circulações, dramáticas, eficácias da atividade industriosa

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33 Trabalho, Educação e Saúde, 2(1): 33-55, 2004 ARTIGO ARTICLE Resumo O artigo trata da relação entre uma cer- ta abordagem do trabalho (como “atividade in- dustriosa”) e o manejo dos coeficientes essen- ciais da gestão econômica e social. É sugerida a necessidade de os reproblematizar profunda- mente a partir das dificuldades suscitadas de maneira crescente no setor dito de “serviços”. Deste ponto de vista, o crescimento dos serviços poderia ser a oportunidade de repensar, em ge- ral, o modo de fabricação dos coeficientes ges- tionários. A utilização da noção de atividade exigia, naturalmente, uma breve investigação sobre a história deste conceito, essencialmente a partir da sua utilização ambivalente por Marx. Enfim, desenvolve-se no texto a idéia de “valo- res sem dimensões”, na medida em que a articu- lação – sempre a renegociar e de maneira alta- mente problemática – entre valores quantificá- veis e tais valores (que operam inicialmente num universo estrangeiro aos instrumentos de medi- da), nos parece um ponto crítico essencial da ma- triz da historicidade do espaço social. E nós re- encontramos aí os desafios diretamente operató- rios de tais interrogações conceituais: qual im- pacto na gestão que experimentam formas reno- vadas de construção de coeficientes econômi- cos, ao considerar essas “negociações complexas de eficácia-eficiência”? 2 Palavras-chave atividade de trabalho; setor de serviços; gestão do trabalho. CIRCULAÇÕES, DRAMÁTICAS, EFICÁCIAS DA ATIVIDADE INDUSTRIOSA CIRCULATIONS,“DRAMATICS”, EFFICACIES OF THE INDUSTRIOUS ACTIVITY Yves Schwartz 1 Abstract This article deals with the relationship between a certain approach to work (as “indus- trious activity”) and the manipulation of the es- sential coefficients of economic and social man- agement. We suggest that there is a need to equate these two things more deeply because of the difficulties that are increasingly appearing in the so-called “service sector”. From this point of view, the growth of services could be an opportunity to generally rethink the way management coefficients are designed. Clearly, in order to make use of the notion of activity it will be necessary to carry out a brief investiga- tion of the history of this concept, particularly after its ambivalent use by Marx. Finally, in the text, we expand the idea of “values without di- mensions” in so far as the articulation – always able to be renegotiated and in a very problem- atic way – between quantifiable values and the so called values without dimensions (that oper- ate initially in a universe alien to measurement instruments) seems to us an essential and criti- cal point in the matrix of historicity in the so- cial space. And there we find once more the op- erational challenges of these conceptual ques- tions: what impact will they have on the type of management that experiments with new ways of building economic coefficients, as it consid- ers these “complex negotiations of efficacy-effi- ciency”? Key words work activity; service sector; work management.

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Yves Schwartz

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    Trabalho, Educao e Sade, 2(1): 33-55, 2004

    ARTIGO ARTICLE

    Resumo O artigo trata da relao entre uma cer-ta abordagem do trabalho (como atividade in-dustriosa) e o manejo dos coeficientes essen-ciais da gesto econmica e social. sugerida anecessidade de os reproblematizar profunda-mente a partir das dificuldades suscitadas demaneira crescente no setor dito de servios.Deste ponto de vista, o crescimento dos serviospoderia ser a oportunidade de repensar, em ge-ral, o modo de fabricao dos coeficientes ges-tionrios. A utilizao da noo de atividadeexigia, naturalmente, uma breve investigaosobre a histria deste conceito, essencialmente apartir da sua utilizao ambivalente por Marx.Enfim, desenvolve-se no texto a idia de valo-res sem dimenses, na medida em que a articu-lao sempre a renegociar e de maneira alta-mente problemtica entre valores quantific-veis e tais valores (que operam inicialmente numuniverso estrangeiro aos instrumentos de medi-da), nos parece um ponto crtico essencial da ma-triz da historicidade do espao social. E ns re-encontramos a os desafios diretamente operat-rios de tais interrogaes conceituais: qual im-pacto na gesto que experimentam formas reno-vadas de construo de coeficientes econmi-cos, ao considerar essas negociaes complexasde eficcia-eficincia?2Palavras-chave atividade de trabalho; setor deservios; gesto do trabalho.

    CIRCULAES, DRAMTICAS, EFICCIAS

    DA ATIVIDADE INDUSTRIOSA

    CIRCULATIONS,DRAMATICS , EFFICACIES

    OF THE INDUSTRIOUS ACTIVITY

    Yves Schwartz 1

    Abstract This article deals with the relationshipbetween a certain approach to work (as indus-trious activity) and the manipulation of the es-sential coefficients of economic and social man-agement. We suggest that there is a need toequate these two things more deeply because ofthe difficulties that are increasingly appearingin the so-called service sector. From thispoint of view, the growth of services could bean opportunity to generally rethink the waymanagement coefficients are designed. Clearly,in order to make use of the notion of activity itwill be necessary to carry out a brief investiga-tion of the history of this concept, particularlyafter its ambivalent use by Marx. Finally, in thetext, we expand the idea of values without di-mensions in so far as the articulation alwaysable to be renegotiated and in a very problem-atic way between quantifiable values and theso called values without dimensions (that oper-ate initially in a universe alien to measurementinstruments) seems to us an essential and criti-cal point in the matrix of historicity in the so-cial space. And there we find once more the op-erational challenges of these conceptual ques-tions: what impact will they have on the type ofmanagement that experiments with new waysof building economic coefficients, as it consid-ers these complex negotiations of efficacy-effi-ciency? Key words work activity; service sector; workmanagement.

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    possvel mensurar o trabalho sem defini-lo?

    A conjuntura obriga, o que positivo, a que nos interroguemos sobre a con-sistncia e os limites do conceito de trabalho. Existem vrias vias de acessoa essa questo, dentre as quais a mais crtica hoje aquela pressuposta peladistino entre trabalho vs no trabalho. Mas, seja qual for a via de aces-so, no escapamos a um vaivm entre preocupaes muito concretas e re-descoberta das dimenses enigmticas, que suprimem as divises, da ativi-dade industriosa. Queremos aqui indicar como a necessidade de reflexo so-bre a questo da eficiccia nos servios uma via de acesso bem pertinen-te, na exigncia desse vaivm3.

    O crescimento dos servios na populao ativa, as polticas pblicasem busca de racionalizao das escolhas oramentrias, as pesquisas de sa-da de crise e de setores econmicos beneficirios conduziram a delimitarmais de perto o problema da mensurao dos meios e recursos investidosnesses campos de atividade. Ora, para alm da dificuldade de definir osservios, essa preocupao de dispor de instrumentos de mensurao, decoeficientes, v-se confrontada com a extrema dificuldade de apreender oprprio contedo do que preciso medir ou avaliar (Jacot, 1990)4 (os inputse os outputs, dizem os economistas). Atravs da questo da eficcia dos ser-vios, voltamos a uma questo, j aventada h uma dcada, sobre a dificul-dade de reencontrar uma unidade, uma consistncia nas formas atuais dotrabalho humano; como se a anlise dos servios aumentasse uma incapaci-dade crescente de ligar nossas manipulaes intelectuais do conceito esua(s) realidade(s) concreta(s). Em face do declnio das formas de trabalhoimediato, da diversificao das situaes e dos estatutos de atividade, dasnovas geografias territoriais e institucionais das empresas, da proliferaodos processos e procedimentos ditos imateriais, da proliferao das lingua-gens e obrigaes de comunicao, a expresso dominante poderia ser queo trabalho como forma tradicional de uso da fora de trabalho (incluindomaciamente o corpo, a execuo, a sujeio aos horizontes limitados ) de-saparece.

