m aruza ubia avassana - bdr.sintese.com 32 - doutrina direito social.pdf · em 1890, o decreto 221,...

136
13 O AUXÍLIO-RECLUSÃO MARUZA RUBIA CAVASSANA * Sumário: Capítulo I: Breve Histórico da Seguridade Social; 1.1 Evolução no mundo; 1.2 Evolução no Brasil; Capítulo II - O Direito à Seguridade Social como Direito Fundamental da Pessoa Humana; 2.1 A declaração francesa; 2.2 Declaração universal dos direitos humanos; 2.3 Conceito e características; 2.4 Direitos sociais; Capítulo III - Da Previdência Social; 3.1 Previsões constitucionais; 3.2 Do sistema previdenciário brasileiro; 3.3 Da natureza jurídica; 3.4 Das contingências; 3.5 Do regime geral de previdência social; 3.6 Da carência; 3.7 Beneficiários da Previdência Social; 3.7.1 Dos segurados; 3.7.2 Dos dependentes; 3.8 Das prestações previdenciárias: benefícios e serviços; Capítulo IV - Do auxílio-reclusão; 4.1 O risco social; 4.2 Da natureza jurídica; 4.3 Detenção e reclusão e a denominação do benefício; 4.4 Limitação do benefício pela Emenda Constitucional nº 20/98; 4.5 Conceito de segurado de baixa renda; 4.6 Da fixação do benefício; 4.7 Da suspensão do benefício; 4.8 Da extinção do benefício; 4.9 Da regra matriz; 4.9.1 Carência; 4.9.2 Antecedente normativo; 4.9.2.1 Critério material; 4.9.2.2 Critério espacial; 4.9.2.3 Critério temporal; 4.9.3 Conseqüente normativo; 4.9.3.1 Critério pessoal; 4.9.3.2 Critério quantitativo; Conclusões. CAPÍTULO I BREVE HISTÓRICO DA SEGURIDADE SOCIAL 1.1 Evolução no Mundo Em relação à proteção social, pouco se evoluiu desde os tempos mais remotos da evolução da sociedade humana, até o final do Século XVI. * Advogada. Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito. Mestranda em Direito das Relações Sociais na Subárea de Direito Previdenciário na PUC-SP.

Upload: nguyenkhanh

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

13

O AUXÍLIO-RECLUSÃO MARUZA RUBIA CAVASSANA*

Sumário: Capítulo I: Breve Histórico da Seguridade Social; 1.1 Evolução no mundo; 1.2 Evolução no Brasil; Capítulo II - O Direito à Seguridade Social como Direito Fundamental da Pessoa Humana; 2.1 A declaração francesa; 2.2 Declaração universal dos direitos humanos; 2.3 Conceito e características; 2.4 Direitos sociais; Capítulo III - Da Previdência Social; 3.1 Previsões constitucionais; 3.2 Do sistema previdenciário brasileiro; 3.3 Da natureza jurídica; 3.4 Das contingências; 3.5 Do regime geral de previdência social; 3.6 Da carência; 3.7 Beneficiários da Previdência Social; 3.7.1 Dos segurados; 3.7.2 Dos dependentes; 3.8 Das prestações previdenciárias: benefícios e serviços; Capítulo IV - Do auxílio-reclusão; 4.1 O risco social; 4.2 Da natureza jurídica; 4.3 Detenção e reclusão e a denominação do benefício; 4.4 Limitação do benefício pela Emenda Constitucional nº 20/98; 4.5 Conceito de segurado de baixa renda; 4.6 Da fixação do benefício; 4.7 Da suspensão do benefício; 4.8 Da extinção do benefício; 4.9 Da regra matriz; 4.9.1 Carência; 4.9.2 Antecedente normativo; 4.9.2.1 Critério material; 4.9.2.2 Critério espacial; 4.9.2.3 Critério temporal; 4.9.3 Conseqüente normativo; 4.9.3.1 Critério pessoal; 4.9.3.2 Critério quantitativo; Conclusões.

CAPÍTULO I – BREVE HISTÓRICO DA SEGURIDADE SOCIAL

1.1 Evolução no Mundo

Em relação à proteção social, pouco se evoluiu desde os tempos mais remotos da evolução da sociedade humana, até o final do Século XVI.

* Advogada. Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito. Mestranda em

Direito das Relações Sociais na Subárea de Direito Previdenciário na PUC-SP.

Page 2: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

14

Assim vejamos:

Em 1344, fora celebrado o primeiro contrato de seguro marítimo, assim posteriormente surgindo a cobertura de riscos contra incêndios.

Na Inglaterra, em 1601, fora editada pela Rainha Isabel a “Lei dos Pobres” (Poor Law Act), sendo esta considerada a primeira lei sobre a Assistência Social, que se destinava a dar proteção às crianças pobres, proporcionar trabalho aos desempregados e amparo aos idosos e inválidos, que eram financiados através de taxa obrigatória criada pela Leis dos Pobres.

Fora na atual Alemanha que surgiu o primeiro Sistema de Seguro Social, tendo caráter nitidamente político.

Seu idealizador fora o Chanceler OTTO VON BISMARCK, que o desenvolveu para ganhar a simpatia dos trabalhadores os quais recebiam forte influência das idéias socialistas.

O sistema foi sendo implantado gradativamente pelo Parlamento entre os anos de 1883 a 1911. E, em 1911, as leis de proteção social foram compiladas com o surgimento do Código de Seguro Social Alemão.

Em 15 de junho de 1883, também na Alemanha, fora editada a Lei do Seguro-Doença, custeado por contribuições dos empregados, empregadores e Estado.

A Lei do Acidente do Trabalho, editada em 06 de julho de 1884, também na Alemanha, organizou o seguro contra acidentes do trabalho custeado pelos empregados e, em 1889, a Lei do Seguro Invalidez e Idade, editada em 22 de junho deste mesmo ano, passou a ser custeado pelos trabalhadores, trabalhadores, empregadores e Estado.

A Igreja Católica, preocupada com a proteção social, publica a Encícilica “Rerum Novarum”, na qual o Papa Leão XVIII analisa a situação dos pobres e dos trabalhadores nos países industrializados estabelecendo um conjunto de princípios orientadores para os operários e patrões. Articula o papel da Igreja, dos trabalhadores e patrões com a lei e a autoridade pública, para um trabalho conjunto à construção de uma sociedade justa.

Em 1897, na Inglaterra, houve a instituição do “Workmen’s Compensation Act”, que criava o seguro obrigatório contra acidentes do trabalho, com responsabilidade objetiva do empregador, que ficava responsável pelo pagamento de indenização ao trabalhador.

Page 3: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

15

Também na Inglaterra, em 1908, houve a edição da Lei “Old Age Pension”, que concedia pensão aos maiores de setenta anos, independente de contribuição. Em 1911, criou-se o “National Insurance Act”ou seja, a criação do Sistema de Proteção Social com caráter contributivo obrigatório com tríplice custeio.

Em 1917, surge o constitucionalismo social, fase em que as Constituições dos países começam a tratar de direitos sociais, trabalhistas e econômicos, inclusive os direitos previdenciários, sendo a Constituição do México a primeira a incluir o seguro social em seu texto.

Em 1919, houvera a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a finalidade de atuar no âmbito de todos os países em sentido geral, fixando princípios programáticos ou regras imperativas de determinado ramo do conhecimento humano, como trabalho, seguridade social, e a busca da justiça e da paz social.

Em 11 de agosto do mesmo ano, a Constituição de Weimar determinava ao Estado prover a subsistência dos cidadãos, caso não pudesse proporcionar-lhes a oportunidade de acesso ao trabalho de forma a garantir a sua subsistência com um trabalho produtivo.

Em 1935, nos Estados Unidos da América, surge o Social Security Act, como uma das medidas do New Deal do governo de Franklin Roosevelt, para atacar a crise social trazida pela crise de 1929. Houvera o primeiro emprego da expressão Seguridade Social.

Em 1941, o economista inglês WILLIAM HENRY BEVERIDGE preside uma comissão para elaborar um relatório sobre como a Inglaterra do pós-guerra poderia se reconstruir. E em 1942/44, fora criado um projeto que visava à proteção do berço ao túmulo, com a adoção da idéia de seguridade social (saúde, assistência e previdência social).

Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos registra, entre os vários direitos fundamentais da pessoa humana, a proteção.

Em 1952, a Convenção de nº 102 da OIT dispõe sobre a norma mínima para Seguridade Social.

1.2 Evolução no Brasil

Em 1543, fora fundada a Santa Casa de Misericórdia de Santos, por Brás Cubas, visando à entrega das prestações assistenciais. Paralelamente, também fora criado o plano de pensão para seus empregados, estendido às Santa Casas de Misericórdia do Rio de Janeiro e de Salvador.

Page 4: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

16

Em 1824, a Constituição Imperial assegura socorros públicos. Contudo, esta previsão constitucional não teve aplicação prática, servindo no plano filosófico para remediar a miséria criada pelo dogma da liberdade e da igualdade.

Surge o Montepio Geral dos Servidores do estado, o MONGERAL, em 1835, sendo esta a primeira privada mutualista brasileira.

Em 1888, com o Decreto 3.397 de 24 de novembro, cria-se a Caixa de Socorros para os trabalhadores nas estradas de ferro de propriedade do estado.

Após a Proclamação da República, em 1889, o Decreto 9.212, de 26 de março, cria o montepio obrigatório para os empregados nos Correios, bem como o Decreto 10.269, de 20 de junho, que estabelece o Fundo Especial de Pensões para os trabalhadores das Oficinas da Imprensa Régia.

Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a aposentadoria aos trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil, benefício que foi estendido a todos os ferroviários do País pelo Decreto 405, de 17 de maio do mesmo ano.

Em 31 de outubro também do mesmo ano, o Decreto 942-A cria o Montepio obrigatório dos empregados do Ministério da Fazenda.

Em 1891, a Constituição Federal deste ano assegura socorros públicos explicitando as calamidades. Fora a primeira a conter a expressão “aposentadoria”, tendo determinado que a aposentadoria somente poderia ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço à nação. Ressalta-se que não havia uma fonte de custeio específica para este benefício.

Em 1919, fora editada a Lei nº 3.724, de 15 de janeiro, ou seja, a Lei do Acidente do Trabalho, consagrando a responsabilidade objetiva do empregador, sendo este o responsável por qualquer dano sofrido pelo trabalhador durante o serviço, independente de culpa ou dolo, sendo obrigado, em virtude disto, a indenizar o empregado.

Em 1923, o Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro, conhecido como Lei Eloy Chaves, determinava a criação de Caixas de Aposentadoria e Pensões para os empregados ferroviários. Visava a ampar o trabalhador contra os riscos: doença, invalidez, velhice e morte.

Page 5: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

17

Cada caixa de pensões funcionava segundo normas regimentais próprias. Esta distorção só foi sanada em definitivo com a edição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) em 1960.

Em 1930, pelo Decreto nº 19.554, de 31 de dezembro, suspende-se por prazo indeterminado a concessão de aposentadorias ordinárias até que nova legislação corrigisse as falhas decorrentes da criação desregrada de caixas de pensões sem a observância dos mínimos critérios técnicos-atuariais.

Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas de pensões transformam-se em Institutos de Aposentadoria e Pensões, que tinham forma jurídica de autarquia federal e função de efetivar o controle financeiro, administrativo e diretivo.

Em 1933, houve a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) pelo Decreto nº 22.827, de 26 de junho.

A Constituição Federal de 1934 faz a primeira menção expressa aos direitos previdenciários, prevendo custeio tripartite entre trabalhadores, empregadores e Estado, vinculação obrigatória ao sistema com gestão estatal.

Também em 1934 houvera a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB) pelo Decreto nº 24.15, de 09 de junho, e do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) pelo Decreto nº 24.273, de 22 de junho.

Em 1936, fora criado o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI) pela Lei n° 367, de 31 de dezembro.

A Constituição de 1937 previa direitos que, pela omissão da participação do Estado no custeio do sistema, nunca foram implementados. Bem sintética quanto às questões previdenciárias, não apresentou evoluções neste campo.

Ressalta-se que esta Carta Magna utiliza a expressão “seguro social”.

Em 1938, houvera a criação do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) pelo Decreto-Lei nº 288, de 23 de fevereiro, que congregava os funcionários públicos da União e que fora extinto pela reforma do Sistema de 1977, que criara o SINPAS.

O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (IAPETC) fora criado também em 1938, pelo Decreto-Lei nº 651, de 26 de agosto.

Page 6: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

18

Fora a Constituição Federal de 1946 que iniciou a sistematização constitucional da matéria previdenciária. Apresenta pela primeira vez a expressão “previdência social”, desaparecendo a expressão “seguro social”. Determinava o custeio tripartite e a obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra acidentes do trabalho.

Em 1960, surge a Lei nº 3.807 de 26 de agosto, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que unifica a legislação previdenciária entre todos os institutos previdenciários.

A LOPS fora o maior passo em direção à universalidade, porém deixava à margem os trabalhadores rurais e os domésticos, além das prestações relativas à assistência médica dependerem da capacidade orçamentária dos institutos. Teve como pontos favoráveis:

1) a unificação dos benefícios e serviços previdenciários, eliminando legislativamente as diferenças históricas de tratamento entre os trabalhadores;

2) a igualdade no sistema de custeio com a unificação das alíquotas de contribuição incidentes sobre a remuneração do trabalhador; e

3) a ampliação dos riscos e contingências sociais cobertos.

Neste período, o Brasil foi considerado como o país que mais proteção previdenciária concedia, pois tinha-se na época dezessete benefícios de caráter obrigatório.

Em 1963, pela Lei nº 4.214, fora criado o FUNRURAL, o Estatuto do Trabalhador Rural.

Em 1965, pela Emenda Constitucional de nº 11, cria-se a norma que é convencionada pelo Dr. WAGNER BALERA, como a “Regra da Contrapartida”.

Em 1966, o Decreto-Lei nº 72, de 21 de junho, criou o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que unificou os institutos previdenciários com gestão estatal.

A unificação administrativa não foi cabal, posto que sobrevieram ao lado do INPS, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários Servidores Públicos (IAPFESP), o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), que consagra os funcionários públicos federais, o Serviço de Assistência e Seguro Social dos Economiários, que filiava os empregados das caixas econômicas federais (SASSE).

Page 7: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

19

A Constituição Federal de 1967 não inovou na questão previdenciária em comparação à Carta Magna de 1946.

Em 1971, pela Lei Complementar de nº 11 de 25 de maio, fora criado o PRORURAL, no qual a Previdência Social regulamenta a proteção aos trabalhadores rurais.

Fora em 1972, pela Lei nº 5.859, de 11 de dezembro, que os empregados domésticos foram incluídos como segurados obrigatórios.

Em 1974, o benefício salário-maternidade foi previdencializado através da edição da Lei nº 6.136/74, que transmutava a natureza jurídica do salário-maternidade de direito trabalhista a direito previdenciário.

Em 1975, em rumo à universalização da Previdência Social, a Lei nº 6.260, de 06 de novembro, institui benefícios previdenciários em favor dos empregadores rurais e seus dependentes.

Em 1976, fora realizada a Consolidação da Legislação de Previdência conhecida como CLPS, reunindo cerca de sessenta leis e decretos-leis previdenciários.

Em 1977, a Lei nº 6.439 institui o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), que era composto por sete órgãos com finalidades específicas, tendo em vista à adoção do critério da especificidade, visando a um melhor desempenho e atingimento de suas metas, sendo eles: Instituto de Administração Financeira de Previdência e Assistência Social – Fiscalização e Arrecadação das contribuições (IAPAS), o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV), a Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA), que ficava a cargo da assistência social às pessoas carentes, a Central de Medicamentos (CEME) e a Fundação Nacional de Assistência e Bem-Estar do Menor (FUNABEM).

O SINPAS, à época, tinha como atribuições: a concessão e manutenção de benefícios e prestação de serviços, o custeio de atividades e programas e a gestão administrativa, financeira e patrimonial.

Fora a Constituição Federal de 1988 que institui a Seguridade Social no Brasil, prevendo custeio tripartite entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, trabalhadores e empregadores. Tem três áreas de atuação: assistência social, assistência à saúde e previdência social.

Page 8: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

20

O Brasil deixa de ser um Estado de Previdência, que oferece proteção social apenas aos trabalhadores, para ser um Estado de Seguridade Social, garantindo proteção universal à população. Embora esse novo sistema tenha deixado de lado os servidores públicos, beneficiários de regimes próprios de previdência e assistência social, enfim o ideário de Lord Beveridge chega ao Brasil, ou seja, a Seguridade Social deve garantir o mínimo social necessário à existência humana digna.

Em 1990, o SINPAS foi extinto com o programa de reforma administrativa do Governo Collor que unificou o Ministério do Trabalho e Previdência Social – MTPS. Ao MTPS ficaram vinculados a DATAPREV e o INSS.

Em 1991, houve a edição das Leis nºs 8.212 e 8.213, que regulam os planos de custeio e benefícios da Previdência Social respectivamente.

Em 1992, é extinto o Ministério do Trabalho e Previdência Social e criado o Ministério da Previdência Social e o Ministério do Trabalho do Trabalho e da Administração.

Através da Lei nº 8.689, de 27 de julho de 1993, foi extinto o INAMPS.

Em 1995, a Medida Provisória nº 813, de 01 de janeiro, extinguiu o Ministério da Previdência Social, criando no seu lugar o Ministério da Previdência e Assistência.

Ainda neste ano, fora editada a Lei nº 9.032 de 28 de abril, que efetivou uma minirreforma previdenciária, com a extinção de alguns benefícios e alterou a forma de cálculo de outros, dentre outras.

Em 1998, houve a reforma da Previdência Social efetivada por intermédio da Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro.

Em 1999, fora editado do Decreto nº 3.048, de 06 de maio, que regulamentou o plano de benefícios e custeio e a Emenda Constitucional nº 20/98, unificando o regulamento das Leis nºs 8.212/91 e 8.213/91 num único diploma.

A Lei nº 9.876, de 26 de novembro, trouxe inúmeras alterações, entre elas, a mudança na fórmula do cálculo dos benefícios previdenciários e introdução do fator previdenciário, visando ao equilíbrio financeiro-atuarial do Sistema Previdenciário, cujas variáveis são: tempo de contribuição, idade e expectativa de vida.

Page 9: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

21

Em 2000, a Lei nº 9.983, de 14 de julho, insere os crimes previdenciários no Código Penal.

A Lei nº 10.035, de 25 de outubro, alterou a Consolidação das Leis do Trabalho para estabelecer os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, da execução das contribuições devidas à Previdência Social.

No ano de 2001, foram editadas as Lei Complementares nºs 108 e 109 que regulamentam a Previdência Complementar.

A Lei nº 10.256, de 09 de julho, altera disposições da lei de custeio. A Lei nº 10.259, de julho, dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal.

Em 2002, a Lei nº 10.403, de 08 de janeiro, alterou as Leis nºs 8.212 e 8.213/91. Sua principal alteração refere-se à inversão do ônus da prova para a comprovação dos requisitos legais para efeito de concessão dos benefícios previdenciários.

A Lei nº 10.421, de 15 de abril do mesmo ano, estende à mãe adotiva o direito à licença-maternidade e ao salário-maternidade, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho e a Lei nº 8.213/91.

A Medida Provisória nº 83, de 12 de dezembro de 2002, que fora convertida na Lei nº 10.666 de 2003, prevê contribuição adicional para as empresas tomadoras de serviço de cooperado; estabelece que a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão da aposentadoria por idade, por tempo de contribuição e especial. Estabelece também a obrigação da empresa de arrecadar a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço.

Neste mesmo ano, fora editada a Lei nº 10.637, de 30 de dezembro, que estabelece alterações em relação ao COFINS e CSSL.

Em 2003, a Medida Provisória nº 103, de 1º de janeiro, convertida na Lei nº 10.683, de 28 de maio, que desmembrou o Ministério da Previdência e Assistência Social em Ministério da Assistência e Promoção Social e Ministério da Previdência Social.

A Lei nº 10.676, de 22 de maio deste mesmo ano, dispõe sobre a contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e da Contribuição para a Seguridade Social (COFINS) devidas pelas sociedades cooperativas em geral.

Page 10: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

22

Em 30 de maio do mesmo ano, a Lei nº 10.684 fora editada e dispõe sobre o parcelamento de débito junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social.

A Lei nº 10.710, de 05 de agosto de 2003, altera a Lei nº 8.213/91 para restabelecer o pagamento, pela empresa, do salário-maternidade devido à segurada empregada gestante.

A Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003, dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências.

Em 2003, por intermédio da Emenda Constitucional nº 41/2003, houve a reforma da Previdência.

Em 2004, a Lei nº 10.835, de 08 de janeiro, institui a renda básica de cidadania e dá outras providências, e a Lei nº 10.836, de 09 de janeiro, cria o programa Bolsa-família.

A Lei nº 11.098, de janeiro de 2005, que adveio da conversão da Medida Provisória nº 222/2004, atribui ao Ministério da Previdência Social, através da Secretaria da Receita Previdenciária, as atribuições de arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar as contribuições sociais.

A Medida Provisória nº 258, de 21 de julho de 2005, unificava a Receita Federal e a Receita Previdenciária criando a Secretaria da Receita Federal do Brasil. Esta medida provisória teve seu prazo de vigência encerrado no dia 18 de novembro do corrente ano (Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 40, de 21 de novembro de 2005).

Em 14 de dezembro de 2006, fora editada a Lei Complementar de nº 123, que Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, da Lei nº 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar nº 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis nºs 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.

A Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, dispõe sobre a Administração Tributária Federal, unificando a Secretaria da Receita Federal com a Secretaria de Receita Previdenciária. Subordinada ao Ministério da Fazenda, a nova estrutura permitirá maior eficiência da administração tributária

Page 11: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

23

federal, através da simplificação dos processos de arrecadação e fiscalização, além do combate mais efetivo à sonegação fiscal. Caberá à Receita Federal do Brasil a responsabilidade pela administração tributária e aduaneira (atividades de fiscalização, arrecadação e normatização) dos principais tributos federais, incluindo as contribuições previdenciárias.

CAPÍTULO II – O DIREITO À SEGURIDADE SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA

2.1 A Declaração Francesa

Foi na Revolução Francesa, em 1789, que surge a garantia dos Direitos Fundamentais, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, tendo como peculiaridade a universalidade e sua racionalidade.

CELSO RIBEIRO BASTOS assim preleciona: “Enquanto as Declarações anglo-saxônicas apresentavam-se

eminentemente vinculadas às circunstâncias históricas que as precederam e, por essa razão, se afiguravam como limitadas ao próprio âmbito sobre o qual vigiam, a Declaração Francesa se considera válida para toda a humanidade”1.

A Declaração demonstra a existência de uma categoria de direitos imprescritíveis do homem e a existência de um poder legítimo que baseava-se no consentimento popular.

Segundo o Prof. FÁBIO KONDER COMPARATO, em sua obra “A Afirmação Histórica dos Diretos Humanos”, a respeito leciona:

“A revolução francesa desencadeou, em curto espaço de tempo, a supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais, como a humanidade jamais experimentara até então. Na tríade famosa, foi sem dúvida a igualdade que representou o ponto central do movimento revolucionário. A liberdade, para os homens de 1789, limitava-se praticamente à supressão de todas as peias sociais ligadas à existência de testamentos ou corporações de ofícios. E a fraternidade, como virtude cívica, seria o resultado necessário da abolição de todos os privilégios”2.

2.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos

1 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p.157. 2 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p.132.

Page 12: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

24

Após a II Guerra Mundial, as Nações delinearam os direitos humanos, que antes já sabia-se o valor a eles atribuídos, o dever de respeitá-los, mas que cada Estado assim os determinavam.

Com essa conjuntura, levou-se a conclusão de que os direitos humanos não estavam apenas reservados ao domínio de um Estado, mas que deveria ter a participação de todos os outros, para que houvesse a eliminação das violações aos direitos humanos. Daí resultou a Carta da ONU, firmada em São Francisco em 26 de junho de 1945, que inova em matéria de direitos humanos neste sentido.

A Declaração alicerça-se no fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, que devem existir como decorrência do reconhecimento da dignidade e da igualdade de todos seres humanos.

O campo de abrangência da Declaração é muito amplo, pois consagra direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Nas palavras de MIRIAM VASCONCELOS F. HORVATH: “Este documento apresenta o ideal de proteção a ser atingido por todos os povos e nações, objetivando a participação de cada indivíduo e cada setor da sociedade na promoção do respeito aos direitos e liberdades nele consagrados”3.

2.3 Conceito e Características

A conceituação dos direitos fundamentais da pessoa humana é diversificada pela doutrina. A dificuldade é aumentada pelas diferentes expressões utilizadas para designar esses direitos, como: direitos naturais, direitos humanos, direitos individuais e direitos do homem, enfim.

Utilizaremos a expressão, “diretos fundamentais da pessoa humana”, pois se aproxima do trazido pelas Declarações.

O termo fundamental indica tratar-se de questões inerentes à própria condição humana e à realização do homem em sociedade. O tratamento igual para todos, a liberdade e a dignidade são garantias ofertadas pelo texto constitucional.

Assim, vê-se que são respeitadas as características comuns a todos os seres humanos, favorecendo o bem-estar individual e a vida em coletividade.

2.4 Direitos Sociais

3 Auxílio-Reclusão, p.95.

Page 13: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

25

Falar em Direitos Sociais é pensar em uma ordem social mais justa e igualitária.

A tentativa de formar uma sociedade que proporcione condições dignas de vida para todas as pessoas passa pelo estabelecimento de regras que venham a favorecer este objetivo.

É através desses direitos que os mais fracos têm acesso a condições materiais e humanas, que favorecem sua inserção no meio social.

A Seguridade Social é parte essencial para a garantia da dignidade da pessoa humana.

Na definição de JOSÉ MANUEL ALMANSA PASTOR, a Seguridade Social é:

“El instrumento estatal específico protector de necessidades sociales, individuales y coletivas, a cuya proteción preventiva, reparadora y recuperadora tienen derecho los individuos, em la extensión, limites y condiciones que las normas dispongan, según permite su organización financera”4.

Nas palavras de Miguel Horvath Júnior:

“O direito à Seguridade Social é público subjetivo, irrenunciável inalienável e intransmissível, trata-se de um direito especialmente protegido através de normas gerais de imprescritibilidade. A garantia que assegura a satisfação das necessidades essenciais faz nascer, para os integrantes da sociedade, o direito público subjetivo oponível contra o Estado, quando este não cumpre as garantias fixadas constitucionalmente”5.

Na Encíclica Pacem in Terris, do Papa João XXIII, na 1ª Parte – Ordem entre os Seres Humanos – Todo ser humano é pessoa, sujeito de direitos e deveres, no tópico Direitos, 11 – assim pronuncia:

“11. E, ao nos dispormos a tratar dos direitos do homem, advertimos, de início, que o ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente o alimento, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí que a pessoa tem o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice,

4 PASTOR, José M. Almansa. Derecho de la Seguridad Social, p.63/64. 5 HORVATH JÚNIOR. Miguel. Direito Previdenciário, p.93.

Page 14: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

26

de desemprego forçado e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes de sua vontade”.

Também, na 2ª Parte, que trata das Relações entre os Seres Humanos e os Poderes Públicos no Seio das Comunidades Políticas –Dever de Promover os Direitos da Pessoa, 64 – assim dispõe:

“64. Faz-se mister, pois, que os poderes públicos se empenhem a fundo para que ao desenvolvimento econômico corresponda o progresso social e que, em proporção da eficiência do sistema produtivo, se desenvolvam os serviços essenciais, como: construção de estradas, transportes, comunicações, água potável, moradia, assistência sanitária condições idôneas para a vida religiosa e ambiente para o espairecimento do espírito.Também é necessário que se esforcem por proporcionar aos cidadãos todo um sistema de seguros e previdência, a fim de que não lhe venha faltar o necessário para uma vida digna em caso de um infortúnio, ou agravamento de responsabilidades familiares. (...)”.

CAPÍTULO III – DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

3.1 Previsões Constitucionais

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, estabelece, entre, os objetivos fundamentais da República, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

A Previdência Social se fulcra no princípio da solidariedade, constituindo, assim, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Encontra-se também elencada no artigo 6º da Constituição Federal, no título dos Direitos Sociais.

O artigo 201 da Carta Magna, que disciplina sobre a Previdência Social, assim determina:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

Page 15: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

27

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego

involuntário; IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos

segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao

cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

§ 1º. É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

§ 2º. Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado, terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

(...)”.

Assim, mesmo que o Sistema Previdenciário adote o princípio da universalidade de cobertura e atendimento (art. 194, parágrafo único, I, da Constituição Federal), o Sistema parte de um núcleo mínimo de proteção, para que a partir dele, de acordo com a capacidade econômica do Estado, possa ampliar o núcleo de eventos protegidos.

A respeito, FEIJÓ COIMBRA assim preleciona: “As origens do ordenamento jurídico da proteção social, agora

tão abundante, podem ser encontradas naquelas velhas formulações, inspiradas pelo desejo, sempre presente na alma humana, de liberar-se da insegurança e do medo, pela certeza de poder afastar os efeitos danosos do acidente, da doença, da invalidez, da velhice e da morte”6.

No entanto, a proteção absoluta não é realidade, tendo em vista a existência da carência e de requisitos próprios para a percepção das prestações.

Inobstante, o Professor Doutor WAGNER BALERA assim se pronuncia:

6 FEIJÓ COIMBRA. Direito Previdenciário Brasileiro, p.16.

Page 16: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

28

“As prestações atualmente oferecidas pela ordem jurídica são aptas ao suprimento das necessidades básicas do coletivo, conformando-se ao ideário do sistema. O que, diga-se, não pode significar estática constatação da realidade, uma vez que os planos de proteção social devem não apenas ser mantidos como, principalmente, expandidos, a fim de que se atinja o ideal da universalidade da cobertura do atendimento”7.

3.2 Do Sistema Previdenciário Brasileiro

O Sistema Previdenciário Brasileiro engloba o Regime Geral de Previdência Social, gerido e administrado pela Autarquia Federal, denominada I.N.S.S. (Instituto Nacional do Seguro Social); os Regimes Próprios de Previdência (dos Servidores Públicos Federais, Militares, Parlamentares, Membros do Poder Judiciário, dos Servidores dos Estados e Municípios); e a Previdência Complementar, que se subdivide em aberta e fechada.

Em decorrência do tema do presente trabalho, detalharemos apenas o Regime Geral de Previdência Social, bem como suas peculiaridades.

3.3 Natureza Jurídica

A Previdência Social visa a assegurar a cada um dos integrantes do universo de protegidos o mínimo essencial para a vida, conforme corrobora-se acima.

Assim, a partir do momento em que o Estado reconhece que deve garantir este mínimo, passa a ser responsável por ele.

A intenção de amparar os hipossuficientes é bem clara no texto constitucional.

A legislação previdenciária tem caráter cogente, ou seja, abriga a todos; está ligada à estrutura do Estado e visa a garantir a paz social. Portanto, a natureza jurídica da prestação previdenciária é de direito público, uma vez que emana da própria finalidade de socorrer quem dela necessite, em decorrência de alguma contingência ou um risco social, quando cumpridos os requisitos que em breve explicitaremos.

7 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, p. 38-39.

Page 17: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

29

Para ANTONIO FERREIRA CESARINO JÚNIOR, “O direito previdenciário é classificado como direito social, ou seja, um sistema jurídico de proteção aos economicamente fracos”8.

Já para o Prof. AMAURI MASCARO DO NASCIMENTO, a natureza jurídica do direito previdenciário é mista, pois trabalha com instituições públicas e privadas.

