestaltung, 1987; id., Weltanschauung und Rechtsgestaltung, JUS 1993, p. 889 e ss.

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limitação das características dos movimentos fundamentalistas. Deve-se evitar que o “fundamentalismo” degenere em um conceito de todo o mundo, sem consequências, em última instância, o polêmico, ou se instrumentalize isolada-mente como conceito de luta só contra o Islã. Deve ser adequado para designar traços típicos, apesar de toda a variedade e diversidade do fundamentalismo no tempo e no espaço, a fim de que o jurista constitucional que opera a partir da ciência da cultura se possa ocupar dele35.

(1) Os “fundamentalismos” hão de se tomar em primeiro lugar literal-mente: querem chegar, amiúde, regressar, aos “fundamentos” (às roots). E querem tomar esses como “uma” “verdade” válida para todos os tempos de sua imagem do mundo, dos homens e de Deus (com referência a uma Sagrada Escritura, a Tradição ou a Revela-ção); projetam “imagens inimigas” sobre o plano de uma ampla “concepção do mundo”.

(2) Com isso se inscrevem no “simples” monismo, em oposição ao “complexo” pluralismo. A pretensão de verdade é monopolizada e defendida, não discutida, como “certeza de salvação”.

(3) O fundamentalismo recusa o discurso; rechaça a relação de diálogo característica da modernidade na ciência, a política e a sociedade, também a transigência, o conciliador, tanto isso como o querer con-viver pacificamente; de modo breve: a tolerância e a franqueza.

(4) O fundamentalismo é reação às mudanças e às transformações. Reage a fenômenos de crise do novo em cada momento. Nessa me-dida pode diagnosticar o problemático, por exemplo, os sintomas de dissolução e os défices éticos da sociedade ocidental (conse-quência: crescente criminalidade juvenil, decadência do matrimô-nio e da família, sex and crime na televisão, decadência dos cha-péus urbanos e o fracasso das igrejas oficiais).

(5) O fundamentalismo é uma pretensão de propensão compreensível para lograr identidade, segurança, solidez para o indivíduo e grupo, em que (como em alguns sinais da sociedade moderna) tudo é “a discrição”, intercambiável, “negociável”, e os modelos vinculantes de sentido e orientação se vão perdendo. Mas corre o perigo de anular a liberação do indivíduo documentada nos direitos huma-nos. Pode ir acompanhado de in-humana submissão para dentro, de violenta afirmação para fora e de pretensões de universalidade.

35 Com respeito ao seguinte parcialmente de forma análoga já F. Hufen, loc. cit., p. 465 e ss.

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(6) É comum a todos os fundamentalistas que, em um momento deter-minado, entrem em conflito com as conquistas culturais do Estado constitucional e de sua sociedade aberta.

(7) Os fundamentalismos de todo tipo, embora operem setorialmente, expressam problemas culturais. A modernidade os deve tratar em todas suas disciplinas particulares, operando em correspondência de forma ampla, isto é, a partir da ciência da cultura. A ciência do Direito não pode responder-lhes com o positivismo ou exclusiva-mente com o racionalismo crítico de um Sir Popper. Somente um “debate cultural” mais profundo promete uma maior compreensão e ajuda prática. E somente o enfoque diferenciado é a resposta ade-quada. Esse enfoque se dirige também contra o “anti-fundamenta-lismo fundamentalista” (M. Spieker).

(8) M. Riesebrodt36 merece assentimento quando assinala que, no mo-vimento fundamentalista, não se manejam questões enganosas de séculos anteriores, mas questões centrais da sociedade atual. Em outras palavras: os fundamentalismos põem nome a crises internas do “projeto da modernidade”. Esse é seu lado positivo.

(9) A doutrina do Estado constitucional, que dá lugar à aparição de fundamentalismos, e hoje em dia de alguma forma até em seus as-pectos de crise os “provoca”, deve achar meios e vias para, por um lado, organizar pragmaticamente a convivência dos muitos funda-mentalismos de nosso tempo; quiçá até integrá-los em parte, por exemplo, mediante a proibição da violência e o monopólio estatal da violência, a proteção da dignidade humana de todos também no âmbito social; por outro lado, precisamente também, em virtude dessa missão, deve, mediante seus próprios princípios que o funda-mentam, traçar e impor limites no âmbito interno e na convivência dos povos. O objetivo educativo “tolerância” poderia possibilitar que o Estado constitucional recuperasse conscientemente a “his-tória da conciliação e diálogo” entre as três religiões mundiais que durou até 1492 (na Espanha)37. Finalmente, em alguns lugares pode

36 M. Riesebrodt, Fundamentalismus als patriarchalische Protestbewegung, 1990; id., Islamischer Fundamentalismus aus soziologischer Sicht, in: Aus Politik und Zeitgeschiche B 33/93, de 13 de agosto de 1993, p. 12 e ss.

37 A respeito, Hans Küng, Konstruktive Provokation, Eine Erklärung für ein Weltethos muβ konsensfähig, selbstkrittisch und wirklichkeitsbezogen sein, in: Deutsches Allgemeines Sonntagsblatt, de 8 de outubro de 1993, p. 20, com frases como: “Cada homem deve ser tratado humanamente”, com a “regra de ouro”, as quatro máximas: “não matar, não roubar, não mentir, não praticar a luxúria”, bem como a sustentação ética da Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas. 1993 foi também o ano de debate sobre “Pluralismo e identidade” no oitavo Congresso Europeu de Teólogos em Viena: a respeito, FAZ, de 20 de setembro de 1993, p. 6.

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até, graças aos “diagnósticos” dos fundamentalistas, encontrar “te-rapias” para as próprias crises mediante a reforma de si mesmo, sem abandonar sua raison d’être: dignidade humana, democracia, pluralismo, proteção da privacidade, tolerância e neutralidade, jus-tiça social. O modelo pluralista, com suas muitas “identidades e verdades” competidoras, necessita, como ordenamento marco, da Constituição e do patriotismo constitucional a ela referidos de todos os cidadãos; de outra forma se dissolveria em arbitrariedades e em guerra civis; no entanto, necessita também de elementos de uma “ética mundial”, como se manifestam na “Declaração para uma éti-ca mundial”, aprovada em 1993.

II – TEORIA E REALIDADE DO TIPO ESTADO CONSTITUCIONAL. CARACTERIZAÇÃO A PARTIR DA PERSPECTIVA JURÍDICA E CIENTÍFICO-CULTURAL

Antes que o Estado constitucional possa colocar-se na Terceira Parte na prova de confirmação frente a todos os fundamentalismos, deve ser caracteri-zado como tal de uma forma acessível também a outras ciências. Isso só é pos-sível a título de esboço e simplificando. Colocaram-se em relevo os elementos do Estado constitucional do nível de desenvolvimento atual, que convertem o fundamentalismo em um problema para aquele e que o situam em oposição em amplos âmbitos.

1 A dIgnIdAde huMAnA coMo preMIssA AntropológIco-culturAl – As lIberdAdes culturAIs, A deMocrAcIA plurAlIstA coMo “consequêncIA orgAnIzAtIvA”

O Estado constitucional é a obra, que não se cessa de escrever, de muitas épocas e gerações. Textos clássicos de Aristóteles a Montesquieu, Rousseau e Kant o expressam em um diálogo na cúpula dos “titãs”, sobre cujos ombros grandes tribunais constitucionais como a Supreme Court norte-americana e o Tribunal Federal alemão, também o Tribunal Federal suíço e os tribunais cons-titucionais europeus como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de Luxemburgo e o Tribunal Europeu de Direitos Humano de Estrasburgo operam, de igual forma que o juiz de primeira instância que, dia a dia, na frente, busca realizar justiça em diminuto, ou o jurista que exerce uma “política de ajusta-mento científico”. O contrato cultural de gerações de muitas épocas e lugares encontrou sua expressão nas grandes contribuições dos fundadores como a de-claração de independência americana e a Virgínia Bill of Rights, 1776, ou em elementos da Revolução Francesa (1789) e recentemente nas revoluções pací-ficas na Europa Oriental (1989). Como tal, está de novo em perigo – como se mostra hoje demasiado claro nas guerras civis. Os próprios literatos e músicos participam no Estado constitucional como foro do desenvolvimento da huma-

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nidade em nações: a Iphigenia de Goethe como “manifesto da humanidade”, o “Guilherme Tell” de F. Schiller e a pergunta provocadora de Bert Brecht, “todo o poder do Estado provém do povo, mas para onde vai?”, cofundamentam o Estado constitucional, e a eliminação por Beethoven da dedicatória a Napoleão de sua “Heroica”, quando esse se coroou imperador, contribuiu historicamente mais para a difusão das ideias republicanas do que alguns tratados jurídicos. O princípio da dignidade humana de I. Kant é, por sua vez, texto clássico da filo-sofia do direito e texto constitucional positivo, se se amplia com a horizontal do “imperativo categórico” e se concebe na dimensão temporal como contrato ge-rador: o ser humano não deve ser convertido em objeto da ação estatal e social, ele é – no espaço – sujeito de um contrato social idealizado e é no tempo – no contrato gerador – responsável frente à posteridade – atualmente, por exemplo, na proteção do meio ambiente (depósito definitivo dos dejetos nucleares) e no endividamento público. Dessa garantia da dignidade humana emanam as mui-tas liberdades culturais como as de religião e de consciência, também a liberda-de científica e artística, e têm como consequência essa “cultura da liberdade”, também essa “liberdade da cultura” que é estranha, quando não impossível, no fundamentalismo.

A democracia pluralista forma uma consequência organizadora da dig-nidade humana38 – o que aparece como simples “forma estatal” é uma corres-pondência mais profunda. O ser humano dotado de dignidade própria a contar do nascimento cresce graças a processos culturais de socialização em um sta-tus de liberdade, que lhe atribui a participação democrática, o status de homo politicus como “natural”. Dignidade humana e democracia formam as duas faces da mesma res publica, que dão forma ao Estado constitucional do atual estágio de evolução. A ilustração e o entendimento ocidental da democracia atuam profundamente. A dignidade e o valor próprio da pessoa tiveram de ser concebidos por filósofos antes de se “coagularem” em princípios jurídicos. A democracia teve de ganhar-se lutando bem duramente – partindo da Inglaterra –, até que amadureceu nesse conjunto de procedimentos e instituições múlti-plas que hoje a caracteriza. Competência e diversidade, alternativas e oposição, a alternância de maioria e minoria, o desenvolvimento aberto – tudo isso são consequências da dignidade humana como premissa antropológico-cultural do Estado constitucional. O contraste desses elementos do Estado constitucional com o fundamentalismo salta aos olhos.

Em particular: a liberdade científica e artística não pode ser limitada no Estado constitucional no interesse de verdades pretendidas ou reveladas; a dignidade do ser humano permanece indisponível, as crianças não devem

38 A respeito, P. Häberle, Die Menschenwürde als Grundlage der staatlichen Gemeinschaft, HdBStR, v. I, p. 815 (845 e ss.), 1987.

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ser apartadas de seus pais nem subtraídas de sua “natural” missão educativa, o assassínio com motivações fundamentalistas segue sendo também assassínio39. Em outras palavras: acima de tudo, os conflitos e problemas de direitos funda-mentais são campos em que o Estado constitucional tem de afirmar-se frente ao fundamentalismo. As questões democráticas formam o outro campo. As orienta-ções fundamentalistas podem articular-se em partidos e associações, mas estão sujeitas aos limites do ordenamento jurídico geral; os artigos 21.2, 9.2 e 18 da Lei Fundamental regem também e justamente frente a elas.

2 A fundAMentAção culturAl dA socIedAde AbertA – os vAlores básIcos ocIdentAIs coMo “AglutInAnte” e lIMIte frente às eXAgerAdAs eXIgêncIAs e pretensões fundAMentAlIstAs

A “sociedade aberta”, de K. R. Popper, proporciona a expressão-chave para a caracterização “metajurídica” do Estado constitucional, e foi desenvol-vida em contraste com os sistemas fechados de Platão, Hegel e Marx40. Claro que isso não deve levar a ignorar a fundamentação cultural de cada sociedade ainda tão aberta, de outro modo ficaria, literalmente, sem fundo, não poderia criar a identidade nacional nem manter unido nenhum povo. Cada singular Estado constitucional vive de consenso fundamental e pluralidade, de identi-dade alcançada em um desenvolvimento histórico, por exemplo, mediante a “memória coletiva” e diversidade, valores básicos e alternativas variáveis. Tais valores básicos do Estado constitucional são perceptíveis segundo cada nação nos artigos da língua oficial, nas bandeiras, escudos e hinos, nos dias de festa nacional e nas normas sobre a confissão, nas cláusulas de herança cultural, etc.41. O desenvolvimento da neutralidade ideológico-confessional do Estado, invocada repetidamente pelo Tribunal Constitucional Federal e pela doutrina42, comporta uma grande contribuição – cultural – do Estado constitucional, ex-pressão da disposição ocidental do mundo; não deve, no entanto, esquecer-se que é, por sua vez, uma cultura determinada, a saber, a do cristianismo, a que forma o contexto e o limite desse princípio. Precisamente em questões limites, às que o fundamentalismo provoca, é imprescindível o recurso ao “cristianismo como fator cultural” (Tribunal Constitucional Federal). Em outras palavras: o famoso “princípio da não identificação”, de Herb. Krüger, isto é, a ideia de que o Estado não deve identificar-se com determinadas religiões, confissões, ideolo-gias, tem, por sua vez, certas premissas. Não se aplica de forma absoluta. Exis-

39 Outros exemplos em F. Hufen, Fundamentalismus als Herausforderung des Verfassungsrechts und der Rechtsphilosophie. In: Sttatsswissenschaften und Staatspraxis, v., 3, p. 455 (469 e ss.), 1992.

40 Veja-se K. Popper. Die offene Gesellschaft und ihre Feinde, 7. ed., v. I e II, 1992.41 Prova em P. Häberle. Rechtsvergleichung im Kraftfeld des Verfassungsstaates, 1992, especialmente p. 238

e ss., 836 e ss.42 Da lit.: K. Schlaich. Neutralität als Verfassungsrechitliches Prinzip, 1972. Da jurisprudência: BVerfGE 19,

206 (216); 24, 236 (246); 33, 23 (28).

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tem, horribile dictu, valores básicos fundamentadores do Estado constitucional, que este necessita precisamente no conflito com o fundamentalismo; isso, no entanto, não converte, por sua vez, o Estado constitucional em um sistema fun-damentalista. Justamente em sua vitoriosa luta contra os sistemas totalitários, por exemplo, a ideologia nacional-socialista e o marxismo-leninismo, o Estado constitucional viveu, também padeceu, que ele pode realizar esse difícil ato de equilíbrio; ser e converter-se, uma e outra vez, em sociedade aberta por um lado, invocando seus valores básicos como dignidade humana, liberdades cul-turais, democracia, bem como divisão estatal e social de poderes, afirmando-se em seu próprio pluralismo contra as sociedades fechadas e seu monismo por outro. Não modificam nada esse juízo as novas cláusulas anti-ideologia estatal com as que se dotam tantos projetos constitucionais de Estados pós-comunistas como a Rússia ou a Ucrânia – precisamente devido a suas más experiências com a identificação absoluta do Estado com uma determinada ideologia43.

Desde já, na forma do Direito, isto é, juridicamente, somente se pode alcançar uma parte da autoafirmação. Em amplas parcelas, trata-se de um con-flito das culturas. Começa com objetivos educativos enriquecidos da tolerância, vividos na escola, e finaliza no respeito da dignidade humana do outro na vida cotidiana. Do Direito não se pode esperar demasiado no desafio por parte dos fundamentalistas; em seus limites, no entanto, tem muito provavelmente sua missão. O monopólio estatal da violência, praticada como ultima ratio, conser-va sua justificação. Em qualquer caso, sempre há de se recordar que o Estado e o Direito só têm importância instrumental, que não são um fim em si mesmo como nos “Estados teocráticos”. Apesar de todas as fundamentações sem as quais a sociedade aberta não pode passar, seu signo segue sendo a eterna busca da verdade na política, ciência e arte, o conhecimento do possível fracasso, em lugar da certeza de salvação.

III – O ESTADO CONSTITUCIONAL NA (PROVA DE) CONFIRMAÇÃO FRENTE AOS FUNDAMENTALISMOS DE NOSSO TEMPO

1 perIgos

Os perigos que ameaçam o Estado constitucional e os pactos interna-cionais de direitos humanos levados por ele ao interior e ao exterior, isto é, o Direito Internacional, são evidentes. O fundamentalismo religioso, por exemplo

43 Exemplos: a Carta de Direitos Fundamentais da República Federativa Tcheca e Eslovaca de 1991 (art. 2.1): “The state is founded on democratic values and must not be bound either by an exclusive ideology or by a particular religion” (veja-se minha contribuição: Verfassungsentwicklungen in Osteuropa..., AöR 117 (1992), p. 169 (191); a Constituição da Federação Russa (1993), art. 13.2: “No ideology may be established as the state ideology or as compulsory ideology”; o Projeto de Constituição da Ucrânia (1993), art. 9.4: “No ideology shall limit the freedom of convictions, opinions, and thoughts or be recognized as the oficial state ideology”.

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o islâmico pode conduzir a guerras e atos de terror (exemplo, Irã, Egito, Sudão), o nacional a guerras civis (exemplo, os Bálcãs); o fundamentalismo econômico, que estiliza o mercado como medida de todas as coisas, pode ter como con-sequência exploração e prejuízos ao meio ambiente que ameaçam a humani-dade, o fundamentalismo ecológico pode provocar na equiparação entre ser humano e animal (por exemplo, proibição absoluta de experimentação com animais) um retrocesso na pré-modernidade. Em geral, a cultura da humanidade está em jogo. A ameaçadora perda de universalidade dos direitos humanos – perceptível na reunião da ONU, em Viena, de 1993 (expressão-chave negativa: “imperialismo ocidental dos direitos humanos”) – corresponde-se com o perigo de esvaziamento dos princípios do Direito Internacional – os dois vão juntos. Em última instância está em perigo a ONU como elemento da “Constituição da comunidade de nações”, já que se baseia na ideia de coexistência e coopera-ção. Se se recorre aos textos da ONU, vê-se que não falam precisamente em favor do monismo global e fundamentalismo, mas do pluralismo universal. Isso se vê nas declarações e pactos de direitos humanos. Exemplos: Preâmbulo da Declaração Geral dos Direitos Humanos da ONU de 1948: “povos”, “nações”, “Estados membros”, artigo 27: livre participação na “vida cultural da comuni-dade”. E se desprende da Carta da ONU, por exemplo, o artigo 1.2: “relações de amizade entre as nações baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e à livre determinação dos povos”.

Já que a humanidade está hoje imersa em crise de sentido, frente às quais os fundamentalismos prometem pronto remédio, são princípios jurídicos os que primeiro oferecem apoio. Eles se devem historicamente à superação de muitos fundamentalismos, e deram bons resultados no grande processo de seculariza-ção: pense-se na configuração gradual da tolerância e da liberdade religiosa, depois da coação religiosa e da inquisição, as guerras de religião e a expulsão por motivos religiosos. A “Constituição da humanidade”, se se permite essa pomposa e redundante expressão, é o resultado da relativização de muitos fun-damentalismos. Se de novo regressam, está ameaçada a família humana como tal e como parte dela os direitos indisponíveis do indivíduo.

Pode-se objetar que aqui se situa de modo absoluto e se priva de sua relatividade histórica uma fase evolutiva da humanidade, apreensível no tipo Estado constitucional e na constituída comunidade internacional. No entanto, a meu juízo, a série dignidade do homem, família internacional, humanidade, direitos humanos – todos conceitos dos textos da ONU – marca um estado cultural do status civilis mundialis, que não se pode voltar atrás e que deveria ser irreversível. Todo estado natural é um bellum omnium contra omnes (T. Hobbes), e o fundamentalismo conduz de volta a tais estados naturais, bem como à anulação da liberdade do indivíduo. Tão impossíveis de ignorar, as crises são também “custos” da modernidade: por trás da comunidade interna-

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cional de coexistência pacífica, representada pela ONU, e, por trás das ideias de I. Kant sobre a dignidade humana que os direitos humanos abarcam, não há regresso possível – nem por meio da via de um novo “fisiocentrismo”, nem dos “Estados teocráticos”, nem dos Estados nacionais que se dispõem absolutamen-te, nem de militantes doutrinas de salvação.

Já que na sociedade aberta amiúde faltam instâncias criadoras de sentido, o perigo de que os seres humanos se aferrem a doutrinas de salvação de todo tipo e, com isso, ponham inconscientemente em perigo a própria humanidade, é desde já grande. O Estado constitucional tem de criar, portanto, muita força atrativa e dispor de meios pedagógicos para levantar diques contra o fundamen-talismo, para contrarrestá-lo também como moderno problema.

Incursão: zonAs de conflIto dos prIncípIos estruturAIs do estAdo constItucIonAl e dAs posIções do “dIreIto dIvIno” e do “estAdo dIvIno” IslâMIcos – A questão dos dIreItos huMAnos

Em forma de incursão elegeram-se as zonas nas quais se opõem “criti-camente” princípios e funções jurídicos concretos do Estado constitucional por uma parte, e o entendimento islâmico do Direito e do Estado por outra, embora o fundamentalismo islâmico certamente seja hoje somente uma forma de apa-rição do fundamentalismo. Na medida em que se consiga lograr de novo uma cultura do diálogo entre a ciência jurídica ocidental e o Islã, e o Estado consti-tucional proporcione, graças à sua abertura, o melhor marco para isso, “o” Islã, até suas correntes mais extremas, poderia ser integrado em bastantes aspectos – sem nivelar as diferenças – nesse foro pluralista. Embora o fundamentalismo islâmico não se deixe apenas conduzir ao discurso científico, a ciência do Esta-do constitucional tem de abrir, lutando, vias de diálogo. Aí reside sua fortaleza. Pode demonstrar assim até que ponto deixa espaço aos fundamentalismos e onde tem de insistir em seus fundamentos e valores básicos como bloc des idées incontestables (M. Hauriou). Escolheram-se os seguintes temas:

(1) Comecemos com o problema “direitos humanos universais e Islã”. A “Declaração dos Direitos Humanos no Islã do Cairo” (1990)44 serve para con-tinuação como fundamento (não a “Declaração geral islâmica dos Direitos hu-manos”, de 198145) da lavra do “Conselho Islâmico para a Europa”, de influên-

44 Citada segundo Gewissen und Freiheit 19 (1991), p. 93 e ss.45 Citado segundo Christilch-Islamischer Begegnung, Dokumentationsleitstelle (CIBEDO), ns. 15/16, jun./set.

1982, p. 53 e ss. Em seu preâmbulo se diz, entre outras coisas: “os direitos humanos que emanam da lei divina têm como objetivo atribuir dignidade e honra ao gênero humano”. A Declaração contém um catálogo amplo de direitos fundamentais, p. ex., também direitos das minorias (art. X), liberdade religiosa, de pensamento e de palavra (art. XII), direitos à seguridade social (art. XVIII), direitos à esfera privada e imigração e emigração (art. XXII e ss.): no entanto, a reserva de limitações e legal acrescentada amiúde não deve levar a engano. “Lei” é, conforme uma “indicação explicativa” (número 1b), a sharia, isto é, “o conjunto das disposições do Alcorão e da Suna e todas as demais leis, que provêm dessas fontes por uma via considerada como válida pela ciência jurídica islâmica”.

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cia árabe-saudita, já que se caracteriza por uma “acumulação não crítica” dos direitos humanos46. No próprio preâmbulo se diz que os membros da Organiza-ção da Conferência Islâmica “crêem que os direitos e liberdades fundamentais no Islã são um componente integrante da religião islâmica”. Lemos no artigo 1 A: “Todos os seres humanos são iguais em dignidade, deveres e responsabilida-de, sem distinção de raça, cor da pele, língua, sexo, religião, ideias políticas” etc.; mas também o acréscimo: “A fé verdadeira é a garantia para a obtenção de tal dignidade no caminho para a perfeição humana”. A título de catálogo se encontram direitos fundamentais que lembram, segundo seu teor literal, as de-clarações ocidentais, por exemplo: “A família é a célula nuclear da sociedade” (art. 5 A), “A mulher é igual em dignidade ao homem” (art. 6 A), ou até art. 11 A: “ser humano nasce livre”. Também o direito de todo ser humano à “seguran-ça pessoal” (art. 18 A), à igualdade jurídica (art. 19 A: “todos os seres humanos são iguais perante a lei”) e à presunção de inocência no artigo 19 C indica, em princípio, a existência de uma cultura comum em relação aos direitos humanos. Então, no entanto, aparecem dúvidas. Vários direitos fundamentais são postos expressamente sob a reserva da sharia, isto é, a lei divina deduzida do Alcorão: assim a liberdade de movimento (art. 12), o direito de propriedade intelectual (art. 16), o direito à livre expressão da opinião (art. 22 A). O ponto final e o marco opõem, no entanto, os artigos 24 e 25: “Todos os direitos e liberdades de-signados nesta declaração estão subordinados à sharia islâmica”, bem como “A sharia islâmica é a única fonte competente para a interpretação ou clarificação de cada artigo desta declaração”47. Da perspectiva ocidental se abrem, inteira-mente, as portas para uma relativização dos direitos humanos, o que dificulta que se possam estender pontes às declarações universais, desde a de 1789 até as da ONU (1948 e 1966). Porque os direitos humanos dependem, no que se refere a seu conteúdo e em seus limites, dos intérpretes competentes da sharia, e esses vão desde o entendimento moderado em Túnis48 até a teocracia totalitária

46 H. Bielefeldt. Menschenrectte und Menschenrechtsverständnis im Islam, EuGRZ 1990, p. 489 (496). Sobre o discurso islâmico dos direitos humanos, H. Bielefeldt. Der islamische Menschenrechtsdiskurs, ZRP 1992, p. 146 e ss., que distingue três contradições entre a sharia e os direitos humanos: castigos corporais, discriminação da mulher e limitações da liberdade religiosa e que fala da “ambiguidade” dos documentos islâmicos de direitos humanos. – Terminante M. Tworuschka. Die Rolle des Islam in den arabischen Staatsverfassungen, 1976, p. 43: “Os direitos humanos no sentido hoje habitual jamais existiu no Islã”. Não existe, de nosso conhecimento, nenhum trabalho que desenvolva comparativa e historicamente as questões constitucionais e de direitos humanos nos Estados islâmicos com o alto nível do de J. Schacht, Na Introduction to Islamic Law, 1964.

47 No Parlamento do Kuwait existem atualmente pretensões de “islamizar” esse país. O parágrafo 2 da Constituição deve ser modificado: a lei islâmica (sharia) não deve ser daqui para frente “uma” fonte principal, mas “a” fonte principal da legislação. Alguns queriam até declarar a sharia fonte “única”. Um de seus partidários queria evitar, com essa emenda constitucional, novas leis “não islâmicas” e unificar progressivamente as existentes que não são “totalmente islâmicas” (a respeito, W. Köhler, Auf korrekter religiöser Grundlage, FAZ, de 27de janeiro de 1994, p. 10). Uma voz professoral do Kuwait teme uma possível interpretação, “estreita de miras”, que faria do Kuwait uma “sociedade fechada”; teriam de ser temidos efeitos prejudiciais para a liberdade pessoal, os direitos da mulher, a práxis da economia e dos estrangeiros residentes no emirado.

48 A respeito, H. Bielefeldt. EuGRZ, loc. cit. p. 495.

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no Irã do Ayaltollah Khomeine. Certamente, também o Ocidente se distingue nos conteúdos e limites dos direitos humanos de nação para nação, segundo cada Constituição, mas um determinado padrão mínimo, junto à independên-cia do juiz, está fixado, no entanto, com caráter transnacional. Pelo contrário, no mundo árabe são possíveis castigos corporais de acordo com a sharia ou a subordinação da mulher (também, por exemplo, em forma da poligamia per-mitida49). E o Direito Penal dos Estados islâmicos se apresenta medido segundo o padrão universal dos direitos humanos, muito questionável em diversos as-pectos (por exemplo, em relação à pena de morte). Não se objete que também os direitos humanos ocidentais estariam relativizados mediante cláusulas de ordem pública e reservas legais. Porque, por uma parte, a última palavra da interpretação corresponde a juízes independentes estatais e supranacionais, por outra, o alcance das ingerências nos conteúdos das liberdades é, por sua vez, limitada, pense-se, por exemplo, nos sólidos padrões da interpretação dos bens jurídicos restritivos, necessários em uma “sociedade democrática” no sentido dos artigos 10,2 e 11,2 CEDH50.

(2) No presente trabalho não se pode realizar um inventário comparati-vo das formas de aparição dos direitos humanos nas Constituições islâmicas. Somente se selecionou um exemplo: a Constituição da República Islâmica do Irã, de outubro de 197951. É a mais próxima do fundamentalismo islâmico no texto e na realidade. Isso se vê no entendimento constitucional (compare-se o Preâmbulo: criação de uma “única comunidade de fé mundial”) no conceito de Direito (Preâmbulo: “sistema jurídico sobre a base da justiça islâmica com recurso a justas regras jurídicas e as regras jurídicas islâmicas de juízes expe-rientes”). Embora certamente se encontrem fórmulas tão abundantes como: “A justiça de Deus na criação e legislação” (art. 1,4) ou “nobreza e dignidade do homem e sua liberdade responsável perante Deus” (art. 2,6), no entanto, o art. 4 faz do Islã fio condutor de todos os princípios da Constituição e de todas as leis com a adição: “sobre isso velam os sábios do direito islâmico do Conselho de Guardiões”. Embora o Governo esteja obrigado, em virtude do art. 14, “a atuar em relação aos não muçulmanos segundo o melhor costume, com bons modelos e observando a justiça islâmica e a respeitar seus direitos humanos”52,

49 Sobre esse problema, de forma diferenciada, H. Bielefeldt, loc. cit., p. 495.50 A respeito da lit.: K. Weldmann. Der Europäische Gerichthof für Menschenrechte als Verfassungsgericht,

1985, p. 267 e ss.; J. A. Frowein/Peukert. Europäische Menschenrechts-konvention, Kommentar, 1985, p. 233 ss.; P. Häberle. Die Wesensgehaltsgarantie des Art. 19 Abs. 2 GG, 3. ed., 1983, p. 271 e ss.

51 Citada segundo A. P. Blaustein/G.H. Flanz (Ed.). Constitutions of the countries of the world, ed. de 1992: tradução alemã da Embaixada da República Islâmica do Irã, Bonn, 1980.

52 No Irã proferem-se frequentemente condenação de morte contra membros da comunidade religiosa dos bahai. Recentemente, com a fundamentação (citado segundo FAZ, de 27 de janeiro de 1994, p. 6): “Em virtude de leis religiosas e normas teológicas, os acusados não podem ser incluídos entre os privilegiados e protegidos infiéis... e, por isso, os condena o Tribunal a morte como infiéis não protegidos que se encontram em guerra com a nação muçulmana”. Em dezembro de 1993, um bahai foi condenado à morte por apostasia.

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o catálogo dos “direitos do povo”, no entanto, põe literalmente todos os direitos humanos, políticos, econômicos, sociais e culturais sob a reserva dos “princí-pios islâmicos” (cf. art. 20,21), também a liberdade de opinião e de imprensa (art. 24), a liberdade de partidos e de associação (art. 26), a liberdade de reunião e de manifestação (art. 27). A justiça está em geral vinculada aos princípios is-lâmicos (arts. 61, 167). O artigo 177,9 regula a cláusula de eternidade perante revisões constitucionais e protege, de modo absoluto, o “caráter islâmico do sistema político”, os princípios islâmicos como “fundamento de todas as regras” e o Islã como “religião do Estado”53.

Assim toda possibilidade de acordo entre Ocidente e Oriente em relação aos direitos humanos depende, portanto, em última instância, dos “princípios islâmicos, de sua interpretação e práxis moderada ou agressivamente intoleran-te54. O artigo 26 do Decreto árabe-saudita sobre os fundamentos da sharia, de 2 de março de 199255 dispõe, sem rebuços: “O Estado protege os direitos hu-manos conforme a sharia”. E o projeto de constituição modelo da Universidade Azhar, de 197956, conclui seu impressionante catálogo de direitos fundamentais com a inequívoca frase (art. 43): “Rights are enjoyed according to the objectives of the sharia”. Isso significa “Estado religioso”, em lugar de “Estado dos direitos fundamentais”.

(3) A oposição entre as declarações islâmicas de direitos humanos que estão sob a reserva do “Direito Divino” e as declarações gerais de direitos hu-manos de 1948/6657 põe-se de novo em evidência, se se recorre conjuntamente à concepção sobre o Estado, o Direito e a democracia como “texto e contexto”. Frases como: “O Alcorão é nossa Constituição”58 o provam. Porque qualquer tipo de “concepção estatal-divino” afeta a ideia universal dos direitos humanos em sua essência. Assim, é sintomático que um porta-voz dos fundamentalistas do FIS da Argélia59 formule a frase: “Neste país haverá um amplo espectro de

O abandono do Islã é punível no Irã; a fé bahai é considerada “heresia” pelos doutores da lei iraniana (FAZ, loc. cit.).

53 Sobre o Islã como religião de Estado, com distintas configurações nas constituições árabes: M. Tworuschka. Die Rolle des Islam in den arabischen Staatsverfassungen, 1978, p. 32 e ss.

54 Nos países islâmicos existem interpretações muito diferentes sobre a “sharia como fonte legislativa”. A respeito, M. Tworuschka. Die Rolle des Islam in den arabischen Staatsverfassung, 1976, p. 37 e ss. Sobre os problemas constitucionais dos Estados islâmicos modernos” e os pensadores conservadores e os mais progressistas: R. Dreyer. Die Arabische Republik Jemen, 1983, p. 40 e ss.

55 Boletim Oficial árabe-saudita, ano 69, n. 3397.56 Al-Azhar Magazine, English Section, April 1979.57 Cf. também W. Graf Vitzhum. Die Überstaatliche Bedingheit des Staates, EuR, suplemento 1/1993, p. 19

(24 ss.).58 Cf. G. Kepel. Der Koran ist unsere Verfassung, vom Indus bis zum Atlas predigen Islamisten einen Gottestaat.

In: Der Islam – Feind des Westens?, Zeitmagazin 1993, p. 19 e ss.; Id., in: Die Zeit n. 47 de 13 de novembro de 1992, p. 13 e ss. Cf. também W. Köhler, “Dem Buche Gottes folgen”, Die Schura in Saudi-Arabien kann den König allenfalls beraten, FAZ, de 16 de fevereiro de 1994, p. 10.

59 Abdullah Anas. “Militarische Lösungen erzwingen”. In: Der Spiegel n. 1, de 3 de janeiro de 1994, p. 105.

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opiniões e também um sistema pluralista de partidos. Mas há quem negue a sha-ria, o Direito islâmico e o Alcorão como pauta de conduta, vinculante moral e politicamente, não cabe em um Estado islâmico”60. Todas as conquistas da cul-tura jurídica ocidental, como a distinção entre o profano e o religioso-espiritual, entre Direito e moral, entre Estado e sociedade, a neutralidade do Estado em assuntos religiosos e a imparcialidade do Direito e da jurisprudência – havendo lutado penosamente por elas durante séculos! (depois de cismas religiosas e guerras de religião) – estariam afastadas com tais declarações. As conquistas da cultura jurídica ocidental começam na sociedade aberta, bem como na demo-cracia pluralista61, passam por vinculação, estranha ao Islã, do juiz (estatal) inde-pendente62 exclusivamente para a lei (ocidental) e para os métodos de interpre-tação controláveis racionalmente e terminam no Direito Internacional: somente a “umma”, a unidade política dos muçulmanos, é reconhecida pelo Islã, não a comunidade de Direito Internacional, constituída, fundamentalmente, por Esta-dos e o Direito Internacional de cunho europeu ocidental, e norte-americano63, que não exige “fieis” e “infiéis” e que conserva precisamente, assim, a unidade da comunidade de Direito Internacional e a universalidade desse Direito (até na época álgida do marxismo-leninismo). Poder-se-ão desmontar algum dia, conjuntamente com representantes do Islã, livres de prevenções, tais “âmbitos de tensão” no pensamento sobre o Estado, a Constituição, o Direito e o Direito Internacional? Também com representantes das cinco escolas jurídicas do Islã?

2 possIbIlIdAdes de confIrMAção do estAdo constItucIonAl

À vista dos desafios fundamentalistas, o Estado constitucional não só deve ser preservado, também tem de ser confirmado, isto é, tem de seguir evoluindo. Há de ser constantemente reformado no sentido da técnica de obra imperfei-ta do racionalismo crítico. Não somente é de se lamentar o fundamentalismo como perigo, mas que deveria dar lugar para perguntar-se pelos défices e ca-rências do Estado constitucional. No fundo, trata-se de uma marcha pela corda

60 Veja-se o informe sobre o “terror dos fundamentalistas” no Sudão (FAZ, de 28 de janeiro de 1994, p. 6), segundo o qual já se começou com a castração dos adultos que não querem converter-se ao Islã, e onde, por exemplo, a Igreja Evangélica da Alemanha, por motivo da visita de seu representante, tem de perguntar que será da diversidade religiosa e cultural do país, se o Alcorão tiver de ser a lei fundamental do Estado e a sharia o único Direito. Veja-se também o artigo de H. Mosbahi, “Die verratene Tradition”, Die Zeit n. 7, de 11 de fevereiro de 1964, p. 47 s., segundo o qual junto a Rushdie outros muitos intelectuais islâmicos já foram vítimas do terror fundamentalista. Veja-se também o informe sobre a “morte na fogueira de Sivas” (FAZ, de 4 de fevereiro de 1994, p. 35) e a acusação contra “fundamentalistas suspeitos” em Ancara.

61 A respeito, Bassam Tibi. Das Königs-Dilema, Mit der Gründung einer Schura in Riad hat nicht die Demokratie begonnen, FAZ, de 17 de dezembro de 1993, p. 14, com referência aos “fundamentalistas islâmicos”, como o egípcio Mustafá Abu Zaid-Fahni, que interpretam a “shura” como uma forma autenticamente islâmica de democracia (o Islã havia sido “a primeira democracia da terra”).

62 Primeiros materiais é o que proporciona I. Schneider a partir da ciência islâmica e literária: Das Bild des Richters in der adab-quadi-Literatur, 1990.

63 A respeito, W. Graf Vitzhum, loc. cit., p. 25 ss.

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bamba. Por um lado, é de se trabalhar em uma fundamentação aprofundada e aprofundante de valores – isso vai desde a transposição prática dos objetivos educativos como tolerância, respeito dos direitos humanos, responsabilidade pelo meio ambiente etc., até a recuperação da dimensão dos deveres e cargos honoríficos a serviço do bem comum (o comunitarismo americano64 indica aqui um défice). Por outro lado, deve-se conservar, apesar de toda diferença das cul-turas, a abertura do Estado constitucional e sua universalidade.

Alguns exemplos aqui: ante os danos ao meio ambiente é de se desen-volver a economia “social” de mercado com vista a uma economia “ecológica” de mercado também, como fazem agora algumas Constituições dos Länder ale-mães orientais, (por exemplo, Brandemburgo: art. 42, art. 2, art. 38 Turíngia). Ou: na Europa Oriental, os Estados ante o vazio deixado pelo fracasso do mar-xismo-leninismo podem recordar de forma acentuada seu fundo nacional, mas essa renacionalização só é tolerável em conexão com uma proteção efetiva das minorias; na Europa Ocidental a crise da comunitarização europeia só pode ser superada mediante a reflexão sobra a “Alemanha europeia” (Thomas Mann). Estados unitários como França e Itália têm de pluralizar-se mediante uma re-gionalização interna. A estatalidade de partidos é de ser disciplinada mediante novas formas e procedimentos, (por exemplo, incompatibilidades), para que o Estado constitucional não se converta em “botim dos partidos”. Em seu con-junto, os fundamentalismos de todo tipo intensificam a pressão para que o Es-tado constitucional se reforme. Contemplamos, por exemplo, as dificuldades e capacidade parcial de reforma da Itália, onde a justiça se acostuma a uma (demasiado) grande responsabilidade. A política e também as ciências e as artes cujo trabalho lhe antecedem são chamadas a criar tantos valores orientadores65 que o Estado constitucional seja capaz de afirmar-se na “luta cultural” contra os fundamentalismos que põem em perigo a liberdade do indivíduo e a sociedade aberta. A ideia da dignidade humana, de I. Kant e de F. Schiller, a ideia de to-lerância de Lessing e o ideal de humanidade da ONU, por exemplo, a respeito da paz mundial, podem marcar a pauta. Isso não é demasiado exagerado, tendo em vista a “oposição fundamental” dos fundamentalismos. A ciência jurídica – comparativa – tem de cumprir sua missão mais intensamente.

PERSPECTIVA E CONCLUSÃO

A humanidade em geral e os cidadãos dos Estados constitucionais em particular puderam respirar, uma vez que o fundamentalismo político agressi-vo do marxismo-leninismo fracassara em 1989. Os outros fundamentalismos,

64 A respeito, por exemplo: M. Brumlik/H. Brunkhorst (Eds.), Gemeinschaft und Gerechtigkeit, 1993; A. Honneth (Ed.), Kommunitarismus, 1993; C. Zahlmann (Ed.), Kommunitarismus..., 1992.

65 Sobre o fundo: P. Häberle. Erziehungsziele und Orientierungswerte im Verfassungsstaat, 1981.

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atuais hoje, não são quiçá menos perigosos, mas deveriam ser dominados se-gundo os valores básicos do Estado constitucional, que segue desenvolvendo--se no tempo e a partir de sua cultura da liberdade e da tolerância, bem como de seu horizonte fixo na humanidade. O “princípio esperança”, bem como a “marcha ereta” (E. Bloch), ganha para o homem e a humanidade, e o “princípio responsabilidade” (H. Jonas) teria de abordar uma associação que proporcione confiança na condição aberta da história universal e da possibilidade de que os homens a dotem de sentido. O Estado constitucional e a comunidade interna-cional podem contrarrestar os fundamentalismos de nosso tempo, se o próprio jurista recorda a frase de Goethe: “Quem possui arte e ciência tem religião, o que não possui essas duas, provavelmente tem religião”. Porque a proteção e o “cumprimento” desses três campos da antropologia cultural: a saber, liberdade de religião, arte e ciência, criam as melhores precauções perante todos os fun-damentalismos. A sociedade aberta não é aqui uma palavra oca, mas cifra para nossa cultura de liberdade, que segue ameaçada, mas que pode também dar bom resultado em geral e em particular.

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Assunto Especial – Estudos Jurídicos

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Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais

A Incidência dos Direitos Fundamentais no que Tange às Relações Privadas

The Impact of Fundamental Rights in the Private Relations

ALINE OLIVEIRA MENDES DE MEDEIROS FRANCESCHINAGraduanda em Direito pela Universidade UNOESC/Chapecó, Autora do blog Direito em Estudo, Pesquisadora integrante do Grupo de Estudos: Direito Fundamental ao Trabalho Digno na Ins‑tituição UNOESC/Chapecó.

Submissão: 06.04.2014Decisão Editorial: 31.10.2014Comunicação ao autor: 31.10.2014

RESUMO: O respectivo manuscrito tem por objetivo específico realizar ampla análise da eficácia hori‑zontal dos direitos fundamentais nas relações privadas, procedendo por meio de pesquisas bibliográ‑ficas, bem como de jurisprudências acerca da temática, utilizando‑se do método indutivo. Destarte, primeiramente serão especificadas as definições introdutórias, conduzindo‑se, então, com a normati‑vidade dos direitos fundamentais, posteriormente decorrendo acerca da Teoria de Jellinek. Findo este item, passar‑se‑á a expressar sobre as dimensões subjetivas e objetivas dos direitos fundamentais, e suas especificidades. Por conseguinte, expressar‑se‑á a filtragem do direito constitucional, como também a interpretação vinculada do sistema normativo às suas garantias, abordando‑se, então, a “eficácia horizontal dos direitos fundamentais no que reporta as relações privadas”, apresentando‑‑se neste instante as teorias respectivas à temática, resultando na afirmativa de que realmente é possível um efeito direto e imediato dos direitos fundamentais, teoria que será reforçada por meio de jurisprudências acerca do “direito à vida”.

PALAVRAS‑CHAVE: Direito fundamental; relações privadas; efeito direto e imediato.

ABSTRACT: The manuscript is its specific purpose, carry out extensive analysis of horizontal effect of fundamental rights in private relations, proceeding through literature searches, as well as case law on the subject, using the inductive method. Thus, first the introductory definitions are specified, then conducting themselves with the normativity of fundamental rights, subsequently, happening on the Theory of Jellinek, ended this item, will spend up to express on subjective and objective dimensions of fundamental rights and their specificities. Therefore will express themselves – filtering of cons‑titutional law, but also the interpretation of the regulatory system linked to their guarantees, then approaching it, the “horizontal effect of fundamental rights in private relations reports”, presenting

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this instant the respective thematic theories, resulting in the assertion that it is really possible a direct and immediate fundamental rights theory effect which will be reinforced by jurisprudence about the “right to life”.

KEYWORDS: fundamental law; private relations; direct and immediate effect.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direitos fundamentais: um sistema de normatividade; 2 A Teoria de Jellinek; 3 Dimensão subjetiva e dimensão objetiva dos direitos fundamentais; 4 A filtragem constitucional na óptica objetiva; 5 Interpretação vinculada aos direitos fundamentais; 6 Eficácia horizontal dos direitos fundamentais no que reporta as relações privadas; 6.1 A negação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais: doutrina state acion; 6.2 Teoria do efeito mediato e indireto dos direitos fundamentais; 6.3 A teoria da eficácia direta e imediata; 8 Jurisprudências: direito à vida; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade fazer uma ampla análise da eficá-cia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas; desse modo, denota-se que a Constituição Federal/1988 é uma constituição prolixa, que re-gulamenta todas as relações entre a sociedade e o Estado e para consigo mesma, formulando diretrizes para a harmonia da vida social no País. Nesse sentido, os valores consagrados em seu texto devem ser considerados como prerrogativas em todas as relações jurídicas existentes, nisso imposto, às relações privadas. Essa incidência ocorre de forma direta, posto que não limita a autonomia priva-da, porém realiza uma posição dela em concordância com os princípios cons-titucionais, comportada pela atividade da ponderação.

O objetivo do respectivo trabalho é demonstrar a necessidade e a pos-sibilidade de incidência das prerrogativas fundamentais na esfera privada, de forma a dirimir conflitos e impossibilitar ameaça de direitos, tanto por parte do Estado quanto por parte de terceiros. Para realizar este estudo foram efetuadas pesquisas bibliográficas acerca do assunto, bem como o uso de decisões profe-ridas pelo STF, sendo que o método utilizado na presente pesquisa é o indutivo.

Inicialmente esta pesquisa apresenta os direitos fundamentais como um sistema de normatividade, passando, em um segundo momento, para as dimen-sões subjetivas e objetivas de tais prerrogativas, resultando na filtragem constitu-cional elaborada sob a ótica objetiva dessas normativas jurídicas. Posteriormen-te, voltando-se para a necessidade de interpretar as legislações sob a luz dos direitos fundamentais, de forma a tornar as leis efetivas e claras em concretude com a harmonia dos princípios constitucionais, de maneira a atender as neces-sidades da dignidade da pessoa humana.

Finaliza-se por meio da temática do respectivo trabalho, ou seja, a eficá-cia horizontal dos direitos fundamentais nas relações privadas, dissecando de forma ampla a presente teoria, abarcando inclusive a doutrina do state acion, ou

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seja, a negação da aplicação dos direitos fundamentais à esfera privada e suas ponderações. Parte-se em seguida para a teoria da eficácia mediata e indireta desses direitos, bem como suas prerrogativas, encerrando na eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, teoria esta seguida pelo Brasil, a qual dará um maior enfoque jurídico ao tema, que se inicia no próximo item.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS: UM SISTEMA DE NORMATIVIDADE

De forma ampla, no que se reporta à democracia, Alexandre de Moraes (2013) afirma a existência de um governo escolhido por meio do povo, o qual será incumbido de representá-los. Ocorre que este poder, delegado por meio da sociedade, não é absoluto, obtendo limitações por intermédio dos direitos fun-damentais. Nesta acepção, assevera Canotilho, supracitado pelo referido autor, no sentido de que a função dos direitos de defesa do cidadão abarca uma dúpli-ce perspectiva, em certa influência da categorização do direito por status (nega-tivo e positivo), desdobrado por Jellinek, sendo elas na esfera jurídica objetiva, os direitos civis e políticos (direitos de liberdade), os quais teriam competência negativa aos poderes públicos, pois que proíbem a intervenção dos mesmos no âmbito jurídico individual e implicam na esfera jurídica subjetiva.

Isto é, os direitos sociais e econômicos (direitos de igualdade) possuem o poder de exercer a liberdade positiva, ou seja, a influência positiva do Estado no que concerne aos direitos fundamentais, bem como a liberdade negativa, isto é, a possibilidade de exigir omissões dos poderes públicos, com vistas a evitar lesões por parte dos próprios. Neste aspecto, Miguel Ángel Ekmekdjian (1993) sintetiza que para viver em sociedade o homem deve ceder parte de sua liberdade em benefício do próximo. Essas frações de liberdade cedidas por seus integrantes se unificam convertendo-se em poder, o qual será exercido por meio do representante da sociedade. Sendo assim, o poder e a liberdade tendem a confrontar-se, necessitando, para tanto, de positivação jurídica, de maneira a impedir a anarquia e a arbitrariedade.

Pois que surge, então, a Constituição Federal, que, no parecer de Alexandre de Moraes (2013), organiza a forma de Estado e, consequentemente, as atribuições que exercerão os órgãos estatais, além de prestigiar os direitos e garantias fundamentais positivados aos indivíduos. Ainda neste sentido, Baez (2010) preleciona que a Carta Maior não se trata de um “amontoado inorgâni-co de artigos ou dispositivos legais”, pelo contrário, reporta-se a um conjunto em harmonia de “diretrizes e definições políticas fundamentais, que compõe um corpo sistemático de escolhas, por um caminho possível na história de seu povo, com o fim de transformar a realidade posta”.

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Na concepção de George Marmelstein (2013), os direitos fundamentais são possuidores de força jurídica efetiva, ou seja, eles são direitos positivados, gerando consequentemente vantagens aos seus possuidores (sujeito ativo), e, de forma automática, obrigações para seus designados (sujeito passivo). Destarte, ainda no posicionamento do mencionado autor, ao considerar-se a localização de tais normatividades, que se encontram no nível mais alto do ordenamento jurídico (na Constituição Federal), perceptível se faz a potencialidade de suas prerrogativas.

Nesse entendimento, enaltece Mello Francisco (1958) acerca da impos-sibilidade da separação entre os direitos individuais e a democracia, como tam-bém a vinculação da democracia nas origens cristãs e nos princípios do Cris-tianismo, posto que estes resultaram na cultura política humana de que o valor transcende a criatura e a capacidade do Direito de limitar o poder, e, nesse aspecto, a limitação do Direito por meio da justiça, pois que, nas palavras do mencionado autor, “sem respeito à pessoa humana não há justiça e sem justiça não há Direito”. Em concordância, dispõe George Marmelstein (2013) no senti-do de que ao Estado encarrega-se o dever de respeitar, proteger e promover os direitos fundamentais. Em virtude, como atitude de respeito, o Estado obriga-se a agir em conformidade com o direito fundamental, estando, para tanto, im-pedido de violá-lo, ou mesmo adotar medidas que possam de qualquer forma ameaçar o bem jurídico garantido pela norma constitucional.

Portanto, por meio da garantia de dever de proteção aos direitos fun-damentais, na concepção de Daniel Sarmento (2006), o legislador se obriga a editar normas que tutelem tais direitos, assim como o administrador se obriga a agir de forma material, em prevenção e reparação das lesões praticadas contra os peculiares direitos, e, no que concerne ao Judiciário, o próprio fica obrigado, na prestação da jurisdição, a voltar-se em defesa dos direitos fundamentais em suas prerrogativas. Por fim, como dever de promoção, mencionado também por George Marmelstein (2013), culminara na obrigação ao Estado de adotar medi-das concretas, com vistas a possibilitar o gozo dos direitos fundamentais, para as pessoas que se encontrem em desvantagem econômica. Isto posto, carecer-se-á de um breve destaque na diferenciação e aplicabilidade da dimensão subjetiva e dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que se fará no próximo título.

2 A TEORIA DE JELLINEK

Destarte, “[...] no final do século XIX, Jellinek desenvolveu a doutrina dos quatro status em que o indivíduo pode encontrar-se em face do Estado. Dessas situações, extraem-se deveres ou direitos diferenciados por particularidades de natureza”, de acordo com Mendes e Branco (2011). Neste sentido, Pinho (2012) define tais status como sendo:

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a) passivo (status subjectionis) – o indivíduo mantém um vínculo de subordinação com o Estado, por meio de mandamentos e obrigações; b) negativo – o indivíduo, por ser dotado de personalidade, desfruta de uma esfera de liberdade individual, que exclui o poder de império do Estado; c) positivo (status civitatis) – o indivíduo pode exigir do Poder Público que atue em seu favor; o Estado concede ao indiví-duo prestações jurídicas positivas; e d) ativo – a denominada cidadania ativa; o indivíduo fica autorizado a exercer direitos políticos.

De forma detalhada, Schlink e Bodo (2012) expressam, por meio do con-ceito de George Jellinek, como status negativo (status negativus) a liberdade que o indivíduo tem em face do Estado, que possui harmonização e garantia por meio dos direitos fundamentais, na forma em que, como direitos de defesa, garantem a liberdade dos cidadãos e seus bens jurídicos, contra a arbitrariedade estatal. Esta prerrogativa decorre, segundo Mendes e Branco, da característica advinda da personalidade do indivíduo, ou seja, esta prerrogativa exige que o ser humano tenha condições de exercer sua liberdade, isto é, tenha âmbito de ação frente aos Poderes Públicos. Assim sendo, em citação ao próprio Jellinek, ele destaca que a autoridade estatal somente pode ser “exercida sobre homens livres”.

Ocorre, também, que o indivíduo pode encontrar-se em situação de su-bordinação aos Poderes Públicos, localizando-se, portanto, como sujeito de-tentor de deveres relacionados ao Estado. É o que ocorre no status passivo ou status subjectiones, na acepção do citado autor, com vistas de que o poder estatal possui competência, neste instante, de vincular o cidadão por meio de mandamentos ou proibições. Em concordância, Schlink e Bodo acrescentam que a liberdade do ser humano depende de ação estatal para se concretizar.

Esta forma estatal encontra fundamento basilar nos direitos fundamentais, na forma em que, conforme as palavras do referido autor, “quando e na me-dida em que sejam direitos de reivindicação, de proteção, de participação, de prestação e de procedimento”. Neste sentido, esses direitos se dão por meio dos denominados “direitos derivados, isto é, derivados dos direitos já existentes”, e/ou, por meio dos direitos originários, ou seja, “direitos que produzem algo que ainda não existe”.

Sendo que, na direção dos referidos autores, tal status confere ao indi-víduo um direito à prestação, isto é, garante a concretude do efeito jurídico do direito de defesa por meio da reparação e da compensação pelo ônus ou omissão causados.

Existem também algumas situações em que a pessoa é detentora do direi-to de exigir do Estado uma atuação positiva, ou seja, que o próprio realize uma prestação. Neste caso, em conformidade com Mendes e Branco, o indivíduo se

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encontra com capacidade de pretender “que o Estado aja em seu favor. O seu status é, assim, positivo (status civitatis)”.

Como quarto status, Jellinek, adiciona o Status Ativo, no qual “o indiví-duo desfruta de competência para influir sobre a formação da vontade do Esta-do”. Na acepção de Mendes e Branco, exemplificativamente, tem-se o direito ao voto, em que o cidadão exerce seus direitos políticos. Fora a partir desta teoria que emergiram direitos fundamentais, como os direitos de defesa (ou direitos de liberdade), bem como os direitos à prestações (ou direitos cívicos).

A essas duas espécies alguns doutrinadores acrescentam os direitos de participação. No conceito de Schlink e Bodo, “é o estado em que o particular exerce a sua liberdade no e para o Estado, isto é, o ajuda a construir e nele participa. É conformado e assegurado pelos direitos cívicos”, situação em que a liberdade do sujeito e a ordem estadual coadunam-se em uma relação funcional de reciprocidade. Consequentemente, o suporte textual deste status insere ao ser humano o direito a suportar e harmonizar um Estado Democrático de Direi-to em seu status ativo, da mesma maneira que em seu status negativo, com suas opiniões expressas por meio de reuniões e manifestações, ou também por meio da mídia, ou meios de telecomunicações.

Isto posto, conclui-se que o diferencial entre os quatro status concerne apenas no que se refere à liberdade do indivíduo e sua forma de prevenir arbi-trariedades e garantias de proteção, assim como também a garantia de coopera-ção na conformação e harmonização do Estado. Nesta medida, passar-se-á ao próximo tópico do presente artigo, ou seja, a dimensão subjetiva e a dimensão objetiva dos direitos fundamentais.

