educaÇÃo para as mÍdias nas prÁticas escolares de educaÇÃo...

13
EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA FRANCESA ANA ROSA VIDIGAL DOLABELLA (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE). Resumo O presente artigo busca discutir uma experiência de Educação para as Mídias (EAM) desenvolvida a partir das ações do CLEMI – Centre de Liaison entre l´Enseignement et les Médias d´Information (www.clemi.org) durante as atividades realizadas na 19ª. Semana da Imprensa e das Mídias na Escola em Grenoble/França. Tal experiência consiste na apresentação, em forma de exposição comentada para a comunidade escolar (e aberta ao público em geral), de diferentes seqüências de atividades, voltadas para a sensibilização a respeito de estratégias de leitura, referente à mídia imprensa, por grupos de crianças, de 4 a 6 anos de idade – fase inicial da aquisição da leitura e da escrita, em uma escola pública francesa. Nesse sentido, o artigo propõe, em um primeiro momento, compreender o contexto pedagógico em que se inscrevem as propostas do CLEMI, como órgão do Ministério da Educação Nacional na França, responsável pela formação do senso crítico (“prática cidadã pelas mídias”) dos alunos (da Educação Infantil ao Ensino Médio) a partir da EAM, no conjunto do sistema educativo francês. Em um segundo momento, será abordada a questão das práticas sociais de leitura, no que concernem às práticas escolares de letramento, na perpectiva da mediação do professor como “agente de letramento” (KLEIMAN, 2006), e nas implicações da transposição didática (SOARES, 2004) da mídia impressa. Além disso, é proposta, neste artigo, uma reflexão a partir da noção de letramento apresentada em Wells & Chang–Wells (1992), que focaliza, nessa perspectiva, a construção dialógica nas interações em sala de aula, durante eventos de letramento, para a produção do conhecimento. Finalmente, discute–se a produção, resultante das atividades, exposta na apresentação da escola em questão, como uma possibilidade efetiva (ou não) de proposta de EAM na Educação Infantil. A autora é professora no UNI–BH (MG). Participou do PDEE – Capes 2008 na Université Stendhal, Grenoble/França. Palavras-chave: leitura , mídia impressa, mediação. EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA FRANCESA Ana Rosa Vidigal Dolabella 1 Introdução O presente artigo busca discutir uma experiência de Educação para as Mídias (Education aux Médias/ EAM) ou Mídia-Educação, no contexto francês das práticas escolares em classes iniciais de alfabetização, desenvolvida a partir das ações do CLEMI – Centre de Liaison entre l´Enseignement et les Médias d´Information, durante as atividades realizadas na 19ª. Semana da Imprensa e das Mídias de Informação na Escola®.

Upload: duongnhi

Post on 16-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA FRANCESA ANA ROSA VIDIGAL DOLABELLA (CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE). Resumo O presente artigo busca discutir uma experiência de Educação para as Mídias (EAM) desenvolvida a partir das ações do CLEMI – Centre de Liaison entre l´Enseignement et les Médias d´Information (www.clemi.org) durante as atividades realizadas na 19ª. Semana da Imprensa e das Mídias na Escola em Grenoble/França. Tal experiência consiste na apresentação, em forma de exposição comentada para a comunidade escolar (e aberta ao público em geral), de diferentes seqüências de atividades, voltadas para a sensibilização a respeito de estratégias de leitura, referente à mídia imprensa, por grupos de crianças, de 4 a 6 anos de idade – fase inicial da aquisição da leitura e da escrita, em uma escola pública francesa. Nesse sentido, o artigo propõe, em um primeiro momento, compreender o contexto pedagógico em que se inscrevem as propostas do CLEMI, como órgão do Ministério da Educação Nacional na França, responsável pela formação do senso crítico (“prática cidadã pelas mídias”) dos alunos (da Educação Infantil ao Ensino Médio) a partir da EAM, no conjunto do sistema educativo francês. Em um segundo momento, será abordada a questão das práticas sociais de leitura, no que concernem às práticas escolares de letramento, na perpectiva da mediação do professor como “agente de letramento” (KLEIMAN, 2006), e nas implicações da transposição didática (SOARES, 2004) da mídia impressa. Além disso, é proposta, neste artigo, uma reflexão a partir da noção de letramento apresentada em Wells & Chang–Wells (1992), que focaliza, nessa perspectiva, a construção dialógica nas interações em sala de aula, durante eventos de letramento, para a produção do conhecimento. Finalmente, discute–se a produção, resultante das atividades, exposta na apresentação da escola em questão, como uma possibilidade efetiva (ou não) de proposta de EAM na Educação Infantil. A autora é professora no UNI–BH (MG). Participou do PDEE – Capes 2008 na Université Stendhal, Grenoble/França. Palavras-chave: leitura , mídia impressa, mediação.

EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL:

UMA EXPERIÊNCIA FRANCESA

Ana Rosa Vidigal Dolabella1

Introdução

O presente artigo busca discutir uma experiência de Educação para as Mídias

(Education aux Médias/ EAM) ou Mídia-Educação, no contexto francês das práticas

escolares em classes iniciais de alfabetização, desenvolvida a partir das ações do

CLEMI – Centre de Liaison entre l´Enseignement et les Médias d´Information,

durante as atividades realizadas na 19ª. Semana da Imprensa e das Mídias de

Informação na Escola®.

Page 2: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

Tal experiência consiste na apresentação, em forma de exposição comentada para

a comunidade escolar – pais e alunos (e aberta ao público em geral), de diferentes

sequências de atividades, voltadas para a sensibilização a respeito de estratégias

de leitura, referentes à mídia imprensa, por grupos de crianças, de 4 a 6 anos de

idade – fase inicial da aquisição da leitura e da escrita, em uma escola pública

francesa na região de Grenoble/França.

Nesse sentido, o artigo propõe, em um primeiro momento, compreender o contexto

pedagógico em que se inscrevem as propostas do CLEMI, como órgão do Ministério

da Educação Nacional na França, responsável pela formação do senso crítico

(“prática cidadã pelas mídias”) dos alunos (da Educação Infantil ao Ensino Médio) a

partir da EAM (Mídia-Educação), no conjunto do sistema educativo francês.

Em um segundo momento, será abordada a questão das práticas sociais de leitura,

no que concernem às práticas escolares de letramento, na perpectiva da mediação

do professor como “agente de letramento” (KLEIMAN, 2006), e da transposição

didática (SOARES, 2004) da mídia impressa. Além disso, é proposta, neste artigo,

uma reflexão da prática da EAM, a partir da noção de letramento apresentada em

Wells & Chang-Wells (1992), que focaliza, nessa perspectiva, a construção dialógica

nas interações em sala de aula, durante eventos de letramento, para a produção do

conhecimento.

Finalmente, discute-se a produção, resultante das atividades, exposta na

apresentação da escola em questão, como uma possibilidade efetiva (ou não) de

proposta de EAM (Mídia-Educação) na Educação Infantil, na perspectiva do

letramento.

Mídia-Educação no contexto escolar francês

A noção de EAM (Education aux Médias) ou Mídia-Educação, no contexto francês

das práticas escolares em classes iniciais de alfabetização, se baseia no que propõe

o CLEMI, Centro de Ligação entre o Ensino e as Mídias de Informação, relacionado

ao Ministério da Educação Nacional, na França, e atuante, nesse país, desde 1983.

A missão do CLEMI é formar professores para “ensinar aos alunos uma prática

cidadã das mídias”2, ao “promover [...] a

Page 3: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

utilização pluralista dos meios de informação no ensino, a fim de favorecer uma

melhor compreensão pelos alunos do mundo que os rodeia, desenvolvendo

simultaneamente o seu sentido crítico”3. Nesse sentido, a Educação para as Mídias,

promovida

pelo CLEMI, se inscreve no pilar comum de competências e habilidades que os

alunos devem dominar, ao final de sua escolaridade obrigatória, entre elas:

capacidade de argumentação e de espírito crítico; a reflexão sobre ética e sobre

noção de democracia; a autonomia e a iniciativa; e as competências sociais e

cívicas, no que se refere à preparação para a participação na vida cidadã (CLEMI,

2009).

