francesa, “liberdade, igualdade e fraternidade” · francesa, “liberdade, igualdade e...
TRANSCRIPT
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
1
Independência, Contradição e Reforma: Três etapas do México no século XIX.
Luciano Rodrigues SANTOS
1
RESUMO
O presente artigo parte de um grande esforço bibliográfico, que permite apresentar as
contradições e problemas das lutas por Independência, bem como da própria construção
do México enquanto Estado-Nação. Questão de suma importância, pois apresenta os
principais atores e personagens da história mexicana, além de destacar os antagonismos
da vida política do México, isto é, a disputa entre Liberais e Conservadores. A
historiografia, desde o século XIX, busca entender os fatores que foram o estopim para
o início das rebeliões no continente latino-americano. De modo geral, existe um
consenso sobre os lemas revolucionários que têm as mesmas bandeiras da Revolução
Francesa, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” – não esquecendo as questões de
ordem financeira, tendo em vista que o avanço do capitalismo implicava um aumento de
liberdade comercial. Portanto é visível que as contradições presentes no processo
revolucionário em prol da independência do México vão-se mostrar muito acentuadas
nos momentos de luta, de organização política e vida social. Ademais, o trabalho
destaca o papel do período chamado de Reforma pela historiografia, como aquele que
sagrou a vitória dos liberais em meio ao caos político vivido pelo México até então.
PALAVRAS-CHAVE: México; Independência; Contradição; Reforma.
1 Mestrando no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Goiás, email: [email protected].
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
2
A Independência Tardia
Este artigo tem por objetivo localizar o leitor acerca das questões nucleares para
entendimento dos dilemas que afetavam o Estado Mexicano moderno, mas também
questões presentes no espaço latino americano2.
A independência do México em 1821 foi fruto de descontentamentos políticos,
sociais e econômicos. Fator de extrema importância foi à mudança de pensamento e
ideologia política na Espanha, que se deve em grande medida à modernização da
Espanha. Na obra “A história da América Latina”, Maria Ligia Prado e Gabriela
Pellegrino, pesquisadoras de longa data sobre América Latina, apresentam um ponto de
vista nuclear sobre essa mudança de pensamento ocorrida no século XVIII nas cortes
européias:
Se faz necessário visitar o século XVIII e conhecer as reformas
propostas pelos reis da dinastia dos Bourbon, especialmente por
Carlos III, que governou de 1759 a 1788. As reformas visavam à
modernização da Espanha e de suas relações com as colônias. Para
melhor controlar o vasto território da América do Sul, que contava
apenas com o Vice-Reino do Peru, foram criados mais dois, o de Nova
Granada, em 1739, e o do Rio da Prata, em 1776 (PRADO,
PELLEGRINO: 2014, p.27).
O sentimento pelo novo, moderno e dinâmico se fazia presente, a ruptura com o
antigo era necessária. Mas todo esse processo teve desdobramentos marcantes,
sobretudo para as camadas mais pobres da população, composta predominantemente por
indígenas.
A historiografia, desde o século XIX, busca entender os fatores que foram o
estopim para o início das rebeliões no continente latino-americano. De modo geral,
existe um consenso sobre os lemas revolucionários que têm as mesmas bandeiras da
Revolução Francesa, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” – não esquecendo as
questões de ordem financeira, tendo em vista que o avanço do capitalismo implicava um
aumento de liberdade comercial. Portanto é visível que as contradições presentes no
2 Em recente obra publicada pelas historiadoras Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino, a conceituação “América
Latina” se mostra problemática dentro da historiografia. As autoras apresentam a seguinte inquietação; “A
denominação América Latina integra nosso vocabulário cotidiano. Mas sua historicidade precisa ser lembrada. Esse
termo foi inventado no século XIX, carregado desde suas origens as disputas de ordem política e ideológica. Os
sentidos que lhe foram atribuídos estão vinculados às polêmicas que envolveram, de um lado, franceses e ingleses
(século XIX) e, de outro, latino-americanos e norte-americanos (século XIX e XX). A precisa origem do termo tem
sido alvo de controvérsias. Para uma corrente, os franceses propuseram o nome como forma de justificar, por
intermédio de uma pretensa identidade latina, as ambições da França sobre esta parte da América. Para outra, foram
os próprios latino-americanos que cunharam a expressão para defender a ideia da unidade da região frente ao poder já
anunciado dos Estados Unidos.” PRADO, PELLEGRINO: 2014, p.8
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
3
processo revolucionário em prol da independência do México vão-se mostrar muito
acentuadas nos momentos de luta, de organização política e vida social.