    Por um lado, o crescimento do desemprego estreitaria, dentro da oposi-o trabalho vs no-trabalho, os vnculos de definio entre trabalho e em-prego; mas, por outro lado, esse trabalho se tornaria uma concha vazia doponto de vista da atividade, configurando-se como significao paraaquele que trabalha unicamente o fato de estar inscrito em um lugar,num sistema de empregados. Isto, a nosso ver, um ponto de partida pobredemais, portador de efeitos eventualmente negativos, em toda iniciativa po-ltica e civil contra as partilhas e excluses ligadas ao desemprego. Parado-xo do pensamento atual acerca do trabalho: polarizado, por um lado, e en-tendemos bem por qu, sobre aquilo que faz a ligao todas as suas ocorrn-

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    cias concretas, mas que exterior sua esfera (a contrapartida monetria, oacesso esfera do consumo autnomo e, por meio desses dois elementos, asuperao do limite em direo a uma verdadeira cidadania); mas essa po-larizao contempornea a outro plo sem verdadeiro processo dialti-co entre eles o de uma incapacidade de definir o que pode fazer ligaes,do ponto de vista dos usos industriosos, entre os diversos empregados.

    Assim, entendemos que a maneira como vamos tentar responder in-terrogao se existe comensurabilidade ou no entre o trabalho na pro-duo de bens e o trabalho no fornecimento dos servios reencontra es-sa perplexidade histrica, epistemolgica, filosfica: existem mutaes naesfera do trabalho, deslocamentos fundamentais, um esvaecimento mesmodo trabalho? Ou, mais precisamente, reencontramos essa perplexidade apartir da questo dos coeficientes nesses campos profissionais em que di-fcil definir no numerador produtos5 (ao contrrio dos setores diretamenteprodutores de bens tangveis, como parece primeira vista), em relao sentidades humanas e sociais bem circunscritas no denominador, em limitestemporais mais ou menos limitados.

    O trabalho, entre o antropolgico e o histrico

    A problemtica que estamos desenvolvendo aqui sempre foi particularmen-te sensvel s caractersticas gerais da atividade humana. Ao mesmo tempo,e a no ser caindo na pior abstrao, uma iniciativa como essa deve interro-gar-se sobre as dimenses histricas e sociais que sobredeterminam, recon-figuram, essas caractersticas gerais. Da mesma forma, ela deve tentar apre-ender de que maneira as formas especficas de atividade aqui, por exem-plo, produo/servios levam a ponderar, alterar, transformar em tal di-reo esses elementos de relativa generalidade. Dizendo de outra forma, noh interrogao antropolgica sobre a questo que no seja, ao mesmo tem-po, uma pesquisa sobre os processos histricos o histrico sendo aquiprocesso de diferenciao, de singularizao. Parece-nos que no contextodesse tipo de abordagem da atividade industriosa que podemos apreciar me-lhor o que h de tendenciosamente novo, no que se pde chamar de muta-es do trabalho, que h uns 15 anos vm afetando o modo capitalista deproduzir, reconfigurando exigncias ou caractersticas que lhe so prpriasou de natureza mais profunda ainda; e apreciar, igualmente, em que senti-do, produo e servios, desenvolvem caractersticas especficas.

    Parece-nos que com a mesma preocupao de comensurabilidade e in-comensurabilidade relativas que devem ser pensadas as oposies clssicasentre trabalho e extra-trabalho e, claro, trabalho e no-trabalho. Semessa preocupao corre-se um forte risco de mutilar os dois termos da opo-

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    sio. Existe a, aparentemente, um delicado problema de conceituao: preciso saber pensar, ao mesmo tempo, as dinmicas imemoriais muito pro-fundas que continuam a produzir seus efeitos em ns, a impulsionar circu-laes entre esferas que a prtica social separa, e configuraes engendra-das por invenes e acontecimentos scio-histricos, com graus de eficciamuito variveis que s uma abordagem clnica pode avaliar , nas quaisas primeiras tomam forma, de acordo com desenvolvimentos contraditriosoriginais e especficos. Como, sem esse distanciamento histrico, antropol-gico ou filosfico, diagnosticar constataes, males, desafios (crises dotrabalho, superao ou manuteno da centralidade do trabalho, segmen-tao do trabalho...) relativos s transformaes de uma realidade que ava-liamos mal onde comea, onde acaba; da qual distinguimos mal as condiesem seus limites, conceituais ou histricos, em cada um de ns e para o g-nero humano?

    Como, por exemplo, contornar essa questo dos trs diferentes limiares,a partir dos quais, com boas razes, sempre possvel afirmar que ali quecomea o trabalho? Seja o homo habilis, h 2,5 milhes de anos, com a fabri-cao em srie de ferramentas pensadas em funo de fins, no eixo da apro-priao melhorada dos recursos naturais, transformando, para essa nova es-pcie biolgica, a significao e as exigncias do que viver; seja o neolti-co, com a inveno de sociedades que organizavam ritmos sociais em tornodos ciclos da produo agrcola e da criao de animais; seja a emergnciado capitalismo a instituir a forma-salrio, delimitando assim um tempo detrabalho exteriormente normatizado, remunerado e separado das outras es-feras e temporalidades da vida social.

    Cada um desses diferentes limiares transformou profundamente a pr-pria noo de trabalho trabalho esse que se diz hoje estar mudando. Pen-sar essas mudanas sem levar em conta em que esses acontecimentos hist-ricos determinaram estruturalmente o trabalho argumentar sobre o abstra-to. Ao mesmo tempo, estamos convictos de que existem elementos funda-mentais de toda atividade, que atravessam esses limiares6 (Schwartz, 1988;1993a; 1993-1994; 1994; 1995, 2000a), que preciso articular estas dimen-ses antropolgicas e estas dimenses histricas para localizar o que muda,o que provoca crise no trabalho. O trabalho, na verdade, nunca comeou e,ao mesmo tempo, rejuvenesce sem cessar.

    Da atividade

    A esse respeito, a dificuldade, at mesmo a impossibilidade de abster-se doconceito de atividade poderia demonstrar a necessidade de pensar as co-mensurabilidades industriosas e suas incomensurabilidades relativas, a um

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    s tempo diacronicamente ver o que acabamos de dizer a propsito dosdiversos nascimentos do trabalho e sincronicamente entre as diver-sas esferas da vida social.

    No entanto, esse conceito de atividade gauche, impreciso, estigma deum pensamento em busca de seu rigor. Labica (1987), em sua pequena obrasobre As teses sobre Feuerbach (Marx, 1987), mostrou precisamente o papelintermedirio da Ttigkeit, da atividade, na reviravolta filosfica de Marx.Por estar contraposta ao objeto, realidade, sensibilidade, a atividade,como vimos, tomou-lhes as conotaes. Ela foi sucessivamente capturando,para deles fazer seus eptetos, o sensvel (sinnliche Ttigkeit), o real (wirkli-che T.) e o objetivo (gegenstndliche T.)7. Com a especificao da atividadecomo revolucionria, praticamente crtica, chegamos exatamente aoponto de no retorno da crtica operada contra a filosofia8.

    Mas as especificaes logo vo se revelar com melhor performance queo prprio conceito. O idealismo pode assumir a atividade como seu recurso,como se caracterizasse o prprio funcionamento do esprito ou da razo. Porisso, uma vez cumprida a sua misso de primeiro ponto de resistncia, aatividade, conceito ambivalente demais, devia ceder o lugar prtica (an-tes que esta, na tese 11, tambm ceda o lugar revoluo)9.

    Porm, no se pode dispensar assim a atividade, nem se desfazer comtanta facilidade de suas propriedades equvocas de transversabilidade e decirculao. Lembremos, por exemplo, que Max Weber (1971), no incio deEconomie et Socit, prope como objeto sociologia compreender por in-terpretao a atividade social, e que ele define por atividade (aqui Han-deln) um comportamento humano (...), quando e na medida em que o agen-te ou os agentes lhe comunicam um sentido subjetivo10. A psicologia so-vitica fundou importantes trabalhos sobre esse conceito vago (Vygotsky eLontiev, notadamente em Activit, conscience, personnalit11).