3 DIMENSÃO SUBJETIVA E DIMENSÃO OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Conforme já exposto no título anterior, a doutrina reconhece a dupli-cidade de dimensões dos direitos fundamentais. Estando, na compreensão de George Marmelstein (2013), de um lado os direitos fundamentais em sua di-mensão subjetiva, servindo como fonte de direitos subjetivos, concebendo para seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua consumação, por meio do Poder Judiciário. De outro lado, com base em sua dimensão objetiva, esses direitos assumem um sistema valorativo com capacidade para legitimar todo o ordenamento jurídico, vinculando toda a interpretação jurídica à força axioló-gica decorrente de tais direitos.

Ainda no entendimento do referido autor, como dimensão subjetiva, diz--se que “os direitos fundamentais são normas jurídicas”, e, em sua dimensão objetiva, considera-se “que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico”. Não se aterá de forma abrangente a

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estas diferenciações, pois que o referido trabalho possui como núcleo basilar a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, bem como a necessidade da normatização e seguimento dos referidos princípios, com base na disposição da Constituição Federal, o que denominaremos de “filtragem”, ou seja, a seleção de leis apenas no que for compatível com os direitos fundamentais, sendo nega-da a positivação de normas em desfavor da mencionada garantia fundamental, assunto que se abarcará no tópico a seguir.

4 A FILTRAGEM CONSTITUCIONAL NA ÓPTICA OBJETIVA

Em conformidade com Daniel Sarmento (2003),

a dimensão objetiva dos direitos fundamentais liga-se ao reconhecimento de que tais direitos, além de imporem certas prestações aos poderes estatais, consagram também valores mais importantes em uma comunidade política, construindo, como afirmou Konrad Hesse, “as bases de ordem jurídica da coletividade”.

Em consequência, a dimensão objetiva, conforme expressa George Marmelstein, vai na direção de que “qualquer interpretação jurídica deverá ser feita à luz dos direitos fundamentais, que se transformam no fundamento axio-lógico de todo o sistema normativo”. Assim, concorda Ronald Dworkin (2006) no sentido de que os juízes devem interpretar a Constituição por meio de uma “leitura moral” como meio de transcrever o espírito ético que nela subsiste.

Assim sendo, conforme preleciona Vieira de Andrade (2004), a dimensão objetiva (positiva) dos direitos fundamentais exige mais que o simples respei-to às garantias fundamentais, ou seja, determina por parte do Estado proteção vertical, isto é, segurança no que concerne aos atos estatais, e de forma hori-zontal, proteção de ameaças de lesões, por parte de terceiros. Consequente-mente, aponta Sarlet (2008) que os direitos fundamentais, consonantes com a dignidade da pessoa humana, “fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação dos direitos infraconstitucionais”, isto é, a “necessidade de uma interpretação conforme os direitos fundamentais”, validando a unicidade do sistema jurídico.

Em conformidade, Daniel Sarmento (2006) desponta que “todos os ramos do Direito, com suas normas e conceitos, devem sujeitar-se a uma verdadeira ‘filtragem’ constitucional, para que se conformem com a tábua axiológica dos direitos fundamentais”. De forma ampla, denota George Marmelstein (2013) que, por meio da “filtragem constitucional”, os direitos fundamentais passam a ocupar uma função estratégica de fundamentação e de legitimação do sistema normativo como um todo.

Eles seriam como um filtro necessário à interpretação das demais nor-mas jurídicas... “Que depurará o conteúdo do texto legal, permitindo que ape-

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nas o que for compatível com os valores constitucionais seja aproveitado pelo operador de direito”. Sendo assim, “todo o ato de poder está condicionado à observância dos valores constitucionais”. Para tanto, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais resulta na necessidade de vincular a interpretação das prerrogativas jurídicas em conformidade com os direitos fundamentais, como demonstrar-se-á no próximo item.

5 INTERPRETAÇÃO VINCULADA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No que reporta a interpretação das normativas jurídicas, explana Vicente Ráo (1952) que a hermenêutica, cuja finalidade consiste em “investigar e co-ordenar, por modo sistemático, os princípios científicos e leis decorrentes que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico de direito...”. Ainda nesse aspecto, “a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nela contidos, assim interpretados, às situações de fato que lhes subordinam”.

Nesta extensão, no que reporta a interpretação vinculada diretamente aos direitos fundamentais, Luís Roberto Barroso (1998) assevera que a herme-nêutica exige que, em meio às possibilidades de interpretação existentes, a que deve prevalecer é a que se mantenha em harmonia com a Constituição Federal, para que se encontre um sentido para a norma, o que automaticamente resulta na exclusão da linha interpretativa, que se mostre em discordância com a nor-ma constitucional. Seguindo esta linha de raciocínio, funciona para além de uma simples técnica interpretativa, mas principalmente, como um mecanismo de controle da constitucionalidade.

Nesta direção, esclarece Raul Machado Horta (1995) que este posicio-namento não enfatiza uma “hierarquia entre as normas constitucionais”, pois todas se vestem de garantia fundamental. Sendo assim, “a precedência serve a interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador e do julgador”.

Neste alcance, Alexandre de Moraes (2013) denota que a Constituição Federal precisa sempre ser interpretada, pois somente considerando a letra do texto da referida norma, em conformidade com as “características históricas, políticas e ideológicas” da situação, será constatado o sentido que mais favo-rece a norma jurídica, com vistas a sua plena eficácia. Bem como, em acordo com Jorge Miranda, supracitado pelo referido autor, propõe-se duas principais regras, no que concerne à interpretação da Constituição, sendo a primeira que se deve partir da ideia de que “todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a interpretação que lhes supri-ma ou diminua a finalidade”; e, em seguida, ter-se a premissa de que os precei-

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tos constitucionais deverão ser interpretados da forma que melhor evidencie seu verdadeiro significado.

Basicamente a aplicação da interpretação das normativas deverá abarcar a harmonia da Constituição, com suas finalidades intrínsecas, de maneira a adequar-se à realidade atual e buscar uma “maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas”. Dito isso, adentrar-se-á ao objetivo deste docu-mento, ou seja, ao plano da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, isto é, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

6 EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO QUE REPORTA AS RELAÇÕES PRIVADAS

Na concepção de George Marmelstein, os direitos fundamentais foram “concebidos como instrumentos de proteção dos indivíduos contra a opressão estatal”. Nesse sentido, o particular obtinha o patamar de titular de direitos, nunca convertendo esse estágio como sujeito passivo. A esta relação, deno-minar-se-á eficácia vertical dos direitos fundamentais, em que o Estado ocupa uma posição de superioridade em relação ao indivíduo. Nesse sentido, Daniel Sarmento (2006) assevera, in verbis:

No contexto da economia capitalista, o poder crescente de instâncias não esta-tais, como as grandes empresas e associações, tornara-se uma ameaça para os direitos do homem, que não poderia ser negligenciada, exigindo que a artilharia destes direitos se voltasse também para os atores privados. Estes, que até então eram apenas titulares de direitos humanos, oponíveis em face do Estado, assu-mem agora, em determinados contextos, a condição de sujeitos passivos de tais direitos. Se a opressão e a injustiça não provém apenas dos poderes públicos, surgindo, também, nas relações privadas travadas no mercado, nas relações labo-rais, na sociedade civil, na família, e em tantos outros espaços, nada mais lógico do que estender a estes domínios o raio de incidência dos direito fundamentais, sob pena de frustração dos ideais morais e humanitários em que eles lastreiam.

Assim, também, pondera Stuart Mill (2006) no que reporta a capacidade de tiranizar que a sociedade possui, de forma tão determinante e cruel quanto o próprio Estado, pois que, segundo o referido autor, ao executar suas deter-minações, a sociedade pode praticar uma tirania social, violando os princípios basilares dos direitos do ser humano, deixando poucas formas de evasão, “pe-netrando muito mais profundamente nos pormenores da vida, e escravizando a própria alma”.

Em consequência, destaca Cristina Queiroz (2002) no sentido de que

os direitos fundamentais são direitos constitucionais, que não devem, em primei-ra linha, ser compreendidos numa dimensão técnica de limitação do poder do

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Estado. Devem antes, ser compreendidos e inteligidos, como elementos definido-res e legitimadores de toda ordem jurídica positiva.

Destarte, George Marmelstein especificou a afirmativa do reconhecimen-to da eficácia horizontal dos direitos fundamentais de forma pioneira, no ano de 1958, no Tribunal Constitucional Federal alemão, no caso Luth, tornando-se símbolo do compromisso da interpretação jurídica de tais direitos. Trata-se de um filme que passou por um boicote por parte do Sr. Luth, que, por via de sua influência na condição de presidente do Clube de Imprensa, pediu para que os “alemães decentes” não assistissem a tal filme, alegando que seu diretor apoiou o antissemitismo durante o regime nazista. A Corte Constitucional alemã deci-diu que “o boicote seria uma manifestação do direito de liberdade de expressão do pensamento, razão pela qual não poderia ser proibido, mesmo que estivesse causando prejuízo à produtora e à distribuidora de vídeo”. A seguir, um pe-queno trecho retirado da referida decisão, supracitado pelo mencionado autor utilizando-se da obra de Daniel Sarmento:

Este sistema de valores, que centra na dignidade da pessoa humana, em livre desenvolvimento dentro da comunidade social, deve ser considerado como uma decisão constitucional fundamental, que afeta a todas as esferas do direito públi-co ou privado. Ele serve de metro para a aferição e controle de todas as ações estatais nas áreas da legislação, administração e jurisdição. Assim é evidente que os direitos fundamentais também influenciam o desenvolvimento do direito pri-vado. Cada preceito do direito privado deve ser compatível com este sistema de valores e deve, ainda, ser interpretado à luz de seu espírito... o conteúdo das normas em vigor também deve ser harmonizado com esta ordem de valores. Este sistema infunde um conteúdo constitucional específico ao direito privado, orien-tando sua interpretação.

Nesse sentido, existem três possibilidades doutrinárias de entendimento, no que reporta a este assunto, as quais se aludirá nos tópicos a seguir.

6.1 A negAção dA efIcácIA horIzontAl dos dIreItos fundAMentAIs: doutrInA stAte AcIon

Este entendimento doutrinário nega completamente a incidência dos di-reitos fundamentais. No que se reporta às relações privadas, enumera-se, exem-plificativamente, a esfera norte-americana, referente à teoria State Acion, onde a maioria da doutrina e da jurisprudência nega o direito a particulares atuarem como sujeito passivo, prestando-se, então, a impor limitações apenas ao Pode-res Públicos, com exceção da 13ª emenda da Constituição, que vetou a escra-vidão, como dispõe Daniel Sarmento (2006).

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Ainda sob a égide de Ney de Barros Bello Filho (2007), faz-se perceptível que a doutrina do State Action aproxima-se com a teoria de eficácia mediata, pois a 14ª emenda assim denota:

É vedado aos Estados fazer ou executar leis que restrinjam as prerrogativas e garantias de os cidadãos dos Estados Unidos privarem alguma pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem observância dos limites legais ou recusar a qual-quer pessoa sob sua jurisdição a igualdade perante a lei.

Ainda neste ponto, a doutrina justifica sua posição com base na litera-lidade do Texto Constitucional norte-americano, o qual faz referência apenas aos poderes públicos, bem como reforça essa ideia com base, principalmente, na autonomia privada, instrumentalizadas nas normas de Laurence Tribe, supra-citado pelo mencionado autor, o qual remete à importância da imunidade das ações privadas, no que refere-se à Constituição, sendo que, caso os indivíduos ficassem obrigados a agirem em conformidade com a mesma, eles perderiam sua capacidade de se autodeterminar, tendo assim seu direito de liberdade res-trito de forma grotesca.

Portanto, como dito, prestam apoio a tal ideologia o sistema federalista vivenciado nos Estados Unidos, onde a legislação acerca de direito privado é de competência dos Estados, excepcionando-se apenas nos casos em que se tratar de comércio interestadual ou internacional. Nessa concepção, tal teoria estaria atuando como forma de preservar o espaço de autonomia dos Estados, de modo a impossibilitar que as cortes federais intervenham no condicionamento das relações privadas, sob a alegação de aplicação da Constituição.

Convém destacar, como assevera Bello Filho (2007), que atualmente, na Alemanha, onde as “teses de absoluta ineficácia dos direitos fundamentais so-bre as relações privadas nasceram e se desenvolveram, a Corte Constitucional já admite a eficácia horizontal”, bem como na jurisprudência constitucional da Suíça, que, tal como a Alemanha, se apresentava de maneira reservada, por hora, passou a admitir a incidência da eficácia horizontal dos direitos funda-mentais, pois a própria Constituição abordou o instituto por meio do art. 35, sob o título “Execução dos Direitos Fundamentais”.

No entanto, como destacado pelo mencionado autor em decisão da Su-prema Corte americana, foi resolvido que os Tribunais “não podem ser utiliza-dos para dar cumprimento a cláusulas discriminatórias provenientes de contra-tos ou acordos particulares”. Nessa acepção, as cláusulas ofensivas aos direitos fundamentais possuem total validade, desde que cumpridas de forma voluntária pelas partes.

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6.2 teorIA do efeIto MedIAto e IndIreto dos dIreItos fundAMentAIs

No parecer de George Marmelstein (2013), essa teoria abarca a ideia de que as normas constitucionais não têm aplicabilidade direta nas relações entre particulares, servindo apenas para clarear a interpretação do direito infra-constitucional. Segundo Daniel Sarmento (2006), tal teoria foi desenvolvida por Gunter Durig por meio da doutrina alemã, publicada em 1956. Assim, Durig expressa a necessidade de submeter os valores do direito privado aos valores constitucionais, através dos quais os juízes devem interpretar a ordem vigente, em conformidade com os valores advindos dos direitos fundamentais. Portanto, a Constituição seria uma ordem de valores, com base nos direitos fundamentais, sui generis na dignidade da pessoa humana.

Os adeptos dessa conjectura acolhem-se ao fato de que tal hipótese ex-tinguiria a autonomia de vontade, princípio basilar do direito privado, conver-tendo o mesmo a mero material do Direito Constitucional, importando um po-der ilimitado por parte do Judiciário, no entender de Ingo Von Munch (1997), citado por Daniel Sarmento, ajustado por Konrad Hesse (1995), que remete ao sentido de que a Constituição apenas “contém normas objetivas, cujo efeito de irradiação levam à impregnação das leis civis por valores constitucionais”. Segundo entendimento, faz-se citação a Gilmar Mendes, in verbis:

[...] compete, em primeira linha, ao legislador a tarefa de realizar ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito das relações privadas. Cabe a este garantir as diversas posições fundamentais relevantes, mediante a fixação de limites diversos.

Um meio de irradiação dos direitos fundamentais para as relações privadas se-riam as cláusulas gerais (Generalklauseln), que serviriam de porta de entrada (Einbruchstelle) dos direitos fundamentais, no âmbito do direito privado.

Para Daniel Sarmento, os defensores dessa teoria subentendem que os direitos fundamentais são garantidos na esfera privada, por meio dos próprios mecanismos do Direito Privado, ou seja, a coercitividade dos preceitos funda-mentais se amplificaria aos particulares de forma mediata, por meio da atuação do legislador. Sendo assim, em um possível conflito entre os direitos fundamen-tais e a autonomia privada, atribuiria à lei solucionar tal conflito, em virtude de que tal preferência pelo grau de atuação do legislador frente ao juiz, na área privada, garante maior segurança jurídica e concilia-se aos princípios da demo-cracia e da separação dos poderes.

Ainda estabelecido pelo referido autor, ao Judiciário incumbiria a tarefa de preencher as lacunas originadas pelo legislador, bem como o ofício de con-trolar a constitucionalidade das normas privadas incompatíveis com a Carta Maior. Então, apenas de forma excepcional, os adeptos de tal ideologia “ad-mitem a aplicação direta pelo Judiciário em litígios privados”, ou seja, apenas

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quando o litígio privado desconsiderar de forma crucial a efetividade dos direi-tos fundamentais sobre o Direito Privado é que o recurso constitucional se faria admissível.

Tal teoria tem sido criticada por diversos doutrinadores alegando à de-gradação do princípio da legalidade, assim como a falha na teoria, em prestar efetividade completa aos direitos fundamentais na esfera privada, que ficam à mercê das legislações adotadas pelo legislador ordinário. Ademais, na percep-ção de Daniel Sarmento, na doutrina nacional, a teoria majoritária se vincula na anuência da relação direta e imediata dos indivíduos aos direitos fundamen-tais (excepcionalmente no que se refere aos autores Luís Afonso Heck, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins), a qual nos reportaremos no próximo item.

6.3 A teorIA dA efIcácIA dIretA e IMedIAtA

Na conjuntura brasileira, esta teoria possui fortes adeptos, como Da-niel Sarmento, Ingo Wolfgang Sarlet, José João Nunes Abrantes, Janes Reis Gonçalves Pereira, Gustavo Tepedino, Gomes Canotilho, Wilson Steinmetz, Luís Roberto Barroso e Ana Prata, entre outros. Tal teoria teve seu marco ini-cial na Alemanha, em 1950, por meio de Hans Cal Nipperdey, que estendia tal ideologia na direção de que, como os nobres que ameaçavam os direitos fundamentais não provinham apenas do Estado, mas sim de terceiros em geral, decorria na necessidade de se estender essas prerrogativas também no que re-vestiam as relações particulares, produzindo efeito erga omnes.

Consequentemente, Walter Leisner adotou e desenvolveu esta doutrina na esfera germânica, cuja mesma, apesar de ser minoritária em tal circunscri-ção, ainda assim produziu ampla penetração em Estados europeus, como a Itá-lia, a Espanha e Portugal, por exemplo, conforme disposto por Daniel Sarmento. No parecer do autor Pedro Lenza, (2011), a teoria da aplicação horizontal dos direitos fundamentais tem tido êxito, em especial, no que se refere às relações privadas, revestidas de cunho público, por exemplo as matrículas escolares, as relações trabalhistas etc.

Neste sentido, Daniel Sarmento (2006) afirma que tal atuação (horizontal) engloba uma ponderação de interesses entre a autonomia privada e a relação em concreto. Nesta direção, Claudio Ari Mello (2004) assegura a necessidade da proteção dos direitos fundamentais para a garantia de um bom desempenho da democracia, extinguindo a ideia de incompatibilidade com o poder demo-crático, alegada pela teoria opositora. Neste ponto, Armando Cruz Vasconce-los esclarece que a aplicação horizontal dos direitos fundamentais tem como prerrogativa ponderar a aplicação de tais direitos em harmonia com os demais princípios. Assim, destaca e indaga Jorge Novais (2007):

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[...] O direito fundamental só cede se o Estado for capaz de encontrar uma justi-ficação de peso, intrínseco, indiscutível; a simples vontade da maioria democrá-tica não é suficiente para justificar a restrição. Mas quando se pretende opor o mesmo direito a outro particular... encontramos... outro direito fundamental. Ao nosso trunfo, responde a outra parte com outro ou até o mesmo trunfo. Por que razão deve ser o meu a prevalecer?

Ainda nesse enfoque, Jane Reis Gonçalves Pereira (2006) assegura que a especialidade da questão da eficácia dos direitos fundamentais nas relações pri-vadas encontra-se no fato de que ambas as partes compreendidas são titulares de direitos constitucionalmente abarcados, enredando um complexo sistema de direitos e deveres, que se limitam e condicionam entre si.

Nesse espírito, abarca Gilmar Mendes (2004) no entendimento de que “[...] é lícito indagar em que medida podem as entidades privadas deixar-se influenciar nas suas relações jurídicas por esses elementos de distinção ou de discriminação”. Faz-se necessário pensar e manusear tais direitos de forma cautelar, sob o risco de sacrificar de forma irreversível o direito privado. Para Fancchini Neto (2003), este curso de confusão entre o público e o privado pode ser verificado no Estado de bem-estar social, que tem migrado dos primórdios até a então atualidade.

No que concerne a esta questão, Robert Alexy (2008) entende que frente a uma colisão entre direitos fundamentais de particulares, deve-se proceder de forma que seja feita uma ponderação entre os valores discutidos. Assim, tam-bém, consente Pedro Lenza, in verbis:

[...] poderá o magistrado deparar-se com inevitável colisão de direitos fundamen-tais, quais sejam, o princípio da autonomia de vontade privada e da livre iniciati-va de um lado... e o da dignidade da pessoa humana e da máxima efetividade dos direitos fundamentais (art. 1º, inc. III) de outro. Diante dessa “colisão”, indispen-sável será a “ponderação de interesses” a luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá que avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.

Ou seja, nesta questão se faz necessária a incidência direta e imediata de tais prerrogativas, de forma a equilibrar as relações jurídicas materialmente assimétricas, garantindo proteção aos hipossuficientes. Além de que, outro ali-cerce a esta teoria consiste da própria dimensão objetiva dos direitos fundamen-tais, visto que, a partir da difusão de seus efeitos, surge uma nova prerrogativa subjetiva, que seja a capacidade de exigir do Estado a proteção dos direitos fundamentais contra toda ameaça, abarcando consequentemente as intentadas contra particulares. Ocorre que os direitos fundamentais estarão em constante incidência frente às relações individuais. Nesse sentido, Gilmar Mendes (2004) se posiciona, in verbis:

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Não se pode olvidar, por outro lado, que as controvérsias entre particulares, com base no direito privado, hão de ser decididas pelo Judiciário. Estando a jurisdição vinculada aos direitos fundamentais, parece inevitável que o tema constitucional assuma relevo tanto na decisão dos tribunais originários como no caso de even-tual pronunciamento da Corte Constitucional.

Convém destacar que não se trata, nesse momento, de uma aplicação irrestrita e absoluta dos direitos fundamentais, no que reporta as relações priva-das, posto que tal aplicação não ocorre desta de forma descabida, nem ao me-nos em relação ao Estado. Assim também adverte Jane Reis Gonçalves Pereira: “o caráter relativo e limitado dos direitos fundamentais decorre da própria no-ção de unidade da constituição e da consequente necessidade de coordenação e harmonização dos valores constitucionalmente protegidos”. Destarte também predispõe Ney de Barros Bello Filho (2007), em citação a Gustavo Tepedino:

[...] novos parâmetros para a definição da ordem pública, relendo o direito civil à luz da Constituição, de maneira a privilegiar, insista-se, ainda uma vez, os va-lores não patrimoniais e em particular a dignidade da pessoa humana, o desen-volvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais.

Nesse contexto, Ingo Sarlet (2007) subdivide os direitos fundamentais em direitos prestacionais e direitos de defesa, cujos direitos prestacionais fra-cionam-se em direitos à proteção em sentido estrito; convém, porém, salientar que a aplicabilidade de tais normas depende de um procedimento específico, limitado por meio da “reserva do possível”. Já os direitos de defesa (direitos ne-gativos), encontrados no campo dos direitos individuais, consistem na proteção da liberdade individual, inicialmente no que reporta as prerrogativas estaduais, finalizando nas práticas particulares para que os bens jurídicos fundamentais sejam protegidos de ameaças e lesões por parte destes sujeitos. Com tal carac-terística, preleciona Gilmar Mendes, in verbis:

A concepção que identifica os direitos fundamentais como princípios objetivos legítima a idéia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo, em face das investidas do Poder Público (direito fun-damental, enquanto direito de proteção ou de defesa-abwehrrecht), mas, tam-bém, a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht Staats).

Como meio de efetivar os fundamentos constitucionais, ou seja, promo-ver uma sociedade justa e igualitária, objetivando a redução das desigualdades sociais, é que se fazem necessárias, ao menos, mínimas condições materiais de liberdade, para que o indivíduo possa, então, manifestar sua autonomia de vontade. Por conseguinte, pondera Barroso (2001), que faz menção à observa-

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ção de fatores como a igualdade ou desigualdade material entre os sujeitos, a manifestação de injustiça ou falta de razoabilidade de critérios e riscos para a efetivação da dignidade humana, assim como a preferência pelos valores exis-tenciais em desvantagem aos meramente patrimoniais.

Em consequência, quanto maior for o grau de desigualdade social entre os indivíduos, maior será a incidência da proteção jurídica fundamental, e in-ferior será a proteção da autonomia privada. Um parâmetro a ser considerado, para a aplicação dos direitos fundamentais na esfera individual, o qual deverá ser apreciado em conjunto aos demais já mencionados, consiste na maior ou menor proximidade da esfera pública na relação jurídica entre os indivíduos, visto que, quanto menor esta proximidade, maior será a tendência de um domí-nio de um direito fundamental frente à autonomia privada.

8 JURISPRUDÊNCIAS: DIREITO À VIDA

Como meio de justificar o parecer expresso até então, isto é, a possibi-lidade de incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas de forma direta e imediata, far-se-á o uso de jurisprudências, das quais se fez preferência pelas decisões elucidadas ao direito à vida, que serão abordadas no próximo parágrafo. O direito à vida é assegurado constitucionalmente como “o mais fundamental de todos os direitos”, já que sua garantia é pré-requisito para a existência e exercício das demais normativas jurídicas. Ocorre que, em concor-dância com Alexandre de Moraes (2013),

o direito humano fundamental à vida deve ser entendido como direito a um nível de vida adequado à condição humana [...]. O Estado deverá garantir esse direito [...] respeitando os princípios fundamentais da cidadania, dignidade da pessoa humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e ainda os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, (consistentes) na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional e erradicando-se a pobreza e a marginalização, reduzindo, portanto, as desigual-dades sociais e regionais.

Nesse sentido, finaliza o mencionado autor, assegurando a inviolabilida-de do direito à vida, o que consequentemente faz com que este direito entre em conflito com a pena de morte, bem como as práticas abortivas e a eutanásia, como será analisado em seguida:

1 Relatividade do Direito à Vida, conforme decisão proferida pelo Su-premo Tribunal Federal, expressar-se-á o uso moderado do direito à vida, que inclusive traz sua excepcionalidade expressa por meio da Constituição Federal:

Reputou inquestionável o caráter não absoluto do direito à vida ante o texto cons-titucional, cujo art. 5º, XLVII, admitiria a pena de morte no caso de guerra decla-

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rada na forma do seu art. 84, XIX. No mesmo sentido, citou previsão de aborto ético ou humanitário como cláusula excludente de ilicitude ou antijuricidade do Código Penal, situação em que o legislador teria priorizado os direitos da mulher em detrimento dos do feto. Recordou que a proteção ao direito à vida com-portaria diferentes gradações, consoante o que estabelecido na ADI 3510/DF. (STF Pleno, ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão 11 e 12.04.2012, Informativo STF nº 661)

2 Direito à vida e ausência de declaração de inconstitucionalidade do tipo penal do aborto, in abstrato, baseada em decisão do STF:

Se mostraria despropositado veicular que o Supremo examinaria a descrimina-lização do aborto, especialmente porque existiria distinção entre aborto e ante-cipação terapêutica de parto. Nesse contexto, afastou as expressões “aborto eugênico”, “eugenésico”, ou “antecipação eugênica da gestação”, em razão do indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia. (STF Ple-no, ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão 11 e 12.04.2012, Informativo STF nº 661)

3 Nascituro e investigação de paternidade – TJSP: “A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro, uma vez que neste há vida...” (AC 193.648-1/SP, 1ª C. Civil, Rel. Des. Renan Lotufo-JTJ/SP-LEX 150/91 e Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 4, p. 299/302).

4 Gratificação por Risco de Vida – STJ:

Administrativo. Gratificação de risco de vida. Incorporação. A Lei Complementar nº 41, de 21.12.1987, pelo art. 89, determinou o pagamento da gratificação de risco de vida, a partir de 1º de janeiro de 1988, aos policiais civis de São Paulo, em efetivo exercício de seus cargos. Os recorrentes passam a ter de receber a gratificação, além dos vencimentos que já vinham percebendo. (Ementário STJ nº 05/40, REsp 14.7530-0-PR, Reg. 9100191191, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª T, Unânime, DJ 09.03.1992)

CONCLUSÃO

Os direitos fundamentais possuem como escopo a proteção dos sujeitos hipossuficientes dos hipersuficientes, que, na atualidade, não faz menção ape-nas ao Estado, mas também a particulares, que possuem um poder econômico cada vez maior, em contrapartida, resultando em uma autonomia privada con-centrada, de forma a reduzir os grupos sociais mais frágeis, caracterizando de-sigualdades e injustiças. Ocorre, porém, que a proteção dos direitos fundamen-tais não pode impor-se de forma imoderada, considerando, ainda, que o núcleo de direitos fundamentais serve de barreira à liberdade privada, que nunca deve

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intentar sobre os mesmos, sob pena de estar cometendo injustiças, posto que é necessário atentar-se a uma compatibilidade entre tais princípios e a autonomia privada, de forma a dar validade e efetividade à dignidade da pessoa humana.

Assim, ocorrendo uma colisão entre esses direitos e a autonomia privada, concebendo tais valores como norteadores das relações particulares e suben-tendendo esses direitos como expressão de igualdade, torna-se verificável que os mesmos (direitos fundamentais) estarão se sobrepondo à autonomia de von-tade, posto que a igualdade possui maior conteúdo valorativo que a liberdade.

Finaliza-se, para tanto, por meio da afirmação de que, os direitos funda-mentais incidem nas relações de desigualdade, sendo claro que, se tal relação se materializar na esfera privada, essas prerrogativas terão completa liberdade para agirem em proteção aos hipossuficientes, salvaguardando, em primazia, a dignidade da pessoa humana, um dos princípios norteadores do direito funda-mental.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais

2904

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.116.964 – PI (2008/0250032‑0)Relator: Ministro Mauro Campbell MarquesRecorrente: Ministério Público FederalRecorrido: Maria Lúcia Cardoso de SouzaAdvogados: Helder de Araújo Barros e outro(s)

Lauro Augusto V. S. Pinheiro e outro(s)

eMentA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – INOCORRÊNCIA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL – 8 (OITO) OFÍCIOS ENVIADOS PELO MPF A FIM DE INSTRUIR INQUÉRITO CIVIL COM OBJETIVO DE PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CONTENÇÃO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – SILÊNCIO INJUSTIFICADO (PELA DEMORA DE TRÊS ANOS) DA PARTE RECORRIDA – ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO – CARACTERIZAÇÃO – ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992 – INCIDÊNCIA

1. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses le-vantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Neste sentido, existem diversos precedentes desta Corte. Precedentes.

2. Tem-se, na origem, ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada em face da parte ora recorrida em razão do não atendimento injustificado de 8 (oito) ofícios a ela enviados pela parte recorrente, os quais objetivavam instruir demanda ambiental.

3. O acórdão recorrido, em relação a este conjunto fático-probatório, entendeu que, embora desarrazoado o tempo exigido para a confecção de uma única resposta aos referidos ofícios, as condutas impugnadas po-deriam ser imputadas à parte ré no máximo a título de culpa (por desídia), mas nunca a título de má-fé ou dolo.

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ......................................................................................101

4. Para ratificar tal conclusão, os magistrados a quo asseveraram, ain-da, que a empresa sobre a qual se pretendia obter informações e o ente responsável por fornecê-las (de que a recorrida era diretora-geral) loca-lizavam-se a trezentos e cinquenta quilômetros de Salvador/BA, sede da parte recorrente oficiante, o que justificaria a demora.

5. Levantou-se, por fim, que a depreciação das estruturas públicas acarre-ta natural demora na consecução das atividades a elas inerentes.

6. Não se aplica o Verbete nº 7 desta Corte Superior em questões de improbidade administrativa quando a origem deixa bem consignado, no acórdão recorrido, os fatos que subjazem à demanda. Isto porque a prestação jurisdicional pelo Superior Tribunal de Justiça no que tan-ge à caracterização do elemento subjetivo não é matéria que envolva a reapreciação do conjunto probatório e muito menos incursão na seara fática, tratando-se de mera qualificação jurídica dos mesmos – o que não encontra óbice na referida súmula.

7. O que está em exame, agora, é se, os fatos, como narrados no acórdão, podem levar em tese à configuração do dolo para fins de enquadramento da conduta no art. 11, inc. II, da Lei nº 8.429/1992. E, adiante-se, a res-posta é positiva.

8. Sem dúvida, são relevantes os fundamentos da origem no que tan-ge à distância existente entre o órgão oficiante e o órgão oficiado, bem como a rotineira falta de apoio estrutural e logístico dos órgãos públicos – muito embora, frise-se, o órgão oficiado, conquanto distante do órgão oficiante, estava próximo dos fatos e da empresa sobre a qual recairia o inquérito civil (perto, em resumo, dos fatos sobre os quais deveria prestar informações).

9. No entanto, em razão das peculiaridades do caso concreto, nenhum deles é suficiente para afastar o elemento subjetivo doloso presente nas condutas externadas.

10. Na esteira do que foi asseverado antes, na espécie, a parte recorrida deixou de responder a diversos ofícios enviados pelo Ministério Público Federal com o objetivo de instruir demanda cujo objetivo era combater danos ambientais. Foram necessários oito ofícios solicitando informações para, somente três anos, depois, a recorrida prestar resposta.

11. É evidente que o prazo de cinco dias usualmente constante dos pe-didos remetidos pela parte recorrente poderia ser insuficiente para uma resposta adequada. Tanto que a autoridade recorrida solicitou prorroga-ção, tendo sido esta deferida pelo próprio órgão oficiante.

12. Nada obstante, a inércia da Diretora-Geral do Conselho de Recursos Ambientais do Estado da Bahia (CRA/BA) por longos três anos manifesta

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uma falta de razoabilidade sem tamanho, mesmo levando em considera-ção a distância e o eventual mal-aparelhamento das unidades adminis-trativas.

13. O dolo é abstratamente caracterizável, uma vez que, pelo menos a partir do primeiro ofício de reiteração, a parte recorrida já sabia estar em mora, e, além disto, já sabia que sua conduta omissiva estava impedindo a instrução de inquérito civil e a posterior propositura da ação civil pú-blica de contenção de lesão ambiental.

14. Inclusive, da inicial dos autos, consta que, no último ofício enviado por membro do Ministério Público Federal constavam advertências explí-citas e pontuais dirigidas à recorrida a respeito da possível caracterização de crime e improbidade administrativa.

15. Não custa pontuar que, na seara ambiental, o aspecto temporal ga-nha contornos de maior importância, pois, como se sabe, a potencialida-de das condutas lesivas aumenta com a submissão do meio ambiente aos agentes degradadores.

16. Tanto é assim que os princípios basilares da Administração Pública são o da prevenção e da precaução, cuja base empírica é justamente a constatação de que o tempo não é um aliado, e sim um inimigo da res-tauração e da recuperação ambiental.

17. Note-se, vez mais, que ambos foram amplamente incorporados pelo ordenamento jurídico vigente, ainda que de modo implícito, como dei-xam crer os arts. 225 da Constituição da República e 4º e 9º (notadamen-te o inc. III) da Lei nº 6.938/1985, entre outros, passando a incorporar o princípio da legalidade ambiental.

18. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, a fim de remeter os autos à origem para seqüência da ação de improbidade administrativa.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:

“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman Benjamin, acompanhando o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.”

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ......................................................................................103

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente) e Herman Benjamin (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, nos ter-mos do art. 162, § 2º, do RISTJ.

Brasília (DF), 15 de março de 2011.

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região assim ementado:

ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INADMISSÃO DA INICIAL – ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA

1. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as imputações por ato de improbidade administrativa, quando fincadas nos tipos dos arts. 9º e 11, da Lei nº 8.429/1992, necessitam, para a sua caracterização, da demonstração de que a ação se deu de forma intencional. Se a parte age sem a intenção de atentar contra os princípios que regem a administração pública, não hã que se lhe imputar pela atitude, uma ação ímproba, nos moldes do art. 11 da citada lei.

2. Imputado à ré o tipo do inciso II do art. 11 da Lei de Improbidade, consubs-tanciado no fato de ter deixado (retardado) de responder aos ofícios de requeri-mento de informações do Ministério Público Federal, e demonstrado que tal fato deveu-se mais por incompetência e por falta de estrutura funcional e menos por má-fé, não há que se falar em dolo na sua conduta, justificando, dessa forma, a rejeição da ação com base no § 8º do art. 17 da citada lei, devendo os atos da ré ser submetidos apenas ao controle administrativo-disciplinar.

3. Nego provimento à apelação e à remessa, tida por interposta.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.

Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC) – ao argumento de existirem omis-sões no acórdão combatido –, 11, inc. II, 17, § 8º, e 21 da Lei nº 8.429/1992 – uma vez que o atendimento dos ofícios expedidos para fins de instrução de ação civil pública ambiental apenas três anos depois de enviada a primeira requisição seria suficiente para configurar não só o dolo com que agiu a admi-nistradora recorrida, mas também a conduta ímproba em si.

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Foram apresentadas contrarrazões.

O juízo de admissibilidade foi negativo na origem, mas esta decisão foi revertida em momento posterior.

É o relatório.

eMentA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – OFENSA AO ART. 535 DO CPC – INOCORRÊNCIA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL – 8 (OITO) OFÍCIOS ENVIADOS PELO MPF A FIM DE INSTRUIR INQUÉRITO CIVIL COM OBJETIVO DE PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CONTENÇÃO DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL – SILÊNCIO INJUSTIFICADO (PELA DEMORA DE TRÊS ANOS) DA PARTE RECORRIDA – ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO – CARACTERIZAÇÃO – ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992 – INCIDÊNCIA

1. Os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses le-vantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Neste sentido, existem diversos precedentes desta Corte. Precedentes.

2. Tem-se, na origem, ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada em face da parte ora recorrida em razão do não atendimento injustificado de 8 (oito) ofícios a ela enviados pela parte recorrente, os quais objetivavam instruir demanda ambiental.

3. O acórdão recorrido, em relação a este conjunto fático-probatório, entendeu que, embora desarrazoado o tempo exigido para a confecção de uma única resposta aos referidos ofícios, as condutas impugnadas po-deriam ser imputadas à parte ré no máximo a título de culpa (por desídia), mas nunca a título de má-fé ou dolo.

4. Para ratificar tal conclusão, os magistrados a quo asseveraram, ain-da, que a empresa sobre a qual se pretendia obter informações e o ente responsável por fornecê-las (de que a recorrida era diretora-geral) loca-lizavam-se a trezentos e cinqüenta quilômetros de Salvador/BA, sede da parte recorrente oficiante, o que justificaria a demora.

5. Levantou-se, por fim, que a depreciação das estruturas públicas acarre-ta natural demora na consecução das atividades a elas inerentes.

6. Não se aplica o Verbete nº 7 desta Corte Superior em questões de improbidade administrativa quando a origem deixa bem consignado, no acórdão recorrido, os fatos que subjazem à demanda. Isto porque

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ......................................................................................105

a prestação jurisdicional pelo Superior Tribunal de Justiça no que tan-ge à caracterização do elemento subjetivo não é matéria que envolva a reapreciação do conjunto probatória e muito menos incursão na seara fática, tratando-se de mera qualificação jurídica dos mesmos – o que não encontra óbice na referida súmula.

7. O que está em exame, agora, é se, os fatos, como narrados no acórdão, podem levar em tese à configuração do dolo para fins de enquadramento da conduta no art. 11, inc. II, da Lei nº 8.429/1992. E, adiante-se, a res-posta é positiva.

8. Sem dúvida, são relevantes os fundamentos da origem no que tan-ge à distância existente entre o órgão oficiante e o órgão oficiado, bem como a rotineira falta de apoio estrutural e logístico dos órgãos públicos – muito embora, frise-se, o órgão oficiado, conquanto distante do órgão oficiante, estava próximo dos fatos e da empresa sobre a qual recairia o inquérito civil (perto, em resumo, dos fatos sobre os quais deveria prestar informações).

9. No entanto, em razão das peculiaridades do caso concreto, nenhum deles é suficiente para afastar o elemento subjetivo doloso presente nas condutas externadas.

10. Na esteira do que foi asseverado antes, na espécie, a parte recorrida deixou de responder a diversos ofícios enviados pelo Ministério Público Federal com o objetivo de instruir demanda cujo objetivo era combater danos ambientais. Foram necessários oito ofícios solicitando informações para, somente três anos, depois, a recorrida prestar resposta.

11. É evidente que o prazo de cinco dias usualmente constante dos pe-didos remetidos pela parte recorrente poderia ser insuficiente para uma resposta adequada. Tanto que a autoridade recorrida solicitou prorroga-ção, tendo sido esta deferida pelo próprio órgão oficiante.

12. Nada obstante, a inércia da Diretora-Geral do Conselho de Recursos Ambientais do Estado da Bahia (CRA/BA) por longos três anos manifesta uma falta de razoabilidade sem tamanho, mesmo levando em considera-ção a distância e o eventual mal-aparelhamento das unidades adminis-trativas.

13. O dolo é abstratamente caracterizável, uma vez que, pelo menos a partir do primeiro ofício de reiteração, a parte recorrida já sabia estar em mora, e, além disto, já sabia que sua conduta omissiva estava impedindo a instrução de inquérito civil e a posterior propositura da ação civil pú-blica de contenção de lesão ambiental.

14. Inclusive, da inicial dos autos, consta que, no último ofício enviado por membro do Ministério Público Federal constavam advertências explí-

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citas e pontuais dirigidas à recorrida a respeito da possível caracterização de crime e improbidade administrativa.

15. Não custa pontuar que, na seara ambiental, o aspecto temporal ga-nha contornos de maior importância, pois, como se sabe, a potencialida-de das condutas lesivas aumenta com a submissão do meio ambiente aos agentes degradadores.

16. Tanto é assim que os princípios basilares da Administração Pública são o da prevenção e da precaução, cuja base empírica é justamente a constatação de que o tempo não é um aliado, e sim um inimigo da res-tauração e da recuperação ambiental.

17. Note-se, vez mais, que ambos foram amplamente incorporados pelo ordenamento jurídico vigente, ainda que de modo implícito, como dei-xam crer os arts. 225 da Constituição da República e 4º e 9º (notadamen-te o inc. III) da Lei nº 6.938/1985, entre outros, passando a incorporar o princípio da legalidade ambiental.

18. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, a fim de remeter os autos à origem para seqüência da ação de improbidade administrativa.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): Penso que as-siste razão ao recorrente.

Inicialmente, contudo, é de se destacar que os órgãos julgadores não es-tão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Lei Maior. Isso não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. Neste sentido, existem diversos precedentes desta Corte. Veja-se um exemplo:

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL [...] EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – REJEIÇÃO – ALEGADA AFRONTA AO ARTS. 535 E 280, 281 E 282 DO CTB – INOCORRÊNCIA [...] RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE, MAS IM-PROVIDO – 1. O Tribunal de origem solveu a controvérsia de maneira sólida e fundamentada, apenas não adotando a tese dos recorrentes, razão pela qual fica afastada a afronta ao art. 535 do CPC. [...] (REsp 993.554/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJU 30.05.2008)

No mérito propriamente dito, tem-se, na origem, ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada em face da parte ora recorrida em razão

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do não-atendimento injustificado de 8 (oito) ofícios a ela enviados pela parte recorrente, os quais objetivavam instruir demanda ambiental.

Sobre os fatos, assim se manifestou a instância ordinária (fl. 216, e-STJ):

Os fatos do processo, no dizeres da inicial, dão conta de que o Ministério Público Federal, para fins de instrução de um Procedimento Administrativo nº 1.14.000.000820/2001-40, requisitou à ré, Diretora-Geral do Centro de Re-cursos Ambientais da Bahia, em 03 de julho de 2003, informações relacionadas ao cumprimento do Plano de Recuperação da Área Degradada – PRAD por parte da empresa Impacto-Indústria de Pedras e Artefatos de Cimento Ltda., em razão do desenvolvimento da sua atividade de lavra de calcário, para fins de produção de cimento, cuja resposta somente veio a ocorrer quando passados mais de três anos do primeiro pedido, tendo sido expedidos, neste ínterim, mais seis outros ofícios, reiterando a primeira solicitação.

O acórdão recorrido, em relação a este conjunto fático-probatório, en-tendeu que, embora desarrazoado o tempo exigido para a confecção de uma única resposta aos referidos ofícios, as condutas impugnadas poderiam ser im-putadas à parte ré no máximo a título de culpa (por desídia), mas nunca a título de má-fé ou dolo.

Para ratificar tal conclusão, os magistrados a quo asseveraram, ainda, que a empresa sobre a qual se pretendia obter informações e o ente responsável por fornecê-las (de que a recorrida era diretora-geral) localizavam-se a trezentos e cinquenta quilômetros de Salvador/BA, sede da parte recorrente oficiante, o que justificaria a demora.

Levantou-se, por fim, que a depreciação das estruturas públicas acarreta natural demora na consecução das atividades a elas inerentes.

São palavras colhidas do voto condutor as que se seguem (fls. 216/218, e-STJ):

Se mostra induvidoso que uma demora de mais de três anos para atender a um requerimento do Ministério Público Federal é atitude que se repudia em um ad-ministrador público, que deve sempre se haver com presteza, zelo, honestidade e senso de dever da execução de suas tarefas, pois é isso que se espera da sua ati-vidade pública, em face do princípio da eficiência, mas nem toda ação desidiosa de servidor pode ser apontada como caracterizadora de improbidade, à qual a lei comina rigorosas punições.

Não há dúvida, também, que devendo a atuação do administrador pautar-se no princípio da legalidade, pois a ele somente é dado fazer o que a norma lhe au-toriza, seu desvio de conduta sempre importará na quebra de legalidade, como na hipótese, cuja atitude indevida, que o tipo que lhe é imputado trata, foi o não atendimento – ou pelo menos não da forma aprazada – de requerimento de in-formações ao parquet, a que a Lei Complementar nº 75/1993 impõe prazo para

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atendimento (art. 8º, § 5º), ato que, em última análise, representa uma quebra da moralidade pública. Tratando, porém, de ato violador dos princípios adminis-trativos (art. 11 da Lei de Improbidade), somente isso não seria o suficiente para configurar a improbidade administrativa, que vai além da quebra dos princípios administrativos erigidos pelo art. 37 da Constituição, pois exige-se que a atuação do administrador tenha sido intencional, o que não se dá na hipótese em exame. A existência desse elemento volitivo é imprescindível.

[...]

Segundo a defesa apresentada (fls. 59-77), os fatos não teriam se passado no nível de desídia que é apontado pelo autor, pois em relação ao ofício que solicitou in-formações acerca da extração de minerais pela empresa Impacto somente houve duas reiterações, sendo ele, posteriormente respondido, devendo-se o atraso ao fato de a empresa em questão estar localizada a 350 Kms de Salvador, onde está sediada o CRA/BA, circunstância que não permitiu o cumprimento da providên-cia no prazo estipulado de 10 (dez) dias, o que ensejou, inclusive, pedido de prorrogação, deferido pelo parquet.

[...]

Todas as desculpas e dificuldades administrativas apresentadas pela ré apenas demonstram, por um lado, o seu despreparo na condução das suas atribuições, que não deixam de ser da sua responsabilidade, porque delegadas a outros ser-vidores sob sua subordinação, e, por outro, a situação da administração pública neste país, sempre mais onerosa e menos eficiente, mas isso, ainda que aliado à falta de urbanidade funcional na condução dos fatos, pois teria evitado todo esse transtorno se tivesse mantido o Ministério Público Federal ciente das dificuldades de ordem pessoal e institucional a que submetida para o cumprimento da requi-sição, não traduz uma ação intencional para prejudicar o parquet na condução das funções constitucionais, de tal sorte que se mostra mais ponderado que os atos da ré sejam submetidos apenas ao controle administrativo-disciplinar, o que permite concluir de pronto pela inocorrência, na hipótese, de ato de improbidade administrativa, justificando assim o trancamento da ação no seu pórtico, confor-me autoriza o § 8º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, como fez a sentença.

Conforme já asseverei anteriormente, tenho certa resistência a aplicar o Verbete nº 7 desta Corte Superior em questões de improbidade administrativa quando a origem deixa bem consignado, no acórdão recorrido, os fatos que subjazem à demanda.

Isto porque a prestação jurisdicional pelo Superior Tribunal de Justiça no que tange à caracterização do elemento subjetivo não é matéria que envolva a reapreciação do conjunto probatório e muito menos incursão na seara fática, tratando-se de mera qualificação jurídica dos mesmos – o que não encontra óbice na referida súmula.

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ......................................................................................109

O que está em exame, agora, é se, os fatos, como narrados no acórdão, podem levar à configuração em tese do dolo para fins de enquadramento da conduta no art. 11, inc. II, da Lei nº 8.429/1992. E, adiante-se, a resposta é positiva.

Sem dúvida, são relevantes os fundamentos da origem no que tange à dis-tância existente entre o órgão oficiante e o órgão oficiado, bem como a rotineira falta de apoio estrutural e logístico dos órgãos públicos – muito embora, frise-se, o órgão oficiado, conquanto distante do órgão oficiante, estava próximo dos fatos e da empresa sobre a qual recairia o inquérito civil (perto, em resumo, dos fatos sobre os quais deveria prestar informações).

No entanto, em razão das peculiaridades do caso concreto, nenhum de-les é suficiente para afastar o elemento subjetivo doloso presente nas condutas externadas.

Na esteira do que foi asseverado antes, na espécie, a parte recorrida dei-xou de responder a diversos ofícios enviados pelo Ministério Público Federal com o objetivo de instruir demanda cujo objetivo era combater danos ambien-tais. Foram necessários oito ofícios solicitando informações para, somente três anos, depois, a recorrida prestar resposta.

É evidente que o prazo de cinco dias usualmente constante dos pedidos remetidos pela parte recorrente poderia ser insuficiente para uma resposta ade-quada. Tanto que a autoridade recorrida solicitou prorrogação, tendo sido esta deferida pelo próprio órgão oficiante.

Nada obstante, a inércia da Diretora-Geral do Conselho de Recursos Am-bientais do Estado da Bahia (CRA/BA) por longos três anos manifesta uma falta de razoabilidade sem tamanho, mesmo levando em consideração a distância e o eventual mal-aparelhamento das unidades administrativas.

O dolo é abstratamente caracterizável, uma vez que, pelo menos a partir do primeiro ofício de reiteração, a parte recorrida já sabia estar em mora, e, além disto, já sabia que sua conduta omissiva estava impedindo a instrução de inquérito civil e a posterior propositura da ação civil pública de contenção de lesão ambiental.

Inclusive, da inicial dos autos, consta que, no último ofício enviado por membro do Ministério Público Federal constavam advertências explícitas e pontuais dirigidas à recorrida a respeito da possível caracterização de crime e improbidade administrativa.

Não custa pontuar que, na seara ambiental, o aspecto temporal ganha contornos de maior importância, pois, como se sabe, a potencialidade das con-

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dutas lesivas aumenta com a submissão do meio ambiente aos agentes degra-dadores.

Tanto é assim que os princípios basilares da Administração Pública são o da prevenção e da precaução, cuja base empírica é justamente a constatação de que o tempo não é um aliado, e sim um inimigo da restauração e da recu-peração ambiental.

Note-se, vez mais, que ambos foram amplamente incorporados pelo or-denamento jurídico vigente, ainda que de modo implícito, como deixam crer os arts. 225 da Constituição da República e 4º e 9º (notadamente o inc. III) da Lei nº 6.938/1985, entre outros, passando a incorporar o princípio da legalidade ambiental.

Com essas considerações, voto por conhecer parcialmente do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe provimento, a fim de remeter os autos à origem para sequência da ação de improbidade administrativa.

certIdão de JulgAMento segundA turMA

Número Registro: 2008/0250032-0

Processo Eletrônico REsp 1.116.964/PI

Números Origem: 200633080046929 200801000473156

Pauta: 16.09.2010 Julgado: 16.09.2010

Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AutuAção

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Maria Lúcia Cardoso de Souza

Procurador: Carlos Alberto Castro Moraes e outro(s)

Assunto: Administrativo – Ato – Improbidade administrativa

certIdão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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“Após o voto do Sr. Ministro-Relator, conhecendo em parte do recurso e, nessa parte, dando-lhe provimento, pediu vista dos autos, antecipadamente, o Sr. Mi-nistro Herman Benjamin.”

Aguardam os Srs. Ministros Castro Meira e Humberto Martins.

Brasília, 16 de setembro de 2010.

Valéria Alvim Dusi Secretária

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – FASE PRELIMINAR – REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL – VIOLAÇÃO DO ART. 17, § 8º, DA LEI Nº 8.429/1992 CONFIGURADA

1. O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública contra a ora recorrida, imputando-lhe conduta ímproba por, na condição de Diretora--Geral do Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia – CRA/BA, ter deixado de atender às requisições legais do Parquet que lhe foram dirigidas e reiteradas durante o período de julho/2003 a julho/2006.

2. A instância ordinária rejeitou a petição inicial ao fundamento de que não houve dolo específico.

3. O acórdão recorrido está em confronto com a jurisprudência do STJ, firmada no sentido de que para a configuração de improbidade por aten-tado aos princípios administrativos (art. 11 da LIA) não se exige prova de intenção específica, sendo suficiente o dolo genérico.

4. À luz do art. 17 da Lei nº 8.429/1992 (§§ 6º e 8º), o juiz somente pode-rá rejeitar liminarmente a ação civil pública proposta quando, no plano legal ou fático, a improbidade administrativa imputada, diante da prova indiciária juntada, for manifestamente infundada. Precedentes do STJ.

5. O objetivo desse juízo preliminar é tão-só evitar o trâmite de ações clara e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definiti-vo, resolver – no preâmbulo do processo e sem observância ao princípio in dubio pro societate – tudo o que haveria de ser apurado na instrução.

6. Por outro lado, também não se mostra possível, na fase preliminar ao rito ordinário, impor condenação, sob pena de subverter o benefício ins-tituído em prol dos demandados e de violar o princípio do contraditório e da ampla defesa.

6. Voto-vista pelo provimento do Recurso Especial, divergindo parcial-mente do ilustre Min. Relator apenas para limitar seu efeito ao recebi-mento da petição inicial e prosseguimento da instrução processual, nos exatos termos do pedido do Ministério Público Federal.

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voto-vIstA

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin: Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, contra acórdão assim ementado (fl. 220):

ADMINISTRATIVO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INADMISSÃO DA INICIAL – ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA

1. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as imputações por ato de improbidade administrativa, quando fincadas nos tipos dos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992, necessitam, para a sua caracterização, da demonstração de que a ação se deu de forma intencional. Se a parte age sem a intenção de atentar contra os princípios que regem a administração pública, não há que se lhe impu-tar pela atitude, uma ação ímproba, nos moldes do art. 11 da citada lei.

2. Imputado à ré o tipo do inciso II do art. 11 da Lei de Improbidade, consubstan-ciado no fato de ter deixado (retardado) de responder aos ofícios de requerimento de informações do Ministério Público Federal, e demonstrado que tal fato deveu--se mais por incompetência e falta de estrutura funcional e menos por má-fé, não há que se falar em dolo na sua conduta, justificando, dessa forma, a rejeição da ação com base no § 8º do art. 17 da citada lei, devendo os atos da ré ser subme-tidos apenas ao controle administrativo-disciplinar.

3. Nego provimento à apelação e à remessa, tida por interposta.

1 O PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NO RECURSO ESPECIAL: SIMPLESMENTE “RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL”

Em suas razões recursais, o Ministério Público aponta violação do art. 535 do CPC e dos arts. 11, 17, § 8º, e 21 da Lei nº 8.429/1992. Sustenta, em síntese, que: a) para o recebimento da petição inicial basta o juízo de probabi-lidade diante da prova indiciária, sendo precipitado declarar ausência de dolo antes do devido processo legal; e b) a ora recorrida, Diretora-Geral do Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia (CRA/BA), praticou improbidade administrativa por ter, deliberadamente, se omitido em atender às requisições reiteradas pelo parquet durante o período de três anos, referentes a informações sobre danos ambientais causados por empresa cuja atividade está submetida à sua fiscalização (fls. 239-247).

O eminente Ministro Relator Mauro Campbell Marques votou pelo co-nhecimento parcial e provimento do apelo, para reconhecer a ocorrência de improbidade e determinar que a instância de origem fixe as sanções que enten-der cabíveis.

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Peço vênia para divergir em parte do judicioso voto, tendo em vista que na hipótese dos autos o provimento do Recurso Especial não pode implicar, como pretende o eminente Relator, o reconhecimento peremptório, no STJ, de improbidade, já com determinação às instâncias de origem que apliquem as sanções cabíveis, na medida em que a) o processo foi extinto na fase preliminar prevista no art. 17 da Lei nº 8.429/1992, sem qualquer instrução, e b) a pre-tensão recursal do Ministério Público Federal é, tão só, de que seja cassada a decisão de segundo grau e recebida a petição inicial (“requer seja conhecido e provido o presente Recurso Especial para reformar o v. Acórdão impugnado, a fim de que seja recebida a inicial da ação de improbidade administrativa”).

A par dessa delimitação, passo a enfrentar a controvérsia.

