de leis duras & noivas voadoras - 30 anos de cole...

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1 De leis duras & noivas voadoras - 30 anos de COLE: temáticas e moções * Maria do Rosário Longo Mortatti ** Introdução Agradeço aos organizadores deste 17º. Congresso de Leitura do Brasil (COLE), pelo convite para participar, como expositora, desta mesa. Sinto-me honrada em poder contribuir para os objetivos estabelecidos para esta edição do congresso em comemoração aos 30 anos de sua história. Dentre esses objetivos se encontram: • Produzir um “estado da arte” sobre perspectivas teórico-metodológicas, temáticas e outras contribuições produzidas no interior dos Coles. [...] • Propor moções e sugestões que possam contribuir para com o adensamento das políticas de leitura para o país. (17º. COLE- 30 anos, 2009) E, além de comemorativa, nesta 17ª. edição, o COLE: [...] pretende ser retrospectivo, debruçando-se e refletindo sobre o vasto acervo constituído ao longo do seu percurso, e propositivo, reforçando e delineando idéias que venham a se transformar em sustentáculos para a democratização da leitura no país. (17º. COLE- 30 anos, 2009) Para sintetizar a temática proposta para esta 17ª. edição do congresso, foram escolhidos versos do poema “As lições de R. Q.”, escrito pelo poeta, advogado e fazendeiro brasileiro/mato-grossense, Manoel de Barros (1916- ): As lições de R. Q. Aprendi com Rómulo Quiroga (um pintor boliviano): A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro. Arte não tem pensa: * Com algumas modificações e sem os acréscimos que apresento nesta versão, este texto serviu de base para minha exposição na mesa-redonda “30 anos de COLE: Temáticas e Moções”, no dia 11/07/2009, durante o 17º. Cole, realizado nas dependências da Unicamp. Dessa mesa participaram, também, Luiz Percival Leme de Britto, como conferencista, e Luciane Moreira de Oliveira, como moderadora. As modificações a que me refiro resultam da incorporação, nesta versão, de aspectos das reflexões e discussões ocorridas após minha exposição nessa mesa; os acréscimos se referem especialmente às citações de trechos de documentos. ** Professora Livre-Docente-FFC-UNESP- Marilia; coordenadora do Grupo de Pesquisa "História do Ensino de Língua e Literatura no Brasil" - http://marilia.unesp.br/gphellb.

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De leis duras & noivas voadoras - 30 anos de COLE: temáticas e moções*

Maria do Rosário Longo Mortatti**

Introdução

Agradeço aos organizadores deste 17º. Congresso de Leitura do Brasil (COLE),

pelo convite para participar, como expositora, desta mesa. Sinto-me honrada em poder

contribuir para os objetivos estabelecidos para esta edição do congresso em comemoração

aos 30 anos de sua história. Dentre esses objetivos se encontram:

• Produzir um “estado da arte” sobre perspectivas teórico-metodológicas, temáticas e outras contribuições produzidas no interior dos Coles. [...] • Propor moções e sugestões que possam contribuir para com o adensamento das políticas de leitura para o país. (17º. COLE- 30 anos, 2009)

E, além de comemorativa, nesta 17ª. edição, o COLE:

[...] pretende ser retrospectivo, debruçando-se e refletindo sobre o vasto acervo constituído ao longo do seu percurso, e propositivo, reforçando e delineando idéias que venham a se transformar em sustentáculos para a democratização da leitura no país. (17º. COLE- 30 anos, 2009)

Para sintetizar a temática proposta para esta 17ª. edição do congresso, foram

escolhidos versos do poema “As lições de R. Q.”, escrito pelo poeta, advogado e

fazendeiro brasileiro/mato-grossense, Manoel de Barros (1916- ):

As lições de R. Q. Aprendi com Rómulo Quiroga (um pintor boliviano): A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado. A força de um artista vem das suas derrotas. Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro. Arte não tem pensa:

* Com algumas modificações e sem os acréscimos que apresento nesta versão, este texto serviu de base para minha exposição na mesa-redonda “30 anos de COLE: Temáticas e Moções”, no dia 11/07/2009, durante o 17º. Cole, realizado nas dependências da Unicamp. Dessa mesa participaram, também, Luiz Percival Leme de Britto, como conferencista, e Luciane Moreira de Oliveira, como moderadora. As modificações a que me refiro resultam da incorporação, nesta versão, de aspectos das reflexões e discussões ocorridas após minha exposição nessa mesa; os acréscimos se referem especialmente às citações de trechos de documentos. ** Professora Livre-Docente-FFC-UNESP- Marilia; coordenadora do Grupo de Pesquisa "História do Ensino de Língua e Literatura no Brasil" - http://marilia.unesp.br/gphellb.

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O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo: Tirar da natureza as naturalidades. Fazer cavalo verde, por exemplo. Fazer noiva camponesa voar - como em Chagall. Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a desformar. Até já inventei mulher de 7 peitos para fazer vaginação comigo. (BARROS, 2000, p. 75)

Tais objetivos e temática contêm um convite à reflexão histórica. Acolhendo

esse convite, apresento aqui considerações sobre o tema que me coube — temáticas

abordadas e moções aprovadas nos 30 anos de COLE1 — por meio de apontamentos,

apenas, os quais elaborei, com base: tanto na memória de minha participação nesse

congresso2 e de minha atuação junto à Associação de Leitura do Brasil (ALB) e à revista

Leitura: teoria & prática (LTP)3 quanto em fontes documentais relativas ao congresso ou a

associação4.

1. Aspectos da história do COLE: uma seleção5

Três fatos históricos ocorridos no ano de 1978 foram decisivos para a história

da humanidade: o nascimento, na Inglaterra, do primeiro bebê de proveta, o lançamento no

mercado do primeiro computador pessoal (PC) e .... a realização do 1º. Congresso de

Leitura do Brasil.

Nesse ano de 1978, ainda sob o regime político ditatorial imposto com o golpe

militar de março de 1964 no Brasil, iniciaram-se movimentos decisivos para o processo de

redemocratização do país, tais como: a primeira greve de trabalhadores brasileiros — a dos 1 Nessa 17ª. edição do COLE, outras duas mesas tematizaram aspectos da história do congresso: Mesa 1 – “30 Anos de COLE: memórias e imagens” – Expositores: Ana Luiza B. Smolka (GPPL FE/Unicamp) e Milton José de Almeida (OLHO FE/Unicamp); Moderadora: Rosalia de Angelo Scorsi - (OLHO FE/Unicamp); Mesa 17 – “30 anos de COLE: Projeções” – Expositores: Edmir Perrotti (ECA/USP) e Regina Zilberman (UFRGS); Moderadora: Marisa Lajolo (IEL/Unicamp). 2 Desde o 2º. COLE, realizado em 1979, tenho participado como ouvinte, ou com apresentação de trabalho ou como conferencista, de muitas edições desse evento. Integrei também a Comissão Organizadora do 8o. COLE, realizado em 1991. 3 Integro o Conselho Editorial da revista Leitura: teoria & prática desde 1987 e integrei a diretoria da ALB, como 2o. secretário, na gestão 1986-1987, e como 2o. tesoureiro, na gestão 1988-1989. 4 Trata-se de fontes disponíveis em versão impressa ou em versão digital, dentre as quais: anais e folders e textos de apresentação das edições do COLE, atas de reuniões da ALB, artigos da revista Leitura: teoria & prática, editoriais da revista virtual Linha mestra. Para a obtenção de cópias digitalizadas dos anais do COLE, contei com a colaboração de Luciane Moreira de Oliveira; para a localização e organização de informações extraídas desses anais, contei com a colaboração de alguns de meus atuais orientandos de iniciação científica, de mestrado e de doutorado. 5 A respeito da história do COLE, tem-se o texto “25 anos de COLE” (FERREIRA, 2003), de Norma Sandra de Almeida Ferreira (FE/Unicamp).