O vice-reino da Nova Espanha era certamente uma importante colônia
espanhola, portanto um local de perturbações sociais mais agudas. A estrutura
burocrático-administrativa espanhola conduzia a então colônia de maneira rígida
restringindo a autonomia e o avanço econômico local. Ao final do século XVIII,
período das reformas carlistas, a América hispânica produzia; tudo que a metrópole
produzia a diferença entre as duas regiões estava no volume de produção de metais
preciosos das colônias. O Historiador John Lynch, define a situação complexa, pois
existia “uma economia colonial dependente de uma metrópole subdesenvolvida.” 3 O
autor problematiza a tentativa de modernização de Carlos III:
É verdade que na segunda metade do século XVIII houve uma
modesta recuperação econômica, na qual a indústria e o comércio
colonial catalãos tiveram alguma importância. Mas a Espanha
continuou sendo, em sua essência, uma economia agrária e o comércio
marítimo eram visto sobretudo como um escoadouro para a produção
agrícola. Na análise final, as medidas modernizadoras de Carlos III
(1759-1788) tiveram o objetivo de revitalizar um setor tradicional da
economia, e tornou-se mais evidente do que nunca que o mundo
hispânico estava erigido, não sobre uma divisão do trabalho entre a
metrópole e as colônias, mas sobre nefastas semelhanças. (LYNCH:
2001, p.21).
A metrópole não tinha o interesse de fomentar os meios de produção
necessários para o desenvolvimento das colônias, sendo sustentado, pela estrutura de
poder baseada na administração, Igreja e elite local. Os três principais grupos étnicos da
colônia: brancos, mestizos e índios4 tinham condições sociais e jurídicas diferentes; os
criollos em grande parte detentores de minas, terras ou pequenos comércios formavam o
que se configurava como uma elite social e por saberem de sua condição social
transitória lutavam em prol do avanço econômico, bem como da busca por status social
superior. Todavia, o sentimento pela independência não era total dentre a elite e a classe
média criolla, pois existia o temor em relação às massas e dependiam das tradições da
Igreja e do Estado para manter a ordem social. Desejavam na verdade a autonomia.5 O
3 LYNCH: 2001, p.19 4 “Os índios constituíam 60 por cento da população nacional; os castas, 22 por cento; e os brancos, 18 por cento.
Estes, por sua vez, estavam divididos perigosamente entre os espanhóis nascidos na América ( criollos ), que
totalizavam 17,8 por cento da população, e os nascidos na Europa (chamados no México gachupines), em número de
apenas 15 mil, ou dois por cento da população total do país. Esse número diminuto de peninsulares ( espanhóis
nascidos na Península ) constituía a elite administrativa da colônia, pois controlavam os mais altos postos militares e
administrativos.” ANNA: 2001, p.76 5 ANNA: 2001, p.80
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
4
ponto nevrálgico da questão era a disputa entre a elite européia local que controlava o
governo, a Igreja e a maior parte do comércio exterior e a burguesia criolla, com relação
às questões políticas e de prestígio social, e a insatisfação dos índios e mestizos perante
sua condição social:
Sob a superfície, as revoltas revelaram tensões, conflitos e
instabilidades, raciais e sociais, profundamente enraizados, que
haviam ficado abafados durante todo século XVIII e de repente
explodiram quando a pressão dos impostos e outras insatisfações
arregimentaram alguns grupos sociais numa aliança contra a
administração e deram aos setores inferiores a oportunidade de erguer-
se em protesto. (LYNCH: 2001, p.53).
