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Revista SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL ANO XIII – Nº 92 – NOV-DEZ 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Superior Tribunal de Justiça – Nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2007 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Simone Costa Salleti Oliveira CONSELHO EDITORIAL Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Daniel Carvalho Monteiro de Andrade, Eulâmpio Rodrigues Filho, Felipe Scalabrin, Gabriela Oliveira Freitas, José Basílio Gonçalves, Leonardo Oliveira Soares, Luciano Nardi Comunello, Norman A. Martínez Gutiérrez, Priscila Gonçalves de Castro ISSN 2179-166X

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Revista SÍNTESE Direito Civil e ProCessual Civil

ano Xiii – nº 92 – nov-Dez 2014

rePositório autorizaDo De JurisPruDênCia

Superior Tribunal de Justiça – Nº 45/2000Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 20/2001

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040-0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 19/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 07/0042596-9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2007

Diretor eXeCutivo Elton José Donato

Gerente eDitorial e De Consultoria Eliane Beltramini

CoorDenaDor eDitorial Cristiano Basaglia

eDitora Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho eDitorial

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela,

José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo,

Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

ColaboraDores Desta eDição

Daniel Carvalho Monteiro de Andrade, Eulâmpio Rodrigues Filho, Felipe Scalabrin, Gabriela Oliveira Freitas, José Basílio Gonçalves, Leonardo Oliveira Soares,

Luciano Nardi Comunello, Norman A. Martínez Gutiérrez, Priscila Gonçalves de Castro

ISSN 2179-166X

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1999 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 13, n. 92, nov./dez. 2014

ISSN 2179-166X

1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil

CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347

(Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Honorários de sucumbência são aqueles que o vencido tem que pa-gar ao vencedor para que este seja reembolsado dos gastos que teve com a contratação do advogado que defendeu seus interesses no processo. Esses valores são negociados privativamente entre o cliente e seus advogados. O que ele faz quando determina à parte que perdeu a pagar a sucumbência é simplesmente estimar o valor do que é razoável.

Honorários advocatícios são os devidos ao profissional em razão dos serviços pelos quais foi contratado, ou seja, pelos serviços que vier a prestar ao cliente, em juízo ou fora dele.

Nesta edição, elegemos como Assunto Especial o tema “Honorários – Sucumbenciais e Advocatícios”, trazendo artigos de José Basílio Gonçalves e Eulâmpio Rodrigues Filho.

Na Parte Geral, selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Norman A. Martínez Gutiérrez, Priscila Gonçalves de Castro, Gabriela Oliveira Freitas, Luciano Nardi Comunello, Daniel Carvalho Monteiro de Andrade e Felipe Scalabrin.

E, ainda, na Seção Especial “Com a Palavra, o Procurador”, de auto-ria de Leonardo Oliveira Soares, intitulado “Alterações Legislativas e uma (Nova?) Observação Geral de Ordem Deontológica”.

Não deixe de ver nossa Seção Bibliografia Complementar, que traz sugestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Honorários – sucumbenciais e advocatícios

doutrinas

1. Honorários Sucumbenciais?!José Basílio Gonçalves ...............................................................................9

2. Honorários Advocatícios em Exceção de Não ExecutividadeEulâmpio Rodrigues Filho.........................................................................19

Jurisprudência

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................27

2. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................33

3. Ementário .................................................................................................39

Parte Geraldoutrinas

1. Limitação da Responsabilidade Civil Relativa ao Transporte de Passageiros e Suas Bagagens por Via Marítima: Convenção de Atenas 2002Norman A. Martínez Gutiérrez e Priscila Gonçalves de Castro .................45

2. Os Efeitos do Provimento Jurisdicional no Processo Coletivo e a Incompatibilidade da Sistemática dos Recursos RepetitivosGabriela Oliveira Freitas ..........................................................................67

3. Medidas Cautelares e Procedimento ArbitralLuciano Nardi Comunello ........................................................................83

4. Responsabilidade Civil por Atos da Ditadura Militar Brasileira: Análise de um Julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisDaniel Carvalho Monteiro de Andrade .....................................................95

5. Arrematação por Preço Vil na Execução CivilFelipe Scalabrin ......................................................................................107

Jurisprudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................132

2. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................141

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3. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1524. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1585. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1646. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................170ementário

1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial ............176

Seção Especialcom a palavra, o procurador

1. Alterações Legislativas e uma (Nova?) Observação Geral de Ordem DeontológicaLeonardo Oliveira Soares .......................................................................208

Clipping Jurídico ..............................................................................................218

Bibliografia Complementar ..................................................................................225

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................226

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Honorários – Sucumbenciais e Advocatícios

Honorários Sucumbenciais?!

JOSÉ BASÍLIO GONÇALVESPós-Graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade de Cuiabá, Procura-dor de Justiça do Estado de Mato Grosso, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina/PR (UEL).

RESUMO: Os litigantes vencidos pela Defensoria Pública têm sido onerados com as “verbas sucum-benciais” mencionadas pelo art. 4º, XXI, da Lei Complementar nº 80/1994. O qualificativo “sucum-bencial” tem conseguido emprestar aparência de legitimidade à exigência. Engana os atingidos e os submete a ditames sentenciais que, porém, conforme despretensiosamente entendemos, realizam puro confisco estatal. É o que nos propomos a demonstrar.

PALAVRAS-CHAVE: Honorários sucumbenciais; Defensoria Pública; confisco estatal.

KEYWORDS: Defeat fees; Public Defender; confiscation state.

ABSTRACT: The litigants overcame by the public advocacy have been burdened with the “winner fees” mentioned by Art. 4, XXI, of the Supplementary Law nº 80/1994. The designation has managed to lend the appearance of legitimacy to the exaction. Mislead those affected that submits to dictates sentential that however as we unpretentiously understand performs pure state confiscation. That’s what we intend to demonstrate.

No desempenho do cargo, de vez em quando nos defrontamos com recursos mediante os quais a Defensoria Pública peleja por honorários su-cumbenciais. Com o tempo, essa pretensão passou a incomodar. Honorá-rios de sucumbência para órgão estatal?!

É certo que há uma previsão legal. Mas previsão legal, em si, é fator de legitimação apenas relativa. O que legitima e garante mesmo o objeto de uma previsão legal é a sua conformidade com a axiologia que lhe tente dar sentido.

Conforme a conclusão que alcançamos ao examiná-los perante o sis-tema, máxima vênia dos entendimentos contrários, os honorários de sucum-bência que a Lei Complementar nº 80/1994 afirma devidos à Defensoria Pú-blica parecem rejeitados por ele. Para um melhor entendimento da questão, olhemos o trato jurídico que ela recebeu ao longo do tempo.

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No regime processual anterior à Lei nº 8.906/1994, ditos honorários representavam verba compensatória de despesa que a parte vencedora da demanda tivera com o pagamento de seu advogado. Por isso que, para pô--la no bolso, tal advogado precisava contratar com seu constituinte a cessão do respectivo crédito. Entretanto, a avença não saía do estrito âmbito da relação entre os contratantes, no qual era resolvida. O julgamento da causa não a conhecia. Conferia a verba sucumbencial à parte vencedora, segundo a lei processual comandava.

Observa-se, pois, que, segundo a lógica mais elementar, a obrigação de pagar honorários de sucumbência não era consequência automática da derrota processual. Dependia de que a parte vencedora houvesse utilizado trabalho advocatício prestado por profissional liberal. Se nem sempre isto era levado em conta é outra coisa. Relevante é que, diante do sistema pro-cessual, a obrigação de pagar sucumbência tinha natureza compensatória, pois, quando menos, reduzia o prejuízo a que o vencedor da demanda fora levado pelo vencido, ocorrência que se presumia da só presença de um pro-fissional que o tivesse representado, exercitando liberalmente a profissão. A atuação dele era suficiente a justificar os honorários sucumbenciais. Em muitos casos, a insuficiência econômica da parte levava o advogado a atuar por conta exclusivamente deles.

Óbvia consequência disso, pois, era que não se podia falar em ho-norários sucumbenciais quando a parte vencedora houvesse se servido de defensor dativo, mesmo quando nomeado entre profissionais liberais. Não havia despesa a compensar. Evidente, então, que também a assistência pro-movida por defensor público não conseguia rendê-los.

Esse silogismo inelutável vedava honorários de sucumbência também à Fazenda Pública, quando vencedora de demanda em que se fizesse de-fender por procurador integrante de seus próprios quadros, eis que remune-rados em folha. O trabalho que assim produziam não vencia os limites do simples exercício funcional.

Mas, a despeito disso, a prática consistente em contemplar a Fazenda Pública com honorários sucumbenciais generalizou-se e tornou-se tradição forense, efeito, com todo respeito, de indevida aplicação do art. 20 do Có-digo de Processo Civil. A questão não admitia interpretação analógica. O que se fazia mesmo era pura e simplesmente desconsiderar a inexistência do fato gerador da obrigação.

Vigente a Lei nº 8.906/1994, tal verba perdeu o caráter compensató-rio. No lugar de repor ou reduzir despesa remuneratória de serviço advo-

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catício utilizado pelo vencedor do litígio, como antes, passou a representar salário que o sucumbente paga ao advogado do vencedor.

Segundo vemos, tal reforma colocou um lacre definitivo no túmulo dos honorários sucumbenciais pretendidos pela Fazenda e Defensoria Pú-blicas. Se já era racionalmente impossível, cogitar sobre eles, hoje, é delirar.

E, de fato, relativamente à Defensoria Pública, o próprio preceito le-gal que os prevê – art. 4º, XXI, da LCN 80/1994 – diz tratar-se de verba que não remunera ninguém. Ele mesmo a compromete com o aparelhamento do órgão e a capacitação de seus membros e servidores. Quem é que consegue entrever nisso qualquer traço de remuneração de serviço profissional?

A partir daqui, pois, as pedras começam a aparecer no caminho aber-to pelo preceito complementar referido, e em quantidade cada vez maior!

Com o seu conteúdo estritamente salarial, a quem a verba sucum-bencial poderia aproveitar na Defensoria Pública? A interrogação alcança o restante do ente estatal e as entidades autônomas da administração indireta. Defensores públicos e procuradores, sejam fazendários ou autárquicos, re-cebem exclusivamente do Estado pela função que desempenham. A Cons-tituição lhes proíbe rendimentos ou vantagens extras de quaisquer espécies pelo exercício funcional, ao qual, aliás, não podem somar outra atividade remunerada, mesmo que privada – arts. 134, § 1º, e 135. E se não podem so-mar remuneração extra aos seus subsídios, menos ainda o podem os órgãos e as entidades que integram, os quais não dependem de qualquer dos en-cargos que identificam a natureza jus-econômica da remuneração salarial.

Quando presta assistência jurídica, a Defensoria Pública atua como representante, a exemplo do que faz o advogado. Daí, no caso gerador deste comentário, o órgão ter mesmo reivindicado a contrapartida remuneratória tratada pelo art. 23 da LN 8.906/1994.

Sob o regime passado, sua pretensão recursal não superaria o óbice da falta de legitimidade, aferível com base na titularidade do direito à com-pensação, que era da parte vencedora. Seu advogado apenas a representara. Sob o regime atual, ela encrava diante da natureza jurídica do bem almejado (salário), que não combina com a da reivindicante, de conformação abstrata e organizacional pública, representativa de fração do Estado burocratizado.

Ora, sob um regime de direito democrático, o todo-poderoso ente estatal não pode simplesmente exigir prestação pecuniária ao cidadão sem apropriá-la a um propósito que consiga explicar-se diante da teleologia do Direito. Prevê-la em lei, como já observado, não é suficiente. Deve cuidar

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para que a exigência se amolde ao espírito do sistema, que justifica as obri-gações com as respectivas causas. Buscar recursos na economia privada não lhe é poder arbitrário, mas limitado por modelos instrumentais exausti-vamente previstos e disciplinados pelo ordenamento jurídico, que também o submete.

Sem liberdade para emitir dinheiro, ele obtém suas receitas servindo--se de meios coercitivos vinculantes do administrador público. Busca o di-nheiro de que depende, inevitavelmente, no bolso de quem conquista o seu lutando pela sobrevivência, seja como empregador ou empregado. Em razão disso, tem o dever incontornável de esclarecer a que título o faz. É onde mora o problema, pois, sempre que o título exercitado não combine com a natureza jurídica do fato gerador da obrigação ou com a do ente ou órgão servido, o “confisco” se caracteriza, refletindo pura expropriação sem causa de riqueza privada. Impressionado pela autoridade estatal da exigên-cia, o contribuinte é levado a satisfazer uma dívida infundada imaginando--se legalmente obrigado.

Bem por isso, seus instrumentos de arrecadação estão, todos, cuida-dosa e rigidamente instituídos e disciplinados pela ordem legal. São eles: tri-buto; pena pecuniária; preço público; rendimento de capital; consequência moratória. Cada qual desses meios legais de receita, além de nitidamente identificado com uma denominação e por um conteúdo específico e cla-ramente definido, é vinculado a um fato gerador, o elemento que efetiva-mente garante a lisura da atividade arrecadadora. É sobre ele que repousa a segurança jurídica do cidadão. A partir dele é que se consegue estabelecer a relação causa/consequência capaz de esclarecer se o Poder Público não exige papagaio por periquito ou vice-versa.

Segundo a máxima da intervenção mínima, o Estado não dispõe da menor possibilidade de assediar o cidadão com exigência pecuniária isola-da e estranha aos elementos que identificam aquelas cinco espécies instru-mentais de arrecadação. Protegendo a propriedade privada e garantindo o devido processo legal, a Constituição o proíbe, terminantemente, de arreca-dar mediante estratégia escusa, disfarçada sob o traje de qualquer delas. Se os cidadãos são obrigados pela ordem legal, a Administração Pública lhe é ainda mais submissa, conforme o topo do art. 37 da Constituição, eis que poderoso meio de ação posto à disposição do Estado, exercício de poder ca-paz das piores consequências. Não é sem motivo que a Lei Maior a submete ao princípio da responsabilidade objetiva.

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Bem. Sendo juridicamente impossível sustentar que os honorários su-cumbenciais conferidos à Fazenda e à Defensoria Públicas têm conteúdo alimentício, é preciso que enfrentemos a tarefa de descobrir, entre aqueles meios supridores dos cofres públicos, exaustivamente previstos em lei, se tal contemplação pode ser aceita sob o título de qualquer deles.

Assinale-se, de início, que a segurança jurídica, valor indissociável do Estado de Direito, não permite que o ente estatal imponha obrigação pecuniária ou de outra espécie sob a cobertura nebulosa e vulgar do epíteto “consequência” disso ou daquilo.

Segundo o que até agora foi dito, uma consequência onerosa e vincu-lativa em favor do Estado é justificável ou não conforme a natureza jurídica da ocorrência que lhe sirva de causa. Nesta ordem, a relevância não se localiza na consequência em si, mas no respectivo fato gerador.

A consequência que a lei denomina crédito tributário, p. ex., tem ori-gem em uma ocorrência lícita que a Constituição e a norma tributária matriz afirmam apta para tanto, função que não pode ser subentendida, mas, caso a caso, tipificada com exatidão. É garantia assegurada pelo princípio da reserva de lei – legalidade estrita, bem como pelo conceito geral de tributo e pelos conceitos individualizantes de cada um dos tributos constitucional-mente previstos. Já a consequência legalmente identificada como pena pe-cuniária é ligada a uma ocorrência ilícita consistente em desacato à norma administrativa, também sujeita ao princípio da reserva de lei tipificadora. O preço público é consequência do consumo contínuo, efetivo ou potencial, de um serviço público prestado direta e ininterruptamente pela Adminis-tração Pública. Daí ser caracterizado também pela periodicidade. Guar-da similaridade com a tarifa pública, que remunera os serviços públicos concedidos. Rendas patrimoniais e de capital são efeitos remuneratórios da destinação conferida a bens públicos e recursos públicos. A conse quência moratória remunera atraso no cumprimento de obrigação pecuniária devida ao Estado.

Diante desse rigorismo que caracteriza a legitimidade das receitas públicas, é simplesmente incogitável que, sob o título aberto de “conse-quência” de qualquer coisa, o Estado possa arrancar algum dinheiro do bol-so do cidadão. Quando isso se dá, a exação reclama uma análise do ponto de vista do que efetivamente esteja a caracterizar no interior do sistema. É preciso investigar que tipo de resultado ela realiza e se ele figura mesmo entre os produzidos pelos instrumentos de arrecadação que o ordenamento

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jurídico confere ao Poder Público. E isto só se faz dando ênfase ao fato que lhe seja apontado como origem.

Como visto, a inexistência de exercício liberal de advocacia na ori-gem da relação obrigacional em análise impede que ela caracterize ho-norários sucumbenciais. Tonificando-lhe ainda mais a coercitividade, esse detalhe a empurra em direção ao conceito de tributo, sobre o qual o Código Tributário Nacional assim se expressa: “Art. 3º Tributo é toda prestação pe-cuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Realmente, o objeto da obrigação de que falamos atende às prescri-ções feitas pelo preceito transcrito: configura prestação pecuniária compul-sória, é previsto em lei, é pagável em moeda e não reprime ato ilícito.

No art. 4º, I, o mesmo código afasta o conceito de tributo da influ-ência de fatores irrelevantes, especialmente da denominação que a obriga-ção receba da lei. “Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é deter-minada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; [...]”.

Portanto, só por si, o título “verba sucumbencial” não impediria que a prestação caracterizasse tributo. Fundamentais para isso são a consistência do fato gerador do vínculo obrigacional e aquelas características apontadas pelo art. 3º do Código Tributário Nacional.

Na condição, pois, de prestação pecuniária compulsória, prevista em lei, realizável em moeda, que não sanciona ato ilícito e devida ao Estado, ela deveria encontrar abrigo sob uma das espécies tributárias existentes em nosso sistema jurídico.

Entretanto, já em função de seu critério legal de quantificação, ve-rifica-se que não se adéqua a nenhuma delas. A prévia modelagem legal com que a Constituição condiciona a exigência dos tributos possibilita que, antes de lhes dar causa, o contribuinte tenha pleno domínio da consistência de cada um deles, de modo a antecipar consciência sobre o que irá dever ao Fisco. Com os honorários sucumbenciais é diferente. O sucumbente só toma conhecimento do valor devido e do cálculo que o produziu com a leitura da sentença.

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Mas, embora definitiva, essa não é a única divergência substancial que a verba sucumbencial revela em relação aos instrumentos arrecadató-rios de natureza tributária.

Lembramos que a Defensoria Pública exige arbitramento de honorá-rios sucumbenciais evocando a vitória processual a que conduziu a parte assistida. Portanto, o fato gerador a que alude é prestação de atividade pú-blica consistente em assistência jurídica. Pretende, portanto, remuneração, mas de serviço público, não de exercício liberal da advocacia. A atividade que a Constituição lhe confia, não há dúvida, implica prestar atividade es-tatal a terceiros. E o agente público que a desempenha, o defensor público, como visto, é constitucionalmente proibido de receber honorários profissio-nais. Atua mediante remuneração por subsídio.

Bem. Por disposição constitucional, o instrumento remuneratório de serviço público de fruição casual é a categoria tributária “taxa”. Está lá no art. 145, II, da Lei Magna:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – [...]

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; [...]. (grifo do manifestante)

Na atividade forense, a taxa comparece como elemento remunerador do serviço de apoio ao Judiciário. Ao final do litígio, todo o importe cor-respondente é carregado sobre a parte sucumbente. É lógico, porém, que o efeito processual consistente em atribuir a responsabilidade final pelas custas à parte vencida não a transforma em contribuinte de tributo a que não tenha dado causa. Apenas a responsabiliza pela reparação do prejuízo financeiro experimentado pela parte vencedora, que obrigou a demandar. Contribuinte dos emolumentos forenses é sempre a parte que recebe os ser-viços prestados pela estrutura administrativa do Poder Judiciário. A outra apenas a reembolsa, cumprindo obrigação civil de reparar.

De fato, o segundo modelo tributário definido pelo preceito constitu-cional transcrito não permite engano: taxa, diz, é tributo devido pelo uso, efetivo ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à disposição dele. A fruição do serviço, pois, efetiva ou potencial, é o fato gerador do modelo tributário considerado.

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Assim, fosse o caso de se considerar como taxa a verba sucumbencial da Defensoria Pública, ela somente poderia exigi-la da parte assistida, não da vencida, a quem não presta serviço algum. Sua razão de ser é garantir assistência jurídica a pessoas impossibilitadas de remunerar advogados. Por isso mesmo, seus assistidos não pagam nem mesmo os emolumentos pro-cessuais. Protegem-se sob a Lei nº 1.050/1960. À conta disso, os emolumen-tos oriundos de serviços forenses prestados aos seus assistidos vitoriosos não tributam os sucumbidos, os quais apenas reparam o Estado pelo custo dos serviços de apoio à prestação jurisdicional. O efeito econômico é o mesmo. Porém, a natureza da obrigação não é tributária, mas civil reparatória. Isto se deve ao fato de que, na taxa, a sujeição passiva é de quem efetivamente utiliza o serviço público, condição que a parte sucumbente não guarda em relação às custas geradas pelo atendimento forense da parte vencedora.

Além disso, se a verba sucumbencial da Defensoria Pública caracte-rizasse taxa, resultaria também da assistência jurídica frustrada, não apenas da exitosa.

Esses aspectos da questão fazem ver que a assistência jurídica estatal a hipossuficientes econômicos realiza-se também à conta da receita propor-cionada pelos impostos. Agrega-se às despesas gerais do Estado, tal o que se dá com o custo resultante das atuações do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário, que não justificam a remuneração tributária em trato.

A despeito, pois, de coercitivamente exigível, a verba sucumbencial conferida à Defensoria Pública, depois de não caracterizar remuneração profissional, também não consegue ser taxa.

Mantém-se distante também da espécie “contribuição”, que compre-ende a de melhoria, a de intervenção no domínio econômico, a de interesse de categoria profissional ou econômica e a previdenciária ou social. Por seus elementos estruturais, estas modalidades tributárias colocam-se a mi-lhares de anos-luz de sua consistência jurídica.

Resta o imposto, que o art. 154, I, da Constituição permite que a União institua mediante lei complementar, desde que sobre fato gerador e base de cálculo estranhos aos dos impostos que ela já prevê. E, de fato, a verba sucumbencial da Defensoria Pública é instituída por lei complemen-tar e tem fato gerador e base de cálculo não compreendidos por qualquer dos impostos previstos no Texto Constitucional. Isto estaria a atender aquela ressalva imposta pelo art. 154, I, da Constituição. Mas, diferentemente da taxa e das contribuições, o imposto é espécie tributária que não aceita ori-gem direta ou indiretamente ancorada em atuação estatal ou, por qualquer

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forma, dependente dela. Seu fato gerador deve refletir uma ocorrência lícita, porém distante de qualquer atividade pública relacionada com a pessoa do sujeito passivo, seja em benefício ou prejuízo dele.

Está lá no art. 16 do Código Tributário Nacional: “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Ora, ao fundamentar o crédito da verba sucumbencial da Defensoria Pública na derrota processual que ela impõe à parte adversa, é evidente que o art. 4º, XXI, da LCN 80/1994 a atrela a uma atuação estatal. Não fosse por isso, conforme o art. 167, IV, da Constituição Federal, não se pode vincular receita de impostos a órgão, fundo ou despesa específica, exatamente o que faz o preceito complementar citado.

Em síntese, se não é remuneração, nem taxa nem contribuição, a ver-ba sucumbencial da Defensoria Pública também não consegue ser imposto.

Mas menos ainda consegue ser pena pecuniária, preço público, ren-dimento de capital ou consequência moratória para explicar-se como pres-tação pecuniária legitimamente atribuída ao Estado brasileiro. Com efeito, não reprime infração administrativa, é eventual, não remunera arrendamen-to de bem ou fundo, como não compensa demora de pagamento. A obvie-dade é demais para justificar demonstrações.

Daí a questão: que espécie de obrigação pecuniária é essa que se tem carregado sobre a parte vencida pela Fazenda Pública ou quem seja derro-tado pela Defensoria Pública, a título de verba sucumbencial?

Há muito que a tradição jurisprudencial a adota. Mas, como vimos, tão somente a título de “consequência” da derrota processual, sem preo-cupar-se com o que ela de fato representa dentro do Direito, considerada a natureza jurídica dos órgãos estatais a que sempre serviu, a excluí-la do conceito de “honorários profissionais”. Uma consequência onerosa que, dado o respectivo fato gerador e os seus aspectos subjetivos, não encontra explicação no direito posto. Prevista em lei, exigível em espécie e por meios coercitivos, mas sem configurar honorários advocatícios, pena pecuniária, preço público, rendimento de capital ou gravame moratório, atua com a mesma força e eficiência de um tributo, o que também não consegue ser, porque não aceita pelas junções tributárias fundamentais consagradas em nosso Direito.

À conta, pois, dessa tradição, a Defensoria Pública acabou com ela contemplada em lei recente, e ninguém estranhou!

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Pior é que o despropósito que tal “encargo sucumbencial” representa é escancarado pelo próprio Texto Legal que o instituiu e disciplina, a or-denar que seja aplicado na estruturação do órgão contemplado e no apri-moramento técnico de seus membros e servidores. Ora, além da evidência de que essa previsão legal tem por objeto uma prestação pecuniária cuja natureza jurídica não combina com a do credor nem com o destino que lhe dita, salta aos olhos que tal destino, por sua vez, é objeto de obrigação exclusiva do ente político cuja organização seja integrada pela defensoria interessada, insuscetível, por isso, de ser posto sob a responsabilidade de pessoas vencidas em demandas que ela patrocine. Como explicar que, com o mais tranquilizador sucesso, o Estado tem historicamente exigido de de-mandantes sucumbidos importes calculados sobre o valor da causa ou arbi-trados em sentença, segundo os parâmetros apontados pela lei processual, tão somente para forçá-los a participar de dispêndio que deve enfrentar com o seu orçamento?! Brande o poder que a sociedade lhe transfere para exigir que pessoas iludidas o ajudem a equipar órgãos públicos e aperfeiçoar ser-vidores, pagando pela segunda vez o que já pagam quando recolhem seus impostos!!

Isto posto, vemos inconstitucionalidade no preceito complementar em questão, a impor a cidadãos eventualmente colhidos pela situação a que alude uma obrigação pecuniária a que confere o mesmo tratamento severo justificado pela relevância jus-política da obrigação tributária, na qual, porém, diante dos princípios adotados pelo Direito pátrio, ninguém consegue vislumbrar qualquer traço de legitimidade, dado estranhar à na-tureza jurídica de todos os instrumentos com que o Estado é autorizado a buscar na economia privada os recursos provedores de seus cofres. Nítido abuso de poder, máxima vênia das respeitáveis opiniões contrárias. Grave afronta ao disposto no art. 5º, XXII e LIV, da Constituição Federal, porque representativa de verdadeira exigência de uma coisa disfarçada em outra. Não dispondo de enquadramento no Direito, quando exigida, a prestação questionada vale um verdadeiro confisco patrimonial efetivado mediante artifício enganoso consistente no uso de uma denominação técnica cujo sig-nificado jurídico não combina com o seu conteúdo e sua destinação legal. E norma jurídica que a isto se presta é instrumento com que se violenta o princípio do devido processo legal, pois engana os seus destinatários passi-vos, investindo contra o princípio da intervenção mínima.

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Assunto Especial – Doutrina

Honorários – Sucumbenciais e Advocatícios

Honorários Advocatícios em Exceção de Não Executividade

EULÂMPIO RODRIGUES FILHOGraduado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Doutor em Direito pela UMSA, de Buenos Aires, Ex-Professor da Uniube e da Unirp, Membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, Advogado Militante.

No es por tanto irreverencia, disentir con la opinión de los gran-des maestros. (David Lazcano)

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE E OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Não padece dúvida de que a matéria relativa a cabimento ou não, de condenação de excipiente em honorários advocatícios relativos à inter-posição de exceção de pré ou de não executividade pelo executado já foi exaustivamente debatida e analisada em arrazoados forenses e em páginas jurídicas, havendo, ainda, todavia, quem insiste e persiste com tese defen-sória do seu cabimento, sobretudo mediante aplicação de renovo corres-pondente à ocorrência de debate no primeiro grau, no qual a parte teria exercitado o contraditório.

E, de fato, a cada insurgência o vencedor utiliza-se de novo argumen-to até então não explorado, vez que o material doutrinário jurisprudencial vem enriquecendo a cada dia as incertezas que o tema sugere por falta de lei disciplinadora da questão, abrindo azo à multiplicação de opiniões cho-cantes, surpreendentes e vistas como livres.

E, o que causa espécie é o fato de as multifacetadas opiniões fugirem à ordem científica, para caírem no lugar comum das considerações inúteis e empobrecidas.

O campo é ainda rarefeito de pesquisadores experientes, especialmente em alguns setores. Imitar este ou aquele modelo não é suficiente. Corre-se o risco de fazer-se caricaturas. Há que se debruçar sobre as questões de base, há que manter a capacidade de questionamento viva e atuante, há que se ter solidez teórica e dúvida metódica, há que temer dogmas e verdades fá-ceis e antecipadas. (Bernadete A. Gatti, FFC/PUC-SP)

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Tendo em vista a criação pretoriana da exceção de não executivida-de, a respeito do seu funcionamento no processo surgiram opiniões as mais curiosas, como, por exemplo, a do grande Professor Yussef Said Cahali, que vem assim referido pelo Professor César Donizeti Pillon (Jus Navigandi, jan. 2011):

Já se posicionou sentido contrário ao que maciçamente vem decidindo o STJ e os tribunais estaduais, ao lecionar que “tratando-se de exceção de pré-executividade, com que o devedor antecipa sua defesa antes de estar seguro o juízo, postulando a nulidade da execução nos termos do art. 618 do Código de Processo Civil, tem-se que sua pretensão se equipara à do embargante sem depósito da coisa devida, no seu confronto com o credor--exequente, instaura-se entre eles um incidente caracteristicamente, de modo a autorizar os vencidos dos encargos advocatícios da sucumbência.

A seu turno, com valimento no entusiasmo incrível do pranteado Mi-nistro Menezes Direito, Relator, assim se expressa o egrégio Superior Tri-bunal de Justiça: “Havendo contraditório na exceção de pré-executividade, não há razão alguma para afastar o cabimento da verba honorária, con-figurada a sucumbência diante do julgamento de improcedência” (REsp 296932/MG, Rel. Min. Carlos Menezes Direito, J. 15.10.2001, Publ. DJ 04.02.2002, p. 349).

Ao que se vê, tendo surgido margem à interposição de exceção, e tendo em conta a inexistência de lei que regulamente o processo respectivo, alguns julgadores e doutrinadores passaram a arriscar palpites, muitas vezes totalmente em desalinho com o sistema jurídico, apenas criando matérias para discussões talvez pela simples paixão de criá-las, à míngua de subs-trato jurídico com um mínimo de solvência científica, como se deduz das duas opiniões supraindicadas, pinçadas apenas para revelar a magnificência do saber jurídico divorciado da ciência, de molde a que tenham os ilus-tres estudiosos que pensam inversamente, apenas de lamentar semelhante demonstração assim tão carente de cientificidade e indiferente ao sistema jurídico consagrado.

Ao que se percebe de tais lições, constata-se, conforme se vê de re-ferência feita por César Donizeti Pillon, primeiramente, que o douto Cahali engana-se, porque defende tese no sentido de que o fato de o executado antecipar-se com alegação de nulidade do processo nos termos do art. 618 do CPC corresponde à propositura do embargante sem depósito da coisa devida, e que nesse caso instaura-se entre credor e devedor um incidente ‘caracteristicamente’, de modo a autorizar aos vencidos dos encargos ad-

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vocatícios da sucumbência (Cfr. Honorários Advocatícios. S. Paulo, 2. ed. RT, p. ...).

Sustenta-se a insolvência científica de tal proposição, vez que não há como admitir correto o pensamento no sentido de que a exceção “equipara--se” à defesa do embargante sem depósito da coisa devida, porque não cabe confundir o processo de execução com o de embargos, vez que são procedimentos distintos, sendo o de embargos correspondente à ação de procedimento ordinário, em que os efeitos legais da sucumbência se fazem obrigatoriamente presentes.

Doutra parte, afirmar, sustentar, que um incidente postado no ventre da execução se equipare à ação de embargos, ao contrário do imaginado pelo teorista de S. Paulo, corresponde a reconhecer que a evolução do Di-reito Processual escorreu pelos dedos ao longo do tempo, pois a equipa-ração do incidente à oposição de embargos expulsaria a natureza própria da execução, em cujo bojo do processo se excepciona sem que isto faça mudá-la na sua essência e na sua espécie, transformando-se em procedi-mento de rito ordinário, ao contrário absoluto da natureza que legalmente ostenta, e que aos estudiosos não cabe assumir a posição de legisladores para reformá-la.

De sorte que a exceção de não executividade não se traduz em pro-cedimento contencioso autônomo, não havendo por que se falar em in-cidência dos efeitos da sucumbência, e o Direito não pode ser operado validamente por meio de acertamento de parecências absurdas.

O grande Professor Francesco Ferrara já ensinava que o sistema jurí-dico não é um aglomerado caótico de disposições, e se se for adiante nessa ideia para tratar de caso não regulado por meio de regra elaborada pelo po-der competente, conclui-se racionalmente que é necessário aceitar a impo-sição do direito natural, de que casuisticamente não se autoriza formulação e execução de comandos processuais de efeitos patrimoniais, particulares, elaborados diretamente em julgamento com violação da Carta Magna da República (tipo processo Kafka).

Victor Pereira Ribeiro lembra:

A “grosso modo” podemos conceituar a exceção de pré-executividade como sendo o meio de defesa exercido no bojo da execução, para demons-trar a falta das condições e pressupostos da ação executiva, não necessi-tando, desta maneira, garantir o juízo e não acarretando em dilação proba-tória.

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Em termos mais técnicos, a exceção de pré-executividade é uma das for-mas de defesa do executado em processo de execução. A exceção se presta como solução para demonstrar ao juízo as alegações de lesões a questões de ordem pública e que não necessitam de maior dilação probatória, pois as provas se entremostram à prima facie, saltante aos olhos do bom jurista. [...]

Não devemos olvidar que a exceção de pré-executividade é a materializa-ção concreta e perfeita dos princípios da ampla defesa e do contraditório no bojo de um Processo de Execução, sendo estes princípios corolários do princípio mater, que é do Devido Processo Legal.

Negar a exceção de pré-executividade é, de antemão, afrontar o prin-cípio da Economia Processual, pois é inconcebível que questões proces-suais e de ilegalidades não possam ser analisadas ab initio no processo de execução, ao contrário de permitir o prosseguimento normal e deixar para examiná-las somente no amanhã, numa visão perigosa de pro futuro. Ques-tões de matéria pública devem ser analisadas de forma célere, antecipadas, em qualquer grau de jurisdição e de ofício pelo magistrado, em qualquer época e período.

Observe-se que o aspecto mais festejado nos fundamentos voltados para admissão da condenação do excipiente ao pagamento de honorários advocatícios está na afirmação dos lembrados juristas, a partir de Menezes Direito, seguido pelos Ministros Doutora Nancy Andrighi, e outros de igual nomeada, de que, se houve o expediente do “contraditório” ao curso da exceção de não executividade, incide a condenação a ser cumprida pelo vencido.

Realmente, como a lei deu de presente tal chance, viria o julgador mandando pagar pela “benesse legal”, em forma “sem figura de juízo”.

Não padece dúvida de que a tese juridicamente não prospera, pois a “exceção” comporta-se exatamente como forma de exercício livre de ampla defesa e do contraditório, com relação à execução quanto às condições de procedibilidade, no sentido de que a resposta à exceção “identifica-se com a impugnação a contestação”, conforme sistema jurídico brasileiro, em que essa forma de relação jamais forçou mudança no regime jurídico dos efeitos sucumbenciais.

De fato, mera “impugnação” ou “manifestação” sobre exceção de não executividade como exercício de contraditório não tem o condão de converter a decisão sobrevinda “em sentença”, na sua acepção jurídica, e

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a interlocutória não desafia recurso apelatório para que se possa sentir inci-dência das normas determinativas de condenação em honorários.

A impugnação [à exceção] é ato de contrariar expondo suas razões de opo-sição à determinada idéia. Trata-se de ato de oposição muito usado no Di-reito, com a finalidade de refutar alguma decisão ou manifestação da parte contrária. Pode-se citar como exemplo a impugnação ao valor da causa, prevista no art. 261 do Código de Processo Civil, que é uma das formas de resposta do réu. A impugnação não tem natureza jurídica de uma nova ação, e sim de mero incidente processual, sendo assim sua decisão será sem-pre interlocutória, contra a qual caberá recurso de agravo. (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo CPC. 3. ed., São Paulo: Saraiva, v. I, 2006 – Di-reitonet)

Sobre o “instituto praxiológico” norteador da chamada “Impugnação à Contestação”, fala a doutrina:

3.1 A atual lei instrumental brasileira, seguindo uma linha procedimental adotada pelas anteriores, não cuidou de dar destaque à audiência do autor sobre a resposta do réu.

Aliás, com apuro de tecnicismo, não se pode dizer que exista a figura da “impugnação à contestação”. O que existe, necessariamente, para prestar homenagem ao princípio do contraditório, é a manifestação do autor sobre questões de direito ou de fato que foram trazidas pelo réu com a sua res-posta.

Quando o réu faz a sua defesa, através da modalidade direta do mérito, simplesmente negando os fatos postos pelo autor ou as suas consequências jurídicas, têm-se que já está materializada a questão controvertida, indis-pensável para o pronunciamento jurisdicional. Nessa hipótese, não há a menor necessidade, nem razão de ordem técnica ou processual, para se ou-vir o autor. (Revista da Faculdade de Direito da FUNM – Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, v. 8, a. 4, jul. 1985, ps. 59/66)

Ao que se vê, portanto, o excepto vencedor que insiste na condena-ção ao pagamento de honorários estaria a pretender honorários laborando no vácuo, buscando esteio no mais vazio da ciência jurídica vigente en-tre 1580 e 1800, tempo dos “praxistas”, há muito esquecidos (Cfr. PRATA, Edson. História do Processo Civil e sua Projeção no Direito Moderno, 1987, p. 127).

De sorte que eventual indicação de ocorrência de “omissão” em jul-gamento, do que representa mera “praxe”, que no caso sub examine é a oitiva do exequente sobre exceção interposta pelo executado, carece de

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sentido e ninguém relega o que não existe, sobretudo de modo a render efeitos pecuniários.

Quanto à tese favorável ao pedido de condenação do vencido ao pa-gamento de honorários advocatícios em autos de exceção avulsa, lembrado ao longo da exposição precedente, que não há como transformar decisão interlocutória em sentença, o art. 20 do CPC determina que a “sentença” condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas e “os honorários advocatícios”.

Especificada a “sentença” como único ato capaz de criar essa res-ponsabilidade objetiva quanto aos honorários, ao estabelecer os limites de abrangência dos “incidentes processuais” e “recursos”, determinou o art. 20, § 1º, do CPC que o vencido será condenado nas “despesas”.

E a lei veio cautelosa ao definir as “despesas” aí mencionadas, regu-lando na mesma disposição, art. 20, § 2º, que “as despesas abrangem [...] as custas dos atos do processo, como também a indenização de viagem, diá-rias de testemunha e remuneração do assistente técnico”, como proclamado no acórdão embargado.

Daí razão para surgimento da indicação antecedente, do rol de ope-rações e de exercícios intelectuais e físicos para se atender à pretensão dos excepto/excipiente, que, não obstante aquilo que se procura demonstrar à luz da lei, buscam soluções à sua deriva, de modo a atingir o nec plus ultra do absurdo de atentar contra o Direito constituído, contra a ordem jurídica.

Jurisprudência do egrégio STJ, no sentido da condenação ao paga-mento de honorários:

Relator(a) Ministro Massami Uyeda (1129)

Órgão Julgador T3 – Terceira Turma

Data do Julgamento 03.03.2009

Ementa [...]

I – É cabível a fixação de honorários advocatícios tanto na procedência quanto na improcedência da exceção de pré-executividade, desde que, nesta última hipótese, tenha havido manifestação expressa da outra parte sobre a questão levantada (contraditório). II – No caso dos autos, aferida a existência de contraditório no incidente, cabível a fixação de honorários advocatícios. III – Recurso especial provido.

AgRg-REsp 952034/RS

Relator(a): Ministro Sidnei Beneti (1137)

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Órgão Julgador T3 – Terceira Turma

Data do Julgamento 22.09.2009

Ementa [...]

É cabível a fixação de honorários advocatícios tanto na procedência quanto na improcedência da exceção de pré-executividade, desde que, nesta úl-tima hipótese, tenha havido manifestação expressa da outra parte sobre a questão levantada (contraditório).

Agravo Regimental improvido.

REsp 944917/SP

Relator(a): Ministra Nancy Andrighi (1118)

Órgão Julgador: T3 – Terceira Turma

Data do julgamento: 18.09.2008

Ementa. [...]

São devidos honorários tanto na procedência quanto na improcedência da exceção de pré-executividade, desde que nesta última hipótese tenha se formado contraditório sobre a questão levantada.

Recurso Especial improvido.

O antigo professor de São Paulo, Desembargador João Del Nero (In-terpretação Realista do Direito e seus Reflexos na Sentença. São Paulo: RT, 1987, p. 115 e 116), proclama:

A violação da lei se dá através de errônea ou falsa interpretação; é a que descamba para o absurdo, encerrando sofismas ou paralogismos. São as “pseudo-exegeses, tão singulares e forçadas que importam postergação formal do preceito em apreço”. Em suma “é, no dizer do eminente Min. Orosimbo Nonato, a interpretação que envolve absurdo conspícuo, erro evidente, inexatidão flagrante, verificável ao primeiro súbito de vista”.

A jurisprudência do egrégio Superior de Justiça sobre a não incidên-cia de condenação em honorários, em processo incidente julgado por meio de decisão que desafia agravo:

A exceção de pré-executividade rejeitada não impõe condenação em ônus sucumbenciais (Precedentes do STJ: AgRg-REsp 999.417/SP, Rel. Min. José Delgado, 1ª T., Julgado em 01.04.2008, DJ 16.04.2008; REsp 818.885/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., Julgado em 06.03.2008, DJ 25.03.2008; EDcl-REsp 698.026/CE, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., Julgado em 15.12.2005, DJ 06.02.2006; e AgRg-Ag 489.915/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, 4ª T., Julgado em 02.03.2004, DJ 10.05.2004).

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[...] 3. Não cabem honorários advocatícios em exceção de pré-executivi-dade julgada improcedente. Precedentes. 4. Ao repisar os fundamentos do recurso especial, a parte agravante não trouxe, nas razões do agravo regimental, argumentos aptos a modificar a decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. 5. Agravo regi-mental não provido. [...] 3. Entendimento pacífico desta Corte quanto ao não cabimento de honorários advocatícios em sede de exceção de pré--executividade julgada improcedente. Precedente: AgRg-Ag 1259216/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe 17.08.2010; AgRg-REsp 1098309/RS, Relª Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 22.11.2010; REsp 968.320/MG, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, 4ª T., DJe 03.09.2010; REsp 1048043/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, DJe 29.06.2009; (STJ – AgRg-Recurso Especial nº 1.230.568/PE (2011/0004815-3) Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 12.03.2013).

Jurisprudência, a propósito, do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Tendo em vista que o decisum vergastado tem natureza de decisão interlo-cutória, não é cabível a condenação da parte vencida a título de honorários advocatícios, ante ao que prescreve o art. 20 do CPC.

Uma vez que a defesa ofertada pela requerida possui natureza de incidente processual, a parte vencida deverá ser condenada ao pagamento das des-pesas processuais apenas. (AI 1.0182.11.000806-3/004, Rel. Des. Pedro Aleixo Neto)

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Honorários – Sucumbenciais e Advocatícios

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Recurso Especial nº 1.471.249 – DF (2014/0189571‑0)Relator: Ministro Marco Aurélio BellizzeAgravante: Top Mall Administradora de Condomínios Ltda.Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa

Rosene Carla Barreto C. Castro e outro(s)Agravado: Roldão Rodrigues da Silva – espólioRepr. por: Magna Mara Rodrigues do CoutoAgravado: Rômulo Antônio de OliveiraAgravado: Divina Maria LeonorAgravado: Luzia Rodrigues de SouzaAgravado: Jamira Barbosa MartinsAgravado: Raul Queiroz NevesAdvogado: Raul Queiroz Neves e outro(s)Interes.: Anchieta Construções e Incorporações Ltda.Advogado: Geraldo Vieira Malvar

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – COISA JULGADA – OFENSA – NÃO OCORRÊNCIA – RECURSO ESPECIAL – ANTERIOR – PROVIMENTO – SUCUMBÊNCIA MÍNIMA – RECONHECIMENTO – AGRAVO IMPROVIDO

1. Provido o recurso especial, a redistribuição dos ônus sucum-benciais é decorrência lógica. Por isso, nessas hipóteses, indepen-de de recurso voluntário da parte o redimensionamento dos hono-rários advocatícios. Precedentes.

2. No caso, com o provimento parcial do recurso especial anterior, foi restabelecida a sucumbência mínima fixada na sentença, dei-xando de existir, portanto, a sucumbência recíproca anteriormente reconhecida pelo acórdão recorrido, razão pela qual não há falar em ofensa à coisa julgada.

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3. Agravo regimental improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 23 de outubro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze:

Trata-se de agravo regimental interposto por Top Mall Administradora de Condomínios Ltda. contra decisão de fls. 2884-2888, da relatoria do Mi-nistro Sidnei Beneti, que negou seguimento ao recurso especial para afastar a alegada preclusão e reconhecer a sucumbência mínima da recorrente.

A parte agravante pretende a reconsideração do decisum sob o argu-mento de que, por ocasião da interposição do REsp1.003.429/DF contra o acórdão da 5ª T. do TJDFT, os ora agravados não recorreram no tocante à sucumbência recíproca reconhecida pelo Tribunal, tampouco o STJ apre-ciou a matéria, motivo pelo qual é indevida a modificação da sucumbência recíproca, ante a preclusão da matéria.

Reitera, outrossim, as razões de mérito do recurso especial, relativas à alegação de negativa de prestação jurisdicional e de ofensa à coisa julgada.

É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator):

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Não obstante os esmerados argumentos expendidos pelo agravante, esses não têm o condão de infirmar os fundamentos da decisão agravada.

Isso porque, por ocasião do julgamento do REsp 1.003.429/DF, pelo voto condutor do próprio Ministro Sidnei Beneti, relator da decisão ora agra-vada, foi dado parcial provimento ao apelo para condenar a agravante a indenizar o valor do lote sob litígio, pagar o relativo a vinte por cento dos rendimentos líquidos do shopping center, até o valor integral do imóvel, acrescido dos “encargos moratórios fixados na sentença, que no restante fica mantida integralmente”.

Assim, o provimento parcial do recurso especial, naquele caso, re-dundou na redistribuição dos ônus sucumbenciais, que voltaram a ser aque-les fixados anteriormente na sentença de piso, em que foi reconhecida a sucumbência mínima, circunstância que independe de recurso voluntário da parte no ponto específico do acórdão recorrido que havia entendimento pela sucumbência recíproca.

A partir dessa premissa, consignou o relator: “por imperativo de lógi-ca processual, a modificação do resultado da demanda acarreta o redimen-sionamento quanto às custas processuais e aos honorários advocatícios, a ser aferido diante da sucumbência de cada uma das partes” (e-STJ, fl. 2.887).

Nesse contexto, não merece reparos a decisão agravada, pois ina-fastável o entendimento de que “a alteração do resultado da demanda traz como consequência lógica o redimensionamento da verba de sucumbên-cia” (EDcl-REsp 1.404.453/RS, 4ª T., Rel. o Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 26.11.2013).

No mesmo diapasão:

PREVIDENCIÁRIO – REVISÃO DE BENEFÍCIO – CONCESSÃO ANTE-RIOR À MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.523-9/97 E DA LEI Nº 9.528/1997 – DECADÊNCIA – CONFIGURAÇÃO – TERMO A QUO DO PRAZO DE-CADENCIAL – VIGÊNCIA DA LEI – MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DO ART. 543-C DO CPC – RECURSOS ESPECIAIS NºS 1.309.529/PR E 1.326.114/SC

1. Havendo modificação do meritum causae, ocorre a inversão dos ônus sucumbenciais, pois, nesse caso, o órgão julgador estará acolhendo ou re-jeitando o pedido inicial, decorrendo, disso, as despesas processuais e os honorários advocatícios. Como não houve, no acórdão recorrido, menção expressa à inversão da sucumbência, embora referida inversão seja conse-quência lógica da decisão, são cabíveis embargos de declaração para escla-recer esse fato.

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2. Com o acolhimento, por essa Corte, da decadência do direito de reque-rer a revisão do benefício, não há que falar em violação aos direitos adqui-ridos incorporados ao patrimônio do beneficiário, uma vez que as normas legais não podem alcançar situações jurídicas consolidadas e albergadas pelo cânone do ato jurídico perfeito. Ambos os embargos acolhidos, sem efeitos modificativos.

(EDcl-EDcl-AgRg-REsp 1347205/PE, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 13.11.2013). Grifos meus.

Por essa razão, não há falar em violação à coisa julgada, pois a pre-tensão do agravante remete à sucumbência recíproca anteriormente fixada no acórdão recorrido que deu origem ao REsp 1.003.429/DF), a qual foi reformada, diante do parcial provimento desse recurso especial, com o res-tabelecimento da sucumbência mínima reconhecida na sentença.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2014/0189571-0 AgRg-REsp 1.471.249/DF

Números Origem: 00060208420138070000 20010710056664 20070710326630 20130020060206 20130020060206 REE 60208420138070000

Em Mesa Julgado: 23.10.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mário Pimentel Albuquerque

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

AUTUAÇÃO

Recorrente: Top Mall Administradora de Condomínios Ltda.

Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa Rosene Carla Barreto C. Castro e outro(s)

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Recorrido: Roldão Rodrigues da Silva – espólio

Repr. por: Magna Mara Rodrigues do Couto

Recorrido: Rômulo Antônio de Oliveira

Recorrido: Divina Maria Leonor

Recorrido: Luzia Rodrigues de Souza

Recorrido: Jamira Barbosa Martins

Recorrido: Raul Queiroz Neves

Advogado: Raul Queiroz Neves e outro(s)

Interes.: Anchieta Construções e Incorporações Ltda.

Advogado: Geraldo Vieira Malvar

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de contratos

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Top Mall Administradora de Condomínios Ltda.

Advogados: Marcelo Luiz Ávila de Bessa Rosene Carla Barreto C. Castro e outro(s)

Agravado: Roldão Rodrigues da Silva – espólio

Repr. por: Magna Mara Rodrigues do Couto Agravado: Rômulo Antônio de Oliveira

Agravado: Divina Maria Leonor

Agravado: Luzia Rodrigues de Souza

Agravado: Jamira Barbosa Martins

Agravado: Raul Queiroz Neves

Advogado: Raul Queiroz Neves e outro(s)

Interes.: Anchieta Construções e Incorporações Ltda.

Advogado: Geraldo Vieira Malvar

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

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A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Honorários – Sucumbenciais e Advocatícios

8176

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Recurso Especial nº 1.178.915 – RS (2010/0020265‑9)Relator: Ministro Jorge MussiAgravante: Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – IpergsProcurador: Gustavo PetryInteres.: Jurema Lemos dos SantosAgravado: Cooperativa Vinícola Aurora Ltda.Advogado: Luiz Alberto Barbará Gonzales Filho e outro(s)

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO ESPECIAL – CESSÃO DE CRÉDITO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA – DIREITO AUTÔNOMO DO CAUSÍDICO – PRECATÓRIO – ESPECIFICAÇÃO DO CRÉDITO RELATIVO À VERBA ADVOCATÍCIA OBJETO DA CESSÃO DE CRÉDITO – HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO – POSSIBILIDADE – VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS PARA CESSÃO DO CRÉDITO – APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE – ART. 257 DO RI/STJ – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO

1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julga-mento do Recurso Especial nº 1.102.473/RS, processado sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou o enten-dimento de ser possível, em face do disposto no art. 23 da Lei nº 8.906/1994, a habilitação do cessionário na execução dos va-lores relativos a honorários advocatícios, ainda que o precatório esteja em nome da parte, pois este fato não repercute na disponibi-lidade do crédito referente à verba honorária, que pertence ao ad-vogado, possuidor do direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro.

2. Em atenção ao princípio da celeridade processual, aplica-se, na hipótese, o direito à espécie, nos termos do art. 257 do Regimento Interno desta Corte e da Súmula nº 456/STF, verificando-se, no caso dos autos, estarem presentes os requisitos para autorizar-se a cessão dos créditos, quais sejam, a escritura pública respectiva e

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a discriminação, no precatório, do valor devido a título de verba honorária.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.

Os Srs. Ministros Gurgel de Faria, Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC), Walter de Almeida Guilherme (Desembargador con-vocado do TJ/SP) e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 16 de outubro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Jorge Mussi Relator

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Jorge Mussi: Cuida-se de agravo regimental inter-posto por Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – Ipergs, contra decisão monocrática desta relatoria que deu provimento a recurso especial, entendendo lícita a cessão de crédito constante em precatório re-ferente a honorários advocatícios sucumbenciais, nos termos de precedente da Corte Especial, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC.

Alega o agravante, em síntese, ser ilícita a cessão do crédito dos ho-norários advocatícios no caso dos autos, porquanto não preenchido um dos requisitos exigidos pela jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça para tanto, qual seja, a descriminação, no precatório, do valor devido a título de verba honorária.

É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Jorge Mussi (Relator): Na origem, cuida-se de pedi-do de habilitação em execução formulado por Cooperativa Vinícola Aurora

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Ltda., cessionária dos créditos da advogada Sandra Maria de Jesus Rausch, decorrentes de honorários advocatícios sucumbenciais.

Tendo sido a habilitação negada pelas instâncias ordinárias, a par-te cessionária interpôs recurso especial alegando, em síntese, negativa de prestação jurisdicional e o seu direito a habilitar-se na fase executória do processo, tendo esta relatoria dado provimento monocraticamente ao apelo nobre (fls. 293/294), com amparo no Recurso Especial nº 1.102.473/RS, julgado nesta Corte sob o rito do art. 543-C do CPC.

Contra essa decisão, o Ipergs interpôs este agravo regimental, sus-tentando, em resumo, ser ilícita a cessão do crédito dos honorários advo-catícios no caso dos autos, porquanto não preenchido um dos requisitos exigidos pela jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça para tanto, qual seja, a descriminação, no precatório, do valor devido a título de verba honorária.

O recurso, porém, não merece prosperar.

Observa-se que o Tribunal Estadual decidiu pela impossibilidade da cessão de crédito porque o precatório está em nome da parte que figurou na ação previdenciária, que não é a cedente dos direitos relativos aos honorá-rios advocatícios.

Sobre o tema, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.102.473/RS, processado sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, firmou o entendimento de ser possível, em face do disposto no art. 23 da Lei nº 8.906/1994, a habilitação do cessionário na execução dos valores relativos a honorários advocatícios, ainda que o precatório esteja em nome da parte, pois este fato não repercute na disponibilidade do crédito referente à verba honorária, que pertence ao advogado, possuidor do direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro.

Confira-se:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – PROCESSO CIVIL – FORMULAÇÃO DE PEDIDO DE DESISTÊN-CIA DA HABILITAÇÃO OBJETO DO RECURSO ESPECIAL REPRESENTA-TIVO DE CONTROVÉRSIA – IMPOSSIBILIDADE – CESSÃO DE CRÉDITO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA – DIREITO AUTÔ-NOMO DO CAUSÍDICO – PRECATÓRIO – ESPECIFICAÇÃO DO CRÉDI-TO RELATIVO À VERBA ADVOCATÍCIA OBJETO DA CESSÃO DE CRÉDI-TO – HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO – POSSIBILIDADE

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1. De acordo com o Estatuto da Advocacia em vigor (Lei nº 8.906/1994), os honorários de sucumbência constituem direito autônomo do advogado e têm natureza remuneratória, podendo ser executados em nome próprio ou nos mesmos autos da ação em que tenha atuado o causídico, o que não altera a titularidade do crédito referente à verba advocatícia, da qual a parte vencedora na demanda não pode livremente dispor.

2. O fato de o precatório ter sido expedido em nome da parte não repercute na disponibilidade do crédito referente aos honorários advocatícios sucum-benciais, tendo o advogado o direito de executá-lo ou cedê-lo a terceiro.

3. Comprovada a validade do ato de cessão dos honorários advocatícios sucumbenciais, realizado por escritura pública, bem como discriminado no precatório o valor devido a título da respectiva verba advocatícia, deve-se reconhecer a legitimidade do cessionário para se habilitar no crédito con-signado no precatório.

4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.

(REsp 1102473/RS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Corte Especial, Julgado em 16.05.2012, DJe 27.08.2012)

Sendo acolhida, pois, a tese defendida no especial, passa-se, em aten-ção ao princípio da celeridade processual, à aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do Regimento Interno do STJ e da Súmula nº 456/STF, para se verificar, no caso dos autos, o preenchimento dos dois requisitos elencados no mencionado precedente da Corte Especial, quais sejam, a es-critura pública referente à cessão de créditos e a descriminação do valor devido no precatório a título de verba honorária.

Da análise das peças dos autos, extrai-se a escritura pública relativa à cessão dos créditos (fls. 64/69) e o destaque da verba honorária no precató-rio, conforme se pode constatar do cálculo final apresentado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à fl. 62, do qual se destaca a quantia de R$ 3.991,92 (três mil, novecentos e noventa e um mil reais e noventa e dois centavos) a tal título.

Ante o exposto, merece ser mantida a decisão impugnada, com o improvimento do agravo regimental.

É o voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUINTA TURMA

Número Registro: 2010/0020265-9

Processo Eletrônico AgRg-REsp 1.178.915/RS

Números Origem: 101674613 10503240420 10506112555 10506163001 106171318 106542229 70027935782 70030909956 70032986218

Em Mesa Julgado: 16.10.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Jorge Mussi

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Áurea M. E. N. Lustosa Pierre

Secretário: Bel. Marcelo Pereira Cruvinel

AUTUAÇÃO

Recorrente: Cooperativa Vinícola Aurora Ltda.

Advogado: Luiz Alberto Barbará Gonzales Filho e outro(s)

Recorrido: Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – Ipergs

Procurador: Ana Cristina Brenner e outro(s)

Interes.: Jurema Lemos dos Santos

Assunto: Direito Previdenciário

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – Ipergs

Procurador: Gustavo Petry

Interes.: Jurema Lemos dos Santos

Agravado: Cooperativa Vinícola Aurora Ltda.

Advogado: Luiz Alberto Barbará Gonzales Filho e outro(s)

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CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Quinta Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental.”

Os Srs. Ministros Gurgel de Faria, Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC), Walter de Almeida Guilherme (Desembargador con-vocado do TJ/SP) e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Assunto Especial – Ementário

Honorários – Advocatícios e Sucumbência

8177 – Honorários de advogado – arbitramento

“Processo civil. Agravo regimental. Honorários de advogado. O Superior Tribunal de Justiça só intervém no arbitramento da verba honorária em situações verdadeiramente excepcionais, isto é, quando resulta em montante manifestamente excessivo ou irrisório. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 154.116 – (2012/0066196-1) – 1ª T. – Relª Min. Marga Tessler – DJe 22.10.2014 – p. 98)

8178 – Honorários de advogado – curador especial – inexistência ou insuficiência de Defensoria Pública – cabimento

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Honorários advocatícios. Curador especial. Inexistência ou insuficiência de Defensoria Pública. Cabimento. Dever do Estado. Súmula nº 83/STJ. Agravo não provido. 1. A orientação jurisprudencial do STJ é no sentido de são devidos honorários de advogado ao curador especial, devendo ser custeado pelo Es-tado, haja vista que o advogado dativo não pode ser compelido a trabalhar gratuitamente em face da carência ou ausência de Defensoria Pública na região (AgRg-REsp 1.451.034/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 19.08.2014). Manutenção do óbice da Súmula nº 83/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.480.975 – (2014/0234070-5) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 10.11.2014 – p. 1447)

8179 – Honorários de advogado – exceção de pré-executividade – citação

“Processual civil. Execução fiscal. Exceção de pré-executividade. Citação dos recorrentes re-alizada por aviso de recebimento postal. Vigência do art. 174, I, do CTN que determinava a citação pessoal do devedor. Invalidade da citação por carta. Prescrição reconhecida. Art. 473 do CPC. Preclusão. Cabimento de honorários advocatícios. 1. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou que a citação realizada por meio de Aviso de Recebimento – AR teve o condão de interromper o prazo prescricional em relação aos executados, uma vez que válida em exe-cução fiscal. 2. À época da constituição do crédito tributário, estava vigente o art. 174, I, do CTN, que determinava a citação pessoal do devedor. Sendo assim, somente a citação pessoal teria o condão de interromper a prescrição. Precedentes do STJ. 3. A Primeira Seção do STJ firmou o entendimento de que a LC 118/2005, que alterou o art. 174 do CTN para atribuir ao despacho que ordenar a citação o efeito de interromper a prescrição, por ser norma proces-sual, é aplicada imediatamente aos processos em curso, desde que a data do despacho seja posterior à sua entrada em vigor, no que não se enquadra a situação do caso concreto, já que a constituição do crédito ocorreu no ano de 1999 (REsp 999.901/RS, representativo de con-trovérsia, realizado em 13.05.2009, da relatoria do ilustre Ministro Luiz Fux). 4. Melhor sorte assiste à parte agravante quanto ao argumento de que a presente execução deve prosseguir em relação à Agência Alô S/C Ltda. Isso porque, no que tange à pessoa jurídica supra indicada, a matéria sofreu objeção de pré-executividade em 08.11.2007 (fls. 56-61), com rejeição pelo juízo de primeiro grau (fls. 69-69, e-STJ). Assim, foi interposto agravo de instrumento ao Tri-bunal local em que a decisão pelo não provimento do pedido transitou em julgado em 2008 (fls. 113-117, e-STJ). Diante do exposto, operou-se a preclusão consumativa, nos termos do art. 473 do CPC, devendo o presente procedimento executório prosseguir quanto à pessoa jurídica Agência Alô S/C Ltda. 5. Quanto à fixação dos honorários advocatícios, é entendi-

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mento assente no STJ ser cabível a fixação de honorários de sucumbência quando a exce-ção de pré-executividade for acolhida para extinguir total ou parcialmente a execução fiscal. 6. A condenação da Fazenda Pública nos ônus sucumbenciais deve se pautar por critério de equidade, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, baseado em elementos fáticos da causa, a exemplo do grau de zelo do profissional, do lugar de prestação do serviço, do trabalho reali-zado pelo advogado e do tempo exigido, o que não pode ser mensurado no âmbito do recurso especial (Súmula nº 7/STJ), razão pela qual compete ao juízo de 1º grau conhecer da questão. Precedentes do STJ. 7. Agravo regimental dos particulares provido e do Distrito Federal par-cialmente provido.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.443.450 – (2014/0062161-8) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 09.10.2014 – p. 2703)

8180 – Honorários de advogado – execução – insurgência do devedor

“Honorários de advogado. Execução. Insurgência do devedor. Agravo regimental (art. 544 do CPC). Execução de honorários advocatícios. Decisão monocrática negando provimento a agravo em recurso especial. Insurgência do devedor. 1. A ausência de debate, na instância ordinária, do tema suscitado no reclamo extremo impõe a sua inadmissão, mercê de a Cons-tituição Federal de 1988 (art. 105, inciso III) exigir, como requisito específico de sua admissi-bilidade, tenha sido a ‘causa decidida’. Precedentes. 2. Na espécie, o Tribunal de origem não se pronunciou acerca do princípio da menor onerosidade, encartado no art. 620 do Código de Processo Civil. Aplicação do Enunciado nº 282 da súmula do STF, verbis: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscita-da’. 3. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa.” (STJ – AgRg-Ag-REsp. 38.746 – (2011/0137115-2) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 03.05.2012)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou segui-mento a agravo, confirmando juízo de inadmissibilidade do recurso especial nos autos de execução de honorários movida em face da agravante.

