irpj e a compensação dos prejuízos fiscais

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  • Denise de Cssia Daniel

    O Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurdicas e a compensao dos prejuzos fiscais

    Curitiba, 16 de janeiro de 2006.

  • Denise de Cssia Daniel

    O Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurdicas e a compensao dos prejuzos fiscais

    Dissertao de mestrado, na rea de Direito do Estado e Direito de Relaes Sociais, do Curso de Ps-graduao do Setor de Cincias Jurdicas da Universidade Federal do Paran. Orientadora Professora Doutoura Betina Treiger Grupenmacher Federal do Paran Realizado pela aluna Denise de Cssia Daniel

    Curitiba, 16 de janeiro de 2006.

  • O Direito deve ser sempre uma tentativa de Direito justo

    Stammler

  • SUMRIO

    Resumo .........................................................................................................................................

    Abstrat...........................................................................................................................................

    Introduo ...................................................................................................................................8

    Captulo I - Princpios constitucionais que informam a tributao da renda...........................11 1. Noo de princpio............................................................................................................12 2. A estrita legalidade ...........................................................................................................14 3. O primado da igualdade tributria ....................................................................................16 4. A anterioridade legal: uma questo de previsibilidade .....................................................18 5. A irretroatividade das leis .................................................................................................20 6. A vedao ao confisco: um conceito indeterminado ........................................................22 7. Generalidade e universalidade: vocbulos sinnimos, significados diversos...................24 8. Sntese ...............................................................................................................................26

    Captulo II - O princpio da capacidade contributiva................................................................27 1. Origem do princpio e evoluo histrica do conceito .....................................................28 2. O contedo da expresso capacidade contributiva ........................................................30 3. Capacidade econmica e capacidade contributiva............................................................34 4. Progressividade: a medida do princpio da capacidade contributiva ................................36 5. A capacidade contributiva das pessoas jurdicas .............................................................37 6. Sntese ...............................................................................................................................40

    Captulo III - Mnimo isento: parcela no tributvel da renda..................................................41 1. Noes fundamentais ........................................................................................................41 2. As teorias sobre o mnimo isento......................................................................................42 3. O conceito de mnimo isento ............................................................................................45 4. O alcance do mnimo isento..............................................................................................46 5. O mnimo isento e a capacidade contributiva ...................................................................48 6. Sntese ...............................................................................................................................50

    Captulo IV - Noes sobre normas jurdicas ...........................................................................51 1. Norma jurdica e texto legal..............................................................................................52 2. A estrutura da norma jurdica ...........................................................................................53 3. A atuao dinmica da norma jurdica: o fenmeno da incidncia ..................................55 4. A norma jurdica tributria ...............................................................................................56 5. Sntese ...............................................................................................................................58

    Captulo V - A regra-matriz de incidncia do imposto sobre a renda das pessoas jurdicas ....59 1. O imposto sobre a renda: noes histricas......................................................................60 2. O rigor cientfico dos vocbulos substitutos da expresso fato gerador .......................62 3. A questo interior: critrios ou aspectos ....................................................................63 4. Hiptese tributria.............................................................................................................65 4.1 Critrio material ............................................................................................. 66

  • 4.2 Critrio espacial ............................................................................................. 68 4.3 Critrio temporal ............................................................................................ 69 5. Conseqncia tributria ....................................................................................................72 5.1 O contedo do critrio pessoal: sujeito ativo e sujeito passivo ..................... 74 5.2 O critrio quantitativo: base de clculo e alquota......................................... 75 6. Sntese ...............................................................................................................................79

    Captulo VI O Imposto sobre a renda das pessoas jurdicas e o conceito jurdico de renda .80 1. A evoluo do conceito de renda ......................................................................................81 2. O conceito de renda ..........................................................................................................86 3. O contedo do conceito de renda......................................................................................89 4. Periodicidade da renda......................................................................................................92 5. A renda das pessoas jurdicas ...........................................................................................95 6. Sntese ...............................................................................................................................99

    Captulo VII Presunes e Fices no Direito Tributrio....................................................100 1. Das presunes ...............................................................................................................103 2. Espcies de presunes ...................................................................................................105 2.1 Presunes legais absolutas ......................................................................... 106 2.2 Presunes legais relativas........................................................................... 107 2.3 Presunes simples ...................................................................................... 108 3. Das fices ......................................................................................................................108 4. Diferena entre presuno legal absoluta e fico jurdica.............................................109 5. A presena das presunes e fices na estrutura da regra-matriz de incidncia...........110 6. Sntese .............................................................................................................................113

    Captulo VIII O imposto sobre a renda das pessoas jurdicas e a compensao de prejuzos fiscais ......................................................................................................................................114 1. O lucro tributvel: a dimenso temporal da renda da pessoa jurdica. ...........................115 2. Renda e patrimnio: distino ........................................................................................117 3. Lucro e prejuzo: realidades distintas, tratamento diferenciado .....................................119 4. A discricionariedade do legislador e a base de clculo do imposto sobre a renda das pessoas jurdicas .....................................................................................................................120 5. A compensao de prejuzos e a realidade legislativa ....................................................122 6. A restrio compensao de prejuzos e os princpios constitucionais que informam a tributao ................................................................................................................................124 7. Sntese .............................................................................................................................126

    Concluso................................................................................................................................127

    Referncias bibliogrficas.......................................................................................................129

  • Resumo

    O objetivo deste trabalho investigar, cientificamente, a juridicidade de qualquer tipo de limitao impostas pelo legislador comum, atravs da conformao da base de clculo do imposto sobre a renda das pessoas jurdicas, compensao dos prejuzos fiscais. Da anlise das limitaes constitucionais atribudas ao exerccio da competncia tributria conferidas s pessoas polticas, inclusive Unio, desde os princpios constitucionais que regem a tributao at a norma-padro de incidncia e, tambm, do contedo do conceito constitucional de renda, forma-se a convico que o legislador comum no tem competncia para restringir o direito compensao dos prejuzos fiscais. Fazendo-o, como o fez, incorreu em ilicitude insanvel, com conseqncias lesivas e irreparveis aos direitos constitucionalmente assegurados do contribuinte, o qual tem o dever de colaborar para os cofres pblicos, na medida de sua capacidade.

  • Abstrat

    The purpose of this work is to investigate, on a scientific basis, the legality of any kind of limitation imposed by the common legislator, through the adequacy of the legal entities income tax basis to the tax-loss compensation. The conclusion that the common legislator does not have competence to restrict the right of tax-loss compensation is a consequence of an analysis of the constitutional limitations to the exercise of tax competence

    (which is an attribute of all political/public entities, including the Federal Government), that considered (i) constitutional principles that rules the tax activity; (ii) the tax imposition pattern rule (norma-padro de incidncia), and also (iii) the constitutional concept of income . Thus, the legislator incurred in an illegality that is impossible to be solved, with

    prejudicial and irreparable consequences to the taxpayers , in opposition to brasilian constitution that assure rights of contributing to the Federal Revenue in equitable amount of their income.

  • 8

    Introduo

    A compensao de prejuzos fiscais das pessoas jurdicas na apurao da base de clculo do imposto sobre a renda, embora no seja recente, continua sendo assunto dos mais controvertidos. Muitos debates j foram travados sobre a matria, principalmente a partir da edio da lei n 8.981/95, momento em que o problema voltou a ser atual. A lei em pauta, que estabeleceu a limitao quantitativa para a compensao daquele tipo de perda, imprimiu matria a mais severa das restries, impondo ao contribuinte carga tributria maior, seno indevida, pelo menos insuportvel, na maioria das vezes.

    A compensao dos prejuzos acumulados representa um reconhecimento ao fato de ser a vida da empresa contnua, em que pese a periodizao da renda que lhe aplicada, por questes de poltica tributria e conjuntura econmica. Alis, a periodizao uma fico jurdica universalmente adotada para identificar, no sentido esttico do termo, a renda das empresas. Ou seja, o acrscimo patrimonial ocorrido em determinado perodo.

    A despeito de todas as consideraes que foram firmadas sobre a compensao de prejuzos, a pretenso deste trabalho buscar a juridicidade do gravame imposto pelo legislador comum, analisando a sua conformao aos preceitos insertos em nosso ordenamento jurdico, relativamente sistematizao do imposto sobre a renda das pessoas jurdicas, a qual deita razes na Constituio.

    A proposio desenvolver investigao cientfica de carter analtico, luz do sistema tributrio vigente, considerando a supremacia da Constituio Federal e os valores nela inseridos. O objeto de estudo recaiu sobre o direito positivo, em especial sobre conjunto de enunciados prescritivos que se relacionam com a matria, direta ou indiretamente.

    Para melhor desenvolvimento do tema, o trabalho foi dividido em oito captulos. Inicialmente

    captulo I

    foram citados os principiais princpios tributrios que informam a tributao em geral, com nfase especfica para a tributao da renda. Trata-se, na realidade, dos limites impostos pela Constituio competncia tributria outorgada s pessoas polticas, como forma de impedir que o legislador comum abuse do direito que lhe foi concedido. Dentro desta perspectiva, procura-se justificar as situaes de validade e invalidade do tributo, estabelecendo os fundamentos primeiros que devem nortear a sua

  • 9

    criao ou majorao. Nesse momento se estabelece o primeiro parmetro de juridicidade a ser considerado na anlise do gravame imposto s pessoas jurdicas, relativamente limitao da compensao dos prejuzos fiscais.

    Em seguida

    captulo II

    ainda dentro do mesmo enfoque, as limitaes competncia tributria, destaca-se o princpio da capacidade contributiva, que, pela sua importncia, merece o realce que lhe foi dado. Atravs da sua observao, o legislador ordinrio comum acaba por realizar de forma definitiva o princpio da justia social, j que ele complementa o princpio da igualdade, e o princpio da justia fiscal, tendo em vista que a noo de capacidade contributiva est diretamente ligada ao poder de contribuir que possui cada contribuinte. Esse poder s revelado no momento em que, da riqueza auferida separada quantia necessria subsistncia

    captulo III

    seja da empresa ou do indivduo. No mbito das empresas, esse mnimo representado pelos custos e despesas necessrias manuteno da fonte produtiva e desenvolvimento da atividade operacional. Em razo da convico sobre existncia do mnimo substancial tambm no mbito das pessoas jurdicas, a elas tambm se atribui a capacidade de contribuir, a qual deve ser respeitada, como determina o princpio constitucional.

