gestão da mudança - fundamentação teórica

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ENAP – ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SEMINÁRIO DE GESTÃO DE MUDANÇA Facilitador – Ruy de Alencar Matos Psicólogo Organizacional e Mestre em Ciência Política 1 SEMINÁRIO DE GESTÃO DE MUDANÇA Fundamentação Teórica 1. COMPREENDENDO A ESTRUTURA E A DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES ....p. 03 2. LIDERANÇA E MUDANÇA .....................................................................................p. 13 3. EXERCITANDO MUDANÇAS DE SEGUNDA ORDEM..........................................p. 17 4. ORGANIZAÇÕES EM MUDANÇA...........................................................................p.19 5. O FENÔMENO DA RESISTÊNCIA À MUDANÇA.................................................. p. 43 6. AVALIANDO MUDANÇAS VIVIDAS....................................................................... p. 47

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SEMINÁRIODEGESTÃODEMUDANÇAFundamentação Teórica

1. COMPREENDENDO A ESTRUTURA E A DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES ....p. 03

2. LIDERANÇA E MUDANÇA .....................................................................................p. 13

3. EXERCITANDO MUDANÇAS DE SEGUNDA ORDEM..........................................p. 17

4. ORGANIZAÇÕES EM MUDANÇA...........................................................................p.19

5. O FENÔMENO DA RESISTÊNCIA À MUDANÇA.................................................. p. 43

6. AVALIANDO MUDANÇAS VIVIDAS....................................................................... p. 47

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1. COMPREENDENDO A ESTRUTURA E A DINÂMICA DAS ORGANIZAÇÕES

Texto extraído do livro (e-book) Liderança Cidadã, um novo modelo de liderança nas organizações. Ruy A. Matos. Ed. Amazon.com.br - 2015)

Sinergia x Entropia

A Organização, à semelhança dos demais sistemas complexos, encontra-se sujeita a duas tendências antagônicas: a entropia (deterioração, desagregação, envelhecimento) e a sinergia (integração, cooperação, renovação).

Para que a Organização se desenvolva continuamente é fundamental que seus gestores criem e mantenham condições estruturais, legais, técnicas, políticas, econômicas e culturais que, de um lado, enfraqueçam os fatores entrópicos ou os mantenham sob controle e, de outro lado, mobilizem e ampliem os fatores da sinergia.

A entropia é a expressão da segunda lei da termodinâmica, segundo a qual todo sistema tende ao zero absoluto, isto é, à sua desorganização. No contexto organizacional, são exemplos de entropia, o desgaste dos recursos materiais (instalações, equipamentos, materiais de consumo), a desmotivação, a desatualização, a rotatividade e a aposentadoria do pessoal, a desvalorização dos recursos financeiros, o desperdício de energia, entre inúmeros outros.

Diante de ameaças constantes de entropia, há organizações que se mantêm alertas, enfrentando, com vigor e criatividade, esse processo de “envelhecimento” do sistema, investindo continuamente em inovação tecnológica, em programas de economia de tempo, de materiais, em promoção da competência humana, entre outras medidas.

Podemos dizer que os gestores de tais Organizações fazem do pensamento estratégico a base do seu trabalho, não se deixando prender em amarras e rituais da “burocracia”. Percebem, que, ao lado do esforço produtivo, precisam promover a integração interna e manter o processo de atualização contínua de conhecimentos, para atender às demandas da sociedade, com prontidão e qualidade.

Uma Organização em processo de desenvolvimento caracteriza-se pela flexibilidade estrutural e pelo máximo uso dos talentos humanos, seja em forma de tecnologia (equipamentos, modos de produção) ou de cultura (valores, crenças, comportamentos), uma vez que a inovação tecnológica não pode coexistir por muito tempo com o atraso cultural e vice-versa.

Uma ação permanente de desenvolvimento, que precisa ser mantida por seus gestores, é o combate à exuberância irracional da especialização e da hierarquia, que nasce do comportamento de defesa territorialista. Se esta tendência não for bem administrada, conduzirá à exagerada segmentação de funções e de setores, criando ruídos e bloqueios nos fluxos de comunicação e de decisão, em prejuízo da agilidade e da qualidade requeridas no atendimento às demandas da sociedade.

Tal fragmentação decorre da má gestão de uma das dimensões da dinâmica organizacional: a articulação, que constitui o complemento da especialização. Quando os gestores enfatizam apenas a especialização de funções e setores, sem a integração ou articulação que deveria ocorrer concomitantemente, eles criam torres ou ilhas de especialistas. Ao perderem a visão sistêmica, estes se tornam defensores de seus espaços de poder e de conhecimento, passando a combater as demais funções e setores, transformadas em adversárias, assumindo assim, um claro comportamento etnocêntrico.

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TRABALHO EM GRUPO 1 – Sinergia X Entropia

1. Analisando a sua Organização, assinale na escala abaixo, como você a percebe atualmente, em relação às características apresentadas.

SINERGIA ENTROPIA Pensamento estratégico

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Pensamento operacional

Integração interna 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Segmentação interna

Participação 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Hiper-hierarquia Inovação 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Tradicionalismo Flexibilidade estrutural

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Rigidez estrutural

Simplificação 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Burocracia Visão sistêmica 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Visão paroquial

2. A seguir, considerando os resultados obtidos em seu grupo, obtenha a média aritmética geral.

Média aritmética grupal

3. Com base nas respostas dadas, destaque as 2 características mais fortes (Sinergia) e as 2

características mais fracas (Entropia), das Organizações representadas em seu grupo. Características sinérgicas Pontuação Características entrópicas Pontuação

4. Que medidas seu grupo sugere para a redução das características entrópicas destacadas?

Característica destacada Medidas a serem adotadas

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As dimensões da dinâmica organizacional Para a melhor compreensão e gestão da dinâmica e do processo de desenvolvimento da Organização, realçamos três dimensões, conforme figura abaixo:

A ARTICULAÇÃO INTERNA

A Organização é um sistema cujos elementos constituintes mantêm entre si uma complexa rede de relações de interdependência, configurando um todo que é mais do que a simples soma de suas partes, pois é o resultado de combinações sinérgicas de ações interativas e cooperativas.

Quando alcança o nível mais elevado de sinergia, a Organização torna-se semelhante a um sistema holográfico, em que o todo pode ser percebido em cada uma de suas partes, quando a especialização não nega a generalização, mas a reforça. É assim que o nosso cérebro está estruturado e funciona de modo integrado e harmonioso, sem concorrência entre seus inúmeros centros especializados.

Outro exemplo clássico de sinergia é a orquestra. Cada instrumentista, por mais exímio e virtuoso que seja, encontra-se mutuamente ligado a cada um dos outros instrumentistas, fazendo com que, na multiplicação dos desempenhos individuais, seja tecida a peça musical que, em seu todo, transcende a simples soma de sons extraídos de cada instrumento.

A harmonia resultante desse conjunto, como sabemos, não se dá magicamente, mas resulta do esforço cotidiano dos ensaios sob a coordenação sensível, persistente e enérgica do regente. Cabe a ele extrair da articulação interna da orquestra a garra, o ritmo e a harmonia que serão repassados ao público.

Numa Organização, promover a articulação interna constitui uma das maiores responsabilidades do gestor. Tal como o maestro, ele deve criar condições para que:

(a) em lugar de simples aglomerado de pessoas alocadas nos espaços de trabalho, e cuidando de suas incumbências especificas, estruturem-se equipes de trabalho, em benefício de seus participantes e de seus clientes;

(b) ao invés de segmentos burocráticos isolados entre si, como territórios de poder estanques e concorrentes, construam-se redes de intercâmbio de informações e de prestação de serviços comprometidas com a melhoria do desempenho da Organização;

(c) em lugar da impermeabilidade entre os níveis hierárquicos, cujo resultado mais perverso é o surgimento de castas, promova-se a transparência de valores e de práticas entre as funções e os

INTERFACE COMO AMBIENTE

DEMOCRATIZAÇÃOORGANIZACIONAL

ARTICULAÇÃOINTERNA

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cargos de diferentes especializações e níveis hierárquicos, reconhecendo a indispensável complementaridade entre eles.

Destacamos aqui dois tipos de segmentação e as respectivas disfunções que produzem. - Assinale as disfunções que você identifica em sua Organização.

DISFUNÇÕES SIM NÃO BLOQUEIO NO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO ADMINISTRATIVA PERDA DE CONTATO COM SEGMENTOS DA SOCIEDADE SURGIMENTO DE CASTAS FUNCIONAIS EXACERBAÇÃO DO SENSO DE HIERARQUIA REDUÇÃO DE SENSIBILIDADE PARA PERCEPÇÃO DO AMBIENTE DIFICULDADE PARA ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DE DECISÕES CRISTALIZAÇÃO DE ATITUDES CORPORATIVAS DISPARIDADE DE CRITÉRIOS GERENCIAIS SEGMENTAÇÃO DOS CLIENTES SURGIMENTO DE “FEUDOS” E SUB-CULTURAS PERDA DA VISÃO DO TODO ORGANIZACIONAL CONCORRÊNCIA PREDATÓRIA POR RECURSOS REDUÇÃO DA MOVIMENTAÇÃO INTERNA DE RECURSOS E TALENTOS SUBUTILIZAÇÃO DO POTENCIAL DE INOVAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO

Administrando a articulação interna

a) Nível interfuncional

As relações interfuncionais precisam ser administradas de modo que os fluxos de informações e os procedimentos complementares sejam facilitados e fortalecidos, tanto nos sentidos ascendente e descendente (articulação vertical), como no lateral (articulação horizontal).

Até que ponto você, enquanto gestor, vem contribuindo para a manutenção de níveis elevados de articulação vertical descendente, reduzindo, assim a ocorrência de bloqueios, desvios e atrasos na implementação de decisões tomadas em escalões superiores?

SEGMENTAÇÃO PORESTRATO

SEGMENTAÇÃO PORÁREA

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Atuar como intermediário entre o nível superior e o nível inferior ao seu, processando, adequando, amplificando ou, às vezes, apenas agilizando as decisões, é um dos modos de administrar a articulação interna da Organização.

No sentido ascendente, as relações verticais constituem elementos fundamentais na construção dos mapas situacionais que os escalões superiores necessitam para a eficaz tomada de decisões. A partir dos postos mais avançados da organização, de suas bases operacionais e de seus níveis intermediários, originam-se informações sobre as realidades interna e externa que, uma vez consolidadas e analisadas, configuram a percepção de problemas, riscos e oportunidades, por meio dos quais os níveis decisórios mais elevados definem estratégias de ação e tomam decisões. Por outro lado, é a partir desse sistema de sensores situados nas fronteiras da Organização que os decisores obtêm, continuadamente, a avaliação sobre o impacto que suas decisões estão gerando junto ao ambiente.

Você, enquanto gestor, tem garantido a existência do comprometimento, da confiança e da qualificação necessários ao exercício das funções situadas nos níveis inferiores da Organização, responsáveis pela percepção direta do ambiente?

Tem mantido canais de comunicação ascendente desobstruídos, de modo a tornar o fluxo de informações mais ágil e preciso?

Tem incentivado a manifestação da criatividade de seus colaboradores, resgatando ou mobilizando o potencial de que eles dispõem?

Até que ponto você, enquanto gestor, vem articulando-se com funções equivalentes às suas no sentido de estabelecer fluxos de intercâmbio de experiências e procedimentos de ajuda mútua?

E, por outro lado, em que medida você vem estimulando as articulações entre servidores de sua Unidade como mecanismo de mobilização do potencial coletivo de trabalho?

b) Nível intersetorial.

A articulação intersetorial promove a integração de objetivos, recursos e procedimentos entre diferentes Unidades da Organização, resultando na melhoria de qualidade do desempenho final junto à clientela. Apesar disso, entretanto, é muito comum encontrarmos Organizações cujos setores (Diretorias, Coordenações etc.) mantêm barreiras entre si, chegando mesmo a constituírem feudos, reduzindo, consequentemente, o nível de cooperação intersetorial. Entre os fatores que geram essa disfunção, destacamos a territorialidade ou, em outras palavras, a chamada “defesa do território de caça”. Este é o comportamento gerencial responsável pela construção de verdadeiras muralhas burocráticas entre segmentos da organização, favorecendo o surgimento de códigos de ética, critérios de desempenho, ritos de iniciação que, exacerbados, dificultam a comunicação, a movimentação de pessoal, a administração de recursos logísticos, o desempenho de projetos intersetoriais, além de criarem a superposição de funções e de procedimentos, a divergência de critérios e padrões de avaliação, entre outros efeitos não menos nocivos à eficiência, à eficácia e à efetividade da Organização como um todo articulado, que deveria ser.

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A DEMOCRATIZAÇÃO ORGANIZACIONAL Além da racionalidade administrativa

A dinâmica política presente nas Organizações tem merecido pouca atenção por parte dos teóricos da Administração. Talvez por sua complexidade; ou pelo receio de lidar com um tema tão envolvente e contraditório quanto o fenômeno do poder.

No passado, julgava-se suficiente fazer uma minuciosa descrição de cargos, funções, procedimentos e objetivos do trabalho, acompanhada da correta alocação dos meios necessários à sua implementação, para que a Organização, como algo mecânico, cumprisse sua missão de produzir bens ou serviços sem desviar-se do rumo e das condições pré-estabelecidas.

A realidade, entretanto, revelou-se bem diferente deste pressuposto mecanicista inspirado em Max Weber e em Henri Fayol, demonstrando que a dinâmica organizacional está longe de guiar-se tão somente pelas leis da racionalidade.

Dentre os fatores que impulsionam o comportamento na direção dos objetivos organizacionais ou deles o desviam, encontramos a política, i.e., o exercício, a conquista, a manutenção ou a privação do poder nas relações entre as pessoas, quando em coletividade.

De fato, como salienta Guerreiro Ramos, “a política e o poder que até bem pouco tempo pareciam categorias concernentes às relações sociais macroscópicas, são hoje vistas como categorias do comportamento administrativo. As relações entre indivíduos, e entre grupos, dentro da organização, não se passam como supunha a teoria administrativa tradicional, isto é, como se estivessem antissepticamente limpas de política e de vontade de poder”. (RAMOS, Alberto Guerreiro em Administração e Contexto Brasileiro. Editora da FGV, Rio de Janeiro, 1983. p.53).

De acordo com Guerreiro Ramos, a dinâmica organizacional é modelada por três fatores: os

fatores estruturais, os fatores aestruturais e os fatores estruturantes. Os fatores estruturais são representados por leis, regulamentos, normas e demais atos

jurídicos que definem e delimitam funções e responsabilidades a serem desempenhadas pelos atores organizacionais. Estabelecem a ordem e a amplitude de comando, delimitando o poder formal que cada cargo e função deve manter em relação aos demais. O organograma e o plano de cargos e funções são expressões destas prescrições legais.

Os fatores aestruturais constituem de um lado, todos os recursos financeiros e materiais, tais como equipamentos, móveis e utensílios, e de outro, todo o sistema de atitudes e comportamentos humanos que se fundamentam em emoções, valores, expectativas, necessidades e demais características pessoais que compõem a personalidade de cada pessoa integrante da Organização. Estes fatores “aestruturais”, especialmente os de natureza humana, sejam comportamentos individuais ou coletivos, manifestam-se com sua carga emocional e valorativa de modo espontâneo e caótico, muitas vezes em contraposição aos fatores estruturais e aos fatores estruturantes.

Estes últimos, os fatores estruturantes, constituem todo o conjunto de decisões gerenciais, configuradas em planos, programas e projetos. Estes fatores têm a função de orientar, determinar, regular, controlar e mediar os fatores estruturais e os fatores aestruturais, delineando a estrutura, a cultura e o padrão de desempenho da Organização.

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O exercício do poder nas Organizações

Até que ponto o processo de democratização da sociedade brasileira se reproduz nas Organizações de modo consistente? Apesar de exemplos isolados, infelizmente temos muito terreno a percorrer nessa direção. O autoritarismo (e sua versão manipulativa, o paternalismo) de gestores já viciados no uso da coerção, associado à também viciada submissão e apatia de servidores subalternos, tem trazido muito ônus ao desempenho das organizações, em detrimento, é claro, dos usuários de seus serviços.

