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Revista SÍNTESE Direito Empresarial ANO IX – Nº 51 – JUL/AGO 2016 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Alberto Flores Rosa Alexandre Priess Anderson Vichinkeski Teixeira Antônio Janyr Dall’Agnol Junior Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane Maria Octaviano Martins Euclides Rosa Filho Fábio Ulhoa Coelho Francisco Xavier Amaral Giuseppe Vettori Gustavo Filipe Barbosa Garcia Ives Gandra Martins João Glicério de Oliveira Filho José Augusto Delgado José Tadeu Neves Xavier Marcos Catalan Raúl Cervini Ricardo Lobo Torres Ruy Rosado de Aguiar Júnior Sergio Gilberto Porto Vera Maria Jacob de Fradera COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Aldem Johnston Barbosa Araújo, Ananda Tostes Isoni, Caroline Nonato de Oliveira, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Daniel Amorim Assumpção Neves, Guilherme Weber, Henrique Saibro, Marco A. Ribas Pissurno, Nayara Elayne Guedes, Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Ronaldo Zanata Pazim, Toshio Mukai ISSN 2236-5346 COMITÊ TÉCNICO Anderson Heineck Schmitt André Estevez José Paulo Dorneles Japur Nikolai Sosa Rebelo Rosilene Gomes da Silva Giacomin

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Revista SÍNTESEDireito Empresarial

Ano IX – nº 51 – Jul/Ago 2016

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIATribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

dIRetoR eXecutIvo

Elton José Donato

geRente edItoRIAl e de consultoRIA

Eliane Beltramini

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Herica Eduarda Geromel Vasques

conselho edItoRIAlAlberto Flores Rosa

Alexandre PriessAnderson Vichinkeski Teixeira

Antônio Janyr Dall’Agnol JuniorArnoldo Wald

Cristiano Heineck SchmittDaniel Ustárroz (Coordenador)

Danilo de AraujoÉderson Garin Porto

Eliane Maria Octaviano MartinsEuclides Rosa FilhoFábio Ulhoa Coelho

Francisco Xavier Amaral

Giuseppe VettoriGustavo Filipe Barbosa GarciaIves Gandra MartinsJoão Glicério de Oliveira FilhoJosé Augusto DelgadoJosé Tadeu Neves XavierMarcos CatalanRaúl CerviniRicardo Lobo TorresRuy Rosado de Aguiar JúniorSergio Gilberto PortoVera Maria Jacob de Fradera

colAboRAdoRes destA edIçãoAldem Johnston Barbosa Araújo, Ananda Tostes Isoni, Caroline Nonato de Oliveira,

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Daniel Amorim Assumpção Neves, Guilherme Weber, Henrique Saibro, Marco A. Ribas Pissurno, Nayara Elayne Guedes, Rafael Carvalho Rezende Oliveira, Ronaldo Zanata Pazim, Toshio Mukai

ISSN 2236-5346

comItê técnIcoAnderson Heineck Schmitt

André EstevezJosé Paulo Dorneles Japur

Nikolai Sosa RebeloRosilene Gomes da Silva Giacomin

2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos jurídicos e empresariais.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected].

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 9, nº 51, Jul/Ago. 2016. Nota: Continuação da Revista Jurídica Empresarial da Editora Notadez. Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

ISSN 2236-5346

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor

“Lei Anticorrupção” foi o tema escolhido para ser tratado na edi-ção de nº 51 da Revista SÍNTESE Direito Empresarial.

A Lei nº 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, dis-põe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estran-geira.

Pode-se dizer que a Lei Anticorrupção chegou assustando boa par-te dos empresários atuantes no Brasil, dada a expressa previsão, em seu art. 2º, da responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas envolvidas em práticas contra a Administração Pública nacio-nal ou estrangeira.

A lei foi concebida nessa conjuntura da necessidade de se incre-mentar o controle administrativo e judicial de combate à corrupção.

Para tratar de assunto tão relevante, a Revista SÍNTESE Direi-to Empresarial contou com a participação dos brilhantes juristas: Drs. Ronaldo Zanata Pazim, Ananda Tostes Isoni, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Nayara Elayne Guedes, Aldem Johnston Barbosa Araújo e Caroline Nonato de Oliveira.

Na Parte Geral da Revista publicamos importantes doutrinas sobre diversos temas do direito empresarial, além de um Ementário com Valor Agregado Editorial, criteriosamente selecionado e preparado para você, com Comentários elaborados pela equipe SÍNTESE.

Publicamos, também, na Seção Especial “Estudos Jurídicos”, arti-go intitulado “Alguns Aspectos Polêmicos sobre a Aplicação do Direito Intertemporal no Novo CPC. Quais São os Critérios para Definir a Lei do Recurso a Ser Interposto?”, de autoria do Dr. Marco A. Ribas Pissurno.

E, por fim, publicamos a seção denominada “Clipping Jurídico”, em que oferecemos a você, leitor, textos concisos que destacam, de for-ma resumida, os principais acontecimentos do período, tais como notí-cias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

É com prazer que a IOB deseja a você uma ótima leitura!

Eliane Beltramini

Gerente Editorial e de Consultoria

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Lei Anticorrupção

DoutrinAs

1. A Responsabilidade Objetiva Civil na Lei Anticorrupção: Análise sobre as Sanções de Perdimento de Bens, Direitos ou Valores e as de Suspensão ou Interdição das Atividades EmpresariaisHenrique Saibro e Guilherme Weber .........................................................9

2. Alterações na Lei Anticorrupção nos Acordos de Leniência (MP 703/2015)Toshio Mukai ...........................................................................................16

3. O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção)Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Daniel Amorim Assumpção Neves .......................................................................................................26

Parte Geral

DoutrinAs

1. A Desconsideração da Personalidade Jurídica Como um Golpe Letal ao Direito EmpresarialRonaldo Zanata Pazim .............................................................................41

2. Negociação Coletiva no Ordenamento Jurídico BrasileiroAnanda Tostes Isoni .................................................................................46

3. A Aplicação do Punitive Damages nas Relações Jurídicas ConsumeristasCláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas e Nayara Elayne Guedes ..........61

4. A Necessária Observância, por Parte das Instituições Financeiras Estatais, na Condição de Integrantes da Administração Pública, do Interesse Público na Gestão dos seus Contratos Bancários em Épocas de Crise EconômicaAldem Johnston Barbosa Araújo .............................................................102

5. A Dissolução Irregular Como Hipótese de Responsabilização Tributária Pessoal do Sócio-GerenteCaroline Nonato de Oliveira ..................................................................130

JurispruDênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................143

2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................150

3. Superior Tribunal de Justiça....................................................................157

ementário

1. Ementário de Jurisprudência ...................................................................171

Seção Especial

estuDos JuríDicos

1. Alguns Aspectos Polêmicos sobre a Aplicação do Direito Intertemporal no Novo CPC. Quais São os Critérios para Definir a Lei do Recurso a Ser Interposto?Marco A. Ribas Pissurno.........................................................................200

Clipping Jurídico ..............................................................................................212

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................217

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção

A Responsabilidade Objetiva Civil na Lei Anticorrupção: Análise sobre as Sanções de Perdimento de Bens, Direitos ou Valores e as de Suspensão ou Interdição das Atividades Empresariais

HEnRIquE SAIBROMestrando em Ciências Criminais pela PUCRS, Especialista em Ciências Penais pela PUCRS, Especializando em Compliance pela PUCRS, Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Crimi-nais (IBCCrim), Advogado, Sócio-Coordenador das Divisões de Direito Penal e Compliance na Garrastazu Advogados. Colunista, às terças-feiras, do Canal Ciências Criminais.

GuILHERmE WEBEREspecializando em Compliance pela PUCRS, Graduado, com Láurea Acadêmica, pela PUCRS, Advogado atuante na área de Direito Administrativo Sancionador na Garrastazu Advogados.

RESUMO: O presente trabalho versa sobre a responsabilidade objetiva civil na Lei Anticorrupção. Delimita-se, porém, às sanções de perdimentos de bens, direitos ou valores, bem como de suspen-são ou interdição das atividades empresariais. A finalidade da elaboração do estudo consiste em aclarar um panorama geral sobre a responsabilidade objetiva civil prevista na Lei nº 12.846/2013 para, posteriormente, discorrer especificamente sobre as sanções mencionadas anteriormente. As penalidades previstas no inciso I do art. 19 da Lei Anticorrupção deve ser quantificada de acordo com o caso em concreto, pois os termos “vantagem” e “proveito” não representam o total do valor entabulado com a Administração Pública, mas sim a cifra correspondente ao locupletamento. Tal penalidade é apenas cabível quando não liquidado prejuízo ao Erário, pois, caso contrário, o correto pedido seria o de ressarcimento da Fazenda Pública. Já a suspensão e a interdição, com eficácias temporária e definitiva, respectivamente, devem guardar relação com o ato lesivo à administração praticado pela pessoa jurídica. É dizer, os atos da empresa que não estão ligados aos atos espúrios não devem sofrer paralisação – sob pena de a sanção não ser proporcional e equivaler-se, pragmati-camente, à dissolução compulsória da pessoa jurídica.

ABSTRACT: This paper deals with the civil strict liability in the Anti-corruption Law. It delimits up, however, the punishments of loss of assets, rights or values, as well as stay or interdiction of en-trepreneurial activities. The purpose of the study is to clarify an overview of civil strict liability provi-ded for by Law nº 12.846/2013 to subsequently discuss specifically on the punishments mentioned above. The punishments provided by first subsection of the section 19 of the Anti-corruption Law should be measured according to the particular case, since the terms “advantage” and “benefit” do not represent the total value engaged with the public sector, but the corresponding figure to unjust

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enrichment. This punishment is only applicable when not liquidated prejudice to the public finances, because otherwise, the correct claim would be the redress of Public Treasury. In relation to the stay and to the interdiction, with temporary and permanent efficacies respectively, should be related to the lawful act against the public sector practiced by the legal entity. That is, the legal entity acts that are not linked to spurious acts should not suffer paralysis – under penalty of the punishment be disproportionate and it equates, pragmatically, to the legal entity compulsory dissolution.

1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA CIVIL NA LEI ANTICORRUPÇÃO

Pode-se dizer que a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) che-gou assustando boa parte dos empresários atuantes no Brasil, dada a expressa previsão, em seu art. 2º, da responsabilização objetiva admi-nistrativa e civil de pessoas jurídicas envolvidas em práticas contra a Ad-ministração Pública nacional ou estrangeira. Essa inquietação faz todo sentido na medida em que, em seu art. 3º, o legislador foi claro ao dispor que a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a de seus dirigen-tes, administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

É dizer, a referida legislação conferiu competência ao Poder Judi-ciário, “no que se refere à ação civil pública”1, para fins de “reparação do dano material e moral causado ao Poder Público, ou seja, a respon-sabilidade civil da pessoa jurídica corrupta, além de outras medidas ju-diciais de natureza civil”2.

Carvalhosa entende que os encargos civis – denominados, no Capítulo VI da referida legislação, como “responsabilização judicial” – constituem efeitos necessários “da punição administrativa instituída no Capítulo IV”3. Aliás, o citado autor advoga no sentido da desnecessidade de dano material ao Poder Público para fins de aplicação das penas civis, em razão dos “danos morais ocasionados ao Estado face aos pre-juízos à sua imagem tutelar do bem público”4.

Petrelluzzi e Rizek Junior sustentam que “a responsabilidade civil tem como pressuposto a existência de dano e a necessidade de sua re-

1 CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei nº 12.846, de 2013. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 36.

2 Idem, p. 36-37.3 Idem, p. 179.4 Idem, ibidem.

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paração, buscando o retorno ao status quo ante ao ato que gerou esse dano”5. Dito de outra forma, cuida-se de um instrumento visando a re-compor o descalabro proveniente da prática espúria. Ademais, os juris-tas apontam que a responsabilidade civil tem justamente essa “natureza compensatória e função ressarcitória”6, de modo que pressupõe “a exis-tência de um dano, de uma conduta e do nexo causal entre essa conduta e o dano”7.

Facchinatto e Dal Pozzo (et al.) observam que o Ministério Público (MP), ao tomar conhecimento do processo administrativo de responsa-bilização, “poderá determinar a instauração de inquérito civil, nos ter-mos do art. 8º, § 1º, da Lei nº 7.347/1985, que rege em parte a matéria (art. 21 da Lei nº 12.846/2013)”8. Nesse toar, o Parquet, convencido, em tese, da prática de ato lesivo contra a Administração Pública, “ajuizará a ação – mas, em caso contrário, pedirá o arquivamento do inquérito civil ao Conselho Superior do Ministério Público”9.

Sem embargo, o processo administrativo de responsabilização não consiste no único instrumento voltado a subsistir de provas para fins de apuração da responsabilidade civil das pessoas jurídicas/físicas envolvi-das em ilícitos. O órgão ministerial “poderá, ainda, receber informações da prática de ato lesivo à Administração Pública por qualquer outra fon-te (representação de particular; processo julgado pelo Tribunal de Con-tas; notícia da mídia, etc.)”10.

A legislação não poupou no rigor das penalidades. Veremos, à míngua do presente estudo, as punições consistentes (i) no perdimento de bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito dire-ta ou indiretamente obtidos da infração e (ii) na suspensão ou interdição parcial das atividades empresariais.

5 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Lei Anticorrupção: origens, comentários e análise da legislação correlata. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 52.

6 Idem, ibidem.7 Idem, ibidem.8 FACCHINATTO, Renan Marcondes; DAL POZZO, Augusto Neves; DAL POZZO, Beatriz Neves [et al.]. Lei

Anticorrupção: apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 74.9 Idem, p. 74-75.10 Idem, p. 75.

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1.1 Perdimento de bens, direitos ou valores que rePresentem vantagem ou Proveito direta ou indiretamente obtidos da infração

Essa sanção deve ser quantificada caso a caso, mediante uma “aná-lise do efetivo proveito alcançado pela pessoa jurídica, tendo em vista a prática do ato lesivo à Administração Pública”11. Ou seja, os termos “vantagem” e “proveito” não correspondem ao valor total do contrato entabulado com a Administração Pública, senão à efetiva e comprovada cifra “a maior com que a pessoa jurídica efetivamente se locupletou”12.

Até porque, diga-se de passagem, já há a previsão de multa à pes-soa jurídica praticante de ato lesivo à Administração Pública, de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instau-ração do processo administrativo – conforme inciso I do art. 6º da Lei nº 12.846/2013. Não há justificativa, pois, para a sanção civil ultrapassar os valores obtidos via atos ilícitos.

Não poderia ser diferente tal raciocínio, sob pena de afronta ao princípio da proporcionalidade, entendido, segundo o STF, como uma “proibição de excesso”13. Afinal, o subprincípio da necessidade impõe que “o meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcan-çado com a adoção de medida que se revela a um só tempo adequada e menos onerosa”14. É por isso que Dinamarco15 assevera que, ao julgador, a boa técnica de sopesamento influi muito antes de tomar qualquer de-cisão, seja para qual lado for.

Deve-se deixar claro que, caso os bens, direitos e valores obtidos via ato lesivo tenham causado prejuízo ao Erário, “o pedido correto a ser formulado pelo autor é o de ressarcimento da Fazenda Pública”16 – e não a sanção aqui tratada. Exemplificando, a concessão de uma rodovia, “conseguida mediante combinação entre as empresas participantes da licitação – os bens auferidos e provenientes da cobrança de pedágio,

11 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Op. cit., p. 97.12 Idem, ibidem.13 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva,

2011. p. 255.14 Idem, p. 257.15 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

p. 309.16 FACCHINATTO, Renan Marcondes; DAL POZZO, Augusto Neves; DAL POZZO, Beatriz Neves [et al.]. Op. cit.,

p. 84.

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por exemplo, não constituem dano ao Erário”17 –, tendo em vista que foram pessoas do ramo particular que realizaram os pagamentos. Nessa hipótese, correta a aplicação do inciso I do art. 19 da Lei Anticorrupção.

Entretanto, caso diverso seria a configuração de fraude do equilí-brio econômico-financeiro de um contrato celebrado com a Administra-ção Pública, mediante a manipulação de estudos de viabilidade econô-mica e/ou ludíbrio do edital de licitação, fazendo com que os encargos do contratante (Administração) sejam muito maiores em relação à retri-buição remuneratória do contratado (pessoa jurídica que se enquadre no parágrafo único18 do art. 1º da Lei Anticorrupção). Obviamente, aqui, há manifesto prejuízo ao Erário público, fazendo jus ao pleito de reparação integral do dano causado (§ 3º19 do art. 6º da Lei Anticorrupção).

A título de esclarecimento, a Lei de Licitações, na alínea d do in-ciso II do art. 65, já previa a possibilidade de restabelecimento da rela-ção anteriormente pactuada entre o ente particular e o público para fins de atingir um equilíbrio da equação econômico-financeira mais justa. Justen Filho salienta que tal modificação pode favorecer ambos os la-dos, pois, se os deveres se ampliarem “quantitativamente ou tornados mais onerosos qualitativamente, a situação inicial estará modificada. O mesmo se passará quando atenuados ou amenizados os encargos do contratado”20.

Todavia, as circunstâncias que justificavam a medida eram as ocorrências de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequên-cias incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajusta-do, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. Ou seja, a Lei nº 8.666/1993 não previu a modificação contratual em face de ato lesivo à Administração.

17 Idem, ibidem.18 “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela

prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.”

19 “Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: [...] § 3º A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.”

20 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 748.

14 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Quanto à destinação dos bens, direitos ou valores aplicados com fundamento na Lei Anticorrupção, o art. 24 diz que a preferência será aos órgãos ou entidades públicas lesadas.

1.2 susPensão ou interdição Parcial das atividades

Segundo Coelho, “a atividade dos empresários pode ser vista como a de articular os fatores de produção, que no sistema capitalista são quatro: capital, mão de obra, insumo e tecnologia”21. Dentro dessa ótica, tais apenamentos são extremamente gravosos à pessoa jurídica, tendo em vista que, com a suspensão e/ou interdição parcial de suas ati-vidades, parte do faturamento será fatalmente suprimido. A longo prazo, sobretudo se boa parte da verba da receita da empresa for proveniente do ganho ilícito dos atos lesivos à Administração Pública, poderá, inclu-sive, resultar em sua falência.

Tais encargos civis podem ser considerados, pragmaticamente, como o meio-termo em face da dissolução compulsória da sociedade. Em uma ordem progressiva de gravidade das medidas, teremos a suspen-são, “que tem caráter de temporariedade”22; a interdição parcial, “que é sanção definitiva”23; e a dissolução compulsória.

Petrelluzzi e Rizek Junior sustentam que a interdição deve “ter correspondência com o ato lesivo à [A]dministração praticado pela pes-soa jurídica”24. Ou seja, as atividades que venham a ser suspensas (se a medida for temporária) ou interditadas (se for definitiva) devem guardar relação com os atos lesivos à Administração – os que não possuírem conformidade não teriam o porquê de serem paralisados; até porque estaríamos, praticamente, impedindo as atividades empresariais, equiva-lendo-se à dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Convém realizar um exercício de comparação para com a le-gislação ambiental, na medida em que também é prevista, na Lei nº 9.605/1998, a suspensão das atividades em caso de ilícitos contra o meio ambiente. Assim como na indicada lei, tal providência justifi-

21 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 21.

22 Idem, p. 82.23 Idem, ibidem.24 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Op. cit., p. 98.

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������15

ca-se sob a égide de “impedir a continuidade de processos produtivos dissonantes da legislação ambiental”25; a Lei Anticorrupção visa a fazer cessar, temporária ou definitivamente, “que determinado tipo de con-duta socialmente nociva possa perpetuar-se em prejuízo do interesse público”26.

25 COSTA, Fernando José da; COSTA JUNIOR, Paulo José da; MILARÉ, Édis. Direito penal ambiental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 235.

26 PETRELLUZZI, Marco Vinicio; RIZEK JUNIOR, Rubens Naman. Op. cit., p. 98.

Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção

Alterações na Lei Anticorrupção nos Acordos de Leniência (MP 703/2015)

TOSHIO muKAIMestre e Doutor em Direito do Estado (USP), Especialista em Direito Administrativo, Urbanís-tico e Ambiental.

Anteriormente foi editada a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (Lei Anticorrupção contra pessoas físicas e jurídicas de direito privado), cujo texto foi publicado em diversas revistas jurídicas do País.

Agora, no apagar das luzes de 2015, veio a público a Medida Pro-visória nº 703, de 18 de dezembro de 2015, alterando aquela Lei para dispor sobre acordo de leniência, e aproveitando para alterar também a Lei nº 8.666, de 1993 somente no que diz respeito às suas sanções administrativas, a Lei nº 8.429, de 1992, que trata da Improbidade Admi-nistrativa, e a Lei nº 12.529, de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

O art. 1º da referida MP deu nova redação ao art. 15 da Lei nº 12.846/2013, passando ele a ter a seguinte redação: “Art. 15. A co-missão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a instauração do processo administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais de-litos” (grifamos).

A antiga redação do citado dispositivo legal permitia que o Minis-tério Público tomasse conhecimento apenas das conclusões do processo administrativo, que objetiva apurar a responsabilidade da pessoa jurí-dica que se suspeita tenha cometido ato de corrupção. A nova redação tem o condão de permitir que o Ministério Público tenha conhecimento desde o momento da instauração do citado processo administrativo.

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A citada MP também modificou o disposto no art. 16 da mencio-nada Lei nº 12.846, de 2013, estabelecendo efetivamente as alterações no acordo de leniência, previsto no último diploma legal, em seus in-cisos e parágrafos, o que será concluído pelo que foi modificado em outros dispositivos que também serão apontados.

Dispõe a nova redação do art. 16:

Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de forma que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber;

II – a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação;

III – a cooperação da pessoa jurídica com as investigações, em face de sua responsabilidade objetiva; e

IV – o comprometimento da pessoa jurídica na implementação ou na melhoria de mecanismos internos de integridade.

Essas disposições são complementadas com outras contidas em parágrafos e incisos, que também integram o que foi devidamente alte-rado pela MP em comento.

O § 1º estabelece quais são os requisitos que devem ser preenchi-dos cumulativamente para que se contemple a possibilidade de celebra-ção do acordo de leniência.

O referido parágrafo teve o seu inciso I revogado pelo disposto na MP em tela. No citado dispositivo legal era exigido que para a celebra-ção de acordo de leniência a pessoa jurídica fosse a primeira a manifes-tar o seu interesse em cooperar com a apuração do ato ilícito.

A revogação de tal disposição implica que, independentemente de ser ou não a primeira a manifestar o interesse em cooperar com a apura-ção, a pessoa jurídica com envolvimento na prática de ato ilícito poderá firmar acordo de leniência.

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Não houve alteração no inciso II do referido parágrafo, mantendo--se, portanto, a necessidade de a pessoa jurídica interessada na forma-lização de acordo de leniência cessar sua participação no ato ilegal a partir da data da propositura do citado acordo.

O referido parágrafo indica, também, as obrigações da pessoa jurí-dica para fins de acordo de leniência, e a MP alterou um inciso e acres-centou outro com essa finalidade:

III – a pessoa jurídica, em face de sua responsabilidade objetiva, coopere com as investigações e com o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento; e

IV – a pessoa jurídica se comprometa a implementar ou a melhorar os mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo às denúncias de irregularidades e à aplicação efetiva de código de ética e de conduta.

Duas críticas jurídicas: inexiste, no mundo jurídico, responsabili-dade objetiva administrativa, e o Ministério Público não pode fazer parte de um órgão do Executivo para celebrar acordos de leniência, sob pena de violação ao princípio da separação de Poderes constitucional.

O § 2º dispõe:

O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrativa:

I – isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do caput do art. 6º (II é “publicação extraordinária da decisão condenatória”) e das sanções restritivas ao direito de licitar e contratar previstas na Lei nº 8.666/93, e em outras normas que tratam de licitações e contratos; (trata-se, aqui, de dar novas oportunidades à pessoa jurídica, dirigida que seja pelas pessoas físicas condenadas criminalmente mas que cumprem a pena em liberdade, de conseguir contratar com o uso dos meios conde-náveis de que se utilizaram).

II – poderá reduzir a multa prevista no inciso I do caput do art. 6º em até dois terços, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo; e

(neste caso, as sanções de natureza pecuniária não serão aplicáveis, mas a “reparação integral do dano causado será aplicável, eis que isto vem previsto no § 3º do art. 6º: “A aplicação das sanções previstas neste artigo

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não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.)

III – no caso de a pessoa jurídica ser a primeira a firmar o acordo de le-niência sobre os atos e fatos investigados, a redução poderá chegar até a sua completa remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especifica-das no acordo.

[...]

§ 4º O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para as-segurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo ad-ministrativo e quando estipular a obrigatoriedade de reparação do dano poderá conter cláusulas sobre a forma de amortização, que considerem a capacidade econômica da pessoa jurídica.

(a frase “quando estipular” não tem sentido, pois o § 3º do art. 6º obriga sempre a reparação).

[...]

§ 9º A formalização da proposta de acordo de leniência suspende o pra-zo prescricional em relação aos atos e fatos objetos de apuração previstos nesta Lei e sua celebração o interrompe.

O § 11 é absolutamente inconstitucional.

Vejamos. Diz:

O acordo de leniência celebrado com a participação das respectivas Ad-vocacias Públicas impede que os entes celebrantes ajuizem ou prossigam com as ações de que tratam o art. 19 desta Lei e o art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, ou de ações de natureza civil.

O Doutor Eliardo Teles Filho comentou a MP 703 no “Consultor Jurídico”, e afirmou:

No conteúdo, a MP 703 tem dispositivos que, em princípio, infringem algumas das vedações materiais presentes no art. 62, § 1º, I, b, da Cons-tituição Federal. É que partes da MP dispõem sobre normas de direito penal, processual penal e processual civil. A título de exemplo, citamos a alteração no prazo prescricional aplicável a ilícitos contidos na Lei nº 8.666/1993, sem excluir expressamente sua aplicação a ilícitos penais,

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e a revogação de norma processual civil contida na Lei de Improbidade Administrativa. Isso significa mais vícios de inconstitucionalidade formal.

De nossa parte, entendemos que há inconstitucionalidade na norma quando ali se prevê que “o acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública impede que os entes celebran-tes ajuízem ou prossigam com as ações de que tratam o art. 19 da Lei nº 12.846/2013 e o art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa”.

Um acordo celebrado administrativamente certamente terá como objeto as anistias previstas em outros dispositivos da MP 703. Pois bem, nenhuma lesão de direito pode ser subtraída da apreciação pelo Poder Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da CF = a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito).

Outrossim, é importante que se diga também que a norma é total-mente contraditória com outras disposições contidas nela mesma (§ 3º do art. 6º e § 3º do art. 16, que estabelecem que é obrigatório reparar o dano causado, e que o acordo de leniência firmado não exime a pessoa jurídica do seu dever de reparar o dano), posto que, no caso específi-co do disposto no art. 17 da Lei nº 8.429, de 1992, em seu § 2º restou estabelecido que a Fazenda Pública promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.

Ora, ressarcimento liga-se umbilicalmente com a ideia de repara-ção do dano. Obrigação essa que persiste mesmo com a formalização de um acordo de leniência, sendo, portanto, claramente contraditória, além de inconstitucional essa disposição.

O § 12 completa a inconstitucionalidade, acrescentando mais uma: “§ 12 O acordo de leniência celebrado com a participação da Advoca-cia Pública e em conjunto com o Ministério Público (inconstitucional, violando o princípio da separação dos Poderes) impede o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada por qualquer dos legitimados às ações mencionadas no § 11”. Agravante, em uma interpretação mera-mente literal do disposto, partes que não foram autores da celebração do acordo de leniência ficam sujeitos legalmente a observá-lo.

Ocorre que acordo de leniência só pode ser celebrado com pes-soas jurídicas, o que implica que eventuais pessoas físicas, que tiveram participação significativa no ato ilícito (dirigentes da pessoa jurídica e

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agentes públicos), caso não fosse tal dispositivo inconstitucional, pode-riam figurar em polos passivos de ações de improbidade administrativa, independentemente de ser ou não celebrado acordo de leniência, posto que não são considerados litisconsortes passivos necessários da pessoa jurídica, uma vez que a Lei nº 12.846, de 2013, trata apenas da res-ponsabilização administrativa e cível da pessoa jurídica partícipe de ato ilícito.

Não esquecendo, também, outro ponto que não pode deixar de ser considerado, a mera celebração de um acordo na esfera administrati-va não tem o condão de impedir o prosseguimento de uma ação judicial em curso, posto que seria clara violação ao princípio da separação e harmonia dos poderes, bem como pelo fato de que processos adminis-trativos não se confundem com processos judiciais, como estabelece o inciso LV do art. 5º da Constituição Federal.

O § 13 também é inconstitucional quando admite que o Ministério Público faça parte do acordo de leniência administrativo.

O § 14 dá ao TC competência para, após receber o acordo de le-niência, com base no inciso II do art. 71 da CF, instaurar procedimento administrativo contra a pessoa jurídica celebrante, para apurar prejuízo ao Erário, quando entender que o valor constante do acordo não aten-de o disposto no § 3º (o § 3º da Lei nº 12.846/2013 continua em vigor, como já registramos e diz: “A aplicação das sanções previstas neste arti-go não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado”.).

O art. 17 da MP prevê acordos de leniência específicos para as questões licitatórias e respectivos contratos.

Dispõe:

Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de le-niência com a pessoa jurídica responsável por atos e fatos investigados previstos em normas de licitações e contratos administrativos com vistas à isenção ou à atenuação das sanções restritivas ou impeditivas ao direito de licitar e contratar.

O

Art. 17-A. Os processos administrativos referentes a licitações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo ob-

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jeto do acordo de leniência deverão, com a celebração deste, ser sobres-tados e, posteriormente, arquivados, em caso de cumprimento integral do acordo pela pessoa jurídica.

Trata-se de norma incompleta e impossível, juridicamente, de aplicação, porque falta à norma a observância da igualdade dos ilícitos praticados para que os acordos sejam idênticos. Além disso, a norma viola o regime federativo.

O art. 18 dispõe:

Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial, exceto quan-do expressamente previsto na celebração de acordo de leniência, obser-vado o disposto no § 11, no § 12 e no § 13 do art. 16. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>)

Trata-se de outra norma inconstitucional, pois há invasão do prin-cípio da separação dos Poderes, com uma decisão administrativa ex-tinguindo um processo judicial pelo acordo administrativo, violando a regra do art. 5º, inciso XXXV.

O art. 20 recebeu o parágrafo único com a seguinte previsão: “A proposta do acordo de leniência poderá ser feita mesmo após eventual ajuizamento das ações cabíveis”.

Observação: Se isso ocorre, esse acordo será inócuo, posto que não terá nenhum reflexo, constitucionalmente, nas ações ajuizadas. A ação judicial somente terá de receber um acordo entre as partes e sob a condução e homologação do juiz ou do Tribunal competentes. Todo acordo feito fora dos autos judiciais não poderá influir na ação judi-cial, mormente se não feito pelas partes e se não sofrer a homologação judicial.

O art. 25 recebeu os §§ 1º e 2º:

§ 1º Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da in-fração.

§ 2º Aplica-se o disposto no caput e no § 1º aos ilícitos previstos em nor-mas de licitações e contratos administrativos.

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O art. 29 recebeu os §§ 1º e 2º:

§ 1º Os acordos de leniência celebrados pelos órgãos de controle interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios contarão com a colaboração dos órgãos a que se refere o caput quando os atos e fatos apurados acarretarem simultaneamente a infração ali prevista.

§ 2º Se não houver concurso material entre a infração prevista no caput e os ilícitos contemplados nesta Lei, a competência e o procedimento para celebração de acordos de leniência observarão o previsto na Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, e a referida celebração contará com a participação do Ministério Público.

Observação:

O caput prevê expressamente (da Lei nº 12.846/2013): “Art. 29. O disposto nesta Lei não exclui as competências do Conselho Adminis-trativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à or-dem econômica” (Esse art. 29 não foi alterado, em sua redação, pela MP 703/2015).

Portanto, há que se aplicar aqui a regra de interpretação lecionada por Carlos Maximiliano, segundo o qual o sentido e o alcance do caput de uma norma comanda a interpretação de todos os parágrafos e incisos desse caput.

Destarte, em qualquer hipótese, a interpretação do § 2º do art. 29 deve seguir o sentido e o alcance do caput: ou seja, “se houver concurso material entre a infração prevista no caput” (art. 29) e os ilícitos contem-plados nesta Lei, a competência para a celebração de acordo de leniên-cia observará o previsto na Lei nº 12.529, de 30.11.2011 (não poderá haver participação do MP pena de inconstitucionalidade). E o acordo de leniência será o previsto no art. 86 (Do programa de leniência), incisos I e II, § 1º, e incisos I a IV, §§ 2º a 4º, incisos I e II, §§ 5º a 12, e art. 87 e parágrafo único, todos da Lei nº 12.529, de 30.11.2011, que “Estrutura o Sistema Brasileiro da Defesa da Concorrência”.

Quanto ao art. 30, este diz:

Ressalvada a hipótese de acordo de leniência que expressamente as in-clua, a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de:

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I – ato de improbidade administrativa nos termos da Lei nº 8.429, de 1992;

II – atos ilícitos alcançados pela Lei nº 8.666, de 1993, ou por outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no que se refere ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, instituído pela Lei nº 12.462, de 2011; e

III – exceto infrações contra a ordem econômica nos termos da Lei nº 12.529, de 2011.

Estas infrações não poderão ser incluídas no acordo de leniência referido, tendo em vista que elas, segundo o caput (que tem a preferên-cia interpretativa), serão objeto de competência do Cade para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica, e, portanto, cabe a ele (Cade) efetivar o acordo de leniência, no caso, de acordo com os arts. 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 (por isso mesmo o art. 30, original, da Lei nº 12.846, de 01.08.2013, não continha o inciso III, previsto na nova redação dada pela MP 703/2015, que ficou contraditória em rela-ção ao caput do art. 29 da Lei nº 12.846/2013).

O art. 2º da MP revogou:

I – o § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Esse § 1º reza-va: “É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput”. A revogação realizada torna extremamente complexa a ques-tão da Ação de Improbidade Administrativa, posto que, essa realizou-se apenas para permitir a celebração de acordos de leniência, com pessoas jurídicas, não envolvendo, portanto, pessoas físicas. Então temos o caso em que pode ocorrer acordos ou conciliação em Ações de Improbidade Administrativa, mas apenas com pessoas jurídicas, não físicas.

II – o inciso I do § 1º do art. 16 da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013.

O art. 16 referido previa o seguinte:

Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

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II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

O § 1º dispõe: “O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; [...]”.

É esse inciso foi revogado, como já exposto, posto que, realmente, era ele desnecessário, já que a intenção da MP é permitir que todas as empresas partícipes de atos ilícitos possam celebrar acordos de leniên-cia, o que leva à questão: de que serve o acordo de leniência, se todos os partícipes em ato ilícito poderão, em tese, obter os favores da lei e, portanto, a sanção por ato ilícito simplesmente cairia no vazio.

A MP 703/2015 entrou em vigor em 18 de dezembro de 2015 e foi assinada pela Presidenta Dilma Rousseff.

Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção

O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção e a Lei nº 12�846/2013 (Lei Anticorrupção)

RAFAEL CARVALHO REZEnDE OLIVEIRAProcurador do Município do Rio de Janeiro, Ex-Defensor Público da União, Doutorando em Direito, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ, Especialista em Direito do Estado pela UERJ, Membro do Instituto de Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro (IDAERJ), Professor de Direito Administrativo da EMERJ e do Curso Forum, Profes-sor dos Cursos de Pós-Graduação da FGV e Cândido Mendes, Advogado, Consultor Jurídico.

DAnIEL AmORIm ASSumPÇÃO nEVESMestre e Doutor em Direito Processual Civil pela USP, Professor assistente do Professor Antonio Carlos Marcato na USP, Professor de Processo Civil do Curso Forum (Rio de Janeiro) e LFG (São Paulo), Advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Natal.

PALAVRAS-CHAVE: Função regulatória da licitação; pluralismo; direito administrativo pós-positivista; poder de compra do Estado; desenvolvimento nacional sustentável.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração; 2 Acordo de leniência; 3 Responsabilidade judicial das pessoas jurídicas por atos le-sivos à Administração; 4 Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP; 5 Prescrição; Conclusões.

INTRODUÇÃO

Com o objetivo de efetivar o princípio constitucional da moralida-de administrativa e evitar a prática de atos de corrupção, o ordenamento jurídico consagra diversos instrumentos de combate à corrupção, tais como a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), o Código Penal, as leis que definem os denominados crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/1950 e Decreto-Lei nº 201/1967), a LC 135/2010 (“Lei da Ficha Limpa”), que alterou a LC 64/1990 para estabelecer novas hipóte-ses de inelegibilidade, entre outros diplomas legais1.

1 Registre-se que o Brasil é signatário de compromissos internacionais que exigem a adoção de medidas de combate à corrupção, tais como: a) Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos

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A necessidade de proteção crescente da moralidade, nos âmbitos internacional e nacional, notadamente a partir das exigências apresenta-das pela sociedade civil, justificou a promulgação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira2.

Trata-se de inovação legislativa importante, pois permite que não apenas os sócios, os diretores e os funcionários da empresa, mas tam-bém a própria pessoa jurídica seja submetida a um processo de respon-sabilização civil e administrativa por atos de corrupção3.

1 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DAS PESSOAS JURÍDICAS POR ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO

Inicialmente, a referida lei estabelece as responsabilidades objeti-va administrativa e civil das pessoas jurídicas pelos atos lesivos contra a Administração, praticados em seu interesse ou benefício (art. 2º da Lei nº 12.846/2013). Vale dizer: as sanções administrativas e cíveis serão aplicadas às pessoas jurídicas, independentemente de dolo ou culpa, sendo suficiente a comprovação da prática de ato lesivo tipificado na referida lei para aplicação das respectivas sanções4.

Lembre-se de que a responsabilidade civil objetiva das pessoas ju-rídicas por atos praticados por seus prepostos não representa verdadeira novidade, pois já encontrava previsão nos arts. 932, III, e 933 do CC. A novidade é a estipulação de sanções mais severas, com destaque para a possibilidade de dissolução compulsória da pessoa jurídica.

Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, elaborada no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE), foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº 125/2000 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 3.678/2000; b) Convenção Interamericana contra a Corrupção (CICC), elaborada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº 152/2002, com reserva para o art. XI, § 1º, inciso “C”, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 4.410/2002; e c) Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC), ratificada pelo Decreto Legislativo nº 348/2005 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.687/2006.

2 A lei entrou em vigor 180 dias após a sua publicação.3 As principais inovações da Lei Anticorrupção foram apresentada nas obras: OLIVEIRA, Rafael Carvalho

Rezende. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Método, 2014; e NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. 2. ed. São Paulo: Método, 2014.

4 Incluem-se no conceito de pessoas jurídicas, destinatárias da Lei Anticorrupção, “as sociedades empresárias e as sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente” (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 12.846/2013).

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A responsabilidade da pessoa jurídica independe da responsabi-lidade pessoal dos seus dirigentes e das demais pessoas naturais que contribuam para o ilícito. Enquanto as pessoas jurídicas respondem ob-jetivamente, a responsabilidade das pessoas naturais é subjetiva (art. 3º, caput, §§ 1º e 2º, da Lei nº 12.846/2013).

Nas hipóteses de alteração contratual, transformação, incorpora-ção, fusão ou cisão societária, a responsabilidade pelos atos lesivos per-manece5. Em relação à fusão e à incorporação, a responsabilidade da sucessora restringe-se ao pagamento da multa e da reparação integral do dano, sendo inaplicáveis as demais sanções, salvo no caso de simulação ou fraude (art. 4º, § 1º, da Lei nº 12.846/2013). Quanto às sociedades controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas, a responsabilida-de é solidária pelos atos lesivos à Administração no tocante à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado (art. 4º, § 2º, da Lei nº 12.846/2013)6.

Os atos lesivos à Administração Pública são aqueles praticados por pessoas jurídicas contra o patrimônio público nacional ou estran-geiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compro-missos internacionais assumidos pelo Brasil, conforme tipificação con-tida no art. 5º da Lei 12.846/20137. Registre-se que as condutas lesivas

5 A transformação societária “é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro”, na forma do art. 220 da Lei nº 6.404/1976 (ex.: sociedade limitada se transforma em sociedade anônima). A incorporação “é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (art. 227 da Lei nº 6.404/1976). A fusão, por sua vez, “é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações” (art. 228 da Lei nº 6.404/1976). Por fim, a cisão “é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão” (art. 229 da Lei nº 6.404/1976).

6 Em regra, não se presume a solidariedade entre as empresas consorciadas (art. 278, § 1º, da Lei nº 6.404/1976). Todavia, a legislação impõe a solidariedade quando os consórcios participam de licitações públicas (art. 33, V, da Lei nº 8.666/1993).

7 “Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV – no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de

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já se encontravam tipificadas em outros diplomas legais, tais como a Lei nº 8.429/1992 e a Lei nº 8.666/1993.

A Lei Anticorrupção possui caráter extraterritorial, sendo aplicável aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a Admi-nistração Pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior (art. 28 da Lei nº 12.846/2013).

Em relação à responsabilidade administrativa das pessoas jurídi-cas, admite-se a aplicação de multa, que pode variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica no último exercício ao da ins-tauração do processo administrativo e da publicação extraordinária da decisão condenatória. As referidas sanções poderão ser aplicadas cumu-lativamente ou não, com a oitiva prévia da advocacia pública, sem pre-juízo do dever de reparação integral do dano causado (art. 6º da Lei nº 12.846/2013).

Na aplicação das sanções, a Administração levará em considera-ção os seguintes parâmetros (art. 7º da Lei nº 12.846/2013):

a) a gravidade da infração;

b) a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

c) a consumação ou não da infração;

d) o grau de lesão ou perigo de lesão;

e) o efeito negativo produzido pela infração;

f) a situação econômica do infrator;

g) a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

h) a existência de mecanismos e procedimentos internos de in-tegridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no

modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.”

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âmbito da pessoa jurídica, na forma do regulamento a ser ex-pedido pela Administração; e

i) o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.

No elenco dos parâmetros sancionatórios, merece destaque o fo-mento à instituição de estruturas internas nas pessoas jurídicas privadas com o objetivo de prevenir e reduzir os atos de corrupção (compliance), o que depende, no momento, da edição de ato regulamentar por parte do Executivo.

Registre-se que a aplicação das sobreditas sanções não afeta os processos de responsabilização subjetiva e aplicação de penalidades de-correntes da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) e da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993 e legislação correlata), na forma do art. 30 da Lei nº 12.846/2013.

O processo administrativo será instaurado pela autoridade máxi-ma da Administração e será conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores estáveis, admitindo-se a desconsideração da persona-lidade jurídica quando configurado abuso de poder, observado o contra-ditório e a ampla defesa (arts. 8º, 10 e 14 da Lei nº 12.846/2013)8.

2 ACORDO DE LENIÊNCIA

Admite-se a celebração do acordo de leniência entre a Administra-ção Pública e as pessoas jurídicas responsáveis pela prática do ato lesivo que colaborem efetivamente com as investigações e o processo admi-nistrativo, desde que a colaboração resulte na identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber, bem como na obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração (art. 16 da Lei nº 12.846/2013).

A celebração do sobredito acordo dependerá do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos (art. 16, § 1º, da Lei nº 12.846/2013):

a) a pessoa jurídica deve ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;

8 A autoridade que, após tomar conhecimento das supostas infrações, não adotar providências para a apuração dos fatos, será responsabilizada penal, civil e administrativamente (art. 27 da Lei nº 12.846/2013).

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b) a pessoa jurídica deve cessar completamente seu envolvi-mento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; e

c) a pessoa jurídica deve admitir a sua participação no ilícito e cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

O acordo de leniência acarreta as seguintes características:

a) isenção das sanções de publicação extraordinária da decisão condenatória e da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público, bem como a redução em até 2/3 do valor da multa aplicável, subsistindo as demais sanções legais, inclu-sive o dever de reparação integral do dano (art. 16, §§ 2º e 3º);

b) a proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo (art. 16, § 6º);

c) a proposta de acordo de leniência não importa em reconheci-mento da prática do ato ilícito (art. 16, § 7º);

d) descumprido o acordo, a pessoa jurídica não poderá celebrar novo acordo pelo prazo de três anos contados do conheci-mento pela Administração Pública do referido descumpri-mento (art. 16, § 8º);

e) a celebração do acordo interrompe o prazo prescricional para aplicação das sanções (art. 16, § 9º); e

f) possibilidade de celebração do acordo envolvendo os ilíci-tos previstos na Lei nº 8.666/1993, com o intuito de isentar ou atenuar as sanções previstas nos respectivos arts. 86 a 88 (art. 17).

A previsão do acordo de leniência na Lei Anticorrupção retrata uma tendência típica da Administração Pública consensual e de resul-tados.

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Em razão da pluralidade de interesses públicos e da necessidade de maior eficiência na ação administrativa, a legitimidade dos atos esta-tais não está restrita ao cumprimento da letra fria da lei, devendo respei-tar o ordenamento jurídico em sua totalidade (juridicidade).

Por esta razão, os acordos decisórios são previstos e incentivados no controle das políticas públicas, tal como ocorre, por exemplo, nos seguintes casos: a) Termo de Ajustamento de Conduta (TAC): art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985 (Ação Civil Pública – ACP); b) Termo de Com-promisso: art. 11, § 5º, da Lei nº 6.385/1976 (Comissão de Valores Mo-biliários – CVM); c) Acordos terminativos de processos administrativos: art. 46 da Lei nº 5.427/2009 (Lei do Processo Administrativo do Estado do Rio de Janeiro); d) Termo do compromisso de cessação de prática e acordo de leniência: arts. 85 e 86 da Lei nº 12.529/2011 (Sistema Brasi-leiro de Defesa da Concorrência – SBDC); e) Acordo de leniência: art. 16 da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção); etc.

Em determinadas hipóteses, a aplicação da sanção tipificada em lei pode frustrar a efetividade dos resultados esperados pela legislação que poderiam ser implementados por outras vias alternativas definidas pelo Poder Público. Imagine-se, por exemplo, a celebração de acordo decisório (Termo de Ajuste de Gestão – TAG) com o intuito de substituir a multa ambiental por imposição de investimento do mesmo montante financeiro na restauração do meio ambiente (compensações ambientais).

Nesse caso, o acordo decisório que substitui a possibilidade da multa por investimentos satisfaz com maior intensidade o resultado sub-jacente à própria sanção, qual seja, a restauração do dano gerado pela atuação ilícita do agente regulado.

Em vez de aplicar a multa e cobrá-la, pela via administrativa e/ou judicial, com a consequente (e potencial) arrecadação e posterior aplicação dos recursos na restauração do bem jurídico lesado, o Po-der Público, por meio do acordo decisório, estabeleceria, prima facie, a obrigação de o infrator investir o mesmo montante diretamente na recu-peração do dano causado, evitando desperdício de tempo e de recursos públicos9.

9 Sobre os acordos decisórios ou substitutivos na Administração, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Princípios do direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 151-156; SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. Acordos substitutivos nas sanções regulatórias. RDPE, Belo Horizonte, ano 9,

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Não se pode perder de vista que a sanção não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de restauração ou compensação dos danos ocasionados pelo ilícito praticado. Ao lado da sanção, existem outros instrumentos que possuem o condão de atingir o interesse público de forma mais eficiente e econômica, tal como ocorre com o acordo que substitui processos sancionatórios por medidas preventivas e compen-satórias do dano. Não se trata de dispor do interesse público, mas, ao contrário, da escolha do melhor instrumento para sua implementação.

3 RESPONSABILIDADE JUDICIAL DAS PESSOAS JURÍDICAS POR ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO

A responsabilidade administrativa não afasta a responsabilidade civil pelos atos lesivos à Administração, tendo em vista a independência das instâncias (art. 18 da Lei nº 12.846/2013).

A conclusão gerada pelo dispositivo é intuitiva porque são dife-rentes as sanções previstas pelo art. 6º referentes ao processo adminis-trativo, e aquelas previstas pelo art. 19, referentes ao processo judicial.

Dessa forma, ainda que a pessoa jurídica tenha sido devidamente sancionada no âmbito administrativo, não haverá qualquer impedimen-to para que se busque, pela via judicial, a aplicação de outras sanções, que, inclusive, só podem ser aplicadas após o devido processo legal judicial. A diferença de sanções afasta qualquer possibilidade de bis in idem.

Parece não haver maiores dúvidas da espécie de ação judicial ver-sada sobre a lei ora comentada, posto a natureza difusa do direito tutela-do por meio dela. Ademais, o art. 21 da Lei nº 12.846/2013 prevê que, nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei nº 7.347/1985, o que é suficiente para se concluir que a referida ação é coletiva. Trata-se de mais uma espécie de ação coletiva na tutela do patrimônio público, vindo a se somar com a ação popular, a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa.

Certamente, nesse tocante, será ressuscitada a discussão já há muito presente envolvendo a ação civil pública e a ação de improbi-

n. 34, p. 23, abr./jun. 2011; WILLEMAN, Flávio de Araújo. Temas relevantes no direito de energia elétrica. Synergia Editora, 2012; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; CYMBALISTA, Tatiana Matiello. Os acordos substitutivos do procedimento sancionatório e da sanção. RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 31, p. 68, out./dez. 2010.

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dade administrativa. E a conclusão será a mesma: pouco importa se a chamada ação de responsabilização judicial é ou não uma ação civil pública. O que importa é que a referida ação segue substancialmente o procedimento da ação civil pública com certas peculiaridades, exa-tamente como acontece com a ação de improbidade administrativa. E são justamente essas peculiaridades que interessam na presente análise.

O art. 19 da Lei nº 12.846/2013 prevê a legitimidade ativa para a ação de responsabilização judicial: a União, os Estados, o Distrito Fede-ral e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou ór-gãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público. Como se pode notar, a ação ora analisada tem legitimidade ativa ainda mais restritiva do que ocorre na ação de improbidade administrativa.

Apesar da omissão legal, entendemos que a legitimidade deve ser reconhecida também às entidades da Administração indireta, tendo em vista a sua autonomia administrativa e o objetivo do legislador em pro-teger a Administração Pública, sem distinção.

Como a Lei nº 12.846/2013 se limita a regulamentar a responsabi-lização de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, naturalmente o polo passivo será formado exclusivamente pela pessoa jurídica que pratica ato lesivo previsto no art. 5º da mesma lei. Exatamente como ocorre com a ação de improbidade administrativa, entendemos que a pessoa jurídica de direito público que tem legitimida-de ativa não tem legitimidade passiva originária na hipótese de o autor da ação ser o Ministério Público. Nesse caso, deve a pessoa jurídica de direito público ser intimada da existência da ação, podendo quedar-se inerte ou assumir um dos polos da demanda10.

E também não há espaço para a presença de pessoas físicas no polo passivo, inclusive os agentes públicos envolvidos no ato ilícito. Não que as responsabilidades das pessoas físicas envolvidas na ilicitu-de sejam excluídas pela responsabilização da pessoa jurídica, elas só não serão objeto da ação judicial ora analisada. Nesse sentido o art. 3º, caput, da Lei nº 12.846/2013.

10 Segundo previsto no art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/1992, no caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3º do art. 6º da Lei nº 4.717/1965. Sobre o tema, remetemos o leitor ao livro: NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa. 2. ed. São Paulo: Método, 2014.

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As sanções, que podem ser aplicadas de forma isolada ou cumu-lativa, são:

a) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

b) suspensão ou interdição parcial de suas atividades;

c) dissolução compulsória da pessoa jurídica;11 e

d) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, do-ações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos12.

Apesar da omissão legal, é tranquilo que também possam ser cumulados os pedidos de anulação do ato ilícito e de condenação por perdas e danos. Na realidade, o art. 21, parágrafo único, da lei ora ana-lisada dá a entender que a condenação por perdas e danos é um pedido implícito dessa ação ao prever que a condenação torna certa a obriga-ção de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença. De qualquer forma, o mais seguro é realizar o pedido expresso nesse sentido.

Quanto às sanções de multa e de perdimento de bens, direitos ou valores, aplicadas no processo administrativo ou judicial, as mesmas se-rão destinadas, preferencialmente, aos órgãos ou às entidades públicos lesados, conforme previsão contida no art. 24 da Lei nº 12.846/2013.

11 A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado: a) utilização da personalidade jurídica de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou b) constituição da pessoa jurídica para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados (art. 19, § 1º, da Lei nº 12.846/2013).