    Expostos os limites impostos pela prpria Constituio s pessoas polticas e, no caso do imposto sobre a renda, em especial Unio, relativamente instituio ou majorao dos tributos, cuida-se de apresentar a estrutura da norma jurdica captulo IV

    e, em especial, a estrutura da norma jurdica em sentido estrito

    captulo V. Cada um dos elementos que devem, obrigatoriamente, compor a regra-matriz de incidncia do imposto, bem como o seu contedo, previamente estabelecido pela Lei Maior, so neste tpico analisados.

    No captulo VI, inicia-se a anlise direta do tema pelo estudo do conceito e do contedo do conceito de renda, assim entendida a hiptese tributria1 do imposto sobre a renda, de forma geral. A anlise feita de maneira abrangente, de forma a demonstrar a existncia de um nico conceito constitucionalmente estratificado e aplicvel s pessoas

    1 Expresso adotada por Paulo de Barros Carvalho em contraposio expresso fato gerador e a outros vocbulos sugeridos pela doutrina, tais como: situao-base, pressuposto de fato do tributo, suporte fctico, fato imponvel, hiptese de incidncia . Cabe ressalvar que se adota neste trabalho a terminologia emprestada regra-matriz de incidncia por Paulo de Barros Carvalho. Ver CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada Ver CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 14. ed. rev. e atualiz.. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 238-341.

  • 10

    fsicas e jurdicas. Posteriormente, analisa-se o direito limitado, tambm pela Constituio, que possui o legislador ordinrio para conformar o lucro real, assim entendida a renda das pessoas jurdicas, hiptese tributria do imposto.

    Vinculado ao direito atribudo ao legislador comum, relativamente conformao do lucro real, surge como parte integrante do objetivo deste trabalho, a validade da presena, na estrutura da regra-matriz de incidncia2, e, conseqentemente, na base de clculo do imposto, das presunes e fices jurdicas. E, por fim, no ltimo captulo

    VIII

    analisa-se a juridicidade do gravame surgido como conseqncia direta da imposio de qualquer tipo de limitao ao direito do contribuinte de compensar os prejuzos fiscais acumulados, confrontando-se a legislao ordinria com todos os elementos que embasaram a investigao.

    Tudo, certo, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento do estudo de to relevante tema, devido a sua influncia direta sobre direitos constitucionalmente assegurados.

    2 Regra-matriz de incidncia ou norma-padro de incidncia o nome atribudo ao resultado do trabalho de composio, realizado pelo cientista do Direito, dos preceitos que se dispersam pelo corpo do estatuto, visando a estruturao da norma tributria em sentido estrito (...), que define a incidncia fiscal . Ver CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 235-237.

  • 11

    Captulo I - Princpios constitucionais que informam a tributao da renda

    Edmar Oliveira Andrade Filho afirma que a Constituio Federal a fonte primordial do nosso sistema tributrio, que o conforma e circunscreve, fixando seus limites, estabelecendo condies e as formas de seu exerccio3. Segundo Roque Antonio Carrazza, esta uma peculiaridade exclusiva da nossa rgida Carta Magna, que, em vez de conceder s pessoas polticas o poder tributrio, que incontestvel e absoluto4, atribuiu-lhes apenas e to somente a competncia tributria.

    A competncia tributria pode ser entendida como uma fora tributante estatal limitada, regrada e disciplinada pelo Direito e que busca o seu fundamento de validade no prprio texto constitucional. Considerando essa repartio, coube Unio, entre outras, a competncia exclusiva de criar imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.

    Ao traar minuciosamente a competncia tributria de cada ente poltico, o legislador constituinte atribuiu a cada um deles um poder legislativo autnomo. Assim, a criao desse imposto, como de todos os demais tributos, deve ser feita atravs de lei que contemple todos os seus elementos essenciais. Essa lei deve, necessariamente, ser anterior exigibilidade do imposto, mas sempre voltada para o futuro. Somente pode alcanar contribuintes que se encontrem em igualdade de condies, onerando-os dentro dos parmetros da razoabilidade, sendo inadmissvel que a imposio assuma o carter de penalidade, na medida em que pretenda retirar do contribuinte sua capacidade de subsistncia ou desenvolvimento.

    Cada uma dessas caractersticas, como condicionantes validade da lei instituidora do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, foram aladas categoria de princpio constitucional, atuando como verdadeiros obstculos intransponveis ao exerccio das competncias tributrias, instrumentos realizadores da segurana jurdica e da justia fiscal.

    3 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. So Paulo: Atlas, 2004, p. 29.

    4 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributrio. 19. ed. rev. ampl. e atualiz. at a emenda constitucional n. 39/2002, 2 tiragem. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 433-444.

  • 12

    1. Noo de princpio

    O ordenamento jurdico, tambm denominado de sistema5, formado por um conjunto de normas6, dispostas na forma piramidal7, de sorte a estabelecer um vnculo de subordinao obrigatrio entre as normas inferiores, que se encontram na base da pirmide e so em maior nmero, e as superiores, instaladas no topo da pirmide, e em quantidade reduzida.

    Contrariamente ao que se espera de uma estrutura assim formada, o que a suporta, o fundamento sob o qual o conjunto se estrutura, no o que est na base, mas o que est no vrtice da pirmide. a partir do vrtice, onde esto as normas que iro dar fundamentos de validade e existncia s demais, que, harmnica e ordenadamente, todas elas se agrupam para formar o nosso ordenamento jurdico. Por serem diferenciadas, finalsticas8, impregnadas de alta carga valorativa, essas normas superiores so denominadas, em Direito, de princpios.

    Com origem determinada pelo vocbulo latino principii, princpio d a idia de comeo, incio, o fundamento sobre o qual se apia alguma coisa ou a proposio elementar e essencial que serve de base a uma ordem de conhecimentos. Essa significao possibilita definir princpio, dentro do ordenamento jurdico, como norma fundamental, altamente vinculante, que serve de suporte a todo o sistema, direcionando a ordem jurdica e fixando o seu objetivo9. Ele o fundamento que motiva a criao de todas as demais normas jurdicas, inclusive daquelas que criam ou aumentam tributos.

    O princpio assume o carter vinculante e determina as diretrizes do ordenamento jurdico, em decorrncia do seu status de norma jurdica qualificada. Como norma qualificadora, os princpios possuem importncia estrutural dentro do sistema jurdico.

    5 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introduo ao estudo do Direito. So Paulo: Atlas, 1989, p. 174.

    6 No adentraremos as teorias que distinguem princpios, normas e regras. Adotaremos aqui o entendimento de Estevo Horvath, para quem os princpios so normas jurdicas. Existem dois tipos de normas jurdicas: a) as regras, que ele qualifica como norma jurdica de sentido estrito; e b) os princpios. HORVATH, Estevo. O princpio do no-confisco no Direito Tributrio. So Paulo: Dialtica, 2002, p. 22. 7 CARRAZA, Roque Antonio. Obra citada. p. 27.

    8 VILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributrio. So Paulo: Saraiva, 2004, p. 38.

    9 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. So Paulo: Manole, 2004, p. 1.

  • 13

    Com alto grau de abstrao, so vagos e indeterminados, por conterem os principais modelos que devem nortear as investigaes de coexistncia pacfica da ordem jurdica.

    No entendimento de Roque Antonio Carrazza, os princpios se caracterizam por no trazerem em seus enunciados um comportamento especfico, mas apenas um padro de interpretao das leis. Eles podem ser implcitos ou explcitos, cumprindo sua funo informadora igualmente, independente de hierarquia. So encontrados em todo o sistema jurdico e nominados como constitucionais, legais e at infralegais10. Dentre todos, os princpios constitucionais so os mais importantes, sobrepondo-se aos demais. Essa importncia fica ainda mais evidenciada quando falamos em tributao.

    Para Sacha Calmon Navarro Coelho, o Direito Tributrio brasileiro constitucionalizado11. Roque Antonio Carrazza dele no discorda ao firmar que a Constituio brasileira, diferentemente de outras constituies, traz em seu texto todo o sistema tributrio, legitimando, assim, no apenas a ordem jurdica como um todo, mas tambm a ordem jurdica tributria. So princpios constitucionais que informam toda a ao tributria das pessoas polticas, direcionando o teor das leis e os seus modos de aplicao12.

    A Constituio concedeu Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios a competncia para instituir e cobrar tributos. A outorga dessa competncia nada mais do que permitir ao destinatrio da concesso expressamente designado a faculdade de legislar, na forma e nos limites pr-estabelecidos no Texto Magno. Assim, cabe ao legislador ordinrio, no mbito de cada uma das pessoas polticas, legislar dentro dos contornos da sua competncia tributria, para criar os tributos que vo se constituir nas receitas, das quais necessita o Estado, para que possa realizar suas finalidades, que tambm esto estabelecidas na prpria Constituio. Como instituir tributos representa exigir das pessoas fsicas e jurdicas a entrega compulsria de parte de suas disponibilidades, o legislador ordinrio tem uma liberdade limitada exatamente pelos princpios constitucionais, principalmente por aqueles que informam a tributao.

    10 CARRAZZA, Roque Antonio. Obra citada. p. 34.

    11 COLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributrio brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.44. 12

    CARRAZZA, Roque Antonio. Obra citada. p. 46.

  • 14

    2. A estrita legalidade

    O princpio da legalidade no exclusivo do Direito Tributrio, j que est inserido no texto constitucional como um dos princpios bsicos dos direitos e das garantias fundamentais. S por ali constar j motivo ou razo suficiente para garantir que a criao ou majorao de tributos tambm est condicionada prvia existncia de lei. O legislador constituinte, entretanto, voltou a mencion-lo com redobrada fora, no art. 150, I, da Carta Magna13, como um dos limites impostos ao poder de tributao concedido s pessoas polticas. Dada essa peculiaridade, convencionou-se cham-lo, em Direito Tributrio, de princpio da estrita legalidade14.