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metalúrgicos do ABC paulista — após o Ato Institucional n. 5, de 13/12/1968 —, a qual

deu início à organização das lutas dos trabalhadores brasileiros, de que decorreu a

fundação do Partido dos Trabalhadores, em 1980; a indicação de candidatos de resistência

à presidência da república, a eleição indireta dos governadores dos estados brasileiros e a

eleição, pelo Congresso Nacional, do presidente do Brasil; a sentença judicial que

desmentiu a versão do suicídio do jornalista Vladimir Herzog e concluiu pela

responsabilidade da União em sua morte; a realização, em novembro de 1978, do I

Congresso Nacional pela Anistia; e, em 31/12/1978, a revogação do Ato Institucional nº. 5

— símbolo da ditadura militar no país — e o decorrente início da abertura política, de que

resultou, dentre outros, o movimento civil “Diretas já”, lançado em 1983 pelo Senador

Teotônio Vilela, o qual culminou com a eleição de um presidente civil, em 1989, e com a

promulgação, em 1988, da nova Constituição brasileira, a “Constituição cidadã”.

Foi nesse contexto de intensas lutas contra a ditadura militar e pela

redemocratização do país que se engendraram iniciativas, com essa mesma finalidade,

também no âmbito da educação e da cultura.

Dentre essas iniciativas, destaco o 1º. COLE, realizado no Centro de

Convivência Cultural da cidade de Campinas-SP, nos dias 23 e 24/09/1978, que resultou

de iniciativa de professores do Departamento de Metodologia do Ensino da Faculdade de

Educação (FE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e foi promovido por

essa faculdade e pela Secretaria Municipal de Educação de Campinas.

O 1º. COLE abrigou também outras iniciativas pioneiras: o 1º. Congresso de

Bibliotecários (COBI), a 1ª. Feira do Livro de Campinas e o lançamento do número 1 da

revista Educação & sociedade6, editada pelo Centro de Estudos Educação & Sociedade

(CEDES)7.

A partir de sua 2ª. edição, realizada de 22 a 28/10/1979, o COLE passou a ser

realizado bianualmente, enfatizando-se a participação de todos com “vontade de 6Essa informação consta da entrevista concedida pela professora Ivany Pino ao Jornal da Unicamp, edição de 26/11 a 2/12/2007, p. 3. (Disponível em: puhttp://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju381pag03.pdf). No site do CEDES, porém, consta que o primeiro número dessa revista surgiu “[...] durante o I Seminário de Educação Brasileira, realizado em 1978, na Unicamp” (Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br/sobreocedes.htm). 7Ainda em 1978, realizaram-se dois outros eventos em educação relacionados com o clima de redemocratização: de 20 a 22/11, o 1º Seminário de Educação Brasileira, promovido pelo Departamento de Sociologia da Educação, da FE/Unicamp; e, em agosto desse ano, na Universidade Federal do Ceará, a 1ª. Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPEd), que fora fundada em 1976. Em 1979, foram fundados o CEDES e a Associação Nacional de Educação (ANDE). E, em decorrência de proposta aprovada na 1ª. Reunião da ANPEd, essa associação, o CEDES, a ANDE e o CEDEc (Centro de Estudos da Cultura Contemporânea) promoveram a I Conferência Brasileira de Educação (CBE), realizada de 31/03 a 03/04 de 1980, na PUC-SP. A 6º edição da CBE ocorreu no início de setembro de 1991.

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transformar” (SILVA, 1978?) . E, por decisão da Assembléia realizada durante o 3º. COLE

(13 a 15/11/1981), foi fundada a Associação de Leitura do Brasil (ALB)8, cujo comitê

provisório tomou posse e realizou sua primeira reunião nos dias 17 e 18 de dezembro de

1981,

[...] no prédio da Livraria Ler Bem, à rua General Osório, nº 1157, Campinas, São Paulo”. A Diretoria Provisória da ALB ficou assim constituída: “Presidente - Ezequiel Theodoro da Silva; Vice-Presidente - Olga Molina; Primeiro Tesoureiro - Leonídio Balbino da Silva; segundo Tesoureiro: Lilian Lopes Martin da Silva; Primeiro secretário - Raquel Maria de Almeida Prado; segundo Secretário - Marli Pinto Ancassuer. (ASSOCIAÇÃO DE LEITURA DO BRASIL – Ata...)

Ainda nesse clima de efervescência política e social, em 1982, foi lançado

número 0 da revista Leitura: teoria & prática, editada pela ALB, com periodicidade

semestral, e que pode ser considerada a primeira publicação periódica brasileira dedicada

especificamente a tematizar a leitura9. Juntamente com o COLE e os seminários regionais,

essa revista representava:

[...] uma das formas de concretização daquilo que está expresso como objetivo básico da ALB: a luta pela democratização da leitura no contexto brasileiro. [...] No Editorial [do número 0] afirmávamos que a revista nascia “com o propósito principal de servir como veículo para a comunicação e o intercâmbio entre aqueles que se preocupam com os problemas da leitura em nosso país”. Mas, preocupação apenas parecia ser pouco para nós. Na verdade, conforme dizemos no mesmo texto, ela se destina àqueles que, estando preocupados, “desejam lutar pela democratização da leitura no contexto brasileiro, através de um trabalho coletivo e transformador” [...] pois esta pretendia ser “um fórum semestral de debates, reservando aos seus leitores espaço para relatar suas experiências teóricas e práticas”. (SILVA, [1999])

Relacionadamente às iniciativas geradas nesse clima de época, ganhou impulso

entre pesquisadores brasileiros a publicação sistemática de livros e artigos dedicados ao

8 Além do COLE , atualmente a ALB promove outros eventos — Bienal da Cultura; Seminário Nacional "O Professor e a Leitura do Jornal", Fórum "Desafios do Magistério" —, organiza cursos, estimula organização e implantação de grupos regionais de estudos e pesquisas sobre leitura; e, além da revista Leitura: teoria & prática, publica outras revistas, livros e boletins e congrega interessados no estudo e discussão de questões relativas à leitura. (Disponível em: http://www.alb.com.br/portal/entidade/servicos.html.) 9 A respeito da história dessa revista, tem-se o estudo “A revista Leitura: Teoria & Prática e o professor - um leitor em formação” (SILVA, [1999]), de Lílian Lopes Martin da Silva (FE/Unicamp), membro do Conselho Editorial dessa revista desde 1982.