2 FASE PRÉVIA E REJEIÇÃO LIMINAR DA AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE (ART. 17, DA LEI Nº 8.429/1992): SUFICIÊNCIA, PARA O PROSSEGUIMENTO DA DEMANDA DE PROVA INDICIÁRIA ACERCA DA NATUREZA ÍMPROBA DOS ATOS COMISSIVOS OU OMISSIVOS E DO ELEMENTO SUBJETIVO

Não se coadunam com a posição do SJT a sentença e o acórdão recor-rido, naquilo que rejeitaram, liminarmente, a Ação Civil Pública. Daí a neces-sidade de, com o provimento do presente Recurso Especial, prosseguir a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público.

Realmente, o art. 17 da Lei nº 8.429/1992 estabelece uma fase prévia ao rito ordinário, a qual pode ensejar a rejeição ou o recebimento da petição ini-cial com base nos elementos indiciários da prática de improbidade. Confiram--se os dispositivos pertinentes:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

[...]

§ 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indí-cios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamenta-das da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.

§ 7º Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8º Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão funda-mentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

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§ 9º Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.

Tão grande foi a preocupação do legislador com a efetiva repressão aos atos de improbidade e com a valorização da instrução judicial, que até mesmo esta prova indiciária é dispensada quando o autor, na petição inicial, trouxer “razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas” (art. 17, § 6º).

O objetivo desse juízo preliminar é tão só evitar o trâmite de ações cla-ra e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definitivo, resol-ver – no preâmbulo do processo e sem observância ao princípio in dubio pro societate – tudo o que haveria de ser apurado na instrução.

Isso fica claro com a determinação legal de que o magistrado rejeitará a ação somente “se convencido da inexistência do ato de improbidade, da im-procedência da ação ou da inadequação da via eleita” (art. 17, § 8º). Ou seja, a petição inicial deve ser recebida quando a pretensão autoral não for manifes-tamente infundada, após o que será realizada a citação e a necessária instrução probatória.

A propósito, cito precedentes:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBI-DADE ADMINISTRATIVA – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARAC-TERIZADA – ART. 17, § 8º, DA LEI Nº 8.429/1992

[...]

2. Na fase prevista no art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/1992, o magistrado deve limitar-se a um juízo preliminar sobre a inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita, a fim de evitar a ocor-rência de lides temerárias.

3. Hipótese em que o recorrente busca a apreciação de argumentos sobre o mé-rito da ação civil pública e sua eventual participação em atos de improbidade, o que é inviável nesse momento processual, devendo ser objeto de análise por ocasião do julgamento da demanda principal.

4. Recurso especial não provido. (REsp 1008568/PR, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., Julgado em 23.06.2009, DJe 04.08.2009, grifei)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – ATO DE IMPROBIDADE AD-MINISTRATIVA – LICITAÇÃO – CONTRATO – IRREGULARIDADE PRATICADA POR PREFEITO – ART. 17, § 6º, LEI Nº 8.429/1992 – CONCEITO DE PROVA INDICIÁRIA – INDÍCIOS SUFICIENTES DA EXISTÊNCIA DO ATO CONFIGU-RADOS

[...]

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ......................................................................................115

4. À luz do art. 17, § 6º, da Lei nº 8.429/1992, o juiz só poderá rejeitar liminar-mente a ação civil pública proposta quando, no plano legal ou fático, a impro-bidade administrativa imputada, diante da prova indiciária juntada, for manifes-tamente infundada.

5. Agravo Regimental provido.

(AgRg-Ag 730.230/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 04.09.2007, DJ 07.02.2008 p. 296, grifei)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – REEXAME DO CONJUNTO FÁTI-CO-PROBATÓRIO DOS AUTOS – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – RECE-BIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL

1. Os presentes embargos de declaração merecem acolhimento com efeitos in-fringentes. De fato, o recurso especial foi interposto tempestivamente, porque, na contagem adotada no acórdão embargado, desconsiderou-se o feriado da Sema-na Santa.

2. No que tange aos fundamentos do recurso especial, nota-se que foi com base nas provas e nos fatos contidos nos autos que o Tribunal de origem decidiu que a demanda não pode ser extinta sem o regular processamento dessa ação, uma vez que existem indícios de participação do ora recorrente em ato ímprobo, sendo imperioso o recebimento da inicial.

[...]

4. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça tem firme posicionamento no sen-tido de que, existindo indícios de cometimento de atos enquadrados na Lei de Improbidade Administrativa, a petição inicial deve ser recebida, ainda que fun-damentadamente, pois, na fase inicial prevista no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/1992, vale o princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público.

[...]

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para negar provi-mento ao recurso especial.

(EDcl-REsp 847.945/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 02.12.2010, DJe 14.12.2010)

3 CASO CONCRETO

O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública contra a ora re-corrida, imputando-lhe conduta ímproba por, na condição de Diretora-Geral do Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia – CRA/BA, ter deixado

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de atender às requisições legais do Parquet que lhe foram dirigidas e reiteradas durante o período de julho/2003 a julho/2006.

Indica que tais requisições tinham por objeto informação sobre cumpri-mento de Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD) por parte da em-presa Impacto – Indústria de Pedras e Artefatos de Cimento Ltda., e que a ré manteve-se omissa, sem apresentar justificativa nem requerer dilação do prazo para atendê-las.

Sustenta que o descumprimento injustificado da medida coercitiva pre-vista no art. 8º, II, da LC 75/1993 se enquadra no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, especialmente em seu inciso II, que considera improbidade por atentado aos princípios administrativos “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.

Após o contraditório preliminar, o Juízo de 1º grau rejeitou a ação com base no art. 17, § 8º, da Lei nº 8.429/1992, por entender que não houve dolo específico.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão, ratificando o entendimento de que, para a configuração de improbidade, “exige-se que a atuação do administrador tenha sido intencional, o que não se dá na hipótese em exame” (fl. 216).

Transcrevo alguns excertos do acórdão recorrido (fls. 216-218, grifei):

Se mostra induvidoso que uma demora de mais de três anos para atender a um requerimento do Ministério Público Federal é atitude que se repudia em um ad-ministrador público, que deve sempre se haver com presteza, zelo, honestidade e senso de dever da execução de suas tarefas, pois é isso que se espera da sua ati-vidade pública, em face do princípio da eficiência, mas nem toda ação desidiosa de servidor pode ser apontada como caracterizadora de improbidade, à qual a lei comina rigorosas punições.

Não há dúvida, também, que devendo a atuação do administrador pautar-se no princípio da legalidade, pois a ele somente é dado fazer o que a norma lhe au-toriza, seu desvio de conduta sempre importará na quebra de legalidade, como na hipótese, cuja atitude indevida, que o tipo que lhe é imputado trata, foi o não atendimento – ou pelo menos não da forma aprazada – de requerimento de in-formações ao parquet, a que a Lei Complementar nº 75/1993 impõe prazo para atendimento (art. 8º, § 5º), ato que, em última análise, representa uma quebra da moralidade pública.

Tratando, porém, de ato violador dos princípios administrativos (art. 11 da Lei de Improbidade), somente isso não seria o suficiente para configurar a improbidade administrativa, que vai além da quebra dos princípios administrativos erigidos pelo art. 37 da Constituição, pois exige-se que a atuação do administrador tenha

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sido intenciona, o que não se dá na hipótese em exame. A existência desse ele-mento volitivo é imprescindível.

[...]

Segundo a defesa apresentada (fls. 59-77), os fatos não teriam se passado no nível de desídia que é apontado pelo autor, pois em relação ao ofício que solicitou in-formações acerca da extração de minerais pela empresa Impacto somente houve duas reiterações, sendo ele, posteriormente respondido, devendo-se o atraso ao fato de a empresa em questão estar localizada a 350 Kms de Salvador, onde está sediada o CRA/BA, circunstância que não permitiu o cumprimento da providên-cia no prazo estipulado de 10 (dez) dias, o que ensejou, inclusive, pedido de prorrogação, deferido pelo parquet.

Afirma, ainda, que os ofícios posteriores já requereram outra providência, e não a reiteração da providência anterior, que já tinha sido cumprida, tanto é assim que, a par da resposta da primeira solicitação (informação sobre a extração de minerais pela Impacto), o parquet passou a querer informar-se sobre o cumpri-mento, pela empresa, do Plano de Recuperação Ambiental, que ficara pactuado por ocasião da emissão da sua autorização ambiental para funcionamento.

Por fim, afirma que o atraso na prestação de informações, no que tange ao últi-mo ofício enviado pelo Ministério Público Federal, deveu-se à desídia de outra servidora que foi designada para providências à resposta, cujo fato ensejou a sua exoneração.

Todas as desculpas e dificuldades administrativas apresentadas pela ré apenas demonstram, por um lado, o seu despreparo na condução das suas atribuições, que não deixam de ser da sua responsabilidade, porque delegadas a outros ser-vidores sob sua subordinação, e, por outro, a situação da administração pública neste país, sempre mais onerosa e menos eficiente, mas isso, ainda que aliado à falta de urbanidade funcional na condução dos fatos, pois teria evitado todo esse transtorno se tivesse mantido o Ministério Público Federal ciente das dificuldades de ordem pessoal e institucional a que submetida para o cumprimento da requi-sição, não traduz uma ação intencional para prejudicar o parquet na condução das funções constitucionais, de tal sorte que se mostra mais ponderado que os atos da ré sejam submetidos apenas ao controle administrativo-disciplinar, o que permite concluir de pronto pela inocorrência, na hipótese, de ato de improbidade administrativa, justificando assim o trancamento da ação no seu pórtico, confor-me autoriza o § 8º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992, como fez a sentença.

A leitura do acórdão recorrido evidencia que o Tribunal a quo afastou a caracterização de improbidade administrativa e indeferiu a petição inicial por considerar não comprovada intenção específica na conduta da recorrida.

Trata-se de premissa jurídica equivocada, tendo em vista que a jurispru-dência do STJ a) dispensa, na fase preliminar do procedimento, a cabal com-provação do elemento subjetivo, como acima registramos, e, b) tampouco exige

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para a configuração da improbidade por atentado aos princípios administrativos (art. 11 da Lei nº 8.429/1992), seja no momento prévio (prova indiciária), seja após a instrução, o dolo específico, considerando bastante o dolo genérico.

Com efeito, no tocante ao elemento subjetivo para a aplicação do art. 11 da LIA, o entendimento que prevaleceu foi o de que é desnecessária a compro-vação de intenção específica, por ser suficiente o dolo genérico. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – JULGAMEN-TO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DE DEFESA – AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

[...]

3.2 Com relação ao art. 11 da Lei de Improbidade, a Segunda Turma desta Corte perfilhava o entendimento de que não seria necessário perquirir se o gestor pú-blico comportou-se com dolo ou culpa, ou se houve prejuízo material ao Erário nem tampouco a ocorrência de enriquecimento ilícito.

3.3 Quanto ao elemento subjetivo, por ocasião do julgamento do Recurso Es-pecial nº 765.212/AC, DJe de 19.05.2010, relator o eminente Ministro Herman Benjamin, a orientação desta Turma foi alterada no sentido de ser preciso estar presente na conduta do agente público ao menos o dolo lato sensu ou genérico, sob pena de caracterizar-se verdadeira responsabilidade objetiva dos adminis-tradores.

[...]

6. Recurso especial conhecido em parte e não provido.

(REsp 1140315/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgado em 10.08.2010, DJe 19.08.2010)

Tal orientação veio a ser consolidada pela Primeira Seção do STJ. Cito prece-dentes:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPRO-BIDADE ADMINISTRATIVA – CONTRATAÇÃO SEM A REALIZAÇÃO DE CON-CURSO PÚBLICO – ART. 11 DA LEI Nº 8.429/1992 – CONFIGURAÇÃO DO DOLO GENÉRICO – PRESCINDIBILIDADE DE DANO AO ERÁRIO – PRECE-DENTE DA PRIMEIRA SEÇÃO

1. A caracterização do ato de improbidade por ofensa a princípios da adminis-tração pública exige a demonstração do dolo lato sensu ou genérico. Precedente da Primeira Seção.

[...]

3. Embargos de divergência providos.

(EREsp 654.721/MT, Relª Min. Eliana Calmon, 1ª S., Julgado em 25.08.2010, DJe 01.09.2010)

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ADMINISTRATIVO – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AD-MINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Embora tenha havido discrepância inicial, pacificou a jurisprudência desta Corte em reconhecer que as condutas descritas no art. 11 da Lei de Improbidade dependem da presença do dolo, ainda que genérico. Consequentemente, afasta--se a responsabilidade objetiva dos administradores, não se fazendo necessária a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública. Precedentes.

2. Embargos de divergência não providos.

(EREsp 917.437/MG, Rel. Min. Castro Meira, 1ª S., Julgado em 13.10.2010, DJe 22.10.2010, grifei)

4 FUNÇÃO DO STJ: ANÁLISE DE QUESTÕES DE DIREITO SEM SUBSTITUIR AS INSTâNCIAS ORDINÁRIAS

Em síntese, as instâncias ordinárias equivocaram-se duplamente, e se tra-ta de equívoco de direito, isto é, a) a reclamação de prova cabal do elemento subjetivo para o recebimento da Ação Civil de Improbidade, quando basta a simples prova indiciária, mais que suficiente na hipótese dos autos, e, b) a exi-gibilidade de dolo específico em vez de dolo genérico.

Contudo, tal não quer, nem pode, implicar que o STJ deva, desde logo e ainda na fase preliminar da ação (pois é disso, repita-se, que se trata nos pre-sentes autos), reconhecer que a recorrida praticou improbidade administrativa. Limito-me a asseverar, com base na jurisprudência desta Corte, que na fase preliminar do art. 17 basta a prova indiciária e que o dolo específico não se faz necessário na caracterização da infração ao art. 11. Seja por um ou pelo outro fundamento, a petição inicial não poderia ter sido rejeitada liminarmente.

Em tese, a recusa injustificada em atender às requisições do Ministério Público pode se enquadrar no art. 11, II, da Lei nº 8.429/1992, que exemplifica como conduta ímproba por violação dos princípios administrativos “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.

Nesse particular, convém ressaltar que, além de ser medida legal (art. 8º, II, da LC 75/1993), as requisições discutidas nos autos são de inegável relevância, porquanto se dirigem à obtenção de informações necessárias à tu-tela ambiental.

Conforme bem observado pelo Min. Mauro Campbell em seu judicioso voto, “na seara ambiental, o aspecto temporal ganha contornos de maior impor-tância, pois, como se sabe, a potencialidade das condutas lesivas aumenta com a submissão do meio ambiente aos agentes degradadores”.

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É certo que a Lei nº 8.429/1992 não comporta responsabilidade objetiva, sendo cabíveis as ponderações e eventuais comprovações quanto à existência de justificativa legítima para a omissão da recorrida. Não se exige, porém, in-tenção específica para a configuração de improbidade, e sim o dolo genérico decorrente do descumprimento deliberado de dever legal.

A propósito, comentando o mencionado inciso II do art. 11 da LIA, Wallace Paiva Martins Júnior destaca ser bastante para sua aplicação a intenção do agente público de se manter inerte quando deve agir, independentemente do seu sentimento pessoal (in Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 288):

O art. 11, II, exemplifica como ato de improbidade administrativa a demora ou abstenção indevida da prática de ato de ofício. Assemelha-se em muito ao crime de prevaricação (art. 319 do CP). Porém, para caracterizar improbidade admi-nistrativa é dispensável a existência do sentimento pessoal do agente público. Sua inação é forma comprometedora da lisura e seriedade dos deveres impostos legalmente, manifestando sob a forma omissiva a deliberada intenção de des-cumprir exatamente aquilo que lhe foi cometido pela lei, fazendo assim aquilo que não lhe foi permitido.

Na hipótese, o Tribunal a quo reconhece que houve “demora de mais de três anos para atender a um requerimento do Ministério Público Federal”, contudo entendeu que a ausência de intenção específica afasta a configuração de improbidade e concluiu que “se mostra mais ponderado que os atos da ré sejam submetidos apenas ao controle administrativo-disciplinar”.

Diante do fundamento jurídico equivocado quanto ao elemento subjeti-vo da situação delineada no próprio acórdão recorrido e da relação de indepen-dência entre a responsabilização judicial, com base na LIA e eventual sanção disciplinar, é descabido o indeferimento da petição inicial in casu, por não estar patente a inexistência de improbidade administrativa, tal como exigido no art. 17, § 8º, da mencionada lei.

Reitero que o objetivo desse juízo preliminar é tão-só evitar o trâmite de ações clara e inequivocamente temerárias, não se prestando para, em definitivo, resolver – no preâmbulo do processo e sem observância ao princípio in dubio pro societate – tudo o que haveria de ser apurado na instrução.

5 IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO NA FASE PRELIMINAR AO RITO ORDINÁRIO

Está demonstrado que a instância ordinária violou o art. 17, § 8º, da LIA por ter indeferido a petição inicial com base em premissas jurídicas equivoca-das. Tal conclusão impõe a reforma do acórdão recorrido para que seja recebi-

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da a petição inicial e dado prosseguimento ao feito pelo rito ordinário, com a realização de instrução probatória e garantia ao contraditório e à ampla defesa.

O descabimento da rejeição da petição inicial não pode levar o STJ a emitir, ab ovo, juízo sobre a prática inequívoca de improbidade pela servidora, pois, além de elemento subjetivo (dolo genérico, matéria solucionada agora, no STJ), essa decisão exige a apreciação de outros elementos, que dependem de prova, prova que a servidora não se deu ao trabalho de produzir, exatamente porque, com o indeferimento da petição inicial, não se chegou à fase de ins-trução.

Por exemplo, nos termos do acórdão recorrido, em um dos casos, teria havido apenas “duas reiterações”, sendo o ofício “posteriormente respondido”; “os ofícios posteriores já requereram outra providência, e não a reiteração da providência anterior, que já tinha sido cumprida”; finalmente, “o atraso na pres-tação de informações, no que tange ao último ofício enviado pelo Ministério Público Federal, deveu-se à desídia de outra servidora que foi designada para providenciar a resposta, cujo fato ensejou a sua exoneração”.

Ora, todas essas alegações de defesa, por serem questões de fato, terão que ser submetidas ao contraditório, na primeira instância, sobretudo naquilo que se afirma que é a outra servidora que se deve imputar o comportamento ímprobo, o que teria levado à sua demissão.

Como nada disso passou pelo crivo do contraditório de fundo, simples-mente daquele de natureza superficial, no procedimento preliminar, não pode o STJ ir além da tese jurídica aqui posta, sob pena de, ao resolver uma questão de direito (exigibilidade de dolo genérico em vez de dolo específico) acabar por prolatar decisão sobre questões de fato que, mais do que mal apreciadas pelas instâncias de origem, não foram sequer por elas analisadas sob o crivo do contraditório.

Nesse particular, convém observar que a fase preliminar foi instituída para a proteção dos interesses dos demandados, de modo a conduzir à extin-ção/improcedência da demanda em caso de ausência de indícios mínimos de um ato ímprobo; mas, por outro lado jamais pode ensejar julgamento sumário que resulte em condenação do réu, abreviando a ideia de devido processo le-gal, contraditório e ampla defesa. Isso significaria uma indevida extrapolação do conceito proposto para o procedimento.

6 IMPRESCINDIBILIDADE DO JUÍZO PLENO DE IMPROBIDADE PARA UM JUÍZO DE SANCIONAMENTO

A implementação judicial da Lei da Improbidade Administrativa segue uma espécie de silogismo – concretizado em dois momentos, distintos e conse-

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cutivos, da sentença ou acórdão – que deságua no dispositivo final de conde-nação: o juízo de improbidade da conduta e o juízo de dosimetria da sanção.

Se o juiz, na instância ordinária, mesmo que implicitamente, considera ímproba a conduta do agente, prossegue em relação ao juízo de dosimetria da sanção, em conformidade com o art. 12 da LIA. Em outras palavras, a imple-mentação judicial da LIA segue uma espécie de silogismo – concretizado em dois momentos, distintos e consecutivos, da sentença ou acórdão – que deságua no dispositivo final de condenação: o juízo de improbidade da conduta (= pre-missa maior) e o juízo de dosimetria da sanção (= premissa menor)

Assim, no momento e na medida da reprimenda (= juízo de dosimetria da sanção), deve o julgador levar em conta a gravidade, ou não, da conduta do agente, sob o manto dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que têm necessária e ampla incidência no campo da Lei da Improbidade Ad-ministrativa, sem descurar jamais da aplicação do princípio do devido processo legal e seus corolários (contraditório, ampla defesa, direito à prova) ao caso concreto.

In casu, não houve ainda a necessária instrução probatória e o juízo de improbidade pela instância ordinária – justamente por ter havido extinção do feito na fase preliminar –, situação que impossibilita a determinação de que sejam aplicadas, desde já, as sanções cabíveis.

7 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM: PERSPECTIVA PROCESSUAL

Conforme afirma a doutrina, os recursos são a “reiteração de uma deman-da rejeitada pelo juízo inferior, caracterizando-se pois como autênticas deman-das de novo julgamento – e por isso devem em princípio receber o tratamento que ordinariamente se dá às demandas em geral. Existem ressalvas e adaptações, mas é regra geral a limitação dos julgamentos dos tribunais ao objeto, à causa e às partes indicadas nas razões de recurso ou na demanda inicial das causas de sua competência originária. Os tribunais decidem os recursos na medida da devolução de cada um deles, em abstrato e em concreto. Devolver é, em direito recursal, transferir ao tribunal, pela via dos recursos, a competência para julgar a causa ou uma demanda incidente (apelação, agravo)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, n. 950).

O recurso interposto pela parte, portanto, delimita a priori a amplitude de sua irresignação por meio da devolução ao Tribunal ad quem dos capítulos que lhe interessam, buscando uma melhora de sua situação processual.

Por certo que o Recurso Especial também se submete ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, considerando-se as particulares res-

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trições a respeito da matéria passível de devolução em razão da competência do STJ constitucionalmente estabelecida, bem como do tratamento de questões não propostas no recurso – em especial as matérias de ordem pública, passíveis de cognição de ofício desde que o Recurso Especial preencha os respectivos requisitos de admissibilidade.

Confiram-se precedentes, mutatis mutandis:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO CONFI-GURADA – AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – POSSIBI-LIDADE – DOCUMENTOS HÁBEIS À PROPOSITURA DA AÇÃO – PRECEDEN-TES DO STJ – PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE – TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM

1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver no acórdão ou sen-tença, omissão, contrariedade ou obscuridade, nos termos do art. 535, I e II, do CPC, e para a correção de erro material.

2. O recurso especial devolve ao STJ a questão federal nos estritos limites da insurgência, à luz do princípio da devolutividade retratado na matéria – tantum devolutum quantum appellatum.

Precedentes do STJ: AgRg-REsp 669473/PR, desta relatoria, DJ de 27.06.2005; EDREsp 347.515/RJ, Relª Min. Laurita Vaz, DJ de 09.12.2002 e EAREsp 363185/PR, Relª Min. Laurita Vaz, DJ de 18.11.2002.

3. Embargos de declaração acolhidos para sanar a omissão, nos termos da funda-mentação, determinando que o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado da Paraíba – DER/PB responda pela integralidade dos ônus sucumbenciais, à base de 5% sobre o valor da causa, devidamente atualizado, mantendo-se, no mais, o acórdão de fls. 217/234.

(EDcl-REsp 687173/PB, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 28.11.2005)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – TRIBUTÁRIO – COFINS – SOCIEDADES PRESTADORAS DE SERVIÇO – ISENÇÃO – LC 70/1991 – LEI Nº 9.430/1996 – REVOGAÇÃO – SÚMULA Nº 276/STJ – PRINCÍPIO DA DEVO-LUTIVIDADE – TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APPELLATUM

1. Lei Ordinária não pode revogar determinação de Lei Complementar, revelan-do-se ilegítima a revogação instituída pela Lei nº 9.430/1996 da isenção confe-rida pela LC 70/1991 às sociedades prestadoras de serviços, por colidir com o Princípio da Hierarquia das Leis. (Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ). Sob esse enfoque foi editada a Súmula nº 276 deste Tribunal, que assim dispõe: “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas da Cofins, irrelevante o regime tributário adotado”.

[...]

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3. O recurso especial devolve ao STJ a questão federal nos estritos limites da insurgência, à luz do princípio da devolutividade retratado na matéria – tantum devolutum quantum appellatum.

5. Agravo regimental interposto pelo Laboratório Álvaro S/C provido, apenas, para inverter os ônus de sucumbência.

6. Agravo regimental interposto pela Fazenda Nacional improvido.

(AgRg-REsp 669.473, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005)

Conforme exposto acima, pela perspectiva exclusivamente processual, o provimento do apelo para reconhecer a ocorrência de improbidade e determi-nar que a instância de origem fixe as sanções que entender cabíveis na medida em que o Ministério Público devolveu a esta Corte apenas a necessidade de receber a petição inicial (“requer seja conhecido e provido o presente Recurso Especial para reformar o v. Acórdão impugnado, a fim de que seja recebida a inicial da ação de improbidade administrativa”).

Extrapolar esse juízo significa violar o preceito do tantum devolutum quantum appellatum, retratado no art. 515 do CPC – que, apesar de topologica-mente inserido na disciplina da apelação, refere-se a princípio atinente à Teoria Geral dos Recursos, aplicável aos Recursos Especiais.

8 CONCLUSÃO

Afirma o eminente Relator em seu judicioso voto que “o que está em exame, agora, é se os fatos, como narrados no acórdão, podem levar à configu-ração do dolo para fins de enquadramento da conduta no art. 11, inc. II, da Lei nº 8.429/1992. E, adianto, a resposta é positiva”.

Creio que ao STJ basta, neste momento, afirmar – e só pode fazê-lo em tese – que os fatos narrados na inicial são mais do que suficientes para, em juízo preliminar, legitimar o prosseguimento da Ação Civil Pública ajuizada, porquanto para tanto apenas se exige prova indiciária de dolo genérico. Nada mais, pois do contrário seria violar o princípio do contraditório, visto que, por se ter estancado a ação ainda no pórtico do procedimento, às partes não foi dada a oportunidade de produzirem provas, sobretudo quanto ao nexo de causalidade, provas essas, que, por óbvio, não podem ser simplesmente indiciárias.

Parece-me que seria precipitado, nessas condições, em vez de nos limi-tarmos a assegurar o pleito do Ministério Público no seu Recurso Especial (o prosseguimento da Ação Civil Pública), passarmos, diretamente, a um juízo de “enquadramento da conduta no art. 11, inc. II, da Lei nº 8.429/1992”, para usar as palavras do eminente Relator.

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Prosseguimento da Ação Civil Pública é algo bem distinto, e com reper-cussões processuais bem distintas, de “enquadramento de conduta” em um tipo legal, de natureza punitiva, tanto mais quando o próprio eminente Relator, ao dar provimento ao Recurso Especial, o faz “a fim de remeter os autos à origem para a fixação das sanções como de direito”, conforme consta do dispositivo do seu judicioso Voto.

Relembro os termos em que está posto o presente Recurso Especial, con-forme a postulação do Ministério Público Federal (fls. 241-245, e-STJ):

Data venia, o acórdão recorrido violou a norma dos arts. 11, 17, § 8º, e 21, da Lei nº 8.429/1992, na medida em que a rejeição sumária da ação de improbidade ca-racteriza julgamento antecipado do mérito, impedindo a instauração do processo e a produção probatória para ratificar a existência do dolo por parte da requerida.

[...]

Para recebimento da ação de improbidade basta um juízo de probabilidade, o juízo de certeza será concretizado no decorrer do feito, pois tolher o parquet de sua função institucional gera atrofia no sistema causando grandes conseqüências na ordem jurídica. Sabe-se que é adotada a livre convicção motivada ou per-suasão racional, mas a valoração da prova há de ser feita com observância do devido processo legal, ou seja, existindo razoáveis indícios, como nos autos, há de ser recebida a ação para que se verifique a extensão da responsabilidade da requerida e seus desdobramentos.

Diante do exposto, peço vênia ao eminente Ministro Relator para dele divergir em parte, especificamente quanto ao efeito do provimento do Recurso Especial, que, nos exatos termos do pedido do Ministério Público Federal, deve se limitar ao recebimento da petição inicial e prosseguimento da instrução.

É como voto.

certIdão de JulgAMento segundA turMA

Número Registro: 2008/0250032-0

Processo Eletrônico REsp 1.116.964/PI

Números Origem: 200633080046929 200801000473156

Pauta: 22.02.2011 Julgado: 15.03.2011

Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. José Flaubert Machado Araújo

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Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AutuAção

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Maria Lúcia Cardoso de Souza

Advogados: Helder de Araújo Barros e outro(s) Lauro Augusto V. S. Pinheiro e outro(s)

Assunto: Administrativo – Ato – Improbidade administrativa

certIdão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Herman Benjamin, acompanhando o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, a Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator.”

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha, nos ter-mos do art. 162, § 2º, do RISTJ.

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Assunto Especial – Ementário

Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais

2905 – Autonomia universitária – liberdade de atuação da iniciativa privada – supervisão do Estado – modificação da estrutura do ensino superior

“Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 81 e 82 do ADCT da Constituição do Estado de Mi-nas Gerais. Instituições de ensino superior criadas pelo Estado e mantidas pela iniciativa privada. Supervisão pedagógica do Conselho Estadual de Educação. Alcance. Ofensa ao art. 22, XXIV da Constituição Federal. Inconstitucionalidade formal. Emenda Constitucional Estadual nº 70/2005. Alteração substancial. Não caracterização. Ação direta julgada procedente. Modulação dos efei-tos. 1. Ação não conhecida quanto aos §§ 1º e 2º do art. 81 e ao § 2º do art. 82, todos do ADCT da Constituição do Estado de Minas Gerais, uma vez que esses dispositivos, de natureza transitória, já exauriram seus efeitos. 2. A modificação do art. 82 do ADCT da Constituição mineira pela Emenda Constitucional Estadual nº 70/2005 não gerou alteração substancial da norma. Ausência de preju-dicialidade da presente ação direta. 3. O alcance da expressão ‘supervisão pedagógica’, contida no inciso II do art. 82 do ADCT da Constituição Estadual de Minas Gerais, vai além do mero controle do conteúdo acadêmico dos cursos das instituições superiores privadas mineiras. Na verdade, a aplicação do dispositivo interfere no próprio reconhecimento e credenciamento de cursos supe-riores de universidades que são, atualmente, em sua integralidade privadas, pois extinto o vínculo com o Estado de Minas Gerais. 4. O simples fato de a instituição de ensino superior ser mantida ou administrada por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado basta à sua caracterização como instituição de ensino privada, e, por conseguinte, sujeita ao Sistema Federal de Ensino. 5. Portanto, as instituições de ensino superior originalmente criadas pelo Estado de Minas Gerais, mas dele des-vinculadas após a Constituição estadual de 1989, e sendo agora mantidas pela iniciativa privada, não pertencem ao Sistema Estadual de Educação e, consequentemente, não estão subordinadas ao Conselho Estadual de Educação, em especial no que tange à criação, ao credenciamento e descredenciamento, e à autorização para o funcionamento de cursos. 6. Invade a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação a norma estadual que, ainda que de forma indireta, subtrai do Ministério da Educação a competência para autorizar, reconhecer e credenciar cursos em instituições superiores privadas. 7. Inconstitucionalidade formal do art. 82, § 1º, II da Constituição do Estado de Minas Gerais que se reconhece por invasão de competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação (art. 22, XXIV da CF/1988). Inconstitucionalidade por arrastamento dos §§ 4º, 5º e 6º do mesmo art. 82, inseridos pela Emenda Constitucional Esta-dual nº 70/2005. 8. A autorização, o credenciamento e o reconhecimento dos cursos superiores de instituições privadas são regulados pela Lei Federal nº 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Portanto, a presente decisão não abrange as instituições de ensino superior estaduais, criadas e mantidas pelo Estado de Minas Gerais – art. 10, IV c/c art. 17, I e II da Lei nº 9.394/1996. 9. Tendo em vista o excepcional interesse social, consistente no fato de que milhares de estudantes frequentaram e frequentam cursos oferecidos pelas instituições superiores mantidas pela iniciativa privada no Estado de Minas Gerais, é deferida a modulação dos efeitos da decisão (art. 27 da Lei nº 9.868/1999), a fim de que sejam considerados válidos os atos (diplomas, certificados, certidões etc.) praticados pelas instituições superiores de ensino atingidas por essa decisão, até a presente data, sem prejuízo do ulterior exercício, pelo Ministério da Educação, de suas atribuições legais em relação a essas instituições superiores.” (STF – ADI 2501 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – TP – J. 04.09.2008 – DJe-241 Divulg. 18.12.2008, Public. 19.12.2008, Ement. v 02346-01, p. 00074, RTJ v. 00207-03, p. 01046)

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2906 – Desfiliação partidária – compreensão do instituto – atendimento de demanda social – efeitos

“Direito constitucional e eleitoral. Mandado de segurança impetrado pelo Partido dos Democratas – DEM contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados. Natureza jurídica e efeitos da decisão do Tribunal Superior Eleitoral – TSE na Consulta nº 1.398/2007. Natureza e titularidade do manda-to legislativo. Os partidos políticos e os eleitos no sistema representativo proporcional. Fidelidade partidária. Efeitos da desfiliação partidária pelo eleito: perda do direito de continuar a exercer o mandato eletivo. Distinção entre sanção por ilícito e sacrifício do direito por prática lícita e juridi-camente consequente. Impertinência da invocação do art. 55 da Constituição da República. Direi-to do impetrante de manter o número de cadeiras obtidas na Câmara dos Deputados nas eleições. Direito à ampla defesa do parlamentar que se desfilie do partido político. Princípio da segurança jurídica e modulação dos efeitos da mudança de orientação jurisprudencial: marco temporal fixa-do em 27.03.2007. Mandado de segurança conhecido e parcialmente concedido. 1. Mandado de segurança contra ato do Presidente da Câmara dos Deputados. Vacância dos cargos de Deputado Federal dos litisconsortes passivos, Deputados Federais eleitos pelo partido Impetrante, e transferi-dos, por vontade própria, para outra agremiação no curso do mandato. 2. Preliminares de carência de interesse de agir, de legitimidade ativa do Impetrante e de ilegitimidade passiva do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB: rejeição. 3. Resposta do TSE à consulta eleitoral não tem natureza jurisdicional nem efeito vinculante. Mandado de segurança impetrado contra ato concreto praticado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, sem relação de dependência ne-cessária com a resposta à Consulta nº 1.398 do TSE. 4. O Código Eleitoral, recepcionado como lei material complementar na parte que disciplina a organização e a competência da Justiça Eleitoral (art. 121 da Constituição de 1988), estabelece, no inciso XII do art. 23, entre as competências pri-vativas do Tribunal Superior Eleitoral – TSE ‘responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político’. A expressão ‘matéria eleitoral’ garante ao TSE a titularidade da competência para se manifestar em todas as consultas que tenham como fundamento matéria eleitoral, independente do instrumento normativo no qual esteja incluído. 5. No Brasil, a eleição de deputados faz-se pelo sistema da representação proporcional, por lista aberta, uninominal. No sistema que acolhe – como se dá no Brasil desde a Constituição de 1934 – a representação proporcional para a eleição de deputados e vereadores, o eleitor exerce a sua liberdade de escolha apenas entre os candidatos registrados pelo partido político, sendo eles, portanto, seguidores necessários do programa partidário de sua opção. O destinatário do voto é o partido político viabilizador da candidatura por ele oferecida. O eleito vincula-se, necessariamente, a determinado partido político e tem em seu programa e ideário o norte de sua atuação, a ele se subordinando por força de lei (art. 24, da Lei nº 9.096/1995). Não pode, então, o eleito afastar-se do que suposto pelo mandante – o eleitor –, com base na legis-lação vigente que determina ser exclusivamente partidária a escolha por ele feita. Injurídico é o descompromisso do eleito com o partido – o que se estende ao eleitor – pela ruptura da equação político-jurídica estabelecida. 6. A fidelidade partidária é corolário lógico-jurídico necessário do sistema constitucional vigente, sem necessidade de sua expressão literal. Sem ela não há atenção aos princípios obrigatórios que informam o ordenamento constitucional. 7. A desfiliação partidária como causa do afastamento do parlamentar do cargo no qual se investira não configura, expres-samente, pela Constituição, hipótese de cassação de mandato. O desligamento do parlamentar do mandato, em razão da ruptura, imotivada e assumida no exercício de sua liberdade pessoal, do vínculo partidário que assumira, no sistema de representação política proporcional, provoca o desprovimento automático do cargo. A licitude da desfiliação não é juridicamente inconsequente, importando em sacrifício do direito pelo eleito, não sanção por ilícito, que não se dá na espécie. 8. É direito do partido político manter o número de cadeiras obtidas nas eleições proporcionais. 9. É garantido o direito à ampla defesa do parlamentar que se desfilie de partido político. 10. Ra-zões de segurança jurídica, e que se impõem também na evolução jurisprudencial, determinam seja o cuidado novo sobre tema antigo pela jurisdição concebido como forma de certeza e não

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causa de sobressaltos para os cidadãos. Não tendo havido mudanças na legislação sobre o tema, tem-se reconhecido o direito de o Impetrante titularizar os mandatos por ele obtidos nas eleições de 2006, mas com modulação dos efeitos dessa decisão para que se produzam eles a partir da data da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta nº 1.398/2007. 11. Mandado de segu-rança conhecido e parcialmente concedido.” (STF – MS 26604 – Relª Min. Cármen Lúcia – TP – J. 04.10.2007 – DJe-187 Divulg. 02.10.2008, Public. 03.10.2008, Ement. v. 02335-02, p. 00135, RTJ, v. 00206-02, p. 00626)

2907 – Discussão entre grupos sociais – necessidade de intervenção do Poder Judiciário para definição da situação jurídica

“1. Ação cível originária. Ação de nulidade de títulos de propriedade sobre imóveis rurais situ-ados no sul da Bahia em reserva indígena. 2. Conflito grave envolvendo comunidades situadas na reserva indígena denominada ‘Caramarumu-Catarina-Paraguaçu’. Ação judicial distribuída em 1982 impondo a observância do regime jurídico constitucional da carta de 1967 para disciplinar a relação material sub judice. 3. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido em razão da inexistência de individualização da propriedade reivindicada. Preliminar rejeitada à luz do pedido de reconhecimento da nulidade de títulos de propriedade em área indígena mercê da existência de farta documentação fornecida pela Funai que viabilizou a realização dos trabalhos periciais. 4. Demarcação da área sub judice ocorrida em 1938 desacompanhada de homologação. Incerteza oriunda da ausência de homologação da demarcação de terras indígenas relegando a comunidade a uma situação frágil e a um ambiente de violência e medo na região. 5. A homologação ausente, da demarcação administrativa realizada em 1938, não inibe o reconhecimento da existência de reserva indígena no local, originando a impossibilidade de se ter por válidos atos jurídicos forma-dos por particulares com o estado da Bahia. 6. Ausência de dúvidas quanto à presença de índios na área em litígio desde o período anterior ao advento da carta de 1967 em face dos registros históricos que remontam a meados do século XVII. 7. Obrigado(a), reconhecimento do direito à posse permanente dos silvícolas independe da conclusão do procedimento administrativo de demarcação na medida em que a tutela dos índios decorre, desde sempre, diretamente do texto constitucional. 8. A baixa demografia indígena na região em conflito em determinados momentos históricos, principalmente quando decorrente de esbulhos perpetrados por forasteiros, não con-substancia óbice ao reconhecimento do caráter permanente da posse dos silvícolas. A remoção dos índios de suas terras por atos de violência não tem o condão de afastar-lhes o reconhecimento da tradicionalidade de sua posse. In casu, vislumbra-se a persistência necessária da comunidade indígena para configurar a continuidade suficiente da posse tida por esbulhada. A posse obtida por meio violento ou clandestino não pode opor-se à posse justa e constitucionalmente consagrada. 9. Nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da área de reserva indígena denominada ‘Caramuru-Catarina-Paraguaçu’, conforme demarcação de 1938. Aquisição a non domino que acarreta a nulidade dos títulos de propriedade na referida área indígena, porquanto os bens transferidos são de propriedade da união (Súmula nº 480 do STF: Pertencem ao domínio e administração da União, nos termos dos arts. 4º, IV, e 186, da Constituição Federal de 1967, as terras ocupadas por silvícolas). 10. A impossibilidade jurídica do pedido erigi-da pela constituição federal impõe que as ações judiciais pendentes em que se discute o domínio e/ou a posse de imóveis situados na área reconhecida neste processo como reserva indígena sejam extintas sem resolução do mérito nos termos do art. 267, inciso V, do Código de Processo Civil. 11. O respeito às comunidades indígenas e à sua cultura implica reste preservada a possibilidade de superveniente inclusão, pela União, através de demarcação administrativa ou mesmo judicial, de novas áreas na reserva indígena ‘Caramuru-Catarina-Paraguaçu’ além da já reconhecida nestes autos. 12. Deveras, a eventual ampliação da área analisada nestes autos em razão de demarcação superveniente a este julgamento demandará comprovação de que o espaço geográfico objeto de eventual ampliação constituía terra tradicionalmente ocupada pelos índios quando da promulga-ção da constituição de 1988. 13. Ação julgada parcialmente procedente apenas quanto aos títulos

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de propriedade e registros imobiliários referentes aos imóveis abrangidos pelo espaço geográfico demarcado em 1938 e comprovado nestes autos, totalizando aproximadamente 54 mil hectares. Sob esse ângulo, a ação foi julgada procedente para reconhecer a condição jurídico-constitucional de terra indígena sobre a totalidade da área demarcada em 1938 e totalizando cerca de 54 mil hectares correspondentes à reserva ‘Caramaru-Catarina-Paraguaçu’, e declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas na área da reserva. 14. As reconvenções relativas às terras situadas no interior da área demarcada em 1938 improcedem. Condenação desses réus reconvintes, cujos títulos foram anulados, a pagarem 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa e compensados os honorários dos outros reconvintes que de-caíram da reconvenção.” (STF – ACO 312, Rel. Min. Eros Grau – Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux – TP – J. 02.05.2012 – DJe-054 Divulg. 20.03.2013, Public. 21.03.2013, Ement. v. 02683-01, p. 00001)

2908 – Fundo de Participação dos Estados – orçamento público – repensar sobre aplicação de recursos públicos – direitos sociais

“Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 875/DF, ADI 1.987/DF, ADI 2.727/DF e ADI 3.243/DF). Fungibilidade entre as ações diretas de inconstitucionalidade por ação e por omissão. Fundo de Participação dos Estados – FPE (art. 161, inciso II, da Constituição). Lei Complementar nº 62/1989. Omissão inconstitucional de caráter parcial. Descumprimento do mandamento constitucional constante do art. 161, II, da Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com a finalidade de promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a inconstitu-cionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do art. 2º, incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar nº 62/1989, assegurada a sua aplicação até 31 de dezembro de 2012.” (STF – ADI 875 – Rel. Min. Gilmar Mendes – TP – J. 24.02.2010 – DJe-076 Divulg. 29.04.2010, Public. 30.04.2010, Ement. v. 02399-02, p. 00219, RTJ v. 00217, p. 00020, RSJADV jul./2010, p. 28-47)

2909 – Necessidade de implantação de políticas públicas – direito do trabalho da mulher – componentes sociais – direitos sociais – isonomia

“Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito do Trabalho e Constitucional. Recepção do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho pela Constituição Federal de 1988. Constitucionalidade do intervalo de 15 minutos para mulheres trabalhadoras antes da jornada ex-traordinária. Ausência de ofensa ao princípio da isonomia. Mantida a decisão do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso não provido. 1. O assunto corresponde ao Tema nº 528 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do Supremo Tribunal Federal na internet. 2. O princípio da igual-dade não é absoluto, sendo mister a verificação da correlação lógica entre a situação de discrimi-nação apresentada e a razão do tratamento desigual. 3. A Constituição Federal de 1988 utilizou-se de alguns critérios para um tratamento diferenciado entre homens e mulheres: i) em primeiro lugar, levou em consideração a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impôs ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e/ou legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho; ii) considerou existir um componente orgânico a jus-tificar o tratamento diferenciado, em virtude da menor resistência física da mulher; e iii) observou um componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo pela mulher de atividades no lar e no ambiente de trabalho – o que é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma. 4. Esses parâmetros constitucionais são legitimadores de um tratamento diferenciado desde que esse sirva, como na hipótese, para ampliar os direitos fundamentais sociais e que se observe a proporcionalidade na compensação das diferenças. 5. Recurso extraordinário não provido, com a fixação das teses jurídicas de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e de que a norma se aplica a todas as mulheres trabalhadoras.” (STF – RE 658312 – Rel. Min. Dias Toffoli – TP – J. 27.11.2014 – Acórdão Eletrônico DJe-027, Divulg. 09.02.2015, Public. 10.02.2015)

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2910 – Necessidade pública – garantia do direito de creche para crianças de até 5 anos de idade – direitos sociais – política pública específica – solução intermediária até a cons-trução do serviço público adequado

“Criança de até cinco anos de idade. Atendimento em creche e em pré-escola. Sentença que obri-ga o município de São Paulo a matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas de sua residência ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais, sob pena de multa diária por criança não atendida. Legitimidade jurídica da utilização das astreintes contra o poder público. Doutrina. Jurisprudência. Obrigação estatal de respeitar os direitos das crianças. Educação infantil. Direito assegurado pelo próprio texto constitucional (CF, art. 208, IV, na redação dada pela EC 53/2006). Compreensão global do direito constitucional à educação. Dever jurídico cuja execução se impõe ao poder público, notadamente ao município (CF, art. 211, § 2º). Legitimidade constitu-cional da intervenção do poder judiciário em caso de omissão estatal na implementação de políti-cas públicas previstas na constituição. Inocorrência de transgressão ao postulado da separação de poderes. Proteção judicial de direitos sociais, escassez de recursos e a questão das ‘escolhas trági-cas’. Reserva do possível, mínimo existencial, dignidade da pessoa humana e vedação do retroces-so social. Pretendida exoneração do encargo constitucional por efeito de superveniência de nova realidade fática. Questão que sequer foi suscitada nas razões de recurso extraordinário –princípio jura novit curia. Invocação em sede de apelo extremo. Impossibilidade. Recurso de agravo impro-vido. Políticas públicas, omissão estatal injustificável e intervenção concretizadora do Poder Judi-ciário em tema de educação infantil: possibilidade constitucional. A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendi-mento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em conse-qüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação in-fantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças até 5 (cinco) anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu proces-so de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios – que atuarão, prioritaria-mente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político--administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerroga-tiva de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. Descumprimento de políticas públicas defini-das em sede constitucional: hipótese legitimadora de intervenção jurisdicional. O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional – transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g. A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela

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autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subal-terno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais tradu-zem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes. A controvérsia pertinente à ‘reserva do possível’ e a in-tangibilidade do mínimo existencial: a questão das ‘escolhas trágicas’. A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Públi-co, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras ‘escolhas trágicas’, em decisão governamental cujo parâ-metro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina. A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a imple-mentação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordena-mento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutri-na. Precedentes. A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em or-dem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segu-rança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV). A proibição do retrocesso social como obstáculo constitucional à frustração e ao inadimplemento, pelo poder público, de direitos prestacionais. O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de di-reitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive. A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais indivi-duais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conse-quência desse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o de-ver não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto consti-tucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar – mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados. Legitimidade jurídica da imposição, ao poder público, das astreintes. Inexiste obstáculo jurídico-processual à utilização, contra entidades de direito público, da multa cominatória prevista no § 5º do art. 461 do CPC. A astreinte – que se reveste de função coercitiva – tem por finalidade específica compelir, legitimamente, o devedor, mesmo que se cuide do Poder Público, a cumprir o preceito, tal como definido no ato sentencial. Doutrina. Jurisprudência.” (STF – ARE 639337-AgR – Rel. Min. Celso de Mello – 2ª T. – J. 23.08.2011 – DJe-177 Divulg. 14.09.2011, Public. 15.09.2011, Ement. v. 02587-01, p. 00125)

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2911 – Número de vereadores – proporcionalidade com a população – crescimento popula-cional – necessidade verificada

“Recurso extraordinário. Municípios. Câmara de Vereadores. Composição. Autonomia munici-pal. Limites constitucionais. Número de vereadores proporcional à população. CF, art. 29, IV. Aplicação de critério aritmético rígido. Invocação dos princípios da isonomia e da razoabilidade. Incompatibilidade entre a população e o número de vereadores. Inconstitucionalidade, incidenter tantum, da norma municipal. Efeitos para o futuro. Situação excepcional. 1. O art. 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, art. 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da ra-zoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, art. 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assem-bléias Legislativas (CF, arts. 27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situa-ção excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recur-so extraordinário conhecido e em parte provido.” (STF – RE 197917 – Rel. Min. Maurício Corrêa – TP – J. 06.06.2002 – DJ 07.05.2004 p. 00008, Ement. v. 02150-03, p. 00368)

2912 – Política pública de aposentadoria do servidor público – contribuição previdenciária – imunidade tributária – seguridade social – direitos sociais

“1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposen-tadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natu-reza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a res-peito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade

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social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidên-cia de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tri-butária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação jul-gada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu con-tribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC 41/2003, art. 4º, parágrafo úni-co, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à inci-dência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões ‘cinquenta por cento do’ e ‘sessenta por cento do’, constante do art. 4º, parágrafo único, I e II, da EC 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, c/c arts. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões ‘cinquenta por cento do’ e ‘sessenta por cento do’, constantes do parágrafo único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda.” (STF – ADI 3128 – Relª Min. Ellen Gracie – Rel. p/ Ac. Min. Cezar Peluso – TP – J. 18.08.2004 – DJ 18.02.2005, p. 00004, Ement. v. 02180-03, p. 00450, RDDT n. 135, 2006, p. 216-218)

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Parte Geral – Doutrina

Extrafiscalidade, Estado Social e Teorias de Justiça: Possibilidades Dialógicas

THIAGO ANTON ALBANMestre em Direito Público (UFBA), Pós‑Graduado (lato sensu) em Direito do Estado (Podivm), Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (UFBA) e em Direito (Unifacs), Professor e Coordenador Assistente do curso de Direito da Unifacs Assistente de Gabinete no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (Assessoria Jurídica a Desembargador).

Submissão: 17.04.2014Decisão Editorial: 31.10.2014Comunicação ao Autor: 31.10.2014

RESUMO: Este trabalho visa defender a ideia de que a clássica divisão entre tributos fiscais e extra‑fiscais não pode ser mantida, no que diz respeito a Estados sociais democráticos. Por meio de uma sugestão de reformulação do conceito de extrafiscalidade, será oferecida uma breve visão acerca do tema, com menção às principais teorias de justiça que tratam sobre políticas públicas, bem‑estar social, igualdade, redistribuição de renda e intervenção do Estado na sociedade.

PALAVRAS‑CHAVES: Direito Tributário; extrafiscalidade; Estado Social; teorias de justiça.

ABSTRACT: This paper intends to defend the idea that the classic division between fiscal and extrafis‑cal tributes cannot be maintained in democratic Welfare States. Through a suggestion of reformula‑tion of the concept of extrafiscality, the paper will offer a brief review regarding the issue, mentioning the main theories of justice that deal with public policy, welfare state, equality, wealth redistribution and state intervention on society.

KEYWORDS: Tributary Law; extrafiscality; Welfare State; theories of justice.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A extrafiscalidade e o Estado social; 2 A inviabilidade de se defender a existência de tributos exclusivamente (ou preponderantemente) fiscais em um Estado social demo‑crático; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOO Direito Tributário classicamente divide os tributos em dois grandes

grupos: tributos fiscais e tributos extrafiscais. Os tributos fiscais seriam aqueles que têm como finalidade a arrecadação, ou seja, o acúmulo de recursos para encher os cofres do Estado. Já os tributos extrafiscais seriam aqueles que têm como finalidade a regulação da sociedade, que pode ocorrer de várias formas: econômica, ambiental, política etc.; ou seja, são aqueles tributos cuja função não é arrecadar dinheiro, mas sim intervir na sociedade, sobretudo por meio de políticas públicas e mercadológicas1.

1 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.110.

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Os tributos extrafiscais (ou que possuem uma função extrafiscal), dessa forma, partilham de um objetivo diferenciado. Eles não existem para simples-mente encher os cofres do Estado, mas sim para promover um ideal de justiça social, por meio da redistribuição de renda, por exemplo.

Com base em tal distinção, a doutrina clássica em sede de Direito Tri-butário há décadas repete a ideia de que poderiam existir tributos meramente fiscais, sem se dar conta de que, nos dias atuais, ao menos no contexto de um Estado social democrático, não seria adequado utilizar essa antiga clas-sificação.

Não se ignora o fato de que, usualmente, se tem optado em dizer que os tributos possuem ambas as funções (fiscal e extrafiscal), as quais podem ser até mesmo maximizadas ou minimizadas, a depender da necessidade do Estado. Entretanto, ainda que se adote tal linha de raciocínio, não se pode negar que persiste a ideia de que o tributo poderia ter uma função meramente fiscal, arre-cadatória, como se o único objetivo fosse o de acumular riquezas e encher os cofres do Erário.

Nessa senda, esse artigo tem como objetivo defender a ideia de que, no âmbito de um Estado social democrático, e com supedâneo nas teorias de jus-tiça, não se pode mais defender a existência de uma classificação meramente fiscal dos tributos, uma vez que é inconcebível compreender a existência de um objetivo meramente arrecadatório em uma época em que todo o esforço do Estado deve estar voltado à questão social, como será desenvolvido mais adiante.

1 A EXTRAFISCALIDADE E O ESTADO SOCIAL

O Estado social, que remonta ao início do século XX, quando surge a primeira Constituição social do mundo (A Constituição do México, de 1917, se-guida da Constituição alemã de Weimar, de 1919), teve como objetivo instaurar uma nova ordem jurídica, sobretudo em nível constitucional.

Para combater a ineficiência do Estado liberal, o qual previa inúmeros direitos, mas não cumpria quase nenhum deles (e, quando os cumpria, geral-mente só protegia os interesses da alta burguesia), a sociedade se movimentou em prol de uma nova normatização.

Começam a surgir, assim, os chamados direitos sociais, de segunda di-mensão, os quais muito embora já começassem a ser previstos na legislação infraconstitucional antes do advento do Estado social (vide, por exemplo, o Sherman Act, de 1890, que estabeleceu normas para combater a concorrência desleal entre sociedades empresárias), começam a ser inseridos em peso, nas Constituições, dentro do contexto do Estado social.

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De acordo com a doutrina: “os direitos ditos sociais são concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de desigualda-des, segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade”2.

Em virtude do movimento operário que eclode na Europa do século XIX, diante dos abusos das indústrias pós-Revolução Industrial, que exigiam em de-masia dos trabalhadores, os quais laboravam durante períodos longuíssimos, sem direitos previdenciários ou trabalhistas, e em associação com o período da Primeira Guerra Mundial, que piora ainda mais o contexto de fome e de déficit social, em meio a bombardeios e invasões dos territórios dos países europeus, cria-se o pano de fundo para que surgisse o Estado social na Europa3.

Dessa forma, a partir de tal contexto, o Direito sofre uma relevante mo-dificação. Se, antes, as Constituições (liberais) focavam sobretudo os chamados direitos negativos (malgrado a existência de correntes contrárias que não admi-tem tal classificação, tal como a teoria dos custos dos direitos4), ou seja, direitos de resistência contra a intervenção exacerbada do Estado na propriedade e na vida das pessoas, agora, com as Constituições sociais, o foco se torna outro.

Como o Estado social tinha (ou tem) como principal objetivo conferir e efetivar direitos sociais às classes populares, que não tinham do Estado liberal a devida atenção, surge a ideia do Welfare State, cuja finalidade é garantir ao ser humano uma vida digna e de bem-estar, mais voltada ao valor “justiça” do que ao valor “liberdade formal”, a qual já tinha sido assegurada no Estado liberal5. E, para isso, era necessário investir em setores cruciais da sociedade, tais como saúde, educação, moradia etc., preocupação que não era tão forte no ordena-mento jurídico anterior.

2 MENDES, Gilmes; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 710.

3 É por esse motivo, entre outros, que autores como Lenio Streck afirmam que, no Brasil, jamais existiu o Estado social, uma vez que não tivemos o contexto para a sua instauração: “No Brasil, a modernidade é tardia e arcaica. O que houve (há) é um simulacro de modernidade [...] Ou seja, em nosso país as promessas da modernidade ainda não se realizaram. E, já que tais promessas não se realizaram, a solução que o establishment apresenta, por paradoxal que possa parecer, é o retorno ao Estado (neo)liberal. Daí que a pós-modernidade é vista como a visão neoliberal. Só que existe um imenso déficit social em nosso país, e, por isso, temos que defender as instituições da modernidade contra esse neoliberalismo pós-moderno [...] É evidente, pois, que, em países como o Brasil, em que o Estado Social não existiu, o agente principal de toda política social deve ser o Estado. As políticas neoliberais, que visam a minimizar o Estado, não apontarão para a realização de tarefas antitéticas a sua natureza. Veja-se o exemplo ocorrido na França, onde, recentemente, após um avanço dos neoliberais, a pressão popular exigiu a volta das políticas típicas do Estado Providência. Já em nosso país, ao contrário disto, seguimos na contramão, é dizer, quando países de ponta rediscutem e questionam a eficácia (social) do neoliberalismo, caminhamos, cada vez mais, rumo ao ‘Estado absenteísta’, ‘minimizado’, ‘enxuto’ e ‘desregulamentado’ (sic) [...] É este, pois, o dilema: quanto mais necessitamos de políticas públicas, em face da miséria que se avoluma, mais o Estado, único agente que poderia erradicar as desigualdades sociais, se encolhe!” (STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 25-27).

