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Direito Público ANO XII – Nº 64 – JUL-AGO 2015 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CORPO ADMINISTRATIVO EDITORIAL Afonso Códolo Belice, Alessandra Damian Cavalcanti, Amir Barroso Khodr, Anna Carolina Carneiro, Evandro da Silva Soares, Fernando Oliveira Samuel, Ghuido Cerqueira Café Mendes, José dos Santos Carvalho Filho, José Pedro Brito da Costa, Karinne Fontenele Sampaio, Mikaela Minaré Braúna, Rodrigo Chaves de Freitas COMITÊ TÉCNICO Nathalia Passos COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Ana Carolina Oliveira, Carolline Leal Ribas, Emerson Ademir Borges de Oliveira, Rogério Volpatti Polezze, Sérgio Antônio Ferreira Victor, Valerio de Oliveira Mazzuoli ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Direito PúblicoAno XII – nº 64 – Jul-Ago 2015

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES),Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT),

Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid),Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP),

Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT),

Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdmInIstrAtIvo edItorIAlAfonso Códolo Belice, Alessandra Damian Cavalcanti, Amir Barroso Khodr, Anna Carolina Carneiro, Evandro da Silva Soares,

Fernando Oliveira Samuel, Ghuido Cerqueira Café Mendes, José dos Santos Carvalho Filho, José Pedro Brito da Costa, Karinne Fontenele Sampaio, Mikaela Minaré Braúna, Rodrigo Chaves de Freitas

comItê técnIcoNathalia Passos

colAborAdores destA edIção

Ana Carolina Oliveira, Carolline Leal Ribas, Emerson Ademir Borges de Oliveira, Rogério Volpatti Polezze, Sérgio Antônio Ferreira Victor, Valerio de Oliveira Mazzuoli

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 12, n. 64; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

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Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

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Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

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Carta do Editor

Todos nós da revista Direito Público desejamos compartilhar com o ami-go, fiel leitor, uma notícia alvissareira. Recentemente, o nosso periódico, sub-metido ao controle da CAPES, recebeu a segunda melhor classificação de mé-rito acadêmico que a entidade pública pode atribuir a publicações do gênero. O cobiçado estrato em que a revista se situou – A2 – testemunha a qualidade superior que sempre buscamos imprimir às coletâneas de textos e aos apanha-dos de jurisprudência que selecionamos bimestralmente para o nosso refinado público. A revista se consolida, assim, como distinta referência no mundo aca-dêmico, servindo, também, de ratificação do prestígio dos colaboradores que conosco dividem as suas reflexões.

Neste número, o leitor encontrará textos em torno do tema que elegemos como central desta vez, relativo ao controle de constitucionalidade em aspectos de mais notável relevo. Os enfoques são oriundos da observação do sistema ale-mão, que largamente influencia a nossa estrutura de fiscalização de constitucio-nalidade, e de meditações de autores brasileiros. Tomara que você os aprecie!

Boa leitura!

Paulo Gustavo Gonet Branco

Editor

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Temas aTuais de Jurisdição ConsTiTuCional e ConTrole de ConsTiTuCionalidade

douTrina

1. Controle de Constitucionalidade e Democracia na Alemanha e no BrasilEmerson Ademir Borges de Oliveira ...........................................................9

TexTo ClássiCo

1. Innovaciones en la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Alemán, a Propósito de la Garantía de los Derechos Fundamentales en Respuesta a los Cambios que Conducen a la Sociedad de la InformaciónWolfgang Hoffmann-Riem........................................................................40

JurisprudênCia

1. Acórdão na Íntegra (STF) ..........................................................................62

2. Ementário .................................................................................................69

Parte GeraldouTrinas

1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e o Agigantamento do Supremo Tribunal FederalRogério Volpatti Polezze ..........................................................................76

2. A Dinâmica da Relação Entre Poder e Direito no Tridimensionalismo Jurídico de Miguel RealeSérgio Antônio Ferreira Victor .................................................................97

3. Diferenças e Semelhanças entre os Sistemas da Civil Law e da Common LawAna Carolina Oliveira ............................................................................109

4. Equilíbrio Democrático e Controle Social: o Controle dos Atos de Gestão da Administração Pública por Meio da Participação Popular Carolline Leal Ribas ...............................................................................127

JurisprudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................147

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2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1523. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1554. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1595. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................174

ementário

1. Administrativo ........................................................................................1772. Ambiental ..............................................................................................1853. Constitucional ........................................................................................1944. Penal/Processo Penal..............................................................................1955. Processo Civil e Civil ..............................................................................1996. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................2057. Tributário ...............................................................................................213

Seção EspecialTeorias e esTudos CienTífiCos

1. Podem os Tratados de Direitos Humanos Não “Equivalentes” às Emendas Constitucionais Servir de Paradigma ao Controle Concentrado de Convencionalidade?Valerio de Oliveira Mazzuoli .................................................................222

Clipping Jurídico ..............................................................................................230

Resenha Legislativa ..........................................................................................233

Bibliografia Complementar .................................................................................235

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................236

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha editorial da revista contem-plam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Cons-titucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadêmi-ca, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva responsabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebi-do, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus auto-res, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEW

Todos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo Ad-ministrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qualitativa de sua for-ma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os convites serão formulados exclusi-vamente pelo Editor Chefe da revista Direito Público.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 64, 2015, 9-39, jul-ago 2015

Temas Atuais de Jurisdição Constitucional e Controle de Constitucionalidade

Controle de Constitucionalidade e Democracia na Alemanha e no Brasil

EMERSON ADEMIR BORGES DE OLIVEIRAMestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo, Advogado da Petróleo Brasileiro S.A.

Submissão: 19.09.2014Decisão Editorial: 25.06.2015Comunicação ao autor: 25.06.2015

RESUMO: O princípio democrático está inscrito nas Constituições contemporâneas como fundamen‑tal para o desenvolvimento do Estado Constitucional. Embora o conceito possa variar, é certo que existem alguns pressupostos e características que permitem avaliar o status democrático de uma so‑ciedade, bem como a existência de efetividade aos direitos diretamente decorrentes da democracia, vale dizer, direitos voltados à instrumentação do princípio. O projeto constitucional se inscreve coti‑dianamente e passa a exigir o agir do Poder Público, em qualquer de suas funções, pois a efetivação da Constituição é dever de todos. Quando ausente a efetividade, passa‑se a cogitar a transcrição dos direitos sobre a democracia pela veia constitucional. E ultrapassada a vertente meramente aplicadora da lei – concepção liberal da separação de poderes –, o Judiciário se ergue como criador do Direito em um aspecto interpretacionista. Surge, então, a discussão acerca dos limites da interpretação e das técnicas de controle de constitucionalidade para efetivação da democracia. Isto é, a discussão acerca do liame que separa a interpretação criadora da criação interpretativa, assim como o modo técnico‑racional utilizado pelo Judiciário para realizar o princípio democrático. De qualquer forma, torna‑se imprescindível a análise circunstanciada do modo de interpretação, até mesmo para que nunca se perca de vista o dever de racionalidade que deve permear a decisão jurisdicional. O objetivo não é negar o evidente processo criativo do Judiciário, mas entender seu funcionamento, de modo que seu exercício não exceda a interpretação razoável dos preceitos constitucionais.

PALAVRAS‑CHAVE: Democracia; controle de constitucionalidade.

ABSTRACT: The democratic principle is present in the contemporary Constitutions as the central for the development of the constitutional State. Although the concept may vary, there are some as‑sumptions and characteristics that allow the evaluation of a society’s democratic status, as well as the existence of effective directly democratic rights. In other words, rights capable of exercising the principle. The constitutional project is performed daily and it requires the action of government, in all of its functions, since the execution of the Constitution is an obligation of all. When the effectiveness is left beside, its common to cogitate the transcription of rights about democracy in the Constitution.

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10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

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And once the thought of the Judiciary only as a law enforcer – liberal conception of the separation of powers – is overcame, the Judiciary assumes a role of rights creator in an interpretationist aspect. That’s when the discussion about the limits of interpretation and judicial review techniques in the effectiviness of democracy comes to surface. In other words, the discussion that envolves the bond that separates creative interpretation from interpretative creation, as the technical‑rational mode used by the Judiciary to accomplish the democractic principle. Either way, it becomes essential the detailed analysis of the form of interpretation adopted, as a way to never left aside the rationaily duty that should permeate judicial decision. The goal is not to deny the obvious creative process of Judiciary, but to understand its function so its exercise never exceeds the reasonable interpretation of fundamental precepts.

KEYWORDS: Democracy; judicial review.

SUMÁRIO: Introdução; O Tribunal Constitucional alemão e o enfrentamento da conformação legis‑lativa; O modelo constitucional alemão da Wehrhafte demokratie; O papel exercido pelo Tribunal Superior Eleitoral e pelo Supremo Tribunal Federal; A interpretação razoável que não viole o sentido do texto; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O constitucionalismo moderno trouxe o peso aos Tribunais para deci-direm acerca da constitucionalidade das normas. E as Constituições modernas tiveram a perspicácia de elencar o Estado Democrático como fundamental para a sobrevivência da sociedade. Nesse jogo, a democracia se viu lançada a um princípio base do Estado Constitucional. O controle a partir dela se tornou ine-vitável.

A sensibilidade se aguça ao se colocar, como ocorre com a textura nor-mativa das Constituição modernas, diante de um princípio extremamente aber-to e amplo, como a democracia. A democracia pode ser, por exemplo, a base processual e ao mesmo tempo a finalidade material. Como assevera a Profes-sora Monica Caggiano, “o alargamento do campo de ação do Poder Judiciário decorreu da preocupação com o futuro democrático”1.

O que preocupa os juristas é exatamente a flexibilidade que marca a in-terpretação de princípios tão abertos. Afinal de contas, como proteger as regras constitucionais a partir de uma interpretação ampla da Constituição? Estaria o instrumento democrático ao sabor pura e simplesmente da composição da Corte?2

1 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Democracia x constitucionalismo, p. 18.2 “É fato que os ‘mortos’ não devem governar os ‘vivos’; mas disso não decorre a exigência de demolição da

ideia de rigidez constitucional. A própria previsão de reforma da Constituição – quer por via revisional, quer por via de emenda – atende razoavelmente à necessidade de adaptar as Constituições à realidade fática. E mais que isto, rompida a estabilidade constitucional e o núcleo duro do postulado do Estado de Direito, qual seria a estrutura jurídica, sólida o suficiente para garantir e preservar a democracia? A fragilidade e

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Não se afirme, por evidente, que a atividade prática da Corte Constitu-cional derive apenas da falha da instância política, mas é um fato que não deve ser desprezado. Como ressalta Leonardo Martins, o Tribunal Constitucional Fe-deral alemão, pronunciando-se sobre quase todas as questões polêmicas de hermenêutica, mostrou-se muito mais ativo quando os demais Poderes fugiram ao debate, “transferindo questões políticas incômodas ao crivo do controle de constitucionalidade, antes mesmo de haver aperfeiçoado o momento eminente-mente político da conformação legislativa”3.

De qualquer forma, parece que a postura mais agressiva do Judiciário é fato contemporâneo que decorre de uma soma de fatores, a partir não apenas do aspecto político – como no caso do Legislativo preferir não enfrentar certos temas polêmicos, como ocorreu com o aborto de anencéfalos no Brasil –, mas também do aspecto jurídico que envolve o controle de constitucionalidade e a força cada vez mais focada que se visualiza na Constituição.

O enaltecimento das normas constitucionais e a transformação do direito constitucional em centro das atenções do ordenamento jurídico do Estado, de forma que hodiernamente se fale constantemente em constitucionalização do direito civil, do direito processual etc., carreou toda a discussão para uma com-paração de conformidade com o texto constitucional4.

Nesse entrevero, a democracia se rendeu ao charme do constitucionalis-mo, e os Tribunais tiveram a agudeza de introduzir em suas discussões os direi-tos que diziam respeito, direta ou indiretamente, à efetivação da democracia, sobretudo aqueles pertinentes à seara eleitoral.

Como ressalta com particular destreza o mestre Canotilho, a “Consti-tuição, ao consagrar o princípio democrático, não se ‘decidiu’ por uma teoria em abstracto [...] Procurou uma ordenação normativa para um país e para uma realidade histórica”5.

Continua o professor de Coimbra:

É com base na articulação das “bondades materiais” e das “bondades procedi-mentais” que a Constituição respondeu aos desafios da legitimidade-legitimação

a expansividade dos processos de interpretação constitucional já demonstraram flagrante fracasso quando do aniquilamento da democrática Constituição de Weimar, abrindo as portas para o nazismo. A segurança jurídica e a democracia ainda se encontram na dependência do velho constitucionalismo.” (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Democracia x constitucionalismo, p. 20)

3 MARTINS, Leonardo. Direito processual constitucional alemão, p. 5.4 Conforme ressalta Leonardo Martins ao tratar do direito alemão: “O problema da constitucionalização é um

problema típico do sistema concentrado alemão. Trata-se de um fenômeno de desaparecimento gradual da fronteira entre o direito constitucional e o resto do ordenamento jurídico, sobretudo do direito privado. Foram os esforços pela otimização da vigência das normas constitucionais, principalmente as normas que garantem os direitos fundamentais, que o criaram” (MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 77).

5 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 287.

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ao conformar normativamente o princípio democrático como forma de vida, como forma de racionalização do processo político e como forma de legitimação do poder. O princípio democrático, constitucionalmente consagrado, é mais do que um método ou técnica de os governantes escolherem os governados, pois, como princípios normativos, considerando nos seus vários aspectos políticos, económicos, sociais e culturais, ele aspira a tornar-se impulso dirigente de uma sociedade.6

Pouco a pouco, a democracia invadiu os espaços antes reservado aos Poderes mais claramente políticos, e as decisões construídas pelas motivações jurídicas contornaram os aspectos políticos da teoria democrática, conferindo, no âmago de cada cidadão, novos desenhos para o Estado Constitucional7. É sempre pertinente lembrar que a democracia deve ser vista como um processo dinâmico, a ser construído por toda sociedade e insuscetível de solução de con-tinuidade por ideologias perversas, salvo sob o modo revolucionário.

Discutir se essas decisões são razoáveis dentro do esperado do Judiciá-rio, ou se, ao contrário, eivaram de um excesso de Poder; se tais decisões são racionalmente fundamentadas; e, principalmente, de que forma os Tribunais costumeiramente têm enfrentado a temática é o objetivo a que nos propomos.

O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ALEMÃO E O ENFRENTAMENTO DA CONFORMAÇÃO LEGISLATIVA

A Alemanha viu por bem adotar o sistema concentrado típico de controle de constitucionalidade, assim como fez a grande maioria das ordens constitu-cionais europeias. Segundo esse modelo, tem-se um órgão exclusivamente des-tinado à análise das questões de constitucionalidade “equidistante dos demais órgãos dos poderes Legislativo e Executivo”8.

Esse controle concentrado tem o caráter de ser sempre vinculante, ainda que a decisão parta de um caso concreto. Até porque apenas o Tribunal Cons-titucional tem a atribuição de ofertar declarações de inconstitucionalidade, o que significa que, enquanto isso não ocorrer, nenhum juiz poderá ter qualquer lei por inconstitucional9.

Para a doutrina especializada alemã, esse Tribunal tem o caráter de “ór-gão constitucional”, sobreposto aos demais por ter a finalidade de interpretar e

6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 288.7 “Da mesma forma que o princípio do estado de direito, também o princípio democrático é um princípio

jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Op. cit., p. 287)

8 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. xx.9 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 1-2.

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 64, 2015, 9-39, jul-ago 2015

aplicar as normas constitucionais. Böckenförde defende, nessa linha, que o TCF tem o status de “intérprete autêntico da Grundgesetz”10.

Assim, o TCF não seria tão somente independente em relação aos demais órgãos constitucionais (Presidência Federal, Chanceler Federal, Câmara Federal e Con-selho Federal), como, de resto, todo tribunal é, mas também teria autonomia para decidir questões sobre a interpretação da Constituição em última instância, como “defensor máximo da Constituição”.11

E apesar das tentativas de ter o TCF quase como “senhor” da Constituição tedesca, é certo que, consoante as críticas em sentido contrário, o Tribunal não refoge à necessidade de motivação racional de sua decisão, bem como outros princípios processuais, como a própria inércia para movimentar a questão de constitucionalidade, o que é essencial para diferenciar a função jurisdicional da legislativa.

O fato é que, para compensar os déficits parlamentares, o TCF realmente avançou na seara política, preocupando pelos riscos da hipertrofia do siste-ma jurídico12. Mas a “criação de pautas positivas da atividade legiferante” pelo TCF, ao invés de simplesmente declarar a inconstitucionalidade, ao extrapolar positivamente sua função constitucional, muitas vezes corresponde justamente às expectativas da própria Constituição, desde que, é claro, isso não signifique expurgar o Legislativo de sua função.

Nesse sentido, pode parecer mais preocupante a atual situação do Tri-bunal Constitucional Federal em relação ao nosso Supremo Tribunal Federal, especialmente porque a pauta positiva advém precipuamente da conformação legislativa encabeçada pela Corte, atividade naturalmente pertencente ao Le-gislativo.

Tratando dos direitos fundamentais, esclarece o Ministro Gilmar Mendes:

A vinculação da atividade legislativa é essencial não só para a proteção dos di-reitos fundamentais, como também para a concretização destes em inúmeras hipóteses.

A exigência de que o âmbito de proteção de determinado direito somente pode sofrer restrição mediante lei ou com fundamento em lei (reserva legal) já seria su-ficiente para ressaltar a importância vital da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Se a ele compete, em certa medida, fixar os exatos contornos de um direito fundamental, mediante o estabelecimento de limitações ou restrições, mister se faz que tal tarefa seja executada dentro dos limites prescritos pela pró-pria Constituição.13

10 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 2.11 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 3.12 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 6.13 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 116.

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Tais anotações coadunam com o entendimento do Tribunal alemão em decisão de 1979 de que cabe ao legislador a conformação de determinadas temáticas:

Parâmetros do exame de constitucionalidade são aqueles direitos fundamentais individuais que marcam as condições e limites constitucionais da liberdade de conformação do legislador junto à introdução de uma participação ampliada...

[...]

A Grundgesetz, que se limitou em seu primeiro capítulo aos direitos fundamen-tais clássicos, não contém nenhuma fixação ou garantia imediata de uma deter-minada ordem econômica. Diferentemente da Constituição de Weimar (art. 151 et seq.), a Grundgesetz também não normatizou princípios constitucionais con-cretos para a configuração da ordem econômica. Ao contrário, ela deixa tal con-figuração ao legislador, que, considerando os limites a ele impostos pela mesma Grundgesetz, é livre para decidir [que modelo econômico irá adotar], sem que necessite de uma legitimação mais ampla do que a sua legitimação democrática geral. Uma vez que tal tarefa legislativa de configuração, bem como a garantia dos direitos fundamentais, diz respeito aos elementos constitutivos da Constitui-ção democrática, ela não pode ser limitada em virtude de uma interpretação dos direitos fundamentais que vá além do que prescrevem os direitos fundamentais individualmente considerados.14

Ocorre, todavia, que, frequentemente, estamos frente a questões que, embora sejam de atribuição conformativa do legislador, esta simplesmente não ocorreu, colocando em risco o exercício do próprio direito constitucionalmente assegurado.

Em situações como tais, estamos diante de um quadro de inconstitucio-nalidade por omissão, em relação o qual o Tribunal Federal trabalhou com o desenvolvimento da técnica do “apelo ao legislador” (Appellentscheidung), a partir de decisão proferida em 1955.

Segundo Gilmar Mendes, o dever de legislar pode decorrer de uma “exi-gência constitucional” ou “norma-tarefa” (Verfassungsauftrag) ou de um “dever de proteção” (Schutzpflicht), em que se “obriga o Estado a atuar na defesa e proteção de certos valores”15.

Além disso, o Tribunal tem reconhecido o “dever geral de adequação” (allgemeiner Nachbesserungsvorbehalt), “que impõe ao legislador a obrigação de corrigir as consequências danosas ou perversas para os direitos fundamentais resultantes da aplicação da legislação existente”16.

14 BVerfGE 50, 290.15 MENDES, Gilmar F. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Op. cit., p. 413.16 MENDES, Gilmar F. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Op. cit., p. 413.

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Na prática, a despeito da garantia constitucional de igualdade dos filhos havidos fora do casamento, na decisão BVerfGE 25, 167, entendeu o Tribunal que ainda não havia decorrido prazo razoável para que o Parlamento tivesse cumprido seu dever constitucional de legislar. Mas, diante da precisão da norma, entendeu o Bundesverfassungsgericht que os juízes e Tribunais poderiam aplicá--la diretamente. O Tribunal entendeu da mesma forma em BVerfGE 3, 225.

No BVerfGE 49, 89, tratou o Tribunal de determinar diretrizes sobre como deveria atuar o legislador, no intuito de rever a legislação acerca da utili-zação pacífica da energia atômica.

Tais decisões rompem com a medida de que cabe ao Tribunal Cons-titucional declarar ou não a inconstitucionalidade de determinada norma, e não realizar a conformação legislativa ou oferecer diretrizes de como deve ser realizada pelo Legislativo. Por evidente, essa sistemática traz os riscos de se vis-lumbrar uma ofensa à atribuição definida a este Poder, com redirecionamento para o Judiciário, além de sua competência de legislador negativo ou mesmo de intérprete da norma.

Mas mais emblemática é a decisão proferida em 19 de julho de 1966. Com base no princípio da “igualdade de chances” (Chancengleicheit), decor-rente da necessária “neutralidade” do Estado, o Tribunal entendeu inconstitu-cional a disposição contida no § 18 da Lei dos Partidos no sentido de que os partidos políticos que obtivessem no mínimo 2,5% dos votos válidos recebe-riam certo reembolso das despesas eleitorais.

Entendeu o Tribunal que não poderiam ser desconsideradas as agremia-ções que tivessem obtido 0,5% dos votos, isto é, 167.000 votos, na época, muito embora entendesse não ser desejável a fixação de percentual mínimo17. Diante de tal “luz” concedida pela Corte, viu por bem o legislador em fixar na lei tal percentual de 0,5%.

Não que a igualdade de chances não decorra da ordem constitucional, precipuamente do princípio da neutralidade e do pluralismo que circundam o Estado alemão, assim como ocorre com o brasileiro. Mas a conformação ofere-cida pelo Tribunal, neste caso, é pura legislação, extrapolando por completo a posição jurídica para adentrar à seara política.

Esses são efeitos naturalmente indesejáveis da jurisdição constitucional, vez que desloca o centro de tomada de decisões políticas para o Judiciário. Tampouco é racional defender que a fixação de um percentual mínimo como tal é adequada e condizente com a Grundgesetz. A altitude que poderia ter o Tribunal alcançado é, como se sabe, afirmar se a existência de um percentual

17 BVerfGE 20, 56.

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mínimo é constitucional com base na igualdade de chances ou, no máximo, afirmar que determinado percentual fixado é desproporcional, mas por conta de seus efeitos retaliarem a alegada Chancengleicheit. Neste último caso, enten-demos, apenas se o percentual apresentado realmente pudesse ser classificado como tanto, isto é, completamente fora das condições razoáveis esperadas.

O MODELO CONSTITUCIONAL ALEMÃO DA WEHRHAFTE DEMOKRATIEO direito alemão construiu, com base em sua experiência totalitária,

após a redemocratização do Estado, um modelo constitucional de “democracia que se defende” (Wehrhafte demokratie).

De acordo com Leonardo Martins, a “tese implícita nesse modelo é de que a democracia pode ser destruída por processos em si democráticos, como a eleição de um partido totalitário”18. Trata-se de uma preocupação evidentemente de cunho histórico e com vistas a salvaguardar a democracia alemã, conquistada no pós-Guerra, da ingerência de modelos que se apresen-tem enquanto democráticos, mas com facetas obscuras e que visem, após a conquista, desvirtuar a própria finalidade e conceito do instituto.

Em seu trabalho, o supracitado professor potiguar apresenta quatro con-trapontos processuais decorrentes do princípio da “democracia que se defen-de”, que merecem aqui destaque.

Em primeiro lugar, deve-se mencionar o processo para a proibição de partido político, com fundamento no art. 21 II 2 da Grundgesetz, com vistas a proibir o funcionamento de partidos que advoguem contra a democracia, em-bora tentem se valer do instituto para autopromoção.

O processo, todavia, é raro, eis que, até por conta do formato do Esta-do Democrático alemão, a agressão à democracia deve ser patente. Em 23 de outubro de 1952, foi proibido o funcionamento do Partido Socialista do Reich (Sozialistische Reichspartei) e em 17 de agosto de 1956 sofrera proibição o Par-tido Comunista da Alemanha (Kommunistische Partei Deutschlands). Em 2001, pretendeu-se o trancamento do Partido Nacionalista Alemão (Nationale Partei Deutschlands), que, no entanto, não obteve sucesso19.

Leonardo Martins ressalta que a “dificuldade consiste no modo de cons-tatar a inconstitucionalidade de um partido”, o que torna o processo particular-mente difícil. O efeito da declaração de proibição é a perda de personalidade e de capacidade jurídica ex nunc20.

18 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 49.19 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 49.20 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 49.

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A propositura de tal processo deve ser feita por um dos legitimados: Câ-mara Federal, Conselho Federal (Bundesrat) e Governo Federal. Deverá ter voto favorável de pelo menos dois terços do Senado competente do Tribunal Cons-titucional.

Vê-se, pois, tal processo com particular reserva, ante o fato de a flexibili-dade existente vir a desenhar politicamente os partidos, que não se apresentam pura e simplesmente por sua denominação ou mesmo por seu projeto. É assim, por exemplo, que a esquerda brasileira moldou-se às necessidades ideológicas e de mercado, assumindo uma postura extremamente próxima da direita antes criticada.

Mas não se deve olvidar que a história do país tedesco apresenta fun-damentos razoáveis para se crer que um golpe na democracia pode advir dos próprios instrumentos servidos por esta, como dantes ocorrera. Quando se crê muito externada e extremada a projeção partidária, absolutamente em direção oposta aos direitos decorrentes do princípio democrático, é proporcional que a proibição seja efetuada, risco que não se deve correr para não corroer o Estado democrático edificado sobre tanto sangue.

Por ser medida extremamente excepcional, nota-se que o Tribunal Cons-titucional, assim como os legitimados ativos, souberam dela fazer uso razoável, razão pela qual apenas os dois mencionados partidos sofreram de trancamento na história pós-Guerra alemã.

Num segundo momento, Leonardo Martins ressalta a possibilidade de destituição de direito fundamental (Grundrechtsverwirkung), com fundamen-to no art. 18 da Grundgesetz, decorrente do abuso da utilização de tais di-reitos, “entre os quais principalmente os de comunicação social, de reunião, de associação profissional etc., para combater a ordem fundamental livre e democrática”21.

A legitimação ativa para o pedido é conferida à Câmara Federal, ao Con-selho Federal, ao Governo Federal e a qualquer governo estadual, tendo como sujeito passivo os partidos políticos que forem acusados do abuso, sendo neces-sários os votos de dois terços do Senado competente do Tribunal Constitucio-nal. A decisão possui efeitos ex nunc22.

Igualmente, dado seu caráter agressivo, trata-se de processo de difícil ocorrência.

Tal proposição parte da premissa de que a atribuição e a garantia de um direito não possibilitam seu abuso. E de que, nessa toada, não se pode garantir que qualquer direito seja absoluto.

21 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 50.22 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 50.

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Em 1912, consoante as lições civilistas, o caso Clement Bayard, julgado francês, reconhecera, de forma taxativa, a teoria do abuso de direito. Naquela ocasião, a Corte de Amiens entendeu que extrapolava o livre exercício do di-reito de propriedade a conduta de um proprietário de um terreno que instalara lanças pontiagudas para evitar que ali pousassem dirigíveis.

Entre nós, profícuas lições trouxeram ao Código Civil a confecção do art. 187, que previu o “abuso de direito” como configurador de ato ilícito: “Tam-bém comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede mani-festamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Na Alemanha, tal questão já era prevista no § 226 do BGB: “O exercício de um direito é inadmissível quando ele só possa ter por escopo infringir um dano a outrem”. Na Grécia, o art. 281 do Código Grego: “O exercício de um direito é proibido se ultrapassa manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo escopo social ou econômico do direito”. Também em Portugal, o Código Civil de 1966 trouxe previsão análoga em seu art. 334.

O exercício dos direitos de acordo com a sua finalidade tem muita pro-ximidade com o escopo social da norma. Porque a norma, ao ser elevada ao plano constitucional, traz em si não apenas uma pretensão da sociedade, mas uma finalidade que, se visa a atingir com tal preceito, seria inadmissível defen-der que todo direito traz uma previsão ampla de utilização, independentemente dos meios que se valem e dos fins que se buscam.

O desvirtuamento da finalidade da norma constitucional com a utilização fora de seus liames da boa-fé constitui um “não-direito”, isto é, uma utilização da norma constitucional por meio da inversão do fim pretendido, o que, como assevera o nosso Código Civil, acaba constituindo um ato ilícito, vale dizer, um ato que não se afigura com o que possa ser considerado legal pela norma.

O ato talqualmente atacado pela Grundgesetz o é pelo fato de não se afi-nar com a finalidade da Constituição a pretensão de alguém valer-se do direito constitucional para relegar direitos constitucionais alheios.

Claro que tal limitação na seara dos direitos fundamentais é extrema, dado o grau de importância de tais direitos para além dos ordenamentos pátrios. Mas, novamente, a história alemã coloca os partidos políticos, por ora, em meio à lupa verificadora de sua compatibilidade com o fim do próprio Estado: o atin-gimento da democracia.

Em um terceiro contraponto, Martins ressalta o processo de denúncia contra o Presidente Federal (Bundespräsident), por conta de uma violação dolo-sa da Constituição ou de lei federal, praticada durante o mandato. O processo se inicia com denúncia proposta pela Câmara Federal ou pelo Conselho Federal.

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De acordo com o art. 61 da Grundgesetz, que fundamenta o pedido, a denúncia deve ser assinada por um quarto dos membros da Câmara ou do Conselho23.

No trâmite do processo perante o Tribunal Constitucional, o Presidente poderá ser suspenso do exercício da presidência. A decisão irá aferir se houve ou não a ofensa à lei fundamental ou à lei federal e poderá declarar a perda do mandato24.

Trata-se de um caso especial de averiguação da responsabilidade do go-vernante por violação da Constituição, a ser julgado pela Corte Constitucional, após denúncia do Legislativo. Entre nós, configurará crime de responsabilidade do Presidente da República atentar contra a Constituição e cumprimento das leis, a ser julgado pelo Senado Federal, após aprovação de dois terços da Câ-mara dos Deputados, em que será suspenso de suas atribuições (arts. 85, caput, e VII; 86, caput, e § 1º, II; 52, I; 51, I; todos da Constituição Federal).

Nota-se, pois, que o crime de responsabilidade na Alemanha tem seu jul-gamento desviado para a Corte Constitucional, evidentemente mais competente para uma análise técnica da violação da Constituição. Ao Senado Federal, no nosso caso, acabaria competindo um julgamento mais político, menos preocu-pado com a real violação acima delineada.

No caso brasileiro, os crimes de responsabilidade são caracterizados por “infrações político-administrativas”25. No Grundgesetz, a violação possui cará-ter semelhante, não se configurando crime, mas sim uma infração intencional ao determinado pela lei federal ou pela Constituição. A penalidade proferida tem cunho nitidamente político.

Impende destacar, todavia, que tal responsabilidade perpassa por outra questão mais complexa: a interpretação constitucional. Por essa razão é que se torna prudente o destaque de que a violação deverá ser intencional. Assim, apenas diante de uma situação de violação flagrante, em que o Presidente toma conhecimento de tal composição é que se poderia asseverar ter incorrido no art. 61 da Grundgesetz.

Novamente, deve-se salientar que a imposição ao Presidente dos ditames constitucionais possui preocupação sensível com a manutenção do Estado De-mocrático alemão.

Por fim, e em quarto lugar, Leonardo Martins destaca a denúncia contra juiz de direito, com denúncia oferecida pela Câmara Federal e fundamento no art. 98 da Grundgesetz, por violação da lei fundamental e da ordem constitu-

23 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 50.24 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 50-51.25 MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional, p. 927.

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cional de um Estado-membro. O julgamento pelo Tribunal Constitucional, ao condenar o juiz, poderá impor as penas de exoneração quando a infração for dolosa ou a transferência ou aposentadoria compulsórias na ausência de dolo específico26.

O paradoxo é que tal previsão vem disposta logo após o art. 97 prever a independência dos juízes, com subordinação apenas à lei.

Tal responsabilidade constitui perigosa previsão, que, em excesso, pode tornar o Judiciário subserviente às forças políticas, sempre que um de seus membros impor uma derrota interpretativa a um agente político. Para tornar a situação ainda mais crítica, o supracitado artigo trouxe previsão de penas gra-ves, ainda que ausente dolo específico.

Ora, ninguém poderia, assim como em relação aos demais poderes, de-fender um Judiciário irresponsável. Tão menos que o Judiciário não erra ou que alguns de seus membros podem, porventura, atuar com dolo para desvirtuar a finalidade do Direito.

O problema é que estamos diante justamente daquele Poder que tem entre suas atribuições interpretar as leis e a Constituição, o que pode, racional-mente, conduzir a resultados diversificados, ainda que minoritários ou total-mente opostos à criação legal ou jurisprudencial, expondo os juízes a acusa-ções infundadas acerca da violação da Constituição.

O que talvez equilibre o instrumento é o fato de que serão tais juízes julgados pelo Tribunal Constitucional Federal, sendo necessário o voto de dois terços dos membros para que haja condenação. O julgamento interno ao Ju-diciário mantém sob a égide deste a avaliação acerca da responsabilidade de seus membros, bem como a prudência que deve permear toda avaliação acerca de questões interpretativas, o que somente pode ser compreendido por outros juízes.

Entre nós, cumpre ressaltar que, de acordo com o art. 96, III, da Constitui-ção, caberá aos Tribunais de Justiça a qual se encontram diretamente vinculados os juízes o julgamento acerca do cometimento de crimes de responsabilidade.

Ainda, o art. 103-B concede ao Conselho Nacional de Justiça outras atri-buições acerca da averiguação da responsabilidade dos juízes. Mas é impor-tante ressaltar que o Conselho se configura órgão interno ao Judiciário, com jurisdição submetida ao Supremo Tribunal Federal.

26 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 51.

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Sem dúvida, a configuração de um dispositivo semelhante ao mencio-nado na Alemanha decorre do fato histórico que liga o papel do Judiciário no Estado Nazista à manutenção do totalitarismo.

É o que ressalta o economista Luiz Gonzaga Belluzzo:

O Judiciário era rápido e eficiente na União Soviética de Stalin ou na Alemanha de Hitler. Os processos terminavam sempre de forma previsível e o contraditório não passava de uma encenação. Tudo estava justificado pelas razões superiores do Reich de Mil Anos ou pelos imperativos da construção do socialismo.27

Não que fosse essa uma vontade livre e independente do próprio Judiciá-rio. Mas restou ao Poder, para manter-se incólume, ser subserviente ao regime, sob pena de sofrer extinção. Nesse momento, os preceitos dos juízes passaram a ser metamorfosear a legislação e a Constituição para o atingimento da finali-dade de manutenção do regime nazista.

Por essa razão, quis a Lei Fundamental de Bonn salvaguardar-se dos juí-zes antidemocráticos, que se valessem de uma interpretação claramente contrá-ria aos preceitos constitucionais, para buscar outras finalidades que não aquelas do Estado Democrático alemão.

O modelo da Wehrhafte demokratie apresenta, consoante as disposições acima constantes da Grundgesetz, uma preocupação com a busca dos fins do Estado Democrático de Direito. Uma vez enaltecida a proposta democrática, cumprirá ao Estado proteger-se de sua distorção ou inutilização, o que significa também se valer contra propostas de atalhamento constitucional, em que são utilizados preceitos permitidos pela própria Constituição para ultrapassar a fi-nalidade perquirida.

O PAPEL EXERCIDO PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A conexão à moda das Constituições contemporâneas entre o Estado de Direito e a democracia permitiu a edificação do alcunhado Estado Democrático de Direito em que, para sua mantença, tornou-se imprescindível a defesa, por alguém legitimado para tanto, de seus preceitos.

Assim sendo, a fiscalização, mesmo quando de caráter objetivista, em último termo visa à salvaguarda dos valores de igualdade e liberdade. Toma-os como pontos de referência básicos quando dirigida ao conteúdo dos atos, à inconstitu-cionalidade material. E tão pouco deixa de se lhes reportar, quando voltada para a inconstitucionalidade orgânica e formal, na medida em que não se concebe maioria sem observância dos procedimentos constitucionalmente estabelecidos.

27 BELLUZZO, Luiz Gonzaga. Estado de exceção. Carta Capital, 22 set. 2012. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/politica/estado-de-excecao/>. Acesso em: 21 jan. 2013.

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Ela só é contramaioritária ao inviabilizar ou infringir esta ou aquela pretensão da maioria, não considerada no contexto global do sistema.28

Jorge Miranda destaca, com igual relevância, a anotação de John Rawls acerca da Suprema Corte dos Estados Unidos: tem ela como propósito o “pa-radigma da razão pública”. E, ao aplicá-la, as Cortes Constitucionais evitam a corrosão da ordem constitucional por legislações passageiras29.

O professor português ainda destaca que, na defesa da razão pública, o Supremo não possui papel apenas defensivo, mas também o de realizar tal razão e assegurar seu efeito contínuo30.

Cá, coube ao Supremo Tribunal Federal o papel de guardião da Cons-tituição desde a previsão na Constituição de 1934 da figura da representação interventiva, embora a arguição de inconstitucionalidade direta viesse a ser tra-tada apenas pela Constituição de 1946, com a Emenda nº 16, de 196531.

A Constituição de 1988 teve o mister de expandir substancialmente o rol de legitimados, antes restrito ao Procurador-Geral da República, conferindo maior tonalidade democrática ao controle de constitucionalidade, bem como passou a prever mais instrumentos para tal exercício, como a ação declaratória de constitucionalidade, criada pela Emenda nº 3, de 1993, e a arguição de des-cumprimento de preceito fundamental, para ocupar um espaço até então imune ao controle32.

Ademais, tal ampliação acabou conferindo um significado especial ao controle de constitucionalidade, convertendo-o em maior parte ao modelo abs-trato, ao permitir que as controvérsias mais relevantes fossem levadas a julga-mento perante o Supremo Tribunal Federal com efeitos erga omnes33.

Mas no modelo de controle de constitucionalidade típico do judicial review, também adotado no Brasil, o Supremo Tribunal Federal não é o único responsável jurisdicional pela guarda da Constituição.

E caberá aos Tribunais, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do órgão especial, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, consoante o disposto no art. 97 da Constituição – cláusula de reserva de plenário.

28 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição, p. 510.29 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 510-511.30 MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 511.31 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Op. cit., p. 197-206.32 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei

nº 9.868/1999. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62.33 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. Op. cit., p. 208.

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Muitas vezes é possível averiguar certa “provocação” judiciária, em que outro Tribunal Superior acaba se manifestando sobre a constitucionalidade de determinado ato normativo como que se antecipando à decisão a ser proferida pelo Supremo34, ou, ao menos, incitando a Corte Maior ao debate e a considerar as motivações utilizadas pelo Tribunal Menor.

No tocante à verticalização das coligações partidárias, o Tribunal Su-perior Eleitoral proferira a palavra inicial, consoante a Consulta nº 715, que, ao ser respondida de forma negativa, culminou na edição das Resoluções nºs 20.993/2002 e 21.002/2002 e na Instrução Normativa nº 55, todas do TSE.

Naquela ocasião, os consulentes questionaram se os

partidos políticos que ajustarem coligação para eleição de Presidente da Repú-blica não poderão formar coligações para eleição de governador de estado ou do Distrito Federal, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital com outros partidos que tenham, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato à eleição presidencial.

Para o Tribunal Superior Eleitoral, aplicar-se ia ao caso uma “teoria dos conjuntos”, em que o nível federal englobaria o estadual, pois o contrário cria-ria “situações de bicefalia, ou, se preferirem, de esquizofrenia partidária, no nível estadual”, levando a “indesejáveis dissidências regionais em relação aos partidos, os quais, na forma da Constituição Federal, têm caráter nacional”. Ainda, na continuação do seu voto, a Ministra Ellen Gracie destacou que a verticalização presta favor à “consistência ideológica das agremiações e das alianças”, aperfeiçoando o sistema político-partidário35.

A base para tal construção seria, de acordo com o Tribunal, a previsão constante do art. 17, I, da Constituição, no sentido de que os partidos políticos possuem “caráter nacional”, e, assim, “nacionais” devem ser as suas coligações.

A ousada construção não durou. Por razões políticas, fora promulgada a PEC 548/2002, transformando-se em Emenda Constitucional nº 52/2006, que passou a prever a inexistência de “obrigatoriedade de vinculação entre as can-didaturas em âmbito nacional, estadual, distrital e municipal”, nos termos do art. 17, § 1º, da CF.

Antes, porém, a matéria fora levada ao Supremo Tribunal Federal, embo-ra não tenha restado conhecida, “por conta do entendimento de que a Resolu-ção atacada em verdade regulamentava o art. 6º da Lei nº 9504/1997”36.

34 No Brasil, cumpre ressaltar um aspecto muitas vezes decisivo do Tribunal Superior Eleitoral: em sua composição de, no mínimo, sete membros, três são integrantes do Supremo Tribunal Federal.

35 Consulta nº 715 – voto da Ministra Ellen Gracie.36 BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Ativismo judicial e o papel das Cortes Constitucionais nas correções

de rota da crise da democracia representativa. Revista de Direito Público, Porto Alegre, n. 40, 2011. p. 33.

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A Emenda nº 52 fora atacada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685, em que se reconheceu violação ao art. 16 da CF, ante a tentativa de aplicar o preceito da inexistência de verticalização para as eleições que vinham a seguir, sem que tivesse decorrido o prazo de um ano para que as alterações surtissem efeito.

Mas, na ADIn 3.686, ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, extinta por ausência de pertinência temática, pretendeu--se uma discussão atinente à possibilidade da modificação realizada pela su-pracitada emenda.

Parecer do Professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira trouxe algumas considerações a respeito, no conteúdo da referida ação direta:

Via de consequência, o papel do Ministério Público Eleitoral, fiscal da lei e da democracia, é também vedação material implícita à possibilidade de emendas constitucionais, data máxima vênia, pois alterar disposições por emenda que sub-traia do titular da democracia qualquer forma de fiscalização ou atuação é, via oblíqua, quebrar o manto da democracia para instalar, pelo Poder Econômico ou Político, sem qualquer tecnicismo jurídico, a demagogia (forma corrompida da democracia, segundo Aristóteles), com o rótulo de “democracia”.

Além disso, num sentido ideológico, concluiu-se:

Assim, para a sociedade, é importante que as alianças políticas não sejam so-mente jogo de cena. O eleitor quer saber o que realmente está em jogo e não entende alguns cenários, em que um partido rival se alia ao outro, com ideologias completamente distintas, apenas pensando em aumentar o tempo de propaganda eleitoral na televisão. Desta forma, em que pese muitos eleitores sequer acom-panharem ou entenderem a decisão do TSE, a vinculação das coligações é de fundamental importância para acabar com a fragilidade partidária brasileira e para deixar transparente ao eleitor a ideologia de cada partido.

Para tal corrente, a verticalização estaria afinada com a proposta ideoló-gica partidária, resgatando os posicionamentos estatuários e ideais partidários. Além disso, haveria, nesse entender, violação ao preceito fundamental de que os partidos devem ter caráter nacional.

Na Consulta nº 715 do TSE, por exemplo, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao trazer suas impressões, tratou de ressaltar que “a ideia da ‘vertica-lização das coligações’ (ou expressão equivalente) melhor atende e aprimora o sistema eleitoral, o fortalecimento dos partidos e, em consequência, a própria democracia”.

Nota-se, pois, neste julgado, que o Tribunal Superior Eleitoral preferiu um enfrentamento substancial da demanda, que acabou rechaçado pelo Supre-mo Tribunal quando fora confrontado pelo Legislativo com a edição da Emenda

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nº 52. Aqui, o “aviso” do TSE não serviu para que o STF se aprofundasse na questão.

Ainda sim, o Ministro Celso de Mello acabou adentrando à questão dan-tes provocada e destacado que “a competência reformadora outorgada ao Poder Legislativo da União não defere à instituição parlamentar o inaceitável poder de violar o ‘sistema essencial de valores da Constituição, tal como foi explicitado pelo poder constituinte originário’”37.

Já entendi em outra ocasião que tais premissas seriam corretas, não sendo possível afastar a proposta do caráter nacional das amarras ideológicas decor-rentes do pluralismo:

Na mesma linha, indissociável a composição ideológica de um determinado par-tido, razão pela qual este assume caráter nacional – às vezes até internacional, como a ideologia que rege o Partido Verde. Não há como apresentar uma pro-posta para o campo federal e outra para o campo estadual, sob pena de desarran-jo interno, o que retira a unidade partidária.38

Atualmente, no entanto, após as construções desenvolvidas em outro tra-balho39, principalmente aquela atinente à justificação racional direta da deci-são, é de se lamentar que o Supremo tenha fugido à provocação do TSE, mas pelo propósito de ver declarada inconstitucional a pretensão da verticalização.

Nem por um esforço hermenêutico muito grande é possível afirmar que o texto constitucional esclarece que o caráter nacional dos partidos conduz à necessidade de verticalização das coligações partidárias.

Muito pelo contrário, eis uma interpretação construtivista, para afirmar caber no texto aquilo que lá não está escrito nem de maneira subliminar. Quem quiser pode ler qualquer coisa. Do “caráter nacional” pode-se extrair até mesmo a proibição de Diretórios Estaduais ou Municipais tomarem quaisquer decisões, pois, afinal, o partido somente poderia ser reconhecido por sua posição nacio-nal, o que soaria, além de centralizador, absurdo. Uma conclusão como essa não pode ser retirada pura e simplesmente da interpretação da Constituição.

O caráter nacional quer indicar, isso sim, que os Partidos devem ter um mesmo objetivo em todo território nacional e devem ser organizados e registra-dos junto ao Tribunal Superior Eleitoral.

37 ADIn 3.685, Relª Min. Ellen Gracie, voto do Ministro Celso de Mello.38 BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Ativismo judicial e o papel das Cortes Constitucionais nas correções

de rota da democracia representativa. Op. cit., p. 36.39 BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. O impacto do controle de constitucionalidade na evolução da

democracia. 164 f. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, USP, São Paulo, 2013.

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Ao depois, tal entendimento confrontaria com a liberdade de organiza-ção de que dispõem os partidos políticos, o que inclui a escolha, consoante os cargos disputados, de partidos que perfaçam as suas coligações. Denota-se incompatibilidade dos preceitos, mas um está claramente explícito na Consti-tuição – liberdade de organização partidária –, enquanto o outro é fruto de uma construção bastante fértil a partir da simplista redação sobre o caráter nacional dos partidos.

Em momento algum é possível justificar racionalmente a verticalização pura e simplesmente pela concepção de caráter nacional dos partidos. Assim, como muitas vezes é dificultoso ao intérprete ler o que está escrito no texto constitucional, também é imprescindível não ler aquilo que não está escrito.

Com a temática da fidelidade partidária é diferente.

O art. 17, § 1º, da CF passou a prever que os estatutos dos partidos polí-ticos devem conter “normas de disciplina e fidelidade partidária”, esmiuçadas nos arts. 23 a 26 da Lei nº 9.096/1995.

Duverger lembra que “o mandato partidário tende a sobrelevar o man-dato eleitoral”40, deixando claro que os mandatos pertencem aos partidos, não aos candidatos41.

Aqui, igualmente, o STF viu-se impelido a alterar seu posicionamento inscrito no MS 20.927, a partir da provocação do TSE nas Consultas nºs 1.398 e 1.423. E o fez no julgamento dos Mandados de Segurança nºs 26.602, 26.603 e 26.604, corroborando a conclusão antes apresentada pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Naquela ocasião, o TSE respondeu afirmativamente ao seguinte questio-namento realizado pelo então Partido da Frente Liberal: “Os partidos e coliga-ções têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcio-nal, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?”

Ainda, na Consulta nº 1.398, o Ministro Relator Asfor Rocha trouxe algu-mas considerações pertinentes quanto à propriedade do mandato:

Não se há de permitir que seja o mandato eletivo compreendido como algo in-tegrante do patrimônio privado de um indivíduo, de que possa ele dispor a qual-

40 DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 388.41 “Em modelos, como o brasileiro, nos quais os partidos políticos detêm o monopólio das candidaturas, não há

como perquirir uma vaga de representante popular afastado dos programas partidários. De forma a delinear de forma mais clara a representação, a exigência de filiação partidária permite uma identificação entre o candidato e os eleitores que se identificam não com ele, mas com a proposta partidária.” (BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Ativismo judicial e o papel das Cortes Constitucionais nas correções de rota da democracia representativa. Op. cit., p. 36)

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quer título, seja oneroso ou seja gratuito, porque isso é a contrafação essencial da natureza do mandato, cuja justificativa é a função representativa do servir, ao invés de servir-se.

A ideia terá ainda substancial fundamento se imaginarmos que os parti-dos são verdadeiros “entes intermediários entre o povo e o Estado, integrados no processo governamental”42.

Ainda mais considerando que no Brasil não vige o instituto do recall, se-gundo o qual os representados poderiam revogar o mandato do representante. O mandato representativo livre, obviamente, traz a implicação de afinamento com algum programa partidário, o que deveria conduzir o representante à elei-ção. No direito comparado, a Constituição da República Portuguesa assevera que o parlamentar que trocar de legenda perderá o mandato (art. 160, c). Entre os espanhóis, reina ojeriza ao transfuguismo.

Nesse sistema, a mudança de legendas acaba representando “violação à vontade do eleitor e um falseamento do modelo de representação popular pela via da democracia de partidos”43. Fidelidade é garantia da vontade do eleito-rado.

Diante de tais argumentos, o Supremo confirmou a tese da Justiça Elei-toral. O Ministro Gilmar Mendes ressaltou, no julgamento do MS 26.602, que o “processo de formação política transcende o momento eleitoral e se projeta para além desse período”. A democracia representativa não se consuma com a eleição do representante, mas se mantém intacta ao longo de todo mandato.

Diante de tal chancela de constitucionalidade, a questão voltou ao Tribu-nal Superior Eleitoral, a fim de ser regulamentada, o que restou realizado com a edição da Resolução nº 22.610, com redação posteriormente dada pela Resolu-ção nº 22.733, que foram atacadas pelas Ações Diretas de Constitucionalidade nºs 3.999 e 4.086, em que o Supremo novamente circulou a constitucionalida-de da questão.

Consoante a lição de Gilberto Amado, é certo que “o voto proporcional é dado às ideias, ao partido, ao grupo”44. Isso não significa, obviamente, que o exercente do mandato deva perder sua autonomia de opinião e voto45, aliás, assegurados inclusive contra a lei penal, mas é evidente que o desalinhamento com a postura ideológica do partido torna o seu exercício desconexo com a vontade dos representados que o elegeram.

42 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas eleitorais x representação política. Brasília: Senado Federal, 1990. p. 65.

43 MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. Op. cit., p. 777.44 AMADO, Gilberto. Eleição e representação. Brasília: Senado Federal, 1999. p. 53.45 CLÉVE, Clemerson Marlin. Fidelidade partidária. Curitiba: Juruá, 1999. p. 26.

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As belas e profícuas lições, bem como seu substancial e pertinente fun-damento, acabam, a nosso ver, representando uma questão secundária na dis-cussão. É claro que são totalmente válidas, mas nada subsidiariam se o próprio art. 17, § 1º, da CF não previsse expressamente a necessidade de que os partidos disponham sobre e obedeçam as normas de fidelidade partidária, de forma que a interpretação passa a ter como relevo apenas a necessidade ou não do próprio TSE regulamentar o tema.

Mas é que, por evidente, embora os estatutos possam ter em seu con-teúdo a normatização da fidelidade partidária, pouco adiantaria se não hou-vesse uma regulamentação a atingir todos de forma equânime e indistinta. Até para que haja base normativa para a impetração de instrumentos com vistas a efetivar o direito sempre que desrespeitado.

Aqui a regulamentação pelo TSE decorre de forma lógica do preceito contido no referido artigo, sendo racional crer que, se se exige que os manda-tários sejam fiéis às propostas que os elegerão, é no mínimo esperado que tal direito conferido aos partidos tenha meios de ser efetivado.

Antes da edição da Lei de Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010), Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal trocaram figuras também na temática da inelegibilidade por vida pregressa.

Para alguns Tribunais46, até então, o art. 14, § 9º, da CF47 seria autoapli-cável, estabelecendo inelegibilidades para perfis incompatíveis com mandatos eletivos.

O Tribunal Superior Eleitoral entendeu, todavia, que a simples pendência de inquérito criminal ou processo-crime não legitimaria a inelegibilidade, con-soante Acórdãos nºs 1.069 e 1.133. Na ADPF 144, de autoria da Associação dos Magistrados Brasileiros, o Supremo Tribunal Federal declarou que o dispositivo em questão não seria autoaplicável.

Mas a celeuma voltou a se instalar com a edição da Lei Complementar nº 135/2010, que modificou o art. 1º da LC 64/1990, criando hipóteses de ine-legibilidade baseadas na vida pregressa do candidato.

Passou-se a articular acerca da aplicação nas novas disposições já para as eleições de 2010, dada a publicação da lei no Diário Oficial da União no dia 7 de junho de 2010. A posição foi chancelada pelo Tribunal Superior Eleitoral na Consulta nº 1.120, de relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido, inclusive para englobar condenações anteriores à lei.

46 Um desses Tribunais foi o Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, consoante Acórdãos nºs 31.258 e 31.241.47 “Art. 14. [...] § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação,

a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”

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Os irresignados pretenderam junto ao Supremo, num primeiro momento, o respeito ao art. 16 da CF (anualidade eleitoral). Em 24 de setembro de 2010, no Recurso Extraordinário nº 630.147, após empate de 5 a 5, o STF decidiu sus-pender o julgamento, em face do impasse. Posteriormente, em 27 de outubro, no RE 631.102, após novo empate, o STF concluiu pela aplicação do art. 205 do Regimento Interno da Corte, mantendo-se, assim, a decisão proferida pelo TSE.

Com a nomeação do Ministro Luiz Fux, o STF finalmente tomou uma po-sição sobre a questão, no RE 633.703. Fux, seguindo votos dos Ministros Peluso e Gilmar Mendes, concluiu pela inaplicabilidade da nova lei para as eleições de 2010, por conta do art. 16 da Constituição. Ressaltou o ministro: “O intuito da moralidade é de todo louvável, mas a norma fere o art. 16 da Constituição Federal”.

A questão voltou à baila agora para discutir sobre a possibilidade de criação de tal causa de inelegibilidade por vida pregressa em face da presunção de inocência, no já mencionado Recurso Extraordinário nº 630.147 (recorrente Joaquim Roriz).

Em uma construção de proporcionalidade, diante do conflito de princí-pios em questão48, o Supremo concluiu pela possibilidade da inelegibilidade por vida pregressa, em homenagem à moralidade administrativa.

O voto do Ministro Ricardo Lewandowski, no referido recurso, é eluci-dativo:

Com efeito, em uma necessária ponderação de valores, penso que a presunção de não culpabilidade, em se tratando de eleições, cede espaço – sem ser, eviden-temente, desprezada – aos valores constitucionais estabelecidos no art. 14, § 9º, da Constituição.

Nada impede, a meu ver, que o legislador complementar defina outras hipóteses de inelegibilidade, como a renúncia ou a condenação por órgão colegiado, sem trânsito em julgado, em homenagem aos princípios da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato. Em outras palavras, em se cuidando de postulantes a cargos eletivos, o interesse público sobrepõe-se aos interesses exclusivamente privados.

48 Pertinente a metodologia do Tribunal Constitucional alemão, segundo ensina Gilmar Mendes: “Ressalte-se, porém, que o Tribunal não se limita a proceder a uma simplificada ponderação entre princípios conflitantes, atribuindo precedência ao de maior hierarquia ou significado. Até porque, como observado, dificilmente se logra estabelecer uma hierarquia precisa entre direitos individuais e outros valores constitucionalmente contemplados. Ao revés, no juízo de ponderação indispensável entre os valores em conflito, contempla a Corte as circunstâncias peculiares de cada caso. Daí afirmar-se, correntemente, que a solução desses conflitos há de se fazer mediante a utilização do recurso à concordância prática (praktische Konkordanz), de modo que cada um dos valores jurídicos em conflito ganhe realidade” (MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, p. 82-83).

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Nesse caso em particular, o Judiciário, que vinha inovando num primeiro momento, recebeu o aporte legal, com a edição da Lei Complementar nº 135, subsidiando suas decisões, a partir não mais da criação legal, mas da interpre-tação.

De qualquer forma, mostraram-se corretas tanto a decisão acerca da ina-plicabilidade para as eleições de 2010, com fulcro no art. 16 da Constituição, já que flagrante a violação ao princípio da anualidade eleitoral; bem como a deci-são que, por concordância prática, colocou na balança os valores envolvidos e entendeu que, primeiramente, o dispositivo efetiva mandamento constitucional, constante no art. 14, § 9º, da CF, e, em segundo lugar, é razoável se valer da moralidade administrativa para minimizar os efeitos da presunção de inocência, em face dos aspectos públicos relevantes envolvidos.

Noutro caso, em que a temática envolvera a captação de sufrágio, o Su-premo referendou a posição defendida pelo Tribunal Superior Eleitoral49.

A celeuma envolve a edição do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, a vedar a captação de sufrágio, entendida como a atividade do candidato consistente em “doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive”.

A captação de sufrágio ataca uma das questões mais substanciais do voto: seu exercício livre – preceito decorrente do voto secreto, consoante art. 60, § 4º, da CF –, aspecto tão essencial que pétreo. É a lição de José Afonso da Silva:

O sufrágio é um direito público subjetivo democrático, que cabe ao povo nos li-mites técnicos do princípio da universalidade e da igualdade de voto e de elegibi-lidade. É direito que se fundamenta, como já referimos, no princípio da soberania popular e no seu exercício por meio de representantes.50

Sobre o tema, já dissemos:O problema da captação de sufrágio é justamente o fato de atacar a liberdade do seu exercício, culminando por viciar a vontade popular, o que, em reflexo, atinge a própria representatividade. Isto é, o eleitor assume como representante não o candidato que melhor se afina com seus ideais e apresenta as melhores propostas, mas sim aquele que apresenta maiores vantagens de cunho nítida e exclusivamente pessoal.51

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.592, ajuiza-da pelo Partido Socialista Brasileiro, com vistas a derrubar a previsão constante

49 Vide: REspE 25.241; RO 882; REspE 25.295; REspE 25.215.50 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 355.51 BORGES DE OLIVEIRA, Emerson Ademir. Ativismo judicial e o papel das Cortes Constitucionais nas correções

de rota da democracia representativa. Op. cit., p. 46.

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do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997, sob argumento de ter tratado de matéria reservada à lei complementar, o Supremo chancelou posição antes já tomada pelo TSE de que as sanções de registro ou cassação do diploma na Lei das Elei-ções não constituem novas hipóteses de inelegibilidade, mas visam a “reforçar a proteção à vontade do eleitor, combatendo, com a celeridade necessária, as condutas ofensivas ao direito fundamental ao voto”52.

Assim, o eleitor economicamente frágil teria a seu lado garantias para que não seja instrumento de fácil captura pelos elegíveis a viciar sua vontade e desvirtuar o interesse da “pólis”53.

Nota-se, ao longo desse tópico, quão constante o Tribunal Superior Elei-toral tem debatido as questões políticas de relevo com o Supremo Tribunal Federal, seja por conta da composição daquele, seja mesmo pelos fundamentos ou até pelo fato de que as questões constitucionais tratadas naquele admitem recurso extraordinário a serem julgados por este.

De qualquer forma, no tocante ao desenho do controle de constitucio-nalidade em questões políticas brasileiras, ambos os Tribunais têm apresentado sua contribuição para a fundamentação que guia a decisão final.

A INTERPRETAÇÃO RAZOÁVEL QUE NÃO VIOLE O SENTIDO DO TEXTO

Um dos preceitos que guiam a interpretação jurisdicional do Direito e a criação decorrente de tal processo é a base racional da construção jurídica, de modo que o produto não divirja daquilo que razoavelmente possa ser deduzido do texto.

Não que os sentidos do texto sejam tão inequívocos, pois, sendo assim, questionaríamos o próprio processo de interpretação. E nem é preciso discorrer sobre a falácia da máxima in claris cessat interpretatio.

Mas é evidente que não pode o intérprete produzir a construção que inverta completamente a lógica do texto, de modo a permitir aquilo que o le-gislador proibiu. Assim, por exemplo, diante da proibição constante no art. 5º, XLVII, b, de nosso texto constitucional, não poderia a interpretação concluir pela possibilidade de pena de caráter perpétuo, eis que o produto se contrapõe frontalmente à previsão normativa.

De outro modo, no entanto, em face do art. 5º, LV, da CF, pode-se confe-rir interpretação para entender que o termo “os recursos a ela inerentes” possui lógica e aplicação quando existente a previsão legislativa de tais recursos, o que

52 MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. Op. cit., p. 736.53 ADIn 3.592. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto.

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coaduna com a doutrina que defende a inexistência de uma garantia geral de duplo grau de jurisdição54.

Talvez a maior problemática acerca da justificação das decisões, que, por vezes, ultrapassa a lógica do razoável, seja o fato de o julgador primeiro pretender o resultado e, em segundo, construir a linha para chegar ao resultado pretendido. Essa é uma vertente exclusivamente política da questão, em que o julgador se vale de uma discricionariedade que não possui para se imiscuir em questões que não são puramente de sua alçada.

Não se pode olvidar, evidentemente, que o problema de interpretação jurisdicional é sempre a atribuição concretista do teor abstrato da norma passa-da. Conforme ressalta Radbruch, “a interpretação jurídica não é pura e simples-mente um pensar de novo aquilo que já foi pensado, mas, pelo contrário, um saber pensar até ao fim aquilo que já começou a ser pensado por um outro”55. O que não significa, no entanto, que cabe ao intérprete o papel de legislar as novas realidades e expectativas, mas sim construir evolutivamente a expectativa ancorada no passado, apesar da posição que coloca a jurisdição constitucional no centro das decisões políticas56.

54 Nesse sentido: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2007. p. 493-497.

55 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Coimbra: Arménio Amado Ed., v. 1, 1961. p. 274. Ainda a lição kelseniana: “O insustentável dualismo entre Estado e direito que força a teoria da integração a considerar todas as funções fundamentais como, simultaneamente, pertencendo e não pertencendo ao Estado, acaba por se encontrar em uma situação bem difícil em face da função legislativa. Pois, sobretudo através desta função, o Estado manifesta-se como autoridade e justamente nela deve-se reconhecer um nível particularmente expressivo e significativo do processo de produção do direito, independentemente de este processo seguir sobre os trilhos da jurisdição ou da administração” (KELSEN, Hans. O Estado como integração. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 93-94).

56 “No âmbito da jurisdição constitucional, por exemplo, o exercício dessa criatividade, em rigor, não conhece limites, não só porque as Cortes constitucionais estão situadas fora e acima da tradicional tripartição dos poderes estatais, mas também porque a sua atividade interpretativa se desenvolve, essencialmente, em torno de enunciados abertos, indeterminados e plurissignificativos – as fórmulas lapidares que integram a parte dogmática das constituições. Nesse contexto de ativismo judicial, alguns juristas mais enfáticos chegam a anunciar, entre nós, um sensível deslocamento do centro das decisões politicamente relevantes do Legislativo e do Executivo – por eles reputados inertes –, em direção ao Poder Judiciário, porque acreditam que a nova magistratura estaria disposta a resgatar as promessas de emancipação social inseridas na Constituição de 1988. No plano externo, por força da normatividade da Constituição e da sua presença em todo tipo de conflito, e não apenas nos de natureza política, que se travavam entre os órgãos supremos do Estado, Prieto Sanchís afirma que o novo constitucionalismo desemboca na onipotência judicial, juízo do qual participa Andrés Ibáñez, ao dizer que já ocorreu, e continua a ocorrer, uma transferência do poder político do legislador para o juiz. Intérpretes finais da Constituição e juízes últimos de sua própria autoridade, as modernas Cortes constitucionais – de resto com ampla aceitação nas sociedades democráticas –, acabaram se transformando em quarto poder, gabinete na sombra, variante do Poder Legislativo, legislador complementar, parlamento de notáveis, legislador positivo, juiz soberano, contracapitão, instância suprema de revisão ou, ainda, em verdadeira constituinte de plantão, confirmando, assim, as célebres palavras de Charles Hughes – então Governador do Estado de Nova York e, depois, membro da Suprema Corte dos Estados Unidos – quando afirmou que os americanos viviam sob uma Constituição, mas que essa Carta Política era aquilo que os juízes diziam que ela o era.” (MENDES, G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de direito constitucional. Op. cit., p. 58-59)

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Mas são sempre atuais as palavras de Hegel: “A Constituição é racional quando o Estado determina e em si mesmo distribui a sua atividade em confor-midade com o conceito, isto é, de tal modo que cada um dos poderes seja em si mesmo a totalidade”57.

Continua a lição o mestre de Stuttgart:

O caráter fundamental do Estado político é a unidade substancial como idealida-de dos seus momentos. Nela [...] se dissolvem e ao mesmo tempo se conservam os diferentes poderes e as diferentes funções, mas só se conservam quando a sua legitimidade é, não independente, mas determinada unicamente pela ideia do todo.58

De tal forma que, mesmo para os fiéis defensores ativistas da Consti-tuição, a medida de separação, permanecendo o Judiciário em suas funções interpretativas, sem avançar além da razoável interpretação, deve ser o respeito ao equilíbrio de poderes conforme propugnado não apenas pelo texto constitu-cional, mas pela lógica do Estado.

Não se pode olvidar, ainda, que o pluralismo, marca registrada do ascen-dente Estado Constitucional contemporâneo, acaba fornecendo à interpretação um sem-número de possibilidades de respostas interpretativas, em oposição a um ideal meramente estético pré-moderno.

A multiplicidade de respostas, como se sabe, sempre traz a questão acer-ca da utilização de um método, de forma que o percorrer interpretativo possa oferecer respostas plausíveis, racionais, e que perpassem por métodos cientí-ficos de análise. É justamente o que Bauman critica na arte pós-moderna que raramente rompia com o espírito do tempo (Zeitgeist)59, como se a insegurança de se produzir resultados autossuficientes, imunes à condição moderna, barras-se a criatividade.

Mas, no Direito, a criatividade gerada pela pluralidade não pode ser de tal modo inovadora que rompa com a necessidade de se justificar racionalmen-te a construção do pensamento. Melhor dizendo, no Judiciário. O local para o espírito criador deitará sob a árvore governamental e, de certa forma, legislativa.

Analisando friamente, e com base no pensamento do Chief Justice Hughes, quando de sua posição junto à Suprema Corte norte-americana, é claro que as Cortes Constitucionais poderão realizar as construções menos ortodoxas e deixar os juristas mais perplexos acerca de suas teses mirabolantes sobre a

57 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 244.58 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit., p. 252.59 BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais. Rio de

Janeiro: Zahar, 2010. p. 184-185.

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criação do Direito e a aplicação da lei. A Constituição terá o sentido que o Supremo Tribunal Federal dizer que ela tem, sem que isso, aparentemente, sig-nifique uma repulsa generalizada ao sistema instituído pelo Poder Constituinte.

Pelo contrário, a revolução jurisdicional pode se mostrar tão silenciosa a ponto de jamais ser captável, justamente porque se faz de um modo tão gradual e lento que os ataques à Corte parecem mais ataques pessoais aos seus mem-bros em decorrência de determinados votos em um ou outro caso emblemático.

É então que os limites que circundam a interpretação racional podem ser rompidos pela obscuridade do posicionamento ético-moral dos julgadores, sem que, no entanto, jamais definam seus votos embasados em tais premissas. Como já dissemos, procurará o julgador edificar uma suposta estrada racional para justificar a sua posição antecedente.

Em um hard case altamente simbólico60 – a tal ponto que a solução dada pela controvérsia tardou em chegar –, o Supremo brasileiro entendeu que a ine-xistência de uma previsão de excludente para o aborto de fetos anencefálicos no Código Penal violava preceitos fundamentais. Nessa construção, o Supremo partira de um conceito de “vida digna” do feto, que nunca seria usufruída, vale dizer, potencialmente inexistente, em face da dignidade da mãe.

Para o Ministro Ricardo Lewandowski, no entanto, especialmente ativista em questões eleitorais, não seria tarefa do Supremo adentrar a tal discussão, atuando como legislador positivo. Contrariando a tese vencedora, o Ministro ressaltou que tal discussão deveria ser levada a público e tomada pelo Congres-so Nacional.

O fato é que, partindo da necessidade de se tratar de uma questão de saúde pública, a Corte, diante da resistência do Legislativo, se viu impelida a oferecer uma solução ao questionamento, e o fez, justificando racionalmente, mas no intuito de alcançar um resultado, digamos, “desejável”.

Não oferece grandes complicações a compreensão de que, com base em um quadro de conflito de princípios, a Corte poderá erguer praticamente qualquer construção que deseja, tanto para se mostrar ativa, quanto para se mostrar inativa. Diga-se, por exemplo, quando se acovardou frente ao Sistema Financeiro para afirmar que o § 3º do art. 192 da Constituição – revogado pela EC 40/2003 –, ao estabelecer que os juros reais eram limitados a 12% ao ano, consoante a vontade do poder constituinte, tinha aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar61.

60 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 – relatoria do Ministro Marco Aurélio. A ADPF fora proposta em 2004, mas julgada apenas nos dias 11 e 12 de abril de 2012, tendo como resultado 8 votos favoráveis e 2 contra. Consoante afirmara o Ministro Ayres Britto, o julgamento era um “divisor de águas no plano da opinião pública”.

61 Súmula nº 638 do Supremo Tribunal Federal.

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E é para controlar a ampla possibilidade de controle de preceitos abertos que o predicativo “razoável” deverá sempre guiar a interpretação realizada. O julgamento puramente estético é uma ameaça não apenas à racionalidade dos julgados, mas ao equilíbrio do próprio Estado. Tampouco parece equilibrada qualquer posição que direcione a Corte Constitucional para uma superposição, capaz de se colocar acima dos poderes do Estado para estabelecer, no fundo, que um Judiciário acima dos demais, em verdade, se coadunaria com a existên-cia de um falso equilíbrio. É uma autoafirmação muito distante do verdadeiro detentor do poder.

Assim, mais do que não violar o sentido do texto, a interpretação razoá-vel tem a missão de manter, a partir de sua própria estrutura, o nivelamento do Poder estatal.

CONCLUSÃO

Quando se fala em projeto constitucional, por evidente, os teóricos do Estado sempre apontam uma consequência inerente à existência de uma diretriz duradoura. O problema de como o passado possa guiar o futuro, sem que no fu-turo se pretenda desviar dos objetivos do passado, mas tão somente articulá-los para oferecer respostas temporalmente mais adequadas sempre existiu e sempre existirá na temática do tempo do Direito.

Mais do que isso, questiona-se se o projeto democrático seria realmente eterno. Mas esse é um problema de base, visto que, se o Estado é uma ficção ju-rídica criada para organizar e direcionar a sociedade, isto é, o povo, nada mais natural e consequente do que o modelo que se apresenta leve em consideração a ampla participação popular, o que culmina na própria democracia. Assim, enquanto houver Estado Constitucional, a democracia lhe perseguirá.

Nesse novo paradigma do Estado, ao melhor modelo das revoluções científicas de Kuhn62, a defesa dos preceitos constitucionais de uma Constitui-ção materialmente garantidora, apesar de requisitada de todos os Poderes do Estado, acabará encontrando no Judiciário seu fiel guardião. Assim, o Judiciário sai de uma posição pré-revolucionária bastante amiúde e passiva para assumir no contexto contemporâneo o papel protagonista: a última palavra do Estado Constitucional.

Seja no judicial review ou no modelo kelseniano, a ideia que circunda o controle de constitucionalidade apresenta-se da mesma forma: a necessidade

62 “Uma teoria científica, após ter atingido o status de paradigma, somente é considerado inválida quando existe uma alternativa disponível para substituí-la [...]. Decidir rejeitar um paradigma é sempre decidir simultaneamente aceitar outro e o juízo que conduz a essa decisão envolve a comparação de ambos os paradigmas com a natureza, bem como sua comparação mútua.” (KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1997. p. 108)

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de que o Judiciário garanta a supremacia da Constituição por meio do controle dos atos estatais inferiores a ela, restando, assim, assegurado o projeto constitu-cional de outrora, mas sempre pendente de mutações interpretativas.

Evidente que o esforço trará em si o risco do abuso, na medida em que os liames entre a interpretação jurisdicional e a legislação judiciária não se mostram sempre tão óbvios. Partindo da premissa de Kelsen, de que a tarefa do julgador sempre terá em si uma vertente criativa63, torna-se necessário delimitar até que ponto essa criação não adentra à esfera detidamente legislativa.

Essa preocupação é esposada por Cappelletti:

Vimos que a criatividade constitui um fator inevitável da função jurisdicional, e que existem, por outro lado, importantes razões para o acentuado desenvolvi-mento de tal criatividade em nosso século, correspondendo a características e exigências fundamentais de nossa época, econômicas, políticas, constitucionais e sociais. Mas, em consequência dessas premissas, há neste ponto uma segunda questão a requerer resposta. Devemos inquirir se a atividade judiciária, ou sua mais acentuada medida, torna o juiz legislador; se, em outras palavras, assumin-do os juízes (ou alguns deles, como os constitucionais e comunitários) papel acentuadamente criativo, a função jurisdicional termina por se igualar à legislati-va, e os juízes (ou aqueles outros juízes) acabam por invadir o domínio do poder legislativo.64

Ainda, deve-se ressaltar que o controle de constitucionalidade traz ao Ju-diciário o papel de abordar temas que, por estarem materialmente inseridos na Constituição, não eram objeto de análise jurisdicional no direito pré-revolucio-nário, inclusive questões políticas tidas como inerentes à análise governamental ou de abrangência das atividades legislativas.

Tampouco se pode olvidar que, talqualmente a legislação, não há como afastar a identificação do conteúdo moral das decisões, seja pela formação ide-ológica do julgador, seja pela influência da confecção da norma, ou mesmo pelo fruto decorrente da interpretação realizada de forma não imune ao am-biente moral.

Diante desse quadro, alguns doutrinadores oferecem a saída da racionali-zação das decisões judiciais, de modo que os julgadores possam, na medida da construção jurisdicional, justificá-las sob a égide de fundamentos que ofereçam subsídio lógico-estrutural para os motivos determinantes, modelo bastante sig-nificativo diante de preceitos polissêmicos ou do embate de princípios constitu-cionais. Destacamos o trabalho de Neil McCormick, Robert Alexy e Ana Paula de Barcellos.

63 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 124 e ss.64 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999. p. 73.

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Analisando a temática na jurisprudência alemã, Leonardo Martins apre-senta o modelo da democracia que se defende (wehrhafte demokratie), em que a Lei Fundamental de Bonn, diante da experiência tedesca, busca coibir atos que pareçam democráticos e inofensivos, mas que perseguem finalidades anti-democráticas65.