    Parece-nos importante indicar que o recurso ao conceito de atividade abundante na linguagem e nos textos dos profissionais da anlise do tra-balho, sob as suas formas mais atuais. um dos traos caractersticos da er-gonomia francfona reivindicar para as situaes a serem estudadas o pon-to de vista da atividade (Wisner, 1991). Por oposio ao fornecimento demeios sobre o funcionamento do homem como elemento de um sistema emoperao, a referncia atividade quer remeter esfera das mltiplas mi-crogestes inteligentes da situao, s tomadas de referncias sintticas, aotratamento das variabilidades, hierarquizao dos gestos e dos atos, sconstrues de trocas com a vizinhana humana, num vaivm constante en-tre os horizontes mais prximos e os horizontes mais afastados do ato de tra-balho estudado. Os lingistas, notadamente aqueles que fazem da anlisedas situaes de trabalho seu objeto privilegiado de estudo, falam de ativi-dades linguageiras ou comunicacionais, de prticas linguageiras, sem

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    mesmo falar de todas as formas de interao ao mesmo tempo linguageiras esociais12 ( Fata, 1989).

    O uso do conceito de atividade, longe de ser apenas um resduo antigo,a ser hoje especificado por quadros sociais mais exigentes e/ou limitantes,parece, ao contrrio, estar voltando com fora precisamente no caso dos ser-vios em que o tamanho da dimenso prestao reintroduz, bem ou mal,inclusive ao nvel das tentativas mais oficiais de nomenclatura as carac-tersticas de transversabilidade vaga prprias a esse conceito. Jean Gadrey,um dos melhores especialistas em economia dos servios na Frana, consta-tava, num artigo de 1991, a impossibilidade de reduzir claramente o traba-lho assalariado em numerosos servios a um produto social caracterizado,circunscrito e mensurvel. exatamente por isso que as estatsticas nacio-nais relativas a atividades de servios to importantes para os conselhosdas empresas quanto para a educao, a sade, os servios associativos, asadministraes pblicas retornam sempre, mais ou menos, a definir seuproduto a partir do trabalho fornecido (por vezes batizado de atividade).

    Essa ambigidade nos parece bem ilustrada pelo texto de um coletivode ergonomistas, texto esse profundo, ao mesmo tempo que discutvel:Lactivit de travail: une forme dactivit humaine (Gurin et al., 1991).E o que a atividade humana, na qual se inclui o trabalho? Em primeiraaproximao, a atividade se ope inrcia, o conjunto dos fenmenos(...) que caracterizam o ser vivo. E, com efeito, a atividade de trabalho po-de no se sentir comprometida profundamente por essa definio? Essa sim-ples definio de oposio inrcia j no acarreta conseqncias er-gonmicas, sociais, axiolgicas quanto ao governo humano do trabalho?No por nada que Canguilhem, em 1966, confessava ainda correr o riscode fundar a significao fundamental do normal por uma anlise filosficada vida, entendida como atividade de oposio inrcia e indiferena.Recenseamos as poucas ocorrncias breves e luminosas em que sua defini-o da vida, como atividade de oposio inrcia, era extrapolada nummeio humano de trabalho (Canguilhem, 1947; Schwartz, 1992)13 em que elaaparecia como o fundamento da resistncia operria ao taylorismo e, paraalm, a toda situao de heterodeterminao das normas industriosas.

    Ao mesmo tempo, o texto dos ergonomistas lembra que de maneiracorrente, a atividade de trabalho nitidamente distinta da atividade huma-na em geral (op. cit., p. 45-46)14. E o que vem depois mostra bem que essesergonomistas assumem a ntida especificidade do trabalho em relao ati-vidade, como atividade socialmente finalizada, melhor at, como atividadeimposta. Num certo sentido, a experincia que eles tm de intervenesem empresa que os leva a isso sem hesitao. Mas essa especificao levantaum duplo problema, e eles formulam muito bem o primeiro: com base noque foi apontado, a dona de casa, o estudante, o desempregado, o biscatei-

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    ro no trabalham. No excessivo separar a tal ponto essas configuraesdiferenciadas de uso de si?

    Por outro lado, definir o trabalho pela imposio no anular em gran-de parte a incluso do trabalho na atividade vital concebida como oposio inrcia e indiferena (do meio em relao s exigncias do que significaviver para o ser em questo)? Essa incluso na atividade vital, sem apagar aexigncia especfica a todo trabalho social (sempre uso de si por outros),no deixava entender que sempre havia tambm necessidade e reivindica-o, de uma forma at muito enfraquecida, s vezes imperceptvel, de usode si por si? De uma tentativa de renormalizao do meio de trabalho se-gundo suas prprias condies?

    Se voltarmos definio do produto dos servios pelas atividades,evocada por Gadrey (1991), o problema vem em parte do fato de que as fi-nalidades impostas, a exigncia, a sano social parecem, sob esse vocbuloatividade, se desfazer. O vocbulo atividade no faz mais, nitidamente, adistino com os servios ou as prestaes mltiplas de que a vida cotidia-na, fora do tempo remunerado, o caldeiro e o espao. Mas, justamente, is-so no um indcio de que preciso pensar, ao mesmo tempo, tanto as es-pecificidades no redutveis entre os espaos e os tipos de exigncias, quan-to as circulaes em todos os sentidos (para retomar um termo utilizado an-teriormente) entre os diferentes usos de si nas diferentes esferas, tornadospossveis por sua incluso no conceito geral de atividade15? Desse ponto devista, datar o nascimento do trabalho quando da emergncia do regime sa-larial cortar suas comensurabilidades mais ou menos frouxas, mais oumenos estreitas com as outras formas da atividade humana, por exemplo,com as atividades tradicionalmente assumidas pelas mulheres na famlia ouno grupo social, e cujas razes remete a outras pocas16. Ao ocultarmos aqui-lo em que essas atividades tm em parte a dimenso de um trabalho, tor-namos difcil a inteligibilidade do reinvestimento possvel do trabalho do-mstico no trabalho assalariado, o segundo alimentando-se nos patrimniosinventivos e de experincia do primeiro (Matheron, 1994).

    Em suma, a atividade, conceito turvo e transversal, no poderia ser fa-cilmente dispensada. Entre uma ao humana qualquer trabalho para si,trabalho domstico, atividade ldica, esportiva e um trabalho economi-camente caracterizado, no h descontinuidade absoluta: ambos so comen-surveis a uma experincia, a de uma negociao problemtica entre normasantecedentes e as normas de sujeitos singulares, sempre a serem redefinidasaqui e agora. O que torna possvel, entre o tempo de trabalho assalariado eo tempo privado, a circulao de valores e de patrimnios. Mas dizer issono pode conduzir a uma preguia intelectual, a uma desmobilizao cvicae poltica que se absteriam de conceituar as especificidades e que disso seprevaleceriam para retirar qualquer virulncia do fato do desemprego. In-

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    sistir no engajamento institucional representado por um emprego (por opo-sio s simples atividades privadas, at mesmo associativas) valorizar,com toda razo, o trabalho como encontro possvel da modernidade, da di-versidade, das solidariedades conquistadas, como elaborao de engenhosi-dades coletivas confrontadas com exigncias, urgncias, escolhas; essa di-menso do trabalho de natureza a solicitar, mais profundamente que qual-quer outro uso de si mesmo, a apropriao do meio de vida como seu, his-trico, humano, pelo menos nas sociedades como as nossas. No se pode mi-tificar o emprego ou o trabalho assalariado. Mas no se podem subestimaros efeitos de devastao social e pessoal da excluso dessa matriz de acesso experincia cvica e histrica.