4 AMARO, Luciano. Op. cit., p. 39.5 BONAVIDES, Paulo. Teoria do estado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 46.

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Veja-se, portanto, que é a partir desse contexto que começa a surgir a ideia de que o Estado não tem mais como objetivo manter uma distância da sociedade – o chamado Estado “guarda-noturno”, absenteísta, que se limitava a observar a sociedade e deixava que o mercado se autorregulasse, intervindo naquela tão somente quando fosse estritamente necessário. Agora, o Estado era chamado a atuar ativamente na sociedade, por meio de intervenções, regula-ções e normatizações, com o fito de proporcionar o tão aclamado bem-estar social para as pessoas, sobretudo para aquelas ditas “mais carentes”, que, por não disporem de um vasto patrimônio, necessitariam de uma maior ajuda por parte do Poder Público (o que fundamenta, por exemplo, a ideia de segurança protetora desenvolvida por Amartya Sen6).

Começam a se desenvolver, assim, as políticas públicas de intervenção do Estado na sociedade e a proteção dos “menos favorecidos”7 (os quais, no caso do Brasil, são as maiorias injustiçadas8), e, com elas, a instituição de pro-gramas sociais, a exemplo de seguros e bolsas, como uma forma de praticar a distribuição de renda e o ideal de justiça social, sob a bandeira da igualdade como um dos valores máximos do Direito.

Esse valor de igualdade, que remonta à época antiga, com o brocardo suum cuique tribuere9, expressão que está presente no brasão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, inclusive, é, na visão da filosofia, um dos elementos centrais do Direito.

Hugo de Brito Machado, por exemplo, afirma que a igualdade é uma “forma de realização do valor justiça”10. Will Kymlicka11, por sua vez, na esteira de Ronald Dworkin (segundo o qual todas as teorias de justiça são, no fundo, “igualitárias”12), assevera que é preciso renunciar à ideia da tentativa de desen-volvimento de uma teoria de justiça “monística”, uma vez que subordinar todos os outros valores a um único valor supremo parece algo “quase fanático”.

A igualdade, portanto, sobretudo em sua acepção material, é o elemento que dialoga intimamente com a noção de justiça. Daí a existência de inúmeras teorias de justiça contemporâneas, cada qual com o objetivo de defender um

6 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 57.7 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 397.8 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.9 NADER, Paulo. Filosofia do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 82.10 MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte e a efetividade da jurisdição. São Paulo:

Atlas, 2009. p. 85.11 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 4.12 NAGEL, T. Mortal Question. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. p. 111.

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ponto de vista sobre o que é ser justo, como bem aduzem Roberto Gargarella13 e Marina Velasco14.

É nesse contexto que a ideia de extrafiscalidade tributária pode ser encai-xada. A função extrafiscal dos tributos se coaduna com a persecução desse ideal de igualdade, de justiça e de bem-estar social, tal como defendido pelo Estado social, ideal esse que hoje está ainda maior em virtude da positivação dos di-reitos fundamentais de terceira dimensão (ou geração), a exemplo dos direitos relativos ao meio ambiente, presentes também em sede de Direito Tributário (veja-se, por exemplo, a questão do ICMS ecológico e dos incentivos fiscais de IPTU aplicados a edifícios ecologicamente sustentáveis, os chamados “prédios verdes”).

Ocorre que, exatamente em virtude desse fato, ou seja, em virtude da constatação de que estamos em uma era em que o Estado não pode mais existir em função de si mesmo, mas em função da persecução de tais interesses sociais, é que não se pode mais defender a classificação dos tributos (ou funções) em fiscais ou extrafiscais, como será exposto no tópico que segue.

2 A INVIABILIDADE DE SE DEFENDER A EXISTÊNCIA DE TRIBUTOS EXCLUSIVAMENTE (OU PREPONDERANTEMENTE) FISCAIS EM UM ESTADO SOCIAL DEMOCRÁTICO

Inicialmente, é necessário observar que a ideia de interesse social ado-tada nesta obra é a mais ampla possível. Ela não se limita à simples persecução das políticas públicas clássicas, a exemplo da redistribuição de renda, do com-bate à fome e à pobreza, da proteção ao meio ambiente etc.

Interesse social, nessa obra, é utilizado no sentido de interesse do próprio povo, não apenas no que diz respeito à persecução da igualdade material, que é o que fundamenta a maior parte das políticas públicas, mas também no que diz respeito ao interesse do próprio governo, o qual, em um Estado Democrático de Direito, deve necessariamente estar voltado à questão pública. Ora, como o Estado não existe sem a sociedade (apesar do contrário não ser verdadeiro15), e, como, em um Estado Democrático de Direito, o povo é o detentor do poder soberano, toda e qualquer atuação do Estado deve, necessariamente, ser dire-cionada à proteção dos interesses de seus habitantes.

É claro que o governo de um Estado não pode conferir tudo o que o seu povo deseja, até porque a mídia exerce uma função cada vez mais forte de

13 GARGARELLA, Roberto. As teorias da justiça depois de Rawls: um breve manual de filosofia política. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. XIX.

14 VELASCO, Marina. O que é justiça? Rio de Janeiro: Vieira&Lent, 2009. p. 54.15 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1987. p. 35.

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manipulação ideológica16, sob pena de se configurar um populismo estatal. To-davia, o Estado deve, sim, sempre que for atuar, fazê-lo com vista ao interesse social, pois ele, Estado, é a institucionalização dos setores da própria sociedade (lembre-se que, nas palavras de Lassalle, a Constituição é a soma dos fatores reais de poder17).

Dessa forma, quando a administração tributária atua, até mesmo com precedência frente aos demais setores (art. 37, XVIII e XXII, da Constituição Federal), ela deve estar sempre preocupada com a persecução de interesses que não são apenas seus (o chamado interesse público secundário), mas de todo o povo, sem o qual ela não existiria por perda de legitimidade.

Assim, se a extrafiscalidade se encaixa no objetivo do Estado social, não há como se manter a clássica distinção, ainda aplicada nos dias de hoje, de que os tributos teriam a função fiscal ou extrafiscal, ou, ainda, ambas ao mesmo tempo. Em um Estado que tenta ser social, como é o caso do Brasil, malgrado não ter passado pelo mesmo contexto histórico europeu que fundamentou o seu surgimento, em uma Constituição que prevê inúmeros direitos da coletividade em seu texto normativo, imaginar que os tributos possam ser exclusivamente ou preponderantemente fiscais é incoerente (e já disse Norberto Bobbio18 que a coerência é um dos elementos principais do ordenamento jurídico).

Os tributos fiscais, como já foi dito, têm como escopo arrecadar dinheiro para encher os cofres públicos. Acontece que qualquer tipo de arrecadação tri-butária, no contexto de um Estado social democrático, deve, necessariamente, ser revertida para a coletividade.

Os tributos sem uma função extrafiscal podem ter existido em uma época remota, sobretudo na Idade Média e no Estado absolutista, períodos nos quais os governantes tributavam a população com o único propósito de sustentar os luxos da corte e de patrocinar as suas guerras particulares. Justificava-se, assim, o conceito de “tributo fiscal”, pois efetivamente o único objetivo era encher os bolsos do senhor, sem nenhum tipo de preocupação social. O tributo era um pesado ônus imposto sobre o povo, que não tinha qualquer direito de reivindi-car melhorias como contraprestação, uma vez que havia uma confusão entre direito público e direito privado19 – era a chamada administração pública patri-monialista, época na qual a res publica se confundia com o interesse particular do governante.

16 Vide, por exemplo, ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de estado. 6. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992 e SWARTZENBERG, Roger-Gérard. O estado espetáculo. São Paulo: Difel, 1978.

17 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2001. p. 37.18 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 2006. p. 203.19 MOSCA, Gaetano; BOUTHOUL, Gaston. História das doutrinas políticas desde a antiguidade. 7. ed. Rio de

Janeiro: Guanabara, 1987. p. 74.

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Ocorre que tal realidade, após o advento do Estado social, não mais exis-te na maior parte do mundo (pelo menos na teoria)20. Ora, se o objetivo desse tipo de Estado é promover o bem-estar social, e se a extrafiscalidade tributária tem como elemento norteador a regulação da sociedade com vista ao interesse público, não há como se defender a ideia de que, em um contexto como esse, seria possível se manter a clássica distinção entre tributos (ou funções) fiscais e extrafiscais.

Como visto, o tema da extrafiscalidade tributária possui uma íntima co-nexão com o tema do Estado social. Com efeito, na medida em que este elege, como seu projeto institucional, perseguir uma política de bem-estar social, e se a função extrafiscal do tributo é utilizada com o objetivo de redistribuição de renda, regulação de mercado, intervenção na economia e proteção ambiental, dentre outros, questões que estão diretamente ligadas com a manutenção de políticas sociais, faz-se necessária uma abordagem interligada sobre o tema.

A questão da extrafiscalidade, além de possuir importância teórica, tam-bém dispõe de aplicação prática. No momento em que se propõe a discutir o conceito de extrafiscalidade, por meio de uma abordagem interdisciplinar, está--se abrindo o diálogo para possibilidades de discurso que podem não ter sido pensadas ou aplicadas até o momento.

Ora, se é por meio do discurso e de uma interpretação feita com base na heterorreflexividade21 que o Direito deve ser pensado, ou seja, por meio da inclusão do outro em um diálogo submetido a determinados pressupostos que visam a sua abertura comunicacional22, justifica-se o presente projeto na me-dida em que, em meio a abordagens puristas em sede de Direito Tributário e de Direito Administrativo23, a discussão de um tema eminentemente tributário

20 Vide, por exemplo, a ideia desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos, ao afirmar que hoje estaríamos diante de um apartheid social, sobretudo em virtude da ascensão das grandes corporações e do fortalecimento da divisão de classes dentro da sociedade (SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 333).

21 CARNEIRO, Walber Araujo. Hermenêutica jurídica heterorreflexiva: uma teoria dialógica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 261.

22 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2007. p. 60.23 Veja-se, por exemplo, a posição de Geraldo Ataliba (Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p.153), quando afirma que “não incumbe ao aplicador da lei reformular juízos de mérito ou apreciações substantivas já desenvolvidas pelo legislador constituinte e trazidas na Constituição”; ou a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Natureza e regime jurídico das autarquias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 166), ao aduzir que o estudioso não age como jurista, mas como sociólogo, moralista ou político, ao investigar o embasamento do sistema normativo, como se existisse uma proibição de interpretar a Constituição de uma forma mais abrangente, na contramão do pensamento de Peter Häberle (Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997, p. 23-24), por exemplo, quando afirma que “[...] a interpretação constitucional não é um ‘evento exclusivamente estatal’, seja do ponto de vista técnico, seja do ponto de vista prático. A esse processo tem acesso potencialmente todas as forças da comunidade política [...] Até pouco tempo imperava a ideia de que o processo de interpretação constitucional estava reduzido aos órgãos estatais ou aos participantes diretos do processo. Tinha-se, pois, uma fixação da interpretação constitucional nos ‘órgãos oficiais’, naqueles

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sob um novo viés, interdisciplinar, pode vir a colaborar com o saber jurídico e, consequentemente, com a evolução da ciência (se é que o Direito, em uma abordagem filosófica, se enquadra em tal conceito24).

Assim, tendo em vista que o Brasil é um país que crescentemente tem se voltado para a prática de políticas públicas (a exemplo da criação de cotas uni-versitárias e de auxílios financeiros por meio de bolsas concedidas pelo gover-no, os quais são sustentados mediante a tributação com fins extrafiscais, entre outras fontes de renda), afastada, aqui, a discussão sobre a eficiência ou não de tais políticas, além do também crescente interesse pela proteção ambiental (vide a discussão sobre o novo Código Florestal) e pela regulação de mercado (confira-se a novel Lei nº 12.529/2011, que amplia os poderes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade), o debate acerca do conceito de extrafiscalidade tributária, por ser um dos grandes instrumentos que possui o Estado para sustentar, financeiramente, tais políticas, é pertinente.

Com isso em mente, defende-se, neste artigo, a inviabilidade de se man-ter a clássica diferenciação entre tributos fiscais e extrafiscais no contexto de um Estado social, uma vez que, muito embora a função arrecadatória seja elemen-tar em alguns tributos (é o caso do Imposto sobre a Renda, por exemplo), isso não significa que tal função fiscal é a mesma do passado.

Em um Estado social, como a atuação da administração está basicamente voltada à persecução de políticas públicas, a função de arrecadar recursos está intimamente ligada à questão da justiça material; dessa forma, nesse contexto, não há que se falar em tributo ou em função exclusivamente ou preponderante-mente fiscal, mas tão somente na existência de tributos ou funções extrafiscais. Em última hipótese, poder-se-ia defender a ideia de que, caso existissem tribu-tos fiscais, estes têm a sua razão de ser ligadas à busca da extrafiscalidade, e não à arrecadação como um fim em si mesmo.

É necessário, portanto, revisar o conceito de tributos fiscais, aplicável a uma remota era, no sentido de atualizá-lo aos dias de hoje, pelo menos no que diz respeito a Estados que possam ser classificados como sociais (uma vez que ainda existem monarquias – e até mesmo “democracias” – despreocupadas com o interesse público. Nesses casos, é possível que o conceito clássico seja mantido).

órgãos que desempenham o complexo jogo jurídico-institucional das funções estatais. Isso não significa que se não reconheça a importância da atividade desenvolvida por esses entes. A interpretação constitucional é, todavia, uma ‘atividade’ que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos mencionados e o próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos ou a longo prazo. A conformação da realidade da Constituição torna-se também parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes a essa realidade”.

24 Vide, por exemplo, HEIDEGGER, Martin. Introdução à filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 20 e KIRCHMANN, Julius Hermann von. La jurisprudencia no es ciencia. Traducción de Antonio Truyol y Serra. Madrid: Instituto de estudios politicos, 1949. p. 30.

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A extrafiscalidade, portanto, não se limita a promover ideais de justiça social. É um conceito muito mais amplo, que abrange a própria essência do Estado social, de maneira que um depende do outro para se sustentar.

Dessa forma, reputa-se, neste artigo, inviável se falar em tributos fiscais, ou com funções exclusivamente (ou preponderantemente) fiscais, em um con-texto estatal no qual a atuação da administração está voltada para o ideal social, pois, como foi visto, em um Estado democrático (e o Estado social é eminente-mente democrático, posto que surge a partir de conquistas populares), no qual o detentor do poder soberano é o povo, não se imagina como o interesse tribu-tário possa se resumir à simples arrecadação de tributos, sem que o resultado de tal arrecadação seja necessariamente aplicado em prol da coletividade, seja por meio de políticas públicas, seja por meio de outras formas análogas de fomentar a persecução do interesse público primário.

CONCLUSÃO

Como foi visto, a classificação dos tributos (ou funções dos tributos) em fiscais e extrafiscais, comumente adotada pela doutrina, pode ser relevante em um Estado calcado na chamada administração patrimonialista, na qual o in-teresse “público” coincidia com o interesse do governante. O patrimônio do Estado era, assim, o patrimônio do próprio chefe de Estado, razão pela qual este adotava políticas de arrecadação de recursos no sentido de encher os seus próprios cofres (que também eram os cofres do próprio Estado) para que, dessa forma, pudesse governar da melhor maneira que lhe fosse conveniente.

Ocorre que, com a mudança de tal cenário, em um primeiro momento com o advento do Estado liberal, e, em um segundo momento, com o surgi-mento do Estado social (ou de Estados democráticos que adotam políticas so-ciais), a função extrafiscal dos tributos adquire uma importância muito maior, uma vez que, como a extrafiscalidade tem como escopo promover um ideal de igualdade e de justiça materiais, diretamente ligados à melhoria da qualidade de vida da população (que é o ideal do Welfare State), não é mais possível que seja defendida a ideia de fiscalidade de maneira pura e simples, no sentido de se dizer que poderiam existir tributos com funções exclusivamente ou prepon-derantemente fiscais.

Em um Estado cujo principal objetivo é a busca da justiça social, toda exação deve ter uma função extrafiscal, no sentido de que o produto da arre-cadação deva ser aplicado em políticas públicas, amplamente consideradas. É claro que a cobrança tributária resulta na arrecadação de recursos para o Erário, o que caracteriza a sua fiscalidade. Contudo, tal “fiscalidade” é um mero instru-mento para que se atinja o verdadeiro fim do Direito Tributário em tal realidade

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estatal, qual seja a persecução de interesses sociais, sob pena de se defender a volta à administração patrimonialista.

Para tanto, é necessário que o conceito de extrafiscalidade seja reela-borado e maximizado. A extrafiscalidade não pode ser vista como uma mera função tributária, como se fosse um plus, um adjetivo, mas como o próprio elemento cerne de um Estado social democrático, em especial no caso do Brasil, onde a Constituição “cidadã” em muito tenta se aproximar de tais ideais de justiça social25 (malgrado, na prática, a sua aplicação ainda deixe a desejar).

Dessa forma, conclui-se a favor de uma possibilidade dialógica (ou de possibilidades dialógicas) entre o conceito de extrafiscalidade de um lado, e o conceito de Estado social de outro. Nessa senda, as chamadas teorias de justiça (sobretudo as liberal-igualitárias26 e a teoria capacitária27) parecem oferecer um arcabouço teórico de peso no sentido da maximização da ideia de extrafiscali-dade, na medida em que fundamentam a adoção de diversas políticas públicas como parte da essência do próprio Estado. E se a essência de um Estado social é a persecução de tais ideais metaindividuais, a essência da exação tributária também deve partilhar do mesmo objetivo.

Isso, contudo, parece ser um tema que deva ser tratado em outro mo-mento.

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25 Basta observar que a Constituição Federal elege, como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I), a “redução das desigualdades sociais” (art. 3º, III) e a “promoção do bem de todos” (art. 3º, IV).

26 RAWLS, John. Op. cit., e DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

27 SEN, Amartya. Op. cit.

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Parte Geral – Doutrina

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A Técnica da Modulação dos Efeitos da Decisão e a sua Aplicação pelos Juízes, Tribunais e Conselhos de Justiça

GUSTAVO CARVALHO CHEHABJuiz do Trabalho Substituto da 10ª Região, Aluno especial do Mestrado em Direito Cons‑titucional do IDP, Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pelo UNICEUB/DF.

Submissão: 17.01.2013

Decisão Editorial: 11.04.2013

RESUMO: Discute‑se a ampliação do uso da técnica da modulação dos efeitos da decisão judicial para além da inconstitucionalidade de ato normativo em controle concentrado pelo Supremo Tribu‑nal Federal. Para isso, estuda‑se a origem, a finalidade e as diversas espécies de modulação, sua compatibilidade com diversos ramos do Direito e a incidência do princípio da proporcionalidade. Examinam‑se precedentes jurisprudenciais e se conclui pela sua aplicação por diversos juízes, tri‑bunais e conselhos de justiça, não apenas para as hipóteses de inconstitucionalidade, mas também para casos de nulidade e de invalidade de ato normativo ou administrativo com forte repercussão social ou na segurança jurídica.

ABSTRACT: The discussion is about of the use of the technique of the modulation of the effect of the sentence for other situation beyond of the unconstitutionality of normative act in control concentra‑ted for the Supreme Court. It is studied the origin, purpose and the diverse species of modulation, its compatibility with diverse areas of the Law and the incidence of the beginning of the proportionality. Leading cases are examined and the conclusion is that the modulation is applied for diverse judges, courts and justice councils, not only for the hypotheses of unconstitutionality, but also of nullity and invalidity of normative or administrative act with great social repercussion or in the legal security.

PALAVRAS‑CHAVES: Modulação; efeitos da decisão judicial; segurança jurídica; interesse público.

KEYWORDS: Modulation; effects of the sentence; legal security; public interest.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Modulação dos efeitos da decisão: origem, definição e finalidade; 2 Classifi‑cação da modulação dos efeitos da decisão judicial; 3 Requisitos legais para a modulação dos efeitos das decisões judiciais; 4 Efeitos da declaração de inconstitucionalidade de norma e sua modulação; 5 Alcance das Leis nºs 9.868/1999 e 9.882/1999; 6 Colisão de valores constitucionais; 7 Extensão da modulação a outros juízos e órgãos judiciais; 8 Críticas e limites à técnica da modulação; 9 Ca‑suística; 9.1 Inconstitucionalidade de atos e normas; 9.2 Nulidade e invalidade de atos normativos e administrativos; 9.3 Alteração de súmulas ou da jurisprudência consolidada; 9.4 Dissídios coletivos e ações coletivas e civis públicas; 9.5 Demandas individuais de forte impacto social ou jurídico; 9.6 Decisões administrativas dos Tribunais e dos Conselhos de Justiça; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

As decisões judiciais e as súmulas dos Tribunais muitas vezes causam profundo impacto na ordem jurídica ou no seio social. A fim de minimizar esse impacto, é possível, em nome da segurança jurídica, da paz social ou do relevante interesse social em jogo, restringir os efeitos da decisão ou fixar uma data para que ela tenha aplicabilidade. Trata-se da modulação dos efeitos da decisão judicial.

Referido instituto, inserido na legislação em processos da competência do Supremo Tribunal Federal, também tem aplicação nas mais diversas instân-cias do Judiciário e nos demais ramos do Direito Processual e até nas decisões administrativas dos Tribunais e dos Conselhos de Justiça?

Para responder a essa indagação, procurar-se-á aprofundar os estudos da técnica de modulação de efeitos da decisão, de suas espécies e de sua compa-tibilidade com as diversas áreas do Direito.

1 MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO: ORIGEM, DEFINIÇÃO E FINALIDADE

Modulação é uma técnica, um mecanismo jurídico desenvolvido para manipular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, que é realizada pela corte constitucional de um país em face de sua repercussão na ordem jurídica ou social. Sua origem remonta a decisões profe-ridas por cortes constitucionais no século passado.

A concepção de modulação dos efeitos da decisão teve origem em 1965, quando a Suprema Corte americana apreciou o caso Linkletter vs. Walker (leading case)1, afastando o alcance natural da retroatividade da declaração de inconstitucionalidade (efeito ex tunc). Na ocasião, aquela Alta Corte concluiu que o efeito da declaração de nulidade do ato atacado não conduzia automa-ticamente à retroatividade de sua invalidade; ao contrário, dependia da análise de condutas, relações particulares, direitos que se tornaram adquiridos, status da finalidade de suas determinações prévias e política pública considerando a natureza da norma e a sua aplicação anterior2.

Com a introdução de técnicas referentes à interpretação de leis e atos normativos conforme a Constituição, a modulação dos efeitos das decisões das Cortes constitucionais ganhou novas possibilidades além da mera aplicação de

1 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário, ADI 1.102/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa. Acórdão disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID= 266657>. Acesso em: 26 dez. 2012.

2 ESTADOS UNIDOS. Suprema Corte. Linkletter v. Walker. 381 US 618. 1965. Disponível em: <http://supreme.justia.com/cases/federal/us/381/618/>. Acesso em: 20 dez. 2012.

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efeitos temporais à declaração de inconstitucionalidade ou de invalidade da norma questionada.

A atenuação dos efeitos das decisões em controle de constitucionalidade é adotada de forma positivada ou pela jurisprudência em diversos países, como Áustria, Alemanha, Itália e Espanha3. A Constituição portuguesa4, por exemplo, assegura ao Tribunal Constitucional a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, nos termos do art. 282, nº 4:

Artigo 282. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.

1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitu-cional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado.

2. Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última.

(Omissis)

4. Quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos nºs 1 e 2.

No Brasil, o art. 27 da Lei nº 9.868/1999 trata da limitação dos efei-tos da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF)5:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Idêntico dispositivo possui a Lei nº 9.882/1999 (art. 11), que trata de julgamento de arguição de descumprimento de preceito de direito fundamental também pelo STF.

Pela forma em que o instituto foi incorporado ao Direito brasileiro, a modulação dos efeitos da decisão judicial, em seu aspecto temporal, pode ser

3 Cf. MENDES, Gilmar F.; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo G. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1.267, 1.269-1.270.

4 PORTUGAL. Assembleia da República. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em: 25 dez. 2012. (sic).

5 Diversamente de ordenamentos jurídicos de alguns países que permitem o elastecimento desses efeitos.

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entendida como a técnica de restrição do alcance do entendimento judicial de forte impacto social, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, em época distinta da que seria naturalmente aplicável e/ou mediante a redução de suas consequências jurídicas.

A finalidade da modulação dos efeitos da sentença adotada no Brasil é de diminuir o impacto da decisão judicial (sentença, acórdão ou súmula) na ordem social ou jurídica por meio da alteração de sua aplicação no tempo (em data específica ou, até mesmo, para o futuro), da limitação do seu alcance no ordenamento ou de ambas.

2 CLASSIFICAÇÃO DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO JUDICIAL

Considerando a lição de J. J. Gomes Canotilho6 e os diversos mecanismos encontrados no direito comparado, é possível classificar a modulação dos efei-tos da decisão judicial, segundo a natureza do efeito concedido pela decisão judicial, em:

a) modulação objetiva – há a restrição dos efeitos da declaração judi-cial a certos atos ou suas consequências jurídicas, que são preser-vados, ainda que parcialmente, do alcance da decisão;

b) modulação temporal – ocorre com a mudança da eficácia no tempo da decisão judicial, que projeta seus efeitos em momento distinto ao que normalmente ocorreria;

c) modulação manipulativa – permite que o Tribunal prolate uma de-cisão aditiva, acrescentando uma interpretação constitucional, ou substitutiva, alterando o entendimento do texto inconstitucional por outro constitucional.

d) modulação em transição – o Tribunal deixa de declarar a constitu-cionalidade de uma lei, notificando o Parlamento para que redija outra norma, pois aquela pode vir a ser posteriormente declarada inconstitucional. Gilmar F. Mendes assinala que, nessa técnica, desenvolvida pela Corte Constitucional alemã, é reconhecido que “a lei ou a situação jurídica não se tornou ‘ainda’ inconstitucional e exorta que o legislador” faça a adequação necessária (apellents-cheiddug ou apelo ao legislador)7.

6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed.. Coimbra: Almedina, 2002. p. 1007-1009.

7 MENDES, Gilmar F. O apelo ao legislador – apellentscheiddug – na práxis da Corte Constitucional Federal alemã. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 29, n. 114, abr./jun. 1992. p. 474-475.

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Os citados arts. 27 da Lei nº 9.868/1999 e 11 da Lei nº 9.882/1999 adota-ram as modulações objetiva e temporal, que podem ser conjugadas simultane-amente na mesma decisão. Nada impede, porém, que as demais espécies pos-sam ser aplicadas pelo STF (e por outros Tribunais e juízos) quando presentes fundadas razões de segurança jurídica ou de relevante interesse público.

Alguns doutrinadores identificam a modulação dos efeitos da decisão ju-dicial (ou da sentença) como modulação temporal, mas essa é apenas a espécie mais comum daquela. A modulação prevista nos dispositivos em comento não se limita ao aspecto temporal, mas também pode atingir atos ou suas implica-ções jurídicas.

3 REQUISITOS LEGAIS PARA A MODULAÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES JUDICIAIS

De acordo com os arts. 27 da Lei nº 9.868/1999 e 11 da Lei nº 9.882/1999, são dois os requisitos para a modulação dos efeitos das decisões judiciais: for-mal – a restrição dos efeitos da sentença deve ser aprovada por 2/3 dos mem-bros do STF por ocasião do julgamento da lei ou do ato questionado em juízo; material – o instituto ora estudado deve ser aplicado em face da segurança jurídica ou de excepcional interesse público. Isto ocorre quando a decisão que está sendo proferida irá causar relevante impacto na ordem jurídica ou na paz social.

Ocorre que:

O pressuposto formal apenas reforça o material. De fato, se há realmente excep-cional interesse público ou razões de segurança jurídica que recomendam a não--aplicação imediata do novo entendimento do Tribunal, então é natural que esta situação seja reconhecida por grande parte dos membros do órgão responsável pela consolidação daquele entendimento.

Os citados dispositivos não prevêem nenhum requisito subjetivo. [...] A modula-ção [...] não depende de requerimento de qualquer das partes; pode ser aplicada de ofício pelo órgão judicante.8

A Constituição portuguesa, a exemplo de outras nações, não prevê quorum especial de deliberação da modulação dos efeitos. De qualquer sorte, o requisito formal previsto na legislação brasileira está sendo objeto de questiona-mento perante o STF quando não se discute a inconstitucionalidade de norma, mas mera mudança de entendimento consolidado9.

8 CHEHAB, Gustavo Carvalho. Súmulas e decisões judiciais: modulação no tempo. Revista da Amatra V: vistos, etc. Salvador, p. 98, n. 9, v. 1, 2009.

9 Supremo Tribunal Federal, Plenário, ED-RE 377.457/PR, Relatora atual Min. Rosa Weber. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 dez. 2012. Embargos de Declaração ainda pendente de julgamento.

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Quanto ao requisito material da segurança jurídica, é oportuna a lição de Marcelo Prata10:

O princípio da segurança jurídica é um elemento constitutivo do Estado de Di-reito, ele implica dizer que quem assina um contrato ou ajuíza uma ação pode ter uma justa expectativa a respeito das suas conseqüências jurídicas. [...] O prin-cípio da segurança jurídica, como é da própria natureza dos princípios jurídi-cos, está inserido em um âmbito deontológico (do dever ser ou do mandado de otimização), estimulando o juiz, na medida do possível, a não surpreender a comunidade jurídica com decisões extravagantes, isto é, que ignorem a tradição jurídica do país representada por seus costumes, princípios, regras, precedentes jurisprudenciais e doutrina pacífica. A não ser, é lógico, que tenha razões ponde-rosas para inovar e o faça com exaustiva motivação.

A “segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sobre o império de uma norma devem perdurar”11. Waldemir Banja12 destaca que, em alguns casos, a alteração do entendimento pode ter efeito aniquilador sobre as relações jurídicas já consolidadas, por isso defende que, “em casos especiais, é lícito ao tribunal superior delimitar os efei-tos temporais de suas decisões, principalmente quando o julgamento envolver revisão ou alteração de entendimento por muitos anos pacificado na sua própria jurisprudência”.

Por outro lado, interesse público, segundo Washington dos Santos, é “aquilo que é útil [...] à comunidade em geral”13. Será excepcional o interesse público quando o atendimento à necessidade da comunidade não pode ser adiado ante o risco de seu comprometimento. Nesse contexto, quando as ne-cessidades da sociedade estão em risco, é possível mitigar os efeitos da decisão judicial que lhes afetam.

4 EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA E SUA MODULAÇÃO

Como regra, a declaração de inconstitucionalidade de norma tem efeitos ex tunc:

A afirmação da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade da norma, me-diante sentença de mérito na ação direta ou na ação declaratória, simplesmente declara a validade ou a nulidade. Nada constitui nem desconstitui. Sendo decla-

10 PRATA, Marcelo Rodrigues. A prescrição intercorrente, pronunciada de ofício, no processo de execução trabalhista. Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 71, n. 2, p. 151, fev. 2007 – os grifos são do original.

11 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 433.12 BANJA, Waldemir. Modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais. Correio Braziliense. Suplemento

Direito & Justiça, Brasília, 9 jun. 2006. p. 3.13 SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 127.

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ratória a sentença, a sua eficácia temporal, no que se refere à validade ou nuli-dade do preceito normativo, é ex tunc, como ocorre nessa espécie de julgado.14

Em face dos efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade, são desfeitos, desde a origem os atos inconstitucionais e suas consequências, já que “são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando [...], inclusive, os atos pretéritos [...] praticados”15 com base nas normas inconstitucionais. As normas revogadas pelo ato inconstitucional nulo são repristinadas.

Todavia, por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse pú-blico, o órgão judicial pode restringir os efeitos da inconstitucionalidade do ato, modulando-os, conforme as espécies anteriormente identificadas:

a) Modulação objetiva – o Tribunal ou o juiz pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade a determinados atos ou suas consequências para:

a.1) afastar a nulidade de atos praticados com base na norma constitu-cional – o Poder Judiciário reconhece a inconstitucionalidade da norma, sem pronunciar a nulidade dos atos praticados (p. ex. STF, ADI 875/DF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 29.04.2010);

a.2) afastar os efeitos da decisão em relação a algumas situações – nes-se caso a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucio-nalidade não atinge algumas situações jurídicas, que ficam pre-servadas (p. ex. STF, ADI 2.501/MG, Plenário, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 18.12.2008);

a.3) “eliminar, total ou parcialmente, os efeitos repristinatórios da decisão”16 – o órgão judicante, como forma de modular sua deci-são, pode eliminar em todo ou em parte o efeito repristinatório de sua decisão sobre a norma até então revogada pelo ato inconsti-tucional.

b) Modulação temporal – o juízo abranda os efeitos da decisão no tempo, podendo:

b.1) atribuir efeito ex nunc à declaração – a inconstitucionalidade terá efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão, não retroagindo (p. ex. STF, ADI 2.204/PR, Plenário, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 24.09.2009);

14 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 48/49.

15 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 646.16 Idem, p. 648.

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b.2) fixar a data em que a declaração produzirá efeitos – a decisão do Tribunal (ou do juiz) terá efeitos a partir de uma data fixada no acórdão (p. ex. STF, MS 26.604/DF, Plenário, Relª Min. Carmem Lúcia, DJe 02.10.2008); mas se a data for fixada no futuro (efeito pro futuro), haverá a suspensão dos seus efeitos até o termo fixado no decisum (p. ex. STF, Pet 2859-MC-SEG/SP, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 20.05.2005 e STF, Plenário, RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.2004).

c) modulação manipulativa – o Tribunal acrescenta uma interpretação constitucional que compatibiliza o texto da norma à Constituição (p. ex. STF, Pet 3388/RR, Plenário, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJe 24.09.2009).

d) modulação em transição – permite “que se operem a suspensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que o legisla-dor, dentro de prazo razoável, venha a se manifestar sobre situação inconstitucional”17.

5 ALCANCE DAS LEIS NºS 9.868/1999 E 9.882/1999

O fato de as Leis nºs 9.868/1999 e 9.882/1999 tratarem de julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ou de Constitucionalidade (ADC) e de Arguição de Descumprimento de Pre-ceito Fundamental (ADPF) pode conduzir o intérprete à conclusão de que a modulação somente pode ocorrer nesses feitos e no controle concentrado de constitucionalidade feito pela Corte Suprema.

O primeiro precedente do STF que aplicou a técnica da modulação após a edição dessas leis não foi nas ações em epígrafe, mas no julgamento do Recur-so Extraordinário nº 197.917/SP, cuja decisão está, no particular, assim emen-tada18:

[...] Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a de-claração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegu-rar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconsti-tucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.

Pedro Lenza destaca que o STF vem, “casuisticamente, mitigando os efei-tos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade também no controle difu-so, preservando-se situações pretéritas consolidadas com base na lei objeto de

17 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires e; BRANCO, Paulo Gustavo G. Op. cit., p. 1.26818 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário, RE 197.917/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 07.05.2004.

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controle”19. Doutrinadores defendem a aplicação dessa técnica pelo STF “tanto no controle direto quanto no controle incidental”20. Carlos Wagner Ferreira as-sim discorre sobre essa questão:

Independentemente do modelo consagrado de controle de constitucionalidade (difuso ou concentrado), sempre se há de indagar a respeito dos prováveis efeitos que a decisão declaratória de inconstitucionalidade pode repercutir na resolução do caso particular. A ideia de que o controle abstrato melhor se compatibiliza com a teoria da anulabilidade, e o concreto, com o da nulidade, não resiste a qualquer análise científica profunda acerca das teorias que a respaldam, uma vez que é inegável que, em ambos os regimes, indistintamente, a incidência dos efeitos retrospectivos pode se mostrar mais nociva ao Direito e à ordem jurídica do que a própria ofensa à Constituição.21

O Superior Tribunal de Justiça (STJ)22 aplicou a modulação ora estudada quando apreciou Embargos de Divergência em Recurso Especial. Na ocasião, destacou que

[...] os valores que inspiraram o legislador federal a editar as Leis 9.868 e 9.882, ambas de 1999 (modulação dos efeitos nas ADI), vão além desses estatutos. Se são valores-matriz do universo do ordenamento, necessariamente influem, com lei ou sem lei que o diga, na aplicação do Direito pelos Tribunais Superiores. Também no STJ, as decisões que alterem jurisprudência reiterada, abalando for-te e inesperadamente expectativas dos jurisdicionados, devem ter sopesados os limites de seus efeitos no tempo, de modo a se buscar a integridade do sistema e a valorização da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da confiança legítima.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), na sua Súmula nº 83, II, utilizou--se da modulação temporal, mesmo sem citar as Leis nºs 9.868 e 9.882/1999, ao fixar um marco na qual a matéria deixa de ser controvertida para fins de ajuizamento de Ação Rescisória23.

Ao contrário do defendido por Mauro Schiavi24, a modulação dos efeitos da decisão não se aplica apenas ao STF e no controle concentrado de cons-titucionalidade, mas para toda decisão cujos efeitos abalam a ordem jurídica

19 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 124.20 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires e; BRANCO, Paulo Gustavo G. Op. cit., p. 1.272.21 FERREIRA, Carlos Wagner Dias. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle

difuso. Revista ESMAFE: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região, Recife, n. 12, p. 161, mar. 2007.22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Seção, E-REsp 738.689/PR, voto vista (convergente), Rel.

Min. Teori Albino Zavaski, DJ 22.10.2007. Disponível em: <https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200600432413&dt_publicacao=22/10/2007>. Acesso em: 25 dez. 2012.

23 Súmula nº 83. “AÇÃO RESCISÓRIA – MATÉRIA CONTROVERTIDA – [...] II – O marco divisor quanto a ser, ou não, controvertida, nos Tribunais, a interpretação dos dispositivos legais citados na ação rescisória é a data da inclusão, na Orientação Jurisprudencial do TST, da matéria discutida”.

24 SCHIAVI, Mauro. Modulação dos efeitos da sentença nas ações diretas de inconstitucionalidade e os possíveis reflexos no processo do trabalho. Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 72, n. 9, p. 1.044, set. 2009.

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nacional ou a paz social, ainda que proferidas por outros órgãos jurisdicionais (Tribunais ou juízes de 1ª grau).

6 COLISÃO DE VALORES CONSTITUCIONAIS

Na verdade, o legislador dos arts. 27 da Lei nº 9.868 e 11 da Lei nº 9.882 identificou que, em determinados caso, haverá um conflito de valores constitu-cionais, e, em face da relevância e do alcance dos bens em confronto, autorizou a modulação dos efeitos da decisão judicial. De um lado está o bem constitu-cional atingido pela norma inconstitucional, e do outro a segurança jurídica e o excepcional interesse público a serem preservados pela Justiça. O Poder Judi-ciário, diante do conflito in concreto de bens constitucional, está autorizado a aplicar o princípio da proporcionalidade para encontrar “o justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados”25 pela decisão judicial.

Preleciona Luís Roberto Barroso que o princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) pode funcionar como medida de interpretação da norma no caso concreto para melhor realização do fim constitucional nela embutido. Ele pode “permitir que o juiz gradue o peso da norma, em uma determinada inci-dência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, assim fazendo a justiça do caso concreto”26.

A modulação prevista nos dispositivos referidos traduz, em si mesmo, um juízo de razoabilidade, de proporcionalidade do alcance da decisão que está sendo proferida. Uma vez presente o requisito material, torna-se possível a aplicação da modulação dos efeitos da decisão. Valoriza-se a ideia de que “a construção do sistema jurídico ideal decorre do equilíbrio entre os valores de segurança jurídica e de justiça. Consequentemente, requer a compatibilização entre regras e princípios”27.

Dessa forma, sendo a modulação um juízo de razoabilidade, não apenas o Supremo Tribunal Federal poderia aplicar os dispositivos das Leis nºs 9.868 e 9.882, mas também os demais tribunais, superiores ou de 2ª instância, e os juízes de 1º grau. Se os bens jurídicos resguardados em tais disposições são “valores-matriz do universo do ordenamento”, como bem colocou a decisão do STJ anteriormente referida, então qualquer órgão do Poder Judiciário pode modular os efeitos de suas decisões judiciais quando a segurança jurídica e o excepcional interesse público recomendarem.

25 GRINOVER, Ada Pellegrini. Princípio da proporcionalidade. Coisa julgada e justa indenização. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo: estudos e pareceres. São Paulo: DJR, 2006. p. 8

26 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 375.27 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

(sic).

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“A máxima realização da Constituição depende de como o conteúdo e a função específica dos direitos são afetados no caso concreto”28. Cabe ao Magis-trado zelar pela máxima incidência da Constituição, procurando compatibilizar os bens constitucionais em conflito.

7 EXTENSÃO DA MODULAÇÃO A OUTROS JUÍZOS E ÓRGÃOS JUDICIAIS

Ainda que se entenda pela inaplicabilidade do princípio da proporciona-lidade para a modulação de efeitos de decisão judicial, a doutrina internacional tem evoluído no sentido de admitir sua incidência aos demais órgãos judicantes.

No Direito português, Jorge Miranda, citado por Carlos Ferreira, exami-nando os arts. 204 e 280 com o 282, nº 4, da Constituição de Portugal e as diretrizes da hermenêutica sobre regras e exceções, e considerando a imprevisi-bilidade de situações da vida, conclui pela possibilidade de aplicação da modu-lação pelos diversos Tribunais e juízes29. Também no Direito espanhol, a prática do uso da modulação por juízes e Tribunais Federais gerou sua aceitação como um exercício próprio do Poder Judiciário, tornado-se atualmente algo comum30.

Carlos Ferreira31 raciocina que

não seria lógico, ao mesmo tempo, permitir que o juiz declarasse incidentalmen-te a inconstitucionalidade e o proibisse de estabelecer os efeitos de sua decisão, abrindo margem para que permanecesse de mãos atadas em ar contemplativo, mesmo vislumbrando o desmoronamento da boa-fé e da segurança jurídica das partes litigantes. A possibilidade de o juiz modular os efeitos da inconstituciona-lidade decorre da natureza ínsita do controle difuso.

Ora, se o juiz desfruta do poder criativo para dizer o direito aplicável ao caso concreto, reconhecendo incidenter tantum a inconstitucionalidade do ato nor-mativo atacado, nada o impede de estabelecer os limites temporais de eficácia de sua decisão. No âmbito de avaliação da compatibilidade com a Constituição, é bem provável que se encontrem os efeitos que a decretação de inconstituciona-lidade pode projetar no mundo fático.

O CPC, o CPP, a CLT e o Código Eleitoral não dispõem sobre a modula-ção dos efeitos da decisão de forte impacto social. Referida técnica apresenta conformidade com os princípios que regem o processo civil, penal, trabalhista e eleitoral, pois esses ramos também abrigam a segurança jurídica e o interesse público. Por isso, estão presentes os requisitos para a integração nesses ramos do Direito dos arts. 27 da Lei nº 9.868 e do art. 11 da Lei nº 9.882.

28 Idem, p. 462 – o grifo é do original.29 MIRANDA, Jorge apud FERREIRA, Op. cit., p. 173-174.30 SESMA, Victória apud FERREIDA, Op. cit., p. 174.31 FERREIRA, Carlos Wagner Dias. Op. cit., p. 173.

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O anteprojeto de lei do novo Código de Processo Civil, aprovado no Se-nado Federal, contempla a modulação dos efeitos da sentença quando o título judicial se tornou inexigível por decisão posterior de sua inconstitucionalidade pelo STF32, e em face da alteração da jurisprudência dominante ou oriunda de julgamento de casos repetitivos pelo STF ou pelos tribunais superiores33.

8 CRÍTICAS E LIMITES À TÉCNICA DA MODULAÇÃOA modulação dos efeitos da decisão judicial tem recebido inúmeras crí-

ticas. J. J. Gomes Canotilho reclama da excessiva utilização da modulação e sustenta que o Tribunal Constitucional, ao manipular os efeitos da decisão que reconhece a inconstitucionalidade, está normatizando a matéria, isto é, inva-dindo a competência do Poder Legislativo34.

Carlos Ferreira aponta os seguintes argumentos contrários à técnica em debate: o Estado, em matéria tributária, diante da limitação de efeitos de deci-são de inconstitucionalidade, poderia ficar com o produto de tributo tido por inconstitucional; a diminuição da força normativa da Constituição em face da possibilidade de manipulação e o risco de arbitrariedade por ser vago o concei-to de segurança jurídica e de excepcional interesse público.

Gustavo Binenbojm35 defende que a técnica da modulação é medida excepcional:

A flexibilização dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade é uma dessas imposições da experiência à lógica jurídica. Não obstante, como mitigação do princípio da constitucionalidade em determinado lapso de tempo, deve ser encarada como medida excepcional – jamais como regra –, utilizável apenas para a preservação de outros valores e princípios constitucionais que se-riam colocados em risco pela pronúncia da nulidade da lei inconstitucional. A aplicação do novo dispositivo está, assim, necessariamente condicionada pelo princípio da razoabilidade ou proporcionalidade.

O requisito formal de aprovação de 2/3 dos membros do STF, previsto nas Leis nºs 9.868 e 9.882/1999, revela que a modulação dos efeitos da decisão deve ter aplicação em situações extremas, em que a repercussão da declaração de inconstitucionalidade, nulidade ou invalidade do ato normativo pode ense-jar gravíssimas repercussões nas relações jurídicas (segurança jurídica) ou na sociedade (excepcional interesse público) reconhecidas pelo Tribunal.

32 Vide atuais arts. 475-L, § 1º, do CPC e 884, § 5º, da CLT.33 BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Parecer

1.741/2010: Redação do vencido. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 28 dez. 2012.

34 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 1.007.35 BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

p. 180-181.

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A modulação dos efeitos não se destina a meramente atenuar o alcance da decisão em benefício daquele que violou a ordem jurídica e cujas conse-quências se tornaram excessivas ou onerosas. Sua aplicação tem lugar quando o efeito da declaração de invalidade, inconstitucionalidade ou nulidade de deter-minado ato pode devastar diversas relações jurídicas, celebradas com boa-fé e em conformidade com a ordem jurídica então estabelecida. Por isso, o Tribunal e o juiz, ao aplicarem a técnica da modulação, devem atentar para a gravidade do impacto do novo entendimento no Direito e no seio social.

9 CASUÍSTICA

9.1 InconstItucIonAlIdAde de Atos e norMAs

A técnica constituída pela limitação dos efeitos da decisão judicial, por expressa previsão de lei, é aplicada nas questões atinentes à inconstitucionali-dade de atos e normas e ao descumprimento de preceito fundamental. Nos ter-mos da doutrina e da jurisprudência anteriormente mencionadas, a modulação pode ocorrer não apenas em sede de controle concentrado, mas também no controle difuso pelos Tribunais e juízes.

A declaração de inconstitucionalidade de leis e de normas pode com-prometer a segurança das relações jurídicas e, em alguns casos, ameaçar ex-cepcional interesse público. Nesses casos, por mera interpretação extensiva dos arts. 27 da Lei nº 9.868/1999 e 11 da Lei nº 9.882/1999, o Tribunal e/ou Magis-trado podem modular os efeitos de suas decisões em controle difuso de consti-tucionalidade.

9.2 nulIdAde e InvAlIdAde de Atos norMAtIvos e AdMInIstrAtIvos

Nada impede também que a modulação dos efeitos da decisão judicial seja aplicada também quando se reconhece a nulidade ou a invalidade de de-terminado ato normativo ou administrativo.

Quando a declaração ex tunc da nulidade/invalidade do ato ocasionar um efeito aniquilador sobre a ordem jurídica ou sobre o interesse público, o Magistrado e o Tribunal podem modular os efeitos dessa declaração pelas mes-mas razões da inconstitucionalidade do ato.

9.3 AlterAção de súMulAs ou dA JurIsprudêncIA consolIdAdA

Na alteração “abrupta [...] do entendimento jurisprudencial consolidado, sem que haja modificação do contexto fático nem mudança legislativa”36, é recomendável o uso da técnica de modulação.

36 BANJA, Waldemir. Op. cit., p. 3.

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Normalmente, as súmulas de jurisprudência possuem comando geral, im-pessoal e abstrato. Sua finalidade é, em nome da segurança jurídica, “dar uma sinalização clara e inequívoca sobre qual o conteúdo normativo dos dispositi-vos legais em debate”37. Mesmo quando não há efeito vinculante e o Magistrado tenha liberdade para não aplicá-la, “a Súmula tem natureza jurídica interpreta-tiva e cristaliza a jurisprudência dominante sobre determinado tema”38. Ela gera justa expectativa entre os jurisdicionado e exerce influência no Judiciário e na sociedade. Muitos passam a seguir o entendimento sumular como se fosse lei.

Quando uma súmula muito antiga é modificada, sem qualquer mudança legislativa ou fática, cessa a segurança jurídica por ela estabelecida. A parcela da sociedade que espontaneamente a observou fica à mercê do novo entendi-mento. Antes, o seu proceder era correto diante daquela tese. Agora, mesmo tendo observado a jurisprudência consolidada, é violadora da lei, que passou a ser interpretada de outra forma. Nesse caso, como a segurança jurídica aca-bou em face de nova súmula, é possível, em tese, modular os efeitos do novo entendimento39.

Em geral, as súmulas, pelo seu caráter meramente interpretativo, têm aplicação imediata e incidem inclusive sobre demandas em curso, ainda que ajuizadas anteriormente à sua edição. O Tribunal, fixando nova tese, apesar de idêntica a lei e os fatos que a ensejaram, poderá pela modulação atribuir-lhe efeito pro futuro ou limitá-la a situações ocorridas após a edição da nova tese (efeito ex nunc).

O STF, por exemplo, já aplicou a modulação, na sua espécie temporal, em face de alteração do entendimento da Justiça Eleitoral (STF, Plenário, MS 26.604/DF, Relª Min. Carmem Lúcia, DJe 02.10.2008)40. Recentemente, o TST entendeu incidir a modulação dos efeitos em face da alteração do entendimento contido na sua Súmula nº 27741.

9.4 dIssídIos coletIvos e Ações coletIvAs e cIvIs públIcAs

Os dissídios coletivos na Justiça do Trabalho e as ações civis públicas em geral são comumente férteis em produzir decisões cujos efeitos trazem conside-rável repercussão à ordem jurídica ou social. Nesses casos, é possível utilizar a

37 MARTINS FILHO, Ives Gandra. A Justiça do trabalho e a harmonização das relações entre capital e trabalho. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra et al (Coords.). A efetividade do direito e do processo do trabalho. 1. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 59 – há grifos no original.

38 OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Comentários aos enunciados do TST. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 10.

39 Nesse sentido prevê o anteprojeto do novo CPC que tramita no Senado, conforme já assinalado.40 Cf. ementa posteriormente transcrita.41 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, 4ª T., RR 37500-76.2005.5.15.0004, Rel. Min. Vieira de Mello

Filho, DEJT 07.12.2012.

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técnica da modulação para limitar os efeitos da decisão judicial, inclusive em sede de liminar, ainda que não se discuta inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo.

Em agosto de 2007, O TST, julgando dissídio coletivo originário de na-tureza jurídica, temperou os efeitos da sentença normativa que proferiu. Exa-minando o trabalho portuário, interpretou o art. 26, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.630/1993 à luz da Convenção nº 137 da OIT, ratificada pelo Brasil em 1995. Em face do alcance da decisão e considerando que aquele feito vi-sava dirimir conflito coletivo levado a juízo em 12.09.2006, aquela Corte, por maioria, em voto da lavra do Ministro João Batista Brito Pereira, fixou a data de publicação do acórdão como o momento que a declaração judicial passou a produzir efeitos42. A decisão declaratória, que normalmente teria eficácia ex tunc, teve alcance ex nunc.

O TST, a partir do julgamento do RODC 309/2009-000-15-00, em que se discutiu a dispensa em massa de empregados da Embraer, modificou o enten-dimento anterior, “fixando a premissa, para casos futuros, de que a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”43. Como se vê, nesse julgamento, houve nítida modulação temporal pro futuro.

Em ações civis públicas, é comum o Judiciário fixar o cumprimento de obrigações de fazer. Dependendo do impacto social ou jurídico do dever im-posto às partes pela decisão judicial, torna-se interessante a utilização do ins-trumento da modulação para temperar a exigibilidade da obrigação. Mesmo em execução de Termo de Ajuste de Conduta (TAC), é possível ao Magistrado mo-dular, em decisão judicial fundamentada, os prazos fixados no acordo, desde que o excepcional interesse público ou a segurança jurídica recomendem. Às vezes, a alteração do prazo para a satisfação espontânea da obrigação prevista atende mais à sociedade e ao Direito do que o cumprimento forçado (e demo-rado) do título executivo.

9.5 deMAndAs IndIvIduAIs de forte IMpActo socIAl ou JurídIco

Algumas ações individuais podem ensejar decisões que causam grande repercussão na ordem jurídica nacional (segurança jurídica ou excepcional in-teresse público), com impacto social semelhante ou mais profundo do que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Nesses casos, é possível mitigar os efeitos dessa decisão e da norma que a fundamenta, que na

42 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Seção de Dissídios Coletivos, DC 174.611/2006-000-00-00, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJ 11.09.2007. Disponível em: <http://brs02.tst.gov.br/cgi-bin/nph-brs?s1=4241747.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1>. Acesso em: 26 dez. 2012.

43 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Seção de Dissídios Coletivos, RODC 309/2009-000-15-00, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado. Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 73, n. 9, p. 1.118, set. 2009.

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hierarquia das fontes do direito comum tem menor preponderância do que a Constituição. De fato, se o Poder Judiciário pode flexibilizar as consequências da inconstitucionalidade, isto é, da norma constitucional violada, então, com muito mais razão, poderá limitar o alcance de norma infraconstitucional quan-do os efeitos naturais de sua aplicação pela decisão judicial forem mais nocivos à ordem social e jurídica.

Efetivamente, decisões proferidas em mandado de segurança, ação popu-lar e de improbidade administrativa, por exemplo, podem causar forte impacto não apenas aos litigantes, mas à sociedade e ao ordenamento jurídico brasileiro.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança nº 26.604/DF, modulou os efeitos de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fixando a data em que o entendimento da Justiça Eleitoral passou a viger. O precedente não foi em controle concentrado, tampouco em ADI, ADC ou ADPF, estando assim ementando:

[...] 10. Razões de segurança jurídica, e que se impõem também na evolução jurisprudencial, determinam seja o cuidado novo sobre tema antigo pela juris-dição concebido como forma de certeza e não causa de sobressaltos para os cidadãos. Não tendo havido mudanças na legislação sobre o tema, tem-se re-conhecido o direito de o Impetrante titularizar os mandatos por ele obtidos nas eleições de 2006, mas com modulação dos efeitos dessa decisão para que se pro-duzam eles a partir da data da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta nº 1.398/2007.44

A decisão supra não menciona, em seus fundamentos, as Leis nºs 9.868 e 9.882, mas invoca, claramente, a segurança jurídica para restringir os efeitos da decisão do TSE.

9.6 decIsões AdMInIstrAtIvAs dos trIbunAIs e dos conselhos de JustIçA

É possível também a utilização da técnica da modulação dos efeitos da decisão judicial nas decisões administrativas dos Tribunais e dos Conselhos de Justiça, desde que presente a segurança jurídica e o excepcional interesse pú-blico.

O Supremo Tribunal Federal, ao deferir a segurança no supramencio-nado MS 26.604/DF, mesmo sem citar as Leis nºs 9.868 e 9.882, acabou por reconhecer, por consequência, que o impetrante tinha direito líquido e certo à modulação dos efeitos da decisão do TSE em Consulta Eleitoral em razão do princípio da segurança jurídica. A Consulta Eleitoral feita ao TSE por autoridade com jurisdição federal ou por órgão nacional de partido político (art. 23, XII,

44 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Plenário, MS 26.604/DF, Rel. Min. Carmem Lúcia, DJe 02.10.2008.

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do Código Eleitoral) é mero procedimento administrativo, sem caráter litigioso, cuja decisão não tem caráter vinculante, não faz coisa julgada, nem é suscetível de recurso, tampouco é exequível45.

Como se vê, mesmo em decisão administrativa que cause impacto no entendimento consolidado sobre tema relevante, haverá direito líquido e certo à modulação de seus efeitos.

O art. 64, § 1º, do Regimento Interno do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, por exemplo, possibilita a modulação dos efeitos de decisão adminis-trativa que suste a execução ou desconstitua o ato administrativo de Tribunal Regional do Trabalho46.

