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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAISFACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE CINCIA POLTICA

    DANIELA LEANDRO REZENDE

    Qual o lugar reservado s mulheres?Uma anlise generificada de comisses legislativas

    na Argentina, no Brasil e no Uruguai

    Belo Horizonte2015

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    DANIELA LEANDRO REZENDE

    Qual o lugar reservado s mulheres?Uma anlise generificada de comisses legislativas

    na Argentina, no Brasil e no Uruguai

    Tese apresentada ao Programa de Ps-graduao em Cincia Poltica daUniversidade Federal de Minas Gerais, comorequisito parcial para obteno do ttulo deDoutora em Cincia Poltica.

    Linha de pesquisa: Instituies Polticas eDemocracia

    Orientadora: Prof.Dr. Magna IncioCoorientador: Prof. Dr. Royce Carroll

    Belo Horizonte

    Faculdade De Filosofia E Cincias HumanasUniversidade Federal De Minas Gerais24 de junho 2015

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    320

    R467q

    2015

    Rezende, Daniela Leandro

    Qual o lugar reservado as mulheres? [manuscrito] :

    uma ana lise generificada de comissoes legislativas na

    Argentina, no Brasil e no Uruguai / Daniela Leandro

    Rezende. -2015.

    186 f.

    Orientadora: Magna Maria Inacio.

    Coorientador: Royce Carroll.

    Tese (doutorado) -Universidade Federal de Minas

    Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciencias Humanas.

    Inclui bibliografia.

    1.Ciencia poltica Teses. 2. Relaoes de genero -

    Teses. I. Inacio, Magna, 1968- II. Carroll, Royce . III.

    Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de

    Filosofia e Ciencias Humanas. IV.Ttulo.

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    Para Maria, Magna e Marlise:inspirao e sentido.

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    AGRADECIMENTOS

    Digo: o real no est na sada nem na chegada: ele se dispepara a gente no meio da travessia. (Grande Serto: Veredas,Joo Guimares Rosa)

    Agradeo a todas e todos que me acompanharam nesta travessia:

    Maria, Walter e Juninho, origem de tudo, fundamento, raiz.

    Flvio, meu amor, parceiro por tantas veredas.

    s amigas e amigos de Viosa, que so minha outra famlia: Daniela, Diogo, AnaLusa, Jozi, Rose, Lu B, Ana Paula.

    amigas e amigos quase-irms (os): Ju, Evelinda, Alice, Carol, Lidi, Denis, Carlos,

    Daniel, Rodrigo, Pam, Yza, Lu Andrade, Felipe, Bebel.

    s amigas e amigos "do DCP", que tornaram a travessia mais "entendvel" e

    suportvel: Mariah, Aninha, Breno, Marina, Thiago, Mari, Carol, Iris, Danusa.

    s amigas e amigos de Houston: Marie-Theres, Miguel, Hyejin, Michael, Luana e

    Paran, por me fazerem sentir em casa mesmo estando to distante.

    Aos colegas e amigos do DCS, pelo incentivo, apoio e solidariedade.

    s professoras Magna e Marlise, por quem tenho carinho, admirao e gratido

    enormes, maiores incentivadoras dessa travessia.

    s professoras Marlise Matos e Teresa Sacchet e aos professores Carlos Ranulfo e

    Paulo Magalhes Arajo, que gentil e prontamente aceitaram ler e avaliar esse

    trabalho. Tambm agradeo ao professor Daniel Chasquetti e professora Marlise

    Matos por terem participado da banca de qualificao, etapa que contribui

    sobremaneira para a elaborao da tese.

    Aos professores Mark P. Jones e Royce Carroll da Rice University, pela

    oportunidade, incentivo e apoio.

    s professoras e aos professores do DCP, por tantos anos de aprendizado e troca.

    Adilsa e ao Alessandro, por toda presteza e pacincia.

    CAPES, pela concesso da bolsa de doutorado-sanduche, experincia que

    contribuiu de forma definitiva para a realizao da pesquisa doutoral.

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    Mesmo quando o caminho est nominalmente aberto -quandonada impede que uma mulher seja mdica, advogada,funcionria pblica -, so muitos, imagino eu, os fantasmas eobstculos pelo caminho. Penso que muito bom e importantediscuti-los e defini-los, pois s assim possvel dividir otrabalho, resolver as dificuldades. Mas, alm disso, tambm necessrio discutir as metas e os fins pelos quais lutamos,pelos quais combatemos esses obstculos tremendos. Nopodemos achar que essas metas esto dadas; precisam serquestionadas e examinadas constantemente. [...] Vocs

    ganharam quartos prprios na casa que at agora era s doshomens. Podem, embora com muito trabalho e esforo, pagaro aluguel. [...] Mas essa liberdade so o comeo; o quarto de vocs, mas ainda est vazio. Precisa ser mobiliado, precisaser decorado, precisa ser dividido. Como vocs vo mobiliar,como vocs vo decorar? Com quem vo dividi-lo, e em quetermos? So perguntas, penso eu, da maior importncia einteresse. Pela primeira vez na histria, vocs podem fazeressas perguntas; pela primeira vez, podem decidir quais seroas respostas. (Virginia Woolf, Profisses para mulheres).

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    RESUMO

    O objetivo central da tese avaliar se a desproporo entre legisladoras elegisladores nas comisses legislativas configura um vis de gnero . Seus objetivos

    especficos so: verificar em que medida sexo uma varivel relevante para explicaro acesso a recursos polticos, o que possibilitaria qualificar, de forma adequada, ocarter generificado da organizao do legislativo; reavaliar o acesso das mulheresa recursos polticos, considerando no apenas os percentuais relativos dessesgrupos, mas tambm os recursos procedimentais disponveis a essa minoria poltica,a partir da anlise de diferentes arranjos organizacionais; verificar, a partir de umaabordagem comparada, que fatores podem interagir com a dimenso de gnero nosentido de corrigir ou aprofundar desigualdades de gnero. Para tanto, desenvolviuma anlise comparada das comisses legislativas de Oramento, Constituio,Educao e Assistncia social nas Cmaras baixas de Argentina, Brasil e Uruguai.Os resultados da pesquisa indicam que a dimenso de gnero relevante norecrutamento para a comisso de Assistncia Social, cujas jurisdies reproduzemas atividades tradicionalmente "femininas". Alm disso, os resultados corroboram osachados de anlises prvias, que indicam a relevncia da expertise para acomposio das comisses legislativas, seja essa derivada da formaouniversitria ou da experincia profissional de parlamentares. Ou seja, no se podeafirmar que a desproporo entre homens e mulheres nas comisses deConstituio, Oramento e Educao decorra de um vis de gnero, mas sim deoutras caractersticas associadas ao perfil de legisladores e legisladoras.

    Palavras-chave: gnero, comisses legislativas, Amrica Latina.

    ABSTRACT

    The main goal of this dissertation is to evaluate whether the disproportion betweenmale and female legislators in the legislative committees set up a gender bias. Itsspecific objectives are: to determine the extent to which gender is a relevant variablein explaining access to political resources, which would allow to qualify, appropriately,the gendered nature of the legislative organization; re-evaluate women's access topolitical resources, considering not only the percentages for these groups, but alsothe available procedural features to this political minority, from the analysis of

    different organizational arrangements; verify, from a comparative approach, whichfactors can interact with gender to correct or deepen gender inequalities. Therefore, Ideveloped a comparative analysis of Budget, Constitution, Education and Welfarecommittees in the Argentinian, Brazilian and Uruguayan Lower Chambers. Theresults indicate that gender is relevant for the assignment to Social Welfarecommittees, whose jurisdictions reproduce traditional "feminine" activities. Inaddition, the results confirm the findings of previous analyzes, which indicate therelevance of expertise for the assignment to legislative committees. That is, one cannot claim that the disproportion between men and women in the Constitutio, Budgetan Education committees results from a gender bias, but from other characteristicsassociated with legislators backgrounds.

    Keywords: gender, legislative committees, Latin America.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. ndice de direitos de minorias via sistema comissional .......................................................111Tabela 2. Percentual de candidatas e legisladoras por partido poltico na Argentina (2008), no Brasil(2007) e no Uruguai (2005) ................................................................................................................. 122Tabela 3. Caractersticas dos partidos na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005) .. 131Tabela 4. Variveis independentes e de controle -estatsticas descritivas........................................ 133Tabela 5. Teste exato de Fisher para a associao entre caractersticas partidrias e composio dascomisses de Oramento e Constituio na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005).............................................................................................................................................................134Tabela 6. Razes de chance estimadas a partir de modelos logsticos para a composio dacomisso de Oramento na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005)........................ 135Tabela 7. Nmero de legisladoras em comisses legislativas na Argentina (2007), no Brasil (2007) eno Uruguai (2005) ............................................................................................................................... 140Tabela 8. Indicador 1 - Desproporo de legisladoras em comisses legislativas nas Cmaras Baixasda Argentina (2008), do Brasil (2007) e do Uruguai (2005) ................................................................ 141Tabela 9. Indicador 2 - Desproporo entre legisladoras e legisladores em comisses legislativas nasCmaras Baixas da Argentina (2008), do Brasil (2007) e do Uruguai (2005) .................................... 143Tabela 10. Nmero de observaes por pas ..................................................................................... 145Tabela 11. Variveis independentes - estatsticas descritivas ........................................................... 148Tabela 12. Dados perdidos ................................................................................................................. 149Tabela 13. Teste de independncia qui-quadrado (p-valor) para variveis dependentes eindependentes ..................................................................................................................................... 149Tabela 14. Teste de independncia qui-quadrado (p-valor) para variveis especializao eexperincia profissional ....................................................................................................................... 152Tabela 15. Teste de independncia qui-quadrado (p-valor) para variveis Especializao eExperincia profissional e Interesse especial ..................................................................................... 152Tabela 16. Razes de chance estimadas a partir de modelos logsticos com efeitos fixos para acomposio das comisses legislativas na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005) 153Tabela 17. Razes de chance estimadas a partir de modelos logsticos com efeitos aleatrios para acomposio da comisso de Oramento na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005).............................................................................................................................................................185