3.4 Riscos e Contingências

A relação jurídica de proteção previdenciária evidencia-se a partir do momento em que, a hipótese legal venha a ser verificada de forma efetiva, ou seja, parte-se da hipótese para o fato gerador da prestação ou serviço.

O renomado doutrinador J. FEIJÓ COIMBRA classifica os riscos sociais em: riscos advindos de incapacidade para o trabalho, risco morte, riscos da maternidade ou da natalidade, riscos decorrentes de aumento dos encargos familiares e a proteção à velhice9.

ALMANSA PASTOR assim dispõe: “en uma visión institucional, el riesgo especifica los diversos regimenes assegurativos; em uma visión sistemática, el riesgo constituye el objeto de la relación jurídica de previsión social”10.

Ou seja, situa o risco como um dos três elementos do objeto da relação jurídica da Seguridade Social, quais sejam: risco; o evento/acontecimento e o dano/conseqüência.

Tem-se como principais características do risco: a) futuridade, ou seja, o risco só é válido quando o fato previsto não seja passado; b) incerteza, desconhecimento se o fato há de se produzir.

A incerteza pode ser absoluta ou relativa. Será absoluta se o risco puder nunca vir a ocorrer e será relativa quando se sabe que ocorrerá, mas não o momento.

Deve-se observar a diferença entre risco e contingência. Risco é o acontecimento futuro e incerto e que, geralmente, independe da vontade humana; são acontecimentos indesejáveis que ocorrem na vida dos indivíduos, como: morte, reclusão, doença, enfim, que geram dano ao indivíduo.

8 A.F.C.J. Direito Social, p.54. 9 FEIJÓ COIMBRA. Direito Previdenciário Brasileiro, p.125. 10 PASTOR, J. M. Almansa. Derecho de la Seguridad Social, p.218.

Page 18: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

30

Já as contingências não são, em geral, fatos desagradáveis e involuntários e caracterizam-se em face da presença da voluntariedade e da ausência de dano como prejuízo econômico, como: maternidade, enfim.

3.5 Do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)

O RGPS é regido basicamente pelas Leis nºs 8.212/91 e 8.213/91 e pelo Decreto nº 3.048/99 que as regulamenta.

3.6 Carência

Nos termos da lei, conforme prevê o artigo 24 da Lei 8.213/91: “Art. 24 Período de carência é o número mínimo de

contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.

Para o doutrinador, J. FEIJÓ COIMBRA, “a carência deve ser entendida como lapso material durante o qual os beneficiários ainda não podem usufruir os benefícios, e não especificamente a contribuição devida em determinado período”11.

O ilustre CELSO BARROSO LEITE, sobre o período de carência, em sua obra Dicionário Enciclopédico de Previdência Social, ensina que período de carência é o período durante o qual o segurado, apesar de já estar contribuindo, “carece” do direito dos benefícios, tratando-se de requisito de nítido caráter securitário.

Inicia-se a contagem do período de carência para o segurado empregado e trabalhador avulso a partir da data de filiação ao R.G.P.S.

Já para os contribuintes individuais, empregados domésticos, segurados especiais, se forem contribuintes facultativos, e segurados facultativos, a partir da data do pagamento efetivo da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores. (art. 28, caput, do Decreto nº 3.048/99).

O artigo 25 da Lei 8.213/91 prevê os períodos de carência para os respectivos benefícios e assim dispõe:

11 FEIJÓ COIMBRA. Direito Previdenciário Brasileiro, p.143.

Page 19: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

31

“Art. 25 A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:

– auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;

– aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço, aposentadoria especial: 180 contribuições mensais;

– salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 13: dez contribuições mensais, respeitando o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei.

Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado”.

Em algumas prestações, uma vez ocorrido o fato capaz de gerá-las, o sujeito pode requerê-la. Para a concessão de outras há previsão de um prazo para que o beneficiário possa adquirir o direito à prestação.

A contagem do prazo é feita a partir da vinculação ao R.G.P.S. Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só poderão ser computadas para efeito de carência, depois que o segurado contar com, no mínimo, 1/3 do número das contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.

O art. 26, também da Lei nº 8.213/91, prevê prestações que independem de carência, sendo elas: pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família, auxílio-acidente, bem como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos caso de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao R.G.P.S., for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social.

A carência está ligada à idéia de risco dos contratos de seguro privado, que serviu de base para o seguro social. Havia a preocupação com a seleção dos riscos e a criação de reserva financeira.

Page 20: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

32

Na concepção de Seguridade Social trazida pela Constituição Federal de 1988, a carência se apresenta como nota dissonante.

Para FEIJÓ COIMBRA, “a exigência de carência atualmente se justifica na cautela contra tentativas de fraude. Porém, ressalva que, em um sistema de seguridade social plena, esta preocupação não mais se justificará, tendo em vista a generalização da vinculação”12.

3.7 Beneficiários da Previdência Social

Beneficiário é toda pessoa protegida pelo sistema previdenciário, seja na qualidade de segurado ou dependente.

Os beneficiários são os sujeitos ativos das prestações previdenciárias.

3.7.1 Dos segurados

FEIJÓ COIMBRA, a respeito do conceito de segurado, assim preleciona: “ Segurado é, pois, o cidadão que a lei indica, precisamente, como ligado à órbita de ação de uma entidade previdenciária , da qual, por força dessa relação vinculante, poderá pretender determinadas formas de amparo, nos casos em que a lei disponha a respeito”13.

Os segurados são as pessoas que mantêm vínculo com a Previdência Social, decorrendo destes vínculos direitos e deveres.

Os direitos são representados pela entrega da prestação previdenciária sempre que constatada a ocorrência do risco/contingência social protegida. Os deveres são representados pela obrigação de pagamento das contribuições previdenciárias.

Os segurados são classificados em obrigatórios e facultativos. A qualidade de segurado obrigatório surge do exercício de atividade ligada à previdência social. A qualidade de segurado facultativo surge da manifestação de vontade da criação do vínculo previdenciário.

São segurados obrigatórios aqueles que exercem qualquer tipo de atividade remunerada, de natureza urbana ou rural, abrangida pelo R.G.P.S, de forma efetiva ou eventual, com ou sem vínculo empregatício. São eles: a) os empregados; b) os empregados domésticos; c) os

12 FEIJÓ COIMBRA. Direito Previdenciário Brasileiro, p.143. 13 FEIJÓ COIMBRA. Direito Previdenciário Brasileiro, p.75.

Page 21: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

33

contribuintes individuais; d) os trabalhadores avulsos; e) os segurados especiais. O art. 11 da Lei 8.213/91 é que preleciona os segurados obrigatórios da previdência social.

São segurados facultativos toda e qualquer pessoa maior de dezesseis anos de idade que não exerça atividade remunerada que a enquadre como segurado obrigatório da previdência social, sendo eles: a dona de casa, o estudante, enfim.

3.7.2 Dos dependentes

Os dependentes previdenciários são aqueles que mantêm vínculo de dependência jurídico e ou econômico com os segurados da previdência social.

São beneficiários da previdência social, na qualidade de dependentes, as pessoas que dependem econômica ou juridicamente do segurado.

Para o direito previdenciário é relevante a dependência jurídica e econômica, sendo dependente econômico alguém que viva às expensas do segurado.

Para FEIJÓ COIMBRA, “O direito do dependente não é um direito transmitido pelo segurado e, sim, direito próprio que pode ser exercido diretamente pelo dependente”14.

A relação de dependência, pela sua importância, foi prevista constitucionalmente estando elencada nos artigos 7º, XII e XXV, garantindo aos trabalhadores de baixa renda o direito ao salário-família para os seus dependentes e assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas, respectivamente.

O artigo 201, IV, também assegura a concessão de salário-família e auxílio-reclusão, nos termos da lei para os dependentes dos segurados de baixa renda.

O artigo 16 da Lei nº 8.213/91 estabelece três classes de dependentes, a saber: 1ª classe: cônjuge, companheiro(a) e o filho não emancipado de qualquer natureza, menor de vinte e um anos ou inválido; 2ª classe: os pais; e a 3ª classe: o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido.

14 FEIJÓ COIMBRA. Direito Previdenciário Brasileiro, p.95.

Page 22: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

34

Tem-se presumida a dependência na classe 1 (presunção juris et de jure), daí dizer que é preferencial. Já nas outras classes, a dependência econômica deve ser comprovada.

3.8 Das Prestações Previdenciárias: Benefícios e Serviços

Conforme CESARINO JÚNIOR, “As prestações previdenciárias são os meios pelos quais se procura obter a reparação do dano emergente e do lucro cessante”15.

JOÃO BATISTA LAZZARI, em sua obra, assim dispõe: “As prestações previstas no Plano de Benefícios da Previdência

Social (Lei nº 8.213/91) são expressas em benefícios e serviços. As prestações são o gênero, do qual são espécies os benefícios e serviços. Benefícios são valores pagos em dinheiro aos segurados e dependentes. Serviços são prestações imateriais postas à disposição dos beneficiários”16.

O artigo 18 da Lei nº 8.213/91 relaciona as prestações que o sistema previdenciário assegura aos beneficiários.

O legislador determinou prestações devidas somente aos segurados, bem como somente aos dependentes, e prestações devidas aos segurados e aos dependentes.

As prestações devidas aos segurados são: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria especial; d) auxílio-doença; e) salário-família; f) salário-maternidade e g) auxílio-acidente.

Aos dependentes, são devidas as seguintes prestações: a) pensão por morte e b) auxílio-reclusão, que será objeto de estudo do próximo capítulo deste trabalho.

Por fim, as prestações devidas tanto para os segurados quanto para os dependentes, que são: a) reabilitação profissional e b) serviço social.

CAPÍTULO IV – DO AUXÍLIO-RECLUSÃO

4.1 O Risco Reclusão

O risco reclusão, amparado pela Constituição Federal, priva a família da renda auferida pelo segurado de baixa renda, temporariamente. Por isso, o auxílio-reclusão é uma forma de pensão aos dependentes. Ressalta-se que

15 CESARINO JÚNIOR, A. F. Direito Social, p.456. 16 CASTRO, Carlos A. P. de; LAZZARI, João B. Manual de Direito Previdenciário, p.454.

Page 23: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

35

quem faz jus ao auxílio-reclusão são os dependentes, não o segurado. São os dependentes do segurado que ficam privados da renda que o recluso dava.

Sobre a ratio legis do benefício auxílio-reclusão, MOZART VICTOR RUSSOMANO esclarece:

“O criminoso, recolhido à prisão, por mais deprimente e dolorosa que seja sua posição, fica sob a responsabilidade do Estado. Mas, seus familiares perdem o apoio econômico que o segurado lhes dava e, muitas vezes, como se fossem os verdadeiros culpados, sofrem a condenação injusta de gravíssimas dificuldades. Inspirado por essas idéias, desde o início da década de 1930, isto é, no dealbar da fase de criação, no Brasil, dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, nosso legislador teve o cuidado de enfrentar o problema e atribuir ao sistema da previdência social o ônus de amparar, naquela contingência, os dependentes do segurado detento ou recluso”17.

Para que o dependente faça jus ao benefício auxílio-reclusão, o segurado não pode receber qualquer tipo de remuneração da empresa, nem receber benefício previdenciário como auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço.

O intuito é substituir a renda do segurado durante o lapso de tempo que este permanecer impedido de manter sua família.

Não fora estabelecida pelo legislador nenhuma diferenciação quanto ao que levou à ocorrência da prisão do segurado, para que seu dependente faça jus à prestação. Assim, é indiferente se o delito cometido foi culposo ou doloso, sendo esta diferenciação relevante para a quantificação da pena, e não quanto à ocorrência do tipo ou a sua repressão.

De maneira adversa, SERGIO PINTO MARTINS, que é a favor da extinção do referido benefício, assim se manifesta:

“Eis um benefício que deveria ser extinto, pois não é possível que a pessoa fique presa e ainda a sociedade como um todo tenha que pagar um benefício à família do preso, como se estivesse falecido. De certa forma, o preso é que deveria pagar por se encontrar nessa condição, principalmente por roubo, furto, tráfico, estupro, homicídio, etc. Na verdade, vem a ser um benefício de contingência provocada, razão pela qual não deveria ser pago, pois

17 RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à Consolidação das Leis de Previdência Social, p.214

Page 24: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

36

o preso dá causa, com seu ato, em estar nessa condição. Logo, não deveria a Previdência Social ter que pagar tal benefício. Lembre-se que o acidente do trabalho que é provocado pelo trabalhador não faz jus ao benefício”18.

A respeito do posicionamento do doutrinador acima referido, não concordamos com ele, uma vez que se trata de um benefício aos dependentes do segurado preso e não do próprio segurado, e está previsto constitucionalmente, e a sua extinção violaria o direito constitucional que preceitua que a pena não deve passar da pessoa do acusado (art. 5º, XLV, da Constituição Federal de 1988), e também porque não se discute no seguro social se o dependente deu causa ao risco. A prisão é tratada como risco social a ser protegido pelo direito.

4.2 Natureza Jurídica

O auxílio-reclusão tem natureza de prestação previdenciária com as características de benefício, pois trata-se de prestação pecuniária exigível quando preenchidos os requisitos legais.

4.3 Detenção e Reclusão e a Denominação do Benefício

Conforme esclarece o renomado Prof. WAGNER BALERA: “O uso da expressão reclusão pelo constituinte não foi no

sentido técnico, porque mesmo a prisão simples ou a detenção configuram o fato que dá origem ao benefício. A prisão provisória, a prisão civil por dívida de alimentos, a do depositário infiel ou a prisão administrativa são fatos geradores do benefício”19.

Assim, apesar da denominação do benefício tratar apenas da reclusão, será ele devido nas duas hipóteses, ou seja, tanto no caso de reclusão quanto de detenção.

No mesmo sentido, MIRIAM VASCONCELOS F. HORVATH, em sua obra a respeito do tema, assim se manifesta:

“Não há diferença substancial entre as penas consideradas que pudesse justificar um tratamento diferenciado ao segurado e seus dependentes, além do que ao usar o termo reclusão não houve a intenção do constituinte em fazer diferenciação entre elas”20.

18 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social, p.405. 19 BALERA, Wagner. Da Proteção Social à Família, p.34. 20 HORVATH, Miriam Vasconcelos Fiaux. Auxílio-Reclusão. p.113/114.

Page 25: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

37

Em relação ao regime de cumprimento da pena aberto e fechado, não se impõe dúvidas de que o caso do cumprimento da pena em regime aberto não dará ensejo ao referido benefício para os dependentes do segurado, pois o segurado estará em situação que não o priva de trabalhar e assim manter a subsistência de sua família.

O mesmo se esclarece sobre o segurado que se encontra em livramento condicional.

Na hipótese do cumprimento da pena no regime semi-aberto vejamos:

“Daniel Demonte Moreira, Consultor Jurídico do Ministério da Previdência, subscreveu o Parecer 2.583/2001, que trata do auxílio-reclusão em regime semi-aberto, concluindo pelo direito à percepção do benefício pelos dependentes do segurado que cumpre pena em regime semi-aberto, pois, para afastar o recebimento deste benefício, o trabalho exercido pelo segurado deve ser voluntário, com vínculo empregatício regido pela CLT e mediante remuneração desvinculada, situação que não ocorre nos casos submetidos ao regime prisional semi-aberto”.

Corroboramos com o parecer, que revela perfeita consonância com o espírito da lei, pois permite a manutenção da família do segurado enquanto este cumprir a pena e, ao mesmo tempo, propicia a ressocialização do infrator através do trabalho. Não sendo assim, o regime semi-aberto seria mais gravoso que o regime fechado, onde não se contesta o direito dos dependentes ao recebimento do referido benefício.

4.4 Limitação do Benefício pela Emenda Constitucional nº 20/98

Conforme já ressaltado, o referido benefício é devido aos dependentes do segurado preso e de baixa renda. Limitação esta imposta pela Emenda Constitucional nº 20/98.

Ressalta-se que o benefício em comento assemelha-se ao de pensão por morte. A principal diferença entre os dois benefícios é que, no caso do auxílio-reclusão, o segurado deve estar recluso ou detido, enquanto que na pensão por morte o segurado deve ser falecido ou ausente.

A Emenda Constitucional nº 20/98 trouxe um retrocesso na proteção previdenciária, tendo em vista o caminho que se busca para a seguridade social plena.

Page 26: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

38

MIRIAM VASCONCELOS F. HORVATH defende a constitucionalidade da citada norma e assim se manifesta:

“É possível justificar tal alteração com base nos princípios da distributividade e da seletividade. Nem sempre é viável a proteção a todas as pessoas sem restrições. Por isso, existe a necessidade de mecanismos para adequar o sistema às condições existentes.

Analisando-se o princípio da distributividade e da seletividade aplicado na redução feita pela EC/18, temos que ponderar que cabe ao legislador definir o grau de proteção devido a cada destinatário da previdência social, como corolário do princípio da isonomia em tema da seguridade social. Não pode haver o engessamento do sistema de seguridade social sob pena de torná-lo inviável”21.

Em posicionamento contrário, as Procuradoras da República, Eugência A. Gonzaga Fávero e Zélia Luiza Pierdoná, integrantes do Ministério Público Federal em São Paulo, ingressaram com a Ação Civil Pública, Processo nº 2004.61.83005626-4, pela inconstitucionalidade de tal alteração, afastando assim a “baixa renda” em relação ao auxílio-reclusão.

O entendimento exposto na ação é de que a inovação excluiu da proteção previdenciária parcela de dependentes de segurados e, por essa razão, afeta o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, deixando desprotegidos os dependentes dos segurados que recebiam, antes da prisão, valores acima do limite referido, ou seja, limita o acesso de alguns indivíduos à previdência social.

Assim, também ferindo o princípio da personalidade da pena, uma vez que o artigo 5º, XLV, da Constituição Federal estabelece que nenhuma pena passará da pessoa do condenado.

Ao limitar o referido benefício, a Emenda Constitucional traz reflexos, penalizando também a família do preso.

O renomado doutrinador WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, em sua obra Reforma da Previdência Social: Comentários à Emenda Constitucional nº 20/98, assim preleciona:

21 HORVATH, Miriam Vasconcelos Fiaux. Auxílio-Reclusão, p.121.

Page 27: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

39

“Altera-se significativamente o auxílio-reclusão, passando a ser direito do mesmo trabalhador que faz jus ao salário-família: segurado de baixa renda. A modificação do benefício, para pior, é incompreensível e discriminatória, convindo suscitar a impropriedade em face de outros postulados fundamentais da Lei maior”22.

É com esse entendimento que corroboramos, ou seja, a inconstitucionalidade da norma em evidência.

4.5 Conceito de Segurado de Baixa Renda

Não há uma definição legal de segurado de baixa renda. O legislador se limitou em fixar o valor de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) como sendo a renda máxima percebida pelo segurado para que seus dependentes tenham direito ao benefício. Este valor, segundo determinação legal, deve ser corrigido pelo mesmo índice utilizado para os demais benefícios.

Fora esta limitação, que a EC nº 20/98 trouxe, que se dá lume à discussão de quem seria a baixa renda, do segurado ou dos dependentes.

A interpretação do Instituto Nacional do Seguro Social (I.N.S.S.) é a de que a baixa renda a ser considerada é a do segurado e não a de seus dependentes. Sendo assim, o segurado que receber até R$ 676,27 (seiscentos e setenta e seis reais e vinte e sete centavos), valor este atualizado do ano de 2007, e vier a ser preso, cumpridos os demais requisitos em lei, fará nascer para os seus dependentes o direito à percepção do benefício auxílio-reclusão.

Já a interpretação do dispositivo feita pelos juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tem-se que a renda a ser considerada como baixa renda é a dos dependentes do segurado e não a do segurado, devendo assim ser considerada a totalidade dos valores percebidos pelos dependentes do segurado e não a do segurado.

A respeito, as duas ementas abaixo assim prelecionam: “Acórdão do Tribunal da Quarta Região, Agravo de

Instrumento 94701. Processo n. 200104010851943, D.F. RS. Decisão Proferida em 16/04/2002. Órgão julgador: Sexta turma. Relator Juiz Luiz Fernando Wowk Penteado. DJU 24/04/2002. Ementa. Auxílio-reclusão. Concessão. Último salário de benefício superior

22 MARTINEZ, Wladimir Novaes. p.117.

Page 28: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

40

ao mínimo estabelecido no art. 116 do Decreto 3.048/99. Fazenda Pública. Reexame necessário. I – Consoante precedentes desta Turma, o valor do último salário de contribuição não diz respeito, exclusivamente, ao segurado preso, mas sim à totalidade de seus dependentes. II – Tal interpretação nasce do exame da natureza do benefício de auxílio-reclusão, qual seja: atender às necessidades dos dependentes que, por força de atitude inadequada do segurado, vêem-se desassistidos materialmente. III – Não existe qualquer vedação à antecipação dos efeitos da tutela contra o Poder Público no art. 273 do CPC, nem tampouco necessidade de submeter a decisão ao reexame necessário. Precedentes deste Tribunal. IV – agravo de instrumento não provido”( grifo nosso).

“Tribunal da Quarta Região. Agravo de Instrumento 62660. Processo n. 200004010777544. UF: RS. Órgão Julgador: Sexta Turma. Data da Decisão: 19/06/2001. DJU 11/07/2001. Relator Juiz Luiz Carlos de Castro Lugon. Ementa. Agravo de Instrumento. Previdenciário. Art. 13 da Emenda Constitucional n. 20/98. I – Por imperativo de lógica, o limite de ganhos para haver jus ao auxílio-reclusão deve levar em conta os recursos de subsistência dos dependentes e não os do segurado recluso. II – Não prevendo tal norma constitucional transitória regra acerca dos ganhos regulares do segurado detento ou recluso, o regulamento é nulo naquilo que ultrapassa o texto regulamentado”.

No mesmo sentido, a Súmula nº 05 da Turma da 4ª Região de Uniformização de Jurisprudência dos JEFs:

“Súmula nº 05: Para fins de concessão do auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere à renda auferida pelos dependentes e não do segurado recluso”.

4.6 Da Fixação do Benefício

Na redação original da Lei nº 8.213/91, o auxílio-reclusão equivalia a 80% (oitenta por cento) do valor da aposentadoria a que o segurado recebia, ou teria direito se estivesse aposentado na data do recolhimento à prisão, mais tantas as parcelas de 10% (dez por cento) quantos fossem os dependentes, até o máximo de 2 (dois).

O fato de o referido benefício ser semelhante à pensão por morte, desde a alteração trazida pela Lei 9.032/95 no art. 75, o auxílio-reclusão passou a corresponder a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.

Page 29: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

41

Atualmente, em razão da Lei nº 9.528/97, o valor da renda mensal é igual a 100% (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data da detenção ou prisão, conforme verifica-se no artigo 80 da Lei 8.213/91.

Já para os dependentes dos segurados especiais, o valor do benefício é de um salário mínimo, se não estiver contribuindo como facultativo, que aí terá o benefício concedido com base no salário-de-benefício.

4.7 Suspensão do Benefício

O benefício de auxílio-reclusão será suspenso: a) no caso de fuga, mas se houver recaptura do segurado, será restabelecido a contar da data em que esta ocorrer, desde que esteja mantida a qualidade de segurado, b) quando não for apresentado ao I.N.S.S., o atestado trimestral de que o segurado continua detido ou recluso e firmado pela autoridade competente e c) no caso de livramento condicional, cumprimento da pena em regime aberto ou prisão albergue.

4.8 Extinção do Benefício

O referido benefício se extinguirá: a) com a extinção da última cota individual, b) com a concessão de aposentadoria no período de privação de liberdade, c) com o óbito do segurado, d) com o livramento do preso, e) emancipação, ou no caso de filhos e irmãos quando completarem 21 (vinte e um) anos, f) com a cessação da invalidez para os dependentes inválidos e g) pela morte do dependente.

4.9 Da Regra Matriz

4.9.1 Carência

A carência para o referido benefício originariamente era de 12 contribuições mensais. Hodiernamente, não é exigida a carência por força do artigo 26, I, da Lei nº 8.213/91.

4.9.2 Antecedente normativo

4.9.2.1 Critério material

O critério material refere-se a um comportamento do sujeito ativo ou algum estado em que se encontre. Esta situação em que se acha o sujeito ativo na norma é apresentada através do verbo mais seus complementos.

Page 30: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

42

Então, o critério material da hipótese normativa é estar preso e ter baixa renda.

Ressaltamos aqui que seriam estes dois elementos, partindo do pressuposto da constitucionalidade de tal critério, previsto na norma.

4.9.2.2 Critério espacial

O critério espacial coincide com o âmbito de atuação da norma jurídica previdenciária, ou seja, lugar no qual o fato tem relevância jurídica, que no caso é no Território Nacional.

4.9.2.3 Critério temporal

O dependente do segurado de baixa renda passa a fazer jus ao benefício a partir do momento em que o segurado é recolhido à prisão, se requerido até 30 (trinta) dias deste evento, e se ultrapassa este prazo, é a contar da data da entrada do requerimento.

Assim, tem-se o momento no qual o fato interessa para o direito.

4.9.3 Conseqüente normativo

4.9.3.1 Critério pessoal

Tem-se como sujeito ativo o titular do direito previdenciário que, no caso do benefício de auxílio-reclusão, é(são) o(s) dependente(s) do segurado de baixa renda.

E como sujeito passivo, o Órgão Previdenciário, que no caso do Regime Geral de Previdência será o Instituto Nacional do Seguro Social (I.N.S.S.).

4.9.3.2 Critério quantitativo

O critério quantitativo é o plexo de informações que permite precisar a exata quantia certa devida pelo sujeito passivo ao sujeito ativo, sendo composto pela base de cálculo e da alíquota.

No referido benefício, a base de cálculo é o salário-de-benefício e a alíquota atualmente é de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício que o segurado recebia, ou daquele que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data em que foi preso.

E, no caso do segurado especial, conforme dito anteriormente, será de 01 (um) salário mínimo se não contribuir como facultativo cumulativamente.

Page 31: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

43

Conclusões A Previdência Social, como parte integrante da Seguridade Social,

pertencente à Ordem Social, cuja finalidade é o bem-estar e a justiça social. Tem por escopo contribuir para a formação de uma sociedade mais justa e igualitária possível, proporcionando condições dignas de vida para as pessoas condizentes com seu objeto, fazendo com que, através dos direitos sociais, os mais fracos tenham acesso às melhores condições humanas e materiais, favorecendo, assim, sua inserção no meio social.

O direito às prestações previdenciárias é direito fundamental. Portanto, o subsistema previdenciário tem por escopo proteger os beneficiários em face dos riscos e contingências cobertas.

Entre eles, ressaltamos o risco prisão.

Salientamos que apesar da denominação do benefício em estudo, é indiferente tratar-se do instituto detenção ou reclusão, importando apenas encontrar-se o segurado privado de sua liberdade de locomoção, ou seja, estar preso.

Para a entrega das prestações previdenciárias, é mister se fazer presente a previsão de proteção do evento ou acontecimento, a sua ocorrência e a existência de dano (no caso do risco) como conseqüência.

Em análise do benefício previdenciário em estudo, verifica-se que a finalidade do auxílio-reclusão é substituir a renda do segurado preso, durante o tempo em que ficar impedido de manter a sua família.

Ressalta-se que o objeto do auxílio-reclusão não é o amparo ao preso, mas sim à família do segurado preso.

A Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, limitou o auxílio-reclusão aos dependentes dos segurados de baixa renda, alterando, assim, o critério para o acesso ao Sistema.

Ocorre que, juntamente com a alteração trazida pela referida emenda, houvera o retrocesso na proteção social, que ora se torna inadequado, tendo em vista o caminho que se busca para a Seguridade Social plena.

Apesar de haver entendimentos de que é constitucional tal alteração, conforme apresentado no decorrer do trabalho, entendemos ser inconstitucional, corroborando com o posicionamento de que a estipulação da baixa renda do segurado para a concessão do benefício é inconstitucional, uma vez que, primeiramente, ocorrera o retrocesso social,

Page 32: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

44

quem em matéria de direito social é inadmissível, e, segundo, que tal alteração exclui da proteção previdenciária parcela de dependentes de segurado. Por esta razão também afeta o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, deixando desprotegidos os dependentes do segurado que recebiam antes da prisão valores acima do limite estipulado, não o caracterizando como de baixa renda.

Em relação a renda a ser considerada ser a do segurado ou a do dependente, a interpretação adotada pelo I.N.S.S. é que deve ser a renda do segurado que deverá ser analisada, uma vez que tal interpretação vai contra a natureza do benefício auxílio-reclusão, qual seja, atender às necessidades dos dependentes, que por força de atitude inadequada do segurado vêem-se desassistidos materialmente.

Nos Tribunais, a interpretação diversa torna-se prevalente, inclusive com súmula a respeito editada, que é o caso da Súmula de nº 05 da Turma da 4ª Região de Uniformização de Jurisprudência dos JEFs, onde corroboram que, para fim de concessão do benefício auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere à renda auferida pelos dependentes e não a do segurado recluso. Ocorre que, neste caso, o fato gerador do benefício será diverso.

O benefício em situação atual, em razão da Lei 9.528/97, tem como valor da renda mensal a percentagem de 100% (cem por cento) do valor que o segurado recebia, ou daquela que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data da detenção ou prisão (art. 80 da Lei 8.213/91).

Há quem entenda que o benefício auxílio-reclusão deve ser extinto do rol das prestações concedidas pela Previdência Social, sob o argumento de que, além da pessoa encontrar-se presa, a sociedade estaria sendo penalizada como um todo, uma vez que estaria pagando um benefício à família do preso como se ele estivesse falecido, e que é o preso quem deveria que pagar por encontrar-se nesta condição.

Contrariamente a esse posicionamento, defendemos que se trata de um benefício de suma importância, e que há a necessidade de mantê-lo no rol das prestações concedidas pela Previdência Social, uma vez que não se trata de um benefício para quem praticou o delito, mas, como já visto, é para amparar sua família. Além do que, sua extinção violaria o preceito constitucional que disciplina que a pena não deve passar da pessoa do acusado (art. 5º, XLV, da Constituição Federal de 1988).

Page 33: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

45

Portanto, corroboramos que a prisão é um risco social e que deve ser protegida pelo direito.

Page 34: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas
Page 35: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

45

A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NO RGPS –

PASSADO, PRESENTE E FUTURO NO DIREITO BRASILEIRO*

FERNANDA REIS PEREIRA* *

Sumário: 1 – Notas introdutórias; 2 – Origem e evolução da proteção social; 2.1 Perspectiva mundial; 2.2 Perspectiva brasileira; 3 – A aposentadoria por tempo de contribuição como risco social; 4 – A aposentadoria por tempo de contribuição no passado; 5 – A aposentadoria por tempo de contribuição no presente; 5.1 A atual regra matriz da aposentadoria por tempo de contribuição; 5.2 O fator previdenciário; 6 – A aposentadoria por tempo de contribuição no futuro; 6.1 Associação da idade mínima com o tempo de contribuição; 6.2 Discriminação entre homens e mulheres na concessão da aposentadoria por tempo de contribuição; 6.3 Redução do valor do benefício; 7 – Conclusão.

1 – NOTAS INTRODUTÓRIAS

O movimento em busca do aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção social brasileiros atingiu, nas últimas duas décadas, o ápice de seus debates. Visando a assegurar o conceito de seguridade social como conceito universal de proteção, tal aperfeiçoamento, no entanto, se vê obstado pelas grandes reformas do sistema protetivo da previdência social.

* Monografia de conclusão de semestre na disciplina de Direito Previdenciário do mestrado da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Dr. Wagner Balera. ** Mestranda em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista do Direito e em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Advogada e Analista do Seguro Social.

