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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO III – Nº 17 – FEV-MAR 2014 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes Sandro Mauricio de Abreu Trindade COMITÊ TÉCNICO Alexandre Ramalho Miranda Caroline Nogueira Accioly COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alexandre Ramalho Miranda, Artur Flamínio da Silva, Cassio M. C. Penteado Jr., Fábio Menezes de Sá Filho, Gustavo Lopes Pires de Souza, João Paulo Romero Baldin, Leonardo José Roesler, Otávio Luis Lourenço e Silva, Paula Gambini Vazquez, Pedro Henrique Torquato Viana Antunes, Rafael Teixeira Ramos ISSN 2236-9414

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Page 1: ISSN 2236-9414 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 17_miolo.pdf · Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks ... e Jorge Luiz Souto Maior levantando a polêmica do “‘Rolezinho’

Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano III – nº 17 – Fev-MAr 2014

DIretor executIvoElton José Donato

Gerente eDItorIAl e De consultorIAEliane Beltramini

coorDenADor eDItorIAlCristiano Basaglia

eDItorAValdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conselho eDItorIAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos PaesSandro Mauricio de Abreu Trindade

coMItê técnIcoAlexandre Ramalho Miranda

Caroline Nogueira Accioly

colAborADores DestA eDIçãoAlexandre Ramalho Miranda, Artur Flamínio da Silva, Cassio M. C. Penteado Jr.,

Fábio Menezes de Sá Filho, Gustavo Lopes Pires de Souza, João Paulo Romero Baldin, Leonardo José Roesler, Otávio Luis Lourenço e Silva, Paula Gambini Vazquez,

Pedro Henrique Torquato Viana Antunes, Rafael Teixeira Ramos

ISSN 2236-9414

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 3, n. 17 (fev./mar. 2014)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Sabe-se que o instituto da arbitragem é um meio de solução de conflitos de direitos patrimoniais sem a intervenção do Poder Judiciário, com a eficácia da sentença judicial.

Entretanto, para sua eficácia, as partes precisam ter capacidade, surgin-do, assim, controvérsia para sua aplicação.

Assim, nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo escolhemos como tema do assunto especial “A Arbitragem no Direito Desportivo”, com a publicação de quatro excelentes artigos de autoria dos Mestres Alexandre Ramalho Miranda, Paula Gambini Vazquez, Otávio Luis Lourenço e Silva, Fábio Menezes de Sá Filho, Artur Flamínio da Silva e Cassio M. C. Penteado Jr.

Já na Parte Geral foram publicados importantes artigos dos insignes dou-trinadores Gustavo Lopes Pires de Souza analisando “A Legalidade da Inscri-ção do Meia Fernandinho no Mundial de Clubes”; João Paulo Romero Baldin fazendo considerações acerca da “Possibilidade de Transação Disciplinar em Casos de Concurso Formal de Infrações Não Constantes no Rol Predeterminado pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)”; Pedro Henrique Torquato Viana Antunes lecionando sobre “A Adequada Interpretação do Comando Nor-mativo Incurso no Artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, no Que Toca às Entidades de Prática Desportiva Brasileiras”; e Jorge Luiz Souto Maior levantando a polêmica do “‘Rolezinho’ da Fifa no País de Pedrinhas em Estado de Exceção Permanente”.

Importante destacarmos, também, a publicação de duas Seções Especiais intituladas “De Frente para o Gol”, com a publicação do texto do Dr. Leonardo José Roesler, e “Em Poucas Palavras”, com a lição do Professor Rafael Teixeira Ramos.

Por fim, levamos a você, leitor, um Ementário de Jurisprudência com a inserção de conteúdo jurídico, Acórdãos na Íntegra, Bibliografia Complementar e Clipping Jurídico.

Desejamos a você uma excelente leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

A ArbitrAgem no Direito Desportivo

DoutrinAs

1. A Arbitragem DesportivaAlexandre Ramalho Miranda, Paula Gambini Vazquez e Otávio Luis Lourenço e Silva .....................................................................9

2. A Arbitragem Laboral Desportiva e o Artigo 90-C da Lei dos DesportosFábio Menezes de Sá Filho ......................................................................20

3. Breves Notas sobre o Tribunal Arbitral do Desporto Previsto no Decreto nº 170/XII e as Suas InconstitucionalidadesArtur Flamínio da Silva ............................................................................44

4. Questões sobre a Arbitragem no EsporteCassio M. C. Penteado Jr. .......................................................................48

Parte Geral

DoutrinAs

1. A Legalidade da Inscrição do Meia Fernandinho no Mundial de ClubesGustavo Lopes Pires de Souza .................................................................53

2. A Possibilidade de Transação Disciplinar em Casos de Concurso Formal de Infrações Não Constantes no Rol Predeterminado pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)João Paulo Romero Baldin ......................................................................57

3. Da Adequada Interpretação do Comando Normativo Incurso no Artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, no Que Toca às Entidades de Prática Desportiva BrasileirasPedro Henrique Torquato Viana Antunes ................................................68

4. O “Rolezinho” da Fifa no País de Pedrinhas em Estado de Exceção PermanenteJorge Luiz Souto Maior ............................................................................93

JurispruDênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça Desportiva .................................................114

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2. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................1253. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................1534. Tribunal Superior do Trabalho ..............................................................1585. Tribunal Superior do Trabalho ..............................................................1626. Tribunal Superior do Trabalho .............................................................1777. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região .........................................1948. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região .........................................202

ementário

1. Administrativo e Constitucional ............................................................2062. Civil ......................................................................................................2093. Penal .....................................................................................................2144. Trabalhista ............................................................................................2195. Tributário ..............................................................................................227

Seção EspecialDe Frente pArA o gol

1. CAP X PM/SC X MP/SC – Quem Assume Esta?Leonardo José Roesler ...........................................................................229

em poucAs pAlAvrAs

1. Cláusula Compensatória Desportiva e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no Trabalho DesportivoRafael Teixeira Ramos ...........................................................................232

Clipping Jurídico ..............................................................................................237

Bibliografia Complementar ..................................................................................239

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................242

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços ele-trônicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/ca-dastrodeautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

A Arbitragem no Direito Desportivo

A Arbitragem Desportiva

ALEXANDRE RAMALHO MIRANDAAdvogado da Área de Direito Desportivo do Escritório Aidar SBZ Advogados, Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Direito Despor-tivo pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP (Triênios 2010/2013 e 2013/2016), Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista Brasileira de Direito Desportivo do IBDD, Auditor do Tribunal Disciplinar Paralímpico do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), Presidente da 2ª Comissão Disciplinar do STJD – Hande-bol, Auditor do Pleno do STJD – CBDV (Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais), Auditor Tribunal de Justiça Desportiva Municipal no Âmbito da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação de São Paulo, Auditor da Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo).

PAULA GAMBINI VAZQUEZEstudante de Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Estagiária de Direito Desportivo do Escritório de Advocacia Aidar SBZ, Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista Brasileira de Direito Desportivo do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

OTÁVIO LUIS LOURENÇO E SILVAEstudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Estagiário do Escritório de Ad-vocacia Aidar SBZ.

Antes de iniciarmos a discorrer sobre a arbitragem no âmbito do despor-to, faz-se necessária uma breve introdução sobre o conceito e os institutos mais importantes da arbitragem.

O conceito de arbitragem, de acordo com Carlos Alberto Carmona1, é:

Meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.

1 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo – Um comentário à Lei nº 9.307/1996. São Paulo: Atlas, 2009. p. 31.

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Na arbitragem, terceiro alheio ao litígio, o qual é escolhido entre as par-tes, impõe sua decisão, que deverá ser cumprida pelos litigantes. Dessa forma, como assevera o Jurista Francesco Carnelutti2, a arbitragem pode ser considera-da equivalente jurisdicional, pois a jurisdição somente poderá ser exercida pelo Estado, sendo o juízo arbitral semelhante àquele.

Imprescindível observar que a capacidade dos contratantes é condição sine qua non para a utilização da arbitragem, pois sem a capacidade das partes não poderá ser firmada a convenção de arbitragem.

Não tão menos importante é o fato de que o objeto do litígio submetido à arbitragem deverá obrigatoriamente envolver direito patrimonial disponível. Di-reito disponível é aquele que pode ser exercido livremente (ou não), ou seja, os bens que podem ser livremente alienados ou negociados sem nenhuma norma incidindo sobre tanto, sendo o alienante plenamente capacitado juridicamente para tanto.

A finalidade pretendida entre a justiça estatal e arbitral é a mesma, en-tretanto, vale lembrar que a função se exerce de outro modo. Embora ambas decorram de um litígio, a diferença reside no método e na forma de tratar o problema apresentado. Isso porque a arbitragem tem a sua origem no consenso das partes, a convenção arbitral.

Embora tenha natureza contratual, a arbitragem tem natureza jurisdicio-nal. Levando em consideração que a vontade das partes autoriza a arbitragem, os árbitros, a lei aplicável e outros procedimentos, a doutrina reconhece o ár-bitro como aquele que deve respeitar os princípios constitucionais da Justiça, como a imparcialidade, contraditório e ampla defesa.

Há de se destacar que a arbitragem é utilizada como método de solução de conflitos desde a antiguidade, por volta de 3.000 (três mil) anos antes de Cristo, tendo sido marcante em Esparta e Atenas por volta do ano 445 antes de Cristo3.

Com efeito, interessante vislumbrar a arbitragem justamente nas duas principais Cidades-Estado da Grécia antiga, berço das civilizações e onde mais se desenvolveu a prática desportiva, não somente em razão dos Jogos Olímpi-cos, mas também pelo fato da própria cultura grega voltada à valorização da honra, glória e cultivo ao corpo, sendo certo que o esporte, tal como a guerra e outros meios heroicos para a busca de tais fins, figurava como importante ferra-menta para tamanhas aspirações.

A arbitragem naquela época, ainda que com características totalmente diversas, fazia-se presente nas demandas esportivas como forma de impugna-

2 Arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 29-37; Arbitragem e jurisdição. Revista de Processo, 58:33-40.

3 CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 38-39.

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ção de partidas ou de competições, sendo que na Grécia havia a decisão dos chamados “juízes”, da qual caberia recurso ao Senado, que poderia anular ou não a decisão arbitral.

Porém, a arbitragem toma proporções maiores em Roma, quando apli-cada e desenvolvida sob os fundamentos do processo romano, sempre sob a supervisão de um Magistrado que dirimia a controvérsia, sendo certo que tal Magistrado era livremente escolhido pelas partes.

Na esfera desportiva, ao considerar o desporto e sua projeção internacio-nal com a pluralidade de países representados por suas federações ou confede-rações nacionais, estas filiadas às entidades internacionais de administração do desporto, como é o caso da Fifa – Fédération Internationale Football Association – entidade máxima do futebol que conta com 209 países a ela filiados, a arbi-tragem surge como importante meio de resolução de conflitos eminentemente desportivos.

Há que se esclarecer o caráter eminentemente desportivo de tais confli-tos, à luz do art. 217 da Constituição Federal, de forma que a competência da Justiça Desportiva para dirimir questões relativas à disciplina e às competições desportivas, aplicadas junto a todas as entidades do Sistema Nacional de Des-porto, atuando de forma autônoma, administrativa e totalmente desvinculada do Poder Judiciário.

Feito esse necessário esclarecimento, salutar ponderarmos a arbitragem como meio adequado para resolução de conflitos desportivos, dada a impossi-bilidade de aplicação da legislação de determinado país a ensejar o conflito de ordenamentos jurídicos.

Apenas a título exemplificativo, destaca-se o caso do jogador Diego Maradona, atleta argentino e que, atuando por um clube italiano (Napoli), fora sancionado com a pena de suspensão de 15 meses, sendo a referida punição imposta por uma entidade sediada na Suíça (Fifa).

Isso porque, em 1991, em partida válida pelo Campeonato Italiano, foi verificada a presença de cocaína no organismo do atleta. Sem prejuízo, em 1994, o atleta novamente foi suspenso pela presença de sustância proibida em seu organismo, mas desta vez durante a Copa do Mundo dos Estados Unidos. Em partida disputada entre Argentina e Nigéria, o exame antidoping apontou resultado analítico adverso para a substância efedrina, terminantemente proi-bida para todos os fins. Tais fatos ensejaram a pena de suspensão imposta pela Fifa pelo prazo de 15 meses, ficando o atleta impedido de atuar neste período.

Nesse caso, qual ordenamento jurídico deveria ser aplicado, o argentino, o italiano, ao considerar a primeira infração anteriormente inferida, ou a ques-tão deveria ser apreciada à luz do ordenamento suíço?

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É justamente nesse contexto que merece ser analisada a aplicabilidade da arbitragem no desporto, tal como a competência e atribuições dos órgãos da própria Fifa, o Players’ Status Committee e o Dispute Resolution Chamber, ambos responsáveis pela resolução de conflitos desportivos, sendo certo que suas decisões finais podem ser impugnadas mediante recurso endereçado ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS – Tribunal Arbitral du Sport).

Não obstante, caso a demanda jusdesportiva seja dirimida por meio de arbitragem, questiona-se a necessidade ou não de cláusula compromissória, bem como é questionada a eficácia da aplicação de tal cláusula.

Isso porque a cláusula compromissória é regulamentada pela legislação brasileira por meio da recepção do Protocolo de Genebra, que não apresentou efetividade em fazer valer o compromisso de resolução arbitral, pois seu des-cumprimento gerava apenas indenização por perdas e danos.

Entretanto, a Lei de Arbitragem vigente, no intuito de permitir a aplicabi-lidade de tal cláusula, determinou que esta deve ser convencionada por mani-festação de vontade escrita4.

Com o advento da Lei de Arbitragem, podemos verificar o instituto do compromisso arbitral, sendo aplicado de duas formas: (i) extrajudicialmente – pela forma escrita, sob pena de nulidade, podendo ser firmado por escritu-ra pública ou instrumento particular com a presença de duas testemunhas5, e (ii) judicialmente – lavratura de termo nos autos do processo, extinguindo o processo ou retirando da cognição do juiz a matéria que será apreciada pelo árbitro, sendo este válido enquanto não transitar em julgado a sentença.

De acordo com Carlos Alberto Carmona:

Pode-se hoje dizer, com tranquilidade, que a cláusula arbitral é um negócio ju-rídico processual, eis que a vontade manifestada pelas partes produz desde logo efeitos (negativos) em relação ao processo (estatal) e positivos, em relação ao processo arbitral (já que, com a cláusula, atribui-se jurisdição aos árbitros). Com efeito, após o advento da lei, cláusula e compromisso podem, indistintamente, instituir a arbitragem, deixando a primeira de ser mera promessa de celebrar o segundo, de modo que uma e outro são acordos mediante os quais renuncia-se

4 “Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996)”

5 “Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda.

§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público. (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996)”

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à solução estatal de conflito, em prol a atuação do juiz escolhido pelos litigantes [...].6

O instituto da arbitragem é propulsionado pela criação de instituições permanentes de arbitragem, ou seja, por meio da edição de regras de procedi-mento, estabelecimento de tribunais arbitrais e também por meio da pesquisa acerca da matéria.

Os centros promotores da arbitragem podem assumir as mais diversas características e funções, tanto na formação de árbitros como na divulgação de meios alternativos para controvérsias. Tais órgãos poderão assumir diferentes funções, como àquelas de natureza essencialmente arbitral; àquelas de natureza mista – organizam, promovem e regulamentam o comércio, podendo também ser responsáveis por tribunal arbitral; as de natureza essencialmente coorpora-tiva, dirimindo conflitos específicos de determinada área de atuação; àquelas instituições de competência geral, as quais resolvem litígios de praticamente todas as classes comerciais; àquelas destinadas apenas à pesquisa científica e as instituições de âmbito internacional.

Como é o caso das instituições que utilizam tal meio alternativo de re-solução de litígios, como a Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá e o Centro de Arbitragem Amcham (American Chamber of Com-merce for Brazil).

ARBITRAGEM DESPORTIVA

Relação da aRbitRagem com a Justiça despoRtiva

Consagrada pela Constituição Federal de 1988, a Justiça Desportiva pode ser definida como o “conjunto de instâncias desportivas autônomas e indepen-dentes, consideradas órgãos judicantes que funcionam junto a entidades dota-das de personalidade jurídica de direito público ou privado, com atribuições de dirimir os conflitos de natureza desportiva e de competência limitada ao processo e julgamento de infrações disciplinares e procedimentos especiais de-finidos em códigos esportivos”7. Isto é, a Justiça Desportiva nada mais é do que uma justiça especializada, que tem como competência a resolução de conflitos desportivos que envolvam questões relativas à disciplina e à competição.

A partir disto, levanta-se a discussão acerca da natureza jurídica da Jus-tiça Desportiva Brasileira, bem como se a Justiça Desportiva é observada no

6 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo – Um comentário à Lei nº 9.307/1996, p. 102.7 SCHMITT, Paulo Marcos. Curso de justiça desportiva. São Paulo: Quarter Latin, 2007. p. 59.

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direito público ou privado, tratando-se de uma justiça especializada e adminis-trativa ou não.

Como exponencial defensor do caráter eminentemente judicante da Jus-tiça Desportiva, Paulo Marcos Schmitt ensina que:

Apesar da referência doutrinária, por vezes, mencionar que a Justiça Desportiva constituiria uma instância administrativa, é certo que o faz exclusivamente para diferenciá-la da instância jurisdicional. Em verdade, a justiça desportiva exerce sua atividade em âmbito estritamente privado, sem qualquer influência de direito administrativo.8

A esse respeito, Álvaro Melo Filho leciona que: “No Brasil, por sugestão e proposta nossa, a Justiça Desportiva foi constitucionalizada e insculpia, com caráter administrativo”9.

Flagrante o caráter estritamente privado da Justiça Desportiva, bem como sua constitucionalização a partir de 1988, ano em que fora insculpida em nosso ordenamento jurídico e, inclusive, como pré-requisito para o acesso ao Poder Judiciário, de tal sorte que todas as demandas desportivas merecem ser exau-ridas previamente na Justiça Desportiva, esgotadas todas as suas instâncias, e somente após tais decisões proferidas pelos Tribunais de Justiça Desportiva da respectiva modalidade é que o litigante poderá socorrer-se à Justiça comum, por força do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.

Nesse diapasão, cumpre ora mencionar que a Justiça Desportiva não está prevista entre os órgãos do Poder Judiciário, tal como dispõe o art. 92 da Cons-tituição Federal de 198810.

Para Cintra, Grinover e Dinamarco, jurisdição é “uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”11. E ainda cumpre consignar que Montesquieu12, por meio da conceitua-

8 Idem, p. 63.9 MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo no limiar do século XXI. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000. p. 169.10 “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I – o Supremo Tribunal Federal;

I – A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II – o Superior Tribunal de Justiça;

III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI – os Tribunais e Juízes Militares;

VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”11 CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do

processo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 131.12 O espírito das leis, 1748.

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ção clássica de tripartição do Poder, indica que a função jurisdicional é exerci-da no Estado Moderno pelo Poder Judiciário.

Em seguida, vê-se que competência, segundo a lição de Vicente Greco Filho “é o poder que tem um órgão jurisdicional de fazer atuar a jurisdição diante de um caso concreto. Decorre esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de especialização da jus-tiça, distribuição territorial e divisão de serviço”13.

Assim, temos que a competência da Justiça Desportiva delimita-se, como anteriormente dito, às questões relativas à disciplina e competições desportivas, aplicadas junto a todas as entidades do Sistema Nacional de Desporto, tendo, então, caráter administrativo, de forma desvinculada ao Poder Judiciário, o que se depreende da própria Constituição Federal em seu art. 217, § 1º, da Consti-tuição Federal14.

Notadamente, verifica-se que os órgãos da Justiça Desportiva estão vin-culados às entidades de administração desportiva, com força suficiente para que atuem fora do ambiente judiciário. Assim sendo, é função de tais órgãos processar e julgar as demandas provenientes do esporte, tal como reza a Cons-tituição Federal, a Lei nº 9.615/1998, popularmente conhecida como “Lei Pelé” e também o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003).

Sem prejuízo das citadas normas constitucionais e infraconstitucionais, os integrantes dos tribunais de Justiça Desportiva devem igualmente observar a Resolução do CNE – Conselho Nacional do Esporte – nº 29, de 10.12.2009, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Não menos importantes são as regras de cada modalidade esportiva e os próprios regulamentos das competições, lembrando que há um tribunal para cada modalidade.

A Justiça Desportiva deve ser entendida, pois, como um ente privado, e “meio alternativo de solução de controvérsias, eis que estruturada de modo a se pronunciar de forma muito mais eficaz e célere do que costumeiramente ocorre em processos contenciosos, instaurados perante os diversos seguimentos judiciais”15, de tal modo que se caracteriza por ser um pressuposto processual ao Poder Judiciário, a fim de que não infrinja o princípio constitucional de ina-fastabilidade do acesso à Justiça.

13 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 2003. p. 170.14 “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um,

observados:

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.”

15 SILVA JÚNIOR, Fernando. Da competência, jurisdição e alcance da justiça desportiva – Processo e justiça desportiva. Revista Brasileira de Direito Desportivo, a. 11, v. 22, p. 313, jul./dez. 2012.

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Aqui, fica consignado que a Justiça Desportiva cumpre com o objetivo constitucional de meio extrajudicial especializado e célere de resoluções de conflitos esportivos, de forma a preservar a especificidade do tema esportivo, bem como de garantir o respeito ao princípio pro competitione.

Desta feita, corrobora-se com o entendimento do Professor Álvaro Melo Filho no sentido de que a Justiça Desportiva nada mais é do que um pressuposto processual ao Poder Judiciário.

Todavia, não devemos deixar de mencionar que o Direito Desportivo não se limita às questões de Justiça Desportiva, de maneira que dá o panorama fático a inúmeras outras situações jurídicas, envolvendo, à guisa de exemplos, contratos, direito à imagem, direito do trabalho, direito societário, entre outros.

Como já adiantado, a Justiça Desportiva produz efeitos no âmbito inter-nacional, levando em consideração que a Fifa – Fédération Internationale de Football Association possui dois órgãos para a resolução de litígios.

O primeiro deles é o Players’ Status Committee, o qual, de acordo com os arts. 22 e 23 do Regulations on the Status and Transfer of Players da Fifa16, tem competência para apreciar questões trabalhistas entre clubes/associações e treinador que tenha passagens internacionais (a menos que haja um tribunal arbitral de âmbito nacional para dirimir tal conflito) e também disputas entre clubes de diferentes associações que não estejam abarcadas pelos incisos “a”, “d” e “e” do referido artigo.

O Dispute Resolution Chamber, segundo órgão responsável pela reso-lução de conflitos no âmbito da Fifa, tem competência de apreciar os casos previstos nos incisos “a”, “b”, “d” e “e” do art. 22 do dispositivo anteriormente referido, além dos limites impostos ao órgão, quais sejam: apreciar as disputas

16 “Article 22: Competence of Fifa

Without prejudice to the right of any player or club to seek redress before a civil court for employment-related disputes, Fifa is competent to hear:

a) disputes between clubs and players in relation to the maintenance of contractual stability (articles 13-18) where there has been an ITC request and a claim from an interested party in relation to said ITC request, in particular regarding the issue of the ITC, sporting sanctions or compensation for breach of contract;

b) employment-related disputes between a club and a player of an international dimension, unless an independent arbitration tribunal guaranteeing fair proceedings and respecting the principle of equal representation of players and clubs has been established

at national level within the framework of the association and/or a collective bargaining agreement;

c) employment-related disputes between a club or an association and a coach of an international dimension, unless an independent arbitration tribunal guaranteeing fair proceedings exists at national level;

d) disputes relating to training compensation (article 20) and the solidarity mechanism (article 21) between clubs belonging to different associations;

e) disputes relating to the solidarity mechanism (article 21) between clubs belonging to the same association provided that the transfer of a player at the basis of the dispute occurs between clubs belonging to different associations;

[…]”

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com valor de causa até CHF 100.000,00 (cem mil francos suíços) e obrigato-riamente julgar todos os casos referentes à indenização por formação (training compensation) e mecanismo de solidariedade (solidarity contribution).

ARBITRAGEM DESPORTIVA

O art. 90-C17 da Lei Pelé, incluído pela Lei nº 12.395, de 2011, traz ao Sistema Nacional do Desporto o instituto da arbitragem. Entretanto, faz-se claro ao vedar tal meio de resolução de litígios para dirimir os conflitos referentes à disciplina e à competição desportiva.

Assim como determinado pela Lei de Arbitragem, somente poderão ser matéria de apreciação por meio da via arbitral os litígios referentes aos direitos patrimoniais disponíveis. Considerando que a inclusão do referido artigo na Lei Pelé (2011) se deu após a edição da Lei de Arbitragem (1996), não havia como ser diferente, pois, caso consagrasse a arbitragem como meio de resolução de conflitos disciplinares e da competição, estaríamos diante de um conflito de normas infraconstitucionais.

Considerando o quanto exposto, é possível concluir que, atualmente, no Brasil, não haveria necessidade de um juízo arbitral para dirimir os conflitos disciplinares, pois a Justiça Desportiva já faz as suas vezes. Desta forma, o dis-positivo da Lei Pelé anteriormente exposto apenas consagra o instituto da arbi-tragem, implementado pela Lei de Arbitragem no Sistema Nacional do Despor-to, permitindo que seja meio de resolução de conflitos entre os entes que deste fazem parte, excluídas as questões de disciplina e competições desportivas.

Assim, conforme lecionam Paulo Schmitt e Alexandre Quadros:

A arbitragem e a Justiça Desportiva são meios alternativos de solução de conflitos de interesse. De um lado, a arbitragem é opcional para as partes, que poderão (i) abdicar do Judiciário e definir a solução de seus conflitos por árbitros privados ou (ii) submeter-se à atividade jurisdicional do Estado. De outro, a Justiça Des-portiva é, em regra, pressuposto a ser esgotado antes que a parte mova o Poder Judiciário, composta de forma paritária pelos entes participantes da atividade desportiva.18

No cenário internacional, por outro lado, os conflitos referentes à dis-ciplina e competição são apreciados pela via arbitral. O Tribunal Arbitral do

17 “Art. 90-C. As partes interessadas poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, vedada a apreciação de matéria referente à disciplina e à competição desportiva.

Parágrafo único. A arbitragem deverá estar prevista em acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho e só poderá ser instituída após a concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral.”

18 SCHMITT, Paulo Marcos; QUADROS, Alexandre Hellender de. Justiça desportiva vs. Poder Judiciário: um conflito aparente. Revista Brasileira de Direito Desportivo, n. 4, p. 168-193, 2º sem. 2003.

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18 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 17 – Fev-Mar/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Esporte (Tribunal Arbitral du Sport – TAS), criado em 1984 pelo Comitê Olím-pico Internacional, hoje sediado em Lausanne, na Suíça, cumpre esse papel. O Tribunal é supervisionado, administrativa e financeiramente, pelo ICAS – Inter-national Council of Arbitration for Sport.

As decisões do TAS, como de qualquer outro juízo arbitral, são de cum-primento obrigatório e o seu procedimento deverá atender aos princípios da especificidade, celeridade e uniformização. Atualmente, são arbitrados aproxi-madamente 400 (quatrocentos) casos ao ano.

Cumpre ressaltar, a título de diferenciação entre o TAS e a Justiça Des-portiva Brasileira, que toda e qualquer disputa de cunho esportivo poderá ser submetida à apreciação do TAS. As duas classes de disputa mais comuns são as disciplinares e as de natureza comercial.

O Tribunal é uma instituição independente de qualquer entidade de ad-ministração do desporto e tem como principal função a arbitragem (e também mediação) em casos relacionados ao esporte, sendo certo que todo o procedi-mento é específico para o esporte.

Os árbitros que compõem o TAS possuem etnias diversas, advindos de 87 (oitenta e sete) países diferentes e, são escolhidos para a solução de tais conflitos, sendo certo que o órgão conta com mais de trezentos especialistas em arbitragem e legislação desportiva para exercer esta função.

Qualquer entidade ou pessoa física, dotada de capacidade jurídica, po-derá recorrer aos TAS, sejam eles clubes, atletas, federações, organizadores de eventos e até patrocinadores e redes de televisão.

Além dos procedimentos ordinários, o TAS também tem função de tribu-nal de apelação, desta forma, para que se formalize um procedimento perante tal órgão, deverá submeter solicitação de acordo com o procedimento que de-seja dar início. Em caso de apelação, o TAS somente conhecerá o recurso caso todas as instâncias internas para solução do conflito tenham sido esgotadas.

A decisão do TAS é final e deverá ser cumprida pelas partes desde o momento de sua prolação. O recurso de tal decisão é possível, perante o Tribu-nal Federal Suíço, mas apenas sob algumas poucas fundamentações, tal qual a violação de política pública e descumprimento de procedimento regular, como também a afronta ao contraditório e à ampla defesa.

Como exemplo, destaca-se a decisão do Tribunal Arbitral do Esporte, que teve como protagonista o nadador brasileiro Cesar Cielo, o qual apresentou re-sultado analítico adverso em um teste anti-doping durante o Troféu Maria Lenk, no Rio de Janeiro, no ano de 2011. O painel anti-doping da Confederação Bra-sileira de Desportos Aquáticos (CBDA), órgão responsável por apreciar os casos de doping dos atletas de referidas modalidades, apenas aplicou advertência ao

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atleta e anulou seus resultados no campeonato. Dessa forma, não aplicou a pena de inexigibilidade ao atleta.

Na fundamentação do voto, os auditores do painel da CBDA afirmaram que o atleta conseguiu comprovar que a substância proibida encontrada em seu organismo – o diurético furosemida, que pode mascarar o uso de outras sustân-cias dopantes – pode ter advindo de medicamento manipulado contaminado. Ademais, foi considerado que tal substância não influenciou o desempenho do atleta.

Ato contínuo, o TAS recebeu recurso interposto pela FINA – Federation Internationale de Natation (Federação Internacional de Natação), que remeteu o caso para que fosse reapreciado pela instância máxima do esporte, o TAS.

Ao analisar o caso, o Tribunal decidiu manter a advertência imposta pela CBDA, sendo certo que o seu embasamento jurídico da decisão se deu com base no art. 10.4 do Código Mundial Anti-Dopagem da WADA (World Anti-Doping Agency)19, o qual determina que a penalidade poderá ser reduzida caso o atleta consiga identificar de onde pode ter surgido a substância presente em seu organismo. Ademais, caso o atleta consiga evidência corroborando tal informação, também estará configurada situação atenuante – no caso, a farmá-cia de medicamentos manipulados enviou documento que foi juntado aos autos do procedimento informando que a contaminação poderia ter ocorrido ali, mas não assumiu a responsabilidade pelo doping.

Levando todo o exposto em consideração, temos que a Arbitragem Des-portiva é meio eficaz, célere e imparcial para a resolução de conflitos desporti-vos, ressalva feita às questões disciplinares e de competição que não podem ser apreciadas pelo juízo arbitral no Brasil, tais matérias serão tratadas obrigatoria-mente pela Justiça Desportiva, capaz de dirimir tais conflitos.

A alteração da Lei Pelé nos trouxe a possibilidade da resolução de confli-tos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis no âmbito desportivo, os quais serão norteados pelos tão almejados princípios da celeridade e eficácia, desafo-gando o Poder Judiciário, com questões ligadas, por exemplo, de natureza civil e aplicabilidade no mundo da bola.

19 “10.4 Elimination or Reduction of the Period of Ineligibility for Specified Substances under Specific Circumstances: Where an Athlete or other Person can establish how a Specified Substance entered his or her body or came into his or her Possession and that such Specified Substance was not intended to enhance the Athlete’s sport performance or mask the Use of a performance-enhancing substance, the period of Ineligibility found in Article 10.2 shall be replaced with the following:

First violation: At a minimum, a reprimand and no period of Ineligibility from future Events, and at a maximum, two (2) years of Ineligibility. To justify any elimination or reduction, the Athlete or other Person must produce corroborating evidence in addition to his or her word which establishes to the comfortable satisfaction of the hearing panel the absence of an intent to enhance sport performance or mask the Use of a performance-enhancing substance. The Athlete’s or other Person’s degree of fault shall be the criterion considered in assessing any reduction of the period of Ineligibility.”

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Assunto Especial – Doutrina

A Arbitragem no Direito Desportivo

A Arbitragem Laboral Desportiva e o Artigo 90-C da Lei dos Desportos

FÁBIO MENEZES DE SÁ FILHOMestre e Graduado em Direito pela Unicap, Especialista em Direito Judiciário e Magistratura do Trabalho pela Esmatra VI, Professor do Curso de Graduação em Direito da Fadic, Professor do Curso de Graduação em Direito da FMR, Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Previdenciário do IMN, Professor do Curso de Pós--Graduação em Direito Processual do Trabalho e Previdenciário da ESA/PE, Professor do Curso de Direito Desportivo da ESA/PE, Membro da Associación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE, Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas do advogado da OAB/PE, Coordenador do Núcleo de Direito Desportivo da ESA/PE, Presidente do Conselho Fiscal e Associado Fundador do IPDD, Presidente do Conselho de Ética do INAMA/PE, Administrador e Associado Fundador da Academia Jurídica Virtual, Advogado.

ÁREA DO DIREITO: Desportivo; Trabalho; Processual Arbitral.

RESUMO: O direito processual arbitral brasileiro passou por mutações ao longo da história. As modi-ficações mais relevantes ocorreram no período de início da vigência da Lei nº 9.307, de 1996, o que permite afirmar que houve a adaptação do que já era aplicado no Direito comparado sobre a matéria para o ordenamento jurídico brasileiro. É sobre as questões mais polêmicas advindas após a entrada em vigor da referida lei e da Lei nº 12.395, de 2011, que incluiu o art. 90-C na Lei dos Desportos, que o estudo se baseia, inclusive no que é pertinente à análise da admissibilidade da resolução de conflitos laborais desportivos, de natureza individual, pela arbitragem no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem; resolução; conflito individual; trabalho; desportivo.

ABSTRACT: The Brazilian Arbitration Procedure Law passed by mutations throughout history. The most significant changes occurred during the early enactment of the Federal Law number 9.307, from 1996, which allows scholars say that there was an adaptation of what was already being applied in comparative law on the matter to the Brazilian legal system. It’s about the most controversial issues arising after the entry into force of that law and, in the same way, about the Federal Law number 12.395, from 2011, that have included the article 90-C inside of the Sporting Law, that the study is based, including what is relevant to the analysis of the resolution’s admissibility of sporting labor disputes, with individual nature, by arbitration in Brazil.

KEYWORDS: Arbitration; resolution; individual conflict; labor; sporting.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Heterocomposição e arbitragem: convenções arbitrais; 1.1 Heterocom-posição; 1.2 Espécies de convenção arbitral; 2 Análise da possibilidade de resolução de conflitos

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individuais trabalhistas no desporto pela via arbitral brasileira; 2.1 Conflitos individuais trabalhistas e o princípio da proteção; 2.2 O artigo 90-C da Lei dos Desportos e suas consequências para o direito laboral desportivo; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

A presente obra visa a revisitar e a sintetizar o estudo que serviu como uma singela homenagem ao Ilustríssimo Professor Mestre Albino Mendes Baptista1, renomado jurista português por, entre tantas atividades exercidas e obras publicadas, escrever sobre o direito laboral desportivo e ser uma pessoa de grande senso humanístico que sempre ergueu e sustentou a bandeira da ética.

Este trabalho tem por objetivo tratar acerca de algumas das mudanças trazidas ao direito processual arbitral e ao direito laboral desportivo pelas Leis nºs 9.307/1996 e 9.615/1998, valendo-se do enquadramento das formas al-ternativas de resolução de conflitos como escolhas possíveis, toleradas pelo Estado2, para os cidadãos que pretendem atingir a pacificação social de maneira mais célere (objetivo geral); além de abordar sobre a análise da natureza jurídi-ca, das características, da constitucionalidade e das modalidades de convenção da arbitragem, analisa-se principalmente a questão da admissibilidade da reso-lução de conflitos laborais desportivos3, no âmbito individual, pela arbitragem no Brasil (objetivos específicos).

A justificativa para a escolha do tema está no fato de estarem em voga atualmente discussões a respeito de se admitir por meio da arbitragem a solução de conflitos individuais laborais desportivos pela via arbitral4, a exemplo da que

1 MELO FILHO, Álvaro; SÁ FILHO, Fábio Menezes de; SOUZA NETO, Fernando Tasso de; RAMOS, Rafael Teixeira (Org.). Direito do trabalho desportivo: homenagem ao Professor Albino Mendes Baptista. São Paulo: Quartier Latin, 2012.

2 Em consonância com os arts. 3º, I, e 4º, VII, da CRFB/1988, deveria haver a inclusão de um inciso no art. 5º desta norma suprema brasileira, a fim de ratificar a delegação pelo Estado a entidades privadas quanto à resolução de conflitos, que seria da competência originária e exclusiva daquele. A fim de dispor a esse respeito, transcrevem-se os dispositivos constitucionais citados e, a título de sugestão, elabora-se o teor de inciso a ser incluído no art. 5º constitucional: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...]”. “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] VII – solução pacífica dos conflitos; [...]”. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXIX – reconhecimento das sentenças arbitrais e de seus prolatores, na forma da lei. [...]”.

3 Restringe-se o estudo dos conflitos laborais desportivos para o âmbito futebolístico, uma vez que é nessa área que o autor deste trabalho reúne estudos realizados.

4 O debate tem cada vez mais se acirrado sobre a temática, principalmente em razão de a Lei nº 9.615/1998 ter sido alterada recentemente pela Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, que, entre tantos outros dispositivos alterados e incluídos, incluiu o art. 90-C, que dispõe sobre a resolução de conflitos trabalhistas, que versem sobre direitos disponíveis, vedada a apreciação de matérias, que envolvam questões disciplinares ou de competição, afetas à resolução da justiça desportiva.

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esteve em evidência no passado e a já superada discussão acerca dos litígios decorrentes de questões disciplinares e de competição desportiva, que são reso-lúveis extrajudicialmente pela justiça desportiva.

Não restam dúvidas de que, no Brasil, as questões que envolvam matéria disciplinar e de competição são insuscetíveis de resolução pela via arbitral, nos moldes previstos na Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), uma vez que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), no seu art. 2175, delegou tal função à justiça desportiva6, que possui natureza jurídica de órgão jurisdicional paraestatal7.

Para a lapidação do presente estudo, serão utilizados textos bibliográfi-cos, aliados ao conhecimento acumulado pelo autor desta pesquisa, até os dias atuais, o que inclui o aprendizado obtido no curso de mediação e arbitragem, promovido pelo Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem da Seccional de Pernambuco (Inama/PE), o qual ocorreu no período de 12 de setembro a 14 de novembro de 2009, além do fato de estar ministrando aulas da respectiva disciplina (direito processual alternativo)8, desde agosto de 2009, no curso de graduação em Direito da Faculdade Boa Viagem, em Recife/PE, e de ter escri-to a monografia da especialização defendida na Esmatra VI, em novembro de

5 “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: [...] § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. [...].”

6 Não há o afastamento da apreciação pelo Poder Judiciário (o que desrespeitaria o princípio da inafastabilidade de jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CRFB/1988), quanto às matérias da competência originária da Justiça Desportiva, isto é, questões disciplinares e de competição. Apenas houve uma reserva de competência quanto à instauração original para resolver conflitos decorrentes de tais matérias. Após o esgotamento das instâncias da justiça desportiva, admite-se a discussão no Poder Judiciário apenas quanto à análise da regularidade da decisão terminativa proferida pelos auditores daquela instância desportiva. Portanto, após o esgotamento do órgão jurisdicional desportivo originário, não se poderia rediscutir matéria fática ou probatória, no âmbito judicial, mas apenas uma eventual nulidade da decisão terminativa proferida pelos auditores da justiça desportiva. A execução imediata dessas decisões proferidas por tais órgãos desportivos independe de processo específico e cabe à respectiva entidade federativa, que organiza a competição, em que ocorreu o incidente motivador da discussão na justiça desportiva.

7 Não existe uma unanimidade doutrinária quanto à natureza jurídica dos órgãos jurisdicionais que compõem a chamada justiça desportiva. Não se trata de órgão arbitral, pois a justiça desportiva pouco guarda relação com aquele, já que, por exemplo, os auditores deste órgão desportivo não são escolhidos pelas partes envolvidas e tampouco a instauração do processo é iniciada de maneira exclusiva por estas voluntariamente. Muito menos é órgão administrativo público, já que não faz parte da Administração Pública, ou órgão jurisdicional estatal, uma vez que não integra o Poder Judiciário. Defende-se aqui, portanto, a tese de que se trata de um órgão que, por desempenhar uma função de relevante interesse público, pode ser tido, adotando a tese mais ampla de que jurisdição é o poder que um julgador tem de dizer o direito, como um órgão jurisdicional paraestatal, ou seja, atualmente, pelas suas funções precípuas e pela estrutura normativa com permissivo constitucional, dispondo sobre a matéria, é tal qual um órgão quase estatal, que atua ao lado daqueles que desempenham funções estatais, portanto, auxiliando o Estado, a fim de diminuir o abarrotamento do Poder Judiciário, em razão da teratológica quantidade de demandas ajuizadas todos os dias no País e pela própria especificidade da matéria. Para maiores detalhes, sugere-se a consulta de: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Arbitragem: caminho para resolução de conflitos (d)esportivos no Brasil? Disponível em: <http://cev.org.br/comunidade/legislacao>. Acesso em: 4 dez. 2010.

8 Após um ano e meio lecionando-a, sugeriu-se e foi aprovada modificação para passar a ser intitulada direito processual alternativo, nomenclatura que está sendo adotada desde o primeiro semestre de 2011, em substituição à nomenclatura anterior: mediação e arbitragem.

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2010, sobre arbitragem, com o título Admissibilidade da resolução de conflitos pela arbitragem e suas espécies de contratação.

Primeiramente, aborda-se sobre a arbitragem como espécie de forma he-terocompositiva de resolução de conflito e as espécies de convenção arbitral.

Por fim, encerra-se o estudo, analisando a sua problemática, a qual visa a compreender a questão da admissibilidade da resolução de conflitos laborais desportivos, de âmbito individual, pela arbitragem no Brasil, e busca-se ainda iniciar um debate a respeito de quais institutos do direito laboral desportivo seriam passíveis de discussão em tal via heterocompositiva.

1 HETEROCOMPOSIÇÃO E ARBITRAGEM: CONVENÇÕES ARBITRAIS

1.1 HeteRocomposição

Com o passar do tempo, a sociedade observou que o sistema de autotute-la não funcionava adequadamente, já que tendia à ocorrência de injustiças9. E, durante a autocomposição, em dadas situações, um conflito poderia ser prolon-gado, suscitando a presença de um terceiro imparcial para solucioná-lo.

Assim, buscou-se estabelecer pessoas neutras no que diz respeito à rela-ção jurídica para dirimir os conflitos, dando origem à figura dos árbitros.

Inicialmente, tal função era confiada aos sacerdotes, que faziam preva-lecer a vontade dos deuses, ou aos anciões, que eram os sábios, isto é, os mais experientes e conhecedores dos usos e costumes de determinado grupo social. Nessa fase, as decisões dos árbitros eram baseadas nos costumes, uma vez que não existiam normas positivadas10.

A partir da Revolução Francesa, com a consequente instituição do mode-lo que passaria a ser de um Estado chamado moderno11, entre as várias teorias oriundas dos ideais iluministas, cita-se a que mais interessa ao presente estudo, a teoria da tripartição dos poderes, a qual se configura num dos pressupostos do Estado Democrático de Direito, que é a organização estatal em três Poderes in-

9 SARRECCHIA, Sergio. Autotutela ou justiça com as próprias mãos no Direito brasileiro? 20 dez. 2007. Disponível em: <http://blog.hsn-advogados.com.br/2007/12/20/autotutela-ou-justica-com-as-proprias-maos- -no-direito-brasileiro/>. Acesso em: 8 ago. 2009.

10 CINTRA, Antonio C. de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 27-28.

11 Surge nesse período o chamado Estado monista, por pregar os ideais defendidos pelos teóricos que integram a corrente do monismo jurídico, em contraposição ao dualismo jurídico. Defende-se, a partir de então, que só é Direito aquilo posto ou criado por seres humanos, sofrendo influência da doutrina do positivismo filosófico, a qual é aquela que afasta tudo que não há explicação, sob o ponto de vista empírico-material, por estar acima da sensorialidade humana. É a doutrina do juspositivismo ou positivismo jurídico, cujos maiores expoentes são os jusfilósofos Hans Kelsen, Alf Ross, Herbert Hart, John Austin, entre outros. DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. São Paulo: Método, 2006. p. 66 e 78-85.

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dependentes e harmônicos entre si (Executivo, Legislativo e Judiciário), proposta pelo jusfilósofo francês Charles-Louis de Secondant, barão de Montesquieu e senhor de La Brède12. Assim, vislumbrou-se que majoritariamente a função de dizer o direito pertencia ao órgão jurisdicional estatal13.

No ordenamento jurídico brasileiro, além do julgamento realizado pelos Magistrados, admite-se há muito a possibilidade de aquele ser efetuado por árbitro, por meio do instituto jurídico da arbitragem14, o qual sofreu alterações e passou a ser regulado pela Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (Lei de Arbitragem).

Sendo assim, a heterocomposição pode ser exercida pelo Estado, por meio da função jurisdicional desempenhada pelo Poder Judiciário, ou por ter-ceiro imparcial alheio ao Estado, por meio da arbitragem.

É válido salientar ainda o estágio por qual passa o Poder Judiciário bra-sileiro, habilitando o que se tem chamado de resolução de conflitos por vias alternativas, em relação aos órgãos jurisdicionais15.

1.2 espécies de convenção aRbitRal

A convenção arbitral é um dos pressupostos processuais de existência da demanda arbitral16, e se trata de contrato privado que disciplina matéria de

12 ALVES, Ricardo Luiz. Montesquieu e a teoria da tripartição dos poderes. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 386, 28 jul. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5484>. Acesso em: 11 jul. 2009.

13 Jurisdição é, consoante Severo Neto: “Função de soberania do Estado. Jurisdição é poder. Poder do Estado. Função exclusiva e monopólio do Poder Judiciário, pois somente este tem jurisdição para atuar o direito objetivo. Todo poder é uno e indivisível. [...]” (SEVERO NETO, Manoel. O contrato de empreitada e a nova competência da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p. 89).

14 “No Brasil, o primeiro disciplinamento sobre arbitragem foi registrado, em 1603, nas Ordenações Filipinas, que faziam parte das Ordenações do Reino. Nessas, era admitida a possibilidade de recurso, mesmo que as partes tivessem lavrado o compromisso arbitral com disposição expressa de cláusula sem recurso. A decisão arbitral daquela época não estava sujeita à homologação judicial, via juiz togado. As Ordenações Filipinas continuaram em vigor, sob o nome Dos Juízos Arbitrais, até a promulgação da Constituição de 1824, quando houve uma correção de sua sistemática, por estar defasada, com muitas distorções e casuísmos. O art. 18 da Constituição de 1824 já assegurava sentenças sem recursos: ‘Nas cíveis e nas penais intentadas poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes’. O Código Comercial, editado no tempo do Império, pela Lei nº 556, de 25 de julho de 1850, recomendava, em seu art. 294, o juízo arbitral para resolver as questões entre sócios, na vigência da sociedade, incluindo a sua liquidação e partilha. Esse dispositivo de arbitragem compulsória só foi revogado pela Lei 1.350, de 14 de setembro de 1866, permanecendo, todavia, o juízo arbitral voluntário, que foi regulado pelo arts. 1.037 a 1.048 do Código Civil, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. O Código Civil, elaborado pela influência do jurista brasileiro Clóvis Bevilacqua, previa a solução de pendências judiciais ou extrajudiciais por arbitragem. O antigo Código de Processo Civil, Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, e o novo, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, consignaram também dispositivos referentes à arbitragem. No novo Código de Processo Civil, em seus arts. 1.072 a 1.102, a solução de pendências por juízo arbitral condicionava-se à homologação do laudo arbitral pelo juiz originariamente competente para o julgamento da causa.” (Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo. Arbitragem: a contabilidade como instrumento de decisão. São Paulo: CRC-SP, 2000. p. 13)

15 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 12-13.16 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 105.

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direito público17, isto é, de índole processual, atribuindo ao instituto da arbitra-gem uma natureza paraestatal.

Acerca de como se realiza a convenção arbitral, após a entrada em vigor da atual norma reguladora da matéria, assim dispõe Câmara:

A Lei de Arbitragem brasileira rompeu com um velho preconceito existente no Direito brasileiro ao equiparar a cláusula compromissória ao compromisso arbi-tral, sendo ambos capazes de ter como efeito a instauração da arbitragem. Aban-dona-se, assim, a ideia de que o descumprimento da cláusula compromissória só seria capaz de gerar o direito à percepção de uma indenização por perdas e danos. A Lei de Arbitragem cria a figura genérica da convenção de arbitragem, ato jurídico privado cujo efeito é a instauração da arbitragem.18

Portanto, são espécies de convenção de arbitragem a cláusula compro-missória e o compromisso arbitral, conforme o disposto no caput do art. 3º da Lei de Arbitragem19.

Igualmente conhecida por cláusula arbitral20, a Lei de Arbitragem dispõe que a cláusula compromissória é a convenção estabelecida por escrito num contrato ou em documento separado que a ele faça referência, por meio do qual as partes afastam a possibilidade da resolução originária de possíveis con-flitos que possam vir a surgir, pelo Poder Judiciário, relativos ao dito contrato, comprometendo-se a submetê-los à arbitragem, consoante dispõe o caput e o § 1º do art. 4º21 da referida lei.

Mais adiante, no § 2º desse mesmo artigo22, há uma previsão a respeito dos casos em que a cláusula compromissória está inserta em ou fazendo refe-rência a algum contrato de adesão.

Impende ressaltar que, nesses casos, a cláusula compromissória somente terá os seus efeitos convalidados se o aderente for quem der azo à instituição da arbitragem, ou caso concorde de maneira expressa com a sua instituição pela parte contrária.

17 MAGALHÃES, José Carlos de apud FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 92.

18 CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei nº 9.307/1996. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 23.19 “Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção

de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.”20 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009.

p. 71.21 “Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-

se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. § 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira. [...].”

22 “Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. [...] § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”

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Tal concordância deverá ser realizada em documento anexo ou em ne-grito, desde que contenha assinatura ou visto particularmente para a referida cláusula.

Portanto, se não for o aderente quem quiser requisitar a instituição da arbitragem, e sim o ofertante, por exemplo, em se tratando de uma relação de consumo, caso o juízo arbitral não observe o que está disposto no citado § 2º e dê início ao respectivo procedimento, seria a hipótese de a parte interessada ingressar com ação no Poder Judiciário requerendo o reconhecimento da ine-ficácia da cláusula compromissória, por ausência da produção de seus efeitos, em virtude de não ter havido aquela concordância.

O legislador, ao incluir o supracitado dispositivo, visou à segurança jurídi-ca das relações jurídicas em que num dos polos poder-se-ia figurar um hipossufi-ciente, enquanto que, noutro, um litigante contumaz, acompanhado de renoma-dos advogados especialistas na matéria, dispondo de fartos recursos financeiros.

Para o direito do consumidor, contrato de adesão é o que possui cláu-sulas aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, desde que não haja por parte do con-sumidor oportunidade para que ele possa discutir ou modificar substancialmen-te o conteúdo de tais cláusulas, consoante o que dispõe o caput do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor (CDC/1990)23.

Antes de passar adiante para o próximo assunto, destaca-se o que prevê o art. 51, VII, do CDC/1990, ipsis verbis:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

[...]

Para Figueira Junior, haveria uma incompatibilidade entre o texto do art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem e o do art. 51, VII, do CDC/199024.

É apontado como solução, pelo referido autor, para a suposta incompati-bilidade, o art. 2º, § 1º, do Decreto-Lei nº 4.657/1942, isto é, da Lei de Introdu-ção às normas do Direito Brasileiro (LIDB)25, cujo texto transcreve-se a seguir:

23 “Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

24 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 116-117.25 Nomenclatura atual em substituição àquela que era até há pouco adotada: Lei de Introdução ao Código Civil.

A modificação decorreu da entrada em vigor da Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010, que modificou a ementa do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

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Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tra-tava a lei anterior.

[...]

Sendo assim, para Figueira Junior, o dispositivo do art. 51, VII, do CDC/1990 teria sido derrogado26 pelo art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem por ser posterior àquela norma protecionista do consumidor27.

Contudo, é fácil afirmar que Figueira Junior teria incorrido em equívo-co, uma vez que não há incompatibilidade alguma entre os textos supraci-tados.

Não se pode afirmar que possa existir cláusula compromissória inserta em contrato de adesão determinando a utilização compulsória de arbitragem, já que esta somente será considerada regular se houver aceitação do aderente, na forma da lei, quanto à sua instituição pela autoridade competente ou pelo fornecedor de produtos ou serviços.

Além disso, o CDC/1990, no seu art. 6º, VII, trata que:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

[...]

O legislador, em momento algum, quis reduzir a proteção do consumidor ao não incluir no texto acima os órgãos arbitrais, visto que ela deve ser visada independentemente de previsão em lei ordinária, por se tratar de determinação constitucional (interpretação sistemática do art. 1º, III28; art. 3º, I, II, III e IV29;

26 Utiliza-se a expressão derrogação quando ocorre a revogação parcial de lei, decreto ou norma equivalente.27 FIGUEIRA JUNIOR, Joel Dias. Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 117.28 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...].”

29 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

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art. 4º, II e VII30; art. 5º, V, X, XXXII, XXXV, LIV e LV31; art. 24, VIII32; e art. 170, V33, todos da CRFB/1988).

Além disso, as cláusulas contratuais serão sempre interpretadas do modo mais favorável ao consumidor, conforme o art. 47 do CDC/199034.

Portanto, poder-se-ia afirmar que o consumidor não abre mão dos direi-tos básicos ao escolher a via arbitral, e que a regra do art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem (a de que o aderente concorda expressamente com a possibilidade de se resolver eventual conflito pela arbitragem) é relativa, e não absoluta, pois depende de haver respeito aos direitos e garantias consagrados na CRFB/1988 e no CDC, devendo ser analisado cada caso concreto.

Retomando a análise da Lei de Arbitragem, o art. 5º prevê a possibili-dade de as partes delegarem a escolha da forma de instituição e realização da arbitragem a um órgão arbitral institucional ou uma entidade especializada35, por meio de uma cláusula compromissória, que, nesta hipótese, será classifi-cada como cheia. Poderão igualmente escolher a forma mais adequada para a instituição da arbitragem na própria cláusula ou em outro documento que se refira ao contrato, cujo qual consta o objeto do possível litígio. Tal escolha pelas partes ocorrerá quando não houver a referida delegação a uma entidade espe-cializada e caso queiram que a cláusula compromissória seja cheia, prevendo as regras quanto à instituição e à realização da arbitragem.

Havendo cláusula compromissória cheia, pode a parte interessada dar início à arbitragem na forma escolhida, sendo desnecessária a ida ao Poder Judiciário para fazer a outra parte comparecer em juízo arbitral, se não o fizer

30 “Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos direitos humanos; [...] VII – solução pacífica dos conflitos; [...].”

31 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; [...] XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...].”

32 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VIII – res- ponsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; [...].”

33 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V – defesa do consumidor; [...].”

34 “Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”35 “Art. 5º Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional

ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.”

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voluntariamente, a fim de firmar o compromisso arbitral, incorrendo a parte renitente em revelia.

Por outro lado, o art. 6º da Lei de Arbitragem dispõe implicitamente sobre a cláusula compromissória vazia, que é aquela que apenas menciona generica-mente a possibilidade de se instituir a arbitragem na ocorrência de algum con-flito entre as partes contratantes. Neste caso, a parte interessada em instituir a arbitragem dirigirá a sua manifestação à outra parte, podendo ser por via postal ou outro meio qualquer de comunicação, desde que haja a devida compro-vação de recebimento, além da convocação para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral36.

Na forma do parágrafo único do referido art. 6º37, se a parte convocada não quiser comparecer ou caso compareça e não queira firmar o compromisso arbitral, poderá o interessado na instituição da arbitragem requerer a citação daquela diante do órgão competente do Poder Judiciário, a fim de que o com-promisso seja firmado judicialmente.

Sendo assim, havendo cláusula compromissória vazia, pode a parte in-teressada dar início à arbitragem na forma escolhida, mas deverá utilizar-se do Poder Judiciário para fazer a outra parte comparecer, se esta não proceder assim espontaneamente, ou não quiser firmar o compromisso arbitral, se pre-sente estiver ao juízo arbitral, nos moldes do art. 7º, caput e parágrafos da Lei de Arbitragem:

Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à institui-ção da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.

§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.

§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conci-liação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta lei.

36 “Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.”

37 “Art. 6º [...] Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.”

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§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.

§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavra-tura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.

§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, esta-tuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.

§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso ar- bitral.

Finalmente, salienta-se que, conforme o art. 8º da Lei de Arbitragem, a cláusula compromissória possui autonomia em relação ao contrato em que estiver inserida. Significa dizer que a nulidade de um contrato que prevê cláu-sula compromissória não irá torná-la necessariamente nula, devendo o árbitro analisar de maneira acurada cada caso concreto, além de decidir de ofício ou mediante provocação das partes, as questões que dizem respeito à existência, validade e produção de efeitos da convenção de arbitragem, bem assim do con-trato que contenha a cláusula compromissória38.

Já quanto ao compromisso arbitral, trata-se da modalidade de convenção arbitral, por meio da qual as partes sujeitam à resolução de um conflito já ins-taurado a um juízo arbitral, que poderá ser judicial ou extrajudicial (art. 9º da Lei de Arbitragem)39.

Se for judicial, poderá ser firmado um compromisso arbitral diante do Magistrado, no caso de haver um conflito sendo discutido em processo judicial, suscitando a aplicação do art. 267, VII, do CPC, ou seja, a extinção do processo sem resolução de mérito, habilitando as partes a resolverem o referido conflito pela via arbitral40.

Haverá assim a necessidade de se celebrar termo escrito nos autos do mencionado processo judicial, para esse fim.

38 “Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.”

39 “Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. § 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda. § 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.”

40 “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) [...] VII – pela convenção de arbitragem; (Redação dada pela Lei nº 9.307, de 1996) [...].”

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Outra forma de compromisso arbitral judicial ocorre justamente quando da aplicação do art. 7º, caput e parágrafos da Lei de Arbitragem, isto é, quando a parte renitente é citada a comparecer no âmbito do Poder Judiciário para fir-mar compromisso, desde que haja cláusula compromissória previamente aven-çada entre as partes.

Por outro lado, o compromisso arbitral poderá ser celebrado extrajudi-cialmente pelas partes interessadas, habilitando ser firmado em cartório, por instrumento público, ou por escrito particular, contendo a assinatura de duas testemunhas.

Salienta-se ainda os requisitos obrigatórios que devem constar no com-promisso arbitral, consoante o disposto no art. 10 da Lei de Arbitragem: a) o nome, a profissão, o estado civil e o domicílio das partes; b) o nome, a profis-são e o domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da instituição à qual as partes delegaram a indicação do juízo arbitral; c) o objeto a ser discutido na arbitragem; e d) o local em que será proferida a sen-tença arbitral41.

Além dos requisitos obrigatórios, há ainda a possibilidade de o com-promisso arbitral conter (art. 11 da Lei de Arbitragem): a) o(s) local(is) em que se desenvolverá(ão) a arbitragem; b) a autorização para que o juízo arbitral julgue por equidade, se esse for o interesse das partes, manifestado neces-sariamente por convenção neste sentido; c) o prazo para apresentação da sentença arbitral, cabendo aos árbitros, caso julguem por equidade, declarar tal ocorrência na fundamentação legal; d) a indicação da lei nacional ou das regras institucionais aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; e) a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e f) a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros42.

Ademais, a respeito dessa fixação, deve ser demonstrado o que está ex-posto no parágrafo único do retromencionado art. 11, ipsis verbis:

Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter:

[...]

41 “Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: I – o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; II – o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; III – a matéria que será objeto da arbitragem; e IV – o lugar em que será proferida a sentença arbitral.”

42 “Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: I – local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; II – a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade, se assim for convencionado pelas partes; III – o prazo para apresentação da sentença arbitral; IV – a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; V – a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e VI – a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. [...].”

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Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria compe-tente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentença.

Indubitavelmente, se a fixação de honorários se der no compromisso arbitral firmado no âmbito do Poder Judiciário, nos moldes do art. 7º ou do art. 9º, § 1º, ambos da Lei de Arbitragem43, também será título executivo judicial.

E, por fim, faz-se necessário ainda elencar as causas de extinção do com-promisso arbitral, conforme disposição do art. 12 da lei regulamentadora da arbitragem, com o intuito de complementar a presente discussão. E essas causas se configurarão quando: a) escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, as partes tiverem convencionado cristalinamente não aceitar subs-tituto; b) havendo o falecimento ou a impossibilidade de algum dos árbitros pro-ferir seu voto, haja firmada pelas partes declaração expressa de não aceitarem substituto; e c) tendo expirado o prazo estabelecido para a prolação da sentença arbitral, a parte interessada tiver dado ciência ao árbitro ou ao presidente do juízo arbitral44, concedendo-lhe mais 10 (dez) dias, para proferi-la45.

2 ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS NO DESPORTO PELA VIA ARBITRAL BRASILEIRA

2.1 conflitos individuais tRabalHistas e o pRincípio da pRoteção

São conflitos individuais trabalhistas aqueles oriundos de pretensões re-sistidas dentro de uma relação jurídico-trabalhista, formada pelas figuras do obreiro e do tomador de seus serviços, em que não há a presença de uma enti-dade coletiva representativa do trabalhador, a fim de buscar relativo equilíbrio na balança diante do usufruidor de seus serviços, cuja maior característica é

43 “Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”. “Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. § 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda. [...]”.

44 Fala-se em presidente, em tal situação, em razão de poder haver juízo arbitral formado por mais de um árbitro, sempre em número ímpar.

45 “Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral: I – escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto; II – falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e III – tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.”

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a de serem indisponíveis46, irrenunciáveis47, inalienáveis48 ou qualquer outro termo que designe significado correlato.

Assim, afigurar-se-ia impossível que direitos patrimoniais indisponíveis dos empregados futebolistas possam ser resolúveis pela arbitragem, principal-mente porque, quanto ao direito individual do trabalho, o princípio da proteção se faz presente, contrariamente ao que ocorre no direito coletivo do trabalho, o qual confere ao princípio protetivo permissão para atuar excepcionalmente, conforme será visto adiante.

Trata-se de princípio que visa a atenuar a desigualdade entre as partes, principalmente diante do Poder Judiciário, razão pela qual engloba os demais princípios que favorecem o trabalhador.

É o princípio norteador dos demais princípios do direito individual do trabalho, o qual Plá Rodriguez subdivide em in dubio pro operario, regra da aplicação da norma mais favorável e regra da condição mais benéfica49.

Vislumbra-se, portanto, três regras completamente distintas, resultantes do mesmo princípio geral, sem que se possa considerar uma regra subordinada a ou derivada de outra.

Na verdade, tal orientação revela-se de maneira inconfundível por meio da própria norma, demonstrando que a sociedade reconhece que é aquele, o qual dispõe exclusivamente de sua força de trabalho, a parte hipossuficiente na relação jurídico-trabalhista.

46 “indisponível (in.dis.po.ní.vel) adj. Que não é disponível; de que não se pode dispor, inalienável: bens indisponíveis. – indisponibilidade s.f.” (Academia Brasileira de Letras. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 708); “dispor (dis.por) v. 1. Colocar em ordem; arrumar:; arrumar: Antes de começar a cozinhar, dispôs todos os ingredientes em tigelas sobre a mesa. 2. Preparar(-se): dispor a criança para estudar; Dispôs-se a ouvir-me. 3. Ter a posse, ser senhor: dispor de dinheiro em caixa. 4. Usar livremente; servir-se de: Quando precisar, disponha (de minha ajuda); dispor do dinheiro que se possui. 5. Estabelecer normas para; prescrever, determinar: Este projeto de lei dispõe sobre a ocupação do solo urbano. 6. Estar pronto ou resolvido: Dispôs-se a deixar o país; Dispunha-se a entrar para a universidade. || part.: disposto. [...]” (Academia Brasileira de Letras. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 449).

47 “renunciar (re.nun.ci:ar) v. 1. Deixar voluntariamente (cargo ou posto a que se tem direito); desistir de; abdicar: renunciar o trono; O parlamentar renunciou ao mandato para não se tornar inelegível; Os adversários pretendiam que o governador renunciasse. 2. Abandonar (crença, ideologia etc.); abjurar, renegar: Renunciou a fé de sua infância; Não renunciou aos antigos ideais. 3. Não aceitar; abrir mão; recusar, rejeitar: Renunciou aos bens dos pais em favor dos irmãos. 4. Não fazer caso de; desdenhar, desprezar: Renunciou às futilidades da vida mundana. [...]” (Academia Brasileira de Letras. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 1105).

48 “inalienável (i.na.li:e.ná.vel) adj. Que não é alienável; que não se pode vender ou ceder; intransferível: bens inalienáveis” (Academia Brasileira de Letras. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 694); “alienar (a.li:e.nar) v. 1. Fazer (alguém) O objeto de alienação: A televisão, com seu discurso repleto de clichês, aliena o telespectador; Os jovens alienaram-se e tornaram-se consumistas. 2. Enlouquecer, endoidecer: O desgosto com o marido alienou-lhe o juízo; Alienou-se no presídio. 3. Tornar alheio ou de outro; ceder, transferir: O casal alienou um bem comum. [...]” (Academia Brasileira de Letras. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008. p. 123).

49 Os comentários listados ao longo deste trabalho, a respeito do princípio da proteção e de seus subprincípios, podem ser consultados em: PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner D. Giglio. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 83-139.

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Assim, esse princípio está inclinado preponderantemente a proteger os interesses do trabalhador, devendo ser aplicado com o escopo magno de mino-rar o desequilíbrio entre as partes envolvidas, uma vez que o obreiro é indubi-tavelmente a parte mais frágil na relação.

O princípio do in dubio pro operario é também conhecido como in dubio pro misero (tem como correlato o in dubio pro reo do direito penal).

Seria justamente o princípio que se baseia no critério segundo o qual, no caso de uma norma jurídica ser suscetível de entender-se de vários modos, de-ve-se preferir a interpretação que melhor atenda aos interesses do trabalhador.

O princípio da norma mais favorável informa ao jurista que, se existirem duas ou mais normas jurídicas incidentes no mesmo caso concreto, deverá ser aplicada aquela normativa mais vantajosa ao trabalhador, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia rígida das normas. Por tal razão é que se diz que a hierarquia normativa é dinâmica no direito individual do trabalho50.

Isso implica dizer que, precisamente, determinada disposição normativa hierarquicamente superior a outra poderá ser preterida, caso o sujeito da rela-ção jurídica visualize situação mais vantajosa se invocar a aplicação de norma inferior. Deve-se salientar que o interesse público jamais poderá ser preterido em relação a um interesse privado, consoante disposição do art. 8º da CLT51.

O princípio da condição mais benéfica se vale das correlatas disposições pretendidas no princípio da norma mais favorável. A diferença basilar é que aquele é incidente nas cláusulas contratuais, o que não permite afirmar que tal incidência ocorrerá nos dispositivos legais ou demais de natureza normativa.

Os arts. 444 e 468, caput, da CLT abordam igualmente a essência de tal princípio:

Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipu-lação pelas partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respecti-vas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláu-sula infringente desta garantia.

50 O comentário realizado na parte final desse parágrafo não se trata de opinião de Plá Rodriguez, mas do próprio autor que realiza esta homenagem póstuma.

51 “Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”

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Conclui-se que o princípio da proteção abarca, entre tantas outras fun-ções, a de proibir, ou ao menos dificultar, a supressão e/ou redução de direitos e garantias da classe labutadora. Tais atos de supressão e de redução de direitos e garantias mínimas dos trabalhadores representam as consequências ocasiona-das, respectivamente, pelos fenômenos da desregulamentação e da flexibiliza-ção de normas trabalhistas.

Sendo assim, os princípios que integram o princípio da proteção são ple-namente aplicáveis ao direito individual do trabalho, o qual é regido pela regra da hierarquia dinâmica, sob o ponto de vista normativo.

Contudo, quanto ao direito coletivo do trabalho, a regra incidente é a da hierarquia rígida, já que com a participação de uma entidade coletiva repre-sentativa dos trabalhadores haveria um relativo equilíbrio entre estes e os seus empregadores, uma paridade de armas, a fim de se discutir negociações por melhores condições de trabalho.

Complementando esse raciocínio, sabiamente Baptista, ao realizar breve comentário sobre a autonomia coletiva, consagrada no direito constitucional português, defende que:

Seria positivo que o legislador ordinário pusesse em prática, como lhe compete, o princípio da autonomia colectiva, constitucionalmente consagrado, e não criasse obstáculos de duvidosa constitucionalidade à contratação colectiva.

Lamentavelmente o legislador continua a não perceber que uma coisa são os limites à autonomia colectiva e outra as restrições à autonomia individual, pois os limites que nesta se justificam não têm naquela explicação face à intervenção de associações sindicais a quem cabe, por imperativo constitucional, assegurar a defesa dos trabalhadores.52

Desta forma, apenas em raras exceções, como em caso de flagrante des-respeito a princípios constitucionais ou de representação coletiva viciada ou fraudulenta (a exemplo da realizada por sindicatos pelegos ou amarelos), é que o princípio da proteção seria aplicável às negociações coletivas de trabalho.

2.2 o aRtigo 90-c da lei dos despoRtos e suas consequências paRa o diReito laboRal despoRtivo

Acerca da temática aqui abordada, a redação do art. 90-C, o qual foi incluído na Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, vulgarmente chamada de Lei Pelé53, pela Lei nº 12.395, de 16 de março de 2011, dispõe que:

52 BAPTISTA, Albino Mendes. Direito laboral desportivo – Estudos. Lisboa: Quid Juris?, v. I, 2003. p. 27.53 Homenagem ao Ministro de Estado do Esporte da época, Edson Arantes do Nascimento, isto é, o mundialmente

famoso ex-jogador de futebol brasileiro, mais conhecido pela sua alcunha: Pelé.

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Art. 90-C. As partes interessadas poderão valer-se da arbitragem para dirimir lití-gios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, vedada a apreciação de matéria referente à disciplina e à competição desportiva. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

Parágrafo único. A arbitragem deverá estar prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho e só poderá ser instituída após a concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

A primeira questão, que se extrai do dispositivo transcrito acima, é que somente os direitos patrimoniais disponíveis serão alvo de resolução pela arbi-tragem, exceto os que versem sobre matéria disciplinar e de competição despor-tiva. Estariam, portanto, indubitavelmente afastados da solução pela via arbitral os direitos patrimoniais indisponíveis54, a exemplo das verbas de natureza sala-rial, que o empregado futebolista pode perceber: contraprestação fixa mensal, gratificação natalina, luvas pagas com habitualidade, bichos, adicional noturno etc.

Dessa maneira, seriam resolúveis pela arbitragem, no âmbito laboral des-portivo, conflitos que envolvessem questões atinentes: a) às cláusulas compen-satória ou indenizatória desportivas, as quais são sucessoras, não exatamente na mesma ordem, das antigas cláusula penal e multa rescisória desportivas55; b) ao

54 As turmas do TST são praticamente unânimes neste sentido, quanto aos empregados em geral. Das 8 (oito) turmas da referida corte superior, apenas a 7ª (sétima) entende ser possível haver a utilização da arbitragem para resolver conflitos trabalhistas, uma vez que desafogariam o Poder Judiciário e poderiam proporcionar soluções mais satisfatórias do que as importas pelo Estado-juiz. Por outro lado, as demais 7 turmas e a Subseção de Dissídios Individuais 1 (SBDI-1) entendem ser inválida a utilização da arbitragem para se resolver conflitos individuais trabalhistas. Para maiores detalhes, sugere-se consultar: BRITO, Nathália Laís Alves. Arbitragem na resolução de conflitos individuais trabalhistas. 2010. 77 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Direito, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2010. p. 71-77. Outro ponto que impede a utilização da arbitragem para julgar conflito individual trabalhista, de índole indisponível, é a própria incompatibilidade ocasionada pela autonomia para contratar, que é típica na arbitragem, mas bastante mitigada na contratação trabalhista, cujos pactos firmados entre empregado e empregador guardam natureza aproximada aos dos contratos de adesão. Teixeira contribui indiretamente com o defendido aqui ao afirmar que “a legislação trabalhista, oriunda da atividade legiferante do Estado, revela nítida índole imperativa. Impõe-se sobre os partícipes do contrato individual de trabalho, mesmo em face do princípio da autonomia da vontade. As regras estabelecidas nas leis de conteúdo laboral, portanto, são via de regra inderrogáveis e cogentes, sujeitando a vontade dos sujeitos da relação de emprego ao seu comando de forma irresistível”. Para maiores detalhes, sugere-se a consulta de: TEIXEIRA, Sergio Torres. Proteção à relação de emprego. São Paulo: LTr, 1998. p. 51.

55 “Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 1º O valor da cláusula indenizatória desportiva a que se refere o inciso I do caput deste artigo será livremente pactuado pelas partes e expressamente quantificado no instrumento contratual: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). I – até o limite máximo de 2.000 (duas mil) vezes o valor

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direito de imagem56, quando não houver fraude à lei57; c) às luvas adimplidas em parcela única ou em poucas parcelas, mas sem que haja a configuração da habitualidade58; d) à indenização pelo direito de formação59; e) entre outros direitos patrimoniais disponíveis.

No que é pertinente, de maneira específica, ao direito de arena, a dis-cussão teria que passar antes pela questão da natureza jurídica do instituto, o qual, até pouco antes da entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011, que também alterou o art. 42, § 1º, da Lei dos Desportos, tanto a doutrina quanto os ór-gãos que compõem a Justiça do Trabalho, majoritariamente, entendiam pela equiparação, para efeitos legais, às gorjetas, nos moldes pregados pela teoria zainaghiana, que atribui natureza remuneratória àquele direito. Atualmente, o

médio do salário contratual, para as transferências nacionais; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – sem qualquer limitação, para as transferências internacionais. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 2º São solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva de que trata o inciso I do caput deste artigo o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). § 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). [...].”

56 “Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.”

57 Sobre essa questão do direito de imagem, em fraude à lei, sugere-se a consulta de: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 93-99.

58 Apesar de a Lei nº 12.395/2011 ter contribuído com a desregulamentação formal das luvas, ao revogar na íntegra a Lei nº 6.354/1976, o costume quanto à sua contratação já está tão enraizado na prática desportiva, que certamente ainda haverá a possibilidade de se visualizar tal instituto jurídico-desportivo nos contratos pactuados na vigência da atual legislação do Direito Laboral Desportivo. Acerca das luvas, sugere-se a leitura de: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 103-105.