CONCLUSÃO

A declaração de inconstitucionalidade, nulidade ou invalidade de ato normativo ou administrativo por decisão judicial ou administrativa normalmen-te tem efeito ex tunc. Todavia, razões de excepcional interesse público ou de segurança jurídica possibilitam que juízes, tribunais e conselhos de justiça ate-nuem o alcance natural de sua decisão, modulando seus efeitos jurídicos.

Essa modulação dos efeitos pode alcançar não apenas o tempo a partir do qual a declaração terá seus efeitos jurídicos. Ela pode atingir também um deter-minado ato, apresentar uma melhor interpretação dele ou indicar uma situação em que se caminha para a sua inconstitucionalidade, nulidade ou invalidade.

Não se trata de técnica que se destina a minimizar o impacto e o ônus da declaração em favor do prolator do ato cassado pela ordem judicial ou ad-ministrativa. Ao contrário, seu alvo é prestigiar as relações jurídicas e sociais celebradas com boa-fé, em razão do entendimento jurídico então dominante, blindando-as do eventual efeito aniquilador que a alteração da orientação juris-prudencial possa gerar.

Os arts. 27 da Lei nº 9.868/1999 e 11 da Lei nº 9.882/1999 não se apli-cam apenas ao controle concentrado de constitucionalidade exercido pelo STF. Em face de juízo de proporcionalidade (razoabilidade) ou pela compatibilidade do instituto com o processo civil, trabalhista, penal e eleitoral, é possível a mo-dulação dos efeitos da decisão em diversos ramos do Direito por juízes, Tribu-nais e Conselhos de Justiça, desde que presente o excepcional interesse público ou em prestígio a segurança jurídica.

45 ANJOS, Wilson Pedro dos. Manifestação consultiva jurídico-eleitoral do TSE e seus efeitos práticos em face de exercente de mandato parlamentar. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9872>. Acesso em: 26 dez. 2012.

46 BRASIL. Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Regimento Interno. Disponível em: <http://www.csjt.jus.br/regimento>. Acesso em: 28 dez. 2012.

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Parte Geral – Jurisprudência

2913

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Recurso Especial nº 1.489.128 – PR (2014/0268131‑0)Relator: Ministro Herman BenjaminAgravante: Cocamar Cooperativa Agroindustrial e outrosAdvogados: Nelson Wilians Fratoni Rodrigues e outro(s)

Victor do Prado FariaAgravado: Fazenda NacionalAdvogado: Procuradoria‑Geral da Fazenda Nacional

eMentA

TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – SALÁRIO-MATERNIDADE E FÉRIAS GOZADAS – INCIDÊNCIA – MATÉRIA JULGADA SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS – RESP 1.230.957/RS

1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.230.957/RS, pro-cessado nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou a compreensão no sentido de que incide contribuição previdenciária sobre o pagamento a título de férias gozadas e de salário-maternidade.

2. Como a parte agravante insiste em se insurgir contra a tese pacificada sob a sistemática do art. 543-C do CPC, deve ser aplicada a sanção pre-vista no art. 557, § 2º, do CPC.

3. Agravo Regimental não conhecido. Fixação de multa de 10% do valor da causa, devidamente atualizado, nos termos do art. 557, § 2º, do CPC.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Jus-tiça: “A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Og Fernan-des, Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 16 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Herman Benjamin Relator

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relAtórIo

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (relator): Cuida-se de Agravo Re-gimental interposto contra decisão que negou seguimento ao Recurso Especial (fls.1.253-1.258, e-STJ).

A parte agravante sustenta:

Imprescindível esclarecer que a não-incidência da contribuição previdenciária patronal sobre as férias gozadas e sobre o salário maternidade resta inequívoca diante da análise da hipótese de incidência determinada no art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991, aplicável ao caso.

Na verdade, analisa-se, sob a égide do princípio da legalidade tributária (CF, art. 150, inc. I), se tais valores subsumem-se à hipótese de incidência eleita pelo legislador para fins de exigência da contribuição previdenciária devida pelas em-presas, qual seja, a prevista no artigo 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991, pois, caso não abrangidas, fica latente a ilegalidade da inclusão dos valores na base de cálculo da contribuição previdenciária patronal.

Pleiteia a reconsideração do decisum agravado ou a submissão do recur-so à Turma (fls. 647-657, e-STJ).

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator): Os autos foram recebi-dos neste Gabinete em 31.10.2014.

O Agravo Regimental não merece prosperar, pois a ausência de argu-mentos hábeis para alterar os fundamentos da decisão ora agravada torna incó-lume o entendimento nela firmado. Portanto não há falar em reparo na decisão, pelo que reitero o seu teor.

A Primeira Seção, por ocasião do julgamento do REsp 1.230.957/RS, da relatoria do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, sob o regime do art. 543-C do CPC, DJe 18.03.2014, reiterou o entendimento de que não incide contribui-ção previdenciária sobre os valores pagos a título de terço constitucional de fé-rias e nos quinze dias antecedentes ao auxílio-doença. Porém, na mesma opor-tunidade, firmou-se que incide o referido tributo sobre o salário-maternidade.

Transcrevo, por oportuno, a ementa do precedente (grifos nossos):

PROCESSUAL CIVIL – RECURSOS ESPECIAIS – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA – REGIME GERAL DA PREVIDÊN-CIA SOCIAL – DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS SEGUINTES VERBAS: TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS; SALÁRIO-MA-TERNIDADE; SALÁRIO PATERNIDADE; AVISO PRÉVIO INDENIZADO; IMPOR-

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................167

TÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA – 1 Recurso especial de HIDRO JET EQUIPAMENTOS HIDRÁULICOS LTDA.

1.1 Prescrição

O Supremo Tribunal Federal ao apreciar o RE 566.621/RS, Tribunal Pleno, Relª Min. Ellen Gracie, DJe de 11.10.2011), no regime dos arts. 543-A e 543-B do CPC (repercussão geral), pacificou entendimento no sentido de que, “reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005”. No âmbito desta Corte, a questão em comento foi apreciada no REsp 1.269.570/MG (1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 04.06.2012), submetido ao regime do art. 543-C do CPC, ficando consignado que, “para as ações ajuiza-das a partir de 09.06.2005, aplica-se o art. 3º, da Lei Complementar nº 118/2005, contando-se o prazo prescricional dos tributos sujeitos a lançamento por homo-logação em cinco anos a partir do pagamento antecipado de que trata o art. 150, § 1º, do CTN”.

1.2 Terço constitucional de férias

No que se refere ao adicional de férias relativo às férias indenizadas, a não inci-dência de contribuição previdenciária decorre de expressa previsão legal (art. 28, § 9º, d, da Lei nº 8.212/91 – redação dada pela Lei nº 9.528/97).

Em relação ao adicional de férias concernente às férias gozadas, tal importância possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribui-ção previdenciária (a cargo da empresa). A Primeira Seção/STJ, no julgamento do AgRg-EREsp 957.719/SC (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 16.11.2010), ratificando entendimento das Turmas de Direito Público deste Tribunal, adotou a seguinte orientação: “Jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Se-ção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também de empregados celetistas contratados por empresas privadas”.

1.3 Salário-maternidade

O salário maternidade tem natureza salarial e a transferência do encargo à Previ-dência Social (pela Lei nº 6.136/1974) não tem o condão de mudar sua natureza. Nos termos do art. 3º da Lei nº 8.212/1991, “a Previdência Social tem por fim as-segurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem dependiam economi-camente”. O fato de não haver prestação de trabalho durante o período de afas-tamento da segurada empregada, associado à circunstância de a maternidade ser amparada por um benefício previdenciário, não autoriza conclusão no sentido de que o valor recebido tenha natureza indenizatória ou compensatória, ou seja, em razão de uma contingência (maternidade), paga-se à segurada empregada be-nefício previdenciário correspondente ao seu salário, possuindo a verba evidente

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natureza salarial. Não é por outra razão que, atualmente, o art. 28, § 2º, da Lei nº 8.212/1991 dispõe expressamente que o salário maternidade é considerado salário de contribuição. Nesse contexto, a incidência de contribuição previden- ciária sobre o salário maternidade, no Regime Geral da Previdência Social, de-corre de expressa previsão legal.

Sem embargo das posições em sentido contrário, não há indício de incompatibi-lidade entre a incidência da contribuição previdenciária sobre o salário materni-dade e a Constituição Federal. A Constituição Federal, em seus termos, assegura a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações (art. 5º, I). O art. 7º, XX, da CF/1988 assegura proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei. No que se refere ao salário maternida-de, por opção do legislador infraconstitucional, a transferência do ônus referente ao pagamento dos salários, durante o período de afastamento, constitui incentivo suficiente para assegurar a proteção ao mercado de trabalho da mulher.

Não é dado ao Poder Judiciário, a título de interpretação, atuar como legislador positivo, a fim estabelecer política protetiva mais ampla e, desse modo, desin-cumbir o empregador do ônus referente à contribuição previdenciária incidente sobre o salário maternidade, quando não foi esta a política legislativa.

A incidência de contribuição previdenciária sobre salário maternidade encontra sólido amparo na jurisprudência deste Tribunal, sendo oportuna a citação dos seguintes precedentes: REsp 572.626/BA, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJ de 20.09.2004; REsp 641.227/SC, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 29.11.2004; REsp 803.708/CE, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 02.10.2007; REsp 886.954/RS, 1ª T., Relª Min. Denise Arruda, DJ de 29.06.2007; AgRg-REsp 901.398/SC, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2008; REsp 891.602/PR, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 21.08.2008; AgRg-REsp 1.115.172/RS, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 25.09.2009; AgRg-Ag 1.424.039/DF, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.10.2011; AgRg-EDcl-REsp 1.040.653/SC, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 15.09.2011; AgRg-REsp 1.107.898/PR, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 17.03.2010.

1.4 Salário-paternidade

O salário-paternidade refere-se ao valor recebido pelo empregado durante os cinco dias de afastamento em razão do nascimento de filho (art. 7º, XIX, da CF/1988, c/c o art. 473, III, da CLT e o art. 10, § 1º, do ADCT).

Ao contrário do que ocorre com o salário maternidade, o salário paternidade constitui ônus da empresa, ou seja, não se trata de benefício previdenciário. Des-se modo, em se tratando de verba de natureza salarial, é legítima a incidência de contribuição previdenciária sobre o salário paternidade.

Ressalte-se que “o salário-paternidade deve ser tributado, por se tratar de licença remunerada prevista constitucionalmente, não se incluindo no rol dos benefí-cios previdenciários” (AgRg-EDcl-REsp 1.098.218/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 09.11.2009).

2. Recurso especial da Fazenda Nacional.

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2.1 Preliminar de ofensa ao art. 535 do CPC

Não havendo no acórdão recorrido omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do CPC.

2.2 Aviso-prévio indenizado

A despeito da atual moldura legislativa (Lei nº 9.528/1997 e Decreto nº 6.727/2009), as importâncias pagas a título de indenização, que não corres-pondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador, não ensejam a incidência de contribuição previdenciária.

A CLT estabelece que, em se tratando de contrato de trabalho por prazo indeter-minado, a parte que, sem justo motivo, quiser a sua rescisão, deverá comunicar a outra a sua intenção com a devida antecedência. Não concedido o aviso prévio pelo empregador, nasce para o empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço (art. 487, § 1º, da CLT). Desse modo, o pagamento decorrente da falta de aviso prévio, isto é, o aviso prévio indenizado, visa a reparar o dano causado ao trabalhador que não fora alertado sobre a futura rescisão contratual com a ante-cedência mínima estipulada na Constituição Federal (atualmente regulamentada pela Lei nº 12.506/2011). Dessarte, não há como se conferir à referida verba o caráter remuneratório pretendido pela Fazenda Nacional, por não retribuir o tra-balho, mas sim reparar um dano.

Ressalte-se que, “se o aviso prévio é indenizado, no período que lhe correspon-deria o empregado não presta trabalho algum, nem fica à disposição do em-pregador. Assim, por ser ela estranha à hipótese de incidência, é irrelevante a circunstância de não haver previsão legal de isenção em relação a tal verba” (REsp 1.221.665/PR, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.02.2011).

A corroborar a tese sobre a natureza indenizatória do aviso prévio indenizado, destacam-se, na doutrina, as lições de Maurício Godinho Delgado e Amauri Mascaro Nascimento. Precedentes: REsp 1.198.964/PR, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 04.10.2010; REsp 1.213.133/SC, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 01.12.2010; AgRg-REsp 1.205.593/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 04.02.2011; AgRg-REsp 1.218.883/SC, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 22.02.2011; AgRg-REsp 1.220.119/RS, 2ª T,, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 29.11.2011.

2.3 Importância paga nos quinze dias que antecedem o auxílio-doença

No que se refere ao segurado empregado, durante os primeiros quinze dias con-secutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe ao empregador efetuar o pagamento do seu salário integral (art. 60, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 9.876/1999). Não obstante nesse período haja o pagamento efetuado pelo empregador, a importância paga não é destinada a retribuir o trabalho, sobretudo porque no intervalo dos quinze dias consecutivos ocorre a interrupção do contrato de trabalho, ou seja, nenhum ser-viço é prestado pelo empregado. Nesse contexto, a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que sobre a importância

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paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afasta-mento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória. Nesse sentido: AgRg-REsp 1.100.424/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 18.03.2010; AgRg-REsp 1074103/SP, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe 16.04.2009; AgRg-REsp 957.719/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 02.12.2009; REsp 836.531/SC, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 17.08.2006.

2.4 Terço constitucional de férias

O tema foi exaustivamente enfrentado no recurso especial da empresa (contri-buinte), levando em consideração os argumentos apresentados pela Fazenda Na-cional em todas as suas manifestações. Por tal razão, no ponto, fica prejudicado o recurso especial da Fazenda Nacional.

3. Conclusão

Recurso especial de Hidro Jet Equipamentos Hidráulicos Ltda. parcialmente pro-vido, apenas para afastar a incidência de contribuição previdenciária sobre o adicional de férias (terço constitucional) concernente às férias gozadas.

Recurso especial da Fazenda Nacional não provido.

Acórdão sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução nº 8/2008 – Presidência/STJ (REsp 1230957/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª S., Julgado em 26.02.2014, DJe 18.03.2014).

No tocante à incidência de contribuição social férias gozadas, o entendi-mento da Tribunal regional está em consonância com o desta Corte, razão pela qual não merece prosperar a irresignação, igualmente, no ponto.

Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula nº 83/STJ: “Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribu-nal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

A propósito:

TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – CONTRIBUIÇÃO PREVIDEN-CIÁRIA – ART. 22, INCISO I, DA LEI Nº 8.212/1991 – FÉRIAS GOZADAS – INCI-DÊNCIA – SÚMULA nº 168/STJ

1. “Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado” (Súmula nº 168 do STJ).

2. O pagamento de férias gozadas possui natureza remuneratória e salarial, nos termos do art. 148 da CLT, e integra o salário de contribuição.

Precedentes recentes da Primeira Seção: AgRg nos EREsp 1.355.594/PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17.09.2014; AgRg nos EAREsp 138.628/AC, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 18.08.2014.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-EDcl-EREsp 1352146/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª S., DJe 14.10.2014)

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TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – FÉRIAS GOZADAS – IN-CIDÊNCIA – MATÉRIA JULGADA SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS – RESP 1.230.957/RS – AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO – PAGAMENTO EM TICKETS – INCIDÊNCIA DA REFERIDA CONTRIBUIÇÃO – PRECEDENTES

1. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 1.230.957/RS, processa-do nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou a compreensão no sentido de que o pagamento de férias gozadas possui natureza remuneratória, razão pela qual incide a contribuição previdenciária.

2. Conforme entendimento deste Superior Tribunal, o auxílio-alimentação pago in natura não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária, esteja ou não a empresa inscrita no PAT; por outro lado, quando pago habitualmente e em pecúnia, incide a referida contribuição, como ocorre na hipótese dos autos em que houve o pagamento na forma de tickets. Precedentes: REsp 1.196.748/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 28.09.2010; AgRg-Ag 1.392.454/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe 25.11.2011; AgRg-REsp 1.426.319/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 13.05.2014.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-REsp 1474955/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 14.10.2014)

Em verdade, a parte agravante insiste em discutir tese pacificada sob a sistemática do art. 543-C do CPC, razão pela qual deve ser aplicada a sanção prevista no art. 557, § 2º, do CPC.

Diante do exposto, não conheço do Agravo Regimental. Na forma do art. 557, § 2º, do CPC, fixo multa de 10% do valor da causa, devidamente atua-lizado.

É como voto.

certIdão de JulgAMento segundA turMA

AgRg-REsp 1.489.128/PR

Número Registro: 2014/0268131-0 Processo Eletrônico

Números Origem: 50043109820134047003 5012651220134040000 PR-50043109820134047003 TRF4-50127651220134040000

Pauta: 16.12.2014 Julgado: 16.12.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Maria Sílvia de Meira Luedemann

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

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AutuAção

Recorrente: Cocamar Cooperativa Agroindustrial e outros

Advogados: Nelson Wilians Fratoni Rodrigues e outro(s) Victor do Prado Faria

Recorrido: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Assunto: Direito tributário – Contribuições – Contribuições previdenciárias

AgrAvo regIMentAl

Agravante: Cocamar Cooperativa Agroindustrial e outros

Advogados: Nelson Wilians Fratoni Rodrigues e outro(s) Victor do Prado Faria

Agravado: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

certIdão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente), Assusete Magalhães e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência

2914

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Criminal nº 0041208‑41.2010.4.01.3300/BARelator(a): Juiz Federal Klaus Kuschel – ConvocadoApelante: José Pineiro VidalAdvogado: Armin Delbert KuentzerApelado: Justiça PúblicaProcurador: André Luiz Batista Neves

eMentA

PENAL – PROCESSO PENAL – APELAÇÃO – PRESCRIÇÃO – PENA EM CONCRETO – RÉU MAIOR DE SETENTA ANOS – DATA DOS FATOS – RECEBIMENTO DA DENÚNCIA – ARTS. 109, 110 E 115 DO CÓDIGO PENAL – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – RECURSO PROVIDO

1. Nos termos do art.109, IV, do Código Penal, a prescrição verifica-se em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro).

2. A prescrição, nas hipóteses de delitos praticados antes da entrada em vigor da Lei nº 12.234, de 5 de maio de 2010, depois de transitar em jul-gado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no art. 109, CP.

3. Constatado que o réu era maior de 70 (setenta) anos na data da senten-ça, reduz-se pela metade o prazo de prescrição (art.115, CP).

4. Considerando a data dos fatos, no caso, a constituição definitiva do crédito, 29.06.2005, e a do recebimento da denúncia, 25.10.2010, im-põe-se o reconhecimento da prescrição, com a extinção da punibilidade, considerando o transcurso de lapso temporal superior a quatro anos.

5. Recurso de apelação da defesa provido para declarar extinta a punibi-lidade, em razão da prescrição.

Acórdão

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Re-gião, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do relator.

Brasília/DF, 21 de maio de 2014.

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Juiz Federal Klaus Kuschel Relator Convocado

relAtórIo

Trata-se de recurso de apelação interposto pela defesa de José Pineiro Vidal (fls. 309/314) contra sentença proferida pelo Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia que o condenou pela prática do crime previsto no art. 168-A, § 1º, inciso I, c/c art. 71, todos do Código Penal, fixando a pena privativa de liberdade em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa (fls. 293/299).

Sustenta que nasceu em 06.06.1938 (fl. 256), sendo maior de setenta anos na data da prolação da sentença (10 de outubro de 2012), razão pela qual o prazo da prescrição é reduzido de metade, nos termos do art. 115 do Código Penal.

Assim, considerando que a pena aplicada não excedeu quatro anos, a prescrição seria de oito anos (art. 109 c/c art. 110, CP), mas, no caso, é reduzida pela metade e opera-se em quatro anos, prazo já decorrido da data dos fatos, no caso, constituição definitiva do crédito (29.06.2005), até o recebimento da denúncia (25.10.2010, fls. 122/123), devendo ser extinta a punibilidade.

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal às fls. 317/323, pugnando pelo reconhecimento da prescrição.

Parecer da PRR/1ª Região (fls. 332/336) pela declaração da extinção da punibilidade, em razão da prescrição retroativa.

É o relatório.

Ao Revisor.

Juiz Federal Klaus Kuschel Relator Convocado

voto

Inicialmente, cumpre registrar, no caso, o trânsito em julgado da senten-ça para a acusação.

Por conseguinte, a prescrição regula-se pela pena em concreto, conforme as disposições insertas no art. 110, § 1º, do Código Penal (na redação anterior à Lei nº 12.234/2010 – tendo em vista que os fatos são anteriores à edição dessa lei).

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................175

A pena fixada na sentença foi de dois anos, acrescida em oito meses em razão da causa de aumento relativa ao crime continuado, perfazendo 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão (fls. 293/299), operando-se a prescrição em oito anos, de acordo com o art. 109, inciso V, CP, mas reduzida pela metade por conta da idade do apelante, maior de setenta anos na data da sentença (10.10.2012), opera-se em quatro anos.

Nesse contexto, tendo em vista a data dos fatos, no caso, a constituição definitiva do crédito, 29.06.2005 (fls. 38/39 e 307/308), e do recebimento da denúncia, 25.10.2010 – fls. 122/123 – deve ser reconhecida a prescrição, com a extinção da punibilidade, considerando o transcurso de lapso temporal superior a quatro anos.

Ressalto que o acréscimo da pena em razão da existência do crime conti-nuado, nos termos da sentença de fls. 293/299, não influi na contagem do prazo prescricional, porquanto cada conduta deve ser analisada individualmente para fins de prescrição.

Todavia, na situação dos autos, mesmo considerando o total da pena, com a majoração da reprimenda em razão do reconhecimento da continuidade delitiva, constata-se a ocorrência da prescrição, conforme acima explicitado.

Diante o exposto, dou provimento à apelação para declarar extinta a punibilidade de José Pineiro Vidal, em razão da prescrição, pela pena em con-creto, com base no art. 107, inciso IV, do Código Penal.

É como voto.

Juiz Federal Klaus Kuschel Relator Convocado

voto revIsor

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ney Bello (Revisor):

Trata-se de recurso de apelação interposto por José Pineiro Vidal contra sentença proferida pelo Juízo Federal 2ª Vara da Seção Judiciária da Bahia, que, julgando procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, con-denou o apelante às penas de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias multa, pela prática do crime previsto no art. 168-A, § 1º, do Código Penal (sentença fls. 293/299).

O acusado, em razões recursais, alega que ocorreu o instituto da prescri-ção, haja vista que decorreram mais de quatro anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.

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176 ...................................................................................................DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

O réu foi condenado à pena-base de 02 (dois) anos de reclusão, que foi majorada em 1/3 (um terço) em razão do art. 71 do Código Penal – continui-dade delitiva, perfazendo um total de 02 anos e 08 meses de reclusão, tornada definitiva. O Ministério Público não recorreu.

Para o cálculo da prescrição, não se computará o aumento de pena de-corrente da continuidade delitiva (art. 71).

Segundo o Código Penal:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

[...]

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois;

[...]

O fato aconteceu no período 29.06.2005 – constituição definitiva do crédito. A denúncia foi recebida em 25.10.2010. A sentença foi publicada em 10.10.2012. Pois bem, verifica-se que entre a data do fato e a do recebimento da denúncia já se passaram mais de quatro anos, operando-se a prescrição re-troativa da pretensão punitiva do Estado, pela pena in concreto (art. 110, § 1º, CP), em 29.06.2010.

Ante o exposto, declaro extinta a punibilidade pela prescrição, retroativa, da ação penal.

É como voto.

trIbunAl regIonAl federAl dA 1ª regIão secretArIA JudIcIárIA

31ª Sessão Ordinária do(a) Terceira Turma

Pauta de: 24.06.2014 Julgado em: 24.06.2014

Ap 0041208-41.2010.4.01.3300/BA

Relator: Exmo. Sr. Juiz Federal Klaus Kuschel (Conv.)

Juiz(a) Convocado(a) conforme Ato Presi Asmag nº 898, de 23.05.2014

Revisor: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Ney Bello

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargadora Federal Monica Sifuentes

Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Bruno Caiado de Acioli

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................177

Secretário(a): Cláudia Mônica Ferreira

Apte.: José Pineiro Vidal

Adv.: Armin Delbert Kuentzer

Apdo.: Justiça Pública

Procur.: André Luiz Batista Neves

Nº de Origem: 412084120104013300 Vara: 2ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: BA

sustentAção orAl certIdão

Certifico que a(o) egrégia(o) Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, deu provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Ney Bello e Desembargadora Federal Monica Sifuentes.

Brasília, 24 de junho de 2014.

Cláudia Mônica Ferreira Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

2915

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível 2008.51.04.002559‑4 Nº CNJ: 0002559‑68.2008.4.02.5104Relator: Juíza Federal Convocada Carmen Silvia Lima de ArrudaApelante: Fundação Oswaldo Cruz – FiocruzProcurador: José Alfredo Barros da Silva Reis NetoApelado: Regilene da Cunha Vieira TheophiloAdvogado: Paulo Sergio Ribeiro dos SantosOrigem: Segunda Vara Federal de Volta Redonda (200851040025594)

eMentA

APELAÇÃO, REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO ADESIVO – ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – INFECÇÃO HOSPITALAR – DANO MORAL CONFIGURADO – DEVER DE INDENIZAR – SENTENÇA MANTIDA

1. Trata-se de remessa necessária, apelação cível e recurso adesivo in-terpostos em face de sentença proferida em ação comum, pelo rito ordi-nário, objetivando a reparação a título de danos morais, em razão de ter adquirido infecção pós-operatória em procedimento cirúrgico de lapa-roscopia, realizado no Instituto Fernandes Figueira.

2. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X, consagra expressa-mente o direito a indenização pelo dano moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e imagem das pessoas. Tal direito decorre da própria dignidade, aí compreendida não só a da pessoa hu-mana, mas aquela inerente ao direito da personalidade da pessoa natural ou jurídica.

3. A reparação civil do dano moral, diversamente do que se verifica em relação ao dano patrimonial, não visa a recompor a situação jurídico-pa-trimonial do lesado, mas sim à definição de valor adequado, em razão de alguma das violações às dimensões da dignidade da pessoa humana, no caso, da pessoa jurídica, como a liberdade, a integridade físico-psíquica, a solidariedade, a isonomia e o crédito, pois o fim da teoria em análise não é apagar os efeitos da lesão, mas reparar os danos.

4. Com efeito, a autora foi admitida em 13.02.2007, no Instituto Fernandes Figueira para fins de ser submetida a uma cirurgia de laparos-copia para retirada de um cisto no ovário. Todavia, a própria ré atestou que “a contaminação por MCR, principalmente em cirurgias que se uti-

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................179

lizam do método denominado laparoscopia, foi um fenômeno que ocor-reu em nível nacional e internacional, sendo certo que [...]com a com a primeira confirmação de infecção por MCR na autora, ocorrida em 26.02.2008, e com a confirmação pela Anvisa da existência de um surto em vários estados do pais, todo o tratamento dado aos instrumentais da video-cirurgia foi revisto, tendo o órgão federal de vigilância sanitária, à época, liberado uma nota técnica, a qual continha os passos e reco-mendações que deveriam ser seguidos; que o dano causado à autora decorreu de uma verdadeira epidemia, para a qual nossos profissionais de saúde, por mais preparados que estivessem, não teriam à época como evitar, tratando-se , portanto, de caso fortuito ou força maior. Assim, pa-rece fora de propósito, data venia, duvidar que a autora tenha sido vítima de infecção hospitalar.

5. O Ilustre expert do Juízo constatou que (i) a autora é portadora de abscesso de parede abdominal subcutâneo; (ii) que referida doença a incapacita definitivamente para o seu trabalho ou atividade habitual; (iii) que para o desempenho de sua atividade laborativa é necessário uma habilidade a qual resta prejudicada por referida incapacidade; e que (iv) referida incapacidade é plena para qualquer atividade laboral.

6. Com efeito, o hospital tem a responsabilidade de zelar pela incolumi-dade do paciente, levando em consideração os meios adequados para os procedimentos, tratamentos e sua recuperação. Não há de se falar em “caso fortuito”, uma vez que é de conhecimento que a infecção hospita-lar se acha ligada as atividades da instituição, residindo somente no em-prego de recursos ou rotinas próprias dessa atividade a possibilidade de prevenção. Assim, houve falha no procedimento ao qual foi submetida a demandante, fato que, aliado ao dano e ao nexo causal, materializa a responsabilidade da ré pelo ocorrido.

7. No que tange ao arbitramento do quantum reparatório, deve o juiz valer-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades do caso concreto, daí porque devem ser considera-dos os seguintes critérios objetivos: a moderação, a proporcionalidade, o grau de culpa, o nível sócio-econômico da vítima e do ofensor, de modo que o valor a ser pago não constitua enriquecimento sem causa, e sirva também para coibir que as atitudes negligentes e lesivas venham a se repetir. Nesse contexto, mostra-se justa e compensatória a quantia fixada R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

8. Apelação da União, remessa necessária e recurso adesivo conhecidos e improvidos.

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Acórdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da ré, à remessa necessária e ao recurso adesivo, nos termos do voto da Relatora.

Rio de Janeiro, 10.12.2014 (data do Julgamento).

Carmen Silvia Lima de Arruda Juíza Federal Convocada Relatora

relAtórIo

1. Trata-se de remessa necessária, apelação cível e recurso adesivo in-terpostos em face de sentença originária do Juízo da 2ª Vara Federal de Volta Redonda – Seção Judiciária do Rio de Janeiro, e proferida em ação comum, pelo rito ordinário, ajuizada por Regilene da Cunha Vieira Theophilo, em face da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, objetivando a reparação a título de danos morais, em razão de ter adquirido infecção pós-operatória em procedimento cirúrgico de laparoscopia, realizado no Instituto Fernandes Figueira.

Alega, em sua petição inicial (i) que foi submetida a uma intervenção cirúrgica de laparoscopia para retirada de um cisto no ovário, em 14.02.2007; (ii) que passou a sentir dores e incômodos após o referido procedimento cirúrgi-co; (iii) que foi diagnosticado, em 07.05.2007, como “infecção pós-operatória nos portais de punção abdominais, provavelmente por microbactéria”; (iv) que iniciou um tratamento ambulatorial para combater a referida infecção, tendo tido que se submeter a nova cirurgia reparadora e que (v) até não consegue de-senvolver suas atividades laborais em razão de sentir fortes dores e incômodos.

2. Em sua sentença, o MM. Juízo monocrático julgou procedente em parte o pedido para condenar a parte ré ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), acrescido de correção mo-netária calculada com base no IPCA, e juros de mora, a partir da citação, nos termos do art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997, na redação anterior à adotada pela Lei nº 11.960/2009. Deixou de condenar a ré em honorários, ante a sucumbência recíproca (fls. 298/301).

3. Inconformado, o Instituto Fernandes Figueira apresentou suas razões de apelação, sustentando que a contaminação por MCR, principalmente em cirurgias que se utilizam do método denominado laparoscopia, foi um fenô-meno que ocorreu em nível nacional e internacional, sendo que referida con-taminação atingiu inúmeros hospitais e clínicas das redes públicas e privada

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em praticamente todos os estados brasileiros. Informa que com a primeira con-firmação de infecção por MCR na autora, ocorrida em 26.02.2008, e com a confirmação pela Anvisa da existência de um surto em vários estados do país, todo o tratamento dado aos instrumentais da vídeo-cirurgia foi revisto, tendo o órgão federal de vigilância sanitária, à época, liberado uma nota técnica, a qual continha os passos e recomendações que deveriam ser seguidos; que o dano causado à autora decorreu de uma verdadeira epidemia para a qual nossos profissionais de saúde, por mais preparados que estivessem, não teriam à época como evitar, tratando-se, portanto, de caso fortuito ou força maior. Ressalta a necessidade de redução do quantum indenizatório, eis que não foi observado o caráter compensatório e punitivo da reparação extrapatrimonial, tratando-se de valor demasiadamente excessivo (fls. 302/309).

4. A parte autora, à sua vez, apresentou recurso adesivo sustentando a necessidade de majoração do quantum indenizatório, sob o argumento de que as infecções já vinham ocorrendo desde 1998, sendo que desde 2004 a Anvisa já havia se manifestado sobre o assunto, de modo que a apelada já tinha pleno conhecimento da existência de risco e não procurou evitar (fls. 317/319).

5. Recebidos os recursos (fls. 310 e 320), e apresentadas as contrarrazões (fls. 311/316 e 321/323), subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Carmen Silvia Lima de Arruda

Juíza Federal Convocada Relatora

voto

1. Conheço da apelação e do recurso adesivo, eis que presentes os seus pressupostos de admissibilidade e, como trata-se de sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório, tenho como feita a remessa oficial.

2. A questão em debate no presente recurso cinge-se ao direito da au-tora ao recebimento de reparação a título de danos morais, em razão de ter adquirido infecção pós-operatória em procedimento cirúrgico de laparoscopia, realizado no Instituto Fernandes Figueira.

Primeiramente observo que, apesar de não ter havido remessa dos autos ao Ministério Público, considero a mesma dispensável, pois não se trata de ne-nhuma das hipóteses previstas no art. 82 do CPC.

3. A r. sentença merece ser mantida, senão vejamos:

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4. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, X, consagra expres-samente o direito a indenização pelo dano moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e imagem das pessoas. Tal direito decorre da própria dignidade, aí compreedida não só a da pessoa humana, mas aquela inerente ao direito da personalidade da pessoa natural ou jurídica.

5. Relativamente ao tema da responsabilidade civil, e segundo o disposto no art. 159 do Código Civil de 1916, reproduzido parcialmente pelo art. 186 do CC/2002: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou im-prudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

6. Assim, devem ser observados os requisitos para a existência da respon-sabilidade civil, quais sejam, a existência de uma ação ou omissão por parte do agente; a ocorrência de um dano seja ele qual for (material ou moral), causado pela ação de um agente ou terceiro por quem o imputado responde; e por úl-timo o nexo de causalidade, que é o vínculo existente entre a ação e o dano causado. Sem a existência de tais requisitos da responsabilidade civil não existe um dano a reparar.

7. A reparação civil do dano moral, diversamente do que se verifica em relação ao dano patrimonial, não visa a recompor a situação jurídico-patrimo-nial do lesado, mas sim à definição de valor adequado, em razão de alguma das violações às dimensões da dignidade da pessoa humana, no caso, da pes-soa jurídica, como a liberdade, a integridade físico-psíquica, a solidariedade, a isonomia e o crédito, pois o fim da teoria em análise não é apagar os efeitos da lesão, mas reparar os danos.

A configuração do dano moral, em várias situações, decorre apenas da prática do ato com repercussão na vítima, tratando-se de hipótese que inde-pende de comprovação de abalo a bem jurídico extrapatrimonial. Com efeito, conforme atesta a doutrina de direito civil, os danos morais, ao contrário dos materiais, decorrem da lesão a algum dos aspectos atinentes à dignidade hu-mana. A repercussão de tais lesões na personalidade da vítima nem sempre é de fácil liquidação. Contudo, tal é a gravidade da lesão à dignidade, segundo à ordem constitucional, que se admite presumível o dano moral pelo simples fato da lesão, independentemente da sua efetiva comprovação.

8. Com efeito, a autora foi admitida, em 13.02.2007, no Instituto Fernandes Figueira para fins de ser submetida a uma cirurgia de laparoscopia para retirada de um cisto no ovário. Todavia, após a intervenção cirúrgica pas-sou a sentir dores e incômodos diversos, inclusive no local da cirurgia, tendo sido diagnosticado “infecção pós-operatória nos portais de punção abdominais, provavelmente por microbactéria”. A própria ré atestou que “a contaminação por MCR, principalmente em cirurgias que se utilizam do método denominado laparoscopia, foi um fenômeno que ocorreu em nível nacional e internacional,

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................183

sendo certo que, no Brasil, referida contaminação atingiu inúmeros hospitais e clínicas das redes públicas e privada em praticamente todos os estados brasilei-ros; que com a primeira confirmação de infecção por MCR na autora, ocorrida em 26.02.2008, e com a confirmação pela Anvisa da existência de um surto em vários estados do pais, todo o tratamento dado aos instrumentais da vídeo-cirur-gia foi revisto, tendo o órgão federal de vigilância sanitária, à época, liberado uma nota técnica, a qual continha os passos e recomendações que deveriam ser seguidos; que o dano causado à autora decorreu de uma verdadeira epidemia, para a qual nossos profissionais de saúde, por mais preparados que estivessem, não teriam à época como evitar, tratando-se , portanto, de caso fortuito ou for-ça maior (fls. 103) . Assim, parece fora de propósito, data venia, duvidar que a autora tenha sido vítima de infecção hospitalar.

9. O Ilustre expert do Juízo, ao responder aos quesitos apresentados pela parte ré, às fls. 288/289, informou expressamente que (i) que a autora é porta-dora de abscesso de parede abdominal subcutâneo; (ii) que referida doença a incapacita definitivamente para o seu trabalho ou atividade habitual; (iii) que para o desempenho de sua atividade laborativa é necessário uma habilidade a qual resta prejudicada por referida incapacidade; e (iv) que referida incapacida-de é plena para qualquer atividade laboral.

10. Portanto, pelo que se vê, é fato incontroverso que a autora, ora ape-lada, foi acometida de infecção hospitalar após ter realizado uma cirurgia de laparoscopia, em 14.02.2007, restando evidente, por conseguinte, o nexo de causalidade entre os danos morais sofridos e o ato administrativo perpetrado pela administração, elementos esses capazes por si só de ensejar responsabili-zação do Estado.

11. Com efeito, o dever de indenizar afigura-se inequívoco, pois da falha da apelante na prestação do serviço de saúde decorreram as evidentes agruras morais por que passou a apelada. Nesse sentido é de se destacar que a obriga-ção do médico é de meio e depende da comprovação de culpa, o que não se confunde com a responsabilidade do hospital, que é objetiva, bastando, ape-nas, a ocorrência do dano e nexo de causalidade para ser confirmada. No caso de infecção hospitalar, a responsabilidade objetiva decorre da responsabilidade do hospital em prestar devidamente as condições de guarda e incolumidade física do paciente.

12. Frise-se que o hospital tem a responsabilidade de zelar pela inco-lumidade do paciente, levando em consideração os meios adequados para os procedimentos, tratamentos e sua recuperação. Desta forma, não há de se falar em “caso fortuito”, uma vez que é de conhecimento que a infecção hospitalar se acha ligada as atividades da instituição, residindo somente no emprego de recursos ou rotinas próprias dessa atividade a possibilidade de prevenção. As-sim, houve falha no procedimento ao qual foi submetida a demandante, fato

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que, aliado ao dano e ao nexo causal, materializa a responsabilidade da ré pelo ocorrido.

13. Neste sentido, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, in verbis :

“RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – INFECÇÃO HOSPITALAR – SEQUELAS IRREVERSÍVEIS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – CULPA CONTRA-TUAL – SÚMULA Nº 7 – DENUNCIAÇÃO DA LIDE – DANO MORAL – REVI-SÃO DO VALOR – JUROS DE MORA – CORREÇÃO MONETÁRIA – TERMO INICIAL – DATA DO ARBITRAMENTO – REDUÇÃO DA CAPACIDADE PARA O TRABALHO – PENSÃO MENSAL DEVIDA

1. Não cabe, em recurso especial, rever a análise da prova para afastar a conclu-são do acórdão recorrido de que a infecção de que padeceu o autor teve como causa a internação hospitalar (Súmula nº 7).

2. Em se tratando de infecção hospitalar, há responsabilidade contratual do hos-pital relativamente à incolumidade do paciente e ‘essa responsabilidade somente pode ser excluída quando a causa da moléstia possa ser atribuída a evento espe-cifico e determinado’ (REsp 116.372/MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ 02.02.1998).

3. ‘Não cabe a denunciação quando se pretende, pura e simplesmente, transferir responsabilidades pelo evento danoso, não sendo a denunciação obrigatória nos casos do inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil, na linha da jurispru-dência da Corte’ (REsp 302.205/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 04.02.2002).

4. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado.

Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, aten-dendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

5. É devido o pensionamento vitalício pela diminuição da capacidade laborativa decorrente das sequelas irreversíveis, mesmo estando a vítima, em tese, capacita-da para exercer alguma atividade laboral, pois a experiência comum revela que o portador de limitações físicas tem maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, além da necessidade de despender maior sacrifício no desempenho do trabalho.

6. A correção monetária deve incidir a partir da fixação de valor definitivo para a indenização do dano moral. Enunciado nº 362 da Súmula do STJ.

[...]

9. Recurso especial do réu conhecido, em parte, e nela não provido.

Recurso especial do autor conhecido e parcialmente provido.”

(REsp 903.258/RS, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., Julgado em 21.06.2011, DJe 17.11.2011)

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14. Impende ressaltar que a Constituição Federal de 1988 consagrou a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado (art. 37, § 6º), a qual se funda no risco administrativo, ou seja, para a aferição da responsabilidade civil do Estado e o consequente reconhecimento do direito à reparação pelos prejuízos causados, é suficiente que se prove o dano sofrido e o nexo de causalidade entre a omissão/conduta atribuíveis ao Poder Público, ou aos que agem em seu nome, por delegação, e o aludido dano. De todo modo, é permitido ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal – fato ex-clusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro.

15. Na precisa lição de José dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito Administrativo, Lumen Juris, 12. ed., 2005, p. 498, “... para que se tenha uma análise absolutamente consentânea com o mandamento constitucional, é necessário que se verifique se realmente houve um fato administrativo (ou seja, um fato imputável à Administração), o dano da vítima e a certeza de que o dano proveio efetivamente daquele fato. Essa é a razão por que os estudiosos têm consignado, com inteira dose de certo, que ‘a responsabilidade objetiva fixada pelo texto constitucional exige, como requisito para que o Estado responda pelo dano que lhe for imputado, a fixação do nexo causal entre o dano produzido e a atividade funcional desempenhada pelo agente estatal”.

16. No que tange ao arbitramento do quantum reparatório, deve o juiz valer-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às pe-culiaridades do caso concreto, daí porque devem ser considerados os seguintes critérios objetivos: a moderação, a proporcionalidade, o grau de culpa, o nível sócio-econômico da vítima e do ofensor, de modo que o valor a ser pago não constitua enriquecimento sem causa, e sirva também para coibir que as atitudes negligentes e lesivas venham a se repetir. Nesse contexto, entendo como justo e compensatória a quantia fixada R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), fixado pelo Juízo monocrático, uma vez que atende aos referidos objetivos.

17. Ante o exposto, nego provimento à apelação da União, à remessa necessária e ao recurso, para manter in totum a sentença recorrida.

É como voto.

Carmen Silvia Lima de Arruda Juíza Federal Convocada Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência

2916

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 02.09.2014Agravo de Instrumento nº 0007002‑11.2014.4.03.0000/SP2014.03.00.007002‑3/SPRelator: Desembargador Federal Nino ToldoAgravante: Thiago da SilvaAdvogado: SP254765 Franklin Pereira da Silva e outroAgravado(a): União FederalAdvogado: SP000019 Tércio Issami Tokano e outroOrigem: Juízo Federal da 19ª Vara São Paulo Sec. Jud./SPNº Orig.: 00031830220144036100 19ª Vr. São Paulo/SP

eMentA

PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – SERVIDOR MILITAR TEMPORÁRIO – REINTEGRAÇÃO

O militar temporário da Aeronáutica, uma vez esgotado o prazo máxi-mo de sua permanência no serviço ativo (oito anos no total de efetivo serviço) será licenciado ex officio, por força da lei (Lei nº 6.880/1980, art. 121, § 3º, a), não havendo necessidade de motivação adicional do ato administrativo de licenciamento.

Não há falar-se que a Portaria nº 467/GC3/2010 do Comando da Aero-náutica asseguraria o limite de oito anos de tempo de serviço exclusi-vamente na graduação de cabo. A interpretação lógica do disposto em seu art. 1º evidencia a necessidade de ser computado todo o período de serviço ativo, inclusive em graduações inferiores.

Não se verifica ilegalidade no ato administrativo de licenciamento do agravante, a contar de 27.02.2013, levando-se em conta que sentou pra-ça em 01.03.2005. Respeitou-se o limite máximo de oito anos de serviço ativo estabelecido na legislação de regência.

Agravo desprovido.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................187

por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 26 de agosto de 2014.

Nino Toldo Desembargador Federal

relAtórIo

O Senhor Desembargador Federal Nino Toldo (Relator): Trata-se de agra-vo de instrumento interposto por Thiago da Silva em face de decisão proferida pela 19ª Vara Federal de São Paulo/SP, que indeferiu pedido de antecipação de tutela objetivando sua reintegração ao serviço ativo da Aeronáutica, em sua antiga Organização Militar, garantindo todos os direitos decorrentes dessa con-dição.

Alega o agravante, em síntese, que após sucessivas prorrogações volun-tárias do tempo de serviço militar, obteve, ao concluir o Curso de Formação de Cabos, nova prorrogação do tempo de serviço, de natureza obrigatória, por um período de dois anos. No seu entender, isso asseguraria sua permanência no serviço ativo até 02.06.2013.

Entretanto, antes de expirado o termo final da prorrogação, e sem fun-damentação específica, a Administração Militar licenciou o recorrente em 27.02.2013.

Pede a concessão do efeito suspensivo ativo, e, ao final, o provimento do agravo.

O efeito suspensivo ativo requerido foi indeferido.

A parte agravada ofereceu contraminuta.

voto

Este o teor da fundamentação da decisão que indeferiu o requerimento de antecipação da tutela recursal formulado pela agravante:

Assim dispõe o caput do art. 558 do Código de Processo Civil:

Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idô-nea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

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A concessão do efeito suspensivo, como se nota, é medida excepcional (a regra continua sendo a de que o recurso de agravo não é dotado de efeito suspensivo – CPC, art. 497), a ser concedida em casos nos quais o cumprimento da decisão agravada possa causar lesão grave e de difícil reparação à parte.

Sua concessão demanda o preenchimento dos pressupostos das medidas caute-lares em geral: relevância da fundamentação (fumus boni iuris) e perigo de dano irreparável e de difícil reparação (periculum in mora).

O exame das alegações formuladas neste agravo de instrumento, contudo, não demonstra, ao menos inicialmente, a plausibilidade do direito invocado.

De fato, os autos revelam que o agravante foi incorporado às fileiras da Força Aérea Brasileira em 01.03.2005.

Foi promovido a Soldado de Primeira Classe em 13.11.2007.

Já em 2011, foi selecionado para realizar o Curso de Formação de Cabos, logran-do obter aprovação. Consta, à fl. 66, que em consequência da promoção a esta graduação, o militar ficaria engajado obrigatoriamente por dois anos (art. 25, § 1º, do Decreto nº 3.690/2000), observado o limite máximo de permanência no ser-viço ativo de oito anos, conforme estabelecido na Portaria nº 467/GC3/2010.

A contar de 27.02.2013, foi o agravante licenciado, ex officio, do serviço ativo, com fundamento na alínea a do § 3º do art. 121 da Lei nº 6.880/1980.

Assim dispõem os dispositivos normativos acima mencionados:

Lei nº 6.880/1980:

Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

§ 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada:

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio;

Portaria nº 467/GC3/2010, do Comando da Aeronáutica:

Art. 1º Fixar, para os militares que venham a ser incluídos no Quadro de Cabos da Aeronáutica (QCB), a partir da entrada em vigor desta Portaria, a prorrogação de tempo de serviço até o limite máximo de oito anos de efetivo serviço.

Parágrafo único. As prorrogações de tempo de serviço serão concedidas por períodos sucessivos de dois anos, exceto a prorrogação que implique em ul-trapassar o limite previsto no caput deste artigo, quando então deverão ser concedidas por períodos inferiores.

O que se percebe, portanto, é que o licenciamento ex officio do serviço ativo da Força Aérea dar-se-á em razão da conclusão do tempo de serviço, cujo limite máximo é de oito anos.

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Ainda que tenha havido prorrogação obrigatória por dois anos, como corolário da promoção à graduação de cabo, ela não pode ultrapassar o limite de dois anos, tal como determina, de forma explícita, o parágrafo único do art. 1º da Portaria nº 467/GC3/2010.

Ao contrário do quanto sustentado pelo agravante em sua petição recursal, não há falar-se que a mencionada Portaria nº 467 asseguraria o limite de oito anos de tempo de serviço exclusivamente na graduação de cabo.

De fato, a interpretação lógica do disposto em seu art. 1º evidencia a necessida-de de ser computado todo o período de serviço ativo, inclusive em graduações inferiores. Não fosse assim, restaria sem sentido a parte final do parágrafo único do art. 1º, naquilo em que prevê, caso necessário, a concessão de prorrogação por período inferior a dois anos, como forma de evitar seja ultrapassado o limite de oito anos de serviço ativo.

Ora, se a contagem dos oito anos somente tivesse início a partir da inclusão do militar no Quadro de Cabos, já na vigência da Portaria nº 467/2010, bastaria a concessão de quatro prorrogações de dois anos, sem que se pudesse cogitar de desbordo daquele parâmetro máximo.

A previsão do parágrafo único, portanto, pressupõe que o militar, ao ingressar no Quadro de Cabos, tenha computado o tempo de serviço anterior a esta gradua-ção, de forma a tornar necessário, em certos casos, que se prorrogue o tempo de engajamento por menos de dois anos, como forma de não ultrapassar o limite máximo de oito.

Importante consignar, por oportuno, que a menção feita no documento à fl. 66, de engajamento obrigatório por dois anos, não gera, à primeira vista, direito ad-quirido do militar de permanecer em serviço ativo por todo esse tempo, ainda que em prejuízo do período máximo previsto na legislação de regência. Incide, aí, o princípio da legalidade, a balizar a atuação do administrador público, opor-tunizando, inclusive, a revisão de seus próprios atos, com o intuito de adequá-los às normas jurídicas aplicáveis.

Percebe-se, por derradeiro, que o militar temporário da Aeronáutica, uma vez esgotado o prazo máximo de sua permanência no serviço ativo (oito anos no to-tal, consideradas todas as graduações por que passou), será licenciado ex officio, por força da lei (Lei nº 6.880/1980, art. 121, § 3º, a), não havendo necessidade de motivação adicional do ato administrativo de licenciamento. Nesse sentido, julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO LITERAL A DISPOSITIVO LEGAL – ERRO DE FATO – ART. 485, V E IX, DO CPC – INOCORRÊNCIA

Militar temporário da Aeronáutica. Permanência no serviço ativo pelo prazo fixado na legislação regente. Direito à permanência além do prazo legal não configurado.

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Esgotado o prazo de incorporação, não merece reparo o licenciamento do militar do serviço, que se opera ex vi legis, descarecendo de motivação a decisão que o dispensa.

Ação julgada improcedente.

(AR 1.125/RJ, 3ª S., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Julgado em 25.04.2001, DJ 29.10.2001, p. 180)

Não se verifica, à primeira vista, assim, ilegalidade no ato administrativo de licen-ciamento do agravante, a contar de 27.02.2013, levando-se em conta que sentou praça em 01.03.2005. Respeitou-se o limite máximo de oito anos de serviço ativo estabelecido na legislação de regência.

Posto isso, indefiro o pedido de antecipação da tutela recursal.

Assim, haja vista que o licenciamento ex officio do serviço ativo da Força Aérea ocorre em razão da conclusão do tempo de serviço, cujo limite máximo é de oito anos de efetivo serviço e, tendo o agravante permanecido no serviço ativo por tal prazo, não se verifica razão para sua reintegração.

Posto isso, nego provimento ao agravo de instrumento.

É o voto.

Nino Toldo Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

2917

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoDE publicado em 15.09.2014Apelação Cível nº 0011710‑53.2014.404.9999/SCRelator: Des. Federal Rogerio FavretoApelante: Marli Terezinha Gomes AlmeidaAdvogado: Liana Debora RamosApelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional da PFE‑INSS

eMentA

PREVIDENCIÁRIO – CONCESSÃO DE BENEFÍCIO – AUXÍLIO-DOENÇA – NULIDADE – DÚVIDAS SOBRE A CONCLUSÃO DO PERITO JUDICIAL – NOVA PROVA COM PERITO DIVERSO DETERMINADA

Evidenciada a insatisfação da segurada com o trabalho do perito, que traz conclusão idêntica às exaradas em outros feitos, nos quais não subsisti-ram as provas técnicas por ele produzidas, e sobressaindo a existência de dúvidas e prejuízo à Segurada, deve o Julgador agir com cautela e determinar a realização de nova perícia.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, dar parcial provimento à apelação a fim de anular a sentença e determi-nar o retorno dos autos à origem para a realização de nova perícia, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 02 de setembro de 2014.

Desembargador Federal Rogerio Favreto Relator

relAtórIo

Trata-se de ação ordinária ajuizada contra o INSS visando à concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em favor da parte Autora.

A sentença julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:

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“Ante o exposto, resolvo o mérito da presente ação previdenciária, desacolhendo o pedido da autora, o que faço com fulcro no art. 269, inc. I, do Código de Pro-cesso Civil” (fl. 107, Juiz de Direito Maycon Rangel Favareto).

Apela, a parte autora, sustentando, em síntese, restar demonstrado o pre-enchimento dos requisitos legais suficientes à concessão dos benefícios postu-lados, especialmente no que toca à incapacidade laboral. Sucessivamente, pede a realização de nova perícia médica judicial com especialista nas enfermidades da autora.

Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

É o breve relatório.

voto

DA REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIANo presente feito, a prova técnica foi realizada pelo Perito Dr. Shálako

Torrico Rodriguez, tendo sido conclusiva pela ausência de incapacidade labo-ral da autora, nos seguintes termos:

“Contudo, da avaliação clínica e equiparação com os exames apresentados [...] foram encontrados alterações degenerativas fisiológicas e compatíveis com a idade sem o comprometimento neurológico ou funcional. Assim como, a parte se encontra com musculatura hígida amplitude dos movimentos dos membros inferiores e superiores sem limitação e ausência de sinais neurológicos compatí-veis com incapacidade. O que acarreta na ausência de incapacidade para suas atividades laborais” (fl. 95).

Não obstante anterior entendimento da Turma no sentido de que a ques-tão relativa ao registro da especialidade médica do Perito Dr. Shálako Torrico Rodriguez já estava superada e que, se o perito vinha agindo em desconformi-dade com os preceitos éticos e morais de sua profissão, sobressaindo eventual desídia do médico, a questão deveria ser verificada e encaminhada ao Conse-lho Regional de Medicina de Santa Catarina ou ao Ministério Público, houve substancial mudança de posicionamento, quando do julgamento da Apelação nº 0010131-75.2011.404.9999, em decorrência do Voto Vista vencedor prola-tado pelo i. Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior.

Com efeito, naquela oportunidade, com base em exame de farta docu-mentação sobre o médico Shálako Rodrigues Torrico, em especial de laudos periciais originários de outras ações, em comparação com o resultado das mes-mas, a Turma entendeu pela presença de fatores que traziam dúvidas se a pe-rícia esclarecia suficientemente qual a condição de saúde da Autora, situação, esta, que autoriza o Julgador a determinar a realização de nova perícia, com fulcro no art. 437 do CPC.

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA .......................................................................................................193

Assim, foram considerados diversos fatores que trouxeram insegurança sobre as conclusões periciais, que podem ser assim resumidos: a) existiam pro-vas que traziam dúvidas ao Julgador acerca das conclusões do perito, b) havia inconformidade da parte autora (a ponto de apresentar quesitos sobre a vida do perito) que culminou com um desvio de foco da perícia, tanto que o perito prestou esclarecimentos preliminares voltados a questões particulares e que po-dem ter provocado desconforto ao profissional e prejuízo ao autor; c) a forma utilizada pelo perito para explicar a condição de saúde do autor foi exatamente a mesma de outros laudos, que foram desconsiderados porque controvertidos por novos laudos; d) as dúvidas surgidas exigiam que o Julgador agisse com cautela para garantia de um julgamento justo; e) e, por fim, de tudo isso resul-tou a fragilidade da perícia, que não poderia servir de base para decidir sobre a incapacidade laboral da parte Autora.

Nesse sentido, a ementa do r. Julgado:

“PREVIDENCIÁRIO – AUXÍLIO-ACIDENTE – AUXÍLIO-DOENÇA – APOSENTA-DORIA POR INVALIDEZ – PERÍCIA MÉDICA – DÚVIDAS SOBRE A CONCLU-SÃO DO PERITO ACERCA DA CAPACIDADE – NECESSIDADE DE REALIZAR NOVA PROVA PERICIAL COM NOVO MÉDICO PERITO – ART. 437 DO CÓDI-GO DE PROCESSO CIVIL

Hipótese em que o segurado não está satisfeito com o trabalho do perito porque houve outros casos em que este médico concluiu pela ausência de doença in-capacitante e outro médico especialista concluiu pela presença de doença inca-pacitante.

A existência de dúvidas impõe ao julgador que aja com a cautela necessária para garantia de um julgamento justo, tomando as providências cabíveis no sentido de saná-las, principalmente quando a situação do momento é desfavorável ao segurado (parte hipossuficiente da relação).