Page 36: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

46

Esta afirmação é facilmente comprovada quando estudamos o desenvolvimento da aposentadoria por tempo de contribuição do Regime Geral da Previdência Social no direito brasileiro. Do seu surgimento até o cenário atual, decorreram inúmeras modificações para a sua concessão, as quais serão a seguir analisadas, verificando-se, ainda, a pertinência das propostas que vem sendo enunciadas.

Prestação introduzida no artigo 201, § 7°, pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, em substituição à extinta aposentadoria por tempo de serviço, a questão que aqui formulamos e, ao mesmo tempo, nos propomos a responder é se os critérios para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição estão sendo efetivamente aperfeiçoados.

2 – ORIGEM E EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL O direito é, essencialmente, um esforço humano no sentido de realizar o valor

justiça1. Essa frase, do eminente Doutor LOURIVAL VILANOVA, justifica as origens, a evolução, o atual cenário e a busca pelo aperfeiçoamento da proteção social no Brasil e no mundo.

E é visando entender melhor as questões que serão tratadas no presente trabalho que se faz necessário o cumprimento das sábias palavras do Prof. VICENTE RÁO: quando se interpreta uma norma atual e vigente, tudo aconselha a investigação das normas que a antecederam2.

A raiz de todo o direito social arraiga-se na percepção de que os fatos sociais apresentam-se como situações de necessidade.

Desde os tempos mais remotos, a humanidade se preocupa com a ocorrência de eventos que possam gerar situação de necessidade. Sabe-se que o homem sempre esteve exposto a situações de sofrimentos e privações. O receio do porvir sempre freqüentou os temores humanos.

Como forma de proteção contra esses tipos de riscos é que o instinto de sobrevivência humano fez surgir técnicas coletivas de proteção social, fornecendo ao trabalhador um mínimo vital para uma sobrevivência digna.

E foi com este objetivo que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) editou a Convenção nº 102/52, estabelecendo a Norma Mínima da Seguridade Social:

1 VILANOVA, Lourival. Sobre o Conceito de Direito, p. 87. 2 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 474.

Page 37: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

47

“A seguridade social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais, que de outra forma derivariam no desaparecimento ou em forte redução de sua subsistência, como conseqüência de enfermidade, acidente do trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice e morte e também a proteção e assistência médica e de ajuda às famílias com filhos”.

Com base nessas prerrogativas é que nasceu e se desenvolveu a seguridade social, sempre em busca do ideal do bem-estar e da justiça social.

2.1 Perspectiva Mundial

O estudo dos primórdios da proteção social nos remete à Roma, quando a família romana tinha a obrigação de prestar assistência aos servos e clientes, em uma forma de associação mediante contribuição de seus membros, de modo a ter condições de ajudar os mais necessitados.

No entanto, as primeiras normas protetivas só foram editadas em 1601, em caráter eminentemente assistencial. A assistência social veio a ser a fórmula encontrada pelo legislador para modelar, pela primeira vez, a questão social3.

Nessa época, foi editado na Inglaterra o Act for the Relief of the Poor (Lei dos Pobres), que representa o primeiro marco da presença do Estado enquanto órgão prestador de assistência aos necessitados. Esta lei instituiu a contribuição obrigatória destinada a (o): I) viabilizar a obtenção de emprego para as crianças pobres por meio de aprendizagem; II) atendimento do trabalho para os pobres que não tinham nenhuma especialização; e III) atendimento aos inválidos em geral.

Nesse sentido, discorre MOZART VICTOR RUSSOMANO: “A assistência oficial e pública, prestada através de órgãos

especiais do Estado, é o marco da institucionalização do sistema de seguros privados e do mutualismo em entidades administrativas. Dessa forma, podemos concluir dizendo: naquele momento distante, no princípio do Século XVII, começou, na verdade, a história da Previdência Social.”4

3 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, p.45. 4 RUSSOMANO, Mozart Victor.

Page 38: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

48

Com efeito, a eficácia prática das leis editadas no Século XVII voltadas ao campo da assistência social pública representou um marco expressivo na evolução da previdência social.

Atribui-se, no entanto, ao chanceler OTTO VON BISMARK a responsabilidade pelo nascimento da Previdência Social, com a edição da Lei do Seguro-Doença, em 1883, na Alemanha, que é a primeira norma previdenciária no mundo.

O que distinguia o sistema alemão de mecanismos de proteção predecessores era sua natureza compulsória e contributiva. Foi a primeira vez que o Estado ficou responsável pela organização e gestão de um benefício custeado por contribuições recolhidas dos empregadores, dos empregados e do Estado.

A previdência social, segundo WAGNER BALERA, “é, antes de tudo, uma técnica de proteção que depende da

articulação entre o Poder Público e os demais atores sociais. Estabelece diversas formas de seguro, para o qual ordinariamente contribuem os trabalhadores, o patronato e o Estado e mediante o qual se intenta reduzir ao mínimo os riscos sociais, notadamente os mais graves: doença, velhice, invalidez , acidentes no trabalho e desemprego”5.

O sucesso do plano de seguro social de BISMARCK fez com que outros países da Europa editassem suas primeiras leis de proteção social, avançando significativamente e sucedendo as congregações de cunho mutualista que, por seu turno, já havia superado o estágio inicial de mera assistência social pública.

Em 1911, as leis de proteção social foram compiladas com o surgimento do Código de Seguro Social alemão. Referido Código sofreu grande influência da Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, no qual o Papa analisa a situação dos pobres e dos trabalhadores nos países industrializados, estabelecendo um conjunto de princípios da doutrina social da Igreja Católica.

Em 1919, aconteceu a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo especializado da Organização das Nações Unidas (ONU), cuja finalidade é atuar no âmbito de todos os países, fixando princípios programáticos ou regras imperativas de determinado ramo do

5 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, p.49.

Page 39: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

49

conhecimento humano, sobretudo sobre Direito do Trabalho e da Previdência Social.

O início da constitucionalização dos direitos sociais, por sua vez, aconteceu com a promulgação da Constituição do México, em 1917, que, pela primeira vez, incluiu os novos direitos sociais e econômicos na sua declaração de direitos.

Em seguida, foi promulgada a Constituição alemã de Weimar, em 1919, que determinava a responsabilidade do Estado em prover a subsistência do cidadão, caso não pudesse proporcionar-lhe a oportunidade de acesso ao trabalho de forma a garantir a sua subsistência com um trabalho produtivo.

Não se pode olvidar, também, nesse período, a importância do Social Security Act, de 14 de agosto de 1935, promulgado pelo presidente Franklin D. Roosevelt, que procurou mitigar os sérios problemas sociais trazidos pela crise de 1929. Referida lei norte-americana empregou pela primeira vez a expressão seguridade social e criou a previdência social como forma de proteção social, além de diversos programas de assistência que vigoram, com pequenas alterações, ainda hoje nos Estados Unidos.

A partir desse ponto, a seguridade social passou a ser entendida como um conjunto de medidas que deveriam agregar, no mínimo, os seguros sociais e a assistência social, organizada e coordenada publicamente, visando a atender o desenvolvimento de toda a população, proporcionando um nível de vida minimamente digno aos seus cidadãos.

Grande importância no estudo da evolução histórica mundial da proteção social diz respeito aos planos de ação de William Beveridge, constituídos na Inglaterra, em 1942. Estes planos marcam a estrutura da seguridade social moderna, trazendo a proteção “do berço ao túmulo”, com a participação universal de todas as categorias de trabalhadores e cobrança compulsória de contribuições para financiar as três áreas da seguridade: saúde, previdência e assistência social.

Os Planos de Beveridge traduziam, em fórmulas apropriadas, os ideais de justiça social, de solidarismo e de isonomia que cumpre ao Direito realizar6.

O arcabouço institucional chegaria, porém, ao seu ápice, com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada 6 BALERA, Wagner. Noções Preliminares, p.58.

Page 40: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

50

pelas Nações Unidas, em 1948, cujos artigos 22 e 25 representam a magna expressão jurídica da seguridade social:

“Art. 22. Todo o homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indipensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.

Art. 25. I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. II) A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social”.

De modo geral, os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial foram de grande expansão do sistema previdenciário no mundo, com a introdução de sistemas de base contributiva em quase todos os países e com o aumento do valor do benefício médio e da fração de trabalhadores contemplados pelos programas.

Surge, assim, após o término da Segunda Grande Guerra, a formação do Estado do Bem-Estar Social, ao menos até o início da década de 1970, mobilizando grande parte das estruturas dos Estados para uma frente intervencionista, adaptando-se às novas exigências políticas e sociais, nas quais os direitos sociais ganharam muito mais relevo.

Com efeito, houve uma enorme aplicação de gastos públicos nas áreas sociais com a ampliação das prestações. Assim, foi somente no Século XX que os direitos sociais efetivamente experimentaram significativo avanço, passando de meras aspirações e reivindicações da classe trabalhadora e dos menos favorecidos para se tornarem verdadeiramente direitos subjetivos, palpáveis e concretizáveis, pois garantidos por instrumentos normativos de eficácia comprovada e pela própria feição do Welfare State, concretizando-se, inclusive, em nível normativo nas Constituições dos Estados.

A Previdência Social, historicamente, portanto, iniciou sua evolução num regime privado e facultativo característico das associações mutualistas,

Page 41: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

51

passando, depois, aos regimes de seguros sociais obrigatórios, em que já transparece a intervenção do Estado e, atualmente, tenta firmar-se num sistema de seguridade social, com novas luzes e conceitos, a fim de aumentar os riscos cobertos, melhorar suas prestações, universalizar sua cobertura e, num grau máximo de solidariedade e igualdade material, transferir ao Estado a responsabilidade global pelo custeio das prestações por intermédio de impostos.

2.2 Perspectiva Brasileira

No Brasil, a evolução da proteção social não seguiu um caminho diferente.

Foi com a organização privada que se iniciou o seguro social brasileiro, sendo que o Estado foi se apropriando do sistema aos poucos, por meio de políticas intervencionistas.

Assim, as primeiras entidades a atuarem na seguridade social foram as Santas Casas de Misericórdia, como a de Santos, que, em 1553, prestava serviços no ramo da assistência social, e a do Rio de Janeiro, em 1584, cuja finalidade era a de prestar atendimento hospitalar aos pobres.

Ainda com caráter mutualista, foi criado em 1835 o Montepio Geral dos Servidores do Estado – MONGERAL –, primeira entidade de previdência privada no país, cuja finalidade era complementar a renda dos servidores quando deixassem de trabalhar.

A transição da simples beneficência para a assistência pública no Brasil demorou quase três séculos, pois a primeira manifestação normativa sobre assistência social ocorreu somente com a Constituição de 1824.

A Constituição Imperial de 1824, como primeira manifestação legislativa brasileira sobre assistência social, rendeu homenagem à proteção social em apenas um dos seus artigos, com a seguinte redação:

“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros [sic], que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte (...)

XXXI – A Constituição também garante os socorros públicos” (grifei).

A proteção social inserta no bojo da Constituição de 1824 não teve maiores conseqüências práticas, sendo apenas um reflexo do preceito

Page 42: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

52

semelhante contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793.

De toda sorte, há que se reconhecer seu valor histórico, uma vez que se coloca a proteção social como um dos direitos humanos cuja garantia é a Lei Maior.

Pouco antes da promulgação da Constituição Republicana de 1891 surge a primeira lei de conteúdo previdenciário, qual seja, a Lei nº 3.397, de 24 de novembro de 1888, que prevê a criação de uma Caixa de Socorros para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado, acompanhadas, no ano seguinte, de normas que criam seguros sociais obrigatórios para os empregados dos correios, das oficinas da Imprensa Régia e o montepio dos empregados do Ministério da Fazenda.

A Constituição de 1891, por sua vez, estabeleceu a aposentadoria por invalidez para os servidores públicos, custeada pelo Estado. Percebe-se que esta regra foi incipiente (devida apenas a servidores públicos, em caso de invalidez permanente), não podendo ser considerada como um marco previdenciário.

Posteriormente, foi instituído o seguro obrigatório de acidente do trabalho, pelo Decreto Legislativo n° 3.724, de 15 de janeiro de 1919, o qual tratava da proteção aos acidentes do trabalho, com o estabelecimento de uma indenização a ser paga, obrigatoriamente, pelos empregadores aos seus empregados acidentados.

A doutrina majoritária considera o marco da previdência social brasileira a publicação da Lei Eloy Chaves, Decreto-Legislativo 4.682, de 1923, que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensão – CAPs – para os empregados das empresas ferroviárias, mediante contribuição dos empregadores, dos trabalhadores e do Estado.

A Lei Eloy Chaves estabelecia que eram quatro as espécies de prestações asseguradas aos beneficiários daquele sistema de previdência, quais sejam: os socorros médicos em caso de doença, os medicamentos obtidos por preço especial, a pensão por morte e a aposentadoria.

Durante a década de 20, foi ampliado o sistema de Caixas de Aposentadoria e Pensão – CAPs, sendo instituídas, em empresas de diversos ramos de atividade econômica, como, por exemplo, as dos portuários, dos marítimos, etc.

Page 43: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

53

Este tipo de sistema tinha como inconveniente o fato de um grande número de trabalhadores permanecerem à margem da proteção previdenciária, por não ocuparem postos de trabalhos em empresas protegidas.

Na década de 30, as 183 CAPs existentes foram reunidas com a formação de Institutos de Aposentadoria e Pensão – IAPs. Tais Institutos eram organizados por categoria profissional, dando maior solidez ao sistema previdenciário, já que contavam com um número de segurados superior às CAPs, tornando o novo sistema mais consistente.

A partir da fusão das CAPs das empresas das diversas categorias profissionais, surgiram, então, os Institutos de Aposentadoria e Pensão das seguintes categorias:

IAPM: Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (1933);

IAPC: Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (1934);

IAPB: Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários (1934);

IAPI: Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (1936); e

IAPTEC: Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em Transporte de Carga (1938).

A Constituição Federal de 1934, por sua vez, foi a primeira a estabelecer a tríplice forma de custeio, com contribuições da União, dos empregadores e dos trabalhadores.

No entanto, a Carta de 1937, marcadamente autoritária, não se harmonizou com a avançada ordem instituída pela Constituição de 1934. Apesar disso, ela não deixou de enumerar os riscos sociais cobertos pelo seguro social.

A Constituição de 1946 utilizou, de forma inovadora, a expressão “previdência social”. Foi garantida pelo constituinte a proteção aos eventos de doença, invalidez, velhice e morte. Esta Constituição marcou a primeira tentativa de sistematizar as normas de proteção social.

Em 26 de agosto de 1960, foi editada a Lei nº 3.807, denominada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). A edição da LOPS marca a unificação dos critérios estabelecidos nos diversos Institutos, persistindo ainda a estrutura dos IAPs.

Somente em 1967 foram unificados todos os IAPs, com a criação do INPS – Instituto Nacional da Previdência Social (Decreto-Lei 72/66),

Page 44: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

54

consolidando-se o sistema previdenciário brasileiro. Neste ano, a Constituição de 1967 criou o auxílio-desemprego.

Os trabalhadores rurais somente passaram a gozar de direitos previdenciários a partir de 1971, com a criação do FUNRURAL pela Lei Complementar 11/71. Os empregados domésticos foram incluídos no sistema protetivo, no ano seguinte, em função da Lei 5.859/72.

Em 1977, foi instituído o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, responsável pela integração das áreas de assistência social, previdência social, assistência médica e gestão das entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social. O SINPAS compreendia o:

IAPAS: Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – autarquia que administrava os recursos financeiros, responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança de contribuições e demais recursos.

INPS: Instituto Nacional de Previdência Social – autarquia responsável pela administração das prestações (benefícios e serviços).

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – autarquia responsável pela assistência médica.

LBA – Legião Brasileira de Assistência – fundação pública responsável pela assistência social aos carentes.

FUNABEM: Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – fundação pública responsável pela promoção de política social em relação ao menor.

CEME: Central de Medicamentos – órgão ministerial responsável pela distribuição de medicamentos por preços acessíveis ou a título gratuito.

DATAPREV: Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social – empresa pública que gerencia os sistemas de informática.

Todas estas entidades foram posteriormente extintas, exceto a DATAPREV que existe até hoje, com a função de gerenciar os sistemas informatizados do Ministério da Previdência Social.

Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal atualmente vigente, restabelecendo o Estado Democrático de Direito e rompendo com o autoritarismo do regime militar.

Com a promulgação desta Constituição, foi instituído um autêntico Sistema Nacional de Seguridade Social, configurando um conjunto

Page 45: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

55

normativo integrado por um sem-número de preceitos de diferentes hierarquia e configuração.

Registre-se, por fim, que em 1990, a Lei 8.029 criou o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social –, com a junção do IAPAS e do INPS, autarquia responsável pelo seguro social, passando a administrar os recursos financeiros e as prestações da previdência social.

3 – A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO COMO RISCO SOCIAL

Desde seu surgimento, é a Previdência Social composta por um conjunto de princípios, regras e instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediante contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, contra contingências de perda ou redução da sua remuneração, de forma temporária ou permanente.

A tarefa da previdência social é, pois, a de proteger os seus segurados e dependentes em face de determinados riscos sociais.

Na lição de ARMANDO DE OLIVEIRA ASSIS, risco social “(...) é, no estado presente da evolução da matéria, o risco de o trabalhador, isto é, uma pessoa economicamente fraca, perder o seu salário, ou melhor, ver-se impossibilitada de o ganhar por motivo de certas eventualidades que são inerentes à vida do homem”.

A grande questão é saber qual seria o risco social coberto pela aposentadoria por tempo de contribuição.

A Constituição Federal enumera, em seu art. 201, os riscos sociais: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de

regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

Page 46: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

56

V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º”.

Verifica-se que não há qualquer menção ao tempo de contribuição como risco social no art. 201, muito embora não haja dúvidas quanto à existência deste tipo de benefício, em face do que dispõe o § 7º, ao estabelecer que fica assegurada aposentadoria após trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher.

Mas, o fato de o evento ensejador do direito não estar incluído em qualquer dos incisos do caput do art. 201 pode ser indicativo de que o constituinte reconheceu não haver risco social no benefício em apreço.

Por esta razão, muitos autores utilizaram este argumento para defender a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição ou, pelo menos, a combinação deste benefício a uma idade mínima do segurado.

No entanto, há autores que defendem a existência de um risco a ser coberto na aposentadoria por tempo de contribuição. Para SÉRGIO PINTO MARTINS, por exemplo, o tempo de contribuição ou de serviço é considerado contingência em razão do desgaste do trabalhador com o passar dos anos.

MIGUEL HORVATH JÚNIOR, no mesmo sentido, afirma que: “embora tecnicamente o tempo de contribuição não é um risco,

mas sim uma certeza de que ao final do prazo estipulado legalmente, em havendo as contribuições regulares, será concedida a aposentadoria, o risco velhice encontra-se presumido em tal prestação, pois a idéia é de que após 35 anos de contribuição para os homens e 30 anos para as mulheres, o segurado esteja desgastado para continuar exercendo suas atividades.”

De fato, parece indiscutível que tempo de contribuição, em si mesmo, não possa ser considerado risco, na acepção de acontecimento futuro e aleatório, independente da vontade ou ação humana, capaz de produzir conseqüências danosas à pessoa ou ao seu patrimônio. Porém, não se pode dispensar tão importante instituto de proteção social.

Além disso, a aposentadoria por tempo de contribuição antes de completar a idade necessária para aposentadoria por idade evitaria, em muitos casos, que o segurado se utilize de outros benefícios da Previdência

Page 47: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

57

Social em razão da idade avançada, do desgaste físico ou da propensão para o acometimento de doenças.

RIO NOGUEIRA, por exemplo, enumera as diferentes atividades que estariam mais ligadas à capacidade laborativa do ser humano, diferenciando o trabalho intelectualizado do trabalho braçal. Ele ensina que, “no primeiro caso, aos 65 anos de idade, o trabalhador está no auge da sua produtividade, sendo-lhe menos agressiva a velhice, enquanto no outro, na mesma faixa etária, o laborista encontra-se, seguramente, com 20% da sua produtividade máxima”.

Neste sentido, a aposentadoria por tempo de contribuição funcionaria como uma forma de coibir o exaurimento da capacidade laborativa do segurado, atuando, paralelamente, com o intuito de prevenir o aparecimento de outros riscos sociais como a doença, por exemplo.

Inclusive, isto corrobora com o mandamento inscrito na Constituição Federal, que, ao dispor sobre as ações da seguridade social na área da saúde, determina que estas devem visar à redução do risco de doença (art. 196, caput), mediante o desenvolvimento de atividades preventivas (art. 198, II).

Assim, a despeito de toda polêmica existente, não se pode menosprezar a aceitação e adequação desse benefício à cultura do brasileiro, sendo por muitos desejado, mais até que a aposentadoria por idade, pois representa uma espécie de premiação após muitos anos de trabalho. 4 – A Aposentadoria por Tempo de Contribuição no Passado

A primeira vez que surgiu a palavra aposentadoria no Brasil foi com a edição da Lei Eloy Chaves. A Lei Eloy Chaves estabelecia que eram quatro as espécies de prestações asseguradas aos beneficiários daquele sistema de previdência, quais sejam: os socorros médicos em caso de doença, os medicamentos obtidos por preço especial, a pensão por morte e a aposentadoria.

Naquela época, a aposentadoria poderia ser ordinária ou por invalidez. A aposentadoria ordinária seria garantida, integralmente, ao empregado ou operário que houvesse prestado, pelo menos, trinta anos de serviço e tivesse completado cinqüenta anos de idade, ou, proporcionalmente, àquele que implementasse apenas o tempo de serviço ou apenas a idade mínima estabelecida na lei.

Page 48: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

58

É certo que essa aposentadoria ordinária é a precursora da atual aposentadoria por tempo de contribuição.

Com o advento da LOPS, em 1960, a antiga aposentadoria ordinária passou a ser denominada aposentadoria por tempo de serviço, para a qual se exigia que o segurado comprovasse haver completado trinta e cinco ou trinta anos de serviço, com proventos integrais ou proporcionais, além de possuir idade mínima de cinqüenta e cinco anos - e não mais cinqüenta, como na época das CAPs.

No entanto, dois anos após a edição da referida lei orgânica, sobreveio a Lei nº 4.130, de 28.08.1962, que eliminou o requisito da idade mínima. Desse momento em diante, portanto, a aposentadoria no Brasil passou a não depender mais da idade do segurado, sendo tão-somente necessária a comprovação de um daqueles dois tempos de serviço, os quais, ressalte-se, eram idênticos para homens e mulheres.

Em 1966, o Decreto-lei nº 66 acrescentou nova exigência para a obtenção do benefício em foco: que o segurado tivesse vertido, pelo menos, sessenta contribuições. Adotava-se assim, em sede de previdência, o instituto da carência, entendida como o número mínimo de contribuições mensais indispensável para, ao lado da implementação do tempo de serviço, poder o segurado usufruir do benefício da aposentadoria.

Na seqüência de quebra de tradições, a Constituição de 1967 reduziu para trinta anos o tempo de serviço necessário para a aposentadoria integral da mulher. Segundo os historiadores, essa redução, de trinta e cinco para trinta anos, inspirou-se na tese da dupla jornada de trabalho da mulher e do maior desgaste físico que daí decorre. Paralelamente, o homem seguiu podendo se aposentar após trinta anos de serviço, com proventos proporcionais, e após trinta e cinco, com renda mensal integral do benefício.

Nesse sistema, a, à época, denominada aposentadoria por tempo de serviço vinha regulada da seguinte forma:

“Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições: (...)

Page 49: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

59

II – após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei; (...)

§ 1º. É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após vinte e cinco, à mulher” (grifei).

Em 1991, a Lei nº 8.213, elevou de sessenta para cento e oitenta o número de contribuições mensais indispensáveis para homens e mulheres, uma vez implementada a condição do tempo mínimo de serviço, poderem usufruir o direito de se aposentar.

Esta alteração, contudo, passou por uma regra de transição, prevista no art. 142 da citada lei, operando-se à razão de seis contribuições por ano, a partir de 1993, para aqueles segurados que já estivessem filiados ao Regime Geral de Previdência Social antes de sua publicação.

5 – A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NO PRESENTE

Em 15 de dezembro de 1998, foi editada a Emenda Constitucional nº 20, a qual teve por objetivo reformar o sistema previdenciário brasileiro, dando nova redação aos arts. 201 e 202 da Carta Política de 1988, introduzindo significativas alterações nas regras da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

Dentre as principais mudanças, ressaltam-se as seguintes:

– a aposentadoria por tempo de serviço passa a ser denominada aposentadoria por tempo de contribuição;

– a aposentadoria proporcional é extinta, sendo somente devido o benefício com proventos integrais, a homens e mulheres que comprovem, respectivamente, trinta e cinco e trinta anos de contribuição.

Cumpre assinalar que esta Emenda, no que se refere aos segurados já filiados ao RGPS, não apenas assegurou o direito à aposentadoria com base na legislação até então vigente, caso já houvessem sido implementadas, até 15.12.1998, todas as condições para obtenção do benefício, como também previu algumas regras de transição para os que, embora já filiados, não haviam completado ainda o tempo de serviço/contribuição necessário para a aposentadoria.

Em síntese, as regras de transição mais importantes são estas:

Page 50: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

60

– para a aposentadoria integral, cinqüenta e três e quarenta e oito anos de idade, combinados com trinta e cinco e trinta anos de contribuição (respectivamente, para homens e mulheres), mais um tempo adicional de contribuição, equivalente a vinte por cento do tempo de contribuição que, em 16.12.1998, faltava para que o segurado atingisse aquele mínimo de trinta e cinco ou trinta, conforme o caso;

– para a aposentadoria proporcional, cinqüenta e três e quarenta e oito anos de idade, combinados com trinta e vinte e cinco anos de contribuição (respectivamente, para homens e mulheres), mais um tempo adicional de contribuição, equivalente a quarenta por cento do tempo de contribuição que, em 16.12.1998, faltava para que o segurado atingisse aquele mínimo de trinta ou vinte e cinco, conforme o caso.

A mudança na denominação da referida aposentadoria de tempo de serviço para tempo de contribuição revela um importante ponto conceitual. Enquanto o primeiro diz respeito à dimensão temporal da base material deflagradora da filiação, o outro corresponde às mensalidades recolhidas ou devidas, efetiva ou presumidamente aportadas.

Além disso, ao modificar o critério material de tempo de serviço para tempo de contribuição, o legislador buscou evitar a contagem dos chamados tempos fictícios para efeito de aposentadoria, assim entendidos aqueles tempos que não correspondiam a tempo de efetivo trabalho e, conseqüentemente, não possuíam a respectiva contribuição.

Em suma, o propósito da Emenda 20/98, neste particular, era o de que para cada mês utilizado na composição daqueles trinta e cinco anos (se homem) ou trinta anos (se mulher), houvesse, efetivamente, uma correspondente contribuição do segurado.

Outra importante medida introduzida pela Emenda em comento foi a supressão do critério quantitativo antes previsto no caput do art. 202 da Superlei. A Lei nº 9.876, de 26.11.1999, estabeleceu que a base de cálculo do benefício seria não mais a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, mas a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição, correspondentes a, no mínimo, 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994, multiplicada pelo fator previdenciário.

Page 51: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

61

5.1 A ATUAL REGRA MATRIZ DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE

CONTRIBUIÇÃO

Assim, de acordo com a legislação atualmente vigente, a regra matriz da aposentadoria por tempo de contribuição se apresenta da seguinte forma:

REGRA MATRIZ APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

Critério Material

(Verbo + Com-plemento)

- Ter 35/30 anos de contribuição; ou

- Ter 30/25 anos de contribuição (professores, que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio).

Critério Espacial Território nacional, cabendo a aplicação do princípio da extraterritorialidade.

HIP

ÓTE

SE D

E IN

CID

ÊN

CIA

(SE)

Critério Temporal

Segurado Empregado, inclusive os domésticos:

- Do desligamento, se requerido até 90 dias da ocorrência deste;

- Da data de entrada no requerimento, se não houver desligamento ou se requerida após 90 dias.

Demais segurados: data da entrada no requerimento.

SUJEITO ATIVO

Segurados

CRITÉRIO PESSOAL SUJEITO PASSIVO

INSS

BASE DE CÁLCULO

Salário-de-benefício

CO

NSE

ENTE

NO

RM

AT

IVO

(E

NTÃ

O)

CRITÉRIO QUATITATIVO

ALÍQUOTA 100% do salário-de-benefício, multiplicado pelo fator previdenciário

Page 52: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

62

5.2 O Fator Previdenciário

O fator previdenciário é fruto das modificações trazidas pela Emenda nº 20/98 que desconstitucionalizou o método de atribuição do critério quantitativo da aposentadoria por tempo de contribuição, revogando a norma antes prevista no art. 202 da CF/88, segundo a qual o benefício seria calculado sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, atribuindo ao legislador ordinário a competência para estabelecer, a seu talante, o mecanismo de apuração da renda mensal do benefício.

Foi então que a Lei nº 9.876/99 criou o fator previdenciário, alterando, indiretamente, a materialidade da regra matriz da aposentadoria por tempo de contribuição, exigindo não apenas o tempo de contribuição, como também a idade e a expectativa de sobrevida do brasileiro, conforme se verifica na fórmula abaixo:

Onde:

f = fator previdenciário

Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria (conforme tábua de mortalidade divulgada periodicamente pelo IBGE)

Id = idade no momento da aposentadoria

a = alíquota de contribuição correspondente a 0,31

Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria (acrescidos de 5 anos caso o segurado se trate de mulher ou professor, ou de 10 anos se se tratar de professora)

Alocado no critério quantitativo do benefício, o fator previdenciário, ao incluir a idade e a expectativa de sobrevida do segurado em sua composição, provoca uma espécie de minimização do peso do critério material dessa aposentadoria, em relação aos demais aspectos da sua regra matriz.

Page 53: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

63

Com efeito, antes da promulgação da Lei nº 9.876/99, a implementação da condição estabelecida no inciso I, do § 7º, do art. 201 da Constituição Federal, qual seja ter efetuado 35 anos de contribuição, se homem, ou 30 anos, se mulher, era o bastante para o segurado fazer jus a uma renda mensal equivalente a 100% do seu salário-de-benefício.

Com a introdução do fator previdenciário, o implemento do número de aportes já não se mostrava suficiente para o deferimento da proteção previdenciária com o mesmo quantum anterior, obrigando o beneficiário que desejasse uma renda integral a prosseguir contribuindo, não raro, por mais alguns anos, antes de requerer o benefício. Assim, na prática, a chamada aposentadoria integral passou a exigir muito mais do que os 35/30 anos de contribuição.

Dessa forma, para recuperar o valor da aposentadoria anterior à existência do fator previdenciário o trabalhador terá que adiar a aposentadoria por vários anos. Quanto mais idosa a pessoa, maior será o valor do benefício, justamente porque se considera que esta pessoa usufruirá do benefício por menor tempo, em face da expectativa de sobrevida do cidadão brasileiro. Nesse derradeiro, o tempo de contribuição passa a ter um papel secundário.

Registre-se, no entanto, que o fator previdenciário, tão logo foi introduzido, teve sua validade, em face da Magna Carta, posta em cheque por inúmeros estudiosos do direito previdenciário, resultando propostas, contra ele, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (ADIn nº 2.110 e 2.111).

Não obstante a Suprema Corte tenha concluído pela constitucionalidade da medida, por visar ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, as discussões sobre o tema apenas se conformaram, mas não cessaram e serão fonte de muita indignação enquanto perdurar.

6 – A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NO FUTURO

Diante de tantas polêmicas envolvendo a aposentadoria por tempo de contribuição, acredita-se que, num futuro não muito distante, nova reforma do RGPS deverá alterar os critérios para a concessão do benefício em apreço.

Como se pode perceber até este momento, o Brasil possui critérios para aposentadoria por tempo de contribuição bastante generosos se comparado aos critérios utilizados por outros países.