59 “Art. 29-A. Sempre que ocorrer transferência nacional, definitiva ou temporária, de atleta profissional, até 5% (cinco por cento) do valor pago pela nova entidade de prática desportiva serão obrigatoriamente distribuídos entre as entidades de práticas desportivas que contribuíram para a formação do atleta, na proporção de: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). I – 1% (um por cento) para cada ano de formação do atleta, dos 14 (quatorze) aos 17 (dezessete) anos de idade, inclusive; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – 0,5% (meio por cento) para cada ano de formação, dos 18 (dezoito) aos 19 (dezenove) anos de idade, inclusive. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 1º Caberá à entidade de prática desportiva cessionária do atleta reter do valor a ser pago à entidade de prática desportiva cedente 5% (cinco por cento) do valor acordado para a transferência, distribuindo-os às entidades de prática desportiva que contribuíram para a formação do atleta. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 2º Como exceção à regra estabelecida no § 1º deste artigo, caso o atleta se desvincule da entidade de prática desportiva de forma unilateral, mediante pagamento da cláusula indenizatória desportiva prevista no inciso I do art. 28 desta lei, caberá à entidade de prática desportiva que recebeu a cláusula indenizatória desportiva distribuir 5% (cinco por cento) de tal montante às entidades de prática desportiva responsáveis pela formação do atleta. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 3º O percentual devido às entidades de prática desportiva formadoras do atleta deverá ser calculado sempre de acordo com certidão a ser fornecida pela entidade nacional de administração do desporto, e os valores distribuídos proporcionalmente em até 30 (trinta) dias da efetiva transferência, cabendo-lhe exigir o cumprimento do que dispõe este parágrafo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).”

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legislador preferiu dispor que teria natureza civil60, retornando ao antigo enten-dimento previsto na primeira Lei de Direitos Autorais do País61.

O entendimento que ainda deve prevalecer é a de natureza remunera-tória62, mesmo diante da disposição legal em sentido contrário63, desde que presente a habitualidade do pagamento. Se esta fosse a natureza jurídica do direito de arena, não poderia haver a discussão de tal direito na arbitragem, pois se trataria de direito patrimonial indisponível, o que é vedado ser resolvido pela via arbitral. A própria nomenclatura adotada pelo legislador, a respeito de chamar o termo firmado autonomamente entre entidade de prática desportiva e atleta profissional de contrato especial de trabalho desportivo, demonstra a real intenção de várias normas de caráter flexibilizante64 terem sido incluídas na re-dação atual da Lei dos Desportos. Deve-se ter pensando que, se é especial, por-tanto, o tratamento deveria ser diferenciado em relação ao empregado comum.

60 “Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). § 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). [...].”

61 Para maiores detalhes sobre o direito de arena, sugere-se a consulta de: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 107-126.

62 A respeito de tal instituto, antes de a redação da Lei dos Desportos ser alterada, Melo Filho já entendia que “o direito de arena é a faculdade outorgada por lei às entidades desportivas para negociar a imagem coletiva do espetáculo de que participem, ressaltando-se as seguintes características principais: decorre da lei; é coletivamente usufruído; não se reveste de periodicidade; ocorre dentro do contexto do evento desportivo transmitido; tem natureza salarial; deve ser limitado a 20% do que recebe o clube, valor este rateado entre todos os atletas participantes do evento transmitido”. Percebe-se que o referido autor preferiu adotar a expressão salarial, ao invés de remuneratória para indicar qual seria a natureza jurídica do direito de arena, o que na prática reforçaria ainda mais a tese da inclusão deste instituto jurídico no rol dos ganhos de natureza remuneratória dos atletas profissionais de futebol. A remuneração engloba as verbas de natureza salarial e as gorjetas, pagas por terceiros, e apenas repassadas aos trabalhadores pelo empregador. Zainaghi é o maior defensor, por ter sido o pioneiro, de que o direito de arena teria natureza jurídica, para efeitos legais, equiparados ao das gorjetas. Por isso que a essa tese dá-se o nome de teoria zainaghiana do direito de arena. Acerca do aqui debatido, sugerem-se as consultas de: MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 136; SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 86-88; ZAINAGHI, Domingos Sávio. Nova legislação desportiva: aspectos trabalhistas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2004. p. 36; e SÁ FILHO, Fábio Menezes de. A teoria zainaghiana do direito de arena. São Paulo, 9 dez. 2009. Disponível em: <http://www.ibdd.com.br/v2/index.asp?p=20&id=757>. Acesso em: 9 dez. 2009.

63 Não adianta a lei informar que tal instituto tem determinada natureza jurídica, se a sua essência não corresponde ao que foi formalizado em norma jurídica. Assim, de nada adiantaria a lei dizer que o instituto jurídico do salário teria natureza civil. A essência do salário é ser um instituto do direito do trabalho, por ser devido enquanto contraprestação de um serviço prestado no âmbito empregatício.

64 De acordo com Barroso, “[...] o fenômeno da flexibilidade laboral se traduz no marco mais evidente do processo de fragmentação jurídico-social. A flexibilidade laboral transforma o eixo protetor institucional da norma em favor dos empresários, que intrinsecamente ligados ao contexto histórico do desemprego massivo se fazem politicamente fortes, acrescendo a própria evolução do sistema econômico-produtivo como elemento inseparável, além do respaldo político. Atualmente os empresários passam por um momento de sublimação de seus poderes, aproveitando a oportunidade para dissuadir institucionalmente a classe trabalhadora, ditando as linhas mestras do sistema de produção e acumulação de capital. Acerca da temática da flexibilidade laboral, sugere-se a consulta de: BARROSO, Fábio Túlio. Novo contrato de trabalho por prazo determinado. Curitiba: Juruá, 2004. p. 49-50.

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Há de se discordar desse pensamento, pois, nos dias atuais, a grande maioria dos atletas profissionais de futebol, aproximadamente entre 70-80% (setenta a oitenta por cento) deles, recebe até 3 (três) salários-mínimos65, não justificando esse tratamento diferenciado que o legislador provavelmente pretendeu dar, possibilitando a resolução de certos direitos pela arbitragem, a exemplo da ten-tativa forçada de incluir o direito de arena neste rol.

O atleta profissional de futebol continua sendo a parte hipossuficiente na relação jurídico-laboral desportiva, em relação à sua entidade de prática desportiva empregadora. E vale lembrar que, no plano individual, o empregado futebolista não se encontra, em tese, amparado por entidade sindical ou outra de natureza coletiva, e são poucos, se comparados à quantidade de profissio-nais inscritos nas entidades federativas no Brasil inteiro66, os que estão sendo auxiliados por agente licenciado por alguma entidade de prática desportiva nacional, filiada à Fédération Internationale de Football Association (FIFA), ou possui auxílio prestado por algum procurador.

O segundo ponto diz respeito à exigência de que haja negociação cole-tiva de trabalho prévia, para que seja possível a resolução de conflito, que diga respeito a direito patrimonial disponível, pela arbitragem. Em razão de serem os instrumentos normativos, de natureza coletiva, constituídos por cláusulas, tal exigibilidade só pode ser cumprida por intermédio de cláusula compromissória.

Portanto, se a cláusula compromissória coletiva, isto é, a que constar em acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, for vazia, poderá a cláusula compromissória individual, constante, por exemplo, em contrato de licença de uso de imagem, ou o compromisso arbitral, firmado entre as partes envolvidas,

65 Dados levantados em 2007 apontavam que 85% (oitenta e cinco por cento) dos empregados futebolistas percebiam, no máximo, 3 (três) salários-mínimos. (MACIEL, Mariju Ramos apud BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. Acórdão em Recurso de Revista nº 400/2005/RS. Relator: Ministro Antônio José de Barros Levenhagen. DJ 30 abr. 2009. TST. Disponível em: http://www.tst.gov.br/. Acesso em: 5 maio 2009)

66 “Sendo assim, embora os clubes atuais estejam em situação análoga à falimentar, comumente visualizada na atividade empresária, as normas de direito do trabalho possuem cunho protetivo em relação aos trabalhadores, e não aos empregadores. Inviável dar tratamento diferenciado, de acordo com a realidade financeira de cada parte (trabalhador e empregador), em cada caso concreto, sob pena de ferir os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, previstos respectivamente no caput do art. 5º e no inciso III do art. 1º da CRFB/1988. Da mesma forma que existem clubes com dívidas de ordens diversas (trabalhistas, cíveis, tributárias, previdenciárias etc.), há vários atletas de futebol espalhados pelo Brasil percebendo salários ínfimos, a exemplo daqueles que se encontram em clubes dos estados do AM, AC, AP, PA, RO, RR, TO, MS, MT, PI, MA, SE, ES, e em entidades de prática desportiva do interior de qualquer estado brasileiro. Esses atletas têm em média remuneração pactuada entre 1 (um) ou 2 (dois) salários-mínimos. Vale lembrar que se considera, para efeitos da explicação, a remuneração avençada em contrato de emprego, e não a efetivamente adimplida pelo empregador, o que implicaria afirmar que a situação da maioria dos atletas brasileiros na atualidade é vexatória e periclitante, a ponto de não poder garantir a sua subsistência e a da própria família”. A opinião extraída de coluna publicada no site do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo não reflete a mesma temática abordada nesta obra, mas pode ser aproveitada quanto aos seus propósitos. Para maiores detalhes, sugere-se a consulta de: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. A eterna polêmica da adoção da teoria da bilateralidade ou unilateralidade da cláusula penal. São Paulo, 2 dez. 2009. Disponível em: <http://www.ibdd.com.br/v2/index.asp?p=20&id=722>. Acesso em: 2 dez 2009.

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para as demais situações67, ser pactuado no sentido de preencher a citada cláu-sula compromissória coletiva, a fim de prever de que forma e por que árbitro ou árbitros, ou por qual órgão arbitral institucional ou entidade especializada será instituída e desenvolvida a arbitragem.

Por outro lado, se a cláusula compromissória coletiva for cheia, a con-tratação de cláusula compromissória individual ou compromisso arbitral será apenas para cumprir a formalidade exigida pelo art. 90-C da Lei dos Desportos.

Finalmente, por questões de segurança jurídica, sustenta-se aqui a impos-sibilidade de se ter cláusula compromissória individual vazia ou cheia inserta no contrato de formação ou no contrato individual de trabalho68, a fim de se evitar que direitos patrimoniais indisponíveis sejam confundidos com os pos-suidores do caráter de disponibilidade. Caso se queira resolver algum conflito relativo ao inadimplemento do pagamento dos valores a título de luvas, cláusu-la indenizatória desportiva ou cláusula compensatória desportiva, por exemplo, os envolvidos deveriam firmar um compromisso arbitral69.

CONCLUSÃO

No presente estudo, tentou-se abordar as problemáticas existentes após as recentes modificações vivenciadas pelo instituto da arbitragem, advindas com a Lei de Arbitragem, principalmente no que diz respeito ao estudo das espécies de contratação, as quais possibilitam a resolução dos conflitos sociais pelo revigorado instituto jurídico da arbitragem.

Afirma-se que o Direito e a sociedade estão intimamente ligados, e aque-le servirá sempre como escopo magno para a resolução dos conflitos comuns, que eventualmente ocorrem em razão do convívio societário.

As formas alternativas de solução de litígios, em relação ao Poder Judiciá-rio, não irão erradicar os problemas enfrentados neste órgão estatal, mas apenas servirão como paliativos, a exemplo de tantos outros.

A natureza jurídica da arbitragem, em virtude do que foi exposto, é de jurisdição paraestatal. Há tanto características próprias da jurisdição privada

67 Inadimplemento do pagamento das luvas, do valor previsto na cláusula compensatória ou indenizatória desportiva, ou da indenização pelo direito de formação, por exemplo.

68 Contrato individual de trabalho, conforme a CLT, ou, como o legislador desportivo preferiu chamar, contrato especial de trabalho desportivo.

69 Justifica-se tal proibição, em virtude de a escolaridade dos atletas profissionais ser baixíssima, sem contar que as próprias expressões técnico-jurídicas, constantes em lei e nos contratos, são, em regra, de difícil compreensão para qualquer um que não atue na área jurídica. Além disso, existem diversos sindicatos pelegos ou amarelos que em nada representam os empregados futebolistas de uma categoria. A fraude também pode ser visualizada perante aqueles que poderiam prestar os serviços de árbitros, relativos aos processos instaurados na via arbitral, e que não desempenham a sua atividade dentro dos ditames legais.

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quanto da jurisdição estatal, contrariando a tese de que só quem pode dizer o direito é o Estado.

Por ser a função de dizer o Direito, originariamente, precípua do Estado, o árbitro agiria assim por delegação estatal, uma vez que desempenha uma verdadeira atuação jurisdicional. Vale lembrar que a sentença arbitral válida é título executivo judicial, dispensando a homologação pelo Poder Judiciário. Daí deriva a impossibilidade de se rediscutir o Direito e o mérito da demanda neste âmbito.

Assevera-se ainda não haver inconstitucionalidade alguma na Lei de Ar-bitragem, já que não existe afastamento, no que diz respeito à possibilidade de haver apreciação pelo Poder Judiciário, caso haja ameaça ou lesão a direito de uma das partes que escolherem a via arbitral como solucionadora de seu conflito. A sentença proferida pelo árbitro que apresentar qualquer causa de nulidade poderá ser declarada nula pelo respectivo órgão jurisdicional estatal competente.

Diante do que foi abordado, quanto às modalidades de convenção ar-bitral, conclui-se que: a) se há cláusula compromissória cheia, não há por que se falar na existência de compromisso arbitral; b) havendo a extinção do com-promisso arbitral, se houver cláusula compromissória vazia, esta permanecerá intacta, podendo as partes instituir nova demanda arbitral; e c) se ocorrer a extinção do compromisso arbitral e não houver cláusula compromissória vazia previamente estipulada entre as partes, neste caso, estas poderão ir resolver determinado conflito no Poder Judiciário ou firmar nova convenção arbitral.

Por fim, no que é pertinente à problemática deste estudo, entende-se que os direitos individuais laborais desportivos, de natureza patrimonial indisponí-vel, referentes aos empregados futebolistas, são insuscetíveis de resolução pela via arbitral, nos moldes previstos na Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) e no art. 90-C da Lei dos Desportos (Lei nº 9.615/1998), por flagrante incompati-bilidade normativa e/ou impossibilidade jurídica, nos moldes aqui abordados. Os institutos jurídicos do direito laboral desportivo, com permissão para serem resolvidos pela via arbitral, em caso de existir algum conflito decorrente deles, seriam apenas os direitos patrimoniais disponíveis, a exemplo das cláusulas in-denizatória e compensatória desportivas, das luvas, quando pagas em parcela única ou em poucas parcelas e sem habitualidade, da indenização de formação, devida à entidade de prática desportiva formadora, do direito de imagem, quan-do não houver fraude à lei, entre outros.

Especificamente quanto ao direito de arena, se houver habitualidade quanto ao seu repasse, pelo respectivo sindicato da categoria, a determinados empregados futebolistas que participam assiduamente das partidas de futebol, relativamente a estes não poderia haver a discussão de tal direito na arbitragem, em razão da sua indisponibilidade, já que a sua natureza jurídica nesta situação seria remuneratória, nos moldes zainaghianos. Discutível seria a admissão de se

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resolver pelo juízo arbitral eventual conflito referente ao direito de arena, quan-do não houvesse habitualidade, no que é pertinente aos valores repassados, o que, em tese, atribuiria natureza civil ao referido instituto jurídico. Concorda-se, mas com profunda estranheza, relativamente à admissibilidade dessa última situação, sendo necessária inclusive a análise da constitucionalidade da parte final do § 1º do art. 42 da Lei dos Desportos, quanto à menção de ter o percen-tual de 5% (cinco por cento) natureza civil.

O que é inegável e que já ocorre na prática são instituições arbitrais ou entidades especializadas nesse mesmo sentido, que julgam conflitos individuais do trabalho, repise-se, que contém o caráter de indisponibilidade, e, com a respectiva sentença arbitral em sua posse, os advogados das partes interessadas levam ao conhecimento do Poder Judiciário, in casu, à Justiça do Trabalho, para que a homologue. Em não havendo nulidade alguma, é comum a ocorrência da homologação judicial, nesta situação. Portanto, a sentença arbitral, que antes seria originalmente viciada, expedida por árbitro, escolhido de maneira legíti-ma ou não pelas partes, o qual julgou conflito de cuja natureza não é da sua competência, passaria a ser regular com a homologação diante da Justiça do Trabalho. Trata-se de discutíveis atitudes, quanto aos profissionais envolvidos, em razão dos supostos aspectos de imoralidade, que a situação carrega. No entanto, tal situação demonstra que algo deve ser realizado: ou se busca fisca-lizar aqueles que funcionam como árbitro num processo arbitral, que poderia ser exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, até ser criado órgão específico neste sentido70, ou então se pensa em alguma situação, prevista em lei, a fim de se permitir a resolução de conflitos individuais trabalhistas, de natureza in-disponível, pela arbitragem, pois invariavelmente tal exemplo mencionado de homologação judicial continuará ocorrendo.

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BAPTISTA, Albino Mendes. Direito laboral desportivo – Estudos, Lisboa: Quid Juris?, v. I, 2003.

70 Poderia ser um Conselho Nacional de Arbitragem (CNA), composto majoritariamente por membros de órgãos arbitrais, devidamente registrados neste conselho, e minoritariamente por juízes togados, uma vez que as sentenças arbitrais podem ser analisadas quanto à existência de alguma nulidade e a sua execução ainda é realizada pelo órgão competente, para apreciar a matéria, do Poder Judiciário. A forma de escolha da composição dos respectivos membros que irão compor o CNA seria alvo de matéria a ser incluída na CRFB/1988.

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Assunto Especial – Doutrina

A Arbitragem no Direito Desportivo

Breves Notas sobre o Tribunal Arbitral do Desporto Previsto no Decreto nº 170/XII e as Suas Inconstitucionalidades

ARTUR FLAMÍNIO DA SILVALicenciado em Direito na Menção Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestre em Direito Público na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Doutorando em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Co-laborador Permanente da Revista Desporto & Direito – Revista Jurídica do Desporto, Bolseiro de Investigação do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

RESUMO: O presente artigo visa analisar criticamente e dar conta das recentes alterações no pro-jecto legislativo que instituiu o Tribunal Arbitral do Desporto em Portugal na decorrência do Acórdão nº 230/2013 do Tribunal Constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Justiça Desportiva em Portugal; arbitragem desportiva; direito administrativo.

SUMÁRIO: Introdução; I – Os argumentos do Tribunal Constitucional; II – O Decreto nº 170/XII: um erro de casting?; Conclusão.

INTRODUÇÃO

A instituição de um tribunal arbitral cuja competência se reconduz a um leque vasto de matérias tem sido objecto de muita controvérsia em Portugal. Desde logo, pelo facto do Tribunal Arbitral Desportivo (TAD), tal como confi-gurado inicialmente, ser uma instância híbrida. Por um lado, é uma entidade que poderá julgar litígios voluntariamente submetidos pelas partes (arbitragem voluntária). Por outro, assume-se como uma instância arbitral de cariz necessá-rio, ou seja, por efeito da lei que o pretende instituir, há litígios em que as partes serão obrigadas a recorrer a este tribunal.

Em face do disposto no Decreto nº 128/XII surgiu, assim, a dúvida se a existência de uma jurisdição necessária, nos termos em que foi concebida, violaria o direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva, bem como se, em concreto, existiria um fundamento material bastante para existir uma “discrimi-nação” justificada à luz do princípio da igualdade. Estes foram, no essencial, os

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argumentos do Presidente da República para fundamentar a fiscalização pre-ventiva da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional (TC).

A resposta do TC não tardou e num tom muito crítico assumiu que o diploma, tal como estava estruturado, violava frontalmente os direitos funda-mentais do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva1, embora tivesse deixado de lado a questão de saber se “esta” arbitragem necessária violava ou não o princípio da igualdade.

I – OS ARGUMENTOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Em termos sintéticos, a fundamentação do TC residiu nos seguintes pon-tos essenciais:

1. A impossibilidade de reexame de mérito de uma sentença proferida pelo futuro TAD representava a consagração de uma “jurisdição privada” inconstitucional à luz do quadro constitucional vigente. Na verdade, segundo o TC não seria “aceitável, num primeiro re-lance, que o Estado delegue poderes de autoridade numa entidade privada, operando por essa via uma privatização orgânica da Ad-ministração relativamente ao exercício de uma certa tarefa pública, e simultaneamente renuncie também a qualquer controlo jurisdi-cional de mérito, através de tribunais estaduais, quanto às decisões administrativas que sejam praticadas no quadro jurídico dessa dele-gação de competências”.

2. Não existem exigências especiais de celeridade e especialização que possam justificar a existência de um TAD. Neste caso, entendeu o TC que a existência de um “caso julgado desportivo” que permitia consolidar os efeitos desportivos que fossem validamente alcança-dos seria suficiente.

3. O mecanismo de fiscalização meramente anulatória de sentenças arbitrais não se apresentaria como suficiente no caso da arbitragem necessária, na medida em que nunca permitiria a um “tribunal esta-dual” o controlo de mérito da sentença arbitral.

4. O TAD não cumpre os requisitos mínimos de independência e im-parcialidade, desde logo e entre outras questões, porque, nos ter-mos do artigo 41º, nº 7, do anexo ao Decreto nº 128/XII, caberia ao presidente do TAD decidir sobre a admissibilidade de providências cautelares pelo que, neste caso, o presidente do TAD actua “na qualidade de representante do Tribunal, e sem que lhe tenha sido conferida pelas partes qualquer função jurisdicional, o poder de de-

1 Cfr. Acórdão nº 230/2013, disponível em: www.tribunalconstitucional.pt.

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terminar providências cautelares em relação ao objecto do litígio sem qualquer anuência ou concordância das partes”.

Esta decisão constituiu um “marco” na arbitragem desportiva, lançando as bases para demonstrar que existem limites constitucionais inultrapassáveis. Assim sendo, o Presidente da República devolveu o diploma inconstitucional à Assembleia da República. A 29 de julho de 2013, a Coligação PSD/CDS-PP voltou a apresentar uma proposta supostamente expurgada das inconstituciona-lidades detectadas pelo TC.

II – O DECRETO Nº 170/XII: UM ERRO DE CASTING?

A proposta apresentada a 29 de julho de 2013 foi aprovada pela maioria parlamentar PSD/CDS-PP, com os votos contra de toda a oposição.

Todavia, este Decreto nº 170/XII, embora tenha corrigido, a nosso ver, uma das inconstitucionalidades existentes no Decreto nº 128/XII, mantém, de uma forma incompreensível, o essencial das inconstitucionalidades detectadas pelo TC no Ac. 230/2013.

Vejamos, brevemente, qual o ponto mais problemático.

Segundo o nosso ponto de vista, uma das alterações mais estranhas – e que mantém o quadro de inconstitucionalidade existente no diploma anterior – operadas pelo Decreto nº 170/XII, diz respeito à norma constante no artigo 8º, nº 2, afirmando-se que:

[d]as decisões proferidas pela câmara de recurso, pode haver recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos quanto ao recurso de revista.

Na verdade, esta alteração não vem acrescentar nada de muito novo. Os termos de recurso aqui configurados representam, como acontecia ante-riormente no Decreto nº 128/XII, uma forma de “escapar” à possibilidade de revisão do fundo de uma determinada matéria por um tribunal estadual, a qual nunca se alcança com uma possibilidade meramente cassatória. É precisamente o que, neste caso, sucede se atendermos à norma do artigo 8º, nº 6, do Decreto nº 170/XII, ao dispor que: “[o] recurso para o Tribunal Constitucional, o recur-so de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como a ação de impugnação da decisão arbitral, não afetam os efeitos desportivos validamente produzidos pela mesma decisão”.

Assim sendo, quando conjugadas estas duas disposições chegava-se à seguinte conclusão:

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I – A possibilidade de recorrer das sentenças arbitrais do TAD existiria apenas em situações muitos pontuais e excepcionais.

II – A existência de um caso julgado desportivo em relação aos recursos junto do Supremo Tribunal Administrativo e do TC faria com que na prática nunca fosse possível alcançar alterar materialmente uma decisão ilegal que tivesse efeitos no fenómeno desportivo.

Pelo exposto, facilmente se depreende que, na realidade, as alterações promovidas pelo Decreto nº 170/XII, além de não terem tido em consideração as inconstitucionalidades anteriormente detectadas pelo TC, tornam o espectro normativo do novo TAD ainda mais vulnerável à violação do direito fundamen-tal de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, na medida em que amputam, na prática, a possibilidade de revisão de mérito. Neste sentido, a existência do recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é meramente retóri-co e ineficiente.

CONCLUSÃO

Vivem-se períodos conturbados no panorama jurídico-desportivo portu-guês. A existência de um tribunal arbitral imposto às partes e sem garantias suficientes nunca poderá oferecer a confiança dos operadores desportivos. Na verdade, um discurso de aparência em nada dignifica um futuro órgão jurisdi-cional privado que se quer credível e sem ligações – de fundo – ao associativis-mo desportivo.

A nosso ver, este TAD tem graves problemas relacionados com as garan-tias dos operadores desportivos que se manifestam, com especial acuidade, na arbitragem necessária.

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Assunto Especial – Doutrina

A Arbitragem no Direito Desportivo

Questões sobre a Arbitragem no Esporte

CASSIO M. C. PENTEADO JR. Advogado e Consultor em Recife/PE.

I – A GUISA DE INTROITO

Abordamos, nas linhas que seguem, o tema geral da arbitragem no espor-te, no sentido do indicativo das questões mais relevantes que cercam a eventual adoção da solução de conflitos em esfera independente das demandas nos Tri-bunais de natureza administrativa ou judiciária.

Em precisas observações, Pedro Batista Marins e Pedro Trengrouse Souza, a propósito da arbitragem no esporte, anotam que1:

A arbitragem pode, destarte, dirimir as controvérsias oriundas dos mais variados contratos desportivos como de direito de imagem e arena, trabalhistas, de trans-missão, de transferências, nacionais e internacionais, por exemplo. As especifici-dades formais e materiais dos contratos desportivos, o sigilo com o qual devem ser tratados para que as partes não sejam expostas a riscos desnecessários, a rapidez com que as dúvidas deles oriundas devem ser julgadas para evitar preju-ízos indesejados e o caráter internacional, cada vez mais marcante, das relações desportivas, são motivos que levam à conclusão natural de que a arbitragem é um meio bastante eficiente e eficaz para preservar ao máximo as partes envolvidas no litígio e seu objeto, além de garantir que seja feita justiça, em tempo hábil, a respeito de matéria bastante especializada.

II – A ARBITRAGEM NO BRASIL E SUA CONSTITUCIONALIDADE

Parece de relevo pontuar, ainda que de passagem, que a arbitragem e a mediação, no Brasil, advêm – principalmente – da edição, em 1996, da Lei nº 9.307 (denominada “Lei Marco Maciel”). Esse marco normativo, apesar de ter apresentado relevante desenvolvimento da função arbitral, em especial com a criação de Câmaras e de Tribunais de Arbitragem, no entanto, ainda não logrou impor-se de modo mais amplo, seja por desconhecimento dos termos

1 Ver “A arbitragem e o esporte”, Jornal do Brasil, ago. 2005.

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da legislação e do próprio conceito da arbitragem, seja por preconceitos em torno dessa matéria, mormente o afastamento do controle judicial. A arbitra-gem, antes da Lei nº 9.307, era concebida como um procedimento de transação entre as partes litigantes, o chamado compromisso arbitral, que era instituído, no curso da lide judicial, consoante o art. 1.074 do Código de Processo Civil, gerando, a partir de sua pactuação, um laudo arbitral, “sentenciando” a ques-tão, submetida ao árbitro, com sua posterior homologação em juízo. De origem, esse compromisso figurava no Código Civil de 1916, nos arts. 1.037 a 1.048, como negócio jurídico que poderia assumir caráter judicial ou extrajudicial, o primeiro, celebrado “perante o juízo ou tribunal, por onde correr a demanda, e, o segundo, mediante escritura pública ou por documento particular, assinada pelas partes e duas testemunhas”.

Logo, a arbitragem assumia natureza de vínculo contratual2, na forma en-tão codificada, associada – por expresso3 – ao instituto civil da transação, o que se superou, mais tarde, com o advento da Lei nº 9.307, revogando, por inteiro, as disposições da Lei Civil.

O Código Civil atual, em matéria de compromisso arbitral, reservou os arts. 851, 852 e 853, o primeiro (851), reconhecendo o direito em firmá-lo, em sentido judicial ou extrajudicial, do qual preserva em vigência as normas da Lei de Processo sobre a arbitragem em juízo; o segundo dispositivo (852) exprimin-do que não se pode pactuar compromisso para solver “questões de estado, de direito pessoal de família, e outras que não tenham caráter estritamente patri-monial”; e, o terceiro (853), admitindo que, nos contratos, se estabeleça cláusu-la compromissória, objetivando “resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial”4.

A norma especial sobre a arbitragem era longamente esperada e desejada no Brasil, reconhecendo os comentaristas a timidez das estipulações do Código de Processo Civil, em particular a desconfiança com que se tratava o árbitro, impondo a homologação do laudo arbitral apresentado5. Entretanto, o advento da lei especial, introduzindo o juízo arbitral, desde logo, suscitou polêmica, no tocante à constitucionalidade de suas disposições, trazendo-se – de relevo – a questão sobre ser possível, à vista de nosso ordenamento, que ocorresse a transferência da função jurisdicional do juiz togado para o árbitro, no sentido de se conferir eficácia de sentença ao laudo que solve o conflito. Em destaque, discutiram-se eventuais ofensas ao princípio do juiz natural e do acesso ao Po-

2 Na doutrina francesa, em especial, caracterizava-se o aspecto misto do compromisso arbitral, como de natureza contratual, até que se proferisse o laudo arbitral, e de sentido jurisdicional, quando da homologação do laudo pelo juiz. (cf. Marani, Aspetti negoziali e aspetti processuali dell’arbitrato, citado por Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na constituição federal, p. 72 – nota 130).

3 O art. 1.048 do Código Civil de 1916 aludia sobre o procedimento arbitral que se “aplicará, quanto possível, o disposto acerca da transação”.

4 A lei especial, referida no novo Código Civil, nesse caso, é a Lei nº 9.037/1996.5 Nesse sentido, Nelson Nery Junior (ob. cit., p. 75 – nota 138).

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der Judiciário, albergados no texto da Constituição. O tema foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de arguição incidental de inconstituciona-lidade, nos autos de procedimento de homologação de sentença estrangeira6, resultando o reconhecimento de que a Lei nº 9.307/1996 é constitucional.

III – A ARBITRAGEM NO ESPORTE

Observadas as premissas que, anteriormente, colacionamos, devemos aduzir, neste passo, temas mais sensíveis em torno da arbitragem no esporte. De pronto, temos a remissão necessária à limitação ao emprego da arbitra-gem decorrente da redação, dada à conhecida “Lei Pelé” (9.615/1998), pela Lei nº 12.935/2011 em torno do art. 90-C, a saber:

Art. 90-C. As partes interessadas poderão valer-se da arbitragem para dirimir lití-gios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, vedada a apreciação de matéria referente à disciplina e à competição desportiva.

Parágrafo único. A arbitragem deverá estar prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho e só poderá ser instituída após a concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral.

Assim, como observa o considerado Fernando Laudares, em pertinente comentário ao tema da arbitragem no esporte, a inclusão dessa ressalva na “Lei Pelé” implicará em que eventual Corte Arbitral deve – necessariamente – susci-tar avaliação prejudicial ao julgamento sobre ser ou não “arbitrável” a matéria trazida a exame7.

Contudo, é de se notar, a teor do disposto no parágrafo único do art. 90-C, supratranscrito, que a arbitragem deve estar “prevista em acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho” e demandará para ser instituída a “concor-dância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compromissória ou compromisso arbitral”, e, nesse sentido, a disposição da cláusula ou do com-promisso, sob pena de ilegalidade, deve conformar-se com os limites ex vi legis.

6 Agravo Regimental na Sentença Estrangeira (SE) nº 5.206 – Espanha. No que interessa, diz a ementa: “Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal – dado o seu papel de ‘guarda da Constituição’ – se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo Plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF”.

7 Verifica-se que é vedada a arbitragem envolvendo questões de disciplina e competições, o que, conforme o escopo da legislação, é competência da Justiça Desportiva. Ou seja, antes mesmo de decidir o mérito da questão, o tribunal arbitral deve verificar e firmar conhecimento de que é ou não competente para analisar o mérito do caso (cf. “Arbitragem no Esporte”).

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Em outras palavras, a cláusula ou compromisso deve excluir ou não incluir entre as matérias, que possam se sujeitar à apreciação por arbitragem ou por mediação, aquelas que se refiram à “disciplina e competição esportiva”.

A segunda questão a ser enfocada diz com o conceito de “direitos pa-trimoniais disponíveis”, como objeto da arbitragem, considerando – de início – que a Lei Pelé, nesse caso, repete a disposição encartada no art. 1º da Lei nº 9.307/1966. Em síntese, parece possível afirmar, de logo, que o direito é disponível, quando é possível de ser transacionado, vale dizer, seu titular pode dispor sobre o direito que detém. Nessa simplificação, admite-se, portanto, uma categorização entre direitos disponíveis e indisponíveis, esses últimos dispostos em uma esfera tal, geralmente de natureza pública, que obsta – em princípio – a renúncia, a cessão, a transferência, ou, genericamente, qualquer espécie de transação.

Contudo, a lei de regência da arbitragem e, assim, reitera a Lei Pelé, não se limita ao quesito de disponibilidade do direito para admiti-lo ao proce-dimento arbitral, mas acresce o conceito de patrimonialidade; portanto, nes-sa linha, seria admissível considerar-se que, de plano, exclui-se do campo da mediação os direitos não disponíveis que não apresentam, em geral, conteúdo patrimonial, como, por exemplo, os direitos individuais e coletivos, ditos funda- mentais8.

De sua vez, o sobredito conteúdo patrimonial se expressa como conec-tado a uma percepção valorativa, em sentido econômico-financeiro, do direito invocado. Todavia, tanto os direitos disponíveis quanto os indisponíveis, em ge-ral, podem apresentar-se ou não com expressão patrimonial, pensando-se, aqui, para exemplificar, em determinados direitos trabalhistas que não admitem tran-sação, mas explicitam – por evidente – substrato valorativo patrimonial. Nesse sentido, sempre que cessada a indisponibilidade do direito, isto é, admitida a transação de seu valor econômico, passa-se ao cabimento pleno da arbitragem9.

CONCLUSÃO

Observados os lineamentos gerais da arbitragem, com estofo na Lei nº 9.307, aqui referenciada, e – também – as especificidades da norma des-portiva, em realce a ressalva trazida com a Lei Pelé, na redação do art. 90-C, coligido pela Lei nº 12.935/2011, podemos concluir que a forma de resolução de conflitos, apartada do Judiciário e da Justiça Desportiva, pode ser recomen-

8 Assim, o elenco dos direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13), os direitos políticos (arts. 14 a 16) e o rol do art. 5º da Carta de 1988.

9 É o caso, pensamos, dos direitos trabalhistas que são considerados indisponíveis no curso do contrato de trabalho, transmudando essa condição para sua disponibilidade quando encerrado o vínculo laboral, do qual se justifica sua transação, inclusive por meio de arbitragem.

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dada e, se adotada, representaria significativo avanço, mormente para atletas e seus clubes.

No campo contratual, por exemplo, a arbitragem e/ou a mediação tra-riam – extreme de dúvidas – contribuições de relevo, não somente para demar-car padrões jurisprudenciais, estabelecendo precedentes de análise e de con-duta, como para trazer temas sobre remuneração, direito de imagem e direito de arena, transferências e similares para a esfera técnica de conhecimento e de abordagem, mercê da necessária atuação de árbitros e de mediadores, ao invés das pouco férteis e às vezes conflituosas relações entre empresários, jogadores e diretores de clubes e de entidades esportivas10.

10 Diego Penalvo Sulzbach, em A eficácia das decisões da Justiça Desportiva e a obrigatoriedade de sujeição a esse meio para as entidades esportivas e os atletas, no Direito brasileiro e no comparado, escreve – com propriedade, que:

“De outro lado, no Brasil a Justiça Desportiva possui um espectro de atuação demasiado reduzido frente à sua potencialidade, [...]. Diante desse quadro, interessante reconhecer na Justiça Desportiva uma natureza ampliada, mista da atual – consagrada – e também como tribunal arbitral, capaz de julgar, por arbitramento, litígios civis envolvendo atores do plano desportivo, conforme do interesse desses. Embora a instituição, pelo COB, da Corte Arbitral do Esporte tenha sido um passo promissor nesse sentido, falta ainda em nosso país tribunal arbitral especializado em casos do tipo. Aproveitar a estrutura consolidada da eficiente Justiça Desportiva seria vantajoso para todos os envolvidos, e contribuiria para a paz desportiva e social”.

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Parte Geral – Doutrina

A Legalidade da Inscrição do Meia Fernandinho no Mundial de Clubes

GUSTAVO LOPES PIRES DE SOUZADoutorando em Activitat Física i Esport pela Universitat de Lleida, Mestre em Direito Des-portivo pelo INEFC – Institut Nacional d’Educación Fisica de Catalunya/Universitat de Lleida (Espanha), Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Auditor do STJD da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAT), Procurador do TJD da FF7MG, Associado e Membro do Conselho Consultivo do Instituto Mineiro de Direito Desportivo (IMDD), Associa-do e Diretor Regional (MG) do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Coordenador Regional (MG) do Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo da Unifia, Coordenador e Professor do Curso a Distância de Capacitação em Gestão e Direito Desportivo da SATeduca-cional, Membro do Conselho Editorial da Revista SÍNTESE de Direito Desportivo, Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista Brasileira de Direito Desportivo (IBDD/RT), Professor de Direito Desportivo, Professor de Curso Preparatório para Concursos Públicos (Mega Con-cursos) e Exame da OAB (CPRolim), Colunista dos Sites Universidade do Futebol e Última Instância (UOL). Autor do livro Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte, capítulos e artigos sobre Direito Desportivo.

RESUMO: A Fifa estabelece requisitos para a inscrição de atletas no Mundial de Clubes. Um dos critérios é que o atleta tenha condições de jogo dentro da “janela” de transferência de sua Federação. Esta situação tem gerado muitas discussões jurídicas, conforme ocorreu no “caso Fernandinho” que será desvendado neste artigo.

PALAVRAS-CHAVE: Inscrição; atletas; Mundial de Clubes; requisitos; caso Fernandinho; legalidade; decisão da Fifa

ABSTRACT: FIFA establishes requirements for the registration of athletes at the Clubs World Cup. One of the criteria is that the athlete is able to play within the “window of transferring” your Federa-tion. This has generated many legal discussions, as occurred in the “Fernandinho case” that will be unveiled this article.

KEYWORDS: Registration; athletes; Clubs World Cup; requirements; should Fernandinho; legality; decision Fifa.

Desde 2005, a Fifa organiza de forma ininterrupta o mais importante torneio de clubes do mundo e, em 2013, a inscrição dos atletas trouxe uma indagação jusdesportiva bastante interessante. O atleta Fernandinho poderia ou não ser inscrito para o Mundial de Clubes da Fifa?

No que tange à inscrição dos atletas, em uma tradução livre, assim dis-põe o regulamento do Mundial de Clubes em sua cláusula 23:

1. Um jogador é elegível para jogar na Copa do Mundo desde que ele esteja devidamente registrado para o seu clube de acordo com o Regulamento da Fifa

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sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores, bem como com os regulamentos da associação (confederação) do clube participante. Portanto, os requisitos que devem ser cumpridos para que um jogador seja elegível para participar da Copa do Mundo incluem, mas não estão limitados a:

a) inscrição como amador ou profissional na associação (confederação) do clube participante durante o período de inscrição fixado pela associação ou fora do período de registro, se a exceção estiver listada no Regulamento da Fifa sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores;

b) a adesão à limitação de inscrições, com clubes diferentes e participação em jogos oficiais com vários clubes durante uma temporada, conforme estabeleci-do pelos Regulamentos da Fifa sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores,

c) se o jogador estiver inscrito como profissional, deve existir contrato de trabalho escrito que vincule o jogador profissional ao seu clube e atender às exigências relativas comprimento mínimo e máximo .

2. Os protestos relativos à elegibilidade dos jogadores (cf. art. 9, § 3º, do Regula-mento) serão decididos pelo Comitê Disciplinar da Fifa, de acordo com o Código Disciplinar da Fifa .

3. Os clubes participantes são os únicos responsáveis pela relação de jogadores elegíveis. Não cumprimento levará às consequências previstas no Código Disci-plinar da Fifa.1

A “janela de transferências internacionais” do futebol brasileiro terminou no dia 19 de julho de 2013, ou seja, data limite para contratação de jogadores elegíveis para o Mundial.

Fernandinho assinou contrato de trabalho antes do encerramento da “ja-nela de inscrições”, mas o seu nome somente foi publicado no BID em 14 de agosto de 2013.

1 “1. A player is eligible to play in the World Cup provided he is duly registered for his club in accordance with the Fifa Regulations on the Status and Transfer of Players as well as with the regulations of the participating club’s member association. Therefore, the requirements that must be met for a player to be eligible to participate in the World Cup include, but are not limited to:

a) registration as an amateur or professional with the participating club’s member association for the relevant participating club during a registration period fi xed by the relevant association or outside the registration period, if the exception listed in the Fifa Regulations on the Status and Transfer of Players applies;

b) adherence to the limitation on registrations with different clubs and participation in official matches with different clubs during one season as established by the Fifa Regulations on the Status and Transfer of Players;

c) if the player is registered for his club as a professional, existence of a written employment contract binding the professional player to his club and meeting the requirements concerning minimum and maximum length.

2. Protests regarding the eligibility of players (cf. art. 9 par. 3 of the Regulations) shall be decided by the Fifa Disciplinary Committee in accordance with the Fifa Disciplinary Code.

3. The participating clubs are responsible for fi elding only eligible players. Failure to do so will lead to the consequences stipulated in the Fifa Disciplinary Code.”

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O BID corresponde ao Boletim Informativo Diário-Eletrônico da CBF e, segundo o Regulamento Geral das Competições, o atleta somente terá condição de jogo após a divulgação de seu contrato neste Boletim, veja-se:

Art. 33. Somente poderão participar das competições os atletas que tenham os seus contratos registrados na Diretoria de Registros e Transferências – DRT, ob-servados os prazos e condições de registro definidos no REC.

Art. 34. A DRT publicará o Boletim Informativo Diário-Eletrônico – BID-e, dispo-nível em seu site, no qual constarão os nomes dos atletas cujos contratos tenham sido registrados pelo clube contratante.

De um lado tem-se a existência do contrato de trabalho antes do fechamento da “janela de transferências” e, de outro, o procedimento burocrático da CBF para que o atleta tenha condição de jogo em competições nacionais.

Destarte, o Clube Atlético Mineiro cumpriu o item 1 da cláusula 23 do regulamento do Mundial ao firmar com o atleta contrato de trabalho dentro do período de transferências internacionais.

Assim, por mais que a publicação do BID tenha sido posterior à “janela”, o atleta já estava devidamente vinculado ao Clube em data anterior a 19 de julho de 2013.

Além disso, há de se destacar que um dos princípios que rege o desporto é o par condition, ou seja, a paridade de condições de disputa. Ou seja, para que exista uma competição esportiva, é indispensável que os critérios de dispu-ta sejam equivalentes.

Ora, torna-se necessária a igualdade de tratamento, uma vez que a “jane-la de transferência” de outros países tem períodos distintos. Na Alemanha, por exemplo, pode-se contratar até 31 de agosto.

Vale destacar que o Clube Atlético Mineiro somente recebeu o regula-mento oficial da competição no dia 2 de agosto, ou seja, após o “fechamento da janela”.

Na véspera do envio da lista dos 23 (vinte e três) atletas para o Mun-dial, a Fifa, em comunicado oficial, vetou a inscrição do meia Fernandinho no Mundial de Clubes. Inconformado, o Clube Atlético Mineiro informou que iria recorrer.

O primeiro recurso seria aviado à Câmara de Resolução de Disputas (CRD) da Fifa, que é o órgão decisório da entidade que proporciona o arbitra-mento e a resolução de litígios com base na representação igualitária de joga-dores e clubes e com um presidente independente.

A Câmara de Resolução de Disputas possui doze representantes de jo-gadores e doze representantes de clubes e suas decisões são aprovadas por

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um corpo composto de cinco membros (dois representantes de jogadores, dois representantes de clubes e um presidente).

Em caso de decisão negativa do CRD, cabe recurso ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), que é órgão competente para julgamentos de recursos oriundos das decisões das Federações Internacionais e do Comitê Olímpico Internacional.

Com sede em Lausane, da Suíça, o TAS/CAS é um tribunal independente que foi responsável, por exemplo, por determinar a participação do para-atleta sul-africano, Oscar Pistorius, ao reformar decisão da Federação Internacional de Atletismo.

Ademais, tais tribunais decidem de maneira bastante célere, ou seja, há tempo hábil para eventual reforma da decisão.

Entretanto, antes de apresentar recurso ao CRD, o clube mineiro aviou pedido de reconsideração que foi acatado pelo Secretário-Geral da Fifa, Jérôme Valcke.

Diante de todo o exposto, conclui-se que a medida jurídica aplicada pela Fifa foi a mais adequada. Urge destacar que, se em um primeiro momento parece se tratar de uma demanda do Clube Atlético Mineiro, analisando-se mais profundamente constata-se que a questão é de interesse de todo e qualquer clube brasileiro que um dia venha a disputar a competição.

REFERÊNCIAS

BLOG do Gustavo Lopes Pires de Souza. Disponível em: <http://www.gustavolpsouza.blogspot.com.br/2013/11/fernandinho-no-mundial-ainda-da.html>. Acesso em: 2 dez. 2013.

SUPERESPORTES. Disponível em: <http://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/futebol/atletico-mg/2013/11/25/noticia_atletico_mg,269657/mestre-em-direito-desporti-vo-entende-que-fernandinho-cumpre-as-regras-do-mundial.shtml>. Acesso em: 1º dez. 2013.

UNIVERSIDADE do Futebol. Disponível em: <http://www.universidadedofutebol.com.br/Coluna/12341/Fernandinho-e-a-inscricao-no-Mundial-de-Clubes-aspectos-juridi-cos>. Acesso em: 2 dez. 2013.

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Parte Geral – Doutrina

A Possibilidade de Transação Disciplinar em Casos de Concurso Formal de Infrações Não Constantes no Rol Predeterminado pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD)

JOÃO PAULO ROMERO BALDINAdvogado Militante na Cidade de Ribeirão Preto/SP, Graduado em Direito pela Faculdade COC de Ribeirão Preto/SP, Extensivo em Gestão e Direito Desportivo, pela SATeducacional, Pós--Graduando em Gestão Aplicada ao Esporte pela Trevisan Escola de Negócios, Coordenador da Comissão de Direito Desportivo da 12ª Subseção da OAB-SP, Membro do IBDD, Autor de Artigos, Palestrante.

RESUMO: O direito é uma das poucas profissões na qual hipóteses, teorias, estudos e jurisprudên-cias são criadas diariamente para melhorarem a área de atuação de todos os envolvidos no universo jurídico. Por esse fato é que tal artigo trata de uma nova abordagem e/ou estudo referente às transa-ções disciplinares desportivas na modalidade concurso formal de normas não constantes na relação predeterminada pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

PALAVRAS-CHAVE: Direito; teorias; transações; disciplinares; concurso; formal.

ABSTRACT: The law is one of the few professions where hypotheses, theories, studies and case laws are created daily to improve the area of operation of all those involved in the legal universe. Why this fact is that this article deals with a new approach and/or related study sports disciplinary transactions in the formal tender notice not listed in the rules regarding predetermined by the Brazilian Code of Sports Justice.

KEYWORD: Law; theories; transactions; disciplinary; tender; formal.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), em seus ordenamen-tos, prevê dois tipos de procedimentos: o sumário e o especial.

O procedimento sumário, de forma resumida, é aquele que trata exclu-sivamente de infrações disciplinares, sendo este ato privativo da Procuradoria por meio de denúncia e/ou qualquer pessoa pode noticiar um fato, desde que apresente provas suficientes à Procuradoria, podendo esta requerer o arquiva-mento ou oferecer a denúncia.

Caso a Procuradoria opine pelo seu arquivamento, pode a parte interes-sada requerer parecer ao Procurador-Geral no prazo de três dias.

Outro ponto que poderá ocorrer é o oferecimento da denúncia pela Pro-curadoria que será encaminhada ao Presidente do Tribunal (TJD ou STJD).

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O procedimento especial, em suma, é aquele que trata de todo andamen-to processual, ou seja, petições, recursos, iniciais, etc.

Trata-se do inquérito, impugnação de partida, prova ou equivalente, mandado de garantia, reabilitação, dopagem, suspensão, desfiliação ou desvin-culação, revisão e transação disciplinar.

Dessa forma, temos que o presente estudo trata-se de um procedimento especial – transação disciplinar.

A transação disciplinar é o ato praticado entre a Procuradoria e o infra-tor, de forma direta, sem necessidade de intervenção do Presidente do Tribunal (STJD ou TJD) ou do auditor.

Somente poderá haver transação nos casos específicos previstos no Códi-go Brasileiro de Justiça Desportiva, ou seja:

Art. 206;

Arts. 250 ao 258-C;

Arts. 259 ao 273.

Vejamos:

Art. 206 do CBJD: Dar causa ao atraso do início da realização de partida, prova ou equivalente, ou deixar de apresentar a sua equipe em campo até a hora mar-cada para o início ou reinício da partida, prova ou equivalente. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: multa de R$ 100,00 (cem reais) até R$ 1.000,00 (mil reais) por minuto. (NR)

§ 1º Se o atraso for superior ao tempo previsto no regulamento de competição da respectiva modalidade, o infrator responderá pelas penas previstas no art. 203; (AC)

Art. 250. Praticar ato desleal ou hostil durante a partida, prova ou equivalente.

Pena: suspensão de uma a três partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código. (AC)

§ 1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem prejuízo de outros: (AC)

I – impedir de qualquer forma, em contrariedade às regras de disputa do jogo, uma oportunidade clara de gol, pontuação ou equivalente; (AC)

II – empurrar acintosamente o companheiro ou adversário, fora da disputa da jogada. (AC)

§ 2º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de adver-tência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

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Arts. 251 ao 253. Revogados pela Resolução CNE nº 29 de 2009.

Art. 254. Praticar jogada violenta:

Pena: suspensão de uma a seis partidas, provas ou equivalentes.

§ 1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem prejuízo de outros: (AC)

I – qualquer ação cujo emprego da força seja incompatível com o padrão razoa-velmente esperado para a respectiva modalidade; (AC)

II – a atuação temerária ou imprudente na disputa da jogada, ainda que sem a intenção de causar dano ao adversário. (AC)

§ 2º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de adver-tência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

§ 3º Na hipótese de o atingido permanecer impossibilitado de praticar a moda-lidade em consequência de jogada violenta grave, o infrator poderá continuar suspenso até que o atingido esteja apto a retornar ao treinamento, respeitado o prazo máximo de cento e oitenta dias. (AC)

§ 4º A informação do retorno do atingido ao treinamento dar-se-á mediante co-municação ao órgão judicante (STJD ou TJD) pela entidade de prática desportiva à qual o atingido estiver vinculado. (AC)

Art. 254-A. Praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente. (In-cluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de quatro a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão téc-nica, e suspensão pelo prazo de trinta a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem prejuízo de outros:

I – desferir dolosamente soco, cotovelada, cabeçada ou golpes similares em ou-trem, de forma contundente ou assumindo o risco de causar dano ou lesão ao atingido; (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

II – desferir chutes ou pontapés, desvinculados da disputa de jogo, de forma contundente ou assumindo o risco de causar dano ou lesão ao atingido. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 2º Se da agressão resultar lesão corporal grave, atestada por laudo médico, ape-na será de suspensão de oito a vinte e quatro partidas. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 3º Se a ação for praticada contra árbitros, assistentes ou demais membros de equipe de arbitragem, a pena mínima será de suspensão por cento e oitenta dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

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§ 4º Na hipótese de o agredido permanecer impossibilitado de praticar a moda-lidade em consequência da agressão, o agressor poderá continuar suspenso até que o agredido esteja apto a retornar ao treinamento, respeitado o prazo máximo de cento e oitenta dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 5º A informação do retorno do agredido ao treinamento dar-se-á mediante co-municação ao órgão judicante (STJD ou TJD) pela entidade de prática desporti-va à qual o agredido estiver vinculado. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 254-B. Cuspir em outrem: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de trinta a cento e oitenta dias, se praticada por qual-quer outra pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Parágrafo único. Se a ação for praticada contra árbitros, assistentes ou demais membros de equipe de arbitragem, a pena mínima será de suspensão por trezen-tos e sessenta dias, qualquer que seja o infrator. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 255 e art. 256. Revogados pela Resolução CNE nº 29 de 2009.

Art. 257. Participar de rixa, conflito ou tumulto, durante a partida, prova ou equi-valente.

Parágrafo único. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de duas a dez partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código. (NR)

§ 1º No caso específico do futebol, a pena mínima será de seis partidas, se prati-cada por atleta. (AC)

§ 2º Não constitui infração a conduta destinada a evitar o confronto, a proteger outrem ou a separar os contendores. (AC)

§ 3º Quando não seja possível identificar todos os contendores, as entidades de prática desportiva cujos atletas, treinadores, membros de comissão técnica, dirigentes ou empregados tenham participado da rixa, conflito ou tumulto serão apenadas com multa de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais). (AC)

Art. 258. Assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras deste Código. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de uma a seis partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código. (NR)

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§ 1º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de adver-tência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

§ 2º Constituem exemplos de atitudes contrárias à disciplina ou à ética desporti-va, para os fins deste artigo, sem prejuízo de outros:

I – desistir de disputar partida, depois de iniciada, por abandono, simulação de contusão, ou tentar impedir, por qualquer meio, o seu prosseguimento; (AC)

II – desrespeitar os membros da equipe de arbitragem, ou reclamar desrespeitosa-mente contra suas decisões. (AC)

Art. 258-A. Provocar o público durante partida, prova ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de duas a seis partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qual-quer outra pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 258-B. Invadir local destinado à equipe de arbitragem, ou o local da partida, prova ou equivalente, durante sua realização, inclusive no intervalo regulamen-tar. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de uma a três partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qual-quer outra pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 1º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de ad-vertência se a infração for de pequena gravidade. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 2º Considera-se invasão o ingresso nos locais mencionados no caput sem a necessária autorização. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 258-C. Dar ou transmitir instruções a atletas, durante a realização de partida, prova ou equivalente, em local proibido pelas regras ou regulamento da modali-dade desportiva. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de uma a três partidas. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009);

Art. 259. Deixar de observar as regras da modalidade.

Pena: suspensão de quinze a cento e vinte dias e, na reincidência, suspensão de sessenta a duzentos e quarenta dias, cumuladas ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 1º A partida, prova ou equivalente poderá ser anulada se ocorrer, comprovada-mente, erro de direito relevante o suficiente para alterar seu resultado. (AC)

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§ 2º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de adver-tência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Art. 260. Omitir-se no dever de prevenir ou de coibir violência ou animosidade entre os atletas, no curso da competição.

Pena: suspensão de trinta a cento e oitenta dias e, na reincidência, suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, cumuladas ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Art. 261. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 261-A. Deixar o árbitro, auxiliar ou membro da equipe de arbitragem de cumprir as obrigações relativas à sua função. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de quinze a noventa dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem prejuízo de outros: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

I – não se apresentar devidamente uniformizado ou apresentar-se sem o material necessário ao desempenho das suas atribuições: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

II – deixar de apresentar-se, sem justo motivo, no local destinado à realização da partida, prova ou equivalente com a antecedência mínima exigida no regulamen-to para o início da competição. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

III – não conferir documento de identificação das pessoas naturais constantes da súmula ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

IV – deixar de entregar ao órgão competente, no prazo legal, os documentos da partida, prova ou equivalente, regularmente preenchidos; (Incluído pela Resolu-ção CNE nº 29 de 2009).

V – dar início à partida, prova ou equivalente, ou não interrompê-la quando, no local exclusivo destinado à sua prática, houver qualquer pessoa que não as previstas nas regras das modalidades, regulamentos e normas da competição. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

§ 2º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de ad-vertência se a infração for de pequena gravidade. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 262. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 263. Deixar de comunicar à autoridade competente, em tempo oportuno, que não se encontra em condições de exercer suas atribuições.

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Pena: suspensão de cinco a sessenta dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Art. 264 e art. 265. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 266. Deixar de relatar as ocorrências disciplinares da partida, prova ou equi-valente, ou fazê-lo de modo a impossibilitar ou dificultar a punição de infratores, deturpar os fatos ocorridos ou fazer constar fatos que não tenha presenciado.

Pena: suspensão de trinta a trezentos e sessenta dias, cumulada ou não com mul-ta, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Art. 267. Deixar de solicitar às autoridades competentes as providências neces-sárias à segurança individual de atletas e auxiliares ou deixar de interromper a partida, caso venham a faltar essas garantias.

Pena: suspensão de trinta a trezentos e sessenta dias, cumulada ou não com mul-ta, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Art. 268. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 269. Recusar-se, injustificadamente, a iniciar a partida, prova ou equivalente, ou abandoná-la antes do seu término.

Pena: suspensão de trinta a cento e oitenta dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Art. 270 ao art. 272. (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Art. 273. Praticar atos com excesso ou abuso de autoridade.

Pena: suspensão de quinze a cento e oitenta dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (mil reais). (NR)

Parágrafo único. É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC)

Em síntese, desde que não tiver o infrator sido beneficiado pela transação dentro do prazo de 360 dias anteriores, não possuir antecedentes e conduta desportiva que justifique a medida e os motivos e as circunstâncias da infração, indicarem não serem suficientes a transação disciplinar.

A transação disciplinar não gera reincidência, porém, somente poderá ser beneficiado por tal medida após 360 dias da transação anterior.

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Por fim, à decisão do Relator que negar a transação disciplinar proposta pela Procuradoria caberá recurso voluntário ao Tribunal Pleno do órgão judi-cante.

Para exemplificar o estudo em tela, analisaremos o caso dos arts. 243 e 254-A, ambos do CBJD.

Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende.

Pena: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspen-são de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias; (NR)

Art. 254-A. Praticar agressão física durante a partida, prova ou equivalente. (In-cluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Pena: suspensão de quatro a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão téc-nica, e suspensão pelo prazo de trinta a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Observa-se que, neste caso, concurso formal, ou seja, com uma ação ele promoveu 02 ou mais resultados (arts. 254-A e 243, ambos do CBJD). Desta forma, temos que a infração mais grave absorverá a mais branda aumentada de 1/6.

Assim, sendo a pena mais grave prevista no art. 254-A, absorvendo a pena mais branda que é a do art. 243, caput, caberá, da mesma forma, a transa-ção disciplinar, haja vista que em nenhum dos capítulos do CBJD há a disserta-ção que não poderá ser aplicada transação em casos de concurso formal, sendo que uma infração pode haver a transação e a outra não.

Vale ressaltar que o Direito Desportivo é um ramo do direito, sendo uma matéria interdisciplinar, aplicando em alguns casos a analogia. Vejamos.

Por analogia, ressalta-se que, quando houver concurso formal para o mesmo autor do delito que ultrapasse o montante de 02 (dois) anos previsto na Lei Federal nº 11.313/2006, haverá processamento e julgamento na vara comum e, por conseguinte, inaplicabilidade, institutos despenalizadores da Lei Federal nº 9.099, de 1995.

Assim, temos por equiparação que a norma penal trata exclusivamente de casos em que pode ou não ser aplicada a suspensão do processo, conforme demonstrado anteriormente.

No CBJD não temos, como já mencionado anteriormente, nenhuma menção a penas cominadas ou não, ou em caso de infração mais grave absor-ver crimes menos graves ser possível ou não à proposta de transação disciplinar.

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Ainda não prevê da mesma forma o CBJD penas máximas ou prazos má-ximos cominados ou não para propositura da transação disciplinar, ou seja, não existe proibição alguma em casos como este.

Porém, é explícito no CBJD os casos que poderá ocorrer a transação disciplinar, ou seja, nos arts. 206, § 1º, 250 ao 258-C e, por fim, do art. 259 ao art. 273. Nos termos previstos pelo CBJD, o art. 243 em questão não faz parte do rol de casos que poderá ser obtida a transação disciplinar e nem mesmo nos casos que não poderá haver a transação disciplinar, conforme art. 80, § 2º, do CBJD.

Vejamos o art. 80, § 2º, do CBJD:

Art. 80-A. [...]

[...]

§ 2º Não se admitirá a proposta de tramitação disciplinar desportiva quando: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

I – o infrator tiver sido beneficiado, no prazo de trezentos e sessenta dias anterio-res à infração, pela transação disciplinar desportiva prevista neste artigo; (Incluí-do pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

II – o infrator não possuir antecedentes e conduta desportiva justificadores da adoção da medida; (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

III – os motivos e as circunstâncias da infração indicarem não ser suficiente a adoção da medida. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Já o § 3º do referido artigo nos ensina que a transação disciplinar deve-rá conter ao menos uma das penas previstas nos incisos II a IV do art. 170 do CBJD, ou seja, penas de multa, suspensão por partida e suspensão por prazo.

Art. 80-A. [...]

[...]

§ 3º A transação disciplinar desportiva deverá conter ao menos uma das penas previstas nos incisos II a IV do art. 170, que poderão ser cumuladas com medidas de interesse social. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009);

[...]

Art. 170. Às infrações disciplinares previstas neste Código correspondem as se-guintes penas:

[...]

II – multa;

[...]

IV – suspensão por prazo;

[...]

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Todo este exposto para lembrar a possibilidade concreta de se aplicar transação disciplinar em concurso formal, mesmo que o artigo não esteja pre-visto no rol dos artigos do CBJD que aceitam transação disciplinar, pois a pena do art. 243 é de multa, juntamente com suspensão por prazo, ou seja, está no rol previsto de penas do § 3º do art. 80 do CBJD.

O entendimento do presente estudo temos que deve-se em caso de con-curso formal, que a infração mais grave absorve a infração menos grave, mesmo não estando no rol dos artigos previstos para a transação penal, desde que sua pena esteja constante no art. 170, II a IV, é possível tal prática (transação disci-plinar) pelo fato do CBJD não prever tal hipótese (tudo o que a lei não proibir ou prever é legal) e as penas serem as mesmas previstas no § 3º do art. 80 do CBJD.

Portanto, de uma forma bem resumida que dissertamos no presente tra-balho, deve fazer valer tal entendimento.

Com relação à parte processual do exemplo real que pegamos para estu-do, temos que o responsável pela proposta de transação ao atleta é a Procurado-ria, e não o auditor, ou até mesmo pode ser requerido pela parte ao Presidente do Tribunal, ou seja, as partes responsáveis pela transação disciplinar é a Procu-radoria com o infrator, conforme dispõe o § 7º do art. 80 do CBJD:

Art. 80. […]

[...]

§ 7º A transação disciplinar desportiva a que se refere este artigo poderá ser fir-mada entre Procuradoria e infrator antes ou após o oferecimento de denúncia, em qualquer fase processual, devendo sempre ser submetida à apreciação de Relator sorteado, membro do Tribunal Pleno do TJD ou STJD competente para julgar a in-fração, suspendendo-se condicionalmente o processo até o efetivo cumprimento da transação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

Outro ponto a se destacar é a questão da transação poder ou não ser su-gerida, requerida, antes do oferecimento da denúncia pelo Procurador. É clara e transparente a redação do dispositivo legal anteriormente transcrito:

§ 7º A transação disciplinar desportiva a que se refere este artigo poderá ser fir-mada entre Procuradoria e infrator antes ou após o oferecimento de denúncia, em qualquer fase processual […].

No caso em estudo, mais precisamente na questão de poder ou não haver transação disciplinar, nota-se que tal transação somente pode ser aplicada no procedimento especial, pois nele consta tal preceito:

Art. 80-A. A Procuradoria poderá sugerir a aplicação imediata de quaisquer das penas previstas nos incisos II a IV do art. 170, conforme especificado em proposta de transação disciplinar desportiva apresentada ao autor da infração. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

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§ 1º A transação disciplinar desportiva somente poderá ser admitida nos seguintes casos: (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

I – de infração prevista no art. 206, excetuada a hipótese de seu § 1º; (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)

II – de infrações previstas nos arts. 250 a 258-C; (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)

III – de infrações previstas nos arts. 259 a 273. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009)

Por fim, observa-se o art. 80, § 5º, do CBJD:

[…] § 5º Acolhendo a proposta de transação disciplinar desportiva, o Relator aplicará a pena, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente a concessão do mesmo benefício ao infrator no prazo de trezentos e sessenta dias. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009). [...]

Vale notar que tal transação imposta ao atleta deve ter a anuência do mesmo, pois pode ele preferir se submeter a julgamento, buscando sua absolvi-ção, da mesma forma que a justiça comum trata os casos da Lei nº 9.099/1995.

O nobre Jurista Jaime Barreiro Neto nos ensina: “Não pode a Procurado-ria desportiva impor a formulação da transação desportiva, limitando-se portan-to, a sugeri-la, nas hipóteses cabíveis”.

Por fim, vale frisar que, caso a proposta de transação sugerida pela Pro-curadoria seja aceita pelo infrator e negada pelo Relator, caberá recurso ao Tribunal Pleno, conforme § 6º do art. 80:

§ 6º Da decisão do relator que negar a transação disciplinar desportiva acordada entre Procuradoria e infrator caberá recurso ao Tribunal Pleno. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).

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Parte Geral – Doutrina

Da Adequada Interpretação do Comando Normativo Incurso no Artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, no Que Toca às Entidades de Prática Desportiva Brasileiras

The Proper Interpretation of the Normative Command, Provided in Article 429 of the Consolidation of Labor Laws, with Regard to the Entities of Brazilian Sport

PEDRO HENRIQUE TORQUATO VIANA ANTUNESAdvogado do Clube Atlético Mineiro (CAM), Especialista em Direito Desportivo pelo Centro Universitário Amparense (Unifia), Especialista em Direito Processual pelo Instituto de Edu-cação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC – PUC-Minas), Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (FMD – PUC-Minas), possui formação de nível técnico profissionalizante em Administração pela Escola Técnica de Formação Gerencial do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (ETFG – Sebrae/MG).

RESUMO: Este artigo realizou estudo sobre a adequada interpretação a ser conferida ao comando normativo incurso no art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, no que toca às entidades de prática desportiva brasileiras. Isso em atenção aos limites especiais de autonomia delineados pela Constituição da República de 1988 às precitadas entidades, e em observância às ambições de se-gurança e de legitimidade que o Direito, na Modernidade, coloca para si. Foi realizada uma análise crítica e reflexiva sobre a correção de um provimento de primeiro grau proferido em processo cujo ob-jeto é análogo ao deste ensaio para, em sequência, se esboçar qual(is) a(s) resposta(s) adequada(s) deveria(m) ser dada(s) ao caso. Para tanto, confrontou-se o teor do julgado com o entendimento firmado em arestos provenientes de distintos Tribunais Regionais do Trabalho, que, embora ainda não tenham apreciado processo com igual causa de pedir remota, já evidenciam a incorreção da interpretação que vem sendo conferida à legislação pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo juízo sentenciante.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; formação de atletas; singularidades das entidades de prática desportiva; interpretação conforme a Constituição.

ABSTRACT: This article conducted a study on the proper interpretation to be given to the normative command, provided in Article 429 of the Consolidation of Labor Laws, with regard to the entities of Brazilian sports. That, in consideration of the special limits of autonomy outlined by the Constitution of 1988, of the aforesaid entities, and in compliance with the ambitions of safety and legitimacy of Law, in Modernity, which are put for them. A critical and reflective analysis of the correctness of a provision of trial court sentenced in proceedings whose object is analogous to the one aimed at this essay, in a way as to, in sequence, outline which adequate responses should be given to the case. Therefore, the content of the decision was confronted with the understanding of the signed provisional attachments from different Regional Labor Courts, which although not having analyzed

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records with similar cause of action requesting remote, have already evidenced the incorrectness of the interpretation that has been being given to legislation of Ministry of Labor and Employment and by the sentencing Court.

KEYWORDS: Learning; athletes training; singularities of sports entities; interpretation according to the Constitution.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da aprendizagem; 2 Do contexto em que as entidades de prática desportiva encontram-se imersas; 3 Dos atletas não profissionais; 4 Da análise pelo Poder Judiciário sobre um caso concreto; 5 Uma análise crítica e reflexiva sobre o provimento jurisdicional; 6 Ensaio sobre a adequada interpretação do comando normativo incurso no artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, no que toca às entidades de prática desportiva; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Se, em tempos pretéritos, teve o Direito para si a ambição de esgotar, quando da produção normativa, todas aquelas situações do mundo-da-vida que lhe competiria desafiar, modernamente, reputa-se superada a visão segundo a qual ele estaria reduzido a “um conjunto de normas convencionalmente firma-das” (Chamon Junior, 2008, p. 149), de maneira expressa ou tácita, construídas por meio de processos legislativos ou dos costumes.

Não é possível, quando da produção normativa, problematizar todas e quais-quer hipóteses imagináveis e futuras que o Direito terá que enfrentar. Não mais acreditamos que seja possível, mediante um processo de codificação, esgotar o conteúdo normativo de determinada matéria. (Chamon Junior, 2009, p. 136)

A assunção de que o Direito consiste em um sistema coerente de prin-cípios jurídicos vem elidir o problema que não raro emergia face àquelas cir-cunstâncias simplesmente impensadas pelo legislador, perante as quais se via o decisor, imbuído de espírito salvacionista, autorizado a julgar conforme o seu próprio sentimento, ou em sintonia com o seu bom-senso.

Em especial, o moderno reconhecimento do caráter principiológico (argumentativo aberto) do Direito passa a dar guarida à pretensão de que os provimentos, sejam eles jurisdicionais ou não, atendam aos parâmetros de certeza e, notadamente, de legitimidade – tão caros ao Estado Democrático de Direito.

[...] por um lado, o princípio da certeza requer decisões que podem ser consisten-temente tomadas no quadro do Direito vigente; por outro, a pretensão de legiti-midade da ordem jurídico-democrática requer decisões consistentes não apenas com o tratamento anterior de casos análogos e com o sistema de normas vigente, mas pressupõe igualmente que sejam racionalmente fundadas nos fatos da ques-tão, de tal modo que os cidadãos possam aceitá-las como decisões racionais. (Oliveira, 2002, p. 80)

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A ingenuidade presente no entendimento de que institutos jurídicos her-méticos e enrijecidos, construídos por um legislador pretensamente onisciente, teriam o condão de garantir aos cidadãos segurança jurídica, acabou por desve-lar acentuado distanciamento entre o conteúdo teórico produzido nos proces-sos de codificação frente ao dinamismo dos fatos sociais.

Cumpre ter presente que, por justificativa histórica, a catalogação de situações da vida em categorias jurídicas abstratas escorou-se justo na busca por segurança jurídica por aqueles sujeitos temerários de ameaças e de lesões perpetradas não apenas por um Estado opressor, mas, igualmente, por seus con-cidadãos.

Por suposto, tinha a teoria do ordenamento jurídico a pretensão de “dar unidade a um conjunto de normas jurídicas fragmentárias, que constituíam um risco permanente de incerteza e de arbítrio” (Bobbio, 1995, p. 198).

Contudo, somente um olhar pós-convencional sobre o Direito teve o condão de tomá-lo como objeto de compreensão, crítica e reflexão por parte dos atores envolvidos, conduzindo o aplicador a adotar uma postura verdadei-ramente realizativa – e não meramente descritiva (acrítica) – perante a matéria investigada.

[...] “segurança jurídica” jamais pode ingenuamente ser confundida, outra vez, com um apego a textos legislativos, mas, pelo contrário, referida à certeza de que a postura assumida na interpretação do Direito será aquela realizativa, a respeitar a pluralidade da sociedade, enfim, o sentido principiológico do Direito na mo-dernidade. (Chamon Junior, 2009, p. 228)

Ocorre que, ainda atualmente, muitos dos aplicadores insistem em igno-rar os contornos e o contexto dos casos que se lhe apresentam, estabelecendo – a não mais poder – relações de hierarquia, do que deflui que, para estes, in-terpretação seria atividade mecânica de mero enquadramento de circunstâncias fáticas em categorias abstratas, em moldes de regra e exceção.

Ao estabelecer relações de prioridade e hierarquia, a interpretação, para muitos dos nossos operadores jurídicos, ainda deve ser feita em termos de regra-exce-ção. Consequentemente, as soluções antecipadas não observam os contextos e os contornos de um caso específico. (Sá; Barbosa, 2009, p. 279)

Com efeito, é em um contexto pós-convencional do Direito que a in-terpretação do comando normativo incurso no art. 4291 da Consolidação das

1 “Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)” (Brasil, 2013, p. 856)

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Leis do Trabalho, em específico no que afeta as entidades de prática desportiva brasileiras, é tomada como objeto de problematização.

Isso porque a Constituição da República de 1988, em seu art. 2172, ao dispor sobre o desporto, delineou limites especiais de autonomia às entidades desportivas, com o que, face à atividade social especialíssima a que se dedicam, acabou por reconhecer uma necessidade inafastável de se conferir tratamento singular a elas.

Nesse passo, indaga-se: ao preceituar que estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacio-nais de Aprendizagem jovens aprendizes, estaria o dispositivo da CLT a coo-brigar as entidades de prática desportiva a cumprir essa regra em específico, da mesma forma e na mesma medida que as demais sociedades e associações privadas?

Estariam o Ministério do Trabalho e Emprego3 – órgão da administração federal direta com competência específica para a fiscalização do trabalho, bem como para a aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas – e o Poder Judiciário a adotar postura verdadeiramente realizativa no que toca à interpretação e à aplicação do conteúdo normativo do sobredito artigo, ou es-tariam precitados órgãos ainda acorrentados a uma visão meramente descritiva e convencional do Direito?

Norma constitucional ou infraconstitucional seria capaz de excetuar ou, em um mesmo sentido, de flexibilizar a obrigação incursa no art. 429 da Conso-lidação das Leis do Trabalho, de sorte que às entidades desportivas fosse mesmo conferido tratamento singular?

1 DA APRENDIZAGEM

A aprendizagem é estabelecida pela Lei nº 10.097/2000 e regulamentada pelo Decreto nº 5.598/2005.

2 “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.” (Brasil, 2013, p. 71)

3 “Art. 1º O Ministério do Trabalho e Emprego, órgão da administração federal direta, tem como área de competência os seguintes assuntos: I – política e diretrizes para a geração de emprego e renda e de apoio ao trabalhador; II – política e diretrizes para a modernização das relações do trabalho; III – fiscalização do trabalho, inclusive do trabalho portuário, bem como aplicação das sanções previstas em normas legais ou coletivas; IV – política salarial; V – formação e desenvolvimento profissional; VI – segurança e saúde no trabalho; VII – política de imigração; e VIII – cooperativismo e associativismo urbanos.” (Brasil, 2014)

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A teor do art. 4284 da CLT, o contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de vinte e quatro anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico--profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessá-rias a essa formação.

A validade do contrato de aprendizagem está condicionada à anotação do vínculo na Carteira de Trabalho e Previdência Social, à matrícula e à fre- quência do aprendiz na escola, caso ainda não tenha concluído o ensino mé-dio, e à inscrição do jovem em programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica – a qual se caracteriza por atividades teóricas e práticas, organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho.

Garante-se ao aprendiz, à exceção de condição mais benéfica, salário--mínimo hora.

O prazo de vigência do contrato de aprendizagem não poderá exceder dois anos, salvo se tratar-se o aprendiz de pessoa com deficiência.

Ainda, por força do art. 4325 do mesmo diploma, a duração do contrato de aprendizagem não deverá exceder seis horas diárias, sendo vedadas a pror-rogação e a compensação de jornada.