O CLEMI é responsável, prioritariamente, pela formação de professores – inicial ou

continuada – e pela promoção de projetos escolares, em parcerias com escolas e

profissionais da comunicação/mídias, baseados nas diretrizes curriculares

francesas, nos diferentes segmentos de formação do aluno na educação básica - da

educação infantil ao ensino médio – no âmbito da Mídia-Educação (Éducmédias).

Entre esses projetos, a Semana da Impressa e das Mídias de Informação na

Escola® está, neste ano de 2009, em sua 20a. edição.

A cada ano, no mês de março, as escolas francesas de educação básica, dos

segmentos do maternal ao ensino médio, portanto, são convidadas, juntamente

com parceiros da comunicação midiática no país – empresas jornalísticas, etc – a

participar da Semana da Impressa e das Mídias na Escola®. É uma atividade

considerada de educação cívica, facultativa no currículo escolar francês, e que visa

ajudar aos alunos a compreender o sitema das mídias, a formar seu espírito crítico

e a desenvolver o gosto pela atualidade, bem como fortalecer sua identidade cidadã

(CLEMI, 20094). O evento consiste em um

conjunto de atividades pedagógicas, sugeridas aos professores em exercício, pela

equipe do CLEMI (profissionais da Educação ligados CRDP – Centres Régionaux de

Documentation Pédagogique/ Ministério da Educação) que propõe, entre outras,

sequências didáticas de leitura, análise e produção de jornais impressos, televisivos

e radiofônicos nas salas de aula.

A partir do currículo escolar obrigatório do sistema de ensino francês (referidos pelo

CNDP – Centro Nacional de Documentação Pedagógica/ Ministério da Educação

Nacional), no que se refere aos anos iniciais de escolarização (3 a 6 anos), o CLEMI

Page 4: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

propõe parâmetros5 de formação para uma Mídia-Educação baseada na

identificação nos programas

curriculares de dois focos principais: a) a utilização das mídias como suporte

pedagógico (“educação pelas mídias”); e b) o estudo das mídias em si (“educação

para as mídias”). Por meio desses focos, são estabelecidos quatro eixos de leitura:

i) cidadania/compreensão do mundo/ aberturas para uma Educação para as Mídias;

ii) leitura da imagem/ visual; iii) mídias como objetos de estudo; iv) mídias como

documentos ou suportes pedagógicos.

No que concerne, especificamente, aos referentes curriculares da Educação Infantil,

na França, são previstas determinadas habilidades e competências em relação aos

quatro eixos de leitura. Quanto ao primeiro eixo – cidadania/ compreensão do

mundo – articula-se a “educação para o olhar” (p.4):

Descoberta ativa do mundo, descoberta de documentos (impressos ou virtuais) através da mediação do adulto que lê, explica e comenta os textos e as imagens fixas (fotografias, cartazes, livros infantis) ou em movimento (videos, tv e cinema). Primeiramente sensíveis às impressões que textos e imagens produzem, a criança aprende também a percebê-los como documentos. (PACAUD; RIGOTARD, 2006, p. 3-4)

Quanto ao segundo eixo, no qual se baseia a proposta de Educação para as Mídias,

ressalta-se a importância de favorecer a visualização de imagens diversas, e de

favorecer o aprimoramento do olhar da criança, ajudando-a a precisar o que está

vendo. O universo das imagens, que lhe é oferecido, deve fazer sentido para a

criança, a partir da ativação de conhecimentos prévios em relação ao próprio

universo de imagens, repertoriado particularmente por cada criança. Essas

explorações, em torno das imagens variadas, devem conduzir as crianças a

“capitalizar suas experiências visuais e a exercitar sua própria capacidade de

produzir imagens”(p.4). Além disso, espera-se que a criança expresse seus

sentimentos e pensamentos diante de uma imagem, ou uma obra, e escute o que

dizem também as outras crianças. Nesse sentido, reforçam-se os aspectos da

expressão oral e da criação individual.