Page 54: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

64

De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), o Regime Geral de Previdência Social brasileiro caracteriza-se, por exemplo, pela possibilidade de aposentadoria sem a exigência de uma idade mínima para a sua concessão, o que não ocorre em nenhum outro país, salvo na Itália, que, entretanto, já possui uma regra de transição que eliminará essa brecha.

Além disso, no Brasil resiste uma diferenciação de critérios para a concessão de aposentadoria entre homens e mulheres, enquanto na Alemanha, no Canadá, nos Estados Unidos, no México e na França a idade mínima para obter aposentadoria não difere por sexo.

À vista disso, faz-se necessária uma análise mais aprofundada sobre estes aspectos, a fim de que se possa demonstrar que os critérios utilizados para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil clamam por alterações.

6.1 Associação da Idade Mínima com o Tempo de Contribuição

Já há bastante tempo que os estudiosos do direito previdenciário e, inclusive, os membros dos Poderes Executivo e Legislativo interessados na matéria estão convencidos acerca da imprescindibilidade de que a aposentadoria por tempo de contribuição somente seja concedida ao segurado que implemente, cumulativamente, número de contribuições e idade.

É sabido que o grande objetivo da Reforma Constitucional processada em 1998 era o de conjugar os limites etários de 60 anos, para o homem, e 55 anos, para a mulher, ao tempo de contribuição.

Conforme visto em capítulo precedente, a aposentadoria ordinária, quando introduzida em nosso ordenamento jurídico por obra da Lei Eloy Chaves, já combinava, em seu critério material, tempo de serviço e idade mínima. O mesmo fez a LOPS, em 1960, com pequenas alterações nos números relativos a essas variáveis.

No entanto, a partir de 28.08.1962, data da edição da Lei nº 4.130, o limite de idade deixou de fazer parte da regra matriz da antiga aposentadoria por tempo de serviço, assim como não faz parte, ainda hoje, dos critérios que compõem a regra matriz da atual aposentadoria por tempo de contribuição.

Como recorda RIO NOGUEIRA, a proposta de condicionar a aposentadoria por tempo de serviço a limites etários mínimos já não tinha

Page 55: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

65

palatabilidade política durante a constituinte de 1988, por isso que não considerada no Texto Magno dela resultante.

Dez anos depois, também não se logrou êxito nessa pretensão, em razão de um erro histórico do deputado Antônio Kandir ao votar contra a introdução das idades mínimas de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher na concessão do benefício em tela.

Menos de um ano depois, a Lei nº 9.876/99 introduziu, na apuração da base de cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, o fator previdenciário, cuja fórmula tem a idade do segurado como uma de suas variáveis, fazendo com que quanto menor o número de anos vividos até o momento da aposentadoria menor seja o valor do benefício.

Assim, embora não tendo conseguido impossibilitar, via emenda constitucional, que homem e mulher se aposentem, respectivamente, antes dos 60 ou dos 55 anos de idade, o Poder Executivo obteve, por simples lei ordinária, uma espécie de remendo para o insucesso colhido no ano anterior.

Nem por isso, todavia, cessaram as discussões sobre o tema da idade mínima. Os defensores da reintrodução do limite etário apontam em defesa de sua tese o largo e crescente período médio de sobrevida de que desfruta o aposentado por tempo de contribuição, após o início de gozo do benefício. Lembram que à época das Caixas e dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, quando a expectativa de vida do brasileiro era bem menor do que a atual, exigia-se idade mínima para o segurado aposentar-se, ao passo que hoje, apesar de mais elástica aquela expectativa, contenta-se o sistema previdenciário com o só implemento do tempo de contribuição.

No bojo dessa corrente, e em veemente protesto contra tal estado de coisas, o já citado RIO NOGUEIRA faz a seguinte afirmação:

“(...) com uma lei de três artigos, que é a Lei nº 4.130, de 28 de agosto de 1962, o Presidente João Goulart eliminou o limite de idade e, com isso, praticou o crime de maior expressão contra a economia popular na área da Previdência Social.”

A razão do crescimento da expectativa de vida das pessoas - que não é um fenômeno brasileiro, mas presente em todo o mundo - é devido a dois componentes: a diminuição da mortalidade infantil e o aumento da qualidade de vida da população idosa. No primeiro caso, porque tal expectativa é calculada através de médias sobre toda a população, de forma que uma alta mortalidade pode puxar para baixo o índice; no segundo, em

Page 56: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

66

decorrência das próprias causas da melhoria da qualidade de vida, tais como o aumento da renda média, evolução da qualidade sanitária, inovações na medicina geriátrica, etc.

Independentemente das causas, é indiscutível a enorme importância do fenômeno quando se trata de estruturar qualquer sistema de aposentadoria, pois o viver mais implica, necessariamente, gastar mais com o pagamento do benefício.

Muitos afirmam que a ausência de limite de idade para a aposentadoria, combinada com a expectativa de sobrevida do brasileiro, faz com que, muitas vezes, o tempo de duração do benefício seja superior ao tempo de contribuição do segurado.

E é nesse sentido que a idéia do casamento entre o tempo de contribuição e a idade tem excelente acolhida na doutrina.

É por demais difundida a proposta de WLADIMIR NOVAES, conhecida pelo título Fórmula 95, significando que o direito à aposentação deveria surgir quando o tempo de contribuição mais a idade do segurado totalizassem aquele número. Não haveria aqui, por conseguinte, fixação de uma específica idade mínima, bastando que a soma desta com o tempo de contribuição resultasse 95. Desta forma, tanto faria jus ao benefício o segurado com 40 anos de contribuição e 55 de idade, como aquele que contasse 45 anos de contribuição e apenas 50 de idade, já que, em ambos os casos, a soma dos números dá 95.

Quanto a CELSO BARROSO LEITE, sua opinião é de que a inexistência de um limite etário mínimo para o direito a essa aposentadoria é mais uma falha da nossa previdência social; e, independentemente de outras considerações, seu restabelecimento melhoraria muito a situação. Após ressaltar que o limite adequado depende de condições sociais, demográficas, econômicas, políticas e até culturais, cujo conjunto torna complexa a sua definição, afirma esse conceituado jurista que um bom parâmetro reside nos limites de idade já estabelecidos para os servidores públicos.

Destarte, uma vez que é cabalmente demonstrado pelos atuários que a introdução de limite mínimo de idade na aposentadoria por tempo de contribuição é imprescindível à obtenção daquele equilíbrio ordenado pela Constituição Federal, julgamos não apenas possível, mas também desejável, que a medida seja adotada numa próxima reforma do sistema previdenciário, desde que sejam respeitados os direitos adquiridos e

Page 57: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

67

estabelecidas regras de transição para os que então possuam apenas expectativa de direito.

Não é demais lembrar que tal já ocorreu nos chamados regimes próprios de previdência, destinados aos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos. De fato, a Emenda nº 20/98 fixou em 53 anos, se homem, e em 48 anos, se mulher, as idades mínimas para o servidor ter acesso à sua aposentadoria por tempo de contribuição. Posteriormente, a Emenda nº 41/2003, elevou tais limites para 60 e 55 anos, respectivamente.

Assim, se tivéssemos que apostar nos números, nos apoiaríamos em CELSO BARROSO LEITE e investiríamos na estipulação de limites etários iguais aos atualmente fixados para os servidores públicos. Isto viria ao encontro do objetivo apregoado pelo atual Governo, no sentido de uniformizar, tanto quanto possível, as regras atinentes aos diversos regimes de previdência hoje existentes no país.

6.2 Discriminação Entre Homens e Mulheres na Concessão da Aposentadoria por Tempo de Contribuição

A diferenciação entre homem e mulher no tocante ao tempo de contribuição necessário para a aposentadoria gera bastante polêmica nos debates sobre o modelo previdenciário brasileiro.

Conforme já dito anteriormente, a Constituição de 1967 reduziu de 35 para 30 anos o tempo de serviço necessário para que a mulher e somente ela fizesse jus à chamada aposentadoria integral.

O que motivou a introdução desse especial tratamento na Carta de 1967 foi a tese da dupla jornada das mulheres que se lançavam no mercado de trabalho, exercendo, concomitantemente, duas atividades laborativas: uma profissional e outra no próprio lar, sendo remunerada apenas em relação à primeira. A redução do tempo de contribuição para a aposentadoria seria, assim, uma forma de compensá-la pela sobrecarga decorrente desse acúmulo de atividades.

Ocorre que, hoje em dia, o assunto já não é tão pacífico quanto possa ter sido naquele ano de 1967. De fato, a mudança da postura do homem em relação à administração do lar e a maior expectativa de vida da mulher não sustentam mais a discriminação entre homens e mulheres nos requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.

Parece claro que, de um modo geral, o homem do início do Século XXI ocupa uma parte do seu tempo com as questões domésticas maior do que a que se verificava com as gerações masculinas que o antecederam.

Page 58: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

68

Assim, ir às compras para abastecer o lar, levar os filhos à escola, administrar a economia doméstica, auxiliar no cuidado da casa são alguns exemplos de atividades com as quais o homem tem se ocupado, senão com exclusividade, pelo menos em cooperação com a mulher, o que, no mínimo, alivia a aludida sobrecarga desta.

O outro ingrediente é de constatação simples e objetiva: a mulher vive mais do que o homem, e, conseqüentemente, ainda que lhe fosse exigido o mesmo número de contribuições para efeito de aposentadoria, ela gozaria do benefício por um lapso de tempo maior.

Este tem sido, aliás, o principal argumento utilizado pelos que defendem o retorno da igualdade entre os sexos no tocante ao tempo mínimo de contribuição necessário para o gozo dessa aposentadoria.

Em verdade, o que se verifica é uma tendência mundial à igualação aqui abordada.

6.3 Redução do Valor do Benefício

Outra possibilidade vislumbrada é a de que o Poder Executivo, a pretexto de manter ou promover o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS, pudesse propor medidas que, a exemplo das implementadas pela Lei nº 9.876/99, visem a compensar a inexistência de limite etário com mecanismos que impliquem a redução do valor do benefício.

Vale repetir, a propósito, que o citado diploma abriu dois caminhos que levam a tal resultado: determinou a consideração de todo o período contributivo do segurado para efeito de apuração do seu salário-de-benefício, e, ainda, tornou obrigatória a utilização do fator previdenciário, o qual reduz tanto mais o valor do benefício quanto mais jovem seja o segurado no momento em que o requer.

Vê-se, portanto, que essa possibilidade é sempre concreta, uma vez que as matérias de índole infraconstitucional são muitíssimo mais vulneráveis do que as inscritas na Magna Carta, não sendo difícil que algo semelhante ao que se fez por meio da Lei nº 9.876/99 venha a ocorrer novamente.

Preocupação constante que se deve ter diante de toda alteração promovida nos dispositivos legais que regem os benefícios previdenciários consiste em investigar as verdadeiras razões pelas quais ela (a alteração) veio a lume.

Page 59: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

69

É que, em face de certos dispositivos constitucionais – como a regra da contrapartida e o que estabelece a necessidade de observância de critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial do regime, insculpidos, respectivamente, no § 5º do art. 195 e no caput do art. 201 –, sempre causará perplexidade a adoção de qualquer mecanismo que produza uma renda inicial do benefício significativamente inferior à média dos salários-de-contribuição do segurado e sem que, ao mesmo tempo, fique cabalmente demonstrado que isto decorre da aplicação das imparciais regras da atuária, e não da suposta necessidade do Estado de cobrir o tão propalado e duvidoso déficit da previdência social.

Assim, o que é mais importante registrar é a forte tendência de que, tão grande quanto a probabilidade de ser introduzido no critério material da aposentadoria por tempo de contribuição o elemento idade mínima, é a de o legislador ordinário aprovar novas medidas que impliquem maior achatamento do valor da renda mensal inicial desse benefício.

7 - CONCLUSÃO

O chamado envelhecimento da população, decorrente da redução dos índices de natalidade e, paralelamente, do aumento da expectativa de vida das pessoas, é o fenômeno que mais tem dado ensejo a reformas nos sistemas previdenciários dos mais diversos países.

Por afetar diretamente as bases de financiamento desses sistemas, pois implica a redução do número de contribuintes em relação a cada beneficiário, a providência corrente tem sido a de fixar limites etários mínimos para se fazer jus à aposentaria.

No Brasil, a exemplo dos demais países, o envelhecimento da população também tem sido apontado como um dos responsáveis pela insuficiência de caixa da previdência social e, conseqüentemente, como uma das principais razões pelas quais se deve reformar o RGPS, estabelecendo-se, como já se fez em relação aos regimes de previdência dos servidores públicos, idades mínimas para adquirir direito à aposentadoria.

Assim é que, embora o tempo de contribuição não possa ser considerado risco social na acepção que o vocábulo possui na linguagem do seguro, entendemos que há, sim, um risco subjacente quando aliado ao requisito da idade mínima.

Dessa forma, o mais conveniente por ocasião de uma próxima e eventual reforma seria a atribuição de uma eventual idade mínima associada ao tempo de contribuição, além da necessidade em se discutir a

Page 60: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

70

discriminação entre homens e mulheres no tocante aos requisitos para obtenção de benefícios previdenciários. O fato de a mulher moderna ter menos filhos do que suas antecessoras, aliado à sua maior expectativa de vida em relação ao homem, parece minimizar o impacto psicológico que, em outros tempos, causava nas pessoas a tese da dupla jornada.

Constatamos, então, que os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, assim como os de outros benefícios previdenciários, clamam por mudanças imediatas. Tais mudanças, no entanto, não devem obstar o aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção social em prol tão-somente do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

Não se deve jamais perder de vista que a seguridade social é importantíssimo instrumento de realização daquele que, hoje em dia, talvez seja o mais caro entre todos os valores da humanidade: a dignidade da pessoa humana.

Page 61: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

71

AUXÍLIO-ACIDENTE CHEDE DOMINGOS SUAIDEN*

INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho, será analisado o Benefício Previdenciário auxílio-acidente, à luz dos princípios constitucionais.

De maneira a situar o leitor ao tema em análise, inicialmente, o assunto será tratado de forma superficial.

Será demonstrado que, de acordo com a definição legal e doutrinária, o auxílio-acidente se trata de prestação concedida pelo Sistema Nacional de Seguridade Social. Tem como importante diferencial, o fato de ser o único benefício previdenciário com caráter exclusivamente indenizatório, uma vez que é concedido àqueles que, pela ocorrência de acidente de qualquer natureza, adquiram seqüelas que reduzam a sua capacidade laborativa, sem impossibilitar totalmente o exercício da atividade laboral.

Por meio da exposição do pensamento de vários autores respeitáveis, usar-se-á uma metodologia teórico-analítica, porquanto se considera que o trabalho de pesquisa tem, como maior mérito, a instigação do pensar crítico.

Talvez o leitor tenha a impressão que se discorreu demasiado sobre temas afins, mas optou-se por correr o risco do excesso que pecar pela abstinência.

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

1. A Seguridade Social

O homem sempre buscou se adaptar aos mais diversos infortúnios da vida. Alguns deles são mais freqüentes na vida humana, tais como a doença, a velhice, a fome, etc.

* Advogado. Especialista em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito – EPD.

Mestrando em Direito Previdenciário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

Page 62: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

72

Em razão da constante evolução da humanidade, houve imensa transformação no formato de proteção social conferido pelo homem ao seu próximo necessitado.

A assistência prestada pelos próprios familiares foi sendo abandonada por um mecanismo dinâmico de proteção estatal, na medida em que foram comprovados os males causados a toda sociedade quando da aflição de indignidade sofrida por qualquer um de seus membros.

Neste sentido é que, após a revolução industrial, foi inserida na sociedade a idéia moderna de proteção contra o estado de necessidade causado pelos inúmeros acidentes do trabalho que dizimavam os trabalhadores1.

O intuito protetivo criado inicialmente visava apenas a manter um mínimo vital e não garantir a integralidade das prestações recebidas pelo indivíduo antes da ocorrência do fato incapacitador.

Em razão da inexistência de planejamento individual ou mesmo coletivo para o custeio de situações de necessidade, foi necessária a criação de um sistema protetor amplo e obrigatório que fosse capaz de assegurar a manutenção do indivíduo nas situações inesperadas.

Portanto, o instinto de sobrevivência do ser humano levou a sociedade à criação de sistema contra as privações e sofrimentos, por meio de técnicas coletivas de proteção social2.

Assim, foram criados os diversos sistemas de combate à indigência, tais como os modelos de beneficência, assistência pública, socorro mútuo, seguro social e seguridade social.

No caso da beneficência, a igreja teve papel importante, na medida em que disponibilizou recursos para auxílio aos necessitados. Tudo em virtude dos valores morais-religiosos, que obrigavam a paixão ao próximo como a si mesmo.

Já a assistência pública clama a intervenção da coletividade em prol daqueles que se encontrem em estado de indigência, na forma de pura solidariedade social.

Os socorros mútuos, figura que já existia na Grécia antiga (conhecidos como “éranoi”3), traduzem-se na formação de sociedades mútuas que

1 HORVATH JR., Miguel. Direito Previdenciário. 6.ed. São Paulo: LTr, p.19. 2 HORVATH. Op. cit., p.19.

Page 63: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

73

concedem benefícios entre seus membros que se encontrem desamparados por infortúnios da vida.

A figura do seguro social, concepção mais moderna de proteção social, consistia em técnica de proteção coletiva, que assegurava (apenas4) aos trabalhadores, condições mínimas de sobrevivência, em razão de acidentes do trabalho, doença, invalidez ou morte.

Como última etapa da evolução da proteção social, nasce a seguridade social, sistema que visa a assegurar a toda a sociedade uma série de medidas públicas, capazes de atender a redução da subsistência pelo indivíduo, especialmente pela ocorrência de determinados riscos sociais, tais como maternidade, enfermidade, acidente do trabalho, desemprego, invalidez, velhice ou morte.

Atualmente, a seguridade social em nosso país, pelos ditames do constituinte originário, trata-se de verdadeira rede protetiva, com abrangência nos ramos da saúde, previdência e assistência social.

Tal configuração estatal está apta a enfrentar os problemas sociais, conferindo bem-estar à pessoa humana.

Incompleto estaria, se não estabelecesse, também, a justiça social, que deve distribuir a riqueza nacional, de modo a erradicar a pobreza e as profundas desigualdades sociais.

Obviamente que ajustes serão necessários para que haja a suficiente proteção social a todos os cidadãos envolvidos pelo manto protetor, uma vez que os riscos sociais, certamente, irão coexistir infinitamente com a sociedade e, portanto, não há outra saída que não o aprimoramento do sistema.

1.1 A Saúde

A doença, durante as fases históricas de predomínio da religião, era tratada, em muitos casos, como castigo divino. Foi somente após a revolução industrial, quando a saúde dos trabalhadores passou a ser sinônimo de continuidade de produção, que houve alteração no tratamento da saúde5.

3 HORVATH. Op. cit., p.20. 4 Resultado da origem do seguro social, que veio ao mundo com a revolução industrial. 5 HORVATH. Op. cit., p.94.

Page 64: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

74

Foi assim que, pela necessidade econômica, a saúde alheia passou a ter importância social.

O conceito de saúde foi definido pela Organização Mundial de Saúde como “o estado de completo bem-estar físico, social e mental e não simplesmente a ausência de dores e enfermidades”6.

Atualmente, nos termos do artigo 196 da Constituição da República, a saúde é direito de todos e dever do Estado.

Portanto, a inexistência de riqueza pessoal já não mais impede o acesso à rede pública de saúde, uma vez que é dever do Estado garantir a saúde a todos os seus cidadãos.

Todavia, o dever do Estado não exclui o dever das pessoas, especialmente da família, das empresas e da sociedade em geral no seu asseguramento, em respeito ao princípio da subsidiaridade.

A saúde é tratada em separado da previdência social. Isso quer dizer que o Instituto Nacional do Seguro Social não interfere na organização ou administração de hospitais ou atendimentos na área da saúde.

Entretanto, a saúde é parte integrante do sistema de seguridade social e deve atuar na promoção, proteção e recuperação da saúde.

No âmbito da Seguridade Social, a saúde cumpre importante atividade reparadora, não somente na dimensão individual, quando o enfoque é preventivo e reparador, mas também na dimensão coletiva, com o estabelecimento de marcos mínimos de defesa e fiscalização da saúde pública7.

Com a Lei 8.080/90, criou-se o Sistema Único de Saúde – SUS, o qual introduziu conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por seus órgãos e instituições públicas, federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público, sendo conferida à iniciativa privada a possibilidade de atuar em caráter supletivo8.

Haja vista que, com a criação do SUS, foi introduzido como diretriz o acesso universal e igualitário, a saúde passou a atender todas as pessoas (até mesmo estrangeiros em trânsito ou residentes no país) independentemente de serem beneficiárias da Previdência Social.

6 HORVATH. Op. cit., p.94. 7 HORVATH. Op. cit., p.94. 8 HORVATH. Op. cit., p.95.

Page 65: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

75

De tal modo, o sistema protetivo visa a garantir a todos as condições necessárias para desenvolver suas atividades e, assim, garantir uma melhor qualidade de vida.

1.2 A Assistência Social

O mecanismo de manutenção dos mínimos sociais é tratado pela assistência social.

Trata-se de direito do cidadão e dever do Estado, onde a política é não contributiva. É realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas, em geral, de pessoas consideradas pobres.

Os pobres na acepção jurídica do termo são aqueles que se enquadrarem no conceito de sujeito protegido, ou seja, somente serão amparados pela assistência social aqueles que não tiverem renda ou, ainda, proteção familiar para a sua própria subsistência9.

A Constituição Federal define os objetivos da assistência social nacional como10:

I) proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II) o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III) a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV) a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V) a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme disposição da Lei.

Por meio das diretrizes estabelecidas na Constituição Federal, a assistência social deve manter a dignidade da vida humana de todos os cidadãos.

Com isso, o Estado Brasileiro estará cumprindo os direitos humanos de todos, sem discriminação de qualquer natureza.

9 HORVATH. Op. cit., p.102. 10 Artigo 203 da Constituição Federal.

Page 66: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

76

Com base na norma que regulamentou a assistência social (Lei nº 8.742/93), foram estabelecidos alguns importantes princípios, que aprimoraram a forma de atuação da assistência social.

O primeiro deles determinou a garantia da dignidade humana, a todo custo, inclusive sobrepondo as necessidades sociais à ordem econômica.

Em segundo lugar, ficou estabelecida a universalização dos direitos sociais, de modo a permitir a reintegração do necessitado à comunidade. Ou seja, neste ponto fica claro que a assistência social deve prestar auxílio de modo a incluir o necessitado à comunidade, não se tratando, portanto, de prestação que possua características vitalícias.

Sua verdadeira finalidade é inclusão no seio da comunidade, permitindo que as demais políticas públicas alcancem o destinatário.

Haverá, todavia, prestação de forma continuada (ou vitalícia) em casos de impossibilidade de inclusão social perquerida pelo sistema de assistência.

A norma reguladora, ainda em atenção especial ao princípio da isonomia, constitucionalmente consagrado, quebrou em pedaços qualquer forma de discriminação entre as pessoas, especialmente a histórica diferença de tratamento entre as populações urbana e rural.

É necessário, também, que haja ampla divulgação dos benefícios assistenciais, bem como a forma de acesso, de modo a permitir o resgate da cidadania11.

Portanto, atualmente, uma vez gerada a necessidade social, o órgão assistente deverá fornecer ao necessitado as prestações necessárias para a manutenção da dignidade da vida humana, devendo este apenas provar o seu estado de necessidade.

1.3 A Previdência Social

A Previdência Social é o último ramo da Seguridade Social que será analisado.

Inicialmente, verifica-se que este sistema de proteção tem por fim assegurar aos seus beneficiários, mediante contribuição, os meios indispensáveis de manutenção, por motivos de incapacidade, desemprego

11 HORVATH. Op. cit., p.103.

Page 67: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

77

involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente12.

Em outras palavras, a Previdência Social é o seguimento da Seguridade Social, composta de um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediante contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, em casos de ocorrência de determinadas contingências prevista em lei13.

A Previdência Social é regida, de forma geral, pelos princípios constitucionais da universalidade da cobertura e do atendimento, da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, da seletividade, da distributividade na prestação dos benefícios e serviços, da irredutibilidade do valor dos benefícios, da eqüidade na forma de participação no custeio, da diversidade da base de financiamento, do caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, e, por fim, da regra da contrapartida.

As normas que regulam a matéria são as Leis n°s 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991, que tratam das contribuições e dos benefícios da Previdência Social, e o Decreto n° 3.048/99, que é o regulamento da Previdência Social.

Os órgãos institucionais são: o INSS e o Ministério da Previdência e Assistência Social.

Ao contrário do que ocorre na assistência social ou na saúde (onde o segurado não precisa ter contribuído para ter acesso à prestação), o regime da previdência social depende de recolhimentos de contribuições tanto por parte da empresa empregadora quanto por parte do próprio segurado.

A Previdência Social deve assegurar prestações que possibilitem ao segurado condições (ao menos) mínimas de sobrevivência.

A Constituição Federal define o sentido do que seriam os meios indispensáveis à manutenção do segurado. Vejamos o que diz o inciso IV do art. 7° da Constituição Federal:

“Art. 7°. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

12 Redação do artigo 1º da Lei 8.213/91 13 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da Seguridade Social – Custeio da seguridade social. 19.ed. São

Paulo: Atlas, 2003.

Page 68: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

78

(...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,

capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;”14.

Portanto, segundo a Carta Magna, são meios indispensáveis à sobrevivência: a moradia, a alimentação, a educação, a saúde, o lazer, o vestuário, a higiene e o transporte. Estas constituem-se em necessidades vitais básicas que devem ser asseguradas pela Previdência Social.

De outro lado, as contingências protegidas constitucionalmente são: doença, invalidez, morte, velhice, maternidade, desemprego e a reclusão15.

A previdência social, pela via da redistribuição da riqueza, visa a alcançar o bem-estar do indivíduo e da coletividade pela prestação de benefícios (aposentadorias, etc).

O nascimento do Direito Previdenciário ocorreu quase que simultaneamente com o Direito do Trabalho, tendo objetivos semelhantes, no sentido de reduzir as desigualdades sociais, assegurando-se vida digna, especialmente16, ao trabalhador, mediante a distribuição de renda.

Assim sendo, tendo como finalidade garantir a eficácia do princípio da solidariedade, a Previdência Social assegura ao trabalhador a prestação de benefícios ou serviços necessários para amparar o sujeito atingido por determinada contingência social.

A relação jurídica é desenvolvida por três pessoas: o INSS, o segurado e a empresa.

Dentre os pontos mais importantes relacionados à relação jurídica da Previdência Social pode-se considerar os seguintes:

a) é de trato sucessivo, pois perdura no tempo, não havendo a sua satisfação pelo pagamento de prestação única; 14 Obra Coletiva – Coleção Saraiva de Legislação; Constituição da República Federativa do Brasil.

29.ed. São Paulo: Saraiva; 2002; p.124. 15 Artigo 201 da Constituição Federal. 16 A previdência social brasileira permite a inclusão, no sistema, de pessoas que não trabalham

(estudantes, etc.) ou que não auferem renda (donas de casa, etc.), na figura do contribuinte facultativo. Há, no entanto, restrições legais para o recebimento de alguns benefícios previdenciários por parte desses contribuintes.

Page 69: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

79

b) é unitária, pois decorre da previsão da lei;

c) é onerosa, uma vez que o segurado tem de contribuir para fazer jus ao benefício;

d) é sinalagmática, já que a obrigação de efetuar o recolhimento das contribuições confere ao segurado o direito ao benefício no futuro, desde que cumpridos os demais requisitos previstos em lei;

e) é aleatória, haja vista que não há certeza quanto à ocorrência do fato causador da necessidade.

Saliente-se que o sistema de Previdência Social não visa a proteger o segurado contra todas as contingências sociais, mas tão-somente contra aquelas previstas nos textos normativos.

II – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

2.1 No Mundo

Na Roma antiga já existia uma sistema de proteção aos mais necessitados que consistia em uma forma de associação mediante contribuições de uma família, em prol de seus servos e clientes17.

Todavia, houve real mudança na concepção do bem-estar social, especialmente a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, quando a proteção ao indivíduo passou a ter conotação de direito subjetivo assegurado a todos18.

A revolução industrial trouxe para a sociedade a constante preocupação quanto à saúde dos cidadãos, especialmente dos trabalhadores. É neste momento histórico que se inicia a conscientização quanto à necessidade de solidariedade entre todos os participantes da sociedade.

As revoluções que eclodiram na Europa no Século XIX tornaram imprescindível a inclusão de projetos sociais por parte de seus governos, de forma a eliminar a exploração do trabalho sem salvaguardas de proteção social.

Assim, nasce o movimento inicial rumo à Previdência Social19, com a criação de normas de proteção em relação ao trabalho, bem como pela

17 HORVATH. Op. cit., p.21. 18 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8.ed.

Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p.34. 19 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.36.

Page 70: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

80

instauração de seguro para os trabalhadores em casos de perda da renda pela incapacidade laborativa, mediante a contribuição dos empregadores.

As transformações nos modelos de proteção foram sendo ampliadas, na medida em que diversos pensadores exprimiam a necessidade de maior cobertura estatal quanto aos problemas sociais impostos aos trabalhadores.

O movimento em prol da ampliação das proteções sociais já caminhava a passos largos, quando Otto von Bismarck, durante os anos de 1883 a 1889, introduziu normas assecuratórias de direitos aos trabalhadores, tais como seguro-doença, aposentadoria e proteção a vítimas de acidentes de trabalho.

Os primeiros alertas quanto à necessidade de alteração dos modelos de proteção sobrevieram com a Primeira Guerra Mundial e com a Revolução Soviética de 1917.

Todavia, foi com o final da Segunda Guerra Mundial que houve a instituição do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).

A concepção do Estado de Bem-Estar Social definia que todos deviam contribuir para que os necessitados pudessem ter amparo social20.

Antes da introdução do “Welfare State”, reinava entre os sistemas previdenciários o chamado modelo “bismarckiano”, ou de capitalização21, que se referia ao sistema de capitalização onde somente patrões e empregados contribuíam22, sem que houvesse a participação da sociedade como um todo.

Foi com o Relatório Beveridge, em novembro de 1942, elaborado por Sir William Henry Beveridge, que o novo conceito de seguridade social foi inserido na sociedade.

No modelo de Beverigde fica instaurado o sistema de repartição simples, onde todos contribuem para a criação de um fundo previdenciário23, destinado ao amparo de qualquer um que viesse a sofrer infortúnios da vida que impossibilitassem o trabalho e, conseqüentemente, a obtenção de renda.

20 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.38. 21 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.39. 22 Neste modelo, somente os trabalhadores contribuintes tinham direito às prestações

previdenciárias. 23 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.41.

Page 71: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

81

A partir do incorporação dos ideais dispersados pelos adeptos de Beverigde, houve a alteração da Constituição Federal de mais de 50 países, elevando-se a universalização dos direitos sociais à categoria integrante do rol de direitos fundamentais24, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos Humanos25.

Entretanto, atualmente, em virtude de problemas estruturais globais, a tendência tem sido a redução das políticas públicas de proteção social, seja através da privatização total ou parcial da previdência social, ou ainda, pela introdução de novas regras de ordem econômica (tais como aumento das contribuições ou da idade de aposentadoria, para a concessão de benefícios previdenciários), o que implica retrocesso em matéria de proteção social.

2.2 No Brasil

Do mesmo modo que ocorreu no resto do mundo, houve lenta transição dos sistemas de proteção existentes no Brasil, que tinham natureza exclusivamente assistencialistas, para a nova fase marcada pela previdência social.