Fazer frente a esse autoritarismo, construindo, em seu lugar, um ambiente de trabalho pautado pela participação consciente e responsável, é uma das mais importantes tarefas do gestor. Trata-se do processo de democratização do poder, que não se restringe à redução do autoritarismo nas relações de trabalho entre gestores e gerenciados: aplica-se também às relações que a Organização estabelece com seus clientes e usuários.

Numa análise que poderíamos qualificar de micropolítica, a democratização organizacional é construída sobre quatro pilares:

§ a legalidade do cargo/função; § a legitimidade ou aceitação do superior; § a simetria ou proporcionalidade do poder; e § a participação do subordinado.

A legalidade representa a base do poder obtido formalmente, a partir do provimento de cargo ou

função de comando. Sua origem está na aceitação tácita da ordem jurídica vigente como referencial para o exercício da autoridade nas organizações. A legalidade provê juridicamente o mesmo potencial de poder para as funções hierarquicamente equivalentes.

O fator legalidade é essencial à tomada de decisões, uma vez que são os normativos (leis, decretos, regimentos etc.) que, em grande parte, definem a necessidade da decisão e como esta deverá ser conduzida em cada caso. Objetiva-se, com o sistema normativo, obter o mínimo indispensável de coerência administrativa. Esta tem sido uma das principais diretrizes dos teóricos da burocracia, enquanto sistema racional-legal de estruturação e condução do trabalho.

A legitimidade em seu sentido político, constitui a aceitação, por parte dos gerenciados, do poder exercido pelo ocupante da função gerencial. Esse poder de referência que emana de qualquer grupamento humano é outra base da autoridade exercida nas organizações. De fato, a ordem sem obediência é estéril; do mesmo modo que é inócua a decisão sem a correspondente implementação.

A decisão, quando respaldada na legitimidade do gestor junto aos gerenciados, tende a ser cumprida com presteza e alto nível de dedicação; ao contrário do que ocorre quando respaldada, tão somente, na autoridade legal-formal.

A simetria, ou proporcionalidade, é um fenômeno psicossocial observado nas relações de poder que duas ou mais pessoas, grupos ou classes, constroem e mantêm entre si. Diz respeito ao diferencial de poder de uma entidade individual ou coletiva em relação à outra, isto é, ao grau em que uma induz e controla o comportamento da outra. A maior ou menor simetria de poder é resultante do controle de meios econômicos, da ocupação de um cargo, da perícia reconhecida em algum campo de conhecimento, da idade (poder do ancião sobre os mais jovens) etc.

A origem da liderança está na assimetria da relação interpessoal.

Do mesmo modo, é o grau de simetria que define, em grande escala, o clima psicológico e a própria cultura da Organização. Isto ocorre porque as relações interpessoais que permeiam a

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Organização estão assentadas em relações de poder, constituindo, em seu conjunto, uma rede interacional que, muitas vezes imperceptivelmente, determina os padrões de conduta de cada participante. Assim, quanto maior o grau de simetria, maior o nível de democracia nas relações de poder. Por sua vez, quanto maior a assimetria, maior a tendência ao autoritarismo ou ao paternalismo, seja do gestor em relação ao grupo, seja deste em relação ao gestor (fenômeno da anomia-ausência de respeito às normas).

A participação, quarto fator da micropolítica organizacional, resulta da adesão voluntária e efetiva dos servidores na construção da Organização e, especificamente, na definição das metas, dos meios e dos frutos do esforço produtivo. Ao participar, eles deixam de ser meros executores de ordens, ou até mesmo simples figurantes, para se tornar coautores da ação administrativa. A participação pressupõe, em essência, vontade de fazer, criar, contribuir. Quanto maior o grau de participação na Organização, mais democrático é seu regime de gestão, o que se traduz em maior comprometimento e responsabilidade de todos os seus participantes. Operacionalmente, é incrementada a descentralização das decisões, levando os segmentos gerenciais mais próximos do público-cliente a solucionar os problemas e a usar as oportunidades que o ambiente oferece de modo mais ágil e preciso.

Estes quatro fatores micropolíticos combinam-se no dia-a-dia da dinâmica organizacional, sendo inerentes às relações de trabalho que se estabelecem entre gestores e gerenciados. Nesse sentido, dão origem ao que denominamos de “regime gerencial”, numa ampliação do conceito de “regime de governo” (este aplicado em nível societal). Os regimes gerenciais não são estáticos; possuem maior ou menor estabilidade, dependendo dos mecanismos simbólicos e das práticas políticas exercidas na Organização; não devem ser confundidos com “estilo gerencial”, uma vez que este constitui conceito de natureza psicológica, enquanto aqueles têm sua origem no nível sócio-político.

A INTERFACE COM O AMBIENTE

Ao gerenciar a interface que a Organização estabelece com o seu meio-ambiente, os líderes e gestores assumem o desafio de, não apenas observar o ambiente, mas também de buscar apreendê-lo em suas “nuances”, tendências e contradições, construindo, nesse ato deliberado de conhecer, o mapa situacional que servirá de fundamento às decisões a serem tomadas. Esta é a base para o gerenciamento de problemas, ameaças, tendências e oportunidades ambientais, isto é, para a gestão estratégica.

Perscrutar ou perceber constitui o início do processo de gestão da interface com o ambiente, que se completa quando a Organização, levando em conta as oportunidades, demandas e ameaças, responde ao ambiente, atendendo-o ou transformando-o.

Destacando-se estas duas funções, perceber e responder, podemos compreender a qualidade do processo de interface que as organizações estabelecem com seu meio-ambiente.

Quanto à percepção, a organização pode ser caracterizada como “cega”, “míope” ou “aberta”, conforme o grau de aperfeiçoamento do seu sistema de sensoriamento do ambiente.

• A organização cega é desprovida de sistema humano e tecnológico de captação de informações sobre seu meio ambiente.

• A organização míope dispõe de sistemas rudimentares de sensoriamento, captando indícios e informações grosseiras sobre a dinâmica ambiental.

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• A organização aberta constitui, de fato, um sistema flexível e permeável de relações com o ambiente, colhendo, a cada momento, informações em primeira-mão sobre as alterações presentes e as tendências futuras quanto a problemas e oportunidades.

Quanto à resposta, a Organização pode caracterizar-se como “inerte”, “reativa” ou “proativa”, conforme o grau de presteza de seu sistema decisório.

• A organização inerte não responde às ameaças, oportunidades ou demandas do ambiente, ignorando-o ou rejeitando-o.

• A organização reativa responde apenas quando pressionada, seja por exigências superiores, seja em decorrência de pressões de agentes ambientas (políticos, sociais, econômicos, naturais etc.).

• A organização proativa antecipa-se à ocorrência de problemas e ao surgimento de oportunidades, podendo até mesmo criar demandas artificiais para seus produtos; os efeitos de suas decisões sobre o ambientesão marcantes, tanto de curto quanto de longo prazo.

A combinação dessas seis características resulta em nove diferentes estágios de desenvolvimento organizacional, conforme apresentamos a seguir:

COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL

PERCEPÇÃO DO

AMBIENTE

ABERTA 3. INDECISA 6. ADAPTADA 9. INOVADORA

MÍOPE 2. MEDROSA 5. CONSERVADORA 8. OUSADA

CEGA 1. ESTAGNADA 4. DESORIENTADA 7. IMPREVIDENTE

INERTE REATIVA PROATIVA RESPOSTA AO AMBIENTE

É importante alertar que as nove situações ou estágios de desenvolvimento organizacional não devem ser encaradas como características ou atributos inerentes à Organização, mas como fases, as quais, à semelhança de fotografias, revelam os estágios em que se encontra a gestão da interface da Organização com seu meio-ambiente.

Cabe, portanto, aos líderes e gestores o constante monitoramento desse processo tão dinâmico e complexo, visando alcançar a eficácia e a efetividade máximas dos serviços prestados e dos bens produzidos pela organização.

Pensando em sua Organização, em sua opinião, em qual destes estágios ela se situa, atualmente? Responda o questionário a seguir.

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TRABALHO EM GRUPO 2 – Perfil Organizacional

1. Analisando a sua Organização, assinale a sua percepção na coluna EU, considerando em qual destes estágios ela se situa, atualmente.

COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL EU GRUPO

INERTE

1. ESTAGNADA 2. MEDROSA 3. INDECISA

REATIVA

4. DESORIENTADA 5. CONSERVADORA 6. ADAPTADA

PROATIVA

7. IMPREVIDENTE 8. OUSADA 9. INOVADORA

2. A seguir, considerando os resultados obtidos em seu grupo, obtenha a frequência grupal de cada

estágio.

3. Que medidas seu grupo sugere para que suas Organizações alcancem o estágio INOVADORA, (ou um estágio que seja mais adequado a elas).

ESTÁGIO ALMEJADO MEDIDAS A SEREM ADOTADAS

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2. LIDERANÇA E MUDANÇA

Texto extraído do livro (e-book) Liderança Cidadã, um novo modelo de liderança nas organizações. Ruy A. Matos. Ed. Amazon.com.br - 2015

Manter o status quo não é o que se espera dos líderes. Ao aceitarmos que alguém assuma, em nosso lugar, o poder de liderar, estamos legitimando o seu papel como nosso líder e dando-lhe o respaldo necessário para que ele rompa com o habitual modo de fazer as coisas, inovando e promovendo melhorias contínuas nos processos e produtos. Em outras palavras, estamos esperando que ele, corajosamente, assuma riscos quando diante de problemas ou de oportunidades desconhecidas. Do contrário teremos apenas um gestor de procedimentos conhecidos e repetitivos. Ao correr riscos conscientes com suas decisões, o líder cria valor para a equipe e para a organização, como um todo. Ele sabe que tais riscos exigirão dele grande equilíbrio emocional para lidar com as constantes situações estressantes que irá enfrentar a cada dia. Mas, sabe também que isto é inevitável e que faz parte do papel que aceitou desempenhar neste grande drama real que é a liderança organizacional. Ao ter consciência desta característica essencial da liderança, o líder sabe que precisa escrever o seu destino a cada dia e que está sujeito a errar e a acertar. Sabe também que em cada decisão que tomar estará sendo avaliado por seus resultados. Entretanto, correr riscos ao decidir não pode ser encarado como algo inconsequente, temerário, fruto de impulsos emocionais. Arriscar-se deve ser uma ação que combine dois tipos de inteligência: a racional e a heurística ou intuitiva. Nosso cérebro não é apenas um sistema que processa informações objetivas que assimilamos em nossas experiências e percepções. A neuropsicologia nos afirma, com suas pesquisas, que além da captação e processamento de dados binários (racionais) que ocorre no hemisfério esquerdo, nosso cérebro nos conecta ao ambiente também de modo analógico e simbólico por meio de nosso hemisfério direito, onde é processada a nossa intuição. Quando tomamos uma decisão diante de uma situação desconhecida, acionamos os dois hemisférios cerebrais, energizados e impulsionados pelas estruturas sub-corticais, (sistema límbico, tálamo e hipotálamo) responsáveis por nossas emoções. É a partir do funcionamento deste conjunto tridimensional harmonioso (razão, intuição e emoção) que decidimos e nos arriscamos a enfrentar o desconhecido. Sem a coragem de intuir sobre a situação estaremos apenas processando dados do passado, nos baseando na memória, que pouco entende do futuro, estado ainda inexistente, cujo vazio precisamos preencher com nossos significados. Assim, toda decisão racional deve ser temperada por sonhos, fantasias e insights que nascem de nosso cérebro intuitivo. Usando estes recursos teremos mais segurança de enfrentar as condições incertas que caracterizam o futuro que apenas temos delineado em nossa frente. Reafirmamos, portanto, que, enquanto o gestor cuida da manutenção do que está dando certo, o líder tem compromisso com a mudança. Com a mudança de si mesmo, dos outros e da realidade em que atua. Para tanto ele precisa sair de sua zona de conforto, que lhe traz tranquilidade e segurança, e entrar em zonas turbulentas, tendo a coragem necessária para desbravar territórios nunca percorridos. Faz isto ao lançar um novo serviço ou produto no mercado, ao introduzir novos métodos e processos de trabalho, ao conquistar novos clientes, ao criar novas relações de parceria etc. Como agente de mudanças, o líder, junto com sua equipe, cria o futuro, transformando sonho em realidade, em benefício de sua organização ou da sociedade.

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Estas mudanças podem ter intensidade e profundidade diferentes, conforme o seu nível de ocorrência. Serão superficiais e provisórias quando se caracterizarem como mudanças de 1a. ordem e serão profundas e duradouras quando se constituírem como mudanças de 2a. ordem. Classificamos como mudanças de 1a. ordem os rearranjos de processos de trabalho, a substituição de pessoas, de rótulos de produtos, de layout, de equipamentos, entre outras iniciativas que apenas apresentam o velho numa roupagem nova, atualizando-o. Por outro lado, as mudanças de 2a. ordem questionam a essência do trabalho desenvolvido, colocando-o em cheque quanto à sua utilidade e relevância para os clientes, criticam os paradigmas que respaldam uma certa prática já conhecida, propõem a adoção de novas estratégias de produção e de venda. São naturalmente subversivas e ameaçadoras do status quo. São criativas e revolucionárias, criando novas referências para nossos pensamentos e ações. Sem lideranças legitimas e fortes não teríamos mudanças de 2a. ordem em nossas Organizações e em nossas vidas. Estaríamos presos a melhorias incrementais, que apenas corrigem defeitos. É por meio de mudanças de 2a. ordem que construímos as inovações tecnológicas que hoje usufruímos, tais como o computador, os celulares, a energia elétrica, o motor a combustão, a usina nuclear, o avião, entre inúmeros outros inventos que fazem parte de nosso dia-a-dia. Mas, as mudanças de 2a. ordem também podem ser encontradas também no âmbito organizacional. São muitos os exemplos: o restaurante self-service e o supermercado, onde o serviço de autoatendimento passou a responsabilidade do atendimento para o próprio cliente; a venda em domicílio propiciada pelas redes organizacionais, que desalojaram (literalmente, tirando-os de suas lojas) os vendedores e os colocaram na casa e no escritório do cliente; as fábricas virtuais, que ficaram com o design dos produtos e o controle de qualidade e terceirizaram a produção para outras fábricas, conseguindo com isto, reduzir custos administrativos e operacionais e multiplicar a produtividade e as vendas. As fábricas modulares, os consórcios e redes organizacionais, que descobriram os benefícios da cooperação entre competidores, criando um novo paradigma organizacional que deixou de lado as linhas de montagem verticalizadas e exclusivas da era Ford substituindo-as por plantas industriais onde convivem harmoniosamente diversas empresas que produzem no mesmo espaço físico e em sistemas just-in-time. Todos estes são casos bem-sucedidos de mudanças de segunda ordem, que hoje fazem parte de nosso dia-a-dia. Além de atuar como agente de mudanças, outra peculiaridade do líder é o elevado grau de comprometimento e de, até mesmo, paixão pela causa que o mobiliza. Ele não mede esforços e sacrifícios para alcançar os resultados que almeja. E neste estado de espírito criado pela emoção, seu entusiasmo contagia aqueles que o rodeiam, estabelecendo com eles um pacto de ação coletiva capaz de realizar façanhas consideradas impossíveis em condições normais. Ulisses, o líder grego da Odisseia, em sua viagem de volta da guerra de Tróia é um exemplo clássico do comprometimento, da paixão, da persistência e da manutenção de foco. Mesmo sofrendo as mais terríveis provações que alguém poderia suportar, ele não esmorece em sua paixão por seu país, por sua mulher e por seu filho. Inspirado por estes valores e ideais ele consegue voltar para reconquistar seu poder, seu patrimônio e sua família, depois de vinte anos de ausência de casa. Por outro lado, Penélope, sua mulher, é o exemplo da persistência na espera, mantida pelo amor que teimava em continuar ardendo dentro dela, mesmo contra todas as tentações a que era submetida, para esquecer seu Ulisses. Assim, Ulisses representa a mudança, enquanto Penélope, a permanência, dois polos de uma mesma realidade descrita neste mito. Em nosso dia-a-dia profissional ou organizacional, não precisamos ser tão dramáticos como Ulisses para descobrirmos a importância da paixão e do comprometimento pelo que fazemos, como fatores fundamentais para o alcance de resultados com qualidade em nossos serviços e produtos. Entretanto, a paixão e o comprometimento estão intimamente ligados na construção da competência humana. Não basta termos o conhecimento profundo da tarefa, adquirido com o estudo, nem termos a habilidade consolidada ao longo do tempo, pela repetição. Se faltarem os ingredientes

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da paixão e do comprometimento, nada feito. Seremos mais um a realizar coisas sem significado, disciplinadamente, como um soldado sob comando de um oficial autoritário; agiremos corretamente, como relógios. Mas estaremos desprovidos da grande dimensão humana que é a emoção da paixão, combinada ao valor do comprometimento com uma causa ou um ideal. Combinando paixão e comprometimento, podemos transformar a realidade a partir de um sonho. Sonho que se transforma em plano, em projeto para o alcance de um objetivo remoto, visível para poucos. Desse processo criativo poderá surgir uma nova organização, um novo produto, um novo projeto, um novo serviço que surpreenderá os clientes da organização ou o cidadão, usuário do serviço público. É a paixão que mobiliza nossos talentos latentes, que desperta nosso espírito empreendedor, que instiga nossa intuição para melhor resolvermos os problemas e aproveitarmos as oportunidades de nossa vida pessoal e profissional. Ao apaixonar-se pelo que faz, o líder transforma-se em exemplo vivo de entusiasmo, reforçando seu papel de motivador e educador junto aos seus colaboradores, contribuindo para a energização da organização no desempenho de suas atividades.