No que se refere ao terceiro eixo – mídias como objetos de estudo – considera-se

conteúdo programático a descoberta das principais funções sociais da escrita,

passando pela imprensa e também pelos suportes digitais. Finalmente, no eixo que

trata sobre as mídias como suporte pedagógico, ressalta-se o caráter dialógico da

Page 5: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

abordagem da leitura na sala de aula dos anos iniciais de escolarização. Essa leitura

tem como base “diferentes tipos de mídias” (p.4):

Todas essas experiências são fundamentos para debates, tentativas de representação (pelo desenho, pela fotografia), em si mesmas novos objetos de discussão... Elas constituem situações de questionamento sobre o mundo e se tornam, dessa forma, ocasiões de busca de informações (a partir da mediação do professor) [...]. (PACAUD; RIGOTARD, 2006, p.3)

Nas classes de alfabetização (6 e 7 anos), o eixo que se refere à cidadania e

compreensão do mundo focaliza a construção do sujeito em relação a si mesmo e

ao grupo. Como nos anos iniciais de escolaridade, descobrir o mundo continua a ser

o domínio privilegiado da “educação para a curiosidade” (p. 5). Mas a conquista da

leitura e da escrita pela criança, nessa etapa, tem a função de relançar o

questionamento sobre o mundo que rodeia a criança e a conduzir na busca de

novos conhecimentos (p.5). O foco desses conhecimentos, como prevê o programa

curricular nessa fase, deve permitir aos professores “mostrar [às crianças] tanto a

riqueza e a diversidade das culturas do mundo, quanto a unidade da humanidade,

conduzindo-as às primeiras formas de solidariedades que ampliam o horizonte

limitado do grupo” (PACAUD; RIGOTARD, 2006, p. 5).

Espera-se que as crianças, nessa fase, comecem a observar as imagens de forma

mais aprofundada – o que demanda, do professor, a condução de discussões, em

classe, de maneira que as crianças consigam elaborar verbalmente o que propõe a

imagem, a partir do ponto de vista adotado pelo autor (p.5-6). Além de observar

imagens e analisá-las – descrevê-las e compará-las utilizando um vocabulário

apropriado, espera-se que as crianças sejam capazes de produzir suas próprias

imagens, transformá-las e manipulá-las, visando dominar efeitos de sentido (p.6).

No que se refere ao estudo das mídias em si, ressalta-se a importância de

apresentar às crianças documentos de mídias autênticos, assim como considerá-los

em sua função de referência na vida social. Além disso, acredita-se que conhecer

diferentes pontos de vista sobre uma mesma representação pela mídia, é essencial

“para um trabalho de construção do conhecimento” (PACAUD; RIGOTARD, 2006,

p.5), bem como a produção coletiva de documentos manuscritos ou digitalizados

(como um CD, uma página na internet etc).

Letramento, agência e práticas escolarizadas de leitura e escrita

Page 6: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

A partir da proposta de uma Educação para as Mídias no contexto escolar francês

descrito acima, fica claro que, como toda prática escolarizada de leitura e escrita,

torna-se necessário considerar três noções básicas para a produção de saberes na

escola: i) o letramento; ii) o professor como agente de letramento; e iii) a

especificidade da transposição didática6 de textos que são produzidos, recebidos e

que circulam, originariamente, em outras esferas sociais.

Assim, o que chamamos letramento deve ser entendido, neste artigo, a partir da

contribuição de Wells & Chang-Wells (1992): “literacy, understood as the conscious

exploitation of the symbolic potential of language as an instrument for thinking,

provides the means for achieving this intentional control over learning”. (WELLS &

CHANG-WELLS, 1992, p. 99). Nesse sentido, espera-se, para esses autores, que

todo texto seja, necessariamente, uma ocasião de leitura baseada na troca

simbólica realizada pela linguagem, em interação, ou seja, na “aprendizagem

dialógica”. Texto, nessa perspectiva, é considerado como todo artefato que é

construído como uma representação de sentido e que usa um sistema simbólico

convencional7 (WELLS; CHANG-WELLS, 1992, p.145) – ou seja, a leitura, nas

práticas pedagógicas de Educação para as Mídias, pode ser lançada como uma

“ponte”, no sentido bakthiniano, tanto para um texto verbal quanto para um texto

icônico.

Para fazer parte dos eventos de letramento, determinados textos serão, de alguma

forma, “escolhidos” para participar do processo de transposição didática (ou

escolarização), que é inerente às práticas de letramento na escola. Esses textos

devem ser selecionados por atender às demandas sociais de formação do sujeito-

cidadão. Os critérios podem ser baseados na frequência desses textos na vida

social e profissional, ou ainda podem estar baseados na valorização cultural8, que

esses textos assumem nas práticas sociais, por exemplo.