Antes da existência de um regime previdenciário propriamente dito26, o Brasil já registrava algumas formas de concessão de aposentadorias: em 1888, o Decreto nº 9.912-A, de 26 de março, já dispunha sobre a concessão de aposentadoria aos empregados dos Correios; em 1890, o Decreto nº 221, de 26 de fevereiro, estabeleceu a aposentadoria dos funcionários da Estrada de Ferro Central do Brasil; a Constituição de 1891, em seu art. 75, concedia aposentadoria por invalidez aos servidores públicos; e, em 1892, a Lei nº 217, de 29 de novembro, instituiu a aposentadoria por invalidez e pensão por morte aos operários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro27.

A primeira aparição no Brasil do modelo contributivo de previdência social nasceu com o advento da Lei Eloy Chaves (Decreto Legislativo nº 4.682, de 24.01.1923), que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões para os empregados de empresas de estradas de ferro, mediante a contribuição destes, das empresas do ramo e do Estado.

24 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.41. 25 Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. 26 Não há como considerar a existência de regime previdenciário, nos modelos em que as

aposentadorias são concedidas graciosamente pelo Estado, sem que haja a necessidade de contribuições por parte dos beneficiários, durante o período de atividade.

27 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.58.

Page 72: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

82

Entretanto, foi a Constituição de 1934 que utilizou pela primeira vez o termo “previdência”, nada obstante ainda não tivesse sido inclusa a expressão “social”, nos termos do art. 121, §1°.

A Carta Magna de 1937 empregou o termo “seguro social”, denominação usual daquela época, embora ainda não houvesse previsão do termo “previdência social”.

Foi com a Constituição de 1967 que a expressão “previdência social” surgiu em nosso ordenamento jurídico, no art. 158, inciso XVI.

Mais adiante, o inciso XVI, do art. 165 da Emenda Constitucional n° 1, de 1969, passou a prever a proteção da previdência social para determinadas contingências sociais.

Com Constituição Federal de 1988, houve a definição, nos termos do artigo 194, que a Seguridade Social se trata do gênero, segundo a qual Previdência Social seria espécie.

III –PREVIDÊNCIA SOCIAL

3.1 Finalidades

Segundo entendimento do Professor WAGNER BALERA, o Sistema Nacional de Seguridade Social tem como objetivo a implementação do ideal estágio de bem-estar e da justiça social, sob o ponto de vista sistemático, sendo que o legislador adotou técnicas de seguro social (previdência social) e de seguro privado (previdência complementar) para a construção desta estrutura28.

A Seguridade Social é política social que adota como método a economia coletiva, e, assim, a sociedade integra o conjunto necessário para atingir os objetivos do sistema, mediante solidariedade social.

A solidariedade social nada mais é do que contribuição de todos em prol dos necessitados. Efetivamente, a Previdência Social é mecanismo de distribuição de renda, no intuito de solucionar o problema da necessidade social básica.

A Constituição Federal, em seu Título VIII, relativo especificamente à Ordem Social, dispõe o Sistema Nacional de Seguridade Social como conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

28 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social, p.11.

Page 73: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

83

sociedade, destinadas assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência social e à assistência social.

Um dos princípios da Seguridade Social – o princípio da universalidade – abre a oportunidade de que todos os indivíduos sejam filiados ao sistema previdenciário, mediante contribuição. Está na contribuição a diferenciação básica entre a previdência e a assistência social, já que esta última independe de contribuições.

Dentre as normas diretrizes dos planos de previdência social, podemos citar:

I) a cobertura dos seguintes riscos: doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidente do trabalho, velhice e reclusão;

II) a ajuda à manutenção dos dependentes dos segurados de baixa renda;

III) a proteção à maternidade, especialmente à gestante;

IV) a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

V) a pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

3.2 Dos Princípios

A Seguridade Social está atrelada a uma série de princípios gerais constitucionalmente previstos no art. 194. São eles: I) universalidade da cobertura e do atendimento; II) uniformidade e eqüidade dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV) irredutibilidade do valor dos benefícios; V) eqüidade na forma de participação no custeio; VI) diversidade da base de financiamento e VII) caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

Com base nestes princípios gerais, deve ser estruturado o sistema de seguridade social pátrio.

O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, garante proteção a todos os eventos aleatórios que resultem em diminuição de rendimentos ou aumento de despesas dos segurados de modo a impedir a

Page 74: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

84

manutenção da dignidade humana, além de determinar o atendimento a todos os necessitados que possuam direitos perante o sistema29.

Segundo o Professor WAGNER BALERA, do princípio da universalidade derivam todas as demais bases estruturais do sistema30. Em sua concepção, trata-se de “pedra fundamental em que encontra apoio toda a estrutura”.

Até mesmo como decorrência do princípio da universalidade, vem insculpido, em segundo lugar, princípio que determina a uniformidade de benefícios e atendimento às populações urbana e rural. Sendo assim, não pode ocorrer discriminação, no campo da aplicação das prestações ou atendimento da seguridade social, entre as populações urbanas e rurais, devendo os benefícios serem idênticos a ambas as populações.

A seletividade traduz-se na seleção do tipo de benefício necessário para garantir a dignidade da pessoa necessitada. Já a distributividade garante a distribuição da riqueza nacional na medida da necessidade de cada um dos participantes do sistema, permitindo o alcance do bem-estar social a todos.

Houve, ainda, preocupação quanto à manutenção do valor real das prestações recebidas pelos sujeitos. Assim, no inciso III do artigo 194, parágrafo único, da Constituição Federal, está prevista a irredutibilidade do valor dos benefícios.

Tal preceito impede a alteração do valor da prestação recebida pelo indivíduo, durante o passar dos anos, de modo a garantir “para sempre” o mesmo padrão de vida do necessitado. Nas palavras do Professor WAGNER BALERA, isso importa dizer que “não podem sofrer modificações nem em sua expressão quantitativa (valor monetário), nem em sua expressão qualitativa (valor real)”31.

A Constituição determinou, também, que o custeio das prestações concedidas será efetuado em conjunto tanto pelos trabalhadores, quanto pelos empregadores e pelo Poder Público, de acordo com a força financeira de cada um, em respeito ao princípio da isonomia.

Outrossim, houve preocupação redobrada com relação à saúde financeira do sistema, o que levou o constituinte a prever a diversidade da

29 BALERA, Wagner. Op. cit., p.20. 30 BALERA, Wagner. Op. cit., p.19. 31 BALERA, Wagner. Op. cit., p.21.

Page 75: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

85

base de financiamento, o que, por princípios matemático-financeiro-econômicos, reduz a possibilidade de haver colapso de custeio em razão de existência de fonte única de financiamento.

Ressalte-se que, a todo o momento, caberá “ao legislador complementar a faculdade para explorar e identificar, com base no art. 195, § 4º, combinado com o art. 154, I, da Constituição, outros sinais de riqueza que poderão ensejar a cobrança de novas contribuições sociais, a fim de que fique garantida a manutenção ou expansão da seguridade social”32.

Por fim, verifica-se que a gestão de todo o sistema de seguridade social deve ser efetivada democraticamente, ou seja, por toda a sociedade.

IV – AUXÍLIO-ACIDENTE

O auxílio-acidente é o único benefício previdenciário que possui caráter exclusivamente indenizatório, uma vez que é concedido com a finalidade de indenizar a redução da capacidade laborativa do segurado pela ocorrência de acidente de qualquer natureza.

Até 1995, antes do advento da Lei nº 9.032, a concessão do referido benefício estava atrelada especificamente ao acidente de trabalho. Todavia, após a edição da referida norma, não há mais a necessidade de que a lesão redutora da capacidade laboral seja oriunda de acidente de trabalho, para que o segurado faça jus à percepção do auxílio-acidente.

Neste aspecto, no entendimento de J. R. FEIJÓ COIMBRA33, não pode haver diferenças entre acidentes decorrentes do trabalho e os demais, devendo haver proteção aos segurados em acidentes de qualquer natureza, in verbis:

“A mesma proteção – e de forma mais justa – se alcançaria, dando maior e mais exata amplitude às leis gerais de amparo social. Bastariam algumas alterações, de escassa monta. A primeira delas seria declarar-se que as prestações previdenciárias, quando derivadas de acidente de trabalho, ficariam livres da exigência de períodos de carência. Por outro lado, ter-se-ia de considerar a desigualdade entre as prestações devidas por acidentes e as decorrentes de outras causas. Aí, contudo, ao contrário de dar-se maior valor às prestações devidas por acidentes, dever-se-ia igualar-se o valor, seja quando decorrentes do infortúnio no

32 BALERA, Wagner. Op. cit., p.22. 33 COIMBRA, J. R. Feijó. Direito Previdenciário. 4.ed. Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1993, p.209.

Page 76: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

86

trabalho, seja quando ditadas por causas a ele alheias, pois a necessidade do trabalhador e de sua família é igual, seja qual for a origem dos males de que se deplore.”

O referido autor, citando BEVERIDGE, conclui34: “que se um operário perde uma perna em um acidente, suas

necessidades são iguais, tenha o acidente tido lugar na fábrica ou na rua; se morre, as necessidades de sua viúva e outros dependentes são iguais, onde quer que tenha ocorrido o acidente”.

O atendimento à necessidade social gerada pela redução da capacidade laborativa do segurado por acidente de qualquer natureza atende ao objetivo de universalização da cobertura que, conforme lição do Professor WAGNER BALERA35, “refere-se às situações da vida que serão protegidas. Quais sejam: todas as contingências que podem gerar necessidade”.

Portanto, atualmente, houve avanço quanto à universalização da cobertura (primeiro objetivo da Seguridade Social, na ordem estabelecida na Constituição Federal: Art. 194, parágrafo único, inciso I), na medida em que não há diferenciação quanto à natureza do acidente que resultou na redução da capacidade laborativa do segurado, exceto para os casos de perda auditiva, quando ainda é exigida a comprovação de nexo de causalidade entre o trabalho e a lesão.

4.1 Definição Doutrinária

O auxílio-acidente foi definido por diversos doutrinadores, sempre sendo ressaltado o seu aspecto indenizatório, na medida em que, ao mesmo tempo, é concedido aos segurados com a finalidade de indenizar a redução de sua capacidade laborativa e impedir a redução de seu padrão de vida, embora não se trate de benefício substitutivo da remuneração.

Portanto, visa a suprimir a contingência relacionada à diminuição da capacidade para o trabalho que o segurado exercia habitualmente, no período anterior ao acidente que resultou na redução da capacidade laborativa, sob a presunção de redução dos rendimentos do segurado.

Nas palavras de ALMANSA PASTOR36, a incapacidade laboral “constituye uma de las causas primarias de necessidad social, consistente en

34 COIMBRA, id. 35 BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário, São Paulo: Quartier Latin, p.83. 36 PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de la Seguridad Social. Madrid: Editorial Tecnos, 1991.

Page 77: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

87

la incapacidad de ganancia por defecto de ingressos debido a la incapacidad patológica y sobrevenida para trabalhar”.

O Sistema Protetor, afirma ALMANSA PASTOR37, deve verificar o grau de incapacidade laborativa do segurado, com a finalidade de lhe conceder a prestação adequada, sendo que:

“la incapacidad permanente parcial para la profesión habitual, que es la que, sin alcanzar el grado de total, ocasiona al trabajador uma disminución no inferior al 33 por 100 em su rendimiento normal para dicha profesión, sin impedirle la realización de las tareas fundamentales de la misma”.

A redução parcial da capacidade de trabalho, embora não impeça o exercício de atividade laboral pelo acidentado, acarreta a diminuição de seu desempenho para a atividade que habitualmente exercia, o que resultaria, presumidamente, na redução de seus ganhos salariais, fato que mereceu atenção especial do legislador brasileiro.

A redução parcial da capacidade de trabalho pode não afetar a atividade habitual que o segurado desenvolvia, fato que, quando avaliado e comprovado por perícia técnica, não ensejará a concessão do auxílio-acidente.

A par de sua natureza indenizatória estar prevista no próprio artigo 86, caput, da Lei 8.213/91, alguns doutrinadores abordaram mais detidamente o tema.

No entendimento de JOÃO ERNESTO ARAGONÉS VIANNA38, o auxílio-acidente consiste em “benefício previdenciário devido, como indenização”.

Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari39 o tem como: “benefício previdenciário pago mensalmente ao segurado

acidentado como forma de indenização, sem caráter substitutivo do salário, pois é recebido cumulativamente com o mesmo, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza – e não somente de acidentes de trabalho –, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.

37 PASTOR; id. 38 VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: LTR, 2006, p.283. 39 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8.ed.

Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p.534.

Page 78: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

88

Para WLADIMIR NOVAES MARTINEZ40 o pagamento do auxílio-acidente cumpre o papel de “reparar a perda parcial permanente da capacidade para o exercício de sua atividade habitual”.

FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM41 o define como “o único benefício com natureza exclusivamente indenizatória”. Segundo ele, o auxílio-acidente “visa a ressarcir o segurado, em virtude de acidente que lhe provoque a redução da capacidade laborativa”.

MARCELO LEONARDO TAVARES42 afirma que a prestação em análise “é indenização mensal ao segurado”.

O referido benefício cumpre papel importante na busca pela Justiça Social, liderada pela Seguridade Social, uma vez que, conforme definição de J. R. FEIJÓ COIMBRA43, a previdência social é “um mecanismo de amparo ao homem atingido pela necessidade que os riscos sociais provocam”.

Ainda, conforme os ensinamentos do Professor WAGNER BALERA44: “A Ordem Social estará cimentada em bem lançados alicerces se

(e quando) se configurar em ambiente apto a proporcionar – a todos – a justiça social que, como fim último do sistema, é o objetivo por ela almejado, de conformidade com os precisos termos do art. 193 da Constituição de outubro de 1988”.

A redução da capacidade laboral, com a conseqüente redução dos rendimentos do segurado, mereceu a atenção do Sistema de Proteção, que, nas palavras do Professor WAGNER BALERA45, para garantir “vida digna ao ser humano”, “atua como o organismo que identifica as necessidades de proteção das pessoas e, mediante atuação sistêmica e coordenada de seus programas, trata de lhes dar resposta”.

Portanto, na tentativa de cimentar a Ordem Social, o Sistema Nacional de Seguridade Social concede a prestação beneficiária (auxílio-acidente), com a finalidade de ressarcir o potencial dano social causado ao segurado, consubstanciado na perda salarial presumida pela consolidação de seqüela que reduza a capacidade laborativa do indivíduo.

4.2 Histórico do Benefício

40 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Auxílio-Acidente, São Paulo: LTR, 2006, p.25. 41 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 8.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p.539. 42 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.83. 43 COIMBRA. Op. cit., p.86. 44 BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 3.ed. São Paulo: LTR, p.17. 45 BALERA, id.

Page 79: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

89

O Auxílio-Acidente, desde a sua primeira aparição em nosso ordenamento jurídico, vem sofrendo alterações em sua concepção, papel, valor e vitaliciedade.

Atualmente, o benefício perdeu até mesmo o seu caráter eminentemente acidentário, absorvendo a idéia do infortúnio de qualquer natureza.

4.2.1 Evolução legislativa

4.2.1.1 Decreto-lei nº 7.036/44 A notícia mais remota quanto à existência do auxílio-acidente em

nosso ordenamento pode ser encontrada no artigo 18 do Decreto-Lei nº 7.036/44:

“Art. 18. Entende-se por incapacidade parcial e permanente, a redução, por tôda a vida, da capacidade de trabalho.

§ 1º. Quando do acidente resultar uma incapacidade parcial e permanente, a indenização devida ao acidentado variará, em proporção ao grau dessa incapacidade, entre três (3) e oitenta (80) centésimos da quantia correspondente a quatro (4) anos de diária, observado, quanto a esta, o disposto no parágrafo único do artigo 19.”

Esta Lei de Acidentes do Trabalho disciplinou a incapacidade parcial e permanente do obreiro.

A configuração dada a esta prestação era de indenização de um prejuízo causado à aptidão de trabalho do segurado.

4.2.1.2 A LOPS

Embora a LOPS (Lei nº 3.807/60) tenha inovado no âmbito da Seguridade Social, não possuía disposição específica sobre o auxílio-acidente.

4.2.1.3 Lei 5.316/67

A Lei nº 5.316/67 também previa a concessão de auxílio-acidente, nos casos de redução da capacidade laborativa em percentual superior a 25%:

“Art. 7º. A redução permanente da capacidade para o trabalho em percentagem superior a 25% (vinte e cinco por cento) garantirá ao acidentado, quando não houver direito a benefício por incapacidade ou após sua cessação, e independentemente de qualquer remuneração ou outro rendimento, um ‘auxílio-acidente’

Page 80: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

90

mensal, reajustável na forma da legislação previdenciária, calculado sôbre o valor estabelecido no item II do art. 6º e correspondente à redução verificada.

Parágrafo único. Respeitado o limite máximo estabelecido na legislação previdenciária, o auxílio de que trata êste artigo será adicionado ao salário de contribuição, para o cálculo de qualquer outro benefício não resultante do acidente.”

4.2.1.4 Lei 6.367/76

Com o advento da Lei nº 6.367/76, o Seguro Obrigatório contra Acidentes do Trabalho foi monopolizado pelo Estado. Nesta Lei havia cobertura à incapacidade para a atividade que o segurado exercia habitualmente, com benefício de 40% do salário-de-contribuição:

“Art. 6º. O acidentado do trabalho que, após a consolidação das lesões resultantes do acidente, permanecer incapacitado para o exercício de atividade que exercia habitualmente, na época do acidente, mas não para o exercício de outra, fará jus, a partir da cessação do auxílio-doença, a auxílio-acidente.

§ 1º. O auxílio-acidente, mensal, vitalício e independente de qualquer remuneração ou outro benefício não relacionado ao mesmo acidente, será concedido, mantido e reajustado na forma do regime de previdência social do INPS e corresponderá a 40% (quarenta por cento) do valor de que trata o inciso II do Art. 5º desta lei, observado o disposto no § 4º do mesmo artigo.

§ 2º. A metade do valor do auxílio-acidente será incorporada ao valor da pensão quando a morte do seu titular não resultar de acidente do trabalho.

§ 3º. O titular do auxílio-acidente terá direito ao abono anual”.

A mesma lei previa que, após a consolidação das lesões resultantes do acidente, apresentando o segurado seqüelas definitivas, perdas anatômicas ou redução da capacidade funcional, as quais demandassem, permanentemente, maior esforço na realização do trabalho, seria concedido auxílio-mensal (suplementar), correspondente a 20% do valor do valor do salário-de-benefício:

“Art. 9º. O acidentado do trabalho que, após a consolidação das lesões resultantes do acidente, apresentar, como seqüelas definitivas, perdas anatômicas ou redução da capacidade

Page 81: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

91

funcional, constantes de relação previamente elaborada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), as quais, embora não impedindo o desempenho da mesma atividade, demandem, permanentemente, maior esforço na realização do trabalho, fará jus, a partir da cessação do auxílio-doença, a um auxílio mensal que corresponderá a 20% (vinte por cento) do valor de que trata o inciso II do Artigo 5º desta lei, observando o disposto no § 4º do mesmo artigo.

Parágrafo único. Esse benefício cessará com a aposentadoria do acidentado e seu valor não será incluído no cálculo de pensão”.

A diferença entre os dois benefícios acima está basicamente no fato de que, para o enquadramento no art. 6º, era necessário haver incapacidade para a atividade habitual, enquanto o art. 9º exigia apenas a redução da capacidade laborativa para a sua concessão.

4.2.1.5 A Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 não trata especificamente do auxílio-acidente, mas traz previsões relativas ao seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social

(...) XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do

empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...) § 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do

trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.”

Há, ainda, com relação ao trabalhador, garantia constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, segurança e higiene (art. 7º, inciso XXII):

Page 82: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

92

“XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;”.

4.2.1.6 Lei 8.213/91

Na redação original do artigo 86 da Lei 8.213/91, o auxílio-acidente era devido nos percentuais de 30%, 40% ou 60% do salário-de-contribuição, dependendo do grau de perda da capacidade laboral. Contudo, não havia previsão quanto ao auxílio suplementar de 20%, o qual foi extinto.

“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de trabalho, resultar seqüela que implique:

I – redução da capacidade laborativa que exija maior esforço ou necessidade de adaptação para exercer a mesma atividade, independentemente de reabilitação profissional;

II – redução da capacidade laborativa que impeça, por si só, o desempenho da atividade que exercia à época do acidente, porém não o de outra, do mesmo nível de complexidade, após reabilitação profissional; ou

III – redução da capacidade laborativa que impeça, por si só, o desempenho da atividade que exercia à época do acidente, porém não o de outra, de nível inferior de complexidade, após reabilitação profissional.

§ 1º. O auxílio-acidente, mensal e vitalício corresponderá, respectivamente, às situações previstas nos incisos I, II e III deste artigo, a 30% (trinta por cento), 40% (quarenta por cento) ou 60% (sessenta por cento) do salário-de-contribuição do segurado, vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior a esse percentual do seu salário-de-benefício.

§ 2º. O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado.

§ 3º. O recebimento de salário ou concessão de outro benefício não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.

Page 83: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

93

§ 4º. Quando o segurado falecer em gozo do auxílio-acidente, a metade do valor deste será incorporada ao valor da pensão se a morte não resultar do acidente do trabalho.

§ 5º. Se o acidentado em gozo do auxílio-acidente falecer em conseqüência de outro acidente, o valor do auxílio-acidente será somado ao da pensão, não podendo a soma ultrapassar o limite máximo previsto no § 2º do art. 29 desta Lei”.

4.2.1.7 Lei nº 9.032/95

A Lei nº 9.032/95 alterou o art. 86 da Lei 8.213/91, ao estabelecer coeficiente único de 50% do salário-de-benefício para o auxílio-acidente, além de ter alterado a possibilidade de recebimento do referido benefício por lesões decorrentes de acidentes de qualquer natureza:

“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza que impliquem em redução da capacidade funcional.

§ 1º. O auxílio-acidente mensal e vitalício corresponderá a 50% (cinqüenta por cento) do salário-de-benefício do segurado”.

Ainda, a referida Lei alterou a redação do artigo 18, § 1º, da Lei 8.213/91, para excluir do rol dos segurados que poderão se beneficiar com o auxílio-acidente os presidiários que exerciam atividade remunerada.

Redação antiga: “§ 1º. Só poderão beneficiar-se do auxílio-acidente e das

disposições especiais relativas a acidente do trabalho os segurados e respectivos dependentes mencionados nos incisos I, VI e VII do art. 11 desta lei, bem como os presidiários que exerçam atividade remunerada.”

Nova redação: “§ 1º. Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os

segurados incluídos nos incisos I, VI e VII do art. 11 desta Lei”.

4.2.1.8 Lei nº 9.129/95

A Lei 9.129/95 alterou a redação do artigo 86 da Lei 8.213/91, inserindo na hipótese de incidência a necessidade de haver “seqüelas” que impliquem redução da capacidade funcional.

Page 84: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

94

“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar seqüelas que impliquem redução da capacidade funcional.”

4.2.1.9 Lei nº 9.528/97

A Lei 9.528/97 alterou a disposição do caput do artigo 86 da Lei 8.213/91, especificando que a incapacidade observada para fins de concessão do auxílio-acidente deve se dar em relação ao trabalho que o segurado exercia habitualmente.

Ainda, outra alteração trazida pela referida Lei foi a delimitação do recebimento do auxílio-acidente até o início de qualquer aposentadoria ou a data do óbito do segurado:

“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

§ 1º. O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.

§ 2º. O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria.

§ 3º. O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.

§ 4º. A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de casualidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.”

4.3 Risco Social

Page 85: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

95

Nas palavras de JOÃO ERNESTO ARAGONÉS VIANNA46, o risco social envolvido neste benefício:

“é o acidente de qualquer natureza que, após a consolidação das lesões, resultar em seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia o segurado”.

Caso a seqüela resultante do acidente diminua a capacidade laboral do segurado, haverá proteção social, por meio do auxílio-acidente, que, sem substituir o salário (uma vez que não há, no caso, incapacidade para o trabalho, mas apenas a sua diminuição), tem a finalidade de indenizar a redução da capacidade de trabalho, presumindo que, como conseqüência da seqüela, sobrevenha sobre o sujeito protegido a diminuição de sua renda mensal.

Portanto, o legislador entendeu por indenizar o segurado pela redução de sua capacidade laboral, em relação à atividade que habitualmente desenvolvia, sem, contudo, avaliar a efetiva diminuição dos rendimentos obtidos pelo seu trabalho e, ainda, sem exigir nexo de causalidade entre a lesão e o trabalho.

4.4 Natureza Jurídica

Nas palavras de Wladimir Novaes Martinez47: “o auxílio-acidente pode ser descrito como prestação

previdenciária em dinheiro, de pagamento continuado de longa duração, não substituidora dos salários nem impeditiva da volta ao trabalho, que repara securitariamente a perda parcial permanente da capacidade para o exercício do trabalho habitual de certos segurados”.

Segundo FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM48, um dos fatos que demonstra a natureza indenizatória do benefício seria a falta de necessidade de comprovação da real perda remuneratória do segurado, já que o prejuízo é presumido:

“Como a concessão do auxílio-acidente independe da comprovação da real perda remuneratória, evidencia-se sua

46 VIANNA. Op. cit., p.287. 47 MARTINEZ. Op. cit., p.26. 48 IBRAHIM. Op. cit., p.539.

Page 86: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

96

natureza indenizatória, pois a indenização é paga, em geral, baseada em prejuízos presumidos, como o caso”.

Com efeito, mesmo que, após a concessão do auxílio-acidente, o segurado passe a desempenhar função em que não haja qualquer reflexo negativo de sua seqüela, o benefício continuará sendo pago.

Todavia, não há que se entender que a desnecessidade de comprovação da real perda remuneratória ratifique a natureza indenizatória do benefício. Tal fato não conduz ao entendimento defendido por FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM.

De certo é que o caráter indenizatório está atrelado apenas ao fato de haver dano físico ao segurado, que resulte em redução de sua capacidade laborativa. A inexistência de exigência de comprovação da redução do salário do segurado denota apenas a objetividade da norma.

4.5 Da Abrangência de “Acidente de Qualquer Natureza”

O artigo 30 do Regulamento da Previdência Social traz a definição legal de “acidente de qualquer natureza”:

“Art. 30 (...) Parágrafo único. Entende-se como acidente de qualquer

natureza ou causa aquele de origem traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológicos) que acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda, ou a redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.”

Dentro do conceito de “acidente de qualquer natureza”, também estão as doenças profissionais ou do trabalho, pela interpretação das disposições do artigo 20, I, II e § 2º, da Lei 8.213/91, observadas as exceções do § 1º do mesmo artigo:

“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

Page 87: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

97

§ 1º. Não são consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de

região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

§ 2º. Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.”

Para efeito do auxílio-acidente, a distinção entre as espécies de eventos (se acidentes de natureza laboral ou não) permanece sendo importante apenas com relação à perda auditiva, pela interpretação do artigo 86, § 4º, da Lei 8.213/91:

“Art. 86. (...) § 4º. A perda da audição, em qualquer grau, somente

proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.

Neste aspecto, é importante mencionar que, quanto ao conceito de acidente relacionado ao trabalho, ANNÍBAL FERNANDES49 define ser o infortúnio “súbito, violento e fortuito, mas relacionado ou envolvendo um trabalho prestado a outrem pela vítima, e que ocasiona lesão corporal amplo senso.”

Note-se, ainda, que, como a Lei não faz menção às doenças não ocupacionais, conclui-se que estas não integram o conceito legal de “acidente de qualquer natureza”.

4.6 Alteração da Natureza Vitalícia pela Lei 9.528, de 10 de Dezembro de 1997

49 FERNANDES, Anníbal. Acidentes do Trabalho. São Paulo: LTr, 1995, p.23.

Page 88: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

98

A partir do advento da Lei 9.528/97, o auxílio-acidente perdeu a sua natureza vitalícia e passou a ser devido apenas até a véspera do início de qualquer aposentadoria, ou até a data do óbito do segurado.

Nas palavras de MIGUEL HORVATH JUNIOR50, “em respeito à previsão constitucional do art. 5º, inciso XXXVI, há necessidade de se respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Ele ainda conclui que “a perda da vitaliciedade do auxílio-acidente só projetará efeitos para os benefícios concedidos a partir de 11.12.1997”.

Em razão da edição da referida norma, foi dada nova redação ao artigo 31 da Lei 8.213/91, de maneira que o auxílio-acidente passou a integrar o salário-de-contribuição para fins de cálculo do salário-de-benefício do segurado:

“Art. 31. O valor mensal do auxílio-acidente integra o salário-de-contribuição, para fins de cálculo do salário-de-benefício de qualquer aposentadoria, observado, no que couber, o disposto no art. 29 e no art. 86, § 5º”.

Observe-se, ainda, que a Lei nº 9.032/95 revogou o dispositivo que permitia a soma do valor do auxílio-acidente ao da pensão por morte.

4.7 Da Cumulação do Auxílio-Acidente com Outros Benefícios

Nos termos do artigo 86, § 3º, da Lei 8.213/91, é possível o recebimento conjunto do auxílio-acidente com outros benefícios previdenciários, exceto com aposentadoria (de qualquer espécie):

“Art. 86. (...) § 3º. O recebimento de salário ou concessão de outro benefício,

exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.

Logo, é possível que o segurado receba o auxílio-acidente em conjunto com o auxílio-doença, desde que os eventos (doença ou acidente) sejam distintos. Todavia, caso o novo acidente também gere a redução parcial da capacidade laborativa do segurado, salvo direito adquirido, não será devido novo auxílio-acidente, nos termos do artigo 124, inciso V, da Lei 8.213/91:

50 HORVATH, Miguel Jr. Direito Previdenciário. 6.ed. São Paulo: LTR, p.255.

Page 89: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

99

“Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:

(...) V – mais de um auxílio-acidente”.

Entretanto, se o mesmo evento que ensejou a concessão do auxílio-acidente vier a impossibilitar, provisoriamente, a atividade laboral do segurado e, por esta razão, for reaberto o auxílio-doença, deverá ser suspenso o recebimento do auxílio-acidente até a cessação do auxílio-doença, nos termos do artigo 104, § 6º, do Decreto nº 3.048/99:

“Art. 104. (...) § 6º. No caso de reabertura de auxílio-doença por acidente de

qualquer natureza que tenha dado origem a auxílio-acidente, este será suspenso até a cessação do auxílio-doença reaberto, quando será reativado”.

Ainda, nos termos do parágrafo único do artigo 124 da Lei 8.213/91, é possível o recebimento conjunto do auxílio-acidente com o seguro-desemprego:

“Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.”

Do mesmo modo, não há vedação legal para o recebimento conjunto do auxílio-acidente e do salário-maternidade.

Como exposto no tópico anterior, a Lei nº 9.528/97 vedou a acumulação do auxílio-acidente com qualquer aposentadoria. Entretanto, existem precedentes no e. STJ quanto à possibilidade de acumulação dos benefícios, desde que seja constatado que a moléstia tenha eclodido antes do advento da Lei, in verbis:

“Processual e Previdenciário – Recurso Especial – Benefício Acidentário – Lesão por Esforços Repetitivos – Redução da Capacidade Laborativa – Verificação – Impossibilidade – Reexame de Matéria Fático-Probatória – Súmula nº 7 do STJ – Cumulação de Aposentadoria por Tempo de Serviço e Auxílio-Acidente – Possibilidade – Moléstia Eclodida Antes da Norma Proibitiva – Princípio Tempus Regit Actum – Termo Inicial do Auxílio-Acidente – Data da Cessação do Auxílio-Doença

Page 90: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

100

1. Se o Tribunal a quo, procedendo a minuciosa análise de todo o material probatório constante dos autos, reconheceu a existência de nexo causal, bem como a redução da capacidade laborativa da Autora, infirmar tal entendimento enseja o reexame de provas, atraindo, à espécie, a incidência do enunciado da Súmula nº 7 desta Corte.