É que, como já se disse, eleições livres podem conduzir a detento-res do poder com cunho totalitário, desvirtuando a democracia inicialmente perquirida.

Na jurisprudência brasileira, a ascensão de preocupações tanto com um modelo mais participativo do controle de constitucionalidade como com a efe-tivação do princípio democrático conduziram à ampla participação não apenas da Corte Constitucional, mas, sobretudo, do Tribunal Superior Eleitoral, que, de forma didática, muitas vezes antecipava a posição a ser definida mais tarde pelo próprio Supremo.

Entre nós, as técnicas de controle, de forte influência alemã, muitas vezes apresentaram sugestões pouco ortodoxas diante da tese de nulidade das leis inconstitucionais, para estruturar preceitos que modificariam o pressuposto de que the inconstitutional statute is not law at all, como defendia Willoughby no judicial review norte-americano66.

Nesse contexto, nasceram teses de interpretação conforme a Constitui-ção, precipuamente quando a declaração de nulidade fosse um mal maior do que remediar-se dentro da razoabilidade a interpretação do preceito. É o que o Bundesverfassgungsgericht exercitou com a redução do percentual de 5% para 0,5% no caso das cláusulas de barreira.

No Brasil, no entanto, a temática das cláusulas de barreira sofrera inter-pretação distinta, sendo-lhe preferível declarar nulidades totais e parciais. É que a interpretação conforme enquanto técnica de interpretação oferece o alto risco do Judiciário adentrar à discussão de cunho nitidamente legislativo.

Ao tratar a temática da inelegibilidade por vida pregressa, o Supremo considerou a necessidade de previsão legal para tanto, mas, naquela ocasião, já oferecia parâmetros para a lei que viria (LC 135), como que apelando ao le-gislador para que, diante do forte princípio da moralidade pública, regulasse a temática, permitindo o bloqueio eleitoral.

A ausência das leis diante de mandamentos constitucionais sempre se apresentou como um problema renitente no Estado Constitucional, ainda mais

65 MARTINS, Leonardo. Op. cit., p. 49 e ss.66 WILLOUGHBY, Westel Woodbury. The constitutional law of the United States. New York: Baker, Voorhis, v. 1,

1910. p. 9-10.

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após a mudança de paradigma que possibilitara às Cortes o ingresso em ques-tões que outrora eram limitadas ao debate político.

A jurisprudência, ademais, demonstrou que, sempre chamado, quase sem-pre o Parlamento se mostra inerte à advertência, recalcitrante em sua omissão, deixando graves problemas da sociedade sem a devida regulação legislativa.

Nessas situações, a sociedade buscará nas Cortes o remédio, não mais para apenas advertir o Legislativo, mas também para sanar a omissão apontada, o que, se não realizado de forma cautelosa, indicará um atropelado ingresso do Judiciário na vida legislativa.

Como procuramos demonstrar, é evidente que os motes interpretacio-nistas podem conduzir a resultados diversos. E mesmo em face de quadros que exigem a justificação racional da construção jurisprudencial, não assusta a pos-sibilidade ampla de entendimento do Judiciário, por vezes procurando conduzir sua motivação para alcançar a finalidade pressuposta.

Nesse ínterim, mostra-se ideal que a interpretação razoável ofereça al-gumas bases para que a interpretação, ao cabo, não ofereça solução comple-tamente desvirtuada tanto do texto legal quanto do objetivo proposto de sua confecção, ainda que se valendo da necessidade de se adentrar ao mundo das mutações constitucionais.

A luta pela efetivação do princípio democrático traz em si mais do que a simples apuração de que se trata de um dever de todos. Oferecerá sempre o questionamento de quem exatamente e de que forma buscará implementar direitos que servem para estruturar a democracia.

Nesse diapasão, é natural que as dificuldades se apresentem, ainda mais considerando o embate de poderes, a possibilidade da quebra dos equilíbrios, a abertura dos preceitos e a ampla margem interpretativa.

A razoabilidade, a racionalidade e a utilização da técnica podem ofere-cer asfalto para que, nos dizeres do mestre Bonavides, se coloque a navegar “o barco constitucional”67.

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67 BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 243.

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Assunto Especial – Texto Clássico

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Temas Atuais de Jurisdição Constitucional e Controle de Constitucionalidade

Innovaciones en la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Alemán, a Propósito de la Garantía de los Derechos Fundamentales en Respuesta a los Cambios que Conducen a la Sociedad de la Información*

WOLfGANG HOffMANN-RIEMCatedrático emérito de Derecho Público y Ciencias de la Administración en la Universidad de Hamburgo, Magistrado de la Sala Primera del Tribunal Constitucional alemán entre 1999 y 2008.

Traducido del alemán por Antonio López Pina y Angelika Freund.

Recibido: 2 de abril de 2014Aceptado: 5 de mayo de 2014

RESUMEN: En este trabajo se expone de qué manera afronta el Tribunal Constitucional la garantía de los derechos fundamentales también a la vista de esos profundos cambios sociales y tecnológicos. Se toma como ejemplo los derechos de la personalidad y su potencial para procurar la protección frente a peligros y riesgos también más allá de los casos tradicionalmente abordados, sin que ello suponga un freno a las importantes oportunidades que el uso de las nuevas tecnologías abre para el desarrollo de la sociedad y en la sociedad.

PALABRAS CLAVES: Tribunal Constitucional, derechos de la personalidad, tecnología, cambio social.

ABSTRACT: This paper analyzes how the Constitutional Court guarantees fundamental rights in the context of deep and social changes. Personality rights are an example of how the Court goes beyond its classical meaning to approach the proper protection of fundamental rights but without stopping the development of society through new technologies.

KEYWORDS: Constitutional court, personality rights, technologies, social change.

SUMARIO: 1 Cambios e innovación; 2 La irradiación y la eficacia frente a terceros de los derechos fundamentales como innovación; 3 El derecho general de la personalidad como innovación en el Derecho; 4 Derecho fundamental a la autodeterminación informativa; 5 El derecho fundamental a la garantía de la confidencialidad e integridad de los sistemas informáticos; 6 Particularidades y potenciales de la nueva concreción del derecho fundamental; 7 Epílogo.

* Texto ampliado y anotado de la conferencia pronunciada el 9 de mayo de 2013 en la Facultad de Derecho de la UNED con ocasión del Congreso Internacional Nuevas tendencias en la interpretación de los derechos fundamentales.

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1 CAMBIOS E INNOVACIÓNLos desafíos a los que se enfrentan las sociedades modernas cambian

constantemente. Europa lucha en estos momentos contra la crisis financiera, de deuda y bancaria. Las consecuencias para España son especialmente severas, pero también afectan a otros Estados europeos. Semejantes crisis exigen mucho a las personas: capacidad de adaptación y también sacrificios. El Derecho por sí solo no es capaz de resolverlas. De todos modos, también en las crisis se pone de manifiesto la importancia de un sistema jurídico eficaz para el funcionamiento adecuado de la economía y para el bienestar de la sociedad. El Derecho puede contribuir a crear estructuras que hagan más fácil afrontar los retos presentes y futuros. Esto es importante, porque hoy día nadie puede sustraerse a los vertiginosos cambios tecnológicos, económicos, culturales y sociales que tienen lugar en todas las sociedades y que despliegan una extraordinaria dinámica transnacional e internacional. Tales transformaciones abren nuevas posibilidades, pero también comportan riesgos. Corresponde al Derecho facilitar que se puedan aprovechar las oportunidades y, a la vez, conjurar los riesgos en la medida de lo posible.

Un ejemplo actual que ilustra la rapidez con la que se producen los cambios es el desarrollo de la sociedad de la información. Innovaciones tecnológicas como la digitalización, la computarización, los formatos cada vez más reducidos, la vinculación en red y todos los nuevos servicios que derivan de ello han generado una dinámica cuyo impacto es perfectamente comparable con el surgimiento de la sociedad industrial a finales del siglo XIX, pero que quizá cambie la sociedad aún más profundamente. Todo ello, junto con la entrada triunfal de internet en numerosos ámbitos de la vida de cada uno de nosotros, afecta no solo a individuos, organizaciones sociales y empresas, sino que también plantea retos al Derecho. De ahí que competa al legislador, a la Administración y al Gobierno y a los jueces procurar un ordenamiento jurídico vivo que haga justicia a los cambios, pero teniendo en cuenta el bien común y los intereses de los ciudadanos.

El ejemplo que hoy ofrecen las tecnologías de información y telecomunicaciones muestra cómo las innovaciones tecnológicas y sociales impulsan cambios en la sociedad. El concepto de innovación, en un sentido muy general, se refiere a cambios significativos y sostenidos en el tiempo capaces de contribuir a la superación de problemas conocidos o nuevos1. La Ciencia del Derecho, que apoya el desarrollo del Derecho aportando teoría y sistema, debe explorar el papel que desempeña el Derecho en el origen de las innovaciones, en su acompañamiento e incluso, cuando entrañan riesgos que

1 Esto supone una síntesis de elementos esenciales aportados por diversas propuestas de definición. Sobre usos convencionales del concepto vid. las contribuciones reunidas en J. FAGERBERG / D. C. MOWERY / R. R. NELSON, The Oxford Handbook of Innovation, 2006.

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hay que evitar, en su contención2. Pero también debe ocuparse de la capacidad de innovación del propio ordenamiento jurídico.

El diálogo doctrinal sobre la innovación y el debate público sobre la capacidad de innovación de una sociedad suelen limitarse a analizar los aspectos tecnológicos. Sin embargo, la capacidad que una sociedad tiene de afrontar su futuro no sólo depende de las innovaciones tecnológicas, sino también de las innovaciones sociales3 (como pueden ser el desarrollo de destrezas a la hora de diseñar nuevas vías y estrategias para afrontar los problemas, por ejemplo mediante nuevas formas de organización y nuevos procedimientos, nuevos estilos de vida, nuevas orientaciones de valor, nuevos equilibrios en las respuestas), cambiando así el modo de abordar problemas como el desempleo, el cambio demográfico o la emigración. Ello puede imponer nuevas respuestas en los campos de la salud, la atención social o la vida laboral. El concepto de innovación social también abarca cambios en las estructuras, el desarrollo de nuevas formas y estrategias de acción y asimismo cambios en actitudes y planteamientos, así como en las instituciones sociales o estatales.

También constituyen innovaciones sociales las transformaciones que se producen en el propio Derecho, por ejemplo los nuevos enfoques a la hora de reformar leyes, pero también el desarrollo del Derecho por parte de los jueces. Cambios fundamentales en el Derecho pueden tener lugar así4, en forma de adaptaciones constantes a las nuevas perspectivas o constelaciones de problemas, pero también colmando lagunas de forma expresa, digamos por vía de analogía o de cualquier otro desarrollo del Derecho5. Es de especial relevancia que las normas puedan cumplir la finalidad que persiguen también en las nuevas circunstancias. Y de hecho hay muchas normas cuya letra ha permanecido inalterada, pero que se han aplicado de forma diferente a lo largo del tiempo atendiendo a las condiciones de cada momento. Lo que importa es que las premisas normativas, como expresión de la voluntad del legislador, sigan siendo punto de referencia y se lleven a la práctica aunque cambien

2 Sobre la investigación en torno a la innovación en la Ciencia del Derecho vid. W. HOFFMANN-RIEM, “Möglichkeiten des Rechts bei der Bewirkung von Innovationen”, en VDI Technologiezentrum,Rechtliche Rahmenbedingungen für Forschung und Innovation, 1996, p. 10 ss.; M. SCHULTE (editor.), Technische Innovation und Recht, 1997; W. HOFFMANN-RIEM / J. – P. SCHNEIDER (editores),Rechtswissenschaftliche Innovationsforschung, 1998; así como los cuatro tomos de M. EIFERT / W. HOFFMANN-RIEM (editores), Innovation und Recht, 2008-2011. También existen monografías sobre temas específicos, por ejemplo P. SCHUMACHER, Innovationsregulierung im Recht der netzgebundenen Elektrizitätswirtschaft, 2009, o artículos de interés, como S. AUGSBERG, “Innovative Versorgungsstrukturen im Gesundheitswesen”, en Jahrbuch des Öffentlichen Rechts der Gegenwart, Vol. 61 (2013), p. 579 ss.

3 Al respecto vid. las contribuciones en J. HOWALDT / H. JAKOBSEN (Hrsg.), Soziale Innovation. Auf dem Weg zu einem postindustriellen Innovationsparadigma, 2010.

4 Sobre los diversos procedimientos informa la bibliografía sobre el método jurídico: K. LARENZ / C. – W. CANARIS, Methodenlehre der Rechtswisenschaft, 3. ed. 1995; F. MÜLLER / R. CHRISTENSEN, Juristische Methodik, Bd. 1: Grundlegung für die Arbeitsmethoden der Rechtspraxis, 10. ed. 2009; id., Juristische Methodik, Bd. II, Europarecht, 2012.

5 Sobre desarrollo del Derecho vid. BVerfGE 96, 375, 394 s., también ya BVerfGE 78, 20, 24. Entre la inmensa bibliografía vid. por todos R. WANK, Die Auslegung von Gesetzen, 5 ed. 2011, p. 89.

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las condiciones socioeconómicas o tecnológicas. El operador jurídico deberá respetar la potestad del legislador para determinar los objetivos normativos y el marco para realizar tales fines, pero está asimismo llamado a llevar a la práctica el sentido y el fin de la norma legal también cuando cambian las circunstancias6. Si por causa del progreso científico–tecnológico se modifican las circunstancias y se brindan nuevas posibilidades de acción y desarrollo para la realización de los fines normativos, es por principio legítimo tenerlo en cuenta en la interpretación y aplicación del Derecho. Ello se corresponde con la tarea de cualquier jurisprudencia y, en la medida en que concierna al Derecho constitucional, en particular de la jurisprudencia constitucional.

2 LA IRRADIACIÓN y LA EFICACIA FRENTE A TERCEROS DE LOS DERECHOS FUNDAMENTALES COMO INNOVACIÓN

Mi contribución se ceñirá a un ámbito limitado dentro de esa problemática, a título de ejemplo. Me referiré a las innovaciones en el Derecho constitucional alemán que han sido promovidas por el propio Tribunal Constitucional. De entre toda una serie de ejemplos comenzaré por la sentencia posiblemente más célebre del Tribunal Constitucional alemán, la del caso Lüth7. En concreto, se trataba de la libertad de expresión de una conocida personalidad, Erich Lüth, que había llamado públicamente al boicot de una película de título tan discreto como “Die unsterbliche Geliebte”, La amante inmortal. El autor y guionista era Veit Harlan, también autor y guionista de “Jud Süß”, una película antisemita de la época nazi. Lüth, un demócrata comprometido, quiso agitar la opinión pública alemana y contribuir a que en la joven República Federal se vedara el foro público a eminentes representantes del nazismo. Según el Derecho civil de entonces (§ 826 BGB), su llamamiento al boicot era considerado como un atentado a las buenas costumbres, por lo que los tribunales condenaron a Lüth a cesar en su actividad. Lüth recurrió mediante un recurso de amparo y el Tribunal Constitucional anuló la sentencia de la jurisdicción ordinaria. Argumentó que, aun siendo cierto que un derecho fundamental como el de la libertad de expresión es ante todo un derecho de defensa del ciudadano frente al Estado, las normas sobre derechos fundamentales de la Ley Fundamental fundan también un orden objetivo de valores que, en cuanto decisión constitucional de principio, irradia en todos los ámbitos del Derecho y debe ser atendido en la interpretación de las disposiciones del Derecho privado. Una vez ponderadas todas las circunstancias, incluida la ausencia de ánimo de lucro de quien llamaba al boicot, el Tribunal llegó a la conclusión de que tenía primacía en este supuesto la libertad de expresión.

6 Sobre ello vid. en la jurisprudencia alemana por ejemplo BVerfGE 96, 375, 395 ss. Asimismo BVerfGE 78, 20, 24.

7 BVerfGE 7, 198 ss.

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Esta sentencia ha sido importante no sólo para el desarrollo de las libertades de la comunicación en Alemania. Su transcendencia histórica estriba especialmente en la construcción de la fuerza vinculante de los derechos fundamentales frente a terceros y de la irradiación de los derechos fundamentales en todos los ámbitos del ordenamiento jurídico8. Tal sentencia ha tenido como consecuencia la constitucionalización del ordenamiento jurídico9 y condujo sobre todo a que el Derecho civil, el Derecho penal y por supuesto el Derecho público se tuvieran que examinar comprobando si se ajustaban a los requisitos de una democracia basada en los principios de la libertad y del Estado de Derecho. Esto tuvo y tiene aún una importancia particular en la interpretación de los denominados conceptos jurídicos indeterminados, que en la mayor parte de los casos requieren ser complementados mediante juicios de valor. Desde entonces, las concepciones de valor de la Ley Fundamental han debido ser tenidas en cuenta en la interpretación de dichos conceptos también cuando los conflictos afectan sólo a particulares. Entretanto, es jurisprudencia consolidada que los derechos fundamentales no sólo son derechos liberales de defensa contra el Estado, sino que simultáneamente tienen un significado jurídico- -objetivo para todo el ordenamiento jurídico10. Tal dimensión jurídico-objetiva habrá de ser atendida en la legislación, pero también por la jurisprudencia cuando se trate de la interpretación y aplicación de normas necesitadas de una concreción valorativa.

Esta sentencia ha contribuido de forma esencial, a mi juicio, al éxito histórico en Alemania del Estado social de Derecho. Incluso llegó a convertirse en modelo a seguir para otros ordenamientos jurídicos11. La dimensión jurídico--objetiva de los derechos fundamentales llevó asimismo a otras innovaciones, por ejemplo el desarrollo de deberes de protección12 derivados de normas ju-rídico-constitucionales y, en tal contexto, a elaborar la prohibición del defecto de protección13. La prohibición del defecto de protección es contrapunto de la prohibición del exceso en la limitación de los derechos fundamentales, que en particular se desarrolla en el marco del principio de proporcionalidad14. Este

8 Sobre la eficacia frente a terceros de los derechos fundamentales vid. por todos H.-J. PAPIER, “Drittwirkung der Grundrechte”, en D. MERTEN / H. – J. PAPIER (editores), Handbuch der Grundrechte in Deutschland und Europa, Bd. II Grundrechte in Deutschland: Allgemeine Lehren I, 2006, § 55.

9 Sobre el particular vid. G.F. SCHUPPERT / C. BUMKE, Die Konstitutionalisierung der Rechtsordnung, 2000.10 Se trata, por cierto, de una especie de inversión del desarrollo histórico, en el que los derechos fundamentales

fueron originariamente considerados como parte del ordenamiento jurídico-objetivo y sólo con posterioridad fueron configurados como derechos subjetivos.

11 Ejemplos al respecto se encuentran en T. RENSMANN, Wertordnung und Verfassung, 2007.12 Sobre los deberes fundamentales vid. por todos C. CALLIES, “Schutzpflichten”, en D. MERTEN / H.- J. PAPIER

(editores), Handbuch der Grundrechte in Deutschland und Europa, Bd. II Grundrechte in Deutschland: Allgemeine Lehren I, 2006, § 44.

13 Sobre el particular cfr. L.P. STÖRRING, Das Untermassverbot in der Diskussion, Berlin 2009, p. 19 ss., 28 ss., con referencias adicionales.

14 Sobre el principio de proporcionalidad vid. por todos D. MERTEN, “Verhältnismässigkeitsgrundsatz”, en D. MERTEN / H.-J. PAPIER (Hrsg.), Handbuch der Grundrechte in Deutschland und Europa, Bd. III Grundrechte in Deutschland: Allgemeine Lehre II, 2009, § 68.

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principio no es creación del Tribunal Constitucional, sino que se ha desarrolla-do progresivamente en colaboración con la doctrina y la praxis jurídica. Resulta común considerar que se trata de una de las figuras jurídicas que han sido trans-feridas desde el Derecho alemán al ámbito europeo y, en particular, al Derecho de la Unión Europea.

La prohibición del defecto de protección tiene particular importancia en los pronunciamientos sobre las omisiones legislativas15: los deberes constitucionales de protección exigen medidas para una protección adecuada y eficaz. Ello vale no sólo para las normas de derechos fundamentales que contienen un expreso mandato de protección -por ejemplo el art. 6 de la Ley Fundamental (GG) sobre la protección del matrimonio, la familia y los hijos-, sino también más allá, en el marco de los contenidos de garantía jurídico-objetiva de las normas de derechos fundamentales. Debe asegurarse las condiciones materiales que hacen posible el ejercicio de la libertad también en la medida en que las amenazas a la libertad procedan de ciudadanos particulares.

3 EL DERECHO GENERAL DE LA PERSONALIDAD COMO INNOVACIÓN EN EL DERECHO Voy a dejar ahora al margen algunos capítulos esenciales del desarrollo

de los derechos fundamentales en Alemania para pasar a hablar del derecho general de la personalidad, que ha estado en el origen de varias innovaciones en el ámbito de los derechos fundamentales generadas por la jurisprudencia. El art 2.1 GG protege el libre desarrollo de la personalidad, que resulta concreción de la inviolabilidad de la dignidad humana conscientemente colocada al comienzo de la Constitución, en el artículo 1.1 GG. Aquí se añade: “Es obligación de todos los poderes del Estado respetarla y protegerla”. Ahora quisiera mostrar cómo el Tribunal constitucional ha asumido este mandato de protección y cuál ha sido su reacción frente a los cambios producidos fuera del ámbito del Derecho. Para terminar, trataré de explicar que, a la vista de la jurisprudencia acumulada, existe potencial para emprender más innovaciones que se adapten a los nuevos cambios de las circunstancias.

En el año 1900, el legislador del Código Civil alemán había rechazado el derecho general de la personalidad16. Cincuenta años más tarde, sin embargo, el Tribunal Supremo Federal («Bundesgerichtshof») lo reconoció y lo interpretó como derecho autónomo17. Desde entonces, y en la medida en que se echen en falta reglas específicas de protección, en el Derecho civil se recurre a él como norma de aplicación general. El Tribunal Federal ha ido concretando progresivamente esta figura jurídica, cuya utilización en cuanto fundamento de

15 Cfr. BVerfGE 88, 203, 254.16 Vid. H.-P. GÖTTING, Inhalt, Zweck und Rechtsnatur des Persönlichkeitsrechts en H.-P. GÖTTING / C.

SCHERTZ / W. SEITZ / B. BECKER (editores), Handbuch des Persönlichkeitsrechts, 2008, Rn. 1 en §1.17 BGHZ 13, 334.

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pretensiones civiles fue considerada inicialmente por el Tribunal Constitucional sólo como “no objetable”18. Con posterioridad, el Tribunal Constitucional dejó cada vez más claro que este instituto jurídico-civil quedaba comprendido en la protección constitucional que el Tribunal deriva de la conexión entre el libre desarrollo de la personalidad (art. 2.1 GG) y la protección de la dignidad humana (art. 1.1 GG)19, y ello sin limitar el ámbito de protección al ámbito jurídico-privado20. Además, el desarrollo ulterior de la jurisprudencia ha extraído del derecho general de la personalidad nuevas concretizaciones: sirva como ejemplo el derecho a la voz y a la propia imagen21.

El derecho general de la personalidad ha sido de gran ayuda en la reacción del ordenamiento jurídico también frente a los cambios tecnológicos y sociales en la transición a la sociedad de la información y en su realización. Ya en el año 1973 se vio el Tribunal Constitucional en la necesidad de decidir sobre la admisibilidad de grabaciones magnetofónicas realizadas de forma subrepticia durante la instrucción de un proceso penal. Es decir, se trataba de la utilización de una tecnología hasta entonces no admisible, pero ya desarrollada desde hacía tiempo. Entre otros argumentos esgrimió el siguiente22: “Se debe garantizar la posibilidad de mantener conversaciones privadas sin que haya razones para sospechar o temer que una grabación subrepticia de las mismas se utilice sin el consentimiento del afectado y menos aún en contra de su voluntad”. En último término, se trataba de proteger constitucionalmente las condiciones de una individualidad libre y autónoma, digamos que como protección de la esfera privada y de la posibilidad de expresar de forma consciente la propia personalidad en presencia de terceros23. En el caso concreto, esto constituía una reacción frente al nuevo potencial de riesgos asociado a las nuevas tecnologías. Quedaba claro que la necesidad de protección derivada de los derechos fundamentales tiene una alta correlación con el potencial actual de la amenaza.

De este modo, el Tribunal Constitucional traspuso al ámbito del Derecho constitucional un instituto desarrollado con anterioridad por el Derecho civil. Esto modificó su rango y consiguientemente la dimensión y el sentido de la protección. Lo cual, a su vez, tuvo consecuencias profundas para muchos ámbitos de desarrollo del Estado de Derecho alemán. Como ya he anticipado, a partir de aquí me limitaré a las concreciones de este instituto en conexión con los cambios tecnológicos. Lo mostraré con dos concreciones de los derechos fundamentales, el desarrollo del derecho fundamental a la autodeterminación informativa y del derecho fundamental a la garantía de la confidencialidad y la

18 Vid. BVerfGE 30, 173, 194 ss.; 34, 118, 135 s.; 34, 238, 246 ss.19 Vid. BVerfGE 34, 238, 245 s.20 Vid. BVerfGE 27, 1, 6 s.21 Vid. por todos P. KUNIG, en I. von MÜNCH / PH. KUNIG (Hrsg.), Grundgesetz, Kommentar, Vol. 1, 6. Ed.

2012, parágrafo 35 del art. 2.22 BVerfGE 34, 238, 247.23 Así DREIER, Kommentierung (Art. 2 Abs. 1 GG), parágrafo 21 ss., 25.

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integridad de los sistemas informáticos. En ambos casos se trata de reacciones a desarrollos tecnológicos que, junto a oportunidades de desenvolvimiento social y de despliegue individual, encierran nuevos potenciales de amenaza y necesidades de protección. Ha sido y es tarea del ordenamiento jurídico desarrollar también la correspondiente protección jurídica de forma pormenorizada.

4 DERECHO FUNDAMENTAL A LA AUTODETERMINACIÓN INFORMATIVAEl derecho fundamental a la autodeterminación informativa es un invento

del Tribunal con consecuencias de amplio alcance para el Derecho alemán. Se produjo como consecuencia de un censo de población políticamente muy controvertido y ardorosamente debatido. La sentencia se dictó en 198324, por tanto un año antes de 1984, fecha dotada de una fuerte carga simbólica a causa de la novela futurista de Orwell sobre el «Big Brother». Ya mucho tiempo antes de esta sentencia se habían generado y desarrollado ampliamente nuevas tecnologías capaces de almacenar y procesar unificada y sistemáticamente mediante el ordenador datos personales. En comparación con la actualidad, las tecnologías resultaban aún primitivas; pero ya entonces tuvieron un impacto importante en muchos ámbitos sociales. El punto de partida de la controversia en torno al censo fue la recolección de datos estadísticos – es decir, anónimos – sobre el nombre y los apellidos, domicilio, situación económica, profesión, etc. Lo que se temía era que, con las nuevas tecnologías, estos datos se pudieran re-individualizar, llegando con ello a dañar los derechos de la personalidad.

La respuesta del Tribunal a esta potencial preocupación fue una decisión de principio: “Teniendo en cuenta las posibilidades del moderno procesamiento de datos personales, la protección del individuo contra la recogida, el almacenamiento, la utilización y la transmisión de sus datos personales de forma ilimitada queda comprendida bajo el derecho general de la personalidad derivado del art. 2.1 GG en conexión con el art. 1.1 GG. El derecho fundamental garantiza por tanto la facultad del individuo de decidir por principio sobre la entrega y la utilización de sus datos personales”25. Este derecho, por lo demás, tiene también límites. El Tribunal Constitucional no debía prohibir con carácter general que se emplearan ordenadores para realizar el censo, sino que pudo aceptarlo en la medida en que se observaran determinadas condiciones jurídico-constitucionales. El Tribunal impuso sobre todo que se establecieran garantías contra el uso torticero de los datos, entre otras la exigencia de una autorización legal suficientemente precisa y la adopción de garantías de organización y procedimiento26. Este nuevo derecho fundamental se convirtió en la base de la

24 BVerfGE 65,1.25 Así reza la primera tesis de BVerfGE 65, 1; con más detalle en p. 41 ss.26 Sobre el particular BVerfGE 65, 1, 48 ss., 58 ss.

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moderna legislación alemana de protección de datos, en particular de las leyes generales de protección de datos, así como de numerosas reglas especiales sobre la protección de datos personales y de la consiguiente jurisprudencia. Ha sido una de las innovaciones con mayores consecuencias en la jurisprudencia sobre derechos fundamentales.

5 EL DERECHO FUNDAMENTAL A LA GARANTíA DE LA CONFIDENCIALIDAD E INTEGRIDAD DE LOS SISTEMAS INFORMÁTICOS

5.1 nuevos desArrollos tecnológIcos

Desde 1983 el desarrollo de las tecnologías de la información ha sido vertiginoso sobre todo en cuanto se refiere a la digitalización, miniaturización, conexión en red, desarrollo de nuevas infraestructuras y creación de nuevos servicios (en particular sociales). El fenómeno más evidente es la creación y el uso generalizado de internet. A diferencia de lo que ocurría en 1983, ya no se depende de unos ordenadores centrales, voluminosos, caros y comparativamente lentos con una capacidad de almacenamiento relativamente limitada. Hoy cualquiera puede acceder a ordenadores muy eficaces con un precio asequible, los lapiceros USB permiten almacenar gran cantidad de datos que en el pasado hubieran requerido ordenadores de grandes dimensiones; portátiles, tabletas y teléfonos inteligentes posibilitan la comunicación móvil por internet; también el almacenamiento de datos admite movilidad, en especial en la nube; la comunicación transcurre por redes globales. El aprovechamiento de datos de los usuarios (datos funcionales, en particular de conexiones, y contenidos) posibilita muchos nuevos modelos de negocio, cuya puesta en práctica ha podido tener y va a continuar teniendo considerables efectos en los desarrollos económicos y sociales.

Las nuevas tecnologías abren a las personas también nuevas oportunidades de despliegue en muchos ámbitos. Ello afecta a la comunicación en y entre las organizaciones y la Administración, en el tráfico mercantil (baste con mencionar eBay y Amazon), en el ámbito de la comunicación personal (correo electrónico), así como a las múltiples formas de participación en redes sociales, hasta llegar a la protesta o al impulso y la dirección de movimientos revolucionarios27. La creación y el uso de internet son sólo una expresión, si bien la más importante, de todos estos desarrollos tecnológicos, que también han comportado muchas innovaciones sociales. Al respecto merecen mención, además de los nuevos servicios sociales en red – como Facebook –, las nuevas formas colaborativas de generación de conocimiento en el ámbito de «open source» o de «open content», las posibilidades del «crowd financing». Las tecnologías ofrecen

27 Un ejemplo es la llamada “primavera árabe”, en la que el levantamiento popular se hizo posible y se organizó también con ayuda de Internet.

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enormes potencialidades, y no es ninguna exageración hacer referencia a las oportunidades que se derivan de la sociedad de la información. En la mayoría de los aspectos de la vida cotidiana, los ciudadanos están hoy obligados a utilizar las nuevas tecnologías si no quieren quedar social y económicamente marginados. Pero las nuevas tecnologías comportan también un potencial de peligros: no sólo el de que terceros, incluido el Estado, penetren en el ámbito privado, sino también el desarrollo de un poder de comunicación y económico que imponga sus intereses de forma selectiva mediante la manipulación o por otras vías28.

El recurso a estas tecnologías está, por supuesto, abierto a los delincuentes. Al respecto, y como ejemplo, el Tribunal Constitucional dijo, en una sentencia de 2010 sobre el almacenamiento de datos personales29, que los nuevos medios de telecomunicación facilitan “la comunicación y la acción clandestinas de los delincuentes y permiten incluso que grupos dispersos integrados por pocas personas confluyan y colaboren de manera eficaz. Mediante una comunicación que prácticamente no encuentra obstáculos se hace posible vincular conocimiento, voluntad de actuación y energía criminal en términos que colocan la prevención de riesgos y la persecución penal ante nuevas tareas. Algunos delitos tienen lugar directamente a través de las nuevas tecnologías. Al tener lugar en el interior de un entramado de ordenadores y redes técnicamente conectados entre sí, estas actividades se sustraen en gran medida a la capacidad de observación”.

Tales hechos obligan a plantearse cómo puede responder el Estado. Tiene encomendada la persecución penal. Los derechos fundamentales que rigen en la comunicación por internet comportan barreras, que sin embargo también permiten a la autoridad intervenir en el ámbito de los derechos fundamentales si lo justifica la persecución de una actividad delictiva. En el caso del almacenamiento de datos fue decisivo el art. 10 GG, la libertad de la telecomunicación. Para el control constitucional del almacenamiento de datos el Tribunal Constitucional no precisó de innovación fundamental alguna, sino que le bastó con apoyarse en la anterior jurisprudencia sobre este derecho fundamental. El Tribunal se sirvió de ella para exigir, también respecto del almacenamiento de datos, normas legales claras y comprensibles que garanticen en particular la seguridad de los datos almacenados. Las medidas adoptadas deben ajustarse al estado actual del desarrollo tecnológico, pero deben seguir incorporando los nuevos conocimientos y las nuevas perspectivas. Hay que asegurar la transparencia y las posibilidades de tutela jurídica. El Tribunal no descarta el almacenamiento de datos en cuanto tal, simplemente impone condiciones que van más allá de los requisitos que exigen otros ordenamientos jurídicos europeos, incluida la

28 En general sobre tales potencialidades vid. W. HOFFMANN-RIEM, “Regelungsstrukturen für öffentliche Komunikation im Internet”, en Archiv des Öffentlichen Rechts Vol. 137, 2012, p. 509, 533 ss .

29 BVerfGE 125, 260, 322 s. Anteriormente ya BVerfGE 121, 1 ss.

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directiva de la Unión Europea sobre almacenamiento de datos. Esta sentencia, como otras anteriores, reacciona ante el hecho de que las nuevas tecnologías brindan al Estado nuevas posibilidades de acción preventiva y represiva, no solo para la persecución en el ámbito penal, sino también para la prevención de riesgos y la defensa frente al peligro.

5.2 nuevos problemAs A lA luz de nuevos desArrollos tecnológIcos

Para los casos en que se autorice el control de comunicaciones para el cumplimiento de tareas públicas – lo que en Alemania solo es posible bajo muy estrictas condiciones –, las nuevas tecnologías generan también nuevos problemas. La digitalización y los nuevos recursos de software en el ámbito de la comunicación (como Skype) permiten el contacto entre personas, por tanto también entre delincuentes, sin que sea posible o al menos técnicamente sencillo que el Estado pueda controlarlo, escapando del riesgo de ser vigilados. Tales nuevas tecnologías excluyen la captura de información durante el proceso telemático de comunicación, haciendo imposible por tanto una forma de vigilancia que antes, por ejemplo con el uso del teléfono, resultaba relativamente fácil poner en marcha. Hoy por hoy, los contenidos de este tipo de comunicación sólo pueden registrarse con anterioridad a su entrada en las redes de telecomunicaciones o una vez que los haya recibido el destinatario. Para atender a esta nueva realidad se ha creado un instrumento de supervisión, el llamado registro online, que permite captar la comunicación en el momento de su emisión, en su origen, y hace posible con ello la llamada supervisión de las fuentes de la telecomunicación.

5.3 el proceso Ante el trIbunAl constItucIonAl sobre los regIstros onlIne

La sentencia sobre almacenamiento de datos era la última en una larga serie de decisiones sobre la utilización de las nuevas tecnologías para la protección frente al peligro y la persecución penal. Habían llevado a ajustes en el alcance de la protección de los derechos fundamentales, por ejemplo no sólo en el art. 10 GG sobre la libertad de la telecomunicación, sino también en el art. 13 GG sobre la inviolabilidad del domicilio. Especial repercusión pública tuvieron las sentencias sobre el control de las telecomunicaciones por parte de los Servicios Federales de Inteligencia30, la vigilancia acústica en el interior del domicilio («Groβer Lauschangriff»)31, el control de las telecomunicaciones por parte de la policía32 y el rastreo masivo de datos informáticos33. Recientemente

30 BVerfGE 100, 313.31 Vid. BVerfGE 109, 279.32 BVerfGE 113, 348 ss.33 Sobre el particular vid. BVerfGE 115, 320 ss.

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se ha publicado una sentencia sobre la ley antiterrorista basada especialmente en el artículo 10 GG34v.

Ya antes de la mencionada sentencia sobre el almacenamiento de datos hubo de decidir el Tribunal sobre el registro online. ¿Tiene derecho el Estado a infiltrarse en ordenadores privados – o dicho en términos más amplios, en sistemas privados de tratamiento de la información – mediante el correspondiente software, los llamados troyanos, con el fin de recoger y utilizar de modo secreto datos personales, tanto operativos como de contenido? Esta sentencia – del año 2008, esto es, quince años posterior a la pionera sentencia sobre el censo – tenía como objeto una ley regional de Renania del Norte-Westfalia que, con el propósito de la defensa del orden constitucional, había previsto una autorización para la obtención y el aprovechamiento de datos.

La infiltración de los sistemas informáticos privados debía tener lugar de forma tal que al afectado le fuera prácticamente imposible detectar nada. Pero, en ausencia de conocimiento, en la práctica resultaba también imposible recurrir a la protección jurídica garantizada por el art. 19.4 GG. Lo que buscaba la infiltración del Estado era esquivar las posibles medidas de autoprotección de los ciudadanos35, esto es, justo las medidas que por principio pretende apoyar el derecho a la protección de datos en cuanto derecho de protección de la autonomía36. Se incrementaba de este modo la pérdida de la posibilidad de disponer de forma autónoma sobre los datos de la propia esfera privada que entran en juego en el curso de las comunicaciones y el desmantelamiento de las posibilidades de control, que en internet son siempre considerables37. Simultáneamente surgían riesgos de manipulación en los sistemas informáticos, que afectaban a su operatividad y que podrían hacer posibles los abusos, incluso por parte de terceros38.

5.4 lA elAborAcIón de un derecho fundAmentAl A lA confIdencIAlIdAd y A lA IntegrIdAd de los sIstemAs InformátIcos

Un contencioso judicial como el del registro online queda configurado y a la vez limitado por las concretas condiciones en las que surge. El Tribunal Constitucional se lo plantea a causa de un recurso de amparo de ciertos ciudadanos frente a la vulneración, que la ley hacía posible, de los derechos al desarrollo individual de la personalidad.

34 Sentencia de 24 abril 2013 – 1 BvR 1215/07.35 Cfr. también la documentación en BVerfGE 120, 274, 324.36 Sobre el particular vid. A. ROSSNAGEL, “Konzepte des Selbstdatenschutzes”, en A. ROSSNAGEL (editor),

Handbuch Datenschutzrecht, 2003, p. 325 ss.37 Sobre el particular vid. W. HOFFMANN-RIEM, “Der grundrechtliche Schutz der Vertraulichkeit und Integrität

eigengenutzter informationstechnische Systeme”, Juristen Zeitung, 2008, p. 1009, 1012 y ss.38 Sobre las posibilidades de protección frente a ello vid. J. D. ROGGENKAMP, “Verfassungs- und

datenschutzrechtliche Anforderungen an die technische Gestaltung von sogenannten Staatstrojanern”, en F. PETERS / H. KERSTEN / K.-D. WOLFENSTETTER (editores.), Innovativer Datenschutz, 2012, p. 267 ss.

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En tal proceso, el Tribunal trató de explorar el ámbito de las nuevas tecnologías, particularmente en lo referente a las posibilidades y riesgos de la infiltración de sistemas informáticos. Para ello elaboró cuestionarios detallados y se los envió a organismos públicos, a asociaciones y a expertos en la materia, rogándoles su opinión. Organizó una exhaustiva vista oral en la que fueron oídos científicos, pero también representantes de la práctica (por ejemplo, un miembro del «Chaos Computer Club»), para recabar información profesional de primera mano. A partir del conocimiento de la evolución tecnológica, el Tribunal se planteó examinar si el potencial de peligros asociado a tal forma de recabar información por parte de las autoridades pudiera conducir a considerar contraria a Derecho la intervención estatal incluso cuando estuviera al servicio de fines legítimos. En particular, el Tribunal debía verificar si quedaban suficientemente despejados los eventuales riesgos en el marco de los derechos fundamentales relevantes hasta ese momento para tal control (derecho a la autodeterminación informativa, protección de la libertad de telecomunicaciones y de la inviolabilidad del domicilio).

La respuesta del Tribunal fue que continuaba habiendo lagunas en la protección; consiguientemente, era necesario un nuevo enfoque jurídico en la protección ante los avances tecnológicos, sociales y económicos. Las premisas empíricas de la protección de los derechos fundamentales habían cambiado. El Tribunal debía plantearse, por tanto, si las premisas normativas vinculadas a los derechos al desarrollo de la personalidad en su concepción hasta ese momento vigente – en particular, la finalidad de la protección de la autonomía personal como garantía de libertad – podían ser debidamente tenidas en cuenta a la vista de las nuevas posibilidades tecnológicas. Su respuesta fue que no. El Tribunal procedió de modo semejante a como había hecho en el pasado, cuando a partir del derecho fundamental derivado de los arts. 2.1 y 1.1 GG dedujo los derechos – no mencionados en la Constitución, pero comprendidos en su sentido – a la propia imagen, a la propia voz y a la autodeterminación informativa, en cuanto concreciones del derecho general de la personalidad. En tal sentido señaló39: “En la medida en que no existe suficiente protección frente a los peligros para la personalidad que se derivan del hecho de que los particulares necesiten utilizar para el desarrollo de la misma sistemas técnicos informáticos, el derecho general de la personalidad atenderá a esta necesidad de protección mediante su tarea de colmar lagunas yendo más allá de las concreciones reconocidas hasta ahora y garantizando la integridad y confidencialidad de los sistemas informáticos”. Por lo tanto, el Tribunal Constitucional no ha encontrado o inventado un nuevo derecho, sino que, a la luz de los cambios tecnológicos y sociales y cumpliendo con su misión de continuar desarrollando el Derecho constitucional40, concretó de forma novedosa, mediante una ulterior diferenciación dotada de su propio

39 BVerfGE 120, 274, 313.40 Sobre interpretación que desarrolla el Derecho vid. supra, nota 4.

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nombre, un derecho fundamental reconocido desde hace mucho tiempo, el derecho general de la personalidad.

Al reformular el mandato de garantía incluyendo la protección de la confidencialidad e integridad de los sistemas informáticos, el Tribunal puso en primer plano las dudas respecto del funcionamiento de tales sistemas: dudas por una parte tecnológicas, por ejemplo cuando señala que la instalación de un troyano puede ser aprovechada por terceros con fines de espionaje41 o puede provocar fallos del sistema informático. Pero los términos confidencialidad e integridad también implican una garantía de operatividad social42: por principio, los ciudadanos deben poder confiar en que los sistemas informáticos no serán objeto de manipulación y en que la comunicación será confidencial.

La aplicación de esta nueva concreción del derecho fundamental en el caso particular – se trataba, a fin de cuentas, de resolver el recurso de amparo planteado por particulares – siguió el modelo habitual del examen de la injerencia en un derecho liberal de autonomía: ¿justifica el fin (aquí la defensa de la Constitución) la intervención del Estado en el derecho del recurrente y, en caso afirmativo, respeta la ley los límites constitucionales, especialmente el principio de proporcionalidad? En el supuesto concreto, el Tribunal respondió negativamente.

El nombre que el Tribunal dio a esta nueva concreción del derecho fundamental, ya en el primer apartado del resumen en forma de tesis que antepone a su sentencia, fue el de “derecho fundamental a la garantía de la confidencialidad y de la integridad de los sistemas informáticos”. Este concepto, también conocido como “derecho fundamental IT” (derecho fundamental de las tecnologías de información y telecomunicación), ha sido ya acogido por la bibliografía en materia constitucional43. En la doctrina, tal construcción dogmática sigue provocando división de opiniones. Las voces críticas argumentan que la protección bien podía haber sido garantizada sobre la base del ya conocido derecho a la autodeterminación informativa44. Tales posiciones, sin embargo, no se plantean en detalle las lagunas de protección descritas por el Tribunal Constitucional45.

41 Vid. BVerfGE 120, 274, 314.42 Cfr. BVerfGE 120, 274, 323.43 Sobre el particular por ejemplo el popular Kommentar de H. D. JARASS / B. PIEROTH, Grundgesetz für die

Bundesrepublik Deutschland, 11. ed. 2011, parágrafo 45 del art. 2 GG.44 Vid. por ejemplo G BRITZ “Vertraulichkeit und Integrität informationstechnischer Systeme – Einige Fragen

zu einem neuen Grundrecht”, Die öffentliche Verwaltung, 2008, p. 411 ss.; M. EIFERT, “Informationelle Selbstbestimmung im Internet. Das BVerfG und die Online-Durchsuchungen”, Neue Verwaltungszeitschrift, 2008, p. 521 ss.

45 Ello se hizo evidente ya inmediatamente después de la publicación de la sentencia del BVerfG. Sobre el particular vid. la referencia en W. HOFFMANN-RIEM, “Der grundrechtliche Schutz der Vertraulichkeit und Integrität eigengenutzter informationstechnischer Systeme”, Juristen Zeitung, 2008, p. 1009, 1015, nota 64.

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Está por ver con qué alcance será incorporada en la doctrina y en la práctica del Derecho, sobre todo en la legislación, esta nueva garantía. En la nueva redacción de la Ley sobre el Servicio Federal de Investigación Criminal, el legislador la ha asumido en una nueva norma (§ 20k: “intervención subrepticia en sistemas informáticos”), aunque como ocasión para una nueva autorización de injerencia46. Al efecto, se han integrado ampliamente en la ley las formulaciones del Tribunal Constitucional. El legislador tenía a su disposición la posibilidad de responder al requerimiento de garantía del derecho fundamental no permitiendo intervención estatal alguna en los sistemas informáticos. Así ha ocurrido hasta ahora en el ámbito de la persecución penal: en el proceso penal no se ha previsto hasta hoy la autorización de intervención. Se trata de una decisión política, condicionada por el hecho de que el anterior socio de la coalición de gobierno, el Partido Liberal (FDP), se oponía a tales intervenciones47. Habremos de esperar al desarrollo de la legislación en el futuro.

6 PARTICULARIDADES y POTENCIALES DE LA NUEVA CONCRECIÓN DEL DERECHO FUNDAMENTAL

6.1 ¿contenIdos JurídIco-obJetIvos de los derechos fundAmentAles?Volvamos a la sentencia del Tribunal Constitucional. Llama la atención

en ella que la nueva acuñación del derecho fundamental se desvíe de la terminología habitual de las normas de defensa, que se hubiera referido por ejemplo a la protección frente a la intervención del Estado en los ordenadores. En lugar de un término como protección se opta por la expresión garantía. Esta también se encuentra por ejemplo en el art. 5.1 GG. En ese ámbito, el Tribunal Constitucional lo ha interpretado a partir de la doctrina de los derechos fundamentales en el sentido de que, junto a una protección jurídico-subjetiva (la libertad de medios), el derecho fundamental incorpora también una dimensión jurídico-objetiva48. El mandato constitucional para el legislador se formuló en términos de garantizar la operatividad del ordenamiento de los medios de radio y televisión mediante disposiciones materiales, organizativas y en su caso procedimentales. Debía crearse un ordenamiento que asegurara “que en la radiotelevisión encuentre expresión el pluralismo de las opiniones con la mayor amplitud y plenitud posibles”49.

46 Con más detalles al respecto M. BÄCKER, Terrorismusabwehr durch das Bundeskriminalamt, 2009, p. 102 ss.

47 En la práctica de la investigación criminal, los registros en línea sin embargo han sido llevados a cabo, en parte recurriendo a la norma existente hace tiempo del §100 a StPO (vigilancia de las telecomunicaciones), una solución que fue expresamente rechazada por el Fiscal General del Estado a la vista de la sentencia del Tribunal Constitucional (vid. la respuesta del Gobierno Federal a la pregunta del Diputado Lischka y del grupo Parlamentario Socialdemócrata sobre el empleo de la supervisión de las fuentes de telecomunicación, BT Drucks 17/11087).

48 Sobre el particular vid. H. SCHULZE-FIELITZ, en H. Dreier, Grundgesetz. Kommentar, 2 ed. 2004, Vol. I, parágrafo 232 ss. del art. 5 I, II, con otras referencias bibliográficas.

49 Vid. BVerfGE 57, 295, 319; 73, 118, 152 s.; 90, 60, 94; 114, 371, 387; 119, 181, 214.

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Que el Derecho constitucional alemán reconoce en principio funciones jurídico-objetivas de los derechos fundamentales es algo que ya he explicado al tratar la sentencia Lüth. Señalaba que el legislador había recibido el encargo de desarrollar el ordenamiento jurídico-privado de modo que la fuerza irradiadora de los derechos fundamentales alcanzara a todos los ámbitos del Derecho. En cuanto a los medios de comunicación, más específicamente en cuanto a la libertad de prensa, el Tribunal Constitucional ha concretado esta fuerza de irradiación del art. 5.1 GG señalando que cabe pensar en una obligación del Estado de “proteger de los peligros” que puede generar para una prensa libre la formación de monopolios de opinión50. Tales tareas estatales podrían llevar a incidir en el Derecho privado y en el tráfico económico – por más que sean concebidas como disposiciones estructurales para asegurar la posibilidad de ejercicio efectivo de las libertades de comunicación de los ciudadanos en una forma adecuada al Estado garante.

El modelo del Estado garante51 reacciona frente al fenómeno, creciente en los Estados de hoy, de desplazamiento del cumplimiento de tareas en favor de sujetos privados (desregulación, privatización, sujeción a parámetros económicos). Hace referencia a que, no obstante, el Estado conserva la responsabilidad de garantizar que las tareas públicas sean satisfechas en la calidad prevista por la Constitución y las demás normas también cuando se haya transferido a sujetos privados el cumplimiento de las mismas. Para ello, el Estado introduce en el ordenamiento disposiciones para cumplir con su responsabilidad de garantía. De las determinaciones de fines del Estado (como democracia, Estado social, Estado de Derecho) y no en último extremo del contenido jurídico-objetivo de las normas que reconocen derechos fundamentales se infieren orientaciones sobre el modo de ejercicio de la responsabilidad estatal de garantía. A la tarea de garantía corresponde asimismo procurar la observancia de la irradiación de los derechos fundamentales en el ordenamiento jurídico-privado y del tráfico económico. Cuando los sujetos privados no realicen debidamente las tareas que les han sido transferidas, la responsabilidad de garantía puede también ser activada mediante la recuperación por parte del Estado del cumplimiento de la correspondiente tarea.

50 BVerfGE 20, 162, 176.51 Sobre el concepto de Estado garante vid. por todos F. G. SCHUPPERT, “Verwaltungsorganisation und

Verwaltungsorganisationsrecht als Steuerungsfaktoren”, en W. HOFFMANN-RIEM / E. SCHMIDT-ASSMANN /A. VOSSKUHLE (editores), Grundlagen des Verwaltungsrechts, Vol. I,2., 2012, § 16, parágrafo 16; W. HOFFMANN-RIEM, Modernisierung von Recht und Justiz, 2001, p. 24 ss. El modelo del Estado garante es una reacción al creciente desplazamiento en los Estados contemporáneos de la realización de tareas públicas a agentes privados (desregulación, privatización) y hace referencia a que el Estado tiene simultáneamente la responsabilidad de garantizar que las tareas públicas sean satisfechas conforme a la calidad prevista por la Constitución y por otras normas también cuando su cumplimiento se haya transferido a manos privadas. El Estado adopta para ello medidas jurídicas que cubren la responsabilidad de la garantía y que se activan cuando el cumplimiento de las tareas por parte de los sujetos privados encargados de ellas resulta insatisfactorio.

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En la sentencia sobre el registro online no se trataba de decidir sobre cuestiones centrales del Estado garante o en concreto del Derecho de los medios de comunicación. Pero la utilización por el Tribunal del término garantía sí sugiere una posible referencia a la concepción del Estado garante y, en particular, a la dimensión jurídico-objetiva de la protección de los derechos fundamentales.

Refuerza esta impresión el hecho que el Tribunal menciona como objeto de la protección los sistemas informáticos, haciendo expresa referencia a su complejidad52. Con ello hace extensiva la garantía a las condiciones infraestructurales de las modernas tecnologías de las telecomunicaciones53. A juicio del Tribunal Constitucional, una protección efectiva de los derechos fundamentales debe también abarcar la observancia de la integridad y de la confidencialidad de tales sistemas informáticos, como fundamento de la confianza de los ciudadanos en los mismos. Esta confianza es, por su parte, condición para que estos sistemas sean aceptados y con ello, como hemos dicho, de su funcionalidad social54.

No en la formulación de la garantía del derecho fundamental en el punto primero de las tesis que resumen la Sentencia, pero sí en las consideraciones referidas al caso contenidas en los fundamentos jurídicos, el Tribunal se ciñe a la protección de los sistemas informáticos propios (mejor dicho, de uso propio). Una protección más amplia tampoco sería compatible con la inferencia de la garantía a partir del derecho fundamental individual del art. 2.1 GG en conexión con el art. 1.1. La sentencia se refiere exclusivamente a la protección jurídica individual de los recurrentes, que sólo pueden invocar en recurso de amparo la vulneración de “sus propios derechos subjetivos” (art. 93.1 nº 4a GG; § 90.1 de la Ley del Tribunal Constitucional). Ahora bien, en la medida en que la protección de la utilidad de los propios sistemas informáticos debe garantizar la confidencialidad y la integridad de los sistemas informáticos en cuanto tales, tal protección del derecho individual tiene indirectamente un alcance expansivo.

Un año después de la sentencia del Tribunal Constitucional, en 2009, el concepto de sistemas informáticos ha sido elevado expresamente a la categoría de concepto constitucional, concretamente en el art. 91c GG. En tal norma se regula, como una de las llamadas “tareas comunitarias”, la colaboración de la Federación y de los Länder en la construcción y administración de las infraestructuras necesarias para el desarrollo de las técnicas informáticas. La tarea que deben asumir conjuntamente la Federación y los Länder debe posibilitar en particular la interoperatividad y la seguridad de las infraestructuras55. Tal tarea

52 BVerfGE 120, 274, 313 ss.53 Vid. también BVerfGE 120, 274, 314.54 Cfr. sobre el particular W. HOFFMANN-RIEM, “Der grundrechtliche Schutz der Vertraulichkeit und Integrität

eigengenutzter informationstechnischer Systeme”, Juristen Zeitung, 2008, p. 1012.55 Cfr. BT Drucks 16/12410,8.

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de coordinación tiene lugar también en el contexto de la necesaria cooperación administrativa con la Unión Europea56.

6.2 potencIAlIdAdes de estA gArAntíA pArA el ordenAmIento de lA InformAcIón

Si se consideran las particularidades terminológicas de la nueva concreción del derecho fundamental (garantía y referencia a los sistemas informáticos) como base para la protección de determinados aspectos de la funcionalidad tecnológica y social de tales sistemas en su conjunto, se hace evidente que la nueva construcción tiene un potencial que excede lo descrito hasta ahora. Bien puede acabar afectando, más allá del conocido ámbito de aplicación de la vieja garantía del derecho fundamental a la autodeterminación informativa, al ordenamiento de las comunicaciones en la sociedad de la información. Por ahora no hay ninguna decisión del Tribunal Constitucional al respecto. Las reflexiones que siguen constituyen un intento de explorar eventuales potencialidades de futuro para la legislación, la jurisprudencia y la práctica administrativa.

De momento, la tarea de garantizar importantes aspectos de la funcionalidad tecnológica y social de los sistemas informáticos se ciñe al ámbito del ordenamiento jurídico nacional. Pero, a la vista de la dimensión internacional de estas infraestructuras, puede y debe también implicar que las instancias nacionales contribuyan de forma significativa a establecer medidas a nivel transnacional e internacional que aseguren la funcionalidad de las infraestructuras con la vista puesta en la confidencialidad y la integridad. Ello podría comprender garantías contra amenazas a la confidencialidad y a la integridad que procedan de agentes no dotados de poder público.

La asunción de la responsabilidad sobre la funcionalidad de las infraestructuras informáticas es una importante tarea estatal en el marco del Estado garante57. El art. 91c GG la regula con respecto a la satisfacción (del resto) de tareas de la Federación y de los Länder, en la medida en que las mismas precisan al efecto de sistemas informáticos. Tal norma está en un título sobre la cooperación entre la Federación y los Länder en el ámbito de la Administración pública; es decir, no se trata de una norma de derechos fundamentales. En consecuencia, el art. 91c GG no aborda en plenitud la garantía de la funcionalidad de sistemas informáticos. Dado que no se trata de una norma de derecho fundamental, no pretende concretar una garantía de los derechos de unos ciudadanos que necesitan que los sistemas informáticos resulten operativos. Sin embargo, no se puede excluir que esta norma, por ejemplo mediante una interpretación sistemática y teniendo en cuenta el art.

56 Vid. U. MAGER en I. von MÜNCH / P. KUNIG, Grundgesetz, Kommentar, Vol. 2, 6 ed. 2012, parágrafo. 4 del art. 91c GG.

57 Sobre la visión del Estado contemporáneo como Estado garante vid. supra, nota 51.

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10 GG y el derecho fundamental a la confidencialidad y a la integridad de los sistemas informáticos, pueda servir como base argumentativa para el ulterior desarrollo de la tarea de garantía del Estado concerniente a otros aspectos de la operatividad de los sistemas informáticos. De ese modo podrían estimularse otras innovaciones en el Derecho.

Las actuales infraestructuras técnicas de comunicación apenas han sido puestas en marcha por agentes públicos, sino ante todo por empresas privadas. Sus concretas condiciones de funcionamiento son también configuradas preferentemente por ellas. Unas pocas empresas presentes en todo el mundo, como Google, Facebook, Apple o Microsoft, tienen un poder global de oligopolio en sus amplísimos segmentos de mercado, que aprovechan y amplían en el marco de sus respectivos modelos de negocio, diversificándose cada vez más (sobre todo Google) y logrando la exclusividad en algunos ámbitos particulares58. Así ejercen una enorme influencia sobre el desarrollo tecnológico, pero especialmente sobre los contenidos que se manejan en internet, y en consecuencia moldean de forma decisiva el orden de las comunicaciones de casi todas las sociedades.

Si un Estado democrático como Alemania se propusiera alcanzar aunque solo fuera una parte del poder de información y sobre los datos personales que tienen empresas como Google o Facebook, y no digamos aprovecharlo para dirigir o en su caso filtrar vías o incluso contenidos de comunicación, se lo impedirían enseguida los límites constitucionales. Por lo demás, para poder tomar medidas en este ámbito necesitaría las correspondientes bases legales, y también quedaría sometido a límites materiales (entre otros el principio de proporcionalidad) y controles democráticos. Sin embargo, en el orden global de la información, dominado por oligopolios, no existen por el momento medidas comparables o funcionalmente equivalentes a las diseñadas en un Estado de Derecho para garantizar la moderación en el uso del poder. La función correctora del mercado y de la competencia no se basta a tal fin, habida cuenta la posición de oligopolio global de actores concretos. Más bien debe señalarse que ésta comporta, por sí misma, riesgos de abuso de poder.

Puesto que en el ámbito de los sistemas informáticos estos riesgos de abuso se verifican, hoy y en el futuro, y que ello da motivo para limitar el poder del mercado, también la responsabilidad de garantía de los poderes públicos debe llevarles a adoptar las medidas de corrección que estén a su alcance. Dado que el ámbito de actuación de las empresas de internet es internacional, incluso global, la regulación requiere de la coordinación transnacional e internacional. Para afrontar los retos que supone garantizar de cara al futuro la funcionalidad de los sistemas informáticos (incluida la posibilidad de usarlos para toda suerte

58 Sobre la posición de poder de tales empresas vid. por todos W. HOFFMANN-RIEM, “Regelungsstrukturen für öffentliche Kommunikation im Internet”, Archiv des Öffentlichen Rechts Bd. 137, 2012, pp. 533 ss. con notas 136, 137, 142 y 149.

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de servicios), el cumplimiento de la tarea de garantía por parte de los Estados soberanos debe extenderse a los ámbitos transnacionales e internacionales. Los órganos estatales, gobiernos y parlamentos, están cuando menos legitimados para asumir responsabilidades en el ámbito transnacional e internacional a fin de que el orden de las comunicaciones y también las infraestructuras informáticas sean funcionales. En su caso, y así ocurre a mi juicio con los órganos estatales alemanes, pueden estar constitucionalmente obligados a actuar en tal sentido.

De todos modos, la nueva concreción del derecho fundamental propues-ta por el Tribunal Constitucional y aquí tratada, habida cuenta su estrecho ám-bito de aplicación referido a la protección de la personalidad, no es base sufi-ciente para un mandato orientado a adoptar amplias medidas transnacionales e internacionales de prevención y de defensa frente al riesgo en el ámbito de las infraestructuras de información y de telecomunicaciones. Pero también otras normas59, como las determinaciones de fines del Estado que suponen la demo-cracia, el Estado de Derecho y el Estado social (art. 20 GG), ofrecen orientacio-nes para la tarea de garantía. A ello se añaden otras normas de derecho funda-mental, como por ejemplo los derechos económicos (particularmente arts. 1260 y 1461 GG), que por lo demás también contienen mandatos jurídico-objetivos.

Dada la globalización del orden de las comunicaciones, ningún legislador nacional está en condiciones de gestionar por sí solo la tarea de garantía. Por ello, en el ámbito europeo va a plantearse cada vez más la cuestión de si los mandatos de configuración y protección del TFUE (por ejemplo las garantías de las libertades económicas o las normas sobre el Espacio de Libertad, Seguridad y Justicia), así como las garantías de derechos fundamentales de la Carta Europea y del Convenio Europeo de Derechos Humanos, han de ser entendidos también como mandatos jurídico-objetivos de garantía para los órganos de la Unión Europea. Se trata de una cuestión controvertida en la doctrina, aún no resuelta definitivamente por los tribunales, cuya respuesta afirmativa personalmente no me ofrece dudas.

En cualquier caso, no bastará en el ámbito europeo con que la Unión se defina, por ejemplo en varios documentos y libros verdes, como “Unión por la innovación”62. Habrá de concebirse a sí misma como una Unión garante y, por tanto, como una Unión que se plantea entre otras la tarea de procurar la

59 Aunque aquí se infieran de tales normas orientaciones normativas para la satisfacción de tareas públicas, ello no implica necesariamente que los ciudadanos vayan a poder imponerlas judicialmente con recurso a la protección jurídico-subjetiva del derecho fundamental. Las Constituciones contienen también mandatos y orientaciones programáticas para los poderes públicos que no se corresponden con garantía jurídico-subjetiva alguna.

60 Sobre el particular vid. J. WIELAND, en DREIER, Grundgesetz, Kommentar, 2. ed. 2004, parágrafo 151 ss. del art. 12 GG.

61 Sobre el particular vid. J. WIELAND, en DREIER, Grundgesetz, Kommentar, 2. ed. 2004, parágrafo. 176 ss. del art. 14 GG.

62 Así en Comisión Europea, Europa 2020: Una estrategia para un crecimiento inteligente, sostenible e integrador, COM (2010) 2020 final, págs. 6, 15; id., Libro Verde sobre la modernización de la política de contratación

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funcionalidad de infraestructuras como las de los sistemas informáticos en el ámbito de la Unión Europea y, habida cuenta el carácter global de las redes de infraestructuras, también con la vista puesta en los contextos internacionales.

La libertad deberá ser garantizada por los órganos estatales nacionales y por los órganos de la Unión Europea de modo tal que los ciudadanos puedan ejercerla en la vida real. Para conseguirlo, a la vista de la dimensión global del orden de las comunicaciones, hay que exigir la disposición a influir sobre los actores globales, también sobre aquellos no sometidos, o sólo parcialmente, al Derecho de la Unión Europea.

En la medida en que afecte a la acción de órganos estatales alemanes, los mandatos jurídico-objetivos de garantía del Derecho alemán deben ser interpretados en el sentido de que los agentes públicos alemanes que operan en el marco europeo e internacional han de actuar de modo que los mandatos de garantía definidos para el ámbito nacional no sean eludidos mediante sistemas o vínculos internacionales, sino que se haga posible su cumplimiento. También hay que observar el mandato nacional de garantía cuando su satisfacción requiera coordinación y cooperación transnacional e internacional, por ejemplo para hacer posibles medidas contra posiciones globales de oligopolio de determinados actores y frente a los riesgos de abuso que comportan63. El mandato de garantía ofrece orientaciones a los órganos estatales para su actuación en los diversos ámbitos transnacionales e internacionales.

7 EPíLOGO Con esto concluyo. He querido ilustrar de qué manera afronta el Tribunal

Constitucional los cambios tecnológicos y las oportunidades y riesgos que conllevan. Ha estado y sigue estando decidido a preservar la función protectora y de garantía de los derechos fundamentales también a la vista de los profundos cambios en la realidad tecnológica, económica y cultural. La reacción del Tribunal frente a cambios esenciales, aquí descrita sirviéndonos del ejemplo del derecho general de la personalidad, tiene el potencial, que acabo se señalar, de procurar la protección frente a peligros y riesgos también más allá de los casos concretos abordados hasta el momento, sin que ello suponga un freno a las importantes oportunidades que el uso de las nuevas tecnologías abren para el desarrollo de la sociedad y en la sociedad.

La vía elegida por el Tribunal Constitucional como reacción frente a los riesgos para la protección de la libertad, mediante la progresiva especificación del derecho fundamental a la protección de la personalidad, sin duda no servirá

pública de la UE. Hacia un mercado europeo de la contratación pública más eficiente, C OM (2011) 15 final, p. 3.

63 Sobre tales cuestiones vid. W. HOFFMANN-RIEM, “Regelungsstrukturen für öffentliche Kommunikation im Internet”, Archiv des öffentlichen Rechts 2012, págs. 533 ss., 541 s.

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 64, 2015, 40-61, jul-ago 2015

en su forma concreta como modelo para afrontar cualesquiera otras crisis, como por ejemplo las crisis financiera, de deuda y bancaria ya mencionadas al comienzo64. Pero merecería la pena pensar hasta qué extremo las normas constitucionales encierran el mandato para los poderes públicos nacionales y transnacionales de analizar el ordenamiento jurídico con una mirada innovadora, el mandato de crear estructuras capaces de limitar los potenciales riesgos de otro tipo. Es cierto que el Derecho por sí solo no podrá eliminar, ni siquiera reducir significativamente aquellos riesgos que surgen más allá de su propio ámbito. Pero el Derecho sí puede y debe crear estructuras que, en la medida de lo posible de forma preventiva, pero también en su caso con eficacia reparadora, ayuden a afrontar las crisis salvaguardando los derechos de los ciudadanos al pleno desarrollo de su personalidad y al ejercicio de sus derechos de libertad. No basta con que la libertad esté garantizada simplemente en las palabras de un texto constitucional; debe poder ser experimentada en la vida real.

64 A estas crisis, sin embargo, no se habría llegado – en todo caso no a sus dimensiones actuales – sin los cambios tecnológicos de la sociedad global de la información a los que he hecho referencia. Pero esa es ya otra historia.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Temas Atuais de Jurisdição Constitucional e Controle de Constitucionalidade

3025

Supremo Tribunal Federal10.03.2010Tribunal PlenoReferendo em Med. Caut. em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.180 – Distrito FederalRelator: Min. Cezar PelusoReqte.(s): Governador do Distrito FederalProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral do Distrito FederalReqdo.(a/s): Governador do Distrito FederalReqdo.(a/s): Câmara Legislativa do Distrito Federal

ementAs

1 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Impropriedade da ação. Conversão em Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF. Admissibilidade. Satisfação de to-dos os requisitos exigidos à sua propositura. Pedido conhecido como tal. Aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes. É lícito conhecer de ação direta de inconstitucionalidade como arguição de descumprimento de preceito fundamental, quando coexistentes todos os requisitos de admissibilidade desta, em caso de inadmissibilidade daquela.

2 INCONSTITUCIONALIDADE

Art. 22 da Lei nº 3.189/2003, do Distrito Federal. Inclusão de evento privado no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal. Previsão da destinação de recursos do Poder Executivo para seu patrocínio. Encargo adicional à Secretaria de Segurança Pública. Iniciativa legis-lativa de deputado distrital. Inadmissibilidade. Aparente violação aos arts. 61, § 1º, II, alínea b, e 165, III, da Constituição Federal. Medida liminar deferida e referendada. Aparenta inconstitucionalidade, para efeito de liminar em ação de descumprimento de preceito fundamen-tal, o disposto no art. 2º da Lei nº 3.189/2003, do Distrito Federal.

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Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supre-mo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráfi-cas, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, em referendar a liminar concedida. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli.

Brasília, 10 de março de 2010.

Cezar Peluso Relator

relAtórIo

O Senhor Ministro Cezar Peluso – (Relator):

1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada como Ar-guição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com pedido de liminar, pelo Governador do Distrito Federal, e que impugna a Lei Distrital nº 3.189, de 16.11.2003, com o seguinte teor:

“Inclui no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal o ‘Brasília Music Festival’.

O Governador do Distrito Federal, faço saber que a Câmara Legislativa do Distri-to Federal decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Fica incluída no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal o ‘Bra-sília Music Festival’, a ser realizado anualmente, preferencialmente no mês de setembro.

Art. 2º Anualmente, o Poder Executivo destinará à Secretaria de Cultura, os recur-sos necessários à montagem e à realização do ‘Brasília Music Festival’.

Parágrafo único. O aparato de segurança e o controle do trânsito necessário a realização desta festa ficarão a cargo da Secretaria de Segurança Pública.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.”

Às fls. 34, em observância ao princípio da fungibilidade, determinei a conversão da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental em Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme estabelecido no art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999, sob o seguinte fundamento:

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“Nos termos da ADPF-QO 72, Relª Min. Ellen Gracie (DJ 02.12.2005), recebo esta argüição de descumprimento de preceito fundamental como ação direta de inconstitucionalidade, ante a perfeita satisfação dos requisitos exigidos à sua pro-positura (legitimidade ativa, objeto, fundamentação e pedido). Com efeito, a ação foi proposta pelo Governador do Distrito Federal (art. 2º, V, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999), tem por objeto Lei Distrital (ADI-MC 2.971, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18.05.2004), cuja constitucionalidade é questionada.”

2. Sustenta o autor, em síntese, que a lei distrital em questão fere os “Princípios Republicanos, da Impessoalidade e da Moralidade Administrativas (art. 1º, caput e art. 37, caput, da Constituição Federal) [...] por pretender cus-tear evento privado, que atua objetivando lucro, inclusive mediante a cobrança de ingressos dos indivíduos” (fls. 15); bem como, o “princípio da tripartição de poderes”, porque “[...] impôs obrigações e atribuições a serem desempenhadas por órgãos da Administração Direta – especificamente as Secretarias de Cultura e Segurança Pública – o que, em última análise, unicamente poderia advir de projeto de lei de iniciativa do Governador” (fls. 15/20).

Requer, assim, “a procedência da ação, para o fim de declarar a incons-titucionalidade, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, da Lei Distrital nº 3.189/2003” (fls. 28).

3. Em virtude do recesso, deferi o pedido liminar formulado pelo autor (art. 13, inc. VIII, do RISTF), ad referendum do Plenário, para “suspender, com eficácia ex tunc, até o julgamento final da ação, a vigência do art. 2º e seu pa-rágrafo único da Lei nº 3.189, de 16 de setembro de 2003, do Distrito Federal”.

Na ocasião, determinei ao autor a comprovação da natureza particu-lar do evento objeto da legislação impugnada (fls. 36); diligência cumprida às fls. 89/210.

4. O Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal prestou in-formações às fls. 56/64, nas quais afirma, em resumo, que (i) a lei tem caráter eminentemente municipal e, conforme o art. 30, I, da Constituição Federal, compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local” (fls. 58/59); (ii) é da competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”, nos ter-mos do art. 23, V, da CF; e (iii) os arts. 61, § 1º, II, e e 165, III, da Constituição, são normas reproduzidas obrigatoriamente na Lei Orgânica do Distrito Federal, motivo pelo qual não existe violação direta à Carta Constitucional. Requer a ex-tinção sem resolução do mérito da presente ação direita, por entender se tratar de norma distrital de caráter eminentemente municipal, o que desautorizaria o exercício do controle concentrado de constitucionalidade. No mérito, requer a improcedência do pedido.

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5. A Advocacia-Geral da União opinou pela procedência do pedido, em parecer assim ementado:

“Constitucional. Lei Distrital nº 3.189/2003, que institui o ‘Brasília Music Festi-val’, no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal. A ausência de compro-vação da natureza particular do aludido evento inviabiliza o exame da alegada violação aos princípios republicanos da impessoalidade e moralidade adminis-trativas, inscritos no art. 1º, caput, e 37 da Lei Maior. Inconstitucionalidade for-mal por contrariedade aos arts. 2º, 61, § 1º, inciso II, alínea e c/c art. 84, inciso IV, alínea a e 165, III, todos da Carta da República. Manifestação pela procedência do pedido.”

6. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se nos termos desta ementa (fls. 82/87):

“Constitucional Lei Distrital nº 3.189/2003, que institui o ‘Brasília Music Festival’, no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal. A ausência de comprovação da natureza particular do aludido evento inviabiliza o exame da alegada violação aos princípios republicanos da impessoalidade e moralidade administrativas, ins-critos no art. 1º, caput, e 37 da Lei Maior. Inconstitucionalidade formal por contra-riedade aos arts. 2º, 61, § 1º, inciso II, alínea e c/c art. 84, inciso IV, alínea a e 165, III, todos da Carta da República. Manifestação pela procedência do pedido.”

7. Submeto a decisão concessiva da liminar a referendum do Plenário.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Cezar Peluso – (Relator):

1. Esse é o teor da decisão liminar por mim exarada:

“Decisão: 1. Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de liminar, proposta pelo Governador do Distrito Federal e que tem por objeto a Lei Distrital nº 3.189, de 16 de setembro de 2003, com o seguinte teor:

‘Inclui no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal o ‘Brasília Music Festival’.

O Governador do Distrito Federal, faço saber que a câmara legislativa do Distrito federal decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Fica incluída no calendário de eventos oficiais do Distrito Federal o ‘Brasília Music Festival’, a ser realizado anualmente, preferencialmente no mês de setembro.

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Art. 2º Anualmente, o Poder Executivo destinará à Secretaria de cultura, os recursos necessários à montagem e à realização do ‘Brasília Music Festival’.

Parágrafo único. O aparato de segurança e o controle do trânsito necessário a realização desta festa ficarão a cargo da Secretaria de Segurança Pública.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º Revogam-se as disposições em contrário.’

O argüente afirma que a lei distrital em questão fere os ‘Princípios Republica-nos, da Impessoalidade e da Moralidade Administrativas (art. 1º, caput e art. 37, caput, da Constituição Federal) [...] por pretender custear evento privado, que atua objetivando lucro, inclusive mediante a cobrança de ingressos dos indivídu-os’ (fls. 15); bem como, o ‘princípio da tripartição de poderes’, porque ‘[...] impôs obrigações e atribuições a serem desempenhadas por órgãos da Administração Direta – especificamente as Secretarias de Cultura e Segurança Pública – o que, em última análise, unicamente poderia advir de projeto de lei de iniciativa do Governador.’ (fls. 15/20).

2. Requer, assim, ‘a procedência da ação, para o fim de declarar a inconsti-tucionalidade, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, da Lei Distrital nº 3.189/2003’ (fls. 28).