12 Nas ações propostas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas também as sanções previstas no art. 6º (multa e publicação extraordinária da decisão condenatória), desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa (art. 20 da Lei nº 12.846/2013). Registre- -se que a multa e o perdimento de bens, direitos ou valores serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas (art. 24). Em âmbito federal, foi instituído o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, que reunirá as informações quanto às sanções e aos acordos de leniência formalizados com base na referida lei (art. 22).

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Além disso, nos termos do art. 20 da Lei nº 12.846/2013, nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, além das sanções previstas no art. 19, poderão ser aplicadas as sanções previstas no art. 6º (multa e publicação da sentença), desde que constatada a omissão das autoridades compe-tentes para promover a responsabilização administrativa.

Entendemos que tal pedido não é exclusivo do Ministério Públi-co como autor, também podendo ser elaborado quando for autora da ação a pessoa jurídica de direito público lesada. É natural que, nesse caso, a própria autora da ação judicial possa responsabilizar a pessoa jurídica que figure como ré no processo por meio do processo admi-nistrativo previsto no Capítulo III da Lei nº 12.846/2013. Não parece, entretanto, compatível com o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF) exigir esse processo administrativo como condi-ção do exercício do direito de ação, de forma que, se por alguma razão a pessoa jurídica de direito público quiser ingressar diretamente com a ação judicial, será possível fazer os pedidos previstos no art. 6º da lei ora comentada.

Os pedidos previstos nos incisos II, III e IV do art. 19 da Lei nº 12.846/2013 têm natureza de sanção, a exemplo dos pedidos de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios cabíveis na ação de improbidade admi-nistrativa.

Das sanções previstas, a mais radical é a dissolução compulsória da pessoa jurídica, daí por que a preocupação do legislador em prever as hipóteses específicas em que poderá ocorrer. Segundo o § 1º do art. 19, a dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado: (I) ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma ha-bitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou (II) ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

Como também ocorre na ação de improbidade administrativa, o art. 19, § 3º, da Lei nº 12.846/2013 prevê que as sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. Além disso, também como ocorre na ação de improbidade administrativa, o prazo da proibição previsto pelo inciso IV do mesmo dispositivo deve ser fixado tomando-se

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por base a razoabilidade e proporcionalidade, exatamente como ocorre na dosagem da pena pela prática dos ilícitos penais13.

No tocante à tutela cautelar, o art. 19, § 4º, da Lei nº 12.846/2013 tem bons e maus momentos.

Ao prever que o Ministério Público ou a Advocacia Pública, ou órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público pode-rá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, o dispositivo afasta divergência atualmente existente na ação de improbidade administrativa quanto a tal medida como garantia do pagamento da multa civil14.

Inexplicável, por outro lado, é prever a “reparação integral do dano causado, conforme previsto no art. 7º”, porque o artigo mencionado ver-sa sobre os elementos que devem ser considerados para a aplicação da multa prevista no art. 6º, I, em nada se referindo a indenização por perdas e danos. Afinal, sanção e reparação são inconfundíveis, inclusive quanto aos elementos que devem ser considerados para sua fixação.

Registre-se que os pedidos típicos da ação de improbidade admi-nistrativa e da ação de responsabilização judicial podem ser cumulados, desde que o autor tenha legitimidade para ambas as ações. Não vejo qualquer problema em termos o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito público da Administração direta lesada pelo ato ilícito cumu-lando essas pretensões em uma mesma ação coletiva contra as pessoas jurídicas e físicas responsáveis e/ou beneficiadas pela ilicitude.

4 CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS PUNIDAS – CNEP

O art. 22 da Lei nº 12.846/2013 instituiu o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, com o objetivo de reunir e conferir publici-dade às sanções aplicadas pelos órgãos ou pelas entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base na Lei Anticorrupção.

13 Verificar o Capítulo 13, item 13.5.4.8.14 Verificar o Capítulo 15, item 15.2.4.

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As informações básicas que serão cadastradas no CNEP são (art. 22, § 2º, da Lei nº 12.846/2013):

a) razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou en-tidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ;

b) tipo de sanção; e

c) data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso.

Ressalvadas as hipóteses de prejuízo às investigações em curso, as autoridades competentes também deverão cadastrar no CNEP as in-formações relacionadas aos acordos de leniência celebrados e aque-les que forem descumpridos, na forma do art. 22, §§ 3º e 4º, da Lei nº 12.846/2013.

Após o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do even-tual dano causado, os registros das sanções e dos acordos de leniência serão excluídos do CNEP (art. 22, §§ 3º e 4º, da Lei nº 12.846/2013).

Por fim, o art. 23 da Lei nº 12.846/2013 prevê, ainda, a obriga-toriedade de atualização pelos órgãos ou pelas entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo do Ca-dastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, com os da-dos relativos às sanções por eles aplicadas, com fulcro nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666/199315.

15 Arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666/1993: “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – advertência; II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. § 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. § 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei: I – tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos; II – tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação; III – demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados”.

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5 PRESCRIÇÃO

A pretensão para punição administrativa e civil das pessoas jurí-dicas por atos lesivos à Administração prescreve em cinco anos, conta-dos da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanen-te ou continuada, do dia em que tiver cessado (art. 25, caput, da Lei nº 12.846/2013).

De acordo com o art. 25, parágrafo único, da Lei nº 12.846/2013, a prescrição será interrompida com a instauração do respectivo processo administrativo ou judicial.

Registre-se, no entanto, que a pretensão de ressarcimento ao Erário é imprescritível, na forma do art. 37, § 5º, da CRFB, que dispõe:

Art. 37. [...]

[...]

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao Erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário é sus-tentada pelo STJ e pela maioria da doutrina16. Da mesma forma, a Súmu-la nº 282 do TCU dispõe: “As ações de ressarcimento movidas pelo Esta-do contra os agentes causadores de danos ao Erário são imprescritíveis”.

Isto porque a referida norma constitucional remete ao legislador a prerrogativa para estabelecer os prazos de prescrição para ilícitos que causem prejuízos ao Erário, com a ressalva expressa das ações de res-sarcimento.

16 STJ, REsp 1.089.492/RO, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 18.11.2010 (Informativo de Jurisprudência do STJ 454). Vide, também: REsp 1.069.723/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, DJe 02.04.2009 (Informativo de Jurisprudência do STJ 384). CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 1014-1015; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 829-830; GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 620; FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 247; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 385. Em sentido contrário, sustentando a prescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, vide: PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 236-238; TOURINHO, Rita. A prescrição e a Lei de Improbidade Administrativa. Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, n. 12, out./dez. 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2012.

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A regra é a prescrição, definida pelo legislador infraconstitucional, tendo em vista o princípio da segurança jurídica, que tem por objetivo a estabilidade das relações sociais. A exceção é a imprescritibilidade admitida apenas nas hipóteses expressamente previstas na Constituição.

Desta forma, a intenção do legislador constituinte foi consagrar uma exceção à regra geral ao prever a imprescritibilidade das pretensões de ressarcimento ao Erário.

CONCLUSÕES

O tema do combate à corrupção ocupa o papel de destaque na pauta de reivindicações sociais na atualidade, o que justifica a prolife-ração de normas internacionais e internas que consagram mecanismos relevantes, preventivos e repressivos de garantia da moralidade adminis-trativa.

A corrupção é inimiga da República, uma vez que significa o uso privado da coisa pública, quando a característica básica do republica-nismo é a busca pelo “bem comum”, com a distinção entre os espaços público e privado.

Conforme destacamos em obra sobre o tema, o combate à corrup-ção depende de uma série de transformações culturais e institucionais. É preciso reforçar os instrumentos de controle da máquina administrativa, com incremento da transparência, da prestação de contas e do controle social.

Nesse contexto, a Lei nº 12.846/2013 representa importante ins-trumento de combate à corrupção e de efetivação do republicanismo, com a preservação e restauração da moralidade administrativa.

Parte Geral – Doutrina

A Desconsideração da Personalidade Jurídica Como um Golpe Letal ao Direito Empresarial

ROnALDO ZAnATA PAZImMestrando em Educação, Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil, Advogado, Vice--Presidente da 220ª Subseção da OAB/SP, Coordenador de Curso Jurídico, Professor Contrata-do de Ciências Jurídicas do Centro Paula Souza (Governo de SP).

Tão reprovável quanto o abuso cometido pelo sócio ou adminis-trador de uma empresa é o abuso praticado pelo Judiciário. Em outras palavras, não se vislumbra mais justiça em uma decisão judicial quando ela se afasta do texto legal.

Quando as pessoas resolvem constituir uma empresa, elas o fazem por diversos motivos, sendo que um dos mais importantes é a separação do seu patrimônio pessoal do da empresa. O sujeito pode ter um capital disponível que pretende investir em um empreendimento, mas, em vista dos riscos inerentes a qualquer negócio, não deseja aplicar na empresa tudo o que já conquistou ao longo da vida.

As modalidades de constituição de sociedades empresárias estão juridicamente estabelecidas pelo Código Civil, em seus arts. 1.039 a 1.092. Entre os tipos societários, encontra-se a mais comum, que é a sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087), pela qual a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas de capital social, pelas dívidas contraídas pela empresa perante os seus credores.

Pontua Fábio Ulhoa Coelho:

“Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações da sociedade. (p. 16)

A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais.

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Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometeram, no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comer-cial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2010. p. 413)

O direito empresarial visa a garantir ao empresário que, operan-do sob essa modalidade empresarial, se as coisas derem errado com a empresa, ele possa manter reservados os bens pessoais ou particulares, isentos do prejuízo alcançado pela sociedade empresária, e, dessa for-ma, incentiva as pessoas a empreenderem, haja vista a importância na economia e a função social que as empresas têm.

A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos só-cios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimo-nial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do traba-lho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimiza-do, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços. (Coelho, 2010, p. 16)

Ocorre que, violentando tudo isso, surge o instituto da descon-sideração da personalidade jurídica, que, em certos casos, autorizado indevidamente por decisão judicial, rompe a proteção do patrimônio pessoal do sócio.

A teoria citada, embora sejam encontrados resquícios seus no Di-reito romano, teve sua gênese na Inglaterra, e suas repercussões deram origem à doutrina da Disregard of legal entity, principalmente evocada nos Estados Unidos. Já no Brasil, atribui-se ao Professor Rubens Requião tê-la abordado como precursor em uma conferência intitulada “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, realizada na Uni-versidade Federal do Paraná, em 1969.

Mas o que ensejou a origem e manteve a desconsideração da per-sonalidade jurídica como um instituto presente no universo jurídico foi o desvirtuamento do instituto da pessoa jurídica, provocado quando o

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sócio ou o empresário procede com fraude ou abuso de direito, cometi-do por meio da personalidade da sociedade.

É bem verdade que o referido instituto encontra previsão legal tan-to no Código Civil quanto no Código do Consumidor e, mais remota-mente, no art. 4º da Lei nº 9.605/1998 (que dispõe sobre as atividades lesivas ao meio ambiente). Não é o propósito desta reflexão dissertar sobre as hipóteses de cabimento da desconsideração da personalidade jurídica (desvio de finalidade, confusão patrimonial, fraude contra con-sumidores e tantas outras, tão amplamente difundidas pela doutrina e pela jurisprudência), mas tão somente apontar que a desconsideração da personalidade jurídica deve ter natureza excepcional, pois não se justifi-ca o afastamento da autonomia patrimonial simplesmente toda vez que um credor não conseguir satisfazer o seu crédito, sendo mister que tenha havido indevida utilização da pessoa jurídica ou flagrante ocorrência das hipóteses que a autorizam.

Observa-se, a título exemplificativo (e não taxativo), principal-mente nas decisões do âmbito da Justiça do Trabalho, uma verdadeira práxis jurídica de decretar a desconsideração indiscriminadamente toda vez que não se encontra patrimônio suficiente na empresa para quitar os débitos com seus empregados e até com os impostos relacionados aos vínculos de emprego (INSS, IR, etc.). Parece estar arraigada na seara tra-balhista uma construção jurisprudencial tendenciosa a superproteger o trabalhador em detrimento da autonomia e da limitação de responsabili-dade igualmente albergadas pelo Direito em proteção do sócio, do em-presário e do fomento ao desenvolvimento social e econômico do País.

Em alguns foros, chega-se ao absurdo de mencionar, de ofício, logo no despacho de intimação para pagamento da execução trabalhis-ta, que a empresa reclamada deve cumprir a sentença condenatória sob pena de, por isso só, ser desconsiderada a sua personalidade jurídica.

Esse tipo de decisão judicial configura, inclusive, um ato que ex-trapola o poder do Judiciário, haja vista que, em homenagem à teoria da tripartição dos poderes (de Montesquieu), não cabe ao juiz decidir ultra legis.

Ainda que, apesar das divergências, possa ser considerado o cré-dito trabalhista privilegiado ao ponto de justificar o sacrifício do direi-to empresarial, incumbiria ao legislador aprovar norma específica para

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isso, o que, em verdade, ainda não existe. Como dito alhures, as deci-sões trabalhistas são embasadas apenas em entendimento jurispruden-cial consolidado que aplica, por analogia, a parte da legislação civil e consumerista que lhe serve para sustentar a tese, mas ignora (indevida-mente) a parte condicional da mesma legislação.

No processo do trabalho, algumas decisões judiciais invocam, quando se comprova a relação de emprego, por analogia, o art. 28, § 5º, do CDC, cujo fundamento está no princípio da igualdade substancial, que é base tanto da CLT quanto do CDC, pelo qual se deve aplicar uma norma jurídica protetiva a uma parte, em função da sua hipossuficiência existente no plano dos fatos, pois se presume que o empregado é hipos-suficiente frente ao empregador, como o consumidor o é em relação ao fornecedor.

CDC:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da socie-dade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos esta-tutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quan-do houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade

da pessoa jurídica provocados por má administração.

Já quando não se constata vínculo empregatício, mas sim pres-tação de serviço (ex.: trabalhador avulso ou autônomo), adotam-se o art. 50 do CC e o art. 28, caput, do CDC.

Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Mas ictu oculi que ambos os dispositivos só autorizam a descon-sideração em determinadas situações e não simplesmente em face da insuficiência patrimonial ou inadimplência da dívida trabalhista.

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Já uma outra corrente adota a teoria do risco da atividade econô-mica, entendendo que o trabalho do empregado é que gera o lucro da empresa, e, por consequência, o empresário se beneficia desse resultado enquanto o trabalhador apenas recebe a remuneração pelo serviço (e não o lucro); por isso, eventual prejuízo do empreendimento deve ser suportado por ele. Assim, no direito do trabalho, por força do próprio art. 2º da CLT, o empregador assume o risco da atividade econômica, não podendo transferi-la ao empregado (CLT: “Art. 2º Considera-se em-pregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”).

Consoante tal entendimento, sendo caracterizada a insolvência da empresa no processo do trabalho, a teoria da desconsideração da per-sonalidade jurídica pode ser aplicada mesmo que não tenha ocorrido desvio de finalidade e ainda que a pessoa jurídica tenha sido utilizada nos termos da lei. Isto simplesmente porque, no caso de insolvência, se não fosse aplicável a desconsideração da personalidade jurídica, o empregador teria o seu patrimônio pessoal protegido enquanto o empre-gado ficaria no prejuízo, diante do não recebimento da contraprestação pelo trabalho que ele já realizou. Desse ponto de vista, ocorreria uma inversão da teoria do risco da atividade econômica, já que o empregado é que suportaria os riscos da atividade.

Mas é evidente que, mesmo sob o enfoque dessa teoria, inexiste norma específica para sustentá-la, pois, como se observa, o art. 2º da CLT não é suficiente.

Logo, qualquer que seja a opção do julgador trabalhista, ela pro-vém muito mais de uma construção jurisprudencial do que de um co-mando legal, enquanto, por outro lado, a proteção do patrimônio do empresário é absoluta e expressamente prevista na lei, incólume de dú-vidas.

Importa reconhecer, portanto, que, se decretada a desconsidera-ção pela simples inadimplência ou pela só insuficiência patrimonial da pessoa jurídica, sem real subsunção do caso concreto a uma das hipó-teses que a autorizam, a decisão representará um golpe letal ao direito empresarial, fulminando a legalidade do que ele pretendia agasalhar.

Parte Geral – Doutrina

Negociação Coletiva no Ordenamento Jurídico Brasileiro

AnAnDA TOSTES ISOnIAnalista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho, Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.

RESUMO: A negociação coletiva é uma modalidade de autocomposição de conflitos a partir do ajuste de interesses entre os atores sociais. A Constituição de 1988 foi responsável pelo maior avanço de-mocrático do direito coletivo brasileiro. Vedou a interferência e a intervenção estatais na organização sindical (art. 8º, I), ampliou os instrumentos de atuação dos sindicatos (art. 8º, III) e conferiu larga amplitude ao direito de greve (art. 9º). Além disso, reconheceu os instrumentos jurídicos clássicos da negociação coletiva, convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, VI, XIII e XIV), ressalva-da a obrigatoriedade da participação dos sindicatos obreiros na dinâmica negocial coletiva (art. 8º, VI). Considerando o caráter essencialmente teleológico do direito do trabalho, pretende-se analisar aspectos da negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como norte o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.

PALAVRAS-CHAVE: Negociação coletiva; convenção coletiva de trabalho; acordo coletivo de traba-lho; autocomposição.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Negociação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro; 2 O impacto da Constituição de 1988 na negociação coletiva; 3 Aspectos formais dos instrumentos coletivos; 4 Aplicabilidade das convenções e acordos coletivos de trabalho; Referências.

INTRODUÇÃO

A negociação coletiva é uma modalidade de autocomposição de conflitos advinda do entendimento entre os interlocutores sociais. Entre os princípios dos instrumentos coletivos1, destaca-se o da boa-fé ou da lealdade, cuja consequência é o dever formal de negociar, consubstan-ciado na obrigação do exame de propostas recíprocas e na formulação de contrapropostas convergentes. Para tanto, as partes deverão concor-dar em estabelecer, com antecedência, a finalidade e o alcance da ne-gociação.

1 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 1254.

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1 NEGOCIAÇÃO COLETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O berço das convenções coletivas de trabalho foi a Europa Oci-dental e os Estados Unidos, sendo que sua expansão se deu pelos países industrializados.

Entre as vantagens que as aludidas convenções proporcionam, desde sua origem, podem-se elencar:

a) para o empregador, era uma forma de negociação pacífica, sem perigo da ocorrência de greves;

b) para o empregado, era o reconhecimento, pelo empregador, da legitimidade e representatividade do sindicato nas nego-ciações, com a consequente conquista de novos direitos para os trabalhadores;

c) para o Estado, era uma forma de não interferência, em que as próprias partes buscavam a solução de seus conflitos, culmi-nando com um instrumento de paz social.2

No âmbito brasileiro, a Constituição de 1988 reconhece as con-venções coletivas, bem como os acordos coletivos de trabalho, a teor do art. 7º, XXVI3. Embora as Cartas Magnas anteriores mencionassem ape-nas as convenções coletivas, o acordo coletivo já existia desde a publi-cação do Decreto nº 229/1967. Tal decreto fora responsável pela nova redação aos arts. 611 a 625 da CLT, dos quais se suprimiu a expressão “acordo coletivo”, que foi substituída por “convenção coletiva” (caput) e “acordo coletivo” (§ 1º). Dessa forma, a Constituição Federal de 1988, ao reconhecer os acordos coletivos de trabalho, somente elevou a status constitucional um instituto já consolidado no ordenamento pátrio.

Vale citar outras referências constitucionais à convenção e ao acordo coletivo. O inciso VI do art. 7º dispõe sobre a irredutibilidade sa-larial, mas ressalva a possibilidade de redução por convenção ou acordo coletivo. O inciso XIII do art. 7º prevê a duração da jornada de oito horas diárias e 44 semanais, porém faculta a compensação de horários e a re-dução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

2 MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 810.3 “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição

social: [...] XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.”

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Ademais, o inciso XIV desse artigo estabelece a jornada de seis horas em turnos ininterruptos de revezamento, entretanto possibilita turnos de maior duração por meio de negociação coletiva (acordo ou convenção coletiva).

Segundo Alice Monteiro de Barros4, na negociação coletiva, ne-nhum interesse de classe deverá prevalecer sobre o interesse público, não podendo, entretanto, ser transacionados preceitos que resguardam a saúde do obreiro, como os relativos à higiene e à segurança do trabalho e também os que se referem à integridade física e moral, situando-se aqui o direito à honra, à intimidade, à boa fama, à privacidade.

Não é outro o sentido trazido pela Súmula nº 437 do TST, a saber:

Intervalo intrajornada para repouso e alimentação. Aplicação do art. 71 da CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. I – Após a edição da Lei nº 8.923/1994, a não-concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento total do período correspondente, e não apenas daquele suprimido, com acrés-cimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração. II – É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redu-ção do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva. III – Possui natureza salarial a parcela prevista no art. 71, § 4º, da CLT, com redação introduzida pela Lei nº 8.923, de 27 de julho de 1994, quando não concedido ou reduzido pelo empregador o intervalo mínimo intrajornada para repouso e alimentação, repercutindo, assim, no cálculo de outras parcelas salariais. IV – Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para des-canso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT.

4 BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 1255.

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Segundo Mozart Victor Russomano5, na generalidade das nações, a inobservância de cláusula normativa acarreta o seguinte:

a) há uma sobreposição das cláusulas da convenção sobre as do contrato individual. Na hipótese de divergência entre elas, declare-se a nulida-de da cláusula do contrato individual. A inobservância da convenção implica o descumprimento da lei. A nulidade pressupõe como não escrita a citada cláusula, orientação que prevalece no direito ocidental e até ocorria no soviético;

b) se o descumprimento é feito pelo empregador, aplicam-se as sanções administrativas;

c) a ação judicial da parte que se julgar prejudicada não fica excluída pela aplicação de sanções administrativas.

Os instrumentos coletivos subdividem-se em convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho.

À letra do art. 611 da CLT, a convenção coletiva de trabalho é

o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos repre-sentativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às rela-ções individuais de trabalho.

A convenção coletiva advém, pois, de negociações encabeçadas por entidades sindicais: a dos empregados e a dos respectivos emprega-dores. Nesse sentido, abrange o âmbito da categoria, seja a profissional (obreiros), seja a econômica (empregadores). É dotada, portanto, de ca-ráter coletivo e genérico.

Maurício Godinho Delgado6 esclarece que as convenções coleti-vas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autôno-mas), isto é, preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normati-zar situações futuras. Por conseguinte, correspondem à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra ou comando abstrato. São, desse modo, sob a ótica substantiva, a respeito de seu conteúdo, diplomas des-

5 RUSSOMANO, Mozart Victor. Direito sindical. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975. p. 186 e 187.6 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 1282.

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veladores de inquestionáveis regras jurídicas (embora existam também no seu interior cláusulas contratuais).

Há que se considerar, entretanto, sob o ponto de vista formal, que as convenções coletivas de trabalho despontam como acordos de von-tade entre sujeitos coletivos sindicais (pactos, contratos). Desse modo, inscrevem-se na mesma linha genérica dos negócios jurídicos privados bilaterais ou plurilaterais.

Revestem-se, dessa forma, de dubiedade instigante: são contratos sociais, privados, mas que produzem regra jurídica – e não apenas cláu-sulas obrigacionais.

É possível extrair a definição de acordo coletivo a partir do § 1º desse artigo, qual seja, o acordo celebrado entre os sindicatos represen-tativos de categorias profissionais com uma ou mais empresas da corres-pondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito dessas empresas.

Converge dos conceitos a estipulação de condições de trabalho a serem observadas nos contratos individuais dos trabalhos, donde resulta seu efeito normativo. Por outro lado, a diferença entre os institutos está nos sujeitos envolvidos. Enquanto o acordo coletivo se dá entre o sindi-cato de determinada categoria profissional e uma ou mais empresas, a convenção coletiva é o concerto pactuado entre o sindicato de determi-nada categoria profissional e o sindicato da categoria econômica.

Assim, a presença do sindicato no acordo coletivo não é necessária no polo empresarial. Não obstante, em regra, o polo obreiro seja repre-sentado pelo sindicato. Atualmente, está consolidado o entendimento de que a Constituição de 1988, ao considerar obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho, em seu art. 8º, VI, não se referiu a sindicato de empregadores, mas apenas à entidade sindical representativa dos empregados.

Para Maurício Godinho Delgado7, isso se dá porque o empregador, por sua própria natureza, já é um ser coletivo (já estando naturalmente encouraçado pela proteção coletiva), ao passo que os trabalhadores ape-nas adquirem essa qualidade mediante sua atuação coletiva.

7 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1283.

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Do exposto, conclui-se que o acordo coletivo é uma espécie, cujo gênero é a convenção coletiva de trabalho. Assim, os acordos coleti-vos, sendo mais específicos, atendem a peculiaridades do contexto de trabalho das empresas acordantes, têm uma abrangência mais restrita. De outro modo, as convenções coletivas são mais amplas e abrangem todas as empresas e seus empregados englobados nas correspondentes categorias econômicas e profissionais, dentro, é claro, de uma dada base territorial. Não obstante se verifique tal distinção de conceitos no or-denamento brasileiro, convém ressaltar que isso não sói acontecer em outras legislações.

2 O IMPACTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 NA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

Para tratar dos instrumentos coletivos de trabalho, impende ana-lisar o impacto da Constituição Federal de 1988 no contexto brasileiro à época, em que vigente o regramento previsto na CLT a esse respeito.

É que o texto da CLT foi consolidado em um panorama corporati-vista e totalitarista, estruturado nas décadas de 30 e 40 no País. Mesmo a nova redação proposta em 1967, por meio do Decreto-Lei nº 229, também se deu em um sistema autoritário, qual seja, o Regime Militar inaugurado em 1969.

Ocorre que, à época, foram suscitadas controvérsias acerca da re-cepção ou não das normas previstas no Título VI da CLT. Neste estudo, que analisará as normas que regulam os diplomas negociais coletivos, essencial levantar essa reflexão.

A Constituição de 1988 foi responsável pelo maior avanço demo-crático do direito coletivo brasileiro. No que tange ao tema em análise, vedou a interferência e a intervenção estatais na organização sindical (art. 8º, I), ampliou os instrumentos de atuação dos sindicatos (art. 8º, III) e conferiu larga amplitude ao direito de greve (art. 9º). Além disso, reconheceu os instrumentos jurídicos clássicos da negociação coletiva, convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, VI, XIII e XIV), res-salvada a obrigatoriedade da participação dos sindicatos obreiros na di-nâmica negocial coletiva (art. 8º, VI)8.

8 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1285.

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Tais inovações repercutiram na interpretação das normas consti-tucionais pelo Judiciário e doutrina pátrios, que variaram em posições antagônicas, sem que fosse definida a exata medida em que deveriam ser aplicadas. Logo após a promulgação da Carta Constitucional, pre-valeceu o entendimento de que todas as regulamentações e restrições previstas no Título VI da CLT aos dois diplomas coletivos não estariam mais vigentes, já que iam de encontro ao princípio da autonomia sindi-cal, externado no art. 8º, I, da Constituição de 1988. À época, entendeu--se que esses critérios teriam sido substituídos pelos estabelecidos nos próprios estatutos sindicais.

Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado avaliaram a sexagenária Consolidação:

A avaliação jurídica, social e cultural que se pode fazer desse diploma normativo mais do que sexagenário, consistente na CLT, indica, desse modo, alguns pontos relevantes.

Em primeiro lugar, o pecado original da CLT – a circunstância de se ter gestado em período autocrático da vida político-institucional brasileira, em 1943 –, embora inegavelmente grave, não macula toda a obra ju-rídica, econômica e cultural inserida no diploma normativo. Mostra-se comprometedor essencialmente quanto à sua concepção de Direito Co-letivo do Trabalho, em especial no tocante à estrutura corporativista do sindicalismo brasileiro, que desponta como pouco funcional para fazer frente aos desafios democráticos apresentados pela evolução histórica do País a partir de fins do regime autoritário de 1964/1985.9

Nesse sentido, há de se reconhecer que existem incontornáveis incompatibilidades entre o texto constitucional e alguns dispositivos da CLT, e que, portanto, não foram recepcionados pela Constituição vigen-te. Há, entretanto, pontos ainda polêmicos, como se observa quanto ao art. 617, § 1º, da CLT, que autoriza a substituição do sindicato pela fede-ração (e desta pela respectiva confederação), em caso de recusa dos pri-meiros à negociação. Ademais, possibilita que se conceba a negociação coletiva diretamente entre trabalhadores e correspondente empregador, caso frustradas as tentativas de intermediação sindical.

9 DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 65 anos – Avaliação jurídica e sociocultural. Revista LTr, v. 72-11, n. 11, p. 1293 e 1294, nov. 2008.

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Distintamente, para Maurício Godinho Delgado, a mencionada regra “entra em choque frontal com o princípio da autonomia dos sin-dicatos e com a norma inserida no art. 8º, VI, da CF/1988 (obrigatorie-dade sindical na negociação coletiva)”. Segundo o doutrinador, “não pode haver dúvida de que [a regra] foi, assim, tacitamente revogada em 05.10.1988”.

A esse respeito, importa dizer que a autonomia dos sindicatos deve ser compreendida como uma garantia aos empregados, não como um meio de cercear-lhes a busca pelo atendimento de seus interesses em razão da inércia do sindicato que deveria representá-los.

Conquanto os sindicatos representantes das categorias profissionais sejam os sujeitos legitimados pela ordem jurídica para celebrar a nego-ciação coletiva, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é as-sente quanto à recepção do art. 617 da CLT pela Constituição de 1988, incidente na hipótese de inércia da entidade sindical. Eis o dispositivo:

Art. 617. Os empregados de uma ou mais emprêsas que decidirem ce-lebrar Acôrdo Coletivo de Trabalho com as respectivas emprêsas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da cate-goria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados, devendo igual procedimento ser observado pelas emprêsas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 229, de 28.02.1967)

§ 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se de-sincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhe-cimento do fato à Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado êsse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final. (In-cluído pelo Decreto-Lei nº 229, de 28.02.1967)

§ 2º Para o fim de deliberar sôbre o Acôrdo, a entidade sindical convoca-rá assembléia geral dos diretamente interessados, sindicalizados ou não, nos têrmos do art. 612. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 229, de 28.02.1967)

A aplicação do dispositivo imprescinde de uma análise detida do caso concreto, de modo a verificar a recusa injustificada à negociação. Nesse sentido, colheram-se precedentes do TST:

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Recurso de revista [...]. Acordo de compensação de horários. Banco de horas. Firmado diretamente com comissão de empregados. Invalidade. Violação do art. 617 da CLT. Não configurada. No caso dos autos, não se há de falar em violação direta e literal do art. 617, § 1º, da CLT, nos moldes exigidos no art. 896, c, da CLT. Isso porque referido dispositi-vo legal estabelece que os empregados interessados em celebrar acordo coletivo de trabalho devem dar ciência da sua resolução ao sindicato profissional, que terá o prazo de oito dias para assumir a direção dos en-tendimentos. Expirado referido prazo, permanecendo inerte o sindicato, poderão os interessados dar ciência do fato à Federação, ou, na falta des-ta, à Confederação correspondente, para que, no mesmo prazo, assuma a negociação. Esgotado esse prazo, os interessados poderão prosseguir nas negociações coletivas até o final. Sucede que não há registros no acórdão regional no sentido de que houve recusa da entidade sindical em participar da negociação coletiva, bem como não foram opostos em-bargos de declaração para esclarecer referidos fatos essenciais ao desate da lide. Ao ensejo, pontue-se que a jurisprudência da Seção de Dissídios Coletivos desta Corte, embora se posicione no sentido de que o art. 617 da CLT não se demonstra incompatível com o disposto no art. 8º, VI, da Constituição Federal, preceitua que a recepção do art. 617 da CLT não dispensa a análise minuciosa do caso concreto, a fim de que se verifique a efetiva recusa na negociação, em tese, a ensejar as etapas seguintes pre-vistas no aludido dispositivo. Por conseguinte, preconiza que, se os autos carecem de comprovação de que o sindicato recusou-se a negociar e, ao contrário, a prova revela uma total preterição do sindicato na negociação coletiva, julga-se improcedente o pedido de declaração de validade de acordo de banco de horas celebrado diretamente com os empregados. Recurso de revista não conhecido. [...]. (RR 74200-87.2008.5.02.0463, 7ª T., Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DJ 07.10.2015, DEJT 09.10.2015)

Ação anulatória. Acordo coletivo de trabalho celebrado sem a partici-pação do sindicato profissional. Nulidade do instrumento. O Regional julgou procedente a ação anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, declarando a nulidade, com efeito ex tunc, do Acordo Coletivo de Trabalho 2006/2007, celebrado pela Comissão Interna de Negociação dos Funcionários da Sadia S.A. e a referida empresa, sem a participação do Sindicato profissional. Embora atentando que o art. 617 da CLT tenha sido recepcionado pelo art. 8º, VI, da Carta Magna, não se pode conside-rar que o malogro nas negociações coletivas, ou mesmo a comunicação pelo sindicato da ameaça de paralisação pelos trabalhadores das suas

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atividades, fossem motivos suficientes para dispensar a intermediação do ente sindical profissional no entabulamento de acordo entre emprega-dos e empresa. E, mesmo se assim não fosse, não houve o cumprimento das exigências previstas no artigo consolidado, supracitado, necessárias a darem ao instrumento negociado a feição de sua legitimidade. Assim, mantém-se a decisão regional, embora por outros fundamentos, e nega--se provimento aos recursos ordinários interpostos. Recursos ordinários não providos. (ROAA 164500-70.2006.5.03.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relª Min. Dora Maria da Costa, DJ 10.08.2009, DEJT 21.08.2009)

Tal entendimento ampara-se na compreensão da autonomia sindi-cal como uma garantia aos empregados, não como um meio de cercear--lhes a busca pelo atendimento de seus interesses em razão da inércia do sindicato que deveria representar seus interesses.

3 ASPECTOS FORMAIS DOS INSTRUMENTOS COLETIVOS

Os instrumentos coletivos deverão ser celebrados por escrito, sem emendas ou rasuras, em quantas vias quantos forem os sindicatos ou empresas acordantes, além de uma que deverá ser levada a registro, de modo a conferir-lhe publicidade. Com esse mesmo fim, deverão ser afi-xadas cópias autênticas nas empresas abrangidas pelo acordo. Assente--se que a forma é requisito substancial a esse ato jurídico.

Como prevê o art. 614 da CLT, uma das vias deve ser encaminha-da ao Ministério do Trabalho para conhecimento, registro e arquivamen-to. É o teor do artigo:

Art. 614. Os Sindicatos convenentes ou as empresas acordantes promo-verão, conjunta ou separadamente, dentro de 8 (oito) dias da assinatura da Convenção ou Acordo, o depósito de uma via do mesmo, para fins de registro e arquivo, no Departamento Nacional do Trabalho, em se tra-tando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do Ministério do Trabalho e Previdência Social, nos demais casos.

§ 1º As Convenções e os Acordos entrarão em vigor 3 (três) dias após a data da entrega dos mesmos no órgão referido neste artigo.

§ 2º Cópias autênticas das Convenções e dos Acordos deverão ser afixa-dos de modo visível, pelos Sindicatos convenentes, nas respectivas sedes

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e nos estabelecimentos das empresas compreendidas no seu campo de aplicação, dentro de 5 (cinco) dias da data do depósito previsto neste artigo.

§ 3º Não será permitido estipular duração de Convenção ou Acordo su-perior a 2 (dois) anos.

Nesse sentido também é a dicção da OJ SDI-I/TST 322, a seguir:

Nos termos do art. 614, § 3º, da CLT, é de 2 anos o prazo máximo de vigência dos acordos e das convenções coletivas. Assim sendo, é inváli-da, naquilo que ultrapassa o prazo total de 2 anos, a cláusula de termo aditivo que prorroga a vigência do instrumento coletivo originário por prazo indeterminado.

Acresça-se que a nova redação da Súmula nº 277 do TST consa-grou a ultratividade das cláusulas normativas, que passam a integrar os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

Cumpre salientar que, com a edição do Decreto-Lei nº 229/1967, a eficácia da convenção não mais depende de homologação do Mi-nistério do Trabalho. A necessidade de homologação conferia ao Esta-do o controle de assuntos essencialmente privados, em detrimento da autonomia dos acordantes. Assim, atualmente, a convenção entra em vigor três dias após o mero ato de entrega de uma via ao Ministério do Trabalho.

4 APLICABILIDADE DAS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO

Em uma escala hierárquica, entende-se que a lei deve prevalecer ante o instrumento coletivo, salvo se este for mais benéfico ao empre-gado.

Com efeito, há a necessidade de se adequar o critério de hierar-quia jurídica à composição normativa diversificada do direito do traba-lho e ao caráter essencialmente teleológico (finalístico) de que se reveste esse ramo jurídico especializado, conforme ensina Maurício Godinho Delgado10. Com o princípio direcionador da norma mais favorável ao

10 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1295 e 1296.

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trabalhador, tudo conduz ao afastamento justrabalhista do estrito critério rígido e formalista prevalecente no direito comum.

Quanto ao cotejo entre os instrumentos coletivos, é inconteste a inexistência de hierarquia entre eles. Ocorre, todavia, que possuem di-ferentes esferas de atuação, quais sejam, a categoria no concernente à convenção coletiva e a empresa ou as empresas signatárias no que se refere ao acordo coletivo.

As convenções coletivas são dotadas de eficácia geral, sendo apli-cáveis às categorias convenentes (econômica e profissional) a todos os seus membros, vinculados ou não aos sindicatos. Também os acordos coletivos se aplicam a todos os trabalhadores e empresas acordantes. Daí resulta o efeito erga omnes dos instrumentos coletivos, que não se atêm aos filiados aos sindicatos, mas abrange também os que não o são.

Segundo Sérgio Pinto Martins, deve-se colocar o princípio ontoló-gico regente da interpretação das convenções coletivas: sempre se apli-cará a condição mais favorável ao trabalhador. Assim, o particular, por ser específico, deve prevalecer sobre o geral, salvo em se tratando de norma de ordem pública11.

Essa compreensão deriva do disposto no art. 620 da CLT, nos se-guintes termos: “As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo”.

Contrario sensu, o estipulado em acordo, caso mais favorável do que o estabelecido em convenção, deverá prevalecer. A norma coletiva deverá ser interpretada em atenção aos fins sociais mais amplos, que se sobrepõem aos interesses individuais, visando à harmonia nas relações do trabalho.

Existem duas teorias acerca das normas aplicação das normas co-letivas: a teoria da acumulação e a do conglobamento. De acordo com a primeira, é possível conjugar a aplicação de dois instrumentos coletivos diferentes. Assim, seria possível aplicar as cláusulas mais favoráveis exis-tentes em cada convenção. De outro modo, a segunda teoria estabelece que a convenção que em seu todo for mais favorável ao trabalhador

11 MARTINS, Sergio Pinto. Op. cit., p. 817.

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deverá prevalecer, não sendo permitido, contudo, a aplicação ora de um diploma, ora de outro.

Como assevera Maurício Godinho Delgado, “a teoria do conglo-bamento é certamente a mais adequada à operacionalização do critério hierárquico normativo preponderante no direito do trabalho”. Essa teo-ria, diferentemente da teoria da acumulação, é capaz de harmonizar a flexibilidade do critério hierárquico justrabalhista com a essencial noção de sistema inerente à ideia de Direito e de ciência12.

O autor ressalta que a superioridade da teoria do conglobamento fez o legislador claramente se reportar a essa orientação, em situação de conflito de normas jurídicas, e explica:

De fato, a Lei nº 7.064/1982, que dispõe sobre a situação de trabalha-dores brasileiros contratados ou transferidos para prestarem serviços no exterior, socorreu-se da teoria do conglobamento no contraponto entre a lei territorial externa e a lei brasileira originária. Observa-se, nessa linha, o texto do art. 3º, III, do mencionado diploma legal: “A aplicação da le-gislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompa-tível com o disposta nesta lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria”.13

Tal entendimento harmoniza-se com a jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho. Confira-se:

Recurso de revista. Diferença salarial. Coexistência de convenção cole-tiva e acordo coletivo do trabalho. Norma coletiva aplicável. Teoria do conglobamento. I – Com fundamento na teoria da acumulação, a Cor-te Regional deferiu o pedido de diferenças salariais, com base no piso salarial da categoria profissional do reclamante previsto na Convenção Coletiva, por entender que a referida norma coletiva estabelecia condi-ção mais benéfica do que aquela prevista no Acordo Coletivo do Traba-lho a esse respeito. II – Esta Corte Superior tem decidido reiteradamente que, para a hipótese em que coexistem convenção e acordo coletivos de trabalho, deve ser aplicada a teoria do conglobamento (instrumento que for, em seu conjunto, mais benéfico ao empregado) e não a teoria da acumulação (retirar de cada norma a cláusula mais benéfica). Pre-cedentes. III – Nesse contexto, a decisão regional, em que se adotou a

12 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1298.13 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 1298.

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teoria da acumulação para deferir o pedido de diferença salarial, contra-ria a jurisprudência desta Corte Superior. IV – Recurso de revista de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se dá provimento. (RR 3711500-13.2008.5.09.0002, 4ª T., Relª Desª Conv. Cilene Ferreira Amaro Santos, DJ 14.10.2015, DEJT 16.10.2015)

[...] Prevalência do acordo coletivo sobre a convenção coletiva de tra-balho. Prevalece nesta Corte a aplicação do princípio do conglobamen-to para a solução do conflito acerca das condições estabelecidas em convenção e acordo coletivo, segundo o qual essas normas devem ser consideradas em seu conjunto para efeito de apuração da norma mais benéfica. Assim, a interpretação a ser empreendida para a eleição da respectiva norma deve ser compreendida de forma sistemática, ou seja, considerando-se o conjunto da norma, e não aspectos isoladamente, por se revelarem mais vantajosos. Sob essa ótica, pela teoria do congloba-mento, também as convenções e acordos coletivos são considerados e interpretados em toda a sua extensão, e não de forma pontual, como preconiza a teoria oposta da acumulação, que a doutrina e a jurispru-dência nacionais pacificamente não acolhem. In casu, o Regional não delineou o quadro fático acerca de qual norma seria a mais benéfica ao reclamante, aspecto imprescindível à solução da lide, nos termos do disposto no art. 620 da Consolidação das Leis do Trabalho. No entan-to, nos embargos de declaração interpostos pelos reclamados não houve provocação do Regional para se manifestar a respeito, carecendo a ma-téria do indispensável prequestionamento, nos termos do disposto na Sú-mula nº 297, itens I e II, do TST. Recurso de revista não conhecido. [...]. (RR 957900-04.2003.5.09.0011, 2ª T., Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DJ 22.08.2012, DEJT 31.08.2012)

Além disso, a interpretação deve levar em consideração a vontade das partes à época da elaboração da norma coletiva. É que o art. 11214 do Código Civil estabelece que nas declarações de vontade deve preva-lecer a intenção nelas consubstanciada ao sentido literal da linguagem. Importa citar, ainda, outro dispositivo relevante à aplicação dos diplo-mas coletivos, qual seja, o art. 11415 do Código Civil. Deriva desse artigo o entendimento de que as cláusulas benéficas devem ser interpretadas restritivamente.

14 “Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”

15 “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.”

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REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2009.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010.

______; DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 65 anos – Avaliação jurídica e sociocultural. Revista LTr, v. 72-11, n. 11, nov. 2008.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

______. Direito sindical. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975.

Parte Geral – Doutrina

A Aplicação do Punitive Damages nas Relações Jurídicas Consumeristas

The Punitive Damages of Application in Relations Legal Consumeristas

CLáuDIA mARA DE ALmEIDA RABELO VIEGASProfessora de Direito da PUC-Minas e Faculdades Del Rey – Uniesp, Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, Servidora Pública Federal do TRT/MG – Assistente do Desembar-gador Dr. Sércio da Silva Peçanha, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação à Distância pela PUC-Minas, Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus, Bacharel em Ad-ministração de Empresas e Direito pela Universidade Fumec.

nAyARA ELAynE GuEDESBacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Advogada.

RESUMO: O presente artigo tem como escopo analisar a aplicabilidade da função punitiva nas in-denizações por danos morais no Direito Consumerista. A fim de facilitar a compreensão do tema, perpassa-se de uma análise dos direitos concedidos ao consumidor, das responsabilidades civis impostas ao fornecedor, em razão de vício ou fato do produto ou serviço por ele disponibilizado no mercado. Posteriormente, por meio de análise bibliográfica e jurisprudencial, pretende-se averiguar se o instituto do “punitive damages” pode ser aplicado no Direito Consumerista, de forma a coibir os abusos tão frequentemente praticados, em face do elo mais vulnerável da relação consumerista, o consumidor.

PALAVRAS-CHAVE: Relações de consumo; “punitive damages”; dano moral; responsabilidade civil.

RIASSUNTO: Questo articolo ha l’obiettivo di analizzare l’applicabilità della funzione punitiva in risarci-mento dei danni morali in legge Consumerista. Al fine di facilitare la comprensione del tema, permea è un’analisi dei diritti del consumatore, della responsabilità civile imposto al fornitore, a causa della dipendenza o del fatto che il prodotto o servizio per esso disponibili sul mercato. In seguito, attraverso la letteratura e l’analisi della giurisprudenza ha lo scopo di verificare se l’istituto di “danni punitivi” può essere applicato in diritto Consumerista al fine di prevenire abusi come spesso praticata in faccia il collegamento più vulnerabili nel rapporto consumistico , consumatore.

PAROLE-CHIAVE: Relazioni di consumo; “damages punitive”; danni morali; responsabilità civile.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Os direitos do consumidor; 1.1 Direito à vida, à saúde e à se-gurança; 1.2 Direito à liberdade de escolha e igualdade nas contratações; 1.3 Direito à informação adequada e clara; 1.4 Direito à proteção contra as práticas abusivas; 1.5 Direito à modificação e revisão do contrato de consumo; 1.6 Direito à efetiva prevenção e reparação de danos materiais e morais; 1.7 Inversão do ônus da prova; 2 Relação de consumo; 2.1 Sujeitos da relação de consumo;

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2.2 Objetos da relação de consumo; 3 Responsabilidade civil nas relações de consumo; 3.1 Respon-sabilidade civil; 3.2 A teoria do risco e a responsabilidade objetiva; 3.3 Vício e defeito dos produtos ou serviços; 3.4 Modalidades de responsabilidade civil do fornecedor previstas no CDC; 4 Garantias; 5 Punitive damages x dano moral; 5.1 Definições de dano moral; 5.2 Funções da responsabilidade civil por dano moral; 5.3 A teoria do Punitive Damages; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nos tempos remotos, as relações consumeristas eram feitas direta-mente entre produtor e consumidor final, sendo pautada pela individua-lidade. No entanto, com o advento da Revolução Industrial, a sociedade passou a viver em um mundo voltado para o consumo, caracterizado principalmente pela produção em massa.

Em busca da produção de maior quantidade de produtos, no me-nor tempo possível, a fim de obter mais lucro, os fornecedores passaram a deixar de lado a qualidade dos produtos e serviços disponibilizados, inundando o mercado com produtos viciados.

Contra tais atitudes dos fornecedores, o consumidor, elo mais vul-nerável da relação consumerista, tem à sua disposição instrumentos de responsabilização, disponíveis no Código de Defesa do Consumidor, de forma a reparar o dano causado ao ofendido, equilibrando a relação jurídica consumerista.

Seguindo essa linha de raciocínio, verifica-se que, apesar de toda a proteção conferida ao consumidor pelo ordenamento consumerista, a todo o momento o consumidor tem seus direitos ignorados pelas socie-dades empresárias, seja por meio de propagandas enganosas ou abusi-vas, produtos defeituosos, seja pelo fornecimento de serviços não solici-tados, entre outros.

Na prática, verifica-se que, conquanto haja responsabilização do fornecedor, com sentenças muitas vezes favoráveis ao consumidor, a sensação de impunidade permanece para o ofensor. Tudo isso ocorre tendo em vista a falta de sanção capaz de realmente punir o ofensor e não somente reparar o dano sofrido pela vítima.

Diante desse contexto, a sociedade almeja um posicionamento mais rígido do Poder Judiciário, de forma a coibir práticas ilegais prati-cadas, reiteradamente, pelas sociedades empresárias em face do consu-midor.

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Percebe-se, portanto, a necessidade de inserir no ordenamento jurídico brasileiro um meio de conferir ao consumidor uma proteção verdadeira e completa.

O instituto do punitive damages, no português instituto da indeni-zação punitiva, chega importado de países como os Estados Unidos da América, onde, de modo eficaz, soluciona as demandas consumeristas e civis da sociedade local.

Referido instituto visa não apenas reparar o dano sofrido pela víti-ma, como também punir o indivíduo ofensor, por meio de arbitramento de indenizações de alto valor pecuniário, desmotivando a infrator e toda a sociedade de praticar ato ilícito semelhante.

Cumpre, destarte, averiguar sobre a possibilidade de aplicação do punitive damages nas relações consumeristas.

1 OS DIREITOS DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor foi criado para reequilibrar as relações consumeristas, estabelecendo direitos e deferes aos consu-midores e fornecedores. Nesse contexto, o art. 6º do Código de Defesa do Consumidor elenca alguns desses direitos básicos do consumidor, os quais serão elencados a seguir.

1.1 direito à vida, à saúde e à segurança

Dispõe o art. 6º do CDC que é direito básico do consumidor “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.

A proteção à vida, à saúde e à segurança são direitos inalienáveis pertencentes ao princípio máximo da dignidade da pessoa humana. As-sim sendo, os consumidores não podem jamais ser expostos a situações que porventura possam, de alguma forma, atingir sua incolumidade físi-ca. Conforme Filomeno,

têm os consumidores e terceiros não envolvidos em dada relação de con-sumo incontestável direito de não serem expostos a perigos que atinja sua incolumidade física, perigos tais representados por práticas conde-náveis no fornecimento de produtos e serviços. (Filomeno, 2001, p. 123)

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Aos fornecedores, portanto, cabe verificar se os produtos ou ser-viços disponibilizados não atentem contra a saúde e a segurança do consumidor e, caso positivo, fazer a retirada imediata destes produtos do mercado.

1.2 direito à liberdade de escolha e igualdade nas contratações

Segundo o art. 6º, inciso II, o consumidor tem direito “à educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asse-guradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”.

Os direitos descritos neste inciso garantem que o consumidor te-nha à sua disposição, de forma clara e objetiva, todas as informações acerca do produto ou serviço que está disponível no mercado, fazendo com que ele reflita sobre sua real necessidade em concretizar determi-nada relação consumerista, exercendo então sua liberdade de escolha.

Por fim, restará efetivada a igualdade nas contratações, uma vez que não terá existido qualquer diferença entre os consumidores destina-tários do produto ou serviço.

1.3 direito à informação adequada e clara

Aqui, tem-se a bilateralidade, ou seja, da mesma forma que é de-ver do fornecedor prestar todas as informações acerca do produto ou serviço ofertado, é direito do consumidor de receber tais informações.

Para Filomeno (2001, p. 125), trata-se “do dever de informar bem o público consumidor sobre todas as características importantes de pro-dutos e serviços, para que aquele possa adquirir produtos ou contratar serviços, sabendo exatamente o que poderá esperar deles”.

1.4 direito à Proteção contra as Práticas abusivas

Cabe ao Código de Defesa do Consumidor coibir as práticas abusi-vas que assombram o consumidor. Para o doutrinador Filomeno, trata-se

de amparar o consumidor frente aos contratos, e ainda mais particular-mente aos chamados “contratos de adesão”, reproduzidos aos milhões, como no caso das obrigações bancárias, por exemplo, e que podem sur-preender aquele com cláusulas iníquas e abusivas, dando-se então pre-ponderância à questão de informação prévia sobre o conteúdo de tais

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cláusulas, fulminando-se, outrossim, de nulidade, as cláusulas abusivas, elencando o art. 51, dentre outras que possam ocorrer, as mais comuns no mercado de consumo. (Filomeno, 2001, p. 126)

A prática abusiva está diretamente relacionada à posição de supe-rioridade em que se encontra o fornecedor na relação comercial frente ao consumidor, que se aproveita de tal situação para praticar atos con-trários à boa-fé objetiva.

1.5 direito à modificação e revisão do contrato de consumo

Em outros tempos, reinava na esfera jurídica o princípio do pacta sunt servanda, pelo qual o contrato se tornava lei entre as partes, com cláusulas imutáveis, devendo ser cumprido integralmente e independen-te da vontade posterior das partes envolvidas.

Entretanto, após alguns episódios históricos que afetaram direta-mente a economia mundial, como as grandes guerras mundiais, esse princípio foi flexibilizado pelo novo princípio, o rebus sic stantibus.