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tema da leitura em sua relação com a escola e com a literatura infantil e ao ensino da

leitura e escrita, os quais se tornaram “clássicos” da área.10

Especificamente no âmbito da educação, também se implementaram mudanças

importantes11, cujo ponto de culminância foi a promulgação da nova Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei 9394/1996), de que decorreram, dentre outros: os

Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, o Plano Nacional de Educação (Lei nº

10.172/2001), o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, em 2003, e a Lei nº.

11.274/2006, que alterou a LDB, ampliando o Ensino Fundamental para nove anos.

Na década de 1980, também teve início a proposição sistemática de políticas

públicas de leitura, implementadas por meio de projetos e programas em nível federal,

estadual e municipal12. Na década de 1990, com o processo de ampliação dos programas de

pós-graduação, no âmbito da pesquisa acadêmico-científica em Educação, mais

concentradamente, mas também nas áreas de Letras e Biblioteconomia, intensificaram-se

estudos e pesquisas sobre leitura13, visando à ampliação das possibilidades explicativas de

velhos e novos temas e objetos, assim como à diversificação de abordagens e de

constituição de novos campos de conhecimento. Em especial no que se refere à leitura e

seu ensino, nessa década ganharam destaque as perspectivas lingüísticas centradas na

Análise do Discurso e na Teoria da Enunciação e a perspectiva teórica centrada no

conceito de “letramento’”, assim como se constituíram temáticas interdisciplinares como a

história da leitura e do livro e história do ensino da leitura e escrita.

Nesta primeira década de novo século e de novo milênio, intensifica-se a

tendência à diversificação de enfoques e propostas relativas à leitura, ao mesmo tempo em

que se implementam outras mudanças no âmbito da educação, visando a enfrentar as

10 Dentre esses, mesmo correndo o risco de cometer injustiças, destaco, como exemplos: O texto na sala de aula: leitura & produção (Assoeste, 1984), organizado por João Wanderley Geraldi; Leitura em crise na escola: as alternativas do professor (Mercado Aberto,1982), organizado por Regina Zilberman e no qual se encontra o artigo “Considerações em trono do acesso ao mundo escrita”, de Haquira Osakabe, um dos homenageados neste 17º. COLE; Literatura infantil brasileira: história & histórias (Global, 1986), de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, ambas participantes como expositoras neste 17º. COLE; A criança na fase inicial da escrita: alfabetização como processo discursivo (Cortez/Ed. Unicmap,1988), de Ana Luiza B. Smolka, também participante como expositora neste 17º. COLE. 11 Dentre essas, mesmo correndo ainda mais riscos, destaco: em nível federal, o Programa Nacional do Livro Didático; e, no estado de São Paulo: a criação, em 1983, do Ciclo Básico de Alfabetização; a promulgação, em 1985, do novo Estatuto do Magistério (Lei complementar n. 444, de 27/12/1985); e a elaboração e publicação, a partir de 1986, das novas propostas curriculares para todas as disciplinas do então ensino de 1º. e 2º. graus. 12 Como exemplos, também ciente dos muitos riscos, menciono: o Programa de Incentivo à leitura (PROLER) e, mais recentemente, o Programa Nacional do Livro e da Leitura (PNLL), criado em 2006 e vinculado ao Ministério da Educação e ao Ministério da Cultura. 13 “Estado da arte” a respeito de estudos e pesquisas sobre leitura, desenvolvidos entre 1980 e1995, encontra-se em Ferreira (1999).

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persistentes dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa de ensinar a ler e escrever

assim como as persistentes taxas de analfabetismo, a fim de avançar nos níveis de

letramento da população brasileira.

Esse movimento histórico, também o COLE contribuiu para constituí-lo, por

meio de interlocução analítico-propositiva, como indicam as temáticas e moções das

edições do congresso.

2. Temáticas e moções na história do COLE (1978-2009)

Desde a 1ª. edição do COLE, em 1978, todas as temáticas (conjunto-síntese de

temas e subtemas) estão relacionadas ao que se pode considerar o tema geral e o objetivo

fundantes desse congresso: a democratização da leitura no Brasil.

Essas temáticas podem ser compreendidas, de meu ponto de vista, como síntese

das relações que se podem estabelecer entre cada edição do congresso e seu específico o

contexto político e social e, nesse âmbito, com as condições específicas da educação e da

leitura, da produção acadêmica sobre educação e leitura e com projetos institucionais de

leitura.

Com o objetivo de apresentar e problematizar essas relações possíveis, no

Quadro 1 apresento uma síntese de informações relativas às 17 edições do COLE: data,

local, temática e presidente da ALB, quando da realização do congresso, a partir de 1981,

ano de fundação dessa associação, promotora do congresso.

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Quadro 1 - Edições do COLE, data, local de realização, respectivas temáticas, moções e presidentes da ALB

EDIÇÃO

DATA E LOCAL

TEMÁTICA

MOÇÕES PRESIDENTE DA ALB

1º.

23 e 24/09/1978

Centro Conviv Cultural (CCC)

LEITURA PARA TODOS

----

---

2º.

22 a 28/10/1979 CCC

PEDAGOGIA DA LEITURA --- ---

3º.

13 a 15/11/1981 CCC

LUTAS PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA LEITURA NO BRASIL

Subtemas: Leitura e realidade brasileira; Leitura e literatura; Leitura e cultura popular; O livro e as bibliotecas.

De incentivo, repúdio, pesar,

apoio, solidariedade,

solicitação.

Ezequiel T. da Silva (Diretoria provisória desde 14/11/1981)

4º.

12 a 15/11/1983 EEPSG “Culto à

Ciência”

LEITURA NA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA: DO DISCURSO À AÇÃO

---

Ezequiel T. da Silva (Diretoria provisória)

5º.

31/08 a 3/-09/1985 CCC e PUCCamp

O PROFESSOR E A LEITURA

Política de bibliotecas

escolares e de formação de professores

Ezequiel T. da Silva (Diretoria provisória)

6º.

10 a 13/09/1987 CCC; EEPSG “Carlos

Gomes”

LEITURA: A QUESTÃO DOS MÉTODOS E OS MÉTODOS EM QUESTÃO

---

Ezequiel T. da Silva 1986-1987

7º.

8 a 10/09/1989

CCC, EEPSG “Carlos Gomes” ;Col.

Progresso

NAS MALHAS DA LEITURA:

PUXANDO OUTROS FIOS

J.W. Geraldi

1988-1989

8º.

23 a 25/7/1991 Unicamp, Bibl. Públ.