Presentes fatores que trazem dúvidas se a perícia esclarece suficientemente qual é a condição de saúde do segurado, situação que autoriza o julgador, em âmbito discricionário de atuação, a determinar a realização de nova perícia (art. 437 do Código de Processo Civil).

Anulada a sentença e determinado o retorno dos autos à origem para realização de nova perícia.”

Desta forma, com base em tais relevantes argumentos, filio-me ao en-tendimento de que, no caso dos autos, em que houve a atuação do Perito Dr. Shálako Rodrigues Torrico nos mesmos moldes demonstrados no precedente acima citado, deve ser determinada a anulação da sentença, com o retorno dos autos à origem para a realização de nova prova técnica.

CONCLUSÃOProvida parcialmente a apelação para anular a sentença e determinar o

retorno dos autos à origem a fim de ser realizada nova prova técnica.

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DISPOSITIVOAnte o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação a fim de

anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para a realização de nova perícia.

Desembargador Federal Rogerio Favreto Relator

eXtrAto de AtA dA sessão de 02.09.2014

Apelação Cível nº 0011710-53.2014.404.9999/SC

Origem: SC 05002547420138240014

Relator: Des. Federal Rogerio Favreto

Presidente: Rogerio Favreto

Procurador: Dra. Maria Hilda Marsiaj Pinto

Apelante: Marli Terezinha Gomes Almeida

Advogado: Liana Debora Ramos

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria Regional da PFE-INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 02.09.2014, na sequência 219, disponibilizada no DE de 13.08.2014, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação a fim de anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem para a realização de nova perícia.

Relator Acórdão: Des. Federal Rogerio Favreto

Votante(s): Des. Federal Rogerio Favreto Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Lídice Peña Thomaz Diretora de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

2918

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal José Maria LucenaApelação Cível nº 550714/SE 0003259‑86.2010.4.05.8500Apte.: Deso – Companhia de Saneamento de SergipeAdv./Proc.: Emerson Dantas de Menezes e outroApte.: Sanvel Hotéis e Pousada Ltda. (Hotel D’Burguês)Adv./Proc.: Ricardo Santana BispoApdo.: UniãoOrigem : 3ª Vara Federal de Sergipe (Competente p/ Execuções Penais)Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena

eMentA

APELAÇÕES – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO AMBIENTAL – HOTEL – PRAIA – SISTEMA DE TRATAMENTO SANITÁRIO – INTERLIGAÇÃO – RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – FATO SUPERVENIENTE – ACOLHIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO DA DESO – EXCLUSÃO DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO – DEMAIS CONDENAÇÕES CONTRA O RÉU DIVERSO – OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – LANÇAMENTO DE DEJETOS – OBRIGAÇÃO DE FAZER – RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA

1. A ação civil pública foi proposta pela União contra a Companhia de Saneamento de Sergipe – Deso e a Sanvel Hotéis e Pousada Ltda. com o intuito de ver interligado o Hotel D’Burguês à rede pública de esgoto em conformidade com o Projeto Orla-Legal. Segundo a autora, o empreendi-mento hoteleiro estaria lançando direta e ilegalmente na galeria de águas pluviais e, posteriormente, para a praia de Orlinha da Coroa do Meio/SE os dejetos sanitários.

A sentença julgou procedente a demanda nesses termos: “Posto isso, jul-go procedentes os pedidos para determinar o seguinte: a) à Deso que disponibilize e viabilize, no prazo de 30 (trinta) dias, acesso ao Hotel D’Burguês à sua rede de esgoto, sob pena de multa diária no impor-te de R$ 1.000,00 (hum mil reais); b) ao Hotel D’Burguês que paralise, imediatamente, o lançamento de dejetos sanitários fora da rede esgoto; c) ao Hotel D’Burguês que cumpra obrigação de não fazer, consistente em doravante abster-se de despejar efluentes, ou qualquer outro resíduo, diretamente no solo, em fossas sépticas ou sumidouros ou na rede de águas pluviais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais); d) ao Hotel D’Burguês que recupere a área degradada, procedendo à

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completa remoção das fossas negras existentes, no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir do término do prazo constante do item ‘a’, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais). Conde-no os réus ao pagamento das custas processuais, na proporção de 70% (setenta por cento) para o hotel requerido e 30% (trinta por cento) para a Deso, observando-se o percentual de sucumbência de cada litisconsorte. Condeno-os também ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados estes em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, na mesma proporção mencionada acima.”

2. A ação foi ajuizada em 2010 e em março de 2012 o Hotel D’Burguês passou a utilizar a rede pública da Deso pelo sistema de emissário por recalque (bombeamento). A própria companhia de saneamento afirma no referido documento: “Esta solução é provisória até a entrada em ope-ração da rede coletora da Sub-bacia CM-2 que está em fase de implan-tação pela Deso-DT.” Com base nesse fato superveniente à propositura, resta desconfigurada a hipótese de litisconsórcio passivo necessário com o Hotel, pois a concessionária do serviço público de saneamento está im-plementando na seara administrativa a solução definitiva do problema. Outrossim, o comando judicial de viabilizar o acesso à rede de esgoto em 30 (trinta) dias não leva em consideração o cronograma do projeto de implantação da Deso, tendo sido fixado em abstrato. Quanto às demais obrigações de fazer e não fazer, elas se dirigem unicamente ao Hotel. Coerente com o esposado, exclui-se a Deso da lide.

3. O Hotel D’Burguês, ao menos desde 2010 até março de 2012, não estava interligado à rede pública de esgoto. Esse fato é incontroverso. Ele próprio apresentou atestado de inviabilidade técnica de esgotamen-to sanitário a afirmar que essa interligação dependia da conclusão pela Deso das obras da rede de coleta e tratamento Sub-Bacia 5/18. Por outro lado, afirma-se ter usado um “poço de visita” da Prefeitura Municipal, após tratar os dejetos, sem direcionamento para a praia, e ter contratado uma empresa particular para a coleta dos resíduos oriundos das fossas sépticas. Arremata a sua defesa sustentando inexistir prova de qualquer dano ambiental.

4. Cabe apresentar um pequeno histórico: a) o contrato de coleta e trans-porte de resíduos sanitários foi assinado em 02 de maio de 2010, enquan-to a AGU havia notificado o Hotel em 02 de fevereiro daquele ano. Isso representa um indício plausível de que a contratação apenas ocorreu em virtude da fiscalização, presumindo-se o efetivo dano ambiental; b) não há prova de utilização e existência do “poço de visita”; c) somente em audiência judicial, no dia 13 de abril de 2011, o Hotel se manifestou no sentido de que iria apresentar um projeto técnico até o dia 16 de maio de 2011. A Deso afirmou em audiência realizada no dia 15 de junho, to-davia, que “não houve apresentação de projeto, e sim um amontoado de

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papéis fazendo de conta que é um projeto, [...]”; d) finalmente, um julho de 2011, o réu apresentou o projeto de ligação de esgotamento sanitário ao Deso, tendo sido aprovado.

5. Devem ser mantidas as obrigações de não fazer e fazer, tanto para evitar que sejam lançados dejetos sanitários sem a utilização do sistema de emissário por recalque (bombeamento), até a entrada em operação da rede coletora da Sub-bacia CM-2, quanto para que sejam recuperada a área degradada, procedendo-se à completa remoção das fossas negras eventualmente existentes. Frise-se que, em relação ao dano ambiental, a cronologia dos fatos embasa a presunção de ao menos ter ocorrido. Sabemos que no Direito Ambiental há a inversão do ônus de prova, impondo-se ao agente poluidor comprovar a ausência de tal dano. Em suma, apenas na fase de cumprimento de sentença poderá se investigada a realidade fática atual, cabendo ao Hotel demonstrar com parecer téc-nico a inexistência de fossas negras e a completa recuperação da área geográfica de sua responsabilidade.

6. No tocante ao ônus sucumbencial, determina-se que a Sanvel Hotéis e Pousada Ltda. arque integralmente com as custas judiciais, bem como com os honorários advocatícios, reduzindo-os para R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos monetariamente a partir da data de publicação deste decisório.

7. Manutenção integral da sentença guerreada em seus itens “c” e “d” do dispositivo.

Apelação da Deso provida. Apelação da Sanvel Hotéis e Pousada Ltda. parcialmente provida.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento integral à apelação da Deso e dar parcial provi-mento à apelação da Sanvel Hotéis e Pousada Ltda., nos termos do relatório e voto constantes dos autos que integram o presente julgado.

Recife, 30 de outubro de 2014 (data do Julgamento).

José Maria Lucena, Relator

relAtórIo

O Desembargador Federal José Maria Lucena (Relator):

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A Companhia de Saneamento de Sergipe – Deso e a Sanvel Hotéis e Pou-sada Ltda. (Hotel D’Burguês) interpõem apelações, fls. 456/464 e fls. 467/745, respectivamente, contra sentença da lavra do MM. Juiz Federal Edmilson da Silva Pimenta, da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe, proferida na Ação Civil Pública nº 0003259-86.2010.4.05.8500, fls. 444/452.

A ação foi proposta pela União contra os dois ora apelantes com o intuito de ver interligado o mencionado hotel à rede pública de esgoto em conformi-dade com o Projeto Orla-Legal. Segundo a autora, o empreendimento hoteleiro estaria lançando direta e ilegalmente na galeria de águas pluviais e, posterior-mente, para a praia de Orlinha da Coroa do Meio/SE os dejetos sanitários.

A sentença julgou procedente a demanda nesses termos:

Posto isso, julgo procedentes os pedidos para determinar o seguinte:

a) à Deso que disponibilize e viabilize, no prazo de 30 (trinta) dias, acesso ao Hotel D’Burguês à sua rede de esgoto, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (hum mil reais);

b) ao Hotel D’Burguês que paralise, imediatamente, o lançamento de dejetos sanitários fora da rede esgoto;

c) ao Hotel D’Burguês que cumpra obrigação de não fazer, consistente em dora-vante abster-se de despejar efluentes, ou qualquer outro resíduo, diretamente no solo, em fossas sépticas ou sumidouros ou na rede de águas pluviais, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais);

d) ao Hotel D’Burguês que recupere a área degradada, procedendo à completa remoção das fossas negras existentes, no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir do término do prazo constante do item “a”, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Condeno os réus ao pagamento das custas processuais, na proporção de 70% (setenta por cento) para o hotel requerido e 30% (trinta por cento) para a Deso, observando-se o percentual de sucumbência de cada litisconsorte.

Condeno-os também ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados estes em R$ 3.000,00 (três mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, na mesma proporção mencionada acima.

Relatei.

voto

O Desembargador Federal José Maria Lucena (Relator):

A ação foi ajuizada em 2010 e em março de 2012 o Hotel D’Burguês passou a utilizar a rede pública da Deso pelo sistema de emissário por recalque

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(bombeamento). A própria companhia de saneamento afirma no referido docu-mento: “Esta solução é provisória até a entrada em operação da rede coletora da Sub-bacia CM-2 que está em fase de implantação pela Deso-DT.” Com base nesse fato superveniente à propositura, julgo por desconfigurada a hipótese de litisconsórcio passivo necessário com o Hotel, pois a concessionária do serviço público de saneamento está implementando na seara administrativa a solução definitiva do problema. Outrossim, o comando judicial de viabilizar o acesso à rede de esgoto em 30 (trinta) dias não leva em consideração o cronograma do projeto de implantação da Deso, tendo sido fixado em abstrato. Quanto às demais obrigações de fazer e não fazer, elas se dirigem unicamente ao Hotel. Coerente com o esposado, excluo a Deso da lide.

De outro giro, considerando tal exclusão, isso afetará a sucumbência, tema ao qual retornarei ao fim da análise de mérito.

Quanto ao cerne da controvérsia, o Hotel D’Burguês, ao menos desde 2010 até março de 2012, não estava interligado à rede pública de esgoto.

Esse fato é incontroverso. Ele próprio apresentou atestado de inviabilida-de técnica de esgotamento sanitário a afirmar que essa interligação dependia da conclusão pela Deso das obras da rede de coleta e tratamento Sub-Bacia 5/18, cf. fl. 58. Por outro lado, afirma-se ter usado um “poço de visita” da Prefeitura Municipal, após tratar os dejetos, sem direcionamento para a praia, e ter con-tratado uma empresa particular para a coleta dos resíduos oriundos das fossas sépticas. Arremata a sua defesa sustentando inexistir prova de qualquer dano ambiental, cf. contestação às fls. 80/89.

Cabe apresentar um pequeno histórico: a) o contrato de coleta e transpor-te de resíduos sanitários foi assinado em 02 de maio de 2010, fl. 89, enquanto a AGU havia notificado o Hotel em 02 de fevereiro daquele ano, fl. 24. Isso representa um indício plausível de que a contratação apenas ocorreu em virtude da fiscalização, presumindo-se o efetivo dano ambiental; b) não há prova de utilização e existência do “poço de visita”; c) somente em audiência judicial, no dia 13 de abril de 2011, o Hotel se manifestou no sentido de que iria apre-sentar um projeto técnico até o dia 16 de maio de 2011, cf. fls. 235/255. A Deso afirmou em audiência realizada no dia 15 de junho, todavia, que “não houve apresentação de projeto, e sim um amontoado de papéis fazendo de conta que é um projeto, [...]”, fl. 257; d) finalmente, um julho de 2011, o réu apresentou o projeto de ligação de esgotamento sanitário ao Deso, tendo sido aprovado, fls. 266/300.

Essas informações colhidas nos autos me convencem a manter a sen-tença quanto às obrigações de não fazer e fazer, tanto para evitar que sejam lançados dejetos sanitários sem a utilização do sistema de emissário por recal-que (bombeamento), até a entrada em operação da rede coletora da Sub-bacia

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CM-2, quanto para que sejam recuperada a área degradada, procedendo-se à completa remoção das fossas negras eventualmente existentes. Frise-se que, em relação ao dano ambiental, a cronologia dos fatos embasa a presunção de ao menos ter ocorrido. Sabemos que no Direito Ambiental há a inversão do ônus de prova, impondo-se ao agente poluidor comprovar a ausência de tal dano. Em suma, apenas na fase de cumprimento de sentença poderá se investigada a realidade fática atual, cabendo ao Hotel demonstrar com parecer técnico a inexistência de fossas negras e a completa recuperação da área geográfica de sua responsabilidade.

Para encerrar, no tocante ao ônus sucumbencial, determino que a Sanvel Hotéis e Pousada Ltda. arque integralmente com as custas judiciais, bem como com os honorários advocatícios, reduzindo-os para R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos monetariamente a partir da data de publicação deste decisório.

Em síntese, mantenho a sentença guerreada em seus itens “c” e “d”.

Apelação da Deso provida e apelação da Sanvel Hotéis e Pousada Ltda. parcialmente provida.

Assim voto.

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

2919 – Ação popular – contrato de financiamento público – superfaturamento – suspeita – dano ao patrimônio público – existência

“Ação popular preventiva. Contrato de financiamento público com suspeita de superfaturamento. Sentença de parcial procedência do pedido (remessa oficial dada por interposta). Preliminares (ca-rência de ação e ofensa ao princípio da congruência) afastadas. Decisão de mérito coerente com o contexto probatório dos autos. Sentença de parcial procedência mantida. Recurso voluntário desprovido. 1. Ação Popular Preventiva motivada pelo financiamento aprovado no âmbito do Ins-tituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no valor de R$ 3.940.000,00, em favor da Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados de Reforma Agrária do Pontal Ltda. (Cocamp), ligada ao Movimento dos Sem Terra (MST), para aquisição de uma fecularia e de dez caminhões, sob suspeita de superfaturamento. 2. Constatado que a fecularia, além de possuir dívidas fiscais, era alvo de duas execuções movidas pelo Banco do Estado de São Paulo S/A (Banespa), hoje sucedido pelo Banco Santander (Brasil) S/A, perante a Justiça Estadual, onde teve os bens móveis e imóveis penhorados. Ou seja, eventual alienação dos bens penhorados configuraria fraude à execução, nos termos do art. 593 do Código de Processo Civil. 3. A lesividade e a ilegalidade do ato administrativo impugnado estão estampadas nos autos, não havendo que se cogitar da carência de ação. Ademais, a Ação Popular, modernamente, é tida como instrumento de defesa da moralidade administrativa, o que se coaduna com perfeição à situação relatada, envolvendo a possível malversação de recursos públicos na ordem de R$ 3.940.000,00. Prece-dentes do C. STJ (AgRg-REsp 1378477/SC, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Julgado em 11.03.2014, DJe 17.03.2014; AgRg-SLS 1.353/PI, Corte Especial, Rel. Min. Ari Pargendler, Julgado em 12.05.2011, DJe 17.08.2011). 4. Afastada a alegação de ofensa ao principio da congruência. Consta na inicial pedido subsidiário de declaração de invalidação dos atos impugnados, o que condiz com a sentença exarada em primeiro grau de jurisdição, baseada na evolução dos fatos e consequentes implicações jurídicas (STJ, REsp 814.710/MS, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Julgado em 21.11.2006, DJ 01.02.2007). Ademais, a situação fática subjacente foi-se alterando ao longo do processo, de modo que a sentença foi proferida conforme a regra do art. 462 do CPC. 5. No mérito: é correta a conclusão de que a ameaça de dano ao patrimônio público se evidencia mais pela precária situação financeira da fecularia (amplamente sucateada) do que pelo superfa-turamento, deduzido a partir do cotejo das informações carreadas aos autos. Notória insolvência da empresa que se pretendia adquirir com recursos públicos, envolvida em múltiplas execuções; prévia arrematação por terceiro do terreno da sede da firma; penhora sobre os bens móveis e pen-dências judiciais e fiscais existentes; sucateamento da empresa: tudo desaconselhando o financia-mento com verbas públicas pretendido pela apelante. 6. Sentença de parcial procedência mantida. Recurso voluntário e remessa oficial desprovidos.” (TRF 3ª R. – AC 1203547-30.1997.4.03.6112/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 03.10.2014)

2920 – Contrato administrativo – execução – atraso injustificado – multa – aplicação – possi-bilidade – pagamentos devidos – retenção – descabimento

“Administrativo. Contrato administrativo. Atraso na execução contratual injustificada. Penalidade de multa. Possibilidade. Retenção dos pagamentos devidos ao apelante. Descabimento. Remessa e apelação cível desprovidas. 1. A presente questão cinge-se sobre a legalidade da sanção de multa imposta ao apelante, devido ao descumprimento do prazo inicial da execução do Contrato Administrativo nº 066/2012, celebrado com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, cujo objeto é a contratação de serviço de transporte urbano de cargas. 2. O apelante aduz que não iniciou a execução contratual no prazo acordado devido a fatos alheios à sua vontade. Argumenta que o grande aumento nas vendas dos automóveis que seriam usados para o serviço licitado, pro-vocado pela redução do IPI e acentuada queda nas taxas de juros de financiamento, culminou no

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atraso nas entregas dos veículos pelos fornecedores. Diante disso, o contratado não conseguiu ini-ciar a execução do serviço na data acordada, requerendo a dilação do prazo inicial da indigitada atividade de transporte de cargas. 3. A alegação de descumprimento de cláusula contratual, devido às dificuldades encontradas pelo contratado, não merece acolhida. O requerente tinha conheci-mento das especificações contratuais, quando decidiu participar do certame licitatório. Eventuais dificuldades existentes deveriam ter sido devidamente mensuradas no momento da inscrição na licitação, o que de fato não ocorreu. 4. Com o atraso na execução contratual, a contratante impôs pena de multa a empresa contratada, sendo certo que, não ocorrendo nenhuma irregularidade e estando a penalidade dentro dos limites da razoabilidade, não cabe o Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo da punição imposta. Penalidade de multa, neste caso, possui previsão contratual e autorização legal, conforme arts. 86 e 87 da Lei nº 8.666/1993. 5. Cabe reconhecer a ilegalidade da retenção dos pagamentos devidos ao recorrente, ante os termos do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.666/1993, que somente admite tal medida quando a multa ultrapassar o valor da garantia prestada. 6. Remessa necessária e apelação cível desprovidas.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2013.51.01.110634-0 – (609365) – 8ª T.Esp. – Rel. Guilherme Diefenthaeler – DJe 23.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação cível interposta pelo Grupo Winginesk Ltda. – EPP contra sentença que jul-gou parcialmente procedente o mandamus em face de ato do Diretor Regional da Empresa Bra-sileira de Correios e Telégrafos – ECT, afirmando ser legal a sanção imposta ao apelante, devendo a apelada se abster de reter os pagamentos dos serviços prestados no âmbito do Contrato Admi-nistrativo nº 066/2012. O objeto da contratação era o serviço de transporte urbano de cargas.

O apelante, em suas razões, sustenta que não conseguiu cumprir os prazos contratuais por razões alheias à sua vontade, eis que os veículos comprados foram entregues com atraso pelos fabricantes. Enfatiza que há amparo legal para o pedido de prorrogação do prazo de início da execução do objeto contrato. Ao final, afirma que há falta de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação de pena de multa.

Ao analisar o recurso, a 8ª Turma Especializada do TRF 2ª Região entendeu que os argumentos da apelante não merecem acolhimento, pois a mesma não apresentou justificativas plausíveis para o descumprimento da cláusula contratual. Além disso, o próprio contrato trazia a previsão da aplicação de multa, em caso de atraso na execução.

Não bastasse isso, a própria Lei nº 8.666/1993 prevê, no seu art. 86, in verbis, a penalidade de multa em caso de demora no adimplemento do acordo celebrado:

“Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.

§ 1º A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.

§ 2º A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.

§ 3º Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, respon-derá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.”

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] O aquecimento nas vendas de automóveis já era fato notório antes mesmo do procedimento licitatório, não sendo motivo que justifique a dilação do prazo dos serviços a serem prestados. Nesse ponto, bem destaca o Juiz a quo (fl. 204): ‘A justificativa aduzida para a demora no início do serviço contratado não foi suficiente para caracterizar a imprevisibilidade do evento ou a sua ausência de culpa, eis que a redução da alíquota do IPI incidente sobre os veículos automotores e a acentuada queda nas taxas de juros dos financiamentos foi amplamente divulgada pela im-prensa, em período anterior à licitação que resultou na contratação em pauta’.

Ademais, as duas propostas de orçamento foram feitas em 18.07.2012 e 02.08.2012 (fls. 135/140), ou seja, um mês após o início da vigência do contrato, o que seria um dos moti-vos da impossibilidade da entrega dos bens em tempo hábil.

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O apelante tinha conhecimento das especificações contratuais, quando decidiu participar do certame licitatório. Eventuais dificuldades existentes deveriam ter sido devidamente mensuradas no momento da inscrição na licitação, o que de fato não ocorreu. O que se vislumbra é um mau planejamento da empresa, pois não procurou conhecer, de antemão, possíveis problemas para o cumprimento contratual. Tal fato ainda gerou dano ao contratante, que teve que arcar com os custos dos transportes de suas cargas nesse período em que houve o indigitado inadimplemento contratual.

[...]

No presente caso, com o atraso na execução contratual, a contratante impôs pena de multa à re-corrente, sendo certo que, não ocorrendo nenhuma irregularidade e estando a penalidade dentro dos limites da razoabilidade, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo da punição imposta de forma proporcional e razoável, tendo como base a cláusula oitava, itens 8.1.2.1, ‘b’, e 8.1.2.2, ‘a’, do indigitado contrato (fl. 156/157):

‘8.1.2. Multa: Aplicada nos seguintes casos:

8.1.2.1. Multa de mora:

b) Atraso injustificado no início da execução dos serviços contratados em relação ao prazo fixado nas condições Específicas deste Instrumento: 0,1% (um décimo por cento) sobre o valor global atualizado deste Instrumento, por dia de atraso, até o limite de 30 (trinta) dias úteis;

[...].’

‘8.1.2.2. Demais Multas:

a) Por inexecução do serviço contratado, caracterizado após o limite de prazo constante na alínea b, do subitem 8.1.2.1 deste instrumento: 10% (dez por cento) sobre o valor global atualizado deste instrumento, quando poderá ensejar a rescisão contratual;

[...].’”

2921 – Desapropriação – imóvel – avaliação extrajudicial – consentimento – ausência – perí-cia judicial – realização

“Agravo de instrumento. Ação de desapropriação. Avaliação extrajudicial do imóvel desapropriado. Ausência de consentimento dos expropriados.Realização de perícia judicial. Observância ao art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Se do valor atribuído ao imóvel desapropriado, por meio de avaliação unilateral, não restar a concordância expressa de todos os expropriados, torna-se necessária a realiza-ção de perícia judicial, a fim de se garantir a prévia e justa indenização em cumprimento a expresso preceito constitucional (art. 5º, XXIV, CF). Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TJGO – AI 201491427442 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Gerson Santana Cintra – DJe 23.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; [...]”

2922 – Direito eleitoral – propaganda eleitoral irregular – período vedado

“Representação. Propaganda eleitoral irregular. Período vedado. Preliminar de ilegitimidade ati-va rejeitada. Cerceamento de defesa não caracterizado. Proibição de divulgação de publicidade institucional nos três meses que antecedem ao pleito eleitoral. Recurso improvido. 1. A legislação eleitoral proíbe a veiculação de propaganda institucional nos três meses que antecedem ao pleito eleitoral para garantir o equilíbrio das eleições e para vedar a utilização da ‘máquina administra-tiva’ com fins eleitoreiros. 2. Recurso a que se conhece e nega provimento.” (TREGO – RP 1321-27.2014.6.09.0000 – (15025/2014) – Rel. Juiz Rodrigo de Silveira – DJe 08.10.2014)

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2923 – Ensino – candidato – inscrição no Enem – indeferimento – taxa – pagamento – compro-vação – ausência – mero agendamento – indenização indevida

“Administrativo. Processual civil. Inscrição no Enem. Indeferimento. Ação ordinária cumulada com perdas e danos em desfavor do Inep e do Banco do Brasil. Candidato que não apresentou comprovação do pagamento da taxa de inscrição no Enem, mas sim mero agendamento bancário junto ao Banco do Brasil. Requisito da inscrição não atendido. Sentença que extinguiu o feito sem julgamento do mérito em relação ao Banco do Brasil (art. 267, IV, do CPC) e julgou improcedente o pedido em desfavor do Inep. Manutenção. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0013293-59.2010.4.05.8100 – (556851/CE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 14.11.2013 – p. 368)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação interposta em desfavor do Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira e do Banco do Brasil/AS em face de sentença proferida nos autos de ação ordinária, na qual o autor almejava o reconhecimento do pagamento da taxa de inscrição para efetivação desta no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem e a participação nas provas realizadas nos dias 06 e 07.11.2010, extinguindo o feito sem resolução do mérito em relação ao Banco do Brasil S/A e julgando improcedentes os pedidos deduzidos em desfavor do Inep.O apelante alega que se trata de responsabilidade objetiva, sendo desnecessária a verificação de culpa do agente causador do dano, bastando a comprovação do dano e do nexo causal entre esse e a conduta do agente.Relata que deu ciência, a todo o momento, ao Inep de que havia realizado o pagamento junto ao Banco do Brasil e, mesmo assim, este ficou inerte.Preliminarmente, a 4ª Turma do TRF 5ª Região entendeu que o recurso será conhecido no âmbito da Justiça Federal somente no que tange ao Inep, já no tocante ao Banco do Brasil, cabe ao autor, ora apelante, se persistir o seu interesse, propor na Justiça Estadual a ação que entender necessária.Após essa afirmação, adentrou ao mérito do caso e afirmou que a efetivação da inscrição do apelante somente não ocorreu por ausência de comprovação do pagamento, sendo apresentado apenas o comprovante de agendamento bancário.Sustentou que não houve comprovação do nexo causal entre a conduta do Inep e o dano sofrido pelo apelante, já que aquela não pode ser responsabilizada por eventual falha na prestação do serviço pelo Banco do Brasil. Por fim, negou provimento à apelação, adotando as razões da decisão a quo.Destacamos o seguinte trecho da decisão recorrida, usada como fundamento para o voto do Relator: “Os autos registram, e é verdade, que a não efetivação da inscrição do candidato-autor no cer-tame se deu pela ausência de comprovação, junto ao Inep, do pagamento da taxa respectiva, obrigação do autor, não havendo que se falar em regularidade do processamento da mesma, ou ilegalidade no seu indeferimento.No pertinente ao pedido de danos morais, registro que para sua caracterização, mister se faz necessária a verificação de lesão ao patrimônio imaterial da vítima. A responsabilidade civil objetiva, para ser reconhecida, exige a configuração dos seus elementos clássicos: conduta, dano e nexo causal. Não será qualquer sofrimento ou angústia, portanto, suficiente para ensejar a correspondente indenização. Sendo assim, a sensibilidade extremada do indivíduo ou o mero aborrecimento não poderão embasar eventual condenação.No caso, não restou comprovado o nexo causal entre a conduta do Inep e o eventual dano sofri-do pelo autor, já que a não efetivação da inscrição do candidato-autor no certame se deu pela ausência de comprovação de pagamento da taxa pertinente, atividade de responsabilidade do eixo autor/instituição bancária, não podendo a instituidora do certame vir a ser responsabilizada por eventual falha na prestação do serviço pelo Banco do Brasil S/A, que segundo alegado na inicial, não efetivou pagamento agendado, causando a não-inscrição do autor no Enem/2010, fato, como dito, a ser questionado através de ação pertinente, no juízo competente.”Colacionamos o julgado a seguir que ilustra a responsabilidade da instituição financeira no que tange ao não processamento do agendamento bancário:

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“ADMINISTRATIVO – EXAME DE ORDEM – INSCRIÇÃO – INDEFERIMENTO – PAGAMENTO – INOCORRÊNCIA – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – RESPONSABILIDADE – A quitação do título cujo agendamento foi efetivado nos nominados terminais de auto-atendimento deve ser efetivada quando na conta-corrente existe saldo suficiente para satisfazer o débito. Persiste o dever de indenizar da instituição financeira quando não constatada a culpa exclusiva do consumidor. O ressarcimento deve incluir o dano material comprovado e o dano moral. Montante do dano moral dosado em cifra capaz de atenuar o sentimento de angústia suportado pelo consumidor e capaz de acautelar a renovação da conduta pelo ofensor, considerado ainda a culpa concorrente da vítima. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Apelação parcialmente provida.” (TRF 4ª R., AC 0021303-83.2008.404.7100/RS, 4ª T., Relª Juíza Fed. Marina Vasques Duarte de Barros Falcão, DJe 05.11.2010, p. 662) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 110000132937. Acesso em: 19 nov. 2013)

2924 – Improbidade administrativa – bar – funcionamento irregular – poder público – ciência – fiscalização e autuação – ausência – dolo ou má-fé – não constatação

“Apelação cível. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Funcionamento irre-gular de bar. Ciência do poder público. Ausência de fiscalização e autuação. Não constatação de dolo ou má-fé. Improbidade administrativa não caracterizada. 1. A ausência de provas concretas e robustas sobre a existência e funcionamento do bar e da ciência inequívoca do Poder Público sobre o funcionamento irregular do estabelecimento impedem a caracterização de atos de impro-bidade. 2. Enunciado nº 10 das Câmaras de Direito Público: ‘Faz-se necessária a comprovação do elemento subjetivo de conduta do agente para que se repute seu ato como de improbidade administrativa (dolo, nos casos dos arts. 11 e 9º e, ao menos, culpa nos casos do art. 10 da Lei nº 8.429/1992). Recurso não provido.” (TJPR – AC 1217506-3 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Nilson Mizuta – DJe 10.10.2014)

Observação Editorial SÍNTESESelecionamos os julgados abaixo no mesmo sentido:“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LEI Nº 8.429/1992 – PRES-TAÇÃO DE CONTAS EXTEMPORÂNEA – AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO NECESSÁRIO À CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE – 1. A jurisprudência do eg. STJ e deste Tribunal firmou-se no sentido de que é necessária a comprovação de dolo ou má-fé para a condenação por ato de improbidade administrativa, inserto no inciso VI do art. 11 da Lei nº 8.429/1992, consistente em deixar de apresentar contas quando esteja o agente público obrigado a fazê-lo. 2. No caso dos autos, não se verifica a presença de dolo ou má-fé. Embora a prestação de contas relativa aos valores percebidos pelo requerido no exercício de 2003 tenha sido apre-sentada intempestivamente, as contas foram devidamente prestadas e as despejas justificadas. 3. Recurso improvido.” (TRF 1ª R. – AC 0006609-45.2007.4.01.3700/MA – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – DJe 10.10.2014 – p. 916) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 107000520646. Acesso em: 10.10.2014)“RECURSOS DE APELAÇÃO E EX OFFICIO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRETENSÃO DE APLI-CAÇÃO DAS PENAS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Servidora foi contratada para cargo chefe de enfermagem em comissão sem a realização de concurso público, mas com base em Lei municipal. Provas constantes dos autos demonstrando que as atividades desenvol-vidas pela servidora são de chefia, mas que auxilia as demais colegas, em razão do volume de trabalho. Não ocorrência de culpa, dolo ou má-fé nas condutas praticadas, acarretando na ine-xistência da prática de ato ímprobo. Ação que deve ser julgada improcedente. Recursos despro-vidos.” (TJSP – Ap 0001379-61.2012.8.26.0646 – Urânia – 5ª CDPúb. – Rel. Marcelo Berthe – DJe 15.04.2014 – p. 1882) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 161001581361. Acesso em: 10.10.2014)

2925 – Trânsito – veículo oficial segurado – acidente – perda total – baixa patrimonial – neces-sidade

“Administrativo. Veículo oficial segurado. Acidente de trânsito. Perda total. baixa patrimonial. Transferência do salvado à seguradora. O veículo oficial segurado que sofre perda total é inserví-

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vel à Administração, devendo ser baixado junto ao inventário patrimonial (art. 2º da Lei Estadual nº 1.602/2004) e ser transferido à empresa seguradora, para baixa do registro veicular (arts. 126, do Código de Trânsito Brasileiro, e 1º, III, da Resolução nº 11/1998, do Contran).” (TJAC – PADM 0000744-40.2013.8.01.0000 – (7.198) – CJE – Relª Desª Cezarinete Angelim – DJe 14.11.2013)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código de Trânsito Brasileiro:“Art. 126. O proprietário de veículo irrecuperável, ou definitivamente desmontado, deverá reque-rer a baixa do registro, no prazo e forma estabelecidos pelo Contran, sendo vedada a remonta-gem do veículo sobre o mesmo chassi, de forma a manter o registro anterior.Parágrafo único. A obrigação de que trata este artigo é da companhia seguradora ou do adquiren-te do veículo destinado à desmontagem, quando estes sucederem ao proprietário.”• Resolução nº 11/1998 do Contran:“Art. 1º A baixa do registro de veículos é obrigatória sempre que o veículo for retirado de circu-lação nas seguintes possibilidades:[...]III – sinistrado com laudo de perda total;[...],”

Ambiental2926 – Ação civil pública – construção de muro de contenção além da preamar – dano am-

biental – não ocorrência

“Processual civil. Ação civil pública. Edificação. Dano ao meio ambiente. Inocorrência. Constru-ção além da preamar. Inocorrência. Muro de contenção impossibilitando a passagem. Inexistência. Desnecessidade de EIA/Rima. 1. Apelação interposta em face de sentença que julgou improceden-tes os pedidos formulados na ação civil pública, ajuizada em face da empresa Trabia Administra-ção e Participações Ltda., ao objetivo de cessar a degradação e promover a recuperação da Área de Proteção Ambiental – APA Costa dos Corais, designadamente de terreno localizado na Orla da Praia de Maragogi, quadra ‘P’, Loteamento Praia do Maragogi, às margens da Rodovia AL 101 Nor-te, Município de Maragogi/AL. 2. Hipótese em que as obras se deram com uma distância de 9,90 metros da preamar, não configurando dano ao meio ambiente. 3. A construção de muro de con-tenção em terreno edificável, não fere nenhum direito fundamental relacionado ao meio ambiente. Construção de muro que foi feita em degraus, o que facilita a passagem de transeuntes. 4. A rea-lização de estudos de impacto ambiental e de relatório de impacto ambiental só se afigura neces-sária diante da aparente lesividade da construção ao meio ambiente, o que não acontece no caso em tela. Apelação e remessa necessária improvidas.” (TRF 5ª R. – Ap-Reex 2008.80.00.001852-5 – (30643/AL) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 11.11.2014)

2927 – Área de preservação permanente – construção à margem de rio – demolição – dano ambiental – não ocorrência

“Ação civil pública. Ambiental. Remessa oficial. Construção de pequena casa à margem do Rio Jaguaribe no Município de Fortim/CE. Substituição de mata nativa por cajueiro. Área de preservação permanente. Ausência de comprovação de dano efetivo ao ecossistema. 1. Remessa oficial em face da sentença que julgou improcedente ação civil pública ambiental proposta pelo MPF, que almeja a demolição da construção realizada pelo autor, à margem do Rio Jaguaribe. 2. A ausência de de-monstração do dano efetivo no meio ambiente e o baixo impacto ambiental da intervenção do réu na natureza, construção de apenas 69,93m² e substituição de pequeno trecho de mata nativa por cajueiro, atestada por laudo pericial acostado aos autos, não justificam a demolição da construção, devendo ser mantida a sentença. 3. Remessa improvida.” (TRF 5ª R. – REOAC 2006.81.01.000786-4 – (571812/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – DJe 20.10.2014)

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Comentário Editorial SINTESEO vertente acórdão trata de remessa em face da sentença que julgou improcedente ao pedido da ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal.Consta dos autos que foi construído um imóvel à margem do Rio Jaguaribe.Sustenta o autor que a referida construção deverá ser demolida por estar ocupando área de preservação permanente e causando dano ambiental.O nobre Relator, em seu voto, entendeu que:“Entendo não merecer reforma à sentença.Vejamos. A Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal), revogada pela Lei nº 12.651, de 25 de abril de 2012, define área de preservação permanente (APP) como área ‘coberta ou não por vegeta-ção nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem--estar das populações humanas’ (art. 1º, c/c 2º, I). O art. 202 da Lei nº 4.771/1965, por sua vez, foi praticamente reproduzido em sua literalidade pelo art. 4º da Lei nº 12.651/2012, deli-mita quais as vegetações se incluem em área de preservação permanente, nos seguintes termos:‘Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta lei: I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seis-centos) metros de largura;e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seis-centos) metros;I – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;II – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou repre-samento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento; (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situa-ção topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;VI – os manguezais, em toda a sua extensão;VII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vege-tação;XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquen-ta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.” Portanto, verificando os autos, percebe-se que o perito constatou que a construção era pequena, não causava danos à fauna e à flora, tampouco degradação da flora aquática.

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Vale transcrever um trecho do perito:

“[...] por se tratar de edificação modesta, tem seu impacto ambiental minimizado” e que “o dano verificado corresponde à supressão da mata originária para a construção da residência e a substituição de espécies nativas por cajueiros [...] a edificação, por se tratar de uma construção pequena e modesta, sem adereços, por não lançar efluentes sólidos e líquidos no ambiente, poderá ser mantida.”

Tendo em vista a falta de demonstração do dano efetivo e do baixo potencial de intervenção ao meio ambiente, foi mantida a sentença que julgou improcedente a ação civil pública ambiental.

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região negou provimento à remessa.

2928 – Área de preservação permanente – danos ambientais – desmates e acesso de gado – não configuração

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Meio ambiente. Utilização área preservação perma-nente. Averbação da reserva legal. Ausência dos requisitos legais para a concessão da tutela. Ine-xistência de urgência. Averbação da ação civil pública na matrícula do imóvel. Desnecessidade. Recurso conhecido e provido. 1. Não restaram demonstrados os requisitos autorizadores da con-cessão de liminar initio litis no presente caso. A ausência do fumus boni juris decorre do fato de que a decisão agravada se pautou em diagnóstico ambiental do ano de 2009, e que não houve alteração nas áreas em apreço, sendo que referida decisão afronta, pelo menos num juízo perfunc-tório, o direito de propriedade garantido constitucionalmente, haja vista que não há indícios de desmates e nem mesmo acesso de gado na área objeto da lide. Além disso, não é possível iden-tificar o periculum in mora, pois ainda que a questão envolva possíveis danos ambientais, com a utilização de área de preservação permanente e ausência de reserva legal, os quais atingem toda a coletividade, não restou demonstrado a possibilidade de perigo iminente e que a espera do curso normal do processo resulte na inutilidade do provimento. 2. Não se faz necessária a averbação da existência da lide junto à matrícula do imóvel, ao argumento de dar conhecimento a terceiro e evi-tar supostos prejuízos que possam ser causados em razão de eventual transmissão da propriedade, haja vista que dos fatos narrados na exordial, descabe falar em prejuízo iminente ou irreparável ao meio ambiente.” (TJMS – AI 1409881-21.2014.8.12.0000 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Sideni Soncini Pimentel – DJe 10.11.2014)

2929 – Crime ambiental – transporte de madeira não autorizado – dosimetria da pena – majo-rante – não ocorrência

“Direito penal. Crime ambiental. Art. 50-A da Lei nº 9.605/1998. Materialidade e autoria compro-vadas. Inaplicabilidade. Excludente de ilicitude. Descabimento. Incidência. Majorante. Art. 53, II, alínea e, da Lei nº 9.605/1998. 1. É de ser mantida a sentença condenatória pela prática do crime previsto no art. 50-A da Lei nº 9.605/1998, considerada a comprovação nos autos da materialidade e da autoria do delito. 2. A simples alegação de dificuldades financeiras não é hábil a ensejar a aplicação da excludente por estado de necessidade. 3. Se não há elementos nos autos a comprovar que o delito foi praticado durante o período noturno, incabível a incidência da majorante prevista no art. 53, II, e, da Lei nº 9.605/1998.” (TRF 4ª R. – AC 0000038-48.2010.404.7005/PR – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen – DJe 25.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de crime ambiental cuja autoria e materialidade está prevista no art. 50-A, c/c art. 53, inciso II, alínea e, ambos da Lei nº 9.605/1998.

Consta dos autos, que o Apelante foi denunciado pelo Ministério Público ao ser flagrado por policiais militares transportando em um caminhão 34 (trinta e quatro) toras de pinus, desacom-panhadas de documentação comprobatória da autorização do órgão competente para extração ou transporte do material.

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Realizado o exame pericial, verificou-se que as toras possuíam características compatíveis com a madeira de pinus, o qual é exótico. Foi mencionado a quantidade de 34 toras, com comprimento

médio de 5,2 m e volume individual médio de 0,2666 m3.A denúncia foi recebida, e, após regular instrução do feito, sobreveio a sentença condenatória, pela prática do delito nos termos do art. 50-A, c/c art. 53, inciso II, alínea e, ambos da Lei nº 9.605/1998 que dispõem:“Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.§ 1º Não é crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata pessoal do agente ou de sua família.§ 2º Se a área explorada for superior a 1.000 ha (mil hectares), a pena será aumentada de 1 (um) ano por milhar de hectare.”“Art. 53. Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de um sexto a um terço se:[...]II – o crime é cometido:[...]e) durante a noite, em domingo ou feriado.”Inconformado, mencionou o apelante a inexistência de prova inequívoca da materialidade e da autoria do delito, alegando ter sofrido dificuldades financeiras, além de não ser proprietário da carga, situação em que estaria apenas transportando.Vale trazer trecho do voto do relator:“No caso dos autos, consoante ressaltado no parecer ministerial, o acusado contratou advogado particular, pagou fiança arbitrada em R$ 2.000,00 (dois mil reais) e é proprietário de um lote de terras de 4,5 alqueires e de um caminhão, fatos que se contrapõem ao estado de necessidade alegado.”Ao que se refere à aplicação da majorante do delito, por suposta prática durante o período noturno, restou impossibilitada a comprovação, pois não havia elementos nos autos que com-provassem tal fato, o que ocasionou a manutenção do regime e a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.Destarte, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu parcial provimento à apelação.

2930 – Dano ambiental – derramamento de óleo no mar – indenização – princípio da razoabi-lidade e da proporcionalidade – cabimento

“Ação civil pública. Indenização. Dano ambiental. Derramamento de óleo no mar. Responsabili-dade objetiva. Indenização devida. Valor monetário da indenização. Proposta emitida conforme critério estabelecido pela Cetesb. Peculiaridades do caso concreto. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Honorários advocatícios incabíveis. 1. Cuida-se de apelos interpostos pelo Ministério Público Federal e pela ré contra sentença de parcial procedência proferida na presente ação civil pública, que objetiva a responsabilização por dano causado ao meio am-biente na cidade do Guarujá/SP, com o consequente pagamento de indenização no importe de US$ 251,188.64, em favor do Fundo para Reconstituição de Bens Lesados, instituído pela Lei nº 7.347/1985. 2. No dia 14.10.2008, a embarcação ‘Miss Grace’, de propriedade e responsabi-lidade da empresa ré, derramou cerca de 10 litros de biodiesel marítimo nas águas do Estuário de Santos. 3. O Relatório de Inspeção elaborado pela Cetesb e informação da Capitania dos Portos deixam patente tal ocorrência, oriunda da referida embarcação. 4. A proteção ao meio ambiente possui status constitucional, tendo sido tutelada pela norma prevista no art. 225 da Constituição Federal, que, cujo § 3º, dispõe que os causadores de danos ao meio ambiente, sejam pessoas físicas ou jurídicas, estarão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, que poderão ser aplicadas cumulativamente ante a independência das esferas de atuação. Trata-se do princípio do poluidor-pagador, no sentido de que aquele que causar danos ao meio ambiente ficará sujeito a sanções penais e administrativas, sem prejuízo da obrigação de promover a reparação dos danos ocasionados. 5. A Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, recep-

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cionada pela Constituição Federal de 1988, e suas alterações posteriores, apresenta, por sua vez, o conceito de poluição e de agente poluidor, para fins proteção ao meio ambiente. 6. O art. 14, § 1º, deste diploma legal, estabelece a responsabilidade objetiva ao causador de dano ambiental, sendo suficiente para sua caracterização a conduta lesiva, o dano e o nexo causal entre ambos. 7. Consoante o citado Relatório de Inspeção da Cetesb mais o Laudo Técnico Ambiental nº 052/2008, emitido pela Marinha do Brasil, verifica-se dano ambiental de pouca gravidade e que a empresa ré promoveu as medidas necessárias à contenção e recolhimento do óleo derramado da embarcação. 8. Mesmo que se considere a sua quantidade e adoção das medidas necessárias à sua imediata contenção e remoção, há de se ponderar que o derramamento de óleo no mar sempre ocasionará um dano ao meio ambiente, pois provocará um desequilíbrio à fauna e à flora locais. 9. A reparação dos danos, no caso, é de índole civil, encontrando seu fundamento de validade no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, sendo devida independentemente de o agente ser res-ponsabilizado nas esferas administrativa e penal. 10. A indenização, além de reparar economica-mente os danos sofridos pela vítima, tem caráter preventivo, pois visa demover comportamentos lesivos similares do agente ou mesmo de terceiros. 11. A Cetesb possui uma ‘proposta de critério para valoração monetária de danos causados por derrames de petróleo ou de seus derivados ao ambiente marinho’, que é pautado por critérios científicos. Contudo, trata-se de valor indicado como adequado não vinculando o Magistrado, que poderá ajustar o montante indenizatório às peculiaridades do caso. 12. Considerando-se as circunstâncias do ocorrido – vazamento de pe-quena proporção e medidas de contenção tomadas de imediato –, bem como o caráter educativo da penalidade e a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o quantum a ser fixado como indenização deve ser moderado. 13. O eg. STJ perfila o entendimento de que o Ministério Público só terá obrigação de pagar honorários advocatícios nos casos de comprovada má-fé e assim, por absoluta simetria, tem sido aplicado o entendimento de que se o Parquet não paga os honorários, também não deverá recebê-los. 14. Apelos do MPF e da parte ré improvidos.” (TRF 3ª R. – AC 0010607-88.2011.4.03.6104/SP – 3ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Roberto Jeuken – DJe 11.11.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.[...]§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obriga-ção de reparar os danos causados”.

Constitucional

2931 – Ação direta de inconstitucionalidade – lei municipal – Virada Cultural Gospel – calen-dário oficial – inclusão – vício de iniciativa

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.064, de 23 de março de 2014, do Mu-nicípio de Guarujá, que ‘institui e inclui no calendário oficial do Município de Guarujá a ‘Virada Cultural Gospel’ e dá outras providências’. Vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação e independência dos poderes. Reconhecimento. A lei impugnada, de autoria parlamentar, não versou sobre mera instituição de data comemorativa, mas, em plano muito mais abrangente, criou um evento cultural (com duração mínima e ininterrupta de 24 horas) e impôs à Administração a obrigação de divulgar, organizar e executar o projeto (art. 3º), bem como a firmar os convênios e expedir as normas necessárias para fiel execução da lei (arts. 5º e 6º), ou seja, avançou sobre

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área de planejamento, organização e gestão administrativa, tratando de matéria que é reservada à iniciativa do Chefe do Poder Executivo; e ainda criou despesas sem indicar os recursos dispo-níveis para atender aos novos encargos. Ofensa às disposições dos arts. 5º, 25, 47, II, XIV e XIX, a, e 144, todos da Constituição Estadual. Pouco importa que o Prefeito não tenha vetado a lei integralmente no momento oportuno, pois, até mesmo a sanção ‘revela-se juridicamente insufi-ciente para convalidar o defeito radical oriundo do descumprimento da Constituição da República’ (ADIn 1.070, Rel. Min. Celso de Mello, J. 23.11.1994). Inconstitucionalidade manifesta. Ação jul-gada procedente.” (TJSP – ADIn 2062217-60.2014.8.26.0000 – O.Esp. – Rel. Ferreira Rodrigues – DJe 22.09.2014)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] Como foi bem ressaltado pela douta Procuradoria Geral de Justiça, ‘ao estabelecer atribui-ções a órgão do Poder Executivo Secretarias Municipais de Cultura e Turismo –, de um lado, ela viola o art. 47, I, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da admi-nistração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, “2”, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é reservada’” (fl. 9).

Não custa repetir, portanto, que, sendo da competência do Chefe do Poder Executivo, privativa-mente, a direção superior e prática de todos os atos de administração, não poderia o Legislativo, por força do § 2º do art. 5º da Constituição Bandeirante, interferir nessa área, criando um evento comemorativo que acarreta obrigações para o Município, ainda mais quando sequer indica a fonte de custeio, daí o reconhecimento de inconstitucionalidade da norma impugnada também com fundamento no art. 25 da Constituição Paulista: “Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos”.

Nesse sentido tem decidido este col. órgão especial, com destaque para o julgamento da ADIn 0151917-18.2013.8.26.00, versando sobre a mesma matéria (criação de evento relacionado a “Virada Cultural”), também do Município de Guarujá e desta mesma relatoria, julgada em 28.05.2014, quando a questão foi definida nos seguintes termos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Municipal de iniciativa de Vereador do Guarujá que ‘institui e inclui no Calendário Oficial de Eventos e de Programação do Município a Virada Esportiva. Inconstitucionalidade. Iniciativa que cabe ao Chefe do Poder Executivo. Lei que também gera aumento de despesa sem indicação da fonte de custeio. Inadmissibilidade. Violação dos arts. 5º, caput, e 144, e, ainda, do art. 25 da Constituição do Estado. Ação julgada procedente’ [...]”

2932 – Servidor público – teto remuneratório – lei estadual – valor inferior ao previsto consti-tucionalmente – possibilidade (STJ)

“Direito administrativo e constitucional. Tribunal de Contas do Ceará. Teto remuneratório estabe-lecido pela Lei Estadual nº 13.464/2004 inferior ao previsto constitucionalmente. Possibilidade. Inaplicabilidade do teto estadual àqueles servidores que já percebiam seus vencimentos ante-riormente à inovação legislativa. Princípio da irredutibilidade de vencimentos. Limitação apenas ao teto previsto pela constituição federal. Agravo regimental não provido. 1. Nada impede que os Estados fixem tetos remuneratórios inferiores àqueles instituídos pela Constituição Federal. 2. Entretanto, a norma estadual não pode afrontar o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos. 3. No tocante aos servidores que já percebiam seus vencimentos anteriormente à inovação legislativa, não se pode admitir que a norma estadual suprima valores que se enqua-drem dentro do teto constitucionalmente estabelecido sob pena de desrespeito ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-AgRg-MS 31.544 – (2010/0030414-5) – 5ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 28.10.2013)

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Comentário Editorial SÍNTESELei Estadual pode estabelecer teto remuneratório inferior ao previsto na Constituição Federal e consequentemente gerar redução nas remunerações anteriormente estabelecidas? Esse foi o debate da ementa em epígrafe.

O agravo regimental foi interposto pelo Estado do Ceará contra decisão que deu provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança interposto pelo recorrente onde ficou reconheci-do o direito deste em perceber vencimentos acima do patamar estabelecido pela Lei Estadual nº 13.464/2004, limitando-se às verbas salariais dos Conselheiros do Tribunal de Contas da-quele Estado.

Em suas razões, o apelante sustentou que a decisão agravada, ao não aplicar o teto remune-ratório instituído pela Lei Estadual nº 13.464/2004, afrontou o disposto no art. 17 do ADCT, negando também vigência ao art. 97 da CF/1988, já que implicou declaração implícita de inconstitucionalidade da norma local sem observância da cláusula de reserva de Plenário.

Ressaltou que a referida norma estadual impõe expressamente como teto remuneratório dos servidores do Tribunal de Contas o subsídio dos Deputados Estaduais, não sendo possível a não aplicação da regra sem manifestação do Plenário desta Corte, conforme o disposto no art. 97 da CF/1988, in verbis:

“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respec-tivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

A 5ª Turma do STJ entendeu que não há impedimento para que legislação estadual fixe teto remuneratório inferior àqueles instituídos pela Constituição Federal.

Ocorre que, deve ser observado o princípio que veda a redução dos vencimentos, estabelecido no art. 37, XV, da CF/1988.

Assim, concluíram que deve ser mantida a Decisão a quo que em nenhum momento violou dis-posições do ADCT e da Constituição Federal, negando, assim, provimento ao agravo regimental.

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] A questão aqui posta, como já salientado na decisão agravada, não é definir a aplicabili-dade ou não do teto previsto em legislação estadual, mas sim, de respeito à irredutibilidade de vencimentos.

Por certo nada impede que os Estados fixem tetos remuneratórios inferiores àqueles institu-ídos pela Constituição Federal, como fez o Estado do Ceará com a edição da Lei Estadual nº 13.464/2004. Não obstante, é mister atentar para o princípio constitucional que veda a redução de vencimentos (art. 37, XV, da Constituição Federal).

Particularmente, partilho do entendimento de que, à míngua de disposição constitucional ex-pressa, o teto dos servidores dos Tribunais de Contas estaduais deve ser equiparado ao teto do Poder Judiciário (subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça). Não ignoro o entendi-mento já externado pelo Supremo Tribunal Federal admitindo que os Estados fixem teto inferior ao previsto na Constituição Federal (RE 524.494/AL), motivo pelo qual não se está aqui a declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 13.464/2004.

O cerne da questão posta é o seguinte: não pode lei estadual, criando um teto para o servidor, desrespeitar o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos.

Crie o teto, mas não desrespeite a irredutibilidade constitucional.

Deve, portanto, ser mantida a decisão agravada que em nenhum momento atentou contra dis-posições do ADCT ou da Constituição Federal. Ao contrário, as prestigiou.

Nessas condições, pelo meu voto, nego provimento ao agravo regimental, mantendo o provimen-to do recurso ordinário em mandado de segurança.”

2933 – Mandado de segurança – delegado de polícia – quebra de dados cadastrais telefônicos – limites

“Mandado de segurança. Representação de delegado de polícia acerca de quebra de dados ca-dastrais telefônicos. Desnecessidade. Alegada ofensa à Constituição. Ocorrência. Segurança con-

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cedida. 1. Tanto na fase de inquérito policial, quanto na fase processual, as garantias constitucio-nais devem ser observadas. Dentre estas garantias, o sigilo de dados e a privacidade do cidadão não podem ser mitigadas em prol da celeridade de forma genérica. 2. A autorização descrita no art. 17-B da Lei nº 9.613 não pode ser interpretada de forma genérica, tampouco deve ser estendi-da sem fundamentação idônea para outros casos não elencados no dispositivo. 3. Outrossim, não devem ser outorgados de forma genérica poderes ilimitados às autoridades policiais. 4. O art. 93, inc. IX da Constituição Federal exige fundamentação para toda e qualquer decisão do magistrado, inclusive as que viabilizam o acesso a dados telefônicos. Logo, caso se admita a requisição ge-nérica e indiscriminada de Delegados para o acesso à quebra de dados telefônicos, permitir-se-ia muito mais do que para os próprios juízes, isto é, o acesso aos dados em qualquer hipótese e sem a necessária fundamentação. 5. Segurança concedida.” (TJES – MS 0016561-18.2014.8.08.0000 – Rel. p/o Ac. Willian Silva – DJe 07.10.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.613/1998:

“Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independen-temente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de Internet e pelas administradoras de cartão de crédito.”