A partir deste princípio, passou-se a se permitir a alteração parcial ou integral das cláusulas contratuais em caso de situação supervenien-te que torne as prestações excessivamente onerosas e desproporcionais para alguma das partes.

Esta realidade denominada Teoria da Imprevisão se aplica às Re-lações Consumeristas, sendo certo que, após a celebração do contrato, se porventura o consumidor se sentir lesado, poderá se valer das regras presentes no Código de Defesa do Consumidor para solicitar a revisão e possível modificação de cláusulas onerosas e desproporcionais.

1.6 direito à efetiva Prevenção e reParação de danos materiais e morais

No inciso VI do art. 6º do CDC consta o direito do consumidor que visa prevenir e reparar danos de natureza patrimonial, moral, individual, coletivo e difuso.

Observa-se que o CDC faz referência à “efetiva” prevenção e repa-ração do dano, significando que tanto a moral quanto o patrimônio do consumidor devem ser mantidos íntegros, ou seja, o ressarcimento deve

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ser integral, compreendendo, o dano material, o dano emergente e os lucros cessantes, assim como também a indenização pelo dano moral.

Destarte, a indenização dos danos acarretados ao consumidor tem fundamento duplo, o de recompor o estado patrimonial do consumi-dor ou proporcionar-lhe algum conforto compensatório do dano moral e o de desestimular o fornecedor, punindo a conduta nociva por ele adotada.

O direito à prevenção do dano material ou moral garante ao con-sumidor o direito de ir a juízo requerer tutelas de urgência, de requerer as tutelas específicas da obrigação e, ainda, a possibilidade de propor quaisquer ações em defesa de seus interesses, hábeis à prevenção do dano.

1.7 inversão do ônus da Prova

Tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor, nada mais justo que a defesa de seus direitos pudesse ser facilitada também, assim, o Código de Defesa do Consumidor previu a possibilidade de inversão do ônus da prova.

O Código de Processo Civil trata do ônus da prova em seu art. 333, estabelecendo:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extin-tivo do direito do autor. (Brasil, 1973)

Inicialmente, o CPC prevê o que deverá ser provado por cada par-te, todavia, a fim de facilitar a defesa do consumidor, o Código de Direi-to do Consumidor possibilita a inversão deste ônus da prova, deste que presente a verossimilhança ou hipossuficiência do consumidor.

Entende-se por verossimilhança a probabilidade de serem verda-des os fatos narrados. Lado outro, a hipossuficiência é a fraqueza econô-mica ou técnica do consumidor.

É de se frisar que a inversão do ônus da prova não é automática e deve ser requerido pela parte.

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2 RELAÇÃO DE CONSUMO

Newton de Lucca afirma ser a relação jurídica de consumo uma espécie do gênero relação jurídica; contudo, apresenta características próprias que determinam um cuidado especial em relação à sua inter-pretação e alcance. Lucca apresenta o conceito de relação de consumo utilizando-se do recurso da dicotomia, senão vejamos:

[...] relação jurídica de consumo em sentido estrito como aquela que se estabelece entre um fornecedor e o consumidor-padrão de que trata o art. 2º, caput do CDC e relação jurídica em sentido lato como aquela que se estabelece entre um fornecedor e o consumidor por equiparação. (Lucca, 2008, p. 210)

A relação de consumo é o negócio jurídico no qual o vínculo entre as partes se estabelece pela aquisição ou utilização de um produto ou serviço, sendo o consumidor como adquirente na qualidade de destina-tário final e o fornecedor na qualidade de vendedor.

A Relação jurídica de Consumo possui três elementos: subjetivos: fornecedor e consumidor; objetivos: produtos e serviços, objetos da re-lação de consumo; finalístico ou teleológico: traduz a ideia de que o consumidor deve adquirir ou utilizar o produto ou serviço como desti-natário final.

2.1 sujeitos da relação de consumo

O Código de Defesa do Consumidor apresenta uma definição de consumidor no art. 2º e complementação a ela nos arts. 17 e 29.

O art. 2º do CDC define consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como desti-natário final”. Entretanto, o aludido artigo evidencia um conceito extre-mamente amplo, tutelando não apenas a pessoa física, mas também a jurídica e a coletividade de pessoas.

Porém, não é apenas com a amplitude do conceito que se deve ter cuidado. Outro ponto a ser analisado é determinar o “destinatário final” do produto ou serviço e, neste assunto, segundo Erika Cordeiro Lima (2014), “existem três teorias que buscam explicar seu significado. Tais correntes são: finalista pura, maximalista e finalista mitigada”.

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A Teoria Finalista, também chamada de finalista pura, defende que destinatário final é apenas a pessoa física ou jurídica que adquire um produto ou serviço para utilização própria e que não o use com a intenção de desenvolver atividade profissional e angariar lucros. Nesse mesmo sentido, leciona Maria Antonieta Donato:

De acordo com essa interpretação finalista, a aplicação das normas do CDC deve ser restrita àquelas pessoas que adquiram o produto ou serviço para o seu uso próprio e/ou de sua família, sendo estes os componentes da categoria social considerada vulnerável e hipossuficiente que, através dessa lei, pretende-se tutelar. (Donato, 1993, p. 91)

Assim sendo, uma manicure que adquire um esmalte para usá-lo em suas clientes não será considerada consumidora, e, se porventura tiver algum problema com o produto, o seu direito não será amparado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Para Cláudia Lima Marques,

destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpreta-ção teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do pro-fissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida “destinação final” do produto ou do serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição. (Marques, 2009, p. 71)

Em sendo assim, o empresário será considerado consumidor so-mente quando adquirir produtos ou serviços que não tiverem ligação alguma com a sua atividade profissional.

Indo de encontro a esta teoria, existe a Teoria Maximalista, que dá amplitude ao conceito de consumidor, abrangendo também os profis-sionais, não importando como será utilizado produto ou serviço que foi adquirido. Segundo Cláudia Lima Marques,

a definição do art. 2º (CDC) deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser

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aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consi-deram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família. (Marques, 2006, p. 305)

A terceira e última teoria é a teoria mista, que mescla pontos im-portantes das teorias finalista e maximalista. Para os adeptos desta teoria, é considerado consumidor o indivíduo que fica vulnerável frente a uma relação de consumo, seja ele pessoa física ou jurídica e seja o bem ou serviço adquirido para uso pessoal ou profissional.

Entre as três correntes apresentadas, esta é a que mais se adequa ao princípio do CDC de proteger os mais vulneráveis frente aos mais fortes.

Uma extensão do conceito do art. 2º é encontrada no art. 17 da lei em comento, ao dizer que, “para efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

Com este artigo ampliaram a abrangência do CDC, equiparando a consumidor o terceiro, estranho à relação consumerista original, que porventura venha a sofrer algum dano em decorrência de tal relação.

A fim de ilustrar tal situação, Nehemias Domingos de Melo (2004) cita um exemplo utilizado por Jaime Marins, “ao relatar o caso de um comerciante de defensivos agrícolas que se vê seriamente intoxicado pelo simples ato de estocagem em decorrência de defeito no acondicio-namento do produto (defeito de produção)”. Nessa situação, ainda que o comerciante não seja o consumidor, poderá valer da proteção fornecida pelo CDC.

Já o art. 29 do CDC confere ao conceito de consumidor uma abrangência ainda maior, protegendo qualquer pessoa que está expos-ta à prática comercial, mesmo que não seja possível individualizá-los.

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Aduz o art. 29: “Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas” (Brasil, 1990).

Para Cintra, (2013, p. 6), “não é necessário que haja a compra do produto, que o consumidor seja de fato convencido. Basta que seja ex-posto à oferta do produto ou do serviço”. Um exemplo é a propaganda enganosa. Não é possível medir o alcance dela, mas ainda assim é pos-sível impedir que ela seja transmitida.

Do outro lado da relação consumerista está o fornecedor, que é conceituado pelo Código de Defesa do Consumidor em seu art. 3º, in verbis:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou priva-da, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Enquadra-se, portanto, como fornecedor toda pessoa, física ou ju-rídica, que de forma habitual e onerosa disponibiliza no mercado pro-dutos ou serviços. Destaca-se que para ser considerado fornecedor é imprescindível atender aos requisitos de habitualidade e onerosidade.

Assim sendo, os bens e serviços devem ser disponibilizados no comércio habitualmente e mediante remuneração. Embasado neste con-ceito, não são consideradas fornecedoras as pessoas que oferecem servi-ços gratuitamente, ainda que sejam feitos rotineiramente.

Lado outro, serão considerados fornecedores aqueles que disponi-bilizam serviços aparentemente gratuitos, mas, ao se analisar de maneira mais detalhada, é possível perceber que tal serviço lhes trouxe lucros. Um exemplo muito utilizado doutrinariamente para ilustrar essa situa-ção é o estacionamento gratuito oferecido aos clientes de um shopping ou supermercado.

2.2 objetos da relação de consumo

Uma vez identificados os integrantes da relação de consumo, é importante identificar e conceituar o objeto desta relação, ou seja, o produto ou o serviço que o consumidor está adquirindo.

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2.2.1 Conceito de produto

Em seu art. 3º, § 1º, o CDC define produto como sendo “qual-quer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Para Antonio Carlos Fontes Cintra,

produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial. Des-se modo, tanto os corpóreos, que podem ser tocados e assumem forma material, como os incorpóreos, decorrentes da criação humana e que não possuem existência material, podem ser objeto de uma relação de consumo. (Cintra, 2013, p. 8)

Este conceito abrange todo e qualquer tipo de bem, móvel ou imó-vel, material ou imaterial, durável ou não durável, seja ele novo ou usado colocado à disposição no mercado de consumo. Para melhor elucidar o conceito de produto, é importante esmiuçar cada uma dessas espécies.

Importa esclarecer que o conceito de bem móvel ou imóvel para o Direito do Consumidor é o mesmo utilizado pelo Direito Civil, nos arts. 79 e seguintes.

Destarte, são considerados bens imóveis aqueles que não podem ser transportados sem que ocorra sua destruição ou qualquer modifica-ção de sua integridade, uma casa, por exemplo. Contrariamente, os bens móveis são aqueles que podem ser transportados de um ponto a outro por força própria ou de outrem, permanecendo íntegros, como é o caso de um automóvel.

O bem material é aquele objeto palpável e que ocupa algum lu-gar no espaço, como, por exemplo, uma mesa ou um sofá. Em contra partida, o bem produto imaterial é aquele que não pode ser sentido fisi-camente.

Por último, ainda que nenhum bem tenha durabilidade eterna, pode-se classificá-los como durável ou não durável levando em consi-deração seu tempo médio de utilização.

Os bens duráveis são aqueles que foram feitos para serem usados diversas vezes e terem uma longa durabilidade, lembrando que tais pro-dutos têm uma durabilidade maior, mas com o passar do tempo também sofrerão avarias naturais decorrentes do uso e de forma alguma podem ser confundidas com vícios.

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Em sentido oposto, os bens não duráveis são aqueles que se esgo-tam de imediato, durante seu uso, como os alimentos, ou em um curto espaço de tempo, como o sabonete.

Ressalta-se, por fim, que o fornecedor é responsável por todo e qualquer produto que disponibiliza no mercado, independente de ser a título gratuito ou oneroso.

2.2.2 Conceito de serviço

Serviço é definido pelo art. 3º, § 2º, do CDC como “qualquer ativi-dade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclu-sive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 resPonsabilidade civil

A origem da responsabilidade civil é proveniente da vida prática. Há indícios de que civilizações anteriores à mediterrânea já revelavam preocupação com a questão da responsabilidade. Geralmente, a pena imposta era a mesma do prejuízo causado ao terceiro, era aplicada a “lei de talião”, lei que imperava no Velho Testamento, do “olho por olho”, “dente por dente”, “mão por mão”, “pé por pé”. Era um sistema baseado na vingança privada.

Com a Lei das XII Tábuas, a intervenção do Poder Público tinha o fim de disciplinar a vingança privada. A vítima, ao invés de submeter o agente a sofrimento igual ao causado, era ressarcido com dinheiro ou com bens a título de poena (castigo). Nesta época, não havia a noção de culpa, portanto, a responsabilidade era objetiva.

Na Lex Aquilia, introduzida no Direito romano, a noção de culpa passa a ser indispensável para a reparação do dano. A outra novidade foi que ao invés de multas fixas criou-se a ideia de quantum proporcional ao prejuízo causado. A ideia do Direito romano perpetuou o conceito de responsabilidade civil até a Idade Média e o Direito Moderno.

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Os Códigos Modernos buscaram inspiração no Código Napoleô-nico de 1804, assim como o Código Civil brasileiro de 1916, baseando a responsabilidade na teoria da culpa.

A responsabilidade é de fato uma obrigação que ocorre por um dever contratual ou extracontratual, assim como por uma violação de norma que vincula o agente a uma reparação pelo prejuízo causado.

A partir da Lex Aquilia é que se fez necessária a culpa para carac-terizar a responsabilidade.

Atualmente, a responsabilidade civil pode advir tanto de atos lí-citos quanto dos lícitos que importam riscos. A regra geral prevista no Código Civil é a responsabilidade subjetiva, aquela que depende da comprovação da culpa do agente.

Para caracterizar a responsabilidade subjetiva, são imprescindíveis alguns elementos: a conduta antijurídica, o dano, o nexo de causalidade e a culpa ou dolo.

A conduta humana antijurídica ou conduta ilícita ocorre quando há ofensa a um princípio geral de Direito neminem laedere – ninguém pode lesar ninguém, ou seja, há necessidade de ato realizado pelo pró-prio agente contrário ao Direito.

A culpa está presente na conduta antijurídica. A culpa lato sensu (dolo e culpa) é o elemento essencial e caracterizador da responsabili-dade subjetiva, sendo dividida em lato sensu e stricto sensu. A culpa lato sensu representa o dolo e a culpa stricto sensu. O dolo seria a intenção de provocar o dano, enquanto que a culpa no sentido stricto seria a não intenção de causar dano, mas que ocorre em razão de imperícia, negli-gência ou imprudência.

O dano é a lesão a um bem jurídico ou o prejuízo sofrido pela vítima que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial.

O nexo de causualidade, por sua vez, é a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado ou a ligação entre a conduta do agente e o dano.

Assim, todo ato, fato ou negócio proveniente de pessoa natural ou jurídica, seja ele intencional ou não, que venha a causar dano a outrem, gera responsabilidade, ou seja, surge o dever de indenizar. O instituto da

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responsabilidade visa, portanto, restabelecer um equilíbrio patrimonial e moral.

Pode-se, então, conceituar responsabilidade civil como sendo a obrigação de reparar os danos morais ou patrimoniais provenientes de ação ou omissão do agente ofensor. É uma forma de compensar o ato sofrido pelo ofendido.

O CDC adotou como regra geral a responsabilidade objetiva, aquela que independe de prova de culpa do agente. São elementos es-senciais da responsabilidade objetiva: (a) atividade de risco; (b) nexo causal; (c) dano.

A teoria que fundamenta a responsabilidade objetiva do CDC é a Teoria do Risco da Atividade.

3.2 a teoria do risco e a resPonsabilidade objetiva

Conforme já exposto, após a Revolução Industrial, a sociedade se viu na necessidade de produzir os produtos em grande escala para atender à crescente demanda. Passou-se então a priorizar unicamen-te a quantidade produzida em detrimento da qualidade. Como conse-quência, uma enxurrada de reclamações surgiu no mercado e prejuízos e danos ao consumidor começaram a ser relatados.

A fim de possibilitar que esse indivíduo lesado volte ao status quo ante, uma das incumbências do Código de Defesa do Consumidor é conceder supremacia jurídica ao consumidor, de forma que, ao ser constatado que a relação de consumo lhe gerou danos, competirá ao responsável repará-lo.

Diferentemente do que ocorre no Direito Civil, em que a prova é indispensável para se verificar a responsabilidade do agente, o Direito Consumerista adota como regra a responsabilidade objetiva, pela qual basta a existência do nexo causal para que surja o dever de recompor o consumidor dos prejuízos eventualmente sofridos.

Tal responsabilidade, portanto, independe de comprovação de dolo ou culpa do fornecedor do produto ou serviço para que este tenha o dever de indenizar o consumidor. Basta apenas que o consumidor demonstre a existência do nexo causal entre o dano por ele sofrido e o vício ou defeito no produto ou serviço.

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Nas palavras de Fabrício Bolzan (2013, p. 424), responsabilidade objetiva é “aquela que independe da comprovação de dolo ou de culpa, como a modalidade perfeita e adequada para integrar um Código cuja principiologia está totalmente voltada para a proteção do mais fraco”.

Servindo de embasamento para essa responsabilidade objetiva, surge a teoria do risco, pela qual, segundo ensinamentos de Fabrício Bolzan (2013, p. 424), todo aquele que exerce alguma atividade que ofereça risco de dano a terceiros assume o dever de repará-lo, ainda que não tenha contribuído para a ocorrência do dano. Ou seja, quem disponibiliza produtos e serviços no mercado cria um risco de dano ao consumidor e, por conseguinte, um dever de repará-lo independente de comprovação de culpa no evento danoso.

3.3 vício e defeito dos Produtos ou serviços

A fim de compreender melhor o tema, é imprescindível entender a diferença entre vício e defeito. O art. 18 do CDC aborda o vício de qualidade ou quantidade nos seguintes termos:

Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis res-pondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da dispa-ridade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, ro-tulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Segundo o doutrinador Netto Lôbo (1996, p. 52), “vício, pois, é todo aquele que impede ou reduz a realização da função ou do fim a que se destinam o produto ou o serviço, afetando a utilidade que o con-sumidor deles espera”.

Tem-se, então, o vício no produto quando as características refe-rentes à sua qualidade e indicativos de quantidade não são respeitados, tornando-o impróprio para o consumo ou diminuindo o seu valor, de modo que não comprometa a segurança do consumidor. Um exemplo clássico na doutrina é quando o consumidor adquire uma televisão e ao chegar a sua casa esta não funciona, tendo-se neste caso um produto com vício.

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De outra forma, o defeito está conceituado no § 1º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 12 [...].

§ 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – sua apresentação;

II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi colocado em circulação. (Brasil, 1990)

O produto defeituoso é aquele que, em virtude do vício apresen-tado, venha a colocar em risco a segurança ou a saúde do consumidor. Um exemplo é quando o consumidor adquire um carro em uma conces-sionária e os freios deste simplesmente não funcionam fazendo com que ele sofra um acidente.

3.4 modalidades de resPonsabilidade civil do fornecedor Previstas no cdc

O simples ato de disponibilizar um produto ou serviço no merca-do gera um dever de indenizar o consumidor caso este venha a ter algum tipo de prejuízo. De acordo com Fabrício Bolzan (2013, p. 432), a fim de possibilitar essa responsabilização, o legislador criou a responsabilidade pelo fato e pelo vício do produto ou serviço.

A responsabilidade pelo fato do produto e do serviço faz referên-cia a um produto ou serviço defeituoso que foi disponibilizado no mer-cado, o objeto jurídico tutelado é a segurança física e psicológica do consumidor.

Em contrapartida, a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço visa tutelar a incolumidade econômica do consumidor, uma vez que o produto não se destina ao fim proposto, como, por exemplo, um aparelho de televisão que não liga.

Vale ressaltar que uma responsabilidade não é afastada em detri-mento da outra; o máximo que ocorre é um objeto tutelado predominar em relação ao outro, mas ambos são afetados simultaneamente.

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3.4.1 Responsabilidade civil por fato do produto

Ao adquirir um produto, o mínimo que o consumidor espera é que ele atenda às suas expectativas relacionadas principalmente à qua-lidade e segurança. Visando proteger essa expectativa frente ao produto adquirido, o CDC, regulado pelo princípio da confiança, decorrente do princípio da boa-fé objetiva, estabelece a obrigação de o fornecedor dis-ponibilizar o produto atendendo aos mínimos requisitos de segurança.

Ao elaborar o CDC, o legislador concedeu atenção especial a essa responsabilidade, por se tratar de um produto defeituoso disponibilizado no mercado e que coloca em risco a integridade física e moral do con-sumidor. Nas palavras de Fabrício Bolzan, in verbis:

No tocante à responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, as aten-ções estão centradas basicamente na incolumidade física e psicológica do consumidor. Tal assertiva busca amparo no fato de que a expressão “fato do produto ou do serviço” refere-se a acidente de consumo decor-rente de um produto ou de um serviço defeituosos. (2013, p. 433)

O art. 12 do CDC versa que:

O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o im-portador respondem, independentemente da existência de culpa, pela re-paração dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. (Brasil, 1990)

Conforme Fabrício Bolzan (2013, p. 436), o legislador individua-lizou e especificou os fornecedores, respondendo, de início, aos danos que deu causa, ou seja, o fabricante responderá pelo que fabricou, o produtor pelo que produziu, o construtor pelo que construiu e o impor-tador pelo que importou. Entretanto, essa individualização não impede que todos respondam solidariamente pelo dano causado ao consumidor.

Como é possível perceber, o empresário não está elencado entre os responsáveis do artigo supracitado, e há na doutrina grande divergên-cia quanto a sua responsabilidade perante os acidentes de consumo, se seria esta subsidiária ou solidária.

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Segundo Fabrício Bolzan (2013, p. 443), a corrente majoritária preceitua que a responsabilidade do comerciante é subsidiária tendo em vista simplesmente não estar o comerciante elencado nos obrigados principais do art. 12 do CDC, bem como estar explícito no art. 13 da referida norma, as hipóteses de responsabilização do comerciante, quais sejam: quando os obrigados principais não forem ou não puderem ser identificados e quando não armazenar de forma apropriada os produtos perecíveis.

Zelmo Denari, citado por Fabrício Bolzan (2013, p. 443), aduz que “a responsabilidade do comerciante nos acidentes de consumo é meramente subsidiária, pois os obrigados principais são aqueles elenca-dos no art. 12”.

Entretanto, como nada no ramo jurídico é absoluto, a regra de responsabilidade objetiva adotada pelo Código de Defesa do Consumi-dor também comporta hipóteses de excludentes de responsabilidade dos obrigados principais.

Neste contexto, prevê o § 3º do art. 12 do CDC que esses não serão responsabilizados quando provarem que eles não são os respon-sáveis por disponibilizar o produto no mercado, ou, caso o tenha feito, que o defeito inexista ou ainda a culpa pelo vício ou defeito é exclusiva-mente do consumidor ou de terceiro.

3.4.2 Responsabilidade civil por fato do serviço

Prevista pelo art. 14 do CDC, a responsabilidade civil pelo fato do serviço visa proteger a integridade física do consumidor frente a um serviço defeituoso

Conforme Zelmo Denari, citado por Fabrício Bolzan, vale ressaltar que,

além dos defeitos intrínsecos, o dispositivo responsabiliza os prestadores de serviços pelos defeitos extrínsecos quando os respectivos contratos de prestação de serviços ou os meios publicitários não prestam informações claras e precisas a respeito da fruição. (apud Bolzan, 2013, p. 461)

O CDC identificou algumas situações relevantes em que é possível definir um serviço como sendo defeituoso; são elas: o modo do seu for-

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necimento, o resultado e os riscos que são de certa forma esperados e o momento em que ele foi fornecido.

Da mesma forma, como ocorre na responsabilidade pelo fato do produto, o fornecedor apenas não será responsabilizado se comprovar que o defeito é inexistente ou foi ocasionado unicamente por culpa do consumidor ou de terceiro. Cumpre frisar que a culpa consciente não exime o fornecedor de culpa, apenas a atenua. Assim sendo, concorren-do com culpa, por exemplo, o pedestre que foi atropelado por um trem em uma linha férrea por saber dos riscos de sua conduta, e a empresa que explora o serviço de tal linha por ser responsável por impedir o trá-fego de transeuntes.

3.4.3 Responsabilidade civil por vício do produto

O vício do produto está conceituado no art. 18 do Diploma Con-sumerista e diferentemente do art. 12 do CDC, em que o legislador in-dividualizou cada um dos fornecedores responsáveis. Ao analisar o alu-dido artigo é possível constatar a existência de dois tipos de vício do produto: o vício de qualidade e o vício de quantidade.

Conforme já dito, o fornecedor tem o dever de garantir que todos os produtos disponibilizados no mercado para o consumidor sejam se-guros e de qualidade, adequados ao consumo destinado. Quando esses produtos, por qualquer motivo que seja, tornam-se impróprios para o consumo, ou estão em desacordo com as informações da embalagem ou da mensagem publicitária, tem-se o vício de qualidade.

O art. 18 do CDC, em seu § 6º, define quais produtos que serão considerados impróprios:

São impróprios ao uso e consumo:

I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsifica-dos, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos, ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabrica-ção, distribuição ou apresentação;

III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

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Como salientado por Fabrício Bolzan (2013, p. 481), o CDC não proíbe que produtos com pequenas avarias sejam comercializados, des-de que, pelo princípio da boa-fé, o consumidor tenha conhecimento da real condição do produto.

Cumpre ressaltar que o caput do art. 18 do CDC, ao dispor acerca dos vícios de produto decorrentes da diferença entre as indicações na embalagem ou rótulo do produto, ressalva que as alterações decorrentes da própria natureza do produto não caracterizam violação às normas consumeristas.

Fabrício Bolzan (2013, p. 482) exemplifica essa situação utilizan-do a tinta de parede, que “a depender do tipo de material utilizado na construção da parede que receberá o produto, a cor ficará mais clara ou mais escura, e isso é uma variação decorrente da sua natureza, não configurando vício”.

Depois de constatado o vício de qualidade, o fornecedor terá o prazo legal de 30 dias para sanar o problema, conforme estabelecido no § 1º do artigo acima referido. Transcorrido esse prazo e não sendo sanado o vício, o consumidor poderá escolher ter o produto substituído por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso, a restituição do valor pago ou ainda o abatimento proporcional do preço por ter con-sertado o produto por conta própria.

Em contrapartida, os vícios de quantidade são referentes a incon-formidades nos limites quantitativos dos produtos.

O CDC trata do referido tema em seu art. 19:

Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantida-de do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária [...]. (grifei)

Fabrício Bolzan (2013, p. 495) salienta que, “apesar de a Lei rela-cionar o vício de quantidade ao conteúdo líquido, a inadequação se fará presente ante a existência de disparidade em relação a qualquer unidade de medida”. Ou seja, a irregularidade existirá se forem encontradas di-vergências em qualquer unidade de medida.

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Assim como ocorre no vício de qualidade, as alterações decor-rentes da própria natureza do produto não são consideradas vício de quantidade.

Ao se constatar o vício de quantidade do produto, o consumidor poderá escolher ter o abatimento proporcional do preço, a complemen-tação do peso ou da medida do produto, a substituição do produto por outro da mesma espécie sem o referido vício ou, ainda, a restituição do valor pago pelo produto devidamente corrigido monetariamente.

Em regra, todos os fornecedores existentes na cadeia de produ-ção respondem solidariamente e o comerciante não poderá se escusar de culpa, alegando responsabilidade do fabricante. Entretanto, essa res-ponsabilidade solidaria será afastada quando a pesagem ou medição do produto for feita no momento da venda e, por má-fé ou descuido do for-necedor, o equipamento utilizado para realizar esta pesagem não estiver regulado de acordo com as normas técnicas.

3.4.4 Responsabilidade civil por vício do serviço

Abarcado pelo art. 20 do CDC, tem-se o vício do serviço a partir do momento em que estes se “tornem impróprios para o consumo, que lhe diminua o valor, ou que estejam em desacordo com as informações da embalagem ou da mensagem publicitária”.

Segundo o § 2º do art. 20, são considerados serviços impróprios aqueles que “se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regu-lamentares de prestabilidade”.

Ao constatar o vício, o consumidor poderá optar em ter o serviço novamente executado sem custo adicional, ter restituído o valor pago atualizado monetariamente ou ter o preço abatido proporcionalmente no caso de decidir reparar o problema por conta própria.

Na primeira alternativa, qual seja ter o serviço novamente execu-tado pelo mesmo fornecedor, como o consumidor acaba ficando des-crente dos serviços prestados, é possível que o serviço seja executado por uma terceira pessoa da confiança do consumidor e custeada pelo fornecedor que deu origem ao vício.

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4 GARANTIAS

Ao adquirir um produto ou contratar um serviço, o consumidor espera que este atenda suas expectativas em relação à qualidade, efi-ciência e segurança. Entretanto, em alguns casos, o produto ou serviço adquirido pode não corresponder a essas expectativas e apresentar al-gumas avarias.

Visando garantir que o consumidor não tenha que arcar com o custo de um reparo ou eventual troca, estão previstas no Código de De-fesa do Consumidor duas modalidades de garantias, a garantia legal e a contratual, ambas com características bem distintas entre si.

A garantia legal é aquela obrigatória a todos os produtos e serviços disponíveis no mercado de consumo, sejam eles novos ou usados. É uma obrigação jurídica que não depende de termo expresso.

A referida garantia está prevista no art. 24 do CDC, que prevê, in verbis: “A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor”.

Nos termos do artigo supratranscrito, a garantia legal não poderá jamais ser afastada, nem mesmo por convenção entre as partes envolvi-das na relação de consumo.

Lado outro, a garantia contratual, disciplinada no art. 50 do CDC1 é aquela garantia conferida por liberalidade dos fornecedores em rela-ção a seus produtos e serviços, algo além da garantia legal, ou seja, não a exclui, apenas a complementa.

Resta claro, portanto, que a garantia contratual não é obrigató-ria, cabendo ao fornecedor decidir se irá ou não concedê-la. Entretanto, caso decida por fazê-lo, este deverá ser por termo expresso e suprir todas as exigências elencadas no artigo anteriormente descrito, além de, por óbvio, ser cumprida fielmente.

1 “Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.”

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Há uma grande divergência doutrinária quanto ao início da conta-gem do prazo da garantia contratual. É questionado se o prazo da garan-tia legal já está incluso no lapso temporal da garantia contratual, ou se o prazo da garantia legal será somado ao da garantia contratual.

Na primeira hipótese, a garantia legal já estaria inclusa no lapso temporal da garantia contratual. Fabrício Bolzan (2013, p. 548) exempli-fica essa tese com a garantia contratual de um ano concedida ao consu-midor que adquire um aparelho de televisão, neste caso, a garantia legal de 90 dias esta inclusa no período total da garantia.

Já na segunda hipótese, os prazos referentes às duas garantias são somados, ou seja, soma-se aos 90 dias da garantia legal concedida pelo Código de Defesa do Consumidor a garantia concedida pelo fornecedor. Utilizando o mesmo exemplo do aparelho de televisão mencionado, o prazo total da garantia será de um ano e noventa dias.

Doutrinariamente, é aceita de maneira majoritária a segunda hipó-tese, ou seja, a garantia legal é complementada pela garantia contratual, sendo, portanto, somadas e não excluídas. Corrobora com essa assertiva o autor Cavalieri Filho ao afirmar:

Ora, como a garantia legal é independente da manifestação do fornece-dor e a garantia contratual, de sua livre disposição, é complementar, tem se entendido que o prazo da primeira (garantia legal) começa a correr após esgotado o prazo da segunda (garantia contratual). Complementar é aquilo que complementa; indica algo que se soma, que aumenta o tempo da garantia legal. De acordo com esse entendimento, o prazo da garantia convencional começa a correr a partir da entrega do produto ou da prestação do serviço, enquanto o prazo da garantia legal (30 ou 90 dias) tem por termo inicial o dia seguinte do último dia da garantia convencional. [...] Corrobora esse entendimento o Código Civil de 2002, que, ao tratar dos vícios redibitórios, que guardam certa semelhança com os vícios do produto ou do serviço do CDC, dispõe no seu art. 446 que os prazos de decadência previstos no art. 445 “não correrão na constância de cláusula de garantia: mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos 30 (trinta) dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência”. Em outras palavras, havendo garantia convencional, o prazo prescricional para o exercício da redibição só começa a correr a partir do fim da garantia. (Cavalieri Filho, 2008, p. 163-164)

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Da mesma forma tem sido o posicionamento do STJ:

O prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) não corre durante o período de garantia contratual, em cujo curso o veículo foi, desde o primeiro mês da compra, reiteradamente apresentado à concessionária com defeitos. (STJ, REsp 547.794/PR, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., DJe 22.02.2011).

De fato, a interpretação mais favorável ao consumidor é aquela que entende que as garantias legais e contratuais se complementam, isto é, cujos prazos são somados.

5 PUNITIVE DAMAGES X DANO MORAL

Os primeiros registros acerca do dano moral podem ser encontra-dos no Código de Hamurabi, que foi criado em meados do século XVIII a.C. pelo Rei Hamurabi, na Mesopotâmia, e é a primeira legislação es-crita de que se tem registro.

De acordo com Rodrigo Oliveira (2012, p. 9), embora o referido Código fosse baseado na lei de Talião, “olho por olho e dente por den-te”, predominando a vingança, nele estavam descritas algumas situações em que seria possível reparar financeiramente o dano moral, como pode verificar nos §§ 209, 211 e 212.

§ 209. Se um awilum ferir o filho de um outro awilum e, em consequên-cia disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-à dez ciclos de prata pelo aborto.

§ 211. Se pela agressão fez a filha de um Muskenun expelir o (fruto) de seu seio: pesará cinco ciclos de prata.

§ 212. Se essa mulher morrer, ele pesará meia mina de prata.

(Oliveira, 2012, p. 10)

Em sendo assim, o Código de Hamurabi tinha como objetivo re-parar todos os danos sofridos, aplicando ao agente as leis de Talião ou condenando-o a pagar valores em prata para sua vítima.

No Direito brasileiro muito se questiona acerca da possibilidade de se indenizar pecuniariamente um dano que não seja material, ao argumento de não ser possível mensurar o dano causado por determina-

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da ação na vida do indivíduo. Contudo, tal situação foi sepultada pela Constituição da República de 1988, que, em seu art. 5º, V, trouxe ex-pressamente o dever de reparação de um dano moral.

5.1 definições de dano moral

O art. 186 do Código Civil brasileiro de 2002 dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Dano moral pode ser entendido como toda lesão, no âmbito ín-timo, psíquico, causada a uma pessoa, direta ou indiretamente. Para o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, dano moral é aquele

que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É le-são de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos arts. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesa-do dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (Gonçalves, 2008, p. 359)

Cristiano Farias e Nelson Rosenvald, ao tratarem do assunto, pre-lecionam que

todo dano moral é decorrência de violação a direitos da personalidade, caracterizado o prejuízo pelo simples atentado aos interesses jurídicos personalíssimos, independente da dor e sofrimento causados ao titular que servirão para fins de fixação do quantum indenizatório. (Rosenvald, 2007, p. 161)

Desta maneira, o dano é moral quando vem a atingir a esfera ín-tima do indivíduo, abalando, por exemplo, sua honra, imagem e intimi-dade.

5.2 funções da resPonsabilidade civil Por dano moral

A responsabilidade civil sempre foi vista como meio de restaurar o equilíbrio moral ou patrimonial que porventura tenha sido violado, ou seja, cumpre a ela reparar o dano sofrido pela vítima, punir o indivíduo ofensor, desmotivando socialmente a conduta lesiva.

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Na função reparatória, o instituto da responsabilidade civil visa proteger o indivíduo que, por meio do ato de outrem, tenha sofrido al-gum dano. A preocupação é exclusiva com a vítima, de forma que a indenização é fixada com base apenas no dano, pouco importando a figura do ofensor. Para o ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri,

o anseio de obrigar o agente, causador do dano, a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no status quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. (Cavalieri Filho, 2008, p. 13)

Assim sendo, o objetivo principal da responsabilidade civil é o de compensar a vítima pelo dano sofrido, seja repondo o bem perdido, quando possível, ou pagando um valor pecuniário a título de indeni-zação.

Lado outro, além de reparar o dano sofrido pela vítima, é de suma importância destinar uma atenção para o ofensor, a fim de desestimular o exercício de novos atos semelhantes, desta forma, a responsabilida-de civil assume também uma posição punitiva frente ao ofensor. Neste caso, a indenização, ao ser fixada, assume um caráter punitivo, também conhecido doutrinariamente como punitive damages.

Conforme Oliveira (2012, p. 53), importante destacar que o obje-tivo principal é deixar claro não apenas para o ofensor, mas para toda a sociedade que a atitude praticada é repudiada pelo Judiciário e não será tolerada. E não se pode, entretanto, confundir o desestímulo com vingança, uma vez que esta não visa à educação do ofensor, mas tão somente retribuir o mal sofrido.

E continua: “O desestimulo é o fim almejado; a punição é o meio utilizado. Pune-se o ofensor para desestimulá-lo da prática infracional” (Oliveira, 2012, p. 54).

O Superior Tribunal de Justiça vem corroborando com o entendi-mento de que, além do caráter reparatório, o dano moral deve assumir também uma função desestimuladora:

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Responsabilidade civil. Dano moral. Indenização. O dano moral deve ser indenizado mediante a consideração das condições pessoais do ofendi-do e do ofensor, da intensidade do dolo ou grau de culpa e da gravidade dos efeitos, a fim de que o resultado não seja insignificante, a estimular a prática do ato ilícito, nem o enriquecimento indevido da vítima. (STJ, REsp 207.926, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª T., J. 01.06.1999, DJ 08.03.2000)

Por conseguinte, ao se atribuir ao dano moral o caráter punitivo e consequentemente forçar o ofensor a pagar um valor considerável a título de indenização, este irá repensar suas atitudes, procurando não cometer o mesmo ato futuramente.

5.3 a teoria do Punitive damages

Traduzido tecnicamente para o português como a doutrina da in-denização punitiva, o instituto do punitive damages oscila entre o Di-reito Penal, uma vez que tem o condão de reprimir o praticante do ato danoso, e o Direito Civil, com o objetivo de compensar o dano sofrido. Assim sendo, a indenização percebida pela vítima do dano deve não apenas reparar o dano sofrido, mas também e principalmente punir o agente causador do referido dano, para que este fique desestimulado a praticar tal ato novamente. Oliveira afirma que:

[...] os punitives damages consistem no montante a ser conferido ao au-tor de uma ação indenizatória, valor esse distinto ao da compensação do dano gerado, ou seja, distinguindo-se dos compensatory damages, especialmente quando o dano é decorrente de um comportamento lesivo marcado por grave negligência, malícia ou opressão. (Oliveira, 2012, p. 31)

E prossegue esclarecendo que,

ao se condenar o ofensor, o ordenamento jurídico vislumbra não apenas o ressarcimento da vítima, ou seja, a compensação em pecúnia a fim de restabelecer o status quo ante pelo dano experimentado, mas também proporcionar uma penalização ao ofensor para reprimi-lo (prevenção es-pecífica) e desestimular futuras condutas semelhantes (prevenção geral). (Oliveira, 2012, p. 32)

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Além do caráter punitivo, o instituto do punitive damages apresen-ta outras duas funções secundárias, quais sejam: a preventiva e a retribu-tiva. Por meio da punição real e efetiva do agente, a função preventiva tem a finalidade de desencorajar novas práticas danosas. Lado outro, a função retributiva tem o condão de mostrar para a sociedade e a vítima que o dano foi reparado satisfatoriamente.

Embora nos tempos remotos da civilização, como no Código de Hamurabi, já se abordasse o instituto do punitive damages, segundo Lucas Käfer (2012), o instituto se consagrou no século XIII, na Inglaterra, a partir no Estatuto de Gloucestes, em 1278, ao qual previa pagamento de indenização a proprietários que tinham seus imóveis danificados.

O referido instituto tem difusão nos países que adotam a jurispru-dência como base para a aplicação do Direito, o sistema Common Law, que é marcado por uma menor relevância da legislação escrita, dado que o julgador usará também como base decisões proferidas anterior-mente em casos semelhantes, além de sua experiência e razão, de forma a adequar o direito ao caso concreto.

Embora seja de origem inglesa, foi nos Estados Unidos da América que o punitive damages ganhou grandes proporções e é aplicado em 45 dos seus 50 estados, tendo em alguns previsão legal. Cassio de Almeida traz alguns julgados americanos que demonstram como ocorre a aplica-bilidade da punitive damages:

1 – Nosso primeiro caso emblemático de uma indenização punitiva ocor-reu na década de 80, nos Estados Unidos da América, notável pela vul-tosa soma em dinheiro a título de indenização: 7,53 bilhões de dólares. Trata-se de um caso em que a Pennzoil negociava com os principais acionistas da Getty Oil sobre um Memorando de Entendimentos regu-lador de um conjunto de ações em que a Pennzoil e o Sarah C. Getty Trust passariam a ser os únicos acionistas da Getty Oil, em que a Penn-zoil pagaria $ 110,00 (cento e dez dólares) por ação. Logo que soube, a Texaco, principal concorrente da Pennzoil, iniciou uma negociação com os acionistas da Getty Oil um plano de compra da Getty, acordando um valor de $ 128,00 (cento e vinte e oito dólares) por ação. Logo após a publicidade dos fatos, a Pennzoil entrou com uma ação em desfavor da Texaco, baseando-se na responsabilização pela indução à quebra de contrato (tort of inducing into breach of contract). A ação foi provida e a

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Pennzoil ganhou uma indenização bilionária pelos danos sofridos com a interferência ilícita da Texaco em negociações alheias.

2 – Em 1981 ocorreu um acidente no qual um veículo de fabricação da montadora Ford explodiu, causando a morte dos três ocupantes da condução. Posteriormente, constatou-se que a explosão ocorreu devido à localização do tanque/reservatório do carburador, o qual se encontrava na parte traseira do automóvel. Comprovou-se, também, que a referida mudança na localização do tanque/reservatório do carburador permitia à empresa uma economia de $ 15,00 (quinze dólares) por veículo.

No caso sub judice o júri não poupou a empresa, considerando o com-portamento descrito acima altamente reprovável, pois pela economia de meros $ 15,00 (quinze dólares) por veículo, o tanque foi colocado num lugar impróprio e arriscado em caso de uma colisão. Assim, em caso de acidente, a Ford ganharia mais indenizando a vítima do que colocando o tanque no lugar correto, uma solução que leva em conta somente a re-lação custo/benefício. O júri aplicou uma alta soma em dinheiro a título de punitive damages.

3 – A empresa Browning-Ferris Industries of Vermont Inc., temendo a concorrência de outra sociedade, a Kelco, fez o possível para excluí-la do mercado de consumo. Diante de tal comportamento, a Kelco ingres-sou em juízo. O Tribunal norte-americano acatou o pedido de respon-sabilização civil pela conduta desleal da empresa concorrente, uma vez que corresponderia a um ilícito, posto que a Browning-Ferris atuara so-mente com o objetivo de tirar a competidora do mercado. No caso foi concedida uma indenização de $ 6.000.000,00 (seis milhões de dólares) a Kelco referentes aos punitive damages. (Almeida, 2010)

Destarte, ainda que tenha uma maior proporção no Direito norte--americano, a Suprema Corte limitou os casos em que a indenização punitiva pode ser aplicada, havendo óbice, por exemplo, ser aplicado em casos de responsabilidade objetiva e contratual.

5.3.1 A Função punitiva do dano moral no Brasil

Como demonstrado anteriormente, o “damages” se originou e se mantém com grande força nos países pertencentes ao sistema Common Law.

Contrariamente, o Brasil pertence à família Romano-Germânica, ou seja, ao sistema Civil Law, aquele em que há predominância da legis-

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lação escrita e a lei é considerada fonte preponderante do Direito. Nesse sistema, os precedentes têm caráter apenas exemplificativo e persuasivo, não sendo obrigatório para novos julgados.

A legislação brasileira não traz em seu bojo previsão expressa acerca da aplicação da indenização punitiva, circunstância que causa grande divergência doutrinária e jurisprudencial.

A doutrina majoritária defende que, a partir do momento em que o ato ilícito se torna recorrente pelo fato de o ofensor entender ser mais benéfico o pagamento de indenizações, uma punição mais severa deve ser aplicada a este, de forma a desestimulá-lo quanto à prática de tal ato.

Para os adeptos deste entendimento, a aplicação da indenização punitiva se baseia na proteção ao princípio da dignidade da pessoa hu-mana, que é um dos principais princípios norteadores do Direito. Corro-bora com essa assertiva o doutrinador Carlos Alberto Bittar:

Adotada a reparação pecuniária – que, aliás, é a regra na prática, diante dos antecedentes expostos –, vem-se cristalizando orientação na jurispru-dência nacional que, já de longo tempo, domina o cenário indenizatório nos direitos norte-americanos e inglês. É a da fixação de valor que serve como desestímulo a novas agressões, coerente com o espírito dos referi-dos punitive ou exemplary damages. (Bittar, 2001, p. 114)

Lado outro, os doutrinadores com ideia contrária à aplicação têm como principais argumentos a falta de fundamentação legal, o aumento considerável da indústria do dano moral e, consequentemente, o enri-quecimento sem causa da vítima.

Segundo tais doutrinadores, seria impossível sua aplicação, uma vez que não há previsão legal no ordenamento jurídico, sendo contrário, portanto, à Constituição da República, que, em seu art. 5º, inciso XXXIX, diz que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem pré-via cominação legal”.

José Camilo Neto (2012) cita o entendimento do doutrinador Wilson Melo da Silva:

É necessário haver uma previsão legal para que se justifique a aplica-ção de uma pena, desta forma quando o indivíduo causar o dano, estará ele obrigado a reparar aquele dano, na extensão do seu prejuízo, pois seguindo a responsabilidade civil, a culpa do autor não é o foco princi-

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pal, devendo apenas procurar ressarcir o dano em sua extensão. (1983, p. 260)

Do mesmo modo, preleciona Rodrigo Delgado:

Adotar a teoria em testilha seria criar um inaceitável sistema paralelo, que situar-se-ia entre o âmbito civil e o penal, seria um sistema misto, um sistema civil-penal, um sistema eclético, inadmissível, repugnante, impraticável dentro da técnica jurídica, pois ramos que possuem par-ticularidades muito específicas que os distingue e os colocam de lados diametralmente opostos. (Delgado, 2003, p. 249)

Preconiza Carlos Roberto Gonçalves:

[...] é sabido que o quantum indenizatório não pode ir além da extensão do dano. Esse critério aplica-se também ao arbitramento do dano moral. Se este é moderado, a indenização não pode ser elevada apenas para punir o lesante. A crítica que se tem feito à aplicação, entre nós, das punitive damages do direito norte-americano é que elas podem condu-zir ao arbitramento de indenizações milionárias [...]. (Gonçalves, 2003, p. 575)

Oliveira (2012, p. 61) cita alguns julgados nacionais que corrobo-ram e refutam a aplicação da função punitiva do dano moral, in verbis:

Impende assinalar, de outro lado, que a fixação do quantum pertinente à condenação civil imposta ao Poder Público – presentes os pressupostos de fato soberanamente reconhecidos pelo Tribunal a quo – observou, no caso ora em análise, a orientação que a jurisprudência dos Tribunais tem consagrado no exame do tema, notadamente no ponto em que o magistério jurisprudencial, pondo em destaque a dupla função inerente à indenização civil por danos morais, enfatiza, quanto a tal aspecto, a necessária correlação entre o caráter punitivo da obrigação de indenizar (punitive damages), de um lado, e a natureza compensatória referente ao dever de proceder à reparação patrimonial, de outro. [...]

(Brasil, STF, AI 455.846/RJ, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, 11.12.2004 – grifei)

Entendimento diverso detém o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

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A aplicação irrestrita das punitive damages encontra óbice regulador no ordenamento jurídico pátrio que, anteriormente à entrada do Código Ci-vil de 2002, vedava o enriquecimento sem causa como princípio infor-mador do direito e após a novel codificação civilista, passou a prescrevê--la expressamente, mais especificamente, no art. 884 do Código Civil de 2002. (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, AgRg.-Ag 850.273/BA, 4ª T., Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, Desembargador convocado do TJAP, 24.08.2010a)

Há quem defenda a teoria do valor do desestímulo, segundo a qual a fixação do valor tem caráter profilático, procurando evitar que o agente cometa novos fatos semelhantes.

Todavia, não se pode olvidar que a questão do valor da indenização é matéria de direito privado, de modo que aqui há que se observar os prin-cípios pertinentes a tal ramo da ciência jurídica. A punição ao ilícito deve ser objeto de discussão perante a justiça criminal.

Regulamentando as relações de ordem privada, o direito civil não pode se prestar à cominação de punições às pessoas que infringem os pre-ceitos da responsabilidade civil. [...] Assim também ocorre com o dano moral. Fixando-se indenizações altíssimas, o juiz estará distanciando da prestação jurisdicional da real necessidade do ofendido e impondo pu-nição indevida ao ofensor, posto que, como já exposto, isso não é tarefa da justiça cível. (TJMG, AC 1.0105.07.234571-0/003, Rel. Des. Pedro Bernardes, 19.072010 – grifei)

Certo é que ambas as correntes apresentam justificativas plena-mente plausíveis para aplicação ou não do punitive damages e a juris-prudência ainda sofre grandes oscilações.

5.3.2 A função punitiva do dano moral no Direito do Consumidor

Embora a legislação consumerista tenha sofrido grandes avanços no decorrer dos anos, o mundo capitalista faz com que os empresários se preocupem unicamente em auferir grandes lucros a qualquer custo, ainda que para isso seja necessário ignorar por completo os direitos do consumidor.

Isso ocorre porque ainda é mais vantajoso lesionar o consumidor em seus direitos e serem judicialmente condenadas ao pagamento de indenizações com valores irrisórios, ou seja, que não afetarão de for-ma considerável seus patrimônios. Muitas delas inclusive já incluem em

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seu orçamento mensal um valor destinado ao pagamento dessas indeni-zações.

Ora, como é possível e aceitável que, ao final de uma demanda judicial, determinada sociedade empresária seja condenada apenas em cumprir o que está descrito no Código de Defesa do Consumidor, eis que isto era o mínimo que ela deferia ter feito desde antes mesmo da propositura da ação, ao menor sinal de desconforto por parte do consu-midor?

Toda essa situação traz para a sociedade uma enorme sensação de impunidade e total descrença no Poder Judiciário, fazendo com que cada vez menos consumidores ingressem em juízo, acarretando um lu-cro ainda maior para as sociedades empresárias e tornando cada vez mais imprescindível a aplicação da função punitiva do dano moral no Direito Consumerista.

Jamais se pode aceitar que valha a pena infringir as normas. Se há predominância deste pensamento, é um indício de que a sanção aplica-da não está cumprindo seu papel fundamental de proteger direitos. Isto posto, é indicada a aplicação da função punitiva do dano moral, princi-palmente nos casos de fato lesivo grave e reiterado.

A Constituição da República, em seu art. 5º, XXXII, estabelece ser do Estado a função de proteger o consumidor. Entretanto, não se pode pensar em tal proteção como sendo apenas a reparação do dano sofrido, mas também não permitindo a ocorrência reiterada deste dano, efetuan-do, portanto, a defesa preventiva do consumidor.

Tem-se também como fundamento da aplicabilidade da função punitiva do dano moral o art. 170 da Constituição da República, que caracteriza a defesa do consumidor como sendo um princípio da ordem econômica, necessitando, portanto, ser considerado inconstitucional todo e qualquer lucro proveniente de atividade danosa ao consumidor.

Por último, mas não menos importante, tem-se o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que dispõe como deverá ser realizada a aplicação da norma. Segundo referido artigo, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

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Percebe-se que a LINDB conferiu ao magistrado uma importante flexibilidade para interpretar a norma, de modo a permitir a sua adequa-ção ao momento vivido pela sociedade.

Portanto, o juiz não deve analisar a norma como sendo apenas uma codificação escrita e aplicá-la friamente ao caso concreto. Mas sim, buscar a melhor forma de aplicação, a fim de alcançar o seu objetivo e sua finalidade social.

Destarte, uma norma pode estar destinada à resolução de determi-nados casos concretos e ter casos totalmente diversos que se enquadram perfeitamente nela. De tal forma, cabe ao juiz realizar esse juízo de valo-res, de maneira que a função social da norma e os anseios da sociedade sejam sempre atendidos.

5.3.3 Quantificação do dano moral punitivo

Cumpre esclarecer que a indenização punitiva é diversa da pu-nição compensatória do dano moral e, portanto, devem ser calculadas em separado. Enquanto a compensação do dano é feita com base nos parâmetros usualmente utilizados, como a extensão do dano e condição econômica da parte, a fixação do quantum indenizatório da indenização punitiva deve ser feita com base em critérios diversos.

Lucas Kafer (2002) elenca em seu artigo quatro elementos que de-vem ser observados para se chegar a uma punição considerada eficiente. São eles o ofensor, o ofendido, a conduta lesiva e a extensão do dano.