2. Não há óbice à cumulação do benefício previdenciário da aposentadoria com o auxílio-acidente desde que a moléstia tenha eclodido antes do advento da Lei nº 9.528/97, por força da aplicação do princípio tempus regit actum. Na hipótese dos autos, foi possível determinar que a incapacidade deu-se antes da norma proibitiva, razão pela qual não há falar em inacumulabilidade de auxílio-acidente e aposentadoria.

3. Havendo concessão de auxílio-doença, o termo a quo do auxílio-acidente será o dia seguinte ao da cessação daquele benefício.

4. Recurso especial desprovido” (STJ – REsp 702.239 – SP (2004/0156900-1) – Ministra Laurita Vaz – DJ 04.04.2005).

“Previdenciário. Auxílio-Acidente e Aposentadoria – Acumulação – Possibilidade – Ação Proposta Após a Vigência da Lei 9.528/97 – Moléstia Incapacitante Eclodida Antes da Propositura da Ação – Fato Gerador Precedente – Agravo Desprovido

I – Conforme reiterada jurisprudência deste Tribunal, é possível a acumulação do benefício acidentário com aposentadoria por tempo de serviço, caso o infortúnio incapacitante tenha ocorrido antes da vigência da Lei 9.528/97, que alterou o art. 86, § 2º, da Lei 8.213/91.

II – Descabida a invocação de a ação ter sido proposta após a alteração legislativa, pois o princípio aplicável à espécie é o tempus regit actum.

III – Ademais, o fato gerador para a concessão do benefício teve origem em período pretérito à propositura da ação.

IV – Agravo interno desprovido” (STJ – AgRg-AI 582594 – SP – Ministro Gilson Dipp – DJ 03.11.2004).

“Processual Civil e Previdenciário – Auxílio-Acidente – Cumulação – Segurado Aposentado – Moléstia Desenvolvida em Data Anterior à Edição da Lei nº 9.528/97 – Possibilidade – Precedentes – Exame dos

Page 91: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

101

Requisitos Legais Indispensáveis à Obtenção do Benefício – Matéria Não Analisada Pelas Instâncias Ordinárias – Retorno dos Autos à Origem – Recurso Especial Provido

1. É possível a cumulação do benefício previdenciário da aposentadoria com o auxílio-acidente, desde que, além da comprovação do nexo causal entre a doença profissional e o labor exercido pelo segurado, a moléstia tenha se desenvolvido em momento anterior à edição da Lei nº 9.528/97.

2. No presente caso, as instâncias ordinárias extinguiram a demanda, sem julgamento de mérito, sob o argumento de que, quando do ajuizamento do feito em 1998, o autor encontrava-se aposentado e a Lei nº 9.528/97 estava em plena vigência.

3. O acórdão recorrido está dissociado da orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal, porquanto não considerou como fato gerador do benefício a data do desenvolvimento da moléstia, mas, sim, a da propositura da ação.

4. Diante da impossibilidade da concessão do auxílio-acidente em caráter vitalício, deixaram os julgadores de examinar os requisitos legais necessários ao seu deferimento, quais sejam: moléstia de cunho profissional, redução da capacidade laboral e nexo causal com a atividade exercida.

5. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos à primeira instância para regular instrução e novo julgamento” (STJ – REsp 416213/SP – Ministra Maria Thereza de Assis Moura – DJ 26.03.2007 p.295).

É importante conferir o voto proferido pela Relatora do Recurso Especial nº 416.213/SP, in verbis:

“VOTO Exmª Srª Ministra Laurita Vaz (Relatora): A Lei n.º 9.528, de 10

de dezembro de 1997, alterou a redação ao art. 86, § 1º, da Lei nº 8.213/91, retirando a condição de vitaliciedade do auxílio-acidente, que passou a ser devido apenas enquanto não concedida a aposentadoria.

Entretanto, é firme o entendimento esposado pelas Turmas que compõem a egrégia 3ª Seção no sentido de considerar possível a cumulação do benefício previdenciário da aposentadoria com o auxílio-acidente, desde que a moléstia tenha eclodido antes do

Page 92: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

102

advento da Lei nº 9.528/97, e, ainda, que esteja comprovado o nexo de causalidade entre a doença e a atividade exercida pelo beneficiário.

In casu, embora o laudo pericial que diagnosticou a moléstia tenha sido produzido quando já vigorava a Lei nº 9.528/97, o fato gerador do benefício, ou seja, a eclosão da doença incapacitante, teve origem antes da referida norma, conforme se pode depreender do seguinte trecho do acórdão recorrido, in verbis:

‘É que a moléstia já se manifestara em 1995, quando inexistia qualquer impedimento à cumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria por tempo.

Nessa linha de raciocínio, assim, não se mostra possível, desde logo, afirmar a impossibilidade de concessão do benefício acidentário pretendido, uma vez que o tema está submetido à discussão sob a égide da norma anterior, que não continha qualquer vedação à cumulação dessa natureza.

Aplica-se, aqui, o princípio tempus regit actum, de modo que o obreiro não pode ser prejudicado pela aplicação retroativa da lei’ (fl. 116).

Assim, é possível, no caso dos autos, a cumulação dos benefícios de aposentadoria e auxílio-acidente, reconhecido o nexo causal entre o mal colunar incapacitante e o trabalho exercido sob condições insalubres (fl. 118).

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte, litteris:

‘Recurso Especial – Previdenciário – Aposentadoria e Auxílio-Acidente – Cumulação – Definição da Lei Aplicável – Data do Acidente – Termo Inicial – Auxílio-Acidente – Data do Requerimento Administrativo

1. Na concessão do benefício previdenciário, a lei a ser observada é a vigente ao tempo do fato que lhe determinou a incidência, da qual decorreu a sua juridicização e conseqüente produção do direito subjetivo à percepção do benefício. Precedentes da 3ª Seção.

2. Para se decidir a possibilidade de cumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria, em face do advento da Lei 9.528/97, deve-se levar em consideração a lei vigente ao tempo do acidente

Page 93: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

103

causa da incapacidade para o trabalho, incidindo, como incide, nas hipóteses de doença profissional ou do trabalho, a norma inserta no artigo 23 da Lei 8.213/91.

3. Em havendo o acórdão recorrido reconhecido que o tempo do acidente causa da incapacidade para o trabalho é anterior à vigência da Lei nº 9.528/97, é de se reconhecer a possibilidade da cumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria, incidindo a Lei nº 8.213/91, na sua redação original, por força do princípio tempus regit actum.

4. Incidência analógica da Súmula nº 359 do STF e orientação adotada pela 3ª Seção nas hipóteses de pensão por morte devida a menor designado, antes do advento da Lei 9.032/95.

5. Em regra, ‘(...) o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria’ (artigo 86, § 2º, do Código de Processo Civil).

6. Somente nas hipóteses em que não houve a concessão de auxílio-doença, esta Corte Superior de Justiça, interpretando o caput do artigo 86, firmou-se no entendimento de que a expressão ‘após a consolidação das lesões’ seria o termo inicial para a concessão do auxílio-acidente, identificando-o com a juntada do laudo pericial em juízo, salvo nos casos em que haja o requerimento do benefício no âmbito administrativo.

7. Recurso conhecido e improvido’ (REsp 376.858⁄MG, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 24.06.2002.)

‘Previdenciário – Ação Acidentária – Aposentadoria Especial e Auxílio-Acidente – Acumulação – Doença do Trabalho Consolidada Antes da Aposentação e do Ajuizamento da Ação – Possibilidade – Inaplicável a Vedação Introduzida Pela Lei 9.528/97

I – Evidenciado que a moléstia oriunda do trabalho consolidou-se antes da aposentação e da Lei 9.528, de 10.12.97, descabe aplicar-se a proibição de acumular o auxílio-acidente com a aposentadoria, introduzida por essa lei.

II – A aludida lei não pode retroagir para apanhar situações já consolidadas segundo norma anterior.

Page 94: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

104

III – Não impede o reconhecimento do direito ao benefício o fato de a ação ter sido ajuizada após a Lei 9.528/97. Tal fato reflete apenas no termo inicial que deve ser o da data da juntada do laudo médico em Juízo. Precedentes.

IV – Embargos acolhidos’ (EREsp 406.969⁄SP, 3ª Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 14.10.2002.)

‘Agravo Regimental – Recurso Especial – Aposentadoria e Auxílio Acidente – Lesão Acidentária Ocorrida Antes da Lei 9.258/97 – Cumulação – Possibilidade

– Se a lesão acidentária ocorreu antes da vigência da Lei nº 9.258⁄97, é possível a cumulação da aposentadoria com o auxílio-acidente, segundo a jurisprudência firmada pela 3ª Seção desta Corte.

– O fato de a jurisprudência ter fixado a data da juntada do laudo, em juízo, para o início do pagamento do benefício, não significa dizer que a doença foi consolidada nesse momento, mas quando foi efetivamente comprovada, apenas para fins de fixação do dies a quo.

– Agravo regimental a que se nega provimento’ (AgRg no REsp 598.321/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 28.06.2004).

Ademais, tendo em vista que o Tribunal de origem, mediante análise do material probatório dos autos, concluiu que a moléstia incapacitante consolidou-se antes da vigência da Lei nº 9.528/97, a pretendida inversão do referido julgado demandaria o reexame de provas, o que esbarra no comando da Súmula nº 7 desta Corte.

De outra parte, quanto ao termo inicial do benefício, o critério a ser utilizado para sua fixação, não havendo nos autos postulação em âmbito administrativo, nem a concessão de auxílio-doença, é a data da juntada do laudo pericial em Juízo, oportunidade em que se verifica o diagnóstico, o nexo causal com a atividade laboral, e a indenizabilidade da moléstia.

A propósito: ‘Previdenciário – Processual Civil – Recurso Especial – Cumulação de

Benefício – Honorários Advocatícios – Termo Final – Reexame Necessário – Aplicabilidade – Lei nº 9.469⁄97 – Auxílio-Acidente – Termo Inicial

Page 95: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

105

– Após a edição da Lei 9.528/97, está vedada a cumulação de qualquer aposentadoria com auxílio-acidente. Inteligência dos artigos 18, § 2º, 86, §§ 1º e 2º, da referida Lei 9.528/97. Precedentes.

– Segundo entendimento desta Corte, a sentença publicada após o advento da Lei 9.469/97, que estendeu às autarquias e às fundações públicas o benefício do reexame necessário inscrito no artigo 475, caput e inciso II, do CPC, deve sujeitar-se ao duplo grau de jurisdição como condição de sua eficácia.

– Os honorários advocatícios devem ser fixados considerando apenas as parcelas vencidas até o momento da prolação da sentença. Precedentes.

– O termo inicial para a concessão do benefício de auxílio-acidente é o da apresentação do laudo pericial em juízo, quando não reconhecida à incapacidade administrativamente.

– Recurso especial conhecido e provido’ (REsp 493.376/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 16.02.2004 – sem grifo no original).

Ante o exposto, acolho os embargos de divergência, para dar parcial provimento ao recurso especial, tão-somente para fixar a data da apresentação do laudo pericial em Juízo como termo inicial do benefício.

É o voto”.

De acordo com o entendimento fixado pelos acórdãos acima, é possível a acumulação de aposentadoria com o auxílio-acidente, desde que seja possível a comprovação de que a incapacidade se deu antes da norma proibitiva.

Em alguns casos, o INSS tem se excedido na interpretação da Lei nº 9.528/97 e passou a cancelar o auxílio-acidente, até mesmo de segurados que se aposentaram por Regime Próprio de Previdência Social.

Todavia, no entendimento de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari51 esse:

“procedimento foge à lógica interpretativa em relação aos efeitos da Lei nº 9.528/97. A referência a qualquer aposentadoria só pode ser entendida às concedidas pelo RGPS e não por outros

51 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.538.

Page 96: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

106

regimes. Tanto é assim, que essa Lei previu a compensação pela cessação do auxílio-acidente com o incremento do valor da aposentadoria a ser deferida.”

4.8 Outras Conseqüências Jurídicas

a) Apesar de haver previsão legal para que o valor mensal do auxílio-acidente integre o salário-de-contribuição do segurado para fins de cálculo do salário-de-benefício de qualquer aposentadoria (art. 31, da Lei 8.213/91), não há qualquer menção na Lei quanto à possibilidade de contagem do tempo de recebimento do benefício para fins de aposentadoria por tempo de contribuição (vide art. 55, do mesmo diploma legal). Ainda, a sua percepção ao longo do tempo não completa carência, para quaisquer fins.

b) Pela interpretação do art. 15, da Lei 8.213/91, o recebimento do auxílio-acidente gera a manutenção da qualidade de segurado, in verbis:

“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;”

c) Em decorrência da conseqüência prevista no item “b”, os dependentes do segurado que estiver em gozo do auxílio-acidente estão garantidos no direito à pensão por morte, mesmo que o segurado deixe de contribuir para a Previdência Social, ou deixe de exercer atividade remunerada após a concessão de benefício.

d) Outrossim, se o aposentado que trabalha vier a sofrer redução parcial e permanente de sua capacidade laborativa, por acidente de qualquer natureza, não fará jus ao auxílio-acidente, por força do art. 18, § 2º da Lei 8.213/91:

“§ 2º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus à prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.”

4.8.1 Perda da audição em qualquer grau

Como mencionado alhures, com o advento da Lei 9.528/97, foi modificado o art. 86 da Lei 8.213/91, tendo sido introduzido o § 4º:

“A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do

Page 97: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

107

reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.

O caput do art. 86 estabelece que o benefício será concedido em qualquer grau.

Portanto, o legislador deixou de fixar limites de perda auditiva, em graus leve ou grave.

Ponto fundamental da questão, está atrelado ao fato de que basta que haja nexo causal entre a doença e o trabalho para que o benefício seja concedido, não sendo possível exigir a surdez total do trabalhador infortunado.

A regra acima mencionada representa inequívoca vantagem aos acidentados que sofreram perda auditiva em razão das condições de trabalho.

Houve, entretanto, jurisprudência no sentido de que, somente caso o acidentado apresentasse perda auditiva sensorial de 9% ou mais, na Tabela de Fowler, em razão das condições de trabalho, seria deferido o auxílio-acidente. Caso contrário, se a perda se encontrasse em nível inferior a 9%, considerar-se-ia inexistente a incapacidade laborativa, o que impossibilitaria a concessão do benefício.

Não há razões legais para interpretações como a acima mencionada, especialmente porque a Lei não faz distinção quanto ao grau da lesão auditiva, bastando a existência da incapacidade laborativa.

Ademais, o grau de sensibilidade auditiva varia de trabalhador para trabalhador, e a utilização de tabela única para todos traz, sem dúvida, prejuízos pela falta de adequação a cada um dos casos concretos.

Aliás, o próprio 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo adotou o entendimento no sentido de que o patamar de 9% de perda auditiva, na Tabela de Fowler, não deve ser considerada diante da legislação acidentária em vigor.

Confira-se que Irineu Pedrotti, Relator na Apelação Sem Revisão 526.659-00/2, j. em 30.06.1999 (2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo), exarou entendimento relacionado ao tema em debate, como pode ser constatado no trecho do V. Acórdão abaixo transcrito:

“Não há dúvida que o obreiro, na atualidade, depara-se constantemente com local de trabalho agressivo à sua saúde. Eis a

Page 98: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

108

razão pela qual a filosofia de base da Saúde Ocupacional limita-se à manutenção de níveis compatíveis com a preservação da saúde.

A perda auditiva é a grande conseqüência. Depende de fatores relacionados ao obreiro, ao meio ambiente e ao agente causador. A lei deve amparar o segurado porque ele contribuiu obrigatoriamente para, necessitado, receber o benefício acidentário de prestação continuada.

Perda e redução têm o mesmo significado. Audição (do latim auditione) consiste na percepção dos sons pelo ouvido. É a capacidade de ouvir. Perda (do latim perdita) é privação da audição. Redução, do latim reductione, é a diminuição, é a restrição, é a limitação. Redução da audição cifra-se na restrição ou na diminuição da capacidade de ouvir.

A disacusia neurosensorial bilateral é uma lesão irreversível e progressiva que, evidentemente, virá a agravar-se dia a dia, mesmo que o operário use equipamento individual de proteção contra ruído, que não protege a via óssea por onde atuam as vibrações mecânicas sempre presentes nos ambientes industriais ruidosos, visto serem produzidas pelas próprias fontes emissoras do ruído, e continuam a agredir o ouvido humano, tornando mais grave as lesões já existentes.

O segurado vítima de acidente do trabalho ou de doença profissional ou do trabalho que perde percentual de sua audição, sem dúvida, passa a ser portador de deficiência para o resto da vida. O benefício acidentário de prestação continuada é o pouco que o INSS pode retribuir-lhe porque, como segurado obrigatório, já pagou por isto.

A concessão do benefício de prestação continuada – auxílio-acidente – é imperiosa, não só para amparar o segurado, mas por encontrar-se de acordo com a jurisprudência dominante consagrada pela Súmula 44, do Superior Tribunal de Justiça:

‘A definição em ato regulamentar, de grau mínimo de disacusia, não exclui, por si só, a concessão do benefício previdenciário’.

Eventuais censuras a essa decisão não procedem, ainda que queiram separar a natureza beneficiária da acidentária porque o

Page 99: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

109

fato gerador é único. O prejuízo atinge o segurado. Basta que se analisem os valores e as datas das concessões.

A perda da audição, de qualquer grau, autoriza a concessão do auxílio-acidente, uma vez comprovados o nexo etiológico e a incapacidade parcial que impede o segurado de exercer a atividade habitual.

Trata-se de entendimento que foi prestigiado pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, que restabeleceu os arts. 34, 35, 98 e 99 e alterou os arts. 12, 22, 25, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 38, 39, 45, 47, 55, 69, 94 e 97 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, e restabeleceu o § 4º do art. 86 e o art. 122, e alterou os arts. 11, 16, 18, 34, 58, 74, 75, 86, 94, 96, 102, 103, 126, 130 e 131 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.

‘Art. 86. (...) § 4º. A perda da audição, em qualquer grau, somente

proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia’.

Esta norma põe por terra a questão do percentual de incapacidade da Tabela de Fowler, de 1940, quando o homem não ia à Lua, o rádio e a televisão iniciavam os primeiros passos, o centro industrial era outro, a metrópole não tinha a poluição sonora dos dias atuais, entre outras conseqüências naturais da evolução que salta aos olhos de todos. É evidente que o meio ambiente e/ou centro de trabalho, industrial ou não, era bem diferente.”

Ainda: “A recente Lei 9.528, de 10.12.1997, que alterou dispositivos das

leis 8.212 e 8.213, ambas de 24.07.91, pondo fim à controvérsia jurisprudencial existente, propicia a outorga de auxílio-acidente a obreiro portador de doença auditiva, em qualquer grau quando, além do reconhecimento de causalidade entre a atividade e a moléstia, resultar comprovadamente na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (Apelação Sem Revisão 517075-00/3- 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo – 1ª Câmara – Relator Juiz Renato Sartorelli – J. em 20.04.1998).”

Page 100: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

110

Sendo assim, deve-se ter em mente que qualquer redução, ainda que mínima, que importe em redução da capacidade laborativa para o trabalho habitual do acidentado tornará a indenização devida. Aliás, foi exatamente neste sentido que foi editada a Súmula 44 do STJ:

“A definição em ato regulamentar, de grau mínimo de Disacusia, não exclui, por si só, a concessão do benefício previdenciário”.

Portanto, uma vez presente a causalidade entre a redução da capacidade laborativa do segurado e o trabalho, o benefício deverá ser concedido.

O próprio STJ, no REsp nº 208.969/São Paulo, cujo Relator foi Ministro Vicente Leal, julgado em 01.06.1999, caminhou no mesmo sentido, in verbis:

“Recurso Especial – Previdenciário – Benefício Acidentário – Lesão Auditiva – Grau Mínimo – Tabela de Fowler – Irrelevância – Restrição à Legislação Federal – Vedação – Princípio da Hierarquia das Normas – Súmula 44

– A lesão auditiva de grau mínimo se enquadra no conceito de acidente do trabalho, não podendo ser negada a indenização a ela pertinente, tomando-se por base os índices apresentados na Tabela de Fowler.

– Ocorre que a referida Tabela não pode restringir o âmbito de incidência de uma lei federal, em razão do princípio da hierarquia das normas (Súmula 44).

– Recurso especial conhecido e provido”.

Portanto, não restam dúvidas de que, diante do novo texto de lei, a perda auditiva em absolutamente qualquer grau, desde que relacionada ao trabalho, e havendo o impedimento de desempenho de sua atividade habitual, deve ser indenizada, por meio do auxílio-acidente.

4.9 Fixação do Benefício

Na redação original do art. 86, § 1º, da Lei nº 8.213/91, como já exposto anteriormente, o auxílio-acidente mensal e vitalício correspondia a 30%, 40% ou 60% do salário-de-benefício do segurado, vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior a esse percentual do seu salário-de-benefício.

Page 101: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

111

Com a alteração imposta pela Lei nº 9.032/95, o auxílio-acidente passou a corresponder a 50% do salário-de-benefício que deu origem ao auxílio-doença do segurado, corrigido até o mês anterior ao do início do benefício, sendo devido até a véspera de início de qualquer aposentadoria, ou até a data de óbito do segurado.

Segundo CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO e JOÃO BATISTA LAZZARI52, foram travadas discussões quanto à possibilidade de se majorar a renda mensal dos benefícios concedidos anteriormente à Lei nº 9.032/95, para o patamar mínimo de 50% do salário-de-benefício.

Entretanto, o Plenário do STF pacificou a questão (Recursos Extraordinários nºs 416.827 e 415.454, julgamento realizado em 09.02.2007), no sentido de que a referida Lei não atinge os benefícios cuja data de início é anterior à edição da norma.

Para fundamentar a sua decisão, os ministros do STF utilizaram o argumento de que, pela disposição do § 5º, do artigo 195 da Constituição Federal, não há autorização para a criação, majoração ou extensão de nenhum benefício ou serviço da seguridade social, sem a correspondente fonte de custeio total (regra da contrapartida53).

Já no que diz respeito ao segurado especial, será devido benefício equivalente a 50% do salário mínimo, a não ser que contribua facultativamente, oportunidade em que receberá o benefício com base no salário-de-contribuição.

Ressalte-se que, como não se trata de benefício substitutivo do salário, o valor do auxílio-acidente poderá ser inferior ao salário-mínimo, não sendo aplicada a disposição do art. 201, § 2º, da Constituição Federal:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...) § 2º. Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o

rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo”.

52 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.536. 53 Cognominação criada pelo Prof. WAGNER BALERA, vide Noções Preliminares de Direito

Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, p.122 e ss.

Page 102: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

112

4.10 Extinção do Benefício

O benefício se extingue I) com o início de qualquer aposentadoria ou II) na data de óbito do segurado.

4.11 Análise da Norma Jurídica

4.11.1 Carência

A concessão do auxílio-acidente não depende do cumprimento de período de carência, por força do artigo 26, inciso I, da Lei nº 8.213/91:

“Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:

I – pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente”.

4.11.2 Antecedente normativo

4.11.2.1 Critério material

O critério material vai sempre se referir a um comportamento do sujeito ativo, ou a algum estado em que se encontre. Esta situação em que se acha o sujeito ativo, na norma, é apresentada por meio do verbo, com a adição de seu complemento.

O critério material da hipótese normativa é estabelecido das seguintes formas:

a) Como regra geral: estar incapacitado, parcial e permanentemente, para o trabalho que habitualmente exercia, por acidente de qualquer natureza.

b) Nos casos de perda auditiva: estar incapacitado, parcial e permanentemente, para o trabalho que habitualmente exercia, por acidente de trabalho (doença profissional ou doença do trabalho, art. 20, incisos I e II, da Lei 8.213/91).

O anexo III do Decreto nº 3.048/99 relaciona as situações que dão direito ao auxílio-acidente.

Segundo o entendimento de FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM54, o rol é meramente exemplificativo, uma vez que:

“os segurados que sejam acometidos de outras seqüelas, ou mesmo das mesmas, mas em índice inferior ao fixado, podem

54 IBRAHIM. Op. cit., p.541.

Page 103: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

113

demonstrar, em concreto, a efetiva redução da capacidade laborativa, cabendo então a concessão do benefício”.

Em nosso ordenamento jurídico, a incapacidade parcial do segurado é observada no momento do acidente, verificando-se se o segurado está parcial e permanentemente incapaz para o ofício que exercia habitualmente.

Caso, no futuro, o segurado venha a desenvolver outra profissão, onde a seqüela lhe seja prejudicial, não fará jus ao benefício, se, na data do acidente, exercesse outra atividade que não foi afetada pela seqüela.

Ainda, de acordo com o artigo 104, § 7º, do RPS, caso o segurado se encontre desempregado no período do acidente que resultou a redução de sua capacidade laboral, não fará jus ao recebimento do benefício:

“Art. 104. (...) § 7º. Não cabe a concessão de auxílio-acidente quando o

segurado estiver desempregado, podendo ser concedido o auxílio-doença previdenciário, desde que atendidas as condições inerentes à espécie”.

O dispositivo acima foi introduzido pelo legislador em razão da impossibilidade de se aferir se houve redução da capacidade laborativa de segurado que se encontre desempregado.

Entretanto, FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM55 entende que o benefício deveria ser concedido, mesmo nos casos em que o segurado estivesse desempregado, quando fosse possível a demonstração de que ele exerceu a mesma atividade laborativa durante toda a sua vida, sendo indevida a restrição do Regulamento da Previdência Social nestes casos.

Também é o entendimento externado por CARLOS ALBERTO PEREIRA DE CASTRO E JOÃO BATISTA LAZZARI56:

“Não havendo tal restrição na Lei, não cabe à autoridade administrativa ‘legislar’, limitando o direito do segurado ao benefício. Portanto, estando o segurado no período de graça o benefício deve ser concedido.”

4.11.2.2 Critério espacial

55 IBRAHIM. Op. cit., p.545. 56 CASTRO; LAZZARI. Op. cit., p.534.

Page 104: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

114

O critério espacial coincide com o âmbito de atuação da norma jurídica previdenciária que, no caso do auxílio-acidente, é o território nacional.

4.11.2.3 Critério temporal

O segurado fará jus ao benefício a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado.

Caso o segurado não tenha gozado do auxílio-doença, por falta de requerimento, ou, ainda, por indeferimento pelo INSS, o benefício será devido a partir da constatação, pela perícia médica, da consolidação das lesões originadas pelo acidente (de qualquer natureza), ou então, pelo acidente do trabalho, no caso de perda auditiva.

4.11.3 Conseqüente normativo

4.11.3.1 Critério pessoal

a) Sujeito ativo – O sujeito ativo da relação jurídica previdenciária é o titular do direito previdenciário que, no caso do auxílio-acidente, serão, pela interpretação dos artigos 18, § 1º, e 11, incisos I, VI e VII, da Lei 8.213/91, os segurados obrigatórios, especificamente:

I) o segurado empregado, exceto o doméstico;

II) o trabalhador avulso, e

III) o segurado especial.

b) Sujeito Passivo – No pólo passivo da relação está o órgão gestor previdenciário. No Regime Geral de Previdência Social, o sujeito passivo será sempre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

4.11.3.2 Critério quantitativo

O critério quantitativo trata do conjunto de informações necessárias para aferir a quantia devida pelo sujeito passivo ao sujeito ativo, sendo composto pela base de cálculo e alíquota, conforme abaixo transcrito:

a) Base de Cálculo – corresponde ao Salário-de-Benefício

b) Alíquota – 50% do Salário-de-Benefício que deu origem ao auxílio-doença, corrigido até o mês anterior ao do início do auxílio-acidente.

O valor da prestação, limitado a 50% do salário-de-benefício, tem como finalidade complementar a importância que hipoteticamente o

Page 105: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

115

segurado não mais receberia, ainda que volte este a embolsar montante igual ou superior ao que recebia antes do acidente.

No caso do segurado especial, o valor devido será de 50% sobre o salário mínimo, a não ser que recolha facultativamente para o sistema. Nesta hipótese o valor será calculado com base no salário-de-benefício.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, observa-se que, atualmente, há crescente preocupação e intervenção estatal na busca da materialização do amparo social, em detrimento do antigo pensamento privado de proteção social.

Desde os primórdios os riscos sociais, tais como invalidez, velhice e doenças, acompanham a sociedade.

Entretanto, a maneira de tratamento quanto aos riscos sociais tem sido alterada pela sociedade.

Tendo em vista que o Estado não existe para seus próprios fins, deve proporcionar o bem-estar e a justiça social de seus cidadãos, conferindo igualdade de condições e, ainda, manutenção do padrão mínimo necessário para sobrevivência.

O Estado chama a sociedade para, solidariamente, assumir o importante papel na busca da Ordem Social.

A Previdência Social trata-se de mecanismo fundamental para que a seguridade social alcance seus objetivos centrais, sendo sem dúvida alguma um dos ramos mais complexos da seguridade social, em razão das constantes alterações constitucionais em busca da expansão do sistema.

Neste diapasão, verificamos que a forma fundamental de atuação no combate às contingências sociais se dá por meio de prestações pecuniárias, as quais destinam-se a cobrir defeitos de ingresso ou, ainda, aumento de despesas no seio familiar.

Não é diferente com o auxílio-acidente que, indenizando as seqüelas resultantes de acidentes ocorridos com os sujeitos segurados, que reduzam a capacidade laborativa do indivíduo, produz resultados positivos no sentido de impedir a diminuição do padrão de vida dos acidentados, em total consonância com os objetivos finais do Sistema Nacional de Seguridade Social.

Page 106: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas
Page 107: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

117

A LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR AÇÃO CIVIL

PÚBLICA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA ROBERTO LUIS LUCHI DEMO*

A partir da segunda metade da década de 90, o Ministério Público Federal, isoladamente ou em litisconsórcio ativo com os Ministérios Públicos Estaduais, ajuizou diversas ações civis públicas contra o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS em defesa de interesses dos segurados e beneficiários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS. Essa louvável atuação institucional do Ministério Público, no sentido de dar um tratamento molecularizado a determinadas questões envolvendo o direito previdenciário, propiciando destarte uma solução uniforme para o problema e evitando a repetição de processos idênticos, foi perdendo fôlego no início dos anos 2000, de um lado, porque as principais questões ou as irregularidades mais flagrantes e de maior repercussão na esfera jurídica dos segurados e beneficiários foram sendo corrigidas por força de decisões judiciais proferidas no bojo das mencionadas class actions e, de outro lado, porque foi ganhando corpo o entendimento jurisprudencial segundo o qual o Ministério Público não tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública na defesa de direitos de natureza previdenciária.

Este segundo motivo fez com que o Ministério Público direcionasse parcialmente sua atividade como fiscal da ordem jurídica, na perspectiva do direito fundamental à previdência social, para a defesa de outras questões, não menos importantes, é bom registrar, mas que deixam os segurados e beneficiários do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, geralmente hipossuficientes, incluindo aí aqueles que têm direito aos chamados “benefícios de legislação especial”, sem o devido reconhecimento de seu direito, mormente quando se considera a relativa complexidade da legislação previdenciária e a carência de Defensores Públicos assim no âmbito da Defensoria Pública da União bem como das Defensorias Públicas

* Juiz Federal Substituto em Brasília-DF.