No recurso especial, a insurgente aponta ofensa ao art. 620 do CPC.

Nas razões de agravo, a insurgente argumenta que a matéria encontra-se devidamente prequestionada.

Julgando monocraticamente o reclamo, este Relator negou-lhe provimento, diante do se-guinte fundamento:

O aresto hostilizado que conheceu dos embargos de declaração como agravo regimental não tratou sobre o princípio da menor onerosidade, limitando-se a asseverar: a) a não ocorrência de violação ao art. 535 do CPC; e b) a possibilidade de o advogado executar a verba honorária de sucumbência de maneira autônoma.

Irresignada, a ora insurgente afirma que “atende ao requisito do prequestionamento a análise, por parte do Tribunal de origem, da matéria regulada pelos artigos legais tidos por violados, ainda que sem menção expressa do mesmo”.

O STJ negou provimento ao agravo regimental e, cuidando-se de recurso manifestamente improcedente, aplicou ao agravante multa de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao recolhimento do respectivo valor (art. 557, § 2º, do CPC).

Vale trazer trecho do voto do Relator:

“Na espécie, o Tribunal de origem não se pronunciou acerca do princípio da menor onero-sidade, encartado no art. 620 do Código de Processo Civil, consoante se verifica na leitura do voto condutor do acórdão recorridos.

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Dessa sorte, a ausência de debate, na instância ordinária, do tema suscitado no reclamo extremo impõe a sua inadmissão, sob pena de indevida supressão de instância, dando ensejo à aplicação do óbice contido no Enunciado nº 282 da súmula do STF, verbis: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a ques-tão federal suscitada’.”

Carlos Roberto Faleiros Diniz, ao discorrer sobre a tratativa dos honorários advocatícios, assim esclarece:

“Dentre os muitos problemas que os advogados enfrentam no trato de sua profissão, está a questão dos honorários advocatícios. Isso porque, conquanto a mentalidade dos profis-sionais do Direito e da sociedade em geral tenha evoluído muito, e muito embora os novos paradigmas do mercado de trabalho tenham demonstrado que a advocacia é uma profis-são como outra qualquer, e que seus membros devem receber remuneração pelos serviços prestados, ainda existem profissionais que têm dificuldade em lidar com o assunto, seja em virtude da ideia ilusória que se propaga a respeito da advocacia, seja ainda por força dos resquícios deixados pelo Direito romano no trato dos honorários.

[...]

O que muito contribui para a divulgação dessa ideia a respeito dos honorários é o fato de que o advogado, na maioria das vezes (à exceção dos casos de advogado empregado e advocacia de partido), não estabelece com seu cliente uma relação de emprego, em que subsistem os elementos subordinação, não eventualidade, pessoalidade e remuneração. Pelo contrário, a relação jurídica que liga advogado e cliente é uma relação de patrocínio. Todavia, deve-se ter claro que dessa relação jurídica nasce para o advogado a obrigação de prestar serviços de representação e acompanhamento processual, e para o cliente a obrigação de remunerar o tempo que o advogado gasta com essas atividades.

Assim, tem-se que os serviços advocatícios não podem ser prestados sem qualquer re-muneração, exceção feita no caso de mandato para a defesa de colega em processo disciplinar (art. 22, § 5º, do EAOAB), e mesmo assim, caso ele aceite o encargo, o qual, de maneira alguma, pode ser imposto. Nem mesmo a advocacia pro bono deve ser enxer-gada como uma exceção à regra do pagamento de honorários, vez que, nesses casos, a sucumbência supre a lacuna do não pagamento de honorários contratuais.

[...]

Ademais, os honorários, sempre que possível, devem ser negociados com o cliente. O ad-vogado deve ser flexível a ponto de permitir-se chegar a um acordo a respeito dos valores cobrados, já que o contrato por ele assinado deve necessariamente levar em consideração a manifestação livre da vontade do cliente. Além disso, a melhor maneira de evitar futuros problemas é a contratação escrita de honorários. É dever moral e ético do advogado ser honesto com o cliente, e, desde o início, estabelecer um valor para seus serviços (Nalini, 1997, p. 194).” (Honorários de advogado: aspectos éticos, sucumbência e assistência ju-diciária. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 28, p. 25, mar./abr. 2004)

8181 – Honorários de advogado – pedido de majoração – observação

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Honorários advocatícios. Art. 20, § 4º, do CPC. Pedido de majoração. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Agravo regi-mental improvido. I – Em princípio, descabe ao STJ revisar valores de sucumbência fixados nas instâncias ordinárias, pois eles são arbitrados em consideração àquilo que se desenvolveu no processo e por intermédio de juízos de equidade, circunstâncias que não podem ser rea-valiadas nesta Corte, nos termos da Súmula nº 7/STJ. II – Em situações excepcionalíssimas, o STJ afasta o rigor da Súmula nº 7, para exercer juízo de valor sobre o quantum fixado a título de honorários advocatícios, com vistas a decidir se são eles irrisórios ou exorbitantes. III – Na hipótese, os honorários de advogado foram fixados, pela sentença, nos termos do art. 20, § 4º,

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do CPC, em R$ 400,00 (quatrocentos reais). O Tribunal a quo, por sua vez, atento às circuns-tâncias a que se refere o § 3º do art. 20 do CPC, reduziu a verba honorária a R$ 250,00 (du-zentos e cinqüenta reais), considerando, principalmente, a natureza da causa, que, nas pala-vras do acórdão recorrido, ‘não envolveu instrução processual trabalhosa’, bem como por ser a matéria debatida conhecida nos Tribunais. Tal contexto não autoriza a redução pretendida, de maneira que não há como acolher a pretensão do recorrente. Precedente do STJ: ‘É firme a jurisprudência do STJ no sentido de não ser possível, por meio de recurso especial, a revisão do critério de justiça e equidade utilizado pelas instâncias ordinárias para fixação da verba advocatícia, por depender tal providência da reapreciação dos elementos fático-probatórios do caso concreto. Excetuadas as hipóteses em que o valor afigura-se manifestamente ínfimo ou exorbitante, o que não se verifica na espécie, eis que os honorários foram fixados no valor de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), em razão baixa complexidade e repetitividade da causa, sua majoração ou redução atrai a incidência da Súmula nº 7/STJ’ (STJ, AgRg-AREsp 472.319/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 02.05.2014). IV – Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 505.883 – (2014/0095308-2) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 02.10.2014 – p. 659)

8182 – Honorários de advogado – redução de ofício pelo Tribunal – não cabimento

“Honorários de advogado. Redução de ofício pelo Tribunal. Não cabimento. Processual ci-vil. Embargos de divergência em recurso especial. Honorários advocatícios. Redução de ofí-cio pelo Tribunal. Não cabimento. Necessidade de pedido específico. Embargos rejeitados. 1. Divergência jurisprudencial configurada entre acórdãos da 4ª e 5ª Turmas no tocante à pos-sibilidade de redução do quantum fixado a título de honorários advocatícios pelo Tribunal, na hipótese em que a sentença não remanesceu reformada e não houve pedido expresso de modificação dessa verba nas razões de apelação. 2. A inversão da condenação ao pagamento da verba honorária quando há reforma da sentença apresenta-se inerente à sucumbência. 3. No entanto, se não houve reforma do julgado, a redução da verba honorária de ofício pelo Tribunal, com base no pedido de procedência integral, por si só, apresenta-se incabível. Impõe-se a existência de pedido expresso da parte recorrente nesse sentido. Entendimento contrário, conduz à prolação de sentença com ofensa aos arts. 128, 460 e 515, caput, do CPC, de modo que se impõe a prevalência da tese adotada pelo acórdão embargado. 4. ‘A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame da fixação dos ho-norários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso’ (Súmula nº 16/TRF 4ª Região). 5. Embargos de divergência rejeitados.” (STJ – EREsp 1082374/RJ – Corte Especial – Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima – DJe 04.10.2012)

Comentário Editorial SÍNTESEA Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento acerca da im-possibilidade dos Tribunais reduzirem honorários de sucumbência, sem o pedido expresso da parte interessada. O tema vinha recebendo distintas abordagens, gerando insegurança jurídica, especialmente na classe dos advogados, que são diretamente interessados no tema.

O Relator apreciou embargos de divergência em recurso especial.

O embargante encontrou acórdão divergente o qual defendeu a tese de que “mesmo não havendo na apelação impugnação explícita da condenação sobre os honorários advoca-tícios, mas havendo pedido pela procedência integral do pedido, é permitido ao órgão julgador ad quem reduzir o percentual de tal verba” (fl. 1.313e).

A ementa rezava:

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“Processual civil. Apelação. Efeito devolutivo. Extensão. Honorários advocatícios. Possi-bilidade de conhecimento pelo Tribunal. Mesmo não havendo na apelação impugnação explícita da condenação sobre os honorários advocatícios, mas havendo pedido pela pro-cedência integral do pedido, é permitido ao órgão julgador ad quem reduzir o percentual de tal verba, porque se considera que houve devolução de toda a matéria discutida nos autos. Precedentes. Recurso não conhecido.” (REsp 199.500/RJ)

Como se observa, a grande questão é saber se é possível a redução do quantum fixado a título de honorários advocatícios pelo Tribunal, na hipótese em que a sentença não foi re-formada e não houve pedido expresso de modificação dessa verba nas razões de apelação, como sublinhado pelo Relator.

Nesse contexto, o STJ soube distinguir duas situações distintas. Primeiramente, assen-tou que “a inversão da verba honorária na apelação quando há reforma da sentença impugnada é inerente à sucumbência. Com efeito, em se tratando de verba de natureza acessória, não se mostra aceitável a manutenção de uma condenação ao pagamento dos honorários advocatícios em desfavor de quem foi vitorioso no julgamento do seu recurso”. Nesse sentido: “Provido o recurso especial, impõe-se, no particular, a inversão dos ônus sucumbenciais e a fixação de honorários advocatícios em favor da embargante fixados em 10% sobre o valor da causa corrigido” (EDcl-REsp 1.276.151/SC, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJe 17.02.2012).

Contudo, a hipótese é diversa quando não ocorre reforma do julgado. Nesta situação, “a redução da verba honorária de ofício pelo Tribunal, com base no pedido de procedência integral, por si só, apresenta-se incabível”. É fundamental, portanto, o pedido expresso da parte recorrente nesse sentido, sob pena de ofensa aos arts. 128, 460 e 515, caput, do CPC.

Foi lembrada, no acórdão, orientação consolidada no enunciado da Súmula nº 16/TRF 4ª Região, que dispõe: “A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso”. Na mesma linha: “O pedido pela inversão da verba honorária é implícito, pois decorre da própria sucumbência. Assim, eventual provimento positivo do recurso implicará, tendo havido provocação da parte ou mesmo ex officio, a inversão dos ônus da sucumbência.Diversa é a hipótese relativa à redução da verba honorária. Não se tratando de pedido implícito, é imprescindível que exista provocação da parte nesse sentido espe-cífico, sob pena de afronta aos princípios devolutivo, da inércia e da adstrição ao pedido, que norteiam a atividade jurisdicional” (AgRg-Ag 1.296.268/SP, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 22.06.2010).

Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça consolidou a sua jurisprudência, no sentido de que “a apelação genérica, pleiteando a procedência do pedido, não devolve ao Tribunal o exame da matéria, não impugnada especificamente, relativa à verba honorária fixada na sentença de improcedência, sob pena de ofensa ao art. 515 do CPC. Precedentes: EDcl-REsp 464344/SP, Min. Franciulli Netto, 2ª T., DJ 21.02.2005; REsp 290535/SP, Min. Jorge Scartezzini, 5ª T., DJ 02.08.2004 e REsp 97725/MG, Min. Garcia Vieira, 1ª T., DJ 03.08.1998” (REsp 870.444/CE, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 29.03.2007, p. 234)

8183 – Honorários de sucumbência – fixação – forma equitativa

“Agravo regimental no recurso especial. Honorários de sucumbência fixados de forma equita-tiva. Pedido julgado improcedente. Improvimento. 1. Julgado improcedente o pedido formu-lado em ação de natureza condenatória, como no caso dos autos, os honorários advocatícios devem ser estabelecidos com fundamento no § 4º do art. 20 do CPC, consoante apreciação equitativa do juiz. Precedente. 2. Na hipótese dos autos, constata-se que na inicial atribui--se à causa o valor de R$ 1.707,50, valor que reflete a importância da causa defendida pelo

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advogado e, ainda, a extensão da responsabilidade por ele assumida, não sendo irrisórios os honorários de sucumbência fixados no valor de R$ 500,00. 3. Agravo regimental impro-vido.” (STJ – AgRg-REsp 1.450.527 – (2014/0093984-7) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 04.09.2014 – p. 412)

8184 – Honorários de sucumbência – fixação com base no valor da causa – verba irrisória

“Recurso especial. Embargos de declaração. Honorários de sucumbência. Fixação com base no valor da causa. Verba irrisória. Efeitos infringentes. Litisconsorte. Ilegitimidade recursal. 1. Reconhecido o equívoco da decisão agravada na fixação dos honorários de sucumbên-cia, a atribuição de efeitos modificativos aos declaratórios surge como decorrência natural da correção efetuada. 2. Se é fato que o advogado da parte vencedora tem direito ao rece-bimento de honorários de sucumbência, também o é que a realização desse direito há de observar a exata medida da efetiva contribuição desse profissional para o sucesso da causa. 3. Embargos de declaração de Soter Sociedade Técnica de Engenharia S/A não conhecidos. Embargos de declaração da Pinto de Almeida Investimentos S/A acolhidos com efeitos infrin-gentes, para se adequar o valor da verba honorária.” (STJ – EDcl-EDcl-AgRg-REsp 1.172.331 – (2009/0247419-2) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 06.11.2014 – p. 2195)

8185 – Honorários de sucumbência – nunciação de obra nova – princípio da causalidade

“Processual civil e administrativo. Nunciação de obra nova. Procedência. Posterior concessão administrativa da licença para construir. Desinfluência. Honorários advocatícios. Princípio da causalidade. Assistência judiciária. Condenação em custas e honorários de sucumbência. Possibilidade. Agravo regimental em agravo de instrumento. Inovação recursal. Impossibilida-de. Preclusão consumativa. 1. Não se mostra possível discutir em agravo regimental matéria que não foi objeto das contrarrazões do recurso especial, por se tratar de inovação recursal. 2. Embora a superveniente concessão do alvará de construção tenha sido o fundamento ado-tado para reformar, em grau de apelação, a sentença que julgou procedente a ação de nuncia-ção de obra nova ajuizada pela municipalidade, remanesce incólume a circunstância de ter sido o particular o ensejador da propositura da demanda, eis que a esse tempo, não detinha o alvará necessário para a feitura da obra, razão pela qual deve arcar com as custas proces-suais e os honorários advocatícios, conforme o princípio da causalidade. 3. O beneficiário da assistência judiciária não está isento do pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência, reconhecendo-se, tão somente, que sua exigibilidade ficará suspensa, en-quanto persistir a situação de pobreza, pelo prazo máximo de cinco anos, findo o qual estará prescrita a obrigação, a teor do disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Precedentes. 4. Agra-vo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AI 1.271.852 – (2010/0017182-1) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 20.06.2014 – p. 927)

8186 – Honorários de sucumbência – pretensão – impugnação

“Processual civil e tributário. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Embargos de terceiro julgados procedentes. Impugnação da pretensão da embargante. Honorários de sucumbência. Afastamento da Súmula nº 303/ST, na espécie. Agravo regimental não provido. 1. A Corte Especial do STJ, no julgamento do REsp 777.393/DF, de relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, decidiu pela inaplicabilidade da Súmula nº 303/STJ, naqueles casos em que o exequente enfrenta as impugnações do terceiro embargante, desafiando o próprio mérito dos embargos. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 574.738 – (2014/0222800-3) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 10.11.2014 – p. 1404)

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Parte Geral – Doutrina

Limitação da Responsabilidade Civil Relativa ao Transporte de Passageiros e Suas Bagagens por Via Marítima: Convenção de Atenas 2002*

Limitation of Civil Liability Relating to the Carriage of Passengers and Their Luggage by Sea: Athens Convention 2002

NORMAN A. MARTÍNEZ GUTIÉRREZAdvogado, Master of Laws (LL.M.) e Doctor of Philosophy (Ph.D.) em Direito Marítimo Interna-cional (IMO – International Maritime Law Institute – IMLI, Malta), Senior Lecturer, IMO Interna-tional Maritime Law Institute – IMLI, Malta e Pesquisador Visitante Estrangeiro, com Apoio da Capes, no Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali (Itajaí/SC). Autor do Livro Limitation of Liability in International Maritime Conventions: The Relationship Between Global Limitation Conventions and Particular Liability Regimes. London/New York: Routledge, 2011. 412 p.

PRISCILA GONÇALVES DE CASTROAdvogada, Mestranda em Ciência Jurídica – Universidade do Vale do Itajaí, Bacharel em Direi-to – Universidade do Vale do Itajaí (2009/02), Pós-Graduada em Direito Previdenciário – HGA Educação Continuada, Pós-Graduada em Direito do Trabalho – Associação dos Magistrados do Trabalho da 12ª Região, Pós-Graduada em Formação para o Magistério Superior – Universi-dade do Vale do Itajaí. Autora do Livro Teoria Geral do Direito Internacional Previdenciário. CV: http://lattes.cnpq.br/8776359946756802.

RESUMO: Este artigo trata da limitação da responsabilidade civil relativa ao transporte de passa-geiros e suas bagagens por via marítima, por meio do estudo da Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima de 2002 (Convenção de Atenas 2002). Busca-se tecer algumas considerações gerais, inicialmente acerca da responsabilidade civil, trazen-do a forma com que o tema é tratado em relação ao transporte de passageiros por via marítima. Na sequência, discorre-se sobre o conceito de tratado internacional, as fases necessárias para que ele possa vir a adquirir executoriedade e a forma com que ele será recepcionado no ordenamento jurídico interno. Ato contínuo, buscou-se conhecer a interpretação dos tribunais nacionais sobre o tema. Na segunda parte do artigo, investigar-se-á a Convenção de Atenas 2002 informando os países que já a adotaram, bem como o conteúdo e as peculiaridades elencadas neste acordo. Adota-se o método indutivo e as técnicas do referente, categorias e conceitos operacionais, além de pesquisa de fontes bibliográficas.

* Agradecemos os comentários e a colaboração feitos pelo Professor Dr. Osvaldo Agripino de Castro Júnior, do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali.

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PALAVRAS-CHAVE: Convenção de Atenas 2002; limitação da responsabilidade civil; transporte ma-rítimo.

ABSTRACT: This article deals with the Limitation of Civil Liability Relating to the Carriage of Passen-gers and their Luggage by Sea: Athens Convention Relating to the Carriage of Passengers and their Luggage by Sea, 2002. The aim of the article is firstly to offer some general observations on civil liability and, in particular, the way the subject is treated in relation to the carriage of passengers by sea. Following these general remarks, an attempt is made to give a brief overview on international treaties, examining the concept of the term international treaty, the steps required so that a treaty may be enforceable and the way in which it will be incorporated into domestic law. Immediately thereafter, the article examines the interpretation of national courts on this issue. The second part of the article includes a discussion on the Athens Convention 2002, mentioning the countries that have already acceded to it, as well as content and peculiarities of this agreement. The article follows the deductive method and related techniques, categories and operational concepts, and includes resear-ch on the different academic resources available.

KEYWORDS: Athens Convention 2002; limitation of liability; carriage by sea.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Considerações gerais; 1.1 Responsabilidade civil; 1.2 Tratados internacio-nais; 1.3 Jurisprudência; 2 Convenção de Atenas de 2002; 2.1 Definições; 2.2 Âmbito de aplicação; 2.3 Responsabilidade do transportador; 2.4 Objetos de valores; 2.5 Limite de responsabilidade por morte ou lesão corporal; 2.6 Limite de responsabilidade por perda ou dano a bagagens ou a veículos; 2.7 Seguro compulsório; 2.8 Notificação da perda da bagagem; 2.9 Prazo limite para a propositura de ação judicial; 2.10 Jurisdição competente; 2.11 Outras ponderações; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto o estudo da limitação da respon-sabilidade civil relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima: Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima de 2002 (Convenção de Atenas 2002).

A Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima (Convenção de Atenas), apesar de existir há um longo período (origem em 1974), jamais chegou a ser assinada e muito me-nos ratificada pelo Brasil, fazendo com que seja aplicado para os casos do ordenamento jurídico brasileiro apenas as regras estabelecidas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Constitui-se como objetivo geral deste trabalho investigar a limita-ção da responsabilidade civil relativa ao transporte de passageiro e suas bagagens por via marítima e as implicações da Convenção de Atenas 2002, buscando saber como ela procede, quais os países que abrangem e as suas consequências jurídicas.

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A relevância da pesquisa decorre da atualidade do tema e da seguran-ça jurídica que a convenção poderá gerar no ordenamento jurídico pátrio e nos demais Estados.

Buscou-se analisar, no primeiro momento, o significado da limitação da responsabilidade civil, analisando a forma com que o tema é tratado em relação ao transporte marítimo de passageiros. Na sequência, intenta-se demonstrar o conceito do termo tratado internacional, as fases necessárias para que ele possa vir a adquirir executoriedade e a forma com que ele será recepcionado no ordenamento jurídico interno. Ato contínuo, buscou-se conhecer a interpretação dos tribunais nacionais sobre o tema. Dando con-tinuidade à matéria, na segunda parte, investiga-se a Convenção de Atenas 2002, informando os países que já a adotaram, bem como o conteúdo e peculiaridades do citado acordo.

O presente artigo se encerra com a conclusão, na qual são apresen-tados pontos conclusivos destacados. Assim, espera-se alcançar o intuito que motivou preferência por este estudo, qual seja, a aplicação dos conhe-cimentos e a estimulação à continuidade das pesquisas sobre a limitação da responsabilidade civil no direito marítimo brasileiro.

1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

Antes de adentrar ao tema principal deste artigo, Convenção de Atenas 2002, é importante tecer alguns breves esclarecimentos acerca da responsabilidade civil, tratados internacionais e atual jurisprudência brasi-leira sobre a matéria.

1.1 REspONsAbILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro é a obri-gação de se reparar um prejuízo em virtude de algum dano ocorrido. Assim, a pessoa prejudicada pode buscar, legalmente, perante o agente que co-meteu o dano, sendo ele ainda o responsável por pessoa ou coisa que dele dependam, a reparação do prejuízo sofrido.

A responsabilidade civil está prevista no art. 927 do Código Civil1, que informa:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

1 BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normal-mente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Maria Helena Diniz2 assevera que a

responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou material causado a terceiros, em razão de ato por ele mesmo praticado, por pessoa por quem responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

O direito de limitação da responsabilidade é um conceito de suma importância no direito marítimo internacional3, que é regulado por várias convenções internacionais sobre o assunto. Também o transporte de passa-geiros por via marítima é regulada por vários convênios internacionais im-portantes. Infelizmente, na área de limitação de responsabilidade, o Brasil é parte de um acordo, em 1924, que agora está obsoleto, e, no campo do transporte de passageiros por via marítima, o Brasil não faz parte de nenhu-ma das convenções adotadas, deixando assim que a responsabilidade seja regulada pelos dispositivos do Código Civil.

De acordo com o Código Civil, a responsabilidade civil, no transporte de passageiros marítimo, é baseada nas teorias contratual e objetiva, inde-pendentemente de culpa, sendo que há a inversão do ônus da prova, fican-do o transportador, causador do dano, com a incumbência de demonstrar que não agiu com culpa.

Segundo Paulo Henrique Cremoneze4, a responsabilidade civil, no transporte de passageiros por via marítima, é baseada na teoria objetiva imprópria, que significa que a culpa do transportador é sempre presumida.

Verificando essa situação, observamos que a responsabilidade civil contratual visa a proteger o princípio da norma pacta sunt servanda, pois significa que os acordos devem ser cumpridos fielmente, segundo o que foi pactuado entre as partes. Já a teoria objetiva baseia-se no fato de que certas

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2004. p. 57.

3 O citado tema é objeto da pesquisa de cooperação internacional realizada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Univali e o International Maritime Law Institute, IMLI, IMO, Malta, com apoio da Capes e coordenada pelos Professores Doutor Osvaldo Agripino de castro Júnior e Doutor Norman A. Martínez Gutiérrez. A escolha do tema da referida pesquisa se deu com fundamento nas poucas doutrina e publicações sobre a ratificação dos tratados internacionais que regulam o tema.

4 CREMONEZE, Paulo Henrique. Prática de direito marítimo: o contrato de transporte marítimo e a responsabilidade civil do transportador, p. 89.

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atividades profissionais possuem em si só um risco, fazendo assim com que o responsável por esta atividade tenha o dever de indenizar.

Isto significa que a responsabilidade civil contratual visa a proteger o princípio da norma pacta sunt servanda, que significa que pactos são cum-pridos. Já a teoria objetiva baseia-se no fato de que certas atividades profis-sionais possuem em si só um risco, fazendo assim com que o responsável por esta atividade tenha o dever de indenizar.

Por sua vez, Osvaldo Agripino de Castro Júnior5 esclarece que não é o passageiro ou dono da mercadoria quem deve provar a culpa do transpor-tador, mas sim o transportador, pois este é quem deve provar a exoneração da sua responsabilidade, por meio da ausência de culpa.

Todavia, o transportador poderá demonstrar alguma excludente de ausência da responsabilidade civil, que podem ser: 1) ausência de nexo causal; 2) culpa exclusiva da vítima; 3) caso fortuito; 4) força maior. Ade-mais, quando a responsabilidade for em decorrência de culpa concorrente, será estabelecida uma média de culpa de cada parte e assim será reduzida a responsabilidade.

Segundo Carla Gilbertoni6, “no direito marítimo, em geral, a respon-sabilidade decorre do inadimplemento contratual ou deriva de aconteci-mentos aleatórios em decorrência de danos por acidentes ou fatos da nave-gação”.

São várias as obrigações assumidas pelo transportador por força do contrato de transporte, antes durante e depois da viagem. Se descumprir qualquer delas por fato a si imputável, responde por perdas e danos7.

Assim, é importante trazer o disposto na Súmula nº 187 da STF:

Súmula nº 187. A responsabilidade contratual do transportador, pelo aci-dente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

Referido dispositivo legal veio unificar o posicionamento da jurispru-dência, que era unânime em informar que é responsável o transportador por acidente com passageiro, mesmo que este ocorra por culpa, sendo, porém,

5 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de (Org.). Direito marítimo: temas atuais. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 72.

6 GILBERTONI, Carla Adriana C. Teoria e prática do direito marítimo.7 SANTOS, Herez. Introdução ao direito marítimo. Parte integrante da edição nº 24. Disponível em: <http://

www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=44>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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permitida a ação de regresso entre o transportador e este terceiro causador do dano.

Outro ponto que deve ser esclarecido é o das chamadas cláusulas contratuais de não indenização ou de irresponsabilidades.

Referidas cláusulas contratuais visam a retirar toda e qualquer respon-sabilidade do transportador. Todavia, o ordenamento jurídico brasileiro não admite a viabilidade deste tipo de termo, fazendo assim com que ela seja plenamente inoperante, conforme dispõe a Súmula nº 161 do STF:

Súmula nº 161. Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.

Porém, quando tratamos de cláusula de limitação de responsabilida-de, esta tem sido admitida no Brasil, uma vez que não visam à exoneração da sua responsabilidade.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “é válida a cláusula li-mitativa de responsabilidade de indenizar inserta em contrato de transporte marítimo” (REsp 153.787/SP, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro).

Ocorre que, quando é configurada a culpa grave, esta cláusula de limitação acaba perdendo a validade, fazendo assim com que ocorra a obri-gação de indenizar integral, ou seja, sem limitação de valor.

Além disso, ao tratarmos da responsabilidade no transporte marítimo de passageiros, por não haver uma legislação específica acerca do tema, tem-se aplicado o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o trans-porte de passageiro é, sem dúvida alguma, uma relação de consumo.

O Brasil não possui, ainda, um regimento jurídico específico que re-gula a responsabilidade civil acerca do transporte marítimo de passageiros. Muito pelo contrário, o ordenamento jurídico interno possui pouca legisla-ção que trata especificamente do direito marítimo.

Em contrapartida, há inúmeros acordos e convenções internacionais acerca do tema, porém o Estado brasileiro ainda não os ratificou.

Esses acordos, entre os quais a Convenção Atenas 2002, trazem se-gurança jurídica para as partes, pois chegam até mesmo a estabelecer fun-damentos legais para a imposição de responsabilidade e determinam uma limitação para a fins de responsabilidade civil.

Assim, as convenções internacionais e, principalmente, a Convenção de Atenas 2002 buscam estabelecer a responsabilidade do transportador

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por danos aos passageiros e, em alguns casos, até mesmo faz com que ele não seja responsabilizado. Por outro lado, esses convênios incluem limites à responsabilidade do transportador.

1.2 TRATADOs INTERNACIONAIs

Para que se possa compreender o funcionamento de uma convenção internacional, é necessário realizar um breve esclarecimento sobre o seu conceito, a sua implementação e o seu status constitucional.

Os tratados vigoram como lei entre as partes pactuantes, e, entre as fontes do direito internacional, o Tratado destaca-se como o mais importan-te, por versar sobre os assuntos de maiores interesses e ser bastante seguro quanto à precisão de seu conteúdo. Na esfera internacional, o tratado e a convenção são terminologias sinônimas8. Todavia, os costumes devem, igualmente, ser respeitados, uma vez que possuem extrema relevância.

A Convenção de Viena9, em seu art. 2º, 1, a, traz o seguinte conceito de tratado: “Acordo internacional concluído por escrito entre Estados e re-gido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.

Para Rezek10, “tratado é todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”.

Vale destacar que, anteriormente, o Supremo Tribunal Federal adota-va o entendimento de que todo e qualquer tratado internacional, indepen-dentemente de seu conteúdo, tinha a natureza jurídica de lei ordinária. Tal posicionamento era por força do art. 102, III, b, da Constituição Brasileira11, que informa in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

8 GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao direito internacional. São Paulo: Belo Horizonte, 2006. p. 99.9 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_

Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 17 ago. 2012.10 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

p. 14.11 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://

www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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[...]

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

[...]

Todavia, a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou um terceiro parágrafo ao art. 5º, sendo que os tratados e con-venções internacionais que visam a matéria referente a direitos humanos, se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Para que um acordo internacional seja incorporado ao ordenamento jurídico interno, e com isso venha adquirir executoriedade, ele precisa cum-prir obrigatoriamente três fases. Moraes as ensina12:

1ª fase: compete privativamente ao Presidente da República celebrar todos os tratados, convenções e atos internacionais (CF, art. 84, VIII);

2ª fase: é de competência exclusiva do Congresso Nacional resolver defi-nitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49, I). A deliberação do Parlamento será realizada através da aprovação de um decreto legislativo, devidamente promulgado pelo Presidente do Senado Fe-deral e publicado;

3ª fase: edição de um decreto do Presidente da República, promulgando o ato ou tratado internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacio-nal. É nesse momento que adquire executoriedade interna a norma inserida pelo ato ou tratado internacional, podendo, inclusive, ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.

No caso em tela, ao analisarmos a Convenção de Atenas 2002, obser-vamos que se trata de uma questão meramente acerca de responsabilidade civil do transportador. Dessa forma, pode-se definir que essa Convenção, caso entre em vigor no ordenamento jurídico interno brasileiro, teria um status de lei ordinária e se situaria no nível intermediário, ao lado dos atos normativos primários.

1.3 JURIspRUDêNCIA

Para entender-se o posicionamento do Poder Judiciário brasileiro acerca da matéria, é relevante uma breve pesquisa jurisprudencial. Assim

12 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 590.

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serão demonstrados três casos concretos relacionados à indenização no transporte marítimo de passageiros, todos eles relevantes para o debate in-vestigado neste artigo, quais sejam:

Indenização. Danos materiais e morais. Extravio de bagagem. Transporte marítimo de passageiros. Responsabilidade da transportadora bem demons-trada. Valor dos danos tanto morais como materiais bem avaliado e arbitra-do na sentença. Procedência parcial bem decretada. Apelação da ré provi-da em parte apenas para redistribuir os ônus da sucumbência, não providos os demais recursos. (239677020098260451/SP, 13ª CDPriv., Rel. Ulisses do Valle Ramos, DJ 24.11.2010, Data de Publicação: 09.12.2010)

Administrativo. Responsabilidade civil. Naufrágio da embarcação “Bateau Mouche IV”. Desconsideração da personalidade jurídica. Responsabilidade solidária dos réus. 1. Justifica-se tratamento mais severo na seara das rela-ções de consumo, quando do enfrentamento da retirada do véu protetor das pessoas jurídicas, com a aplicação da disregard doctrine, mormente diante das constantes práticas abusivas, e desenfreada busca do “lucro a qualquer preço”, pelas sociedades empresárias, em detrimento dos consumidores, o que já era possível antes mesmo da vigência do Código Consumerista. 2. Salta aos olhos que a sociedade empresária em comento, por intermé-dio dos seus sócios, exerceram abusivamente o negócio de transporte ma-rítimo de passageiros, sem qualquer contrapartida em seu patrimônio resul-tando na perda de 55 vidas. 3. Honorários advocatícios incidentes sobre a condenação, assim consideradas as verbas vencidas e doze das presta-ções vincendas. 4. Para fins de fixação de juros de mora, há que diferen-ciar o ilícito contratual do extracontratual que incidirão em 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação, durante a vigência do revogado CC de 1916 e, após, passam a ser computados no percentual de 1% (um por cento). 5. Remessa oficial e recursos de apelação parcialmente provi-dos. (199351010137789/RJ, 1993.51.01.013778-9, 7ª Turma Especializa-da, Relª Desª Fed. Salete Maccaloz, DJ 02.06.2010, e-DJF2R 21.06.2010, p. 395/396)

Indenização. Danos materiais e morais. Extravio de bagagem. Transporte marítimo de passageiros. Responsabilidade da transportadora bem demons-trada. Valor dos danos tanto morais como materiais bem avaliado e arbitra-do na sentença. Procedência parcial bem decretada. Apelação da ré provi-da em parte apenas para redistribuir os ônus da sucumbência, não providos os demais recursos. (990104345200/SP, 13ª CDPriv., Rel. Ulisses do Valle Ramos, DJ 24.11.2010, Data de Publicação: 09.12.2010)

Após uma introdução acerca de responsabilidade civil, dos tratados internacionais e da análise da jurisprudência atual, é necessário, para alcan-

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çar o objetivo deste artigo, estudar especificamente a Convenção de Atenas 2002, o que será feito no próximo capítulo.

2 CONVENÇÃO DE ATENAS 200213

A Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima foi estabelecida visando a estabelecer a respon-sabilidade e reconhecer o direito de limitação da responsabilidade civil do transportador de passageiros em embarcações de longo curso no caso de perdas e danos sofridos por passageiros e suas bagagens.

Referida convenção foi adotada em 13 de dezembro de 1974, e a sua entrada em vigor internacionalmente ocorreu apenas em 28 de abril de 1987, e até os dias atuais foi adotada por 34 (trinta e quatro) países, sendo eles: Albânia, Argentina, Bahamas, Barbados, Bélgica, Belize, China, Croácia, Dominica, Egito, Espanha, Estônia, Rússia, Geórgia, Grécia, Guia-na, Guiné Equatorial, Iémen, Ilhas Marshall, Irlanda, Jordânia, Letônia, Libéria, Luxemburgo, Malavi, Nigéria, Polônia, Reino Unido, São Cristóvão e Nevis, Sérvia, Suíça, Tonga, Ucrânia, Vanuatu14.

Uma vez que essa Convenção trata de responsabilidade civil, e desta forma dispõe acerca do valor das indenizações, em 2002 realizou-se um novo protocolo, em que foram revistos e atualizados os valores estabeleci-dos, bem como foram criadas novas cláusulas para as indenizações.

O protocolo de 2002 teve a adoção em 1º de dezembro de 2002, po-rém não se encontra, ainda, em vigor, sendo que a sua efetivação ocorrerá 12 (doze) meses após a data em que, no mínimo, 10 (dez) países-membros tenham assinado esta ratificação, aceitação ou aprovação sem qualquer re-serva, ou tenham depositado instrumento desta adesão.

Porém, para que os Estados participantes da Convenção de Atenas possam aderir ao novo protocolo (2002), devem denunciar, ou seja, renun-ciar, a convenção inicial de 1974 e os protocolos de 1976 e 1990, uma vez que os valores, indenizações e demais responsabilidades seriam derrogados.

Até 31 de julho de 2012, apenas 8 países já ratificaram o novo proto-colo de 2002, número esse inferior do necessário para a entrada em vigor.

13 Para uma discussão detalhada do Convenio de Atenas e o Convenio de Atenas 2002, consultar MARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Norman A. Limitation of liability in international maritime conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes. London/New York: Routledge, 2011. p. 113-144.

14 Status of conventions as at 31 july 2012. Disponível em: <http://www.imo.org/About/Conventions/StatusOfConventions/Pages/Default.aspx>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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São eles: Albânia, Belize, Dinamarca, Letônia, Palau, São Cristóvão e Nevis, Sérvia, Síria15.

Ocorre que, além desses países, a União Europeia também já ratificou este protocolo, porém é necessária a tramitação interna para que os países que dela fazem parte passem a aderir esta Convenção.

Como se pode observar, o Brasil não é parte contratante da Con-venção de Atenas, muito menos dos protocolos de 1976 e 1990, sendo que sequer chegou a assinar o referido acordo. No mesmo sentido, até o momento, o país não manifestou interesse na adesão ao Protocolo de 2002.

Para que haja uma explicação mais clara e correta acerca do tema, tratar-se-á cada ponto do novo protocolo em tópicos, iniciando sobre as definições e, posteriormente, da responsabilidade do transportador; seguro compulsório; objetos de valores; limite de responsabilidade por morte ou lesão corporal; limite de responsabilidade por perda ou dano a bagagens ou a veículos; notificação da perda da bagagem; prazo limite para a propositu-ra de ação judicial; jurisdição competente; outras ponderações e jurispru-dências.

É importante esclarecer que, apesar de ter sido originada por um pro-tocolo de 2002, pode-se referir a este acordo como Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima.

É importante esclarecer que o Convenio de Atenas e o Protocolo de 2002 devem ser lidos e interpretados juntos como um só instrumento, o qual se pode referir a este acordo como Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima de 2002.

2.1 DEfINIÇõEs

Antes de adentrar ao conteúdo específico da Convenção de Atenas 2002, é importante conhecer o significado de alguns termos e expressões comumente usadas, que igualmente estão estabelecidas na convenção, em seu art. 116:

a) navio: significa apenas uma embarcação marítima, excluindo veículos com colchão de ar;

15 Status of conventions as at 31 july 2012. Disponível em: <http://www.imo.org/About/Conventions/StatusOfConventions/Pages/Default.aspx>. Acesso em: 17 ago. 2012.

16 Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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b) transportador: significa aquele por quem ou em nome de quem foi celebrado um contrato, independente do transporte ser de fato feito por tal pessoa ou por um transportador executante;

c) transportador executante: não significa o transportador propria-mente dito, mas o armador, afretador ou o operador do navio que realiza de fato todo ou parte do transporte;

d) passageiro: significa qualquer pessoa transportada em um na-vio sob um contrato de transporte ou, com o consentimento do transportador, esteja acompanhando um veículo ou animais vi-vos cobertos por um contrato de transporte de mercadorias não reguladas por esta Convenção;

e) bagagem: significa qualquer artigo ou veículo transportado pelo transportador sob um contrato de transporte, excluindo: 1) arti-gos e veículos transportados por um afretador, ou outro contrato cobrindo principalmente o transporte de mercadorias, e 2) ani-mais vivos;

f) bagagem de cabine: significa a bagagem que o passageiro tenha em sua cabine ou da qual esteja de posse ou que esteja sob sua guarda ou controle;

g) contrato de transporte: significa um contrato feito por ou em nome de um transportador para o transporte por via marítima de um passageiro ou de um passageiro e sua bagagem;

h) perda ou dano à bagagem: inclui prejuízo patrimonial resultante da bagagem não ter sido devolvida ao passageiro dentro de um período de tempo razoável após a chegada do navio no qual a bagagem tenha sido, ou deveria ter sido, transportada, mas não inclui atrasos resultantes de litígios trabalhistas (ex.: greve);

i) litígios trabalhistas (ex.: greve).

Após conhecer alguns significados importantes para a matéria, pas-sar-se-á a abordar a essência da Convenção de Atenas 2002.

2.2 ÂMbITO DE ApLICAÇÃO

O art. 2 da Convenção de Atenas de 200217 estabelece que a sua apli-cação ocorrerá apenas nas seguintes hipóteses:

17 Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso

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a) o navio estiver arvorando a bandeira, ou estiver registrado em um Estado-parte desta Convenção, ou

b) o contrato de transporte tiver sido celebrado em um Estado-parte desta Convenção, ou

c) o local de partida ou de destino, de acordo com o contrato de transporte, estiver localizado em um Estado-parte desta Conven-ção.

2.3 REspONsAbILIDADE DO TRANspORTADOR

O transportador será responsável tanto pelas perdas originadas por morte ou lesão corporal, quanto pelas bagagens de cabine ou não18.

Para os casos de morte ou lesão corporal a um passageiro causa-das por um incidente de navegação (afundamento, emborcamento, colisão, encalhe, explosão, incêndio ou defeito no navio), a responsabilidade do transportador é objetiva até uma quantidade de 250.000 unidades monetá-rias, que são os direitos especiais de saque, sendo que, até agosto de 2012, corresponde a R$ 761.200,00 por passageiro19. No entanto, o transportador não é responsável se puder provar que a fatalidade se deu em função de ato ou omissão intencional de terceiros ou um ato de guerra, hostilidade, guerra civil, insurreição ou de um fenômeno de caráter excepcional, inevitável e irresistível20.

Caso os danos e/ou perdas ultrapassem o limite estipulado, o trans-portador será responsável adicionalmente, salvo se provar que o incidente ocorreu sem que houvesse a sua falta ou negligência.

Ademais, para os casos em que não tenha ocorrido um incidente de navegação (afundamento, emborcamento, colisão, encalhe, explosão, in-cêndio ou defeito no navio), o transportador será responsável sempre que ele ou seus funcionários agirem com falta ou negligência no desempenho de suas funções.

em: 17 ago. 2012.18 Para uma discussão detalhada acerca da responsabilidade do transportador, consultar MARTÍNEZ GUTIÉRREZ,

Norman A. Limitation of liability in international maritime conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes. London/New York: Routledge, 2011. p. 134-138.

19 Cotação de moedas. Disponível em: <http://www.correios.com.br/internacional/cfm/cotacao_moedas.cfm>. Acesso em: 17 ago. 2012. (DES - Direito Especial de Saque R$ 3,0448 [250.000 x 3,0448 = R$ 761.200,00]).

20 Artigo 3, ponto 1, (a), da Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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Quando se tratar de perda ou danos à bagagem das cabines, o trans-portador será responsável sempre que este incidente tiver sido gerado em virtude da falta ou negligência tanto do transportador quanto de seus funcio-nários no desempenho de suas funções. Essa falta ou negligência será pre-sumida sempre que os prejuízos tiverem ocorrido em razão de um incidente da navegação21.

Já para a bagagem que não seja a de cabine, a perda ou dano será sempre de responsabilidade do transportador, a menos que ele prove que o incidente causador da perda ocorreu sem qualquer falta ou negligência.

É importante destacar que o ônus da prova para as perdas provenien-tes de qualquer incidente ocorrido durante o transporte será do reclamante.

Mesmo que o transporte tenha sido efetivado por um “transportador executante”, o “transportador” não deixará de ser responsável pela lesão ou morte, e perda ou dano de bagagem22.

Enquanto o “transportador executante” só é responsável por danos ou prejuízos que ocorrem durante o transporte que o execute, o “transporta-dor” permanecerá responsável por danos ou prejuízos que ocorrem durante o transporte, porque sempre será responsável por qualquer ato ou omissão do “transportador executante”, sendo que, sempre que ambos forem consi-derados culpados, esta responsabilidade será conjunta e solidária.

Ademais, esta Convenção não impede que o transportador responsa-bilizado ajuíze uma ação de regresso contra terceiros.

2.4 ObJETOs DE VALOREs

Quando se tratar de uma bagagem contendo dinheiro, títulos mo-biliários negociáveis, ouro, prata, joias, obras de arte etc., o transportador não deverá ser responsável pela perda ou dano, salvo quando tais objetos tenham sido depositados com o transportador, visando a guardar tais va-lores, por exemplo: quando é depositado em um cofre do navio, onde o responsável é o transportador, e não o cofre particular que pode haver em cada cabine23.

21 Artigo 3, pontos 2 e 3, da Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

22 Artigo 4 da Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

23 Artigo 5 da Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>.

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Caso o transportador se enquadre nesta exceção, esta Convenção pre-vê uma limitação para a sua responsabilidade, que não deverá extrapolar a quantia de 3.375 unidades monetárias por passageiro e por transporte, ou seja, R$ 10.276,20, atualizado até outubro de 201224.

Essa limitação somente não será aplicada caso o passageiro e o trans-portador tenham acordado, expressamente, e por escrito um limite maior de responsabilidade.

2.5 LIMITE DE REspONsAbILIDADE pOR MORTE OU LEsÃO CORpORAL

A Convenção de Atenas 2002 estipulou que em nenhuma hipótese, nem mesmo em decorrência de uma decisão judicial, a responsabilidade do transportador em face de morte ou lesão corporal de um passageiro pode ultrapassar 400.000 unidades monetárias por passageiro em cada ocasião distinta, ou seja, R$ 1.217.092,00, atualizado até agosto de 201225.

Se houver uma condenação judicial, para que seja pago alguma ren-da periódica, o valor pago e somado jamais poderá ultrapassar o limite aci-ma informado.

Todavia, caso um Estado-parte desta Convenção deseje fixar algum outro limite de responsabilidade, ele poderá, desde que este limite nacional de responsabilidade não seja inferior ao estabelecido pelo convênio.

O Estado-parte que utilizar essa opção deverá informar ao Secretário Geral da Convenção o limite de responsabilidade adotado ou o fato de não haver limites.

2.6 LIMITE DE REspONsAbILIDADE pOR pERDA OU DANO A bAGAGENs OU A VEíCULOs

Quando se trata da perda ou dano a uma bagagem de cabine, a Con-venção de Atenas 2002 prevê um limite de responsabilidade que não deve-

Acesso em: 17 ago. 2012. Para uma discussão detalhada acerca da responsabilidade do transportador por objetos de valor, consultar MARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Norman A. Limitation of liability in international maritime conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes. London/New York: Routledge, 2011. p. 121-122.

24 Cotação de moedas. Disponível em: <http://www.correios.com.br/internacional/cfm/cotacao_moedas.cfm>. Acesso em: 17 ago. 2012. (DES – Direito Especial de Saque R$ 3,0448 [3.375 x 3,0448 = R$ 10.276,20]).

25 Cotação de moedas. Disponível em: <http://www.correios.com.br/internacional/cfm/cotacao_moedas.cfm>. Acesso em: 17 ago. 2012. (DES - Direito Especial de Saque R$ 3,0448 [400.000 x 3,0448 = R$ 1.217.092,00]). Para uma discussão detalhada acerca do limite da responsabilidade do transportador, consultar MARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Norman A. Limitation of liability in international maritime conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes. London/New York: Routledge, 2011. p. 123-126, 128 e 138-140.

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rá exceder, em nenhum caso, 2.250 unidades monetárias por passageiro e por transporte, ou seja, R$ 6.850,80, atualizado até agosto de 201226.

Já para os casos em que ocorre a perda ou dano ao veículo, inclusive toda a bagagem transportada em cima ou no interior do veículo, a respon-sabilidade do transportador não excederá 12.700 unidades monetárias por veículo e por transporte, ou seja, R$ 38.668,96, atualizado até agosto de 201227.

Novamente essa limitação somente não será aplicada apenas caso o passageiro e o transportador tenham acordado expressamente e, por escrito, um limite de responsabilidade mais elevado.

2.7 sEGURO COMpULsÓRIO

A Convenção de 2002 passou a exigir que todo navio que esteja au-torizado para transportar mais de 12 passageiros deverá manter um seguro ou outra garantia financeira, tal como a garantia de um banco ou instituição financeira semelhante, que cubra a responsabilidade objetiva no âmbito da Convenção no que diz respeito à morte ou lesão corporal dos passageiros28.

O limite do seguro obrigatório ou outra garantia financeira não deve ser inferior a 250.000 unidades monetárias por passageiro em cada ocasião distinta, ou seja, R$ 761.200,00, atualizado até agosto de 201229.

Para cada navio deverá ser emitido um certificado atestando que um seguro ou outra garantia financeira está em vigor, sendo que esse certificado deverá ser mantido a bordo e uma cópia deverá ser entregue para as autori-dades que mantêm o registro do navio.

Para requerer a indenização, no montante coberto pelo seguro, o pe-dido pode ser feito diretamente com o segurador. Para valores acima do

26 Cotação de moedas. Disponível em: <http://www.correios.com.br/internacional/cfm/cotacao_moedas.cfm>. Acesso em: 17 ago. 2012. (DES – Direito Especial de Saque R$ 3,0448 [2.250 x 3,0448 = R$ 6.850,80]).

27 Cotação de moedas. Disponível em: <http://www.correios.com.br/internacional/cfm/cotacao_moedas.cfm>. Acesso em: 17 ago. 2012. (DES – Direito Especial de Saque R$ 3,0448 [12.700 x 3,0448 = R$ 38.668,96]). Para uma discussão detalhada acerca do limite da responsabilidade do transportador, consultar MARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Norman A. Limitation of liability in international maritime conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes. London/New York: Routledge, 2011. p. 123-126, 128 e 138-140.

28 Para uma discussão detalhada acerca do seguro compulsório, consultar MARTÍNEZ GUTIÉRREZ, Norman A. Limitation of liability in international maritime conventions: the relationship between global limitation conventions and particular liability regimes. London/New York: Routledge, 2011. p. 134-138.

29 Cotação de moedas. Disponível em: <http://www.correios.com.br/internacional/cfm/cotacao_moedas.cfm>. Acesso em: 17 ago. 2012. (DES – Direito Especial de Saque R$ 3,0448 [250.000 x 3,0448 = R$ 761.200,00]).

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assegurado, deve-se entrar judicialmente para pleitear esta diferença a cargo do transportador.

2.8 NOTIfICAÇÃO DA pERDA DA bAGAGEM

Sempre que o passageiro tiver algum problema com a sua bagagem, ele deverá notificar o transportador ou seu agente por escrito.

Para os danos aparentes à bagagem, essa notificação deverá ocorrer da seguinte forma, de acordo com o art. 15.1 da referida Convenção30:

a) bagagem de cabine: antes ou na hora do desembarque do passa-geiro;

b) demais bagagens: antes ou na hora de sua entrega.

Quanto ao dano às bagagens que não sejam aparentes, ou ainda no caso de perda de bagagem, o passageiro deverá efetuar a notificação dentro de 15 dias, a partir da data de desembarque ou entrega, ou a partir da hora em que tal entrega deveria ter ocorrido.

Caso o passageiro não cumpra essa notificação, presume-se, a menos que seja provado o contrário, que ele recebeu a sua bagagem intacta.

Essa notificação não precisa ocorrer, e sim, apenas, caso a condição da bagagem tenha, no momento de seu recebimento, sido sujeita à vistoria ou à inspeção conjunta.

2.9 pRAzO LIMITE pARA A pROpOsITURA DE AÇÃO JUDICIAL

A Convenção estabeleceu um prazo de prescrição de 2 (dois) anos para que seja proposta qualquer ação visando ao ressarcimento e/ou à inde-nização de danos provenientes de morte ou lesão corporal a um passageiro ou de perda ou dano a sua bagagem.

Essa prescrição deverá ser calculada da seguinte maneira, conforme dispõe o art. 16.231:

a) no caso de lesão corporal, a partir da data do desembarque do passageiro;

30 Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

31 Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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b) no caso de morte ocorrida durante o transporte, a partir da data na qual o passageiro deveria ter desembarcado;

c) no caso de lesão corporal ocorrida durante o transporte e resul-tando na morte do passageiro após o desembarque, a partir da data da morte, desde que este período não seja superior a três anos a partir da data do desembarque;

d) no caso de perda ou dano à bagagem, a partir da data do desem-barque ou a partir da data na qual o desembarque deveria ter ocorrido, o que for mais tarde.

Qualquer suspensão e interrupção dos limites descritos anteriormente será regida pela lei do Tribunal, que está acompanhando o caso. No entan-to, a Convenção prevê, no art. 16.3, que nenhuma reclamação pode ser apresentada após o decurso de qualquer dos seguintes termos:

a) um período de cinco anos a partir da data de desembarque do passageiro ou da data em que o desembarque deveria ter ocorri-do, o que mais tarde, ou se anterior;

b) um período de três anos a partir da data em que o requerente sa-bia ou poderia razoavelmente ter conhecimento da lesão, perda ou dano causados pelo incidente.

Sem prejuízo do disposto acima, de acordo com o art. 16.4 da Con-venção, os períodos acima poderão ser prorrogados por uma declaração por escrito do transportador ou por um acordo escrito entre as partes, após o incidente ter ocorrido.

2.10 JURIsDIÇÃO COMpETENTE

O foro competente para a propositura de ações decorrentes de danos dispostos nesta Convenção (morte ou lesão corporal, perda ou dano a ba-gagem) deverá ser aquele localizado em um Estado-parte da Convenção.

Caso não seja possível, será aplicada a seguinte ordem de compe-tência32:

a) Tribunal do Estado de residência permanente ou principal local de negócios do réu; ou

32 Artigo 17, ponto 1, da Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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b) Tribunal do Estado de partida ou de destino, de acordo com o contrato de transporte; ou

c) Tribunal do Estado de domicílio ou residência permanente do reclamante, se o réu tiver um local de negócios nesse Estado e esteja sujeito a sua jurisdição; ou

d) Tribunal do Estado onde o contrato de transporte foi celebrado, se o réu tiver um local de negócios nesse Estado e esteja sujeito a sua jurisdição.

2.11 OUTRAs pONDERAÇõEs

Finalizando acerca da Convenção de Atenas 2002, é importante men-cionar que, sempre que o passageiro causar ou contribuir mediante negli-gência para que ocorra a sua morte ou lesão corporal, ou a perda ou dano a sua bagagem, e o transportador conseguir provar essa situação, o tribunal que julgar o caso poderá exonerar o transportador de toda ou parte de sua responsabilidade, de acordo com as disposições da lei daquele tribunal.

Será nula e sem efeito toda e qualquer cláusula contratual que tenha a finalidade de eximir a responsabilidade de qualquer pessoa acerca de inci-dente que originou a morte ou lesão corporal de um passageiro, ou a perda ou dano da bagagem do passageiro33.

No momento da aplicação da responsabilidade, não estão incluídos nos limites estabelecidos na Convenção, os juros sobre os danos e as custas do processo.

Por fim, é relevante acrescentar que é permitido que o Estado, no momento da assinatura, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão a esta Convenção, declare por escrito que não dará efeito a esta Convenção quan-do o passageiro e/ou o transportador forem súditos ou cidadãos de determi-nado país. Este ato poderá, a qualquer momento, ser revogado por meio de uma notificação por escrito ao Secretário-Geral da Organização.

Assim, encerra-se a análise sobre a Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima, 2002, após uma breve elucidação da responsabilidade civil, dos tratados internacionais e jurisprudências acerca do tema, seguida, por fim, de uma análise específi-

33 Artigo 18 da Convenção de Atenas relativa ao transporte de passageiros e suas bagagens por via marítima, 2002. Disponível em: <https://www.ccaimo.mar.mil.br/sites/default/files/Conv_Consolidado_2002.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2012.

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ca deste objeto de estudo, o Protocolo de 2002, o que fez com que a citada convenção se tornasse conhecida como Convenção de Atenas Relativa ao Transporte de Passageiros e suas Bagagens por Via Marítima, 2002 (Conven-ção de Atenas 2002).

CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objetivo investigar a limitação civil re-lativa ao transporte de passageiro e suas bagagens por via marítima e a Convenção de Atenas 2002, em face da relevância do tema nos dias atuais, quando dezenas de milhares de passageiros viajam pelo Brasil e mundo afora, saindo e atracando nos portos brasileiros, tornando-se a viagem de cruzeiros um dos meios de transporte mais difundidos nos últimos tempos.

Efetivou-se uma sucinta explanação do conceito de responsabilidade civil, além de esclarecer que o Brasil não assinou e ratificou a Convenção de Atenas de 2002 – razão pela qual o sistema judiciário interno utiliza-se das normas relativas ao Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se trata de relação de consumo.

Destacaram-se a análise dos tratados internacionais, o seu conceito, o status legislativo que adere no ordenamento jurídico brasileiro e qual é a forma para a sua implementação e executoriedade.

Em seguida, tratou-se de explanar algumas jurisprudências e posicio-namentos dos tribunais brasileiros acerca do tema.

Ato contínuo, foram demonstrados quais os países que haviam ade-rido à Convenção de Atenas, bem como quais os que já ratificaram a de 2002; porém, como para este segundo caso há apenas 9 países, e é esta a razão pela qual a Convenção de Atenas 2002 ainda não entrou em vigor, uma vez que não se alcançou o número mínimo, que seria de 10 Estados. Importante esclarecer que, além desses países, a União Europeia também já ratificou este protocolo, porém é necessária a tramitação interna para que os países que delam fazem parte passem a aderir essa Convenção34.

Finalizando, falou-se acerca das definições básicas tratadas no acor-do, bem como sobre a responsabilidade do transportador e as causas de

34 A União Europeia aderiu à Convenção de Atenas de 2002 pelo Regulamento (CE) nº 392/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, sobre a responsabilidade das transportadoras de passageiros por mar em caso de acidente aplicável a partir de 31 de dezembro de 2012. Para uma análise do presente regulamento, consultar MARTINEZ GUTIERREZ, Norman A. Responsabilidad de los transportistas de pasajeros por mar en caso de accidente (La importancia del Reglamento CE 392/2009). Anuario de Derecho Marítimo, n. 29, 2012 (atualmente em impressão).

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possibilidade para a limitação da sua responsabilidade, demonstrando quais são as quantias aplicadas.

Assim, verifica-se que, dada a relevância e atualidade da matéria, seria de sua importância que o Brasil discutisse e aderisse a Convenção de Atenas 2002, a fim de aumentar a segurança jurídica para todas as partes. Ademais, em virtude de o Brasil ainda não ter assinado a Convenção de Atenas 2002, há uma escassez de doutrinas acerca do tema, razão pela qual não há necessidade de maior aprofundamento e discussão desse tema.

REFERÊNCIAS

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Parte Geral – Doutrina

Os Efeitos do Provimento Jurisdicional no Processo Coletivo e a Incompatibilidade da Sistemática dos Recursos Repetitivos

GABRIELA OLIVEIRA FREITASMestre em Direito Processual pela PUC-Minas, Assessora Judiciária do TJMG, Professora da Faculdade de Santa Luzia (FACSAL), Pesquisadora do Instituto Mineiro de Direito Processual (IMDP).

RESUMO: Pretende-se pelo presente estudo uma análise sistemática acerca dos recursos repetiti-vos, recentemente inseridos no Direito Processual brasileiro, buscando compreendê-los como institu-tos de processo coletivo, o que, por consequência, levará à conclusão de sua incompatibilidade com o sistema processual adotado atualmente pela legislação brasileira, no que se refere aos efeitos do provimento jurisdicional. Para tanto, adotar-se-á como marco teórico a Teoria Constitucionalista do Processo, o que possibilitará uma análise crítica do instituto, sob uma perspectiva democrática. Para o presente estudo, utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica e o método dedutivo, partindo-se de uma perspectiva macro para uma concepção micro analítica acerca do tema ora em estudo e, por fim, como procedimento técnico a análise temática, teórica e interpretativa, buscando sugestão para a solução da questão destacada.