Do ofensor deve-se ter informações principalmente acerca de seu capital financeiro, de modo que a indenização seja sentida economica-mente e seja retirado dele a ideia de lucrar ilicitamente. Por conseguinte, sobre o ofendido deve-se analisar unicamente a sua pessoa física, dei-xando de lado o aspecto do dano. Essa identificação é de suma impor-tância, pois evita o enriquecimento do ofendido. Já a conduta lesiva é a indiferença frente à possibilidade de causar danos ao consumidor. Por último, deve-se levar em consideração o dano propriamente dito, uma vez que a verba indenizatória deve ser proporcional ao dano sofrido.

Ao se analisar e ponderar esses quatro itens, o julgador utilizará de forma correta o instituto do punitive damages, afastando a possibilidade de enriquecimento sem causa da vítima, o que é uma das justificativas

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dos que se dizem contrários à sua aplicação, bem como a sociedade terá uma resposta ante aos abusos praticados por algumas empresas.

5.3.4 Jurisprudência

Em 27 de setembro de 2012, o Dr. Marcos Tofani, coordenador da Promotoria de Justiça da Cidade de Ituitaba, no Estado de Minas Gerais, sentenciava as sociedades empresárias limitadas Toyota do Brasil Ltda., Kawaii Veículos Ltda. e Pará Automóveis Ltda. no Processo Administra-tivo nº 0024.10.000730-1, movido pelo Procon.

De acordo com a ementa da decisão do referido processo admi-nistrativo:

Informação contida no manual do veículo Corolla, de 2008, sobre a ne-cessidade de uso do tapete original, preso ao assoalho, para evitar risco de acidente. Falta de advertência inscrita no produto. Falha só corrigida posteriormente. Não comunicação do fato aos usuários do produto. For-necimento de veículos Corolla com tapetes não originais, sem recurso para fixação no assoalho, e tapete original, sem fixá-lo ao assoalho. Ofer-ta de tapetes originais sem a advertência de risco. Incidentes e acidente com consumidores. Suspensão de venda dos veículos determinada pelo Procon Estadual. Campanha pública feita pela Toyota, para suprir defici-ência da informação prestada. Vício de informação caracterizado. Práti-cas abusivas distintas da falta de recall, pois o fato já era conhecido pela montadora ao colocar os produtos no mercado de consumo (veículo e tapete). Ausência de duplo processo administrativo. Aplicação de multa que se impõe.

Segundo o Dr. Marcos Tofani, o referido processo administrati-vo foi instaurado devido a problemas nos tapetes dos carros da marca Toyota, “a fim investigar e reprimir os atos supostamente ilegais das em-presas reclamadas”.

Os três consumidores representados pelo Procon no processo re-lataram acidentes sofridos devido à aceleração repentina do carro, uma vez que os tapetes não estavam devidamente fixados no assoalho do carro, violando as normas consumeristas.

Após análise do caso, o juiz condenou duramente as três socieda-des empresárias envolvidas, aplicando a elas multas de valores conside-ráveis.

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A Toyota do Brasil Ltda. sofreu condenação final no importe de R$ 931.678,56 (novecentos e trinta e um mil, seiscentos e setenta e oito reais e cinquenta e seis centavos); a Kawaii Veículos Ltda. foi condenada em R$ 163.736,65 (cento e sessenta e três mil, setecentos e trinta e seis reais e sessenta e cinco centavos). A Pará Automóveis Ltda., a seu turno, teve a condenação fixada em R$ 115.865,47 (cento e quinze mil, oito-centos e sessenta e cinco reais e quarenta e sete centavos).

Entre os fundamentos utilizados para a fixação das sanções está a renda bruta da Toyota no ano de 2009 bem como o fato de as infrações trazerem consequências danosas à saúde ou à segurança dos consumi-dores e causarem risco coletivo.

Resta claro, portanto, que as sanções aplicadas às empresas, no caso em comento, não apenas restauraram o equilíbrio moral violado como também desestimulam a prática de atos semelhantes, satisfazen-do, com isso, os anseios da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verificou-se, no presente artigo, que a economia atual, com todos os seus meios de concessão de crédito e facilitação de compra, permite que um número mais abrangente de indivíduos participe das relações consumeristas.

Por meio da produção em massa, que teve início com a Revolução Industrial, os empresários objetivam cada vez mais o aumento da mar-gem de lucro dos produtos por eles comercializados e, para alcançar tal objetivo, negligenciam, muitas vezes, a qualidade dos produtos disponi-bilizados no mercado.

Eis, então, a necessidade de aplicação dos preceitos do CDC, nor-mas mínimas para comercialização de produtos e serviços, que visam proteger o consumidor, polo vulnerável da relação consumerista.

Conquanto o Direito brasileiro tenha dado um enorme passo com a promulgação da Lei nº 8.078/1990, observa-se que o Código de Defe-sa do Consumidor ainda detém lacunas, que possibilitam a prática reite-rada de atos ilícitos contra o consumidor.

A indenização punitiva visa justamente suprir tais lacunas.

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Diante de situações de graves violações aos direitos do consumi-dor, espera-se que o Poder Judiciário não apenas promova o status quo ante como também coíba as práticas reiteradas de infrações por meio de arbitramento de indenizações capazes de causar impacto na sociedade.

Cabe à responsabilidade civil, nessa concepção, reparar o dano sofrido pela vítima, punir o indivíduo ofensor e desmotivar socialmente a conduta lesiva, ou seja, o dever de indenizar teria por objetivo princi-pal compensar os danos sofridos pela vítima, mas também assume uma conduta punitiva frente ao ofensor.

Ainda que o ordenamento brasileiro pertença ao sistema Civil Law, que tem como fonte principal do direito a lei, a aplicação do ins-tituto americano do punitive damages, embora controverso, já é uma realidade, sendo embasamento para diversos julgados atuais.

Conforme mencionado neste estudo, o advento do capitalismo e a busca incessante por lucros cada vez maiores fazem com que em-presários simplesmente passem por cima dos princípios que norteiam o Direito Consumerista, atropelando o consumidor com toda a ganância e sede por conquista de mercado.

A intervenção do Poder Judiciário, nesses casos, tem sido impres-cindível para equilibrar as relações. É inaceitável que as empresas que constantemente figuram no polo passivo das demandas consumeristas devido às práticas reiteradas de atos ilícitos tenham consigo a sensação de impunidade e consequentemente sintam-se encorajadas a continuar a praticá-las.

No âmbito doutrinário, a fixação dos danos punitivos é questiona-da com amparo no princípio da legalidade, todavia não há como aceitar que os magistrados se permitam sentenciar como se estivessem usando as mesmas viseiras restringindo-se apenas ao texto legal.

É cediço que inexiste regra expressa permitindo a aplicação do punitive damages no ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, em caso de indícios de que as sanções aplicadas aos fornecedores não estejam cumprindo seu papel fundamental de proteger direitos, é indicada a apli-cação da função punitiva do dano moral, principalmente nos casos de reinteração do fato lesivo.

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Levando-se a efeito que a Constituição da República, em seu art. 5º, inciso XXXII, estabelece ser do Estado a função de proteger o consumidor sem limitação de atuação, não há como conceber que tal proteção seja apenas em relação à reparação do dano sofrido, devendo ser incluída a defesa preventiva do consumidor por meio dos danos pu-nitivos.

Como fundamento da aplicabilidade da função punitiva do dano moral, tem-se o art. 170 da Constituição da República, que caracteriza a defesa do consumidor como sendo um princípio da ordem econômica, necessitando, portanto ser considerado inconstitucional todo e qualquer lucro proveniente de atividade danosa ao consumidor.

De par com isso está o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o qual preconiza que, “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem co-mum” (Brasil, 1942).

Conclui-se, pois, que o juiz não deve analisar a norma como sen-do apenas uma codificação escrita e aplicá-la friamente ao caso concre-to, mas sim buscar a melhor forma de aplicação, a fim de alcançar o seu objetivo e sua finalidade social.

Resta claro que o consumidor é a parte mais fraca da relação e que existem no mercado inúmeras sociedades empresárias que desrespeitam reiteradamente o Código de Defesa do Consumidor, visando à obtenção e maximização de seus lucros de maneira fácil.

Diante do exposto, percebe-se que o punitive damages, indeniza-ção punitiva, não é apenas possível, mas também é o meio mais eficaz para se coibir o desrespeito aos direitos do consumidor, uma vez que impactará no lucro das sociedades empresárias, gerando-lhes prejuízos por meio de indenizações de altos valores, que visam impedir atos rei-terados.

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Parte Geral – Doutrina

A Necessária Observância, por Parte das Instituições Financeiras Estatais, na Condição de Integrantes da Administração Pública, do Interesse Público na Gestão dos seus Contratos Bancários em Épocas de Crise Econômica

The Required Compliance, by the State-Owned Financial Institutions, Provided that Members of the Public Administration, of Public Interest in the Management of its Banking Agreements in Times of Economic Crisis

ALDEm JOHnSTOn BARBOSA ARAúJOEspecialista em Direito Público (Pós-Graduação Lato Sensu) pela Faculdade Estácio Recife, Advogado.

RESUMO: Análise sobre as obrigações legais que incidem sobre os bancos públicos para garantir que estes, na condição de integrantes da Administração Pública, tenham uma atuação diferenciada dos demais bancos do mercado, adotando práticas para mitigar os efeitos da crise econômica em detrimento da mera persecução de lucro.

PALAVRAS-CHAVE: Bancos públicos; crise econômica; contratos; onerosidade excessiva; boa-fé; duty to mitigate the loss.

ABSTRACT: Analysis of the legal obligations imposed on the public banks to ensure that the same, provided that members of the public administration, have a differentiated performance of other banks in the market, adopting practices to mitigate the effects of the economic crisis rather than the mere pursuit of profit.

KEYWORDS: Public banks; economic crisis; contracts; excessive burden; good faith; duty to mitigate the loss.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Os bancos públicos como integrantes da Administração Pública e instru-mentos da ação governamental para enfrentar a crise econômica; 2 A necessária observância do princípio da preservação da empresa por parte dos bancos públicos quando das suas relações nego-ciais em períodos de crise econômica; 3 Efeitos da crise econômica nos contratos celebrados pelos bancos estatais: obrigatoriedade de observância aos casos de onerosidade excessiva; 4 A necessária observância do princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais: esforço do banco público para ajudar o cumprimento dos contratos apesar das dificuldades impostas pela crise econômica; 5 Duty to mitigate the loss: a necessidade de os bancos estatais negociarem as dívidas para consigo como forma de mitigarem seus próprios prejuízos; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Em matéria do dia 12.03.2016, reportagem da Folha de S.Paulo1 informou que, “salvo uma inesperada retomada da economia, a atual recessão caminha para se tornar, até o fim do ano, a pior já medida com precisão no país”.

Fazendo menção a dados do site “Economatica2” a edição 2474 da Revista Veja3 informou que a “dívida somada de 257 companhias de capital aberta (ou seja, com ações negociadas em bolsa) subiu 31% em apenas um ano, em 2015, e alcançou a cifra de 1,4 trilhão de reais”, acrescentando que

há outro dado que dá uma dimensão do aumento do endividamento das empresas brasileiras: é o que mede quanto do patrimônio da companhia está comprometido com dívidas. Esse índice era de 36% em 2007. Estava em 46% em 2010. Chegou a 61% no ano passado.

A reportagem da Revista Veja, cujo título é “Quebradeira S.A.”, in-forma que “existem 8 milhões de companhias no Brasil, e metade delas está com dívidas em atraso”, arrematando com os seguintes dados: “Se em um primeiro momento a indústria se mostrou o setor mais afetado pela crise, 2015 foi o ano em que o comércio sentiu os efeitos da tem-pestade perfeita na economia: quase 100.000 lojas encerraram as ativi-dades, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC)”.

Outro número alarmante da crise é o de que a taxa de desempre-go de 9,5% no trimestre encerrado em janeiro de 2016 é a mais alta da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, iniciada no primeiro trimestre de 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O País registrou no mês um número recorde de desempregados medido pela mesma pesquisa: 9,623 milhões de pessoas4.

1 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1749299-recessao-economica-atual-deve- -ser-a-pior-da-historia-do-brasil.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2016.

2 Disponível em: <https://economatica.com/>.3 Revista Veja, edição 2474, a. 49, n. 16, Editora Abril, p. 68/71.4 Disponível em: <http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/economia/2016/03/24/internas_econo-

mia,634658/brasil-tem-maior-numero-de-desempregados-da-serie-com-9-623-milhoes-d.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2016.

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Segundo a versão brasileira do Jornal El País5, a economia do Brasil vive sua maior recessão desde os anos 1930, e a atual crise econômica é a pior do século (havendo ainda quem noticie6-7 se tratar da pior de toda história do País).

Diante de um quadro econômico tão adverso, qual deve ser a pa-pel a ser desempenhado pelos bancos públicos? Melhor dizendo: qual o papel das instituições financeiras do Estado na condição de integrantes da Administração Pública em períodos de crise? Sua natureza de direito privado permite que os bancos estatais simplesmente sigam as regras de mercado e ignorem o interesse público?

É o que passamos a discutir nas linhas que se seguem.

1 OS BANCOS PúBLICOS COMO INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO PúBLICA E INSTRUMENTOS DA AÇÃO GOVERNAMENTAL PARA ENFRENTAR A CRISE ECONôMICA

O Estado não é alheio à economia, não é imune aos seus efeitos e não se mantém inerte às suas transformações.

Sobretudo financiado pela riqueza que retira dos particulares, o Poder Público tem sua capacidade de investimento, de contratação de agentes públicos e de prestação de serviços públicos diretamente rela-cionada aos recursos disponíveis no Erário.

Se, por exemplo, a economia afeta os particulares, subtraindo-lhes o poder de compra (no caso dos consumidores) e a capacidade de for-necer produtos e serviços, a arrecadação dos tributos que incidem sobre a fabricação/produção, a circulação e o consumo de bens/serviços tam-bém será afetada.

Em tempos de pujança econômica, o vetor é inverso: o Estado se beneficia com o volume de negócios de um aumento de arrecadação tributária que lhe propicia a possibilidade de ter mais recursos para aten-der às demandas que o interesse público lhe exige.

5 Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/16/economia/1455636966_063602.html>. Acesso em: 19 abr. 2016.

6 Disponível em: <http://noticias.ne10.uol.com.br/economia/noticia/2016/04/24/pernambuco-foi-do-boom-ao-caos-em-cinco-anos-610923.php>. Acesso em: 24 abr. 2016.

7 Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,pernambuco-foi-do-boom-ao-caos-em-cinco-anos,10000027679>. Acesso em: 25 abr. 2016.

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Mas não é só de forma passiva que o Estado se relaciona com a economia. A depender do modelo econômico adotado pelo País, o Estado torna-se o ator principal, que centraliza todas as ações, ou um interventor em situações episódicas.

No Brasil, o Estado define a taxa básica de juros, emite moeda, atua como comprador ou vendedor no câmbio flutuante, desonera ou onera produtos ou serviços para fomentar ou desincentivar seu consu-mo, cria planos econômicos (inclusive com mudança e/ou desvaloriza-ção da moeda), celebra tratados de livre comércio com outros países ou organizações multilaterais, ou seja, toma ou pode tomar uma série de medidas que impactam a economia.

Resta claro, portanto, que a relação do Estado com a economia é bilateral, na qual ambos geram efeitos mutuamente. Acerca desta relação dialética mantida entre Estado e economia, veja-se a lição de Alexandre Santos de Aragão:

A relação entre o Estado e a economia é dialética, dinâmica e mutá-vel, sempre variando segundo as contingências políticas, ideológicas e econômicas. Inegável, assim, uma relação de mútua ingerência e limi-tação: o Direito tem possibilidades, ainda que não infinitas, de limitar e de direcionar as atividades econômicas; e estas influenciam as normas jurídicas não apenas na sua edição, como na sua aplicação, moldan-do-as, também limitadamente, às necessidades do sistema econômico. (ARAGÃO, Alexandre Santos de. O conceito de regulação da economia. RDM, 122/38-47 apud TAVARES, André Ramos. A intervenção do Esta-do no domínio econômico. In: CARDOZO, José Eduardo Martins et al. (Org.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, v. II, 2006. p. 175)

E o que pauta a atuação do Estado na economia? Melhor, o que pauta a Administração Pública, no caso brasileiro, em suas ações na se-ara econômica? A Constituição Federal teceu um figurino no qual cabe ao Estado, entre outras coisas, almejar a busca do desenvolvimento na-cional para erradicar a pobreza. Neste particular, Lutero de Paiva Pereira detalha o papel reservado pela Constituição Federal ao Estado em suas interações com a economia:

O art. 3º da CF/1988 é claro em indicar que o fundamento básico da existência do Estado brasileiro é construir uma sociedade livre, justa e

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solidária, erradicando-se a pobreza e buscando-se um maior equilíbrio entre as regiões e Estados brasileiros. E a atividade administrativa estatal deve se pautar na busca desses resultados, e por isso se justifica o caráter econômico da atividade administrativa de um Estado Democrático de Di-reito. Em outras palavras, a intervenção Estatal se dá de diversas formas, mas a principal é garantir aos particulares a busca dos fins familiares e sociais, o que está expressamente previsto no CF/1988, como o respeito à livre iniciativa e o respeito ao direito de propriedade. (PEREIRA, Lutero de Paiva. Breve abordagem sobre a administração econômica do Estado. In: CARDOZO, José Eduardo Martins et al. (Org.). Op. cit., p. 390)

Nessa busca pelo desenvolvimento nacional, o Estado (sempre pautado na valorização do trabalho humano, na livre iniciativa, na livre concorrência para fins de erradicar a pobreza e a desigualdade social e propiciar o pleno emprego) faz uso tanto da sua estrutura despersona-lizada como dos seus entes descentralizados dotados de personalidade jurídica.

Os bancos públicos são empresas estatais, organizados sob a for-ma de empresas públicas (capital 100% estatal) ou sociedades de eco-nomia mista (sociedades anônimas onde o Estado é o sócio majoritário) que intervêm na economia, já que exercem atividade econômica no mercado em regime de competição com os particulares.

Em que pese o desempenho de atividade econômica, o fim das empresas estatais (incluindo-se, por óbvio, os bancos públicos) não é o mesmo almejado pelas demais empresas particulares que atuam no mercado, conforme leciona Carlos Ari Sundfeld:

As empresas estatais são personificações do próprio Estado, desdobra-mento de sua estrutura; são, em definitivo, organizações estatais. Nelas concorrem duas importantes notas: por uma parte, realizam ação gover-namental; por outra, integram a estrutura orgânica do Estado. [...] É bem certo que, no tocante a seu regime jurídico, as atividades econômicas exploradas por empresa estatal são consideradas “privadas”, e isso por força do art. 173, § 1º, II, da Carta Federal. Mas as estatais de interven-ção no domínio econômico são também instrumentos da ação gover-namental, exigida por “imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo”. O Estado não as cria para investir, buscando simples lucros, mas sempre implementar políticas públicas (o desenvolvimento regional, a construção de habitações populares, o financiamento agrí-

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cola, etc.). Daí, então, dizer-se que as empresas estatais desenvolvem ação governamental, apesar de revestirem o chamado “figurino priva-do” (a forma empresarial, adotada pelas sociedades mistas e empresas públicas) e, em algumas hipóteses, explorarem atividades econômicas. (SUNDFELD, Carlos Ari. A reforma do Estado e empresas estatais. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. 1. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 264/265)

Para arrematar a questão da diferença entre os objetivos que pau-tam a atuação das empresas estatais e os objetivos das demais empre-sas que integram o mercado, veja-se a seguinte lição de Fábio Ulhoa Coelho, que, em que pese se referir especificamente às sociedades de economia mista, pode ser perfeitamente adaptado também às empresas públicas:

A pessoa jurídica que controla a sociedade de economia mista tem as mesmas responsabilidades do acionista controlador, porém a própria lei ressalva que a orientação dos negócios sociais pode ser feita de molde a atender ao interesse público que justificou a criação da sociedade. O que há, em particular, é a possibilidade de comprometimento dos recursos sociais em atividades relativamente deficitárias, importando em diminui-ção global do lucro líquido da sociedade, em virtude da realização do bem comum que inspirou a sua constituição. O acionista particular da sociedade de economia mista está ciente, ao ingressar no quadro associa-tivo da companhia, desta particularidade, ou seja, de que, eventualmen-te, seja obrigado a suportar ligeira diminuição na rentabilidade de seu investimento, por força do atendimento de interesse maior que o seu. É claro que esta diminuição não poderá ser de tal porte que implique a des-caracterização do investimento feito como negócio de conteúdo privado. [...] O acionista controlador poderá, portanto, vir a ser responsabilizado pelos demais acionistas particulares da sociedade de economia mista, sempre que, em decorrência do cumprimento do disposto no art. 238 da LSA, desenvolver atividade empresarial altamente deficitária. A fun-damentação deste entendimento se vale, inclusive, da responsabilidade objetiva da Administração Pública. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 222/223)

Resta óbvio, portanto, que as empresas estatais não só podem como devem ser utilizadas como instrumento de ação governamental para intervenção na economia em prol do desenvolvimento nacional.

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Nesse contexto, em épocas de crise econômica, a busca pelo de-senvolvimento nacional clama de forma impositiva a intervenção do Es-tado na economia (inclusive por meio de suas instituições financeiras).

2 A NECESSáRIA OBSERVâNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA POR PARTE DOS BANCOS PúBLICOS QUANDO DAS SUAS RELAÇÕES NEGOCIAIS EM PERÍODOS DE CRISE ECONôMICA

Além de fontes de emprego, empresas são, sobretudo, mecanismos de produção e circulação de riquezas. Não há economia organizada sem atividade empresarial. A sobrevivência das empresas não interessa apenas aos seus proprietários ou a sócios, interessa aos seus emprega-dos, aos familiares desses empregados e ao Estado, pois as empresas propiciam a arrecadação de tributos.

Se há uma “quebradeira” de empresas, há desemprego, diminui-ção da circulação de riquezas e queda na arrecadação tributária. Ou seja, preservar as empresas não se trata de resguardar meros interesses particulares disponíveis; há, em tal preservação, a preocupação de pro-teger principalmente os interesses coletivos que circundam a atividade econômica desempenhada pela pessoa jurídica. Sobre o princípio da preservação da empresa, veja-se a doutrina:

No princípio da preservação da empresa, construído pelo moderno direi-to comercial, o valor básico prestigiado é o da conservação da atividade (e não do empresário, do estabelecimento ou de uma sociedade), em virtude da imensa gama de interesses que transcendem os dos donos do negócio e gravitam em torno da continuidade deste; assim, os interesses de empregados quanto aos seus postos de trabalho, de consumidores em relação aos bens ou serviços de que necessitam, do Fisco voltado à arre-cadação e outros. (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 31/32)

O princípio da preservação da empresa objetiva recuperar a atividade empresarial de crise econômica, financeira ou patrimonial, a fim de pos-sibilitar a continuidade do negócio, bem como a manutenção de em-pregos e interesses de terceiros, especialmente dos credores. [...] Não se pode deixar de expressar que o princípio da preservação da empresa deve ser visto ao lado do princípio da função social da empresa, que considera o fato de que a atividade empresarial é a fonte produtora de bens para a sociedade como um todo, pela geração de empregos; pelo

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desenvolvimento da comunidade que está à sua volta; pela arrecadação de tributos; pelo respeito ao meio ambiente e aos consumidores; pela proteção ao direito dos acionistas minoritários, etc. (TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 264)

Conforme leciona Rubens Requião, o princípio da preservação da empresa opera contra os credores da pessoa jurídica, pelo menos contra sua pretensão imediata de receberem seu créditos:

A empresa, na teoria dominante no moderno Direito, como unidade eco-nômica organizada, para a produção ou circulação de bens ou de servi-ços, constitui um cadinho onde efervescem múltiplos interesses: o paga-mento de salários para a classe obreira, dos tributos para a manutenção do Estado e dos lucros para os investidores. Não deve ser assim conside-rada sob as luzes dos interesses imediatistas do coletor de impostos, ou da impaciência do cobrador de dívidas nos momentos críticos ou dramá-ticos de sua evolução. (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 2º v., 1975. p. 250 apud PACHECO, José da Silva. Processo de recuperação judicial, extrajudicial e falência: em conformi-dade com a Lei nº 11.101/2005 e a alteração da Lei nº 11.127/2005. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 110)

Os credores da empresa (quaisquer que sejam eles) têm de ter a noção de que é melhor sacrificarem interesses imediatistas acerca do recebimento dos seus créditos e esperarem a empresa eventualmente se recuperar de suas dificuldades financeiras, assim permitindo que a mesma pague suas dívidas, do que eventualmente asfixiarem a devedora com cobranças e inviabilizarem o prosseguimento de suas operações, o que redundaria no inadimplemento de suas dívidas.

Com os bancos estatais, o raciocínio é idêntico.

É extremamente comum empresas pedirem empréstimos a bancos (incluindo-se aí, por óbvio, os bancos estatais), e, em tempos de crise econômica, é comum que o cumprimento de tais contratos (cuja ope-racionalização se dá pelo pagamento de juros parcelados ao banco por parte do beneficiário do empréstimo) fique por diversas vezes prejudi-cado.

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E qual é a conduta de um banco estatal diante de uma eventual dificuldade de adimplemento contratual enfrentada por uma empresa em época de crise econômica?

Certamente, executar o contrato, levar a leilão algum bem dado em garantia e cobrar a dívida em juízo não são alternativas consentâneas ao princípio da preservação da empresa em épocas de crise econômica.

Sendo instrumentos de ação governamental, os bancos públicos devem se comportar como longa manus do Estado e, sob o pálio do princípio da preservação da empresa, fazerem tudo o que for possível em termos de negociação e renegociação das dívidas (v.g., carência para pagamento das parcelas, abatimentos dos juros) para não agravar ainda mais a situação de empresas afetadas pela crise econômica.

3 EFEITOS DA CRISE ECONôMICA NOS CONTRATOS CELEBRADOS PELOS BANCOS ESTATAIS: OBRIGATORIEDADE DE OBSERVâNCIA AOS CASOS DE ONEROSIDADE EXCESSIVA

O tempo e os acontecimentos que dentro dele se inserem afetam as relações contratuais, e nem sempre aquilo que fora pactuado pelas partes em uma determinada época poderá ser cumprido com o avançar do tempo.

Os mecanismos de justiça social do contrato, que procuram pre-servar o equilíbrio entre as partes contratantes, conforme bem leciona Joaquim de Paiva Muniz, remontam ao ano 1772 antes de Cristo:

Desde o Código de Hammurabi havia a previsão de mudança dos termos contratuais, se a obrigação de uma das partes se tornasse excessivamente onerosa: “se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano”. (MUNIZ, Joaquim de Paiva. Considerações sobre certos institutos de direito contratual e seus po-tenciais efeitos econômicos. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Obrigações e contratos: contratos: princípios e limites. Coleção doutrinas essenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 2011. p. 230)

Sobre o conceito de onerosidade excessiva no ambiente con-tratual, veja-se o conceito de Larissa Maria de Moraes Leal e Roberto Paulino Albuquerque Júnior:

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Sempre que às circunstâncias nas quais o contrato foi celebrado sobre-vierem fatos que as alterem em substância, onerando excessivamente uma das partes contratantes, o equilíbrio do contrato estará alterado. Esse é o ambiente onde deve incidir o instituto da onerosidade excessiva que, se esteve originalmente ligado à ideia de lesão contratual, destinando-se à resolução do contrato, rapidamente orientou-se, na doutrina, rumo à revisão dos pactos. É certo que todo contrato, dada a sua função eco-nômica, implica risco, que se avoluma quando este pacto projeta-se no tempo, tendo execução diferida. Não é possível estabelecer o ponto exa-to do equilíbrio contratual ou de sustentação de suas condições, mas sempre que a mudança de circunstâncias ultrapassar o limite objetivo e razoável das expectativas das partes contratantes, o risco do negócio per-de importância. Neste caso, não será mais adequado exigir que a parte devedora, não tendo responsabilidade na alteração de condições, assu-ma a onerosidade excessiva decorrente. (LEAL, Larissa Maria de Moraes; ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino. A resolução do contrato por onerosidade excessiva no Código Civil brasileiro de 2002 e sua aplicação no Superior Tribunal de Justiça. In: CAMPOS, Alyson Rodrigo Correia et al. (Org.). Dos contratos. Recife: Editora Nossa Livraria, 2012. p. 564/565)

No ordenamento jurídico brasileiro, a onerosidade excessiva é prevista no art. 478 do Código Civil, cuja redação é a que se segue:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a presta-ção de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Comentando o aludido dispositivo, a doutrina associa-o ao art. 1.467 do Código Civil italiano e à fórmula rebus sic stantibus, pri-vilegiando-se a manutenção do equilíbrio inicial do contrato e repelin-do situações de desproporcionalidade que advenham de fatos alheios à vontade das partes:

O dispositivo introduz no Código Civil a fórmula rebus sic stantibus (“en-quanto as coisas estão assim”), sob inspiração do art. 1.467 do Códi-go Civil italiano, referindo-se aos contratos de execução continuada ou diferida (de trato sucessivo ou a termo) em que é possível aplicar-se a teoria da imprevisão, limitadora do pacta sunt servanda, princípio que rege a força obrigatória dos contratos. Diz-se onerosidade excessiva o

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evento que embaraça e torna dificultoso o adimplemento da obrigação de uma das partes, proveniente ou não de imprevisibilidade da alteração circunstancial (evento extraordinário e imprevisível), impondo manifesta desproporcionalidade entre a prestação e a contraprestação, com dano significativo para uma parte e consequente vantagem excessiva (enri-quecimento sem causa) para a outra, em detrimento daquela, a compro-meter, destarte, a execução equitativa do contrato. O estado de perigo (art. 156) e a lesão (art. 157) são institutos trazidos ao CC de 2002, as-securatórios de justiça contratual, onde a onerosidade excessiva ocorre independentemente de causa superveniente. A teoria da imprevisão ser-ve de mecanismo de efetivo reequilíbrio contratual, quer recompondo o status quo ante que animou o contrato ao tempo de sua formação (efeito da teoria da condição implícita, a implied condition do Direito inglês), quer o ajustando à realidade superveniente por modificações equitativas, e, como tal, deve representar, em princípio, pressuposto necessário da revisão contratual e não de resolução do contrato, ficando esta última como exceção. Assim é que a Lei Inquilinária nº 8.245/1991 dispõe so-bre a revisão judicial do aluguel a fim de ajustá-lo ao preço de mercado (art. 19) e o Código de Defesa do Consumidor prevê, expressamente, a revisão das cláusulas contratuais (e não a resolução do contrato) “em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (Lei nº 8.078/1990, art. 6º, V), ou a nulidade delas (art. 51, V e § 1º, III). O CC de 2002, ao eleger a cláusula, inverte, todavia, a equação, utilizando a teoria para o pedido resolutivo como regra. (Código Civil comentado. Coord. Regina Beatriz Tavares da Silva. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 581)

Nelson Nery Junior enaltece o objetivo da norma de garantir que as partes contratantes não fiquem em situação de vantagem/desvanta-gem durante a execução do contrato, fazendo uma correlação entre a onerosidade excessiva, a boa-fé objetiva e função social do contrato:

A onerosidade excessiva, que pode tornar a prestação desproporcional relativamente ao momento de sua execução, pode dar ensejo tanto à resolução do contrato (CC 478) quanto ao pedido de revisão de cláusula contratual (CC 317), mantendo-se o contrato. Esta solução é autorizada pela aplicação, pelo juiz, da cláusula geral da função social do contrato (CC 421) e também da cláusula geral da boa-fé objetiva (CC 422). O contrato é sempre, e em qualquer circunstância, operação jurídico-eco-nômica que visa a garantir a ambas as partes o sucesso de suas lídimas pretensões. Não se identifica, em nenhuma hipótese, como mecanismo

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estratégico de que se poderia valer uma das partes para oprimir ou tirar proveito excessivo de outra. Essa ideia de socialidade do contrato está impregnada na consciência da população, que afirma constantemente que o contrato só é bom quando é bom para ambos os contratantes. A questão sempre presente é saber se, apesar das modificações econômicas sobrevindas no curso, ou antes, da execução do contrato, é ainda possí-vel cumprir a vontade das partes. Há um limite para se exigir o sacrifício das partes. Impõe-se “a regra moral segundo a qual não é lícito a um dos contraentes aproveitar-se das circunstâncias imprevistas e imprevisíveis subsequentes à conclusão do contrato, para onerar o outro contratante além do limite em que ele teria consentido em se obrigar” (CAMPOS, Francisco. Revisão dos contratos: teoria da imprevisão [Dir. civil, p. 8]). A imprevisão enseja não apenas a resolução do contrato, mas sua revisão, caso isso seja do interesse das partes. Havendo dissenso entre elas sobre a revisão, ainda assim é possível que seja feita judicialmente, mediante sentença determinativa do juiz. O fundamento para a revisão judicial do contrato é a incidência concomitante das cláusulas gerais da fun-ção social do contrato (CC 421), da boa-fé objetiva (CC 422) e da base objetiva do negócio (CC 422). Sobre a admissibilidade da revisão judi-cial do contrato por imprevisão: Ghestin-Jamin-Billiau. Traité DC, v. III, ns. 290/349, p. 355/416. (NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil comenta-do (livro eletrônico baseado na 11. ed. impressa). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1189)

Nelson Rosenvald destaca a onerosidade excessiva como um des-dobramento da justiça contratual e decompõe os requisitos previstos no Código Civil para sua aplicação, quais sejam, a execução continuada do contrato e a superveniência de fato imprevisível que traga desequilíbrio à relação contratual:

A teoria contratual contemporânea é alicerçada em quatro principias: autonomia privada, boa-fé objetiva, função social do contrato e justiça contratual. A inserção no CC da resolução por onerosidade excessiva atende ao princípio da justiça contratual, que impõe o equilíbrio das prestações nos contratos comutativos, a fim de que os benefícios de cada contratante sejam proporcionais aos seus sacrifícios. Podemos vislumbrar grande carga de justiça contratual em dois momentos: a) ao tempo da celebração do contrato, pela preservação do sinalagma genético da relação obrigacional, adotando-se o instituto da lesão (art. 157 do CC) como forma de combate à elevada desproporção entre as prestações; b) ao tempo da execução do contrato, assegurando-se o sinalagma funcional,

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que pode ser perturbado por acontecimentos extraordinários, que minam a correspectividade das obrigações, instalando um dos contratantes em posição de onerosidade excessiva. O art. 478 cuida justamente dessa forma de intervenção do princípio da justiça contratual. O CC/1916 não cogitava da onerosidade excessiva. Seguimos o modelo oitocentista do pacta sunt servanda, pelo qual as convenções eram leis entre as partes (art. 1.134 do Código francês de 1804) e o conteúdo contratual era intangível, exceto pelo mesmo consenso que a ela dera origem. Todavia, o CC/2002 mitiga a rigidez contratual ao adotar a teoria da imprevisão, desenvolvida na França após a 1ª Grande Guerra Mundial, com o ressurgimento da cláusula medieval rebus sic stantibus. A resolução con-tratual pela onerosidade excessiva requer a coexistência de três pressu-postos: a) Estipulação de um contrato de duração. Trata-se de contrato de execução continuada ou diferida no tempo. Na execução sucessiva, as prestações se fracionam em periodicidade regular (v.g., arrendamento mercantil, empreitada, promessa de compra e venda). Destarte, não se aplica a teoria da imprevisão aos contratos instantâneos, nos quais há uma coincidência cronológica entre o tempo de celebração e a sua imediata execução (v.g., compra de alimentos em mercado). b) Superveniência de acontecimento extraordinário que gere onerosidade excessiva para uma das partes. O contrato iniciou com respeito ao sinalagma genético, porém uma situação de desequilíbrio econômico irrompeu, transforman-do drasticamente o panorama contratual. Perceba-se que não se trata de pequenas alterações – que já se inserem nos riscos ordinários das partes –, afinal, em toda relação obrigacional, pequenas perdas são naturais e se inserem na álea ordinária das partes. O fundamental é que o fato su-perveniente remeta um dos contratantes ao chamado limite do sacrifício, que corresponde a um brutal rompimento da equivalência originária do pacto. A onerosidade excessiva é restrita ao campo dos contratos comu-tativos, consubstanciados no prévio conhecimento mútuo das prestações que serão executadas. Assim, afasta-se a sua incidência nos contratos ale-atórios (arts. 458 e 459 do CC), em que incide uma incerteza quanto às prestações das partes – ou sobre a sua quantidade –, não sendo possível prever sobre qual delas recairá a álea. c) O acontecimento extraordinário será qualificado por sua imprevisibilidade. A teoria da imprevisão é de cunho subjetivo, na medida em que a admissão da resolução contratual é condicionada à demonstração de que ao tempo da contratação havia total impossibilidade de as partes anteverem o evento extraordinário que conduziria uma delas à onerosidade excessiva, frustrando a justa expec-tativa no êxito do programa contratual. Com efeito, a imprevisibilidade remete à teoria da vontade, pela qual o aspecto psicológico do decla-

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rante – e não o teor da declaração – determinará se o evento poderia ou não ser previsto e, assim, será determinado se o fato superveniente for fruto de sua negligência ou merecer intervenção do ordenamento ju-rídico. Porém, o artigo em comento vai além da teoria da imprevisão. Para a resolução contratual, exige-se que o fato superveniente acarrete não só enorme desvantagem para uma das partes, como ainda extrema vantagem para a outra. A inclusão desse conceito jurídico indeterminado dificulta a aplicação do modelo jurídico, pois não é raro que a desgraça de uma das partes não corresponda ao enriquecimento injustificado da outra. Vale dizer que é frequente ouvir que um dos contratantes se arrui-nou em decorrência da onerosidade excessiva e a outra parte se manteve na mesma situação – ou até mesmo experimentou pequenas perdas –, mas é difícil que tenha obtido um ganho inversamente proporcional às perdas do parceiro contratual. Aliás, mesmo havendo ganho injustifica-do, há que lembrar a dificuldade da obtenção de provas em tal sentido. Em sentido diverso, o CDC adotou a teoria da base objetiva do negócio jurídico, dispensando a discussão sobre a previsibilidade do evento, sen-do suficiente a alteração das circunstâncias mínimas que representam a finalidade do contrato. Com efeito, o art. 6º, V, do CDC requer para a re-visão contratual de relações alicerçadas em ofertas de produtos e serviços simplesmente a circunstância da onerosidade excessiva em detrimento do aspecto subjetivo da vontade do declarante. Nas relações consume-ristas, é suficiente a constatação pelo juiz do desaparecimento dos fatores sociais e econômicos existentes ao tempo da contratação e indispensá-veis à economia do negócio jurídico. Por fim, andou bem a norma ao retroagir os efeitos da sentença à data da citação e não à da própria ce-lebração do contrato, tendo em vista a ausência de motivação para que o desfazimento da obrigação alcance as finalidades comuns obtidas na época em que ainda não havia se manifestado a onerosidade excessiva. Ademais, há o ônus do interessado em promover a demanda resolutória, pois, enquanto não o fizer, por mais que evidenciada a situação aflitiva, não será esse período de inércia coberto pelos efeitos retroativos da sen-tença desconstitutiva. (ROSENVALD, Nelson. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei nº 10.406, de 10.01.2002: contém o Códi-go Civil de 19161. Coordenador César Peluso. 7. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2013. p. 530/532)

As Jornadas de Direito Comercial e Direito Civil do Conselho da Justiça Federal produziram os seguintes enunciados sobre a onerosidade excessiva regulamentada pelo art. 478 do Código Civil:

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Enunciado nº 25 da Jornada I DirCom CJF: “A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se pre-sumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada”.

Enunciado nº 175 da Jornada III DirCiv CJF: “A menção à imprevisibilida-de e à extraordinariedade, insertas no CC 478, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz”.

Enunciado nº 176 da Jornada III DirCiv CJF: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o CC 478 deverá conduzir, sem-pre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução con-tratual”.

Enunciado nº 365 da Jornada IV DirCiv CJF: “A extrema vantagem do CC 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demons-tração plena”.

Enunciado nº 366 da Jornada IV DirCiv CJF: “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação”.

É mais do que óbvio que aquela que já vem sendo considerada a maior crise econômica da história do Brasil tem o potencial para dese-quilibrar diversas relações contratuais, vez que a mesma certamente traz condições de mercado bastante díspares das que eram verificadas antes de sua materialização.

Instalada a atual crise, a deterioração da saúde da econômica do País não só foi rápida como trouxe condições radicalmente diferentes dos períodos que a antecederam (alguns até de bonança e pujança eco-nômica), de modo que é razoavelmente incontestável que o espectro e a amplitude da atual crise eram imprevisíveis (por mais que a própria crise em si talvez não o seja), autorizando, assim, verificada a onerosidade excessiva, a aplicação do art. 478 do Código Civil.

Neste cenário, cabe aos bancos públicos levarem em considera-ção o art. 478 do Código Civil, se não para promover a resolução dos

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contratos dos devedores em dificuldades financeiras, para promover sua revisão, conforme, inclusive, prevê o art. 4798 do CC.

Em sede administrativa, por iniciativa própria ou mediante pro-vocação, os bancos públicos devem atentar para os casos em que seus contratados estejam submetidos à onerosidade excessiva em virtude dos efeitos da crise econômica para propor e, posteriormente, promover a revisão dos contratos dos seus clientes em dificuldade.

Em sua busca pelo desenvolvimento nacional e o pleno emprego, cabe ao Estado, por meio dos seus bancos oficiais, garantir o equilíbrio das relações contratuais e possibilitar que a onerosidade excessiva não seja mais um componente de adversidade a se somar aos que já acom-panham a crise econômica.

4 A NECESSáRIA OBSERVâNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-Fé OBJETIVA NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS: ESFORÇO DO BANCO PúBLICO PARA AJUDAR O CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS APESAR DAS DIFICULDADES IMPOSTAS PELA CRISE ECONôMICA

O art. 422 do Código Civil garante a necessidade de observância, por parte dos contratantes, quando da execução e conclusão do negócio jurídico, do princípio da boa-fé objetiva: “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua exe-cução, os princípios de probidade e boa-fé”.

A expressão “boa-fé”, utilizada pelo Código Civil, é, por sua vez, definida pela doutrina da seguinte maneira:

Há que salientar que existem duas acepções de boa-fé, uma subjetiva e outra objetiva. O princípio da boa-fé objetiva – circunscrito ao campo do direito das obrigações – é o objeto de nosso enfoque. Compreende ele um modelo de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte. Em sentido diverso, a boa-fé subjeti-va não é princípio, e sim um estado psicológico em que a pessoa possui a crença de ser titular de um direito, que em verdade só existe na aparên-cia. O indivíduo se encontra em escusável situação de ignorância acer-ca da realidade dos fatos e da lesão a direito alheio. Localiza-se como

8 “Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.”

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atributo qualitativo de posse (art. 1.201 do CC) e requisito da usucapião ordinária (art. 1.242 do CC); também como elemento de apreciação de indenização de acessões e benfeitorias (arts. 1.219 e 1.255 do CC). Esse dado distintivo é crucial: a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer que a aferição se dirige à correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. De fato, o princípio da boa-fé encon-tra a sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos sedimentados parâmetros de honestidade e retidão. Por isso, a boa-fé objetiva é fonte de obrigações, impondo comportamentos aos contra-tantes, segundo regras de correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social. O princípio da boa-fé atuará como modo de enquadramento constitucional do direito das obrigações, na medida em que a consideração pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual mais não é que o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito negocial. [...] O conteúdo da rela-ção obrigacional é dado pela vontade e integrado pela boa-fé. Com isso, estamos afirmando que a prestação principal do negócio jurídico (dar, fazer e não fazer) é um dado decorrente da vontade. Os deveres prin-cipais da prestação constituem o núcleo dominante, a alma da relação obrigacional. Daí que sejam eles que definem o tipo do contrato. Toda-via, outros deveres se impõem na relação obrigacional, completamente desvinculados da vontade de seus participantes. Trata-se dos deveres de conduta, também conhecidos na doutrina como deveres anexos, deveres instrumentais, deveres laterais, deveres acessórios, deveres de proteção e deveres de tutela. Os deveres de conduta são conduzidos ao negócio jurídico pela boa-fé, destinando-se a resguardar o fiel processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra. Eles incidem tanto sobre o devedor quanto sobre o credor, mediante resguardo dos direitos fundamentais de ambos, a partir de uma ordem de cooperação, prote-ção e informação, em via de facilitação do adimplemento, tutelando-se a dignidade do devedor e o crédito do titular ativo. (ROSENVALD, Nelson. Código Civil comentado. Coordenador: Ministro Cezar Peluso. Barueri: Manole, 2007. p. 421/422)

Por seu turno, Maria Helena Diniz leciona sobre os princípios da probidade e da boa-fé o seguinte:

O princípio da probidade e o da boa-fé objetiva estão ligados não só à interposição do contrato, pois, segundo eles, o sentido literal, o sentido

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literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes têm o dever de agir com honradez, denodo, lealdade, honestidade e confiança recípro-cas, isto é, proceder de boa-fé tanto na tratativa negocial, formação e conclusão do contrato como em sua execução e extinção, impedindo que uma dificulte a ação da outra. A boa-fé subjetiva é atinente ao fato de se desconhecer algum vício do negócio jurídico. E a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de ca-ráter), proibindo comportamento contraditório, impedindo o exercício abusivo de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal, mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de atuação diligente. “A vedação do com-portamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil” (Enunciado nº 362 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil). Ressalta-se que, em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos de-veres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpas. Esse artigo não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do prin-cípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual. “A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato” (Enunciado nº 170 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil). A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigên-cia de comportamento leal dos contratantes, incompatível com conduta abusiva, tendo por objetivo gerar, na relação obrigacional, a confiança necessária e o equilíbrio das prestações e da distribuição de riscos e en-cargos, ante a proibição do enriquecimento sem causa. E, na interpre-tação da cláusula geral de boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos (Enunciados nºs 24, 25, 26 e 27, aprovados na Jor-nada de Direito Civil, promovida em setembro de 2002, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal). Para Miguel Reale, a boa-fé é condição essencial à atividade ético-jurídica, caracterizando-se pela probidade dos seus participantes. A boa-fé, continua ele, é forma de conduta e norma de comportamento, sendo ainda, na lição de Judith Martins-Costa, um “cânone hermenêutico integrativo do contrato; como

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norma de criação de deveres jurídicos e como norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos”. O princípio da boa-fé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação. O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar agravamento do próprio prejuízo (Enunciados nºs 168 e 169 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na III Jornada de Direito Civil). Íntima é a relação do princípio da boa-fé objetiva com o da probidade, que requer honestidade no procedimento dos contratantes e no cumprimento das obrigações contratuais. “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demons-trar a existência da violação” (Enunciado nº 363 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na IV Jornada de Direito Civil). (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 363/364)

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes lecionam sobre as acepções do termo “boa-fé” contido no art. 422 do Código Civil e suas respectivas funções:

A noção de boa-fé é ambivalente, comportando a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. Como princípio aplicável ao direito contratual, o pre-ceito em análise cuida da boa-fé objetiva. A distinção entre a boa-fé ob-jetiva e a boa-fé subjetiva não suscita divergência. A boa-fé subjetiva relaciona-se com o estado de consciência do agente por ocasião de um dado comportamento. Referida em diversos dispositivos legais, como é o caso do art. 1.201 do CC, consiste no desconhecimento de um vício, relativamente ao ato jurídico que se pratica ou à posse que se exerce. Já a boa-fé objetiva consiste em um dever de conduta. Obriga as partes a terem comportamento compatível com os fins econômicos e sociais pre-tendidos objetivamente pela operação negocial. No âmbito contratual, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração aos interesses comuns, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a própria existência do contrato. Daí se afirmar que a boa-fé subjetiva “mais não representa do que um elemento constitutivo da previsão de uma norma, funcionando, pois, como um pressuposto de facto da sua aplicação”, ao passo que a boa-fé é a própria norma, fonte direta de deveres de conduta exigíveis quer do devedor quer do credor no âmbito da relação obrigacional (Rui de Alarcão. Direito das obrigações, p. 91). Sob a perspectiva constitucional, a boa-fé decorre de “quatro princípios fundamentais para a atividade econômica, quais sejam: 1. A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF); 2. O valor social da livre iniciativa

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(art. 1º, IV, da CF); 3. A solidariedade social (art. 3º, I, da CF); IV. A igual-dade substancial (art. 3º, I, da CF)”, vinculados diretamente à dicção do art. 170 da CF, de modo a enfatizar “o significado instrumental da ativi-dade econômica privada para a consecução dos fundamentos e objetivos da ordem constitucional” (Gustavo Tepedino, Crise de fontes normativas, p. XXXII. V. também Leonardo Mettietto, O direito civil-constitucional, p. 163 e ss.). A boa-fé contratual traduz-se, pois, na imposição aos con-tratantes de um agir pautado pela ética da igualdade e da solidariedade. Ao perseguir seus interesses particulares, devem as partes de um contrato conferir primazia aos objetivos comuns e, se for o caso, às relações exis-tenciais sobre as patrimoniais e à preservação da atividade econômica em detrimento da vantagem individual. Em vez de um indivíduo tomado em si e por si, cuja liberdade se considerava bem supremo e intocável, a tutela da pessoa, instituída pelo sistema constitucional, atribui ao direito contratual novos deveres, qualificando-se o contrato como um instru-mento de realização de objetivos que só merecem proteção jurídica se e enquanto estiverem de acordo com os valores da sociedade. Na base do projeto constitucional, está a construção de uma sociedade mais justa e solidária (CF, art. 3º, I), atribuindo-se ao direito contratual, por meio de princípios como a boa-fé, papel fundamental nesta direção. A fim de contornar a excessiva amplitude do princípio, a doutrina procura dar conteúdo mais preciso à boa-fé objetiva por meio da identificação de três funções: i) cânon interpretativo-integrativo; ii) norma de criação de deve-res jurídicos; e iii) norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos. A referida tripartição funcional, inspirada nas funções do direito pretoria-no romano, foi modernamente sugerida por Franz Wieacker (El principio general de buena fe, p. 50, invocando Boehmer), que se refere à atuação do § 242 do BGB em três funções: iuris civilis adiuvandi, supplendi o corrigendi gratia. [...] Como regra de interpretação, o recurso ao princí-pio da boa-fé serve para melhor especificar a finalidade do acordo à luz das circunstâncias concretas que o caracterizam. [...] Como norma de criação de deveres jurídicos, a boa-fé dá origem aos chamados “deveres laterais”, também conhecidos como acessórios, ou ainda secundários, em razão de não se referirem direta e primordialmente ao objeto central da obrigação. Ao se exigir dos contratantes, quer na conclusão, quer na própria execução do contrato, “guardem os princípios da probidade e boa-fé”, o CC, muito mais do que apenas exigir um dever geral de não prejudicar, autoriza a imposição de uma série de deveres de conduta mu-tuamente exigíveis entre os contratantes e que independem da vontade de um e de outro. [...] No que toca à sua terceira função, o princípio da boa-fé combina-se com a teoria do abuso de direito para impor restri-

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ções ao exercício de direitos subjetivos. Nesse sentido, a boa-fé funciona como parâmetro de valoração do comportamento dos contratantes com a finalidade de proscrever aqueles exercícios considerados arbitrários e irregulares (v. comentário ao art. 187). Nesses casos, o comportamen-to formalmente lícito de um dos contratantes não resiste à avaliação de sua conformidade com a boa-fé e, como tal, deixa de merecer a tutela do ordenamento jurídico. Em tal contexto, faz-se referência ao princí-pio segundo o qual nemo potest venire contra factum proprium, ou seja, ninguém é dado vir contra o próprio ato. Em sua acepção contemporâ-nea, este princípio veda que alguém pratique uma conduta em contra-dição com sua conduta anterior, lesando a legítima confiança de quem acreditara na preservação daquele comportamento inicial. “De fato, a proibição de comportamento contraditório não tem por fim a manuten-ção da coerência por si só, mas afigura-se razoável apenas quando e na medida em que a incoerência, a contradição aos próprios atos, possa violar expectativas despertadas em outrem e assim causar-lhes prejuí-zos” (Anderson Schreiber, A proibição do comportamento contraditório, p. 90). (TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constitui-ção da República. Rio de Janeiro: Renovar, v. II, 2006. p. 16/20)

Nelson Nery Junior, em seus comentários acerca do art. 422 do Código Civil, destaca a obrigatoriedade de a cláusula geral de boa-fé objetiva ser respeitada pelos contratantes como um verdadeiro padrão de conduta:

É cláusula geral (v. coments. Prelim. CC 1º), ao mesmo tempo em que se consubstancia em fonte de direito e de obrigações, isto é, fonte jurí-gena, assim como a lei e outras fontes. É fonte jurígena porque impõe comportamento aos contratantes, de agir com correção segundo os usos e costumes. Com isso, a norma do CC 422 classifica-se, também, como regra de conduta (Martins-Costa, Boa fé, p. 412), seguindo, nesse passo, o direito italiano (CC ital. 1175 e 1337). Deixou de ser princípio geral de direito porque incluída expressamente no texto do direito positivo brasileiro. A cláusula geral de boa-fé objetiva é norma jurídica que, en-tretanto, possui características próprias que a distinguem de outras nor-mas jurídicas positivas. É uma ordem geral da lei ao juiz para que profira sentença, observando a lealdade e a boa-fé, segundo os usos e costumes, ou que simplesmente possa agir mediante juízo lógico de subsunção. Essa norma (cláusula geral de boa-fé objetiva) se diferencia das outras re-gras de direito positivo somente por duas circunstâncias: a) primeiro, por

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intermédio de sua indeterminação (daí porque cláusula geral); e b) pela referência não aos preceitos positivos, mas a mandamentos (lealdade e boa-fé) ou critérios (usos e costumes) sociais e metajurídicos (Wieacker, Präzisierung, p. 10). A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale di-zer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta a re-lação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei, fonte de direito, regra jurígena criadora de direitos e de obrigações) de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar. É interessante a definição de Betti para a boa--fé: “Essa é essencialmente fidelidade e empenho de cooperação” (Betti, Neg. giuridico, p. 77, “Essa è essenzialmente fedeltà e impegno di coope-razione”). [...] As partes devem guardar a boa-fé, tanto na fase pré-contra-tual, das tratativas preliminares, como durante a execução do contrato e, ainda, depois de executado o contrato (pós-eficácia das obrigações). [...] estão compreendidas no CC 422 as tratativas preliminares, antecedentes do contrato, como também as obrigações derivadas do contrato, ainda que já executado (v. CC 462). Com isso, os entabulantes – ainda não con-tratantes – podem responder por fatos que tenham ocorrido antes da cele-bração e da formulação do contrato (responsabilidade pré-contratual), e os ex-contratantes – o contrato já se findou pela sua execução – também respondem por fatos que decorram do contrato findo (pós-eficácia das obrigações contratuais). (NERY JUNIOR, Nelson. Código civil comenta-do. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 480/481)

Attila de Souza Leão Andrade Jr. classifica a cláusula geral de boa--fé prevista no art. 422 do CC (de onde se extrai também a ideia de res-peito ao princípio da probidade) como inerente ao próprio trato comezi-nho mantido entre os componentes de uma mesma sociedade, trato este que deve ser marcado pela fidúcia/confiança, sob pena de desnaturar-se o objetivo da vida em sociedade, que é o de respeitar o direito alheio e esperar que o seu próprio direito seja pelos outros respeitado:

As relações humanas estão sempre permeadas pelos princípios da probi-dade e da boa-fé. Estes são a cola que fazem aderir as relações humanas tornando-as palatáveis e possíveis no contexto da vida gregária. Costu-mamos sempre utilizar esta imagética aos alunos em classe, ao indagar que sem esses princípios a vida seria absolutamente infernal. Imaginem caso não pudéssemos confiar nos princípios da probidade e de boa-fé que

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fizeram que os fabricantes do automóvel o tivessem manufaturado com a máxima cautela e zelo profissional. Assim confiamos simplesmente nos fabricantes e fazemos diariamente nossos carros rolarem pelas rodovias. Da mesma forma, confiamos nas empresas fabricantes e mantenedoras dos elevadores, e, sem pestanejar, diariamente nos fazemos por lês trans-portar para os nossos escritórios ou a quaisquer outras destinações citadi-nas. Ou, ainda, o mesmo princípio que nos permite fazer uma operação cirúrgica, ou simplesmente fazer a barba, confiamos, simplesmente con-fiamos, em que as pessoas que conduzam tais operações sejam probas e sanas em se utilizando do princípio da boa-fé e não irão nos prejudicar ou lesionar. Assim é que o art. 422 estabelece que os contratantes, ao celebrarem os contratos e na sua execução, devam guardar a observância a tais princípios. São deveres primários que inspiram os homens desde tempos imemoriais, aqueles que nos obrigam a ser decentes e honestos uns com os outros, aqueles a que a os romanos já intuíam nas fórmulas naeminem laedere e os que proibiam as pessoas de enriquecerem sem causa. Neste aspecto, há no direito, inexoravelmente, a ideia do ético, do moral e do justo, obrigando-nos a utilizar desses princípios que não estão nos livros, mas nos corações dos homens. (ANDRADE JUNIOR, Attila de Souza Leão. Comentários ao novo Código Civil: dos contratos. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2006. p. 04)

Como visto, a boa-fé objetiva estabelecida no art. 422 do CC tra-duz a obrigatoriedade de as partes contratantes atuarem sob um padrão ético que pressupõe um regime de cooperação, em que cada parte cola-borará para o devido cumprimento do contrato.

