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HISTÓRIAS DE VIDA, MEMÓRIA E GÊNERO: HISTÓRIAS DAS MULHERES DO MOVIMENTO DE MULHERES DE JACOBINA – BAHIA. ANA LÚCIA GOMES DA SILVA (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB). Resumo O trabalho apresenta resultados parciais da pesquisa que tem como objeto de estudo as histórias de vida/de leitura das mulheres participantes do Movimento de Mulheres de Jacobina–BA. As principais finalidades da pesquisa são: visibilizar o Movimento de Mulheres da cidade de Jacobina através da militância em prol da igualdade de direitos entre homens e mulheres; mapear as principais ações desenvolvidas pelo Movimento de Mulheres de Jacobina na luta contra a violência de gênero; identificar as relações entre as histórias de vida/de leitura e a formação das mulheres atuantes no Movimento de Mulheres de Jacobina; compreender a relação entre militância política e o estudo teórico de gênero pelas atrizes sociais envolvidas diretamente no referido movimento. O Horizonte metodológico é a etnografia, tendo como instrumentos de construção dos dados as histórias de vida, entrevistas abertas e/ou aprofundadas, observações participantes e o memorial formação. O referencial teórico traz como fundante os estudos de gênero dialogando com autores como:( SCOTT, 1998 ), LOURO, (1986, 1993, 1997 ), LEITE (1994), MATOS (1998), JELIN (2002), TROITIÑO (2004), SOIHET (1997), CASTEELE E VOLEMAN (1992) e da Análise do Discurso da linha francesa (ORLANDI ,1993), PÊCHEUX (1988), (BRANDÃO, 2000), (BAKHTIN, 2002) (CARDOSO 2005). A referida pesquisa está em fase inicial, tendo apenas alguns resultados quanto ao objeto de estudo. Entre eles, a importância da visibilidade necessária ao movimento de mulheres de Jacobina, bem como a importância da sua trajetória em prol da luta a favor das mulheres e contra a violência de gênero e as principais atividades desenvolvidas acerca dessa temática. Palavras-chave: Histórias de Vida/de Leitura, Movimento de Mulheres, Gênero. 1. CONTEXTUALIZANDO O OBJETO DE ESTUDO E O LÓCUS DA PESQUISA A cidade de Jacobina está localizada no Piemonte da Chapada Diamantina, na zona noroeste, a 330 km de Salvador, capital do estado. O clima da cidade é oficialmente considerado o semi-árido, mas, devido à umidade da região, seu clima predominante é o semi-úmido. A cidade é conhecida como Cidade do Ouro ou Cidade Presépio, por ser intermontana, situada nos contrafortes das serras de Jacobina. Fica num vale, rodeada por belas e enormes serras, dando-nos a imagem de um rico santuário: presépio natural. A população de Jacobina é de 76.476 mil habitantes, de acordo com o censo demográfico realizado em 2000 (IBGE, 2000), tendo esse número como população estimada para 2005. Historicamente, desde sua criação em 1720, teve como base econômica a mineração (principalmente a extração de ouro), e a indústria extrativa direcionada para o setor mineral, sendo o comércio atacadista e varejista um importante vetor na renda municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE JACOBINA, 1999). Queremos, pois, através das histórias de vida/de leitura das atrizes sociais que fazem cotidianamente o Movimento de Mulheres, explicitar esse fazer encarnando e implicado nas relações de gênero e da luta feminista.