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1. Sistema eleitoral e cotas de gnero na Argentina, no Brasil e no Uruguai (2014).............. 53Quadro 2. Caractersticas das Cmaras Baixas na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai(2005).................................................................................................................................................... 54Quadro 3. Caractersticas das bancadas femininas na Argentina, no Brasil e no Uruguai (2014)....... 55Quadro 4. Perfis de representao poltica feminina - Argentina, Brasil e Uruguai (2010) .................. 56Quadro 5. Comisses ordinrias nas Cmaras Baixas na Argentina (2008), no Brasil (2007) e noUruguai (2005)1..................................................................................................................................... 62Quadro 6. Jurisdies das Comisses de Oramento na Argentina, no Brasil e no Uruguai .............. 66Quadro 7. Jurisdies das Comisses de Constituio na Argentina, no Brasil e no Uruguai ............ 67Quadro 8. Jurisdies das Comisses de Educao na Argentina, no Brasil e no Uruguai (2015) ..... 69Quadro 9. Jurisdies das Comisses de Assistncia Social na Argentina, no Brasil e no Uruguai(2015) .................................................................................................................................................... 70Quadro 10. Hipteses e variveis ......................................................................................................... 81Quadro 11. Caractersticas do sistema comissional na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai(2005)sntese das variveis .............................................................................................................. 85Quadro 12. Estrutura do sistema comissional na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai(2005) .................................................................................................................................................... 88Quadro 13. Procedimentos do sistema comissional na na Argentina (2008), no Brasil (2007) e noUruguai (2005)..................................................................................................................................... 101Quadro 14. Poderes de agenda do sistema comissional na Argentina (2008), no Brasil (2007) e noUruguai (2005)..................................................................................................................................... 107Quadro 15. Variveis includas na construo do ndice de Direitos de Minorias via sistemacomissional .......................................................................................................................................... 109Quadro 16. Caractersticas organizacionais dos partidos polticos na Argentina (2008), no Brasil (2007)e no Uruguai (2005) ............................................................................................................................ 129Quadro17. Variveis independentes...................................................................................................133Quadro18. Variveis independentes...................................................................................................146

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1. Mulheres filiadas a partidos polticos vs. mulheres em comits executivos nacionais departidos na Argentina, no Brasil e no Uruguai (2009) ......................................................................... 120Grfico 2. Valores preditos para a composio da comisso de Oramento na Argentina (2008), noBrasil (2007) e no Uruguai (2005) ....................................................................................................... 136Grfico 3. Variveis dependentes - Composio das comisses legislativas na Argentina (2008), noBrasil (2007) e no Uruguai (2005) ...................................................................................................... 146Grfico 4. Desempenho eleitoral vs. Integrao s comisses de Oramento, Constituio, Educaoe Assistncia Social na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005) ............................... 151Grfico 5. Valores preditos para a composio das comisses legislativas na Argentina (2008), noBrasil (2007) e no Uruguai (2005) ....................................................................................................... 154

    Grfico 6. Valores preditos para a interao entre Antiguidade e Sexo na composio da comisso deConstituio na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005) ........................................... 155Grfico 7. Valores preditos para a interao entre Especializao e Sexo na composio da comissode Assistncia Social na Argentina (2008), no Brasil (2007) e no Uruguai (2005) ............................. 156

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    SUMRIO

    INTRODUO ....................................................................................................................11

    1 REPRESENTAO POLTICA DE MULHERES: DA TEORIA DA MASSA CRTICA AO

    CONCEITO DE MINORIA POLTICA ..................................................................................161.1 DA MASSA CRTICA AOS DIREITOS DE MINORIAS POLTICAS ............................................221.2 MODELOS ANALTICOS CLSSICOS E MINORIAS POLTICAS............................................291.3 ENTRE REPRESENTAO DESCRITIVA E SUBSTANTIVA:DIREITOS DE MINORIAS POLTICAS43

    2 PESQUISA COMPARADA: QUESTES FUNDAMENTAIS E ESTRATGIASMETODOLGICAS .............................................................................................................49

    2.1 ESTRATGIA DE COMPARAO,SELEO DA AMOSTRA E APRESENTAO DOS CASOS....502.2 MODELOS EMPRICOS ................................................................................................58

    Direitos de minorias via sistema comissional ...............................................................58Vis de gnero na composio de comisses legislativas...........................................59Variveis independentes ..............................................................................................71Variveis de controle ....................................................................................................73

    2.3 TCNICAS DE PESQUISA E FONTES DE DADOS ..............................................................783 SISTEMA COMISSIONAL E DIREITOS DE MINORIAS POLTICAS............................84

    3.1 ESTRUTURA ..............................................................................................................873.2 PROCEDIMENTOS ......................................................................................................963.3 PODERES ...............................................................................................................1023.4 DIREITOS DE MINORIAS POLTICAS VIA SISTEMAS COMISSIONAIS DAARGENTINA,DO BRASILE DO URUGUAI .................................................................................................................108

    4 PARTIDOS POLTICOS E REPRESENTAO DE MULHERES ALM DA ARENAELEITORAL ......................................................................................................................113

    4.1 PARTIDOS POLTICOS COMO ORGANIZAES GENERIFICADAS.................................... 1144.2 GNERO E PARTIDOS POLTICOS NAARGENTINA,NO BRASIL E NO URUGUAI................120

    rgos de mulheres ...................................................................................................126Reserva de vagas no comit executivo nacional ........................................................128

    4.3 RESERVA DE VAGAS NO COMIT EXECUTIVO NACIONAL E COMPOSIO DAS COMISSESLEGISLATIVAS ..................................................................................................................132

    5 AVALIANDO O VIS DE GNERO NAS COMISSES LEGISLATIVAS....................1385.1 VIS DE GNERO COMO DADO DESCRITIVO...............................................................1385.2 ALM DA DESCRIO:MECANISMOS CAUSAIS POR TRS DA DESPROPORO ENTRELEGISLADORES E LEGISLADORAS EM COMISSES LEGISLATIVAS ..........................................1445.3 DESPROPORO ENTRE LEGISLADORAS E LEGISLADORES NAS COMISSES LEGISLATIVASCOMO VIS DE GNERO? ..................................................................................................157

    CONCLUSO....................................................................................................................160REFERNCIAS....................................................................................................................169

    ANEXO I ............................................................................................................................182

    ANEXO II ...........................................................................................................................185

    ANEXO III ..........................................................................................................................186

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    INTRODUO

    O tema central desta tese a representao poltica poltica de mulheres. O

    debate internacional a respeito desse tema tende a enfatizar os impactos dediferentes sistemas eleitorais para a eleio de mulheres e os efeitos da elevao da

    do percentual de eleitas. Entretanto, alm dos obstculos associados ao acesso das

    mulheres ao Legislativo, destacam-se os entraves atuao das legisladoras

    referentes organizao legislativa. Relatrio apresentado pelo IDEA e IPU (MARX;

    BORNER, 2011, p. 5) verificou que

    las mujeres estn subrepresentadas en los altos cargos, que hay

    pocas reglas formales destinadas a promover la igualdad de gnero,que las parlamentarias siguen lidando con dificultade para equilibrarel trabajo y la vida familiar y que una gran cantidad de reglas noescritas tienden a hacer la vida ms difcil a las legisladoras.

    Salienta-se, portanto, a necessidade de analisar a situao das mulheres

    eleitas incorporando o estudo sobre a organizao do processo decisrio, para

    avaliar a capacidade desse grupo em influenciar os processos de tomada de

    decises polticas. Considero ento que a existncia de aes afirmativas ou cotas

    so importantes, mas seus efeitos podem ser minimizados e at anulados caso no

    seja dada ateno aos critrios que definem quem de fato pode influenciar o

    processo decisrio no Legislativo.

    Nesse sentido, este trabalho se volta s comisses legislativas, instncias

    associadas ao desenvolvimento e especializao do poder Legislativo,

    particularmente importante para a atuao de minorias, devido sua escala e ao

    critrio de proporcionalidade partidria adotado na sua composio, generalizado

    nos legislativos latino-americanos (MONTERO; LPEZ, 2002).

    A participao em comisses tambm pode promover a especializao dos/as

    parlamentares em determinados temas, definidos pelas jurisdies comissionais,

    alm de informar o processo decisrio, por meio da produo de pareceres ou

    informes, realizao de audincias pblicas, coleta de informaes junto

    administrao pblica e sabatina de autoridades. Ademais, pode garantir a seus

    membros capacidade de influenciar o processo decisrio, a depender de suas

    prerrogativas e salincia. Por fim, destaca-se a funo de fiscalizao do Executivo

    atribuda a esses rgos, que pode ser estratgica para minorias e garantir

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    importantes recursos mesmo em contextos em que os poderes legislativos das

    comisses so limitados. Nesse sentido, o pertencimento a determinadas comisses

    legislativas pode se traduzir em recursos polticos relevantes.

    Contudo, estudos desenvolvidos pela InterParliamentary Union (IPU, 2006;

    BALLINGTON, 2008) tm apontado para a segregao das legisladoras emcomisses relacionadas aos papis tradicionalmente associados s mulheres ou

    "poltica do cuidado" (MIGUEL, 2001), ao passo que as comisses mais centrais no

    processo decisrio, relacionadas a temas como oramento, regulamento e poltica

    externa, so dominadas pelos legisladores. Diante desse quadro, pesquisas

    recentes tm verificado que o grau de competitividade eleitoral, a centralizao do

    processo decisrio e a ausncia de mulheres em instncias decisrias fundamentais

    no Legislativo e nos partidos constrangem a distribuio de recursos polticos,fazendo com que parlamentares do sexo feminino estejam em desvantagem quando

    comparadas a seus colegas do sexo masculino (FRISCH; KELLY, 2003, 2006;

    HEATH; SCHWINDT-BAYER; TAYLOR-ROBINSON, 2005; MARX; BORNER, 2011;

    CHASQUETTI; PERZ, 2012).

