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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA TECNOLOGIAS A SERVIÇO DO ENSINO POR MEIO DA PESQUISA ENEIDA BACCARO MODONEZI (UNICAMP - FE - LEIA), MARIA DE FÁTIMA GARCIA (UNICAMP). Resumo Este trabalho descreve uma experiência desenvolvida no curso de especialização “Pesquisa e Tecnologia na Formação Docente” ministrado pela Faculdade de Educação da Unicamp aos professores da Rede Municipal de Campinas, SP, durante um ano e meio – perpassando pelo registro de três módulos, duas turmas e três docentes, essas últimas duas delas autoras deste trabalho. O curso traz como diferencial a (des)continuidade de um projeto apoiado pela FAPESP – o projeto “Ciência na Escola”, que, apesar de encerrado há mais de cinco anos, seus princípios foram incorporados à Rede Municipal de Ensino por meio das práticas dos professores, sem que fosse necessária a sua institucionalização – e agora consubstancia–se num curso de pós–graduação. No ano de 2008 foram ministrados os módulos “Desenvolvimento Curricular e Profissional do Professor e a Pesquisa Científica” e, em 2009, o módulo “Novas Tecnologias Aplicadas a Educação”. No decorrer da experiência procurou–se focar na metodologia da pesquisa científica como eixo condutor dos trabalhos dos(as) estudantes–professores(as) desenvolvidos em conjunto com seus alunos e na utilização de ferramentas tecnológicas como blog, fotografia e vídeo documentação/documentário de forma articulada à socialização/catalogação das produções curriculares. A base técnica exigida para o manuseio das ferramentas também foi um aspecto discutido ao longo do curso, pois ao entender o funcionamento das tecnologias, os (as)professores(as) adquiriram autonomia para utilizá–las. Dessa forma, pode–se articular reflexões acerca de currículo e profissionalidade, metodologia de ensino e as tecnologias, ferramentas a serviço da visibilização de conhecimentos produzidos por alunos e professores. Palavras-chave: metodologia da pesquisa científica, ferramentas tecnológicas , autonomia. INTRODUÇÃO Seus olhos ficam embaçados, suas mãos tremem, chegou para ele a hora do adeus. Então ocorre a cerimônia da iniciação: o oleiro velho oferece ao oleiro jovem sua melhor peça. Assim manda a tradição entre os índios do noroeste da América: o artista que se despede entrega a sua obra prima ao artista que se inicia. E o oleiro jovem não guarda esta vasilha perfeita para contemplá-la e admirá-la, senão que a estala contra o solo, a rompe em mil pedacinhos, recolhe os pedacinhos e os mistura em sua argila. Às margens de outro mar, outro oleiro se aposenta em sua idade avançada. (Eduardo Galeano)

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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA TECNOLOGIAS A SERVIÇO DO ENSINO POR MEIO DA PESQUISA ENEIDA BACCARO MODONEZI (UNICAMP - FE - LEIA), MARIA DE FÁTIMA GARCIA (UNICAMP). Resumo Este trabalho descreve uma experiência desenvolvida no curso de especialização “Pesquisa e Tecnologia na Formação Docente” ministrado pela Faculdade de Educação da Unicamp aos professores da Rede Municipal de Campinas, SP, durante um ano e meio – perpassando pelo registro de três módulos, duas turmas e três docentes, essas últimas duas delas autoras deste trabalho. O curso traz como diferencial a (des)continuidade de um projeto apoiado pela FAPESP – o projeto “Ciência na Escola”, que, apesar de encerrado há mais de cinco anos, seus princípios foram incorporados à Rede Municipal de Ensino por meio das práticas dos professores, sem que fosse necessária a sua institucionalização – e agora consubstancia–se num curso de pós–graduação. No ano de 2008 foram ministrados os módulos “Desenvolvimento Curricular e Profissional do Professor e a Pesquisa Científica” e, em 2009, o módulo “Novas Tecnologias Aplicadas a Educação”. No decorrer da experiência procurou–se focar na metodologia da pesquisa científica como eixo condutor dos trabalhos dos(as) estudantes–professores(as) desenvolvidos em conjunto com seus alunos e na utilização de ferramentas tecnológicas como blog, fotografia e vídeo documentação/documentário de forma articulada à socialização/catalogação das produções curriculares. A base técnica exigida para o manuseio das ferramentas também foi um aspecto discutido ao longo do curso, pois ao entender o funcionamento das tecnologias, os (as)professores(as) adquiriram autonomia para utilizá–las. Dessa forma, pode–se articular reflexões acerca de currículo e profissionalidade, metodologia de ensino e as tecnologias, ferramentas a serviço da visibilização de conhecimentos produzidos por alunos e professores. Palavras-chave: metodologia da pesquisa científica, ferramentas tecnológicas , autonomia.