    Ou, para diz-lo ainda de outro modo: a anlise das atividades, no sen-tido mais amplo evocado anteriormente a propsito da concepo dos ergo-nomistas, , em um certo sentido, mais rica que a simples anlise do traba-lho; pois ela se interessa por todos os usos de si, transcendendo todos oslimites sociais, temporais, institucionais; apta, por a, a pensar as circula-es e reinvestimentos entre estes. Desse ponto de vista, a anlise do traba-lho assalariado parece mais pobre, na medida em que s certos segmentosda vida humana esto em questo e que a heterodeterminao das normas(varivel conforme as pocas, as formas de governo do trabalho) restringe aesfera das conquistas inventivas. Porm, muito mais rica num outro senti-do, pois, a no ser que seja mutilante, cega, a anlise do trabalho (assalaria-do ou de forma mais geral amarrado troca mercantil) vai necessariamenteencontrar, infiltrados de forma varivel, na configurao que ela estuda, osefeitos sempre ressingularizados e mveis das conjunturas e das de-terminaes histricas. Visamos por a s relaes sociais de produo, sleis dominantes da gesto dos homens e das coisas, s formas de antagonis-mos e processos contraditrios que se geram no seio delas.

    ltima observao a respeito da atividade. Essa fecunda ambigidadedo conceito nos parece ser encontrada em Marx, quando ele define o pro-cesso de trabalho. O primeiro elemento, trabalho propriamente dito, apresentado como Zweckmssige Ttigkeit, atividade orientada por um ob-jetivo. No trabalho, comenta ele, (Marx, 1950), o homem realiza ao mes-mo tempo seu prprio objetivo do qual tem conscincia, objetivo que de-termina como uma lei seu modo de ao, e ao qual deve subordinar a suavontade17. Essa auto-atribuio de lei uma subordinao mais ou menostensa conforme a fora relativa da exigncia (objeto e modo de execuo)afaste ou no o indivduo de um livre jogo das foras corporais eintelectuais.

    Impossvel escapar sofisticao do objetivo que pode ser, em grausdiversos, e diversamente congruentes ou contraditrios, o do trabalhador na medida em que nico e claro para ele mesmo e o das diversas en-

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    tidades sociais no seio das quais esse processo de trabalho se desdobra. Asimples meno do objetivo obriga, portanto, a sair da definio neutra ea-histrica para imergir a Ttigkeit em figuras histricas concretas. Ao mes-mo tempo, essa sofisticao do objetivo no anula em nada, muito pelo con-trrio, a exigncia de uma enigmtica instrumentao de um corpo inteli-gente (cf. em surdina, a referncia kantiana ao livre jogo das faculdades),requerida para operar em toda situao de transformao inclusive amais intelectual , em toda situao histrica, entre os dois plos da exi-gncia in-atraente e do livre jogo.

    Essa continuidade em ns, indo da instrumentao enigmtica do cor-po prprio ao confronto no campo da cultura, dos valores e das contradi-es atravs do uso industrioso de si o inesgotvel apelo a pensar otrabalho humano18. Quando Marx define o processo de trabalho fora de to-da chancela particular, ele exprime bem seu carter abstrato enquanto nofor subsumido sob formas histricas cujas caractersticas principais con-veniente, em tendncia, conceitualizar. Mas essa atividade, em sua dimen-so hbrida, nem por isso est abolida com esta ou aquela caractersticaparticular; ela coloca suas exigncias atravs de todas as figuras que a hu-manidade industriosa produziu e produzir19 (Schwartz, 1988).

    Volta aos servios: comensurabilidades e especificaes

    De passagem, evocamos alusivamente alguns desses elementos transversaisque nos parecem caracterizar a atividade no sentido mais abrangente do ter-mo. Assim aconteceria com o que se poderia chamar de a dialtica do pro-grama20 e da atividade, ou das normas antecedentes e das normas indivi-dualizadas, ou ainda, mais simplesmente, dos dois registros: o primeiro in-dicaria o que pode ser antecipado e explicitado no seio de um patrimniosocialmente partilhado e transmitido (mtodos), a partir de elementos de re-lativa generalidade, sobre os quais podem, por essa mesma razo, trabalharconceitos e definir programas e prescries, termos que remetem, ao mesmotempo, s circunstncias sociais em que esses elementos de patrimnio seformam, se deformam e se reformam. Esse campo da antecipao das situa-es de atividade tambm seria, portanto, o da linguagem acabada, j queesta pode neutralizar os parmetros singulares de um processo que se de-senrola, por outra via, sempre no espao e no tempo. O segundo remeteriaao que da ordem da gesto do singular, que registra, na atividade cotidia-na de trabalho, o efeito da dimenso histrica de toda prtica, a no repeti-bilidade perfeita das situaes humanas, sociais, produtivas.

    A generalidade dessa dialtica, inclusive nas organizaes tayloristas,autorizaria a caracterizar todo trabalho como o lugar de uma dramtica sin-

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    gular, em que cada protagonista negociaria a articulao dos usos de si poroutros e por si. A mesma generalidade dessa dialtica leva igualmente apesquisas, em todo caso, sobre a recomposio coletiva das tarefas e dasobras, jamais estritamente representvel nos organogramas preexistentes.

    No que diz respeito, desta vez, s tendncias, elas tambm gerais, dasmudanas atuais, evocamos o declnio do trabalho imediato, a deriva da lin-guagem a ser tomada cum grano salis, de trabalhar para gerir. Gerir, de-vendo ser entendido num sentido complexo, que articule uma dimensoainda nitidamente profissional (gerir imprevistos prprios atividade con-siderada); uma dimenso mais econmica (disseminao problemtica dascondutas de gesto e de contabilidade conforme escales mais descentrali-zados); uma dimenso intersubjetiva (a equipe) e pessoal, tal que os ingre-dientes precedentes possam encontrar as vias de uma instrumentao do siem condies subjetivamente aceitveis.

    Vamos nos permitir remeter, quanto a este ponto e se necessrio a escri-tos anteriores21 (Schwartz, 1993b). O que nos parece interessante tentarpensar a introduo desses elementos transversais na histria, no seguinteduplo sentido: ir da conceituao das especificaes da histria aos efeitossobre as figuras concretas da atividade; e, reciprocamente, o carter univer-sal dos elementos transversais permite precisar o grau de validade dos re-cortes conceituais, obrigando a pensar sempre no modo tendencial22. E, emvez de estudar como a forma salarial em geral (e suas contradies prprias)configura especificamente as dinmicas da atividade o que tentamos fa-zer depois e com muitas outras , pensar aqui o grau de especificaotendencial induzido pela forma servio em relao s atividades produti-vas. O eixo da investigao sendo, como dissemos mais acima, a abordagemdiferencial da medida da eficcia do trabalho.

    Uma vez admitido que entre produo e servios o ponto de vista daatividade industriosa torna comensurveis, sob certos aspectos, todas as si-tuaes, e que certas formas de abordagem, certos conceitos tm valor ope-ratrio geral e questionam toda construo de coeficientes de eficincia e deperformance independentemente dos setores de atividade, chegamos entoao fato de que essa dimenso transversal a se exerce em condies diver-sificadas: nos servios, a atividade industriosa tende a se esgotar em seuprprio desdobramento, sem a mediao ou com a mediao atenuada deum output incerto.

    Trabalhar, gerir-se

    O enorme campo de problemas assinalado pela deriva terminolgica traba-lhar/gerir encontra em certos desenvolvimentos dos servios tal profun-

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    didade que s ela justificaria, a nosso ver, a passagem por esse tipo de ati-vidade para qualquer especulao relativa ao trabalho.

    O fato que a pr-concepo do bem tangvel e de seus processos de fa-bricao por outros libera em parte os produtores diretos de reavaliaespermanentes dos fins imediatos de sua atividade; o resultado, julgado peloproduto, oferece caractersticas bem identificveis, ao contrrio da avaliaodo resultado de numerosas prestaes de servio; ele volta mais defasado, de-sigual, para os produtores: qualidade e produtividade no tm uma formavirulenta de sano no instante (ao contrrio, por exemplo, das experinciasde face a face) e passam pela mediao de processos cujos protagonistas sonumerosos, disseminados e associados por vnculos em geral difusos (quem responsvel pela no-qualidade na produo automobilstica?). Quanto me-nos a ao e suas exigncias imediatas podem ser antecipadas e parcialmentereguladas por um output delimitado, mais a atividade de trabalho volta parao agente e requer dele esse ajustamento sempre problemtico das dimensesheterogneas que evocamos sob o termo gerir. E mais algo como um gerir-se coloca problema numa sntese de capacidades diferentes a serem imple-mentadas, no ordenamento das prioridades, nas escolhas a serem feitas, quetambm so, insidiosamente, maneiras de se escolher.