Municipal, CCC

LEITURA:

AUTONOMIA, TRABALHO E CIDADANIA

De protesto e de apoio às

universidades públicas

Ezequiel T. da Silva 1990-1991

9º.

25 a 28/07/1993 Unicamp

LEITURA, CONQUISTA DE UMA REALIDADE

José E. de Andrade 1992-1993

(Rute B. de Pontes - dez.1992/out.1993)

10º.

17 a 21/07/1995

Unicamp

LEITURA E SOCIEDADE

Luiz Percival L. Britto1994-1995

11º.

15 a 18/07/1997 Unicamp

A VOZ E A LETRA DOS EXCLUÍDOS

Luiz Percival L. Britto1996-1997

12º.

20 a 23/07/1999 Unicamp

MÚLTIPLOS OBJETOS, MÚLTIPLAS LEITURAS: AFINAL, O QUE LÊ A GENTE?

Luiz Percival L. Britto1998-1999

13º.

17 a 20/07/2001 Unicamp

COM TODAS AS LETRAS, PARA TODOS OS NOMES Luiz Percival L. Britto2000-2001

14º.

22 a 25/07/2003 Unicamp

“AS COISAS. QUE TRISTES SÃO AS COISAS, CONSIDERADAS SEM ÊNFASE.” Carlos Drummond de

Andrade “O analfabeto, principalmente, o que vive nas

grandes cidades, sabe, mais do que ninguém, qual a importância de saber ler e escrever, para a sua vida como um todo. No entanto, não podemos alimentar a ilusão de que o fato de saber ler e escrever, por si só, vá contribuir para alterar as condições de moradia ,

comida e mesmo de trabalho.” Paulo Freire

Luiz Percival L. Britto2002-2003

15º.

5 a 8/07/2005 Unicamp

“PENSEM NAS CRIANÇAS MUDAS TELEPÁTICAS” -Vinicius de Moraes

Luiz Percival L. Britto2004-2005

16º.

10 a 13/07/2007 Unicamp

“HÁ MUITAS ARMADILHAS NO MUNDO E É PRECISO QUEBRÁ-LAS” –Ferreira Gullar

Ezequiel T. da Silva 2007-2008

17º.

20 a 24/07/2009

Unicamp

“O OLHO VÊ, A LEMBRANÇA REVÊ, E A

IMAGINAÇÃO TRANSVÊ./ É PRECISO TRANSVER O MUNDO”. Manoel de Barros

Norma S. A. Ferreira 2009-2010

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Para os objetivos desta exposição e considerando as possibilidades de

compreensão mencionadas, proponho o agrupamento das temáticas do COLE em quatro

momentos14.

O 1º. momento corresponde ao período de 1978 a 1987, durante o qual se

realizaram do 1º. ao 6º. COLE. De 1981 até 1987, o presidente da ALB foi o professor

Ezequiel Theodoro da Silva (FE/Unicamp).

Os objetivos estabelecidos para o 1º. COLE foram:

-REFLETIR mais incisivamente sobre a problemática da leitura e da divulgação da cultura no contexto brasileiro; -CARACTERIZAR a importância da literatura (infantil e adulta) na formação do leitor crítica; -FORNECER aos professores de todos os níveis de ensino algumas propostas para a melhoria do ensino da leitura. (1º. COLE, 1978)

No Caderno de resumos do 1º. COLE, Ezequiel Theodoro da Silva, na condição

de organizador do congresso, assim avalia os resultados desse evento, evidenciando seu

pioneirismo.

Apesar de alguns pesares e desencantos, os resultados do Cole foram bastante satisfatórios. Eu diria que foi uma primeira experiência – pioneira mesmo – que abre portas para reflexões mais constantes e incisivas na área de leitura. (1º. COLE, 1978, p.1)

Com base nas moções, recomendações, avaliações do congresso (contidas nas

respostas a questionário apresentadas por 34 participantes) e propostas para o 2º. COLE,

ainda no Caderno de resumos do 1º. COLE, Ezequiel Theodoro da Silva destaca:

O interesse pelo acompanhamento foi muito reforçado pelas respostas à última pergunta do questionário que dizia respeito à formação de uma Associação de Leitura e de um centro de leitura na Unicamp. A grande maioria (93,5%) dos respondentes disseram querer participar dessa associação, cujas atividades principais seriam as seguintes: -publicação de uma revista especializada -organização de congressos e seminários -pesquisa sobre leitura - implantação de bibliotecas escolares -cursos de atualização [...]

14 Utilizo aqui a denominação “momento”, para identificar, não exatamente um período histórico, mas momentos cruciais para o movimento histórico sintetizado nas temáticas do COLE, nos quais considero que se encontram condensadas as tensões e contradições que caracterizam esse movimento. Explicações mais detalhadas a respeito desse conceito de “momento” se encontram em Mortatti (2000).

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A idéia de organização de uma associação é dever importante merecendo a atenção dos professores do Departamento de Metodologia do Ensino da faculdade de Educação – Unicamp. (SILVA, 1978, p.95)

No discurso de abertura do 2º. COLE, intitulado “Leitura ou ‘lei dura’?”, o

coordenador geral do evento, Ezequiel T. da Silva, assim define a crise da leitura, naquele

momento histórico, e formula o tema geral e o objetivo fundantes do congresso:

O problema da leitura no contexto brasileiro deve ser colocado, figurativamente falando, em termos de uma LEI DURA, isto é, um conjunto de restrições agudas que impedem a fruição da leitura por milhões de leitores em potencial. É essa mesma “lei-dura” que vai colocar a leitura numa situação de crise — essa crise que não é de estranhar, pois é mero reflexo de uma crise social bem maior. Assim, numa sociedade onde estão presentes a injustiça, a desigualdade, a miséria, a fome e a falta de liberdade e democracia, (que aqui são caracterizadas como elementos dessa “lei-dura”), é fácil encontrar pessoas que não têm acesso à informação e aos diversos tipos de significados referenciais veiculados pelo livro. (SILVA, 1979, p. 3)

Esse tom mais diretamente combativo caracteriza as temáticas das edições do

congresso realizadas nesse 1º. momento, voltadas, simultaneamente: ao diagnóstico e à

denúncia da crise da leitura e da formação de leitores no Brasil; e à proposição de

alternativas para a democratização da leitura em nosso país, a serem desenvolvidas no

âmbito da escola, da biblioteca e dos movimentos populares.

Observa-se, também, que ao longo desse momento há crescente detalhamento na

formulação dos problemas diagnosticados e denunciados, gerando formulação de subtemas,

que passaram a ser discutidos em grupos de estudo/mini-cursos assim como crescente

ênfase em pontos de vista teóricos e alternativas de ação, relacionados mais diretamente

com o ensino da leitura, em especial o da literatura, e com a educação escolar e, por isso,

envolvendo professores.

Quanto às moções aprovadas nas assembléias de encerramento das edições do

congresso realizadas nesse momento15, nelas se podem ouvir as vozes dos sujeitos

participantes do evento, que, na maioria, eram: professores de língua e literatura do então

ensino de 1º. e 2º. graus e professores universitários; bibliotecários; editores;

representantes sindicais e de movimentos populares.