4 “Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação. (Redação dada pela Lei nº 11.180, de 2005) § 1º A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica. (Redação dada pela Lei nº 11.788, de 2008) § 2º Ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário-mínimo hora. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 3º O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, exceto quando se tratar de aprendiz portador de deficiência. (Redação dada pela Lei nº 11.788, de 2008) § 4º A formação técnico-profissional a que se refere o caput deste artigo caracteriza-se por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 5º A idade máxima prevista no caput deste artigo não se aplica a aprendizes portadores de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.180, de 2005) § 6º Para os fins do contrato de aprendizagem, a comprovação da escolaridade de aprendiz portador de deficiência mental deve considerar, sobretudo, as habilidades e competências relacionadas com a profissionalização. (Incluído pela Lei nº 11.180, de 2005) § 7º Nas localidades onde não houver oferta de ensino médio para o cumprimento do disposto no § 1º deste artigo, a contratação do aprendiz poderá ocorrer sem a frequência à escola, desde que ele já tenha concluído o ensino fundamental. (Incluído pela Lei nº 11.788, de 2008).” (Brasil, 2013, p. 855)

5 “Art. 432. A duração do trabalho do aprendiz não excederá de seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 1º O limite previsto neste artigo poderá ser de até oito horas diárias para os aprendizes que já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)” (Brasil, 2013, p. 856)

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Excetuados, encontram-se os jovens que já tenham concluído o ensino fundamental, situação que autoriza o prolongamento da jornada para até oito horas diárias, desde que nelas sejam computadas as horas destinadas à apren-dizagem teórica.

O contrato de aprendizagem se extingue6 por ocasião de seu termo, na hipótese de o jovem completar vinte e quatro anos (à exceção da hipótese de o aprendiz ser pessoa com deficiência) ou em face das seguintes circunstâncias: (i) desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; (ii) falta disciplinar grave; (iii) ausência injustificada à escola que implique do ano letivo; ou (iv) a pedido do aprendiz.

Nos termos do art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, os esta-belecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equi-valente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.

Em não havendo oferta pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem de cursos ou vagas suficientes para o atendimento à demanda dos estabelecimen-tos, esta poderá ser suprida por outras entidades especializadas em formação técnico profissional, quais sejam, (i) Escolas Técnicas de Educação e (ii) entida-des sem fins lucrativos, que tenham por finalidade a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente7.

6 “Art. 433. O contrato de aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou quando o aprendiz completar 24 (vinte e quatro) anos, ressalvada a hipótese prevista no § 5º do art. 428 desta Consolidação, ou ainda antecipadamente nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 11.180, de 2005) a) revogada; (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) b) revogada. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) I – desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; (AC) (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) II – falta disciplinar grave; (AC) (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) III – ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou (AC) (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) IV – a pedido do aprendiz. (AC) (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) Parágrafo único. Revogado. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 2º Não se aplica o disposto nos arts. 479 e 480 desta Consolidação às hipóteses de extinção do contrato mencionadas neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)” (Brasil, 2013, p. 856)

7 “Art. 430. Na hipótese de os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, a saber: (Redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) I – Escolas Técnicas de Educação; (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) II – entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 1º As entidades mencionadas neste artigo deverão contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como acompanhar e avaliar os resultados. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 2º Aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem, com aproveitamento, será concedido certificado de qualificação profissional. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000) § 3º O Ministério do Trabalho e Emprego fixará normas para avaliação da competência das entidades mencionadas no inciso II deste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)” (Brasil, 2013, p. 856)

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A aferição sobre se dada função demanda ou não formação profissional – o que conduz o aplicador a incluir (ou não) determinado cargo na base de cálculo para fins de cômputo dos aprendizes a serem contratados – se dá, em princípio, por meio de consulta à Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), portaria editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro.

Tem o instituto por escopo compelir os estabelecimentos de qualquer natureza a cumprir relevante função social, de sorte que participem de maneira direta da aprendizagem e do aperfeiçoamento técnico-profissional de jovens em formação – o que se compreende como uma opção legislativa pela eficácia direta prima facie de direitos fundamentais também nas relações privadas8.

Uma análise rasa e sumarizada do artigo em referência poderia carrear o leitor à precipitada conclusão de que qualquer pessoa jurídica, sem distinção, estaria mesmo compelida à contratação de aprendizes típicos, observados os parâmetros legais.

Inobstante, merece relevo que as entidades de prática desportiva, por se dedicarem a atividade social especialíssima, encontram-se imersas em contexto repleto de particularidades – cujos contornos, delineados de maneira singular, devem estar refletidos na leitura que se confere às normas legais que a elas se aplicam.

2 DO CONTEXTO EM QUE AS ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA ENCONTRAM-SE IMERSAS

O desembaraço da ascensão do desporto no cenário moderno passa a, de forma gradativa, atrair olhares mais atentos dos aplicadores do Direito.

Questões jurídicas afeitas às entidades desportivas que, em princípio, eram investigadas à luz de ramos autônomos (e inespecíficos) do Direito, ainda que de forma incipiente, clamam por respostas que observem – a par e passo – o contexto em que estão imersas, de modo que a elas se possa conferir atributos de legitimidade e adequação.

E não apenas a edição de normas específicas compõe o rol das novas ambições que o direito desportivo coloca para si na Modernidade.

Deixam de interessar aos intérpretes aquelas respostas e soluções molda-das ex ante, com o que se passa a conferir relevo aos discursos de aplicação nor-mativa, delineados particularmente para os casos concretos que se apresentam e direcionados essencialmente a uma interpretação conforme a Constituição da

8 Sobre a eficácia direta prima facie dos direitos fundamentais nas relações privadas, ver SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e influência dos direitos fundamentais no direito privado: algumas notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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República de 1988, que respeite a sua supremacia e, em essência, o efeito irra-diador que exerce sobre o todo o ordenamento jurídico (locus hermenêutico).

A Constituição, reservando seção especial para o desporto, elevou a im-portância do fomento às práticas desportivas, formais e não formais, e as alçou a direito individual – atribuindo ao Poder Público o dever de incentivo ao lazer, como forma de promoção social.

Delineou a Constituição limites especiais de autonomia às entidades des-portivas, quanto à sua organização e ao seu funcionamento, com o que, por derradeiro, reconheceu que a elas se deve atribuir tratamento especial, dadas as singularidades de sua atividade social.

Em consonância, normas infraconstitucionais foram editadas, de forma a disciplinar distintas – mas não todas as – situações jurídicas de relevância para o fomento e para a realização das práticas desportivas.

Oportunamente, sobrepuja-se a Lei nº 9.615/1998, reconhecida por Lei Pelé, que institui normas gerais sobre o desporto, a fim de se traçar breves con-siderações acerca do vínculo formado pelos atletas não profissionais (jovens em formação) junto às agremiações – os quais ocupam, irrefutavelmente, posição análoga à dos aprendizes típicos disciplinados pela Consolidação das Leis do Trabalho.

3 DOS ATLETAS NÃO PROFISSIONAIS

A Lei nº 9.615/1998 dispõe estar o desporto brasileiro abrangido por práticas formais e não formais, observadas as suas normas – o que recebe ins-piração dos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito9.

Entre outras situações, disciplina a Lei Pelé o vínculo do atleta não profis-sional perante a entidade formadora, de maneira a resguardar ao jovem condi-ções dignas para o desenvolvimento de suas potencialidades, e às agremiações a segurança de que, em um futuro incerto, colherá os eventuais frutos advindos de seu investimento – a teor de seu art. 29-A10.

9 “Art. 1º O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece às normas gerais desta Lei, inspirado nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.” (Brasil, 2014).

10 “Art. 29-A. Sempre que ocorrer transferência nacional, definitiva ou temporária, de atleta profissional, até 5% (cinco por cento) do valor pago pela nova entidade de prática desportiva serão obrigatoriamente distribuídos entre as entidades de práticas desportivas que contribuíram para a formação do atleta, na proporção de: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). I – 1% (um por cento) para cada ano de formação do atleta, dos 14 (quatorze) aos 17 (dezessete) anos de idade, inclusive; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – 0,5% (meio por cento) para cada ano de formação, dos 18 (dezoito) aos 19 (dezenove) anos de idade, inclusive. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 1º Caberá à entidade de prática desportiva cessionária do atleta reter do valor a ser pago à entidade de prática desportiva cedente 5% (cinco por cento) do valor acordado para a transferência, distribuindo-os às entidades de prática desportiva que contribuíram para a formação do atleta. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 2º Como exceção à regra estabelecida no § 1º deste artigo, caso o atleta se desvincule da entidade de prática desportiva de forma unilateral, mediante pagamento da cláusula indenizatória desportiva prevista no inciso I do art. 28 desta lei, caberá à entidade de prática

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É que, sempre que houver transferência nacional, definitiva ou temporá-ria, de atleta profissional, até cinco pontos percentuais do valor pago pela enti-dade cessionária serão distribuídos entre as agremiações que contribuíram para a formação do atleta, observado o equacionamento delineado pela própria lei.

A esse propósito, assevera a Lei Pelé11 ser direito da entidade formadora a assinatura do primeiro contrato de trabalho com o jovem em formação, de sorte que, sendo-lhe ceifado tal direito por oposição do atleta, fará jus ao rece-bimento de indenização.

Também na hipótese de o atleta se vincular, sob qualquer forma, a ou-tra agremiação, sem a expressa anuência da associação desportiva formado-ra, imiscui-se a entidade no direito ao recebimento de indenização, cujo valor será limitado ao montante correspondente a 200 (duzentas) vezes as despesas efetuadas, de maneira comprovada, com a formação do aprendiz, nos termos especificados em seu contrato de formação.

Com efeito, nos moldes da lei12, considera-se entidade formadora aque-la que forneça aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e

desportiva que recebeu a cláusula indenizatória desportiva distribuir 5% (cinco por cento) de tal montante às entidades de prática desportiva responsáveis pela formação do atleta. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). § 3º O percentual devido às entidades de prática desportiva formadoras do atleta deverá ser calculado sempre de acordo com certidão a ser fornecida pela entidade nacional de administração do desporto, e os valores distribuídos proporcionalmente em até 30 (trinta) dias da efetiva transferência, cabendo-lhe exigir o cumprimento do que dispõe este parágrafo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).” (Brasil, 2014)

11 “§ 5º A entidade de prática desportiva formadora fará jus a valor indenizatório se ficar impossibilitada de assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo por oposição do atleta, ou quando ele se vincular, sob qualquer forma, a outra entidade de prática desportiva, sem autorização expressa da entidade de prática desportiva formadora, atendidas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). I – o atleta deverá estar regularmente registrado e não pode ter sido desligado da entidade de prática desportiva formadora; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – a indenização será limitada ao montante correspondente a 200 (duzentas) vezes os gastos comprovadamente efetuados com a formação do atleta, especificados no contrato de que trata o § 4º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). III – o pagamento do valor indenizatório somente poderá ser efetuado por outra entidade de prática desportiva e deverá ser efetivado diretamente à entidade de prática desportiva formadora no prazo máximo de 15 (quinze) dias, contados da data da vinculação do atleta à nova entidade de prática desportiva, para efeito de permitir novo registro em entidade de administração do desporto. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).” (Brasil, 2014).

12 “2º É considerada formadora de atleta a entidade de prática desportiva que: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011). I – forneça aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011). II – satisfaça cumulativamente os seguintes requisitos: (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) a) estar o atleta em formação inscrito por ela na respectiva entidade regional de administração do desporto há, pelo menos, 1 (um) ano; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) b) comprovar que, efetivamente, o atleta em formação está inscrito em competições oficiais; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) c) garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) d) manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) e) manter corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) f) ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a 4 (quatro) horas por dia, aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) g) ser a formação do atleta gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva; (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) h) comprovar que participa anualmente de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo

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complementação educacional e que satisfaça, cumulativamente, aos seguintes requisitos: (i) estar o atleta em formação inscrito por ela na respectiva entidade regional de administração do desporto há, pelo menos, um ano; (ii) comprovar que, efetivamente, o atleta em formação está inscrito em competições oficiais; (iii) garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar; (iv) manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, hi-giene, segurança e salubridade; (v) manter corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva; (vi) ajustar o tempo destinado à efetiva ativi-dade de formação do atleta, não superior a quatro horas por dia, aos horários do currículo escolar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento; (vii) ser a formação do atleta gratuita e às expensas da entidade de prática des-portiva; (viii) comprovar que participa anualmente de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo menos, duas categorias da respectiva modalidade desportiva; e (ix) garantir que o período de seleção não coincida com os horários escolares.

Malgrado se possa traçar um paralelo, listando inúmeras distinções técni-cas entre o contrato de formação, previsto pela Lei Pelé, e o contrato de apren-dizagem, disciplinado pela Consolidação das Leis do Trabalho, há de se salien-tar ser clarividente a existência de um ponto de congruência entre ambos.

Precitado ponto, que se entende por central, refere-se à finalidade dos institutos, que têm por igual escopo a formação cidadã e técnico-profissional de jovens adolescentes para o exercício futuro de uma profissão.

Ao passo que, se a formação do atleta e a aprendizagem afiguram-se como institutos análogos – que, a bem da verdade, visam a um mesmo fim –, decerto as entidades desportivas, na qualidade de destinatárias de ambos os co-mandos normativos, têm o direito de verem respeitadas certas particularidades que as envolvem, senão em razão das próprias exigências que o Direito coloca para si na Modernidade, por força do princípio incurso no art. 217 da Consti-tuição da República.

4 DA ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO SOBRE UM CASO CONCRETO

Feitas sobreditas considerações, passa-se à análise de um caso concreto, no qual objeto análogo ao deste ensaio foi levado à apreciação do Poder Judi-ciário.

menos, 2 (duas) categorias da respectiva modalidade desportiva; e (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) i) garantir que o período de seleção não coincida com os horários escolares. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011) § 3º A entidade nacional de administração do desporto certificará como entidade de prática desportiva formadora aquela que comprovadamente preencha os requisitos estabelecidos nesta lei. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).” (Brasil, 2014)

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Trata-se de ação ordinária proposta pelo Clube Atlético Mineiro, enti-dade de prática desportiva filiada à Federação Mineira de Futebol e à Con-federação Brasileira de Futebol, em face da União Federal, a qual tramitou perante o Juízo da Décima Sexta Vara do Trabalho de Belo Horizonte, sob o nº 02233.2011.016.03.00.7.

Por meio de processo judicial, objetivou a associação desportiva fosse dada à legislação que disciplina o contrato especial de aprendizagem inter-pretação que estivesse em conformidade com a Constituição da República de 1988, de sorte que o tratamento direcionado a ela pelas autoridades de fiscali-zação do trabalho (Ministério do Trabalho e Emprego) observasse, de maneira efetiva, os contornos e as especificidades delineados pelo contexto em que está imersa.

Pugnou a entidade autora pela equiparação dos atletas em formação aos aprendizes típicos, em especial para os fins do disposto no art. 429 da Consoli-dação das Leis do Trabalho, de modo que, em ocasiões futuras de fiscalização, em se constatando que o número de atletas não profissionais de futebol vincu-lados ao clube, nos termos da Lei Pelé, fosse igual ou superior à quota fixada pela CLT, se abstivessem as autoridades fiscais de aplicar sanção administrativa em seu desfavor.

Para além, dada a possibilidade de não acolhimento do pleito antece-dente, formulou a associação desportiva pedido sucessivo, no sentido de que os atletas profissionais de futebol a ela vinculados fossem excluídos da base de cálculo para fins de cômputo dos aprendizes a serem contratados.

Ao ensejo, reproduz-se o inteiro teor da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição para, ulteriormente, verificar, de maneira crítica e reflexiva, se os discursos de aplicação da norma nela construídos encontram sustentação racional perante um entendimento moderno sobre o Direito.

Em capítulo posterior, esboça-se um ensaio sobre qual seria a adequa-da leitura a ser conferida pelo intérprete ao comando normativo incurso no art. 429 da CLT, no que toca às entidades de prática desportiva brasileiras, à luz do art. 217 da Constituição da República.

Relatório

Clube Atlético Mineiro, devidamente qualificado nos autos, ajuizou ação ordiná-ria em face de União Federal, na qual alega, em suma: que o MTE não considera, para fins de atendimento ao número mínimo de contratações de aprendizes, os atletas que compõem suas categorias de base; que tais atletas devem ser con-siderados como aprendizes propriamente ditos tendo em vista que atendem a todos os requisitos da CLT; que os percentuais fixados ao art. 429 da CLT dizem respeito a funções que demandem formação profissional, como é o caso do atleta profissional de futebol. Listou seus pedidos às fls. 15/17, atribuindo à causa o valor de R$ 1.000,00. Juntou documentos às fls. 18/84.

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Em sua contestação de fls. 86/91, a ré argumenta, em síntese: que os atletas profissionais devem ser levados em consideração para fins de fixação da base de cálculo para a incidência dos percentuais fixados pelo art. 429 da CLT; que não se há de cogitar em aprendizagem na relação havida entre o clube e seus atletas em formação, tendo em vista que não se configura a triangularidade exigida pela legislação consolidada; que as multas aplicadas ao clube são perfeitamente le-gais. Requereu, ao fim, a total improcedência da demanda. Juntou documentos às fls. 92/97.

O autor ofereceu impugnação à defesa às fls. 102/107.

Foi realizada audiência em 15.02.2013 (fl. 124), oportunidade à qual foi ouvida a preposta da ré.

Sem outras provas a produzir, encerrou-se a instrução processual.

Razões finais orais.

Conciliação final rejeitada.

É o relatório.

Passo a decidir.

Fundamentação

Protestos do autor.

Manifestou protesto o autor em face da negativa de produção de provas voltadas a demonstrar que os atletas não profissionais de futebol vinculados atualmente ao clube atendem aos requisitos impostos pela Lei nº 9.615/1998.

Ratifico a decisão, acrescentando a seus fundamentos o que se segue.

Extrai-se da petição inicial que o pretendido pelo autor é, em suma, a obtenção de um provimento jurisdicional que determine à União, ora ré, que se abstenha de aplicar qualquer sanção administrativa ao clube caso este demonstre, em cada atividade futura de fiscalização, que o número de atletas não profissionais de futebol contratados na forma da Lei nº 9.615/1998, pretensamente equiparados aos aprendizes, seja igual ou superior aos percentuais fixados ao art. 429 da CLT.

Não interessa às finalidades precípuas do provimento que se pretende se os atuais atletas não profissionais hoje vinculados ao clube atendem ou não aos requisitos da Lei Pelé.

Isto porque, no caso de eventual acolhimento da tese do autor, seria ainda ne-cessária a fiscalização do Ministério do Trabalho, voltada a verificar, naquele momento, o atendimento aos requisitos dispostos à Lei nº 9.615/1998 para, em sequência, apurar o cumprimento ou não dos percentuais instituídos pelo art. 429 da CLT.

Desta feita, em se tratando de questão que deverá ser verificada a cada nova fiscalização e, ainda, não tendo o autor combatido nenhum ato em específico já praticado pela Administração, reitero o posicionamento pela desnecessidade da prova pretendida.

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Atleta não profissional de futebol x aprendiz

Conforme narrado alhures, tem-se que a controvérsia que ora se oferece para análise gira em torno da pretensão do autor de ver equiparados ao modelo de aprendizagem disposto à legislação consolidada os menores atletas contratados pelo clube sob a condição de atletas não profissionais de futebol, na forma per-mitida pela Lei nº 9.615/1998, a chamada Lei Pelé.

Tudo para fins de atendimento aos percentuais mínimos de contratação de apren-dizes dispostos ao art. 429 da CLT.

Assevera o autor que merece, na condição de entidade desportiva, tratamento diferenciado quando se trata de interpretação de dispositivos legais aplicáveis a sua realidade, sob pena de tratamento mais gravoso em relação a entidades privadas ordinárias.

Invoca disposições de assento constitucional, em especial as dicções expressas dos arts. 5º, caput, e 217, I.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que a análise a que se procederá a seguir não será feita com um viés puramente literal da legislação em vigor, haja vista que a questão desafia um estudo teleológico, voltado a perceber as finalida-des a que se propõe cada um dos modelos de contratação.

Assim, descarta-se, desde já, uma abordagem limitada a reconhecer as diferenças legais entre o aprendiz e o atleta não profissional, eis que ineficaz para solucionar o problema proposto.

Tentar-se-á, por outro lado, desvelar a real natureza de cada um dos modelos de contratação para, a partir daí, verificar se um pode fazer as vezes de outro para fins de atendimento aos limites dispostos ao art. 429 da CLT. Pois bem.

A apreciação da temática passa, necessariamente, pela explanação acerca da peculiar natureza do contrato de atleta não profissional de futebol, tão estranho à realidade desta Especializada. A já mencionada Lei nº 9.615/1998 prevê e regu-lamenta, em seu art. 29, a figura do atleta não profissional.

Por meio de contrato de trabalho dito especial, é facultado às entidades de práti-ca desportiva formadoras de atletas acolher menores a partir de 16 anos para fins de formação no esporte a que se dedicam.

A contratação a que se faz menção obedece a estritos requisitos dispostos ao inciso II do mesmo artigo, obrigando a entidade desportiva a garantir ao atleta em formação, dentre outras coisas, assistência educacional, alimentação e segu-rança, tudo com respeito às obrigações escolares.

O contrato, ainda que voltado especificamente à formação profissional do aspi-rante a atleta, não gera qualquer vínculo empregatício entre as partes, conforme dispõe o § 4º da legislação em comento.

O mesmo § 4º prevê, ainda, que o auxílio financeiro, sob a forma de bolsa de aprendizagem, poderá, facultativamente, ser fornecido pela entidade formadora ao atleta em formação.

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Tais atletas compõem as chamadas categorias de base dos clubes de futebol, don-de são extraídos, por diversas vezes e no caso do futebol, jogadores de destaque internacional, que rendem fortunas não só para si, mas também para os clubes aos quais estão vinculados.

Toma forma, assim, setor estratégico dos times, verdadeiro investimento volta-do não só a oportunizar a jovens de todo o país uma chance no esporte, mas também à formação de verdadeiro capital humano do clube desportivo, que se vincula ao atleta em formação de maneira quase visceral. O que tal contrato es-pecial tem de limitado na garantia de direitos trabalhistas fundamentais ao jovem em formação, tem também de minucioso na previsão de cláusulas de proteção ao clube, o qual se vê fortemente munido de garantias em caso de não vinculação do atleta ao time de origem.

É o que se observa, por exemplo, no § 5º do mesmo art. 29 da Lei nº 9.615/1998, que prevê ao clube formador o direito de se ver indenizado em caso de impossi-bilidade de contratação por oposição do atleta ou quando este se vincular a outro clube. Não que seja condenável tal previsão.

Mas também não se há de negar que ela torna muito mais nítidos os contornos da contratação do atleta em formação, que se diferencia, no aspecto, do modelo consolidado do aprendiz.

Ainda que se aproximando do contrato de aprendizagem em muitos momentos, em especial quando garantindo ao atleta em formação os direitos à formação especializada e assistência educacional, nota-se que o contrato especial de traba-lho desportivo previsto ao caput do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 não oferece ao jovem o mesmo arcabouço protetivo previsto na CLT e legislação complementar.

Apesar de prever obrigações bilaterais bastante semelhantes a um contrato de trabalho propriamente dito, nota-se, a partir das disposições regentes, que o con-trato especial do atleta não profissional apresenta inúmeras garantias de cunho civilista ao clube, que se incompatibilizam com uma relação de trabalho plena. O modelo de aprendizagem previsto na CLT, por outro lado, reveste-se de um aspecto protetivo muito mais pronunciado.

Não só garante ao aprendiz o direito ao salário-mínimo hora (art. 428, § 2º, da CLT), mas também assegura ao jovem em formação profissional direitos trabalhis-tas e previdenciários, na forma do art. 65 do Estatuto da Criança e do Adolescen-te, direitos estes pormenorizados no Decreto nº 5.598/2005.

Tem-se, assim, um trabalhador assistido por uma rede protetiva mais ampla e, em consequência disto, um trabalhador invariavelmente mais oneroso, mas indis-cutivelmente em melhor contato com uma realidade de trabalho mais próxima daquela que vivenciará quando da celebração de um contrato de emprego.

E é exatamente este trabalhador em formação, munido de direitos e garantias específicos, que a disposição contida ao art. 429 da CLT quer proteger. Caso contrário, o mercado dificilmente absorveria um profissional inexperiente. O mercado obedece a lógica distinta, inafeita a qualquer indício de não maximi-zação dos lucros. E um profissional em formação, pelo menos em um primeiro momento, significa tudo para uma empresa menos lucro. Demanda atenção e

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investimento, produzindo resultados consideráveis apenas após algum tempo de treinamento e profissionalização. Por isso da previsão normativa obrigando um percentual mínimo de contratação. Caso inexistente, uma parcela considerável da população potencialmente produtiva dificilmente teria chances de profissio-nalização, relegando toda a situação a um ciclo vicioso, no qual permaneceriam, de um lado, inúmeros jovens sem colocação profissional por inexperiência e falta de formação, e, de outro, empresas precisando de novos profissionais com experiência, mas sem qualquer intenção de dar o primeiro passo para investir na profissionalização.

E ainda que surgisse o interesse no investimento pela formação, o mesmo seria feito sem qualquer preocupação para com o compromisso escolar do jovem em formação.

Não é sem razão que o Estado constrói todo um aparato coercitivo voltado à contratação responsável do profissional em formação, apoiando-se na premissa de criação de uma sociedade solidária, nos termos indicados ao art. 3º da Cons-tituição Federal.

Neste sentido é que as normas legais determinam obrigações que se distribuem de maneira geral, igualitária e irrestrita, oferecendo, em contrapartida, benefícios acessíveis a toda coletividade. Todos participam para que todos possam usufruir, em caso de necessidade, das mesmas vantagens, em atenção a uma espécie de modelo de solidariedade contributiva.

Noutro giro, não se pode ignorar o perfil triangular da relação entre o jovem aprendiz e a empresa, ao qual se faz incluir na equação as entidades de forma-ção técnico-profissional metódica. Tais entidades são listadas de maneira taxa-tiva ao art. 8º do Decreto nº 5.598/2005. É bem verdade que uma interpretação extensiva poderia fazer incluir dentre tais entidades os clubes de futebol, eis que formadores de profissionais cuja área de atuação demanda formação específica, nos moldes propostos pelo autor. Mas a lógica subjacente ao sistema de proteção somente haveria de conceber tal interpretação caso houvesse a contratação de atletas em formação nos moldes ditados pela Lei nº 9.615/1998, acrescidos dos direitos previstos à relação de aprendizagem prevista à CLT. Por que não?

Mas tal prática não é interessante. Mais especificamente: não é financei-ramente atrativa. Não quando se tem a opção mais barata oferecida pela Lei nº 9.615/1998. Já beneficiado pela alternativa de contratação mais barata, aliada aos potenciais lucros emergentes das categorias de base, não se furta o autor de intentar extrair nova vantagem da benesse, procurando eximir-se de dever legal imposto pelo art. 429 por meio da proposta de tratar com equivalência coisas ab-solutamente distintas, em essência. E tudo sem oferecer qualquer contrapartida. Melhor dizendo, oferecendo apenas desvantagens aos aprendizes propriamente ditos que, por mais dispendiosos, permaneceriam à margem de contratação. Sim, pois caso acolhida a tese autoral, nada mais aconteceria que a não contratação de um só aprendiz nos moldes da legislação consolidada. Permaneceria o clube com o seus atletas não profissionais da categoria de base, sem relação de empre-go ou direitos trabalhistas e previdenciários, restando atendidos, por outro lado, os limites dispostos ao art. 429 da CLT.

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Mas será o contrário verdadeiro? Será que, caso não acolhida a tese do autor, existiriam quaisquer consequências negativas? Parece-me que não. Isto porque estaria ainda o clube jungido à obrigação de contratação dos aprendizes nos limites dispostos ao art. 429 da CLT, mantendo intocada sua categoria de base. Nem um jovem sequer deixaria de ser contratado como atleta não profissional de futebol. E não só por ser mais barato, mas também por representar interesse legítimo do clube, conforme descrito em linhas pretéritas.

Desta feita, por todo o exposto, tenho por bem não acolher a tese do autor, sem qualquer necessidade de alterar a condição dos 117 atletas profissionais do clube, que permanecerão integrando a base de cálculo para fins do cômputo de aprendizes a serem contratados, na forma prevista ao CBO (Código Brasileiro de Ocupações). Trata-se de entendimento que em nada conflita com o posiciona-mento adotado nos autos e que obedece estritamente o marco regulatório perti-nente, leia-se CLT, Decreto nº 5.598/2005 e CBO. O posicionamento respeita, ainda, a condição peculiar que se deve atribuir às entidades desportivas, na for-ma requerida pelo autor, haja vista que reconhece por plenamente aplicável a autorização legal de contratação de menores em condições menos favoráveis àquelas impostas pela legislação consolidada.

Nestes termos, julgo improcedentes todos os pedidos do autor relacionados à temática (pedidos 1 a 5 da petição inicial), haja vista que não acolhido o argu-mento principal de arrimo.

Honorários sucumbenciais

Devidos pelo autor, sucumbente no objeto da ação, e fixados no montante de 15% sobre o valor arbitrado à condenação, na forma prescrita ao art. 20, § 3º, do CPC.

Dispositivo

Pelo exposto, em julgamento da ação ordinária proposta por Clube Atlético Mi-neiro em face de União Federal, julgo improcedentes os pedidos iniciais, para absolver a reclamada das pretensões deduzidas à inicial, e extinguir o feito com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC.

Honorários sucumbenciais devidos pelo autor, sucumbente no objeto da ação, e fixados no montante de 15% sobre o valor arbitrado à condenação, na forma prescrita ao art. 20, § 3º, do CPC.

Custas, pelo autor, no importe de R$ 20,00, calculadas sobre R$ 1.000,00, valor arbitrado à condenação.

Intimem-se as partes.

Nada mais.

Sílvia Maria Mata Machado Baccarini

Juíza do Trabalho

(Minas Gerais, 2013)

Passa-se, pois, à análise sobre a (in)correção do julgado.

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5 UMA ANÁLISE CRÍTICA E REFLEXIVA SOBRE O PROVIMENTO JURISDICIONAL

A teor da decisão transcrita no capítulo anterior, ao proferir sentença, jul-gou o Juízo do Trabalho improcedentes os pedidos formulados pela associação autora, sob o primeiro fundamento de que o contrato especial de formação des-portiva, tal qual regulamentado pela Lei nº 9.615/1998, apresentaria limitações na garantia de direitos trabalhistas ao jovem em formação, em contraposição ao contrato de aprendizagem, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, que asseguraria uma rede protetiva mais ampla ao aprendiz.

Mas, ao desenvolver os argumentos outros sobre os quais se assenta, acabou o Juízo por desvelar que o olhar que direciona à atividade cultural do desporto é permeado por preconceitos que – a não mais poder – limitam a sua capacidade para a construção de uma decisão adequada para o caso.

Entre outras distintas impropriedades, sustenta o Juízo que, por meio do processo judicial, visaria a entidade desportiva tão apenas à benesse da não contratação de aprendizes a um custo elevado, ao passo que, fosse a sua pre-tensão acolhida, a legislação específica lhe asseguraria o arrebanho de jovens de forma menos dispendiosa – com o que optaria sempre pela hipótese menos onerosa.

Para além, insurge-se aquele Juízo – pelas entrelinhas de sua decisão – contra a possibilidade de a entidade de prática desportiva auferir lucro decor-rente de futura (e incerta) negociação dos direitos federativos dos atletas que forma.

Ainda, cria o Juízo um factoide, na tentativa de conduzir o intérprete ao (incorreto) entendimento de que o contrato de formação do atleta traria, em sua essência, a qualidade da exploração ao trabalho do desportista aprendiz, ao passo que o contrato de aprendizagem (tal qual previsto na Consolidação das Leis do Trabalho) garantiria condições ímpares ao desenvolvimento profissional do adolescente – o que carece de sustentação e de justificação.

Em outras palavras, partindo de precompreensões absolutamente equi-vocadas sobre as singularidades que permeiam o contexto do desporto, tece o Juízo considerações estranhas ao sistema normativo vigente, no intuito de afastar a legitimidade da lei específica que regula a formação do jovem atleta – olvidando-se que a especificidade por ela delineada possui fundamento no próprio texto constitucional.

Embora se trate de questão estranha ao objeto do processo, de início, po-der-se-ia ventilar que o acolhimento da pretensão autoral não teria por corolário o afastamento dos aprendizes típicos de seus quadros, mas sim a contratação de jovens em consonância com a demanda administrativa do clube – em contra-posição à imposição do Ministério do Trabalho e Emprego, que não raras vezes descortina-se responsável por gerar uma situação de ócio a vários aprendizes.

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Isso sem adentrar na discussão de que a determinação posta pelo Estado a uma associação privada para o cumprimento de prestações – e não de um de-ver de mera abstenção – que, em princípio, são de sua responsabilidade (eficá-cia direta prima facie de direitos fundamentais nas relações entre particulares), neste caso, é, no mínimo, problematizável.

Mereceria igual relevo o fato de que o número de atletas em formação vinculados às categorias de base das associações desportivas, usualmente, su-pera, em muito, o número de aprendizes que, por imposição legal, têm que contratar – pelo que se tem por irrefutável a importante função social por elas já desempenhada.

Além disso, fosse a intenção de uma associação desportiva (cujo fatura-mento anual atinge a razão de dezenas de milhões de reais) buscar a redução de seus custos, certamente não o faria visando à exoneração da obrigação de contratar meia-dúzia de aprendizes.

Igualmente, cumpre ter presente que a metajurídica afirmação realiza-da pelo Juízo, no sentido de que um jovem aprendiz representaria custo mais elevado para uma agremiação que um atleta em formação beira às raias do absurdo.

Levando a cabo a (superficial) contraposição realizada pelo Juízo do Trabalho, tem-se que, se, por um lado, o jovem aprendiz é favorecido pelos benefícios intrínsecos ao contrato especial de trabalho, por outro, os jovens em formação são agraciados por uma série de benesses, tal qual discriminado pelo § 2º do art. 29 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) – as quais não usufruídas pelos aprendizes típicos.

Com efeito, ao garantir aos atletas em formação assistência médica, odontológica, psicológica, fisioterápica, nutricional e pedagógica; ao fornecer aos jovens alimentação e transporte gratuitos; ao manter alojamento e instala-ções desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade; ainda, ao manter corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva, e, por fim, ao conceder formação gratuita, às suas expensas, está a agremiação assumindo encargo infinitamente superior do que o atraído pela contratação de um jovem aprendiz típico, nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho.

E, a bem da verdade, a maior parte desses jovens não gerará à entidade desportiva o esperado retorno financeiro que, equivocadamente, é denominado pelo juízo de lucro.

É que, em sendo uma associação privada, infere-se que a entidade autora não possui finalidade lucrativa – eis que toda a sua receita deve ser voltada para o (re)investimento no desporto de alto rendimento.

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Malgrado o pano de fundo do caso em apreço trate de relevante questão constitucional, a saber, a adequada interpretação dos dispositivos legais que tratam da aprendizagem, à luz do singular tratamento conferido às entidades de prática desportiva pela Constituição da República de 1988 (a teor de seu art. 217), teve por bem o Juízo do Trabalho permanecer à míngua do que se entende por mais essencial.

Em aparente descontentamento com o traço cultural do desporto, e par-tindo de premissas absolutamente equivocadas sobre a matéria, desferiu o juízo olhar de aversão e repulsa (compreensível, face à sua condição autopoiética13) frente àquele que, possivelmente, realiza, da forma mais ampla, os princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da justiça social, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana.

Nesse passo, visando à adequada interpretação dos dispositivos legais que tratam da aprendizagem face à autonomia especial concedida pela Cons-tituição às entidades de prática desportiva, indispensável se faria reconhecer que, em havendo hipóteses distintas que – em essência – visam ao mesmo fim, ter-se-ia por correto aplicar à associação autora aquela que melhor se amolda à sua atividade social.

6 ENSAIO SOBRE A ADEQUADA INTERPRETAÇÃO DO COMANDO NORMATIVO INCURSO NO ARTIGO 429 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO, NO QUE TOCA ÀS ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA

A fim de se estabelecer a adequada interpretação do comando normativo incurso no art. 429 da CLT, no que toca às entidades desportivas, faz-se antes necessária breve análise sobre a forma como as autoridades fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), atualmente, vêm realizando o cálculo da quota a ser cumprida pelas agremiações empregadoras.

Visando ao cômputo do número aprendizes a serem contratados pelas entidades desportivas, observam as autoridades do MTE as informações presta-das pelas agremiações àquele órgão acerca da quantidade de postos de trabalho de seus quadros que estejam efetivamente ocupados.

Para tanto, toma o MTE o número total de cargos, confrontando-os com as funções elencadas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

Destes, todos que, por força da CBO, forem qualificados como funções que demandem formação profissional, excetuados os cargos para os quais se

13 Sobre a autopoiesis, ver MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A autopoiesis como condição humana. Jus Navigandi, 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5897>. Acesso em: 07 jan. 2010.

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exija formação de nível técnico ou superior, integrarão a base de cálculo para os fins de cômputo da quantidade de aprendizes a serem contratados.

Neste aspecto, há de se elevar que o cargo de atleta profissional, nos termos da CBO, é tido como função que demanda formação profissional, o que conduz o Auditor-Fiscal do órgão ministerial, por oportuno, a realizar subsun-ção mecânica desses empregados aos postos que compõem a base de cálculo em referência.

Com efeito, ao realizar a subsunção do cargo de atleta àquela categoria de funções que demandam formação profissional, em rigor, majora o órgão fiscalizador, sobremaneira, o número de jovens aprendizes a serem acolhidos pelas entidades que têm por atividade-fim a dedicação ao desporto (e que, por isso, mantém em seus quadros quantidade expressiva de atletas profissionais).

Em princípio, poder-se-ia admitir por juridicamente válida a simplória interpretação adotada, não estivessem circunstâncias especialíssimas sendo ve-ladas e ignoradas pelo órgão ministerial.

É que, se por um lado, o atleta profissional – forçosamente – compõe a base de cálculo, por outro, o jovem aprendiz a ser contratado não será, e nem poderia ser, direcionado ao desempenho de atividades desportivas nas agre-miações – visto que os Serviços Nacionais de Aprendizagem não ofertam vagas para a formação de atletas profissionais.

O contrassenso se afigura ainda mais clarividente quando se cogita que, para além de inúmeros aprendizes contratos, já desempenham as entidades des-portivas a relevante função social de formar atletas, com o que, usualmente, mantém vinculados às suas categorias de base número de jovens que supera, em muito, a quota legal dos aprendizes típicos.

Em face desse cenário, ao menos duas conclusões podem ser seguramen-te alcançadas: (i) se a ocupação de atleta profissional de futebol é incluída no rol das funções que demandam formação profissional, por questão de coerên-cia, parte dos aprendizes a serem contratados pelas entidades desportivas de-veria, igualmente, desempenhar a função de atletas de suas categorias de base, com vistas ao seu aperfeiçoamento técnico-desportivo, pois, não fosse assim, (ii) não poderia número expressivo de atletas profissionais contratados pelas agremiações integrar a base de cálculo sobre a qual incidirá o percentual legal.

Acentuando rigor, há que se elevar que o tratamento despendido às en-tidades desportivas, via de regra constituídas sob a forma de associações priva-das, vulnera o princípio da igualdade, incurso no art. 5º da Constituição da Re-pública14, visto ser mais gravoso que aquele direcionado às demais associações.

14 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]” (Brasil, 2013, p. 08)

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É que, para ser igualitário, haveria a interpretação de observar as singu-laridades que envolvem os destinatários da norma, de sorte que, na medida de suas desigualdades, fossem as obrigações a eles impostas devidamente equa-cionadas.

Nesse espeque, reputa-se adequada leitura à regra incursa no art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, que autorize e legitime as agremiações que mantêm em suas categorias de base atletas em formação em número igual ou superior à quota fixada pela CLT, a contratarem aprendizes típicos conforme a necessidade apresentada por sua estrutura administrativa – e não em moldes impostos arbitrariamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

A interpretação sugerida, para além de respeitar os limites especiais de autonomia delineados pela Constituição da República às agremiações, encerra problema que, não raro, emerge face à imposição de se manter aprendizes em quantidade não compatível com a demanda administrativa das entidades – o que gera situação nefasta de ócio e de vagar entre os jovens, em sentido diametral-mente oposto ao que pretende, ao menos em tese, o instituto da aprendizagem.

Como medida alternativa, entende-se por correta a exclusão dos atletas profissionais da base de cálculo para fins de cômputo dos aprendizes a serem contratados pelas entidades desportivas.

Isso porque, se o aprendiz típico não pode ser alocado para o desempe-nho de atividades ínsitas à função de atleta, tem-se por irracional a inclusão do cargo de atleta profissional entre aqueles sobre os quais incidirá o percentual fixado em lei.

Demais disso, há de se realçar que a simples indicação pela Classificação Brasileira de Ocupações de que uma função demandaria formação técnico--profissional não é, per si, fator suficiente para a contratação de jovens para a aprendizagem correlata ao cargo, se as ocupações ali enquadradas não de-mandam – de fato – aprimoramento intelectual. Da mesma forma entende o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, que, em casos análogos, assim decidiu:

Contrato de aprendizagem. Fixação da cota. Funções que demandam formação técnico-profissional. Nos termos do que se afere do art. 428 da CLT, a forma-ção técnico-profissional ofertada pelo empregador no contrato de aprendizagem deve contribuir para o aprimoramento físico, moral e psicológico do aprendiz, viabilizando, com o trabalho, a vivência prática dos ensinamentos teóricos que lhe foram repassados no ensino fundamental ou nos cursos de formação profis-sional. A indicação pela Classificação Brasileira de Ocupações não é, por si só, fator suficiente para autorizar a contratação para aprendizagem se as funções ali enquadradas como de formação técnico profissional não demandam aprimora-mento intelectual. (Brasil, 2011)

Mandado de segurança. Menor-aprendiz. Fixação da cota. Funções que exijam formação profissional. Nos termos dos arts. 428 e 429 da CLT, para a quantifi-

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cação do número de aprendizes a serem contratados, considera-se apenas as funções que dependam de formação técnico-profissional metódica, caracteriza-da por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressivas, desenvolvidas no ambiente de trabalho. Assim, man-tém a segurança deferida em primeiro grau, a autoridade coatora não observou o referido requisito, fixando o numero de aprendizes com base apenas no fato de as funções estarem catalogadas na Classificação Brasileira de Ocupações, elabo-rada pelo Ministério do Trabalho em Emprego. (Brasil, 2010)

Ainda que regularmente catalogada pela CBO, se para o exercício da função não se exige grau mínimo de escolaridade, ou certificado de formação específica, igualmente deve a ocupação ser excluída da base de cálculo para fins de cômputo da quota a ser contratada. Nesse sentido também já se pronun-ciou o Tribunal Regional do Trabalho da Décima Terceira Região:

Menor-aprendiz. Cotas para contratação. Funções que exijam formação profis-sional. A utilização da Classificação Brasileira de Ocupações como parâmetro geral para fixação das funções integrantes da base de cálculo da cota para con-tratação de menor aprendiz, em conformidade com os termos do Decreto nº 5.598/2005, deve ser feita de forma cautelosa, observando-se as situações espe-cíficas, com exame do grau de complexidade das atividades envolvidas para a definição das ocupações que necessitam de formação profissional. Na hipótese dos autos, não se pode afirmar que as atividades de ajudante de cozinha e au-xiliar de serviços gerais, embora tenham reconhecida função social, demandam formação profissional, por não exigirem razoável grau de escolaridade, qualifi-cação técnica ou certificado específico. Recurso a que se dá provimento parcial. (Brasil, 2012)

Sobretudo, em não havendo entidade que ofereça curso técnico-profis-sionalizante destinado a qualificar adolescente em atribuição necessária à ativi-dade-fim explorada pelas agremiações, não se afigura lícito delas se exigir que contratem aprendizes para o desempenho de funções estranhas ao seu objeto social. Tal entendimento é corroborado pelo Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região:

Ação declaratória. Contratação de aprendizes. Ausência de curso oficial relacio-nado à atividade econômica da sociedade empresária. Obrigação de não fazer. A obrigação de contratar aprendizes está condicionada à existência de curso oficial relacionado à atividade econômica desenvolvida pela sociedade empresária no município onde esteja estabelecida. (Brasil, 2011)

Não havendo entidade que ofereça curso técnico profissional destinado a quali-ficar criança ou adolescente em atribuição necessária à atividade econômica ex-plorada, não é lícito multar a empresa por suposto descumprimento da legislação que impõe a contratação de aprendiz. (Brasil, 2009)

Nessa ordem, considerados os argumentos ora delineados, tem-se por irrefutável que as exigências que vêm sendo direcionadas às entidades despor-

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tivas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as quais se vêem compelidas ao cumprimento de obrigações distintas para a consecução de um mesmo fim, somente podem ser interpretadas como bis in idem – o que não se admite.

CONCLUSÃO

A franca ascensão do desporto no cenário moderno passa a, gradativa-mente, atrair olhares mais atentos dos aplicadores do Direito.

Instituto que, há não muito, somente despertava o interesse dos aficiona-dos pelas práticas e modalidades desportivas em si, ainda de forma embrioná-ria, vem alcançando relevância também em plano jurídico.

Paralelamente ao moderno reconhecimento do direito desportivo en-quanto ramo autônomo, novas ambições emergem e se desvelam a partir de um contexto próprio, singular, de modo que aos atores nele inseridos não resta alternativa senão se curvarem diante da complexidade das questões jurídicas apresentadas pelo desporto.

Em face de situações tão particulares, deixam de possuir sustentação res-postas e soluções jurídicas preparadas desde antes por um legislador não raro alheio às minúcias do mundo-da-vida, ao qual não mais se pode atribuir a ingê-nua qualidade da onividência.

Tal apontamento revela-se especialmente importante se tomadas, por exemplo, circunstâncias que envolvem o direito desportivo e, em específico, as entidades de prática desportiva, e que serão analisadas, concomitantemente, de maneira interdisciplinar, à luz de distintos ramos do Direito.

Neste aspecto, leitura muito atenta deve ser realizada, de sorte que os li-mites especiais de autonomia delineados pela Constituição da República a essas entidades sejam observados diante de cada caso concreto.

O enfrentamento responsável da questão objeto deste ensaio, de maneira a se alcançar uma resposta correta para a situação problematizada, reflete a im-portância de se respeitar a pluralidade da sociedade e o sentido principiológico (não convencional) do Direito na Modernidade.

Não se olvidando do princípio da solidariedade incurso no preâmbulo da Constituição, e ainda atento à função social que todos os entes devem exer-cer em suas relações civis, intentou-se neste ensaio demonstrar que tratamento mais gravoso vem sendo despendido pelos órgãos de fiscalização do trabalho às entidades de prática desportiva brasileiras que aquele direcionado às demais associações privadas.

A obrigação posta pela Consolidação das Leis do Trabalho de contra-tação, por estabelecimentos de qualquer natureza, de jovens aprendizes con-forme quota fixada por lei, não deve ser interpretada de maneira acrítica, de

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forma a se ignorar que determinados destinatários da norma estão imersos em contexto especialíssimo e que, por essa razão, merecem tratamento singular.

Se os institutos da aprendizagem (CLT) e da formação do atleta (Lei Pelé) visam à preparação do jovem cidadão para o futuro exercício de uma atividade profissional, tem-se por clarividente a congruência de finalidade entre ambos.

Com efeito, se às entidades de prática desportiva já incumbe a prepara-ção cidadã de expressivo número de jovens para o exercício da função de atleta profissional, decerto obrigações com igual escopo que, em princípio, lhe seriam dirigidas não devem ser interpretadas de maneira mecânica.

O respeito à singularidade das entidades desportivas, in casu, descortina que a elas se deve aplicar o instituto que melhor se amolda à sua atividade-fim, permitindo-lhes, outrossim, que cumpram, de modo voluntário, e se assim lhes convier, aquelas obrigações que ultrapassem o que delas se pode razoavelmen-te exigir.

REFERÊNCIAS

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______. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, Processo nº 00674-2010-107-03-00-0/RO, Sexta Turma, Relator Emerson Jose Alves Lage, Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, 10 mar. 2011.

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Parte Geral – Doutrina

O “Rolezinho” da Fifa no País de Pedrinhas em Estado de Exceção Permanente

JORGE LUIZ SOUTO MAIORProfessor Livre-Docente da Faculdade de Direito da USP.

Fenômenos aparentemente muito diversos, a Copa de 2014 no Brasil, a prática do “rolezinho” em shoppings e a tragédia do presídio de Pedrinhas no Maranhão, que possuem, por certo, peculiaridades próprias e que exigem várias análises específicas, interligam-se ao menos em um ponto, que trato no presente texto: o estado de exceção.

A sociedade inaugurada pelo modelo de produção capitalista, que se consolidou após longo período de acumulação de capital e formação do deno-minado exército de mão de obra, tem como características principais a criação do dinheiro como equivalente universal de troca e a fixação do valor das coisas por intermédio da formação da noção de mercado, que se rege pela lei da ofer-ta e da procura e pelo fetiche da mercadoria, sendo que as coisas, os bens de consumo, necessários, ou não, se produzem por intermédio da compra do tra-balho humano, que também é coisificado e integrado ao mercado sob a mesma lógica, para efeito de favorecer a reprodução do capital.

Do ponto de vista das concepções teórico-filosóficas, favoreceram ao advento do capitalismo as importantes ideias forjadas, desde o início do século XV, para a superação do feudalismo, notabilizando-se as noções de igualdade, liberdade, individualismo, empreendedorismo...

Para se consolidar, requereu, como decorrência de exigências lógicas, a construção de instituições voltadas, principalmente, à preservação do mer-cado de consumo e da estabilização das relações sociais, favorecendo a racio-nalidade baseada na previsibilidade de condutas, na organização hierárquica produtiva e no planejamento. Constituíram-se, assim, o Estado moderno e o Direito.

O Estado moderno e o Direito, notadamente o direito constitucional, além disso, servem à institucionalização de um poder central, que, do ponto de vista da teoria liberal, é consentido pelos indivíduos, que adquirem a qualidade política e jurídica de cidadãos para a preservação da ordem. A vida em socieda-de é regulada pela Constituição, tornada coercitiva pelo poder do Estado, o qual também se rege pela mesma estrutura jurídica, como forma de garantir que o poder entregue ao governo se exerça em nome do povo e para o povo, falando--se, assim, de soberania popular.

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O problema é que, ao tempo em que as ideias filosóficas produzidas no século XVIII fornecem a base teórica para a formação das instituições, que estariam a serviço da retirada da humanidade do obscurantismo medieval, im-plementava-se uma nova forma de divisão do trabalho, que, como dito, funda-menta o capitalismo.

Essa forma de divisão do trabalho, no entanto, só se concretiza por in-termédio de uma sociedade em que se evidenciam a classe capitalista, os que detêm os meios de produção, que é restrita e cada vez mais limitada, porque se rege pela regra autofágica da livre concorrência, e a classe operária, formada por todos aqueles que não têm outra alternativa para sobreviver que não a da venda “da força de trabalho” em um mercado regulado pela lei da oferta e da procura.

Em outras palavras, a sociedade capitalista desenvolve-se necessariamen-te por meio da desigualdade econômica, que favorece, por sua vez, ao advento de uma desigualdade cultural, que dialeticamente retroalimenta a primeira. Esta é a grande contradição de um sistema que se consolida pela reivindicação de igualdade, superando as dimensões consanguíneas do feudalismo, mas que não pode sobreviver sem a formação de outras desigualdades.

As instituições, que regulam e organizam esse modelo de sociedade, car-regam a mesma contradição, pois as prescrições normativas não podem aban-donar a lógica filosófica da igualdade formal, do bem comum, da soberania popular, etc., mas não têm como deixar de instrumentalizar a desigualdade real para favorecer o desenvolvimento do modo de produção capitalista.

O ponto central de sustentação do sistema é não revelar a contradição, fazendo com que a igualdade formal, prescrita normativamente, tenha valor e legitimidade em si mesma, tratando a desigualdade real como questão que foge ao papel do Direito e do próprio Estado.

O preceito fundamental da ordem filosófica liberal, a igualdade, é trans-formado em preceito jurídico formal. Fala-se, então, restritamente, em igualda-de de direitos, cabendo a cada um, no exercício da sua liberdade individual, com inventividade e esforço, atingir a independência econômica, mascarando--se o fato de que essa posição não tem como ser atingida, concretamente, para todos, ao menos na perspectiva da organização produtiva capitalista.

A desigualdade real, assim, não desafia a ordem estabelecida, ao mesmo tempo em que a própria ordem jurídica acaba legitimando a desigualdade, so-bretudo a partir de dois institutos: o direito de propriedade e o contrato.

O direito de propriedade é estabelecido a partir de um dado momento histórico, não importando, pois, a origem da aquisição e muito menos o fato de que apenas alguns poucos seres humanos atingem o patamar de possuírem esse direito ainda que seja integrado à órbita dos denominados direitos funda-mentais.

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O contrato justifica as diferenças obrigacionais que se estabelecem entre as partes, sobretudo no que diz respeito à exploração do trabalho, porque juri-dicamente apenas importa garantir que as pessoas sejam livres para firmar seus negócios jurídicos.

Assim, um sistema que preconiza a igualdade institui mecanismos que legitimam, consolidam e produzem desigualdades. O contrato se fundamenta na igualdade das partes e, para o direito liberal, isso é o que basta, para que desse instituto se preservem e se produzam desigualdades no plano real entre as partes que se vinculam juridicamente por intermédio de um contrato.

O Estado, então, é chamado para utilizar o poder que lhe fora conferido para manter essa ordem jurídica e, assim, garantir a efetivação dos interesses políticos e econômicos que permitem a continuação da produção capitalista, fazendo prevalecer, por consequência, os valores da classe dominante.

Sob o argumento de preservar a ordem e de fazer valer a lei, o Estado tende a reprimir toda ação humana que ponha em risco o projeto capitalista, mesmo que isso signifique desprestigiar, em concreto, os próprios fundamentos teórico-filosóficos que embasaram aquele modelo de sociedade de cunho libe-ral e que, inclusive, foram integrados à própria ordem jurídica.

Foi assim, por exemplo, que os países do capitalismo central, que preco-nizavam a liberdade, conviveram abertamente com a escravidão praticada em outros países e até mesmo se valeram da escravidão como forma primária de produção de riqueza, envolvendo-se com o tráfico internacional e valendo-se do barateamento provocado por essa forma de exploração do trabalho, como modo de obtenção da matéria-prima necessária ao processo de industrialização.

Essa, ademais, é a realidade que se verifica ainda hoje, com as formas de exploração baseadas na precarização das relações de trabalho que se produzem nos países periféricos, nos quais as condições de trabalho atingem níveis de degradação humana típicos do escravismo.

Foi assim, também, que o Estado e o Direito foram chamados a agir de forma repressiva com relação aos movimentos operários do século XIX que bus-cavam superar as desigualdades econômicas e culturais identificadas na realida-de social. Ou seja, a liberdade não poderia ser usada para se contrapor à divisão capitalista do trabalho e a igualdade não poderia ser atingida, concretamente.

Essas contradições, no entanto, não são desafiadas porque o próprio Di-reito as integra de ponto de vista de uma racionalidade que tende a ser atomi-zada. As relações desiguais e injustas tendem a ser vistas de forma localizada e episódica, sendo que não raro entende-se a própria vítima como culpada pela situação.

No extremo, ou seja, quando a situação social gera o risco de total desar-ranjo, implicando guerra civil interna, a própria ordem constitucional organiza

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o modo como o governante, a quem, então, se conferem poderes amplos, atua- rá sem a completude dos limites da ordem jurídica, tudo em nome da recompo-sição da situação pretérita.

Há, portanto, na formação do estado de exceção, previsto na própria ordem vigente, uma lógica de continuísmo, que faz da exceção um apêndice da própria regra.

Enquanto a ordem jurídica reflete quase que exclusivamente os interesses burgueses, o estado de exceção se vislumbra apenas nos momentos de crise institucional, permitindo-se até identificar e justificar a exceção, que tem nome: estado de sítio. Na Constituição brasileira, o mecanismo de exceção está pre-visto nos arts. 137 a 139.

No entanto, o percurso dialético da história gerou a inserção de diversos valores contrapostos na ordem jurídica capitalista, sistema que, ademais, tem demonstrado uma enorme aptidão para se adaptar a novas reivindicações, que são reinterpretadas e integradas à lógica de consumo.

Esse conjunto de noções nos conduz à compreensão de que o estado de exceção, para o desenvolvimento do modelo de sociedade capitalista, é, na verdade, uma constante, variando apenas na intensidade, sobretudo quando visualizamos a realidade do ponto de vista da classe operária. Como dito por Walter Benjamin, “a tradição dos oprimidos nos ensina que o estado de exce-ção em que vivemos é na verdade a regra geral”1, ou, como expressa Gilberto Bercovici, assiste-se, historicamente, a um “Estado de exceção permanente”2.

A exceção se situa, ademais, na própria lógica do Direito, que precisa se valer da interpretação para atingir a realidade. Como explica Giorgio Agamben:

Como entre a linguagem e o mundo, também entre a norma e sua aplicação não há nenhuma relação interna que permita fazer decorrer logicamente uma da outra.

O estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que uma pura força-de-lei (lei impressa com um x sobrescrito) realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja apli-cação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre a norma e a realidade, e a consequente constituição no âmbito da norma, é operada sob a forma de exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde

1 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 226.

2 BERCOVICI, Gilberto. Constituição e estado de exceção permanente. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.

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lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real.3

No Estado de exceção permanente, a ordem jurídica vale, episódica e seletivamente, na conveniência da preservação da ordem estabelecida, que, no capitalismo, coincide com os interesses da classe dominante, que detém os meios de produção ou que a ela se integra pela transferência de parcela rele-vantes da riqueza produzida para a formação de novas relações de exploração do trabalho, criando um teia de interesses que geram maior estabilidade reacio-nária ao sistema.

Juridicamente, os direitos que potencializam custos, favorecendo o tra-balho, que podem, sob um ponto de vista, ser entendidos como antissistêmicos, são desprovidos de eficácia pela via do estado de exceção de um modo que não permita revelar a contradição.

Os direitos dos trabalhadores, por exemplo, estão consagrados em leis como vários outros direitos. São direitos também, portanto. No entanto, se a or-dem jurídica garante o direito à associação e à livre manifestação, com relação aos trabalhadores, a organização em sindicato deve ser limitada pelo Direito de modo a permitir uma fiscalização pelo Estado, para que a manifestação seja feita dentro de limites que não ponham em risco a organização produtiva. É assim, por exemplo, que se diz que os trabalhadores não podem fazer greve po-lítica e que o Judiciário pode conter, juridicamente, as reivindicações sindicais, declarando-as legais ou ilegais (quando “abusivas”).

Ainda examinando a questão do ponto de vista dos direitos dos traba-lhadores, é dentro do contexto da lógica de exceção permanente que se nega, sem qualquer constrangimento, eficácia aos dispositivos legais de proteção do trabalho, sob o mero argumento, que sequer precisa ser demonstrado, de que se vivencia um momento de crise econômica. E, assim, direitos históricos, ex-traídos da luta de classes, são transformados em preceitos burocráticos, cujo descumprimento não implica agressão jurídica. O argumento de que não se pode pagar, que justifica, por si, o desrespeito à lei, apresenta-se como situ-ação excepcional, mas é, de fato, a própria regra da violência juridicamente institucionalizada para a preservação da desigualdade e o favorecimento dos interesses da classe dominante.

Por sua vez, quando se trata do direito de propriedade e de preservação do patrimônio, a eficácia do Direito não é abalada, e o poder do Estado funcio-na imediatamente.

A própria noção de crise no capitalismo é desviada da realidade. Histo-ricamente falando, os momentos em que o capitalismo não esteve em crise são

3 AGAMBEN, Giorgio. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo. 2004, p. 63.

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raros, vez que a crise está integrada à sua própria essência. Mas, obscurecendo--se esse dado, ou seja, pervertendo a realidade, o argumento da crise aparece como uma exceção. Esse mascaramento da realidade, de todo modo, precisa de um convencimento que se produz por intermédio da utilização de meios de comunicação votados à propagação de uma cultura massificada.

É assim que aqueles a quem os direitos trabalhistas são direcionados e que veem esses direitos serem abertamente desrespeitados são convencidos de que tudo se passa não por uma vontade do agente e sim como decorrência da crise, apresentada como uma situação episódica, na qual a restrição de direitos se faz necessária para que se atinjam, no futuro, tempos melhores4, isto quan-do o convencimento não se produz por intermédio do argumento terrorista da ameaça do medo de que poderia ser pior, apoiado, ainda, na premonição de que o risco da bancarrota é iminente.

O convencimento em torno da legitimidade da exceção vale-se de um misto de esperança e de medo, restando sempre, é claro, a alternativa mais con-tundente e menos explicativa da repressão pela força estatal.

O fato concreto é que, em uma realidade marcada pela desigualdade, que, ademais, se vale dessa desigualdade como requisito de sobrevivência, o convívio com uma ordem jurídica que preconiza a igualdade e abarca direitos humanos e sociais não pode se dar senão dentro da lógica da exceção per-manente, pela qual se consegue recusar eficácia de tidas normas sem abalar a noção de um Estado de Direito, que é o fundamento a ensejar o próprio uso da força institucionalizada para a preservação da ordem social, sem revelar a in-tenção em torno do continuísmo e da defesa restrita de interesses de uma classe específica de pessoas que ocupam uma posição privilegiada na sociedade.

A exceção permanente apoia-se, também, em argumentos da ineficácia “natural” de algumas normas constitucionais, apontadas ou como normas de caráter programático, normas-programas, que não geram direitos e sim expec-tativas de direitos que poderão satisfazer certos interesses caso as condições materiais, econômicas, o permitam. Ou seja, seriam normas que se submetem à reserva do possível.

Contrariamente, a eficácia das normas ligadas aos interesses econômicos dominantes não sofre abalos, cumprindo ao Estado o uso da força para levá-las adiante de forma imediata.

Uma comparação entre as situações concretas vivenciadas pelos traba-lhadores e os empregadores na sua relação com as normas jurídicas permite uma visualização fácil dessa desproporcionalidade de eficácia.

4 O Brasil, por exemplo, como há muito se diz, “é o País do futuro”. Futuro que nunca chega porque a crise está de mãos dadas com o presente.

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Se o empregado descumpre uma obrigação fixada no contrato ou na lei, o empregador, fazendo a avaliação da conduta do empregado de maneira unilateralmente, aplica, sem intermediários, a norma que entende aplicável ao caso, produzindo na realidade o efeito pretendido. A transposição da prescrição normativa à realidade é feita de forma unilateral, direta e imediata. O Direito confere ao empregador a autotutela do seu interesse que, por ventura, na sua avaliação, tenha sido resistido por ato do empregado.

Ao contrário, se é o empregador quem descumpre a norma, cumpre ao empregado buscar a tutela do Estado, por intermédio do processo, para fazer valer o seu interesse, o que somente será concluído muito tempo depois, vez que, no direito processual, também no interesse da classe dominante, como for-ma de manter sob controle o poder outorgado ao Estado, devem ser respeitadas as garantias da ampla defesa, do contraditório, do duplo grau de jurisdição e da execução pelo modo menos oneroso.

O processo, aplicado na perspectiva da lógica da exceção permanente, acaba se constituindo mais um instrumento de violência contra aquele que por ação individualizada ousou desafiar a regra da exceção, para fazer valer seu direito, mas mesmo assim se submete ao estado de exceção caracterizado pela forma, intermediada e ponderada, como o direito social é aplicado. O Estado ainda tenta não cumprir o direito trabalhista, incentivando a conciliação, e na aplicação das normas parte de uma análise individualizada do conflito, o de-nominado caso concreto. O direito, construído por um silogismo episódico e pontual, não é capaz de provocar efeitos que promovam tensões estruturais.

É nesse contexto da exceção permanente, ademais, que bem se entende a resistência do Judiciário em acatar a ações coletivas para a satisfação de direitos sociais ou a recusa em admitir a produção de efeitos coletivos em ações indivi-duais, como se tem verificado na experiência recente de parte da jurisprudência trabalhista brasileira no que tange às condenações por dano social (“dumping social”), repercutindo nos julgados que envolvem relações de consumo.

Como forma de evidenciar ainda mais o estado de exceção na vivência prática das relações de trabalho, lembre-se do que se tem verificado nas greves. Se os trabalhadores em greve, ao promoverem um piquete, atingem o direito de ir e vir de alguém ou enfrentam, de alguma forma, o direito de propriedade, a polícia, por intermédio de ação judicial, é chamada a agir e, comparecendo ao local, o que fazem de forma imediata, tratam de dispersar a mobilização, fa-zendo valer em concreto os direitos contrapostos aos direitos perseguidos pelos trabalhadores, mesmo que dentre eles se insiram direitos liberais clássicos como a liberdade de expressão, o direito de manifestação e o direito à integridade física, dado que muitas vezes a dispersão, como se diz, se dá pelo uso da força.

Os trabalhadores se veem impedidos de exercer o direito de greve na forma eleita, mesmo que esta seja uma garantia constitucional, enquanto que o descumprimento da lei pelo empregador, que pode ser, em caso hipotético,

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o não pagamento de salários, que é um bem necessário à sobrevivência, não desafia a ação policial, tendo os trabalhadores que buscar o seu direito, se qui-serem, pela via do processo, na forma já declinada.

O importante, para a preservação dessa ordem de exceção permanente, é que as contradições não sejam reveladas e a fórmula básica para o desenvol-vimento de uma racionalidade reacionária é a de tratar os fenômenos sociais de forma pontual e descontextualizados da história, destacando apenas os aspectos que possam justificar o resultado que se pretenda para preservação do status quo.

Na direção inversa, ou seja, quando se pretenda revelar as contradições de um sistema baseado na regra da exceção permanente, que serve ao conti-nuísmo, o que se deve fazer é exatamente integrar os fatos no contexto atual e histórico.

Falando dos temas mais tratados nos últimos dias, a Copa, o “rolezinho” e a tragédia do Presídio de Pedrinhas, parece fácil identificar a lógica do estado de exceção em todos eles, que foi utilizada, precisamente, para manter inaba-lada a ordem do sistema de produção capitalista. Não que a Copa, ou, mais precisamente, os questionamentos que se façam sobre o advento da Copa, o presídio do Maranhão e o “rolezinho” tenham potencial para superar a ordem capitalista. Longe disso. De todo modo, o método de análise, que preserva a lógica de exceção, buscando uma visualização atomizada, sem contextualiza-ção histórica e de modo parcial, dos eventos em questão, dada a repercussão midiática atingida, apresentou-se essencial para não permitir a revelação das contradições do sistema e atrair um questionamento estrutural.

O “rolezinho” é um exemplo típico tanto da forma de análise pontual e desvirtuada quanto da utilização do direito na perspectiva do estado de exce-ção, ambos pensados como estratégia de preservação da coerência sistêmica.

O “rolezinho”, que é uma forma de diversão utilizada por jovens da peri-feria, a partir de 5 de dezembro de 2013, após comunicação em rede social, foi direcionado para um shopping. Seria mais um entre tantos “rolês”, mas, diante da repressão policial havida e da repercussão midiática atingida, se proliferou, rapidamente.

Vários outros “rolezinhos” foram marcados e coincidiram com a época do Natal, gerando bastante incômodo aos centros de comercialização. A visão que inicialmente se teve a respeito está bem traduzida em duas passagens pu-blicadas na grande mídia: “Mais um shopping em São Paulo foi alvo do ‘role-zinho’ – evento combinado por meio de redes sociais em que jovens correm e tumultuam centros de compras”5; “Tem de proibir esse tipo de maloqueiro de

5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/12/1389158-rolezinho-causa-tumulto-em-shopping-na-zona-sul-de-sp.shtml>.

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entrar num lugar como este” (frase ecoada por uma frequentadora do shopping em meio a um “rolezinho”, segundo informação constante da reportagem de Laura Capriglione publicada no Jornal Folha de S. Paulo, em 16.12.2013)6.

Na sequência, a ordem jurídica foi chamada para manter a estabilidade do sistema. A par de reconhecer o direito à livre manifestação e o direito de ir e vir, várias decisões judiciais deferiram o pedido dos shoppings para proibir o “rolezinho”, culminando multa de R$ 10.000,00 por “manifestante”, como forma de garantir o direito de propriedade e de impedir possível desordem.

Interessante notar que, enquanto os shoppings conseguem, sem muito esforço, liminares que impõem multas de até R$ 50.000,00 por pessoa, pela prática de um ato que, ao ver dessas decisões, seria agressivo ao direito de propriedade, mesmo sem qualquer intenção furtiva, ao mesmo tempo é difícil para os trabalhadores, na verdade, quase impossível, conseguir uma liminar que fixe pena pecuniária pelo descumprimento da legislação trabalhista, o que muitas empresas chegam a praticar de forma reiterada, atingindo, inclusive, parcelas de natureza alimentar como as verbas rescisórias e o próprio salário, e agredindo também interesses de ordem pública, como os depósitos do FGTS e os recolhimentos tributários e previdenciários.

De todo modo, juristas destacaram o caráter discriminatório contido em tais decisões, pois reconhecidamente os participantes do “rolezinho” eram jo-vens da periferia, e as críticas advieram, sobretudo, contra a postura de alguns shoppings de fecharem as portas ou de proibirem a entrada de menores de 18 (dezoito) anos desacompanhados dos pais ou responsáveis.

Como efeito dessa compreensão e após se perceber também que a es-tratégia repressiva somente fazia crescer o “rolezinho”, sendo que este acabou permitindo a visualização da injustiça social, do preconceito, da discriminação e da incoerência de uma ordem jurídica que garante de forma imediata a eficá-cia de alguns direitos seletivos, mantendo sob ineficácia tantos outros, chegou--se ao ponto da tentativa de dominação cultural do fenômeno.

Lembre-se que o mesmo ocorreu por ocasião das manifestações de ju-nho/2013. Nas manifestações de junho, aflorou um questionamento acerca da ineficácia dos direitos sociais consagrados na Constituição, pondo em risco a estabilidade institucional do modelo socialmente injusto em que nos inserimos. Superada a fase repressiva, que igualmente fez crescer a insatisfação, atingindo--se o nível da revolta, que impulsionou, inclusive, uma quase infindável lista de reivindicações, passou-se ao processo de dominação e esvaziamento do con-teúdo crítico do movimento, vinculando-o com intenção limitadora ao embate eleitoral entre PT e PSDB e visualizando-o ou como efeito de uma classe média

6 Disponível em: <http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/12/16/rolezinho-os-shoppings-centers-oferecem-aos-paulistanos-realidade-virtual/>.

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que ascendera e que pretendia, então, experimentar maiores benesses de con-sumo, ou como estratégia de uma ala da ultradireita, que tinha tudo arranjado para o implemento de um golpe militar...

Agora com o “rolezinho”, a tentativa está sendo a de transformá-lo em evento que na essência pertence a jovens da periferia que possuem uma men-talidade capitalista e que querem unicamente frequentar os shoppings porque estes representam um símbolo de sucesso, sendo que este se mede pelo poder de adquirir uma roupa de “marca”. Fora disso não se teria um autêntico “rolezi-nho”, mas ações de vândalos ou marginais, da mesma forma como se deu com as manifestações de junho, que foram admitidas apenas dentro dos padrões de uma racionalidade reacionária e não questionadora. Assim, mais do que um questionamento, o “rolezinho” representaria um triunfo do sistema, que estaria, inclusive, em franca evolução.

Não dá para negar que o sonho de consumo esteja em muitos desses jovens – e é plenamente legítimo que assim seja – e que muitos se sintam bem indo aos shoppings, mesmo que para mero “rolê”, mas o fato tem, certamente, uma representação bem maior que essa.

No mínimo, serve para chamar a atenção para a mentalidade discrimina-tória e preconceituosa que rapidamente we proliferou em parte da sociedade e para destacar a forma atomizada como a ordem jurídica enxerga os problemas sociais.

O “rolezinho”, como fenômeno cultural, auxilia na percepção de que existem jovens na periferia e que esses jovens estão tentando dizer algo e que-rendo ser vistos, sendo que na via de uma visualização de mão dupla não é possível deixar de pôr em questão a forma como as instituições públicas e essa mesma sociedade têm tratado historicamente esses jovens, sobretudo no que diz respeito à qualidade da educação pública que lhes é direcionada e às opor-tunidades que se lhes apresentam além do funk e do rolê (que são, vale repetir, expressões culturais plenamente legítimas).

Mais que isso, o vento possibilita lembrar que a periferia existe e que nela não há apenas os “funkeiros” e os, digamos assim, “rolezeiros”. Na periferia, há muitos trabalhadores que sofrem cotidianamente com o transporte público, que não tiveram oportunidade de estudar, que cumprem jornadas excessivas de tra-balho, que recebem baixos salários e que muitas vezes não veem seus direitos trabalhistas e demais direitos sociais serem respeitados, inclusive pelo próprio Estado, no que tange, por exemplo, aos benefícios previdenciários.

Nesse aspecto, inclusive, vale perceber que a periferia há muito tempo já está nos shoppings, por intermédio de vendedores de lojas, de garçons, cozi-nheiros e atendentes de restaurantes, de trabalhadores da limpeza e da vigilân-cia, etc., e a grande questão que se coloca é quanto o sistema jurídico confere a essas pessoas a eficácia concreta para se envolverem em ações políticas para

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efetivamente melhorarem sua condição social, sobretudo no que se refere ao direito de sindicalização e à estabilidade no emprego, cumprindo verificar que processo histórico de efetiva emancipação tem se permitido à classe trabalha-dora no Brasil.

O fato é que não será apenas com a permissão de que participantes dos “rolezinhos”, vindos da periferia, entrem nos shoppings, mesmo que, por força de uma certa evolução econômica, tenham poder de consumo, que se estará produzindo uma racionalidade inclusiva ou emancipatória ou implementando uma política voltada à produção de uma efetiva igualdade social.

Mais do que entrar nos shoppings, e, eventualmente, adquirir uma roupa de marca, é preciso que o projeto social esteja embasado na formação cultural, que permita a construção de uma consciência exatamente no sentido de que a aquisição de bens não é o que determina a essência da condição humana, sendo esta identificada pela capacidade de se colocar na posição do outro, de expressar os sentimentos de alteridade e de solidariedade, que implicam não ver o outro como um adversário a ser batido na corrida pelos escassos postos de trabalho, ou como um trampolim sobre o qual se pisa para subir. A forma-ção cultural necessária, portanto, vai contra um pretenso anseio de visualizar o “rolê” em um shopping como um objetivo de vida ou de afirmação de sucesso pessoal.

Alguns jovens podem, legitimamente, pretender se envolver em um “ro-lezinho” como modo de diversão. O que não é possível é querer integrar essa prática a um contexto que tenha significação de triunfo do capitalismo, no sen-tido de que o mero acolhimento jurídico e econômico do “rolezinho” seja uma forma que, por si, garanta uma ascensão social desses jovens.

No contexto de uma formação cultural consciente, o participante do “ro-lezinho” precisa se ver muito mais como um trabalhador, daquele que está prestes a ingressar no mercado de trabalho, se é que já não entrou, buscando seus direitos dentro da compreensão da classe a que pertence, do que como um consumidor, que será sempre circunstancialmente importante para o sistema.