As rebeliões que se iniciaram em 1810 sob o comando de Miguel Hidalgo6 e
José María Morelos7 foram uma reação dos índios e dos castas à opressão a que eram
submetidos, uma vez que ambos constituíam 82% da população e estavam segregados,
proibidos de ocupar cargos públicos e eclesiásticos bem como de ter uma mobilidade
social. Na manhã de 16 de setembro daquele mesmo ano, Hidalgo proferiu o Grito de
Dolores em nome de Fernando VII e da Virgem de Guadalupe, tida como principal
símbolo da fé mexicana. O Grito de Dolores trazia em seu bojo a defesa da religião, o
fim do domínio espanhol e a eliminação da subserviência que reinava no México; só
posteriormente foram anexados ao programa outros elementos como a devolução das
terras às comunidades indígenas, a abolição da escravidão, bem como o reconhecimento
da independência. Os conspiradores tinham na força quantitativa dos índios sua grande
aposta; para eles esse era o fator que iria definir a vitória, pois sabiam do latente
descontentamento dos índios perante sua situação de miséria e distinção étnica.
Logo nos primeiros combates, além de muitas baixas, a quantidade elevada de
desertores foi de extrema importância para colocar um fim à ideia de uma vitória rápida.
Hidalgo é capturado e fuzilado, em 30 de julho. Eis que entra em cena José María
Morelos, que diferente do líder anterior da revolução, tinha objetivos políticos e sociais
muito claros, além de ser melhor comandante militar. A revolta com a liderança de
Morelos tinha um apoio maior dos mestizos, em grande parte por ter um projeto político
6 Miguel Hidalgo y Costilla; San Diego Corralejo, Guanajuato, 1753 - Chihuahua, 1811, patriota mexicano conocido
también con el sobrenombre de El cura Hidalgo. Considerado como el padre de la patria mexicana, fue el iniciador de
la lucha por la independencia. 7 José María Morelos y Pavón; Valladolid, actual Morelia, 1765 - San Cristóbal Ecatepec, 1815 Religioso, político y
militar mexicano, caudillo de la independencia de México. Asumió el liderazgo del movimiento independentista tras
la muerte en 1811 del cura Hidalgo (a cuya causa se había unido en 1810) y logró importantes victorias en el sur.
Trató además de dar forma política a sus ideales de justicia e igualdad a través del Congreso de Chilpancingo (1813),
que formuló la declaración de independencia, otorgó a Morelos un amplio poder ejecutivo y puso las bases para una
Constitución liberal y democrática que sería aprobada en 1814.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
5
mais delimitado. Com a morte de Morelos, os insurgentes lutaram isoladamente,
fazendo uma resistência de guerrilha. Mas são nesse cenário que se configuram as
primeiras contradições do movimento de revolta mexicano, uma vez que os exércitos
realistas eram formados em quase sua totalidade por mexicanos. O que de fato
aconteceu não foi uma luta unificada em prol da nação mexicana que surgia, e sim uma
luta de mexicanos contra mexicanos; “a guerra de independência não foi um conflito
desequilibrado com um desfecho pré-determinado; foi mais uma luta na qual a nação se
viu dividida em suas lealdades e o resultado final não era inevitável; foi uma guerra
civil revolucionária.” 8
A composição dos rebeldes era formada principalmente por índios labriegos9, e
não teve o objetivo concluído, pois carecia ainda de um programa planejado, que
pudesse deixar claro os objetivos pelos quais se propunha a lutar, porém, como cita
Américo Nunes10
, em 1821 o cenário foi diferente:
Entre 1816 e 1825, a Inglaterra, onde o modo de produção capitalista
impõe em todos os setores a força de trabalho como mercadoria, após
a revolução industrial e o desenvolvimento da indústria têxtil,
conquista o mercado latino-americano em gestação. Efetivamente, o
bloqueio continental durante as guerras napoleônicas obriga a
Inglaterra a se voltar para a América espanhola e a iniciar aí uma nova
política comercial, encorajando assim a independência e a formação
de novos Estados latino-americanos. (NUNES: 1980, p.20)
As inquietações vividas no México colocavam em cheque a própria condição de
Estado independente e tal condição só viria a ser viável pelo projeto político de Agustín
de Itúrbide11
, em seu plano de Iguala publicado em 24 de fevereiro de 1821:
No plano de Iguala, Itúrbide propôs um acordo político que tornava
possível a independência. Num único golpe, ao garantir estabilidade
econômica, uma monarquia constitucional e a preservação de
privilégios da elite, ao mesmo tempo em que prometia independência
e igualdade, eliminava as objeções de antigos rebeldes e de membros
da elite que apoiavam o regime real. (ANNA: 2001, p.111).