    Nos primrdios da Histria, o ato de tributar era, na realidade, um ato de apropriao pura e simples, praticado pelos governantes em relao aos seus sditos. Segundo Victor Uckmar, a origem do princpio da legalidade muito mais antiga do que a Magna Charta15, a qual, em geral, atribui-se a primeira afirmao da necessidade de deliberao dos rgos legislativos para a imposio de qualquer prestao pecuniria. Muito antes j se verificavam situaes especficas, nas quais a imposio do gravame era amplamente discutida, em reunies e assemblias realizadas por aqueles que seriam onerados. Mas foi somente com a edio da Magna Charta16 que se consolidou expressamente o descontentamento do povo, que, de forma impositiva, exigiu que lhe fossem dadas concesses, para tutelar os seus direitos, diante da onerosidade e da injustia fiscal. A partir da, o primado da auto-imposio foi sendo disseminado pelas diversas formas de regramento social constitudas, at o efetivo reconhecimento pelas constituies francesa e americana 17.

    Como princpio universal da tributao, traz em seu bojo, ainda, o sentido primeiro de consentimento popular. ainda mais forte esse sentido, quando considerado que tal princpio o principal vetor sobre o qual se assenta toda a tributao na maioria dos pases, inclusive no Brasil. O princpio da legalidade fundamenta tributo consentido. Ou seja, o prprio povo, atravs e seus representantes, legalmente eleitos, quem determina e consente

    13 Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: I exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabelea. 14

    CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 154. 15

    Ressalvamos que a expresso est assim grafada na obra indicada na nota 17. 16

    Vide nota 15. 17 UCKMAR, Victor. Princpios comuns de Direito Constitucional Tributrio. 2 ed. rev. e atual. conf. a 2. ed. italiana. Traduo e notas ao Direito brasileiro de Marco Aurlio Greco. So Paulo: Malheiros, 1999, p. 20-30.

  • 15

    quais exaes tributrias podem recair sobre o seu patrimnio e em que medida isso deve ser feito.

    Alberto Xavier acompanha o entendimento corrente de tratar-se de um dos princpios bsicos do Estado de Direito, mas admite a sua origem em pocas mais remotas. Tambm atribui o seu surgimento idia de consentimento popular, mas pondera sobre o enfraquecimento desse significado, com o advento do Estado Moderno. Para ele, no Estado Moderno, o princpio perdeu o seu significado original de tributao consentida, passando a significar apenas que a imposio tributria s poder ser vlida quando veiculada por meio de lei ordinria, emanada do poder legislativo18.

    Em outras palavras, o princpio da legalidade traduz a necessidade de que qualquer cobrana efetuada pela Fazenda Pblica a ttulo de tributo deve ser precedida de lei prvia e validamente emanada do poder legislativo da pessoa poltica tributante. E, quando se fala em tributo, necessariamente so alcanadas todas as espcies existentes, independentemente da denominao que lhe seja atribuda.

    Por se constituir num instrumento regulador do poder que o Estado tem de tributar, tambm considerado como um limitador atuao do fisco, pois a rigidez da nossa Constituio exige que a lei instituidora do tributo traga consignada toda a regra-matriz de incidncia, previamente delineada na prpria Carta Magna. Assim, no basta apenas a existncia de lei ordinria. necessrio ainda que ela descreva abstratamente o tributo a ser criado, estabelecendo todos os elementos indispensveis determinao da relao jurdica tributria, delimitando concreta e exaustivamente o fato tributvel19, sendo vedada s normas infralegais a complementao do perfil do tributo20. Tem-se, portanto, no dizer de Paulo de Barros Carvalho, o princpio da legalidade aliado ao princpio da tipicidade tributria21.

    Seja qual for o seu real significado, certo que o princpio da legalidade ainda hoje alberga a segurana jurdica dos contribuintes, pois impede que a relao de

    18 XAVIER, Alberto Pinheiro. Os princpios da legalidade e da tipicidade da tributao. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 1978, p. 5-11. 19

    CARRAZZA, Roque Antonio. Obra citada. p. 213-222. 20

    CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 60. 21

    CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 60.

  • 16

    tributao seja apenas e to somente uma relao de poder, sem qualquer submisso normativa.

    3. O primado da igualdade tributria

    A Constituio atual consagra o princpio da igualdade jurdica. Em seu art. 5, estabelece que todos so iguais perante a lei, sem qualquer distino. Ao tratar das limitaes ao poder de tributar, concedido s pessoas polticas, o legislador constituinte, no art. 150, inciso II, mais uma vez reforou essa garantia constitucional, vedando que elas tratem desigualmente aqueles que se encontram em igualdade de condies. Como princpio basilar de todo o nosso sistema constitucional e pressuposto primeiro de justia fiscal, a igualdade tributria decorre do regime democrtico adotado em nosso pas.

    A repetio feita pelo legislador do princpio da igualdade, no texto constitucional, segundo Amrico Lacombe, tem o expressivo significado de afirmar a igualdade perante a lei, no caput do art. 5, e a igualdade na lei, destacada no inciso II, do art. 150. Lembrando Kelsen, Lacombe destaca que a igualdade perante a lei implica a aplicao da lei a todos, indiscriminadamente, independentemente do seu contedo. J a igualdade na lei pressupe tratar desigualmente aos desiguais, na medida de suas desigualdades, garantindo ao conribuinte tratamento uniforme, por parte da entidade tributante, queles que se encontrem em igualdade de condies. possvel que, muitas vezes, sejam criadas situaes restritas a certo grupo social, sem que o princpio da igualdade seja ferido. Porm, essas situaes de restrio devem observar uma vinculao lgica entre o diferencial escolhido e a desigualdade de tratamento conferida, em funo dessa vinculao22-23.

    A noo de igualdade tem dois sentidos distintos: um positivo e outro negativo. O sentido positivo representa a exigncia de que certas finalidades sejam atingidas. O negativo, por sua vez, a proibio de se estabelecer discriminaes. A partir dessa

    22 LACOMBE, Amrico Loureno Masset. Princpios Constitucionais Tributrios. So Paulo: Malheiros, 1996, p. 17-19. 23 Conforme consta na obra referida na nota anterior, o conceito de igualdade foi divulgado entre ns por Rui Barbosa, no texto denominado Orao aos moos. A regra da igualdade no consiste seno em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. BARBOSA, Rui. Orao aos moos. Coleo A obra-prima de cada autor. So Paulo: Martin Claret, 2003, p. s/n.

  • 17

    constatao, busca-se estabelecer o exato contedo do princpio, determinando-se os limites e critrios, para a fixao dos fatores de discrmen, dentro do permissivo legal.

    Celso Antonio Bandeira de Mello prope trs questes para se estabelecer os critrios identificativos do desrespeito igualdade. Na primeira questo, o elemento tomado como fator de discriminao analisado. Dessa anlise resulta a concluso de que a lei no pode considerar como critrio de diferenciao situao especfica que possa singularizar, no presente, de forma absoluta e precisa, certo indivduo, em certa situao. Admitido esse critrio, a lei prever uma situao nica, materialmente invivel, que jamais se repetir no futuro. Alm disso, a lei no alcanar outros indivduos, j que previamente direcionada.O fator de discriminao eleito pela lei deve ser prprio de pessoas, situaes ou coisas e o elemento tempo no poder ser considerado como discrmen, mas apenas as situaes que nele transcorrem. Desse raciocnio extrai-se que a finalidade nica do princpio promover a garantia individual e impedir favoritismos24.

    Num segundo momento, o autor trata da identificao ou no da existncia de correlao lgica entre o fato distintivo e a discriminao que ele provoca, comparando o critrio distintivo com os efeitos pretendidos pela lei. A inexistncia dessa correlao afronta o princpio da igualdade25.

    Por fim, o autor destaca a necessidade de conformidade entre a discriminao e os interesses constitucionalmente protegidos. Assim, no basta apenas a existncia de vnculo racional e lgico entre o trao distintivo e os efeitos pretendidos. necessrio que ele esteja de acordo com os fins constitucionais. Deve-se considerar, ainda, que nem sempre algumas situaes expressamente previstas na lei devem ser interpretadas como desigualdades. Ou seja, circunstncias ocasionais, fortuitas ou acidentais no podem ser consideradas como fatores discriminantes26.

    Para Hugo de Brito Machado, a grande dificuldade que os estudiosos encontram para melhor compreender o princpio da igualdade saber quais so as desigualdades que o Direito deve prestigiar, elegendo-as como fatores discriminantes. Para

    24 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O contedo jurdico do princpio da igualdade. 3. ed. So Paulo:

    Malheiros, 1993. 25

    MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Obra citada. 26

    MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Obra citada.

  • 18

    ele, se analisado sob uma ptica formalista, o princpio facilmente compreendido, quando se reconhece que ele tem como premissa bsica determinar o carter hipottico das normas jurdicas. a hipoteticidade da norma que acarreta a mesma conseqncia jurdica para todos aqueles que se encontrem na situao que ela descreve. Esse entendimento obriga o intrprete a identificar com preciso quem o destinatrio do princpio. Se a norma hipottica no pode contemplar discriminaes, quando aplicada genericamente, o destinatrio deve, necessariamente, ser o legislador ordinrio. Cabe a ele identificar qual o critrio mais justo para estabelecer as discriminaes27.

    Em matria tributria, o trao diferencial eleito pelo legislador constituinte para graduar a carga tributria que ser imposta a cada contribuinte a medida da sua riqueza. O fator de discrmen, portanto, a capacidade que cada um tem de entregar recursos para o Estado. Esse critrio est claramente definido no princpio da capacidade contributiva, que ser analisado no capitulo II, dada a sua importncia para o desenvolvimento deste estudo.