O “rolezeiro” consciente, divertindo-se, mas vendo-se a partir do locus social em que está efetivamente integrado, entrará no shopping e verá, além dos produtos, os trabalhadores. Preocupar-se-á com a efetividade dos direitos dessas pessoas e até mesmo daquelas que bem longe dali, muitas vezes em outros países, fabricam bens em condições análogas a de escravo, o que se tem verificado, sobretudo, nos tais produtos de marca7. Conseguirá ver, então, que

7 Vide, a propósito, matéria de Eleonora de Lucena, “Livro discute exploração de trabalhadores por empresas”, publicada na Folha de S. Paulo, em 18.01.2014, tratando das condições de trabalho em grandes corporações pelo mundo afora (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1399391-livro-discute-exploracao-de-trabalhadores-por-empresas.shtml), sendo que, evidentemente, no caso do Brasil, não se precisa ir muito longe.

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as coisas não são tão bonitas quanto parecem e que sua participação na cons-trução de uma sociedade mais justa, solidária e humana vai exigir, um dia, bem mais que um lugar refrigerado para dar uns beijinhos.

O fato é que sem o esvaziamento de conteúdo, pelo qual se pretenda favorecer uma inclusão retórica, o “rolezinho” pode fornecer elementos para análises críticas reveladoras, sobretudo no que tange à possibilidade concreta de o modelo de produção capitalista abarcar ao sonho de consumo, com igual-dade plena, todas as pessoas. Claro que ainda há poucos elementos para dizer se esse movimento vai avançar e em qual sentido, e não se pode, igualmente, transformá-lo, retoricamente, em um movimento social de cunho revolucio-nário, que não me parece ser, ao menos até agora, mas não é possível tratá-lo como mera brincadeira de criança.

Essa percepção nos conduz ao tema da Copa de 2014: seria a vinda da Fifa ao Brasil em 2014 um mero “rolezinho”? Uma simples brincadeira, sem maiores implicações?

A exemplo de muitos integrantes do “rolezinho”, talvez a Fifa assim o considere, ou seja, que vai apenas dar uma passeadinha no Brasil, fazer “rolar” uns joguinhos e dar umas festinhas, com a diferença, no que se refere aos participantes do “rolezinho”, de que ainda pode ir embora com algum dinheirinho...

Mas, igualmente ao que se passa com o fenômeno anteriormente exa-minado, a Copa é bem mais do que isso e serve também para revelar como o poder constituído é capaz de estabelecer situações de excepcionalidade, mes-mo no nível constitucional, para manter a mesma lógica do favorecimento de interesses econômicos específicos.

A Lei Geral da Copa (LGC), nº 12.663/2012, primeiro, foi, assumidamen-te, fruto de um ajuste firmado entre o Governo brasileiro e a Fifa, entidade priva-da, visando a atender aos denominados padrões Fifa de organização de eventos, para possibilitar a realização da Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo, em 2014; segundo, traz várias agressões à ordem constitucional.

Destaquem-se duas dessas agressões à ordem constitucional, que se in-terligam aos direitos dos trabalhadores.

O art. 11 da referida lei dispõe que:

Art. 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, di-vulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.

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§ 1º Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da Fifa ou de terceiros por ela indicados, atendi-dos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2km (dois quilô-metros) ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição.

§ 2º A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal.

O artigo em questão cria uma forma de rua exclusiva para a Fifa e seus parceiros, excluindo, inclusive, a possibilidade do funcionamento de estabele-cimentos existentes no tal “local oficial de competição”, que abrange o perí-metro de 2km em volta do estádio, caso seu comércio se relacione de alguma forma ao evento.

Ou seja, quando se diz que uma das justificativas para o advento da Copa é impulsionar o comércio, que beneficiaria, inclusive, os trabalhadores, este se vê, por lei, restrito aos parceiros da Fifa.

Além disso, pela lei em questão, a União obrigou-se a indenizar a Fifa por qualquer lesão sofrida pela entidade inclusive quanto à transgressão do co-mércio exclusivo no “local oficial”, anteriormente referido (art. 21), sendo esta responsabilidade objetiva, na forma do § 6º do art. 37 da Constituição Federal (art. 22), sendo oportuno lembrar que não tem sido essa a postura desse mesmo governo no que se refere aos danos causados aos trabalhadores que lhe prestam serviços por intermédio do processo (inconstitucional, diga-se de passagem) da terceirização e muito menos a mesma eficácia jurídica se conferiu aos interesses dos trabalhadores que estão executando as obras da Copa, muitos deles submeti-dos a excessivas jornadas de trabalho para que se consigam concluir os serviços, sob suspeita de não recebimento das horas extras ou recebendo-se por meio de pagamento “por fora”, outros, ainda, trabalhando com atrasos no pagamento de salários, isto sem falar nos trágicos acidentes que geraram mortes, não se tendo qualquer notícia que o governo tenha intervindo para buscar a eficácia plena dos direitos desrespeitados e para garantir às vítimas uma imediata indenização.

O segundo destaque está, aliás, diretamente ligado a este aspecto da ga-rantia da eficácia da legislação trabalhista.

Fato é que, de forma acintosa, o Governo brasileiro resolveu fazer letra morta das normas constitucionais, inseridas na órbita dos direitos fundamentais, de proteção ao trabalhador, institucionalizando o trabalho em condições aná-logas à de escravo, vez que desprezados os direitos trabalhistas, apoiando-se na retórica falaciosa do trabalho voluntário, que não possui qualquer respaldo jurídico, ao menos em nível constitucional, contrariando, inclusive, o compro-misso público assumido junto com a Fifa, constante expressamente no art. 29 na própria Lei Geral da Copa:

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Art. 29. O poder público poderá adotar providências visando à celebração de acordos com a Fifa, com vistas à:

I – divulgação, nos Eventos:

[...]

b) de campanha pelo trabalho decente;

[...]. (grifo nosso)

Ora, o trabalho decente é um conceito difundido pela Organização In-ternacional do Trabalho exatamente para impedir a execução de trabalho sem as garantias trabalhistas. Verdade que a legislação nacional (Lei nº 9.608/1998), de discutível constitucionalidade, permite o trabalho voluntário, sem a garantia dos direitos trabalhistas, mas este serviço, que pode ser prestado “a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos”, deve possuir objetivos “cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade”.

A Fifa está longe de ser uma entidade sem fins lucrativos, e o serviço na Copa do Mundo, voltado a uma lógica sabidamente econômica, que é, ade-mais, o que justificou, na visão do próprio governo, a realização do evento no Brasil, está longe de possuir algum dos objetivos anteriormente destacados.

E assim o Governo brasileiro permitiu que a Fifa viesse aqui dar um “role-zinho”, explorando o trabalho de brasileiros e estrangeiros. E a Fifa pode, então, divulgar o “rolê” em seu site, da seguinte forma8:

12) O que eu vou receber por trabalhar na Copa do Mundo da Fifa e nos seus eventos auxiliares?

O trabalho voluntário é por natureza um trabalho sem remuneração. Por conta disso, não haverá pagamento de nenhum tipo de salário ou ajuda de custo para hospedagem. Porém, visando a não gerar ônus, o COL e a Fifa irão fornecer os uni-formes, um auxílio para o deslocamento até o local de trabalho (dentro da sede) e alimentação durante o período em que estiver atuando como voluntário. (grifou-se)

13) Qual a duração do turno diário de trabalho voluntário?

O turno diário de trabalho voluntário durará até 10 horas. (grifou-se)

14) Por quanto tempo preciso estar disponível para o evento?

É necessário ter disponibilidade de pelo menos 20 dias corridos na época dos eventos.

8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1399391-livro-discute-exploracao-de-tra- -balhadores-por-empresas.shtml>.

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15) Existe alguma diferença entre os tipos de voluntários?

Existem algumas funções que possuem requisitos muito específicos e, por isso, necessitam de conhecimentos e habilidades específicas. Isso leva à criação de uma organização baseada em Especialistas e Generalistas:

Os especialistas atendem a áreas como imprensa, departamento médico, serviços de idioma, etc.;

Os generalistas atendem a todas as outras áreas de trabalho e têm foco no aten-dimento ao público em geral.

16) Eu não moro em nenhuma das sedes da Copa do Mundo da Fifa. Vou poder participar?

A inscrição on-line pode ser feita de qualquer local, mas é importante que as pessoas saibam que terão de estar disponíveis para o trabalho no período deter-minado e na cidade na qual forem alocados/escolherem, sabendo que o COL não proverá nenhum tipo de auxílio para a hospedagem. (grifou-se)

[...]

18) Os voluntários poderão assistir aos jogos?

Não serão disponibilizados assentos para os voluntários. Alguns poderão estar trabalhando nas arquibancadas ou em áreas com visibilidade para o campo, mas é importante lembrar que estarão trabalhando e, por isso, não deverão ter tempo para assistir aos jogos. Nos intervalos do seu horário de trabalho, no entanto, poderão ir ao Centro de Voluntários, onde poderão assistir por alguns momentos a alguma partida que esteja sendo transmitida.

Claro que a medida auxilia também o interesse econômico do próprio Governo brasileiro. Este planeja valer-se da previsão normativa de excepciona-lidade em questão para angariar o trabalho de até 18 mil voluntários, sendo que a previsão de voluntários da Fifa é de 15 mil. Ou seja, um dos legados concretos da Copa será o histórico de que, durante a sua ocorrência, evidenciou-se o es-tado de exceção, de modo a atingir, diretamente, a ordem constitucional perti-nente aos direitos fundamentais de natureza trabalhista, renegando a condição de cidadania a pelo menos 33 mil pessoas.

As concessões do Governo brasileiro à Fifa vão além, muito além, do poder que lhe fora concedido, principalmente quando pensamos a Constitui-ção do ponto de vista da realidade teórica que lhe confere sustentação como instrumento de garantia do Estado Democrático de Direito a serviço do poder popular.

Nem se a presença da Fifa no Brasil, para a Copa de 2014, fosse mera brincadeira de criança o Governo brasileiro poderia chegar ao ponto em que chegou, pois até na brincadeira se preserva a noção de legitimidade, como se verifica na seguinte cantiga da roda:

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Se essa rua

Se essa rua fosse minha

Eu mandava

Eu mandava ladrilhar

Com pedrinhas

Com pedrinhas de brilhante

Para o meu

Para o meu amor passar

A rua não é do governo e ele não pode ladrilhá-la com pedrinhas de bri-lhante para a Fifa passar e explorar.

Ademais, embora o Brasil, que já teve muitas pedrinhas de brilhante, não possa sequer imaginar em oferecer esse luxo ao seu visitante “ilustre” porque se vê obrigado a revelar ao mundo, e a si mesmo, a realidade trágica do Presídio de Pedrinhas, no Maranhão, onde, no final do ano passado, ao tempo do início do “rolezinho”, ocorreram 62 mortes.

Esse fato, igualmente, não pode ser visto de forma atomizada e episódi-ca e muito menos minimizado, vez que demonstra, de forma escancarada, as mazelas de uma sociedade profundamente desigual e que despreza ao máximo a situação dos que, pela exclusão social, econômica e cultural, foram conduzi-dos à marginalidade, ainda que alguns insistam em apontar o presidiário como uma espécie de delinquente pela própria natureza, não se desconhecendo, por óbvio, que entre estes alguns possam ter, efetivamente, praticado graves crimes contra a vida, que nenhuma teoria social pode justificar.

De todo modo, números oficiais revelam, segundo informação de Geri-valdo Neiva9, que

44,23% dos presos cometeram crimes contra o patrimônio (furtaram ou rouba-ram) e 20,13% cometeram crimes de tráfico, ou seja, mais de 64% dos presos são delinquentes comuns que roubaram, furtaram ou se envolveram com o tráfico. De outro lado, apenas 14,5% cometeram crimes contra a vida...10

Pedrinhas é no Maranhão, mas o Maranhão é aqui. E se em Pedrinhas havia 400 detentos a mais do número máximo de 1.770 previsto, várias peni-tenciárias brasileiras seguem o mesmo padrão, sendo que, em muitos casos, os detentos estão indevidamente presos, em razão de uma eficácia parcial da or-dem jurídica, pois entraves processuais impedem a libertação de detentos após

9 Juiz de Direito (BA), membro da Coordenação Estadual da Associação Juízes para a Democracia (AJD), membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Porta-Voz no Brasil do Movimento Law Enforcement Against Prohibition – Agentes da Lei Contra a Proibição (Leap-Brasil).

10 Disponível em: <http://www.gerivaldoneiva.com/2014/01/quem-sao-os-presos-do-maranhao-por-que.html>.

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o cumprimento da pena ou mantêm presos em regime fechado condenados cuja pena deveria ser cumprida em regime aberto ou semiaberto.

Especificamente, o sistema penitenciário do Estado do Maranhão abriga mais da metade de presos (55,08%) ainda à espera de julgamento.

Não há vontade política para inverter concretamente e por completo o processo histórico da exclusão, apesar dos notórios avanços da política gover-namental adotada nos últimos 10 (dez) anos. Por isso, a prisão de mais de meio milhão de pessoas em todo o País acaba sendo tanto um efeito quanto uma política frente aos problemas sociais, ao mesmo tempo em que se presta a um nicho para uma atividade econômica lucrativa. Conforme ressalta Nota do Cen-tro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP,

não por mera conveniência que a privatização do cárcere surge como solução atrativa para a construção e prestação dos serviços nas unidades. Não à toa o Estado do Maranhão, chefiado por Roseana Sarney, destinou R$ 74 milhões de reais à terceirização ilícita de mão de obra nos presídios do Estado em 2012.

A distância entre Pedrinhas e o “rolezinho” nos shoppings paulistanos pode ser bem menor do que se supõe, o que explica, de certo modo, sem justi-ficar, por certo, a aversão inicial que se apresentou ao evento. Como destacado na mesma Nota do XI de Agosto,

negros compõem 60% da população carcerária brasileira, da qual 58% são jo-vens entre 18 e 29 anos e 77% não passaram do Ensino Fundamental, o que mostra o presídio como verdadeiro mecanismo de detenção e criminalização da população pobre, jovem e negra. Nesse sentido, cabe ressaltar a dificuldade dos mais pobres em ter acesso à assistência jurídica, quadro que também concorre para a ocorrência de rebeliões internas com vistas a exigir melhores condições para o cumprimento das penas.

Ainda segundo Gerivaldo Neiva, em dezembro de 2012, a população carcerária do Estado do Maranhão era composta de 83,35% de detentos com escolaridade até o ensino fundamental, ou seja, sem qualificação profissional alguma. Apenas 0,18% eram portadores de curso superior.

Fato é que, para boa parte da sociedade brasileira, que constitui, certa-mente, a maior parte, a ordem jurídica só tem sido aplicada em lógica de estado de exceção, valendo parcialmente na medida da conveniência da preservação da desigualdade, que favorece muitos interesses, inclusive de natureza política eleitoral, sem falar, é claro, dos econômicos.

Essa não é uma característica do tempo presente, vez que acompanha a história da sociedade brasileira. Lembre-se, por exemplo, que o escravo só era visto como sujeito de direito quando praticava um crime, sendo que, na pers-pectiva das relações civis, o escravo, juridicamente falando, era um objeto do

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Direito. No dizer de Jacob Gorender: “O primeiro ato humano do escravo é o crime”11. Pelo ato criminoso o escravo se tornava gente, de pleno direito.

Ao longo da história do Brasil, a consagração de direitos trabalhistas foi sempre acompanhada de intensa resistência por parte da classe empresarial, que buscava lógicas de convencimento inclusive do mal que a legislação traba-lhista poderia causar à moral dos trabalhadores.

Por meio de texto intitulado A indústria em face das leis do trabalho, tentou-se criar o convencimento de que a lei de férias, por exemplo, que foi de fato a primeira lei com direito trabalhista de âmbito nacional, era “perigosa”, não apenas pelos aspectos sempre comuns da linha da argumentação econômi-ca, no sentido de que geraria custos adicionais para produção, impondo uma interferência indevida no mercado produtivo, mas também porque “abriria para o trabalhador a perspectiva de reivindicações sociais crescentes”, entendidas estas não as de natureza econômica, mas de natureza revolucionária. Como esclarecido em passagem do documento em questão:

Esta classe (operária) jamais se congregou em torno de ideais avançados e nunca teve veleidades de esposar a grande cópia [sic] de reivindicações que por vezes chegam a inquietar a sociedade dos velhos países industriais do estrangeiro. A única finalidade do proletariado é o trabalho bem remunerado e sua alma sim-ples ainda não foi perturbada por doutrinas dissolventes que correm mundo e que, sem cessar, vêm provocando dissídios irremediáveis entre duas forças que, bem orientadas, não se repelem, antes de completam em íntima entrosagem: o capital e o trabalho.12

Resta clara em tal documento a argumentação de que:

Os lazeres, os ócios, representam um perigo iminente para o homem habituado ao trabalho, e nos lazeres ele encontra seduções extremamente perigosas, se não tiver suficiente elevação moral para dominar os instintos subalternos que dor-mem em todo ser humano.

E acrescenta:

Que fará um trabalhador braçal durante quinze dias de ócio? Ele não tem o culto do lar, como ocorre nos países de climas inóspitos e padrão de vida elevado. Para o nosso proletário, para o geral do nosso povo, o lar é um acampamento – sem conforto e sem doçura. O lar não pode prendê-lo e ele procurará matar as suas longas horas de inação nas ruas. A rua provoca com frequência o desabrochar de vícios latentes e não vamos insistir nos perigos que ela representa para o trabalha-dor inactivo, inculto, presa fácil dos instinctos subalternos que sempre dormem

11 Apud TOLEDO, Roberto Pompeu de. À sombra da escravidão. Revista Veja, edição de 15 de maio de 1996, p. 54.

12 NOGUEIRA, O. Pupo. A indústria em face das leis do trabalho. São Paulo: Escolas Profissionaes Salesianas, 1935. p. 67 e 70.

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na alma humana, mas que o trabalho jamais desperta. Não nos alongaremos sobre a influência da rua na alma das crenças que mourejam nas indústrias e nos cifraremos a dizer que as férias operárias virão quebrar o equilíbrio de toda uma classe social da nação, mercê de uma floração de vícios, e, talvez, de crimes que esta mesma classe não conhece no presente.13

No aspecto econômico, dizia-se que a lei de férias gerava duas conse- quências desastrosas: aumento dos custos e desorganização do trabalho. Se-gundo informação de Werneck Vianna, a FIESP chegou a elaborar cálculos, em indústria específica, sobre o aumento dos custos que seriam gerados pela con-cessão de férias, dada a diminuição da produção, que não poderia ser suprida pela contratação de trabalhador para o período respectivo, sobretudo em razão do alto salário que seria cobrado pelo trabalhador que viesse a ocupar por ape-nas 15 dias o lugar do trabalhador em férias14.

Por ocasião da regulamentação do trabalho do “menor”, que tem início com a edição do Decreto nº 5.083, de 1º de dezembro de 1926, que proibia o emprego de menores de 14 anos, limitava em 6 horas a jornada para os menores de 18 anos, com a concessão de uma hora de intervalo, e vedava o trabalho destes no horário noturno, novamente os industriais apresentaram forte oposi-ção. Conforme relata Werneck Vianna, para os representantes de associações patronais de São Paulo, segundo expresso em um documento que enviaram ao presidente da Câmara dos Deputados, “a implementação da lei seria inviável por questões de ritmo e da ordenação do trabalho industrial”15.

Sustentavam, em tal documento, que, partindo do argumento técnico de que “tudo está calculado do simples para o complexo. Uma secção vai servindo à outra, de modo que a matéria-prima bruta vai aos poucos sofrendo transfor-mações sucessivas até que se ultimam todas as operações. Qualquer parada em um secção repercute na secção que se lhe segue ou na que a precede, tornando assim o organismo fabril um todo único”, não poderia haver divergência entre a jornada dos adultos e a dos “menores”, pois isso prejudicaria o andamento técnico da produção.

Fato interessante relatado por Werncek, que serve a diversas análises, foi o da multa aplicada a uma indústria têxtil na Cidade de São Paulo, por ter se utilizado de menores de 14 anos durante a vigência do decreto mencionado. Na defesa que apresentou à justiça, a empresa trouxe como testemunhas quatro dos maiores industriais da época: José Erminio de Moraes, Fábio de Silva Prado, Nicolau Schiesser e Carlos Whately, os quais, de forma uníssona, insistiram no argumento de que:

13 Idem, p. 67 e 70.14 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999. p. 116.15 Idem, p. 117.

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Nas fábricas de São Paulo não é possível observar-se o disposto no Código de Menores com relação ao tempo do trabalho diário dos menores. Nessas fábricas, o trabalho é distribuído por secções de modo que o trabalho dos maiores fica dependendo do trabalho dos menores, de tal modo que um não pode prescindir do outro...16

Essas falas não eram apenas retóricas, pois, apesar de vigentes, as leis não foram aplicadas por resistência direta e expressa dos industriais, que se viam, então, no “direito” de não respeitarem as leis, sem que o Estado tivesse força e vontade concreta de lhes impor a autoridade da lei. Essa, ademais, é a conjun-tura que envolva as leis trabalhistas no Brasil até hoje.

Oportuno observar que a força de trabalho dos “menores” na indústria têxtil representava, à época, 60% do total da mão de obra empregada.

Muitos podem imaginar ser um exagero o que está dizendo, mas basta que vislumbrem o quanto se torna difícil levar adiante uma reivindicação de direito em face de um conglomerado econômico, na condição de consumidor, por exemplo, ou em face do próprio Estado.

De todo modo, o mais importante é compreender que os fenômenos sociais devem ser visualizados no seu contexto mais amplo, interligados com outros fatos presentes e históricos, pois as compreensões pontuais e datadas facilitam a adoção de medidas jurídicas que favorecem o estado de exceção permanente que impede uma emancipação popular, considerando, sobretudo, a posição dos que se situam em posição inferiorizada na sociedade, ou seja, contribuindo para a preservação da desigualdade que alimenta o modelo de sociedade que se baseia na exploração do trabalho alheio.

O que se passou em Pedrinhas é demonstração evidente do processo de exclusão e da falta de perspectiva inclusiva. O que se verificou nos “rolezinhos” foi, primeiramente, o incômodo de parte da sociedade com a presença mais ostensiva das diferenças, denunciando nosso déficit democrático. Serviu para evidenciar, na sequência, que a periferia existe e quer se mostrar. A solução que se apresentou, superada a estratégia repressiva, de acolher parte desses jovens, alimentando seus sonhos de consumo, não é capaz de constituir um projeto po-lítico de inclusão, até porque obter capacidade econômica para adquirir coisas não faz parte de um processo de emancipação humana, vez que, quanto mais necessidade o ser humano apresenta de adquirir para se sentir gente, menos humano tende a ser. A Copa de 2014 se insere neste contexto como o evento que, sem qualquer perspectiva inclusiva, procura conferir mais um modo de di-versão, que possa acomodar o espírito. Não seria isso negativo em si não fosse o evento acompanhado da mesma lógica, visualizada nos outros dois fenômenos, de reforço da produção de uma racionalidade fugidia da realidade, contribuin-

16 Idem, p. 116.

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do para a reprodução do estado de exceção permanente, voltado ao favoreci-mento de interesses econômicos determinados, que se valem da desigualdade social para se perpetuarem como força dominante.

O grande desafio que se apresenta é o de superar o estado de exceção permanente, impulsionada pelas análises atomizadas. O que se exige, portanto, são avaliações contextualizadas, para a produção de uma racionalidade inte-gral, estrutural, de emancipação e de produção da efetiva igualdade.

Um passo importante pode ser o de dar continuidade às reivindicações de junho, que pautam a necessidade de conferir efetividade plena, para todos, aos direitos sociais, notadamente: saúde, educação, transporte, trabalho digno e Previdência Social. Não que sejam, em si, o fim a que se pode chegar no projeto de uma sociedade igualitária, mas porque bem instrumentalizam a revelação das contradições do sistema e da utilização permanente do estado de exceção.

Restará, de todo modo, o dilema proposto por Bercovici, extraído das observações de Walter Benjamin:

Ou escolhemos a verdade do estado de exceção permanente a que estamos sub-metidos, que muitos fingem que não enxergam, ignorando a realidade. Ou esco-lhemos a outra verdade, a do outro estado de exceção, a da exceção à exceção, a do estado de exceção a ser ainda instaurado, a do poder constituinte do povo em busca de sua efetiva e plena emancipação.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de Justiça Desportiva1ª Comissão Disciplinar Processo nº 154/2013 Denunciado: Clube de Regatas FlamengoCompetição: Campeonato Brasileiro da Série A – 2013Relator: Luiz Felipe Bulus

CAMPEONATO BRASILEIRO DA SÉRIE A DE 2013 – ESCALAÇÃO IRREGULAR DE ATLETA CONDENADO A UMA PARTIDA DE SUSPENSÃO PELO STJD – APLICAÇÃO DO ART. 214 DO CBJD – INTERPRETAÇÃO DO ITEM XI DA RDI Nº 5/2004 – INCIDÊNCIA DO ART. 171, § 1º, DO CBJD – DISTINÇÃO ENTRE O ART. 133 E O ART. 43, § 2º, DO CBJD – IMPOSSIBILIDADE DE A SUSPENSÃO AUTOMÁTICA TER SIDO CUMPRIDA EM CAMPEONATO DIVERSO.

Vistos, relatados e discutidos o Procedimento Especial por Infração a Dopagem em que figuram os Denunciados em epígrafe.

Acordam os Auditores da Primeira Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, por unanimidade, em conhecer e dar provimento a Denúncia da D. Procuradoria nos termos do voto do Relator.

RELATóRIO

Trata-se de denúncia apresentada pela Procuradoria de Justiça Desportiva em face do Clube De Regatas Flamengo, em virtude da escalação alegadamente irregular do atleta André Clarindo dos Santos na partida disputada contra o Cruzeiro/MG em 07.12.2013, válida pela 38ª rodada do campeonato brasileiro de 2013.

A denúncia registra que, naquela ocasião, o atleta se encontrava suspenso por uma partida em virtude de decisão da 4ª Comissão Disciplinar do STJD, proferida nos autos do processo nº 172/2013, no âmbito do qual fora condenado pela infração tipificada no art. 258 do CBJD, em face de sua expulsão no último jogo da final da Copa do Brasil.

O aludido julgamento e a condenação do atleta ocorreram em 06.12.2013, o que impedia o clube denunciado de escalá-lo para a derradeira partida do Campeonato Brasileiro da Série A de 2013, tendo em vista o que dispõe o art. 171, § 1º, do CBJD.

A denúncia registra, ainda, a aplicação ao caso dos arts. 133 e 147 do CBJD quanto aos efeitos da decisão da Justiça Desportiva, ao tempo em que

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faz distinção quanto ao termo inicial para cumprimento de prazos previsto no art. 43 do mesmo diploma.

Por fim, a peça acusatória requer a aplicação da pena do art. 214 do CBJD, o que resultaria na perda de 4 (quatro) pontos da agremiação denunciada.

O Fluminense Football Club requereu sua habilitação no feito na condição de terceiro interessado, com fundamento no art. 55 do CBJD, o que entendi por submeter à apreciação do colegiado, que acolheu o pleito à unanimidade.

O Clube de Regatas do Flamengo pleiteou, por meio de petição datada de 13.12.2013, a produção de prova audiovisual, documental e testemunhal. Na sessão de julgamento, o denunciado requereu a produção de prova testemunhal, com o comparecimento de ex-integrante de Comissão Disciplinar da Fifa, cujo depoimento seria traduzido por tradutora juramentada trazida pelo próprio clube. Todas as provas foram por mim admitidas.

Procuradoria e Defesa requereram juntada de documentos aos autos, o que também foi deferido, facultando-se vista às partes.

Houve a oitiva, como testemunha da Defesa, de ex-integrante de Comissão Disciplinar da FIFA, com o auxílio de tradutora juramentada disponibilizada pelo clube denunciado.

Defesa apresentada oralmente pelos advogados do Denunciado e do Terceiro Interessado.

Este é o breve relatório.

voto

O clube denunciado sustenta sua defesa em quatro teses principais.

A primeira tese defende a aplicação ao caso da RDI 5/2004 e, especificamente, dos seus itens I, III e XI, os quais garantiriam que a suspensão automática decorrente da expulsão do atleta André Santos na última partida da Copa do Brasil só deveria ser cumprida na Copa do Brasil de 2014, assim como a penalidade de suspensão por uma partida imposta pelo STJD somente poderia ser cumprida após o cumprimento daquele primeiro impedimento.

A segunda tese do denunciado é no sentido de que a regra do art. 171, § 1º, do CBJD deveria ser interpretada em conjunto com o art. 68 do RGC. Esta interpretação resultaria no entendimento de que, caso uma penalidade de suspensão por partida aplicada pelo STJD não possa ser cumprida na competição na qual a infração for praticada, tal pena deve ser cumprida em competição “subsequente”, mas jamais em competição realizada “concomitantemente”.

A terceira tese da Defesa diz respeito aos efeitos de decisão do STJD que suspendeu o atleta em questão por uma partida. Na linha do que sustentado

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pelo denunciado, seria aplicável ao caso o art. 43, § 2º, do CBJD, que dispõe sobre a prorrogação do prazo para o primeiro dia útil se o seu início cair em sábado.

A quarta tese defende que a suspensão automática decorrente da expulsão na última partida da Copa do Brasil teria sido cumprida na partida disputada contra o Vitória pelo Campeonato Brasileiro da Série A e, portanto, teria havido a detração com a pena imposta pelo STJD.

Inicialmente, é mister distinguir a suspensão automática da penalidade de suspensão aplicada pela justiça desportiva. A primeira tem natureza técnica e está prevista no código disciplinar da FIFA (artigo 18), assim como na RDI 5/2004 e em outras normas. A segunda tem caráter sancionatório disciplinar, sendo aplicada pela justiça desportiva e encontrando fundamento legal no CBJD.

Feita esta breve, mas importante distinção, passo à análise das teses da Defesa.

Entendo não merecer guarida a tese de que a suspensão decorrente da pena aplicada pela Justiça Desportiva só pode ser implementada após o cumprimento da suspensão automática e que esta só deve ser cumprida na Copa do Brasil de 2014, entendimento que encontraria abrigo no item XI da RDI 5/20041.

Este entendimento está edificado sobre as seguintes premissas: (i) o cumprimento da suspensão automática é obrigatório, acompanhando o atleta mesmo quando finalizada a competição; e (ii) o item XI da RDI 5/2004 existe para evitar que o atleta venha a ser duplamente penalizado, devendo sempre cumprir a automática antes da suspensão imposta pela justiça desportiva

A premissa de que a suspensão automática deve ser sempre cumprida não é fundamental para se concluir que o item XI da RDI 5/2004 não pode ser interpretado como pretende a defesa. Sim, porque o que se deve ter presente na espécie é exatamente a distinção entre a suspensão automática e a penalidade imposta pelo STJD, conforme exposto anteriormente.

Embora o meu entendimento seja no sentido de que o atleta André Santos deve cumprir a suspensão automática na primeira partida da próxima Copa do Brasil, na linha do que parece também entender a Defesa, não é isto que está sendo decidido neste processo e não importa se o entendimento da maioria vier a caminhar no sentido de que a automática não precisa ser mais cumprida em face do término da competição.

1 XI – O jogador que for punido pela Justiça Desportiva e estiver pendente o cumprimento de um ou mais impedimentos, primeiramente os cumprirá, para em seguida cumprir a penalidade imposta pela Justiça Desportiva.

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A tese de que a suspensão automática se extingue se a expulsão ocorreu no último jogo do campeonato poderia ser sustentada pelos meus pares ante a falta de previsão expressa nas normas desportivas, assim como poderia invocar como fundamento a própria circular 866/2003 da FIFA trazida pela Defesa, no ponto em que ela alude à situação de os órgãos competentes decidirem sobre a possibilidade de o jogador carregar a automática para a competição seguinte. Ou seja, seria defensável que, se não houve decisão, não se carrega.

Entretanto, como dito, o que se está discutindo nestes autos é a necessidade de ter sido cumprida na última partida do Campeonato Brasileiro da Série A de 2013 a pena de suspensão aplicada pela 4ª Comissão Disciplinar do STJD.

A extinção da suspensão automática em face do término do campeonato ou seu cumprimento na próxima Copa do Brasil em nada alteram os fundamentos que passarei a elencar a seguir.

Em um primeiro momento, poderia se supor que o item XI da RDI 5/2004 extrapolou os limites de competência da CBF e precisaria ser considerado não aplicável em face de normas hierarquicamente superiores e/ou específicas.

Entretanto, não acredito seja preciso se chegar a tanto, vez que se trata de uma disposição a respeito da suspensão automática e que procura tão somente homenagear a possibilidade de detração.

O item XI da RDI 5/2004 precisa ser interpretado à luz das interpretações teleológica e sistemática.

A interpretação teleológica pode ser definida de forma bastante resumida com a seguinte lição de Carlos Maximiliano: “o hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática”2.

O conceito resumido de interpretação sistemática pode ser colhido do mesmo doutrinador:

“130 – Consiste o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exe-gese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as conseqüentes, e do exame das re-gras em conjunto deduzir o sentido de cada uma [...]. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço.”3

Basta se perquirir qual a finalidade que visa atingir o item XI da RDI 5/2004 (interpretação teleológica) e/ou sua comparação com os demais itens e “considerandos” da mesma resolução para se concluir, d.m.v., que jamais seria

2 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 124-1253 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 104-105

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possível entender pela exigência de que a penalidade de suspensão de partida decidida pela justiça desportiva só poderia ser cumprida após o cumprimento da suspensão automática.

A finalidade do aludido dispositivo, ao meu sentir, é homenagear o instituto da detração, previsto no item VI da mesma resolução, vez que a CBF não poderia pretender regular sobre o momento de cumprimento das decisões do STJD, sob pena de usurpação de competência do Tribunal e ofensa ao princípio da hierarquia das normas que se verificaria entre RDI e CBJD.

À mesma conclusão se pode chegar ao procedermos à interpretação sistemática, na medida em que a RDI 5/2004 assim registra:

“Dispõe sobre o impedimento automático decorrente da expulsão de campo e da aplicação de advertências representadas pela exibição do cartão amarelo e dá outras providências.

A Diretoria da Confederação Brasileira de Futebol, no uso de suas atribuições legais e estatutárias,

[...]

Considerando que o impedimento automático instituído pela Fifa como consequ-ência da infração à regra, independe da infração disciplinar pela qual venha a ser julgado o jogador pela justiça desportiva;

[...]

Em todos os campeonatos e torneios realizados no território nacional, o jogador expulso de campo, pelo árbitro, ficará automaticamente impedido de participar da partida subsequente da mesma competição.

[...]

Por partida subsequente se entende a primeira que vier a ser realizada após àque-la em que se deu a expulsão ou a terceira advertência, e o impedimento não se transfere para outra competição ou torneio.

[...]

VI – Caso o atleta venha a ser suspenso pela Justiça Desportiva, a partida em que ficou impedido de participar será deduzida da penalidade aplicada, para efeito de execução.

[...]

IX – O impedimento sendo decorrente da infração às Regras do Jogo é totalmente independente das decisões da Justiça Desportiva quando aprecie infrações às normas disciplinares.

[...]”

Como se vê, a indigitada resolução cuida especificamente de suspensão automática, autorizando a possibilidade de detração e, ao mesmo tempo,

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esclarecendo que aquele impedimento é “totalmente independente das decisões da Justiça Desportiva quando aprecie infrações às normas disciplinares”.

E nem poderia ser diferente, eis que a CBF não poderia dispor sobre o momento em que deveriam ser cumpridas as sanções aplicadas pelo STJD, como foi dito linhas atrás.

Nesse passo, a única interpretação possível a ser conferida ao item XI da RDI 5/2004, na minha opinião, é a que leva em conta os métodos sistemático e teleológico para concluir que deve haver o cumprimento da suspensão automática antes daquela estabelecida pela Justiça Desportiva sempre que isto for possível (o que no caso não ocorreu em face de situação peculiar – término do campeonato).

E não se diga que tal interpretação levaria à dupla penalidade, como sustentado pela Defesa. A uma, porque as naturezas das suspensões são distintas, conforme já dito à exaustão e registrado na própria RDI (item IX acima transcrito). A duas, porque o parágrafo único do art. 58 do RGC, que trata da detração, está assim vazado:

“Art. 58. [...]

Parágrafo único. se o julgamento ocorrer após o cumprimento da suspensão au-tomática, sendo o atleta suspenso, deduzir-se-á da pena imposta à partida não disputada em consequência da expulsão.”

A redação do dispositivo não dá margem a dúvidas. Se o julgamento for posterior ao cumprimento da automática, como é a regra geral, diga-se de passagem, aplica-se a detração sem maiores questionamentos. Por outro lado, extrai-se da mesma norma, a contrario sensu, que se o julgamento ocorrer antes do cumprimento da suspensão automática, não há falar em detração.

Registre-se que a detração é um benefício e, como tal, deve ser sempre interpretada e aplicada restritivamente, como ocorre com todos os benefícios nos demais campos do Direito. Também por isto, não vejo a detração como de aplicação irrestrita em todos os casos, como parece entender a Defesa. Se é possível aplicá-la, como quase sempre o é, aplica-se. Por outro lado, se houve alguma impossibilidade, como ocorreu no presente caso, o benefício não poderá ser aproveitado pelo infrator.

Com apoio em todos estes fundamentos é que entendo, data maxima venia, que ao item XI da RDI 5/2004 não pode ser conferida a interpretação pretendida pela Defesa, no sentido de que a pena de uma partida aplicada pelo STJD ao atleta André Santos só poderia ser cumprida após o cumprimento da suspensão automática pelo mesmo atleta na Copa do Brasil de 2014.

A tese referente ao art. 171, § 1º, do CBJD, que deveria ser interpretado em conjunto com o artigo art. 68 do RGC, não merece melhor sorte.

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A Defesa sustenta seu raciocínio na redação do art. 68 do RGC, que traz a expressão “competição subsequente”, diferentemente da redação do art. 171, § 1º, do CBJD, que registra “partida, prova ou equivalente subsequente de competição...”.

Assim, o denunciado sustenta que: “caso uma penalidade de suspensão por partida aplicada pelo STJD não puder ser cumprida na competição na qual foi praticada a infração, essa pena deve ser cumprida em competição subsequente, mas jamais em competição que esteja em vigor, sendo realizada concomitantemente àquela que se finalizou. Competição subsequente significa competição que surge depois, que se inicia depois daquela que finalizou”. (grifos nossos)

Com todo o respeito, esta tese também não reúne condições de prosperar.

Primeiro, porque se porventura houvesse conflito entre norma do RGC e do CBJD, não haveria dúvidas de que prevaleceria o que está disposto no último. Em outras palavras, aplicar-se-ia ao caso o art. 171, § 1º, do CJBD, em detrimento do art. 68 do RGC.

Segundo, porque a dúvida ora apontada pelo denunciado já foi discutida e pacificada neste STJD há alguns anos. Tanto é assim que a redação anterior do mesmo art. 171, § 1º, do CBJD trazia a expressão “competição subsequente”, da forma como o faz o apontado art. 68 do RGC. Entretanto, com o advento do novo CBJD em 2009, exatamente em face do entendimento então pacificado no seio do STJD, alterou-se a redação de forma a contemplar a expressão “partida, prova ou equivalente subsequente de competição”.

Terceiro, porque mesmo que assim não fosse, o significado que a defesa pretende empregar à palavra subsequente, concessa maxima venia, vai um pouco além do que encontramos nos dicionários de língua portuguesa. Confira-se:

“(sub.se.quen.te) a2g. 1. Que segue imediatamente a outro no tempo ou no lugar; Imediato; Seguinte; Ulterior: Amnésia subsequente a uma batida com a cabe-ça. [ antôn.: Antôn.: precedente ] [F.: Do lat. subsequens, entis.]” (Dicionário online Aulete. Disponível em: http://aulete.uol.com.br/subsequente. Acesso em: 17.12.2013)

Note-se que, mesmo se fôssemos ficar com a redação do art. 68 do RGC, não poderia haver dúvidas de que “competição subsequente” é o mesmo que dizer “competição imediata” ou “competição seguinte”, sem qualquer referência a iniciar depois de outra que já finalizou, como defende o denunciado.

É inconteste, pois, que, por qualquer ângulo que se examine a questão, não pode haver dúvidas sobre a aplicação à hipótese vertente do art. 171, § 1º, do CBJD, devendo a pena de suspensão por uma partida imposta pelo STJD ao atleta André Santos em 06.12.2013 ter sido cumprida no jogo entre Flamengo e Cruzeiro, realizado em 07.12.2013.

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A terceira tese da Defesa diz respeito à suposta aplicação à espécie do art. 43, § 2º, do CBJD, que dispõe sobre a prorrogação do prazo para o primeiro dia útil se o seu início cair em sábado, como foi o caso.

As redações dos arts. 133 e 43, § 2º, do CBJD são bastante claras:

“Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julga-mento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação

Parágrafo único. Nenhum ato administrativo poderá afetar as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva.”

“Art. 43. Os prazos correrão da intimação ou citação e serão contados excluindo--se o dia do vencimento, salvo disposição em contrário.

[...]

§ 2º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou ven-cimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expe-diente normal na sede do órgão judicante.”

Como se vê, o primeiro diz respeito ao marco inicial dos efeitos da decisão, enquanto o segundo cuida de prazo processual.

As regras em exame, além de não comportarem dúvidas após mera leitura, nunca geraram dúvidas no âmbito do STJD. Tanto é assim que são diversos os casos de recursos interpostos logo após sessões costumeiramente realizadas às sextas-feiras e até mesmo pedidos de efeito suspensivo devidamente requeridos e apreciados pela Presidência ou Relatores mesmo em finais de semana.

A Defesa sustentou, ainda, que a interposição de recurso antes da conta-gem do prazo (ex. interposição na sexta-feira, quando o prazo só se iniciaria na segunda-feira) poderia ser considerada intempestiva, existindo súmula do STJ neste sentido.

Rogo vênias à Defesa, mas a Súmula que existe no STJ é a de nº 418, que assim reza: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.

Como se vê, a referida súmula trata de necessidade de ratificação do Recurso Especial interposto anteriormente aos embargos declaratórios. Este en-tendimento sumulado decorre da possibilidade de o acórdão ser modificado em sede de embargos declaratórios. Daí, a necessidade de ratificação do Especial. Portanto, tal súmula não pode ser utilizada analogicamente ou como reforço de argumento ao caso.

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É certo, pois, que houve correta aplicação do art. 133 do CBJD no presente caso, não cabendo falar em incidência do art. 43, § 2º para o cumprimento da pena.

A quarta tese da Defesa defende que a suspensão automática sub examine teria sido cumprida na partida disputada contra o Vitória pelo Campeonato Brasileiro da Série A e, portanto, teria havido a detração com a pena imposta pelo STJD.

Ora, esta tese não se sustenta diante dos próprios argumentos e normas trazidos pela Defesa, em especial pelos itens I e III da RDI 5/2004, acima transcritos, que afirmam a impossibilidade de se transferir o impedimento para outra competição.

Com as mais respeitosas vênias aos competentes advogados e pareceristas do Flamengo, que formularam teses inteligentes e tecnicamente bem elaboradas, mas entendo que não há como deixar de aplicar a regra do art. 214 do CBJD, que assim dispõe:

“Art. 214. Incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalen-te, atleta em situação irregular para participar de partida, prova ou equivalente.

Pena: perda do número máximo de pontos atribuídos a uma vitória no regu-lamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e multa de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 1.000,00 (cem mil reais).

§1º Para fins deste artigo, não serão computados os pontos eventualmente obti-dos pelo infrator.”

Apreende-se do dispositivo acima que basta a conduta tipificada para que seja aplicada a pena, sendo despiciendo verificar se houve obtenção de resultado, se a prática pressupôs dolo ou culpa, bem como qualquer outra cir-cunstância ou elemento não previstos na norma.

Procedendo-se a uma analogia com o Direito Penal, que muitas vezes auxilia na compreensão do Processo Administrativo Disciplinar e do próprio Direito Desportivo, é como se o art. 214 tratasse de um “crime formal” ou de um “crime de mera conduta”.

Seguindo a classificação extraída daquele ramo do Direito, os crimes for-mais são aqueles em que há a previsão de um resultado material que ocorreu no mundo exterior, mas que é totalmente dispensável para que haja a consumação do delito (ex. extorsão), enquanto nos crimes de mera conduta não há sequer o resultado material (ex. violação de domicílio).

A analogia cai bem ao caso porque não me parece ter sido por acaso que o legislador não fez qualquer alusão à necessidade de obtenção de resultado ou ao elemento volitivo para que se caracterize a infração ao dispositivo em

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exame. Lembre-se que há a punição com perda de pontos até mesmo em caso de derrota!

Ainda nos socorrendo de outros campos do Direito a fim de que não restem dúvidas sobre o tema, vale uma pequena incursão no Direito Eleitoral. O art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 estabelece a figura da captação ilícita de sufrágio, que é uma infração na qual não se exige o implemento de qualquer resultado para impor a pena de cassação do registro da candidatura, do diploma, ou do mandato. Em outras palavras, se o candidato fez promessa de bem ou vantagem, pouco importa se foi para um único eleitor ou para milhares, assim como também é desnecessário examinar se chegou a ocorrer o efetivo cumprimento da promessa e até mesmo se houve a obtenção do voto.

Note-se que não é difícil imaginar a razão pela qual o legislador não tratou de obtenção de vantagem pela equipe que viesse a incluir atleta em situação irregular para participar de partida. É que a aferição de qualquer ganho por parte do infrator seria bastante subjetiva na maior parte das vezes, para não dizer em todas. Em quaisquer situações seria possível discutir se o atleta foi decisivo, se jogou bem, quanto tempo jogou, se fez gol, e muitos outros “se”. Aqui vale trazer um exemplo: a própria escalação irregular de um atleta como o Messi, para jogar por time de pequena expressão contra outro do mesmo porte, poderia ser defendida como hipótese não merecedora das iras do art. 214 do CBJD, eis que poderia ser alegado que aquele não atuou tão bem, não fez gol, jogou só um tempo, etc.

É sempre bom lembrar, ademais, que a regra serve para todos. Como ficariam os demais clubes que cumpriram as regras e deixaram de ter importantes jogadores em partidas decisivas por estarem cumprindo suspensões? Os Princípios da Legalidade e da Isonomia devem ser respeitados, sempre.

Muito se comentou na imprensa sobre “manutenção do resultado de campo”. Mas, não se pode olvidar que o resultado deve ser obtido no campo em conformidade com as regras previamente estipuladas. Se foram descumpridas e há previsão de aplicação de penalidade, seria irregular e ilegal não fazê-lo, mantendo o resultado.

Vale trazer à colação alguns exemplos de decisões proferidas pela Fifa e Uefa em casos símiles, nos quais houve a anulação/eliminação da partida e decretado o resultado como derrota por 3x0 contra a equipe infratora:

“Eliminatórias Mundial FIFA Brasil 2014: Guiné Equatorial punida por utilizar jo-gador irregular4. O jogo foi anulado e decretada a vitória do adversário por 3 x 0.”

“Punição elimina Cabo Verde das Eliminatórias Africanas.5”

4 http://www.rtc.cv/index.php?paginas=21&id_cod=67395 http://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/eliminatorias/conteudo.phtml?id=1407966

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“Seleção da Etiópia foi punida por ter escalado um jogador irregular durante Eliminatórias para a Copa do Mundo de 20146.” (Mesma pena, perda da partida por 3 x 0)

“Ucrânia: UEFA pune Arsenal Kiev por escalação irregular.”7

Neste contexto, entendo que a intenção do legislador foi clara no sentido de que a inclusão na equipe de atleta em situação irregular para a partida acarreta a perda de pontos e multa, sem margem para o intérprete ou o aplicador do Direito Desportivo “atenuar” ou deixar de aplicar as penas previstas ante elementos estranhos à norma (intenção, vantagem, dolo, etc.).

Ante o exposto, conheço e dou provimento à denúncia da Procuradoria da Justiça Desportiva para condenar o Clube de Regatas Flamengo pela infração ao art. 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, condenando-o à pena de multa de R$ 1.000,00 (hum mil reais) e à perda de 4 (quatro) pontos no Campeonato Brasileiro da Série A de 2013, sendo 3 (três) pontos correspon- dentes à pena e 1 (um) ponto computado na partida pelo empate.

É como voto.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2013.

Luiz Felipe Bulus Auditor – 1ª CD/STJD

6 http://www.goal.com/br/news/4963/sele%C3%A7%C3%B5es/2013/07/01/4087041/fifa-confirma-puni%C3%A7%C3%A3o-%C3%A0-sele%C3%A7%C3%A3o-da-eti%C3%B3pia-nas-eliminat%C3%B3rias

7 http://www.futebolinterior.com.br/canal/futebol_mundo/231729+Ucrania_Uefa_pune_time_ucraniano_por_escalacao_irregular

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.323.669 – RJ (2012/0096337‑3)Relatora: Ministra Eliana CalmonRecorrente: Liderança Capitalização S/A Advogado: Luiz Fernando Pinto Palhares Recorrido: Município do Rio de Janeiro Procurador: Heraldo Motta Pacca e outro(s)

ementa

TRIBUTÁRIO – ISS – SERVIÇOS DE DISTRIBUIÇÃO E VENDA DE TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO NA VIGÊNCIA DA LC 56/1987 – TELESENA – PRODUTO NÃO IDÊNTICO A JOGOS DE LOTERIA – AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO FÁTICA AO PRECEITO NORMATIVO – IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA – NULIDADE DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

1. A jurisprudência pacificada nas turmas que compõem a Primeira Seção é no sentido de que, para fins de incidência do ISS, o serviço deverá ser idêntico ao expressamente previsto na Lista anexa à lei de regência.

2. O título de capitalização “telesena” não possui identidade com o jogo de loteria. Nos bilhetes de loteria, após a realização da aposta, caso o apostador não seja contemplado pelo sorteio realizado, perde todo o valor apostado; nos títulos de capitalização o valor aplicado, caso o adquirente não seja contemplado no sorteio, é sempre a ele restituído, acrescido de juros e correção monetária.

3. Inexistência, à época dos fatos (novembro/1991 a agosto/1993), de previsão legal do serviço de distribuição e venda de títulos de capita-lização como hipótese de incidência do ISS. Tipicidade disciplinada pela LC 56/1987, só revogada em 2003 pela LC 116. Nulidade do lançamento do crédito tributário.

4. Recurso especial provido.

acÓRdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indica-das, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A

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Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dr(a). Luiz Fernando Pinto Palhares, pela parte Recorrente: Liderança Ca-pitalização S/A

Dr(a). Heraldo Motta Pacca, pela parte Recorrida: Município do Rio de Janeiro

Brasília/DF, 12 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministra Eliana Calmon Relatora

Republicado por haver saído com incorreção no inteiro teor. (fls. 1612/1637).

RelatÓRio

A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon: – Trata-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado:

Ação anulatória de débito fiscal. Atividade de distribuição e venda da “Telesena”. Incidência ou não, de ISSQN. Sentença de improcedência. Títulos comercializados, legitimamente denominados como títulos de capitalização. Distribuição e venda dos referidos títulos com sorteios de valores elevados, que ultrapassam a noção de simples título de capitalização, traduzindo atividade su-jeita à incidência do ISS. Evidenciada a capitalização inexpressiva, se compara-da à captação de recursos, obtida com a aquisição das cartelas. Atividade com previsão no item 61 da Lista Anexa do Decreto-Lei nº 406/1968 e item 19.01 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003, sujeitando-se ao recolhimen-to do ISSQN. Consumidores que, ao adquirirem a “Telesena”, estão jogando com a sorte, na esperança de auferir prêmios instantâneos ou por sorteio, não se traduzindo em interesse apenas de poupar ou vir a receber apenas a metade do ínfimo valor investido, ainda que corrigido, valendo mencionar que o valor a ser devolvido é inferior a R$ 3,00, após um ano de espera. Fato gerador ca-racterizado. No tocante ao valor apurado pela Municipalidade, vê-se que não merece reparo. Arbitramento utilizado pela fiscalização, como modalidade na apuração do quantum debeatur, à medida que a sociedade autora não possuía nem possui registros contábeis mais analíticos da época, de forma a identificar de modo segregado, as operações especificamente realizadas (no Município do Rio de Janeiro) pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, contratada para a distribuição das cartelas, como bem acentuado no laudo pericial. Pelo

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exposto, o voto é pelo desprovimento do recurso, restando mantida na íntegra, a douta sentença recorrida. (fls. 831/832, e-STJ).

Os embargos de declaração de fls. 852/860 e 879/884, e-STJ, foram re-jeitados, nos termos das decisões de fls. 863/876 e 886/891, e-STJ, respectiva-mente.

Alega a recorrente, no especial, além da existência de dissídio juris-prudencial, contrariedade aos Decretos-Leis nºs 204/1967 e 261/1967; à LC 56/1987; aos arts. 535, II, do CPC; e 18 da Lei nº 4.717/1965.

Defende, em síntese, que:

a) o Tribunal de origem, não obstante a interposição de embargos de declaração, omitiu-se quanto à tese levantada pela Fazenda Muni-cipal, qual seja, a ausência de indicação, no acórdão hostilizado, do fato gerador do tributo entre aqueles previstos no item 61 da lista anexa à LC Federal nº 56/1987;

b) em resposta a referidos embargos, o Tribunal de origem inovou na discussão, “invocando o art. 118 do CTN para afirmar que o fato gerador deve ser interpretado com abstração “dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”, o que motivou novos embargos de decla-ração “para que a corte declarasse precisamente qual o fato gerador da obrigação tributária, a que não se poderia se furtar, pois é ele-mentar que em uma ação em que se discute a incidência de uma norma tributária é requisito indispensável que o fato gerador seja apontado”;

c) a oferta de título de capitalização, no período objeto de análise nos autos, não se encontra previsto na legislação de regência como fato gerador do ISS; e que assim não entendendo, o acórdão impugnado afrontou ao princípio da legalidade;

d) para a incidência do ISS, requer-se uma atividade de ‘prestação de serviço’, o que não seria o caso dos autos, uma vez que a atividade ora tributada é exercida em favor do próprio prestador;

e) no item 61 da lista anexa à LC Federal nº 56/1987, reproduzida no inc. LXI da Lista anexa à Lei Municipal nº 1.194/1987, não há menção à distribuição e venda de títulos de capitalização como hipótese de incidência do ISS;

f) as instâncias ordinárias assinalaram textualmente que o fato gerador do tributo era a conceituação da Telesena como Loteria, assim de-finida no art. 41, e, do DL 6.259/1944; mas ao assim fazerem, des-consideraram o fato de o mencionado artigo ter sido revogado pelos DL’s 204 e 261/1967, situação reconhecida pelo STJ nos autos do REsp 851.090;

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g) o Tribunal de origem confundiu nitidamente o fato gerador do tri-buto ao definir a atividade como fator essencial para a sujeição de alguém ao ISS, e não a prestação de serviço; e, em conseqüência, afastou-se dos lindes do contraditório, “todo ele formado pela afir-mação do Município de que a Telesena era uma loteria e pela ne-gativa da Recorrente que lhe atribuía a natureza de título de capita-lização”;

h) não obstante a interposição de embargos de declaração, o acórdão hostilizado permaneceu omisso quanto à indicação do fato gerador;

i) o sorteio é mero acessório dos títulos de capitalização e o direito de resgate do valor líquido, atualizado e acrescido de juros, é sem-pre assegurado independendo de qualquer evento futuro e incerto, pois “na loteria, no jogo e na aposta o contratante ganha o prêmio prometido ou perde a totalidade do que investe; na capitalização a restituição da parcela prevista no contrato é sempre assegurada ao investidor, nos limites dos Planos aprovados pela autoridade com-petente, a Susep”, diferindo, ainda, “quanto a seus efeitos, pois as dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento (art. 814, Código Civil), diferentemente do que ocorre quanto à restituição da quantia a ser capitalizada”;

j) “a prestação de serviço a terceiros, requisito indispensável à legi-timação da cobrança do ISS e que não foi apreciada pelo acórdão recorrido, embora a tanto instada pelos embargos de declaração oferecidos, não se encontra presente no caso dos autos, como é incontroverso”;

k) não obstante a interposição de embargos de declaração, as instân-cias ordinárias não apreciaram a alegação de que “o ato de ‘colo-car’ um título no mercado não configura uma prestação de serviço, muito menos a terceiros”; e, se não há prestação de serviço a tercei-ros, “como desenganadamente não há, segue-se necessariamente que não há obrigação de fazer da Liderança com relação ao adqui-rente do título, o investidor”;

l) a lei nem a lista de serviços anexos à LC 56/1987 não fazem previ-são, no período ora tributado, de incidência do ISS sobre os títulos de capitalização ao lado dos bilhetes de loteria, “sendo vedado o emprego da analogia para exigir tributo não previsto em lei”, bem como o uso da “interpretação extensiva ou emprego da analogia”;

m) “A Susep autorizou a comercialização do título de capitalização de-nominado Telesena nos valores, prazos e condições que entendeu compreendidos” no art. 1º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 261,

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de 28.02.1967, que disciplinava, à época dos fatos, as operações de todas as sociedades de capitulação;

n) “os prêmios distribuídos pela Recorrente não excedem a 5% de seu patrimônio líquido, não tendo a autorização sido viciada por desvio de finalidade, como soberanamente proclamado pelo STJ no julga-mento do REsp 851090”;

o) o recorrido, “ao pretender tributar a Telesena como se fora uma lote-ria, com invocação a uma norma legal já revogada (DL 6.259/1944), afrontara a repartição de competências estabelecida pela Constitui-ção”, pois investiu contra o mérito do ato administrativo da Susep que reconheceu a Telesena como título de capitalização;

p) o art. 41, “e”, do Decreto-Lei nº 6.259/1944, utilizado como parâ-metro pelas instâncias ordinárias, não se aplica aos casos dos autos, uma vez que foi revogado pelo Decreto-Lei nº 204/1967, conforme reconhecido pelo STJ nos autos do REsp 851090, em que se questio-nava a lisura do ato administrativo da Susep que conferiu à Telesena a natureza de título de capitalização; e

q) o acórdão recorrido diverge do entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível 136825-5/0-00, originá-ria de uma ação popular contra a ora Recorrente em que se questio-nava a ausência de incidência do ISS sobre a Telesena entre os anos de 1995 e 1997.

Pede a anulação do acórdão por ofensa ao art. 535 do CPC, ou, alterna-tivamente, o provimento do recurso especial.

Contrarrazões (fls. 1187/1202, e-STJ).

É o relatório.

voto

A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon (Relator): Na origem, a recorrente ajuizou ação de conhecimento sob o rito comum ordinário contra o Município do Rio de Janeiro, objetivando a anulação de lançamento fiscal decorrente da incidência de ISS sobre a comercialização do título de capitalização “Telesena”, aos principais fundamentos de que i) o título de capitalização “Telesena” foi devidamente aprovado pela “Susep” e não corresponde a loteria, uma vez que os sorteios exercem exclusivo papel acessório, de atrativo de vendas, não correspondendo ao fim precípuo do plano; ii) inexistia, à época dos fatos, previsão legal para incidência de ISS sobre os serviços de distribuição de títulos de capitalização, o que veio acontecer apenas com a edição da LC 116/2003; iii) a autoridade administrativa, ao efetuar o lançamento do crédito tributário,

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não indicou claramente sobre qual dos fatos previstos na legislação do ISS incidiu este tributo; e, por fim iv) a base de cálculo foi definida incorretamente.

O Juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos, nos termos da sentença de fls. 595/605, e-STJ:

A prova coligida, na verdade, desqualifica os argumentos da autora. É de se ver que as atividades mensuradas para o efeito da imposição do ISS apenas na forma sugerem o comércio de planos de capitalização. O conteúdo é de distribuição e venda de cartões de apostas e sorteios. E assim se denota do exemplar de fls. 78/78-v., cartela da denominada Tele Sena. Os sorteios e a distribuição de prêmios anunciados, longe de serem tão somente um mero acessório da capitalização são, na verdade, o chamariz principal da empresa. A capitalização é inexpressiva, cartela no valor de cinco cruzeiros, com a obrigação de devolução, após doze meses, de cinqüenta por cento deste, acrescido de juros e correção monetária. Ao contrário, o prêmio no sorteio varia de vinte mil até cem mil vezes o valor do título. Aliás, com maestria assentou o Município às fls. 381: [...] dispõe a lei que os sorteios efetuados pelas sociedades de capitalização não serão considerados loteria com a condição sine qua non de serem realizados exclusivamente para a multiplicação do capital garantido. E quanto a este ponto, assentou o perito às fls. 470, em resposta ao quesito 4, [...] se formos levar em consideração que tal amortização refere-se para garantir as parcelas a serem pagas pelo referido título de capitalização, negativo ... .Com as primeiras premissas, dou sequência.

Outrossim, correta a ilação do Ministério Público em sua fala de fls. 550, quando assenta: Folga com a inteligência alheia pretender seriamente que a Tele Sena baseava-se sobretudo em relação de depósito, permeada pelo propósito de assegurar a manutenção do capital com investimentos responsáveis no ínterim.... Com razão o parquet. O resgate, tendo em vista os termos da proposta de capitalização e a expressividade da premiação oferecida, em verdade, ocupa espaço secundário, sendo a possibilidade de ser sorteado, o motivo sem dúvida preponderante para a aquisição da cartela. Ao menos é o que se extrai em um julgamento pelo senso comum. Com mais estas, prossigo.

Não obstante o esforço da autora, insuficiente o argumento para excluí-la da relação tributária em foco. A distribuição ou o ato de distribuir tem o sentido de colocação no mercado. A colocação dos cartões ou cartelas emitidas. É atividade que integra a empresa da autora, como pessoa incumbida da emissão dos próprios títulos. No mais, intermediação para a venda dos títulos que habilitavam os consumidores a concorrerem aos prêmios através de sorteios regrados e patrocinados pela autor. A atividade tributada não é o sorteio enquanto evento. O item de serviço é a distribuição. Distribuição, colocação no mercado para venda através de pessoas jurídicas contratadas. Nenhuma ilegalidade a macular o lançamento como feito quanto ao item 1 do Auto de Infração em tela. Atividade de distribuição de cartões de aposta e sorteio. Distribuição para

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venda através de pessoas jurídicas contratadas. Atividade de serviço que se encontra tipificada no item 61, da antiga Lista de Serviços introduzida pela Lei Complementar nº 56/1987. Com mais esta proposição, sigo em frente.

[...]

Quanto ao equívoco no arbitramento, não o entrevejo.

[...]

Ante ao alinhado, correta a imposição tributária, item 2 do AI, sob o fundamento da responsabilidade, eis que a autora, responsável tributária em relação ao ISS gerado pela atividade de intermediação, deveria ter feito a retenção do tributo quando do pagamento das comissões devidas em razão da venda das cartelas. Não realizando a retenção, chamou para si a obrigação de pagar o imposto, conforme se extrai do art. 5º, inciso V da Lei nº 1.044, de 21 de agosto de 1987, na condição de responsável. Não há nenhuma ilegalidade no ato da Administração Tributária.

No que pertine ao extravio de livros fiscais, terceiro item do AI cogitado, destaque-se que como já ressaltado anteriormente, o louvado assentou que a autora não possuía e nem possui registros contábeis analíticos da época, de modo a poder identificar, de modo discriminado, as operações realizadas no território do Município do Rio de Janeiro. O que, aliás, não foi negado pela autora, limitando-se esta a alinhar, como se nota da réplica, que se o ISS não incide sobre a comercialização e distribuição da Telesena, não se poderia exigir que ela mantivesse, em livros fiscais próprios, a escrituração deste imposto. Ora, na ausência de livros fiscais, correta a imposição.

O Tribunal de origem, por sua vez, negou provimento ao recurso de apelação da Liderança Capitalização S.A, por entender que:

Cristalino que os consumidores, ao adquirirem a “Tele Sena”, estão, em verdade, jogando com a sorte, com a esperança de auferir prêmios instantâneos ou por sorteio. Não, definitivamente o objetivo não é poupar o receber apenas a metade do valor investido, ainda que corrigido (valendo mencionar que o quantum traduz valor inferior a R$ 3,00, após um ano de espera).

Por tudo isso, cumpre ser transcrita a redação do artigo 1º da Lei Complementar nº 116/2003, ao dispor sobre o ISSQN, ou ISS, como o tributo é conhecido:

“Art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que estes não se constituam como atividade pre-ponderante do prestador.”

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Por outro lado, não se pode olvidar que a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31.07.2003, é cristalina ao dispor sobre incidência do tributo, em seu item 19.01:

“19.01 – Serviços de distribuição e venda de bilhetes e demais produtos de lote-ria, bingos, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios, prêmios, inclusive os decorrentes de títulos de capitalização e congêneres.”

Com efeito, o art. 8º do Decreto-Lei nº 406/1968, assim dispõe: “O imposto de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação [...] de serviço constante da lista anexa”.

Em seguimento, vê-se claramente o que prevê a Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei 406/1968, que estabelece normas para o ICMS e ISSQN. Atente-se para a redação do item 61:

“61 – Distribuição e venda de bilhetes de loteria, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios ou prêmios.”

Outrossim, cabe a ressalva de que a referida “lista de serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968” é Exaustiva, mas permitindo Eventual interpretação extensiva, ainda mais quando se está diante de atividades bancárias, sorteios, prêmios, títulos de capitalização e congêneres. Portanto, não é redundante a afirmativa de que não poderia a própria lei que rege o ISS, prever TODAS as hipóteses, espécies e derivações de um mesmo serviço. Daí, a possibilidade de extensão a um ou outro serviço, desde que correlato. E no caso ora em estudo, o que ressai claro como a luz do dia é que a sociedade autora, ora recorrente, presta serviços ao consumidor, à medida que sua atividade é colocar títulos de capitalização no mercado, faz sorteio distribui prêmios, o que é visivelmente citado na lista de serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968. (grifo nosso)

A questão já foi outrora examinada por esta Corte, sendo julgado por unanimidade o recurso do Município do Rio de Janeiro, entendendo o Colegiado pela incidência de ISSQN sobre atividade que, sob o manto da capitalização, distribuía bilhetes de apostas.

[...]

Reafirme-se, nesta oportunidade, que a sociedade apelante efetivamente não logrou comprovar nos autos, que sua atividade, ou seja, os serviços prestados aos poupadores não encontram descrição em algum item da Lista de Serviços. Ao contrário, o que se tem é justamente o contrário, ou seja, o reconhecimento legal, de que as atividades tributadas pela Municipalidade encontram-se expressas na legislação pertinente, sendo alcançadas pela incidência do ISSQN.

[...]

Ainda em desfavor às teses levantadas pela sociedade recorrente, como bem lembrado, na sentença, veio a explicação coerente e precisa do Município

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do Rio de Janeiro, às fls. 381, no sentido de que [...] dispõe a lei que os sorteios efetuados pelas sociedades de capitalização não serão considerados loteria com a condição sine qua non de serem realizados exclusivamente para a multiplicação do capital garantido. Ocorre que na própria perícia realizada nos autos, há conclusão em resposta ao quesito 4 (fls. 470) sobre a não incidência do imposto, se for levada em consideração que tal amortização refere-se para garantir as parcelas a serem pagas pelo referido título de capitalização, negativo [...], o que não é caso, como anteriormente já mencionado.

No que concerne ao valor fixado para o recolhimento do ISSQN, con-siderado pela autora/recorrente como irreal, deve-se ter em mente as informa-ções do próprio expert do Juízo, que esclareceu às fls. 464, que “a autora não possuía e nem possui registros contábeis mais analíticos da época, [...] de forma a identificar de modo segregado, as operações especificamente realizadas pela EBCT no território do Rio de Janeiro”. Logo, na incerteza e na impossibilidade de se aferir receita a respeito das vendas das cartelas Telesena, nada mais jus-to do que ter vindo a decisão do quantum devido por simples arbitramento. Também nesse ponto, quedou-se sepultado o segundo argumento da sociedade apelante, de que os valores apurados são efetivamente exorbitantes, até porque se ela contratou os serviços dos Correios, mais do que correto foi o exame das declarações anuais da ECT, junto ao DECLAN-IPM (declaração anual para o índice de participação dos Municípios), esclarecendo-se que o referido índice é calculado, para cada Município, na proporção de 3/4 em função do valor adi-cionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços realizadas através da DECLAN-IPM. Resumindo, a declaração anual tem por objetivo informar os valores das mercadorias saídas, acrescido do valor das prestações de serviços, deduzido o valor das mercadorias entradas, a cada ano, correspondendo, o resultado, ao valor adicionado.

Depreende-se, destarte, que outra saída não tinha a Urbe a não ser se valer de tais declarações anuais da ECT, como já assinalado, tomando por base percentual das vendas da Telesena no Município, em comparação com as vendas das cartelas no Estado do Rio de Janeiro, bem como em todo o país.

Portanto, de qualquer ângulo que se queira abrigar as teses defendidas pela sociedade autora (impossibilidade de cobrança de ISSQN ou, em última análise, cobrança excessiva de valores), não haverá êxito, à luz dos dispositivos legais vigentes a respeito do ISSQN, tomando-se por base a atividade da empresa, tudo com base na farta prova documental e pericial produzidas nos autos.

Em decisão de fls. 863/876, o Tribunal de origem, negando provimento aos embargos de declaração, acrescentou que:

O acórdão embargado não fez referência à Lei Complementar nº 116/2003 como legitimadora da cobrança do tributo questionado nos autos. Restou ex-pressamente consignado no julgado que a atividade atacada tem previsão ex-

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pressa no item 61 da Lista Anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968 e, ratificando a evolução histórica e consolidação do tema, a Relatoria deixou claro que a ati-vidade consta do item 19.01 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003.

A questão principal do processo não é a vigência do art. 41, e do DL 6.259/1944. Importante notar que a questão principal no processo é a definição do fato gerador que implica no recolhimento do ISS aos cofres do município do Rio de Janeiro.

Quanto ao fato gerador, assim, dispõe o art. 118, do CTN:

“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, res-ponsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”

Não importa a definição de título de capitalização que a sociedade autora ou a própria Susep queiram dar. O fundamental, é que se a atividade desenvolvida não for precipuamente a de comercialização de títulos de capitalização (aplicações de R$ 3,00 a serem resgatadas após um ano?!), não adianta a Susep querer dizer que é. Vale esclarecer, ainda, que não cumpre ao Judiciário Fluminense discorrer acerca de efeitos jurídicos gerados por acórdão prolatado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, reformando decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Naquele acórdão, como bem explicitado pelo Colegiado desta egrégia Câmara, a discussão girou em torno apenas do direito da sociedade empresária lançar ao mercado o hoje conhecido jogo “Telesena”. Ninguém questiona mais tal direito, e tanto é reconhecido que o Município, com toda razão, persegue a tributação sobre a atividade que é verdadeiramente desenvolvida, apesar da negativa da embargante.

Não se pode deixar de mencionar que a referência à página 8 do acórdão não está a merecer maiores comentários. Isso, porque a “lacuna legal” reconhecida pelo Colegiado é justamente relacionada à controvérsia trazida nos autos. Se houvesse lei que expressamente tributasse o jogo “Telesena”, o assunto não estaria sendo debatido nos Tribunais até os dias de hoje.

Esclarece-se uma vez mais, que não se trata de equiparar à loteria os sorteios das sociedades de capitalização que excedam o montante necessário à garantia do capital ou não. Por isso, pouco importa a vigência ou não do art. 41, e, do DL 6.259/1944 ou sua revogação pelos DL 204/1967 e 261/1967. O que realmente importa é que a sociedade empresária não pode disfarçar uma ativi-dade com outro nome, apenas para que sobre ela não incida a correspondente obrigação tributária. (grifo nosso)

Assim, verificando-se atentamente os termos do acórdão da Apelação Cível não se chega à conclusão de que incorreu a Relatoria em equívoco, quer seja pela omissão, pela obscuridade ou pela contradição, não havendo como

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prosperar o pedido de modificação no julgado, permanecendo intactas as razões da Relatoria, cujo embasamento legal encontra-se no próprio acórdão recorrido, que ora é adotado.

Interpostos novamente embargos de declaração (fls. 879/884, e-STJ), estes foram rejeitados, nos termos da decisão de fls. 889/891, e-STJ.

A controvérsia dos autos refere-se à possibilidade de incidência do ISS sobre o serviço de distribuição e venda, diretamente pela entidade emitente ou por intermédio de empresa interposta, das cartelas do título de capitalização denominado “Telesena”, criado, administrado e gerenciado pela ora recorrente, Liderança Capitalização S.A.

Inicialmente, registre-se que, prequestionados, ainda que implicitamente, os dispositivos legais e as teses apontadas, tenho por prejudicada a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC e examino o mérito do recurso especial.

Não é caso, também, de aplicação do Enunciado 7 da Súmula deste Tribunal Superior, uma vez que a recorrente busca tão somente a revaloração jurídica dos fatos delineados nas instâncias ordinárias.

Consta dos autos que o ISS ora em análise incidiu sobre fatos suposta-mente ocorridos no período de novembro/91 a agosto/93, e com fundamento na LC 56/1987 (norma que deu nova redação à lista de serviços a que se refere o art. 8º do Decreto-Lei nº 406/1968 ), item 61, que definiu como tributáveis pelo ISS os serviços de “distribuição e venda de bilhetes de loteria, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios ou prêmios”.

Sustenta a recorrente, em síntese, que:

i) o título de capitalização “Telesena” foi devidamente aprovado pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) e não corresponde a loteria, uma vez que os sorteios exercem exclusivo papel acessório, de atrativo de vendas, não correspondendo ao fim precípuo do plano; ii) inexistia, à época dos fatos, previsão legal para incidência de ISS sobre os serviços de distribuição de títulos de capitalização, o que veio acontecer apenas com a edição da LC 116/2003; iii) a autoridade administrativa, ao efetuar o lançamento do crédito tributário, não indicou claramente sobre qual dos fatos previstos na legislação do ISS incidiu este tributo; e, por fim iv) a base de cálculo foi definida incorretamente.

A recorrida, por sua vez, apresenta como fundamento da lavratura do auto de infração hostilizado o fato de a finalidade com a distribuição e venda da “Telesena” ser a de promover uma verdadeira operação, jogo ou aposta para a obtenção de um prêmio em dinheiro ou em bens de outra natureza, mediante colocação de bilhetes, listas, cupons, vales, papéis, manuscritos, sinais, sím-bolos ou qualquer outro meio de distribuição dos números e designação dos jogadores ou apostadores, o que caracteriza uma verdadeira loteria, consoante definição legal. Sustenta, ainda, que nos termos do art. 40, parágrafo único, e

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41, ambos do Decreto-Lei nº 6.259/1944, somente não seriam tributados os “sorteios das sociedades de capitalização feitos exclusivamente para amortiza-ção do capital garantido”, o que não seria o caso da recorrente, pois, na “Tele-sena” os portadores de títulos contemplados no sorteio recebiam, como prêmio, algo em torno de 60.000 (sessenta) mil vezes o valor do título.

Note-se, portanto, que a incidência do ISS ora em questão se deu pelo fato de a Fazenda Municipal da cidade do Rio de Janeiro ter considerado a “Telesena” uma espécie de loteria, situação que se amoldaria à hipótese de incidência tributária de referido tributo, nos termos do item 61 da LC 56/1987: “distribuição e venda de bilhetes de loteria, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios ou prêmios”.

O Estado, no exercício de sua atividade financeira, desenvolve diversas atividades voltadas à obtenção de recursos com o fim de satisfazer as necessidades públicas. Entre essas atividades, encontra-se a de tributar, que nada mais é do que a incursão no patrimônio alheio para lhe retirar uma parte, independentemente da vontade do contribuinte.

E é por esta razão, ou seja, pela desnecessidade de manifestação de vontade do contribuinte, que o legislador constituinte originário, após conferir a competência tributária aos entes da federação, estabeleceu limitação no sentido de que, “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (CF, art. 150, I).