A própria estrutura do plano trazia em seu bojo as contradições já comuns na
jovem nação, de modo que ao final de todo processo de independência o saldo seria
8 LYNCH: 2001, p.92 9 Termo usado para descrever a condição de índios sem terra. 10 O historiador Américo Nunes, em sua obra: As Revoluções do México problematiza o caso mexicano em três
fases: Independência, Reforma e Revolução. 11 Militar y polítco mexicano. Hijo de un terrateniente español y una criolla noble, Agustín de Iturbide se enroló en el
ejército realista a la edad de catorce años. Se negó a participar en la insurrección contra los españoles, dirigida por el
cura Hidalgo, y defendió la ciudad de Valladolid contra las fuerzas revolucionarias; su notable actuación le valió el
ascenso a capitán.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
6
extremamente ruim para o México, visto que a economia continuara fraca, a população
havia sofrido forte diminuição e a agricultura e a mineração outrora fontes primárias de
divisas passavam por extrema dificuldade e o curto momento de consenso político logo
daria lugar as disputas entre liberais e conservadores.
O manifesto de independência feito por Agustín de Itúrbide em 1821 tinha como
principal meta organizar as três forças sociais e políticas do México pré-independente,
ou seja: o clero, o exército e os espanhóis que viviam no México. Itúrbide sabia da
necessidade dessa organização e deu aos referidos grupos “garantias”, uma espécie de
“boa vizinhança” entre tais forças, em suma as chamadas “garantias”, eram: dar
segurança aos grupos de espanhóis nascidos na Espanha, mas residentes no México,
preservar os privilégios eclesiásticos e, por fim, dar ao exército poder suficiente para
manutenção de todo o processo.
Após a independência de 1821, a economia geral se encontrava em franco
declínio, fato que legitimava as duras críticas direcionadas ao governo de Itúrbide. De
fato, ao lançar os olhos sobre embate revolucionário, percebe-se uma mudança muito
tímida nas estruturas sociais e econômicas do país. É bem verdade que o efeito prático
da independência foi à transferência de poder político da burocracia real para as forças
armadas. Tais contradições políticas acabaram por minar o frágil império estabelecido
por Itúrbide, que viu surgir na nobreza mexicana o desejo pelo fim de seu governo, bem
como a difusão de novas ideias como escreve Bazant, “os próprios atos arbritários de
Itúrbide estimularam a difusão das ideias republicanas, as quais até então estavam
totalmente restritas aos intelectuais”.12
Todavia, essa difusão de ideias republicanas não
significou um novo paradigma na vida social e política mexicana, visto que o militar
Antonio Lópes de Santa Anna13
, ao derrubar o governo de Itúrbide, instaurou a tão
sonhada república, que por ironia tinha nascido como ideia no meio intelectual, mas que
viu o exército transformar em realidade.