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HISTÓRIAS DE VIDA, MEMÓRIA E GÊNERO: HISTÓRIAS DAS MULHERES DO MOVIMENTO DE MULHERES DE JACOBINA – BAHIA. ANA LÚCIA GOMES DA SILVA (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB). Resumo O trabalho apresenta resultados parciais da pesquisa que tem como objeto de estudo as histórias de vida/de leitura das mulheres participantes do Movimento de Mulheres de Jacobina–BA. As principais finalidades da pesquisa são: visibilizar o Movimento de Mulheres da cidade de Jacobina através da militância em prol da igualdade de direitos entre homens e mulheres; mapear as principais ações desenvolvidas pelo Movimento de Mulheres de Jacobina na luta contra a violência de gênero; identificar as relações entre as histórias de vida/de leitura e a formação das mulheres atuantes no Movimento de Mulheres de Jacobina; compreender a relação entre militância política e o estudo teórico de gênero pelas atrizes sociais envolvidas diretamente no referido movimento. O Horizonte metodológico é a etnografia, tendo como instrumentos de construção dos dados as histórias de vida, entrevistas abertas e/ou aprofundadas, observações participantes e o memorial formação. O referencial teórico traz como fundante os estudos de gênero dialogando com autores como:( SCOTT, 1998 ), LOURO, (1986, 1993, 1997 ), LEITE (1994), MATOS (1998), JELIN (2002), TROITIÑO (2004), SOIHET (1997), CASTEELE E VOLEMAN (1992) e da Análise do Discurso da linha francesa (ORLANDI ,1993), PÊCHEUX (1988), (BRANDÃO, 2000), (BAKHTIN, 2002) (CARDOSO 2005). A referida pesquisa está em fase inicial, tendo apenas alguns resultados quanto ao objeto de estudo. Entre eles, a importância da visibilidade necessária ao movimento de mulheres de Jacobina, bem como a importância da sua trajetória em prol da luta a favor das mulheres e contra a violência de gênero e as principais atividades desenvolvidas acerca dessa temática. Palavras-chave: Histórias de Vida/de Leitura, Movimento de Mulheres, Gênero.

1. CONTEXTUALIZANDO O OBJETO DE ESTUDO E O LÓCUS DA PESQUISA

A cidade de Jacobina está localizada no Piemonte da Chapada Diamantina, na zona noroeste, a 330 km de Salvador, capital do estado. O clima da cidade é oficialmente considerado o semi-árido, mas, devido à umidade da região, seu clima predominante é o semi-úmido.

A cidade é conhecida como Cidade do Ouro ou Cidade Presépio, por ser intermontana, situada nos contrafortes das serras de Jacobina. Fica num vale, rodeada por belas e enormes serras, dando-nos a imagem de um rico santuário: presépio natural. A população de Jacobina é de 76.476 mil habitantes, de acordo com o censo demográfico realizado em 2000 (IBGE, 2000), tendo esse número como população estimada para 2005. Historicamente, desde sua criação em 1720, teve como base econômica a mineração (principalmente a extração de ouro), e a indústria extrativa direcionada para o setor mineral, sendo o comércio atacadista e varejista um importante vetor na renda municipal (PREFEITURA MUNICIPAL DE JACOBINA, 1999).

Queremos, pois, através das histórias de vida/de leitura das atrizes sociais que fazem cotidianamente o Movimento de Mulheres, explicitar esse fazer encarnando e implicado nas relações de gênero e da luta feminista.

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É importante ressaltar ainda, que Jacobina possui várias entidades que trabalham em prol da população, a exemplo de ONG, associações de bairros, Centro de convivência do Idoso, Casa do Menor, entre outras entidades. O movimento de Mulheres de Jacobina foi fundado no dia 27 de dezembro de 1981 por um grupo de mulheres liderados por uma jovem chamada Lúcia[1]. A primeira reunião do grupo foi feita na casa de Marlene Lages na qual se reuniu mais de 20 mulheres.

Fotografia 1 - Vista parcial de Jacobina - Serra do Cruzeiro e parte do bairro da Serrinha

Fotografia: Taciano Ricardo. Outubro 2006.

Este texto apresenta parcialmente os resultados das invetigações iniciadas no Movimento de Mulheres de Jacobina - MMJ, doravante chamado MMJ, cujo objeto de estudo são as histórias de vida/de leitura das mulheres participantes do Movimento de Mulheres de Jacobina-BA. Nele buscaremos compreender a significativa contribuição para os estudos de gênero trazida pelo referido movimento, considerando o trabalho desenvolvido pelo grupo em sua militância implicada e os dados oficiais que ainda insistem em apontar a violência de gênero como uma das "chagas sociais" que não escolhe classe social etnia, grau de escolaridade, etc.