A referida lei, no entanto, quando dispuser sobre a criação de um deter-minado tributo, deve fazê-lo de modo a definir, com perfeição, todos os con-tornos do fato social escolhido pelo legislador como suficiente e necessário à incidência da norma. Isto para adequada subsunção do fato à norma, em obe-diência ao que doutrina convencionou chamar de tipicidade tributária fundada na “regra matriz de incidência tributária”.

A propósito, os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho (Curso de direito tributário. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 316), nos termos que se seguem, in verbis:

O objeto sobre o qual converge o nosso interesse é a fenomenologia da incidên-cia da norma tributária em sentido estrito ou regra-matriz de incidência tributária. Nesse caso, diremos que houve a subsunção, quando o fato (fato jurídico tribu-tário constituído pela linguagem prescrita pelo direito positivo) guardar absoluta identidade com o desenho normativo da hipótese (hipótese tributária). Ao ga-nhar concretude o fato, instala-se automática e infalivelmente, como diz Alfredo Augusto Becker, o laço abstrato pelo qual o sujeito ativo torna-se titular do direito subjetivo público de exigir a prestação, ao passo que o sujeito passivo ficará na contingência de cumpri-la.

Ainda, para referido autor (idem):

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Seja qual for a natureza do preceito jurídico, sua atuação dinâmica é a mesma: opera-se a concreção do fato previsto na hipótese, propalando-se os efeitos ju-rídicos prescritos na conseqüência. Mas esse quadramento do fato à hipótese normativa tem de ser completo, para que se dê, verdadeiramente, a subsunção. É aquilo que se tem por tipicidade, que no Direito Tributário, assim como no Direito Penal, adquire transcendental importância. Para que seja tido como fato jurídico tributário, a ocorrência da vida real, descrita no suposto da norma indi-vidual e concreta expedida pelo órgão competente, tem de satisfazer a todos os critérios identificadores tipificados na hipótese da norma geral e abstrata. Que apenas um não seja reconhecido, e a dinâmica que descrevemos ficará inteira-mente comprometida.

Na mesma linha doutrinária, afirma Cláudio Carneiro (Curso de direito tributário e financeiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 440):

Comumente se questiona a distinção entre princípio da legalidade, da superlega-lidade, da reserva legal, do primado da lei e da tipicidade. Podemos dizer que, no âmbito tributário, uma coisa é o princípio da legalidade estrita que exige, como regra, lei formal para criar ou aumentar tributos. Ocorre que a legalidade tributária não é suficiente para uma tributação regular. É preciso ir além. Daí, a idéia de tipicidade tributária. A forma latina typus adveio do grego, ensejando o sentido de cópia ou, para alguns, exemplo ou modelo. Assim, podemos usar a ideia de tipo com base em um modelo que não basta situação hipotética prevista em lei, tem que haver a perfeita adequação da conduta do sujeito passivo à nor-ma, ou seja, a subsunção do fato a norma, tal como um corte de alfaiataria no exato recorte de um certo figurino. Vale dizer que, além de existir lei em sentido formal, é imprescindível que o seu conteúdo traga também todos os elementos necessários à concretização da obrigação tributária (elementos do fato gerador integral), e ainda é necessário também que o contribuinte pratique a conduta prevista como fato gerador.

Note-se, portanto, que o surgimento de uma relação jurídico-tributária cujo objeto corresponde ao pagamento de um tributo depende necessariamente da correta adequação (subsunção) do fato que se pretende tributar à norma criadora da exação.

Feitas essas considerações, tem-se que, em relação ao ISS, o legislador constituinte originário (CF, art. 156, III) conferiu competência aos Municípios para instituir o referido imposto “sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar”.

À época dos fatos ora em análise (1991 a 1993), a Lista de Serviços tributáveis pelo ISS encontrava-se no Decreto-Lei nº 406/1968, já com as alterações decorrentes da LC 56/1987. E de acordo com o item 61 de referida Lista, o ISS incidiria sobre “Distribuição e venda de bilhete de loteria, cartões, pules ou cupões de apostas, sorteios ou prêmios”.

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O Código Tributário do Município do Rio de Janeiro, também vigente à época dos fatos, estabeleceu redação semelhante, nos termos do inc. LXIX do art. 8º, a seguir transcrito:

Art. 8º O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviços constante na seguinte lista:

[...]

LXIX – distribuição, venda e aceitação de pules e talões de apostas de corridas de cavalos e bilhetes de loterias.

Pode se afirmar da leitura dos itens supramencionados de referidas leis o seguinte:

a) o ISS deve incidir sobre Serviço de distribuição ou venda de pules e talões de apostas de corridas de cavalos e bilhetes de loterias; e

b) inexiste referência expressa a serviço de distribuição ou venda de “títulos de capitalização”.

Feitas essas considerações, tem-se que o deslinde da controvérsia exige a análise de três questões:

1ª) qual o fato gerador tributado pelo Município do Rio de Janeiro?

2ª) se ocorrido o fato gerador, quem possui relação com ele a ponto de se qualificar como contribuinte ou responsável tributário?

3ª) o título de capitalização “Telesena” equipara-se a “loteria” para fins de incidência do ISS sobre os serviços de distribuição e venda da-quele produto?

ANÁLISE DA 1ª E 2ª QUESTÕES

Da análise do auto de infração de fls. 67/69, e-STJ, e do Parecer da Secretaria Municipal de fls. 73/78, e-STJ, denota-se que a autoridade administrativa constituiu o crédito tributário em desfavor da ora recorrente por entender que esta, na qualidade de responsável tributária – que lhe foi atribuída pelo art. 4º da Lei Municipal nº 1.044/1987 –, deixou de recolher o ISS sobre os ‘serviços de distribuição e venda’ do título de capitalização “Telesena” que lhe foram prestados por terceiro, ao que parece, pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT).

É o que se pode constatar, não obstante a ausência de precisão das autoridades tributárias no auto de lançamento e nas decisões administrativas que se seguiram, pois inimaginável que a tributação tenha incidido sobre a distribuição e venda de título realizadas diretamente pela própria recorrente.

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Isto porque, neste caso – distribuição e venda de título realizadas diretamente pela própria recorrente –, não há serviço, uma vez que não inexiste esforço desenvolvido em favor de terceiros, e sim da própria recorrente.

A propósito, temos os ensinamentos de Aires F. Barreto a seguir transcritos (In ISS na constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética 2005, p. 29):

É lícito afirmar, pois, que serviço é uma espécie de trabalho. É o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. Conceitualmente, parece que são rigorosamente procedentes essas observações. O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem se serve. Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho “para si mesmo”, não o é afirmar-se que se prestou serviço “a si próprio”. em outras palavras, pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica.

Assim também leciona Leandro Paulsen (in Impostos federais, estaduais e municipais. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2012. p. 333), para quem o conceito constitucional de serviço corresponde a “prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendendo à obtenção de um bem material ou imaterial”.

Dessa forma, dessume-se dos fatos constantes dos autos que a recorrente busca impugnar crédito tributário constituído em seu desfavor na qualidade de responsável tributário, e não de contribuinte. Isso porque o ISS cujo crédito foi constituído e aqui resta impugnado decorre de suposto fato gerador praticado pela Empresa de Correios e Telégrafos, qual seja o serviço de distribuição e venda do título “Telesena” em favor da Liderança Capitalização S.A., ora recorrente.

Portanto, a relação jurídica tributária decorrente da incidência do ISS no caso em questão teria como contribuinte Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT), mas que, por força do instituto da substituição tributária, o dever de cumprir o objeto da obrigação, qual seja o pagamento do tributo, foi atribuído à ora recorrente pelo art. da Lei Municipal nº 1044/1987, que assim dispõe:

Art. 4º O imposto recebido de terceiros será repassado ao Município pela empre-sa qualificada como contribuinte substituto nos prazos fixados pelo Poder Exe-cutivo.

DA RETENÇÃO DO IMPOSTO

Art. 5º Quando estabelecidos no Município, ficam incluídos como responsáveis, na condição de fontes pagadoras de serviços, observados os §§ 1º e 2º do art. 14 da Lei nº 691 de 24 de dezembro de 1984, as seguintes pessoas jurídicas:

[...]

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V – as empresas e entidades que explorem loterias e outros jogos permitidos, in-clusive apostas, pelo imposto devido sobre as comissões pagas aos seus agentes, revendedores ou concessionários;

Dessa forma, em resposta às primeira e segunda indagações, conclui-se o seguinte:

a) o fato gerador supostamente corresponderia à prestação do serviço de distribuição e venda do título de capitalização “telesena” pela EBCT em benefício da recorrente; e

b) a EBCT figuraria como contribuinte, pelo fato ter praticado o fato gerador; e a recorrente, por sua vez, como responsável tributário le-gal pela retenção e recolhimento do ISS incidente sobre fato gerador praticado pela EBCT.

ANÁLISE DA 3ª QUESTÃO

O Município do Rio de Janeiro, ora recorrido, procedeu ao lançamento do crédito tributário do ISS ora impugnado por entender que o título de capitalização “Telesena” emitido pela recorrente se equipara a “loteria” e que, portanto, amolda-se ao disposto no Item 61 da Lista anexa à LC 56/1987 e na Lei Municipal nº 691/1994.

Referida justificação não merece prosperar, pois inexiste adequação da moldura fática hipoteticamente prevista na Lista anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968 e na Lei Municipal nº 691/1994 com o fato que ora se tributa, qual seja, “o serviço de distribuição ou venda de títulos de capitalização”.

Registre-se, já de início, que não se desconhece a jurisprudência hoje pacificada nas Turmas que compõe a Primeira Seção no sentido de que, para fins de incidência do ISS, o uso da interpretação extensiva será admitido para os casos de serviço que se pretende tributar seja idêntico ao(s) expressamente previsto(s) na lista anexa à legislação de regência. Confira-se:

TRIBUTÁRIO – ISS – SERVIÇOS BANCÁRIOS – DL 406/1968 – LISTA DE SERVI-ÇOS – TAXATIVIDADE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DE CADA ITEM – SÚ-MULA Nº 7/STJ – PRECEDENTES – MATÉRIA JÁ PACIFICADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO – RESP 1.111.234/PR – ART. 543-C DO CPC

1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de reconhecer que a lista de serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968, para efeito de aplicação de ISS aos serviços bancários, é taxativa, mas admite leitura extensiva de cada item a fim de enquadrar serviços idênticos aos expressamente previstos. Orientação reafir-mada no julgamento do REsp 1.111.234/PR, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).

[...]

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4. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no Ag 1398302/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, Julgado em 05.09.2013, DJe 11.10.2013)

PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – ISS – LISTA DE SERVIÇOS (DL 406/1968) – REBOCAGEM E ATRACAÇÃO – SERVIÇOS DIFERENCIADOS – TAXATIVIDA-DE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DENTRO DOS PARÂMETROS ESTABELECI-DOS PELA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE – EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS

1. Cumpre investigar se o ISS incide sobre o serviço de reboque de embarcações, ainda mais no caso dos autos em que não está previsto no item 87 da Lista de Ser-viços anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968, com a redação dada pela LC 56/1987.

2. A questão acerca da taxatividade da lista de serviços do DL 406/1989 encon-tra-se superada tanto nesta Corte como do E. STF.

Sobreleva notar, contudo, que a jurisprudência pacificada nas turmas que com-põem a Primeira Seção é no sentido de que, para fins de incidência do ISS, o serviço deverá ser idêntico ao expressamente previsto.

3. De uma forma simplista, o reboque tem a finalidade de facilitar a atracação de embarcações, razão pela qual não se trata, obviamente, de serviços congêneres. Tanto assim que a LC 116 de 31.07.2007, revogadora da LC 56/87, em seu item 20.01 incluiu, dentre outros, os serviços de reboque na referida Lista de Serviços, sem, contudo, excluir os de atracação, visto que não se trata de serviço idêntico.

4. Não há como fazer incidir o ISS sobre os serviços de rebocagem na vigência do Decreto-Lei nº 406/1968, sob pena de estar criando exação contra o disposto no art. 108, §1º, do CTN, tanto em face da ausência de expressa previsão legal, como por não ser idêntico ao serviço de atracação, o que, por conseguinte, invia-biliza a interpretação extensiva ou analógica da lista em comento.

5. Do cotejo entre as posições jurisprudências e os ensinamentos doutrinários infere-se que é imprescindível, portanto, a definição e a natureza do serviço a ser incluído no rol daqueles taxados pelo ISS, ainda mais quando isso se dá por força da interpretação extensiva.

6. Não basta a aparente semelhança para que se possa flexibilizar a taxativida-de da referida lista; tampouco, a circunstância de o serviço de rebocagem estar atualmente sujeito ao ISS, por si só, não legitima a sua cobrança com base na legislação anterior.

7. Embargos de divergência providos, para excluir a incidência de ISS sobre ser-viços de rebocagem durante a vigência do DL 406/1968.

(EREsp 887360/BA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, Julgado em 23.02.2011, DJe 15.04.2011)

TRIBUTÁRIO – ISSQN – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRU-MENTO – SERVIÇO AÉREO DE PULVERIZAÇÃO – LISTA ANEXA À LEI COM-PLEMENTAR Nº 116/2003 – TAXATIVIDADE – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DOS ITENS PREVISTOS NA LISTA ANEXA – POSSIBILIDADE

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1. A jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimen-to de que a Lista de Serviços com a finalidade de incidência de ISS é taxativa, admitindo-se, no entanto, leitura extensiva de cada item, para que se enquadra-rem serviços idênticos aos expressamente previstos.

2. A Lei Complementar nº 116/2003 formalizou no item 7.13, a tributação dos serviços de pulverização de lavouras, não importando o modo pelo qual ele é efetivamente realizado, por via aérea ou terrestre.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no Ag 1157828/PR, Relª Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, Julgado em 05.11.2009, DJe 20.11.2009)

MANDADO DE SEGURANÇA – ISSQN – SERVIÇOS DE PULVERIZAÇÃO AÉREA – LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003 – TAXATIVIDADE – IN-TERPRETAÇÃO EXTENSIVA – INCIDÊNCIA.

I – A jurisprudência desta Corte sedimentou-se no sentido de que a Lista de Ser-viços para efeito de incidência de ISS é taxativa, admitindo-se, contudo, uma leitura extensiva de cada item, a fim de se enquadrarem serviços idênticos aos expressamente previstos.

II – A Lei Complementar nº 116/2003 prevê expressamente, em seu item 7.13, a tributação dos serviços de pulverização de lavouras, não importando o modo pelo qual ele é efetivamente realizado.

III – Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 1067941/MS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, Julgado em 21.10.2008, DJe 10.11.2008)

PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – TRIBUTÁRIO – ISS – AGENCIA-MENTO MARÍTIMO – PERÍODO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LC 116/2003 – INEXIGIBILIDADE

1. A orientação da Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que a lista de serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968 (com redação dada pela LC 56/1987) – malgrado admita a interpretação extensiva para abrigar serviços idênticos aos expressamente previstos, mas com nomenclatura diversa – é exaustiva, não ad-mitindo o emprego da analogia, com intuito de alcançar hipóteses de incidência diversas daquelas expressamente consignadas.

2. No caso do agenciamento marítimo, há a intermediação em favor do armador ou afretador, que abrange as providências necessárias para a entrada, permanên-cia e saída de embarcações (pagamento de tributos, contratação de prestadores de serviço etc.). A jurisprudência das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ é pacífica no sentido de que tais atividades não se amoldam aos serviços previstos no item 50 da lista anexa ao Decreto-Lei nº 406/1968.

3. Contudo, cumpre esclarecer que a ilegitimidade da exigência refere-se apenas ao período anterior à vigência da LC 116/2003 – caso dos autos –, porquanto

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o serviço em comento (agenciamento marítimo) foi expressamente previsto na respectiva lista anexa (item 10.06).

4. Recurso especial provido.

(REsp 880488/RS, Relª Min. Denise Arruda, Primeira Turma, Julgado em 21.08.2008, DJe 10.09.2008)

Outro não poderia ser o entendimento, pois havendo identidade entre o serviço tributado e aquele previsto na lei, realmente não há se falar em ofensa ao princípio da tipicidade tributária fundado na “regra matriz de incidência tributária”.

No caso dos autos, não obstante os esforços do Fisco municipal e das instâncias ordinárias em comparar os ‘títulos de capitalização “Telesena” com os jogos de loteria, tem-se que aqueles não são idênticos a estes a ponto de legitimar a incidência do ISS.

A propósito, em análise da Lista do ISS anexa à LC 116/2003, leciona Aires F. Barreto que:

[...] De uma perspectiva meramente literal, os títulos de capitalização poderiam ser tratados como se fossem bilhetes de loteria. Todavia, distância abissal separa os primeiros dos últimos. Isso porque – entre outras razões e em apertada sínte-se – nos bilhetes de loteria, após a realização da aposta, caso o apostador não seja contemplado pelo sorteio realizado, perde todo o valor apostado em favor da pessoa política de direito público interno. Nos títulos de capitalização o valor líquido, caso o adquirente não seja contemplado no sorteio, é sempre a ele res-tituído, acrescido de juros e correção monetária. Só isso basta para evidenciar a significativa diferente entre um e outros.

[...]

A distribuição de títulos de crédito não pode subsumir-se, nunca, como preten-dem certos Municípios, ao subitem 19.01 da lista referida, a despeito do seu teor. Esse subitem diz respeito a serviços que de nenhum modo atinam com a natureza dos títulos de capitalização. Como se vê da simples leitura do subitem 19.01, tem-se aí grupo relativo a atividades caracterizadas como jogos (loteria, bingos) ou a apostas (pules ou cupons), que, em nada, mas em nada mesmo, atinam com as de capitalização e, por conseguinte, com os serviços de sua distribuição.

[...]

A Lei Complementar nº 116/2003, ao situar a distribuição de títulos de capita-lização como integrante de um grupo dela absolutamente distinto, comete erro crasso. Incluir nesse item, como o fez o legislador complementar, a distribuição de títulos de capitalização significa mesclá-los com atividades deles visivelmente diversas [...].

Jogos e apostas nada têm que ver com atividade de capitalização e, por conse-guinte, com os serviços de distribuição. (In ISS na constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética. 2005, p. 29)

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Registre-se que o fato de a busca do título de capitalização pelo consumidor decorrer principalmente do elevado valor do prêmio ofertado pela respectiva sociedade administradora não retira a natureza jurídica do título que, conforme restou incontroverso nos autos, teve sua comercialização devidamente autorizada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão estatal responsável para tanto.

Ainda nas contrarrazões (fls. 1187/1202), o Município do Rio de Janeiro reitera os fundamentos que levaram a reconhecer o “título de capitalização telesena” como loteria e preceder a lavratura do auto de infração constitutivo do crédito de ISS em desfavor da recorrente. Sustenta, em suma, que:

i) de acordo com o Decreto-Lei nº 6.259/1944, arts. 40, parágrafo único, e 41, os sorteios efetuados pelas sociedades de capitalização não serão considerados loteria com a condição sine qua non de serem realizados exclusivamente para amortização do capital garantido, o que não acontece com a “Telesena”;

ii) os prêmios na “Telesena” são, na verdade, o chamariz principal da recorren-te, pois a capitalização é inexpressiva diante da atividade de loteria, uma vez que os portadores dos títulos contemplados no sorteio recebiam, como prêmio, algo em torno de 60.000 (sessenta) mil vezes o valor do título, o que evidencia a ausência do escopo de amortizar o capital garantido previsto no Decreto-Lei nº 6.259/1944; e

iii) o adquirente do título tem como objetivo participar de um sorteio, a fim de obter o prêmio que, diga-se de passagem, representa 60.000 vezes o valor do título;

Note-se que a recorrida defende a exação ao fundamento de que o nome “título de capitalização” não desnatura o caráter de loteria do bilhete (título), sobretudo em decorrência do que dispõem os arts. 40, parágrafo único, e 41, do Decreto-Lei nº 6.259/1944, nos termos seguintes:

Art. 40. Constitui jogo de azar passível de repressão penal, a loteria de qualquer espécie não autorizada ou ratificada expressamente pelo Governo Federal.

Parágrafo único. Seja qual for a sua denominação e processo de sorteio adotado, considera-se loteria toda operação, jogo ou aposta para a obtenção de um prêmio em dinheiro ou em bens de outra natureza, mediante colocação de bilhetes, lis-tas, cupões, vales, papéis, manuscritos, sinais, símbolos, ou qualquer outro meio de distribuição dos números e designação dos jogadores ou apostadores.

Art. 41. Não se compreendem na disposição do artigo anterior: [...]

e) os sorteios das sociedades de capitalização, feitos exclusivamente para amor-tização do capital garantido; Essas alegações não merecerem prosperar. Primei-ro porque referidos artigos tinham como objetivo definir o que é e o que não é jogo do azar, não se incluindo no primeiro (jogo de azar) “os sorteios das sociedades de capitalização, feitos exclusivamente para amortização do capital garantido”.

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Assim, a referência à necessidade de o produto dos sorteios ser para amortizar o capital garantido tem importância apenas para se definir se de-terminado sorteio feito pela sociedade de capitalização corresponde ou não a jogo de azar, não servindo, portanto, para equiparar “título de capitulação” com “jogos de loteria”.

Segundo, o referido decreto foi revogado pelos DLs 204 e 261/1967, que não prevêem mais tal exigência, conforme já reconhecido por esta Corte Superior nos autos do REsp 851.090/SP (Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgado em 18.12.2007, DJe 31.03.2008). É o que se depreende da leitura de trechos da ementa que se segue:

13. O vetor legal indica que: (a) O advento do Decreto-Lei nº 204/1967, o foi com o fito de regular a exploração dos serviços de loteria; lex specialis, portanto, em relação ao mercado de capitalização tanto que quanto ao mesmo a norma inci-dente admitia o sorteio. O art. 41, e, do Decreto-Lei nº 6.259/1944 quando muito estava inserido no capítulo relativo a loterias proibidas e sorteios permitidos, em-bora não expressamente, restou revogado pelo Decreto-Lei nº 204/1967, a teor do art. 2º, § 1º, da LICC; (b) A partir da vigência do Decreto-Lei nº 261/1967, todas as operações das sociedades de capitalização restaram subordinadas às dis-posições do presente Decreto-Lei (art. 1º), sendo certo que o controle do Estado passou a ser exercido pelo CNSP ou pela SUSEP, a quem competia disciplinar as operações das sociedades de capitalização, inclusive, os sorteios por ela reali-zados, inerentes às operações de capitalização (arts. 2º, caput, e 3º, §§ 1º e 2º); (c) O CNSP e a Susep, no exercício dessa competência, expediram, respectiva-mente, a Resolução nº 15/1991 e as Circulares nºs 12/1985, 06/1987 e 23/1991, autorizando as sociedades de capitalização a realizarem sorteios e dando-lhes plena liberdade para fixarem o valor dos prêmios nele oferecidos, respeitando o valor máximo de 5% de seu patrimônio líquido, sendo certo que, in casu, é fato incontroverso, reconhecido pelo acórdão recorrido, que a “Telesena” atendeu e atende todas as normas do CNSP e da SUSEP; (d) O art. 41, “e”, do Decreto-Lei nº 6.259/1944, por ser incompatível com o disposto nos arts. 1º, caput, 2º, caput, e 3º §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 261/1967, foi por ele revogado, razão porque, se assim não se entender, todos os planos de capitalização disponíveis no mercado restariam em situação ilegal, porquanto, como é cediço, os prêmios por ele oferecidos são sempre superiores ao “capital garantido”; e (e) Em suma, ao decidir que a autorização da Susep teria afrontado o art. 41, e, do Decre-to-Lei nº 6.259/944, decretando a sua nulidade com base no art. 2º, e, da Lei nº 4.717/1965, o v. Acórdão recorrido contrariou não só os mencionados disposi-tivos legais, bem como os arts. 1º, 2º e 3º, §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei nº 261/1967, e os arts. 1º, 32 e 33 do Decreto-Lei nº 204/1967 e o art. 2º, § 1º, da Lei de Intro-dução ao Código Civil.

Dessa forma, tem-se por inaplicáveis as disposições dos arts. 40, parágrafo único, e 41, ambos do Decreto-Lei nº 6.259/1944, ao caso dos autos.

Por fim, apenas em obter dictum, consta-se a seguinte impropriedade no lançamento tributário impugnado pela recorrente: como reconhecer a atribuição de responsabilidade tributária a uma terceira pessoa (a ora recorrente) pelo

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pagamento de um tributo que, em tese, não deveria ter incidido sobre a atividade exercida pelo contribuinte (EBCT) em razão de vedação constitucional?

É que a ECT, conforme já se pronunciou diversas vezes o Supremo Tribunal Federal, encontra-se abarcada pela imunidade tributária recíproca a que se refere o art. 150, VI, a, da Constituição. Confira-se:

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamen-to normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empre-sas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. 5. Recur-so extraordinário conhecido e provido. (RE 601392, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/Acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, Julgado em 28.02.2013, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe105 Di-vulg. 04.06.2013, Public. 05.06.2013)

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO QUE RECONHECEU A INEXIS-TÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO IPVA – IMUNIDADE RECÍ-PROCA – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT) – JULGA-MENTO ANTECIPADO DA LIDE – MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO – AUSÊNCIA DE NULIDADE – PRECLUSÃO – NÃO PROVIMENTO DO AGRA-VO – 1. Conjugando a regra do julgamento antecipado da lide com o procedi-mento contido no Regimento Interno desta Corte, não há prejuízo nem nulidade em despacho que dispensa produção de provas, determinando diretamente a oiti-va da Procuradoria-Geral da República, sem a apresentação de razões finais pelas partes, porque lícito o julgamento antecipado quando se trata de matéria exclusi-vamente de direito. Como não houve instrução probatória no curso do processo, haja vista que foram bastantes para a formação do convencimento do magistrado as provas trazidas na inicial e a na contestação, restou desnecessária a apresenta-ção de razões finais. 2. A ausência de intimação do réu do conteúdo do despacho saneador foi suprida pela concessão de vista ao Procurador do Estado do Sergipe, ocasião em que o agravante deveria, sob pena de preclusão, ter alegado seu des-contentamento (art. 245, caput, do CPC), e não tardiamente em sede de agravo regimental contra a decisão de mérito. 3. A concessão de imunidade tributária à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é matéria que resta amplamente difundida nesta Corte, entendimento esse que foi reafirmado na ACO 789/PI, ocasião em que restou assentada a presença da regra de imunidade recíproca a afastar a incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre os veículos de propriedade da agravada, independentemente da natureza da atividade desempenhada, se serviço público ou atividade de cunho privado. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(ACO 819 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 17.11.2011, Acórdão Eletrônico DJe-230 Divulg. 02.12.2011, Public. 05.12.2011, RSJADV jan., 2012, p. 48-50)

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Nessa linha de entendimento, e especificamente em relação ao ISS sobre a distribuição de títulos de capitalização, citam-se recentes decisões monocrá-ticas proferidas por Ministros do STF, em que se reconhece a imunidade da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos:

DECISÃO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONSTITUCIONAL – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – ISS – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT – TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO: IMUNIDADE TRIBUTÁ-RIA RECÍPROCA – PRECEDENTES – AGRAVO PROVIDO E RECURSO EXTRA-ORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO

Relatório

1. Agravo nos autos principais contra decisão que inadmitiu recurso extraordiná-rio interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da Repúbli-ca. O recurso extraordinário foi interposto contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA – ART. 150, IV, A, DA CF/1988 – TÍTULOS DE CAPITALIZAÇÃO – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – ISS – INCIDÊNCIA – A jurisprudência do STF vem entenden-do que a imunidade tributária de que trata o art. 150, VI, a, da CF/1988, abrange os serviços postais objeto do monopólio estatal. – Quanto aos serviços prestados pela ECT decorrentes de exploração de atividade econômica, como a comerciali-zação de títulos de capitalização (Telesena e Papa-Tudo), há a incidência do ISS, uma vez que a prestação desses serviços não se enquadra nas atividades tipica-mente estatais. – Precedentes desta Corte: AC 377006/SE, Rel. Des. Fed. Ivan Lira de Carvalho (Conv.), DJU 28.01.2009; AC 317310/CE, Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano, DJe 28.09.2009; AC 340369/CE, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro, DJU 24.10.2007. – Apelação provida” (fl. 117, doc. 1).

2. A Agravante afirma que o Tribunal de origem teria contrariado o art. 150, inc. VI, alínea a, da Constituição da República. Sustenta que o “acórdão mere-ce reforma por contrariar o art. 150, VI, a, da CF/1988, pois possibilita que um Município tribute uma empresa pública federal que executa serviço essencial na qualidade de longa manus da União. A imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal é de natureza subjetiva, ou seja, beneficia as pessoas jurídicas nelas previstas, independente da natureza da renda por elas auferidas” (fl. 148, doc. 1). Requer seja reconhecida “a imunidade tributária dos Correios, nos termos do art. 150, VI, a, c/c art. 12 do Decreto-Lei nº 509/1969, desconstituindo o crédito tributário perseguido pelo Estado-Recorrido” (fl. 2, doc. 2, grifos nossos).

3. O recurso extraordinário foi inadmitido sob o fundamento de intempestividade (fl. 8, doc. 2). Na petição de agravo, a Agravante alega ser “equiparada à Fazen-da Pública, por força do que dispõe o art. 12 do Decreto-Lei 509/69, de forma que goza de prazo em dobro para recorrer, nos termos do art. 188 do Código de Processo Civil” (fl. 33, doc. 2). Examinados os elementos havidos no processo, Decido.

4. O art. 544 do Código de Processo Civil, com as alterações da Lei nº 12.322/2010, estabeleceu que o agravo contra decisão que inadmite recurso extraordinário

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processa-se nos autos do processo, ou seja, sem a necessidade de formação de instrumento, sendo este o caso. Analisam-se, portanto, os argumentos postos no agravo, de cuja decisão se terá, na sequência, se for o caso, exame do recurso extraordinário.

5. O art. 12 do Decreto-Lei nº 509/1969 dispõe que “a ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus servi-ços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária, direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais”(grifos nossos). Este Su-premo Tribunal assentou que a Constituição da República de 1988 recepcionou o art. 12 do Decreto-Lei nº 509/1969:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONSTITUCIONAL – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, REN-DAS E SERVIÇOS – RECEPÇÃO DO ART. 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/1969 – EXECUÇÃO – OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO – APLICAÇÃO DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privi-légio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do art. 12 do Decreto-Lei nº 509/1969 e não-incidência da restrição contida no art. 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regi-me próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no art. 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 220.906, Relator o Ministro Maurício Corrêa, Plenário, DJ 14.11.2002, grifos nossos). A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT goza dos privilégios da Fazenda Pública, entre eles, de prazo em dobro para recorrer. Assim, cum-pre afastar o fundamento da decisão agravada de intempestividade do recurso extraordinário, pois o acórdão recorrido foi publicado no DJe de 21.05.2010 (fl. 118, doc. 1) e o recurso interposto em 18.06.2010 (fl. 140, doc. 1), no prazo recursal. 6. Razão jurídica assiste em parte à Agravante. 7. O Tribunal Regional decidiu: “O cerne do presente recurso consiste no reconhecimento da imuni-dade tributária da ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, quanto à cobrança do ISS pela Fazenda Pública Municipal. Em relação à matéria dispõe o art. 150 da Constituição Federal: ‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou servi-ços, uns dos outros; [...] § 2º A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. § 3º As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar im-

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posto relativamente ao bem imóvel.’ A princípio, a jurisprudência do STF vem entendendo que a imunidade tributária de que trata o art. 150, VI, a, da CF/1988, abrange os serviços postais objeto do monopólio estatal. Entretanto, quanto aos serviços prestados pela ECT decorrentes de exploração de atividade econômica, como a comercialização de títulos de capitalização (Telesena e Papa-Tudo), há a incidência do ISS, uma vez que a prestação desses serviços não se enquadra nas atividades tipicamente estatais” (fl. 113, doc. 1). Esse entendimento diverge da jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT goza de imunidade tributária recíproca (art. 150, inc. VI, alínea a, da Constituição) e que o exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada não des-caracteriza essa imunidade, pelas peculiaridades do serviço postal. Confira-se: “Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normati-vo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrele-vância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 601.392, Redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJe 05.06.20013).

“REPERCUSSÃO GERAL – TRIBUTÁRIO – IPTU – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT) – IMUNIDADE RECÍPROCA (ART. 150, VI, A, CF) – RELEVÂNCIA ECONÔMICA SOCIAL E JURÍDICA DA CONTROVÉRSIA – RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUES-TÃO – PRECEDENTES DA CORTE – RECONHECIMENTO DA IMUNIDADE RECÍPROCA – RATIFICAÇÃO DO ENTENDIMENTO – POSSIBILIDADE – APLI-CAÇÃO DO PROCEDIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL (ART. 543-B, CPC) – 1. Perfilhando a cisão estabelecida entre prestadoras de serviço público e explo-radoras de atividade econômica, esta Corte sempre concebeu a Empresa Brasilei-ra de Correios e Telégrafos como uma empresa prestadora de serviços públicos de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. Precedentes. 2. No tocante aos tributos incidentes sobre o patrimônio das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde a ACO 765, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, na qual se tratava da imunidade da ECT relativamente a veículos de sua proprieda-de, iniciou-se, no Tribunal, a discussão sobre a necessidade de que a análise da capacidade contributiva para fins de imunidade se dê a partir da materialidade do tributo. 3. Capacidade contributiva que deve ser aferida a partir da propriedade imóvel individualmente considerada e não sobre todo o patrimônio do contri-buinte. Noutras palavras, objetivamente falando, o princípio da capacidade con-tributiva deve consubstanciar a exteriorização de riquezas capazes de suportar a incidência do ônus fiscal e não sobre outros signos presuntivos de riqueza. 4. No julgamento da citada ACO 765/RJ, em virtude de se tratar, como no pre-sente caso, de imunidade tributária relativa a imposto incidente sobre a proprie-dade, entendeu a Corte, quanto ao IPVA, que não caberia fazer distinção entre os veículos afetados ao serviço eminentemente postal e o que seria de atividade econômica. 5. Na dúvida suscitada pela apreciação de um caso concreto, acerca

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de quais imóveis estariam afetados ao serviço público e quais não, não pode ser sacrificada a imunidade tributária do serviço público, sob pena de restar frustrada a integração nacional. 6. Mesmo no que concerne a tributos cuja materialidade envolva a própria atividade da ECT, tem o Plenário da Corte reconhecido a imu-nidade tributária a essa empresa pública, como foi o caso do ISS, julgado no RE 601.392/PR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, redator para acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Julgado em 01.03.2013. 7. Manifesto-me pela existência de repercussão geral da matéria constitucional e pela ratificação da pacífica jurisprudência deste Tribunal sobre o assunto discutido no apelo ex-tremo e, em consequência, conheço do agravo, desde já, para negar provimento ao recurso extraordinário” (ARE 643.686-RG, Relator o Ministro Dias Toffoli, Ple-nário Virtual, DJe 06.05.2013, grifos nossos).

Dessa orientação jurisprudencial divergiu o acórdão recorrido.

8. Pelo exposto, dou provimento ao agravo e, desde logo, parcial provimento ao recurso extraordinário (art. 544, § 4º, inc. II, alínea c, do Código de Processo Civil) para cassar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribu-nal de origem para que, observada a orientação jurisprudencial deste Supremo Tribunal, decida como de direito. (ARE 744497, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Julgado em 29.08.2013, publicado em Processo Eletrônico DJe-173 Divulg. 03.09.2013, Public. 04.09.2013)

1. O acórdão do Tribunal Regional da 5ª Região decidiu que a distribuição de títulos de capitalização não se estende à imunidade tributária destinada aos serviços públicos por ser apenas interesse econômico.

2. Daí o recurso extraordinário, interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, alegando, em síntese, ofensa ao art. 150, VI, a, da Constituição Federal.

3. Admitido o recurso, subiram os autos (fls. 245-246).

4. O Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 270-271).

5. Assiste razão à parte recorrente, pois esta Corte firmou entendimento de que as empresas públicas prestadoras de serviço público diferenciam-se das empresas que exercem atividade econômica; portanto, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos está abrangida pela imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, por oferecer serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. Transcrevo a ementa de precedente com o mesmo assunto, RE 354.897/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 03.09.2004:

“CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: CF, ART. 150, VI, A – EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO – I – As empresa

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públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem ativi-dade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: CF, art. 150, VI, a. II – RE conhecido e provido.”

6. Ademais, não é a natureza da atividade desenvolvida pela empresa que dirá se é serviço público ou não, e sim a entidade que desenvolve essa atividade.

7. Finalmente, no que concerne à não-incidência de ISS sobre a venda de títu-lo de capitalização, menciono o RE 575.742/CE, Relª Min. Cármen Lúcia, DJe 24.04.2009.

8. Ante o exposto, com fundamento no art. 557, § 1-A, do CPC, dou provimento ao recurso. Sem ônus de sucumbência, porque mantida essa condição (art. 21 do CPC). Publique-se. Brasília, 14 de setembro de 2009. Ministra Ellen Gracie Relatora 1(RE 522449, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Julgado em 14.09.2009, pu-blicado em DJe-179 Divulg. 22.09.2009, Public. 23.09.2009)

Dessa forma, verifica-se que a atribuição de responsabilidade tributária à ora recorrente pela retenção e recolhimento do ISS incidente sobre os serviços de distribuição e venda de títulos da “Telesena” realizados pela EBCT é completamente descabida, uma vez que inexiste prestação tributária a se atribuir a terceira pessoa.

Feitas essas considerações, tem-se que a declaração de nulidade do lançamento tributário ora impugnando é medida que se impõe, pelas seguintes razões:

I – o ISS não incide sobre a distribuição e venda de título realizadas diretamente pela própria recorrente, uma vez que tal atividade não se encaixa no conceito de serviço;

II – inexiste a obrigação de reter e recolher aos cofres públicos o suposto crédito decorrente da incidência do ISS sobre a atividade desenvolvida pela Empresa Brasileira de Correios (ECT), uma vez que, segundo jurisprudência pacífica do STF, referida empresa, mesmo na comercialização de títulos de capitalização, encontra-se abarcada pela imunidade tributária; e

III – à época da ocorrência dos fatos geradores (1991 a 1993), a legislação não previa “o serviço de distribuição e venda de títulos de capitalização” como hi-pótese de incidência do ISS, não se admitindo interpretação extensiva pelo fato de não haver identidade entre os produtos “loteria” e “título de capitalização” a justificar a subsunção do fato à norma constate da Lista anexa à LC 56/1987;

Por essas razões, dou provimento ao recurso especial para declarar a nu-lidade do lançamento impugnando pela recorrente, invertido o ônus da sucum-bência, conforme estabelecido na primeira instância, devidamente corrigido.

É o voto.

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ceRtidão de Julgamento segunda tuRma

Número Registro: 2012/0096337-3 REsp 1.323.669/RJ

Números Origem: 00012982020038190001 12982020038190001 20030010015054

Pauta: 12.11.2013 Julgado: 12.11.2013

Relatora: Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

autuação

Recorrente: Liderança Capitalização S/A

Advogado: Luiz Fernando Pinto Palhares

Recorrido: Município do Rio de Janeiro

Procurador: Heraldo Motta Pacca e outro(s)

Assunto: Direito Tributário – Impostos – ISS/Imposto sobre Serviços

sustentação oRal

Dr(a). Luiz Fernando Pinto Palhares, pela parte Recorrente: Liderança Ca-pitalização S/A Dr(a). Heraldo Motta Pacca, pela parte Recorrida: Município do Rio de Janeiro.

ceRtidão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaConflito de Competência nº 121.072 – MG (2012/0025143‑9)Relatora: Ministra Maria Isabel GallottiSuscitante: Juízo da 11ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG Suscitado: Juízo de Direito da 28ª Vara Cível de Belo Horizonte/MG Interes.: Donizeti Manoel Onofre Advogado: Valéria Cristina Pantuzo Miranda e outro(s)Interes.: Editora Abril S/A

ementaCONFLITO NEGATIVO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS À IMAGEM – ÁLBUM DE FIGURINHAS – INCLUSÃO DA EFÍGIE DO AUTOR – EDITORA – PRETENDIDA DENUNCIAÇÃO DA LIDE AO EX-EMPREGADOR, CLUBE DE FUTEBOL, AINDA NÃO CONCRETIZADA – INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE AUTOR E RÉU – CONTROVÉRSIA DE NATUREZA CIVIL – JURISPRUDÊNCIA DA SEÇÃO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL

1. A ação indenização por danos à imagem, reclamada de quem não é ou foi empregador, não se configura como ação oriunda da rela-ção de trabalho, tal como descrita na Constituição Federal, art. 114, inciso I, conforme redação introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

2. Precedentes da Segunda Seção.

3. Conflito de competência conhecido para declarar a competência da Justiça comum estadual.

acÓRdãoA Segunda Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou

competente o Juízo de Direito da 28ª Vara Cível de Belo Horizonte/MG, o suscitado, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília/DF, 9 de outubro de 2013 (data do Julgamento).

Ministra Maria Isabel Gallotti Relatora

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RelatÓRioMinistra Maria Isabel Gallotti: – Cuida-se de conflito negativo por iniciativa

do Juízo da 11ª Vara do Trabalho em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, em face do Juízo de Direito da 28ª Vara Cível da mesma capital, relativamente à ação de indenização por danos à imagem proposta por Donizete Manoel Onofre em desfavor de Editora Abril S.A.

Na inicial, ajuizada perante a Justiça comum, o autor alega que sua fotografia foi incluída sem autorização no álbum “As Figurinhas da Copa União 88”, o que causou a lesão reclamada.

A ré contestou o feito sustentando que obteve autorização do então empregador, Clube Atlético Paranaense, cuja denunciação à lide pleiteou (fls. 30/46).

Não obstante deferida a denunciação da lide (fl. 113), a citação do Clube Atlético Paranaense ainda não ocorreu.

Antes do cumprimento da formalidade legal, contudo, conforme consta às fls. 194/197, a competência foi declinada para a Justiça do Trabalho em função de a ré alegar ter agido com base em autorização concedida pelo empregador do autor. Entendeu a Justiça Estadual ser o contrato celebrado entre a ré e o clube acessório ao suposto contrato de trabalho entre o autor e o denunciado, invocando precedente desta Corte no CC 34.504/SP (Rel. para acórdão Min. Ruy Rosado de Aguiar, por maioria, DJU de 16.06.2003).

O Juízo do Trabalho suscitou o presente conflito em razão do não cabimento da denunciação na Justiça do Trabalho, além de que nunca houve vínculo de trabalho entre o autor e a ré-denunciante e que a lide teria sustentação em vínculo de natureza civil (fl. 206).

Instado a se manifestar, opinou o Ministério Público Federal pela competência da Justiça comum estadual para o processamento e julgamento da causa (fls. 266/270).

É o relatório.

votoMinistra Maria Isabel Gallotti (Relatora): – Como visto do relatório, cuida-

se de determinar a competência para o julgamento de ação indenizatória por supostos danos à imagem em virtude da inclusão da fotografia do autor em álbum de figurinhas editado pela ré, o que teria ocorrido sem sua autorização.

Assim delimitada a controvérsia, necessário consignar que a competência se fixa em razão da causa de pedir e do pedido formulado na inicial que, na hipótese em comento, refere-se a matéria de índole civil.

Com efeito, pretende o autor o recebimento de indenização por danos à imagem causados pela publicação não autorizada de sua efígie em álbum de figurinhas editado pela ré.

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A questão já foi objeto de extenso debate no âmbito da Segunda Se-ção, primeiramente com a adoção do entendimento majoritário proferido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que inaugurou divergência no CC 29.075/RJ, no sentido de que o dano à imagem, que não se confunde com o dano moral, não possui vinculação com a relação empregatícia, sendo da com-petência da Justiça comum. A ementa apresenta a seguinte redação:

“Conflito de competência. Direito à imagem. Competência da Justiça estadual.

1. Pedindo o autor o pagamento de importância em decorrência da utilização indevida de sua imagem, a competência é da Justiça estadual, não havendo ne-nhuma vinculação, no caso, ao contrato de trabalho.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente a Justiça es-tadual.”

(Rel. p/ acórdão Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, por maioria, DJU de 05.02.2001)

No precedente citado (CC 29.075/RJ), a ação fora movida por empregado contra sua empregadora, sociedade comercial do ramo de supermercados, que publicou a imagem de seu empregado, gerente do setor de perecíveis, em encarte comercial do estabelecimento. Discutia-se se os termos do contrato de trabalho, incontroversamente mantido entre as partes, autorizava o uso da imagem de seu empregado em material de publicidade da empresa. Prevaleceu o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito no sentido de que o uso da imagem do autor não se comportava no âmbito do contrato de trabalho para o efeito da definição da competência da Justiça do Trabalho.

No caso dos autos, mais clara me parece a competência da Justiça Estadual, pois não há lide entre empregado e empregador. A postulação é dirigida contra editora que utilizou a imagem do autor em álbum de fotografias.

Não estão presentes os elementos caracterizadores da relação trabalhista entre os ocupantes dos pólos processuais, vez que Donizete Manoel Onofre nunca esteve hierarquicamente subordinado à Editora Abril S.A, à qual não prestou serviços habituais nem jamais dela dependeu economicamente.

Não se olvida que matéria análoga foi discutida em julgamento realizado por este Colegiado, nos autos do CC 113.220/MG (Relª Min. Nancy Andrighi, unânime, DJe de 31.08.2011), em que se considerou estar a questão controvertida inserida na competência da Justiça do Trabalho, a teor da ementa que o resume:

“PROCESSO CIVIL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇA CO-MUM ESTADUAL E TRABALHISTA – AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE FOTO DE JOGADOR DE FUTEBOL EM ÁLBUM DE FIGURINHAS – AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO – DENUNCIAÇÃO À LIDE DO CLUBE EMPREGADOR – CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS DE USO DA IMAGEM DOS JOGADORES DO CLUBE, CELEBRADO ENTRE ESSE E A EDI-

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TORA – ALEGAÇÃO DE QUE EMPREGADO TERIA AUTORIZADO O USO DE SUA IMAGEM PELO CLUBE

1. Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar ação de indenização por da-nos materiais e compensação por danos morais ajuizada por jogador de futebol contra editora que publicou, sem autorização, sua foto em álbum de figurinhas. A ré denunciou à lide o clube de futebol empregador, pelo fato de que celebrou com aquele, na condição de cessionária, contrato de cessão de direito de uso de imagem, por meio do qual o clube cedeu o uso de imagem de seus jogadores, bem como se responsabilizou por eventuais danos alegados por conta da sua veiculação.

2. Se o clube denunciado com o qual o autor celebrou contrato de trabalho (fato incontroverso) alega que esse último autorizou o uso da sua imagem expressa-mente – embora não mencione em que oportunidade e de que forma se operou o consentimento –, inclusive podendo cedê-lo, não há como se analisar a respon-sabilidade da editora pelo alegado ilícito sem se perquirir acerca da existência dessa suposta autorização realizada no bojo de uma relação de emprego. Sendo no contrato de trabalho ou em contrato de cessão de direitos de imagem, impe-rioso a análise dos termos em que foi avençado e se foi prevista, ou não, cláusula específica, para a exploração da imagem do autor como jogador de futebol.

3. Conflito conhecido para o fim de declarar a competência do Juízo da 16ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, juízo suscitante.”

(CC 113.220/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, unânime, DJe de 31.08.2011)

No caso ora em exame, todavia, sequer se pode afirmar que o autor tenha sido empregado do clube denunciado, o qual não foi até o momento integrado à relação processual, tendo sido infrutífera a diligência para sua citação, na Justiça Estadual, bem como assentada, pela Justiça do Trabalho, a incompatibilidade da denunciação à lide com o processo trabalhista (cf. e-STJ 206).

Neste ponto, destaco que a jurisprudência do TST orienta-se no sentido de que “a aplicabilidade do instituto da denunciação da lide no processo do trabalho, a despeito da ampliação da competência desta Justiça Especializada, deve ser analisada caso a caso, considerando-se o interesse do trabalhador na celeridade processual, bem como a própria competência da Justiça do Trabalho para apreciar a controvérsia surgida entre denunciante e denunciado.” (Recurso de Revista TST-RR-43300-58.2003.5.09.0025, DJ 14.06.2013, Relª Min. Delaíde Miranda Arantes). No mesmo sentido, Agravo de Instrumento em Recurso de Revista TST-AIRR-129800-92.2006.5.02.0001, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira).

Acrescento que a competência absoluta da Justiça comum para o processo e julgamento da causa não pode ficar a mercê da conduta processual do réu de requerer ou não a denunciação da lide ao clube a quem o autor prestou serviços na época dos fatos, não se sabe se na condição de autônomo ou empregado.

Não se cogita de direitos e deveres da relação travada entre o autor e o clube, de índole civil ou trabalhista, os quais não foram perquiridos pelo autor

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da ação. Não há relação de emprego entre autor e réu. Igualmente não há relação de emprego entre a ré-denunciante e a denunciada. Para a defesa da ré, basta a invocação do contrato celebrado com o clube, independentemente da relação havida entre este e seus jogadores.

Em face do exposto, conheço do conflito para declarar competente o Juízo de Direito da 28ª Vara Cível de Belo Horizonte, MG.

É como voto.

ceRtidão de Julgamento segunda seção

Número Registro: 2012/0025143-9 Processo Eletrônico CC 121.072/MG

Números Origem: 20472220115030011 24075075929

Em Mesa Julgado: 09.10.2013

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Pedro Henrique Távora Niess

Secretário: Bel. Dimas Dias Pinto

autuação

Suscitante: Juízo da 11ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG

Suscitado: Juízo de Direito da 28ª Vara Cível de Belo horizonte/MG

Interes.: Donizeti Manoel Onofre

Advogado: Valéria Cristina Pantuzo Miranda e outro(s)

Interes.: Editora Abril S/A

Assunto: Direito civil – Responsabilidade civil – Indenização por dano moral

ceRtidãoCertifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígrafe

na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Juízo de Direito da 28ª Vara Cível de Belo Horizonte-/MG, o suscitado, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑AIRR‑264600‑02.2008.5.02.0029Acórdão(2ª Turma)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1 INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL PARA NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO DE REVISTA COM A ANÁLISE DO MÉRITOO despacho agravado foi exarado pelo permissivo do art. 896, § 1º, da CLT, e o Tribunal ad quem não está subordinado ao juízo de ad-missibilidade formulado pelo Tribunal a quo. Isso porque o recurso de revista se sujeita a um duplo juízo de admissibilidade. O primeiro deles realizado pela Presidência do Tribunal Regional, que é de cog-nição incompleta, consoante diretriz da Súmula nº 285 desta Corte. Dessa forma, o TST, ao apreciar o agravo de instrumento, procede a um segundo juízo de admissibilidade do recurso de revista denegado, momento em que analisa se estão presentes todos os pressupostos, intrínsecos e extrínsecos, para a admissibilidade do apelo. Pode tanto determinar seu processamento, como manter o despacho denegató-rio, não se vinculando, portanto, ao despacho proferido pelo Tribunal Regional. Assim, eventual equívoco ou desacerto do despacho pode ser corrigido neste Tribunal por meio do agravo de instrumento.

2 DIREITO DE ARENAO fundamento do Tribunal Regional foi de que não ficou comprovada a transmissão televisiva dos jogos nem a atuação do reclamante em determinados eventos. Assim, não examinou a matéria sob o enfoque ora proposto, no sentido de que é notória a lucratividade dos clubes nos eventos internacionais. Logo, considerando a falta de preques-tionamento sob o ângulo da argumentação ora apresentada pelo re-clamante, incide a Súmula nº 297 desta Corte como óbice ao exame da indicada afronta ao art. 42 da Lei nº 9.615/1998, bem como dos arestos transcritos. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-264600-02.2008.5.02.0029, em que é Agravante Ebert Willian Amancio e Agravado Sport Club Corinthians Paulista.

Contra o r. despacho de fls. 291-293, em que se negou seguimento ao recurso de revista, o reclamante interpõe agravo de instrumento às fls. 299-306, no qual sustenta a viabilidade do recurso denegado.

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Contraminuta apresentada às fls. 310-316.

Contrarrazões apresentadas às fls. 318-332.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

voto

1 CONHECIMENTO

O agravo de instrumento é tempestivo (fls. 293 e 299), está subscrito por advogado habilitado (fl. 24) e o preparo é dispensado.

Conheço.

2 MÉRITO

2.1 Incompetência do tribunal regional para negar seguimento ao recurso de revista com a análise do mérito

O reclamante (fls. 299-306) alega que o Tribunal Regional é incompeten-te para negar seguimento ao recurso de revista com a análise do mérito.

Ao exame.

O despacho agravado foi exarado pelo permissivo do art. 896, § 1º, da CLT, e o Tribunal ad quem não está subordinado ao juízo de admissibilidade formulado pelo Tribunal a quo. Isso porque o recurso de revista se sujeita a um duplo juízo de admissibilidade. O primeiro deles realizado pela Presidência do Tribunal Regional, que é de cognição incompleta, consoante diretriz da Súmula nº 285 desta Corte.

Dessa forma, o TST, ao apreciar o agravo de instrumento, procede a um segundo juízo de admissibilidade do recurso de revista denegado, momento em que analisa se estão presentes todos os pressupostos, intrínsecos e extrínsecos, para a admissibilidade do apelo. Pode tanto determinar seu processamento, como manter o despacho denegatório, não se vinculando, portanto, ao despa-cho proferido pelo Tribunal Regional.

Assim, eventual equívoco ou desacerto do despacho pode ser corrigido neste Tribunal por meio do agravo de instrumento.

2.2 Direito de arenaA Corte de origem negou provimento ao recurso ordinário do reclamante,

nestes termos:

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2.2 DO DIREITO DE ARENA DOS CAMPEONATOS INTERNACIONAIS E COPA DO BRASIL

Pleiteia também o recorrente o direito de arena nos Campeonatos Internacionais (a título de direito de arena da Taça Libertadores da América no ano de 2006, da Copa Sul Americana nos anos de 2005, 2006 e 2007 e Copa do Brasil do ano de 2007) não tratados no acordo, pois nada recebeu de seu clube a título de repasse do direito de arena, nem mesmo os 5% fixados no ajuste.

Quanto aos Campeonatos Internacionais e Copa do Brasil, a decisão declarató-ria entendeu que não há provas de efetiva transmissão televisiva do evento ou mesmo de que o autor tenha efetivamente participado de alguns dos eventos internacionais.

Inicialmente, diante da discriminação dos campeonatos internacionais e Copa do Brasil citados a fls. 202, nas razões recursais, vale dizer que configuram vedada inovação à lide, não permitida no direito, sob pena de comprometer o princípio do devido processo legal.

Mesmo assim, a discriminação não constitui prova de que o autor tenha efetiva-mente atuado em tais campeonatos.

Aqui vale transcrever a sentença, fls. 191– verso: “No caso dos autos, especifi-camente, às fls. 62, verifico que de maneira objetiva a defesa refuta a existência de ajuste pela reclamada para a transmissão televisiva do evento, não existindo qualquer prova e sentido contrário, ônus que incumbia à parte autora (art. 818, CLT; 333, I, CPC). Há, isso sim, informações sobre a negociação dos campeo-natos, a qual envolveu as entidades de administração e Clube dos Treze... Em segundo lugar, quanto à transmissão dos jogos, observo a ausência de prova nos autos a respeito da efetiva transmissão televisiva dos jogos informados pelos ofícios carreados aos autos; nem mesmo há referências sobre quais os jogos te-levisionados o reclamante teria participado, fatos cujo ônus de provar também incumbia à parte autora (art. 818, CLT; 333, I, CPC). Repita-se: não basta o re-clamante ter participado do jogo, é necessário que também tenha ocorrido a transmissão televisiva do evento”.

Assim, a prova produzida pelo reclamante, a respeito dos descontos a título de uniforme, deixa escapar inconsistências que, no mínimo, revelam a dúvida sobre o fato constitutivo do direito afirmado na inicial, não sendo demais lembrar que, nos termos do art. 333, I do CPC, a prova segura é ônus que compete ao autor. Logo, se não se desincumbe por inteiro desse ônus e, dessas lacunas do conjunto probatório faz brotar a dúvida do julgador sobre o convencimento absoluto dos fa-tos alegados, resulta que a parte não se desvencilhou por inteiro do ônus da prova. Insere-se no âmbito do ônus da prova o dever da parte de produzi-la por inteiro, eliminando toda e qualquer dúvida que a deficiência da prova possa conter.

Nego provimento. (fls. 259-260 – destaques no original)

O reclamante (fls. 299-306) afirma que a falta de ajuste para a trans-missão dos jogos não lhe retira o direito de arena, uma vez que é patente a publicidade e a notoriedade quanto à lucratividade propiciada aos clubes pelos campeonatos internacionais.

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Acrescenta que, em face do sigilo em torno das negociações entre os clubes e as emissoras de televisão, fica impedido de demonstrar os valores dos ajustes, visto que os contratos são de exclusividade do reclamado, a quem cabe provar como realiza as transmissões dos Campeonatos Internacionais e da Copa do Brasil. Sustenta que o reclamado não cumpriu a obrigação de juntar os do-cumentos pertinentes, conforme exaustivamente requerido ao longo dos autos.

Indica afronta aos arts. 5º, LV, da Constituição Federal e 42 da Lei nº 9.615/1998. Transcreve, ainda, arestos para o cotejo de teses.

Ao exame.Apesar de o reclamante alegar que cabia ao reclamado juntar os docu-

mentos relativos à negociação entre os clubes e as emissoras de televisão, não indica violação de dispositivo de lei nem transcreve julgados específicos quanto ao ônus da prova.

Ressalte-se que a única referência no sentido de caber ao reclamado jun-tar os documentos que comprovem os valores efetivamente percebidos a título de transmissão de partidas de futebol está inserida em excerto transcrito no recurso de revista à fl. 276, o qual, além de não tratar especificamente sobre o ônus da prova, é proveniente de Vara do Trabalho, e, portanto, inservível para a possível pretensão de o reclamante tentar demonstrar divergência jurispruden-cial, nos termos do art. 896, a, da CLT.

Por outro lado, o fundamento do Tribunal Regional foi de que não ficou comprovada a transmissão televisiva dos jogos nem a atuação do reclamante em determinados eventos.

Assim, não examinou a matéria ao enfoque ora proposto, no sentido de que é notória a lucratividade dos clubes nos eventos internacionais.

Logo, considerando a falta de prequestionamento sob o ângulo da argu-mentação ora apresentada pelo reclamante, incide a Súmula nº 297 desta Corte como óbice ao exame da indicada afronta ao art. 42 da Lei nº 9.615/98, bem como dos arestos transcritos.

A indicação de ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal foi feita apenas no agravo de instrumento, o que constitui inovação.

Nego provimento.

isto postoAcordam os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Traba-

lho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 6 de novembro de 2013.

Firmado por assinatura eletrônica (Lei nº 11.419/2006) Valdir Florindo Desembargador Convocado Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑279100‑87.2009.5.02.0013Acórdão7ª Turma

RECURSO DE REVISTA – SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA – DIREITO DE ARENA – ACORDO JUDICIAL EM QUE TRANSACIONADO O PERCENTUAL REFERENTE AO REPASSE AOS ATLETAS

A discussão tratada na hipótese refere-se à validade da transação ju-dicial celebrada entre o sindicato que representa os atletas de futebol e a entidade que representa as entidades desportivas empregadoras, estipulando o percentual de 5% a título de direito de arena a ser re-passado aos atletas. De acordo com Silmara Chinellato, a ressalva de convenção em contrário teria apenas a finalidade de resguardar a possibilidade de divisão em partes diferentes, proporcionais à par-ticipação de cada atleta no espetáculo esportivo televisionado, ou outra forma que melhor atendesse a atletas e entidades desportivas. Embora entenda possível a redução do percentual de 20% por con-venção dos entes coletivos, na hipótese, o reclamado não comprovou que a diminuição do percentual de repasse de direito de arena foi compensada pela inclusão de outras verbas publicitárias na base de cálculo do referido direito, com o que teriam sido elevados os valores repassados aos atletas. Nos termos em que proferida a decisão pelo Tribunal Regional, não se verificam as violações narradas, porquanto foi observado apenas e simplesmente o disposto no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 quanto à distribuição obrigatória de no mínimo vinte por cento do direito de arena. Precedentes.

Recurso de revista não conhecido.

MULTA DO ART. 475-J DO CPC – INAPLICABILIDADE NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Ressalvado o posicionamento deste Relator, nos termos da jurispru-dência dominante desta Corte, não é aplicável ao processo do tra-balho a multa prevista no art. 475-J do CPC, que se refere ao cum-primento da sentença civil, haja vista a incompatibilidade com as disposições dos arts. 769 e 889 da CLT. Precedentes da SBDI-1 do TST. Recurso de revista conhecido e provido.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST--RR-279100-87.2009.5.02.0013, em que é Recorrente Sport Club Corinthians Paulista e Recorrido Mário Custódio Nazaré.

O 2º Tribunal Regional do Trabalho, por meio do acórdão a fls. 234-241, negou provimento aos recursos ordinários interpostos, tendo, em resumo, man-tido a sentença na qual a pretensão de diferenças de direito de arena fora julga-da procedente e fora imposta a multa prevista no art. 475-J do CPC.

Diante dessa decisão, o reclamado opôs embargos de declaração, con-forme fls. 244-250, os quais foram julgados na decisão a fls. 253-254.

Inconformado, o reclamado interpõe recurso de revista, conforme peti-ção e razões expendidas a fls. 257-284, no qual busca a reforma do julgado, por entender preenchidas as hipóteses de cabimento do recurso.

Por meio da decisão singular a fls. 290-292, foi dado seguimento ao re-curso de revista.

Contrarrazões apresentadas a fls. 294-315.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público, na forma do art. 83 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

voto

1 CONHECIMENTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, concernentes à tempesti-vidade, conforme fls. 255 e 257, à representação processual, instrumento de mandato a fls. 64, e ao preparo, documentos acostados a fls. 166, 285 e 288, passo ao exame dos pressupostos intrínsecos.

1.1 Transcendência

O reclamado, nas razões do recurso de revista, sustenta que a causa ofe-rece transcendência.

Não prospera a invocação da transcendência, visto que a questão não foi regulamentada no âmbito desta Corte.

1.2 Direito de arena – Acordo judicial em que transacionado o percentualA Corte regional negou provimento ao recurso ordinário do reclamado,

mantendo a sentença na qual a pretensão de diferenças de direito de arena fora julgada procedente, conforme os seguintes fundamentos:

[...]

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Pretende o recorrente a reforma da sentença, quanto ao deferimento de diferen-ças da participação do recorrido no direito de arena, sob a alegação de que existe acordo homologado judicialmente, firmado com o sindicato que representa a categoria do recorrido, autorizando a redução do percentual legal de vinte por cento sobre o direito de arena para cinco por cento do valor total dos contratos de televisionamento e publicidade.

Alega que a base de cálculo da referida verba foi majorada em relação àquela prevista em lei e que a Constituição Federal autoriza expressamente a redução de salário por meio de acordo coletivo.

Sustenta que celebrou com a recorrida alteração do contrato de trabalho, incor-porando a diferença de quinze por cento do direito de arena ao salário, inexistin-do diferenças a tal título.

Entretanto, não há nos autos acordo ou convenção coletiva de trabalho autori-zando a redução do percentual do direito de arena do reclamante, nem notícia da realização de assembléia da categoria profissional autorizando qualquer medida nesse sentido.

O parágrafo primeiro do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, antes da alteração promo-vida pela Lei nº 12.395/2011, assegurava aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento vinte por cento, no mínimo, do preço total recebido pelas entidades esportivas, salvo convenção prevendo o contrário.

Entende-se por “convenção”, instrumento adequado à redução do percentual do direito de arena, o acordo ou convenção coletiva de trabalho, com a participação do sindicato profissional, autorizado por assembléia da categoria, com vigência máxima de dois anos, na forma dos arts. 611 a 614, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Já o acordo celebrado perante a 23ª Vara Cível da Capital do Estado do Rio de Janeiro, documentos 39 e 40 do volume apartado da reclamada, em ação movida pelo sindicato do reclamante, na condição de substituto processual, não se trata de acordo ou convenção coletiva de trabalho celebrado nos moldes dos arts. 611 a 614, da Consolidação das Leis do Trabalho, razão pela não produz qualquer efeito em relação aos atletas profissionais representados pelo referido sindicato.

Mesmo na condição de substituto processual, o sindicato da categoria não podia ter transacionado ou outorgado quitação a respeito do direito de arena perten-cente aos atletas profissionais. Ainda que na substituição processual o substituto seja titular do direito de ação, podendo, inclusive, demandar sem autorização do substituído, não é titular do direito material tutelado, razão pela qual dele não pode dispor.

Quanto à alegação de que as diferenças de direito de arena já foram quitadas, por existir cláusula contratual prevendo que quinze por cento da remuneração mensal do reclamante seriam pagos a tal título, adoto o entendimento disposto na Súmula nº 91, do C. TST: 91 – Salário complessivo (RA 69/1978, DJ 26.09.1978)

Nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador.

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Diante disso, faz jus o reclamante às diferenças do direito de arena deferidas na sentença.

Mantenho.

O reclamado sustenta a validade da transação em que o percentual rela-tivo ao direito de arena foi reduzido, mas houve a compensação pela elevação das parcelas que compõem a base de cálculo do referido direito. Afirma que o percentual previsto na Lei Pelé, de 20%, apurado sobre os contratos de tele-visionamento dos campeonatos a título de direito de arena foi substituído pelo percentual de 5% mas passou a incidir sobre o valor total de todos os contratos celebrados: televisionamento, placas de publicidade e outros. Defende que o art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998 permite essa redução quando a transação é firmada com o sindicato da categoria, exigindo-se apenas a convenção das partes negociantes.

Afirma ter juntado provas de que a base de cálculo da parcela, direito de arena, teve acréscimo superior a 100% em decorrência do ajuste havido entre as partes. Alega que apenas 44% das verbas que atualmente compõem a base de cálculo subsistiriam sem que houvesse o acordo questionado. Advoga que a negociação firmada e homologada pelo Juízo competente adquire a natureza de ato jurídico perfeito, não podendo haver retrocesso ou ficar sujeito à anulação.

Argumenta que negar vigência ao acordo homologado significa desres-peitar princípio basilar do direito do trabalho, que privilegia a conciliação.

Reputa violação dos arts. 5º, XXXVI, 8º, III, da Constituição Federal, 652 da CLT, 331 do CPC, 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998, 5º, § 6º e 19 da Lei nº 7.437/1985, 277 e traz arestos a cotejo.

Inicialmente, convém ressaltar que a Lei nº 12.395, de 16.03.2011, atualmente em vigor, estabelece o percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais como o direito de arena devido aos atletas.

Contudo, a lei vigente à época dos fatos, entre 2005 e o fim de 2007, era a Lei nº 9.615/1998, cujo previsto no art. 42, § 1º, continha a seguinte redação:

Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autori-zar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais partici-pantes do espetáculo ou evento.

O direito de arena tem sua gênese relacionada à Lei de Direitos Autorais, Lei nº 5.988/1973, que em seu capítulo IV, estabelecia a previsão de que “a entidade a que esteja vinculado o atleta, pertence o direito de autorizar, ou proi-bir, a fixação, transmissão ou retransmissão, por quaisquer meios ou processos de espetáculo desportivo público, com entrada paga”.

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Essa classificação, inserida na Lei de Direitos Autorais foi objeto de críti-cas, porquanto, de acordo com a opinião dos críticos, atletas não são equipará-veis a autores, artistas, interpretes ou executantes.

Em que pese o reconhecimento quanto à inadequação topológica da in-serção do direito de arena na Lei de Direitos Autorais, Antonio Chaves rebatia tais críticas ao argumento que, por vezes, o desempenho dos grandes atletas aproxima-se ao de verdadeiros artistas.

De acordo com Antonio Chaves, o direito de arena constitui “uma prer-rogativa que compete ao esportista de impedir que terceiros venham, sem auto-rização, divulgar tomadas de sua imagem ao participar de competição, ressal-vados os casos expressamente previstos em lei”.

Complementa Antonio Chaves que “não se trata de um direito de autor, e sim de outra espécie de direito da personalidade, um como que direito à própria imagem, importante, sem dúvida, nas obras cinematográficas, teatrais, coreo-gráficas e semelhantes, mas de natureza essencialmente diferente”.

O Tribunal Superior do Trabalho, em inúmeros precedentes, adotou e consagrou a tese sustentada pelo renomado Dr. Domingos Sávio Zainaghi, se-gundo a qual os valores pagos aos atletas a título de direito de arena detêm na-tureza remuneratória, equiparável às gorjetas obrigatórias. Nesse sentido, entre outros precedentes, destacam-se os seguintes:

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – IN-TEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A renda auferida pelo atleta profissional de fu-tebol pelo uso de sua imagem por parte do clube que o emprega possui natureza salarial e deve ser integrada à sua remuneração para todos os fins. Isso porque constitui uma das formas de remunerar o jogador pela participação nos eventos desportivos disputados pela referida entidade, decorrendo, pois, do trabalho de-senvolvido pelo empregado. Precedentes deste Tribunal. Recurso de revista co-nhecido e provido. (RR-60800-81.2007.5.04.0011, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, DEJT de 13.05.2011)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – INTE-GRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A doutrina e a jurisprudência vêm-se posicionan-do no sentido de que o direito de arena previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a exemplo das gorjetas, que também são pagas por terceiros, integram a remunera-ção do atleta, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. Re-curso de revista conhecido e parcialmente provido. RR-1288/2001-114-15-00.8, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT de 28.08.2009)

ATLETA PROFISSIONAL – FUTEBOL – LEI PELÉ – DIREITO DE ARENA – DIREI-TO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – A jurisprudência desta Corte tem se inclinado no sentido de atribuir natureza de remuneração às parcelas em dis-cussão qual seja direito de imagem e direito de arena, de forma semelhante às gorjetas, que também são pagas por terceiros. Nos termos do art. 42 § 1º da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), pertence à entidade desportiva empregadora, o direito de autorizar a transmissão de imagem de eventos desportivos, de cuja arreca-dação é destinado 20% a ser distribuído entre os atletas que participarem dos

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eventos. Por essas razões a parcela recebida pelo atleta e esse título tem natureza salarial. Todavia, adotando-se por analogia a diretriz da Súmula nº 354 deste Tri-bunal, os valores correspondentes aos direitos de imagem e de arena compõem o salário apenas para fins de cálculo do FGTS, do 13º salário e das férias. Recurso de Revista de que não se conhece. (RR-163/2004-106-03-00.4, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT de 25.09.2009)

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMA-GEM – DIREITO DE ARENA – NATUREZA – Divergência jurisprudencial de-monstrada. Agravo de instrumento a que se dá provimento. II – RECURSO DE RE-VISTA – NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – Não se configura omissão quando presentes os motivos de fato e de direito que justificam o enquadramento jurídico dado à matéria. Recurso não conhecido. INDENIZA-ÇÃO POR DESPEDIDA SEM JUSTA CAUSA – CONTRATO POR PRAZO DETER-MINADO – Matéria do art. 479 da CLT não prequestionada. Incidência da Súmu-la nº 297 desta Corte. Recurso não conhecido. DIREITO DE IMAGEM – DIREITO DE ARENA – NATUREZA – Divergência jurisprudencial ocorrente. O direito de arena e o de imagem possuem natureza remuneratória, pois não têm por finali-dade indenizar o atleta profissional pelo uso de sua imagem, mas remunerá-lo por sua participação nos espetáculos esportivos, cujos direitos de transmissão são negociados pelo clube a que pertence com terceiros. Precedentes desta Corte. Recurso de revista a que se dá provimento. RR-882/2005-020-04-40.3, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, DEJT de 26.06.2009)

1 OBRIGATORIEDADE DE SUBMISSÃO DA DEMANDA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA – Inviável infirmar o entendimento adotado pelo Regio-nal, pois não foram prequestionados elementos fáticos essenciais para a elucida-ção da lide, tais como, se na localidade de prestação de serviços existia Comissão de Conciliação Prévia no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria, e se houve recusa injustificada por parte do Reclamante à tentativa de conciliação. In-cidência das Súmulas nºs 126 e 297, I, do TST. Recurso de revista não conhecido. 2 DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – O direito de arena, previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, tem natureza remuneratória, pois não tem por fina-lidade indenizar o atleta profissional pelo uso de sua imagem, mas remunerá-lo por sua participação nos espetáculos esportivos, cujos direitos de transmissão são negociados pelo clube a que pertence com terceiros. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e não provido. RR-27781/2000-006-09-00.7, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, 3ª Turma, DEJT de 21.11.2008)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – IMPOSSIBILIDADE DE APLI-CAÇÃO DAS REGRAS DESTINADAS AO DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA SALARIAL – ART. 42 DA LEI Nº 9.615/1998 – Segundo o e. TRT da 9ª Região, as partes celebraram um Contrato de Cessão de Uso de Imagem, Voz, Nome e Apelido Desportivo, de natureza civil , que seria relativo ao chamado direito de imagem , que ainda segundo aquele c. Tribunal, seria o mesmo que direito de arena . Primeiramente, faz-se mister diferenciar-se o direito de imagem do direito de arena, nos termos da Súmula nº 457 do excelso STF: o primeiro decorre da relação de emprego do atleta profissional, ao passo que o segundo diz respei-to a um dos elementos essenciais da personalidade. Considerando-se, portanto, que o Contrato de Cessão de Uso de Imagem, Voz, Nome e Apelido Desportivo

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celebrado entre as partes no presente feito diz respeito à fixação, à transmissão ou retransmissão de imagem de eventos desportivos de que participava o Re-clamante, como previsto pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998, então não há como se negar a natureza salarial do pagamento decorrente daquele contrato. Com efeito, seria inadmissível, sob pena de estímulo a fraudes de toda espécie, que as partes envolvidas em um contrato de trabalho pudessem celebrar um contrato supostamente civil cujo objeto fosse idêntico ao do contrato de trabalho, ou que estivesse nesse último contido. Precedentes. (TST-RR-12720/2004-013-09-00, 6ª Turma, Rel. Min. Horácio Senna Pires, DJ de 12.09.2008)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DIREITO DE ARENA E/OU DE IMAGEM JOGA-DOR DE FUTEBOL PROFISSIONAL NATUREZA JURÍDICA SALARIAL INEXIS-TÊNCIA DE OMISSÃO PROTELAÇÃO DO FEITO – MULTA – 1. O Embargante atribui ao acórdão embargado a pecha de omisso, porque teria examinado a con-trovérsia referente à natureza jurídica do direito de arena, mas nada referiu sobre a natureza do direito de imagem, questão também analisada pelo Regional e suscitada no recurso de revista. 2. O acórdão embargado foi expresso no enfren-tamento dos aspectos da lide deduzidos nos presentes embargos. Tanto que ficou consignado em seus fundamentos que o direito de arena nada mais é do que o di-reito de o desportista profissional participar do preço, da autorização, da fixação, da transmissão ou retransmissão do espetáculo esportivo público com entrada paga. Trata-se de direito ligado à imagem do atleta e que, desse modo, pode ser chamado de direito de imagem. 3. Assim, tanto o TRT quanto o acórdão embar-gado, ao fazerem referência ao direito de arena, estavam tratando também do direito de imagem, e vice-versa. Não se verifica, portanto, a omissão do acórdão, de modo a permitir o trânsito destes declaratórios. 4. A oposição dos embargos, nessas condições, apenas contribui para a protelação do deslinde final da con-trovérsia, merecendo seja acionado o parágrafo único do art. 538 do CPC para se aplicar ao Embargante a multa de 1% sobre o valor corrigido da causa. Embargos declaratórios rejeitados, com aplicação de multa. (ED-RR-557/2003-023-04-00, 4ª Turma, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ de 20.04.2007)

As objeções contrárias ao reconhecimento da natureza salarial do direito de arena esbarram no óbice da Súmula nº 333 do TST.