    Diante desse quadro, a presente investigao busca responder seguinte

    questo: Qual o peso do sexo do/a parlamentar, substrato das relaes de gnero,

    na conformao da desproporo entre legisladores e legisladoras nas comisses

    legislativas? Para responder a essa pergunta, importante dialogar com a rica

    produo do campo de estudos legislativos que, apesar de seu refinamento terico e

    metodolgico, tem negligenciado a dimenso de gnero e o carter generificado1

    das instituies polticas.

    O objetivo central da tese, portanto, avaliar se a desproporo entre

    legisladoras e legisladores nas comisses legislativas configura um vis de gnero.

    Seus objetivos especficos so: verificar em que medida sexo uma varivel

    relevante para explicar o acesso a recursos polticos, o que possibilitaria qualificar,

    de forma adequada, o carter generificado da organizao do legislativo; reavaliar o

    acesso das mulheres a recursos polticos, considerando no apenas os percentuais

    1Segundo Mackay, Kenny e Chapell (2010, p. 580), [t]o say that an institution is gendered means thatconstructions of masculinity and femininity are intertwined in the daily life or logic of politicalinstitutions rather than existing out in society or fixed within individuals which they then bring whole tothe institution (Kenney, 1996: 456). Not only are gender relations seen to be institutional, these

    relations are institutionalized, embedded in particular political institutions and constraining andshaping social interaction. (Kenney, 1996: 456).

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    relativos desses grupos, mas tambm os recursos procedimentais disponveis a

    essa minoria poltica, a partir da anlise de diferentes arranjos organizacionais;

    verificar, a partir de uma abordagem comparada, que fatores podem interagir com a

    dimenso de gnero no sentido de corrigir ou aprofundar desigualdades de gnero.

    A presente investigao questiona a neutralidade com relao a gneroassumida pelas regras que organizam o processo decisrio no poder Legislativo,

    considerando que, ainda que no estejam explicitadas em regras e procedimentos

    formais, estas podem abrir margem para a emergncia de regras informais que

    cumprem o papel de reproduzir e reforar a desigualdade de gnero no campo da

    poltica.

    Esse esforo se nutre da contribuio do campo de gnero e feminista, qual

    seja, a capacidade de interpelar, de re-colocar e re-significarpermanentemente oscontedos e as formas daquilo que se apresenta como contingentemente universal,

    [...] na constante problematizao das hierarquias e das subordinaes, na crtica

    contumaz s opresses de todas as ordens (MATOS, 2008, p. 350). Para tanto,

    necessrio reler as anlises clssicas sobre comisses legislativas luz dos estudos

    feministas e de gnero, de forma a explicitar como regras informais relacionadas a

    percepes, esteretipos ou papis de gnero interagem com regras formais e

    orientam as aes de indivduos no contexto legislativo. Esse esforo pode contribuir

    para ampliar o poder explicativo das teorias sobre o legislativo, alm de permitir uma

    compreenso mais acurada dos mecanismos de produo e manuteno de

    desigualdades (MACKAY; KENNY; CHAPPELL, 2010, p. 573).

    Anlises recentes (FRISCH; KELLY, 2003, 2006; HEATH, SCHWINDT-

    BAYER; TAYLOR-ROBINSON, 2005; KANTHAK; KRAUSE, 2010, 2011, 2012;

    CHASQUETTI; PREZ, 2012) explicitam a relevncia e a proficuidade da

    associao entre estudos feministas e de gnero e a investigao sobre instituies

    polticas, permitindo compor um quadro mais acurado da organizao do poder

    Legislativo ao incorporar os efeitos de regras informais e tambm ao explicitar o

    carter generificado de regras formais. Entretanto, defendo que as lacunas

    apresentadas por esses trabalhos apontam para a necessidade de ampliao das

    anlises sobre o tema, considerando um desenho de pesquisa que d conta da

    diversidade presente na organizao dos legislativos latino-americanos e em

    especial da configurao dos sistemas comissionais e dos partidos polticos,

    instncias fundamentais quando se considera a distribuio de recursos polticos e a

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    possibilidade de influenciar o processo decisrio. neste cenrio que se insere essa

    pesquisa e a partir dele que se justifica sua relevncia.

    Analisei o processo de recrutamento para as comisses de Oramento,

    Constituio, Educao e Assistncia Social das Cmaras baixas na Argentina, no

    Brasil e no Uruguai, nos anos de 2008, 2007 e 2005, respectivamente. A seleo dospases teve como critrio a semelhana entre os casos, o que permite controlar o

    efeito de variveis exgenas no includas nos modelos empricos. Alm disso, a

    semelhana foi explorada a partir de caractersticas recorrentemente enfatizadas na

    discusso sobre gnero e representao poltica, tais como dados sobre sistema

    eleitoral, a existncia e atuao da bancada feminina, alm de aspectos que

    ultrapassam a dimenso institucional, relacionados discusso mais ampla sobre

    justia de gnero, que inclui caractersticas scio-materiais e simblico-culturais.A tese est organizada em cinco captulos, alm da introduo e

    consideraes finais. No captulo 1, apresento uma releitura da literatura sobre

    comisses legislativas, ampliando-as para incorporar a discusso sobre a

    representao de mulheres. O quadro analtico proposto parte da noo de que as

    legisladoras compem uma minoria poltica em um contexto majoritrio e se volta

    aos recursos ou direitos a elas assegurados, que permitiriam que sua presena

    fosse traduzida em representao substantiva. O argumento desenvolvido refora a

    necessidade de se avaliar a representao de mulheres alm dos percentuais

    relativos, considerando os recursos disponveis para que minorias polticas possam

    influenciar o processo decisrio.

    O captulo 2 apresenta uma discusso sobre poltica comparada, estratgia

    metodolgica que orienta o desenvolvimento da presente investigao. Parto da

    discusso de poltica comparada como mtodo, tratando de algumas questes

    fundamentais relativas ao desenho de pesquisa adotado. Em seguida, apresento os

    modelos empricos que orientam a construo dos captulos 3, 4 e 5.

    No captulo 3 analiso o sistema comissional dos pases que integram a

    amostra da pesquisa, com o objetivo de avaliar o impacto potencial de diferentes

    arranjos institucionais no tocante incluso de mulheres. As anlises de Strm

    (1984, 1998) e Mattson e Strm (1995) apresentadas no Captulo 1 permitiram

    retomar elementos-chave dos modelos analticos apresentados e avali-los luz dos

    direitos de minorias polticas. Seguindo essa estratgia, foi incorporada anlise

    uma combinao dos diversos aspectos do sistema comissional, considerando sua

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    estrutura, procedimentos e poderes. Para avaliar a representao de minorias e, em

    especial das minorias polticas, as caractersticas apresentadas foram sintetizadas

    no ndice de Direitos de Minorias via sistema comissional.

    O captulo 4 apresenta uma discusso sobre partidos polticos, organizaes

    que atuam como mediadores na distribuio de recursos polticos no Legislativo. Ofoco da anlise recai sobre a organizao interna dos partidos, especialmente no

    que concerne dimenso de gnero. Considero que partidos, assim como os

    Legislativos, so estruturas generificadas e que a incluso de mulheres nos

    parlamentos est intimamente relacionada ao acesso desse grupo a recursos intra -

    partidrios. Tomando a caracterizao de Lovenduski (1993) a respeito das

    estratgias adotados pelos partidos com relao incluso de mulheres, so

    analisados os estatutos dos partidos representados nos Legislativos que compem aamostra, com o objetivo de caracterizar a incorporao das demandas desse grupo,

    atentando especificamente para a existncia de reserva de vagas em rgos

    decisrios intra-partidrios.

    Partindo das contribuies avanadas nos captulos anteriores, no captulo 5

    desenvolvi um modelo emprico para avaliar se e em que medida a desproporo

    entre legisladores e legisladoras nas comisses legislativas se configura como um

    vis de gnero. Essa anlise parte dos indicadores que apontam para a existncia

    de vis de gnero em comisses legislativas latino-americanas, com o objetivo de

    ampliar a discusso para alm da dimenso descritiva.

    Nas consideraes finais, destaco as contribuies dessa investigao,

    relacionadas combinao entre insightsde dois campos analticos relevantes na

    Cincia Poltica, os estudos feministas e as anlises institucionalistas, e discusso

    sobre representao poltica de minorias. Tambm apresento as limitaes da

    pesquisa e avano hipteses que podem orientar o desenvolvimento de pesquisas

    futuras.

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    1 REPRESENTAO POLTICA DE MULHERES: DA TEORIA DA MASSACRTICA AO CONCEITO DE MINORIA POLTICA

    [T]he opposite of representation is not participation. The opposite ofrepresentation is exclusion. []Rather than opposing participation torepresentation, we should try to improve representative practices and

    forms to make them more open, effective, and fair. Representation isnot an unfortunate compromise between an ideal of direct democracyand messy modern realities. Representation is crucial in constitutingdemocratic practices. (PLOTKE, 1997, p. 19).