A violência doméstica e familiar contra a mulher em Recife, por exemplo, está entre os crimes mais denunciados pelo Ministério Público segundo os dados divulgados pela imprensa. Isso depois que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, a partir de 22 de setembro de 2006. Desde essa data, os promotores pernambucanos já ofereceram 503 denúncias[2].

No caso da cidade de Jacobina, o MMJ tem ao longo dos seus 26 anos participado ativamente de passeatas, de sessões na Câmara de vereadores, de entrevistas nas rádios locais, solicitando às autoridades do estado da Bahia e autoridades locais que atuem de forma mais eficaz no combate à violência de gênero, apontando inclusive, conforme atesta o documento a seguir , a violência na cidade de Jacobina citando o caso da vítima Eliana Maria, cujo MMJ criou o "Comitê Eliana Maria contra a violência" para acompanhar o processo crime que já dura 12 anos.[3] O documento a seguir foi enviado pelo MMJ para o governador do Estado da Bahia excelentíssimo senhor Jacques Wagner em setembro de 2007, solicitando a implantação da Delegacia da Mulher na cidade de Jacobina.

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Fotografia 2:Correspodência ao governador da Bahia

Fonte: Arquivo do MMJ.

A luta para implantar a Delegacia da Mulher se inciou de forma sistematizada em setembro de 2007 e até hoje, julho de 2009 a Delgacia não foi implantada[4], fato

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este, que atesta o quanto a luta das mulheres é lenta e continua sendo invisibilizada e negligenciada pelos poderes públicos.

Entendemos que os estudos das relações de gênero devem estar pautados na idéia de que comportamentos masculinos e femininos são construídos social, cultural e historicamente, sendo necessária a compreensão de um em relação ao outro. Joan Scott (1998) afirma que:

Não se pode conceber mulheres, exceto se elas forem definidas em relação aos homens, nem homens, exceto quando eles forem diferenciados das mulheres, permitindo assim, pensar em termos de diferentes sistemas de gêneros e nas relações daqueles com outras categorias como raça, classe ou etnia. (p. 3)

Evidenciado está, que as relações de gênero são definidas histórica e culturalmente desde a origem do patriarcado, o qual mantém a primazia masculina e a necessidade do homem subordinar a mulher, definindo seus papéis na estrutura familiar.

Assim, vemos que a construção de gênero desencadeia uma infinita gama de relações assimétricas, corroborando para que a mulher permaneça numa situação de subalternidade, buscando a constante articulação dos diferentes papéis que lhes são exigidos cotidianamente.

O entendimento de gênero, segundo Guacira Louro (1997), é considerado como uma construção social feita sobre as diferenças sexuais. O que nos importa, portanto, não é a propriamente a diferença sexual, mas a forma como essa diferença é representada ou valorizada. Nessa ampliação conceitual, o que queremos destacar é o conceito de gênero não ligado ao desempenho dos papéis masculinos ou femininos apenas, mas sim ligado à produção de identidades - múltiplas e plurais de homens e mulheres no interior das relações e práticas sociais, e, portanto, nas relações de poder.

Queremos ainda refletir sobre identidades e seus diferentes papéis e representações sociais, compreendendo o conceito de identidade a partir dos estudos pós-modernos já que no período pós-moderno, a mesma é conceituada por vários autores como construto mutável e dinâmico.

Para Castells (1999), a identidade é o processo de construção de significados com base em um atributo cultural; ou ainda, um conjunto de atributos culturais inter-relacionados - os quais prevalecem sobre outras fontes de significado. Nesse sentido a construção da identidade das mulheres do movimento de mulheres de Jacobina certamente traz implicações de ordens pessoais e profissionais já que os espaços ocupados pelas mulheres ainda são espaços que se caracterizam pela inserção no público, saindo do lugar do privado e ampliando a luta em prol da igualdade e reconhecimento de direitos.

Assim como para Ferreira (2000), e Hall (1999) a identidade não é vista como uma categoria a expressar uma estrutura pessoal e fixa, mantendo-se a mesma no tempo. Ela é um construto que reflete um processo em constante transformação, cujas mudanças de referências e a novas construções de realidade por parte dos indivíduos, determinadas por sua participação em certos processos, são provocadores de impacto existencial. É nessa concepção que ancoraremos nossos estudos de pesquisa.