PALAVRAS-CHAVE: Recursos repetitivos; Estado Democrático de Direito; processo coletivo; proces-so constitucional.

ABSTRACT: It is intended by this study, a systematic review about the repetitive appeals, recently entered the Brazilian procedural law, seeking to understand them as institutes Collective Process, which consequently will lead to completion of its incompatibility for the procedural system currently adopted with Brazilian law, with regard to the effects of jurisdictional provision. To this end, it shall be adopted as the theoretical framework Constitutionalist Theory of Procedure, which will enable a critical analysis of the institute, under a democratic perspective. For the present study, will be used to bibliographical research and deductive method, starting from a macro perspective for micro analytical conceptions of the topic currently under study and, finally, as a technical procedure thematic, theore-tical and interpretive analysis seeking suggestions for resolving the outstanding issue.

KEYWORDS: Repetitive appeals; democratic state of law; collective process; constitutional process.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Análise sistemática do procedimento de julgamento por amostragem dos recursos especiais; 2 Os recursos repetitivos como instituto de processo coletivo; 3 Os efeitos da sentença no processo coletivo brasileiro; 4 Da falta de legitimidade democrática no provimento juris-dicional do recurso repetitivo; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Diante de uma atual tendência de busca pela celeridade processual, o Direito brasileiro vem sofrendo uma série de reformas e alterações, com

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o objetivo de abreviar o tempo de duração dos procedimentos e combater a tão falada morosidade do Judiciário. Buscando alcançar o referido obje-tivo, o Direito Processual vem adotando uma tendência de padronização decisória.

Uma dessas alterações legislativas consistiu na inclusão do art. 543-C no Código de Processo Civil, pela promulgação da Lei nº 11.672, de 8 de maio de 2008, que instituiu um procedimento para julgamento de recursos especiais repetitivos no Superior Tribunal de Justiça.

Por meio de tal procedimento, os recursos especiais que tratem de temas recorrentes no Tribunal poderão ser julgados “por amostragem”. Isso significa dizer que, diante da multiplicidade de recursos que abordem uma mesma questão, somente alguns desses recursos serão analisados como representativos da controvérsia. No entanto, o resultado obtido afetará os recursos não analisados, podendo, inclusive, ensejar novo julgamento do acórdão de segundo grau recorrido.

Diante da análise do referido instituto, seu conceito e procedimento previsto na legislação regulamentadora, pretende-se demonstrar que o jul-gamento de recursos repetitivos implica, por consequência, reconhecimen-to do caráter coletivo da matéria debatida no recurso especial, motivo pelo qual merece ser estudado sob a ótica do processo coletivo. Ao analisar a questão sob esta ótica, surge o problema a ser debatido no presente traba-lho: os efeitos do provimento jurisdicional no processo coletivo.

Em se tratando de julgamento de recursos repetitivos, tal questão se revela problemática, uma vez que inexiste qualquer previsão legal que au-torize a opção da parte de não se submeter aos efeitos do provimento cons-truído no julgamento de recursos repetitivos, tornando vinculante o efeito de tal provimento.

O problema se agrava ao se realizar uma análise comparativa com os efeitos do provimento do processo coletivo, que se encontram previstos no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor. Referido dispositivo legal permite que as partes dos procedimentos individuais, em que se debata o mesmo tema do procedimento coletivo, optem por se submeter ou não aos efeitos do provimento construído no procedimento do qual não participa-ram efetivamente.

Assim, o objetivo do presente trabalho consiste em analisar os efeitos decorrentes do julgamento de recursos repetitivos, trazendo como contra-ponto a previsão legal contida no art. 104 do Código de Defesa do Consu-

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midor, de forma a buscar a medida que mais se compatibiliza com a con-cepção de processo adotada no Estado Democrático de Direito, consagrado no Brasil pela promulgação da Constituição de 1988.

Tem-se, portanto, que o objetivo do presente trabalho é abordar o julgamento de recursos repetitivos diante do Estado Democrático de Direito, principalmente no que se refere ao processo coletivo, visando demonstrar a inadequação de tratamento do processo coletivo, que obsta a concretização da democracia.

1 ANÁLISE SISTEMÁTICA DO PROCEDIMENTO DE JULGAMENTO POR AMOSTRAGEM DOS RECURSOS ESPECIAIS

Seguindo a tendência de busca pela celeridade do procedimento, a Lei nº 11.672, de 8 de maio de 2008, introduziu no Código de Processo Civil o art. 543-C, instituindo uma nova técnica de julgamento de recursos especiais, por meio da litigância de massa.

Assim, o art. 543-C trata da multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, hipótese em que o julgamento do recurso escolhido como representativo servirá de parâmetro para o jul-gamento dos demais. Cabe ao presidente do tribunal de origem escolher um ou mais recursos para representar a controvérsia e encaminhá-los ao Supe-rior Tribunal de Justiça, ficando sobrestados na origem os demais recursos que tratem do mesmo tema.

Conforme orientação desse dispositivo legal, diante da multiplicida-de de recursos especiais “com fundamento em idêntica questão de direi-to”, deve o “presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça”.

Com tal procedimento, somente alguns recursos especiais serão jul-gados, a fim de que o resultado obtido em seus julgamentos se estendam aos demais recursos que debatem o mesmo tema.

O grande problema a ser debatido no presente trabalho encontra-se previsto no art. 543-C, § 7º:

Art. 543-C [...]

[...]

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§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos espe-ciais sobrestados na origem:

I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

Tal dispositivo legal, ainda que de forma sutil, trata da vinculação do precedente judicial criado no julgamento dos recursos repetitivos. Ain-da que ausente a expressão “vinculante”, é certo que os recursos sobresta-dos somente poderão ter dois caminhos: novo julgamento pelo tribunal de origem, para se adequar ao entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça; ou terão seguimento negado, caso o acórdão recorrido coincida com o tal entendimento.

Resta, portanto, induvidoso que tal instituto implique o reconheci-mento do caráter coletivo da questão debatida no recurso especial, motivo por que se revela a importância do estudo deste pressuposto de admissibili-dade na perspectiva das ações coletivas.

Desse modo, após tais considerações breves acerca dos recursos re-petitivos, pretende-se uma análise acerca do direito processual coletivo e de suas peculiaridades, visando à compreensão do estudado pressuposto de admissibilidade como um instituto destinado à tutela de direitos que extra-polam a esfera individual, atingindo a coletividade.

2 OS RECURSOS REPETITIVOS COMO INSTITUTO DE PROCESSO COLETIVO

Para que seja possível a compreensão do recurso repetitivo como ins-tituto destinado à tutela de direitos coletivos, é necessário esclarecer que se entende por Processo Coletivo aquele que visa tutelar os direitos coletivos, entre os quais se tem os coletivos em sentido estrito e os difusos, e, ainda, os individuais homogêneos, sendo necessário, portanto, defini-los para uma melhor compreensão do tema proposto.

Ressalte-se, também, que incorreta a expressão “interesses coletivos”, tendo em vista que, conforme entendimento esposado por Vicente de Paula Maciel Junior, o interesse, entendido como manifestação de vontade em face de um bem, “é sempre individual, porque pertence à esfera psíquica que liga um sujeito a um bem” (Maciel Junior, 2006, p. 54).

Desse modo, tendo em vista o supramencionado conceito de inte-resse como algo existente somente na esfera individual, é inviável falar em

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interesses na esfera coletiva, revelando-se mais correta a adoção das expres-sões direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

O Código de Defesa do Consumidor adota, em seu art. 81, os seguin-tes conceitos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste códi-go, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pes-soas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste có-digo, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de-correntes de origem comum.

No caso dos recursos repetitivos, é certo que a adoção de um acór-dão como paradigma obrigatório para o julgamento de outras demandas que debatam a mesma questão torna esse procedimento uma técnica des-tinada à tutela dos direitos individuais homogêneos. Isso porque os direitos individuais homogêneos consistem em “um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que permite a defesa coletiva de todos eles” (Zavascki, 2007, p. 43). Ou seja, os interessados compartilham prejuízos divisíveis de mesma origem.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, o “adjetivo ‘homogêneos’ só indica que o fato gerador é único, já que a dimensão qualitativa ou quanti-tativa do direito pode variar em razão do indivíduo” (Carvalho Filho, 2007, p. 30), e prossegue fazendo a seguinte distinção entre os direitos tutelados pelo processo coletivo:

A categoria dos interesses individuais homogêneos guarda distinção fun-damental em relação aos interesses coletivos e difusos: enquanto estes são transindividuais, porque o aspecto de relevo é o grupo, e não seus compo-nentes, aqueles se situam dentro da órbita jurídica de cada indivíduo. Por outro lado, os direitos transindividuais são indivisíveis e seus titulares são indeterminados ou apenas determináveis, ao passo que os individuais ho-mogêneos são divisíveis e seus titulares são determinados. (Carvalho Filho, 2007, p. 30)

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Diante de tais considerações, resta induvidoso que o julgamento dos recursos pela escolha de representativos, como ocorre na hipótese do art. 543-C do Código de Processo Civil, trata-se de forma de processo coleti-vo, tendo em vista que ocorre, em um único julgamento, a discussão acerca de matéria de direito coletivo, cujo provimento valerá para os demais recur-sos, ou seja, discutem-se direitos individuais homogêneos.

No entanto, a regulamentação do referido instituto pela Lei nº 11.672/2008 não cuidou de abordar o procedimento observando as nor-mas do direito processual coletivo, como se pretende demonstrar neste tra-balho.

3 OS EFEITOS DA SENTENÇA NO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO

Acerca dos efeitos da sentença no processo coletivo destinado à tute-la dos direitos individuais homogêneos, dispõe expressamente o art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, em seu inciso III e § 2º.

É o que se observa:

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

[...]

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

[...]

§ 2º Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedi-do, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litiscon-sortes poderão propor ação de indenização a título individual.

Percebe-se que a extensão dos efeitos foi estabelecida, secundum eventum litis, ou seja, dependendo do resultado do julgamento. Desse modo, diante da procedência do pedido inicial haverá sempre a ampliação subjetiva da eficácia do julgado. Mas, do contrário, quando a pretensão for negada, o pedido julgado improcedente não será vinculativo para todos os interessados e legitimados, caso a improcedência decorrer da insuficiência probatória.

Sobre o supracitado dispositivo legal, é o ensinamento de Antônio Gidi:

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O inciso III do art. 103 do Código de Defesa do Consumidor prevê que a sentença fará coisa julgada somente no caso de procedência do pedido. Surge, então, a perplexidade de se saber o que aconteceria no caso de im-procedência. Não haveria formação de coisa julgada material nesse caso? A coisa julgada seria apenas inter partes? Resolve-se o problema com uma in-terpretação conjugada com o § 2º do mesmo artigo. Se esse dispositivo res-salva aos “aos interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes”, a possibilidade de propor a sua ação individual é porque, contrario sensu, aqueles interessados que intervieram, aceitando a convoca-ção do edital a que se refere o art. 94, são atingidos pela coisa julgada inter partes. (Gidi, 1995, p. 139)

Sobre a coisa julgada no modelo representativo brasileiro, é o ensina-mento de Fabiano Afonso:

Os limites objetivos da coisa julgada nas ações coletivas se operam para beneficiar todos os titulares de direitos ou interesses discutidos na ação co-letiva em caso de procedência, havendo, assim, a coisa julgada secundum eventum litis para se ter eficácia erga omnes.

Nos casos de improcedência da ação, não se transmitem os efeitos erga omnes, conforme dispõe o art. 103 do CDC. Isso deriva de que os legiti-mados individuais possuem o direito ao devido processo legal, ampla de-fesa, contraditório e isonomia, com a finalidade de reverterem em juízo a demanda que lhes for desfavorável de forma individual. (Afonso, 2010, p. 324)

Ainda é certo que, em se tratando de procedimento que visa à tute-la de direitos coletivos, os efeitos da sentença, conforme preconizado no art. 104 do Código de Defesa do Consumidor, somente podem atingir às demandas individuais se houver expresso pedido da parte de suspensão, manifestando claramente seu interesse em se submeter aos efeitos do pro-cesso coletivo.

É o que dispõe:

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo úni-co do art. 81 não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciên-cia nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Nesse sentido, leciona Ricardo de Barros Leonel:

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A necessidade de reconhecimento de maior extensão aos efeitos da senten-ça coletiva é conseqüência da indivisibilidade dos interesses tutelados (ma-terial ou processual), tornando impossível cindir os efeitos da decisão judi-cial, pois a lesão a um interessado implica a lesão a todos, e o proveito a todos beneficia. É a indivisibilidade do objeto que determina a extensão dos efeitos do julgado a quem não foi parte no sentido processual, mas figura como titular dos interesses em conflito. (Leonel, 2002, p. 259)

Similar é o que ocorre no sistema das class actions, em que os inte-ressados, ainda que não tenham participado da construção do provimento jurisdicional, ficam sujeitos aos efeitos da sentença, exceto se exercido o opt-out, o direito de exclusão, conforme esclarece Antonio Gidi:

Ao contrário do que acontece no direito processual civil brasileiro, porém o efeito vinculante da sentença coletiva em face das pretensões indivi- duais dos membros do grupo independe do resultado da demanda ou da sufi ciência do material probatório disponível ao grupo. Seja a sentença fa-vorável ou contrária aos interesses do grupo (whether favorable or adverse), ela está revestida pelo manto da imutabilidade do seu comando em face dos direitos individuais e coletivos de todos os membros ausentes do grupo. (Gidi, 2007, p. 272)

Destarte, em se tratando de ações coletivas, somente poderá ser con-siderado legítimo o provimento jurisdicional construído pela ampla par-ticipação dos que serão por ele atingidos, motivo pelo qual é necessário oferecer às partes que litigam em processos individuais a oportunidade da suspensão ou não de suas demandas, para que observem ou não o que será decidido no processo coletivo.

4 DA FALTA DE LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA NO PROVIMENTO JURISDICIONAL DO RECURSO REPETITIVO

Considerando o processo coletivo no Estado Democrático de Direito, e notadamente as mencionadas disposições do Código de Defesa do Con-sumidor, verifica-se que os recursos repetitivos, conforme regulamentados, limitam e impedem o debate dos interessados, culminando em um provi-mento jurisdicional decorrente somente do entendimento do magistrado, desconsiderando a participação das partes que litigam em outras demandas que não a representativa da controvérsia, o que o torna ilegítimo.

Em razão da consagração da nova principiologia jurídico-constitucio-nal, ocorrida com a promulgação da Constituição de 1988, o processo deve ser analisado sob uma perspectiva democrática e, por isso, é necessário romper com as teorias do processo que permitem a concepção da atividade

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jurisdicional como um poder do Estado. O rompimento deve ser estabe-lecido, principalmente, com a teoria do processo como relação jurídica, sistematizada por Büllow, que serviu de marco teórico para o atual Código de Processo Civil, segundo a qual o processo é uma relação jurídica entre autor, réu e juiz. Tal teoria foi trazida ao Brasil por Enrico Tulio Liebman, influenciando Alfredo Buzaid na elaboração do Código de Processo Civil de 1973, e sendo acompanhada pela intitulada Escola Paulista/Instrumentalista de Processo.

Para a doutrina instrumentalista, “o conceito de jurisdição não se-ria jurídico, mas político, já que ela é expressão do poder do Estado” (Gonçalves, 2012, p. 154), fazendo com que a atividade do juiz seja in-fluenciada por seus próprios princípios ideológicos, construída unilateral-mente por sua clarividência, em uma atividade solitária e solipsista, o que, obviamente, não é compatível com a noção democrática de processo. Ou seja, ao tratar o processo como um instrumento de busca pela paz social e pela justiça, admite-se que o magistrado se torne a figura suprema da rela-ção processual e atue de forma discricionária e arbitrária, desconsiderando a atuação das partes/participação popular, o que não se mostra consentâneo com a atual conjuntura constitucional.

O equívoco na referida doutrina estaria em sugerir que seja o proces-so instrumento da jurisdição, quando, na verdade, o correto parece ser o contrário, isto é, a jurisdição é o instrumento do processo.

Apesar da mencionada incompatibilidade, analisando detidamente o ordenamento jurídico brasileiro, notadamente o ora analisado art. 543-C do Código de Processo Civil, constata-se que tem ocorrido, cada vez mais, uma maior concentração de poder nas mãos do julgador, decorrente de uma grande preocupação com a celeridade processual, o que vem causando vi-sível prejuízo ao efetivo exercício dos direitos fundamentais.

É a lição de Aroldo Plínio Gonçalves:

A preocupação com o rápido andamento do processo, com a supera-ção do estigma da morosidade da Justiça que prejudica o próprio direito de acesso ao Judiciário, porque esse direito é também o direito à resposta do Estado ao jurisdicionado, é compartilhada hoje por toda a doutrina do Direito Processual Civil. As propostas de novas categorias e de novas vias que abreviem o momento da decisão são particularmente voltadas para a economia e a celeridade como predicados essenciais da decisão justa, so-bretudo quando a natureza dos interesses em jogo exige que os ritos sejam simplificados. Contudo, a economia e a celeridade não são incompatíveis com as garantias das partes, e a garantia constitucional do contraditório não

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permite que seja ele violado em nome do rápido andamento do processo. (Gonçalves, 2012, p. 124-125)

Conforme lição de Streck, “não se pode olvidar a ‘tendência’ con-temporânea (brasileira) de apostar no protagonismo judicial como uma das formas de concretizar direitos” (Streck, 2010, p. 20), o que demonstra clara adesão do nosso processo atual à teoria do processo como relação jurídica, de forma incompatível com as diretrizes do Estado Democrático de Direito.

Tem-se, portanto, que não basta buscar um processo célere para que o processo seja efetivo, exige-se também a observância das garantias pro-cessuais fundamentais.

Por tais motivos, referida doutrina deve ser abandonada, uma vez que, no contexto pós-Constituição de 1988, é necessário compreender o processo segundo a Teoria Constitucionalista, cujos estudos remontam ao mexicano Hector Fix-Zamudio1 e ao uruguaio Eduardo Couture2, sendo tra-zida ao direito brasileiro por José Alfredo de Oliveira Baracho.

Ao apresentar esta teoria, Baracho afirma que “o direito processu-al tem linhagem constitucional, circunstância que dá maior significação à proteção efetiva dos direitos processuais, em todas as instâncias” (Baracho, 2008, p. 14), ainda acrescentando que “o processo constitucional visa tute-lar o princípio da supremacia constitucional, protegendo os direitos funda-mentais” (Baracho, 2008, p. 45).

Desse modo, tem-se que as normas processuais devem observar a supremacia da Constituição3, uma vez que o processo é considerado uma

1 Fix-Zamudio, em sua obra Constituición y Proceso Civil en Latinoamérica, de 1974, analisou a relevância que as garantias fundamentais passaram a ter nos estudos de direito processual, concluindo que, diante da existência de numerosas disposições constitucionais acerca dos direitos das partes no processo civil, torna-se impossível desvincular qualquer legislação processual de tais direitos fundamentais (FIX-ZAMUDIO, Hector. Constituición y Proceso Civil en Latinoamérica. México: Instituto de Investigaciones Juridicas, 1974).

2 Apesar de verificar que Eduardo Couture ainda considera o processo como um instrumento da jurisdição, seguindo a orientação da Teoria do Processo como Relação Jurídica de Büllow, é possível constatar em seus estudos um esboço de um direito processual constitucional, a partir da ideia de que o processo deve ser estruturado por meio de um método dialético, permitindo que as partes e o juiz realizem o debate, tendo esclarecido Couture que a atividade jurisdicional se “serve da dialética porque o princípio da contradição é o que permite, por confrontação dos opostos, chegar à verdade” (COUTURE, Eduardo. Introdução ao estudo do processo civil: discursos, ensaios e conferências. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2008. p. 44).

3 Segundo José Afonso da Silva, Supremacia da Constituição significa que esta se encontra no vértice do sistema jurídico conferindo validade a todos os atos do Estado realizados conforme reconhecido no Texto Constitucional, na proporção em que os poderes estatais forem distribuídos (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 45). Afirma também José Cirilo Vargas que a “constituição é que forma o arcabouço jurídico-político de uma Nação”, traçando “os pressupostos de todos os setores da ordem jurídica”, inclusive do Processo (VARGAS, José Cirilo. Processo penal e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 1992. p. 57.

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importante garantia constitucional. Por isso, as normas processuais surgem consolidadas nos textos das constituições do moderno Estado Democrático de Direito, “sufragando os direitos de as pessoas obterem a função jurisdi-cional do Estado, segundo a metodologia normativa do processo constitu-cional” (Brêtas, 2010, p. 92).

Conforme informa Baracho, “o modelo constitucional do processo civil assenta-se no entendimento de que as normas e os princípios consti-tucionais resguardam o exercício da função jurisdicional” (Baracho, 2008, p. 15), o que leva ao entendimento de que a jurisdição é direito fundamen-tal, e, por consequência, seria inviável compreender o processo como mero instrumento de sua realização, devendo ser compreendido como forma de garantia não só deste, mas de todos os direitos fundamentais positivados pelo Texto Constitucional.

Em assim sendo, mediante a adoção da Teoria Constitucionalista do Processo, o provimento proferido no julgamento de feitos por amostragem é inválido, pela ausência de ampla participação das partes em sua construção e obrigatoriedade de observância nos demais feitos, além de não se prestar para tutelar, de forma adequada os direitos coletivos.

Nesse sentido é a crítica de Dierle José Nunes, Humberto Theodoro e Alexandre Bahia: “[...] o Tribunal Superior, ao criar uma tese com base em alguns casos “pinçados” (como veremos), rejulgaria tão-somente estes, desprezando os argumentos dos demais recursos e dos “interessados não participantes”, algo que exige uma releitura de aplicação (Nunes, Theodoro Junior, Bahia, 2009, p. 19).

Dierle José Coelho Nunes prossegue criticando o julgamento por amostragem também em sua obra Processo Jurisdicional Democrático:

Não se pode acreditar mais em uma justiça social definida antes do deba-te processual (tese já julgada), eis que só as peculiaridades do caso con-creto (não de uma massa de casos), definidas endoprocessualmente, con-seguem permitir, mediante o estabelecimento de um fluxo discursivo entre os interessados e o órgão decisor, a formação de um provimento adequado. (Nunes, 2006, p. 143)

Nesse mesmo sentido, ensina Dierle José Nunes, Humberto Theodoro Junior e Alexandre Bahia, segundo os quais, diante “da existência de um litisconsórcio por afinidade entre os recorrentes, em caso de recursos com fundamento idêntico, a solução não poderia ser tal que violasse as garantias

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do devido processo constitucional” (Nunes, Bahia, Theodoro Junior, 2009, p. 38).

No mesmo sentido, leciona Juliana Maria Mattos Ferreira:

No Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o juiz seja, solitariamente, o decisor que dará ao fato natureza individual ou coletiva. O pronunciamento jurisdicional hábil a incidir sobre a esfera dos bens de número indeterminado ou indeterminável de pessoas deverá ser construído pelos interessados, de forma participativa e isonômica, conforme assegura a Constituição Brasileira. (Ferreira, 2009, p. 185)

Portanto, é necessária a ampliação do debate acerca das questões de direito coletivo, em sede de recursos repetitivos, conforme propõe Vi-cente de Paula Maciel Junior, que afirma que “quanto maior a participação dos interessados na formação do mérito maior será a possibilidade de que esse processo represente o conflito coletivo de forma ampla” (Maciel Junior, 2006, p. 179).

E conclui:

As ações coletivas não devem ser rígidas quanto à formação do mérito, por-que se o fato abrange um número indeterminado de interessados, é natural que dentre eles existam manifestação de vontades em sentidos diferentes e muitas vezes contraditórios. A ação dos diversos interessados difusos deve conduzir a uma possibilidade de “ampliação flexível do mérito no processo coletivo”. Se assim não for, corre-se o risco de se transformar a decisão ju-dicial do processo coletivo em uma visão unilateral e representativa apenas de uma parcela dos interessados difusos na questão litigiosa. (Maciel Junior, 2006, p. 180)

Isso, tendo em vista que o provimento jurisdicional “deverá ser o re-sultado lógico da atividade procedimental desenvolvida em torno das ques-tões discutidas e dos argumentos produzidos em contraditório pelas partes” (Brêtas, 2010, p. 131), construído de forma participada, permitindo que as partes manifestem-se sobre os termos do processo, sendo tal questão resol-vida de forma simples, por meio da observância do disposto nos arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor.

Desse modo, tem-se que o julgamento dos recursos repetitivos, con-forme disposto na legislação regulamentadora, inobserva os direitos e as garantias fundamentais constitucionais da ampla defesa e do contraditório, os quais “permitem a construção de um procedimento jurisdicional legítimo

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que possibilita um resgate discursivo das razões de cada decisão judicial, assegurando a correção da falibilidade do processo” (Nunes, 2006, p. 143).

O que ocorre, em tais julgamentos, é o indevido exercício da ativida-de jurisdicional, permitindo que os julgadores suprimam toda a participação dos interessados e atuem de forma solipsita e isolada, desconsiderando todo o debate e argumentação que poderiam ser produzidos pelas partes interes-sadas nos processos individuais em que litigam.

Assim, conforme entendimento de Lênio Streck, ocorre um retrocesso “pelo qual se procura estabelecer uma regra, geral e universalizante, que permita um julgamento massivo de todos os processos pressupostos como iguais”, ignorando que os recursos “representam causas e não apenas teses jurídicas abstratas” (Streck, 2009, p. 9).

Dessarte, alcança-se uma falsa segurança jurídica, garantida tão so-mente pela certeza de que os julgamentos semelhantes terão julgamentos idênticos, mas não se garante que a construção destes provimentos judiciais ocorrerá em observância ao devido processo constitucional. E, como já dito, não é o protagonismo judicial e, por consequência, decisões solipsistas que concretizam os direitos. Somente é possível falar em concretização de di-reitos e, por consequência, em adequada tutela dos direitos coletivos, por meio do devido processo constitucional.

Assim, apesar de correta a intenção e a função dos recursos repeti-tivos, é equivocada sua regulamentação, vez que esta não pode ser apli-cada em desconformidade com a disciplina constitucional principiológica (Brêtas, 2010, p. 35), o que retira do provimento sua legitimidade democrá-tica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tais considerações, inviável que no Estado Democrático de Direito admita-se a criação e regulamentação de procedimentos coletivos em desconformidade com o modelo constitucional do processo, como ocor-re no caso dos recursos repetitivos, o que afasta a legitimidade e validade do provimento proferido, tendo em vista que não produzido sob a observância do devido processo e sem a efetiva participação das partes interessadas.

Em se tratando de processo coletivo, diante das diretrizes decorrentes do princípio do Estado Democrático de Direito, não cabem limitações à ampla participação das partes interessadas, o que configura clara ofensa aos

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direitos fundamentais à ampla defesa e contraditório, invalidando o provi-mento obtido.

Desse modo, verifica-se que a sistemática adotada no julgamento dos recursos repetitivos, apesar de incorporada ao direito brasileiro sob o argu-mento de celeridade e efetividade do provimento jurisdicional, encontra-se na contramão da garantia fundamental do devido processo legal e do mo-delo constitucional do processo.

Somente é possível considerar que uma sentença proferida em ação coletiva produza efeitos aplicáveis e oponíveis contra todos, caso permita a participação de todos os interessados, observando o devido processo legal, oportunizando, assim, o contraditório e a ampla defesa, garantindo a cons-trução de um provimento participado.

Do mesmo modo, a discussão acerca da aplicação do entendimento paradigma firmado no julgamento de recursos repetitivos deve envolver as partes interessadas, não podendo o precedente ser aplicado sem que te-nham oportunidade para se manifestar sobre a questão nos processos indi-viduais, não podendo também, de forma alguma, obstar a propositura de futuras demandas individuais.

E também só é possível considerar legítimo um provimento jurisdicio-nal quando construído com a participação de todos os seus interessados, o que é possível por meio da previsão contida nos arts. 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza a quem for parte em um processo individual optar por se sujeitar ou não aos efeitos do provimento produzido no processo coletivo.

Conclui-se, desse modo, que os recursos repetitivos, conforme de-terminação do art. 543- C do Código de Processo Civil, encontram-se em total desconformidade com as técnicas procedimentais do processo coleti-vo, com a disciplina constitucional principiológica e com as diretrizes do Estado Democrático de Direito, e, por via de consequência, fazem com que o Superior Tribunal de Justiça prossiga proferindo decisões totalmente ilegítimas, motivo por que necessária a revisitação deste instituto sob a ótica proposta. E, ainda, por tais motivos, o procedimento em análise afasta-se da atual concepção do processo, não logrando êxito em sua principal função de tutelar os direitos coletivos.

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Parte Geral – Doutrina

Medidas Cautelares e Procedimento Arbitral

LUCIANO NARDI COMUNELLOAdvogado, Especialista em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico PUCRS, LL.M em Direito dos Negócios Unisinos (em curso).

SUMÁRIO: Introdução; 1 Medidas de urgência; 1.2 Conceito, distinções e pressupostos; 1.2 Classi-ficação das medidas de urgência; 2 Medidas de urgência e o procedimento arbitral; 2.1 Medidas ur-gentes preparatórias do processo arbitral; 2.2 Medidas urgentes incidentes; 3 Proposta de definição da competência à luz da classificação das medidas de urgência; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo possui por tema as medidas de urgência no proce-dimento arbitral. Trata-se de pesquisa exploratória, de revisão bibliográfica, na qual se buscou elucidar aspectos relacionados às medidas de urgência no processo arbitral, especialmente no que toca à determinação da compe-tência para processamento e julgamento.

Inicialmente, tratou-se de buscar na doutrina processualista conceitos e distinções, assim como apontar os pressupostos das medidas de urgência. Em seguida, investigou-se sobre as teorias defendidas por Galeno Lacerda e Calamandrei para classificação das medidas de urgência.

Vencida a parte inicial de investigação da doutrina processualista, passou-se a analisar na doutrina arbitralista o posicionamento quanto às medidas urgentes no processo arbitral. Tratou-se das medidas preparatórias e das medidas incidentes.

Por fim, tomando-se por premissas as teorias ora revisadas, tanto dos juristas processualistas quanto dos arbitralistas, buscou-se propor parâmetro possível para definição da competência ao processamento e julgamento das medidas de urgência incidentes ao processo arbitral.

1 MEDIDAS DE URGÊNCIA

1.2 CONCEITO, DIsTINÇõEs E pREssUpOsTOs

A tutela de urgência exsurge do perigo de deterioração de determina-do bem jurídico em virtude do transcurso do tempo, a ponto de tornar inútil toda a atividade jurisdicional de conhecimento e executiva, entre o pedido

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pelo jurisdicionado e a entrega pelo Estado. Estas medidas de urgência têm natureza provisória e instrumental. Provisórias, pois devem perdurar até que a medida definitiva a substitua; e instrumental, porque não representam um fim em si mesmo. Existem em função de uma tutela principal1.

Para Vicente Greco, “medida cautelar é a providência jurisdicional protetiva de um bem envolvido no processo”2. Processo cautelar, por sua vez, é o instrumento de produção e deferimento da medida de urgência, a qual poderá se dar, inclusive, no próprio processo de conhecimento ou de execução.

Além das condições gerais da ação (possibilidade jurídica do pedi-do, interesse processual e legitimidade das partes), o procedimento cautelar tem como pressupostos o periculum in mora e o fumus boni iuris. Segun-do Vicente Greco, o periculum in mora consiste na probabilidade de dano resultante da demora no ajuizamento, processamento e/ou julgamento de determinado processo, a permitir a definição da medida pretendida3. Para Zavascki, a urgência está presente em qualquer situação fática de risco ou embaraço à efetividade da jurisdição4. Demonstra-se, pois, configurada a urgência não só para sanar danos já ocorridos, mas também para evitar a efetivação de danos potenciais.

O fumus boni iuris, por sua vez, é a probabilidade ou possibilidade da existência do direito invocado pelo postulante da medida cautelar, jus-tificando a proteção do bem jurídico tido por violado, ainda que hipoteti-camente. Trata-se de um juízo superficial de probabilidade bastante para justificar o asseguramento do direito.

São características da medida de urgência a cognição sumária, a pro-visoriedade e a inexistência de coisa julgada. A cognição sumária, superfi-cial, possui esta natureza dado à relação estabelecida, em contraparte, com a cognição do pedido principal, que é exauriente, e deve ser esgotada para fins de entrega de uma tutela definitiva. Justamente por ser uma medida emergencial, de análise superficial, probabilística e com ânimos de se evitar danos, que a tutela de urgência é provisória, vigorará até que seja revogada ou substituída pela tutela definitiva. Daí também decorre a inexistência de coisa julgada, não se sujeitando à imutabilidade do direito decidido, pois é perfunctório, emergencial e provisório. Não faz, pois, coisa julgada.

1 GRECO FILHO. Vicente. Direito processual civil brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2012. p. 205.2 Idem, p. 206.3 Idem, p. 207.4 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 28.

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O Código de Processo Civil brasileiro faculta ao juiz, além dos pro-cedimentos cautelares específicos, determinar medidas provisórias que entender adequadas quando houver fundado receio de, antes de findo o processo, uma das partes cause dano irreparável ou de difícil reparação a outra. Nestes casos, o juiz poderá ordenar que a parte faça, deixe de fazer ou entregue coisa ao juízo ou a terceiro, para guarda judicial.

O poder geral de cautela atua como integrativo da eficácia da juris-dição, colmatando a norma nos casos não tipificados. Tem por finalidade, portanto, atender às situações de urgência não previstas pelo legislador, de modo a não deixar o jurisdicionado desamparado na proteção de seu direito.

O poder geral acautelatório do juiz pode se manifestar em processo cautelar autônomo, não previsto na lei processual e, portanto, inominado, assim como em sede incidental do próprio processo principal.

1.2 CLAssIfICAÇÃO DAs MEDIDAs DE URGêNCIA

Pertinente dissociar, entre as medidas de urgência, aquelas de caráter antecipatório daquelas de caráter cautelar. Para Vicente Greco, “na tutela antecipada [...], antecipam-se efeitos que a sentença teria na fase executiva; na cautelar, a providência é protetiva de bens jurídicos, para que possam ser entregues íntegros [...]”5.

Galeno Lacerda classifica as medidas de urgência em três grupos: (i) medidas de segurança quanto à prova; (ii) medidas de segurança quanto aos bens, efetividade da execução; (iii) medida de segurança mediante an-tecipação provisória da prestação jurisdicional6.

Para Calamandrei, as providências de segurança da prova são cabí-veis quando, antes de o processo se iniciar, exista motivo para temer que, em tardando a instrução, os resultados sejam menos eficazes. As providên-cias de segurança dos bens, em casos de dilapidação ou dispersão, servem para garantir a satisfação da futura execução forçada. O último grupo, das medidas urgentes antecipatórias, tem lugar nos casos em que a demora da jurisdição possa ocasionar a perda do direito ou danos irreparáveis ou de difícil reparação7.

5 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 208.6 LACERDA, Galeno apud ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 46.7 CALAMANDREI, Piero apud ZAVASCKI, Teori Albino. Op. cit., p. 47.

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São três, portanto, as situações que ensejam a tutela de urgência: (i) situações em que a certificação do direito é que está em risco (garantia da prova); (ii) situações em que a efetivação de futura execução forçada está em perigo (garantia da execução); (iii) o terceiro e último conjunto de situações é aquele em que nem a certificação do direito está em risco, nem a efetivação da execução forçada do direito certificado: o perigo decorre unicamente da demora na fruição do direito postulado. São as medidas an-tecipatórias que garantem a fruição do direito antes mesmo da verificação da tutela definitiva.

Tomando por base a posição doutrinária anteriormente esposada, que defende a subdivisão da tutela de urgência em medidas antecipatórias e medidas cautelares, e estas últimas em asseguradoras da certificação do di-reito e asseguradoras da satisfação da execução futura, passamos a analisar a tutela de urgência no procedimento arbitral, com vistas, mais especifica-mente, à determinação da competência para apreciação e julgamento.

2 MEDIDAS DE URGÊNCIA E O PROCEDIMENTO ARBITRAL

2.1 MEDIDAs URGENTEs pREpARATÓRIAs DO pROCEssO ARbITRAL

As medidas urgentes preparatórias do processo arbitral, assim com-preendidas aquelas cuja apreciação reclamam urgência e não podem aguar-dar pela instauração da arbitragem, são de competência do juízo estatal. Nesse sentido professa Dinamarco, entendendo que “a competência para essas medidas urgentes preparatórias ou antecedentes ao juízo arbitral per-tencerá ao juiz da Justiça, do foro e do juízo que seriam competentes para a causa se não houvesse a convenção de arbitragem”8.

No mesmo sentido professa Carmona, ao entender que cabe ao Juiz estatal o julgamento da medida emergencial enquanto não instaurada a ar-bitragem, isso porque o jurisdicionado não pode ser obstado da tutela emer-gencial9:

[...] a questão deve ser dirimida com a invocação de tradicional princípio do direito luso-brasileiro, segundo o qual quando est periculum in mora incompetentia non attenditur. Dito de outro modo, as regras de competên-cia podem ser desprezadas se houver algum obstáculo que impeça a par-te necessitada de tutela emergencial de ter acesso ao juízo originariamente

8 DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do direito. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 223.9 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/1996. 3. ed. São Paulo:

Atlas, 2009. p. 327.

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competente, o que aconteceria na hipótese de a parte interessada não po-der requerer a medida cautelar ao árbitro (como deveria) pelo simples fato de não ter sido ainda instituída a arbitragem (os árbitros ainda não aceita-ram o encargo, art. 19 da Lei). Diante de tal contingência, abre-se à parte necessitada a via judicial, sem que fique prejudicada a arbitragem, apenas para que o juiz togado examine se é o caso de conceder a medida caute-lar; concedida a medida, cessa a competência do juiz togado, cabendo aos árbitros, tão logo sejam investidos no cargo, manter, cassar ou modificar a medida concedida.

Nos casos de medidas urgentes antecedentes à instauração da arbitra-gem, o requerente terá o prazo de 30 (trinta) dias, de que trata o art. 806 do Código de Processo Civil, para demonstrar que tomou as medidas necessá-rias para a instituição da arbitragem10.

Uma vez instaurada a arbitragem, a competência é deslocada para o árbitro, cabendo-lhe reapreciar a medida de urgência anteriormente apre-ciada pelo juízo estatal. Assim, poderá o árbitro revogar eventual medida concedida, assim como conceder medida de urgência antes negada pelo Poder Judiciário.

2.2 MEDIDAs URGENTEs INCIDENTEs

Com a instauração do processo arbitral, juntamente com a compe-tência para processar e julgar a causa, ao árbitro compete apreciar e jul-gar eventuais pedidos incidentais de medidas urgentes. Tem-se que essa competência é inerente ao nosso sistema processual, como decorrência de expressa disposição do Código de Processo Civil, que, em seu art. 800, estabelece que “as medidas cautelares serão requeridas ao juízo da causa”.

O contrário ocorre no sistema processual italiano, por exemplo, no qual essa competência é expressamente rejeitada pela lei, conforme registra Antonio Briguglio, citado por Dinamarco11.

A própria Lei de Arbitragem, em seu art. 22, § 4º, deixa implícita a competência do árbitro em apreciar medidas urgentes, ao determinar que o árbitro solicite ao juiz togado o cumprimento das medidas urgentes que editar12. Não obstante, Dinamarco expressa o entendimento de que, em

10 Idem, ibidem.11 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 225.12 “Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar

a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. [...] § 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os

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atenção à soberania da vontade dos contratantes, a competência do árbitro para apreciar e julgar medidas de urgência só será admitida se os compro-mitentes não houverem ajustado de modo diverso13. Nesse mesmo sentido, manifesta-se Carmona14:

É conveniente ressaltar que as partes podem excluir, consensualmente, os poderes cautelares dos árbitros. De fato, tendo em vista a autonomia da vontade dos contratantes – prestigiada pela Lei da Arbitragem – nada im-pede que na convenção de arbitragem estipulem as partes que eventuais medidas cautelares, se necessárias, sejam diretamente pleiteadas ao juiz to-gado.

Dinamarco defende, assim, que o árbitro possui competência para conceder medidas urgentes de toda natureza, sejam elas cautelares ou an-tecipatórias. Para fazer cumprir suas decisões de urgência, o árbitro poderá cominar multa para o caso de descumprimento. Não poderá, todavia, reali-zar atos de execução, que é exclusivo do juiz togado15.

O Superior Tribunal de Justiça recentemente exarou entendimento de que a competência para processar e julgar medida de urgência, quando instaurado Tribunal Arbitral, é do árbitro. Veja-se a ementa do precedente:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL PARA O JULGAMENTO DE MEDIDA CAUTELAR DE ARROLAMENTO DE BENS – Na hipótese em que juízo arbitral tenha sido designado por contra-to firmado entre as partes para apreciar a causa principal, será este – e não juízo estatal – competente para o julgamento de medida cautelar de arrola-mento de bens, dependente da ação principal, que tenha por objeto inven-tário e declaração de indisponibilidade de bens. De fato, em observância aos requisitos fixados pelo art. 857 do CPC para o deferimento da medi-da cautelar de arrolamento de bens – demonstração do direito aos bens e dos fatos em que funda o receio de extravio ou de dissipação dos bens –, nota-se que não se trata de medida que, para ser deferida, demande cogni-ção apenas sobre o receio de redução patrimonial do devedor. Na verdade, trata-se de medida cujo deferimento demanda, também, que esteja o juízo convencido da aparência de direito à obtenção desses bens, o que nada mais é do que uma análise ligada ao mérito da controvérsia, a qual, por sua vez, é de competência do juízo arbitral na hipótese em que exista disposi-ção contratual nesse sentido. Ademais, é importante ressaltar que o receio

árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.”

13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 226.14 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 326.15 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 228.

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de dissipação do patrimônio não fica desprotegido com a manutenção ex-clusiva da competência da corte arbitral para o julgamento da medida de arrolamento, pois os árbitros, sendo especialistas na matéria de mérito ob-jeto da lide, provavelmente terão melhores condições de avaliar a necessi-dade da medida. Além disso, o indispensável fortalecimento da arbitragem, que vem sendo levado a efeito desde a promulgação da Lei nº 9.307/1996, torna indispensável que se preserve, na maior medida possível, a autorida-de do árbitro como juiz de fato e de direito para o julgamento de questões ligadas ao mérito da causa. Isso porque negar essa providência esvaziaria o conteúdo da Lei de Arbitragem, permitindo que, simultaneamente, o mes-mo direito seja apreciado, ainda que em cognição perfunctória, pelo juízo estatal e pelo juízo arbitral, muitas vezes com sérias possibilidades de in-terpretações conflitantes para os mesmos fatos. (CC 111.230-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Julgado em 08.05.2013)

Segundo Kazuo Watanabe, a garantia da inafastabilidade do con-trole jurisdicional assegura uma tutela qualificada contra qualquer forma de denegação da justiça. Nele está ínsito, também, o princípio da efetiva, adequada e tempestiva tutela dos direitos. Daí decorre o poder-dever do árbitro de tutelar as circunstâncias emergenciais incidentais ao processo de arbitragem16.

A despeito da competência para apreciar e julgar medidas urgentes, os árbitros são desprovidos do poder de constrição sobre pessoas ou coisas, o que os impede de efetivar as medidas concedidas. Cumpre-lhes deprecar ao juiz togado a realização das medidas, conforme dispõe a Lei de Arbitra-gem, em seu art. 22, § 4º17, quando para sua efetivação é necessária coerção estatal.

Carmona esclarece que, havendo necessidade de tutela cautelar, a parte deverá dirigir-se ao árbitro, o qual, considerando estarem demonstra-dos os pressupostos da verossimilhança e do perigo na demora, concederá a medida cautelar18. Assim, se a parte se conformar com a medida concedida e cumpri-la espontaneamente, não haverá qualquer interferência do Poder Judiciário. Por outro lado, caso a parte resista à medida de urgência con-cedida, o árbitro solicitará ao juiz togado que faça cumprir o quanto deter-minado. O árbitro, quando necessária intervenção estatal, deverá dirigir-se

16 WATANABE, Kazuo apud DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit.17 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 232. 18 CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., p. 323.

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ao juiz togado por meio de ofício, instruído com cópia da convenção de arbitragem19.

A regra, portanto, é a competência dos árbitros para julgar as medi-das emergenciais incidentes ao procedimento arbitral. Existe uma exceção, contudo, de competência do juízo estatal após instaurada a arbitragem, nos casos de feriado local, quando o acesso aos árbitros torna-se impossível. Diante da impossibilidade de dirigir-se aos árbitros, permite-se acesso aos órgãos jurisdicionais estatais. Resolvida a questão da urgência, os árbitros retomam o total controle sobre o processo, podendo, inclusive, manter, mo-dificar, revogar ou conceder eventual medida denegada20.

3 PROPOSTA DE DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA À LUZ DA CLASSIFICAÇÃO DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA

Elucidou-se que as medidas preparatórias ao procedimento arbitral, enquanto não instaurado esse, são de competência do juízo estatal. Isso porque o jurisdicionado não pode ver seu bem jurídico malferido pela de-mora na instauração da arbitragem, ressalvada a revisão pelo árbitro, que poderá manter, revogar ou conceder medida anteriormente denegada.

De outra sorte, verificou-se na doutrina e em precedente recente do Superior Tribunal de Justiça entendimento pela competência do árbitro para processar e julgar as medidas de urgência incidentais, desde que as partes, no ato compromissório, não tenham reservado expressamente tais medidas ao juízo estatal, em atenção à autonomia da vontade.

Tal entendimento está assentado na sistemática processual brasileira, que estabelece, no art. 800 do CPC, a competência do juízo da causa para julgar as respectivas medidas de urgência; ainda, é entendimento que se extrai, implicitamente, do quanto disposto no art. 22, § 4º, da Lei de Arbi-tragem.

Sobre a classificação das medidas de urgência, adotou-se no presente artigo a posição defendida por Calamandrei e Galeno Lacerda, que as sub-divide em três grupos distintos: (i) medidas que asseguram a certificação do direito; (ii) medidas que asseguram a futura execução forçada; (iii) medidas que antecipam, total ou parcialmente, os efeitos sociais da decisão defini-tiva.

Tomando como premissas as posições doutrinárias até aqui explo-radas, pode-se desenvolver algumas propostas quanto à delimitação da

19 Idem, p. 325.20 Idem, p. 328.

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competência para processamento e julgamento das medidas de urgência incidentes à arbitragem.

Nas medidas de urgência que buscam assegurar a certificação do di-reito, os pressupostos para impetração e deferimento da medida consistem na demonstração da verossimilhança das alegações no que toca à pertinên-cia e relevância da certificação pretendida, assim como o perigo na demora da certificação do direito no momento processual oportuno. Somando-se os dois pressupostos, exsurge a necessidade de se proteger o direito à produ-ção de prova, seja antecipando-a, seja resguardando o objeto da prova até a efetiva produção.

Nesses casos, uma vez que a prova produzida na arbitragem é desti-nada ao convencimento do árbitro (art. 22 da Lei nº 9.307/1996), por con-sectário lógico, ele deve ser a autoridade competente a apreciar a fumaça do bom direito e o perigo na demora da produção da prova, requisitos a ensejar medida de urgência destinada a assegurar a certificação do direito.

De igual forma, no caso de medidas de urgência antecipatórias, uma vez que pretendam antecipar total ou parcialmente os efeitos sociais da decisão definitiva, a autoridade competente para apreciar e julgar tal pedi-do deve ser a mesma que presta a tutela final. Ora, se os pressupostos para concessão de tais medidas estão relacionados à demonstração da probabi-lidade de êxito na demanda principal, e na necessidade de fruição imediata do direito, sob pena de dano irreparável ou de difícil reparação, não pode ser outra autoridade a julgar tal medida senão aquela que proferirá a decisão definitiva.

Não obstante, outra deve ser a conclusão nos casos de medidas de urgência que visem assegurar o efetivo cumprimento de futura execução forçada. Como já referido, o árbitro não possui poder de coerção, razão pela qual não possui o condão de determinar medidas de natureza execu-tiva. Por isso, a execução forçada de decisões arbitrais ou do laudo arbitral se dará perante o juízo estatal, pois necessária a efetivação da medida pela coerção do Estado.

As medidas de urgência que buscam assegurar a execução, diante da sua natureza provisória e instrumental, estão vinculadas não ao processo de conhecimento, mas à própria demanda executiva. Estas medidas, portanto, são incidentais ao processo de execução e, por esta razão, devem ser apre-ciadas e julgadas pelo juízo competente a processar e julgar o processo de execução.

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Seja por uma questão de consectário lógico, em razão da relação de interdependência entre a medida de urgência e a ação principal, seja pela expressa disposição do art. 800 do Código de Processo Civil, a autoridade competente para processar e julgar as medidas de urgência incidentais sem-pre deverá ser a mesma competente para processar e julgar a ação principal.

Dessa forma, em atenção à teoria de classificação das medidas de urgência, temos que: (i) para processar e julgar as medidas de urgência que asseguram a certificação do direito e as medidas de urgência antecipatórias, incidentais à arbitragem, a competência é do árbitro; (ii) para processar e julgar as medidas de urgência que asseguram efetivo cumprimento de even-tual execução forçada, entendemos que a competência é do juízo estatal, igualmente competente para processamento do processo de execução.

CONCLUSÃO

No presente artigo elucidaram-se conceitos e distinções sobre as me-didas de urgência, revisados na doutrina processualista, apontando suas características e pressupostos. Viu-se que as medidas de urgência visam assegurar bens jurídicos colocados sob o risco de perecimento enquanto não efetivada a jurisdição pela cognição exauriente do processo principal. Identificou-se a provisoriedade, a instrumentalidade, a cognição superficial e a inexistência de coisa julgada como características inerentes às medidas de urgência.

Verificou-se que as medidas de urgência são classificadas por Galeno Lacerda e por Calamandrei em três grandes grupos: medidas que assegu-ram a certificação do direito, medidas que asseguram a execução do direito certificado e as medidas antecipatórias dos efeitos sociais da futura tutela definitiva.

Quanto às medidas de urgência no procedimento arbitral, apurou-se que a doutrina arbitralista separa o tema em dois grandes grupos: medidas urgentes preparatórias ao procedimento arbitral e medidas urgentes inciden-tes ao procedimento arbitral. No que toca à competência para apreciação e julgamento das medidas urgentes, que é a grande problemática inerente ao tema, viu-se que a doutrina compreende como competente para julgar as medidas urgentes preparatórias o juízo estatal, enquanto não instaurada a arbitragem.

Com relação à competência para apreciar e julgar as medidas urgen-tes incidentes ao processo arbitral, verificou-se que tanto a doutrina como a jurisprudência (em precedente do Superior Tribunal de Justiça) defendem

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a competência do árbitro, seja por expressa disposição do art. 800 do CPC, seja pela leitura implícita do art. 22, § 4º, da Lei de Arbitragem.

Assumindo como premissas as teorias doutrinárias revisadas na pre-sente pesquisa, por subsunção das conclusões esposadas pelos doutrinado-res revisados, passamos a sugerir como critério de definição da competência a teoria tríplice de classificação das medidas urgentes.

Dessa forma, propôs-se que para as medidas urgentes que visam asse-gurar a certificação do direito, assim como aquelas que objetivam antecipar total ou parcialmente a tutela definitiva, a competência para processar e julgar deve ser do árbitro, haja vista que é dele a competência para apreciar as provas, assim como proferir a decisão final. Eis a premissa: ao juízo da causa compete julgar as respectivas medidas urgentes (art. 800 do CPC).

Por outro lado, prosseguindo na mesma linha de raciocínio, as medi-das urgentes que buscam assegurar a execução, por guardarem relação com o próprio processo executivo, o juízo competente para processar e julgá-las será o mesmo competente para o processamento da fase de execução. As-sim, em razão da ausência de Poder de coerção do árbitro, a competência para processamento da fase executiva da tutela arbitral definitiva é do juízo estatal, sendo também deste a competência para as medidas urgentes asse-curatórias da execução.

A presente proposta para definição da competência merece estudo mais aprofundado, em pesquisa mais robusta, o que não ocorreu no presen-te artigo, em razão do escasso tempo para sua formulação e da investigação perfunctória levada a termo. Mais que uma conclusão, temos, assim, uma proposta a ser perseguida em futura investigação, para fins de apurar a per-tinência e validade dos critérios ora esposados.

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Parte Geral – Doutrina

Responsabilidade Civil por Atos da Ditadura Militar Brasileira: Análise de um Julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

DANIEL CARVALHO MONTEIRO DE ANDRADEMestrando em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Advoga-do, Professor.

RESUMO: No presente artigo, analisam-se os fundamentos adotados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais quando do julgamento da Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1) (numeração única: 2292555-84.2000.8.13.0000), em que foi discutida a responsabilidade de Estado--membro da Federação brasileira (Minas Gerais) por ato praticado durante o regime ditatorial militar, instalado entre os anos de 1964 e 1985. No trabalho, revisa-se o julgado a partir de dois referenciais teóricos distintos, a saber: a) a primeira abordagem fundamenta-se no conceito e na normatização sobre a responsabilidade civil do Estado no ordenamento brasileiro; b) a segunda abordagem é de natureza filosófica e assenta-se no conceito de validade do direito em Alexy (2009). A análise do aresto do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem como objetivo demonstrar a conclusão equivocada a que chegaram os julgadores, tanto no que se refere à sustentação filosófica, quanto no que diz respeito à responsabilidade civil. Conclui-se o trabalho com o posicionamento do autor, que se fundou nas premissas jusfilosóficas acima identificadas.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil do Estado; atos da ditadura militar brasileira; filosofia do Direito; direito civil.

ABSTRACT: This paper analyses the bases adopted by the Court of the State of Minas Gerais at the time when the trial of civil appeal number 1.0000.00.229255-5/000 (1) (2292555-84.2000.8.13.0000 unique numbering), which was discussed the responsibility of state member of the Brazilian fede-ration (Minas Gerais) by an act committed during the military dictatorship, installed between 1964 and 1985. In the present work the sentenced is reviewed from two different theoretical frameworks, namely: a) the first approach is based on the concept and regulation on liability of the State in the Brazilian law, b) the second approach is philosophical in nature and is based on the concept of validity of the law in Alexy (2009). The analysis of the court ruling of the Court of the State of Minas Gerais has to demonstrate the erroneous conclusion reached by the judges, both in terms of philosophical support, and with regard to liability. It is concluded with the positioning of the author, who based on the jus philosophical assumptions identified above.

KEYWORDS: Liability of the state; Acts of the Brazilian military dictatorship; philosophy of law; civil law.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Relatório sobre o caso, o julgado e os seus fundamentos; 2 Revisão dos fundamentos no campo da responsabilidade civil; 3 Revisão dos fundamentos no campo da filosofia do direito; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Elaborou-se o trabalho em questão como requisito parcial para a con-clusão da disciplina de Filosofia do Direito do Curso de Mestrado em Direi-to Privado, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, ministrada pelo Professor Doutor Lucas de Alvarenga Gontijo e foi apresentado à Uni-versidade de Lisboa, no curso Poder e Resistências: Capítulos da História e da Filosofia do Direito e do Estado, realizado no mês de julho de 2012.

A referida disciplina teve como pano de fundo o direito à memória e a justiça de transição.

Nesse contexto, no presente artigo revisam-se os fundamentos ado-tados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais quando do julga-mento da Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1), em que foi discu-tida a responsabilidade civil do Estado, por ato praticado durante o regime ditatorial militar, instalado entre os anos de 1964 e 1985.

No trabalho, analisa-se o julgado a partir de dois referenciais teóricos distintos, a saber: a) a responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurí-dico brasileiro; b) o conceito de validade do direito em Alexy (2009).

1 RELATÓRIO SOBRE O CASO, O JULGADO E OS SEUS FUNDAMENTOS

A parte autora da ação julgada pelo acórdão proferido na Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1) ingressou na magistratura do Estado de Minas Gerais, por concurso público, como juíza de direito da extinta comarca de Guia Lopes, em 17.10.1960.

A carreira da autora da ação judicial foi interrompida quando era juíza titular da Comarca de Mercês. Tal situação jurídica foi estabelecida por ato publicado no Diário Oficial do Estado de 08.10.1964, que a colo-cou em disponibilidade remunerada.

A colocação da juíza em disponibilidade remunerada deu-se com base no Ato Institucional nº 1, de 09.04.1964, editado pela junta mili-tar que governava o Brasil, composta pelo General do Exército Arthur da Costa e Silva, pelo Tenente-Brigadeiro Francisco de Assis Correia de Mello e pelo Vice-Almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald.

O ato publicado no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais em 08.10.1964 foi o desfecho de investigação conduzida por delegado de po-lícia, incumbido de avaliar as condutas da juíza, na comarca de Mercês e cidades próximas.

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Segundo excerto que se extrai do relatório do Delegado de Polícia, “a MMª Juíza sindicada parece ter pecado apenas pelo excesso de zelo no desempenho de suas altas funções, criando, desta forma, ambiente hostil à sua pessoa e a seus atos, não sendo aconselhável para o bom funcionamen-to do aparelho judiciário a sua permanência naquela Comarca”. Conclui o Delegado: “Contra a Magistrada nada se apurou com relação à improbidade ou desídia, não ficando provado ser ela ligada a facções políticas” (informa-ções extraídas de documentos dos autos do processo que julgou a Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1)).

Posteriormente, a autora da ação judicial requereu sua anistia com fundamento na Lei nº 6.683, de 28.08.1979.

Tal requerimento recebeu parecer favorável da Comissão de Anistia do Tribunal de Justiça e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

Ao analisar o requerimento da juíza, a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reconheceu a configuração dos requisitos de ordem objetiva, mas indeferiu o pedido, ao argumento da inexistência de interesse na reversão pretendida.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 26, de 27.11.1985, a au-tora da ação requereu, em 07.05.1986, reversão ao exercício do cargo e as promoções da carreira a que teria direito, se na ativa estivesse.

O pedido da autora da ação foi renovado, ainda administrativamente, em duas oportunidades, também com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: em seu art. 8º do Ato das Disposições Cons-titucionais Transitórias e no permissivo do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição do Estado de Minas Gerais.

A autora da ação judicial só voltou ao exercício da judicatura em razão de ordem concedida pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento de recurso nos autos do Mandado de Segurança nº 8.130/MG.

Posteriormente à segurança concedida pelo Superior Tribunal de Justiça, em 29.10.1997, a autora da ação judicial retornou à atividade na magistratura, quando assumiu a Comarca de Ferros. Em 28.11.1997, foi pro-movida para a 2ª Vara da Comarca de Timóteo e, em 13.02.1998, foi no-vamente promovida para a 1ª Vara Criminal de Governador Valadares. Em 21.05.1998, aposentou-se, a pedido.

Em razão dos fatos vivenciados, a autora moveu a ação judicial que foi julgada pela Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1).

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Naquela ação, a autora formulou pedido de reparação material, correspondente ao valor da diferença entre os vencimentos efetivamente percebidos e aqueles a que teria direito, caso pudesse concorrer a todas as promoções da carreira, tomando-se a de outro Magistrado, de ingresso contemporâneo ao da autora, como paradigma para cálculo e considerando todo o período em que esteve afastada de suas funções judicantes.

Pleiteou igualmente reparação pelos danos morais impostos, decor-rentes da frustração de não ter exercido a função judicante, bem assim re-lativos às dores psíquicas, humilhações e decepções sofridas, pela injustiça da punição e pelo descaso da administração do Judiciário, quanto aos seus pedidos de reversão.

A decisão de primeiro grau de jurisdição, que julgou o pedido de in-denização, indeferiu o ressarcimento dos danos materiais, mas condenou o Estado de Minas Gerais ao pagamento de 200 (duzentos) salários-mínimos vigentes no Brasil, a título de reparação pelos danos morais causados.

As partes recorreram, e o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao julgar a Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1), declarou a integral improcedência do pedido.

Segundo o entendimento dos desembargadores componentes da Tur-ma Julgadora,

o fato que se diz danoso na hipótese em tela – indeferimento, por parte do Tribunal de Justiça do Estado, dos pedidos de reversão formulados pela autora – não constituem ato ilícito, senão interpretação e aplicação das nor-mas de regência ao caso concreto, que a instância superior entendeu arbi-trárias e ilegais, mas não, conduta imputável. (Apelação Cível nº 1.0000. 00.229255-5/000(1))

E:

O fato de o Superior Tribunal de Justiça ter reconhecido o direito da autora à reversão ao exercício das funções do cargo de Juíza de Direito, por si só, não caracteriza ilicitude do ato praticado pelos agentes estaduais na função jurisdicional, diante da inexistência de dolo ou culpa no procedimento dos autos e seu respectivo julgamento.

Em suma, não houve propriamente uma afronta, que tenha acarretado res-ponsabilidade civil por parte do Estado, e sim um entendimento jurídico, decidindo o Tribunal de Justiça com base na ordem jurídica. (Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1))

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Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais re-chaçou a responsabilidade civil do Estado e convalidou o ato administrativo praticado durante o regime ditatorial, com fundamentação no Ato Institucio-nal nº 1, de 09.04.1964.

2 REVISÃO DOS FUNDAMENTOS NO CAMPO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Segundo o acórdão da Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1), não houve ato ilícito na conduta do Estado de Minas Gerais e, portanto, não seria aplicável ao caso a regra do art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que normatiza a responsabilidade objetiva do Estado, nem mesmo aquela norma prevista no art. 159 do Código Civil de 1916, que à época regrava a responsabilização subjetiva no ordenamento brasileiro.

Nas razões do acórdão, reconhece-se que a autora da ação judicial sofreu, mas que nada existia a justificar reparação (material ou moral), por-que não houve ilicitude nos atos do Estado de Minas Gerais.

A desconstrução dos fundamentos do acórdão inicia-se ainda na vi-gência do regime ditatorial, quando foi editada a Lei nº 6.683, de 28.08.1979 (Lei da Anistia), que garantia à autora da ação judicial o direito de voltar ao cargo de juíza.