Processo Civil e Civil

2934 – Ação de cobrança – corretora em face de seguradora – pagamento de diferenças de comissões

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC). Ação de cobrança, manejada por corretora em face de seguradora, objetivando o pagamento de diferenças de comissões devidas pelo serviço prestado (intermediação de contrato de seguro-saúde coletivo). Decisão monocrática negando provimento ao agravo, mantida a inadmissão do recurso especial. Irresignação da seguradora. 1. violação do art. 535 do CPC não configurada. Acórdão hostilizado que enfrentou, de modo fundamentado, todos os aspectos essenciais à resolução da lide, tendo sido, inclusive, afastados, expressa e especificamente, os vícios apontados nos aclaratórios opostos na origem. 2. Alegada ilegitimidade passiva ad causam da seguradora, ao argumento de que a prestação de serviços fora contratada apenas entre a estipulante da apólice e a corretora. Consoante firmado pelo Tribunal de origem, ‘a pretensão da autora consiste no recebimento de diferenças das comissões devidas em razão de intermediação na contratação do seguro-saúde oferecido pela demandada que, consoan-te se extrai dos demonstrativos de fls. 94/101, é quem efetivamente responde por tais pagamentos e, portanto, parte legítima para figurar no polo passivo da demanda’. No âmbito do julgamento de recurso especial, revelam-se inviáveis a interpretação de cláusula contratual e a incursão no contexto fático-probatório dos autos. Aplicação das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. 3. Aduzida licitude da redução do percentual das comissões incidentes sobre os prêmios pagos (de 5% para 1%) e con-sequente inexistência de diferenças a serem pagas à corretora. De acordo com a seguradora, a refe-rida redução foi previamente consentida pela corretora. Nada obstante, restou assente no acórdão estadual que a corretora ‘não se sujeita à alteração do percentual da comissão, à qual não anuiu’, eis que convencionada apenas entre a seguradora e a estipulante da apólice. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 267.165 – (2012/0257947-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.11.2014 – p. 1585)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental, interposto por empresa de seguros em face de decisão mono-crática da lavra deste signatário, que negou provimento ao agravo da ora insurgente, mantida inadmissão do recurso especial, ante a não constatação da alegada ofensa ao art. 53 do CPC e a incidência das Súmulas nºs 5 e 7do STJ.O aludido apelo extremo, fundado na alínea a do permissivo constitucional, desafia acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: “Corretagem. Comissão. Cobrança. Legitimidade passiva. A operadora de seguro-saúde, que responde pelo pagamento das comissões incidentes sobre os prêmios pagos pelos segurados, é parte legítima para figurar no polo passivo da ação de cobrança dessas verbas.Redução do percentual da comissão devida à corretora pactuada entre estipulante seguradora sem anuência daquela. Invalidade. Ajuste a que não se sujeita a corretora. As comissões incidem tão somente sobre os prêmios efetivamente recebidos pela seguradora não sobre aqueles que seriam percebidos caso a apólice não houvesse sido rescindida anteci-padamente.Recurso não provido.”Na origem, a seguradora opôs embargos de declaração, apontado: contradição no julgado no to-cante à rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, apesar de ter sido o contrato de prestação de serviços firmado entre a corretora e a estipulante da apólice sem qualquer par-ticipação da seguradora; e omissão quanto a argumento, lastreado em prova, de que a corretora teve conhecimento prévio sobre alteração do percentual de comissionamento.Dado juízo prévio negativo de admissibilidade, a seguradora interpôs agravo, ao qual foi negado provimento por este signatário.O STJ negou provimento ao agravo.Elucidamos com os ensinamentos do ilustre Voltaire Marensi, que discorre sobre o risco e aleato-riedade no contrato de seguro de acordo com o Tratado do Mestre Pontes de Miranda, in verbis:“Contrato de seguro é o contrato com que um dos contraentes, o segurador, mediante prestação única ou periódica, que o outro contraente faz, se vincula a segurar, isto é, a se o sinistro ocorrer, entregar ao outro contraente soma determinada ou determinável, que corresponde ao valor que foi destruído, ou que se fixou para ocaso do evento previsto. A aleatoriedade existe mesmo se o evento é inevitável, como a morte: a álea, aqui, é no tempo, refere-se a quando, e não a se. Pretendeu-se que não há álea para o contraente que obtém a vinculação, porque, se o evento ocorre, está ele coberto. Também se sustentou que a álea, no seguro, é unilateral, e não bilateral. Basta considerar-se a diferença do valor e do objeto das prestações que incubem aos contraentes para se verificar que ambos os lados há álea: um quer eliminá-la; outro, assumindo-a, eliminou--a porque a isso se vincula.Segundo é sabido e Stypmanus o disse, assecuratio quidem vox latina non est, nec tale verbum reperitur, quod securum facere significet.O que se segura não é propriamente o bem, razão por que, nas expressões ‘seguro de bens’ ou ‘seguro de coisas’ e ‘seguro de responsabilidade’, há elipse. O que se segura é o status quo patrimonial ou do ser humano (acidentes, vida). Segura-se o interesse positivo como se segura o interesse negativo.” (O contrato de seguro à luz do novo Código Civil. 3. ed. São Paulo: IOB/Thomson, 2005. p. 27)O art. 1.454 do Código de 1916 correspondente ao art. 768 do novo Código Civil dispõe que:“Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.”Na verdade, a regra deste artigo prevê perda do seguro apenas para o caso de o segurado adotar conduta imprópria, aumentando o risco e, assim, prejudicando o equilíbrio do contrato. No evento ocorrido, em nenhum momento foi afirmado que a causa do acidente foi a embriaguez da segurada, ficando evidente que, mesmo que a segurada não estivesse alcoolizada, o acidente poderia ter ocorrido.

2935 – Ação pauliana – violação do direito à meação – partilha dissimulada – alienação fictícia do patrimônio – preço vil – via própria

“Recurso especial. Direito de família. Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência. Simulação. Manifesta fraude à lei imperativa. Violação do direito à meação. Partilha

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dissimulada. Alienação fictícia do patrimônio. Preço vil. Ação pauliana. Via própria. Adequação. 1. Cuida-se de ação ordinária proposta contra o ex-marido da autora e seus respectivos irmãos com a finalidade de obter declaração de nulidade de compra e venda de bens que deveriam ter sido partilhados ante o direito à meação em virtude do fim do casamento submetido ao regime de comunhão parcial de bens. 2. Há simulação quando, com intuito de ludibriar terceiros, o ne-gócio jurídico é celebrado para garantir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem. 3. O patrimônio do casal beligerante foi transferido pelo varão a seus irmãos, por preço fictício, pouco antes da separação de corpos do ex-casal, tendo retornado ao então titular logo após a sentença de separação judicial e do julgamento do recurso de apelação pelo Tribunal de origem. 4. A alienação forjada é, sobretudo, uma violação da ordem pública, podendo ser reconhecida em ação pauliana. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.195.615 – (2010/0093083-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 29.10.2014 – p. 977)

2936 – Alimentos – execução – rito do art. 733 do CPC – Súmula nº 309/STJ

“Processual civil. Direito civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Família. Exe-cução de alimentos. Rito do art. 733 do CPC. Súmula nº 309/STJ. 1. O débito recente, para fins de aplicação do art. 733 do CPC, compreende as prestações vencidas nos três meses anteriores à propositura da execução, incluídas as que se vencerem no decorrer do referido processo, conforme dispõe a Súmula nº 309/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 477.047 – (2014/0033824-5) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.10.2014 – p. 1043)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento agravo, diante da incidência da Súmula nº 83/STJ.O agravante, representado por sua genitora, pugna pela reforma da decisão impugnada sob os seguintes argumentos:“O entendimento das decisões anteriores merece ser reformado, eis que, apesar de preceituarem a correta aplicação do art. 73 do Código de Processo Civil, ignoram a questão de que é des-necessário promover novo processo para executar a sentença que arbitrou os alimentos, e, por consequência, é possível a prisão civil do agravado nestes mesmos autos.”Ao final, requer a reconsideração da decisão monocrática ou sua apreciação pelo Colegiado.O STJ negou provimento ao agravo por considerar que o acórdão está em consonância com a jurisprudência da casa, portanto, sem necessidade de reforma.A ilustre Jurista Maria Berenice Dias, discorrendo sobre a Súmula nº 309, assim nos ensina:“Na tentativa de assegurar o uso dessa forma executória, a jurisprudência consolidou-se no sentido de admitir o rito do apenamento somente com referência a três prestações alimentícias vencidas à data da propositura da demanda. O fundamento, de todo insubsistente, é que dívida anterior a tal período perde sua natureza alimentar, passando, em um passe de mágica, a dispor de feição indenizatória.De outro lado, como a lei fala em ‘execução de sentença ou decisão’, há quem negue tal rito quando os alimentos foram fixados por acordo, ainda que referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria ou pelos advogados dos transatores e apesar de tais avenças constituírem títulos executivos extrajudiciais (CPC, art. 585, II). Há, inclusive, decisões que olvidam a regra que determina a aplicação supletiva do processo de conhecimento (CPC, art. 598) e sequer admitem a citação do devedor por hora certa ou edital.Também sob o mesmo fundamento havia expressivo número de julgados que negavam a aplica-ção de distinto dispositivo da lei processual. Diz o art. 290 do Código de Processo Civil que, em se tratando de obrigação constituída em prestações periódicas – como o é a obrigação de pagar alimentos -, a condenação compreende as prestações vencidas no curso do processo. Porém, enorme era a dificuldade de invocar dita regra para o processo executório, impondo ao credor que, a cada três meses, ingressasse com nova ação, transformando a cobrança dos alimentos em um punhado de demandas.Apesar de todos esses desencontros, a jurisprudência tendia a admitir o uso da execução coacta para a cobrança das três parcelas vencidas antes da propositura da demanda, safando-se o de-

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vedor da prisão somente mediante o pagamento de toda a dívida: as parcelas objeto da execução e mais as que se venceram até a data do efetivo pagamento.A falta de uniformidade das decisões judiciais levou o STJ a sumular a matéria (Súmula nº 309): ‘O débito alimentar que autoriza a prisão do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que se vencerem no curso do processo’. Ainda que correta a definição do que deve ser considerado adimplemento da dívida, ou seja, que no seu montante se incluem as parcelas vencidas durante a tramitação da execução, o enunciado contém mácula que impõe imediata retificação. De forma absolutamente equivocada, estabelece que o período de abran-gência da execução corresponde somente às prestações vencidas antes da citação do devedor, e não às impagas antes da propositura da ação. Tal assertiva se afasta dos próprios antecedentes indicados como parâmetro para sua edição, que não sufragam o mesmo entendimento. Sete deles, de modo expresso, indicam como marco a data do ajuizamento da ação e somente três dos julgados invocados fazem referência à data da citação.Urge, portanto, que a súmula seja retificada, pois baseada em jurisprudência que não serve para referendar a normatização levada a efeito. A mudança, frise-se, se faz urgente, sob pena de se incentivar que o devedor se esquive da citação, esconda-se do oficial de justiça e, de todas as formas, busque retardar o início da execução, pois, enquanto não for citado, não se sujeita a ser preso. Claro que o devedor vai tornar-se um fugitivo! Quanto mais tempo levar para ser cita-do, mais parcelas serão relegadas à modalidade executória cuja efetividade é consabidamente ineficaz em se tratando de obrigação de alimentos. Significa que as mensalidades pretéritas só poderão ser cobradas pelo rito da penhora, sujeitando-se o credor a esperar pela venda em hasta pública de algum bem de que o devedor eventualmente seja proprietário (CPC, art. 732).Assim, ainda que o enunciado mereça aplausos pela definição do termo final da dívida, o retro-cesso em que incidiu o STJ, no que diz com o início da obrigação a ser cumprida sob pena de prisão, acaba deixando de assegurar o direito à sobrevivência para privilegiar a liberdade daquele que não tem a responsabilidade de garantir a subsistência a quem deve alimentos.” (Súmula nº 309: um equívoco que urge ser corrigido. Disponível em: online.sintese.com)

2937 – Condomínio – despesas anteriores à imissão na posse – responsabilidade – obrigação propter rem

“Agravo regimental no recurso especial. Responsabilidade do arrematante por despesas condo-miniais anteriores à imissão na posse. Obrigação propter rem. Agravo improvido. 1. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, constitui a dívida condominial obrigação propter rem, respondendo o novo adquirente pelas cotas a partir do momento da arrematação do imóvel, ainda que anteriores à imissão na posse. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.370.434 – (2012/0256475-7) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 14.11.2014 – p. 386)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de Agravo contra acórdão assim ementado:

“Agravo de instrumento. Cobrança de cotas condominiais. Arrematante. Responsabilidade pelo pagamento.

1. O arrematante deve responder pelo pagamento dos encargos desde a aquisição do imóvel, que se deu com arrematação realizada, independente da imissão na posse, tendo em vista natureza propter rem da obrigação condominial. Precedentes do STJ e TJ/RJ.

2. Ademais, nos termos do art. 694 do Código de Processo Civil, assinado auto de arrematação, esta considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, de forma que ao arrematante, a partir de então, incumbirá o pagamento dos encargos incidentes sobre o imóvel, dentre os quais os débi-tos condominiais. Precedentes do TJ/RJ.

3. Recurso que não segue.”

A agravante, nas razões do Especial, sustentou que não é responsável pelo adimplemento das cotas condominiais. Afirma que o Acórdão recorrido, assim não entendendo, teria contrariado o disposto no art. 694 do Código de Processo Civil, bem com a jurisprudência, desconsiderando fato de que a imissão na posse do imóvel ocorreu apenas três anos após a arrematação do bem.

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O STJ negou provimento ao agravo.

O ilustre Jurista Caio Mário da Silva Pereira, ao discursar sobre a Lei nº 4.591/1964, assim nos ensina:

“A Lei nº 4.591/1964 estabelece, no art. 12, que cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, inclusive as com obras que visem a melhorar o edifício, aumentar-lhe a comodidade e o conforto, recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. E ao mesmo tempo instituiu o critério de sua fixação, mandando em primeiro plano obser-var o disposto na convenção e, em segundo, ou seja, no silêncio desta, a proporcionalidade com a fração ideal de terreno de cada unidade. É ainda a mesma lei que atribui ao síndico a legitima-ção para arrecadar, amigável ou judicialmente, sujeitando-se os condôminos em atraso aos juros moratórios e à multa de até 20% sobre o débito. Pode este, ainda, ser atualizado com aplicação dos índices de correção monetária, se assim a convenção condominial dispuser a autorizar.

Incorrendo o condômino em mora, pode-se-lhe ser judicialmente exigido o débito (principal e acessório), subordinado o exercício do direito de ação a certos requisitos. [...]

O cumprimento das obrigações atinentes aos encargos condominiais, sujeitando o devedor às cominações previstas (juros moratórios, multa, correção monetária), todas exigíveis judicial-mente, constitui uma espécie peculiar de ônus real, gravando a própria unidade, uma vez que a lei lhe imprime poder de sequela. Com efeito, estabelece o art. 4º, parágrafo único, da Lei do Condomínio e Incorporações que o adquirente responde pelos débitos da unidade adquirida. O objetivo da norma é defender o condomínio contra a alegação de que o novo proprietário não pode responder pelos encargos correspondentes a tempo anterior a seu ingresso na comunidade. [...]” (Condomínio e incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 188-189)

João Batista Lopes, em seu livro Condomínio, nos ensina que:

“A pontualidade no pagamento das despesas de condomínio constitui dever dos condôminos e fator importante para a boa administração do edifício.

Em razão disto, o condômino impontual fica sujeito a sanções estabelecidas na convenção de condomínio, entre elas multa de até 20% sobre o débito, juros de 1% ao mês e atualização monetária.

[...]

A ação de cobrança deve ser intentada pelo condomínio e não pelo síndico, que é órgão executivo daquele.

Ainda que desprovido de personalidade jurídica, o condomínio possui capacidade judiciária a teor do IX do art. 12 do CPC e quem o representa é o síndico como estabelece o mesmo artigo.” (LOPES, João Batista. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 113-114)

2938 – Defesa do consumidor – plano de saúde – cláusula de reajuste por mudança de faixa etária – segurado idoso – discriminação – inexistência

“Direito civil. Consumidor. Plano de saúde. Cláusula de reajuste por mudança de faixa etária. Segurado idoso. Discriminação. Inexistência. 1. Nos contratos de seguro de saúde, os valores cobrados a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. 2. O aumento da idade do segurado implica a necessidade de maior assistência médica. Em razão disso, a Lei nº 9.656/1998 assegurou a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado. Essa norma não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação consistente na cobrança de valores diferenciados em razão da idade. Discriminação traz em si uma conotação negativa, no sentido do injusto, e assim é que deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto. Na hipótese dos autos, o aumento do valor do prêmio decorreu do maior risco, ou seja, da maior necessidade de utilização dos serviços segurados, e não do simples advento da mudança de faixa etária. 3. Se o reajuste está previsto contratual-mente e guarda proporção com o risco e se foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.656/1998, o aumento é legal. 4. Recurso especial conhecido e provido em parte.” (STJ – REsp 1.381.606 – (2013/0058831-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 31.10.2014 – p. 687)

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2939 – Factoring – direito de regresso – cláusula contratual – impossibilidade

“Civil. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Factoring. Direito de regresso. Cláusula contratual. Impossibilidade. Decisão mantida. 1. Consoante jurisprudência des-ta Corte, o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadim-plemento dos contratos cedidos. 2. Agravo regimental a que nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag--REsp 424.925 – (2013/0365025-8) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.10.2014 – p. 1032)

Penal / Processo Penal

2940 – Estelionato – medidas cautelares – proibição de deixar o País – retenção de passaporte – ilegalidade reconhecida – impossibilidade

“Processo penal. Recurso em habeas corpus. Estelionato. Sentença condenatória. Medidas cautela-res pessoais. Proibição de deixar o País e retenção de passaporte (1) motivação inidônea (2) prévio writ. Acréscimo de outros fundamentos para a manutenção da decisão adversada. Impossibilidade. Ilegalidade reconhecida. Recurso provido. 1. Para a decretação das medidas cautelares pessoais é necessário que estejam presentes a plausibilidade e a urgência. Portanto, a necessidade da constri-ção deve estar concretamente justificada, não se prestando para tanto a mera referência ao quan-tum da pena aplicada ou a circunstância de o recorrente possuir facilidade para se deslocar para fora do País. 2. Não se admite que o Tribunal, no seio de habeas corpus, acrescente fundamentos novos àqueles lançados pelo Magistrado de primeiro grau, quando do estabelecimento de medida restritiva. 3. Recurso ordinário provido para desconstituir as medidas cautelares pessoais fixadas.” (STJ – Rec-HC 49.149 – (2014/0154169-6) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 03.10.2014)

2941 – Estelionato previdenciário – auxílio-reclusão – recebimento indevido – princípio da insignificância – aplicação – descabimento

“Penal. Apelação criminal. Estelionato previdenciário. Recebimento indevido de auxílio-reclusão. Princípio da insignificância. Inaplicável ao caso. Absolvição sumária afastada. Recurso provido. 1. A denúncia descreve que a ré recebeu, indevidamente e em prejuízo do INSS, o benefício do auxílio-reclusão durante o período de maio de 2004 a julho de 2004, após o livramento condi-cional do segurado, em 18 de maio de 2004, tendo sido incursa nas penas do art. 171, § 3º, c/c arts. 16 e 65, inciso III, b, todos do Código Penal. 2. A sentença ora guerreada absolveu su-mariamente a ré, por atipicidade da conduta, ao entendimento da insignificância da lesão. 3. A aplicação do princípio da insignificância está reservada para situações particulares nas quais não há relevante ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. In casu, todavia, do estelionato cometido em detrimento de entidade de direito público deve ser ponderado o interesse público subjacente ao objeto material da ação delitiva. 4. O entendimento consolidado dos nossos Tribu-nais desaconselha a aplicação desse princípio quanto ao delito do art. 171, § 3º, do Código Penal. 5. Ademais, o Supremo Tribunal Federal já fixou quatro balizas ou nortes a se fiar o julgador para, ao fim, concluir acerca da aplicação ou não do princípio da insignificância ao caso concreto. São elas: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica pro-vocada. 6. Ao realizar-se o cotejo entre os requisitos fixados pela Corte Suprema para aplicação do princípio da insignificância e o bem jurídico tutelado no caso do estelionato, não se mostra viável considerar insignificante uma conduta que viola de forma efetiva bens jurídicos tutelados pelo Estado, haja vista que a conduta perpetrada extrapola limites subjetivos e invade a esfera pública.

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7. Apelação provida.” (TRF 3ª R – ACr 0010813-32.2007.4.03.6108/SP – 4ª S. – Rel. Des. Fed. Paulo Fontes – DJe 13.10.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO art. 171, § 3º, do Código Penal assim nos ensina:“Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento:Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.[...]§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.”Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que absolveu sumariamente a ré da acusação do delito previsto no art. 171, § 3º, c/c arts. 16 e 65, inciso III, b, todos do Código Penal.Consta dos autos que a genitora de um segurado do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS recebeu indevidamente benefício previdenciário (auxílio-reclusão) durante o período de maio de 2004 a julho de 2004, após o livramento condicional do segurado, em 18 de maio de 2004.O valor do benefício totalizou o importe de R$ 917,39 (novecentos e dezessete reais e trinta e nove centavos), cujo débito com os quadros previdenciários foi inscrito em dívida ativa.As informações constantes das cópias da Execução de Sentença e da Carteira de Benefícios atestam que o segurado realmente foi posto em liberdade em 18 de maio de 2004.A apelada foi interrogada e confirmou que continuou a receber o benefício mesmo após seu filho ter sido solto, alegando problemas financeiros e de saúde na família.A materialidade e a autoria do caso restaram comprovadas, vez que a apelada obteve para si vantagem ilícita, em prejuízo do INSS, induzindo-o e mantendo-o em erro ao não comunicar prontamente a soltura do segurado.Inconformado, postulou pela reforma da sentença requerendo a aplicação do princípio da in-significância.A aplicação do princípio da insignificância está intimamente ligada ao conceito de bem jurídico. Como é sabido, para que uma conduta seja considerada criminosa, pelo menos em um primeiro momento, é necessário que se façam, além do juízo de tipicidade formal, a adequação do fato ao tipo descrito em lei e também o juízo da tipicidade material.Deve ser verificada a ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa a bens jurídicos relevantes da sociedade.A questão da fragmentariedade se mostra ainda mais relevante no direito penal: uma limitação tão drástica da liberdade humana, bem jurídico de inquestionável valia, só pode se dar quando realmente indispensável para a proteção de outros bens jurídicos, tão ou mais valiosos, como a própria liberdade, a vida e a propriedade.É assim que se consagra o princípio da insignificância ou bagatela, segundo o qual, para que uma conduta seja considerada criminosa, pelo menos em um primeiro momento, é preciso que se faça, além do juízo de tipicidade formal (a adequação do fato ao tipo descrito em lei), tam-bém o juízo de tipicidade material, isto é, a verificação da ocorrência do pressuposto básico da incidência da lei penal, ou seja, a lesão significativa a bens jurídicos relevantes da sociedade.Para aplicação do princípio da insignificância e o bem jurídico tutelado no caso do estelionato, não se mostra viável considerar insignificante uma conduta que viola de forma efetiva bens jurídicos tutelados pelo Estado, haja vista que a conduta perpetrada extrapola limites subjetivos e invade a esfera pública.Vale trazer trecho do voto do Relator:“O entendimento consolidado dos nossos Tribunais desaconselha a aplicação desse princípio quanto ao delito do art. 171, § 3º, do Código Penal. Senão vejamos:‘RECURSO ESPECIAL – ESTELIONATO – FRAUDE – RECEBIMENTO DE SEGURO-DESEM-PREGO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO – A teoria da insignificância tem vinculação à lesividade ao bem jurídico tutelado, sendo certo afirmar que o seu critério de incidência passa pela análise do desvalor da conduta do agente. Considerando, in casu, a existência de fraude contra o sistema de seguro-desemprego,

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enquanto benefício da Seguridade Social, cuja finalidade transcende a quantificação de valores patrimoniais, é de se ter por inviável a aplicação da insignificância pela impossibilidade da ideia da lesividade concreta. Recurso provido para receber a denúncia.’ (STJ, REsp 776216, Rel. Min. Nilson Naves, J. 06.05.2010)‘PENAL – PROCESSUAL PENAL – ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO – PRESCRIÇÃO – PENA IN ABSTRACTO – MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS – PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA – REFORMA DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – 1. Autoria e materialidade comprovadas. 2. O princípio da insignificância é reservado para situações particulares nas quais não há re-levante ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Na hipótese, porém, do estelionato cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência, deve ser ponderado o interesse público subjacente ao objeto material da ação delitiva. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a deste Tribunal desaconselham a prodigalização da aplicação desse princípio quanto ao delito do art. 171, § 3º, do Código Penal (STJ, Ag-REsp 939850, Relª Min. Laurita Vaz, J. 16.11.2010; REsp 776216, Rel. Min. Nilson Naves, J. 06.05.2010; REsp 795803, Relª Min. Laurita Vaz, J. 19.03.2009; HC 86957, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, J. 07.08.2008; TRF 3ª R., ACr 200361190014704, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, J. 28.09.2010; ACr 200003990625434, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, J. 16.11.2009). 5. Apelo da defesa des-provido.’ (TRF 3ª R., ACr 00108017420104036120, 5ª T., Juíza Convocada Louise Filgueiras, e-DJF3 Judicial 1 data: 03.02.2014 FONTE_REPUBLICACAO:.)‘PENAL – PROCESSO PENAL – ESTELIONATO CONTRA O INSS – PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA – INAPLICABILIDADE – AUSÊNCIA DE TRANSCURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL – 1. Há que se ter em vista que os presentes autos tratam de estelionato previdenciário. Nesse caso, importa notar que não se pode aferir a lesão ao bem jurídico tutelado apenas em ter-mos patrimoniais, conquanto atinge-se o sistema de proteção social como um todo, tanto no seu equilíbrio econômico-financeiro, quanto em relação à própria credibilidade do sistema. 2. Bem assim, o próprio art. 171, § 3º, do Código Penal, é claro ao determinar a majoração da pena de estelionato cometido contra entidades como o INSS, o que, também, afasta o neces-sário ‘baixo grau de reprovabilidade da conduta’, pelo que incabível a aplicação do princípio da insignificância no caso. 3. Por outro lado, hipotética ocorrência futura do transcurso do prazo prescricional não é fundamento idôneo a ensejar falta de justa causa para a ação penal. 4. Há que se ter em vista, outrossim, a pena máxima para o crime de estelionato é de 5 (cinco) anos, acrescida da aplicação de causa de aumento do § 3º do art. 171 em 1/3, conclui-se que a prescrição in abstrato, no caso, é de 12 (doze) anos, tendo em vista que, não tendo havido trânsito em julgado, a prescrição regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade. 5. Assim, considerando-se não ter se completado o prazo de 12 (doze) anos, não há que se falar na ocorrência de prescrição no caso dos autos. 6. Recurso em sentido estrito provido.’ (TRF 3ª R., RSE 00038090620134036181, 5ª T., Juiz Convocado Rubens Calixto, e-DJF3 Judicial 1 Data: 11.12.2013 .FONTE_REPUBLICACAO:.)‘PENAL – PROCESSO PENAL – DENÚNCIA – INÉPCIA – TENTATIVA DE ESTELIONATO PREVI-DENCIÁRIO – CRIME IMPOSSÍVEL – DOCUMENTAÇÃO FRAUDULENTA – INADMISSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – CRIME COMETIDO EM DETRIMENTO DE ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO OU DE INSTITUTO DE ECONOMIA POPULAR, ASSISTÊNCIA SOCIAL OU BENEFICÊNCIA – CÓDIGO PENAL, ART. 171, § 3º – INAPLICABILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADAS – DOSIMETRIA – 1. Para não ser considerada inepta, a denúncia deve descrever de forma clara e suficiente a conduta delituosa, apontando as circunstâncias necessárias à configuração do delito, a materialidade delitiva e os indícios de autoria, viabilizando ao acusado o exercício da ampla defesa, propiciando-lhe o conhecimento da acusação que sobre ele recai, bem como qual a medida de sua participação na prática crimi-nosa, atendendo ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal (STF, HC 90.479, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 07.08.2007; STF, HC 89.433, Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 26.09.2006 e STJ, 5ª Turma – HC 55.770, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 17.11.2005). 2. A entender--se que a efetiva atividade laborativa impõe a concessão do benefício e, por essa razão, a falta de documentação idônea consubstanciaria crime impossível, chegar-se-ia à conclusão de ser prescindível essa mesma documentação ou, quando menos, que ela não estaria abrangida pelo campo da tutela penal. Ao contrário: a sanção penal (estelionato previdenciário) protege também a forma pela qual o direito ao benefício é feito valer, não se concebendo que seja lícita a fraude consumada. Precedente do TRF da 3ª Região. 3. O princípio da insignificância é reservado para

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situações particulares nas quais não há relevante ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Na hipótese, porém, do estelionato cometido em detrimento de entidade de direito públi-co ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência, deve ser ponderado o interesse público subjacente ao objeto material da ação delitiva. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a deste Tribunal desaconselham a prodigalização da aplicação desse princí-pio quanto ao delito do art. 171, § 3º, do Código Penal (STJ, AgREsp 939850, Relª Min. Laurita Vaz, J. 16.11.2010; REsp 776216, Rel. Min. Nilson Naves, J. 06.05.2010; REsp 795803, Relª Min. Laurita Vaz, J. 19.03.2009; HC 86957, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, J. 07.08.2008; TRF 3ª R., ACr 200361190014704, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, J. 28.09.2010; ACr 200003990625434, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, J. 16.11.2009). 4. Autoria e materialidade delitiva comprovadas. O conjunto probatório amealhado evidencia que José Severino de Freitas foi o responsável pelo processo de aposentadoria instruído com documentos fraudulentos referentes a supostos vínculos empregatícios de Valdete Lopes Caldeira com as Empresas Prisma Industrial S/A e Metalgráfica Santa Isabel Ltda. 5. Apelação desprovi-da.’ (ACr 00121607520074036181, Des. Fed. André Nekatschalow, TRF 3ª R., 5ª T., e-DJF3 Judicial 1 data: 07.05.2013..FONTE_REPUBLICACAO:.)”Diante do exposto, o TRF 3ª Região deu provimento ao recurso ministerial, para afastar a ab-solvição sumária.

2942 – Injúria racial – constrangimento ilegal – Justiça Federal – incompetência

“Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Injúria racial. CP, art. 140, § 3º. Constrangi-mento ilegal. CP, art. 140. Inexistência de disputa sobre direitos indígenas. Incompetência da Justi-ça Federal. Constituição Federal, art. 109, XI. Reconhecimento da competência da Justiça Estadual para processamento e julgamento. Provido. 1. A competência penal da Justiça Federal, objeto do alcance do disposto no art. 109, XI, da Constituição da República, só se desata quando a acusação seja de genocídio, ou quando, na ocasião ou motivação de outro delito de que seja índio o agente ou a vítima, tenha havido disputa sobre direitos indígenas, não bastando seja aquele imputado a silvícola, nem que este lhe seja vítima e, tampouco, que haja sido praticado dentro de reserva indí-gena (RE 419.528/PR). Precedentes do STJ e desta Corte Regional. 2. Na espécie, verifico tratar-se de fato delituoso de interesses particularizados de certos indígenas e não de crime contra a coletivi-dade dos índios, que verse sobre questões ligadas à cultura indígena e aos direitos sobre suas terras. E, embora o órgão ministerial afirme que ‘as provas contidas nos autos evidenciam que os delitos em apreço foram motivados por disputas de terras envolvendo interesses indígenas’ (fl. 106), não consta qualquer elemento que aponte que os delitos cometidos tiveram como motivação a disputa por terras indígenas, de modo a atrair a competência do feito para a Justiça Estadual. 3. Manuten-ção da decisão recorrida. 4. Recurso em sentido estrito a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – RSE 0001640-84.2012.4.01.3902/PA – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – DJe 17.10.2014)

2943 – Moeda falsa – conclusão de laudo pericial – falsificação de boa qualidade – Justiça Federal – competência

“Penal. Processo penal. Recurso em sentido estrito. Art. 289 do Código Penal. Moeda falsa. Conclusão de laudo pericial. Falsificação de boa qualidade. Competência da justiça federal. Decisão anulada. Recurso em sentido estrito provido. 1. Não havendo falsificação grosseira, descabe acolher pedido de desclassi-ficação do delito de moeda falsa para estelionato. 2. A conclusão do lauto pericial foi no sentido de que as cédulas falsas examinadas exibem aspecto pictórico similar ao da autêntica e reproduzem seus dizeres e impressões macroscópicas com boa qualidade, podendo ser confundidas com papel-moeda autêntico no meio circulante comum, principalmente quando submetidas a pessoas desconhecedoras dos elemen-tos de segurança do papel-moeda autêntico, em ambiente tumultuado ou com iluminação deficiente, ou ainda, em meio a um conjunto de outras cédulas. 3. Assim, não há que se falar em crime de estelionato, tampouco na incompetência da Justiça Federal para o julgamento do presente feito. A falsificação das notas postas em circulação pelo réu não eram grosseiras e, como consequência, deve prevalecer a classificação do delito feita da denúncia e a competência federal. 4. Recurso em sentido estrito provido.” (TRF 1ª R – RSE 0000287-82.2007.4.01.3805 – Relª Juíza Fed. Conv. Rosimayre Gonçalves de Carvalho – DJe 21.10.2014)

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2944 – Monitoramento eletrônico – regime semiaberto – prisão domiciliar – ausência

“Agravo em execução penal. Regime semiaberto. Prisão domiciliar. Monitoração eletrônica. Re-quisitos. Ausência. A prisão domiciliar para o condenado ao cumprimento da pena em regime semiaberto está restrita às hipóteses previstas na Lei, devendo ser reformada a Decisão que a con-cede, se a situação não está contemplada na norma. A fiscalização do preso em regime semiaberto por meio de monitoração eletrônica se limita às situações de saída temporária e prisão domiciliar, desde que estas preencham os requisitos da Lei.” (TJAC – Ag-AEXP 0022788-21.2011.8.01.0001 – (16.428) – C.Crim. – Rel. Des. Samoel Evangelista – DJe 10.10.2014)

2945 – Tráfico – flagrante preparado – crime impossível – Súmula nº 145 do STF – incidência

“Apelação criminal. Tráfico. Pretendida a absolvição. Alegado flagrante preparado. Acolhido. Sú-mula nº 145 do Supremo Tribunal Federal. Crime impossível. Art. 386, III, do Código de Processo Penal. Recurso provido. Trata-se de flagrante preparado, uma vez que os Policiais Civis receberam denúncia de que a apelante praticava o tráfico ilícito de entorpecente e, mediante simulação, a induziram a entregar o entorpecente a eles, conduta esta pela qual foi denunciada. Ora, é cediço que no flagrante preparado, a polícia provoca o agente a praticar o delito e, ao mesmo tempo, impede que ele se consume, cuidando-se, assim, de crime impossível (Súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal). Assim, nos termos do art. 386, inc. III, do Código Penal, a absolvição da ape-lante é medida que se impõe.” (TJMS – ACr 0066560-96.2009.8.12.0001 – 1ª C.Crim. – Rel. Des. Francisco Gerardo de Sousa – DJe 20.10.2014)

2946 – Tráfico de drogas – comercialização de medicamento – venda proibida no Brasil – pena – recálculo – procedência

“Penal e processual penal. Revisão criminal. Tráfico de drogas. Comercialização do medica-mento Pramil originário do Paraguai. Venda proibida no Brasil. Art. 33 c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006. Pedido de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Incidência da hipótese prevista no art. 621, III, do CPP. Revisionado primário e portador de bons antecedentes. Ausência de prova de integração em organização criminosa. Pou-ca quantidade de Pramil. Possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Redução das penas privativas de liberdade e de multa. Procedência da revisão criminal. 1. Revisionado que objetiva desconstituir o acórdão proferido pela Quarta Turma deste Tribunal na ACr 9.855/SE, que, na sessão do dia 19 de novembro de 2013, negou provimen-to à apelação do ora Revisionando, mantendo a sua condenação na pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 500 (quinhentos) dias multa, cada um deles no valor de R$ 10,00 (dez reais), pela prática do crime previsto no art. 33 c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, por ter ele, na qualidade de proprietário de Farmácia, ter em depósito para venda e comercialização o medicamento Pramil, proibido no País pela Anvisa, e trazido do Paraguai. 2. Pedido revisional de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, fundamentando-se no art. 621, III, do Código de Processo Penal: decisão conde-natória contrária à evidência dos autos e na descoberta, após a sentença, de novas provas de ino-cência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. 3. Hipótese prevista entre as indicadas no art. 621, do CPP, como autorizadoras do ajuizamento de Revisão Criminal. Possibilidade de acolhimento do pedido de recálculo da pena pela aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. 4. A primariedade e os bons antecedentes, além da boa conduta social e personalidade do Revisionado, devidamente reconhecidos na sentença, além da inexistência de prova da contumácia delituosa, permitem a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/3. 5. Pena privativa de liberdade reduzida para 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, tornada definitiva, a ser cumprida inicialmente em regime semi-aberto, pela prática do crime previsto no art. 33 c/c o art. 40, I, do CP. 6. Pena de multa também reduzida, de forma a guardar consonância com a pena privativa de liberdade, arbitrada em 350 (trezentos e cinquenta)

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dias-multa, cada um deles no valor de R$ 10,00 (dez reais). 7. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, em face da quantidade da pena apli-cada. 8. Procedência da Ação de Revisão Criminal.” (TRF 5ª R. – RCr 0004612-14.2014.4.05.0000 – (170/SE) – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 14.10.2014)

Trabalhista/Previdenciário

2947 – Aviso-prévio trabalhado – princípio da integralidade salarial – observação

“Aviso-prévio trabalhado. Art. 488, CLT. Princípio da integralidade salarial. Desconto indevido. Restando consignado no termo de aviso-prévio que o empregado tem direito a faltas no período, nos termos do art. 488 da CLT, não há que se falar em desconto salarial correspondente, sob ofen-sa ao princípio da integralidade salarial. Recurso ordinário conhecido e provido.” (TRT 16ª R. – ROPS 0142200-38.2013.5.16.0023 – Rel. Des. José Evandro de Souza – DJe 23.10.2014 – p. 49)

Comentário Editorial SÍNTESEA controvérsia gira em torno da observação do princípio da intangibilidade salarial no aviso--prévio trabalhado.

No cumprimento do aviso-prévio trabalhado, o empregado tem direito, em regra, a se ausentar do trabalho por 7 dias ou à redução de duas horas diárias, sem prejuízo do salário.

Se o empregador realizar desconto no salário terá que efetuar a devolução.

O Dr. Gelson Amaro de Souza explica:

“Sendo o salário o meio de sobrevivência do trabalhador empregado, deve ele estar ao abrigo de todas as garantias aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sabedora disso, a nossa Cons-tituição Federal elevou o salário ao nível de direito fundamental e estabeleceu garantias para a sua proteção. Pena é que se está longe de um estado de direito, com prevalência da Constituição Federal, sendo que normas infraconstitucionais não têm reconhecido a importância dos direitos fundamentais e, não raro, subtraem do salário e do empregado essas garantias constitucionais. Por isso, esses direitos fundamentais precisam ser revisitados, relidos e reinterpretados para que prevaleça a garantia do respeito à dignidade da pessoa humana.

[...]

Ensina Maranhão (1978, p. 182) que o preço da força de trabalho – o salário – é a contrapres-tação devida pelo empregador correspondente à prestação de serviço pelo empregado. Mas, sendo meio de subsistência de um ser humano e, dada por isso, a concepção social do salário. Essa idéia de que o salário deve corresponder à prestação de serviço e o importe dessa prestação deve ser visto com reservas, porque o salário não pode estar condicionado somente à produção, pois, há casos em que o empregado não trabalha e tem direito ao salário. Tal se dá nos casos de acidente do trabalho nos primeiros quinze dias, no aviso-prévio, no período de férias e nos intervalos para descansos. O que se deve levar em conta é que o salário é o meio de sobrevi-vência do empregado, que sem o seu recebimento pode chegar às agruras. Por isso é que a lei garante o recebimento do salário, mesmo em caso de não prestação de serviço, como nos casos de acidente (quinzenal), férias e intervalos para descanso.

Não é sem razão que Delgado (2005, p. 38) afirma que a valorização do trabalho é um dos prin-cípios cardeais da ordem constitucional brasileira, afirmando ser reconhecida, na Constituição Federal, a essencialidade do trabalho, como um dos instrumentos mais relevantes de afirmação do ser humano, quer no plano de sua própria individualidade, quer no plano de sua inserção familiar e social. Para ele, o trabalho assume o caráter de ser o mais relevante meio garantidor de um mínimo de poder social à grande massa da população, que é destituída de riqueza. Essa ausência de riqueza, ou de outros meios para a sobrevivência, é que traduz a necessidade de trabalho e empurra a pessoa a se sujeitar a trabalhar sob subordinação em busca de um salário. A pessoa não é empregada por opção, mas por necessidade e imposição social para a obtenção de um salário para a sua sobrevivência.

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A natureza alimentar do salário é ressaltada por Russomano (1978, p. 439), para quem o salário e a remuneração possuem traços comuns e ambos são essencialmente alimentares, isto é, constituem meios de subsistência dos trabalhadores. De forma mais incisiva, Russomano (1978, p. 447) afirma: ‘a natureza alimentar do salário reclama, de parte do legislador, regula-mentação cuidadosa’.

Seguindo a doutrina tradicional, reconhecendo a natureza alimentar do salário, Martins (2006, p. 310), após afirmar que o Direito do Trabalho tem como um de seus postulados fundamentais o princípio da intangibilidade salarial, esclarece que o mencionado princípio mostra a natureza alimentar do salário.

Não se pode ter dúvida de que a natureza do salário é mesmo alimentar. É o salário quem garante a sobrevivência do empregado, até mesmo porque este só trabalha por necessidade de sobreviver. Sendo o salário de natureza alimentar, sempre que dele subtrair algum valor estar--se-á subtraindo algo dos alimentos do empregado e com isso diminuindo a sua capacidade de alimentação e, por via de consequência, está diminuindo a sua capacidade de sobrevivência.

O salário do empregado, pela sua natureza alimentar, é a conta-gota da sobrevivência do em-pregado. Assim, qualquer diminuição ou desconto sobre o salário será, sem dúvida alguma, diminuição na condição de vida do empregado.

[...]

A mais importante medida protetiva do salário é a irredutibilidade, ao lado da impenhorabilida-de. Essas duas medidas representam avanço em tudo e, por qualquer ângulo que se queira ana-lisar. Nesse diapasão é que Delgado (2005, p. 73) apregoa que o princípio da irredutibilidade, hoje claramente incorporado pelo art. 7º, VI, da Carta Magna, traduz uma dimensão específica de diretriz um pouco mais ampla, da intangibilidade salarial.

Trata-se de princípio constitucional, cuja força espraia-se por todo o universo jurídico, sendo de grande relevo e com inestimável contribuição ao princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da irredutibilidade ou intangibilidade do salário se projeta nas mais variadas dire-ções, todas elas voltadas à proteção do ser humano e ao respeito à sua dignidade. Assim é que o sistema se armou contra as mudanças salariais prejudiciais ao empregado, a ponto de proibir a redução salarial. Também se ergueu barreira contra práticas que possam prejudicar o empre-gado, proibindo descontos por parte do empregador diretamente no salário do empregado, tudo no afã de evitar redução direta ou indireta na base salarial.

Se não pode haver redução direta do salário, também não o pode de forma indireta. O empre-gador não pode criar mecanismo de descontos, de forma a provocar a diminuição do salário do empregado. Se isso não é permitido ao patrão, logo não se pode permitir ao terceiro que nem empregador é.” (O salário como direito fundamental – revisitação – The Wage as a Fundamental Right – Revisited Subject. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 11 nov. 2014)

2948 – Benefício acidentário – auxiliar de serviço – lesão no tornozelo – comprovação – bene-fício devido

“Benefício acidentário. Auxiliar de serviço. Lesão no tornozelo. Acidente de trajeto. Pedido de concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença acidentário. Presentes nexo cau-sal/concausal e redução da capacidade laborativa, o trabalhador faz jus ao auxílio-acidente de 50% do salário de benefício, mais abono anual. Juros e correção monetária. Termos iniciais e índices. Honorários de advogado mantidos em 15% sobre as parcelas vencidas até a r. senten-ça. Custas. Isenção do INSS, respondendo, porém, pelas despesas do processo comprovadas nos autos, entre as quais se incluem os honorários periciais. Apelação da autora improvida e recur-so de ofício parcialmente provido, com observações.” (TJSP – Ap 0042099-40.2011.8.26.0053 – São Paulo – 16ª CDPúb. – Relª Flora Maria Nesi Tossi Silva – DJe 30.10.2014 – p. 2127)

2949 – Conflito de competência – ação de reparação de danos materiais e morais contra o INSS – efeitos

“Conflito de competência. Ação de reparação de danos materiais e morais. Segurado da Previ-dência Social vs. INSS. É de competência da turma especializada em matéria previdenciária o

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julgamento de ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada contra o INSS por segu-rado da Previdência Social, a pretexto de indevido indeferimento de benefício previdenciário.” (TRF 4ª R. – CC 0003881-46.2009.404.7105/RS – C.Esp. – Rel. Des. Fed. Rômulo Pizzolatti – DJe 02.10.2014 – p. 4)

Comentário Editorial SÍNTESECuida a vertente da competência para julgamento de ação previdenciária.Nossos Tribunais têm se manifestado da seguinte forma:CONFLITO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇAS FEDERAL E ESTADUAL – REVISÃO DE BENEFÍ-CIO PREVIDENCIÁRIO – EFEITOS – “Previdenciário. Competência delegada (art. 109, § 3º, da CF/1988). Juiz de direito do domicílio do segurado e juiz federal. Competência relativa. Declinação de ofício. Impossibilidade. Prorrogação. Norma constitucional originária. Controle de constitucionalidade. Inadmissibilidade. 1. No caso de ação previdenciária movida contra o INSS, o Supremo Tribunal Federal sufragou o entendimento, adotado também por esta Corte, de ser concorrente a competência do Juízo Estadual do domicílio do autor, do Juízo Federal com jurisdição sobre o seu domicílio e do Juízo Federal da capital do Estado-membro, devendo prevalecer a opção exercida pelo segurado (STF, Tribunal Pleno, RE 293.246/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 02.04.2004; Súmula nº 689 do STF; Súmula nº 8 do TRF da 4ª Região). 2. Sendo relativa à competência territorial, não pode dela o Juízo declinar de ofício, porquanto a questão fica ao alvitre privado das partes, e se prorroga, caso ausente exceção de incompetência veiculada pela parte ré. 3. Não se sustenta a tese do Juízo suscitado, de inconstitucionalidade superveniente do art. 109, § 3º, da Constituição Federal, relativa à competência delegada, em virtude do princípio constitucional da justiça célere e ágil, previsto no art. 5º, LXXVIII, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, uma vez que não se admite, no sistema jurídico pátrio, o controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder cons-tituinte originário. Precedente do STF.” (TRF 4ª R. – CC 0009813-53.2010.404.0000/RS – 3ª S. – Rel. Des. Fed. Celso Kipper – DJe 19.05.2010)O Professor Wladimir Novaes Martinez explica:“Por outro lado, serão ‘processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual’ (art. 109, § 3º).O interesse aludido é o direito e, assim, as empresas estatais patrocinadoras de fundos de pensão (per se, pertencentes ao Direito Privado), indiretamente não interessadas, não atraem a competência em matéria de previdência complementar.” (Curso de direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 77)

2950 – Férias – 45 dias – terço constitucional – cálculo total – aplicação

“Férias de quarenta e cinco dias. Terço constitucional devido sobre a totalidade. O art. 7º, XVII, da CF assegura aos trabalhadores o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal não estabelecendo a norma constitucional o período de duração do descanso anual. Havendo previsão expressa em lei municipal de que para os membros do magisté-rio, na função de docente, o período de férias é de 45 dias, o acréscimo de 1/3 deve ser calculado sobre a totalidade desse lapso temporal.” (TRT 12ª R. – RO 0002802-33.2013.5.12.0041 – 6ª C. – Relª Lília Leonor Abreu – DJe 31.10.2014)

2951 – FGTS – cobrança de contribuições – prescrição trintenária

“Tributário e processual civil. Execução fiscal. Cobrança de contribuições para o Fundo de Garan-tia por Tempo de Serviço (FGTS). Prescrição trintenária. 1. O prazo prescricional para a cobrança de dívidas oriundas do não recolhimento do FGTS é de 30 (trinta) anos. Inteligência da Súmula nº 210 do STJ. 2. A contagem do prazo prescricional inicia-se com a notificação do devedor para depositar as quantias apuradas pela administração, salvo se interposto eventual recurso adminis-trativo, caso em que o seu curso tem início da data de intimação da decisão final administrativa.

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Considerando que as contribuições para o FGTS não possuem natureza tributária, aplica-se o princípio da actio nata, segundo o qual o início do prazo prescricional se dá com o nascimento da pretensão ou da ação, sendo inaplicáveis as disposições insertas no art. 174 do CTN. 3. Embora não tenha sido juntado aos autos cópia do procedimento administrativo que torne capaz a aferição do Termo a quo prescricional, observa-se que nas certidões de dívida inscrita constam créditos com vencimentos no período compreendido entre junho de 1978 a agosto de 1980, inscritos em CDI na data de 26.01.1983. Assim, tendo em vista que o ajuizamento da execução fiscal se deu em 22.03.1983, resta afastada a prescrição trintenária por simples cálculo matemático. 4. Quanto à prescrição intercorrente, revela-se incabível a sua decretação, posto não haver transcorrido o prazo prescricional de trinta anos para a cobrança dos créditos relativos ao FGTS, contados do tér-mino do prazo de suspensão da Execução (art. 40, § 4º, da Lei nº 6.830/1980). Apelação provida.” (TRF 5ª R. – AC 2005.80.01.002773-0 – (572874/AL) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 26.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESECódigo Tributário Nacional:“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.Parágrafo único. A prescrição se interrompe:I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela LCP 118, de 2005)II – pelo protesto judicial;III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.”

2952 – Justa causa – falta grave – abandono de emprego – ausência de prova robusta e convin-cente – inaplicabilidade

“Recurso ordinário da reclamante/consignatária. Notícia de crime. Instauração de inquérito po-licial. Exercício regular de direito. Resolução indireta não reconhecida. A teor do inciso II e do § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal, a provocação da autoridade policial para fins de apuração de suposta prática de infração penal é um direito não apenas do ofendido como de toda e qualquer pessoa do povo. Destarte, exceto se ultrapassado o regular exercício do direito e comprovado o dolo ou a má-fé da vítima/lesado/interessado, não há falar em prática de ato lesivo da honra e boa fama da reclamante/consignatária. Falta grave. Abandono de emprego. Ausência de prova robusta e convincente. Justa causa não reconhecida. Para a aplicação da justa causa há a exigência de prova robusta, por se tratar de uma forma extrema de rescisão do contrato de tra-balho. E ainda, considerando-se que a referida penalidade restringe os direitos do empregado sem gerar ônus pecuniário ao empregador, a este incumbe produzir prova cabal a respeito dos fatos alegados, o que se evidencia no caso. Nesse sentido, à míngua de prova documental robusta ou testemunhal que comprove a falta grave imputada à reclamante/consignatária, imperiosa a reforma da r. sentença. Recurso ordinário da reclamante/consignatária conhecido e parcialmente provido. Recurso ordinário da primeira reclamada/consignante. Vínculo de emprego em período anterior ao anotado na CTPS. Impugnação especificada. Juntada de documentos pela empregadora que autorizam a formação de presunção favorável à trabalhadora. Ônus da prova. Como a primeira reclamada/consignante impugnou de forma especificada o pedido em comento, desincumbindo-se de tal ônus, lançou sobre a reclamante/consignatária o encargo probatório atinente à prestação de serviços em período anterior àquele registrado nos assentamentos funcionais. Entretanto, juntados aos autos pela própria empregadora documentos que justificam as ausências da reclamante/con-signatária em período anterior à sua admissão, a circunstância devolveu à primeira reclamada/consignante o encargo probatório relativo à controvérsia, do que não se desincumbiu, na medida em que não indicou qualquer testemunha para ouvida em juízo. FGTS. Irregularidade nos depó-

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sitos. Ausência de contestação específica. Vinculação com a improcedência do pedido principal. Regra da reciprocidade entre os bens. Indubitavelmente comprovado o labor da reclamante/con-signatária durante quinze meses sem registro na CTPS, tem-se por configurada a circunstância que confere o direito ao pagamento dos valores atinentes ao FGTS, na conformidade da regra da reciprocidade entre os bens defendida pela recorrente, segundo a qual o acessório segue a sorte do principal. Horas extraordinárias. Controles de frequência. Inidoneidade. Depoimento testemunhal. Valoração da prova. Livre convencimento motivado. Não se deve olvidar que o il. julgador pode observar de perto todas as reações das partes e testemunha, tais como o embaraço, as hesitações, as dúvidas, as convicções e a serenidade e, ainda, perceber a transparência e a sinceridade das afirmativas, bem como sopesar as provas e atribuir-lhes o valor que merecem. Ademais, verifico que a Magistrada que teve contato pessoal com a depoente prolatou a r. sentença, tornando-se pertinente invocar os efeitos do princípio da imediação, o qual permite ao juiz valorar de forma mais adequada os elementos de ordem subjetiva (manifestações físicas e psíquicas), evidentes no momento do depoimento e ausentes quando da simples leitura das declarações por esta instân-cia revisora, elementos extremamente relevantes para aferição da veracidade das declarações. Recurso ordinário da primeira reclamada/consignante conhecido e não provido.” (TRT 1ª R. – RO 0001471-25.2012.5.01.0019 – 5ª T. – Relª Marcia Leite Nery – DOERJ 16.10.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA controvérsia girou em torno da descaracterização da rescisão do contrato por justa causa.A CLT, em seu art. 482, elenca os requisitos para a configuração da rescisão do contrato de trabalho por justa causa, entre eles, na alínea i, o abandono de emprego.Todavia, em alguns caso, embora o empregado tenha contribuído para a aplicação da medida, a empresa deve ter muita cautela.Recentemente, o TST publicou a seguinte decisão:“[...] DEMISSÃO – FALTA GRAVE – NÃO IMEDIATIDADE DA PENALIDADE – PERDÃO TÁCITO – CONFIGURAÇÃO – De acordo com o princípio da imediatidade, a aplicação de penalidade pelo empregador deve ser imediata, sob pena de configurar o perdão tácito. Trata-se de construção doutrinária e jurisprudencial reiteradamente aplicada por esta Corte. No caso, inquestionável a ausência de imediatidade entre as condutas da trabalhadora e a aplicação da penalidade de demissão, porquanto decorridos mais de vinte anos entre as condutas e a iniciativa da reclama-da de atos tendentes à aplicação de penalidade, consubstanciados na abertura de sindicância para apuração de faltas funcionais, a configurar o perdão tácito. Portanto não demonstradas as alegadas violações de dispositivos legais e constitucionais, não configurada a hipótese do art. 896, alínea c, a autorizar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido.” (TST, AI-RR 742-05.2012.5.24.0004, 7ª T., Rel. Des. Conv. Arnaldo Boson Paes, DJe 26.09.2014)Nesta esteira de raciocínio, encontramos o seguinte ensinamento:“Não se poderia exigir, porém, fossem todas as faltas punidas instantaneamente, no minuto mes-mo que chegassem ao conhecimento da direção, pois, nas grandes organizações empresariais, o processo de tomar ciência, verificar, apurar e avaliar um ato faltoso e aplicar-lhe a penalidade correspondente sofre os entraves e delongas impostos pela burocracia, divisão de atribuições, organização do serviço, etc.Mesmo nas pequenas firmas deve ser evitada – e, portanto, não pode ser exigida – a instanta-neidade da reação do empregador, ao punir o empregado, pois a pressa é tradicional inimiga da perfeição. Reagindo afoitamente, pode o empresário se deixar levar pela emotividade, come-tendo injustiças.A falta deve, pelo contrário, ser bem examinada, sopesadas as circunstâncias, verificada a perso-nalidade do infrator, sua vida funcional e todos os demais fatores que envolveram a prática falto-sa. Somente após esse cauteloso exame estará o empregador habilitado a punir seu empregado na justa medida, aplicando-lhe punição proporcional à gravidade da falta.Deve haver, assim, sendo, um critério que sirva para orientar o julgador na avaliação da atua-lidade. Fixar-se, a priori, um espaço de tempo em dias não é possível, pois uma hora, um dia ou dois podem ser tolerados, entre a infração e a pena, em certas empresas, enquanto outras necessitam, por vezes, de trinta dias ou mais para aplicar a punição.