    4. A anterioridade legal: uma questo de previsibilidade

    A Constituio Federal exige um lapso temporal entre a publicao da lei que criou ou majorou o tributo e a sua cobrana. A regra geral, inserida no art. 150, III, b28, vincula este interregno ao exerccio financeiro. Na regra especfica para as contribuies sociais, inserida no art. 195, 629, o intervalo exigido de noventa dias.

    o chamado princpio da anterioridade da lei tributria, originrio da Emenda Constitucional n 18/65, em substituio ao extinto princpio da anualidade, aplicvel poca exclusivamente para imposto sobre o patrimnio e a renda. Tendo o seu campo de abrangncia ampliado, para alcanar os demais tributos, foi inserido, na Carta Magna de 1988,

    27 MACHADO, Hugo de Brito. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1988. So Paulo: Dialtica, 2001, p. 57. 28 Art 150 Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: III

    cobrar tributos: b) no mesmo exerccio financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. 29 Art. 195 A seguridade social ser financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos oramentos da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, e das seguintes contribuies sociais: 6 As contribuies sociais de que trata este artigo s podero ser exigidas aps decorridos noventa dias da data da publicao da lei que as houver institudo ou modificado, no se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.

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    contrariamente ao desejo da maioria dos doutrinadores, para os quais o princpio da anualidade tinha maior importncia tributria e poltica.

    Para Paulo de Barros Carvalho30 e Hugo de Brito Machado31, o princpio da anterioridade est relacionado exclusivamente com a vigncia das normas tributrias no tempo. Contrariamente advogam Mizabel Derzi32 e Roque Antonio Carrazza33, quando afirmam que o princpio da anterioridade posterga a eficcia de lei j vigente para o primeiro dia do exerccio financeiro seguinte.

    Com a insero do princpio da anterioridade em seu texto, a Lei Maior probe a surpresa tributria, preferindo o planejamento, o qual assegurado pela obrigatoriedade de conhecimento antecipado das novas exaes, reforando, assim, de forma taxativa, o princpio da segurana e da certeza jurdica. Ao contribuinte assegurado constitucionalmente o direito de conhecer a lei que criou ou majorou tributos antes do incio do exerccio financeiro em que eles sero exigidos. Para que isso seja possvel, necessrio que a lei seja publicada em tempo hbil, para que, conhecendo-a, possa ele adequadamente planejar como dever se adaptar s novas exigncias.

    Mesmo respeitando tecnicamente o princpio da anterioridade, a legislao tributria vezes no permite o planejamento e nem ao menos evita a surpresa tributria. Nos ltimos anos, com raras excees, os contribuintes se depararam, no primeiro dia do exerccio financeiro (1 de janeiro), com um emaranhado de novas regras. Embalados pelas comemoraes do ano que se inicia, no percebem que, no ltimo dia do ano, na ltima hora, so editadas inmeras leis aumentando ou majorando tributos. Assiste razo Mary Elbe Queiroz, quando, comentando esse procedimento absurdo, pe em dvida o efetivo cumprimento do princpio da anterioridade como forma de assegurar, ao contribuinte, a certeza e a no-surpresa jurdica34.

    30 CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 85.

    31 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributrio. 8. ed. rev. atualiz. e ampl.. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 80. 32 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributrio brasileiro. Atualizado por DERZI, Mizabel Abreu Machado. 11. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.104. 33

    CARRAZZA. Roque Antonio. Obra citada. p. 175. 34

    QUEIROZ, Mary Elbe. Obra citada. p. 21

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    Alm das contribuies sociais e da contribuio provisria sobre movimentaes financeiras

    CPMF, que foram privilegiadas com uma anterioridade excepcional, a prpria Constituio cuidou de estabelecer expressamente as demais excees aplicveis ao princpio.

    5. A irretroatividade das leis

    O Estado de Direito traz consigo a segurana jurdica pela proibio de prtica de ato arbitrrio que venha a quebrar a confiana que os cidados tm no Poder Pblico. O princpio da irretroatividade foi inserido de forma ampla como direito fundamental, no art. 5, inciso XXXVI35 e no mbito do Direito Tributrio, de forma especfica, no art. 150, III, a36. Como garantia fundamental do contribuinte, o princpio da irretroatividade realiza a segurana jurdica, preservando, segundo Mary Elbe Queiroz, a estabilidade social37.

    A lei que institui ou aumenta o tributo deve estar sempre voltada para o futuro, no sendo possvel ao legislador ingressar no segmento de eventos sociais j consumados, sendo-lhe vedada a instituio de leis que alcancem fatos pretritos. Dessa forma, a Constituio consolida, para os contribuintes, a certeza de que o passado no passvel de modificao, garantindo, tambm, que o Estado no cometer arbitrariedades que possam resultar em afronta ao Estado Democrtico de Direito.

    O princpio da irretroatividade, para R. Limongi Frana, est intimamente ligado idia de proteo ao direito adquirido38, ao ato jurdico perfeito e coisa julgada. o princpio da irretroatividade, juntamente com o princpio da anterioridade legal, que

    35 Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: XXXVI

    a lei no prejudicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada. 36 Art. 150. Sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios: III

    cobrar tributos: a) em relao a fatos geradores ocorridos antes do incio da vigncia da lei que os houver institudo ou aumentado. 37

    QUEIROZ, Mary Elbe. Obra citada. p. 23. 38 FRANA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 4. ed. rev. e atualiz. do Direito intertemporal Brasileiro . So Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 231. A autor assim conceitua direito adquirido: a conseqncia de uma lei, por via direta ou por intermdio de fato idneo; conseqncia que, tendo passado a integrar o patrimnio material ou moral do sujeito, no se fez valer antes da vigncia de lei nova sobre o mesmo objeto .

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    consolida, para o contribuinte, a certeza de que o passado no ser modificado, permitindo que se instale, entre o fisco, pela sua previsibilidade, e o contribuinte, uma relao de confiana.

    As leis so elaboradas para vigorar no futuro, no sendo admitidas leis com efeitos retroativos, para fins de exigibilidade de tributos. A lei no pode alcanar fatos ocorridos antes da sua criao. O contribuinte no pode ser surpreendido, sendo-lhe garantido o direito de que sua conduta estar sempre legitimada pelo direito positivo vigente poca de sua ocorrncia. Paulo de Barros Carvalho, destaca que as nicas hipteses de retroatividade das normas jurdicas esto contidas expressamente no artigo 106 e incisos39, do Cdigo Tributrio Nacional.

    A primeira delas

    inciso I

    refere-se s leis interpretativas, editadas com a finalidade de corrigir imperfeies de outras leis preexistentes. Pela funo desempenham em nosso ordenamento, as normas contidas nas leis interpretativas sero sempre retroativas, exceto quanto aplicao das penalidades infrao dos dispositivos interpretados, conforme excetuado pelo prprio inciso40. Francisco Amaral ensina que a lei interpretativa ao estabelecer critrios para alcanar o sentido da norma, embora posterior lei interpretada, deve ser considerada como sendo a ela contempornea41. Roque Antonio Carrazza, ao contrrio, taxativo ao afirmar que a rigorosidade dos princpios constitucionais no admite leis interpretativas. Uma lei sempre vai inovar a ordem jurdica e a funo de interpret-la do aplicador do Direito. O autor somente admite a irretroatividade quando a lei corrige inconstitucionalidade de lei anterior, porm, sem agravar a situao do contribuinte, prejudicando o seu direito adquirido, a ato jurdico perfeito ou a coisa julgada42.

    Num segundo momento

    inciso II

    o Cdigo trata do ato ainda no julgado definitivamente, admitindo a retroao da lei apenas nos casos em que o ato deixe de ser infrao e de penalidade mais benfica. Cabe destacar que embora sejam trs as alienas do

    39 Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretrito: I em qualquer caso, quando seja expressamente

    interpretativa, excluda a aplicao de penalidade infrao dos dispositivos interpretados; II tratando-se de ato no definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infrao; b) quando deixe de trat-lo como contrrio a qualquer exigncia de ao ou omisso, desde que no tenha sido fraudulento e no tenha implicado em falta de pagamento de tributo. 40

    CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 91. 41 AMARAL, Francisco. Direito Civil

    Introduo. 5. ed. rev. atualiz. e aumentada de acordo com o novo Cdigo Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 74. 42

    CARRAZZA, Roque Antonio. Obra citada. p. 320.

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    inciso II do referido artigo, adota-se o entendimento expressado por Paulo de Barros Carvalho, relativamente redundncia das alneas a e b 43.

    6. A vedao ao confisco: um conceito indeterminado

    De Plcido e Silva, a respeito do significado do termo confisco registra: Confisco ou confiscao vocbulo que deriva do latim confiscatio, de confiscare, tendo o

    sentido de ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentena judiciria, fundados em lei .44 O vocbulo em si d o sentido de penalidade. Porm, no com esse sentido que o legislador constituinte positivou expressamente o princpio, j que as situaes em que o confisco utilizado como penalidade so raras e esto todas expressamente autorizadas no texto Constitucional.

    No entender de Paulo de Barros Carvalho, a grande dificuldade em relao a esse princpio estabelecer um conceito que contenha as linhas demarcatrias dos limites a partir dos quais um tributo passa a ser confiscatrio. Por essa razo, o autor admite reconhec-lo apenas como uma advertncia ao legislador de que existe um limite de tolerncia para a carga tributria45.

    Para Estevo Horvath, a Constituio, ao utilizar a expresso efeito

    confiscatrio , no quis se referir ao confisco como pena. Ou seja, o tributo no pode ser to oneroso a ponto de consumir toda a renda que lhe deu origem, alcanando o patrimnio do contribuinte. A vedao ao confisco implica, numa interpretao restrita, na forma de proteger a propriedade de tributos excessivos ou proibitivos46.