3. Nos termos da ADPF-QO 72, Relª Min. Ellen Gracie (DJ 02.12.2005), recebo esta argüição de descumprimento de preceito fundamental como ação direta de inconstitucionalidade, ante a perfeita satisfação dos requisitos exigidos à sua pro-positura (legitimidade ativa, objeto, fundamentação e pedido). Com efeito, a ação foi proposta pelo Governador do Distrito Federal (art. 2º, V, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999), tem por objeto lei distrital (ADI-MC 2.971, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 18.05.2004), cuja constitucionalidade é questionada.

4. É caso de liminar.

A Lei Distrital nº 3.189/2003 é resultante de projeto de lei de iniciativa de depu-tado distrital (fl. 30) e ao prever, em seu art. 2º que ‘o Poder Executivo destinará à Secretaria de Cultura, os recursos necessários à montagem e à realização do ‘Brasília Music Festival’, criou despesa para o Poder Executivo e, portanto, inter-feriu no orçamento do Distrito Federal.

A Constituição Federal, todavia, atribui, nos arts. 61, § 1º, II, b e 165, III, com-petência privativa ao Chefe do Poder Executivo para legislar sobre matéria que repercuta no orçamento estadual ou do Distrito Federal; como esta Corte, aliás, já reconheceu inconstitucionalidade, ou, sob sua aparência, concedeu medida liminar:

‘Havendo, assim, repercussão no orçamento do Estado, diante da referida obrigação de restituir, parece violado, ao menos, o disposto no art. 165, III, da CF, quando atribui ao Poder Executivo a iniciativa da lei orçamentária anual.’ (ADI MC 2.345, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 28.03.2003).

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A este juízo prévio e sumário aparece, pois, consistente a alegação de incons-titucionalidade do art. 2º e seu parágrafo único da Lei Distrital nº 3.189/2003 e não convém à segurança jurídica, nem à ordem pública a subsistência de norma distrital expedida em aparente contradição com disposições expressas da Cons-tituição da República.

5. Defiro, pois, a medida cautelar, para suspender, com eficácia ex tunc, até o julgamento final da ação, a vigência do art. 2º e seu parágrafo único da Lei nº 3.189, de 16 de setembro de 2003, do Distrito Federal.”

2. Reitero o posicionamento adotado na decisão de fls. 34/36, por seus próprios fundamentos.

Os arts. 61, § 1º, II, b, e 165, III, da Constituição Federal, estatuem a com-petência privativa do Chefe do Poder Executivo para legislar sobre matéria que repercuta no orçamento da Unidade da Federação correspondente.

A Lei Distrital nº 3.189/2003 teve sua iniciativa formulada por deputado distrital (fls. 30) que, ao prever destinação de recursos, pelo Poder Executivo, para a Secretaria de Cultura, com vista à realização de evento musical que ins-tituiu, e encargo da Secretaria de Segurança Pública para o respectivo aparato da segurança e controle de trânsito, usurpou competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo para projetos de lei orçamentária e de organização admi-nistrativa.

Essas são razões suficientes para deferimento da medida pleiteada, dada a intuitiva coexistência da razoabilidade jurídica da pretensão e do risco de dano à Administração Pública. A este juízo preliminar, apresenta-se plausível a alegação de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 3.189/2003 do Distrito Federal.

3. Do exposto, voto por referendar a decisão liminar.

Ministro Cezar Peluso Relator

plenárIo eXtrAto de AtA

Referendo em Med. Caut. em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.180

Proced.: Distrito Federal

Relator: Min. Cezar Peluso

Reqte.(s): Governador do Distrito Federal

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral do Distrito Federal

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Reqdo.(a/s): Governador do Distrito Federal

Reqdo.(a/s): Câmara Legislativa do Distrito Federal

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, referendou a liminar concedida. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 10.03.2010.

Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.

Procurador-Geral da República, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.

Luiz Tomimatsu Secretário

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Assunto Especial – Ementário

Temas Atuais de Jurisdição Constitucional e Controle de Constitucionalidade

3026 – ADI legitimidade – pertinência temática

“I – ADIn. Legitimidade ativa. ‘Entidade de classe de âmbito nacional’ (art. 103, IX, CF). Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – Conamp. 1. Ao julgar a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf. STF 356, o Plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau – as chamadas ‘associações de associações’ – do rol dos legitimados à ação direta. 2. De qualquer sorte, no novo estatuto da Conamp – agora Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – a qualidade de ‘associados efetivos’ ficou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria – o que basta a satisfazer a jurisprudência restritiva –, ainda que o estatuto reserve às associações afiliadas papel relevante na gestão da entidade nacio-nal. II – ADIn. Pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a finalida-de institucional das duas entidades requerentes e os dispositivos legais impugnados. As normas legais questionadas se refletem na distribuição vertical de competência funcional entre os órgãos do Poder Judiciário – e, em consequência, entre os do Ministério Público. III – Foro especial por prerrogativa de função. Extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula nº 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei nº 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84 do C. Processo Penal. Pretensão inad-missível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição. Inconstitucionalidade declarada. 1. O novo § 1º do art. 84, CPP, constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula nº 394 por decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq 687-QO, 25.08.1997, Rel. o em. Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria inequivocamente. 2. Tanto a Súmu-la nº 394, como a decisão do Supremo Tribunal, que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. 3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição. A questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal – guarda da Constituição –, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental. Admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição – como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia –, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames. 5. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 84 CPP, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento, da regra final do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de improbidade administrativa. IV – Ação de improbidade administrativa. Extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do CPP introduzido pela Lei nº 10.628/2002). Declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição. Inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais

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federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal – salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III –, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal or-dinária. V – Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a competência consti-tucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do CPP. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais res-trita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo – cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos – a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade. 3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do digni-tário acusado.” (STF – ADI 2797 – TP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Julgado em 15.09.2005 – DJ 19.12.2006, p. 00037 – Ement. v. 02261-02, p. 00250)

3027 – Amicus curiae – ausência de poderes inerentes à parte – auxiliar do juízo

“Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Admissibilidade. Observância do princí-pio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/1999, art. 4º, § 1º). Jurisprudência. Possibilidade de ajuiza-mento da ADPF quando configurada lesão a preceito fundamental provocada por interpretação judicial (ADPF 33/PA e ADPF 144/DF, v.g.). ADPF como instrumento viabilizador da interpretação conforme à Constituição. Controvérsia constitucional relevante motivada pela existência de múlti-plas expressões semiológicas propiciadas pelo caráter polissêmico do ato estatal impugnado (CP, art. 287). Magistério da doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. ADPF conhecida. Amicus curiae. Intervenção processual em sede de ADPF. Admissibilidade. Pluralização do debate constitucional e a questão da legitimidade democrática das decisões do Supremo Tribunal Fede-ral no exercício da jurisdição constitucional. Doutrina. Precedentes. Pretendida ampliação, por iniciativa desse colaborador processual, do objeto da demanda para, nesta, mediante aditamento, introduzir o tema do uso ritual de plantas alucinógenas e de drogas ilícitas em celebrações litúrgi-cas, a ser analisado sob a égide do princípio constitucional da liberdade religiosa. Matéria já veicu-lada na Convenção de Viena sobre substâncias psicotrópicas, de 1971 (art. 32, nº 4), disciplinada na Resolução Conad nº 1/2010 e prevista na vigente Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 2º, caput, in fine). Impossibilidade, no entanto, desse aditamento objetivo proposto pelo amicus curiae. Discussão sobre a (desejável) ampliação dos poderes processuais do amicus curiae. Necessidade de valorizar-se, sob perspectiva eminentemente pluralística, o sentido democrático e legitimador

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da participação formal do amicus curiae nos processos de fiscalização normativa abstrata. mérito: ‘marcha da maconha’. Manifestação legítima, por cidadãos da República, de duas liberdades indi-viduais revestidas de caráter fundamental: o direito de reunião (liberdade-meio) e o direito à livre expressão do pensamento (liberdade-fim). A liberdade de reunião como pré-condição necessária à ativa participação dos cidadãos no processo político e no de tomada de decisões no âmbito do aparelho de Estado. Consequente legitimidade, sob perspectiva estritamente constitucional, de assembleias, reuniões, marchas, passeatas ou encontros coletivos realizados em espaços públicos (ou privados) com o objetivo de obter apoio para oferecimento de projetos de lei, de iniciativa po-pular, de criticar modelos normativos em vigor, de exercer o direito de petição e de promover atos de proselitismo em favor das posições sustentadas pelos manifestantes e participantes da reunião. Estrutura constitucional do direito fundamental de reunião pacífica e oponibilidade de seu exercí-cio ao poder público e aos seus agentes. Vinculação de caráter instrumental entre a liberdade de reunião e a liberdade de manifestação do pensamento. Dois importantes precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre a íntima correlação entre referidas liberdades fundamentais: HC 4.781/BA, Rel. Min. Edmundo Lins, e ADI 1.969/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. A liberdade de expres-são como um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos em uma república fundada em bases democráticas. O direito à livre manifestação do pensamento. Núcleo de que se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias. Abolição penal (abolitio criminis) de determinadas condutas puníveis. Debate que não se confunde com incitação à prática de delito nem se identifica com apologia de fato criminoso – discussão que deve ser realizada de forma racional, com respeito entre interlocutores e sem possibilidade legítima de repressão estatal, ainda que as ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis. O sentido de alteridade do direito à livre expressão e o respeito às ideias que conflitem com o pensamento e os valores dominantes no meio social. Caráter não absoluto de referida liberdade fundamental (CF, art. 5º, incisos IV, V e X; Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 13, § 5º). A proteção constitucional à liberdade de pensa-mento como salvaguarda não apenas das ideias e propostas prevalecentes no âmbito social, mas, sobretudo, como amparo eficiente às posições que divergem, ainda que radicalmente, das con-cepções predominantes em dado momento histórico-cultural, no âmbito das formações sociais. O princípio majoritário, que desempenha importante papel no processo decisório, não pode legiti-mar a supressão, a frustração ou a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e a prática legítima da liberdade de expressão, sob pena de comprometimento da concepção material de democracia constitucional. A função contramajoritária da jurisdição constitucional no Estado Democrático de Direito. Inadmissibilidade da ‘proibição estatal do dis-senso’. Necessário respeito ao discurso antagônico no contexto da sociedade civil compreendida como espaço privilegiado que deve valorizar o conceito de ‘livre mercado de ideias’. O sentido da existência do free marketplace of ideas como elemento fundamental e inerente ao regime demo-crático (AC 2.695-MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello). A importância do conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções divergentes. A livre circulação de ideias como signo identificador das sociedades abertas, cuja natureza não se revela compatível com a repressão ao dissenso e que estimula a construção de espaços de liberdade em obséquio ao sentido democrático que anima as instituições da República. As plurissignificações do art. 287 do Código Penal: necessidade de inter-pretar esse preceito legal em harmonia com as liberdades fundamentais de reunião, de expressão e de petição. Legitimidade da utilização da técnica da interpretação conforme à constituição nos casos em que o ato estatal tenha conteúdo polissêmico. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente.” (STF – ADPF 187 – TP – Rel. Min. Celso de Mello – Julgado em 15.06.2011 – Acórdão Eletrônico DJe-102 – Divulg. 28.05.2014 – Public. 29.05.2014)

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3028 – Atuação do Poder Judiciário – jurisdição constitucional – Tribunais de Justiça

“Paciente tem direito de realizar tratamento para engravidar na rede de saúde pública, mas deve observar a lista de espera. A paciente tem 42 anos de idade e está aguardando ser chamada para participar do Programa Público de Reprodução Humana Assistida. Ao ingressar com ação judicial, enfatizou que a demora no atendimento poderá inviabilizar o seu desejo de ser mãe, eis que a cada ano suas chances de engravidar reduzem drasticamente. Os Desembargadores afirmaram que, embora seja obrigação do Estado, não há como assegurar o tratamento almejado preterindo outras mulheres que, melhores posicionadas na lista de espera, também aguardam o tratamento de fertilização in vitro. Para os Magistrados, se não há situação que recomende o atendimento emergencial ou preferencial, a ordem de atendimento estabelecida pela administração do sistema público de saúde deve ser respeitada como forma de resguardar a isonomia entre os pacientes. Sobre a alegação de que a demora do Poder Público poderá lhe ocasionar danos irreparáveis, os Julgadores entenderam que não há qualquer falha atribuível aos médicos e que eventual insucesso no tratamento decorre de negligência da própria paciente, que adiou seus planos de maternidade.” (TJDFT – Acórdão nº 871059 – (20110112102917APC) – 1ª T.Cív. – Rel. Teófilo Caetano – Rev. Simone Lucindo – Data de Julgamento: 28.05.2015 – Publicado no DJe 09.06.2015 – p. 156)

3029 – Arguição de descumprimento de preceito fundamental – procedimento integrativo da jurisdição constitucional – aplicação das normas procedimentais da Lei da ADI

“À arguição de descumprimento de preceito fundamental é possível aplicar-se, por analogia, as regras contidas na Lei nº 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade. De se registrar que a decisão desta ação repercutirá na vida de cada um dos substituídos pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – CNC e de todos os demais interessados que se subme-tem à norma contida no art. 636, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho e, portanto, requer julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de forma definitiva, conforme se decidiu no julgamen-to da Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.319, em que se discutia questão similar: ‘Ação Direta de Inconstitucionalidade. Questão de ordem. Resolução nº 12, de 13.09.2004, do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Criação de no-vos ofícios de registro de imóveis no município do Rio de Janeiro. Reorganização, por agrupamen-tos de bairro, da divisa territorial das serventias. Fixação de prazo de trinta dias para o exercício do direito de opção previsto no art. 29, I, da Lei nº 8.935/1994 e de sessenta dias para transferência dos cartórios para uma das vinte e nove das circunscrições criadas.” (STF – ADPF 156 – Relª Min. Cármen Lúcia – Julgamento em 19.12.2008 – DJe de 06.02.2008)

Destaque IDPNo mesmo sentido: ADPF 173, Rel. Min. Carlos Britto, decisão monocrática, Julgamento em 17.08.2009, DJe de 26.08.2009.

Jurisdição constitucional – efeitos retroativos – irretroatividade para abranger fatos consumados

“Constitucional. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Embargos de declaração. Ilegitimidade recursal do Governador do Distrito Federal. Acolhimento parcial dos embargos manejados pela mesa da Câmara do Distrito Federal. 1. Não havendo participado do processo de fiscalização abstrata, na condição de autor ou requerido, o Governador do Distrito Federal carece de legitimi-dade para fazer uso dos embargos de declaração. Precedentes. 2. No julgamento da ADI 3.756, o Supremo Tribunal Federal deu pela improcedência do pedido. Decisão que, no campo teórico, somente comporta eficácia ex tunc ou retroativa. No plano dos fatos, porém, não há como se exigir que o Poder Legislativo do Distrito Federal se amolde, de modo retroativo, ao julgado da ADI 3.756, porquanto as despesas com pessoal já foram efetivamente realizadas, tudo com base na Decisão nº 9.475/2000, do TCDF, e em sucessivas leis de diretrizes orçamentárias. 3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos para esclarecer que o fiel cumprimento da

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decisão plenária na ADI 3.756 se dará na forma do art. 23 da LC 101/2000, a partir da data de publicação da ata de julgamento de mérito da ADI 3.756, e com estrita observância das demais diretrizes da própria Lei de Responsabilidade Fiscal.” (STF – ADI 3756-ED – TP – Rel. Min. Carlos Britto – Julgado em 24.10.2007, DJe-147 – Divulg. 22.11.2007 – Public. 23.11.2007, DJ 23.11.2007, p. 00029 – Ement. v. 02300-02, p. 00260 – RTJ v. 00205-01, p. 00124)

3030 – Jurisdição constitucional – fungibilidade entre as ações constitucionais

“Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI 875/DF, ADI 1.987/DF, ADI 2.727/DF e ADI 3.243/DF). Fungibilidade entre as Ações Diretas de Inconstitucionalidade por ação e por omis-são. Fundo de Participação dos Estados – FPE (art. 161, inciso II, da Constituição). Lei Complemen-tar nº 62/1989. Omissão inconstitucional de caráter parcial. Descumprimento do mandamento constitucional constante do art. 161, II, da Constituição, segundo o qual lei complementar deve estabelecer os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados, com a finalidade de pro-mover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federativos. Ações julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia da nulidade, do art. 2º, incisos I e II, §§ 1º, 2º e 3º, e do Anexo Único, da Lei Complementar nº 62/1989, assegurada a sua aplicação até 31 de dezembro de 2012.” (STF – ADI 875 – TP – Rel. Min. Gilmar Mendes – Julgado em 24.02.2010 – DJe-076 – Divulg. 29.04.2010 – Public. 30.04.2010 – Ement. v. 02399-02, p. 00219 – RTJ v. 00217, p. 00020 – RSJADV jul./2010, p. 28-47)

3031 – Lei revogada – subsistência de decreto regulamentador – possibilidade de análise da constitucionalidade pelo STF

“1. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas de-nominações, competências, atribuições e remunerações. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Art. 5º da Lei nº 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do Chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1º, inc. II, a, e 84, inc. VI, a, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o Chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução.” (STF – ADI 3232 – TP – Rel. Min. Cezar Peluso – Julgado em 14.08.2008 – DJe-187 – Divulg. 02.10.2008 – Public. 03.10.2008 – Ement. v. 02335-01, p. 00044 – RTJ v. 00206-03, p. 00983)

3032 – Norma estadual e princípio da simetria

“Repercussão Geral em RE nº 888.815/RS. Rel. Min. Roberto Barroso. Ementa: Direito constitu-cional. Educação. Ensino domiciliar. Liberdades e deveres do Estado e da família. Presença de re-percussão geral. 1. Constitui questão constitucional saber se o ensino domiciliar (homeschooling) pode ser proibido pelo Estado ou viabilizado como meio lícito de cumprimento, pela família, do dever de prover educação, tal como previsto no art. 205 da CRFB/1988. 2. Repercussão geral reconhecida. Por reputar inexistir ofensa ao princípio da simetria, o Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta contra a expressão ‘e ao Vice--Governador’, constante do art. 65 da Constituição do Estado do Mato Grosso (‘Aplicam-se ao Governador e ao Vice-Governador, no que couber, as proibições e impedimentos estabelecidos

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para os Deputados Estaduais’). A Corte assentou que a determinação de observância aos princípios constitucionais não significaria caber ao constituinte estadual apenas copiar as normas federais. A inexistência da vedação no plano federal não obstaculizaria o constituinte de o fazer com relação ao vice-governador. Asseverou que o estabelecimento de restrições a certas atividades ao vice-go-vernador, visando a preservar a sua incolumidade política, seria matéria que o Estado-Membro po-deria desenvolver no exercício da sua autonomia constitucional. Precedentes citados: ADI 4.298 MC/TO (DJe de 27.11.2009) e ADI 331/PB (DJe de 02.05.2014).” (STF – ADI 253/MT – Rel. Min. Gilmar Mendes – 28.05.2015)

3033 – Orientação sumular – julgamentos anteriores – desnecessidade de uniformização de jurisprudência

“Reclamação. Ilegitimidade ativa do Ministério Público Estadual. Inicial ratificada pelo Procura-dor-Geral da República. Afastamento da incidência do art. 127 da LEP por órgão fracionário de Tribunal Estadual. Violação das Súmulas Vinculantes nºs 9 e 10 do STF. Procedência. 1. Inicial-mente, entendo que o Ministério Público do Estado de São Paulo não possui legitimidade para propor originariamente Reclamação perante esta Corte, eis que ‘incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, nos ter-mos do art. 46 da Lei Complementar nº 75/1993’ (Rcl 4453 MC-AgR-AgR/SE, de minha relatoria, DJe 059, 26.03.2009). 2. Entretanto, a ilegitimidade ativa foi corrigida pelo Procurador-Geral da República que ratificou a petição inicial e assumiu a iniciativa da demanda. 3. No caso em tela, o Juiz de Direito da Vara das Execuções Criminais de São Paulo/SP, reconhecendo a ocorrência de falta grave na conduta do sentenciado, declarou perdidos os dias remidos, nos termos do art. 127 da LEP. 4. Ao julgar o agravo em execução interposto pela defesa do reeducando, a 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 31 de julho de 2008, deu provimento parcial ao recurso, para restabelecer os dias remidos. 5. O julgamento do agravo ocor-reu em data posterior à edição da Súmula Vinculante nº 09, como inclusive foi expressamente reconhecido pela Corte local. 6. O fundamento consoante o qual o enunciado da referida Súmula não seria vinculante em razão da data da decisão do juiz das execuções penais ter sido anterior à sua publicação, não se mostra correto. 7. Com efeito, a tese de que o julgamento dos recursos interpostos contra decisões proferidas antes da edição da súmula, não deve obrigatoriamente ob-servar o enunciado sumular (após sua publicação na imprensa oficial), data vênia, não se mostra em consonância com o disposto no art. 103-A, caput, da Constituição Federal, que impõe o efeito vinculante a todos os órgãos do Poder Judiciário, a partir da publicação da súmula na imprensa oficial. 8. Deste modo, o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 31 de julho de 2008, ao não considerar recepcionada a regra do art. 127, da LEP, afrontou a Súmula Vinculante nº 09. 9. Além disso, o referido acórdão também violou o enunciado da Súmula Vin-culante nº 10, eis que a 7ª Câmara Criminal – órgão fracionário do TJSP – afastou a incidência do art. 127 da LEP, sob o fundamento de que tal dispositivo afronta princípios constitucionais. 10. Ante o exposto, defiro a admissão do Sr. Procurador-Geral da República como autor da de-manda e julgo procedente a presente reclamação para cassar o acórdão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que restabeleceu os dias remidos do reeducando.” (STF – Rcl 6541 – TP – Relª Min. Ellen Gracie – Julgado em 25.06.2009 – DJe-167 – Divulg. 03.09.2009 – Public. 04.09.2009 – Ement. v. 02372-02, p. 00285 – LEXSTF, v. 31, n. 369, 2009, p. 233-243)

3034 – Reclamação – não se admite reclamação contra ato do próprio STF

“Constitucional e processual civil. Reclamação. Inexistência de desrespeito à Súmula Vinculante nº 10 do STF. Reclamação a que se nega seguimento. 1. Segundo entendimento da Corte, não se admite reclamação constitucional contra atos decisórios proferidos pelo próprio STF. 2. Não

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caracteriza ofensa aos termos da Súmula Vinculante nº 10, mas tão somente ao art. 10 da Lei nº 9.868/1999, o deferimento de medida liminar, em sede de controle concentrado de constitucio-nalidade, por maioria simples dos membros de Órgão Especial de Tribunal de Justiça. 3. Agravo regimental desprovido.” (STF – Rcl 10114-AgR – Rel. Min. Teori Zavascki – TP – Julgado em 18.12.2013 – Processo Eletrônico DJe-034 – Divulg. 18.02.2014 – Public. 19.02.2014)

3035 – Súmula do STF sem efeito vinculante – não cabimento de reclamação

“Agravo regimental contra decisão que negou seguimento à reclamação. Súmula do Supremo Tribunal Federal destituída de efeito vinculante. Inviabilidade da ação. 1. Não cabe reclamação constitucional para questionar violação à súmula do Supremo Tribunal Federal destituída de efeito vinculante. Precedentes. 2. As atuais súmulas singelas do STF somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços dos ministros da Corte e publicação na imprensa oficial (art. 8º da EC 45/2004). 3. Agravo desprovido.” (STF – Rcl 3284-AgR – TP – Rel. Min. Carlos Britto – Julgado em 01.07.2009 – DJe-162 – Divulg. 27.08.2009 – Public. 28.08.2009 – Ement. v. 02371-01 – p. 00204)

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Parte Geral – Doutrina

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental e o Agigantamento do Supremo Tribunal Federal

Action of Breach of Fundamental Precept and the Enlargement of Supreme Court Power

ROGÉRIO VOLPATTI POLEZZEJuiz Federal em Lins/SP, Graduado pela Faculdade de Direito da USP, Especialista e Mestrando pela PUCSP.

Submissão: 11.03.2015Decisão Editorial: 25.06.2015Comunicação ao autor: 25.06.2015

RESUMO: O artigo discute a evolução do controle de constitucionalidade no Brasil, com destaque para a análise da arguição de descumprimento de preceito fundamental. Analisa os fundamentos legais e constitucionais da ADPF. Enfrenta as principais críticas acerca de inconstitucionalidades em face da lei reguladora. Debate os efeitos previstos legalmente para a ADPF – erga omnes e vinculan‑te –, contrapondo‑a às ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade. Destaca a dificuldade que pode existir na escolha entre ADPF e outra ação direta. Observa aumento de poder do Supremo Tribunal Federal por meio da criação da ADPF. Ainda, enfatiza incremento da análise subjetiva pelo STF com inegáveis reflexos no país. Conclui que a ADPF é motivo eloquente para debate da escolha de ministros do STF.

PALAVRAS‑CHAVE: Arguição de descumprimento de preceito fundamental; controle de constitucio‑nalidade; Supremo Tribunal Federal.

ABSTRACT: The article discusses the evolution of the constitutionality control in Brazil, with special focus on analyzing the action of breach of fundamental precept. It analyses the legal and constitu‑tional foundations of the action of breach of fundamental precept. It confronts the main criticisms related to some unconstitutionalities of the law which governs it. It debates the foreseen effects in the Law – erga omnes and binding precedent one –, contrasting the action of breach of fundamental precept with other direct actions. It emphasizes how difficult the election of appropriate direct action may be. It observes the enlargement of Brazilian Supreme Court power due to creation of the action of breach of fundamental precept. It points the eventual high level of subjectivity of Brazilian Supreme Court with undeniable reflexes on the country. It concludes that the action of breach of fundamental precept is enough strong to provoke the debate how the members of the Brazilian Supreme Court are chosen.

KEYWORDS: Action of breach of fundamental precept; judicial review; Brazilian Supreme Court.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Fundamentos da ADPF; 2 Descumprimento de preceito fundamental? 3 So‑bre a Lei nº 9.882/1999; 4 Efeitos erga omnes e vinculante sem previsão constitucional? Conclusões. Referências.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta breves considerações acerca da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), de forma a discutir alguns aspectos polêmicos, verificando, ainda, de que maneira tal ação constitucional revela e confirma ascensão da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos mais diversos temas da sociedade atual.

Analisando as Constituições brasileiras, vê-se que o controle difuso de constitucionalidade foi adotado no País a partir da Constituição de 18911. Ou seja, desde o precedente tão lembrado sobre controle de constitucionalidade nos Estados Unidos, em 1803, Marbury v. Madison, pode-se afirmar que nem tardou em demasia para adoção daquela “novidade” no Brasil.

O controle concentrado de constitucionalidade, por sua vez, também, não demorou a ser inserido no ordenamento brasileiro: a Constituição de 1934 adotou-o, mas bastante restrito (apenas em modalidade interventiva). Poucos anos depois da sua adoção, conforme modelo proposto por Kelsen, em 1920, pela Áustria. A propósito, a instituição de uma corte constitucional na Áustria traduziu a vitória de Kelsen frente a Carl Schimitt, que defendia um controle – não com base na normatividade da Constituição – político2.

Carlos Velloso apresenta a seguinte síntese do famoso debate:

Carl Schimitt recusava a ideia da instituição de uma jurisdição constitucional, porque a decisão que resolve a questão de constitucionalidade teria natureza po-lítica. Não caberia, então, a um tribunal “fazer política”, na defesa da Constitui-ção. Essa defesa caberia, sim, a um órgão político. Essas duas posições exprimem, leciona Cardoso da Costa, “duas concepções diferentes de Constituição, ou do seu momento essencial e verdadeiramente radical (a uma concepção ‘normati-vista’ de Constituição, como era a de Kelsen, contrapunha-se uma sua concepção ‘decisionista-unitária’, como era a de Schimitt), e, consequentemente, do que

1 “Art. 59. Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] § 1º Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: [...] b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.” (grifos nossos)

2 Verdade que o posicionamento de Carl Schimitt foi bastante criticado, inclusive por sua adesão ao regime nazista, ainda que sua postura, nem entre os nazistas, tenha sido tão clara: “A adesão ao regime nazista, contudo, é uma realidade em Schimitt, embora mitigada por dúvidas sobre a sua real adesão à vertente antissemita do nazismo. Por ser católico e ter relações de amizade com judeus, chegou mesmo a enfrentar certa dose de desconfiança por parte do próprio regime a que aderiu, de modo que passou a ser observado pelo serviço secreto” (FURLAN, Fabiano Ferreira. O guardião da constituição: debate entre Carl Schimitt e Hans Kelsen. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte: Fórum, a. 10, n. 39, p. 128, 2010). Schimitt concebeu o Presidente do Reich como guardião da Constituição, imaginando-o alguém neutro, atuando ao lado dos outros poderes constitucionais, em relação de coordenação e apenas em momentos de emergência (idem, p. 131).

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deva ser a sua ‘defesa’ ou a sua ‘guarda’, como nela se exprimem, também, en-tendimentos diversos acerca da natureza da ‘justiça’ ou da função jurisdicional”.3

Pois bem, deixando de lado o lapso temporal da Constituição de 1937 (que restringiu o controle concentrado apenas em sua forma política, mediante decretação da intervenção pela Câmara dos Deputados, nos casos de ofensa à Constituição), com a redemocratização por meio da Constituição de 1946, o controle judicial concentrado (interventivo) retornou. E, anos depois, ganhou novos ares: atribuindo-se um caráter geral à ação direta de inconstitucionali-dade por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 16/1965. Tal caráter geral da ação direta de inconstitucionalidade (ADIn) foi mantido pela Constituição de 1967 (e Emenda de 1969).

À época, a ADIn era limitada, porque vinha prevista sua propositura tão somente pelo Procurador-Geral da República (escolhido pelo Presidente da Re-pública), o que, às claras, restringia a provocação do STF por eventual incons-titucionalidade.

Foi a Constituição Federal (CF) de 1988 que incrementou o quadro de controle de constitucionalidade brasileiro. Em seu texto constitucional originá-rio, trouxe, em relação ao controle concentrado, além de ação direta interven-tiva, a ação direta de inconstitucionalidade tanto por ação e omissão; ainda, o mesmo texto constitucional originário inovou ainda mais, prevendo uma ação constitucional jamais vista no Brasil: a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). O controle difuso de constitucionalidade, também, restou reforçado por meio de uma nova espécie de ação individual, tendo por objeto omissão constitucional: o mandado de injunção4.

Poucos anos depois da promulgação da Carta de 1988, veio a EC 3/1993, adicionando a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) entre as ações diretas existentes. Mais ainda, pela primeira vez numa Constituição brasileira, foram previstos expressamente os efeitos de tal nova ação direta: oponíveis em face de todos (erga omnes) e vinculantes em relação aos demais órgãos do Ju-diciário e Executivo.

As Leis nºs 9.868/1999, tratando tanto da ADIn quanto da ADC, e 9.882/1999, referindo-se à ADPF, previram os mesmos efeitos erga omnes e vinculantes.

3 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da jurisdição constitucional ou do controle de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 380.

4 “LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.” (art. 5º da CF)

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Apenas com a EC 45/2004 o poder constituinte reformador fez alguns ajustes nas ações diretas de inconstitucionalidade e declaratória de constitucio-nalidade: igualaram os entes legitimados a propô-las, bem como deixou pre-visto que os efeitos erga omnes e vinculantes valiam para ambas. Mas nada foi especificado relativamente aos efeitos da ADPF.

Ainda, considerando outras modificações – em especial, pela EC 45/2004, promovendo a repercussão geral e súmula vinculante – o con-trole de constitucionalidade brasileiro tem sido alterado, tem-se aperfeiço-ado, fortalecendo às claras a influência do STF na sociedade (sendo cada vez mais corriqueira crítica de invasão frente aos demais Poderes5). Todo o Judiciário tomou para si uma tarefa mais extensa do que se via anteriormen-te6. Mas, em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), é tanto poder que

5 Acusação de suposta “invasão” nem é exclusividade brasileira. Muito pelo contrário: faz parte de debate nos Estados democráticos. Observe-se anotação de Cappelletti: “As sociedades mais sãs esforçaram-se e se esforçar por encontrar a cura desses desenvolvimentos, potencialmente patológicos. Não é este o lugar para o exame das várias tentativas realizadas e que continuam a se realizar em tal sentido: da descentralização legislativa à participação popular nos procedimentos decisórios da administração. Basta notar que, também para o Judiciário, tais desenvolvimentos comportaram consequências importantes, sobretudo o aumento da sua função e responsabilidades. Pelo fato de que o ‘terceiro poder’ não pode simplesmente ignorar as profundas transformações do mundo real, impôs-se novo e grande desafio aos juízes. A justiça constitucional, especialmente na forma do controle judiciário da legitimidade constitucional das leis, constitui um aspecto dessa nova responsabilidade. Como demonstrou a evolução de número crescente de países, no estado moderno, o legislador-gigante não poderia mais, sem gravíssimos perigos, ser subtraído a controle. [...] Na verdade, talvez com a só exceção dos Estados Unidos, os tribunais judiciários mostraram-se geralmente relutantes em assumir essas novas e pesadas responsabilidades. Mas a dura realidade da história moderna logo demonstrou que os tribunais – tanto que confrontados pelas duas formas acima mencionadas do gigantismo estatal, o Legislativo e o Administrativo – não podem fugir de uma inflexível alternativa. Eles devem de fato escolher umas das duas possibilidades seguintes: a) permanecer fiéis, com pertinácia, à concepção tradicional, tipicamente do século XIX, dos limites da função jurisdicional, ou b) elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o leviatanesco administrador” (CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1993. p. 46).

6 “Neste sentido, a consagração de direitos fundamentais pelas constituições passou a representar um espaço inacessível aos Parlamentos, porque as diversas declarações que foram sendo incorporadas a um patrimônio cultural da humanidade (na perspectiva ocidental) procuravam assegurar determinados direitos do indivíduo contra eventuais práticas espúrias do Legislador (direitos públicos subjetivos como regras negativas de competência do Estado). Como observou Freeman (1994, p. 189-90), ‘por meio de uma carta de direitos, os cidadãos concordam, com efeito, em retirar certos itens da agenda legislativa’. Essa contraposição entre democracia e direitos fundamentais acabaria por legitimar ainda mais uma atuação menos circunstancial do juiz constitucional (e que, posteriormente, vai se expandir para outras áreas além dos direitos fundamentais). Em síntese, percebe-se que a ampliação do espaço ‘tradicional’ do juiz constitucional (entre Judiciário e Tribunal Constitucional), na tutela da Constituição e sua supremacia (quer dizer, para além de um mero legislador negativo, na expressão cunhada por Kelsen), foi viabilizada, entre outras ocorrências, pela abertura semântica das constituições, em sua contemplação principiológica do discurso dos direitos humanos, pela supremacia da Constituição, pela vinculação dos legislativos aos direitos fundamentais consagrados e, sobretudo, pela necessidade de retirar do espaço político certas opções” (TAVARES, André Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 65-66).

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se diz de uma verdadeira “supremocracia”7-8, referindo-se a uma das mais poderosas Cortes no mundo9.

No dizer de Oscar Vilhena Vieira:O Supremo, que, a partir de 1988, já havia passado a acumular as funções de tribunal constitucional, órgão de cúpula do Poder Judiciário e foro especializado, no contexto de uma Constituição normativamente ambiciosa, teve o seu papel político ainda mais reforçado pelas Emendas de nº 3/1993 e nº 54/2005, bem como pelas Leis nºs 9.868/1999 e 9.882/1999, tornando-se uma instituição sin-gular em termos comparativos, seja com sua própria história, seja com a histó-ria de cortes existentes em outras democracias, mesmo as mais proeminentes. Supremocracia é como denomino, de maneira certamente impressionista, esta singularidade do arranjo institucional brasileiro.10

O fato é como se exemplificará a seguir: com base nas normas da ADPF, o STF está exercendo papel político (revolvendo, de alguma forma, o antigo debate entre Carl Schimitt e Hans Kelsen).

7 O que traz ao debate o “ativismo judicial”. No Brasil, o fenômeno mostra-se forte mais recentemente, a partir da Constituição Federal de 1988, e é verificado em todos os juízes e Tribunais (não apenas no STF): “Um juiz ativista, em sentido positivo, atua na busca da proteção dos direitos fundamentais e da garantia da supremacia da Constituição, assumindo uma postura concretizadora quando diante da abstração de princípios constitucionais, como dignidade da pessoa humana, proteção ao menor, assistência aos desamparados etc. A realização da Constituição passa pela atividade de interpretar/aplicar conceitos e categorias jurídicas de elevado grau de generalidade e abstração, mesmo que para tanto seja necessário abraçar competências institucionais que ordinariamente tocam a outros Poderes. O problema com essa sorte de postura seria estarmos substituindo a vontade do soberano que criou a lei e a Constituição pela vontade do intérprete. No entanto, a omissão, seja administrativa ou legislativa, do gestor público ou do legislador frente ao dever de dar efetividade à Constituição não pode ser corroborada pela omissão também do Judiciário frente a tal dever. Não se fala aqui em ativismo judicial nocivo, no qual o juiz ultrapassa os limites entre racionalidade jurídica e racionalidade política, valendo-se somente dessa última. Interpretar limitado pela mens legis (sentido da lei) e pela mens legislatoris (vontade do legislador) não impede que ao juiz seja necessário fazer uma construção hermenêutica para poder solucionar o caso concreto. A norma jurídica conterá, inevitavelmente, um espaço jurídico ‘vazio’ a ser preenchido pelo intérprete/aplicador, isto é, uma situação real que demanda a aplicação da norma, mas esta não prescreve o modo como isto se dará. Mesmo para Kelsen, o mais notório expoente do positivismo jurídico do século XX, a norma jurídica representava uma moldura que deveria ser preenchida durante o processo hermenêutico, pois continha diversos espaços em branco. Falamos aqui em ativismo judicial como atuação contra as omissões dos demais Poderes” (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Ativismo judicial: nos limites entre racionalidade jurídica e decisão política. Revista Direito GV, n. 15, p. 48/49).

8 Trata-se de “deslocamento da autoridade do sistema representativo para o Judiciário” que é, “antes de tudo, uma consequência do avanço das constituições rígidas, dotadas de sistema de controle de constitucionalidade, que tiveram origem nos Estados Unidos. Logo, não é um processo recente” (VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, n. 8, p. 443, jul./dez. 2008). “A hiperconstitucionalização da vida contemporânea, no entanto, é consequência da desconfiança na democracia e não a sua causa. Porém, uma vez realizada a opção institucional de ampliação dos compromissos constitucionais, isto evidentemente contribuirá para o amesquinhamento do sistema representativo” (ibidem).

9 Conforme entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, em 2013 (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/11/1375636-os-reus-do-mensalao-tem-alguma-razao-diz-jurista-guru-dos-ministros-do-stf.shtml>. Acesso em: 26 jun. 2014), o jurista português José Joaquim Gomes Canotilho chama atenção para ampla competência de controle constitucional – unindo os sistemas difuso (como americano) e concentrado (como o europeu continental) – e, ainda, permanência de competência para julgamento de ações criminais.

10 Vieira, p. 444.

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1 FUNDAMENTOS DA ADPF

A Constituição de 1988 traz previsão bastante singela acerca da ADPF: “A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei” (art. 102, § 1º). Ficou a cargo do legislador ordinário o tratamento desta ação constitucional, o que veio à tona por intermédio da Lei nº 9.882/1999.

Essa lei de 1999 previu a ADPF em duas situações – o que, para alguns juristas, é prova de que foi além do lhe era permitido fazer, acarretando em inconstitucionalidades11 –, como se lê do art. 1º: no caput, “a arguição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamen-tal, resultante de ato do Poder Público”; no parágrafo único, inciso I12, “quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato nor-mativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (grifos nossos)13.

Da previsão, especialmente, constante no parágrafo único, chama aten-ção possibilidade de tratar lei/ato municipal e os anteriores à Constituição. É que a ADIn e a ADC não podem tratar de suposta incompatibilidade de lei an-terior em relação à Constituição. Também não podem analisar constitucionali-dade de lei municipal (assunto que, claro, pode chegar ao STF, mas por meio de recurso extraordinário, ainda que derivado de eventual controle concentrado, promovido nos moldes de Constituição Estadual).

A propósito de discussão sobre a constitucionalidade da Lei nº 9.882/1999, foi proposta ADIn (que recebeu o nº 2231), em 27.06.2000. A situação desta

11 A título de exemplo, observe-se posicionamento de Luiz Alberto David Araujo: “A Constituição Federal, em seu art. 102, § 1º, cuidou de criar apenas uma ação. Sempre que houver descumprimento de preceito fundamental, caberá a ação prevista na Lei Maior. Mas a Lei nº 9.882/1999 inovou trazendo mais uma hipótese, ou seja, o controle do ato normativo municipal, estadual e federal, incluindo o anterior à Constituição, desde que relevante o fundamento da controvérsia constitucional na visão do Pretório Excelso. Entendemos, portanto, que o parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.882/1999, por inexistência de previsão, é inconstitucional, permitindo apenas o controle pela ação prevista na cabeça desse artigo” (ARAÚJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Verbatim, 2013. p. 93).

12 Havia um segundo inciso, mas restou vetado: “De outra parte, é importante salientar que o projeto aprovado pelo Congresso Nacional contemplava, além dos legitimados pelo art. 103 da Constituição Federal, ‘qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do poder público’, dando conta da tendência doutrinária que apontava neste sentido. Sydney Sanches, ao comentar o disposto no § 1º do art. 102 da CF/1988, já defendia que, ‘por essa norma autorizativa, qualquer cidadão, se houver violação de preceito fundamental da Constituição, poderá ter acesso à Suprema Corte, desde que elaborada a lei regulamentadora do dispositivo constitucional’. Tal dispositivo, que constava no art. 2º, II, no entanto, foi vetado pelo Presidente da República, que alegou contrariedade ao interesse público, em vista do ‘comprometimento adicional da capacidade funcional do Supremo Tribunal Federal’, fruto da inevitável multiplicação das demandas” (BASTOS, Celso Ribeiro. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 30, p. 69, jan. 2000, p. 2).

13 Conhecida como ADPF incidental ou subordinada. Para muitos, representando uma inovação inconstitucional da lei, como se exemplificou na nota “11” acima.

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ação é peculiar: pendente, até o momento, a formação da decisão liminar (cuja análise restou inacabada por pedido de vista) e, ainda, consta no registro pro-cessual (no site do próprio STF, consulta em 5 de junho de 2014) como relator o Ministro Néri da Silveira, apesar de sua aposentadoria em 2002. Do andamento processual (também, no site do STF), vê-se que os autos passaram, sucessiva-mente, aos gabinetes do Ministro Sepúlveda Pertence, Ministro Carlos Aberto Menezes Direito e estão, desde 2010, no gabinete do Ministro Dias Toffoli.

A decisão liminar – inacabada, frise-se – refere-se especificamente a dois dispositivos daquela lei. Além do inciso I do parágrafo único, art. 1º, mencio-na, suspendendo execução até julgamento do mérito da ação direta, o § 3º do art. 5º, que tem a seguinte redação:

A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de des-cumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.

A despeito de controvérsia instalada no STF, volta-se a destacar, a lei está vigente em sua integralidade, vez que sequer houve término da análise liminar. E, certamente, como se verificará mais detalhadamente adiante, o uso amplo da ADPF pelo STF ao longo dos anos afasta suposta mácula de inconstitucionali-dade.

2 DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL?

Ora, a CF não define o que deva ser entendido por “preceito fundamen-tal”; a Lei nº 9.882/1999 também não. Fez tão somente menção expressa a “preceito”, o que pode reforçar conclusão de que, no caso, tanto faz uma nor-ma contida num princípio ou numa regra14 ou conjunto de mais de princípio e norma, relacionados entre si.

A CF traz, ainda, outro critério importante para relacionar uma causa à ADPF: o preceito deve ser “fundamental” e “decorrente da Constituição”. Ou seja, pode-se imaginar que se trate de uma norma (de qualquer espécie), desde que fundamental (relevância evidente) e que decorra do texto constitucional.

14 A propósito da distinção entre princípio e regra, Virgílio Afonso da Silva, seguidor de Robert Alexy, destaca o que segue: “O princípio traço distintivo entre regras e princípios, segundo a teoria dos princípios, é a estrutura dos direitos que essas normas garantem. No caso das regras, garantem-se direitos (ou se impõem deveres) definitivos ao passo que no caso dos princípios são garantidos direitos (ou são impostos deveres) prima facie. [...] No caso dos princípios, não se pode falar em realização sempre total daquilo que a norma exige. Ao contrário: em geral essa realização é apenas parcial. Isso porque, no caso dos princípios, há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente” (SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 45).

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Sem dúvida, a análise do cabimento da ADPF afasta-se bastante do que ocorre com as ações diretas. Nestas, o critério relevante é que o objeto seja um ato geral e abstrato15, pouco importando o instrumento usado para tanto (lei em sentido formal, ou não). Naquela, entretanto, vê-se grande espaço de análise subjetiva do STF: que, afinal, diante de ação proposta, deverá promover análise para verificar enquadramento do tema em discussão num “preceito fundamen-tal decorrente da Constituição”.

No contexto, Luiz Alberto David Araújo observa nítida evolução, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, num crescente de subjetividade por parte do STF:

No início da existência da Constituição de 1988, tínhamos uma objetividade quase ingênua, ou seja, todo ato normativo estadual ou federal (desde que en-tendido como tal) poderia se submeter ao controle, pela ação direta de incons-titucionalidade, se ferisse a Constituição Federal. Não havia, portanto, qualquer subjetividade no conhecimento da ação. Esse perfil objetivo foi alterado pela Emenda Constitucional nº 03/1993, que introduziu a ação declaratória de cons-titucionalidade, já que a Corte Suprema entendeu que haveria de ser apenas a controvérsia relevante objeto desta ação. Nesse passo, a subjetividade, trazendo um número enorme de possibilidades do ministro relator e da Corte Suprema, desde que presentes certos requisitos, todos anunciados de forma aberta, a autori-zar o permear da subjetividade. Por fim, deparamo-nos com a Lei nº 9.882/1999, que, seguindo a linha da Lei nº 9.868/1999, traz também poderes para o relator e para a Corte Suprema. Além de repetir, quanto ao procedimento, alguns compor-tamentos outorgados pela lei anterior (Lei nº 9.868/1999), a nova disciplina traz conceitos também genéricos, sem definir especificamente termos (como “precei-to fundamental” ou “descumprimento”) e, no parágrafo único do art. 1º, entrega ao Supremo Tribunal Federal outra vez, a ideia de analisar “relevância”. Verifica--se, desta forma, que o sistema caminhou, partindo da objetividade singela da ação direta de inconstitucionalidade para os conceitos genéricos e inseguros da argüição de descumprimento de preceito fundamental, passado pelo caráter de “relevância” da ação declaratória de constitucionalidade.16

A própria menção a descumprimento reforça o campo subjetivo do in-térprete:

15 “O Supremo Tribunal Federal tratou de fixar que, para conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade, seria importante a configuração clara de ato normativo, pouco importando o nome utilizado pelo veículo. Desta forma, as leis de efeitos concretos, aquelas que não fossem dotadas de generalidade e abstração, eram descartadas, com o não de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade. Era preciso, portanto, que o ato normativo (qualquer que fosse) tivesse a marca da generalidade e abstração.” (ARAÚJO, Luiz Alberto David. Da ingênua objetividade do conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade para o juízo subjetivo e inseguro da arguição de descumprimento de preceito fundamental. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 164)

16 Araújo, 2003, p. 172/173.

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Já o termo “descumprimento”, utilizado apenas quando da previsão do institu-to da ADPF, é conceito que pode ser considerado em uma acepção mais am-pla, englobando a violação de norma constitucional fundamental por qualquer comportamento. Nesta acepção mais lata, tanto pode descumprir a Constituição um ato normativo (padrão corrente no controle histórico de constitucionalida-de brasileiro) como um ato não-normativo, nesta última categoria incluídos os atos administrativos, de execução material e, ainda, (em tese), os atos dos par-ticulares (excluídos do âmbito de alcance da ADPF por força do art. 1º da Lei nº 9882/1999).17

Diante de tal subjetividade, não causa estranheza o fato de que haja incerteza sobre saber tratar-se, afinal, de fazer uso da ADPF ou outra ação di-reta de controle de constitucionalidade. O julgamento sobre a união estável homoafetiva é eloquente. Observe-se a preliminar sobre cabimento da ADPF, destacada em parte de sua ementa:

1. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Perda parcial de objeto. Recebimento, na parte remanescente, como ação direta de inconstitu-cionalidade. União homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações de natureza abstrata. Julgamento conjun-to. Encampação dos fundamentos da ADPF 132/RJ pela ADIn 4.277/DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. [...] 6. [...] Ante a pos-sibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para ex-cluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADPF 132/RJ, Rel. Min. Ayres Britto, DJe-198 Divulg. 13.10.2011, Public. 14.10.2011 – grifos nossos)

A solução esposada no precedente afastou o uso da ADPF, fazendo valer “interpretação conforme” do art. 1.723 do Código Civil (CC). O julgamento, no seu resultado, soa mesmo o mais correto: afinal, pouco crível impor restrição de ordem tão relevante à vida – ou seja, impossibilidade de exercício de união estável como entidade familiar – tão somente pela sexualidade das pessoas en-volvidas. Tanto por isso, o julgamento foi decidido à unanimidade.

Ocorre que a solução preliminar sobre afastamento do uso da ADPF si-naliza a dificuldade de entendimento sobre “descumprimento de preceito fun-damental”. É que a conclusão, alcançada pelo Tribunal, no sentido de enfocar

17 TAVARES, André Ramos. Repensando a ADPF no complexo modelo brasileiro de controle da constitu­cionalidade. Salvador: JusPodivm, 2007. p. 58.

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a letra do art. 1.723 do CC, traz a dificuldade natural da observação de que a regra do CC – “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o ho-mem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (grifos nossos) – apenas repete a norma constitucional aplicável: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (art. 226, § 3º, da CF – gri-fos nossos).

Então, poder-se-ia questionar: se a lei apenas repete a CF, de que adian-taria promover “interpretação conforme” do CC?

No ponto, talvez melhor solução tivesse sido o uso da ADPF ao caso, no sentido de observar a extensão possível de “descumprimento de preceito fundamental”, fazendo valer um sentido bem amplo de “preceito” (mas não perdendo de vista relevância necessária18), além de mero dispositivo constitu-cional. Poder-se-ia, seguindo tal linha de pensamento, imaginar que a discussão posta no controle concentrado parte de novo conceito de família (além da união entre homem e mulher) – o que foi referido no julgamento –, mas cuja negação – inexistente no texto constitucional originário, registre-se – implicaria desres-peito à dignidade da pessoa humana, em sua manifestação de exercício pleno de sexualidade e relação amorosa. E, na construção como cogitada, a ADPF enquadrar-se-ia à perfeição.

O precedente – concordando, ou não, com a escolha do STF pela ADIn em detrimento da ADPF – confirma a dificuldade do entendimento do que ve-nha a ser “preceito fundamental”.

3 SOBRE A LEI Nº 9.882/1999

Se há opiniões no sentido de que a Lei nº 9.882/1999 é inconstitucional por ter ido além do restava permitido pelo texto constitucional19, é verdade, também, que a lei deixou a desejar naquilo que poderia dispor sobre a ADPF.

18 “Num raciocínio por exclusão, parece incontroverso que não se pode entender por preceito fundamental todo e qualquer dispositivo da Constituição. Fosse esse o espírito do art. 102, § 1º, da Constituição Federal, certamente faria referência expressa a esta, deixando de empregar a expressão em análise. Também não nos parece adequada uma interpretação reducionista, restringindo o conteúdo semântico de tal expressão aos princípios fundamentais, como, aliás, chegamos a entender no passado. O que entender, então, por preceito fundamental? O vocábulo fundamental dá a ideia de base, de alicerce ou, em suma, de fundamento. [...] São normas materialmente constitucionais aquelas tidas por imprescindíveis a uma Constituição, vale dizer, aquelas fundamentais à sua estruturação. Destarte, a ideia que parece ter orientado o constituinte foi a de estabelecer como parâmetro dessa ação aqueles preceitos que fossem indispensáveis à configuração de uma Constituição enquanto tal, ou seja, as normas materialmente constitucionais, a saber: a) as que identificam a forma e a estrutura do Estado (p. ex., federalismo, princípio republicano etc.); b) o sistema de governo; c) a divisão e o funcionamento dos poderes; d) os princípios fundamentais; e) os direitos fundamentais; f) a ordem econômica; g) a ordem social.” (Araújo, 2013, p. 93/94)

19 V.g., ver nota “11” anterior. E observe-se, ainda, que: “Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal tem entendimento assentado no sentido de que à lei infraconstitucional não é dado restringir nem aumentar a

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Da leitura do art. 1º da mencionada lei, vê-se que o objeto principal foi ato do Poder Público. Ou seja, comando legal não se prende a ato normativo. Neste aspecto, o legislador foi bastante feliz20. E, então, a ADPF presta-se a discutir efeitos concretos de ato do Poder Público, com consequências práticas: por exemplo, o uso da ADPF para afastar interpretação concreta de lei estadual paulista (ainda que sua constitucionalidade já tivesse sido confirmada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, ao menos, com indeferimento de li-minar na ADIn 3.937 MC/SP, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe-192 Divulg. 09.10.2008, Public. 10.10.2008)21.

Voltando ao conteúdo do caput em questão: a lei poderia ter ido além do que efetivamente foi, prevendo cabimento da ADPF para quaisquer atos lesivos (público ou privado). Para tanto, já soaria suficiente a análise de relevância da discussão como condição de conhecimento/admissão da ADPF22 (já constante na própria redação constitucional “descumprimento de preceito fundamental”), reafirmada no art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882/1999: “Quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional”.

Da análise de alguns precedentes em sede de ADPF, observam-se im-portantes discussões/julgamentos sobre adequação de leis anteriores à Consti-

competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, que teriam sido exaustivamente delineadas pelo legislador constituinte” (ALVIM, Eduardo Arruda. Apontamentos sobre as liminares na ação direta de inconstitucionalidade, na ação declaratória de constitucionalidade e na arguição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jurídica, Porto Alegre: SíNTESE, v. 57, n. 381, p. 13, jul. 2009). Noutras palavras, poder-se-á afastar suposta inconstitucionalidade, entendendo-se que a própria Constituição adotou – ainda que, para tal conclusão, seja necessário algum esforço de interpretação – regra expressa em lei.

20 Vê-se, neste sentido, o uso da ADPF em face de projeto de lei apenas (ou seja, antes mesmo de sua votação e conclusão do processo legislativo): ADPF 307-MC/DF, Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe-060 Divulg. 26.03.2014, Public. 27.03.2014. A discussão enfrentou projeto de lei orçamentária, mitigando autonomia administrativa e financeira da Defensoria Pública do Estado da Paraíba. A solução encontrada soa a melhor: determinou-se ao governador complementar o projeto enviado. Ainda que conste no acórdão que não se trata de controle preventivo de constitucionalidade, mas, sim, repressivo de constitucionalidade de ato concreto do chefe do Poder Executivo, é interessante o uso da ADPF em sede de projeto de uma lei.

21 Com “suspensão da eficácia das interdições ao transporte praticado pelas empresas associadas à arguente, quando fundamentadas em descumprimento da norma proibitiva contida no art. 1º da Lei nº 12.684/2007 do Estado de São Paulo, reconhecendo-lhes o direito de efetuar o transporte interestadual e internacional de cargas, inclusive as de amianto da variedade crisotila, observadas as disposições legais e regulamentares editadas pela União” (ADPF 234-MC/DF, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe-025 Divulg. 03.02.2012, Public. 06.02.2012).

22 Afora a opinião – pertinente sobre a relevância/imprescindibilidade do que seja preceito fundamental – da doutrina (ver nota “16” acima), como se comprova abaixo, tal espécie de análise é normalmente encontrada em acórdão do STF: “Constitucional. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF-AgRg). Impugnação a resoluções do Conselho Federal de Química (CFQ). Regime de subsidiariedade e relevância constitucional da controvérsia suscitada. Condições essenciais de admissibilidade da arguição. Não atendimento. Normas secundárias e de caráter tipicamente regulamentar. Ofensa reflexa. Inidoneidade da ADPF. Agravo regimental improvido. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a ADPF, como instrumento de fiscalização abstrata das normas, está submetida, cumulativamente, ao requisito da relevância constitucional da controvérsia suscitada e ao regime da subsidiariedade, não presentes no caso. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) firmou-se no sentido de que a ADPF é, via de regra, meio inidôneo para processar questões controvertidas derivadas de normas secundárias e de caráter tipicamente regulamentar (ADPF-AgRg 93/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). 3. Agravo regimental improvido” (ADPF 210-AgRg/DF, Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe-119 Divulg. 20.06.2013, Public. 21.06.2013).

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tuição de 1988, ou seja, análise de recepção de diplomas legais pelo controle concentrado, até então, inacessíveis (como se sabe, sua análise era possível tão somente pelo controle difuso).

Neste específico ponto, ao contrário de valorosas opiniões contrárias, a disposição mantida no parágrafo único do art. 1º (inciso I) tem ganhado força e, efetivamente, tem sido aplicada pelo STF. São vários exemplos de uso da ADPF para julgar se determinada norma anterior à Constituição de 1988 foi recepcio-nada23, inclusive com reflexos profundos na sociedade. Daí por que se pode concluir que aquela suposta inconstitucionalidade – atribuída, especialmente, ao parágrafo único, art. 1º da Lei nº 9.882/1999 – já está descartada pela juris-prudência do STF.

Continuando o raciocínio, enxergando a ADPF dentro do leque de ações diretas, próprias do controle concentrado de constitucionalidade, entende-se reforçada a constitucionalidade da lei de 1999. É que vem preencher vazio do controle de constitucionalidade concentrado, que, repisando-se entendimen-to do STF, não poderia tratar de legislação anterior à Constituição vigente. O mesmo sucedendo em relação ao ato normativo municipal, que igualmente não tinha previsão de vir a ser objeto de controle concentrado de constitucio-nalidade.

Reforça, também, a constitucionalidade, especialmente, do parágrafo único, inciso I, art. 1º da Lei nº 9.882/1999, a previsão de seu caput (entendida, genericamente, pela doutrina, como constitucional): “Terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público”. Ora, aceitando-se “ato”, não existe razão de monta para afastar do objeto da ADPF um “ato normativo”, justificando-se análise concentrada pela sua importância (“relevância”): o que legitimaria, inclusive, enfrentar “ato normativo munici-pal”. Ou, então, restaria possível, nos termos do caput, analisar ato municipal

23 Discussão sobre aborto do feto anencéfalo (ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe-080 Divulg. 29.04.2013, Public. 30.04.2013), enfrentando adequação/interpretação do Código Penal em relação à Constituição de 1988; privilégio de entrega de correspondência pelos Correios (ADPF 46/DF, Rel. p/o Ac. Min. Eros Grau, DJe-035 Divulg. 25.02.2010, Public. 26.02.20100), tratando da Lei nº 6.538/1978; recepção da Lei de Imprensa, nº 5.250/1967, pela Constituição de 1988 (ADPF 130/DF, Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, DJe-208 Divulg. 05.11.2009, Public. 06.11.2009), com procedência, ao final, declarando-se a não recepção, o que repercutiu, inclusive, em decisão sobre descabimento de exigência de diploma de curso superior para a prática de jornalismo (RE 511961/SP, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe-213 Divulg. 12.11.2009, Public. 13.11.2009); recepção do art. 636 da CLT, exigência de depósito prévio do valor correspondente à multa como condição de admissibilidade de recurso administrativo (ADPF 156/DF, Pleno, Relª Min. Carmen Lúcia, DJe-208 Divulg. 27.10.2011, Public. 28.10.2011), com declaração da não recepção; recepção da Lei de Anistia, nº 6.683/1979, confirmada pela rejeição da ADPF 153/DF (Pleno, Rel. Min. Eros Grau, DJe-145 Divulg. 05.08.2010, Public. 06.08.2010), o que, contudo, colide com decisão tomada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund versus Brasil – Guerrilha do Araguaia (exemplificando como a última palavra da Corte Constitucional nacional pode não bastar para apaziguar a discussão).

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de efeitos concretos (certamente, inserido na previsão normativa em tese), mas não normativo municipal? Não soa razoável.

Tanto por este aspecto, defensável entender que a previsão do caput vem repetida – ainda que com mais detalhes – no mencionado inciso I, parágrafo único, do mesmo art. 1º. Por conseguinte, ambos os comandos podem ser en-tendidos como em conformidade com a Constituição.

Outro ponto que inspira cuidado, ao ler a lei de 1999, é o comando constante do art. 4º, § 1º: “Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade”. É que, interpretada a regra literalmente, poderá concluir-se que a ADPF resta obs-tada até mesmo por simples ação individual. Por óbvio, no entanto, tal interpre-tação implicaria inconstitucionalidade, pelo simples motivo de que nulificaria a previsão constitucional da ADPF.

No contexto, tem sido defendido que a regra legal em questão seja “in-terpretada conforme” a Constituição. E, assim, o “outro meio eficaz” deverá ser uma ação direta24. Tal leitura justifica-se por inserir a ADPF no quadro geral de ação diretas, próprias do controle concentrado de constitucionalidade, reser-vando-se à ADPF o espaço não alcançado pela ação direta de inconstituciona-lidade nem pela ação declaratória de constitucionalidade.

Tal atribuição de espaço residual25 – além das outras ações diretas – à ADPF ratifica, ainda, conclusão pela constitucionalidade da Lei nº 9.882/1999, que, em seu art. 1º, § 1º, inciso I, ao tratar de ato normativo municipal e ante-riores à Constituição vigente.

4 EFEITOS ERGA OMNES E VINCULANTE SEM PREVISÃO CONSTITUCIONAL?

A Lei nº 9.882/1999 dispõe o seguinte quanto aos efeitos do julgamento em ADPF: “§ 3º A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante rela-tivamente aos demais órgãos do Poder Público” (art. 10 – grifos nossos). Tal previsão é objeto de crítica, vez que a Constituição Federal de 1988 não dispôs a respeito dos efeitos da ADPF. Nem mesmo por meio de emendas constitucio-nais posteriores, como se comprova das redações históricas e atual do art. 102 da CF:

Parágrafo único. A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decor-rente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Redação original)

24 Como observou o ex-Ministro Carlos Velloso (Op. cit., p. 389).25 André Ramos Tavares atribui à ADPF um caráter de residualidade qualificada, distanciando-se de boa parte

da doutrina que defende um mero papel secundário ou subsidiário (Tavares, 2007, p. 69).

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§ 1º A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Pa-rágrafo único transformado em § 1º pela EC 3/1993, redação ora vigente)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. (Incluído pela EC 3/1993 – gri-fos nossos)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitu-cionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e in-direta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação vigente, dada pela EC 45/2004 – grifos nossos)

Foi, portanto, a Emenda Constituição nº 3/1993 que aparentemente ino-vou, ao prever os efeitos erga omnes e “vinculante”, mas apenas à ação declara-tória de constitucionalidade (então, criada pela mesma emenda). E tal inovação foi estendida, também, a ações diretas de inconstitucionalidade (pela redação dada pela EC 45/2004).

Em relação a ações diretas de inconstitucionalidade, a inovação foi so-mente aparente, vez que o art. 102 da CF dispõe do controle concentrado de constitucionalidade, exercido unicamente pelo STF, sem necessidade de inter-mediação para promoção dos efeitos do julgamento pelo Senado Federal, o que ocorre apenas para o controle difuso26. Ou seja, apenas no caso do controle difuso faz-se uso do Senado de forma a atribuir efeitos para todos da decisão de inconstitucionalidade.

Interessante a solução adotada, desde a Constituição de 1934, no Brasil, pelo art. 91, IV (ver nota “25”): diante da ausência no Brasil do stare decisis27 (efeito de vincular juízes de acordo com julgamento de tribunais, em especial,

26 Como se reconhece, sendo a solução tradicional, adotada no Brasil, desde a Constituição de 1934, em seu art. 91, IV (competindo ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou acto, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionaes pelo Poder Judiciario”). Regra, na essência, reproduzida na Constituição de 1988: “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.

27 Comentando sobre o modelo dos Estados Unidos: “Porém, decidida a inconstitucionalidade de uma lei pela Suprema Corte, na prática, nenhum outro juiz aplica a referia lei aos demais casos concretos análogos ao precedente da Corte, isso por força de antigo princípio, stare decisis et nonquieta movere, que confere funcionalidade e coerência ao modelo de controle americano. Claro, ressalvadas as hipóteses de superação do precedente (overruling) ou de ‘distinção’ (distinguishing) por força de alguma peculiaridade entre o precedente e o caso subsequente” (AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Controle de constitucionalidade: evolução brasileira determinada pela falta do stare decisis. Revista dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 101, n. 920, p. 137, jun. 2012).

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da Corte Constitucional), atribuiu-se ao Senado a função de fazer valer “contra todos” decisão de inconstitucionalidade. Trata-se do primeiro “sucedâneo nor-mativo ao stare decisis”28.

Tantas foram as modificações29, promovidas no Direito brasileiro, sempre com o intuito de cumprir a função do stare decisis30: desde alargamento de ma-téria a ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, quanto ao aumento sobre os entes legitimados a sua propositura – o que resta evidente na Constitui-ção de 1988, art. 103 –, passando pela previsão dos efeitos erga omnes e “vin-culante” expressamente (EC 03/1193 e EC 45/2004), bem como pela previsão de que o STF possa editar enunciados de súmula vinculante31.

Como se sabe, no controle concentrado, não existe verdadeira lide, dis-puta entre partes, mas, sim, discussão sobre a conformidade de lei em relação à Constituição. Por isso, diz-se que se trata de controle em abstrato (análise da lei em tese). Consequência lógica é que não existem partes vinculadas por uma lide e em polos opostos, e não cabe cogitar de “limites subjetivos” da coisa julgada. É realidade que se impõe no Brasil, ao menos, desde a EC 16/196532.

28 Amaral Júnior, p. 141. O autor, também, destaca que, na mesma Constituição de 1934, houve um segundo sucedâneo: a previsão de que, “nos juízes colegiados, a declaração de inconstitucionalidade requer decisão por maioria absoluta dos respectivos membros (ou do órgão especial com competência plenária a ele delegada)” (Ibidem).

29 O que tem gerado preocupação e crítica de parte da doutrina: “O precedente dinamiza o sistema jurídico, não o engessa, pois a interpretação do precedente tem que levar em conta a totalidade do ordenamento jurídico e toda a valoração e a fundamentação que o embasaram. Assim, sempre que ele for a base de uma decisão, seu conteúdo é passível de um ajuste jurisprudencial. Nesse sentido, Keith Eddey ressalta as vantagens do sistema de precedentes como sua dinamicidade para se encontrar a resposta adequada à solução jurídica. Tanto assim é que, de acordo com Eduardo Sodero, todo juiz chamado a decidir um caso cuja matéria tenha sido decidida em sentenças anteriores pode e deve submeter os precedentes a teste de fundamentação racional e decidir independentemente segundo sua convicção formada em sua consciência, para tanto, o juiz não deve aceitar cegamente o precedente. Dessa forma, fica evidente que a regra de vinculação por precedentes do stare decisis não é inexorável, ao contrário da vinculação pelo NCPC e já presente nos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil vigente” (NERY JÚNIOR, Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs. direito jurisprudencial. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 502).

30 “Relativamente ao controle de constitucionalidade, o drama do modelo é a ausência do stare decisis. Elemento da prática do common law, gestado ao longo de séculos, o stare decisis não permite cópia. Portanto, faltou ao Direito brasileiro o elemento que confere – ao modelo americano – funcionalidade e coerência decisórias. Julgado um recurso extraordinário pelo STF, nada vinculava os demais juízes brasileiros ao entendimento firmado pelo Tribunal de cúpula. Então, buscou-se suprir a falta do stare decisis pela via normativa. Adotaram- -se, sucessivamente, sucedâneos normativos ao stare decisis.” (Amaral Junior, p. 140)

31 O efeito vinculante, hoje, previsto na Constituição de 1988 (art. 102, § 2º), tem mesma força da súmula vinculante (art. 103-A da CF): relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Ou seja, não se discute de querer impor tal decisão do STF em relação ao Poder Legislativo, que, por óbvio, mantém sua liberdade de reproduzir eventual ato normativo tido por inconstitucional pelo STF (CARDOSO, Oscar Valente. Stare decisis e súmula vinculante: análise comparativa. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Oliveira Rocha, n. 130, jan. 2014, p. 81, 2014).

32 “O grande avanço proveniente da EC 16/1965 consistiu em conferir eficácia erga omnes à decisão do STF. Essa eficácia decorre do fato de que na representação, da EC 16/1965, não há que se falar em partes e, por conseguinte, não caberia falar em limites subjetivos da coisa julgada. Trata-se de um processo objetivo e, por isso, não caberia um ato complementar, ele seria tudo, pois o julgado não teria nenhum significado, já que não vincularia ninguém.” (TOMAZETTE, Marlon. A evolução histórica do controle de constitucionalidade

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Então, não havendo partes interessadas num litígio concreto, é de supor--se crível estender os efeitos do julgamento para todos (afinal, os próprios des-tinatários de determinada lei em tese/abstrato). Em função de inexistência de partes no sentido processual de um litígio concreto, construiu-se na jurispru-dência – inclusive, a brasileira – que os efeitos de julgamento de ação direta necessariamente devem ser oponíveis para todos (erga omnes). Ainda, diante de declaração de inconstitucionalidade, a lei (objeto da análise numa ação direta de inconstitucionalidade) era, desde logo – sem interferência do Senado Fede-ral – expurgada do ordenamento nacional33. Ou seja, não seria sequer possível a juiz ou tribunal inferior querer aplicar norma que, frise-se, deixava de com-por a legislação nacional. Então, enfocando a ADIn, houvesse a declaração de inconstitucionalidade, os efeitos erga omnes e “vinculante” eram inerentes ao controle concentrado de constitucionalidade brasileiro.

Tal conclusão de promover a exclusão da norma constitucional do or-denamento, contudo, não se prestava, por exemplo, ao exercício de controle constitucionalidade, por meio da “declaração conforme” ou mesmo da decla-ração de inconstitucionalidade sem redução de texto (nas quais se mantinha a norma cuja constitucionalidade vinha questionada). Da mesma forma, no caso de expressa declaração da constitucionalidade de uma lei. Nessas situações, restaria como solução mais plausível para atribuir os efeitos erga omnes e “vin-culante” a análise processual da discussão em abstrato de uma lei, que – por-tanto, sem partes num litígio concreto – permitiria a extensão dos efeitos do julgamento em face de todos.

Neste contexto, diante de inovação do constituinte reformador, ao criar uma nova espécie de ação concentrada (declaratória de constitucionalidade), entende-se, assim, sua preocupação de deixar expresso na Constituição a atri-buição de efeitos erga omnes e “vinculante”. Trata-se de mais uma tentativa de fazer valer a autoridade e respeito às decisões do STF, no Brasil, a despeito, como se viu, de não termos o stare decisis.

Num extremo oposto, atualmente, tem sido discutido acerca de uma possível “abstrativização” do controle difuso, aplicando-lhe os efeitos costu-meiros atribuídos ao controle concentrado: ou seja, quaisquer julgamentos do STF passariam a ser oponíveis contra todos e vinculantes. É conclusão que se alcança da leitura da discussão travada em alguns julgamentos: por exemplo,

das leis no Brasil. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 18, n. 70, p. 126, jan./mar. 2010).

33 Conforme a teoria tradicional da nulidade de normal inconstitucional (BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 15).

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nos autos de Reclamação nº 4.33534, bem como nos autos de Mandado de Injunção nºs 708 e 71235. Tal postura da Corte amplia ainda mais o alcance de suas decisões.

A questão não é meramente teórica. Admitida a dispensa da intervenção do Senado no controle de constitucionalidade difuso – ou seja, considerando-se ter havido mutação constitucional36, tornando dispensável atuação do Senado –, será admitida reclamação em face de decisões de instâncias inferiores em sentido diverso do julgado do STF (mesmo se tratando de julgamento em con-trole difuso, e não concentrado de constitucionalidade).

A despeito de vencedor o posicionamento do relator nos autos da Re-clamação nº 4.335, infere-se que houve divergência quanto aos fundamentos em relação aos demais ministros. Então, é prematuro dizer que o STF tenha, efetivamente, adotado o posicionamento pela “abstrativização”37. Até porque, bom reforçar, equivaleria a fazer letra morta do art. 52, X, da CF, cuja regra está presente, com pequenas alterações na redação, em nosso ordenamento desde a Constituição de 1934 (ver nota “26”).

34 Consta do voto do relator: “Portanto, a não-publicação, pelo Senado Federal, de Resolução que, nos termos do art. 52, X, da Constituição, suspenderia a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF, não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia jurídica. Esta solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também as incongruências cada vez mais marcantes entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e – permita-nos dizer – ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988” (STF, Plenário, Reclamação nº 4.335/AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 20.03.2014, DJe nº 208, Divulg. 21.10.2014, Publ. 22.10.2014).

35 Conforme se verifica das observações constantes de voto abaixo: “As decisões proferidas nos Mandados de Injunção nºs 283 (Rel. Sepúlveda Pertence), 232 (Rel. Moreira Alves) e 284 (Rel. Celso de Mello) sinalizam para uma nova compreensão do instituto e a admissão de uma solução normativa para a decisão judicial. [...] Significativa, também, a decisão do STF nos MI 712, Relatado pelo Min. Eros Grau, DJ 23.11.2007, e no 708, por mim relatado, DJ 31.10.2008, os quais adotaram “solução normativa e concretizadora” para a omissão quanto ao direito de greve dos servidores públicos. [...] As decisões acima referidas indicam que o Supremo Tribunal Federal aceitou a possibilidade de regulação provisória pelo próprio Judiciário, uma espécie de sentença aditiva, se se utilizar a denominação do direito italiano. Parece claro que as decisões que o Supremo Tribunal Federal profere na ação de mandado de injunção e no processo de controle abstrato da omissão têm caráter obrigatório ou mandamental (cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 335)” (STF, Plenário, MI 943/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe-081 Divulg. 30.04.2013, Public. 02.05.2013, conforme voto do Relator).

36 PINEIRO, Eduardo Schenato. O controle de constitucionalidade: direito americano, alemão e brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012. p. 197.

37 Muito embora, bom observar que a atribuição de efeitos próprios de ação direta é encontrada em outros exemplos, conforme jurisprudência do STF. V.g., em sede de mandado de injunção, como se verifica dos precedentes do STF sobre o direito de greve de servidores públicos: STF, Pleno, MI 712/PA, Rel. Min. Eros Grau, DJe-206 Divulg. 30.10.2008, Public. 31.10.2008; STF, Pleno, MI 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe-206 Divulg. 30.10.2008, Public. 31.10.2008. Em ambos, os ministros discutiram sobre o cabimento, ou não, de atribuir os efeitos erga omnes, a despeito de tratar-se de ação própria do controle difuso (e não ação direta de inconstitucionalidade por omissão), restando vencedora a posição por atribuí-los nos dois julgamentos. Nestes casos, bom assinalar, não caberia cogitar de haver o obstáculo em função do comando constante no art. 52, X, da CF, que diz respeito, especificamente, à extensão de efeitos além das partes para o caso de declaração de inconstitucionalidade em ação concreta pelo STF.