INTRODUÇÃO

Seus olhos ficam embaçados, suas mãos tremem, chegou para ele a hora do adeus. Então ocorre a cerimônia da

iniciação: o oleiro velho oferece ao oleiro jovem sua melhor peça. Assim manda a tradição entre os índios do noroeste da América: o artista que se despede entrega a sua obra

prima ao artista que se inicia. E o oleiro jovem não guarda esta vasilha perfeita para

contemplá-la e admirá-la, senão que a estala contra o solo, a rompe em mil pedacinhos, recolhe os pedacinhos e os

mistura em sua argila. Às margens de outro mar, outro oleiro se aposenta em sua

idade avançada. (Eduardo Galeano)

Professores quando buscam cursos de formação têm, basicamente, dois objetivos não excludentes entre si: desenvolvimento profissional ou titulação, a última com vistas à ascensão na carreira profissional. Porém, o segundo se descolado do primeiro pode representar dor, peso e sofrimento. Cursos de especialização, normalmente, exigem muito dos alunos em horas de estudo, pesquisas, articulação com a prática, produção intelectual, sem que se possa relegar a segundo plano o trabalho cotidiano junto à escola, que lhes exige força física e intelectual. O que caracteriza um curso de formação como “bom” ou “excelente” aos professores, que saem literalmente de sua sala de aula para a sala de aula do curso de pós-gradução, com intervalo de tempo apenas de desclocamento entre a escola e a universidade? Difícil afirmar, pois as variáveis são imensas, mas queremos neste artigo nos arriscar a relacionar o aspecto da Identificação (de concepções, epistemologia, metodologia, valores, aspectos éticos, respeito aos saberes e valorização profissional do professor) com a prática. E essa identificação se constitui pela percepção de continuidade da sala de aula da educação básica que se articula e se integra aos aspectos teórico-filosófico-metodológicos do curso de pós-graduação. Saberes respeitados, ampliados. Professores trazem tudo de suas práticas. Encontram-se com outros professores. Com as teorias. Articulam seus saberes e seus não-saberes. Sim, pois, os cursos de formação devem avançar e lhes trazer o novo, surpreendê-los. Fazê-los desejar. Se houver desejo poderá haver necessidade de compartilhar com seus alunos que estão como pássaros no ninho à espera da refeição a ser trazida por seus pais que saíram em busca de. A novidade é o alimento que sustenta a necessidade de se ir em busca. Professores formadores e formandos não são diferentes como se imagina, principalmente se tomarmos como referência o olhar da academia. Lidam com o mesmo objeto: o conhecimento. Enfrentam os mesmos problemas, principalmente se forem de escola e de universidade pública como as greves. Almejam a transformação da sociedade e são conhecedores de seu papel político nessa transformação. Professores metamorfoseiam-se em alunos quando sentam-se no lado oposto à mesa do professor. Gostamos disso pelo que representa: o colocar-se no lugar do outro. Esse deslocamento geográfico do professor na sala de aula traz-lhe a reflexão de como ele(a) ensina e como lhe ensinam; como ele(a) aprende e de como seus alunos aprendem. Sentir as dificuldades e alegrias próprias do processo de aprender pode levá-lo para além do curso, à depuração de sua própria prática no cotidiano com seus alunos. É importante frisar que as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), devido ao seu processo de mudanças acelerado, permite ao professor-formador perceber com maior clareza questões relacionadas à aprendizagem e ao ensino, bem como à multiplicidade