Page 108: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

118

Estaduais. E, quando têm a oportunidade de contar com uma assistência judiciária, o reconhecimento desse direito previdenciário é geralmente serôdio, não sendo raro as causas previdenciárias se transformarem em causas sucessórias, apesar de todo o esforço que o Poder Judiciário tem envidado para imprimir celeridade nos milhões de ações previdenciárias individuais (estima-se que existam hoje cerca de 5 milhões de processos judiciais contra o INSS em todo o Brasil, sendo ajuizados 180 mil processos novos por mês, situação que levou à criação do Programa de Redução de Demandas Judiciais do INSS, nos termos da Portaria Interministerial AGU/MPS nº 08, de 03 de junho de 2008, a fim de solucionar os conflitos jurídicos na própria esfera administrativa e reduzir paulatinamente a quantidade de processos novos).

Nesse contexto, é bastante alvissareira a recente decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública especificamente em matéria previdenciária.

Deveras, a legitimidade do Ministério Público para a tutela coletiva de interesses individuais patrimoniais disponíveis, além daqueles casos previstos pelo legislador ordinário – a exemplo do que ocorre no âmbito das relações de consumo e no Estatuto do Idoso –, é reconhecida pela jurisprudência e pela doutrina desde que configurada a homogeneidade desses interesses e a relevância social. A propósito, registro o seguinte trecho do excelente voto do Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona proferido no EIAC 1998.04.01.058926-3, julgado pela 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no dia 14 de setembro de 2006 e que pacificou a divergência entre as Turmas no sentido de reconhecer a legitimidade do Ministério Público para ações previdenciárias, litteris:

“No que concerne à legitimação do Ministério Público para a tutela de direitos e interesses individuais homogêneos, além daqueles expressamente previstos pelo legislador ordinário, doutrina abalizada posiciona-se no sentido de que a relevância social do bem jurídico tutelado ou da própria tutela poderá justificar a sua legitimação para a propositura de ação coletiva em defesa de interesses privados disponíveis”.

RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (in Ação Civil Pública. 8.ed. revista e atualizada, editora Revista dos Tribunais, p.126) preleciona o seguinte:

Page 109: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

119

“Quando os interesses forem individuais homogêneos (CDC, art. 81, III), ainda assim remanesce a legitimação ativa do Ministério Público (CDC, art. 82, I; LC 75/93, art. 6º, XII), e isso sem embargo de aquela espécie de interesse metaindividual não constar no texto do art. 129, III, da CF: é que sua tutela pelo Parquet é favorecida pelo art. 129, IX, da CF, que libera a Instituição para o exercício de ‘outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade’. Segundo nos parece, essa compatibilidade exsurgirá in concreto, quando presente a nota adicional da indisponibilidade do interesse (CF, art. 127, final), que por sua vez decorre de sua relevância social, já que, de outro modo, isto é, quando o interesse seja puramente individual, ainda que concernente a um cúmulo de indivíduos, o manejo poderá ser feito pelas figuras litisconsorciais, observada a intervenção de advogado, para atendimento do pressuposto processual da capacidade postulatória (CF, art. 133, c.c. CPC, art. 36). No ponto, LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART: ‘Não é, assim, qualquer direito individual (ainda que pertencente a várias pessoas) que admite a tutela por via de ação coletiva proposta pelo Ministério Público, mas apenas aqueles caracterizados por sua relevância social ou por seu caráter indisponível.”

HUGO NIGRO MAZZILLI condiciona a defesa dos interesses individuais homogêneos pelo Parquet à sua relevância social. Segundo ele, os interesses devem ser “de suficiente expressão ou abrangência social” (Introdução ao Ministério Público. 2.ed. 1998, p.64). E esclarece ADA PELLEGRINI GRINOVER, respondendo a questão da falta de previsão constitucional: “a Constituição de 1988, anterior ao CDC, evidentemente não poderia aludir, no art. 129, III, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só viria a ser criada pelo Código. Mas na dicção constitucional, a ser tomada em sentido amplo, segundo as regras da interpretação extensiva, enquadra-se comodamente a categoria dos interesses individuais, quando coletivamente tratados”. E continua: “a tutela dos direitos transindividuais não significa propriamente defesa de interesse público, nem de interesses privados, pois os interesses privados são vistos e tratados em sua dimensão social e coletiva, sendo de grande importância política a solução jurisdicional dos conflitos de massa” (Das Class Action For Damages à Ação de Classe Brasileira: Os Requisitos de Admissibilidade - artigo publicado em ação civil pública - organizado por Edis Milaré, p.32).

Page 110: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

120

TEORI ZAVASCKI, por sua vez, ensina que: “(...) Entretanto, em casos excepcionais, devidamente justificados e demonstrados, em que a lesão a um conjunto de direitos individuais possa ser qualificada, à luz dos valores jurídicos estabelecidos, como lesão a interesses relevantes da comunidade, ter-se-ia presente a hipótese de lesão a interesse social, para cuja defesa está o MP legitimado pelo art. 127 da CF. Também nestas hipóteses – cuja configuração estará evidentemente sujeita ao crivo do Poder Judiciário – a atuação do MP, necessariamente em forma de substituição processual autônoma, limitar-se-á à obtenção de provimentos genéricos indispensáveis à restauração dos valores sociais comprometidos, sendo-lhe vedado deduzir pretensões que signifiquem, simplesmente, tutela de interesses particulares, ainda que homogêneos, ou de grupo” (Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos, artigo publicado em Revista Jurídica, 1995, p.17-33).

Seguindo essa linha doutrinária, sendo as atribuições do Ministério Público matéria eminentemente constitucional, a posição do Supremo Tribunal Federal culmina por espancar as controvérsias jurisprudenciais dos tribunais pátrios a respeito do tema. Confira-se o seguinte excerto de recente decisão:

“(...) 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e

Page 111: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

121

obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso Extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação” (RE nº 163.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 29-06-01). No mesmo sentido, têm decidido as Turmas (cf. AI nº 383.919-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 11.04.2003; RE nº 150.073, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 18.10.00. 6. Adotando, pois, os fundamentos dos precedentes e valendo-me do disposto nos artigos 21, § 1º, do RISTF, 38 da Lei 8.038/90, e 557 do CPC, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Int. Brasília, 24 de abril de 2006. Ministro Cezar Peluso, Relator” (RE 233522/MA, Min. Cezar Peluso, DJ 10.05.06, p.79).

No mesmo sentido as seguintes decisões: AI 56620/MT, Min. Marco Aurélio, DJ 06.04.06, p.68; RE 247134/MS, Min. Carlos Velloso, DJ 09.12.05, p.81; RE 206067/SP, Min. Eros Grau, DJ 19.10.05, p.51).

Em suas atividades institucionais o Ministério Público busca o interesse público, tendo a Constituição Federal destinado a este órgão o zelo dos mais graves interesses da coletividade. Dentre suas funções institucionais estão a de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II, CF) e a de “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade” (art. 129, IX, CF).

Ademais, como se viu, não é estranha à Suprema Corte a elevação de certos interesses aparentemente individuais ou mesmo disponíveis à categoria de coletivos, qualificando os interesses individuais homogêneos como subespécies de interesses coletivos. Alguns direitos individuais homogêneos podem ser qualificados como interesses ou direitos coletivos, ou mesmo identificar-se como interesses sociais e individuais indisponíveis e, nessas hipóteses, a ação civil pública é a via adequada para a defesa dos mesmos, estando o Ministério Público legitimado para a causa (CF, art. 127, caput, e art. 129, III).

Page 112: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

122

É o que ocorre no presente caso, no qual a concepção finalística da ação civil pública visa à proteção de um grupo, classe ou categoria de segurados (beneficiários), tidos por hipossuficientes, que tiveram o cancelamento administrativo de seus benefícios sob a alegação de inobservância do devido processo legal.

A revisão administrativa, conquanto decorrente de lei (Lei nº 9.032/95), se pairar dúvidas quanto à observância do devido processo legal, pode ser impugnada pela via da Ação Civil Pública, estando o Ministério Público legitimado para a causa.

Com efeito, do devido processo legal decorrem os princípios do contraditório e da ampla defesa, direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal (art. 5, LV), e tais interesses, ainda que homogêneos de origem comum, são tidos como subespécies de interesses coletivos, uma vez tutelados prioristicamente pelo Estado por meio de sua lei maior, a Constituição Federal. É que se levando em conta a natureza de tais interesses (direitos e garantias fundamentais) e visualizando-os em seu conjunto, sobressai o necessário interesse social (coletivo) a legitimar o Ministério Público para a ação civil pública, cujo zelo desses direitos e interesses encontra-se inserido em suas funções institucionais.”

O próprio Superior Tribunal de Justiça reconhece a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública na defesa de interesses individuais patrimoniais disponíveis quando caracterizada a homogeneidade e a relevância social. Nesse sentido:

“Processual Civil – Embargos de Divergência – Ação Civil Pública – Legitimidade – Ministério Público – Contratos de Financiamento – SFH – Súmula 168/STJ

1. O Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor ação civil pública objetivando defender interesses individuais homogêneos nos casos como o presente, em que restou demonstrado interesse social relevante. Precedentes.

2. Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado (Súmula 168/STJ).

3. Embargos de divergência não conhecidos” (EREsp 644.821/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, julgado em 04.06.2008, DJ 04.08.2008).

Page 113: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

123

Entretanto, prevaleceu naquela Corte Superior, especificamente em matéria previdenciária, a orientação de não reconhecer a legitimidade do Ministério Público para a propositura de ação civil pública. Confira-se:

“Processual Civil e Previdenciário – Embargos de Divergência em Recurso Especial – Ação Civil Pública – Benefício Previdenciário – Direito Patrimonial Disponível – Inexistência de Relação de Consumo – Ministério Público – Ilegitimidade ad Causam

1. Tratando-se de benefício previdenciário, em que não há interesse individual indisponível, mas, sim, direito patrimonial disponível, suscetível de renúncia pelo respectivo titular, bem como não sendo relação de consumo, o Ministério Público não detém legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública em defesa de tal direito. Precedentes das Turmas que compõem esta 3ª Seção.

2. Embargos rejeitados” (EREsp 448684/RS, Relª Min. Laurita Vaz, 3ª S., julgado em 28.06.2006, DJ 02.08.2006).

Processual Civil e Previdenciário – Embargos de Declaração – Omissão – Inexistência – Benefício Previdenciário – Renda Mensal Inicial – Revisão – Ação Civil Pública – Inexistência de Relação de Consumo – Ausência de Direito Indisponível – Ministério Público – Ilegitimidade ad Causam

1. Tratando-se de benefício previdenciário, em que não há interesse individual indisponível, mas, sim, direito patrimonial disponível, suscetível de renúncia pelo respectivo titular, o Ministério Público não detém legitimidade ativa ad causam para a tutela do direito vindicado. Precedentes.

2. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido” (REsp 762.136/RS, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., julgado em 06.06.2006, DJ 01.08.2006).

Processo Civil – Agravo Regimental – Recurso Especial – Previdenciário – Ação Civil Pública – Ministério Público – Ilegitimidade – Decisão Mantida Por Seu Próprio Fundamento

1 – O Ministério Público não possui legitimidade para propor ação civil pública que objetiva discutir a concessão de benefício previdenciário.

2 – Não há como abrigar agravo regimental que não logra desconstituir o fundamento da decisão atacada.

Page 114: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

124

3 – Agravo a que se nega provimento” (AgRg no REsp 441.815/SC, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª T., julgado em 20.03.2007, DJ 09.04.2007).

Essa diretriz do Superior Tribunal de Justiça refletiu na jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais, de maneira que algumas Turmas e Seções passaram a adotar esse entendimento, culminando inclusive com a desconstituição, mediante ação rescisória manejada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, de importantes julgados sobre questões previdenciárias. Mas o assunto estava longe de estar pacificado, até porque se aguardava a manifestação do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe a última palavra sobre esse tema de envergadura constitucional, dado que a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura de ação civil pública tem fundamento no art. 127, caput, e art. 129, inc. III, ambos da Constituição Federal.

E essa manifestação veio da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, negando provimento, por unanimidade, na sessão do dia 29 de abril de 2008, a agravo tirado contra decisão do Ministro CELSO DE MELLO que negara monocraticamente provimento a recurso extraordinário, ao fundamento de que o direito do segurado à expedição de certidão parcial de tempo de serviço/contribuição no âmbito do Regime Geral de Previdência Social – RGPS é um direito individual homogêneo impregnado de relevante natureza social, legitimando destarte o Ministério Público para o manejo da ação civil pública. Confira-se o acórdão:

“Direitos Individuais Homogêneos – Segurados da Previdência Social – Certidão Parcial de Tempo de Serviço – Recusa da Autarquia Previdenciária – Direito de Petição e Direito de Obtenção de Certidão em Repartições Públicas – Prerrogativas Jurídicas de Índole Eminentemente Constitucional – Existência de Relevante Interesse Social – Ação Civil Pública – Legitimação Ativa do Ministério Público – A Função Institucional do Ministério Público Como "Defensor do Povo" (CF, Art. 129, II) – Doutrina – Precedentes – Recurso de Agravo Improvido

– O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações.

Page 115: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

125

– A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.

– O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes” (RE-AgR 472.489, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., julgado em 29.04.2008, DJ 28.08.2008).

Do percuciente voto do Relator, extraio o seguinte excerto: “Cabe destacar, neste ponto, por oportuno, na linha do que se

vem acentuando, a correta advertência que a douta Procuradoria-Geral da República fez, em seu pronunciamento, no caso ora em exame:

‘Não assiste razão ao recorrente quando pretende, em síntese, demonstrar que a decisão atacada ofendeu o contido no artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, que cuida da legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública, mesmo sendo o caso de matéria relativa a direitos individuais homogêneos e disponíveis.

Inicialmente, vale frisar ser incorreta a afirmação genérica de que o Parquet não pode defender interesses individuais homogêneos. Tal afirmação é demasiadamente superficial. Se a defesa de tais interesses envolver relevante abrangência social, como a hipótese dos presentes autos, que trata do direito dos segurados da previdência social obterem certidão relativa ao seu tempo de serviço, deverá a ação civil pública correspondente ser intentada pela instituição. Ou seja, se, no caso concreto, a defesa coletiva de interesses transindividuais assumir importante papel social, não se poderá negar ao Ministério Público a defesa desses direitos.

(...) Destarte, válido ainda destacar que a Constituição Federal de

1988, em seu art. 129, inciso III, traz apenas as expressões ‘interesses difusos e coletivos’, pois foi em 1990, ano da edição do Código de Defesa do Consumidor, que a expressão ‘interesses

Page 116: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

126

individuais homogêneos’ foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, quando a Carta Magna diz ‘interesses difusos e coletivos’, na realidade, está a referir-se aos interesses transindividuais ‘lato sensu’, nos quais também estão abrangidos os ‘interesses individuais homogêneos’.

(...) Depreende-se da análise dos autos, sem dúvida alguma, que a

‘quaestio iuris’ é eminentemente social, na medida em que a Carta Magna garante ao segurado a obtenção de certidões perante as repartições públicas, seja para a defesa de seus direitos, seja para esclarecimentos de situações de interesse pessoal. Assim sendo, não pode o INSS impor restrição ao cidadão para obtenção das mencionadas certidões de tempo de serviço, não havendo que se questionar, portanto, a legitimidade do ‘Parquet’ para atuar no feito.”

Esse entendimento – que reconhece a legitimidade ativa ao Ministério Público para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social – reflete-se na jurisprudência firmada por esta Suprema Corte (RTJ 185/302, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 491.195-AgR/SC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RE 213.015/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – RE 255.207/MA, Rel. Min. CEZAR PELUSO – RE 394.180-AgR/CE, Rel. Min. ELLEN GRACIE – RE 424.048-AgR/SC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE RE 441.318/DF, Rel. MARCO AURÉLIO – RE 470.135-AgR-ED/MT, Rel. Min. CEZAR PELUSO):

“Recurso Extraordinário – Constitucional – Legitimidade do Ministério Público Para Promover Ação Civil Pública em Defesa dos Interesses Difusos, Coletivos e Homogêneos. (...).

1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

(...) 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma

origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

Page 117: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

127

4.1. Quer se afirmem interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que, conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.

(...) Recurso extraordinário conhecido e provido, para, afastada a

alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação” (RTJ 178/377-378, Rel. Min. Maurício Corrêa).

Tenho para mim que se revela inquestionável a qualidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública objetivando, em sede de processo coletivo – hipótese em que estará presente “o interesse social, que legitima a intervenção e a ação em juízo do Ministério Público (CF, art. 127, caput, e CF, art. 129, IX)” (NERY JUNIOR, Nelson. O Ministério Público e as Ações Coletivas, in Ação Civil Pública, p.366, coord. por Édis Milaré, 1995, RT) –, a defesa de direitos individuais homogêneos, porque revestidos de inegável relevância social, como sucede com o direito de petição e o de obtenção de certidão em repartições públicas (CF, art. 5º, XXXIV), que traduzem prerrogativas jurídicas de índole eminentemente constitucional, ainda mais se analisadas na perspectiva dos direitos fundamentais à previdência social (CF, art. 6º) e à assistência social (CF, art. 203).

Na realidade, o que o Ministério Público postulou nesta sede processual nada mais foi senão o reconhecimento – e conseqüente efetivação – do direito dos segurados da Previdência Social à obtenção da certidão parcial de tempo de serviço.

Nesse contexto, põe-se em destaque uma das mais significativas funções institucionais do Ministério Público, consistente no reconhecimento de que lhe assiste a posição eminente de verdadeiro “defensor do povo” (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público, p. 224/227, item n. 24, “b”, 3.ed., 1996, Saraiva, v.g.), incumbido de impor, aos poderes públicos, o respeito efetivo aos direitos que a Constituição da República assegura aos cidadãos em geral (CF, art. 129, II), podendo, para tanto,

Page 118: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

128

promover as medidas necessárias ao adimplemento de tais garantias, o que lhe permite a utilização das ações coletivas, como a ação civil pública, que representa poderoso instrumento processual concretizador das prerrogativas fundamentais atribuídas, a qualquer pessoa, pela Carta Política, “(...) sendo irrelevante o fato de tais direitos, individualmente considerados, serem disponíveis, pois o que lhes confere relevância é a repercussão social de sua violação, ainda mais quando têm por titulares pessoas às quais a Constituição cuidou de dar especial proteção”.

A sobredita decisão parece sinalizar o início do fim da polêmica em torno da legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública em matéria previdenciária, no sentido do seu reconhecimento, forte no art. 127, caput, e art. 129, inc. III, ambos da Constituição Federal, quando a questão, a despeito de envolver direito patrimonial individual disponível, traduzir interesse homogêneo e de relevância social, mesmo que não haja previsão legal nesse sentido, prestigiando desse modo a tutela coletiva em matéria previdenciária e o Ministério Público como enforcement do ordenamento jurídico posto. A única vedação é a utilização desta class action para discutir contribuição previdenciária, por expressa vedação do art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, valendo advertir, outrossim, que o custeio da previdência social mediante contribuições previdenciárias devidas por empresas que nada têm de hipossuficientes não se trata de matéria previdenciária propriamente dita, mas de matéria tributária.

Finalmente, vencida a questão da legitimidade processual do Ministério Público, há diversas outras questões empolgantes sobre a ação civil pública em matéria previdenciária, a exemplo da condenação em honorários advocatícios, limitação da eficácia territorial da decisão judicial, necessidade de parecer do Ministério Público no Tribunal, possibilidade de litisconsórcio entre os Parquets Federal e Estadual, competência e honorários advocatícios nas execuções individuais da sentença coletiva, etc., mas que desbordam do escopo deste trabalho, naturalmente limitado a repercutir a mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal.

Page 119: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

129

RISCOS DA SUPERLITIGAÇÃO NO DIREITO À SAÚDE: CUSTOS SOCIAIS

E SOLUÇÕES COOPERATIVAS LEONARDO ARQUIMIMO DE CARVALHO*

LUCIANA JORDÃO DA MOTTA ARMILIATO DE CARVALHO**

INTRODUÇÃO

As diversas políticas edificadas por um governo para um determinado ambiente social formam o conjunto de compromissos que norteiam a atuação dos agentes públicos. Uma política materializa as posturas adotadas pelos atores que participam do ambiente decisório. Aquela, num cenário ideal, deve necessariamente sintetizar os conflitos de interesse e as necessidades do grupo ao qual se destina.

As políticas públicas, como conseqüência, resumem os compromissos governamentais na gestão dos interesses públicos. Tradicionalmente tratadas como questões adstritas às responsabilidades do Executivo, recentemente passaram a integrar a agenda dos sujeitos deslegitimados à atividade. Assim, em diferentes ambientes atores públicos e privados aderiram ao uso de medidas garantidoras de efetividade nos compromissos propositivos.

Este fenômeno não é apenas doméstico, sendo comum nos sistemas da civil law e da common law ações destinadas à garantia e à execução dos compromissos públicos assumidos pelo Estado. Em estruturas políticas democrático-liberais bem consolidadas a ampliação das discussões sobre a efetivação das agendas contratadas pelos governos tem sido reconhecida como intervenção extraordinária de sujeitos não-clássicos na adjudicação de políticas públicas.

Inicialmente, é possível afirmar que as agendas das políticas públicas são fixadas pelo Executivo, numa inversão imprópria à divisão das funções republicanas, com influências endógenas ou exógenas do Legislativo. * Pesquisador da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. ** Defensora Pública do Estado de São Paulo.

Page 120: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

130

Porém, mais recentemente, o Judiciário passou também a influenciar as decisões políticas, ocupando um espaço que, originariamente, deveria ser exercido pelo Executivo. Aqui, durante um determinado período, estudiosos do Law and Economics chegaram a afirmar que as decisões adotadas pelos judiciários de países da common law eram mais eficientes que aquelas adotadas pelos legislativos dos mesmos países.

De qualquer maneira, as deficiências na execução dos compromissos públicos assumidos redundam em algumas possibilidades: I) inefetividade, II) insuficiência, III) não-universalidade, IV) inconstância e V) ineficácia. As qualidades negativas demonstram a falência de uma política pública que redunda, como conseqüência, na insatisfação que chega ao Poder Judiciário e passa a demandar do mesmo um papel mais ativo em substituição aos gestores.

No Brasil, o panorama que se constitui atualmente é o da multiplicação das ações judiciais com a finalidade de assegurar, perante o Poder Judiciário, o cumprimento das políticas públicas de saúde previstas na Constituição Federal de 1988 (CF/88). Com a previsão de que, como direito social, toda pessoa tem direito ao acesso a medicamentos, insumos, equipamentos e demais produtos necessários à preservação da saúde, as demandas judiciais, quando da obstaculização por parte das políticas deficitárias, passam a ser, aparentemente, um dos caminhos mais eficientes à concretização do direito à saúde.

Com a opção realizada pelo Estado de que o fornecimento de medicamentos, através da Política Nacional de Medicamentos (PNM)1, está 1 “Como podemos constatar, historicamente, a assistência farmacêutica vinha sendo desenvolvida

de forma centralizada pela CEME, e se resumia ao binômio aquisição e distribuição de medicamentos, básicos e de programas estratégicos, para os estados. Estes, então, se responsabilizavam pela distribuição dos medicamentos para os municípios, quase sempre utilizando as estruturas regionais para a efetivação desse processo.” [...] “A desarticulação da assistência farmacêutica e a irregularidade no abastecimento de medicamentos no nível ambulatorial culminaram com o processo de desativação da CEME em 1977. Neste momento, o discurso em defesa da consolidação de uma Política Nacional de Medicamentos incorpora novos argumentos, apontando o envelhecimento populacional, o aumento da expectativa de vida, o processo irracional de uso de medicamentos, a dificuldade de acesso aos medicamentos essenciais, as alterações epidemiológicas, visto o surgimento de novas patologias e do recrudescimento de outras, como é o caso da tuberculose, bem como a necessidade de promover o uso racional dos medicamentos essenciais. Assim, no ano seguinte e como resultado de amplo processo de debate, foi publicada a Portaria nº 3916 (Brasil, 1998), a chamada Política Nacional de Medicamentos (PNM), que revelou as intenções do governo com relação ao setor farmacêutico, constituindo-se num guia norteador das ações no campo da assistência farmacêutica. A PNM dispõe sobre as diretrizes, prioridades e responsabilidades das esferas de governo no âmbito do

Page 121: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

131

condicionado ao cumprimento dos requisitos contidos nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas de Dispensação, especialmente no que se refere aos medicamentos de alto custo, o acesso à distribuição tem sido refreado e do Poder Judiciário passou-se a exigir decisões destinadas a concretizar o direito à saúde. A adoção da PNM deu origem a um conjunto relevante de dificuldades e a judicialização das políticas públicas de saúde se fortaleceu neste particular.

Diante das limitações observadas nas políticas públicas da área da saúde, ao Judiciário foi atribuída uma parcela relevante da responsabilidade de equacionar a questão e em última instância “criar políticas públicas”. Esta postura parece problemática.

O presente ensaio objetiva discutir de forma inicial a eficiência das ações judiciais para a concretização do direito social à saúde, o custo social e econômico destas demandas e também a possibilidade de aplicação de soluções cooperativas não-judiciais para o atendimento das necessidades dos destinatários do sistema de saúde. De qualquer maneira, apesar do ensaio estabelecer uma visão panorâmica do sistema nacional de saúde o seu objetivo é identificar os problemas e as soluções observadas no Estado de São Paulo.

Para tanto o presente ensaio será dividido em três momentos. No primeiro, o objetivo é estabelecer uma breve análise sobre os principais problemas observados na busca do Direito à Saúde, sugerindo a existência de uma superlitigação na área. No segundo, pretende apresentar uma análise econômica das ações judiciais tendo como pano de fundo as questões jus-econômicas da eficácia e da eficiência. Por fim, são apresentadas algumas sugestões de natureza cooperativa com o objetivo de mitigar os problemas na área da saúde.

Desde logo é importante indicar que o presente ensaio não se pauta por paradigmas específicos sobre a implementação da política de saúde. Assim, não são utilizados princípios centrados no modelo da “saúde pública” ou da “economia da saúde”. O ensaio não pretende indicar uma solução para o problema que, se estima, deve ampliar-se de forma

Sistema Único de Saúde, propondo o acompanhamento e avaliação da implantação da política. Estabeleceu, portanto, uma estrutura básica à coordenação de atividades em assistência farmacêutica, envolvendo setor público, setor privado e demais atores do campo farmacêutico” (MAYORGA, Paulo et alii. Assistência farmacêutica no SUS: quando se efetivará? In: MISOCZKY, Maria Ceci; BORDIN, Ronaldo. Gestão local em saúde: práticas e reflexões. Porto Alegre: Dacasa, 2004, p.199-201).

Page 122: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

132

geométrica nos próximos anos. Porém, uma informação não pode ser desconsiderada no percurso construído: a reavaliação dos mecanismos judiciais de concretização de políticas públicas é necessária.

1 – LIMITES DE ACESSO AO DIREITO À SAÚDE E O PROBLEMA DA SUPERLITIGAÇÃO

A existência de uma teia relevante de proteção social formada por atores públicos que atuam na área da saúde na esfera municipal, estadual e federal é digna de nota. O período posterior a CF/88 foi marcado por uma crescente busca por melhoras nos sistemas de prestação dos serviços envolvendo a área referida. A alocação obrigatória de recursos e um modelo descentralizado que enfatiza o fortalecimento do espaço da comunidade local permitiu avanços permanentes2.

Não se pode negligenciar também o papel social desempenhado por atores privados – planos de saúde, hospitais, universidades e faculdades, unidades de saúde comunitárias, farmácias populares, fundações, instituições religiosas, associações filantrópicas, organizações não-governamentais – que buscam pontualmente atender aos sujeitos marginalizados pelo sistema público.

O fornecimento à população de medicamentos, tratamentos, insumos e equipamentos necessários ao resguardo da saúde, em seu sentido mais amplo, é uma realidade3. O que se percebe, entretanto, é que o sistema público criado para a proteção do direito social à saúde é limitado. Esta restrição decorre de inúmeros fatores, dentre eles a grandiosidade da rede de proteção, a insuficiência de recursos financeiros, a ausência de

2 “Como parte da política do governo Fernando Henrique de modernização do Estado brasileiro,

que se expressa, entre outros pontos, no repasse de atribuições e recursos para os estados e municípios, os responsáveis pelo setor de saúde vêm dando o seu exemplo, mesmo porque a descentralização e a municipalização da saúde são uma resposta à demanda da sociedade, expressa democraticamente em quatro Conferências Nacionais de Saúde e acolhida em disposições constitucionais e leis ordinárias.” [...] “Por tudo isso tornou-se imperativa a transferência de poder e de recursos da União para os estados e municípios. Contudo, diante das dimensões territoriais e das complexidades brasileiras, esse processo exigiu e continuará exigindo mudanças de várias ordens, pois é sabido que não bastam os instrumentos e as medidas legais para que uma empreitada tenha sucesso” (YUNES, João. O SUS na lógica da descentralização. Estudos Avançados. v.13, n. 35, janeiro/abril 1999, p.67).

3 Para uma visão detalhada das políticas públicas na área da saúde na cidade de São Paulo o ensaio sugere a consulta aos estudos do “Observatório dos Direitos do Cidadão” do Instituto Polis e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os números três, dezenove e vinte e nove apresentam informações relevantes que englobam a análise das gestões Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab.

Page 123: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

133

competência técnica dos gestores, a gestão fraudulenta, a ação isolada dos diversos entes públicos, atuação desconectada das regras de mercado, o desestímulo profissional, além de outros.

Outra questão que afeta a qualidade do sistema é a ausência de planejamento e de estudos sobre as demandas regionalizadas na área da saúde. Apesar da PNM ter sido elaborada através de ampla discussão pública com a participação da comunidade científica brasileira, não houve uma preocupação com as particularidades sociais e culturais de cada região. Aos Estados e aos Municípios resta a tarefa, muitas vezes impossível, em razão da pequena alocação de recursos orçamentários, de adequar a PNM à realidade local.

A existência de um sistema de proteção amplo e bem capilarizado não garante um funcionamento uniforme e adequado. Os vazios públicos, garantidos pelo conjunto de problemas indicados, tornou fundamental o papel do Poder Judiciário na busca de mecanismos de satisfação das demandas urgentes da sociedade na área da saúde. As ações judiciais que buscam a concretização do direito à saúde decorrem, desta forma, das falhas existentes na teia de proteção. Estas ações que começam a solapar o Judiciário demonstram um déficit oceânico na prestação de um serviço de qualidade na área. Mas o conjunto de falhas no sistema é o único motivador da ampliação da judicialização?

O movimento da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil, através da propositura de ações judiciais que buscam a efetivação do mandamento constitucional, é recente. Entretanto, a ineficácia do sistema, é possível afirmar, não é fator exclusivo do aumento do número de ações judiciais propostas.

O acesso inadequado à informação de qualidade4, por exemplo, no caso específico do sistema de dispensação de medicamentos, principalmente onde a carência social estabelece certas limitações, acarreta a 4 “Muito mais interessante do que a menção a essas tecnologias sofisticadas e sem grande substância

é uma tendência que se verifica no âmbito da sociologia política: a introdução de uma abordagem pelo conceito de comunidade epistêmica, para dar conta da complexidade do processo de implementação de políticas públicas. A comunidade epistêmica não é composta exclusivamente de cientistas, o que a diferencia da comunidade científica propriamente dita, com seu consenso paradigmático intersubjetivo, na linha proposta por THOMAS KHUN.” [...] “A comunidade epistêmica, nessa formulação, é composta por profissionais, inclusive cientistas, mas também por políticos, empresários, banqueiros, administradores, dentre outros, que trabalham com um bem fundamental: o conhecimento como instrumento de implementação de políticas” (CARVALHEIRO, José R. Os desafios para a saúde. Estudos Avançados. v.13, n.35, janeiro/abril 1999, p.10).