15 Até o momento, pude localizar, nos anais das diferentes edições do COLE, apenas as moções aprovadas no 3º., 5º. e 8º. COLEs. Presumo que existam moções aprovadas nas demais edições do congresso, mas que foram encaminhadas especificamente nos respectivos seminários temáticos e não se encontram registradas nos anais do COLE.

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No 3º. COLE, foram aprovadas moções de: incentivo a iniciativas de formação

dos profissionais em editoração e dos professores e a criação de bibliotecas para

trabalhadores e estudantes; de repúdio às condições de trabalho do professor e às

publicações facilitadoras para estudantes; de pesar, pelo fechamento do jornal

Movimento16, e de solidariedade a seus editores; de apoio ao Centro de Memória Sindical e

à luta em defesa da autonomia universitária da Unicamp; e solicitação de concessão, por

parte das editoras, de descontos aos sindicatos.

No 5º. COLE, foram aprovadas: moção contrária a projetos assistencialistas de

distribuição gratuita de livros didáticos, em favor da criação de bibliotecas públicas e

escolares e de políticas de educação e leitura para todos; e moção solicitando condições

para que o professor formasse leitores e que a pesquisa sobre leitura não ficasse apenas a

cargo da universidade.

O 2º. momento corresponde ao período de 1989 a 1993, durante o qual se

realizaram do 7º. ao 9º. COLE. Durante esse momento, foram três os presidentes da ALB:

de 1988 a 1989 - professor João Wanderley Geraldi (IEL/Unicamp); de 1990 a 1991,

Ezequiel T. da Silva (FE/Unicamp); e de 1992 a 1993, José E. de Andrade17, cujo mandato

foi concluído pela professora Rute B. de Pontes.

As temáticas das edições do COLE realizadas nesse 2º. momento caracterizam-

se pela ênfase na necessidade de consolidação de conquistas relacionadas com a

democratização da leitura e com a formação de leitores assim como com a ampliação das

possibilidades e das instâncias envolvidas nas discussões e proposições a respeito da leitura.

Como se constata por meio, por exemplo, da organização de grupos de estudos

e mini-cursos durante o evento, intensifica-se, também, a tendência à diversificação de

temas, problemas, pontos de vista teóricos e alternativas de ação relativos à leitura, como

decorrência da necessidade de avanços em relação às conquistas obtidas até então.

Na “Fala de abertura” do 7º. COLE, em 1989, o então presidente da ALB, João

Wanderley Geraldi, assim justifica a necessidade de se “puxarem outros fios”, nas “malhas

da leitura”, em consonância com as especificidades do contexto histórico:

Este nosso 7º. Congresso, realizado no contexto de um tempo difícil, coincide também com um tempo de enfrentamento de desafios: de

16 “O jornal Movimento teve seu primeiro exemplar lançado no dia 7 de julho de 1975. Junto com o jornal Opinião e O Pasquim foi um dos importantes órgãos de imprensa durante a ditadura militar, reunindo diversos setores da intelectualidade brasileira, sendo um dos exemplos do que se chamava na época, imprensa alternativa, tendo como seu principal editor o jornalista Raimundo Pereira.” Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornal_Movimento. 17 Até o momento, não localizei informações sobre o vínculo profissional desse professor e da professora Rute Pontes.

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concretizar sonhos, de decidir políticas, de praticar mudanças. E vivemos em misérias publicas do analfabetismo, de pobreza, de fome, queremos viver também o direito, para a grande maioria de nos pela vez primeira, de escolha e de decisão entre caminhos alternativos a seguir na construção da sociedade brasileira. Um direito da cidadania conquistada a duras penas . E a ele, outros direitos, muitos, a conquistar e, mesmo, a descobrir. “NAS MALHAS DA LEITURA, PUXANDO OTUROS FIOS” há de enfrentar a distância entre a realidade de um país [...] e o sonho da leitura como uma prática social possível a todos os brasileiros. No intervalo entre sonho e realidade, a ação possível vem tornando possível o impossível [...] Este o porquê deste congresso tentar trazer para dentro da pesquisa acadêmica ou para dentro da prática pedagógica a visão daqueles que fazem da produção do que se lê o seu cotidiano, produção que não se limita ao texto verbal, mas que coloca, a cada dia, diferentes objetos de leitura. (GERALDI, 1991)

No 8º. COLE foram aprovadas: moções de protesto contra o esquecimento das

autoridades, de diferentes estados do país, em relação à educação, aos professores e a

projetos inovadores para a escola pública, e contra a insensibilidade do governo federal em

relação à greve dos professores das universidades federais; e moção de apoio às

universidades públicas.

O 3º. momento corresponde ao período de 1997 a 2007, durante o qual se

realizaram do 10º. ao 16º. COLE. De 1995 até 2007, foram dois os presidentes da ALB: de

1995 a 2005, professor Luiz Percival Leme de Britto18; e de 2007 a 2008, professor

Ezequiel T. da Silva.

As temáticas das edições do COLE realizadas nesse 3º. momento caracterizam-

se pela insistência em temas e problemas relativos à leitura e aos discursos sobre a leitura,

relacionadamente ao balanço dos avanços alcançados e dos problemas persistentes nas

discussões e propostas, no âmbito das novas relações entre leitura e sociedade, a fim de

contemplar a multiplicidade de enfoques e de subtemas, que, a partir de então se ampliam e

passam a constituir seminários temáticos, visando a contemplar diferentes aspectos da

educação e da leitura, como, por exemplo, a partir da 10ª. edição, em 1995: letramento,

cultura escrita, inclusão escolar e social, gênero, mídia e educação, educação indígena,

educação de jovens e adultos, educação infantil, educação matemática.

Desse acolhimento da multiplicidade de enfoques e subtemas relacionados com a

leitura, resultou a ênfase, a partir do 11º. COLE, em 1997, nos encontros

18 Até o momento, não localizei informações sobre o vínculo profissional desse professor nos períodos de suas gestões como presidente da ALB.

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internos/seminários temáticos. A partir de então, ampliou-se a parceria do COLE com

organizações representativas dos estudos e ações relativas aos temas dos seminários e, nas

12ª. e 14ª. edições, o COLE abrigou a realização de, respectivamente, duas edições de

COHILILE - Congresso de História do Livro e da Leitura no Brasil.