O primeiro passo após a instauração da republica, em 1824, foi o ato do
congresso mexicano de promulgar a Constituição, com teor federalista. De acordo com
Bazant, ela era similar à dos Estados Unidos “a constituição mexicana de 1824 dividiu o
12 BAZANT, 2001: p.417. 13 Militar y político mexicano Jalapa, 1795 - México, 1877. Era un joven capitán del ejército español cuando estalló
la insurrección anticolonial en 1810. Tras luchar en el bando virreinal, apoyó a Iturbide una vez que éste se hizo con
el poder y proclamó la independencia (1821). Luego encabezó la sublevación que derrocó al régimen monárquico de
Iturbide y abrió el proceso para convertir a México en una República federal 1822-24.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
7
país em dezenove estados, que deveriam eleger seus próprios governadores e
legislativos e quatro territórios que ficaram sob a jurisdição do congresso nacional.” 14
A constituição mexicana manteve a separação dos Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, porém um ponto foi de grande diferença, a religião que seria
restritamente a Católica Apostólica Romana. O México passou a se espelhar
predominantemente na política americana, com moldes de presidente e de vice-
presidente, além da própria constituição. Portanto, é um México independente, mas sem
uma cultura política sólida, e estabelecida nos debates de melhora do povo mexicano,
situação que ajuda a entender como se tornou complexo o Estado mexicano:
Até então não existiam partidos políticos, mas ambos os grupos
usavam o movimento maçônico como um ponto de convergência para
suas atividades e propaganda. Os centralistas tendiam a serem maçons
do Rito Escocês, enquanto os federalistas, com a ajuda de um
embaixador dos Estados Unidos na nova república, Joel R. Poinsett
tornaram-se membros do Rito de York. As lojas maçônicas forneciam a
base da qual viriam a surgir, cerca de um século mais tarde, o partido
conservador e o liberal.15
A grande questão política do México, entre os anos de 1825 a 1827, era a
conquista de unidade de governo. Em certa medida essa unidade se daria por um
diálogo em prol do México por parte dos centralistas e federalistas. É justamente nesse
quadro social e político que o sentimento nacional mexicano se tornou latente, pois
passou a ser usado pelos federalistas contra os centralistas, que eram favoráveis à
Espanha.
Mas nem todas as províncias apoiaram a disputa entre as forças políticas; dessa
forma a província do Texas inicia a revolta que mudaria os rumos do México16
. Ao
pegar em armas contra o governo centralista de Santa Anna, o Texas colocava em jogo
não só seu repúdio às medidas tomadas pelo executivo federal, mas acima de tudo o
avanço do pensamento liberal. O México caminhava para a institucionalização da
14 BAZANT, 2001: p.421. 15 Reflexão política feita pelo historiador Jan Bazant. 16 A guerra entre o México e os Estados Unidos ocorreu devido às disputas em relação ao Texas. Em 1846, o aumento
das tensões entre os dois países faz com que os Estados Unidos enviassem declaração de guerra ao congresso
mexicano, que ao receber a notícia, se organiza sobre o comando do general Santa Anna, para a possível batalha. Ao
final da guerra em 1847, um acordo de paz pelo qual o México viu metade de seu território passar paras as mãos dos
norte americanos. Em síntese, um final extremamente desastroso para o México, que buscava a organização interna.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
8
revolução17
. A situação só se agravou com o ato de anexação do território do Texas
pelos Estados Unidos, “aprovada por muitos americanos, equivaleria a uma declaração
de guerra”. (BAZANT, 2001: p. 431).
A restauração da República e a Reforma
Já independente, o México ainda não tinha sofrido uma mudança substancial em
sua organização social. Exceto para o indígena, que, ao ser transformado em cidadão
com o mesmo respaldo jurídico dos criollos, perde privilégios outorgados pela Coroa
Espanhola durante o período colonial. Não existia uma liderança nacional capaz de
resolver as questões sobre a fraca economia, má distribuição de terras e consolidação de
uma burguesia realmente mexicana. O que se teve foi uma série de guerras civis entre
liberais e conservadores, que acabaram por minar a economia e acentuar os problemas
sociais; mas é no embate entre conservadores e liberais que se começa a formar uma
classe média preocupada com a vida política.