    Vamos ilustrar esse vnculo entre gesto de uma situao eminentemen-te varivel e multidimensional e gesto de si mesmo com o caso do agentecomercial de trem (ACT, o controlador) estudado por Daniel Fata e SylvieNiero (1991)23. A simples acolhida e o olhar vago na plataforma de embar-que lhe permitem acumular as observaes prvias sobre o comportamen-to dos viajantes mais notveis24. Trata-se de antecipar tipos de problemassuscetveis de encontrar pondo em conexo sua experincia da clientela,sua capacidade de anlise dos comportamentos, as circunstncias particula-res do momento, a regulamentao e os problemas que ela coloca hic et nunc.

    A relao de servio, por se exercer em contato com indivduos singu-lares e com exigncias ou regras institucionais, requer uma gesto desseponto de encontro sempre a modular (a aplicao mecnica de uma regra ingervel, sobretudo no contexto pblico de um vago, uma vez que oACT est s num meio suscetvel de rapidamente tornar-se hostil a ele) e quese volta para o agente porque ele tem de inventar essas modulaes a partirde seus recursos pessoais como ser humano configurado e dotado desta oudaquela maneira particular. Assim, seu dilogo com os usurios em situaoirregular faz um vaivm incessante entre sua investigao implcita sobre aboa ou m f de seus interlocutores e a gesto pessoal de seus prprios re-cursos inventivos. Conforme o avano desse processo, o ACT modifica o g-nero dominante do dilogo, (...) que traduz a colocao em prtica de tcni-cas de reconhecimento e de gesto das situaes. Esse vaivm sem escapa-tria entre as normas institucionais heterodeterminadas, a singularidade do

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    encontro e o trabalho subjetivo de autogesto da situao pe em questoo agente at em suas disposies posturais. Esse balanceamento entre asexigncias da funo e as regras que a regem, a emergncia do sujeito atra-vs das escolhas improvisadas traduzem-se por visveis tentativas hesitan-tes, guiadas pelo imperativo de salvar as aparncias, conceito perfeitamenteadequado a esse gnero de situaes.

    Em relao simples anlise objetivista da relao de servio, esta an-lise do trabalhar, gerir parece-nos importante, na medida em que insistena heterogeneidade das dimenses implicadas, no engajamento subjetivonecessrio do prestador em relao a campos onde h escolhas a serem fei-tas. verdade que essas escolhas se encarnam em microssituaes, mas re-metem, ao mesmo tempo, a horizontes sociais mais amplos, e a eficcia darelao de servio no pode, de modo algum, ser analisada sem que se le-vem em conta essas circulaes implicadas em todo trabalhar-gerir e queachamos aqui particularmente cruciais. O ACT deve, por exemplo, gerir emsi mesmo essa dupla funo mais ou menos contraditria de agente repres-sivo e comercial. A avaliao do viajante antes mesmo da avaliao de seubilhete uma escolha implcita, que remete a uma comensurabilidade so-cial e humana dos dois protagonistas e d ao comercial, entendido numsentido social amplo, uma certa prioridade em relao ao repressivo. comcerteza a que ocorre em cheio a tenso entre a experincia adquirida e osimperativos da funo definida no sentido da melhor definio (se possvel)do servio a ser prestado.

    Trabalhar, gerir quer dizer precisamente aqui que no se pode neutra-lizar o espao das escolhas, conscientes ou informalizadas, a serem feitas. Osargumentos codificados, os segmentos de trocas estereotipadas tm seus li-mites (ainda que haja tentativas recorrentes de codificar, por exemplo, a in-formao ou a venda por telefone). H uma partitura que pedimos para to-car: qualidade da execuo, acrescentam-se as fases variveis de improvi-sao. Assim, preciso voltar cena diante de um algum que umcliente, sem dvida, mas que tambm ao mesmo tempo usurio e por atambm semelhante ao agente, pois que ele, alternadamente, conforme ascircunstncias de sua vida, prestador ou beneficirio de um servio. Apartitura a ser tocada no pode neutralizar a imerso social. O que vlidopara toda atividade humana, j que essa dimenso de gesto da atividadenunca esteve ausente. Isso incrementa o desafio a qualquer racionalizao emedida do trabalho quando o resultado est por inteiro na partitura.

    Quanto sano defasada e difusa da produtividade e da qualidade nocaso da produo de bens, poderamos ser levados a acreditar que a presta-o de servio apia-se, no que se refere sua performance, em protagonis-tas bem identificados. Alis, o que pode deixar supor a anlise da relaode servio em que mesmo no agente em face a face e em interao que pa-

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    rece se apoiar toda a qualidade da operao. Mas o exemplo do controladorilustra, ao contrrio, que o agente fisicamente presente no momento e nolocal da prestao encarna literalmente a empresa inteira e concentra todasas expectativas em matria de servio, sobretudo quando a qualidade destetende a se afastar da representao ideal mantida por quem solicita (ibid.,p. 1). Com certeza, h elementos da performance que tm muito a ver com asingularidade da pessoa, como h pouco lembramos; mas, ao mesmo tempo,esta deve jogar com a performance global da empresa como recurso hic etnunc mais ou menos vantajoso para gerir a sua situao. Ela deve jogar tam-bm com todas as informaes obtidas nas redes, formais ou informais, nasquais inserida em virtude de sua participao na vida da empresa. E essainsero nas redes, verdadeira para o indivduo em face a face, igualmen-te necessria e pertinente para atividades de servio que no tm interaoregular com um usurio. O que rapidamente evocamos mais acima sobre aorganizao prescrita e o coletivo real deve levar em conta certas especifici-dades ligadas relao de servio, sem que o essencial deva ser mais parti-cularizado ainda.

    Uso de si e eficcia, eficcia do uso de si

    O que acaba de ser sugerido da deriva trabalhar, gerir no caso especficodos servios ilustra abundantemente o que se podem chamar as dramti-cas25 do uso de si. O duplo interesse desse conceito seria primeiramente fa-zer remontar a implicao da relao de servio onde ele muito mais le-gvel ao conjunto das atividades de servio e, melhor ainda, aos setoresde produo de bens padronizados em que ele era reputado sem significa-o26. Em segundo lugar, o interesse consiste em insistir a partir do fatode que sempre h dramticas, imanentes ao trabalho humano , nas dia-lticas do micro e do macro, nas circulaes mutuamente reestruturantes en-tre valores sociais, valores humanos e construo passo a passo dos atos in-dustriosos. Isto atravs do espao das escolhas inevitveis em qualquer cir-cunstncia e em conformidade com o que dissemos sobre a atividade. E, namedida em que se trata de eficcia nos servios, essa dimenso perpetua-mente deliberatria, essa interpelao dos agentes como seres sociais, noneutros em relao a patrimnios histricos, a valores discriminantes e/ousolidarizantes, pode ser ainda menos subavaliada, na medida em que estem ligao direta com as modalidades da prestao e, portanto, com a suaeficcia. Separando abusivamente as coisas, podemos identificar uma incon-tornvel negociao de eficcia para as operaes, ligada dialtica doprograma e da atividade. Mas vemos que a isso adere organicamente umanegociao de eficcia para os efeitos, no sentido dos objetivos sociais li-

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    gados aos efeitos esperados da prestao, e cuja harmonia espontnea nopode ser suposta entre os diversos agentes, os diversos usurios e os diver-sos nveis hierrquicos da empresa. Aqui, gesto est de fato em questo;mas uma gesto sem escolha, sem poltica, uma gesto degradada ou nopode sequer ser considerada gesto27. A neutralidade civil (no sentido maisamplo do termo) dos agentes, no pode ser postulada, a no ser que se con-sidere uma situao de gesto absurda.