Pelo próprio ordenamento jurídico de exceção foram extintos os fun-damentos que amparavam o ato de colocação da juíza em disponibilidade, em razão da anistia.

Nesse contexto, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao indeferir a reversão da juíza e mantendo-a em disponibilidade remunerada, já não mais possuía sequer a legitimação extraordinária, visto que a Lei nº 6.683, de 28.08.1979, anistiou as práticas então contrárias à ordem jurídica. Entretanto, ainda que sem supedâneo jurídico algum, o ato não deixou de produzir efeitos, pois a juíza ainda foi mantida afastada do exercício das atividades inerentes ao seu cargo.

Há distinção entre os acontecimentos juridicamente relevantes, ocor-ridos até a edição da Lei nº 6.683, de 28.08.1979, e aqueles que se inicia-ram posteriormente à sua vigência.

Como se disse, mesmo posteriormente à vigência da Lei nº 6.683, de 28.08.1979, foram indeferidos os pedidos de reversão apresentados pela juíza. Nesse contexto, sob o pálio da nova ordem jurídica, configurou-se a ilicitude da conduta estatal e, por consequência, surgiram os danos. Nas-

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ceu, por corolário, o direito à reparação, mediante responsabilização do Es-tado de Minas Gerais, tanto sob a ótica da responsabilidade objetiva quanto da subjetiva.

A atividade administrativa causadora dos danos foi desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao cuidar da organização da carreira dos Magistrados de primeiro grau, pois foi nesta sede que a juíza fez reque-rimentos de reversão e que, mesmo sem fundamentos na ordem jurídica, foram indeferidos.

A autora da ação esteve, portanto, sob o efeito da arbitrariedade da Administração Pública do Estado de Minas Gerais desde a edição da Lei de Anistia (nº 6.683), em 28.08.1979 até a data de seu retorno ao exercício da judicatura, que se deu em 29.10.1997, por decisão do Superior Tribunal de Justiça no recurso em Mandado de Segurança nº 1.830/MG.

Já na vigência da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, elevou-se o trabalho a fundamento do Estado Democrático de Direi-to, com a sua consequente proteção, inclusive para que se faça íntegro o princípio da dignidade do ser humano.

Pelo prisma constitucional, portanto, a situação vivenciada pela auto-ra da ação é contrária à ordem jurídica democrática e haveria de ser reco-nhecida a responsabilidade civil do Estado por seus atos.

Impedir o retorno da juíza ao seu cargo, sem razão jurídica para tan-to, significou praticar grave lesão à sua personalidade, causadora de multi-fários danos morais e materiais, cuja reparação seria imperativo jurídico, em vista da conduta ilícita dos agentes estatais.

Considerando outro aspecto, o acórdão da Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1) deliberou, ainda, que, “no caso dos autos, não há falar em responsabilidade objetiva”, pois, “como bem observou a digna sentenciante, ao caso não se aplica a teoria da responsabilidade obje-tiva, a que se refere o § 6º do art. 37 da CF”.

Nesse particular, desnuda-se igualmente equivocada a posição do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, pois se distinguiu na apli-cação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e o seu texto não faz. No acórdão, limitou-se a responsabilidade objetiva do Estado aos casos de “atividade administrativa pública de risco”, quando inexistente tal restrição na norma constitucional.

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Segundo se relatou acima, o ato causador dos prejuízos à autora da ação, a despeito de ter sido praticado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, não tinha natureza jurisdicional (sentença), mas sim feição administrativa (ato vinculado).

Cahali (1995) pontifica quanto aos

atos meramente administrativos – há certo consenso no sentido de que os danos causados a terceiros pelos integrantes do aparelhamento judiciário sujeitam o Estado à responsabilidade civil segundo a regra constitucional, no que se aproximam dos atos administrativos, em seu conteúdo e na sua forma. (Cahali, 1995, p. 638)

No acórdão, negou-se a responsabilidade estatal pelos dois referen-ciais normativos em que usualmente ela é concebida, vale dizer, pela forma subjetiva (com apreciação de culpa), ou pela forma objetiva (independente-mente de ação ou omissão culposa, bastando a configuração do dano e do nexo de causalidade).

Partindo de outro prisma, considerando-se que se tornaram inexisten-tes os fundamentos jurídicos que amparavam o ato de colocação da juíza em disponibilidade remunerada, em razão da anistia concedida pela Lei nº 6.683, de 28.08.1979, e da atual ordem constitucional, a decisão admi-nistrativa do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, indeferindo a reversão da autora, e mantendo-a em disponibilidade, teria de ser motivada e tomada por meio de quórum reforçado, visto tratar-se de imposição de pena, e não de mera negativa de um pedido de retorno ao exercício do car-go. Tal argumento decorre da aplicação gramatical do disposto no art. 93, VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Nessa linha de raciocínio, poder-se-ia desprezar os fatos ocorridos no período do regime ditatorial militar, para nos concentrarmos apenas no tempo que se inicia com a edição da Lei de Anistia.

É, portanto, a partir do indeferimento dos pedidos de reversão apre-sentados pela juíza que se configuraram os danos reparáveis, mediante res-ponsabilização objetiva do Estado de Minas Gerais, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Moraes (2001), citando precedentes do Supremo Tribunal Federal, sustenta:

O Supremo Tribunal Federal, em relação à responsabilidade civil do Po-der Público, afirma: “A teoria do risco administrativo, consagrada em su-cessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de

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1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos a que os agentes públicos houverem dado cau-sa, por ação ou omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de fal-ta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente públi-co, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do compor-tamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503, RTJ 71/99, RTJ 91/377, RTJ 99/1155, RTJ 131/417). (Moraes, 2001, p. 341)

Como se relatou, a atividade administrativa causadora dos danos foi desenvolvida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao cuidar da orga-nização da carreira dos Magistrados de primeiro grau, que, ao indeferir a reversão administrativa da juíza, mostrou-se contrária a normas legais de natureza constitucional e ordinária.

Cahali (1995) coloca-se favorável a tal ponto de vista:

Em atenção ao sistema do nosso Direito, tem-se como primeiro princípio que, tratando-se de atividade concernente à prestação centralizada do serviço e causadora de dano ao particular, daí resulta a responsabilidade objetiva do art. 37, § 6º, da Constituição, e isto sem qualquer considera-ção à natureza do serviço prestado, seja típico ou atípico, remunerado ou não, ainda que envolto por vezes em atividade econômica; aliás, o precei-to constitucional somente se refere à qualificação de “serviços públicos” quando prestados pelas pessoas jurídicas de direito privado, induzindo o reconhecimento de que serão sempre considerados “serviços públicos” aqueles prestados pelas pessoas jurídicas de direito público. (Cahali, 1995, p. 120)

No caso que se avaliou, a responsabilidade civil do Estado deveria ter sido atribuída e, consequentemente, fixados os valores a título de reparação dos danos morais e materiais, tanto pelo aspecto da culpa (responsabilidade aquiliana), quanto pelo prisma da responsabilização objetiva.

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3 REVISÃO DOS FUNDAMENTOS NO CAMPO DA FILOSOFIA DO DIREITO

Como se alertou inicialmente, buscar-se-á, igualmente, revisar e desconstruir os fundamentos do acórdão proferido na Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1) segundo um viés jusfilosófico. Considerou--se, para tanto, o referencial teórico de Alexy (2009), quando formula o conceito de validade do Direito.

Antes de se invocar o conceito de Alexy (2009), a desconstrução dos fundamentos da decisão esteia-se em Sófocles (1997), que há muitos sécu-los pontificava:

CREONTE

E ousaste, então, tripudiar sobre estas leis?

ANTÍGONA

É que essas não foi Zeus que as promulgou, nem a Justiça, que coabita com os deuses infernais, estabeleceu tais leis para os homens. E eu entendi que os teus éditos não tinham tal poder, que um mortal pudesse sobrelevar os preceitos, não escritos, mas imutáveis, dos deuses. Porque esses não são de agora, nem de ontem, mas vigoram sempre, e ninguém sabe quando surgi-ram. (Sófocles, 1997, p. 45)

Antes do ajuizamento da ação de reparação de danos, quando do julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 8.130/MG (Superior Tribunal de Justiça), concedeu-se a ordem, para deferir-se à juíza a reversão ao seu cargo.

Naquela decisão (ROMS 8.130/MG), o ministro relator para o acór-dão fixou:

Sr. Presidente, com a devida vênia do Sr. Ministro Relator, José Dantas, en-tendo que mais estigmatizada do que foi a parte em um caso como este, é impossível. Acredito que a solução poderia até ser supralegal, com princí-pios até elementares, para se dar provimento a este recurso, embora exista farto suporte legal para tanto.

O verbete estigmatizado demonstra-se apropriado ao fundamento fi-losófico que se busca encontrar.

Ferreira (2001) definiu: “estigmatizado. (Part. de estigmatizar) Adj. 1. Marcado com estigma. 2. Censurado, verberado. – S.m. 3. Aquele que apre-senta no corpo a marca das chagas de Jesus Cristo” (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1999, p. 835).

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Verificando-se que houve a citada estigmatização da juíza, por meio de ato estatal, este se funda no injusto e, portanto, ao Direito não era dada a possibilidade de não censurar o ato.

A censura ao ato injusto, no caso concreto, deveria dar-se por meio da responsabilização civil do causador dessa iniquidade e sua consequente sanção (reparação dos danos material e moral).

Entretanto, o acórdão proferido na Apelação Cível nº 1.0000.00. 229255-5/000(1) deixou de atribuir ao Estado de Minas Gerais qualquer tipo de responsabilidade pelo ato administrativo do Tribunal de Justiça, chancelando-se, assim, a injustiça praticada.

Em Alexy (2009), o conceito de validade do direito é subdivido em sociológico, ético e jurídico.

Sob nenhum dos pontos fixados por Alexy (2009) poder-se-ia vislum-brar nos fundamentos do acórdão o conceito de validade.

Alexy (2009) abre seu ponto de vista da seguinte forma:

Aos três elementos do conceito de direito – a eficácia social, a correção material e a legalidade conforme o ordenamento – correspondem três con-ceitos de validade: o sociológico, o ético e o jurídico. (Alexy, 2009, p. 101)

Ao abordar o conceito jurídico de validade, Alexy (2009) afirma que “os conceitos sociológico e ético de validade são conceitos de validade puros, no sentido de não precisarem conter necessariamente elementos dos outros conceitos de validade” (Robert Alexy, 2009, p. 103).

A decisão contida no acórdão que julgou a Apelação Cível nº 1.0000.00.229255-5/000(1) não se sustenta, quando se investiga a conti-nência do conceito de validade em Alexy (2009).

Segundo Alexy (2009), para que a decisão revisada pudesse estar em consonância com o conceito de validade do direito, não bastaria ter se am-parado na ordem jurídica vigente à época da colocação da juíza em dispo-nibilidade remunerada (Ato Institucional nº 1, de 09.04.1964), mas deveria ter se incumbido de investigar se o conceito jurídico de validade estaria respaldado pela presença dos conceitos sociológico e ético.

Ao contrário, a decisão analisada apenas assentou-se na norma vigen-te (AI 1/1964), que, a despeito de ser formalmente válida, não trazia em seu conteúdo o que Alexy (2009) definiu como validade do conceito de direito.

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Deve-se sobrelevar que a própria ordem jurídica de exceção acabou por superar os efeitos dos atos que tinham guarida no AI 1/1964, quando entrou em vigor a Lei de Anistia (1979).

A legislação de 1979 tornou sem efeito as punições aplicadas com esteio no ordenamento da ditadura e perdoou as condutas até então ilícitas.

A partir desse outro referencial, até mesmo na vigência do regime ditatorial militar brasileiro, por força da Lei nº 6.683, de 28.08.1979, os efeitos da punição imposta à juíza tornaram-se injustos, chegando-se à con-clusão de que houve ilicitude, pela qual deveria ter sido responsabilizado civilmente o Estado de Minas Gerais.

CONCLUSÃO

Ao contrário do que entendeu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, a narrativa dos fatos e a sua moldura jurídica indicam uma conduta ilícita do Estado de Minas Gerais, que agiu com abuso de direito, configurando-se na hipótese a sua responsabilidade civil.

Entretanto, a despeito de a ação e a omissão culposas por parte do Es-tado de Minas Gerais, o dano e o nexo de causalidade terem sido retratados, não houve reconhecimento da responsabilidade civil do Estado nas razões do acórdão que se revisou.

Os danos materiais e morais comprovaram-se pelos prejuízos e so-frimentos vivenciados e causa desses esteve no impedimento do retorno da juíza ao exercício de seu cargo, de forma ilegítima (tanto no viés da respon-sabilidade civil, quanto no jusfilosófico).

Sente-se que a fundamentação do acórdão ainda revela um exacer-bado apego ao positivismo jurídico, desconhecendo a realidade do tempo em que vivemos, qual seja, uma ordem fundada no Estado Democrático de Direito, num mundo pós-positivista.

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Organização Ernesto Garzón Valdés et al. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

BRASIL. Código Civil (1916). Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1916.

______. Ato Institucional nº 1, de 09.04.1964. Rio de Janeiro-GB: Comando em Chefe das Forças Armadas, 1964.

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Parte Geral – Doutrina

Arrematação por Preço Vil na Execução Civil

FELIPE SCALABRINMestre em Direito Público pela Universidade do Vale dos Sinos, vinculado à linha Hermenêu-tica, Constituição e Concretização de Direitos, Membro do Grupo de Pesquisas em Direito Processual Civil vinculado ao CNPQ “O Processo Civil Contemporâneo: do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito”, Professor na São Judas Tadeu – Faculdades Integradas – Porto Alegre/RS.

RESUMO: O presente texto trata da arrematação por preço vil no âmbito da execução por quantia certa contra devedor solvente. Busca-se uma compreensão em torno do reconhecimento deste con-ceito no bojo da situação decidenda a partir dos aportes oriundos da doutrina e da jurisprudência em torno do tema. Inescapável, ainda, a crítica ao Superior Tribunal de Justiça.

PALAVRAS-CHAVE: Execução civil; preço vil; arrematação; avaliação.

ABSTRACT: The current paper addresses the “vile price” during the auction on civil execution. It’s a search of understanding and recognition of this concept in the midst of the case through contributions from the doctrine and jurisprudence around the theme. Inevitable, also, a critique on the Superior Court of Justice.

KEYWORDS: Civil execution; vile price; auction; evaluation.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contextualização do problema; 1.1 Breves notas em torno da execução por quantia certa contra devedor solvente; 1.2 A arrematação por preço vil no senso comum da comuni-dade jurídica; 2 Aportes para o reconhecimento da vileza; 2.1 O conflito entre o “princípio da menor onerosidade” e o “princípio da efetividade da execução”; 2.2 Disposições legais aplicáveis à situação; 2.3 Contributos doutrinários para o reconhecimento do instituto; 2.4 A (des)orientação do Superior Tribunal de Justiça; Considerações conclusivas; Referências.

INTRODUÇÃO

O Superior Tribunal de Justiça tem sedimentado o entendimento se-gundo o qual a alienação de bens do devedor para a satisfação do credor por ocasião da execução forçada não pode se dar por valor inferior a 50% da avaliação dos bens. Noutras palavras, no entendimento do Tribunal, ha-verá preço vil na venda judicial que não atinja ao menos o patamar referido. Anacronicamente, a própria Corte possui julgados que atestam que a ques-tão jurídica discutida (existência de preço vil) depende de um exame das peculiaridades do caso concreto, sem, no entanto, apontá-las.

Pari passu, acompanhando a (des)orientação do Tribunal Superior, tem se tornado corrente na jurisprudência dos Tribunais inferiores o enten-

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dimento de que a alienação judicial feita por até 50% do valor da avaliação é válida e, do contrário, haverá nulidade no ato, porquanto violador do comando previsto no Diploma Processual (art. 692).

Seguindo o desencadeamento hierárquico-jurisprudencial da ques-tão, essa perspectiva é corroborada nos juízos de primeiro grau, inclusi-ve, p. ex., com o surgimento de previsões específicas nos editais de leilão repudiando-se lanços por valor inferior ao critério objetivamente prescrito ou, de igual modo, com a rejeição liminar de propostas apresentadas por terceiros interessados na aquisição dos bens, frustrando-se, assim, a pos-sibilidade de expropriação que, na sequência, asseguraria a satisfação do crédito em execução.

Nesse contexto, o presente estudo pretende revisitar a questão do pre-ço vil na perspectiva doutrinária, legal e jurisprudencial para, então, verifi-car se é adequada a tomada de decisão realizada pelo Superior Tribunal de Justiça e condutora da postura dos demais órgãos jurisdicionais. Certamen-te, trata-se de questão que passa – como todo dilema haurido do processo executivo – pelo cotejo entre a proteção do executado e a satisfação do exequente, pela orientação geral em torno do conceito jurídico versado e, por que não, pelo próprio papel do citado Tribunal Superior.

Antes, porém, é preciso memorar em que contexto surge o problema da alienação por preço vil.

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA

1.1 bREVEs NOTAs EM TORNO DA ExECUÇÃO pOR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR sOLVENTE

Também aceito como execução obrigacional1, o processo de exe-cução tem por requisitos a existência de título hábil a confirmar o direito do autor e a afirmação do inadimplemento pelo devedor2. A execução por quantia certa é aquela que busca o cumprimento de obrigação notadamente pecuniária.

Na busca pelo cumprimento da obrigação, o processo de execução surge como medida jurisdicional que permite a invasão do patrimônio do

1 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2002. p. 19 e ss.

2 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Op. cit., p. 31-32; art. 580 do CPC: “A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo (redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)”.

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devedor inadimplente a fim de satisfazer o direito do credor3. Por meio da chancela do Estado-juiz, passa a ser possível, inclusive, a expropriação dos bens do devedor para que seja liquidado o débito4.

Assim, diante do não pagamento espontâneo, está autorizado o cre-dor a ingressar em juízo, requerendo a citação do devedor para que, em derradeira oportunidade5, pague o débito no prazo de três dias, sob pena de prosseguimento da execução. Não havendo o pagamento, a execução prossegue com a busca de bens ou valores hábeis à satisfação da dívida (art. 652 do CPC)6.

Nesse aspecto, o Estado, por meio do processo executivo, poderá in-vadir o patrimônio alheio (do executado) para assim, coativamente, assegu-rar o pagamento da dívida havida em favor do credor. Por meio da execu-ção, realiza-se, pois, o ato executivo7.

Não ocorrendo o pagamento, procede-se à penhora de bens do exe-cutado (devedor), momento da execução que consiste, na antiga (e atual) lição de Salvatore Pugliati, “nella determinazione dei beni sui quali deve cadere l’esecuzione e nel sequestro o fermo di detti beni, per sottrarli alla materiale disponibilità del debitore”8.

Perfectibilizada a penhora de bens (móveis ou imóveis)9, deverão es-tes ser avaliados, nos termos dos arts. 680 e seguintes do Diploma Proces-sual. É a avaliação que quantifica monetariamente o bem constrito. Noutras palavras, é este ato que permite a aferição do valor, em pecúnia, daquilo que foi penhorado; é a sua “estimação em dinheiro”10.

3 “Lo scopo mediato dell’esecuzione si collega al rapporto giuridico sostanziale, ed è analogo a quello dell’adempiemento: il procedimento esecutivo si muove per la realizzazione del diritto del creditore.” (PUGLIATTI, Salvatore. Esecuzione forzata e diritto sostanziale. Milano: Dott A. Giuffre, 1935. p. 135)

4 CPC: “Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. “Art. 646. A execução por quantia certa tem por objeto expropriar bens do devedor, a fim de satisfazer o direito do credor”.

5 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Op. cit., p. 84.6 CPC: “Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida

(Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)”.7 Não há pretensão, neste texto, de aprofundar o conceito de ato e (atos) executivo(s). Para tanto, consultar:

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Op. cit., p. 25 e ss. 8 PUGLIATTI, Salvatore. Esecuzione forzata e diritto sostanziale. Op. cit., p. 145-146. Para um percuciente

estudo dos efeitos da penhora e do depósito no âmbito da execução forçada, na mesma obra: p. 146-154.9 A invasão patrimonial poderá ocorrer em diversas esferas que transbordariam o estudo. Diuturnamente a

técnica processual se aprimora para assegurar, sob o ponto de vista do exequente, a satisfação do crédito pelas mais variadas vias. Não mais a penhora se limita aos bens do executado. O próprio Código de Processo Civil arrola a possibilidade de incidir a penhora sobre créditos e outros direitos (arts. 671 e seguintes), e ainda chancela a penhora do estabelecimento empresarial (arts. 677 e seguintes).

10 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 16. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1997. p. 321.

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Destaque-se que, com as reformas oriundas da Lei nº 11.382/2006, a avaliação passou a ser realizada por Oficial de Justiça Avaliador. Fica dispensada, de regra, a estimativa feita por perito avaliador, que era a regra antes das mudanças. Entretanto, a peculiaridade do objeto penhorado po-derá demandar a avaliação por profissional da área11.

Estabelecido o valor do bem objeto da penhora, iniciam-se os atos ex-propriatórios, pois, como já adiantado: “O destino natural dos bens objeto do processo executório é serem transformados, pela alienação, em dinheiro, de modo que, com o produto da alienação, o credor seja pago”12. Assim, com o produto da venda do bem do devedor, paga-se o credor.

Diversas são as modalidades de expropriação do bem por meio da via executiva. A arrematação é uma delas – “mas não é a única”13. Poderá, assim, ocorrer a adjudicação, o usufruto forçado, ou ainda a alienação a particular. Em todas essas hipóteses, deixa o bem penhorado de integrar o patrimônio do executado para que seja satisfeito o crédito do exequente.

A arrematação é a consequência típica da hasta pública. Na lição de Ovídio Baptista da Silva:

A transferência dos bens penhorados, em virtude da arrematação, dá-se por hasta pública, a qual, na sistemática do nosso Direito, pode consistir em praça ou em leilão [...]. O procedimento da arrematação desdobra-se subs-tancialmente em três fases: a) a primeira delas consistente nos atos prepa-ratórios tendentes a anunciar a realização da praça ou leilão; b) o proce-dimento de licitação propriamente dito do bem penhorado; c) finalmente a assinatura do auto, com o qual a arrematação, diz o art. 694 do CPC, considera-se perfeita, acabada e irretratável.14

É nesse contexto que, para o encerramento do negócio jurídico pú-blico e processual havido15 (alienação do bem a terceiro, seja qual for a modalidade), o Código de Processo Civil condiciona a perfectibilização do ato à chancela judicial (art. 694) e, ainda, dispõe:

11 CPC: “Art. 680. A avaliação será feita pelo oficial de justiça (art. 652), ressalvada a aceitação do valor estimado pelo executado (art. 668, parágrafo único, V); caso sejam necessários conhecimentos especializados, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do laudo”.

12 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Op. cit., p. 99.13 Idem, ibidem, p. 99.14 Idem, ibidem, p. 101.15 Assume-se, aqui, que a arrematação possui natureza de “negócio jurídico processual” (Araken de Assis). Não

se pretende, entretanto, trazer à baila tal discussão. Para tanto, além da lição de Araken de Assis, consultar: BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de processo civil. Op. cit., p. 100; PUGLIATTI, Salvatore. Esecuzione forzata e diritto sostanziale. Op. cit., p. 315; MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, t. XIII, 1961. p. 339-353.

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Art. 692. Não será aceito lanço que, em segunda praça ou leilão, ofereça preço vil. (Redação dada pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994)

Parágrafo único. Será suspensa a arrematação logo que o produto da alie-nação dos bens bastar para o pagamento do credor. (Incluído pela Lei nº 8.953, de 13.12.1994) (grifos nossos)

Eis, então, o nó górdio da questão que vai tencionado em torno da finalização da alienação e na sua limitação quanto o valor pelo qual se expropria o bem do devedor para a satisfação do credor. Com adiantado, a jurisprudência paulatinamente tem apontado um critério (não tão) objetivo para a verificação do que se entende por preço vil. Necessário, então, alocar o problema no seu lugar a partir de algumas indicações básicas de sentido acerca da problemática, o que se faz na sequência.

1.2 A ARREMATAÇÃO pOR pREÇO VIL NO sENsO COMUM DA COMUNIDADE JURíDICA

Na lição de Araken de Assis, a proibição de arrematação por preço vil, de origem pretoriana, surge para evitar “distorções profundas e graves” no curso da execução16. Confira-se:

Como visto, na segunda licitação alienar-se-á o bem penhorado pelo me-lhor preço, ainda que inferior ao justo, ou seja, ao preço da avaliação. Ora, essa possibilidade de alienação, por menos do que o valor real da coisa, apurado na etapa avaliatória, ensejou distorções profundas e graves. Inúme-ras vezes se transferiram bens do patrimônio do executado a terceiros pelo valor aviltado. O fato não interessa a nenhum dos figurantes do processo executivo de intenção sã.17

Essa assertiva é confirmada pelo célebre estudo de Rogério Lauria Tucci, que traz precedentes de longa data no sentido de que “sendo vil o preço correspondente ao lanço oferecido se impõe a ‘anulação da praça e dos atos posteriores, a fim de que outra se realize, preenchendo as formali-dades legais’”18.

Além disso, reverbera na doutrina a ideia de que se trata de conceito jurídico indeterminado19, de modo que não lhe é possível atribuir um “cri-

16 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 869.17 ASSIS, Araken de. Manual da execução. Op. cit., p. 869.18 O precedente mais antigo data de 1975 (Revista dos Tribunais, 478/113): TUCCI, Rogério Lauria. Execução

fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Revista de Crítica Judiciária, Uberaba: Forense, v. 1, p. 147-160, 1987, p. 156.

19 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2010. p. 366; DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual. Salvador: JusPodivm, v. 5, 2009. p. 643.

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tério econômico apriorístico”20. Deve-se, para identificar a vileza do preço, comparar o valor do arremate com o valor da coisa penhorada e, havendo evidente desproporção, considerar-se-á vil o preço, inviabilizando, portan-to, a venda21. Como constatar, entretanto, a “evidente desproporção”? Por hora, a questão fica sem resposta.

Ainda na trilha de Araken de Assis, considera-se viável traçar um comparativo com o art. 701 do Código de Processo Civil segundo o qual mais de 80% do valor da avaliação do bem não pode ser considerado preço vil. Não nega o autor, entretanto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que tem considerado hígido o valor de até 50% do valor de avalia-ção, afastando, portanto, a vileza22.

Seja qual for o percentual, para o jurista gaúcho, trata-se de hipó-tese de discricionariedade judicial que deverá ser resolvida através do bi-nômio economia (art. 620) e efetividade da tutela para o credor, de modo que “tudo dependerá do caso concreto”23. Como se observa, o doutrinador aposta na primazia do causídico para a aferição da vileza; afinal, o diploma processual não apresenta um parâmetro objetivo.

Destaque-se: não é à toa que essa posição surge na doutrina atual, porquanto reflete a construção jurisprudencial do instituto. Frise-se, igual-mente, a frase que, com objetividade, reflete a noção geral em torno do problema:

Inadmissível afigura-se a concepção da expropriação forçada de bens do executado, na execução por quantia certa, como se fora uma espoliação de seu patrimônio. Muito pelo contrário, ela deve efetivar-se equanimemente, satisfazendo-se o direito do credor-exequente, sem sacrificar o acervo patri-monial do devedor-executado.24

Oportunamente, a questão será retomada.

Cumpre, então, analisar o ponto desde a perspectiva do binômio “princípio da menor onerosidade” e “princípio da efetividade da execução”.

20 ASSIS, Araken de. Manual da execução. Op. cit., p. 870.21 Idem, ibidem, p. 870.22 Idem, ibidem.23 Idem, ibidem.24 TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Op. cit., p. 155.

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2 APORTES PARA O RECONHECIMENTO DA VILEZA

2.1 O CONfLITO ENTRE O “pRINCípIO DA MENOR ONEROsIDADE” E O “pRINCípIO DA EfETIVIDADE DA ExECUÇÃO”

De início, é preciso recordar a crítica de Lenio Streck ao crescente emprego dos princípios, dos postulados e dos valores no mundo jurídico, afastando regras democraticamente estabelecidas sem concreta justificação e impondo-se a aplicação do juízo de proporcionalidade a todo o tempo. Merece destaque que tal postura não possui respaldo quando colocada diante de uma visão crítico-reflexiva. Os princípios são relevantíssimos e não podem ser banalizados, sob pena de perderem a sua consistência no feixe da hermenêutica jurídica. Por essa razão, toda a discussão pautada por princípios deve ser, antes, bem colocada. Não há regra que não opere com um princípio de fundo, nem um princípio que possa ser invocado sem algum conteúdo normativamente presente25.

Isto significa dizer que não se pode antecipar o conteúdo da norma jurídica (norma princípio) sem que haja uma situação decidenda real. Ainda que existisse um princípio da “menor onerosidade” e um “princípio da efe-tividade”, isto não bastaria para que se pudesse resolver a questão. Note-se que, caso a controvérsia devesse ser resolvida com a utilização do princípio de modo completar a regra estabelecida26, estar-se-ia retomando o uso do “princípio” em seu sentido mais pobre: princípio jurídico como “princípio geral do direito” – aplicável às situações de ausência de regra “clara” – tí-pico de uma fase metodológica (já) superada, a saber, o(s) positivismo(s) exegético e normativista27.

Em tempos de constitucionalismo contemporâneo, os princípios ju-rídicos já não possuem mais essa aplicação subsidiária e aberta para o ato decisional. Uma decisão judicial de princípios assegura a “reconstrução ins-titucional do Direito”28, de modo que qualquer discussão “principiológica” deve ser enfrentada, com bem salienta Streck, sob uma perspectiva de des-

25 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 546.

26 Em outras palavras: como a regra acerca da definição de preço vil é obscura, necessária a aplicação subsidiária de algum dos “princípios” norteadores da execução: menor onerosidade para o devedor e efetividade da tutela executiva para o credor, pois o “texto” legal é omisso.

27 A respeito das diferentes noções que a acepção “princípio” pode conter: OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

28 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Op. cit., p. 558.

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continuidade (rompendo com a fase metodológica anterior) e na qual surge um dever de decidir de forma correta (leia-se: conforme a Constituição).

Mais do que isso, os princípios não são meras “regras não expressas” ou “regras estruturalmente diferentes das demais”. O conteúdo normativo dos princípios se extrai “de uma convivência intersubjetiva que emana dos vínculos existentes na moralidade política da comunidade”, possuindo um caráter deontológico29. Os princípios são “vivenciados” – o que cobra dos atores jurídicos uma renovada compreensão em torno do seu conceito30. Destaque-se a seguinte passagem da obra do citado jurista:

Podemos dizer que isso tudo funciona da seguinte forma: quando nos ocu-pamos com questões jurídicas, possuímos, antecipadamente/pré-compreen-sivamente, um todo conjuntural que nos permite articular os diversos instru-mentos que a tradição jurídica construiu. Há sempre um todo antecipado em cada ato particular que praticamos como advogados, procuradores, pro-motores, juízes etc. No contexto da tradição em que estamos inseridos, este todo é representado pela Constituição. Mas não a Constituição enquanto um texto composto de diversas fatias: os artigos, os incisos, as alíneas etc., mas, sim, a Constituição entendida como um evento que introduz, prospec-tivamente, um novo modelo de sociedade. Este evento que é a Constituição está edificado sob certos pressupostos que chegam até nós pela história ins-titucional de nossa comunidade. Tais pressupostos condicionam toda tarefa concretizadora da norma, porque é a partir deles que podemos dizer se o direito que se produz concretamente está legitimado de acordo com uma tradição histórica que decidiu constituir uma sociedade democrática, livre, justa e solidária.31

Existe, com efeito, uma co-originariedade entre os princípios que es-truturam o direito e a moral32, de sorte que a decisão judicial se estrutura e legitima pelos argumentos de princípio (principiológicos) empregados. Não basta deixar de aplicar um dispositivo legal, valendo-se do pálio princi-piológico, tampouco é cabível a mera complementação do dispositivo por algum princípio, pois o que se opera é uma copertença entre princípios e regras. Como já referido: não há regras sem princípios nem princípios sem regras33.

29 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Op. cit., p. 540.30 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Op. cit., p. 544.31 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Op. cit., p. 546.32 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Op. cit., p. 473.33 STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Op. cit., p. 562.

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O desvelar normativo pressupõe a reconstrução histórico-institucio-nal dos princípios a partir da leitura da regra intersubjetivamente realizada pelo caso.

Assentadas tais premissas, não se pode negar que a efetividade detém certa força normativa no âmbito do processo de execução, mas a verdade é que ela está sempre presente. Há direito que se pretenda não efetivo(ável)? Nesse sentido, as proposições trazidas por Marcelo Lima Guerra, ainda que albergadas por dimensão teórica diametralmente oposta34, evidenciam o fato inconteste de que a execução deve ser pautada, sim, por mecanismos idôneos à satisfação de direitos sujeitos à tutela executiva35, ainda que seja questionável a existência de um “princípio da efetividade”36.

Por meio deste “direito fundamental à tutela executiva”37, assegura-se que a técnica processual seja conduzida de modo a assegurar a satisfativi-dade do direito, por meio da a) interpretação das normas processuais com vista a tal desiderato e b) da aplicação da norma processual mais adequada – quando aplicável mais de uma – à realização do direito substancial38.

Por outro lado, o art. 620 determina que a execução se promova pelo modo menos gravosos para o devedor, quando por diversos meios for pos-sível a sua realização. Tal preceito impede que a execução seja excessiva-mente onerosa ao executado, ou seja, torne-se uma execução “abusiva”39. Para alguns, a questão deveria ser resolvida com a utilização do princípio da proporcionalidade40: entre o choque do princípio da efetividade e do princípio da menor onerosidade, resolver-se-ia a questão controversa.

34 Para Marcelo Lima Guerra, há uma diferença estrutural entre regras e princípios. Os princípios e os direitos fundamentais são normas que operam de modo distinto, sendo possível a utilização do juízo de ponderação de princípios. Tudo conforme a criticável fórmula prevista na Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 84 e ss.).

35 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 104.

36 Pela sua existência, inclusive na condição de “princípio”: DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual. Salvador: JusPodivm, v. 5, 2009. p. 47.

37 Assim conceituado: “[...] designa uma daquelas exigências ou valores relativos ao processo judicial, inseridas no âmbito (ou campo semântico) do direito fundamental ao processo devido. Trata-se, portanto, de uma ferramenta dogmática de elevada importância na solução dos problemas a ser enfrentados no presente trabalho, relacionados à prestação efetiva da tutela executiva [...]”. Mais além, reforça-se a tese ao ser afirmado que o direito fundamental à tutela executiva corresponde com a máxima coincidência possível entre o direito substancial afirmado e a existência de meios executivos “capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva” (GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. Op. cit., p. 101-102).

38 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. Op. cit., p. 104.39 DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual. Op. cit., p. 55. 40 DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual. Op. cit., p. 60.

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De tais assertivas “principiológicas” surge, assim, um movimento pendular no processo executivo, em especial na alienação de bens. Num relance, prestigia-se a efetividade da tutela executiva e a expropriação do bem é medida que se impõe independentemente do valor da avaliação, por-quanto há a premente necessidade de se adimplir o exequente, notadamen-te quando o executado não possui outros bens que não aqueles penhorados. No giro inverso: a alienação de bens do devedor por valor aquém do estipu-lado na avaliação importaria em onerosidade desproporcional, porquanto o executado sofreria uma perda patrimonial superior ao que efetivamente deve. Todavia, como não existem conceitos sem coisas, nem colisões sem objetos colidentes, parece mais adequado repudiar, de início, o papel dos princípios para a resolução do problema.

Isto porque, como qualquer problema semântico do direito, podem ser encontrados indicativos de sentido para a resolução da controvérsia na própria construção judicativa-jurisprudencial-decidenda sobre o tema41, sendo dispensável, ao menos a priori, o conjuro dos princípios jurídicos como pretendido.

É de se notar que, acaso aceita a tese de que a noção de “preço vil” seja resolvida com simples emprego dos “princípios” da menor onerosidade e da efetividade, ficará o órgão julgador dispensado de justificar (com argu-mentos de princípio!) as razões pelas quais determinada solução foi empre-gada na situação concreta. Assim, ao menos por ora, deve ficar afastada a elucidação do problema por esta via42.

Como então atribuir sentido concreto à vedação de arrematação por preço vil? A solução para tal indagação – que parte da ideia de que, se há aqui uma porosidade textual, ela deve ser preenchida pela própria constru-ção histórica da realização do direito43 – reside no exame do trato do tema pela própria legislação, pelas lições da doutrina e pela sua realização judi-cativa nos tribunais.

41 Aliás, não é à toa que “a actual situação problemática do direito, e do pensamento jurídico, justifica que recuemos a perguntarmo-nos radicalmente sobre o sentido do próprio direito” (CASTANHEIRA NEVES, Antonio. Coordenadas de uma reflexão sobre o problema universal do direito – Ou as condições da emergência do direito como direito. In: RAMOS, Rui Manuel de Moura (Coord.). Estudos em homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. Coimbra: Almedina, 2002. p. 837).

42 Note-se que, como apontado anteriormente, isto não significa que os princípios são estarão na resposta jurisdicional, pois, como já adiantado, toda a decisão deve ser uma decisão fundada em princípios.

43 Prestigia-se, portanto, a necessidade de se aceitar o “Direito como integridade” – de que trata Ronald Dworkin (O império do direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 164 e ss.).

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2.2 DIspOsIÇõEs LEGAIs ApLICáVEIs à sITUAÇÃO

A legislação processual, como já amplamente apontado, veda que haja alienação judicial44 no processo de execução por preço vil. O art. 692 do Código de Processo Civil não apresenta, entretanto, um critério objeti-vo: não atribui numericamente um índice que possa ser considerável como aviltante e, pois, obstaculizador da venda.

Com isso, o Diploma Processual prestigia o critério subjetivo do pre-ço vil45. Caso se pretendesse que o preço vil fosse verificado por um percen-tual determinado, a lei assim teria estipulado. Simples assim, pois, às vezes, aplicar a lei é o mais simples, básico e necessário a se fazer46. No caso, não há índice prescrito47.

Mas isto não significa que uma interpretação sistemática do ordena-mento não seja viável. Isto porque o art. 701 do CPC (já referido), mantendo a tradição do Código de Processo Civil de 1939 (art. 972, § 2º)48, asse-gurando “providência de favor aos incapazes, consistente em verdadeira moratória”49, determina o adiamento da alienação de imóveis de incapazes quando o lanço não alcançar em praça pelo menos 80% do valor da ava-liação50. Mutatis mutandis, o imóvel de incapaz pode ser alienado por 80% ou mais do quantum avaliado sem qualquer óbice legal. E se o imóvel de incapaz – que goza de uma proteção legal diferenciada – pode ser alienado

44 Equipara-se aqui alienação a particular e arrematação, conforme já adiantara Pontes de Miranda nos seus comentários à venda por iniciativa particular prevista no Código de Processo Civil de 1939 (Comentários ao Código de Processo Civil. Op. cit., p. 380).

45 SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: hasta pública, lance mínimo e lance vil no processo do trabalho. Revista LTr: Legislação do Trabalho, São Paulo, v. 69, n. 12, p. 1435-1445, dez. 2005, p. 1441.

46 STRECK, Lenio Luis. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Disponível em: <www.univali.br/periodicos>. Acesso em: ago. 2012.

47 Houve a tentativa no âmbito do processo legislativo em estabelecer como critério objetivo o valor de 50% para que se pudesse considerar vil o preço. Todavia, apesar dos debates, a Lei nº 11.382/2006 acabou por não alterar o art. 692 do CPC (a este respeito: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Reflexões sobre o novo regime de expropriação de bens introduzido pela Lei nº 11.382/2006. In: SHIMURA, Sérgio (Coord.). Execução civil e cumprimento da sentença. São Paulo: Método, v. 2, 2007).

48 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Op. cit., p. 378.49 CASTRO, Amilcar de. Do procedimento de execução: Código de processo civil – Livro II – Arts. 566 a 747.

2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 323.50 CPC: “Art. 701. Quando o imóvel de incapaz não alcançar em praça pelo menos 80% (oitenta por cento) do

valor da avaliação, o juiz o confiará à guarda e administração de depositário idôneo, adiando a alienação por prazo não superior a 1 (um) ano. § 1º Se, durante o adiamento, algum pretendente assegurar, mediante caução idônea, o preço da avaliação, o juiz ordenará a alienação em praça. § 2º Se o pretendente à arrematação se arrepender, o juiz lhe imporá a multa de 20% (vinte por cento) sobre o valor da avaliação, em benefício do incapaz, valendo a decisão como título executivo. § 3º Sem prejuízo do disposto nos dois parágrafos antecedentes, o juiz poderá autorizar a locação do imóvel no prazo do adiamento. § 4º Findo o prazo do adiamento, o imóvel será alienado, na forma prevista no art. 686, VI”.

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por essa quantia, quanto mais o poderá a pessoa capaz51. Essa interpreta-ção, plenamente aceitável, reduz a margem de discricionariedade do órgão julgador, sendo, inclusive, questionável a existência concreta de preço vil acima deste patamar52.

Outras disposições normativas expressamente aponta(va)m índices que afastam a vileza do preço (pois, se a lei permite a sua alienação no patamar por ela definido, certamente inexiste vileza). Assim, a antiga Lei de Execuções Fiscais (Decreto-Lei nº 960/1938) previa:

Art. 35. Para a primeira arrematação tomar-se-á por base o preço da avalia-ção; para a segunda, esse preço com redução de 20%.

Art. 36. Não havendo licitantes á primeira praça, proceder-se-á à segunda, observadas as formalidades e a redução previstas nos artigos anteriores; si o mesmo ocorrer novamente, serão os bens vendidos pelo maior lance.

Parágrafo único. O arrematante, em qualquer caso, deverá garantir o lance com o sinal correspondente a 20% do seu valor.

Art. 37. A Fazenda poderá requerer a adjudicação dos bens levados á pra-ça, após o último pregão, caso não encontrem licitantes. A adjudicação será feita pelo preço do maior lance, ou pelo da avaliação, com o abati-mento de 40%, quando, na segunda praça, não tiver havido licitantes. (gri-fos nossos)

É de se notar o flagrante favorecimento concedido ao exequente Fa-zenda Pública, que poderia, sob o regime da referida lei, adjudicar os bens por valor 40% menor do que a avaliação, ou seja, 60% da quantia avalia-da53. Além disso, a partir da terceira hasta, por disposição expressa, não havia qualquer limitação de valor nos lances. Obviamente, com o advento da atual Lei de Execuções Fiscais, torna-se inviável a aplicação do Decreto nº 960/1938, inclusive no que diz respeito às alienações judiciais.

Fato é que, já na vigência da Lei nº 6.830/1980, a Lei nº 9.528/1997 inseriu no ordenamento jurídico uma série de dispositivos tendentes a oti-mizar o adimplemento dos créditos públicos inscritos em dívida ativa, asse-gurando ao INSS (prerrogativa que foi posteriormente estendida a qualquer execução fiscal de Dívida Ativa da União) a garantia de que, no segundo

51 ASSIS, Araken de. Manual da execução. Op. cit., p. 869. Contra, apontando que o art. 701 não guarda qualquer relação com o tema tratado: BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2010. p. 356.

52 Não se nega, entretanto, que a singularidade da situação decidenda aponte em sentido contrário mesmo nesta situação extrema.

53 SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: hasta pública, lance mínimo e lance vil no processo do trabalho. Op. cit., p. 1441.

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leilão, os bens penhorados poderia ser alienados por qualquer valor, exce-tuado o vil (atual art. 98, II, da Lei nº 8.212/1990). Também foi previsto que, se no primeiro ou no segundo leilões não houvesse licitantes, o INSS po-deria adjudicar o bem por cinquenta por cento do valor da avaliação (atual § 7º do art. 98 da Lei nº 8.212/1990). Ora, se é bem verdade que a adjudi-cação também se submete ao regime da proibição de preço vil54, certo é que a viabilidade de adjudicação por 50% do preço assegura à Fazenda Pública o direito de ver o bem arrematado por até 50% do valor de avaliação sem que haja preço vil.

Não soa coerente, entretanto, a aplicação de dispositivos que visam a conceder prerrogativas aos entes públicos, à execução civil ordinária. As-sim, conquanto os artigos citados operem como balizas para uma compre-ensão do preço vil nas execuções da Fazenda (execução fiscal), duvidosa seria a sua aplicação analógica à execução contra devedor solvente prevista no CPC, de modo que continua obnubilado, no plano da dogmática nor-mativa/legislativa, o sentido mais adequado para o problema. Necessário, assim, revisar, ainda que perfunctoriamente, algumas contribuições da dou-trina jurídica.

2.3 CONTRIbUTOs DOUTRINáRIOs pARA O RECONhECIMENTO DO INsTITUTO

Como já adiantado, prepondera – e isto se constata na pena de diver-sos autores55 – a corrente subjetiva segundo a qual caberá ao juiz, diante do caso concreto (da situação a ser decidida), verificar a evidente despropor-ção, “perceptível primo ictu oculli”56, entre o valor “real”57 do bem e o valor pelo qual se deu a expropriação.

Rogério Lauria Tucci aponta que o primeiro parâmetro a ser observa-do é a atualização do valor do bem58. Trata-se, na verdade, de se prestigiar a avaliação que deve ser recente para evitar a espoliação do patrimônio do devedor. Cita, com acerto, Amílcar de Castro, segundo o qual “o credor não

54 TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Op. cit.55 Confira-se, a respeito, a posição de Ernane Fidélis dos Santos: “O critério a ser seguido pelo juiz é o da

razoabilidade, tudo se apurando segundo o prudente arbítrio do julgador” (Manual de direito processual civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2006. p. 155). No mesmo sentido, a posição de Araken de Assis de que se trata de um juízo “discricionário” (Manual da execução. Op. cit., p. 870).

56 TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Op. cit., p. 158.57 A avaliação não expressa o valor real do bem, como já bem apontava Pontes: “Avaliação, aqui, é a

comunicação de conhecimento sobre o valor que algum bem pode obter sendo alienado [...]. A avaliação também é meio, ato na sequência de atos executivos. Fixa o valor aproximado, com certa fé nas comunicações de conhecimento que ela contém” (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Op. cit., p. 331-332).

58 TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Op. cit., p. 154-155.

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vem a juízo fazer bons negócios, mas apenas cuidar de receber o que lhe é devido”59. É de se notar que o prestígio à avaliação como elemento objetivo para a verificação do preço vil ainda ecoa60.

De fato, é por meio da avaliação que se pode, objetivamente, auferir inicialmente o valor de mercado do bem penhorado e, então, se fazer o cotejo com o valor de eventual alienação61. Entretanto, algumas outras posi-ções devem ser destacadas para que a questão fique clara.

Em doutrina pretérita, destaque-se a posição de Orlando Soares:

De acordo com o entendimento duma corrente jurisprudencial, preço vil preço vil ou irrisório será sempre aquele cujo montante não foi suficiente para satisfação de parte razoável do crédito. Quer dizer, não se cogita mais se o preço ofertado é ou não inferior ao valor da avaliação, mas sim ao va-lor do crédito. Assim, tratando-se de bem penhorado, que foi à praça por inúmeras vezes, sem previsibilidade de se chegar a bom termo, não é de acolher a tese do preço vil. (RT 623/106)62

Por sua vez, Ernane Fidélis dos Santos leciona:

Considerava a antiga redação do art. 692 preço vil não o que fosse despro-porcional ao valor do bem, mas o que não bastasse para a satisfação razoá-vel do crédito. A Lei nº 8.952/1994 desconsiderou, no entanto, o conceito, apenas fazendo proibição ao preço vil, o que significa que, ainda que se pague parte razoável do débito, se houver desproporcionalidade do preço com o real valor do bem, deve o juiz decretar a nulidade da arrematação, determinando que outra seja feita.63

Amílcar de Castro leciona que o art. 692 “desenvolve o mesmo pen-samento que anima o art. 620” e “o Estado deve, quanto possível, reintegrar

59 CASTRO, Amílcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo, v. VIII, 1974, n. 490, p. 358 apud TUCCI, Rogério Lauria. Execução fiscal e preço vil da arrematação ou adjudicação. Op. cit., p. 154.

60 Nesse sentido: FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Preço vil na hasta pública. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre, v. 6, n. 35, p. 43-45, out./nov. 2010, p. 45.

61 Assim também Humberto Theodoro Júnior: “Preço vil é o que se apresenta excessivamente abaixo do valor da avaliação devidamente atualizado. Aprecia-se essa circunstância levando-se em conta o valor de mercado do bem, e não o montante da dívida exeqüenda (STJ, 3ª T., REsp 109.753/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Ac. 10.03.1997, DJU 22.04.1997, p. 14426)” (Lei de execução fiscal: comentários e jurisprudência. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 158).

62 SOARES, Orlando. Comentários ao Código de Processo Civil. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 1993. p. 452.

63 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2006. p. 155.

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o direito do exequente com o mínimo de despesa, de incômodo e de sacri-fício do executado”64.

Para Luiz Fux,

a avaliação tem o condão de impedir que o bem seja alienado por preço vil. É, sem dúvida, uma garantia para o devedor posto que, do contrário, manobras ardilosas poderiam despojar o executado de seus bens por qual-quer preço, suficiente apenas para pagar parcela do débito.

Além disso, a avaliação deve ser realizada em data próxima à ex-propriação, para “manter a contemporaneidade da aferição do valor”65. E ainda: “A vileza do preço denota-se quando o bem é alienado por valor muito inferior ao da avaliação, ao seu valor de mercado ou se o quantum é insuficiente para o pagamento das custas da execução”66.

Vale recordar, ainda, a lição de Celso Neves:

A noção de preço vil, sem embargo da sua aparente objetividade, é per-plexiva, em razão da subjetividade de que depende. Que será preço vil? Relaciona-se à apreciação com o valor em execução. Assim, deverá ser considerado vil o preço que, em face dos valores dos bens penhorados, seja exorbitantemente inferior ao da sua avaliação e, em face da pretensão exe-cutória, se mostre insuficiente para atender, como parte ponderável dela, à satisfação do exequente.67

Por fim, deve ser destacado o posicionamento de Cássio Scarpinella Bueno, segundo o qual o dispositivo na redação atual

afasta, por completo, qualquer relação entre a configuração do preço vil com o percentual que a alienação do bem penhorado satisfaz do crédito do exequente, é dizer: pode ocorrer de a totalidade do crédito do exequente ser satisfeita e, não obstante, o preço ser, ainda, vil. Inversamente, muito pouco do crédito do exequente pode ser satisfeito e o valor pelo qual se ar-remata o bem não ter a vileza repelida pelo caput do art. 692.68

64 CASTRO, Amilcar de. Do procedimento de execução: Código de Processo Civil – Livro II – Arts. 566 a 747. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 241.

65 FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 188.

66 Idem, p. 225.67 NEVES, Celso. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 646 a 795. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense,

v. 7, 1999.68 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2010.

p. 355-356.

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Necessário recordar, entretanto, que a vedação de alienação por pre-ço vil tem por objeto evitar a espoliação do patrimônio do executado, im-pedindo que o seu patrimônio seja colocado à disposição por valor incom-patível ao devido e lhe causando, assim, um prejuízo inconciliável com a necessidade de se satisfazer o direito do credor69.

Dessarte, para a elucidação desse entrave, mais critérios – para além do cotejo entre o valor de mercado do bem e o valor da alienação – preci-sam ser trazidos à baila. É frequente, entretanto, que se destaque a neces-sidade de “circunstâncias outras”70 para a formação do convencimento do juiz, sem que elas sejam apontadas71.

Alexandre Alliprandino Medeiros, no âmbito do processo trabalhista, aponta cinco critérios: a) facilidade de alienação do bem; b) estado de con-servação do bem; c) valor total da execução; d) a necessidade do credor e a condição financeira do devedor; e) depreciação do valor do bem no merca-do em vista do lapso temporal da avaliação em relação à hasta72.

O estado de conservação do bem e a depreciação do seu valor no mercado em vista do lapso temporal significam, na realidade, incongruên-cias na avaliação realizada e que podem ser sanadas com uma nova avalia-ção – o que é facilitado com a legislação processual vigente, que permite, inclusive, a avaliação por Oficial de Justiça. A necessidade do credor e a condição financeira do devedor é critério que remete à humanização da execução e que se justifica somente nos casos em que a execução atinja a esfera de direitos mais sensíveis de ambas as partes, credor e devedor, não se demonstrando como um critério racional para a execução civil73. O valor

69 Assim, por exemplo: se A, que possui um terreno avaliado em R$ 100.000,00, deve R$ 70.000,00 para B e é acionado judicialmente e a ação prossegue até o ultimato dos atos expropriatórios, com a venda judicial em leilão do bem por R$ 70.000,00 e a alienação é considerada regular, sem que houvesse preço vil, A acaba por pagar R$ 100.000,00 pela dívida de R$ 70.000,00. Neste caso, como na grande maioria dos casos, haverá evidente prejuízo ao executado.

70 ARAGÃO, Severiano Ignácio de. Desfazimento da arrematação por preço vil. Arquivos dos Tribunais de Alçada, Rio de Janeiro, Degrau Cultural, v. 26, p. 28-30, 1996, p. 30.

71 Não é o caso de Cassio Scarpinella, que contribui com interessante posição: “O que é possível de ser feito em tese e fornecer subsídios indicativos de quando se está diante de preço vil a ser, como tal, rejeitado. A vileza do lanço tem de ser constatada a partir do valor do próprio bem, nunca levando em conta fatores externos a ele. O preço vil deve ser aferido a partir da comparação entre o valor da arrematação e o da avaliação do bem, e não em relação ao grau de satisfação do exequente. No máximo, levar- se-ão em conta dificuldades da própria execução – desinteresse na adjudicação (art. 685-A), frustração de alienação por iniciativa particular (art. 685-C), eventuais hastas anteriores negativas, variação negativa do mercado consumidor do bem penhorado, por exemplo –, para subsidiar o entendimento quanto à pertinência da alienação por preço esperado em situações normais” (Curso sistematizado de direito processual civil. Op. cit., p. 356).

72 Utilizada aqui a obra de: SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: hasta pública, lance mínimo e lance vil no processo do trabalho. Op. cit., p. 1442.

73 Não custa lembrar que a proposta de Alexandre Alliprandino Medeiros é proveniente do processo trabalhista que tem acentuada a natureza alimentar dos créditos. O mesmo não se espelha nas demais execuções, seja na civil, seja na fiscal.

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da execução, como já visto, não deve operar como parâmetro para o preço vil74.

No que diz respeito à facilidade/dificuldade de alienação do bem, não se pode negar que o critério é coerente com o seu antecedente (valor de mercado atribuído). Isto porque, se por diversas vezes surgem distintas tentativas de venda e, ainda assim, há dificuldade na alienação, fato é que o mercado comprador não possui interesse na aquisição nos moldes pro-postos, o que revela uma inadequação no preço que pode ser suprida pela redução no valor do lance. Não há aqui novidade no tema, que, há muito, vinha denunciado por Jorge de Miranda Magalhães75.

Com efeito, na presença de poucos elementos concretos para a aferi-ção do tema no âmbito doutrinário, necessário analisar, como proposto, a posição do Superior Tribunal de Justiça – Tribunal que tem por escopo na uniformização na compreensão acerca da legislação federal – em torno do tema.

2.4 A (DEs)ORIENTAÇÃO DO sUpERIOR TRIbUNAL DE JUsTIÇA

Não há, com efeito, uniformidade na jurisprudência da Corte acer-ca do tema. Todavia, existe uma orientação preponderante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça no sentido de não ser considerado vil o preço equivalente a até 50% da avaliação do bem penhorado. Para o Superior Tribunal de Justiça, o elemento determinante para a aferição do preço vil é a avaliação.

Há, assim, uma tendência pela corrente objetivista. Confira-se, a pro-pósito, o recente julgado que confirmou essa tese:

Processual civil e tributário. Agravo regimental no agravo de instrumento. Embargos de terceiro. Penhora. Garantia hipotecária. Cédula de crédito. Im-penhorabilidade relativa. Preferência do crédito tributário. Imóvel alienado por valor superior a 50% da avaliação. Preço vil não caracterizado. Acór-dão recorrido em consonância com a jurisprudência do STJ.

74 Conforme supra item 03.75 “Igualmente, porque o mercado não respondeu à oferta do bem, que, em primeira praça, pelo preço de

avaliação, quer nas demais, por qualquer preço (evidentemente longe da vileza) é que a jurisprudência tem entendido não ser vil o preço se, em quatro praças, não de obteve lanço superior e os devedores não procuraram remir a execução (JTA 105/70), devendo essa característica ser avaliada pelas circunstâncias da causa (STJ, REsp 2.693/RS, Min. Oueiros Leite), não sendo de se acolher a tese do preço vil (RT6 23,106), se o bem penhorado foi à praça por inúmeras vezes, sem possibilidade de se chegar a bom termo, com intuitivo prejuízo do exequente, pois o modo menos gravoso com que se deve processar a execução não pode, a toda evidência, ‘deixar o credor desmunido de providências, de sorte a alcançar o seu crédito’” (A arrematação a preço vil. Arquivos dos Tribunais de Alçada, Rio de Janeiro, Degrau Cultural, v. 24, p. 17-20, 1996, p. 18).

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1. Caso em que o agravante impugna o entendimento manifestado pelo Tri-bunal a quo no sentido de que a garantia tributária cede em favor do cré-dito tributário, que a ela tem preferência, independentemente da data da constituição do ônus.

2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a impenhora-bilidade de que trata o art. 57 do Decreto-Lei nº 413/1969 não é absoluta, uma vez que o crédito tributário goza de preferência sobre os demais crédi-tos, à exceção dos de natureza trabalhista.

Precedentes: REsp 672.029/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ 16.05.2005; REsp 681.402/RS, 1ª T., Relª Min. Denise Arruda, DJ 17.09.2007; AgRg-Ag 1.043.984/RS, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 06.10.2008; REsp 940.230/SP, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJe 29.10.2008.

3. O STJ entende caracterizada a vileza do preço quando a arrematação não alcançar, pelo menos, 50% do valor da avaliação.

Precedentes: REsp 788.338/SP, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 17.08.2009; AgRg-REsp 996.388/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 27.08.2009; AgRg-Ag 1.106.824/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 15.05.2009; AgRg-REsp 995.449/SP, 1ª T., Relª Min. Denise Arruda, DJe 16.03.2009.

4. No caso concreto, o acórdão a quo consignou que o bem foi alienado por quantum superior a 50% (cinquenta por cento) do valor da avaliação.

5. Agravo regimental não provido.

(AgRg-Ag 1391061/PR, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, J. 07.06.2011, DJe 10.06.2011)

Há farta jurisprudência observando essa orientação76. Todavia, o cri-tério objetivo (preponderante) já foi casuisticamente afastado. Aliás, há in-duvidoso anacronismo na Corte uniformizadora da legislação federal, pois já se entendeu, em um caso, que aproximadamente 33% do valor da ava-liação não poderia ser considerado vil77 e, em outra situação, que o mesmo valor de 33% foi configurador da vileza78.

76 AgRg-Ag 1.277.529/SP, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, DJe 22.09.2010; REsp 1.017.301/RJ, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 26.05.2008; REsp 1052691/SC, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJe 26.11.2008; REsp 1057831/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.10.2008; REsp 793.725/SC, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, DJ 02.10.2006; AgRg-EDcl-Ag 454.247/SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 19.05.2003.

77 AgRg-Ag 1259306/SP, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 07.04.2011.78 AgRg-Ag 1106824/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 15.05.2009.

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No que diz respeito à possibilidade de alienação por até 33% do valor da avaliação sem que se considerasse preço vil, foi consignado que:

Não ocorre arrematação por preço vil na hipótese em que o bem foi ar-rematado, em quarto leilão, por aproximadamente 33% do valor da ava-liação, e a natureza do bem, sua utilidade para terceiros, a dificuldade do arrematante em receber o bem e a reiteração de leilões infrutíferos indicam a razoabilidade do valor da arrematação, pois, ainda que o valor da avalia-ção possa ser tomado como critério inicial para a caracterização do preço vil, não deve atuar como único ou preponderante fator, devendo-se levar em conta particularidades fáticas do caso e circunstâncias negociais à épo-ca da alienação.

Tal precedente elucida que o próprio Tribunal não adere por com-pleto à tese da objetividade, na medida em que aceita a necessidade de se observar as peculiaridades do caso concreto para verificação do preço vil.

Essa questão causa estranheza na medida em que, em tese, não está autorizado o Superior Tribunal de Justiça a proceder a revisões de matérias de cunho altamente probatório. Há, neste particular, colidentes entendi-mentos quanto à possibilidade de o Tribunal verificar ou não a existência de preço vil. Já se entendeu que tal exame revolveria matéria fática e, portanto, insuscetível de reexame pela via especial79. Por outro lado, já se entendeu que não se trata de matéria de fato e que pode, sim, ser verificada pelo Tri-bunal80.

Em linhas gerais, pode-se observar que o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de não considerar vis arrematações realizadas por 50%, 60% e 70% do valor da avaliação81.

Com efeito, o que se constata é que a orientação majoritária do Tri-bunal segue a linha objetivista, mas de maneira temperada, pois aceita o critério subjetivo e, além disso, corrobora a necessidade de verificação de outros elementos além da avaliação do bem penhorado. Em outras palavras, a avaliação não pode ser considerada o único critério para a verificação do preço vil, como já adiantado anteriormente e chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça:

79 AgRg-REsp 1147635/SC, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 08.04.2011; REsp 422.406/SP, 3ª T., Rel. Min. Castro Filho, DJ 23.09.2002, p. 360.

80 AgRg-EDcl-Ag 454.247/SP, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 19.05.2003, p. 134. Destaque-se o amplo feixe de julgados anteriormente citados, que corroboram amplamente o exame do tema pelo Superior Tribunal de Justiça.