A proposta sugerida para uma Mídia-Educação, na França, se baseia, de acordo

com o conteúdo programático dos segmentos de formação escolar em questão

(educação infantil e classes de alfabetização), em situações em que as crianças

devem expressar pensamentos, sentimentos a partir da leitura de diferentes textos

e imagens. Constituem-se de participações dialógicas do grupo, em que debate,

discussão, e elaboração do pensamento pela verbalização de impressões em

produções coletivas são focalizados no âmbito da sala de aula.

O professor assume, dessa forma, o papel de mediador da construção de

conhecimentos, no âmbito da sala de aula, visando, especificamente, o “letramento

Page 7: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

escolar” (SOARES, 2004, p. 111) a partir de determinadas competências e

habilidades contempladas no conteúdo programático em questão, como: condução

de debates; a “educação para o olhar”; a “educação para a curiosidade”; relançar

questionamentos sobre o mundo a partir de novos conhecimentos construídos, a

cada etapa de escolaridade; conduzir a aprendizagem da oralidade pela

verbalização de impressões, além das habilidades de descrição e análise de textos

verbais e/ou imagéticos na fase escolar observada.

O “lugar”, que assume esse professor, nessa perspectiva, parece próximo ao que

Kleiman nomeia de “agente de letramento” (Kleiman, 2006, p.82): o professor

como agente social, responsável pela inserção dos alunos nas práticas de

letramento escolar. Para o exercício desse papel de “agente social”, ao qual se

refere a autora, acredita-se que “[...]a familiaridade com múltiplas práticas de

letramento é ainda essencial, mas tão importante quanto isso é a capacidade de

mobilização da comunidade de leitores (em formação) com vistas a um objetivo em

comum.” (Kleiman, 20089).

Portas Abertas

“Portas abertas” foi a atividade acompanhada na Escola Maternal Mas-des-Îles10,

em Seyssins, região metropolitana de

Grenoble (/França, em uma manhã letiva de sábado (5/4/2008), para famílias e

crianças, que tinha como objetivo de divulgar o resultado do trabalho desenvolvido

com duas turmas de alunos de 3 a 6 anos, na ocasião da 19a. Semana da Imprensa

e das Mídias de Informação na Escola, promovida pelo CLEMI. O CLEMI foi

convidado pela escola para presenciar o evento. Na ocasião, participou Mireille

Cazeneuve, professora do ensino fundamental II e representante do CLEMI na

região de Grenoble (Isère). Cazeneuve ressaltou que a importância de atividades

escolares como essa, em questão, denominada “Portas abertas”, se mostra

também, nas práticas pedagógicas francesas, como uma oportunidade de

mobilização da comunidade Escola/família, além de favorecer a relação pais/filhos.

Os trabalhos expostos, no evento, buscaram ilustrar um processo desenvolvido em

cinco etapas, correspondentes aos “ateliês” didaticamente apresentados na

exposição, realizado no período de 15 dias. Segundo as professoras responsáveis11,

por opção, as docentes se organizaram de forma a proporcionar as atividades

acadêmicas curriculares voltando-se para os objetivos pedagógicos para cada faixa

etária, de maneira intuitiva no que se refere à EAM, especificamente; portanto, não

Page 8: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

se basearam, efetivamente, nas orientações didáticas do CLEMI para a 19a.

Semana da Impressa e das Mídias na Escola (apenas o “kiosque de jornais”

impressos foi uma atividade ligada diretamente à atuação do CLEMI; uma aquisição

da escola por estar inscrita no programa: os jornais do kioske são enviados por

empresas de comunicação, inscritas como parceiras, da 19a. Semana da Imprensa

na Escola®).

Fig. 1 Cartazes indicam os ateliês desenvolvidos em cada etapa do trabalho com as

mídias na escola

A primeira etapa, mostrada em forma de ateliê intitulado “Nem tudo é livro”12,

consistiu na descoberta (vocabulário) da imprensa pela manipulação de diferentes

publicações presentes na biblioteca da escola.