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Mesmo assim, tomando-se por base do que já sucedeu relativamente a julgamentos de mandado de injunção, inegável que o STF parece caminhar para ampliação dos efeitos de suas decisões.

Interessante a opinião de Luís Roberto Barroso (que compartilha e exem-plifica a força da posição vencedora naquele julgamento de Reclamação, inclu-sive, na esteira de posicionamento doutrinário de Teori Zavascki38):

A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC 16/1965, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há mais lógica razoável em sua manutenção.39

Entretanto – com o respeito ao posicionamento do jurista, mas aprovei-tando seu raciocínio –, se, desde 1965, não se justificava a atribuição ao Sena-do, por que, então, o constituinte originário de 1988 preferiu manter tal função ao Senado? Não seria desrespeitoso ao texto constituinte originário fazer pouco do art. 52, X? Não se trata, simplesmente, de uma peculiaridade na Separação de Poderes no Brasil?

Em reforço a tal entendimento contrário à figura da “abstrativização”, recorda-se da criação constitucional da súmula. É que resta possível ao STF, sem esperar qualquer intervenção do Senado Federal, editar um enunciado que, necessariamente, tenha que ser observado pelas instâncias inferiores40. Sendo assim e diante de modificação expressa pelo constituinte reformador, preven-do a súmula vinculante, por que motivo caberia ao STF deixar de lado a regra constante do art. 52, X?

38 Mas não se perca de vista posicionamento forte pelo enfraquecimento do dispositivo constitucional do art. 52, X. A título de exemplo: “[...] a competência do Senado Federal para suspender a execução de lei declarada inconstitucional, o seu exercício foi paulatinamente perdendo a importância e o sentido que tinha originalmente, sendo, hoje, inexpressivas as consequências práticas que dele podem decorrer” (Zavascki, p. 51).

39 Barroso, p. 92.40 Foi o pensamento, exposto pelo Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto, que, todavia, restou compondo o

grupo vencido: “Mas tenho reservas dobre a natureza objetiva que se quer conferir ao mandado de injunção. Nesse sentido, ponho-me de acordo com o as restrições manifestadas pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia, por exemplo. Mas não se pode negar que os feitos se repetirão. Nos termos em que se forma a maioria, o resultado prático de negar-se o efeito erga omnes é que a Corte repetirá o julgamento, apenas para afirmar em diversas oportunidades o mesmo que afirmou nessas últimas sessões. Mas, por outro lado, essa constatação prática não me parece suficiente para alterar a natureza do mandado de injunção, que é via vinculada ao interesse. Talvez fosse o caso, para resolver uma parte desse problema de repetição de feitos, já que não há dúvidas sobre a omissão legislativa, de editar-se uma súmula vinculante sobre a matéria [...]” (STF, Pleno, MI 708/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe-206 Divulg. 30.10.2008, Public. 31.10.2008).

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Em suma, vê-se que o tema dos efeitos atribuídos aos julgamentos do STF, como um todo, é controverso e atual. De qualquer forma, parece autoriza-do concluir que, estando a ADPF inserida no modelo de ações diretas de con-trole de constitucionalidade, resta aceitável entender que tal espécie de ação direta – num processo abstrato – também deve apresentar os conhecidos efeitos erga omnes e vinculante. E, em conclusão, no ponto, mais uma vez, vê-se que a Lei n º 9.882/1999 não inovou, não modificou, em verdade, o tratamento jurídico, constante da Constituição de 1988. Não vem maculada por inconsti-tucionalidade.

CONCLUSÕESA análise da ADPF mostra-se como um verdadeiro estudo da evolução

do controle de constitucionalidade brasileiro, com suas especificidades – im-portando-se costumes e institutos tão díspares (dos Estados Unidos e Europa continental) –, ainda, na busca de um norte claro e próprio. Uma busca que se justifica, em especial, pela ausência do instituto do stare decisis. Ainda, a in-clusão da ADPF no quadro de ações diretas de controle de constitucionalidade sinaliza para uma ampliação nítida da atuação do Tribunal em relação a temas variados e caros, com reflexos sobre toda sociedade.

É que o caráter aberto da ADPF – “descumprimento de preceitos funda-mentais” – reforça bastante a óptica subjetiva do STF. E tal subjetividade – em clara consonância com o texto constituinte originário, bom frisar (não se trata usurpação, mas de competência prevista na CF) – reforça um papel do STF mui-to além de uma Corte jurídica, promovendo evidente atuação política.

No contexto, calha a lembrança da lição de Luiz Alberto David Araújo:

Houve, de 1988 até agora, o acúmulo de poderes do Supremo Tribunal Federal para apreciar questões ligadas ao controle concentrado, como apontado acima. Desde logo, gostaríamos de deixar claro nosso entendimento de que acreditamos que a Corte Suprema deva ter mesmo o poder de determinar o que é relevante ou não. Num sistema de controle concentrado, é importante que os ministros tenham o discernimento para determinar o que é relevante ou não. No entanto, o sistema seria aperfeiçoado se o processo de escolha dos ministros passasse por um critério mais adequado, já que o atual tem participação do Presiden-te da República e do Senado Federal, tradicionalmente composto de maioria governista. Não estamos, de maneira alguma, desmerecendo as escolhas feitas para composição dos quadros da Corte Suprema. O controle social, entretanto, é característica dos sistemas democráticos. A entrega de poderes com tal amplitu-de não se coaduna com a forma de escolha dos membros da Corte Suprema. O sistema, portanto, evoluiu quando entregou subjetividade às decisões do Pretório Excelso. Mas deixou de atentar para o controle social do processo de escolha de tais ministros. (Araújo, 2003, p. 173)

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Sendo assim, partindo do estudo da ADPF, vê-se confirmação incontes-tável de que o STF apresenta-se nos dias atuais e cada vez com evidente caráter político. Por conseguinte, mostra-se oportuno discutir critérios para escolha de seus ministros. E o motivo é singelo: copiado o modelo de escolha dos ministros dos Estados Unidos pelo Brasil, a importação não funciona como no original. Nos Estados Unidos, é rotineiro rejeitar-se indicado pelo Presidente americano. No Brasil, ao contrário, tem sido uma constante a mera confirmação de escolha pessoal do Presidente da República brasileiro41.

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MELLO FILHO, José Celso de. Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República). 4. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014, p. 9, destaques do original. Disponível

41 É o que se conclui dos 5 (cinco) casos de rejeição de indicados no Brasil, todos ocorrendo num período muito curto: “Na história republicana brasileira, ao longo de 125 anos (1889 a 2014), o Senado Federal, durante o governo Floriano Peixoto (1891 a 1894), rejeitou cinco (5) indicações presidenciais, negando aprovação a atos de nomeação, para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, das seguintes pessoas: (1) Barata Ribeiro, (2) Innocêncio Galvão de Queiroz, (3) Ewerton Quadros, (4) Antônio Seve Navarro e (5) Demosthenes da Silveira Lobo” (MELLO FILHO, José Celso de. Notas sobre o Supremo Tribunal (Império e República). 4. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014. p. 9 – destaques do original. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoInstitucionalCuriosidade/anexo/Notas_sobre_o_Supremo_Tribunal_2014_eletronica.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2015).

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Parte Geral – Doutrina

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A Dinâmica da Relação Entre Poder e Direito no Tridimensionalismo Jurídico de Miguel Reale

SÉRGIO ANTôNIO fERREIRA VICTOR Doutor em Direito, Coordenador Adjunto do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da EDB/IDP, Assessor de Ministro do STF.

Submissão: 29.06.2015Decisão Editorial: 02.07.2014Comunicação ao autor: 02.07.2014

RESUMO: O presente artigo procura desvendar o pensamento de Miguel Reale em parte essencial ao direito público, concernente às suas concepções de soberania, poder e direito. Sob a óptica de Reale, poder e direito relacionam‑se em diversos níveis sociais e do Estado, formando ordens jurí‑dicas parciais, as quais exercem pressão sobre as instituições estatais, no intuito de se tornarem parte da ordem total (estatal), a partir de uma decisão soberana. Assim, em Reale, distintamente do que afirma Kelsen, a decisão é parte do fenômeno formador do ordenamento e Direito e Estado não se confundem. A atualidade do pensamento de Reale está em que suas bases provêm tanto da dinâmica da sociedade considerada em suas diversas manifestações como na essência do poder do Estado, sem descurar das liberdades dos cidadãos, que, por consentimento, conferem legitimidade ao ordenamento jurídico.

PALAVRAS‑CHAVE: Miguel Reale; tridimensionalismo jurídico; soberania; poder; direito.

ABSTRACT: This paper examines the conceptions of sovereignty, power and law within the framework of Miguel Reale’s public law theory. From Reale’s point of view, the many interactions of power and law both within the civil society and the State form partial legal systems aspiring to become part of the whole system of State Law through a sovereign decision. Reale departs from Kelsen’s theory in that he does not equate the Law and the State and recognizes decision as a fundamental part of the formation of legal order. Thus Reale’s theory remains relevant as an attempt to establish both the dynamics of society and the power of the State as the basis for the formation of Law, and the protection of the rights of the citizens and their participation in the public decision‑making processes as the basis for the legitimate exercise of sovereignty.

KEYWORDS: Miguel Reale; three‑dimensional theory of law; sovereignty; power; law.

SUMÁRIO: Introdução – Soberania, poder e direito em evolução; 1 Soberania, poder e direito em Reale; 2 Pluralismo jurídico, dinâmica da correlação poder e direito e gradação da positividade; 3 A institucionalização do Poder. Despersonalização e transpersonalização – A redução do quantum despótico; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO – SOBERANIA, PODER E DIREITO EM EVOLUÇÃO

Pode-se dizer que a ideia separação de poderes tem como um de seus principais inspiradores o teórico da concentração do poder, Jean Bodin (1530-

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1596). O notável jurista e pensador político, estudando a sociedade feudal de seu tempo, que se baseava nas relações de dependência pessoal entre senhores e vassalos, verificou a necessidade de se alterar o centro de legitimidade da organização política no sentido de uma objetivação do poder, revelando-se como instrumento adequado ao seu intuito o desenvolvimento do conceito de soberania1.

Ideia concebida tendo em vista a necessidade de unificação do poder, a soberania transformou-se, de fato, em instrumento utilizado pelos estadistas europeus da época para empreenderem a almejada unificação. Impactou pro-fundamente o pensamento das elites francesas e inglesas, sobretudo no que concerne à construção jurídica do conceito de Estado-Nação2.

Para Bodin, a soberania caracteriza-se por ser perpétua e absoluta, além de concentrada pelo príncipe detentor do poder de dar e suprimir a lei3. Assim, sustenta que o soberano detém o monopólio legislativo e que a ele cabe decre-tar a guerra e firmar a paz, instituir funcionários, nomear magistrados e tributar. Todavia, apesar de absoluto, o poder não é ilimitado. Bodin, atento à lição me-dieval, tinha como finalidade da lei a justiça e afirmava ser uma incongruência dizer que o rei pudesse fazer algo que não fosse honesto, visto que seu poder deve ser medido com a vara da justiça4, observando sempre que a lei deveria conformar-se ao Direito, à lei natural ou divina5.

Bodin teria inspirado os teóricos políticos posteriores na medida em que criou uma distinção fundamental e caríssima à evolução da doutrina da divisão do poder: a soberania em sua essência (la souveraineté) e a soberania em seu exercício (le gouvernement). Cezar Saldanha afirma que, somente a partir dessa distinção, o direito público passa a admitir a compossibilidade jurídica entre a unidade e indivisibilidade de um poder soberano nacional do Estado ao lado da pluralidade e divisibilidade do exercício das funções políticas contidas na soberania. Funções consequentemente partilháveis entre órgãos separados ins-titucionalmente e que viriam a ser chamados de poderes políticos6.

Dessa forma, o monarca teria auxílio para governar, mas a Constituição não seria mista, uma vez que, individualizado de forma inequívoca, o soberano deteria o poder último, que não resultaria de uma composição de interesses de

1 GALA, Pedro Bravo. Estúdio preliminar. In: BODIN, Jean. Los seis libros de la República. 4. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2006. p. LIV-LV.

2 SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. O tribunal constitucional como poder: uma nova teoria da divisão dos poderes. São Paulo: Memória Jurídica, 2002. p. 36.

3 BODIN, Jean. Los seis libros de la República. 4. ed. Madrid: Editorial Tecnos, 2006. p. 47-51.4 BODIN, Jean. Op. cit., p. 63-64.5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,

2002. p. 38.6 SOUZA JÚNIOR, Cezar Saldanha. Op. cit., p. 38-9.

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segmentos da sociedade7. Assim, a soberania (essência) restaria subtraída das forças políticas ordinárias, possibilitando que o rei zelasse pela perenidade do Estado8.

Anos após serem lançadas na França as ideias de Bodin, a monarquia é restaurada na Inglaterra, porém, ao fim do século XVII, o rei tem seu poderes limitados em função da Revolução Gloriosa, que deu azo ao advento do Bill of Rights. Inicia-se a construção de uma forma de governo moderado que teve em John Locke (1632-1704) atento observador. Locke pensava a sociedade política como resultado do consentimento dos seus participantes imaginados em esta-do de natureza, caracterizado este pela perfeita liberdade e perfeita igualdade, porém faltariam três importantes elementos aos homens nesse estado: leis que diferenciassem o meu do seu, juízes imparciais que decidissem eventuais lití-gios e uma força pública que restabelecesse os direitos quando considerados violados. Para alcançarem essas três coisas é que os homens aceitariam viver em sociedade, cedendo parcelas de seus direitos naturais (contrato social)9.

Com isso, tendo em vista a divisão do poder e o papel central desempe-nhado pelas liberdades civis a partir da adoção do Bill of Rights, caminhou-se para uma supremacia do Parlamento10 que passou a deter o monopólio legislati-vo, bem como a possibilidade de impedir que, sem sua autorização, o monarca impusesse tributos, convocasse e mantivesse o exército, tudo isso tendo como pano de fundo a proteção ao direito de propriedade11.

O modelo inglês ganha notoriedade como sendo o ideal para a configu-ração política da sociedade; então, no século XVIII, recebe um notório aprimo-ramento com a obra de Montesquieu (1689-1755). Estudando a Constituição Inglesa, mas somando-lhe novos contornos e escrevendo de forma abstrata o suficiente para que sua descrição de um modelo pudesse se tornar a proposta de uma forma ainda mais refinada de organização política, Montesquieu desenha a célebre tripartição dos poderes-funções em cada Estado: Legislativo, Executivo das coisas que dependem do direito das gentes (fazer a guerra e a paz, cuidar da segurança, prevenção de invasões) e o Executivo das coisas que dependem do direito civil (poder de julgar: punir criminosos e decidir querelas entre os particulares)12.

7 FIORAVANTI, Maurizio. Constitución: da la antiguedad a nuestros dias. Madrid: Trotta, 2001. p. 75.8 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Vale quanto pode: a força jurídica da Constituição como pressuposto

elementar do constitucionalismo atual. Revista de Direito Público, Brasília: Síntese/IDP, n. 14, out./dez. 2006.

9 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Op. cit., p. 41-2. 10 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit.11 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o governo: Livro II: Segundo Tratado. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Martins

Fontes, 2001. p. 510-13.12 LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 6-7.

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Nesse esteio, a liberdade foi o valor jurídico máximo que serviu como motor, como razão última de sua teoria da separação dos poderes13. Conse-quência disso foi o reforço da posição soberana do órgão incumbido de elabo-rar as leis (já que somente estas poderiam restringir a liberdade) e a criação da faculdade de impedir que os poderes têm uns em relação aos outros, justamente no sentido de dificultar o acordo e, portanto, a produção de leis. Cumpre ressal-tar que, a partir dessas faculdades de impedimento que possui cada poder com relação aos demais, criou-se a doutrina de limitação do poder pelo poder que ficou conhecida como checks and balances14.

O que interessa nesse momento é verificar que a tradição referida e que tem em Montesquieu um expoente pensa o poder como uma substância. Por isso discutiu-se tanto sobre o monopólio ou a divisão do poder, sobre quem detém o poder e sobre a probabilidade de aquele que detém o poder vir a dele abusar. Esse pensamento dominou o surgimento do que se convencionou cha-mar de constitucionalismo moderno, norteado pela intenção de limitar o poder por meio de sua divisão em funções, bem como pelo respeito às declarações de direitos que surgiram.

A crítica mais veemente que surgiu a essa corrente de pensamento foi trazida pela escola Marxista. Marx contesta as ideias liberais afirmando que o verdadeiro poder está nas mãos daqueles que têm o domínio das relações eco-nômicas. O poder econômico submeteria os indivíduos e os direitos declarados pelas Cartas liberais teriam valor apenas formal, uma vez que não podem se fa-zer valer face ao poderio econômico de uma minoria. Para a tradição marxista, portanto, o poder, ainda que se manifeste nas relações econômicas, pode ser considerado como uma substância: detém o poder aquele que domina as rela-ções econômicas, isto é, o poder resume-se ao poder econômico15.

Weber procurou evoluir relativamente à tradição marxista. Para ele, o poder não é uma substância, mas dá-se em uma relação. Aliás, o poder manifes-ta-se em quaisquer espécies de relações. Aron, referindo-se às ideias de Weber, afirmou que

o poder é definido simplesmente como a probabilidade de um ator impor sua vontade a outro, mesmo contra a resistência deste. Situa-se, portanto, dentro de uma relação social, e indica a situação de desigualdade que faz com que um dos atores possa impor sua vontade ao outro.16

13 LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ediciones Ariel, 1979. p. 55.14 MONTESQUIEU. O espírito das leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 170-173.15 MARX, Karl. A questão judaica. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/marx_questao_judaica.pdf>.

Acesso em: 26 jun. 2015. 16 ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 806.

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Em sentido semelhante, Foucault aduziu que o sistema do direito é com-pletamente centrado no rei, na eliminação de sua dominação, o que coincide com o pensamento referido acima, cujo expoente foi Montesquieu, no que tan-ge à limitação do poder. Além disso, ao afirmar que a soberania é o problema central do direito nas sociedades ocidentais, em verdade diz que a técnica do direito exerceu a função de dissolver o fato da dominação dentro do poder para fazer surgir direitos da soberania e sua obrigação legal de obediência17. O importante nesse itinerário, em especial nos contornos propostos por Weber e Foucault, é o fato de o poder surgir nas relações. São múltiplas as formas de dominação que podem se exercer nas sociedades, de forma que o poder ou a dominação não é exercida apenas pelo rei, mas pelos próprios súditos em suas relações recíprocas: “Não a soberania em seu edifício único, mas as múltiplas sujeições que existem e funcionam no interior do corpo social”18. Finalizando com Tercio Ferraz: “O poder é, na sociedade, uma qualidade imanente aos indivíduos”19.

Traçar brevemente esse itinerário pode ajudar a entender o contexto de Reale e permitirá a verificação de semelhanças entre algumas das ideias espo-sadas e o pensamento realeano. A ideia de poder que se manifesta nas relações, em diversos níveis e espécies de relações, parece permear as obras de Reale e iluminar algumas de suas principais noções que aqui serão analisadas: o plura-lismo jurídico e a teoria tridimensional do direito.

1 SOBERANIA, PODER E DIREITO EM REALE

Para entendermos o modo pelo qual Reale pensa o Direito, é imprescin-dível que entendamos o que é, de fato, para ele o tridimensionalismo jurídico e a dialética de implicação e polaridade. Ele afirma que a teoria tridimensional do direito surge a partir da filosofia da cultura, que surge como espécie de apri-moramento da filosofia dos valores, a qual, por sua vez, critica os excessos do formalismo ético de matriz kantiana.

Segundo Reale, Kant separa no mundo fenomenal o “mundo da liberda-de” (campo da ética) do “mundo da natureza” (campo da ciência) e afirma que somente se pode falar em experiência e, portanto, razão prática, no campo da ciência, isto é, no “mundo da natureza”. Dessa forma, segue Reale, Kant exclui a ética e, assim, o direito de qualquer forma teorética de experiência (histórica, por exemplo), colocando-os no plano dos imperativos da vontade pura20.

17 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2009. p. 179 e ss.18 FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 182.19 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2009. p. 17.20 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. São Paulo: Saraiva, p. 83 e ss.

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Percorrendo o itinerário que o fez chegar ao tridimensionalismo, Reale descobre em Radbruch e em Lask autores que perceberam que, não obstante o corte kantiano entre ser e dever-ser, havia também em Kant um conceito que os permitiria abordar e compreender o mundo histórico: o conceito de valor.

Segundo Radbruch21, na relação dual clássica de Kant entre sujeito e objeto, haverá sempre o elemento valor envolvido. Isso porque, no ato em que algo é conhecido, já se põe o valor daquilo que se conhece. O que se quer dizer é que o objeto torna-se objeto em função da intencionalidade da consciência e, nesta, na consciência, surge como objeto valioso. Dessa maneira, a própria filosofia dos valores trouxe a ideia de que entre realidade e valor haveria a cul-tura, que se caracterizaria por ser um complexo de realidades valiosas, como elemento de conexão.

Reale dirá, dessa forma, que todo bem de cultura (e o direito é um deles) é necessariamente tridimensional e só dessa forma pode ser enunciado: há um suporte natural ou real (Reale preferirá dizer ideal) que adquire significado e forma próprios, em razão de um valor de referência. Enuncia, assim, a tríade fato, valor e norma22.

Como afirma Reale, na relação cognoscente não é possível reduzir o su-jeito ao objeto e vice-versa; e, sendo contínua tal relação, disso resulta o caráter dialético do conhecimento. Assim, para ele, o conhecimento permanece sem-pre aberto a novas possibilidades e é, pois, de natureza relacional. Os termos dessa relação são irredutíveis, vista a impossibilidade de redução do sujeito ao objeto ou o contrário, de forma que Reale, fazendo tais observações, chega à dialética de implicação-polaridade, a qual não permite síntese definitiva, em razão da irredutibilidade mesma de seus termos (opostos).

Nessa dialética de implicação-polaridade, afirma Reale:

Há uma correlação permanente e progressiva entre dois ou mais termos, os quais não se podem compreender separados um dos outros, sendo, ao mesmo tempo, irredutíveis uns aos outros; tais elementos distintos ou opostos da relação, por outro lado, só têm plenitude de significado na unidade concreta da relação que constituem, enquanto se correlacionam e dessa unidade participam.23

A cultura aqui é o processo das sínteses progressivas e infinitas que o espírito segue realizando com base no seu entendimento da natureza. Assim, como para Reale a experiência jurídica é uma das modalidades da experiência

21 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 5 e ss.22 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. Op. cit., p. 83 e ss.23 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. Op. cit., p. 90.

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histórico-cultural, segue-se que está compreendida na implicação polar fato--valor, que se resolve em um processo normativo de natureza integrante.

Segundo Reale, as normas ou conjunto de normas correspondem, em dado momento histórico e sob circunstâncias específicas, à compreensão ope-racional da incidência de determinados valores a fatos diversos gerando, assim, a formação dos modelos jurídicos. A isso Reale denomina tridimensionalismo, ao qual se chega por um processo cognoscente de natureza dialética, tal como é a realidade: a dialética de implicação-polaridade.

Bem, se para Reale essas conclusões foram alcançadas com o suporte de uma filosofia da cultura, sendo a cultura um complexo de realidades valiosas, e observando que o processo de conhecimento e a própria realidade obedecem ao processo dialético descrito, não só o direito terá esta natureza tridimensional, mas também, por exemplo, a soberania. Por isso, Reale pode tratar o tema sobe-rania desdobrando-a conforme os vértices de seu tridimensionalismo.

Tratando-a de um ponto de vista genético ou histórico-social, afirma que a soberania é o poder que possui uma sociedade historicamente integralizada como Nação de se constituir em Estado, pondo-se como pessoa jurídica; por outro lado, do ponto de vista técnico-jurídico, a soberania seria o poder de uma Nação já constituída juridicamente, sendo o poder do Estado na forma do or-denamento jurídico objetivo, que é o grau máximo de positividade; e, por fim, sob o foco ético-político, soberania seria o meio indispensável à realização do bem-comum em toda convivência nacional24.

Cumpre alertar, com Bodin, que a soberania é una e indivisível. Reale aduz que tríplice é apenas a forma de conhecê-la. Dito isto, tem-se que, no primeiro momento, referido exerce-se o poder no plano fático-histórico-social e funda-se o Estado; depois, com o Estado constituído, tem-se o poder institucio-nalizado: enquanto a Constituição está em vigor, o poder do Estado não é força arbitrária, mas institucionalizada25. Esse poder jurídico não é arbitrário, para Reale, nem mesmo quando exercido excepcionalmente, o que foi radicalizado por Schmitt, quando afirmou que o Soberano é aquele que decide sobre o Es-tado de Exceção26; por fim, a soberania encontra sua dimensão teleológica, de instrumento para se buscar o bem-comum (valor).

Conclui-se, portanto, que a relação da soberania com o Poder e o Direito dá-se, para Reale, também de forma tridimensional. A depender do momento e forma como se dá a interferência do Poder Soberano.

24 REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 138 e ss.25 HAURIOU, Maurice. Principios de derecho público y constitucional. Granada: Comares, 2003.26 SCHMITT, Carl. Teologia política. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 7.

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2 PLURALISMO JURíDICO, DINÂMICA DA CORRELAÇÃO PODER E DIREITO E GRADAÇÃO DA POSITIVIDADE

Ao tratar de soberania popular e nacional, Reale afirma que o povo é uma construção, que o homem cívico, imaginado em dia das eleições, não existe. E reforça a ideia ao aduzir que o que há é o homem que trabalha: o agricultor, o comerciante, o operário etc. Havendo essa divisão funcional, Reale diz que a sociedade acaba por formar vários círculos de interesse e, neles, diversos gru-pos, associações, corporações, fatos, valores e normas também se relacionam27.

Segunda essa ideia, a sociedade vive e, dessa maneira, impede a estag-nação do Direito. O cerne desse raciocínio nos conduz à conclusão, almejada por Reale, segundo a qual a institucionalização do Poder, que se dá de forma jurídica, gera apenas um equilíbrio instável, pois é sempre uma conjugação de estabilidade e movimento: a norma resultante da interação entre fatos e valores de hoje implica novos fatos e valores amanhã e pode até mesmo vir a constituir--se fato novo que servirá de suporte para normas futuras28.

O cerne do pluralismo de Reale está na afirmação de que a existência desses círculos sociais autônomos gera pressões fático-axiológico-normativas, visto que, no interior de cada um desses círculos, normas são produzidas e, para tanto, necessária é a existência do poder que atuaria como elemento catalisador dos fatores da tríade. Este processo é o que Reale chama de tridimensionalismo dinâmico e ele dá origem ao pluralismo jurídico e à gradação de positividade, duas outras noções relevantes do pensamento de Miguel Reale, conforme se expõe a seguir.

A interação progressiva e contínua dos fatores da tríade de uma forma geral, bem como, em particular, no interior dos diversos círculos sociais de po-der, revela o pluralismo jurídico, isto é, ordens normativas parciais que regem relações no interior desses grupos e que tendem a pressionar a ordem jurídica total (expressão de Reale) para se positivarem em grau máximo.

Se, conforme se viu, para Reale não há como excluir do Direito o Poder29, sendo que este, o poder, atua, incide (relaciona-se) sobre os fatores da tríade também em esferas menos abrangentes, quer-se dizer, em diferentes círculos sociais, parece claro que para o nosso autor há poderes difusos na sociedade. Sendo assim, por óbvio, havendo ordens jurídicas parciais, há o que Reale de-nomina gradação de positividade.

27 REALE, Miguel. Obras políticas (1ª Fase – 1931/1937). Brasília: Editora UnB, 1983. p. 78 e ss. e 171 e ss.28 Anotações realizadas durante palestra proferida por Tércio Sampaio Ferraz Junior na Faculdade de Direito da

USP (2010). 29 No mesmo sentido: BOBBIO, Norberto. Direito e poder. São Paulo: Unesp, 2008; LAFER, Celso. Hobbes visto

por Bobbio. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 164, out./nov./dez. 1991.

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Essa formulação realeana é bastante interessante e complexa. Parte da filosofia da cultura, identificando o direito como objeto cultural, para construir sua teoria tridimensional do direito; depois, percebendo que a sociedade é mul-tifária e diversificada, percebe que ela própria se subdivide em variados círculos de interesse, os quais produzem normas jurídicas que regem suas respectivas re-lações, constatando, portanto, a existência de um pluralismo jurídico concreto e efetivo; por fim, por decorrência afirma a gradação da positividade, visto que o pluralismo jurídico existente, no qual tanto de forma geral, quanto na particula-ridade da cada círculo de interesse, os fatores da tríade relacionam-se e sofrem a interferência do poder, terminando por revelar níveis distintos de positividade.

Com essas constatações, Reale afirma que não se pode conceber a ordem jurídica como ordem estática (Kelsen, em sua dinâmica30), ou como resultado definitivo de um processo de adaptação, o que significaria perder o sentido íntimo do Direito e confundir a ordem jurídica substancial (da sociedade com-plexa) com a ordem jurídica formal. Neste ponto, resta claro que Reale afasta--se de Kelsen, cuja dinâmica não vai além da produção de normas por órgãos competentes para tal, segundo normas preexistentes do ordenamento estatal e hierarquicamente organizadas.

A gradação de positividade de Reale refere-se, pois, à conexão e relação entre dois fenômenos só aparentemente contraditórios: de um lado, a progressi-va autonomia de um número cada vez maior de círculos sociais em um país; e, de outro, a formação de um círculo social eminente (o ordenamento estatal), ao qual todos se referem e do qual todos recebem garantia31.

Como essa fragmentação proporcionada pelo pluralismo jurídico e pela noção de gradação de positividade pode vir a ser um fator de fragilização da or-dem jurídica estatal, Lafer afirma que a Soberania dever ser o centro geométrico da positividade, como seu grau máximo, controlando os demais círculos, isto é, recebendo, ou não, como direito as normas provenientes das ordens jurídicas parciais32. A positividade exige uma decisão e a positividade plena, ou máxima, uma decisão de última instância33.

3 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PODER. DESPERSONALIZAÇÃO E TRANSPERSONALIZAÇÃO – A REDUÇÃO DO QUANTUM DESPÓTICO

Para que a relação entre esses círculos parciais e a ordem jurídica total seja harmônica, de forma a conciliar estabilidade e mobilidade sociais, faz-se

30 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 2004.31 REALE, Miguel. Pluralismo e liberdade. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1998. p. 231 e ss.32 Anotações de palestra proferida na Faculdade de Direito da USP (2010).33 Neste ponto, Reale parece aproximar-se da concepção de Schmitt, segundo a qual o poder se manifesta por

meio de uma decisão, mesmo quando uma norma é aplicada.

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fundamental o processo de despersonalização do Poder. Essa despersonaliza-ção significa institucionalização do poder, de maneira que ele se apresente de modo menos opressor ou nu, permitindo a pluralidade jurídica da sociedade por meio da liberdade dos indivíduos.

Esse processo de despersonalização gera a redução do quantum despó-tico e favorece os processos de democratização do poder no Estado de Direito. A institucionalização do Poder faz com que o seu exercício decorra de impe-rativos legais e não de ordens subjetivas, ocorrendo, dessa forma, a jurisfação do Poder, sua despersonalização e, assim, abertura mais evidente aos interesses de grupo34.

Reale, no entanto, vai além da despersonalização e fala também em transpersonalização do poder. A relação histórica intrincada entre Poder e Di-reito é que proporciona que se passe da despersonalização à transpersonaliza-ção do Poder, esta sendo a associação do Poder a algumas ideias ou princípios que transcendem o poder dominante e geram maior coesão social e legitimação desse mesmo poder35.

Por isso, Reale conclui que o Poder tende a ser cada vez mais: (a) expres-são de uma ideia de direito, que se manifesta em pequenos círculos sociais, no seio dos Estados nacionais e até mesmo no plano internacional; (b) objetivo, despersonalizado e transpessoal; (c) expressão da integração progressiva dos círculos sociais, com garantia de campos autônomos de atuação para indiví-duos e grupos (o que se relaciona à ideia de liberdade no sentido negativo); (d) fundado no consentimento dos governados como expressão das liberdades que se compõem em unidade (o que se relaciona à ideia de liberdade no sen-tido positivo)36.

Pode-se concluir, portanto, que, para Reale, o poder está difundido na sociedade em geral e que tende a objetivar-se cada vez mais. Além disso, Reale afirma que há de ser garantido um campo livre para a atuação dos indivíduos e grupos e que o poder deve contar com o consentimento dos governados para angariar legitimidade. Esses dois últimos pontos demonstram que Reale per-cebeu a importância dos conceitos clássicos de liberdade, principalmente da correlação entre essas liberdades negativa e positiva para a análise do poder, da forma como ele se manifesta e de suas relações com o Direito em especial37.

34 REALE, Miguel. Pluralismo e liberdade. Op. cit., p. 234 e ss.35 REALE, Miguel. Pluralismo e liberdade. Op. cit., p. 241-242.36 REALE, Miguel. Pluralismo e liberdade. Op. cit., p. 242.37 BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade. In: Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios. São

Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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CONCLUSÃO

O texto procurou fixar as bases para que se possa dar início ao exame do pensamento de Reale acerca das correlações entre poder e direito. Procurou investigar o que Reale entende por poder, traçando uma breve evolução contex-tualizada. Dessa forma, viu-se que, para a teoria tridimensional, o poder parece atuar como um catalisador nas relações travadas na tríade fato-valor-norma. Por outro lado, em alguns momentos afirma a necessidade de uma decisão. Essa decisão seria a manifestação do poder que opta entre valores no sentido de objetivar um ou alguns deles em detrimento de outro ou outros valores.

Reale fez essa afirmação ao refutar a tese de Kelsen sobre a coincidência entre Direito e Estado, ou de que ambos seriam meras configurações normati-vas. Para Reale, há sempre o poder que decide em razão dos fins do ordena-mento38, sendo que este poder não é arbitrário, visto que está inserido em con-texto institucional específico39, todavia jamais pode ser reduzido simplesmente a uma norma.

Dessa maneira, quer se entenda o poder como uma relação, quer se ad-mita a interferência decisória do poder, especialmente no momento nomogené-tico, viu-se que a teoria tridimensional em sua modalidade dinâmica, acrescida da noção de dialética de implicação-polaridade e do pluralismo jurídico realea-no, todas essas propostas fornecem subsídios relevantes para análises renovadas do fenômeno jurídico em suas múltiplas manifestações e comprovam a impor-tância, profundidade e atualidade do pensamento de Reale.

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Parte Geral – Doutrina

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Diferenças e Semelhanças entre os Sistemas da Civil Law e da Common Law

ANA CAROLINA OLIVEIRAAdvogada, Mestranda em Direito e Políticas Públicas pelo UniCEUB, Professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da Faciplac, Pós‑Graduada em Contratos e Responsabilida‑de Civil no IDP – Instituto de Direito Público.

Submissão: 19.06.2014Decisão Editorial: 29.04.2015Comunicação ao autor: 29.04.2015

RESUMO: O presente estudo pretende traçar uma análise sobre as diferenças e semelhanças entre os sistemas da civil law e da common law. Assim, indaga‑se: a técnica do precedente da common law pode ser usada na civil law? Após a análise sobre as semelhanças e divergências entre esses dois modelos, concluiu‑se que a adoção de um sistema de precedentes no Direito brasileiro não decorre da cultura existente no país, mas apenas de uma importação de um instituto bem‑sucedido em um direito estrangeiro.

PALAVRAS‑CHAVE: Civil law; common law; divergências; precedentes.

ABSTRACT: This work intends to analyze the differences and similarities between the systems of civil law and the common law. Thus, it aims at showing possible answers to the following questions: can the rule of precedent be employed in the civil law. So, after analizing the similarities and differences between these two models, it was concluded that the adoption of the rule of precedent in Brazilian law does not arise from the culture in the country, but only from a introduction of a well succeeded common law’s institute.

KEYWORDS: Civil law; common law; differences; similarities.

SUMÁRIO: Considerações introdutórias; 1 As famílias da common law e romano‑germânica; 1.1 A família romano‑germânica; 1.2 A família da common law; 2 O precedente judicial nos sistemas de common law; 3 A formação do processo decisório no sistema da common law nos Estados Unidos; 4 A vinculação aos precedentes no Direito brasileiro; Conclusões; Referências.

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIASO presente estudo pretende traçar uma análise sobre as diferenças e se-

melhanças entre os sistemas da civil law e da common law. Nesse sentido, pretende discutir e analisar, apresentando possíveis respostas, às seguintes per-guntas: há tendência à aproximação desses sistemas? A técnica do precedente da common law pode ser usada na civil law?

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A busca por maior segurança nas decisões judiciais e a otimização des-tas, evitando-se o desnecessário exame de casos idênticos já anteriormente de-cididos e, consequentemente, por uma maior segurança jurídica em prol da sociedade, levou vários países a adotarem mecanismos com o objetivo de uni-formizar a jurisprudência1. Nas palavras de Jorge Amaury Nunes, percebe-se hoje, no cenário atual, uma crise nos ordenamentos jurídicos, em que inúmeros conflitos sociais deságuam no Judiciário2 e este se depara, cada dia mais, com mais conflitos, com mais processos.

Diante desse cenário, são levantados inúmeros fatores que acarretam a ausência da eficiência do Poder Judiciário, entre eles a corrupção no seio do Poder Judiciário, a má formação do bacharel em Direito, os inúmeros recursos e sua larga utilização com o intuito meramente protelatório, entre outros. Não se pretende analisar, nesse trabalho, esses fatores, mas sim o problema que eles geram: a insegurança jurídica e quais os mecanismos jurídicos podem ser utili-zados ou não para diminuí-la.

O sistema jurídico inglês, ao adotar a técnica dos precedentes ou da stare decisis, segundo a qual as decisões judiciais sempre serão baseadas em deci-sões anteriores de mesma natureza, possibilita que “os indivíduos e entidades podem se permitir melhor ordenar suas questões e negócios”3. Isso porque o uso dos precedentes permite uma maior previsibilidade na maneira pela qual uma controvérsia poderá ser decidida, oferecendo4, assim, uma garantia de certa segurança jurídica.

Nesse contexto, o presente estudo pretende averiguar se é possível a ado-ção do sistema de precedentes, originário do modelo da common law, no Direi-to brasileiro, no qual se adota o modelo do civil law, com o objetivo de garantir a segurança jurídica. Para tanto, essa análise se inicia com um breve histórico do sistema da common law e do civil law, suas origens, seus conceitos e sua aplicação nos dias de hoje. Após isso, passa-se ao estudo do sistema jurídico brasileiro, por meio de um breve histórico, para, ao final, identificar a possi-bilidade ou não da adoção do sistema dos precedentes no Direito brasileiro e extrair algumas conclusões e outros questionamentos.

1 AS FAMíLIAS DA COMMON LAW E ROMANO-GERMÂNICAA partir de um estudo de direito comparado, René David propõe-se a

fornecer uma obra que analisa os diversos direitos de cada Estado. Assim, para facilitar seu estudo, o autor agrupa esses direitos em famílias, sobre as quais ex-

1 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 93.

2 NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 05.3 Apud NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 121.4 Apud NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 121.

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plica que “não há concordância sobre o modo de efetuar este agrupamento, e sobre quais as famílias de direitos se deve, por conseguinte, conhecer”5. Assim, para ele, o agrupamento dos direitos em família é o meio próprio para facilitar, reduzindo-os a um número restrito de tipos, para facilitar sua compreensão e apresentação6.

Com base nesse estudo, René David trata da família romano-germânica, da família da common law e da família dos direitos socialistas. Importante res-saltar, como o próprio autor destaca, que essas famílias são refletem toda a rea-lidade do mundo contemporâneo, mas servem para apresentar um quadro com as principais regras, características e significados7.

Nesse ponto, nesse estudo serão apenas analisadas as famílias romano--germânicas e a da common law, já que estão relacionadas com o presente tema.

1.1 A fAmílIA romAno-germânIcA

A família romano-germânica agrupa os países que tiveram a ciência do direito concebida sobre a base do direito romano, tendo seu berço na Europa8. Essa família se caracteriza pelo fato de suas regras de direito serem concebidas como regras de conduta, ligadas a preocupações morais e de justiça, além de elaborarem seus direitos visando à regulação das relações entre os cidadãos9.

Embora a família romano-germânica tenha conquistado vastos territórios, vários desses países receberam o direito europeu de forma parcial, já que exis-tia, antes dessa recepção, uma civilização autóctone, que comportava certas concepções de agir e viver e certas instituições. Logo, esses países criaram um novo direito em relação àqueles que constituem a sua aplicação na Europa, pois mantiveram seus princípios tradicionais10. É possível afirmar que os países que foram colonizados por países tipicamente da família romano-germânica adotam suas principais ideias e fundamentos, mas com algumas ressalvas devidas aos seus contextos históricos.

Entre esses países que sofreram essa recepção parcial das normas do di-reito romano-germânico pode-se citar o caso brasileiro, uma vez que este so-freu colonização portuguesa. Explica René David que “as colônias espanholas, portuguesas, francesas e holandesas da América aceitaram de modo natural as

5 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 2. ed. Lisboa: Meridiano, 1978. p. 22.6 DAVID, René. Op. cit., p. 22.7 DAVID, René. Op. cit., p. 22.8 DAVID, René. Op. cit., p. 23.9 DAVID, René. Op. cit., p. 23.10 DAVID, René. Op. cit., p. 24.

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concepções jurídicas típicas da família romano-germânica”11. Nesse ponto, o próprio autor reconhece que a questão que se levanta “é somente a de saber em que medida as condições próprias da América, muito diferentes das do meio europeu, podem conduzir” a uma certa originalidade em relação aos direitos europeus da família romano-germânica12.

Verifica-se que os brasileiros da primeira geração de legisladores e juris-tas são fruto da ideia portuguesa de compilar as regras jurídicas em uma espécie de codificação para reformular o ensino do direito pátrio13. Isso porque esses operadores do direito foram socializados em Coimbra. Neste ambiente, como explica José Reinaldo Lima Lopes, “os primeiros cursos jurídicos brasileiros, de cuja criação participam homens que estudaram na Coimbra reformada, refletem esta reserva oitocentista ao direito romano”14. Tem-se, assim, a nítida influência que o Direito brasileiro recebeu da família romano-germânica.

Também explica Lenio Luiz Streck que, no ordenamento jurídico brasi-leiro, filiado ao sistema romano-germânico, ocorreu um movimento similar ao ordenamento jurídico da França e da Alemanha, que pretendiam construir o Direito baseado no code. Portanto, no Direito brasileiro, a rigor, a fonte primor-dial é a lei15. Assim, em Roma, berço da família romano-germânica, adotou-se como fonte do direito uma série de textos que abrangiam tanto legislação como doutrina16. Nesse sistema, “quem determinava o direito era um poder superior, que manifestava sua vontade pela positivação das normas de conduta”17. Por isso a família romano-germânica é caracterizada pela ideia de direito codifica-do, positivado.

Não restam dúvidas de que o Direito brasileiro sofreu influência direta e inicial dos direitos europeus da família romano-germânica, o que justifica, mais uma vez, a análise sobre a aplicabilidade de um instituto típico do direito inglês, o sistema de precedentes, no Direito brasileiro, de origem romano-germânica.

1.2 A fAmílIA dA common lAw

Já a família que comporta o direito inglês é a conhecida família da com-mon law. Nesse ponto, importante trazer a ressalva feita por José Rogério Cruz e Tucci de que o sistema da common law abrange as estruturas judiciárias da

11 DAVID, René. Op. cit., p. 77.12 DAVID, René. Op. cit., p. 77.13 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

p. 216/217.14 LOPES, José Reinaldo de Lima. Op. cit., p. 217.15 STRECK, Op. cit., p. 77/78. 16 SABINO, Marco Antonio da Costa. O precedente jurisdicional vinculante e sua força no Brasil. Revista

Dialética de Direito Processual Civil, n. 85, p. 53, abr. 2010, fls. 51/72.17 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., fls. 51/72.

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Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia, que, embora possuam peculiaridades em razão de vicissitudes históricas, todas elas são baseadas no direito casuístico, ou case law18. Assim, a common law tem como principal fon-te do direito os costumes, firmados pelos precedentes dos tribunais.

Nas palavras de Jorge Amaury Nunes, o direito inglês, marcado pelo sis-tema da common law, é caracterizado pelo fato de que, na ausência de norma escrita, os juízes tinham que formular uma decisão para o caso concreto19. As-sim, diferentemente da família romano-germânica, na Inglaterra, a fonte princi-pal do direito eram os costumes observados pela sociedade e a conduta social era regulada pela razão, ou por aquilo que os membros da sociedade entendiam como correto20.

Esse sistema teve sua formação entre os anos de 1066 e 1485, tendo início com a conquista normanda em 1066, pois levou para a Inglaterra um “poder forte, centralizado, rico de uma experiência administrativa posta à prova no ducado da Normandia”21. Assim, tem-se início o sistema feudal na Inglaterra.

É o feudalismo inglês de caráter militar, organizado, que vai permitir, por oposição ao continente europeu, o desenvolvimento da common law22. Surge, assim, o sistema da common law, ou direito comum, para fazer oposição aos costumes locais frutos do feudalismo23.

Embora os primeiros juízes da common law tenham aplicado regras de origem germânica – princípios que serviram de alicerce ao sistema jurídico in-glês24 –, verifica-se que “o sistema da common law, desde sua formatação ini-cial, era considerado tão adequado às necessidades e estava tão bem inserido na realidade social do seu tempo”25. Assim, José Rogério Cruz e Tucci explica que a “unidade jurídica, a configuração geográfica, a centralização judiciária e a homogeneidade da classe forense justificam a recepção falhada das fontes do direito romano-germânico na Inglaterra”26.

Além disso, observa Tucci que, na obra dos primeiros comentaristas da common law, já havia nítida preocupação com o problema dos julgamen-tos contraditórios, surgindo estudos sobre a importância de ater-se, na deci-

18 TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito processual civil europeu contemporâneo. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (Coord.). São Paulo: Lex Editora, 2010. p. 215.

19 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 120.20 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., fls. 51/72.21 DAVID, René. Op. cit., p. 358.22 DAVID, René. Op. cit., p. 358.23 DAVID, René. Op. cit., p. 358.24 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. São Paulo: RT, 2004, p. 152.25 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 150.26 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 151.

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são de casos similares, àqueles que já tinham sido antes decididos27. Por isso, destaca René David que “a common law foi criada pelos Tribunais Reais de Westminster”28, sendo, portanto, um direito jurisprudencial.

Esse direito jurisprudencial adquiriu uma autoridade diferente daquela obtida no continente europeu, já que “as regras que as decisões judiciárias es-tabeleceram devem ser seguidas, sob pena de destruírem toda a certeza”29 e comprometerem a lógica do sistema da common law.

Dessa forma, verifica-se que, desde sua formação, a common law mos-trou natural vocação para ser um sistema de case law, pois, embora ainda não houvesse um efeito vinculante ao precedente, os operadores do direito inglês já ressaltavam a relevância dos julgados e a importância de que tais decisões deviam ser seguidas para conferir certeza e continuidade ao direito30. Logo, nas lições de Jorge Amaury Nunes, desde o seu início, o sistema da common law foi orientado pelo brocado stare decisis et non quieta movere, isto é, “a formação da decisão judicial com arrimo em precedente de mesma natureza, eventual-mente existente”31.

2 O PRECEDENTE JUDICIAL NOS SISTEMAS DE COMMON LAWEmbora se tenha falado anteriormente na ligação direta entre o sistema

da common law com o sistema de precedentes, eles não se confundem. Ao se mencionar o sistema da common law, estar-se-á se referindo ao modelo de direito inglês, caracterizado por possuir como principal fonte os costumes, nas-cido como forma de oposição ao poder dos feudos pelos Reis ingleses.

Já o sistema do stare decisis refere-se ao modo de operacionalizar o siste-ma da common law, conferindo certeza a essa prática. É o denominado sistema de precedentes, que surgiu apenas no século XVI32. Assim, a teoria do stare decisis et non quieta movere, que significa literalmente mantenha-se a decisão e não mexa no que está quieto, está relacionada à ideia de que os juízes estão vinculados às decisões do passado, ou seja, aos precedentes33.

Explica René David que essa ideia do direito jurisprudencial de respei-tar os precedentes lógicos nem sempre possuiu o mesmo grau de certeza e de segurança, já que somente após a primeira metade do século XIX a regra do

27 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 153.28 DAVID, René. Op. cit., p. 428.29 DAVID, René. Op. cit., p. 428.30 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 154.31 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 121.32 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 61, fls. 51/72.33 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no direito

comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 162.

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precedente se estabeleceu rigorosamente, impondo aos juízes ingleses o re-curso às regras criadas pelos seus predecessores34. Tal efeito vinculante restou reconhecido no julgamento do caso Beamisch v. Beamisch, em 1861, condu-zido pelo Lord Campbell. Nesse caso restou determinado que a House of Lords estaria obrigada a acatar a sua própria autoridade proclamada nos julgamentos, em que:

O direito declarado na ratio decidendi, sendo claramente vinculante para todas as Cortes inferiores e todos os súditos do reino, se não fosse considerado igual-mente vinculante para os Law Lords, a House of Lords se arrogaria o poder de alterar o direito e legiferar com autônoma autoridade.35

Percebe-se, então, que a teoria dos precedentes tem origem no costume, antiga base do sistema da common law36. Assim, o sistema da common law não se confunde com o sistema de precedentes, já que este é elemento que agregou operacionalização ao sistema da common law, conferindo certeza a essa prática.

Ademais, é importante ainda destacar que, além da força obrigatória do precedente (binding precedent), o sistema da common law também possuiu uma hierarquia funcional muito bem articulada37. Dessa forma, “o efeito vincu-lante das decisões já proferidas encontra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere”38. Nesse sentido, as decisões vinculam a própria Corte que a profere (eficácia interna), assim como todos os órgãos inferiores (eficácia externa).

Nesse sistema, pela técnica do precedente obrigatório, é, portanto, ne-cessário que a Corte ou o juiz, ao decidir um caso concreto, fundamente sua de-cisão em uma decisão anterior ou em uma jurisprudência de tribunal superior39.

Nesse ponto, importante esclarecer qual a parte do precedente realmente vincula, pois afirmar que precedente vincula, na verdade, é dizer pouco40. Para tanto, devem ser separadas duas partes fundamentais de uma decisão judicial: a ratio decidendi (ou razões de decidir) e a obter dictum (ou dito para morrer, literalmente).

34 DAVID, René. Op. cit., p. 428.35 Tucci, p. 220, apud.36 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 60, fls. 51/72.37 TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito processual civil europeu contemporâneo. Op. cit., p. 223.38 TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito processual civil europeu contemporâneo. Op. cit., p. 223.39 TUCCI, José Rogério Cruz e. Direito processual civil europeu contemporâneo. Op. cit., p. 223.40 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 168.

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Grande parte da doutrina brasileira e estrangeira que se dedicou a es-crever sobre o tema é unânime em afirmar que apenas a ratio decidendi vin-cula, pois as questões de fato não se constituem em precedentes41. Entretanto, Gustavo Nogueira ressalta que “encontrar a ratio decidendi em um precedente não é tarefa nada fácil”42. Para fins desse estudo, para não prolongar as posições da doutrina sobre o conceito de ratio decidendi, considera-se ratio decidendi a regra ou proposição sem a qual o caso seria decidido de forma diversa, enquan-to obter dictum seria tudo o que não está contido na ratio decidendi43.

Para melhor análise sobre a utilização do sistema de precedentes no di-reito inglês, importante trazer à baila as principais regras sobre a aplicação dos precedentes no sistema da common law: overruling e distinguishing.

Pela técnica do distinguishing, o juiz deve aproximar elementos objeti-vos dos casos que serviram como precedentes potencialmente e o caso em que pretende utilizá-los. Tal técnica permite ao juiz averiguar se o dado precedente pode ser utilizado no caso concreto a ser analisado44. Assim, de acordo com essa técnica, há uma valorização da ratio decidendi do procedente, que servirá para permitir sua aplicação ao caso concreto, caso existam semelhanças que justifiquem sua aplicação.

Já a técnica do overruling permite a atualização do precedente, pois o precedente que se mostrar ultrapassado com os fatos da sociedade ou equivo-cado pode ser substituído (overruling) por um novo precedente45. Assim, “fazer o overruling significa que o tribunal claramente sinaliza o fim da aplicação de uma regra de direito estabelecida pelo precedente”46 e a substitui.

Nos Estados Unidos, por razões lógicas em decorrência da colonização inglesa, o sistema de precedentes adotado é muito semelhante ao modelo in-glês. As decisões proferidas pelo mesmo órgão ou por órgão ao qual o Magis-trado é ligado vinculam seus julgados, mas com uma importante exceção47. A Suprema Corte Federal e as Cortes Supremas Estaduais não estão vinculadas às suas próprias decisões, o que permite a esses tribunais reverem suas posições que se tornaram defasadas, por meio da técnica denominada overruling48.

41 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 168.42 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 169.43 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 170.44 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 65, fls. 51/72.45 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 65, fls. 51/72.46 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 179.47 RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2010. p. 66.48 RAMIRES, Maurício. Op. cit., p. 66.

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Assim, ressalta, José Rogério Cruz e Tucci que a estrutura constitucional assentada no federalismo e na rígida divisão de poderes acarretou profundas diferenças com o sistema inglês49. Isso porque “os Estados Unidos se compõem uma federação, o que demanda uma rede judiciária extremamente intricada, à maneira como se formou o Judiciário brasileiro”50. Nesse país há uma forte dicotomia entre a justiça dos Estados e a justiça federal, onde cada estado conta com uma estrutura judiciária independente51.

No sistema judiciário norte-americano, o precedente sempre se forma nos tribunais, seja dos estados, seja da federação, e cada precedente é sempre formado por uma decisão majoritária do referido tribunal. Se não houver deci-são da maioria, tem-se apenas um precedente persuasivo e não vinculante52. Além disso, o precedente apenas vincula a própria Corte que o formulou e os órgãos hierarquicamente subordinados a ela, já que o precedente sempre se formará nas Cortes de segunda instância. O único precedente que vincula todas as Cortes, em todas as instâncias inferiores, é o da Suprema Corte, por constituir a Corte mais alta do país53.

Logo, nos Estados Unidos, as fontes do direito não são apenas as regras herdadas da common law, mas também a Constituição, as leis federais e esta-duais54. Além disso, como se verifica, os tribunais norte-americanos aplicam com menor rigidez a regra do binding precedent, pois eles, inclusive a própria Suprema Corte, reveem seus precedentes quando manifestamente equivocados ou ultrapassados55. Assim, observa-se uma flexibilização das regras adotadas no direito inglês pelo sistema norte-americano.

Interessante observar que o sistema norte-americano “é mais aberto à revisão dos precedentes”, pois o juiz pode optar por não aplicar um prece-dente, “o que facilita as mudanças inerentes à evolução da sociedade”56. Por outro lado, o sistema inglês é muito mais rígido, não havendo essa opção ao juiz de escolher se aplica ou não um precedente, uma vez que “stare decisis na Inglaterra é tão conservador que há notícias de aplicação de precedentes de quatrocentos anos”57.

Dessa breve análise, já é possível averiguar que o sistema de precedentes realmente confere uma maior previsibilidade e estabilidade ao direito e uma

49 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 166, 165.50 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 64, fls. 51/72.51 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 64, fls. 51/72.52 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 64, fls. 51/72.53 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 64, fls. 51/72.54 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 166.55 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 167.56 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 65, fls. 51/72.57 Apud SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 65, fls. 51/72.

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maior segurança jurídica à sociedade58. Diante disso, indaga-se: seria possível a aplicação desse sistema de precedentes, já que confere segurança e estabilidade ao Direito brasileiro?

3 A FORMAÇÃO DO PROCESSO DECISÓRIO NO SISTEMA DA COMMON LAW NOS ESTADOS UNIDOSExplica Benjamin Cardozo, em sua análise sobre a construção do direito

pelo juiz, que é preciso distinguir entre elementos conscientes e subconscientes que estão presentes na formação da decisão pelo juiz59. Assim, segundo ele, os elementos subconscientes são “as forças colocadas abaixo da superfície” que impulsionam continuamente o juiz, como institutos herdados, crenças tradi-cionais, convicções adquiridas, que resulta em uma noção de vida, em uma concepção das necessidades sociais, além de possibilitar que as decisões do juiz estejam sempre coerentes consigo mesmo e incoerentes com a dos outros juízes60.

Por conseguinte, tendo em vista que as fontes do direito norte-americano é a lei e a jurisprudência, os costumes, Cardozo explica que, diante do silêncio da lei, que é a denominada “região do mistério”, o juiz dirige sua atenção à common law61. Nesse ponto, então, o juiz compara o presente caso com os precedentes judiciários acumulados em sua memória.

Diante desse cenário, explica Cardozo que o problema enfrentado pelo juiz tem um duplo problema: primeiro, ele tem a tarefa de extrair do precedente a ratio decidendi e, depois, determinar o sentido ou a direção em que este prin-cípio deverá mover-se desenvolver-se62.

Observa-se, assim, que a tarefa de decidir as causas de acordo com os precedentes judiciários é um processo semelhante ao de decidir consoante a lei.

4 A VINCULAÇÃO AOS PRECEDENTES NO DIREITO BRASILEIROApós a breve análise sobre o funcionamento e a estrutura do stare decisis,

esse tópico procura analisar a possibilidade de sua aplicação no Direito brasi-leiro. Historicamente no Brasil a jurisprudência não tinha senão uma autoridade doutrinária e moral, já que a Constituição de 1824, em seu art. 72, e a Consti-tuição de 1891, “já determinava que ninguém estava obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, e o Poder Judiciário, no Brasil, nunca teve função legislativa63. E, somente em 1926, o Supremo Tribunal Fede-

58 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 65, fls. 51/72.59 CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo e a evolução do direito. 4ª Conferência – Adesão ao precedente.

O elemento subconsciente no processo judicial. São Paulo: Nacional de Direito, 1956. p. 02.60 CARDOZO, Benjamin. Op. cit., p. 03.61 CARDOZO, Benjamin. Op. cit., p. 06.62 CARDOZO, Benjamin. Op. cit., p. 12.63 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 80.

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ral passou a ter função unificadora, relativamente à jurisprudência nacional, por meio do recurso extraordinário64.

Como observa Jorge Amaury Nunes, “nos ordenamentos de civil law (es-pecialmente no caso brasileiro), a compreensão do fenômeno relativo à decisão judicial vinculante voltou à ordem do dia”, a partir da edição da Emenda Cons-titucional nº 3, que instituiu a ação declaratória de inconstitucionalidade e o efeito vinculante de suas decisões65.

Nesse sentido, entende Bruno Periolo Odahara que, observando o caso do Direito brasileiro, verifica-se que “uma série de medidas vem sendo tomadas nos últimos anos nas reformas processuais e constitucionais com vistas a uma uniformização do entendimento jurisprudencial”66, como se verifica no dispos-to no art. 475, § 3º, do Código de Processo Civil67, e também no art. 103-A da Constituição de 198868. É possível ainda citar outros dispositivos que podem se aproximar do sistema de precedentes: tem-se o art. 105 da Constituição de 198869, que estipulou a missão do STJ de uniformizar a jurisprudência sobre aplicação da lei federal; o art. 557 do CPC70, o art. 285-A do CPC71, o art. 518, § 1º, do CPC72 e outros.

Entre esses exemplos, os dispositivos do Direito brasileiro que mais se aproximam do sistema de precedentes do direito inglês é a súmula vinculante,

64 STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 82.65 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 105.66 ODAHARA, Bruno Periolo. Um rápido olhar sobre o stare decisis. Processos coletivos, Porto Alegre, v. 2,

n. 03, p. 72, 1º jul. 2011.67 “Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo

tribunal, a sentença: [...] § 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.”

68 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 154.69 “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] III – julgar, em recurso especial, as causas decididas,

em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”

70 “Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. § 1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. § 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. § 2º Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.”

71 “Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.”

72 “Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder. § 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.”

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prevista no art. 103-A da Constituição de 1988, e o efeito vinculante atribuído às ações direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucio-nalidade73.

Diferentemente das ações direta de inconstitucionalidade e declarató-ria de constitucionalidade, nas súmulas vinculantes “não se estará diante do mesmo tipo de processo objetivo”74, pois não se terá um processo subjetivo, entre partes, nem um processo objetivo nos moldes do controle concentrado. O procedimento para edição das súmulas vinculantes possui alguns requisitos: a) a legitimidade para propor o debate sobre a súmula; b) necessidade de haver reiteradas decisões sobre matéria constitucional; c) controvérsia atual entre os órgão do judiciário ou entre estes e a Administração Pública; e d) a edição das súmulas tem por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas de-terminadas75.

Ainda sobre o caráter vinculante das súmulas vinculantes, elas obrigam todos os demais órgãos do Poder Judiciário, exceto o Supremo Tribunal Fede-ral, além de vincular o Poder Legislativo e a Administração Pública. A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que criou a súmula vinculante76, ainda previu a possibilidade de revisão ou cancelamento da súmula, para evitar o possível engessamento ou estagnação do direito. Esses institutos se aproximam das téc-nicas do overruling e do distinguishing, que também permitem a atualização do precedente.

Além do disposto na Constituição, o Direito brasileiro ainda possui me-canismo processual de uniformização da jurisprudência, previsto nos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil. Segundo José Rogério Tucci, esse mecanismo não é um recurso, mas sim um incidente processual “suscitável por qualquer juiz da turma julgadora ou por um dos litigantes”77. O objetivo desse incidente é “provocar o prévio pronunciamento do tribunal de segundo ou superior grau acerca da interpretação de determinada tese ou norma jurídica”78, se houver divergência com relação a ela.

Entretanto, anota Tucci que esse incidente não é muito utilizado pelos tribunais regionais federais e estaduais, já que eles se submetem às decisões, mesmo sumuladas, proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tri-bunal Federal79. Isso porque, no modelo brasileiro, “os precedentes sumulados gozam de vigorosa força persuasiva80.

73 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 137.74 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 144.75 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 146/147.76 NUNES, Jorge Amaury Maia. Op. cit., p. 153.77 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 259.78 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 259.79 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 259.80 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 259.

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Outro mecanismo do Direito brasileiro é o previsto no art. 557, § 1º-A, do CPC, que dispõe se “a decisão recorrida estiver em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de tribunal su-perior, o relator poderá dar provimento ao recurso”. Observa Tucci que, diante desse dispositivo, os efeitos vinculantes dos precedentes chegam até a autorizar que a decisão monocrática substitua o tradicional julgamento colegiado de se-gundo grau81.

Nesse sentido, Sérgio Bermudes ainda entende que o art. 557, § 1º-A, do CPC é mais uma avanço da legislação brasileira no sentido de tornar efetiva a jurisprudência82.

Todos esses exemplos permitem a existência de sistema de vinculação a decisões já proferidas por outros órgãos ou no passado, tal como se verificou no direito inglês, por meio do sistema dos precedentes. Entretanto, observa-se que a adoção de tais mecanismos não possibilita a conclusão de que o Direito brasileiro adota o sistema dos precedentes. Explica Bruno Periolo Odahara que há duas distinções muito claras entre as concepções típicas da common law e sua aplicação no Direito brasileiro.

Primeiramente, no Brasil, a formação de jurisprudência ou das súmulas depende de decisões reiteradas sobre mesmo assunto, enquanto que a forma-ção de um precedente no direito inglês depende apenas de uma única decisão judicial. E, segundo, porque a vinculação das decisões no Direito brasileiro é exercido quase que de forma exclusivamente vertical, enquanto que no sistema da common law essa vinculação ocorre também no campo horizontal83.

Outro aspecto que merece destaque para distinguir o sistema adotado no direito inglês do ordenamento jurídico brasileiro diz respeito às fontes do direi-to. Na Inglaterra, os costumes foram as principais fontes do direito, daí por que o direito inglês é denominado como consuetudinário84. Já no Direito brasileiro, que recepcionou grande parte dos institutos do modelo da civil law, as leis fo-ram e ainda são as principais fontes do direito85. Assim, no Brasil, os costumes funcionam apenas como fonte supletivas para suprir lacunas na lei86.

Dessa análise já se verifica outra diferença substancial entre o sistema de precedentes inglês e o direito sumular brasileiro. No direito inglês, tipica-mente consuetudinário, as normas positivas que determinam a vinculação a um

81 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. Op. cit., p. 262.82 BERMUDES, Sérgio. Op. cit., p. 115.83 ODAHARA, Bruno Periolo. Op. cit., p. 73.84 SABINO, Marco Antonio da Costa. Op. cit., p. 54, fls. 51/72.85 ODAHARA, Bruno Periolo. Op. cit., p. 54.86 Nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Quando a lei for omissa, o juiz

decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

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precedente decorrem do próprio sistema da common law, pois são os próprios precedentes que determinam sua vinculação.

Já no Direito brasileiro, país originário do sistema romano-germânico, só se admitiu a existência de súmulas vinculantes após a positivação desse instituto em normas escritas, como na Constituição e em leis federais. Assim, a adoção de um sistema de precedentes no Direito brasileiro não decorre da cultura exis-tente no país, mas apenas de uma importação de um instituto bem-sucedido em um direito estrangeiro.

Nesse sentido, Gustavo Santana Nogueira afirma que “jamais tivemos uma cultura que valorizasse os precedentes”87. Segundo o autor, tal prática se inicia nas faculdades de Direito, onde se ensinam e se estudam as regras do direito positivado, e não como tal direito é visto pelos tribunais, e ainda indaga: “Se nem mesmo os tribunais respeitam os seus precedentes, por que as univer-sidades fariam o estudo de algo que muda constantemente?”88

Nessas palavras o autor resume a realidade do Direito brasileiro que, em-bora possua inúmeras regras jurídicas que buscam a uniformidade das decisões, bem como sua segurança e previsibilidade; os próprios tribunais não conse-guem compreender o fenômeno da vinculação aos precedentes, seja por meio das regras positivadas pelo Direito brasileiro, seja pela ausência de observação das suas próprias decisões89.

Por outro lado, Sergio Bermudes entende que a instituição da súmula vinculante por meio do art. 103-A da Constituição Federal de 1988 buscou re-solver, em parte, o gravíssimo problema dos reiterados desafios à jurisprudência assente de um tribunal por julgamento e recursos contrários a ela90. O autor ain-da observou que a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que institui a súmula vinculante, foi prudente ao criar um alcance limitado.

Outro problema que dificulta a adoção do sistema de precedentes no Direito brasileiro está relacionado ao papel desempenhado pelos juízes. Na Inglaterra, os juízes sempre foram vistos como verdadeiros criados do direito91. Já no Brasil, por muito tempo e até os dias atuais, o papel de criação pelo juiz é visto com muitas críticas pela doutrina, embora hoje existam mais estudos que tratam do papel criador desempenhado pelos juízes.

Apenas para ilustrar, pois esse tema é muito polêmico e permite inúme-ros desdobramentos que podem comprometer o objeto de estudo desse traba-

87 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 219.88 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 220.89 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 220.90 BERMUDES, Sérgio. Op. cit., p. 115.91 ODAHARA, Bruno Periolo. Op. cit., p. 57.

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lho, a primeira crítica que se faz ao fato de o juiz ser criador do direito é pela falta de legitimidade de suas decisões, pois viola o princípio democrático92. Além disso, a atuação positiva do juiz também violaria o princípio da separação dos poderes; assim, o Judiciário, ao inovar no ordenamento jurídico, estaria se desviando de sua finalidade institucional.

Pois bem, embora esse tema possa ser muito mais discutido, tais argu-mentos permitem observar que o tema da atividade de criação desempenhada pelo juiz no Direito brasileiro é muito controverso e não há um consenso entre doutrinadores.

Gustavo Santana Nogueira ainda apresenta outro ponto que dificulta a busca pela segurança jurídica no Direito brasileiro: a mudança da composição dos membros dos tribunais superiores, especificamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal93. Como visto, no direito inglês e no direito norte-americano, sequer os doutrinadores tocam nesse assunto, já que as possibilidades existentes nesses sistemas jurídicos para alteração, atualização e superação de um precedente são exceções e raramente ocorrem.

CONCLUSÕES

1. A busca de maior segurança nas decisões judiciais e a otimização destas, evitando-se o desnecessário exame de casos idênticos já anteriormente decididos e, consequentemente, por uma maior segurança jurídica em prol da sociedade, levou vários países a adotarem mecanismos com o objetivo de uni-formizar a jurisprudência.

2. Para solucionar esse problema no ordenamento jurídico brasileiro, seria possível adoção do sistema de precedentes, originário do modelo do common law, no Direito brasileiro, no qual se adota o modelo do civil law, com o objetivo de garantir a segurança jurídica?

3. Para iniciar esse estudo, dividiu-se o estudo do Direito com base nas família romano-germânica, na da common law e na da civil law. A família romano-germânica agrupa os países que tiveram a ciência do direito conce-bida sobre a base do direito romano, tendo seu berço na Europa. Essa família caracteriza-se pelo fato de suas regras de direito serem concebidas como regras de conduta, ligadas a preocupações morais e de justiça, além de elaborarem seus direitos visando à regulação das relações entre os cidadãos.

4. O ordenamento jurídico brasileiro, filiado ao sistema romano-germâ-nico, devido à colonização portuguesa, sofreu um movimento similar ao orde-

92 ODAHARA, Bruno Periolo. Op. cit., p. 57.93 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Op. cit., p. 220.

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namento jurídico da França e da Alemanha, que pretendiam construir o Direito baseado no code. Portanto, no Direito brasileiro, a rigor, a fonte primordial é a lei.

6. Já a família da common law, típica do direito inglês, tem como princi-pal fonte do direito os costumes, firmados pelos precedentes dos tribunais e ca-racterizado pelo fato de que, na ausência de norma escrita, os juízes tinham que formular uma decisão para o caso concreto. Assim, diferentemente da família romano-germânica, na Inglaterra, a fonte principal do direito eram os costumes observados pela sociedade e a conduta social era regulada pela razão, ou por aquilo que os membros da sociedade entendiam como correto.

7. O sistema da common law foi orientado pelo brocado stare decisis et non quieta movere, que significa literalmente mantenha-se a decisão e não mexa no que está quieto, está relacionada à ideia de que os juízes estão vincu-lados às decisões do passado, ou seja, aos precedentes.

8. O sistema da common law também possuiu uma hierarquia funcional muito bem articulada, em que o efeito vinculante das decisões já proferidas en-contra-se condicionado à posição hierárquica do tribunal que as profere. Nesse sentido, as decisões vinculam a própria Corte que a profere (eficácia interna), assim como todos os órgãos inferiores (eficácia externa).

9. Nos Estados Unidos, por razões lógicas em decorrência da coloniza-ção inglesa, o sistema de precedentes adotado é muito semelhante ao modelo inglês. As decisões proferidas pelo mesmo órgão ou por órgão ao qual o Ma-gistrado é ligado vinculam seus julgados, mas com uma importante exceção. A Suprema Corte Federal e as Cortes Supremas Estaduais não estão vinculadas às suas próprias decisões, o que permite a esses tribunais reverem suas posições que se tornaram defasadas, por meio da técnica denominada overruling.

10. No caso do Direito brasileiro, verifica-se que uma série de medidas vem sendo tomadas nos últimos anos nas reformas processuais e constitucio-nais com vistas a uma uniformização do entendimento jurisprudencial, como se verifica no disposto no art. 475, § 3º, do Código de Processo Civil, e também no art. 103-A da Constituição de 1988. É possível ainda citar outros dispositi-vos que podem se aproximar do sistema de precedentes: tem-se o art. 105 da Constituição de 1988, que estipulou a missão do STJ de uniformizar a jurispru-dência sobre aplicação da lei federal; o art. 557 do CPC, o art. 285-A do CPC, o art. 518, § 1º, do CPC e outros. Todos esses exemplos permitem a existência de sistema de vinculação a decisões já proferidas por outros órgãos ou no passado, tal como se verificou no direito inglês, por meio do sistema dos precedentes. Entretanto, observa-se que a adoção de tais mecanismos não possibilita a con-clusão de que o Direito brasileiro adota o sistema dos precedentes.

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11. Primeiramente porque, no Brasil, a formação de jurisprudência ou das súmulas depende de decisões reiteradas sobre mesmo assunto, enquanto que a formação de um precedente no direito inglês depende apenas de uma única decisão judicial. E, segundo, porque a vinculação das decisões no Direito brasileiro é exercido quase que de forma exclusivamente vertical, enquanto que, no sistema da common law, essa vinculação ocorre também no campo horizontal.

12. Na Inglaterra, os costumes foram as principais fontes do direito. Já no Direito brasileiro, que recepcionou grande parte dos institutos do modelo da civil law, as leis foram e ainda são as principais fontes do direito. Assim, no Brasil, os costumes funcionam apenas como fonte supletivas para suprir lacunas na lei.

13. Enquanto no direito inglês, tipicamente consuetudinário, as normas positivas que determinam a vinculação a um precedente decorrem do pró-prio sistema da common law, no Direito brasileiro, país originário do sistema romano-germânico, só se admitiu a existência de súmulas vinculantes após a positivação desse instituto em normas escritas, como na Constituição e em leis federais.

14. A adoção de um sistema de precedentes no Direito brasileiro não decorre da cultura existente no país, mas apenas de uma importação de um instituto bem-sucedido em um direito estrangeiro.

REFERÊNCIASBARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Brasília: Escola Nacional dos Magistrados, 2006.

BERMUDES, Sérgio. A reforma judiciária pela Emenda Constitucional nº 45: observa-ções aos artigos da Constituição alterados pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

CARDOZO, Benjamin. A natureza do processo e a evolução do direito. 4ª Conferência – Adesão ao precedente. O elemento subconsciente no processo judicial. São Paulo:Nacional de Direito, 1956.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 2. ed. Lisboa: Meridiano, 1978.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

NOGUEIRA, Gustavo Santana. Stare decisis et non quieta movere: a vinculação aos precedentes no direito comparado e brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010.

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ODAHARA, Bruno Periolo. Um rápido olhar sobre o stare decisis. Processos coletivos, Porto Alegre, v. 2, n. 03, 1º jul. 2011.

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

SABINO, Marco Antonio da Costa. O precedente jurisdicional vinculante e sua força no Brasil. Revista Dialética de Direito Processual Civil, n. 85, abr. 2010, fls. 51/72.

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegiti-midade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte de direito. São Paulo: RT, 2004.

______. Direito processual civil europeu contemporâneo. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (Coord.). São Paulo: Lex Editora, 2010.

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Parte Geral – Doutrina

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Equilíbrio Democrático e Controle Social: o Controle dos Atos de Gestão da Administração Pública por Meio da Participação Popular

Balance the Democratic and Social Control: the Control of the Board of Management of Public Acts Through Popular Participation

CAROLLINE LEAL RIBASMestranda em Estudos Culturais Contemporâneos pela Fumec, Especialista em Direito Público pela PUC‑Minas e em Gestão Pública pela UEMG, Assessora Jurídica do Estado de Minas Gerais.