Pacificada a questão acerca da natureza remuneratória do direito de arena, a discussão tratada na hipótese refere-se à validade ou não da transação celebrada entre o sindicato que representa os atletas de futebol e a entidade que representa as entidades desportivas empregadoras, estipulando o percentual de 5% a título de direito de arena a ser repassado aos atletas.

Conforme transcrito, a redação anterior da Lei Pelé era clara ao estabele-cer como mínimo o percentual de vinte por cento referente ao direito de arena devido aos atletas.

De acordo com Silmara Chinellato, em “Direito de Arena, direito do au-tor e direito de imagem”, a expressão “salvo convenção em contrário” não se referia ao percentual legal, mas tão somente ao termo em “parte iguais”. As-sim, a ressalva de convenção em contrário teria a finalidade de resguardar a

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possibilidade de divisão em partes proporcionais à participação de cada atleta no evento, em conformidade ao tempo de exposição no espetáculo esportivo televisionado, ou conforme outros critérios que melhor atendessem a atletas e entidades desportivas.

Em meu entendimento, a expressão “salvo convenção em contrário” deve ser analisada em conformidade ao disposto no art. 7º, XXVI da Constitui-ção Federal, que consagra a autonomia coletiva privada.

Pois bem, não obstante entenda que se deve prestigiar o pactuado entre empregados e empregadores, por meio de convenções e acordos coletivos de trabalho, a transação fundada na autonomia coletiva privada pressupõe a ob-servância de certos requisitos, como a criação de normas que tragam benefícios aos trabalhadores ou que versem normas de indisponibilidade relativa.

Nesse sentido, embora o percentual mínimo estabelecido na lei fosse de 20%, se houvesse a comprovação, com critérios objetivos, de que o ajuste das partes de que o direito de arena repassado aos atletas foi de 5%, mas que houve a inclusão de outras verbas na base de cálculo do direito de arena, que elevaram os valores repassados, entenderia como válida a transação celebrada.

Entretanto, esta alegação de que o direito de arena, na forma em que convencionada, na qual reduzido o percentual, mas ampliada a base de cálculo pela inclusão de outras verbas referentes à publicidade, não foi comprovada pelo reclamado.

Com efeito, o reclamado poderia ter apresentado uma demonstração contábil a fim de evidenciar que o novo percentual convencionado, apesar de aparentemente prejudicial aos empregados, pela inclusão de verbas publicitá-rias, era favorável aos atletas.

Ocorre que a Corte regional não fez sequer alusão à referida possibilida-de, sendo certo, ainda, que nos embargos de declaração opostos, fls. 244-250, não houve a indicação de omissão quanto ao argumento.

Nos termos em que proferida a decisão pelo Tribunal Regional, não se verificam as violações narradas, porquanto foi observado apenas e simplesmen-te o disposto no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 quanto à distribuição obri-gatória de no mínimo vinte por cento do preço total da autorização referente à transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem as entidades desportivas empregadoras dos atletas.

Nesse sentido, inválida a transação em que estipulado percentual inferior ao mínimo estabelecido em lei, conforme a atual, notória e reiterada jurispru-dência desta Corte Superior:

RECURSO DE REVISTA – CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO – ATLETA PROFISSIONAL – DIFERENÇAS DE DIREITO DE ARENA RELATIVAS AOS CAM-PEONATOS REALIZADOS EM 2009/2010 – ACORDO JUDICIAL QUE REDUZ O DIREITO DE ARENA PARA PERCENTUAL DE 5% E LIMITA-SE ÀS PARCELAS DE-

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VIDAS ATÉ 1999 – LIMITAÇÃO TEMPORAL DO AJUSTE – INAPLICABILIDADE – Extrai-se do v. julgado de origem que o acordo coletivo que o reclamado pre-tende ver aplicado ao caso concreto possui limitação temporal que não alcança o reclamante. Ao passo que o autor foi contratado em 2009, o ajuste em discus-são previa quitação da parcela “direito de arena” aos valores devidos até 1999, não alcançando, portanto, o contrato de trabalho do autor. A controvérsia não remete, portanto, à validade do ajuste, mas da impossibilidade de projeção de seus efeitos para os contratos de trabalho futuros. Incólumes, assim, os arts. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, 7º, XXVI, da CF/1988 e 444, da CLT. Recurso de re-vista não conhecido. (RR-2198-06.2011.5.03.0005, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT de 13.09.2013)

II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE – DIREITO DE ARENA – PERCENTUAL DE 20% PREVISTO EM LEI – REDUÇÃO POR ACORDO JUDICIAL – O Tribunal Regional deferiu ao Reclamante o pagamento de diferen-ças do direito de arena, a serem calculadas sobre o percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, conforme esti-pulado em acordo judicial. No recurso de revista, o Reclamante defende que o percentual de 20% estabelecido na lei para o cálculo do direito de arena é o per-centual mínimo assegurado e que, nem por norma coletiva, é possível reduzi-lo, apenas majorá-lo. Conforme demonstra a própria data de autuação do recurso de revista nesta Corte Superior (ocorrida em 27.11.2010), os direitos discutidos na presente controvérsia e a publicação do acórdão recorrido são anteriores à entra-da em vigor da Lei nº 12.395/2011 (havida em 17.03.2011). Assim, aplica-se à hipótese a redação original do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, segundo o qual, “salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais partici-pantes do espetáculo ou evento-. Nos termos do referido dispositivo legal, era de 20% o critério a ser usado para o cálculo do direito de arena, salvo convenção em contrário. A adoção da expressão – como mínimo – denota logicamente que o percentual de 20% poderia ser majorado por meio de convenção, mas nunca reduzido. Por conseguinte, ao considerar válido o acordo judicial em que se reduziu de 20% para 5% o percentual do direito de arena, o Tribunal Regional violou o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (na redação anterior à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR-57800-35.2009.5.04.0001, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, DEJT de 05.04.2013)

DIFERENÇAS A TÍTULO DE DIREITO DE ARENA – O fundamento do eg. TRT é de que o acordo judicial firmado perante a 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro não se aplica ao reclamante por não haver prova de sua filiação ao Sindicato dos Atletas de Minas Gerais, signatário daquele ajuste. Desse contexto, não se verifica tenha havido violação dos arts. 7º, XXVI, da Constituição Federal, 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 e 444 da CLT, eis que não foi declarada a invalidade do acordo judicial, tampouco a impossibilidade de redução do percentual fixado a título de direito de arena, mas, tão-somente, afastada a incidência da transação, diante da ausência de prova de que o reclamante era filiado ao Sindicato signa-tário do ajuste. Divergência jurisprudencial inespecífica. Recurso de revista não

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conhecido. (RR-1396-91.2010.5.03.0021, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT de 30.11.2012)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE LEI POR ACORDO ENTRE OS INTERESSADOS – IMPOSSIBILIDADE – 1. O direito de arena se refere à prerrogativa oferecida às entidades de prática desportiva para autorização ou não da fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qualquer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, vinte por cento, como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, conforme previsão legal. 2. Por sua vez, a base constitucional da parcela é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a “proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas.” 3. A Lei é clara ao prever que o valor referente ao direito de arena será no mínimo de vinte por cento, pelo que a expressão “salvo convenção em contrário” se refere à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou à possibilidade de ampliação do percentual. Decor-re daí que não é possível a diminuição do valor de vinte por cento definido em Lei. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 662-97.2010.5.03.0003, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT de 28.09.2012)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – ACORDO FIRMADO JUDI-CIALMENTE ENTRE CLUBE E SINDICATO – INVALIDADE – A entendimento do relator, ainda que considerado o acordo judicial firmado, a sua incorporação à ordem trabalhista haveria de considerar o prazo máximo por que vigeria um acordo ou convenção coletiva de igual teor, ou seja, só poderia ter validade pelo prazo de 2 anos das normas coletivas, nos termos do art. 614, § 3º, da CLT. No caso dos autos, o acordo sequer ocorreu por meio de norma coletiva. Ademais, o acórdão revela que o pacto foi entabulado em 18.09.2000 e o direito pleite-ado é relativo aos campeonatos de 2006 e 2007, muito após o prazo de dois anos previsto no § 3º do art. 614 da CLT. De toda sorte, prevalece nesta Turma a compreensão de que a previsão do percentual mínimo de 20%, em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, encontrava-se em evidente sintonia com o princí-pio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. É que a referida norma prevê expressamente possibilidade de alteração do percentual, desde que respeitado o percentual mínimo previsto: “vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo”. A expressão “no mínimo” não faria sentido, ou seria inútil, se estivesse a permitir que “convenção em contrário” pudesse reduzir esse percen-tual. Se entendido como formalmente válido o acordo firmado, seus termos não podem gerar efeitos porque reduziu de 20 para 5% o direito de arena, em patente desacordo com a previsão do art. 42, § 1º, da Lei Pelé. Recurso de revista conhe-cido e provido. (RR-173200-94.2009.5.03, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT de 28.09.2012)

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – VALOR DO DIREITO DE ARENA – ACORDO HOMOLOGADO NOS AUTOS DE AÇÃO ORDINÁRIA NA JUSTIÇA ESTADUAL EM QUE ESTAVA PREVISTO O VALOR DE 5% – ACÓRDÃO QUE MANTÉM A CONDENAÇÃO RELATIVA AO MÍNIMO DE 20% DA ANTIGA RE-DAÇÃO DO ART. 42, § 1º, DA LEI Nº 9.615/1998 COM BASE NA PREMISSA DE QUE TRANSCORRIDOS MAIS DE DOIS ANOS ENTRE AQUELE ACORDO

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E A CONDENAÇÃO IMPOSTA NA PRESENTE AÇÃO – VIOLAÇÃO DAQUELE DISPOSITIVO DE LEI – INEXISTÊNCIA – Cinge-se a controvérsia em saber se o Reclamante faz jus ou não ao direito de arena no valor de 20% do quanto ar-recadado pelo Reclamado com a transmissão de jogos pela televisão, tendo em vista o acordo celebrado na Justiça Comum no ano de 2000 que fixava o valor daquele direito em 5%. Com efeito, o artigo 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, com a redação anterior àquela conferida pela Lei nº 12.395/2011, previa que, “salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mí-nimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento” (destacamos). Ora, considerando-se, em primeiro lugar, a previsão expressa do art. 28, § 1º (hoje § 4º), da Lei nº 9.615/1998 de que as normas gerais da legislação trabalhista aplicam-se subsidiariamente aos contratos dos atletas profissionais; e tendo em vista ainda que o direito de arena tem natu-reza salarial, segundo a jurisprudência pacífica deste c. Tribunal (precedentes), conclui-se que a redução daquele direito só é possível por meio de convenção coletiva de trabalho, na forma do art. 7º, VI, da Constituição Federal de 1988. Finalmente, passados mais de dois anos entre a celebração do acordo nos autos na Justiça Comum (no ano 2000) e a condenação imposta pelo v. acórdão do e. TRT da 1ª Região (cujo limite prescricional foi 26.03.2006), conclui-se que não há violação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 a ensejar a admissão do recurso de revista denegado por força do art. 614, § 3º, da CLT. Agravo de instrumento não provido. (AIRR-6360-50.2010.5.01.0000, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT de 17.08.2012)

Intactos os dispositivos apontados como violados. A pretensão recursal esbarra no óbice da Súmula nº 333 do TST.

Não conheço.

1.3 Multa prevista no art. 475-J do CPC – Inaplicabilidade na justiça do trabalhoA Corte regional manteve a condenação da reclamada ao pagamento da

multa prevista no art. 475-J do CPC, consignando não haver incompatibilidade do Instituto de Processo Civil com o processo do trabalho, conforme os seguintes fundamentos:

[...]

Não tem razão. A sentença, uma vez transitada em julgado, deve ser cumprida em todos os seus termos, se não de maneira espontânea, forçosamente.

A existência de lacuna pode ser entendida não só como ausência de regulação normativa mas também como a existência de regulamentação que se encontra desajustada com a realidade social.

O disposto no art. 475-J, do Código de Processo Civil, é compatível com o pro-cesso do trabalho, uma vez que a execução constitui mera fase do processo, sendo válida a intimação do reclamado na pessoa de seu advogado regularmente constituído nos autos.

A multa de dez por cento prevista no caput do art. 475-J do Código de Processo Civil vem ao encontro do princípio protetor e do princípio da efetividade/celeri-

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dade da execução, na medida em que faz cessar o círculo vicioso da protelação do pagamento da condenação fixada na sentença transitada em julgado, pois impede que o devedor postergue o cumprimento de sua obrigação.

Mantenho.

Inconformado, o reclamado sustenta ser incabível a imposição da multa do art. 475-J do CPC, porquanto incompatível com o direito processual do tra-balho. Reputa violação dos arts. 769 e 880 da CLT e alega que o entendimento da Corte regional contrariou o entendimento proferido por outros Tribunais do Trabalho em relação à questão.

A utilização do direito processual comum como fonte na esfera trabalhis-ta é regulada pelo comando do art. 769 do CPC, que estabelece a aplicação da legislação processual civil no processo do trabalho quando houver omissão da legislação processual especial e quando houver compatibilidade das normas com o processo judiciário do trabalho.

A CLT dispõe sobre as normas referentes ao processo trabalhista, mas não trata, especificamente, da imposição de penalidade para o caso de não cumpri-mento espontâneo pelo devedor da decisão transitada em julgado.

Da leitura dos arts. 880, 881, 882 e 883 da CLT não se depreende que a previsão de penalidade tenha sido regulada e rechaçada pelo legislador ordi-nário, não se tratando de silêncio eloquente, hipótese em que restaria, de fato, afastada a aplicação do art. 475-J do CPC, por força do art. 769 do CPC.

Pensar que o legislador silenciou propositadamente, ao tratar do cumpri-mento da decisão judicial trabalhista transitada em julgado, sem prever a im-posição de penalidade ao devedor que não cumpre espontaneamente decisão transitada em julgado, é desconhecer os princípios que informam o processo do trabalho, notadamente os que velam pela informalidade, celeridade e impulso oficial.

A legislação processual trabalhista sempre foi pioneira em mitigar as for-malidades exorbitantes que outrora regiam e que, em muitos casos, ainda re-gem o processo, simplificando procedimentos e desburocratizando o sistema processual em geral, sempre tendo em mira a condição especial do trabalhador hipossuficiente e o caráter alimentar do direito perseguido.

Diante do exame dos arts. 880, 881, 882 e 883 da CLT, conclui-se que o silêncio do legislador ordinário, ao deixar de criar penalidade específica para instigar o cumprimento espontâneo da decisão judicial coberta pelo manto da coisa julgada, constitui, na verdade, mero esquecimento, não havendo trata-mento específico da matéria na legislação processual trabalhista.

Resta, assim, atendido o primeiro requisito do art. 769 da CLT para em-prego do art. 475-J do CPC. No tocante à compatibilidade do art. 475-J do CPC com as normas que regem o processo trabalhista, também está autorizada a sua aplicação.

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Isso porque, como dito, a referida norma processual veio a dar efetivida-de aos provimentos jurisdicionais transitados em julgado, velando pela celeri-dade da solução dos litígios e preservando a autoridade das decisões judiciais, objetivos sempre almejados e perseguidos incessantemente pelo Direito Proces-sual Trabalhista, notadamente na fase de execução.

Infligir a multa do art. 475-J do CPC é medida que se impõe na esfera trabalhista de imediato e não demanda a edição de legislação especial traba-lhista, pois plenamente compatível com os princípios e preceitos processuais trabalhistas, nos exatos termos dispostos no art. 769 da CLT.

É de se notar que esta Corte, em outras hipóteses, vem-se valendo da legislação processual civil para impor multas visando a coibir atos processuais protelatórios e que retardam o desfecho da demanda, mesmo quando a matéria é expressamente regulada pela CLT. É o caso da multa do parágrafo único do art. 538 do CPC, que tem aplicação plena no processo do trabalho, mesmo diante da previsão legal expressa no art. 897-A da CLT, que trata das hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, mas não estabelece nenhuma pena-lidade para as hipóteses que regula.

Não obstante o art. 897-A da CLT tratar da mesma matéria do art. 535 do CPC e não prever penalidade para os casos que regula, este Tribunal Superior entende que pode ser infligida, de forma subsidiária, a multa do parágrafo único do art. 538 do CPC.

Assim, no meu entender, a multa estampada no art. 475-J do CPC é plena e imediatamente aplicável na esfera trabalhista.

Todavia, não obstante esses fundamentos, por questão de disciplina ju-diciária e em atendimento à função uniformizadora desta Corte Superior Tra-balhista, adoto o posicionamento definido pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais sobre a questão.

Ficou decidido que o art. 475-J do CPC não tem aplicabilidade no pro-cesso do trabalho, ante a ausência dos requisitos de omissão e compatibilidade estabelecidos nos arts. 769 e 889 da CLT.

Isso porque, na fase de execução, deve o juiz do trabalho lançar mão da multa prevista no art. 601 do CPC, como forma de exigir o cumprimento forçado da obrigação constante do título, nas hipóteses previstas nos arts. 599 e 600 do CPC.

Logo, afigura-se desnecessária a estipulação de astreinte na sentença trabalhista de conhecimento visando ao cumprimento de obrigação de pagar quantia certa, na medida em que o art. 880 e seguintes da CLT contêm regra-mento específico para o procedimento da execução, não se admitindo, portan-to, aplicação supletiva das normas processuais civis que regem as hipóteses de cumprimento da sentença civil.

Nesse sentido é o posicionamento da SBDI-1 do TST, in verbis:

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MULTA DO ART. 475-J DO CPC – APLICABILIDADE – INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO – REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZI-DO – MEDIDA COERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL – O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação. A decisão que determina a incidência de multa do art. 475-J do CPC, em processo trabalhista, viola o art. 889 da CLT, na medida em que a aplicação do processo civil, subsidiariamente, apenas é possível quando houver omissão da CLT, seguindo, primeiramente, a linha traçada pela Lei de Execução fiscal, para apenas após fazer incidir o CPC. Ainda assim, deve ser compatível a regra contida no processo civil com a norma trabalhista, nos termos do art. 769 da CLT, o que não ocorre no caso de cominação de multa no prazo de quinze dias, quando o art. 880 da CLT determina a execução em 48 horas, sob pena de penhora, não de multa . Recurso de Embargos conhecido e provido para afastar a multa do art. 475-J do CPC. (E-RR-1568700-64.2006.5.09.0002, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 17.06.2011)

ART. 475-J DO CPC – INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO – EXISTÊNCIA DE NORMA PROCESSUAL SOBRE EXECUÇÃO TRABALHISTA – PRAZO REDUZIDO – INCOMPATIBILIDADE DA NORMA DE PROCESSO COMUM COM A DO PROCESSO DO TRABALHO – 1. A regra do art. 475-J do CPC não se ajusta ao processo do trabalho atualmente, visto que a matéria possui disciplina específica na CLT, objeto do seu art. 879, §§ 1º-B e 2º. Assim, a aplicação subsidiária do art. 475-J do CPC contraria os arts. 769 e 889 da CLT, que não autoriza a utilização da regra, desprezando a norma de regência do pro-cesso do trabalho. 2. A novidade não encontra abrigo no processo do trabalho, em primeiro lugar, porque neste não há previsão de multa para a hipótese de o executado não pagar a dívida ao receber a conta líquida; em segundo, porque a via estreita do art. 769 da CLT, somente cogita da aplicação supletiva das normas do processo comum, no processo de conhecimento e condicionado a dois fatores (omissão e compatibilidade), e em terceiro lugar, porque para a fase de execução, o art. 889 indica como norma subsidiária, a Lei nº 6.830/1980 que disciplina os executivos fiscais. Fora dessas duas situações estar-se-ia diante de indesejada substituição dos dispositivos da CLT por aqueles do CPC que se pretende ado-tar. 3. A inobservância das normas inscritas nos arts. 769 e 889 da CLT, com a mera substituição das normas de regência da execução trabalhista por outras de execução no processo comum, enfraquece a autonomia do direito processual do trabalho. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento. (E-RR-105500-58.2007.5.03.0048, SBDI-1, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DJ de 20.08.2010)

MULTA DO ART. 475-J DO CPC – INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO – REGRA PRÓPRIA COM PRAZO REDUZIDO – MEDIDA CO-ERCITIVA NO PROCESSO TRABALHO DIFERENCIADA DO PROCESSO CIVIL – O art. 475-J do CPC determina que o devedor que, no prazo de quinze dias, não tiver efetuado o pagamento da dívida, tenha acrescido multa de 10% sobre o valor da execução e, a requerimento do credor, mandado de penhora e ava-

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liação. A aplicação de norma processual extravagante, no processo do trabalho, está subordinada a omissão no texto da Consolidação. Nos incidentes da execu-ção o art. 889 da CLT remete à Lei dos Executivos Fiscais, com fonte subsidiária. Persistindo a omissão o direito processual comum é, como quer o art. 769, o processo civil como fonte subsidiária por excelência. Não há omissão no art. 880 da CLT a autorizar a aplicação subsidiária. Nesse sentido a jurisprudência da c. SDI se firmou, no julgamento dos leading case E-RR-38300-47.2005.5.01.0052 (Relator Ministro Brito Pereira) e E-RR-1568700-64.2006.5.09.0002 (Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga), julgado em 29.06.2010. Recurso de embar-gos conhecido e provido, no tema, para afastar a multa do art. 475-J do CPC. (E-RR-348000-24.2005.5.09.0513, SBDI-1, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ de 17.12.2010)

Nesse contexto, o Tribunal Regional, ao autorizar a incidência da multa do art. 475-J do CPC, deixou de observar o comando contido no art. 769 da CLT.

Assim, conheço do recurso de revista, por violação do art. 769 da CLT.

2 MÉRITO

2.1 Multa estipulada no art. 475-J do CPC

Em decorrência dos fundamentos expostos e da violação do art. 769 da CLT, dou-lhe provimento para excluir da condenação a incidência da multa prevista no art. 475-J do CPC. Mantenho o valor da condenação.

isto posto

Acordam os Ministros da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista apenas quanto ao tema “Multa prevista no art. 475-J do CPC – Inaplicabilidade na Justiça do Trabalho”, por violação do art. 769 da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir da condenação o pagamento da multa prevista no art. 475-J do CPC. Mantido o valor da condenação.

Brasília, 20 de Novembro de 2013.

Firmado por assinatura eletrônica (Lei nº 11.419/2006) Ministro Vieira de Mello Filho Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do Trabalho Processo nº TST‑RR‑930400‑07.2008.5.09.0651 Acórdão7ª Turma

RECURSO DE REVISTA – 1 PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACóRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL POR NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Hipótese em que o Tribunal Regional manifestou-se de forma funda-mentada sobre todas as matérias discutidas pelas partes, adotando tese explícita a respeito, motivo pelo qual não se vislumbra nulidade do acórdão do Tribunal Regional por negativa de prestação jurisdicio-nal. Recurso de revista não conhecido.

2 NULIDADE – REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL PARA JUNTADA DE DOCUMENTO COMPROBATóRIO DA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO

O art. 765 da CLT dá ampla liberdade ao Juiz na direção do processo, para determinar a realização de qualquer diligência necessária ao es-clarecimento do feito, bem como o art. 130 do CPC, autoriza o juiz a indeferir diligências que entender inúteis ou meramente protelatórias. Na hipótese, a conversão do feito em diligência pelo magistrado para juntada pelo reclamante de documento comprobatório da interrup-ção da prescrição, não teve o condão de obstar o direito de defesa do reclamado, uma vez que foi concedida oportunidade de impugnação do documento cuja juntada se determinou pela diligência. Assim, não demonstrado o manifesto prejuízo, à luz do art. 794, da CLT, não há de se falar em nulidade. Recurso de revista conhecido e não provido.

3 PRESCRIÇÃO BIENAL – CONTRATO DE TRABALHO DE ATLETA PROFISSIONAL –OCOR- RÊNCIA DE LESÃO APóS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA EM QUE A VERBA SE TORNOU EXIGÍVEL

O art. 7º, XXIX, da Constituição Federal confere o prazo de dois anos, após a extinção do contrato, para o ajuizamento da ação. Por conse-quência, restam prescritos eventuais direitos relativos aos contratos encerrados há mais de dois anos do ajuizamento da reclamação tra-balhista. No caso dos autos, contudo, não há como reconhecer que a prescrição para reivindicar a verba postulada tem seu dies a quo contado a partir do término do contrato laboral, pois, na hipótese,

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conforme consignado no acórdão do Tribunal Regional, embora o pacto laboral com o Clube Atlético Paranaense tenha sido extinto em 02.01.2003, a data ajustada para integral pagamento do valor da transferência do passe negociado entre os Clubes, sobre o qual o obreiro teria participação, ocorreu em 10.12.2005, data em que a verba se tornou exigível. Assim, não poderia o reclamante exercer seu direito de ação antes de perpetrada a lesão. Incólume o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido.

4 DIREITOS PARTICIPATIVOS NA VENDA E TRANSFERÊNCIA DE JOGADOR DE FUTEBOLO Tribunal Regional deixou expressamente consignado que “não há prova nos autos de que a transferência do jogador tenha se efetivado após 31.12.2002, como prevê o Termo de Compromisso de fls. 30/40, firmado entre as partes”. Assim, para o acolhimento das alegações da recorrente de não implemento da condição estabelecida para a aqui-sição do direito ao recebimento da parcela em litígio, necessário seria o reexame do conjunto fático–probatório dos autos, o que é vedado a esta Corte em sede de recurso de revista, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Por outro lado, quanto à alegação de ofensa ao art. 125 Código Civil, incide o óbice da Súmula nº 297 do TST, uma vez que a matéria não se encontra prequestionada sob o enfoque des-se dispositivo legal. Recurso de revista não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST--RR-930400-07.2008.5.09.0651, em que é Recorrente Clube Atlético Parana-ense e Recorrido Kleber João Boas Pereira.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região negou provimento aos recursos ordinários do reclamante e do reclamado.

O reclamado interpõe recurso de revista. Insurge-se em relação aos temas “nulidade por negativa da prestação jurisdicional”, “nulidade. reabertura da ins-trução processual para juntada de documento comprobatório da interrupção da prescrição”, “prescrição”, e “direitos participativos na venda e transferência do jogador de futebol”. Aponta violação dos arts. 130, 131, 132, 282, 284, 333, 334, II, 396 e 458, do CPC, 818, 832, da CLT, 125 e 199, I, do Código Civil, 5º, XXXV, LV, 7º, XXIX, 93, IX, da Constituição Federal, e contrariedade às Súmulas nºs 263 e 268 do TST. Transcreve arestos à divergência.

Admitido o recurso.

Contrarrazões não foram apresentadas.

Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, consoante o art. 83, § 2º, II, do RITST.

É o relatório.

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voto

1 CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade, passa-se ao exa-me dos específicos do recurso de revista.

1.1 pReliminaR de nulidade do acÓRdão do tRibunal Regional poR negativa da pRestação JuRisdicional

O reclamado suscita a preliminar em epígrafe argumentando que, não obstante a oposição de embargos de declaração, o TRT não se manifestou: a) acerca do ônus da prova quanto à comprovação de ação anterior ao ajui-zamento da presente ação para fins de interrupção da prescrição; b) acerca do fato incontroverso de que o autor teria autorizado o encerramento da instrução processual sem o requerimento de produção de qualquer outra prova além da oral produzida em audiência; c) acerca da exigência contida na Súmula nº 268 do TST; d) acerca das datas de assinaturas de contratos e da concretização da sua transferência que teria se dado em momento distinto ao da assinatura do contrato, ou seja, fora do lapso temporal estabelecido com limítrofe para o cum-primento da obrigação pelo reclamado. Aponta violação dos arts. 5º, XXXV, LV, 93, IX, da Constituição Federal, 832 da CLT e 458 do CPC. Transcreve arestos para embate de teses.

Da leitura do acórdão do Tribunal Regional, verifica-se que a Corte local manifestou-se sobre todos os aspectos importantes para a solução da lide, con-soante o seu livre convencimento motivado (CPC, art. 131), entregando, assim, a prestação jurisdicional devida.

Com efeito, o Tribunal Regional analisou a matéria relativa ao tema “ônus da prova – identidade de ações – conversão do feito em diligência”. Em sede de embargos de declaração, assim fundamentou:

“Vê-se que nenhuma das hipóteses acima traçadas foram preenchidas, eis que a particular controvérsia instaurada entre as partes litigantes foi expressamente abordada e fundamentadamente decidida no corpo do v. acórdão, como se nota nos seguintes trechos:

O juiz de 1º grau ao entender que os elementos constantes dos autos não eram bastantes para o proferimento de decisão, converteu o feito em diligência a fim de verificar a identidade de pedidos entre a ação já ajuizada, conforme compro-vado pela certidão de fl. 101 dos autos.

Frise-se que cabe ao juiz avaliar a necessidade de provas a serem produzidas, nos termos do art. 131 do CPC. Ademais, houve expressa faculdade à parte recorrente de manifestação ao documento cuja juntada se determinou, como se tem da ata de audiência de fl. 153 (fls. 254).

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Há que se reconhecer que embora não estivesse aos autos o documento indis-pensável a verificar-se a identidade de pedidos entre as demandas propostas e, por conseguinte, a existência de prescrição, o Juízo a quo permitiu que o pro-cesso se desenvolvesse dessa maneira, não sendo razoável pronunciar-se uma nulidade sem que a parte tivesse a oportunidade de suprir eventual falta de do-cumento comprobatório.

Tratando-se a falta de documentação comprobatória da legitimidade ativa de mera irregularidade, que não provoca prejuízo à parte adversa, não se confi-gura hipótese de extinção processual, mas sim de conversão em diligência, nos termos dos arts. 794 e 796, a, da CLT, e 560, caput e parágrafo único, do CPC (254/254-v).

Desse modo, é legítima a conversão em diligência, a juízo do magistrado que tem liberdade para determinar que se juntem aos autos as provas necessárias para a formação do seu convencimento, se entender que são insuficientes aquelas exis-tentes nos autos.

Razões pelas quais, nos termos do art. 765 da CLT, a reabertura da instrução processual não ofende qualquer dispositivo legal, fixando prazo para a juntada de documento que entende necessário à prolatação de julgamento e desde que se dê prazo para manifestação à parte adversa. Observe-se o disposto no art. 398 do Código Processual Civil (fls. 254-v/255).

Logo, atendo-se às hipóteses legais que autorizam a interposição de embargos de declaração no processo do trabalho, tem-se estas não estão presentes no v. acórdão, inexistindo, neste, vício a ser sanado pela via recursal. [...].”

E quanto às datas da assinatura do contrato e efetivação da transferência do reclamante, o acórdão recorrido deixou expressamente consignado que:

“Não há prova nos autos de que a transferência do jogador tenha se efetivado após 31.12.2002, como prevê o Termo de Compromisso de fls. 30/40, firmado entre as partes. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, os documentos de res-cisão contratual (fls. 58/59) não se encontram datados, nem o atestado liberatório (fl. 57), tampouco o pedido de transferência de atleta (fl. 56). Ainda, os contratos de trabalho firmados entre o jogador e a sua contratante do México encontram-se datados de 10.12.2002.

[...]

O reclamado procura fazer crer que a transferência do jogador ocorreu após dez/2002, todavia não faz prova adequada de suas alegações, como lhe incum-bia, a teor do art. 818 da CLT e 333, II, do CPC.”

Havendo, portanto, pronunciamento expresso da Corte local sobre as matérias debatidas nos autos, com o enfrentamento dos pontos essenciais ao julgamento da causa, não há como reconhecer negativa de prestação jurisdi-cional.

Incólumes, assim, os arts. 93, IX, da Constituição Federal, 832 da CLT e 458, II, do CPC.

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Por sua vez, a análise da divergência jurisprudencial e da alegação de violação do art. 5º, XXXV, LV, da Constituição Federal e de contrariedade à Sú-mula nº 268 do TST esbarra na diretriz constante da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1 do TST.

Não conheço.

1.2 nulidade. ReabeRtuRa da instRução pRocessual paRa Juntada de documento compRobatÓRio da inteRRupção da pRescRição

No tema, o Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário do reclamado, consignando os seguintes fundamentos:

“[...]

Examina-se.

Em 18.12.2008, em audiência designada para proferimento de sentença, o Juízo decidiu o que segue:

Compulsando os presentes autos, a fim de prolatar a sentença cuja publicação restou designada para esta data, verificou-se que, suscitada discussão acerca da ocorrência de interrupção da prescrição em virtude do ajuizamento de ação an-terior em face do réu, e considerando os efeitos que tal fato possui com relação à contagem da prescrição, nada obstante o teor da certidão de fl. 101, necessária a juntada pelo requerente, de cópia da petição inicial da ação anteriormente proposta, para análise da identidade, ou não, de pedidos e causa de pedir, não servindo para tanto o documento de fls. 49/50, diante das disposições contidas no art. 202 do Código Civil vigente.

Desta feita, converto o julgamento em diligência, determinando que o autor pro-ceda a juntada de cópia da petição inicial da ACOB 1490/2007, no prazo de dez dias, após o que o requerido terá o mesmo prazo para manifestação acerca de tal documento, a contar de 26.01.2009, independentemente de nova intimação.

O cerceamento de defesa ocorre quando o Juízo impede que uma das partes atue com eficiência na justificação de seu ponto de vista, seja indeferindo a produção de provas ou impedindo uma das partes de se manifestar no processo. Além disto, para se caracterizar cerceamento no processo trabalhista é necessário que a não realização do ato processual pretendido traga manifesto prejuízo à parte.

O juiz de 1º grau ao entender que os elementos constantes dos autos não eram bastantes para o proferimento de decisão, converteu o feito em diligência a fim de verificar a identidade de pedidos entre a ação já ajuizada, conforme compro-vado pela certidão de fl. 101 dos autos.

Frise-se que cabe ao juiz avaliar a necessidade de provas a serem produzidas, nos termos do art. 131 do CPC. Ademais, houve expressa faculdade à parte recorrente de manifestação aos documento cuja juntada se determinou, como se tem da ata de audiência de fl. 153.

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A parte recorrente, inclusive, se manifestou sobre tais documentos como se veri-fica da petição de fls. 184/185. Logo, não há que se falar em afronta ao princípio da ampla defesa, bem como nulidade processual.

Há que se reconhecer que embora não estivesse nos autos o documento indis-pensável a verificar-se a identidade de pedidos entre as demandas propostas e, por conseguinte, a existência de prescrição, o Juízo a quo permitiu que o pro-cesso se desenvolvesse dessa maneira, não sendo razoável pronunciar-se uma nulidade sem que a parte tivesse a oportunidade de suprir eventual falta de do-cumento comprobatório.

Tratando-se a falta de documentação comprobatória da legitimidade ativa de mera irregularidade, que não provoca prejuízo à parte adversa, não se configura hipótese de extinção processual, mas sim de conversão em diligência, nos termos dos arts. 794 e 796, a, da CLT, e 560, caput e parágrafo único, do CPC, verbis:

CLT

Art. 794. Nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só have-rá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes. [...]

Art. 796. A nulidade não será pronunciada:

a) quando for possível suprir-se a falta ou repetir-se o ato; (não destacado no original)

CPC

Art. 560. Qualquer questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo se incompatível com a decisão daquela.

Parágrafo único. Versando a preliminar sobre nulidade suprível, o tribunal, havendo necessidade, converterá o julgamento em diligência, ordenando a remessa dos autos ao juiz, a fim de ser sanado o vício. (não destacado no original)

Desse modo, é legítima a conversão em diligência, a juízo do magistrado que tem liberdade para determinar que se juntem aos autos as provas necessárias para a formação do seu convencimento, se entender que são insuficientes aquelas exis-tentes nos autos.

Razões pelas quais, nos termos do art. 765 da CLT, a reabertura da instrução processual não ofende qualquer dispositivo legal, fixando prazo para a juntada de documento que entende necessário a prolatação de julgamento e desde que se dê prazo para manifestação à parte adversa. Observe-se o disposto no art. 398 do Código Processual Civil, referente à Produção da Prova Documental:

Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias.

Considerando que as nulidades no direito processual laboral somente se confi-guram se evidenciado manifesto prejuízo à parte contrária, a teor do art. 794 da

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CLT – ressaltando-se que tal prejuízo é de ordem processual e não de direito ma-terial – entendo que no caso em apreço tal não ocorreu, pois o Reclamado teve a oportunidade de se manifestar, respeitados os princípios do contraditório, do tratamento igualitário das partes e do devido processo legal. No mesmo sentido, a Jurisprudência:

‘NULIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA – JUNTADA DE DOCUMENTOS – Em princípio, os documentos são juntados com a inicial e com a defesa, CLT art. 787. Mas o juiz, utilizando-se de sua liberdade na determinação das provas necessárias à instrução do processo, art. 765/CLT e art. 130/CPC, pode autorizar a juntada de documentos após os momentos assinalados, desde que respeitado o princípio do contraditório, não constituindo tal procedimento a configuração de nulidade.’ (TRT 3ª R., RO 15922/97, 4ª T., Relª Juíza Denise Alves Horta, DJMG 30.05.1998).

Nesse sentido, ainda, peço venia para utilizar os brilhantes fundamentos da Exma. Juíza Sueli Gil El Rafihi, nos autos de RO 13559-2003-651-09-00-3, julga-dos na sessão de 04.05.2005:

‘Dentre outros, o processo do trabalho é informado pelos princípios da adstri-ção legal aos pedidos formulados pela parte, da concentração de da igualda-de de tratamento aos litigantes.

O princípio da concentração encontra amparo nos arts. 787 da CLT e 300 do CPC e 297 do mesmo Código, em razão do qual, no ensinamento de Rui Portanova, o réu é obrigado a produzir todas as suas razões de uma só vez, simultânea e cumulativamente na contestação (e não sucessivamente nas pe-ças que seguem no procedimento).

Destaca Bezerra Leite que ‘os documentos que estiverem em posse do autor devem acompanhar não apenas a petição inicial (CLT, art. 787) como tam-bém a defesa (CPC, art. 396), ante o caráter de bilateralidade da ação e da defesa, o que impõe o tratamento igualitário entre as partes’ [...]

Nesse esteio, pois, em caráter de excepcionalidade, conhece-se de documentos juntados após a inicial e a defesa, antes de encerrada a instrução processual, quando concedido novo prazo para tal fim e desde que oportunizado o contradi-tório, com a abertura de prazo à parte contrária para manifestação e juntada de novos documentos para a contraposição daqueles. Ressalte-se, no entanto, que a concessão desse novo prazo não se configura em direito da parte, mas em mera faculdade do Juiz, consagrada no art. 765, da CLT, acaso o instrutor da causa entenda necessários os documentos para o afloramento da verdade real.

Sendo assim, tendo o Juízo reputado necessário a conversão do feito em diligên-cia e tendo deferido à parte contrária prazo para manifestação dos documentos cuja juntada foi determinada, não há qualquer nulidade a ser declarada. Tam-pouco, como já dito, não há qualquer violação aos dispositivos legais menciona-dos nas razões recursais do Reclamado.

Nada a reparar.”

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Nas razões do recurso de revista, o reclamado sustenta haver nulidade processual na reabertura da instrução e conversão do feito em diligência pelo magistrado de primeiro grau. Pugna pela nulidade da decisão em face do insti-tuto da preclusão. Afirma que é do reclamante o ônus da prova acerca do fato ocasionador de interrupção da prescrição, e que, constatada a falta de docu-mento comprobatório da ação anterior ajuizada com identidade de pedidos, não poderia o juízo monocrático ter convertido o feito à diligência para juntada de documento, ante a preclusão configurada. Aponta violação dos arts. 818 da CLT, 282, 284, 333, I, e 396 do CPC, bem como contrariedade às Súmulas nºs 263 e 268 do TST. Colaciona arestos para confronto de teses.

O aresto paradigma trazido às fls. 289/290, proveniente do Tribunal Re-gional da 2ª Região, publicado no DOESP em 07.08.2009, consigna a tese de que “não se afigura razoável que a prescrição seja motivo para conversão de jul-gamento em diligência ordinatória de providência probante por parte de quem sua pronúncia prejudica”, o que contraria o entendimento adotado no acórdão recorrido no sentido de que “há que se reconhecer que embora não estivesse nos autos o documento indispensável a verificar-se a identidade de pedidos entre as demandas propostas, e, por conseguinte, a existência de prescrição, o Juízo a quo permitiu que o processo se desenvolvesse dessa maneira, não sendo razoável pronunciar-se uma nulidade sem que a parte tivesse a oportunidade de suprir eventual falta de documento comprobatório [...] é legítima a conversão em diligência, a juízo do magistrado que tem liberdade para determinar que se juntem aos autos as provas necessárias para a formação do seu convencimento, se entender que são insuficientes aquelas existentes nos autos”.

Desse modo, conheço do recurso de revista, por divergência jurispru-dencial.

1.3 pRescRição bienal. contRato de tRabalHo de atleta pRofissional. ocoRRência de lesão apÓs a extinção do contRato de tRabalHo. início da contagem do pRazo pRescRicional a paRtiR da data em que a veRba se toRnou exigível

No tema, o Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamado. Adotou os seguintes fundamentos:

“Apesar de a relação de trabalho havida entre as partes ter se findado em 02.01.2003, o ajuste para recebimento da verba em litígio foi após 10.12.2005, data prevista para pagamento integral do valor contratado entre o Clube Atlético Paranaense e o Club Tigres, pela transferência do Reclamante, como se tem dos docs. de fls. 32/40.

Assim, em respeito ao convencionado entre as partes, a exigibilidade de tal par-cela só passou a existir em 11.12.2005, contudo o prazo prescricional para exer-cício de referido direito de ação restou interrompido com o ajuizamento da cita-da ação de cobrança ajuizada em 22.01.2007, que foi proposta dentro do biênio previsto no art. 7º, inciso XXIX, da CF/1988.

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Tendo referida ação, pela identidade de partes, pedidos e causa de pedir, in-terrompido prazo prescricional e, sido extinta sem julgamento do mérito em 12.02.2008, a prescrição somente voltaria a fruir em 21.02.2008, com o trânsito em julgado de tal decisão.

Assim, tendo o Reclamante ajuizado a presente demanda em 03.04.2008, cons-tata-se que o fez dentro do prazo de dois anos, não havendo prescrição a ser de-clarada. No mais, adotam-se como razões de decidir os irretocáveis fundamentos utilizados pelo Juízo de Origem:

Inicialmente, saliente-se que, analisando os termos da petição inicial da ação anteriormente ajuizada, verifica-se identidade de pedidos e causa de pedir com a presente ação, o que serve ao intento previsto no art. 202 do Código Civil Brasi-leiro, de interrupção da contagem do prazo prescricional.

Dessume-se ainda, que referida ação restou ajuizada em 22.01.2007, pelo que, se observada a contagem do prazo prescricional na forma de que trata a Consti-tuição Federal, em seu art. 7º, inciso XXIX, de qualquer forma estaria prescrito o direito de ação do autor, por decorridos mais de dois anos entre o ajuizamento da referida ação e a extinção do pacto laboral havido entre as partes.

Ocorre que, conforme sustentado pelo autor nos autos, bem como, segundo se infere através de análise dos documentos de fls. 32/43, a participação ajustada em prol do requerente teve seu pagamento avençado para após 10.12.2005, ou seja, para após a data prevista para pagamento integral do valor contratado entre o requerido e o Club Tigres, pela transferência daquele.

Assim, nada obstante a cessação das atividades laborativas do autor em prol do réu tenha se dado em 02.01.2003, diante do ajuste datado de 10.12.2002 (ante-riormente à referida cessação de prestação laboral), verifica-se impedimento na contagem do prazo prescricional até a data de 10.12.2005 (data ajustada para in-tegral pagamento do valor sobre o qual o requerente teria participação) segundo se infere das disposições contidas no art. 199, inciso II, do Código Civil (inserido na Seção II, do Capítulo I, Título IV, que dispõe sobre as causas que impedem ou suspendem a prescrição) o qual dispõe que não corre prescrição, não estando vencido o prazo.

Note-se que não se verifica no presente caso, a aplicação de prazo prescricional diverso daquele adotado nesta seara trabalhista.

O prazo prescricional aplicável ao caso, segundo entendimento deste Juízo, é aquele previsto no inciso XXIX, do art. 7º, da Constituição Federal.

Somente verifica-se a aplicação de disposições atinentes ao impedimento da contagem do respectivo prazo, como sói ocorrer com as disposições alusivas às causas de interrupção do prazo em comento, de há muito aplicáveis nesta Especializada, tudo consoante disposto no § único, do art. 8º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Desta feita, considerando que restou ajustado entre as partes (consoante docu-mento de fl. 32) que a participação do autor somente seria paga após o efetivo pagamento integral pelo Club Tigres, do preço total da transferência do reque-rente (com data prevista para 10.12.2005) não conferir a tal ajuste o condão de impedir a contagem do prazo prescricional, seria o mesmo que negar ao autor

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direito de ação, em caso de ausência de adimplemento voluntário do respectivo pagamento pelo réu.

Ante todo o acima exposto, entendo que a contagem do prazo prescricional de dois anos (previsto no inciso XXIX, do art. 7º, da Constituição Federal) somen-te teve início em 11.12.2005, pelo que o ajuizamento da ação autuada sob o nº 01490-2007-651-09-00-9, em 22.01.2007, deu-se dentro do respectivo prazo e – pela identidade de pedidos e causa de pedir – serviu à interrupção do prazo prescricional, pelo que o ajuizamento da presente ação, em 03.04.2008, deu-se dentro do prazo legalmente previsto para tanto.

Ante todo o exposto, rejeita-se a prejudicial de prescrição bienal arguida pelo réu.

Nada a prover.”

Nas razões do recurso de revista, o reclamado sustenta que a ação en-contra-se prescrita em vista de que decorreram mais de dois anos entre a data da propositura da ação e da rescisão contratual. Sustenta, ainda, que mesmo se considerada a data do ajuizamento da ação anterior, também restaria ultrapas-sado o biênio prescricional em relação à data de ruptura do vínculo ocorrida em 02.01.2003. Diz que o reclamante não comprovou a identidade de pedidos deduzidos na ação anterior a beneficiar-se da interrupção da prescrição. Aponta violação dos arts. 199, I, do Código Civil e 7º, XXIX, da Constituição Federal, e contrariedade à Súmula nº 268 do TST.

A controvérsia gira em torno do início da contagem da prescrição bienal em ação que veicula pretensão ao pagamento de eventuais direitos relativos ao contrato de trabalho do jogador de futebol disciplinado por legislação própria.

O art. 7º, XXIX, da Constituição Federal confere o prazo de dois anos, após a extinção do contrato, para o ajuizamento da ação. Por consequência, restam prescritos eventuais direitos relativos aos contratos encerrados há mais de dois anos do ajuizamento da reclamação trabalhista.

No caso dos autos, contudo, não há como reconhecer que a prescrição para reivindicar a verba postulada tem seu dies a quo contado a partir do tér-mino do contrato laboral, pois, na hipótese, conforme consignado no acórdão regional, embora o pacto laboral com o Clube Atlético Paranaense tenha sido extinto em 02.01.2003, a data ajustada para integral pagamento do valor da transferência do passe negociado entre os Clubes, sobre o qual o obreiro teria participação, ocorreu em 10.12.2005, data em que a verba se tornou exigível. Assim, não poderia o reclamante exercer seu direito de ação antes de perpetra-da a lesão.

De acordo com o art. 189 do Código Civil, o marco da contagem do prazo prescricional, dá-se a partir do momento em que o direito é lesado (actio nata).

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Assim, considerando que a lesão surgiu após a extinção do contrato de trabalho, a prescrição bienal aludida no art. 7º, XXIX, da Constituição Federal teve início apenas em 10.12.2005, data em que a verba em litígio se tornou exigível.

Acerca do início do prazo prescricional bienal a partir da lesão ocorrida após a extinção do contrato de trabalho, destaca-se o seguinte precedente desta Corte:

“RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA – 1. PRESCRIÇÃO – SUPRESSÃO DE BENEFÍCIO APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – PRAZO PRESCRICIONAL INI-CIADO NA DATA DA LESÃO – VIOLAÇÃO DO ART. 7º, XXIX, DA CONSTITUI-ÇÃO FEDERAL – NÃO CONFIGURAÇÃO – Tratando-se de benefício decorrente do contrato de trabalho e suprimido por ato unilateral da empresa após a extin-ção deste, quando já aposentado o empregado, o marco da contagem do prazo prescricional dá-se a partir do momento em que perpetrada a lesão, a teor do art. 189 do Código Civil [...].” (ROAR 41100-67.2006.5.12.0000, Rel. Min. Al-berto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 20.08.2010)

Como houve ajuizamento de ação com identidade de pedidos e causa de pedir em 22.01.2007, o prazo prescricional foi interrompido e tendo sido proposta a presente ação em 03.04.2008, não há prescrição a ser declarada. Incólume o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal.

Por fim, quanto à alegação de que não restou comprovada a identidade de ações de modo a interromper o prazo prescricional, o acórdão regional dei-xou consignado que a ação anteriormente ajuizada possui identidade de partes, pedidos e causa de pedir. Assim, para se acolher a pretensão da reclamada e entender que não foi comprovada a identidade de ações, necessário seria o re-volvimento do conjunto probatório dos autos, o que não é possível a esta Corte, em sede de recurso de revista, nos termos da Súmula nº 126 do TST.

Diante do exposto, não conheço do recurso de revista.

1.4 Direitos participativos da venda e transferência do jogador de futebol

O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamado, pelos seguintes fundamentos:

“Não há prova nos autos de que a transferência do jogador tenha se efetivado após 31.12.2002, como prevê o Termo de Compromisso de fls. 30/40, firmado entre as partes.

Ao contrário do alegado pelo Recorrente, os documentos de rescisão contratual (fls. 58 e 59) não se encontram datados, nem o atestado liberatório (fl. 57), tam-pouco o pedido de transferência de atleta (fl. 56). Ainda, os contratos de trabalho

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firmados entre o jogador e a sua contratante do México encontram-se datados de 10.12.2002.

Ademais, o atestado liberatório de fl. 152, emitido pela CBF em 10.01.2003, teve sua confecção submetida somente ao arbítrio do Recorrente, eis que do contrato de fls. 143/151, já celebrado em jan/03, consta que ‘somente após a confirmação por parte do Atlético de que o pagamento especificado no item 1.(i) foi cumpri-do, será encaminhado pelo Atlético o Atestado Liberatório original do Jogador à CBF’ (fl. 146). Logo, tais documentos são de produção posterior ao contrato an-teriormente celebrado, não servindo a provar que o atleta já não estava, de fato, transferido para o Club Tigres.

Apenas a título informativo, tem-se que no sítio virtual da ‘Federación Mexica-na de Fútbol Asociación’ (www.femexfut.org.mx), consta que o jogador Kléber Vieira participou do campeonato 2002/03 da 1ª divisão de futebol do México. Na página da Wikipedia do México, embora seja uma fonte não oficial, tudo indica que o futebolista migrou para o México em 2002, como se tem do artigo encon-trado na página (http://es.wikipedia.org/wiki/Kl%C3%A9ber_Pereira).

No mais, tem-se que o preposto do Recorrente alegou desconhecimento dos fa-tos, o que traz presunção de veracidade às alegações iniciais. Destaca-se as de-clarações do preposto:

‘o documento juntado com a defesa foi confeccionado no Rio de Janeiro, no escritório de advocacia Pinheiro Neto, não sabendo dizer em que data e em que localidade o Autor assinou tal documento, não sabendo se foi assinado antes da data ali descrita, tampouco se a assinatura ocorreu no Rio de Janeiro; pressupõe o depoente que a assinatura seja do Autor e que tenha sido feito no dia 03.01.2003, na cidade do Rio de Janeiro; o depoente pressupõe que o documento de folhas 61/77 tenha sido assinado no México, não podendo dizer com certeza quando e onde o Autor assinou tal documento, pois a exemplo do ocorrido com rela-ção ao contrato juntado com a defesa, o depoente não estava presente na as-sinatura de tal documento; o Autor estava disponível ao clube Sinergia a partir de janeiro/2003, se não se engana, a partir do dia 10; o Autor esteve presente no México em dezembro/2002, não sabendo dizer se chegou a atuar em trei-namentos em dezembro/2002; acrescenta que certamente o Autor não treinou em dezembro/2002, pois o requerido somente autoriza que o jogador treine em time diverso depois de formalizada a transferência com o clube que adquire os direitos federativos; Reperguntas do(a) procurador(a) do(a) Reclamante: no caso de transferência internacional o requerido comunica a CBF, quanto a disponibi-lização do jogador para o clube adquirente, a qual comunica a Confederação do País, não tendo sido o requerido que confeccionou o certificado de transferência internacional; o depoente não estava presente fisicamente na negociação relativa a transferência do Autor, mas acompanhou tal negociação pois já fazia parte da diretoria do clube desde o ano 2000; o diretor executivo Alberto Maculan compareceu no México no mês de dezembro/2002, tendo sido o mesmo quem acompanhou a negociação referente a transferência do Autor, a qual não restou concretizada em referida época; no mês de janeiro/2003 o presidente do clube, Mário Celso Petralha retomou a negociação e ajustou a transferência do Autor; o depoente não sabe dizer qual foi o último dia que o Autor jogou para o reque-

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rido; o requerido recebeu as três parcelas no importe de US 600.000,00 cada, totalizando o importe de US 1.800.000,00, ainda que de forma intempestiva; o ajuste total era de US 2.300.000,00, tendo sido integralmente pago pelo clube adquirente’.

Tem-se ainda que, como confesso acima, o clube recebeu integralmente o ajusta-do, não se vislumbrando qualquer razão para que não se pague ao jogador a sua participação, como antes acordado. O Reclamado procura fazer crer que a trans-ferência do jogador ocorreu após dez/2002, todavia não faz prova adequada de suas alegações, como lhe incumbia, a teor do art. 818 da CLT e 333, II, do CPC.

Por fim, a título de complementação do julgado, nesse mesmo tema, adotam-se como razões de decidir a irreparável fundamentação expendida pelo Juízo a quo:

Como já ressaltado na presente decisão, pretende o autor exordialmente, o re-cebimento da importância de US$ 600.000,00, consoante ajustado no termo de compromisso DF/137/02, em decorrência de sua transferência do requerido para o Club Tigres – Sinergia Deportiva S.A. de C.V., consoante Contrato de Compra de Direitos Federativos de fls. 34/40, e que, segundo o requerente, deu-se no mês de dezembro/2002.

Referido termo de compromisso – fl. 32 dos autos – consiste em documento firmado pelo réu em favor do autor, ajustando participação deste em caso de conclusão da transferência do requerente para o Club Tigres – Sinergia Deportiva S.A. de C.V., no importe de US$ 600.000,00 (seiscentos mil dólares), a ser paga à empresa Lacerda Intermediação de Negócios S/C Ltda., então indicada pelo autor, desde que respectivos clubes efetivamente concluíssem a transferência em questão até o dia 31.12.2002, pelo preço de US$ 2.300.000,00, constando do documento em questão, que caso não celebrada a transferência nas condições descritas, o requerido ficaria desobrigado do pagamento da participação em prol do atleta.

E a tese contida na defesa apresentada nos autos, se dá justamente no sentido de que a transferência não se deu nos moldes ajustados originariamente, mas sim tão somente no mês de janeiro/2003, tendo sido assinado contrato entre o réu e o Club Tigres somente em 03.01.2003.

Ante a controvérsia instaurada quanto à questão posta em Juízo, impende anali-sar as provas produzidas nos autos nesse particular.

E nesse sentido, em depoimento pessoal aludiu o autor que ‘[...] o carimbo con-tido no documento de folha 77 contém a inscrição Federação Mexicana de Fu-tebol com data de 10.01.2003; submetido o documento integral, considerando as folhas 61/77, o mesmo informa que não pode ver o carimbo integral, contido à folha 77, quanto ao ano; a assinatura de tal documento pelo depoente deu-se em dezembro/2002, juntamente com o documento referido acima, tendo sido assinados os documentos pelo depoente todos na mesma data, quando de sua chegada ao México; não sabe se em janeiro/2003 compareceu algum diretor do México para acertar detalhes da transferência do depoente, no Brasil’.

Já o preposto do réu verberou que ‘o documento juntado com a defesa foi con-feccionado no Rio de Janeiro, no escritório de advocacia Pinheiro Neto, não

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sabendo dizer em que data e em que localidade o Autor assinou tal documento, não sabendo se foi assinado antes da data ali descrita, tampouco se a assinatura ocorreu no Rio de Janeiro; pressupõe o depoente que a assinatura seja do Autor e que tenha sido feito no dia 03.01.2003, na cidade do Rio de Janeiro; o depoente pressupõe que o documento de folhas 61/77 tenha sido assinado no México, não podendo dizer com certeza quando e onde o Autor assinou tal documento, pois a exemplo do ocorrido com relação ao contrato juntado com a defesa, o depoente não estava presente na assinatura de tal documento; o Autor estava disponível ao clube Sinergia a partir de janeiro/2003, se não se engana, a partir do dia 10; o Autor esteve presente no México em dezembro/2002, não sabendo dizer se chegou a atuar em treinamentos em dezembro/2002; acrescenta que certamente o Autor não treinou em dezembro/2002, pois o requerido somente autoriza que o jogador treine em time diverso depois de formalizada a transferência com o clube que adquire os direitos federativos; no caso de transferência internacional o requerido comunica a CBF, quanto a disponibilização do jogador para o clube adquirente, a qual comunica a Confederação do País, não tendo sido o requerido que confeccionou o certificado de transferência internacional; o depoente não estava presente fisicamente na negociação relativa a transferência do Autor, mas acompanhou tal negociação pois já fazia parte da diretoria do clube desde o ano 2000; o diretor executivo Alberto Maculan compareceu no México no mês de de-zembro/2002, tendo sido o mesmo quem acompanhou a negociação referente a transferência do Autor, a qual não restou concretizada em referida época; no mês de janeiro/2003 o presidente do clube, Mário Celso Petralha retomou a negocia-ção e ajustou a transferência do Autor; o depoente não sabe dizer qual foi o últi-mo dia que o Autor jogou para o requerido; o requerido recebeu as três parcelas no importe de US 600.000,00 cada, totalizando o importe de US 1.800.000,00, ainda que de forma intempestiva; o ajuste total era de US 2.300.000,00, tendo sido integralmente pago pelo clube adquirente’.

Do quanto exposto nos depoimentos acima transcritos – únicos colhidos nos autos – depreende-se a fragilidade do documento de fls. 143/151, considerando que se o réu colacionou aos autos tal documento com o fim de comprovar que a assinatura do mesmo se deu na data ali descrita – 03.03.2003 – tal tentativa do réu caiu por terra já a partir do depoimento do preposto do mesmo, o qual não soube dizer em que data e em que localidade o requerente assinou tal documen-to, tampouco se o mesmo foi assinado antes da data ali descrita ou se a respectiva assinatura deu-se no Rio de Janeiro.

Assim, reitere-se: se a intenção do réu era, com tal documento, comprovar que a formalização descrita no corpo do mesmo ocorreu na data contida na sua parte final, tal intento não foi atingido, pelo que tal documento carece de credibilidade nesse particular.

Já quanto ao documento de fls. 61/77, referido preposto asseverou pressupor que a assinatura do mesmo tenha se dado no México, tendo afirmado, outrossim, que no mês de dezembro/2002 o requerente esteve no México, inicialmente não sa-bendo informar se o mesmo chegou a atuar em treinamentos na ocasião e, após, sustentando que não, pois o autor somente poderia treinar para o Club Tigres após formalizada a transferência do mesmo.

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Verifica-se de tais alusões do preposto do réu, incerteza quanto ao fato do autor ter efetivamente atuado em treinamentos para o Club Tigres em dezembro/2002, nada obstante tenha corroborado que aquele esteve no México no respectivo período.

E nesse sentido, tornam-se ainda mais frágeis as alusões do réu, quando o mesmo rotula o documento de fls. 61/77 de ‘pré-contrato’.

Ora, referido documento foi assinado em 10.12.2002, entre o autor e o Club Tigres, sendo que apesar de constar carimbo da Federação Mexicana de Futebol com data de 10.01.2003 (segundo reconhecido no depoimento pessoal do au-tor), o mesmo dispõe que o início de sua vigência dar-se-ia com a assinatura do contrato, e não com registro ou aposição de carimbo pela Federação Mexicana de Futebol.

E nesse sentido, entendo que o Club Tigres não firmaria contrato com o autor em data supostamente anterior à assinatura do contrato de transferência com o requerido, se a transferência não estivesse cabalmente ajustada, notadamente considerando a existência de cláusulas assecuratórias de direitos aos respectivos signatários, em caso de descumprimento ou rescisão contratual.

Convenço-me, pois, que a transferência do requerente, do clube réu para o Club Tigres, deu-se no mês de dezembro/2002.

Ainda, não socorre o requerido a data constante dos documentos de fls. 99/100 e 152, considerando que o próprio ajuste firmado entre o mesmo (réu) e o Club Ti-gres, admitiu que a liberação por transferência do autor perante a Confederação Brasileira de Futebol somente se daria após liberação interna entre o requerido e o Clube Tigres, com fornecimento de carta de liberação através de fax e, inclusi-ve, pagamento da primeira parcela do preço ajustado pela transferência em ques-tão, conforme cláusula terceira do documento de fls. 143/151, itens ‘1.(i)’ e ‘3’.

Assim, verifica-se que tal documento também não se mostra hábil a retratar a real data de efetiva transferência do autor, do clube réu para o Club Tigres.

Considerando tratar-se as alegações do réu – de transferência do autor em data posterior a 31.12.2002 – de fato impeditivo ao pretenso direito do requerente, cabia ao requerido o onus probandi acerca de tal fato impeditivo, à luz do dispos-to no art. 333 do Código de Processo Civil, ônus esse do qual, por tudo quanto exposto acima, aquele não se desincumbiu.

Destarte, entendo que assiste razão ao autor quanto ao direito perseguido, de recebimento da participação financeira estipulada no Termo de Compromisso DF/137/2002.

Diante do que se coloca, nada há a reformar.”

Nas razões do recurso de revista, o reclamado pretende a reforma da decisão regional para que seja excluída a condenação à verba postulada. Argumenta que a efetivação da transferência do autor se deu em momento posterior ao da assinatura do seu contrato com o Clube Tigres do México, ou seja, fora do lapso temporal estabelecido como limítrofe para o cumprimento da

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obrigação pelo reclamado, e que, não verificada essa condição, não adquiriu o reclamante o direito expresso no negócio jurídico celebrado. Aponta violação do art. 125 do Código Civil Brasileiro.

O Tribunal Regional deixou expressamente consignado que não há prova nos autos de que a transferência do jogador tenha se efetivado após a data prevista no Termo de Compromisso firmado entre as partes.

Assim, para o acolhimento das alegações da recorrente de não implemento da condição estabelecida para a aquisição do direito ao recebimento da parcela em litígio, necessário seria o reexame do conjunto fático – probatório dos autos, o que é vedado a esta Corte em sede de recurso de revista, nos termos da Súmula nº 126 do TST.

Por outro lado, quanto à alegação de ofensa ao art. 125 Código Civil, incide o óbice da Súmula nº 297 do TST, uma vez que a matéria não se encontra prequestionada sob o enfoque desse dispositivo legal.

Diante do exposto, não conheço do recurso de revista.

2 MÉRITO

2.1 nulidade. ReabeRtuRa da instRução pRocessual paRa Juntada de documento compRobatÓRio da inteRRupção da pRescRição

Discute-se nos autos se a conversão do feito em diligência pelo juiz de primeiro grau, antes de proferir a sentença, para determinar a juntada de docu-mento pelo reclamante para comprovar a identidade de ações e consequente da interrupção da prescrição, caracteriza cerceamento de defesa e nulidade processual.

O art. 765 da CLT, assim dispõe:

“Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer dili-gência necessária ao esclarecimento delas.”

O referido dispositivo legal dá ampla liberdade ao Juiz na direção do processo, para determinar a realização de qualquer diligência necessária ao esclarecimento do feito, bem como o art. 130, do CPC, autoriza o juiz a indeferir diligências que entender inúteis ou meramente protelatórias.

Na hipótese, o juiz após o encerramento da instrução processual determinou a conversão do feito em diligência para determinar a juntada aos autos das provas necessárias para a formação do seu convencimento, porque entendeu que aquelas existentes nos autos eram insuficientes. E o que se observa é que o julgador não negou ao reclamado o contraditório e a ampla defesa, pois,

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conforme consignado no acórdão recorrido, ao determinar a diligência a fim de verificar a identidade de pedidos entre a ação já ajuizada, “houve expressa faculdade à parte recorrente de manifestação ao documento cuja juntada se determinou, como se tem da ata de audiência de fl. 153. A parte recorrente, inclusive, se manifestou sobre tais documentos como se verifica da petição de fl. 184/185”.

Portanto, a conversão do feito em diligência pelo magistrado não teve o condão de obstar o direito de defesa da reclamada, uma vez que foi concedida oportunidade de impugnação do documento cuja juntada se determinou pela diligência. Assim, não demonstrado o manifesto prejuízo, à luz do art. 794 da CLT, não há de se falar em nulidade.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso de revista.

isto posto

Acordam os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Traba-lho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista apenas quanto ao tema “Nulidade. Reabertura da Instrução Processual para Juntada de Documento Comprobatório da Interrupção da Prescrição”, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 20 de novembro de 2013.

Firmado por assinatura eletrônica (Lei nº 11.419/2006) Delaíde Miranda Arantes Ministra Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

963

Tribunal Regional do Trabalho da 1ª RegiãoProcesso: 0001046‑18.2012.5.01.0077‑ROAcórdão4ª Turma

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO VÍNCULO DESPOR- TIVO PREVISTA EM CLÁUSULA DO CONTRATO – DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA – RUPTURA ANTECIPADA DO CONTRATO A TERMO, POR INICIATIVA EXCLUSIVA DO EMPREGADOR – INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DO QUANTUM DEBEATUR

I – A previsão de “cláusula de opção por renovação automática” em contrato especial de trabalho desportivo por prazo determinado implica, como o próprio nome sugere, a prorrogação do contrato, caso as partes não manifestem, expressamente, e por escrito, a opção de não renovarem o vínculo mantido entre o atleta e a entidade de prática desportiva. Logo, uma vez prorrogado o prazo de vigência do referido vínculo, o descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do contrato gera direito ao pagamento dos valores previstos em cláusula indenizatória desportiva ou em cláusula compensatória desportiva, conforme o caso (art. 28, incisos I e II e § 5º, incisos III a V, da Lei nº 9.615/1998). Na hipótese dos autos, é incontroverso que o réu rescindiu, imotivadamente, o contrato de trabalho do atleta profissional antes do término estipulado após a prorrogação automática, motivo pelo qual incensurável a r. decisão que o condenou ao pagamento da cláusula penal, prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998.

II – O valor da indenização por danos morais deve observar um equi-líbrio entre a lesão e a pena, não servindo para enriquecimento da vítima e, por outro lado, não devendo ser irrisório, a ponto de não alcançar a inteireza do seu objetivo.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário em que são partes Clube de Regatas Flamengo, como recorrente, e Damião Vinícius Silva Ribeiro, como recorrido.

Inconformado com a r. sentença de fls. 142/144, proferida pela MMª Juíza Cristina Almeida de Oliveira, em exercício perante a 77ª Vara do Traba-lho do Rio de Janeiro, que julgou parcialmente procedentes os pedidos dedu-

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zidos na inicial, recorre ordinariamente o réu, com fundamento nas razões de fls. 155/160.

Contrarrazões do autor às fls. 165/170.

Deixou-se de dar vista ao Ministério Público do Trabalho, por não confi-gurar hipótese que se repute de interesse público a justificar sua intervenção, na forma do art. 83, II, da Lei Complementar nº 75/1993.

É o relato do necessário.

voto

FUNDAMENTAÇÃO

conHecimento

O recurso está subscrito por advogado regularmente habilitado nos autos (fl. 153), tendo sido interposto no prazo legal (fls. 145 e 155).

Comprovado o recolhimento das custas processuais (fl. 161) e realizado o depósito recursal (fls. 160v), ambos no prazo alusivo ao recurso, conforme determina o art. 789, § 1º, da CLT.

Por preenchidos os demais pressupostos legais de admissibilidade, co-nheço do recurso.

DO MÉRITO

atleta pRofissional de futebol – Renovação automática do vínculo despoRtivo pRevista em cláusula do contRato – desnecessidade de manifestação expRessa – RuptuRa antecipada do contRato a teRmo, poR iniciativa exclusiva do empRegadoR – incidência da cláusula penal

Cuida-se de reclamação trabalhista ajuizada por Damião Vinícius Silva Ribeiro, atleta profissional de futebol, postulando, em sede de cognição sumá-ria, a antecipação da tutela jurisdicional para a movimentação dos depósitos efetuados na conta vinculada ao FGTS e, em cognição exauriente, a declaração de rescisão antecipada do contrato de trabalho por prazo determinado, por ini-ciativa exclusiva do empregador, com a consequente condenação do réu ao pagamento de haveres salariais e rescisórios, incluindo indenização por danos morais, cláusula penal pelo rompimento antecipado do contrato a termo e, al-ternativamente, lucros cessantes, bem como ao pagamento das multas previstas nos arts. 467 e 477, § 8º, ambos da CLT, além de juros e correção monetária.

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Em apertada síntese, alega o autor que firmou contrato de trabalho por prazo determinado com o clube réu, com vigência prevista para 03.01.2011 até 31.12.2011. Aduz que, por força de previsão contratual de cláusula de op-ção de renovação automática (cláusula 1ª, § 1º), seu contrato de trabalho te-ria sido automaticamente prorrogado pelo prazo de 2 (dois) anos, a contar de 01.07.2011 (vide fls. 25/27).

O reclamado contestou a ação, informando que a referida cláusula de renovação automática apenas atribuía uma faculdade às partes contratantes, caso desejassem renovar o contrato do atleta a partir de julho de 2011, opção que, segundo o clube recorrente, dependeria de manifestação expressa e por escrito. Como não houve tal manifestação, o contrato teria sido, naturalmente, rompido com a ocorrência de seu termo final, nada mais sendo devido ao autor.

A controvérsia posta nestes autos ostenta contornos bastante singelos, cabendo verificar se a incidência da cláusula 1ª, § 1º, do instrumento particular de cessão de direitos federativos, constante de fls. 25/27, que prevê a opção de renovação automática do contrato firmado entre as partes, a partir de julho de 2011, dependia de formalização da manifestação da vontade, por escrito, ou se, ao contrário, a prorrogação do contrato de trabalho operaria, automaticamente, com o silêncio das partes.

Ao apreciar a vexata quaestio, entendeu o d. Juízo sentenciante por jul-gar procedente o pedido de declaração de rescisão antecipada do contrato de trabalho por prazo determinado, por iniciativa exclusiva do empregador, nos seguintes termos:

“Não assiste razão ao Réu quando afirma que tal cláusula atribui uma faculdade às partes para, querendo, manifestar o desejo de renovar o contrato a partir de julho de 2011, opção que segundo ele, deveria ser manifestada formalmente por escrito.

Isto porque, a opção descrita no parágrafo supracitado, representa uma faculdade às partes para rejeitar a renovação automática e não à possibilidade de se inserir tal cláusula na data estipulada, uma vez que a vigência da referida cláusula, qual seja, a de renovação automática, se iniciaria a partir de 1º de julho de 2011. O texto é claro quando dispõe que as partes, pelo presente ato, pactuam a inclusão de cláusula de opção de renovação automática pelo prazo de vigência contratual por mais dois anos, a partir de 1º julho do corrente ano.

Ou seja, caso não desejasse que a cláusula de prorrogação automática se operas-se, uma das partes teriam a opção de rejeitá-la, o que aí sim, deveria ser forma-lizado por escrito.

Portanto, deveria ter o Reclamado, até 1º de julho do ano de 2011, expressa-mente renunciado ou manifestado sua falta de interesse em prorrogar o prazo contratual, a fim de obstar a renovação automática. Uma vez silente, operou-se o estipulado no § 1º da cláusula 1ª do contrato firmado.

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Assim sendo, declara-se que a ruptura contratual ocorreu de forma antecipada, por parte do empregador, uma vez que a vigência contratual passou a ser de dois anos (§ 1º da cláusula 2ª do instrumento negocial firmado entre as partes).”

Irresignado com a r. sentença, o reclamado interpõe o presente recurso, pelo qual renova os mesmos fatos e fundamentos descritos na contestação, in-sistindo em que a opção pela renovação do contrato deveria ser formalizada por escrito antes de 01.07.2011. Neste sentido, afirma que no direito desportivo brasileiro não existe a figura da renovação automática, sendo esta uma faculda-de das partes, exercida mediante expressa motivação, o que não teria ocorrido no caso. Assim, no silêncio, sustenta a prevalência da data de 31.12.2011, esti-pulada para o encerramento normal do contrato a termo.

A razão não socorre o recorrente, pelo que deve ser mantida hígida a r. sentença neste particular.

Como se pode ver, a questão posta à apreciação deste i. colegiado não merece maiores divagações, bastando que se diga que a cláusula é de opção de “renovação automática”. Ora, parece-me evidente, fosse o caso de a pror-rogação do contrato depender de manifestação expressa da parte interessada, a renovação não seria “automática”, e sim “condicionada à manifestação expres-sa”, deduzida por escrito, como pretende o recorrente, sem razão.

De igual maneira, é pueril a tese advogada pelo recorrente, segundo a qual não existe no direito desportivo brasileiro a figura da renovação automáti-ca. Em primeiro lugar, porque a possibilidade de prorrogação tácita do chama-do contrato de trabalho por prazo determinado é perfeitamente admitida pelo ordenamento jurídico brasileiro, conforme prevê o art. 451 da CLT.

“Art. 451. O contrato de trabalho por prazo determinado que, tácita ou expres-samente, for prorrogado mais de uma vez passará a vigorar sem determinação de prazo. (Vide Lei nº 9.601, de 1998)”

Por óbvio, importa ressaltar, não se está aqui defendendo a possibilidade de prorrogação do contrato firmado com o reclamante por prazo indetermina-do, até porque, como se sabe, o contrato de trabalho firmado entre o atleta pro-fissional de futebol e a entidade de prática desportiva é considerado de cunho especial e não admite vigência por prazo indeterminado, sendo regulado por legislação específica, no caso a Lei nº 9.615/1998 – conhecida como Lei Pelé –, que institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.