    A teoria do confisco tributrio, no entender de Sacha Calmon Navarro Colho, est intimamente ligada ao direito de propriedade, garantido constitucionalmente, significando que no apenas vedada a expropriao sem justa indenizao, como tambm a expropriao pela tributao abusiva. Para ele, o no-confisco somente pode ser argido no mbito da fiscalidade. Na extrafiscalidade, o princpio no tem aplicabilidade, j que a

    43 CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 92.

    44 SILVA, De Plcido e. Vocabulrio jurdico v. I. So Paulo: Forense, 1993, p. 395.

    45 CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 158.

    46 HORVATH, Estevo. Obra citada. p. 46-52.

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    tributao exacerbada nesse mbito tem exatamente a finalidade de coibir condutas ou induzir comportamentos47.

    O princpio do no-confisco, para Roque Antonio Carrazza, tem como principal fundamento o princpio da capacidade contributiva48. Segundo o autor, as leis que criam os tributos e no levam em conta a capacidade de contribuir das pessoas tendem a esgotar a riqueza tributada. Por essa razo, cabe ao legislador ordinrio observar parmetros de conduta regidos pela moderao na quantificao dos tributos, de sorte a preservar a justia tributria49.

    Assim, o princpio de que se trata veda que o Estado, valendo-se da sua competncia para criar ou aumentar tributos, extrapole a capacidade de colaborar de cada contribuinte, ferindo os limites da razoabilidade, que deve nortear o agir do legislador ordinrio. A exigncia de tributos no pode ser de tal forma proibitiva a ponto de inviabilizar o crescimento individual ou o desenvolvimento de uma determinada atividade econmica.

    Ainda sobre esse princpio, Estevo Horvath, partindo da anlise da Constituio espanhola, que, ao tratar do confisco, refere-se ao sistema tributrio como um todo, analisa o alcance da expresso efeito de confisco no Direito ptrio. Duas teorias podem ser consideradas para justificar a existncia ou no de norma que contrarie a princpio da vedao ao confisco. A primeira consiste em entender que a vedao de confisco alcanaria cada tributo individualmente. A segunda teoria considera como parmetro de verificao a considerao global, isto , a soma de todos os tributos existentes no sistema. Para o autor, praticamente invivel, no Brasil, um Estado Federal, aferir a confiscatoriedade do sistema. Primeiro, por no se ter a medida exata ou o momento exato, a partir do qual um sistema passaria a ser consfiscatrio. Em segundo lugar, pela dificuldade que tal tarefa representa, pois, se aferir um tributo como confiscatrio difcil, que se dir de todo um sistema. E, em terceiro lugar, tratando-se o Brasil de um Estado Federal, no possvel controlar a criao ou o aumento de tributos nas vrias esferas de governo50.

    47 COLHO, Sacha Calmon Navarro. Obra citada. p. 246.

    48 Ver captulo II.

    49 CARRAZZA, Roque Antonio. Obra citada. p. 89-90.

    50 HORVATH, Estevo. Obra citada. p. 34 e 35.

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    J Ives Gandra da Silva Martins taxativo ao afirmar que a Constituio no fez distino, vedando o tributo e o sistema confiscatrio, como forma de proteo ao cidado. Para ele, somente o exame da universalidade de tributos que compem a carga tributria imposta a um contribuinte indicar a existncia de confisco. Nesse caso, todo o sistema deve ser revisto. Como tambm deve ser revisto, em especial, aquele tributo que, ao somar-se aos demais, extrapolou a capacidade contributiva do cidado51.

    Embora de difcil execuo, o controle do confisco deve ser feito duplamente

    em relao a todo o sistema e, individualmente, observando as peculiaridades de cada tributo

    sempre em funo de casos concretos e considerando situaes fticas e jurdicas. Considerando que a tributao excessiva pode inviabilizar negcios e empresas, a previso expressa na Carta Magna de tributo que caracteriza confisco aparece, na verdade, como um direito do contribuinte. O direito que ele tem de no estar obrigado a suportar tributo exacerbado que lhe retire a capacidade de se sustentar ou de se desenvolver, revelando claramente a idia de justia do sistema tributrio.

    7. Generalidade e universalidade: vocbulos sinnimos, significados diversos

    A Constituio de 1988 trouxe, no inciso I, do pargrafo 2, do art.15352, uma inovao, ao estabelecer que o imposto sobre a renda ser informado, pelo critrio da progressividade, que ser analisado juntamente com a capacidade contributiva, por estar a ela intimamente ligado, e pelos critrios da generalidade, universalidade. Esses critrios funcionam como princpios que atuam sobre a base de clculo e a alquota do imposto, complementado, inclusive e principalmente, o princpio da isonomia e, por conseqncia, o princpio da capacidade contributiva, j que o segundo um desdobramento do primeiro.

    A generalidade e a universalidade, em tese, possuem o mesmo significado lexical. Generalidade a qualidade do que geral, do que abrange uma totalidade de coisas

    51 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema tributrio na Constituio de 1988. So Paulo: Saraiva, 1989, p. 141. 52 Artigo 153. Compete Unio instituir impostos sobre: (...) 2 O imposto previsto no inciso III: I ser informado pelos critrios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; (...).

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    ou do que considerado em toda a sua extenso 53. Universalidade o carter do que universal, geral, total

    54. comum, portanto, no se estabelecer entre os termos qualquer

    distino.

    Embora generalidade e universalidade possuam o mesmo significado, a utilizao dos termos no texto constitucional s tem algum fundamento, quando se atribui a cada um deles a funo de tratar igualmente conceitos distintos, j que o legislador adotou os dois como princpios diferenciados. Em princpio, generalidade alcana as pessoas e universalidade, as rendas. Mary Elbe Queiroz defende a idia de que generalidade refere-se s rendas e universalidade, s pessoas55. Ricardo Mariz de Oliveira, por sua vez, entende que generalidade refere-se s rendas e universalidade, ao patrimnio como um todo56.

    No h como se determinar o sentido exato, pretendido pelo legislador constituinte, para cada um dos termos. Por essa razo, adota-se o que de uso comum. Generalidade, assim, refere-se s pessoas na sua totalidade, no sentido de que todos tm o dever de contribuir com os gastos pblicos. Logicamente que, dentro da amplitude semntica do termo, sua abrangncia deve ser reduzida pelo princpio da igualdade e, conseqentemente, da capacidade contributiva. Assim, a generalidade alcana qualquer pessoa que, alm de realizar em concreto o fato descrito abstratamente na hiptese tributria, detenha todas as qualidades para figurar no plo passivo da relao jurdico-tributria. As excees so aquelas contempladas no texto constitucional (imunidades) ou em leis ordinrias (isenes).

    A universalidade, quando alada categoria de princpio, tem o seu uso mais comum referido s rendas. Ou seja, todas as rendas e proventos auferidos em determinado perodo devem ser tributados igualmente, desde que representativos de acrscimo patrimonial, sem fracionamento ou individualizao, respeitados apenas os casos de imunidade e iseno.

    53 HOUAISS, Antnio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1.441. 54

    HOUAISS, Antnio e VILLAR, Mauro de Salles. Obra citada. p. 2.807. 55

    QUEIROZ, Mary Elbe. Obra citada. p. 35. 56 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Obra citada. p. 213-214. Generalidade significa que o imposto deve tratar por igual todo e qualquer tipo de renda ou provento, melhor dizendo, todo acrscimo patrimonial deve receber o mesmo tratamento. (...). Universalidade diz respeito totalidade dos elementos positivos e negativos que compem um determinado patrimnio, bem como a totalidade dos fatores que atuam para aumentar ou diminuir esse mesmo patrimnio num dado perodo de tempo, fixado em lei.

  • 26

    Toda renda ou provento de qualquer natureza que se apresente, efetivamente, como acrscimo patrimonial, fato nsito e necessrio natureza jurdica do imposto sobre a renda, deve receber tratamento idntico. Como no princpio da isonomia, segundo o qual os indivduos que se encontram em situaes de igualdade devem ser tratados igualmente, tambm a universalidade impede que os acrscimos patrimoniais, sejam eles derivados do trabalho, do capital, e at mesmo os advindos de atividades ilegais, recebam tratamento diferenciado.

    Por essa razo, Ricardo Mariz de Oliveira afirma que a tributao exclusiva na fonte, ante o princpio da universalidade, inexequvel, mesmo quando aplicadas alquotas progressivas57. Ou seja, o imposto sobre a renda, quando retido na fonte, deve servir apenas ao instituto da antecipao. Se assim no for, se a reteno tiver a conotao de definitividade, o princpio da universalidade restar ferido em toda a sua amplitude, uma vez que o tributo no pode recair sobre fatos isolados.

    8. Sntese

    A Constituio Federal concedeu s pessoas polticas

    Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios

    a competncia para tributar. A outorga dessa competncia permite que as pessoas polticas exercitem a faculdade de legislar, criando ou aumentando tributos. A competncia tributria de cada uma delas, entretanto, est rigidamente adstrita forma e aos limites pr-estabelecidos no Texto Magno.

    A forma e os limites impostos ao exerccio da competncia tributria so materializados pelos princpios constitucionais informadores da tributao e que, juntos, quando devidamente observados, realizam o princpio da justia tributria. So eles: o princpio da estrita legalidade, da isonomia, da anterioridade legal, da irretroatividade, da vedao ao confisco, da generalidade, da universalidade, da capacidade contributiva e, como medida da capacidade contributiva, tambm, o princpio da progressividade.

    57 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Obra citada. p. 215.

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    Assim, o tributo s vlido quando legalmente institudo. A lei que cria o tributo, por via transversa, deve ainda observar o princpio da tipicidade tributria, trazendo em seu bojo toda a regra-matriz de incidncia, previamente delineada pela prpria constituio. Ela deve contemplar a todos, desde que se encontrem em igualdade de condies, sendo assegurado, ainda, a cada contribuinte, o direito de conhecer antecipadamente a lei que o criou ou majorou. Por essa razo, nenhum tributo pode ser cobrado, salvo aqueles regidos pelo princpio da anterioridade nonagesimal, no mesmo exerccio financeiro em que foi criado ou aumentado. Esse direito, quando devidamente observado, realiza os princpios da no-surpresa, da segurana e da certeza jurdica. tambm a segurana e a certeza jurdica que determinam que a lei que institui ou aumenta tributos deve ser sempre voltada para o futuro. Por fim, o tributo jamais pode esgotar a riqueza tributada, sob pena de, excedendo a capacidade de contribuir, retirar do Estado de Direito a idia de justia social.