A organização em seminários é assim justificada nos Anais do 14º. COLE: O Congresso de Leitura do Brasil, desde sua [11ª.] edição, realizada em 1997, se organiza em seminários temáticos de diferentes áreas de Educação, sempre tendo como eixo principal as questões de letramento. Esta forma de organização tem permitido não apenas a ampliação quantitativa e qualitativa da participação do público, assim como alargado as fronteiras do debate, numa perspectiva transdisciplinar, sobre cultura escrita, não o restringindo ao texto literário e à promoção da leitura. Para nós, o letramento é algo característico da educação na sociedade de escrita e compreende as diferentes formas de educar e de organização do espaço público. Tal perspectiva desloca a idéia de que o ensino da leitura deva concentrar-se no texto literário, pois as últimas reflexões sobre Cultura Escrita, Letramento e Educação postulam que a sociedade moderna está perpassada por condições de eventos e situações em que o domínio e o exercício da leitura são necessários. [...] O 14o COLE compreende a 16 congressos simultâneos, cujo ponto de ligação é o debate sobre cultura escrita, conhecimento e formas de participação social. As modificações em relação aos congressos anteriores resultam tanto da expansão dos temas, como do avanço que se tem na compreensão de certas áreas. [...] Para a organização dos seminários, buscamos parceria de organizações representativas [...] Este modo de organização permite a aproximação de diferentes grupos de trabalho e garante a qualidade dos seminários e do congresso como um todo, além de estimular o intercâmbio técnico e científico. O esforço agora é para que os seminários ganhem vida própria e ocorram também em outros espaços independentes do COLE. (14º. COLE, 2003)

Também ampliando a abrangência das novas possibilidades de reflexão e

discussão, a partir da 14ª. edição, em 2003, as temáticas do COLE passam a ser sintetizadas

por meio de versos de poemas de poetas brasileiros contemporâneos, devendo-se destacar

que, na 14ª edição, em 2003, ao lado de versos de Carlos Drummond de Andrade,

apresenta-se um trecho de texto do educador brasileiro Paulo Freire.

Nas palavras de Luiz Percival Leme de Britto, então presidente da ALB: Do ponto de vista do discurso sobre a leitura, encontramos mudanças significativas, as quais, inclusive, resultam em parte de teses levantadas e discutidas nas últimas quatro edições do COLE. Já não se fala tanto em leitura redentora nem se repete tanto a ladainha de que o brasileiro não lê ou não gosta de ler. Enfatiza-se agora, inclusive, nos novos programas oficiais, a questão do acesso à leitura e à educação, compreendidas como ações complementares. Mas é pouco. Por isso, o tema do 14o COLE aponta para o debate social e para as pesquisas que se fazem em letramento, cultura escrita leitura e educação, a necessidade de se considerarem as condições materiais e políticas objetivas em que se dá a formação dos sujeitos e a circulação de valores e da informação. (BRITTO, 2003)

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Essa ampliação de enfoques, subtemas e perspectivas teóricas relativas à leitura

se mantém até esta 17ª. edição do COLE; apesar disso, não tenho certeza sobre a

possibilidade de considerar esta 17º. edição do COLE como parte do 3º. momento. Por esse

motivo e acolhendo reflexões ocorridas no debate que se seguiu à exposição deste texto,

proponho, ainda que provisoriamente, considerá-la como a primeira edição do que poderá

vir a ser compreendido, em futuro próximo, como o 4º momento na história desse

congresso.

Indícios dessa possibilidade são, por exemplo: a organização do congresso em

torno, não mais de seminários, mas de eixos temáticos, que totalizam 21, com destaque

para um desses eixos em que se tematiza a ALB; o fato de uma mulher, a professora

Norma Sandra de Almeida Ferreira, ocupar a presidência da ALB e coordenar a

organização do evento; e os objetivos, formulados para esta 17ª. edição, os quais envolvem

tanto balanço sistemático do congresso, incorporando tendência já iniciada quando da

comemoração dos 25 anos do COLE, em 2003, quanto proposição de moções e sugestões

“[...] que possam contribuir para com o adensamento das políticas de leitura para o país.”

(grifos meus)

3. O COLE, suas temáticas e moções na história da leitura no Brasil

Nas últimas três décadas, o mundo mudou em muitos aspectos. A fertilização in

vitro já não é mais uma novidade, os computadores se tornaram corriqueiros, a Internet

mudou radicalmente processos de leitura e de disseminação de informações de todos os

tipos, inclusive por meio de bibliotecas digitais e de disponibilização de livros em edições

digitais, tendendo a ocupar o espaço do livro impresso e de outros suportes de texto,

contribuindo, decisivamente, para o processo de globalização e mundialização que sucedeu

a queda do Muro de Berlim, em 1989.

No Brasil, a democracia foi-se consolidando, apesar de tudo, e, neste início de

terceiro milênio, a educação se estende a ampla camada da população, as taxas de

analfabetismo tendem a diminuir, encontram-se consolidadas políticas públicas de leitura e

de acesso ao livro, e a democratização da leitura, embora seja um problema sempre atual,

assume outros sentidos em busca de outras conquistas: educação inclusiva para a

cidadania, com acesso de todos ao mundo da cultura escrita, apesar de este ser, ainda, um

país semi-letrado ...

Em 2008, a nova LDB completou 12 anos, a nova Constituição brasileira, 20

anos, e o Partido dos Trabalhadores, 28 anos; a revista Leitura: teoria & prática completou

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27 anos, e o COLE, 30 anos. Ao longo dessas três décadas, este congresso vem sendo

realizado com número sempre crescente de participantes — mais de 5000, nesta 17ª.

edição — e de trabalhos inscritos — mais de 2000, nesta edição —, e foi avaliado como

evento “Qualis A”, pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior.

Como indicam as temáticas e moções apresentadas anteriormente, a

permanência do COLE no tempo pode ser atribuída ao fato de as contribuições desse

congresso não se terem esgotado, em sua interlocução analítico-propositiva com o

movimento histórico relativo à leitura no Brasil.

Este é o aspecto que, dente tantos outros, a proposta de balanço mais

sistemático desta edição propicia compreender: ao longo desses 30 anos, mantendo-se o

tema geral e o objetivo fundantes do COLE , os sentidos da democratização da leitura vêm-

se modificando/ampliando, de forma inter-relacionada com mudanças das condições

políticas, sociais, culturais e educacionais do país e, também, com o correspondente

movimento no âmbito da pesquisa acadêmico-científica sobre leitura.

Ao longo desses 30 anos, constata-se o movimento histórico dos sentidos da

luta pela democratização da leitura: da denúncia da crise da leitura e da luta pela leitura,

como direito de todos por meio da leitura do livro, em especial o literário, em sua

concorrência com a indústria cultural, na década de 1980, à incorporação de novas

linguagens, de novos temas, novos objetos de leitura e novos suportes de texto, de novos

olhares de pesquisadores e de professores, de novas áreas e perspectivas trans- e

interdisciplinares, de novos sujeitos leitores, de novos lugares, novos agentes e novas

instituições responsáveis pela democratização da leitura no Brasil,

Constata-se, sobretudo, o esforço de alargamento e ampliação, a fim de incluir a

diversidade, a fim de propor, para transformar a realidade da leitura no Brasil. Como

decorrência também das proposições desse congresso e da constatação de “crise crônica”,

ao longo das três últimas décadas, a preocupação com a leitura deixou de se restringir à

escola e ao ensino, para ser assumida como política pública, cuja discussão e proposição o

COLE também passou a acolher; deixou de ser exclusividade de professores de português

e de bibliotecários, para ser assumida também por professores de outros componentes

curriculares e por pesquisadores de outras áreas de conhecimento.