Nesta esteira, não se diga indevida a evocação do art. 451 da CLT ao caso vertente, pois o próprio art. 28, § 4º, da Lei nº 9.615/1998, prevê a aplicação das normas gerais da legislação trabalhista, de forma que o raciocínio é aqui empregado apenas para rechaçar a tese de que não existe no direito desportivo brasileiro a figura da renovação automática. De acordo com o dispositivo legal há pouco mencionado:

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“§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, espe-cialmente as seguintes: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011)”

Em segundo lugar, para sepultar de vez a tese sustentada pelo réu, regis-tro que a própria Lei nº 9.615/1998, em seu art. 28, § 8º, com redação dada pela Lei nº 12.395/2011, prevê a necessidade de que conste do contrato especial de trabalho desportivo cláusula expressa reguladora de sua prorrogação automáti-ca, no caso de afastamento do atleta na hipótese aventada pelo § 7º do mesmo dispositivo, in verbis:

“§ 7º A entidade de prática desportiva poderá suspender o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional, ficando dispensada do pagamento da remuneração nesse período, quando o atleta for impedido de atuar, por prazo ininterrupto superior a 90 (noventa) dias, em decorrência de ato ou evento de sua exclusiva responsabilidade, desvinculado da atividade profissional, conforme previsto no referido contrato. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011)

§ 8º O contrato especial de trabalho desportivo deverá conter cláusula expressa reguladora de sua prorrogação automática na ocorrência da hipótese prevista no § 7º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011)”

Assim, em princípio, não vejo problema algum em evocar mesmo racio-cínio que rege o disposto no art. 451 da CLT para se considerar viável, e em conformidade com direito aplicável à espécie, a possibilidade de prorrogação automática do vínculo mantido entre a entidade de prática desportiva e o atleta, desde que, para tanto, haja expressa previsão no contrato. No caso em tela, a previsão consta, de fato, da cláusula 1ª, § 1º, como se depreende de fl. 26. Cui-damos de transcrevê-la:

“O Flamengo e o Atleta, pelo presente ato, pactuam a inclusão de cláusula de op-ção de renovação automática pelo prazo de 2 (dois) anos de vigência contratual, a partir de 1º de julho do corrente ano.”

Veja-se que outra não pode ser a solução dada ao caso.

Com respaldo em tais considerações, concluo que a previsão de “cláu-sula de opção por renovação automática” em contrato especial de trabalho desportivo por prazo determinado implica, como o próprio nome sugere, a prorrogação do contrato, caso as partes não manifestem, expressamente, e por escrito, a opção de não renovarem o vínculo mantido entre o atleta e a entidade de prática desportiva. Com efeito, uma vez prorrogado o prazo de vigência do referido vínculo, o descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do con-trato gera direito ao pagamento dos valores previstos em cláusula indenizatória desportiva ou em cláusula compensatória desportiva, conforme o caso (art. 28, incisos I e II e § 5º, incisos III a V, da Lei nº 9.615/1998).

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No caso dos autos, é incontroverso que o réu rescindiu, imotivadamente, o contrato de trabalho do atleta profissional antes do término estipulado após a prorrogação automática, motivo pelo qual incensurável a r. decisão que o con-denou ao pagamento da cláusula penal, prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998.

Nego provimento.

DANOS MORAIS – QUANTUM – CORREÇÃO MONETÁRIA

O recorrente pugna pela reforma da sentença quanto à condenação em danos morais, sustentando que não cometeu qualquer ato ilícito que a justifi-que.

Aduz que o recorrido não comprovou nos autos a inclusão de seus dados cadastrais junto aos serviços de proteção ao crédito. Afirma que a ausência de pagamento dos salários pressupôs o encerramento do liame contratual por decurso do prazo, nada mais sendo devido ao autor, que já não mais prestava serviços à demandada. Por fim, defende que a falta de pagamento de salários resulta, no máximo, em prejuízos de ordem material, motivo pelo qual nada deveria ter sido deferido neste sentido. Sucessivamente, na hipótese de manu-tenção da condenação em danos morais, requer o clube réu seja arbitrada a indenização em grau levíssimo, na forma do art. 944 do Código Civil.

O inconformismo procede, mas apenas em parte.

Vejamos o tratamento dado à matéria pelo i. magistrado sentenciante, in verbis:

“A observância do período de vigência destes contratos garante aos atletas a cer-teza do recebimento da remuneração mensal respectiva. Na hipótese dos autos, o Réu não somente deixou de observar a cláusula de prorrogação automática constante do instrumento particular firmado, como também não efetuou, no pra-zo legal, as verbas rescisórias devidas ao Autor.

A conduta da Ré, qual seja, o pagamento das verbas rescisórias somente à época da audiência trabalhista (fls. 118 e 122) e incontroverso o fato de a mesma não ter aplicado a cláusula contratual de prorrogação automática, constante do do-cumento de fls. 25/27, gerou danos ao Autor, devidamente comprovados pelos documentos de fls. 29/46.

Presentes os requisitos ensejadores do dano moral: culpa do empregador, nexo causal entre a conduta do mesmo e o dano sofrido pelo Autor e comprovação do dano, surge para o Reclamado o dever de indenizar.

Deste modo, julgo procedente o pedido para condenar o Réu ao pagamento de R$ 80.000,00 a título de danos morais.”

No caso dos autos, vimos que a condenação do recorrente ao pagamento do valor correspondente ao total de salários mensais a que teria direito o atleta

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até o término do contrato, incluída a prorrogação, assenta-se na premissa de que o contrato de trabalho por prazo determinado mantido com o recorrido foi, de fato, rompido antecipadamente, por iniciativa do empregador, sendo--lhe devido o pagamento de importância prevista na cláusula compensatória desportiva, a que alude o art. 28, § 3º, da Lei nº 9.615/1998. Sobre este aspecto, entendo desnecessárias novas considerações.

Com respeito à alegação de que o recorrido não comprovou nos autos a ocorrência de dano causado pela inclusão de seus dados cadastrais juntos aos serviços de proteção ao crédito, tampouco merece acolhida. Ao contrário do que sustenta o réu, o dano moral sofrido pelo recorrido transborda das pro-vas acostadas aos autos. Neste sentido, da análise acurada dos documentos de fls. 34/35, depreende-se, sem margens a dúvidas, que os nomes do reclamante e o de sua esposa foram incluídos nos cadastros de devedores. Outrossim, os documentos de fls. 42 (notificação extrajudicial de cobrança), 44 (intimação do 1º Ofício do Protesto de Títulos), bem como de fl. 46 (relatório de débitos pendentes junto a condomínio residencial), confirmam os inúmeros transtornos de ordem moral vivenciados pelo reclamante em decorrência da conduta per-petrada pelo clube recorrente.

Nada obstante, relativamente ao quantum fixado para os danos morais, estou convencida de que o valor arbitrado não guarda razoabilidade e pro-porcionalidade com o infortúnio experimentado pelo autor, não sendo possí-vel impor um pagamento excessivo ao empregador, sob pena de se cometer injustiça e, por outro lado, não deve ser irrisório, sob pena de não alcançar a inteireza do seu objetivo. Vale dizer, há que se observar um equilíbrio entre a lesão e a pena, não servindo esta para enriquecimento da vítima, ainda que o autor do dano seja, como no caso dos autos, clube desportivo dotado de grande fama e notoriedade. Neste sentido, reproduzo o escólio do Desembargador José Geraldo da Fonseca (in RO-TRT-68-2006-077-01-00-2):

“[...] A natureza jurídica da quantia em dinheiro que se pede por lesão moral é compensatória, e não indenizatória. A locução indenizar provém de in + dam-num, isto é, sem dano, o que implicaria tornar as coisas ao exato ponto em que estavam se a lesão não tivesse ocorrido. Como na lesão moral isso não é possível, o juiz arbitra uma quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o agressor de reincidir na conduta lesiva. Não pode ser restitutio in integrum (restituição integral, indenização pelo todo) pela só razão de que não se pode conhecer, exatamente, a extensão do dano, nem de pretium doloris (preço da dor) porque dor não se paga em dinheiro, mas a de um conforto material que não seja exorbitante a ponto de constituir-se em lucro capiendo (captação de lucro) nem minguado a ponto de deixar na vítima e no agressor a sensação de impunidade. De fato, ao fixá-la, o juiz deve ater-se ao princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. [...]”

Por tais razões, com base na jurisprudência deste Regional, considero que o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) atende à dupla finalidade da in-

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denização, isto é, pelo lado do autor, a satisfação de ter reparada a ofensa de natureza extrapatrimonial e, pelo lado do réu, a índole pedagógica e punitiva.

Logo, dou parcial provimento para reduzir a indenização por danos mo-rais ao valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Pelo exposto, conheço do recurso interposto pelo reclamado e, no méri-to, dou-lhe provimento parcial, para reduzir a indenização por danos morais ao valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos da fundamentação.

Acordam os Desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional do Tra-balho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso interposto pelo re-clamado e, no mérito, dar-lhe provimento parcial, para reduzir a indenização por danos morais ao valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos da fundamentação.

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2013.

Juíza do Trabalho Convocada Patrícia Pellegrini Baptista da Silva Relatora

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional do Trabalho da 1ª RegiãoGab. Des. Dalva Amélia de Oliveira Processo: 0000025‑89.2010.5.01.0040Agravo de PetiçãoAcórdão8ª Turma

ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS – CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – LEI Nº 8.212/1991, ART. 22, § 6º

Tratando-se de associação desportiva que mantém equipe profissio-nal, a contribuição destinada à Seguridade Social corresponde a 5% de sua receita bruta decorrente dos espetáculos desportivos de que participem, inexistindo cogitar de contribuições previdenciárias in-cidindo sobre a folha de salários (Lei nº 8.212/1991 – art. 22, § 6º).

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Agravo de Petição, em que são partes: Clube de Regatas Vasco da Gama (Adv. Dr. Alexandre Barreira de Oliveira – OAB/RJ 96047), como agravante e I – Nelson Rosa Martins (Adv. Dr. João Marcos Guimarães Siqueira – OAB/RJ 106844) e II – União Federal – INSS (Procuradoria Regional Federal), como agravados.

Inconformada com o r. decisão de fls. 120, proferida pela MM Juíza Dra. Raquel Fernandes Martins, da 40ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que julgou improcedentes os embargos à execução, agrava de petição a reclamada pugnando pela reforma do julgado.

Razões recursais às fls. 121/124.

Intimada a União para contraminutar o agravo, apresentou petição de fls. 132/133, informando que deixará de apresentar contraminuta ao agravo em razão do disposto na Portaria MF nº 435 de 08.11.2011 que a dispensa de apre-sentar manifestações quando o valor da contribuição previdenciária for igual ou inferior a R$ 10.000,00. O exequente não a apresentou apesar de regularmente notificado para tanto.

Sem necessidade de intervenção do Ministério Público do Trabalho, em razão do disposto no Ofício nº 27/08 da P.R.T., 1ª Região.

É o relatório.

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voto

CONHECIMENTO

Conheço do agravo porque preenchidos requisitos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

méRito

DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – COTA DO EMPREGADOR

Trata-se de acordo firmado perante o Juízo da 40ª Vara do trabalho do Rio de Janeiro, pelo qual, comprometeu-se a ré – Clube Regatas Vasco da Gama – a pagar ao autor a importância de R$ 112.000,00, em quatorze parcelas iguais de R$ 8.000,00, sempre no dia 15 ou primeiro dia útil subseqüente, a partir de 15.06.2010, através de depósito na conta corrente do autor.

Determinou a magistrada a quo a citação da ré para o pagamento dos valores devidos ao INSS, sob pena de prosseguimento da execução sobre os créditos porventura existentes pela alíquota máxima (fls. 100).

Ante a inércia da ré determinou o Juízo de origem o prosseguimento da execução Via Bacen Jud. (fls. 102). Restou infrutífera a medida (fls. 103/105), pelo que determinou o juízo a penhora na renda da ré (fls. 106).

Apresentou então a ré embargos à execução alegando que foi incluída no cálculo a parcela referente ao INSS – cota do empregador.

Afirma que por se tratar de clube de futebol profissional e associação desportiva que mantém equipe profissional, por lei, não tem suas contribuições previdenciárias incidindo sobre a folha de salários, e sim sobre a receita bruta de espetáculos desportivos de que o clube participe, bem como licenciamentos de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e transmissão de espe-táculos desportivos, tudo na alíquota de 5%.

Diz que por essas razões não há que se falar em recolhimento de INSS – parte do empregador – eis que somente está obrigado a recolher contribuições previdenciárias incidentes sobre a receita bruta de espetáculos desportivos que participa (fls. 109/110).

Julgou improcedentes os embargos a julgadora de primeiro grau aos se-guintes fundamentos:

“A contribuição de 5% estipulada pelo § 6º do art. 22 da Lei nº 9.528/1997 sobre a renda bruta de espetáculos desportivos e/ou patrocínio não substitui a contri-buição sobre a remuneração paga ao contribuinte individual, que é o caso dos

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presentes autos, estará obrigada à contribuição de 20% sobre este valor, que no presente caso, é sobre as verbas salariais presentes no acordo homologado de fl. 94.” (fl. 120)

Inconformada recorre a ré contra a decisão de primeiro grau pugnando por sua reforma aos mesmos argumentos dos embargos à execução.

Com parcial razão.

Trata-se a ré de associação privada com fins esportivos e sociais, que mantém equipe de futebol profissional.

Ocorre que a sistemática de contribuição dessas entidades desportivas foi alterada pelas Leis nº 8.641, de 31 de março de 1993, e nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, que substituíram a contribuição patronal incidente sobre a folha de salário pela contribuição de 5%da receita bruta decorrente da renda dos espetáculos desportivos, nos termos do § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212/1991, verbis:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avul-sos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetiva-mente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).

II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).

[...]

§ 6º A contribuição empresarial da associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional destinada à Seguridade Social, em substituição à prevista nos incisos I e II deste artigo, corresponde a cinco por cento da receita bru-ta, decorrente dos espetáculos desportivos de que participem em todo território nacional em qualquer modalidade desportiva, inclusive jogos internacionais, e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e de transmissão de espetáculos desportivos. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997).

[...] (g.n.)

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Na hipótese em exame a decisão a quo ainda que tenha reconhecido a condição da ré de associação desportiva, condenou-a ao pagamento da contri-buição patronal sobre as parcelas de natureza salarial do acordo homologado, contrariando o disposto no supracitado artigo.

Merece, pois, reparo a decisão de primeiro grau a fim de que seja afasta-da da condenação a referida contribuição previdenciária patronal.

Dou provimento ao agravo de petição para determinar a exclusão da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre as verbas salariais do acordo homologado.

PREQUESTIONAMENTO

Tendo esta relatora adotado tese explícita sobre o thema decidendum e sabendo-se que não está o Juiz obrigado a refutar todos os argumentos das partes desde que fundamente o julgado (art. 131, 458 CPC, 832 CLT e 93, IX CF/1988), tem-se por prequestionados os dispositivos legais invocados pelo re-corrente (Súmula nº 297, I, TST).

CONCLUSÃO

Pelo exposto, conheço do agravo de petição, e, no mérito, dou-lhe pro-vimento para determinar a exclusão da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre as verbas salariais do acordo homologado, na forma da fundamen-tação supra.

Acordam os Desembargadores que compõem a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo de petição, e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para determinar a exclu-são da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre as verbas salariais do acordo homologado, nos termos da fundamentação do voto da Exma. Sra. Relatora.

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2013.

Dalva Amélia de Oliveira Desembargadora do Trabalho – Relatora

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

965 – Ação civil pública – exploração de bingo e outros jogos de azar – danos morais co-letivos – indenização – descabimento

“Ação civil pública. Exploração de bingo e outros jogos de azar. Indenização. Danos morais coletivos. Descabimento. Ausência de demonstração da efetiva lesão à coletividade. Descabido o pleito de indenização por danos morais coletivos sem demonstração de sua necessidade e nem justificação mínima de sua pertinência. Inicial que apenas se refere ao tema no pedido, sem causa de pedir. MPF que se limita a tecer considerações genéricas, no apelo, acerca dos problemas causados pelos jogos de azar (e isso em ofensa ao art. 264 do CPC), mas não aponta danos concretos à coletividade. Não se pode apenas pensar em engordar os cofres do Fundo (in-felizmente ainda pouco transparente, para a sociedade), embora se reconheçam os bons propó-sitos do art. 13 da Lei nº 7.347/1985. Precedentes deste Tribunal. Apelo desprovido.” (TRF 2ª R. – AC 2008.51.03.002039-3 – (607503) – 6ª T.Esp. – Rel. Guilherme Couto de Castro – DJe 03.02.2014 – p. 553)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 07, jun-jul./2012, ementa nº 365 do STJ e; RDD nº 1, jun./jul. 2011, acórdão na íntegra 16 do TRF 3ª Região.

966 – Competência investigatória – CPI da CBF/Nike – quebra de sigilo bancário e fiscal devidamente motivada – responsabilidade civil – configuração

“Constitucional e administrativo. CPI da CBF/Nike. Competência investigatória conferida pelo art. 58, § 3º, da CF. Quebra de sigilo bancário e fiscal devidamente motivada. Ponderação de princípios. Prevalência do interesse público à informação. Nexo causal entre as condutas dos parlamentares e o alegado dano à moral e imagem do demandante não comprovado. Responsa-bilidade civil necessária à indenização pretendida não configurada. Art. 927 do Código Civil. 1. Ação de indenização por danos morais ajuizada por Ricardo Teixeira em face da União Fede-ral e dos Deputados Federais Sílvio Torres e José Aldo Rebelo Figueiredo, respectivamente, Rela-tor e Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada, em 17.10.2000, com o objetivo de investigar possíveis irregularidades no contrato celebrado entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Empresa Nike. 2. Na petição inicial, ao traçar os contornos da pretensão, o demandante apontou como causa de pedir que a inadequada disponibilização do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da CBF/Nike (na verdade, o parecer do Relator), no domí-nio eletrônico da Câmara dos Deputados, teria permitido a divulgação, na Internet e em progra-mas veiculados pela Rede Globo e pela Rede TV, de dados e documentos sigilosos a seu respeito, obtidos no transcurso do procedimento investigatório. O argumento de propagação de tais infor-mações também pela publicação do Livro ‘CBF/Nike’ foi ventilado tão somente em réplica e em sede recursal. Tal fato caracteriza inovação à lide, vedada expressamente pelo art. 264 do CPC, que consagra o princípio da estabilidade da demanda. A matéria é relevante na medida em que, sendo o dano moral verificável in re ipsa, é de fundamental importância delinear os fatos que constituem causa de pedir remota passiva de modo a propiciar o adequado direito de defesa em relação a cada um de seus aspectos. Revela-se, portanto, inadmissível a análise dessa inovação argumentativa por esta eg. Corte, sob pena de supressão de instância. 3. As Comissões Parlamen-tares de Inquérito destinam-se a apurar, por prazo certo, fatos determinados (específicos) de rele-vante interesse para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do País, conferindo-lhes a Constituição Federal poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, dentre outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas Legislativas (art. 58, § 3º). 4. Os poderes das CPIs estão sujeitos às mesmas limitações impostas às autoridades judiciárias, de modo que todas as deliberações devem ser fundamentadas (CF, art. 93, IX) e os atos investigativos devem observar os princípios constitucionais. 5. O sigilo bancário e fiscal, como corolário da garantia constitucional à inviolabilidade da vida privada e da comunicação de

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dados (art. 5º, incisos X e XII), somente pode ser excepcionado por força de ordem judicial (art. 3º da Lei Complementar nº 105/2001), requisição do Ministério Público (art. 129, VI, da CF; art. 8º, § 2º, da Lei Complementar nº 75/1993; art. 80 da Lei nº 8.625/1993) ou de deliberação das Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º, da CF; art. 4º da Lei Complementar nº 105/2001), observados os parâmetros constitucionais e legais, bem como fundamentação idô-nea que justifique a imperiosa necessidade de conhecimento dos dados sigilosos do investigado. 6. Interpretação da norma prescrita no art. 58, § 3º, da Constituição. O Excelso Supremo Tribunal Federal tem se manifestado pela possibilidade de decretação da quebra de sigilo dos registros bancários, fiscais e telefônicos, ordenada por Comissão Parlamentar de Inquérito, no desempe-nho de sua competência investigatória, quando apoiada em motivação adequada, concordante com os padrões éticos e as limitações de ordem jurídico-constitucional, e apta a legitimar a ado-ção dessa medida excepcional. Nessa linha, os seguintes precedentes: Plenário, MS 24.817/DF, Min. Celso de Mello, DJe 06.11.2009; Plenário, MS 22.801-6/DF, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 14.03.2008; Plenário, MS 25.668-1/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.08.2006. 7. Os tra-balhos investigativos da aludida CPI compreenderam a realização de 55 reuniões, dentre as quais 38 foram audiências públicas com a participação de jornalistas nos eventos realizados em 07.11.2000, 05.12.2000 e 15.05.2001. Ultimados os procedimentos de investigação, o Relator elaborou parecer final circunstanciado que, apesar de não votado pela comissão por motivos internos, irrelevantes a presente lide, foi apresentado em Plenário nas Sessões dos dias 6, 12 e 13.06.2001. Oportuno registrar que, normalmente, tais debates transcorrem em sessões públicas, muitas vezes transmitidas em tempo real pelo canal de televisão da Câmara dos Deputados. 8. Em regra, as cópias do Parecer Final do Relator são distribuídas aos membros da comissão, primeiro para discussão, e se for o caso, para posterior votação, para que os parlamentares tomem conhe-cimento da matéria e possam exercer seu direito de voto, aprovando ou não a manifestação do Relator. Esse procedimento faz parte do procedimento legislativo normal, assegurado pela Cons-tituição Federal e pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 37). 9. O fato de o Pa-recer Final do Relator não ter sido votado pela Comissão não altera a natureza pública parlamen-tar desse documento, porquanto registrou as conclusões alcançadas a partir de debates promovidos por seus componentes ao longo dos trabalhos investigativos, que englobaram a rea-lização de diligências, audiências externas e de convocações de depoimentos pelo Plenário da CPI, em atenção ao princípio da colegialidade. Demais disso, foi levado ao conhecimento de seus membros. 10. Necessidade de ponderação dos princípios de proteção à vida privada e do interesse público à informação, na medida em que o Apelante exercia o cargo de Presidente da CBF, entidade que embora privada sofre constante vigilância e fiscalização da mídia e da socie-dade em geral. 11. Nesse quadrante, embora não se negue que durante as investigações houve a quebra de sigilo dos dados do apelante – frise-se, devidamente autorizada não só pelos deman-dados, mas pelo Colegiado da CPI – o mesmo não sinalizou quais informações expostas no Pare-cer Final do Relator da CPI estariam protegidas pelo sigilo dos dados e foram divulgadas, gerando, desse modo, o alegado dano à sua moral e imagem. Essa omissão já havia sido apontada na sentença recorrida e persiste no recurso ora tratado, importando em severo óbice não só ao jul-gamento da causa, mas ao próprio exercício de direito de defesa. 12. Nessa linha de raciocínio, não se afigura razoável responsabilizar os Parlamentares nominados por supostos danos causados à moral e imagem do apelante, em decorrência da veiculação das informações constantes do Parecer Final do Relator pela mídia televisiva, justamente pelo fato de que uma CPI investigadora de pessoas envolvidas com o futebol, modalidade esportiva de massivo interesse e projeção no âmbito nacional, certamente seria alvo de ampla cobertura pelas matérias jornalísticas. 13. Opor-tuno registrar a perda de eficácia da medida liminar deferida no bojo do Mandado de Segurança nº 24.054/DF, pelo DD Ministro Nelson Jobim, em razão do pedido de desistência dos Impetran-tes Confederação Brasileira de Futebol e Ricardo Teixeira –, homologado pela Suprema Corte em 09.10.2002. 14. Não se desincumbiu o demandante do ônus de comprovar suas alegações quan-to à caracterização de dano à sua moral e imagem em virtude da prática de atos ilícitos, consis-tentes na quebra indevida do sigilo bancário e fiscal e na divulgação de informações confiden-

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ciais a seu respeito, por parte dos Deputados Federais supracitados. 15. Ausência dos requisitos essenciais à configuração da responsabilidade civil basilar da indenização pretendida. Art. 927 do Código Civil. 16. Apelação não provida. Sentença de improcedência confirmada.” (TRF 2ª R. – AC 2001.51.01.019021-3 – 5ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. Antônio Henrique Corrêa da Silva – DJe 16.01.2014 – p. 467)

Comentário Editorial SÍNTESEO art. 58, § 3º, da Carta Constitucional outorga às CPI “poderes de investigação pró-prios das autoridades judiciais”, reconhecendo de forma explícita sua competência em consonância com os princípios consagrados pelo ordenamento jurídico pátrio e com seus mesmos limites, entendimento este, já sedimentado pela Corte Suprema, como a seguir se verifica:“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA – VALIDADE – EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTO PE-NAL EM CURSO PERANTE O PODER JUDICIÁRIO LOCAL – CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO, SOBRE FATOS CONEXOS AO EVENTO DELITUOSO, DA PER-TINENTE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR – Mandado de segurança indeferido. A quebra fundamentada do sigilo inclui-se na esfera de competência investigatória das comissões parlamentares de inquérito. A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita à investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação ade-quadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. Precedente: MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello (Pleno). Prin-cípio constitucional da reserva de jurisdição e quebra de sigilo por determinação da CPI. O princípio constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) – não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à Comis-são Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas. Autonomia da investigação parlamentar. O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como pro-cedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão Legislativa – sempre respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição – promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina.” (Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, caderno 1, n. 07/01, p. 181, 1ª quinz. abr. 2001)

967 – Conselho Regional de Educação Física – monitor e treinador de futebol – ex-atletas – inscrição – descabimento

“Administrativo e desportivo. Monitor e treinador de futebol. Ex-atletas. Inscrição no Conselho Regional de Educação Física. Descabimento. Existência de lei específica que dispõe sobre a atividade (Lei nº 8.650/1983). Ausência de correlação com as atividades descritas na Lei Geral (Lei nº 9.696/1998). 1. A expressão ‘preferencialmente’ constante do caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 (lei específica que dispõe sobre as relações de trabalho do treinador profissional de futebol) tão somente dá prioridade aos diplomados em Educação Física, bem como aos pro-fissionais que, até 22 de abril de 1993 (data de início da vigência da lei), comprovem o exercício de cargos ou funções de treinador de futebol, por no mínimo 6 meses, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional. Assim, quanto ao exercício da profissão de treinador profissional de futebol, a Lei nº 8.650/1993 em nenhum momento coloca restrição aos não diplomados ou aos que não comprovarem o exercício do cargo ou função por prazo não inferior a seis meses. 3. A Lei nº 9.696/1998 (lei geral que dispõe sobre a regulamen-tação da profissão de educação física e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de

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Educação Física) define que apenas profissionais com registro regular no respectivo Conselho Regional poderão atuar na atividade de educação física e receber a designação de ‘profissional de educação física’, mas não traz, explícita ou implicitamente, nenhum comando normativo que determine a inscrição de treinadores e monitores de futebol nos Conselhos de Educação Física. 4. A competência que o art. 3º da Lei nº 9.696/1998 atribui ao ‘profissional de educação física’ não se confunde com as atividades técnicas e táticas precipuamente desempenhadas por treina-dores e monitores de futebol. 5. A Lei nº 9.696/1998 (lei geral) não tem o condão de revogar a Lei nº 8.650/1993 (lei específica), porquanto não se fazem presentes os requisitos exigidos pelo art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 6. No tocante às Resolu-ções nºs 45 e 46, de 2002, do Conselho Federal de Educação Física, não cabe ao STJ interpretar seus termos para concluir se tal ato normativo subalterno se amoldaria ou extrapolaria a Lei nº 9.696/1998, uma vez que não compete a esta Corte interpretar atos normativos destituídos de natureza de lei federal. Todavia, leis não se revogam nem se limitam por resoluções. Se tais resoluções obrigam treinadores e monitores de futebol não graduados a se registrarem em Conselho Regional de Educação Física, estarão extrapolando os limites da Lei nº 9.696/1998. 7. Não se permite ao Confef e ao CREF4/SP realizar interpretação extensiva da Lei nº 8.650/1993 ou da Lei nº 9.696/1998, nem exercer atividade administrativa de ordenação (poder de polícia) contra treinadores e monitores de futebol, ex-atletas não diplomados em educação física, sob pena de ofensa ao direito fundamental assecuratório da liberdade de exercício de qualquer traba-lho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei, nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, improvido.” (STJ – REsp 1.383.795 – (2013/0146192-0) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 09.12.2013 – p. 394)

Civil

968 – Ação civil pública – interdição de exploração de jogo de bingo – cabimento“Apelações do Ministério Público Federal e da ré contra sentença de parcial procedência exarada na ação civil pública que objetiva a interdição da atividade de exploração de jogo de bingo, pro-movido de modo permanente e com intuito de lucro, e a apreensão das máquinas eletronicamen-te programadas para o desempenho dessa atividade. Preliminar afastada. Ilicitude da promoção permanente, com caráter empresarial e lucrativo, de jogos de azar (inexistência de base legal ou judicial válidas). Dano moral coletivo configurado (imoralidade evidente da promoção ‘comer-cial’ de jogos de azar, que ultrajou a coletividade de São Paulo). Apelo da Parquet e remessa oficial parcialmente providos. Apelação da ré desprovida. 1. Apelações do Ministério Público Federal e da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública (desmembrada da Ação Civil Pública nº 2004.61.00.015673-0), que objetiva – em defesa dos interesses difusos dos consumidores de São Paulo – a interdi-ção da exploração de jogo de bingo, praticada de modo permanente e com intuito comercial (lucrativo), bem como a apreensão das máquinas eletronicamente programadas. 2. Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela Confederação Brasileira de Tiro Esportivo. O contrato firmado com a Empresa Theotônio Vilella Produções e Entretenimentos, com vigência entre 03.08.2004 a 04.08.2006, perdurou enquanto a exploração do jogo de bingo permanente já era proibida em território nacional, e não se promoveu nos autos qualquer outro meio de pro-va apta a embasar a pretensão da ré em se livrar da imputação. 3. Não há o menor vestígio da permanência de legitimação judicial exarada pela Justiça Federal, permitindo a exploração em caráter permanente e com intuito empresarial, ou a simples prática, de jogos de azar sob a forma de bingo, desempenhado através de meios e aparelhos eletrônicos; as decisões judiciais que ‘aco-bertariam’ a exploração permanente, e em caráter empresarial, de jogos de bingo, pela ré, não mais subsistem, de acordo com as informações disponíveis no sistema informatizado da Justiça Federal. 4. A exploração de jogo de bingo permanente constitui atividade proibida em todo o

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território nacional, conforme análise das disposições legais atinentes à matéria: Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico), Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), Decreto-Lei nº 3.659/1998, Lei nº 9.981/2000. Conjugan-do-se todas essas disposições, conclui-se que pelo menos a partir de 01.01.2003 a exploração do jogo de bingo – que vinha sendo tolerada à luz da Lei nº 9.615/1998 – passou a ser proibida no território nacional. A vedação contida na Medida Provisória nº 168/2004 não foi inédita e sua rejeição pelo Senado Federal em nada alterou a ilicitude da exploração do jogo de bingo no Brasil. 5. Encerrando qualquer controvérsia, esse tema foi objeto da Súmula Vinculante nº 2 do eg. STF – é inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias (STF, Sessão Plenária de 30.05.2007, DJe nº 31 de 06.06.2007, DJ de 06.06.2007, DOU de 06.06.2007). 6. Ausente qualquer legiti-mação legal para que a ré explorasse aparelhos de jogos de azar, ou bingos, é evidente que seus responsáveis promoveram a prática de contravenção penal capitulada há muitos anos nos arts. 50 e 51 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), ou o crime contra a econo-mia popular do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Não há que se falar em ‘adequação social’ e nem em ‘insignificância’ dessa atividade, posto que quando desenvolvida em caráter comercial gera lucros inescrupulosos, explorando-se a álea alheia, sorvendo-se recursos de trabalhadores e suas famílias. A repreensão se sintetiza na palavra de Rui Barbosa: ‘O que menos se perde é o dinheiro; no jogo, o homem vai perdendo aos poucos a energia, a fé, o juízo, a nobreza, a honra, a temperança e a caridade’. 7. A prática de jogo de azar, que já existia na Suméria e na China, é tão antiga quanto a oposição contra ele. Embora os imperadores Augusto e Cláudio apreciassem os jogos de dados, na Roma imperial era proibido jogar por dinheiro ou objetos de valor. Na Idade Média acentuou-se a oposição aos jogos em que a vitória não envolvia a ‘virtude’ (a capa-cidade, a força física, a destreza pessoal) e sim a álea. Em 813, o Concílio de Mogúncia decidiu que a igreja devia excomungar todo aquele que se dedicasse ao jogo de azar; em 1254, Luiz IX, 40º rei de França e posteriormente santificado, proibiu a fabricação de dados. Em 1319, Carlos IV, rei de França, proibiu o jogo de dados, o gamão, etc. A abjeção à prática dos jogos de azar é visível na passagem do Novo Testamento em que soldados romanos jogam dados para, mediante ‘sortes’, dividirem as vestes de Cristo. 8. Perfeitamente cabível a condenação ao ressarcimento de dano moral coletivo diante do despudor daquele que, à míngua de qualquer legitimação, promoveu a prática comercial de jogos de azar que contaminou os bons costumes e ultrajou a coletividade do Estado de São Paulo. A ré pagará ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos o valor de R$ 50.000,00, corrigido a partir desta data conforme os termos da Resolução nº 134/CJF e acrescido de juros de mora desde 01.01.2003, data em que através da conjugação dos dis-positivos legais que regulavam a matéria pode-se concluir que não mais persistia o direito de exploração do jogo de azar. 9. Não há prova nos autos de que a ré tenha descumprido a decisão liminar (posteriormente suspensa), proferida na Ação Civil Pública nº 2004.61.00.015673-0, cujo desmembramento deu origem a este feito. Assim, não se aplica a multa requerida pelo Parquet Federal. 10. Apelo da ré desprovido. 11. Recurso do Ministério Público Federal e remessa oficial (tida por interposta nos termos do art. 19 da LIA c/c art. 475, I, do CPC) parcialmente acolhidos.” (TRF 3ª R. – AC 0901227-38.2005.4.03.6100/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 09.01.2014 – p. 1114)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 07, jun-jul./2012, ementa nº 365 do STJ e; RDD nº 1, jun./jul. 2011, acórdão na íntegra 16 do TRF 3ª Região.

969 – Ação de indenização – fraude reconhecida – resolução contratual – efeitos“Prestação de serviços de disponibilização de jogos on-line. Ação indenizatória. Autor que se aproveitou de fraude praticada por terceiros. Jogadores. Laudo pericial conclusivo. Situação que impõe a resolução contratual. Indenização descabida. Ação improcedente. Recurso desprovi-do.” (TJSP – Ap 0004675-13.2011.8.26.0554 – Santo André – 35ª CDPriv. – Rel. Melo Bueno – DJe 31.01.2014 – p. 1722)

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970 – Ação de indenização – morte de filho menor em piscina do clube aquático – dever de vigilância – ausência – responsabilidade – reconhecimento

“Apelação cível. Ação de indenização. Morte de filho menor em piscina do clube aquático da apelada. Culpa concorrente. Ausência do dever de vigilância tanto da genitora do menor, quanto do estabelecimento recreativo. Inexistência de danos materiais, haja vista o custeio de todas as des-pesas pelo clube. Danos morais caracterizados. Recurso a que se dá parcial provimento. 1. Diante da análise das provas colacionadas aos autos, conclui-se que: a) o sinistro ocorreu no horário de funcionamento do clube; b) havia número de pessoas superior ao normal no local; c) não foram disponibilizados funcionários para averiguar os arredores do parque aquático e d) não havia prote-ção especial ou grades que pudessem impedir, de forma eficiente, o acesso de crianças. Portanto, por meio das condutas acima, concorreu o apelado para a ocorrência do acidente, uma vez que não ofereceu a segurança esperada aos frequentadores do clube, configurando, assim a sua culpa in vigilando. Por outro lado, restou assente, também, que a genitora deixou seus filhos sozinhos, o que, igualmente, configurou uma conduta negligente, que favoreceu para acontecimento do in-fortúnio. 2. No que tange às perdas e danos (rectius, danos materiais), observa-se que as eventuais despesas que teriam sido arcadas pelos genitores com tratamento médico foram totalmente quitadas pelo apelado, de acordo com o depoimento testemunhal de fls. 188, inexistindo, assim suporte pro-batório para o deferimento dos mesmos. Pelo mesmo motivo, não é devida a indenização por danos emergentes. Lado outro, indene de dúvidas o abalo psicológico sofrido pelos apelantes devido à perda de um filho, situação que, decerto, lhes ocasionou e, provavelmente, ainda ocasiona extrema angústia e tristeza, estando plenamente caracterizado, assim, o dano moral. Deste modo, tomando por base as circunstâncias do caso concreto, bem como os precedentes deste eg. Tribunal em casos similares, o valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) melhor se amolda ao caso concreto, amenizando o sofrimento dos pais, bem como inibindo a prática de novos atos do mesmo jaez pelo estabelecimento apelado. 4. Recurso a que se dá parcial provimento.” (TJES – Ap 0018455-35.2010.8.08.0011 – Rel. Des. Willian Silva – DJe 19.12.2013)

971 – Atleta – contrato de cessão de direitos federativos – descumprimento – efeitos“Recurso especial. Contrato de cessão de direitos federativos. Atleta. Descumprimento contratu-al. Ofensa ao art. 535 do CPC. Inexistência. Reexame do conjunto fático-probatório. Impossibili-dade. Súmula nº 7/STJ. Ausência de dissídio jurisprudencial. Improvimento. 1. Recurso especial interposto, nos autos de execução de título executivo extrajudicial movida pelo recorrido, devido ao inadimplemento de parcela abusiva em virtude de transferência de ente federativo de atleta. 2. Não há que se falar em omissão do acórdão recorrido e ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que ficou fundamentado o posicionamento com elementos suficien-tes à resolução da lide. 3. No caso em análise, ao deferir o pedido de penhora sobre a renda da recorrente, a convicção a que chegou o acórdão decorreu da análise do conjunto fático--probatório dos autos, e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencio-nado suporte, obstando a admissibilidade do especial o Enunciado nº 7 da Súmula desta Corte. 4. Não houve demonstração de dissídio jurisprudencial, diante da falta do exigido cotejo ana-lítico entre os julgados mencionados, bem como pela ausência de similitude fática, de maneira que inviável o inconformismo apontado pela alínea c do permissivo constitucional. 5. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.365.421 – (2013/0023904-1) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 04.12.2013 – p. 328)

972 – Competência – atleta amador de futebol – relação de trabalho – efeitos“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Ação de indenização. Com-petência. Atleta amador de futebol. Relação de trabalho. Acórdão fundado em interpretação constitucional e infraconstitucional. Súmula nº 126/STJ. Recurso especial com fundamento na alínea c. Ausência de similitude fática. Fundamentação deficiente. Ausência de indicação do dispositivo de lei federal tido por interpretado divergentemente. Divergência não caracterizada. 1. Aplicável a Súmula nº 126 do Superior Tribunal de Justiça quando há no acórdão recorrido fundamento constitucional não atacado por recurso extraordinário. 2. Inviável o conhecimento

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do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, nos termos dos arts. 541, pará-grafo único, do Código de Processo Civil e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, quando não demonstrada, como na hipótese, a similitude fática entre as hipóteses confrontadas, inviabilizando a análise da divergência de interpretação da lei federal invocada. 3. O recurso especial fundamentado no dissídio jurisprudencial exige, em qualquer caso, que tenham os acórdãos – recorrido e paradig-ma – examinado a questão sob o enfoque do mesmo dispositivo de lei federal. 4. Tendo sido in-terposto à moda de apelação, ou seja, deixando de indicar especificamente qual dispositivo legal teria sido violado pelo acórdão recorrido ou qual seria a divergência jurisprudencial existente, o recurso especial encontra-se inviabilizado nesta instância especial, a teor da Súmula nº 284 do Supremo Tribunal Federal. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 393.367 – (2013/0302494-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 02.12.2013 – p. 927)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 11, fev./mar.2013, ementa nº 638 do TRT 4ª R.e; RDD nº 07, jun./jul. 2012, ementa nº 402 do TST.

Comentário Editorial SÍNTESEDe acordo com o art. 3º da CLT, “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.Sabemos que para alguns o esporte é saúde e prazer e para outros é um meio de subsis-tência como todo e qualquer outro trabalho.Os atletas e os treinadores receberão salário pela atividade desenvolvida e, estando pre-sentes os requisitos do texto consolidado anteriormente transcrito, caberá a relação de emprego entre eles e a entidade desportiva que os contrataram.O advogado, especialista em Direito Desportivo, Dr. Leonardo Laporta Costa tece as se-guintes considerações:“Mister se faz, portanto, uma regulamentação legal do contrato de trabalho voltada, es-pecificamente, para o atleta profissional, de qualquer modalidade esportiva, o que se justifica em razão das características próprias e específicas que a atividade desportiva comporta e que o regime geral do contrato de trabalho quase que a ignora, não obstante a emergencial e explosiva prática de atividades desportivas profissionais, não só dos atletas de futebol, como também dos que praticam outras modalidades, como vôlei, basquete, atletismo, handebol, etc.[...]Não resta dúvida, portanto, que o desporto, em sua tipologia profissional, refere-se a uma prática desportiva profissional, independentemente da sua modalidade, desde que desempenhada pelo atleta como meio de subsistência, por meio dos proventos auferidos com o seu exercício.A profissionalização não se exterioriza pela prática de modalidade desportiva (futebol, basquetebol, handebol, etc.), mas sim pela forma pela qual essa atividade é praticada, ou seja, de modo profissional ou não-profissional.A Constituição Federal, em seu art. 5º, XIII, estabelece:‘Art. 5º, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.’Por sua vez, a Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), em seu já referido art. 3º, parágrafo único, I, dispõe que o desporto de rendimento pode ser organizado e praticado de ‘modo profis-sional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade que o remunera’.” (A prática esportiva como profissão. Juris Síntese. Porto Alegre: IOB Thomson, mar./abr. 2007. 64 CD-ROM)

973 – Conflito de competência – três demandas ajuizadas em foros distintos por clubes buscando inclusão na mesma vaga para disputa da série “C” do Campeonato Brasi-leiro – prevenção – observação

“Conflito positivo de competência. Três demandas ajuizadas em foros distintos por clubes bus-cando inclusão na mesma vaga para disputa da série ‘C’ do Campeonato Brasileiro. Prolação de

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medidas liminares colidentes. Conexão inconteste entre as ações. Prevenção do foro onde ocor-reu a primeira citação válida. Inteligência do art. 219 do CPC. Incidente parcialmente acolhido, para declarar a competência do juízo de Campina Grande (PB). 1. Fica plenamente configurado o conflito positivo de competência quando três juízos distintos deliberam sobre pretensão idên-tica, gerando a prolação de medidas liminares colidentes. 2. Diante da evidente conexão entre as ações veiculadas por clubes desportivos vindicando mesma vaga ao certame do Campeo-nato Brasileiro de Futebol da Série ‘C’, e tratando-se de hipótese de mera competência territo-rial, impõe-se a reunião dos processos no foro do juízo onde ocorreu a primeira citação válida (art. 219 do CPC). 3. Eventual questionamento quanto à própria competência territorial do juízo prevento deve ser dirimida em momento posterior, mediante oposição e julgamento da compe-tente exceção declinatória de foro, a ser oportunamente apreciada em primeira instância. Discus-são a esse respeito desborda ao âmbito de cognição instaurado no presente conflito, descabendo a esta Corte Superior manifestar-se sobre o tema, sob pena de manifesta supressão de instância. 4. Conflito conhecido e parcialmente acolhido, para declarar a competência do juízo de Cam-pina Grande (PB).” (STJ – CC 122.922 – (2012/0113722-9) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 06.12.2013 – p. 480)

974 – Estatuto do torcedor – Programa Sócio-Torcedor – passaporte rubro-negro – vali-dade

“Civil. Consumidor. Estatuto do torcedor. Recurso especial. Programa Sócio-Torcedor. Passapor-te rubro-negro. Validade. 1. Ação coletiva de consumo ajuizada pelo recorrente em fevereiro de 2010. Recurso especial distribuído em 27.08.2013. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada em 09.10.2013. 2. Recurso especial no qual se discute a validade de parte do programa de relacionamento do Clube de Regatas Flamengo, e seus torcedo-res, denominado ‘cidadão rubro-negro’, notadamente do chamado passaporte rubro-negro, que outorga facilidades na aquisição de ingressos para jogos de futebol, entre outras prerrogativas. 3. O torcedor, frente ao ordenamento protetivo, acha-se resguardado, primeiro, por lei especí-fica (Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor) e também,pelo CDC – Lei nº 8.078/1990 –, a segunda sendo utilizada em caráter subsidiário, tanto na sua aplicação principiológica, quanto normativa – quando não houver regulação específica. 4. Os programas de relacionamento entre clubes e torcedores, têm, por característica comum, a fidelização do torcedor aos eventos do clube – mormente às partidas de futebol nas quais o mando de campo pertença ao time – sendo esse o objetivo primário perseguido pela agremiação desportiva, da qual decorrem, por óbvio, acréscimos financeiros diretos – oriundos das contribuições dos torcedores e do aumento da frequência aos estádios –, e indiretos – como aumento no valor de quotas de transmissão tele-visiva e de negociações de patrocínios, existindo vantagens, também para o torcedor,que além do imaterial amor ao clube, recebem como estímulo, para a filiação ao programa, descontos na compra de ingressos, facilidades na obtenção desses, pagamento direto na catraca, no dia do jogo, etc. 6. As balizas para a verificação de possível perpetração de ilegalidade, passa então pela análise, in casu, de possível agressão dos contornos garantistas preconizados nos arts. 13 e 20, § 2º, da Lei nº 10.671/2003 – o primeiro exigindo a segurança dos locais das competições antes, durante e depois dos eventos, e o segundo prevendo a agilidade e acesso à informação, na venda de ingressos. 7. Essa proteção é impositiva, mas a circunstância de um determinado pro-grama de fidelização prever facilidades outras, não o torna discriminatório, ou ilegal, tão só pelo plus que agrega. É necessário se constatar a existência de vulneração ao mínimo, legalmente ou contextualmente, fixado. 8. A singela homogeneização de tratamento entre os sócios-torcedores e os demais torcedores, ou possíveis expectadores de um determinado jogo de futebol, frustra a implementação desse válido sistema de apoio ao clube, pois, os programas que premiam, de alguma forma, a participação do torcedor na vida financeira do seu clube têm, por ínsito, a outorga de vantagens aos sócio-torcedores, essas tidas como qualquer elemento diferencia-dor em relação aos demais torcedores não participantes do programa, que superam os padrões legais mínimos, pois esses são garantias mínimas, não vantagens. 9. Possível inadequação do clube em relação ao legal dever de qualidade no fornecimento do serviço deve ser discutida

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judicialmente, de forma solteira, sem o indevido atrelamento ao lídimo programa de relacio-namento estabelecido pelo clube recorrido. 10. Recurso não provido.” (STJ – REsp 1413192/RJ – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – J. 19.11.2013 – DJe 29.11.2013)

975 – Ingresso – venda com numeração de assento inexistente – responsabilidade da Fifa – alcance

“Juizados especiais da Fazenda Pública. Consumidor. Estatuto do torcedor. Jogo de futebol (Santos e Flamengo). Venda de ingresso com numeração de assento inexistente. Preliminar de ilegitimidade passiva do DF afastada. O envolvimento direto do DF no evento encontra. Se com-provado a fl. 94, a qual revela o seu interesse na realização do jogo como forma de cumprimento de suas obrigações e compromisso com a realização da Copa do Mundo em 2014, pois se tratava de jogo considerado evento teste da Fifa, daí decorre a sua responsabilidade legal e direta na re-alização do evento teste. Preliminar de ilegitimidade da federação brasiliense afastada. A simples alegação de que não tem relação nenhuma com o evento realizado enfrenta contradição com a remuneração recebida de R$ 347.435,50 (fl. 74). No mérito. Restou incontroversa a inexistência da cadeira com a respectiva numeração. Falha na prestação de serviço. Dever de devolução do valor do bilhete (R$ 80,00). No que tange aos danos morais, reconheço a existência de abor-recimentos, porém sem a potencialidade de ofender a dignidade do autor. Os danos morais se justificam diante de certa gravidade da situação e não de mero desconforto. Aliás, se a situação fosse dessa magnitude, poderia o autor simplesmente optar pela desistência de assistir o jogo, não sendo razoável entender que o autor preferisse assistir a um jogo de futebol em vez de preservar a sua dignidade. Recursos conhecidos. Preliminares afastadas. No mérito. Parcialmente provido para afastar a condenação por danos morais.” (TJDFT – Proc. 20130110787645 – (752016) – Rel. Juiz Flávio Fernando Almeida da Fonseca – DJe 23.01.2014 – p. 1011)

976 – Responsabilidade civil – clube – empréstimo de atleta jogador de futebol – alcance“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Cerceamento do direito de defesa indeferimento de prova testemunhal. Reabertura de instrução processual para integração do polo passivo da lide. Litisconsórcio passivo necessário. Prescrição. Unicidade contratual. Diferenças salariais. Responsabilidade do 1º reclamado (Paulista Futebol Clube). Suspensão do contrato de trabalho. Empréstimo do empregado/atleta de futebol profissional a outros clubes. Diferenças salariais. Unicidade contratual. Configuração. Férias. Atleta de futebol profissional pagamento em dobro e terço constitucional pagamento indevido. Descontos previdenciários empregador desportivo. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido.” (TST – AIRR 86940-58.2003.5.15.0021 – Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva – DJe 19.12.2013 – p. 1506)

Penal

977 – Ação civil pública – propositura pela MPF e União Federal – exploração de bingo – interdição – cabimento

“Apelação da parte ré contra sentença de parcial procedência exarada na ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e pela União Federal, objetivando a interdição da ativi-dade de exploração de jogo de bingo, promovido de modo permanente e com intuito de lucro, e a apreensão das máquinas eletronicamente programadas para o desempenho dessa atividade. Ilicitude demonstrada. Dano moral coletivo configurado (imoralidade evidente da promoção ‘co-mercial’ de jogos de azar, que ultrajou a coletividade do Estado de São Paulo). Remessa oficial tida por interposta provida. Apelo desprovido. 1. Apelação das empresas rés contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal e pela União Federal, objetivando – em defesa dos interesses difusos dos consumidores de São Paulo, Capital – a interdição da atividade de exploração de jogo de bingo, praticada de modo permanente e com intuito ‘comercial’ (lucrativo), bem como a apreensão das máquinas eletroni-

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camente programadas. 2. As decisões judiciais que acobertariam as atividades das rés, empresas exploradoras de jogos de bingo permanente, não mais subsistem, de acordo com as informações disponíveis no sistema informatizado dessa Corte. 3. A exploração de jogo de bingo permanente constitui atividade proibida em todo o território nacional, conforme análise das disposições le-gais atinentes à matéria: Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico), Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), Decreto-Lei nº 3.659/1998, Lei nº 9.981/2000. Conjugando-se todas essas disposições, conclui-se que pelo menos a partir de 01.01.2003 a exploração do jogo de bingo – que vinha sendo tolerada à luz da Lei nº 9.615/1998 – passou a ser proibida no território nacional. A vedação contida na Me-dida Provisória nº 168/2004 não foi inédita e sua rejeição pelo Senado Federal em nada alterou a ilicitude da exploração do jogo de bingo no Brasil. 4. Encerrando qualquer controvérsia, esse tema foi objeto da Súmula Vinculante nº 2, do eg. STF – é inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias (STF, Sessão Plenária de 30.05.2007, DJe nº 31 de 06.06.2007, DJ de 06.06.2007, DOU de 06.06.2007). 5. Ausente qualquer legitimação legal para que as empresas explorassem apa-relhos de jogos de azar, ou bingos, é evidente que seus responsáveis promoveram a prática de contravenção penal capitulada há muitos anos nos arts. 50 e 51 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (‘Lei das Contravenções Penais’), ou o crime contra a economia popular do art. 2º, inciso IX, da Lei nº 1.521/1951. Não há que se falar em ‘adequação social’ e nem em ‘insignificância’ dessa atividade, posto que feita em caráter comercial gera lucros inescrupulosos explorando-se a álea alheia, sorvendo-se recursos de trabalhadores e suas famílias. A repreensão se sintetiza na palavra de Rui Barbosa: ‘O que menos se perde é o dinheiro; no jogo, o homem vai perdendo aos poucos a energia, a fé, o juízo, a nobreza, a honra, a temperança e a caridade’. 6. A prática de jogo de azar, que já existia na Suméria e na China antiguíssimas, é tão antiga quando a oposição contra ele. Embora os imperadores Augusto e Cláudio apreciassem os jogos de dados, na Roma imperial era proibido jogar por dinheiro ou objetos de valor. Na Idade Média acentuou-se a oposição aos jogos em que a vitória não envolvia a ‘virtude’ (a capacidade, a força física, a destreza pessoal) e sim a álea. Em 813 o Concílio de Mogúncia decidiu que a Igreja devia excomungar todo aquele que se dedicasse ao jogo de azar; em 1254, Luiz IX, 40º rei de França e posteriormente santifica-do, proibiu a fabricação de dados. Em 1319, Carlos IV, rei de França, proibiu o jogo de dados, o gamão, etc. A abjeção à prática dos jogos de azar é visível na passagem do Novo Testamento em que soldados romanos jogam dados para, mediante ‘sortes’, dividirem as vestes de Cristo. 7. Perfeitamente cabível a condenação das rés no ressarcimento de dano moral coletivo diante do despudor daqueles que, à míngua de qualquer legitimação, promoveram a prática comer-cial de jogos de azar que contaminou os bons costumes e ultrajou a coletividade do Estado de São Paulo: as rés pagarão ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, solidariamente, o valor de R$ 50.000,00, corrigido a partir desta data conforme os termos da Resolução nº 134/CJF e acres-cido de juros de mora desde 01.01.2003, data em que através da conjugação dos dispositivos legais que regulavam a matéria pode-se concluir que não mais persistia o direito de exploração do jogo de azar. Remessa oficial tida por interposta nos termos do art. 19 da LIA c/c art. 475, I, do CPC, que é provida. 8. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0015662-76.2004.4.03.6100/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 29.11.2013 – p. 1108)

978 – Ação de cobrança – intermediação em contratação de jogador de futebol – existên-cia da dívida – comprovação – cabimento

“Apelação cível. Ação de cobrança. Conexão. Cerceamento de defesa. Inocorrência. Comissão. Intermediação em contratação de jogador de futebol. Existência da dívida comprovada. 1. Em-bora tenha havido o reconhecimento de conexão, não se admite a reunião dos processos se um deles já foi julgado (Súmula nº 235 do STJ). 2. Não existe cerceamento de defesa se as provas constantes dos autos são suficientes para firmar o convencimento do juiz, permitindo o julgamen-to antecipado da lide (art. 330, I, CPC). 3. Tendo o autor comprovado, com fulcro no art. 212 do CC c/c art. 333, inciso I, do CPC, a existência da relação jurídica que originou a comissão, bem como o inadimplemento parcial por parte do réu, deve este ser compelido a pagar o valor rema-

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nescente. Apelo conhecido porém desprovido.” (TJGO – AC 200892774355 – 4ª C.Cív. – Rel. Marcus da Costa Ferreira – DJe 08.01.2014 – p. 79)

979 – Competência – Justiça Estadual – apreensão de máquinas caça-níqueis – descabi-mento

“Processo penal. Recurso em sentido estrito. Máquinas caça-níqueis. Crime de contrabando. De-clínio de competência para Justiça Estadual. Descabimento. I – A jurisprudência deste Tribunal encontra-se consolidada no sentido de considerar como típica a conduta de manter em estabele-cimento comercial máquinas caça-níqueis, cujos componentes notoriamente possuem origem es-trangeira (placa-mãe, noteiros e fontes), desacompanhados de documentação legal. II – As provas carreadas aos autos, mormente o Termo de Constatação Fiscal, a Ordem de Operação nº SRRF07/DIREP/031/2007 e o relatório da operação, e os Termos de Apreensão, Constatação, Lacração, Intimação, Transporte e Recebimento de Máquinas de Jogos de Azar, indicam que existem com-ponentes de origem e/ou procedência estrangeira presentes nas máquinas examinadas, sendo que a defesa não logrou comprovar a regularidade da importação de tais equipamentos. Ainda que se entenda que o ofício informativo da ABINEE, por si só, não constitui prova irrefutável sobre a origem estrangeira dos componentes das máquinas caça-níqueis, não se pode deixar de reconhecer que o mesmo constitui suporte probatório relevante, podendo reservar-se a eventual produção de laudo definitivo ou, mesmo, a juntada de laudo indireto, efetuado em equipamentos semelhantes, no decorrer da instrução criminal. III – Por outro lado, equivocado o entendimento no sentido de que a importação/utilização irregular dos componentes de máquinas caça-níqueis nada mais seria do que um ante factum impunível viabilizador da prática de exploração de jogos de azar, a uma porque os bens jurídicos tutelados são distintos, a duas porque o delito de con-trabando possui maior potencial ofensivo, não podendo ser absorvido pela citada contravenção penal. IV – Recurso em sentido estrito provido, para fixar a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.” (TRF 2ª R. – RSE 2010.51.01.806178-6 – (3511) – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva – DJe 17.12.2013 – p. 158)

980 – Crime de contrabando – exploração de máquinas caça-níqueis – componentes de origem estrangeira introduzidos ilegalmente no País – configuração

“Apelação criminal. Contrabando. Art. 334, § 1º, alíneas c e d do Código Penal. Exploração de máquinas caça-níqueis. Componentes de origem estrangeira introduzidos ilegalmente no País. 1. Uma vez comprovado que o réu utilizava as máquinas apreendidas em proveito próprio, cujos componentes eram de origem estrangeira e ilegalmente introduzidos no País, e que, tendo co-nhecimento acerca da origem ilegal dos equipamentos, tinha também ciência de que praticava o contrabando ou, ao menos, assumiu tal risco, estão demonstradas a materialidade e a autoria, configurando-se, pois, o crime previsto no art. 334 § 1º, c, do Código Penal. 2. Para a caracteriza-ção do tipo penal descrito no art. 334, § 1º, alíneas c e d do Código Penal, não se exige a atuação direta na internacionalização do produto, bastando a utilização dos referidos itens ilícitos, de qualquer forma, pelo agente, no exercício de atividade comercial, ou o mero recebimento de tais produtos para proveito comercial. 3. Não há como afastar o dolo quanto ao tipo descrito no art. 334, § 1º, alíneas c e d do Código Penal, eis que não se pode supor que o homem médio, quanto mais na condição de gerente, aceite em estabelecimento sob sua responsabilidade máqui-nas de origem desconhecida, com o fito de explorar atividade ilícita (jogos de azar). 4. Quanto à origem da mercadoria apreendida, a representação fiscal para fins penais, o Auto de Apreensão, o Termo Circunstanciado e o laudo pericial, ainda que indireto, indicam que existem componentes de origem e/ou procedência estrangeira presentes na máquina examinada, semelhante à encon-trada no estabelecimento comercial do réu, sendo que a defesa não logrou comprovar a regulari-dade da importação de tais equipamentos, em que pese tenha tido oportunidade para tanto. Logo, não há que se falar em violação ao art. 155 do CPP. 5. Recurso de apelação desprovido.” (TRF 2ª R. – ACr 2012.50.01.011440-1 – (11117) – 2ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva – DJe 16.12.2013 – p. 400)

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Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 16, dez./jan.2014, ementa nº 913 do STJ.

981 – Crime de contrabando – máquinas “caça-níquel” – autoria e materialidade delitiva comprovação

“Penal. Processual penal. Apelação. Contrabando de máquinas ‘caça-níquel’. Art. 334, § 1º, c, Código Penal. Autoria e materialidade delitiva comprovadas. Dolo demonstrado. Erro sobre ilici-tude do fato afastado. Desclassificação para contravenção de exploração de jogos de azar. Impos-sibilidade. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Lei nº 9.807/1999 inaplicável ao caso por ausência de pressupostos objetivos. Atenuantes. Redução da pena aquém do mínimo legal. Impossibilidade. Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. Apelação desprovida. 1. Mate-rialidade delitiva comprovada pela prova documental acostada aos autos, qual seja, boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão e laudo pericial relativo às três máquinas apreendidas. 2. Autoria comprovada pelas provas carreadas aos autos, sobremaneira depoimento testemunhal e interrogatório do acusado. 3. Dolo configurado, notadamente quando se observa o intento do apelante em explorar comercialmente as máquinas apreendidas com fim lucrativo. 4. Não pro-cede o alegado desconhecimento sobre ilicitude do fato. Deveras, nas circunstâncias de tempo e lugar em que se encontrava o apelante, impossível tal desconhecimento. Ressalte-se, ainda, que o apelante está sendo processado pela infringência do mesmo tipo penal, em ação distribuída anteriormente a esta, o que afasta qualquer possibilidade de se escusar da conduta perpetrada com base no invocado desconhecimento sobre a ilicitude. 5. Conduta que se amolda ao crime previsto no art. 334, § 1º, c, do Código Penal. O contrabando e a contravenção de exploração de jogos de azar são infrações penais autônomas e distintas. Impossibilidade de consunção visto que o crime de contrabando é mais grave que a contravenção penal de exploração de jogos de azar, não havendo que se considerar absorvido por esta. 6. Pelo cotejo entre os requisitos fixados pela Corte Suprema para aplicação do princípio da insignificância e o bem jurídico tutelado no caso do contrabando, não se mostra viável considerar insignificante uma conduta que viola bens jurídicos caros ao Estado e à sociedade, como a própria soberania e desenvolvimento nacional. Aplicação do princípio da insignificância afastada. 7. Nos autos não se vislumbra a presença de nenhuma das hipóteses ou requisitos objetivos para aplicação do art. 13 da Lei nº 9.807/1999. A consequência natural, portanto, é a absoluta impossibilidade da aplicação, ao caso, do perdão judicial e extinção da punibilidade pretendidos. 8. Como a pena foi aplicada no mínimo legal, incabível reduzi-la, em razão de eventuais atenuantes, aquém do quantum fixado. Esse é o en-tendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, a teor do verbete da Súmula nº 231. 9. Condenação mantida. 10. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – ACr 0001790-64.2009.4.03. 6117/SP – 5ª T. – Rel. Juiz Fed. Conv. Rubens Calixto – DJe 11.12.2013 – p. 654)

982 – Doping – turfe no Brasil – suspeita – multa aplicada ao proprietário e treinador do cavalo – reconhecimento

“Turfe. Exame antidoping. Lei específica. Previsibilidade. Ofensa aos princípios do devido pro-cesso legal, ampla defesa e contraditório. Inocorrência. Jogo e aposta. Turfe no Brasil. Suspensão aplicada ao proprietário do cavalo e ao seu treinador por suspeita de doping. Laudo de exame cromatográfico realizado na França. Decisão agravada que indeferiu o pedido de antecipação de tutela. Alegação de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Punição apli-cada pelo Jockey Club do Brasil aos agravantes sem o devido processo legal. Não ocorrência. As corridas e as apostas são regidas pela Lei nº 7.291/1984 (Lei do Turfe), por seu Regulamento (Decreto nº 96.993/1988) e pelo Código Nacional de Corridas (‘CNC’), cabendo ao Ministério da Agricultura controlar e fiscalizar as entidades turfísticas que dependem de autorização governa-mental para funcionar. O rigor da lei no tratamento de casos de doping tem por escopo evitar a ocorrência de fraude, resguardando tanto a credibilidade das apostas e dos recursos financeiros dos apostadores, como também a integridade física e mental dos animais. O Código Nacional de Corridas estabelece em seus arts. 169 e 170 que, após a realização do páreo, o animal ven-

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cedor é encaminhado, juntamente com o seu treinador, para a coleta do material necessário ao exame antidoping e à contraprova de seu resultado positivo. O art. 172 da referida legislação específica dispõe que, em caso de constatação de presença de substância proibida ou qualquer anomalia quando da análise da primeira amostra, a Comissão de Corridas, órgão de direção e gerenciamento das corridas e apostas do CNC, notifica o proprietário e o treinador do animal para a ciência do resultado positivo e da data designada para a contraprova, através de uma segunda amostra. In casu, alegam os agravantes violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como ao livre exercício da profissão, por entenderem que as sanções a eles impostas não observaram o devido processo legal. Da breve análise da documentação carreada aos autos, quando da apreciação do efeito suspensivo, constatou-se a plausibilidade do direito invocado, especificamente em relação à recusa do agravado em apresentar o laudo solicitado ao agravante. Por outro lado, melhor analisando o caso, entendo que o agravado pode aplicar eventuais punições impostas aos agravantes, ainda que em sede administrativa, não havendo que se falar em cerceamento de defesa, desde que observado o devido processo administrativo, o que se deu no presente caso. Compulsando os autos, constata-se que os agravantes não apresentaram os recursos administrativos previstos pelo CNC para impugnar as decisões administrativas, bem como deixaram de acompanhar a realização da contraprova, ao argumento de que a realização do exame antidoping em laboratório no exterior além de custoso dificulta o processo de defesa. Contudo, tais alegações não podem prosperar primeiramente porque, o CNC estabelece que todas as despesas serão custeadas pelo agravado (resolução da Comissão de Corridas nº 143 de 11.06.2013) e, em segundo, porque tanto a escolha do laboratório como as sanções previstas em caso de constatação de doping constituem ato interna corporis, guardando conteúdo de mérito administrativo, não podendo, portanto, o poder judiciário imiscuir-se, a não ser pela análise de sua legalidade. Precedentes jurisprudenciais. Instrumento a que se dá parcial provimento.” (TJRJ – AI 0050855-27.2013.8.19.0000 – 8ª C.Cív. – Relª Flavia Romano de Rezende – DJe 15.01.2014 – p. 35)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 05, fev./mar.2012, assunto especial intitulado “Doping”.

Comentário Editorial SÍNTESEPara o ilustre Juiz de Direito Dr. Alexandre Morais da Rosa:“Grosso modo, doping é fraude, jogo sujo! Surgido no âmbito dos esportes, o doping se constitui como problema privado e público, especialmente nas competições, tanto assim que o Comitê Olímpico Internacional criou entidades para ‘combater’ o fenômeno: World Anti-Doping Agency – Wada. A função básica seria a prevenção e repressão da fraude e da trapaça nas disputas, garantindo-se o fair play (jogo limpo) e se protegendo tanto os atletas como o próprio jogo.De outro lado, no campo do processo penal entendido como jogo, pode-se invocar, quem sabe, a noção de doping processual para superar a teoria das nulidades. No Brasil, a teoria das nulidades do processo penal, com origem civilista, é um caos. Prevalece a discussão entre ausência de prejuízo, malversação das normas procedimentais, enfim, dilemas ideológicos travestidos de questões processuais, cuja superação é necessária. A legitimidade do provimento judicial dependerá do desenrolar correto dos atos e posições subjetivas previstos em lei, do fair play. E a perfeita observância dos atos e posições subjetivas dos atos antecedentes (subjogos) é condição de possibilidade à validade dos subsequentes. Logo, a mácula procedimental ocorrida no início do processo – partida – contamina os demais, os quais, para sua validade, precisam guardar referência com os anteriores. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do procedimento é inser-vível à finalidade a que se destina. A decisão final, preparada pelo procedimento, também se constitui como parte desse, ou melhor, sua parte final, o julgamento do jogo processual. A doutrina diferencia a ‘mera irregularidade’ (sem violação do conteúdo do ato) da ‘inexis-tência’ (por ausência de requisito de sua validade – alegações finais por não advogado ou sentença por não juiz), ‘nulidade relativa’ e ‘nulidade absoluta’. Em relação a essa distinção,

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também com Lopes Jr., pode-se afirmar a insuficiência das categorias e, a partir do proces-so como procedimento em contraditório, bem assim da reserva de jurisdição, só há nulida-de por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades do CPP (arts. 563-573), além de ultrapassado, é confuso. Adota a compreensão da verdade substancial (CPP, art. 566), possui dispositivos revogados em outros locais do próprio CPP (art. 564, III, a, b, c, III), bem como indica compreensão civilista, incompatível com o devido processo legal subs-tancial, da ausência de prejuízo – pas nullité sans grief (CPP, art. 563).”

Trabalhista

983 – Atleta profissional – cláusula penal – aplicabilidade“Recurso ordinário do reclamante. Atleta profissional. Cláusula penal. A iterativa, notória e atual jurisprudência do col. Tribunal Superior do Trabalho entende que o atleta profissional, cuja rescisão contratual se deu anteriormente ao advento da Lei nº 12.395/2011, não tem direito à indenização prevista no art. 28 da Lei Pelé, que é devida apenas à entidade desportiva, no caso de o atleta mo-tivar a rescisão contratual. Recurso ordinário do reclamado. Deserção. Devem ser apresentados os originais do comprovante de depósito recursal e do recolhimento das custas, sob pena de ser con-siderado deserto o apelo, mormente quando o advogado sequer declara a autenticidade das peças reprográficas vindas aos autos.” (TRT 1ª R. – RO 0001827-72.2011.5.01.0207 – 3ª T. – Relª Angela Fiorencio Soares da Cunha – DOERJ 09.12.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 02, ago./dez. 2012, Assunto especial intitulado “Cláusula penal x cláusula indenizatória e cláusula compensatória”.

984 – Atleta profissional – contratos sucessivos – unicidade – prescrição – inocorrência“Prescrição. Atleta profissional. Contratos sucessivos. Unicidade. Inocorrência. Os contratos de emprego celebrados com atletas, dada a especificidade da profissão, submetem-se a regramento específico, previsto na Lei nº 9.615/1998, cujo art. 30 prevê: ‘O contrato de trabalho do atle-ta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos’. Não há, portanto, a possibilidade de contratação a prazo indeterminado, nem, consequentemente, espaço para aplicação da regra prevista nos arts. 445 e 451 da CLT, inci-dentes, em geral, sobre os contratos gerais de emprego sob prazo certo (o que passou a constar expressamente no parágrafo único do art. 30 da Lei nº 9.615/1998, com a redação dada pela Lei nº 12.395/2011). Logo, em vista da obrigatória determinação de prazo, não se pode interpretar que da simples realização de contratos sucessivos decorra unicidade contratual para fins de cál-culo prescricional, principalmente quando, como no caso, não haja indícios de que tal prática tenha objetivado fraudar algum direito do trabalhador. Recurso da ré a que se dá provimento. Direito de imagem. Exploração comercial licenciada. Legitimidade ativa. O direito de imagem é personalíssimo e intransmissível, conforme dispõe o art. 11 do Código Civil, motivo pelo qual a sua exploração comercial por pessoa jurídica não exclui a legitimidade do atleta profissional de futebol para receber eventuais valores devidos pelo seu empregador. Trata-se de atributo que compõe a natureza humana, cabendo, igualmente, ao empregado, postular os efeitos patrimo-niais do uso de sua imagem, vez que é ele o próprio titular do direito. Sentença mantida. Direito de arena. Ônus da prova. Princípio da aptidão. Ao admitir que o autor, como atleta profissional de futebol, atuou em partidas oficiais, com direito de transmissão comercializado, o empregador atrai para si a demonstração de quantos e quais jogos teria participado. Trata-se de aplicação do princípio da aptidão para a prova, já que, como clube gerente da prática desportiva. Responsável pela realização e administração tanto dos contratos firmados comas entidades desportivas quanto com empresas de comunicação –, detém as melhores condições para a prestação de tais infor-mações. Recurso da ré ao qual se nega provimento. Clube de futebol. Descontos previdenciários.

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Aplicação do art. 22, § 6º, da Lei nº 8.212/1991. Tratando-se, a ré, de associação desportiva que mantém equipe de futebol profissional, devida é a observância do disposto no § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212/1991 quanto à contribuição previdenciária à cargo do empregador. Recurso do réu provido, nesse ponto.” (TRT 9ª R. – RO 332-49.2011.5.09.0084 – Relª Sueli Gil El Rafihi – DJe 24.01.2014 – p. 573)

985 – Atleta profissional – direito de arena – receita proveniente de exploração de direitos desportivos – alcance

“Atleta profissional. Direito de arena. Art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998. Procedência. De acordo com o referido dispositivo legal, antes da alteração promovida pela Lei nº 12.395/2011, parte da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais era repassada, em cotas iguais, aos atletas participantes do espetáculo. Não havendo prova de quitação dessa parcela, o reclamante faz jus ao seu quinhão.” (TRT 1ª R. – RO 0125500-62.2008.5.01.0222 – 3ª T. – Rel. Rildo Brito – DOERJ 29.11.2013)

986 – Atleta profissional – jogador de futebol – lesão – intervenção cirúrgica – responsabi-lidade – alcance

“Antecipação de tutela. Perecimento do objeto. Inexistência. Os elementos dos autos permitem concluir que não obstante o autor, jogador de futebol, tenha participado de outros jogos após a partida em que sofreu a lesão noticiada na inicial, a intervenção cirúrgica é necessária para a sua reparação, razão por que deve ser mantida a antecipação de tutela deferida, com fins de que a parte ré arque com os custos da intervenção cirúrgica e o tratamento que se fizer necessário, sob pena de multa diária.” (TRT 1ª R. – RO 0001170-54.2012.5.01.0221 – 4ª T. – Relª Tania da Silva Garcia – DOERJ 03.12.2013)

987 – Cláusula penal – liberação para o jogador de futebol firmar contrato com nova agre-miação desportiva – efeitos

“Agravo de instrumento em recurso de revista. Cláusula penal. Liberação para o jogador de fu-tebol firmar contrato com nova agremiação desportiva. Atualização dos seus valores. Não com-provação de violação direta a preceitos de ordem constitucional. Súmula nº 266 do TST. Em se tratando de recurso interposto contra decisão proferida em execução, o processamento da revista exige a comprovação de violação direta e literal a preceito de ordem constitucional (Sú-mula nº 266 do TST). Não o fazendo a parte interessada, fica o seu recurso de revista impedi-do de processamento. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AIRR 9302300-92.2006.5.09.0008 – Relª Min. Maria de Assis Calsing – DJe 06.12.2013 – p. 1064)

Remissão Editorial SÍNTESERDD nº 02, ago./dez. 2012, Assunto especial intitulado “Cláusula penal x cláusula inde-nizatória e cláusula compensatória”.