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3. EXERCITANDO MUDANÇAS DE SEGUNDA ORDEM

Texto extraído do livro MUDANÇA Watzlawick,Paul; Weakland, John e Fisch,Richard.- Ed. Cultrix, SP. 1977.

Um exemplo abstrato, mas muito simples, tornará mais claro o significado de mudanças de segunda ordem.

Os nove pontos vistos na Figura l devem ser interligados por quatro linhas retas sem se

erguer o lápis do papel. Se o leitor não estiver familiarizado com o problema, é aconselhável tentar resolvê-lo neste momento, antes de prosseguir a leitura, e especialmente antes de ver a solução (Figura 2).

Figura 1 Quase todas as pessoas que tentam pela primeira vez resolver esse problema introduzem

como parte de seu processo de resolução um pressuposto que torna a solução impossível. O pressuposto é o de que os pontos compõem um quadro e que a solução deve ser encontrada dentro desse quadro, condição auto-imposta que as instruções não contêm. Seu malogro, por conseguinte, não está na impossibilidade da tarefa, mas sim na solução tentada. Tendo criado já não importa qual combinação de quatro linhas elas experimentem, nem a ordem que venham a seguir; sempre terminam deixando pelo menos um ponto não conectado. Quer isto dizer que podem percorrer a totalidade das possibilidades de mudança de primeira ordem existentes dentro do quadro, mas nunca resolverão o problema. A solução é uma mudança de segunda ordem que consiste em sair do campo e que não pode estar contida em si mesma porquanto, na linguagem do Principia Mathematica, ela envolve toda uma coleção, da qual, portanto, não pode fazer parte. ?

Bem pouca gente consegue solucionar o problema dos nove pontos sozinha. Os que malogram e desistem costumam surpreender-se com a inesperada simplicidade da solução (v. Figura 2).

A analogia entre esta situação e muitas situações reais é óbvia. Todos já nos vimos em situação semelhante, e não importa se nos esforçamos por achar a solução com calma e com lógica ou, mais provavelmente, se acabamos correndo freneticamente em círculos. Mas, como já ficou dito, ? Para termos mais duas ilustrações dessa distinção básica entre "interior" e "exterior", consideremos o seguinte: Ninguém pode ter uma percepção visual completa do próprio corpo (diretamente, ao menos), porquanto seus próprios olhos, sendo os órgãos perceptores, fazem parte da totalidade em questão, ou, nas palavras de um mestre zen-budista: "A vida é uma espada que fere, mas que não pode ferir-se a si mesma; como um olho que vê, mas a si mesmo não se enxerga". Pela mesma razão, é dificílimo chegarmos a ter uma compreensão profunda da nossa própria cultura; temos que abandoná-la e depois prepararmo-nos para sofrer um choque ao contemplá-la do exterior (isto é, de um posto de observação situado noutra cultura), como bem sabem todos os antropólogos e muitos voluntários da paz.

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é só de dentro do problema, na perspectiva de mudança de primeira ordem, que a solução emerge como um surpreendente lampejo de luz além do nosso controle. Na perspectiva de mudança de segunda ordem, ela é uma simples mudança de um conjunto de premissas para outro do mesmo tipo lógico. Um conjunto inclui a regra de que a tarefa deve ser executada dentro do quadro (suposto); o outro não. Por outra, a solução é encontrada em consequência de examinarmos as suposições acerca dos pontos, não os próprios pontos. Ou enunciando a mesma coisa em termos mais filosóficos, há obviamente muito diferença entre nos considerarmos como peões de um jogo cujas regras chamamos realidade, ou como jogadores cientes de que as regras só são "reais" porque nós as criamos ou aceitamos e que as podemos mudar. (Isto distingue o pensamento ingênuo do pensamento crítico, sendo o primeiro um reforçador da situação e o segundo um agente de sua transformação).

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Figura 2. Solução do problema dos nove pontos

Mas isso tudo pressupõe conhecimento da estrutura lógica do nosso universo e da

necessidade de manter os níveis de raciocínio lógico bem separados. A Teoria dos Tipos Lógicos torna claro que não devemos falar sobre a classe na linguagem própria para falar sobre seus membros. Isto seria errôneo em representação lógica e nos conduziria aos desconcertantes impasses do paradoxo lógico. Tais erros de representação podem ocorrer de dois modos: ou por atribuirmos erroneamente uma dada propriedade à classe em vez de atribui-la ao membro (ou vice-versa), ou por desprezarmos a enorme diferença existente entre classe e membro, tratando ambos como se pertencessem ao mesmo nível de abstração. Convém lembrar que uma mudança de segunda ordem pertence ao nível lógico imediatamente superior - o nível (n + 1) - à mudança de primeira ordem. Desse modo, ela não pode ser expressa em linguagem própria de mudanças de primeira ordem nem obtida pelos métodos aplicáveis ao nível de mudanças de primeira ordem sem ocasionar os mais desconcertantes paradoxos.

Bateson, cuja maior contribuição prestada às ciências do comportamento talvez seja precisamente o fato de ter introduzido a Teoria dos Tipos Lógicos no campo, e cuja orientação penhoradamente agradecemos, resumiu as coisas à maravilha nas seguintes palavras: "Todo cientista do comportamento, que ainda ignore os problemas do Principia Mathematica, pode considerar-se obsoleto desde há aproximadamente sessenta anos".

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4. ORGANIZAÇÕES EM MUDANÇA

Texto extraído do livro De Recursos a Seres Humanos. Ruy A. Matos. Ed. LIVRE. 1992 1. AS FALSAS PREMISSAS DO DESENVOLVIMENTO Muitos teóricos e, principalmente, tecnólogos da mudança organizacional planejada, têm defendido, em suas abordagens, a mudança como determinante do progresso, como sinônimo do desenvolvimento. Para eles mudar significa crescer, inovar, evoluir; ao passo que manter o status quo, isto é, a permanência, é um mal a ser evitado. Apoiar-se em sofismas maniqueístas, como estes, não contribui para o entendimento dos sistemas sociais e das organizações. Ao contrário, cria distorções perceptivas e conceituais da realidade dificultando, sobremaneira, sua abordagem e compreensão. A realidade, com sua complexidade e dinamismo, vem frustrando inúmeros teóricos e cientistas que, equipados de suas fórmulas simplistas e concepções dicotômicas, vêm tentando, infrutiferamente, moldá-la e aprisioná-la em espaços e posições arbitrárias. O mesmo vem ocorrendo quando se aborda o fenômeno da mudança. Um aspecto realçado pelos estudiosos da Mudança, Paul Watzlawic, John Weakland e Richard Fisch (1977), que transcrevemos abaixo, revela um pouco desta distorção:

“Se bem que muitas teorias de persistência e mudança tenham sido formuladas no decurso de séculos de cultura ocidental, elas têm sido sobretudo teorias da persistência, ou teorias da mudança, não teorias de persistência e mudança. Isto é, a tendência tem sido, de um lado, ou de encarar a persistência e invariância como sendo um estado "natural" ou "espontâneo", coisa já de si garantida e sem necessidade nenhuma de explicações, sendo a mudança a coisa a ser explicada, ou, de outro, a de assumir a posição inversa. Mas o próprio fato de se poder adotar qualquer dessas posições sugere prontamente que elas sejam complementares - que aquilo que seja problemático não é absoluto e inerente à natureza das coisas, mas, pelo contrário, depende do caso específico e do ponto de vista envolvido. Essa concepção está de acordo com a nossa experiência dos assuntos e dificuldades humanos. Por exemplo, sempre que observemos uma pessoa, família, ou algum sistema social mais amplo, enredar-se num problema, de maneira persistente e repetitiva apesar de seu desejo e esforço no sentido de alterar a situação, duas questões surgem igualmente: "De que modo persiste essa situação indesejável?" e "o que é preciso para mudá-la?" (MUDANÇA, Ed. Cultrix, 1977).

Vamos analisar, a seguir, algumas das falsas premissas que baseiam a ideia da mudança e sobre as quais são construídos sofismas que se infiltram em nossas concepções acerca das organizações, distorcendo-as e dificultando nossa compreensão da realidade organizacional. Há três falsas premissas que vêm sendo aceitas, acriticamente, pelos teóricos e tecnólogos da mudança como verdades:

1) A primeira falsa premissa é a de que tudo à nossa volta está mudando num ritmo cada vez mais acelerado e que os indivíduos e as organizações precisam acompanhar esse surto de mudanças sob o risco de sucumbirem ao “choque do futuro’’. As organizações seriam como frágeis embarcações, num mar revolto e imprevisível, a ponto de irem a pique.

Ao que parece, essa visão de ambiente transiente, na concepção de Alvim Toffler, pode, de fato, refletir uma realidade bem particular dos países mais desenvolvidos, em contraste com certa

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calmaria observada em nações menos desenvolvidas. Ou, por outro lado, pode expressar o ritmo de progresso de certas áreas do conhecimento, como, grosso modo, as tecnologias oriundas das ciências físicas e químicas. Não podemos dizer a mesma coisa a respeito do desenvolvimento de uma tecnologia social, psicológica e cultural. Como ressalta Barrington Moore: ‘‘A experiência dos últimos cinquenta anos foi, sem dúvida, muito dura para as teorias do progresso. Duas guerras mundiais, o recuo da democracia parlamentar, a ascensão de governos totalitários, os campos de concentração e a perfeição dos meios de destruição em massa são fatos que dificilmente se enquadram em qualquer teoria do progresso".(1) A história da humanidade testemunha, muito claramente, o quão pouco temos mudado em nossas idiossincrasias tipicamente humanas, como os valores, as emoções e as indagações fundamentais sobre a vida e a morte, a verdade, a paz, a realização pessoal, a felicidade e a saúde. As dúvidas, perplexidades e os mistérios de Sócrates e demais filósofos gregos são ainda tão atuais quanto há 2.400 anos atrás. A busca do Nirvana, a libertação do Samsara - o ciclo de vida e morte budista -, assim como a procura do Tao - o caminho perfeito do homem, segundo a concepção taoísta - permanecem tão presentes quanto o eram a mais de três milênios. Assim como os valores fundamentais do Cristianismo são tão necessários e atuais quanto a dois mil anos atrás.

Em síntese, os problemas humanos - em seus níveis individual e social e em suas expressões cultural, política e econômica - persistem até hoje, essencialmente os mesmos. Tem ocorrido muita mudança de rótulos para coisas velhas, como se isso, magicamente, nos transformasse. Não é preciso nos estender na tese de que, de fato, não têm ocorrido mudanças substantivas na esfera subjetiva e social de nossas vidas. Basta lançarmos os olhos nos jornais e revistas que as manchetes nos fulminam com acontecimentos tão corriqueiros hoje quanto a 30 ou 50 séculos atrás: a guerra, a dominação, a corrupção, a violência, a fome, a ignorância, a inveja, o ressentimento, as tramas políticas, as mentiras econômicas, as ilusões religiosas, enfim, a pletora de fenômenos tão antigos quanto o ser humano. A sensação de impotência diante do ritmo acelerado de mudanças ambientais, por muitos considerada inerente à nossa época atual, já estava presente no final do século XIV e início do XV, como podemos observar no trecho de O Príncipe, de Machiavel: ‘‘Será melhor deixar que o acaso decida. Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às grandes transformações ocorridas, e que ocorrem diariamente, as quais escapam à conjectura humana. Quando reflito sobre ela, às vezes eu próprio me inclino a aceitá-la em parte.”(2)

Esta declaração poderia caber muito bem na obra de Alvim Toffler, que nos apresenta, magistralmente, o que, para ele, representou o fenômeno do século XX: o processo de mudança acelerado. O que mudou então? Ocorreram progressos de natureza tecnológica (restritos a certas áreas geoeconômicas), porém a essência da problemática humana continua inalterada. ‘‘Realmente, só o mais incurável otimista poderia afirmar que o homem, com o avanço da civilização, tornou-se progressivamente mais capaz de solucionar racionalmente os seus problemas e, dessa maneira, banir os demônios criados por ele mesmo. “ (3) Como o ambiente, no qual estão inseridas as organizações sociais, é um conjunto formado por fatores culturais, políticos, sociais, econômicos e tecnológicos, entre outros, não é licito declarar que sua característica atual seja a transiência. Quando muito, podemos dizer que a tecnologia, um dos seus componentes, é altamente transiente. Em outras palavras, esta parte possui um ritmo acelerado de mudanças que pode repercutir no todo. Mas não podemos, em sã consciência, tomar o todo pela parte, numa generalização apressada. Além disso, se evocarmos a teoria de sistemas podemos lembrar que uma das propriedades do sistema (nesse caso o ambiente) é a manutenção do seu ‘‘estado firme’’, ou seja, inerente à sua dinâmica, há uma resistência natural à mudança de suas condições, quando iniciada por um de seus componentes. Nesse caso, a mudança tecnológica poderá não exercer efeito relevante sobre as características do ambiente. Pelo contrário, ao invés de

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mudá-lo, poderá ocorrer o inverso, com os outros fatores reduzindo a possibilidade de manifestação do progresso tecnológico e de absorção de seus resultados.

Concluindo, podemos dizer que a primeira premissa, segundo a qual as organizações estão imersas num ambiente instável, caracterizado por mudanças cada vez mais aceleradas, é uma falácia.

2) A segunda falsa premissa é a de que mudar é progredir, e como progredir é bom, então é

necessário mudar para que a organização se desenvolva. Constrói-se, assim, mais um sofisma que tenderá a ser aceito sem objeção.

Dita desse modo tão enfático, a assertiva soa muito clara e óbvia. Porém, ao analisarmos a essência da declaração, deparamo-nos com a possibilidade da mudança para pior ou da mudança que não muda nada, apenas reorganiza, em novo arranjo, o estado de coisas objeto da intervenção. Como já nos referimos, estamos diante dos conceitos de mudança de primeira ordem e mudança de segunda ordem. A primeira refere-se a uma alteração interna operada no sistema sem a ruptura de seus limites e natureza. Mantêm seu status quo, ratificando o ditado francês: ‘‘Plus ça change, plus c'est la même chose’’. Por outro lado, a mudança de segunda ordem corresponde à alteração substantiva das características do sistema. É um salto qualitativo de um estado mais simples para outro mais complexo, transcendendo os limites do sistema. Neste caso, ocorre, de fato, mudança, enquanto no primeiro há somente a rearrumação de componentes do sistema, sem repercussões em sua substância.

‘‘Mudar’’, portanto, pode ser também um modo de manter as coisas como estão, dando-se a impressão de que ocorreu algo diferente.

Há muitos agentes de mudanças fictícias, ou, em outras palavras, agentes da permanência travestidos em agentes de mudanças. A finalidade de sua ação é acalmar os ânimos dos reivindicadores ou defensores da mudança, sem criar descontentamento entre os baluartes do status quo. Assim, fica-se bem com gregos e troianos. Antes de se defender a ideia de que mudar é progredir, é indispensável que se analise a natureza da mudança, considerando-a em sua relatividade e evitando-se de tomá-la como valor absoluto e dogmático. Os defensores do progresso tecnológico como a mais elevada aspiração humana, deveriam refletir sobre as palavras de Norbert Wiener: "somos escravos de nosso aperfeiçoamento técnico. Modificamos tão radicalmente nosso meio ambiente que devemos agora modificar-nos a nós mesmos para poder viver nesse novo meio ambiente (...). O progresso não só impõe novas possibilidades para o futuro como também novas restrições.” (4). Os efeitos do aquecimento global que o digam.