81 AgRg-Ag 463.584/GO, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 18.12.2006, p. 360.

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Ainda que o valor da avaliação deva ser tomado como critério inicial para identificação ou não de caracterização de preço vil em arrematação, não deve atuar como único ou preponderante fator. Tal como destaca a senten-ça, outras singularidades devem ser ponderadas, como a natureza do bem, sua utilidade para terceiros (e não apenas para o devedor), modificações de tecnologia ou inovações de mercado, assim como é de ser computada a dificuldade que o arrematante deve esperar em receber a coisa (diante de eventuais embargos), isso embora faça pagamento à vista. Além disso, a reiteração de leilões infrutíferos é sinal evidente de que o preço da avalia-ção é incompatível com a realidade, para despertar interesse em potenciais compradores.82

Alguns dos parâmetros ventilados causam mais insegurança do que arrimo ao pleito. Como não pode a avaliação ser considerada o critério pre-ponderante se o próprio Superior Tribunal de Justiça já atestou ser ela indis-pensável, inclusive devendo ser determinada de ofício pelo juiz?83 E como falar que a dificuldade que o arrematante tem em receber a coisa diante de eventuais embargos pode ser levada em conta para determinação do valor da coisa? Como pode a defesa do executado contra a própria arrematação servir de elemento para que se decresça o valor do bem? Levado às últimas consequências, esse entendimento fulmina a própria pretensão à tutela ju-rídica, pois, se o executado não apresenta embargos (= não se defende), a sua redução patrimonial oriunda da execução será menor (= arrematação por um valor maior).

Ao que tudo indica, tais questões não foram refletidas com a acuidade necessária pela Corte. Aliás, nem deveriam sê-lo; afinal, o Superior Tribunal de Justiça não é um Tribunal comprometido com a Justiça do caso concreto para proceder à revisão de todos os tipos de decisões judiciais. Esta é, aliás, mais uma prova do anacronismo da Corte, causado pelo próprio Tribunal – que gradativamente (e convenientemente) amplia o seu leque de atuação e julga (quando quer) a questão.

Plenamente aplicável, aqui, a orientação de Igor Raatz dos Santos e Frederico Leonel Nascimento e Silva, ao criticarem a desmedida apreciação das questões de ordem pública pelo Superior Tribunal de Justiça, no sen-tido de que, ao comportar em seu repertório de jurisprudência duas teses antagônicas, o Tribunal fica autorizado a escolher como (e se) irá analisar a

82 Excerto do voto do Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima (AgRg-Ag 1259306/SP, DJe 07.04.2011). 83 REsp 1006387/SC, 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 02.09.2010, DJe 15.09.2010.

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questão, fulminando, assim o controle e a previsibilidade de suas decisões e, ainda, atuando muito além do que deveria84.

Não custa recordar que, para os referidos autores, que aderem à tese de Castanheira Neves, cabe aos Tribunais Superiores assegurar a unidade do direito,

de ordem jurídico-material problematicamente constituenda em contrapo-sição a uma unidade formal-sistemática pressuposta, ou seja, uma unidade de normativa ordenação dinâmica e a posteriori, em oposição às unidades normativas a priori, já de identidade, já de redução, já mesmo de totalmen-te pressuposta fundamentação.85

CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

Em tempos de massificação de conflitos e de acerbada quantidade de trabalho pelos Tribunais, não causa estranheza o completo abandono dos casos concretos e a crescente adoção de standarts predeterminados de decisões.

Questões polêmicas e nas quais mais se cobra da jurisprudência e da doutrina uma indicação de sentido para a própria realização do direito a partir de aportes dos aportes da situação decidenda acabam sendo relega-das para um segundo plano.

Fazem-se concessões e apostas – como a feita à discricionariedade judicial, ou o “prudente arbítrio” do juiz para aplicar o critério “mais justo e razoável” no caso concreto86 – sem, entretanto, assegurar, sob o ponto de vista da necessária integridade e unidade do direito, balizas orientadoras da interpretação judicial. Infelizmente, nestes espaços privilegiados, onde a discussão sobre onde está o Direito vivenciado se torna mais palpáveis, a comunidade jurídica – cada qual a seu modo – vacila.

Urge, portanto, que se abram espaços de reflexão87. Verdadeiras cla-reiras para uma indicação do sentido da juridicidade e para a retomada da realização material do Direito. Significa dizer que é preciso repensar a

84 SANTOS, Igor Raatz dos; SILVA, Frederico Leonel Nascimento e. Crítica à tese do julgamento de ofício das “questões de ordem pública” em recurso especial: uma proposta de reflexão sobre o papel dos Tribunais Superiores. Revista de Processo, São Paulo, v. 36, n. 202, p. 69-92, dez. 2011, p. 79.

85 Idem, ibidem, p. 85.86 SCHIAVI, Mauro. Aspectos polêmicos da execução trabalhista: hasta pública, lance mínimo e lance vil no

processo do trabalho. Op. cit., p. 1442.87 No específico estudo do preço vil, merecem destaque as reflexões de Araken de Assis e Cassio Scarpinella

Bueno, além do irrepetível trabalho de Rogério Lauria Tucci, que soube, com a precisão que lhe cabe, apresentar o tema pela primeira oportunidade.

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forma como se atua e como se decide, de modo que, ao invés de se buscar álibis argumentativos (como a invocação oca de princípios ou elementos áridos como a razoabilidade), sejam efetivamente lançadas as razões que a tradição jurídica em torno de determinado instituto apresenta e que estes motivos sejam colocados em choque com a experiência constitucional para que, então, se alcance uma resposta constitucionalmente adequada ao caso.

Em parcas linhas, o presente estudo buscou apresentar um problema quanto ao que (não) se compreende por preço vil no âmbito do processo de execução e instigar o debate para a problemática em torno do modo da realização do direito hoje – especialmente na judicatura do Superior Tribu-nal de Justiça.

Para tanto, pretendeu-se trazer à baila parte da experiência jurídica já existente em torno da controvérsia, com aportes doutrinários e jurispruden-ciais, de modo a se reconstruir (ainda que de maneira sintética) a tradição jurídica sobre o que se entende por preço vil no bojo da execução civil.

Chancela-se, como deve ter ficado claro, que:

é difícil, senão impossível, definir o que é preço vil em abstrato. E isso por-que se trata de conceito vago e indeterminado que, como tantos outros do Código de Processo Civil, pressupõe fato concreto, certo e delimitado no tempo e no espaço para ser expresso, definido, concretizado. É conceito que só existe na aplicação do direito, em sua dinâmica.88

Esta postura é, na verdade, uma escolha filosófica que indica que não se pode atribuir sentido a algo sem que este algo se apresente diante do ser.

Com isso, pode-se apontar, a título conclusivo, que:

a) não é possível antecipar a existência de vileza nas aliena-ções judiciais realizadas, não sendo possível preestabelecer o quantum que caracterizará (ou não) a venda a preço vil. Esta apenas poderá ser verificada após a existência efetiva de uma proposta (ou lance) que, cotejada com as condições do caso evidencie espoliação do patrimônio do executado e lhe cause, assim, prejuízo inconciliável com a necessidade de se satisfazer o direito do exequente;

b) a legislação processual não estabelece um critério objetivo para a constatação de preço vil, mas traz um forte indicativo que não

88 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2010. p. 356.

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pode ser desconsiderado (tampouco tornar-se um dogma), a sa-ber: 80% do valor da avaliação. Trata-se de aplicação (sistemá-tica) do art. 701 do CPC;

c) no campo doutrinário, prepondera a aceitação da discricionarie-dade judicial. Caberá ao juiz, analisando as condições do caso concreto, avaliar se ocorreu vileza ou não;

d) no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, prevalece o entendi-mento de que está caracterizada a vileza do preço quando a arre-matação não alcançar, pelo menos, 50% do valor da avaliação. Adota-se o critério objetivo valor. Todavia, o próprio STJ possui precedentes em sentido contrário, aceitando que a avaliação é apenas o critério inicial para a definição da controvérsia e que outros elementos poderão influenciar na definição de preço vil;

e) há consenso, na doutrina e na jurisprudência, no sentido de que a avaliação exerce um papel fundamental na caracterização do preço vil;

f) dos muitos “outros critérios” utilizados para a deflagração da vileza, o único que não recebeu aqui qualquer crítica é aquele que diz respeito à facilidade/dificuldade de alienação do bem. Ora, se por diversas oportunidades se buscou a alienação do ob-jeto e em nenhuma delas houve resposta positiva. Isto significa que, muito provavelmente, o “valor real” (aquele que correspon-da aos interesses do mercado comprador) não está espelhado na avaliação e, portanto, poderá não ocorrer a causa de desfa-zimento mesmo quando o lance for extremamente inferior ao valor da avaliação. Na feliz contribuição de Cassio Scarpinella Bueno, poderíamos denominar tais entraves na rubrica de “difi-culdades da própria execução”;

g) a existência ou não de preço vil, enquanto categoria jurídica, é um excelente exemplo das contradições do imaginário jurí-dico brasileiro (notadamente os Tribunais), que, cada vez mais, desprestigia as condições da situação concreto-decidenda para albergar os seus dilemas em proposições estagnadas (respostas prontas e desvencilhadas de uma real reflexão em torno do caso).

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Parte Geral – Jurisprudência

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Recurso Especial nº 1.478.018 – SP (2014/0218198‑6)Relator: Ministro Humberto MartinsAgravante: Carlos Roberto CostaAgravante: Eduardo Gonçalves GomesAgravante: Nelson de MoraesAgravante: Dirceu Pio de Magalhães JuniorAgravante: Deolinda GranadoAdvogado: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)Agravado: Fazenda NacionalAdvogado: Procuradoria‑Geral da Fazenda Nacional

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E A DATA DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO – JUROS DE MORA – NÃO INCIDÊNCIA – QUESTÃO JULGADA PELO REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS – ART. 543-C DO CPC

1. O STF, em 13.03.2008, reconheceu a repercussão geral do Re-curso Extraordinário 579.431/RS. O reconhecimento da repercus-são geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos espe-ciais pertinentes. É que os arts. 543-A e 543-B do CPC asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário interposto con-tra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais que verse so-bre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte.

2. O STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.143.677/RS (art. 543-C do CPC), concluiu que não incidem juros moratórios no período compreendido entre a data da homologação dos cál-culos e a da expedição do precatório judicial, pois, no caso, não se configura o inadimplemento do ente público.

Agravo regimental improvido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimen-tal, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília/DF, 23 de outubro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Humberto Martins Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

Cuida-se de agravo regimental interposto por Carlos Roberto Costa e Outros contra decisão singular de minha relatoria que deu parcial provi-mento ao recurso especial da ora agravada.

O acórdão recorrido, oriundo do Tribunal Regional Federal da 3ª Re-gião, está assim ementado (fl. 210, e-STJ):

“DIREITO TRIBUTÁRIO – AGRAVO INOMINADO – AGRAVO DE INS-TRUMENTO – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – PRECATÓRIO COMPLEMEN-TAR – RPV – JUROS DE MORA – INCIDÊNCIA – JURISPRUDÊNCIA CON-SOLIDADA

1. Consolidada a jurisprudência, firme no sentido de reconhecer o direito do credor ao cômputo dos juros moratórios desde a data do cálculo ante-riormente homologado, quando foi por último aplicado o encargo até – sal-vo termo final requerido em menor extensão ou nos limites devolvidos pelo recurso – a data em que autuada a RPV neste Tribunal.

2. Ressalte-se ainda, que tal orientação está em plena conformidade com a Súmula Vinculante nº 17, editada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual ‘Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos’.

3. Certo que, em relação ao período anterior ao da SV 17/STF, de que cui-dam os autos, foi admitida perante o Supremo Tribunal Federal a repercus-são geral no RE 579.431, DJe 24.10.2008, ainda pendente de julgamento. Acerca da repercussão geral, o sobrestamento do art. 543-B, § 1º, do Có-digo de Processo Civil, ocorre em relação aos recursos extraordinários de

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matérias pendentes de julgamento na Suprema Corte, não obstando, porém, o exame de feitos no âmbito das Turmas, como é o caso dos agravos de instrumentos interpostos de decisão interlocutória, agravos legais ou inomi-nados e embargos declaratórios.

4. Quanto ao decidido no REsp 1.143.677, trata-se de precedente que in-terpretou a SV 17/STF, reconhecendo, portanto, a natureza constitucional da matéria e, considerando que a Suprema Corte apenas excluiu os juros de mora no período específico de 18 meses, a que se refere o § 5º do art. 100 da Constituição Federal.

5. Precedentes do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e desta Corte.

6. Agravo inominado desprovido.”

A decisão ora agravada traz a seguinte ementa (fl. 303, e-STJ):

“PROCESSUAL CIVIL – INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E O EFETIVO PAGAMENTO DA RPV – JUROS DE MORA – DESCABIMENTO – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.”

Em suas razões de agravo regimental, a agravante sustenta que o tema relativo à incidência de juros de mora no período compreendido entre a elaboração dos cálculos de liquidação e a inscrição do precatório ou do RPV está sob repercussão geral nos autos do RE 579.431/RS, o que sugeriria a ausência de entendimento pacificado acerca do tema (fls. 313/314, e-STJ).

Aduz, ainda, que (fl. 314, e-STJ):

“A EC 62/2009 até alterou o entendimento da Súmula nº 17 do STF, ao de-terminar a incidência sem solução de continuidade dos juros de mora, des-de a citação, no caso concreto, e dos pagamentos realizados, e se a menor do que o devido, sobre o saldo a pagar.

[...].

Ademais, o STJ já definiu que os juros, ao menos se contam até o trânsito em julgado da decisão que fixar a liquidação de sentença, que, no caso concreto, demorou vários anos, por força das mazelas do processo judiciá-rio originário e seus recursos.”

Pugna, por fim, caso não seja reconsiderada a decisão agravada, para que se submeta o presente agravo à apreciação da Turma.

É, no essencial, o relatório.

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EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E A DATA DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO – JUROS DE MORA – NÃO INCIDÊNCIA – QUESTÃO JULGADA PELO REGIME DOS RECURSOS REPETITIVOS – ART. 543-C DO CPC

1. O STF, em 13.03.2008, reconheceu a repercussão geral do Re-curso Extraordinário 579.431/RS. O reconhecimento da repercus-são geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos espe-ciais pertinentes. É que os arts. 543-A e 543-B do CPC asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário interposto con-tra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais que verse so-bre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte.

2. O STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.143.677/RS (art. 543-C do CPC), concluiu que não incidem juros moratórios no período compreendido entre a data da homologação dos cál-culos e a da expedição do precatório judicial, pois, no caso, não se configura o inadimplemento do ente público.

Agravo regimental improvido.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

Não assiste razão aos agravantes.

O Supremo Tribunal Federal, em 13.03.2008, reconheceu a reper-cussão geral do Recurso Extraordinário 579.431/RS. Todavia, o reconheci-mento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.

Ocorre que os arts. 543-A e 543-B do CPC asseguram o sobrestamen-to de eventual recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais que versem sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte.

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Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamen-to do REsp 1.143.677/RS (art. 543-C do CPC), concluiu que não incidem juros moratórios no período compreendido entre a data da homologação dos cálculos e a da expedição do precatório judicial, pois, no caso, não se configura o inadimplemento do ente público.

Confira-se a ementa do citado repetitivo:

“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CON-TROVÉRSIA – ART. 543-C, DO CPC – DIREITO FINANCEIRO – REQUI-SIÇÃO DE PEQUENO VALOR – PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE A DATA DA ELABORAÇÃO DA CONTA DE LIQUIDAÇÃO E O EFETIVO PA-GAMENTO DA RPV – JUROS DE MORA – DESCABIMENTO – SÚMULA VINCULANTE Nº 17/STF – APLICAÇÃO ANALÓGICA – CORREÇÃO MO-NETÁRIA – CABIMENTO – TAXA SELIC – INAPLICABILIDADE – IPCA-E – APLICAÇÃO

[...]

4. A Excelsa Corte, em 29.10.2009, aprovou a Súmula Vinculante nº 17, que cristalizou o entendimento jurisprudencial retratado no seguinte verbe-te: ‘Durante o período previsto no § 1º do art. 100 da Constituição, não in-cidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos’.

5. Consequentemente, os juros moratórios não incidem entre a data da elaboração da conta de liquidação e o efetivo pagamento do precatório, desde que satisfeito o débito no prazo constitucional para seu cumpri-mento (RE 298.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Julgado em 31.10.2002, DJ 03.10.2003; AI 492.779 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Se-gunda Turma, Julgado em 13.12.2005, DJ 03.03.2006; e RE 496.703 ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgado em 02.09.2008, DJe-206 Divulg. 30.10.2008 Public. 31.10.2008), exegese aplicável à Re-quisição de Pequeno Valor, por força da princípio hermenêutico ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositivo (RE 565.046 AgR, Rel. Min. Gilmar Men-des, Segunda Turma, Julgado em 18.03.2008, DJe-070 Divulg. 17.04.2008; Public. 18.04.2008; e AI 618.770 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segun-da Turma, Julgado em 12.02.2008, DJe-041 Divulg. 06.03.2008 Public. 07.03.2008).

6. A hodierna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, na mesma li-nha de entendimento do Supremo Tribunal Federal, pugna pela não inci-dência de juros moratórios entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pa-gamento da requisição de pequeno valor – RPV (AgRg no REsp 1.116229/RS, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, Julgado em 06.10.2009, DJe 16.11.2009; AgRg no REsp 1.135.387/PR, Rel. Min. Haroldo Rodri-gues (Des. Conv. do TJ/CE), Sexta Turma, Julgado em 29.09.2009, DJe 19.10.2009; REsp 771.624/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira

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Turma, Julgado em 16.06.2009, DJe 25.06.2009; EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 941.933/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, Julgado em 14.05.2009, DJe 03.08.2009; AgRg no Ag 750.465/RS, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgado em 28.04.2009, DJe 18.05.2009; e REsp 955.177/RS, Relª Ministra Eliana Calmon, Segunda Tur-ma, Julgado em 14.10.2008, DJe 07.11.2008).

7. A correção monetária plena, por seu turno, é mecanismo mediante o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita.

8. Destarte, incide correção monetária no período compreendido entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento da RPV, ressalvada a ob-servância dos critérios de atualização porventura fixados na sentença de li-quidação, em homenagem ao princípio da segurança jurídica, encartado na proibição de ofensa à coisa julgada (Mutatis mutandis, precedentes do STJ: EREsp 674.324/RS, Relª Ministra Denise Arruda, Primeira Seção, Julgado em 24.10.2007, DJ 26.11.2007;

AgRg no REsp 839.066/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, Julgado em 03.03.2009, DJe 24.03.2009; EDcl no REsp 720.860/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel. p/Acórdão Ministro José Del-gado, Primeira Turma, Julgado em 10.04.2007, DJ 28.05.2007; EDcl no REsp 675.479/DF, Relª Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, Julgado em 12.12.2006, DJ 01.02.2007; e REsp 142.978/SP, Relª Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, Julgado em 04.12.2003, DJ 29.03.2004).

9. Entrementes, ainda que a conta de liquidação tenha sido realizada em período em que aplicável a Taxa Selic como índice de correção monetária do indébito tributário, impõe-se seu afastamento, uma vez que a aludida taxa se decompõe em taxa de inflação do período considerado e taxa de ju-ros reais, cuja incompatibilidade, na hipótese, decorre da não incidência de juros moratórios entre a elaboração dos cálculos e o efetivo pagamento, no prazo legal, da requisição de pequeno valor – RPV.

10. Consectariamente, o índice de correção monetária aplicável aos valores constantes da RPV, quando a conta de liquidação for realizada no período em que vigente a Taxa Selic, é o IPCA-E/IBGE (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial), à luz do Manual de Orientação de Pro-cedimentos para os cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 242/2001 (revogada pela Resolução nº 561/2007).

11. A vedação de expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago mediante Requisição de Pequeno Valor tem por escopo coi-bir o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de

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que seu pagamento não se faça, em parte, por RPV e, em parte, por pre-catório (art. 100, § 4º, da CRFB/1988, repetido pelo art. 17, § 3º, da Lei nº 10.259/2001), o que não impede a expedição de requisição de pequeno valor complementar para pagamento da correção monetária devida entre a data da elaboração dos cálculos e a efetiva satisfação da obrigação pecu-niária.

12. O Supremo Tribunal Federal, em 13.03.2008, reconheceu a repercus-são geral do Recurso Extraordinário nº 579.431/RS, cujo thema iudicandum restou assim identificado: ‘“Precatório. Juros de mora. Incidência no pe-ríodo compreendido entre a data da feitura do cálculo e a data da expedi-ção da requisição de pequeno valor’.

13. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no art. 543-B, do CPC, como cediço, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.

14. É que os arts. 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole cons-titucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte [...].

[...]

16. Recurso especial parcialmente provido, para declarar a incidência de correção monetária, pelo IPCA-E, no período compreendido entre a elabo-ração dos cálculos e o efetivo pagamento da requisição de pequeno valor – RPV, julgando-se prejudicados os embargos de declaração opostos pela recorrente contra a decisão que submeteu o recurso ao rito do art. 543-C, do CPC. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolu-ção STJ 08/2008.’” (REsp 1.143.677/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, DJe 04.02.2010.)

Por conseguinte, o entendimento esposado pela Corte de origem di-vergiu da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual a decisão ora agravada houve por bem reformá-la.

Ante o exposto, não logrando os agravantes infirmar a decisão agra-vada, nego provimento ao agravo regimental.

É como penso. É como voto.

Ministro Humberto Martins Relator

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO sEGUNDA TURMA

AgRg no REsp 1.478.018/SP

Número Registro: 2014/0218198-6

Números Origem: 00320151720114030000 07197368919914036100 199903990754813 201103000320154 320151720114030000 456152 9107197365

Pauta: 23.10.2014 Julgado: 23.10.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Elizeta Maria de Paiva Ramos

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AUTUAÇÃO

Recorrente: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Recorrido: Carlos Roberto Costa

Recorrido: Eduardo Gonçalves Gomes

Recorrido: Nelson de Moraes

Recorrido: Dirceu Pio de Magalhães Junior

Recorrido: Deolinda Granado

Advogado: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)

Assunto: Direito tributário – Empréstimos Compulsórios – Aquisição de veículos automotores

AGRAVO REGIMENTAL

Agravante: Carlos Roberto Costa

Agravante: Eduardo Gonçalves Gomes

Agravante: Nelson de Moraes

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Agravante: Dirceu Pio de Magalhães Junior

Agravante: Deolinda Granado

Advogado: Alexandre Dantas Fronzaglia e outro(s)

Agravado: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Re-lator.

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Parte Geral – Jurisprudência

8188

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 2005.37.00.004637‑0/MAProcesso na Origem: 44474820054013700Relator(a): Desembargador Federal Souza PrudenteApelante: Braz Serra Costa e outro(a)Advogado: Adroaldo SouzaApelado: União FederalProcurador: José Roberto Machado Farias

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA AMPARADA NA ALEGAÇÃO DE DOMÍNIO – BEM IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO – OCUPAÇÃO DE MÁ-FÉ, POR PARTICULARES – COMPROVAÇÃO DO DOMÍNIO DA UNIÃO FEDERAL – BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS – INDENIZAÇÃO – DESCABIMENTO

I – Nos termos do art. 1.201 do Código Civil em vigor, “é de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impe-de a aquisição da coisa”, hipótese não ocorrida, na hipótese em comento, ante a demonstrada plena ciência dos ocupantes quanto ao domínio público do imóvel descrito nos autos, devidamente consignado no respectivo instrumento de compra e venda por eles celebrado.

II – Caracterizada a ocupação irregular de área pública, como no caso, afigura-se incabível o pagamento de indenização, por acessões ou benfeitorias, nem o reconhecimento do direito de re-tenção, pois, como o imóvel público é insuscetível de usucapião, nos termos do art. 183, § 3º, da CF, o particular jamais poderá ser considerado possuidor, senão mero detentor, sendo irrelevante falar-se em posse de boa ou má-fé. Precedentes.

III – Apelação desprovida. Sentença confirmada.

ACÓRDÃO

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator.

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Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Em 29.10.2014.

Desembargador Federal Souza Prudente Relator

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

Cuida-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Maranhão, nos autos da ação reivindicatória ajuizada pela União Federal contra Braz Serra Costa e Eleusina de Sousa Costa, em que se busca a concessão de provimento judicial, no sentido de que seja reconhecida a condição da autora de legí-tima proprietária do imóvel descrito nos autos, localizado na Av. Senador Vitorino Freire, nº 50, Areinha, São Luís/MA.

A controvérsia instaurada nos autos restou resumida, pelo juízo mo-nocrático, com estas letras:

“Trata-se de Ação Reivindicatória sob o rito ordinário ajuizada pela União em desfavor de Braz Serra Costa e Eleusina de Sousa Costa, objetivando o reconhecimento de sua condição de proprietária de imóvel situado na Av. Senador Vitorino Freire, nº 50 – Areinha, nesta Capital, ocupado pelos réus.

Aduz a autora ser legítima proprietário do imóvel, o qual se trata de terreno acrescido de marinha, cujo domínio útil foi aforado gratuitamente para o Município de São Luís e posteriormente revertido para a União com conso-lidação da propriedade plena.

Narra a exordial que o imóvel destina-se à construção do edifício-sede da Procuradoria da República no Maranhão, porém encontra-se indevidamen-te ocupado pelos demandados, razão pela qual postula a imissão na posse e a demolição de eventuais construções e acessões nele existentes.

Decisão de fls. 50/51, indeferiu o pedido de antecipação de tutela.

Em sua defesa (fls. 73/79), os réus aduzem a legitimidade da ocupação do imóvel, alegando que foi adquirido mediante escritura Pública datada de 15.08.1975. Assinalam que a ocupação ocorreu sem oposição do poder público, bem como que o Município alienou o domínio útil dos terrenos dando preferência aos ocupantes. Afirmam que a cessão do terreno ao MPF deveria ser precedida de sua desocupação e que o imóvel não é terreno acrescido de marinha, não sendo, por isso bem da União. Ao fim, requer

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a extinção anômala do processo ou, sucessivamente, o direito de retenção por benfeitorias na condição de ocupante de boa-fé, protestando pela pro-dução de prova pericial.

Réplica às fls. 82/91, reiterando o pedido de tutela antecipada e argumen-tando que o demandado pretendia vender o imóvel.

Decisão de fls. 99/100, deferiu parcialmente a tutela antecipada para auto-rizar a imissão de posse na área não edificada do imóvel. Deferida, ainda, prova pericial.

Mandado de Imissão de Posse cumprido às fls. 119/120.

Proposta de honorários periciais à fl. 121, impugnada pela União à fl. 127, restando arbitrados pelo Juízo à fl. 130.

A União requereu novamente a antecipação de tutela às fls. 134/148, para imitir-se na posse da área total do imóvel e promover a demolição de quaisquer construções nele existentes oferecendo caução no valor de R$ 148.344,01 conforme laudo de avaliação da edificação realizado por Engenheiro Civil lotado na Procuradoria da República do Maranhão.

Decisão de fls. 214/19, concedeu a tutela antecipada para determinar a imissão na posse da área total do imóvel e permitir a demolição de quais-quer construções existentes no local, condicionado ao depósito da caução.

Mandado de Imissão de posse cumprido às fls. 233/234.

A União juntou comprovante de depósito dos honorários periciais às fls. 239/240, todavia o perito solicitou a dispensa do encargo às fls. 243/244, por discordar do valor arbitrado pelo juízo.

O réu peticionou às fls. 248/249, aduzindo que o perito nomeado pelo ju-ízo conheceu o imóvel antes da demolição, pelo que insistiu na manuten-ção de sua nomeação, bem como efetuou o depósito de montante dos ho-norários periciais.

A União noticiou às fls. 256/259 a demolição da edificação que existia no imóvel.” (fls. 261/262)

Em seguida, o juízo a quo julgou procedente a demanda, para, “con-firmando a decisão antecipatória de tutela e reconhecendo a União como legítima proprietária do imóvel situado na Av. Senador Vitorino Freire, nº 50 – Areinha, São Luís/MA, determinar sua definitiva imissão na posse do bem”. Ordenou-se, ainda, o levantamento, em favor dos promovidos, do valor depositado à fl. 249, a título de honorários periciais, bem assim, a restituição à União Federal, do montante da caução ofertada, impondo-se, ainda, aos suplicados o pagamento das custas processuais devidas e dos

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honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

O agravo de instrumento, interposto pela União Federal contra a de-cisão que, inicialmente, indeferira o pedido de antecipação da tutela for-mulado na inicial, restou convertido, por este egrégio Tribunal, para a sua forma retida (fl. 311).

Os promovidos interpuseram recurso de apelação, reiterando os fun-damentos deduzidos em sede de contestação, destacando, em resumo, que seriam possuidores de boa-fé do aludido imóvel, eis que, ao ali se instala-rem, a área já se encontrava densamente ocupada, sendo que o Município de São Luís/MA não teria se desincumbido do ônus contratualmente assu-mido de promover à sua desocupação, fato este preexistente à transferên-cia da posse do aludido imóvel, autorizada por Lei Municipal, impondo-se, assim, a indenização pelas benfeitorias realizadas e pelo fundo de comércio (fls. 269/275).

Com as contrarrazões de fls. 315/319, subiram os autos a este egrégio Tribunal.

Este é o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente (Relator):

Registro, preliminarmente, que o agravo de instrumento interposto pela União Federal, posteriormente, convertido para a sua forma retida, im-pugnando a decisão inicialmente proferida nestes autos, onde restou in-deferido o pedido de antecipação da tutela por ela formulado na petição inicial, restou prejudicado, ante o superveniente deferimento do aludido pleito, com a sua consequente imissão na posse do imóvel em referência e a demolição das edificações ali erguidas.

***

No mais, a controvérsia instaurada nestes autos restou resolvida, na sentença monocrática, com estas letras:

“[...]

Malgrado se trate de matéria de direito e de fato, reputo prescindível a dila-ção probatória, ensejando o julgamento antecipado de lide, nos termos do art. 330, I do CPC.

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O cerne da questão ventilada diz respeito ao reconhecimento do direito de propriedade da União sobre o imóvel epigrafado, com o conseqüente direi-to à imissão de posse, bem assim quanto à eventual direito à indenização das benfeitorias realizadas pelos demandados.

Compulsando os autos, constata-se que o imóvel é de propriedade da União, conforme comprovam os documentos de fls. 09/14. Acrescente-se, ainda, ser fato notório nesta Capital que a área em que está situado o imó-vel foi aterrada com vistas à urbanização da cidade. Aliás, a finalidade do aforamento gratuito celebrado em 1974 entre a União e o Município de São Luis, constante na cláusula quarta do contrato coligido às fls. 12/14 era jus-tamente a ‘[...] recuperação das áreas alagadas da região [...]’. Tal circuns-tância evidencia que se trata de terreno acrescido de marinha, dado que o Rio Bacanga (adjacente à região em que situado o imóvel) sofre a influência da maré, o que igualmente é fato público e notório nesta Capital.

Ademais, a própria escritura pública (fls. 29/30) ostentada pelos demanda-dos expressamente consigna que se entabulava negociação sobre ‘ares de casa’, cuja edificação foi realizada em bem publico (a escritura afirma ser o terreno pertencente ao Município e não aforado).

Tal circunstância evidencia que os demandados sabiam de existência de obstáculo que impossibilitava a aquisição do imóvel, configurando-se assim a posse de má-fé, consentâneo com disposto no art. 490 no Código Civil de 1916.

Sendo possuidores de má-fé, os requeridos não têm direito de retenção e somente possuem direito à indenização das benfeitorias necessárias (art. 517, CC/1916), assim entendidas aquelas que têm por fim conser-var a coisa ou evitar que se deteriore, conforme dicção do art. 63, § 3º do CC/1916.

Tampouco fazem jus indenização das acessões (construções) consentâneo com art. 547 do CC/1976 e art. 1.255 do CC/2002.

Nesse diapasão merece registro o seguinte julgado do Eg. TRF 1ª Região, in expressis:

EMENTA: CIVIL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – IMÓVEL RURAL – AD-MISSIBILIDADE DA QUERELLA PROPRIETATIS – ART. 505 DO CÓDI-GO CIVIL – POSSE CLANDESTINA – RETENÇÃO DE BENFEITORIAS – ART. 516 DO CÓDIGO CIVIL – INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS

1. A perda da posse esta comprovada se o réu admite ter invadido área contígua a sua propriedade.

2. Posse é de má-fé quando o possuidor tem consciência da ilegitimida-de do seu direito.

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3. A prova da má-fé do possuidor está, in casu, na certidão da proprie-dade do seu imóvel que mostra que o seu terreno em nenhuma direção confinante com imóveis sem legítimo proprietário.

4. O possuidor sabendo de obstáculo que o impede de adquirir o imó-vel ocupado, está de má-fé, no termos do art. 490 do Código Civil.

5. A posse do réu é clandestina pois ocorreu por via de ocultamento, em relação ao legítimo possuidor.

6. Não assiste ao réu direito à indenização pelas benfeitorias edificadas no imóvel esbulhado, já que nenhuma delas tem por fim conservar ou evitar a deteriorização da área indevidamente apossada que, por sua vez, era, na época inicial do esbulho, terra nua (art. 517 c/c art. 63, § 63 do Código Civil).

7. Só o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, pode levantá-las, quanto o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis poderá exercer o direito de re-tenção. O réu, no caso, é possuidor de má-fé. Por isso, não te direito de retenção.

8. Não é licito ao legítimo possuidor enriquecer-se às expensas do esbu-lhador, o qual tem o direito de levantar as benfeitorias úteis (art. 63, § 2º do Código Civil) desde que possa fazê-lo sem detrimento da coisa.

9. Apelação improvida (grifo nosso).

(AC 96.Ol.20027-4/PJ, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, 4ª T., DJ 23.04.1999, p. 270)

Com isso, a prova pericial é desnecessária para o deslinde do litígio e, de toda sorte, tornou-se impossível em face da demolição da edificação noti-ciada às fls. 256/259.

Repise-se que os demandados tinham plena ciência que o imóvel objeto da escritura pública pertencia ao poder público, já que expressamente consig-nado na própria escritura que o terreno era de propriedade do Município (na verdade da União).

Assim sendo, não podem alegar justo título, tampouco que desconheciam a existência de obstáculo impeditivo da aquisição da propriedade, caben-do ressaltar que na escritura o réu foi qualificado como comerciante, não sendo, por conseguinte, pessoa absolutamente leiga. Aliás, no curso do pro-cesso – e, portanto, já cientes da pretensão dominial da União –, os de-mandados tentaram vender o imóvel (fls. 92/95) e, em seguida, alugado (fls. 149/152), tornando claro que não pautam sua conduta pela boa-fé.

Ante o exposto, julgo procedente o pedido para, confirmando a decisão an-tecipatória de tutela e reconhecendo a União como legítima proprietária do

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imóvel situado na Av. Senador Vitorino Freire, nº 50 – Areinha, São Luís/MA, determinar sua definitiva imissão na posse do bem.

Declaro resolvida a fase processual de conhecimento com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I do CPC.

Autorizo o levantamento pelo réu, do valor depositado à fl. 249.

Após o trânsito em julgado, restitua-se à União o valor da caução.

Condeno os réus no pagamento das custas processuais e honorários advo-catícios que fixo em 10% sobre o valor da causa.” (fls. 262/263vº)

Como visto, o juízo monocrático reconheceu a União Federal como sendo a legítima proprietária do imóvel descrito nos autos e afastou a ale-gação ventilada pelos promovidos, no sentido de que seriam ocupantes de boa-fé, denegando-se-lhes, por conseguinte, o pretendido direito à indeni-zação pelas benfeitorias realizadas no aludido imóvel.

O recurso de apelação interposto limita-se à questão indenizatória, amparando-se os recorrentes no argumento de que, diferentemente do que restou consignado no referido julgado, seriam, efetivamente, ocupantes de boa-fé, eis que a transferência da posse do imóvel descrito nos autos teria se efetivado por expressa autorização legal (Lei Municipal nº 2.284/1977), destacando-se que o Município de São Luís/MA é quem não teria se de-sincumbido do ônus que assumira perante a União Federal, no sentido de proceder-se à desocupação da área onde o mesmo se encontra localizado.

Acerca do tema, assim dispunha o Código Civil em vigor na época dos fatos (Lei nº 3.071/1916):

“Art. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que lhe impede da aquisição da coisa, ou do direito possuído.”

A referida norma encontra-se repetida no Código Civil em vigor (Lei nº 10.406/2002), com estas letras:

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstácu-lo que impede a aquisição da coisa.

Na hipótese em comento, conforme bem consignou o juízo monocrá-tico, os recorridos tinham plena consciência de que imóvel por eles adqui-rido tratava-se de bem público não aforado, nos termos da escritura pública de fls. 29/20, a descaracterizar a alegada posse de boa-fé, nos termos dos dispositivos legais acima transcritos.

Em casos assim, dispunha o art. 490 do Código Civil então vigente, que, “ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias ne-

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cessárias”, assim entendidas aquelas que têm por finalidade a conservação da coisa ou evitar-se a sua deterioração (art. 63, § 3º), excluídas as acessões (construções), nos termos do art. 547 daquele mesmo diploma legal e do art. 1.255 do Código Civil em vigor.

Assim posta a questão e não restando demonstrado, nestes autos, eventual má-fé concorrente da suplicante, que pudesse atrair a aplicação da norma do art. 1.256 do Código Civil em vigor, não merece êxito a preten-são recursal deduzida pelos recorrentes, na medida em que não conseguem infirmar as razões em que se amparou a sentença recorrida, mormente em face do que dispõe art. 1.219 do Código Civil, na dicção de que somente “o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá--las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis”, hipótese não ocorrida, na espécie em comento.

Sobre o tema, confiram-se, dentre outros, os seguintes julgados:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO REIVINDICATÓRIA AMPARADA NA ALEGAÇÃO DE DOMÍNIO – BEM IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO – DESTINADO À REFORMA AGRÁRIA – OCUPAÇÃO POR PARTICULA-RES – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA – LEGITIMIDADE PASSIVA DOS OCUPANTES DO IMÓVEL – COMPROVAÇÃO DO DOMÍ-NIO DA UNIÃO FEDERAL – BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS – IN-DENIZAÇÃO – DESCABIMENTO – PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMEN-TO DO RECURSO DE APELAÇÃO JÁ APRECIADA EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – PREJUDICIALIDADE – PEDIDO DE ADIAMENTO DO JULGAMENTO DO FEITO LIMINARMENTE REJEITADO

[...]

V – Demonstrado o domínio da União Federal, relativamente ao imóvel descrito nos autos, bem assim a sua inclusão em Projeto de Assentamen-to Rural, para fins de reforma agrária, como no caso, afigura-se ilegítima a sua ocupação por particulares, bem assim a pretendida indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, por não restar caracterizada, na espécie, a hipótese prevista no art. 1.219 do Código Civil.

VI – Apelação desprovida. Sentença confirmada.

(AC 0015018-58.2003.4.01.3600/MT, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 6ª T., e-DJF1 p. 91, de 06.07.2009)

CIVIL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – TRANSFERÊNCIA E INCORPORA-ÇÃO DE IMÓVEL AO PATRIMÔNIO DA UNIÃO FACE À EXTINÇÃO DA

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FUNDAÇÃO PIONEIRAS SOCIAIS – IMÓVEL UTILIZADO PARA GUAR-DAR MATERIAIS A SEREM UTILIZADOS NO PROJETO LOGOS II DA SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS – AUTO-RIZAÇÃO, NO ANO DE 1980, A VIGIA E GUARDA-CHAVES PARA OCU-PAÇÃO A TÍTULO PRECÁRIO DO IMÓVEL EM RAZÃO DOS MATERIAIS ALI CONSERVADOS – DEMISSÃO DO SERVIDOR NO ANO DE 1988 – OCUPAÇÃO IRREGULAR – NOTIFICAÇÃO JUDICIAL PARA DESOCUPA-ÇÃO DO IMÓVEL – INÉRCIA – DIREITO À REINTEGRAÇÃO – LAUDO PE-RICIAL – BENFEITORIAS NECESSÁRIAS – COMPENSAÇÃO

[...]

6. Configurada a má-fé dos ocupantes do imóvel, não lhes assiste direito a indenização das benfeitorias úteis ou voluptuárias no imóvel realizadas.

7. Conforme laudo pericial, as benfeitorias necessárias foram estimadas em R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) sendo perfeitamente possível a compensação, conforme os termos da sentença, com os valores relativos às taxas de ocupação devidas em razão da ocupação irregular.

8. Apelação do réu improvida.

(AC 0036531-06.1999.4.01.3800/MG, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, 5ª T., e-DJF1 p. 58 de 08.07.2013)

ADMINISTRATIVO – DOMÍNIO PÚBLICO – TERRAS DA UNIÃO DES-TINADAS À REFORMA AGRÁRIA – OCUPAÇÃO POR PARTICULARES – AÇÃO DE MANUTENÇÃO (OU REINTEGRAÇÃO) DE POSSE MOVIDA PELO INCRA – ALEGAÇÃO, PELOS OCUPANTES, DE INEXISTÊNCIA DE POSSE ANTERIOR – AÇÃO POSSESSÓRIA DESPROVIDA DOS REQUISI-TOS ESPECÍFICOS DO ART. 927 DO CPC – POSSIBILIDADE – PARTICU-LARIDADE DO REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO – BENFEITORIAS – AUSÊNCIA DE BOA-FÉ – PERDA EM FAVOR DO INCRA – INDENIZAÇÃO PELOS FRUTOS COLHIDOS E PERCEBIDOS E PELOS QUE SE PERDERAM POR CULPA DOS RÉUS – REFORMA DA SENTENÇA

[...]

6. Nos termos do art. 1.216 do Código Civil, “o possuidor de má-fé res-ponde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se consti-tuiu de má-fé; tem direito às despesas de produção e custeio”. Diz, mais, o art. 1.219 que “o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das ben-feitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se lhe não forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e po-derá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis”. A contrario sensu, o possuidor de má-fé não tem esse direito.

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[...]

(AC 2001.01.00.017437-8/MA, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, 5ª T., DJ de 09.11.2006 – grifei)

Ademais, em casos que tais, o colendo Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento, no sentido de que não é cabível o pagamento de indenização por acessões ou benfeitorias, nem o reconhecimento do direito de retenção, na hipótese em que o particular ocupa irregularmente área pública, pois, como o imóvel público é insuscetível de usucapião, nos termos do art. 183, § 3º, da CF, o particular jamais poderá ser considerado possuidor, senão mero detentor, sendo irrelevante falar-se em posse de boa ou má-fé (REsp 1183266/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., Julgado em 10.05.2011, DJe 18.05.2011), na espécie dos autos.

Há de ver-se, ainda, que, mesmo que assim não fosse, não prospe-raria mesmo a pretensão indenizatória postulada pelos recorrentes, em sua peça recursal, à míngua de qualquer pedido na peça vestibular, ou em sede de reconvenção, nos presentes autos, nesse sentido.

A rigor, em casos que tais, onde resta configurada verdadeira invasão de terras públicas, pelos promovidos, eventual indenização, quando cabí-vel, deveria reverter em favor do Poder Público, e não do invasor, como pretendem os recorrentes.

***

Com estas considerações, nego provimento ao recurso de apelação, para manter a sentença monocrática em todos os seus termos.

Este é meu voto.

TRIbUNAL REGIONAL fEDERAL DA 1ª REGIÃO sECRETARIA JUDICIáRIA

39ª Sessão Ordinária do(a) Quinta Turma

Pauta de: 29.10.2014 Julgado em: 29.10.2014

Ap 0004447-48.2005.4.01.3700/MA

Relator: Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente

Revisor: Exmo(a). Sr(a).

Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Souza Prudente

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Proc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). José Osterno Campos de Araújo

Secretário(a): Fábio Adriani Cerneviva

Apte.: Braz Serra Costa e outro(a)

Autor: Eleusina de Sousa Costa

Adv.: Adroaldo Souza

Apdo.: União Federal

Procur.: José Roberto Machado Farias

Nº de Origem: 44474820054013700 Vara: 3ª

Justiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: MA

sUsTENTAÇÃO ORAL CERTIDÃO

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, negou provimento à Apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Néviton Guedes e Juiz Federal Márcio Barbosa Maia (Conv.). Ausente, jus-tificadamente, por motivo de licença, o Exmo. Sr. Desembargador Federal João Batista Moreira.

Brasília, 29 de outubro de 2014.

Fábio Adriani Cerneviva Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoNº CNJ: 0004823‑08.2010.4.02.5001Relator: Juiz Federal Convocado José Arthur Diniz BorgesApelante: União FederalApelado: Somar Comércio Internacional S.A.Advogado: Tiago Ricardo de Melo e outrosParte ré: Hiper Export Terminais Retroportuários S/A e outroAdvogado: Rafael Valentim NogueiraRemetente: Juízo da 5ª Vara Federal Cível de Vitória/ESOrigem: 5ª Vara Federal Cível de Vitória/ES (201050010048237)

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL – ALIENAÇÃO DE BEM EM HASTA PÚBLICA APÓS O AFASTAMENTO DA PENA DE PERDIMENTO E A AUTORIZAÇÃO DE NACIONALIZAÇÃO DO BEM – DEVER DE INDENIZAR1. A União tem o dever de indenizar o autor pela alienação da máquina em hasta pública, após ter afastado a pena de perdimento e facultado a nacionalização.

2. Não obstante reconhecer a multiplicidade de setores que atuam com atribuições distintas junto à Alfândega e a falta de contingen-te humano suficiente em seus quadros, há que se ter em mente o fato de que restou transcorrido o prazo de 29 dias desde a data em que foi proferida a decisão que alterou a penalidade inicialmente aplicada (08.10.2009) até o momento em que a hasta pública efe-tivamente ocorreu (06.11.2009), sendo o lapso temporal em ques-tão (29 dias) mais do que suficiente para que a União efetuasse a exclusão de um bem que estava incluído em um procedimento alienatório.

3. A quantia obtida através da alienação realizada pela Receita Federal é a que melhor se amolda ao prejuízo efetivamente sofrido pelo Réu.

4. Recurso e reexame necessário desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas: decidem os membros da 7ª Turma Especializada do Tribunal Re-

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gional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e ao reexame necessário, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2014 (data do Julgamento).

José Arthur Diniz Borges Juiz Federal Convocado

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário e de apelação interposta pela União contra sentença (fls. 215/225) que (i) reconheceu a ausência de interesse de agir no tocante ao pedido de devolução do equipamento versado nos autos; (ii) julgou improcedente o pedido de indenização formulado em face dos réus Hiper Export Terminais Retroportuários S.A. e Fabrício Ribeiro Mattos, condenado a autora ao pagamento de honorários advocatícios fixa-dos em R$ 2.000,00; (iii) julgou parcialmente procedente o pedido formula-do contra a União, para condená-la ao pagamento de R$ 60.000,00 a título de indenização pela alienação irregular da máquina copiadora importada pela autora, sendo que de tal importância deverão ser subtraídos todos os encargos necessários ao encerramento do procedimento de nacionaliza-ção e liberação da mercadoria, não quitada pela autora ao tempo do leilão (06.11.2009). Após, deverão incidir sobre o montante remanescente, uma única vez, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à ca-derneta de poupança, conforme estabelece o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Sem condenação em honorários tendo em vista a sucumbência recíproca.

Segundo a petição inicial (fls. 01/11), a empresa autora importou uma impressora usada (marca original Heidelberg, modelo GTOVP-S52, número de série 675040, ano de fabricação 1983). Durante o procedimento de im-portação, foi lavrado auto de infração e aplicada a perda de perdimento da mercadoria, considerada abandonada pelo decurso do prazo de permanên-cia em recinto alfandegado. Posteriormente, em 08.10.2009, ainda em âm-bito administrativo, o auto de infração foi declarado insubsistente, restando facultado ao contribuinte a nacionalização do bem mediante o recolhimen-to dos tributos devidos e acréscimos legais. Não obstante, em 06.11.2009, a referida impressora foi leiloada pela Receita Federal do Brasil.

Alega a apelante (fls. 231/235) a legalidade da apreensão da mer-cadoria, já que a apelada havia deixado de iniciar o despacho aduaneiro por ter realizado a importação sem a devida licença, bem como da pena de perdimento aplicada, por ter a mercadoria permanecido em recinto al-

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fandegado por mais de 90 dias sem o início do despacho para consumo ou admissão em regime especial.

Afirma que “a levada do bem apreendido a leilão seguiu o procedi-mento padrão adotado no Porto de Vitória e na Receita Federal quando da aplicação de pena de perdimento” e que somente após a inclusão da mer-cadoria em leilão a apelada requereu administrativamente a reconsideração da sanção e a nacionalização da mercadoria.

Sustenta, ainda, que o bem foi levado a leilão devido a inércia da apelante e sua negligência, inexistindo nexo causal entre a conduta estatal e o evento danoso e que, ainda que se entenda pela participação da União, cuida-se de um erro escusável, haja vista que: a mercadoria foi destinada à hasta pública um dia antes ao pedido de reconsideração; que somente na véspera do leilão o interessado tomou ciência que fora deferido o pedido por outro setor; que em face da multiplicidade de setores que atuam com atribuições distintas, pode ocorrer desencontros de informações; que a falta de contingente humano pode ter concorrido para o equívoco; que o prazo de 24 horas é exíguo para que os servidores competentes fossem comuni-cados da nova decisão administrativa e notificassem a Receita Federal e paralisassem o leilão que estava prestes a ocorrer; e que os servidores não agiram com negligência, imprudência e imperícia.

Sem contrarrazões (fl. 247).

É o relatório.

José Arthur Diniz Borges Juiz Federal Convocado

VOTO

O recurso e o reexame necessários devem ser desprovidos.

Inicialmente, destaca-se que a legalidade da apreensão da merca-doria, do auto de infração e da pena de perdimento não são objeto deste processo, eis que a própria Administração tornou o auto de infração insub-sistente e afastou a sanção, facultando ao contribuinte a nacionalização do bem mediante o recolhimento de tributos e acréscimos legais (fls. 56/97).

O que se discute aqui é o dever de a União indenizar ou não o autor pela alienação da máquina em hasta pública, após ter afastado a pena de perdimento e facultado a nacionalização.

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Irretocáveis os fundamentos da sentença, razão pela qual os adoto como razões de decidir, in verbis:

“Superado o ponto acima, deve-se ter em mente que o exame da responsa-bilidade civil, in casu, restringe-se à constatação do fato do serviço ou ato ilícito, do dano gerado e do nexo de causalidade que os vincula. Desneces-sária, portanto, a análise do elemento volitivo ou subjetivo – culpa ou dolo – na prática da ação.

Tal situação ocorre pois a responsabilidade civil da Ré é objetiva, ou seja, não necessita da demonstração da existência de dolo ou culpa para a confi-guração da conduta ilícita.

De fato, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, devem responder pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

‘Art. 37. [...]

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, pres-tadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.’

Tendo a Constituição Federal abarcado a teoria objetiva da responsabilida-de das pessoas jurídicas de direito público, todo o dano por elas causado ao particular deve ser ressarcido, independentemente da existência dos ele-mentos subjetivos, salvo os casos em que restar devidamente comprovada a culpa total ou parcial do particular.

Sendo assim, necessário se faz que a parte demonstre, tão somente, a ocor-rência do dano sofrido, seja de natureza moral ou material, o ato ilícito pra-ticado pela pessoa jurídica ou a falha no serviço prestado e o nexo de cau-salidade que os vincula.

Estabelecidas estas premissas, tenho por mim que, na hipótese vertente, mostram-se presentes elementos suficientes para que a Requerente seja in-denizada.

E isso porque, baseando-se na prova documental existente nos autos, po-de-se vislumbrar que a copiadora importada pela Autora foi leiloada pela União mesmo após a pena de perdimento ter sido convertida em multa pela Inspetora Chefe Substituta da Alfândega do Porto de Vitória/ES (fl. 98).

Nesta esteira, não obstante reconhecer a multiplicidade de setores que atuam com atribuições distintas junto à Alfândega e a falta de contingente humano suficiente em seus quadros, há que se ter em mente o fato de que restou transcorrido o prazo de 29 dias desde a data em que foi proferida

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a decisão que alterou a penalidade inicialmente aplicada (08.10.2009) até o momento em que a hasta pública efetivamente ocorreu (06.11.2009 – fl. 172).

Dessa forma, considero o lapso temporal em questão (29 dias) mais do que suficiente para que a União efetuasse a exclusão de um bem que estava incluído em um procedimento alienatório, não se tratando, portanto, de um erro passível de ser relevado por parte deste Juízo.

Ademais, é certo que a conduta em questão causou consideráveis danos materiais à Autora, motivo pelo qual é necessária a sua devida compen-sação.

Contudo, depreende-se que o valor requerido a título indenizatório apre-senta-se exorbitante, cabendo a sua regular redução.

Com efeito, na peça exordial, a Autora pleiteia o pagamento do montante de R$ 250.000,00, relativo ao suposto valor de mercado do produto, bem como da quantia de R$ 91.568,08 (montante gasto na compra da máqui-na, mais despesas de importação e tributos) por perdas e danos, totalizando R$ 341.568,08.

Inicialmente, não há dúvida de que a pena de perdimento aplicada no ano de 2008 foi decorrente da omissão e negligência da parte Autora em reali-zar, no seu devido tempo, as medidas necessárias à nacionalização do ma-quinário em tela, com a apresentação da documentação respectiva.

Em razão disso, ocorrendo a posterior conversão da penalidade acima citada em multa, motivada pelo interesse da Autora em regularizar a im-portação da mercadoria (fls. 85/86), não há dúvida de que a mesma é res-ponsável pelas despesas de armazenamento do produto junto ao recinto al-fandegado, dos custos inerentes ao ato de importação e dos tributos, multas e encargos previstos em lei.

Por outro lado, excetuando o prejuízo causado pela não obtenção do pró-prio equipamento em si, a Autora não comprovou, ou mesmo mencionou, qualquer outro dano que tenha suportado pela conduta equivocada cometida pela Receita Federal1, razão pela qual entendo que toda a quantia indenizató-ria a ser paga deve ser equivalente ao valor do próprio bem importado.

Ou seja, como o dano demonstrado se limitou à não entrega efetiva do pro-duto, cuja nacionalização foi posteriormente autorizada pela União, mos-tra-se razoável restringir a importância indenizatória ao valor de mercado da copiadora (que retornou à esfera patrimonial da Requerente após a subs-

1 No que se refere aos gastos decorrentes da armazenagem e guarda da máquina, é certo que até o leilão e entrega do bem ao terceiro (fl. 174) a Autora ainda não havia regularizado a sua situação junto à Alfândega conforme comprova o “extrato de solicitação de retificação da DI” de fls. 111/113, cuja data é de 25.11.2009.

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tituição da pena de perdimento), descontadas, entretanto, todas as despesas já mencionadas anteriormente.

Além do mais, haveria evidente enriquecimento sem causa caso se acolhes-se o requerimento da Autora no sentido de obter, simultaneamente, o res-sarcimento do valor de compra da máquina e o pagamento do seu preço de mercado.

E, no que diz respeito a este último (preço de mercado), afasto desde já a importância apresentada na inicial (R$ 250.000,00), dado que está ba-seada, exclusivamente, em cotações contidas em um site da Internet (não foi solicitada prova para a sua convalidação), além de destoar de manei-ra substancial do valor contido no conhecimento de carga da mercadoria (US$ 20.000,00), do disposto no documento de fl. 33 (“Relação de Merca-dorias”) e do próprio laudo de vistoria e avaliação contido na própria inicial (fl. 53).

Neste contexto, entendo que a quantia obtida através da alienação reali-zada pela Receita Federal, onde se atingiu, em 06.11.2009, o montante de R$ 60.000,00 (fl. 172), é a que melhor se amolda ao prejuízo efetivamente sofrido pelo Réu.

Logo, tomo a mesma como base para o ressarcimento a ser realizado pela União nesta demanda.

Por fim, caso não tenham sido quitados, ao seu tempo, todos os encar-gos necessários ao encerramento do procedimento de nacionalização e liberação do bem em questão, tais valores deverão ser descontados da quantia acima deferida, devendo o restante ser devidamente atualiza-do, a partir da mencionada data (06.11.2009), nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997 e da Súmula nº 54 do E. Superior Tribunal de Justiça” (fls. 215/226 – grifos no original).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e ao reexame necessário.

É como voto.

José Arthur Diniz Borges Juiz Federal Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoAgravo de Instrumento nº 0002440‑90.2013.4.03.0000/SP2013.03.00.002440‑9/SPRelator: Desembargador Federal Andre NabarreteAgravante: Commerce Desenvolvimento Mercantil S/AAdvogado: SP242473 Anna Flavia Cozman Ganut e outroAgravado(a): União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: SP000004 Raquel Vieira Mendes e Lígia Scaff ViannaOrigem: Juízo Federal da 13ª Vara São Paulo Sec. Jud. SPNº Orig.: 00147373219944036100 13ª Vr. São Paulo/SP

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL – AÇÃO ORDINÁRIA – FALECIMENTO DE ADVOGADO – SUSPENSÃO DO PROCESSO – JUSTA CAUSA PARA RESTITUIÇÃO DE PRAZO – ANULAÇÃO DE TODOS OS ATOS POSTERIORES À MORTE – ARTS. 183 E 265 DO CPC – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DESCABIMENTO

A morte do procurador da parte é causa de suspensão do processo e, se essa não ocorrer, há de ser reconhecida a nulidade dos atos que lhe são posteriores, com a consequente devolução do prazo recursal. Precedente do Superior Tribunal de Justiça: EDcl-EDcl--AgRg-REsp 1123022/SP.

No caso concreto, o procurador da recorrente faleceu em 20.07.2006. Ao analisar o andamento do feito à época do fale-cimento, verifica-se que a última manifestação do causídico deu--se em 14.10.2002 ao assinar um substabelecimento, protocola-do em 18.10.2002. Depois disso, os autos foram à conclusão em 11.12.2002 (fl. 187 dos autos principais) e, em 04.10.2006, após a sua morte, sobreveio despacho que determinou o pronunciamento da parte, o qual foi publicado em nome do citado advogado e cujo prazo decorreu sem manifestação. Houve o julgamento da apela-ção em 22.10.2010, publicado mais uma vez em nome do patro-no. Obviamente não houve pronunciamento da empresa, com o que foi certificado o trânsito em julgado em 28.01.2011 e dado início à execução de quantia certa contra devedor solvente, da qual a recorrente apenas teve ciência em maio de 2012, quando

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do cumprimento do mandado de penhora, motivo pelo qual cons-tituiu novo advogado e pediu, legitimamente, frise-se, a anulação dos atos processuais praticados.

O processo deve ser suspenso desde o falecimento do advogado, mesmo que o magistrado somente tenha conhecimento do fato posteriormente. Nesse sentido a nota 18 de Theotonio Negrão ao art. 265 do CPC (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 43. ed., Editora Saraiva, p. 370), verbis: Art. 265: 18. “Com o falecimento do advogado, a suspensão do processo tem início desde o momento em que ocorre o fato, a despeito de somen-te mais tarde vir o juiz a tomar dele conhecimento” (RSTJ 42/300, maioria). No mesmo sentido: STJ, 4ª T., REsp 326.155-EDcl-EDcl, Min. Aldir Passarinho Jr., J. 02.09.2003, DJU 06.10.2003; RSTJ 73/363, RF 253/209.

Destarte, deve ser reconhecida a nulidade de todos os atos pro-cessuais posteriores à certidão de fl. 187 dos autos principais por meio da qual os autos vieram à conclusão neste tribunal, eis que o despacho seguinte somente foi proferido após a data de morte do procurador, qual seja, 20.07.2006. Em consequência, os autos, que se encontram na primeira instância, devem ser remetidos a esta corte para regular prosseguimento do feito, agora com a agra-vante devidamente representada nos autos.

Não há que se falar em condenação da agravada a honorários advocatícios neste recurso, na medida em que trata de decisão interlocutória que não põe fim ao processo.

Agravo de instrumento parcialmente provido, a fim de reconhe-cer a nulidade de todos os atos processuais posteriores à fl. 187 dos autos principais e determinar que sejam remetidos a esta corte para regular prosseguimento do feito.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, a fim de reconhecer a nulidade de todos os atos processuais posteriores à fl. 187 dos autos principais e determinar que sejam remetidos a esta corte para

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regular prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 23 de outubro de 2014.

André Nabarrete Desembargador Federal

RELATÓRIO

Agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto por Commerce Desenvolvimento Mercantil Ltda. contra decisão que, em sede de cumprimento de sentença, indeferiu seu requerimento de anulação de todos os atos processuais praticados a partir de julho de 2006, quan-do do falecimento do advogado que patrocinava a causa, com a devolu-ção dos prazos processuais, ao fundamento de que o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou (HC 200601810312) no sentido de que “Não se acolhe a alegação de nulidade por cerceamento de defesa, ainda que a pu-blicação acerca do julgamento do feito tenha se dado no nome do falecido causídico, se seu falecimento não foi devidamente comunicado ao Juízo” (fl. 363). Contra tal decisum foram opostos embargos de declaração, que foram rejeitados (fl. 369).

Aduz a agravante, em síntese, que seu causídico faleceu em 20.07.2006 e não tinha como obter informações sobre o andamento pro-cessual. Relata que foi surpreendida com o mandado de penhora expedido e, somente nesse momento, teve ciência do rumo da ação e do desprovi-mento de seu recurso por esta corte. Informa que todos os atos processuais eram publicados exclusivamente em nome do causídico e, portanto, todas as intimações posteriores devem ser consideradas nulas, a fim de que seja preservado o direito à ampla defesa e ao contraditório, e os prazos devolvi-dos, segundo o art. 183, § 1º, do CPC. Sustenta que o art. 236, § 1º, da lei processual civil prevê que de todas as intimações constarão os nomes das partes e dos respectivos advogados, sob pena de nulidade, consoante dis-põe o art. 247 do mesmo diploma legal, até porque apenas o advogado tem capacidade postulatória e é, conforme a Constituição Federal, indispensável à administração da justiça. Assevera que, se não for acolhida a sua tese de nulidade, a execução deve ser extinta, em razão do excesso de execução, matéria de ordem pública que pode ser conhecida de ofício e em qualquer grau de jurisdição. Pleiteia a declaração de nulidade das intimações efe-tuadas em nome do patrono anterior com a devolução dos prazos ou, caso

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assim não se entenda, o reconhecimento do excesso de execução, com a respectiva extinção, bem como a condenação da União às verbas sucum-benciais.