Submissão: 15.05.2015Decisão Editorial: 25.06.2015Comunicação ao autor: 25.06.2015

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o fenômeno do controle social e os desafios para sua efetivação no contexto da democracia participativa expressa pela Constituição Federal de 1988. Para tanto, descrevem‑se, inicialmente, os controles clássicos da Administração Pública, a fim de se evidenciar que o controle interno e externo, muitas vezes, são insuficientes para se garantir uma fiscalização transparente e efetiva sob os atos de gestão. Em seguida, passou‑se a enfatizar novas formas de controle, oriundas do controle social, a fim de se permitir que a sociedade atue, de forma ativa e colaborativa, complementando os controles tradicionais. O controle social consiste em um direito público subjetivo de fiscalização e controle da população sobre as atividades decorrentes da função administrativa do Estado. A problematização versa na discussão acerca da eficácia e efetividade deste controle, uma vez que, embora haja vários instrumentos para promovê‑lo, ainda existe uma resistência por parte do Poder Público e por parte dos cidadãos quanto à participação popular nas decisões estatais. Percebe‑se que, na sociedade brasileira, não existe uma cultura de participação ativa da população na seara administrativa, sendo necessária uma ampliação da interfa‑ce entre os gestores e o cidadão, o que demanda um processo de conscientização e educação para formação de uma cultura cívica. É nesse contexto que propõe uma reflexão acerca dos desafios para a efetivação de controle, como meio de se garantir a verdadeira democracia participativa, embasada nos princípios da cidadania e da boa governança.

PALAVRAS‑CHAVE: Administração Pública; democracia participativa; novos controles; transparência.

ABSTRACT: This article aims to analyze the social control of the phenomenon and the challenges for its implementation in the context of participatory democracy expressed by the Constitution of 1988. They describe themselves, initially, the classic controls of Public Administration, in order to show that the internal and external control, are often insufficient to ensure a transparent and effective monito‑ring in the management acts. Then we started to emphasize new forms of control, originated in the social control, in order to allow society to act actively and collaboratively, complementing traditional

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controls. Social control is a subjective public right of supervision and control of the population on the activities stemming from the administrative function of the state. The questioning versa in the discus‑sion about the efficacy and effectiveness of this control, since, although there are various instruments to promote it, there is still resistance from the government and by citizens as public participation in government decisions. It is noticed that in Brazilian society there is a culture of active participation of the population in administrative harvest, requiring an extension of the interface between managers and citizens, which requires a process of awareness and education for the formation of a civic culture. In this context, proposes a reflection on the challenges for ensuring control as a means to ensure true participatory democracy, based on the principles of citizenship and good governance.

KEYWORDS: Public Administration; participatory democracy; new controls; transparency.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O controle na Administração Pública; 2 Interação entre controle social e sistema democrático brasileiro; 2.1 Combate à corrupção: necessidade de transparência e controle social; 2.2 Desafios para efetivação do controle social dos atos de gestão da administração; Conclu‑são; Referências.

INTRODUÇÃO

No presente artigo, pretende-se analisar o controle social dos atos da gestão da Administração Pública no atual contexto brasileiro, seus instrumentos e os desafios para sua efetivação, como modo de se promover o equilíbrio de-mocrático e a participação popular.

Para tanto, a partir de uma revisão doutrinária e normativa, recorre-se às doutrinas clássicas, as quais se restringem a um diagnóstico dos sistemas de controle interno e externo da Administração, para se contrapor a uma corrente doutrinária moderna, a qual acresce o instituto do controle social como meio de se concretizar os princípios da democracia.

O objetivo geral desse projeto é demonstrar que o atual modelo estatal de atividades centralizadas necessita passar por um processo de democratiza-ção, mediante o qual será progressivamente instituído um sistema decisório que permita uma interação entre Governo e sociedade cidadã, com o intuito de prevenir e coibir a prática de atos ilegais ou abusivos que vão de encontro ao in-teresse público. Como objetivos específicos, tem-se a análise do sistema de con-trole da Administração Pública, os mecanismos de controle social existentes no ordenamento jurídicos, bem como os desafios para a efetivação deste controle.

Nesse sentido, o desenvolvimento deste trabalho será estruturado em três partes. Em um primeiro momento, será analisado o conceito do termo controle, bem como os controles clássicos, quais sejam, o interno e o externo no âmbito da Administração Pública como meio de se resguardar os deveres de eficiência, transparência, probidade e prestação de contas.

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Em seguida, adentra-se a esfera do novo controle dos atos administrati-vos, qual seja, o controle social, o qual possibilita a inclusão de novos atores na esfera decisória do Poder Executivo. Para tanto, o artigo encontrará seu clímax em uma discussão dos mecanismos pelos quais se pode franquear à sociedade o direito não apenas de controlar os atos administrativos, mas também de efeti-vamente influenciar em seu conteúdo, o que implica maior equilíbrio democrá-tico e inibe prática de atos corruptivos.

Por fim, será analisado o papel da educação como forma de se amadu-recer o grau de conscientização da sociedade a respeito do controle social. Nessa seara, impõe-se uma discussão a respeito do direito que os cidadãos têm de influenciar as instâncias decisórias do Poder Executivo a fim de se efetivar os princípios da democracia e cidadania.

1 O CONTROLE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O controle consiste em uma fase do ciclo de gestão – planejamento, exe-cução, avaliação e controle –, a qual já constitui função inerente às atividades administrativas, tendo em vista que funciona como mecanismo para se garantir que aquilo que fora planejado e organizado seja executado da melhor maneira possível. O controle faz-se imprescindível no âmbito da Administração Pública, tendo em vista a necessidade de implementação de ações corretivas e preven-tivas em processos de prestação de políticas públicas, execução de programas e ações operacionais.

Nesse sentido, Carvalho Filho expende seu magistério irrepreensível:

Podemos denominar de controle da Administração Pública o conjunto de meca-nismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fisca-lização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder [...]. A fiscalização e a revisão são elementos básicos do controle. A fiscalização consiste no poder de verificação que se faz sobre a atividade dos órgãos e dos agentes administrativos, bem como em relação à finalidade pública que deve ser-vir de objetivo para a Administração. A revisão é o poder de corrigir as condutas administrativas, seja porque tenham vulnerado normas legais, seja porque haja necessidade de alterar alguma linha das políticas administrativas para que melhor seja atendido o interesse coletivo. (Carvalho Filho, 2003, p. 751)

A função de controle torna-se relevante no que diz respeito ao aperfei-çoamento dos atos e atividades administrativas. Isso porque se trata de instru-mento democrático o qual visa à limitação do poder e à busca de eficiência, por meio da fiscalização, avaliação e monitoramento das ações governamentais. Ainda assim, o exercício do controle é também expressivo no combate a ilicitu-des de naturezas diversas, tais como fraudes e corrupção (Faria, 2012, p. 232).

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Destarte, faz-se necessária uma apresentação das formas atuais de con-trole sob os atos administrativos, tendo como parâmetro a classificação quanto à extensão do controle, o qual pode se dar de três modos: interno, externo e social.

O controle interno é decorrente da própria prestação de serviço e é re-alizado internamente pela entidade prestadora do serviço público. Assim, este controle é exercido pela Administração Pública sob os atos e atividades de seus órgãos e entidades, e, por isso, é denominado poder de autotutela1, permitindo à Administração rever os próprios atos quando ilegais, importunos ou incon-venientes e também atuar de forma preventiva (Carvalho Filho, 2003, p. 757).

Controle administrativo é o poder de fiscalização e correção que a Adminis-tração Pública (em sentido amplo) exerce sobre a sua própria atuação, sob os aspectos da legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação [...]. O controle sobre os órgãos da Administração Direita é um controle interno e decorre do poder de autotutela que permite à Administração Pública rever os próprios atos quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes. (Di Pietro, 2010, p. 730-731)

Sobre esse controle, assim estabeleceu o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, em seu art. 13:

Art. 13. O contrôle das atividades da Administração Federal deverá exercer-se em todos os níveis e em todos os órgãos, compreendendo, particularmente:

a) o contrôle, pela chefia competente, da execução dos programas e da obser-vância das normas que governam a atividade específica do órgão controlado;

b) o contrôle, pelos órgãos próprios de cada sistema, da observância das normas gerais que regulam o exercício das atividades auxiliares;

c) o contrôle da aplicação dos dinheiros públicos e da guarda dos bens da União pelos órgãos próprios do sistema de contabilidade e auditoria. (Brasil, 1967)

O controle externo ocorre quanto o órgão fiscalizador encontra-se em uma Administração diferente daquela de onde o ato administrativo se emanou (Carvalho Filho, 2003, p. 753). Nesse caso, tem-se o poder político, exercido pelo Poder Legislativo, e o controle jurisdicional, exercido pelo Poder Judi ciário.

O controle feito pelo Legislativo deve se limitar a hipóteses constitucio-nais, sob pena de este poder acabar intervindo no outro de maneira incorreta. Segundo Di Pietro:

1 Cabe mencionar que Medauar (2012, p. 52) emprega como sinônimo deste controle o vocábulo autocontrole, entendendo-o como todo o controle que se desenvolve no interior da Administração mediante provocação da própria Administração ou de um administrado.

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[...] o controle abrange aspectos ora de legalidade, ora de mérito, apresentando--se, por isso mesmo, como de natureza política, já que vai apreciar as decisões administrativas sob o aspecto inclusive da discricionariedade, ou seja, da opor-tunidade e conveniência diante do interesse público. (Di Pietro, 2010, p. 704)

Como exemplo de controle político, tem-se o caso em que o Congresso Nacional ou Senado apreciam de maneira prévia ou a posteriori atos do Poder Executivo, conforme dispõem os arts. 49 e 52 da Constituição Federal. Ainda, há o caso de apuração de irregularidades pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, nos termos do art. 58, § 3º, da CF/1988, bem como o controle finan-ceiro exercido pelos Tribunais de Contas no que tange à receita e às despesas decorrentes da gestão do orçamento público, consoante dispõem os arts. 70 a 75 da CF/1988 (Brasil, 1988).

Já o controle exercido pelo Poder Judiciário permite que este possa anu-lar atos administrativos dotados de ilegalidade ou abuso de poder. Segundo Di Pietro (2010, p. 747), “de nada adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garan-tias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados”.

Para tanto, recorre-se aos denominados remédios constitucionais, os quais consistem em direito de ação por parte da população para resguardar direitos fundamentais que lhes são assegurados. Destarte, tem-se o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção e a ação popular como formas de se provocar o controle jurisdicional sob um ato administrativo2.

Os controles interno e externo, seja este político ou judicial, são apo-dados como controles clássicos, e são explicitados nas tradicionais doutrinas de direito administrativo. Contudo, na atualidade, dá-se espaço ao chamado controle social, chamado por Odete Medauar (2012), em sua obra Controle da Administração Pública, de novo controle – juntamente com o controle das políticas públicas – o qual merece uma análise mais apurada, tendo em vista se tratar do desígnio principal deste trabalho.

O controle social fundamenta-se no art. 1º, parágrafo único da Constitui-ção, o qual estabelece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Consagrando o Estado Democrático de Direito, o controle social garante a participação, individual ou coletiva, de cidadãos na composição da gestão (Brasil, 1988).

2 Os remédios constitucionais estão previstos na Constituição Federal de 1988 no art. 5º, LXXVII, LXXII, LXXI, LXIX, LXX, LXXIII.

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O controle social3 pode ser definido como:

É a participação da sociedade no acompanhamento e verificação das ações da gestão pública na execução das políticas públicas, avaliando os objetivos, pro-cessos e resultados. O controle social das ações dos governantes e funcionários públicos é importante para assegurar que os recursos públicos sejam bem empre-gados em benefício da coletividade. (Controle..., s.d.).

Tal controle tem como intuito permitir que a sociedade tenha legitimi-dade para atuar na defesa do patrimônio público e dos direitos fundamentais idealizados pela Constituição Federal. Isso porque, pelo princípio da indisponi-bilidade do interesse público, “faz-se necessário que os cidadãos tenham a pos-sibilidade de verificarem a regularidade da atuação da Administração Pública como forma de impedirem a prática de atos ilegítimos, lesivos ao indivíduo ou à coletividade” (Alexandrino; Paulo, 2011, p. 793).

Assim, garantindo a transparência da Administração, a Constituição esta-beleceu em diversos dispositivos a competência dos cidadãos para atuarem de maneira ativa na gestão pública.

Art. 5º [...]

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ile-galidade ou abuso de poder. (Brasil, 1988)

A Constituição assegura, ainda, o controle popular em questões traba-lhistas ligadas ao direito social, na esfera dos direitos políticos, na seara das comissões parlamentares, bem como na área ligada ao meio ambiente4.

Sob esse mesmo prisma, a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Res-ponsabilidade Fiscal) também dispõe em vários artigos acerca da transparência, participação popular e necessidade de controle social:

3 Impõe-se dissecar que o termo controle social não deve ser confundido com a expressão participação popular. A participação popular consiste em um poder político, partilha de poder entre o Estado e a sociedade, essencialmente para a elaboração de normas jurídicas. Já controle social é direito público subjetivo à fiscalização das atividades do Estado (Siraque, 2009, p. 18). Todavia, tendo em vista a proximidade dos dois termos, como direitos fundamentais da pessoa humana, para este trabalho não se fazem necessárias maiores diferenciações, posto que estas não interferem na compreensão da presente contenda.

4 Para melhor entendimento, sugere-se a leitura dos arts. 10, 14, art. 58, § 2º, II e 225 da Constituição Federal de 1988.

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Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respec-tivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relató-rio de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante:

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentá-rias e orçamentos. (Brasil, 2000)

Nesse mesmo patamar, a Lei nº 4.320/1964 estabelece as normas gerais para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços, o que abrange desde a proposta orçamentária até sua execução, bem como posterior controle e fis-calização das contas governamentais.

Desse modo, percebe-se a importância de haver um controle da Admi-nistração Pública, principalmente no contexto de gestão por resultados, tendo em vista que se permite verificar a legalidade, mérito e resultados dos atos pra-ticados, bem como assegura a consecução dos interesses coletivos e a transpa-rência da gestão. Essa sindicalização dos atos administrativos é o que traduz a cidadania e a concretização e defesa do interesse público.

2 INTERAÇÃO ENTRE CONTROLE SOCIAL E SISTEMA DEMOCRÁTICO BRASILEIRO

O controle social, implantado em decorrência do processo de redemo-cratização no Brasil, é previsto na Constituição Federal de 1988 em diversos dispositivos como meio de assegurar participação social no processo de tomada de contas e gestão orçamentária.

Segundo Breder (2008, p. 04-05), o controle social engloba a elaboração e execução orçamentária dos recursos orçamentários arrecadados, bem como fiscalização e prestação de contas, sob os aspectos da legalidade, da legitimida-de e economicidade, com intuito de se assegurar o bem comum e interesse pú-blico. Com efeito, tal meio acaba por permitir uma aproximação da sociedade com a Administração Pública, de modo a impor a vontade social e permitir que os cidadãos saibam o que está ocorrendo na gestão da federação e nas contas públicas.

Para tanto, instituíram-se vários instrumentos como “mecanismos formais de atuação da sociedade” (Medauar, 2012, p. 187), quais sejam, audiências/consultas públicas, portal da transparência, orçamento participativo, participa-ção em colegiados administrativos e conselhos setoriais de serviço de informa-ção ao cidadão, entre outros.

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As audiências públicas consistem em reuniões para se debater questões de âmbito público, o que se requer a participação ativa da sociedade civil du-rante processos de elaboração de planos orçamentários e na tomada de deci-sões. Segundo Carvalho Filho apud Felipe (2014, p. 59), a audiência pública destina-se a obter manifestações orais, bem como provocar debates em sessão pública especificamente destinada para o debate acerca de determinada maté-ria. Frisa-se a necessidade de haver uma divulgação prévia e ampla do local, data e horário das audiências, para que sejam debatidos certos pontos acerca de uma determinada questão, abrindo-se a palavra a todos os interessados, de forma que a autoridade presente esteja aberta para aceitar críticas e propostas oriundas dos membros da sociedade (Medauar, 2012, p. 189).

As consultas públicas, por sua vez, representam uma forma pela qual a Administração procura obter a opinião de pessoas e entidades sobre determina-do assunto de relevância discutido no processo, de modo que as manifestações sejam formalizadas por meio de peças formais instrutórias (Carvalho Filho apud Felipe, 2014, p. 59). Por meio da consulta pública, a Administração anuncia um projeto ou um programa que almeja implantar, induzindo que os cidadãos se manifestem acerca daquela proposta, a fim de contribuírem para o desenvolvi-mento da atividade.

Segundo Medauar (2012, p. 188), o acesso às consultas públicas pode ocorrer por diversos meios, como a permanência dos dados em papéis, gráficos e dados estatísticos à disposição dos interessados, os quais podem se manifestar por escrito, principalmente, nos meios eletrônicos.

O portal da transparência consiste em um canal eletrônico de informa-ções que são disponíveis à sociedade acerca das receitas e despesas do estado com o intuito de incrementar os mecanismos de publicidade e controle social.

Já o orçamento participativo (OP) refere-se a um instrumento de comple-mentação da democracia representativa, permitindo que o Poder Público e o cidadão formulem a proposta orçamentária, debatendo e definindo os destinos de uma cidade. Com efeito, possibilita-se uma atribuição do poder executivo compartilhada com a sociedade, o que valoriza o debate e enriquece as esco-lhas com o lastro da sociedade assistida (Figueiredo; Santos, 2013, p. 15).

Segundo a Controladoria Geral da União5, por meio do orçamento par-ticipativo, a população é capaz de decidir prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com recursos do orçamento da prefeitura. Ademais, trata-se de um mecanismo que estimula o exercício da cidadania, bem como compromisso da população com o bem público e a cor-responsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade.

5 Informação disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/.

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Ainda, tem-se a participação popular em conselhos de políticas públicas ou conselhos gestores setoriais, como Conselho de Saúde e Conselho de Educa-ção, os quais consistem em canais de participação com membros representante da população e do poder público estatal em práticas que dizem respeito à ges-tão de bens públicos (Felipe, 2014, p. 62-63).

Por fim, registre-se o instrumento da ouvidoria pública brasileira, que abrange um órgão competente para realizar o intercâmbio entre o usuário do serviço e a Administração Pública, servindo para ouvir e registrar as opiniões e indignação dos cidadãos. Nesse sentido, busca-se dar a transparência devida à gestão pública, com a participação dos cidadãos no progresso dos serviços públicos prestados e na ponderação das políticas públicas (Figueiredo; Santos, 2013, p. 16).

Como consequência da implantação desses novos meios de controle, passa-se a ter maior cobrança pelos próprios cidadãos para que haja acompa-nhamento dos gastos do Poder Executivo, para que se dialogue a política que fora planejada com a executada. Assim, o controle social, uma vez aliado aos controles interno e externo, torna-se indispensável para o combate a práticas de corrupção e para efetivação dos princípios da transparência e da democracia participativa (Faria, 2012, p. 247), o que será detalhado a seguir.

2.1 combAte à corrupção: necessIdAde de trAnspArêncIA e controle socIAl

Estabelecidas as premissas acerca de como o controle social representa instrumento essencial à promoção da democracia, passa-se à análise do institu-to da transparência e participação social, como meios de se combater a corrup-ção e controlar gastos governamentais.

Para que o controle dos atos governamentais seja permeável à popula-ção, faz-se necessária a criação de mecanismos de comunicação entre ela e o Estado, os quais vão além de mera publicação de atos governamentais. Nesse sentido, dá-se relevância ao princípio da transparência na gestão pública, já previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXIII, o qual se refere à democratização do acesso às informações de caráter não sigiloso as quais sejam de interesse público, servindo como forma de controle social das contas públicas, fortalecimento da cidadania e combate à corrupção (Brasil, 1988).

Cabe frisar que não se deve confundir transparência com a mera publici-dade. Isso porque transparência implica uma compreensão por parte do leitor do conteúdo ora publicado. Com efeito, para haver transparência, não basta a divulgação de atos públicos dos atos e dos números da gestão, mas sim que esta

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seja efetuada de forma que a população em geral tenha condições de interpretá--los (Cruz et al., 2006, apud Cruz, 2012, p. 72).

A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, tem como um de seus princípios a transparência, conforme exposto em seu § 1º do art. 1º:

Art. 1º Esta lei complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.

§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparen-te, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre recei-tas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar. (Brasil, 2000)

A transparência é prevista em diversos dispositivos no ordenamento ju-rídico6 como um princípio da gestão fiscal responsável, exigindo que informa-ções públicas sejam divulgadas e compreensíveis por parte de toda população interessada. Uma vez compreensíveis, tais dados permitem a formação de uma sociedade crítica e controladora, a qual passa a exigir que os gastos sejam rea-lizados de forma eficiente, eficaz e em prol do interesse público.

A transparência nos atos da Administração Pública tem como desígnio impedir ações impróprias e eventuais, como o uso indevido dos bens públicos, por parte do governante e administradores. Alargando o acesso dos cidadãos às informa-ções públicas, em todas as esferas, a fim da edificação de um país mais demo-crático, onde todos os segmentos da sociedade possam desempenhar com êxito o controle social, ajudando a efetivação de uma gestão mais eficaz e eficiente. (Souza et al., 2009, p. 12)

Nota-se, assim, que o conceito de transparência não se restringe à mera divulgação dos atos administrativos e governamentais, mas sim abrange a esfera dos princípios administrativos da motivação e participação popular. O doutri-nador Martins Júnior (2004, p. 17) explica que o princípio de transparência ad-ministrativa correlaciona-se com os fundamentos de uma sociedade democrá-tica, embasada nos princípios da publicidade, da motivação e da participação popular, os quais inspiram a produção de regras como o direito de petição, o direito de certidão e o direito à informação, tidos como mecanismos constitu-

6 Nesse sentido, sugere-se a leitura dos arts. 48, parágrafo único, 52, 55, 56, 67, todos da Constituição Federal de 1988.

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cionais essenciais no controle da legalidade, moralidade e proporcionalidade na gestão da coisa pública.

Nessa esfera, cumpre associar a transparência ao termo accountability7, vista, de forma genérica, como obrigação de prestar contas dos resultados obti-dos em função das responsabilidades que decorrem de uma delegação de po-der. Assim, há responsabilidade de se prestar contas de seu desempenho e seus resultados (Corbari, 2004, p. 108).

Para que haja a concretização do princípio da transparência, a Contro-ladoria-Geral da União, órgão encarregado do controle dos gastos públicos do Governo Federal, elaborou, em 2010, uma Cartilha de “Controle Social”, com a finalidade de incluir a participação popular. Entre os fatores elencados na referi-da cartilha, enfatiza-se a publicação de informações; espaços para participação popular na busca de soluções para problemas na gestão pública; construção de canais de comunicação e de diálogo entre a sociedade civil e o governan-te; modernização dos processos administrativos; simplificação da estrutura de apresentação do orçamento público (Faria, 2012, p. 244-245).

Além disso, convém assinalar a recente Lei de Acesso à Informação, de Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a qual tem como intuito garantir a gestão transparente da informação, impõe que as entidades públicas disponibi-lizem subsídios nos seus sítios eletrônicos acerca de sua dotação orçamentária e que haja um canal de comunicação com a população, mediante os Sistemas de Informações ao Cidadão (SICs) (Brasil, 2011).

A fim de se concretizar a transparência, pode-se citar, a título de exem-plo, o Portal da Transparência8, em que se encontram informações acerca de despesas, receitas, convênios e programas governamentais. Mencionado sítio fora criado em novembro de 2004, pela Controladoria Geral da União, e tem como fulcro permitir que os cidadãos tenham conhecimento detalhado sobre a aplicação do dinheiro público. Tal fato faz-se possível tendo em vista que o Portal é de livre acesso e adota uma linguagem fácil e acessível, traduzindo os termos técnicos utilizados na prestação de contas, além de possuir ferramentas que estimulam o controle social, como a seção “aprenda mais” e a seção “par-ticipação e controle social”.

Nesse sentido, os estados federativos desenvolveram seus endereços ele-trônicos com o intuito de concretizar a transparência de suas contas. No Estado de Minas Gerais, há o portal da transparência9, já apontado, onde se encontram

7 Cabe esclarecer que não há uma tradução específica do termo para o português, mas a doutrina, de forma majoritária, entende que a expressão relaciona-se ao dever de cuidado dos poderes públicos e o dever de prestar contas por parte dos representantes e das instituições públicas (Faria, 2012, p. 238).

8 Informação disponível em: http://www.portaldatransparencia.gov.br/.9 Disponível em: http://www.transparencia.mg.gov.br/.

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informações sobre arrecadação, despesa, dívida pública, remuneração de servi-dores, repasse aos municípios, entre outros. Ainda, há o canal de solicitação de acesso à informação, em que é possível que o usuário solicite alguma informa-ção de acesso público ao ente estatal e municipal.

Impende assinalar acerca da obrigatoriedade de se conter nos sites das entidades públicas um canal de denúncia de eventuais infrações ou de dúvidas que se vier a ter acerca do funcionamento e da estrutura interna daquela gestão. Por meio desse mecanismo, é possível o recebimento de denúncias relativas à defesa do patrimônio público, ao controle sobre a aplicação dos recursos públi-cos federais, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da adminis-tração (Chizzotti et al., 2012, p. 105).

Salienta-se, ainda, o Programa Olho Vivo no Dinheiro Público, desenvol-vido pela Controladoria-Geral da União (CGU) a fim de se estimular o controle social. Tal programa, realizado por meio da capacitação de agentes públicos e conselheiros municipais, tem como finalidade fortalecer as ações de contro-le sobre os recursos públicos pela sociedade local (Conceição, 2010, p. 29). Extrai-se do sítio do programa10 que, até o ano de 2013, foram capacitadas mais de 50.985 mil pessoas em 2.688 municípios, o que demonstra a ampla abran-gência da divulgação e alcance deste programa.

Instiga-se que, além do portal da transparência, a participação seja de-senvolvida por meio de conselhos, vistos como instâncias para o exercício de cidadania, como, a exemplo, Conselhos Municipais de Saúde e Conselhos do Fundo de Educação Básica de cada cidade.

Sem embargo, percebe-se que todos os instrumentos de participação so-cial têm como ênfase a efetiva participação como forma de prevenção e comba-te à corrupção. Um controle social desenvolvido de forma sistemática e efetiva pode auxiliar no combate à improbidade e à corrupção, já que inibe os gestores de adotarem práticas ilegais, uma vez que têm o dever de prestar contas à so-ciedade.

Segundo a Controladoria-Geral da União (2009, p. 60), a palavra cor-rupção refere-se a uma relação social que se estabelece entre dois agentes ou dois grupos de agentes (corruptos e corruptores), cujo objetivo é a transferência de renda dentro da coletividade ou do fundo público para a realização de fins estritamente privados. Tal relação envolve a troca de favores entre os grupos de agentes e geralmente a remuneração dos corruptos ocorre com o uso de propina ou de qualquer recompensa.

10 Informação disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/controle-social/olho-vivo>.

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Segundo Faria (2012, p. 249-250), no âmbito da Administração Pública, a corrupção pode acontecer, principalmente, no âmbito do procedimento lici-tatório de contratação de fornecedor, falta de confiança no setor público, no âmbito de novos investimentos. A primeira hipótese dá-se quando, no processo de licitação, o ente público não garante ampla concorrência e acaba favorecen-do uma empresa específica, por afinidade ou troca de favores. Muitas empresas favorecidas, no entanto, podem não ter condições de cumprir devidamente o objeto ora avençado no instrumento convocatório, o que, por consequência, retarda o cumprimento do serviço e onera os cofres públicos.

No segundo caso, percebe-se que não há uma confiança por parte das empresas ao se contratar com a Administração. Com efeito, essas empresas sen-tem necessidade de elevar seus custos finais, já que elas transferem para o preço de seu produto o risco do empreendimento, como a morosidade nos pagamen-tos por parte da entidade estatal. Além disso, essa falta de confiança no setor público também pode ocorrer devido a descrédito da população nos órgãos de controle, especialmente no que tange à impunidade. Por fim, na terceira propo-sição, verifica-se que a corrupção impacta a atração de novos investimentos no Brasil, tendo em vista a crença de uma gestão ineficiente e ilegítima.

Nesse escopo, identifica-se que o Estado brasileiro tem uma cultura de corrupção, o que demanda controle mais eficiente por parte da sociedade. Jus-tamente por isso um dos principais focos da transparência e do controle social é o combate à corrupção.

Em um governo onde as decisões são tomadas às escuras e os gastos públicos não estão disponíveis para fiscalização pelos cidadãos há um enorme risco de corrupção. Um sistema de informações facilmente acessível constitui elemento indispensável na luta contra a corrupção e no aprimoramento da gestão pública. (Chizzotti et al., 2012, p. 105)

O combate à corrupção e ao desvio de recursos públicos organiza-se pelo compromisso dos cidadãos e grupos organizados de participarem da vida política e dos gastos estatais, como forma de controlar gastos públicos, fiscalizar orçamentos, acompanhar contratações com fornecedores decorrentes de pro-cesso licitatório, verificar repasses estatais, entre outros.

2.2 desAfIos pArA efetIvAção do controle socIAl dos Atos de gestão dA AdmInIstrAção

A participação popular na esfera política tem como intuito desenvolver relação de maior confiança entre o Estado e a sociedade, uma vez que, ao se estabelecer um controle efetivo, tal fato inibe práticas estatais ilegais e favorece atos voltados ao interesse público e à boa administração.

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Entretanto, verifica-se que, na atualidade, ainda há vários desafios a se-rem enfrentados para que se assegure a efetivação de um controle popular. Tais desafios vão desde a cultura da população brasileira em não participar da vida política estatal à falta de interesse dos próprios administradores em atuar com transparência e accountability.

No contexto recente da redemocratização, deu-se destaque ao controle social a fim de se incentivar a promoção da participação da sociedade na gestão estatal. Ocorre que, por se tratar de um controle recente, ainda não há a conso-lidação de uma cultura ativa e participativa.

Na atualidade, muitas pessoas se restringem a uma visão de controle como um mero ato de verificação de falhas e irregularidade. Mas, na realidade, o controle social consiste em um verdadeiro instrumento de auxílio na busca da organização governamental, a fim de se garantir uma boa administração que leve à concretização dos objetivos estabelecidos (Corbari, 2004, p. 110).

Percebe-se, assim, um despreparo da sociedade para efetivar o controle social. A falta de conhecimento impede que a população tenha acesso a todos os meios de participação na gestão pública, de forma que não se estimula a construção de um senso de responsabilização e cobrança dos administrados perante o Poder Público.

Além disso, nota-se uma falta de motivação e de vontade dos cidadãos para por em prática o controle social, “como se a apatia política fosse caracte-rística inata ao brasileiro” (Faria, 2012, p. 239), o que demonstra que a popula-ção brasileira não está preparada para recorrer aos instrumentos de participação que o Poder Público lhes oferece.

A verdade é que, geralmente, as pessoas acham muito chato participar e têm medo dos interesses políticos e ideológicos envolvidos nas organizações públicas e privadas de interesse público; carecendo espírito público, cívico e de cidadania ativa, não sabem dos seus direitos; muitos acreditam que a corrupção é inerente à atividade política. (Siraque, 2009, p. 177)

Como consequência, observa-se que a efetivação do controle social tem como primeiro desafio a conscientização da cidadania, a fim de que se tenha conhecimento acerca dos meios constitucionais e infraconstitucionais de parti-cipação e controle dos atos de gestão administrativa.

Um segundo desafio refere-se à divulgação dos meios de controle social por parte dos agentes públicos. A disponibilização de informações no portal da transparência, a visibilidade do espaço público em sítios eletrônicos, a ampla divulgação dos sistemas de ouvidorias, audiências públicas e conselhos são formas de permitir que o cidadão conheça os canais pelos quais pode fiscalizar e participar de decisões administrativas.

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A título de ilustração, Siraque (2009, p. 164-165) apresenta propostas para se ampliar o controle social nos sistemas de transporte coletivo. Expor em lugar visível, dentro dos veículos, a divulgação de formas de fiscalização do sistema, as datas das reuniões do Conselho de Transporte e das audiências públicas para definição de tarifas são incumbências dos agentes administrativos que podem estimular a participação social.

Por fim, tem-se o desafio de se superar uma visão por parte dos adminis-tradores que a participação não tem capacidade de fiscalizar e controlar os atos de gestão, o que limita o direito ao controle social dos atos da função adminis-trativa do Estado. Segundo Siraque (2009, p. 176), há desconfiança do servidor em relação ao cidadão, a falta de espírito público, a falta de transparência, de modo que os agentes da administração acreditam que não devem satisfações à comunidade.

Sem embargo, cabe os gestores dar ampla publicidade aos atos adminis-trativos, por meio de uma linguagem acessível e compreensível – remete-se aí à transparência, a qual não se restringe à mera publicidade – e propiciar espaços para o debate público quando se trata de temas de interesse público.

Propõe-se como solução à promoção dos novos controles com uma par-ticipação lúcida da sociedade um amadurecimento da consciência ética e cida-dã por meio da educação (Felipe, 2014, p. 90).

Mostra-se relevante que o desenvolvimento de uma cidadania partici-pativa se dê desde a educação básica até aos níveis de ensino superior. Isso porque uma educação de qualidade permite a formação de uma consciência crítica, bem como possibilita a compreensão de informações públicas e dos instrumentos participativos.

Se não houver educação de qualidade, não haverá preparo, não haverá cons-ciência, não há que se falar em cidadania, os controles não terão efetividade, serão meramente simbólicos e, nos termos do relatório de capital humano, o desenvolvimento dos habitantes não ocorrerá, tampouco se converterá em (qual-quer) vantagem – econômica ou não – para o país. (Felipe, 2014, p. 102)

Vê-se, portanto, que a educação é a alternativa para se propiciar o amadurecimento da conscientização da sociedade quanto à sua participa-ção dos atos de gestão administrativa do Estado. Apenas com uma popula-ção consciente de seu direito de participação e de sua titularidade enquan-to promotora da vontade estatal é possível se obter um controle social efetivo (Felipe, 2014, 101).

Assim sendo, na construção da cidadania, é necessária uma educação política, a qual exige a formação de debates públicos democráticos. Assim, apesar de suas características fortemente democráticas, a Constituição Cida-

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dã não conseguiu resgatar a cidadania plena do povo brasileiro. Isso porque a construção da cidadania passa primeiramente pelo investimento em educa-ção, pela formação crítica dos cidadãos e pela supressão da pobreza política (Corbari, 2004, p. 101).

Segundo Leal apud Conceição (2010, p. 28), a qualidade do dispêndio orçamentário encontra-se condicionada pelo papel dos cidadãos-eleitores. Esse papel depende de mais acesso a informações e de maior compreensão do or-çamento público. Assim sendo, a educação política precisa fazer parte da edu-cação desenvolvida nas escolas e universidades, de forma que os indivíduos tenham interesse em controlar atos de gestão que regem a vida política do país.

A educação tem como escopo a formação de cidadãos, construindo um conhecimento que torne o estudante ético e participativo. Com efeito, as es-colas e universidades têm o papel social de contribuir na formação de cida-dãos participativos, conscientes de seu papel social. Ademais, verifica-se que os próprios profissionais da educação e os conselhos escolares têm função de zelar pelo padrão de qualidade e gestão democrática do ensino, estimulando o interesse pela democracia participativa deste os níveis mais básicos de ensino.

Nesse sentido, a própria Lei de Diretrizes Básicas da Educação, em seus arts. 2º e 3º, já estimula a formação de uma consciência cidadã, impondo que a educação prepare os indivíduos para o exercício da cidadania, além de se basear nos princípios do pluralismo de ideias e na gestão democrática do ensino público (Brasil, 1996).

Além do incentivo à participação política a ser desenvolvido nas insti-tuições de ensino, o próprio Poder Público pode criar programas de educação fiscal, cujo objetivo é propiciar a participação do cidadão nos instrumentos de controles social e fiscal do Estado (Brasil, 1996).

Paralelamente às ações de educação presencial, institui-se a Escola Vir-tual da CGU, a qual tem como finalidade trabalhar com a educação como um instrumento de promoção da cidadania, bem como uma forma de controle pre-ventivo. Segundo a Controladoria Geral da União (2008), a escola concentra-se na educação para a cidadania e no fortalecimento da gestão pública, contando, até 2009, com mais de 11 mil participantes.

Outrossim, Figueiredo e Santos (2013, p. 17) aludem à relevância da criação de programas voltados para a educação fiscal nas escolas e universi-dades brasileiras, com o fulcro de introduzir os conceitos sobre transparência e controle social na educação do país. Para exemplificar, mencionam o programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”, criado pela Controladoria-Geral da União (CGU), bem como a Portaria nº 35, de fevereiro de 1998, do Ministro da Fazen-da, a qual dá ensejo à criação do Grupo de Trabalho Educação Fiscal.

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Logo, nota-se que o desenvolvimento de um controle social efetivo da Administração Pública vincula-se a uma transformação cultural dos cidadãos, bem como ao incremento da educação em todos os níveis de ensino, com o intento de se promover a conscientização e participação ativa da sociedade nos atos e decisões da Administração Pública.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito, concretizado na Constituição Federal de 1988, fundamenta-se nos princípios da cidadania, interesse público e ampla participação popular, de modo que a população aja como titular e destinatária das decisões tomadas na esfera governamental.

Nesse sentido, dá-se relevância a um novo controle da Administração Pública, considerado controle social, o qual complementa o controle interno e o externo, tidos como tradicionais. Tal fato deu-se em razão da necessidade de se incluir a participação popular nas decisões que envolvam o orçamento público, a fim de concretizar uma democracia participativa pautada em uma boa governança.

O controle social consiste em um controle realizado pela sociedade dos atos de gestão decorrentes da função administrativa e é previsto no ordena-mento jurídico de forma expressa em diversos textos legais. Para tanto, tem-se diversos mecanismos para a promoção do controle, como audiências e consul-tas públicas, portal da transparência, conselhos de participação, ouvidorias e orçamento participativo, os quais permitem que a população controle, fiscalize e questione atos de gestão. Em decorrência disso, a prática de atos corruptos e ilegais poderia ser inibida, já que se tem conhecimento do que está sendo feito com verba pública. É nesse contexto que se considera o controle social como importante fator para o combate à corrupção e controle da Administração.

Todavia, verifica-se, na atualidade, que mencionado controle ainda não tem sido desenvolvido de forma efetiva. Há diversos motivos que podem limitar o controle, como a ausência de consciência cidadã e participativa da popula-ção, desinteresse por parte dos agentes públicos de a população ter conheci-mento de seus atos administrativos, bem como escassa divulgação de instru-mentos disponíveis para o controle social.

Tendo em vista a deficiência de informações dos cidadãos, propõe-se uma democracia participativa por meio da educação, em todos os níveis de ensino. A educação permite que uma pessoa desenvolva raciocínio crítico e te-nha conhecimento de todos os mecanismos normativos que estão à disposição para buscar maior participação das decisões administrativas do estado. Assim, quanto mais ativa a população for e desenvolver seu nível de consciência ética

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e cidadã, maior será seu interesse em controlar os atos que envolvem o dinheiro público e o interesse social.

Desse modo, necessita-se estimular o conhecimento por parte dos cida-dãos da vida política e das decisões que são tomadas envolvendo o dinheiro público, como modo de se garantir uma democracia participativa na qual o or-çamento é legitimado pela participação social. Espera-se que sejam ampliados os meios de divulgação das formas de controle social, a fim de que a sociedade possa compreender as informações disponíveis e cobrar do Poder Público uma gestão participativa fruto de boa governança.

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Parte Geral – Jurisprudência

3036

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0064615‑19.2009.4.01.0000Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 2009.01.00.066930‑5/DFProcesso Orig.: 2006.34.00.035405‑7Relator: Desembargador Federal João Batista MoreiraRelator Convocado: Juiz Federal Márcio Barbosa MaiaAgravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcurador: Adriana Maia VenturiniAgravado: I G Informática e Gestão Ltda.Advogado: Carlos Eduardo Fontoura dos Santos Jacinto e outro(a)Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

ementA

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – INCLUSÃO DE LITISCONSÓRCIO NO POLO PASSIVO – PEDIDO INDEFERIDO – DECISÃO MANTIDA

1. Trata-se de agravo de instrumento interposto de decisão que in-deferiu “pedido do INSS de inclusão da Unesco e Tecsoft no polo passivo da lide, tendo em vista que a relação jurídica já está definida no acórdão de fls. 407/415”.

2. As “provas” a que a petição remete, e que poderiam ser obtidas de Tecsoft e/ou da Unesco, referem-se a fatos extintivos e/ou modificati-vos do direito pleiteado pela parte autora (ora agravada). Neste caso, pela regra de distribuição, o ônus da prova recai, pois, sobre o INSS. Não obstante, por princípio, ninguém pode ser obrigado a litigar. Não há se falar em compulsória citação para “adentrar ao pólo passivo”, com vistas a auxiliar parte (o INSS) a produzir prova. Em sendo o caso, as provas podem ser requisitadas pelo juízo, se da necessidade de tal medida ficar convencido. Há, ainda, a possibilidade de inver-são do ônus, convencendo-se o juízo de que a parte contrária é quem tem melhores condições de produzir a prova.

3. Não parece ser o caso de nomeação à autoria (de qualquer modo, a esta altura, preclusa).

4. Por fim, se a hipótese é de responsabilidade solidária, não há se falar em litisconsórcio passivo necessário, porquanto, nos termos do art. 275 do Código Civil, o credor tem o direito de exigir e receber a

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prestação, integral ou parcialmente, de um, de alguns ou de todos os devedores.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

Acórdão

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 17 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Juiz Federal Márcio Barbosa Maia Relator convocado

relAtórIo

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Barbosa Maia (Relator Convocado):

Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou segui-mento ao agravo de instrumento, nos termos do art. 557, caput, do CPC.

Requer-se, em síntese, reconsideração da decisão agravada.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Barbosa Maia (Relator Convocado):

A decisão objurgada está assim redigida:

Trata-se de agravo de instrumento interposto de decisão (fl. 573) em que, nos autos de ação de indenização ajuizada pela agravada em face da autarquia ora agravante, foi indeferido “pedido do INSS de inclusão da Unesco e Tecsoft no pólo passivo da lide, tendo em vista que a relação jurídica já está definida no acórdão de fls. 407/415”.

Decido.

A justificar o “pedido de citação” de sujeitos para “integrar o pólo passivo da lide”, o INSS assim alegou:

[...] resta claro que ao INSS caberia repassar o valor acordado à Unesco; esta pagaria a empresa por ela contratada – Tecsoft; e a empresa Tecsoft pagaria a autora pelos serviços prestados.

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Está patente a ausência de vínculo jurídico entre o INSS e a parte autora. Contu-do, como o objeto da presente ação é a cobrança de indenização por serviços prestados pela autora ao INSS, é de se reconhecer que faz-se indispensável a participação no presente processo tanto da empresa Tecsoft, quando da Unesco, a fim de evitar eventual pagamento em duplicidade.

Ora, se a responsável pelo pagamento dos serviços supostamente prestados ao INSS pela autora era a empresa Tecsoft, esta deve adentrar ao pólo passivo da lide para que se verifique a veracidade do alegado na petição inicial – de que realmente não houve pagamento pelos serviços eventualmente prestados.

Por outro lado, a empresa Tecsoft era a responsável pela fiscalização dos serviços prestados pela autora. Consta do contrato que “o direito da Tecsoft de fiscalizar, testar e, quando necessário, rejeitar os serviços após a apresentação final ao INSS e à Unesco e de pedir indenização ou substituição [...]”. Assim, ela deve integrar a lide para que apresente os fastos e documentos que possua sobre a prestação dos alegados serviços ao INSS.

Do mesmo modo, a Unesco também deve integrar a lide a fim de se verificar se houve repasse de verba desse órgão à empresa por ela contratada – Tecsoft, para o pagamento dos serviços supostamente prestados, o que impediria novo paga-mento pelo mesmo produto.

Pois bem.

É necessário, preliminarmente, atentar para o fato de que a mera “interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo” (art. 497, CPC).

As “provas” a que a petição remete, e que poderiam ser obtidas de Tecsoft e/ou da Unesco, referem-se a fatos extintivos e/ou modificativos do direito pleiteado pela parte autora (ora agravada). Neste caso, pela regra de distribuição, o ônus da prova recai, pois, sobre o INSS. Não obstante, por princípio, ninguém pode ser obrigado a litigar. Não há se falar em compulsória citação para “adentrar ao pólo passivo”, com vistas a auxiliar parte (o INSS) a produzir prova. Em sendo o caso, as provas podem ser requisitadas pelo juízo, se da necessidade de tal medida ficar convencido. Há, ainda, a possibilidade de inversão do ônus, convencendo--se o juízo de que a parte contrária é quem tem melhores condições de produzir a prova.

Não parece ser o caso de nomeação à autoria (de qualquer modo, a esta altura, preclusa).

Por fim, se a hipótese é de responsabilidade solidária, não há se falar em litiscon-sórcio passivo necessário, porquanto, nos termos do art. 275 do Código Civil, o credor tem o direito de exigir e receber a prestação, integral ou parcialmente, de um, de alguns ou de todos os devedores.

Ante o exposto, nego seguimento ao agravo de instrumento (CPC, art. 557, caput).

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Pelos mesmos fundamentos, nego provimento ao agravo regimental.

Juiz Federal Márcio Barbosa Maia Relator Convocado

despAcho

Intime-se a agravada para resposta (art. 527, V, do CPC).

Publique-se.

Brasília, 13 de agosto de 2012.

Rogério Cândido Ribeiro Assessor Judiciário Portaria nº 01, de 25 de abril de 2011.

trIbunAl regIonAl federAl dA 1ª regIão secretArIA JudIcIárIA

46ª Sessão Ordinária do(a) Quinta TurmaPauta de: Julgado em: 17.12.2014 AgRg em AI 0064615-19.2009.4.01.0000/DFRelator: Exmo. Sr. Juiz Federal Marcio Barbosa Maia (Conv.)Juiz(a) Convocado(a) conforme Ato Presi Asmag nº 1653, de 16.09.2014Revisor: Exmo(a). Sr(a). Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Souza PrudenteProc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Marcelo Antônio Ceará Serra AzulSecretário(a): Fábio Adriani CernevivaAgrte.: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcur.: Adriana Maia VenturiniAgrdo.: I G Informática e Gestão Ltda.Adv.: Carlos Eduardo Fontoura dos Santos Jacinto e outro(a)Nº de Origem: 2006.34.00.035405-7 Vara: 6ª

Justiça de Origem: Tribunal Regional Federal Estado/Com.: DF

sustentAção orAl certIdão

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

A Turma, à unanimidade, negou provimento ao Agravo Regimental, nos termos do voto do Relator.

Ausente, por motivo de férias, o Exmo. Sr. Desembargador Federal João Batista Moreira. Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Souza Prudente e Desembargador Federal Néviton Guedes.

Brasília, 17 de dezembro de 2014.

Fábio Adriani Cerneviva Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

3037

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 2001.51.01.509409‑3Nº CNJ: 0509409‑37.2001.4.02.5101Relator: Juiz Federal Convocado Theophilo MiguelApelante: União Federal/Fazenda NacionalApelado: Wilson SilvaAdvogado: Sem advogadoOrigem: Segunda Vara Federal de Execução Fiscal – RJ (200151015094093)

ementA

EXECUÇÃO FISCAL – ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO – INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL

1. A adesão a programas de parcelamento constitui reconhecimento inequívoco da dívida fiscal e causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, estabelecendo novo marco de interrupção da prescrição, nos termos do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN, cujo prazo recomeça a fluir, em sua integralidade, no dia em que o deve-dor deixar de cumprir o acordo celebrado.

2. Verificado que, por força do parcelamento da dívida, o prazo pres-cricional ainda não havia transcorrido na data da prolação da senten-ça, a reforma do decisum é medida que se impõe.

3. Apelação conhecida e provida.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas:

Decidem os membros da 3ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2014.

Theophilo Miguel Juiz Federal Convocado

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������153

relAtórIo

Trata-se de recurso de apelação interposto pela União em face da sen-tença que extinguiu a execução fiscal com julgamento de mérito, em razão da prescrição.

A apelante sustenta, em síntese, que adesão do devedor a programa de parcelamento, acarretando a interrupção da prescrição.

Sem contrarrazões.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela sua não intervenção.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

Theophilo Miguel Juiz Federal Convocado

voto

Conheço do recurso porque presentes os pressupostos de admissibili-dade.

No mérito, o apelo merece provimento.

Com efeito, verifica-se que a parte executada, durante o curso do prazo prescricional, aderiu a programa de parcelamento (fls. 98/99), o que constitui reconhecimento inequívoco da dívida fiscal e causa de suspensão da exigibili-dade do crédito tributário, estabelecendo novo marco de interrupção da pres-crição, nos termos do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN.

Nesse diapasão, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – EXECU-ÇÃO FISCAL – PARCELAMENTO – REFIS – EXCLUSÃO – PRESCRIÇÃO – NÃO OCORRÊNCIA – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. ‘A jurisprudência deste Tribunal Superior é no sentido de que, uma vez in-terrompido o prazo prescricional em razão da confissão do débito e pedido de seu parcelamento, por força da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o prazo recomeça a fluir a partir da data do inadimplemento do parcelamento’ (AgRg-Ag 1.382.608/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe 09.06.2011).

2. Agravo regimental não provido.”

(STJ, AgRg-REsp 1350845/RS, 1ª T., Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJe 25.03.2013)

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154 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – TRIBUNAL DE ORIGEM CONSIGNA INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS HÁBEIS A COMPRO-VAR A OCORRÊNCIA DO PARCELAMENTO – REVISÃO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ

1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a confissão e o parcelamento da dívida tributária ensejam a interrupção do prazo prescricional, o qual recomeça a fluir, em sua integralidade, no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo celebrado.

2. No caso dos autos, o Tribunal de origem decretou a prescrição do crédito tributário, porquanto as provas constantes dos autos não demonstram inequivo-camente a ocorrência do parcelamento. Incidência da Súmula nº 7/STJ.

Agravo regimental improvido.”

(STJ, AgRg-REsp 242556/MG, 2ª T., Rel. Humberto Martins, DJe 28.11.2012)

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – DIREITO TRIBUTÁRIO – AÇÃO DECLARATÓRIA – ÓBICE DO RECURSO – INOVAÇÃO DE FUNDA-MENTO – PARCELAMENTO DA DÍVIDA – CAUSA INTERRUPTIVA – PRESCRI-ÇÃO – INOCORRÊNCIA

1. Em sede de agravo regimental, não se conhece de alegações que não foram objeto de impugnação específica e estranhas à motivação da decisão agravada, por vedada a inovação de fundamento.

2. O parcelamento do débito fiscal constitui causa interruptiva da prescrição, por força do disposto no art. 174, parágrafo único, inciso IV, do Código Tributário Nacional.

3. Agravo regimental parcialmente conhecido e improvido.”

(STJ, AgRg-REsp 1215174/GO, 1ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 02.02.2011)

Assim, tendo em vista que à época da prolação da sentença ainda não havia transcorrido o prazo prescricional, a reforma do decisum é medida que se impõe.

Isto posto, conheço e dou provimento ao recurso.

É como voto.

Theophilo Miguel Juiz Federal Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 22.04.2015Apelação/Reexame Necessário nº 0021455‑83.2010.4.03.6100/SP2010.61.00.021455‑9/SP Relator: Desembargador Federal Mauricio KatoApelante: União FederalAdvogado: SP000019 Tércio Issami TokanoApelado(a): Jacques Fouad Kharlakian e outro

Isis KharlakianAdvogado: SP131928 Adriana Riberto Bandini e outroRemetente: Juízo Federal da 4ª Vara São Paulo Sec. Jud./SPVara anterior: Juízo federal da 20ª Vara São Paulo Sec. Jud./SPNº Orig.: 00214558320104036100 4ª Vr. São Paulo/SP

ementA

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – REMESSA OFICIAL – CERTIDÃO DE AFORAMENTO – MORA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – LEI Nº 9.784/1999

1. Caracterizada a demora injustificada da administração pública na conclusão de processo administrativo, cabível a concessão de ordem para reparo da lesão a direito líquido e certo.

2. Apelo da União Federal e remessa oficial desprovidos.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por una-nimidade, negar provimento à apelação da União Federal e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 13 de abril de 2015.

Mauricio Kato Desembargador Federal

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156 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

relAtórIo

Trata-se de recurso de apelação da União Federal e remessa oficial em face da r. sentença prolatada pelo juízo da 20ª Vara Cível Federal de São Paulo (fls. 59/60 e verso) que confirmou decisão liminar e julgou procedente o feito, com resolução do mérito, para determinar a conclusão de processo administra-tivo nº 04977.010373/2010-92.

Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte Regional.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso e da remessa oficial (fls. 79/81).

É o relatório.

voto

Preliminarmente, afasto a alegada carência de ação, por falta de inte-resse de agir e impossibilidade jurídica, pois, de fato, o primeiro dos requisitos marca-se pelo binômio adequação-utilidade e, no caso presente, em que pese os argumentos recursais, a impetrante, diante da mora da administração públi-ca, demonstrou a necessidade do ajuizamento de demanda com objetivo de corrigir violação a direito líquido e certo consubstanciado na materialização do princípio constitucional da eficiência, quando ultrapassado prazo razoável à ação do poder público.

Outrossim, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido, já que o pleito aqui deduzido não está dentre aqueles que o ordenamento jurídico pátrio, de plano, repudia, tanto que as alegações iniciais e as informações pres-tadas merecem consideração do juízo para fins de entrega de legítima tutela jurisdicional.

No mérito, entendo que o apelo da União Federal e a remessa oficial não merecem provimento, pois o bem adquirido pelo impetrante está sujeito ao regime jurídico da enfiteuse, o que lhe exige cadastramento como foreiras responsáveis perante a Secretaria do Patrimônio da União – SPU, especialmente para o fim de transferência das obrigações enfitêuticas e pagamento de laudê-mio correspondente à aquisição do domínio útil, nos termos dos Decretos-Leis nºs 9.760/1946 e 2.398/1987.

Aqui, à vista das alegações e da documentação apresentada com a ini-cial, ficou patente a omissão da autoridade impetrada quanto ao andamen-to e conclusão do referido pedido administrativo de transferência e cadastro de aforamento, já que descumprido o trintídio legal fixado no art. 49, da Lei nº 9.784/1999.

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������157

Tal situação afronta a garantia constitucional de qualquer cidadão obter, prontamente, dos órgãos públicos, a prestação do serviço requerido, mormente no caso vertente, quando todas as condições para concretização do ato admi-nistrativo pretendido estão reunidas.

Observe-se que ainda que seja notória a desproporção entre os recursos e as demandas direcionadas ao poder público, não é possível que a solução para essa situação se dê com o sacrifício do particular, a quem não se pode imputar a ineficiência da administração pública.

Neste sentido, o entendimento desta Corte Regional:

ADMINISTRATIVO – LAUDÊMIO – CERTIDÃO DE AFORAMENTO – EXCESSO DE PRAZO – LEI Nº 9.051/1995 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA – PORTARIA SPU Nº 293 – INOCORRÊNCIA DE PERDA DO OBJETO – 1. Preliminar de carência de ação rejeitada. A inovação na forma de requisição e expedição da Certidão Autorizativa de Transferência estabelecida na Portaria SPU nº 293 não enseja a perda do objeto da ação, posto que não atinge o interesse processual dos apela-dos. 2. O pagamento do laudêmio é requisito essencial à expedição, pela Secre-taria de Patrimônio da União, da certidão de aforamento necessária ao registro da transmissão do domínio útil de bens imóveis de propriedade da União. 3. O art. 1º da Lei nº 9.051/1995 disciplina o prazo de quinze dias para a expedição de certidões públicas. 4. A demora da Administração Pública no cumprimento dos atos que lhe incumbem, viola o princípio da eficiência insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, que pressupõe a excelência na prestação do ser-viço público. 5. Agravo retido conhecido e improvido. Preliminar rejeitada e, no mérito, apelação e remessa oficial improvidas. (AMS 304.911/SP, 1ª T., Relª Desª Fed. Vesna Kolmar, Julgamento em 12.08.2008, DJF3 de 01.12.2008, p. 428)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SE-GURANÇA – CERTIDÃO DE AFORAMENTO – ATO ADMINISTRATIVO A SER REALIZADO PELO SERVIÇO DE PATRIMÔNIO DA UNIÃO – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA – MOTIVO DE FORÇA MAIOR, QUE NÃO AUTORIZA A DILAÇÃO DO PRAZO A PONTO DE ETERNIZAR O PROCEDI-MENTO – AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO – AGRAVO IMPROVIDO – 1. Resta prejudicado o agravo regimental, onde se discute os efeitos em que o recurso foi recebido, em face do julgamento do agravo de instrumento. 2. A discussão dos autos gira em torno da razoabilidade do prazo para que a admi-nistração pública pratique determinados atos, que podem ser considerados sim-ples, como é a expedição de uma certidão. No caso, trata-se do cálculo do valor do laudêmio e a expedição da certidão de ocupação e transferência do imóvel. 3. São de conhecimento público e notório os problemas enfrentados pela admi-nistração na prestação dos serviços que lhe incumbem, por conta da escassez dos recursos materiais e humanos, somados à grande quantidade de solicitações dos administrados, neles incluídos os prestados pelo Serviço de Patrimônio da União (SPU) que, no caso concreto, é o órgão que possui a competência para expedir a Certidão de Aforamento, mediante processo administrativo. 4. Na hipótese,

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o prazo transcorrido da data do requerimento administrativo apresentado pela parte agravada extrapolou os limites da razoabilidade, motivo pelo qual é de ser mantida a decisão agravada. 5. Agravo improvido. (AI 225.485/SP, 5ª T., Relª Desª Fed. Ramza Tartuce, Julgamento em 24.10.2005, DJU 06.12.2005)

Ante o exposto, nego provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial.

Mauricio Kato Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

3039

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Cível nº 0009038‑09.2013.404.9999/PRRelator: Juiz Federal Marcelo MalucelliApelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional da PFE‑INSSApelado: Josefina da Conceição dos Santos SouzaAdvogado: Donizete Aparecido Cogo

ementA

PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR IDADE RURAL – BOIA-FRIA – INíCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA POR PROVA TESTEMUNHAL – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS – NÃO CONCOMITÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE

1. O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produ-ção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea.

2. Não é possível, em caso de aposentadoria por idade rural, dis-pensar a necessidade de implementação simultânea dos requisitos de idade e trabalho durante o interregno correspondente à carência, uma vez que o benefício, no caso, não tem caráter atuarial, e não se pode criar regime híbrido que comporte a ausência de contribuições e a dispensa do preenchimento concomitante das exigências legais.

3. A descontinuidade prevista no § 2º do art. 48 da LBPS não abarca as situações em que o trabalhador rural para com a atividade rural por muito tempo e depois retorna ao trabalho agrícola, uma vez que dispõe expressamente que a comprovação do labor rural deve-se dar no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

4. Não tendo a parte autora logrado comprovar o efetivo exercício de atividades rurais, na condição de segurada especial, durante mais de quatro anos do período equivalente à carência necessária à concessão da aposentadoria por idade, é inviável que esta lhe seja outorgada.

5. Restando comprovado certo período de atividade rural, ainda que insuficiente à implementação da carência exigida para deferimento da aposentadoria, impera seu reconhecimento.

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Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, dar parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reco-nhecido, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de abril de 2015.

Juiz Federal Marcelo Malucelli Relator

relAtórIo

Cuida-se de apelação contra sentença em que o magistrado a quo julgou procedente o pedido para conceder a aposentadoria por idade rural à parte au-tora a contar da data do requerimento administrativo, em razão do exercício do labor rural como boia-fria, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas.

Em suas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária sustenta, em síntese, a ausência de comprovação do exercício de atividades rurais no pe-ríodo correspondente à carência, sendo inadmissível a prova exclusivamen-te testemunhal. Pela eventualidade, requer a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.949/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, quanto aos juros e à correção monetária.

Apresentadas as contrarrazões, e por força do reexame necessário, vie-ram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

voto

REMESSA OFICIAL

Em relação à remessa oficial, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial (EREsp 934.642/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, Julgado em 30.06.2009; EREsp 701.306/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Julga-do em 07.04.2010; EREsp 600.596/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, Julgado em 04.11.2009), prestigiou a corrente jurisprudencial que sustenta ser inaplicável a

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������161

exceção contida no § 2º, primeira parte, do art. 475 do CPC aos recursos dirigi-dos contra sentenças (a) ilíquidas, (b) relativas a relações litigiosas sem natureza econômica, (c) declaratórias e (d) constitutivas/desconstitutivas insuscetíveis de produzir condenação certa ou de definir objeto litigioso de valor certo (v.g., REsp 651.929/RS).

Assim, em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Insti-tuto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.

Não sendo esse o caso dos autos, conheço da remessa oficial.

MéRITO

Aos trabalhadores rurais, ao completarem 60 anos de idade, se homem, ou 55, se mulher (Constituição Federal, art. 201, § 7º, inciso II; Lei nº 8.213/1991, art. 48, § 1º), é garantida a concessão de aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprovem o efetivo exercício de atividade ru-ral, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, igual ao número de meses correspondentes à carência do bene-fício (arts. 39, inciso I, e 48, § 2º, ambos da Lei de Benefícios). A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.

Para a verificação do tempo de atividade rural necessário, considera-se a tabela constante do art. 142 da Lei nº 8.213/1991 para os trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição desta Lei; para os demais casos, aplica--se o período de 180 meses (art. 25, inciso II). Em qualquer das hipóteses, deve ser levado em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias para a obtenção da aposentadoria, ou seja, idade mínima e tempo de trabalho rural.

Na aplicação dos artigos mencionados, deve-se atentar para os seguin-tes pontos: a) ano-base para a averiguação do tempo rural; b) termo inicial do período de trabalho rural correspondente à carência; c) termo inicial do direito ao benefício.

No mais das vezes, o ano-base para a constatação do tempo de serviço necessário será o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI; Lei de Benefícios, art. 102, § 1º).

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Nada obsta, entretanto, que o segurado, completando a idade necessária, permaneça exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que tanto o ano-base para a verificação do tempo rural quanto o início de tal período de trabalho, sempre contado retroativamente, será justamente a data da implemen-tação do tempo equivalente à carência.

Assim, a título de exemplo, se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 meses antes de 1997; b) 120 meses antes de 2001, c) períodos intermediários (102 meses antes de 1998, 108 meses antes de 1999, 114 meses antes de 2000).

No caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31.08.1994 (data da publicação da Medida Provisória nº 598, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei de Benefícios, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei nº 9.063/1995), o segurado deve comprovar o exercício de atividade rural, an-terior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), não se aplicando a tabela do art. 142 da Lei nº 8.213/1991.

A disposição contida nos arts. 39, inciso I, 48, § 2º e 143, todos da Lei nº 8.213/1991, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser com-provado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, deve ser interpretada em favor do segurado. Ou seja, tal regra atende àquelas situa-ções em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exer-cício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento admi-nistrativo, mas sua aplicação deve ser temperada em função do disposto no art. 102, § 1º, da Lei de Benefícios e, principalmente, em atenção ao princípio do direito adquirido, como visto acima.

Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será de-vido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, da data da citação (STJ, REsp 1450119/MT, 1ª S., Rel. Min. Benedito Gonçalves).

O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova tes-temunhal idônea – quando necessária ao preenchimento de eventuais lacu-nas – não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, e Súmula nº 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período cor-respondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de

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documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.

A respeito do trabalhador rurícola boia-fria, o Superior Tribunal de Jus-tiça, no julgamento do REsp 1.321.493/PR, recebido pela Corte como recurso representativo da controvérsia, traçou as seguintes diretrizes:

RECURSO ESPECIAL – MATÉRIA REPETITIVA – ART. 543-C DO CPC E RESO-LUÇÃO STJ Nº 8/2008 – RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – SEGURADO ESPECIAL – TRABALHO RURAL – INFORMALIDADE – BOIAS--FRIAS – PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL – ART. 55, § 3º, DA LEI Nº 8.213/1991 – SÚMULA Nº 149/STJ – IMPOSSIBILIDADE – PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO – IDÔNEA E ROBUS-TA PROVA TESTEMUNHAL – EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA – NÃO VIOLAÇÃO DA PRECITADA SÚMULA

1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de combater o abranda-mento da exigência de produção de prova material, adotado pelo acórdão recor-rido, para os denominados trabalhadores rurais boias-frias.

2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteri-za ofensa ao art. 535 do CPC.

3. Aplica-se a Súmula nº 149/STJ (“A prova exclusivamente testemunhal não bas-ta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário”) aos trabalhadores rurais denominados “boias-frias”, sendo im-prescindível a apresentação de início de prova material.

4. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula nº 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

5. No caso concreto, o Tribunal a quo, não obstante tenha pressuposto o afas-tamento da Súmula nº 149/STJ para os “boias-frias”, apontou diminuta prova material e assentou a produção de robusta prova testemunhal para configurar a recorrida como segurada especial, o que está em consonância com os parâmetros aqui fixados.

6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/2008 do STJ. (grifo nosso)

Saliente-se que, no referido julgamento, o STJ manteve decisão deste Re-gional que concedeu aposentadoria por idade rural a segurado que, tendo com-pletado a idade necessária à concessão do benefício em 2005 (sendo, portanto, o período equivalente à carência de 1993 a 2005), apresentou, como prova do exercício da atividade agrícola, sua CTPS, constando vínculo rural no intervalo

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de 01.06.1981 a 24.10.1981, entendendo que o documento constituía início de prova material.

Ainda no que concerne à comprovação da atividade laborativa do rurí-cola, é tranquilo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pela possibili-dade da extensão da prova material em nome de um cônjuge ao outro. Todavia, também é firme a jurisprudência que estabelece a impossibilidade de estender a prova em nome do consorte que passa a exercer trabalho urbano.

Esse foi o posicionamento adotado pelo Tribunal Superior no julgamento do REsp 1.304.479/SP, apreciado sob o rito dos recursos repetitivos.

Transcrevo o acórdão:

RECURSO ESPECIAL – MATÉRIA REPETITIVA – ART. 543-C DO CPC E RESO-LUÇÃO STJ Nº 8/2008 – RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – TRABALHO RURAL – ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI Nº 8.213/1991 – SEGURADO ESPECIAL – CONFIGURAÇÃO JURÍDICA – TRABALHO URBANO DE INTE-GRANTE DO GRUPO FAMILIAR – REPERCUSSÃO – NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO – EXTENSIBILIDADE PREJUDI-CADA

1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracteriza-ção da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei nº 8.213/1991.

2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC.

3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averi-guada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula nº 7/STJ).

4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com labor rurícola, como o de natureza urbana.

5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas prova em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta e período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da ca-rência, o que está e conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão.

6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/2008 do STJ. (grifo nosso)

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Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situa-ção específica dos autos.

A parte autora implementou o requisito etário em 24.06.2010 (fl. 11) e requereu o benefício na via administrativa em 27.08.2010 (fl. 13).

Para fins de constituição de início de prova material, a ser complementa-da por prova testemunhal idônea, foram apresentados documentos:

a) certidão de casamento, com assento em 1973, em que o cônjuge da parte autora foi qualificado como lavrador (fl. 15);

b) certidões de nascimento dos filhos, lavradas em 1976, em que o cônjuge da parte autora foi qualificado como lavrador (fls. 16-17);

c) carteira de filiação do cônjuge da parte autora ao Sindicato dos Tra-balhadores Rurais de Centenário do Sul/PR, indicando sua admissão à entidade em 24.03.1980 (fl. 22);

d) CTPS da autora, com registros de vínculos empregatícios:

d.1) como empregada doméstica, para Juana Ester Kogan de Souza Dias, de 01.08.1985 a 19.01.1988 e de 01.06.1991 a 08.11.1993;

d.2) como trabalhador agropecuário polivalente, na Fazenda Sinhazinha, de Marcos de Souza Dias, de 01.10.1994 a 30.03.2001 (fls. 20-21).

Na audiência de instrução realizada em 23.11.2011, foi colhido o depoi-mento pessoal da parte autora e ouvidas duas testemunhas, cuja gravação foi armazenada em mídia magnética (fls. 57-60).

Tendo a parte autora completado 55 anos em 24.06.2010 (fl. 11) e re-querido o benefício administrativamente em 27.08.2010 (fl. 13), deve com-provar o efetivo exercício de atividades agrícolas nos 174 meses anteriores a qualquer uma dessas datas (de 24.12.1995 a 24.06.2010 ou de 27.02.1996 a 27.08.2010), mesmo que de forma descontínua.

Contudo, observa-se que em ação previdenciária intentada anterior-mente, na qual a autora pleiteou a concessão de aposentadoria por tem-po de serviço/contribuição, esta Corte decidiu, quando do julgamento da AC 2007.70.99.005540-9/PR, por reconhecer o período de 13.03.1973 a 31.07.1985 como de tempo de serviço rural, afastando o reconhecimento dos interregnos de 01.01.1968 a 12.03.1973 e de 01.04.2001 a 31.03.2006.

Há, pois, coisa julgada parcial, porquanto parte do período a ser compro-vado na presente demanda coincide com o intervalo que, na ação anterior, já

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foi apreciado e considerado como não comprovado, em razão da prova docu-mental, considerada insuficiente.

O trânsito em julgado daquela decisão, ocorrido em 06.10.2009, impede a concessão do benefício, pois para tanto há necessidade de considerar o pe-ríodo de 01.04.2001 a 31.03.2006 para que seja atendido o requisito de com-provação do labor rural no período equivalente ao de carência, não podendo o intervalo ser reputado como mera solução de continuidade, já que superior a quatro anos.

Assim, ainda que na presente ação a autora tenha demonstrado o efe-tivo exercício de atividades rurais na condição de empregada, de 01.10.1994 a 30.03.2001, e de boia-fria, a partir de 04/2006 até 08/2010, isto representa apenas nove dos mais de quatorze anos necessários à concessão do benefício.

Cumpre ressaltar que, conforme jurisprudência consolidada, para a con-cessão de aposentadoria rural por idade (Lei nº 8.213/1991, art. 48, §§ 1º e 2º), o trabalhador deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, por tempo equivalente ao da carência, no período imediatamente anterior ao re-querimento do benefício (STJ, Pet 7476, Rel. p/ o Ac. Min. Jorge Mussi, 3ª S., DJ 29.07.2011; Ag 1424137, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJ 24.04.2012; REsp 1264614, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJ 03.08.2011; TRF 4ª R., EIAC 0010573-75.2010.404.9999, Relª Juíza Fed. Eliana Paggiarin Marinho, 3ª S., DE 17.08.2011; AR 2009.04.00.008358-9, Rel. Des. Fed. Celso Kipper, 3ª S., DE 18.06.2010), ressalvando-se, de um lado, por aplicação do art. 102, § 1º, da mesma Lei, a possibilidade de ser considerada como marco inicial da contagem retroativa do período de labor rural a data do implemento da idade necessária, ainda que bastante anterior à do requerimento, ou mesmo datas intermediárias entre esta e aquela, haja vista que, desde então, o segurado já teria o direito de pleitear o benefício, e, de outro, a descontinuidade da prestação laboral, entendida como um período ou períodos não muito longos sem atividade rural (TRF 4ª R., EIAC 0016359-66.2011.404.9999, Rel. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira, 3ª S., DE 15.05.2012; TRF 4ª R., AC 2006.71.99.001397-8, Rel. Des. Fed. Celso Kipper, 5ª T., DE 26.08.2008). Dentro dessa perspectiva, não tem direito ao benefício o trabalhador que não desempenhou a atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento ou ao cumprimento do requisito etário, ainda que perfaça tempo de atividade equivalente à carên-cia se considerado o trabalho rural desempenhado em épocas pretéritas (STJ, AgRg-REsp 1.242.720, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJ 15.02.2012; AgRg-REsp 1.242.430, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJ 09.05.2012; AgRg-REsp 1.298.063, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJ 25.04.2012; e, ainda, TRF 4ª R., EIAC 2004.70.03.002671-0, Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus, DE de 28.07.2008).

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Se o objetivo da lei fosse permitir que a descontinuidade da atividade agrícola pudesse consistir em um longo período de tempo – muitos anos ou até décadas –, o § 2º do art. 48 da LBPS não determinaria que o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de for-ma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do be-nefício, mas sim disporia acerca da aposentadoria para os trabalhadores rurais que comprovassem a atividade agrícola exercida a qualquer tempo. A locução “descontinuidade” não pode abarcar as situações em que o segurado deixa de desempenhar a atividade rural por muito tempo.

O argumento da desnecessidade de concomitância dos requisitos aplica--se à aposentadoria por idade urbana, consagrada pelo art. 48, caput, da Lei nº 8.213/1991. Afinal, em tal tipo de benefício por idade, fala-se em carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o benefi-ciário faça jus ao benefício pretendido) e se leva em conta a quantidade de con-tribuições vertidas pelo segurado ao sistema (art. 50 da LBPS). É diante dessas características que este Regional e o Superior Tribunal de Justiça vêm admitin-do, de forma reiterada, o preenchimento não simultâneo dos requisitos etário e de carência para a concessão de benefício do gênero, haja vista que a condição essencial para o deferimento é o suporte contributivo correspondente, posição que restou consagrada pelo art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003. Nesse sentido: STJ, EREsp 502420, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 3ª S., DJ de 23.05.2005, p. 147; STJ, EREsp 551997, Rel. Min. Gilson Dipp, 3ª S., DJ de 11.05.2005, p. 162; TRF 4ª R., EDAC 2003.04.01.000839-2, Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus, 6ª T., DJU de 30.06.2004; TRF 4ª R., AC 2005.04.01.008807-4, Rel. Des. Fed. Otávio Roberto Pamplona, 5ª T., DJU de 13.07.2005; TRF 4ª R., AC 2004.04.01.017461-2, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, 6ª T., DJU de 01.12.2004; TRF 4ª R., EIAC 1999.04.01.007365-2, Rel. Des. Fed. Luiz Fer-nando Wowk Penteado, 3ª S., DJU de 17.07.2002.

No caso, contudo, da aposentadoria rural por idade, devida independen-temente do aporte contributivo (arts. 26, inciso III, e 39, inciso I, ambos da Lei de Benefícios) e garantida com uma idade reduzida, releva justamente a prestação do serviço agrícola no período imediatamente anterior à época da aquisição do direito à aposentação, em número de meses idêntico ao período equivalente à carência. Em situações tais, pretender a concessão do benefício previdenciário sem o preenchimento simultâneo das exigências legais, consistiria, em verda-de, na combinação de dois sistemas distintos de outorga de aposentadoria, o que não é possível, porquanto acarretaria um benefício não previsto em lei. Essa, aliás, foi a posição adotada pela Terceira Seção deste Tribunal por ocasião do julgamento dos EIAC 2004.70.03.002671-0, Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus, DE de 28.07.2008 e, ainda, dos EIAC 2007.71.99.010262-1, Rel. Juiz Federal Alcides Vettorazzi, DE de 29.06.2009.

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No tocante à necessidade da observância simultânea dos seus requisitos (desempenho de atividade rural no período equivalente ao da carência e imple-mento da idade) para a concessão da aposentadoria rural por idade, além dos precedentes acima citados (em especial o da Terceira Seção do STJ na decisão da Petição nº 7.476/PR), veja-se recente julgado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Herman Benjamin:

PROCESSUAL CIVIL – PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR IDADE – CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADE RURAL PARA FINS DE APOSENTADORIA URBANA – INOBSERVÂNCIA DO CUMPRIMENTO DO REQUISITO DA CARÊNCIA DURANTE A ATIVIDADE URBANA – CONCES-SÃO DO BENEFÍCIO – IMPOSSIBILIDADE

1. Hipótese em que o Tribunal de origem concedeu ao agravante o benefício pre-videnciário de aposentadoria por idade ao somar o tempo de serviço rural, sem o correspondente suporte contributivo, ao tempo de serviço urbano.