    Em sua lucidez, os economistas dos servios viram precisamente surgiresses novos critrios de referncia que quebram, segundo eles, a seguranade aplicao dos coeficientes industriais. Gadrey desenvolve todas as con-seqncias a serem tiradas de uma viso do servio como resultado. As-sim que o resultado atravessa os indivduos e os grupos, no se pode maisfalar seno de outputs indiretos. Nesses casos de outputs mediatos, emque predominam os efeitos de tipo final, a atividade dos prestadores, a co-produo com o usurio, passamos, ento, de uma lgica da produtivida-de a uma lgica da avaliao social (Gadrey, 1986, p. 20). Acreditamos queessas duas lgicas sempre so simultaneamente operantes, mas diferente-mente ponderadas. Isto posto, Gadrey nos parece prudente demais em rela-o s suas prprias teses: ali onde predomina a lgica da avaliao social,que modo de avaliao, que dinmica da performance pr em prtica se nempor isso queremos voltar s velhas noes hedonistas que fazem desapa-recer a noo de produtividade sem nada pr de slido no lugar (ibid., p.101, nota)? No sem fortes razes, Gadrey afirma que a clientelizao, amercantilizao do servio, acompanhadas de sua burocratizao, tambmpoderiam ser apenas indcios de uma fase transitria, a lgica da avaliaosocial levando tendenciosamente a encontrar o usurio por trs do clien-te (Gadrey, 1991, p. 22). Idia bem estimulante; mas se o que poderamoschamar o horizonte de uso, que convoca, de maneira vaga, entidades epessoas beneficirias em nveis muito diferentes do engajamento industrio-so do assalariado, volta com fora nos servios, no ser preciso, mais doque nunca, ligar os problemas de eficcia e de performance s modalidadesdo uso de si? Reconhecer a imanncia de um horizonte de uso nas ativida-des de servio obriga a passar pelas dramticas do uso de si para sondar-lhes o valor econmico.

    Assim, o si, matriz indeterminvel, torna-se diretamente uma matrizde economia. Seria preciso fingir-se de surdo aos mltiplos pequenos deta-lhes da atividade cotidiana, tantos aparentes dons graciosos dos agentes, eque so recebidos pelos beneficirios como promessas ou atualizao de efi-ccia: o sorriso de uma vendedora, as palavras meio tranqilizadoras, meioamveis do fisioterapeuta acompanhando seus gestos profissionais nosdoentes hospitalizados, os mltiplos e imperceptveis comportamentos deeficcia que so igualmente decises de aes microcustosas e que resul-

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    tam, portanto, de debates de si com si: No adianta me dizerem para fatu-rar mais, no est de modo algum na minha tica faturar mais; por exemplo,no vou obrigar um idoso a fazer um Plano Educativo Personalizado(PEP)28, pois isso me partiria o corao. Temos de qualquer modo um certonmero de conselhos a dar, logo a explicar ao cliente; no lhe pomos a facano pescoo ( Casolari, Garde e Roy, 1991).

    Mltiplos pequenos detalhes com certeza, mas com freqncia conec-tados a valores fundamentais, como o de servio pblico (Supiot, 1989), emcircunstncias tais que esses valores do a energia criadora a esses micro-comportamentos de eficcia. E tambm, tais que as condies de exercciomais ou menos difceis, o grau de socializao e de colocao em patrimniodesses microatos, em contrapartida, afetam, para refor-los ou alter-los,esses valores vindos de outra parte. O fato desses debates de si com a efi-ccia se ligarem dialeticamente eficcia do uso de si contribui aqui, certa-mente no a dispensar a economia teremos visto bem aqui a sua perti-nncia mas a desneutralizar os seus conceitos.

    Eficcia, eficincia: conflitos e dialtica

    Provisoriamente, falamos de negociao de eficcia para as operaes(olhando mais a dialtica genrica do programa e da atividade) e de nego-ciao de eficcia para os efeitos (mais orientada para resultados sociais esubmetida a arbitragens de valor). Se admitirmos, como breves definies a eficcia como grau de alcance de um objetivo, e a eficincia como eco-nomia nos insumos ou nos meios a abordagem de eficincia, visando aminimizar os custos humanos de operaes, seria aparentemente mais pr-xima da primeira negociao (para as operaes). E a abordagem de eficcia,devendo exibir os seus objetivos, olharia antes na direo da segunda (paraos efeitos). De fato, a realidade una das prestaes de servio manifesta queela define, em outras palavras, que ela hierarquiza ou combina sem rodeios(em geral) essas duas exigncias distintas. Nenhum ato pode ser inteligvelseja como simples implementao retrabalhada das normas operatrias daempresa, do servio, seja como determinado unicamente pela idia de queos agentes construram para si efeitos sociais a serem satisfeitos. De umacerta maneira, ele sempre exprime o resultado de uma negociao de nego-ciaes.

    Dificuldade primeira, de uma dualidade de conceitos a serem preserva-dos, cujo cotidiano, no entanto, manifesta que eles so imanentes s modu-laes da atividade conforme hierarquizaes, relaes de dinmicas muitocomplexas, variveis e dificilmente decomponveis. Evocaremos, para ter-minar, a topologia possvel dessa complexidade.

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    a) A eficcia e a eficincia podem ser uma e outra ou sem dimenso oudimensionadas. Por analogia com o uso em fsica, uma eficcia sem dimen-so no suscetvel de entrar num sistema de quantificao ou at numa re-lao. Por conseguinte, samos da breve definio proposta acima, e me-lhor falar de valores: assim, o valor sade ou a promoo do servio p-blico ou a satisfao do usurio dos correios. Para serem operatrios numapoltica pblica, tais conceitos sem dimenso devem poder ser detalhados,identificados atravs de indicadores qualitativos e de preferncia quantita-tivos. Assim, uma poltica de sade pblica poder definir seus objetivosquantitativos que correspondam ao que ela consideraria ser uma melhorano estado de sade dos habitantes do pas. evidente que a passagem ao di-mensionamento constitui uma ruptura no regime de uso do conceito e nose beneficia, portanto, de nenhuma evidncia intrnseca. Pode haver social-mente pluralidade de dimensionamentos para um mesmo objetivo sem di-menso. E reciprocamente, a dificuldade de traduzir em critrios dimensio-nados os objetivos sem dimenso pode levar a recoloc-los em questo ou arepens-los.

    A eficincia aparece mais naturalmente sob sua forma dimensionada. Adefinio economia de insumos, relao entre outputs e inputs, sob essaforma, a inclui, contanto que possamos transformar esses dados em preoou em volume. Em economia, pode ser seu funcionamento normal como in-dicador de performance, at que a proliferao de prestaes no padroni-zadas no setor dos servios venha fragilizar suas referncias concretas. En-tretanto, mesmo sem falar das sociedades no mercantis, podemos pensar,como, alis, sugere a universalidade da dialtica programa/atividade, queessa preocupao de eficincia tambm um valor universal, que existe al-go como uma produtividade genrica na qual os humanos se reconhecemobscuramente como semelhantes, ligada ampliao dos possveis de gozoda vida29 (Schwartz, 1988). Teramos, ento, de conceber uma passagemanloga da eficincia genrica eficincia dimensionada, abrindo um cam-po de problemas prticos, tcnicos, organizacionais.

    b) Em segundo lugar, alm das relaes de valores sem dimenso em cri-trios dimensionados constituintes de cada um dos dois coeficientes, a rea-lidade prtica e social tece vnculos entre eles, sob uma ou outra forma. Emteoria, a eficincia est antes subordinada a objetivos ( eficcia), dimensio-nados ou no: o valor promover a sade pblica fazendo consenso, os ob-jetivos dimensionados fixados, o problema abord-los com a mais judicio-sa economia de meios. Mas este um segundo salto que ele, tampouco, temqualquer evidncia, pois pouco provvel que haja uma nica conduta pa-ra economizar nos insumos, para otimizar o alcance dos objetivos.