É certo, portanto, que, em épocas de crise econômica, quando os bancos estatais renegociam as dívidas dos seus clientes, concedem-lhes mais prazo para pagamento e promovem desconto nos juros estão pos-sibilitando aos seus contratantes o cumprimento dos contratos outrora celebrados.

Manifesta-se como expressão da boa-fé objetiva a adoção de me-didas proativas por parte dos bancos estatais para evitar o superendi-vidamento e a asfixia financeira dos seus clientes, já que tais medidas são, em última análise, instrumentos para garantir o cumprimento dos contratos.

Inobservada a boa-fé objetiva, corre o banco estatal o severo risco de não ter seus contratos adimplidos, pois, mantendo-se inerte na crise

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econômica e não dando apoio aos seus clientes em momentos de difi-culdade, não estará a instituição financeira atuando de forma leal para o devido cumprimento do contrato.

5 DUTy TO MITIGATE THE LOSS: A NECESSIDADE DE OS BANCOS ESTATAIS NEGOCIAREM AS DÍVIDAS PARA CONSIGO COMO FORMA DE MITIGAREM SEUS PRóPRIOS PREJUÍzOS

Citando a Professora Véra Maria Jacob de Fradera, Daniel Pires Novais Dias leciona o seguinte acerca da recepção do duty to mitigate the loss no ordenamento jurídico brasileiro:

Fradera defende ser possível esta recepção por meio do princípio da boa--fé previsto no art. 422 do CC/2002: o duty to mitigate the loss corres-ponderia a um dever acessório de mitigar a (própria) perda. Além desta via, Fradera menciona, sob a influência da jurisprudência francesa, ser também possível a recepção com base na proibição de venire contra factum proprium e no abuso de direito. (DIAS, Daniel Pires Novais. O duty to mitigate the loss no direito civil brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Op. cit., p. 685)

E no que consiste o duty to mitigate the loss? Flávio Tartuce ofere-ce a resposta:

Trata-se do dever imposto ao credor de mitigar suas perdas, ou seja, o próprio prejuízo. Sobre essa premissa foi aprovado o Enunciado nº 169 CJF/STJ na III Jornada de Direito Civil, pelo qual “o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuí-zo”. A proposta, elaborada por Vera Maria Jacob de Fradera, Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representa muito bem a natureza do dever de colaboração, presente em todas as fases contratuais e que decorre do princípio da boa-fé objetiva e daquilo que consta do art. 422 do CC. Anote-se que o Enunciado nº 169 CJF/STJ está inspirado no art. 77 da Convenção de Viena de 1980, sobre a venda internacional de mercadorias, no sentido de que “a parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída”. Para a autora da proposta, há uma relação direta com o princípio da boa-fé objetiva,

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uma vez que a mitigação do próprio prejuízo constituiria um dever de natureza acessória, um dever anexo, derivado da boa conduta que deve existir entre os negociantes. A ilustrar a aplicação do duty to mitigate the loss, ilustre-se com o caso de um contrato de locação de imóvel urbano em que houve inadimplemento. Ora, nesse negócio, há um dever por parte do locador de ingressar, tão logo lhe seja possível, com a competente ação de despejo, não permitindo que a dívida assuma valores excessivos. O mesmo argumento vale para os contratos bancários e financeiros em que há descumprimento. Segundo a interpretação deste autor, já aplicada pela jurisprudência, não pode a instituição financeira permanecer inerte, aguardando que, diante da alta taxa de juros prevista no instrumento contratual, a dívida atinja montantes astronômicos. Se assim agir, como consequência da violação da boa-fé, os juros devem ser reduzidos (nesse sentido, ver: TJMS, Acórdão nº 2009.022658-4/0000-00, Campo Grande, 3ª T.Cív., Rel. Des. Rubens Bergonzi Bossay, DJEMS 24.09.2009, p. 12 e TJRJ, Apelação Cível nº 0010623-64.2009.8.19.0209, 9ª C.Cív., Apelante: Paulo Roberto de Oliveira, Apelado: Banco de Lage Landen Brasil S.A., Rel. Des. Roberto de Abreu e Silva, J. junho de 2011; o último, com citações a esta obra). (TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 451/452)

O duty to mitigate the loss, conforme leciona Daniel Pires Novais Dias, é um dever acessório que decorre do princípio da boa-fé objetiva:

Os fundamentos jurídicos elencados pela doutrina brasileira para recep-cionar o duty to mitigate the loss são: dever acessório, abuso de direito, venire contra factum proprium e supressio. [...] O principal fundamento de recepção do duty to mitigate the loss defendido pela doutrina brasilei-ra é o de dever acessório. Esta tese parte da noção de que o princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do CC/2002, impõe às partes contratantes deveres acessórios de cooperação ou lealdade entre si. O duty to mitigate é encarado como uma concretização desta noção de cooperação, uma vez que impõe a uma das partes conduta voltada a evitar a oneração da prestação da outra. Assim, sob esta perspectiva, trata-se o duty to mitigate the loss, no direito civil brasileiro, de um dever acessório de mitigar a (própria) perda. [...] em uma relação obrigacional decorrente do acordo de vontades, o dever acessório que recai sobre ambas as partes de não onerar nem complicar a atuação da outra tem por fundamento o pró-prio acordo de vontades por elas firmado e tem por finalidade acautelar e substancializar a prestação contratada; assim, o credor que onera ou

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complica a atuação do devedor está se voltando contra o que foi por ele pactuado, bem como contra o equilíbrio das prestações. (DIAS, Daniel Pires Novais. O duty to mitigate the loss no direito civil brasileiro e o en-cargo de evitar o próprio dano. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Op. cit., p. 708 e 711)

No Brasil, o duty to mitigate the loss tem encontrado grande apli-cação junto aos bancos, conforme se vê a seguir:

Os contratos bancários são a principal fonte da doutrina para criar exem-plos de aplicação do duty to mitigate. Afirma-se, em geral, que as ins-tituições financeiras, mormente “diante da alta taxa de juros prevista no instrumento contratual”, não podem permanecer inertes em face do inadimplemento contratual, devendo adotar medidas para minimizar o próprio prejuízo. (DIAS, Daniel Pires Novais. O duty to mitigate the loss no direito civil brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Op. cit., p. 686)

Resta óbvio que o banco público não pode assistir passivamente ao endividamento dos seus clientes sob pena de os mesmos se inviabili-zarem economicamente e não quitarem as dívidas com o banco.

No severo período de crise econômica que aflige o País, o caráter estatal dos bancos públicos deve ser ressaltado, já que ações governa-mentais para combater os efeitos da crise passam por evitar prejuízos, algo que é ínsito ao duty to mitigate the loss.

CONCLUSÃO

Diante de uma crise econômica que já é considerada a maior da história, associada a uma crise política que culminou em um processo de impeachment da Presidente da República, em que não há previsão acerca da extensão e da natureza de todos os seus efeitos, vislumbra-se como curial uma atuação ostensiva do Estado para, dentro dos limites legais, intervir na economia e tentar mitigar a recessão, a inflação, o fe-chamento de empresas e o desemprego.

Mantendo-se inerte em um momento de tamanha gravidade, per-de o Estado inclusive a legitimidade para sua própria existência, pois o mesmo tem o dever de conseguir acolher seus administrados em perío-dos de crise.

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Os bancos estatais devem obrigatoriamente promover uma gestão social dos seus contratos, observando o princípio da preservação da em-presa, os casos de onerosidade excessiva, o princípio da boa-fé e o duty to mitigate the loss, sob pena de negarem seu papel de instrumentos de ação governamental do Estado na busca do desenvolvimento nacional, da erradicação da pobreza, da redução das desigualdades e do pleno emprego.

REFERÊNCIAS

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Parte Geral – Doutrina

A Dissolução Irregular Como Hipótese de Responsabilização Tributária Pessoal do Sócio-Gerente

CAROLInE nOnATO DE OLIVEIRAAdvogada, Pós-Graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Distinção da personalidade jurídica da empresa e do sócio-gerente; 2 Res-ponsabilidade no direito tributário; 2.1 Responsabilidade de “pessoal” de terceiros; 2.2 Mero inadim-plemento como hipótese de não responsabilização; 3 Responsabilidade subjetiva do administrador; 4 Dissolução irregular; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A questão da dissolução irregular como hipótese de responsabi-lização tributária pessoal do sócio-gerente é um tema muito discutido atualmente, tendo em vista que é preciso cumprir alguns requisitos para que se enseje tal responsabilidade.

Deste modo, o presente artigo visa a trazer, de forma clara, as ra-zões doutrinárias e jurisprudenciais para a responsabilização pessoal do sócio-administrador, observando-se todos os requisitos do art. 135 do Código Tributário Nacional, quando a sociedade é dissolvida irregular-mente, deixando de saldar seus débitos para com o Fisco.

Inicialmente, aborda-se a distinção da personalidade jurídica da empresa e do sócio-gerente, destacando que a simples condição de só-cio não implica responsabilização tributária.

Na sequência, trata-se das hipóteses de responsabilidade no di-reito tributário, ressaltando o disposto no art. 128 do Código Tributário Nacional, que só permite ao legislador atribuir responsabilidade tributá-ria a terceiro vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. A esta altura, discutiu-se a responsabilidade pessoal de terceiros, prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional, demonstrando os divergentes entendimentos da doutrina a respeito do tema.

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Discorre-se, após, sobre o fato de o mero inadimplemento de obri-gação tributária não ser suficiente para configurar a responsabilização por infração de lei.

Versa-se também sobre o importante entendimento jurispruden-cial a respeito da responsabilidade subjetiva do administrador, de que é desnecessário que se esgotem os bens da empresa para que haja a responsabilização do sócio-gerente.

Por fim, abarca-se a dissolução irregular como forma de responsa-bilização do sócio-administrador pelas obrigações tributárias, fazendo--se destacar o entendimento pacificado pela Súmula nº 435 do STJ, que tende a inibir o fechamento informal das sociedades empresárias.

1 DISTINÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA E DO SóCIO-GERENTE

A matéria responsabilidade tributária tem provocado grandes dis-cussões na atualidade, o que evidencia a necessidade de aprofundamen-to reflexivo.

Porém, antes de examinar o instituto da responsabilidade tributária em face do art. 135 do Código Tributário Nacional (CTN), é importan-te traçar a distinção da personalidade jurídica da empresa e do sócio--gerente.

De acordo com o art. 985 do Código Civil de 2002, “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos” (Brasil, 2015).

Para Fazzio Júnior (2007), a sociedade empresária como pessoa jurídica é sujeito de Direito e poderá praticar atos jurídicos, com capa-cidade própria; além de poder estar em juízo, negociará e responderá pelos encargos que contrair.

Nesse sentido, o autor ainda ressalta que “a sociedade tem indi-vidualidade: não se confunde com a pessoa natural dos sócios que a constituem; a sociedade tem patrimônio próprio que responde ilimitada-mente por seu passivo” (Fazzio Júnior, 2007, p. 111).

Já quanto aos sócios, Fazzio Júnior explica:

Os sócios, em regra, não respondem pelas obrigações da sociedade. Somente se o patrimônio social revelar-se insuficiente para fazer frente

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ao passivo da sociedade é que, ainda assim, em circunstâncias expres-samente previstas em Lei, o sócio será chamado a responder pelos en-cargos sociais. Sua responsabilidade, mesmo nessa eventualidade, será subsidiária (secundária, suplementar), ou seja, os sócios responderão se a sociedade não tiver com o que responder, ou responderão pelo que a sociedade não tiver forças para responder. (Fazzio Júnior, 2007, p. 112)

Porém, segundo Hugo de Brito Machado (2010), cabe destacar que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tribu-tária. O que causa a responsabilidade é condição de administrador de bens alheios. Ou seja, se o sócio não pratica atos de administração da sociedade, não pode então ser responsabilizado pelos débitos tributários desta.

Nesse diapasão, elucida Alexandre (2012, p. 327):

A regra é que os sócios não sejam responsabilizados pelas obrigações da pessoa jurídica que integram. Ressalte-se, contudo, que, se o sócio é tam-bém gerente da sociedade, passa a responder pelos atos ilícitos que vier a praticar. O motivo disso não é o fato de ser sócio, mas sim o exercício da função de gestão, de administração da instituição.

Conclui Paulsen (2012, p. 87) que:

Sendo a responsabilidade, assim, do diretor, gerente ou representante, e não do simples sócio sem poder de gestão, também não é possível res-ponsabilizar pessoalmente o diretor ou o gerente por atos praticados em período anterior ou posterior a sua gestão. Assim, sócios que não tenham tido qualquer ingerência sobre os fatos não podem ser pessoalmente res-ponsabilizados pelos créditos tributários decorrentes.

2 RESPONSABILIDADE NO DIREITO TRIBUTáRIO

De acordo com Alexandre (2012, p. 300),

o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser um contribuinte ou um responsável. Será contribuinte quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; caso contrário, será denominado responsável. Em ambos os casos, a sujeição passiva depen-de de expressa previsão legal.

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������133

Sob o mesmo prisma, completa Amaro (2012) que o responsável será sempre um terceiro. Contudo, o Código Tributário Nacional, ao disciplinar a matéria, reserva para algumas situações o título de “res-ponsabilidade de terceiros”, prevista nos arts. 134 e 135, abordando, separadamente, dos sucessores, nos arts. 129 a 134, bem como dos res-ponsáveis solidários, nos arts. 124 e 125.

Sobre o tema Responsabilidade no direito tributário, é importante colacionar o disposto no art. 128 do Código Tributário Nacional:

Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vin-culada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsa-bilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação. (Brasil, 2015)

Nos dizeres de Paulsen:

Note-se que o art. 128 do CTN só permite ao legislador atribuir respon-sabilidade tributária a terceiro vinculado ao fato gerador da respectiva obrigação. Isso porque o responsável tributário não integra a relação con-tributiva. É sujeito passivo de obrigação própria de colaboração com o Fisco, cumprindo deveres que facilitam a fiscalização ou que impedem o inadimplemento. Só no caso de descumprimento da sua obrigação de colaboração é que assume a posição de garante, passando, então, à po-sição de responsável pela satisfação do crédito tributário. (2012, p. 85)

Por fim, conclui Hedler (2013, p. 186):

Assim, o responsável, mesmo não mantendo relação direta com o fato gerador, responderá em virtude de expressa disposição de lei, pelo adim-plemento do tributo em determinadas circunstâncias, sendo necessário, entretanto, que tal terceira pessoa esteja vinculada ao fato gerador da obrigação.

2.1 resPonsabilidade de “Pessoal” de terceiros

Tendo em vista que esse estudo visa a dispor sobre a responsabi-lização tributária pessoal do sócio-administrador, compete ressaltar o art. 135 do Código Tributário Nacional:

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Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto:

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de di-reito privado.

Afirma Alexandre (2012) que, quando o terceiro responsável age de forma irregular, infringindo a lei, o contrato social ou o estatuto, sua responsabilidade será pessoal e não apenas solidária. Desta forma, o ter-ceiro responde pessoalmente, com a integralidade dos seus bens, restan-do afastada qualquer probabilidade de a pessoa que estaria na condição de contribuinte integrar o polo passivo.

Sob a mesma ideia, nas palavras de Luciano Amaro (2012, p. 353), “verifica-se que esse dispositivo exclui do polo passivo da obrigação a figura do contribuinte (que, em princípio, seria a pessoa em cujo nome e por cuja conta agiria o terceiro), ao mandar que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já adivinhava no art. 131) de que ela não é compartilhada com o devedor “original” ou “natural”. “Não se trata, portanto, de responsabili-dade subsidiária do terceiro, nem responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, ‘pessoalmente’” (Amaro, 2012, p. 354).

Já Hugo de Brito Machado (2010) entende que tal dispositivo trata a responsabilidade como solidariedade tributária, como se vê a seguir:

Note-se que as pessoas mencionadas no art. 134, se agirem com excesso de mandato, infração à lei ou contrato, assumem plena responsabilida-de pelos créditos tributários respectivos. Deixam de responder apenas na impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação princi-pal pelo contribuinte, e passam à posição de responsáveis solidários. (Machado, 2010, p. 167)

Como se pôde observar, as posições dos doutrinadores são varia-das e, segundo Hedler (2013), não há disposição legal que permita con-cluir se a empresa se encontra excluída do polo passivo na execução, na hipótese de aplicação do art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������135

2.2 mero inadimPlemento como hiPótese de não resPonsabilização

De acordo com Paulsen (2012, p. 87),

o mero inadimplemento de obrigação tributária é insuficiente para con-figurar a responsabilidade do art. 135 do CTN na medida em que diz respeito à atuação normal da empresa, inerente ao risco do negócio, à existência ou não de disponibilidade financeira no vencimento, gerando, exclusivamente, multa moratória a cargo da própria pessoa jurídica.

Nesse sentido, a Súmula nº 430 do Superior Tribunal de Justiça: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.

Do mesmo modo, o entendimento do Ministro João Otávio de Noronha, quando do julgamento do Recurso Especial nº 820.481/PR:

Prosseguindo, observo que o acórdão recorrido encontra-se em conso-nância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é as-sente no sentido de que a imputação da responsabilidade prevista no art. 135, inciso III, do CTN não está vinculada apenas ao inadimplemento da obrigação tributária, mas à comprovação das demais condutas nele descritas: prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

A jurisprudência desta Corte, contudo, orientou-se no sentido de que é ato que infringe a lei a dissolução irregular da sociedade, configuran-do, assim, a responsabilização dos gerentes, diretores e representantes das pessoas jurídicas, na forma da interpretação dada ao art. 135, III, do CTN. (STJ, 2ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, Data de Julgamento: 23.10.2007)

Como se pôde verificar, a jurisprudência e a doutrina são pacíficas no sentido de que o mero inadimplemento de obrigação tributária não é suficiente para configurar a responsabilidade do art. 135, incido III, do Código Tributário Nacional.

3 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ADMINISTRADOR

Em contrapartida às posições doutrinárias a respeito da responsa-bilidade do sócio-administrador, o STJ entende ser desnecessário que se esgotem os bens da empresa para que haja a responsabilização do sócio-

136 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA

-gerente, como pode se observar do voto do Ministro Castro Meira, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 702.232/RS:

No caso em que a CDA já indica a figura do sócio-gerente como corres-ponsável tributário, tendo sido a ação proposta somente contra a pessoa jurídica ou também contra o sócio, há presunção relativa de liquidez e certeza do título que embasa a execução, cabendo o ônus da prova ao sócio. Na hipótese típica de redirecionamento, há presunção também relativa de que não estavam presentes, na propositura da ação, os re-quisitos necessários à constrição patrimonial do sócio. Nessa circuns-tância, inverte-se o ônus da prova, que passará à Fazenda Pública exe-quente. (Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 14.12.2005 e Publicado em 26.09.2005)

Ainda sobre o tema, Alexandre (2012) cita o Recurso Espe-cial nº 1.104.900/ES, da Relatora Ministra Denise Arruda, julgado em 25.03.2009, publicado em 01.04.2009, expondo que, se em uma exe-cução fiscal é ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, porém o nome do sócio consta da Certidão de Dívida Ativa, ao mesmo caberá o ônus de provar que não praticou atos de infração à lei ou com excesso de poderes.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 562.276, considerou que:

O redirecionamento da execução não pode ser amparado em simples cometimento de ato ilícito, nem em responsabilidade independente de culpa. Entendendo pela inconstitucionalidade do disposto no art. 13 da Lei nº 8.620/1993, tendo em vista que o dispositivo, ao determinar que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respon-dessem solidariamente com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social, previu a hipótese de responsabilização objetiva, con-trariando o previsto no art. 135, inciso III, do Código tributário Nacional, bem como violando diretamente o art. 146, inciso III, da Constituição Federal, que somente hospeda a responsabilidade subjetiva quando se trata de pessoa física do sócio. (RE 562.276, Relª Min. Ellen Gracie, Jul-gado em 03.11.2010)

Em Paulsen (2012, p. 87), vamos encontrar o seguinte esclareci-mento:

A mera condição de sócio é insuficiente, pois a condução da sociedade é que é relevante. Daí porque o art. 13 da Lei nº 8.620/1993, no que

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estabelece a solidariedade dos sócios de empresas por cotas de responsa-bilidade limitada, sem qualquer condicionamento, extrapola o comando do art. 135, III, do CTN, contrariando a norma geral de direito tributário e, portanto, incorrendo em invasão à reserva de lei complementar, com ofensa ao art. 146, III, b, da CF.

Do mesmo modo, segue o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre a responsabilidade tributária subjetiva dos administra-dores:

TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – RES-PONSABILIDADE SUBJETIVA DO SÓCIO-GERENTE – ART. 135 DO CTN – 1. É pacífico nesta Corte o entendimento acerca da responsabi-lidade subjetiva do sócio-gerente em relação aos débitos da sociedade. De acordo com o art. 135 do CTN, a responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que configurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos da sociedade. 2. O sócio deve respon-der pelos débitos fiscais do período em que exerceu a administração da sociedade apenas se ficar provado que agiu com dolo ou fraude e exista prova de que a sociedade, em razão de dificuldade econômica decorren-te desse ato, não pôde cumprir o débito fiscal. O mero inadimplemento tributário não enseja o redirecionamento da execução fiscal. Embargos de divergência providos.

(STJ, EAg 494887/RS, 2003/0232391-2, 1ª S., Rel. Min. Humberto Martins, Data de Julgamento: 23.04.2008, Data de Publicação: DJ 05.05.2008, p. 1)

Por tais razões, sob as explicações de Hedler (2013, p. 191),

com a adoção da tese da responsabilidade subjetiva, além do requisito de responsabilização quanto a que o terceiro seja o sócio-gerente ou administrador da empresa, acrescenta-se tal entendimento a necessidade de que se comprove que esse administrador praticou um ato considerado como ilícito, ou seja, fraude à lei, ao contrato social ou estatuto ou a dis-solução irregular da empresa.

4 DISSOLUÇÃO IRREGULAR

Inicialmente, antes de abordar a dissolução irregular das empre-sas, cabe aludir os esclarecimentos de Cristina Luisa Hedler:

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A dissolução formal da empresa constitui um conjunto de atos, visando à extinção da pessoa jurídica. Finalizada a dissolução, inicia a fase de liquidação, mediante o levantamento de valores que compõem o patri-mônio da empresa – ativo e passivo. Na sequência, ocorre o pagamento das dívidas, com a finalização do procedimento por meio da partilha do resultado líquido final, que, em sendo positivo, ensejará distribuição entre os sócios. Tais formalidades, entretanto, não são suficientes para o atendimento dos ritos formais de baixa da empresa no registro comercial e nos cadastros fiscais. Exige-se, para tanto, a observância do quanto previsto nos arts. 1.102 e 1.109 do Código Civil, no sentido de que todas as suas obrigações devem ser quitadas, incluindo as de natureza fiscal. Também o Regulamento do Imposto de Renda, em seu art. 207, III, consi-dera extinta irregularmente a pessoa jurídica que deixa de funcionar sem proceder à sua liquidação, ou sem apresentar a declaração de rendimen-tos no encerramento da liquidação. (Hedler, 2013, p. 192)

Nesse sentido, vale ressaltar as palavras da Ministra Eliana Calmon quando do julgamento do REsp 841.855/PR:

Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcio-nar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização do sócio-gerente, o qual pode provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, ou, ainda, que efetivamente não tenha ocorrido a dissolução irregular. (REsp 841.855/PR, Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 30.08.2006)

Em Hedler (2013), vamos encontrar o esclarecimento de que o caso de irregularidade na dissolução das sociedades é comum entre as empresas e que mais de 90% das execuções fiscais movidas pela Fazen-da Pública referem-se à cobrança de tributos declarados e confessados por essas empresas irregularmente dissolvidas.

Sob esse aspecto afirma Paulsen (2012, p. 87) que “a dissolução irregular tem sido considerada causa para o redirecionamento da execu-ção contra o sócio-gerente”.

Desta forma, para esses casos em que a empresa simplesmente “fecha as portas” sem promover sua regular dissolução e sem deixar patrimônio para saldar os débitos fiscais, é que o STJ pacificou o que disciplina a Súmula nº 435:

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Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, le-gitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. (Brasil, 2015)

Nos dizeres de Hedler (2013, p. 194),

verifica-se, portanto, que, em todas as situações de que se trata, somente o sócio que exerce a gestão da empresa, assim entendido o adminis-trador, é passível da aqui versada responsabilização pessoal solidária. Em se tratando de dissolução irregular de empresa, responsabilizável é o sócio com poderes de gerência ou administrador à época do fechamento irregular.

Ainda em Hedler (2013), foi ressaltada a importância da Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a dissolução irregular configura infração em lei, pois inibe as incalculáveis situações de encerramento informal da sociedade, que, em muitos casos, abrem novas empresas, restando insolvente o passivo tributário da empresa an-terior.

Assim, é possível concluir que a dissolução irregular é circuns-tância fática que enseja a aplicação do art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.

CONCLUSÃO

O sujeito passivo de uma obrigação tributária pode ser tanto um contribuinte quanto um responsável. Entende-se por contribuinte aquele que tem relação direta com o fato gerador. Já o responsável é aquele que, apesar de não ter relação direta com fato gerador da obrigação, se é sócio-gerente da sociedade, passa a responder pelos atos ilícitos que vier a praticar.

Sob tal aspecto há que se considerar que o responsável será sem-pre um terceiro. Porém, o art. 128 do Código Tributário Nacional só permite ao legislador atribuir responsabilidade tributária a terceiro vin-culado ao fato gerador da respectiva obrigação.

O art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional potencial-mente imputa responsabilidade aos sócios-administradores de pessoas jurídicas em débito com o Fisco. Todavia, há divergência na doutrina

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se tal responsabilidade seria subsidiária ou solidária, sendo que o mero inadimplemento da obrigação tributária é causa insuficiente para confi-gurar tal responsabilidade.

Tendo em vista o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça, é desnecessário que se esgotem os bens da empresa para que haja a responsabilização do sócio-gerente, pois a responsabilidade do mesmo é subjetiva em relação aos débitos da sociedade, uma vez que a responsabilidade fiscal dos sócios restringe-se à prática de atos que con-figurem abuso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 562.276, entendeu pela inconstitucionalidade do disposto no art. 13 da Lei nº 8.620/1993, considerando que tal dispositivo viola diretamente o art. 146, inciso III, da Constituição Federal, haja vista que a mera condi-ção de sócio é insuficiente para imputar responsabilização, pois a con-dução da sociedade é que importa.

Desse modo, considerando tese da responsabilidade subjetiva, conclui-se que, além do requisito de responsabilização do terceiro só-cio-gerente da empresa, é necessário que se comprove que esse admi-nistrador praticou algum ato considerado como ilícito.

Portanto, a dissolução irregular tem sido considerada causa para o redirecionamento da execução contra o sócio-gerente.

Presume-se dissolvida irregularmente, cabendo a responsabiliza-ção do sócio-gerente, a empresa que deixar de funcionar no seu domicí-lio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, entendimento este pacificado pela Súmula nº 435 do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, a doutrina e a jurisprudência entendem que a responsabili-dade dos sócios, em relação às dívidas fiscais contraídas pela sociedade, somente se afirma se aqueles, no exercício da gerência ou de outro car-go na empresa, abusaram do poder ou infringiram a lei, o contrato social ou estatutos, ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente.

Diante todo o exposto no presente estudo, há que se concluir que a dissolução irregular da empresa consiste em hipótese de ato infracio-nal apto para gerar responsabilização do sócio-gerente pelos tributos devidos.

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������141

REFERÊNCIAS

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2010.

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário: completo. 4. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2823

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoAgravo de Instrumento – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0010087‑95.2015.4.02.0000 (2015.00.00.010087‑6)Relator: Desembargadora Federal Nizete Lobato CarmoAgravante: GC Promotora de Vendas Ltda. – MEAdvogado: Nilton Sterchele Nunes Pereira JuniorAgravado: CEF – Caixa Econômica FederalAdvogado: Bruno Vaz de CarvalhoOrigem: 04ª Vara Federal de Niterói (01042274420154025102)

ementa

PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINáRIA – CPC/1973 – MICROEMPRESA – HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA – NÃO COMPROVAÇÃO – GRATUI- DADE DE JUSTIÇA – CONTRATOS BANCáRIOS – DEPóSITO DO VALOR INCONTROVERSO – AUSÊNCIA – CADASTRO EM óRGÃOS RESTRITIVOS DE CRéDITO

1. A decisão negou a gratuidade de justiça, pois não comprovada a hipossuficiência empresarial, imprescindível a concessão do benefício à pessoa jurídica, e, também, a pretensão de obstar a Caixa de incluir o nome da agravante nos cadastros de proteção ao crédito, à falta de verossimilhança das alegações, pois não demonstrada, de plano, qualquer irregularidade contratual, decorrendo as dificuldades de adimplemento da crise econômica, e não de cláusulas negociais.

2. Para obter o benefício da justiça gratuita, a pessoa jurídica deve comprovar que não pode arcar com as despesas processuais sem comprometer a sua existência. Aplicação da Súmula nº 481 do STJ. Precedentes.

3. No curto período de dois meses a empresa se manteve com saldo negativo, mais de R$ 20 mil, apesar do empréstimo contraído de R$ 195 mil. Os extratos incompletos, não atualizados na data do recurso, não permitem aferir a situação atual da empresa, e é insuficiente a contratação de empréstimos, prática usual no meio empresarial para alavancar recursos para a atividade empresarial.

4. Na nova disciplina do CPC/2015, é possível o parcelamento das custas, de R$ 957,00, e a concessão da gratuidade para a produção

144 �������������������������������������������������������������RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA

de prova pericial contábil, de custos mais elevados. Aplicação do art. 98, §§ 5º e 6º, do CPC/2015.5. O ajuizamento de ação revisional de contrato bancário, por si só, não inviabiliza o registro em órgãos restritivos de crédito, que constitui exercício regular do direito da instituição financeira credora. Precedentes.6. A abstenção de inscrição ou manutenção em cadastros de inadimplentes depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: ação do devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; alegações fundadas na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; e depósito do valor incontroverso ou prestação de caução idônea, o que não ocorreu. Precedentes.7. Descabe a antecipação da tutela para impedir o registro da sociedade empresária nos cadastros de inadimplentes, à falta de verossimilhança do direito à revisão de todo o contrato, sob a genérica alegação de abusividade da instituição financeira, sem sequer depositar o valor incontroverso.8. Agravo de instrumento parcialmente provido, apenas para autorizar o parcelamento das custas e conceder a gratuidade para perícia.

acórdão

Decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, na forma do voto da Relatora.

Rio de Janeiro, 22 de junho de 2016.

Assinado eletronicamente (Lei nº 11.419/2006) Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo Desembargadora Federal

relatório

GC Promotora de Vendas Ltda. ME agrava1 da decisão2 que lhe negou a gratuidade de justiça, por não ter comprovado a hipossuficiên-

1 Razões do agravo às fls. 1/11.2 Decisão agravada às fls. 13/14.

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ����������������������������������������������������������������145

cia da empresa, e tampouco antecipou a tutela para impedir a Caixa de incluí-la nos cadastros de proteção ao crédito, pois “não restou demons-trada, de plano, qualquer irregularidade nos contratos celebrados [...], sendo certo que as dificuldades do adimplemento do contrato bancário decorreram da crise econômica, e não das cláusulas contratuais”.

Alega que se insurge contra a prática do anatocismo, a cumulação indevida de juros, e a abusividade de cláusulas contratuais, pois se recu-sa a pagar valores muito além do devido.

Paralisou suas atividades, e sem faturamento não pode arcar com as custas judiciárias.

Comprovado está o fumus boni iuris e o periculum in mora, e a sua inclusão em cadastro de proteção ao crédito causará prejuízo às relações comerciais.

Contrarrazões às fls. 50/56.

O Procurador Regional Luis Cláudio Leivas opinou pelo desprovi-mento do recurso, reportando-se à decisão agravada3.

É o relatório.

Assinado eletronicamente (Lei nº 11.419/2006) Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo Desembargadora Federal

voto

Conheço do Agravo de instrumento de setembro/2015, observan-do as diretrizes dos arts. 14 e 1.046, do CPC/2015, e orientação dos Enunciados Administrativos nºs 2 e 4 do STJ4.

3 Parecer ministerial às fls. 63/64.4 Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados

os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973

Enunciado Administrativo nº 2: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Enunciado Administrativo nº4: Nos feitos de competência civil originária e recursal do STJ, os atos processuais que vierem a ser praticados por julgadores, partes, Ministério Público, procuradores, serventuários e auxiliares

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Reformo, em parte, a decisão agravada da Juíza Federal Fernanda Ribeiro.

O STJ, reafirmando sua orientação na Súmula nº 481/STJ5, alerta que “o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita depende da demonstração pela pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, de sua impossibilidade de arcar com as custas do processo [...]. Não basta a simples afirmação da carência de meios, devendo ficar demonstrada a hipossuficiência.” (AgRg-AREsp 590984, 1ª T., DJe 25.02.2016).

O art. 99, § 3º, do CPC/2015, posterior à decisão agravada, de setembro/2015, manteve o regime da Lei nº 1.060/1950, com a presun-ção de veracidade da alegação de miserabilidade, firmada apenas pela pessoa natural6 À pessoa jurídica, mantém-se a exigência de prova da hipossuficiência.

O recurso está instruído com a resilição, a pedido da agravante, do contrato de locação do imóvel em que funcionava, no Centro de Niterói7, e a Carteira de Trabalho do seu Gerente Comercial, Geraldo José Cid de Araújo, admitido em julho/2007 e dispensado em mar-ço/2012, mais de 3 anos antes deste recurso8.

Tais documentos são insuficientes à concessão da gratuidade.

Na ação originária consta, contudo, extrato bancário de abril--junho/20159, onde se vê que a empresa tinha saldo negativo de aproxi-madamente R$ 18 mil em 01.04.2015, e de R$ 20 mil em 11.05.2015, quando obteve empréstimo de R$ 175 mil, nada se sabendo sobre o interregno de e 11.05.2015 a 29.05.2015, quando o saldo em conta estava sensivelmente reduzido a pouco mais de R$ 7 mil, até chegar a R$ 23 mil negativos em 15.06.2015.

A contratação de empréstimos, prática usual no meio empresarial para alavancar recursos para atividade não se presta para demonstrar

da Justiça a partir de 18 de março de 2016, deverão observar os novos procedimentos trazidos pelo CPC/2015, sem prejuízo do disposto em legislação processual especial.

5 Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais.

6 § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.7 Rua da Conceição, 95/702.8 Cf. Termo de Autuação de fl. 45.9 Fls. 96/98 da ação ordinária.

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a hipossuficiência financeira10. Mas no curto período de dois meses a empresa apresentou expressiva dívida na conta corrente. Nas circuns-tâncias, à falta de adensamento da prova da hipossuficiência, é possível o parcelamento das custas, autorizado pelo CPC/2015, art. 98, § 6º11, vista a sua modicidade, R$ 957,69, equivalentes a 0,5% do valor da causa12, de R$ 227.134,55, e, bem assim, na forma do § 5º13, a concessão imediata da gratuidade para a produção de prova pericial contábil, cujos custos são mais elevados14.

A outra pretensão recursal não merece prosperar.

A anulação de cláusulas contratuais carece de plausibilidade, e a propositura de ação revisional de contrato bancário, por si só, não invia-biliza o registro em órgãos restritivos de crédito.

Na linha do STJ, a abstenção de inscrição ou manutenção em ca-dastros de inadimplentes depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) ação do devedor contestando a existência inte-gral ou parcial do débito; (ii) alegações fundadas na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ e (iii) depósito do valor incontroverso ou prestação de caução idônea.

Nesse sentido:

[...] a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplen-tes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questiona-mento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurispru-dência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incon-

10 O fato de a pessoa jurídica firmar contratos de empréstimos com instituição financeira não caracteriza, por si só, hipossuficiência financeira, porquanto tal prática é comum na atividade empresarial, de molde, muitas vezes, a fomentar a respectiva iniciativa, e até o capital de giro (TRF 2ª R., Ag 201302010190171, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, 5ª T.Esp., DJe 18.02.2014).

11 § 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

12 https://www.jfrj.jus.br/conteudo/custas-judiciais/quanto-recolher Ações cíveis, inclusive mandado de segurança: 1% do valor da causa. Entretanto, o valor máximo das custas cobrado é de 1.800 Ufirs, equivalente a R$ 1.915,38. Quando do ajuizamento, será adiantado 0,5% do valor da causa ou metade do valor máximo cobrado.

13 § 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

14 O Juízo a quo deferiu a produção de prova pericial requerida pela Autora/Agravante (fl. 165 do processo originário), nomeando, inclusive, a perita Regina Lucia Silva através do Sistema de Assistência Judiciária Gratuita. Nesse contexto, foi requisitado o valor de R$ 372,80 à Direção do Foro, para o pagamento dos honorários periciais.

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troversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz; b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscri-ção/manutenção [...]15

A inscrição do devedor nos cadastros restritivos de crédito cons-titui exercício regular do direito da instituição financeira credora, ainda que a dívida esteja sendo discutida em juízo.

Nesse contexto, ainda que se flexibilize a interpretação do art. 285-B do CPC/197316, que exigia a correta quantificação do valor incontroverso pelo autor, deveria o devedor ao menos depositar ou cau-cionar o valor que entenda correto, segundo a boa fé, o que não ocorreu.

Com o depósito do valor incontroverso, ambas as partes ficam ga-rantidas. O devedor, na eventual improcedência da ação faz uma reser-va que lhe facilita o pagamento da dívida; e o credor tem ao seu alcance pelo menos parte do montante.

Assim, considerando que a empresa inadimplente pretende a re-visão de todo contrato, sob a genérica alegação de abusividade da ins-tituição financeira, cumulada com a ausência de depósito dos valores

15 REsp 1061530/RS, Relª Min. Nancy Andrighi, 2ª S., DJe de 10.03.2009 (cf. rito do art. 543-C do CPC/1973). No mesmo sentido: STJ, AgRg-AREsp 508049, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª T., DJe 26.08.2014. Veja-se, também:

[...] 1. Segundo o enunciado da Súmula 380 do Superior Tribunal de Justiça, “[a] simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor”. 2. É assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que “o mero ajuizamento de ação revisional de contrato pelo devedor não o torna automaticamente imune à inscrição de seu nome em cadastros negativos de crédito, cabendo-lhe, em primeiro lugar, postular, expressamente, ao juízo, tutela antecipada ou medida liminar cautelar, para o que deverá, ainda, atender a determinados pressupostos para o deferimento da pretensão, a saber: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; c) que, sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o valor referente à parte tida por incontroversa, ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do magistrado. O Código de Defesa do Consumidor veio amparar o hipossuficiente, em defesa dos seus direitos, não servindo, contudo, de escudo para a perpetuação de dívidas” [...] (TRF 1ª R., AGA 00454721020104010000, Rel. Des. Fed. Néviton Guedes, 5ª T., e-DJF1 29.02.2016).

16 Art. 285-B. Nos litígios que tenham por objeto obrigações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. § 1º O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.

Atualmente, CPC/2015, o art. 330, § 2º, considera inepta a petição que não atende a esse requisito: “§ 2º Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.”

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incontroversos, descabe a antecipação da tutela para impedir o registro nos cadastros de inadimplentes.

Ante ao exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumen-to, nos termos da fundamentação, para deferir apenas a gratuidade de justiça para a produção da prova pericial e autorizar o parcelamento das custas iniciais em quatro prestações iguais e mensais, pelo valor atuali-zado da causa, em 5 dias, a comprovar na ação ordinária, sob pena de extinção sem resolução do mérito17.

É como voto.

Assinado eletronicamente (Lei nº 11.419/2006) Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo Desembargadora Federal

17 Art. 102. Sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que revoga a gratuidade, a parte deverá efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensado, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei. Parágrafo único. Não efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução de mérito, tratando-se do autor, e, nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2824

Superior Tribunal de JustiçaAgInt no Recurso Especial nº 1.588.752 – SC (2016/0057402‑6)Relator: Ministro Moura RibeiroAgravante: BV Financeira SA Crédito Financiamento e InvestimentoAdvogado: Rodrigo Scopel e outro(s)Agravado: Joana Ferreira VortoliniAdvogado: Douglas Antônio Fantin

ementa

CIVIL – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – RECURSO MANEJADO SOB A éGIDE DO NCPC – CéDULA DE CRéDITO BANCáRIO – FINANCIAMENTO DE VEÍCULO – TARIFAS BANCáRIAS – FUNDAMENTO INATACADO – SúMULA Nº 283 DO STF – PRECEDENTES – AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO

1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. Recurso especial que não impugnou fundamento relevante do acórdão recorrido a respeito do afastamento das Tarifas de Cadastro e Registro de Contrato. Incidência da Súmula nº 283 do STF. Precedentes.

3. Agravo interno não provido.

acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Supe-rior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao agra-vo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha (Presidente), Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Brasília (DF), 21 de junho de 2016 (data do Julgamento).

Ministro Moura Ribeiro Relator

relatório

O Exmo Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator):

Joana Ferreira Vortolini (Joana) ajuizou ação revisional de contra-to contra BV Financeira S.A. Crédito Financiamento e Investimento (BV Financeira), alegando que firmou contrato de financiamento de veículo com a ré, no qual haviam diversas cláusulas abusivas que deveriam ser revistas.

O Magistrado de primeiro grau julgou procedentes em parte os pedidos para declarar a nulidade das cláusulas que estabeleceram 1) a cumulação de multa moratória e comissão de permanência, permitin-do-se apenas a incidência de comissão de permanência no período de inadimplência; 2) a cobrança da tarifa de cadastro; e, 3) cobrança de taxa de registro de contrato; condenar o réu à restituição do valor devido em razão da cobrança dos encargos abusivos, admitida a compensação com o saldo devedor do financiamento, com acréscimo de juros de mora de 1% a.m., a contar da citação, e de correção monetária pelo INPC, desde o pagamento indevido. Manteve o indeferimento da tutela antecipada.

BV Financeira apelou, sustentando ser inviável a revisão contra-tual, e pleiteou a manutenção das tarifas bancárias.

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina conheceu em parte da apelação, mas negou-lhe provimento.

BV Financeira interpôs recurso especial, com base apenas na alí-nea c do permissivo constitucional, aduzindo ser possível a cobrança das tarifas administrativas no presente caso. Colaciona, a fim de demonstrar a divergência, o REsp 1.251.331/RS, da relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti.

Por fim, quanto à tarifa de cadastro, alegou que esta se encontrava em consonância com as normas do Conselho Monetário Nacional, espe-cificamente com a Resolução nº 3.919/2010.

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Somou que, por definição normativa, a Tarifa de Cadastro não pos-sui relação com a Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), uma vez que esta última tinha como fundamento a efetiva liberação de crédito ao cliente e que a Tarifa de Cadastro teria o condão de confecção de cadastro para ressarcir a instituição arrendadora dos custos da operação referente a esta confecção, monitoramento e atualização do cadastro do cliente. De tal forma, a cobrança da Tarifa de Cadastro seria lícita.

O Ministro Responsável pelo Nurer da Segunda Seção não conhe-ceu do recurso especial, pois as razões recursais apresentadas deixaram de infirmar especificamente fundamento contido no acórdão local, o que atrairia a incidência das Súmulas nºs 283 e 284, ambas do STF.

Ainda inconformada, BV Financeira interpõe o presente agravo in-terno, no qual alega que todas as matérias trazidas no recurso especial foram devidamente prequestionadas e o que se atacou no recurso es-pecial foi justamente a permissibilidade das tarifas, utilizando-se como fundamentação o paradigma trazido, REsp 1.251.331/RS. Afirmou ainda não ser caso de incidência também da Súmula nº 284 do STF.

É o relatório.

ementa

CIVIL – AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – RECURSO MANEJADO SOB A éGIDE DO NCPC – CéDULA DE CRéDITO BANCáRIO – FINANCIAMENTO DE VEÍCULO – TARIFAS BANCáRIAS – FUNDAMENTO INATACADO – SúMULA Nº 283 DO STF – PRECEDENTES – AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO

1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

2. Recurso especial que não impugnou fundamento relevante do acórdão recorrido a respeito do afastamento das Tarifas de Cadastro e Registro de Contrato. Incidência da Súmula nº 283 do STF. Precedentes.

3. Agravo interno não provido.

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voto

O Exmo Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator):

O inconformismo não merece prosperar.

Conforme dito no relatório, cinge-se a presente controvérsia acer-ca da cobrança de tarifas de cadastro de registro de contrato, as quais foram afastadas pela Corte local, com base em fundamento não atacado pelo recurso especial, atraindo a incidência das Súmulas nºs 283 e 284, ambas do STF, o que deu origem ao presente agravo interno interposto por BV Financeira.

DA APLICABILIDADE DO NCPC

Inicialmente, vale pontuar que as disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são aplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016:

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a de-cisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

(1) da inaPlicabilidade da súmula nº 283 do stf

Sobre a cobrança das tarifas, a decisão agravada decidiu com base nos seguintes fundamentos (e-STJ, fl. 270):

Embora haja entendimento em sentido contrário, conforme julgamento da Corte Superior em Recurso o Repetitivo (REsp 1251331 e 1255573, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, J. 28.08.2013), tem-se que tais encargos não possuem qualquer finalidade, pois ausente contraprestação da finan-ceira a justificar a cobrança, sendo nula condição sujeitando o consumi-dor a ressarcir os custos da transação, sem que igual direito lhe seja con-ferido contra o fornecedor (art. 51, XII, do CIDC e AC 2013.079851-4, de Imbituba, Rel. Des. Lédio Rosa de Andrade, J. 17.12.2013). Assim, mantido o expurgo dos encargos ora referidos.

Entretanto, em seu recurso especial, BV Financeira em nada se manifestou acerca da necessidade de contraprestação da financeira a

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justificar a cobrança das tarifas, limitando-se a afirmar a legalidade da cobrança das tarifas conforme acórdão paradigma por ela colacionado.

Desse modo, a decisão agravada aplicou adequadamente a Súmu-la nº 283 do STF, conforme entendimento desta Corte:

CIVIL E PROCESSUAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO ESPECIAL – ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TEM-PESTIVIDADE – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA A FUNDA-MENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO – SÚMULA Nº 283 DO STF – NOTAS PROMISSÓRIAS SEM DATA DE EMISSÃO – IRREGULARIDADE FORMAL – PRECEDENTES

[...]

2. Se as razões do recurso especial deixam de impugnar fundamento relevante do acórdão recorrido, inviável se torna a pretensão de reforma, nos termos da Súmula nº 283 do STF.

[...]

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-Ag 647.992/MG, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., DJe 21.08.2012)

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUEL – IMÓVEL CO-MERCIAL – FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO – SÚMULA Nº 283/STF – PRAZO TRIENAL INOBSERVADO – IRRELEVÂNCIA, NO CASO – RE-CURSO DESPROVIDO

1. Estando o acórdão recorrido assentado em mais de um fundamento, cada um deles suficiente, por si só, para manter a conclusão do julgado, e não tendo o recurso especial impugnado a todos, incide o óbice da Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal.

[...]

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1.533.766/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. p/ Ac. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., DJe 17.12.2015)

Outrossim, ao não atacar o fundamento acima colacionado, o re-curso especial também se apresentou de forma dissociada da fundamen-tação do acórdão local, atraindo o óbice da Súmula nº 284 do STF.

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Assim, não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evi-denciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agra-vada, o presente agravo interno não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.

Advirta-se que eventual recurso interposto contra este acórdão es-tará sujeito às normas do NCPC, inclusive no que tange ao cabimento de multa (arts. 1.021, § 4º e 1.026, § 2º) e honorários recursais (art. 85, § 11).