    A epgrafe deste captulo remete ao debate existente na teoria poltica a

    respeito da relao entre representao e outras formas de ativismo poltico, como

    participao e deliberao. Esse debate tambm marcou as contribuies de

    tericas feministas, que tenderam a considerar a representao como uma forma

    menos adequada ou desejvel (second-best) de incluso poltica, motivadas pelaescala das democracias contemporneas e pela impossibilidade do estabelecimento

    da democracia direta2. Entretanto, como afirmam Urbinati e Warren (2008), o debate

    sobre incluso poltica de grupos como mulheres e minorias fez reemergir o tema da

    representao poltica na teoria democrtica contempornea, considerada como

    uma dimenso crucial para que a democracia fosse possvel (PITKIN, 1967; MANIN,

    1995; LAVALLE; ARAJO, 2006; URBINATI; WARREN, 2008).

    Paralelamente a esse movimento em direo representao poltica,Kenney (1996) identifica que tanto a Cincia Poltica quanto os estudos feministas

    realizaram uma "virada institucionalista", o que refora a centralidade da

    representao poltica enquanto objeto. Assim, a representao de mulheres vem

    sendo foco de um nmero crescente de trabalhos, com especial nfase nas

    pesquisas sobre cotas legislativas e sobre os impactos da presena ou da ausncia

    de mulheres na produo de polticas pblicas (DAHLERUP, 1993; 2006; JONES,

    1996, 1998, 2008; KROOK, 2004, 2006, 2007; FRANCESCHET; PISCOPO, 2008;

    ARCHENTI; TULA, 2008; SCHWINDTBAYER, 2009; ARAJO, 2001, 2004,

    2005, 2009, 2010; ARCHENTI; JOHNSON, 2006; MARX; BORNER;

    CAMINOTTI, 2007; ALLES, 2014). Nesse aspecto, destacam-se as iniciativas de

    um conjunto de autoras que reivindicam uma vertente feminista do neo-

    2 Ver, por exemplo, Phillips (1995).

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    institucionalismo (KENNEY, 1996; MACKAY; WAYLEN, 2009; CHAPPEL, 2010;

    MACKAY; KENNY, 2007; CHAPPEL, 2010)3.

    Importante notar que as abordagens tericas e empricas sobre o tema

    convergem a respeito da centralidade da contribuio de Pitkin (1967). Em sua obra

    seminal, a autora distingue quatro formas de representao, a saber, formal,descritiva, substantiva e simblica (PITKIN, 1967; SCHWINDT-BAYER; MISHLER,

    2005). Como essas dimenses so recorrentemente mobilizadas na literatura citada,

    cabe apresent-las de forma breve.

    A dimenso formal da representao enfatiza os processos de autorizao e

    accountability, ou os momentos anteriores e posteriores relao de representao,

    sem se preocupar com o contedo desta relao (PITKIN, 1967, p. 59). Est

    usualmente associada existncia de eleies peridicas, livres e justas.

    A representao simblica, por sua vez, diz respeito percepo, por parte

    dos representados, de que representantes defendem seus interesses, relacionada

    "activity of making people believe in the symbol, accept the political leader as their

    symbolic representative". (PITKIN, 1967, p. 102).

    J a representao descritiva remete noo de representatividade e se

    assenta na correspondncia entre representantes e representados. A noo de

    representao como representatividade o fundamento da representao

    proporcional:

    The representative does not act for others; he stands for them, byvirtue of a correspondence or connection between them, aresemblance or reflection. In political terms, what seems important isless what the legislature does than how it is composed. (PITKIN,1967, p. 61).

    Finalmente, a dimenso substantiva da representao diz respeito

    "atividade substantiva de representar outrem" (PITKIN, 1967, p. 141). Aqui, interessao que representantes fazem: "[w]e are now interested in the nature of the activity

    3 Em discusso mais recente, parece que as autoras definem uma espcie de feminismo neo-institucionalista, uma vez que argumentam que "gnero importa" para o estudo das instituiespolticas (MACKAY; KENNY; CHAPPEL, 2010). Esse deve ser tomado como um meta-conceito(BECKWITH, 2010, p. 160): "Apprehending gender as a meta-concept, gender functions incomparative political research as both an independent and a dependent variable. Insofar asgender is constructed by state and society, gender functions as an effect or outcome of humanagency, and politics. Because gender also serves to construct political choices and outcomes, itcan function as a determinant of such phenomena. Furthermore, gender can function both as a

    categorical concept and as a dynamic process concept".

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    itself, what goes on during representing, the substance and content of acting for

    others". (PITKIN, 1967, p. 114). O que importa segundo essa definio o que os

    representantes fazem ou em que medida os representantes traduzem as

    preferncias dos representados em termos de decises e polticas pblicas.

    Apesar do carter multidimensional do conceito de representao e dacorrespondente necessidade de avaliar os aspectos citados de forma integrada

    (SCHWINDT-BAYER; MISHLER, 2005), parece haver certa tenso entre

    representao descritiva e representao substantiva. Ao definir a primeira, Pitkin

    (1967) j chamava a ateno para o argumento de John Stuart Mill,

    "proporcionalista" e expoente da representao descritiva, que opunha

    representatividade e governabilidade, ou representao relacionada ao debate

    pblico, e deciso relacionada ao poltica. Assim, a autora lembra querepresentao descritiva no implica em representao substantiva:

    The fact that a man or an assembly is a very good descriptiverepresentation does not automatically guarantee that they will begood representatives in the sense of acting for, their activity will reallybe representing. In the realm of action, the representative'scharacteristics are relevant only insofar as they affect what he does.Thus, for the activity of representing, the ideal of a perfect copy orlikeness is chimerical. (PITKIN, 1967, p. 142).

    Essa tenso tambm est no cerne do argumento de Phillips (1995) sobrepoltica da presena. Segundo a autora, no contexto de emergncia de demandas

    polticas por reconhecimento, a separao entre quem so os representantes e o

    que eles fazem colocada em xeque. A poltica da presena contrasta com a

    noo de representao de ideias priorizada pela dimenso substantiva (PHILLIPS,

    1995, p. 273) e prev a representao de grupos, j que concebe a diferena como

    estando relacionada a experincias e identidades especficas, havendo uma relao

    entre preferncias polticas e as caractersticas dos indivduos que as adotam:

    As any observer of the political process knows, policy decisions arenot settled in advance by party programmes, for new problems andissues emerge alongside unanticipated constraints, and in thesubsequent weighing of interpretations and priorities, it mattersimmensely who the representatives are. [...] When there is asignificant under-representation of women at the point of finaldecision, this can and does have shifted their attention from thedetails of policy commitments to the composition of the decision-making group. Political experience tells us that all male or mostlymale assemblies will be poor judges of womens interests and

    priorities and concerns, and that trying to shore up this judgement by

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    pre-agreed programmes has only limited effect. [...] Representativesdo have considerable autonomy, which is why it matters who thoserepresentatives are. (PHILLIPS, 1998, p. 7).

    Entretanto, a autora afirma que o aumento da presena de mulheres nos

    espaos de tomada de deciso no garante que os interesses ou demandas das

    mulheres sejam representados, significando apenas uma promessa e uma

    possibilidade de transformao. Em outras palavras, o elo entre representao

    descritiva e representao substantiva depende de mecanismos de accountability

    para assegurar que haja responsividade e responsabilidade, como define Pitkin

    (1967). No obstante, Phillips (1995) argumenta que se a eleio de mais mulheres

    no necessariamente garante a representao de interesses femininos, a mudana

    de regras eleitorais e a mediao realizada por partidos polticos tambm no

    garante necessariamente tal representatividade.

    Nesse sentido, a representao substantiva depende enormemente das

    regras que organizam os processos de tomada de deciso e que podem se traduzir

    em recursos ou em constrangimentos atuao de representantes. Phillips (1995)

    argumenta que a garantia de acesso das mulheres s instituies representativas se

    apresenta apenas como o incio de um processo, uma vez que, [I]f the new

    representatives have no space to express anything other than existing party policy,

    their inclusion becomes rather symbolic which matters, but somewhat less thanhoped (PHILLIPS, 1995, p. 188). Assim, o potencial transformador da poltica da

    presena exigiria desenvolvimentos relativos organizao das instituies

    democrticas e no apenas a garantia de igual acesso s mesmas.

    A partir do exposto, parece-me plausvel conceber que a relao entre

    representao descritiva e representao substantiva mediada pela organizao

    do processo decisrio. Ou seja, o vnculo entre quem so os representantes e o que

    eles fazem condicionado tambm pela estrutura de oportunidades configurada apartir das regras que organizam o processo de tomada de decises. relevante,

    portanto, ampliar a investigao sobre representao poltica de mulheres eleitas

    para alm das dimenses descritiva (usualmente referida ao percentual de mulheres

    eleitas) e substantiva (relacionada atuao das legisladoras), incorporando

    informaes sobre quais so os recursos disponveis a elas, o que permitiria

    esclarecer se e sob quais condies a representao descritiva poderia implicar em

    representao substantiva.

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    Nesta tese, nfase ser dada ao Legislativo, instncia historicamente

    associada emergncia da representao poltica moderna, vinculada ideia de

    representao popular tomada como um direito fundamental (PITKIN, 1967, p. 3). A

    centralidade do parlamento no estudo proposto, em detrimento de outras instncias

    do sistema poltico formal, justifica-se pelo fato de que esse realiza a mediao entrea sociedade (ou a esfera pblica informal) e o Estado, possibilitando a

    institucionalizao de demandas que emergem na primeira, o que explicita sua

    porosidade e seu carter pluralista. Segundo De Barbieri (2003):

    De los tres poderes del Estado, el Legislativo es el lugar de laexpresin, el enfrentamiento y la concertacin entre las fuerzaspolticas, y por lo tanto lo espacio pblico por excelencia. Esto es asporque el Poder Legislativo constituye el lugar de la representacinde la ciudadana en el Estado. Ms all de la carga simblica que

    contiene, la participacin en el parlamento permite construirordenamientos societales ms justos e equitativos desde el punto devista del gnero que implican la coaccin legtima del Estado. (DEBARBIERI, 2003, p. 18).