O efeito suspensivo foi concedido (fls. 375/376).

Não foi apresentada contraminuta pela União, conforme certidão de fls. 377-verso.

É o relatório.

VOTO

Assim dispõem os arts. 183 e 265 do Código de Processo Civil (res-saltei):

Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declara-ção judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.

§ 1º Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.

§ 2º Verificada a justa causa o juiz permitirá à parte a prática do ato no pra-zo que Ihe assinar.

Art. 265. Suspende-se o processo:

I – pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;

[...]

§ 1º No caso de morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento ou a incapaci-dade, o juiz suspenderá o processo, salvo se já tiver iniciado a audiência de instrução e julgamento; caso em que:

a) o advogado continuará no processo até o encerramento da audiência;

b) o processo só se suspenderá a partir da publicação da sentença ou do acórdão.

[...]

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Evidencia-se que a morte do procurador da parte é causa de suspen-são do processo e, se essa não ocorrer, há de ser reconhecida a nulidade dos atos que lhe são posteriores, com a consequente devolução do prazo recursal. Esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

PROCESSUAL CIVIL – FALECIMENTO DO ADVOGADO – SUSPENSÃO DO PROCESSO – ART. 265, I, § 1º, DO CPC – ACÓRDÃO REGIONAL QUE DECIDIU POR MAIORIA – AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO DE EMBAR-GOS INFRINGENTES – SÚMULA Nº 207/STJ

1. O falecimento do procurador caracteriza a justa causa prevista no art. 183, § 1º, do CPC de modo a autorizar a restituição do prazo recursal, visto que a intimação do acórdão não foi possível após a sua morte.

2. O art. 265, I, § 1º, do CPC prevê a suspensão do processo pela morte do representante legal da parte, para que regularize a representação proces-sual.

[...]

Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para não co-nhecer do recurso especial.

(EDcl-EDcl-AgRg-REsp 1123022/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Jul-gado em 12.04.2011, DJe 26.04.2011 – ressaltei)

No caso concreto, José Carlos Graça Wagner, falecido em 20.07.2006 (fl. 358), era o procurador da recorrente (fl. 64). Ao analisar o andamen-to do feito à época do falecimento, verifica-se que a última manifestação do causídico deu-se em 14.10.2002 ao assinar um substabelecimento (fl. 233), protocolado em 18.10.2002 (fl. 232). Depois disso, os autos foram à conclusão em 11.12.2002 (fl. 234) e, em 04.10.2006, após a sua morte, sobreveio despacho que determinou o pronunciamento da parte, o qual foi publicado em nome do citado advogado (fl. 235) e cujo prazo decorreu sem manifestação (fl. 237). Houve o julgamento da apelação em 22.10.2010 (fls. 271/275), publicado mais uma vez em nome do patrono (fl. 270). Ob-viamente não houve pronunciamento da empresa, com o que foi certificado o trânsito em julgado em 28.01.2011 (fl. 277) e dado início à execução de quantia certa contra devedor solvente (fl. 283), da qual a recorrente ape-nas teve ciência em maio de 2012, quando do cumprimento do manda-do de penhora (fls. 305/308), motivo pelo qual constituiu novo advogado (fls. 332/333) e pediu, legitimamente, frise-se, a anulação dos atos proces-suais praticados a partir de julho de 2006 (fls. 315/318).

O processo deve ser suspenso desde o falecimento do advogado, mesmo que o magistrado somente tenha conhecimento do fato posterior-

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mente. Nesse sentido a nota 18 de Theotonio Negrão ao art. 265 do CPC (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 43. ed., Editora Saraiva, p. 370), verbis:

Art. 265: 18. “Com o falecimento do advogado, a suspensão do processo tem início desde o momento em que ocorre o fato, a despeito de somen-te mais tarde vir o juiz a tomar dele conhecimento” (RSTJ 42/300, maio-ria). No mesmo sentido: STJ-4ª T., REsp 326.155-EDcl-EDcl, Min. Aldir Passarinho Jr., J. 02.09.2003, DJU 06.10.2003; RSTJ 73/363, RF 253/209.

Destarte, deve ser reconhecida a nulidade de todos os atos proces-suais posteriores à certidão de fl. 234 (fl. 187 dos autos principais) por meio da qual os autos vieram à conclusão neste tribunal, eis que o despacho seguinte (fl. 235) somente foi proferido após a data de morte do procurador, qual seja, 20.07.2006 (fl. 358). Em consequência, os autos, que se encon-tram na primeira instância, devem ser remetidos a esta corte para regular prosseguimento do feito, agora com a agravante devidamente representada nos autos. Saliente-se que tal entendimento mantém-se independentemente dos demais dispositivos suscitados pela agravante, quais sejam, arts. 236, § 1º, e 247 do CPC.

Não há que se falar em condenação da agravada a honorários advo-catícios neste recurso, na medida em que trata de decisão interlocutória que não põe fim ao processo.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, a fim de reconhecer a nulidade de todos os atos processuais posteriores à fl. 187 dos autos principais e determinar que sejam remetidos a esta corte para regular prosseguimento do feito.

É como voto.

André Nabarrete Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoMandado de Segurança nº 0002851‑72.2014.404.0000/RSRelator: Des. Fed. Jorge Antonio MauriqueImpetrante: Jose Carlos Nunes FragaAdvogado: Mario Dutra Santos e outroImpetrado: Juízo Federal da 2ª V. F. de UruguaianaInteressado: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria‑Regional da Fazenda NacionalInteressado: Gavel Gattiboni Veículos Ltda. MEAdvogado: Martin Jorge Mendes Rizk e outros

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA – IMÓVEL – PRODUTO DA ARREMATAÇÃO – CREDORES TRABALHISTAS – PENHORA – CANCELAMENTO

1. Caso em que o impetrante sustenta que a penhora realizada na reclamatória por ele proposta foi a primeira dentre os credores tra-balhistas, razão pela qual deve receber em primeiro lugar.

2. Averbação é toda alteração que ocorre no registro de um imóvel e tem em mira estabelecer a publicidade da alteração do registro, conferindo eficácia e segurança jurídica.

3. Se na matrícula do imóvel consta averbação consignando que penhora efetuada na reclamatória trabalhista ajuizada pelo impe-trante foi cancelada, não existe penhora em favor dele.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, votos e notas taqui-gráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 15 de outubro de 2014.

Des. Fed. Jorge Antonio Maurique Relator

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RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança impetrado por José Carlos Nunes Fraga contra decisão do Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Uruguaiana, proferida nos autos da Execução Fiscal nº 2000.71.03.000317-2/RS, que a Fazenda Nacional move contra Gavel Gattiboni Veículos Ltda. ME, nos seguintes termos:

“À vista da declaração anexada (fl. 1036), defiro a gratuidade de justiça ao terceiro interessado José Carlos Nunes Fraga.

Considerando-se que ao menos desde 27.01.2014, data em que apresentou a petição das fls. 878/882, o embargante já tinha conhecimento do teor da interlocutória recorrida – tanto que faz referência a ela na petição apresen-tada no dia 27.01.2014 –, deixo de conhecer dos embargos de declaração apresentados por José Carlos Nunes Fraga em 07.02.2014 (fls. 981/991), por intempestivos (art. 536 do Código de Processo Civil).

Por outro lado, inexiste a contradição apontada por Lourdes Maria Bortolanza, por meio dos embargos declaratórios das fls. 914/916.

Com efeito, na interlocutória das fls. 872/874 restou definido que a desti-nação do numerário depositado, à disposição deste Juízo, obedecerá ao concurso de preferência, de acordo com a anterioridade da penhora, nos termos do art. 711 do Código de Processo Civil.

Diante disso, eventual deliberação acerca do rateio do numerário no âm-bito daquele Juízo refoge totalmente ao objeto do presente feito, ou seja, tal decisão, se proferida no âmbito da Justiça Trabalhista, em nada afeta a forma da destinação dos valores nesse processo, a qual, como visto, obede-cerá à preferência legal.

Em outras palavras: este Juízo deve proceder ao encaminhamento à Justiça do Trabalho do numerário obtido com a alienação judicial do bem penho-rado de acordo com a regra legal do art. 711 do Código de Processo Civil. Acaso na Justiça do Trabalho, após o recebimento do numerário, aquele Juízo disponha de modo diverso, com a anuência dos credores, trata-se de matéria estranha à presente execução e que, por isso, não condiciona a de-cisão deste Juízo.

Diante disso, rejeito os embargos declaratórios.

Quanto ao requerido por José Carlos Nunes Fraga na petição das fls. 877/911, credor na Reclamatória Trabalhista nº 0040600-15.1991.5.04, em trâmite na 11ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, cumpre referir que não há prova da existência de penhora válida incidindo sobre o bem imóvel lei-loado neste feito, não havendo falar, portanto, dada a ausência de requisito legal, em resolução do concurso de preferências em seu favor.

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Importante salientar que a penhora do imóvel, retratada no auto juntado pelo requerente nas fls. 910/911, expedido no bojo da Carta Precatória nº 50059-801/96-4, extraída da reclamatória movida pelo requerente, foi cancelada ainda no ano de 2006, conforme se verifica no Av-9-18.841.

Assim, muito embora assista razão ao requerente José Carlos Nunes Fraga quando assevera que a penhora realizada na reclamatória por ele propos-ta foi a primeira dentre os credores trabalhistas, fato é que a constrição foi posteriormente levantada, não mais subsistindo quando da alienação judi-cial do imóvel.

Quanto à reserva de crédito deferida na interlocutória da fl. 703, apenas assegura que eventual saldo remanescente oriundo da arrematação do bem penhorado neste processo será destinado ao pagamento daquele crédito, o qual, como visto, no concurso de preferência não se sobrepõe aos credores trabalhistas cujo crédito estava garantido pela penhora.

Diante disso, ao que se soma o fato de que as demais alegações consubs-tanciam discordância da decisão das fls. 872/874, a ser manejada, se for o caso, pela via recursal própria, indefiro o requerido nas petições das fls. 896/900 e 909.

Prossiga-se no cumprimento da decisão das fls. 873/874, inclusive se e quando for o caso, mediante reiteração das solicitações encaminhadas à Justiça do Trabalho.

Intimem-se.”

O impetrante sustenta que a penhora realizada na reclamatória por ele proposta foi a primeira dentre os credores trabalhistas, razão pela qual deve receber em primeiro lugar. Aduz que não houve levantamento da penhora efetuada na reclamatória trabalhista, através da Carta Precatória nº 50059-801/96-4. Segundo afirma, “houve transferência de foro para ven-da”. Argumenta que o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, apesar de anular a arrematação realizada na reclamatória trabalhista após a decre-tação da falência da empresa reclamada, manteve a penhora, determinando o prosseguimento da execução perante o Juízo Falimentar. Sustenta que a decisão atacada violou o disposto no art. 711 do CPC.

Requereu a concessão de liminar.

Foram prestadas informações, com o seguinte teor:

“Em atenção à solicitação relativa ao Mandado de Segurança nº 000281-72.2014.404.0000/TRF, informo a Vossa Excelência o que segue.

Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra decisão proferida por este Juízo nas fls. 1.037/1.039 da execução fiscal supracitada.

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No que diz respeito ao indeferimento do concurso de preferência em favor do impetrante, relativamente à penhora que teria sido levada a efeito no âmbito da Reclamatória Trabalhista nº 0040600-15.1991.5.04, em trâmite na 11º Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS, cumpre referir que a aludida constrição sobre o imóvel foi cancelada ainda no ano de 2006, conforme se verifica no Av-9-18.841 da matrícula do imóvel.

Diante disso, apesar de a penhora realizada na reclamatória por ele propos-ta ter sido a primeira dentre os credores trabalhistas, a constrição foi poste-riormente levantada, não mais subsistindo quando da alienação judicial do imóvel.

Portanto, não havendo penhora válida em favor do impetrante, não há falar em participação privilegiada dele no concurso de preferências.

Importante salientar que, diante da reserva de crédito deferida na interlocu-tória da fl. 703, ficou assegurado que eventual saldo remanescente oriundo da arrematação do bem penhorado neste processo será destinado ao pa-gamento daquele crédito, o qual, como visto, no concurso de preferência, não se sobrepõe aos credores trabalhistas cujo crédito estava garantido pela penhora.

Encaminho a Vossa Excelência cópia do auto de penhora lavrado em 26.08.1999 na reclamatória trabalhista movida pelo impetrante (fls. 910/911) e da matrícula do imóvel, onde consta a averbação do cance-lamento da penhora (Av-9-18.841 – fls. 634/641, inclusive o verso).

São essas as informações que considero pertinentes.”

A liminar foi indeferida.

O Ministério Público Federal entendeu que a causa não envolve inte-resse público, deixando de exarar parecer, de acordo com a Recomendação nº 16/2010 do Conselho Nacional do Ministério Público.

É o relatório.

VOTO

Averbação é toda alteração que ocorre no registro de um imóvel e tem em mira estabelecer a publicidade da alteração do registro, conferindo eficácia e segurança jurídica.

O impetrante argumenta que a penhora levada a efeito nos autos da Reclamatória Trabalhista nº 50059.801/96-4 foi mantida pelo acórdão do TRT da 4ª Região.

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Ocorre que na matrícula do imóvel consta, na Averbação 9-18.841, que a penhora efetuada naqueles autos foi cancelada, conforme Ofício nº 1530/2006, de 10 de novembro de 2006, proveniente do Juízo do Traba-lho da 1ª Vara do Trabalho de Uruguaiana.

Não existe, pois, penhora em favor do impetrante. Assim, conforme destacou o julgador a quo, no concurso de preferência, o crédito do impe-trante não se sobrepõe aos credores trabalhistas cujo crédito estava garanti-do pela penhora.

Não há direito líquido e certo a ser amparado por mandado de segu-rança.

Ante o exposto, voto por denegar a ordem.

Des. Fed. Jorge Antonio Maurique Relator

ExTRATO DE ATA DA sEssÃO DE 15.10.2014

Mandado de Segurança nº 0002851-72.2014.404.0000/RS

Origem: RS 200071030003172

Relator: Des. Fed. Jorge Antonio Maurique

Presidente: Maria de Fátima Freitas Labarrère

Procurador: Dra. Andrea Falcão de Moraes

Impetrante: Jose Carlos Nunes Fraga

Advogado: Mario Dutra Santos e outro

Impetrado: Juízo Federal da 2ª V. F. de Uruguaiana

Interessado: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogado: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional

Interessado: Gavel Gattiboni Veículos Ltda. ME

Advogado: Martin Jorge Mendes Rizk e outros

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15.10.2014, na sequência 44, disponibilizada no DE de 01.10.2014, da qual foi intimado(a) União federal (Fazenda Nacional), o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

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Certifico que o(a) 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu denegar a ordem.

Relator Acórdão: Des. Fed. Jorge Antonio Maurique

Votante(s): Des. Fed. Jorge Antonio Maurique Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère Desª Fed. Joel Ilan Paciornik

Leandro Bratkowski Alves Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Geraldo ApolianoAgravo de Instrumento nº 139345‑PE(0007689‑31.2014.4.05.0000)Agrte.: Fazenda NacionalAgrdo.: Jose Aristophanes PereiraAgrdo.: João Batista de Melo FilhoAgrdo.: Fernando José Falcão LacerdaAgrdo.: Maria Inês Cotrim PereiraAgrdo.: Neuza Ferreira Cavalcanti de MeloAgrdo.: Alexandre Jorge Wanderley Pessoa de MeloAgrdo.: Liliane Salazar UchoaAgrdo.: João Inácio da SilvaAgrdo.: Fernando Luiz de OliveiraAdv./Proc.: Sem advogado/procuradorExcdo.: Cia. Agro. Indl. Nossa Senhora do CarmoRelator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO DE VERBA HONORÁRIA – REDIRECIONAMENTO – DISSOLUÇÃO IRREGULAR – SÓCIOS QUE NÃO INTEGRAVAM O QUADRO SOCIETÁRIO À ÉPOCA DO FATO GERADOR – IMPOSSIBILIDADE

1. O eg. STJ, na seara do recurso repetitivo, firmou entendimento de que, mesmo se tratando de dívida de natureza não tributária, a dissolução irregular é fato apto a ensejar o redirecionamento do feito ao sócio-gerente – REsp 1.137.128/RS.

2. É pressuposto do redirecionamento que o sócio ostente poderes de gerência no momento da ocorrência do fato gerador, indepen-dente de ser sócio na época da dissolução irregular, o que não se verifica no caso em tela. Agravo de Instrumento Improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas.

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Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de Instrumento, nos termos do relatório, voto do Desembargador Relator e notas taquigráficas constan-tes nos autos, que passam a integrar o presente julgado.

Recife (PE), 30 de outubro de 2014.

Desembargador Federal Geraldo Apoliano Relator

RELATÓRIO

O Desembargador Federal Geraldo Apoliano (Relator): Agravo de Ins-trumento manejado em face da decisão que indeferiu o pedido de redirecio-namento para os sócios.

Alega o Agravante que o sócio que ultimou a dissolução irregular guarda inequivocadamente nexo com os tributos inadimplidos anteriormen-te à sua gestão.

Sustenta, ainda, que mesmo pela natureza não tributária do crédito cobrado, não se possa embasar o pedido de redirecionamento do feito exe-cutivo nas normas do CTN, ainda é possível, com base no direito comum, a responsabilização do sócio-administrador pelas dívidas da pessoa jurídica. Sem Contraminuta.

É o relatório.

VOTO

O Desembargador Federal Geraldo Apoliano (Relator): Cumpre esclare-cer que o eg. STJ entendeu, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.137.128/RS), que mesmo se tratando de dívida de natureza não tributária, a dissolução irregular é fato apto a ensejar o redirecionamento do feito ao sócio-gerente, conforme ementa colaciono, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL REPRESEN-TATIVO DA CONTROVÉRSIA – ART. 543-C, DO CPC – REDIRECIONA-MENTO DE EXECUÇÃO FISCAL DE DÍVIDA ATIVA NÃO-TRIBUTÁRIA EM VIRTUDE DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DE PESSOA JURÍDICA – POSSI-BILIDADE – ART. 10, DO DECRETO Nº 3.078/1919 E ART. 158, DA LEI Nº 6.404/1978 – LSA C/C ART. 4º, V, DA LEI Nº 6.830/1980 – LEF

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1. A mera afirmação da Defensoria Pública da União – DPU de atuar em vários processos que tratam do mesmo tema versado no recurso represen-tativo da controvérsia a ser julgado não é suficiente para caracterizar-lhe a condição de amicus curiae. Precedente: REsp 1.333.977/MT, 2ª Seção, Relª Min. Isabel Gallotti, Julgado em 26.02.2014.

2. Consoante a Súmula nº 435/STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fis-cal para o sócio-gerente”.

3. É obrigação dos gestores das empresas manter atualizados os respecti-vos cadastros, incluindo os atos relativos à mudança de endereço dos es-tabelecimentos e, especialmente, referentes à dissolução da sociedade. A regularidade desses registros é exigida para que se demonstre que a so-ciedade dissolveu-se de forma regular, em obediência aos ritos e forma-lidades previstas nos arts. 1.033 a 1.038 e arts. 1.102 a 1.112, todos do Código Civil de 2002 – onde é prevista a liquidação da sociedade com o pagamento dos credores em sua ordem de preferência – ou na forma da Lei nº 11.101/2005, no caso de falência. A desobediência a tais ritos caracteri-za infração à lei.

4. Não há como compreender que o mesmo fato jurídico “dissolução irre-gular” seja considerado ilícito suficiente ao redirecionamento da execução fiscal de débito tributário e não o seja para a execução fiscal de débito não--tributário. Ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. O suporte dado pelo art. 135, III, do CTN, no âmbito tributário é dado pelo art. 10, do Decreto nº 3.078/1919 e art. 158, da Lei nº 6.404/1978 – LSA no âmbito não-tribu-tário, não havendo, em nenhum dos casos, a exigência de dolo.

5. Precedentes: REsp 697108/MG, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Julgado em 28.04.2009; REsp 657935/RS, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Julgado em 12.09.2006; AgRg-AREsp 8.509/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 04.10.2011; REsp 1272021/RS, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Julgado em 07.02.2012; REsp 1259066/SP, 1ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 28.06.2012; REsp 1.348.449/RS, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Julgado em 11.04.2013; AgRg-Ag 668.190/SP, 3ª T., Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Julgado em 13.09.2011; REsp 586.222/SP, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Julgado em 23.11.2010; REsp 140564/SP, 4ª T., Rel. Min. Barros Monteiro, Julgado em 21.10.2004.

6. Caso em que, conforme o certificado pelo oficial de justiça, a pessoa ju-rídica executada está desativada desde 2004, não restando bens a serem penhorados. Ou seja, além do encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, não houve a reserva de bens suficientes para o pagamento dos credores.

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7. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.”

Preceitua a Súmula nº 435, do STJ que: “presume-se dissolvida irre-gularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Porém, vige o entendimento de que o sócio a ser responsabilizado é àquele que exerce a gerência à época do fato gerador, independente de ser ou não o sócio-gerente na data da dissolução irregular.

Neste sentido, colaciono os seguintes julgados:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AGTR – EXECUÇÃO FISCAL – RE-DIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE – EMPRESA QUE DEIXOU DE FUNCIONAR EM SEU ENDEREÇO CADASTRAL, SEM COMUNICA-ÇÃO AOS ÓRGÃOS FAZENDÁRIOS – PRESUNÇÃO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR – SÓCIO SEM PODER DE GERÊNCIA À ÉPOCA DOS FATOS GERADORES DA DÍVIDA E QUE INGRESSOU NA SOCIEDADE EM MO-MENTO POSTERIOR AOS REFERIDOS FATOS GERADORES – IMPOSSIBI-LIDADE – PRECEDENTES – AGTR IMPROVIDO

1. A decisão agravada indeferiu o pedido de redirecionamento da execução fiscal de origem a Francisco Júnior da Costa, por considerar que o mesmo não possuía poderes de gerência à época dos fatos geradores da dívida exe-quenda (fls. 172/174).

2. É possível o redirecionamento da execução fiscal contra sócio-gerente cujo nome não consta na CDA, desde que o Fisco comprove que este agiu com excesso de poderes, infração a lei, contrato social ou estatuto, nos ter-mos do art. 135 do CTN. Tem-se entendido que, se o sócio-gerente não procede com sua obrigação legal de manter atualizados os dados cadas-trais da empresa executada e esta não é encontrada no endereço forneci-do, presume-se que a empresa tenha encerrado as suas atividades de forma irregular, gerando a responsabilização do referido sócio pelas dívidas fiscais da empresa (STJ, AGA 201001139896, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 02.02.2011; STJ, Ag-REsp 1200879, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 21.10.2010; e Ag 102458, Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, DJe 07.04.2011, p. 86).

3. Considerando que a empresa deixou de funcionar em seu domicílio fis-cal (fl. 59), sem comunicar aos órgãos competentes, requereu a exequente o redirecionamento da execução originária ao sócio administrador da referi-da empresa, presumindo-se a dissolução irregular da sociedade, ocasião em que se inverte o ônus da prova quanto à atuação irregular do sócio (atuação com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder), de modo que esse ônus deixa

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de ser do exequente e passa a ser do sócio executado (Ag-REsp 536.531/RS, Relª Min. Eliana Calmon, DJU 25.04.2005, p. 281).

4. Acerca da responsabilidade tributária do sócio-gerente da empresa exe-cutada, esta douta 1ª T. já se manifestou no sentido de que os sócios não podem ser responsabilizados pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica cujo fato gerador tenha ocorrido em período em que os mesmos não de-tinham poderes de gerência (TRF 5ª R., Ap-Reex 200884000089784, Des. Fed. Francisco Cavalcanti, 1ª T., DJe Data: 27.05.2011, p. 169).

5. ‘[...] Em se tratando de responsabilidade subjetiva, é mister que lhe seja imputada a autoria do ato ilegal, o que se mostra inviável quando o sócio sequer era administrador da sociedade à época da ocorrência do fato ge-rador do débito tributário pendente de pagamento. [...]’ (REsp 197278/AL, Rel. Min. Franciulli Netto, 2ª T., DJ de 24.06.2002) (STJ, REsp 2004 01402611, Luiz Fux, 1ª T., DJ Data: 28.04.2006, p. 00272, RSTJ v. 00209, p. 00095).

6. In casu, a CDA exequenda abrange o período de 10/2003 a 01/2004 (fls. 20/22), enquanto que a documentação apresentada pela ora agravante atesta que o sócio Francisco Júnior da Costa passou a ter poderes de gerência da empresa executada em 18.04.2006 (fls. 90/92), data que coincide com o seu ingresso no quadro social da pessoa jurídica, de forma que o referido só-cio só poderia ser responsabilizado pelas dívidas posteriores a tal data.

7. Assim, diante da comprovação de que o sócio não detinha poderes de gerência na empresa executada à época da ocorrência dos fatos geradores da dívida exequenda, sendo que o mesmo sequer era sócio da empresa no referido período, não há como se deferir o pedido de redirecionamento da execução fiscal de origem contra ele.

8. Agravo de instrumento improvido.”

(Processo: 00068475120144050000, Ag 138856/RN, Rel. Des. Fed. Manoel Erhardt, 1ª T., Julgamento: 25.09.2014, Publicação: DJe 02.10.2014, p. 124)

“TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLU-ÇÃO IRREGULAR DE EMPRESA – REDIRECIONAMENTO – SÓCIO QUE NÃO INTEGRAVA O QUADRO SOCIETÁRIO À ÉPOCA DO FATO GERA-DOR – IMPOSSIBILIDADE

1. Agravo de Instrumento manejado em face da decisão que indeferiu pedi-do de redirecionamento da execução fiscal.

2. Hipótese em que o sócio que deu causa à dissolução, não é o mesmo que estava à frente na época do fato gerador.

3. É entendimento pacífico que o sócio que deu causa à dissolução deve ser o mesmo que estava à frente da empresa, no período em que ocorreram

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os fatos geradores da dívida, para fins de redirecionamento, segundo enten-dimento já sedimentado por este Tribunal. Agravo de Instrumento impro-vido.”

(Processo: 00044338020144050000, Ag 137984/PE, Rel. Des. Fed. Geral-do Apoliano, 3ª T., Julgamento: 28.08.2014, Publicação: DJe 02.09.2014, p. 80)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONA-MENTO – SÚMULA Nº 282/STF – REDIRECIONAMENTO – ART. 135 DO CTN – VERIFICADA A DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – RES-PONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE À ÉPOCA DOS FATOS GERA-DORES

1. Hipótese em que não se conheceu do Recurso Especial quanto à matéria (arts. 105 e 123 do CTN e art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Ci-vil), que não foi especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem, dada a ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia, da Súmula nº 282/STF.

2. O redirecionamento da Execução Fiscal para o sócio-gerente da empresa é cabível apenas quando demonstrado que este agiu com excesso de pode-res, infração à lei ou contra o estatuto, ou no caso de dissolução irregular da empresa, não se incluindo o simples inadimplemento de obrigações tri-butárias.

3. Verificada a dissolução irregular da empresa, o redirecionamento da Exe-cução Fiscal somente é possível contra o sócio-gerente da sociedade à épo-ca do fato gerador, o que não ocorre no caso dos autos.

4. Agravo Regimental não provido.”

(STJ, 2ª T, AGA 1394554, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 10.06.2011 – grifos acrescidos)

Não sendo sócios à época do fato gerador, não poderá então o feito ser redirecionado para os Agravantes.

Com essas considerações, nego provimento ao Agravo de Instrumen-to. É como voto.

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8193 – Ação civil pública – instalação de terminal portuário em área de Mata Atlântica

– concessão de licença prévia – análise anterior do impacto ambiental – necessi-dade

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Pretendida instalação de terminal portuário pri-vado para movimentação de cargas próprias e de terceiros, em área de Mata Atlântica. Ne-cessidade de perscrutar cumpridamente o impacto ambiental do empreendimento antes da concessão de licença prévia. Caso em que os dados apresentados pelo Ministério Público Federal ao Juízo a quo revelam profundas incursões da empresa privada na fauna e na flora locais, as quais foram ignoradas ou desprezadas pelo Ibama quando a emissão de suas per-missões. Princípio da precaução, que deve ser tutelado pelo Judiciário e favor da proteção ambiental. Presença de elementos suficientes para a concessão de tutela ambiental provi-sória, sem prejuízo de instrução regular do feito. Recurso ministerial provido. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de liminar formulado em ação civil pública ajuizada pelo Parquet com o objetivo de impedir a instalação de terminal por-tuário privado para movimentação de cargas próprias e de terceiros, em área de Mata Atlân-tica (preservação permanente) sob a proteção do art. 225 da Constituição Federal e da Lei nº 11.428/2006. 2. Embora a instalação do terminal portuário privado ainda esteja em fase de estudos de viabilidade do projeto, isso não retira a necessidade de se perscrutar o impacto do empreendimento no bioma Mata Atlântica, pois se a viabilidade do negócio for positiva, achando-se a empresa de posse da licença prévia poderá por mãos à obra, agindo sobre e contra a vegetação que se considera de preservação permanente, e também em prejuízo da fauna típica e dos animais visitantes, do local, alguns já correndo o risco de extinção. 3. A tutela ambiental deve ser o mais possível preventiva, justo porque a reparação dos danos ao meio ambiente é sempre mais complicada do que impedir que eles aconteçam (precaução). 4. O trabalho pericial ofertado pelo Ministério Público Federal como subsídio inaugural da ação civil pública esclareceu que: (1) o empreendimento deve ser feito integralmente em área de preservação permanente; (2) interromperá a conectividade entre o Parque Estadual da Serra do Mar (porção continental) e o estuário de Santos (área marítima), ‘interferindo nas áreas de alimentação de aves locais, visitantes e migratórias’; (3) haverá alteração paisagística de área já tombada pelo CONDEPHAAT; (4) o empreendimento vai destruir corredores de vegeta-ção por onde transitam, em busca de alimentos, habitantes tradicionais da Mata Atlântica, e ainda vai inviabilizar o chamado Largo Santa Rita como área de biodiversidade reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente (Portaria nº 126/2004). 5. Caso em que cuidadoso parecer técnico ofertado pelo Parquet nos autos originários como subsídio para o início da ação civil pública, em contraposição a licença prévia do Ibama, escancara que o órgão federal subes-timou grosseiramente o impacto ambiental que a obra poderia acarretar na região atingida, ressaltado o risco de destruição de 17 espécies animais e algumas vegetais, todas nativas da região, bem como o dano para espécies aquáticas. 6. Cenário processual enriquecido por trabalho técnico ofertado pelo Ministério Público Federal, evidenciando que a atuação do Parquet está muito longe de ser apenas uma ‘aventura processual’; pelo contrário, é revelada uma profunda preocupação com a contínua e desmedida degradação do Estuário de Santos e da Serra do Mar, preocupação que deveria ser de todos e não apenas dos Ministérios Públi-cos Estadual e Federal. 7. É preciso que o Judiciário resolva sobre a possibilidade ou não de uma área sujeita a amplas restrições ambientais suportar a grave intervenção que é planejada contra a integridade dela, quando se sabe que pela Constituição Federal e pela legislação ordinária vigentes, a regra é a preservação da vegetação do bioma Mata Atlântica. 8. Em sede de Direito Ambiental o norte é o princípio da precaução – que inclusive pressupõe a inver-são do ônus da prova (STJ, AgRg-AREsp 206.748/SP, 3ª T., J. 21.02.2013) – de modo que a solução que mais contempla o valor constitucional escancarado no art. 225 da Magna Carta,

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um autêntico interesse público, é o Judiciário atuar como Poder de Estado e não como mero espectador; para esse fim deve-se dar provimento ao recurso ministerial para suspender os efeitos da Licença Prévia nº 399/2011 – Ibama, determinando ao órgão que não emita mais nenhuma autorização ou licença para instalação do Terminal Portuário Brites até o desfecho final da ação, ficando a agravada proibida de qualquer intervenção degradadora da área sob pena de multa de R$ 50.000,00 por cada descumprimento (obviamente sem prejuízo da incidência da Lei nº 9.605/1998). 9. Agravo de instrumento provido. Agravo regimental prejudicado.” (TRF 3ª R. – AI 0017069-06.2012.4.03.0000/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Mairan Maia – DJe 22.08.2014 – p. 1032)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de liminar, em ação civil pública ajuizada com o objetivo de impedir a instalação de terminal portuário privado para movimentação de cargas próprias e de terceiros em área de Mata Atlântica.

Eis o relatório da decisão impugnada:

“O autor pretende seja declarada a impossibilidade jurídica da implantação do Terminal Portuário Brites, em face da extrema importância da área destinada ao empreendimento para a conservação da biodiversidade, que a coloca sob a proteção do art. 225 da Cons-tituição Federal e da Lei nº 11.428/2006.

Argumenta que a construção do Terminal Portuário Brites na área de proteção do bioma Mata Atlântica não se enquadra nas exceções para autorização de supressão da vegetação previstas na Lei nº 11.428/2006, por não se tratar de serviço de utilidade pública, mas, sim, de projeto da iniciativa privada, com fins lucrativos, e, ainda que referido projeto se enquadrasse nas exceções previstas na referida Lei, a sucessiva concessão de autoriza-ções para a supressão do Bioma, na forma prevista nos arts. 14 e 20 e seguintes, levaria, ao longo de gerações, à progressiva e completa fragmentação e extinção daquela mata.

A inicial veio instruída com documentos. A ré Santa Rita Terminais Portuários deu-se por citada e manifestou-se às fls. 950/1023. Notificado o representante do Ibama, este ofereceu manifestação preliminar na qual informou o histórico e o estado atual do licencia-mento do Terminal Brites, além de requer o indeferimento da liminar” – fl. 1.071 e verso.

Processado o recurso sem a concessão da medida pleiteada. O agravante pleiteou a refor-ma dessa decisão. Os agravados apresentaram resposta.

Segundo o voto da Relatora:

“Inicialmente, julgo prejudicado o pedido de reforma da decisão relativa ao efeito suspen-sivo, ante o julgamento do presente agravo de instrumento.

Ao apreciar o pedido de efeito suspensivo, assim decidiu o Relator:

‘Insurge-se o agravante contra decisão que indeferiu o pedido de liminar, em ação civil pública ajuizada com o objetivo de impedir a instalação de terminal portuário privado para movimentação de cargas próprias e de terceiros em área de Mata Atlântica.’

Eis o relatório da decisão impugnada:

‘O autor pretende seja declarada a impossibilidade jurídica da implantação do Terminal Portuário Brites, em face da extrema importância da área destinada ao empreendimento para a conservação da biodiversidade, que a coloca sob a proteção do art. 225 da Cons-tituição Federal e da Lei nº 11.428/2006.

Argumenta que a construção do Terminal Portuário Brites na área de proteção do Bioma Mata Atlântica não se enquadra nas exceções para autorização de supressão da vegetação previstas na Lei nº 11.428/2006, por não se tratar de serviço de utilidade pública, mas, sim, de projeto da iniciativa privada, com fins lucrativos, e, ainda que referido projeto se

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enquadrasse nas exceções previstas na referida lei, a sucessiva concessão de autorizações para a supressão do bioma, na forma prevista nos arts. 14 e 20 e seguintes, levaria, ao longo de gerações, à progressiva e completa fragmentação e extinção daquela mata.

A inicial veio instruída com documentos. A ré Santa Rita Terminais Portuários deu-se por citada e manifestou-se às fls. 950/1023. Notificado o representante do Ibama, este ofereceu manifestação preliminar na qual informou o histórico e o estado atual do licen-ciamento do Terminal Brites, além de requer o indeferimento da liminar’.

Inconformado, requer a concessão da medida postulada e a reforma da decisão.

Os agravados apresentaram resposta.

Decido.

Nos termos do art. 558 do CPC, a suspensão da eficácia de decisão agravada encontra-se condicionada à presença de dois fatores: a relevância da fundamentação e a configuração de situação que possa resultar lesão grave ou de difícil reparação, que, neste aspecto, deve ser certa e determinada, capaz de comprometer a eficácia da tutela jurisdicional.

Por sua vez, o recurso interposto contra decisão que defere ou indefere o pedido de liminar devolve ao órgão julgador apenas o exame da presença ou ausência destes pressupostos legais ensejadores da concessão.

Com efeito, na precisa lição de Hely Lopes Meirelles, a ação civil pública é o ‘instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e por infrações da ordem econômica (art. 1º), protegendo, assim, os interesses difusos da sociedade’.” (Mandado de segurança. 19. ed. Malheiros. p. 140)

A Constituição Federal consagra a questão ambiental como direito social e difuso do ho-mem e em seu art. 225 estabelece:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O foco principal da política ambiental é a preservação e a restauração do meio ambiente, por meio de políticas de prevenção e a precaução de qualquer tipo de dano, bem como a manutenção do desenvolvimento sustentável.

Por sua vez, o Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis tem como principais atribuições exercer o poder de polícia ambiental; exe-cutar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental; e executar as ações supletivas de competência da União de conformidade com a legislação ambiental vigente.

Nesse sentido, muito embora os argumentos desenvolvidos neste recurso, não vislumbro, primo ictu oculi, a presença dos elementos necessários ao deferimento do provimento requerido, na medida em que presente na decisão a análise dos pressupostos processuais envolvendo o pedido formulado, preserva-se neste momento processual a cognição de-senvolvida pelo Juízo como instrumental analítico da situação fática posta. Destaco, por oportuno, excertos da decisão impugnada:

‘Ao conceder a Licença Prévia nº 399/2011, fls. 969/972, 4º volume, o Ibama exerceu seu poder de polícia ambiental, com a finalidade de executar a política de preservação, conservação e uso sustentável dos recursos naturais, visando o planejamento e fiscali-zação do uso dos recursos ambientais, bem assim, a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas e proteção de áreas ameaçadas de degradação, buscando a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

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Portanto, não há verossimilhança para se declarar judicialmente, neste momento e em sede liminar, que todo o trabalho realizado pelo Ibama, inclusive o EIA/Rima – Estudo e Relatório de Impacto Ambiental – afrontam irremediavelmente o ordenamento jurídico vi-gente, ou mesmo que as provas produzidas unilateralmente pelo Ministério Público Fede-ral são irrefutáveis e levam às conclusões nelas contidas, mormente porque há presunção de legitimidade dos atos administrativos do Ibama, órgão encarregado de verificar a viabi-lidade jurídica e ambiental do projeto, além do que as alegações do Ministério Público Fe-deral desconsideram o estudo e o relatório de impacto ambiental do projeto – fls. 31/99.

No mais, com a licença prévia concedida não há efeitos concretos sobre a área em ques-tão, eis que não se autorizou ocupação, supressão de vegetação ou início de obras, mas somente uma licença prévia para prosseguimento administrativo do empreendimento, segundo as condições estipuladas, buscando-se comprovar a viabilidade inicialmente pro-posta’ – fl. 1.072 e verso.

Por fim, denota-se não estar configurado o periculum in mora na medida em que, profe-rida a decisão ora combatida em sede de cognição sumária, não se exclui a possibilidade de sua reforma por ocasião do julgamento da ação de origem num plano de cognição exauriente em que ocorra a apreciação do mérito da questão levada a juízo.

Considerando a cognição sumária desenvolvida na via estreita do agravo de instrumento, mormente neste momento de apreciação de efeito suspensivo ao recurso, tenho que o agravante não demonstrou a presença dos requisitos ensejadores da concessão da medida pleiteada.

Ante o exposto, indefiro o efeito suspensivo pleiteado.”

Dessa forma, concluiu a Relatora que:

“Não obstante as alegações expostas, não há nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida quando do exame do pedido de efeito suspensivo.

Ante o exposto, voto por julgar prejudicado o agravo regimental e negar provimento ao agravo de instrumento.”

8194 – Ação condenatória – danos patrimoniais e extrapatrimoniais – acidente de trânsito

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação condenatória (‘indenizatória’). Danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes de acidente de trânsito. Decisão monocrática que negou provimento ao reclamo. Insurgência recursal da ré. 1. Violação do art. 535 do Código de Processo Civil não configurada. É clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário ao Magistra-do rebater cada um dos argumentos declinados pela parte. 2. A revisão da conclusão acerca da existência de responsabilidade civil da ora agravante pelo acidente, notadamente no que se refere à configuração de culpa exclusiva da vítima, demanda a reapreciação probatória, obstada pela incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 530.163 – (2014/0140987-4) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 30.10.2014 – p. 393)

8195 – Ação de busca e apreensão – mora – notificação prévia do devedor – extrajudicial ou por protesto do título

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Busca e apreensão. Mora. Notificação pré-via do devedor. Notificação extrajudicial ou por protesto do título. Ausência de comprovação. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. ‘A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, na alienação fiduciária, a mora do devedor deve ser comprovada pelo protesto do título ou pela notificação extrajudicial feita por intermédio do Cartório de Títulos e Documen-

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tos, entregue no endereço do domicílio do devedor’ (AgRg-AREsp 41.319/RS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª T., Julgado em 03.09.2013, DJe 11.10.2013). 2. Ainda que não se exija que a no-tificação extrajudicial seja recebida pessoalmente pelo devedor, verifica-se que, na hipótese em apreço, ela, de fato, não se efetivou. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 482.117 – (2014/0045994-0) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.10.2014 – p. 2297)

8196 – Ação de exibição de documentos – multa – afastamento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de exibição de documentos. Trânsito em julgado. Multa. Afastamento. 1. Não é cabível a imposição de multa cominatória em ação de exibição de documentos. 2. O Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, pode afastar o valor da multa cominatória, mesmo depois de transitada em julgada a sentença, não havendo falar em preclusão ou ofensa à coisa julgada. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 144.305 – (2012/0027035-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 31.10.2014 – p. 653)

8197 – Ação de ressarcimento por enriquecimento sem causa – operação de fornecimen-to de energia elétrica como insumo – ausência do repasse – prescrição – inocor-rência

“Recurso especial. Direito civil. Ação de ressarcimento por enriquecimento sem causa. Ope-ração de fornecimento de energia elétrica como insumo. Ausência do repasse, pela substituta tributária à contribuinte, do ônus econômico decorrente da elevação da alíquota do ICMS. Prescrição. Inocorrência. 1. Ação de ressarcimento derivada do enriquecimento sem causa ajuizada pela substituta tributária em face da contribuinte em razão da ausência do repasse, durante o ano de 2001, do ônus econômico decorrente da elevação da alíquota do ICMS relativo às operações de fornecimento de energia elétrica utilizada como insumo. 2. Reconhe-cimento do implemento do prazo de prescrição pelo Tribunal de origem considerando como termo inicial a data de vencimento do ICMS em cada mês de 2001, momento em que a substi-tuta tributária deixou de repassar o ônus econômico do tributo à contribuinte. 3. Competência das Turmas de Direito Privado para o julgamento da causa. 4. Inaplicabilidade do óbice da Súmula nº 7 do STJ por versar o recurso especial acerca de questão de direito (termo inicial do prazo prescricional da pretensão de ressarcimento decorrente do enriquecimento sem causa). 5. A configuração do enriquecimento sem causa requer a conjugação de quatro elementos: a) o enriquecimento em sentido estrito de uma parte; b) o empobrecimento da outra parte; c) o nexo de causalidade entre um e outro; d) a ausência de justa causa. 6. No caso, embora a vantagem da Petrobras (enriquecimento) tenha ocorrido em 2001, o ônus apenas foi su-portado pela Chesf (emprobrecimento) em 2003, perfectibilizando-se o enriquecimento sem causa. 7. Em suma, tendo o efetivo pagamento do tributo pela substituta tributária ocorrido em 10.10.2003, não se pode reconhecer, antes dessa data, o direito ao ressarcimento pelo enri-quecimento sem causa e muito menos a existência de pretensão resistida, com a deflagração do prazo prescricional. 8. Ajuizada a ação em 06.10.2006, fica afastada a prescrição trienal (art. 206, § 3º, IV, do CC/2002). 9. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 10. Recurso es-pecial provido.” (STJ – REsp 1.139.893 – (2009/0090425-6) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 31.10.2014 – p. 678)

8198 – Ação monitória – cheque prescrito – decisão monocrática

“Agravo regimental em embargos de declaração no recurso especial. Ação monitória. Cheque prescrito. Decisão monocrática. Negado seguimento ao apelo extremo, mantida em sede de

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aclaratórios. Insurgência recursal do autor. 1. Nos termos da firme jurisprudência desta Corte, consolidada na Súmula nº 503/STJ, ‘o prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula’. Observada a consonância entre o entendimento adotado pelo Tribunal de origem e a orientação dominante no âmbito desta Corte Superior, inarre-dável a incidência do óbice inserto na Súmula nº 83/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-EDcl-REsp 1.471.027 – (2014/0174076-6) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 20.10.2014 – p. 2344)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou segui-mento ao apelo extremo manejado pelo ora agravante.

Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados, porquanto não verificadas quais-quer das hipóteses enunciadas no art. 53 do Código de Processo Civil.

Nas razões do agravo regimental, sustenta o insurgente a não ocorrência da prescrição na hipótese dos autos, pois “a data em que a ação monitória fora ajuizada se deu em 10 de junho de 201, e a mesma passa a ter a validade de 5 (cinco) anos, a contar da data em que o título prescreve, ou seja, quando não mais cabe a ação de locupletamento”.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

A Súmula nº 503 do STJ dispõe:

“O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem força executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cár-tula.”

A Dra. Mariângela Guerreiro Milhoranza, discorrendo sobre a ação monitória, assim dis-ciplina:

“A Lei nº 9.079/1995 trouxe a ação monitória para o nosso sistema de direito proces-sual ao inserir os arts. 1.102-A, 1.102-B e 1.102-C ao CPC. ‘O adjetivo monitório, que qualifica a ação, significa aquilo que avisa, admoesta, exorta. Procede do latim monere, advertir, lembrar, exortar’.

A ação monitória é uma forma de procedimento especial que tem por fito proporcionar ao autor um título executivo em que será balizado o cumprimento da obrigação. Theodoro Júnior diz que, ‘abreviando o caminho para alcançar o título executivo, funciona, enfim, o procedimento monitório como um inteligente meio de definir, na abertura do processo, a natureza da lide, evidenciando se é caso de pretensão contestada ou simplesmente de pretensão insatisfeita’. Mas, para conseguir o título executivo, o autor deve possuir prova escrita, sem eficácia de título executivo, que comprove a existência de obrigação de pa-gamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem imóvel. Quanto à natureza jurídica da ação monitória, o processo monitório tem cognição sumária, somente nos embargos monitórios versará cognição plena. Pois bem, ingressada em juízo determinada ação monitória, haverá o prazo de quinze dias para que o réu ou faça o paga-mento, ou ofereça embargos ou quede silente. Sendo oferecidos os embargos monitórios, seria suspensa a eficácia do mandado como título executivo. Mas, mesmo que suspensa a ação monitória até julgamento dos embargos, caberia execução provisória? Sustenta Dinamarco que sim, afirmando: ‘Embora a lei nada disponha sobre uma possível execução provisória, a sua admissibilidade é uma imposição do sistema, que quer ser ágil e valorizar probabilidades’. Elaine Harzheim Macedo, já em 1997, defendia que a possibilidade da execução provisória ‘[...] reclama uma efetividade procedimental adequada, que certa-mente não é alcançada pelo sistema convencional das apelações recebidas em ambos os efeitos’. Hermes Zaneti Júnior e Rodrigo Mazzei entendem que ‘[...] não parece possível a execução provisória em título decorrente de procedimento monitório, caso a decisão que

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rejeitar os embargos seja impugnada via recurso de apelação’. Ora, o inciso V do art. 520 do Código de Processo Civil, por analogia, antes do advento da Lei nº 11.232/2005, era aplicável aos embargos em mandado monitório. Entrementes, após a vigência da Lei nº 11.232/2005, a decisão que afasta os embargos monitórios passou a ter caráter in-cidental. Sendo decisão de caráter incidental, não há como ser atacada via apelação. Portanto, não cabe execução provisória, eis que restou impossível aplicar o inciso V do art. 520 porque não se trata de decisão judicial atacável via apelação.

Nesse sentido, o art. 1.102-C, caput, e seu respectivo § 3º apenas sofreram um proces-so de adaptação do procedimento da ação monitória ao novo rito estabelecido pela Lei nº 11.232/2005 no que toca ao cumprimento da sentença condenatória. Assim, a con-versão do mandado inicial de citação gera, inevitavelmente, um título executivo judicial, mesmo que não esteja arrolado entre as hipóteses do art. 475-N.” (Algumas observações sobre a ação monitória. Disponível em: online.sintese.com)

8199 – Ação monitória – contrato de abertura de crédito fixo – descabimento

“Apelação cível. Ação monitória. Contrato de abertura de crédito fixo. Art. 1.102-A do Código de Processo Civil. Demonstrativo do débito que não esclarece os critérios e índices aplicados ao valor pretendido. Documentos insuficientes para amparar o pleito monitório. Extinção do processo sem resolução do mérito. Art. 267, VI, do Código de Processo Civil. Prescrição reco-nhecida. 1. O nosso sistema processual civil adotou o procedimento monitório documental, o qual exige prova escrita do direito constitutivo do autor, sendo esta indispensável à propositu-ra e sem a qual o processo não merece conhecimento de mérito. 2. A ausência de documento indispensável à propositura da ação monitória acarreta a extinção do feito sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil. 3. É deficiente a plani-lha de cálculo que não demonstra, graficamente, a evolução mensal do quantum sob cobran-ça e seus acessórios que aderiram ao principal, impossibilitando de se averiguar a conferência dos encargos lançados e possibilitar o exame da legalidade do que está sendo cobrado. 4. Nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil, o prazo prescricional para a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular prescreve em cinco anos. 5. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – AC 20080110563139 – (825966) – Rel. Des. Silva Lemos – DJe 20.10.2014 – p. 180)

8200 – Alienação fiduciária – ação de busca e apreensão – notificação extrajudicial

“Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Apelação cível. Notificação extrajudi-cial expedida por cartório de outro Estado. Validade. Sentença anulada. Recurso provido.” (TJSP – Ap 1005768-48.2014.8.26.0405 – Osasco – 26ª CDPriv. – Rel. Antonio Nascimento – DJe 20.10.2014 – p. 1834)

8201 – Alimentos – execução – rito do art. 733 do CPC – Súmula nº 309/STJ

“Processual civil. Direito civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Família. Execução de alimentos. Rito do art. 733 do CPC. Súmula nº 309/STJ. 1. O débito recente, para fins de aplicação do art. 733 do CPC, compreende as prestações vencidas nos três meses anteriores à propositura da execução, incluídas as que se vencerem no decorrer do referido processo, conforme dispõe a Súmula nº 309/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 477.047 – (2014/0033824-5) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.10.2014 – p. 1043)

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Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento agravo, diante da incidência da Súmula nº 83/STJ.

O agravante, representado por sua genitora, pugna pela reforma da decisão impugnada sob os seguintes argumentos:

“O entendimento das decisões anteriores merece ser reformado, eis que, apesar de precei-tuarem a correta aplicação do art. 73 do Código de Processo Civil, ignoram a questão de que é desnecessário promover novo processo para executar a sentença que arbitrou os ali-mentos, e, por consequência, é possível a prisão civil do agravado nestes mesmos autos.”

Ao final, requer a reconsideração da decisão monocrática ou sua apreciação pelo Cole-giado.

O STJ negou provimento ao agravo por considerar que o acórdão está em consonância com a jurisprudência da casa, portanto, sem necessidade de reforma.

A ilustre Jurista Maria Berenice Dias, discorrendo sobre a Súmula nº 309, assim nos ensina:

“Na tentativa de assegurar o uso dessa forma executória, a jurisprudência consolidou-se no sentido de admitir o rito do apenamento somente com referência a três prestações alimentícias vencidas à data da propositura da demanda. O fundamento, de todo insub-sistente, é que dívida anterior a tal período perde sua natureza alimentar, passando, em um passe de mágica, a dispor de feição indenizatória.

De outro lado, como a lei fala em ‘execução de sentença ou decisão’, há quem negue tal rito quando os alimentos foram fixados por acordo, ainda que referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria ou pelos advogados dos transatores e apesar de tais avenças constituírem títulos executivos extrajudiciais (CPC, art. 585, II). Há, inclusive, decisões que olvidam a regra que determina a aplicação supletiva do processo de conhecimento (CPC, art. 598) e sequer admitem a citação do devedor por hora certa ou edital.

Também sob o mesmo fundamento havia expressivo número de julgados que negavam a aplicação de distinto dispositivo da lei processual. Diz o art. 290 do Código de Processo Civil que, em se tratando de obrigação constituída em prestações periódicas – como o é a obrigação de pagar alimentos –, a condenação compreende as prestações vencidas no curso do processo. Porém, enorme era a dificuldade de invocar dita regra para o processo executório, impondo ao credor que, a cada três meses, ingressasse com nova ação, trans-formando a cobrança dos alimentos em um punhado de demandas.

Apesar de todos esses desencontros, a jurisprudência tendia a admitir o uso da execução coacta para a cobrança das três parcelas vencidas antes da propositura da demanda, safando-se o devedor da prisão somente mediante o pagamento de toda a dívida: as parcelas objeto da execução e mais as que se venceram até a data do efetivo pagamento.

A falta de uniformidade das decisões judiciais levou o STJ a sumular a matéria (Súmula nº 309): ‘O débito alimentar que autoriza a prisão do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que se vencerem no curso do processo’. Ainda que correta a definição do que deve ser considerado adimplemento da dívida, ou seja, que no seu montante se incluem as parcelas vencidas durante a tramitação da execução, o enunciado contém mácula que impõe imediata retificação. De forma absolutamente equi-vocada, estabelece que o período de abrangência da execução corresponde somente às prestações vencidas antes da citação do devedor, e não às impagas antes da propositura da ação. Tal assertiva se afasta dos próprios antecedentes indicados como parâmetro para sua edição, que não sufragam o mesmo entendimento. Sete deles, de modo expresso, in-dicam como marco a data do ajuizamento da ação e somente três dos julgados invocados fazem referência à data da citação.

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Urge, portanto, que a súmula seja retificada, pois baseada em jurisprudência que não serve para referendar a normatização levada a efeito. A mudança, frise-se, se faz urgente, sob pena de se incentivar que o devedor se esquive da citação, esconda-se do oficial de justiça e, de todas as formas, busque retardar o início da execução, pois, enquanto não for citado, não se sujeita a ser preso. Claro que o devedor vai tornar-se um fugitivo! Quanto mais tempo levar para ser citado, mais parcelas serão relegadas à modalidade executória cuja efetividade é consabidamente ineficaz em se tratando de obrigação de alimentos. Significa que as mensalidades pretéritas só poderão ser cobradas pelo rito da penhora, sujeitando-se o credor a esperar pela venda em hasta pública de algum bem de que o devedor eventualmente seja proprietário (CPC, art. 732).