988 – Competência em razão do lugar – técnico de futebol – art. 651 da CLT – observação“Técnico de futebol. Competência em razão do lugar. Apesar do Esporte Clube Bahia realizar partidas de futebol fora do lugar onde o do contrato de trabalho foi assinado, e de o reclaman-te ter endereço residencial e profissional em Porto Alegre, entende o Colegiado que o § 3º do art. 651 da CLT, não autoriza como alternativa o domicílio do empregado para acolher a exce-ção de incompetência do lugar – isto porque este dispositivo processual deve ser interpretado harmonicamente com o caput do mesmo artigo.” (TRT 4ª R. – RO 0000756-74.2013.5.04.0015 – 7ª T. – Relª Desª Tânia Regina Silva Reckziegel – DJe 13.12.2013)

Comentário Editorial SÍNTESECom relação ao disposto no art. 651 da CLT, temos que:“Exceção de incompetência em razão do lugar. Art. 651 da CLT. Ainda que o reclaman-te possa ter recebido telefonema de representante legal do reclamado apresentando-lhe proposta para trabalhar como treinador do time de futebol, quando se encontrava em sua

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residência no Município de Novo Hamburgo/RS, é certo que sua contratação formal ocor-reu em Brusque, Santa Catarina, sede do clube contratante. Incontroverso, ainda, o fato de que jamais houve prestação laboral em Novo Hamburgo. Desse modo, mesmo à luz dos princípios que consagram o livre acesso à Justiça, carece de amparo legal a pretensão quanto à fixação da competência jurisdicional em razão do local do domicílio do recla-mante, pois o art. 651 da CLT é peremptório no sentido de que a competência das Varas do Trabalho é determinada pelo local da contratação ou da prestação de serviços. Cum-pre, pois, manter a decisão que acolheu a exceção de incompetência em razão do lugar suscitada pelo clube reclamado e determinou a remessa dos autos à Vara do Trabalho de Brusque, Santa Catarina, não havendo falar em afronta ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.” (TRT 4ª R., RO 0000566-85.2011.5.04.0305, 7ª T., Rel. Des. Marçal Henri dos Santos Figueiredo, DJe 28.09.2012)

989 – Contrato por prazo determinado – acidente do trabalho – período correspondente à estabilidade provisória – indenização

“Jogador de futebol. Contrato por prazo determinado. Acidente de trabalho. Indenização pelo período correspondente à estabilidade provisória da Lei nº 8.213/1991. A Lei nº 8.213/1991, em momento algum, excluiu dos possíveis beneficiários da estabilidade acidentária prevista no art. 118, os trabalhadores com contrato a termo, pena de violação a princípios constitucionais maiúsculos protetivos dos direitos sociais nas relações de trabalho. Esse o entendimento mais recente do col. TST, após longo período de divergências, consubstanciado na nova redação da Súmula nº 378. Das indenizações por danos morais e materiais. Apesar de comprovados o dano e o nexo deste com o labor, nada se provou no que diz respeito à atitude culposa ou dolosa da agremiação reclamada, a qual, pelo contrário, demonstrou ter tomado todas as medidas cabíveis ao bom atendimento do atleta lesionado, providenciando, às suas expensas, não só o tratamen-to cirúrgico, bem como o fisioterápico, o que afasta a responsabilização pelos danos morais e materiais perseguida. Do seguro de vida e acidentes pessoais da Lei nº 9.615/1998-Lei Pelé. O que a Lei nº 9.615/1998 cuidou com a obrigatoriedade de as entidades de prática desportiva contratarem seguro de vida e de acidentes pessoais foi, em verdade, assegurar, de imediato, aos atletas profissionais um automático benefício, independentemente de se fazerem presentes os elementos assecuratórios das indenizações civis por danos morais e materiais previstas no novel Código. Honorários advocatícios. Cabimento na justiça do trabalho. A Lei nº 5.584/1970, que trata da assistência judiciária ao trabalhador, impôs aos sindicatos a obrigação de prestar a assistência judiciária aos necessitados, mas não expressa que essa assistência é exclusiva do sindicato. Forçoso concluir, então, que o empregado pode livremente constituir advogado para patrocinar a sua causa trabalhista, já que não há qualquer óbice normativo para aplicação, nas causas afeitas à competência da Justiça do Trabalho, das normas previstas no art. 20 do CPC e do Estatuto da Advocacia, Lei nº 8.906/1994. Deve-se, pois, data venia, afastar o entendimento exposto nas Súmulas nºs 219 e 329 do TST, para conceder honorários advocatícios, limitando-se o percentual a 15%.” (TRT 7ª R. – RO 1198-33.2011.5.07.0013 – 3ª T. – Rel. Plauto Carneiro Porto – DJe 13.01.2014 – p. 18)

990 – Contrato por prazo determinado – treinador profissional de futebol – multa do art. 479 da CLT – aplicação – efeitos

“Recurso de revista. Preliminar de nulidade por cerceamento de defesa. Acolhimento de contra-dita de testemunha do reclamado. Representante legal do reclamado. Impedimento. Consignado pelo eg. TRT que a oitiva de testemunha impedida encontra óbice na norma legal, no art. 405, § 2º, III, do CPC, não há que se falar em cerceamento de defesa. Incólume, portanto, o art. 5º, LV, da CF. Recurso de revista não conhecido. Vínculo de emprego. Contrato por prazo determinado. Período de 20.02.1011 a 26.11.2011. Treinador profissional de futebol. Multa do art. 479 da CLT. O eg. TRT delimitou ser incontroverso que o Paraná Clube e o autor firmaram contrato por prazo determinado com vigência de 21.02.2011 até 26.11.2011, em face da ausência de contestação por parte do reclamado dos termos da petição inicial no momento oportuno. Por essa razão, man-teve a condenação ao pagamento da indenização prevista no art. 479 da CLT. Nesse contexto,

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não há que se falar em ofensa às regras de distribuição do ônus da prova, razão por que ilesos os arts. 818 da CLT, e 333, I, do CPC. Recurso de revista não conhecido. Salário contratual. Valor fixado. Ônus da prova. O eg. TRT manteve a r. sentença quanto ao valor fixado a título de salário contratual com fundamento na prova testemunhal produzida. Ileso, portanto, o art. 818 da CLT. Recurso de revista não conhecido. Diferenças salariais. Direito de imagem. Natureza jurídica da parcela. O eg. TRT considerou que a parcela paga como contraprestação pelo uso da imagem do reclamante, de forma fixa, mensal e no decorrer do contrato de trabalho, detém natureza jurídica salarial, razão por que deve integrar a remuneração do autor. Não se trata, no caso dos autos, de ofensa ao direito de imagem garantido constitucionalmente, passível de reparação moral e mate-rial, mas de remuneração pela utilização da imagem do autor, em razão do contrato de trabalho firmado entre as partes. Conquanto decorra de direito personalíssimo de natureza civil, no caso concreto a parcela está ligada diretamente do contrato de trabalho e remunera o profissional pela participação em partidas disputadas em favor do clube reclamado. Portanto, a parcela detém natureza salarial, devendo integrar a remuneração para todos os fins. Precedentes. Recurso de revista conhecido e desprovido. Salário in natura. Alimentação. Integração ao salário. Diante do óbice da Orientação Jurisprudencial nº 111 da SDI-1, não há como admitir o recurso interposto. Recurso de revista não conhecido. Pagamento de bichos. Premiação por resultados em campe-onatos de futebol. Natureza jurídica. Integração ao salário. Em relação ao pagamento de bichos, parcela destinada a premiar o atleta por resultados positivos em campeonatos de futebol, extrai-se do v. julgado regional tese no sentido de que restou constatada a habitualidade, com fundamento nos recibos acostados pelo clube, na medida em que em três meses de duração do contrato de trabalho, quatro parcelas foram quitadas, relacionadas a quatro partidas. Nesse contexto, não há que se falar em ofensa às regras de distribuição ao ônus da prova, pois a v. decisão fundamentou--se na prova efetivamente produzida. Ilesos, assim, os arts. 818 da CLT, e 333, I, do CPC. Recurso de revista não conhecido. Horas extraordinárias. Adicional noturno. Jornada de trabalho. Ônus da prova. A tese do v. julgado recorrido é no sentido de que admitido pelo clube reclamado con-tar com mais de 10 (dez) funcionários, não juntou aos autos os registros de jornada, razão pela qual presumiu verdadeiros os horários apontados pelo autor, nos termos da Súmula nº 338, III, do col. TST. Em relação ao trabalho no período noturno, consignou que o trabalho noturno restou devidamente demonstrado, com fundamento na prova documental. Ilesos, assim, os arts. 818 da CLT, e 333, I, do CPC. Recurso de revista não conhecido. Diferenças de FGTS. Reflexos sobre as parcelas salariais reconhecidas judicialmente. Desfundamentado. O recurso de revista, no tema, está desfundamentado porque o reclamado não apontou violação ou divergência jurisprudencial a fim de fundamentar o seu apelo. Óbice do art. 896 e alíneas. Recurso de revista não conhecido. Multas dos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT. Reconhecimento judicial do vínculo de emprego. Resta consignado na v. decisão recorrida que não há, em verdade, controvérsia relativa ao vínculo de emprego, mas apenas em relação ao montante ajustado a título de salário, não havendo discus-são, inclusive, sobre a data de início e término do contrato de trabalho. Os dois arestos trazidos ao cotejo de teses são inservíveis, na medida em que não indicam o órgão de publicação oficial. Óbice da Súmula nº 337, I, a, do col. TST. Recurso de revista não conhecido. Indenização por danos morais. Atraso no pagamento de salários e de verbas rescisórias. Três meses consecutivos de mora salarial. A col. Turma entende que o atraso no pagamento dos salários de forma reiterada enseja o pagamento de indenização a título de dano moral, ocorrendo um dano in re ipsa. No caso, o eg. Tribunal Regional consigna o atraso reiterado no pagamento dos salários, em meses consecutivos. A indenização, além de possuir natureza reparatória, também deve ter o condão de desestimular condutas como a da reclamada, em franco prejuízo ao reclamante. Ressalva de entendimento deste relator. Recurso de revista não conhecido. Indenização por danos morais. Atraso no pagamento de salários. R$ 15.000,00. Valor arbitrado. Redução. A fixação do valor da indenização por dano moral deve se pautar nos princípios da razoabilidade e da equidade, pelo que se deve evitar um valor exorbitante ou irrisório, a ponto de levar a uma situação de enriquecimento sem causa ou a de não cumprir a função inibitória. No caso retratado pelo eg. Tribunal Regional observa-se que a quantia estabelecida como indenizatória guarda pertinência

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com o dano sofrido pelo empregado, tem o condão de compensar o sofrimento da vítima e de inibir a reiteração da prática pela reclamada. Portanto, não há que se falar que o valor arbitra-do não observou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, não justificando, pois, a excepcional intervenção deste Tribunal Superior. Recurso de revista não conhecido. Descontos fiscais. Critério de abatimento. Diante da consonância do julgado regional com a nova redação do item II da Súmula nº 368 desta Corte, não há como admitir o recurso interposto. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 990-47.2011.5.09.0028 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 13.12.2013 – p. 1834)

Comentário Editorial SÍNTESENo tocante à aplicação do art. 479 do contrato desportivo, temos o seguinte entendimento do Mestre Rafael Teixeira Ramos, que leciona:

“Por fim, impende destacar, que o novel § 10 do art. 28 c/c art. 31 da Lei Pelé excluíram de vez do contrato de trabalho desportivo os desajustados arts. 479 e 480 da CLT, criados para outros tipos e realidades de trabalho.” (Cláusula indenizatória desportiva e cláusula compensatória desportiva: nova sistemática rescisória do contrato de trabalho do atleta. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, Porto Alegre, a. I, n. 02, p. 18, ago./set. 2011)

991 – Contribuição previdenciária – associação desportiva – manutenção de equipe de futebol – recolhimento

“Recurso do reclamante. Verbas rescisórias. Lei Pelé. Período a ser considerado para o cálculo das verbas rescisórias. A modalidade da dispensa ocorrida e comprovada nos presentes autos é a de dispensa sem justa causa e não rescisão indireta por culpa do empregador, motivo pelo qual não se aplica o art. 28, § 9º, da Lei Pelé (Lei nº 12.395/2011), para fins de ampliação do período de cálculo das verbas rescisórias além do fim da prestação de serviços (até o final da previsão contratual), pois não houve culpa da entidade de prática desportiva empregadora, na extinção do contrato. Recurso do reclamado. Recolhimento da contribuição. Associação desportiva que man-tém equipe de futebol. Aplicação do § 6º do art. 22 da Lei nº 8.212/1991. A contribuição patronal dos clubes de futebol corresponde a 5% da receita bruta decorrente dos espetáculos desportivos ocorridos no território nacional e também de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e transmissão de espetáculos e o recolhimento da cota devida aos clubes é feito pelas respectivas federações e patrocinadoras. Recursos ordiná-rios conhecidos; Recurso do reclamante desprovido e recurso do reclamado provido em parte.” (TRT 21ª R. – RO 62800-16.2012.5.21.0008 – (131.870) – Rel. Des. Ronaldo Medeiros de Souza – DJe 13.01.2014 – p. 45)

992 – Direito de arena – atleta escalado na condição de reserva – irrelevância – pagamen-to devido

“Direito de arena. Atleta escalado na condição de reserva. Pagamento devido. Todos os atletas da equipe escalados para a partida televisionada, seja como titular, seja como reserva, devem re-ceber o ‘direito de arena’, por terem participado do espetáculo. Ainda que o jogador reserva não tenha atuado na partida, em substituição a algum titular, tem-se que ocorreu a veiculação da sua imagem, como por exemplo, nas tomadas do banco de reserva, aquecimento para a partida, di-vulgação de seu nome, etc. Além disso, tratando-se de valor decorrente do contrato de trabalho, devido apenas quando o trabalhador participa das partidas de futebol em que se comprometeu perante o clube, inegável que o direito de arena possui natureza salarial, ainda que limitada a 16.03.2011, quando entrou em vigor a Lei nº 12.395/2011. Daí em diante, por expressa dispo-sição legal, a verba assumiu natureza indenizatória, incapaz de repercutir em outras verbas. Re-curso do autor ao qual se dá parcial provimento, nesses termos. Ausência de assinatura do TRCT. Multa do art. 477, § 8º, da CLT. Inaplicável. O art. 477, § 8º, da CLT, é expresso ao determinar a imposição de multa quando não obedecidos os prazos para pagamento dos valores rescisórios estipulados no § 6º, do mesmo dispositivo legal. Por essa razão, realizado tempestivamente o

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pagamento dessas verbas, não cogita em aplicação da multa ali prevista pelo atraso ou inocor-rência da assinatura do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho, conclusão que implicaria interpretação extensiva do artigo, indevida, ante o caráter punitivo da norma. Sentença mantida.” (TRT 9ª R. – RO 364-88.2012.5.09.0029 – Relª Sueli Gil El Rafihi – DJe 24.01.2014 – p. 626)

993 – Direito de arena – diminuição do percentual estabelecido na legislação – impossibi-lidade

“Direito de arena. Diminuição do percentual estabelecido na Lei nº 9.615/1998. Impossibilida-de. A norma legal é clara ao prever que o valor referente ao direito de arena será de vinte por cento, no mínimo, pelo que a expressão ‘salvo convenção em contrário’. Refere-se à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou à possibilidade de ampliação deste. Apelo patronal improvido.” (TRT 1ª R. – RO 0001693-07.2012.5.01.0079 – 10ª T. – Relª Rosana Salim Villela Travesedo – DOERJ 29.11.2013)

994 – Direito de arena – norma coletiva que reduz o percentual mínimo previsto em lei – invalidade

“Recurso de revista. Direito de arena. Norma coletiva que reduz o percentual mínimo previsto em lei. Invalidade. Cinge-se a controvérsia à validade da norma coletiva que reduziu o percentual legalmente previsto para o direito de arena. Na diretriz do § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998: Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização como mínimo será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. Desse modo, o percentual para o direito de arena pode ser maior, mas nunca inferior aos 20% legalmente previstos, sendo certo que a expressão salvo convenção em contrário somente pode referir-se à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou à ampliação do percentual, mas não à sua redução. Vale ainda considerar que a lei não possui palavras inúteis e o vocábulo mínimo inserto na indigitada norma não poderia ser desprezado. Não obstante o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal amplie a abrangência de atuação dos sindicatos para as negociações das condições de trabalho, não há autorização para que procedam à renúncia de direitos mínimos assegurados em lei. Faz jus o autor, portanto, às diferenças postuladas a título de direito de arena. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 3899-20.2011.5.02.0202 – Relª Min. Maria de Assis Calsing – DJe 06.12.2013 – p. 1008)

995 – Direito de imagem – jogador de futebol – natureza salarial – reconhecimento“Direito de imagem. Natureza salarial. Jogador de futebol. A parcela paga habitualmente a título de ‘direito de imagem’ independentemente de qualquer utilização comercial ou de outra nature-za dos potenciais da personalidade do atleta, ou de sua participação nas competições, torna-se uma vantagem econômica paga com habitualidade e, portanto, de natureza salarial.” (TRT 12ª R. – RO 0000066-87.2013.5.12.0026 – 1ª C. – Relª Viviane Colucci – DJe 09.12.2013)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena - Aspectos Controvertidos”.

996 – Direito de imagem – pactuação – fraude – não configuração“Sentença. Nulidade. Negativa de prestação jurisdicional. Não configuração. Não se caracteriza negativa de prestação jurisdicional quando a sentença rebate todos os aspectos da demanda, ressaltando-se que o Magistrado é livre para proferir sua decisão, desde que devidamente funda-mentado, aplicação do princípio do convencimento motivado, o que ocorreu na hipótese. Direito de imagem. Pactuação. Burla à Legislação. Não configuração. Comprovada a existência de nego-ciação entre o atleta e o clube acerca da exploração do direito de imagem daquele e sua efetiva ocorrência, não há como se reconhecer a alegada fraude à legislação trabalhista. Art. 467 da CLT. Parcelas rescisórias. Estabelecida a controvérsia acerca da própria existência da rescisão do con-trato, é incabível a aplicação da disposição contida no art. 467 da CLT. Indenização por danos morais. Não caracterização. A indenização por danos decorre de prova irretorquível dos danos

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alegados, o que não ocorreu no caso destes autos. Contrato de trabalho. Rescisão. Iniciativa do empregado. Comprovada nos autos que a iniciativa da ruptura do contrato de trabalho foi por iniciativa do empregador, reconhece-se a despedida sem justa causa. Art. 475-J do CPC. Processo do trabalho. Aplicabilidade. A natureza alimentar do crédito trabalhista autoriza a aplicação da disposição contida no art. 475-J do CPC, traduzindo-se em instrumento manejado para superar as dificuldades do trâmite do cumprimento das decisões judiciais, estando em consonância com o conteúdo do art. 5º, LXXVIII, da.” (TRT 21ª R. – RO 118200-18.2012.5.21.0007 – (131.625) – Relª Desª Joseane Dantas dos Santos – DJe 18.12.2013 – p. 30)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena - Aspectos Controvertidos”.

997 – Honorários de advogado – Sport Club Corinthians Paulista – agravo de instrumento – não provimento

“I – Agravo de instrumento interposto pelo Sport Club Corinthians Paulista. Honorários advoca-tícios. Não provimento. Nega-se provimento a agravo de instrumento pelo qual o recorrente não consegue infirmar os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista. II – Agravo de instrumento interposto pelo Imbituba Futebol Clube Ltda. ME. Deserção. Não provimento. Nega--se provimento a agravo de instrumento pelo qual o recorrente não consegue infirmar os funda-mentos do despacho denegatório do recurso de revista.” (TST – AIRR 156-78.2012.5.12.0043 – Relª Min. Kátia Magalhães Arruda – DJe 06.12.2013 – p. 1234)

998 – Penhora – recurso público – auxílio-financeiro municipal prestado a clube esportivo – efeitos

“Auxílio-financeiro municipal prestado a clube esportivo. Finalidade específica. Art. 649, IX, do CPC. Na forma do disposto no art. 649, IX, do CPC, são absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social. Impossibilidade de penhora sobre recurso público destinado a subsidiar inte-resse público local no incentivo à prática do esporte, formação de jovens atletas e representação esportiva da municipalidade. Na forma do original art. 8º da CLT, a Justiça do Trabalho decidirá sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Agravo de petição negado.” (TRT 4ª R. – AP 0088300-33.2006.5.04.0731 – S.Esp. – Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso – DJe 09.12.2013)

999 – Relação de emprego – jogador de futebol – período de testes – vínculo inexistente“Jogador de futebol. Período de testes. Vínculo empregatício. Não configuração. Hipótese na qual restou provado ter o reclamante realizado apenas testes no clube reclamado, quando par-ticipou de três jogos amistosos, ocorridos numa mesma semana, no período pré-temporada, en-contrando-se formalmente contratado por outro clube. Nesse cenário, não há que se cogitar de vínculo empregatício entre as partes da demanda, como bem decidiu o Juízo a quo. Recurso a que se nega provimento.” (TRT 13ª R. – RO 23500-87.2013.5.13.0023 – Rel. Des. Francisco de Assis Carvalho e Silva – DJe 19.12.2013 – p. 30)

1000 – Relação de emprego – jogador de futebol – pré-contrato – não reconhecimento“Jogador de futebol. Pré-contrato. Relação de emprego. Para o reconhecimento de vínculo em-pregatício de jogador de futebol com clube desportivo é indispensável que fique provado nos autos a existência de subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade. Inexistindo a presença dos referidos requisitos, não há como declarar a existência de vínculo empregatício en-tre as partes.” (TRT 8ª R. – RO 0000516-14.2012.5.08.0014 – Rel. Des. Fed. Georgenor de Sousa Franco Filho – DJe 24.01.2014 – p. 45)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se da aplicação do pré-contrato ao atleta profissional.

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Para o Mestre Fábio Menezes de Sá Filho:“Depreende-se facilmente do que está previsto na referida norma da Fifa que, se o con-trato laboral desportivo ainda estiver com período superior a 6 (seis) meses para ser executado, clube algum poderá abordar um atleta para contratá-lo sem antes consultar o seu empregador, sob pena de responder pelas sanções previstas civil e/ou criminalmente, em virtude do cometimento de aliciamento desportivo. Tal consulta será devidamente formalizada por escrito.Contrariamente ocorrerá se estiver nos últimos 6 (seis) meses para terminar o contrato, caso em que o clube adquirente poderá abordar o atleta de forma direta.Sendo assim, firmado o pré-contrato e após o cumprimento dos últimos 6 (seis) meses, o jogador encontra-se livre para se transferir para o seu novo clube, sem que compensação alguma seja devida ao clube anterior.Todavia, caso o clube adquirente, futuro destino do atleta, queira contar com os seus serviços antes do término dos 6 (seis) meses finais, deve pagar a multa indenizatória estabelecida para estes casos, em face de o contrato firmado com o clube cedente ainda estar em vigor.” (Aspectos contratuais no direito laboral desportivo: período de carência, pré-contrato e prorrogação contratual do atleta futebolista. Revista SÍNTESE Direito Des-portivo, Porto Alegre, a. I, n. 3, p. 14, out./nov. 2011)

1001 – Remuneração – clube de futebol – contratação do jogador – pagamento devido“Clube de futebol. Contratação de jogador. Remuneração. É fato que os clubes de futebol, princi-palmente nas cidades de interior, não têm condições financeiras de contratar jogadores, por um salário além daquele que cabe no orçamento do clube. No caso dos autos, ainda que o clube tivesse assumido o salário alegado pelo autor, este não obteve sucesso em comprovar sua tese.” (TRT 13ª R. – RO 144600-51.2013.5.13.0009 – Rel. Des. Paulo Maia Filho – DJe 04.12.2013 – p. 14)

1002 – Rescisão do contrato de trabalho imotivada – jogador de futebol – cláusula compen-satória – cabimento

“Jogador de futebol. Rescisão imotivada. Cláusula compensatória (Lei Pelé). A cláusula compen-satória, decorrente do art. 28, §§ 3º e 5º, V, c/c o art. 31 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), é devida pela entidade desportiva ao atleta, nos casos de demissão imotivada, dentre outras situações. O valor da cláusula é pactuado livremente entre as partes e inserido no contrato, observados como limite máximo 400 vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite míni-mo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato. Recurso autoral provido.” (TRT 13ª R. – RO 89400-17.2013.5.13.0023 – Relª Desª Ana Maria Ferreira Madruga – DJe 05.12.2013 – p. 16)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 02, ago./dez. 2012, Assunto especial intitulado “Cláusula penal x cláusula indenizatória e cláusula compensatória”.

1003 – Rescisão do contrato de trabalho – não comprovação da inidoneidade financeira do clube – sócio – responsabilidade – ausência

“Jogador de futebol. Rescisão contratual. Não comprovação da inidoneidade financeira do clube reclamado. Ausência de responsabilidade do presidente do clube. Embora reste incontroverso nos autos que, ao tempo da contratação do reclamante, o segundo reclamado era presidente do clube réu, sendo, pois, responsável pela sua administração, não ficou demonstrada a inidonei-dade financeira do primeiro reclamado para cumprir as obrigações emergentes do título judicial. Assim, não se vislumbram razões para se responsabilizar o segundo reclamado pelo implemento do crédito reconhecido na sentença de piso. Atleta de futebol. Cláusula penal por descumprimen-to de obrigações ou rescisão unilateral do contrato. Descabimento. No caso em exame, restou comprovado que a rescisão do contrato de trabalho do reclamante, ora recorrente, deu-se por comum acordo entre as partes, e não de forma unilateral, conforme alegado. Ademais, o autor não acostou aos autos o contrato de trabalho na sua íntegra, de forma a permitir a verificação de quais as obrigações avençadas cujo inadimplemento ensejaria a aplicação da cláusula penal

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perseguida. Sentença mantida. Multa do art. 467 da CLT. Não incidência. Havendo fundada controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, resta indevida a multa prevista pelo art. 467 da CLT.” (TRT 7ª R. – RO 489-25.2011.5.07.0004 – 1ª T. – Relª Dulcina de Holanda Palhano – DJe 10.01.2014 – p. 14)

1004 – Responsabilidade trabalhista – construção de estádio de futebol – subempreitada – alcance

“Recurso ordinário empresarial. Construtora OAS. Construção de estádio de futebol. Contratação de outra construtora. Subempreitada. A contratação, por empresa construtora, de outra constru-tora, para construção de estádio de futebol, caracteriza subempreitada, cuja responsabilidade solidária entre empreiteiro principal e subempreiteiro se encontra disciplinada no art. 455 da CLT. Não se trata, portanto, de questão de ilegitimidade, como arguido no recurso, mas de mé-rito, podendo o trabalhador demandar contra ambos, indistintamente. Sendo esta a hipótese dos autos, correta a decisão primária ao condenar a recorrente, litisconsorte, solidariamente com a empregadora principal, que sequer compareceu para defender-se. Recurso patronal, assim, im-provido.” (TRT 19ª R. – ROPS 241/2013-058-19-00.5 – Rel. João Leite – DJe 09.12.2013 – p. 4)

Tributário

1005 – Execução fiscal – agravo de instrumento – limitação da penhora a 10% do fatura-mento do clube – receitas provenientes de cotas televisivas e da venda de cadeiras cativas – cabimento

“Processual civil. Execução fiscal. Agravo de instrumento. Limitação da penhora a 10% (dez por cento) do faturamento do clube. Receitas provenientes de cotas televisivas e da venda de cadei-ras cativas que se incluem no conceito de faturamento. Recurso provido em parte. 1. Eventual adesão da agravante ao parcelamento previsto no art. 65 da Lei nº 12.249/2010 c/c o art. 17 da Lei nº 12.865/2013 não traz repercussão sobre o julgamento do agravo de instrumento. Além de o recurso impugnar decisão proferida antes do alegado parcelamento da dívida exequenda, ao juízo da execução cabe, em primeira mão, deliberar sobre os efeitos do parcelamento sobre o executivo fiscal, inclusive sobre a possibilidade ou não liberação dos bens constritos. A aprecia-ção dessas questões diretamente pelo Tribunal implicaria supressão de instância. 2. O pedido formulado às 761/763, embora fosse abrangente o bastante ao ponto de englobar o pleito de fls. 865, não chegou a ser explicitamente examinado na decisão de fls. 780/783. Isso só veio efetivamente a ocorrer na decisão de fls. 868/869, impugnada no AGTR 134.915/PE. Conquanto o Clube agravante tenha desistido do mencionado recurso, desistência essa já homologada por esta relatoria, a matéria não deixa de ser passível de exame neste agravo de instrumento, uma vez que a decisão agravada (fls. 896/899) apresentou nova fundamentação para o indeferimento do pedido. Ausência de preclusão. 3. A decisão proferida no AGTR 106.767/PE, que determinou a redução do percentual de repasse dos valores da Globo de 100% para 60% do seu montante, restou superada pela decisão do AGTR 118.849/PE, que, por sua vez, determinou a ‘substituição do bloqueio integral da conta da empresa executada pela penhora sobre o seu faturamento, no percentual de 10% (dez por cento)’. 4. Tanto os valores devidos pela Globo Comunicação e Par-ticipações S/A a título de cessão de direitos televisivos quanto os valores obtidos com a venda de cadeiras cativas integram o faturamento do Clube. A primeira decisão determinando a penhora dos direitos de transmissão da imagem já tinha em vista essa vinculação ao rejeitar o pedido de redução da constrição, sob o fundamento de que a média de faturamento do clube nos meses de fevereiro e março de 2010 foi de R$ 617.934,34 (seiscentos e dezessete mil, novecentos e trinta e quatro reais e trinta e quatro centavos), enquanto que os direitos televisivos repassados em rela-ção aos mesmos meses seriam, respectivamente, de R$ 57.000,00 (cinquenta e sete mil reais) e de R$ 64.800,00 (sessenta e quatro mil e oitocentos reais). Vislumbrou-se, assim, na oportunidade, que as cotas de transmissão representariam menos de 10% (dez por cento) do faturamento da entidade desportiva. 5. O pedido reforço de penhora não autorizaria a dupla incidência da pe-

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nhora sobre o faturamento do Clube, tendo em vista que esse reforço não decorreu do surgimento de novas dívidas, objeto de novas execuções reunidas supervenientemente, mas tão-somente da necessidade de garantir integralmente a dívida que já vinha sendo objeto da execução. 6. Não obstante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça esteja consolidada, inclusive em sede de recurso repetitivo (REsp 1116287/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte Especial, Julgado em 02.12.2009, DJe 04.02.2010), no sentido de que ‘a penhora sobre o faturamento da empresa, em execução fis-cal, é medida excepcional e só pode ser admitida quando presentes os seguintes requisitos: a) não localização de bens passíveis de penhora e suficientes à garantia da execução ou, se localizados, de difícil alienação; b) nomeação de administrador (art. 677 e seguintes do CPC); e, c) não com-prometimento da atividade empresarial’ (AgRg-REsp 919833/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, Julgado em 05.04.2011, DJe 15.04.2011), a penhora incidente sobre o faturamento não pode ser revista nesta seara processual, porque foi objeto de acórdão proferido no AGTR 118.849/PE. Assim, mesmo à vista da existência de bem suficiente, a princípio, à garantia integral da execução (o Estádio José do Rego Maciel, conhecido como popularmente como Estádio Arru-da), avaliado em R$ 9.000.000,00 (nove milhões de reais), não caberia neste agravo determinar a suspensão da exigência da penhora sobre o faturamento. 7. Impossibilidade de decidir-se neste agravo sobre o levantamento da penhora incidente sobre o Estádio Arruda, haja vista que nada a respeito foi pronunciado na decisão agravada, sendo os limites do agravo de instrumento, como sabido, traçados pelo que foi efetividade decidido em primeira instância. 8. Agravo de instrumen-to provido, em parte, para reafirmar que a penhora dos direitos de imagem devidos ao Santa Cruz Futebol Clube pela Globo Comunicação e Participações S/A e a penhora das receitas decorrentes da venda das cadeiras cativas pertencentes ao clube incidem apenas no percentual de 10% (dez por cento) dos respectivos montantes, sendo devidos desde a data da liminar proferida no AGTR 118.849/PE.” (TRF 5ª R. – AGTR 0042110-81.2013.4.05.0000 – (135356/PE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Rogério Fialho Moreira – DJe 30.01.2014 – p. 189)

1006 – Execução fiscal – passe de atleta – contribuição previdenciária – não incidência“Tributário. Embargos à execução fiscal. Passe de atleta profissional. Contribuição previdenciária. Não incidência. 1. O valor recebido pelo atleta, referente a 15% do montante do passe quando de sua transferência para outro clube (Lei nº 6.354/1976) assemelha-se a uma comissão sobre o valor ajustado entre as associações desportivas, ausente, portanto, a habitualidade e a natureza salarial da verba, não havendo incidência de contribuição previdenciária. Precedentes. 2. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial não providas.” (TRF 1ª R. – Ap-RN 1998.35.00.000235-3/GO – Rel. Juiz Fed. Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes – DJe 13.12.2013 – p. 835)

1007 – Tutela antecipada – jogos eletrônicos – ISS – cabimento“Antecipação de tutela. Agravo de instrumento. ISS. Jogos eletrônicos. Insurgência de contri-buinte contra o pagamento do tributo em questão, sob alegação de que as atividades ilícitas que exerceu enquanto tinha o caça-níqueis em seu estabelecimento comercial não podem ser consideradas como fato gerador do imposto. Pedido de concessão de tutela antecipada contra a Prefeitura Municipal de Diadema, para o fim de se suspender a exigibilidade do crédito tributário, que é negado em primeiro grau Agravo interposto contra tal decisão Requisitos legais do art. 273 do CPC, contudo, ausentes. Recurso negado.” (TJSP – AI 2026190-15.2013.8.26.0000 – Diadema – 18ª CDPúbl. – Rel. Wanderley José Federighi – DJe 14.01.2014 – p. 1316)

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Seção Especial – De Frente para o Gol

CAP X PM/SC X MP/SC – Quem Assume Esta?

LEONARDO JOSÉ ROESLERAdvogado, Presidente do Basquete de Joinville, Pós-Graduado em Direito Desportivo pela Unifa/IIDD, Auditor da Comissão Disciplinar do Futebol de Joinville/SC, Membro da Comis-são de Direito Desportivo da OAB/SC, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro da Associación Española de Derecho Deportivo, Sócio em Roesler Marchesini Salles Advocacia & Consultoria.

RESUMO: A briga entre torcidas é um mal que comete o futebol brasileiro. O triste ocorrido no jogo do dia 8 de dezembro de 2013, válido pela última rodada do Campeonato Brasileiro, entre as equipes do Atlético Paranaense e Vasco da Gama, reacendeu a discussão acerca da responsabilidade pela segurança nas praças desportivas. O presente artigo visa elucidar essa questão, levando-a para além do âmbito desportivo.

PALAVRAS-CHAVE: Torcida organizada; responsabilidade; briga; interesse público; futebol; evento privado; segurança.

Muito tem se falado do ocorrido aqui em Joinville/SC e, infelizmente, muitas notícias foram veiculadas sem o mínimo de embasamento. O fato é que o Ministério Público, por meio de nota oficial, afirmou não ter dado ordem al-guma ao policiamento para que não fizesse a segurança do público dentro do estádio.

O que realmente existe é uma Ação Civil Pública de nº 038.13.037457-9 de autoria do Ministério Público de Santa Catarina (Promotoria da Defesa do Consumidor) em face de Joinville Esporte Clube, Município de Joinville, Estado de Santa Catarina e Fundação de Esportes Lazer e Eventos de Joinville, questio-nando a segurança do estádio, pois, segundo a ação, não existem câmeras de segurança, emergências contra incêndio e falta de espaço para separação das torcidas no estádio, a qual foi protocolada no dia 2 de dezembro e ainda sem decisão judicial, ficando claro que realmente não houve ordem para que o po-liciamento não adentrasse ao estádio.

É bom ficar claro que no jogo passado do dia 24 de novembro entre Atlético/PR e Náutico, a Polícia Militar não atuou dentro do estádio, a seguran-ça foi particular.

Na sexta-feira (06/12) houve uma reunião entre a diretoria do Atlético Paranaense e a PM/SC, na qual foi informado ao clube que esta não faria a segurança dentro do estádio por uma suposta determinação. Estranho é o fato do clube, mesmo sabendo desta suposta limitação de atuação do policiamento, não oferecer ao espetáculo nenhuma alternativa, realizando a partida da mesma forma. É claro no contrato de aluguel da Arena Joinville que a responsabilidade

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em fornecer toda a segurança ao evento recai sobre o clube que loca o espaço, existe previsão contratual para a segurança pública por meio de ofício ao bata-lhão e também a contratação de segurança privada.

Analisando o regulamento geral das competições da CBF, em seu art. 7º, temos que o clube mandante deve providenciar todas as medidas locais de ordem técnica e administrativas necessárias e indispensáveis à logística e à se-gurança das partidas, inclusive as previstas na Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor). No estatuto temos que: “Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas”.

Ainda:

Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – Solicitar ao Poder Público competente a presença de seus agentes, devida-mente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

[...]

É extremamente importante frisar que a logística da segurança da partida é responsabilidade do mandante, não cabendo à Polícia Militar este dever.

O Atlético Paranaense cumpriu com este requisito e obteve recusa do po-liciamento, desta forma contratou segurança privada para o evento. Ocorre que este número, ao meu ver, foi inferior ao nível de risco do evento. Pois a análise é simples, o Atlético veio jogar em Joinville justamente por mal comportamento de seus torcedores, além da notória grande rixa com os torcedores do Vasco da Gama.

A questão é muito mais do que uma responsabilização desportiva, esfera em que temos aplicações de penas exemplares e rápidas, que causam grandes prejuízos aos clubes, entretanto punem apenas estes, e dificilmente os causado-res de tumultos são identificados.

Em um comparativo com os eventos desportivos na Inglaterra, lá o tor-cedor é facilmente identificado e banido das praças desportivas por tempo in-determinado.

O futebol deixou de ser tratado apenas como esporte e hoje é um negó-cio que movimenta milhões de reais, mas no Brasil ainda com atitudes muito amadoras. É passada a hora desta discussão ganhar novos ares e sair apenas da esfera desportiva. Leis não faltam em nosso País, o que falta é aplicabilidade mais efetiva por parte da Administração Pública, seja na fiscalização, autoriza-

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ção de alvarás, etc., e a punição dos causadores de tumultos, seja na esfera civil ou criminal.

O espetáculo que o futebol representa para os brasileiros jamais pode ser deixado à margem de interesses econômicos como a atitude do mandante do campo em contratar um número ínfimo de seguranças para o evento. Um even-to que seria para trazer alegria e união social em um ambiente familiar, não se pode permitir que vire palco de rivalidades de torcidas organizadas que fazem o que bem entendem, expondo a vida de todos os presentes aos fatos inomináveis que presenciamos no final da tarde de ontem.

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Cláusula Compensatória Desportiva e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no Trabalho Desportivo

RAFAEL TEIXEIRA RAMOSMestrado em Ciências Jurídico-Laborais e Jurídico-Desportivas, Pós-Graduação em Direito do Desporto Profissional, Ambos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/FDUC, Professor do Módulo Direito do Trabalho Desportivo na Pós-Graduação em Direito Desportivo da Universidade Corporativa do Voleibol da Confederação Brasileira de Voleibol – CBV, Pro-fessor de Direito do Trabalho Desportivo e de Direito Desportivo em Programas Institucionais de Pós-Graduação, Conselheiro Editorial da Revista SÍNTESE Direito Desportivo (RDD), Atual Campeão do Concurso Nacional de Monografias em Direito Desportivo na Categoria Principal, Vencendo o Prêmio Valed Perry – IBDD 2007, Advogado e Consultor Jurídico nas Áreas de Direito do Trabalho Desportivo e Direito Desportivo.

O art. 31, § 2º, da atual Lei Pelé, deixa subentendido que o regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é garantido nos contratos la-borais desportivos, quando assim prescreve:

Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamen-to de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou interna-cional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.

[...]

§ 2º A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias. (grifos nossos).

Nesses termos, por mais que o legislador tenha se referido ao FGTS no extrato legal do tema de rescisão indireta, determinando que o atraso nos de-pósitos do FGTS enseja justa causa por inadimplemento do salário dos atletas por três (3) meses ou mais, pensamos que o regime do FGTS é adotado pelo legislador na legislação especial laboral desportiva, estendendo a consequência da obrigatoriedade do pagamento da multa dos 40% do FGTS cumulada com a cláusula compensatória desportiva nos casos de despedida imotivada e rescisão indireta (art. 28, II, § 3º c/c § 5º, III a V, da atualizada Lei Pelé).

Assinale-se que o Contrato Especial de Trabalho Desportivo (CETD, como é chamado pela atual renovação da Lei Pelé) é estirpe da matriz “contratos de trabalho a prazo determinado”, devendo seguir o entendimento elementar da Sú-mula nº 125 do TST, o qual dispõe a acumulação da multa prevista no art. 479 com a multa dos 40% sobre os depósitos do FGTS nos contratos a termo certo.

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Com efeito, a multa rescisória da cláusula compensatória desportiva deve ser cumulada com a multa dos 40% sobre os depósitos do FGTS nos contratos de trabalho dos atletas, segundo a lógica-teleológica-sistemática do conjun-to normativo dos arts. 28 e seguintes da atual Lei Pelé em sintonia à Súmula nº 125 do TST1.

O regime do FGTS criado pela Lei nº 5.107/1966 tinha o escopo de, aos poucos, substituir o sistema de indenização por tempo de serviço, derruindo também a estabilidade por tempo de trabalho, para implantar em nosso ordena-mento o modelo da compensação financeira por tempo de serviço por meio dos depósitos do FGTS e da multa dos 40% sobre os depósitos do FGTS em casos de despedida sem justa causa ou indireta, afastando, assim, as antigas indeniza-ções por tempo de serviço nas despedidas.

O advento da Carta Ápice em 1988 eliminou de vez a estabilidade e a indenização por tempo de serviço (art. 7º, incisos I e III, da CF/1988), fincando de vez a sistêmica de compensação financeira por tempo de serviço por meio do FGTS (Lei nº 8.036/1990).

Vale recordar que o regime do FGTS também visava possibilitar certos anseios sociais básicos dos trabalhadores, como o seu saque para compra de moradia, bem como financiamento de infraestrutura nas comunidades. Logo, os fundamentos que instituíram o regime do FGTS (compensação financeira do empregado por tempo de serviço, substitutivo das indenizações por tempo de serviço e estabilidade) são completamente diferentes da multa prevista no art. 479 da CLT em decorrência da rescisão (quebra contratual) nos pactos la-borais solenes a prazo certo, como compensação pelos eventuais prejuízos por descontinuidade do labor até o termo final, não se afigurando o bis in idem, pois resta esclarecido que um tipo de multa compensa o empregado pelo seu tempo de desforço laboral em favor do empregador, enquanto o outro tipo de multa ressarce uma das partes pelos prejuízos causados pelo descumprimento contratual.

A Lei Pelé, ainda que inconscientemente, resguarda esse raciocínio quan-do afasta expressamente os arts. 479 e 480 da CLT para infundir o seu próprio sistema rescisório (art. 28, incisos I e II, § 5º, inciso II – cláusulas: indenizatória desportiva e compensatória desportiva), uma adequação pertinente para evitar o bis in idem das multas pactuais relativas ao CETD com as multas pactuais prescritas na CLT (arts. 479 e 480), as quais não guardam relação jurídica de origem com a multa fundiária de 40% sobre os depósitos do FGTS, por isso,

1 TST, Súmula nº 125, RA 83/1981, DJ 06.10.1981, Mantida, Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Trabalhador optante pelo FGTS. Contrato por prazo determinado. O art. 479 da CLT, aplica-se ao trabalhador optante pelo FGTS, admitido mediante contrato por prazo determinado, nos termos do art. 30, § 3º, do Decreto nº 59.820, de 20 de dezembro de 1966.

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comungamos plenamente com a ratio iuris expressada na Súmula nº 125 do TST edificante do mesmo raciocínio seguida por nós.

Pelo esposado anteriormente é que éramos absolutamente contrários à antiga corrente instalada no TST, antes da nova mudança impetrada pela Lei nº 12.395/2011, afastando os arts. 479 e 480, que defendia a acumulação da multa da extinta cláusula penal desportiva com a multa do art. 479 da CLT, ensejando uma verdadeira penalidade dupla pela mesma motivação jurídica, prefigurando a violação da parêmia non bis in idem, qual seja dupla penalidade adveniente da mesma ilicitude – ruptura contratual antecipada pelo emprega-dor desportivo ou na hipótese específica de rescisão indireta2.

A despeito do nosso pensamento que parece se revelar majoritário, tanto no campo trabalhista geral como no “gramado” laboralista desportivo, existem doutrinadores, inclusive citando jurisprudência não consolidada do TRT da 4ª Região, que se opõem à cumulação da multa dos 40% sobre os depósitos do FGTS com a multa da cláusula compensatória desportiva devida ao jogador pela ruptura contratual, oposição que, com todo nosso respeito baseado em nosso ordenamento jurídico vigente, não podemos compartilhar, conforme as argumentações expendidas anteriormente3.

Adite-se que, além da citada Súmula nº 125 do TST, a doutrina e a ju-risprudência majoritárias devem se posicionar pela corrente atuação da Lei nº 8.036/1990 (regula o FGTS) nos contratos por prazo determinado, incluindo a incidência da multa dos 40% do FGTS, quando da dispensa sem justa causa e despedida indireta. No contrato de trabalho desportivo, a interpretação tem que ser a mesma, pois, além de o art. 31 retromencionado adotar implicitamente o regime do FGTS, em nenhuma outra disposição a Lei Pelé rejeita expressa-mente a cumulação da multa dos 40% do FGTS com a cláusula compensatória desportiva, não podendo existir outra interpretação se não o coerente dever de pagamento da multa do FGTS acumulada à multa rescisória prevista na cláusu-

2 “ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – TÉRMINO ANTECIPADO DO CONTRATO DE TRABALHO – CLÁUSULA PENAL E SANÇÃO PREVISTA NO ART. 479 DA CLT – CUMULAÇÃO – POSSIBILIDADE – A cláusula penal estipulada no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 e a multa do art. 479 da CLT podem ser cumuladas, visto que possuem natureza jurídica diversa. Recurso conhecido e provido. Processo nº 1003200800316008/MA, 01003-2008-003-16-00-8, Rel. Luiz Cosmo da Silva Júnior, Julgamento: 04.04.2011, Publicação: 12.04.2011.

[...]

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – TÉRMINO ANTECIPADO DO CONTRATO DE TRABALHO – CLÁUSULA PENAL E SANÇÃO PREVISTA NO ART. 479 DA CLT – CUMULAÇÃO – POSSIBILIDADE

A cláusula penal estipulada no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 e a multa do art. 479 da CLT podem ser cumuladas, posto que têm natureza diversa. Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ordinário em que são partes Valnir da Silva Medeiros (recorrente) e Santa Quitéria Futebol Clube (recorrido). Processo nº 1151200701616008/MA, 01151-2007-016-16-00-8, Relª Ilka Esdra Silva Araújo, Julgamento: 14.04.2009, Publicação: 21.05.2009.

3 Verificar pensamento contrário em trabalho de referência de: VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da; SOUSA, Fabrício Trindade de. A evolução do futebol e das normas que o regulamentam: aspectos trabalhistas-desportivos. São Paulo: LTr, 2013. p. 110-113.

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la compensatória desportiva, pois ambas provêm de origens jurídicas diversas para salvaguardar garantias jurídicas respectivamente distintas, como manifes-tamos anteriormente.

Em concisão, assentar o regime de depósitos do FGTS e podar a sua mul-ta de 40% para os casos de despedida imotivada e despedida indireta, ainda mais sem previsão para tanto, seria algo disforme, digamos, mesmo teratológico ao esposado nos contornos do art. 31 em tela, que expressivamente arrola em seu supramencionado caput “[...] exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos”4.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Jean Marcel de. O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2009.

SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010.

VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da; SOUSA, Fabrício Trindade de. A evolução do futebol e das normas que o regulamentam: aspectos trabalhistas-desportivos. São Paulo: LTr, 2013.

4 Posição semelhante à nossa já era assumida à luz do regime da cláusula penal desportiva por: OLIVEIRA, Jean Marcel de. O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2009. p. 72. No mesmo sentido, se inclina Fábio Menezes ao reportar jurisprudência do TST defensora dessa acumulação, em sua obra: SÁ FILHO, Fábio Menezes de. Contrato de trabalho desportivo: revolução conceitual de atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2010. p. 132. Se sob a égide do antigo regime de cláusula penal já se aceitava a acumulada multa dos 40% do FGTS com o pagamento da cláusula penal, quanto mais agora, que ao remodelar os meios de extinção do contrato de trabalho desportivo, a Lei nº 12.395/2011 (art. 28, § 5º, c/c art. 31) não vetou a debatida acumulação.

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Clipping Jurídico

Zagueiro da Roma receberá direito de arena pelo tempo em que jogou no Grêmio BarueriO atleta profissional Leandro Castán da Silva, atualmente zagueiro da Associação Esportiva Roma, da Itália, conseguiu, na 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, o reconhecimento ao direito ao recebimento de direito de arena, no percentual de 20%, referentes ao período em que atuou no Grêmio Barueri Futebol, de São Paulo. A decisão reformou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) que havia reconhecido o direito ao recebimento da parcela no percentual de 5%. Em seu pedido ao TST, o atleta sustentou fazer jus às diferenças percentuais porque a norma coletiva que reduziu o percentual legalmente previsto para o direito de arena seria inválida, porque não poderia dispor sobre direito previsto em lei. No seu entendimento, o acordo entre os sindicatos, a Confederação Brasileira de Fute-bol (CBF), as federações estaduais e o Clube dos Treze que reduziu o percentual fora firmado na Justiça comum, e não poderia ser considerado acordo coletivo de traba-lho e, portanto, não teria a força de interferir na relação entre o clube e o atleta. Ao analisar o recurso na Turma, a relatora, Ministra Maria de Assis Calsing, observou que, apesar de o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) ter sido revogado pela Lei nº 12.395/2011, admitindo o pagamento aos atletas de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, o contrato do atleta estava em vigor antes mudança. Dessa forma, entendeu que o caso deveria ser analisado com base na redação original da Lei nº 9.615/1998, que fixa o percentual do direito de arena em 20% do total arrecadado, a ser dividido em partes iguais aos atletas par-ticipantes do espetáculo ou evento, a não ser em caso de convenção coletiva esti-pular valor diferente. Neste ponto, a relatora salientou que a convenção pode fixar percentual maior, mas nunca inferior aos 20% previstos em lei. “A lei não possui palavras inúteis, e o vocábulo ‘mínimo’ não poderia ser desprezado”, afirmou. Ao final, a ministra observou que, apesar de o art. 7º da Constituição Federal ter amplia-do a atuação dos sindicatos para as negociações das condições de trabalho de seus representados, tal fato não os autorizou a renunciarem a direitos mínimos assegu-rados em lei. Ao citar diversas decisões neste sentido, ela ressaltou que tal posicio-namento vem se firmando na jurisprudência do TST. (RR-3899-20.2011.5.02.0202). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Betão não comprova direito de arena sobre jogos na Taça Libertadores pelo CorinthiansO jogador de futebol Ebert Willian Amancio, zagueiro conhecido como Betão, não conseguiu receber na Justiça do Trabalho o direito de arena sobre a transmissão de alguns jogos internacionais e da Copa do Brasil dos quais o Sport Club Corinthians Paulista participou entre 2005 e 2007, período em que o atleta era contratado pelo clube. Ao analisar o caso, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou agravo de instrumento do jogador, prevalecendo, assim, a decisão regional que lhe negou o pedido. O direito de arena pretendido pelo jogador, que atuou pelo Corinthians de 2001 a 2007, corresponde à participação do atleta profissional nos valores recebidos pelos clubes com a transmissão dos jogos. Após sair do clube, o zagueiro ajuizou reclamação trabalhista alegando que não tinha recebido os valores referentes ao direito de arena da Taça Libertadores da América em 2006, da Copa

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Sul Americana em 2005, 2006 e 2007 e da Copa do Brasil de 2007, nem mesmo os 5% fixados em acordo pelo Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado de São Paulo. O pedido do jogador foi indeferido na primeira instância e no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Na sua fundamentação, o TRT-SP considerou que não ficou comprovada a transmissão televisiva dos jogos nem a atuação do atleta em determinados eventos. Contra essa decisão, o trabalhador interpôs recurso de revis-ta, cujo seguimento foi negado pelo Regional. Por meio de agravo de instrumento ao TST, o atleta tentou, então, desbloquear o exame do recurso, argumentando ser notória a lucratividade dos clubes nos eventos internacionais. Segundo o relator do agravo, Juiz Convocado Valdir Florindo, não foi sob esse enfoque, proposto pelo jogador, que o Regional enfrentou a questão. Por essa razão, haveria o obstáculo da Súmula nº 297 do TST para que fosse examinada a violação, indicada pelo atleta, do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que regulamenta as atividades despor-tivas. Quanto ao julgado apresentado para demonstração de divergência jurispru-dencial, o magistrado esclareceu ser “inservível”, por ser proveniente de Vara do Trabalho. Diante da fundamentação do relator, a 2ª Turma negou provimento ao agravo de instrumento. Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 264600-02.2008.5.02.0029. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Marinho, que atuou no Corinthians entre 2005 a 2007, vai receber diferenças de direito de arena

Em mais uma decisão recente, o Tribunal Superior do Trabalho apreciou pedido de diferença relativas a direito de arena formulado por um ex-jogador do Sport Club Corinthians Paulista. O direito de arena decorre da cessão da transmissão televisiva dos jogos, cujo montante é partilhado entre os atletas que participaram do jogo. Neste caso, o clube foi condenado ao pagamento de diferenças relativas ao direito de arena ao ex-atleta Mário Custódio Nazaré (Marinho), zagueiro que atuou no clube entre 2005 a 2007. O recurso do clube não foi conhecido pela 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. O jogador foi contratado por prazo determinado e participou de vários campeonatos oficiais pelo clube, entre eles o Campeonato Bra-sileiro, a Copa Libertadores da América e a Copa Sul-Americana. Na reclamação, pediu as diferenças do direito de arena, que havia sido reduzido de 20% para 5%, segundo ele de forma ilegal. Condenado em primeira instância, o Corinthians re-correu ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), alegando que a redução do percentual havia sido autorizada por decisão judicial, mediante acordo firmado com o sindicato da categoria que representa o jogador. A sentença, porém, foi man-tida. O clube interpôs, então, o recurso ao TST, sustentando a validade da transação, com o argumento de que, apesar da redução do percentual, a base de cálculo do direito de arena foi ampliada, pois os 5% passaram a incidir sobre o valor total de todos os contratos celebrados: televisionamento, placas de publicidade e outros, trazendo benefícios ao atleta. O Ministro Vieira de Mello Filho, relator do recurso na 7ª Turma, esclareceu que, atualmente, a Lei nº 12.395/2011, que alterou a Lei Pelé (Lei nº 9.615/2011), estabelece o percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais como o direito de arena devido aos atletas. Mas, à época dos fatos, entre 2005 e 2007, vigorava a redação anterior da Lei Pelé, que estipulava o percentual de 20%. Segundo o relator, embora se deva

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mesmo prestigiar os acordos celebrados entre empregados e empregadores, há cer-tos requisitos que devem ser observados, “como a criação de normas que tragam benefícios, aos trabalhadores ou que versem normas de indisponibilidade relativa”, o que não ocorreu no caso. Isto porque o Corinthians não demonstrou que a redu-ção do direito de arena foi compensada pela inclusão de outras verbas em sua base de cálculo. Além disso, o TRT não fez sequer alusão à possibilidade da medida ter favorecido os atletas, afirmou. Com o não conhecimento do recurso, ficou manti-da a decisão condenatória do Tribunal Regional. RR-279100-87.2009.5.02.0013. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Técnico de futebol não diplomado não precisa de registro em conselho de edu-cação física

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que técnicos e monitores de futebol não diplomados não precisam ter registro nos conselhos de educação física. A exigência, considerada ilegal, foi estabelecida por resoluções do Conselho Federal de Educação Física (Confef). O relator do caso, Ministro Humberto Martins, advertiu que as entidades profissionais não podem fazer interpretação extensiva de leis que regulamentam o tema, nem exercer poder de polícia contra treinadores não diplomados em educação física. O ministro afirmou que, no cenário do fute-bol brasileiro, é comum o jogador, ao deixar a vida de atleta, passar a atuar como treinador ou monitor de futebol. Alguns, renomados; outros, incógnitos. “A mídia divulga frequentemente casos de autuações e penalidades que tais profissionais so-frem por parte dos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs), amparadas em resoluções do Conselho Federal de Educação Física, muitas vezes às vésperas ou durante as rodadas de campeonato, haja vista a falta de diplomação e de registro em tais conselhos”, disse. A Lei nº 9.696/1998 dispõe sobre a regulamentação da profissão de educação física. A norma define que apenas profissionais com registro regular no respectivo conselho regional poderão atuar na atividade de educação fí-sica e receber a designação “profissional de educação física”. O Ministro Humberto Martins, no entanto, constatou que a lei não determina, explícita ou implicitamente, a inscrição de treinadores e monitores de futebol nos conselhos. Para o ministro relator, a competência que a Lei nº 9.696 atribui ao profissional de educação física não se confunde com as atividades desempenhadas por treinadores e monitores de futebol. A Lei nº 8.650/1993 é que define que o treinador profissional de futebol deve ser preferencialmente portador de diploma de educação física ou pessoa que, até o início da vigência da lei (22.04.1993), tivesse comprovado o exercício da pro-fissão por, no mínimo, seis meses. Humberto Martins observou que a lei específica dá preferência aos diplomados, mas não veda o exercício da profissão de técnico de futebol aos não diplomados ou aos que não comprovem o exercício pelo prazo mínimo. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) entendeu que a Resolu-ção nº 45/02 do Confef, ao estabelecer condições para o registro de não graduados, acabou por extrapolar os limites da Lei nº 9.696. Humberto Martins disse que não cabe ao STJ interpretar os termos das Resoluções nºs 45 e 46/02 do Confef – ambas discutidas no processo – para verificar se tais atos normativos se amoldam ou extra-polam a Lei nº 9.696, uma vez que não compete ao Tribunal interpretar atos norma-tivos destituídos de natureza de lei federal. No entanto, o ministro relator lembrou

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que “leis não se revogam nem se limitam por resoluções. Se tais resoluções obrigam treinadores e monitores de futebol não graduados a se registrar em Conselho Re-gional de Educação Física, estão extrapolando os limites da lei”. Recurso Especial nº 1383795. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Atlético Paranaense indenizará Kleber Pereira por transferência para o MéxicoO clube Atlético Paranaense deverá pagar R$ 2 milhões ao atleta profissional Kleber João Boás Pereira referentes à sua transferência para o Club Tigres do México, acerta-do em termo de compromisso firmado entre o atleta e o clube paranaense. O valor deverá ser reajustado monetariamente desde dezembro de 2005, conforme senten-ça condenatória de primeiro grau. A condenação foi mantida após a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho não conhecer do recurso do clube contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR). O atleta ingressou na Justiça do Trabalho com ação de cobrança contra o clube. Afirmou que, após trabalhar no Atlético, foi transferido para o Club Tigres e, em função da transferência, ficou acertado, em termo de compromisso firmado entre ele e o Atlético Paranaense, que o clube pagaria a ele U$ 600 mil pela transação. Segundo o documento, a quantia deveria ser convertida em reais pela mesma taxa de câmbio adotada quando da conclusão do negócio com o clube mexicano. De acordo com o termo, o Atlético somente faria o pagamento se a transferência, no valor total de U$ 2,3 milhões, fosse efetivamente concluída até o dia 31.12.2002. Segundo o atleta, os clubes acertaram que esses U$ 2,3 milhões seriam pagos em quatro parcelas, sendo que a primeira, de U$ 500 mil, se daria 24 horas após o atestado liberatório do atleta para o Tigres. O restante seria pago em três parcelas de U$ 600 mil, livres de im-postos e taxas incidentes sobre remessa de divisas, em dezembro de 2003, 2004 e 2005. O jogador afirmou que, como havia previsão no termo de compromisso e acerto verbal de que o seu pagamento somente seria feito após a última parcela, resolveu aguardar até dezembro de 2005. Passada essa data, ao cobrar a dívida, o Atlético alegou que devido a “cláusulas condicionantes” existentes no termo e aos constantes atrasos na transferência de valores pelo clube mexicano, nada lhe seria devido. Kleber pedia, à época, R$ 1,2 milhão pelo descumprimento do acordado. A 17ª Vara do Trabalho de Curitiba condenou o Atlético Paranaense a pagar a verba, com os devidos reajustes legais, nos termos e parâmetros contidos no ter-mo de compromisso. Arbitrou provisoriamente a condenação em aproximadamente R$ 2 milhões (valores convertidos para o real). Fixou o dia 11.12.2005, como data para o início da atualização monetária. Da mesma forma entendeu o Regional ao negar recurso ordinário do Atlético, pelo qual tentava comprovar que a transfe-rência ao clube mexicano teria ocorrido somente após a data fixada no termo de compromisso. Para o TRT, a transferência ocorreu efetivamente em dezembro de 2002. A decisão salienta que caberia ao clube comprovar fato impeditivo ao direito do atleta, o que não ocorreu. Ao relatar o recurso na Turma, a Ministra Delaíde Miranda Arantes observou que, para se acolher as alegações do Atlético Para- naense, de que a transferência somente ocorrera em data posterior ao acertado, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado em sede de recurso de revista pela Súmula nº 126 do TST. Quanto à alegação de violação ao art. 125 do Código Civil, observou que a matéria não se encontrava prequestionada

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sob o enfoque do citado artigo. RR-930400-07.2008.5.09.0651. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Coca-Cola deve indenizar CBF por uso indevido de imagemA 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Jus-tiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que condenou a Coca-Cola Indústrias Ltda. a indenizar a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por lucros cessantes decorrentes do uso indevido de imagem em campanha publicitária veiculada em 2009, durante as eli-minatórias da Copa do Mundo de 2010. Segundo o processo, a campanha mostrou os ex-jogadores Bebeto, Biro-Biro e Dario trajando vestimenta bem parecida com o uniforme da seleção brasileira e teria induzido o espectador a associar o sucesso da seleção ao refrigerante. O TJRJ entendeu que a empresa lucrou com o uso indevido, por imitação, do uniforme e do distintivo de propriedade da CBF, o que gerou o dever de indenizar. O tribunal fluminense determinou que o valor dos lucros ces-santes fosse fixado em liquidação por arbitramento. Em recurso ao STJ, a Coca-Cola alegou, entre outros pontos, que a campanha publicitária utilizou as cores verde e amarelo, representativas da nação brasileira, exatamente porque são de domínio público e não cabe à CBF invadir a propriedade imaterial de todos os brasileiros. Para o relator do recurso no STJ, Ministro Villas Bôas Cueva, os elementos apurados no processo revelam que a campanha publicitária, embora disfarçada, utilizando símbolos apenas aproximados, tinha o claro objetivo de “remeter o consumidor da Coca-Cola à imagem da seleção brasileira ou, em outros termos, de usar a imagem cujos direitos são reservados à CBF para vender o produto comercializado”. Dessa forma, ressaltou o ministro, deve ser afastada a tese de que a CBF está pretendendo se apoderar comercialmente da camisa amarela e da bandeira do Brasil, já que ficou evidenciado nos autos que não se trata da apropriação dos símbolos nacionais, mas de sua utilização em um contexto que remete, de forma inequívoca, à seleção bra-sileira, cujos direitos de imagem pertencem à CBF. Citando precedentes, o ministro afirmou que a jurisprudência consolidada no STJ dispõe que, “em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do di-reito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral”. Para Villas Bôas Cueva, é evidente que a CBF deixou de ganhar o valor que deveria ter sido pago pelo uso da imagem. Assim, em decisão unânime, a Turma negou provimento ao recurso especial da Coca-Cola. REsp 1335624. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Jus-tiça)

Fechamento da Edição: 10�02�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• BrevesComentáriosSobreaLeideIncentivoaoEsporte Luiz André Mello Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• BrevesComentáriosAcercadaTributaçãodosClubesdeFutebolProfissional No Brasil

Carlos Adriano Pacheco Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

A ArbitrAgem no Direito Desportivo

•A Arbitragem Desportiva (Alexandre Ramalho Miranda, Paula Gambini Vazquez e Otávio LuisLourenço e Silva) ...................................................9

•A Arbitragem Laboral Desportiva e o Artigo 90-C da Lei dos Desportos (Fábio Menezes deSá Filho) ..............................................................20

•Breves Notas sobre o Tribunal Arbitral do Desporto Previsto no Decreto nº 170/XII e as Suas Inconstitucionalidades (Artur Flamínio daSilva) ...................................................................44

•Questões sobre a Arbitragem no Esporte (CassioM. C. Penteado Jr.) ...............................................48

Autor

AlexAnDre rAmAlho mirAnDA, pAulA gAmbini vAzquez e otávio luis lourenço e silvA

•A Arbitragem Desportiva .......................................9

Artur FlAmínio DA silvA

•Breves Notas sobre o Tribunal Arbitral do Des-porto Previsto no Decreto nº 170/XII e as Suas Inconstitucionalidades .........................................44

cAssio m. c. penteADo Jr.

•Questões sobre a Arbitragem no Esporte ..............48

Fábio menezes De sá Filho

•A Arbitragem Laboral Desportiva e o Artigo 90-Cda Lei dos Desportos ...........................................20

DE FRENTE PARA O GOL

Assunto

brigA entre torciDAs

•CAP X PM/SC X MP/SC – Quem Assume Esta? (Leonardo José Roesler) ......................................229

Autor

leonArDo José roesler

•CAP X PM/SC X MP/SC – Quem Assume Esta? ...229

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

Fgts

•Cláusula Compensatória Desportiva e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no

Trabalho Desportivo (Rafael Teixeira Ramos) ..........................................................................232

Assunto

rAFAel teixeirA rAmos

•Cláusula Compensatória Desportiva e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no Tra-balho Desportivo ...............................................232

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

AprenDizAgem

•Da Adequada Interpretação do Comando Nor-mativo Incurso no Artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho, no Que Toca às Entida-des de Prática Desportiva Brasileiras (PedroHenrique Torquato Viana Antunes)......................68

AtletA

•A Legalidade da Inscrição do Meia Fernan-dinho no Mundial de Clubes (Gustavo LopesPires de Souza) ....................................................53

copA

•O “Rolezinho” da Fifa no País de Pedrinhas em Estado de Exceção Permanente (Jorge LuizSouto Maior) ........................................................93

trAnsAção

•A Possibilidade de Transação Disciplinar em Casos de Concurso Formal de Infrações Não Constantes no Rol Predeterminado pelo Códi-go Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) (JoãoPaulo Romero Baldin) ..........................................57

Autor

gustAvo lopes pires De souzA

•A Legalidade da Inscrição do Meia Fernandinho no Mundial de Clubes .........................................53

João pAulo romero bAlDin

•A Possibilidade de Transação Disciplinar em Casos de Concurso Formal de Infrações Não Constantes no Rol Predeterminado pelo CódigoBrasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) ................57

Jorge luiz souto mAior

•O “Rolezinho” da Fifa no País de Pedrinhas emEstado de Exceção Permanente ............................93

peDro henrique torquAto viAnA Antunes

•Da Adequada Interpretação do Comando Nor-mativo Incurso no Artigo 429 da Consolidação

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RDD Nº 17 – Fev-Mar/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������243 das Leis do Trabalho, no Que Toca às Enti-dades de Prática Desportiva Brasileiras ................68

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Ação De inDenizAção

•Conflito negativo – Ação de indenização – Da-nos à imagem – Álbum de figurinhas – Inclu-são da efígie do autor – Editora – Pretendida denunciação da lide ao ex-empregador, clube de futebol, ainda não concretizada – Inexistên-cia de vínculo empregatício entre autor e réu – Controvérsia de natureza civil – Jurisprudên-cia da seção – Competência da Justiça ComumEstadual (STJ) .............................................959, 153

AtletA

•Atleta profissional de futebol – Renovação auto-mática do vínculo desportivo prevista em cláu-sula do contrato – Desnecessidade de manifes-tação expressa – Ruptura antecipada do contrato a termo, por iniciativa exclusiva do empregador – Incidência da cláusula penal – Indenização por dano moral – Proporcionalidade e razoabili-dade do quantum debeatur (TRT 1ª R.) ......963, 194

•Campeonato Brasileiro da Série A de 2013 – Escalação irregular de atleta condenado a uma partida de suspensão pelo STJD – Aplicação do art. 214 do CBJD – Interpretação do item XI da RDI nº 5/2004 – Incidência do art. 171, § 1º, do CBJD – Distinção entre o art. 133 e o art. 43, § 2º, do CBJD – Impossibilidade de a sus-pensão automática ter sido cumprida em cam-peonato diverso (STJDF) .............................957, 114

contribuição previDenciáriA

•Associações desportivas – Contribuições pre-videnciárias – Lei nº 8.212/1991, art. 22, § 6º(TRT 1ª R.) .................................................964, 202

Direito De ArenA

•Recurso de revista – Sport Club Corinthians Paulista – Direito de arena – Acordo judicial em que transacionado o percentual referente ao re-passe aos atletas – Multa do art. 475-J do CPC – Inaplicabilidade na Justiça do Trabalho (TST) ..................................................................961, 162

incompetênciA

•Agravo de instrumento – 1 Incompetência do Tribunal Regional para negar seguimento ao re-curso de revista com a análise do mérito – 2 Di-reito de arena (TST) ....................................960, 158

nuliDADe

•Recurso de revista – 1 Preliminar de nulidade do acórdão do tribunal regional por negativa da prestação jurisdicional – 2 Nulidade – Rea-bertura da instrução processual para juntada de documento comprobatório da interrupção da prescrição – 3 Prescrição bienal – Contrato de

trabalho de atleta profissional – Ocorrência de lesão após a extinção do contrato de trabalho – Início da contagem do prazo prescricional a par-tir da data em que a verba se tornou exigível – 4 Direitos participativos na venda e transferên-cia de jogador de futebol (TST) ..................962, 177

•Tributário – ISS – Serviços de distribuição e venda de título de capitalização na vigência da LC 56/1987 – Telesena – Produto não idêntico a jogos de loteria – Ausência de adequação fática ao preceito normativo – Impossibilidade de in-terpretação extensiva – Nulidade do lançamentotributário (STJ) ............................................958, 125

EMENTÁRIO

Administrativo e Constitucional

Ação civil públicA

•Ação civil pública – exploração de bingo e outros jogos de azar – danos morais coletivos –indenização – descabimento .....................965, 206

competênciA

•Competência investigatória – CPI da CBF/Nike – quebra de sigilo bancário e fiscal devidamente motivada – responsabilidade civil – configu-ração .........................................................966, 206

treinADor

•Conselho Regional de Educação Física – moni-tor e treinador de futebol – ex-atletas – inscrição– descabimento .........................................967, 208

Civil

Ação civil públicA

•Ação civil pública – interdição de exploraçãode jogo de bingo – cabimento ...................968, 209

Ação De inDenizAção

•Ação de indenização – fraude reconhecida – re-solução contratual – efeitos .......................969, 210

•Ação de indenização – morte de filho menor em piscina do clube aquático – dever de vigi-lância – ausência – responsabilidade – reconhe-cimento .....................................................970, 211

AtletA

•Atleta – contrato de cessão de direitos federa-tivos – descumprimento – efeitos ...............971, 211

competênciA

•Competência – atleta amador de futebol – rela-ção de trabalho – efeitos ............................972, 211

conFlito De competênciA

•Conflito de competência – três demandas ajui-zadas em foros distintos por clubes buscando inclusão na mesma vaga para disputa da série

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244 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 17 – Fev-Mar/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

“C” do campeonato brasileiro – prevenção –observação ................................................973, 212

estAtuto Do torceDor

•Estatuto do torcedor – Programa Sócio-Torce-dor – passaporte rubro-negro – validade ....974, 213

ingresso

• Ingresso – venda com numeração de assento inexistente – responsabilidade da Fifa – alcance ..................................................................975, 214

responsAbiliDADe civil

•Responsabilidade civil – clube – empréstimo deatleta jogador de futebol – alcance ............976, 214

Penal

Ação civil públicA

•Ação civil pública – propositura pela MPF e União Federal – exploração de bingo – inter-dição – cabimento .....................................977, 214

Ação De cobrAnçA

•Ação de cobrança – intermediação em contra-tação de jogador de futebol – existência da dí-vida – comprovação – cabimento ..............978, 215

competênciA

•Competência – Justiça Estadual – apreensão demáquinas caça-níqueis – descabimento .....979, 216

crime De contrAbAnDo

•Crime de contrabando – exploração de má-quinas caça-níqueis – componentes de origem estrangeira introduzidos ilegalmente no País –– configuração ...........................................980, 216

•Crime de contrabando – máquinas “caça-ní-quel” – autoria e materialidade delitiva com-provação ...................................................981, 217

Doping

•Doping – turfe no Brasil – suspeita – multa apli-cada ao proprietário e treinador do cavalo –reconhecimento .........................................982, 217

Trabalhista

AtletA proFissionAl

•Atleta profissional – cláusula penal – aplicabili-dade ..........................................................983, 219

•Atleta profissional – contratos sucessivos – uni-cidade – prescrição – inocorrência ............984, 219

•Atleta profissional – direito de arena – receita proveniente de exploração de direitos despor-tivos – alcance ...........................................985, 220

•Atleta profissional – jogador de futebol – lesão – intervenção cirúrgica – responsabilidade –alcance ......................................................986, 220

cláusulA penAl

•Cláusula penal – liberação para o jogador de futebol firmar contrato com nova agremiaçãodesportiva – efeitos ....................................987, 220

competênciA

•Competência em razão do lugar – técnico de fu-tebol – art. 651 da CLT – observação .........988, 220

contrAto por prAzo DeterminADo

•Contrato por prazo determinado – acidente do trabalho – período correspondente à estabilida-de provisória – indenização .......................989, 221

•Contrato por prazo determinado – treinador profissional de futebol – multa do art. 479 daCLT – aplicação – efeitos ...........................990, 221

contribuição previDenciáriA

•Contribuição previdenciária – associação des-portiva – manutenção de equipe de futebol –recolhimento .............................................991, 223

Direito De ArenA

•Direito de arena – atleta escalado na condição de reserva – irrelevância – pagamento devido ..................................................................992, 223

•Direito de arena – diminuição do percentual estabelecido na legislação – impossibilidade ..................................................................993, 224

•Direito de arena – norma coletiva que reduz o percentual mínimo previsto em lei – invalidade ..................................................................994, 224

Direito De imAgem

•Direito de imagem – jogador de futebol – natu-reza salarial – reconhecimento ..................995, 224

•Direito de imagem – pactuação – fraude – nãoconfiguração ..............................................996, 224

honorários De ADvogADo

•Honorários de advogado – Sport Club Corin-thians Paulista – agravo de instrumento – nãoprovimento ................................................997, 225

penhorA

•Penhora – recurso público – auxílio-financeiro municipal prestado a clube esportivo – efeitos ..................................................................998, 225

relAção De emprego

•Relação de emprego – jogador de futebol – pe-ríodo de testes – vínculo inexistente ..........999, 225

•Relação de emprego – jogador de futebol – pré--contrato – não reconhecimento ..............1000, 225

remunerAção

•Remuneração – clube de futebol – contrataçãodo jogador – pagamento devido ..............1001, 226

Page 245: ISSN 2236-9414 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 17_miolo.pdf · Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks ... e Jorge Luiz Souto Maior levantando a polêmica do “‘Rolezinho’

RDD Nº 17 – Fev-Mar/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������245 rescisão Do contrAto De trAbAlho

•Rescisão do contrato de trabalho imotivada – jogador de futebol – cláusula compensatória –cabimento ...............................................1002, 226

•Rescisão do contrato de trabalho – não com-provação da inidoneidade financeira do clube– sócio – responsabilidade – ausência .....1003, 226

responsAbiliDADe trAbAlhistA

•Responsabilidade trabalhista – construção de estádio de futebol – subempreitada – alcance ................................................................1004, 227

Tributário

execução

•Execução fiscal – agravo de instrumento – li-mitação da penhora a 10% do faturamento do clube – receitas provenientes de cotas televisi-vas e da venda de cadeiras cativas – cabimento ................................................................1005, 227

•Execução fiscal – passe de atleta – contribuiçãoprevidenciária – não incidência ...............1006, 228

tutelA AntecipADA

•Tutela antecipada – jogos eletrônicos – ISS –cabimento ...............................................1007, 228

CLIPPING JURÍDICO

•Zagueiro da Roma receberá direito de arena pelo tempo em que jogou no Grêmio Barueri ....236

•Betão não comprova direito de arena sobre jo-gos na Taça Libertadores pelo Corinthians .........236

•Marinho, que atuou no Corinthians entre 2005 a2007, vai receber diferenças de direito de arena . 237

•Técnico de futebol não diplomado não precisade registro em conselho de educação física .......238

•Atlético Paranaense indenizará Kleber Pereirapor transferência para o México ........................239

•Coca-Cola deve indenizar CBF por uso indevidode imagem .........................................................240

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ........................241

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ......................242

NORMAS EDITORIAIS PARA ENVIO DE ARTIGOS ..7