    Especificamente, o trabalho se volta s comisses legislativas, instituies

    cuja centralidade no processo legislativo foi ressaltada por estudos seminais na

    Cincia Poltica, que explicitaram sua capacidade de influenciar as decises polticas

    e a configurao de polticas pblicas (FENNO, 1973; DEERING; SMITH, 1997,

    WEINGAST; MARSHALL, 1988; SHEPSLE, 1978; SHEPSLE; WEINGAST, 1987;GILLIGAN; KREHBIEL, 1989, 1990; KREHBIEL, 1989; COX; MCCUBBINS, 2005,

    2007), alm de relacionar a emergncia do sistema comissional ao fortalecimento,

    especializao e institucionalizao do legislativo (POLSBY, 1968; ROSENTHAL,

    1973). A partir da dcada de 1980, emergiram tambm estudos voltados a outras

    dimenses, tais como direitos de minorias partidrias e controle dos parceiros da

    coalizo via comisses legislativas (STRM, 1984, 1998; MAATSON; STRM,

    1995; STRM; MULLER; SMITH, 2010; CARROLL; COX, 2008).A anlise aqui empreendida extrapola tais questes, usualmente referidas

    funo, aos poderes e integrao das comisses legislativas, de modo a tratar das

    minorias polticas e sua capacidade de influenciar o processo decisrio a partir de

    sua atuao no sistema comissional. Nesse sentido, o objetivo do captulo

    apresentar o sistema comissional e as funes desempenhadas por esses rgos,

    ampliando as anlises existentes para incorporar a discusso sobre a representao

    de minorias polticas e, em especial, de mulheres . O quadro analtico proposto parte

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    da noo de que as legisladoras compem uma minoria poltica em um contexto

    majoritrio e se volta aos recursos ou direitos a elas assegurados.

    A literatura sobre sistema comissional trata da relao entre maioria/minoria

    no contexto legislativo, enfatizando ora o carter partidrio desse recorte, ora as

    preferncias dos/as legisladores/as, sendo nesse caso o legislador mediano 4 areferncia para definir esses grupos. Entretanto, gnero no considerado um

    marcador relevante no que tange definio de maioria e minoria. Essa omisso

    explicita o carter gender-blinddas anlises mencionadas e pode ser considerada

    grave diante do quadro apresentado por Marx e Borner (2011) e por Ballington

    (2008), que afirmam haver uma configurao generificada dos arranjos institucionais

    nos Legislativos, especificamente relacionada composio do sistema comissional.

    Retomando, pois, a caracterizao de gnero como um primeiro modo de darsignificado s relaes de poder (SCOTT, 1995, p. 16), importante resgatar o

    argumento de que essas so generificadas, ou seja, a forma como so construdas

    relaes de desigualdade e hierarquia tm um fundamento na desigualdade

    construda a partir dos sexos, o que significa que a distribuio de poder poltico se

    fundamenta, tambm, na hierarquia existente entre homens e mulheres5.

    Portanto, preciso considerar que gnero um princpio de organizao do

    processo decisrio no Legislativo e, mais especificamente, da configurao dosistema comissional, o que pode indicar a existncia de uma diviso sexual do

    trabalho legislativo, que

    tem por caractersticas a destinao prioritria dos homens esferaprodutiva e das mulheres esfera reprodutiva e, simultaneamente, aapreenso pelos homens das funes de forte valor social agregado(polticas, religiosas, militares, etc...). Esta forma de diviso social dotrabalho tem dois princpios organizadores: o princpio de separao(existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princpio

    de hierarquizao (um trabalho de homem vale mais do que umtrabalho de mulher). (KERGOAT, 2009, p. 67).

    No escopo desta tese, amplio esse conceito para a arena legislativa, o que

    permite integrar a desproporo entre legisladoras e legisladores nas comisses

    discusso sobre poder e hierarquia que organizam as relaes entre homens e

    4 O legislador mediano se refere mediana da distribuio de preferncias das/os legisladores.

    5 No captulo 2 a relao entre sexo e gnero ser aprofundada, quando da apresentao das

    variveis que compem o modelo emprico.

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    mulheres. A diviso sexual do trabalho legislativo como princpio que organiza a

    integrao das comisses tomada como hiptese, sendo necessrio avaliar se

    essa uma nova forma de diviso do trabalho6ou se a desproporo em comisses

    apenas reflete desigualdades que tm origem em outros espaos, como o mercado

    de trabalho ou o sistema educacional7

    . Tal distino relevante porque permite aidentificao acurada das barreiras representao de mulheres e o desenho de

    estratgias mais adequadas para sua superao.

    O captulo est organizado em trs sees, incluindo esta Introduo. A

    primeira seo apresenta a discusso sobre a noo de mulheres enquanto minoria,

    inaugurada pelo debate sobre a teoria da massa crtica e os conceitos de atos e

    atores crticos. Em dilogo com essa perspectiva, apresento os conceitos de minoria

    poltica e direitos de minoria poltica subsidiados por reviso da literatura sobrecomisses legislativas, com objetivo de problematizar se e como a organizao do

    sistema comissional garante recursos polticos a esses grupos. Essa discusso ser

    apresentada na segunda seo, que traz, pois, uma releitura das perspectivas

    analticas consideradas clssicas para o estudo das comisses legislativas, luz da

    discusso sobre direitos de minorias polticas. A terceira e ltima seo apresenta

    alguns apontamentos a respeito da representao de mulheres via sistema

    comissional, considerando que direitos de minoria podem mediar a relao entrerepresentao descritiva e representao substantiva. O argumento desenvolvido

    refora a necessidade de avaliar a representao de mulheres alm dos percentuais

    relativos, considerando os recursos disponveis para que minorias polticas possam

    influenciar o processo decisrio.

    1.1 Da massa crtica aos direitos de minorias polticas

    A anlise das mulheres enquanto minoria no legislativo tem como referncia

    pioneira a teoria da massa crtica, desenvolvida por Dahlerup (1993). Segundo a

    autora, tratar as mulheres como grupo minoritrio significa consider-las enquanto

    6 A diviso sexual do trabalho legislativo como nova forma de diviso do trabalho estariarelacionada dimenso da demanda, ou da atuao de gatekeepers, como lderes partidrios. Cf.Norris e Lovenduski (1995).

    7 Nesse caso, o fenmeno seria reflexo de desigualdades que tm origem em outros espaos,como o mercado de trabalho ou o sistema educacional, constituir-se-ia como um problema na

    dimenso da oferta, relativo s qualificaes das legisladoras. Cf. Norris e Lovenduski (1995).

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    minoria numrica, que ocupa uma posio subalterna ou desprivilegiada. A questo

    que essa autora se coloca diz respeito, ento, massa crtica necessria para que

    essa minoria numrica consiga potencializar e mobilizar recursos para transformar a

    arena legislativa, ou constituio de uma minoria suficiente para influenciar o

    processo decisrio.Seus objetivos so verificar se os nmeros importam no tocante

    representao de mulheres na poltica formal e compreender como a relao entre

    maioria (legisladores) e minoria (legisladoras) pode influenciar a representao

    substantiva. Isso leva Dahlerup (1993) a argumentar, tendo como referncia a obra

    de Kanter (1977) 8 , que se deve prestar ateno aos nmeros relativos ou

    proporo entre grupos sociais, e no apenas ao nmero isolado de mulheres, em

    especial no que se refere aos corpos legislativos. A noo de massa crtica seapresenta como fundamental, porque estabelece um patamar a partir do qual a

    representao descritiva implicaria em representao substantiva:

    The term critical mass was borrowed from nuclear physics, where itrefers to the quantity needed to start a chain reaction, an irreversibleturning point, a take-off into a new situation or process. By analogy, itwas and is said that a qualitative shift will take place when womenexceed a proportion of about 30 percent in an organization.(DAHLERUP, 2006, p. 2, grifo da autora).

    Porm, como lembra a autora, os nmeros seriam condio necessria, mas

    no suficiente: as mulheres constituiriam uma massa crtica apenas potencialmente,

    uma vez que, alm da formao de uma "grande minoria", h questes relativas

    ao coletiva e s preferncias das legisladoras, que podem minar as possibilidades

    de uma atuao concertada. Segundo Dahlerup (1993), esses problemas poderiam

    ser superados a partir do apoio externo de movimentos e organizaes feministas,

    de melhorias na posio socioeconmica das mulheres na sociedade e da garantia

    de condies de trabalho e influncia para as legisladoras. Em outras palavras, amassa crtica dependeria do tamanho da minoria, mas tambm da disposio de

    8 Apesar de a anlise de Kanter (1977) ter influenciado o desenvolvimento do conceito de massacrtica, Childs e Krook (2006) argumentam que ela limitada para tratar da representao polticade mulheres, uma vez que: ignora que instituies polticas e corporaes possuem dinmicas deorganizao e funcionamento diversas; no define as mulheres como minoria poltica nemconsidera gnero como categoria de anlise relevante, uma vez que enfatiza o status minoritrio,independente de seu marcador, e no analisa o papel dos homens, sendo necessriodesenvolver uma teoria patriarcal das relaes de poder, de forma a apreciar de forma mais

    adequada as relaes entre minoria e maioria.

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    aquelas que a constituem agirem de forma concertada atos crticos, ou aes

    que mudariam a posio da minoria e levariam a mudanas futuras mais profundas

    (LOVENDUSKI, 2001) e da existncia de uma estrutura de oportunidades

    favorvel ao coletiva das legisladoras.