envolvida nesses processos. Isso se deve à característica própria da informática: a objetividade. Porém, é na subjetividade de professor em formação que essa multiplicidade mais se manifesta. Ousamos afirmar que as ferramentas, a finalidade das mesmas, o processo reflexivo, a didática e a metodologia se enredam e geram outras tantas conexões impossíveis de se quantificar. Neste relato de experiência produzido a partir da vivência como professoras-formadoras do módulo “Novas Tecnologias Aplicadas à Educação”, desenvolvido no curso de especialização “Pesquisa e Tecnologia na Formação Docente” apresentamos reflexões a partir das produções realizadas tanto pelos estudantes-professores quanto pelos alunos da educação básica, a partir dos conhecimentos mediados por seus professores imediatamente após as aulas do módulo. Vale ressaltar que esse curso representa a culminância de um projeto finalizado no ano de 2002, o projeto “Ciência na Escola”, que, apesar de concluído, suas ideias, princípios e objetivos permeiam a prática de professores da Rede Municipal de Campinas. É para esses professores, que se identificam com o ensino por meio da pesquisa, que o curso foi oferecido. 1. Somos todos professores ou, de como nos vemos no ofício da docência O curso foi planejado objetivando apresentar as ferramentas tecnológicas aos professores, tais como blog1, História em Quadrinhos2, software Hagáquê3, noções de fotografia, de vídeo documentação e documentário para que eles, utilizando os temas das pesquisas realizadas com e pelos alunos na escola, as aplicassem como instrumento de coleta de dados – no caso do vídeo e da fotografia – ou como depositário de resultados, observações, pensamentos e demais atividades desenvolvidas com ou sem os alunos – no caso do blog, ou ainda, como um recurso para se trabalhar a leitura (nas séries iniciais do ensino fundamental), dentre outros usos que se pudessem fazer. A História em Quadrinhos (HQ) a seguir (Figura 1), é o primeiro exemplo disso: produzida por dois estudantes-professores do curso nos permite visualizar os pontos comuns entre a docência na educação básica e docência da formação de professores na educação superior. Ao mesmo tempo a narrativa nos mostra o cansaço, os horários apertados, a falta de tempo até mesmo para a alimentação nos intervalos entre o trabalho e o curso. Essa HQ nos mostra como “o olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê” o trabalho docente. Em nossas práticas de professores-formadores precisamos transver a pedagogia e articulá-la às nossas vidas de professores formandos e formadores, sob pena de os cursos de formação não guardarem nenhum significado para aqueles a quem se destinam.

1. BLOG é um diário online no qual você publica histórias, idéias ou imagens. 2. As Histórias em Quadrinhos são enredos narrados quadro a quadro por meio de desenhos e textos que utilizam o discurso direto, característico da língua falada. 3. HagáQuê é um editor de histórias em quadrinhos digital com fins pedagógicos.