A disputa entre os dois grupos duraria mais de 50 anos após a independência; os
conservadores eram representados por grupos ligados à Igreja, ao exército e à oligarquia
proprietária de terras. Já os liberais eram compostos intelectuais ligados à burguesia
comercial que se forjava na jovem nação. De maneira geral, nessa disputa grande parte
da população era usada como massa de manobra ao desejo de cada grupo. Havia, porém
alguns pontos de convergência entre liberais e conservadores e tais pontos se davam
pela preocupação em relação à ordem social e a manutenção das camadas populares
distantes das decisões a serem tomadas para a nação. A questão da igreja entre
conservadores e liberais18
deixou marcas profundas na sociedade mexicana, a igreja
enquanto instituição já vivia à sombra do poder, e deteve até a metade do século XIX,
principalmente devido à nacionalização de seus bens:
É difícil imaginar em outro país da América Latina que não o México
o espetáculo proporcionado por freiras cruzando a cidade do México
pela manhãzinha, em busca de nova morada, depois de deixarem à
força seu convento, nacionalizado pelo Estado, esgotado o prazo final
17 Aqui problematizando o clima de descontentamento da população mexicana perante o aumento de impostos, tarifas
e preços. 18 Na busca por aumento de receita econômica e normalização dos impostos, o projeto liberal para o México defendia
a República e a separação entre Igreja e o Estado. Influenciados por ideias advindas dos filósofos iluministas,
pregavam que o poder laico seria a melhor forma de conduzir a nação mexicana, além da nacionalização dos bens da
Igreja. Em contrapartida, os conservadores lutavam pela manutenção das terras eclesiásticas, bem como dos foros
privilegiados. Com a revolução de Ayutla, contra o ditador Santa Anna (1854-1855) os liberais conquistam a vitória
política, dando início ao período chamado de Reforma, sob o comando de Ignacio Comonfort.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
9
oficial de 48 horas para desocupá-lo. Era a expressão do embate entre
liberais e conservadores. (PRADO: 1994, p.28).
No quadro aqui apresentado, temos um México que, mal saído de sua fase
colonial, já se encontrava imerso em controvérsias entre dois grupos que mantinham o
controle político, afastado das grandes massas rurais e urbanas. Os liberais chegaram ao
poder em 1855 e tinham como plataforma política dar ao México a mesma capacidade
produtiva e estabilidade social dos Estados Unidos. Para isso, definiram como principal
meta a modernização da nação, rompendo com os pilares da “antiga ordem social”, isto
é Igreja, Exército e os mandatários regionais. O primeiro passo foi retirar do
Catolicismo o status de religião oficial do Estad. Depois foi a vez do Exército, que teve
grande parte de suas forças reduzidas e seus comandos dissolvidos.
Tais práticas reformistas foram recebidas com desconfiança, uma vez que
desde a independência do México a organização política e social era estruturada pela
chamada ordem antiga de poder19
. A construção de um Estado moderno no México foi
certamente a principal meta dos liberais então no controle no país, e para tal, atacar e
retirar o poder da Igreja era fundamental. Ao retirar o papel da Igreja como religião
oficial do Estado, os liberais atacavam em duas frentes a redução da força política e
destruição da base econômica baseada na enorme concentração de terra. A modernidade
e modernização foram à tônica no processo de formação dos Estados nacionais na
América Latina. As historiadoras e pesquisadoras Maria Ligia Prado e Gabriela
Pellegrino, mostram as diferenças entre os dois conceitos:
Modernidade e modernização são dois conceitos que caminham de
mãos dadas na História, mas que se referem a processos específicos. A
modernidade diz respeito a um ambiente político e cultural associado,
entre muitos fatores, à urbanização, ao crescimento das camadas médias
e assalariadas, à democratização das relações políticas, à expansão da
escolaridade, ao surgimento de espaços de sociabilidade que reorientam
a produção cultural (engendrando, em certos contextos, os chamados
modernismos). Já a modernização compreende, fundamentalmente, as
transformações econômicas fomentadas pelo desenvolvimento do
capitalismo e de uma economia de mercado. (PRADO, PELLEGRINO: 2014,
p.72).