    Apesar de ter influenciado aes relativas ao incremento da representaofeminina, tanto em termos acadmicos quanto polticos9, a teoria da massa crtica foi

    alvo de questionamentos importantes. Alguns deles se referem no ao argumento de

    Dahlerup (1993), mas sua apropriao e uso equivocados por uma poltica do

    otimismo, focada unicamente no incremento do percentual de mulheres nas

    legislaturas e na crena de que, por si, esse fato garantiria a eliminao das

    desigualdades de gnero sem que houvesse conflitos ou retrocessos (CHILDS;

    KROOK, 2006, p. 8). Outras crticas importantes dizem respeito inadequao daanalogia com um conceito das cincias exatas; arbitrariedade da porcentagem

    sugerida como ponto de corte para se atingir uma massa crtica e impossibilidade

    de se isolar o efeito do nmero de representantes eleitas de fenmenos externos ao

    legislativo.

    A prpria autora indica a necessidade de incorporar anlise as

    caractersticas das organizaes legislativas e de garantir s mulheres eleitas

    condies de trabalho e influncia, sendo importante avanar no debate sobrerepresentao poltica de mulheres para alm da entrada nos parlamentos

    (DAHLERUP, 2006). Esses elementos chamam a ateno para a complexa relao

    entre representao descritiva e substantiva, sendo necessrio tambm, como

    afirmam Childs e Krook (2006), pensar o que significa dizer que as mulheres fazem

    a diferena. Essas autoras propem que a noo de massa crtica seja substituda

    pela de atores crticos, ou seja, indivduos (homens e mulheres) que tomam a

    iniciativa de apresentar propostas e encorajam outros a promover polticas para

    mulheres, independente do tamanho da minoria feminina. O foco passa a recair

    9 Resoluo do Conselho Econmico e Social das Naes Unidas publicada em 1990 recomendouque, at 1995, 30% dos postos de tomada de deciso fossem ocupados por mulheres e que essenmero fosse elevado para 50% at 2000. Diante dos pequenos avanos no tocante a essasmetas, a Declarao e Plataforma de Ao da IV Conferncia Mundial sobre a Mulherestabeleceu que os pases signatrios deveriam adotar medidas concretas para criar uma massacrticade mulheres dirigentes, executivas e administradoras em postos estratgicos de tomada de

    decises (VIOTTI, 2006, p. 217. Grifo meu).

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    sobre legisladoras/es especficas/os e as aes que implicam em representao

    substantiva.

    A noo de atores crticos requer que sejam consideradas as seguintes

    dimenses: a) os efeitos do aumento da proporo de mulheres no legislativo,

    considerando possibilidades como o desenvolvimento de estratgias de segregaode mulheres por parte de colegas do sexo masculino e a ampliao da diversidade

    de interesses por parte das legisladoras, que poderia levar a uma representao de

    interesses difusos e no apenas de interesses de mulheres; b) as caractersticas

    das organizaes legislativas e do processo legislativo, ou o modo como regras

    formais e informais distribuem poder entre homens e mulheres, alm de aspectos

    como filiao e ideologia partidrias; c) identidades e interesses de legisladoras e

    legisladores, considerando: o entrelaamento de aspectos como classe, raa egerao, por exemplo; o risco do discurso da diferena, relacionado

    essencializao de uma identidade feminina, que pode atuar como justificativa

    segregao das mulheres; e a existncia de definies feministas e no feministas

    das questes de mulheres, de forma a ampliar o escopo de temas que afetam a

    vida cotidiana de mulheres. Trabalhos mais recentes tm se preocupado em integrar

    anlise sobre representao de mulheres variveis relacionadas a essas

    dimenses, como indicam as contribuies de Heath, Schwindt-Bayer e Taylor-Robinson (2005), O'Brien (2012) e Kanthak e Krause (2010, 2011, 2012).

    Heath, Schwindt-Bayer e Taylor-Robinson (2005) afirmam a necessidade de

    considerar caractersticas polticas e institucionais do Legislativo, alm de aspectos

    relacionados aos legisladores individuais e aos partidos polticos, para explicar a

    alocao de mulheres em comisses legislativas. As autoras verificaram que h um

    vis de gnero no tocante alocao de parlamentares em comisses legislativas

    na Amrica Latina, que pode ser explicado em grande medida pelo desenho

    institucional dos Legislativos, especificamente pelas regras de recrutamento para as

    comisses e pela existncia de comisses de assuntos de mulheres: maior

    centralizao da alocao de vagas em comisses via lderes partidrios e

    presidentes das cmaras e a presena de comisses de assuntos de mulheres

    implicam em menores chances de mulheres ocuparem "comisses poderosas",

    referentes a temas como relaes internacionais, economia e defesa.

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    Esses resultados indicam que a prpria noo de atos crticos deve ser

    refinada, considerando-se no apenas a disposio individual para a ao, mas

    tambm as regras que organizam o processo decisrio e as normas informais que

    interagem com aquelas. Assim, aps verificar no haver vis de gnero desfavorvel

    s legisladoras nos processos de seleo de membros ordinrios e presidentes decomisses no parlamento britnico, OBrien (2012) afirma que importante

    considerar que esse resultado pode ser explicado pela alterao dos procedimentos

    relacionados distribuio de tais posies, que deixaram de ser centralizados em

    lideranas partidrias e passaram a ser regidos por eleies.

    Kanthak e Krause (2010, 2011, 2012) tambm chegam a concluses

    semelhantes, indicando que os atos crticos no decorrem mecanicamente da

    obteno de uma massa crtica, uma vez que o aumento relativo da minoria podelevar a um retrocesso da maioria com relao quele grupo e tambm a problemas

    de coordenao entre os membros da minoria, emergindo um paradoxo da

    diversidade. Os autores argumentam que necessrio avaliar, alm dos

    percentuais relativos do grupo minoritrio, problemas de coordenao e competio

    entre grupos e intragrupo; o papel dos partidos polticos como mediadores nos

    processos de distribuio de recursos nas legislaturas10 e o impacto de solues

    organizacionais, como bancadas femininas, na distribuio de recursos noslegislativos e no fomento ao coletiva.

    Tendo como referncia o exposto, defendo que, anteriormente demanda por

    representao substantiva de mulheres, deve-se analisar o papel das regras e

    procedimentos na manuteno ou superao da desigualdade poltica entre homens

    e mulheres parlamentares. Assim, preciso pensar se atos crticos so possveis

    em contextos em que as regras do jogo limitam os recursos procedimentais a

    minorias polticas, uma vez que o Legislativo uma instituio majoritria e que

    outros fatores atravessam as preferncias, interesses e perspectivas representadas.

    Ademais, preciso avaliar mesmo o grau de majoritarismo enquanto critrio para

    alocao de recursos nos Legislativos, de forma a verificar se instituies mais ou

    10 Como afirma Binder (1997), partidos politicos no so apenas intermedirios na alocao derecursos no Legislativo, mas atores centrais na definio das regras que organizam sua

    distribuio. Esse argumento ser desenvolvido a seguir.

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    menos majoritrias apresentam efeitos diferentes no que tange distribuio de

    recursos entre maioria e minoria.

    Assim, um primeiro passo para avaliar a representao de mulheres definir

    o que se entende por minoria e analisar os recursos disponveis para sua atuao,

    ou como se configuram os direitos de minorias11. Nesse aspecto, Binder (1997)define direitos de minorias como garantias procedimentais que asseguram a um

    membro ou a um grupo acesso preferencial ao processo legislativo em um

    determinado estgio do jogo (BINDER, 1997, p. 21). Esses podem se referir a

    minorias polticas ou partidrias:

    no single concept of minority rights dominates congressionalprocedure. At one end of a spectrum are party-based or partisanminority rights: procedural privileges allocated narrowly and explicitly

    to the minority party (such as the right of the minority party to callwitnesses at committee hearings). At the other end are nonpartisanpolitical minority rights: rules writ broadly enough to guaranteeprocedural protection for minorities of any size and composition (suchas the right of a member to call for a motion to adjourn or the rightguaranteeing opponents of a conference report time to present theirviews on the floor) (BINDER, 1997, p. 20).

    Dessa definio possvel inferir que minorias polticas so minorias

    numricas, enquanto minorias partidrias se caracterizam pelo pertencimento ao

    partido minoritrio e se definem em oposio ao vnculo com o partido majoritrio.Alm disso, direitos de minorias polticas formam a base para a configurao dos

    direitos de minorias partidrias: ambos se aproximam na medida em que podem se

    traduzir como direitos garantidos a parlamentares individuais.

    Entretanto, a autora verifica que, na House of Representatives, direitos

    garantidos a minorias polticas assumem o carter de direitos assegurados a

    minorias partidrias quando o partido majoritrio passa a usar estrategicamente as

    regras do jogo ou, para usar o conceito de Cox e McCubbins (2005, 2007), quandoeste passa a atuar como um cartel procedimental. Assim, preciso levar em conta

    que, em tese, a representatividade de uma legislatura se assenta num compromisso

    com a participao igualitria de seus membros, mas a prtica revela que os direitos

    das minorias apresentam um carter contingente, uma vez que so condicionados

    11 A anlise emprica relativa configurao de direitos de minorias em sistemas comissionais ser

    levada a cabo no captulo 3.

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    pela configurao das foras partidrias (BINDER, 1997, p. 2)12.

    Tal apreciao explicita a necessidade de se pensar os arranjos institucionais

    tendo como referncia os partidos polticos como atores decisivos:

    Although clearly many structural arrangements in Congress are notpartisan matters, there is arguably a direct link between proceduralrules and the balance of power within an institution. By setting theboundaries of permissible action, and thereby limiting choices of aninstitutions members, rules distribute power among decision makers.Rules, in other words, may be said to reflect the prevailing balance offorces within an institution. Changes in parliamentary rights, in otherwords, are likely to have partisan implications. (BINDER, 1997, p. 8).