    Tributo gnero do qual impostos, taxas e contribuies so espcies58. Assim, o imposto que incide sobre renda e proventos de qualquer natureza, como espcie de tributo, est inserido na competncia tributria exclusiva do ente poltico Unio e somente pode ser institudo mediante a observao dos princpios constitucionais que informam a tributao. O princpio constitucional da capacidade contributiva, como principal critrio informador do imposto sobre a renda, embora tenha sido aqui explicitamente considerado, pelo grau de importncia que lhe atribudo no mbito este trabalho, ser analisado com mais vagar, no prximo captulo.

    Captulo II - O princpio da capacidade contributiva

    O princpio da isonomia exige que a lei no discrimine contribuintes que se encontrem em situaes jurdicas idnticas e trate da mesma maneira, na medida de suas desigualdades, contribuintes que se encontrem em situaes equivalentes. Nos limites do Direito Tributrio, esses objetivos so alcanados pela obrigatoriedade de o legislador levar

    58 Geraldo Ataliba classifica os tributos como sendo vinculados e no-vinculados, valendo-se do critrio jurdico da consistncia do aspecto material da hiptese de incidncia. So vinculados todos os tributos cuja hiptese de incidncia consiste numa atuao estatal. No vinculados, por sua vez, so os tributos que tm como hiptese de incidncia um fato qualquer que no comporte uma atuao estatal. Dessa forma, impostos so no vinculados e taxas e contribuies, vinculados. Ver ATALIBA, Geraldo. Hiptese de incidncia tributria. 5. ed., 6. tiragem. So Paulo: Malheiros, 1997, p. 109-120.

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    sempre em conta a capacidade contributiva das pessoas fsicas ou jurdicas, no momento da instituio dos tributos.

    De acordo com o princpio da capacidade contributiva, todos os contribuintes so tributados de acordo com a sua capacidade de pagar tributos. O nus tributrio ser proporcional ou progressivo, dependendo do tipo de contribuinte. Sendo contribuinte a pessoa jurdica, o encargo ser proporcional sua capacidade de realizar a contribuio. No caso de contribuinte pessoa fsica, a obrigao progressiva. Ou seja, quanto maior a capacidade de contribuir, maior o tributo.

    Como princpio que visa ordenar a contribuio coletiva de acordo com a fora econmica de cada um, sem qualquer distino, a capacidade contributiva realiza, no Direito Tributrio, o princpio da igualdade, o que lhe empresta funo niveladora e ressalta os ideais de justia distributiva.

    1. Origem do princpio e evoluo histrica do conceito

    Extrai-se dos ensinamentos de Regina Helena Costa que a origem desse princpio atribuda ao prprio surgimento do tributo59, que remonta Antiguidade. Segundo Emilio Giardina, a expresso capacidade contributiva muito antiga, podendo-se dizer que ela tem sua raiz na origem dos estudos das cincias das finanas, atravs de mtodos cientficos60. Inicialmente, de acordo com Alfredo Augusto Becker, o ncleo do princpio estava limitado ao dever de pagar tributos61.

    A noo de capacidade contributiva para Carlos Palao Taboada, seguiu a tendncia natural de evoluo e passou a ser expressa de vrias formas, porm sempre relacionada idia de que os impostos devem estar relacionados com a riqueza do contribuinte62. O no acolhimento dessa idia, em alguns momentos da nossa Histria, acarretou o exagero das exigncias fiscais, provocando injustia e abuso de poder, em relao

    59 COSTA, Regina Helena. Princpio da Capacidade Contributiva. 3. ed. atual., ver. e ampl.. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 15. 60 GIARDINA. Emilio. Le base teoriche del Principio della capacit contributiva. Milano: Giuffr, 1961, p. 6. 61

    BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributrio. 3. ed.. So Paulo: Lejus, 1998, p. 480. 62 TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e Capacidade Contributiva. In: Revista de Direito Tributrio, n. 4, p.126.

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    fixao e arrecadao de impostos, em todo o mundo civilizado, tendo em vista a concesso de privilgios. Tais desmandos da legislao e da praxe fiscal duraram at o fim do sculo XVIII, quando as Constituies nacionais63 passaram a adotar a regra constante da Dclarations de Droits, de 1789, reiterada pela Dclaration de l Homme et de les Citoyens, de 1791, que determinava a repartio de impostos de acordo com a capacidade de cada cidado de pag-los64.

    Inicialmente, as expresses empregadas nos textos constitucionais expressavam apenas um princpio elementar de justia, da a concluso a que chegou Carlos Palao Taboada, que a idia primitiva do princpio, relativamente relao entre os tributos e a capacidade do contribuinte, no foi concebida com a inteno de positivar o princpio da igualdade, pois os legisladores da poca no tinham inteno de ligar um princpio ao outro, mas apenas exprimir a noo de justia social. Num segundo momento de sua evoluo, a noo de capacidade contributiva passa pela idia de complementao do princpio da igualdade, como um critrio material de justia que determinaria os casos de igualdade e desigualdade65.

    O enriquecimento evolutivo do princpio da capacidade contributiva em suas relaes com o princpio da igualdade, para Carlos Palao Taboada, pode ser fracionada em duas fases distintas: a primeira fase, na qual princpio conhece o seu apogeu e absorve completamente a noo do princpio da igualdade, como critrio exclusivo de justia tributria; e a segunda, quando ocorre o abandono dessa concepo, passando a atribuir-se a cada um dos princpios um contedo autnomo e funes distintas66.

    63 No Brasil, o princpio da capacidade contributiva aparece, pela primeira vez, no inciso 15, do art. 179, da Constituio de 1824 (Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Polticos dos Cidados Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurana individual, e a propriedade, garantida pela Constituio do Imprio, pela maneira seguinte.(...) XV. Ningum ser exemplo de contribuir para as despesas do Estado em proporo dos seus haveres.) e s retorna com a Carta de 1946, cujo art. 202 assim dispe: Os tributos tero carter pessoal sempre que isso for possvel, e sero graduados conforme a capacidade econmica do contribuinte . Com a reforma tributria, a Emenda Constitucional 18, de 11.12.65, retirou do texto constitucional aquele dispositivo. Apenas com a Constituio de 1988, o princpio da capacidade contributiva volta ao cenrio constitucional, por fora do 1, do art. 145. A nossa Constituio consagra, ainda, em outros dispositivos, desdobramentos do princpio da capacidade contributiva. Ver: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao. 64

    COSTA, Regina Helena. Obra citada. p. 16. 65

    TABOADA, Carlos Palao. Obra citada. p.126. 66

    TABOADA, Carlos Palao. Obra citada. p. 127.

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    2. O contedo da expresso capacidade contributiva

    A expresso capacidade contributiva to antiga quanto a cincia das finanas. Foi usada em leis medievais e nos primeiros sculos da Idade Moderna. Como princpio que informa a contribuio coletiva, decorrente do princpio da isonomia aristotlica, que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades67.

    Desde o incio, a doutrina destacou a impreciso dos vocbulos, que segundo Emilio Giardina, uma scatola vuota, possvel de ser preenchida com qualquer tipo de contedo68. Originalmente, capacidade contributiva foi considerada como sinnimo de renda e patrimnio . Ou seja, aquele que tinha renda ou patrimnio estava habilitado ao

    pagamento do tributo.

    A ambigidade da expresso dificultou o desenvolvimento do conceito de capacidade contributiva, levando os autores a construes fundamentadas nos mais diversos critrios. Inicialmente, ela foi ligada ao princpio do sacrifcio. Para alguns doutrinadores, a capacidade contributiva traz em seu bojo, de forma implcita, o princpio do sacrifcio. Ou seja, para atender capacidade contributiva, o princpio da justia fiscal determina que o imposto deve ser pago de tal forma que implique sacrifcio igual para cada um dos contribuintes que realizam o fato imponvel. A explicao para a igualdade de sacrifcio pode ser encontrada em Siligman.

    Segundo o autor, as necessidades individuais no so iguais, variam das indispensveis, passando pelas de mera subsistncia, at as suprfluas, que so satisfeitas apenas para que o indivduo possa manter o luxo necessrio a determinado padro de existncia. O grau de sacrifcio se verifica quando o pagamento dos tributos acaba por privar os indivduos da satisfao de suas necessidades. Ele ser maior quando as necessidades atingidas forem bsicas, indispensveis a sua sobrevivncia. Ser menor o sacrifcio que apenas priva o contribuinte das necessidades suprfluas, que o impede de usufruir o luxo69.

    67 Ver nota 23.

    68 GIARDINA, Emilio. Obra citada. p. 3

    69 SILIGMAN, Edwin R. A.. El imposto progressivo. Em la teoria y em la prctica. Madrid: Librera General del Victoriano Surez, 1913, p. 247.

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    A teoria do sacrifcio distorceu a capacidade contributiva, na medida em que a analisava exclusivamente em relao ao consumo, satisfao que se podia extrair da riqueza produzida. Nesse nvel, a aptido para contribuir com os encargos pblicos implicava em privao daquela satisfao, no se revelando adequada ao fundamento do justo imposto. Posteriormente, a idia de sacrifcio foi excluda, mas o fundamento continuou atrelado ao consumo. Quando a capacidade contributiva considerada somente sobre o aspecto da aquisio, cresce em proporo aritmtica, relativamente renda e ao capital, j que os elementos relativos ao consumo no requerem tributao proporcional e nem se opem tributao progressiva70.