Nessas condições, pelo meu voto, nego provimento ao agravo in-terno.

certidão de julgamento terceira turma

Número Registro: 2016/0057402-6 AgInt-REsp 1.588.752/SC

Números Origem: 00699945320158240000 024125002711 20150594895 20150594895000100 24125002711

Pauta: 21.06.2016 Julgado: 21.06.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Moura Ribeiro

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: BV Financeira SA Crédito Financiamento e Investimento

Advogado: Rodrigo Scopel e outro(s)

Recorrido: Joana Ferreira Vortolini

Advogado: Douglas Antônio Fantin

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de títulos de crédito – Cédula de crédito bancário

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agravo interno

Agravante: BV Financeira SA Crédito Financiamento e Investimento

Advogado: Rodrigo Scopel e outro(s)

Agravado: Joana Ferreira Vortolini

Advogado: Douglas Antônio Fantin

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha (Presidente), Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2825

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 805.928 – MG (2005/0213667‑7)Relator: Ministro Raul AraújoRecorrente: Fabrimont Ltda.Advogado: Luciano Vaz Alvarenga e outro(s)Recorrido: Banco do Brasil S/AAdvogado: Nelson Buganza Junior e outro(s)

ementa

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CAMBIáRIO – CéDULA DE CRéDITO INDUSTRIAL – GARANTIA REAL – ALIENAÇÃO FIDUCIáRIA – BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPóSITO – PRAzO PRESCRICIONAL – TRIENAL (ART. 52, DL 413/1969 C/C ART. 70, LUG) OU DECENAL (ART. 205, CóDIGO CIVIL DE 2002) – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – NÃO OCORRÊNCIA – RETORNO DOS AUTOS AO JUÍzO DE ORIGEM – RECURSO DESPROVIDO

I – Tratando a espécie de ação de busca e apreensão movida pelo proprietário fiduciário contra a devedora fiduciante, com base no contrato de alienação fiduciária em garantia firmado entre as partes e adjeto à cédula de crédito industrial, e não de ação de execução da própria cédula de crédito industrial, inaplicável a prescrição suscitada pela devedora.

II – O prazo prescricional trienal seria aplicável apenas à ação de execução da cédula de crédito industrial, no caso de demora atribuível ao exequente, o que não ocorreu na espécie, e não à de busca e apreensão dos bens alienados fiduciariamente em garantia do credor.

III – Quando do ajuizamento da ação de busca e apreensão a cédula de crédito industrial antecipadamente vencida por inadimplemento não estava prescrita, tendo o credor optado pela realização de suas garantias ao invés de executar o débito, estando correto o eg. Tribunal de Justiça ao considerar viável a ação de cumprimento do contrato de financiamento manejada pelo banco credor, com a busca e apreensão dos bens dados em garantia pela devedora.

IV – Inocorrência da prescrição intercorrente da cédula de crédito industrial apresentada com a inicial da ação de busca e apreensão,

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seja porque não se tem, na hipótese, ação de execução, seja porque a demora na citação não pode ser imputada ao Banco credor, inexistindo violação ao art. 52 do DL 413/1969 c/c art. 70 do Anexo I da LUG.

V – Retorno dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento da ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito. Recurso especial desprovido.

acórdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indi-cadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Mi-nistros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 17 de maio de 2016 (data do Julgamento).

Ministro Raul Araújo Relator

relatório

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo: Banco do Brasil S/A ajuizou, em setembro de 1998, ação de busca e apreensão contra Fabrimont Ltda., tendo por objeto bens alienados fiduciariamente para garantia de dívida representada por uma Cédula de Crédito Industrial.

Esclarece a inicial que o título em questão teve seu vencimento antecipado em julho de 1998 em razão de cláusula que previa o venci-mento antecipado de toda a dívida em caso de inadimplemento, tendo ocorrido a notificação da devedora em agosto de 1998 para constituição em mora.

Informa, ainda, a peça inaugural, que em outubro de 1998 foi de-ferida medida liminar de busca e apreensão (fl. 21) que, entretanto, não logrou ser cumprida (cf. certidão do oficial de justiça à fl. 39), o que ensejou o pedido do Banco promovente de conversão da busca e apre-ensão em depósito, em outubro de 1999.

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A citação da promovida Fabrimont Ltda. ocorreu em janeiro de 2003 (fl. 80), em razão da dificuldade em localizar-se o endereço cor-reto tanto da sociedade (cf. certidão à fl. 48), como dos representantes legais (cf. fl. 59).

A r. sentença julgou extinto o processo com julgamento de mérito, acatando preliminar de prescrição, sob o entendimento de que “provado que entre o ajuizamento da ação e a citação decorreram mais de 04 anos e 04 meses, prazo este muito superior ao estabelecido no art. 70 da lei uniforme, operando assim a prescrição intercorrente e consumativa do direito” (fls. 148/150).

Interposta apelação pelo Banco do Brasil S/A, o eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por unanimidade, deu-lhe provimen-to, em aresto assim ementado:

“AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO – CÉDULA DE CRÉDITO INDUS-TRIAL – PRESCRIÇÃO – ATRIBUTO EXECUTIVO – DIREITO DE AÇÃO – ART. 205, CC – APLICAÇÃO

Tendo a ação proposta por objeto o cumprimento do contrato de finan-ciamento, com a busca e apreensão ou depósito dos bens dados em ga-rantia, não há que se falar, in casu, da prescrição aplicada ao atributo executivo. Sendo a Cédula de Crédito Industrial documento hábil a em-basar ação de busca e apreensão em decorrência da inadimplência con-tratual do devedor fiduciário, vigora o prazo uniforme de prescrição de dez anos, prevista no art. 205 do novo Código Civil.” (fl. 206)

Fabrimont Ltda. interpôs, então, o presente recurso especial, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, sustentando ofen-sa ao art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969 combinado com art. 70 da Lei Uniforme de Genebra – LUG, defendendo o seguinte, verbis:

“O acórdão regional concluiu que a prescrição da Cédula de Crédito Industrial segue a ordem art. 205 do Código Civil, por se tratar de docu-mento hábil a embasar ação de busca e apreensão em decorrência do inadimplemento fiduciário.

Pois bem, ao concluir que o objeto da obrigação era a alienação fiduciá-ria em garantia e não a cédula de crédito propriamente dita, foi comple-tamente desvirtuada a obrigação principal.

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É que não se confunde a obrigação estampada na cédula de crédito com a garantia real.

O objeto principal é a cédula e não a garantia superveniente.

De fato, a cédula de crédito industrial embora possa se tomado (sic) como seja documento de natureza civil, sujeita-se às normas do direito cambial, estando, pois sujeita à prescrição.

Com efeito, a cédula de crédito industrial é decorrente de mútuo, direi-to pessoal, embora tenha garantia real, isto é, privilégio consistente em preferência no momento do pagamento e a vinculação permanente do bem caucionado.

Aqui, não há que se confundir a ação real a que se refere o art. 205 do Código Civil, com o direito real de garantia ínsito na cédula de crédito, pois este é direito substantivo e aquele processual.

Ao aplicar o prazo prescricional do art. 205 do Código Civil, o acórdão regional cometeu ledo engano em igualar o direito real de garantia com o direito pessoal propriamente dito.

O objeto principal é o mútuo, o direito pessoal estampado na cártula.

Nestas condições, a cédula de crédito submete-se às regras do direito cambiário conforme preceito do art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969, que determina a aplicação, quando não colidente, como no caso, a Conven-ção de Genebra, Lei Uniforme que, nos termos do art. 70, dispõe pelo prazo prescricional trienal.

Assim, o acórdão regional não cuidou, igualmente não tratou do art. 70, da Lei Uniforme, pelo que a fluência do prazo prescricional incide contra a cártula e não face à garantia fiduciária ou do direito real de garantia.

Em se tratando de título cambial ou cambiforme, não se aplica a regra civilista do art. 205, mas o art. 70 da Lei Uniforme como já dito.

Notadamente, o acórdão regional inverteu a ordem hierárquica do direi-to pessoal com a garantia a ele vinculada.

A obrigação estampada na cédula de crédito industrial prescreve em três anos, a contar do vencimento do aludido na cártula, em conformidade com a conjugação do art. 5º da Lei nº 6.840/1980, art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969 e art. 70 da Lei Uniforme de Genebra.” (fls. 216/218)

Com contrarrazões (fls. 229/233), o recurso foi admitido (fls. 235/236) e encaminhado a esta Corte.

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Às fls. 258/259, a recorrente manifestou interesse no prossegui-mento do julgamento do recurso especial.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo (Relator): A questão trazida com o presente recurso especial diz acerca do prazo prescricional de cé-dula de crédito industrial, com garantia real, se trienal ou decenal, ou seja, se no caso seriam aplicados os arts. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969 combinado com o art. 70 do Anexo I da Lei Uniforme de Genebra ou o art. 205 do Código Civil de 2002.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em vista do dis-posto no art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969 combinado com o art. 70 do Anexo I da Lei Uniforme de Genebra, consagra ser trienal o prazo prescricional da cédula de crédito industrial, como se exemplifica:

CRÉDITO INDUSTRIAL E DIREITO CAMBIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – APRECIAÇÃO DE TESE ACERCA DE VIOLAÇÃO À CF, EM SEDE DE RE-CURSO ESPECIAL – INVIABILIDADE – OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE – INEXISTÊNCIA – O AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL EXIGE QUE O DOCUMENTO TENHA FORÇA EXECUTIVA – ADEMAIS, O DIREITO CAMBIÁRIO ADMITE A INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO CAMBIAL, APENAS EM RELAÇÃO À PESSOA A QUEM FOI FEITA – PRA-ZO PRESCRICIONAL PARA AÇÃO CAMBIAL FUNDADA EM NOTA OU CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL – TRIENAL, EM OBSERVÂNCIA ÀS DISPOSIÇÕES DA LUG – APÓS A CONSUMAÇÃO DA PRESCRIÇÃO, NÃO HÁ FALAR EM SUPERVENIENTE RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO – MATÉRIA QUE PODERÁ SER RELEVANTE APE-NAS PARA EVENTUAL AÇÃO DE CONHECIMENTO, FUNDADA NA RELAÇÃO FUNDAMENTAL

1. Por se tratar de questão de ordem pública, que não está na esfera de disponibilidade das partes, nas instâncias ordinárias, cabe ao órgão judi-cial examinar os documentos que instruem a execução – inclusive, a ma-terialização de qualquer uma das hipóteses do art. 295 do CPC aplicáveis ao processo executivo, independentemente da oposição de embargos pelo executado –, examinando se consta dos autos todos os documentos

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essenciais a permitir ao credor que requeira ao Judiciário atos de agres-são do patrimônio do executado.

2. Fica implícito da leitura da Lei Uniforme de Genebra ser possível apenas interrupção da prescrição para ajuizamento da ação cambial (art. 71), estabelecendo, ainda, que a interrupção da prescrição só pro-duz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita. Nessa linha de intelecção, é bem de ver que, no tocante ao direito cambiário, só é possível interromper a prescrição cambial – antes, pois, que se con-sume –, sendo certo que o art. 74 da LUG dispõe que não são admitidos dias de perdão, quer legal, quer judicial.

3. Com efeito, após a consumação da prescrição, eventual renúncia po-derá ter relevância apenas para o direito material (relação fundamental), em eventual ação de conhecimento em sua pureza, ou monitória, mas não é circunstância hábil a justificar o prosseguimento da execução em-basada em título prescrito, isto é, que não mais ostenta os caracteres inerentes ao direito cambiário.

4. A legislação especial de regência da nota e cédula de crédito industrial impõe que, para execução, a inicial precisa estar instruída pela cártula com demonstrativo de débito e crédito para conferir liquidez ao título de crédito, pois, muito embora inequívoco seu caráter cambiário advindo da lei, há também uma correlação com uma avença contratual para fi-nanciamento de atividade industrial (art. 1º do Decreto-Lei nº 413/1969).

Dessarte, a nota de crédito industrial é promessa de pagamento em di-nheiro, constituindo título de crédito, “com cláusula à ordem” (art. 16, III, do Decreto-Lei nº 413/1969), passível, pois, de circular mediante en-dosso.

5. Por expressa previsão do art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969, aplicam--se à cédula de crédito industrial e à nota de crédito industrial, no que forem cabíveis, as normas do direito cambial, dispensado, porém, o pro-testo para garantir direito de regresso contra endossantes e avalistas.

No caso, o prazo prescricional para ação cambial de execução é o trienal previsto no art. 70 da Lei Uniforme de Genebra e, consoante exposto na exordial, a nota de crédito foi emitida em 15 de dezembro de 1983, para aplicação em investimento fixo – concedido à primeira requerida, com aval dos demais réus –, convencionando o pagamento da dívida da se-guinte forma: em 36 prestações mensais e sucessivas, com o pagamento da última prestação previsto para 10 de janeiro de 1988 – a emitente do título, a partir de 10 de fevereiro de 1985, tornou-se inadimplente.

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6. A teor do art. 11 c/c o art. 18 do Decreto-Lei nº 413/1969, o inadim-plemento de qualquer prestação importa em vencimento antecipado da dívida resultante da cédula ou nota de crédito industrial, independente-mente de aviso ou de interpelação judicial, a inadimplência de qualquer obrigação do eminente do título ou, sendo o caso, do terceiro prestante da garantia real. Todavia, embora o inadimplemento de uma prestação importe o vencimento antecipado, em vista das características desse ne-gócio consubstanciado em título de crédito – inclusive, v.g., pela ex-pressa permissão legal de pactuação de aditivos, retificação, ratificação, fiscalização do emprego da quantia financiada, abertura de conta vin-culada à operação, de amortizações periódicas, reutilização pelo deve-dor, para novas aplicações, das parcelas entregues para amortização ao débito –, passível de circular mediante endosso, e que se submete aos princípios, caros ao direito cambiário, da literalidade e cartularidade, é entendimento assente desta Corte que o prazo prescricional para ação cambial de execução deve ter, no interesse do credor, como termo inicial para fluência, a data avençada para o pagamento da última prestação.

7. Com efeito, como a presente execução por título extrajudicial foi ajui-zada em 31 de julho de 1991, e a nota de crédito industrial tem venci-mento da última prestação estabelecido para 10 de janeiro de 1988, é patente que a demanda foi manejada após ter operado a prescrição, de modo que, como bem observado pela Corte local, o recorrente deveria ter optado por uma ação de conhecimento, não podendo se valer, após inércia superior ao lapso trienal, da ação de execução para obtenção imediata de atos de agressão, pelo Judiciário, ao patrimônio dos execu-tados.

8. Recurso especial não provido.

(REsp 1183598/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 19.11.2015, DJe 15.12.2015)

Na hipótese, a r. sentença, reconhecendo a ocorrência de prescri-ção trienal intercorrente, extinguiu o processo, afirmando:

“Levando-se em consideração que o vencimento da cédula de crédi-to industrial data de 22.07.1998 e, como a citação válida ocorreu em 10.01.2003, por força da aplicação do art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969 c/c art. 70 da Lei uniforme – Decreto nº 57.663/1966, o prazo prescricio-nal é de 03 anos contados do vencimento da obrigação.

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É sabido que a prescrição ocorre quando não exercida a ação no prazo fixado por lei.

[...]

Provado também que entre o ajuizamento da ação e a citação decorre-ram mais de 04 anos e 04 meses, prazo este muito superior ao estabeleci-do no art. 70 da lei uniforme, operando assim a prescrição intercorrente e consumativa do direito.” (fl. 149)

Ocorre que o v. aresto recorrido, ao modificar a r. sentença e dar provimento ao recurso de apelação do Banco promovente, adotou fun-damentação que afasta a aplicação das normas invocadas pela recor-rente (art. 52 do Decreto-Lei nº 413/1969 combinado com o art. 70 do Anexo I da Lei Uniforme de Genebra) à luz do seguinte entendimento:

“Na hipótese em testilha, ocorrido este fenômeno jurídico, o título, de fato, deixa de ostentar o atributo executivo, mas, à obviedade, ainda goza da tutela jurisdicional, sendo, portanto, documento hábil para embasar ação de busca e apreensão ou depósito, até porque não deixa de repre-sentar documento comprobatório da liquidez e certeza da dívida confes-sada no título.

Entretanto, certo é que a prescrição do título não significa perda do di-reito de ação.

Portanto, na hipótese vertente, concessa venia, não há falar-se em pres-crição do título, porquanto o objeto da ação é o cumprimento do contra-to de financiamento, com a busca e apreensão dos bens dados em garan-tia à apelante, em decorrência da inadimplência contratual do devedor fiduciário. Portanto, vigora o prazo uniforme de prescrição de 10 (dez) anos em relação a toda e qualquer pretensão, seja de que natureza for, conforme previsto no art. 205 do Código Civil, salvo previsão expressa em contrário.” (fl. 209; grifou-se)

Portanto, a eg. Corte Mineira considerou inaplicável a prescrição suscitada pela devedora, ora recorrente, em razão de tratar a espécie de ação de busca e apreensão movida pelo proprietário fiduciário contra a devedora fiduciante, com base no contrato de alienação fiduciária em garantia firmado entre as partes e adjeto à cédula de crédito industrial, e não de ação de execução da própria cédula de crédito industrial.

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Registrou também, em harmonia com o precedente desta Corte Superior acima transcrito, que a prescrição do título cambial subtrai des-te apenas sua força executiva, mas não extingue a própria dívida, que pode ser ainda resgatada por via diversa. Nesse sentido também outros precedentes:

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA – ART. 543-C DO CPC – AÇÃO MONITÓRIA APA-RELHADA EM CHEQUE PRESCRITO – PRAZO QUINQUENAL PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO – INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ART. 206, § 5º, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL

1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: “O prazo para ajuizamento de ação monitória em face do emitente de cheque sem for-ça executiva é quinquenal, a contar do dia seguinte à data de emissão estampada na cártula.”

2. Recurso especial provido.

(REsp 1101412/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª S., Julgado em 11.12.2013, DJe 03.02.2014)

AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO MONITÓRIA – CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL PRESCRITA – EN-CARGOS MORATÓRIOS – INCIDÊNCIA ATÉ O PAGAMENTO – PRECE-DENTES DA CORTE

1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que “haven-do inadimplência, admite-se a cobrança dos encargos contratados até o efetivo pagamento, e não, limitadamente, ao ajuizamento da ação executiva” (REsp 453.816/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4ª T., DJ 09.12.2002).

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg-AREsp 692.096/MG, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª T., Julgado em 26.05.2015, DJe 02.06.2015)

RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – EMBAR-GOS DE DECLARAÇÃO – OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURI-DADE – NÃO OCORRÊNCIA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA Nº 211/STJ – NOTA DE CRÉDITO – PRESCRIÇÃO – CO-BRANÇA VIA AÇÃO DE CONHECIMENTO – PRAZO – CINCO ANOS – INÍCIO DA FLUÊNCIA – VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO – INCIDÊNCIA

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DA REGRA DE TRANSIÇÃO – ARTIGOS ANALISADOS: 189, 206, § 5º, I, E 2.028 DO CC/2002; 177 DO CC/1916; 10 E 18 DO DL 413/1969

1. Recurso especial, concluso ao Gabinete em 11.09.2013, no qual se discute o prazo prescricional da pretensão de cobrança de dívida estam-pada em Nota de Crédito Industrial. Ação proposta em 04.11.2011.

2. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.

3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impe-de o conhecimento do recurso especial.

4. A obrigação constante em Nota de Crédito Industrial possui liquidez, certeza e exigibilidade, conforme estabelecido pelos arts. 10 e 18 do Decreto-Lei nº 413/1969.

5. O prazo prescricional para exercício da pretensão de cobrança de dé-bito constituído por nota de crédito – deduzida mediante ação de conhe-cimento ou monitória – é de cinco anos (art. 206, § 5º, I, do CC/2002), começando a fluir do vencimento da obrigação inadimplida.

6. Hipótese em que a obrigação venceu em 15.11.2002, a atrair a inci-dência da regra de transição do art. 2.028 do CC/2002. Prazo prescricio-nal findo em 11.01.2008. Pretensão prescrita.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1405500/MA, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 10.06.2014, DJe 17.06.2014)

O entendimento adotado no v. acórdão recorrido mostra-se corre-to e não importa violação às regras indicadas pela recorrente, por inapli-cáveis à espécie, pois o prazo prescricional trienal seria aplicável apenas à ação de execução da cédula de crédito industrial, no caso de demora atribuível ao exequente, e não à de busca e apreensão dos bens aliena-dos fiduciariamente em garantia do credor.

Ademais, examinando-se a situação dos autos, verifica-se que não houve a prescrição intercorrente da cédula de crédito industrial apresen-tada com a inicial da ação de busca e apreensão, ao contrário do que entendera o d. Juízo singular, que deixou de considerar que o credor não deu causa ao transcurso prescricional vislumbrado na sentença apelada.

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No caso, o ora recorrido, em 25 de setembro de 1998, moveu ação de busca e apreensão de bens objeto de alienação fiduciária em garantia, relativa à dívida inadimplida, representada por cédula de cré-dito industrial com vencimento previsto para 22 de julho de 2000 (v. fls. 12 a 17). Conforme relatado, o título teve seu vencimento antecipado em julho de 1998 (v. fls. 12 e 14) e logo em setembro de 1998 o Banco credor ajuizou a ação de busca e apreensão dos bens dados em garantia da dívida (fl. 20), tendo sido deferida medida liminar no mês seguinte.

Portanto, quando do ajuizamento da ação de busca e apreensão a cédula de crédito industrial antecipadamente vencida por inadimple-mento não estava prescrita, tendo o credor optado pela realização de suas garantias ao invés de executar o débito.

Nesse contexto, mostra-se correto o eg. Tribunal de Justiça ao con-siderar viável a ação de cumprimento do contrato de financiamento ma-nejada pelo banco credor, com a busca e apreensão dos bens dados em garantia pela devedora.

Note-se que em 26 de agosto de 1999, o oficial de justiça en-carregado da busca e apreensão e da citação da devedora certificou haver deixado de apreender os bens por encontrar o estabelecimento da ré fechado, tendo comparecido ao endereço dos coobrigados, os quais informaram o encerramento das atividades industriais no endereço constante da inicial, bem como a transferência dos bens buscados para três endereços distintos, inclusive um deles na cidade de Córdoba, na Argentina (v. fl. 39). Tal ocorrência configura inobservância ao disposto no art. 22, caput, do DL 413/1969, que diz: “Antes da liquidação da cédula, não poderão os bens empenhados ser removidos das propriedades nela mencionadas, sob qualquer pretexto e para onde quer que seja, sem prévio consentimento escrito do credor.” A norma, com maior razão, é aplicável à alienação fiduciária em garantia.

Então, sem obter o cumprimento da medida de urgência, ante o desvio dos bens, devido à desativação do estabelecimento onde se en-contravam, o Banco requereu a conversão da busca e apreensão em ação de depósito, em outubro de 1999, porém, a citação da promovida só ocorreu em janeiro de 2003 (fl. 80), na pessoa de seu representante, em razão das dificuldades em localizar-se o endereço correto tanto da

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sociedade empresária devedora (v. certidão à fl. 39), como dos represen-tantes legais (cf. fl. 59).

Como se vê, quando do ajuizamento da busca e apreensão, a cé-dula de crédito industrial gozava de seu atributo executivo, tendo o Ban-co optado por, desde logo, buscar a garantia cedular para a satisfação de seu crédito.

Assim, a demora da citação decorreu do comportamento da deve-dora, dos coobrigados e do serviço judiciário, situações alheias à vonta-de do Banco credor, que solicitou diligências em várias oportunidades buscando a efetivação da citação (cf. fls. 26, 36, 50, 54, 65 e 71) para o correto e tempestivo andamento do feito.

Na jurisprudência, dentre muitos julgados, colhe-se o seguinte precedente, a título ilustrativo:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC) – EXECU-ÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL (DUPLICATAS) – DECISÃO MONO-CRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO AO RECLAMO, MANTENDO HÍGIDA A NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL – IN-SURGÊNCIA RECURSAL DO EXECUTADO

1. Se a parte interessada ajuíza a demanda antes de consumado o prazo prescricional, mas a citação válida não é feita em tempo hábil por culpa do próprio Poder Judiciário, não se pode reconhecer a configuração da prescrição, nos termos da Súmula nº 106/STJ: ‘Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência’. Consonância entre o entendimento adota-do pela Corte de origem e a jurisprudência do STJ (Aplicação Súmula nº 83/STJ).

2. Uma vez afirmado pelas instâncias ordinárias não ser do exequente a culpa pela demora na citação, não pode esta Corte Superior, na via estreita do recurso especial, reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos para afirmar o contrário. Incidência, no ponto, do óbice da Súmula nº 7/STJ.

3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-AREsp 246.225/MG, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., Julgado em 12.05.2015, DJe 19.05.2015)

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Conclui-se, portanto, não ter ocorrido o fenômeno prescricional intercorrente, seja porque não se tem, na hipótese, ação de execução, seja porque a demora na citação não pode ser imputada ao Banco cre-dor, inexistindo violação ao art. 52 do DL 413/1969 c/c art. 70 do Anexo I da LUG, devendo-se confirmar o v. aresto recorrido na sua conclusão, com o retorno dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento da ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso especial.

É como voto.

certidão de julgamento quarta turma

Número Registro: 2005/0213667-7

Processo Eletrônico REsp 805.928/MG

Números Origem: 4729677 980109907

Pauta: 17.05.2016 Julgado: 17.05.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Jose Adonis Callou de Araujo Sa

Secretária: Dra. Teresa Helena da Rocha Basevi

autuação

Recorrente: Fabrimont Ltda.

Advogado: Luciano Vaz Alvarenga e outro(s)

Recorrido: Banco do Brasil S/A

Advogado: Nelson Buganza Junior e outro(s)

Assunto: Direito civil – Obrigações – Espécies de títulos de crédito – Cédula de crédito industrial

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certidão

Certifico que a egrégia Quarta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

2826 – Ação declaratória de nulidade de protesto – inscrição em órgão de proteção ao crédito – dano moral in re ipsa

“Apelações cíveis. Declaratória de nulidade de protesto. Prova do pagamento e au-sência de comprovação das causas justificadoras da emissão. Inscrição em órgão de proteção de crédito. Dano moral in re ipsa. Culpa concorrente. Valor da indeniza-ção. Redução. Taxa Selic. 1. ‘Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas’ (STJ, Súmula nº 475). 2. A duplicata é título de crédito causal cuja emissão deve lastrear-se em operação de compra e venda mercantil ou presta-ção de serviços. Logrando a apelada comprovar o pagamento da dívida representada pelas duplicatas protestadas pelo Banco Intermedium S/A e, ainda, a inocorrência das causas justificadoras da emissão das outras duplicatas levadas a protesto pelo B. S. Factoring Fomento Comercial Ltda., é de inteira procedência os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito. 3. Nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica. 4. Em relação às duplicatas protestadas pelo apelante Banco Intermedium S/A, mes-mo após ter sido intimada acerca da cessão do crédito pelas empresas de factoring (Valecred Fomento Mercantil Ltda. e Banco Intermedium S/A), a apelada quedou--se inerte, podendo ter ajuizado ação de consignação em pagamento para se res-guardar. Além disso, mesmo ciente da indicação dois títulos quitados (duplicatas de nºs 82641/01 e 82641/02) e dos outros dois títulos sem lastro (duplicatas de nºs 6473/01 e 6473/02) para protesto, a apelada não se dirigiu ao Cartório para com-provar o pagamento dos dois primeiros e alegar a ausência de lastro dos dois últimos, ‘o que com toda certeza evitaria os transtornos sofridos, preferindo ficar inerte e ver seu nome ser maculado por um protesto e depois pleitear indenização em juízo’ (TJES, Classe: Embargos de Declaração Ap, 24000028928, Relator: Rômulo Taddei, Órgão Julgador: 3ª C.Cív., Data de Julgamento: 01.06.2010, Data da Publicação no Diário: 16.06.2010). 5. À vista dos elementos constantes do processo e atento aos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade e, ainda, levando em conta a condição eco-nômica das partes e o respectivo grau de culpa, o valor fixado na sentença a ser pago por cada apelante deve ser reduzido para R$ 3.000,00 (três mil reais), por se revelar mais adequado para efeito de indenização por dano moral, mormente tendo em vista a culpa concorrente da apelada. 6. A matéria relativa aos juros de mora e à correção monetária é de ordem pública, pelo que a alteração do termo inicial de ofício no jul-gamento de recurso de apelação pelo tribunal na fase de conhecimento do processo não configura reformatio in pejus. 7. Em caso de dano moral, os juros de mora devem ser atualizados a partir do evento danoso pela Taxa Selic, vedada sua cumulação com correção monetária (STJ, Súmula nº 54). 8. Recursos parcialmente providos. Sentença parcialmente reformada de ofício.” (TJES – Ap 0019009-35.2008.8.08.0012 – Rel. Des. Fabio Clem de Oliveira – DJe 07.06.2016)

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2827 – Ação de execução – contrato de câmbio – adiantamento – fraude à execução – reconhecimento indeferido

“Empresarial, civil e processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Adianta-mento sobre Contratos de Câmbio (ACCs). Empresa executada em recuperação judi-cial. Pedido de reconhecimento de fraude à execução indeferido. Agravo de instru-mento. Alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/1973. Omissão ou contradição inexis-tentes. Acórdão devidamente fundamentado. Ausência de impugnação a argumento específico. Incidência, por analogia, da Súmula nº 283 do STF. Ausência de preques-tionamento. Incidência da Súmula nº 211 do STJ. Deficiência da fundamentação. In-compreensão da controvérsia. Incidência, por analogia, da Súmula nº 284 do STF. Má-fé. Configuração. Reexame de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Recurso manejado sob a égide do CPC/1973. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/1973 porque o Tribunal de origem enfrentou todas as questões postas, não havendo no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade. 2. Existindo argumento capaz de manter o acórdão impugnado por suas próprias pernas, não ha-vendo o ataque específico a tal ponto, atrai-se a incidência, por analogia, da Súmula nº 283 do STF. 3. O tema referente aos arts. 467 , 468 e 471, todos do CPC/1973, não foi objeto de debate no venerando acórdão recorrido, carecendo, por conseguinte, do necessário prequestionamento viabilizador do recurso especial, requisito indispensá-vel ao acesso às instâncias excepcionais. Aplicável, assim, a Súmula nº 211 do STJ. Além do mais, não foram apresentados argumentos claros e concatenados que pudes-sem esclarecer os fundamentos ou motivos pelos quais entende-se violados os referidos dispositivos, o que impede compreender a exata medida da controvérsia, ensejando a aplicação da Súmula nº 284 do STF, por analogia. 4. Modificar a conclusão da boa-fé do terceiro adquirente, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento inviável nesta Corte de Justiça em virtude da vedação contida em sua Súmula nº 7. 5. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enun-ciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publi-cadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.440.783 – (2014/0011665-7) – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 21.06.2016)

2828 – Ação de execução – título executivo extrajudicial – cédulas de crédito bancá­rio – exibição original – apresentação

“Processual civil. Ação de execução. Título executivo extrajudicial. Cédulas de crédito bancário. Exibição sob a forma de cópia. Original. Apresentação. Emenda. Desatendi-mento. Extinção da pretensão executiva. Inviabilidade. Título executivo extrajudicial. Natureza cambial. Inocorrência. Circulação restrita. Prescindibilidade do original do título. Sentença extintiva. Cassação. 1. A Cédula de Crédito Bancário, por expressa ou-torga legal, consubstancia título executivo extrajudicial, traduzindo, pois, estofo apto a ensejar a perseguição do importe que retrata ou proveniente do fomento de crédito que

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viabilizara, desde que devidamente aparelhado com os comprovantes da origem do débito nele retratado e com memória de cálculos que retrata a obrigação perseguida, pela via executiva, consoante emerge da literalidade do art. 28 da Lei nº 10.931/2004. 2. Conquanto consubstanciando título executivo extrajudicial, a Cédula de Crédito Bancário não ostenta a natureza de título cambial diante das peculiaridades que lhe são próprias, sendo-lhe aplicáveis as disposições inerentes ao direito cambiário apenas por deferência e extensão legal, donde deriva a constatação de que não está revestida do atributo genético e inerente ao título cambial, qual seja, a livre circulação, pois pode circular somente sob a forma de endosso em preto, que, a par de restringir sua circulação, se afina com sua natureza de contrato bancário dotado de garantia cedular (Lei nº 10.931/2004, art. 29, § 1º). 3. Ostentando natureza precípua de contrato ao qual fora agregado o atributo da executoriedade sem a necessidade de estar subscrito por testemunhas instrumentárias, a Cédula de Crédito Bancário é apta a lastrear pre-tensão executiva, ainda que exibida sob a forma de cópia autêntica, à medida que, diante das peculiaridades e especificidades que encerra, que restringem sobremaneira sua circulação, não se afigura conforme a natureza que ostenta e com o princípio da instrumentalidade das formas que, como pressuposto para sua admissão como título executivo extrajudicial, seja exibida no formato original. 4. Apelação conhecida e pro-vida. Sentença cassada. Unânime.” (TJDFT – PC 20120310230238APC – (936562) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Teófilo Caetano – DJe 06.05.2016)

2829 – Ação indenizatória – empréstimo bancário fraudulento – arts. 757 e 760 do Código Civil atual – ausência de prequestionamento

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil. Ação indenizatória. Empréstimo bancário fraudulento. Arts. 757 e 760 do Código Civil atual. Ausência de prequestionamento. Súmulas nºs 282 e 356 do STF. Recurso improvido. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado nº 2 do Plenário do STJ: ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça’. 2. Fica inviabilizado o conhecimento de temas trazidos na petição de recurso especial, mas não debatidos e decididos nas instâncias ordinárias, porquanto ausente o indis-pensável prequestionamento. Aplicação das Súmulas nºs 282 e 356 do STF. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 872.203 – (2016/0048602-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.06.2016 – p. 2130)

2830 – Arrendamento mercantil – alienação fiduciária – possibilidade

“Ação de mandado de segurança. Aduaneiro. Pena de perdimento a veículo obje-to de arrendamento mercantil (leasing) ou alienação fiduciária. Possibilidade. Impro-cedência ao pedido. Provimento à apelação e à remessa oficial. 1. O ato alvejado, fls. 84 e seguintes, a repousar na apreensão de veículos com mercadorias estrangeiras pelo interior do Brasil, em linguagem aduaneira conhecido como zona secundária, sem documentação hábil à comprovação de sua regular importação. 2. Constata-se o

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estrito cumprimento, formal e efetivo, por parte da União, ao se arrimar no inciso V do art. 104, do Decreto-Lei (DL) nº 37/1966, o qual prevê a perda do veículo quando a conduzir mercadoria também passível de perdimento e pertencente ao responsável infracional. 3. Ao assim se conduzir o Estado, em verdade, denota observância cerrada à legalidade dos atos administrativos, de estatura constitucional, consoante o caput do art. 37. 4. No âmbito da teoria geral das provas e em sede de seu ônus, avultado manifesto não deu cumprimento à parte demandante ao encargo que lhe vem descrito no inciso I do art. 373 do CPC/2015. 5. Se o perdimento incide sobre o veículo a con-duzir mercadorias estrangeiras, de nenhum sentido, então, o brado do polo impetrante arrendadora/alienante fiduciária do caminhão apresado, recordando-se a inoponibili-dade das tratativas privadas ao Fisco, art. 123, CTN, portanto lícito o agir estatal, in-dependentemente da boa-fé ou não do credor fiduciário, matéria esta pacífica perante o C. STJ. Precedentes. 6. Igualmente sem êxito a explanação privada sobre a ausência de participação no procedimento administrativo, pois em nada alteraria sua interven-ção, em razão dos efeitos contratuais do pacto de arrendamento/financiamento não serem oponíveis ao Erário. 7. Inoponível ventilada boa-fé, muito menos a anterior ação de busca e apreensão intentada no ano 2011, porquanto o credor fiduciário deverá utilizar as vias civis, contra o devedor, para reaver o que de direito. 8. Denegada, assim, a segurança, reformada a r. sentença, para julgamento de improcedência ao pedido. 9. Provimento à apelação e à remessa oficial. Improcedência ao mandamus.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0001573-87.2014.4.03.6006/MS – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 08.07.2016)

2831 – Cheques – ação de cobrança – contrato de factoring – benefício de ordem – não configuração

“Direito processual civil e empresarial. Apelação cível. Ação de cobrança de cheques atrelados a um contrato de factoring em face da empresa contratante (Injet Car Service Ltda.) e fiador (Marcia Oliveira Albuquerque). Preliminar de prescrição ao argumento de que, no caso, deveria incidir o art. 59, da Lei nº 7.357/1985 (Lei do Cheque). Não constatação. Hipótese em que se trata de ação ordinária de cobrança e não de ação executiva. Rejeição. No mérito. A questão não trata de aferimento de responsabilidade ou irresponsabilidade de sócio, mas sim da incidência, por ausência de renúncia do benefício de ordem. Fiança, nas cláusulas contratuais, da responsabilidade subsidiária. Apelação cível conhecida e parcialmente provida. 1. A insurgência recursal centra-se em face da sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível do foro da comarca desta capital, que julgou procedente a ação ordinária de cobrança. Decor-rente de título de crédito (cheque), condenando a ora recorrente e a empresa da qual é gestora (Injetcar Service Ltda. ME) no pagamento da importância de R$ 2.382,00 (dois mil trezentos e oitenta e dois reais), incidindo, por certo, as devidas correções, além do pagamento dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. 2. Da preliminar de prescrição: não enxergo em que medida tamanha argumentativa poderá ser tido como válida, isto porque, a bem da verdade, o art. 59, da Lei nº 7.357/1985, não se aplica ao caso, já que a hipótese é de ação de cobrança,

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e não executiva – dirimida pela pauta lei (Lei nº 7.357/1985), mas sim pelo Código Civil de 2002 (art. 206, § 5º, inciso I). Existência de entendimentos jurisprudenciais nesse sentido. 3. Portanto, tendo sido os títulos de créditos (cheques) apresentados nos autos (fls. 6/9), todos datado do ano de 2003 e, a ação proposta no ano de 2004 (fl. 3), não vejo como prosperar a preliminar suscitada (de prescrição) com base no art. 59, da Lei nº 7.357/1985, porque, repiso, trata-se de ação de cobrança e não executiva, cujo prazo prescricional é de 5 (cinco) anos. Art. 219, § 5º, I, do Código Civil, do qual este (prazo de 5 anos a contar da data de emissão) não transcorreu. Rejeito, pois, a preliminar. 4. No mérito. A questão envolta da matéria não se trata de mensurar a res-ponsabilidade ou irresponsabilidade dos sócios cotistas, mas sim de uma causa, cujo objeto é um contrato de factoring em que a sócia da empresa Injetcar Service Ltda., a Sra. Marcia Oliveira Albuquerque, ainda quando não cotista (fls. 10/14 e 51/53) figu-rou como fiadora, não sendo, pois, a hipótese, em momento algum, de aplicabilidade das regras atinentes a responsabilidade de sócios, na sociedade limitada (art. 1.052 e ss., do Código Civil). 5. Portanto, o zênite da questão diz respeito ao cumprimento do contrato de fomento mercantil constante às fls. 10/14, atrelado aos títulos de créditos constantes às fls. 5/9 – cheques, que, por sua vez, ainda que pós-datados não retiram a sua essência, de ordem de pagamento à vista, tendo sido estes apresentados na data aprazada, não constatando, ainda, este julgador nenhuma irregularidade, porque, ao menos a priori, o título de crédito demonstra-se, certo e líquido, buscando, o recorri-do, em tempo hábil, apenas a satisfatividade de seu crédito. 6. Todavia, da leitura do contrato (fls. 10/14), perceptível é a não existência de cláusula expressa da renúncia do benefício de ordem, o que desautoriza, na espécie, a incidência de qualquer obri-gação solidária, porquanto sem a tal renúncia (do beneficio de ordem), o que existe, na verdade, é uma obrigação subsidiária, devendo a empresa JBL Fomento Mercantil Ltda., primeiro cobrar a empresa Inject Car Service Ltda. e, somente no caso de não lograr êxito, deverá partir para a cobrança da fiadora, ora recorrente. Precedentes. 7. Ademais, diga-se de passagem, a ideia acima defendida é perfeitamente possível, porque quando da apresentação da contestação (fls. 45/47), a ora recorrente já havia feito alusão à inexistência de renúncia ao benefício de ordem, o que, na minha visão, cumpre a regra escrita no art. 827, do Código Civil. 8. Daí que, existindo o benefício de ordem, não há como conceder o direito pleiteado (ação de cobrança) pelo recorrido (a empresa JBL Fomento Mercantil Ltda.), de forma solidária, em face de Marcia Oliveira Albuquerque, mas sim, tão somente, de forma subsidiária. 9. Plausível, então, é a con-clusão de que a recorrente deve sim proceder com o pagamento da obrigação, mas de forma subsidiária, depois de engendrada, em face da empresa Injet Car Service Ltda., todas as alternativas legais para satisfazer o crédito da recorrida (JBL Fomento Mercantil Ltda.). 10. Apelação cível conhecida e provida, para determinar a incidência, no caso, de responsabilidade subsidiária, e não solidária, já que não se constata a ausência de renúncia do benefício de ordem quanto à fiança contratual, hipótese em que deve, por primeiro, quando do cumprimento de sentença/execução, ser acionada a empresa Injetcar Service Ltda., para fazer o pagamento da importância de R$ 2.382,00, devi-damente corrigido e atualizado e, em caso revés, de não cumprimento do intento, é

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que deve-se buscar a satisfação do crédito mediante a ora recorrente (Marcia Oliveira Albuquerque).” (TJCE – Ap 0758637-58.2000.8.06.0001 – Rel. Antônio Pádua Silva – DJe 09.06.2016 – p. 84)

2832 – Comércio eletrônico – FGTS – contribuição social – LC 110/2001 – efeitos

“Direito tributário. Agravo de instrumento. Ação ordinária. Contribuição social. Dicção do art. 1º da LC 110/2001. Alegação de exaurimento da finalidade legalmente prevista. Inocorrência. Precedentes do c. STJ. Agravo de instrumento improvido. A contribuição a que se refere o art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 foi instituída por tempo in-determinado, o que não ocorre em relação à contribuição prevista no art. 2º do mesmo diploma legal, cuja cobrança foi programada para se estender no prazo máximo de sessenta meses. A agravante só poderia se furtar ao pagamento da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 caso uma lei posterior revogasse o dispositivo, ou procedesse à extinção da exação em comento, o que não ocorreu na espécie, ao menos até o presente momento. Precedentes do C. STJ. Além disso, descabe ao Poder Judiciário firmar o exaurimento finalístico da contribuição social a que alude o art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, pois tal medida representaria irrogar-se titular de função inerente ao Poder Legislativo, a quem compete o exercí-cio desta espécie de valoração. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AI 0000763-20.2016.4.03.0000/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy – DJe 20.05.2016)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de um recurso de agravo de instrumento interposto por uma empresa que atua no comércio de eletrônicos, em face de decisão que, nos autos do mandado de seguran-ça impetrado na origem, indeferiu pedido liminar.

Irresignada, a agravante sustentou que a instituição da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 teve por finalidade promover a reposição da correção monetária dos saldos das contas vinculadas ao FGTS, derivadas dos denomina-dos “expurgos inflacionários” a que se referem os Recursos Extraordinários nºs 248.188 e 226.855, nos quais o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do índice até então aplicado em cumprimento aos Planos Verão e Collor I.

Sustentou ainda que a destinação acima mencionada já teria sido atingida.

Por fim, entendeu que a mensagem da Presidente da República, encaminhada por oca-sião ao veto do projeto de lei que buscava extinguir a contribuição ora impugnada, bem demonstra o desvio de finalidade na perpetuação da cobrança, uma vez que ali ficou consignado que a contribuição mencionada destina-se a custear programas sociais, tais como o Minha Casa, Minha Vida, e não a repor a correção monetária dos saldos das contas vinculadas ao FGTS.

Desta forma, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal restou indeferido.

A agravada apresentou contraminuta, e o Ministério Público Federal acostou parecer opinando pelo regular processamento do feito.

A questão restou examinada então pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Re-gião, sob relatoria do Ilustre Desembargador Federal Wilson Zauhy, que iniciou suas considerações destacando que a Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001,

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instituiu contribuições sociais devidas por empregadores em seus arts. 1º e 2º, abaixo transcritos:

“Art. 1º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de des-pedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações apli-cáveis às contas vinculadas.

Parágrafo único. Ficam isentos da contribuição social instituída neste artigo os empre-gadores domésticos.”

“Art. 2º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cin-co décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

[...]

§ 2º A contribuição será devida pelo prazo de sessenta meses, a contar de sua exigibi-lidade.”

O Douto julgador seguiu ressaltando que, pela mera leitura dos dispositivos retro trans-critos, percebe-se que a contribuição a que se refere o art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 foi instituída por tempo indeterminado, o que não ocorre em relação à contribuição prevista no art. 2º do mesmo diploma legal, cuja cobrança foi programada para se estender no prazo máximo de sessenta meses.

Por outro lado, o art. 2º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro estatui que a lei, não se destinando à vigência temporária, produzirá seus efeitos normalmente até que sobrevenha outra lei que a modifique ou revogue.

Disposição semelhante, mas específica para o Direito Tributário, pode ser encontrada no art. 97, inciso I, do Código Tributário Nacional, senão vejamos:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

[...]”

Seguiu concluído que a agravante só poderia se furtar ao pagamento da contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 caso uma lei posterior revogasse o dispositivo, ou procedesse à extinção da exação em comento, o que não ocorreu na espécie, ao menos até o presente momento.

Além disso, entendeu o Nobre Magistrado, que não cabe ao Poder Judiciário firmar o exaurimento finalístico da contribuição social a que alude o art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001, pois tal medida representaria irrogar-se titular de função inerente ao Po-der Legislativo, a quem compete o exercício desta espécie de valoração.

Desta feita, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, na análise de casos muito próxi-mos ao presente, teve oportunidade de sedimentar entendimento no sentido de que a contribuição social ora discutida não exauriu sua finalidade, consoante arestos adiante transcritos:

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – INEXIGIBILI-DADE DE CONTRIBUIÇÃO – EXAURIMENTO DA FINALIDADE – NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA – SÚMULA Nº 7/STJ

1. O Tribunal de origem, reiterando os termos do parecer ministerial, entendeu que a pretensão da impetrante em declarar o exaurimento da finalidade para qual se instituiu a contribuição prevista no art. 1º da LC 110/2001 demandaria dilação probatória, ina-dequada à via estreita do mandado de segurança. A modificação do julgado fica inviabi-lizada na via estreita do recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.

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2. Obter dictum, a contribuição prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 ainda é exigível, porquanto apenas sua expressa revogação seria capaz de retirar-lhe do plano da existência/exigência, o que não ocorreu, apesar da tentativa por meio do Projeto de Lei Complementar nº 200/2012. REsp 1.487.505/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 17.03.2015, DJe 24.03.2015).

Agravo regimental improvido.” (AgRg-REsp 1467068/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 05.05.2015, DJe 11.05.2015)

“PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – OMISSÃO – ALEGAÇÃO GENÉRICA – CONTRI-BUIÇÃO SOCIAL – LEI COMPLEMENTAR Nº 110/2001 – REFORÇO AO FGTS – REVO-GAÇÃO PELO CUMPRIMENTO DA FINALIDADE – INEXISTÊNCIA

1. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, sem explici-tar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula nº 284/STF.

2. A promulgação da Lei Complementar nº 110/2001 instituiu duas contribuições so-ciais, cuja finalidade era trazer novas receitas ao FGTS, visto a necessidade de promover complementação de atualização monetária a que fariam jus os trabalhadores, em de-corrência dos expurgos inflacionários das contas vinculadas ao referido fundo que não foram devidamente implementadas pela Caixa Econômica Federal.

3. A contribuição social prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 baseia-se em percentual sobre o saldo de FGTS em decorrência da despedida sem justa causa, a ser suportada por empregador, não se podendo inferir do normativo complementar que sua regência é temporária e que sua vigência extingue-se com cumprimento da finalida-de para a qual a contribuição foi instituída.

4. Se assim o fosse, haveria expressa previsão, como tratou a própria Lei Complementar nº 110/2001 de estabelecer quando instituiu a segunda contribuição social, prevista no art. 2º do normativo, que estabeleceu prazo de vigência de sessenta meses, a contar de sua exigibilidade.

5. Portanto, a contribuição instituída pelo art. 1º da Lei Complementar nº 110/2001 ainda é exigível, mormente ante o fato de que sua extinção foi objeto do projeto de Lei Complementar nº 200/2012, o qual foi vetado pela Presidência da República e mantido pelo Congresso Nacional em agosto de 2013.

Recurso especial improvido.” (REsp 1487505/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 17.03.2015, DJe 24.03.2015)

Por fim, destacou que, não bastasse as razões até aqui expendidas, é importante des-tacar que ações judiciais referentes aos expurgos inflacionários ainda tramitam, em quantidades consideráveis, junto ao Poder Judiciário, afastando, de pronto, o argumento da agravante no sentido de que a destinação da contribuição já teria sido atingida.

Desta forma, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento ao agravo de instrumento interposto.

2833 – Conflito de competência – recuperação judicial – redirecionamento da exe­cução

“Conflito de competência. Recuperação judicial. Redirecionamento da execução. Re-conhecimento pela Justiça do Trabalho de existência de grupo econômico. Incidência da Súmula nº 480 do STJ. Incidente utilizado como sucedâneo de recurso. Inocorrên-cia de invasão de competência. 1. Não há conflito de competência quando o redire-cionamento da execução trabalhista para empresas do mesmo grupo econômico não

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atingir o patrimônio daquela em regime de recuperação judicial. Aplicação da Súmula nº 408 do STJ. 2. Nestes termos, o presente incidente processual não é sucedâneo de recurso para reverter a decisão da justiça especializada que, em sede de exceção de pré-executividade, reconheceu a existência de responsabilidade solidária entre so-ciedades coligadas. Precedentes da Segunda Seção. 3. Conflito de competência não conhecido.” (STJ – CC 145.428 – (2016/0044056-7) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.06.2016 – p. 1949)

2834 – Consumidor bancário – aplicação em fundo de investimento não autorizada – negativa de prestação jurisdicional – dano moral – enriquecimento ilícito sem causa

“recurso especial. Consumidor bancário. Aplicação Em fundo de investimento não au-torizada. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Cerceamento de defesa, configuração do dano moral e enriquecimento sem causa. Óbice da Súmula nº 7/STJ. Legitimidade da instituição financeira. Litisconsórcio necessário do Banco Santos. Ina-plicabilidade. Inexigibilidade dos depósitos. Discussão impertinente. Denunciação da lide e incompetência da justiça comum. Incidência da Súmula nº 284/STF. Quantum indenizatório. Valor exorbitante. Redução. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. 1. Afasta-se a alegação de ofensa ao art. 535, II, do CPC se o Tribunal a quo examinou e decidiu, de forma motivada e suficiente, as questões que delimitaram a controvérsia. 2. Incide a Súmula nº 7 do STJ quando o acolhimento da tese defendida no recurso es-pecial reclamar o revolvimento fático-probatório dos autos. 3. A instituição financeira tem legitimidade para ocupar o polo passivo da ação em que se discute o defeito na prestação de seus serviços. 4. Não se configura a hipótese de litisconsórcio passivo necessário quando ausente qualquer vínculo do terceiro com a relação jurídica objeto da ação. 5. A inexigibilidade dos depósitos existentes quando da decretação da inter-venção do Banco Central no Banco Santos é questão impertinente com a ação movida pelo consumidor em desfavor da instituição financeira em que depositou seus recursos. 6. Aplica-se a Súmula nº 284 do STF quando a deficiência da fundamentação do recur-so especial impedir a exata compreensão da controvérsia. 7. O quantum arbitrado pelo juiz a título de indenização por dano moral deve ser proporcional à ofensa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais, podendo ser revisto pelo STJ quando irrisório ou exorbitante. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e provido em parte.” (STJ – REsp 1.336.960 – TO – (2012/0164660-0) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 10.05.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de aplicação em fundo de investimento não

autorizada.

Consta da ação original que a recorrida alegou que, em 2004, o recorrente realizou,

sem a sua autorização, aplicação financeira de mais de R$ 600.000,00 (seiscentos mil

reais), instituição financeira que se encontra sob intervenção do Banco Central.

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Em primeira instância, o recorrente foi condenado à devolução dos valores aplicados na outra instituição financeira, além do pagamento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), por danos morais.

A decisão foi mantida em segundo grau pelo Tribunal de Justiça do Tocantins (TO).

O recorrente buscou a reforma da decisão colegiada no STJ.

A instituição financeira alegou que a recorrida autorizou a movimentação dos seus recur-sos para fundo de investimento no Banco Santos, tendo inclusive realizado aplicações e resgates durante a atividade da aplicação.