    Por outro lado, a subordinao aparentemente lgica da eficincia efi-ccia no tem na realidade essa unilateralidade. No seio de relaes econ-

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    micas em que o lucro , em ampla medida, juiz da viabilidade das empresas,em que a produtividade exigida como uma alavanca maior da rentabilida-de dos capitais, em que o dinheiro como equivalente geral parece ser um ob-jetivo em si mesmo, a eficincia, da mesma forma, pode subordinar a si a efi-ccia dimensionada. Sustentado pela busca implcita do lucro, o objetivo deeconomia nos insumos pode valer como comando incondicionado, dandolugar a toda uma srie de coeficientes de eficcia. Por a, ele pode criar umconsenso parcial, muito ambguo, mas inteiramente real com o valor efi-cincia genrica, evocado no item (a) (exemplo: zonas de convergnciasquanto s condies da performance industrial entre pessoas em nveis mui-to diferentes da hierarquia socioprofissional e muito desigualmente interes-sados na redistribuio do lucro).

    Todas as espcies de conflitos, de dialticas, de hierarquias entre essesdois coeficientes, sob suas duas formas, podem, portanto, estruturar as l-gicas de atividade. No se poderia subestimar um ponto crtico de tamanhaconcorrncia ainda que hoje muito diversificado em suas formas, que,alis, pode s vezes atravessar os mesmos indivduos entre a eficcia semdimenso, ordenada em valores de tipo humanista, planetrio, e a eficinciatransformada em objetivo incondicionado do trabalho, atravs do critrioda rentabilidade (exemplo: na linha de montagem da Peugeot-Sochaux, cer-tos operadores tentam fazer chacota da lei de produtividade, expressa emnmero de carros/dia pelos contramestres a cada incio de jornada, chaman-do-a de mordida diria) (Clot et al., 1990).

    c) H concorrncia porque esse jogo complexo no terico, ele reme-te diversidade dos patrimnios de experincia e de vida, s relaes dedesigualdade e de segregao que se estabelecem nas sociedades, s confi-guraes de poder, de hierarquia, aos graus de autonomia. Certo, a eficciasem dimenso tem vocao para remeter a valores sobre os quais se estabe-lece um consenso mais ou menos universal; no h empresa humana oque verdade no sentido prprio dessa palavra, antes de s-lo para seusentido mais preciso hoje sem partilha mnima desse tipo de valores.Mas os deuses esto em luta, dizia Max Weber (1959), os valores, mal sotraduzidos em objetivos, mal so dimensionados, exibem suas zonas decontradies internas. Os valores da empresa, objetos parciais de umacordo vago, revelam, uma vez codificados e numerados, defasagens de in-terpretao, conflitos at ali escondidos. E essas ocorrncias remetem devolta na complexidade s diversificaes tendenciais engendradaspelos processos sociais. Por conseguinte, para os diferentes protagonistasda situao, a negociao que resulta para cada uma das hierarquizaesvariveis entre as formas da eficcia e da eficincia (a e b) deve operar-sesobre fundo determinante de uma exigncia social, levando em conta a ma-neira como as outras partes envolvidas negociam, elas mesmas, as relaes

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    de compatibilidades e incompatibilidades parciais entre o contedo poss-vel dessas noes.

    Assim, esses dois critrios atravessam profundamente todas as lgicasde ao, mas recortam, permanentemente, terrenos de convergncias amb-guas e de divergncias evolutivas. Por exemplo, o objetivo de reduo dasdespesas de sade pode inscrever-se como uma exigncia da eficincia ditaacima incondicionada (transportar os critrios de lucro ao hospital pbli-co, favorecer transferncias sociais do pblico para o privado), mas podetambm parecer resultar da eficincia dita genrica (lutar contra o desper-dcio de recursos, poupar-se dos esforos e encargos inteis, utilizar melhoros meios), da eficcia sem dimenso (cessar de desenvolver meios superdi-mensionados e custosos, liberar recursos sociais para a ajuda aos pases emdesenvolvimento...), da eficcia dimensionada (respeito pelas escolhas ora-mentrias, distribuindo, a cada setor de atividade do pas, uma parte dos re-cursos pblicos no ilimitados).

    No hospital, a eficcia toma sentido parcialmente diferente para a equi-pe de direo, os mdicos, os enfermeiros e atendentes, ainda que a volta sade seja o objetivo final sem dimenso ao qual todos se referem em grausdiversos e que mantm um mnimo inteiramente real de consenso. Entende-se, ento, a dificuldade de gerir o conflito parcial entre as eficcias deriva-das (por exemplo: para a direo, respeito ao planejamento sanitrio; para aequipe de sade, auxlio aos pacientes no cuidado de suas doenas ou defi-cincias) e as eficincias diferentes que uns e outros derivam desses objeti-vos (exemplo: as modalidades do atendimento da deficincia podem custartempo de hospitalizao contrrio ao objetivo de reduo do Tempo Mdiode Permanncia TMP). Por conseguinte, eficcias derivadas podem pare-cer contradizer nos fatos a concretizao do valor sem dimenso que as sus-tenta: embora o objetivo de reduo do TMP, em certos casos, conduza a hi-potecar o cuidado do paciente a ele mesmo a mdio e a longo prazo, isso po-de agravar os custos para a coletividade; uma experincia, s vezes, feitapela equipe de sade, que v voltar doentes mais tratados que cuidados.Inversamente, uma multiplicao descontrolada de exames altamente tcni-cos pode alongar em excesso a passagem pelo hospital; da o questionamen-to, por certos protagonistas, dos objetivos de eficcia dimensionados, a par-tir da experincia que eles tm com a ineficincia parcial dos indicadoresderivados destes, e a promoo por esses protagonistas de condutas de efi-cincia alternativas mais ou menos formuladas, at mesmo outros valoressem dimenso. A atividade , assim, o ponto de cruzamento de um vaivmentre o contedo desses dois coeficientes, num contexto social em que osdiferentes parceiros, que tm a mesma vocao para colocar questes, unsaos outros, relativas s atividades profissionais e valores vindos de fora,no tm nem as mesmas experincias, nem as mesmas possibilidades ou po-

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    deres hierrquicos para coloc-los em prtica. Tenso inevitvel que justifi-ca, em contrapartida, o uso do termo dramtica para evocar essas negocia-es de eficcia.

    A distribuio nos coletivos humanos dos diversos processos e resulta-dos da negociao de eficcia/eficincia no se opera ao acaso; ela tem a vercom as grandes configuraes sociais, os critrios econmicos dominantes,as definies socioprofissionais da atividade. Ao mesmo tempo, nenhummecanismo a rege a priori; ela no separvel das situaes muito concretasem que se colocam as questes de economia gestionria e exige imperativa-mente uma conduta clnica.

    Resumiremos em trs pontos essas negociaes complexas de eficcia-eficincia:

    1. A dramtica do uso de si nos servios tende a ordenar-se funda-mentalmente em torno dessa negociao;

    2. Consideraes de eficcia e consideraes de eficincia, na plurali-dade de suas acepes e de suas hierarquizaes, no podem ficar isoladas eesto dialeticamente confrontadas nessas dramticas;

    3. Ocultar essa dramtica um comportamento de ineficcia e de ine-ficincia em qualquer organizao econmica; tendencialmente, isso ver-dade nos servios mais que em qualquer outro lugar, de tal modo ela estarticulada a com os processos e resultados da atividade.

    Para concluir, apesar do uso dos conceitos de eficcia e de eficinciamerecer mais amplos desenvolvimentos, esperamos ter sugerido que a men-surao do trabalho no setor de servios choca-se com circulaes que atornam rebelde sua inscrio em espaos definidos. Mas, assim fazendo, ouso dos conceitos esclarecedor, ao tornar mais crticas as dramticas pr-prias a toda atividade humana. Inversamente, essa dimenso de comensura-bilidade, isoladamente, no ajuda muito a pensar qualquer forma de inter-veno nas realidades presentes, nem nas modalidades prprias das tensesque as atravessam e jogam com as evolues histricas. Impossvel, ento,contornar um esforo de conceituao sempre em tendncia sobre agnese e a diversificao das situaes salariais, a constituio de esferas re-lativamente autnomas na vida e nas prticas industriosas, nas relaes eco-nmicas no seio dos Estados entre o pblico e o privado, para esclarecer asespecificidades em movimento de nosso presente.