Anexo 1 Figura 1: História em Quadrinhos (HQ) produzida pelos estudantes-

professores durante o curso. Os autores da HQ mostram a dinâmica das duas salas de aula. Nos quadrinhos 3, 4, 5 e 6 a movimentação das crianças pelo espaço da sala é perceptível bem como a tentativa do professor de fazê-las se acomodarem para que possam ouvir e assim, a aula prosseguir. Percebe-se uma alegria descontraída dos alunos, revelando a confiança que depositam no professor, talvez, uma certa cumplicidade, que lhes permite que se manifestem. O silêncio exigido é aquele necessário para que, ao ouvir as explicações, mais vozes - qualitativamente melhores - se manifestem sob a forma de argumentos e ou questionamentos como produto da atividade mental pois, de acordo com Arroyo (Arroyo, 2000):

...formamo-nos como sujeitos sociais e culturais situados, colados a um lugar, a um espaço e tempo, a práticas concretas. (...) O que levamos de tantas horas vividas na escola? (...) Levamos mentalidades, valores e auto-imagens. Levamos pensamentos materializados em forma de pensar. Não apenas conhecimentos abstratos, mas conhecimentos materializados em forma de conhecer. Levamos sentimentos do mundo, da sociedade e do ser humano materializados em forma de sentir (p.112).

Porém, esse possibilitar da atividade mental não exime o professor do cansaço físico, sintoma de um trabalho no qual seu corpo se envolve na dinâmica da sala de aula, encontra-se, no trânsito caótico e nevrálgico da cidade, com outros tantos corpos de trabalhadores exaustos após um dia de trabalho ou, como afirma Cardoso Jr (Cardoso Jr , 2007):

O encontro entre corpos sempre gera transformações incorporais, pois é toda uma realidade que se transforma”, (...), pois, “um sintoma é eminentemente coletivo, social, habitante de uma matilha, conectado à multidão,

(...), o sintoma de um corpo funciona às vezes como protesto, como denúncia de uma problemática social e coletiva, ou seja, não é só um agenciamento individual e egóico, é um ecossistema (p.274). (Grifos nossos).

O dia continua e articula-se a outro espaço - o da formação, proporcionada no curso da pós-graduação (Quadrinho n. 19). Ali também o movimentar-se dos alunos, a cartografia da sala de aula isto é, “a localização espacial ocupada pelos sujeitos-alunos e professor, como elemento que compõe as relações no processo ensino-aprendizagem” (Amaral, 2007), a aula em processo, a produção de conhecimentos, as dúvidas, a ansiedade de apre(e)nder a novidade para levar à escola e aos alunos, tudo isso mostra uma similaridade da docência da escola básica com a docência do ensino superior. E é nesse contexto que as identificações com o curso vão sendo produzidas, ou não, o que dependerá muito da profissionalidade dos que estão à frente dos centros de formação. 2. A importância de se rever o ponto de partida para se transver a continuidade Mesmo tendo tido contato com informática anteriormente, evidenciou-se que alguns membros do grupo pareciam não entender princípios básicos como organizar arquivos em pastas, salvar cópias de back up ou até entender o significado relativo às extensões dos arquivos - que permite ao usuário perceber se se trata de um vídeo, um arquivo de texto ou uma foto. Os estudantes-professores faziam uso do computador a partir da tentativa e erro, mas não com consciência do potencial do mesmo. Da mesma forma que a “alfabetização tecnológica do professor”4, proposta por Sampaio e Leite (1999), o curso foi iniciado com o denominado “Minicurso de Informática” que, certamente, sanou muitas dificuldades e possibilitou ao grupo entender por que e como utilizar o computador para facilitar o armazenamento e a organização dos dados informatizados. Depoimentos espontâneos de alguns estudantes-professores(as) colhidos na interação com os mesmos durante as aulas mostraram que eles(as) utilizavam o computador “sem saber se o que estavam fazendo ia dar certo” ou “achavam que haviam perdido um arquivo por pensarem que ele estava em uma pasta, mas na verdade estava em outra” (Registros de aula das professoras-formadoras). Essa fase inicial, ou ponto de partida, envolveu atendimento e acompanhamento individual por nossa parte, professoras-formadoras, aos cursistas. O fato de a classe (com 38 pessoas) ter sido organizada para o trabalho (permanente) em duplas, por computador, contribuiu imensamente para o desenvolvimento do grupo como um todo. A mediação do colega mostrou-se fundamental,