2. A jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que inexiste óbice legal ao cômputo do tempo de serviço rural exercido anteriormente à edição da Lei nº 8.213/1991, independentemente do recolhimento das contribuições respecti-vas, para a obtenção de aposentadoria urbana, se durante o período de trabalho urbano é cumprida a carência exigida para a concessão do benefício.

3. No caso dos autos, o requisito da carência somente teria sido cumprido se contados os períodos da atividade rural exercida pelo agravante, uma vez que as contribuições do período urbano não seriam suficientes para atender a tal exi-gência. Sendo assim, é incabível a concessão do benefício, tendo em vista o não cumprimento do requisito carência.

4. O STJ pacificou o entendimento de que o trabalhador rural, afastando-se da atividade campesina antes do implemento da idade mínima para a aposentado-ria, deixa de fazer jus ao benefício previsto no art. 48 da Lei nº 8.213/1991. Isso porque o regramento insculpido no art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003, referente à desnecessidade de observância simultânea dos requisitos para a aposentação, restringiu sua aplicação somente às aposentadorias por contribuição, especial e por idade, as quais pressupõem contribuição.

5. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-REsp 1468762/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 14.10.2014, DJe 31.10.2014 – grifei)

Ademais, nas hipóteses em que a ausência de efetivo trabalho rural, por um período considerável, for decorrente do exercício de trabalho urbano, este só pode ser considerado para a concessão da aposentadoria por idade mista (Lei de Benefícios, art. 48, § 3º), que exige o implemento da idade de 65 anos, se homem, ou 60 anos, se mulher. O deferimento de aposentadoria rural por idade, em casos de expressiva interrupção da atividade campesina no período

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equivalente à carência, período no qual houve trabalho urbano, consubstan-ciaria, na verdade, a concessão da aposentadoria por idade mista com idade reduzida (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), em afronta ao § 3º do art. 48, acima mencionado.

De outro lado, se a larga interrupção no trabalho rural consistir em sim-ples e pura inatividade, a não concessão da aposentadoria rural por idade de-correrá justamente do não cumprimento de um dos dois únicos requisitos para a concessão do benefício, a saber, o efetivo exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao implemento da idade (ou do requerimento) em número de meses idêntico à carência.

Há de se lembrar que, em regra, nosso sistema previdenciário tem caráter contributivo (Constituição Federal, art. 201, caput), sendo razoável, no entanto, excepcioná-lo no caso de aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais, dadas as condições de trabalho normalmente desfavoráveis, a depender das condições do solo e das intempéries, e a exigir, muitas vezes, esforço desmedi-do e jornada estafante, isso sem falar do descaso, em termos de proteção social, a que aqueles foram relegados por décadas, em contraposição à sua relevante contribuição para o desenvolvimento nacional. Entretanto, razoável também que a legislação exija, para o deferimento do benefício – que é garantido, re-pito, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias e com o implemento de uma idade reduzida – que no período equivalente ao da carência, imediatamente anterior ao cumprimento da idade, haja o efetivo desempenho das lides rurícolas, salvo descontinuidade consistente em curto ou curtos períodos de inatividade ou de trabalho não rural, que não afasta a condição de segurado especial do lavrador (STJ, 1ª T., AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 167.141/MT, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Julgado em 25.06.2013). Não vislumbro, portanto, inconstitucionalidade na lei que da-quela forma dispôs, nem desvalorização do trabalho rural desempenhado em tempo pretérito, desvinculado e não simultâneo com o período equivalente ao da carência, na mesma medida em que não é desvalorizado, por exemplo, o trabalho (urbano) de um pedreiro autônomo pelo fato de lhe ser recusada a aposentadoria em razão de ausência de recolhimento de contribuições previ-denciárias. São dois regimes distintos, com pressupostos e requisitos próprios: neste último (urbano), privilegia-se o recolhimento de contribuições e se exige o cumprimento de uma idade maior; no primeiro (rural), desobriga-se o segurado do recolhimento de contribuições e garante-se a aposentadoria com uma idade reduzida, mas, em contrapartida, exige-se o efetivo exercício de atividade rural em período (equivalente ao da carência) imediatamente anterior à época da aquisição do direito à aposentação.

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A respeito do interregno que pode ser considerado como curto período de não exercício do trabalho campesino, para o efeito de não descaracterizar a condição de segurado especial e possibilitar a perfectibilização do período equivalente ao da carência, ficando a interrupção, dessa forma, albergada no conceito de descontinuidade, tenho o entendimento de que deve ser associado, por analogia, ao período de graça estabelecido no art. 15 da Lei de Benefícios, podendo chegar, portanto, conforme as circunstâncias, ao máximo de 38 meses [24+12+2]. Esta exegese, no tocante à utilização do período de graça do art. 15 da Lei de Benefícios como parâmetro de aferição do tempo de descontinuidade permitido, tem ressonância no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, como se observa de recente julgamento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justi-ça, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – SEGU-RADO ESPECIAL – ART. 11, § 9º, III, DA LEI Nº 8.213/1991 COM A REDAÇÃO ANTERIOR À LEI Nº 11.718/2008 – EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA NO PERÍODO DE CARÊNCIA – ADOÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DO PERÍODO DE GRAÇA – ART. 15 DA LEI Nº 8.213/1991 – AGRAVO NÃO PRO-VIDO

1. Os arts. 39, I, e 143 da Lei nº 8.213/1991 dispõem que o trabalhador rural enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social na forma do inciso VII do art. 11 [segurado especial], tem direito a requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício.

2. A norma previdenciária em vigor à época do ajuizamento da ação, antes do advento da Lei nº 11.718/2008, não especificava, de forma objetiva, quanto tem-po de interrupção na atividade rural seria tolerado para efeito da expressão legal “ainda que de forma descontínua”.

3. A partir do advento da Lei nº 11.718/2008, a qual incluiu o inciso III do § 9º do art. 11 da Lei nº 8.213/1991, o legislador possibilitou a manutenção da qua-lidade de segurado especial quando o rurícola deixar de exercer atividade rural por período não superior a cento e vinte dias do ano civil, corridos ou intercala-dos, correspondentes ao período de entressafra. Todavia, a referida regra, mais gravosa e restritiva de direito, é inaplicável quando o exercício da atividade for anterior à inovação legal.

4. A teor do disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, diante da ausência de parâmetros específicos indicados pelo legislador originário, mostra-se mais consentânea com o princípio da razoabi-lidade a adoção, de forma analógica, da regra previdenciária do art. 15 da Lei nº 8.213/1991, que garante a manutenção da qualidade de segurado, o chamado “período de graça”.

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5. Demonstrado que a parte recorrente exerceu atividade urbana por período superior a 24 (vinte e quatro) meses no período de carência para a aposentadoria rural por idade, forçosa é a manutenção do acórdão recorrido.

6. Agravo regimental não provido.

(AgRg-REsp 1354939/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 1ª T., Julgado em 16.06.2014, DJe 01.07.2014)

Ressalte-se, ainda, que a interpretação acima é plenamente aplicável nas seguintes circunstâncias: a) aos períodos equivalentes à carência com-preendidos, total ou parcialmente, em tempo anterior à publicação da Lei nº 11.718/2008, independentemente de a descontinuidade no trabalho rural consistir em completa inatividade ou decorrer de atividade urbana remunera-da; b) aos períodos equivalentes à carência que se seguirem à publicação da aludida lei (total ou parcialmente), quando a descontinuidade no trabalho rural consistir em inatividade.

Tratando-se, porém, (c) de período equivalente à carência que se perfec-tibilizar sob a égide da Lei nº 11.718/2008, que acrescentou o § 9º ao art. 11 da Lei de Benefícios, e da Lei nº 12.873/2013 (que alterou a redação do seu inciso III), no tocante à porção de tempo posterior a tais leis, quando a descontinui-dade for decorrente de atividade urbana remunerada, deve-se ter como norte o estabelecido nas aludidas leis, ou seja, considera-se possível a interrupção no trabalho rural sem descaracterizar a condição de segurado especial se o exercí-cio de atividade remunerada não exceder a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil.

Como se vê, não está demonstrado o labor rural em mais de quatro anos do período correspondente à carência, não se aplicando, dessa forma, o concei-to de descontinuidade previsto no art. 143 da Lei nº 8.213/1991.

Ainda que indevida a inativação, no que diz respeito ao exercício de ati-vidades rurais pela postulante no período de 01.04.2006 a 23.06.2010, entendo que restou plenamente comprovado, por meio da juntada da documentação acima elencada, apta a constituir início de prova material da atividade agrícola, corroborada pela prova testemunhal, que, por sua vez, atestou o trabalho agrí-cola da demandante, na condição de segurada especial.

Assim, cabível a reforma parcial do julgado de primeiro grau, reconhe-cendo-se o labor rural pela recorrida entre 01.04.2006 a 26.08.2010, mas dei-xando-se de se conceder a aposentadoria postulada.

Considerando a sucumbência recíproca e em igual proporção, os ho-norários advocatícios, fixados em R$ 788,00, devem ser suportados de forma equivalente pelas partes e compensados.

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As custas processuais também devem ser distribuídas de forma equitativa entre as partes, ficando suspensa a exigibilidade da parte cabível à autora, por-que beneficiária da Assistência Judiciária Gratuita.

Considerando, por fim, a eficácia mandamental dos provimentos funda-dos no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujei-ta, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF 4ª R., 3ª S., Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. p/ o Ac. Des. Fed. Celso Kipper, Julgado em 09.08.2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reconhecido (CPF XXXX), a ser efetivada em 45 dias.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reconhecido.

Juiz Federal Marcelo Malucelli Relator

eXtrAto de AtA dA sessão de 19.08.2014

Apelação Cível nº 0009038-09.2013.404.9999/PR

Origem: PR 00020823320108160066

Relator: Juiz Federal Luiz Antonio Bonat

Presidente: Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira

Procurador: Procurador Regional da República Carlos Eduardo Copetti Leite

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria Regional da PFE-INSS

Apelado: Josefina da Conceição dos Santos Souza

Advogado: Donizete Aparecido Cogo

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19.08.2014, na sequência 109, disponibilizada no DE de 04.08.2014, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Retirado de pauta.

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Gilberto Flores do Nascimento Diretor de Secretaria

eXtrAto de AtA dA sessão de 29.04.2015

Apelação Cível nº 0009038-09.2013.404.9999/PR

Origem: PR 00020823320108160066

Relator: Juiz Federal Marcelo Malucelli

Presidente: Desembargador Federal João Batista Pinto Silveira

Procurador: Procurador Regional da República Marcus Vinicius de Aguiar Macedo

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria Regional da PFE-INSS

Apelado: Josefina da Conceição dos Santos Souza

Advogado: Donizete Aparecido Cogo

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29.04.2015, na sequência 227, disponibilizada no DE de 15.04.2015, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à averbação do tempo reconhecido.

Relator Acórdão: Juiz Federal Marcelo Malucelli

Votante(s): Juiz Federal Marcelo Malucelli Desª Federal Vânia Hack de Almeida Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Gilberto Flores do Nascimento Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

3040

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoApelação Criminal nº 12116 PB (2007.82.01.001030‑4)Apte.: Pedrina Félix do NascimentoRepte.: Defensoria Pública da UniãoApdo.: Ministério Público FederalParte R.: Maria do Socorro dos SantosOrigem: 4ª Vara Federal da Paraíba/PBRelator: Desembargador Federal Bruno Carrá (Convocado) – Primeira Turma

ementA

PENAL E PROCESSO PENAL – FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 229, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP) – PRESCRIÇÃO RETROATIVA – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

1. Apelação criminal interposta contra sentença exarada pelo juízo da 4ª Vara Federal da Paraíba, a qual condenou a ré à pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direitos e uma pena de multa, pela prática do crime previsto no art. 299, caput e parágrafo único, do Código Penal.

2. Após o trânsito em julgado para a acusação, segundo o art. 100, § 1º do CP, com redação vigente à época dos fatos narrados na de-núncia, a prescrição regula-se pela pena aplicada in concreto e de acordo com os prazos fixados no art. 109 do CP.

3. Apesar de a pena privativa de liberdade aplicada pelo juízo a quo ter sido substituída por uma sanção restritiva de direitos, aplica-se a ele e à pena de multa o mesmo prazo prescricional da privativa de liberdade (arts. 109, parágrafo único, e 114, II, ambos do CP).

4. In casu, pelo cometimento do delito previsto no art. 299, caput e parágrafo único, do Código Penal a pena privativa de liberdade im-posta a ré foi de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão. Portanto a prescrição, na hipótese dos autos, consuma-se em 04 anos (art. 109, V, do CP).

5. Conforme se infere da denúncia, a apelante, ao preencher uma ficha de saúde, dolosamente falsificou a data para 13.01.2000, sen-do que o documento na realidade foi elaborado no dia 04.12.2003. Como a denúncia foi recebida apenas em 25.11.2010 (fls. 09/10),

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������175

verifica-se que transcorreu lapso temporal superior aos 04 (quatro) anos previstos no art. 109, IV, do CP.

6. Apelação provida para declarar extinta a punibilidade da ré, pela prescrição penal retroativa (art. 107, IV; art. 109, V; e art. 117, I, todos do CP).

Acórdão

Vistos e relatados os presentes autos, decide a Primeira Turma do Tribu-nal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apela-ção, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento.

Recife, 22 de janeiro de 2015 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Bruno Carrá Relator Convocado

relAtórIo

O Desembargador Federal Bruno Carrá (Relator Convocado): Cuida-se de apelação criminal (fls. 394/395) interposta por Pedrina Félix do Nascimento contra sentença exarada pelo juízo da 4ª Vara Federal da Paraíba (fls. 354/374), a qual condenou a ré à pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direitos e uma pena de multa, pela prática do crime previsto no art. 299, caput e parágrafo único, do Código Penal.

Nas suas razões de apelação, pugnou pelo reconhecimento da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal, com fulcro no art. 110 do Código Penal Brasileiro.

Contrarrazões do MPF às fls. 426/428.

Parecer da Procuradoria Regional da República às fls. 447/448, opinando pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

Por força de distribuição, vieram-me os autos conclusos.

Relatei.

Desembargador Federal Bruno Carrá Relator Convocado

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176 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

voto

O Desembargador Federal Bruno Carrá (Relator Convocado): Cuida-se de apelação criminal (fls. 394/395) interposta por Pedrina Félix do Nascimento contra sentença exarada pelo juízo da 4ª Vara Federal da Paraíba (fls. 354/374), a qual condenou a ré à pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, substituída por uma pena restritiva de direitos e uma pena de multa, pela prática do crime previsto no art. 299, caput e parágrafo único, do Código Penal.

Consoante o art. 117, I, do CP, a prescrição interrompe-se pelo recebi-mento da denúncia. Além disso, após o trânsito em julgado para a acusação, segundo o art. 110, § 1º, do CP (com redação vigente à época dos fatos narrados na inicial). A prescrição regula-se pela pena concretamente aplicada e de acor-do com os prazos fixados no art. 109 do CP.

Apesar de a pena privativa de liberdade aplicada pelo juízo a quo ter sido substituída por uma sanção restritiva de direitos, aplica-se a ele e à pena de mul-ta o mesmo prazo prescricional da privativa de liberdade (arts. 109, parágrafo único, e 114, II, ambos do CP).

In casu, pelo cometimento do delito previsto no art. 299, caput e parágra-fo único, do Código Penal a pena privativa de liberdade imposta a Pedrina Félix do Nascimento foi de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão. Portanto, a prescrição, na hipótese dos autos, consuma-se em 04 anos (art. 109, V, do CP).

Conforme se infere da denúncia, a apelante, ao preencher uma ficha de saúde, dolosamente falsificou a data para 13.01.2000, sendo que o documento na realidade foi elaborado no dia 04.12.2003. Como a denúncia foi recebida apenas em 25.11.2010 (fls. 09/10), verifica-se que transcorreu lapso temporal superior aos 04 (quatro) anos previstos no art. 109, IV, do CP.

Com essas considerações, dou provimento à apelação para declarar ex-tinta a punibilidade da ré Pedrina Félix do Nascimento, pela prescrição penal retroativa (art. 107, IV; art. 109, V; e art. 117, I, todos do CP).

É como voto.

Desembargador Federal Bruno Carrá Relator Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

Administrativo

3041 – Concessão – bem público – aeroporto – direito subjetivo à autorização e prorrogação – inexistência

“Administrativo. Autorização de funcionamento jurídico de sociedade submetida às regras da aviação civil. Concessão de uso de bem público em aeroporto. Direito subjetivo à autorização e prorrogação. Inexistência. I – A autorização para funcionamento jurídico da empresa, ora apelante, restou revogada pela Portaria DAC nº 615, de 30 de junho de 2005, inexistindo dúvidas, portanto, de que houve a rescisão dos contratos de concessão de uso em exame, em razão da perda de au-torização. Por outro lado, não demonstra a apelante, de forma incontestável, qualquer ilegalidade no ato administrativo de revogação, sobretudo quantos aos seus requisitos. II – Como bem ensina Odete Medauar (in Direito administrativo moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 398/399), a autorização é um ato administrativo discricionário e precário por meio do qual o Poder Público faculta o exercício de uma determinada atividade, analisando a conveniência e a oportunidade da outorga, sem gerar direito subjetivo aos seus responsáveis. III – Diante da ausên-cia de autorização válida e vigente que legitime a concessionária para o exercício de sua atividade, e não demonstrada qualquer ilegalidade na sua revogação, não há que falar em direito à prorroga-ção do contrato de concessão de uso. IV – Frise-se, ademais, que a natureza do contrato firmado pela Infraero com empresa privada envolvendo o uso de imóvel de propriedade da União é de direito público, já que tem natureza jurídica de contrato administrativo e, diverso do que sustenta a apelante, não há que falar, na espécie, em direito subjetivo à prorrogação ou renovação automá-tica do contrato de concessão de uso. V – A prorrogação, ao revés, possui natureza excepcional e bilateral, não se obrigando a Administração a se submeter a prorrogações sucessivas que con-trariem o interesse público e provoquem desequilíbrio econômico-financeiro, sob pena de afronta direta ao princípio da exigibilidade de licitação, consagrado no art. 37, inciso XXI da CF/1988, garantidor da moralidade administrativa e do tratamento isonômico de todos os eventuais inte-ressados em contratar com a Administração. VI – Apelo a que se nega provimento.” (TRF 2ª R. – AC 2005.51.01.021529-0 – 5ª T.Esp. – Rel. Theophilo Miguel – DJe 10.04.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação em epígrafe foi interposta contra sentença proferida nos autos de ação ajuizada contra a União Federal e a Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária – Infraero, onde a autora, ora apelante, almejava a renovação da Autorização de Operação e a prorrogação do prazo de contrato de concessão de uso.

Sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, com base no art. 269, I, do CPC, con-cluindo pela inexistência do direito alegado.

Inconformada, a apelante interpôs recurso alegando que faria jus à renovação de Autorização de Operação, bem como a prorrogação do prazo contratual da concessão de uso de bem público (área no aeroporto de Jacarepaguá).

A 5ª Turma do TRF da 2ª Região afirmou que nos contratos de concessão de uso com a Infraero havia a previsão da perda de autorização que legitime a concessionária para o exercício da ativi-dade. Havia a previsão também de que uma vez que os contratos estivessem findos, rescindidos ou resilidos, a Infraero estaria imediatamente na posse da área, inexistindo ao concessionário o direito à indenização ou compensação.

Além disso, enfatizou que uma das características da autorização é a precariedade e a revoga-bilidade a qualquer tempo, logo, não já o que se falar em direito adquirido à prorrogação do referido contrato.

Por fim, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença na íntegra.

Do voto do Relator, destacamos:

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“[...] Por outro lado, não demonstra a apelante, de forma incontestável, qualquer ilegalidade no ato administrativo de revogação, sobretudo quantos aos seus requisitos.

Descabida a alegação, ainda, de haver direito subjetivo à autorização de funcionamento jurídico.

Com efeito, a autorização de funcionamento jurídico em exame, é ato administrativo unilateral, discricionário e precário.

Nesse aspecto, como bem salienta Marçal Justen Filho (in Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 392), a autorização corresponde a ato administrativo praticado no exercício de competência discricionária, tendo por objetivo o desempenho de uma atividade, o exercício de um direito ou a constituição de uma situação de fato, caracterizando-se pelo caráter de precariedade e revogabilidade a qualquer tempo.

[...]

Noutro giro, diante da ausência de autorização válida e vigente que legitime a concessionária para o exercício de sua atividade, e não demonstrada qualquer ilegalidade na sua revogação, não há que falar em direito à prorrogação do contrato de concessão de uso. [...]”

Colacionamos os seguintes julgados sobre a precariedade da autorização de uso de bem público:

“APELAÇÃO – DIREITO ADMINISTRATIVO – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA – AUTORIZAÇÃO DE USO DE ÁREA PÚBLICA – VENDEDORES AMBULANTES – FEIRA DE ARTESANATO DA TORRE DE TELEVISÃO – ATO PRECÁRIO – JUíZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – 1. Repele-se a assertiva de cerceamento de defesa, haja vista que a questão resta passível de ser dirimida mediante a análise dos documen-tos apresentados à luz do direito vigente. 2. A autorização é um ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual a administração pública faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade material. Diante do caráter de precariedade, o poder público pode, a qualquer tempo e por ato unilateral, desfazer o ato, no exercício do seu poder de polícia, e considerando o interesse público (Acórdão nº 598607, 20090111445493APC, Relª Desª Vera Andrighi, Publicado no DJe: 29.06.2012). 3. Em se tratando de autorização de uso de área pública por quiosque destinado à venda de lanches na região da feira de artesanatos da torre de televisão, a permanência do administrado fica sujeita ao prazo estipulado no termo de autoriza-ção de uso emitido, não havendo obrigatoriedade da administração em renovar a autorização. 4. Preliminar rejeitada. Negou-se provimento ao recurso.” (TJDFT – Ap 20120111717517 – (782997) – Rel. Des. Flavio Rostirola – DJe 08.05.2014 – p. 103) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 142000309306. Acesso em: 27.04.2015)

“APELAÇÃO CíVEL EM AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DE POSSE – BEM PÚBLICO – AUTORIZA-ÇÃO DE USO – DISCRICIONARIEDADE E PRECARIEDADE DO ATO – Notificação prévia dos interessados acerca da retomada do bem e da falta de interesse da administração em prorro-gar o contrato. Sentença mantida. Recurso conhecido e improvido à unanimidade.” (TJPA – AC 20103018348-2 – (139156) – São Domingos do Capim – 2ª C.Cív.Isol. – Relª Helena Percila de Azevedo Dornelles – DJe 20.10.2014 – p. 119) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 149000059383. Acesso em: 27.04.2015)

3042 – Concurso público – professor adjunto – contratações temporárias – preterição – ausência

“Administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Cargo de professor adjunto. Apro-vação fora do número de vagas. Contratações temporárias. Ausência de preterição. 1. São distin-tas as vagas ofertadas através de concurso público para provimento de cargos de modo efetivo/permanente e de processo seletivo para contratação temporária, já que na primeira pretende-se ocupar um cargo público efetivo que se encontra vago, enquanto na segunda tenciona-se apenas o desempenho da função pública, sem ocupar qualquer cargo. 2. A contratação temporária, mesmo no prazo de validade de concurso para preenchimento de cargos efetivos, se mostra legítima diante da inexistência de cargos de provimento efetivo desocupados. Precedentes desta Corte e do Colen-do STJ. 3. Remessa necessária e apelação conhecidas e providas. Revogação da liminar deferida. Denegação da ordem.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2012.51.02.000641-0 – (565351) – 8ª T.Esp. – Rel. Marcelo Pereira da Silva – DJe 22.04.2015)

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3043 – Dano moral – direito eleitoral – título de eleitor – não emissão – erro da administração – cabimento

“Administrativo. Não emissão de título de eleitor. Erro da administração. Danos morais. Cabimen-to. Reparação. Proporcionalidade. Sucumbência. 1. Ao requerer sua inscrição eleitoral perante a 237ª Zona Eleitoral da Comarca de Mairiporã, a autora foi informada acerca da impossibilidade de emissão de seu título eleitoral dentro do prazo. Destarte, a autora restou impossibilitada de votar nas eleições. 2. Conforme documento emitido pela Corregedoria Regional Eleitoral o proce-dimento do sistema de alistamento da Justiça Eleitoral excluiu, erroneamente, o nome da autora da relação de inscritos para emissão de título. 3. A simples impossibilidade de votar já configura o alegado dano moral, visto que evidente o impedimento ao exercício de direito por parte da autora. Destarte, não sendo necessária a comprovação de situação vexatória ou eventuais abalos à saúde da parte. 4. A reparação do dano moral não pode irrisória nem exorbitante, devendo ser fixado em patamar razoável. 5. Vê-se que o montante fixado em sentença guarda consonância com a juris-prudência pátria que tem estabelecido valores razoáveis fixação das indenizações por dano moral, pois não representa quantia desprezível e tem o caráter de reprimir a prática da conduta danosa, não sendo valor irrisório e nem abusivo, a ponto de ensejar enriquecimento ilícito do autor. 6. O quantum fixado deverá ser corrigido monetariamente, a partir da data do arbitramento (Súmula nº 362 do C. STJ), com a incidência de juros moratórios, utilizando-se os índices previstos na Resolução nº 267/2013 do CJF, excluídos os índices da poupança, tendo em vista que o C. STF en-tendeu pela inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, adotando o posicionamento de que a eleição legal do índice da caderneta de poupança para fins de atualização monetária e juros de mora ofende o direito de propriedade (ADI 4357, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, Julgado em 14.03.2013, Acórdão Eletrônico DJe-188, Divulg. 25.09.2014, Public. 26.09.2014). Nesse sentido: RE 798541-AgR, Relª Min. Cármen Lúcia, 2ª T., Julgado em 22.04.2014, Acórdão Eletrônico DJe-084, Divulg. 05.05.2014, Public. 06.05.2014. 7. Mantenho a condenação em honorários advocatícios em atenção ao princípio da causalidade. 8. Apela-ção da autora improvida. Apelação da União parcialmente provida.” (TRF 3ª R. – AC 0002250-84.2005.4.03.6119/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 10.04.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação é oriunda de ação ajuizada contra a União almejando a condenação desta ao res-sarcimento em danos morais decorrentes da emissão intempestiva de título eleitoral da autora.

Alega a autora que em 05.02.20004 requereu sua inscrição eleitoral perante a 237ª Zona Eleitoral da Comarca de Mairiporã. Tal inscrição foi deferida, mas no dia 11.09.2004 obteve a informação de que seu nome não se encontrava no sistema eleitoral, o que impossibilitou a emissão do título a tempo de garantir sua participação nas eleições daquele ano.

Enfatiza que o título deixou de ser emitido em razão de perseguição, já que o seu pai possui irregularidades perante a Justiça Eleitoral.

O juízo a quo condenou a União ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 5 salários mínimos. Além disso, condenou a União ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00.

Irresignada com a sentença proferida, a autora interpôs apelação alegando a existência de prova testemunhal acerca do constrangimento e perseguições sofridos no momento em que compare-ceu à zona eleitoral para emissão do título. Diante disso, almeja majoração da indenização para 200 salários mínimos.

A União também apelou afirmando que inexiste dano moral, já que a autora só buscou a inscri-ção eleitoral ao atingir a maioridade, ou seja, só votaria em virtude da obrigatoriedade do ato, não havendo o que se falar em abalos relevantes pela não emissão do título de eleitor. Ressaltou a prevalência do interesse público na modernização do sistema eleitoral, devendo ser relevadas eventuais falhas ocorridas durante tal processo. Busca a correção das taxas de juros e dos ônus sucumbenciais.

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Na análise dos recursos ora interpostos, a 6ª Turma do TRF 3ª Região entendeu que a simples impossibilidade de votar já configura o dano moral, já que se trata de impedimento ao exercício de direito por parte da autora. Assim, desnecessária a comprovação de situação vexatória ou eventuais abalos à saúde da parte.Ocorre que a reparação do dano em questão não pode ser irrisória nem exorbitante, devendo ser fixada em patamar razoável. Diante disso, o pedido de majoração da quantia foi negado.Por fim, foi negado provimento ao recurso da autora e quanto ao recurso da União foi dado parcial provimento apenas para restabelecer os índices de juros.Em seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes no que tange à indenização pelo impedi-mento ao direito de voto:“[...] Presentes o ato causador, o dano e o nexo causal, resta evidenciada a responsabilidade da ré para arcar com a indenização ao autor.Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência, consoante os seguintes julgados:CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO – DIREITO AO VOTO – IMPEDIMENTO – DANO MORAL PRESUMIDO – INDENIZAÇÃO – RA-ZOABILIDADE – JUROS DE MORA – ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/1997 (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.960/2009) – INCIDÊNCIA – 1. A responsabilidade objetiva pressupõe a responsabilidade do Estado pelo comportamento dos seus agentes que, agindo nessa qualidade, causem prejuí-zos a terceiros. Impõe, tão somente, a demonstração do dano e do nexo causal, mostrando-se prescindível a demonstração de culpa, a teor do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. Os ele-mentos de prova produzidos nos autos indicam que o motivo da suspensão do título eleitoral do autor (art. 14, § 2º, da Constituição Federal) não mais subsistia quando das eleições de outubro de 2002. 3. A concretização dos direitos e garantias fundamentais está umbilicalmente relacio-nada ao livre exercício dos direitos políticos. Muito embora nossa ordem constitucional preveja hipóteses de participação popular direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), a implemen-tação de políticas públicas, bem assim a edição de atos normativos, opera-se de forma indireta, ou seja, por intermédio de representantes eleitos. Danos morais presumidos 4. Por atender à dupla finalidade de compensar o lesado e desestimular o ofensor, bem como aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor da indenização fixado pela sentença (R$ 1.000,00) não merece reforma. 5. Considerada a natureza instrumental dos juros de mora, as alterações do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, introduzidas pela Lei nº 11.960/2009, têm aplicação imediata aos processos em curso, tendo em vista o princípio do tempus regit actum. Precedente do C. STJ. 6. Apelação parcialmente provida.” (TRF 3ª R., 6ª T., AC 00095503720034036000, Des. Rel. Mairan Maia, e-DJF 3 12.04.2012)PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – INTERESSE RECURSAL – TíTULO DE ELEITOR – CANCELAMENTO POR ÓBI-TO – CONDUTA, DANO E NEXO CAUSAL PRESENTES – INDENIZAÇÃO FIXADA EM VALOR RA-ZOÁVEL – 1. No caso, denota-se o interesse recursal da parte autora, na medida em que pleiteou na inicial o pagamento de indenização por dano moral a ser fixado em 1.000 (um mil) salários mínimos vigentes à época de seu efetivo pagamento, sendo-lhe, entretanto, concedido uma indenização no importe de R$ 6.000,00 (seis mil reais), pela r. sentença recorrida. 2. O dano so-frido pela autora encontra-se atrelado ao cancelamento de seu título de eleitor pela ‘FASE 019’, ou seja, falecimento do titular, situação que lhe ocasionou problemas momentâneos de saúde, assim como lhe impediu de exercer seu direito de votar nas eleições. 3. O cancelamento da inscrição eleitoral da autora foi efetuado erroneamente, conforme reconhecido pelo próprio órgão eleitoral (documentos acostados aos autos). 4. Presentes o ato causador, o dano e o nexo causal, fica evidenciada a responsabilidade da ré para arcar com a indenização à autora. 5. O montante requerido pela autora, em seu recurso, não guarda consonância com a jurisprudência pátria que tem estabelecido valores bem mais comedidos na fixação das indenizações por dano moral. Apesar dos dissabores causados à autora, inexiste justificativa para o arbitramento de montante astronômico, mormente porque não restaram evidenciadas outras consequências advindas nem quaisquer restrições relacionadas à sua vida pessoal ou profissional. 6. Da mesma forma, con-siderando as peculiaridades do caso concreto, não há razão que justifique a redução do valor da indenização. 7. Destarte, deve ser mantido o valor fixado na r. sentença a título de indenização por danos morais, pois não representa quantia desprezível e tem o caráter de reprimir a prática da conduta danosa, não sendo valor irrisório e nem abusivo, a ponto de ensejar enriquecimento ilícito da autora. 8. Apelações e remessa oficial, tida por interposta, improvidas. (TRF 3ª R., 6ª T., AC 00032845020024036103, Relª Desª Consuelo Yoshida, DJU 24.05.2013). [...]”

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3044 – Ensino – ocupação simultânea de vagas – instituições públicas – vedação

“Administrativo. Agravo regimental em recurso especial. Ensino. Ocupação simultânea de vagas em duas instituições públicas de ensino superior. Vedação. Lei nº 12.089/2009. Tese não suscitada perante o tribunal de origem. Supressão de instância. 1. A Lei nº 12.089/2009 vedou a ocupação simultânea, por um mesmo estudante, de mais de uma vaga em curso de graduação oferecido por instituição pública de ensino superior, ressalvada a situação em que o ‘aluno que ocupar, na data de início de vigência desta Lei, 2 (duas) vagas simultaneamente poderá concluir o curso regular-mente’ (art. 4º). 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que ‘o vocábulo “ocupar” não alcança a mera inscrição no processo seletivo, tendo em vista que a ocupação da vaga na institui-ção pública de ensino superior pressupõe não somente a aprovação no certame, como também a subsequente efetivação da matrícula’ (REsp 1265406/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgamento 02.02.2012, DJe 17.02.2012). Assim, a exceção contida no art. 4º da Lei nº 12.089/2009 não é aplicável ao caso dos autos. 3. A tese de que ‘em decorrência da aplicação da teoria do fato con-sumado’ devem ser ‘resguardados expressamente o aproveitamento dos créditos cursados pelos alunos até o trânsito em julgado da decisão nesses autos’, não foi debatida perante o Tribunal a quo, o que inviabiliza a sua análise por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.501.163 – (2014/0316147-0) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 14.04.2015)

Destaque Editorial SÍNTESESelecionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPA-DA – OCUPAÇÃO DE DUAS VAGAS EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR – CANDIDATO ELIMINADO DURANTE A REALIZAÇÃO DE MATRíCULA – 1. O art. 2º da Lei nº 12.089/2009 é claríssimo ao proibir expressamente a ocupação simultânea de duas vagas em cursos de gra-duação de instituições públicas de ensino superior. 2. Efetuada a matrícula na UFRJ, o autor deveria ser comunicado para optar por uma das vagas no prazo de 5 (cinco) dias e, em caso de não comparecimento no prazo determinado, caberia à instituição pública de ensino superior res-ponsável pela constatação da ocupação simultânea de vagas proceder ao cancelamento da ma-trícula mais antiga, conforme dispõe o art. 3º, caput e § 1º, I, da Lei supracitada. 3. O agravante comprovou que a sua matrícula na UFRJ não foi concluída, uma vez que o mesmo teria sido eliminado por não comparecer na data prevista para a inscrição em disciplinas, razão pela qual não há que se falar em ocupação simultânea de duas vagas em instituições publicas de ensino, sendo certo que a vaga na UFRJ não foi ocupada pelo recorrente. 4. Conforme informado no Ofício nº 148/GR-UFRRJ, a matrícula do agravante ‘foi efetivamente cancelada, pelo motivo ex-posto (duplicidade de procedimento de matrícula detectado pelo Sisu)’. Verifica-se a presença do fumus boni iuris, requisito essencial para a concessão da tutela antecipada, conforme art. 273 do Código de Processo Civil. 5. Agravo de instrumento conhecido e provido.” (TRF 2ª R. – Ag 2013.02.01.018526-6 – (238372) – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Jose Antonio Lisboa Neiva – e-DJF2R 30.04.2014 ) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 108000246475. Acesso em: 16.04.2015)

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – OCUPAÇÃO SIMULTÂ-NEA DE VAGAS EM DUAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR – VEDAÇÃO – INSCRIÇÃO NO VESTIBULAR – SITUAÇÃO NÃO EXCEPCIONADA – LEI Nº 12.089/2009 – 1. Esta Corte Superior adota entendimento segundo o qual, nos termos da Lei nº 12.089/1990, é vedado a uma mesma pessoa ocupar simultaneamente, na condição de estudante, duas vagas no curso de graduação em uma ou mais de uma instituição pública de ensino superior em todo o território nacional. Assentou-se, ainda, que deve ser ressalvado o direito do aluno que, na data de início de vigência desta Lei, já ocupasse as duas vagas concomitantemente, situação em que o aluno poderia concluir os cursos regularmente. 2. Os alunos que não se encontravam nessa situação, quando da vigência da referida legislação, inclusive aqueles que estavam inscritos para o vestibular, sujeitam-se à vedação imposta pela norma em comento, uma vez que titulares

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de mera expectativa de direito. 3. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.328.177 – (2012/0120385-1) – 2ª T. – Relª Min. Eliana Calmon – DJe 13.06.2013 – p. 1634) (Disponí-vel em online.sintese.com, sob o nº 101000311842. Acesso em: 16.04.2015)

3045 – Improbidade administrativa – bem público – doação a particular – licitação – impres­cindibilidade

“Processual civil. Doação. Licitação pública. Improbidade administrativa. 1. Em que pese o art. 17 da Lei nº 8.666/1993 dispensar o procedimento licitatório para doação de bem público, verifico que no caso de doação de bem público a particular é necessário e imprescindível o prévio procedimento licitatório. No caso de doação com encargo, o procedimento licitatório também é regra, sendo dispensada apenas no caso de interesse público devidamente justificado. 2. Aliena-ção gratuita a particular de bem público implica violação a princípios constitucionais e ao Erário, caracterizando ato de improbidade administrativa. 3. O Superior Tribunal de Justiça já saliento que é possível agentes políticos serem processados por ação de improbidade administrativa, ine-xistindo litisconsórcio necessário com terceiros supostamente beneficiários.” (TJES – Ap 0000338-64.2000.8.08.0037 – Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior – DJe 11.05.2015)

3046 – Políticas públicas – “Programa Mais Médicos” – documento de habilitação – inexistência

“Administrativo. Mandado de segurança. Requisitos de participação no ‘Programa Mais Médicos’ do Governo Federal. Inexistência de documento de habilitação e de demonstração de exercício da medicina em país que apresente relação estatística médico/habitante igual ou superior a 1,8/1000 (um inteiro e oito décimos por mil), conforme estatística mundial de saúde da organização mundial da saúde. 1. A exigência de habilitação para o exercício da Medicina no exterior (art. 13, inc. II da Lei Federal nº 12.871/2013) não ofende o princípio constitucional inserto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, que prevê que ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão’, uma vez que se trata de norma constitucional de eficácia contida, ou seja, aquela que, apesar de válida e eficaz, pode ser limitada por norma infraconstitucional. 2. Não há ilega-lidade ou inconstitucionalidade no art. 19, inciso II, da Portaria Interministerial nº 1.369/2013, que limita a participação no ‘Programa Mais Médicos’ aos intercambistas que possuem registro de exercício profissional em países com proporção de médicos maiores que a do Brasil, ou seja, com pelo menos 1,8 médicos por mil habitantes. Esta exigência atende ao princípio constitucional da cooperação entre os povos, pois o Brasil não pode recrutar profissionais de outros países de forma a ofender o equilíbrio do seu sistema de saúde. 3. Apelação a que se nega provimento. Sentença que denegou a segurança confirmada.” (TRF 1ª R. – AC 0038564-14.2013.4.01.3400 – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 05.05.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 12.871/2013:

“Art. 13. É instituído, no âmbito do Programa Mais Médicos, o Projeto Mais Médicos para o Brasil, que será oferecido:

[...]

II – aos médicos formados em instituições de educação superior estrangeiras, por meio de inter-câmbio médico internacional. [...]”

3047 – Processo administrativo – classificação – caráter reservado – informações sensíveis com sigilo e proteção constitucional ou legal – possibilidade

“Constitucional. Administrativo. Processual civil. Lei de acesso à informação. Lei nº 12.527/2011. Autos classificados como ‘reservado’. Vista por parte do requerente que protocolou representação

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em prol da apuração de atos supostamente ímprobos. Cidadão interessado e legitimado nos termos do art. 9º, I e II da Lei nº 9.784/1999. Precedentes. Reserva de informações sensíveis com sigilo e proteção constitucional ou legal. Possibilidade. Direito líquido e certo existente em parte. 1. Cui-da-se de mandado de segurança impetrado em prol do acesso ao conteúdo de processo adminis-trativo classificado como ‘reservado’ nos termos do art. 23 e do art. 24 da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação). O processo deriva de uma representação protocolada pelo impetrante na qual é alegada a existência de atos de improbidade de servidor público federal, que estão sendo sindicados pela Administração Publica Federal. 2. Com o recente advento da Lei nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação – foram fixados parâmetros legais para o Estado na complexa tarefa de equilibrar o direito à informação dos cidadãos e o direito da sociedade de que determinados dados sejam processadas sob sigilo. Ampliação controlada e apurada do acesso às informações é um elemento central ao desenvolvimento da democracia brasileira e ao avanço do Estado de Direito. 3. A classificação em caráter reservado de processo administrativo em questão não obsta a sua vis-ta por parte do cidadão diretamente interessado, ou seja, daquele que protocolou a representação, por atenção ao art. 9º, incisos I e II da Lei nº 9.784/1999. Precedentes: MS 25.382/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, Julgado em 15.02.2006, publicado no DJ em 31.03.2006, p. 7, no Ementário v. 2227-02, p. 223 e na LEXSTF v. 28, nº 328, 2006, p. 184-194; REsp 1.073.083/DF, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Publicado no DJe em 02.10.2009. 4. Está evidente que o direito de acesso ao conteúdo integral dos autos não é absoluto, uma vez que o feito pode conter informa-ções que não possam ser compartilhadas com o impetrante em razão de serem afetas às atividades de inteligência ou, ainda, por estarem protegidas por vários tipos de sigilo de cunho constitucional ou legal. Segurança parcialmente concedida. Agravo regimental prejudicado.” (STJ – MS 20.196 – (2013/0163198-2) – 1ª S. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 10.04.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Lei nº 9.784/1999:

“Art. 9º São legitimados como interessados no processo administrativo:

I – pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

II – aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; [...]”

• Lei nº 12.527/2001:

“Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:

I – pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;

II – prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;

III – pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;

IV – oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;

V – prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;

VI – prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológi-co, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

VII – pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou

VIII – comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

Art. 24. A informação em poder dos órgãos e entidades públicas, observado o seu teor e em razão de sua imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, poderá ser classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada.

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184 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

§ 1º Os prazos máximos de restrição de acesso à informação, conforme a classificação prevista no caput, vigoram a partir da data de sua produção e são os seguintes:

I – ultrassecreta: 25 (vinte e cinco) anos;

II – secreta: 15 (quinze) anos; e

III – reservada: 5 (cinco) anos.

§ 2º As informações que puderem colocar em risco a segurança do Presidente e Vice-Presidente da República e respectivos cônjuges e filhos(as) serão classificadas como reservadas e ficarão sob sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de reeleição.

§ 3º Alternativamente aos prazos previstos no § 1º, poderá ser estabelecida como termo final de restrição de acesso a ocorrência de determinado evento, desde que este ocorra antes do trans-curso do prazo máximo de classificação.

§ 4º Transcorrido o prazo de classificação ou consumado o evento que defina o seu termo final, a informação tornar-se-á, automaticamente, de acesso público.

§ 5º Para a classificação da informação em determinado grau de sigilo, deverá ser observado o interesse público da informação e utilizado o critério menos restritivo possível, considerados:

I – a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado; e

II – o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final.”

3048 – Servidor público – cessão – organização social – processo administrativo – abertura – desnecessidade – sanção disciplinar – não configuração

“Mandado de segurança. Preventivo. Servidora pública cedida à organização social. Alegação de que estaria na iminência de ser devolvida ao órgão de origem sem o devido processo legal. Direito líquido e certo inexistente. Segurança denegada. A remoção ou a devolução de servidor público ao órgão de origem, desde que motivada, não é proibida pela legislação de regência, que, por sua vez, não prevê para tanto a abertura de processo administrativo disciplinar, uma vez que esse tipo de movimentação não configura sanção disciplinar. Segurança denegada.” (TJGO – MS 201492475467 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Zacarias Neves Coelho – DJe 09.04.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEA devolução de servidor público cedido ao órgão de origem constitui sanção disciplinar? Esta foi a celeuma do mandado de segurança em questão.

O mandamus foi impetrado por uma servidora pública estadual contra ato do Secretário de Saúde do Estado de Goiás almejando que ele se abstenha de assinar a disponibilização/remoção, para que não ocorra a sua devolução ao órgão de origem sem que previamente haja um processo administrativo, garantindo, assim, a ampla defesa e o contraditório.

A impetrante está cedida para o Hospital de Urgência de Goiânia (HUGO), administrado pela Organização Social – Instituto de Gestão em Saúde (IGES), onde ocupa o cargo de Analista de Gestão Administrativa – Psicologia. Alega que vem sofrendo grande perseguição e assédio moral pela Diretoria-Geral do hospital, com o objetivo de forçá-la a pedir transferência para outra uni-dade de saúde, mas, já que ofereceu resistência, a mencionada Diretoria requereu ao impetrado a disponibilização e devolução da impetrante ao seu órgão de origem, qual seja, a Secretaria Estadual de Saúde.

Sustenta que o objetivo do seu afastamento do Hospital é para que o IGES contrate funcionários pelo regime celetista. E afirma ser descabida a aplicação de sanção disciplinar sem decisão fundamentada e sem as garantias da ampla defesa e do contraditório.

Ressalta, ainda, que houve afronta ao princípio da legalidade, já que o IGES requereu a sua devolução ao órgão de origem após 3 anos exercendo a sua função no HUGO.

Na análise do pleito da impetrante, o Relator entendeu que não já o que se falar em direito líquido e certo, já que a remoção não implica em sanção disciplinar, sendo, pois, mero ato de movimentação no serviço público.

Diante disso, denegou a segurança almejada.

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

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“[...] De fato, a nenhum servidor público pode ser aplicada qualquer sanção disciplinar sem decisão fundamentada e sem as garantias do devido processo legal administrativo.

Ocorre que, no caso destes autos, ‘a disponibilidade’ (entenda-se devolução) ou a ‘remoção’ que a impetrante quer evitar não tem cunho punitivo, porque não é sanção, pois sequer está prevista no art. 311 da Lei Estadual nº 10.460/1988, que cuida das ‘penas disciplinares’ aplicáveis aos servidores públicos estaduais.

Segundo estabelece a Lei Estadual nº 10.460/1988, ‘Remoção é a movimentação do funcioná-rio, a pedido ou de ofício, no quadro a que pertence, com ou sem mudança de sede, median-te preenchimento de claro de lotação, sem se modificar, entretanto, a sua situação funcional’ (art. 44). Por sua vez, a devolução de servidor ao órgão de origem é um mero ato de movimen-tação no serviço público, não implicando isso punição ao funcionário.

Nenhuma dessas medidas, enfatize-se, tem natureza de sanção disciplinar. Com efeito, a ‘devo-lução’ do servidor ao órgão de origem, conquanto possa desagradá-lo, pode ocorrer quando este não se adapte às normas internas da OS a que foi cedido, ou não esteja exercendo suas ativida-des em conformidade com aquelas normas, consoante se pode observar no seguinte excerto da Lei Estadual nº 15.503/2005:

‘Art. 14-B. É facultada ao Poder Executivo a cessão de servidor às organizações sociais, com ônus para a origem.

[...]

§ 5º Durante o período da disposição, o servidor público observará as normas internas da orga-nização social, cujas diretrizes serão consignadas no contrato de gestão.

§ 6º Caso o servidor público cedido à organização social não se adapte às suas normas internas ou não esteja exercendo as suas atividades em conformidade com elas, poderá ser devolvido ao seu órgão ou entidade de origem, com a devida motivação.’ (grifei) [...]”

Selecionamos o julgado abaixo no mesmo sentido:

“APELAÇÃO CíVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO – Remoção de pro-fessora lotada no Cense-Curitiba para sua unidade de origem. Alegação de nulidade do processo administrativo. Inocorrência. Remoção de ofício que visa ao atendimento do interesse público. Competência discricionária da administração pública. Impossibilidade de o servidor se opor com base em motivo de interesse individual. Necessidade do serviço, com vistas a garantir a regularidade das atividades para ressocialização de jovens infratores. Alegação de violação aos princípios do contraditório, do devido processo legal e da motivação. Inocorrência. Alegação de punição dúplice pelo mesmo ato. Não ocorrência. Remoção que não se deu com caráter punitivo. Ausência de direito liquido e certo. Recurso conhecido e desprovido.” (TJPR – AC 0995400-5 – (45420) – Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de – 4ª C.Cív. – Relª Desª Maria Aparecida Blanco de Lima – DJ 29.04.2013) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 153000631161. Acesso em: 05.05.2015)

Ambiental

3049 – Ação civil pública – área de proteção permanente – construção – princípio do poluidor pagador – dano ambiental – comprovação

“Administrativo. Ação civil pública. Linha preamar média. Existência de ação civil pública pro-posta em face da União. Ausência de questionamento sobre a demarcação da LPM. Construção em área de proteção permanente. Obrigação propter rem. Princípio do poluidor pagador. Laudo pericial. Dano ambiental comprovado. Redução do quantum indenizatório. Remessa necessária desprovida. Recurso de apelação parcialmente provido. 1. Cinge-se a controvérsia em perquirir acerca da ocorrência de dano ambiental, em decorrência de construção de responsabilidade do réu, na Praia de Geribá, localizada no Município de Búzios, com a consequente demolição da construção que se discute e restauração da área, além do pagamento de indenização pelos da-

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186 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

nos ambientais. 2. A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face do apelante, sob o argumento de que a construção feita pelos mesmos na Praia de Geribá, em Armação dos Búzios/RJ, avançou além da linha preamar média, invadindo área de praia e restinga, segundo a demarcação homologada pela GRPU em 23.07.2001, consoante o Procedi-mento Administrativo nº 10768.007612/199720 da SPU (fls. 38/74). 3. O Processo Administrativo nº 10768.007612/1997-20 é atacado em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Fede-ral em face da União. Entretanto, verifica-se que o julgamento final da ACP 2008.51.02.001657-5 não afetará a questão debatida nesta demanda, eis que, ao contrário do afirmado pelo apelante, a linha preamar média considerada nesta ação não é objeto de discussão naquela outra ACP, cuja controvérsia restringe-se a questões procedimentais. 4. O art. 225 da Constituição Federal institu-cionalizou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desta feita, a designação de determinadas áreas como de preservação permanente busca tutelar a saúde ambiental, sendo certo que tal fato justifica eventuais restrições ao direito de propriedade, bem como a imposição de de-veres ao Poder Público e aos particulares. 5. A legislação ambiental elegeu biomas característicos, vistos como de suma importância para a higidez do meio ambiente, tutelando-os de forma mais rígida, como é o caso das áreas de proteção permanente APPs. 6. A manutenção e recomposição das áreas de preservação permanente são consideradas obrigações propter rem, ou seja, aderem ao título de domínio ou posse, conforme entendimento jurisprudencial consolidado do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Federais. Assim, não importa a quem coube, na origem, o desrespeito à área de proteção ambiental, sendo certo que a obrigação de sua observância afeta o proprietário atual. 7. Nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981, o poluidor será obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a ter-ceiros afetados por sua atividade. 8. A partir do conjunto probatório carreado aos autos, nomeada-mente do laudo pericial de fls. 487/505, verifica-se que a construção de propriedade do réu avan-çou sobre restinga, considerada área de proteção permanente, nos termos do art. 3º da Resolução Conama nº 303/2002. 9. Deve-se ter em conta que o dano ambiental apresenta múltiplas facetas. Além dos danos patrimoniais, há que se considerar os extrapatrimoniais. Em verdade, todos os efei-tos provenientes da atividade lesiva devem ser objeto de reparação, razão pela qual não somente os aspectos materiais da degradação devem ser computados, mas sim, também, os aspectos ima-teriais, como, por exemplo, a piora na qualidade de vida da coletividade e a privação temporária do bem. 10. Nesse contexto, à recuperação do ambiente degradado deve se somar a compensação dos danos ambientais, cuja importância, para além da reparação dos danos extrapatrimoniais, é verificada em sua finalidade pedagógica e preventiva. A reparação almejada deve ser integral, deve compreender todos os aspectos do dano ambiental, entendimento este que melhor se alinha ao princípio do poluidor-pagador, a partir do qual se tem que o responsável pela degradação deve internalizar todos os custos com a prevenção e a reparação dos danos ambientais. 11. No caso dos autos, entende-se que não merece reforma a sentença de primeiro grau, no que tange à demolição parcial da construção em área de avanço, conforme laudo pericial do juízo (fl. 494), bem como ao reflorestamento e recuperação da área degradada. 12. Entretanto, é necessária a redução do valor indenizatório arbitrado pelo magistrado de primeiro grau em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) ao patamar de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Não obstante tenha ocorrido o avanço sobre área de restinga, o laudo pericial atestou que a construção do réu está ‘aquém da linha preamar média, em cerca de 8 metros’, bem como que não há qualquer restrição de acesso ao público. Some-se a isso o fato de que a propriedade do réu é de caráter residencial, não constando na relação de ati-vidades potencialmente poluidoras e de significativo impacto ambiental, nos termos da Resolução nº 237/1997 do Conama. 13. Inegável que, em casos como o presente, a recomposição do dano ambiental se dará de modo mais significativo quando da demolição das construções, atrelada ao reflorestamento e recuperação da área degradada. 14. Remessa necessária desprovida. Recurso

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de apelação parcialmente provido.” (TRF 2ª R. – AC-RN 2005.51.08.000660-3 – 5ª T.Esp. – Rel. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 13.03.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento é oriundo de remessa necessária e de recurso de apelação interposta pelo Réu contra sentença nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal.

O Ministério Público Federal, na exordial da ação civil pública, relata a existência de construções irregulares que invadiram a faixa de areia da praia de Geribá, de responsabilidade do Réu.

A r. sentença condenou o Réu a demolir o muro limítrofe à praia, retirar todas as benfeitorias construídas na área, bem como os entulhos e material que permanecerem no local; recompor a vegetação de restinga; e pagar indenização pelos danos ambientais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

O Réu apelou dessa decisão, requerendo a reforma da mesma, alegando que sua ocupação é devidamente regular, pois paga taxa de ocupação, o processo administrativo que fixava a nova linha preamar médio foi invalidado, a construção em análise não se encontra em área de pre-servação permanente, e que não houve dano ambiental a ensejar o pagamento de indenização, ferindo o princípio da razoabilidade.

O Ministério Público Federal manifestou pela manutenção da sentença.

Sobre o assunto, trazemos as lições dos estudiosos juristas, Dr. Sidney Bittencourt, Dr. Armando Gonçalves Madeira e Dr. Ziegler de Souza:

“Por ocasião da Revisão Constitucional de 1994, foram apresentadas 13 PECs transferindo os terrenos de marinha e acrescidos para Estados e Municípios e 6 PECs suprimindo-os do domínio da União, os terrenos de marinha e seus acrescidos. Sobre estas últimas assim se pronunciou o então Secretário do Patrimônio da União, Dr. Rubens Yoshieiti Yonamine: ‘Originalmente, no Brasil, todas as terras pertenciam à Coroa Portuguesa. Com o passar do tempo, as áreas foram sendo transferidas a terceiros. Dessa forma, toda propriedade privada, no Brasil, tem a mesma origem, ou seja, o Poder Público. Algumas áreas, no entanto, ainda permanecem no domínio público, como é o caso dos terrenos de marinha.

Embora as razões que levaram a Coroa Portuguesa a criar os terrenos de marinha (defesa territo-rial e interesse público) não sejam, hoje, as principais a justificarem a manutenção dessas terras no domínio da União, não se pode dizer que tais razões não mais existam.

Com efeito, a União vem utilizando esses terrenos e seus acrescidos para instalação de unida-des militares, desenvolvimento de projetos urbanísticos comunitários (praças, avenidas, jardins, calçadões, etc.), assentamentos de populações carentes e outros projetos de interesse público.

Hoje, ganha relevo o interesse ecológico, uma vez que a maior parte desses terrenos constitui área de preservação permanente: Mata Atlântica, mangues, morros e dunas, inclusive as praias, que são bens de uso comum do povo.

Suprimir, do domínio da União, os terrenos de marinha e seus acrescidos contrariaria o interesse econômico da União, com a drástica eliminação de receitas patrimoniais (foro, laudêmio e taxa de ocupação), num momento em que o Tesouro Nacional mais necessita de ampliar sua arre-cadação para equilibrar as finanças públicas. Além do mais, tal supressão acabaria por permitir que bens pertencentes a toda a Nação Brasileira passassem para a propriedade de poucos, sem a justa indenização.‘

Apesar da PEC 45/1995 do Senador Gerson Camata, do Espírito Santo objetivar a transferência de terrenos de marinha e seus acrescidos para o domínio dos Estados, julgamos valioso o parecer do relator, Senador Roberto Freire, rejeitando-a, do qual extraímos: ‘Os denominados “terrenos de marinha” sempre integraram o domínio patrimonial da União, existindo sobre eles farta legis-lação em boa parte originaria dos tempos do Império.

A Constituição de 1988 foi entretanto, a primeira constituição brasileira a oferecer aos terrenos de marinha tratamento constitucional, elencando-os entre os bens da União (CF, art. 20, inciso VII).

Ora, basta idealizar-se os contornos geográficos deste imenso País continental para, vislumbran-do-se a sua extensa costa marítima, perceber-se a importância de situarem-se os terrenos de marinha e seus acrescidos dentre os bens dominicais da União, agora com tratamento em sede constitucional. E isto não decorre de mera motivação econômica, mas sobretudo de um interesse

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político superior a preservar, ou seja, a segurança nacional indispensável ao exercício pleno de nossa soberania’; e mais adiante: ‘Como se percebe, a Constituição de 1988 consolidou o domí-nio direto da União sobre os terrenos de marinha embora a posse deles seja mantida por várias pessoas físicas e jurídicas de direito público e privado.

Esses terrenos sujeitam-se à enfiteuse (ou aforamento) e taxas de ocupação, constituindo, por-tanto, receita patrimonial da União.

Transparece paradoxal que após essa decisão do legislador constituinte, em consagrar entendi-mento mais que centenário, e numa fase de consabido definhamento dos recursos da União, pretenda-se aprovar a matéria em exame.

Em situação de clara desvantagem socioeconômica para a União, sequer avultam vantagens consistentes para os Estados em face mesmo da inexistência de estudos técnicos que indiquem o apontado benefício. E não é só isso. Em se tratando de áreas contíguas à faixa litorânea, há a considerar-se ainda o inescusável interesse de preservação ambiental dessas áreas, a nosso ver no atual momento, em melhores condições de ser tutelado pela União.

Afora todas essas considerações, acrescente-se ainda que, desde o Código Civil de 1916 os ma-res, praias, rios e etc. constituem bens de uso comum do povo e do domínio público integrando--se aqueles na categoria dos bens dominicais da União já bem antes daquela data.

As praias encontram-se classificadas como bens de uso comum do povo pela Lei nº 7.661, de 16.05.1988, que proibiu qualquer forma de urbanização ou de utilização que impeça o livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido (art. 10 e parágrafos).

Indiscutível que, como espaço de livre acesso a todo e qualquer cidadão para a prática de esportes, lazer e pesca, dentre outras atividades, significando talvez a marca mais democrática de nossa brasilidade, as praias deste País oferecem maior garantia de desfrute e uso pleno se, mantidas no domínio da União, forem disciplinadas por legislação federal.’ (Terreno de Marinha: um bem público a ser preservado, disponível em: http://online.sintese.com/)

Portanto, em seu voto o Relator citou os seguintes precedentes:

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO- AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA EM FACE DO AGRAVANTE – OCUPAÇÃO ILEGAL – LINHA PREAMAR MÉDIA – DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO – EXISTÊNCIA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA EM FACE DA UNIÃO – INVALIDAÇÃO PARCIAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO DA LPM – NULIDADE DA INTIMAÇÃO POR EDITAL DOS INTERESSADOS – INEXISTÊNCIA DE QUESTIONAMENTO SOBRE A DEMARCAÇÃO DA LPM – ART. 265, IV, DO CPC – INAPLICA-BILIDADE.

I – O MPF ajuizou ação civil pública em face do agravante, alegando que o mesmo ocupa ile-galmente área de preservação permanente, terreno de marinha e bem de uso comum do povo, tendo avançado sobre a linha preamar média demarcada em processo administrativo pelo Chefe local da Secretaria de Patrimônio da União.

II – A decisão agravada indeferiu o pedido de suspensão da presente ação civil pública até o trânsito em julgado de ação civil pública proposta em face da União Federal, na qual se requer, em síntese, a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 13 do Decreto-Lei nº 9.760/1946 e a consequente nulidade da intimação dos interessados certos por edital no processo administrativo supracitado.

III – Correto o decisum impugnado, eis que a ação civil pública proposta em face da União não tem como objeto a invalidação da linha preamar média fixada através daquele processo administrativo, cabendo salientar que, nas decisões proferidas naquela ação, restou incólume a demarcação da linha preamar média questionada na presente ação civil pública.

IV – Com efeito, a resolução da controvérsia na outra ação civil pública em nada afetará a questão debatida na presente, tanto que a sentença proferida naquela invalidou parcialmente o processo administrativo em comento, a partir da intimação dos interessados por edital, por ofen-sa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, determinando a intimação pessoal dos interessados para oferecimento de impugnação à linha preamar média demarcada.

(TRF 2ª R., Ag 201002010110095, Des. Fed. Sergio Schwaitzer, 8ª T.Esp., e-DJF2R – Data: 09.08.2011)

AGRAVO INTERNO – PROCESSUAL CIVIL – ANULAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO QUE DEMARCOU A LINHA PREAMAR MÉDIA – POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO, NESTE PROCESSO

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JUDICIAL, SE OS BENS OCUPADOS SÃO DA UNIÃO OU DE ÁREA PROTEGIDA (RESTINGA) – REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL – MINISTÉRIO PÚBLICO AUTOR DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS – RESPONSABILIDADE DO REQUERENTE

1. O Ministério Público Federal propôs Ação Civil Pública nº 2005.51.08.000656-1, objetivan-do, em síntese, a condenação da agravante em demolir parte da construção de seu imóvel, que teria sido supostamente edificado sobre faixa de areia e vegetação de restinga e além da Linha Preamar Média na Praia de Geribá, postulando, ainda, a condenação da ré à reparação dos eventuais danos ao meio ambiente decorrentes da suposta ocupação irregular.

2. O estabelecimento dos limites da Linha Preamar Média (LPM) é objeto do Processo Adminis-trativo nº 10768.007612/97-20. O fato de ter sido anulado, nos autos da Ação Civil Pública nº 2008.51.02.001657-5, o Processo Administrativo nº 10768.007612/97-20, que demar-cou a Linha Preamar Média (LPM), não compromete a verificação, neste processo judicial, de que os bens ocupados são da União ou de área protegida (de restinga), como, aliás, foi ventilado pelo Relator, em seu voto, e pelo Juiz Federal Convocado que participou do julgamento, em voto oral, na sessão do dia 27.04.2011.

3. A presente ação deve prosseguir com a realização da prova pericial, para que se possa afe-rir se, efetivamente, houve invasão, pela agravante, de bem pertencente à União, ou área de proteção ambiental, com violação dos limites da ocupação que lhe foi deferida, bem como se a construção avançou sobre a praia e sobre a vegetação de restinga que a margeia, fator, inclusive, de degradação da qualidade daquele ecossistema. [...]

6. Agravo interno parcialmente provido.

(TRF 2ª R., Ag 201002010171059, Des. Fed. Jose Antonio Lisboa Neiva, 7ª T.Esp., e-DJF2R – Data: 17.05.2011)’”

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento à remessa ne-cessária e deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pelo Réu, reduzindo o valor indenizatório ao patamar de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

3050 – Ação civil pública – erosão do solo – obra de asfaltamento – dano ambiental – recu­peração da área – necessidade

“Ação civil pública ambiental. Obrigação de fazer. Erosão do solo (voçoroca). Obras de reparação do meio ambiente e de proteção do solo. Danos ambientais comprovados. Dever do município. Aplicação do princípio da reserva do possível. Impertinência. Redução do valor arbitrado a título de multa diária. Inadmissibilidade. Sentença mantida. Recurso não provido. I – Deve ser conside-rada impertinente a alegação pela Municipalidade, destituída de qualquer comprovação objetiva, de falta de recursos financeiros com o fim de se eximir do dever constitucional de preservar o meio ambiente. Assim, inaplicável à espécie o princípio da Reserva do Possível. II – Tendo sido comprovada a ocorrência de erosão do solo (voçoroca) em área do Município causada por obra de asfaltamento mal executada, causando danos ambientais (supressão de vegetação nativa, per-da de solo fértil, alteração da drenagem pluvial e assoreamento de curso d’água) e sério risco à saúde pública, de rigor a manutenção da condenação contida na r. sentença, consubstanciada no cumprimento de obrigação de fazer voltada à recuperação de tal área, antecedida por respectivo projeto a ser aprovado pelo órgão ambiental competente, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, cujo valor resta mantido.” (TJSP – AC 4002014-10.2013.8.26.0073 – Avaré – 2ª C.Res.MA – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 18.03.2015)

3051 – Ação civil pública – exploração irregular – áreas de várzea e de preservação perma­nente – configuração

“Processo civil e ambiental. Ação civil pública. Exploração irregular de áreas de várzea e de preser-vação permanente. Danos decorrentes de atividade antrópica. Abstenção de utilização ou explo-ração. Demolição das construções. Remoção dos entulhos. Recomposição da cobertura vegetal. Honorários. Indenização. Embargos de declaração. Omissão inexistente. 1. São manifestamente

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improcedentes os presentes embargos de declaração, pois não se verifica qualquer omissão no julgamento impugnado, mas mera contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma que, à luz da legislação aplicável, decidiu expressamente que ‘o pedido de indenização, cujo valor fixado na sentença é de R$ 1.000,00 (hum mil reais), considerou uma área de preservação permanente de apenas 15 metros a partir do leito regular do rio. Tendo em vista que a metragem a ser observada é de 500 metros, tal valor comporta majoração proporcional (1000:15=66,66), pelo que é arbitrada em R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais) (33000 : 500 =6 6)’. 2. Quanto ao arbitra-mento dos honorários advocatícios em favor da União, também merecem rejeição os respectivos embargos de declaração, considerando que o acórdão embargado manteve a sentença recorrida, no que julgou procedente apenas em parte a ação, e assim, por consequência, a sucumbência, ainda que de forma implícita. 3. Não houve qualquer omissão no julgamento impugnado, revelan-do, na realidade, a articulação de verdadeira imputação de erro no julgamento, e contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma, o que, por certo e evidente, não é compatível com a via dos embargos de declaração. Assim, se o acórdão violou os arts. 5º e 18 da Lei nº 7.347/1985; 97 da CF e a Súmula Vinculante nº 10, como mencionado, caso seria de discutir a matéria em via própria e não em embargos declaratórios. 4. Para corrigir suposto error in judicando, o remédio cabível não é, por evidente, o dos embargos de declaração, cuja impropriedade é manifesta, de forma que a sua utilização para mero reexame do feito, motivado por inconformismo com a in-terpretação e solução adotadas, revela-se imprópria à configuração de vício sanável na via eleita. 5. Embargos de declaração rejeitados.” (TRF 3ª R. – EDcl-AC 0001639-11.2012.4.03.6112/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 03.03.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“Senhores Desembargadores, são manifestamente improcedentes os presentes embargos de de-claração, pois não se verifica qualquer omissão no julgamento impugnado, mas mera contrarie-dade da embargante com a solução dada pela Turma que, à luz da legislação aplicável, decidiu expressamente que ‘o pedido de indenização, cujo valor fixado na sentença é de R$ 1.000,00 (hum mil reais), considerou uma área de preservação permanente de apenas 15 metros a partir do leito regular do rio. Tendo em vista que a metragem a ser observada é de 500 metros, tal valor comporta majoração proporcional (1000 : 15 = 66,66), pelo que é arbitrada em R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais) (33000 : 500 = 66)’ (f 262).

Quanto ao arbitramento dos honorários advocatícios em favor da União, também merecem rejei-ção os respectivos embargos de declaração, considerando que o acórdão embargado manteve a sentença recorrida, no que julgou procedente apenas em parte a ação, e assim, por consequên-cia, a sucumbência, ainda que de forma implícita.

Como se observa, não houve qualquer omissão no julgamento impugnado, revelando, na realida-de, a articulação de verdadeira imputação de erro no julgamento, e contrariedade da embargante com a solução dada pela Turma, o que, por certo e evidente, não é compatível com a via dos embargos de declaração. Assim, se o acórdão violou os arts. 5º e 18 da Lei nº 7.347/1985; 97 da CF e a Súmula Vinculante nº 10, como mencionado, caso seria de discutir a matéria em via própria e não em embargos declaratórios.

Em suma, para corrigir suposto error in judicando, o remédio cabível não é, por evidente, o dos embargos de declaração, cuja impropriedade é manifesta, de forma que a sua utilização para mero reexame do feito, motivado por inconformismo com a interpretação e solução adotadas, revela-se imprópria à configuração de vício sanável na via eleita.”

3052 – Crime ambiental – denúncia – transporte de produtos perigosos – ausência de licença ambiental – inocorrência

“Habeas corpus. Art. 56 da Lei nº 9.605/1998. Transporte de produtos perigosos. Ausência de licença ambiental. Inocorrência. Licença concedida em data anterior aos fatos imputados. Atipi-

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cidade da conduta imputada na denúncia. Trancamento de ação penal. Ordem concedida. Efeito extensivo ao corréu. Art. 580 do CPP. Anulação do processo desde a apresentação da respos-ta à acusação. Pedido prejudicado. 1. A denúncia imputou ao paciente a conduta tipificada no art. 56 da Lei nº 9.605/1998 em razão de, no dia 27 de setembro de 2011, BR-262, Posto da Polícia Rodoviária Federal, Comarca de Ibatiba, seus empregados serem flagrados pelos fiscais do Ibama conduzindo caminhão e 02 (duas) carretas em favor da empresa onde o mesmo é sócio-adminis-trador e representante legal, veículos que transportavam produto perigoso, aproximadamente 47 mil litros de etanol, sem licença do órgão competente. 2. Na qualidade de ato administrativo, à licença ambiental também se aplica a característica da autoexecutoriedade, bem como o vigente art. 5º do Decreto nº 572, de 12 de julho de 1890, aplicável por analogia, que determina imediato vigor aos atos administrativos, sobrelevando ainda que a licença ambiental única, lavrada em 27.07.2011, somente estabeleceu de forma indeterminada o termo final (dies ad quem), a conside-rar sua validade por 1460 dias, a contar da data do recebimento, deixando claro que a atividade era licenciada no dia dos fatos (27.09.2011). 3. A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a questões menores. 4. Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação. Trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance. 5. Por se tratarem dos mesmos fatos, deve o corréu ser beneficiado com 894/julgamento conjunto: Habeas Corpus nº 0024364-52.2014.8.08.0000 e Habeas Corpus nº 0023732-26.2014.8.08.0000 Estado do Espírito Santo Poder Judiciário Tribunal de Justiça Gabinete do Desembargador Willian Silva o efeito extensivo, na forma do art. 580 do Código de Processo Penal. 6. Ordem concedida para deferir o trancamento da ação penal, por atipicidade da conduta imputada, bem como julgar pre-judicado o pedido de anulação do processo desde a apresentação da resposta à acusação.” (TJES – HC 0024364-52.2014.8.08.0000 – Rel. Willian Silva – DJe 23.01.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de habeas corpus impetrado pelo acusado, em razão de suposta prática de crime ambiental.

Consta dos autos que foi imputada a conduta prevista no art. 56 da Lei nº 9.605/1998, pelo fato dos fiscais do Ibama flagrarem os acusados transportando 47 (quarenta e sete) mil litros de etanol, denominado produto perigoso, sem a licença do órgão competente.

O acusado, por sua vez, é sócio-administrador e representante legal da empresa.

Portanto, sustenta o acusado pela anulação do processo, uma vez que mencionou não ter sido apreciada as matérias arguidas em defesa.

Requer ainda, o trancamento da ação penal.

O ilustre Relator em sua decisão entendeu:

“Vistos, relatados e discutidos estes autos, Habeas Corpus nº 0024364-52.2014.8.08.0000, em que são as partes as acima indicadas, acorda o Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo (1ª Câmara Criminal), na conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, em, à unanimidade de votos, conceder a ordem para trancar a ação penal, com efeito extensivo ao corréu, bem como julgar prejudicado o pedido de anulação do processo desde a apresentação da resposta à acusação.”

Sobre o assunto, trazemos as lições da estudiosa jurista, Dra. Gina Copola:

“O art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais reza que é crime ‘produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produ-to ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos’.

A pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Esse dispositivo, conforme se denota, cuida de crime de perigo, porque é consumado tão só com a possibilidade do dano. É, ainda, crime de mera conduta, porque o legislador só descreve o

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comportamento do agente, sem elaborar qualquer menção a evento. Além disso, o tipo penal é de ação múltipla, ou de conteúdo variado, porque faz menção a várias modalidades de ação que podem ser adotadas pelo agente.

Tal disposição pode perfeitamente ser aplicada, exemplificativamente, ao caso dos resíduos sólidos pertencentes à classe 1 – perigosos, que são os resíduos tóxicos, e que apresentam grande risco à saúde. Dessa forma, se um lixo tóxico é processado, transportado, armazenado, guardado, ou posto em depósito, em desacordo com as exigências legais, está tipificado o crime previsto no art. 56 da Lei dos Crimes Ambientais.

O dispositivo é aplicável, também, ao lixo hospitalar, que precisa ser processado, transportado, armazenado e guardado corretamente, e conforme as determinações específicas, que estão par-cialmente previstas pela Resolução nº 5, de 5 de agosto de 1993, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que dispõe sobre a destinação final dos resíduos provenientes dos serviços de saúde e elabora menção em seu texto às normas da ABNT sobre a classificação de resíduos sólidos.

Aplicam-se, ainda, as disposições contidas nesse artigo aos agrotóxicos, cujo transporte e ar-mazenamento também estão previstos na Lei Federal nº 7.702, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins.

Nossa posição, por fim, é no sentido de que o dispositivo em foco poderia ser ainda mais abran-gente – já é tipo penal de ação múltipla, e, portanto, poderia ser ainda mais completo, e encerrar outras hipóteses – para dispor, também, sobre o descarte, a coleta, a reutilização, a reciclagem, o tratamento e a disposição final de substâncias ou resíduos tóxicos, ou potencialmente perigo-sos, ou, ainda, nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente.

O § 1º do art. 56 reza que nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substân-cias referidos no caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.

O § 2º do mesmo art. 56, a seu turno, prevê a forma qualificada do crime, ao preceituar que, se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um sexto a um terço.

Sobre esse tema, citem-se os arts. 19 a 27 da Lei Federal nº 6.453, de 17 de outubro de 1977, que dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares, e dá outras providências.

Destaca-se da tal referida lei o art. 22, ao rezar que é crime possuir, adquirir, transferir, transpor-tar, guardar ou trazer consigo material nuclear, sem a necessária autorização.

E, por fim, o § 3º prevê a hipótese culposa do crime, quando a pena é de detenção, de seis meses a um ano, e multa”. (A Lei dos Crimes Ambientais, Comentada Artigo por Artigo (5ª Parte – Da Poluição e Outros Crimes Ambientais) disponível em: http://online.sintese.com/).

Diante do exposto, por unanimidade dos votos, restou prejudicado o pedido de anulação do processo.