Permanecem, porém, o tema geral e o objetivo fundantes desse congresso. E

certamente permanecem, porque as necessidades que moveram a criação do COLE

continuam constantemente repostas, assim como seus idealizadores permanecem à frente

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da ALB e do COLE, diretamente, por meio de participação ativa, ou indiretamente, por

meio dos das novas gerações de professores e pesquisadores que sucedem àqueles e que

foram por eles formados.19

Todas essas considerações podem ser utilizadas para explicar a permanência e

atualidade do COLE, mas certamente não são suficientes. Por ora, podemos contar com as

explicações formuladas pelos que estiveram e/ou estão ativamente envolvidos com o

congresso e com a ALB.

Assim explica, em entrevista ao Jornal da Unicamp e em editorial da revista

virtual Linha mestra, Ezequiel Theodoro da Silva, um dos idealizadores do COLE e

presidente de honra da ALB:

Sugerimos Cole para dar a idéia de colar, ficar para sempre. (SILVA apud CRUZ, 2003) Os organizadores [do 1º. COLE] não podiam imaginar que, 30 anos passados, o COLE viria a se tornar o principal fórum de discussão dos problemas da leitura em nosso país. O espaço deste editorial é pequeno para alistar todos os grandes pensadores nacionais e internacionais que já se apresentaram nos COLEs. Mas, é importante lembrar que algumas vozes que aqui ecoaram, como aquela de Paulo Freire em 1981 ou então a de Jorge Larrosa em 2007 - essas vozes, somadas a centenas de outras, certamente apontaram novos rumos para se pensar a leitura em nosso país. O COLE nunca esteve atrelado a esta ou aquela política governamental; por isso mesmo, o livre-pensar, o debate, a denúncia e a crítica sempre residiram dentro dele através das falas dos expositores. Há quem diga que o COLE construiu uma tradição de qualidade e de bom atendimento aos participantes de todos os pontos do país. Gerou uma certa informalidade que une e aproxima as pessoas, criando laços e redes de interação que permanecem no tempo e supera as distâncias. Quer dizer: ainda que se coloque como um mega-evento dentro do contexto da educação brasileira, o COLE nunca se deixou "profissionalizar" para cair numa impessoalidade ou num ajuntamento de pessoas de diferentes procedências. O congressista não perde o seu estatuto de sujeito ao se inscrever no evento. (SILVA, 2009)

Retomando palavras de presidentes anteriores da ALB, em texto de 2003,

relativo aos 25 anos do COLE, assim explica Norma Sandra de Almeida Ferreira:

19 Podem-se considerar como representativos, dentre muitos outros, dessa permanência de necessidades: a publicação, até os dias atuais, do livro O texto na sala de aula, organizado por Geraldi, editado pela Ática, a partir de 1997; e o lançamento, neste ano, de Escola e leitura: velha crise,novas alternativas, organizado por R. Zilberman e T. Rösing (Global, 2009).

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Nesta luta configura-se o que seria para os Congressos de Leituras sua principal marca de distinção: a educação é sempre um ato político. Uma afirmação que buscava combater a outra em que se entendia a educação como um fenômeno estritamente técnico-pedagógico, portanto, inteiramente autônomo e independente da questão política. E, em companhia desta, uma outra afirmação: a de que a leitura não era apenas domínio de habilidades mentais, mas o ato de ler é, sem dúvida, um forte instrumento de combate à ignorância e alienação. (Ezequiel T. da Silva, 1981). [...] Os primeiros COLEs (1978, 79, 81) vão se configurando como lugar de construção de um trabalho, uma reflexão que não se fazem sozinhos, mas são compartilhados coletivamente; lugar de mobilização e confronto de muitas vozes diversas e, talvez, dispersas, vindas de diferentes regiões do país [...] [...] Se até então, a tônica das discussões, era a insistência de uma crise da leitura, uma inadequação dos leitores e dos formadores de leitores e dos espaços de leitura que precisavam ser superadas pela ação política e pedagógica, em busca de um leitor melhor, mais crítico, mais fluente, mais assíduo na prática, com mais possibilidade de acesso aos livros, um professor melhor “equipado”, melhor formado, uma escola e biblioteca mais aparelhadas, na década de 90, o COLE assume que a insistência neste ponto de vista vem contribuindo para ignorar, desconhecer, ocultar outros modos de inserção dos sujeitos nas formas da cultura, deixando de colocar em pauta que a promoção ou exclusão desta ou daquela leitura estão diretamente envolvidas com questões culturais, políticas, históricas e sociais. [...] Podem dizer que somos teimosos em repetir a cada dois anos a mesma coisa. É uma questão de ênfase: para nós, prevalece a necessidade de lutar pela construção de uma sociedade em que ocorra o efetivo acesso de todos aos bens materiais e culturais que resultam da produção coletiva, ainda que fiquem propriedade de apenas uma parte, como nos coloca Luís Percival Britto, atual [14º.. cole – 2003] presidente da Associação de Leitura do Brasil. (FERREIRA, 2003. Grifos do autor)

Assim explicam vozes, que, citando-se mutuamente e, por vezes, confundindo-

se, compõem certa “voz da ALB”, que se pode “ouvir” no portal eletrônico dessa

associação: No transcorrer de seus 30 anos, o evento conseguiu, além de credibilidade e respeitabilidade (Qualis A – pela CAPES), uma grande projeção nacional no debate da leitura em nosso país, principalmente da leitura escolarizada. (17º. COLE – 30 anos, 2009) Depois de 30 anos de COLE e 27 de revista Leitura: Teoria & Prática, percebemos transformações no panorama cultural brasileiro. No que concerne às práticas de leitura e circulação de impressos, houve um aumento de linhas editoriais e uma multiplicação de instrumentos de formação profissional, de modo que, por hipótese, a divulgação de idéias e opiniões teria encontrado seu espaço. Poderíamos imaginar, até, que já não há novidades a serem ditas no campo da leitura. No entanto, se a

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informação está disponível, o mesmo não se pode dizer do acesso a ela, particularmente da matéria crítica. Grande parte da população não tem condições de usufruir a produção cultural e intelectual do país, seja pela exclusão econômica (agravada com a globalização), seja pela manipulação da informação pelos instrumentos de poder, o que é, também, forma de exclusão. A questão que se coloca não é mais como divulgar e promover a leitura, mas de como garantir o acesso da maioria da população à cultura e à educação. A ALB é um espaço privilegiado de análise e crítica das condições de leitura no país e lugar de luta pela efetiva garantia do exercício da cidadania pela maioria excluída. (ASSOCIAÇÃO DE LEITURA DO BRASIL – História ...)