Assim, ainda que o enunciado mereça aplausos pela definição do termo final da dívida, o retrocesso em que incidiu o STJ, no que diz com o início da obrigação a ser cumprida sob pena de prisão, acaba deixando de assegurar o direito à sobrevivência para privilegiar a liberdade daquele que não tem a responsabilidade de garantir a subsistência a quem deve alimentos.” (Súmula nº 309: um equívoco que urge ser corrigido. Disponível em: online.sintese.com)

8202 – Citação por hora certa – nomeação de curador especial – obrigatoriedade

“Citação por hora certa. Obrigatoriedade da nomeação de curador especial aos réus citados por hora certa. Disposição do inciso II do art. 9º do Código de Processo Civil sentença que se anula recurso provido.” (TJSP – Ap 0001210-40.2010.8.26.0292 – Jacareí – 4ª CDPriv. – Rel. Fábio Quadros – DJe 20.10.2014 – p. 1726)

8203 – Coisa julgada – definição do Valor Patrimonial da Ação (VPA) – título exequendo – impossibilidade de alteração

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Definição do Valor Patrimonial da Ação (VPA) no título exequendo. Impossibilidade de alteração. Coisa julgada. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de que havendo definição no título judicial exequendo quanto ao critério de apuração do VPA, ainda que contrário à Súmula nº 371/STJ, não é possível alterá-lo em sede de cumprimento de sentença em respeito à coisa julgada. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 553.094 – (2014/0181627-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 30.10.2014 – p. 358)

8204 – Competência recursal – responsabilidade civil – observação

“Competência recursal. Competência da Seção de Direito Privado I para julgar ações refe-rentes à responsabilidade civil contratual ligada à competência da própria seção, bem como responsabilidade civil extracontratual. Arts. 5º, I, 1.28 e 1.29 da Resolução nº 623/2013 do TJSP. Competência da Seção de Direito Privado III para julgar feitos relativos a despesas de condomínio. Art. 5º, III, I, da mesma resolução na espécie, existência de relação jurídica entre as partes. Lide que versa sobre despesas de condomínio. Competência que se firma pela causa de pedir. Recurso não conhecido, determinada a redistribuição do feito.” (TJSP – Ap 1002031-50.2013.8.26.0606 – Suzano – 1ª CDPriv. – Rel. Paulo Eduardo Razuk – DJe 20.10.2014 – p. 1669)

8205 – Contrato bancário – juros remuneratórios – abusividade – não ocorrência – capi-talização mensal de juros – cobrança – possibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Contrato bancário. Juros remunerató-rios. Abusividade. Não ocorrência. Capitalização mensal de juros. Cobrança. Possibilidade. 1. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.061.530/RS,

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Relatora a Ministra Nancy Andrighi, submetido ao regime dos recursos repetitivos, firmou posicionamento no sentido de que: ‘a) as instituições financeiras não se sujeitam à limita-ção dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), Súmula nº 596/STF; b) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo ban-cário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/2002; d) é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto’. 2. Não tendo sido demonstrada a abusividade pelo Tribunal de origem, correto o julgado que manteve os juros remuneratórios nos termos da contratação. 3. A capitalização dos juros em periodicidade inferior a 1 (um) ano é admitida nos contratos bancários firmados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, desde que pactua-da de forma clara e expressa, assim considerada quando prevista a taxa de juros anual em percentual pelo menos 12 (doze) vezes maior do que a mensal. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 541.312 – (2014/0160729-9) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 31.10.2014 – p. 676)

8206 – Contrato de empréstimo bancário – capitalização mensal de juros – afastamento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Civil. Contrato de empréstimo bancário. Capitalização mensal de juros. Afastada pelo Tribunal de origem, sob fundamento constitu-cional e infraconstitucional. Inexistência de interposição de recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº 126 desta Corte Superior. Decisão mantida. 1. Nas instância ordinárias, foi reco-nhecido que a aplicação dos juros compostos mensais, nas prestações assumidas em contrato de financiamento pactuado aos 08.12.2008, não tinham validade em razão da inconstitucio-nalidade do art. 5º da MP 2.170-36/2001. 2. Inviável o exame da matéria devolvida pelo espe-cial, se não foi interposto, também, recurso extraordinário para impugnar fundamentos cons-titucionais e infraconstitucionais, em que um ou mais deles são suficientes para mantê-los. Incidência da Súmula nº 126/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 560.003 – (2014/0195080-6) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 20.10.2014 – p. 2238)

8207 – Contrato de franquia – rescisão – vícios de vontade – lesão e erro – não configu-ração

“Apelação cível. Contrato de franquia. Rescisão. Vícios de vontade. Lesão e erro. Não con-figuração. Violação aos arts. 3º e 4º da Lei nº 8.955/1994, não demonstrada. Resolução da avença. Culpa dos franqueados. Cumulação. Cláusula penal. Perdimento de valores adianta-dos. Dupla penalização em face do inadimplemento. Impossibilidade. Distribuição da sucum-bência. 1. Para a configuração da lesão, impõe-se que o contratante obtenha lucro exagera-do, desproporcional, aproveitando-se de severa inexperiência ou situação de necessidade da outra parte. 2. O erro que dá causa à invalidação do negócio jurídico deve ser substancial. Eventual quebra de expectativa a respeito da expansão dos negócios comerciais da franque-adora não se presta a ensejar erro ao homem médio que pretende ingressar no ramo de fran-quias. 3. Incumbe aos autores a prova do fato constitutivo do direito alegado, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC. 4. Não tendo os demandantes demonstrado que o contrato de fran-quia é inválido, ante o disposto nos arts. 3º e 4º da Lei nº 8.955/1994, há que ser mantido o julgamento de improcedência do pedido de invalidação do negócio jurídico firmado entre as partes. 5. Obsta-se, por ensejar dupla penalização pela mora, a cumulação da cláusula penal com o perdimento de valores adiantados. 6. Tendo a franqueadora sucumbido minimamente no pedido em uma das demandas, bem como se sagrado vencedora na outra, os franqueados

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devem arcar com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios em am-bos os feitos. 7. Apelação dos franqueados improvida. Apelo da franqueadora parcialmente provido.” (TJDFT – AC 20120111964183 – (825411) – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJe 20.10.2014 – p. 215)

8208 – Dano moral – inscrição indevida em cadastros de inadimplentes – valor razoável

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de indenização. Inscrição indevida em cadastros de inadimplentes. Danos morais. Valor razoável. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, excepcionalmente, em recurso especial, o reexame do valor fixado a título de danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que a verba indenizatória, consideradas as circunstâncias de fato da causa, foi estabelecida pela instância ordinária em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Agra-vo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 537.617 – (2014/0152190-8) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.10.2014 – p. 2309)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão proferida, que conheceu do agra-vo para negar seguimento ao recurso especial, firmando que o valor fixado pelo acórdão recorrido não diverge da orientação desta col. Corte Superior. Insiste a instituição financeira agravante que o valor fixado a título de danos morais pelo Tribunal de origem é exagerado para o caso de inscrição indevida em serviço de proteção ao crédito.O STJ negou provimento ao agravo regimental.Vale trazer trecho do voto do Relator:“No que tange ao valor da verba indenizatória por dano moral, é certo que o Superior Tri-bunal de Justiça considera excepcionalmente cabível, em recurso especial, o reexame do valor arbitrado a título de danos morais, quando for ele excessivo ou irrisório.Não é o caso destes autos, em que fixada indenização no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), o que é compatível com as circunstâncias do caso e, desse modo, não justifica excepcional intervenção desta Corte.”O ilustre Jurista José Carlos Arouca assim disciplina sobre o dano moral:“Dano moral, como conceituado por Pinho Pedreira, é todo e qualquer dano extrapatri-monial, afastando ‘as definições que o identificam com os sofrimentos que pode experi-mentar uma pessoa e que se expressam por meio da dor física ou moral, do menoscabo de sentimentos, da pena moral, das inquietações, dos padecimentos não suscetíveis de apreciação econômica’. Não há, também, como vinculá-lo a direitos personalíssimos.O dano moral, no ensinamento de Carlos Alberto Bittar, qualifica-se ‘em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato vio-lador, havendo-se, portanto, como tais, aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valo-ração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração pessoal)’.O dano moral deriva do simples fato da violação, tornando-se, pois, desnecessária a prova do reflexo. A indenização, por conseguinte, será fixada mediante arbitramento, na forma do art. 606, II, do CPC.A reparação, seguindo-se a teorização de Bittar, deve levar em conta a situação da vítima, a posição do lesante, seu patrimônio, a gravidade do fato, seus reflexos. Mas, além disso, deve ter efeito inibitório de repetição de práticas semelhantes.[...]Não foi fácil determinar parâmetros para a aferição do dano e sua valoração. Num pri-meiro momento, lembra Beatriz Della Giustina, a falta de meios, mas principalmente de precedentes e um pouco de coragem para avançar, apelou-se para o Código Eleitoral

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(Lei nº 4.737/1965), servindo-se mesmo de dispositivos legais do antigo Código Brasi-leiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962), arts. 81 a 88, que enumera as formas delituosas que podem produzir o dano moral (arts. 289 e ss.), com o objetivo de asse-gurar sua reparação quando ocasionados por propaganda eleitora injuriosa ou deletéria (art. 243, §§ 1º e 2º), para a Lei de Imprensa, nº 5.250/1967, que, regulando a liberdade de manifestação do pensamento e de informações, dispõe no art. 49, I: ‘Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou cul-pa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar: I – os danos morais e materiais nos casos previstos no art. 16, II e IV, no art. 18 e de calúnia, difamação ou injúria’. Estabelece, ainda, nos arts. 53 e 54, clara distinção entre indenização por dano moral e indenização por dano material. O art. 53, I a III, por sinal, dispõe como deverá o Magistrado proceder no arbitramento do quantum indenizatório.Na vigência do Código Civil de 1916, acenava-se ao art. 1.533 para o arbitramento da indenização, ‘de maneira equitativa, prudente, não abusiva, atentando para a capacidade de pagar do que causou a situação, de modo a compensar a dor sofrida pelo lesionado e inibir a prática de outras situações semelhantes’. Na opinião de Sérgio Pinto Martins, ‘uma forma de pagamento, completa, seria a aplicação analógica da indenização dos arts. 477 e 478 da CLT, do pagamento de um salário por cada ano de serviço trabalhado pelo empregado, considerando-se ano o período igual ou superior a seis meses’, lembrando a regra do art. 948 do antigo Código Civil, o qual explicita que ‘nas indenizações por fato ilícito prevalecerá o valor mais favorável ao lesado’. Refere-se, mais, à decisão do TRT da 8ª Região, sendo Relator o Juiz José Maria Quadros de Alencar, que condenou o infrator ao pagamento de um piso e meio da convenção coletiva, pelo período em que ficou desem-pregado. E, dentre outras hipóteses, o fornecimento de carta de referência, publicação de nota na imprensa local dando conta do rompimento do contrato de trabalho sem que para tanto tivesse contribuído o empregado.O Código Civil vigente, no art. 946, remete à lei processual a fixação do valor das perdas e danos, se a obrigação for indeterminada. A indenização, todavia, na forma do art. 944, ‘mede-se pela extensão do dano’.O art. 1.533 do diploma anterior foi substituído pelo art. 946: ‘Se a obrigação for inde-terminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar’.Para Orlando Teixeira da Costa, ‘na fixação do valor, o julgador, normalmente, subordina--se a alguns parâmetros procedimentais, considerando a extensão espiritual do dano, a imagem do lesado e a do que lesou, a intenção do autor do ato danoso, como meio de ponderar o mais objetivamente possível direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem da pessoa’.De nossa parte, lembramos Graciliano Ramos, que, sem pensar no tema, mas em função dos males causados pelo homem, distinguia o capitalista abastado e o proletário sem nada; o intelectual com grande capacidade de discernimento e o inculto, com formação rudimentar. A reparação do dano deve ter presente o perfil do ofendido e do ofensor, isto é, do empregado e do empregador, e, na hipótese colocada, no poderio econômico da empresa, no seu porte, a gravidade do ato ofensivo, a profundidade do dano causado e sua repercussão, interna, no âmbito da empresa, e externa, no meio em que se situa o trabalhador, familiar e social.” (Dano moral. Disponível em: online.sintese.com)

8209 – Dano moral – morte de passageiro – queda de trem – indenização – valor – alte-ração – possibilidade

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação de indenização. Morte de passagei-ro. Queda de trem. Dano moral. Valor. Alteração. Possibilidade. Relação contratual. Juros de mora. Termo inicial. Parcial provimento. 1. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a inci-

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dência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais quando irrisório ou abusivo. 2. O valor fixado pelo Tribunal de origem, em razão da morte do filho dos agravantes, destoa dos valores aceitos por esta Corte para casos semelhantes, devendo, portanto, ser majorado. 3. Em se tratando de indenização por danos morais decorrentes de obrigação contratual, os juros de mora são devidos a partir da cita-ção. Precedentes. 4. Agravo regimental parcialmente provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 106.718 – (2011/0249604-7) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.10.2014 – p. 2279)

8210 – Defesa do consumidor – cheque – inclusão do correntista em cadastro – ausência de notificação prévia – legitimidade passiva

“Civil. Agravo regimental no recurso especial. Direito do consumidor. Cheque. Inclusão do correntista no CCF. Ausência de notificação prévia. Legitimidade passiva. Ausência do pre-questionamento da matéria. Incidência da Súmula nº 211/STJ. Precedentes. 1. A recorrente manejou na origem embargos de declaração, alegando omissão no julgamento do apelo em relação à matéria devolvida neste recurso especial (legitimidade passiva), que foram rejeita-dos. 2. Neste recurso, a correntista não apontou a violação do art. 535 do CPC, não ensejando o prequestionamento necessário para análise do argumento objeto do especial. 3. Esta Corte Superior, em tais casos, assentou que, se o tema não foi apreciado pelo Tribunal a quo é inadmissível o recurso especial (Súmula nº 211 do STJ). 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.468.472 – (2014/0178369-4) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 20.10.2014 – p. 2269)

8211 – Defesa do consumidor – compra de produto através de site de busca – ilegitimi-dade passiva

“Direito do consumidor. Compra de produto através de site de busca. Ilegitimidade passiva. Preliminar rejeitada. Reforma da sentença. Todos os fornecedores que participam da cadeia de consumo são responsáveis solidariamente (art. 7º do CDC). Produto não entregue. Inversão do ônus da prova. Verossimilhança das alegações e hipossuficiência do consumidor. Dano material e moral comprovados. Recurso conhecido e provido. 1. Não há que prosperar a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, haja vista que a demanda versa sobre relação de consumo em que todos os intervenientes que participaram na cadeia de consumo são solidariamente responsáveis pelos resultados danosos ao consumidor advindos do contrato, com fulcro nos arts. 7º, parágrafo único, e 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Diante da ausência de ilegitimidade passiva, a r. sentença merece ser reformada. Aplicação da teoria da causa madura. Prolação de sentença pela Turma Recursal. Aplicação do art. 515, § 3º, do CPC. 3. Estabelece o art. 6º, VIII, do CDC que constitui direito básico do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos em juízo, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente. Verifico, pois, que há verossimilhança nos fatos narrados pelo autor, bem como este se encontra em posição desvantajosa diante da preponderância do fornecedor em face do consumidor. Cabível o ônus da prova. 4. O recorrido não se desincumbiu de pro-var os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, II, do CPC), pois não comprovou que o produto foi efetivamente entregue pelo fornecedor direto. O autor/recorrente, por sua vez, comprovou o dano material através do pagamento do boleto (fl. 04). 5. O dano moral está plenamente evidenciado, pois não se pode considerar mero dissabor a falta de entrega do produto adquirido após o recebimento do preço pelo vendedor e após decorridos vários meses desgastes do autor na tentativa de receber pelo produto, traduzindo esse fato uma sensação de incapacidade e inferioridade psicológica. Ademais, tal fato confi-gura má prestação de serviço apta a ensejar o dano moral indenizável. 6. Recurso conhecido,

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preliminar rejeitada e, no mérito, provido para condenar a ré a devolver ao autor a quantia de R$ 1.119,00 (hum mil cento e dezenove reais) pelo prejuízo material, devidamente cor-rigida a partir do desembolso, bem como a pagar a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de danos morais, a partir do arbitramento e juros de mora de 1% (um por cento) a partir da citação. 7. Em custas e honorários advocatícios à míngua de recorrente vencido.” (TJDFT – Proc. 20140110690562 – (825155) – Relª Juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio – DJe 16.10.2014 – p. 233)

8212 – Defesa do consumidor – contrato de financiamento bancário – pactuação expres-sa – capitalização mensal de juros

“Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito do consumidor. Contrato de financiamento bancário. Pactuação expressa da capitalização mensal de juros. Verificação por meio do especial. Impossibilidade. Incidência da Súmula nº 5/STJ. Precedentes. 1. O Tribunal a quo reconheceu que o contrato de financiamento pactuado aos 18.11.2010, expressamente demonstrava a aplicação dos juros compostos mensais nas prestações assumidas. Conclusão que não pode ser afastada por meio do Especial, em face do Enunciado da Súmula nº 5/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 577.613 – (2014/0229340-7) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 20.10.2014 – p. 2252)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática de minha relatoria, que negou provimento ao agravo em recurso especial, assim ementado:

“CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RECURSO QUE NÃO INFIRMA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA – INCIDÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 544, § 4º, I, DO CPC – AGRAVO NÃO CONHECIDO.”

Nas razões do regimental, o correntista alega inexistência de cláusula expressa da incidên-cia dos juros compostos mensais no contrato de financiamento avençado.

Pleiteia reconsideração da decisão atacada por esta Terceira Turma.

Aduziu o correntista que a incidência dos juros compostos mensais no contrato de emprés-timo não foi expressamente pactuado, o que invalida sua contabilização nas parcelas por ele assumidas. Por isso, pugnou pela exclusão da capitalização mensal.

O STJ negou provimento do agravo.

Cabe trazer as lições de Jane Courtes Lutzky sobre o Código de Defesa do Consumidor e as instituições financeiras:

“Saber se as relações existentes entre as instituições financeiras e seus clientes estão sujeitas às regras impostas pelo CDC é o principal aspecto a ser examinado, mas, como de resto ocorre na maioria das situações analisadas pelo Direito, as conclusões não são pacíficas, levando a doutrina e a jurisprudência a trilharem pelo menos dois caminhos diferentes.

Em primeiro lugar, faremos rápido relato do enfoque que é dado pela corrente que entende estarem também as relações acima nominadas sujeitas às regras da Lei nº 8.078/1990, pois se assim não fosse estaríamos reduzindo o campo de aplicação do texto legal.

Segundo a óptica do Juiz de Direito do TARS Dr. Márcio de Oliveira Puggina, além de não ter sido feita exclusão expressa do relacionamento entre os bancos e seus clientes no CDC, é possível ainda, ao examinar inúmeros de seus dispositivos, concluir que a intenção do legislador era tutelar também este tipo de relação.

A título de exemplificação, cita o § 1º do art. 3º do CDC: ‘Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial’, logo, seria produto, e por consequência protegido pela

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Lei, qualquer bem jurídico capaz de satisfazer as necessidades humanas, incluindo-se, assim, o crédito.

Continua Puggina em seu artigo publicado na Revista da Ajuris (fls. 200 a 206):

‘[...] Se produto é todo o bem jurídico, não há como se negar que o crédito é um bem ju-rídico que é fornecido pelo Banco (fornecedor) ao tomador do crédito (consumidor), como destinatário final (do crédito, enquanto crédito). O mutuário só não seria destinatário final do crédito – enquanto crédito – se, em vez de ‘consumi-lo’, ele o repassasse a terceiros.’

Nelson Nery Júnior, na consagrada obra Código de Defesa do Consumidor, da Ed. Forense Universitária, em que escreve em conjunto com os demais autores do projeto que levou ao referido Código, nas p. 313, 314 e 318, leciona:

‘O aspecto central da problemática da consideração das atividades bancárias como sen-do relações jurídicas de consumo reside na finalidade dos contratos realizados com os bancos. Havendo a outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor o utilize como destinatário final, há a relação de consumo que enseja a aplicação dos dispositivos do CDC. Caso o devedor tome o dinheiro ou crédito emprestado do banco para repassá-lo, não será destinatário final e portanto não há que se falar em relação de consumo. Como as regras normais de experiência nos dão conta de que a pessoa física que empresta dinheiro ou toma crédito de banco o faz para sua utilização pessoal, como destinatário final, existe aqui uma presunção hominis, juris tantum de que se trata de relação de consumo, quer dizer, de que o dinheiro será destinado ao consumo. O ônus de provar o contrário, ou seja, que o dinheiro ou o crédito tomado pela pessoa física não foi destinado ao uso final do devedor, é do banco, quer porque se trata de presunção a favor do mutuário ou creditado, quer porque poderá incidir no art. 6º, VIII, do CDC, com a inversão do ônus da prova a favor do consumidor.

Já para os devedores pessoa jurídica, a presunção é de que emprestam ou tomam crédito do banco para ser utilizado em sua atividade de produção, isto é, para aplicar em sua linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro, pagamento de fornecedores, etc. O ônus da prova de demonstrar que emprestou como destinatário final é da pessoa jurídica que celebrou o contrato de mútuo ou crédito com o banco.

[...]

O art. 52 do CDC, a seu turno, confirma as disposições do art. 3º, § 2º, quando estipula regra sobre os créditos e financiamentos ao consumidor, não deixando dúvidas sobre a inclusão dessas atividades em sua sistemática.’

Por outro lado, existe corrente que defende não estarem as relações existentes entre os bancos e seus clientes sujeitas às normas do CDC e, para defender este posicionamento, alega que a lei de proteção ao consumidor só abrange as relações de consumo, nelas não se enquadrando a poupança e as operações que constituem o ciclo de produção.

Entre os produtos referidos no art. 2º da Lei nº 8.078/1990 não estão incluídos nem o dinheiro, nem o crédito, pois a entrega de dinheiro sob forma de mútuo, desconto, etc., não constitui aquisição de produto pelo destinatário final, porque é notório que os valores monetários, por sua própria natureza, destinam-se à circulação.

Este posicionamento é ratificado pela lição do Professor Arnoldo Wald, Lei de defesa do consumidor, Cadernos IBCB, 22, p. 61/62, item IV – Conclusões:

“b) a nova lei também não se aplica às operações de empréstimos e outras análogas re-alizadas pelos bancos, pois o dinheiro e o crédito não constituem produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final, sendo, ao contrário, instrumentos ou meios de pagamentos, que circulam na sociedade e em relação aos quais não há destinatário final (a não ser os colecionadores de moeda e o Banco Central, quando retira a moeda de circulação).”

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Por este enfoque, uma vez que para regulamentar o sistema financeiro há o CMN e o Banco Central do Brasil, as normas de defesa do consumidor é que deveriam se submeter ao disposto pelas autoridades monetárias para que não acontecessem conflitos de compe-tência que instabilizariam o sistema jurídico vigente.

As instituições financeiras, em suas operações, ativas ou passivas, não podem ser consi-deradas como produtoras ou fornecedoras de serviços. À luz do CDC, só se caracteriza-riam como fornecedoras quando efetivamente prestassem serviços (art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/1990). (O código de defesa do consumidor e as relações decorrentes de opera-ções com instituições financeiras. Disponível em: online.sintese.com)

8213 – Defesa do consumidor – contrato de financiamento bancário – pactuação expres-sa – capitalização de juros remuneratórios

“Civil. Embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito do consumidor. Contrato de financiamento bancário. Pactuação expressa da capitalização de juros remuneratórios mensais. Alegada contradição. Inexistência. Pretensão de rejulgamento da causa. Impossibilidade. Precedentes. 1. Os embargos de declaração objetivam apontar vícios de omissão, contradição ou obscuridade da decisão como preconizada no art. 535 do CPC. 2. O acórdão ora embargado adotou o fundamento de que o Tribunal a quo reconheceu que a pactuação da taxa de juros remuneratórios mensais se encontrava expressamente pre-vista em contrato, e que é impossível rever tal conclusão pelo óbice da Súmula nº 5 desta Cor-te Superior. 3. Recurso interposto com o propósito de rediscutir a matéria julgada em nítida manifestação de inconformismo, o que torna inadmissível seu curso por meio de aclaratórios. 4. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag-REsp 531.209 – (2014/0142421-1) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 29.10.2014 – p. 954)

8214 – Defesa do consumidor – fraude praticada por terceiros – inclusão da consumidora em cadastro de inadimplentes – dano moral – revisão do valor

“Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Direito do consumidor. Fraude pra-ticada por terceiros. Inclusão da consumidora em cadastro de inadimplentes. Configurado o dano moral. Revisão do valor da condenação. Impossibilidade. Quantum razoável. Incidência da Súmula nº 83/STJ. Precedentes. 1. Mostra-se razoável a fixação em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para reparação do dano moral pelo ato ilícito de conceder crédito financeiro a terceiros que se utilizaram dos dados pessoais da consumidora e pela sua inscrição em cadastro de inadimplentes reconhecido, consideradas as circunstâncias do caso e as condições econômi-cas das partes. 2. Este Sodalício Superior altera o valor indenizatório por dano moral apenas nos casos em que o valor arbitrado pelo acórdão recorrido se mostrar irrisório ou exorbitante, situação que não se faz presente no caso em tela. 3. A instituição bancária não apresentou argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, que se apoiou em entendimento consolidado neste Superior Tribunal de Justiça. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 568.105 – (2014/0212908-0) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 20.10.2014 – p. 2243)

8215 – Defesa do consumidor – plano de saúde – cláusula de reajuste por mudança de faixa etária – segurado idoso – discriminação – inexistência

“Direito civil. Consumidor. Plano de saúde. Cláusula de reajuste por mudança de faixa etá-ria. Segurado idoso. Discriminação. Inexistência. 1. Nos contratos de seguro de saúde, os valores cobrados a título de prêmio devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio. 2. O aumento da idade do segurado implica a necessidade de maior assistência médica. Em razão disso, a Lei

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nº 9.656/1998 assegurou a possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do segurado. Essa norma não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação consistente na cobrança de valores dife-renciados em razão da idade. Discriminação traz em si uma conotação negativa, no sentido do injusto, e assim é que deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto. Na hipótese dos autos, o aumento do valor do prêmio decorreu do maior risco, ou seja, da maior necessidade de utilização dos serviços segurados, e não do simples advento da mudança de faixa etária. 3. Se o reajuste está previsto contratualmente e guarda proporção com o risco e se foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei nº 9.656/1998, o aumento é legal. 4. Recurso especial conhecido e provido em parte.” (STJ – REsp 1.381.606 – (2013/0058831-6) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 31.10.2014 – p. 687)

8216 – Desapropriação – cumprimento de sentença – pedido de nova avaliação do bem

“Direito processual civil. Desapropriação. Cumprimento de sentença. Pedido de nova avalia-ção do bem. Questão não apreciada no Juízo a quo. Supressão de instância. Cálculo elabora-do pela contadoria judicial. Imparcialidade. Prevalência sobre cálculo produzido pela parte. 1. Se a matéria referente ao pedido de nova avaliação do bem, não foi decidida perante o Juízo a quo, não pode ser apreciada nesta instância recursal, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do juiz natural e do duplo grau de jurisdição. 2. Se a agravante não comprovou erro nas contas do contador judicial, correta a decisão que homologa seus cálculos, notada-mente porque o mesmo se reveste de imparcialidade, devendo prevalecer sobre os cálculos elaborados pelas partes. 3. Agravo conhecido em parte e, na parte conhecida, negado provi-mento.” (TJDFT – Proc. 20140020092124 – (825407) – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJe 20.10.2014 – p. 210)

8217 – Desapropriação – reforma agrária – execução – fixação de prazo razoável para emissão de títulos da dívida agrária

“Administrativo. Desapropriação para fins de reforma agrária. Execução. Fixação de prazo razoável para emissão de títulos da dívida agrária. TDAS. Imposição de multa diária comi-natória. Cabimento. Nos termos da jurisprudência do STJ, é cabível, mesmo contra a Fazen-da Pública, a cominação de astreintes como meio executivo para cumprimento de obriga-ção de fazer ou entregar coisa (arts. 461 e 461-A do CPC). Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 564.753 – (2014/0171499-4) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 29.10.2014 – p. 879)

8218 – Desconsideração da personalidade jurídica – medida excepcional – requisitos – ausência

“Agravo regimental. Agravo de instrumento. Desconsideração da personalidade jurídica. Me-dida excepcional. Ausentes requisitos. 1. A desconsideração da personalidade jurídica é me-dida excepcional e deve ter aplicação restrita. 2. A simples demonstração da insolvência ou da execução frustrada em relação à pessoa jurídica, não justifica a constrição do patrimônio individual dos sócios. 3. Agravo regimental não provido.” (TJDFT – AgRg 20140020249073 – (826080) – Rel. Des. Flavio Rostirola – DJe 20.10.2014 – p. 170)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo interno, dito regimental, interposto objetivando submeter à apreciação do respectivo órgão colegiado o inconformismo contra decisão monocrática deste Relator por meio da qual negou seguimento ao agravo de instrumento em razão da ausência dos requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica.

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Por não vislumbrar motivo hábil para reconsiderar a decisão, sujeito o julgamento desta egrégia Turma Cível, na forma do art. 221, § 3º, do RITJDFT.

Na origem, cuida-se de ação em fase de cumprimento de sentença, e o Juízo a quo inde-feriu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora.

Aduziu a parte agravante que caberia a desconsideração da personalidade jurídica da empresa agravada, com base no art. 50 do Código Civil, diante do abuso de personalidade da ré que deixou de honrar com as obrigações contratuais assumidas, ofendendo os prin-cípios da boa-fé contratual, da probidade e da proibição do enriquecimento sem causa.

O TJDFT negou seguimento ao recurso em razão da ausência dos requisitos necessários para a desconsideração da personalidade jurídica.

Sobre a questão da desconsideração da personalidade jurídica, vejamos os ensinamentos do Procurador Alex Perozzo Boeira:

“A ideia de sociedade personalizada surge justamente com o propósito de titularizar (a pessoa coletiva) seus próprios direitos e obrigações. Pretendia-se, com o ente criado, a construção normativa de uma pessoa distinta da do sócio criador, com o intuito de estimu-lar o desenvolvimento econômico, a circulação de riqueza e a segurança para o investidor.

Em que pese o embate entre as teorias pré-normativistas e as normativistas, é fato que hoje a pessoa jurídica não pode ser concebida apenas como realidade preexistente; o arcabouço normativo regulatório da constituição e funcionamento cada vez mais aproxima o ente moral do Direito que o criou.

Nesse contexto, a pessoa jurídica qualifica-se como um ‘ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos’, ou também como um ‘sujeito de direito ina-nimado personalizado’, distinguindo-se, assim, dos seres humanos.

Veja-se que a personalização, como criação do Direito (na concepção normativista), apre-senta alguns efeitos necessários. Com a constituição da pessoa jurídica, a titularidade das relações negociais passa a ser própria, estabelecendo-se os mais diversos vínculos jurídi-cos em nome do próprio ente moral. Também no plano processual se percebe o reflexo da personalização, já que a titularidade processual passa a ser da pessoa constituída, e não dos sócios constituidores.

Talvez, porém, a consequência mais significativa seja aquela afeta à responsabilidade patrimonial. De fato, ao enlaçar obrigações no desempenho do objeto social, a pessoa jurídica passa a responder, de per si e com seu próprio patrimônio, pelos resultados obtidos no desempenho da atividade (notadamente atividade econômica, de produção e circulação de bens e de prestação de serviços).

Como bem ensina o ilustre Professor Fran Martins, ‘constituída a pessoa jurídica, passa ela a ter patrimônio próprio. [...] Esse patrimônio pertence à sociedade, e não aos sócios; é justamente a totalidade do patrimônio que vai responder, perante terceiros, pelas obri-gações assumidas pela sociedade’.

Em suma, é o patrimônio do sujeito passivo da relação obrigacional que responde pela dívida. E daí advém a tão propagada autonomia patrimonial entre os bens e direitos dos sócios e os bens e direitos da pessoa jurídica. Portanto, há, de regra, a separação entre o acervo patrimonial do ente criado e do criador, respondendo apenas os bens da entidade coletiva pelas obrigações sociais.” (A desconsideração da personalidade jurídica – Noções gerais e questões controvertidas à luz da doutrina e da jurisprudência. Disponível em: online.sintese.com)

8219 – Desconsideração da personalidade jurídica – requisitos – validade

“Processual civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Requisitos. Recurso especial. Alínea c. Não demonstração da divergência. 1. A divergência jurisprudencial deve ser com-provada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou asseme-

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lham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indis-pensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpreta-ção legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do recurso especial com base na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 545.460 – (2014/0171599-2) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 30.10.2014 – p. 211)

Comentário Editorial SÍNTESEA parte agravante alega, em suma, que foram preenchidos requisitos de admissibilidade do nobre apelo e que a divergência jurisprudencial foi corretamente demonstrada.

Pugna pela reconsideração da decisão agravada ou pelo provimento, pelo Colegiado, do agravo regimental.

O STJ negou provimento ao agravo.

Oportuno trazer trecho do voto do Relator:

“Ausente a comprovação da necessidade de retificação a ser promovida na decisão agra-vada, proferida com fundamentos suficientes em consonância com entendimento pacífico deste Tribunal, não há prover o agravo regimental que contra ela se insurge.”

Sobre a desconsideração da personalidade jurídica cabe trazer as lições de Alex Perozzo Boeira:

“A ideia de sociedade personalizada surge justamente com o propósito de titularizar (a pessoa coletiva) seus próprios direitos e obrigações. Pretendia-se, com o ente criado, a construção normativa de uma pessoa distinta da do sócio criador, com o intuito de estimu-lar o desenvolvimento econômico, a circulação de riqueza e a segurança para o investidor.

Em que pese o embate entre as teorias pré-normativistas e as normativistas, é fato que hoje a pessoa jurídica não pode ser concebida apenas como realidade preexistente; o arcabouço normativo regulatório da constituição e funcionamento cada vez mais aproxima o ente moral do Direito que o criou.

Nesse contexto, a pessoa jurídica qualifica-se como um ‘ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos’, ou também como um ‘sujeito de direito ina-nimado personalizado’, distinguindo-se, assim, dos seres humanos.

Veja-se que a personalização, como criação do Direito (na concepção normativista), apre-senta alguns efeitos necessários. Com a constituição da pessoa jurídica, a titularidade das relações negociais passa a ser própria, estabelecendo-se os mais diversos vínculos jurídi-cos em nome do próprio ente moral. Também no plano processual se percebe o reflexo da personalização, já que a titularidade processual passa a ser da pessoa constituída, e não dos sócios constituidores.

Talvez, porém, a consequência mais significativa seja aquela afeta à responsabilidade patrimonial. De fato, ao enlaçar obrigações no desempenho do objeto social, a pessoa jurídica passa a responder, de per si e com seu próprio patrimônio, pelos resultados obtidos no desempenho da atividade (notadamente atividade econômica, de produção e circulação de bens e de prestação de serviços).

Como bem ensina o ilustre Professor Fran Martins, ‘constituída a pessoa jurídica, passa ela a ter patrimônio próprio. [...] Esse patrimônio pertence à sociedade, e não aos sócios; é justamente a totalidade do patrimônio que vai responder, perante terceiros, pelas obri-gações assumidas pela sociedade’.

Em suma, é o patrimônio do sujeito passivo da relação obrigacional que responde pela dívida. E daí advém a tão propagada autonomia patrimonial entre os bens e direitos dos sócios e os bens e direitos da pessoa jurídica. Portanto, há, de regra, a separação entre o

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acervo patrimonial do ente criado e do criador, respondendo apenas os bens da entidade coletiva pelas obrigações sociais.

[...]

A constituição da pessoa jurídica e a autonomização do seu patrimônio contribuiu sobre-maneira para o desenvolvimento da atividade econômica, alavancando os investimentos e gerando (relativa) segurança para os integrantes dos quadros sociais. Vale dizer, por meio do ente coletivo personalizado, permitiu-se a limitação dos prejuízos, preservando-se o patrimônio pessoal dos sócios/investidores, ao menos em linha de princípio, do eventual insucesso nas atividades produtivas.

A limitação, entretanto, não poderia servir ao locupletamento injusto dos sócios, em detri-mento de credores com interesses legítimos. O Direito não tutela o ilícito; apenas o tipifica e o qualifica, tornando possível a correção do vício ou do desvio. Desse modo, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com suas diversas facetas e distinções doutri-nárias, propicia, em verdade, a afirmação do instituto da pessoa jurídica, já que apenas tolhe a atuação desvirtuada, permitindo a higidez do sistema e a proteção da confiança nas relações privadas.

Ao rejeitar a autonomia patrimonial, repelir o exercício da atividade societária por vias ilícitas (ilícito aqui empregado em sentido lato) e permitir o acesso aos bens dos sócios, a disregard doctrine confere coesão ao sistema e guarnece a utilização da pessoa jurídica para os objetivos reais de sua constituição.” (A desconsideração da personalidade jurídica – Noções gerais e questões controvertidas à luz da doutrina e da jurisprudência. Disponí-vel em: online.sintese.com)

8220 – Direito de vizinhança – ação indenizatória – infiltrações – nexo causal – demons-tração – indenização dos danos materiais – necessidade

“Direito de vizinhança. Ação indenizatória. Infiltrações. Nexo causal. Demonstração. Inde-nização dos danos materiais. Necessidade. Descaracterização de qualquer excludente de responsabilidade do requerido. Sentença mantida. Recurso do requerido improvido. O con-junto probatório acostado aos autos revela suficiente robustez em demonstrar a existência de danos no imóvel do requerente e o nexo causal com o comportamento do requerido. De rigor, assim, o pagamento de indenização requerida. Direito de vizinhança. Danos morais. Configuração. Meros dissabores cotidianos. Descaracterização. Ocorrência de dano, nexo causal e negligência do requerido a causar abalo de ordem imaterial ao requerente. Recurso do requerente provido. Tendo dado causa às infiltrações no imóvel do requerente, conforme demonstrado nos autos, tem o Requerida o dever de reparar os danos materiais causados, fato este que não o isenta de responder por danos morais acarretados ao requerente, em decorrên-cia dos naturais aborrecimentos, chateações de situações como a enfrentada pelo requerente em razão da negligência do requerido.” (TJSP – Ap 0001443-29.2012.8.26.0369 – Monte Aprazível – 31ª CDPriv. – Rel. Armando Toledo – DJe 16.09.2014 – p. 1380)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de indenização por danos materiais e morais ajuizada a objetivar a con-denação do requerido ao pagamento de R$ 4.489,70, a título de danos materiais, e de quantia não inferior a 20 salários-mínimos, a título de danos morais.

A r. sentença julgou procedente, em parte, a ação, afastando o pedido de danos morais e condenando o requerido ao pagamento de R$ 8.021,59, por danos materiais, com correção monetária pela tabela prática do eg. TJSP a contar do ajuizamento da ação e com incidência de juros de mora de 1% a contar da citação. Em razão da sucumbência recíproca, determinou a divisão das custas igualmente entre as partes, as quais arcarão com os honorários de seus causídicos.

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Irresignado, apela o autor, a pretender a reforma da sentença, para que seja o requerido também condenado em danos morais, sob a alegação de que teve e continua tendo gran-des aborrecimentos, que, de qualquer forma, provocam perturbação de sua tranquilidade. Pleiteia, também, a condenação do requerido em honorários advocatícios.

Recorreu, também, o requerido a alegar que o autor não trouxe aos autos elementos convincentes e comprobatórios dos valores por ele apresentados para a comprovação dos danos materiais, uma vez que apresentou apenas um orçamento, quando a praxe consiste em apresentar três orçamentos, sendo certo que estes valores não poderiam ter sido aco-lhidos pelo d. Magistrado. Aduziu, ainda, que também não poderia ter sido adotado pela r. sentença o valor apontado pela Sra. Perita como necessário para a reforma do imóvel, pois desprovido de fundamentação. Por fim, sustenta que o laudo pericial não foi conclu-sivo em demonstrar o nexo causal entre os danos suportados pelo autor e qualquer ação ou omissão do requerido. Sendo assim, pretende a reforma da r. sentença, para que seja julgada totalmente improcedente.

Consta da inicial que o autor é proprietário de um imóvel que faz divisa com outro perten-cente ao requerido. Informou o autor que no imóvel do requerido existem infiltrações que há tempos vem lhe causando transtornos e prejuízos, pois teve danificada sua parede, um jogo de armário de cozinha, além de parte do piso que está se soltando, sendo assim, pleiteou indenização por danos materiais e danos morais.

O direito de vizinhança é distinguido pela proximidade, ou melhor, pela pouca distância que existe entre os proprietários dos imóveis ou condôminos. Diante disso, qualquer pre-juízo que venha a ser causado ao outro tem que ser reparado de forma a não causar mais problemas ou perturbações no seu direito.

Sobre este direito, vejamos os esclarecimentos de Eusébio Carvalho:

“A propriedade é um direito fragmentado e a função social incide em cada regime proprie-tário. Contudo, é importante ficar claro que a intensidade da sua funcionalização pode até variar de propriedade para propriedade, mas nunca irá abandonar os princípios constitu-cionais garantidores da dignidade da pessoa humana.

A função social da propriedade não é uma limitação ao direito de propriedade, e sim um de seus elementos constitutivos, interagindo diretamente no conceito. Nesse sentido, André Osório Godinho, em brilhante trabalho doutrinário, assevera que:

‘Outra diferença reside no fato de que as limitações apenas atingem o exercício do direito, mas nunca sua substância, e que só se justificam se uma nova concepção do direito de propriedade é aceita.

A função social atinge a própria essência do direito de propriedade, modificando o seu conteúdo e criando as condições propícias para a legitimidade das restrições impostas ao domínio. A função social também não representa um ônus para o proprietário, pois, na realidade, a mesma visa a simplesmente fazer com que a propriedade seja utilizada de maneira normal, cumprindo o fim a que se destina’.” (Direito à propriedade – Do discurso à realidade. Revista SÍNTESE de Direito Civil e Processual Civil, n. 24, p. 19, jul./ago. 2003)

8221 – Dívida rural – alongamento – art. 14 da Lei nº 4.829/1965 – requisitos legais – não preenchimento

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Dívida rural. Alongamento. Art. 14 da Lei nº 4.829/1965. Prequestionamento. Ausência. Súmulas nº 282 e 356/STF. Requisitos legais. Não preenchimento. Capitalização mensal. Pactuação expressa. Revisão. Impossibilidade. Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. Dissídio pretoriano. Demonstração analítica. Ausência. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 142.496 – (2012/0031239-4) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 31.10.2014 – p. 652)

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8222 – Exceção de pré-executividade – penhora – bem de família

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Exceção de pré-executividade. Penhora. Bem de família. Garantia em favor de terceiro. Art. 3º, V, da Lei nº 8009/1990. Aplicação da Súmula nº 83/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte orienta que a exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990 não se aplica aos casos em que a hipoteca é dada como garantia de empréstimo contraído em favor de terceiro, somente quando garante empréstimo tomado diretamente em favor do próprio devedor. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 444.117 – (2013/0391927-5) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.10.2014 – p. 2293)

8223 – Execução de título extrajudicial – penhora de bem de família – hipoteca

“Agravo regimental no recurso especial. Embargos de terceiro. Execução de título extraju-dicial. Penhora de bem considerado como de família. Hipoteca constituída pelo compa-nheiro da embargante como garantia de dívida da pessoa jurídica da qual compõe o qua-dro societário. Impenhorabilidade. Não incidência da exceção prevista no art. 3º, V, da Lei nº 8.009/1990. Ônus da prova do exequente. 1. Segundo o entendimento dominante da Se-gunda Seção, é impenhorável o bem de família dado em hipoteca como garantia de dívida contraída por terceiro. 2. A exceção à garantia do direito à habitação, corporificada na Lei nº 8.009/1990, prevista no inciso V do art. 3º da Lei nº 8.009/1990, incide quando o bem é dado em garantia de dívida da própria entidade familiar. 3. As razões articuladas no agravo não infirmam as conclusões expendidas na decisão agravada. 4. Agravo regimental despro-vido.” (STJ – AgRg-REsp 1.292.098 – (2011/0255463-1) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 20.10.2014 – p. 2253)

8224 – Factoring – direito de regresso – cláusula contratual – impossibilidade

“Civil. Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Factoring. Direito de regresso. Cláusula contratual. Impossibilidade. Decisão mantida. 1. Consoante jurispru-dência desta Corte, o risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadimplemento dos contratos cedidos. 2. Agravo regimental a que nega provimen-to.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 424.925 – (2013/0365025-8) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 29.10.2014 – p. 1032)

8225 – Falência – impontualidade injustificada – insolvência econômica – demonstração – desnecessidade

“Direito empresarial. Falência. Impontualidade injustificada. Art. 94, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. Insolvência econômica. Demonstração. Desnecessidade. Parâmetro. Insol-vência jurídica. Depósito elisivo. Extinção do feito. Descabimento. Atalhamento das vias or-dinárias pelo processo de falência. Não ocorrência. 1. Os dois sistemas de execução por concurso universal existentes no direito pátrio – insolvência civil e falência –, entre outras diferenças, distanciam-se um do outro no tocante à concepção do que seja estado de insol-vência, necessário em ambos. O sistema falimentar, ao contrário da insolvência civil (art. 748 do CPC), não tem alicerce na insolvência econômica. 2. O pressuposto para a instauração de processo de falência é a insolvência jurídica, que é caracterizada a partir de situações objetivamente apontadas pelo ordenamento jurídico. No caso do direito brasileiro, caracte-riza a insolvência jurídica, nos termos do art. 94 da Lei nº 11.101/2005, a impontualidade injustificada (inciso I), execução frustrada (inciso II) e a prática de atos de falência (inciso III). 3. Com efeito, para o propósito buscado no presente recurso – que é a extinção do feito sem

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resolução de mérito –, é de todo irrelevante a argumentação da recorrente, no sentido de ser uma das maiores empresas do ramo e de ter notória solidez financeira. Há uma presunção legal de insolvência que beneficia o credor, cabendo ao devedor elidir tal presunção no curso da ação, e não ao devedor fazer prova do estado de insolvência, que é caracterizado ex lege. 4. O depósito elisivo da falência (art. 98, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005), por óbvio, não é fato que autoriza o fim do processo. Elide-se o estado de insolvência presumida, de modo que a decretação da falência fica afastada, mas o processo converte-se em verdadeiro rito de cobrança, pois remanescem as questões alusivas à existência e exigibilidade da dívi-da cobrada. 5. No sistema inaugurado pela Lei nº 11.101/2005, os pedidos de falência por impontualidade de dívidas aquém do piso de 40 (quarenta) salários-mínimos são legalmente considerados abusivos, e a própria lei encarrega-se de embaraçar o atalhamento processual, pois elevou tal requisito à condição de procedibilidade da falência (art. 94, inciso I). Porém, superando-se esse valor, a ponderação legal já foi realizada segundo a ótica e prudência do legislador. 6. Assim, tendo o pedido de falência sido aparelhado em impontualidade injus-tificada de títulos que superam o piso previsto na lei (art. 94, I, da Lei nº 11.101/2005), por absoluta presunção legal, fica afastada a alegação de atalhamento do processo de execução/cobrança pela via falimentar. Não cabe ao Judiciário, nesses casos, obstar pedidos de falên-cia que observaram os critérios estabelecidos pela lei, a partir dos quais o legislador separou as situações já de longa data conhecidas, de uso controlado e abusivo da via falimentar. 7. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.433.652 – (2013/0200388-3) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 29.10.2014 – p. 1187)

8226 – Marca – patente – sistema pipeline – revalidação – requisitos

“Recurso especial. Patente. Sistema pipeline. Revalidação no Brasil. Requisitos próprios, não exigíveis para as patentes ordinárias. Princípio da novidade e atividade inventiva aferidos na jurisdição originária. 1. O Tribunal de origem motivou adequadamente sua decisão, so-lucionando a controvérsia ao aplicar o direito que entendeu cabível à hipótese. 2. As paten-tes concedidas sob o regime pipeline, justamente por constituírem exceção à regra geral da patenteação ordinária, são submetidas a requisitos específicos e predefinidos pela lei. 3. O sistema de patentes pipeline, também chamado de ‘patente de importação’ ou ‘patente de revalidação’, compreende patentes extraordinárias e transitórias e possibilita a outorga de proteção a inventos cujo patenteamento não era autorizado pela legislação brasileira anterior ao atual diploma normativo (qual seja, a Lei nº 5.772/1971), tais como produtos químicos, produtos e processos químico-farmacêuticos, medicamentos de qualquer espécie, produtos alimentícios, dentre outros. 4. Os princípios da novidade, atividade inventiva e aplicação industrial estabelece requisitos particulares quando da concessão da patente pipeline, a teor do que dispõe o art. 230 e parágrafos da Lei nº 9.279/1996. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.201.454 – (2010/0118433-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 31.10.2014 – p. 681)

8227 – Menor sob guarda – fundamentos constitucionais autônomos – não interposição de recurso extraordinário – Súmula nº 126/STJ

“Processual civil. Agravo regimental. Menor sob guarda. Fundamentos constitucionais autô-nomos. Não interposição de recurso extraordinário. Súmula nº 126/STJ. Honorários advocatí-cios. Revisão. Matéria fático-probatória. Incidência da Súmula nº 7/STJ, no caso. Alegação de matéria estranha ao recurso especial. Inovação recursal. Preclusão consumativa. 1. O acórdão recorrido decidiu a matéria de fundo estabelecendo a prevalência do art. 33, § 3º, do ECA, com base na aplicação de preceitos e princípios constitucionais, especialmente o ‘princípio da prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente’ (art. 227) e o princípio da

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isonomia (art. 5º). 2. Quanto à matéria relativa ao art. 515, § 3º, do CPC, o acórdão recorrido invocou a aplicação do princípio da economia processual e da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF). 3. No entanto, o ora agravante interpôs apenas o recurso especial, sem discutir a matéria constitucional, em recurso extraordinário, no excelso Supremo Tribunal Federal. Incide, pois, a Súmula nº 126/STJ: ‘É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles sufi-ciente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário’. 4. A revisão da verba honorária implica, como regra, reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado em recurso especial (Súmula nº 7/STJ). Excepciona-se apenas a hipótese de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso. 5. A jurisprudência do STJ firmou--se no sentido de que ocorre a preclusão consumativa quando a matéria ventilada em agravo regimental constitui inovação recursal em relação ao recurso especial. Nesse sentido: AgRg--AREsp 11.095/SP, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 29.11.2012; AgRg-AREsp 231.214/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 26.11.2012; AgRg-AREsp 180.724/SE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 25.10.2012; AgRg-REsp 1.156.078/PR, Rel. Min. Ar-naldo Esteves Lima, 1ª T., DJe 14.11.2012. 6. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-EDcl-AgRg-REsp 1.317.962 – (2012/0069598-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 31.10.2014 – p. 584)

8228 – Multa – intimação na pessoa do advogado do devedor – publicação na imprensa oficial – precedentes

“Agravo regimental no recurso especial. Processual civil. Cumprimento de sentença. Multa. Art. 475-J do Código de Processo Civil. Intimação na pessoa do advogado do devedor. Publi-cação na imprensa oficial. Precedentes. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a multa prevista no art. 475-J do CPC não incide automaticamente após o trânsito em julgado da decisão, revelando-se necessária (e suficiente) a intimação do devedor na pessoa do seu advo-gado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de 15 (quinze) dias. Caso não o efetue, passará a ser devida a sanção incidente sobre o montante da conde-nação. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.267.172 – (2011/0169532-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 31.10.2014 – p. 681)

8229 – Recuperação judicial – compra e venda de açúcar para exportação – imóveis rurais – garantia fiduciária

“Processual civil. Conflito positivo de competência. Recuperação judicial. Contratos de com-pra e venda de açúcar para exportação. Garantia fiduciária sobre imóveis rurais. Execução. Crédito excluído do plano de recuperação. Art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 1. Em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, não se submetem aos efeitos da recuperação judicial os créditos garantidos por alienação fiduciária. 2. Hipótese em que os imóveis rurais sobre os quais recai a garantia não são utilizados como sede da unidade produtiva, não se tratando de bens de capital imprescindíveis à atividade empresarial das devedoras em recupe-ração judicial, tanto que destinados à venda no plano de recuperação aprovado. 3. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito da 25ª Vara Cível de São Paulo para prosseguimento da execução.” (STJ – CC 131.656 – (2013/0400797-6) – 2ª S. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.10.2014 – p. 2010)

8230 – Recurso – interposição via fax – não apresentação dos originais dentro do prazo legal de cinco dias – intempestividade

“Processual civil. Agravo regimental. Interposição via fax. Não apresentação dos originais dentro do prazo legal de cinco dias. Intempestividade. 1. Interposto o recurso via fax, com-

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pete à parte recorrente apresentar os originais dentro do prazo contínuo de cinco dias, pre-visto no art. 2º da Lei nº 9.800/1999. 2. O termo inicial desse quinquídio é o dia imediata-mente subsequente ao termo final do prazo recursal, ainda que não haja expediente forense. 3. Na espécie, a decisão agravada foi publicada no dia 10.09.2014 (quarta-feira), e a fluência do prazo recursal a que se refere o art. 258 do RISTJ, se deu em 11.09.2014 (quinta-feira). A parte enviou o recurso de agravo via fax no dia 15.09.2014. No entanto, percebe-se que até o presente momento não foi apresentada a petição original do citado recurso, consoante atesta a certidão de fl. 353 (e-STJ). 4. Agravo regimental não conhecido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 560.381 – (2014/0197327-2) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 20.10.2014 – p. 2121)

8231 – Responsabilidade civil – ação de indenização – danos morais – valor – razoabili-dade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Responsabilidade civil. Ação de in-denização por danos morais. Ausência de indicação do dispositivo legal violado. Súmula nº 284/STF. Danos morais. Valor. Razoabilidade diante das peculiaridades do caso concreto. 1. Considera-se deficiente de fundamentação o recurso especial que não indica os dispositi-vos legais supostamente violados pelo acórdão recorrido, circunstância que atrai a incidência, por analogia, do Enunciado nº 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg--Ag-REsp 516.009 – (2014/0110903-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 30.10.2014 – p. 346)

8232 – Responsabilidade extracontratual – dano moral – juros de mora – fixação do ter-mo inicial

“Embargos de declaração no agravo em recurso especial. Recurso recebido como agravo regimental. Responsabilidade extracontratual. Dano moral. Juros de mora. Fixação do ter-mo inicial. Súmula nº 54/STJ. Jurisprudência do STJ. 1. Admitem-se como agravo regimental embargos de declaração opostos à decisão monocrática proferida pelo Relator do feito no Tribunal, em nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade. 2. ‘Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual’ (Súmula nº 54/STJ). 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.” (STJ – EDcl-Ag-RE 531.023 – (2014/0140533-0) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 31.10.2014 – p. 674)

8233 – Seguro DPVAT – ação de cobrança – ônus da prova – inversão

“Seguro DPVAT. Ação de cobrança. Determinação de inversão do ônus da prova durante o curso do processo. Inadmissibilidade. Matéria a ser enfocada apenas na oportunidade da sentença, se necessário. Agravo provido. As regras atinentes à repartição do ônus da prova são de julgamento, e não de conduta probatória, de modo que cabe ao juiz ordená-la na sentença, uma vez deparando com a ausência de demonstração do fato. Portanto, não existe lugar para abordagem do tema no curso do processo, antes do momento apropriado. Seguro DPVAT. Ação de cobrança. Perícia. Salário do perito. Adiantamento. Providência que incum-be à autora. Agravo provido. Tendo requerido a produção de prova pericial, cabe à autora, nos termos do art. 33 do CPC, efetuar o adiantamento das despesas respectivas. Trata-se de hipótese que tem enquadramento em lei, alcançada pela norma geral do mencionado art. 33 do CPC. Seguro DPVAT. Ação de cobrança. Alegação de vício pela falta de comprovação

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de pedido administrativo. Desacolhimento. Agravo improvido. A ausência de comprovação de pedido administrativo de pagamento de indenização e da recusa por parte da seguradora não constituem requisitos de admissibilidade para a propositura da ação, não sendo possível, de pronto, falar em falta de interesse processual.” (TJSP – AI 2154621-33.2014.8.26.0000 – Limeira – 31ª CDPriv. – Rel. Antonio Rigolin – DJe 20.10.2014 – p. 1887)

8234 – Seguro obrigatório – DPVAT – correção monetária – termo a quo – data do aci-dente

“Processual civil e civil. Agravo regimental no recurso especial. Seguro obrigatório DPVAT. Correção monetária. Termo a quo. Data do acidente. Agravo regimental a que se nega provi-mento. 1. ‘Na ação de cobrança de indenização do seguro DPVAT o termo inicial da correção monetária é a data do evento danoso’ (AgRg-AREsp 46.024/PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, Ter-ceira Turma, Julgado em 16.02.2012, DJe 12.03.2012). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.480.735 – (2014/0233251-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 30.10.2014 – p. 423)

8235 – Sentença – cumprimento – citação – multa do art. 475-J do CPC – aplicabilidade

“Embargos de declaração. Cumprimento de sentença com trânsito em julgado anterior à Lei nº 11.232/2005. Citação realizada ainda sob a égide da lei anterior. Multa do art. 475-J do CPC. Aplicabilidade. Inexistência dos vícios do art. 535 do CPC. 1. Ainda que a citação da parte para os efeitos da sentença condenatória tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 11.232/2005, pode (e deve) o Juízo da Execução, em observância ao princípio do tempus regit actum, proceder à readequação do feito à nova lei, no caso. 2. Embargos de declaração acolhidos sem efeitos infringentes.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag-REsp 38.203 – (2011/0202767-0) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 30.10.2014 – p. 289)

8236 – Sentença estrangeira contestada – curadoria especial – alimentos

“Direito internacional. Processual civil. Sentença estrangeira contestada. Curadoria especial. Alimentos. Convenção sobre prestação de alimentos no estrangeiro (Decreto nº 56.826, de 02.12.1965). Chancela consular. Desnecessidade. Precedentes do STJ e STF. Debate sobre mérito. Inviabilidade. Precedentes do STJ. Requisitos de homologação presentes. 1. Cuida-se de pedido de homologação de sentença estrangeira de alimentos, encaminhada sob o rito da Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro (Decreto nº 56.826, de 02.12.1965). 2. A chancela consular, nos casos de homologação de sentença estrangeira em que figurem como requerentes autoridade remetente (no país de origem) e a instituição intermediária (no Brasil), é dispensável, nos próprios termos da Convenção de Nova York sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro. Precedentes do STF e STJ. 3. Quanto às alegações de inconsistência no documento trazido aos autos, por não apontar o Sr. L. A. da T. D. do R. como requeri-do, impossibilidade de homologação, por ter o alimentando mais de 18 (dezoito) anos, bem como questões relativas às prestações vencidas devidas, aventadas pela zelosa Defensoria Pública da União, são matérias que desbordam do mero juízo de delibação. Precedentes do STJ. 4. Estando presentes os requisitos formais, previstos na Resolução STJ nº 09/2005, é de ser homologada a sentença de divórcio proferida no estrangeiro. 5. Pedido de homologação deferido.” (STJ – SEC 11.433 – (2014/0217228-0) – C.Esp. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 16.10.2014 – p. 1465)

8237 – Separação consensual – partilha de bens – pleito por nova perícia

“Civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Família. Separação consensual. Par-tilha de bens. Pleito por nova perícia. Embargos de declaração opostos contra juízo negativo

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pela origem ao seguimento do especial. Não cabimento. Impossibilidade de interrupção do prazo. Precedentes. 1. O meio adequado para impugnar a decisão na origem que obsta se-guimento a via especial é o agravo em recurso especial, em razão do princípio da unicidade recursal. 2. O Superior Tribunal de Justiça orienta que, excepcionalmente, é cabível a opo-sição de embargos de declaração contra decisum desprovido de elementos que possibilitem a interposição do agravo em recurso especial (EAREsp 275.615/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial). 3. O caso dos autos não cuida dessa excepcionalidade, porque o Tribunal a quo apresentou fundamentação suficiente e rejeitou os aclaratórios, o que os torna mani-festamente inadmissíveis e retira o seu efeito de interromper o prazo recursal. Desse modo, reconhece-se a extemporaneidade do agravo em recurso especial. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 522.118 – (2014/0117345-0) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 20.10.2014 – p. 2218)

8238 – SFH – ausência de débito – admissibilidade – negativa de prestação jurisdicional

“Agravo regimental no recurso especial. Sistema financeiro de habitação. Ausência de débi-to. Admissibilidade. Negativa de prestação jurisdicional. Art. 535 do CPC. Não ocorrência. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o Tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sen-tido pretendido pela parte. 2. Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivos apontados como violados no recurso especial, incide o disposto na Súmula nº 211/STJ. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.416.378 – (2013/0368336-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 29.10.2014 – p. 982)

8239 – Sociedade – transferência de titularidade das marcas – risco de confusão ao con-sumidor – caracterização de ato de má-fé

“Direito societário e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ne-gativa de prestação jurisdicional não caracterizada. Transferência de titularidade das marcas. Risco de confusão ao consumidor. Caracterização de ato de má-fé processual. Necessidade de reexame de matéria fática. 1. O julgador não está obrigado a se manifestar sobre cada uma das alegações das partes, tampouco a enfrentar todas as teses expendidas em suas manifesta-ções, respondendo, um a um, os argumentos nelas deduzidos, quando a decisão está suficien-temente fundamentada. 2. No caso dos autos, a discussão relacionada à efetiva transferência da titularidade das marcas, ao risco de confusão para o consumidor pelo uso dessas mesmas marcas e à caracterização dos atos de má-fé processual que desaguaram na aplicação das multas dos arts. 17 e 18 do Código de Processo Civil, demanda verdadeiro reexame de provas, merecendo aplicação a Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 559.952 – (2014/0191332-0) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 16.10.2014 – p. 1601)

8240 – Título de crédito – garantia – contrato de depósito – necessidade de individua-lização

“Direito civil e processual civil. Títulos de crédito dados em garantia. Contrato de depósito. Necessidade de individualização dos títulos de crédito. Reexame de matéria fática. Honorá-rios advocatícios fixados em menos de 1% do proveito econômico perseguido no feito. Valor irrisório. Revisão em sede de recurso especial. Possibilidade. 1. O contrato de depósito não se perfaz sem que haja identificação precisa do bem depositado. 2. Tendo as instâncias de origem, soberanas na apreciação das provas, afirmado que não houve especificação suficiente

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dos títulos de crédito que constituíam o objeto do depósito, não é possível afirmar o contrário sem reexaminar a prova dos autos. Incidência da Súmula nº 7/STJ. 3. A discussão relativa à admissibilidade da tradição simbólica revela-se desinfluente no caso em análise, porque, como assinalado, não houve especificação dos títulos depositados, de maneira que a regula-ridade do contrato está, de qualquer forma, comprometida. 4. Na linha dos precedentes desta Corte, considera-se irrisória a verba honorária fixada em menos de 1% do valor da causa ou do proveito econômico perseguido no feito, admitindo-se, nesses casos, a revisão desse valor em sede de recurso especial. 5. Recurso especial de Electrolux do Brasil S.A. desprovido e de Kamal Fayad parcialmente provido para majorar o valor dos honorários advocatícios ao patamar de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).” (STJ – REsp 713.257 – (2004/0183380-7) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 16.10.2014 – p. 1619)

8241 – Tutela antecipada – ação de obrigação de fornecimento de serviço – danos morais – decisão monocrática

“Agravo regimental em agravo (art. 544 do CPC). Ação de obrigação de fornecimento de serviço c/c pedido de antecipação de tutela e compensação por danos morais. Decisão mo-nocrática não conhecendo do recurso em razão de sua intempestividade. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a oposição de embargos de declaração contra decisão que na instância ordinária nega seguimento a recurso especial interrompe o prazo para a interposição de agravo para o Superior Tribunal de Justiça, nos casos em que proferida de forma ‘tão genérica que sequer permite a interposição do agravo’ (EAREsp 275615/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 24.03.2014). 2. No caso dos autos, entretanto, evidencia-se que a decisão que inadmitiu a subida do recurso especial não se encaixa na excepcionalidade, considerando que está devidamente fundamentada, devendo ser mantida a decisão unipessoal que reconhecera a intempestividade do agravo (art. 544 do CPC). 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 545.094 – (2014/0172362-8) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 30.10.2014 – p. 397)

8242 – Usucapião – imóvel rural – ausência de matrícula

“Processo civil, civil e registros públicos. Agravo retido. Não conhecimento. Ação de usu-capião. Imóvel rural. Ausência de matrícula. Falta de pressuposto de constituição e desen-volvimento do processo. Possibilidade jurídica do pedido. Pedido abstrato. Interesse de agir. Ausência de necessidade e utilidade. 1. Nos termos do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, não se conhece de agravo retido, se não se formula pedido a respeito, no apelo ou na resposta ao recurso. 2. A ausência de identificação minuciosa do imóvel rural compromete a instrução da usucapião especial rural quanto às condições de regularidade para a transcri-ção no registro de imóveis. Essa ausência caracteriza a falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, conjunto de atos e procedimentos específicos para a propositura da ação. 3. Não há como usucapir área que não corresponda à unidade imobi-liária autônoma e individualizada, vinculada à matrícula específica. 4. Consoante abalizada doutrina, a possibilidade jurídica do pedido consiste na ‘admissibilidade em abstrato, pelo or-denamento jurídico, do pedido do autor’ (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 260). 5. Não se mostra vedado, no ordenamento jurídico pá-trio, pedir, em tese, a declaração da prescrição aquisitiva. Se essa será reconhecida ou não, por meio da análise do preenchimento dos requisitos específicos, trata-se de exame a ser realizado em sede meritória. 6. A constatação de imóvel não individualizado e não autônomo revela falta de necessidade e utilidade quanto à ação de usucapião, inviabilizando o proces-

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samento do feito, ante a falta do interesse de agir. 7. Agravo regimental não provido.” (TJDFT – Proc. 20121010008889 – (818926) – Rel. Des. Flavio Rostirola – DJe 15.09.2014 – p. 143)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo interno, dito regimental, interposto objetivando submeter à apreciação do órgão colegiado o inconformismo contra decisão monocrática deste Relator que negou seguimento ao recurso de apelação, com assento no art. 557, caput, do Código de Pro-cesso Civil.

Os agravantes reiteraram os argumentos expendidos no recurso de apelação. Ressaltaram que seria desnecessária a matrícula individualizada do imóvel usucapiendo. Argumentou que a usucapião consubstanciaria propriedade nova, de modo a não se atrelar à antiga. Frisou que a matrícula específica do bem a ser usucapido não configuraria requisito à prescrição aquisitiva do imóvel.

O TJDFT negou provimento ao agravo.

Em que pesem as ponderações delineadas, no recurso interposto, mantenho o posiciona-mento esposado na decisão liminar, pois esse reflete minha livre convicção sobre o tema.

O Relator assim se manifestou:

“Permito-me reiterar as razões que expus na decisão agravada. Quanto ao agravo retido, interposto às fls. 286/290, os recorrentes não postularam o conhecimento de tal recurso, no bojo do apelo, razão pela qual dele não conheço, nos termos do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil.

[...]

Recorde-se que, consoante abalizada doutrina, a possibilidade jurídica do pedido con-siste na admissibilidade em abstrato, pelo ordenamento jurídico, do pedido do autor (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado ar-tigo por artigo. 2. ed. rev. atua. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 260).

Não se mostra vedado, portanto, no ordenamento jurídico pátrio, pedir, em tese, a de-claração da prescrição aquisitiva. Se essa será reconhecida ou não, por meio da análise do preenchimento dos requisitos específicos, trata-se de exame a ser realizado em sede meritória.”

Citamos, a seguir, trecho da doutrina de Carlos José Cordeiro:

“Professor Orlando Gomes diz que a tese da autonomia do usucapião é consagrada nas modernas legislações, e traça com clareza a distinção entre os dois institutos. Assim, do ponto de vista da finalidade, a prescrição é um modo de extinguir pretensões, enquanto o usucapião é modo de adquirir direitos reais. A base dos institutos também é diversa; na prescrição, é a inércia do sujeito de direito; no usucapião, é a posse continuada. Diverso é o aspecto da aplicabilidade; o usucapião restringe-se aos direitos reais. A prescrição, por fim, tem um sentido negativo, de extinção, enquanto que o usucapião é positivo, como força geradora. E conclui: ‘Não há que falar, por conseguinte, em prescrição aquisitiva’.

No mesmo sentido, aponta Eduardo Espínola, reconhecendo que há regras comuns às duas espécies de prescrição, aquisitiva (suposto usucapião) e extintiva, porém há entre elas diferenças substanciais: a prescrição aquisitiva tem essencialmente por base a posse, e assim exige a boa-fé; a prescrição extintiva, em regra, dispensa a posse, não exige por parte do devedor o requisito da boa-fé; a prescrição aquisitiva pode ser fonte de uma ação ou de uma exceção em proveito do adquirente; a extintiva, sendo praticamente um meio de refletir a ação, se apresenta sempre como exceção; o campo da prescrição aquisitiva não é tão vasto como o da extintiva: a primeira limita-se à aquisição da propriedade e dos direitos reais; a extintiva abrange todo o domínio do direito civil, aplicando-se a todas as classes de relações jurídicas.