3) A terceira falsa premissa estabelece que a permanência é sinônimo de estagnação e,

portanto, negativa, devendo ser combatida, a todo custo. Por extensão, aqueles que a defendem são tidos como reacionários e inimigos do progresso e do desenvolvimento. Mais uma simplificação da realidade.

Há casos em que a mudança se transforma em problema, desestabilizando um estado de permanência conquistado à custa de muito tempo, recursos e esforços adaptativos. É como mudar uma árvore do lugar onde nasceu, para embelezar um canteiro planejado por algum paisagista, transgredindo certas leis da própria natureza em beneficio de uma ideia, muitas vezes, afoita. O resultado poderá ser a atrofia ou mesmo a morte daquele ser vivo, devido à quebra da sua permanência adaptativa. Há, é claro, estados de permanência decorrentes da inércia, do medo de conquistar novas posições, da atrofia de possibilidades em troca da segurança presente. Em lugar de adaptação (função ativa), temos a acomodação (resposta passiva) e, como resultantes, a inércia e a morte. Cabe-nos refletir sobre a realidade que se nos apresenta, em cada momento, considerando-a sempre em sua relatividade, propriedade inerente aos sistemas vivos, principalmente os sócio-

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culturais. Por exemplo, não podemos, em sã consciência, rotular uma cultura indígena como atrofiada e reacionária ao progresso, baseados na constatação de que seus meios de comunicação, produção e defesa (sua tecnologia) permanecem, até hoje, no mesmo estágio encontrado pelos portugueses em 1500. É bem possível que eles estejam tão bem adaptados, mais felizes, mais livres do que nós, representantes de uma civilização tecnológica. Aliás, a respeito da tão cantada liberdade, ‘‘é perfeitamente legítimo negar que o avanço tecnológico, com todas as suas consequências, subentende um movimento para a liberdade. É duvidoso que se tenha registrado qualquer tendência a uma liberdade maior no curso da história humana.”(5)

Por outro lado, as culturas indígenas nos dão aula de equilíbrio homem-natureza e, como resultante, de conquistas psicossociais e políticas que, para nós, são ainda sonhos. A este respeito, veja o que Pierre Clastres narra em suas pesquisas sobre as nações indígenas sul-americanas:

‘‘De fato, considerando-as de acordo com a sua organização política, é essencialmente pelo sentido da democracia e pelo gosto da igualdade que se distingue a maioria das sociedades indígenas da América. Os primeiros viajantes do Brasil e os etnógrafos que os seguiram, muitas vezes sublinharam: a propriedade mais notável do chefe indígena consiste na ausência quase completa de autoridade; nessas populações a função política parece ser muito fracamente diferenciada. ” (6) Mais adiante, Clastres acrescenta que o poder normal, civil, fundado sobre o consensus onnium e não sobre a pressão, é assim de natureza profundamente pacífica; a sua função é igualmente pacificante: o chefe tem a tarefa de manutenção da paz e da harmonia no grupo. Ele deve também apaziguar as disputas, regular as divergências, não usando de uma força que ele não possui e que não seria reconhecida, mas se fiando apenas nas virtudes de seu prestígio, de sua equidade e de sua palavra.”(7) Quanto nós, considerados civilizados, não daríamos para sermos dirigidos por líderes políticos como estes encontrados nas comunidades indígenas, não é? Portanto, o diagnóstico de um determinado sistema sócio-econômico-político, como uma Organização Pública, por exemplo, é algo muito sutil, que exige do cientista ou tecnólogo uma postura isenta de falsas premissas e uma estratégia que considere a relatividade da situação analisada, em seus paradoxos e aparentes mistérios, inerentes aos sistemas complexos. Desse modo, permanência não é sinônimo de estagnação, ao contrário, pode ser a expressão de um elevado estado de adaptação à realidade. 2. COMPREENDENDO O FENÔMENO DA MUDANÇA

Por que ocorrem mudanças na ordem estabelecida? Por que há ruptura do equilíbrio conquistado pelos sistemas sócio-político-econômico? A origem desse intrigante fenômeno é intrínseca ao próprio sistema ou advém de fontes externas a ele? É um fenômeno assentado no conflito ou decorre da combinação de forças complementares? É coisa boa, aliada do progresso, ou coisa má, companheira da entropia? E, afinal, a mudança é mesmo um fenômeno real, um fato, ou não passa de ilusão produzida pela impropriedade de nossas expectativas, necessidades e sentidos? A busca de uma resposta convincente a estas indagações tem ocupado o homem desde a época imemorial dos primeiros filósofos gregos. Foi Heráclito o primeiro pensador a dedicar-se, a fundo, sobre a questão da mudança, dando-lhe foro de objeto filosófico, à altura de questões fundamentais como o Ser e o Existir. Com Heráclito aprendemos a ver além da aparente imanência da realidade, alcançando-lhe o âmago turbulento, o constante fluir. Seu aforismo ‘‘Não se banha no

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mesmo rio por duas vezes’’ traduz essa visão da realidade. Para Heráclito ‘‘o existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito, um constante fluir”. (8) Ele pode ser considerado, de fato, o filósofo da mudança. Entretanto, as verdades filosóficas de Heráclito não tiveram longevidade. Foram soterradas por Parmênides, que construiu sobre elas as bases de uma visão da realidade antípoda à de Heráclito. Para Parmênides, a mudança constitui uma ilusão de nossos sentidos. O Ser é infinito, imóvel e eterno e a realidade é essencialmente estática. Surgia, assim, com Parmênides, o fundamento da concepção do Ser e da realidade como algo imutável, que seria aperfeiçoada por Platão e persistiria, por meio da Filosofia e da Religião, transformando-se em sabedoria popular, até os nossos dias. Como assinala Garcia Morente: "Parmênides tomou o Ser, espetou-o na cartolina há vinte e cinco séculos e lá continua ainda, preso na cartolina, e agora os filósofos atuais não veem o modo de tirar-lhe o alfinete e deixá-lo voar livremente. Este voo, este movimento, esta funcionalidade, esta concepção da vida como circunstância, como chance, como resistência que nos revele a existência de algo anterior à posse do Ser, algo do qual Parmênides não podia ter ideia, é isto que o homem tem que conquistar. “(9) Parece-nos que a recente contribuição de Einstein, a teoria da relatividade, abriu mais uma porta para a compreensão dos fenômenos naturais e humanos, retirando-nos da armadilha das concepções dicotômicas que aprisionaram nosso pensamento, libertando-nos para a percepção mais adequada da complexidade da realidade. A busca desta síntese para a compreensão do fenômeno da mudança vem sendo perseguida por inúmeros teóricos, que produziram quatro concepções acerca das causas da mudança que se opera nos sistemas econômico-sócio-político: a concepção sócio-psicológica, a estruturalista, a evolucionista e a teleonômica. 2.1. Concepção Sócio-Psicológica Esta concepção tem em James C. Davies e Ted Guff seus maiores expoentes. Segundo tal concepção, o descontentamento dos indivíduos e grupos é a raiz da mudança, que tende a ser explosiva, revolucionária. Este descontentamento decorre da contínua e crescente frustração dos indivíduos em satisfazerem suas necessidades mais primárias, além de suas expectativas e valores mais elevados. As pessoas podem suportar um índice de frustração elevado até certo ponto, a partir do qual se inicia um verdadeiro processo de efervescência social, que desemboca na ruptura das condições julgadas insatisfatórias. Poderíamos dizer que a política do ‘‘pão e circo’’ corrobora esta hipótese, vez que, satisfazendo-se o povo com alimento e diversão, obtém-se uma redução da tensão social. A questão é saber até quanto tempo essa política surte efeito. Podemos classificar a concepção de Max Weber nesta categoria. Segundo este teórico o fator indutor da mudança é a influência mágica e arrebatadora que o líder carismático produz sobre a massa. Entretanto, constitui fato histórico que o surgimento do líder carismático é fenômeno inerente ao clima psicossocial de insatisfação, frustração e agressão latente. O papel do líder é dar sentido a toda essa energia contida na massa. Um grupo ou um povo insatisfeito é o terreno fértil para o carisma florescer. Por outro lado, será impossível seu surgimento em um grupo satisfeito ou inconsciente de seu estado de insatisfação. 2.2. Concepção Estruturalista A concepção estruturalista, por possuir diversos mentores, originou uma série de hipóteses convergentes em certos aspectos e bastante divergentes em outros. Porém, têm em comum a visão de que as mudanças só ocorrem, de fato, quando há alteração das bases estruturais do sistema.

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Dentre estes teóricos os mais conhecidos são: Karl Marx, Ralf Dahrendorf, Johann Galtung. a) Karl Marx propõe que a mudança essencialmente revolucionária, ocorre a partir da

desagregação da estrutura vertical da sociedade, especialmente por meio da exacerbação dos conflitos de interesses entre dominadores e dominados, com a posterior destruição da estrutura de classes.

b) Ralf Dahrendorf propõe que as mudanças decorrem de uma síndrome nas estruturas que seguram os indivíduos em seus elos sociais nos quais eles mesmos se desenvolveram e que já não os permite realizar e participar. A pressão decorrente dessa falta de realização e participação é a mola-mestra que impulsiona a mudança.

c) Johann Galtung admite que as mudanças se originam nas alterações do equilíbrio das estruturas de prioridades do sistema. ‘‘Estas poderão ser prioridades de valor, de cultura, econômicas ou tecnológicas. (11)

Desse modo, segundo Galtung, a aquisição de um computador por uma organização irá desestruturar a ordem social, em decorrência do choque provocado pela inovação da estrutura tecnológica sobre as demais prioridades estruturais. 2.3. Concepção Evolucionista Os defensores desta corrente propõem que as mudanças fazem parte do processo natural de desenvolvimento dos seres vivos e, por extensão, dos sistemas sociais. Esta evolução poderá dar-se de modo mais ou menos suave, com mais ou menos conflito entre os participantes do sistema. Há diversos teóricos defensores dessa concepção, destacando-se: Darwin, Herbert Spencer, Augusto Comte, Pitirim Sorokim, Philip Selznick.

a) Darwin pode ser considerado o mentor número um do evolucionismo. Por meio de pesquisas com diversas espécies animais, Darwin demonstrou que as mudanças são produzidas como respostas às exigências das condições ambientais, vencendo, neste jogo da adaptação, os mais fortes e os mais hábeis. A mudança é a própria expressão da vida contra as ameaças do ambiente.

b) Herbert Spencer concebe a mudança tomando de empréstimo as hipóteses darwinianas e

transplantando-as para os sistemas humanos. Para ele, os sistemas possuem tendências que lhes são inerentes, fazendo-os mudar: (a) de níveis mais simples para mais complexos; (b) de estruturas homogêneas para estruturas heterogêneas; e (c) de formas mais desorganizadas para mais organizadas. Segundo Gentil Martins Dias, "o fundamental da visão evolucionista, sobretudo na visão de Spencer, é a ideia do permanente progresso onde os que comandam lhes justificam a supremacia pela sua suposta superioridade. Dai por que nos círculos mais intelectualizados das elites nacionais tal teoria cumpriu uma função eminentemente racionalizadora dos papeis sociais do establishment. “(12)

c) Augusto Comte pode ser classificado como evolucionista, na medida em que concebe o

desenvolvimento do sistema por meio da condução racional e científica da mudança, tendo por base o consenso entre as partes, de modo a não abalar as estruturas do sistema durante a mudança. Para Comte, a sociedade deve progredir como um todo homogêneo e ordenado.

É patente a influência que Spencer e Comte exerceram e ainda exercem no pensamento brasileiro, fundamentando ideologicamente inúmeros políticos e dirigentes. Veja-se, por exemplo, o lema nacional ‘‘ORDEM E PROGRESSO’’. Segundo Gentil Martins, ‘‘por meio de uma atuação que

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em muito excedia a simples interpretação e a análise acadêmica da sociedade brasileira, positivistas desempenharam papel da maior importância na vida política da nação. A convicção de que o progresso social deveria ser conduzido por uma plêiade de apóstolos da razão e da ciência, animava a não poucos intelectuais.”(13) Eu diria que ainda anima, pois, do contrário, não seria possível compreender declarações públicas, e outras ditas a meia-voz, de que hoje padecemos da falta de homens capazes de conduzir nossas políticas econômica e social, à exceção de uma reduzida elite de tecno-burocratas que se vêm mantendo ao redor do círculo do poder já há dezenas de anos.

d) Pitirim Sorokim pode ser considerado evolucionista na medida em que propõe a tendência inerente aos sistemas sociais de amadurecerem continuamente no sentido da conquista de maior autoconsciência. Para Sorokim, a educação e a produção de idéias ocupam o lugar de destaque, como fatores responsáveis pelo processo de desenvolvimento.

e) Philip Selznick introduz, na concepção de desenvolvimento, a ideia de ciclo vital ou etapas de crescimento do sistema. Nesse sentido, há que se considerar a história particular de cada sistema e identificar seu nível de desenvolvimento para compreender-se e produzir-se mudanças eficazes. Segundo ele, ”a lição nos diz que, em organizações avaliadas, não podemos tirar conclusões a respeito das práticas administrativas, a menos que possamos colocar aquelas práticas num contexto de desenvolvimento. Na medida em que aprendemos mais sobre as condições sociais que caracterizam várias etapas de crescimento, devemos ser capazes de formular princípios que possam reger a aplicação de preceitos para situações específicas. “(14)

2..4 Concepção TeleonômIca A concepção teleonômica da mudança constitui uma expressão da abordagem sistêmica. O termo teleonomia corresponde à ‘‘alocação e disposição de objetivos (como análogo à agronomia é a alocação e disposição de terras). “ (15) Segundo Ingo Ploger, tal modelo foi desenvolvido na década de 70, para satisfazer a necessidade da Comunidade Econômica Europeia de uma abordagem de planejamento voltada para o futuro. Com base nesta concepção, a mudança deve ser conduzida, voluntariamente, a partir da antevisão das possibilidades do futuro, por meio da confrontação das opções de objetivos com a disponibilidade de meios e instrumentos. Nas palavras de Ploger, “a concepção teleonômica visualiza, em função do tempo futuro, a possibilidade de formular e estabelecer objetivos visando ao mesmo tempo a possibilidade de escolha de opções, tendo em vista os meios disponíveis. “(16)

Os modelos desenvolvidos por cientistas do comportamento humano nos Estados Unidos a partir da década de 60, e conhecido grosso modo como ‘‘D.O.’’ (Desenvolvimento Organizacional), podem ser classificados como teleonômicos, no sentido em que há sempre o compromisso com a mudança planejada, com base em objetivos previamente acordados entre consultor e organização-cliente. Na década de 90, surgiram diversas estratégias para a obtenção da qualidade total, (TQC, Gestão de Qualidade e outras) que também podem ser classificadas nesta categoria de enfoque teleonômico da mudança.