    Dion (2001) cita como exemplos desses direitos obstruo, emendamento,

    voto, averiguao de qurum, disappearing quorum e participao em comisseslegislativas, todos esses podendo ser classificados como prerrogativas

    procedimentais garantidas geralmente s minorias partidrias.

    A definio de direitos assegurados a minorias partidrias e a considerao

    de que a interao entre partidos polticos define a estrutura de oportunidades e a

    distribuio de recursos polticos na arena legislativa so amplamente aceitas.

    Entretanto, Binder (1997) afirma que mesmo essa definio no permite identificar

    de forma clara o que conta como direitos de minorias no conjunto das regras eprocedimentos que organizam o processo legislativo. Assim, a autora prope que,

    tanto regras deliberadamente mobilizadas pelo partido minoritrio para garantir

    vantagens procedimentais, quanto regras que apresentam esse efeito,

    independentemente do propsito para o qual foram acionadas, constituem direitos

    de minorias partidrias (BINDER, 1997, p. 23).

    A ampliao dessas noes para incorporar os direitos de minorias polticas

    envolve, portanto, alm de uma releitura das regras formalmente estabelecidas, aexplicitao de normas e critrios de distribuio de recursos que extrapolam a

    afiliao partidria, envolvendo outros tipos de pertencimentos, que podem ser

    menos legtimos ou aceitveis que o critrio partidrio, como gnero, dimenso

    central nesta investigao.

    12Essa desigualdade estaria na base da organizao legislativa, em que haveria igualdade de votoentre parlamentares, mas assimetria em termos de poderes de agenda. Essa configurao garantiria

    a superao dos problemas de coordenao que caracterizam o estado de natureza legislativo(COX, 2005).

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    Outro elemento-chave no que toca definio de minorias polticas diz

    respeito construo de uma identidade coletiva, o que traz baila questes

    relativas coordenao da ao entre as legisladoras. Nesse sentido, importante

    considerar a existncia de mecanismos como comisses de mulheres/gnero e de

    bancadas femininas. A anlise de tais estruturas pode esclarecer as estratgias deacomodao de interesses partidrios divergentes e a possibilidade de construo

    de uma agenda comum s legisladoras, que ultrapasse lealdades partidrias.

    Ademais, podem fomentar no apenas a produo de polticas que promovam

    justia de gnero, mas tambm estimular a criao de redes de solidariedade e troca

    de informaes, formao de lideranas e advocacy (KANTHAK; KRAUSE, 2012;

    PISCOPO, 2014).

    V-se, pois, que a discusso sobre minorias polticas e direitos de minoriaspolticas explicita questes que ultrapassam aquelas relativas s minorias

    partidrias, ou melhor, tornam mais complexo o debate sobre minorias legislativas.

    Nesse sentido, ainda que a restrio de direitos de minorias partidrias possa ser

    entendida como o produto da interao estratgica entre os partidos majoritrio e

    minoritrio (BINDER, 1997; DION, 2001) e associada a estratgias legtimas por

    parte do partido majoritrio, o mesmo no se pode dizer da restrio de direitos de

    minorias polticas, uma vez que esta pode ser caracterizada como injusta e contrriaaos fundamentos normativos da democracia contempornea.

    1.2 Modelos analticos clssicos e minorias polticas

    Como uma primeira aproximao para a anlise sobre representao de

    minorias polticas em comisses legislativas, disponho os modelos clssicos no

    contnuo majoritrio-proporcional, considerando os princpios que organizam a

    alocao de recursos polticos: Cox e McCubbins (2005, 2007), ao verificarem a

    centralizao de poder no partido majoritrio, aproximam-se do primeiro polo,

    seguidos pelos trabalhos de Gilligan e Krehbiel (1989, 1990) e Krehbiel (1989), que

    estariam em posio intermediria, cujas inplicaes indicam que as decises

    tomadas nas comisses expressam as preferncias da maioria mas, ao mesmo

    tempo, destacam a relevncia da descentralizao do trabalho legislativo via

    comisses para a aquisio de eficincia informacional. Em outras palavras, a

    contribuio desses autores se pauta pelo majoritarismo enquanto regra decisria,

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    mas enfatiza os efeitos do proporcionalismo enquanto critrio de alocao de

    recursos. Strm (1984, 1998) e Mattson e Strm (1995) ao apontarem dispositivos

    que garantem recursos s minorias partidrias em democracias parlamentaristas,

    como a distribuio de vagas segundo o critrio da proporcionalidade partidria e

    Weingast e Marshall (1988) e Shepsle (1978) ao preverem grandedescentralizao do trabalho legislativo via comisses e postularem que as decises

    no legislativo refletem um acordo entre grupos de legisladores organizados a partir

    de preferncias especficas , tendem a se aproximar de critrios proporcionais,

    considerando a alocao de recursos polticos.

    Em sntese, pode-se afirmar que o modelo informacional e os trabalhos de

    Strm (1984, 1998) e Strm e Mattson (1995) permitem pensar os recursos

    disponveis s minorias partidrias, sem, no entanto, abrir mo do postuladomajoritrio que caracteriza a instituio legislativa. Pode-se afirmar que a

    perspectiva distributivista mais radical, j que prev que minorias podem tomar

    decises revelia da maioria da Casa Legislativa, o que imprime elevado grau de

    descentralizao do processo decisrio ao modelo. Por outro lado, a teoria partidria

    explicita uma configurao mais restritiva aos direitos de minorias partidrias e

    mesmo polticas, como indica o trabalho de Heath, Schwindt-Bayer e Taylor-

    Robinson (2005).Como dito anteriormente, a contribuio analtica avanada pelo presente

    trabalho diz respeito apropriao de tais modelos para pensar como se configuram

    os direitos de minorias polticas nos sistemas comissionais analisados. Para tanto,

    uso o termo modelo na acepo de Clarke e Primo (2012), ou seja, parto do

    pressuposto que essas anlises possuem acurcia limitada e se destacam por sua

    simplicidade e parcimnia. Nesse sentido os modelos devem ser avaliados a partir

    de seus propsitos, considerando se so ou no adequados enquanto

    representaes parciais da realidade. Ademais, ainda que sua validade seja

    contestada para tratar dos Legislativos latino-americanos e mesmo do

    estadunidense, preciso reconhecer que eles lanaram as bases para a emergncia

    de outras contribuies, mais adequadas, flexveis e adaptadas a outros contextos

    ou a exigncias tericas e metodolgicas.

    Dada a grande disponibilidade de snteses dos mesmos (DEERING; SMITH,

    1997; STRM, 1984, 1998; FRISCH; KELLY, 2006; LIMONGI, 1994; MLLER, 2009;

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    MAATSON; STRM, 1995), esses sero discutidos de forma breve, enfatizando a

    inovao proposta.

    A funo das comisses legislativas como garantidoras de ganhos de trocas,

    decorrentes das barganhas entre legisladores ou minorias posicionados em

    diferentes comisses foi destacada pela chamada perspectiva distributiva, em suaprimeira verso. Em anlises subsequentes, o argumento passou a enfatizar a

    sequncia do processo decisrio (WEINGAST; MARSHALL, 1988; SHEPSLE, 1978;

    SHEPSLE; WEINGAST, 1987). Resumidamente, essa perspectiva se baseia em trs

    dimenses: a) a principal motivao dos/as legisladores/as a reeleio; b) para se

    reeleger, os/as parlamentares escolhero participar em comisses legislativas mais

    prximas dos interesses de seu eleitorado (auto-seleo), que so circunscritos

    geograficamente; c) as comisses legislativas possuem importante poder, associado sequncia do processo legislativo (possiblidade de atuar nos ltimos estgios do

    processo decisrio) e a direitos de propriedade relacionados sua jurisdio e

    vagas/cadeiras.

    Essas caractersticas levariam formao de comisses caracterizadas como

    preference outliers, ou seja, as comisses seriam compostas por membros com

    preferncias intensas em determinadas reas de polticas pblicas, cobertas pela

    jurisdio da comisso. As comisses legislativas constituir-se-iam comoimportantes instncias decisrias, ainda que suas decises no representassem as

    preferncias da maioria dos membros da legislatura (ou do mediano do plenrio).

    Esse sistema pode ser caracterizado com um sistema difuso de trocas entre

    legisladores organizados a partir de interesses homogneos, definidos a partir de

    reas de polticas pblicas e de interesses geograficamente localizados,

    relacionados ao desenho dos distritos eleitorais. Nessa perspectiva, minorias com

    preferncias intensas teriam, portanto, amplas possibilidades de influenciar o

    processo decisrio.

    Apesar disso, o modelo distributivista limitado para abordar a representao

    de minorias polticas, como o caso das mulheres. Considerando que as mulheres

    so metade de tudo (PAREDES, 2010), se, por um lado, a representao de

    mulheres via sistema comissional pareceria garantida pela criao de women's

    issues committees, o fato de que esse grupo populacional se encontra disperso e

    constitui metade da populao mundial impe limites a essa estratgia. Nesse

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    sentido, seria esperado encontrar legisladoras em todas as comisses legislativas.

    Seu isolamento em rgos especficos s seria justificado como resultado de regras

    eleitorais ou caractersticas populacionais que indicassem que mulheres se elegem

    somente em determinados distritos especficos (reas urbanas e distritos com maior

    magnitude) ou que se concentram em determinadas regies, o que no pareceplausvel. Alm disso, essa segregao indicaria que as mulheres eleitas

    representam interesses diversos dos interesses de mulheres, uma vez que esse

    modelo privilegia interesses definidos territorialmente, a partir do desenho dos

    ditritos eleitorais.