possibilitando interações qualitativas e liberando-nos para atender às necessidades mais urgentes que se apresentavam. Importante frisar que, ao atender uma dúvida de um professor em dificuldade com o uso da tecnologia, o tempo é um fator que pode estar a favor ou contra o sucesso da aprendizagem. Nem sempre as dúvidas são resolvidas em poucos minutos. Muitas vezes é necessário sentar ao lado, explicar, refazer caminhos de raciocínio, achar a solução..., embora em diversos momentos nem os professores-formadores sejam possuidores da resposta. Esta terá que ser encontrada posteriormente, buscada em outros espaços virtuais, ou até na melhor compreensão da ferramenta em uso. Porém, essa consciência tanto em relação ao tempo de aprendizagem conjugada ao tempo de ensino como sendo um dos fatores determinantes de uma aprendizagem verdadeira e de um ensino sincero, acabam por constituir um dos pilares de excelência e de identificação dos estudantes-professores com o curso. Esses momentos, como já dito anteriormente, lhes incitam à reflexão: como seus professores lhes ensinam, como gostam que lhes ensinem, como aprendem (ou como recebem esse ensino), como eles, no exercício da profissão, ensinam seus alunos e como seus alunos aprendem. Outro aspecto importante é a desconstrução na prática, de um paradigma tão criticado, mas ainda tão vigente nas escolas, a do professor como dono-do-saber. Nas aulas de tecnologia, sempre haverá algo que os professores não têm domínio. A causa disso é a extrema rapidez com que os artefatos tecnológicos atualizam-se, incorporam novas linguagem, novos códigos, novas convergências entre as mídias. Haverá sempre a possibilidade de um aluno bem jovem dominar um aspecto desconhecido pelo professor. E, diferentemente, dos outros campos do conhecimento a objetividade da informática possibilita mostrar a concepção do professor frente a seus alunos. Ao professor autoritário caberá a metáfora de “o rei está nu” e ao professor líder e orientador das aprendizagens a alegria de compartilhar descobertas possibilitando o fortalecimento dos estudantes na busca de novos conhecimentos. 4. Em 1993, o Grupo de pesquisa em Tecnologia Educacional da UFRJ (do qual faziam parte as autoras SAMPAIO e LEITE), a partir de uma pesquisa sobre a utilização das tecnologias nas escolas públicas do RJ, percebeu que elas requeriam alguns conhecimentos por parte dos professores e passou então a discutir o termo “alfabetização tecnológica do professor”. 3. A coerência entre os módulos confere coesão ao curso como um todo Se entendermos um curso de especialização como um grande texto em construção, devemos atentar à significação da Coerência e

da Coesão, vistas como elementos que conectam aspectos pedagógicos, epistemológicos, subjetividades dentre outros. Portanto, balizados por essa preocupação, o módulo “Novas Tecnologias Aplicadas à Educação” deveria estabelecer a conexão com as outras disciplinas do curso trabalhadas até então, principalmente aquelas dos módulos Pesquisa Científica I e II, Desenvolvimento Curricular e Profissional Docente, ministradas nos semestres imediatamente anteriores. Para isso, leituras e bibliografias consultadas pelos estudantes-professores(as) deveriam ser revistas para que se pudesse articular às práticas e continuar seu desenvolvimento na nova disciplina em curso, porém, tendo as tecnologias como uma ferramenta visibilizadora dos trabalhos desenvolvidos, ora pelos estudantes-professores(as), ora por seus alunos na escola. Essa foi a maneira encontrada por nós, docentes Maria de Fátima e Eneida, para que o curso guardasse coesão e coerência entre seus módulos, ao mesmo tempo em que a teoria fizesse sentido em relação à prática que se constituía no uso das tecnologias. Trazemos a seguir um recorte da postagem do blog de uma dupla de professoras, produzido a partir da formação. Nele podemos ver a articulação da vivência no curso com a sala de aula onde trabalham. Projetos paralelos foi o nome sugestivamente escolhido pelos adolescentes, seus alunos:

Anexo 2

Figura 2 - Blog das estudantes-professoras: Informação acerca do contexto de sua formação e a vinculação desta com a formação dos

alunos. Parafraseando Deleuze e Guattari (Deleuze e Guattari, 1996), podemos afirmar que nos cursos de formação também “há linhas de articulação, ou segmentaridade, estratos, territorialidades”, como fica evidenciado na Figura 2: “Expliquei aos alunos sobre o curso de Especialização: A Pesquisa e a Tecnologia com instrumento Pedagógico e que eu gostaria de aplicar o aprendizado adquirido em tecnologia”. Porém, ao mesmo tempo em que as aprendizagens do curso de formação se articulam às práticas de aprendizagem dos alunos imediatamente apresentam-se “linhas de fuga, movimentos de desterritorialização e desestratificação” como podemos perceber na seqüência “Gostaram da idéia de trabalhar/criar um blog para ser utilizado como extensão dos trabalhos escolares”. Ou seja, imediatamente os alunos promovem um movimento que os leva a se desterritorializarem e logo reterritorializarem-se em outro espaço. Isso pode ser visto na página seguinte do mesmo blog, visualizado na Figura 3.

Anexo 3 Figura 3- Início do blog dos alunos

Ao possibilitar a conexão do curso com a sala de aula, imediatamente, criam-se zonas de desterritorialização. A princípio, cinco grupos, cada qual incumbido de trabalhar um aspecto de uma grande temática de pesquisa em Saúde-Educação, relacionada à bulimia/anorexia, logo ganham autonomia, promovem a ramificação dos conhecimentos, criam outras conexões. Ao utilizarem procedimentos metodológicos de caráter científico conferem o rigor necessário às suas aprendizagens: assim, promovem outros encontros ao entrevistarem profissionais ligados à temática de interesse; Adentram outros espaços de conhecimento: a biblioteca municipal; Entrevistam seus colegas, outros alunos e professores; Percebemos aqui também um outro aspecto; “A temática interessou bastante”. Com certeza, a novidade tecnológica, ferramenta-blog, foi motivadora, porém, o que é uma ferramenta sem finalidade? Para quê serve um blog se não houver conhecimentos a serem ali depositados? 4. Das ferramentas tecnológicas na educação: blogs, fotografia, vídeos... Pierre Levy (Pierre Levy, 2009) em sua obra “O que é o Virtual?” lança a seus leitores uma pergunta: “De onde vêm as ferramentas?” E responde em seguida, como transcremos aqui:

Primeiro (nas ferramentas), uma função física ou mental dos seres vivos (bater, pegar, caminhar, voar, calcular) é identificada. Depois, essas funções são separadas de um agregado particular de ossos, carne e neurônios. Assim, elas são separadas, ao mesmo tempo de uma experiência interior, subjetiva. A função abstrata é materializada sob outras formas que não o gesto habitual. O corpo nu é substituído por dispositivos híbridos, outros suportes: o martelo para a batida; a armadilha ou o anzol para a captura; as asas de avião para o vôo; a régua de cálculo para as operações matemáticas (...) Graças a essa materialização, o privado torna-se público, partilhado (...) a fim de utilizar uma ferramenta, deve-se aprender gestos, adquirir reflexos, recompor uma identidade mental e física. (p.71)

O caso dos alunos ilustra bem o processo de ‘recomposição dessa identidade física e mental’, como vemos neste trecho mostrado na Figura 4: “Surgiu então a ideia de criarmos um “desenho personalizado” para nos identificar. Como primeira atividade colocar

estes com suas características, seus perfis: nome, projetos futuros, quem somos etc”. O grupo de alunos cria então, seu próprio endereço virtual: “Endereço: http://9anoprojetosparalelos.blogspot.com/”. Aqui, de forma evidente, temos a efetivação da desterritorialização. É neste novo broto-blog que os alunos postarão seus conhecimentos, analisarão seu percurso intelectual, ensaiarão a autonomia, se abrirão ao mundo virtual e real.