Figs 2 e 3: Atividades desenvolvidas são apresentadas através de esquemas para

os pais

Page 9: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

O segundo ateliê centrou-se no kiosque de jornais e revistas especificamente,

proporcionado pela 19a. Semana da Imprensa a todas as escolas participantes; foi

intitulado “Descobertas/ leitura: consultar, folhear, ler, descobrir, discutir,

trocar...”13.

Na sequência, o terceiro ateliê propôs atividades de reconhecimento visual pelas

leituras, apresentando às crianças fichas em que constavam os títulos de periódicos

de imprensa. Essa proposta foi realizada em colaboração com a biblioteca da

cidade, o que foi bem ressaltado nos cartazes que ilustravam as atividades desse

ateliê.

Figs. 4 : Nos kiosques, jornais diversos e uma variada publicação para o público

infantil

O quarto ateliê apresentou o “Jogo da vendedora”14, que consistia no levantamento

pela criança da quantia referente ao

preço estampado na primeira página de jornais e revistas, como se fosse comprá-

lo, através de papéis recortados em forma de moedas e notas de diferentes valores

à disposição dos alunos.

Page 10: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

Fig. 5: Fotografias das atividades compõem os cartazes esquemáticos da exposição

A quinta etapa realizada foi a construção de um jornal-revista por grupos de oito

crianças, a partir da questão apresentada pelas professoras: “O que vocês

gostariam de propor ou mesmo de encontrar em uma revista para crianças se

vocês pudessem opinar ou inventar uma?”15

Foi observado que diversos cartazes retratam o processo vivenciado pelos alunos

em cada ateliê, evidenciando as questões propostas pelas professoras e as

reflexões sugeridas a partir das respostas das crianças, também afixadas nos

cartazes.

Fig. 6: A partir do relato das atividades coletivas, são apresentadas as reflexões

dos alunos

Page 11: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

Foi apresentado, em todo atelier, como informação complementar, o grupo etário16

ao qual a atividade se destinava, como

forma de orientação aos pais para a manhã escolar “portas abertas”, e como relato

das experiências anteriormente desenvolvidas na escola.

Fig. 7: Trocas verbais realizadas em sala de aula, durante o trabalho com alunos de

4 a 5 anos

Na ocasião, ressaltou-se também a dificuldade de desenvolver atividades de

Educação para as Mídias com crianças na faixa etária focada – classes de educação

infantil – “pelo tumulto que o processo gera no ambiente escolar, com muita

participação ativa dos alunos, tanto em movimentação física quanto em relação às

trocas verbais”17 (VIE-BAUDUCCO, 2008).

Considerações finais

A experiência de Mídia-Educação, no contexto escolar francês, aqui apresentada,

evidencia, em primeira instância, a efetiva busca de sistematização desse domínio

interdisciplinar – Comunicação e Educação – no conteúdo programático dos anos

iniciais de escolarização. É importante perceber a focalização do desenvolvimento

de competências e habilidades tanto no que se refere ao estudo das mídias, como

metalinguagem, quanto na utilização dessas mídias como suporte para leitura e

produção de textos verbais e/ou imagéticos na escola. As mídias, nessa

perspectiva, são efetivamente meio e mensagem. A ênfase no papel do professor,

como mediador dos debates na classe, em torno da construção de conhecimentos é

evidente nos programas curriculares de proposição da Mídia-Educação,

documentada pelo CLEMI.

Page 12: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

O que foi percebido na experiência francesa descrita é que, além das práticas

escolares realizadas no âmbito da Mídia-Educação, buscou-se divulgá-las na

comunidade como forma de mobilização de pais/alunos, pelos agentes sociais de

letramento escolar, responsáveis pelo processo. Não somente as atividades

realizadas na sala de aula foram expostas - “o que foi feito” - como também foram

consideradas, na exposição “Portas Abertas”, a explanação didática de “como foi

feito”, o que favorece a proximidade dos pais das etapas de produção de

conhecimentos pelas ações e pelas interações entre crianças e professoras. Se um

evento de letramento é construído na interação em sala de aula, a partir de

questionamentos promovidos pela leitura de mundo, que conduz o professor, não

seria diferente no que se refere ao letramento no âmbito do discurso midiático,

apropriado pelas práticas escolares de leitura.