    Como o foco da tese recai na composio de comisses legislativas, poder-

    se-ia defender, com base no modelo distributivista que prev que ela seja regida

    pela auto-seleo , que as mulheres se encontrariam sobre-representadas emalgumas comisses porque assim escolheram. Entretanto, essa tese problemtica

    porque desconsidera as regras relativas composio das comisses legislativas e

    o fato de que a distribuio de recursos em geral mediada por partidos polticos,

    alm de se basear em uma noo equivocada do que seriam interesses de

    mulheres e mesmo em uma definio inadequada das legisladoras, porque

    homogeneizadora e essencialista. Alm disso, a segregao das parlamentares em

    comisses especficas s faria sentido se os interesses de mulheres fossemradicalmente diferentes dos interesses dos homens e circunscritos a determinados

    issues, uma vez que o processo de auto-seleo seria caracterstico de comisses

    com externalidades direcionadas (baixa salincia nacional e alta salincia local) e

    clientelas homogneas (eleitorado ou grupos de interesse).

    Evidncias empricas apresentadas por Frisch e Kelly (2006) indicam que no

    h diferenas significativas entre legisladores e legisladoras nas solicitaes de

    vagas em comisses. Isso refora a necessidade de se tratar criticamente a prpria

    noo de interesses de mulheres, de forma a evitar uma concepo essencialista,

    que termina por releg-las a reas ligadas poltica do cuidado, reproduzindo os

    papis tradicionais de gnero e, consequentemente, reforando as desigualdades

    dessa natureza (MIGUEL, 2001).

    Ao pensar sobre a representao de mulheres, importante considerar que

    elas no formam um grupo social homogneo, mas, como define Young (2002),

    constituem um grupo social estrutural, que compartilha perspectivas. Assim, seria

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    mais adequado garantir a representao da perspectiva social compartilhada pelas

    mulheres, que indica a existncia de experincias, narrativas e pontos de vista

    comuns a respeito da sociedade em que vivem e dos processos que nela se

    desenvolvem, apesar de possurem interesses diversos.

    Esse argumento aproxima a discusso sobre a atuao das minorias polticasnos legislativos s implicaes do modelo analtico desenvolvido por Krehbiel e

    Gilligan, conhecido como modelo informacional (GILLIGAN; KREHBIEL, 1989, 1990;

    KREHBIEL, 1989). Segundo os autores, preciso considerar no apenas as

    propriedades distributivas das regras, mas tambm suas implicaes informacionais,

    que se referem ao fato de que, em um contexto de incerteza, sua reduo um bem

    coletivo. Haveria um trade-off entre ganhos distributivos e informacionais, mas a

    natureza coletiva dos ltimos e a averso dos/das legisladores/as ao risco indica queesses seriam preferveis aos primeiros, orientando-os a organizar o processo

    decisrio no sentido de minimizar a incerteza e garantir eficincia informacional s

    decises (GILLIGAN; KREHBIEL, 1990).

    Considerando as consequncias informacionais das regras que organizam o

    processo decisrio, Gilligan e Krehbiel (1989) argumentam que as comisses

    legislativas seriam compostas de forma a garantir a representao da diversidade de

    interesses presentes na legislatura, o que, por sua vez, promoveria eficinciainformacional, j que comisses heterogneas possuem maior complacncia em

    compartilhar sua expertise (KREHBIEL, 1989) ou menores incentivos para reter

    informaes privadas, alm de haver uma espcie de deferncia por parte dos no-

    membros expertise dos membros de dada comisso. Assim, as comisses

    legislativas no seriam capazes de tomar decises distantes da maioria dos/as

    legisladores/as, ou seja, postula-se a dominncia da maioria: o ator relevante no

    modelo informacional o legislador mediano (median voter) da legislatura, o que

    converge com o fato de que a regra decisria por excelncia a regra da maioria e

    que esta que define as regras que organizam o processo decisrio.

    primeira vista, o modelo informacional parece no deixar espao para as

    minorias, ao assumir que as preferncias da maioria sero dominantes, seja no

    plenrio ou na fase comissional. Entretanto, os autores assumem que essas

    preferncias no so fixas, uma vez que se manifestam em um contexto de

    incerteza. Nesse sentido, as minorias, partidrias ou polticas, contribuiriam para

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    garantir eficincia informacional ao compartilhar conhecimento sobre os temas

    debatidos. Para tanto, seria necessrio que as comisses fossem compostas de

    forma a reproduzir a heterogeneidade do plenrio, o que significa que as minorias

    partidrias e polticas deveriam estar representadas, em alguma medida, em todas

    as comisses legislativas.Esses rgos seriam importantes porque elevariam o estoque de

    conhecimento disponvel, garantindo que as decises tomadas pela maioria fossem

    mais bem informadas, e no porque seriam rgos dominados por minorias

    intensas, como quer a perspectiva distributivista. Nesse sentido, as minorias

    partidrias ou polticas poderiam influenciar o processo decisrio via sistema

    comissional, sendo esse o locusmais permevel sua atuao. Assim, no que se

    refere representao de mulheres via sistema comissional, a partir da noo derepresentao de perspectivas13, seria esperado que as legisladoras estivessem

    distribudas em todas as comisses legislativas, uma vez que poderiam contribuir

    com o conhecimento relacionado sua posio na estrutura social, enquanto grupo

    marginalizado ou desfavorecido.

    Tanto a perspectiva distributivista quanto o modelo informacional parecem

    reservar, por meio de diferentes mecanismos, importantes possibilidades para que

    minorias14

    possam influenciar o processo decisrio via comisses legislativas.Entretanto, ambas apresentam uma lacuna ao obscurecer o papel dos partidos

    polticos no tocante organizao do sistema comissional, omisso que se coloca

    no cerne da crtica que Cox e McCubbins (2005, 2007) desenvolvem.

    Segundo esses autores, no contexto estadunidense, os partidos polticos, em

    especial o partido majoritrio, responsvel por definir a estrutura do sistema

    comissional jurisdies, nmero de membros e cotas destinadas a cada partido

    desempenham um papel central na composio das comisses. Essa dimenso

    13 Segundo Young (2002), a representao de perspectivas sociais (e no de interesses) nodefiniria quais objetivos perseguir ou que decises polticas tomar, mas estaria relacionada apresentao e introduo de determinadas pautas no debate poltico. Por fim, deve-se pensar arepresentao de grupos estruturais em situao de opresso em sua relao com os aspectosde autorizao e accountability, tendo como consequncias o fomento participao, aoengajamento e pluralizao do debate poltico, por meio da ampliao do conhecimentosocialmente disponvel para informar a tomada de decises.

    14 Conforme argumento apresentado anteriormente, a definio de minoria varia em cada um

    desses modelos.

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    extremamente importante para o partido majoritrio, porque por meio dela (e do

    controle da presidncia da Casa Legislativa) que esse partido controla a agenda

    legislativa. Nesse contexto, o poder do partido majoritrio se relaciona ao fato de

    que o processo legislativo organizado em seu favor e que, devido a esse vis, os

    atores mais relevantes so membros do partido majoritrio e os acordos ou decisesso favorecidos pela existncia de uma estrutura de cartel (COX; MCCUBBINS,

    2005, 2007).

    O cartel legislativo opera no sentido de minimizar problemas de ao coletiva

    a partir da monopolizao de poderes de agenda e restrio do acesso a eles, via

    controle da nomeao para cargos relevantes, como a presidncia da Casa

    (speakership) e as comisses que possuem acesso privilegiado ao plenrio. Tal

    controle se baseia na lealdade dos parlamentares ao partido (mais especificamenteao lder partidrio), associada no ocorrncia de rolling15. A nica diferenciao

    relevante nesse contexto seria, pois, aquela entre maioria e minoria, uma vez que,

    como o legislativo uma instituio majoritria, ao partido que conseguir formar uma

    maioria sero atribudos recursos polticos relevantes que permitem a cartelizao

    dos poderes de agenda16.

    Importante mencionar que os autores consideram que o processo de

    composio das comisses varia de acordo com a natureza de sua jurisdio. Deuma forma geral, Cox e McCubbins avaliam que "the more important the committees

    jurisdiction is, the stronger the expectation of a representative contingent". (COX;

    MCCUBBINS, 2007, p. 185). Assim, as chamadas comisses de controle Ways

    and Means17,Appropriations18e Rules19tendem a ser um microcosmo da bancada

    partidria, j que sua composio obedeceria ao critrio da lealdade partidria.

    15 Rolling ou atropelamento ocorre quando um partido derrotado em alguma votao, devido existncia de divergncia entre os posicionamentos das lideranas partidrias e dos membrosordinrios.

    16 Assim como Binder (1997), os autores defendem que questes procedimentais ganhamrelevncia e assumem um carter partidrio, terminando por moldar questes substantivas. Ocartel legislativo possui, portanto, um carter procedimental e seu objetivo organizar as regrasdo jogo de forma a evitar que questes controversas ameacem a ao concertada dos membrosdo partido.

    17 "The Committee on Ways and Means is the oldest committee of the United States Congress, andis the chief tax-writing committee in the House of Representatives." (COMMITTEE ON WAYS ANDMEANS, 2015c).

    18 Cf. .COMMITTEE ON APPROPRIATIONS, 2015a.

  • 7/24/2019 Tese_RezendeDaniela_PPGCP UFMG_Qual o lugar reservado s mulheres?

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    Alm disso, Cox e McCubbins (2007) afirmam que a literatura corrente indica

    que o critrio da lealdade partidria limitado por algumas regras informais,

    baseadas, por exemplo, em aspectos regionais ("same state rule"), que garantem

    que um membro de determinada regio seja substitudo por outro de mesma origem,

    e na preocupao com a representao de minorias polticas, negros e mulheres,parecendo haver, portanto, uma poltica de reserva de vagas. Porm, essa

    estratgia pode, na verdade, cristalizar e limitar a atuao desses grupos,

    vinculando-os a temas especficos, como educao e trabalho, a partir de uma

    perspectiva essenciali