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    Notas

    1 Doutor em letras pela Universit de Lyon II, membro do Instituto Universitrio daFrana, Professor de Filosofia, diretor cientfico do Departamento de Ergologia AnlisePluridisciplinar das Situaes de Trabalho/ Universidade de Provence.

    2 Este artigo consiste em uma traduo, realizada por Jussara Brito e Milton Athay-de, do texto Circulations, dramatiques, efficacits de lativit industrieuse, extrado daobra Le paradigme ergologique ou un mtier de Philosophe (Octars Editions, 2000, pp. 417-432), que rene textos produzidos pelo autor entre 1978 e 1999. Anteriormente, o mesmoartigo foi publicado em La crise do travail, livro organizado por J. Bidet. Paris: PUF, 1995,pp. 133-153.

    3 Estamos utilizando aqui elementos da segunda parte do relatrio de pesquisaLevaluation conomique lpreuve des services: lactivit entre efficacit et efficience, pro-duzido pela equipe de pesquisa Analyse Pluridisciplinaire des Situations de Travail(APST), Universit de Provence, concludo em junho de 1992, em seguida a uma licitaodo Ministrio da Pesquisa e da Tecnologia.

    4 Sobre a distino entre mensuraoe avaliao econmica, ver a esclarecedoraexplicao de Jacques Henri Jacot (1990).

    5 Como, por exemplo, o campo do tratamento hospitalar, dos acolhimentos, ou infor-maes do usurio, da gesto de uma conta-cliente, do conselho, do ensino etc.

    6 Sobre essas questes, tomamos a liberdade de remeter a escritos anteriores (Exp-rience et connaissance du travail. Paris: Messidor, 1988; Travail et philosophie, convocationsmutuelles. Toulouse: Octars ditions, 1994, assim como: Sur le concept du travail, colquioPIRTTEM-CNRS, Lyon, nov.-dc 1992, Ed. de lUniversit de Besanon, 1993 (reeditado emLe paradigme ergologique ou un mtier de Philosophe. Toulouse: Octars Ed.); Le travail chan-ge-t-il vraiment, Rencontres APST, out.1993, Revue de lIRETEP, n. especial, 1993 e RevueUTINAM, dedicada aos Rencontres Sociologiques de Besanon, dez. 1993; Penser le travailet sa valeur, Projet, n. 236 (1993-1994) e La technique in Notions de Philosophie, Paris: Gal-limard, Folio, 1995.

    7 No original Dtre contrapose lobjet, la ralit, a la sensibilit, lactivit,nous, lavons vu, sest approprie leurs connotations. Elle a successivement captur, pouren faire ses pithtes, le sensible (sinnliche Ttigkeit), le rel(wirkliche T.) e lobjectif (ge-genstndliche T.) (Labica, 1987, p. 35) (N. T.).

    8 No original point de non-retour de la charge opre contre la philosophie (ibid.,p. 34) (N. T.).

    9 No original devait cder la place la pratique (ibid., p.36) (avant que celle-ci,dans la thse 11 ne cde son tour la place la revolution (ibid., p. 130) (N.T.).

    10 No original um comportement humain (...), quand et pour autant que lagent oules agent lui communiquent um sens subjectif (Weber, 1971, p.4) (N.T.).

    11 Edition du Progrs, Moscou, 1984. A esse respeito, ver a utilizao que a ele dadana tese de Yves Clot, Le travail entre activit et subjetivit, Aix-en-Provence, 1992.

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    12 Cf. Languages, n. 74, 1984, coordenado pelo saudoso Louis Guespin, Dialogue et in-teraction verbale e, igualmente, o n. 93, 1989, Paroles ouvrires (Cf. nesse ltimo nmero, aabordagem de Daniel Faita do conceito de prticas da linguagem (p. 122).

    13 Cf. Canguilhem, George. Milieux et normes de lhomme au travail, Cahiers Interna-tionaux de Sociologie, III, 1947 e Yves Schwartz, Travail et philosophie, convocations mutuel-les (op. cit.), p. 243 e nota 35.

    14 No original dune faon courante, lactivit de travail est nettement distingue delactivit humaine en general (N. T.).

    15 Se o desemprego tende a esterilizar a vida daqueles que sofrem com ele durante umlongo tempo (por extino desse tipo de circulao), a anemia da circulao (invertida pelono emprego macio) altera o reinvestimento da experincia social nas atividades assalaria-das e empobrece suas condies de eficcia.

    16 O que se sabe da antigidade da diviso sexual das tarefas? Houve um matriarca-do neoltico? Por enquanto, na opinio do antroplogo Jacques Cauvin, h uma consta-tao de ignorncia. Cf. La question du matriarcat prhistorique et le rle de la femmedans la Prhistoire (Cauvin, 1985).

    17 No original Ralise du mme coup son propre but dont il a conscience, qui dter-mine comme loi son mode d action, et auquel il doit subordonner sa volont (Marx, 1950,p.181) (N. T.).

    18 O conceito de despesa forada, introduzido por Jacques Bidet, sempre nos pare-ceu prximo desse tipo de reflexo.

    19 Sobre essa anlise do processo de trabalho em Marx, tomamos a liberdade de reme-ter a nossa Exprience et connaissance du travail (op. cit.), 14.7 e 17.3.

    20 Expresso em desuso na obra do autor, que remete ao conceito de normas anteceden-tes (ao registro I). Assim o trabalho entendido como o lugar de confrontao dialtica, depolarizao como em um m entre programa (ou registro I) e atividade (registro II) (N. T.).

    21 Cf. nota 6 e nossa contribuio na revista Futur Antrieur, n. 16, 1993b.

    22 Sugerimos, a esse respeito, a necessidade de articular um duplo processo dialtico,antropolgico e histrico. [O autor usa a expresso antropolgico no sentido de genrico hu-mano e histrico no sentido de especfico, singular (N. T.)].

    23 Poderamos tambm citar os diversos trabalhos de Christine Revuz e de Guy Jobertsobre o trabalho dos agentes da ANPE, desde 1991.

    24 Para melhor entender o que ser analisado, importante ter em conta que no trans-porte ferrovirio de passageiros na Frana, o controle direto do bilhete do passageiro fei-to posteriormente partida do trem. Ou seja, o passageiro deve registrar seu bilhete emuma mquina de validao na estao, entrar no vago e ocupar um lugar (mas nada impe-de que ele no tenha bilhete e/ou deixe de valid-lo). S aps a partida que o agente con-

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    25 No artigo Os ingredientes da competncia: um exerccio necessrio para uma ques-to insolvel, publicado em Educao e Sociedade, v.19 n.65, o autor, na nota II, definedramatiques, no presente texto traduzido como dramticas, nos seguintes termos situaoem que o indivduo tem de fazer escolhas, ou seja, arbitrar entre valores diferentes, e, svezes, contraditrios. Uma dramatique portanto, o lugar de uma verdadeira micro-hist-ria, essencialmente inaparente, na qual cada um se v na obrigao de se escolher, ao esco-lher orientar sua atividade de tal ou tal modo. Afirmar que a atividade de trabalho no seno uma dramatique do uso de si significa ir de encontro idia de que o trabalho , pa-ra a maioria dos trabalhadores, uma atividade simples de execuo, que no envolve real-mente sua pessoa (N. Ed.).

    26 Falando dos valores sociais cuja presena latente mas indiscutvel na conscin-cia operria condiciona, em ltima instncia, todas as atitudes de adeso e de freamentodos trabalhadores, Canguilhem (op. cit., 1947, p.124) havia notado, no interior do taylo-rismo, a importncia econmica do que chamamos dramtica do uso de si.

    27 Como costuma lembrar Claude Quin em suas obras e intervenes. Ver seu relatrioLamlioration des relations entre ladministration de lEquipement et ses usagers, Relatriode pesquisa do Conseil Gnral des Ponts et Chausses, novembro de 1993.

    28 O PEP destina-se a adolescentes em dificuldades nos estudos (N. T.).

    29 Remetemos aqui nossa Exprience et connaissance du travail, (op. cit.), cap. 16.

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