2. AS FONTES E OS INSTRUMENTOS DE CONSTRUÇÃO DOS DADOS: ESCOLHAS, USOS E SENTIDOS NA ITINERÂNCIA EM CAMPO.

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Considerando que os principais objetivos da pesquisa são: investigar o papel do Movimento de Mulheres em Jacobina para compreender através das atrizes sociais envolvidas diretamente no mesmo, a função social do referido movimento e suas implicações nas trajetórias de vida das mulheres que nele militam, bem como investigar através das suas histórias de vida/ de leitura, a tríade das relações de poder: o saber, o discurso e as estratégias do dizer sobre a violência de gênero.Queremos ainda, visibilizar o Movimento de Mulheres da cidade de Jacobina através da publicização da pesquisa, considerando a militância das mulheres envolvidas com o movimento, em prol da igualdade de direitos entre homens e mulheres.

Nesse sentido, apresentamos a seguir, sucintamente, com se deu a nossa trajetória inicial em campo ao realizarmos um breve estudo exploratório para melhor conhecermos o lócus da pesquisa nos meses de novembro de 2008 e janeiro de 2009 e os sujeitos que participarão da mesma, com um contato inical já realizado. Em seguida, apresentaremos as escolhas dos instrumentos que serão aplicados na segunda etapa da pesquisa e seus usos e sentidos.

Atualmete participam do movimento de mulheres de Jacobina cerca de 45 mulheres na sua maioria domésicas cujo grau de escolaridade é o Ensino Fundamental incompleto, há também no movimento, embora ainda seja minoria , militantes com o 3º grau de escolaridade e pós graduação lato sensu.

Nas visitas realizadas na sede do MMJ contactamos algumas mulheres do movimento presentes à reunião, conversamos informalmente com a diretora atual do referido movimento, a senhora Djanira Mendes Passos dos Santos, apresentamos o projeto de pesquisa, solicitamos a permissão para pesquisar e acompanhar as reuniões mensais, bem como relizarmos parceria entre a universidade do Estado da Bahia, (UNEB) e o MMJ, a fim de pudéssemos escrever a história do referido movimento objetivando dar visibilidade a luta das mulheres que buscam cotidinamente a equidade de gênero.

Nos encontros com as mulheres do movimento foi nos dada a permissão para verificar os arquivos nos quais constam documentos que comprovam as diversas atividades realizadas pelo movimento em prol das mulheres, bem como documentos que marcam a história do movimento .

Duarante a primeira etapa da pesquisa convidamos o MMJ para participar em parceria com a Universidade do Estado da Bahia - UNEB, campus IV/Jacobina da "Campanha de 16 dias de ativismo na UNEB pelo fim da violência contra as mulheres " [5], cujo evento foi desenvolvido pelo Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade Diadorim e Sistema de Biblotecas da UNEB-SISB/UNEB, que apresentou reflexões sobre questões voltadas para a violência contra a mulher e promoveu o diálogo entre universidade e sociedade acerca do assunto voltando sempre para as desigualdades construídas e perpetuadas entre os sexos.

No dia 27 de novembro, a programação realizada pelo Departamento de Ciências Humanas UNEB - Campus IV, teve como atividades as seguintes: No início da tarde às 13h as professoras Ana Lúcia Gomes - coordenadora do projeto de pesquisa sobre o MMJ, Amélia Tereza Maraux - vice-reitora da UNEB, Ione Jatobá Leal - diretora do Departamento de Ciências Humanas - DCH IV deram entrevista à rádio Clube Rio do Ouro sobre a Campanha de 16 Dias de Ativismo na UNEB pelo Fim da Violência Contra a Mulher , explicitando o alcance da mesma e historiando sobre sua importância internacional da campanha no combate à violência de gênero.

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Teve início às 14h30min a exibição do "Painel- Educação, memória e gênero: dispositivos teóricos e formativos- historiando o Movimento de Mulheres de Jacobina". Este evento contou com a presença da Profª. Drª. Ana Lúcia Gomes da Silva, Prof. Dr. Paulo César Garcia, ambos professores da UNEB- Campus IV, Prof. Ms. Luiz Felippe Santos Perret Serpa, Convidado da UFBA/ FACED e Profª. Ms. Amélia Santa Rosa Maraux, Vice-Reitora da Universidade do Estado da Bahia, que atuou como coordenadora da mesa composta pelos nomes supracitados.