O que caracteriza, assim, a especificidade do evento de letramento em Mídia-

Educação é, de fato, a conscientização do professor na importância da construção

desse tipo de conhecimento para a formação, pela escola, do cidadão inserido em

seu “mundo”, conhecedor de seus diferentes papéis e participante efetivo das

diferentes práticas sociais, nesse mundo que o rodeia, e no qual ele atua. Nesse

sentido, é necessário que o cidadão seja preparado, pela educação formal, para

desenvolver habilidades e competências específicas para essa atuação; e já que

esse desenvolvimento se fundamenta na complexificação do pensamento e da

expressão oral, é possível iniciá-lo nos primeiros passos dessa escolarização.

Referências

CLEMI “qui sommes nous?”. Disponível em http://www.clemi.org/fr/spme/; acessado em 5/7/2009.

KLEIMAN, A . O professor e a leitura – questões de formação. 2008 (no prelo)

KLEIMAN, A . Processos identitários na formação profissional - o professor como agente de letramento. In CORRÊA, Manoel (org.) Ensino de Língua: Letramento e Representações. São Paulo: Mercado de Letras, 2006 (p. 75 a 105).

PACAUD, C.; RIGOTARD, B. Lecture des programmes scolaires sous l’angle de l’éducation aux médias (école primaire, collège, lycées techniques et d’enseignement général). Documentation du CLEMI, 2006.

WELLS, G.; CHANG-WELLS, C. Constructing kowledge together: classrooms as centers of inquiry and literacy.Portsmouth, NH: Heinemann, 1992.

SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org). Letramento no Brasil – reflexões a partir do INAF. São Paulo: Global, 2004 (p. 89 a 103).

Page 13: EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS NAS PRÁTICAS ESCOLARES DE EDUCAÇÃO ...alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/... · No que concerne, especificamente, aos referentes

1A autora é professora no Centro Universitário de Belo Horizonte - UNI-BH (MG). É doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras/Linguística da PUC Minas. Participou do Programa de Doutorado com Estágio no Exterior/ PDEE – Capes 2008 na Université Stendhal, Grenoble/França.

2Disponível em http://www.clemi.org/fr/qui-sommes-nous-/; acessado em 5/07/2009.

3Code de l’Éducation, livre III, chapitre IV, titre Ier articles D.314-99 à D.314-106. Disponível em http://www.clemi.org/fr/portugais/; acessado em 5/07/2009.

4Disponível em http://www.clemi.org/fr/spme/; acessado em 5/7/2009.

5 Dossier produzido pelo Centro de Documentação do CLEMI, em novembre de 2003, publicado em novembre 2006 por C. Pacaud et B. Rigotard.

6“saber a ensinar” (CHEVALLARD, 1997/1991 apud SOARES, 2004).

7“[...] any artifact that is constructed as a representation of meaning using a conventional symbolic system.” (WELLS; CHANG-WELLS, 1992, p.145)

8 A escolha de textos que são produzidos, divulgados e que circulam nas mídias pode ser um dilema, no contexto escolar francês, que valoriza, tradicionalmente, as produções textuais literárias na escola. Talvez seja esse um dos motivos para a existência do CLEMI na França.

9KLEIMAN, A . O professor e a leitura – questões de formação. 2008 (no prelo)

10École Maternelle Mas-des-Iles – 50, rue de la Liberté 38180 Seyssins.

11Isabelle Vie-Bauducco e Isabelle Bussinet, professoras da escola maternal Mas-des-Iles, Seyssins/Grenoble/França.

12“Tout n´est pas livre”!

13“Atelier Découverte/lecture: consulter, feuilleter, lire, découvrir, discuter, échanger...”

14“Jeu de la marchande”

15“Qu'est-ce que vous aimeriez mettre ou trouver dans un magazine pour enfant si vous pouviez donner des idées ou en inventer un?”

16“Petite séction (¾ ans); moyenne séction (4/5 ans); grande séction (5/6 ans)”

17(Vie-Bauducco, 2008; entrevista concedida a esta autora na escola na ocasião do evento)