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Parece-nos que se deva exigir a imediatidade da punição. Expliquemo-nos: a reação do emprega-dor deve seguir-se imediatamente à ciência da falta, o que não significa instantaneamente, mas sim que não houve solução de continuidade, desde o conhecimento da falta, passando pelo seu exame e pela ponderação dos fatores que a envolveram, até a escolha da pena e sua aplicação.Dessa forma, haverá imediatidade da punição, sendo a falta considerada atual, sempre que não tenha ocorrido solução de continuidade no processo interno da empresa, para aplicação da pena. Pelo contrário, presumir-se-á ‘perdoado’ o ato faltoso, diante do desinteresse na aplicação da penalidade, se ocorrer interrupção desse processo.” (GIGLIO, Wagner D. Justa causa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 22-23)

2953 – Motorista carreteiro – trabalho externo – ausência de controle de jornada de trabalho – previsão em acordo coletivo de trabalho – efeitos

“Trabalho externo. Motorista carreteiro. Enquadramento no art. 62, I, da CLT. Previsão em Acordo Coletivo de Trabalho. Havendo previsão em Acordo Coletivo de Trabalho acerca do enquadra-mento do motorista carreteiro na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, cabia ao autor o ônus da prova quanto a existência de fixação e controle da jornada, do qual não se desincumbiu. Tenho, pois, por comprovado que as atividades do autor eram incompatíveis com a fiscalização da jorna-da de trabalho, nos termos do art. 62, I, da CLT. Indevidas, pois, as horas extras pleiteadas. Recurso da reclamada conhecido e provido.” (TRT 10ª R. – RO 0000027-70.2014.5.10.0007 – Rel. Juiz Francisco Luciano de Azevedo Frota – DJe 17.10.2014 – p. 4)

2954 – Processo do trabalho – assédio processual – litigância de má-fé – alteração da verdade dos fatos – prova – efeitos

“Dano processual. Assédio processual. Litigância de má-fé. Alteração da verdade dos fatos. Pro-va. Verdade real. Verdade material. Boa-fé objetiva. Lealdade processual. O exercício amplo e legítimo do direito deve ter como limites a boa-fé objetiva e a lealdade processual às partes e ao Judiciário. A atuação legítima e ampla é aquela que, sem calar a verdade ou alterá-la, atribui aos fatos consequências jurídicas diferentes das almejadas pela parte adversa. Os operadores do Di-reito têm-se, muitas vezes, distanciado do espírito da lei. O Judiciário não pode compactuar com essa atuação que parece utilizar o processo como uma possibilidade de angariar valores sem causa calcada na esperança de que o julgamento dê-se pelas técnicas do ônus da prova e das presunções favoráveis de proteção ao trabalhador. Os jurisdicionados e os operadores do Direito devem cada vez mais se acostumar com o fato de que o direito do trabalho e o direito processual do trabalho são ciências jurídicas e, como tais, possuem métodos. O processo do trabalho não tem carga extre-mamente paternalista, como muitos alardeiam. Não. O processo do trabalho busca a verdade real, respeita as provas e o disposto no ordenamento jurídico, ainda que a interpretação do direito do trabalho seja bastante principiológica (mais que em outros ramos do Direito), e, por fim, também não se contenta com a atuação desleal. As partes podem deduzir em juízo tudo quanto possível juridicamente. Isso, por óbvio, não autoriza as alegações destituídas de fundamento ou inverídicas com o intuito manifesto de prejudicar a parte adversa ou de enriquecer-se sem causa. O quanto decidido na origem está em conformidade com a lei, na medida em que impediu à parte a prática de ato com o fim nela proibido (art. 129 do CPC), restabeleceu a ordem processual e a dignidade da justiça, afastou o assédio processual e sanou o dano processual decorrente, estabelecendo a multa e indenização por litigância de má-fé. A sentença merece apenas uma reforma em relação ao quantum fixado de indenização. É que, na fixação da indenização por dano processual, deve-se considerar também a situação econômica do ofensor. A reclamante é pessoa pobre na acepção ju-rídica do termo, tanto que lhe concedidos os benefícios da justiça gratuita, que não alcançam, de-certo, as multas ou indenizações por litigância de má-fé. Reduz-se o valor da indenização e man-tém-se a multa de 1º% por litigância de má-fé.” (TRT 2ª R. – Proc. 0001950-46.2013.5.02.0442 – (20140892995) – Relª Juíza Maria Elizabeth Mostardo Nunes – DJe 17.10.2014)

Comentário Editorial SÍNTESENo caso em apreço, a reclamante foi condenada ao pagamento de indenização pela caracteriza-ção da litigância por má-fé configurando o assédio processual.

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A esse respeito, o saudoso Dr. Eurípedes Brito Cunha já pensava:

“Como se vê, o mau comportamento processual já é alvo de regulamentação e de penalidades, de acordo com o Código de Ritos Processual Civil. Todavia, partes existem que exacerbam até no desrespeito ao direito do adversário e à própria dignidade da justiça, emperrando o curso processual de tal sorte que o próprio órgão judicial – seja o juiz ou o Tribunal – sente-se quase manietado diante dos obstáculos perversos opostos pelo devedor para evitar o atendimento às decisões judiciais.

Considerando tais situações, que não são tão ausentes das lides forenses como poderia à primei-ra vista se pensar, estudiosos, doutrina e jurisprudência lado a lado, conduziram-se no sentido de examinar a frequência e a profundidade em que ocorrem os abusos destinados a elastecer, a mais não poder, o atendimento às previsões legais, maltratando-as e atingindo o direito da parte adversa, alcançando a própria dignidade da justiça.

A Juíza Trabalhista Mtylene Pereira Ramos, da 63ª Vara de São Paulo, resumiu, com acuidade e brilhantismo admirável, o conceito do assédio processual, nos seguintes termos:

Praticou a ré ‘assédio processual’, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento do processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando--se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.

Na Justiça do Trabalho em nosso Estado, temos, pelo menos, dois exemplos no mesmo sentido, um dos quais originário da 2ª Vara do Trabalho de Itabuna, em sentença firmada pelo Juiz Auxi-liar Gustavo Carvalho Chehab, sob a invocação dos incisos XXXV, LIV e LXXVIII da Constituição Federal, e acórdão emitido pelo egrégio Regional, da relatoria da ilustre Desembargadora Substi-tuta. Toma-se, por último exemplo, o da Regional Judiciária de Mato Grosso, mais precisamente de sentença lavrada pela Juíza Adriana Lopes Fernandes, da 5ª Vara do Trabalho de Cuiabá, confirmada pela 4ª Turma do egrégio Regional.

De outra parte e enfim, o colendo TST já se manifestou acolhendo a tese e condenou a CEF a indenizar a parte contrária em um por cento (1%) e mais vinte por cento (20%) a título de indenização por danos processuais, sob a relatoria do Juiz Convocado José Eduardo de Rezende Chaves Júnior.

Nesse passo, a Justiça Trabalhista, partindo na frente, vem impondo contra os autores de abusos processuais as penalidades que se sustentam na Constituição Federal, que assegura às partes a celeridade processual, repudia as ofensas à dignidade da própria de Justiça e ao direito da parte contrária de ver a devida solução da questão a ser decidida e, em sequência, o respeito à coisa julgada.” (Assédio processual. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 23 out. 2014)

2955 – Sindicato – propositura de ação coletiva – exercício do direito de greve – legitimidade ativa – reconhecimento

“Ação coletiva proposta por sindicato de trabalhadores que visa possibilitar o livre exercício do di-reito de greve da categoria. Legitimidade do sindicato para ajuizar a ação. Nos termos do art. 8º, III, da Constituição Federal, o sindicato da categoria profissional tem legitimidade para postular ação coletiva que visa possibilitar o livre exercício do direito de greve da categoria.” (TRT 12ª R. – RO 0004207-34.2013.5.12.0032 – 5ª C. – Redª p/o Ac. Gisele Pereira Alexandrino – DJe 16.10.2014)

Tributário

2956 – Certidão positiva com efeitos de negativa – mandado de segurança – art. 206 do CTN

“Processual civil e tributário. Mandado de segurança. Certidão positiva com efeitos de negativa. Art. 206 do CTN. I – O direito à obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa está previsto no art. 206 do CTN, pressupondo a suspensão da exigibilidade do crédito, seja pela penhora nos

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autos da própria execução, seja pela presença de qualquer da causas de suspensão previstas no art. 151 do mesmo diploma legal. II – Pendente de análise a retificação das declarações que aponta o pagamento, parcelamento ou compensação dos débitos apontados, há suspensão da exigibilidade dos débitos em questão a possibilitar a emissão de certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, condicionada à inexistência de outras pendências que não as mencionadas nos autos. III – O interesse processual na obtenção do provimento jurisdicional persiste ainda que a liminar concedida em primeiro grau tenha caráter satisfativo, haja vista os efeitos jurídicos produzidos pela emissão da CND, inclusive com relação a terceiros. IV – Remessa oficial e apelação despro-vida.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0024897-33.2005.4.03.6100/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Alda Basto – DJe 23.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEComentamos adiante um julgado em sede de mandado de segurança, impetrado em 01.11.2005, objetivando a obtenção de Certidão Positiva de Débitos com efeitos de Negativa junto à DRF/SP e PFN/SP em face da negativa das impetradas por constar de seus registros débitos em fase de cobrança administrativa junto à Receita Federal.

Em suas alegações, a impetrante sustentou a insubsistência da cobrança, pois os débitos teriam sido objeto de pagamento, parcelamento e compensação informados em DCTF retificadora pen-dente de análise pela autoridade administrativa.

Processado o feito com liminar deferida, sobreveio sentença no sentido da concessão da se-gurança para determinar a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa – CPEN, condicionada à inexistência de outros débitos que não os mencionados nos autos e à pendência de análise da retificação de DCTF perpetrada pelo contribuinte.

Sentença submetida ao reexame necessário.

Inconformada, a União Federal apelou sustentando a inadequação da via eleita, à falta de direito líquido e certo a justificar a impetração.

O conflito foi então para apreciação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que iniciou suas considerações sustentando que é assegurada pela Carta Constitucional de 1988, independente-mente do pagamento de taxas, a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, nos termos do art. 5º, inciso XXXIV, alínea b, garantia reiterada no art. 205 do CTN.

Reforça ainda que “Certidão” é documento escrito, dotado de fé pública, cujo conteúdo reproduz cópia fiel de dados e informações constantes de livros, arquivos ou sistemas de uma repartição, sem qualquer juízo de valor do Poder Público.

Já no que tange à matéria tributária, a Nobre Desembargadora, Alda Bastos (Relatora) sustenta ainda que tais documentos retratam a situação do contribuinte perante o Fisco relativamente a seus débitos, de maneira que encerra em seu bojo informações acerca da existência/inexistência destes, resultando positiva, negativa ou positiva com efeito de negativa.

Destacou, também, que é importante ressaltar que a expedição de certidão negativa de débitos tem caráter satisfativo e pode criar situações que comprometem não apenas os interesses do Fisco, mas também de terceiros que assumiram compromissos confiando na fé pública do docu-mento. Havendo pendências, seus créditos ficarão em situação desvantajosa, em face dos pri-vilégios dos créditos que supunham inexistentes, razão pela qual há tanta cautela ao expedi-la.

Por outro lado, o direito à obtenção da certidão positiva com efeitos de negativa está previsto pelo art. 206 do CTN, pressupondo a suspensão da exigibilidade do crédito, seja pela penho-ra nos autos da própria execução, seja pela presença de qualquer das causas previstas pelo art. 151 do mesmo diploma legal, quais sejam: a moratória, o depósito do seu montante inte-gral, as reclamações e os recursos no processo tributário administrativo, a concessão de medida liminar em mandado de segurança e, agora com a nova redação dada pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, também a concessão de medida liminar ou de tutela ante-cipada, em outras espécies de ação judicial, além do parcelamento, nos termos dos incisos V e VI do referido art. 151.

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ................................................................................................................231

A certidão de regularidade fiscal foi obstada diante da existência de débitos apontados pela auditoria da Receita Federal do Brasil em termo de intimação para pagamento ou retificação de dados, frisou a Desembargadora.

Continuou observando que do confronto entre as informações prestadas pelo contribuinte em suas declarações e as informações constantes dos registros de dados da PFN e RFB o contri-buinte foi intimado para pagamento ou retificação de informações, caso se evidenciasse erro de preenchimento nas respectivas declarações e reforçou que o contribuinte procedeu à retificação das informações das DCTFs pendentes de apreciação pelo Fisco.

Lembrou também que a autoridade fazendária, nem em informações, tampouco em razões de apelação, manifestou-se sobre as alegações do contribuinte quanto à compensação, parcela-mento e pagamento informados em retificação de DCTF.

Neste sentido, pendente de análise a retificação das declarações, que apontam pagamento, par-celamento ou compensação dos débitos apontados, há suspensão da exigibilidade a possibilitar a emissão de certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, condicionada à inexistência de outras pendências que não as mencionadas nos autos.

A Ilustre Julgadora ainda destacou que é possível obter a certidão positiva de débitos com efei-tos de negativa pela Internet, conforme consulta ao sistema informatizado da Procuradoria da Fazenda Nacional, e não obstante o caráter satisfativo da liminar concedida em primeiro grau, persiste, todavia, o interesse processual na obtenção do provimento jurisdicional definitivo, haja vista os efeitos jurídicos produzidos pela emissão da CND, inclusive com relação a terceiros.

Neste sentido é a orientação do col. STJ, conforme aresto a seguir transcrito:

“PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – SENTENÇA CONCESSIVA – CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO – CND – DECURSO DO PRAZO DE VALIDADE – APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL JULGADAS PREJUDICADAS – PERDA DO OBJETO – PRECEDENTES

1. O fato de haver expirado o prazo de validade da Certidão Negativa de Débito – CND – não torna sem objeto a ação proposta. A satisfação de liminar ou de sentença ainda não transitada em julgado não conduz à extinção do processo ao extremo de se reconhecer a prejudicialidade dos recursos voluntário e oficial.

2. Persistindo o interesse processual, há de ser reconhecido o direito do recorrente em obter pronunciamento definitivo acerca da questão de fundo objeto da controvérsia. A jurisdição não acaba antes do trânsito em julgado da sentença de mérito. Precedentes desta Corte Superior.

3. Embargos de divergência acolhidos.” (STJ, ERSP 238877, 1ª S., Rel. Min. José Delgado, DJ 04.03.2002, p. 174)

Assim, com base em todo o exposto, a Nobre Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento à apelação e à remessa oficial.

2957 – Cofins – inclusão do ICMS na base de cálculo – impossibilidade

“Constitucional e tributário. Inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Impossibilidade. Pre-cedentes da 4ª Seção do TRF/1ª Região. Embargos infringentes não providos. 1. Indevida a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins. Precedentes da Quarta Seção deste Regional. 2. Embar-gos infringentes não providos.” (TRF 1ª R. – EI 2008.01.00.009409-5/BA – Rel. Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa – DJe 21.10.2014)

2958 – Contribuição ao SAT – Município – atividade preponderante – alíquota – majoração

“Tributário. Contribuição ao RAT. Município. Atividade preponderante. Alíquota. Majoração. Decreto nº 6.042/2007. Princípio da razoabilidade. 1. Em relação à legalidade da cobrança da contribuição ao SAT, o STJ consolidou a orientação de que o decreto que estabelece o que vem a ser atividade preponderante da empresa e seus correspondentes graus de risco – leve, médio ou grave – não exorbita de seu poder regulamentar. 2. O Tribunal de origem consignou que houve a correta divulgação dos dados utilizados para fins do cálculo do SAT. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.460.694 – (2014/0143520-5) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.10.2014)

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Comentário Editorial SÍNTESERELATÓRIOO SAT, Seguro por Acidentes de Trabalho, foi consagrado como direito social dos trabalhadores desde a Carta Política de 1937 decretada por Getúlio Vargas.A constituição que o sucedeu manteve tal direito e dispôs expressamente ser do empregador a obrigação de financiá-lo (art. 157, XVII, da CF/1946).Isto gerava uma contradição com o financiamento tripartite do sistema previdenciário, estabele-cido no dispositivo anterior (inciso XVII).Esses preceitos foram mantidos na Carta de 1967 (art. 158, incisos XVI e XVII), mas a Lei nº 5.316/1967, editada sob a sua égide, integrou à Previdência Social o seguro contra acidentes de trabalho e regulou-o detidamente.Desta forma, o seguro, que anteriormente era suportado por empresas junto a entidades segura-doras, foi estatizado, passando a ser pago à Previdência Social, segundo critérios estabelecidos pela legislação, atribuindo-se à obrigação de financiá-lo.O acórdão que passamos a comentar tratou de uma discussão que envolveu tal tributo, com um agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso.A agravante sustentou que o decisum se baseou em jurisprudência ultrapassada para decidir a lide.Aduziu que o Decreto nº 6.042/2007 não viola os princípios da razoabilidade e da proporcio-nalidade e pleiteou a reconsideração do decisum agravado ou a submissão do recurso à Turma. Ao analisar o recurso, o Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator) iniciou seu julgamento afirmando que o agravo regimental merece prosperar em parte, justificando sua posição pela ausência de argumentos hábeis para alterar os fundamentos da decisão ora agravada, quanto à temática do terço constitucional de férias, que torna incólume o entendimento nela firmado e que, portanto, não há que se falar em reparo na decisão nesse ponto.O acórdão recorrido concluiu que a contribuição do Município de Vitória de Santo Antão para o SAT deveria permanecer à alíquota de 1%, uma vez que sua atividade é preponderantemente burocrática. O d. Ministro destacou, então, que tal entendimento se coaduna com os precedentes desta Corte, que adiante transcrevemos:PREVIDENCIÁRIO – CONTRIBUIÇÃO – SAT – ATIVIDADE PREPONDERANTE – SERVIÇO PÚ-BLICO – ATIVIDADE BUROCRÁTICA – MUNICÍPIO – PREFEITURA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – ART. 17, I, DO CPC1. A Administração Pública Municipal deve contribuir para a previdência social para financiar a complementação das prestações por acidente de trabalho com base no percentual de 1% (um por cento), uma vez que atividade preponderante é serviço burocrático, cujo risco de ocor-rência de acidente de trabalho é considerado leve, conforme previsto no anexo do Decreto nº 612/1992.3. Recurso especial não provido. (REsp 492.704/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª T., DJ 03.08.2006)PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓR-DÃO – SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO – TABELA DE RISCO – ENQUADRAMENTO – UNIDADE INDUSTRIAL E ESCRITÓRIO – ATIVIDADE ADMINISTRATIVA – CGC DISTINTO – DECRETO Nº 83.081/1979 – PRECEDENTES – DESNECESSIDADE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LEGAL[...]4. A jurisprudência do extinto e eg. Tribunal Federal de Recursos pacificou o entendimento no sentido de que ‘o grau de risco afeto às atividades desenvolvidas por funcionários de empresa, devem, necessariamente, se compatibilizar com as funções e os locais onde são desenvolvidas as atividades. Não tem procedência equiparar-se a taxa de risco das atividades desenvolvidas em um escritório com as desenvolvidas em uma usina de produção de álcool, tomando-se como taxa única a que tem incidência para o risco desta última. A periculosidade é diferenciada, por isto mesmo, a taxa também o deverá ser’. (AC 121362/SP, 5ª T., Rel. Min. Pedro Acioli, DJ de 28.05.1987)5. A alíquota da contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho – SAT – deve corresponder ao grau de risco da atividade desenvolvida em cada estabelecimento da empresa, mesmo quan-do esta possui um único CGC.

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ................................................................................................................233

6. Possuindo o parque industrial e o escritório da administração inscrições próprias no CGC/MF (atual CNPJ), o enquadramento na tabela de risco para fins de custeio do SAT será compatível com as tarefas desenvolvidas em cada um deles (art. 40 do Decreto nº 83.081/1979).7. No caso, deu-se o lançamento em filial da recorrida que realiza serviços burocráticos (escritó-rio), razão pela qual o risco de acidentes de trabalho deve ser considerado leve, sendo incabível, pois, a aplicação de alíquota de risco máximo de acidentes.Precedentes do saudoso Tribunal Federal de Recursos.8. Desnecessidade de apreciação da constitucionalidade da norma legal discutida, mas sim adequá-la ao caso concreto.9. Embargos rejeitados. (EDcl-REsp 433.081/RS, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., DJ 09.12.2002)No que tange à legalidade da cobrança da contribuição ao SAT, o STJ consolidou a orientação de que o decreto que estabeleça o que venha a ser atividade preponderante da empresa e seus correspondentes graus de risco – leve, médio ou grave – não exorbita de seu poder regulamentar. Precedente do STJ:PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO AO SAT – ACÓRDÃO FIRMADO SOB FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL – ANÁLISE VEDADA NESTA VIA RECURSAL – PUBLICIDA-DE – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – REVISÃO – MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – SÚ-MULA Nº 7/STJ – DEFINIÇÃO POR DECRETO DO GRAU DE PERICULOSIDADE DAS ATIVIDA-DES DESENVOLVIDAS PELAS EMPRESAS – LEGALIDADE1. O acórdão recorrido analisou a matéria sob fundamento constitucional (art. 150, I, da CF), o que inviabiliza sua alteração em recurso especial.2. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que houve a correta e transparente divul-gação dos dados utilizados para fins do cálculo do FAP. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula nº 7/STJ.3. Em relação à legalidade da cobrança da contribuição ao SAT, o STJ consolidou a orientação de que o decreto que estabeleça o que venha a ser atividade preponderante da empresa e seus correspondentes graus de risco – leve, médio ou grave – não exorbita de seu poder regulamentar. Precedentes do STJ.4. Agravo regimental não provido. (AgRg-REsp 1290007/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 06.03.2012).Por outro lado, o Tribunal de origem consignou que houve a correta divulgação dos dados utiliza-dos para fins do cálculo do SAT. A revisão desse entendimento implica reexame de fatos e provas, obstado pelo teor da Súmula nº 7/STJ. A propósito:TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – CON-TRIBUIÇÃO DE CUSTEIO DO SEGURO DE ACIDENTE DE TRABALHO – SAT – GRAU DE BAIXO RISCO – FIXAÇÃO DA ALÍQUOTA MÍNIMA – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – AGRAVO NÃO PROVIDO1. A modificação do acórdão recorrido – no sentido de se caracterizar o grau de baixo risco das atividades preponderantes dos servidores municipais, para o fim de ser aplicável a alíquota mínima para a contribuição de custeio do Seguro Acidente de Trabalho – SAT – requer, na via especial, novo exame do conjunto fático-probatório dos autos, providência que encontra óbice no enunciado da Súmula nº 7/STJ.2. Agravo regimental não provido. (AgRg-REsp 1422783/PB, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe 27.02.2014)TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – SEGURO DE ACIDENTE DE TRABALHO (SAT) – GRAU DE PERICULOSIDADE E ALÍQUOTAS FIXADAS POR DECRETO – LEGALIDADE – VERIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CADA EMPREGADO – IMPOSSI-BILIDADE – VERBETES SUMULARES NºS 7 E 351/STJ – AGRAVO NÃO PROVIDO1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é legal a fixação, por decreto, dos níveis de periculosidade e das alíquotas do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT).2. A verificação da atividade que cada empregado desenvolve, além da inviabilidade da sua análise em sede especial, por implicar reexame fático-probatório (Súmula nº 7/STJ), contraria a jurisprudência consolidada no Enunciado Sumular nº 351/STJ, segundo a qual apenas o CNPJ ou a atividade preponderante desenvolvida pela empresa constituem meios idôneos para legiti-mar o enquadramento do referido seguro.

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3. Agravo regimental não provido. (AgRg-AREsp 85.569/BA, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., DJe 13.09.2012)PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – CDA – REQUISITOS – SÚMULA Nº 7/STJ – CONTRI-BUIÇÃO – SAT – ATIVIDADE PREPONDERANTE EM CADA EMPRESA – CNPJ – SÚMULA Nº 351/STJ1. É cediço no Superior Tribunal de Justiça que, para a investigação acerca dos requisitos formais da CDA que embasa a execução fiscal, torna-se necessária a revisão dos elementos probatórios do caso, hipótese que não se coaduna com a via eleita, conforme vedação da Súmula nº 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 2. Quanto à irresignação no que tange à alíquota de Contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), a jurisprudência é no sentido de que esta é aferida pelo grau de risco desenvolvido em cada empresa, individualizada pelo seu CNPJ, ou pelo grau de risco da atividade preponderante quando houver apenas um registro, conforme teor do Enunciado Sumular nº 351 do STJ.3. Agravo Regimental não provido. (AgRg-Ag 1405275/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 01.09.2011)Assim, entendeu estar ausente a comprovação da necessidade de retificação a ser promovida na decisão agravada, proferida com fundamentos suficientes e em consonância com entendimento pacífico deste Tribunal, não há prover o agravo regimental que contra ela se insurge.Desta forma, diante de todo o explanado, o eg. Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo regimental.

2959 – Crimes contra a ordem tributária – constituição definitiva do crédito tributário – pres-crição

“Processo penal. Crimes contra a ordem tributária. Constituição definitiva do crédito tributário. Prescrição. 1. É pacífico na jurisprudência que a consumação dos crimes contra a ordem tributária, dentre os quais o tipo penal em análise, somente ocorre após a consolidação, em sede adminis-trativa, dos créditos tributários. 2. Somente após a constituição definitiva do crédito tributário, em sede administrativa, passa a correr a prescrição da pretensão punitiva do Estado. 3. Considerando os termos da Súmula nº 497 do STF, ‘quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula--se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação’ e o art. 109, inciso V, do Código Penal, verifica-se, de plano, a extinção da punibilidade, por-quanto houve o decurso de prazo entre os marcos interruptivos.” (TRF 4ª R. – QO-ACr 0001835-28.2007.404.7114/RS – 7ª T. – Relª Desª Fed. Claudia Cristina Cristofani – DJe 25.09.2014)

2960 – IPI – cana-de-açúcar – alíquotas

“Tributário e constitucional. Imposto sobre produtos industrializados (IPI). Cana-de-açúcar. Alí-quotas. Lei nº 8.393/1991 e Decreto nº 420/1992. Legalidade. A fixação de alíquotas do IPI fica sujeita à política administrativa de conveniência do Governo Federal. Admite-se à União Federal a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioe-conômico entre as diferentes regiões do País. A Lei nº 8.393/1991 e o Decreto nº 420/1992, que alteraram o regime fiscal das operações relativas ao açúcar e ao álcool e estabeleceram alíquotas diferenciadas do IPI em até 18% para certas regiões do país, não afrontaram os princípios da isonomia e da seletividade dispostos nos arts. 150, II, 151, I, e 153 da CF/1988. A revogação do art. 2º, da Lei nº 8.393/1991 pela Lei nº 9.532/1997 não significou o retorno ao regime anterior previsto na Lei nº 7.798/1989, que previa a alíquota ‘zero’. Apelação da União Federal e remessa necessária a que se dá provimento e Apelação da Autora a que se nega provimento.” (TRF 2ª R. – AC 1999.02.01.058269-4 – 3ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcello Granado – DJe 21.10.2014)

2961 – Prescrição intercorrente – execução fiscal – art. 40 da Lei nº 6.830/1980 – despacho ordenando a suspensão do curso da execução ou determinação de arquivamento dos autos – inexistência

“Processo civil e tributário. Execução fiscal. Art. 40 da Lei nº 6.830/1980. Despacho ordenando a suspensão do curso da execução ou determinação de arquivamento dos autos. Inexistência.

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Prescrição intercorrente. Inocorrência. 1. É lícito ao Juiz, quando satisfeitos os pressupostos do art. 40 e §§ da Lei nº 6.830/1980, reconhecer ex officio a prescrição intercorrente. 2. Na hipótese dos autos, não houve despacho determinando a suspensão da execução, na forma do art. 40 da Lei nº 6.830/1980, nem qualquer determinação de arquivamento dos autos. Destarte, o prazo da prescrição intercorrente sequer iniciou não havendo que se falar em ocorrência de prescrição intercorrente. 3. A culpa pela paralisação do feito executivo não pode ser atribuída ao exequen-te, consistindo, na realidade, falha do mecanismo do próprio Judiciário. 4. Apelação provida.” (TRF 5ª R. – AC 0000378-45.2014.4.05.8000 – (573781/AL) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Roberto Machado – DJe 23.10.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 6.830/1980:

“Art. 40. O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4º deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)”

2962 – Taxa de limpeza pública – presença dos requisitos legais – Súmula Vinculante nº 19/STF – imunidade recíproca – inaplicabilidade

“Processo civil e tributário. Embargos à execução. Taxa de limpeza pública. Presença dos requi-sitos legais. Súmula Vinculante nº 19/STF. Imunidade recíproca. Inaplicabilidade. Tributação a prédios públicos. Possibilidade. 1. A Certidão de Dívida Ativa encontra-se lastreada na legislação de regência, contendo todos os requisitos essenciais para a sua validade. 2. O STF assentou que a Taxa de Limpeza Pública – TLP é inconstitucional apenas quando vinculada a serviços de caráter universal, portanto, indivisíveis. Reconhece-se que, se a exação for instituída em decorrência da atuação estatal específica e divisível, a constitucionalidade da TLP mantém-se incólume. Súmula Vinculante nº 19/STF. Precedentes. 3. No que concerne à possibilidade de tributação da TLP re-lativa a imóveis que sediam órgãos públicos, a alegação de imunidade recíproca entre a União e o Município deve ser afastada, tendo em vista que dita imunidade (art. 150, VI, a, da CF), não engloba as taxas, mas tão somente os impostos. 4. Não se pode perder de vista ainda que, em se tratando de taxa que remunera serviço, a cobrança da TLP deve ser delineada apenas pela intensi-dade que o contribuinte exige de intervenção estatal, não podendo ser inserido, portanto, qualquer elemento diferenciador no fato gerador relacionado à qualidade do sujeito passivo. Sabendo-se, outrossim, que a destinação do imóvel não importa em qualquer diferenciação do serviço realiza-do pelo município, incabível o afastamento da exação com relação aos prédios públicos. 5. Apela-ção improvida. Sentença mantida.” (TRF 5ª R. – AC 0000656-19.2014.4.05.8300 – (574310/PE) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Roberto Machado – DJe 17.10.2014)

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Clipping Jurídico

Empresas que extraem e industrializam madeira devem ter engenheiro florestal como responsável técnico

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou que todas as empresas do Rio Grande do Sul que trabalham com extração florestal ou industrialização de ma-deira tenham um engenheiro florestal como responsável técnico e não um engenheiro agrônomo. A decisão da 4ª Turma, tomada em julgamento na última semana, deu pro-vimento a recurso de três entidades de classe gaúchas que representam os engenheiros florestais. A Associação Gaúcha de Engenheiros Florestais, a Sociedade dos Engenhei-ros Florestais do RS e a Sociedade Santamariense de Engenheiros Florestais ajuizaram ação na Justiça Federal contra o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do RS (CREA/RS). Segundo as entidades, o conselho tem permitido o registro de empresas do setor com inscrição de engenheiro agrônomo como técnico responsável. As autoras argumentam que o engenheiro agrônomo não tem capacitação para atuar nessa área específica, carecendo de conhecimentos aprofundados de tecnologia e industrializa-ção, tratamento e preservação da madeira. Argumentam que a avaliação das proprieda-des físico-químicas e anatômicas da madeira é um conhecimento próprio da formação dos engenheiros florestais. A ação foi julgada improcedente em primeira instância e as autoras recorreram ao tribunal. O Relator do processo, Desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, ressaltou que, embora a Lei nº 5.194/1966 defina de forma genérica as atribuições de engenheiros e arquitetos, uma resolução posterior (Confea nº 218/1973) definiu claramente as competências de cada modalidade de engenharia. “Assim, as empresas que desenvolvem atividades extratoras florestais e industrializa-doras de madeira, serraria/madeireira, ensejam a contratação de responsável técnico profissional engenheiro florestal”, concluiu o Desembargador, reformando a sentença. Nº do Processo: 5051005-13.2013.404.7100. Fonte: Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Estado deve informar em 72 horas se pretende parcelar salários

O Desembargador João Barcelos de Souza Júnior, do Órgão Especial do TJRS, deu prazo de 72 horas para que o Governador confirme ou não a notícia sobre o parcelamento dos salários. Também determinou que, caso seja confirmado o parcelamento, que as infor-mações sejam acompanhadas dos números fazendários que expliquem a impossibilida-de do pagamento em dia. A decisão decorre de pedido da Associação dos Delegados de Polícia do RS, que impetrou Mandado de Segurança Coletivo Preventivo para que não haja o parcelamento e que seja assegurado o direito de receber mensalmente, até o úl-timo dia útil do mês, a integralidade dos vencimentos. Após as informações solicitadas, o Desembargador relator apreciará o pedido liminar da Associação dos Delegados para que seja garantido o pagamento integral dos vencimentos. Processo nº 70063909873. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul

Liminar restabelece divisão de fundo de MT ante Estado e Municípios

A Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu o pedido de li-minar na Reclamação (RCL) nº 19555, ajuizada pela Associação Mato-Grossense de Municípios (AMM), para restabelecer a eficácia de lei de Mato Grosso que prevê a

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – CLIPPING JURÍDICO..............................................................................................................................237

repartição de 50% dos recursos do Fundo Estadual de Transportes e Habitação (FE-THAB) entre os Municípios do Estado. Ao conceder a liminar, a Ministra salientou que os recursos oriundos do fundo já estavam incluídos na dotação orçamentária dos Municípios, e que sua não destinação poderia causar danos irreversíveis. Na origem, a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja/MT) e a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) ajui-zaram ação na Justiça estadual para questionar normas que promoveram alterações no FETHAB. Posteriormente, em petição naqueles autos, requereram a suspensão dos efeitos da Lei nº 10.051/2014 (alterando a Lei nº 7.236/2000), que determinou a divi-são dos recursos do fundo entre as administrações municipais e a estadual. Segundo as entidades, a divisão dos recursos entre os Municípios representaria sua destinação ilegal e inconstitucional para outras áreas da Administração Pública. Alegaram ainda que a Administração Estadual perderia recursos da ordem de R$ 1,7 bilhão, neces-sários para a manutenção e expansão de obras viárias. O juízo da 4ª Vara Especia-lizada da Fazenda Pública de Cuiabá acolheu o pedido das entidades e suspendeu a eficácia da norma, sob o fundamento da plausibilidade da alegada inconstitucio-nalidade do ato normativo estadual, por não ter seguido regras gerais editadas pela União sobre condições para a instituição e o funcionamento de fundos. Decisão: No entendimento da Ministra Rosa Weber, a cautelar, nos termos em que foi concedida pela Justiça mato-grossense, “retirou do ato normativo a sua aptidão para quaisquer efeitos, produzindo eficácia idêntica a que decorre da decisão cautelar no âmbito do controle concentrado”. A Relatora frisou que o exame acerca da constitucionalidade da norma estadual, aparentemente, não se trata de questão prejudicial indispensável à solução do litígio principal. Segundo ela, o pedido formulado na petição inicial, com o objetivo de que o Estado de Mato Grosso deixe de “desviar os recursos do Fethab”, embora tenha aparência de efeitos concretos consistentes em obrigação de não fazer, equivale a determinar que deixe o Estado de observar o disposto nas leis impugnadas. “Portanto, declaração de inconstitucionalidade das leis apontadas pelas autoras pa-rece ser a essência do pedido da ação originária, não uma questão incidental. Assim, reputo necessário, em juízo perfunctório, considerado o periculum in mora consis-tente no comprometimento das verbas já incluídas no dotamento orçamentário dos Municípios, deferir a medida acauteladora para determinar a suspensão dos efeitos da decisão reclamada”, concluiu a Ministra. Fonte: Supremo Tribunal Federal

Plenário converte Súmula nº 681 do STF em súmula vinculante

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, nesta quinta-feira (12), a Pro-posta de Súmula Vinculante (PSV) nº 101, que converte o texto da Súmula nº 681, da Corte, em súmula vinculante (SV). O novo verbete – SV 42 – terá a seguinte redação: é inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária. O Presidente do Supremo, Minis-tro Ricardo Lewandowski, afirmou que a SV 42 é amparada em diversos precedentes da Corte e no número recorrente de ações que continuam chegando ao STF sobre o tema. A proposta foi formulada pelo Ministro Gilmar Mendes, Presidente da Comissão de Ju-risprudência do STF. Processos relacionados: PSV 101. Fonte: Supremo Tribunal Federal

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238 .........................................................................................................................DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – CLIPPING JURÍDICO

Tribunal julga leis municipais inconstitucionais e determina exoneração ime-diata de comissionados

O Pleno do Tribunal de Justiça da Paraíba, na sessão ordinária desta quarta-feira (11), julgou procedente Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) movidas pelo Ministé-rio Público estadual contra o Município de Catingueira. O órgão ministerial denunciou que a prefeitura teria criado cargos para provimento em comissão no âmbito da admi-nistração, nas secretarias de Turismo, Esporte e Cultura, sem a realização de concurso público. Com a decisão, o colegiado determinou a imediata exoneração dos servidores, a partir da publicação dos acórdãos no Diário da Justiça. Os Processos nºs 2005142-69.2014.815.0000 e 20005141-84.2014.815.000 tiveram, respectivamente, as relato-rias dos Desembargadores José Aurélio da Cruz e Leandro dos Santos. Conforme os autos, o Ministério Público aduziu que a Leis Ordinária nº 466/2008 e Complementar nº 12/2010, ambas de Catingueira, tratam da criação de cargos comissionados nas três secretarias, com funções de diretores e coordenadores, inerentes a cargos de caráter burocrático que não exigem qualquer vínculo especial de confiança ou fidelidade ao chefe do executivo municipal. Ao julgar inconstitucional a Lei Ordinária, o Desembar-gador José Aurélio ressaltou que não há nenhuma justificativa para que os cargos sejam providos em comissão, com exceção do cargo de secretário de Turismo. A criação dos cargos em comissão é cabível exclusivamente para o exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, o que não parece ser bem os casos dos cargos ora questio-nados, entre os quais se encontram Diretor de Turismo, Coordenador de Turismo e Coordenador de Turismo Ecológico, disse o Relator. Já o Desembargador Leandro dos Santos, ao apreciar a Lei Complementar, assegurou que, tratando-se de natureza mera-mente técnica e profissional, que não exigem, para o seu exercício, estabelecimento de vínculo de confiança ou fidelidade com a autoridade nomeante, os cargos correspon-dentes devem ser ocupados, em caráter definitivo, por servidores regularmente apro-vados em concurso público, e ressalvou quanto aos cargos de secretário de Esporte e Cultura. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Paraíba

Candidato com surdez unilateral não pode ser nomeado em cargo destinado a portador de necessidades especiais

O Desembargador federal Nery Júnior, da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), confirmou decisão de primeira instância negando concessão de mandado de segurança para assegurar o direito à nomeação e posse de candidata com surdez unilateral no cargo de técnico-administrativo da Universidade Federal da Gran-de Dourados (UFGD), na condição de portadora de necessidades especiais. No julga-mento, o magistrado do TRF3 afirmou que jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o tema no sentido de que a perda auditiva unilateral não é condição apta a qualificar o candidato a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiên cia. A candidata havia sido aprovada em concurso público promovido pela UFGD para pro-vimento do cargo de Assistente em Administração – Nível D, conforme o edital número 01 de 02.07.2012, nas vagas para portadores de necessidades especiais. Nomeada em 26.09.2013 e submetida à realização dos exames médicos admissionais, foi julgada inapta, sob o fundamento de que não preenchia as condições para o enquadramento como portadora de necessidades especiais, uma vez que possuía surdez apenas unilate-ral. Ela alegava que a surdez unilateral deve ser considerada como deficiência para con-

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – CLIPPING JURÍDICO..............................................................................................................................239

correr às vagas destinadas a candidatos portadores de necessidades especiais. Acrescen-tou que o grau da deficiência é severo, superior a 41 decibéis auferida por audiograma nas frequências 500 Hz, 1.000 Hz e 3.000 Hz. O juiz federal da 2ª Vara Dourados/MS havia negado a concessão de mandado de segurança à candidata, justificando que a legislação é clara ao conceituar como portador de necessidades especiais a pessoa que possui surdez bilateral e não surdez unilateral, como era o caso. Ao negar seguimento à apelação no TRF3, o desembargador federal se baseou ainda em precedentes do Supe-rior Tribunal de Justiça (STJ). No tribunal, a apelação cível recebeu o número 0004111-87.2013.4.03.6002/MS. Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

União é considerada isenta de culpa por ataque de jacaré em reserva extrati-vista

Por unanimidade, a 6ª Turma do TRF da 1ª Região confirmou sentença de primeiro grau que negou pedido para que a União fosse condenada a pagar indenização, a título de danos morais e materiais, em virtude da morte de um dos filhos do autor, atacado por jacaré enquanto nadava na Lagoa Cuniã, localizada em reserva extrativista. O caso foi relatado pela Juíza federal convocada, Hind Ghassan Kayath. Na apelação, os recorren-tes sustentam que ficou devidamente comprovada nos autos a culpa do Instituto Brasi-leiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da União pela morte do rapaz, pois, apesar do enorme crescimento da população de jacarés na região em razão da proibição da caça pela Lei nº 5.197/1967, os órgãos responsáveis não tomaram as medidas necessárias para conter a superpopulação. Argumentam também que a pesca foi liberada no local, o que provocou desequilíbrio na cadeia alimentar e, consequentemente, fez com que os jacarés passassem a atacar animais domésticos e humanos. Por fim, alegam que o Ibama somente providenciou a instalação de água encanada na reserva extrativista após a morte da criança. Assim, requerem a reforma da sentença para que Ibama e União sejam condenados a pagar indenização por danos morais e materiais. O Colegiado rejeitou as alegações apresentadas pelos apelantes. Em seu voto, a relatora esclareceu que, em casos como este, a responsabilidade da adminis-tração é subjetiva e, portanto, depende da demonstração do dano, do nexo causal e do dolo ou da culpa do agente. “Na hipótese, verifico a ausência de comprovação da culpa da União ou do Ibama pelo evento danoso, já que inexistiam elementos científicos que apontassem a existência de superpopulação de jacarés no local”, disse. Ainda de acor-do com a magistrada, “os genitores residiam no local desde que nasceram e, portanto, eram conhecedores dos perigos e riscos da região e da reserva extrativista, motivo pelo qual deviam ter adotado todos os cuidados para evitar o ataque dos jacarés”. Nesse sen-tido, tendo em vista que o ataque decorreu de caso fortuito ou mesmo de negligência dos genitores, “não é possível imputar à União ou ao Ibama a responsabilidade por sua ocorrência”, afirmou. Nº do Processo: 0004849-59.2006.4.01.4100. Fonte: Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Fechamento da Edição: 26.03.2015

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.105, de 16.03.2015 – dou de 17.03.2015Código de Processo Civil.

leI nº 13.104, de 09.03.2015 – dou de 10.03.2015Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Có-digo Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

leI nº 13.103, de 02.03.2015 – dou de 03.03.2015Dispõe sobre o exercício da profissão de motorista; altera a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nºs 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsi-to Brasileiro, e 11.442, de 5 de janeiro de 2007 (empresas e transportadores autônomos de carga), para disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional; altera a Lei nº 7.408, de 25 de novembro de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 12.619, de 30 de abril de 2012; e dá outras providências.

leI nº 13.102, de 26.02.2015 – dou de 27.02.2015Altera a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabelece o regime jurí-dico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colabora-ção com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999.

Fechamento da Edição: 26.03.2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGO DOUTRINÁRIO

• Efetivação deDireitos no Estado de Bem-Estar Social.Direito aoSalário-Maternidade às Indígenas Menores de Dezesseis Anos

Fabio Alessandro Fressato Lessnau

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET

disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

•O Direito entre o Estado e o Estado de Direito: Revisitando a Teoria do Direito e do Estado de León Duguit (Ian Pimentel Gameiro) ......................9

Autor

ian PiMentel gaMeiRo

•O Direito entre o Estado e o Estado de Direito: Revisitando a Teoria do Direito e do Estado deLeón Duguit ...........................................................9

DOUTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

•Las Transformaciones de la Administración Pú-blica Entre Constitución Formal Y Constitución Material (Tommaso Nicola Poli) ..........................24

Autor

toMMaso nicola Poli

•Las Transformaciones de la Administración Pú-blica Entre Constitución Formal Y Constitución Material ...............................................................24

TEXTOS CLÁSSICOS

Assunto

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

•O Fundamentalismo como Desafio do Estado Constitucional: Considerações a Partir da Ciên-cia do Direito e da Cultura (Peter Haberle) ..........58

Autor

PeteR HabeRle

•O Fundamentalismo como Desafio do Estado Constitucional: Considerações a Partir da Ciên-cia do Direito e da Cultura ..................................58

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

•A Incidência dos Direitos Fundamentais no que Tange às Relações Privadas (Aline Oliveira Mendes de Medeiros Franceschina) .....................81

Autor

aline oliveiRa Mendes de MedeiRos FRancescHina

•A Incidência dos Direitos Fundamentais no que Tange às Relações Privadas .................................81

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

•Processual civil e administrativo – Ofensa ao art. 535 do CPC – Inocorrência – Improbidade administrativa ambiental – 8 (oito) ofícios en-viados pelo MPF a fim de instruir inquérito civil com objetivo de propositura de ação civil públi-ca para contenção de degradação ambiental – Silêncio injustificado (pela demora de três anos) da parte recorrida – Elemento subjetivo doloso – Caracterização – Art. 11 da Lei nº 8.429/1992 – Incidência (STJ) .....................................2904, 100

EMENTÁRIO

Assunto

Renovação da estRutuRa Pública FRente às Mudanças sociais

•Autonomia universitária – liberdade de atuação da iniciativa privada – supervisão do Estado – modificação da estrutura do ensino superior ................................................................2905, 127

•Desfiliação partidária – compreensão do insti-tuto – atendimento de demanda social – efeitos ................................................................2906, 128

•Discussão entre grupos sociais – necessidade de intervenção do Poder Judiciário para defini-ção da situação jurídica ...........................2907, 129

•Fundo de Participação dos Estados – orçamento público – repensar sobre aplicação de recur-sos públicos – direitos sociais ..................2908, 130

•Necessidade de implantação de políticas pú-blicas – direito do trabalho da mulher – com-ponentes sociais – direitos sociais – isonomia ................................................................2909, 130

•Necessidade pública – garantia do direito de creche para crianças de até 5 anos de idade – di-reitos sociais – política pública específica – so-lução intermediária até a construção do serviço público adequado ....................................2910, 131

•Número de vereadores – proporcionalidade com a população – crescimento populacional – ne-cessidade verificada ................................2911, 133

•Política pública de aposentadoria do servidor público – contribuição previdenciária – imu-

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ................................................................................................................243 nidade tributária – seguridade social – direitos sociais ....................................................2912, 133

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

decisão

•A Técnica da Modulação dos Efeitos da Deci-são e a sua Aplicação pelos Juízes, Tribunais e Conselhos de Justiça (Gustavo Carvalho Chehab) ..........................................................................146

estado social

•Extrafiscalidade, Estado Social e Teorias de Jus-tiça: Possibilidades Dialógicas (Thiago AntonAlban) ................................................................135

Autor

gustavo caRvalHo cHeHab

•A Técnica da Modulação dos Efeitos da Deci-são e a sua Aplicação pelos Juízes, Tribunais eConselhos de Justiça ..........................................146

tHiago anton alban

•Extrafiscalidade, Estado Social e Teorias de Jus-tiça: Possibilidades Dialógicas ...........................135

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

ação civil Pública

•Apelações – Ação civil pública – Direito am-biental – Hotel – Praia – Sistema de tratamento sanitário – Interligação – Recuperação da área degradada – Litisconsórcio passivo necessário – Fato superveniente – Acolhimento da Irresig-nação da Deso – Exclusão da concessionária de serviço público – Demais condenações contra o réu diverso – Obrigação de não fazer – Lan-çamento de dejetos – Obrigação de fazer – Re-cuperação da área degradada – Manutenção da sentença (TRF 5ª R.) ............................2918, 195

ação de indenização

•Apelação, remessa necessária e recurso adesivo – Administrativo – Ação de indenização – Res-ponsabilidade objetiva – Infecção hospitalar – Dano moral configurado – Dever de indenizar– Sentença mantida (TRF 2ª R.) ................2915, 178

agRavo de instRuMento

•Processo civil – Agravo de instrumento – Servi-dor militar temporário – Reintegração (TRF 3ª R.) ................................................................2916, 186

auxílio-doença

•Previdenciário – Concessão de benefício – Au-xílio-doença – Nulidade – Dúvidas sobre a con-clusão do perito judicial – Nova prova com pe-rito diverso determinada (TRF 4ª R.) .........2917, 191

contRibuição PRevidenciáRia

•Tributário – Contribuição previdenciária – Sa-lário-maternidade e férias gozadas – Incidência – Matéria julgada sob o rito dos recursos re-petitivos – REsp 1.230.957/RS (STJ) ..........2913, 165

PRescRição

•Penal – Processo penal – Apelação – Prescri-ção – Pena em concreto – Réu maior de setenta anos – Data dos fatos – Recebimento da de-núncia – Arts. 109, 110 e 115 do Código Penal – Extinção da punibilidade – Recurso provido(TRF 1ª R.) ...............................................2914, 173

EMENTÁRIO

Administrativo

ação PoPulaR

•Ação popular – contrato de financiamento pú-blico – superfaturamento – suspeita – dano ao patrimônio público – existência ..............2919, 201

contRato adMinistRativo

•Contrato administrativo – execução – atraso injustificado – multa – aplicação – possibilida-de – pagamentos devidos – retenção – desca-bimento ...................................................2920, 201

desaPRoPRiação

•Desapropriação – imóvel – avaliação extraju-dicial – consentimento – ausência – perícia ju-dicial – realização ..................................2921, 203

diReito eleitoRal

•Direito eleitoral – propaganda eleitoral irregu-lar – período vedado ...............................2922, 203

ensino

•Ensino – candidato – inscrição no Enem – inde-ferimento – taxa – pagamento – comprovação – ausência – mero agendamento – indenizaçãoindevida ..................................................2923, 204

iMPRobidade adMinistRativa

• Improbidade administrativa – bar – funciona-mento irregular – poder público – ciência – fiscalização e autuação – ausência – dolo ou má-fé – não constatação ..........................2924, 205

tRânsito

•Trânsito – veículo oficial segurado – acidente – perda total – baixa patrimonial – necessidade ................................................................2925, 205

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244 .........................................................................................................DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Ambiental

ação civil Pública

•Ação civil pública – construção de muro de contenção além da preamar – dano ambiental – não ocorrência ......................................2926, 206

áRea de PReseRvação PeRManente

•Área de preservação permanente – construção à margem de rio – demolição – dano ambiental – não ocorrência ......................................2927, 206

•Área de preservação permanente – danos am-bientais – desmates e acesso de gado – não con-figuração .................................................2928, 208

cRiMe aMbiental

•Crime ambiental – transporte de madeira não autorizado – dosimetria da pena – majorante –não ocorrência ........................................2929, 208

dano aMbiental

•Dano ambiental – derramamento de óleo no mar – indenização – princípio da razoabilidadee da proporcionalidade – cabimento .......2930, 209

Constitucional

ação diReta de inconstitucionalidade

•Ação direta de inconstitucionalidade – lei mu-nicipal – Virada Cultural Gospel – calendáriooficial – inclusão – vício de iniciativa .....2931, 210

seRvidoR Público

•Servidor público – teto remuneratório – lei es-tadual – valor inferior ao previsto constitucio-nalmente – possibilidade (STJ) .................2932, 211

Mandado de seguRança

•Mandado de segurança – delegado de polícia – quebra de dados cadastrais telefônicos – li-mites ........................................................2933, 212

Processo Civil e Civil

ação de cobRança

•Ação de cobrança – corretora em face de segu-radora – pagamento de diferenças de comissões ................................................................2934, 213

ação Pauliana

•Ação pauliana – violação do direito à meação – partilha dissimulada – alienação fictícia do pa-trimônio – preço vil – via própria .............2935, 214

aliMentos

•Alimentos – execução – rito do art. 733 do CPC– Súmula nº 309/STJ ................................2936, 215

condoMínio

•Condomínio – despesas anteriores à imissão na posse – responsabilidade – obrigação propterrem ..........................................................2937, 216

deFesa do consuMidoR

•Defesa do consumidor – plano de saúde – cláu-sula de reajuste por mudança de faixa etária – segurado idoso – discriminação – inexistência ................................................................2938, 217

Factoring

•Factoring – direito de regresso – cláusula con-tratual – impossibilidade ..........................2939, 218

Penal/Processo Penal

estelionato

•Estelionato – medidas cautelares – proibição de deixar o País – retenção de passaporte – ilega-lidade reconhecida – impossibilidade ......2940, 218

•Estelionato previdenciário – auxílio-reclusão – recebimento indevido – princípio da insignifi-cância – aplicação – descabimento .........2941, 218

inJúRia

• Injúria racial – constrangimento ilegal – Justiça Federal – incompetência ..........................2942, 221

Moeda Falsa

•Moeda falsa – conclusão de laudo pericial – fal-sificação de boa qualidade – Justiça Federal – competência ............................................2943, 221

MonitoRaMento eletRônico

•Monitoramento eletrônico – regime semiaberto – prisão domiciliar – ausência .................2944, 222

tRáFico

•Tráfico – flagrante preparado – crime impossí-vel – Súmula nº 145 do STF – incidência .. 2945, 222

•Tráfico de drogas – comercialização de medica-mento – venda proibida no Brasil – pena – re- cálculo – procedência .............................2946, 222

Trabalhista/Previdenciário

aviso-PRévio

•Aviso-prévio trabalhado – princípio da integra-lidade salarial – observação .....................2947, 223

beneFício acidentáRio

•Benefício acidentário – auxiliar de serviço – le-são no tornozelo – comprovação – benefíciodevido .....................................................2948, 224

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DPU Nº 62 – Mar-Abr/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ................................................................................................................245 conFlito de coMPetência

•Conflito de competência – ação de reparação de danos materiais e morais contra o INSS –efeitos ......................................................2949, 224

FéRias

•Férias – 45 dias – terço constitucional – cálculototal – aplicação ......................................2950, 225

Fgts

•FGTS – cobrança de contribuições – prescri-ção trintenária .........................................2951, 225

Justa causa

• Justa causa – falta grave – abandono de empre-go – ausência de prova robusta e convincente– inaplicabilidade ....................................2952, 226

MotoRista

•Motorista carreteiro – trabalho externo – ausên-cia de controle de jornada de trabalho – pre-visão em acordo coletivo de trabalho – efeitos ................................................................2953, 228

PRocesso do tRabalHo

•Processo do trabalho – assédio processual – liti-gância de má-fé – alteração da verdade dos fatos – prova – efeitos .....................................2954, 228

sindicato

•Sindicato – propositura de ação coletiva – exer-cício do direito de greve – legitimidade ativa –reconhecimento .......................................2955, 229

Tributário

coFins

•Cofins – inclusão do ICMS na base de cálculo –impossibilidade .......................................2957, 231

contRibuição ao sat

•Contribuição ao SAT – Município – atividade preponderante – alíquota – majoração.....2958, 231

cRiMes contRa a oRdeM tRibutáRia

•Crimes contra a ordem tributária – constitui-ção definitiva do crédito tributário – prescrição ................................................................2959, 234

iPi

• IPI – cana-de-açúcar – alíquotas ..............2960, 234

•Prescrição intercorrente – execução fiscal – art. 40 da Lei nº 6.830/1980 – despacho orde-nando a suspensão do curso da execução ou de-terminação de arquivamento dos autos – inexis-tência ......................................................2961, 234

Mandado de seguRança

•Certidão positiva com efeitos de negativa – man-dado de segurança – art. 206 do CTN....... 2956, 229

taxa de liMPeza Pública

•Taxa de limpeza pública – presença dos requi-sitos legais – Súmula Vinculante nº 19/STF –imunidade recíproca – inaplicabilidade ...2962, 235

CLIPPING JURÍDICO

•Candidato com surdez unilateral não pode ser nomeado em cargo destinado a portador de ne-cessidades especiais ..........................................238

•Empresas que extraem e industrializam madei-ra devem ter engenheiro florestal como res-ponsável técnico ................................................236

•Estado deve informar em 72 horas se pretendeparcelar salários .................................................236

•Liminar restabelece divisão de fundo de MT ante Estado e Municípios ...................................236

•Plenário converte Súmula nº 681 do STF em súmula vinculante .............................................237

•Tribunal julga leis municipais inconstitucionais e determina exoneração imediata de comissio-nados .................................................................238

•União é considerada isenta de culpa por ataque de jacaré em reserva extrativista ........................239

RESENHA LEGISLATIVA

leis

•Lei nº 13.105, de 16.03.2015 – DOU de 17.03.2015 ........................................................240

•Lei nº 13.104, de 09.03.2015 – DOU de10.03.2015 ........................................................240

•Lei nº 13.103, de 02.03.2015 – DOU de 03.03.2015 ........................................................240

•Lei nº 13.102, de 26.02.2015 – DOU de 27.02.2015 ........................................................240

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................241

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ......................242