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3. UMA TENTATIVA DE INTEGRAR AS DIVERSAS CONCEPÇÕES SOBRE MUDANÇA Atualmente, pelo fato de termos o privilégio de visualizar todo um espectro de concepções sobre o desenvolvimento humano produzido nestes 25 séculos passados, é natural a tendência de síntese e integração de posições aparentemente antagônicas e excludentes. Este antagonismo adquire conotação de complementaridade quando ampliamos nossa análise por meio das lentes da teoria da relatividade aplicada às ciências sociais, fazendo emergir de sonhadas verdades absolutas, pelas quais muitos se têm digladiado, a relatividade dos elementos que as compõem. Sinteticamente, podemos dizer que as diversas concepções sobre mudança dividem-se em duas grandes categorias: de um lado, as que propõem o conflito como motor da mudança e, de outro, as que advogam o consenso. No primeiro grupo temos os defensores da hipótese revolucionária e no segundo aqueles comprometidos com a hipótese evolucionária. Estas concepções, tomadas isoladamente, pecam por refletirem uma visão estática da questão, deixando de lado o dinamismo inerente aos sistemas sócio-políticos. Uma solução de conflito pode dar certo hoje e ser completamente ineficaz amanhã, assim como o consenso pode ser adequado em certa situação e não em outra. A recente teoria do ciclo vital das organizações e demais sistemas sociais (grupo, nação), que introduz a ideia de índice de maturidade do sistema, traz à baila uma questão que precisa ser considerada. Daniel Katz, já em 1951, levantava a questão de que ‘‘necessitamos dirigir a atenção para tais aspectos elementares das organizações como padrões de desenvolvimento.“ (17) Em outras palavras, ele afirmava que não podemos abordar ou compreender uma organização sem antes visualizarmos seu estágio de desenvolvimento, vez que a estratégia de mudança será mais ou menos eficaz conforme o índice de desenvolvimento organizacional. Selznick aprofunda esta análise quando realça que ‘‘acontecimentos ou práticas aparentemente semelhantes não poderiam ser diretamente comparadas, mas somente quando o estágio de desenvolvimento da organização for determinado. (...). Ao fazer isto, devemos distinguir problemas colocados pela tarefa presente que não exigem transformações organizacionais, dos problemas que são estabelecidos por uma organização segundo o estágio de desenvolvimento no qual ela se acha. “(18) Outro cientista defensor da necessidade de levar-se em conta o ciclo vital dos sistemas organizacionais é Ichak Adizes, professor da Universidade da Califórnia, EUA. Ele declara que “as organizações evidenciam padrões de comportamento característicos, diferentes nos diversos estágios de suas vidas. “(19) A manifestação de fases do desenvolvimento dos sistemas sociais pode ser claramente percebida por meio da análise da história de diversas nações. O ciclo de nascimento, crescimento, esplendor e morte pode ser observado nos tempos remotos, tendo como exemplos o Egito, a Assíria, a Pérsia, a Macedônia, a Grécia, Roma, os gauleses, os vikings e, mais recentemente, a França, a Espanha, Portugal e Inglaterra. Atualmente, podemos inferir a gradual queda do esplendor dos Estados Unidos, que desde a Segunda Grande Guerra Mundial vêm dominando, econômica, tecnológica e culturalmente, todo o Ocidente e o surgimento (ou ressurgimento) da China, como a possível maior economia mundial das próximas décadas. A fase de desenvolvimento do sistema social atua como um dos fatores determinantes da natureza do processo de mudança. Este aspecto é realçado por Gentil Martins Dias quando declara que, ‘‘na realidade, diferentes explicações e preferências sobre explicações resultam não apenas dos interesses objetivos dos grupos sociais envolvidos (aspectos ideológicos), como reclamam os marxistas, mas também, e sobretudo, essas diferenças resultam de situações concretas que derivam do estágio de desenvolvimento da sociedade analisada. “(20)

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A este respeito Martins Dias cita Alvim Gouldner, que em seu livro The Coming Crisis of Western Sociology ‘‘chama atenção para a crescente influência do funcionalismo no mundo intelectual do bloco socialista.“ Segundo Martins ‘‘na medida em que os problemas fundamentais de desenvolvimento industrial foram vencidos na Europa Oriental, as metas sociais e políticas passaram a se concentrar cada vez mais nos aspectos voltados ao estabelecimento de sistemas de autocontrole, de estabilização e de mudança rotinizada.”(21) A revolução, como forma de desenvolvimento, foi substituída pela evolução positivista, ocorrência à primeira vista paradoxal, principalmente para os analistas cujo pensamento se processa apenas em duas pistas: estruturalismo x funcionalismo. A China é um exemplo eloquente desta realidade paradoxal, com seu capitalismo socialista ou socialismo capitalista. Ainda é Martins Dias quem elucida a natureza dessa transição de concepção sobre desenvolvimento, quando declara que ‘‘enquanto modelos explicativos da mudança, que se baseiam no conflito social, se prestam de modo altamente eficaz ao processo de mobilização das tensões e dos grupos sociais, forçando assim transformações imediatas, os modelos que se assentam no equilíbrio social revelam um maior e mais eficaz desempenho quando as metas fundamentais da sociedade se concentram na estabilização e no evento sob controle. Na realidade, há de se reconhecer que tais modelos de mudança social, antes de determinar diferentes tipos de sociedade, são na realidade produtos do nível de desenvolvimento e de avanço social da sociedade. “(22) A natureza do desenvolvimento de determinado sistema depende do nível de abertura e flexibilidade já conquistado. Se o conceito de desenvolvimento pressupõe maior flexibilidade, abertura a novas ideias, agilidade e precisão do sistema em adaptar-se às constantes demandas externas, podemos referir-nos a um índice de desenvolvimento dos sistemas, a partir do qual será mais fácil compreender e administrar o processo de mudança. Este índice de desenvolvimento deverá ser inferido por meio da análise da relação entre o ritmo de mudança do sistema e o ritmo de mudanças ambientais, ou seja, de seu grau de adaptabilidade ao ambiente. Neste aspecto, um sistema mais fechado e rígido, do ponto de vista econômico-social-político, ensejaria mudanças mais abruptas, portanto revolucionárias, e no âmbito de suas estruturas. Entretanto, a necessidade dessas mudanças só poderia ser percebida confrontando-se o estado do sistema com o estado do ambiente no qual se insere. Se há equilíbrio entre os dois: (necessidades do sistema e condições do super-sistema de satisfazer estas necessidades) não ocorrerão mudanças no status quo. Exemplos dessa situação são as sociedades indígenas, cujo equilíbrio com a natureza (seu meio relevante) estabilizou seu nível de desenvolvimento num estágio em que se encontram há séculos. Não há, portanto, sentido em qualificar a sociedade indígena como imatura ou não-desenvolvida. Somente a partir do momento em que o ambiente deixa de satisfazer as necessidades e expectativas do sistema, ocorrerão impulsos para sua mudança, visando a conquistar o equilíbrio perdido.

Um sistema mais dinâmico e aberto às demandas ambientais, caracterizar-se-á como intrinsecamente guiado por forças internas desenvolvimentistas ou, em outras palavras, pelo exercício de sua função adaptativa.

A nosso ver, está muito clara a importância do fator índice de desenvolvimento como elemento a ser considerado na análise e condução de mudanças em sistemas sócio-político-econômicos. Deixar de considerá-lo poderá resultar na própria ineficácia do processo de mudança.

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4. RESISTÊNCIA À MUDANÇA NAS ORGANIZAÇÕES 4.1. O Fenômeno da Resistência à Mudança É patente o reconhecimento do fenômeno da resistência às mudanças, como a expressão de defesa que o ser humano emite quando diante da iminência de perda ou de alteração de sua situação presente, especialmente quando não possui informações seguras e confiáveis sobre a futura condição (proposta pela mudança) e, mais ainda, quando não participou na concepção da mudança pretendida ou, nem ao menos, foi consultado a respeito. A lei da Física, segundo a qual, à toda ação iniciada há uma correspondente reação em sentido contrário e de intensidade equivalente, não pode ser aplicada automaticamente aos sistemas sociais e políticos. A reação à mudança não é, portanto, um fenômeno natural. É um fenômeno cultural. Assim, diante de um mesmo processo de mudança, enquanto alguns atuam de modo reativo, outros poderão apoiá-la, e outros poderão promove-la. Portanto, a resistência à mudança poderá ocorrer ou não. Poderá ser intensa e até mesmo desproporcional à ação inicial, dependendo da repercussão psicológica, política e social que elas ensejem. A resistência à mudança pode decorrer da própria insegurança do indivíduo ou grupo, quando diante de situações ambíguas, incertas e potencialmente ameaçadoras à sua integridade ou tranquilidade. Também pode representar um sintoma da incompetência da pessoa para administrar, com desenvoltura, o seu futuro. E, mais ainda, pode revelar o comportamento típico de personalidades imaturas ou rígidas, incapazes de tratar racionalmente de questões que envolvam riscos aos seus interesses e necessidades pessoais. O certo é que, devido à natureza complexa e sistêmica da mudança, não faz sentido aprisiona-la na lei da física, de ação e reação, pois esta tem sua aplicação restrita a fenômenos naturais. Em sua complexidade, a resistência à mudança constitui um fenômeno no mínimo curioso, por manifestar-se de forma bifacial: para a fonte emanadora da intenção de mudança (A), a resistência à mudança representa um empecilho incompreensível, um obstáculo a ser destruído ou contornado a qualquer custo; para o receptor da mudança (B), a resistência à mudança constitui um escudo sagrado de defesa contra as ameaças ao seu bem-estar. Instala-se, assim, um conflito de objetivos cuja resolução poderá seguir um dos seguintes cursos:

a) desistência de A em suas intenções de efetuar mudanças em B. (A reação de B foi seguramente um fator convincente da impropriedade da mudança, demonstrando, desse modo, maior poder do que A);

b) desistência de B de reagir às mudanças pretendidas ou iniciadas por A. Nesse caso, B foi convencido de que os benefícios advindos da mudança são maiores do que os decorrentes da permanência ou, por outro lado, sucumbiu às pressões do poder de A em decorrência da ausência de alternativas de fuga da situação de dependência;

c) confrontação de forças entre A e B resultando em possíveis desgastes para um dos contendores e para a Organização. Vencerá aquele que contar com maior poder no sistema, combinado com a habilidade de usá-lo em benefício de sua posição;

d) negociação entre A e B, de modo a obterem, ambos, a satisfação parcial de seus objetivos. O reconhecimento da característica bifacial da resistência à mudança é muito importante; seu desconhecimento é responsável por muitos fracassos de líderes e liderados, na condução de processos de mudança. A dificuldade de transcender o próprio ponto de vista, trazendo à luz a posição antagônica, constitui fato amplamente reconhecido. Podemos dizer que reside nessa incompetência empática a origem de parte dos problemas humanos. E quanto menor for a empatia,

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mais frequente será o bloqueio do fluxo de comunicação, e em decorrência, maior será o fechamento do sistema; com isso mais autoritarismo se insere na relação entre A e B. O inverso também é verdadeiro, pois quanto mais empatia houver, mais comunicação, portanto mais participação, também haverá. Mas, nem a empatia goza de unanimidade. Um alerta se faz necessário, pois estudos mais recentes têm demonstrado que a empatia também tem um limite de adequação, ou de segurança. Se uma pessoa se torna exageradamente empática a outra, pode fazer vista grossa a seus comportamentos negativos, como aqueles de natureza aética, por exemplo. Este é um dos fenômenos responsáveis pelo corporativismo, pela xenofobia, ou pelo pensamento grupal, que faz com que os membros do grupo se fechem, deixando de considerar os pontos de vistas divergentes, necessários à boa saúde social do grupo. Neste caso, em lugar da mudança, fortalece-se o fenômeno da permanência, seu par inseparável. É importante realçar a interpenetração dos conceitos de comunicação, inovação e participação (democracia). Um sistema "fechado" tende a ser mais tradicionalista, aristocrático, voltado para o passado e pouco inovador. Isto se deve em parte, ao fato da comunicação ser, caracteristicamente, descendente e de “mão-única”, impossibilitando a circulação, ao longo do sistema, da critica e das ideias novas, verdadeiras revitalizadoras do sistema social, à semelhança do oxigênio para o organismo vivo. Por outro lado, em um sistema democrático, os fluxos de comunicação são construídos em todos os sentidos e direções, satisfazendo cada parte do ‘‘corpo social’’ em suas necessidades de participar e de pertencer. O resultado dessa rede complexa de interação é a efervescência das ideias novas, da criatividade e da inovação permanente. Sem dúvida, “a comunicação como sistema portador de informações tem um papel catalítico dentro do processo de transformação: altera a velocidade de transformação, podendo acelerá-la ou retardá-la.”(23) A questão, portanto, não é a de como eliminar a resistência às mudanças, mas reconhecê-la como fator complementar da intenção de mudança. Assim, enquanto as forças pró-mudança indicam uma direção, as forças anti-mudança indicam outra, num embate permanente entre mudança e permanência. Na medida em que os sistemas sociais se desenvolvem e adquirem maior flexibilidade, aumenta a aceitação do dissenso, como uma das forças inerentes ao processo de desenvolvimento, ao lado do consenso. Tanto o medo do conflito como elemento desagregador, quanto a repugnância pelo consenso como fator de acomodação, cedem lugar à aceitação e administração dessas duas maneiras de trabalhar, de resolver problemas e de viver em comunidade. 4.2. Fatores Dificultadores do Desenvolvimento das Organizações Públicas Brasileiras. 4.2.1. Um Pouco de História Por que é tão complicado modernizar e desburocratizar uma organização pública? Por que é tão difícil despertá-la da sonolência em que geralmente se encontra a maioria delas? Por que se mantém a imagem, tão difícil de acabar, da proverbial indolência e má vontade de parte de seus funcionários? São questões muito difíceis de serem respondidas e muito já se tem feito nesse sentido. Porém, "no Brasil, os esforços de modernização e de adaptação do Governo em relação às demandas ambientais se caracterizam, até bem pouco, por sua inoperância. “(24)

Podemos adotar como marco da história da modernização administrativa a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP, em 1938, ‘‘como órgão de assessoramento,

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execução e controle da racionalização administrativa da nova realidade política, institucional e organizacional lançada pelo Estado Novo, implantada com a revolução de novembro de 1930.”(25) A segunda tentativa (frustrada) de mudança da administração pública deu-se em 1953, por meio de projeto do Executivo apresentado ao Congresso, cuja essência era a proposta de institucionalização do planejamento e coordenação e o estabelecimento de processos funcionais mais racionais.”(26) Em 1956, o presidente Kubitscheck criou a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos - CEPA, cuja finalidade era atuar em nível macro-organizacional, propondo mudanças de estruturas (criação, fusão e extinção de órgãos) e de funções gerais (planejamento, orçamento). Paralela à CEPA, Kubitscheck ‘‘criou, junto ao DASP, a Comissão de Simplificação Burocrática - COSB, que deveria atuar em nível mais micro-organizacional, efetuando estudos sobre rotinas nos ministérios (...) O seu sucesso aparentemente foi pouco expressivo.”(27) A quinta iniciativa de modernização da administração pública ocorreu no Governo Goulart, com a criação do cargo de Ministro Extraordinário para a Reforma Administrativa, dando origem à Comissão Amaral Peixoto, em 1963. Os estudos dessa Comissão trouxeram contribuições relevantes, como a introdução do conceito de sistemas e sua orientação teleológica. Seus resultados, entretanto, foram inexpressivos, vez que os quatro projetos produzidos não foram transformados em leis (anteprojeto de Lei Orgânica do Sistema Administrativo Federal, projeto de Pessoal, projeto de Material e projeto de Organização do Distrito Federal). Em 1964, tivemos um novo marco da modernização administrativa, com a gestão do Ministro do Planejamento, Helio Beltrão. Ele veio mudar a orientação até então seguida pelos reformuladores que se caracterizava pelo cunho legalista, processualista e instrumental, sem penetrar a fundo na questão da mudança administrativa. ‘‘Em novembro de 1964 foi instalada a Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa - Comestra, que se encarregaria de por em prática os princípios que culminariam com a expedição do Decreto-lei número 200/67.”(28) Os estudos da Comestra revitalizaram princípios da Comissão Amaral Peixoto, consolidando-os em cinco: Planejamento, Descentralização, Coordenação, Controle e Simplificação. Apesar de brilhante, o Decreto-Lei número 200 continua até certo ponto como intenção ou esperança. O princípio da descentralização tem sido aplicado apenas para a fase de execução, quando muito, deixando ainda nas mãos do Governo Federal as decisões que, política, social e economicamente, deveriam estar sendo tomadas em nível estadual e municipal. Mas, vale realçar que os Ministérios da Educação e da Saúde, vêm inaugurando, desde 1998, uma nova fase de real descentralização da gestão dos recursos, que agora são gerenciados pelos Estados e Municípios. O SUS é um bom exemplo desta descentralização na gestão dos recursos públicos. Infelizmente a aplicação do princípio da simplificação dos procedimentos administrativos tem deixado muito a desejar até hoje. Na verdade, desde 1981 foi retomada a questão da modernização, sob uma nova ótica. A abordagem técnico-legalista foi complementada com o enfoque político do tema. Desse modo, a criação do cargo de Ministro Extraordinário para a Desburocratização, assumiu um sentido de implementação da intenção de redemocratização das relações entre o Estado e a Sociedade em nível administrativo. Seu instrumento, entretanto, continuou sendo o decreto, numa demonstração patente do vício histórico da modernização pela lei e pelo centro. A periferia (comunidade, estados e municípios) assume ainda um papel passivo, complementando o paternalismo do Poder Executivo Federal. O discurso democrático não combina com a prática. Mas, pelo menos, essa dissonância já é sintoma de uma nova ordem de coisas. A criação, no Governo Sarney, da Comissão interministerial, incumbida de efetuar estudos e apresentar propostas de reforma do Sistema Tributário Nacional, representou iniciativa concreta de operacionalização do princípio da descentralização. Não se pode fazer descentralização política e administrativa sem o suporte da descentralização econômica. O tabu da redistribuição da receita