    Passou-se, ento, considerao da satisfao das necessidades individuais e da necessidade de poupana. Somente integra o contedo da expresso capacidade contributiva a parte do rendimento que restar, depois de satisfeitas as necessidades bsicas e a economia necessria melhoria das condies de sobrevivncia do indivduo e de sua famlia. Quanto maior o montante do excedente de renda, maior ser a disponibilidade para contribuir com os encargos pblicos. Essa fundamentao explica a capacidade contributiva em razo da progressividade, mas aceit-la equivale a renunciar a qualquer explicao lgica para a repartio igualitria dos tributos, pois os mais ricos apresentam menor necessidade de economizar parte da renda bruta para melhorar suas condies de vida. Dessa forma, eles pagam mais tributos, j que tm mais disponibilidade. Por outro lado, a considerao da poupana na base da capacidade contributiva no estimula os menos abastados a acumular recursos, mas sim ao consumo71.

    Essa conjectura, embora no se apresentasse perfeita medida da capacidade contributiva, colaborou para sinalizar a direo correta formulao do conceito adequado. A gradao dos impostos deve considerar no apenas a capacidade objetiva da riqueza de fornecer os meios necessrios satisfao da obrigao tributria, mas a capacidade que ela tem de satisfazer, em primeiro lugar, as necessidades essenciais dos indivduos. A tributao do acrscimo patrimonial que o rendimento excedente proporciona constitui sustentculo do ordenamento tributrio justo. Surge, ento, o conceito de capacidade contributiva, fundado na noo de riqueza disponvel.

    70 GIARDINA, Emlio. Obra citada. p. 25.

    71 GIARDINA, Emlio. Obra citada. p. 25.

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    A norma que impe a observncia do princpio da capacidade contributiva na instituio ou majorao de tributos, ensina Victor Uckamar, est presente nas constituies da maioria dos pases, de forma implcita ou explcita72. Quando a constituio no traz essa diretriz, possvel encontr-la no plano infraconstitucional. No direito brasileiro, a capacidade contributiva, alm de se encontrar explcita, no texto constitucional, foi alada categoria de princpio do sistema tributrio.

    Essa conscincia universal empresta capacidade contributiva a condio inquestionvel de norma realizadora da justia fiscal. O princpio da capacidade contributiva foi formulado para ser seguido pelo legislador, a quem incumbe, sempre que possvel, ao instituir tributos, observ-lo, independentemente de se encontrar explcito ou no no texto constitucional. Ao legislador imposto o dever de considerar as manifestaes objetivas de riqueza de cada contribuinte.

    A capacidade contributiva, segundo Hugo de Brito Machado, um critrio valorativo do princpio da isonomia, que tambm realiza o princpio da justia73. O princpio da capacidade contributiva, para Ricardo Lobo Torres, identifica-se com justia social e fiscal. Enquanto a justia social se realiza pela distribuio de rendas e pela garantia do mnimo existencial74, a justia fiscal encontra sua melhor expresso na capacidade contributiva75.

    Helenilson Cunha atribui capacidade contributiva o dever informar toda a atividade tributria, de forma a construir uma sociedade livre, justa e solidria76. A fora econmica, ensina Emlio Giardina, constitui o substrato da frmula da capacidade contributiva, o que lhe empresta o significado de possibilidade econmica de pagar o tributo77.

    Como princpio constitucional, a capacidade contributiva refere-se

    72 UCKMAR, Obra citada. p. 79.

    73 MACHADO, Hugo de Brito. Obra citada. p. 73.

    74 O mnimo existencial representa a parcela de renda necessria satisfao das necessidades bsicas de um pessoa e daqueles que dela dependem economicamente ou manuteno da fonte produtiva da pessoa jurdica. Ver Captulo III. 75 TORRES, Ricardo Lobo. Justia Distributiva: Social, Poltica e Fiscal, In: Revista de Direito Tributrio n. 70, p. 28. 76 PONTES, Helenilson Cunha. O princpio da proporcionalidade e o Direito Tributrio. So Paulo: Dialtica, 2000, p. 105. 77

    GIARDINA, Emilio. Obra citada. p. 434.

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    concretamente a um potencial econmico que proporciona ao indivduo a possibilidade de contribuir com os gastos pblicos. Para se obter um critrio formal e individualizado da fora econmica que constitui a capacidade contributiva, o legislador elege, segundo critrios de convenincia e oportunidade, fatos imponveis que revelam sinais de riqueza.

    A capacidade contributiva, no entendimento de Jos Maurcio Conti, pode ser conceituada tambm segundo os seus aspectos estrutural e funcional. De acordo com o aspecto estrutural, a capacidade contributiva se revela na aptido que o indivduo demonstra para arcar com o tributo. J, sob o ngulo funcional, a expresso labora como um critrio diferenciador subjetivo que proporciona identificar os iguais e os desiguais78.

    Jos Marcos Domingues de Oliveira, por sua vez, analisa o termo capacidade contributiva levando em considerao os seus dois sentidos: objetivo ou

    absoluto e subjetivo ou relativo. Quando absoluta, a capacidade contributiva implica a existncia de uma riqueza apta a ser tributada . O sentido relativo importa em critrio de

    graduao da parcela da riqueza que ser efetivamente tributada, considerada a capacidade subjetiva daquele que deve sofrer a imposio tributria. Paulo de Barros Carvalho, sinteticamente, explica que a realizao do princpio da capacidade contributiva absoluta ou objetiva transparece na eleio dos fatos que iro compor o critrio material da hiptese. A materializao do princpio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva delimita o grau de capacidade especfica de cada contribuinte, operando na distribuio eqitativa do encargo tributrio79.

    Atuando como medida restritiva discricionariedade do legislador na eleio de fatos que ensejaro o nascimento da obrigao tributria, a capacidade contributiva absoluta ou objetiva limita a sua escolha dentre aqueles que, manifestadamente, demonstrem riqueza. So, no dizer de Alfredo Augusto Becker, os fatos-signo presuntivos de riqueza80. Isso significa dizer que os tributos no podem ter, na hiptese tributria, fato que no tenha carter econmico, que no representem parcela de renda excedente ao mnimo indispensvel.

    Por outro lado, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva atua na

    78 CONTI, Jos Maurcio. Princpio tributrio da capacidade contributiva e da progessividade. So Paulo: Dialtica, 1997, p. 33. 79

    CARVALHO, Paulo de Barros. Obra citada. p. 333. 80

    BECKER, Alfredo Augusto. Obra citada. p. 263.

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    gradao de tributo, pois est intimamente relacionada com a distribuio da carga tributria. Por essa razo, Sacha Calmon Navarro Coelho entende que a capacidade contributiva relativa ou subjetiva assume, em relao aos tributos, funo limitadora81. Ou seja, estando adstrita aptido especfica de contribuir de cada um, fixa a carga tributria dentro dos limites da razoabilidade.

    De forma bastante simplificada, a capacidade contributiva absoluta refere-se hiptese tributria, enquanto a relativa, norma jurdica impositiva. Dessa forma, a realizao da segunda sempre pressupe a concretizao da primeira.

    O conceito de capacidade contributiva, assim considerado, implica na necessidade de separar o rendimento em duas pores: a poro que demonstra apenas a capacidade econmica do contribuinte e aquela que revela a sua capacidade contributiva. A capacidade econmica pressupe a existncia de renda e a capacidade contributiva, a possibilidade de pagar tributos.

    3. Capacidade econmica e capacidade contributiva

    Estabelecer o conceito de capacidade contributiva no tarefa simples, o que leva a maioria dos autores a relacion-lo com capacidade econmica. Na verdade, trata-se de um atributo pessoal do contribuinte, que no deve ser confundido com a sua capacidade econmica, em que pese a Constituio Federal referir-se, no 1, do art. 14582, capacidade econmica como sendo a capacidade contributiva. importante esclarecer que se tratam de expresses distintas.

    Ives Gandra da Silva Martins leciona que capacidade contributiva atributo do contribuinte que est obrigado determinada imposio tributria, derivada de sua relao jurdica com o poder tributante. J a capacidade econmica a capacidade que esse mesmo

    81 COLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentrios Constituio de 1988: Sistema Tributrio. 3. ed. rev. e ampl.. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 90-104. 82 Art. 145. A Unio, Os Estados, o Distrito Federal e os Municpios podero instituir os seguintes tributos: (...) 1 Sempre que possvel, os impostos tero carter pessoal e sero graduados segundo a capacidade econmica do contribuinte, facultado administrao tributria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimnio, os rendimentos e as atividades econmicas do contribuinte.

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    contribuinte tem, de suportar a carga tributria que lhe imposta, em razo de sua peculiar condio83.

    No entendimento de Jos Maurcio Conti, capacidade contributiva a capacidade econmica especfica84. Enquanto a capacidade econmica a aptido para obter receitas, a capacidade contributiva a aptido para suportar o nus tributrio. Francesco Moschetti85, ao estabelecer a distino entre capacidade contributiva e capacidade econmica, estabelece que a capacidade econmica apenas condio para a existncia da capacidade contributiva.

    Hugo de Brito Machado discorda de Moschetti, usando o argumento de que considerar a riqueza do contribuinte sempre em razo dos interesses coletivos acarreta a destruio do princpio da capacidade contributiva, pela simples razo de se outorgar ao Estado, pela impreciso do conceito de interesse pblico, excessivo poder na concesso de isenes86.

    As pessoas que auferem alguma renda podem ter capacidade econmica, sem ter capacidade contributiva. Quando a renda auferida for totalmente consumida, com o mnimo necessrio sobrevivncia do indivduo e sua famlia, desaparece a capacidade contributiva, subsistindo apenas a capacidade econmica. A capacidade contributiva, no entendimento de Gisele Lemke, s se manifesta, quando, considerada a mesma parcela de riqueza, em funo de determinado tributo, revela-se superior ao mnimo existencial87.

    A distino entre as expresses est fundamentada no mnimo vital. Aquele cujos rendimentos permitem apenas suprir suas necessidades bsicas certamente tem capacidade econmica, mas no tem capacidade contributiva para suportar qualquer gravame tributrio, por menor que ele seja.