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Dessa forma, entende-se não se poder, sob a análise científica, considerar o usucapião como uma espécie de prescrição aquisitiva, uma vez que diversos são os seus regimes, somente tendo incidência comum o decurso do tempo, como forma de contato entre os dois institutos. Essa afirmativa acompanha o posicionamento do Professor Nélson Luiz Pinto, que, citando Lafayette, assevera ‘ter a prescrição conotação negativa, isto é, nascer da inércia, tendo por efeito dissolver a obrigação e paralisar o direito correlato, e, con-sequentemente, não gerar direitos. O usucapião, ao contrário, é positivo, porque no seu modo de atuar predomina a força geradora; o proprietário perde o domínio não só por sua inércia, mas também porque o adquire o possuidor. Assim, o não uso do direito de propriedade não importa sua extinção, por ser imprescritível, enquanto existir o seu objeto (propriedade). De sorte que a única possibilidade que se apresenta é a da aquisição por outrem, denominada usucapião, quando, então, o objeto passará a outro titular’.

Pode-se, assim, esclarecido que o usucapião é uma forma de aquisição da propriedade, dentre os vários conceitos oferecidos pela doutrina, apresentar, segundo Nélson Luiz Pinto, ‘o que mais se aproxima do nosso ordenamento jurídico’, de lavra de Modestino: ‘O usu-capio este adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit, ou, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei’.

Observa-se, dessa última conceituação, bem como das outras arroladas, que dois são os elementos básicos, essenciais, para a aquisição por usucapião: posse e tempo. Exigindo--se, ainda, o animus domini. Ressalte-se que outros elementos podem se fazer presentes nas várias espécies de usucapião (ordinário, extraordinário e especial), tais como o justo título e a boa-fé, os quais serão analisados no momento oportuno.

[...]

Feitas as considerações iniciais sobre o usucapião e ressaltada a importância do instituto, cabe revelar que o direito brasileiro admite cinco espécies de usucapião, quais sejam: usucapião extraordinário, previsto pelo art. 550 do CC; usucapião ordinário, definido no art. 551 do CC; usucapião mobiliário, descrito nos arts. 618 e 619 do CC, respectiva-mente nas modalidades ordinário e extraordinário; usucapião especial rural ou pro labore, regulado pela Lei nº 6.969/1981, com as alterações dadas pela CF, no art. 191; e usuca-pião especial urbano, introduzido pelo art. 183 da Lei Maior.

Discriminadas as várias espécies de usucapião, deve-se dizer que não será objeto de estu-do a distinção entre os seus diversos tipos, sendo, na verdade, continente de outro tema monográfico. Disso, nota-se que fundamentalmente não divergem entre si as cinco formas de usucapir, exigindo-se sempre, dentre outros requisitos, para a sua concessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns casos, boa-fé e justo título.

Por aí, percebe-se que, para ocorrer o usucapião em geral, faz-se necessário o concurso de certos requisitos, que dizem respeito às pessoas a quem interessa (pessoais); às coisas e direitos que podem ser adquiridos desta maneira (reais); à forma por que se constitui (formais); e à qualificação da posse (especiais).

A explicação atinente a cada qual será feita nos tópicos seguintes, quando forem disseca-dos os requisitos do usucapião em geral. Advirta-se, porém, como anota Antônio Macedo de Campos, ‘que capacidade (pessoal) e coisa hábil (real) não estão expressas nos dispo-sitivos referentes ao usucapião. Resultam dos princípios gerais de direito’.

Os requisitos pessoais são aqueles que têm em vista o possuidor e o proprietário, de forma a abranger a capacidade de cada um, para a ocorrência do usucapião, concebendo-se, assim, a aquisição do domínio por um e perda da propriedade da coisa pelo outro.

Deveras, é regra manifesta que somente podem usucapir as pessoas capazes para pos-suir. Nesse engate, entende Lenine Nequete que são capazes de possuir tanto as pessoas físicas quanto morais, a comunidade hereditária, a pessoa jurídica de direito público e, in-

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clusive, os incapazes, por intermédio de seus representantes. Inclui, ainda, os sucessores legítimos ou testamentários do possuidor, bem como os credores e demais interessados.

Esta assertiva fundamenta-se, especialmente, no art. 162 do CC, uma vez que se per-mite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita. Ter-se-ia, então, terceiros interessados que seriam ‘todos aqueles que em favor dos quais constitui o possuidor um direito qualquer, que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos deste, v.g., o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao gravado, o enfiteuta em relação ao senhorio direto etc.’.

Com relação ao sujeito passivo, para sofrer os efeitos da perda da coisa, basta que ele seja o proprietário. Aí, incluem-se os relativamente incapazes, e excluem as pessoas jurídicas de direito público. Quanto aos primeiros, o art. 169, I, do CC não os abarca quando torna patente que não ocorre prescrição contra os incapazes de que trata o art. 5º, ou seja, os sujeitos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Quanto aos segundos, a CF determina que os bens públicos não serão adquiridos por usucapião.

Em suma, o usucapiente deve ser capaz, mas, em determinados casos, essa faculdade so-fre restrições decorrentes de diversos acontecimentos, inclusive familiar, obrigacional, etc.

Antônio Ferreira Inocêncio relaciona pessoas e situações jurídicas que não se afinam com o usucapião. Assim, tem-se:

‘a) Entre cônjuges, na constância do casamento (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, I), qualquer que seja o regime de bens.

b) Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder (CC, arts. 553, 619, pará-grafo único, e 168, II).

c) Entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, III).

d) Em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas representadas ou seus herdeiros, relativamente aos bens confiados à sua guarda (CC, arts. 553, parágrafo único, e 168, IV).’

Além dessas exceções, o mencionado autor enumera outros casos, aos quais é inaplicável o usucapião.

Interessante noticiar que, face à força declaratória de certeza jurídica, é possível ao pro-prietário intentar o usucapião sobre o seu imóvel, pois não há a menor ilegalidade em que o possuidor, por não ter confiança em seu título dominial, recorra à ação de usucapião.

A propósito, comenta Celso Agrícola Barbi que ‘não se justificam restrições ao uso da ação declaratória quanto à propriedade de imóveis. Pelo contrário, será de muita utilidade, quando alguém criar incerteza em torno do domínio de um bem dessa natureza, prejudi-cando seu uso, ou disponibilidade, pelo proprietário também possuidor. Poderá ele mover ação contra o pretenso dono, para ver declarado que é seu o domínio’.

Os requisitos reais relacionam-se com as coisas e direitos que podem ser objeto de aqui-sição por usucapião (res habilis). Desse modo, para ser objeto de usucapião, é mister que a coisa esteja no comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estejam fora do comércio, assim consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, na defi-nição do art. 69 do CC.

Anote-se, conforme José Carlos de Moraes Salles, ‘haver coisas naturalmente insuscetíveis de apropriação e, consequentemente, de usucapião, como, por exemplo, o ar, a luz natural e as águas livres. De outra parte, há coisas juridicamente inapropriáveis ou inusucapíveis, porque assim declaradas pelo Direito. Como exemplo, [...] os bens públicos de uso co-mum do povo, os de uso especial e os dominiais ou patrimoniais (art. 66 do CC)’.

Confirma-se que as coisas legalmente inalienáveis também não são usucapíveis, posto que elas têm o seu destino fixado por lei, como o bem de família (art. 72 do CC); os

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imóveis dotais (arts. 293 e 298 do CC); os bens de menores sob pátrio poder ou tutela (arts. 386, 427, VI, e 429 do CC); e os bens dos sujeitos à curatela (arts. 446, 453 e 463 do CC). Deve-se mencionar que a doutrina, hodiernamente, entende que, quando a inalienabilidade resulta de ato voluntário de testador ou doador, o bem assim clausulado pode ser objeto de usucapião.

Quanto aos direitos suscetíveis de usucapião, a doutrina reconhece que somente os di-reitos reais prescritíveis podem ser adquiridos, assim os que implicam posse dos objetos sobre que recaem, vale dizer, a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação. A propósito, ensina Wolff que ‘sólo puede adquirir-se por usucapión los derechos reales que faculten para la posesión de una cosa o de un derecho: como la propiedad, la superfície, las servidumbres’.

Em regra, só podem ser usucapidos os bens do domínio particular, ao passo que os bens públicos não se subordinam a tal incidência, conforme impõe a Súmula nº 340 do STF, pois que, ‘desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’. Essa orientação do Pretório Excelso foi acompanhada pelo atual Texto Constitucional, como se nota nos seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único.

A coisa hábil para usucapião é coisa corpórea e tangível, sendo indispensável para os imóveis que estes estejam perfeitamente individuados, com suas precisas características, extensão e confrontações, mesmo porque a posse ad usucapionem não seria compatível com a indeterminação dos limites ou de outros aspectos da coisa possuída.

Ressalta-se, entretanto, que é crescente o número de julgados que admite posse e usuca-pião sobre bens intangíveis (incorpóreos) como, v.g., o direito ao uso de linha telefônica. Vale dizer, também, que embora no usucapião de imóvel exija-se certeza e determinação, tem-se admitido usucapião de compossuidores, sobre partes ideais, de imóvel divisível ou não, quando a posse do todo é exercida conjuntamente.” (CORDEIRO, Carlos José. Usu-capião. Juris SÍNTESE, Porto Alegre: SÍNTESE/Thomson, nov./dez. 2005. 56 CD-ROM)

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Seção Especial – Com a Palavra, o Procurador

Alterações Legislativas e uma (Nova?) Observação Geral de Ordem Deontológica

LEONARDO OLIVEIRA SOARESMestre em Direito Processual pela PUC-MG, Membro da Academia Brasileira de Direito Pro-cessual Civil, Professor de Teoria Geral do Processo e Processo Civil na Faculdade de Direito de Ipatinga (MG), Procurador do Estado de Minas Gerais, atualmente na condição de Advogado Regional em Ipatinga.

RESUMO: No estudo, destaca-se a necessidade de mudança do agir dos sujeitos de direito, sob a perspectiva ética, como premissa para a efetividade do processo jurisdicional no Estado Democrático de Direito brasileiro.

RESUMEN: En el artículo, se destaca la necesidad de alteración de orden ética en la conducta de los sujetos de Derecho, como premisa para la efectividad del proceso judicial en lo Estado Democrático de Derecho brasileño.

PALAVRAS-CHAVE: Novo CPC; sujeito de direitos; ética; Estado Democrático de Direito brasileiro.

PALABRAS CLAVE: Nuevo Código Procesal Civil; sujetos de derecho; ética; Estado Democrático de Derecho brasileño.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Contexto de implantação de novo CPC; 2 Variação em torno da isonomia; 3 A Fazenda Pública em juízo no CPC projetado: prazos diferenciados; 4 A necessária e esperada (por quem?) modificação; 5 Insistência com uma perplexidade; 6 Pertinente ressalva de ordem científica; Conclusão; Referências.

Nenhum Código de Processo, como, de resto, qualquer outro diplo-ma normativo é dotado de aptidão para, por si só, tornar os operadores do direito mais ou menos éticos.

Sob essa ótica, e considerada a realidade forense pátria, pode dizer--se que o alcance da reforma legislativa que se pretende levar a cabo não será tão significativo como ingenuamente se supõe. (SOARES, Leonardo Oliveira. Primeiros escritos de direito processual: faz escuro mas eu canto)

INTRODUÇÃO

É de conhecimento da comunidade jurídica que se encontra em curso adiantado a votação, no Congresso pátrio, de Projeto de Lei para instituir novo Código de Processo Civil. Linhas gerais, podem ser assim resumidos os principais passos da respectiva tramitação até o presente momento:

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a) em julho de 2010, enviou-se ao Parlamento a proposta de CPC, doravante PLS 166/2010, redigida por ilustre comissão presidida pelo eminente Jurista Luiz Fux;

b) em dezembro de 2010, após democrático debate no Senado, votou-se a matéria, na forma do substitutivo de autoria do Sena-dor Valter Pereira (PL 8.406/2010)1;

c) em 12 de abril de 2011, com o intuito de ampliar a participa-ção da sociedade brasileira como um todo na confecção do novo CPC, o Ministério da Justiça inaugurou o sítio eletrônico <www.participacao.mj.gov.br/cpc>, por meio do qual recebeu, durante 30 dias, contribuições afins;

d) em 26 de novembro de 2013, após regular e democrática discus-são na Câmara dos Deputados, o texto base do Código foi objeto da pertinente votação2;

e) por fim, após o retorno do Projeto ao Senado, agendou-se para o dia 16 de julho de 20143 a nova apreciação da matéria nesta última Casa Legislativa.

Apressa-se em pontuar que não se pretendem analisar os supostos acertos ou desacertos do sistema processual em fase final de elaboração. Muito menos se vai aqui tratar de institutos contemplados em referido sis-tema normativo, v.g., a denominada sucumbência recursal4, a partir dos quais se pretende, por hipótese, viabilizar julgamentos e satisfação tempes-tivos em reverência ao mandamento da celeridade processual, estatuído no art. 5º, LXXVIII, inserto no Texto Constitucional, via Emenda nº 45, de de-zembro de 2004, como se a utilidade das decisões não se constituísse em simples inferência lógica do direito de livre acesso à jurisdição, também as-

1 No sítio eletrônico <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=84496&tp=1>, disponi-bilizou-se quadro comparativo entre o PLS 166/2010, o Código de Processo Civil em vigor e o texto de lei apreciado no Senado. Fica, pois, o registro.

2 Informação disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/direito-e-justica/457989-camara-conclui-votacao-do-texto-base-do-novo-cpc-e-adia-polemicas.html>. Acesso em: 30 nov. 2013. Resumo dos principais pontos da consolidação aprovada nesta última Casa Legislativa encontra-se disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/direito-e-justica/458349-conheca-os-principais-pontos-do-novo-codigo-de-processo-civil.html>. Acesso em: 20 fev. 2014.

3 Informação extraída de breve escrito intitulado Novo Código de Processo Civil conseguiu raro consenso de processualistas, redigido pelos eminentes Professores Teresa Arruda Alvim Wambier e Fredie Didier Jr., aos quais foi reservado, com efeito, e cada um a seu tempo, relevante papel na elaboração do Projeto, enfim sob nova análise do Senado Federal. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-05/cpc-raro-consenso-processualistas>. Acesso em: 2 jul. 2014.

4 Antes mesmo de o PLS 166/2010 haver sido disponibilizado à comunidade jurídica, sustentou-se a incompatibilidade teórica da denominada sucumbência recursal com o devido processo legal pátrio (Soares, 2010).

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segurado na Lei Maior pátria (art. 5º, XXXV). Afinal, e conforme exposto em trabalho anterior (Soares, 2011, p. 83), desde quando franqueado o meio (processo), encontra-se o Estado comprometido com o fim, no caso, asse-gurar a efetiva fruição dos direitos reconhecidos nas decisões jurisdicionais.

De igual modo, é oportuno sublinhar que as inovações a que se alu-diu no presente estudo gozam, por assim dizer, de espécie de consenso, ao menos no Congresso Nacional, e, pois, deverão ser aprovadas nos moldes da Consolidação redigida na Câmara dos Deputados. Ou seja, a votação do Projeto, no Senado, ensejará, no particular, e quando muito, mera remu-neração de artigos, o que em nada prejudicará a atualidade da exposição.

A rigor, pretende-se suscitar breve reflexão de natureza deontológica (necessária?), ainda que não se logre êxito nos trabalhos legislativos em des-taque, o que, a essa altura, afigura-se de todo improvável, quer em vista de o Projeto em evidência já haver sido apreciado em ambas as Casas Legislati-vas5, quer em função do apoio que a comunidade jurídica vem emprestando ao assunto, conforme atesta a “Moção para célere aprovação do Projeto de novo Código de Processo Civil”6, aprovada no II Encontro de jovens proces-sualistas do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), realizado nos dias 8 e 9 de novembro de 2013, em Salvador.

No entanto, a legítima expectativa desencadeada com a iminente aprovação de conjunto de regras disciplinadoras do exercício da jurisdição autoriza chamar-se a atenção, com acentuada ênfase, para a responsabili-dade ética que incide, notadamente nesse momento histórico, sobre o agir dos operadores do direito.

Aí, pois, o cerne do trabalho.

Oxalá seja alcançado o intento almejado.

1 CONTEXTO DE IMPLANTAÇÃO DE NOVO CPC

A inovação em análise tramita em ambiente de crise do serviço públi-co de prestação de justiça.

Crise, ocioso assinalar, que não se limita à jurisdição brasileira. Sendo ainda de se destacar que a valorização de solução consensual de conflitos,

5 Conforme já assinalado em nota anterior, está prevista para o dia 16 de julho de 2014, a votação do Projeto pelo Senado Federal.

6 Informação disponível em: <http://www.emagis.com.br/static/emagis2/arquivos/downloads/carta-de-salvador- congresso-dos-jovens-processualistas-em-salvador-2013-2513519.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2014.

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diretriz primeira da Resolução nº 125/2010 do CNJ7, não afasta a relevância da modificação normativa que se busca empreender.

De fato, eis que persiste a utilidade da atividade estatal cuja função precípua se constitui na resolução civilizada de demandas no Estado Demo-crático de Direito brasileiro, haja vista o princípio constitucional da inafasta-bilidade estatuído no art. 5º, XXXV, da CF/1988. A não ser assim, que outra razão haveria para a renovada e constante atenção que se vem dedicando à proposta, seja a comunidade jurídica, v.g., por intermédio dos vários estu-dos divulgados a respeito do tema, sejam as duas Casas Parlamentares, v.g., por intermédio das tantas audiências públicas, a essa altura realizadas para debater o CPC projetado8?

Dito isso, e sem prejuízo das múltiplas discussões que a apreciação da matéria comporta e que, por certo, não seriam passíveis de exame em artigo específico, volta-se o olhar para ponto próprio.

Ou melhor, após periférica abordagem do mandamento constitucio-nal da igualdade – em uma rápida leitura, estranha ao estudo –, propõe-se reflexão ética dirigida, em primeira mão, mas sem caráter de exclusividade, aos operadores do Direito.

Inicia-se, pois, a abordagem pela incursão ora gizada.

2 VARIAÇÃO EM TORNO DA ISONOMIA

Sabe-se que o CPC vigente assegura prazos diferenciados (privilegia-dos?) ao Poder Público em juízo.

Em outra oportunidade (Soares, 2013), acentuou-se que a regra es-tatuída no art. 188 do CPC se apresenta compatível com o princípio cons-titucional da isonomia, notadamente em virtude da titularidade difusa dos direitos envolvidos nas demandas de que a Fazenda Pública figure como parte. Ou, por outro modo de se expressar, em vista de a Fazenda Pública zelar (será?) pelos interesses jurídicos da coletividade.

É bem verdade que se pode questionar a existência mesma de suposta uniformidade de interesses coletivos em sociedades plurais, cuja representa-ção em juízo competiria, também, ao Poder Público.

7 Inteiro teor do ato normativo em apreço encontra-se disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/resolucao/arquivo_integral_republicacao_resolucao_n_125.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2013.

8 Resumo da tramitação na Câmara dos Deputados pode ser consultado em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267>. Acesso em: 20 fev. 2014.

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Nada obstante, sustenta-se a admissibilidade da diferenciação de tra-tamento a partir do seguinte ponto: salvo melhor juízo, a imprecisão do ter-mo “interesses difusos” não afasta a constatação de que o todo – já de si tão desencantado – será o destinatário das decisões proferidas nos processos em que a Fazenda Pública venha sucumbir. Sim, sobre a coletividade recairá, ao fim e ao cabo, a imutabilidade da norma individual contida em decisum que imponha obrigação de pagar quantia, fazer ou não fazer ao Estado. Consoante respeitável lição doutrinária: “A finalidade da norma excepcio-nal é a proteção do interesse público; por isso a Fazenda, diferentemente do particular, vela em juízo por objetos litigiosos difusos, tornando evidente que ‘a prerrogativa não ofende o princípio isonômico encartado na Consti-tuição Federal’” (Fux, 2008, p. 337 – aspas no original).

Vislumbra-se, pois, critério racional que justifica a distinção de pra-zos. Por outras palavras, o comando em tela do CPC é compatível com o devido processo legal.

3 A FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO NO CPC PROJETADO: PRAZOS DIFERENCIADOS

O PLS 166/2010 dispunha, em seu art. 95, que a Fazenda Pública go-zará de prazo em dobro para todas as suas manifestações no processo. Após a votação da matéria no Senado Federal, aludida prerrogativa foi preservada no art. 106 do PL 8.046/2010. De igual modo, registra-se que a consolida-ção normativa, recentemente aprovada na Câmara dos Deputados, contem-plou, em seu art. 184, a disciplina específica em apreço9.

Sem que se examine de maneira mais aprofundada o ponto, o qual se-quer se constitui no alvo primeiro do artigo, apoiado na justificativa e lição doutrinária versadas anteriormente, defende-se que a disciplina normativa em destaque não viola o princípio constitucional da igualdade10.

Em suma, e conforme se asseverou em trabalho anterior, “decidida-mente, caro leitor, o direito processual não menos que o material, enquanto criações do gênio humano, jamais poderão ficar imune à marca registrada de seu criador” (Soares, 2013, p. 64).

9 Íntegra da Consolidação pode ser lida em: <http://www.direitoprocessual.org.br/fileManager/versofinalCPC.pdf>. Acesso em: 28 maio 2013.

10 Crítica atual à distinção de prazos pode ser lida em MEIRELES, Edilton. Duração razoável do processo e os prazos processuais no Projeto de Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 207, maio 2012.

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4 A NECESSÁRIA E ESPERADA (POR QUEM?) MODIFICAÇÃO

Aceita ou não a afirmação que, resignadamente, acabou-se de trans-crever, uma outra merecer ser trazida à baila. Ei-la.

A redução de prazos processuais, como, de resto, quaisquer outras alterações legislativas, não se constitui no fator decisivo capaz de, por si só, assegurar que a atuação dos agentes públicos dos três poderes (rectius: funções) da República Federativa do Brasil se volte, de maneira duradoura, para a permanente construção de sociedade livre, justa e solidária, nos mol-des do que preconiza o art. 3º, I, da CF/1988.

Com efeito, para isso, a mudança necessária, urgente e imprescin-dível é de ordem ética antes que normativa. Alteração que, a rigor, não se limita à esfera pública. Muito menos à órbita jurisdicional.

Dessa maneira, já será ótimo começo inserir tal diretiva no plano de nossas relações cotidianas, pouco importando, nesse caso, encontrar-se o sujeito do agir na condição de operador do direito. Ou, tomando de em-préstimo as palavras do poeta, “por que esperar, se podemos começar tudo de novo? Agora mesmo”11.

5 INSISTÊNCIA COM UMA PERPLEXIDADE

Poder-se-ia questionar o porquê de peculiaridade atinente à atuação da Fazenda Pública em juízo haver sido colocada em evidência no escrito, eis que se trata de análise de cunho deontológico. Enfoque, diga-se de pas-sagem, demarcado na introdução do artigo.

Vá, então, o esclarecimento!

Apenas se procurou gizar que aludida diferenciação – sem sombra de dúvida, passível de legítimos questionamentos – não se apresenta, nem de longe, como o (hipotético) principal obstáculo à prestação da tutela jurisdi-cional no País. Melhor dizendo, pretendeu-se sublinhar que preocupações de ordem prioritariamente técnica, nada obstante relevantes, não têm o con-dão de obscurecer o relevo central das escolhas éticas dos operadores do Direito, todos eles a recair sobre o exercício da jurisdição.

Enfim, por intermédio do recorte aleatório que se empreendeu no estudo, buscou-se enfatizar que nenhuma das inovações contempladas no CPC projetado – tais como (a) irrecorribilidade imediata de interlocutórias (a

11 “Quando o sol bater na janela do teu quarto”. Música de autoria de Renato Russo.

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favor, Grinover, 2009, p. 24, contra Soares, 2011), (b) sucumbência recursal (a favor Rocha, 2011, p. 41, contra, Soares, 2011), (c) flexibilização procedi-mental (a favor, Andrade, 2011, p. 167-200 e Redondo, 2014, p. 15, contra Soares, 2013, e Soares, 2014) – terá aptidão para tornar efetivo, como em um passe de mágica, o processo jurisdicional brasileiro.

Atentando-se ao sábio e prudente conselho popular, segundo o qual mais vale prevenir que remediar, acentua-se que não se está a imputar àque-les que venham emprestar adesão a esta ou àquela das inovações enume-radas no parágrafo anterior ingênua visão de que haverá, desde quando positivadas, automática melhoria no serviço público de distribuição de jus-tiça no País. Em suma, as citações doutrinárias levadas a cabo em cogitado parágrafo visaram exclusivamente a explicitar que tais inovações ensejam legítimas e válidas, acrescente-se, interpretações jurídicas diferenciadas.

Feito o (segundo) esclarecimento, renova-se a consideração de que peso bem mais significativo deve ser atribuído, sempre, às escolhas éticas dos profissionais – sem exclusão de classe, fique claro – envolvidos em alu-dida atividade estatal, haja ou não a previsão de prazos processuais diver-sos, ou quaisquer outras modalidades de prerrogativas ou privilégios, como queira, observáveis no processo de construção participada de decisões ju-risdicionais e correlata satisfação. No particular, forçoso convir, nenhuma mudança de texto de lei se faz necessária. Bem ilustra tal assertiva judiciosa lição doutrinária, ora transcrita, relacionada às objeções que, há muito, são direcionadas à submissão de expressivo acervo de demandas cognitivas ao procedimento ordinário. Realmente, pois

as distorções que ocorrem na prática não podem ser debitadas à disciplina do procedimento ordinário. Não é ele quem prepara mal os profissionais nas Faculdades de Direito, que os disciplina para inglês ver no exercício de suas profissões, que escancara as cancelas da Ordem, das Procuradorias e dos cargos de magistrado a todos os candidatos ao Jardim de Infância do Direito. Não é no Decálogo que está o pecado dos homens [...]. (Passos, 1994, p. 14)

E para que não restem dúvidas do que se acaba de dizer, segue con-tundente e definitiva observação, de ordem geral, do eminentíssimo mestre, assim redigida:

O direito é o que são os seus operadores. É como a boa música. Por mais bela que seja a sinfonia, ela não está na partitura. E qualquer contraventor musical pode transformar a 9ª de Beethoven em relinchar de equinos, gras-nar de corvos e uivar de lobos. O homem faz milagres [...] tanto no céu

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como no inferno. E os milagres feitos para louvor do diabo são o diabo [...]. (Passos, 1994, p. 18)

Em síntese, servirão as regras e princípios jurídicos a propósitos éti-cos na exata medida em que para tanto os sujeitos de direito orientem suas respectivas ações.

6 PERTINENTE RESSALVA DE ORDEM CIENTÍFICA

Em alto e bom tom, poderá, ainda, ser dito que a passagem lançada na epígrafe do trabalho, ao propósito da realidade forense pátria, carece de base científica. Tudo porque não apoiada em dados objetivos, concretos.

Ora, ora, tanto melhor tenha havido engano na subjetiva avaliação empreendida.

De fato, eis que, nesse caso, a alteração de rumos nas múltiplas e cada vez mais complexas relações travadas no seio da sociedade brasileira, aí incluídas as jurisdicionais, não será tão penosa quanto “erroneamente supõe” o autor das presentes linhas.

CONCLUSÃO

Em avançado curso legislativo, a proposta de novo CPC renova a im-portância e as expectativas depositadas na jurisdição como forma civilizada de solucionar conflitos no Estado Democrático de Direito brasileiro.

O ambiente de crise em que se insere aludida iniciativa apenas será superado caso haja significativa mudança de comportamento ético, a envol-ver operadores do direito, agentes públicos não menos que todos aqueles aos quais são dirigidos os comandos normativos (regras e princípios) pro-cedimentais e substantivos disciplinadores de condutas em referido Estado.

Com efeito, eis que o conjunto de regras que disciplina o exercício da jurisdição, como, de resto, todo e qualquer diploma legal servirá a propósi-tos éticos na exata medida em que para isso sejam orientadas as ações dos sujeitos de direito.

REFERÊNCIAS

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Conheça os Principais Pontos do novo Código de Processo Civil. Disponível em:

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PASSOS, José Joaquim Calmon de. Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed.

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______. A relação “necessária” entre recurso de agravo e mandado de segurança como ponto de afirmação do Estado Democrático de Direito brasileiro. Revista de Processo, v. 191, jan. 2011.

______. Calendário processual, sucumbência recursal e o Projeto de novo CPC para o Brasil. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 227, jan. 2014.

______. Flexibilização procedimental: afirmação do due process of law? Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 931, maio 2013.

______. O caráter dúplice do direito de ação e a efetividade da tutela executiva no Estado Democrático de Direito brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte: Fórum, n. 76, out./dez. 2011.

______. Primeiras considerações sobre a denominada sucumbência recursal no Estado de Direito transnacional. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 66, jul./ago. 2010.

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Clipping Jurídico

Tribunal confirma indenização por danos morais a militar que sofreu amputação

O TRF3 confirmou o direito à indenização por danos morais a militar que sofreu aci-dente em serviço. O autor da ação sofreu um acidente que lhe causou uma sequela: amputação de falanges medial e distal do dedo indicador direito. Por esse motivo, entrou com uma ação requerendo indenização por danos morais e materiais. Em primeiro grau, foi concedida a indenização por danos morais. Ele recorreu reiteran-do o pedido de ressarcimento por danos materiais. Já a União recorreu da concessão da indenização por danos morais. Ao examinar a questão, o Colegiado apreciou os pedidos de indenização à luz da teoria da responsabilidade civil do Estado, ficando caracterizado o dever de indenizar quando presentes o dano indenizável e o nexo de causalidade entre o dano e a atividade estatal. As provas trazidas ao processo confirmam que o autor sofreu um acidente que lhe causou dano, tendo lhe gerado dor e sofrimento, atingindo seu patrimônio imaterial. Os requisitos para a concessão de indenização por dano moral ficaram demonstrados (o dano, a atividade estatal, pelo fato de o autor ser militar, e o nexo de causalidade entre os fatos e o dano). Também o depoimento das testemunhas confirmam a versão do autor. Assim, ficou mantida a decisão de primeiro grau no que diz respeito a essa parcela do ressarci-mento. No tocante ao dano material, o Tribunal considera que a sequela que o autor sofreu não repercutiu no seu patrimônio material, na medida em que sua capacida-de laborativa não foi reduzida. Tanto que, depois que deixou o Exército, foi apro-vado em concurso e está trabalhando na Guarda Municipal de Artur Nogueira (SP), tendo prestado o concurso em vaga normal e não de deficiente. Também não há no processo prova de que o autor, em função do acidente sofrido, esteja incapacitado de exercer a função de mecânico. Isso inviabiliza o deferimento do pedido de danos materiais sob argumento de que o demandante estaria auferindo renda inferior à que poderia auferir se pudesse exercer a profissão de mecânico. Ademais, a redução remuneratória que o autor vivenciou ao deixar de laborar nas Forças Armadas e se ativar na Guarda Municipal de Artur Nogueira não guarda qualquer nexo de causa-lidade com o acidente em serviço, pois o seu desligamento do exército decorreu do seu licenciamento, ato jurídico lícito, considerando que o demandante era militar temporário. Dessa forma, inviável é o pedido de indenização por danos materiais. Nº do Processo: 0010096-97.2005.4.03.6105. (Conteúdo extraído do site do Tribu-nal Regional Federal da 3ª Região)

Projeto institui regras para registro de indicação de procedência de produtos

O Projeto de Lei nº 7.280/2014, em tramitação na Câmara dos Deputados, espe-cifica os requisitos a serem atendidos para concessão do registro de indicação de procedência de produtos e serviços. Segundo o autor, a proposta é uma adaptação da instrução normativa do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) que trata do tema. “Esperamos que a adoção dessas medidas contribua para o aumento da estabilidade e da previsibilidade das regras associadas a esse importante instru-mento de proteção da propriedade industrial”, sustenta Ubiali. O INPI estabelece

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que a indicação de procedência “é o nome geográfico de um país, cidade, região ou uma localidade de seu território que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou prestação de determinado servi-ço”. Segundo o instituto, o “nome geográfico” que é registrado se torna o “elemento distintivo do produto ou origem e pode ser tanto o nome oficial quanto o tradicional ou costumeiro que designe a área geográfica aonde se desenvolve a atividade da in-dicação geográfica”. Pelo projeto, podem pedir a indicação de procedência associa-ções, institutos e pessoas jurídicas representativas da coletividade com legitimidade para uso exclusivo do nome geográfico estabelecidas no território. Não são suscetí-veis de registro como indicação de procedência os nomes geográficos que tenham se tornado de uso comum para designação de produto ou serviço, prossegue o tex-to. No pedido de registro, devem constar informações como: requerimento, com o nome geográfico e a descrição do produto ou serviço; documentos que comprovem ter o nome geográfico se tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação do produto ou de prestação de serviço; comprovação da existência de uma estrutura de controle sobre os produtores ou prestadores de serviços que te-nham o direito ao uso exclusivo da indicação de procedência; comprovantes de que os produtores ou prestadores de serviços atuam na área geográfica demarcada. O requerimento, assim como os demais documentos apresentados, deve ser escrito em língua portuguesa. No caso de requerente estrangeiro, a tradução pode ser simples. Nome geográfico estrangeiro já reconhecido como indicação de procedência no país de origem ou reconhecido por entidade ou organismo internacional competen-te fica dispensado de novo reconhecimento no território nacional. Pessoa domici-liada no exterior, no entanto, deverá constituir e manter procurador domiciliado no País, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

CEF é condenada a devolver a clientes valores referentes à “venda casada”

O TRF da 1ª Região condenou a Caixa Econômica Federal (CEF) a restituir aos clien-tes, parte autora da ação, os valores efetivamente pagos a título de prêmios de segu-ro. A condenação se deu porque a instituição financeira, ao conceder empréstimo aos demandantes, impôs a contratação de seguro, com seguradora de sua escolha, o que configura “venda casada”. Os clientes da CEF entraram com ação na Justiça Federal requerendo, entre outros pedidos, a limitação da taxa de juros cobrada em 12% ao ano e a devolução dos valores referentes aos prêmios de seguro inseridos na parcela do financiamento. Em primeira instância, o pedido foi julgado impro-cedente, o que os motivou a recorrer ao TRF1 alegando que a capitalização de juros deve ter periodicidade anual. Sustentam também que a cumulação da taxa de permanência deve ser substituída pelo índice da Tabela da Corregedoria do Tribu-nal de Justiça. Os recorrentes ainda sustentam que, ao obter o empréstimo, foram obrigados a contratar seguro, o que trouxe “uma excessiva onerosidade ao contrato, já que onerou o contrato a R$ 2.700,00, o que corresponde ao aumento de 21%

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na prestação”. As alegações foram parcialmente aceitas pelo Colegiado. Sobre o argumento de que a capitalização de juros deve ter periodicidade anual, o Relator, Juiz Federal Convocado Márcio Maia, ressaltou que “a capitalização dos juros em periodicidade inferior a um ano é admitida nos contratos bancários firmados após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, desde que pac-tuada de forma clara e expressa, assim considerada quando prevista a taxa de juros anual em percentual pelos menos 12 vezes maior do que a mensal”. Entretanto, o magistrado deu razão aos apelantes quanto à imposição da contratação de seguro para a concessão de empréstimo. “Tendo o empréstimo sido concedido mediante imposição de contratação de seguro, com seguradora de escolha da instituição mu-tuante, tem-se, na espécie, ‘venda casada’, vedada pelo Código de Defesa do Con-sumidor”, esclareceu. Com tais fundamentos, a Turma deu parcial provimento à apelação para condenar a CEF a “retirar do título executivo os valores referentes a prêmios de seguro e, ainda, a restituir aos embargantes apelantes, devidamente cor-rigidos, os valores efetivamente pagos a título de prêmios de seguro”. Nº do Proces-so: 0041189-63.2005.4.01.3800. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Terceira Turma corrige incidência de juros, mas mantém valor de honorários de êxito

O STJ deu provimento parcial a recurso especial que requeria o pagamento da cha-mada “cláusula de êxito”, em ação movida contra os bancos Unibanco (que se fun-diu ao Itaú) e Nacional (adquirido pelo Unibanco e em liquidação extrajudicial). A Turma aplicou a jurisprudência segundo a qual, nas obrigações contratuais, os juros de mora devem incidir a partir da citação, ou seja, a partir do início do processo na primeira instância. O escritório foi contratado em 1995 para fazer a defesa do Banco Nacional em ação indenizatória. O contrato previa o pagamento em duas partes, uma fixa (já devidamente liquidada) e outra variável, de 1% sobre o resul-tado útil do processo – a cláusula de êxito. O recurso julgado na Terceira Turma questionava o valor referente a essa cláusula. Na ação de indenização para a qual o escritório foi contratado, após o julgamento de impugnação ao valor da causa, esse foi aumentado em 478 vezes. Na ação de cobrança movida contra os bancos, o escritório pediu que os honorários de êxito fossem fixados em R$ 1,17 milhão, correspondentes à diferença entre 1% do valor atualizado da causa e o valor da condenação na ação indenizatória. A sentença, no entanto, fixou os honorários em 1% sobre a diferença entre o valor dado inicialmente à causa (antes da impugnação) e o valor da condenação. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que não teria cabimento fixar a verba honorária em valor superior à condenação, como pretendia o escritório. Avaliando o trabalho dos advogados, a Corte local deu provi-mento apenas parcial à apelação e elevou os honorários para R$ 180 mil, corrigidos desde maio de 1995, além dos juros de mora a partir do acórdão. De acordo com o Relator, Ministro Villas Bôas Cueva, a discussão do montante fixado para remune-

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ração do trabalho do escritório de advocacia foi resolvida nas instâncias ordinárias mediante a análise da cláusula de êxito estabelecida no contrato. No entanto, o recurso especial não tratava de nenhuma questão jurídica a ser dirimida pelo STJ em sua missão constitucional de interpretar as leis federais. Com base nas Súmulas nºs 5 e 7 do STJ, que impedem a rediscussão de cláusulas contratuais e provas na instância especial, o ministro afirmou que não seria possível analisar o recurso nesse aspecto. O escritório sustentava que o TJSP fez uma interpretação “absurda” sobre a cláusula de êxito, pois, “se a condenação fosse mais elevada, os honorários advo-catícios pleiteados passariam a ser justos, mas como o trabalho foi bem desenvol-vido e o Banco Nacional foi condenado ao pagamento de importância inferior aos honorários advocatícios, esses passaram a ser elevados”. Segundo os advogados, a remuneração deveria ser avaliada em razão do resultado útil, “ou seja, quanto menor a condenação, maiores seriam os honorários devidos”. Como essas questões não poderiam ser reexaminadas no STJ, a Terceira Turma, em decisão unânime, deu provimento parcial ao recurso apenas em relação aos juros. O Ministro Villas Bôas Cueva destacou em seu voto que a jurisprudência consolidada do STJ estabelece que os juros moratórios devem incidir a partir da citação nos casos de responsabili-dade contratual. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Honorários médicos podem ser indenizados pelo seguro obrigatório

O STJ definiu que, quando se trata do seguro obrigatório DPVAT, os honorários médicos podem ser incluídos entre as verbas indenizáveis a título de despesas de assistência médica e suplementares. O entendimento foi proferido no julgamento de recurso especial da Santa Casa de Misericórdia de Mogi Guaçu contra a Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT. O TJSP concluiu que honorários médicos não poderiam ser incluídos em indenização por despesas médicas porque “os aten-dimentos ocorreram em horário normal, e honorários médicos constituem remune-ração própria exclusiva de cada profissional”. Assim, não seria possível incluí-los em despesas médicas para fins de reembolso. No STJ, a Turma reformou o acórdão do Tribunal paulista para incluir na indenização também o valor referente aos hono-rários médicos, restabelecendo a sentença. O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator do recurso, explicou que o art. 3º da Lei nº 6.194/1974, quando mencio-na “despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas”, é complementado pela regra do art. 5º, que diz que o pagamento da indenização se dará mediante a entrega da prova das despesas efetuadas pela vítima com o seu atendimento por hospital, por médico assistente ou ambulatório. De acordo com o ministro, a complementaridade dos dispositivos evidencia que “a expressão ‘despe-sas de assistência médica’ inclui também os honorários dos médicos, pois, se assim não fosse, a lei não referiria expressamente as despesas da vítima com o seu aten-dimento, por exemplo, por médico assistente”. Segundo Sanseverino, o próprio site do seguro DPVAT, ao informar sobre a documentação necessária para requerer a indenização de despesas médicas, fala em comprovante das despesas, como recibos

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ou notas fiscais, e em discriminação dos honorários médicos e das despesas médi-cas, como materiais e medicamentos, acompanhados das respectivas requisições ou receituários médicos. Para o ministro, “se os honorários médicos não podem ser indenizados, a própria Seguradora Líder, em seu site, não referiria a necessidade de entrega de prova do valor de tais despesas para o cálculo da indenização, bastando solicitar provas dos comprovantes das despesas médicas – materiais e medicamen-tos”. REsp 1320851. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Mantida anulação de alienações que teriam deixado Município sem imóveis para obras

O STJ manteve decisão da Justiça Estadual que declarou nulos os editais de con-corrência pública para alienação de bens imóveis pertencentes ao Município de Cruzeiro do Sul (AC). Os imóveis, de acordo com o Município, teriam sido vendidos por valores inferiores aos praticados no mercado imobiliário. O recurso submetido à Primeira Turma era da Ex-Prefeita Zila Bezerra, que tentava reverter decisão do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC). Os ministros, de forma unânime, consideraram que a revisão das conclusões do TJAC, conforme desejado pela ex-prefeita, exigiria rediscussão das provas do processo, o que não é admitido pela Súmula nº 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. O Municí-pio de Cruzeiro do Sul ajuizou ação anulatória contra várias pessoas físicas e jurídi-cas que adquiriram imóveis públicos. Afirmou que a Prefeita à época, Zila Bezerra, autorizou a abertura de processos licitatórios para a alienação de vários imóveis, o que se realizou em 17 de setembro daquele de 2007. Entretanto, segundo o Muni-cípio, as alienações se deram de modo ilegal, com valores muito inferiores aos pra-ticados no mercado, sem lei autorizativa e com violação dos princípios que regem a Administração Pública. Além disso, com a venda dos imóveis, a prefeitura teria ficado sem áreas para a realização de obras públicas, o que a obrigou a recorrer a desapropriações para a construção de quadras esportivas, postos de saúde e centro de convivência. A sentença julgou procedente o pedido para declarar nulos os edi-tais de concorrência. O juízo considerou que a alienação dos imóveis desobedeceu às exigências legais e que não ficou demonstrado o atendimento ao interesse públi-co. O Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) manteve a sentença ao entendimento de que, como ato de gestão da coisa pública, a alienação de bens pela Administração deve obedecer aos comandos da Constituição Federal e da Lei nº 8.666/1993. “Se o procedimento licitatório instaurado pela Administração Pública municipal não observou os requisitos previstos na legislação pertinente, a declaração de nulidade é medida que se impõe, como forma de recompor e preservar a coisa pública”, afirmou o Tribunal estadual. No STJ, a defesa da ex-prefeita alegou que as licitações seguiram todos os parâmetros da Lei nº 8.666 e eram necessárias à política do de-senvolvimento urbano da Cidade de Cruzeiro do Sul. No entanto, segundo o Relator do recurso, Ministro Herman Benjamin, o exame desses argumentos exigiria revol-

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vimento das questões já decididas pelo TJAC com base nas provas. REsp 1479833. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Permitida ação contra seguradora acusada de irregularidades no mercado de veículos

O STJ rejeitou pedido da seguradora Mapfre pelo fim de processo que enfrenta em Goiás, onde o Ministério Público (MP) a acusa de ilegalidades no mercado de veí-culos. O voto do Relator, Ministro Humberto Martins, negando provimento ao re-curso da empresa, foi acompanhado de forma unânime pelos demais integrantes da Segunda Turma, que reconheceram a legitimidade do MP estadual para promover ação civil pública contra a seguradora e o Detran de Goiás. Na ação, o MP acusa a Mapfre de repassar a oficinas, para recuperação e posterior revenda, veículos aci-dentados pelos quais pagou indenização de perda total, sem comunicar o fato ao Detran para que essa condição fosse anotada nos prontuários e nos documentos de transferência (DUT). Segundo o MP, embora o valor dos veículos que tiveram inde-nização de perda total seja 30% menor, a omissão das informações permite a reven-da pelo preço normal de mercado, e a Mapfre ainda se recusa a fazer o seguro para os novos proprietários alegando justamente que o carro já foi objeto de indenização total e por isso não pode mais ser segurado. De acordo com o MP, muitos compra-dores não conheciam o passado dos veículos adquiridos, que deveria constar em sua documentação. O MP sustentou que a falta de fiscalização e de providências do Detran diante de tais irregularidades torna-o igualmente responsável. Por isso, pediu a condenação da seguradora e do Detran à obrigação de regularizar as informações na documentação dos veículos, sob pena de multa diária. Pediu ainda que a Ma-pfre seja condenada a ressarcir os consumidores lesados e a pagar R$ 5 milhões de danos morais coletivos em favor do Fundo de Defesa do Consumidor. A sentença extinguiu a ação por ilegitimidade ativa do MP. O Tribunal de Justiça de Goiás, no entanto, reformou a decisão e determinou que o processo tivesse sequência. No recurso especial ao STJ, a seguradora alegou que o problema, em tese, atingiria ape-nas algumas pessoas e não teria “relevância social” capaz de justificar a atuação do MP. Para ela, “os direitos discutidos apresentam um caráter disponível, de natureza patrimonial, podendo ser inclusive objeto de renúncia pelos seus titulares”, e por tais razões o MP não poderia defendê-los mediante ação civil pública. Acrescentou que os procuradores também se equivocaram ao enquadrá-la como “fornecedora” para efeito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), uma vez que seu negócio são seguros, e os veículos que chegaram às mãos de terceiros, antes segurados por ela, foram intermediados pelas oficinas que os repararam. Em seu voto, o Ministro Humberto Martins afirmou que a legislação não estabelece condi-ções especiais para que a pessoa física ou jurídica seja alvo de ações civis públicas, bastando a existência de lesão ou ameaça a direitos transindividuais. “A acepção de ‘fornecedor’ constante do art. 3º do CDC é ampla, de modo que maior número de relações de consumo admitam a aplicação do código, pois, até por determinação

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constitucional, importa mais a presença do consumidor na relação de consumo, e não quem vem a ser a sua contraparte”, afirmou o relator. Segundo Martins, “são legitimados a figurar no polo passivo da relação de consumo todos os participantes que integram a cadeia geradora ou manipuladora de bens e serviços, por existência de ato ou fato, omissivo ou comissivo, que coloque em risco ou ofenda um direito do consumidor de tais bens e serviços”. O ministro reconheceu a legitimidade do MP de Goiás para mover a ação civil pública contra a seguradora e o Detran “em defesa dos adquirentes de veículos sinistrados”. Ele apontou que o CDC permite expressamente que os direitos individuais homogêneos sejam defendidos em juízo por meio de ação coletiva, cuja proposição é permitida, entre outros, ao Ministério Público. Para Martins, os interesses tratados no processo “são individuais homo-gêneos por guardarem entre si uma origem comum, sendo, portanto, passíveis de defesa coletiva”. Ele reconheceu que tais direitos são divisíveis (“pois seus titula-res podem ser identificados e determinados, bem como suas pretensões podem ser quantificadas”) e disponíveis (“podendo seus titulares, caso queiram, renunciá-los”). “Todavia”, acrescentou o ministro, “o legislador pátrio quis valorizar a gênese co-mum existente entre os direitos individuais homogêneos (pedidos com origem no mesmo fato de responsabilidade do fornecedor), inspirando-se na class action do Direito norte-americano para dar ao consumidor uma prestação jurisdicional aces-sível, célere, uniforme e eficiente”. “Se tais interesses e direitos individuais homo-gêneos coletivamente considerados trouxerem repercussão social, autorizar-se-á o Ministério Público a tutelá-los coletivamente, sem prejuízo da iniciativa individual”, disse o relator, para quem a ação ainda tem um efeito dissuasivo contra reincidên-cia da suposta conduta lesiva por parte da seguradora, além de evitar o surgimento de múltiplos processos individuais e prevenir decisões conflitantes. REsp 1281023. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 14�11�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• PrincípiodaInstrumentalidade,doContraditório,daAmplaDe-fesa e Modernização do Processo Civil

José Augusto Delgado Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• HonoráriosAdvocatíciosSucumbenciaiseoArtigo29-CdaLeinº 8.036

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira e Junio Graciano Homem de Siqueira

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• CobrançadeHonoráriosAdvocatíciosSucumbenciaiseCon-tratuais

Francisco Gérson Marques de Lima Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• HonoráriosAdvocatícios:DireitoIndisponível Welington Luzia Teixeira Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• HonoráriosAdvocatíciosesuaNaturezaJurídica Kiyoshi Harada Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Honorários – sucumbenciais e advocatícios

•Honorários Advocatícios em Exceção de NãoExecutividade (Eulâmpio Rodrigues Filho) ...........19

•Honorários Sucumbenciais?! (José Basílio Gonçalves) ............................................................9

Autor

eulâmpio rodrigues FilHo

•Honorários Advocatícios em Exceção de Não Executividade ......................................................19

José basílio gonçalves

•Honorários Sucumbenciais?! .................................9

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Honorários – sucumbenciais e advocatícios

•Agravo regimental no recurso especial – Agra-vo de instrumento – Honorários advocatícios – Coisa julgada – Ofensa – Não ocorrência – Re-curso especial – Anterior – Provimento – Su-cumbência mínima – Reconhecimento – Agravoimprovido (STJ) ..........................................8175, 27

•Agravo regimental – Recurso especial – Ces-são de crédito – Honorários advocatícios de sucumbência – Direito autônomo do causídi-co – Precatório – Especificação do crédito re-lativo à verba advocatícia objeto da cessão de crédito – Habilitação do cessionário – Possibi-lidade – Verificação dos requisitos para cessão do crédito – Aplicação do direito à espécie – Art. 257 do RI/STJ – Recurso a que se negaprovimento (STJ) ........................................8176, 33

EMENTÁRIO

Honorários – sucumbenciais e advocatícios

•Honorários de advogado – arbitramento ....8177, 39

•Honorários de advogado – curador especial – inexistência ou insuficiência de Defensoria Pú-blica – cabimento ......................................8178, 39

•Honorários de advogado – exceção de pré-exe-cutividade – citação ...................................8179, 39

•Honorários de advogado – execução – insur-gência do devedor .....................................8180, 40

•Honorários de advogado – pedido de majora-ção – observação .......................................8181, 41

•Honorários de advogado – redução de ofíciopelo Tribunal – não cabimento ..................8182, 42

•Honorários de sucumbência – fixação – formaequitativa ...................................................8183, 43

•Honorários de sucumbência – fixação com baseno valor da causa – verba irrisória .............8184, 44

•Honorários de sucumbência – nunciação deobra nova – princípio da causalidade ........8185, 44

•Honorários de sucumbência – pretensão – im-pugnação ...................................................8186, 44

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

arrematação

•Arrematação por Preço Vil na Execução Civil(Felipe Scalabrin) ...............................................107

medida cautelar

•Medidas Cautelares e Procedimento Arbitral (Luciano Nardi Comunello) .................................83

recurso

•Os Efeitos do Provimento Jurisdicional no Pro-cesso Coletivo e a Incompatibilidade da Sis-temática dos Recursos Repetitivos (Gabriela Oliveira Freitas) ...................................................67

responsabilidade civil

•Limitação da Responsabilidade Civil Relati-va ao Transporte de Passageiros e Suas Baga-gens por Via Marítima: Convenção de Atenas 2002 (Norman A. Martínez Gutiérrez e Priscila Gonçalves de Castro) ...........................................45

•Responsabilidade Civil por Atos da Ditadura Militar Brasileira: Análise de um Julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais(Daniel Carvalho Monteiro de Andrade) ..............95

Autor

daniel carvalHo monteiro de andrade

•Responsabilidade Civil por Atos da Ditadura Militar Brasileira: Análise de um Julgado doTribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais .....95

Felipe scalabrin

•Arrematação por Preço Vil na Execução Civil ....107

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RDC Nº 92 – Nov-Dez/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������227

gabriela oliveira Freitas

•Os Efeitos do Provimento Jurisdicional no Pro-cesso Coletivo e a Incompatibilidade da Sis-temática dos Recursos Repetitivos .......................67

luciano nardi comunello

•Medidas Cautelares e Procedimento Arbitral .......83

norman a. martínez gutiérrez

•Limitação da Responsabilidade Civil Relativa ao Transporte de Passageiros e Suas Bagagenspor Via Marítima: Convenção de Atenas 2002 ....45

priscila gonçalves de castro

•Limitação da Responsabilidade Civil Relativa ao Transporte de Passageiros e Suas Bagagenspor Via Marítima: Convenção de Atenas 2002 ....45

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

legislação

•Alterações Legislativas e uma (Nova?) Obser- vação Geral de Ordem Deontológica (LeonardoOliveira Soares) .................................................208

Autor

leonardo oliveira soares

•Alterações Legislativas e uma (Nova?) Obser-vação Geral de Ordem Deontológica ................208

JURISPRUDÊNCIA

ação ordinária

•Agravo de instrumento – Processual – Ação or-dinária – Falecimento de advogado – Suspensão do processo – Justa causa para restituição de prazo – Anulação de todos os atos posteriores à morte – Arts. 183 e 265 do CPC – Honoráriosadvocatícios – Descabimento (TRF 3ª R.) .. 8190, 158

ação reivindicatória

•Civil e processual civil – Ação reivindicatória amparada na alegação de domínio – Bem imóvel de propriedade da União – Ocupação de má--fé, por particulares – Comprovação do domínio da união federal – Benfeitorias úteis e necessá-rias – Indenização – Descabimento (TRF 1ª R.) ................................................................8188, 141

Juros

•Processual civil – Período compreendido en-tre a data da elaboração da conta de liqui-dação e a data da expedição do precatório

– Juros de mora – Não incidência – Questão julgada pelo regime dos recursos repetitivos – Art. 543-C do CPC (STJ) ...........................8187, 132

mandado de segurança

•Mandado de segurança – Imóvel – Produto da arrematação – Credores trabalhistas – Penhora– Cancelamento (TRF 4ª R.) .....................8191, 164

responsabilidade civil

•Responsabilidade civil – Alienação de bem em hasta pública após o afastamento da pena de perdimento e a autorização de nacionaliza-ção do bem – Dever de indenizar (TRF 2ª R.) ................................................................8189, 152

sociedade

•Processual civil – Execução de verba honorária – Redirecionamento – Dissolução irregular – Sócios que não integravam o quadro societá-rio à época do fato gerador – Impossibilidade(TRF 5ª R.) ...............................................8192, 170

EMENTÁRIO

ação civil pública

•Ação civil pública – instalação de terminal por-tuário em área de Mata Atlântica – concessão de licença prévia – análise anterior do impacto ambiental – necessidade ..........................8193, 176

ação condenatória

•Ação condenatória – danos patrimoniais e ex-trapatrimoniais – acidente de trânsito ......8194, 179

ação de busca e apreensão

•Ação de busca e apreensão – mora – notificação prévia do devedor – extrajudicial ou por pro-testo do título ...........................................8195, 179

ação de exibição de documentos

•Ação de exibição de documentos – multa – afas-tamento ...................................................8196, 180

ação de ressarcimento

•Ação de ressarcimento por enriquecimento sem causa – operação de fornecimento de energia elétrica como insumo – ausência do repasse – prescrição – inocorrência ........................8197, 180

ação monitória

•Ação monitória – cheque prescrito – decisãomonocrática ............................................8198, 180

•Ação monitória – contrato de abertura de crédi-to fixo – descabimento .............................8199, 182

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alienação Fiduciária

•Alienação fiduciária – ação de busca e apreen-são – notificação extrajudicial .................8200, 182

alimentos

•Alimentos – execução – rito do art. 733 do CPC– Súmula nº 309/STJ ................................8201, 182

citação

•Citação por hora certa – nomeação de curadorespecial – obrigatoriedade .......................8202, 184

coisa Julgada

•Coisa julgada – definição do Valor Patrimonial da Ação (VPA) – título exequendo – impossibi-lidade de alteração ..................................8203, 184

competência

•Competência recursal – responsabilidade civil – observação ..............................................8204, 184

contrato

•Contrato bancário – juros remuneratórios – abu-sividade – não ocorrência – capitalização men-sal de juros – cobrança – possibilidade ..... 8205, 184

•Contrato de empréstimo bancário – capitaliza-ção mensal de juros – afastamento ..........8206, 185

•Contrato de franquia – rescisão – vícios de von-tade – lesão e erro – não configuração ....8207, 185

dano moral

•Dano moral – inscrição indevida em cadastrosde inadimplentes – valor razoável ..........8208, 186

•Dano moral – morte de passageiro – queda de trem – indenização – valor – alteração – possi-bilidade ...................................................8209, 187

deFesa do consumidor

•Defesa do consumidor – cheque – inclusão do correntista em cadastro – ausência de notifi-cação prévia – legitimidade passiva .........8210, 188

•Defesa do consumidor – compra de produto através de site de busca – ilegitimidade passiva ................................................................8211, 188

•Defesa do consumidor – contrato de financia-mento bancário – pactuação expressa – capi-talização mensal de juros ........................8212, 189

•Defesa do consumidor – contrato de financia-mento bancário – pactuação expressa – capi-talização de juros remuneratórios ............8213, 191

•Defesa do consumidor – fraude praticada por terceiros – inclusão da consumidora em cadas-tro de inadimplentes – dano moral – revisãodo valor ...................................................8214, 191

•Defesa do consumidor – plano de saúde – cláu-sula de reajuste por mudança de faixa etária – segurado idoso – discriminação – inexistência ................................................................8215, 191

desapropriação

•Desapropriação – cumprimento de sentença –pedido de nova avaliação do bem ...........8216, 192

•Desapropriação – reforma agrária – execução – fixação de prazo razoável para emissão de tí-tulos da dívida agrária .............................8217, 192

desconsideração da personalidade Jurídica

•Desconsideração da personalidade jurídica – medida excepcional – requisitos – ausência ................................................................8218, 192

•Desconsideração da personalidade jurídica –requisitos – validade ................................8219, 193

direito de vizinHança

•Direito de vizinhança – ação indenizatória – infiltrações – nexo causal – demonstração – in-denização dos danos materiais – necessidade ................................................................8220, 195

dívida rural

•Dívida rural – alongamento – art. 14 da Lei nº 4.829/1965 – requisitos legais – não preen-chimento .................................................8221, 196

exceção de pré-executividade

•Exceção de pré-executividade – penhora – bemde família ................................................8222, 197

execução

•Execução de título extrajudicial – penhora de bem de família – hipoteca .......................8223, 197

Factoring

•Factoring – direito de regresso – cláusula con-tratual – impossibilidade ..........................8224, 197

Falência

•Falência – impontualidade injustificada – in-solvência econômica – demonstração – des-necessidade .............................................8225, 197

marca

•Marca – patente – sistema pipeline – revali-dação – requisitos ....................................8226, 198

menor

•Menor sob guarda – fundamentos constitucio-nais autônomos – não interposição de recursoextraordinário – Súmula nº 126/STJ..........8227, 198

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RDC Nº 92 – Nov-Dez/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������229

multa

•Multa – intimação na pessoa do advogado do devedor – publicação na imprensa oficial – pre-cedentes ..................................................8228, 199

recuperação Judicial

•Recuperação judicial – compra e venda de açúcar para exportação – imóveis rurais – ga-rantia fiduciária .......................................8229, 199

recurso

•Recurso – interposição via fax – não apresen-tação dos originais dentro do prazo legal decinco dias – intempestividade .................8230, 199

responsabilidade civil

•Responsabilidade civil – ação de indenização– danos morais – valor – razoabilidade ....8231, 200

•Responsabilidade extracontratual – dano mo-ral – juros de mora – fixação do termo inicial ................................................................8232, 200

seguro

•Seguro DPVAT – ação de cobrança – ônus da prova – inversão ......................................8233, 200

•Seguro obrigatório – DPVAT – correção mone-tária – termo a quo – data do acidente .....8234, 201

sentença

•Sentença – cumprimento – citação – multa do art. 475-J do CPC – aplicabilidade ...........8235, 201

•Sentença estrangeira contestada – curadoria es-pecial – alimentos ....................................8236, 201

separação

•Separação consensual – partilha de bens – plei-to por nova perícia ..................................8237, 201

sFH

•SFH – ausência de débito – admissibilidade –negativa de prestação jurisdicional ..........8238, 202

sociedade

•Sociedade – transferência de titularidade das marcas – risco de confusão ao consumidor – ca-racterização de ato de má-fé ....................8239, 202

título de crédito

•Título de crédito – garantia – contrato de depó-sito – necessidade de individua lização ....8240, 202

tutela antecipada

•Tutela antecipada – ação de obrigação de for-necimento de serviço – danos morais – decisão monocrática ...........................................8241, 203

usucapião

•Usucapião – imóvel rural – ausência de matrícula ................................................................8242, 203

CLIPPING JURÍDICO

•CEF é condenada a devolver a clientes valores referentes à “venda casada” ...............................219

•Honorários médicos podem ser indenizados pelo seguro obrigatório ......................................221

•Mantida anulação de alienações que teriam dei-xado Município sem imóveis para obras ............222

•Permitida ação contra seguradora acusada deirregularidades no mercado de veículos.............223

•Projeto institui regras para registro de indicação de procedência de produtos ..............................218

•Terceira Turma corrige incidência de juros, masmantém valor de honorários de êxito .................220

•Tribunal confirma indenização por danos morais a militar que sofreu amputação ..........................218