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começou a ser quebrado. Mas, até hoje (2016), continuamos aguardando a tão esperada reforma tributária e fiscal, tão importantes para o desenvolvimento do nosso país. A variável política, tanto em seu nível partidário como ideológico, ensaia seu papel nas discussões e nas decisões de mudança e modernização. Entretanto, há ainda muito terreno a percorrer nesse esforço de desenvolvimento das organizações publicas e, nesse itinerário, enfrentaremos inúmeros obstáculos. Mais recentemente, podemos relatar, como um novo marco no processo de mudança e modernização da administração pública, o Modelo de Excelência em Gestão Publica - MEGP que faz parte do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização - GESPÚBLICA, criado em 2005 e gerenciado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Este Modelo é o resultado de um longo processo que teve inicio nos anos 90, com a criação do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), trazendo para o Brasil modelos já consagrados em outros países. Sua origem também pode ser encontrada nos idos de 1995, quando foi enviado ao Congresso Nacional o projeto de Reforma do Aparelho de Estado, objetivando substituir o modelo burocrático de gestão pública pelo modelo gerencial, que havia sido aplicado com êxito na Inglaterra, durante o Governo Thatcher e nos EUA, durante o governo Reagan. No Brasil, este movimento foi capitaneado pelo MARE - Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, sob a gestão de Bresser Pereira. O foco da Administração Publica Gerencial é a promoção de resultados em resposta aos anseios do cidadão, que almeja serviços públicos de qualidade, combinado à rapidez e com baixo custo. Seguindo esta linha de raciocínio e tentando dar maior objetividade à avaliação da gestão pública, o Modelo de Excelência em Gestão Pública preconiza a adoção de 13 critérios de excelência que devem ser implementados pelos gestores públicos. Buscando dar maior agilidade ao processo de modernização e desburocratização do Governo Federal foi criada pelo decreto 7.478 de 11 de maio de 2011, pela presidente Dilma Roussef, a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade (CGDC) do Conselho de Governo. Segundo a presidente, após a consolidação do desenvolvimento social com estabilidade econômica, chegou a hora de enfrentar o desafio de transformar o Estado, dizendo textualmente que "o Brasil merece um estado meritocrático e profissional". (www.contee.org.br - publicado em 13/05/2011). A CGDC tem como objetivo "formular políticas e medidas específicas destinadas à racionalização do uso dos recursos públicos, ao controle e aperfeiçoamento da gestão pública, bem como de coordenar e articular sua implementação, com vistas à melhoria dos padrões de eficiência, eficácia, efetividade, transparência e qualidade da gestão pública e dos serviços prestados ao cidadão, no âmbito do Poder Executivo." (Dec. 7.478, de 11/05/2011) Pode ser observada uma mudança significativa do Dec. 5.383, editado pelo Governo Lula em 2005, que criou a Câmara de Politicas de Gestão, Desempenho e Competitividade, para o atual Dec. 7.478, do Governo Dilma, que revoga o Decreto anterior e recria a mesma Câmara de Gestão. O que salta aos olhos é a própria composição da Câmara. Em 2005 era constituída somente por representantes do governo federal, (9 Ministros de Estado) e presidida pelo Ministro Chefe da Casa Civil. Sua estrutura possuía também um Comitê Executivo formado por 13 Secretários Executivos, Chefes e Subchefes de vários Ministérios e, mais ainda um Grupo Técnico composto por 14 Secretários, Presidentes de Fundações e outros representantes de ministérios. Por outro lado, a Câmara de Politicas de Gestão recriada em 2011 é constituída por 4 Representantes da Sociedade Civil e 4 Ministros de Estado e é presidida por um empresário de renome nacional, fundador do Movimento Brasil Competitivo, Jorge Gerdau. O atual decreto extingue o Comitê Executivo e faculta à própria Câmara de Gestão a criação de Grupos de Trabalho ad-hoc, quando julgar necessário.

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As mudanças visando a modernização e a desburocratização da Administração Pública Brasileira estão avançando. Entretanto, há ainda muito terreno a percorrer nesse esforço de desenvolvimento e, neste itinerário, enfrentaremos ainda muita resistência e inúmeros obstáculos. Contudo, antes de mais nada, ‘‘vale dizer que não há nada mais difícil de executar e perigoso de manejar (e de êxito mais duvidoso) do que a instituição de uma nova ordem de coisas. Quem toma tal iniciativa adquire a inimizade de todos os que são beneficiados pela ordem antiga, e é defendido sem muito calor por todos os que seriam beneficiados pela nova ordem - falta de calor que se explica em parte pelo medo dos adversários, que têm as leis do seu lado, e em parte pela incredulidade dos homens. “(29) A percepção dessa verdade que Maquiavel genialmente intuiu, talvez seja a responsável pela escassez de gestores inovadores na administração pública. Ora, os riscos são tantos e os benefícios imediatos tão poucos que ‘‘é mais prudente deixar as coisas como estão e ver no que vai dar’’, ou ‘‘dar tempo ao tempo’’ - justificativas muito ouvidas nos corredores de muitas organizações públicas. Outrossim, a efetivação de mudanças na administração pública implica a ruptura de um equilíbrio de forças, mantido historicamente pela sociedade brasileira. Fatores culturais, econômicos, políticos e ideológicos restringem a liberdade de ação do dirigente, limitando a possibilidade de conquista de maior êxito pelas organizações públicas. O dirigente se encontra preso a compromissos que provavelmente não assumiu e nem rejeitou explicitamente, dos quais não consegue abstrair-se. Assim, ‘‘na medida em que se desenvolvem estes compromissos, a organização perde sua pureza como entidade, considerada de modo abstrato ou ideal; assume um papel definitivo em uma comunidade vivente; institucionaliza-se.” (30) O receio da perda de base de sustentação e da própria identidade fazem com que o dirigente se conforme às regras do jogo, do contrário terá que enfrentar os ônus de sua indisciplina ao pacto-tabu, assumido com as forças políticas que o mantém na função.

4.2.2. Análise de Fatores Dificultadores da Mudança nas Organizações Públicas Vamos agora analisar os principais fatores dificultadores de mudanças nas organizações públicas. Realçamos onze fatores:

1. Falta de base social definida 2. Falta de comprometimento para com a missão organizacional 4. Descontinuidade administrativa 3. Centralização e concentração do poder 5. Busca da eficiência ao invés da eficácia 6. Conformismo 7. Pressões de grupos de interesse 8. Estratificação organizacional 9. Falta de autocrítica 10. Insatisfação básica dos funcionários 11. Despreparo gerencial

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1. Falta de base social definida

Um dos fatores mais relevantes, a nosso ver, é a falta do que Selznick chama de base social definida. Muitas organizações públicas não têm claramente definida a extensão e a natureza de seus clientes ou usuários, e com isso improvisam programas de ação com base em interesses políticos ou no conhecido ‘‘achismo’’: - ‘‘Eu acho que neste ano devemos nos dedicar a este projeto’’, ‘‘enfatizar esta região", ‘‘suspender os recursos deste programa". Nesse jogo de ‘‘boas intenções", esvai-se o dinheiro público aplicado em projetos gerados em gabinetes, sem o respaldo de um diagnóstico situacional adequado. Com o desconhecimento das necessidades reais do cidadão, o que resulta é a flutuação da organização nas águas da improvisação e do casuísmo, geralmente promovidos por orientação político-partidária. Falta-lhe base de sustentação nas demandas e nas características da população-alvo, fator responsável pela consistência do desempenho institucional.

2. Falta de comprometimento com a missão organizacional Decorrente, em parte, do fator anterior, muitas organizações padecem da ausência de comprometimento de seus dirigentes e demais servidores com a missão organizacional e, por extensão, com seus objetivos e metas. O compromisso que se observa comumente é de promoção pessoal do dirigente. Ele faz de tudo para deixar sua própria marca na organização (às vezes a ferro e fogo). Outro tipo de compromisso é com grupos externos, econômicos ou políticos, perdendo-se com isso, a visão global da realidade brasileira e o senso de prioridade para atender as necessidades da comunidade. Desse fato decorre o favorecimento de certas regiões, municípios e grupos de interesse específicos, em detrimento do desenvolvimento integrado da Nação. Os desníveis econômicos e sociais entre as regiões brasileiras atestam este fato, desde os idos do Império até a época atual. Parece constituir um vício de nossa cultura, refletido pelo uso partidário da administração pública. 3. Centralização e concentração de poder Um fator estrutural extremamente relevante é a centralização das decisões e a concentração de poder e de recursos na área federal. Se, por um lado, pode ser pré-requisito para a melhor distribuição da riqueza e do progresso conforme as prioridades nacionais, por outro, constitui um obstáculo fundamental à concretização desse intento, vez que a centralização cria, artificialmente, um elevado poder discricionário no centro, esvaziando a voz da periferia (estados e municípios) e, portanto, a expressão de sua realidade. Mudar as condições de um sistema de poder altamente concentrado é tarefa titânica. Nesse sentido deve-se realçar os diversos esforços do governo federal e de vários governos estaduais com vistas à desconcentração e à descentralização de decisões em beneficio dos níveis municipais, agilizando o alcance das políticas públicas. 4. Descontinuidade Administrativa A célebre descontinuidade administrativa de que padece a administração pública brasileira, constitui outro fator anti-desenvolvimento muito relevante. Alguns de seus efeitos mais conhecidos: o

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proverbial repertório de obras inacabadas, a síndrome de demolição de obras de governos passados, a pressa combinada com a superficialidade e a imperfeição dos programas de obras públicas. Em decorrência da descontinuidade, a administração padece a falta de um corpo de servidores altamente profissionalizados e integrados entre si, conhecedores da realidade e comprometidos com os resultados das organizações públicas. Falta ao Brasil, o que a França, a Inglaterra e a Alemanha já alcançaram, que é a efetiva profissionalização do servidor público, independente de coloração partidária. Por conta da descontinuidade, o sistema gerencial das organizações públicas está pouco comprometido com o processo de modernização institucional, que em última instância significa aumentar sua produtividade e melhorar a qualidade do atendimento ao cidadão, usuário dos serviços públicos. Outra consequência da descontinuidade administrativa é, na administração indireta, a preocupação em ‘‘tocar o barco’’ sem perda de tempo, trabalhando a todo vapor (mesmo que a custos econômicos e sociais muito elevados e com riscos de ‘‘fundir’’ a mal lubrificada máquina organizacional). Na administração direta a atitude de muitos é manter a zona de conforto ou ‘‘não levantar a poeira’’, pois ‘‘pode ficar pior do que está e não vai dar tempo para consertar’’. 5. A busca da eficiência ao invés da eficácia As organizações públicas orientam seu desempenho essencialmente pelo principio da eficiência, preocupando-se com a observância das normas de redução de despesas e contenção de investimentos, em vez de pautar-se pela eficácia, com vistas na obtenção dos resultados almejados, e menos ainda pela efetividade, que se manifestaria pela preocupação com a satisfação perene das expectativas e necessidades dos usuários dos serviços, os cidadãos. A ênfase na eficiência tem sido um dos fatores limitadores de muitas organizações públicas, desviando seus esforços para dentro de si mesmas, numa virtual orientação de auto-referência, perdendo, com isso, o senso de realidade e a noção de que deveriam servir ao público, que afinal é quem paga o salário do servidor público. Ocorre uma espécie de "autismo organizacional", resultante do exacerbado corporativismo que passa a usar a instituição pública como provedora de interesses de seus membros. Outro sintoma da ênfase na eficiência em detrimento da eficácia é a exagerada manualização de procedimentos. Para isso, muito contribuíram os trabalhos de modernização administrativa, quando se limitaram a racionalizar procedimentos, ao invés de questionar sobre a relevância ou a necessidade de mantê-los. Para um ‘‘agente de modernização’’ não constitui questão relevante indagar se é disso que a organização precisa e se é realmente necessária a racionalidade dos procedimentos, layout e a redenominação de funções, (quando o necessário poderia ser extinguir a Seção ou a Divisão, já desprovida de objetivos). O desempenho desse ‘‘especialista’’ em O&M está programado para mudar sem mudar, ou seja, apenas alterar a ordem das coisas, redistribuí-las, rotulá-las, porém nunca questionar a essência do que está tentando racionalizar. Seu trabalho limita-se às fronteiras da organização, quando muito, pois geralmente fica restrito às seções, divisões e departamentos, tomados como partes isoladas do todo. Nessa direção, as organizações públicas tendem a ficar ainda mais ‘‘autistas’’, mais ‘‘esquizofrênicas’’, passando a constituir sujeito e objeto de si mesmas. É o modo de transformar os meios em fins. Há ainda outro agente da eficiência: trata-se da atividade de capacitação ou treinamento, do modo como vem sendo realizado em inúmeras Organizações:

- treina-se por treinar, como justificativa de aplicação de verbas do magro orçamento de treinamento; do contrário, no próximo ano, ele virá mais escasso ainda;

- treina-se para cumprir Instruções Normativas com vistas na promoção funcional, mesmo que contrarie as reais necessidades de treinamento dos servidores;

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- treina-se para transmitir conhecimentos que nunca serão aplicados, por falta de respaldo institucional ou de apoio dos gestores;

- treina-se, fora do expediente, para punir alguém. - treina-se, fora da cidade para premiar, com diárias e folgas alguém bem relacionado.