Após algumas explanações da Vice- reitora, a Profª. Drª. Ana Lúcia Gomes da Silva foi a responsável pelo início das atividades. A mesma falou sobre as várias faces da violência infringida contra as mulheres bem como significativos comentários acerca da Lei Maria da Penha, as políticas de defesa às mulheres, os sofrimentos vivenciados pelas mesmas, causados por seus agressores, e finalmente o desinteresse da polícia e o descaso e/ou lentidão da justiça para fazer cumprir a lei que defende essas vítimas de agressões físicas. Em seguida apresentou o projeto de pesquisa sobre o MMJ e relatou a luta e dificuldades enfrentadas pelo referido movimento ao longo dos seus 26 anos para atuar na sociedade, já que há por parte da sociedade civil organizada e por parte dos poderes públicos, pouco ou quase nenhum reconhecimento da luta empreendida pelas mulheres que militam no movimento, foi registrado, já que durante esses vinte e seis anos de existência, foi reconhecido como uma entidade de utilidade pública municipal apenas em maio de 2008 pela Lei Municipal Nº 887, de 21 de maio de 2008.

Assim as atividades proporcionadas pelo "Painel- Educação, memória e gênero: dispositivos teóricos e formativos- historiando o Movimento de Mulheres de Jacobina" tiveram fim as 18h00min.

Fotografia 3: Campanha de 16 Dias de Ativismo na UNEB.

Fotografia: João Paulo, novembro de 2008.

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Esta primeira fase exploratória da pesquisa tem nos permitido um maior contato com os sujeitos que participarão da mesma, bem como nos possibilitado conhecer panoramicamente a história do MMJ, para que possamos buscar dados que nos possibilite na próxima etapa do campo, construir o histórico do referido movimento, o que não será tarefa fácil, pois pelos documentos até agora encontrados na sede do mesmo, não temos praticamente nenhum dado que nos auxilie nesta empreitada, já que conforme nos afirmaram as militantes, muitos documentos foram perdidos e ou danificados.

Certamente teremos que na próxima etapa começar as entrevistas com as militantes mais experientes e com maior tempo de vinclulação ao movimento para que possamos reconstruir a história do MMJ, buscando realizar uma "descrição densa", portanto, uma hemenêutica do referido movimento e de suas atrizes sociais.

Segundo Maria Odila Leite (1994), a hermenêutica do quotidiano nas ciências humanas atuais é exatamente o enfoque das relações particulares, familiares, consistindo num modo de interpretar a integração dos indivíduos no conjunto das relações de poder, permitindo esmiuçar a inserção do indivíduo, homem ou mulher, no contexto mais amplo da sociedade em que vivem. É assim que a historiografia feminista também busca no seu caminho metodológico, o campo de visibilidade que, embora restrito, está cada vez mais nítido, implicando colocar de lado quase tudo que se tem como dado na historiografia atual sob o olhar androcêntrico, pois está impregnado por toda uma ideologia normativa e institucionalizante.

É fundamental também acrescentar que, a partir dos anos 90 do século passado, se nota com maior influência e força a nova história presente nos trabalhos cujo tema é sobre as mulheres. Rachel Soihet (1997, p.99), afirma: "[...] a influência direta da nova história nos trabalhos da história das mulheres, acentua a tendência da utilização da micro-história como processo analítico [...] permitindo que aspectos antes ofuscados pela generalização brotassem. Roger Chartier (2001), ratifica que no mundo historiográfico recente a micro-história foi uma das inovações mais importantes, uma vez que com a redução da escala de observação, pode tornar-se mais visível diante de uma série de fatos ocultados no curso das investigações de história social clássica. Assim, para nós, as histórias de homens e mulheres serão melhor observadas, se consideramos o que os historiadores enfatizam, quanto a: interação entre indivíduos, negociações, conflitos, poder estatal e comunidade particular, atuando na singularidade dos indivíduos dentro de crenças e modelos compartilhados, oferecendo uma riqueza particular.