O relator mencionou que as instâncias judiciais do Tocantins reconheceram a prática de ilícito do recorrente por aplicar, sem prévia anuência da agropecuarista, recursos em fundo bancário externo, além de não informá-la adequadamente de que havia delegado a gestão do aludido fundo ao Banco Santos, configurando, assim, prestação de serviço defeituoso.

Dessa forma, a turma manteve a determinação de restituição dos valores aplicados pelo recorrente ao Banco Santos, abatidos os valores já devolvidos.

Todavia, o relator entendeu como excessivo o valor estabelecido para a indenização por danos morais.

Considerando julgamentos de casos semelhantes pelo STJ, o relator fixou o montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de dano moral.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“O recurso especial não ultrapassa o juízo de admissibilidade quanto ao ponto, na me-dida em que as instâncias de origem reconheceram a prática de ilícito do recorrente, consistente em aplicar os recursos da autora no fundo de investimentos sem a prévia autorização, além de não informá-la adequadamente de que havia delegado a gestão do aludido fundo ao Banco Santos, configurando, assim, prestação de serviço defeituoso.

Por sua vez, o art. 14, § 3º, II, do Código de Defesa do Consumidor nem sequer foi prequestionado pelo aresto recorrido.

Melhor sorte, contudo, merece o recurso especial no tocante à alegação de excesso da verba indenizatória.

O arbitramento da indenização por dano moral deve ser feito de maneira a preservar a proporcionalidade à ofensa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstan-ciais, razão pela qual o STJ somente examina os valores indenizatórios quando manifes-tamente irrisórios ou exorbitantes.

No caso, para fixar o montante de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), a sentença so-pesou, de um lado, os constrangimentos sofridos pela autora ao ser privada dos recursos que lhe serviam ao sustento próprio, não conseguindo honrar seus compromissos, sendo tida por má pagadora e, de outro, o porte econômico do banco réu. O Tribunal a quo manteve a sentença. Entendo que o valor arbitrado mostra-se exagerado, reclamando seu ajuste pelo Superior Tribunal de Justiça, de modo que atenda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Analisando a jurisprudência do STJ a respeito de indenização por defeito na prestação dos serviços bancários, com consequências semelhantes às aqui observadas, destaco os seguintes precedentes: AgRg-REsp 1.194.699/TO (R$ 30.000,00 – mesma hipó-tese de aplicação em fundo de investimentos sem autorização do cliente); AgRg-Ag 997.546/AP (R$ 29.902,98 – mesma hipótese de aplicação em fundo de investimen-tos sem autorização do cliente); AgRg-AREsp 302.238/MG (R$ 12.000,00 – descon-to indevido na conta-salário do cliente); AgRg-AREsp 126.685/SC (R$ 35.000,00 – retenção indevida de salário na conta-corrente); REsp-709.553/PB (R$ 8.000,00 – apropriação indevida de valores de conta-corrente, gerando negativação do cliente);

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AgRg-AREsp 425.642/SP (R$ 15.000,00 – devolução de cheques e cobranças indevi-das decorrentes de emissão de cheques por falsário).

Assim, sopesando as circunstâncias fáticas do caso concreto delineadas pelas instâncias ordinárias e acima mencionadas, fixo o valor da indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

VIII – Conclusão

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e dou-lhe parcial provimento para reduzir o valor da indenização por dano moral a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), mantidas as verbas de sucumbência.”

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou parcialmente julgamento do Tribunal de Justiça do Tocantins que determinou ao recorrente a restituição à recorrida dos valores aplicados pela instituição financeira no Banco Santos sem a autorização da correntista.

2835 – Contrato bancário – alienação fiduciária – comprovação da mora do devedor – notificação por edital – irregularidade da notificação

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Processual civil e contrato bancário. Alienação fiduciária. Comprovação da mora do devedor. Notificação por edital. Ale-gação de irregularidade da notificação. Reexame de matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. Provimento negado. 1. A eg. Segunda Seção do STJ firmou entendimento, em sede de julgamento de recurso especial representativo da controvérsia, de que ‘a notificação extrajudicial realizada e entregue no endereço do devedor, por via postal e com aviso de recebimento, é válida quando realizada por Cartório de Títulos e Do-cumentos de outra Comarca, mesmo que não seja aquele do domicílio do devedor’ (REsp 1.184.570/MG, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 09.05.2012, DJe de 15.05.2012). 2. Admite-se, ainda, que a comprovação da mora do devedor seja efetuada pelo protesto do título por edital, quando, esgotados os meios de localizar o devedor, seja inviável a notificação pessoal, em razão de não ter sido o réu encontrado no endereço indicado no contrato. 3. A notificação realizada por edital seguiu as regras procedimentais, sendo, portanto, regular, nos termos atestados pela Certidão emitida pelo Cartório de Protesto. Tal certificação goza de presunção de veracidade, a qual não foi desconstituída pela parte ora recorrente. Rever tal contexto fático esbarraria no óbice da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-AgRg-Ag-REsp 664.661 – (2015/0037700-0) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 10.06.2016)

2836 – Contrato bancário – cédula de crédito rural – ação de repetição de indébito – correção monetária – termo inicial

“Processual civil. Agravo interno. Contrato bancário. Cédula de crédito rural. Ação de repetição de indébito. Correção monetária. Termo inicial. Honorários advocatícios. Provimento jurisdicional. Eficácia condenatória. Repetição do indébito. Aplicação do art. 20, § 3º, do CPC. Súmula nº 7/STJ. 1. Nas ações de restituição, o termo inicial da correção monetária é data do desembolso. 2. Nas demandas em que o provimento ju-risdicional possui eficácia condenatória, os honorários advocatícios devem ser fixados

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com base no art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil. 3. Agravo interno parcialmente provido.” (STJ – AgInt-EDcl-Ag-REsp 318.208 – (2013/0083265-0) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 16.06.2016 – p. 3155)

2837 – Contrato de câmbio – recuperação judicial – fraude à execução – ocorrência

“Empresarial, civil e processual civil. Recurso especial. Ação de execução. Adianta-mento sobre Contratos de Câmbio (ACCs). Empresa executada em recuperação judi-cial. Pedido de reconhecimento de fraude à execução indeferido. Agravo de instru-mento. Alegação de ofensa ao art. 535 do CPC/1973. Omissão ou contradição inexis-tentes. Acórdão devidamente fundamentado. Ausência de impugnação a argumento específico. Incidência, por analogia, da Súmula nº 283 do STF. Ausência de preques-tionamento. Incidência da Súmula nº 211 do STJ. Deficiência da fundamentação. In-compreensão da controvérsia. Incidência, por analogia, da Súmula nº 284 do STF. Má-fé. Configuração. Reexame de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. Recurso manejado sob a égide do CPC/1973. 1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC/1973 porque o Tribunal de origem enfrentou todas as questões postas, não havendo no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade. 2. Existindo argumento capaz de manter o acórdão impugnado por suas próprias pernas, não ha-vendo o ataque específico a tal ponto, atrai-se a incidência, por analogia, da Súmula nº 283 do STF. 3. O tema referente aos arts. 467, 468 e 471, todos do CPC/1973, não foi objeto de debate no venerando acórdão recorrido, carecendo, por conseguinte, do necessário prequestionamento viabilizador do recurso especial, requisito indispensá-vel ao acesso às instâncias excepcionais. Aplicável, assim, a Súmula nº 211 do STJ. Além do mais, não foram apresentados argumentos claros e concatenados que pudes-sem esclarecer os fundamentos ou motivos pelos quais entende-se violado os referidos dispositivos, o que impede compreender a exata medida da controvérsia, ensejando a aplicação da Súmula nº 284 do STF, por analogia. 4. Modificar a conclusão da boa-fé do terceiro adquirente, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento inviável nesta Corte de Justiça em virtude da vedação contida em sua Súmula nº 7. 5. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enun-ciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publi-cadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.440.783 – (2014/0011665-7) – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 21.06.2016)

2838 – Contrato de participação financeira – cumprimento de sentença – fundamen­tos da decisão agravada não impugnados

“Agravo interno no recurso especial. Contrato de participação financeira. Cumprimen-to de sentença. Fundamentos da decisão agravada não impugnados. Agravo não co-nhecido. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado nº 3 do Plenário do STJ: ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a

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partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC’. 2. É inviável o agravo interno que deixa de impugnar espe-cificamente os fundamentos da decisão agravada (CPC/2015, art. 1.021, § 1º). 3. O recurso mostra-se manifestamente inadmissível, a ensejar a aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC, no montante equivalente a 1% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º do citado artigo de lei. 4. Agravo interno não conhecido, com aplicação de multa.” (STJ – AgInt-REsp 1.265.727 – (2011/0142307-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.06.2016 – p. 2148)

2839 – Contrato de participação financeira – subscrição de ações – aquisição de linha telefônica – cumprimento de sentença

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Contrato de participação financeira. Subscrição de ações. Aquisição de linha telefônica. Cumprimento de sentença. Im-pugnação. Ausência de prequestionamento. Acórdão estadual cujos fundamentos não foram atacados. Falta de ataque aos fundamentos do primeiro juízo de admissibilidade. 1. Não tendo havido o prequestionamento dos temas ventilados no recurso especial, incide a Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 2. O recurso especial não impugnou os fundamentos do acórdão recorrido. Incide a Súmula nº 283 do Supremo Tribunal Federal (STF). 3. O agravante deve impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não conhecimento do agravo, ao teor do disposto no art. 544, § 4º, I, do Código de Processo Civil (CPC). 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 810.466 – (2015/0285131-4) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 16.06.2016 – p. 3223)

2840 – Dano moral – protesto indevido – quantum compensatório – princípio da pro­porcionalidade respeitada

“Agravo interno no recurso especial. Civil. Danos morais. Protesto indevido. Quantum compensatório. Princípio da proporcionalidade respeitada. Agravo interno não provido. 1. A jurisprudência pacífica deste Tribunal Superior é no sentido de que, nas hipóteses de inscrição indevida efetuada ou de protesto indevido – dano in re ipsa –, é prescindível a comprovação do dano moral, por se tratar de fato por si só capaz de configurar juridicamente o dano extrapatrimonial, sendo desnecessária prova cabal a respeito. Precedentes. 2. No caso vertente, considerando as circunstâncias fáticas do caso concreto, entende-se ser desarrazoado o quantum fixado pela instância ordiná-ria pelo protesto indevido de duplicata emitida fraudulentamente, razão pela qual se mostra adequada a redução da reparação moral para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), valor acrescido de correção monetária a partir desta data (Súmula nº 362/STJ) e de juros moratórios a partir do evento danoso, por se tratar de responsabilidade extracontra-tual. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 905.710 – (2006/0261382-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.06.2016 – p. 2136)

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2841 – Direito cambiário – cédula de crédito industrial – garantia real – alienação fiduciária

“Recurso especial. Direito cambiário. Cédula de crédito industrial. Garantia real. Alie-nação fiduciária. Busca e apreensão convertida em ação de depósito. Prazo prescri-cional. Trienal (art. 52, DL 413/1969 c/c art. 70, LUG) ou decenal (art. 205, Código Civil de 2002). Prescrição intercorrente. Não ocorrência. Retorno dos autos ao juízo de origem. Recurso desprovido. I – Tratando a espécie de ação de busca e apreensão movida pelo proprietário fiduciário contra a devedora fiduciante, com base no con-trato de alienação fiduciária em garantia firmado entre as partes e adjeto à cédula de crédito industrial, e não de ação de execução da própria cédula de crédito industrial, inaplicável a prescrição suscitada pela devedora. II – O prazo prescricional trienal seria aplicável apenas à ação de execução da cédula de crédito industrial, no caso de demora atribuível ao exequente, o que não ocorreu na espécie, e não à de busca e apreensão dos bens alienados fiduciariamente em garantia do credor. III – Quando do ajuizamento da ação de busca e apreensão a cédula de crédito industrial anteci-padamente vencida por inadimplemento não estava prescrita, tendo o credor optado pela realização de suas garantias ao invés de executar o débito, estando correto o eg. Tribunal de Justiça ao considerar viável a ação de cumprimento do contrato de finan-ciamento manejada pelo banco credor, com a busca e apreensão dos bens dados em garantia pela devedora. IV – Inocorrência da prescrição intercorrente da cédula de crédito industrial apresentada com a inicial da ação de busca e apreensão, seja porque não se tem, na hipótese, ação de execução, seja porque a demora na citação não pode ser imputada ao Banco credor, inexistindo violação ao art. 52 do DL 413/1969 c/c art. 70 do Anexo I da LUG. V – Retorno dos autos ao Juízo de origem para prosse-guimento da ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 805.928 – (2005/0213667-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 17.06.2016 – p. 2100)

2842 – Direito societário – cessão de cotas – averbação na junta comercial – assinatu­ra dos sócios – irrelevância

“Recurso especial. Direito empresarial e processual civil. Direito societário. Cessão de cotas. Eficácia perante a sociedade. Necessidade de averbação na junta comer-cial. Arts. 1.003 e 1.057 do CCB/2002. Assinatura de todos os sócios. Irrelevância. 1. Controvérsia acerca do termo inicial do prazo de dois anos da responsabilidade do sócio que cedeu suas cotas sociais. 2. ‘A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais só-cios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade’ (art. 1.003, caput, do CCB/2002). 3. Hipótese em que a cessão contou com a concordância de todos os sócios. 4. Dis-tinção entre os efeitos da cessão nas relações jurídicas internas e externas. 5. Neces-sidade de averbação na junta comercial para que a cessão produza efeitos quanto à sociedade, ainda que todos os sócios, inclusive o sócio administrador, tenha anuído com a cessão. 6. ‘Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, res-ponde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros,

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pelas obrigações que tinha como sócio’ (art. 1.003, p. u., do CCB/2002). 7. Transcurso de prazo inferior a dois anos entre a data da averbação e o momento da propositu-ra da demanda. 8. Doutrina acerca da questão. 9. Decadência afastada na espécie. 10. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.415.543 – (2013/0364297-7) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.06.2016)

2843 – Embargos declaratórios – oposição na vigência do NCPC – não provimento

“Embargos de declaração. Oposição na vigência do Novo Código de Processo Civil. Não provimento. Nega-se provimento aos Embargos de Declaração quando não de-monstrada omissão, contradição, obscuridade ou erro material no acórdão embargado, hipóteses previstas nos arts. 897-A da CLT e 1.022 do CPC/2015.” (TST – ED-AIRR 0010953-52.2014.5.15.0143 – Relª Min. Maria de Assis Calsing – DJe 13.05.2016)

Comentário Editorial SÍnTESENo presente caso o Tribunal negou provimento aos Embargos declaratórios por não preencher os requisitos exigidos como a presença da omissão, contradição, obscuridade ou erro material.

A oposição aos Embargos foi feita já na vigência do Novo Código de Processo Civil.

Com relação ao erro material, a previsão está contida no art. 1.022, III, do NCPC:

“Art. 1022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III – corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.”

O Dr. Bruno Campos Silva, assim explica:

“O erro material seria aquele perceptível de imediato pelo juiz, não passível de maiores indagações, podendo, ainda, provocar a modificação do julgado (v.g., grafia, numeração, aferição equivocada da tempestividade de um recurso).

De acordo com o escorreito posicionamento de Teresa Arruda Alvim Wambier: ‘Eviden-temente, mesmo em vigor, à luz do Código de Processo Civil, pode e deve o Judiciário corrigir erros materiais por ocasião da interposição dos embargos de declaração, ainda que a correção destes enganos gere alteração substancial da decisão. Isto não significa que os embargos de declaração possam ter efeito modificativo, indiscriminadamente, como observamos antes.

Já tivemos oportunidade de manifestar nossa opinião a respeito do que seja erro ma-terial. Dissemos que é o erro: 1. perceptível por qualquer homo medius; 2. e que não tenha, evidentemente, correspondido à intenção do juiz.

[...]

Vê-se, pois, que o erro material é necessariamente manifesto, no sentido de evidente, bem visível, facilmente verificável, perceptível. Erro, cuja demonstração é complexa, que é difícil de ser percebido, de ser constatado, deixa de poder ser corrigido por mera petição ou por embargos de declaração. A dificuldade de demonstração subtrai do erro a

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característica de ser erro material, corrigível por mera petição simples ou por embargos de declaração’.

A nossa preocupação está exatamente na possibilidade de ser o erro material corrigido por intermédio do recurso de embargos de declaração.

Ora, se já é corriqueira a utilização de simples petição para se corrigir o erro material, a nova possibilidade trazida pelo legislador poderá (embargos de declaração), a nosso ver, atrasar a efetiva entrega da tutela jurisdicional.

Daí, estar-se-á diante de uma expressa contrariedade à cooperação no processo.

Se o erro material pode ser ventilado por intermédio de simples petição, sem interrupção de prazo, diga-se, então, por que possibilitar a alegação em sede de embargos de decla-ração, com efeito interruptivo?

A complexidade em se aferir o erro material poderá ser uma armadilha para a coopera-ção e efetividade processuais.

Na prática, haverá casos em que será utilizada a via recursal dos embargos de declara-ção, para a correção de erro material, apenas e tão somente para se prolongar o tempo, eis que dotado de efeito interruptivo.

E, nesses casos, entendemos que o juiz não poderá converter os embargos de decla-ração em simples petição, tendo em vista a expressa positivação do erro material (ex vi do art. 1.022, III, NCPC/2015); e isso, com certeza, dependendo do caso concreto, acabará por frustrar a cooperação no processo.

Se fosse possível a conversão, não seria necessária a previsão do erro material em artigo de lei, s.m.j.

A finalidade do recurso de embargos de declaração seria a de sanear (não seria somente integrar) o ato decisório, para que disso decorra uma decisão judicial mais rente à rea-lidade do caso concreto apta a garantir maior concretização de direitos fundamentais.

Na verdade, se os juízes observassem/respeitassem o direito fundamental à fundamen-tação (ex vi do art. 93, IX, CF/1988), talvez a utilização dos embargos de declaração seria muito menor.

O problema maior é que a maioria (para não se dizer a totalidade) dos magistrados deci-de para após justificar o ato decisório, ao invés de justificar para após decidir.

Com o NCPC/2015, o juiz estará vinculado a um exemplificativo roteiro representativo do dever de fundamentação (ex vi do art. 489, § 1º).” (Embargos de Declaração e o Novo Código de Processo Civil. Revista SÍNTESE Direito Processual Civil, a. XIII, n. 97, set-out/2015, p. 558)

2844 – Execução – desconsideração da personalidade jurídica – grupo econômico – faturamento da empresa – penhora – possibilidade

“Recurso especial. Civil e processual civil. Execução. Título extrajudicial. Descon-sideração da personalidade jurídica. Grupo econômico. Sociedade empresária com participação na empresa executada. Coincidência entre os sócios. Citação prévia. Des-necessidade. Ampla defesa e contraditório garantidos em razão da citação dos sócios administradores da pessoa jurídica atingida. Prejuízo à defesa. Nulidade. Inexistên-cia. Princípio da instrumentalidade das formas (CPC/1973, art. 249, § 1º). Teoria da disregard doctrine (CC/2002, art. 50). Requisitos. Confusão patrimonial reconhecida. Matéria de prova (Súmula nº 7/STJ). Penhora sobre o faturamento de empresa. redu-ção. percentual fixado com base na apreciação dos fatos da causa. inviabilidade nesta

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estreita via. Possibilidade de posterior alteração pelas instâncias ordinárias, durante a execução, caso se mostre adequada a providência. Embargos de declaração protelató-rios e litigância de má-fé (CPC/1973, arts. 17, 18 e 538, parágrafo único). Não carac-terização. Penalidades afastadas. Recurso parcialmente provido. 1. A questão relativa à prévia citação do sócio ou da pessoa jurídica atingida pela aplicação da disregard doctrine, anteriormente à vigência do novo Código de Processo Civil, encontra prece-dentes no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: ‘A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual, razão pela qual pode ser de-ferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando a defesa apresentada a posteriori, me-diante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-execu-tividade’ (REsp 1.414.997/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe de 26.10.2015). 2. Hipótese em que, ademais, não foi demonstrada a existência de prejuízo à defesa, uma vez que, reconhecida a coincidência entre os quadros societários das empresas envolvidas, verificou-se que os sócios administradores da sociedade recorrente já figu-ravam no polo passivo da execução, o que lhes possibilitou o exercício do contradi-tório acerca da aplicação da disregard doctrine antes de proferida qualquer decisão a respeito. Aplicação do princípio da instrumentalidade das formas (CPC/1973, art. 249, § 1º). 3. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a existência dos requisitos autoriza-dores da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária execu-tada, decretada nos termos do art. 50 do CC/2002, a revisão das conclusões contidas no acórdão recorrido, fundamentado no exame aprofundado das provas produzidas, exigiria o revolvimento de matéria fática, inviável em sede de recurso especial (Súmula nº 7/STJ). 4. Na esteira da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a penhora sobre o faturamento de empresa é admitida em casos em que se mostre necessária e adequada, desde que observados, cumulativamente, os seguintes requisitos: I – ine-xistência de bens passíveis de garantir a execução ou que sejam de difícil alienação; II – nomeação de administrador (CPC/1973, art. 655-A, § 3º); e III – fixação de per-centual que não inviabilize a atividade empresarial. Precedentes. 5. Inviável, na via estreita do especial, o exame da pretensão de redução do percentual estabelecido para a penhora – fixado em 30% sobre o faturamento bruto mensal da sociedade executada –, uma vez que fixado pelo Tribunal de origem com base na apreciação dos fatos da causa. A revisão do percentual da penhora poderá ser feita pelas próprias instâncias or-dinárias, caso se mostre adequada essa providência, durante a execução. 6. Tratando--se de embargos de declaração opostos com o intuito de prequestionar matéria infra-constitucional trazida no recurso especial, não há por que inquiná-los de protelatórios, tampouco para considerar a parte como litigante de má-fé, uma vez que esta não pode ser presumida, sendo necessária a comprovação do dolo da parte, ou seja, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo, nos termos do art. 17 do Código de Pro-cesso Civil. Penalidades afastadas. 7. Recurso especial provido em parte.” (STJ – REsp 1.545.817 – (2015/0184086-7) – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 27.05.2016)

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2845 – Execução de título extrajudicial – intimação – inércia do credor – quitação do débito – presunção

“Processual civil. Recurso especial. Decisão monocrática. Embargos de declaração. Cabimento. Princípio da fungibilidade recursal. Requisitos atendidos. Violação dos arts. 275, 277 e 354 do Código Civil e 148 da Lei de Falências. Falta de prequestiona-mento. Execução de título extrajudicial. Intimação judicial. Inércia do credor. Presun-ção de quitação do débito. Extinção do feito com base no art. 794, I, do CPC. Impos-sibilidade no caso concreto. 1. A presença de contradição, omissão ou obscuridade justifica o cabimento de embargos de declaração contra qualquer decisão, monocráti-ca ou colegiada. 2. Para a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, basta que seja observado o prazo do recurso considerado correto e não se configure a hipótese de erro grosseiro. 3. A falta de prequestionamento dos dispositivos legais apontados como violados impede o conhecimento do recurso especial quanto à questão federal neles tratada. 4. A extinção da execução pelo pagamento requer a necessária compro-vação nos autos, estando desautorizada a presunção a seu respeito, salvo nas hipóteses de presunção legal, a exemplo daquelas previstas nos arts. 322, 323 e 324 do Código Civil. 5. Havendo presunção legal, o juiz pode extinguir a execução pelo pagamento se o credor, devidamente intimado – independentemente se de forma pessoal ou por publicação no órgão oficial – a manifestar-se sobre os documentos e alegações do devedor, sob pena de extinção pelo pagamento, quedar-se inerte. 6. Contudo, na falta de presunção legal, nem mesmo a intimação pessoal do credor autoriza a extinção pelo pagamento se os documentos e alegações do devedor não se mostrarem aptos a permitir tal conclusão. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e provido em parte.” (STJ – REsp 1.513.263 – RJ – (2012/0042688-3) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 23.05.2016)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de recurso especial interposto com amparo na alínea a do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado:

“AGRAVOS INOMINADOS NA APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO BUS-CANDO A RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO ATACADA, QUE DEVEM SER RECEBIDOS COMO AGRAVO INOMINADO PREVISTO NO ART. 557, § 1º, DO CPC – FALTA DE PREPARO – O AGRAVO INOMINADO PREVISTO PELO ART. 557, § 1º, DO CPC, ESTÁ SUJEITO A PREPARO, DE CUJA AUSÊNCIA IMPÕE O NÃO CONHECIMENTO, POR FAL-TA DE REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE – EM RELAÇÃO AO SEGUNDO RECURSO, DEVE-SE AFIRMAR QUE A HIPÓTESE DO ART. 535 DO CPC RESTOU CONFIGURADA – EXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO NA DECISÃO MONOCRÁTICA ATACADA – DECISÃO MONOCRÁTICA, ATENDENDO AO ENUNCIADO Nº 65, DO AVISO Nº 83/2009 DESTA CORTE – AGRAVO INOMINADO INTERPOSTO POR CLAUDIO SERGIO FORAIN QUE NÃO SE CONHECE E AGRAVO INOMINADO DO BANCO BRADESCO S.A. A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”

Foram opostos os embargos de declaração e rejeitados, sobrevindo a interposição do presente Recurso Especial, em que se alega ofensa aos arts. 236, 267, § 1º, 511, 535, 557, § 1º, 794, I, e 795 do CPC e 148 da Lei de Falências.

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Sustentou o recorrente que não cabe embargos de declaração de decisão monocrática; que a deserção do agravo interno interposto pela parte adversa desautoriza a aplicação do princípio da fungibilidade para recebê-lo como embargos de declaração; que não é possível presumir a quitação da dívida, sendo necessária a intimação pessoal do credor para se admitir, a partir de seu silêncio, a presunção de pagamento.

Oferecidas as respectivas contrarrazões, o recurso não foi admitido na origem, dando ensejo à interposição de agravo em recurso especial, a que dei provimento para melhor exame da controvérsia.

No STJ, o recorrente alegou que não se poderia presumir a quitação da dívida apenas com base no silêncio do credor.

Defendeu, ainda, que a intimação foi genérica e feita apenas na pessoa do procurador, via Diário da Justiça, não pessoalmente.

O relator, ao analisar o caso apresentou voto favorável ao recorrente.

Alegou que, para extinguir a ação executiva, é necessário que a quitação seja compro-vada, salvo nas hipóteses de presunção legal, citando como exemplo a presunção do pagamento das cotas anteriores quando paga a última cota sucessiva e a do pagamento de título de crédito, quando o devedor estiver na posse do documento.

Vale trazer trecho do seu voto:

“Havendo presunção legal, o juiz pode extinguir a execução pelo pagamento se o credor, devidamente intimado, independentemente se de forma pessoal ou por publicação no órgão oficial, a manifestar-se sobre os documentos e alegações trazidos pelo devedor, sob pena de extinção pelo pagamento, quedar-se inerte.

Contudo, na falta de presunção legal, nem mesmo a intimação pessoal do credor au-toriza a extinção da ação executiva pelo pagamento, se os documentos juntados pelo devedor não se mostrarem aptos a permitir tal conclusão.

É que a presunção nada mais é do que aquela consequência que se tira a partir de um fato conhecido e se atribui a um fato desconhecido. Tem natureza de ficção jurídica e configura não exatamente um meio de prova, mas um meio de raciocínio, de formação de um convencimento.

Assim, não se pode admitir que o juiz atribua ao silêncio do credor uma consequência jurídica que não encontra respaldo na lei.

É o que ocorre no presente caso.

O devedor alegou que a empresa devedora principal da dívida por ele avalizada já teria quitado sua obrigação no bojo da concordata que lhe fora deferida, conforme sentença acostada aos autos, e requereu a extinção pelo pagamento da presente execução.

Ocorre que a concordata do avalizado em nada afeta a obrigação do avalista para com o possuidor do título, pois os benefícios a ela inerentes não o atingem, uma vez tratar--se de favor pessoal que apenas alcança a quem concedido. Nesse contexto, o silêncio do credor não autoriza que o juiz conclua que houve o integral cumprimento da dívida exequenda.

A satisfação, em parte, da obrigação com o depósito na concordata, que tem força de pagamento, não se discute, apenas acarreta a exclusão do respectivo montante, deven-do prosseguir a execução contra o avalista pelo remanescente.

Some-se a isso a circunstância de que a publicação no caso nem sequer alertou o credor para a consequência de seu eventual silêncio.

Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e dou-lhe parcial provimento para determinar o prosseguimento da execução.”

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2846 – Falência – nomeação de administrador judicial – caução da remuneração – responsabilidade – efeito suspensivo – impossibilidade

“Recurso especial. Falência. Nomeação de administrador judicial. Caução da remu-neração. Responsabilidade. Art. 25 da Lei nº 11.101/2005. Efeito suspensivo. Impos-sibilidade. 1. Inviável a apreciação do pedido de efeito suspensivo a recurso especial feito nas próprias razões do recurso. Precedentes. 2. O art. 25 da Lei nº 11.101/2005 é expresso ao indicar o devedor ou a massa falida como responsável pelas despesas relativas à remuneração do administrador judicial. 3. Na hipótese, o ônus de providen-ciar a caução da remuneração do administrador judicial recaiu sobre o credor, porque a empresa ré não foi encontrada, tendo ocorrido citação por edital, além de não se saber se os bens arrecadados serão suficientes a essa remuneração. 4. É possível a aplicação do art. 19 do Código de Processo Civil ao caso em apreço, pois deve a parte litigante agir com responsabilidade, arcando com as despesas dos atos necessários, e por ela requeridos, para reaver seu crédito. 5. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.526.790 – SP – (2015/0081713-5) – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 28.03.2016)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

“Pedido de falência. Decreto de quebra e nomeação de administrador judicial. Deter-minação, ao requerente, de depósito de caução dos honorários do auxiliar do juízo. Inconformismo. Possibilidade da exigência. Aplicação do art. 19 do CPC. Administrador judicial que, ademais, também tratará dos interesses do credor. Não provimento.”

O recorrente sustentou violação do art. 25 da Lei nº 11.101/2005.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“De fato, se há possibilidade de não se arrecadar bens suficientes para a remuneração do administrador, deve a parte litigante agir com responsabilidade, arcando com as despesas dos atos necessários, e por ela requeridos, para tentar reaver seu crédito.”

Afirmou que a remuneração do administrador judicial, após decretada a falência de uma empresa, deve ficar a cargo da massa falida.

Fabio Ulhoa Coelho, sobre o assunto, assim nos ensina:

“O administrador judicial (que pode ser pessoa física ou jurídica) é o agente auxiliar juiz que, em nome próprio (portanto, com responsabilidade), deve cumprir com as funções cometidas pela lei. Além de auxiliar do juiz na administração da falência, o administra-dor judicial é também o representante da comunhão de interesses dos credores (massa falida subjetiva). Exclusivamente para fins penais, o administrador judicial é considerado funcionário público.

[...]

Na administração dos interesses comuns dos credores, o administrador judicial não goza de absoluta autonomia. Além de estar obrigado a prestar contas de todos os seus atos, deve requerer a autorização judicial previamente à adoção de algumas medidas de crucial importância para a falência. A contratação de profissionais e auxiliares, por exemplo, só vincula a massa quando autorizada pelo juiz, que aprova também a remu-neração. Se o administrador judicial contratar alguém para o assessor ou ajudar no de-sempenho de suas atribuições sem solicitar antes a autorização do juiz, é exclusivamen-

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te ele (e nunca a massa falida) o responsável pelo pagamento do profissional ou auxiliar. Outro exemplo: o administrador judicial não pode transigir sobre créditos e negócios da massa falida nem conceder desconto ou abatimento, ainda que seja o crédito de difícil cobrança, a não ser que esteja previamente autorizado pelo juiz (ouvidos o Comitê e o representante legal da sociedade falida). Além das hipóteses legais que expressamente limitam a autonomia do administrador judicial, porém, tem ele poderes para fazer o que considerar do interesse da comunhão dos credores.” (Curso de direito comercial. Saraiva, v. 3, 2005, p. 274-278)

O relator mencionou que a despesa com o administrador judicial, principal auxiliar do juiz na condução do processo falimentar, é de suma importância, e o perito não pode ser obrigado a exercer seu ofício gratuitamente.

Requereu a concessão de efeito suspensivo ao especial, para que seja determinada a suspensão do cumprimento da ordem de caução da remuneração do administrador judicial e, no mérito, o provimento do presente recurso.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso.

2847 – Locação – shopping center – ação de despejo por falta de pagamento – cobran­ça em dobro – princípio da obrigatoriedade – necessidade

“Recurso especial. Direito civil e processual civil. Locação de espaço em shopping center. Ação de despejo por falta de pagamento. Aplicação do art. 54 da lei de loca-ções. Cobrança em dobro do aluguel no mês de dezembro. Concreção do princípio da autonomia privada. Necessidade de respeito aos princípios da obrigatoriedade (pacta sunt servanda) e da relatividade dos contratos (inter alios acta). Manutenção das cláu-sulas contratuais livremente pactuadas. Recurso especial provido. 1. Afastamento pelo acórdão recorrido de cláusula livremente pactuada entre as partes, costumeiramente praticada no mercado imobiliário, prevendo, no contrato de locação de espaço em shopping center, o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro. 2. O contro-le judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. 3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. 4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.409.849 – (2013/0342057-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 05.05.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEPassamos a comentar acórdão que trata da locação de aluguel em shoppings.

Em julgamento de Recurso Especial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu a validade da cláusula constante de contratos de locação de espaço em shopping centers que estabelece a duplicação do valor do aluguel no mês de dezembro.

Consta dos autos, que o recurso foi interposto por uma administradora de shopping contra acórdão que afastou a cobrança em dobro.

O tribunal entendeu que, apesar de ser prática comum, na atual fase da economia (infla-ção controlada), não justificaria o pagamento do aluguel dobrado no mês de dezembro,

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devendo ser afastada a cobrança manifestamente abusiva limitando a irrestrita liberdade contratual em busca do equilíbrio decorrente da necessária função social do contrato.

O relator, ao analisar o caso, votou pela reforma do acórdão.

Ele mencionou que a cobrança do 13º aluguel é prevista em cláusula contratual própria desse tipo peculiar de contrato de locação, incluindo-se entre as chamadas cláusulas excêntricas.

Explicou ainda, que os aluguéis de espaços em shoppings são compostos por uma parte fixa e outra variável, sendo que o montante variável é calculado sobre o faturamento do estabelecimento, variando em torno de 7% a 8% sobre o volume de vendas.

O art. 54 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), prevê:

“Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.

1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center:

a) as despesas referidas nas alíneas a, b e d do parágrafo único do art. 22; e

b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.

2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.”

Vale trazer trecho do voto do relator:

“A discussão acerca da sua validade dessa cláusula contratual centra-se na tensão entre os princípios da autonomia privada e da função social do contrato.

Em sede doutrinária, já tive oportunidade de discorrer acerca do princípio da autonomia privada (Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 33).

O princípio da autonomia privada corresponde ao poder reconhecido pela ordem jurídica aos particulares para dispor acerca dos seus interesses, notadamente os econômicos (autonomia negocial), realizando livremente negócios jurídicos e determinando os res-pectivos efeitos (PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982. p. 11).

Miguel Reale, em sua obra ‘O projeto de Código Civil’ (São Paulo: Saraiva, 1986. p. 9), esclarece textualmente o seguinte:

‘É que se chama autonomia da vontade, e que, na minha concepção filosófico-jurídica, denomino poder negocial.’

A autonomia privada, embora modernamente tenha cedido espaço para outros princí-pios (como a boa-fé e a função social do contrato), apresenta-se, ainda, como a pedra angular do sistema de direito privado, especialmente no plano do Direito Empresarial.

O pressuposto imediato da autonomia privada é a liberdade como valor jurídico. Media-tamente, o personalismo ético aparece também como fundamento, com a concepção de que o indivíduo é o centro do ordenamento jurídico e de que sua vontade, livremente manifestada, deve ser resguardada como instrumento de realização de justiça (AMARAL NETO, op. cit., p. 17).

Na sua dimensão moderna, o princípio da autonomia privada passou a ter sede cons-titucional, não apenas quando se protege a livre iniciativa econômica (art. 170 da Constituição Federal), como também quando se confere proteção à liberdade individual (art. 5º da Constituição Federal). Liga-se, assim, a autonomia privada ao próprio desen-

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volvimento da dignidade humana, embora não atue, naturalmente, de forma absoluta, sofrendo limitações de outros princípios (boa-fé, função social, ordem pública).

O princípio da autonomia privada concretiza-se, fundamentalmente, no direito contra-tual, através de uma tríplice dimensão: a liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos.

A liberdade contratual representa o poder conferido às partes de escolher o negócio a ser celebrado, com quem contratar e o conteúdo das cláusulas contratuais. É a ampla faixa de autonomia conferida pelo ordenamento jurídico à manifestação de vontade dos contratantes.

O princípio da relatividade dos contratos expressa, em síntese, que a força obrigatória desse negócio jurídico é restrita às partes contratantes (res inter alios acta). Apenas os contratantes vinculam-se entre si. O contrato é lei entre as partes, mas apenas entre as partes. Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico. De outro lado, nenhum terceiro pode intervir no contrato regularmente celebrado. Limita-se, assim, até mesmo, a atuação legislativa do próprio Estado, em face da impossibilida-de de uma lei nova incidir retroativamente sobre contrato regularmente celebrado por constituir ato jurídico perfeito. Admite-se apenas a revisão administrativa e judicial dos contratos nos casos expressamente autorizados pelo ordenamento jurídico (SILVA, Luiz Renato Ferreira da. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 24).

Já a força obrigatória dos contratos é o contraponto da liberdade contratual. Se o agente é livre para realizar qualquer negócio jurídico dentro da vida civil, deve ser responsável pelos atos praticados, pois os contratos são celebrados para serem cumpridos (pacta sunt servanda). A necessidade de efetiva segurança jurídica na circulação de bens impe-le a ideia de responsabilidade contratual, mas de forma restrita aos limites do contrato. O exercício da liberdade contratual exige responsabilidade quanto aos efeitos dos pactos celebrados.

Assim, a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 422) e já reconhecido na vigência do Código Civil de 1916, não constitui um princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre outros, pelos princí-pios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência do interesse público.

Essa relativização resulta, nas palavras do Min. Eros Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 92), o reconhecimento de que os contratos, além do interesse das partes contratantes, devem atender também aos ‘fins últimos da ordem econômica’.

Neste contexto, visando à promoção destes fins, admite o Direito brasileiro, expressa-mente, a revisão contratual, diante da alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico (teoria da imprevisão, teoria da base objetiva etc.).

Nada obstante, a par de não se ter reconhecido, no caso dos autos, qualquer destas alterações, não previstas, deve ser mínima, em respeito à vontade manifestada de forma efetivamente livre pelas partes.

Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho (O futuro do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 166) chega a reconhecer a vigência, neste campo do direito, do princípio da ‘plena vinculação dos contratantes ao contrato’, ou seja uma especial força obrigatória dos efeitos do contrato (pacta sunt servanda), em grau superior ao do Direito Civil, cujo afastamento somente poderia ocorrer em hipóteses excepcionais. Efetivamente, no Direito Empresarial, regido por princípios peculiares, como a livre iniciativa, a liberdade

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de concorrência e a função social da empresa, a presença do princípio da autonomia privada é mais saliente do que em outros setores do Direito Privado.

O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabula-das entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente segui-das pelos integrantes desse setor da economia.

Assim sendo, não poderia o Tribunal de origem, sem contrariar o disposto no art. 421 do Código Civil, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.245/1991, ter afastado a cláusula que previa o pagamento do aluguel, em dobro, no mês de dezembro, que é tradicional nesse tipo de contrato, tendo sido livremente pactuada entre as partes.

Necessário, portanto, ante a concreção dos princípios da obrigatoriedade e da relativida-de dos contratos, consectários lógicos do princípio da autonomia privada, o provimento do recurso especial, restabelecendo-se os comandos da sentença.”

2848 – Locação comercial – ação renovatória

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação renovatória de locação comercial. Decisão monocrática, da lavra da presidência desta Corte, que negou se-guimento ao reclamo, em razão da intempestividade do recurso especial e do agravo. Irresignação da demandante. 1. A existência de feriado local ou a suspensão de expe-diente forense, no dia do termo inicial ou final do prazo recursal, devem ser demons-tradas por certidão expedida pelo Tribunal a quo ou por documento oficial. Não há nos autos qualquer documento idôneo capaz de corroborar a tempestividade do recur-so especial na instância ordinária ou a ocorrência de extensão do prazo processual. 2. Não se conhece do agravo em recurso especial interposto após esgotado o prazo le-gal de 10 (dez) dias (art. 544 do CPC/1973). 3. A Corte Especial firmou o entendimento de que a oposição de embargos de declaração contra a decisão que negou seguimento a recurso especial, somente interrompe o prazo para a interposição de agravo para o Superior Tribunal de Justiça nos casos em que proferida de forma ‘tão genérica que sequer permite a interposição do agravo’ (EAREsp 275615/SP, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 24.03.2014). 4. Na hipótese em julgamento, entretanto, a delibe-ração que inadmitiu a subida do recurso especial não se encaixa na excepcionalidade, considerando que está devidamente fundamentada (aplicação das Súmulas nºs 5/STJ, 7/STJ e falta de demonstração do dissídio jurisprudencial), devendo ser mantida a deci-são unipessoal que reconhecera a intempestividade do agravo (art. 544 do CPC/1973). 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 713.756 – (2015/0112151-4) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 17.06.2016 – p. 2086)

2849 – Plano de saúde coletivo – empregado demitido sem justa causa – migração para plano individual – inadmissibilidade

“Recurso especial. Civil. Plano de saúde coletivo empresarial. Empregado demitido sem justa causa. Prorrogação temporária do benefício. Requisitos preenchidos. Exau-rimento do direito. Desligamento do usuário. Legalidade. Plano individual. Migração. Inadmissibilidade. Operadora. Exploração exclusiva de planos coletivos. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se a operadora de plano de saúde está obrigada a fornecer,

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após o término do direito de prorrogação do plano coletivo empresarial conferido pelo art. 30 da Lei nº 9.656/1998, plano individual substituto ao trabalhador demitido sem justa causa, nas mesmas condições de cobertura e de valor. 2. Quando há a demissão imotivada do trabalhador, a operadora de plano de saúde deve lhe facultar a prorro-gação temporária do plano coletivo empresarial ao qual havia aderido, contanto que arque integralmente com os custos das mensalidades, não podendo superar o prazo estabelecido em lei: período mínimo de 6 (seis) meses e máximo de 24 (vinte e quatro) meses. Incidência do art. 30, caput e § 1º, da Lei nº 9.656/1998. Precedentes. 3. A ope-radora de plano de saúde pode encerrar o contrato de assistência à saúde do trabalha-dor demitido sem justa causa após o exaurimento do prazo legal de permanência tem-porária no plano coletivo, não havendo nenhuma abusividade em tal ato ou ataque aos direitos do consumidor, sobretudo em razão da extinção do próprio direito assegurado pelo art. 30 da Lei nº 9.656/1998. Aplicação do art. 26, I, da RN 279/2011 da ANS. 4. A operadora de plano de saúde não pode ser obrigada a oferecer plano individual a ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa após o direito de permanência temporária no plano coletivo esgotar-se (art. 30 da Lei nº 9.656/1998), sobretudo se ela não disponibilizar no mercado esse tipo de plano. Além disso, tal hipótese não pode ser equiparada ao cancelamento do plano privado de assistência à saúde feito pelo próprio empregador, ocasião em que pode incidir os institutos da migração ou da por-tabilidade de carências. 5. Não é ilegal a recusa de operadoras de planos de saúde de comercializarem planos individuais por atuarem apenas no segmento de planos coleti-vos. Não há norma legal alguma obrigando-as a atuar em determinado ramo de plano de saúde. O que é vedada é a discriminação de consumidores em relação a produtos e serviços que já são oferecidos no mercado de consumo por determinado fornecedor, como costuma ocorrer em recusas arbitrárias na contratação de planos individuais quando tal tipo estiver previsto na carteira da empresa. 6. A portabilidade especial de carências do art. 7º-C da RN 186/2009 da ANS pode se dar quando o ex-empregado demitido ou exonerado sem justa causa ou aposentado solicitar a transferência para outra operadora durante o período de manutenção da condição de beneficiário garan-tida pelos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998. Logo, tal instituto não incide na hipótese em que o interessado pretende a migração de plano após exaurido o prazo de perma-nência temporária no plano coletivo e, sobretudo, para a mesma operadora. 7. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.592.278 – (2016/0079466-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 20.06.2016)

2850 – Princípio da menor onerosidade – penhora sobre faturamento da empresa – possibilidade

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Penhora sobre fa-turamento da empresa. Possibilidade. Princípio da menor onerosidade. Reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Inadmissibilidade. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Decisão mantida. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7 do STJ. 2. No caso concreto, a análise das razões apresentadas pela re-

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corrente de que não foram esgotados todos os meios para localização de outros bens penhoráveis, bem como de que a penhora sobre o faturamento da empresa colocaria em risco a atividade empresarial demandaria o revolvimento de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 343.773 – (2013/0172005-0) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 01.07.2016)

2851 – Propriedade industrial – cancelamento de registro da marca – reconhecimento da notoriedade da marca estrangeira

“Propriedade industrial. Cancelamento de registro da marca ‘Mega Mass’. Reconhe-cimento da notoriedade da marca estrangeira ‘Mega Mass’. Exceção ao princípio da territorialidade. Art. 6º bis, 1, da CUP. Art. 126 da Lei nº 9.279/1996. 1. O art. 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, que foi ratificado pelo Decreto nº 75.572/1975 e cujo teor foi confirmado pelo art. 126 da Lei nº 9.279/1996, confere proteção in-ternacional às marcas notoriamente conhecidas, independentemente de formalização de registro no Brasil, e vedam o registro ou autorizam seu cancelamento, conforme o caso, das marcas que configurem reprodução, imitação ou tradução suscetível de estabelecer confusão entre os consumidores com aquela dotada de notoriedade. 2. Re-ferida proteção não fica restrita aos produtos que sejam registráveis na mesma classe, exigindo-se apenas que sejam integrantes do mesmo ramo de atividade. 3. As marcas notoriamente conhecidas, que gozam da proteção do art. 6º bis, 1, da CUP, consti-tuem exceção ao princípio da territorialidade, isto é, mesmo não registradas no país, impedem o registro de outra marca que a reproduzam em seu ramo de atividade. Além disso, não se confundem com a marca de alto renome, que, fazendo exceção ao princí-pio da especificidade, impõe o prévio registro e a declaração do Inpi de notoriedade e goza de proteção em todos os ramos de atividade, tal como previsto no art. 125 da Lei nº 9.279/1996. 4. Quando as instâncias ordinárias, com amplo exame do conjunto fáti-co-probatório, cuja revisão está obstada pela incidência da Súmula nº 7/STJ, concluem que determinada marca estrangeira possui notoriedade reconhecida no ramo de suple-mentos alimentares em diversos países, não havendo dúvida acerca da possibilidade de provocar confusão nos consumidores, deve, portanto, ser mantido o cancelamento do registro da marca nacional de nome semelhante. 5. Recurso especial conhecido e desprovido.” (STJ – REsp 1.447.352 – (2014/0073086-4) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 16.06.2016 – p. 3208)

2852 – Recuperação judicial – execução – crédito extraconcursal – penhora sobre faturamento das empresas

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil (CPC/1973). Em-presas em recuperação judicial. Execução. Crédito extraconcursal. Penhora sobre fa-turamento das empresas. Reexame de matéria fática. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Fundamentos não impugnados. Aplicação, por analogia, da Súmula nº 283/STF. Agra-vo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 558.407 – (2014/0193391-9) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 17.06.2016 – p. 2058)

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2853 – Título de crédito – duplicata – emissão – causa debendi – soma das notas par­

ciais – possibilidade

“Recurso especial. Comercial. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Títulos de crédito. Duplicata. Emissão. Causa debendi. Compra e venda mercantil e prestação de serviços. Extração de fatura. Soma de notas parciais. Possibilidade. Hi-gidez do negócio jurídico subjacente. Preço das mercadorias. Reexame de provas. Inviabilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Cinge-se a controvérsia a saber a) se a duplicata pode corresponder a mais de uma nota fiscal ou a mais de uma fatura e b) se os títulos de crédito emitidos encontram-se viciados, pois os valores cobrados das mercadorias e dos serviços constantes nas faturas e nas notas parciais não guardariam similitude. 2. A fatura consiste em nota representativa de contratos de compra e venda mercantis ou de prestação de serviços, devendo haver, entre outras identificações, a discrimi-nação das mercadorias vendidas e dos preços negociados e a menção à natureza dos serviços prestados. Pode, ainda, conter somente a indicação dos números e valores das notas parciais expedidas por ocasião das vendas, despachos ou entregas das mer-cadorias (arts. 1º, caput e § 1º, e 20 da Lei nº 5.474/1968). 3. A duplicata, de extra-ção facultativa, materializada-se no ato da emissão da fatura, constituindo o título de crédito genuíno para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador (art. 2º da Lei nº 5.474/1968). 4. Apesar de a duplicata só poder espelhar uma fatura, esta pode corresponder à soma de diversas notas parciais. De fato, a nota parcial é o documento representativo de uma venda parcial ou de venda realizada dentro do lapso de um mês, que poderá ser agrupada a outras vendas efetivadas nesse período pelo mesmo comprador. 5. Não há proibição legal para que se somem ven-das parceladas procedidas no curso de um mês, e do montante se formule uma fatura única ao seu final, sobretudo diante da natureza do serviço contratado, como o de concretagem, a exigir a realização de diversas entregas de material ao dia. 6. A discus-são acerca dos valores de preços corretos das mercadorias e dos serviços cobrados e da validade do negócio jurídico entabulado (causa debendi), subjacente às duplicatas emitidas, encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. 7. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.356.541 – MG – (2012/0254221-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 13.04.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEA controvérsia refere-se a uma construtora que ajuizou uma ação contra uma fabricante

de cimento buscando a inexigibilidade e nulidade de duplicatas, oriundas de contrato de

fornecimento de concreto.

Uma duplicata pode incluir a soma de notas parciais emitidas dentro do mesmo mês.

Essa é a decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao manter um acór-

dão (decisão colegiada) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

A nota parcial é o documento representativo de uma venda parcial ou de venda realizada

dentro do lapso de um mês, que poderá ser agrupada a outras vendas efetivadas nesse

período pelo mesmo comprador, afirmou o relator do caso.

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O juízo de primeiro grau entendeu que os títulos de crédito eram válidos, que as merca-dorias foram entregues, os serviços prestados, e que a soma das notas fiscais em uma única fatura e a emissão da duplicata correspondente não eram irregulares.

Essa decisão foi mantida pelo TJMG.

Inconformada, a construtora recorreu ao STJ.

O relator entendeu que não houve proibição legal para que se somassem vendas parce-ladas feitas no curso de um mês, e do montante se formule uma atura única, sobretudo diante da natureza do serviço contratado, como o de concretagem, a exigir a realização de diversas entregas de material ao dia.

Vale trazer trecho do voto do relator:

Nesse sentido, o seguinte precedente que reconheceu a inidoneidade de duplicata vin-culada a mais de uma fatura:

“Duplicata: requisito essencial. Art. 2º, § 2º, da Lei nº 5.474/1964. Condição da ação. Possibilidade de conhecimento de ofício pelo Tribunal. Precedentes da Corte. 1. A vin-culação da duplicata a mais de uma fatura retira-lhe requisito essencial sendo ineren-te à condição da respectiva execução, daí que pode ser examinada diretamente pelo Tribunal, não violando o art. 300 do Código de Processo Civil. 2. Recurso especial não conhecido.” (REsp 577.785/SC, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª T., DJ 17.12.2004)

Todavia, apesar de a duplicata só poder espelhar uma fatura, esta pode corresponder à soma de diversas notas parciais. De fato, a nota parcial é o documento representativo de uma venda parcial ou de venda realizada dentro do lapso de um mês, que poderá ser agrupada a outras vendas efetivadas nesse período pelo mesmo comprador. Por esclare-cedora, cumpre transcrever a seguinte lição de Plácido e Silva:

“[...]

Fatura. Na técnica jurídico-comercial [...] é especialmente empregado para indicar a relação de mercadorias ou artigos vendidos, com os respectivos preços de venda, quan-tidade, e demonstrações acerca de sua qualidade e espécie, extraída pelo vendedor e remetida por ele ao comprador.

A fatura, ultimando a negociação, já indica a venda que se realizou.

[...]

A fatura é o documento representativo da venda já consumada ou concluída, mostrando--se o meio pelo qual o vendedor vai exigir do comprador o pagamento correspondente, se já não foi paga e leva o correspondente recibo de quitação.