19 “A experiência distintiva do liberalismo na América Latina derivou do fato de terem as idéias liberais sido
aplicadas em países extremamente estratificados social e radicalmente subdesenvolvidos economicamente, nos quais
a tradição da autoridade estatal centralizada estava arraigada profundamente.” HALE: 2002, p.332.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
10
O objetivo claro dessas medidas era atrair também os imigrantes europeus de
todas as religiões20
, para construir uma classe média agrária nos padrões norte-
americana de moderna produção e de fortes instituições democráticas, criando assim a
estrutura para o progresso e a consolidação da democracia no México. Em 1867, sob o
comando do presidente de origem índigena Benito Juárez21
, que chega à Cidade do
México após vitorias sobre franceses e conservadores. Após a Lei Juarez, que cancelou
o foro jurídico privilegiado da Igreja e a Lei Lerdo, criada por Miguel Lerdo de Tejada,
que determinava a desamortização dos bens da Igreja, desencadeou-se uma guerra civil
extremamente violenta entre liberais e conservadores. Segundo Maria Ligia Prado e
Gabriela Pellegrino:
A guerra civil obrigou Juárez, alçado à presidência da República em
1858, a abandonar a Cidade do México e a organizar um governo
itinerante de resistência, que vagou de Veracruz a outros pontos do
norte do país. A luta recrudesceu com a chegada, em 1864, de
Maximiliano de Habsburgo, enviado ao país, sob a proteção de
Napoleão III, como imperador do México. Um ano antes, Napoleão III
ordenara a invasão do México pela França, em consórcio com Espanha
e Inglaterra, a fim de cobrar dívidas não saldadas pelo governo juarista.
Os interesses da França em estender seu movimento de expansão
imperial à América Latina articularam-se com a pressão de
conservadores mexicanos enfronhados na Corte de Napoleão. O
arquiduque Maximiliano de Habsburgo, irmão do imperador austro-
húngaro Francisco José I, o primogênito na linhagem dinástica,
congratulou-se com a oportunidade de coroação como monarca de outro
Império. Mas o imperador importado pelo México frustrou as
expectativas dos diplomatas do Partido Conservador. Maximiliano
buscou implementar reformas que protegessem os súditos indígenas da
ganância dos antigos senhores e escolheu permanecer no México
mesmo após a retirada das tropas francesas, que lhe davam suporte.
20 O tema imigração foi à tônica, a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX na América Latina.
A ideia era alavancar o progresso e fazer um “branqueamento racial”. 21Político mexicano. Hijo de Marcelino Juárez y Brígida García, matrimonio indígena de humilde condición, Benito
Juárez quedó huérfano siendo niño y cursó sus primeros estudios en su pueblo natal. Tenía veinte años cuando
ingresó en el Instituto de Ciencias de Oaxaca, donde se licenció en derecho. Su preocupación por la realidad social y
en particular por la situación de los campesinos lo llevó a expresar sus puntos de vista liberales y a participar
activamente en política. En 1831 Benito Juárez fue elegido regidor del ayuntamiento de Oaxaca y al año siguiente,
diputado al Congreso del Estado. La energía con que defendió los intereses que representaba le valió en 1846 ser
diputado por Oaxaca ante el Congreso de la Unión. Un año más tarde fue designado gobernador de su estado natal,
cargo en el que permaneció hasta 1852.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
11
Terminou refém dos liberais, os quais jamais reconheceram a soberania
do Império. Foi fuzilado por ordem de Benito Juárez, nos arredores da
cidade de Santiago de Querétaro, em junho de 1867. A derrota de
Maximiliano significou a vitória das forças liberais. Benito Juárez
restabeleceu-se na Cidade do México e o país ingressou em uma nova
era de reformas modernizadoras. (PADRO, PELLEGRINO: 2014, p.62).
Vitórias que representavam muito para os liberais, pois o sentimento de patriotismo
fora revigorado e a unificação nacional parecia próxima22
. A estratégia política de
Juárez era baseada na prática das concessões, pois mesmo com relativo índice de
aceitação, enfrentava forte oposição por parte dos hacendados e da classe média. Mais
uma vez o México caminhava para o já comum caminho de contradições, nas palavras
do historiador Américo Nunes: “o México vai ser a aposta nas contradições
intercapitalistas, no caso, determinantes para seu futuro.” 23
A restauração da república não favoreceu as comunidades indígenas, pois os
liberais acreditavam serem elas “entraves para o progresso, na medida em que
impediam a transformação das terras em mercadoria e retinham uma grande quantidade
de mão de obra trabalhando no cultivo de suas terras.” 24
Ademais, a condição do índio
então transformado em “cidadão”, título advindo do processo de Independência era mais
complexo. Agora que sua carga tributária estava mais carregada. É possível deduzir que
a capacidade de manutenção das suas terras estaria certamente afetada, não sendo
improvável que ela se perdesse, assinalando, assim, a decadência da pequena
propriedade indígena.