Certamente são possíveis outras explicações, por outras vozes e de outros

pontos de vistas. Quanto a mim, não arrisco nenhuma explicação definitiva, além das que

aqui já apresentei, indiretamente, e as quais sintetizo com base na seguinte hipótese: a

permanência do COLE se deve ao fato de que as necessidades a que respondia, quando de

sua criação, continuam sendo repostas, sem mudanças profundas de paradigma teórico no

âmbito do ensino de leitura e escrita20, seja porque a crise da leitura tornou-se crônica, seja

porque, em 30 anos, novas gerações chegaram e continuam chegando à cena educacional e

cultural brasileira e atuam juntamente com os antigos protagonistas. A todos eles, o COLE

tem algo a dizer, seja como ênfase do já sabido, seja como apresentação do novo; e todos

eles encontram espaço no COLE, mesmo neste momento histórico em que se constata a

proliferação de eventos acadêmico-científicos em diferentes áreas do conhecimento

correlatas à do COLE..

Por isso, tendo a concordar com um aspecto sempre presente nas explicações

dos diretamente envolvidos na organização do COLE: o congresso “colou” — congregou e

congrega pessoas, temas, propostas. Afinal, uma coisa é um congresso, outra, um

ajuntamento, parodiando o poema “Que país é este?”, de Affonso Romano de Sant’Anna,

um dos homenageados nesta 17ª. edição do COLE.

E “colou” talvez ainda porque, mesmo que “em sobressaltos”, como a vida e a

linguagem, sobre a qual se tece a leitura, o tema geral e o objetivo fundantes do COLE não

se esgotaram, já que, parafraseando Haquira Osakabe, homenageado in memoriam nesta

edição: o acesso ao mundo da escrita é um direito a ser conquistado por todos os sujeitos

em sua história de constituição como tal, em sua luta para sobreviver à crise.

Ou, ainda, “colou” porque, parafraseando Manoel de Barros, autor do poema-

tema desta 17ª edição, os organizadores e participantes do COLE têm sempre buscado

20 Estas últimas três décadas correspondem ao período histórico que, no âmbito do ensino de leitura e escrita no Brasil, denomino “4º. momento crucial”, suja característica hegemônica advém da perspectiva construtivista em alfabetização (Mortatti, 2000).

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“Tirar da natureza as naturalidades/fazer cavalo verde, por exemplo/ Fazer noiva

camponesa voar - como em Chagall”.

Por isso, cabe pensar, também, que o COLE tende a permanecer por muito

tempo, ainda, e, que, por meio da história sintetizada especialmente nas temáticas e nas

moções do congresso, é também possível contar a história da leitura no Brasil e da

pesquisa sobre a leitura no Brasil.

Como não poderia deixar de ser, porém, a história do COLE é marcada por

tensões e contradições, indicativas da complexidade e das contradições mesmas de seu

tema geral e objetivo fundantes, em sua relação com o passado recente e com o presente do

país. Trata-se de uma história sempre conduzida por “&”, não indicativo de mera adição,

oposição ou justaposição, mas indicativo de relação dialética que propõe a síntese da

contradição e da diferença, sem, contudo, desconsiderar nem homogeneizar os diferentes

sujeitos, as diferentes vozes, os diferentes objetivos e as diferentes perspectivas na relação

entre leitura & sociedade. Uma história que não cabe em relatos, nem de eterna repetição

dos mesmos fatos, nem de sucessão linear ou evolutiva desses fatos rumo a um ponto de

culminância no presente, livre de conflitos e resultante apenas da boa-vontade de alguns.

Uma história, portanto, feita de muitas vozes & muitas mãos, que deve também ser contada

por muitas vozes & escrita por muitas mãos.

Por tudo isso, como adverti, o que aqui apresento são apenas apontamentos que,

no diálogo com tantos outros, podem contribuir para a escrita da história do congresso, e,

indiretamente, para a formulação de respostas também a duas outras questões de fundo:

“Para que serve a história?”21; e “Tem tanta coisa, assim, para falar de leitura, para fazer

tanto congresso?”22.

A primeira dessas perguntas se refere à função e “utilidade” da abordagem

histórica; a segunda, à relevância de um “congresso teimoso”, cujo tema parece ser

incompreensivelmente inesgotável, aos olhos de leitores comuns. Ambas condensam o

desafio que proponho e o convite que faço, em público: produzirmos uma história do

COLE, a muitas vozes & muitas mãos.

Esta é minha modesta contribuição nesta mesa. Contribuição de quem

acompanhou a história deste congresso e dela participou mais diretamente, mas também 21 Trata-se de paráfrase da já clássica pergunta “Papa, explique-moi donc à quoi sert l’histoire.” (“Pai, explique-me, pois, para que serve a história.”), feita pelo filho do historiador francês Marc Bloch (1886-1944) e com a qual esse historiador inicia o livro Introdução à História.. (BLOCH, 1997, p.75) 22 Essa foi a pergunta que me fez uma campineira anônima, explicitando sua surpresa, quando, em minha resposta a sua curiosidade, disse-lhe que estava em Campinas para participar de um congresso de leitura que se realizava há 30 anos...

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contribuição de quem estuda a leitura, seu ensino e sua história e de quem considera que

fóruns de discussão como este, do porte deste e com a permanência histórica deste devem

durar no tempo. Contribuição que resulta do esforço de restringir o que a memória,

entusiasmada, quer alargar, de reunir tantos documentos dispersos e com tantas vozes

reclamando atenção; uma contribuição que resulta da compreensão de que a história do

COLE está por ser escrita, porque faz falta.

Trata-se, portanto, de contribuição sujeita a muitos riscos: de abordar o passado

recente e o presente, vividos não somente por mim; de cometer injustiças em relação a

sujeitos dessa história; de ser traída pela inevitável seleção de fatos e de documentos, tão

arbitrária quanto afetiva, apesar do esforço de objetividade.

Mesmo assim, corri o risco maior de apresentar estes apontamentos, esperando

que, como delicadas madeleines proustianas, despertem em tantos outros muitas mais

possibilidades e necessidades. O debate está aberto. A história, também.

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REFERÊNCIAS 1º. COLE – Cadernos de resumos do 1º. COLE, 1978. 14º. COLE. Os seminários do COLE. Anais do 14º. COLE. 2003. Portal ALB. Disponível em: http://www.alb.com.br/anais14/Caprs.html. Consulta em: 07/07/2009. 17º. COLE – 30 anos. 2009. Portal ALB. Disponível em: http://www.alb.com.br/portal/17cole/index.html. Consulta em: 07/07/2009. 17º. COLE – 30 anos. 2009. Portal ALB. Disponível em: http://www.alb.com.br/portal/17cole/index.html. Consulta em: 07/07/2009. ASSOCIAÇÃO DE LEITURA DO BRASIL. Ata da primeira reunião do comitê provisório da Associação de Leitura do Brasil (ALB) – História. Portal ALB. Disponível em: http://www.alb.com.br/portal/entidade/primordios.html. Consulta em: 07/07/2009.

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