3053 – Crime ambiental – pesca em local não permitido – considerável quantidade de pescado apreendido – ocorrência – princípio da insignificância – inaplicabilidade

“Penal. Crime ambiental. Pesca a menos de 1.000 m a jusante de barragens. Art. 34 da Lei nº 9.605/1998. Instrução normativa Ibama nº 26/2009. Materialidade e autoria comprovadas. Prin-cípio da insignificância. Inaplicabilidade. Considerável quantidade de pescado apreendida. 1. Não é o caso de se aplicar o princípio da insignificância visto tratar-se de pescador profissional, que pescava em local não permitido, apreendida quantidade relativamente grande de peixes 58 (cin-quenta e oito) quilos. 2. Aplicado o princípio in dubio pro reo ao corréu ante a ausência de provas de que agiu com dolo, mantida a absolvição nos termos do art. 386 VII, do Código de Processo Penal. 3. Comprovado o fato típico e a sua antijuridicidade, bem como a autoria e materialidade no tocante ao outro réu para sua condenação no crime previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/1998. 4. Apelação parcialmente provida para julgar procedente a denúncia para condenar o réu Aguinal-do Antônio Martins Moura a cumprir a pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 6 (seis) meses

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de detenção pela prática do crime tipificado no art. 34, caput, da Lei nº 9.605/1998, substituída a pena privativa de liberdade, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais e pena pecuniária de 3 salários-mínimos, ficando mantida a absolvição quanto ao réu Luis Carlos de Souza Santos.” (TRF 3ª R. – ACr 0002235-52.2008.4.03.6106/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva – DJe 16.01.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO acórdão em comento trata de apelação interposta pelo Ministério Público Federal que absolveu os réus da prática do crime previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

“Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.”

Referente à mencionada lei, vale trazer trecho das lições da Dra. Gina Copola, no qual nos ensina:

“O eg. TRF 4ª da Região, em Apelação Criminal nº 2003.72.00.006155-0/SC, 8ª Turma, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, em r. acórdão publicado DJU de 22.12.2004, já decidiu que é crime a pesca em local proibido, pouco importando a pouca quantidade obtida com a pesca proibida, uma vez que resta inaplicável o princípio da insignificância.

A pesca de espécies em períodos de reprodução já fora anteriormente proibida pela Lei Federal nº 7.679, de 23 de novembro de 1988, editada especificamente para esse fim.

O parágrafo único do art. 34 pontifica que é também crime punível com as mesmas penas do caput a pesca de espécies com tamanhos inferiores aos permitidos (inciso I), a pesca em quantidades superiores às permitidas, ou com a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas ou métodos não permitidos (inciso II), transporte, comercialização, benefício ou industrialização de espécies provenientes da pesca proibida (inciso III).

Sobre a hipótese prevista no art. 34, parágrafo único, inciso II, já decidiu o eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Apelação Criminal nº 2000720100590046, 8ª Turma, Rel. Juiz Fed. Fernando Wowk Penteado, DJU de 25.08.2004, que é crime ambiental a pesca de arrasto reali-zada com petrechos (gerival) em São Francisco do Sul e com barco em movimento.

Consta dos autos que mediante a denúncia os réus foram acusados de capturar 58 quilos de pei-xes mediante emprego de rede armada a menos de mil metros a jusante da Usina Hidroelétrica de Marimbondo.” (A Lei dos Crimes Ambientais, Comentada Artigo por Artigo (3ª Parte – Dos Crimes Contra a Fauna). Disponível em http://online.sintese.com/)

A pesca neste local se encontra proibida.

Portanto, a denúncia foi rejeitada, com respaldo no princípio da insignificância.

O Ministério Público Federal sustenta em suas razões da apelação a não aplicabilidade do prin-cípio da insignificância ao caso, tendo em vista a lesão ao meio ambiente.

As contrarrazões foram apresentadas pelos Réus, alegando a ocorrência da prescrição punitiva, pelo fato de ter decorrido mais de quatro anos entre a data do recebimento da denúncia e a interposição das contrarrazões.

Mediante alegação dos Réus, o ilustre Relator em seu voto entendeu:

“A pena máxima em abstrato estabelecida ao crime imputado aos réus é de 3 (três) anos de de-tenção, cujo lapso prescricional, nos termos do art. 109, IV, do Código Penal é de 8 (oito) anos.

Entre a data dos fatos (06.03.2008) e a data do recebimento da denúncia (09.02.2010), bem como desta até a presente data, não decorreu lapso superior a 8 (oito) anos, razão pela qual não há que se falar em ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.”

Por fim, concluiu o d. Relator em seu voto:

“Com base nas circunstâncias judiciais estabelecidas no art. 59 do Código Penal, verifico que o dolo se apresenta normal em relação ao crime praticado, no entanto deve ser levado em consi-deração os maus antecedentes do réu, dado que possui condenação transitada em julgado em crime da mesma espécie.

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Assim, fixo a pena-base acima da mínima legal prevista, ou seja, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção.Não havendo circunstâncias atenuantes ou agravantes, bem como causas de aumento e de diminuição da pena, estabeleço a pena definitiva em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto.Por fim, presentes os requisitos legais, substituo a pena privativa de liberdade, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação a fim de julgar procedente a denúncia para condenar o réu Aguinaldo Antônio Martins Moura a cumprir a pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção pela prática do crime tipificado no art. 34, caput, da Lei nº 9.605/1998, substituída a pena privativa de liberdade, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública a ser designa-da pelo Juízo das Execuções Penais e pena pecuniária de 3 salários-mínimos, ficando mantida a absolvição quanto ao réu Luis Carlos de Souza Santos.É o voto.”Dessa forma, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu parcial provimento ao recurso de apelação.

Constitucional

3054 – Ação direta de inconstitucionalidade – lei de iniciativa parlamentar – “Projeto Férias” nas escolas municipais – princípio da separação dos poderes – violação

“Ação direta de inconstitucionalidade. Município de Ourinhos. Lei que institui o ‘Projeto Férias’, a ser desenvolvido no período de recesso escolar e férias, nas escolas municipais. Ilegitimidade ativa ad causam não verificada. Prefeita municipal representada, nos autos da direta de inconsti-tucionalidade, por procurador com poderes específicos para o ajuizamento da ação. Legislação, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre projeto atinente à rede pública de ensino. Matéria de cunho eminentemente administrativo reservada à Administração Pública. Afronta ao princípio da separação dos Poderes. Despesa pública criada sem a respectiva previsão de dotação orçamentária e indicação de fonte de custeio. Afronta clara a preceitos constitucionais. Ação direta julgada pro-cedente, para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 6.181/2014, do Município de Ourinhos.” (TJSP – ADIn 2008528-67.2015.8.26.0000 – O.Esp. – Rel. Ademir Benedito – DJe 11.05.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] Há que se reconhecer que a iniciativa de projeto de lei que disponha sobre a criação de um programa de férias destinado às crianças e aos adolescentes, a ser desenvolvido e executado junto à rede pública de ensino municipal, impondo, em contrapartida, à Administração a obriga-ção de desempenhar essa atividade, é exclusiva do Sr. Prefeito, Chefe do Poder Executivo Local, segundo a regra constitucional, de administrar o Município (art. 47, II e XIV, da Constituição Estadual e art. 61, § 1º, c/c art. 165, da Carta Magna).

Com a promulgação da legislação aqui guerreada, ocorreu a incorporação, pelo Legislativo, de atribuição que não lhe pertencia, de cunho eminentemente administrativo.

Toda a questão é muito bem esclarecida por Hely Lopes Meirelles, em seu Direito municipal brasileiro, 3. ed., p. 440, onde explica que ‘de um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situa-ções concretas por seus próprios atos e impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial’.

A legislação, na forma que foi apresentada, causou ingerência em atribuições exclusivas do Poder Executivo, ofendendo o princípio de separação dos poderes, princípio este estrutural do

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������195

sistema pátrio de organização e direção das funções públicas, e que, dentre outras finalidades, traduz forma de prevenção de arbitrariedades por um dos poderes. [...]”

3055 – Ação direta de inconstitucionalidade – lei municipal – iniciativa parlamentar – elimina­ção de documentos do departamento municipal de trânsito – interferência

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 404/2010 do Município de Paranaguá, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a eliminação de documentos do departamento municipal de trânsi-to. Interferência no funcionamento de órgão da administração pública. Matéria reservada ao chefe do Poder Executivo. Vício de iniciativa. Violação ao art. 66, inciso IV, da Constituição Estadual, aplicável à seara municipal por força do princípio da simetria. Procedência do pedido.” (TJPR – ADIn 1132677-1 – O.Esp. – Rel. Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira – DJe 17.04.2015)

3056 – Arguição de inconstitucionalidade – infração de trânsito instituída por decreto munici­pal – art. 5º, II e art. 84, IV da CF – afronta

“Arguição de inconstitucionalidade em mandado de segurança. Infração de trânsito instituída por decreto. Ofensa aos arts. 5º, II, e 84, IV, ambos da Constituição Federal. Decreto municipal in-constitucional. Não compete ao Município editar norma administrativa (Decreto) que, de maneira autônoma, institua novas infrações de trânsito em seu sistema de jurisdição administrativa. Mani-festo desacordo às normas constitucionais previstas nos arts. 5º, II, e 84, IV, ambos da Constituição Federal de 1988. Inconstitucionalidade declarada.” (TJAM – AgInc 0013567-28.2014.8.04.0000 – TP – Rel. Des. Flávio Humberto Pascarelli Lopes – DJe 08.05.2015)

3057 – Direito fundamental – educação – crianças e adolescentes – Poder Judiciário – garantia – possibilidade

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Estado de Rondônia. Omissão no dever de prestar educação. Obrigação de fazer. Liminar. Medidas satisfativas. Direito fundamental. Possibilidade de concessão. Precedentes dos tribunais superiores. Determinação para realização de concurso público. Impossibilidade. Recurso parcialmente provido. A partir de 2010, o Superior Tribunal de Justiça, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, passou a admitir a determi-nação de providências tendentes a garantir o direito à educação às crianças e adolescentes, além de entender que a decisão judicial neste sentido não caracterizaria violação à teoria da reserva do possível ou ao princípio da separação dos poderes (Recurso Especial nº 1185474/SC, Rel. Min. Humberto Martins). Verificada a omissão do poder público na obrigação constitucional de prestar educação a crianças e adolescentes, é possível que o Poder Judiciário determine, liminarmente, as providências tendentes à garantia do direito, pois, caso se aguarde o final do processo para a concessão do provimento jurisdicional, a medida seria ineficaz e inúmeros infantes seriam prejudi-cados. Em sede de liminar, porém, é inviável a determinação de que ente político realize concurso público, pois esta providência demanda prévio procedimento administrativo que não pode ser substituído pela decisão judicial. Recurso a que se dá parcial provimento.” (TJRO – AI 0012892-64.2014.8.22.0000 – 2ª C.Esp. – Rel. Juiz José Augusto Alves Martins – DJe 06.05.2015)

Penal/Processo Penal

3058 – Associação criminosa – armas de fogo de uso permitido e de uso restrito – prisão pre­ventiva – falta de fundamentação – inocorrência

“Habeas corpus. Associação criminosa. Armas de fogo de uso permitido e de uso restrito. Falta de fundamentação da prisão preventiva. Inocorrência. Presença dos requisitos autorizadores previstos

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no art. 312 do CPP. Paciente evadiu-se do distrito da culpa. Garantia da instrução criminal e apli-cação da lei penal. Fundamento suficiente e idôneo para a prisão. Ordem denegada. 1. O Decreto de prisão preventiva em desfavor do paciente encontra-se suficientemente fundamentado, não havendo que se falar em ilegalidade, eis que se reveste dos elementos próprios a obrigatoriedade da medida. 2. Ademais, a fuga do distrito da culpa é dado conducente à decretação da medida para garantir a instrução criminal e assegurar a aplicação da Lei penal. 3. Conforme reiterados julgados desta Corte, eventuais condições pessoais favoráveis do paciente, não autorizam a revo-gação da prisão preventiva quando outras circunstâncias existem recomendando sua manutenção. 4. Habeas corpus conhecido e denegado.” (TJMA – HC 059744/2014 – (159985/2015) – Rel. Des. José Bernardo Silva Rodrigues – DJe 20.02.2015)

3059 – Carta testemunhável – presunção de legalidade – negativa de segmento a recursos – precedentes

“Penal e processual penal. Carta testemunhável. Certidão lavrada por oficial de justiça. Fé pública presumida. Negativa de segmento a recurso em sentido estrito. Intempestividade verificada. Não provimento. I – As ações dos oficiais de justiça, servidores públicos que são, revestem-se como ações de Estado, existindo nelas a presunção de legalidade e de legitimidade, gozando, desse modo, de fé pública, devendo o interessado fazer prova de eventual inverdade ou irregularidade dela constante. Precedentes. Superior Tribunal de Justiça. II – Comprovada a intempestividade do Recurso em Sentido Estrito, a negativa de segmento é medida que se impõe. III – Carta Testemu-nhável não provida. Decisão unânime.” (TJPE – CT 0012182-82.2014.8.17.0000 – 3ª C.Crim. – Relª Desª Daisy Maria de Andrade Costa Pereira – DJe 20.02.2015)

3060 – Crime de desobediência – medida protetiva – descumprimento – Lei Maria da Penha – aplicação – impossibilidade

“Recurso especial. Desobediência. Art. 330 do CP. Descumprimento de medida protetiva. Imposi-ção com amparo na Lei Maria da Penha. Atipicidade da conduta. Previsão de sanções específicas na lei de regência. 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que para a caracterização do crime de desobediência não é suficiente o simples descumprimento de decisão judicial, sendo necessário que não exista cominação de sanção específica. 2. A Lei nº 11.340/2006 determina que, havendo descumprimento das medidas protetivas de urgência, é possível a requisi-ção de força policial, a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal. 3. Ademais, há previsão no art. 313, III, do Código de Processo Penal, quanto à admissão da prisão preventiva para garantir a execução de medidas protetivas de urgência nas hipóteses em que o delito envolver violência doméstica. 4. Assim, em respeito ao princípio da intervenção mínima, não se há falar em tipici-dade da conduta imputada ao ora recorrido, na linha dos precedentes deste Sodalício. 5. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.477.671 – DF (2014/0215598-7) – 3ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 02.02.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO descumprimento injustificado de medida protetiva imposta judicialmente com base na Lei Maria da Penha não configura o delito de desobediência disposto no art. 330 do Código Penal.

Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que rejeitou denúncia oferecida pelo Minis-tério Público.

Consta dos autos que o MP denunciou um rapaz pelo não cumprimento de ordem judicial que o proibiu de se aproximar e de manter contato com sua genitora.

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Alegou que a conduta se enquadra no delito de desobediência, que prevê pena de detenção de 15 dias a seis meses, e multa.

O TJDFT rejeitou a denúncia ao argumento de que descumprimento de ordem ou medida judicial somente configura crime de desobediência quando não há previsão legal de sanção específica e que, no caso, a Lei Maria da Penha já prevê medidas extrapenais para o caso de descumpri-mento de medidas protetivas.

O MP recorreu ao STJ sustentando, entre outros pontos, que a conduta praticada pelo denuncia-do configura crime independentemente da previsão de sanções na Lei Maria da Penha.

As medidas protetivas do art. 22, I, II e III, da Lei nº 11.340/2006 são de natureza penal, de modo que, desobedecida a decisão judicial que as aplicou, não seriam cabíveis as tutelas específicas cominadas no art. 461 do CPC, que se destinariam apenas às hipóteses não penais de desobediência.

Ademais, destaca a importância de não se deixar esvaziar a proteção à mulher estabelecida pela Constituição Federal e otimizada pela Lei Maria da Penha, que prevê diversas ações afirmativas em razão da sua vulnerabilidade daquelas que são vítimas de violência doméstica e familiar.

O nobre relator mencionou que o entendimento do STJ afasta a tipicidade da conduta nos ca-sos em que o descumprimento da ordem é punido com sanção específica de natureza civil ou administrativa.

Relatou ainda, que a própria Lei Maria da Penha determina que, nos casos em que ocorre des-cumprimento das medidas protetivas de urgência aplicadas ao agressor, é cabível a requisição de força policial e a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal.

O Superior Tribunal de Justiça confirmou a decisão que rejeitou a denúncia oferecida em desfa-vor do recorrente pela suposta prática do crime de desobediência.

Diante do exposto, negou provimento ao recurso especial.

3061 – Crime de receptação – custódia cautelar – fiança arbitrada – revogação

“Habeas corpus. Crime de receptação. Custódia cautelar decretada. Irresignação. Alegada ilegali-dade da decisão que revogou a fiança arbitrada e converteu a prisão em flagrante em preventiva. Improcedência. Superveniência de indicativos da participação dos pacientes em crime mais gra-ve. Pretensa ausência de fundamentação da decisão. Inocorrência. Demonstração em concreto da presença dos requisitos autorizadores da constrição cautelar. Gravidade concreta dos deli-tos. Reiteração dos pacientes em práticas delitivas. Necessidade da segregação para garantia da ordem pública. Inviabilidade de aplicação do princípio da homogeneidade. Condições pessoais favoráveis. Desservem ao fim colimado. Constrangimento ilegal não configurado. Ordem dene-gada. 1. em que pese o caráter excepcional que reveste a privação cautelar da liberdade de ir e vir, demonstrados os pressupostos [fumus comissi delicti e periculum libertatis] autorizadores da prisão preventiva, bem como indicados os fatos concretos que dão suporte à sua imposição, tal qual na hipótese vertente, é de ser mantida a segregação cautelar dos pacientes. 2. O princípio da homogeneidade [custódia cautelar proporcional à solução de mérito da ação penal] só vem de ser aplicável quando não restarem vislumbrados os requisitos da prisão preventiva, delineados no art. 312 do CPP, o que, a sabendas, não vem de ser a hipótese dos autos. 3. Os aventados predicados pessoais dos pacientes se nos afiguram constituir [presunção hominis] traço imanente ao bonus pater familiae, desservindo, por óbvio, ao fim colimado.” (TJMT – HC 506/2015 – Rel. Des. Alberto Ferreira de Souza – DJe 20.02.2015)

3062 – Crime de responsabilidade – ex­prefeito – prestação de contas – falta de justa causa – denúncia – inviabilidade

“Processual penal. Penal. Habeas corpus. Ex-prefeito. Crime de responsabilidade. Prestação de contas. Ação penal. Trancamento. Falta de justa causa. Denúncia. Fatos típicos. Dilação proba-

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tória. Inviabilidade. 1. É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que é inviável o trancamento de ação penal quando a denúncia descrever fatos que, em tese, configurem crime e quando houver indícios de autoria, bem assim que a justa causa que autoriza o trancamento da ação é aquela que se apresenta clara e incontroversa ao simples compulsar dos autos; é aquela que se revela cristalina, evidente, sem necessidade do aprofundamento do exame da prova. 2. A denúncia é uma proposta de demonstração da ocorrência de fatos típicos e antijurídicos atribuídos a determinado acusado, estando sujeita à comprovação e contrariedade e somente deve ser repeli-da quando não houver prova da existência de crime ou de indícios de autoria no evento criminoso noticiado, ou, ainda, quando se estiver diante de flagrante causa de exclusão da ilicitude ou de ati-picidade ou de extinção da punibilidade. 3. Presentes a materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria e amoldando-se a conduta ilícita ao delito tipificado no art. 1º, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967, não há que se cogitar de falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal. 4. O remédio constitucional do habeas corpus não é o instrumento adequado à discussão apro-fundada a respeito de provas e fatos. Para debate dessa natureza reserva-se ao acusado o processo criminal, ocasião em que as partes podem produzir aquelas provas que melhor entenderem alicer-çar seus respectivos interesses, além daquela que pode ser feita pelo juiz da causa. 5. Inexistência, em cognição sumária dos elementos contidos nos autos, da presença de quaisquer das hipóteses autorizativas de trancamento da ação penal. 6. Ordem denegada.” (TRF 1ª R. – HC 0057740-57.2014.4.01.0000/MA – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – DJe 09.01.2015)

3063 – Crime tributário – financiamento e aplicação irregular de recursos do Finam – desclas­sificação – possibilidade

“Processual civil. Habeas corpus. Financiamento e aplicação irregular de recursos do Finam/Sudam. Desclassificação para o crime tributário. Art. 2º, inciso IV, da Lei nº 8.137/1990. Prescrição da pretensão punitiva do Estado. Corrupção ativa. Prosseguimento da ação penal. 1. Deixar de apli-car, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento constitui crime contra a ordem tributária previsto no art. 2º, IV, da Lei nº 8.137/1990. 2. Reconhecida a adequação típica dos fatos ao art. 2º, IV, da Lei nº 8.137/1990, extingue-se, no particular, a punibilidade em face da ocorrência da prescrição, e, impondo-se o trancamento da Ação Penal nº 31115-46.2011.4.01.3700/MA, que, todavia, deverá prosseguir quanto ao crime de corrupção ativa previsto no art. 333 do Código Penal. 3. Ordem parcialmente concedida.” (TRF 1ª R. – HC 0047283-63.2014.4.01.0000/MA – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – DJe 09.01.2015)

3064 – Estelionato – consórcio de veículo – pagamento inicial – promessa de entrega do bem não concretizada – fraude – caracterização

“Penal. Estelionato. Continuidade delitiva. Provas da autoria e da materialidade. Consórcio de veículo. Pagamento inicial. Promessa de entrega do bem não concretizada. Fraude caracterizada. Fato típico. Antecedentes e personalidade desfavoráveis. Pena-base superior ao mínimo. Redução. Impossibilidade. Indenização pelos danos decorrentes da infração. Pedido expresso. Exclusão. In-viabilidade. Regime prisional semiaberto para um dos réus. Princípios da necessidade e suficiên-cia. Inviabilidade. Substituição da pena. Impossibilidade. 1. Não há que se falar em atipicidade da conduta quando comprovado nos autos que os réus, vendedores de consórcios de veículos, mediante fraude, obtiveram vantagem indevida em prejuízo dos lesados, que lhes entregaram parte do valor contratado a título de entrada pelo consórcio de veículo que nunca foi entregue. 2. Provado que um dos réus possui duas condenações por fatos pretéritos, com trânsito em julgado em data anterior à da prolação da sentença pelo novo crime, é possível a utilização de uma delas para justificar a análise desfavorável dos antecedentes e outra da personalidade, especialmente

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diante da existência de indícios de que faz do crime o seu meio de vida, em face do grande número de ações penais que lhe são imputadas. 3. Impossível a exclusão da indenização fixada, na sentença, a título de reparação pelos danos decorrentes da infração, diante da existência de pedido expresso dos lesados, durante a instrução criminal, o qual restou consignado nas alegações finais ofertadas pela acusação e não foi impugnado pela defesa. 4. Imposta ao réu primário pena privativa de liberdade inferior a 4 anos, a fixação do regime semiaberto somente é possível quando forem consideradas desfavoráveis as circunstâncias judiciais dos antecedentes, da personalidade e das consequências do crime. Contudo, as peculiaridades do caso concreto, as condições pessoais desfavoráveis do agente, bem como a análise desfavorável dos antecedentes e da personalidade podem justificar a sua imposição. 5. Posto que imposta pena privativa de liberdade inferior a 4 anos de reclusão, impossível a sua substituição por restritivas de direitos, por não ser necessária e suficiente para a prevenção e reprovação do crime, diante da análise desfavorável das circunstân-cias judiciais dos antecedentes e da personalidade. 6. Recursos conhecidos e desprovidos.” (TJDFT – Pen 20110110563244 – (849134) – 3ª T.Crim. – Rel. Des. João Batista Teixeira – DJe 20.02.2015)

3065 – Furto qualificado – denúncia – desclassificação para estelionato – suspensão condicio­nal do processo – impossibilidade

“Penal e processo penal. Apelação criminal. Denúncia por furto qualificado. Desclassificação para estelionato. Recurso do Ministério Público. Preliminar de nulidade. Ausência de prejuízo. Sus-pensão condicional do processo incabível. Patrimônio subtraído mediante abuso de confiança. Recurso provido. 1. Não há que se falar em nulidade da sentença que fixou a pena pelo crime de estelionato quando inexiste prejuízo à ré e a suspensão condicional do processo demonstra-se incabível, na medida em que o recurso ministerial será provido, razão pela qual rejeita-se essa pre-liminar. 2. Diante da confissão da ré, na delegacia de polícia, de que deixava de registrar a venda de mercadorias adquiridas por clientes do estabelecimento comercial onde exercia a função de operadora de caixa, subtraindo os respectivos valores, fato ratificado por sua prisão em flagrante na posse do dinheiro subtraído, bem como pelo depoimento de testemunhas em juízo, impõe-se a sua condenação pelo delito de furto qualificado pelo abuso de confiança. 3. Recurso conhecido, preliminar de nulidade afastada e, no mérito, provido, a fim de condenar a ré como incursa no inciso II do § 4º do art. 155 do Código Penal.” (TJDFT – Proc. 20130510147453 – (849123) – 3ª T.Crim. – Rel. Des. João Batista Teixeira – DJe 20.02.2015)

Processo Civil e Civil3066 – Ação civil pública – consumidor – vícios de construção de imóveis

“Recurso especial. Ação civil pública. Consumidor. Vícios de construção de imóveis. Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Responsabilidade da Caixa Econômica Federal. 1. Contro-vérsia em torno da responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF) por vícios de construção em imóveis vinculados ao Programa de Arrendamento Residencial, cujo objetivo, nos termos do art. 10 da Lei nº 10.188/2001, é o atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. 2. Como agente-gestor do Fundo de Arrendamento Residencial, a CEF é responsável tanto pela aquisição como pela constru-ção dos imóveis, que permanecem de propriedade do referido fundo até que os particulares que firmaram contratos de arrendamento com opção de compra possam exercer este ato de aquisição no final do contrato. 3. Compete à CEF a responsabilidade pela entrega aos arrendatários de bens imóveis aptos à moradia, respondendo por eventuais vícios de construção. 4. Farta demonstração probatória, mediante laudos, pareceres, inspeção judicial e demais documentos, dos defeitos de

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construção no ‘Conjunto Residencial Estuário do Potengi’ (Natal/RN), verificados com menos de um ano da entrega. 5. Correta a condenação da CEF, como gestora e operadora do programa, à reparação dos vícios de construção ou à devolução dos valores adimplidos pelos arrendatários que não mais desejem residir em imóveis com precárias condições de habitabilidade. 6. Inexistência de enriquecimento sem causa por se cuidar de medidas previstas no art. 18 do CDC. 7. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.352.227 – (2012/0233217-4) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 02.03.2015 – p. 1250)

3067 – Ação de cobrança – indenização – seguro de vida em grupo – seguradora – não reno­vação

“Agravo regimental em recurso especial. Ação de cobrança de indenização atinente a contrato de seguro de vida em grupo não renovado pela seguradora. Decisão monocrática negando seguimen-to ao reclamo. Insurgência do segurado. 1. Rescisão unilateral do contrato de seguro de vida em grupo. O exercício, pela seguradora, da faculdade (igualmente conferida ao consumidor) de não renovação do seguro coletivo, consoante estipulado em cláusula contratual, não encerra conduta abusiva sob a égide do Diploma Consumerista ou inobservância da boa-fé objetiva, notadamente na hipótese em que previamente notificado o segurado de sua intenção de rescisão unilateral (fundada na ocorrência de desequilíbrio atuarial) e não aceita a proposta alternativa apresentada. Precedente da Segunda Seção: REsp 880.605/RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Ac. Min. Massami Uyeda, Julgado em 13.06.2012, DJe 17.09.2012. Inaplicabilidade da exegese firmada quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.073.595/MG (Relª Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, Julgado em 23.03.2011, DJe 29.04.2011), atinente a contrato de seguro de vida indivi-dual cativo de longa duração. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.408.762 – (2013/0333564-7) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 20.02.2015 – p. 582)

3068 – Arrendamento mercantil – veículo – consignatória – credor – recusa – revisão – impos­sibilidade

“Agravo regimental em agravo em recurso especial. Arrendamento mercantil. Veículo. Consig-natória. Credor. Recusa. Revisão. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Inafastável a aplicação da Súmula nº 7 deste Tribunal, que impede o reexame dos aspectos fáticos da lide, no tocante à con-trovérsia envolvendo o pleito consignatório no presente caso. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 627.149 – (2014/0301448-4) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 27.02.2015 – p. 111)

3069 – Astreintes – descumprimento de obrigação de fazer – possibilidade – valor arbitrado

“Agravo regimental no recurso especial. Processual civil. Descumprimento de obrigação de fa-zer. Astreintes. Possibilidade. Valor arbitrado. 1. A fixação das astreintes por descumprimento de decisão judicial baseia-se nas peculiaridades da causa. Assim, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, somente comporta revisão por este Tribunal quando irrisória ou exorbitante, o que não ocorreu na hipótese dos autos, em que o valor foi arbitrado em R$ 1.000,00 (mil reais). 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.340.688 – (2012/0176495-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 02.03.2015 – p. 1245)

3070 – Contrato bancário – juros remuneratórios – cumprimento integral da obrigação – per­da do objeto

“Agravo regimental. Embargos de declaração. Recurso especial. Contratos bancários. Juros re-muneratórios. Cumprimento integral da obrigação. Perda de objeto do recurso especial. 1. O

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cumprimento integral da obrigação pela parte recorrente enseja a perda superveniente de objeto do recurso especial. 2. Agravos regimentais prejudicados.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.120.889 – (2009/0017965-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 02.03.2015 – p. 1239)

3071 – Dano material e moral – obra de instalação de rede de esgoto – abalo na estrutura do imóvel

“Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação indenizatória. Obra de instalação de rede de esgoto. Abalo na estrutura do imóvel da agravada. Dano material e moral. Procedên-cia. Ofensa ao art. 535 do CPC. Omissão inexistente. Ato ilícito e dever de indenizar. Conclusão baseada no acervo fático da causa. Reforma. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Precedente. Valor indenizatório fixado com razoabilidade. Agravo não provido. 1. Não há falar em violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal a quo se manifesta clara e fundamentadamente acerca dos pontos indispensáveis para o desate da controvérsia, sendo desnecessário rebater, um a um, as razões suscitadas pelas partes. 2. Adotar conclusão diversa, a fim de afastar o reconhecimento de ato ilícito indenizável, como pretende o recorrente, seria inevitável o revolvimento do arcabou-ço fático-probatório carreado aos autos, procedimento sabidamente inviável na instância espe-cial em razão do óbice contido na Súmula nº 7 desta Corte. 3. Mostra-se razoável a fixação em R$ 20.000,00 (quinze mil reais) para reparação do dano moral pelo ato ilícito reconhecido, con-sideradas as circunstâncias do caso e as condições econômicas das partes. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 611.906 – (2014/0291637-0) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 19.02.2015 – p. 914)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática de minha relatoria que conheceu do agravo, a fim de negar seguimento ao recurso especial, assim ementado:

“Civil. Processual civil. Agravo em recurso especial. Indenização por danos morais. Veiculação de matéria ofensiva à honra dos autores. Procedência. Ofensa ao art. 535 do CPC. Omissão inexistente. Sentença confirmada pelo acórdão. Ato ilícito e dever de indenizar. Conclusão base-ada no acervo fático da causa. Reforma. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Precedente. Agravo não provido.”

Nas razões do regimental, a companhia demandada pugnou pela modificação do julgado, assen-tado que não foi apreciado ponto relevante para o desate da controvérsia, qual seja, a ausência do dever de indenizar ante a inexistência de ato ilícito, matéria não enfrentada pela Corte local, a despeito da oposição dos embargos de declaração. Aduziu, outrossim, não ser necessário o reexame de matéria fático-probatória para se chegar à conclusão de inexistência de qualquer ato desabonador praticado pela Cedae que culminasse no abalo na estrutura do imóvel da agravada.

O STJ negou provimento ao agravo afirmando que no caso em comento, o valor fixado se situa dentro dos parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade.

O relator ainda assentiu que quanto ao mais, pretende a recorrente obter redução da verba inde-nizatória por dano moral fixada em valor equivalente a 27 salários mínimos vigentes, afirmando serem eles exorbitantes. E, ainda que de fato, a jurisprudência do STJ admite a revisão do quantum reparatório fixado a título de danos morais em ações de responsabilidade civil quando configurada situação de anormalidade nos valores, sendo estes irrisórios ou exorbitantes.

O ilustre jurista José Carlos Arouca assim disciplina sobre o dano moral:

“Não foi fácil determinar parâmetros para a aferição do dano e sua valoração. Num primeiro momento, lembra Beatriz Della Giustina, a falta de meios, mas principalmente de precedentes e um pouco de coragem para avançar, apelou-se para o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), servindo-se mesmo de dispositivos legais do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962), arts. 81 a 88, que enumera as formas delituosas que podem produzir o dano moral (arts. 289 e ss.), com o objetivo de assegurar sua reparação quando ocasionados por propaganda eleitora injuriosa ou deletéria (art. 243, §§ 1º e 2º), para a Lei de Imprensa, nº 5.250/1967, que, regulando a liberdade de manifestação do pensamento e de informações,

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dispõe no art. 49, I: ‘Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar: I – os danos morais e materiais nos casos previstos no art. 16, II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúria’. Estabelece, ainda, nos arts. 53 e 54, clara distinção entre indenização por dano moral e indenização por dano material. O art. 53, I a III, por sinal, dispõe como deverá o magistrado proceder no arbitramento do quantum indenizatório.

Na vigência do Código Civil de 1916, acenava-se ao art. 1.533 para o arbitramento da indeni-zação, ‘de maneira equitativa, prudente, não abusiva, atentando para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes’. Na opinião de Sérgio Pinto Martins, ‘uma forma de pagamento, completa, seria a aplicação analógica da indenização dos arts. 477 e 478 da CLT, do pagamen-to de um salário por cada ano de serviço trabalhado pelo empregado, considerando-se ano o período igual ou superior a seis meses’, lembrando a regra do art. 948 do antigo Código Civil, o qual explicita que ‘nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais favorável ao lesado’. Refere-se, mais, à decisão do TRT da 8ª Região, sendo Relator o Juiz José Maria Quadros de Alencar, que condenou o infrator ao pagamento de um piso e meio da convenção coletiva, pelo período em que ficou desempregado. E, dentre outras hipóteses, o fornecimento de carta de referência, publicação de nota na imprensa local dando conta do rompimento do contrato de trabalho sem que para tanto tivesse contribuído o empregado.

O Código Civil vigente, no art. 946, remete à lei processual a fixação do valor das perdas e da-nos, se a obrigação for indeterminada. A indenização, todavia, na forma do art. 944, ‘mede-se pela extensão do dano’.

O art. 1.533 do diploma anterior foi substituído pelo art. 946: ‘Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar’.

Para Orlando Teixeira da Costa, ‘na fixação do valor, o julgador, normalmente, subordina-se a alguns parâmetros procedimentais, considerando a extensão espiritual do dano, a imagem do lesado e a do que lesou, a intenção do autor do ato danoso, como meio de ponderar o mais objetivamente possível direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem da pessoa’.

De nossa parte, lembramos Graciliano Ramos, que, sem pensar no tema, mas em função dos males causados pelo homem, distinguia o capitalista abastado e o proletário sem nada; o in-telectual com grande capacidade de discernimento e o inculto, com formação rudimentar. A reparação do dano deve ter presente o perfil do ofendido e do ofensor, isto é, do empregado e do empregador, e, na hipótese colocada, no poderio econômico da empresa, no seu porte, a gra-vidade do ato ofensivo, a profundidade do dano causado e sua repercussão, interna, no âmbito da empresa, e externa, no meio em que se situa o trabalhador, familiar e social.” (Dano moral. Disponível em: http://online.sintese.com.)

3072 – Defesa do consumidor – produto adquirido – duas placas de vídeo – defeito em uma rescisão de contrato – restituição integral do valor – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Compra e venda. Consumidor. Produto adqui-rido. Duas placas de vídeo. Uma defeituosa. Rescisão de contrato. Restituição integral do valor. Impossibilidade. Súmula nº 7. Agravo regimental improvido. 1. O Tribunal de origem, apreciando o conjunto probatório dos autos, concluiu pela impossibilidade da agravada em atender ao pleito dos agravantes em relação à devolução do valor integral, em razão de a outra placa de vídeo não apresentar nenhum defeito. A alteração de tal entendimento, como pretendida, demandaria a análise do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7 do STJ. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 238.790 – (2012/0208381-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2053)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática de lavra deste Relator, que negou provimento ao agravo em recurso especial.

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A parte agravante alegou violação aos arts. 18, 31 e 35 do Código de Defesa do Consumidor, sustentando, em síntese, que “o presente recurso se consagra admissível por aquilo que o Re-curso de Apelação deveria garantir: a observância das normas prevista no Código de Defesa do Consumidor, que é garantia no fornecimento dos produtos assegurando-se a quantidade (com qualidade) dos produtos ofertados conforme rezam os arts. 31 e 35”.

Requereram a restituição tal do valor pago pelo produto defeituoso, qual sejam duas placas de vídeo.

Nas razões recursais, os agravantes pretendem a reforma da decisão, sob o fundamento de que não incide a Súmula nº 7/STJ, uma vez que não há controvérsia quanto à matéria de prova, e sim na aplicação do direito pelo Tribunal de origem.

O STJ negou provimento ao recurso.

Rosana Grinberg, discorrendo sobre os prazos estabelecidos na Lei nº 8.078/1990, que trata dos direitos dos consumidores, assim asseverou:

“Finalmente, a questão do prazo de 7 (sete) dias para devolução de mercadoria e desistência de contrato, prevista no art. 49 do CDC. O dispositivo legal, embora bastante claro, tem levado consumidores que adquirem um produto numa loja, depois de algum tempo, a quererem devol-ver, pelas mais diversas razões, e procurar os órgãos de defesa dos consumidores, reclamando que o fornecedor não quis receber. Ora, essa permissibilidade só se aplica se ‘a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio’. Significa dizer: são aquelas situações em que um fornecedor bate à porta do consumidor para lhe vender livros ou panelas ou produtos de limpeza. O consumidor, muitas vezes, premido pela lábia do vendedor, ou pelo tempo, sem condições de melhor refletir, adquire o produto e só depois verifica que não lhe interessa a compra. Nestes casos, a lei permite que o consumidor exercite o seu direito de arrependimento, previsto no artigo mencionado (7 dias), situação em que o produto será devolvido, com restituição imediata pelo fornecedor, dos valores eventualmente pagos, a qualquer título, monetariamente atualizados.

No caso, contudo, de uma consumidora, por exemplo, que adquire um vestido numa loja, de cor vermelha e, ao chegar em casa, o marido não gosta, porque acha que vermelho não lhe cai bem, não há qualquer obrigação do fornecedor (loja) lhe trocar ou receber o vestido de volta. Se o fizer será por mera liberalidade, por uma questão de marketing, objetivando a simpatia da cliente. Do mesmo modo, não há qualquer obrigação do fornecedor no sentido de trocar mercadoria, que o consumidor, após a aquisição, encontrou por preço inferior em outro estabelecimento, já que não há, no momento político-econômico do país, tabelamento de preços, cabendo ao consumidor pesquisar os mesmos antes de comprar o produto ou de contratar o serviço.” (Dos prazos no código do consumidor. Repertório de Jurisprudência IOB, 3/14829, nº 19/1998, p. 403, 1ª quinz. out. 1998)

Vejamos as considerações de Luiz Antônio Rizzatto Nunes:

“Recordemos que o § 3º diz que ‘tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito’.

Primeiramente, anote-se o erro da redação: o texto deveria ser: ‘tratando-se de vício oculto o pra-zo decadencial inicia-se no momento em que o mesmo fica evidenciado’. Além do problema da redação, há o inconveniente do uso do vocábulo defeito, que, no sistema da Lei nº 8.078/1990, é diferente de vício [...].” (Comentários ao código de defesa do consumidor: direito material (arts. 1º a 54). São Paulo: Saraiva, 2000. p. 348)

3073 – Desconsideração da personalidade jurídica – requisitos autorizadores

“Agravos regimentais nos recursos especiais. Civil e processual civil. Desconsideração da perso-nalidade jurídica. Requisitos autorizadores identificados pelo tribunal de origem. O acolhimento da pretensão recursal exigiria incursão na prova dos autos, o que é vedado a esta corte superior, nos termos da Súmula nº 07/STJ. Agravos regimentais desprovidos.” (STJ – AgRg-REsp 1.320.732 – (2012/0051843-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 17.12.2014 – p. 1522)

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Comentário Editorial SÍNTESE“Trata-se de agravos regimentais interpostos contra decisão que negou seguimento aos seus recursos especiais, ementada nos seguintes termos:

‘Recursos especiais. Civil e processual civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Requisi-tos autorizadores identificados pelo tribunal de origem. Para alcançar provimento às pretensões recursais, necessária incursão na prova dos autos, o que é vedado a esta Corte superior, nos termos da Súmula nº 07/STJ. Recursos especiais aos quais se nega seguimento.’

Em suas razões, ambos agravantes reiteraram as mesmas alegações expostas em seus recursos especiais, respectivamente, destacando a inaplicabilidade da Súmula nº 07/STJ. Postularam a reconsideração ou o encaminhamento do presente recurso à Colenda Turma para apreciação colegiada de suas insurgências.

O STJ negou provimento aos agravos regimentais.

O Relator assim aduziu:

‘Por fim, ambos recursos especiais não podem ser conhecidos quanto à interposição pela alínea c do permissivo constitucional, pois o dissídio jurisprudencial não foi comprovado conforme estabelecido nos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.

A divergência jurisprudencial deve ser demonstrada com a indicação das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

No caso concreto, os recorrentes apontam julgados que não guardam similitude fática com o caso dos autos, não se procedendo ademais ao devido cotejo analítico entre os julgados.’

Conforme lições de Alex Moisés Tedesco, a desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil assim esclarece:

‘O novo Código Civil após vários anos de discussões no Congresso Nacional foi instituído pela Lei nº 10.406/2002, com um período de vacatio legis de um ano, trazendo no seu bojo alguns institutos antes não previstos e reclamados pela doutrina, a disregard doctrine é um exemplo desta previsão legislativa inovadora.

Tal previsão prevista no art. 50, do novo CC, é de grande relevância para que o aplicador do Direito tenha segurança para desconsiderar a pessoa jurídica, pois a previsão em legal desta possibilidade acaba com algumas dúvidas científicas acerca da sua aplicação, já que introduz uma ampla positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no nosso orde-namento jurídico.’

Neste sentido, é importante estudar-se o projeto do novo CC que tratava do tema em discussão, cuja redação original do art. 50, in verbis:

‘A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins que determinaram a sua constituição, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que caberá ao juiz, a requerimento do lesado ou do Ministério Público, decretar-lhe a dissolução. Parágrafo único. Neste caso sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão, conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou representante que dela se houver utili-zado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração.’

A redação acima recebeu severas críticas por parte da doutrina, já que o artigo prevê a disso-lução da sociedade, algo não contemplado pela disregard doctrine, que simplesmente ignora a pessoa jurídica para o caso concreto, não havendo a extinção da pessoa jurídica. O citado artigo previa uma hipótese de despersonalização da sociedade, ou seja, extinção da pessoa jurídica, e não de desconsideração, em que a pessoa jurídica é desprezada somente para o caso concreto, permanecendo intocada em relação aos demais negócios da sociedade.

Outra crítica que pode ser feita é a participação do MP em qualquer caso de desconsideração, já que, pelo Texto Constitucional, este órgão tem competência para atuar nas causas de interesse público e, na grande maioria dos casos em que é desconsiderada a pessoa jurídica, há um mero interesse individual das partes envolvidas, uma mera relação entre credor e devedor.

Estes aspectos foram melhorados na atual redação do art. 50, que possui o seguinte comando normativo: ‘Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Pú-blico, quando lhe couber intervir no processo, que os defeitos de certas e determinadas relações

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de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica’.

O texto acima citado revela claramente a intenção de incorporar-se a disregard doctrine no ordenamento jurídico material, sendo notável o avanço neste sentido. Contudo, apesar de ter--se adequado a participação do MP, para atuar somente quando realmente possuir interesse, o dispositivo possui algumas falhas.

O pressuposto abuso da personalidade jurídica está em consonância com a concepção doutriná-ria subjetivista da teoria da penetração. Elogiável também é a menção do desvio de finalidade que pode ser considerado como a premissa maior da disregard doctrine, inclusive tendo sido o motivo determinante da construção da mesma.

Quanto à confusão patrimonial, a que se refere o art. 50, pode-se perceber a intenção do relator do projeto do Código Civil de encampar, também, a concepção objetiva da teoria da desconsi-deração, que não exige a prova de que o agente agiu com má-fé ocultando-se sob o manto da pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obrigação. Como já mencionado ante-riormente, fórmulas aritméticas, como a confusão patrimonial, não revelam por si só um abuso no uso da personalidade jurídica, pois, o fato de um sócio ser o detentor principal do capital social não revela, a priori, que esse tencione ocultar-se sob a pessoa jurídica, já que o simples insucesso nos negócios, tornando a sociedade insolvente, não autoriza a responsabilização do sócio, por maior que seja sua participação no capital social.

Outra questão a ser enfrentada é a da restrição no alcance da aplicação do dispositivo, já que esse prevê somente a extensão dos efeitos de algumas obrigações aos bens da pessoa física, não prevendo a extensão diretamente à pessoa do sócio, para caracterizar-se uma atividade pessoal dele, sendo executada em nome da sociedade.

Um exemplo disto seria o caso de uma pessoa física assumir uma obrigação de não fazer e constituir uma sociedade em que seja o seu controlador e principal detentor do capital social, sendo que a pessoa jurídica passa a exercer a atividade não permitida contratualmente ao sócio. É flagrante a intenção de usar a pessoa jurídica para furtar-se do cumprimento de uma obriga-ção contratual, havendo um abuso da pessoa jurídica e o desvio de finalidade dessa. Contudo, desconsiderando-se a personalidade jurídica, a atividade exercida pela sociedade seria imputada diretamente ao sócio, ou seja, haveria a extensão dos efeitos de algumas relações à pessoa física e, não aos bens da mesma, como preconiza o citado art. 50.

A previsão da superação da pessoa jurídica no novo CC não contempla a hipótese de descon-sideração da personalidade jurídica, para poder-se responsabilizar o sócio por descumprir uma obrigação que não seja de cunho patrimonial, pois o citado artigo prevê somente a extensão de alguns efeitos estritamente aos bens do sócio e não diretamente a esse, para considerá-lo como praticante dos atos a ele vedados e, como consequência, considerá-lo como descumpridor dos termos contratuais.” (Desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código Civil. Disponí-vel em: http://online.sintese.com.)

Trabalhista/Previdenciário

3074 – Aposentadoria – aplicação do fator previdenciário – constitucionalidade

“Previdenciário. Revisão da renda mensal inicial. Fator previdenciário. Constitucionalidade. Apli-cação ao art. 9º da EC 20/1998. Recurso não provido. Reunindo a parte autora os requisitos da aposentadoria quando já vigente a nova redação do art. 29, I, da Lei nº 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 9.876/1999, não há como ser afastada a aplicação do fator previdenciário. Não há que se falar em inconstitucionalidade do referido fator, uma vez que a própria Constituição, em seu art. 202 (com a redação dada pela EC 20/1998), determinou que lei regulasse a matéria atinente ao cálculo dos proventos da aposentadoria. A alegação de inaplicabilidade da Lei nº 9.876/1999, quanto à determinação da incidência do fator previdenciário no cálculo dos benefícios concedidos com base no art. 9º da EC 20/1998, remete, invariavelmente, à constitucionalidade da norma e,

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quanto a isto, já se tem pronunciamento inicial do Plenário do STF em sentido contrário, que deve prevalecer até que julgada em definitivo a ADI-MC 2.111/DF. O coeficiente de cálculo aplicado às aposentadorias proporcionais, previsto na EC 20/1998, é elemento externo à natureza jurídica do salário-de-benefício, não integra o seu cálculo, e, portanto, não tem caráter atuarial algum. Incide na apuração da renda mensal inicial somente após calculado o salário-de-benefício, e isto apenas para que a fruição do benefício se dê na proporção do tempo de contribuição do segu-rado. Já o fator previdenciário é elemento intrínseco do cálculo do salário-de-benefício e tem natureza atuarial – preservação do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social –, pois leva em consideração a idade do segurado, seu tempo de contribuição e expectativa de vida, de forma a modular o valor da renda mensal a que o beneficiário fará jus a partir da concessão e assim preservar, nos termos da lei, o equilíbrio atuarial e financeiro do sistema previdenciário. Assim, não há que se falar em dupla penalização do segurado pela aplicação do coeficiente de cálculo da aposentadoria proporcional e o fator previdenciário. Precedente. Recurso não provido.” (TRF 2ª R. – AC 0008252-32.2014.4.02.5101 – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto – DJe 04.05.2015 – p. 66)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se do reconhecimento da constitucionalidade do fator previdenciário, instituto aplicado no cálculo dos benefícios de aposentadoria.

O fator previdenciário, criado pela Lei nº 9.876/1999, é aplicado para cálculo das aposentado-rias por tempo de contribuição e por idade, sendo opcional no segundo caso.

Desde a sua criação, a polêmica para a sua extinção tem tomado grande avanço.

Em notícia publicada pelo Senado Federal encontramos a seguinte explicação para o fator pre-videnciário:

“Formulado numa equação, o Fator Previdenciário considera o tempo de contribuição, a alíquota e a expectativa de sobrevida do segurado no momento da aposentadoria. Por esse método, cada segurado recebe um benefício calculado de acordo com a estimativa do montante de contribui-ções realizadas, capitalizadas conforme taxa pré-determinada que varia em razão do tempo de contribuição, da idade do segurado e da expectativa de duração do benefício. Na prática, o Fator Previdenciário reduz o valor da aposentadoria para as pessoas mais novas. O Fator Previden-ciário é aplicado para cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição e por idade, sendo opcional no segundo caso, e foi criado com o objetivo de equiparar a contribuição do segurado ao valor do benefício.

Assim, caso ocorra sua extinção, ficará valendo a chamada regra do 85/95.

Referida regra estabelece que o trabalhador receba seus proventos integrais, quando, no cálculo da aposentadoria, a soma da idade com o tempo de contribuição for 85 para mulher, 95 para homem e 80 para professora e 90 para professor.

O Professor Wladimir Novaes Martinez, criador da fórmula 85/95, explica:

‘Nós a sugerimos ao então Ministro da Previdência Social Antonio Britto Filho em 1992, e poste-riormente ela foi esquecida. Em 2003, parte dessa idealização foi aproveitada na EC 41/2003, em relação à aposentadoria por tempo de contribuição do servidor público (ali, maior tempo de serviço significa menor tempo mínimo de idade).’

Sua extensão ao trabalhador da iniciativa privada, além de irrepreensível, observaria a universali-dade constitucional da Previdência Social, uma possível igualdade social e um solidarismo ainda maior. Talvez por isso tenha sido rejeitada.

Em poucas palavras, o que é a Fórmula 95?

Significa manter a esdrúxula aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil (praticamente inexistente no resto do mundo e aqui justificada por falta de um seguro-desemprego que permita uma aposentação mais adiante), reconhecendo a precocidade laboral dos segurados humildes e dos informalizados.

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É consabido que os pobres obreiros da classe baixa têm de começar a trabalhar mais jovens, enquanto as pessoas da classe média, de modo geral, o fazem depois dos 18 anos de idade ou até mais tarde, no caso dos profissionais liberais e empresários.

Compare-se o direito de um ajudante alagoano com 55 anos de idade (que viverá até 65 anos e ‘olhe lá’, segundo o IBGE) com um médico paulista com a mesma idade (que viverá, no mínimo, até 75 anos). Aquele ajudante começou a trabalhar, em média, com 15 anos de idade, mas terá registrado na CTPS algo em torno de 17,5 anos de serviço (tempo aleatório, escolhido com vistas aos cálculos abaixo). Acabará se aposentando por idade, aos 65 anos.

O médico iniciou o seu labor aos 25 anos de idade e, com certeza, terá 30 anos de serviço na CTPS aos 55 anos de idade (já com direito à aposentadoria proporcional de 70% do salário--de-benefício). Se for uma médica, com os mesmos parâmetros, fazendo jus à aposentadoria integral (100%).

Na Fórmula 95, os 55 anos de idade e os 35 anos de serviço (presumidos) do ajudante soma-riam 90 anos. Ele se aposentaria 30 meses adiante, pois 57,5 + 37,5 = 95 anos. O médico, nas mesmas condições, teria 55 + 30 = 85 anos e deveria se aposentar (se é que médico se aposenta) 30 meses adiante, pois 62,5 + 32,5 = 95 anos.

Nota-se que mal nascido, mal nutrido, mal vestido e mal transportado, desgastado pelo esforço físico, esse ajudante hipossuficiente raramente voltará ao trabalho depois da aposentação. Dife-rentemente, o médico manter-se-á clinicando até o fim de sua vida.

Um limite de idade nacionalmente unificado, geralmente unissexual, ignora que os segurados nordestinos vivem 10 anos menos do que os segurados da região sudeste e também que as mulheres vivem de 7 a 8 anos mais do que os homens.

A Fórmula 95 representa mais do que uma simples soma do tempo de serviço com a idade (constante do CNIS ou presumida em favor dos segurados de baixa renda): reconhece a distinção legal da mulher, enquanto assim concluir o legislador.

O crescimento da expectativa de vida do brasileiro, quando isso acontecer, poderá indicar uma Fórmula 100. De todo modo, ela tenta fazer justiça social, igualando os desiguais em um País de tantas desigualdades.

Trata-se de uma expressão matemática, em sua modalidade simplificada (x/y + z = 95), com três variáveis e uma constante (que também pode evoluir em função do aumento da perspec-tiva nacional de vida), conduzindo a um resultado numérico em anos, indicativa do direito ao benefício.

Ela consiste na fixação de um critério para a concessão de benefício (e não do seu valor inicial) e que, diferente do método vigente (mas, em parte, acolhida na EC 47/2005), na sua compo-sição considerados a idade, o tempo de contribuição, de certa forma presumido, e a situação socioeconômica do segurado.

Estabelece um limite mínimo de idade pessoal e não nacional, tentando desfazer distorções decorrentes das diferenças regionais, profissionais e sociais, e, assim, deselitizar o benefício.

A proposta leva em conta vários pressupostos científicos, diante dos elementos pré-jurídicos definidos da aposentadoria por tempo de contribuição. Sopesa os aspectos demográficos, socio-lógicos e jurídicos – relativos à condição social do obreiro informal no contexto da Seguridade Social – a serem adequados à realidade do País. Propicia ajustes periódicos se esses indicadores sociais assim o solicitarem. Concerta-se com a conjuntura das dificuldades atuais, mas acolhe, quando o cenário econômico e social o forçar, a transformação das diretrizes da prestação.

Enquanto não subsistir um seguro-desemprego compatível com as necessidades da nacionalida-de, admite redução do valor da renda inicial para que não atenda o total de 95 anos.

Atende um benefício programado, indicando provas universais e de acesso mais fácil a quem tenha dificuldades em obtê-las, sem prejuízo de ofertá-las em condições normais às demais pessoas. Seu objetivo é fazer justiça social previdenciária para os hipossuficientes, resgatar a precocidade laboral e estabelecer presunção jurídica favorável aos humildes.

Um novo exemplo típico indica os seus principais elementos: suponha-se um médico com 60 anos de idade. Certamente, esse profissional que aufere mensalmente algo em torno de 20 salários-mínimos (R$ 10.000,00) filiou-se após a residência médica, aos 25 anos, e tem 35 anos de tempo de contribuição. Um ajudante ganha dois salários mínimos (R$ 1.090,00) e, se tiver uma CTPS, apresentaria anotados, digamos, 17,5 anos de tempo de serviço. Esse tempo

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de serviço seria dividido por 0,5, indo para 35 anos, e ele se tornará igual ao médico. Tal 0,5 dependerá do seu salário médio tomado dentro de certo período básico de cálculo (cujo indexa-dor permita uma apuração real).

O cálculo seria: 17,5 + 60 = 95.

0,5

Evidentemente, se assim se desejar, o cálculo também poderia ser: 17,50 x 2 + 60 = 95.” (Fator previdenciário, Fórmula 95 e limite de idade. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 22 maio 2015)

3075 – Aposentadoria por invalidez – perícia médica – obrigatoriedade

“Recurso especial. Previdenciário. Companhia Siderúrgica Nacional. Obrigatoriedade do INSS realizar perícia médica em empregado aposentado por invalidez. Falta de interesse de agir e ile-gitimidade ad causam da CSN. Resolução da lide por decisão singular do relator. Possibilidade. Art. 557 do CPC. Precedentes do STJ e do STF. Recurso a que se nega provimento. 1. É pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido da constitucionalidade do art. 557 do CPC e da plena possibilidade da sua aplicação pelo relator, através de decisão singular, quando o recurso foi manifestamente improcedente, prejudicado, de-serto, intempestivo ou contrário à jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. 2. Eventual violação na aplicação do mencio-nado dispositivo legal é superada no julgamento do órgão colegiado respectivo, quando se con-firmará, ou não, a fundamentação adotada na decisão solitária, seja em relação aos requisitos de admissibilidade do recurso, seja em relação ao mérito da controvérsia. Precedentes. 3. No caso em exame, a decisão singular, para aplicar o art. 557 do CPC, amparou-se na jurisprudência pacífica desta Corte Superior no sentido de faltar interesse e legitimidade ativa ad causam à Companhia Siderúrgica Nacional – CSN para propor ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, a fim de obrigar a Autarquia Previdenciária realizar perícia médica para revisão de aposentadoria por invalidez de segurado. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.122.439 – (2009/0024514-6) – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – DJe 30.04.2015 – p. 1403)

3076 – Assédio moral – não configuração – ônus da prova – cabimento

“Assédio moral. Não configuração. Ônus da prova. É ônus do reclamante provar o fato constitutivo do direito que alega, a teor do que dispõe o art. 818 da CLT c/c art. 333, I do CPC, do que não se desincumbiu a contento, sobretudo diante da prova oral que em nada confirmou os fatos trazidos na inicial, mormente o tratamento desigual que diz ter sofrido por parte dos superiores hierárqui-cos. Espólio de Jean Pires Miranda (representado pela Sra. Milena de Araújo Rodrigues), nos autos da ação trabalhista em que contende com Elo Sistemas Eletrônicos S/A, reclamada, inconformada com a r. sentença de fls. 128/135, integrada à fl. 142, interpõe Recurso Ordinário, mediante razões de fls. 145/149. Contrarrazões foram apresentadas às fls. 154/158. Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.” (TRT 5ª R. – RO 0001814-36.2013.5.05.0193 – 2ª T. – Relª Desª Margareth Rodrigues Costa – DJe 04.05.2015)

Comentário Editorial SÍNTESENo presente caso, aplicou-se o instituto do ônus da prova às alegações suscitadas pelo autor no tocante ao assédio moral.O texto consolidado traz o seguinte: “Art. 818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.A corroborar o art. 313 do CPC, temos:“Art. 333. O ônus da prova incumbe:I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

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Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:I – recair sobre direito indisponível da parte;II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”O Mestre Carlos Henrique Bezerra Leite alude:“Há vozes na doutrina, como a de Emília Simeão Albino Sako, que ecoam no sentido de que a declaração de inversão do onus probandi não precisa, necessariamente, ser expressa, pois na sentença, quando o juiz analisar as demais provas, irá dizer quem tinha o ônus de produzir a prova e não a produziu, independentemente de ter emitido declaração anterior sobre a quem competia esse ônus. O art. 6º, VIII, do CDC não exige expresso pronunciamento sobre quem compete provar. É suficiente, para legitimidade da decisão, que o juiz, no julgamento da causa, diga em que prova se baseou para proferir a decisão. Nenhuma nulidade haverá caso o juiz não declare invertido o ônus da prova, pois o ônus da prova é um dever da parte. Além disso, nem o CDC nem outro diploma legal obrigaram o juiz a declarar de forma expressa invertido o ônus da prova antes do julgamento e nem mesmo no julgamento. As partes têm o conhecimento da lei, não podendo alegar o seu desconhecimento. Além disso, devem pautar-se conforme o princípio da boa-fé, o qual impõe o dever de agir com lealdade afirmando e sustentando apenas a verdade.

Parece-nos, de toda sorte,que, por ser regra de julgamento, cabe ao juiz, na sentença, funda-mentar (CF, art. 93, IX) a respeito de quem era o onus probandi, informando, inclusive, a razão que o levou a inverter o ônus probatório para proferir a decisão. Afinal, tal declaração, além de atender ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, encontra-se em sintonia com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa.” (Curso de direito processual do traba­lho. 12. ed. LTr: São Paulo, 2014. p. 677-678)

3077 – Aviso­prévio – cumprimento em casa – efeitos

“Aviso-prévio. Validade. Empregado avisado e dispensado do cumprimento. Prestação laboral durante o período do aviso-prévio simulada pelo empregador. O cumprimento ‘em casa’ e a si-mulação de cumprimento do aviso-prévio concedido não implicam sua invalidade precisamente porque a parte rescindente avisou a outra de sua resolução (CLT, art. 487, cabeça). O intuito dessas manobras reprováveis é de fraudar a lei no que concerne ao prazo para pagamento das verbas res-cisórias, que é de dez dias após a notificação da demissão no caso de dispensa do cumprimento do aviso-prévio (CLT, art. 477, § 6º, b): a consequência de sua frustração, portanto, não é a invalidade do aviso-prévio concedido, mas o pagamento da multa que se pretendeu evitar. (RO 0000566-11.2013.5.18.0181, Rel. Des. Mário Sérgio Bottazzo, Julgado em 05.11.2013).” (TRT 18ª R. – RO 0010903-35.2014.5.18.0016 – Relª Silene Aparecida Coelho Ribeiro – DJe 15.04.2015 – p. 303)

3078 – Comissão de conciliação prévia – acordo homologado – validade – eficácia liberatória geral – efeitos

“Recurso de revista. Comissão de conciliação prévia. Validade do acordo homologado. Eficácia liberatória geral. Deserção do recurso de revista. Na sentença foi arbitrado à condenação o valor de R$ 2.021,70. As Reclamadas, no momento da interposição do recurso ordinário, recolheram a quantia de R$ 1.973,00 a título de depósito recursal. No acórdão proferido pelo Tribunal Regio-nal, a condenação foi mantida, uma vez que os recursos (patronal e obreiro) foram desprovidos. Com a interposição do recurso de revista, as Reclamadas não efetuaram nenhum complemento de depósito recursal. Embora não caiba, no presente momento processual, discutir sobre a regu-laridade do preparo do recurso ordinário das Reclamadas, não há como deixar de reconhecer a deserção do presente recurso de revista. Considerando que somente não será exigido depósito recursal quando já houver sido depositado o valor total da condenação, o que não ocorreu no caso, e não tendo as Reclamadas efetuado o recolhimento do depósito recursal no valor arbitrado no provimento condenatório proferido na primeira instância (não alterado pela Corte Regional), é inequívoca a deserção do recurso de revista. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 0068800-49.2010.5.23.0007 – Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues – DJe 01.05.2015 – p. 2478)

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Destaque Editorial SÍNTESEOs Advogados Carlos Dias da Silva Corradi Guerra e Patricia Soraia de Souza Estevam assim discorrem acerca do tema:“A grande vantagem para os empregadores com a adoção das comissões de conciliação prévia nas empresas é a de não serem surpreendidos na Justiça, com a propositura da demanda tra-balhista, cuja citação postal, por vezes deficiente, pode gerar revelia em matéria fática, de difícil reparação. Além disso, a nova lei prevê que, pelo acordo, o empregado dará quitação geral sobre a demanda que tiver (podendo, no entanto, fazer ressalvas específicas sobre títulos não concilia-dos – CLT, art. 625-E, parágrafo único), o que evitará futuras ações sobre questões já discutidas no momento da dispensa ou da solução da pendência na vigência do contrato.A vantagem para os empregados é a solução mais rápida e satisfatória de suas pendências trabalhistas, com recebimento imediato das parcelas que lhe são devidas. A lei estabelece que o termo de conciliação firmado perante as comissões de conciliação prévia valem como título executivo extrajudicial, podendo o empregado, caso não receba a parcela que lhe foi reconhecida como devida no prazo fixado no termo, promover a imediata execução do mesmo. O disposi-tivo incluiu também, de forma expressa, os termos de ajuste de conduta firmados perante o MPT como títulos executivos extrajudiciais a serem executados perante a JT, findando, assim, com a controvérsia sobre a competência para a execução de tais termos de compromisso (CLT, art. 876).Porém, tomando novamente por empréstimo as palavras de Soibelman, se todos os operadores do direito entendessem, de forma pacífica o que se diz, não teríamos a ciência do direito, ou seja, não se teria as calorosas discussões acerca de algum tema, como é o caso das CCP.[...]E o Prof. Sérgio Pinto Martins, por sua vez, faz a seguinte observação: Nota-se que o procedi-mento instituído representa condição da ação para o ajuizamento da reclamação trabalhista. Reza o inciso V do art. 267 do CPC que o processo é extinto sem julgamento do mérito quando não concorrer com qualquer das condições da ação, ‘como...’.Com os argumentos acima, sustenta-se a constitucionalidade da Lei nº 9.958/2000, que ins-titui as CCP, criando assim mais uma condição ao exercício do direito de ação, posto que, as condições da ação, não são apenas aquelas relacionadas no compêndio processual civil, qual sejam, a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual, sendo que a tal determinação legal não é exaustiva, e sim exemplificativa, ficando claro que a lei infraconstitucional poderá estabelecer outras condições para o exercício do direito de ação, como fez a Lei nº 9.958/2000.Portanto, há que se considerar que a instituição das comissões de conciliação prévia poderá ser facultativa, contudo, uma vez instituída, deve a demanda trabalhista ser submetida à mesma, como cumprimento a uma das condições da ação.” (Comissão de conciliação prévia. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 22 maio 2015)

3079 – Dano moral e material – toxoplasmose – doença ocupacional não configurada – ausên­cia de nexo causal – indenização indevida

“Danos morais e materiais. Toxoplasmose. Doença ocupacional não configurada. Ausência de nexo causal. Indenização indevida. A doença do trabalho, espécie do gênero doença ocupacio-nal, prevista no art. 20, II, da Lei nº 8.213/1991, é aquela desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado, havendo submissão do empregado a riscos biológicos específicos. Assim, restando evidenciada a inexistência de nexo de causalidade entre a patologia do autor e o labor prestado, uma vez que o laudo pericial foi conclusivo a respeito, não há que se falar em doença do trabalho, sendo indevida a indenização por danos morais e materiais pleite-ada.” (TRT 16ª R. – RO 0214900-16.2011.5.16.0012 – 1ª T. – Relª Desª Márcia Andrea Farias da Silva – DJe 10.04.2015 – p. 19)

3080 – Empregador – impedimento de retorno ao trabalho de empregado por alta médica – reencaminhamento para o INSS – salários do período – pagamento obrigatório

“O empregador que impede o retorno ao trabalho de empregado que obteve alta médica da previdência social e também não promove a rescisão contratual, reencaminhando o emprega-do, de forma inútil aos cofres previdenciários, responde pelo pagamento dos salários relativos a período ocorrente entre a alta médica e efetivo retorno ao trabalho ou efetiva rescisão, pois o

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tempo em questão é considerado como tempo à disposição do empregador.” (TRT 2ª R. – Proc. 0003150-32.2013.5.02.0202 – (20150329355) – Relª Juíza Maria José Bighetti Ordoño Rebello – DJe 29.04.2015)

3081 – Execução – sócio – alcance

“Condição de sócio. Execução. O risco da atividade social deve ser suportado inteiramente pelos empresários que constituem a sociedade, não podendo ser transferido a outra pessoa, que jamais participou do lucro (art. 2º da CLT). Nesse contexto, não há como reconhecer a condição de sócio do executado, restando mantida a r. decisão agravada. Agravo de Petição a que se nega provimen-to.” (TRT 2ª R. – Proc. 0441500-46.2006.5.02.0080 – (20150305090) – Relª Desª Odette Silveira Moraes – DJe 22.04.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEA matéria discutida na decisão proferida pelo TRT da 2ª Região diz respeito ao alcance da execução na figura do sócio.

O texto consolidado é claro ao mencionar, no art. 2º, que o risco do empreendimento será supor-tado pelo empregador pertencente ao quadro societário.

Assim, o sócio estará sim no polo passivo da ação de execução.

A Advogada Gaysita Schaan Ribeiro explica o instituto:

“As sociedades limitadas estão regulamentadas nos arts. 1.052 a 1.087 do CC, que já no pri-meiro deles dispõe que ‘a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social’.

Assim, com a personificação da sociedade por quotas de responsabilidade limitada estabelece--se a separação do patrimônio dos sócios em relação ao do ente coletivo, já que contribuem, inicialmente, com bens particulares para a constituição dos fundos sociais. Feito isso, cabe aos sócios o direito à participação nos lucros e à parcela do acervo social líquido quando da extinção da sociedade (Bertoldi, 2006, p. 143). Trata-se do princípio da autonomia patrimonial.

Oportuno lembrar que a solidariedade a que se refere o art. 1.052 diz respeito apenas a eventual insuficiência de integralização do capital de um ou mais sócios, quando todos os que compõem o quadro social terão de arcar com o valor não integralizado.

A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, segundo Fábio Ulhoa Coe-lho, ‘pode parecer, à primeira vista, uma regra injusta, mas não é. Como o risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial, o direito deve estabelecer mecanismo de limitação de perdas, para estimular empreendedores e investidores à exploração empresarial dos negócios’ (2007, p. 157). Prossegue alertando para o fato de que, sem limitação das perdas, os lucros teriam de ser maiores e, assim, consequentemente, seriam maiores os preços dos bens ou servi-ços adquiridos no mercado. Mais adiante, refere o autor que ‘também não há injustiça na regra da limitação da responsabilidade dos sócios porque os credores, ao negociarem seus créditos, podem incluir nos preços uma taxa de risco associada à perda decorrente da falência da socie-dade’ (p. 158). Não há como deixar de concordar com essas considerações, evidentemente. No entanto, apenas em relação a contratantes de mesma suficiência econômico-financeira, ou seja, em igualdade de condições e possibilidades. Não é o caso da relação estabelecida entre empresa e trabalhador.

Prosseguindo, dispõe o art. 591 do Código de Processo Civil (CPC) que ‘o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei’. E, no art. 592, que ‘ficam sujeitos à execução os bens: [...] II – do sócio, nos termos da lei’ (v., também, art. 596).

[...]

Feitas essas considerações, encaminha-se este estudo para a análise da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e dos dispositivos legais existentes, com enfoque na execução dos créditos trabalhistas.

[...]

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O instituto da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica não está expressamente positivado na legislação trabalhista. A sua aplicação decorre do disposto nos arts. 8º, parágrafo único, 769 e 889 da CLT, que autorizam a incidência de preceitos integrantes do direito comum, do direito processual comum e da Lei das Execuções Fiscais (LEF) às hipóteses não previstas na lei celetista, condicionada à compatibilidade com os princípios que alicerçam o direito do trabalho e o direito processual do trabalho.

Em sede doutrinária, Schiavi (2008, p. 115) refere que duas são as teorias da desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização do sócio pelas dívidas trabalhistas da socie-dade. A primeira é a teoria subjetiva, que tem como pressupostos a inexistência de patrimônio social e a caracterização de abuso de poder, desvio de finalidade, confusão patrimonial ou má-fé praticados pelo sócio. A segunda, mais atual segundo ele, é a teoria objetiva, ‘que disciplina a possibilidade de execução dos bens do sócio, independentemente de os atos destes violarem ou não o contrato, ou haver abuso de poder’. Esse posicionamento se assenta na natureza alimen-tar do crédito trabalhista e na hipossuficiência econômica do trabalhador, especialmente para demonstrar a má-fé do administrador.

Dallegrave Neto (2002, p. 186) classifica as teorias em subjetiva e objetiva, no mesmo sentido adotado por Schiavi, mas ainda vislumbra uma terceira, a qual denomina finalística, segundo a qual, havendo prejuízo do credor e dificuldade da execução, a intenção fraudulenta do devedor é presumida, não carecendo de prova por parte daquele.

A tese da culpa presumida também é defendida por Homero Batista Mateus da Silva (2008, p. 18), que, referindo-se às lições de Fábio Konder Comparato, afirma que ‘a antiga vinculação entre responsabilidade e poder de gestão’, presente no art. 10 do Decreto nº 3.708/1919, ‘transmudou-se numa relação entre responsabilidade e poder de controle’, porquanto referido dispositivo restou revogado pelo art. 50 do CC/2002, que ampliou a abrangência da desconsi-deração a todos os sócios da pessoa jurídica.

Em sentido oposto, ou seja, pela necessidade de prova do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, posiciona-se Flávio Tartuce. Considera esse doutrinador que as normas insertas no CDC não se aplicam ao direito laboral, pois trata-se de diploma legal direcionado a regular relações de consumo, conclusão que retira da análise dos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.078/1990. Diz ele que tampouco a doutrina maximalista admitiria reconhecer, aqui, uma relação de consumo (para a doutrina maximalista, na análise da relação de consumo não se leva em conta a vulnerabilidade técnica, jurídica ou socioeconômica).

Abstraindo os respeitáveis posicionamentos contrários ou favoráveis à aplicação subsidiária do art. 50 do CC e à aplicação por analogia do art. 28 do CDC, entende-se que, na análise da desconsideração da personalidade jurídica da empregadora, há que se levar em conta, primeiro, alguns aspectos fundamentais, nem sempre ponderados com a devida prioridade.

Com efeito, a relação jurídica obrigacional derivada do vínculo empregatício se dá entre uma pessoa física, o trabalhador, que se coloca à disposição de um empregador, entregando-lhe sua força de trabalho para que integre a atividade econômica, em troca de uma remuneração predeterminada.

Como já se disse, a organização dessa atividade e a responsabilidade sobre ela cabe ao empre-sário, o qual reúne, coordena e dirige os elementos matéria-prima, trabalho e capital, ao mesmo tempo suportando os riscos do negócio. Convém lembrar que, embora haja previsão legal para a participação nos lucros pelo empregado, tal direito, sabe-se, até hoje foi minimamente efetivado.

Impende destacar, ainda, que às relações de emprego se aplicam não só o princípio tuitivo da seara laboral, mas também a nova ordem de princípios e valores que a Constituição Federal de 1988 inaugurou, tendo como fundamentos da República, entre outros, a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social, o que fez surgir o enfoque existencialista de proteção à pessoa e que, posteriormente, alicerçou o Código de Defesa do Consumidor, em 1990, e o Código Civil, em 2002, abrindo o ordenamento jurídico privado para a introdução de preceitos constitucionais intimamente ligados à função social dos contratos.

De incidência incontestável nas relações de trabalho, também, é o princípio da boa-fé objetiva, hoje positivado no art. 422 do CC, segundo o qual as partes devem agir, tanto na conclusão quanto na execução do contrato – e aí se inclui a fase precedente de negociações, com probidade e boa-fé, um agir pautado na cooperação, na lealdade, na confiança, na consideração recíproca, comportamentos esses que se originam na solidariedade social.

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Por outro lado, não se pode deixar de observar que o ordenamento jurídico brasileiro dá ampla liberdade para a constituição e o funcionamento das sociedades empresárias. Conforme anota José Tadeu Neves Xavier (2003), com a peculiar percuciência de sempre, ‘o art. 50 do novo Código Civil pecou ao omitir-se em relação a um ponto tormentoso na questão da responsabili-dade dos sócios em nosso sistema, que é a ocorrência da subcapitalização como motivo para o reconhecimento da desconsideração’.