Em suma, o treinamento pode se transformar em mais uma tecnologia a serviço da eficiência, perdendo com isso o potencial de que dispõe para contribuir para o desenvolvimento do fator humano e da própria organização. Seus programas têm refletido de modo míope a realidade e as necessidades das organizações. 6. Conformismo Outra peculiaridade das organizações públicas é o conformismo exacerbado de seus servidores para com as determinações formais, escritas ou não. A disciplina constitui um valor inquestionável, chegando-se ao absurdo de declarações do tipo: ‘‘manter a disciplina, a ordem, é mais importante do que alcançar resultados’’, ‘‘tenho que cumprir o que determina a lei (decreto, portaria, ordem de serviço, instrução normativa etc), pois se está errado não é problema meu’’, ‘‘tenho que registrar, se não for útil depois, não me diz respeito’’; ‘‘já fechamos, não há ninguém mais aqui’’. Ocorre-me, a respeito desse fenômeno do conformismo burocrático, uma hipótese, no mínimo, curiosa: partindo da premissa de que a disciplina exacerbada fere a própria racionalidade humana, insistir nela só pode ser resultado de algum motivo muito sério. Será que estes servidores entraram em ‘‘greve psicológica’’ consciente ou inconscientemente, por meio do mecanismo de superadaptação às normas. Lembram-se da operação-padrão da policia federal, de aviadores comerciais e de outras categorias grevistas? Seria algo semelhante a isso. A propósito, esta reação de defesa (ou de ataque tácito) foi muito utilizada pelos negros escravizados em nossa época colonial, segundo Roderick Martin, como ‘‘forma de fugir às restrições impostas pela dependência completa.”(31) É ainda Martin quem cita Philips, segundo o qual ‘‘os escravos tinham uma aceitação cortês da subordinação, uma necessidade de serem elogiados, uma facilidade de serem fiéis ao estilo feudal, e uma sábia repugnância humana ao excesso de trabalho.”(32) Continuando, acrescenta Martin que este comportamento do escravo consistia “numa forma de resistência passiva, de infantilismo, redução da responsabilidade e estupidez legitimada e frequentemente destrutiva.”(33) Nas organizações atuais, o poder coercitivo do regime escravocrata foi substituído pelo poder baseado na autoridade racional-legal, e a relação de posse o foi pela relação empregatícia. Porém, o autoritarismo de dirigentes, combinado com as restrições inerentes à burocracia, mantiveram a essência da relação altamente assimétrica superior-subordinado. 7. Pressões de grupos de interesses Outro fator responsável pela resistência às mudanças é a ocorrência de pressões oriundas de grupos internos, cujos interesses estão sendo contrariados pela mudança pretendida. Esses focos de resistência são responsáveis pela ‘‘contaminação’’ da cultura organizacional, instalando prevenções e temores generalizados por meio de boatos, fofocas e intrigas. É vital que se descubram os líderes desses grupos para a adequada administração dos prováveis conflitos que tenderão a exacerbar-se se deixados de lado ou se forem adotadas medidas de força. Os condutores da mudança precisam conquistar estas lideranças, geralmente informais, para participarem no esforço de mudança. Para tanto, será necessário utilizar o diálogo, a barganha ou a pressão, dependendo da natureza da resistência e de suas bases de poder. Não é incomum encontrarmos em organizações públicas verdadeiros ‘‘feudos’’ e ‘‘baronatos’’ com suas regras de conduta, sinais de identificação, rituais de

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iniciação, sistemas de defesa, demarcações territoriais e outros mecanismos de autopreservação. Constituem miniorganizações dentro da Organização, dando origem a controles paralelos, à execução de programas redundantes e ao retrabalho. É comum que estes enclaves organizacionais passem a definir metas à revelia da Missão e das Diretrizes gerais. Se por um lado apresentam o aspecto positivo de constituírem uma base para a descentralização decisória e, consequentemente, agilidade e precisão administrativa, por outro, representam obstáculo à integração e à sintonia das ações organizacionais frente às oportunidades e problemas ambientais, subtraindo, assim, parcelas da força do conjunto organizacional. A solução dessa situação não será a eliminação pura e simples dos feudos, por meio da dispersão de seu pessoal, ou mesmo da demissão de seus líderes. A questão é como utilizar-se do potencial de realização contido nesses grupos em favor da missão e diretrizes organizacionais, obtendo-se o comprometimento com o todo, sem a perda de suas identidades. 8. Estratificação organizacional A estratificação organizacional constitui outro fator a ser considerado como restritivo às inovações nas organizações públicas. Os princípios da divisão de responsabilidades e da especialização funcional têm sido aplicados rigidamente, privilegiando-se o fator de diferenciação em detrimento do fator de integração. A divisão do trabalho por níveis de complexidade é claramente desvirtuada pela estratificação política, administrativa e social dos participantes organizacionais, criando-se, ao invés da necessária complementaridade, a desintegração entre ocupantes de níveis, classes e categorias funcionais distintas. É necessário que os dirigentes atentem para as implicações desse fator, não somente sobre o processo de mudanças, mas também no fluxo de comunicação administrativa e no andamento das decisões de um modo geral. Caso contrário, sua administração poderá correr o risco de ser feita sem o necessário apoio de um número relevante de servidores e, consequentemente, poderá ver-se isolada do contexto organizacional, enfrentando resistências incômodas aos seus objetivos. 9. Falta de Autocrítica A reduzida presença de atitudes ou mecanismos institucionais de autocrítica constitui fator extremamente restritivo ao desenvolvimento das organizações públicas. É característica a incredulidade dos funcionários públicos sobre a possibilidade de que venham a ocorrer mudanças reais nas condições atuais, por isso, ‘‘para que preocupar-se em saber como estão as coisas?’’ A critica da situação resume-se usualmente em duas questões: para muitos dos servidores, o problema é o baixo nível salarial, enquanto que para muitos dos dirigentes a culpa da ineficiência é a carência crônica de pessoal - para eles há sempre muito a fazer e poucos servidores à disposição. Estas duas atitudes criam bodes-expiatórios suficientes para qualquer diagnóstico que venha a ser feito, tornando irrelevantes as tentativas de uma análise mais acurada da situação e deixando impermeáveis à critica, servidores e gestores – ‘‘afinal, o que se pode esperar de alguém que trabalha tanto e ganha tão pouco, ou de alguém com tamanha responsabilidade de chefiar um setor da administração sem o pessoal necessário? ‘’ (é o que muitos dizem comumente). Além disso, há o desvirtuamento do sentido e do significado da critica (ou feedback), como meio de correção de rumos e de desenvolvimento. Muitos a têm interpretado como sinônimo de calúnia, fofoca, “deduragem”, e, nesse contexto, negam-se a participar ou, quando questionados, declaram que “está tudo bem, não há o que corrigir. “

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Faz parte de nossa cultura a repugnância pelo alcaguete ou ‘‘dedo duro’’, valor muito respeitado e defendido. Portanto, ao instalar-se a confusão entre análise crítica da realidade e “deduragem”, cria-se um problema de difícil solução. É difícil querer objetividade e abertura por parte de alguém que, por princípio, encontra-se prevenido, além de receoso de possíveis repercussões de declarações suas e, mais ainda, descrente de que esse gesto irá valer a pena realmente. Há, com isso, o descomprometimento de servidores para com a melhoria de sua Organização.

A ausência de autocrítica institucional faz com que as atividades sejam realizadas ritualisticamente, pautadas, tão-somente, pela letra da lei e pelos limites da disciplina. O legalismo, associado ao autoritarismo, resulta numa combinação castradora da reflexão, da crítica e da criatividade, tornando impossível a análise objetiva da situação por seus participantes diante da inércia burocrática. Desenvolve-se neles um sentimento de impotência e menos-valia, manifestado por reações de passividade ou por agressão à Organização. Dificultar, sabotar ou impedir que ocorram mudanças substantivas no status quo organizacional, constituem reações muito comuns e até mesmo compreensíveis dentro do contexto em que se inserem. Cabe aos gestores atentarem para a gravidade desse fato, dando-lhe a importância que merece no conjunto de suas responsabilidades como dirigentes públicos. É um truísmo declarar que, afinal, os mais prejudicados serão os cidadãos ou usuários do serviço público.

10. Insatisfação básica dos funcionários É notório o fato de que grande percentagem dos funcionários públicos se sente insatisfeita em suas necessidades básicas, decorrente, por um lado, do baixo nível de remuneração e, por outro, da ausência de políticas de benefícios. Esta situação é específica da administração pública direta, vez que inúmeras autarquias e praticamente todas as fundações e empresas públicas já corrigiram essa falha administrativa. Diversas pesquisas sobre a motivação humana no trabalho têm demonstrado que o indivíduo insatisfeito em suas necessidades básicas tende a concentrar sua atenção na busca de condições que solucionem seu estado de carência. Suas energias, ações e pensamentos são desviados de metas organizacionais para metas pessoais. Falar em mudanças que precisam ser feitas na organização passa a não ter significado, a não ser que venham a melhorar a situação pessoal de cada um. Para esta pessoa a análise restringe-se a questões de natureza muito concreta e de curto prazo, perdendo de vista a noção de missão, metas, políticas, clientela e responsabilidade social. Para eles, estes conceitos representam, no máximo, invenções de dirigentes que não têm nada a perder, e de teóricos que não têm o que fazer. A ausência de uma política de gestão de pessoas que satisfaça às necessidades básicas dos servidores públicos produz dois efeitos altamente negativos: (a) atrofia o indivíduo em suas possibilidades de crescer como pessoa, e (b) subutiliza o potencial humano que a organização dispõe, desviando suas energias para metas conflitantes com as necessidades do trabalho. Estes dois efeitos da miopia administrativa resultam em prejuízo para a nação, um de natureza social, outro de ordem econômica. Um quadro de pessoal insatisfeito em seus direitos mais básicos constitui, sem dúvida, forte muralha contra tentativas de modernização organizacional.

11. Despreparo Gerencial O despreparo de dirigentes para o exercício de funções gerenciais constitui, evidentemente, um fator altamente restritivo a qualquer organização. Na administração pública é notória a carência de programas especificamente formulados para a capacitação de gestores. As premissas de que

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qualquer um sabe chefiar, e de que dirigir é uma arte que se aprende com prática e malícia, faz parte do modelo mental de muitos gestores públicos. É comum ouvir declarações de servidores de que os ocupantes de funções de DAS (Direção e Assessoramento Superior) não entram em sala de aula, e que participar de treinamento significa, para eles, um desprestígio funcional. Com esta mentalidade, cria-se uma espécie de aura em torno do DAS, como se ao ocupar este nível funcional a pessoa alcançasse um patamar que o tornasse onisciente e onipotente. A falta de programas educacionais sistemáticos destinado aos gestores públicos, e que possibilitem a análise crítica da realidade ambiental, organizacional e funcional, contribui para o reduzido emprego da reflexão e da autocrítica, que são essenciais à inovação de práticas gerenciais. Sem este recurso, o trabalho tende a transformar-se em rotina alienante, desprovida de mecanismos de correção de rumo e de desenvolvimento permanente de gestores e servidores.

Quando falamos em despreparo dos dirigentes, estamos nos referindo a quatro dimensões do desempenho gerencial: técnica, administrativa, psicossocial e política. A dimensão técnica compreende o domínio dos conteúdos, dos métodos, das tecnologias empregadas na Organização durante o desenvolvimento de suas atividades. A dimensão administrativa refere-se ao desempenho das conhecidas funções gerenciais, tais como direção, coordenação, planejamento, organização, avaliação e controle. Constitui o conjunto de procedimentos que diferencia a função gerencial de funções eminentemente técnicas. A dimensão psicossocial constitui um dos suportes mais importantes ao desempenho gerencial, vez que a gestão não existe de per si, como atributo individual, mas enquanto relação entre pessoas, que precisam de apoio emocional no exercício de papéis organizacionais específicos e de grupos que precisam ter seus talentos, recursos e conflitos administrados. Finalmente, a dimensão política representa outro aspecto fundamental da prática gerencial, já que o sistema de relações estabelecido entre gestores e gerenciados, servidores e comunidade-cliente, concorrentes e autoridades externas, encontra-se estruturado sobre relações de poder. Podemos encontrar um dirigente extremamente competente do ponto de vista técnico e administrativo e incompetente nas demais dimensões. Ele possui o conhecimento de causa e a metodologia necessária para planejar e coordenar programas de grande envergadura, elaborando-os com o requinte de um verdadeiro conhecedor das atividades-fim da organização. Porém, encontra dificuldades para implementar esses planos devido à falta de habilidades de administrar as interferências de ordem interpessoal em sua relação com superiores e/ou com subordinados. Devido a esta incompetência, suas decisões são tomadas com elevado custo psicológico e social para si e para a Organização, com frequentes reclamações ou atitudes de descaso e passividade dos insatisfeitos. O andamento de seus programas pode também sofrer sérios reveses de ordem política, em decorrência de má administração das relações de poder intra e inter-organizacional. Sua reduzida sensibilidade para as necessidades, exigências e variações de humor dos grupos de pressão externos e internos à Organização, pode inclusive inviabilizar programas irrepreensíveis do ponto de vista técnico. A nosso ver, a relevância da dimensão política não vem sendo percebida pela maioria dos teóricos e tecnólogos que se dedicam ao estudo das Organizações. Eles têm privilegiado, de um lado, os aspectos comportamentais e, de outro, os aspectos técnicos e estruturais, deixando de fora a análise do poder organizacional. Cada vez mais nos deparamos com a estreita relação (talvez até correlação) entre mudança e poder. Em outras palavras, só ocorrem mudanças, quando impulsionadas ou respaldadas por alguma fonte de poder interna ou externa à Organização. Há dirigentes que, por experiência própria e/ou tendências inatas, possuem elevada competência política. É pena que, muitas vezes, não a possua associada à competência técnica, administrativa e psicossocial. Sua saída, em curto prazo, será assessorar-se de especialistas nas

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áreas técnica e administrativa e desenvolver-se na dimensão psicossocial por meio de programas de treinamento ou mesmo de psicoterapia. Existem também aqueles dirigentes muito hábeis nas relações interpessoais, cujo contato humano possui certa magia e encanto. Porém, não dispõem em seu repertório, de conhecimentos e habilidades nas demais dimensões. Sua fragilidade gerencial torna-se clara quando enfrentam a necessidade de tomar decisões rápidas e seguras, ou, por outro lado, quando precisam negociar perdas e ganhos com grupos de interesses conflitantes. Esta rápida e superficial sucessão de exemplos pretende tão-somente deixar clara a necessidade de programas de capacitação e desenvolvimento que respondam adequadamente à complexidade da função gerencial. A falta ou reduzida competência gerencial em qualquer uma das quatro dimensões (técnica, administrativa, psicossocial e política) poderá comprometer a eficácia das ações de mudança ou de modernização organizacional. No âmbito da administração pública brasileira, esta situação tem sido agravada pelo exagerado uso do critério político-partidária no provimento de funções de direção, em marcante contraste com o que se observa na gestão pública de países desenvolvidos. Exceção honrosa precisa ser feita às organizações militares e ao Itamaraty, cujos quadros gerenciais são formados e continuamente qualificados por meio de cursos de formação, especialização, estágios, entre outros programas. A criação da carreira e dos programas de formações dos gestores públicos foi uma iniciativa de grande relevância que precisa ser mantida e fortalecida. E a ENAP - Escola Nacional de Administração Pública vem desempenhando um papel muito relevante neste sentido, como principal instituição dedicada a este mister. O despreparo gerencial a que nos referimos, constitui fonte de resistência à mudança e à inovação. O dirigente muitas vezes resiste ou é indiferente à mudança, devido à sua insegurança funcional, ou ao medo de assumir maior carga de autoridade e responsabilidade, quando já se sente acostumado à sua zona de conforto, conquistada há tanto tempo. Desenvolver implica inovar, que pressupõe correr riscos, que significa possuir flexibilidade para adaptar-se às novas situações. E, para adaptar-se, necessita-se de competência para gerenciar a situação presente e preparar as condições futuras. As oportunidades e possibilidades de mudanças substantivas nas Organizações Públicas, no sentido de seu contínuo desenvolvimento, dependerá em grande parte, da correta gestão, pelo menos, desses 11 fatores dificultadores aqui apresentados. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) Moore Jr. Barrington. Poder político e teoria social. Editora Cultrix, São Paulo, 1972, pg. 164-5 (2) Machiavelli, Nicolo, O Príncipe. Brasilia, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1979, Pág. 55 (3) Moore Jr., Barrington. In op. cit p. 40 (4) Wiener, Norbert, Cibernética e Sociedade - O uso humano dos seres humanos. Editora Cultrix, São

Paulo, 1978, pág. 46 (5) Moore Jr., Barrington. In op. cit p. 166 (6) Clastres, Pierre - A Sociedade Contra o Estado - Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 3a edição -

1986 - p. 22 (7) Clastres, Pierre - In op.cit. p. 23 (8) Morente, Manuel Garcia. Fundamentos de Filosofia - Editora Mestre Jou,

São Paulo, 1964, p. 69 (9) Morente, Manuel Garcia - In op. cit. p. 76-7 (10) Ploger, Ingo - Mudança Política. Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1980, p. 18 (11) Ploger, Ingo - In op. cit p. 18 (12) Martins Dias, Gentil - Mudança Social. Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1980, p. 25

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(13) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 27 (14) Selznick, Philip - A Liderança na Administração. Edit. FGV, Rio de Janeiro, 1972, p. 101 (15) Ploger, lngo - In op. cit p. 19 (16) Ploger, Ingo - In op. cit p. 20 (17) Selznick, Philip - In op. cit p. 87 (18) Selznick, Philip - In op. cit. p. 88

(19) Adizes, Ichak - Passagens Organizacionais - Editora Incisa, Rio de Janeiro, 1980 p. l 0

(20) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 40 (21) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 40 (22) Martins Dias, Gentil - In op. cit. p. 401 (23) Ploger, Ingo - In op. cit. p. 10 (24) Aragon Fernandes, Aguinaldo – Modernização Administrativa. Ed. lPEA-SEMOR, Brasília, 1978 p.60 (25) Santos Pequeno, Iglê – Modernização Administrativa. Ed. IPEA-SEMOR, DF, 1978, p. 210 (26) Santos Pequeno, Iglê - In op. cit. p. 212 (27) Santos Pequeno, Iglê - In op. cit. p. 213 (28) Aragon Femandes, Aguinaldo - In op. cit p. 61 (29) Machiavelli, Nicolo - In op. cit. 55 (30) Selznick,Philip - In op. cit. p. 89 (31) Martins, Roderick - Sociologia do Poder, Editora Zahar, Rio de Janeiro, 1978, P. 96 (32) Martins, Roderick - In op cit., p. 97 (33) Martins, Roderick - In op cit., p. 97

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TRABALHO EM GRUPO 3 – FATORES DIFICULTADORES DA MUDANÇA NA ORGANIZAÇÃO

1. Considerando os 11 fatores dificultadores da mudança e do desenvolvimento das Organizações públicas, como você avalia a sua ocorrência no âmbito de sua própria Organização?