Anexo 4

Figura 4 – Blog produzido pelos alunos do 9º. Ano ...É também por meio deste blog que eles promoveram uma extensão da sala de aula, propiciada pela tecnologia. Essa extensão se manifesta pelos estudos desenvolvidos em casa, na biblioteca, em outros espaços, mas faz conexão com aprendizagens de outros professores, colegas de sua professora, também em formação. A Figura 5 nos mostra um blog de outra dupla de professoras do curso quando estas, em aula sobre técnicas de fotografar, saíram em exercício do olhar pela Unicamp a capturar imagens e sentidos. Olhares Nômades foi o nome dado pelo grupo composto por nós, professoras-formadoras e nossos estudantes-professores(as) para a vivência de aprender a arte/técnica/olhar da fotografia. Assim, vemos a fotografia, o blog, o processo de estudo dos alunos adolescentes e de seus professores formando conexões e heterogeneidades, de acordo com Deleuze e Guatari (Deleuze e Guatari, 1996):

Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem (...) No rizoma ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um traço linguístico: cadeias semióticas de toda natureza são aí conectadas a modos de codificação muito diversos, cadeias biológicas, políticas, econômicas (p.15).

Vejamos a partir do blog de outra dupla de professores, na Figura 5, como os mesmos ‘sensibilizaram’ essa experiência no interior do curso de formação promovendo novos agenciamentos:

Anexo 5

Figura 5 – Recorte do blog dos professores Robney e Mariângela em http://robemari.blogspot.com/2009_05_01_archive.html

Ao se desterritorializar a aula, saindo os(as) estudantes-professores(as) a campo, essas retas, curvas e contornos narradas

no blog da Figura 6 foram constatadas pelos olhares dos professores e eternizados pelas lentes da objetiva, como podemos ver nos recortes do mesmo, nas imagens capturadas na arquitetura e espaços dos prédios da Universidade, como vê-se a seguir:

Anexo 6 Figura 6 - Olhares Nômades pela UNICAMP

Manguel (Manguel, 2008) em uma bela passagem de seu livro “Lendo Imagens”, ao narrar uma experiência por ele vivida, nos ajuda a pensar as imagens capturadas pelos estudantes-professores em seus “Olhares Nômades” pelos (entre) espaços da instituição UNICAMP:

Caminho por um museu, vejo pinturas, fotografias, esculturas, instalações e telas de vídeo. Tento compreender o que vejo e ler as imagens segundo esse entendimento, mas os fios narrativos que levam às imagens não param de se entrecruzar: a história sugerida pelo título da obra, a história de como a obra veio a existir, a história de seu criador e a minha própria história. E me pergunto até que ponto posso associar ou dissociar as imagens de sua fonte ou das circunstâncias de sua criação.

A fotografia faz rizoma com o vídeo, seja ele para documentação ou documentário. Tanto a fotografia quando o vídeo promovem um decalque no blog, possibilitam reflexões acerca da prática. Possibilitam a que a Educação Menor (Gallo, 2008) seja tornada pública, partilhada. O vídeo enxerga onde geralmente ninguém vê, visibiliza o currículo, a escola, o trabalho do(a) professor(a) e dos alunos e é uma ferramenta que promove a interseção entre a educação e a comunicação, a chamada por Soares (Soares, 2002) de educomunicação5. Percebe-se que aqui estamos nos referindo mais ao vídeo produzido pelos alunos do que pelo vídeo consumido pelos mesmos. Não somos contrários a este, porém, defendemos a autoria da produção cujo consumo dar-se-á no mesmo grupo social onde foi realizado, assim como Enzensberger (Enzensberger, 2003) que defende emancipação, na qual os atuais receptores do processo de comunicação se tornem emissores. Para o autor o maior potencial das mídias não está em apenas informar, mas sim em mobilizar. Dessa forma o vídeo pode ser tido como: “organizador (es) de ambientes de aprendizagem em que os alunos são encorajados a resolver situações-problema (...) ao mesmo tempo em que o professor os convida a refletir sobre o seu pensar (pensamento reflexivo); neste caso o ensino estará sendo inovador