De fato, nem o art. 50 prevê tal hipótese, nem prevê o direito brasileiro um valor mínimo de capital social a ser integralizado quando da formação da sociedade. Em razão disso, Xavier alerta para a identificação de um princípio a ser observado em análise casuística: trata-se do princípio da adequação do capital social. Nas palavras desse doutrinador, a inadequação do capital aos recursos necessários para o desempenho seguro da atividade social e para suportar os riscos de sua atividade ficou conhecida como subcapitalização, estimulando o surgimento entre nós do questionamento no sentido de identificar se, no Direito brasileiro, existe a responsabilidade pessoal dos sócios pela subcapitalização da sociedade.

Fazendo menção à insuficiência de debates sobre tão importante questão, ao final assevera:

‘Ao constituírem a sociedade, com a adoção de forma societária à qual o ordenamento reserve esse privilégio da limitação de responsabilidade, os sócios assumem o dever de assegurar a existência de um capital adequado para garantir a atividade da empresa. Trata-se de condição implícita que, se não cumprida, não autorizará o surgimento da limitação de responsabilidade.

O Direito não pode tolerar a atuação de sociedades temerárias, dotadas de pequena porção pa-trimonial totalmente insuficiente para atender aos encargos contratuais assumidos e aos riscos oriundos do desenvolvimento da sua atividade, gerando instabilidade no tráfico negocial. Dotar sociedades, que se encontram nesta situação, de limitação de responsabilidade é preterir os valores sociais em função de benefícios injustificáveis para os membros da pessoa jurídica.’ (grifamos)

Com razão Xavier. Especialmente no âmbito laboral, a equidade revela ser intolerável o fato de os créditos trabalhistas restarem a descoberto, enquanto os sócios, beneficiários diretos dos lucros da empresa, resultado do trabalho humano despendido pelo empregado, têm o seu patrimônio pessoal a salvo, a pretexto de que o sistema assegura a separação em face da autonomia da pessoa jurídica, que, aliás, não passa de uma ficção legal.

Por todos esses motivos, entende-se ter plena incidência no âmbito juslaboral a teoria da descon-sideração da personalidade jurídica da empresa-empregadora, seja pela aplicação subsidiária do art. 50 do CC, seja por aplicação analógica do art. 28 do CDC.” (A desconsideração da persona-lidade jurídica na execução trabalhista: análise dos fundamentos jurídicos. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 05 maio 2015)

Tributário

3082 – Aduaneiro – liberação do trânsito – retenção de mercadorias – prejuízo fiscal – não ocorrência

“Administrativo e tributário. Procedimento administrativo regularmente corrigido. Liberação para o trânsito aduaneiro. Retenção de mercadorias. Ilegalidade. Prejuízo fiscal. Ausência. 1. Conforme fartamente documentado pela impetrante, às fls. 58 e ss. Do presente writ, injustificada a retenção das mercadorias importadas, após a regular correção da nota fiscal emitida. 2. Não se vislumbra qualquer irregularidade ou ilicitude, efetuada por parte da ora apelada, capaz de excluí-la do regi-me de entreposto aduaneiro, nos termos da legislação de regência. 3. Nos termos das informações prestadas pela autoridade alfandegária responsável pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos, em nenhum momento há relato que remeta à possibilidade da existência de algum prejuízo fiscal ou qualquer outra ameaça ao erário. 4. Apelação, agravo retido e remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0003820-71.2006.4.03.6119/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 13.01.2015)

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Comentário Editorial SÍNTESEPodemos afirmar que o mandado de segurança no Brasil foi introduzido no ordenamento jurídico através da Constituição Federal de 1934, em seu art. 113, nº 33:“Dar-se-á mandado de segurança para defesa de direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade [...]”.O mandado de segurança é proposto contra autoridade administrativa, que em função do poder que tem investido, venha a praticar atos lesivos, ameaçadores ou ofensivos ao direito das pes-soas jurídicas ou privadas.O ato lesivo e que dá sustentação ao pleito deve configurar-se numa ofensa ao direito, mesmo que seja uma simples ameaça, quando esse direito se apresentar como certo e incontestável, merecedor, portanto, da proteção legal.Pois bem, o caso comentado adiante tratou de mandado de segurança em que se busca a libera-ção para o trânsito aduaneiro das mercadorias constantes da Declaração de Trânsito Aduaneiro nº 06/0137218-2.O MM. Juízo a quo, confirmando a liminar anteriormente deferida, julgou procedente o pedido, concedendo segurança no sentido de determinar que a autoridade impetrada dê regular pro-cesso ao desembaraço, sob regime de trânsito aduaneiro, considerando como válida a fatura nº 1080012044, desconsiderando a primeira emitida.Submeteu ao reexame necessário.Inconformada a União Federal recorreu, sustentando a legalidade do procedimento administrati-vo adotado, e pugnou pela análise do agravo retido, interposto.Contrarrazões foram apresentadas.O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.O conflito foi distribuído ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que teve como Rela-tora a Ilustre Desembargadora Federal Marli Ferreira, que inicialmente, considerou que, quanto ao agravo retido, como as razões lá firmadas, atinentes à defesa do procedimento administrativo adotado, se confundem com os argumentos alinhados ao longo da apelação em epígrafe, a sentença deve ser mantida.Em seu entendimento, a questão toda cinge-se a um equívoco cometido pela impetrante, e posteriormente reparado, acerca da emissão de duas faturas, a primeira ao mencionar como des-tinatário o Aeroporto Internacional de Guarulhos, e outra, já com a devida alteração, constando o endereço correto, no caso, o EADI Santo André Terminal de Cargas.A Nobre Magistrada continuou destacando que as mercadorias estão sob o regime de trânsito aduaneiro, na dicção da Instrução Normativa SRF nº 248, de 25.11.2002, e alterações, tendo como destino final o Chile.Conforme oportunamente anotado pela MMª Julgadora de primeiro grau, em sua bem lançada sentença, reparado o erro, segundo farta documentação juntada pela impetrante do presente recurso, injustificada a retenção das mercadorias importadas.Acresça-se, consoante ainda a r. sentença, cujo teor foi integralmente secundado pelo parecer do Ilustre Parquet, não há qualquer irregularidade ou ilicitude efetuada por parte da ora apelada, capaz de excluí-la do regime de entreposto aduaneiro, nos termos da legislação de regência.Ressaltou também que, observa-se ainda, face às informações prestadas pela autoridade alfan-degária responsável pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos, que em nenhum momento há relato que remeta à possibilidade de existir algum prejuízo fiscal ou qualquer outra ameaça ao Erário.No seu entendimento, a Ilustre Julgadora destacou:“corrigido o equívoco do destinatário da fatura, não se vislumbra qualquer elemento que sustente o procedimento adotado pela Receita Federal, em sua unidade alfandegária”.Assim, com base em todo o exposto, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento à apelação, ao agravo retido e à remessa oficial, mantendo a r. sentença em seus exatos termos.

3083 – Contribuição previdenciária – autônomos, avulsos e administradores – compensação – prescrição – possibilidade

“Processual civil. Direito tributário. Agravo legal. Art. 557 do CPC. Contribuição previdenciá-ria. Autônomos, avulsos e administradores. Compensação. Prescrição. I – O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.002.932/SP (DJe 18.12.2009), ao disciplinar a aplicação da Lei

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Complementar nº 118/2005, considerou aplicável o prazo prescricional de cinco anos aos reco-lhimentos verificados a partir de sua vigência, a saber, 09.06.2005, considerando subsumir-se, às hipóteses de recolhimentos anteriores a esta data, a regra do art. 2.028 do Código Civil. Vale dizer, a prescrição decenal (tese dos ‘cinco mais cinco’) seria aplicada apenas aos casos nos quais, na data da vigência da Lei nova, houvesse transcorrido mais de cinco anos do prazo prescricional. II – Posteriormente, na apreciação do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS (DJe 11.10.2011), o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que o prazo prescricional de 05 (cinco) anos, contados do indevido recolhimento, regerá as relações jurídicas circunscritas às ações ju-diciais propostas a partir da data em que passou a viger a Lei Complementar nº 118/2005, como dito, 09.06.2005. Aos feitos intentados antes dessa data, o prazo prescricional será 10 (dez) anos, conforme remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não se aplicando a regra do art. 2.028 do Código Civil. III – No presente caso, a ação foi ajuizada em 01.02.2001, antes, portanto, de 09.06.2005, momento após o qual passou a ser aplicado o prazo de 05 (cinco) insti-tuído pelo art. 4º da Lei Complementar nº 118/2005, de sorte que o prazo prescricional do direito à compensação das parcelas recolhidas indevidamente é de 10 (dez) anos, correspondentes à soma do período de 05 (cinco) anos contados a partir da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais 05 (cinco) anos, iniciados após a homologação tácita dos recolhimentos indevidos. IV – Ao julgar Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.125.550, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou a tese de que na repetição de indébito concernente a recolhimento de tributo direto, como é o caso das contribuições previdenciárias, é desnecessária a comprovação de que não houve repasse, ao consumidor final, do encargo financeiro que deflui da incidência da exa-ção. V – Conforme reafirmado no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.164.452/MG (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 02.09.2010), a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, como regra geral, na compensação, aplica-se o regime jurídico vigente na data do encontro de contas (débitos e créditos recíprocos da Fazenda e do contribuinte). VI – Regendo-se a compensação pela legislação em vigor na data do encon-tro de contas, não deve mais incidir o percentual limitador previsto no art. § 3º do art. 89 da Lei nº 8.212/1991 (instituído pela Lei nº 9.032/1995 e alterado pela Lei nº 9.129/1995), em razão de ter sido revogado pela Medida Provisória nº 448/2008, convertida na Lei nº 11.941/2009, atual-mente vigente. Precedente da E. 1ª Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região (EI 273525, Proc. 1204457-62.1994.4.03.6112-SP, 1ª S., Rel. Des. Fed. José Lunardelli, DE 03.07.2012). VII – Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0000809-58.2001.4.03.6103/SP – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 29.01.2015)

3084 – Crime contra ordem tributária – prestação de informações falsas ao fisco – supressão de tributos – crime continuado – substituição da pena privativa de liberdade por restri­tiva de direitos – ocorrência

“Penal. Crime contra ordem tributária. Art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990. Constitucionalidade. Pres-tação de informações falsas ao fisco acerca da real movimentação financeira da empresa. Supres-são de tributos. Autoria e materialidade comprovadas. Dolo comprovado. Ausência de requisitos desfavoráveis do art. 59, do CP. Pena-base reduzida ao mínimo legal. Crime continuado. Redução da majoração de 2/3 para 1/6. Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de di-reitos. Apelação do réu provida em parte. 1. Apelante que, na qualidade de sócio-administrador da empresa Agenda Editorial Ltda., teria prestado falsas declarações (DIRPJs) ao Fisco, nos exer-cícios de 2006 e 2007, correspondentes aos períodos de apuração de 2005 e 2006, com delibe-radas omissões de dados concernentes aos fatos geradores do IRPJ, do PIS, da CSLL, da Cofins e da contribuição para a seguridade social (INSS), ocasionando um crédito tributário no valor de R$ 88.194,75 (oitenta e oito mil, cento e noventa e quatro reais e setenta e cinco centavos). 2. A

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criminalização dos delitos tributários não decorre do simples não pagamento dos tributos, mas sim do fato de que o agente utiliza um ardil, elemento essencial à configuração do tipo penal, impor-tando em proteção a bem jurídico coletivo, no caso, os interesses difusos da sociedade, ou seja, não representando ofensa à condição de direito penal como ultima ratio. Constitucionalidade do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990. Precedentes. 3. A opção de não declarar informações relevantes ao Fisco, ocultando deliberadamente nas Declarações do Imposto de renda da empresa dados concer-nentes aos fatos geradores do IRPJ, do PIS, da CSLL, da Cofins e da contribuição para a seguridade social (INSS), ocasionando um crédito tributário, excluídos a multa e os juros, de R$ 32.314,79 (trinta e dois mil, trezentos e catorze reais e setenta e nove centavos), reveste-se de dolo. Materia-lidade delitiva comprovada. 4. Pedido de absolvição fundamentado na ausência de prova de sua participação nos fatos e na realização dos negócios causadores dos fatos geradores. A análise das notas fiscais de prestação de serviços emitidas pela Agenda Editorial Ltda., pertinentes à prestação de serviços editoriais ao Sebrae, à Secretaria Municipal de Saúde e à Secretaria do Estado de Co-municação, revela um ingresso de receitas em torno de R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais) e R$ 260.000,00 (duzentos e sessenta mil reais), nos anos de 2005 e 2006. 5. Réu com experiência em negócios, abrindo e gerenciando a empresa por iniciativa própria, como afirmou em seu inter-rogatório, tendo as testemunhas afirmado que tratavam diretamente com ele, para a realização dos negócios e o pagamento, sabendo do dever concreto e específico de recolher tributos e manter sua situação fiscal em dia, tanto que preocupou-se com a emissão de notas fiscais. Prova da autoria delitiva. 6. Dosimetria da pena. Pena-base aplicada pouco acima do mínimo legal, sendo fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, por ter a sentença considerado desfavoráveis a cul-pabilidade, as circunstâncias e as consequências do delito. 7. A prática de delito tem, de um modo geral, reprovação social, de forma que tal reprovação, por si só, não poderia ser usada para agravar o crime, a título de culpabilidade. O fato de a máquina administrativa ter sido acionada para inves-tigar o delito não pode também majorar a pena-base, pois isto implicaria em que toda vez que o Estado investigasse o crime, através de suas instituições ou órgãos, a pena do delito seria elevada, de forma que normais as circunstâncias do delito. O real valor sonegado, excluídos a multa e os juros, é de R$ 32.314,79 (trinta e dois mil, trezentos e catorze reais e setenta e nove centavos), prejuízo de pouca monta, que não autoriza a majoração da pena-base. 8. Sendo favoráveis todos os requisitos do art. 59, do CP, fixo a pena-base no mínimo legal de 02 (dois) anos de reclusão, para o crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990. Ausentes atenuantes e agravantes e causas de diminuição de pena. 9. Presente a causa de aumento de pena referente à continuidade delitiva, a sentença aumentou a pena em 1/3 (um terço). A conduta delituosa do Apelante ocorreu nos anos de 2006 e 2007, o que resultou na sonegação de impostos em 02 (duas) ocasiões, de forma que a pena deve ser aumentada em 1/6 (um sexto), totalizando a pena em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, tornada definitiva. 10. Manutenção da pena de multa em 10 (dez) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e da substituição da pena privativa de liberdade por duas sanções restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços gratuitos à comunidade e em uma pena pecuniária correspondente à entrega de 20 (vinte) cestas básicas, no valor total de R$ 2.000,00 (dois mil reais), sendo cada uma delas no valor de R$ 100,00 (cem reais) individualmente, a entidade filantrópica a ser indicada pelo Juízo das Execuções Penais. 11. Apelação do Réu provida em parte, apenas para reduzir a pena privativa de liberdade.” (TRF 5ª R. – ACr 0001551-93.2013.4.05.8500 – (11615/SE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 12.01.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.137/1990:

“Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.”

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3085 – Execução fiscal – presunção de dissolução irregular – Súmula nº 435/STJ – aplicabilidade

“Tributário. Execução fiscal. Presunção de dissolução irregular da empresa. Súmula nº 435, do STJ. Redirecionamento ao sócio-gerente. Responsabilização por tributos com fato gerador à época de sua gerência. 1. Agravo de Instrumento manejado em face de decisão que deferiu o pedido de redirecionamento da execução ao argumento de dissolução irregular. 2. A Súmula nº 435, do STJ, preceitua que ‘presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicilio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’. 3. A dissolução irregular da empresa configura-se quando o administrador deixa de manter atualizados os registros empresariais e comerciais, em especial, os referentes à localização da empresa. 4. A não localização da empresa gera a presunção iuris tantum de dissolução irregular, exsurgindo, daí, a possibilidade de responsabilização do gestor, nos termos do art. 135, III, do CTN, ressalvado o direito ao contraditório em sede, por exemplo, dos Embargos à Execução. 5. A certidão emitida pelo Oficial de Justiça, atestando que a empresa de-vedora não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da Junta Comercial, é indício de dissolução irregular apto a ensejar o redirecionamento da execução para o sócio-gerente. 6. Os sócios/administradores não podem ser responsabilizados pessoalmente pelo recolhimento de tri-butos relacionados a fatos geradores anteriores ao exercício de poder gerencial na sociedade, uma vez que não concorreram para o seu inadimplemento, seja com excesso de poderes ou infração à lei. 7. Na hipótese, as CDAs 40.6.07.005465-15 e 40.7.07.000553-58 possuem dívidas relativas ao exercício do ano de 2003, época em que os Agravados eram sócios da empresa executada. Agravo de Instrumento improvido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0009130-47.2014.4.05.0000 – (140267/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 12.01.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código Tributário Nacional:

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributá-rias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

[...]

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”

• Súmula do Superior Tribunal de Justiça:

“435 – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

3086 – ICMS – entidade sem fins lucrativos – imunidade – cabimento

“Direito constitucional e tributário. ICMS. Imunidade. Entidade sem fins lucrativos. Consonân-cia da decisão recorrida com a jurisprudência cristalizada no Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário que não merece trânsito. Acórdão recorrido publicado em 14.03.2014. O enten-dimento adotado pela Corte de origem não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que aplicável ao ICMS a imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RE-Ag 850.046 – Santa Catarina – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 09.12.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

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[...]

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucra-tivos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou li-teromusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. (Alínea acrescentada pela Emenda Constitucional nº 75, de 15.10.2013, DOU de 16.10.2013).”

3087 – IR – plano de previdência complementar – contribuições recolhidas – vigência da Lei nº 7.713/1988 – prescrição quinquenal – configuração

“Tributário. Repetição de indébito. Imposto de renda. Plano de previdência complementar. Contri-buições recolhidas na vigência da Lei nº 7.713/1988. Prescrição quinquenal. Sentença reformada. Recurso provido. Recurso interposto pela parte autora em face de sentença que pronunciou a pres-crição integral da pretensão da parte autora atinente à restituição do imposto de renda incidente sobre as parcelas de complementação de aposentadoria do Plano de Previdência Privada, corres-pondentes às contribuições vertidas no período compreendido entre 01.01.1989 a 31.12.1995, na vigência da Lei nº 7.713/1988. A sentença consignou que considerando que a data de início do benefício de aposentadoria complementar do autor Sr. Estevam Brito de Souza Filho junto à Real Grandeza Fundação de Previdência e Assistência Social foi em 01.10.1997 (f. 05 da documenta-ção inicial), portanto sob a vigência normativa da Lei nº 9.250/1995, e que a presente ação judicial somente veio a ser proposta em 18.11.2008, pronuncio a prescrição integral da pretensão de repe-tição do indébito tributário, porque decorridos mais de 10 (dez) anos entre o termo inicial do prazo prescricional e a data de propositura da ação, nos termos do art. 174, caput, e do art. 150, § 4º, ambos do Código Tributário Nacional. Em relação à prescrição, verifica-se que o direito de pleitear a restituição de indébito tem o seu término após 5 (cinco) anos da extinção do crédito tributário, nos termos do art. 168, inciso I do CTN, o qual tem natureza prescricional, pois disciplina prazo para ação dotada de natureza condenatória. No caso de parcelas pagas indevidamente a título de imposto de renda, o prazo de 5 (cinco) anos é contado da extinção do crédito tributário, ou seja, de cada retenção na fonte, conforme entendimento consagrado no âmbito do Tribunal Regional Fede-ral da 1ª Região, aplicável na espécie: Apelação Cível nº 1999.34.00.010754-6/DF, Rel. Juiz Mário César Ribeiro, Decisão em 06.03.2002, DJU de 17.04.2002, p. 114. Considerando que a violação questionada apenas surgiu a partir da promulgação da Lei nº 9.250/1995, que instituiu um novo regime tributário, sem prever, de alguma forma, qualquer mecanismo para evitar o consequente bis in idem, ante a lacuna em relação aos valores que foram recolhidos a título de IR no período de vigência da legislação anterior, com os valores ainda a serem retidos. Assim, somente a partir de cada recebimento do benefício complementar a partir da promulgação da Lei nº 9.250/1995 é que se iniciou o transcurso do prazo prescricional. Ora, o momento de início do curso da prescrição, ou seja, o momento inicial do prazo, é determinado pelo nascimento da ação – actioni nondum natae non praescribitur. Desde que o direito está normalmente exercido, ou não sofre qualquer obstáculo, por parte de outrem, não há ação exercitável. Mas, se o direito é desrespeitado, violado, ou ameaçado, ao titular incumbe protegê-lo e, para isso, dispõe da ação, o que ocorreu, in casu, quando os autores passaram a receber o benefício de aposentadoria complementar, na vigência da Lei nº 9.250/1995, que alterou a sistemática de incidência do imposto sem qualquer previ-

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são ou autorização legal para a dedução das parcelas já recolhidas quando das contribuições do empregado (1/3) para o Fundo do valor do imposto de renda a ser retido na fonte por ocasião do pagamento do benefício. Em vista disso, o direito à restituição do imposto anteriormente pago sur-giu a partir do recebimento do benefício complementar na vigência da referida Lei nº 9.250/1995, não se renovando a cada retenção alegada indevida, uma vez que a dedução da parcela de IR já retida não se renova indefinidamente, sendo restrita ao valor atualizado das retenções por ocasião da vigência da Lei nº 7.713/1988. Todavia, há de prevalecer o posicionamento majoritário desta Turma Recursal no sentido de que estão prescritas apenas as parcelas anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da presente ação. Ressalva do entendimento da Juíza Relatora no ponto. Afastada a prescrição acolhida em sentença. Quanto ao mérito, a 1ª Seção do STJ, quando do julgamento do REsp 1.012.903/RJ, sujeito ao regime dos ‘recursos repetitivos’, reafirmou o en-tendimento de que não incide imposto de renda sobre o valor do benefício de complementação de aposentadoria e o do resgate de contribuições que, proporcionalmente, corresponderem às parcelas de contribuições efetuadas no período de 01.01.1989 a 31.12.1995, cujo ônus tenha sido exclusivamente do participante do plano de previdência privada, por força da isenção concedida pelo art. 6º, inciso VII, alínea b, da Lei nº 7.713/1988, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei nº 9.250/1995 (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Julgado em 08.10.2008, publicado no DJe de 13.10.2008). Conforme se verifica pelo precedente acima transcrito, tanto no resgate quanto na complementação de aposentadoria, há bitributação indevida. Esclareça-se que a Lei nº 9.250/1995 não determinou que fosse recolhido imposto de renda em dois momentos, no recolhimento da contribuição e no seu recebimento. Apenas alterou o momento do desconto. Em outras palavras, a legislação tributária continuou adotando a incidência em apenas um momento da operação. A diferença é quanto ao momento, não mais na contribuição e sim no recebimento. Assim, é devida a restituição dos valores do imposto de renda incidente sobre a complementação de aposentadoria que os autores percebem da entidade de previdência privada, mas apenas na proporção da con-tribuição por ele(s) vertida (um terço) no período de 01.01.1989 a 31.12.1995. Com o advento da Lei nº 9.250/1995, a partir de 01.01.1996, os juros de mora passaram a ser devidos pela taxa Selic a partir do recolhimento indevido, conforme entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.111.175/SP, Relª Min. Denise Arruda, 1ª Seção, DJe de 01.07.2009, julgado pela sistemáti-ca prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução STJ nº 08/2008). A taxa Selic é composta de taxa de juros e correção monetária, não podendo ser cumulada com qualquer outro índice de correção. Sentença reformada. Recurso provido. Acórdão lavrado nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. Incabíveis honorários advocatícios.” (TRF 1ª R. – Rec. 0060162-97.2008.4.01.3400/DF – Relª Juíza Fed. Lília Botelho Neiva Brito – DJe 19.01.2015)

3088 – IR – terço constitucional de férias – não incidência

“Juizado especial federal. Tributário. Imposto de renda. Terço constitucional de férias. Não in-cidência. Verba de natureza indenizatória. Recurso desprovido. 1. Em recente julgamento da ação promovida pela Associação dos Juízes Federais do Brasil, nos autos do Processo nº 11963-68.2013.4.01.3400/DF, decidiu-se que ‘[...] o adicional de férias tem natureza indenizatória, forte no entendimento da Primeira Seção do STJ e da Segunda Turma do STF, não havendo, pois, falar-se em acréscimo patrimonial apto a caracterizar o fato gerador do IR’. 2. O terço constitucional de férias, previsto no art. 7º, XVII e art. 39, § 3º, da CF/1988, constitui direito autônomo e especial do trabalhador. Em que pese estar vinculado ao próprio direito às férias, e, por conseguinte, à remuneração desta, não se vislumbra naquele o caráter acessório. Sua concretização se faz de forma individualizada, como parcela destacada que não se imiscui na ‘remuneração’ do período de férias, e que tem por finalidade não o acréscimo patrimonial, mas, isto sim, um auxílio estipen-diário instrumental à fruição do período de repouso. Inexistente, na espécie, o fato gerador descrito

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no art. 43 do CTN. 3. Contribuição previdenciária e imposto de renda são espécies de tributos incidentes sobre a remuneração do contribuinte. Não se mostra razoável a manutenção do terço constitucional de férias como base de cálculo do imposto de renda, quando já reconhecida a natu-reza indenizatória da verba para fins de contribuição previdenciária (Pet 7296/PE, Relª Min. Eliana Calmon, 1ª S., J. 28.10.2009, DJe 10.11.2009). 4. No mais, acrescento que a própria Constituição Federal, ao assegurar a percepção do adicional de férias (art. 7º, XVII), estabeleceu que o seu valor será, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal (excluídas, portanto, apenas diárias, horas extras e gratificações eventuais); por isso, se prevalecesse a tese de tributação do terço de férias pelo IRPF, esse valor mínimo estabelecido constitucionalmente estaria sendo desrespeitado, diante da significativa dedução do aludido imposto. 5. Recurso não provido. Sem honorários.” (TRF 1ª R. – Proc. 0004309-44.2011.4.01.4000 – Rel. Juiz Fed. Nazareno César Moreira Rêis – DJe 30.01.2015)

3089 – Simples – prestação de serviços – independente de habilitação profissional – Súmulas nºs 7 e 211/STJ – incidência

“Processual civil. Tributário. Simples. Empresa dedicada à prestação de serviços que não de-pendem de habilitação profissional. Súmula nº 7/STJ. Falta de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. 1. A alegação da empresa sobre a afronta do art. 131, I, do CTN, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo acórdão recorrido. Dessa forma, inobservou-se o requisito do prequestionamento. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 2. O Tribunal a quo constatou que a prestação de serviços exercida pela recorrida resume-se ‘na elaboração de relatório com os dados do segurado (nome, endereço e telefone) as especificações do bem (marca, tipo, modelo ano de fabricação, etc.) a verificação e a constatação do estado em que se encontra o bem que se visa a segurar, o que na verdade importa em simples coleta de informações’, portanto não se pode inferir que esse trabalho seja exclusivo do profissional de engenharia. O acolhimento da pretensão recursal pressupõe revolvimento fático-probatório, o que é vedado no âmbito do Recurso Especial (Súmula nº 7/STJ). 3. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.493.713 – (2014/0287290-7) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código Tributário Nacional:

“Art. 131. São pessoalmente responsáveis:

I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos.”

• Súmulas do Superior Tribunal de Justiça:

“7 – A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

“211 – Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.”

3090 – Taxa de ocupação – terreno da Marinha – prazo prescricional – adequação – possibili­dade

“Administrativo e tributário. Taxa de ocupação. Execução fiscal. Prazo prescricional. Retorno dos autos para adequação. 1. Na presente Execução Fiscal discutiu-se acerca da prescrição da Taxa de Ocupação de Terreno de Marinha. 2. No que tange à decadência e à prescrição da Taxa de Ocupação, o REsp 1133696/PE (Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.12.2010), julgado em seara de Re-curso Repetitivo, estabeleceu o seguinte: ‘(a) o prazo prescricional, anteriormente à edição da Lei nº 9.363/1998, era quinquenal, nos termos do art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932; (b) a Lei nº 9.636/1998, em seu art. 47, institui a prescrição quinquenal para a cobrança do aludido crédito; (c) o referido preceito legal foi modificado pela Lei nº 9.821/1999, que passou a vigorar a partir

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do dia 24 de agosto de 1999, instituindo prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se, todavia, o prazo prescricional quinquenal para a sua exigência; (d) consectariamente, os créditos anteriores à edição da Lei nº 9.821/1999 não esta-vam sujeitos à decadência, mas somente a prazo prescricional de cinco anos (arts. 1º do Decreto nº 20.910/1932 ou 47 da Lei nº 9.636/1998); (e) com o advento da Lei nº 10.852/2004, publicada no DOU de 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei nº 9.636/1998, ocasião em que foi estendido o prazo decadencial para dez anos, mantido o lapso prescricional de cinco anos, a ser contado do lançamento’. 3. Hipótese em que as cobranças dizem respeito ao período compreendido entre 1992 a 2001. 4. Para os créditos até 1999, aplica-se o prazo prescricional de cinco anos. A Execução foi ajuizada em 25.11.2003. Até a data da sentença – 14.02.2007 –, o Executado não foi regularmente citado, conforme exigia a legislação que vigorava em data anterior à LC 118/2005. Prescrição ocorrida para os créditos relativos aos exercícios de 1992 a 1999. 5. No tocante aos créditos relativos a 2000 e 2001, que estão sujeitos às alterações perpetradas pela Lei nº 9.821/1999, ao art. 47, da Lei nº 9.636/1998 (prazo decadencial para a constituição do crédito de cinco anos e prazo prescricional de cinco anos para a cobrança judicial), verifica-se que foram constituídos através de edital datado de 17.03.2003, portanto, a Fazenda teria até 17.03.2008 para ajuizar a ação de Execução Fiscal, prazo esse que não teria se esgotado por ocasião da sentença (14.02.2007). 6. O simples afastamento de determinados créditos da Certidão da Dívida Ativa não eiva, necessariamente, de nulidade todo o título, uma vez que é possível, através de simples cálcu-los aritméticos, a quantificação do valor devido, não atingindo, assim, a liquidez da CDA. Entendi-mento sedimentado pelo STJ em sede de Recurso Repetitivo, no julgamento do REsp 1115501/SP (Rel. Min. Luiz Fux, DJe 30.11.2010). 7. Apelação da Fazenda Nacional e Remessa Necessária providas em parte para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para o prosseguimen-to da Execução Fiscal no tocante às Taxas de Ocupação relativas aos anos de 2000 e 2001.” (TRF 5ª R. – AC 2003.83.00.025500-3 – (415114/PE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 27.01.2015)

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Seção Especial – Teorias e Estudos Científicos

Podem os Tratados de Direitos Humanos Não “Equivalentes” às Emendas Constitucionais Servir de Paradigma ao Controle Concentrado de Convencionalidade?

VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLIPós‑Doutor em Ciências Jurídico‑Políticas pela Universidade de Lisboa, Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela UFRGS, Mestre em Direito Internacional pela UNESP, Pro‑fessor Adjunto de Direito Internacional da UFMT, Coordenador‑Adjunto do Programa de Mes‑trado em Direito da UFMT, Professor Honorário da Faculdade de Direito e Ciências Políticas da Universidade de Huánuco (Peru), Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD), Advogado, Con‑sultor Jurídico.

Submissão: 22.04.2015Decisão Editorial: 25.06.2015Comunicação ao autor: 25.06.2015

RESUMO: Este ensaio busca esclarecer como (e em quais condições) podem os tratados de direitos humanos ratificados e em vigor no Brasil servir de paradigma aos controles concentrado e difuso de convencionalidade das leis.

PALAVRAS‑CHAVE: Controle de convencionalidade; controle concentrado; controle difuso; controle de supralegalidade.

ABSTRACT: This essay seeks to clarify how (and under what conditions) can human right treaties ratified and that are in force in Brazil serve as a paradigm for the concentrated or diffuse conventio‑nality control of laws.

KEYWORDS: Conventionality control; concentrated control; diffuse control; supralegality control.

SUMÁRIO: Introdução; 1 ADPF 320/DF relativa à invalidação da Lei de Anistia; 2 Tratados “equi‑valentes” às emendas como paradigma do controle abstrato de convencionalidade; 3 Tratados de direitos humanos “equivalentes” às emendas e tratados com status constitucional; 4 De volta à ADPF 320/DF: quais os “preceitos fundamentais” violados? Os da Constituição e também os da Convenção Americana?; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Este ensaio tem por finalidade verificar como (e em quais condições) podem os tratados de direitos humanos servir de paradigma ao controle de con-vencionalidade das leis no Brasil. Para tanto, necessário diferenciar os tratados

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de direitos humanos incorporados com “equivalência” de emenda constitucio-nal daqueles que detêm apenas status constitucional (não aprovados por três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos). Buscar-se-á demonstrar que apenas os tratados de direitos humanos “equivalentes” às emendas constitucionais podem servir de paradigma ao con-trole concentrado de convencionalidade das leis no Brasil.

1 ADPF 320/DF RELATIVA à INVALIDAÇÃO DA LEI DE ANISTIA

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) propôs, no STF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 320/DF, com o fim de ob-ter tutela jurisdicional relativa a certos efeitos da Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como “Lei da Anistia”, especialmente em face do julga-mento da Corte Interamericana de Direitos Humanos relativo ao caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Na inicial, requereu ao STF que declare

que a Lei Federal nº 6.683/1979 não se aplica aos crimes de graves violações de direitos humanos cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pes-soas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos; e, de modo especial, que a Lei de Anistia não se aplica aos autores de crimes continuados ou permanentes, tendo em vista que os efeitos desse diploma legal expiraram em 15 de agosto de 1979. (fls. 1-2)

Pretendeu o PSOL, ainda, que o STF “determine a todos os órgãos do Estado brasileiro que deem cumprimento integral aos doze pontos decisórios constantes da conclusão da referida sentença de 24 de novembro de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil”. Por fim, sustentou que foram afrontados os preceitos fundamentais dos arts. 1º, incisos I e II, 4º, inciso II, e 5º, § 2º, da Constituição Federal e do art. 7º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) de 1988.

2 TRATADOS “EQUIVALENTES” àS EMENDAS COMO PARADIGMA DO CONTROLE ABSTRATO DE CONVENCIONALIDADE

Não fosse a alegação de descumprimento dos citados dispositivos cons-titucionais, não poderia o PSOL (infelizmente) propor, perante o STF, a citada ADPF, tendo como paradigma exclusivamente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, pelo motivo de que, para que se possa propor quaisquer ações do controle abstrato de normas, necessário se faz “equivaler” o tratado de direitos humanos em causa às normas constitucionais em vigor, tal como prevê o art. 5º, § 3º, da Constituição1.

1 Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013.

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Os tratados de direitos humanos não internalizados pelo procedimen-to previsto no art. 5º, § 3º, da Carta (ou seja, não aprovados por três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos) possuem, segundo defendemos, status (não “equivalência”) constitucional, por serem materialmente constitucionais, o que lhes garante servirem de paradigma apenas ao controle difuso de convencionalidade, não ao controle concentrado. É exatamente esse o caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. E mais: segundo o STF, todos os tratados não internalizados pelo rito do art. 5º, § 3º, guardam apenas nível supralegal no País (o que, na visão do Supremo, impediria utilizar tais tratados como fundamento para o controle abstrato de normas)2.

Desse modo, por não serem tais instrumentos “equivalentes” às emen-das constitucionais, não podem servir de paradigma ao controle concentrado de convencionalidade. Em outras palavras: não se podem propor, com base nes-ses instrumentos, as ações do controle abstrato de normas (ADIn, ADC, ADPF, etc.) para invalidar as leis federais ou estaduais contrárias aos seus comandos, senão apenas se utilizar do controle difuso de convencionalidade (se se enten-der, como nós, que os tratados de direitos humanos não aprovados por maioria qualificada no Congresso têm status – não “equivalência” – de norma constitu-cional) ou do controle de supralegalidade das normas infraconvencionais (se se entender, como o STF, que os tratados de direitos humanos não aprovados por maioria qualificada guardam nível supralegal no Brasil).

Caso o tratado em causa tenha sido aprovado por maioria qualificada e, posteriormente, ratificado e entrado em vigor no Brasil com “equivalência” de emenda constitucional, a situação se altera3. De fato, se a Constituição possibi-lita sejam os tratados de direitos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, por questão de lógica deve também garantir-lhes os meios que prevê a qualquer norma constitucional ou emenda de se protege-rem contra investidas não autorizadas do direito infraconstitucional.

Nesse sentido, defendemos ineditamente no Brasil (v. nosso livro O con-trole jurisdicional da convencionalidade das leis, já citado) ser plenamente pos-sível utilizar-se das ações do controle concentrado, como a ADIn (para invalidar a norma infraconstitucional por inconvencionalidade), a Adecon (para garantir à norma infraconstitucional a compatibilidade vertical com um tratado de di-reitos humanos formalmente constitucional) e até mesmo a ADPF (para exigir

2 V. RE 466.343-1/SP, J. 03.12.2008.3 Cf., a propósito, BARROSO, Luís Roberto. Constituição e tratados internacionais: alguns aspectos da relação

entre direito internacional e direito interno. In: MENEZES DIREITO, Carlos Alberto; CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto; PEREIRA, Antonio Celso Alves (Coord.). Novas perspectivas do direito internacional contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 207.

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o cumprimento de um “preceito fundamental” encontrado em tratado de direi-tos humanos formalmente constitucional), não mais fundamentadas apenas no Texto Constitucional, senão também nos tratados de direitos humano aprovados pela sistemática do art. 5º, § 3º, da Constituição e em vigor no País.

Então, pode-se dizer que os tratados de direitos humanos internalizados com quorum qualificado pelo Congresso Nacional (e, posteriormente, ratifica-dos pelo Governo) passam a servir de meio de controle concentrado (de con-vencionalidade) da produção normativa doméstica para além de servirem como paradigma para o seu controle difuso.

Quanto aos tratados de direitos humanos não internalizados pela dita maioria qualificada (como é o caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), passam a servir de paradigma apenas do controle difuso de conven-cionalidade (pois, no nosso entendimento, os tratados de direitos humanos não aprovados por tal maioria qualificada são materialmente constitucionais, dife-rentemente dos tratados aprovados por aquela maioria, que têm status material e formalmente constitucionais).

Em nosso livro referido, defendemos (pioneiramente) que, à medida que o Texto Constitucional (no art. 102, inciso I, alínea a) diz competir precipua-mente ao Supremo Tribunal Federal a “guarda da Constituição”, cabendo-lhe julgar originariamente as ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual ou a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, está autorizando que os legitimados próprios para a propositura de tais ações (constantes do art. 103 da Constituição) ingressem com tais medidas sempre que a Constituição ou quaisquer normas a ela equiva-lentes (como, v.g., os tratados de direitos humanos internalizados com quorum

qualificado) forem violadas por normas infraconstitucionais.

Assim, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, é necessário en-tender que a expressão “guarda da Constituição”, referida pelo art. 102, inciso I, alínea a, alberga, além do Texto Constitucional propriamente dito, também as normas constitucionais por equiparação. Dessa forma, ainda que a Constituição silencie a respeito de um determinado direito, mas estando esse mesmo direito previsto em tratado de direitos humanos constitucionalizado pelo rito do art. 5º, § 3º, passa a caber, no Supremo Tribunal Federal, o controle concentrado de convencionalidade (v.g., uma ADIn ou uma ADPF) para compatibilizar a norma infraconstitucional com os preceitos do tratado constitucionalizado.

3 TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS “EQUIVALENTES” àS EMENDAS E TRATADOS COM STATUS CONSTITUCIONAL

Todos os tratados que formam o corpus juris convencional dos direitos humanos de que um Estado é parte servem como paradigma ao controle de

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convencionalidade das normas infraconstitucionais, porém, com as seguintes especificações:

a) tratados de direitos humanos internalizados com quorum qualifi-cado (equivalentes às emendas constitucionais) são paradigma do controle concentrado (para além, evidentemente, do controle difu-so), cabendo, v.g., uma ADIn ou uma ADPF no STF para invalidar norma infraconstitucional incompatível com eles; e

b) tratados de direitos humanos que têm apenas “status de norma cons-titucional” (não sendo “equivalentes às emendas constitucionais”, porque não aprovados pela maioria qualificada estabelecida pelo art. 5º, § 3º) são paradigma somente do controle difuso de conven-cionalidade.

Ocorre que os tratados internacionais comuns (que versam temas alheios a direitos humanos) também têm status superior ao das leis internas (conforme entendemos). Se bem que não equiparados às normas constitucionais, os ins-trumentos convencionais comuns (v. art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969) têm status supralegal no Brasil, pois não podem ser revogados por lei interna posterior, como também estão a demonstrar vá-rios dispositivos da própria legislação brasileira, entre eles o art. 98 do Código Tributário Nacional: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes so-brevenha”.

Neste último caso, tais tratados (comuns) também servem de paradigma ao controle das normas infraconstitucionais, posto estarem situados acima de-las, com a única diferença (em relação aos tratados de direitos humanos) de que não servirão de paradigma para o controle de convencionalidade (expressão reservada aos tratados com, no mínimo, nível constitucional), senão apenas para o controle de supralegalidade das normas infraconstitucionais (destaque-se que, para o STF, esse controle de supralegalidade é o que deve ser exercido para os tratados de direitos humanos não internalizados pelo rito do art. 5º, § 3º, da Constituição4).

4 DE VOLTA à ADPF 320/DF: QUAIS OS “PRECEITOS FUNDAMENTAIS” VIOLADOS? OS DA CONSTITUIÇÃO E TAMBéM OS DA CONVENÇÃO AMERICANA?

É certo que, no julgamento das ADPFs 33/PA, 144/DF e 187/DF, o STF assentou a admissibilidade de ADPF contra interpretação judicial de que pos-sa resultar lesão a preceito fundamental. Qual, porém, há de ser tal preceito

4 Cf. RE 466.343-1/SP, J. 03.12.2008.

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fundamental? Trata-se, como parece, ou de um preceito constitucional ou de um preceito a ele “equivalente” (previsto em tratado de direitos humanos com

equivalência de emenda constitucional).

Em parecer exarado relativamente à citada ADPF 320/DF, de 28 de agosto de 2014, o Procurador-Geral da República, ao defender o cabimento da ADPF ao caso, entendeu que “deve reconhecer-se admissível, sob a perspectiva do postulado da subsidiariedade, a utilização do instrumento processual da argui-ção de descumprimento de preceito fundamental contra interpretações judiciais que, contrariando o disposto na sentença Gomes Lund, declarem extinta a pu-nibilidade de agentes envolvidos em graves violações a direitos humanos, com fundamento na Lei da Anistia, por óbices de prescrição da pretensão punitiva do Estado ou por não caracterizarem como crimes permanentes o desapareci-mento forçado de pessoas, ante a tipificação de sequestro ou de ocultação de cadáver”. Ao final, frisou que “essas interpretações violentam preceitos funda-mentais da Constituição da República, de maneira a ensejar a admissibilidade da arguição”. Mais especificamente, disse:

Há potencial violação aos preceitos dos arts. 1º, inciso III (princípio da dignida-de do ser humano), 4º, inciso II (prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais), 5º, §§ 1º e 2º (eficácia plena e imediata de preceitos de proteção a direitos fundamentais e aplicabilidade dos tratados internacionais de direitos humanos), todos da Constituição da República, e ao art. 7º do ADCT (vinculação do Brasil a tribunais internacionais de direitos humanos). (fls. 25-29)

Nenhum dispositivo da Convenção Americana, como se nota, foi citado na manifestação do Procurador-Geral da República. Qual o motivo? O motivo diz respeito ao fato de a Convenção Americana não ter se internalizada no Brasil com “equivalência” de emenda constitucional, não servindo, portanto, de paradigma ao controle concentrado de convencionalidade, senão apenas ao controle de convencionalidade difuso.

O alento que se tem, nesta seara, é que sempre sobrarão as disposições dos §§ 1º, 2º e 3º do art. 5º da Constituição Federal, como potenciais “preceitos fundamentais” violados em caso de desrespeito, pelo Brasil, dos comandos dos tratados de direitos humanos não equivalentes às emendas constitucionais. As-sim, o respeito às decisões (que são vinculantes) da Corte Interamericana de Di-reitos Humanos proferidas no exercício de sua competência contenciosa tam-bém provém da própria Constituição, que estabelece (no seu art. 5º, §§ 1º, 2º e 3º) um regime diferenciado para os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil.

Percebe-se, novamente, no parecer do Procurador-Geral da República, exarado na ADPF 320/DP, a dificuldade em tratar do tema e em demonstrar o cabimento da ADPF à espécie, tendo em vista saber que os tratados não interna-

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 64, 2015, 222-229, jul-ago 2015

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lizados com quorum qualificado não servem de paradigma ao controle abstrato de normas. Daí a sua conclusão:

Há, portanto, nítida incompatibilidade entre atos estatais (judiciais) brasileiros e o conteúdo da sentença internacional, o que caracteriza, a um só tempo, desrespei-to à obrigação internacional inscrita no art. 68(1) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e violação a preceitos fundamentais da Constituição brasileira

(art. 7º do ADCT, §§ 1º e 2º do art. 5º e art. 4º, II). (grifo nosso)

Na visão do Procurador, os preceitos fundamentais violados dizem res-peito, como se vê, apenas à Constituição brasileira. A dificuldade redacional se deu porque sabia o Procurador-Geral da República que não seria conhecida a ADPF caso tomasse apenas a Convenção Americana como paradigma para a arguição. Daí a sua conclusão de se estar diante de violação direta ou indireta

do Texto Constitucional brasileiro, aduzindo:

Ponto relevante desta ADPF é que a própria Constituição brasileira, se interpreta-da segundo a premissa de que os sistemas interno e internacional de proteção aos direitos humanos devem ser compatibilizados, confere plena força vinculante à sentença do caso Gomes Lund, inclusive no que se refere à interpretação judicial da Lei nº 6.683/1979. (fl. 50)

CONCLUSÃO

Tudo o que acima se disse demonstra nitidamente que apenas os tratados de direitos humanos “equivalentes” às emendas constitucionais (aprovados nos moldes do art. 5º, § 3º, da Constituição) servem de paradigma para o controle abstrato (concentrado) de convencionalidade, e não aqueles que possuem ape-nas status materialmente constitucional (posição doutrinária) ou nível supralegal (como pretende o STF).

O motivo para tanto liga-se à importância que atribuiu a Constituição Federal de 1988 ao controle abstrato de normas, invertendo a lógica dos Textos Constitucionais anteriores, nos quais a preponderância era para a fiscalização difusa de constitucionalidade. Prova disso é que a Carta de 1988 destinou le-gitimados específicos para o exercício do controle abstrato, dando particular

ênfase à fiscalização concentrada de normas, em detrimento do controle de constitucionalidade difuso (veja-se, a esse respeito, todo o escólio doutrinário de Gilmar Mendes, explicando detalhadamente – com profunda visão histórica – essa evolução constitucional)5.

5 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 207 e ss.

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Daí se entender, em suma, que apenas os instrumentos de direitos huma-nos “equivalentes” às emendas constitucionais (aprovados por três quintos dos votos dos membros da Casa do Congresso Nacional, em dois turnos) podem ser paradigma ao controle abstrato de convencionalidade perante o STF, por se tratar de normas internacionais de direitos humanos que, igualmente, guardam maior importância na nossa ordem constitucional (equivalentes que são às pró-prias normas formalmente constitucionais).

Caso uma ADIn ou uma ADPF seja proposta no Supremo visando a in-validar lei doméstica incompatível com um tratado de direitos humanos não internalizado por maioria qualificada no Congresso Nacional, a solução do STF será o não conhecimento da ação em causa, por faltar-lhe requisito indispensá-vel à sua propositura, qual seja, a equivalência de emenda constitucional, que, doravante, também deve compor a expressão “guarda da Constituição”, referida pelo art. 102 da Carta.

O ideal seria que se alterasse a Constituição autorizando o STF a contro-lar a convencionalidade das leis por todos os meios (pelas vias difusa e abstrata) e em quaisquer casos a envolver tratados de direitos humanos, o que reduziria, sobremaneira, a responsabilidade internacional do Estado brasileiro quando fal-tasse o efetivo controle de convencionalidade das normas internas contrárias e menos benéficas às disposições convencionais de direitos humanos ratificadas e em vigor no Brasil. Mas isso, como diria Kipling, é uma outra história.

REFERÊNCIASBARROSO, Luís Roberto. Constituição e tratados internacionais: alguns aspectos da relação entre direito internacional e direito interno. In: MENEZES DIREITO, Carlos Alberto; CANÇADO TRINDADE, Antonio Augusto; PEREIRA, Antonio Celso Alves (Coord.). Novas perspectivas do direito internacional contemporâneo: estudos em ho-menagem ao Professor Celso D. de Albuquerque Mello. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2013.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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Clipping JurídicoDiferença de nomenclatura de cursos não pode impedir posse de candidato aprova­do em concurso público

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negou provi-mento à apelação interposta pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC) contra sentença que confirmou a liminar para determinar que um candidato, parte impetrante, fosse nomeado e empossado no cargo de Docente do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, com lotação no campus de Sena Madureira/AC. O Juízo de 1º grau, ao analisar a demanda, concluiu que o diploma apresentado pelo requerente é suficiente para atender aos requisitos do edital, não podendo servir como parâmetro para desclassificação a nomenclatura do título “Licenciatura em Pedagogia para Professores em Início de Escolarização”, pois o projeto básico do convênio firmado entre o impetran-te e a Fundação Universidade de Brasília (FUB) revela que o curso oferecido ao recorrido foi o de “Licenciatura em Pedagogia a Distância”, em nível de graduação. No recurso, o IFAC suscita a extinção do processo, sem resolução de mérito, sob o argumento de que não há direito líquido e certo a ser amparado. O apelante afirma que consta do Edital nº 01/2012 exigência acerca da necessidade de o candidato ao cargo em disputa ser titular de Licenciatura em Pedagogia, o que não é o caso do impetrante, detentor de graduação inferior, visto que o título de Licenciatura em Pedagogia para Professores em início de Escolarização não é compatível com a norma constante do edital. O relator, Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, adotou o mesmo entendimento do Juízo de primeira instância no sentido de que o problema identificado pelo IFAC foi apenas de nomenclatura, não havendo diferença curricular constatada. “Ocorre que a simples divergência de nomenclatura não pode ser óbice para acesso ao cargo, por se tratar de questão formal e, por si só, substancialmente irrelevante para o desempenho das atribui-ções impostas ao servidor”, explica o Magistrado. Ademais, conforme a liminar concedi-da em primeiro grau, o interessado já tomou posse e está exercendo as funções inerentes ao cargo para o qual foi aprovado. Nº do Processo: 0005404-34.2013.4.01.3000. (Con-teúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

CJF – Aposentado com câncer de pele, sem sintomas, faz jus à isenção de Imposto de Renda

A ausência de sintomas do câncer de pele (neoplasia maligna), devido à provável cura, não impede a concessão de isenção de Imposto de Renda ao contribuinte aposentado. Esse foi o entendimento firmado pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudên-cia dos Juizados Especiais Federais (TNU), na sessão de julgamentos realizada no dia 18 de junho, no Espírito Santo. Na ocasião, o Colegiado analisou o caso de um contribuinte do Rio Grande do Sul com câncer de pele no lábio inferior, que teve o benefício negado em primeira e segunda instâncias, sob o fundamento de que a legislação prevê a isenção do Imposto de Renda para moléstia atual e não para enfermidade com gravidade latente ou possível. Em seu recurso à TNU, o autor da ação alegou que o acórdão da 2ª Turma Recursal do Rio Grande do Sul divergia do entendimento aplicado à matéria pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Conforme a jurisprudência da Corte, o portador de neoplasia não precisa comprovar a contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade de laudo pericial, ou a recidiva da enfermidade. De acordo com informações dos autos, a perícia médica realizada durante a instrução do processo avaliou que o contribuinte pos-suía carcinoma epidermoide sob controle, ou seja, o quadro clínico evoluiu para cura das

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������231

lesões. No entanto, para o relator do caso na Turma Nacional, Juiz Federal João Batista Lazzari, a jurisprudência consolidada do STJ é no sentido do deferimento da isenção de imposto de renda a aposentados portadores de moléstias graves sem sintomas: “O fato de a junta médica constatar a ausência de sintomas da doença pela provável cura não justifi-ca a revogação do benefício isencional, tendo em vista que a finalidade desse benefício é diminuir os sacrifícios dos aposentados, aliviando-os dos encargos financeiros”, ressaltou o Magistrado em seu voto. Processo nº 5002426-63.2011.4.04.7113. (Conteúdo extraído do site do Conselho da Justiça Federal)

Configura constrangimento ilegal submeter paciente a regime mais rigoroso

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região concedeu habeas corpus para que um réu preso seja transferido para estabelecimento penal compatível com o regime aber-to, ou, na sua falta, que seja colocado em prisão domiciliar. O pedido de habeas corpus foi impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU) contra ato da 4ª Vara Federal do Amapá, que converteu as penas restritivas de direito na pena privativa de liberdade ini-cialmente fixada na sentença, determinando, por conseguinte, a expedição de mandado de prisão em desfavor do réu. No pedido apresentado ao TRF1, a DPU sustenta que “o condenado a regime aberto não pode ser obrigado a ficar recolhido à prisão no cárcere, apenas para satisfazer meros interesses pragmáticos ou de conveniência do aparato de justiça criminal, cujo escopo recôndito é ocultar a tendenciosa concepção de pena como retribuição pelo malfeito”. Alega também que, embora tenha havido resiliência no cum-primento das penas substitutivas, o paciente não poderia ser forçado, mediante a conver-são em pena privativa de liberdade, de aguardar o trâmite burocrático do encaminhamen-to da carta de sentença com a posterior apresentação ao juízo das execuções para o início do cumprimento de pena no regime estipulado na sentença condenatória. Assim, reque-reu a imediata expedição do alvará de soltura. O relator do caso na 4ª Turma, Juiz Federal Convocado Marcus Vinicius Reis Bastos, entendeu que a DPU está correta em suas alega-ções. “Na hipótese, o ato impugnado, conquanto reconheça um comportamento voltado para frustrar os fins da execução, no reiterado descumprimento das medidas restritivas de direitos, não converteu essas medidas em pena privativa de liberdade com a imposição de regime mais gravoso do que o imposto na sentença condenatória, limitando-se a manter o regime aberto para o início do cumprimento da pena, mas encarcerando o paciente em penitenciária afeta ao regime fechado, nisso residindo a erronia da decisão em exame”, explicou. Nesse sentido, “configura constrangimento ilegal a submissão do paciente a regime mais rigoroso do que aquele fixado na sentença condenatória, que não sofreu mudança da execução penal. Em face do exposto, concedo a ordem de habeas corpus”, finalizou o magistrado. Nº do Processo: 0057116-08.2014.4.01.0000. (Conteúdo extraí-do do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região )

Professor contratado sucessivamente em curso modular tem reconhecida a unici­dade contratual

Em regra, no Direito do Trabalho, prevalece a indeterminação dos contratos de traba-lho, já que nele vigora o princípio da continuidade da relação de emprego e assegura ao empregado um leque maior de direitos. Apenas de forma excepcional a legislação admite o contrato por prazo determinado, que somente pode ocorrer nas hipóteses e formas previstas em lei. Mas, visando a burlar a proteção aos direitos trabalhistas, mui-

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232 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – CLIPPING JURÍDICO

tas empresas adotam práticas irregulares, como as sucessivas contratações por prazo determinado para prestação de serviços ligados à atividade-fim da empregadora. Práti-cas como essas, quando são constatadas em juízo, costumam ser anuladas pela Justiça, já que causam efetivos prejuízos aos empregados. Foi exatamente o que ocorreu no caso julgado pela Juíza Bruna Pellegrino Barbosa da Silva, em sua atuação na 34ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Um professor, após sucessivos contratos temporários em um curso modular, buscou, na Justiça do Trabalho, o reconhecimento da nulidade das contratações, com a indeterminação de seu contrato de trabalho. A empregadora, uma instituição de ensino, defendeu-se alegando que os trabalhos realizados pelo pro-fessor ocorriam de maneira eventual, sem ocorrência diária. Mas a julgadora entendeu que a razão estava com o professor. De acordo com a juíza, os documentos revelaram a sucessiva contratação do professor. Ela observou que entre os contratos celebrados para prestação de serviço e 22.02.2010 a 16.07.2010, e 01.02.2011 a 17.02.2011, ocorreu grande lapso temporal, justificando a pré-determinação da contratação, nos termos do art. 443, § 2º, alínea a, da CLT. Em relação a esse período específico, a juíza entendeu não ser o caso de declaração de unicidade contratual. Diferente da situação verificada a partir do contrato firmado em 01.02.2011 até o término do último contra-to, em 23.04.2013. Nesse caso, para a Magistrada, houve, de fato, irregularidade nas contratações sucessivas, em prejuízo das normas celetistas. Isso porque o professor foi contratado com pequenos intervalos ou até mesmo em sobreposição de contratações. Nesse contexto, a juíza declarou nulas as repetidas contratações, nos termos do art. 9º da CLT, e reconheceu a unicidade contratual no período iniciado em 01.11.2011 até 23.04.2013, com pagamento das parcelas trabalhistas cabíveis. Foi determinada a reti-ficação da CTPS no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado, sob pena de pagamento de multa de R$ 500,00 por dia, limitada a R$ 5.000,00, a ser revertida em favor do trabalhador. A decisão ainda é passível de recurso. (nº 02427-2013-113-03-00-3). (Con-teúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região)

Viúva não tem legitimidade para pedir desaposentação em nome do falecido

“A desaposentação, por consistir no desfazimento do ato de aposentadoria, e não em sua revisão, só pode ser requerida pelo titular do direito, tendo em vista o seu caráter personalíssimo”. Esse foi o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso especial interposto por uma viúva que tentava aumentar o valor da pensão por morte com o cômputo do tempo em que seu marido continuou a trabalhar depois de aposentado. A viúva sustentou que, como o valor da pensão é resul-tante de todos os efeitos referentes ao benefício originário, ela poderia pleitear a revisão da aposentadoria do marido, com base no art. 112 da Lei nº 8.213/1991, que prevê a legitimidade dos sucessores para postular em juízo o recebimento de valores devidos e não recebidos em vida pelo falecido. O relator, Ministro Humberto Martins, não aco-lheu a argumentação. Segundo ele, “o direito é personalíssimo do segurado aposentado, pois não se trata de mera revisão do benefício de aposentadoria, mas, sim, de renúncia, para que novo e posterior benefício, mais vantajoso, seja concedido”. Quanto à Lei nº 8.213, Martins destacou que o dispositivo citado pela viúva só poderia ser aplicado à situação caso o marido tivesse buscado em vida a sua desaposentação. REsp 1515929. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 14�07�2015

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.140, de 26.06.2015 – publIcAdA no dou de 29.06.2015 Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de con-trovérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública; altera a Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2º do art. 6º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.

leI nº 13.134, de 16.06.2015 – publIcAdA no dou de 17.06.2015Altera as Leis nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego e o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nº 10.779, de 25 de novembro de 2003, que dispõe sobre o seguro-desemprego para o pescador artesanal, e nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência So-cial; revoga dispositivos da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, e as Leis nº 7.859, de 25 de outubro de 1989, e nº 8.900, de 30 de junho de 1994; e dá outras providências.

leI nº 13.129, de 26.05.2015 – publIcAdA no dou de 27.05.2015Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dis-por sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

leI nº 13.127, de 26.05.2015 – publIcAdA no dou de 27.05.2015Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, para eximir as entidades de autoges-tão constituídas sob a forma de fundação, de sindicato ou de associação da obrigação de constituir pessoa jurídica independente, especificamente para operar planos privados de assistência à saúde.

leI nº 13.124, de 21.05.2015 – publIcAdA no dou de 22.05.2015Altera a Lei nº 10.446, de 8 de maio de 2002, que dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1º do art. 144 da Consti-tuição Federal.

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234 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – RESENHA LEGISLATIVA

DECRETO

decreto nº 8.465, de 08.06.2015 – publIcAdo no dou de 09.06.2015Regulamenta o § 1º do art. 62 da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, para dispor sobre os critérios de arbitragem para dirimir litígios no âmbito do setor portuário.

MEDIDAS PROVISÓRIAS

medIdA provIsórIA nº 678, de 23.06.2015 – publIcAdA no dou de 24.06.2015Altera a Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Dife-renciado de Contratações Públicas.

medIdA provIsórIA nº 676, de 17.06.2015 – publIcAdA no dou de 18.06.2015Altera a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.

Fechamento da Edição: 14�07�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• CargosdeProvimentoemComissão Wallace Paiva Martins Junior Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• OsCargosemComissãoeoPrincípiodaIrredutibilidadedeVenci-mentos

Luciano Elias Reis Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Temas aTuais de Jurisdição ConsTiTuCional e ConTrole de ConsTiTuCionalidade

•Controle de Constitucionalidade e Democracia na Alemanha e no Brasil (Emerson Ademir Borgesde Oliveira) ...........................................................9

Autor

emerson ademir Borges de oliveira

•Controle de Constitucionalidade e Democracia na Alemanha e no Brasil ........................................9

TEXTO CLÁSSICO

Temas aTuais de Jurisdição ConsTiTuCional e ConTrole de ConsTiTuCionalidade

• Innovaciones en la Jurisprudencia del Tribunal Constitucional Alemán, a Propósito de la Garan-tía de los Derechos Fundamentales en Respues-ta a los Cambios que Conducen a la Sociedadde la Información (Wolfgang Hoffmann-Riem).....40

Autor

Wolfgang Hoffmann-riem

•1. Innovaciones en la Jurisprudencia del Tribu-nal Constitucional Alemán, a Propósito de la Ga-rantía de los Derechos Fundamentales en Res- puesta a los Cambios que Conducen a la Socie-dad de la Información ..........................................40

JURISPRUDÊNCIA

Assunto

Temas aTuais de Jurisdição ConsTiTuCional e ConTrole de ConsTiTuCionalidade

•1 Ação direta de inconstitucionalidade – 2 In-constitucionalidade (STF) ...........................3026, 62

EMENTÁRIO

Assunto

ação direTa de inConsTiTuCionalidade

•ADI legitimidade – pertinência temática ....3026, 69

amiCus Curiae

•Amicus curiae – ausência de poderes inerentes à parte – auxiliar do juízo .............................3027, 70

arguição de desCumprimenTo de preCeiTo funda-menTal

•Arguição de descumprimento de preceito fun-damental – procedimento integrativo da jurisdi-

ção constitucional – aplicação das normas pro-cedimentais da Lei da ADI .........................3029, 72

aTuação do poder JudiCiário

•Atuação do Poder Judiciário – jurisdição consti-tucional – Tribunais de Justiça ...................3028, 72

Jurisdição ConsTiTuCional

• Jurisdição constitucional – fungibilidade entre as ações constitucionais .............................3030, 73

•Lei revogada – subsistência de decreto regula-mentador – possibilidade de análise da consti-tucionalidade pelo STF ..............................3031, 73

norma esTadual

•Norma estadual e princípio da simetria .....3032, 73

orienTação sumular

•Orientação sumular – julgamentos anteriores – desnecessidade de uniformização de jurispru-dência .......................................................3033, 74

reClamação

•Reclamação – não se admite reclamação contra ato do próprio STF .....................................3034, 74

•Súmula do STF sem efeito vinculante – não ca-bimento de reclamação .............................3035, 75

índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

arguição de desCumprimenTo de preCeiTo funda-menTal

•Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-damental e o Agigantamento do Supremo Tri-bunal Federal (Rogério Volpatti Polezze) .............76

Civil law

•Diferenças e Semelhanças entre os Sistemas da Civil Law e da Common Law (Ana Carolina Oliveira) ............................................................109

ConTrole soCial

•Equilíbrio Democrático e Controle Social: o Controle dos Atos de Gestão da Administra-ção Pública por Meio da Participação Popular(Carolline Leal Ribas) .........................................127

Tridimensionalismo JurídiCo

•A Dinâmica da Relação Entre Poder e Direito no Tridimensionalismo Jurídico de Miguel Reale (Sérgio Antônio Ferreira Victor) ............................97

Autor

ana Carolina oliveira

•Diferenças e Semelhanças entre os Sistemas da Civil Law e da Common Law .............................109

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������237 Carolline leal riBas

•Equilíbrio Democrático e Controle Social: o Controle dos Atos de Gestão da Administração Pública por Meio da Participação Popular ........127

rogério volpaTTi polezze

•Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-damental e o Agigantamento do Supremo Tri-bunal Federal .......................................................76

sérgio anTônio ferreira viCTor

•A Dinâmica da Relação Entre Poder e Direito no Tridimensionalismo Jurídico de Miguel Reale ............................................................................97

Seção EspecialTEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS

Assunto

direiTos Humanos, Convenção inTernaCional

•Podem os Tratados de Direitos Humanos Não “Equivalentes” às Emendas Constitucionais Servir de Paradigma ao Controle Concentrado de Convencionalidade? (Valerio de OliveiraMazzuoli) ..........................................................222

Autor

valerio de oliveira mazzuoli

•Podem os Tratados de Direitos Humanos Não “Equivalentes” às Emendas Constitucionais Servir de Paradigma ao Controle Concentrado de Con-vencionalidade? .................................................222

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

agravo regimenTal

•Processual civil – Agravo regimental – Ação de indenização – Inclusão de litisconsórcio no polo passivo – Pedido indeferido – Decisão mantida(TRF 1ª R.) ...............................................3036, 147

aposenTadoria por idade rural

•Previdenciário – Aposentadoria por idade rural – Boia-fria – Início de prova material comple-mentada por prova testemunhal – Preenchimen-to dos requisitos – Não concomitância – Im-possibilidade (TRF 4ª R.) ..........................3039, 159

exeCução fisCal

•Execução fiscal – Adesão a programa de parce-lamento – Interrupção do prazo prescricional(TRF 2ª R.) ...............................................3037, 152

falsidade ideológiCa

•Penal e processo penal – Falsidade ideológica (art. 229, parágrafo único, do CP) – Prescrição retroativa – Extinção da punibilidade (TRF 5ª R.) ................................................................3040, 174

mandado de segurança

•Apelação em mandado de segurança – Re-messa oficial – Certidão de aforamento – Mora – Administração pública – Lei nº 9.784/1999 (TRF 3ª R.) ...............................................3038, 155

EMENTÁRIO

Administrativo

ConCessão

•Concessão – bem público – aeroporto – direito subjetivo à autorização e prorrogação – inexis-tência ......................................................3041, 177

ConCurso púBliCo

•Concurso público – professor adjunto – con-tratações temporárias – preterição – ausência ................................................................3042, 178

dano moral

•Dano moral – direito eleitoral – título de eleitor – não emissão – erro da administração – cabi-mento ......................................................3043, 179

ensino

•Ensino – ocupação simultânea de vagas – insti-tuições públicas – vedação ......................3044, 181

improBidade adminisTraTiva

• Improbidade administrativa – bem público – doação a particular – licitação – imprescindibi-lidade ......................................................3045, 182

políTiCas púBliCas

•Políticas públicas – “Programa Mais Médicos” –documento de habilitação – inexistência .. 3046, 182

proCesso adminisTraTivo

•Processo administrativo – classificação – ca-ráter reservado – informações sensíveis com sigilo e proteção constitucional ou legal – possi-bilidade ...................................................3047, 182

servidor púBliCo

•Servidor público – cessão – organização social – processo administrativo – abertura – desneces-sidade – sanção disciplinar – não configuração ................................................................3048, 184

Ambiental

ação Civil púBliCa

•Ação civil pública – área de proteção permanen-te – construção – princípio do poluidor paga-dor – dano ambiental – comprovação......3049, 185

•Ação civil pública – erosão do solo – obra de as-faltamento – dano ambiental – recuperação daárea – necessidade ...................................3050, 189

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238 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Ação civil pública – exploração irregular – áreas de várzea e de preservação permanente – con-figuração .................................................3051, 189

Crime amBienTal

•Crime ambiental – denúncia – transporte de pro-dutos perigosos – ausência de licença ambiental – inocorrência .........................................3052, 190

•Crime ambiental – pesca em local não permitido – considerável quantidade de pescado apreen-dido – ocorrência – princípio da insignificância– inaplicabilidade ....................................3053, 192

Constitucional

ação direTa de inConsTiTuCionalidade

•Ação direta de inconstitucionalidade – lei de iniciativa parlamentar – “Projeto Férias” nas es-colas municipais – princípio da separação dospoderes – violação ...................................3054, 194

•Ação direta de inconstitucionalidade – lei mu-nicipal – iniciativa parlamentar – eliminação de documentos do departamento municipal de trânsito – interferência .............................3055, 195

arguição de inConsTiTuCionalidade

•Arguição de inconstitucionalidade – infração de trânsito instituída por decreto municipal –art. 5º, II e art. 84, IV da CF – afronta .......3056, 195

direiTo fundamenTal

•Direito fundamental – educação – crianças e adolescentes – Poder Judiciário – garantia – pos-sibilidade .................................................3057, 195

Penal/Processo Penal

assoCiação Criminosa

•Associação criminosa – armas de fogo de uso permitido e de uso restrito – prisão preventiva– falta de fundamentação – inocorrência .. 3058, 195

CarTa TesTemunHável

•Carta testemunhável – presunção de legalida-de – negativa de segmento a recursos – pre-cedentes ..................................................3059, 196

Crime de desoBediênCia

•Crime de desobediência – medida protetiva – descumprimento – Lei Maria da Penha – apli-cação – impossibilidade ..........................3060, 196

Crime de reCepTação

•Crime de receptação – custódia cautelar – fian-ça arbitrada – revogação ..........................3061, 197

Crime de responsaBilidade

•Crime de responsabilidade – ex-prefeito – pres-tação de contas – falta de justa causa – de-núncia – inviabilidade .............................3062, 197

Crime TriBuTário

•Crime tributário – financiamento e aplicação irregular de recursos do Finam – desclassifica-ção – possibilidade .................................3063, 198

esTelionaTo

•Estelionato – consórcio de veículo – pagamento inicial – promessa de entrega do bem não con-cretizada – fraude – caracterização ..........3064, 198

furTo qualifiCado

•Furto qualificado – denúncia – desclassificação para estelionato – suspensão condicional doprocesso – impossibilidade ......................3065, 199

Processo Civil e Civil

ação Civil púBliCa

•Ação civil pública – consumidor – vícios de construção de imóveis .............................3066, 199

ação de CoBrança

•Ação de cobrança – indenização – seguro de vida em grupo – seguradora – não renovação ................................................................3067, 200

arrendamenTo merCanTil

•Arrendamento mercantil – veículo – consigna-tória – credor – recusa – revisão – impossibili-dade ........................................................3068, 200

astreintes

•Astreintes – descumprimento de obrigação defazer – possibilidade – valor arbitrado .....3069, 200

ConTraTo BanCário

•Contrato bancário – juros remuneratórios – cumprimento integral da obrigação – perda doobjeto ......................................................3070, 200

dano maTerial e moral

•Dano material e moral – obra de instalação de rede de esgoto – abalo na estrutura do imóvel ................................................................3071, 201

defesa do Consumidor

•Defesa do consumidor – produto adquirido – duas placas de vídeo – defeito em uma resci-são de contrato – restituição integral do valor –impossibilidade .......................................3072, 202

desConsideração da personalidade JurídiCa

•Desconsideração da personalidade jurídica –requisitos autorizadores ...........................3073, 203

Trabalhista/Previdenciário

aposenTadoria

•Aposentadoria – aplicação do fator previdenciá-rio – constitucionalidade .........................3074, 205

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DPU Nº 64 – Jul-Ago/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������239 aposenTadoria por invalidez

•Aposentadoria por invalidez – perícia médica – obrigatoriedade .......................................3075, 208

assédio moral

•Assédio moral – não configuração – ônus daprova – cabimento ...................................3076, 208

aviso-prévio

•Aviso-prévio – cumprimento em casa – efeitos ................................................................3077, 209

Comissão de ConCiliação prévia

•Comissão de conciliação prévia – acordo ho-mologado – validade – eficácia liberatória geral– efeitos ...................................................3078, 209

dano moral e maTerial

•Dano moral e material – toxoplasmose – doen-ça ocupacional não configurada – ausência denexo causal – indenização indevida ........3079, 210

empregador

•Empregador – impedimento de retorno ao tra-balho de empregado por alta médica – reenca-minhamento para o INSS – salários do período – pagamento obrigatório ..........................3080, 210

exeCução

•Execução – sócio – alcance .....................3081, 211

Tributário

aduaneiro

•Aduaneiro – liberação do trânsito – retenção de mercadorias – prejuízo fiscal – não ocorrência ................................................................3082, 213

ConTriBuição previdenCiária

•Contribuição previdenciária – autônomos, avul-sos e administradores – compensação – pres-crição – possibilidade ..............................3083, 214

Crime ConTra ordem TriBuTária

•Crime contra ordem tributária – prestação de informações falsas ao fisco – supressão de tribu-tos – crime continuado – substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos –ocorrência ...............................................3084, 215

exeCução fisCal

•Execução fiscal – presunção de dissolução ir-regular – Súmula nº 435/STJ – aplicabilidade ................................................................3085, 217

iCms

• ICMS – entidade sem fins lucrativos – imunidade – cabimento .............................................3086, 217

ir

• IR – plano de previdência complementar – contribuições recolhidas – vigência da Lei nº 7.713/1988 – prescrição quinquenal – confi-guração ...................................................3087, 218

• IR – terço constitucional de férias – não inci-dência .....................................................3088, 219

•Simples – prestação de serviços – independen-te de habilitação profissional – Súmulas nºs 7 e 211/STJ – incidência .............................3089, 220

Taxa de oCupação

•Taxa de ocupação – terreno da Marinha – pra-zo prescricional – adequação – possibilidade ................................................................3090, 220

CLIPPING JURÍDICO

•CJF – Aposentado com câncer de pele, sem sin-tomas, faz jus à isenção de Imposto de Renda ...230

•Configura constrangimento ilegal submeter pa-ciente a regime mais rigoroso ............................231

•Diferença de nomenclatura de cursos não pode impedir posse de candidato aprovado em con-curso público .....................................................230

•Professor contratado sucessivamente em curso modular tem reconhecida a unicidade con-tratual ................................................................231

•Viúva não tem legitimidade para pedir desapo-sentação em nome do falecido ..........................232

RESENHA LEGISLATIVA

leis

•Lei nº 13.140, de 26.06.2015 – Publicada no DOU de 29.06.2015 ........................................233

•Lei nº 13.134, de 16.06.2015 – Publicada noDOU de 17.06.2015 .........................................233

•Lei nº 13.129, de 26.05.2015 – Publicada no DOU de 27.05.2015 .........................................233

•Lei nº 13.127, de 26.05.2015 – Publicada no DOU de 27.05.2015 .........................................233

•Lei nº 13.124, de 21.05.2015 – Publicada no DOU de 22.05.2015 .........................................233

deCreTo

•Decreto nº 8.465, de 08.06.2015 – Publicado no DOU de 09.06.2015 .........................................234

medidas provisórias

•Medida Provisória nº 678, de 23.06.2015 – Pu-blicada no DOU de 24.06.2015 ........................234

•Medida Provisória nº 676, de 17.06.2015 – Pu-blicada no DOU de 18.06.2015 ........................234