AUSENTE BAIXA

OCORRÊNCIA

MÉDIA OCORRÊNCIA

ALTA OCORRÊNCIA

1. Falta de base social definida 2. Falta de comprometimento para com a missão organizacional 3. Descontinuidade administrativa 4. Centralização e concentração do poder 5. Busca da eficiência ao invés da eficácia 6. Conformismo 7. Pressões de grupos de interesse 8. Estratificação organizacional 9. Falta de autocrítica 10. Insatisfação básica dos funcionários 11. Despreparo gerencial

2. Considerando as respostas obtidas pelos participantes de seu Grupo, destaque os três principais fatores.

3. Juntamente com seu Grupo defina as medidas que poderiam ser aplicadas em suas Organizações para reduzir a ocorrência destes três fatores destacados.

Fatores destacados Medidas a serem adotadas

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5. O FENÔMENO DA RESISTÊNCIA À MUDANÇA

Síntese do Artigo: Resistência à Mudança: uma revisão crítica, de autoria de:

José Mauro da Costa Hernandez - Mestre em Administração de Empresas e Doutorando em Administração de Empresas pela FGV-EAESP

e Miguel P. Caldas - Mestre e Doutor em Administração de Empresas pela FGV-EAESP, Professor do Departamento de Administração Geral e RH da FGV-EAESP.

Publicado em RAE, FGV/EAESP, Abr./Jun. 2001 "Se os processos de mudança não têm sido completos fracassos, também é verdade que poucos têm sido sucessos estrondosos (Kotter, 1995); a grande maioria situa-se entre esses dois extremos, e as consequências são visíveis: perda de tempo, energia e dinheiro, danos à motivação de gerentes e empregados etc." "Tanto a literatura acadêmica quanto a gerencial tendem a apontar a resistência à mudança - isto é, qualquer conduta que objetiva manter o status quo em face da pressão para modificá-la (Zaltman e Duncan, 1977) - como uma das principais barreiras à mudança bem-sucedida." É patente que este fenômeno está impregnado de pressupostos que vêm se mantendo ao longo do tempo, como verdades estabelecidas. Apresentamos, a seguir, os cinco pressupostos clássicos sobre resistência à mudança e possíveis contra pressupostos:

PRESSUPOSTOS CONTRAPRESSUPOSTOS 1. A resistência à mudança é natural 1. "Mediante o estudo de mais de uma centena de

organizações de diferentes tamanhos e nacionalidades ao longo de uma década, Kotter descobriu que a resistência era rara e que os empregados frequentemente entendiam a nova visão e queriam contribuir para seu alcance."

2. Ao agirem segundo este pressuposto os gestores e consultores podem contribuir para que as resistências surjam, num típico caso de profecia auto realizadora.

3. "A resistência é um comportamento alardeado pelos detentores de poder e pelos agentes de mudança quando são desafiados em seus privilégios ou ações."

2. A resistência à mudança é nociva à organização.

4. "Conceitualmente, a resistência será um fenômeno salutar quando a mudança, de um ponto de vista relativamente objetivo, trouxer prejuízos ao ambiente, ainda que esse não seja o objetivo do agente da mudança". Ou quando a mudança representar um risco à ética.

5. "Essa afirmação pode visar muito mais proteger a decisão daqueles que se dispuseram a aplicar o remédio certo para o doente errado".

6. "A resistência é usada como uma desculpa para processos de mudança inadequadamente desenhados ou implementados" (um exemplo é o modelo top-down de mudança, tipicamente não-participativo).

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3. Os seres humanos são naturalmente resistentes à mudanças.

7. Ao contrário deste pressuposto, segundo W. I. Thomas, o desejo por novas experiências é um dos quatro mais básicos desejos do comportamento do ser humano".

8. "Os seres humanos resistem à perda, mas desejam a mudança: tal necessidade tipicamente se sobrepõe ao medo do desconhecido."

4. Os empregados são os atores organizacionais com maior probabilidade de resistir à mudança.

9. Ao contrário desta condenação dos empregados, Kurt Lewin "define a resistência à mudança como um fenômeno sistêmico e, dessa forma, poderia ocorrer tanto com empregados quanto com gerentes."

10. "Sprietzer e Quinn (1996) mostraram que gerentes de nível médio de uma organização que passava por processo de mudança culpavam seus superiores hierárquicos por resistir aos esforços de mudança."

5. A resistência à mudança é um fenômeno grupal/coletivo

11. Ao contrário, "para Watson (1969), e outros autores, a resistência não é uniforme e varia de indivíduo para indivíduo de acordo com a fase do processo de mudanças."

12. "A resistência é tanto um fenômeno individual como grupal e vai variar em função de fatores pessoais e situacionais"

Um modelo de Análise da Resistência Individual à Mudança 1. Primeiro estágio: exposição à mudança ou inovação organizacional Caracteriza-se por sua especificidade em relação a cada indivíduo, por depender de condições peculiares a este e à percepção que ele tem do ambiente. 2. Segundo estágio: processamento inicial O individuo compara suas expectativas em relação ao futuro, e atitudes e comportamentos do passado com os atributos percebidos da mudança e suas consequências previstas. A partir desta comparação ele irá adotar uma resposta diante da mudança. 3. Terceiro estágio: resposta inicial Poderá ser uma aceitação ou uma rejeição inicial, que podem se apresentar como resposta passiva ou ativa. Há três resultados possíveis deste processo: percepção de baixa, moderada ou alta consistência. O indivíduo apresentará rejeição inicial em situações de baixa consistência, quanto os atributos da mudança e seus possíveis resultados não correspondem às suas expectativas, aos seus conhecimentos ou aos seus comportamentos passados (hábitos). Diante disso ele não se sente estimulado a continuar a avaliação da proposta de mudança, devido aos riscos que implicam a mudança de hábitos ou rotinas. Exemplos de respostas ativas: sabotagem, protesto e enfrentamento. Exemplos de resposta passiva: devaneio, ignorar o que está ocorrendo, adoecer. Ao perceber alta consistência entre a mudança e suas expectativas, o indivíduo adere imediatamente à proposta, inclusive sem ver necessidade de avaliá-la.

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Quando percebe consistência moderada, que é mais comum, o indivíduo vai tentar buscar mais informações para posicionar-se em relação aos ganhos e perdas provenientes da mudança ou inovação. 4. Quarto estágio: processamento estendido Dependendo de variáveis individuais (grau de envolvimento, aversão ao risco, dogmatismo e insegurança) o indivíduo irá estender a fase de avaliação do processo de mudança, visando reduzir as inconsistências entre suas expectativas e os atributos da mudança e diminuir a sua dissonância. Esta fase é mais demorada, pois depende de pesquisas que o indivíduo irá fazer, formal ou informalmente, sobre as repercussões da mudança. O resultado desse processo de avaliação é a percepção da mudança como OPORTUNIDADE ou como AMEAÇA. 5. Quinto estágio: aceitação e resistências emocionais Nesta fase formam-se as emoções, geralmente de modo automático. Se a mudança for percebida como oportunidade as emoções serão positivas, tais como amor, carinho, alegria, orgulho, paz, satisfação etc. Se for percebida como ameaça, as emoções serão negativas, tais como medo, ansiedade, angustia, raiva, tristeza, culpa, vergonha etc. que irão embasar os comportamentos de resistência à mudança. 6. Sexto estágio: integração Nesta fase o indivíduo tenta integrar todas as emoções e respostas cognitivas da fase anterior, buscando extrair significado neste embate entre suas expectativas e os atributos da mudança. 7. Sétimo estágio: conclusão Neste último estágio, o indivíduo poderá adotar quatro diferentes possibilidades de comportamentos: resistência, decisão de superar a resistência, indecisão ou adoção da mudança. O resultado final dependerá do balanceamento de forças internas e externas, criadas pela proposta de mudança. Fatores individuais responsáveis pela resistência às mudanças: Dogmatismo: atitude conservadora diante de situações novas, por constituírem risco ao padrão histórico de valores e atitudes mantidos pelo indivíduo. Medo do desconhecido: atitude de insegurança diante de situação cuja compreensão não é clara para o indivíduo, por não a ter vivido ou por associa-la com experiências negativas do passado. Fatores situacionais responsáveis pela resistência às mudanças: São relacionados ao grupo ou organização ao qual o indivíduo está associado, tais como cultura organizacional, solidariedade grupal, crenças compartilhadas, necessidade de conformismo grupal, grau de comprometimento da alta gerência com a mudança, tipo de estrutura organizacional, processo e canais de comunicação, entre outros. Em uma organização cuja cultura premie a inovação, é mais provável que os comportamentos de resistência a mudança sejam mal vistos, portanto, serão desencorajados.

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Por outro lado, se a cultura for marcadamente tradicionalista e burocrática, é esperado que os indivíduos resistam à mudança com mais frequência. Outro aspecto que precisa ser realçado é a existência de segmentações grupais, de modo que as propostas vindas de grupos "adversários" serão rejeitadas, ao passo que as propostas oriundas do próprio grupo, ou de grupos aliados, serão bem vindas. Trata-se, neste caso, de fenômeno tipicamente político, de disputa e conflito de poder entre grupos organizacionais. A Resistência à Mudança como Sintoma Apesar da tendência generalizada de considerar a resistência à mudança como um problema a ser combatido, é importante que se amplie a percepção deste fenômeno e que se atualizem as concepções sobre ele. Há casos em que a resistência à mudança pode significar a existência de problemas anteriores à esta resistência, tal como um sintoma organizacional, que pode estar indicando alguma situação mal resolvida ou não resolvida. Diante disso, é recomendável que os gestores investiguem as causas da resistência, ao invés de demonizá-las e tentar eliminá-las, como alguém que tenta baixar a febre, e se mostra satisfeito quando isto ocorre, sem descobrir a infecção que está produzindo esta elevação anormal da temperatura corporal.

Afinal, como bem assinala Ken Blanchard, a resistência a mudança é proporcional à percepção da perda de controle e ao desconhecimento. Observa-se que quando as pessoas tomam conhecimento e, mais ainda, quando participam do processo de mudança, a atitude de resistência é reduzida.

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6. AVALIANDO MUDANÇAS VIVIDAS

Material produzido a partir do Livro – Liderança de Alto Nível, Ken Blanchard – capitulo 11 e 12

Ed. Bookman – Amazon.com.br. 2016

De acordo com Ken Blanchard, um renomado consultor de empresas, muito dedicado à implementação de mudanças organizacionais, há 15 motivos comumente encontrados, que dificultam a implementação eficaz das mudanças pretendidas.

TRABALHO EM GRUPO 3 – AVALIANDO MUDANÇAS VIVIDAS

1. Utilize a lista para avaliar mudanças organizacionais, pelas quais você já passou:

NUNCA OCORREU

RARAMENTE OCORREU

GERALMENTE OCORREU

SEMPRE OCORREU

1. As pessoas que lideram o processo acreditam que anunciar a mudança é o mesmo que implementá-las.

2. As preocupações das pessoas em relação à mudança não são explicitadas ou tratadas.

3. Aqueles a quem está se pedindo que mudem não são envolvidos em seu planejamento.

4. Não há um motivo imperioso para a mudança. A fundamentação, em termos de negócio não é comunicada.

5. Falta de uma visão arrebatadora que entusiasme as pessoas para a mudança.

6. Os lideres da mudança não incluem as pessoas aderentes, nem as resistentes, ao processo.

7. Não é feito um piloto da mudança, portanto, a organização não aprende o que é necessário para dar apoio à mudança.

8. Sistemas organizacionais e outras iniciativas não estão alinhados com a mudança.

9. Líderes perdem o foco ou esquecem de priorizar, provocando a morte por dispersão.

10. As pessoas não são capacitadas ou encorajadas a desenvolver novas habilidades.

11. Os líderes não são confiáveis. Não se comunicam com eficiência, passam mensagens confusas e não constituem modelos para a mudança.

12. O progresso não é medido e não há reconhecimento das conquistas e esforços das pessoas.

13. As pessoas não têm responsabilidade pela implementação da mudança.

14. As pessoas que lideram a mudança não respeitam a força da cultura que pode anular as mudanças.

15. As possibilidades e alternativas não são exploradas antes de uma mudança específica ser escolhida.

2. Considerando as respostas obtidas pelos participantes de seu Grupo, destaque os três

principais motivos para o fracasso da mudança.

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3. Considerando as Estratégias e os Métodos apresentados a seguir, trace com seu Grupo, um plano para garantir maior eficácia ao processo de mudança.

ESTRATÉGIAS DE LIDERANÇA DE MUDANÇAS (K. Blanchard)

ESTRATÉGIA RESULTADO MOTIVOS DE FRACASSO

1. AMPLIAR O ENVOLVIMENTO E A INFLUÊNCIA

ADESÃO 1, 2, 3, 4.

2. ESCOLHER E ALINHAR A EQUIPE DE LIDERANÇA

VOZ ÚNICA 6

3. EXPLICAR O CENÁRIO E O PORQUE DA MUDANÇA

COMPREENSÃO DOS MOTIVOS 4

4. CRIAR UMA VISÃO DO FUTURO VISÃO INSPIRADORA 5 5. TESTAR PARA GARANTIR O

ALINHAMENTO CONVENCIMENTO E ESFORÇO COLABORATIVO

7, 8, 9.

6. CAPACITAR E INCENTIVAR NOVAS HABILIDADES E COMPROMETIMENTO

10.

7. EXECUTAR E APOIAR RESPONSABILIDADE E RESULTADOS IMEDIATOS

11, 12 e 13.

8. IMPLANTAR E AMPLIAR RESULTADOS ALCANÇAVEIS E SUSTENTÁVEIS

14

9. EXPLORAR AS POSSIBILIDADES OPÇÕES 15

MÉTODOS PARA LIDAR COM A RESISTÊNCIA À MUDANÇA MÉTODO COMUMENTE EMPREGADO

QUANDO... VANTAGENS DESVANTAGENS

1. Educação + Comunicação

Há falta de informações e análise imprecisa.

Uma vez convencidas, as pessoas muitas vezes ajudam a implantar a mudança.

Pode levar muito tempo, se houver muitas pessoas envolvidas.

2. Participação + Envolvimento

Os iniciadores não têm todas as informações de que precisam para proteger a mudança e outros têm bastante poder para resistir à mudança.

As pessoas que participam comprometem-se com a implantação da mudança e qualquer informação importante que tenham será integrada no plano de mudança.

Pode levar muito tempo, se os participantes projetarem uma mudança inadequada.

3. Facilitação + Apoio

As pessoas estão resistindo à mudança por causa de problemas de ajustamento.

Nenhum outro método dá tão certo com problemas de ajustamento.

Pode levar tempo, ser caro e não dar certo.

4. Negociação + Acordo

Alguém ou algum grupo com bastante poder para resistir à mudança terá, claramente, algo a perder com a mudança.

Às vezes, é uma maneira relativamente fácil de se evitar uma grande resistência.

Pode ser muito cara, se alertar outras pessoas para negociar a aceitação.

5. Manipulação + Cooptação

Outra tática não dará certo ou será muito cara.

Pode ser uma solução relativamente rápida e barata para os problemas de resistência.

Pode levar a problemas futuros, se as pessoas se sentirem manipuladas.

6. Coação explícita + Coação implícita

A velocidade é essencial e os iniciadores da mudança têm bastante poder.

É veloz e pode vencer qualquer tipo de resistência.

Pode ser arriscado, se deixar as pessoas irritadas com os iniciadores.

Métodos para se lidar com a resistência à mudança. Fonte: adaptado de KOTTER, John P. & Schlesinger, Leonard. "Choosing strategies for change". Harvard Business Review, vol. 57 n 2. Março/Abril, 1979, p.111. (P. 73)

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PLANO EFICAZ DE MUDANÇA