E quando a venda se estabelece para o pagamento a crédito ou em prazo posterior, a fatura é elemento necessário para a extração de duplicata mercantil [...]. É nela, aliás, que se funda a própria duplicata que irá ser o título ou documento de que se utilizará o credor para receber o preço da venda

[...]

A conta-corrente é a demonstração de várias operações realizadas entre dois comercian-tes, consequentes de compras e vendas ou de outras operações mercantis.

[...]

A nota parcial representa a realização de uma venda, que se irá adicionar a outra, a se-guir, para que, depois, se extraia a fatura geral. É uma fatura parcelada ou corresponde a uma venda parcial, ou feita dentro de um mês, que será agrupada a outras vendas parciais, também efetivadas no mesmo período.

[...]

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Fatura. Igual denominação se dá à conta extraída para demonstração de valores devidos por uma pessoa a outra, em virtude de serviços prestados ou executados.

Nela se faz, igualmente, a discriminação dos serviços, tal como se procede na discrimi-nação das mercadorias, com a indicação dos preços correspondentes a cada espécie.” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 608)

Perfilhando do mesmo entendimento, Ricardo Negrão também admite a possibilidade de soma de notas parciais para compor uma fatura única, como se infere do seguinte trecho de sua obra:

“[...]

Fran Martins prefere definir a fatura mercantil como ‘documento comprobatório de uma venda a prazo de mercadoria devendo, por isso, ser presente ao comprador, para a ne-cessária conferência com as mercadorias remetidas’. Diga-se, entretanto, não de uma venda, mas, simplesmente, ‘de venda’ porque a fatura pode incluir mais de uma ‘nota parcial’, conforme se lê do § 1º do art. 1º da Lei de Duplicatas. Observe-se que as mercadorias podem ter seguido ao comprador em distintos momentos, acompanhadas individualmente do respectivo documento fiscal (nota ou cupom fiscal). A fatura discri-minará ‘os números e valores parciais expedidos por ocasião das vendas, despachos ou entregas de mercadorias’ (LD, art. 1º, § 1º).

[...]

Contudo, se o contrato refere-se à compra e venda mercantil ou à prestação de serviços e o pagamento foi convencionado em prazo não inferior a trinta dias, a emissão da fatura é obrigatória. É possível, ainda, que uma fatura contenha várias operações fiscais (e notas) já realizadas.” (NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2012. p. 157)

Seção Especial – Estudos Jurídicos

Alguns Aspectos Polêmicos sobre a Aplicação do Direito Intertemporal no Novo CPC� Quais São os Critérios para Definir a Lei do Recurso a Ser Interposto?

mARCO A. RIBAS PISSuRnOEspecialista em Direito Civil e Direito Processual Civil, Ex-Professor da Universidade Presbite-riana Mackenzie em São Paulo e Recife, da Escola da Magistratura do Estado de Mato Grosso do Sul e da Escola Judicial do Estado de Mato Grosso do Sul, Professor de Direito Processual Civil e Civil em cursos de Pós-Graduação, Graduação e Cursos Preparatórios para Concursos Públicos, Ex-Assessor de Juiz e de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, Advogado militante. Coautor dos livros Estudos sobre as últimas reformas do Código de Processo Civil e Análise doutrinária do novo CPC. Autor de artigos jurídicos.

Desde a data de vigência da Lei nº 13.105/2015, ocorrida em 18 de março de 20161, os operadores do Direito se deparam com inúmeras dúvidas e percalços correlatos à incidência do conflito intertemporal en-tre o novo CPC e o CPC de 1973.

Não se cuida, entretanto, de problemas novos, sujeitos a prog-nósticos inéditos2. Os usuários mais antigos do Código Buzaid recém--revogado também foram tomados por idênticas vicissitudes quando da superação do Diploma Processual de 1939, e várias soluções foram tra-çadas pela doutrina e pelos Tribunais, a fim de manter-se uma lógica de coexistência entre ambas as regências.

No restrito aspecto da proposta dos critérios para a definição do recurso a ser interposto, mostram-se imperativas tanto a retrospectiva quanto a revisitação das teorias e orientações doutrinárias e jurispruden-ciais, à luz do sistema agora vigorante.

Principiando, podemos afirmar que o estudo da eficácia da lei pro-cessual no tempo trabalha com três vertentes bem difundidas3.

1 No dia 2 de março de 2016, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que o novo Código de Processo Civil (CPC) entraria em vigor no subsequente dia 18 de março. A questão foi levada à apreciação do Colegiado pelo Ministro Raul Araújo, Presidente da Segunda Seção do Tribunal (http://bit.ly/1p1I5tW). No dia 3 de março de 2016, o CNJ sufragou a mesma posição (http://bit.ly/1R48QqP).

2 LIEBMAN, Enrico Tullio. Il nuovo código de proesso civil brasiliano. In: Problemi del processo civile. Napoli: Morano Editore, 1962. p. 483-489.

3 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, p. 53-54; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2000. p. 47-48.

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A primeira, da unidade processual, vê no processo uma rede in-dissolúvel de atos, razão pela qual o advento de uma lei nova poderia incidir completamente em relações instauradas sob a lei anterior, inclu-sive anulando as práticas incompatíveis com o seu teor, se esse fosse o desejo legislativo.

A segunda, das fases processuais autônomas, vê no processo um somatório de fases estanques: postulatória, probatória, decisória e dos recursos, cuja incolumidade individual não seria atingida pela lei nova, somente aplicável à fase posterior.

A terceira, do isolamento dos atos processuais, sustenta a concep-ção de processo como unidade, mas concebe cada um de seus atos como esferas de oponibilidade autônoma, decomponíveis para a inci-dência das sucessões normativas. Sob tal vertente, respeitam-se os atos já praticados sob o pálio da lei revogada e regulam-se os atos pendentes pelos ditames da lei nova. Essa é a teoria abraçada na generalidade pelo novo CPC, ex vi de seus arts. 14 e 1.046:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamen-te aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

A jurisprudência tem adotado com franca preponderância a teoria do isolamento dos atos processuais:

As normas processuais têm vigência imediata e passam a regular os pro-cessos em andamento [...] aplicando-se, no caso, a teoria do isolamento dos atos processuais, segundo a qual a lei nova tem aplicação imediata aos processos em curso, respeitados, entretanto, os atos praticados sob a égide da norma processual anterior [...] Incide, na hipótese, a máxima tempus regit actum.

(STF, RE 860989, Relª Min. Cármen Lúcia, Julgado em 11.02.2015, Publi-cado em DJe-034, Divulg. 20.02.2015, Public. 23.02.2015)

O direito processual civil orienta-se pela regra do isolamento dos atos processuais, segundo o qual a lei nova é aplicada aos atos pendentes, mas não aos já praticados [...] (princípio do tempus regit actum).

(STJ, REsp 1002366/SP, 2ª T., Rel. Min. Og Fernandes, Julgado em 01.04.2014, DJe 24.04.2014)

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No Direito brasileiro predomina a teoria do isolamento dos atos pro-cessuais, segundo a qual, sobrevindo lei processual nova, os atos ain-da pendentes dos processos em curso sujeitar-se-ão aos seus comandos, respeitada a eficácia daqueles já praticados de acordo com a legislação revogada.

(STJ, REsp 1365272/PR, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, Julgado em 05.11.2013, DJe 13.11.2013)

Respeitável doutrina4, editada recentemente, segue o mesmo en-tendimento:

Deve-se ter em conta [...] que durante um certo período de tempo te-remos a subsistência de duas formas distintas de contagem de prazos, porque a lei nova, ao entrar em vigor, vai apanhar os processos em curso, aplicando-se os prazos da lei anterior para os atos processuais já pratica-dos sob a sua vigência e, outrossim, aplicando-se os prazos da lei nova para os processos iniciados após sua entrada em vigor ou para os atos processuais também já praticados sob sua vigência. Tal é da tradição de nosso direito processual e, outrossim, do que está contido no art. 1.046 e parágrafos da Lei nº 13.105/2015.

Outrossim, desponta também remansosa a orientação pretoriana que, partindo da teoria do isolamento dos atos processuais, fixa a data da publicação da decisão objurgada como marco temporal para a definição do regime normativo do recurso a ser interposto:

Em matéria recursal, a lei regente é aquela em vigor na data da publica-ção do decisum atacado.

(REsp 179.519/SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 29.03.1999)

Direito intertemporal. Recursos. O cabimento do recurso, aí incluídas as respectivas condições de admissibilidade, regula-se pela lei do tempo em que proferida a decisão [...]

(STJ, REsp 115.183/GO, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, Rel. p/o Ac. Min. Eduardo Ribeiro, Julgado em 29.06.1998, DJ 08.03.1999, p. 217)

4 PAVAN, Dorival Renato. Dos prazos e sua contagem no novo Código de Processo Civil. Campo Grande: Ejud, 2016. p. 10.

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O grande problema da aplicação revisitada desses entendimentos já sedimentados reside no enfrentamento e na diferenciação entre con-ceitos antigos e contemporâneos que gravitam sob o tema. Para o desate de seus nós, devem ser dissociados e depurados os vocábulos publica-ção, disponibilização, intimação, direito e ônus, sem o que revela-se incompossível avançar na matéria.

A experiência acadêmica e forense trouxe à tona a imensa dificul-dade de os alunos e operadores do Direito assimilarem corretamente o significado da palavra “publicação”. Isto porque, ao contrário do imagi-nado, cuida-se de um conceito equívoco e transitivo, sempre dependen-te de complementação para o acertamento de seu contexto.

A publicação, enquanto termo inicial do direito de recorrer e mar-co regulatório de qual lei será aplicada à espécie, é o ato praticado pelo magistrado, constitutivo do provimento jurisdicional no mundo jurídi-co e fático. Integrando um provimento jurisdicional à notoriedade, o juiz expande o seu convencimento, torna concreto o que era abstrato5, formaliza a volição de aplicação da lei ao caso submetido à resolução estatal.

Nesse sentido, professa Couture6:

Al mismo tiempo que um hecho y um acto jurídico, la sentencia es um documento, elemento material indispensable em um derecho evolucio-nado, para reflejar su existência y sus efectos hacia el mundo jurídico.

Existe sentencia en el espíritu del juez o en la sala del tribunal colegiado, mucho antes del otorgamiento de la pieza escrita; pero que para que esa sentencia sea perceptible y conocida, se requiere la existência de una forma mediante la cual se representa y refleja la voluntad del juez o del tribunal [...]

Frente los textos legales que rigen la forma de las sentencias y hasta dan a éstas formas solemnes desde el punto de vista instrumental, el documen-to resulta indispensable [...].

Lato sensu, a decisão unipessoal torna-se pública, ou seja, sai da esfera de sigilo do juiz e rompe as raias da existência7, a partir de sua

5 PIMENTEL, Wellington Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, v. III, 1975. p. 524.6 COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1946. p. 289-290.7 Os Códigos Processuais Civis do direito comparado também atrelam a existência da sentença a requisitos

formais de publicidade: Chile, Código de Procedimiento Civil, art. 169; Uruguai, Código general del Proceso,

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assinatura e entrega em cartório ou secretaria8, ou ainda em audiência. O Código confirma essa transmudação ao prescrever que, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la para corrigir erros materiais ou de cálculo ou para prover embargos declaratórios (NCPC, art. 494, I e II). Na era do processo judicial eletrônico, a assinatura digital e a liberação do arquivo fazem as vezes da perfectibilização do ato9 já reputado cons-tituído e dotado de potência.

Nas decisões colegiadas, a publicidade do julgamento advém do dia em que seu respectivo presidente proclama sua conclusão10.

O recurso rege-se pela lei do tempo em que proferida a decisão, assim considerada nos órgãos colegiados a data da sessão de julgamento em que anunciado pelo Presidente o resultado...É nesse momento que nasce o direito subjetivo à impugnação.

(STJ, EREsp 649.526/MG, Corte Especial, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 13.02.2006; AgRg-REsp 740.530/RJ, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 07.10.2008, DJe 04.11.2008)

Com a notoriedade, o provimento jurisdicional torna-se o ato pú-blico e faz nascer consigo o direito de impugnação pela parte prejudi-cada ou não contemplada na proporção almejada, ainda que a ciência formal do ato, pressuposta na intimação, não tenha ocorrido.

Superada essa fase crucial, surgem as acessórias da disponibili-zação no Diário da Justiça Eletrônico, correspondente à veiculação do provimento jurisdicional em uma de suas edições11, e da publicação no Diário da Justiça Eletrônico, que é o ato formal, mediante o qual, além de fixar a presunção jurígena de ciência objetiva dos envolvidos, tam-

artículo 197; Argentina, Código Procesal Civil y Comercial de la Nación, artículo 163; Espanha, Ley Enjuiciamiento Civil, artículo 212; Portugal, Código de Processo Civil, artigo 153.

8 O CPC/1973, em sua redação original, dispunha, no art. 463, que, ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional. Com as alterações do cumprimento da sentença (Lei nº 11.232/2005), o mesmo preceito passou a regular a vedação da alteração do ato, após sua publicação, mantendo intacto o fenômeno da constituição atrelado à sua publicidade em cartório ou secretaria. O CPC vigente, em seu art. 494, foi fiel ao espírito dessas anteriores prescrições.

9 Vide: Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006; Medida Provisória nº 2.2002, de 24 de agosto de 2001; e Resolução nº 185, de 18.12.2013, do CNJ.

10 LACERDA, Galeno. O novo direito processual civil e os feitos pendentes. Rio de Janeiro: Forense; Brasília, 1974. p. 68-71.

11 “O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça utilizam a expressão legal ‘disponibilização’ para indicar a data na qual o ato foi divulgado às partes no Diário Eletrônico.” (Habeas Corpus nº 120.478/SP. Rel. Min. Roberto Barroso, DJ 11.03.2014)

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bém se presta a gravar o dia anterior ao do início da contagem do prazo para a assunção de determinadas posturas ou abstenções no processo12.

Essa última etapa, de publicação no Diário da Justiça Eletrônico, na maioria dos casos, coincide com as características da intimação, esta compreendida como ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e ter-mos do processo (NCPC, art. 269). Em função deste pormenor, um even-to atrelado à eficácia (publicação no Diário) é constantemente utilizado, de forma irrestrita e atécnica, como sinônimo genérico de publicação de decisão, coisa bem diversa, condizente com o plano da existência do ato jurisdicional no mundo jurídico e fenomênico.

Em uma frase, a publicação-notoriedade nas decisões monocráti-cas ou a publicação-proclamação nas decisões colegiadas gera instan-taneamente o direito de recorrer, ou seja, o direito subjetivo de tutela processual do cidadão como signo de primazia do indivíduo sobre o Estado13. A publicação-intimatória, por outro lado, liberta o ônus de re-correr14, ou seja, dispara o prazo para a consecução de uma atividade imperativa do próprio interesse, capaz de projetar o envolvido para po-sição processual mais vantajosa, sob pena da omissão lhe gerar conse-quências negativas15.

Assentadas tais premissas, urge empoderar o princípio de que a lei do recurso é aquela da data da publicação da decisão, ou seja, do dia em que o provimento jurisdicional saiu da privacidade individual e particular do juiz e tornou-se notório (teoria do isolamento dos atos

12 Lei nº 11.419/2006: “Art. 4º Os Tribunais poderão criar Diário da Justiça Eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral. § 1º O sítio e o conteúdo das publicações de que trata este artigo deverão ser assinados digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada na forma da lei específica. § 2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal. § 3º Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico. § 4º Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação”. NCPC: “Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento. § 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica. § 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico. § 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação”.

13 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, p. 40.14 NCPC: “Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade

de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão”.15 GOLDSCHMIDT, James. Principios generales del proceso. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América,

1961. p. 91-92.

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processuais – tempus regit actum). Essa notoriedade independe da fase de intimação pelo Diário e pode suceder, repita-se, de diversos modos e, nos dias de hoje, mais comumente ocorre com a entrega em cartório ou secretaria, veiculação imediata nos endereços eletrônicos dos Tribunais ou proclamação (nas decisões colegiadas)16.

Vale, portanto, recuperar o renomado escólio de Galeno Lacerda17, ainda aplicável, com adaptações, a hipóteses de tal espécie:

Em direito intertemporal a regra básica no assunto é que a lei do recurso é a lei do dia da sentença. Roubier, citando, dentre outros, Merlin e Gabba, afirma, peremptório que “os recursos não podem ser definidos senão pela lei em vigor no dia do julgamento: nenhum recurso novo pode resultar de lei posterior e, inversamente, nenhum recurso existente contra uma decisão poderá ser suprimido, sem retroatividade, por lei posterior” (ob. cit., II/728).

Isto porque, proferida a decisão, a partir desse momento nasce o direito subjetivo à impugnação, ou seja, o direito ao recurso autorizado pela lei vigente nesse momento. Estamos, assim, em presença de verdadeiro direito adquirido processual, que não pode ser ferido por lei nova, sob pena de ofensa à proteção que a Constituição assegura a todo e qualquer direito adquirido [...].

Após extremar os conceitos da publicação enquanto constituição do ato processual (sucedida quando o magistrado apresenta sua volição à notoriedade) e publicação no diário oficial (enquanto fator de eficácia de presunção de ciência do ato processual a terceiros), conclui o Mestre gaúcho:

A publicação na imprensa oficial representa, apenas, a condição ou ter-mo inicial de exercício de um direito – o de impugnar – que preexiste, nascido no dia em que se proferiu o julgado. Em determinados casos ur-gentes, de tutela a direitos subjetivos públicos da pessoa, não representa tal publicação [...] sequer, condição de eficácia, visto como a decisão obriga e deve ser cumprida, desde que proferida [...] devemos distinguir a publicação que resulta do anúncio público da decisão [...] da publicação

16 Inspirado no princípio da boa-fé objetiva, o Código também presume intimados os advogados destinatários, ou pessoas por eles credenciadas, os membros da Advocacia Pública, da Defensoria Pública ou do Ministério Público, quando por estes retirados em carga os autos do processo (art. 272, § 6º).

17 LACERDA, Galeno. Ob. cit., p. 68-71.

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do julgado no órgão oficial, como condição ou termo inicial de fluência do prazo de recurso.

É evidente que o direito subjetivo à impugnação preexiste ao mero ato de divulgação na imprensa.

Pensar ao contrário, unindo o destino da recorribilidade à publi-cação no Diário (rectius – intimação), causaria gravíssimas convulsões casuísticas, agressivas à segurança e às legítimas expectativas da boa-fé objetiva. Basta supor uma série de decisões interlocutórias envolvendo declínio de competência ou indeferimento de dilações probatórias, pro-feridas, pelo mesmo juiz, em processos diversos, no dia 16 de março de 2016, umas publicadas no Diário do dia 17 de março de 2016 e outras publicadas no Diário no dia 18 de março de 2016. A injustiça seria ca-tastrófica, pois a primeira leva de provimentos seria passível de impug-nação na via do agravo de instrumento18, e a segunda ficaria à mercê do apelo, diante da supressão, pelo novo CPC, do agravo de instrumento19 nas hipóteses elencadas20.

Bem apreendidos esses conceitos, diminui sensivelmente a dificul-dade de enfrentar as peculiaridades dos casos concretos.

É certo que, em período recente, a juridicidade dos termos pre-citados foi posta à prova, com o advento da curiosa teoria da “intem-pestividade prepóstera”, desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal e ulteriormente adotada no Superior Tribunal de Justiça. Para os parti-dários dessa doutrina, o ato jurisdicional só existiria na publicação em Diário (publicação-intimação), pelo que a interposição de recurso an-tes da eclosão desse evento seria intempestiva por antecipação21. Nada

18 CPC/1973, art. 522.19 CPC/2015, art. 1.015.20 Galeno Lacerda expõe a mesma preocupação exemplificando hipóteses na sucessão do CPC de 1939 pelo de

1973 (ob. cit., p. 71).21 “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que os recursos interpostos antes da

publicação do acórdão recorrido são intempestivos. Entendimento quebrantado, tão somente, naquelas hipóteses em que a decisão recorrida já está materializada nos autos do processo no momento da interposição do recurso, dela tendo tomado ciência a parte recorrente. Precedentes: INQ 2632, da relatoria do Ministro Ayres Britto; AI 375.124-AgRg e HC 109.260-ED-QO, da relatoria do Ministro Celso de Mello; AI 497.477- -AgRg e HC 85.740-ED, da relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski; e AI 497.477-AgRg, da relatoria do Ministro Cezar Peluso. 2. Embargos não conhecidos” (HC 108179-ED, 2ª T., Rel. Min. Ayres Britto, Julgado em 13.03.2012, Processo Eletrônico DJe-150, Divulg. 31.07.2012, Public. 01.08.2012); “O acórdão, enquanto ato processual, tem na publicação o termo inicial de sua existência jurídica, que em nada se confunde com aqueloutro com que se dá ciência às partes do conteúdo, intimação, que marca a lei como inicial do prazo para a impugnação recursal” (STJ, AgRg-RMS 12.458/GO, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 20.10.2003).

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obstante, tal posicionamento era severamente criticado pela doutrina22 e culminou por recentemente evoluir23, em respeito à tecnicidade e aos princípios da instrumentalidade e da boa-fé objetiva.

O novo CPC culminou por botar pá de cal na questão, doravante prevendo, de forma expressa, a obviedade de que será considerado tem-pestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo (art. 218, § 4º).

Por conseguinte, tornada pública a decisão pelo juiz mediante re-gular ato externo de notoriedade, é desta data que se definirá a lei de re-gência aplicável à interposição de recursos (CPC/1973 ou CPC/2015)24.

22 “A sentença publicada no processo, ou seja, tornada ato público, já existe e é inclusive recorrível a partir de então, embora ainda possa depender de ser publicada na imprensa, para que o prazo recursal principie a fluir; mas mesmo antes da intimação por essa via ou por outra adequada, se por algum ato inequívoco o advogado tomar ciência da sentença, no momento em que isso se der o prazo terá início. Por ver mal essa distinção conceitual e funcional entre publicação e publicação, o Supremo Tribunal Federal proferiu vários julgamentos afirmando que a sentença não publicada pela imprensa não teria existência jurídica e, consequentemente, o recurso interposto contra ela seria inadmissível, porque intempestivo; foi afirmado, equivocadamente, que haveria no caso uma intempestividade por prematuridade.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 235)

23 STF: “Embargos de declaração nos embargos de divergência nos embargos de declaração nos embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento. Conversão em agravo regimental. Interposição de embargos de divergência antes da publicação do acórdão embargado. Extemporaneidade. Instrumentalismo processual. Preclusão imprópria para prejudicar a parte que contribui para a celeridade processual. Boa-fé exigida do Estado-juiz. Agravo regimental provido. 1. A extemporaneidade não se verifica com a interposição de recurso antes do termo a quo e consequentemente não gera a ausência de preenchimento de requisito de admissibilidade da tempestividade. 2. O princípio da instrumentalidade do direito processual reclama a necessidade de interpretar os seus institutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB) e à efetividade dos direitos materiais (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo- -valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 137, p. 7-31, 2006; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010). 3. As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, não sendo possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso por ela interposto antecipadamente, em decorrência de purismo formal injustificado. 4. Os embargos de declaração opostos objetivando a reforma da decisão do relator, com caráter infringente, devem ser convertidos em agravo regimental, que é o recurso cabível, por força do princípio da fungibilidade (Precedentes: Pet 4.837-ED, Relª Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJ 14.03.2011; RCL 11.022-ED, Relª Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJ 07.04.2011; AI 547.827-ED, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, DJ 09.03.2011; RE 546.525-ED, 2ª T., Relª Min. Ellen Gracie, DJ 05.04.2011). 5. In casu, pugna-se pela reforma da seguinte decisão: ‘EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – PETIÇÃO DE INTERPOSIÇÃO PROTOCOLADA ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO – EXTEMPORANEIDADE – INTERPOSIÇÃO DE DOIS RECURSOS CONTRA A MESMA DECISÃO – OFENSA AO POSTULADO DA SINGULARIDADE DOS RECURSOS – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, DE MANEIRA OBJETIVA, MEDIANTE ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE O ACÓRDÃO PARADIGMA E A DECISÃO EMBARGADA, DA EXISTÊNCIA DO ALEGADO DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO ADMITIDOS’. 6. Agravo regimental provido para cassar a decisão de inadmissão dos embargos de divergência com fundamento na extemporaneidade recursal” (AI 703269-AgR-ED-ED-EDv-ED, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, Julgado em 05.03.2015, Processo Eletrônico DJe-085, Divulg. 07.05.2015, Public. 08.05.2015); STJ: “[...] a extemporaneidade não se verifica com a interposição de recurso antes do termo a quo e consequentemente não gera a ausência de preenchimento de requisito de admissibilidade da tempestividade” (STJ, EDcl-AgRg- -REsp 834.025/RS, Corte Especial, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20.11.2015).

24 O procedimento de julgamento pode ser atingido pela lei nova e será objeto de outro estudo. À guisa de exemplo, a técnica de progressão numérica disposta no art. 942 é passível de incidência a apelos interpostos sob a égide do CPC/1973.

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Salvo exceções25, no interregno entre essa notoriedade constitutiva até a fase eficacial da ciência ficta e presumida (publicação intimatória no Diário), será dado ao prejudicado se antecipar e exercer imediatamente o direito de impugnação, estreme de qualquer pressuposto formal não previsto em lei como condicionante da admissibilidade26.

Corroborando nosso posicionamento, já existem enunciados ema-nados do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Minas Gerais e do Fórum Permanente de Processualistas Civis:

STJ – Enunciado administrativo número 2

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a de-cisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os re-quisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

STJ – Enunciado administrativo número 3

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a de-cisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.

TJMG – Enunciado nº 54. (art. 1.046) A legislação processual que rege os recursos é aquela da data da publicação da decisão judicial, assim considerada sua publicação em cartório, secretaria ou inserção nos autos eletrônicos.

FPPC – Enunciado nº 476. (arts. 1.046 e 14) Independentemente da data de intimação, o direito ao recurso contra as decisões unipessoais nasce com a publicação em cartório, secretaria do juízo ou inserção nos autos eletrônicos da decisão a ser impugnada, o que primeiro ocorrer, ou, ain-da, nas decisões proferidas em primeira instância, será da prolação de decisão em audiência. (Grupo: Direito intertemporal; redação alterada no VII FPPC-São Paulo)

FPPC – Enunciado nº 616. (arts. 1.046; 14) Independentemente da data de intimação ou disponibilização de seu inteiro teor, o direito ao recurso

25 Em audiência, é possível que as partes saiam intimadas no mesmo ato de constituição do provimento jurisdicional, sem intervalo de ciclo intimatório no Diário (NCPC, art. 1.003, § 1º).

26 O recurso de agravo de instrumento, por exemplo, deve ser instruído, a priori, com a ciência formal da decisão (NCPC, art. 1.017, I).

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contra as decisões colegiadas nasce na data em que proclamado o resul-tado da sessão de julgamento. (Grupo: Direito intertemporal)

Ademais, também já tivemos conhecimento de decisão endossan-do essa interpretação, da lavra do Eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara:

Direito processual civil. Direito intertemporal. Agravo de instrumento. Prazo recursal iniciado ainda sob a vigência do CPC/1973. A lei que rege o prazo é a lei processual vigente no momento de seu termo inicial. Des-te modo, prazos iniciados ainda sob a vigência do CPC/1973 são conta-dos até o final segundo as disposições daquele Código, não lhes sendo aplicáveis as disposições sobre prazos do CPC/2015. Manifestações dou-trinárias (Dierle Nunes e André Vasconcelos Roque). Enunciados nº 267 e 268 do FPPC. Agravante que considerou que a contagem do prazo se daria por um critério híbrido, aplicando o CPC/1973 até o momento em que o CPC/2015 começou a vigorar, tendo aplicado as disposições da nova lei processual a partir daí. Equívoco que causou a intempestividade do recurso. Agravo intempestivo. Recurso de que não se conhece por decisão monocrática, na forma do art. 932, III, do CPC/2015.

(TJRJ, Agravo de Instrumento nº 0016173, 41.2016.8.19.0000, Data de Julgamento: 01.04.2016)

São essas, em suma, as observações que pretendíamos abordar, deixando claro não termos a intenção de esgotar o problema. Qualquer tentativa de sistematização completa dos efeitos da lei nova seria vã, pois, como dizia Couture, “la ley procede sobre la base de ciertas simpli-ficaciones essquemáticas y la vida presenta diariamente problemas que no han podido entrar em la imaginación del legislador”27.

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COUTURE, Eduardo Juan. Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1946. 524 p.

27 Introducción al estudo del proceso civil. Buenos Aires: Depalma, 1949. p. 70.

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______. Introducción al estudo del proceso civil. Buenos Aires: Depalma, 1949. 102 p.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2009. 432 p.

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TORNAGHI, Hélio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 1975. 382 p.

Clipping Jurídico

Recuperação judicial de escritório é negada

O pedido de processamento de recuperação judicial do Escritório de Contabili-dade Servcont Serviços Contábeis Ltda. ME foi julgado improcedente pelo Juiz Claudio Roberto Zeni Guimarães, da 1ª Vara Cível de Cuiabá. A decisão do magis-trado se fundamentou no novo Código de Processo Civil e na Lei nº 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. De acordo com o juiz, a impossibilidade jurídica do pedido fica caracteriza diante da ausência de previsão legal para a recuperação judicial de sociedade simples. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, enfren-tando casos semelhantes ao presente, igualmente, já firmou o entendimento de que as sociedades simples não se sujeitam à Lei nº 11.101/2005, não podendo entrar em processos de recuperação judicial ou falência, afirmou. Na decisão, Claudio Guimarães consignou que a lei se aplica exclusivamente ao empresário e à sociedade empresária e que no art. 966 do Código Civil consta que não se consideram empresários os profissionais que exercem atividades intelectuais. De acordo com o juiz, no presente caso, observa-se que a requerente tem como obje-to social o desempenho de atividades de contabilidade, de consultoria e de audi-toria contábil e tributária, atividades essas que, como se sabe, somente podem ser desempenhadas por contadores devidamente registrados no conselho de classe, constituindo, portanto, atividades precipuamente intelectuais. Para o magistrado, mesmo que a sociedade desempenhe suas atividades de forma organizada com diversos empregados, fornecedores e aparato técnico, tal situação não descarac-teriza o fato de tratar-se de instituição voltada à exploração da profissão intelec-tual do seu sócio. Além disso, nem mesmo o fato de a requerente estar constituí- da na forma de sociedade limitada descaracteriza a sua natureza de sociedade simples. A Servcont Serviços Contábeis Ltda. ME apontou um endividamento no valor de aproximadamente R$ 1 milhão entre credores, além de cerca de R$ 200 mil referente a débitos tributários. A requerente esclareceu que a situação de crise econômico-financeira foi ocasionada não apenas pelo cenário da economia nacional, pelos atrasos nos pagamentos e diminuição dos clientes, como também por descumprimento de acordo firmado junto ao Banco Brasília, que tinha o ob-jetivo de fomentar a construção de uma filial em Novo Progresso/Pará e, ainda, em razão de um desfalque no valor aproximado de R$ 287.000,00, que seria de-corrente de desvio perpetrado por um funcionário, fato que está sob investigação criminal. Assim, a autora requereu: 1) o deferimento do processamento da sua recuperação judicial, com a dispensa das certidões negativas para o exercício das suas atividades; 2) a suspensão de todas as ações e execuções ajuizadas contra a requerente, desde a eventual determinação de realização de perícia prévia; 3) a suspensão dos registros nos órgãos de proteção ao crédito. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso)

Consumidor poderá ter prazo de 60 dias para retirar produto consertado

A Câmara dos Deputados analisa a criação de prazo de 60 dias para a retirada, pelo proprietário, de equipamento eletrônico deixado na assistência técnica para

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conserto. Pelo texto, o prazo começaria a contar da data do contato do estabele-cimento comunicando a realização do conserto ou de sua impossibilidade. Em caso de não retirada, o estabelecimento prestador de serviço ficaria autorizado a alienar o bem ou a utilizá-lo como sucata. A medida está prevista no Projeto de Lei nº 4.668/2016, do Deputado Francisco Floriano (DEM-RJ). Ele argumenta ser bastante comum o proprietário de um equipamento entregá-lo para reparação e deixar de retirá-lo por diversas razões, como a impossibilidade de pagamento do serviço ou a inviabilidade do conserto. “Ambas as situações implicam custos para o estabelecimento, seja em prejuízos com o serviço ou com a ocupação do es-paço do estabelecimento. Consideramos inadequada e injusta a absorção destes custos pelo prestador de serviços, que geralmente é uma microempresa”, avalia Francisco Floriano. A proposta não altera nenhuma lei existente. Atualmente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) não prevê data para o consumidor retirar o produto da assistência técnica após o reparo. Nesses casos, outras legislações poderiam ser utilizadas por analogia. O projeto tramita em ca-ráter conclusivo e será analisado pelas Comissões de Defesa do Consumidor; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Consumidora será indenizada por vestido danificado em virtude de vício oculto

A 1ª Turma Recursal do TJDFT deu provimento a recurso de consumidora para condenar loja de vestuário a pagar indenização por dano moral ante a negativa de substituir vestido danificado por falta de informação. A decisão foi unânime. A autora conta que, no dia 30.04.2015, comprou da ré um vestido longo de crepe preto e branco no valor de R$ 899,00. Diz que na peça não havia informações de como o vestido deveria ser lavado, razão pela qual resolveu, por si mesma, realizar a lavagem do vestido com o uso de sabão neutro de boa qualidade, in-dicado para tecidos finos. Informa que, durante a lavagem, a cor preta migrou para a cor branca e o vestido ficou manchado. Sustenta que procurou a empresa ré, a qual elaborou laudo comprobatório de que as manchas decorreram de mau uso (lavagem inadequada), não lhe oferecendo alternativas para sanar o dano experimentado. Ao analisar o caso, a juíza originária reconheceu a prejudicial de decadência alegada pela ré e extinguiu o feito, por entender que a resposta negativa da ré, acompanhada de laudo, foi recebida pela autora em 25.06.2015, e a ação somente foi proposta em 06.11.2015, portanto, decorrido o prazo de 90 dias previsto no art. 26 do CDC para a demandante reclamar pelo vício oculto. Em sede recursal, no entanto, esse não foi o entendimento do Colegiado, que fir-mou que, além do exercício do direito de reclamar no prazo legal (realizado junto à empresa ré em 25.05.2015 – menos de 30 dias), é preciso verificar a natureza do pedido feito em juízo. E explica que não estão sujeitos aos prazos previstos no art. 26 do CDC os pedidos condenatórios em obrigação de fazer e indenizatórios. Afastada a decadência, os julgadores analisaram o mérito da questão, ao que anotaram: “A conclusão inevitável é que a recorrente não foi devidamente infor-mada quanto ao método de lavagem. Assim, se da lavagem tradicional sobreveio

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dano ao vestido, a responsabilidade deve ser atribuída à recorrida, pela falta de informação adequada ao consumidor. Afinal, é direito básico do consumidor a informação clara e ostensiva sobre os diversos produtos e serviços postos no mer-cado de consumo (art. 6º, III, do CDC). Os magistrados seguem ensinando que, sem prejuízo às perdas e danos, a lei assegura ao consumidor o direito de exigir, alternativamente e à sua escolha, uma das alternativas contidas nos incisos do § 1º do art. 18 do CDC, dentre elas a substituição do produto, se o vício não for sanado no prazo de trinta dias. Logo, registram que a recorrida não poderia negar a substituição do vestido e, se assim o fez, adveio o dano moral indenizável, ten-do em vista a angústia suportada pela recorrente, que, tendo adquirido um vestido por preço considerável, somente utilizou a peça uma única vez, frustrando justas expectativas. Dessa forma, concluído que a demora no atendimento à legítima pretensão da consumidora expôs o desrespeito e o descaso do fornecedor, do que decorre o direito à reparação por dano moral, a Turma Recursal fixou em R$ 2 mil a quantia a ser paga à consumidora, a título de dano moral, em observância às finalidades compensatória, punitiva, pedagógica e preventiva da condenação, bem assim às circunstâncias da causa”. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal)

Terceira Turma mantém nulidade de registro da marca Megamass

Decisão dos ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a nulidade do registro da marca “Megamass” no Brasil, feito pela Empre-sa Nutrilatina no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A empresa nacional recorreu ao STJ para manter a marca. Decisão de segunda instância já havia declarado a nulidade do registro, já que “Megamass” é uma marca co-nhecida internacionalmente e utilizada por uma multinacional, apenas com a diferença de ser denominada “Mega Mass”. Para o Ministro Relator do recurso no STJ, João Otávio de Noronha, o recurso não pode ser aceito. Segundo Noronha, além da notoriedade da marca “Mega Mass”, nota-se que os produtos fabricados pelas empresas são destinados ao mesmo público e elas atuam no mesmo setor; no caso, o produto é um suplemento alimentar destinado a promover o ganho de massa muscular. Segundo o ministro, as alegações da empresa nacional de que a marca estrangeira não é conhecida no Brasil não procedem. O relator sublinhou que o público a que o suplemento alimentar se destina é especializado, podendo ter conhecimento do produto independentemente da representação comercial ou registro específico efetuado no Brasil. Noronha lembrou que as marcas mun-dialmente notórias são protegidas no Brasil, mesmo sem registro específico no País. “As marcas notoriamente conhecidas, que gozam da proteção do art. 6º bis, 1, da Convenção da União de Paris, constituem exceção ao princípio da terri-torialidade, isto é, mesmo não registradas no País, impedem o registro de outra marca que a reproduzam em seu ramo de atividade”. Para os ministros, o fato de a marca brasileira pleitear e obter o registro em uma categoria diferente da marca estrangeira não é uma brecha a validar o pedido. Segundo os magistrados, para a proteção de marcas, basta comprovar a similaridade do produto em questão.

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – CLIPPING JURÍDICO �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������215

De acordo com os ministros, portanto, é suficiente provar, no caso analisado, que o “Megamass” e o “Mega Mass” concorrem no mercado de suplementos na mesma categoria e com os mesmos consumidores potenciais, fato que pode gerar a confusão e consequentemente a concorrência desleal. Noronha destacou que, como o Tribunal de origem analisou as provas e chegou à conclusão de que há a possibilidade de confusão e concorrência desleal, o STJ não pode reexaminar o caso para firmar entendimento diferente, conforme a Súmula nº 7 do STJ. REsp 1447352. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Câmara rejeita obrigação de empresa promover campanha de planejamento financeiro

A Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados rejeitou o Projeto de Lei nº 1.865/2015, que obriga as empresas com mais de 50 empregados a promover anualmente campanhas sobre planejamento financeiro e prevenção de endividamento. O projeto, do Deputado Uldurico Junior (PV-BA), acrescenta dispositivo à Consolidação das Leis do Tra-balho (Decreto-Lei nº 5.452/1943). O Relator, Deputado Covatti Filho (PP-RS), acredita que a iniciativa deve ser implementada pela empresa de forma opcional, e não como obrigação. “Construir uma política de educação financeira para o País a partir da criação de uma obrigação celetista para os empregadores é um equívoco”, reforçou. Segundo ele, a solução proposta prejudica, em especial, as pequenas e microempresas, que deverão arcar com custos extras. A proposta já havia sido rejeitada pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Como tramita em caráter conclusivo, ou seja, não precisa ser analisada pelo Plenário, a proposta será arquivada, a menos que haja recurso contrário. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Projeto altera prazo de reclamação no Código do Consumidor

A Câmara analisa o Projeto de Lei nº 4.469/2016, do Deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que altera o Código de Defesa do Consumidor no que se refere ao prazo de reclamar defeitos em carros com mais de cinco anos de uso. Pela legisla-ção atual, o prazo de reclamação por um problema começa a ser contado a partir da entrega do produto, desde que seja fácil para o consumidor constatá-lo. Mas, no caso de problemas que só aparecem ao longo do tempo, o prazo tem início no momento em que ficar evidenciado o defeito. A proposta abre exceção para veículos com mais de cinco anos de uso, que podem apresentar desgastes oriun-dos da própria utilização, sem que necessariamente tenham sido comercializados com conhecimento e omissão do defeito. Fraga alega que as situações em que os automóveis apresentam defeitos posteriores à venda têm provocado inúmeras demandas judiciais. “A proposta quer resgatar o equilíbrio no comércio de veícu-los automotores, frear compradores desprovidos da boa-fé que utilizam o prazo indeterminado da lei e causam prejuízo a terceiro e impedir o abarrotamento dos Tribunais com ações de ganho sem causa”, afirma o deputado. O projeto tramita em caráter conclusivo e será analisado pelas Comissões de Desenvolvi-

216 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – CLIPPING JURÍDICO

mento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; de Defesa do Consumidor; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federal)

Avaliado se cabe ação individual para cobrança de expurgo inflacionário

O Ministro Raul Araújo, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou o encaminhamento à Segunda Seção de recurso repetitivo que discu-te a possibilidade de conversão de ação individual de cobrança de expurgos infla-cionários sobre o saldo de cadernetas de poupança em liquidação ou execução. O julgamento deriva de sentença proferida em ação civil pública movida com a mesma finalidade. O tema foi cadastrado com o número 56. Os expurgos infla-cionários ocorrem quando os índices de inflação apurados em certo período não são aplicados sobre determinado fundo ou quando são aplicados em percentual menor do que o devido. “Considerando que o processo foi indicado pela origem para ser apreciado e julgado como recurso repetitivo e que há, na hipótese, gran-de número de recursos com fundamento na questão de direito, evidenciando o caráter multitudinário da controvérsia, impõe-se a afetação do presente feito a jul-gamento perante a Segunda Seção”, justificou o ministro. Antes do julgamento, o Ministro Raul Araújo facultou a manifestação das seguintes entidades: Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Instituto Brasileiro de Política e Direito do Con-sumidor (Brasilcon) e Banco Central do Brasil (Bacen). • Suspensão: O recurso especial submetido à análise da seção foi apontado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) como representativo da controvérsia. Uma vez afetada a matéria, deve ser suspenso na segunda instância o andamento dos recursos espe-ciais idênticos. Em 2009, outro recurso especial (REsp 1.105.205) foi submetido ao rito dos repetitivos pelo mesmo motivo. Todavia, a afetação foi cancelada em virtude da perda de objeto do recurso. Atualmente, de acordo com o sistema de recursos repetitivos do STJ, estão suspensas em todo o País pelo menos 16.377 ações com temas idênticos àquele que será analisado pela Corte. Após a defini-ção da tese pelo STJ, ela servirá para orientar a solução de todas as demais causas. Novos recursos ao Tribunal não serão admitidos quando sustentarem posição contrária. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 11�07�2016

Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto EspecialDOUTRINAS

Assunto

Lei Anticorrupção

• Alterações na Lei Anticorrupção nos Acordosde Leniência (MP 703/2015) (Toshio Mukai) .......16

• A Responsabilidade Objetiva Civil na Lei An-ticorrupção: Análise sobre as Sanções de Per-dimento de Bens, Direitos ou Valores e as de Suspensão ou Interdição das Atividades Empresa-riais (Henrique Saibro e Guilherme Weber) ...........9

• O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) (Rafael Carvalho Rezende Oliveira e DanielAmorim Assumpção Neves) .................................26

Autor

DAnieL Amorim Assumpção neves e rAfAeL cArvALho rezenDe oLiveirA

• O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupção e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) .........26

GuiLherme Weber e henrique sAibro

• A Responsabilidade Objetiva Civil na Lei An-ticorrupção: Análise sobre as Sanções de Per-dimento de Bens, Direitos ou Valores e as de Suspensão ou Interdição das Atividades Empre-sariais ....................................................................9

henrique sAibro e GuiLherme Weber

• A Responsabilidade Objetiva Civil na Lei An-ticorrupção: Análise sobre as Sanções de Per-dimento de Bens, Direitos ou Valores e as de Suspensão ou Interdição das Atividades Empre-sariais ....................................................................9

rAfAeL cArvALho rezenDe oLiveirA e DAnieL Amorim Assumpção neves

• O Sistema Brasileiro de Combate à Corrupçãoe a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) .........26

toshio mukAi

• Alterações na Lei Anticorrupção nos Acordosde Leniência (MP 703/2015) ................................16

Índice GeralDOUTRINAS

Assunto

contrAtos bAncários

• A Necessária Observância, por Parte das Ins-tituições Financeiras Estatais, na Condição de Integrantes da Administração Pública, do Inte-

resse Público na Gestão dos seus Contratos Ban-cários em Épocas de Crise Econômica (Aldem Johnston Barbosa Araújo) ...................................102

DesconsiDerAção DA personALiDADe JuríDicA

• A Desconsideração da Personalidade Jurídica Como um Golpe Letal ao Direito Empresarial (Ronaldo Zanata Pazim) .......................................41

DissoLução irreGuLAr

• A Dissolução Irregular Como Hipótese de Res-ponsabilização Tributária Pessoal do Sócio--Gerente (Caroline Nonato de Oliveira) .............130

neGociAção coLetivA

• Negociação Coletiva no Ordenamento Jurídico Brasileiro (Ananda Tostes Isoni) ...........................46

reLAção consumeristA

• A Aplicação do Punitive Damages nas Rela-ções Jurídicas Consumeristas (Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas e Nayara Elayne Guedes) ............................................................................61

Autor

ALDem Johnston bArbosA ArAúJo

• A Necessária Observância, por Parte das Ins-tituições Financeiras Estatais, na Condição de Integrantes da Administração Pública, do Inte-resse Público na Gestão dos seus Contratos Ban-cários em Épocas de Crise Econômica ...............102

AnAnDA tostes isoni

• Negociação Coletiva no Ordenamento JurídicoBrasileiro .............................................................46

cAroLine nonAto De oLiveirA

• A Dissolução Irregular Como Hipótese de Responsabilização Tributária Pessoal do Sócio--Gerente ............................................................130

cLáuDiA mArA De ALmeiDA rAbeLo vieGAs e nAyArA eLAyne GueDes

• A Aplicação do Punitive Damages nas Relações Jurídicas Consumeristas .......................................61

nAyArA eLAyne GueDes e cLáuDiA mArA De ALmeiDA rAbeLo vieGAs

• A Aplicação do Punitive Damages nas Relações Jurídicas Consumeristas .......................................61

ronALDo zAnAtA pAzim

• A Desconsideração da Personalidade JurídicaComo um Golpe Letal ao Direito Empresarial ......41

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

AGrAvo De instrumento

• Processo civil – Agravo de instrumento – Ação ordinária – CPC/1973 – Microempresa – Hi-

218 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

possuficiência financeira – Não comprovação – Gratuidade de justiça – Contratos bancários – Depósito do valor incontroverso – Ausên-cia – Cadastro em órgãos restritivos de crédito(TRF 2ª R.) ...............................................2823, 143

céDuLA De créDito bAncário

• Civil – Agravo interno no recurso especial – Re-curso manejado sob a égide do NCPC – Cédula de crédito bancário – Financiamento de veí- culo – Tarifas bancárias – Fundamento inata-cado – Súmula nº 283 do STF – Precedentes – Agravo interno não provido (STJ) .............2824, 150

Direito cAmbiário

• Recurso especial – Direito cambiário – Cédula de crédito industrial – Garantia real – Aliena-ção fiduciária – Busca e apreensão convertida em ação de depósito – Prazo prescricional – Trienal (art. 52, DL 413/1969 c/c art. 70, LUG) ou decenal (art. 205, Código Civil de 2002) – Prescrição intercorrente – Não ocorrência – Re-torno dos autos ao juízo de origem – Recursodesprovido (STJ) .......................................2825, 157

EMENTÁRIO

Assunto

Ação DecLArAtóriA De nuLiDADe De protesto

• Ação declaratória de nulidade de protesto – inscrição em órgão de proteção ao crédito –dano moral in re ipsa ...............................2826, 171

Ação De execução

• Ação de execução – contrato de câmbio – adiantamento – fraude à execução – reconhe-cimento indeferido ..................................2827, 172

• Ação de execução – título executivo extrajudi-cial – cédulas de crédito bancário – exibição original – apresentação ............................2828, 172

Ação inDenizAtóriA

• Ação indenizatória – empréstimo bancário frau-dulento – arts. 757 e 760 do Código Civil atual– ausência de prequestionamento ............2829, 173

ArrenDAmento mercAntiL

• Arrendamento mercantil – alienação fiduciária– possibilidade .........................................2830, 173

cheques

• Cheques – ação de cobrança – contrato de factoring – benefício de ordem – não configu-ração .......................................................2831, 174

comércio eLetrônico

• Comércio eletrônico – FGTS – contribuiçãosocial – LC 110/2001 – efeitos .................2832, 176

confLito De competênciA

• Conflito de competência – recuperação judicial – redirecionamento da exe cução .............2833, 178

consumiDor bAncário

• Consumidor bancário – aplicação em fundo de investimento não autorizada – negativa de prestação jurisdicional – dano moral – enrique-cimento ilícito sem causa ........................2834, 179

contrAto bAncário

• Contrato bancário – alienação fiduciária – comprovação da mora do devedor – notifica-ção por edital – irregularidade da notificação ................................................................2835, 181

• Contrato bancário – cédula de crédito rural – ação de repetição de indébito – correção mo-netária – termo inicial ..............................2836, 181

contrAto De câmbio

• Contrato de câmbio – recuperação judicial – fraude à execução – ocorrência ...............2837, 182

contrAto De pArticipAção finAnceirA

• Contrato de participação financeira – cumpri-mento de sentença – fundamentos da decisão agravada não impugnados .......................2838, 182

• Contrato de participação financeira – subscri-ção de ações – aquisição de linha telefônica –cumprimento de sentença ........................2839, 183

DAno morAL

• Dano moral – protesto indevido – quantum compensatório – princípio da proporcionalida-de respeitada ...........................................2840, 183

Direito cAmbiário

• Direito cambiário – cédula de crédito industrial– garantia real – alienação fiduciária .......2841, 184

Direito societário

• Direito societário – cessão de cotas – averba-ção na junta comercial – assinatura dos sócios– irrelevância ...........................................2842, 184

embArGos DecLArAtórios

• Embargos declaratórios – oposição na vigência do NCPC – não provimento .....................2843, 185

execução

• Execução – desconsideração da personalidade jurídica – grupo econômico – faturamento daempresa – penhora – possibilidade ..........2844, 186

execução De títuLo extrAJuDiciAL

• Execução de título extrajudicial – intimação – inércia do credor – quitação do débito – pre-sunção .....................................................2845, 188

RDE Nº 51 – Jul-Ago/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������219

Seção Especial

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

ApLicAção Do Direito intertemporAL no novo cpc

• Alguns Aspectos Polêmicos sobre a Aplicação do Direito Intertemporal no Novo CPC. Quais São os Critérios para Definir a Lei do Recursoa Ser Interposto? (Marco A. Ribas Pissurno)........200

Autor

mArco A. ribAs pissurno

• Alguns Aspectos Polêmicos sobre a Aplicação do Direito Intertemporal no Novo CPC. Quais São os Critérios para Definir a Lei do Recursoa Ser Interposto? ................................................200

CLIPPING JURÍDICO

• Avaliado se cabe ação individual para cobrança de expurgo inflacionário ....................................216

• Câmara rejeita obrigação de empresa promovercampanha de planejamento financeiro ..............215

• Consumidor poderá ter prazo de 60 dias para retirar produto consertado .................................212

• Consumidora será indenizada por vestido dani-ficado em virtude de vício oculto ......................213

• Projeto altera prazo de reclamação no Códigodo Consumidor ..................................................215

• Recuperação judicial de escritório é negada ......212

• Terceira Turma mantém nulidade de registro damarca Megamass ...............................................214

fALênciA

• Falência – nomeação de administrador judi-cial – caução da remuneração – responsabi-lidade – efeito suspensivo – impossibilidade ................................................................2846, 190

LocAção

• Locação – shopping center – ação de despe-jo por falta de pagamento – cobrança em do-bro – princípio da obrigatoriedade – necessi-dade ........................................................2847, 191

LocAção comerciAL

• Locação comercial – ação renovatória .....2848, 194

pLAno De sAúDe coLetivo

• Plano de saúde coletivo – empregado demitido sem justa causa – migração para plano indi-vidual – inadmissibilidade .......................2849, 194

princípio DA menor onerosiDADe

• Princípio da menor onerosidade – penhora so-bre faturamento da empresa – possibilidade ................................................................2850, 195

proprieDADe inDustriAL

• Propriedade industrial – cancelamento de re-gistro da marca – reconhecimento da notorie-dade da marca estrangeira .......................2851, 196

recuperAção JuDiciAL

• Recuperação judicial – execução – crédito ex-traconcursal – penhora sobre faturamento dasempresas .................................................2852, 196

títuLo De créDito

• Título de crédito – duplicata – emissão – causa debendi – soma das notas parciais – possibi-lidade ......................................................2853, 197