Page 124: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

134

formação de uma “cultura” de que o único modo de se receber medicamentos é por intermédio do Poder Judiciário. Não há uma informação clara e precisa sobre o que é fornecido, qual é o ente responsável pelo fornecimento, dentro da regra de distribuição de competências, onde este fornecimento ocorre e quais são os requisitos a serem cumpridos para que haja a prestação.

Curiosa é a informação, prestada por muitos destinatários do serviço de assistência jurídica, de que são orientados pelos postos de atendimento público ou pelos profissionais da área da saúde a procurarem, por exemplo, o auxílio das Defensorias Públicas dos Estados ou da União a fim de proporem demandas judiciais que solucionariam a necessidade premente de fornecimento de certos medicamentos, insumos ou tratamentos.

Também não é raro que os interessados busquem as entidades de prestação de assistência jurídica ou advogados particulares sem uma prévia procura administrativa por medicamentos, insumos ou equipamentos. Ou seja, há uma abreviação do caminho, nem sempre da forma mais adequada. O motivo, conforme indicado, é ausência ou a qualidade da informação, o desconhecimento sobre o funcionamento do sistema de saúde e o atendimento inadequado.

As demandas individuais não são, geralmente, a forma mais eficiente para a minimização das falhas do sistema de saúde. Muitas vezes as mesmas são desnecessárias diante da possibilidade de fornecimento administrativo do medicamento, insumo ou equipamento. A satisfação individual do direito do autor, olvidando de um contexto em que uma determinada política pública na área de saúde está inserida, é geralmente problemática. Uma ação individual pode buscar a entrega de um determinado bem que não aquele que os agentes públicos estão aptos a ofertar. Freqüentemente não há garantia de que um tratamento alternativo ou um novo insumo seja mais eficiente que aqueles que regularmente são fornecidos.

Indiretamente, estas demandas individuais fomentam um conjunto de agentes interessados, como a indústria farmacêutica, fornecedores, distribuidores e vendedores de medicamentos e material médico, profissionais da área da saúde e outros. É visivelmente comum a prescrição sazonal de determinados medicamentos, em detrimento de outros que, contendo os mesmos princípios ativos, seriam suficientes ao tratamento de determinadas enfermidades.

Page 125: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

135

Também são comuns as prescrições de utilização de determinados equipamentos de custo elevado5, que não podem ser reaproveitados e que sem uma orientação adequada de utilização e de adaptação, acabam sendo devolvidos aos postos de dispensação após um curto espaço de tempo.

Nos EUA, guardadas as devidas proporções em relação às diferentes tradições jurídicas e à idéia de que o modelo do common law é aparentemente mais eficiente do ponto de vista da maximização das riquezas, um debate importante tem contribuído para observação sobre os limites impostos aos sistemas de saúde por uma incontável quantidade de variáveis. De qualquer maneira, a ampliação infinita na qualidade e na quantidade das demandas na área da saúde tem indicado a necessidade de criação de sistemas especializados de prestação jurisdicional. A eventual criação das Health Courts buscaria repetir a experiência de outros sistemas judiciais especializados.

O crescimento das reclamações contra os fornecedores de assistência à saúde, a má-prática médica6, a litigância contra os planos de saúde, o aumento no valor dos custos médicos, o seguros e os prêmios para área, o exercício da chamada “medicina defensiva”, a grande quantidade de

5 Exemplo desta espécie de prescrição é a bomba de insulina. Indicada para pacientes diabéticos que

necessitam de pequenas doses de medicamento em espaços curtos de tempo, trata-se de equipamento acoplado à cintura do paciente e que ao longo do dia e da noite, realiza administração subcutânea, através de picadas de agulha constantes e localizadas, em um único ponto do corpo. Após um período, há a necessidade de que o equipamento seja instalado em uma nova região, sob pena de que se formem feridas nos locais onde há a constante realização de administração subcutânea. Muitos pacientes, que recebem a indicação de utilização da bomba de insulina, não possuem a informação de como esta funciona e acabam não se adaptando ao equipamento, que não pode ser reutilizado.

6 “Some argue whether the Institute of Medicine (IOM) estimate of 44,000 to 98,000 deaths from medical errors per year is accurate, but most commentators agree that the number of iatrogenic deaths and injuries is very high. Many of these injuries are preventable, and a significant number are caused by negligence.” […] “The health courts proposal discussed by Barringer is based in the end on an exceedingly narrow diagnosis of the basic problem with our current system. The fundamental problem is identifies is jury irrationality, which results in findings of negligence when none is present, irrational inconsistencies in judgment amounts unreasonably large judgments, and the absence of consistent standards of liability that physicians accept as legitimate.” […] “The health courts proposal asserts that it would cut the administrative costs of litigation and speed it up. Reliance on independent experts could cut costs, as could the elimination of juries. Early investigation of claims by screening panels could cut discovery costs.” […] “The proposal does eliminate contingent fees. This should reduce the transactions costs of claims and get more money to malpractice victims” (JOST, Timothy Stoltzfus. Health Courts and Malpractice Claims Adjudication Through Medicare: Some Questions. Journal of Health Care Law & Policy. v.9, 2006, p.280-281, 283, 285.)

Page 126: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

136

pessoas sem planos de saúde, além de outros problemas, têm indicado a necessidade da formação de uma justiça especializada para o atendimento das demandas na área7.

Apesar das diferenças de contexto do Brasil e dos EUA, é importante perceber que em ambos os casos há um aumento importante na judicialização de demandas na área da saúde. Não obstante os motivadores distintos, nos EUA já há uma demonstração de que o Judiciário é incapaz de responder de forma convencional ao problema da superlitigação.

No Brasil, em síntese, é possível afirmar que, apesar de existir uma rede relevante de acesso aos serviços de saúde, a mesma apresenta falhas de diversas espécies. Algumas destas falhas motivam uma ampliação do processo de judicialização de demandas individuais. Estas podem, eventualmente, ser consideradas ineficazes quando atendem a certas necessidades individuais sem atentar para questões coletivas ou de interesse maior. Não é possível afirmar que a judicialização de demandas na área da saúde vem sendo fomentada, porém, é preocupante a abreviação dos mecanismos de atendimento individual em nome de um interesse particular nem sempre equilibrado como o coletivo.

Discutindo a judicialização excessiva na busca pelo direito à saúde, BARROSO conclui que: I) as pessoas necessitadas podem postular em ações judiciais individuais os medicamentos previstos nas listas elaboradas pelo poder público; II) uma medida excepcional, no âmbito das ações coletivas

7 “These concerns have prompted numerous observers to suggest the establishment of special

health courts as a potentially efficacious response to the allegedly unreliable medical justice system. Central to this idea are judges, who possess specialized training in the medical malpractice issues which they would confront and who exclusively adjudicate health care suits. The jurists would ascertain law and facts without juries. The judges would define and construe the relevant standards of care in malpractice litigation by hearing the testimony of neutral experts whom the court would hire and reimburse and whom the judges would examine in individual cases, thus eliminating the purportedly unreliable and costly phenomenon of “dueling experts” (TOBIAS, Carl W. Health Courts: Panacea or Palliative? University of Richmond Law Review. Vol. 40, 2005, p. 50). “Over the past few decades, there have been repeated proposals to remover judicial system entirely. These claims, most of which are negligence claims, are traditionally brought in state courts and appear before a jury. The proposals typically focus on removing the claims from the jury and creating alternate tribunals for adjudications.” […] “On June 29, 2005, Senator Enzi (R-Wyoming) introduced legislation that would grant federal money to states in order for the states to implement specialized health courts. This legislation, the “Fair and Reliable Medical Justice Act,” outlines four models for the states to use as templates in order to devise a tort alternative for medical malpractice” (WIDMAN, Amy. Why Health Courts are Unconstitutional. Pace Law Review. Vol. 27, 2006, p.55-56).

Page 127: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

137

e/ou de ações abstratas de controle de constitucionalidade, é discutir a inclusão de novos medicamentos nas listas; III) o Judiciário só pode determinar, no caso de modificação de listas, o fornecimento de medicamentos de eficácia comprovada no caso de ações coletivas ou abstratas, atentando para as questões de custo8. A análise de BARROSO pode ser estendia para tratamentos ou intervenções que não são clinicamente reconhecidos ou que possuam ainda duvidosa eficácia.

Efetivamente não há um conjunto de estudos sistemáticos que permitam fazer inferências completas sobre a forma como as limitações ou os problemas no fornecimento adequado de um direito à saúde impacta no Judiciário. Porém, já há um consenso em torno de uma ampliação considerável do número de demandas e conseqüentemente uma piora na qualidade da prestação de um serviço judiciário e no atendimento das Defensorias Públicas, pelos indícios de um processo de fortalecimento das práticas de judicialização.

2 – UMA ANÁLISE ECONÔMICA DAS AÇÕES JUDICIAIS: EFICÁCIA VERSUS EFICIÊNCIA

A CF/88 afirma que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O dispositivo constitucional, para grande parcela da doutrina, possui imperatividade em seus efeitos. É norma, segundo a expressão utilizada por BARCELLOS9, que possui “eficácia jurídica simétrica ou positiva”, ou seja,

8 “Foi nessa linha que entendeu a Ministra Ellen Gracie na SS 3073/RN, considerando inadequado

fornecer medicamento que não constava na lista do Programa de Dispensação em Caráter Excepcional do Ministério da Saúde.” [...] “A princípio, não poderia haver interferência casuística do Judiciário na distribuição de medicamentos que estejam fora da lista.” [...] “Um dos aspectos elementares a serem considerados pelo Judiciário ao discutir a alteração das listas elaboradas pelo Poder Público envolve, por evidente, a comprovada eficácia das substâncias. Nesse sentido, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça suspendeu liminar em ação civil pública que obrigava o Estado a distribuir Interferon Perguildo ao invés do Interferon Comum, este já fornecido gratuitamente” (BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Interesse Público. n.46, nov./dez. 2007, p.56, 59, 61).

9 “Esta é a regra geral em matéria de eficácia jurídica, como já se referiu, e a essa modalidade se estará denominando de positiva ou simétrica. Como é fácil perceber, na escala decrescente de consistência que se apresenta, a eficácia simétrica ou positiva ocupa a primeira colocação. Isto porque ela é a que mais eficazmente é capaz de produzir o efeito original desejado pelo enunciado normativo. Ora: se o Estado de Direito pressupõe a capacidade de impor coativamente as determinações estabelecidas pela ordem jurídica, a eficácia simétrica ou positiva é o instrumento que melhor realiza esse desiderato. Exatamente por esse motivo é que ela deverá ter a eficácia associada, como regra, aos enunciados em geral, salvo quando haja razões consistentes

Page 128: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

138

está absolutamente apta a produzir de forma eficaz o efeito originalmente desejado pelo enunciado normativo.

Mas a discussão que hoje se apresenta, em razão do quadro do sistema de saúde no Brasil, é qual o limite de eficácia que a norma constitucional poderá produzir? Pode-se afirmar, em razão da eficácia positiva ou simétrica do direito à saúde previsto na CF/88, a existência da obrigatoriedade de que todo e qualquer medicamento, tratamento, insumo ou equipamento seja fornecido administrativa ou judicialmente?

A resposta que se apresenta não pode ser positiva. Seria irracional afirmar que qualquer medicamento, insumo ou equipamento deva ser fornecido para que haja o integral cumprimento da norma constitucional que agasalhou o direito integral à saúde, mesmo em se tratando de norma constitucional positiva ou simétrica.

Por óbvio, o mínimo existencial social deve ser assegurado pela norma em análise. Dentro deste mínimo, há de se considerar imperativo o fornecimento dos itens que racionalmente possam ser considerados necessários aos destinatários individuais ou coletivos da tutela.

Como conseqüência é preciso realizar uma aproximação entre eficácia e eficiência, entre direito e economia. Apesar de se tratar de tema ainda pouco discutido no que se refere às normas constitucionais, os conceitos econômicos também podem ser utilizados para que seja realizada uma adequada aplicação das normas previstas na CF/88.

Com a utilização de conceitos econômicos como o da “racionalidade”, há uma maior possibilidade de concretização de um bem-estar coletivo, por intermédio da “maximização das utilidades”10 e da “eficiência alocativa”11.

em contrário” (BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p.75-76).

10 “Economists usually assume that each actor maximizes something: consumers maximize utility (i.e. happiness or satisfaction); firms maximize profits, politicians maximize votes, bureaucracies maximize revenues, charities maximize social welfare, and so forth. Economists often say that models assuming maximizing behavior work because most people are rational, and rationality requires maximization. Different people want different things, such as wealth, power, fame, love, happiness, and so on. The alternatives faced by an economic decision-maker give her different amounts of what she wants. One conception of rationality holds that a rational actor can rank alternatives according to the extent that they give her what she wants. In practice, the alternatives available to the actor are constrained. For example, a rational consumer can rank alternative bundles of consumer goods, and the consumers budget constrains her choice among them. A rational consumer should choose the best alternative that the constraints allow. Another common way of understanding this conception of rational behavior is to recognize that consumers choose alternatives that are well-suited to achieving their ends.” […] “Choosing the best alternative that

Page 129: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

139

Através desta construção, os conceitos de “eficácia” e de “eficiência” se aproximam12.

A eficiência, em termos econômicos, possui diversas noções. Primeiramente, há a noção de eficiência produtiva. Há, também, a noção de eficiência ótima e de superioridade de PARETO, além da noção de eficiência de KALDOR-HICKS. Todas estas noções implicam a classificação de um “estado de coisas”. Para ROEMER:

“Las tres nociones implican la clasificación de un estado de cosas. Un estado de cosas P es superior, en términos de Pareto a otro estado, Q, si y solo si el moverse de P a Q no deja a ningún individuo peor que antes y hace que por lo menos una persona mejore (a juzgar por la concepción que cada individuo tiene de su propio bienestar). En otras palabras, P es superior en términos de

the constraints allow can be described mathematically as maximizing. To see why, consider that the real numbers can be ranked from small to large, just as the rational consumer ranks alternatives according to the extent that they give her what she wants. Consequently, better alternatives can be associated with larger numbers. Economists call this association a “utility function”, about which we shall say more the following section. Furthermore, the constraint on choice can usually be expressed mathematically as a “feasibility constraint. Choosing the best alternative that he constraints allow corresponds to maximizing the utility function subject to the feasibility constraint. So, the consumer who goes shopping is said to maximize utility subject to her budget constraint.” (COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. 4.ed. Boston: Addison-Wesley, 2003, p. 15).

11 SZTAJN, Rachel. Law and Economics. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel (Org.). Direito e Economia: análise econômica do direito e das organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p.76.

12 “Por que, então, não associar eficácia à eficiência na produção de normas jurídicas? Eficácia como aptidão para produzir efeitos e eficiência como aptidão para atingir o melhor resultado com o mínimo de erros ou perdas, obter ou visar ao melhor rendimento, alcançar a função prevista de maneira a mais produtiva. Elas deveriam ser metas de qualquer sistema jurídico. A perda de recursos/esforços representa custo social, indesejável sob qualquer perspectiva que se empregue para avaliar os efeitos.” (Idem, p. 81.) “A análise econômica se divide em duas grandes abordagens: uma positiva e outra normativa. Aplicada ao direito, a primeira prediz os efeitos das várias regras legais, por exemplo sobre como os agentes econômicos vão reagir a mudanças nas leis e na sua aplicação. Uma análise econômica positiva das regras de indenização, em matéria de responsabilidade civil deve poder predizer os efeitos das normas de responsabilidade objetiva e subjetiva sobre as condutas (ou comportamentos) de negligência. Já a corrente normativa vai adiante e procura estabelecer recomendações de política e de regras legais baseadas nas suas conseqüências econômicas, caso sejam adotadas. Não por outra razão, esta corrente estabelece como princípio o uso da expressão “eficiência” – extensivamente usada neste livro –, possuidora de duas conotações importantes, também discutidas adiante: a eficiência de Pareto, aquela na qual a posição de A melhora sem prejuízo de B, e a chamada eficiência de Kaldor-Hicks, na qual o produto da vitória de A excede os prejuízos da derrota de B, aumentando, portanto, o excedente total” (PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e Mercados. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p.88).

Page 130: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

140

Pareto a Q si nadie prefiere Q a P, y si por lo menos una persona prefiere P a Q. Un estado de cosas es óptimo en términos de Pareto si ningún otro estado es superior a él en términos de Pareto; es decir, si cualquier alejamiento con respecto a ese estado de cosas hace que por lo menos un individuo empeore. Si los estados de cosas pudieran clasificarse solo por los estándares paretianos, la mayoría, si no todos los cambios que ocurren en el mundo real, no serían comparables. La mayor parte de las políticas del mundo real producen ganadores y perdedores y los criterios de Pareto no nos pueden ayudar para evaluarlos. Para hacer frente a este problema, KALDOR-HICKS-SCITOVSKY desarrollaron la idea de compensación potencial”13.

Para KALDOR-HICKS, a eficiência possui ligação direta com a compensação potencial e amplia a noção de eficiência de PARETO, ao permitir a comparação entre os estados de coisas tanto com relação aos “ganhadores” quanto com relação aos “perdedores”. Segundo esta noção, um estado de coisas é preferível a outro, em termos de eficiência, se no segundo estado de coisas os “ganhadores” puderem compensar os “perdedores”. Esta noção de eficiência exige, portanto, que os “ganhadores” forneçam alguma espécie de compensação aos “perdedores” e, em razão disto, é criticada por parte da doutrina que entende ser inaplicável qualquer método de conciliação de políticas que impliquem a coerção dos “perdedores” pelos “ganhadores” em um estado de coisas, por não haver nexo de intercâmbio nem tampouco resolução contratual.

A tradução mais elementar das teorias econômicas indica que a utilização de mecanismos individuais e mesmo coletivos que privilegiam demandantes ativos judicialmente é relativamente inadequada quando existem políticas públicas em uma determinada área social. O conceito de eficiência é suficiente à demonstração de que as opções de judicialização que estão sendo utilizadas para a concretização do direito constitucional à saúde não são adequadas. A excessiva litigação neste particular afasta a prestação do direito à saúde da eficiência que dela se deveria esperar14. 13 ROEMER, Andrés. Introducción al análisis enonómico del derecho. México: Fondo de Cultura

Econômica, 1998, p.26-27. 14 SCHWARTZ lembra que há uma sólida garantia legal constituída em torno da efetivação sanitária e

que a utilização do Poder Judiciário seria desnecessária na hipótese de um fiel cumprimento das políticas públicas na área. SCHWARTZ comenta o argumento dos que defendem a responsabilidade exclusiva do Poder Executivo neste particular e rebate a questão considerando o direito à saúde muito complexo para atuação de um dos poderes da república. “Ao Poder Judiciário caberá a

Page 131: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

141

Através das fórmulas e raciocínios anteriores é possível deduzir que uma demanda judicial julgada procedente para o atendimento das necessidades de um indivíduo seja ineficiente do ponto de vista econômico. A satisfação pontual de um sujeito determina como conseqüência um estado de coisas mais problemático para a coletividade que passa a uma condição mais precária, já que os recursos orçamentários que poderiam ser alocados para o tratamento de muitos são destinados exclusivamente ao tratamento de um.

Em síntese, as ações que procuram o fornecimento coercitivo de medicamentos, insumos e equipamentos para a concretização do mandamento constitucional estabelecem uma inversão na política pública já que garantem o atendimento individual em prejuízo à coletividade. Um “estado de coisas mais precário” é estabelecido além do custo da utilização das instituições que possuem altas despesas para o seu funcionamento.

Na hipótese de uma demonstração precisa de riscos e de uma negativa infundada por parte do agente público em adotar todos os meios para assegurar a manutenção da vida e da integridade física do sujeito, o Judiciário deve garantir medidas que obriguem os entes públicos a cumprirem suas funções. Porém, num ambiente de normalidade e de funcionamento ótimo, o mecanismo mais adequado de consecução dos objetivos da política pública na área da saúde é a via administrativa. Ou seja, as ações judiciais devem ser um mecanismo secundário e nunca primário de satisfação do direito à saúde.

Portanto, a eficácia da norma constitucional que assegura o direito à saúde deve ser interpretada na exata medida de sua eficiência. A conjugação destas duas noções deve ser o ponto de partida para a concretização deste direito. A racionalização de meios, em hipótese nenhuma, significa uma postura contrária à dignidade humana ou aos interesses legalmente garantidos a cada cidadão. A escassez de recursos e as diversas limitações observadas na teia de proteção social devem ser solucionadas através de mecanismos mais racionais e não mediante posturas de privilegiam um utilitarismo inadequado para nossa realidade.

função de corrigir as eventuais desigualdades ocorridas no campo sanitário, desde que provocado. Isso porque é um órgão com competência e legitimação para tal.” Ressalta o autor que a atuação do Judiciário é posterior, é secundária e não complementar à constatação de que as ações do Poder Executivo são insuficientes (SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.156-164).

Page 132: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

142

3 – SOLUÇÕES COOPERATIVAS: UMA ALTERNATIVA À SUPERLITIGAÇÃO?

O modelo atual de satisfação dos interesses dos destinatários não atendidos pelo sistema de saúde é relativamente ineficiente. A não-observação das necessidades individuais ou mesmo coletivas de determinados sujeitos ou grupos nem sempre tem administrativamente um encaminhamento célere e pleno.

Como conseqüência, o conflito de interesse surge e não raro o caminho da judicialização é o mecanismo prioritário de busca de satisfação de certas necessidades na área da saúde. Tal postura é aceitável em função do valor dos bens ameaçados, quais sejam: a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana.

Não se pode considerar equivocada a busca de uma satisfação dos interesses particulares e coletivos, envolvendo os bens tutelados, por intermédio do Poder Judiciário, quando exista, por mais infundada que seja, qualquer hipótese ameaça aos bens referidos.

Porém é importante notar que os mecanismos de satisfação de interesse por intermédio do Poder Judiciário são ineficientes. Os mesmos atendem de forma particular, fora de um contexto previamente estabelecido e planejado pelos agentes públicos em acordo com a sociedade, independentemente de existirem certas políticas públicas.

A criação destas por intermédio do Poder Judiciário é uma postura que deve ser considerada um mecanismo completamente ineficiente de solução de conflitos na área da saúde. A formação de um ambiente de valorização da judicialização é contrária ao interesse coletivo já que prioriza a resolução de necessidades individuais. O utilitarismo, levado a efeito quando da judicialização, é um fenômeno inadequado na organização social brasileira, conforme indicado.

Alternativamente, algumas sugestões aparecem apontar para cenários que somente fazem uso de mecanismos judiciais em situações de extremo desmando administrativo ou desrespeito aos ditames legais. Ações cooperativas, soluções administrativas, apoio para o equacionamento de problemas pontuais nas comunidades, atividades interagenciais, descentralização radical da gestão do sistema de saúde, melhora na qualidade da informação, melhora na qualidade do atendimento, transparência e simplificação das informações envolvendo compras de insumos para a área da saúde, educação para o direito à saúde, além de

Page 133: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

143

outras posturas e ações podem trazer resultados mais eficientes na tutela dos interesses particulares e coletivos15.

Algumas iniciativas são consideradas paradigmáticas no estado de São Paulo em função da criatividade e de um cálculo de eficiência na alocação de recursos públicos. As mesmas produzem externalidades positivas já que fortalecem o espaço da comunidade com base na organização e na luta pelo permanente atendimento aos interesses da prestação de um serviço público de qualidade.

O modelo individual-utilitarista, que é garantido pelo acesso ilimitado ao Poder Judiciário, é freqüentemente pobre no espraiamento de vantagens coletivas. Ressalte-se que tal tese é defendida para situações em que há uma percepção de que a normalidade da prestação do serviço administrativo é garantida, independentemente da existência de falhas e graves problemas na teia de proteção social.

Uma experiência interessante é o eventual fornecimento de meios para a produção de determinados insumos e não o fornecimento dos mesmos. Certamente que tal postura é muito restrita, já que a grande maioria dos insumos exige um grande aparato técnico para a sua fabricação. Eventualmente, insumos simples como “fraldas descartáveis” podem não ser fornecidos pelo sistema público por razões técnicas, por questões de “competências assistenciais” não bem resolvidas ou em função dos Protocolos Clínicos que não estabelecem a possibilidade de provimento ambulatorial. Certamente que este insumo é absolutamente pertinente à dignidade humana em determinadas situações. Neste caso limite há uma demonstração de ausência de razoabilidade através da opção pelo não-fornecimento.

No estado de São Paulo uma quantidade significativa de procedimentos judiciais com pedidos de tutela de urgência é patrocinada pela Defensoria Pública com o objetivo de solicitar o fornecimento compulsório de fraldas descartáveis para portadores de necessidades especiais. A pretensão resistida necessariamente origina uma grande

15 Para exemplos de atividades cooperativas na área da saúde o ensaio sugere: NEVES, Luiz

Antonio; RIBEIRO, José Mendes. Consórcios de saúde: estudo de caso exitoso. Cadernos de Saúde Pública. Out. 2006, v.22, n.10, p.2207-2217; GUIMARÃES, Luisa; GIOVANELLA, Lígia. Entre a cooperação e a competição: percursos da descentralização do setor saúde no Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública. Out. 2004, vol. 16, n.4, p. 283-288; FARIAS, Luís Otávio; MELAMED, Clarice. Segmentação de mercados da assistência à saúde no Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva. 2003, vol. 8, n.2, p. 585-598.

Page 134: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

144

quantidade de demandas. Evitar uma superlitigação neste particular é uma postura que poderia garantir uma melhora na qualidade do fornecimento administrativo e uma eventual colaboração para racionalizar as proposituras utilizando as estruturas públicas para outras espécies de demandas.

A Secretaria de Saúde do Estado adotou posturas drásticas em alguns casos. Buscando evitar demandas de determinados grupos, passou a fornecer maquinário para a fabricação de fraldas, em projetos experimentais. A responsabilidade passou a ser dos próprios destinatários ou de uma rede de solidariedade envolvida no apoio recíproco aos atendidos pelo sistema. A medida ainda estabelece externalidades superiores àquelas descritas, como a organização social de demandas, a educação para a cidadania, a cooperação para busca equilibrada de soluções e a racionalização do uso dos recursos públicos.

No estado de São Paulo, a Defensoria Pública é responsável também pela propositura de inúmeras ações judiciais, que visam a garantir à população carente o acesso aos medicamentos, insumos e equipamentos necessários à manutenção da higidez física e mental.

Em razão de uma opção técnica, estas ações são promovidas, de regra, em face do estado de São Paulo. Com o aumento da demanda de ações judiciais propostas, a Secretaria de Saúde do Estado e a Defensoria Pública iniciaram a implementação de um projeto piloto, na capital, através de um termo de cooperação firmado entre as duas instituições. Trata-se de experiência cooperativa que busca, de forma prévia e experimental, afastar a necessidade de propositura de ações judiciais para que a população tenha acesso ao previsto na CF/88 sem a necessidade de demandas específicas.

A partir do mês de março de 2008, uma equipe da Secretaria de Saúde do Estado passou a atender a população que busca o atendimento da Defensoria, nas dependências da sede da instituição, na capital paulista. Após a realização de uma triagem feita por defensores públicos, os destinatários do serviço que informarem a intenção de propor demandas para o fornecimento de medicamentos, insumos e equipamentos são encaminhados para um atendimento prévio pela Secretaria de Saúde do Estado.

Neste atendimento, um profissional da área da saúde analisa a documentação do destinatário, a demanda apresentada e o encaminha para

Page 135: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 DOUT R IN A DIR EIT O SOC IAL

OUT./DEZ. 2008

145

o pólo de dispensação responsável pelo fornecimento da medicação, insumo ou equipamento solicitado.

Caso seja verificada a impossibilidade de fornecimento do produto solicitado, em razão das regras previstas na PNM, a Secretaria de Saúde do Estado fornece, de imediato, uma negativa escrita indicando a motivação do ato. Somente para os destinatários que tenham recebido a negativa formal de fornecimento é que serão propostas, pela Defensoria Pública, as ações judiciais correspondentes.

A medida permite à Secretaria de Saúde uma ação de antecipação das demandas de modo a evitar as ações judiciais16 e também permite à Defensoria Pública do Estado uma otimização da prestação de assistência jurídica à população considerada carente.

A cooperação firmada entre as duas instituições possibilita a eficiente prestação do serviço de saúde à população carente, com o abreviamento de uma desnecessária demanda judicial a fim de se pleitear o fornecimento compulsório de medicamentos, insumos e equipamentos. A via judicial volta a ser, neste caso, a escolhida para as situações em que não há qualquer probabilidade de fornecimento administrativo dos produtos necessários à manutenção da saúde do destinatário do serviço.

4 – CONCLUSÕES

A existência de uma teia de proteção social na área da saúde é materializada por intermédio da ação de atores, públicos e privados, que estabelecem mecanismos e instituições destinadas a garantir o preceito constitucional da promoção, proteção e recuperação da saúde. Como direito social, o preceito surte efeitos imediatos para a garantia do mínimo existencial. Aos atores públicos resta a responsabilidade de buscar atender de forma plena e universal a integralidade da comunidade destinatária do direito à saúde.

Os problemas de diversas ordens e a natureza do bem em risco fortalecem as teses da busca por soluções a qualquer custo. A consolidação da experiência da superlitigação, no atendimento ao particular, passou a ganhar densidade qualitativa e numérica. O aumento das demandas judiciais propostas com o objetivo de concretizar, imperativamente, o 16 Somente para ilustrar, na primeira semana em que o serviço foi oferecido aos destinatários da

Defensoria Pública do Estado, todos os casos foram encaminhados para a retirada administrativa de medicamentos, insumos e equipamentos, em um dos pólos de dispensação da cidade, demonstrando a desnecessidade da propositura de ações judiciais.

Page 136: M ARUZA UBIA AVASSANA - bdr.sintese.com 32 - Doutrina Direito Social.pdf · Em 1890, o Decreto 221, de 26 de fevereiro, dispõe sobre a ... Entre os anos de 1930 e 1940, as caixas

REVISTA DE DIREITO SOCIAL 32 OUT./DEZ.2008

DOUT R IN A DIR EIT O

SOC IAL

146

mandamento constitucional de proteção à saúde sugere a necessidade de uma análise sobre a eficácia dos métodos adotados. Ou seja, não se deve questionar o ideal da satisfação utilitarista como modelo assecuratório de interesses particulares?

Utilizando alguns conceitos econômicos, é possível demonstrar que a judicialização das demandas na área da saúde não é eficiente. Mas, por que a lei e as políticas públicas na área de saúde devem promover a eficiência? Existe realmente a necessidade de que conceitos econômicos sejam utilizados a fim de racionalizar a concretização de um direito social de primeira magnitude? Neste particular, há um conflito de natureza moral ao confrontar racionalidade e interesse individual à saúde?

A resposta depende do modelo de visão de sociedade que se pretende construir. De qualquer maneira, a busca da eficiência se justifica quando se percebe que os meios que estão sendo utilizados para implementar as políticas públicas na área de saúde poderão acarretar um enfraquecimento do senso do coletivo, uma piora na qualidade da prestação jurisdicional e a desestabilização das política públicas.

Não se nega neste ensaio que as ações judiciais na área da saúde desempenhem, hoje, um papel de correção da gestão da política pública deficitária e que são, em muitos casos, a única via para a proteção do direito à vida, à saúde e à dignidade. Porém racionalizar o uso das mesmas e buscar, através destas, a máxima eficiência alocativa é uma medida que deve ser adotada para que haja o respeito integral ao direito da coletividade.

Por fim, é importante perceber que outros métodos eficientes podem ser fomentados e a implementação de soluções cooperativas, como a relatada neste ensaio, deve ser estimulada. Permitir uma aproximação entre todos os atores e a discussão republicana dos problemas existentes na área da saúde possibilita uma otimização da prestação dos serviços e legitima a gestão do interesse coletivo.