(Belloni, 2002). Os comentários, fruto da leitura da estudante-professora evidencia o potencial do vídeo, a partir da leitura feita, exigência da disciplina em curso:

Anexo 7 Figura 7 – Recorte do Blog da estudante-professora Simone e Andreia

5. No artigo ‘A ECA/USP e a Educomunicação: a consolidação de um conceito em dezoito anos de trabalho’ de Ismar de Oliveira Soares, publicado na Edição n.2 - maio/ago 2007 da Revista Comunicação e Educação. 5. Considerações Interrompemos este texto, porém não o encerramos. Texto significa tessitura e, ao longo do tempo, das práticas e dos encontros continuamos tecendo, articulando ideias formando novas conexões rizomáticas, colocando ideias em outros textos que continuarão a partir deste. As tecnologias também não param de se multiplicar em novas ferramentas que poderão ser trazidas à educação. Assim, muitos desses recursos serão apreendidos por nós e os levaremos a outros professores(as), que por sua vez levarão a outras crianças e adolescentes, seus novos alunos. Ao concluir este artigo não podemos prever o seu alcance geográfico ou intelectual. Tal como uma pipa, o lançamos ao vento das interpretações, quiçás, as ideias e práticas aqui delineadas possam contribuir para novos brotos e produção de novas segmentaridades outras linhas de fuga. 6. Referências Bibliográficas AMARAL, Sandra Regina de Freitas. Cartografias da Sala de Aula: Currículo, Sucesso e Fracasso Escolar”. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Faculdades Network. 2007. Nova Odessa, SP. ARROYO, Miguel. Ofício de Mestre: Imagens e Auto-imagens. Editora Vozes, Petrópolis, 2000. BELLONI, Maria Luiza (Org). A Formação na Sociedade do Espetáculo. Edições Loyola. São Paulo, 2002. CARDOSO JR Hélio Rabello. Inconsciente-multiplicidade: Conceito, problemas e práticas segundo Deleuze e Guattari. Editora UNESP. São Paulo, 2007. DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1 Trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Ed. 34. 1995 ENZENSBERGER, Hans Magnus. Elementos para uma teoria dos meios de comunicação. São Paulo: Conrad, 2003 GALLO, Sílvio. Deleuze & a Educação. Coleção Pensadores e a Educação. Autêntica. Belo Horizonte, 2008. LÉVY, Pierre. O que é o Virtual? Editora 34, São Paulo, 1996.

MANGUEL, A. Lendo Imagens. Companhia das Letras. São Paulo, 2008. MARINHO Elyssa Soares. Histórias em Quadrinhos: a oralidade em sua construção. http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno12-11.html em, 08/08/2009. MODONEZI, Eneida Baccaro. O Vídeo como Instrumento de Pesquisa para alunos de 5ª. Série. Dissertação de Mestrado. UNICAMP, Campinas, 2008. SAMPAIO, Marisa N. & LEITE, Lígia S. Alfabetização tecnológica do professor. Petrópolis: Vozes. 1999. SOARES, Ismar de Oliveira. Gestão comunicativa e educação: Caminhos da educomunicação. In: Revista Comunicação e Educação. São Paulo, 2002

Anexo 1 – Figura 1

PROFESSOR DEGA EM: SOMOS TODOS IGUAIS...

   

 

 

 

   

     

    

    

 

 

 

 

 

 

Anexo 6 – Figura 6