    83 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Capacidade econmica e capacidade contributiva. In: Caderno de Pesquisas Tributrias

    Capacidade contributiva, v. 14. (Coord.) MARTINS, Ives Gandra da Silva So Paulo: Resenha Tributria, 1989, p. 34. 84 CONTI, Jos Maurcio. Princpios tributrios da capacidade contributiva e da progressividade. So Paulo: Dialtica, 1997, p. 35-36. 85

    MOSCHETTI, Francesco. Obra citada. p. 76-79. 86

    MACHADO, Hugo de Brito. Obra citada. p. 73-74. 87

    LEMKE, Gisele. Obra citada. p. 40.

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    4. Progressividade: a medida do princpio da capacidade contributiva

    A progressividade est includa no inciso I, do 2, do art. 15388, da Constituio Federal, como um dos critrios informadores do imposto sobre a renda e que a doutrina alou categoria de princpio89. Paulo de Barros Carvalho no a considera inerente ao tributo, mas apenas uma tcnica para se alcanar uma incidncia tributria racional

    90.

    A progressividade, tecnicamente, consiste em elevar a alquota do imposto, na medida em que aumenta o rendimento. Como critrio de fixao de alquotas, os percentuais crescem, de acordo com o aumento da capacidade de contribuir. Da mesma forma que na maioria das constituies atuais, tambm no Direito ptrio o critrio da progressividade acompanha o princpio da capacidade contributiva. A progressividade materializa, na atividade tributria, segundo ensina Paulo de Barros Carvalho, a aplicabilidade da teoria do sacrifcio91. Ou seja, o sacrifcio de entregar parte de seus recursos ao Estado, para suportar os gastos pblicos, dividido igualitariamente entre todos os indivduos que possuem capacidade contributiva. Somente a progressividade pode expressar a capacidade de contribuir, de sorte a estabelecer a igualdade na tributao e, por via oblqua, alcanar uma poltica mais justa e racional.

    A anlise da progressividade requer, ainda, adentrar na definio da proporcionalidade, que consiste, basicamente, em estabelecer alquota nica para diferentes bases de clculo. Por trazer implcita a regra da uniformidade, no poderia ser aplicada, por exemplo, ao imposto sobre a renda, pela sua natureza progressiva constitucionalmente expressa. Havendo uniformidade no sacrifcio de entregar recursos para o Estado o princpio da capacidade contributiva e, conseqentemente, o princpio da igualdade, afrontado em toda a sua extenso. Considerando que 10% (dez por cento) quando aplicado sobre R$

    88 Ver nota n. 52.

    89 HORVATH, Estevo. Obra citada. p. 79. Poderia a progressividade parecer uma simples tcnica de tributao, para ser aplicada a certos tributos. No se nos afigura que assim seja, todavia. Com efeito, a Constituio Brasileira, por exemplo, ao cuidar do Imposto sobre a Renda, reza que ele deve ser informado, dentre outros, pelo critrio da progressividade. Ora, se verdadeiro que a progressividade decorre da capacidade contributiva, ainda que Inexistisse essa previso constitucional expressa, esse imposto teria de ser, obrigatoriamente, progressivo. Este argumento basta, a nosso ver, para levar-nos a concluir que, mais que um mero critrio, uma simples tcnica, a progressividade um princpio e, como tal deve ser interpretado e aplicado matria tributria. No mesmo sentido, QUEIROZ, Mary Elbe. Obra citada. p. 40. 90 CARVALHO, Paulo de Barros. Legalidade, In: V Congresso Brasileiro de Direito Tributrio - So Paulo, 1991. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 58. 91

    HORVATH. Estevo. Obra citada. p. 78.

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    1.000,00 (mil reais) produz o mesmo impacto tributrio como quando aplicado sobre R$ 10.000,00 (dez mil reais), aqueles que detm uma capacidade de contribuir maior entregaro ao Estado o equivalente quele que teve menor lucratividade.

    Onerar tributariamente os mais ricos atravs do princpio da progressividade realiza a justia fiscal, proporcionando a redistribuio da renda e, conseqentemente, reduzindo a desigualdade social. A ineficcia das alquotas proporcionais como instrumento de poltica fiscal distributiva da carga tributria, em especial no imposto sobre a renda das pessoas jurdicas, a afasta o ideal de igualdade na tributao e, conseqentemente, do princpio da capacidade contributiva.

    5. A capacidade contributiva das pessoas jurdicas

    A noo de pessoa, leciona Washington de Barros Monteiro, est atrelada noo de sujeito de direito, no sendo possvel conceber Direito sem pessoa. Embora seja possvel identificar pessoa como ente humano, na sua acepo mais comum, na acepo jurdica pessoa o ente fsico ou moral, suscetvel de direitos e obrigaes 92.

    A idia de pessoa moral, para o autor, corresponde de instituio social e a de pessoa jurdica, de sujeito de direito formalmente reconhecido. Isso leva ao entendimento de que no apenas os seres humanos esto presentes em relaes jurdicas, contraindo direitos e obrigaes. Delas tambm participam organizaes ou coletividades, s quais o direito atribuiu faculdades anlogas s da pessoa humana ou natural e que so comumente denominadas de pessoas jurdicas93.

    A capacidade jurdica da empresa atributo inerente a sua personalidade. O Novo Cdigo Civil acatou expressamente a teoria da personificao da pessoa jurdica, quando, em seu art. 52, assegurou s sociedades a aplicao, no que couber, para a proteo dos direitos da personalidade. O assunto controverso. Danilo Doneda, entretanto, reconhece

    92 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil

    parte geral. 5. ed. rev. e aum.. So Paulo: Saraiva, 1966, p. 56. 93

    MONTEIRO, Washington de Barros. Obra citada. p. 102.

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    que, embora a pessoa jurdica seja estranha a todo o processo histrico formador dos direitos da personalidade, ela partilha com a pessoa humana em torno de si situaes jurdicas 94.

    Trata-se, na realidade, de uma tcnica jurdica utilizada para solucionar problemas surgidos quando indivduos se renem para criar uma sociedade. Se essa sociedade no tiver personalidade jurdica, todos os direitos e as obrigaes sero atribudos aos scios. Foi para justificar a existncia e a natureza da pessoa jurdica e, tambm, o processo de personificao que surgiram diversas teorias, reunidas por Francisco Amaral95, em dois grandes grupos: o da fico e o da realidade, cada um deles subdividido doutrinariamente.

    Para o direito, entretanto, as justificaes tericas tm pouca importncia. A pessoa jurdica existe no mundo e para o mundo das relaes jurdicas. Sua vontade distinta da vontade individual dos membros que a compem. Seu patrimnio, constitudo por afetao de bens ou pelo esforo dos associados, diverso, tambm, do patrimnio de seus scios. A pessoa jurdica uma realidade, qualquer que seja a fundamentao terica, reconhecida pelo direito positivo como sujeito de direito, e, portanto, personalizada, cuja capacidade limitada consecuo de seus fins, pelo fenmeno da especializao.

    O estudo da capacidade contributiva das empresas centrado na anlise da figura da pessoa jurdica como titular de direitos fundamentais, os quais so determinantes para a sua insero no mundo jurdico, como sujeito de direitos e obrigaes. Para Julio Salas Snchez, na medida em que as pessoas jurdicas so o meio que o ser humano utiliza, para a consecuo de suas necessidades, se lhes so reconhecidos direitos fundamentais, porque, por intermdio delas, as pessoas naturais atuam e expressam seus prprios direitos e assumem suas prprias obrigaes96. Tal reconhecimento leva ao entendimento, pela comunidade denominada Estado, do direito liberdade de associao e do direito livre contratao, direitos fundamentais, que legitimam o processo natural de reunio de seres humanos, em busca de objetivos que lhes so comuns.

    94 DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no Cdigo Civil. In: A parte geral do novo Cdigo Civil: estudos na perspectiva Civil-Constitucional, 2. ed. rev. e atualiz.. (Coord.) TEPEDINO, Gustavo Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 54. 95

    AMARAL, Francisco. Obra citada. 281-284. 96 SNCHEZ, Julio Salas. Personas jurdicas, tributacin y derechos fundamentales. In: Primeras jornadas internacionales de tributacin y derechos humanos. Lima: Asociacin Internacional de Tributacin Y Derechos Humanos, 1990, p. 118

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    No mbito do ordenamento jurdico brasileiro, o direito liberdade de associao para fins lcitos e o uso da expresso pessoa jurdica como designao de empresa denotam expressamente o reconhecimento da existncia de pessoas jurdicas, inclusive como titulares de direitos fundamentais prprios.

    A relevncia do reconhecimento de direitos fundamentais, mesmo que especficos, pessoa jurdica, pode ser analisada sob dois fundamentos distintos, embora correlacionados: o fundamento poltico-econmico e o fundamento jurdico. Ainda na opinio de Julio Salas Snchez, o primeiro chama ateno para o fato de que, no mundo contemporneo, a poro majoritria da arrecadao tributria do Estado provm da subsuno dos lucros advindos da atividade empresarial hiptese tributria de tributos enunciadas por aquele ente97. Sob o enfoque jurdico, absurdo pensar em no reconhecer os direitos fundamentais dos principais contribuintes do Estado, posto que tal hiptese leva tambm negao da universalidade dos princpios constitucionais da capacidade contributiva, da vedao ao confisco e da proteo ao mnimo existencial.

    Embora a progressividade esteja constitucionalmente vinculada ao imposto sobre a renda, a ele no se aplica de forma generalizada. Em se tratando de tributao das pessoas jurdicas, o critrio da progressividade substitudo pela proporcionalidade.

    O princpio da capacidade contributiva, como limite mnimo da tributao, leva ao afastamento da incidncia tributria sobre os rendimentos necessrios satisfao das necessidades bsicas e essenciais para a manuteno de uma vida digna pelo ser humano, de modo a dar eficcia aos direitos previstos no art. 6, da Constituio Federal98.

    Contrariamente s teorias que defendem uma capacidade contributiva distinta e autnoma em relao s pessoas fsicas, tambm no mbito das pessoas jurdicas a tributao deve preservar a imunidade das despesas necessrias continuidade d