Ainda quanto às fontes, é importante salientar o que afirma Raquel Soihet (1997):

A escassez de vestígios acerca do passado das mulheres produzidos por elas constitui-se num dos grandes problemas enfrentados pelos historiadores [...] Neste caso os documentos policias, os jornais, os diários íntimos, as atas, as cartas, são exemplos de registros femininos encontrados pelos historiadores. [...] Além de outros objetos como caixas, missais, fotografias. (p.295-6)

A partir, pois, do interesse dos pesquisadores e pesquisadoras, em "acordar as fontes" para garantir um olhar plural, além de uma compreensão que possibilite através delas - mulheres - fazer emergir as vozes, aspirações, discursos, dizeres dos sujeitos sobre si e sobre o mundo, teremos novas leituras e novos sentidos para a história singular de homens e mulheres.

Nos estudos sobre a história oral, José Carlos Sebe Meihy, (1996, 1993), Alberto Lins, (1999), afirmam que a história oral responde à necessidade de preenchimento

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de espaços capazes de dar sentido a uma cultura explicativa dos atos sociais. É a humanização da vida social dos que aprenderam que a história é feita pelas pessoas comuns, com sentimentos, paixões, idealizações, qualidades e defeitos.

A história oral, segundo seus estudiosos, se apóia na adesão de pessoas que pensam a vida social em sentido público, sem isolar o sentido acadêmico. Ela respeita as diferenças e facilita a compreensão das identidades e dos processos de suas construções narrativas. Todos/as são personagens históricos; o cotidiano e os grandes fatos ganham equiparação, na medida em se trançam para garantir a lógica da vida coletiva de homens e mulheres.

Por estas razões, em nossa pesquisa escolhemos trabalhar com a história oral como um dos instrumentos que possibilitará maior compreensão da vida dos sujeitos através da história de vida.

Cabe, pois, trazermos também o instrumento memorial para articularmos nesse contexto da memória, pois é ela também seu instrumento articulador e seu dispositivo para a escrita dos memoriais. Segundo Alberto Lins (1999, p. 61), [...] "a memória é um desdobramento contínuo e singular que garante vários tipos de identidade". Queremos, pois, através da escrita dos memoriais dialogar com as histórias de vida dos sujeitos que vivenciam quotidianamente o MMJ, buscando os sentidos construídos em cada sujeito da pesquisa.

Para Guilherme do Val Prado e Rosaura Soligo (2004), o memorial, do latim memoriale, é a escrita de memórias e significa memento ou escrito que relata acontecimentos memoráveis.

No saber da experiência não se trata da verdade do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece [...] por isso ninguém pode aprender da experiência do outro a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria. (LARROSA, 2001, p.2)

É esse entendimento fundante que queremos captar nos memoriais dos que experienciam como membro e militante o movimento de mulheres de Jacobina, porque, somente do lugar da experiência que toca e faz sentido, para cada um que ali está imerso no movimento, é que saberá dizer suas memórias - do lugar de quem vive, experimenta, tem a experiência.

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[1] Lúcia faleceu poucos dias depois da primeira reunião por ele idealizada, vitima de um acidente de moto. O movimento continuou sua luta, sendo liderado pela senhora Marlene Lages.

[2] Disponível em Agência Brasil online. Acesso em março de 2008.

[3] O Comitê foi criado em reunão do MMJ no dia 21.03.2007 e foram convidados para participar do referido Comitê representantes de diversas entidades da cidade de Jacobina como: Rotary Clube, Faculdade de Formação de Professores de Jacobina - FFPJ Câmara de Veradores, Ordem dos Advogados do Brasil - seção Jacobina, Associação de Moradores Conunto Habitacional Zuleide Pires, entre outros.

[4] A correspondência enviada pelo MMJ teve resposta do chefe de gabinete Fernando Schmidt através do ofício número 2306/2007, datado de 06.09.2007, informando que o pleito deveria ser acompanhado na Secretaria de Segurança Pública da Bahia.

[5] Dados do Relatório da bolsista PICIN Alcione Luz, a partir das atividades realizadas em campo no mês de novembro de 2008.