É possível entender o desenvolvimento histórico, político, econômico e social do
México da segunda metade do século XIX, como um caso de constante contradição.
Assim como a Independência não deu ao mexicano comum a possibilidade de ser um
ator político, ou de galgar cargos de prestigio, a Reforma não melhorou a economia no
nível esperado e não acompanhou o desenvolvimento de uma ainda tímida burguesia
22 Importante destacar o ponto de vista do historiador Friedrich Katz, que discute essa possível unidade nacional
possibilitada por Juárez e sua busca por um Estado centralizado. Segundo o autor: “Apesar do novo sentimento de
patriotismo que a vitória contra os franceses e o surgimento de um novo líder genuinamente popular como Juárez
haviam despertado, o país estava mais distante da integração do que jamais estivera. Durante os anos de guerra,
diversas províncias desenvolveram uma existência quase autônoma, com a vida social, econômica e política
totalmente isolada do restante do México.” KATZ: 2002, p.25 Aqui fica claro como as contradições foram presentes
na formação do México moderno. 23 “Segundo momento de um processo histórico diacrônico, a Reforma liberal, como a Independência, é um complexo
emaranhado de contradições internas (questão agrária, dependência econômica) e externas (conflitos
intercapitalistas).” NUNES: 1980, p.28. 24 BARBOSA: 2010, p.25
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
12
nacional. Em 1867 o México estava marcado por concentrações de terra, revoltas sociais
e indígenas e por instabilidade interna. Situações extremamente favoráveis para o então
jovem militar Porfírio Díaz, que lutaria pelo controle do poder no México.
REFERÊNCIAS
ANNA, Timothy. A Independência do México e da América Central. In: BETHELL, Leslie.
História da América Latina: Da Independência a 1870, volume 3. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF – Fundação Alexandre de
Gusmão, 2001.
ALIMONDA, Héctor. A Revolução Mexicana. São Paulo: Moderna, 1986.
ARENDT, Hannah. O que é política? Trad. Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Ursula Ludz,
2002.
BAZANT, Jan. O México da Independência a 1867. In: BETHELL, Leslie. História da
América Latina: Da Independência a 1870, volume 3. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF – Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.
BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP,
2010.
DE CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
HALE, Charles. “As idéias políticas e sociais na América Latina, 1870-1930”. In: BETTHELL,
Leslie. História da América Latina: de 1870 a 1930, vol. 4. São Paulo: EDUSP; Imprensa
Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2002.
LYNCH, John. “As origens da Independência da América Espanhola”. In: BETHELL, Leslie.
História da América Latina: Da Independência a 1870, volume 3. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF – Fundação Alexandre de
Gusmão, 2001.
LOMNITZ, Claudio. “Los intelectuales y el poder político: la representación de los
científicos en México del Porfiriato a la Revolución”. In: ALTAMIRANO, Carlos (dir.);
MYERS, Jorge (org.). História de los intelectuales em América Latina: I. La ciudad letrada, de
la conquista al modernismo. Buenos Aires: Katz, 2008.
MAÍZ, Claudio. El ensayo latinoamericano: revisiones, balances y proyecciones de um gênero
fundacional. 1ª Ed. –Mendoza: Facultad de Filosofía y Letras UNCuyo, 2010.
NUNES, Américo. As revoluções do México. São Paulo: Perspectiva, 1999.
Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015
13
PRADO, Maria Ligia, PELLEGRINO, Gabriela. História Da América Latina. São Paulo:
Contexto, 2014.
PRADO, Maria Ligia Coelho. A formação das nações latino-americanas. 3. ed. São Paulo:
Atual; Campinas: Editora da Unicamp, 1994.
SIERRA, Justo Méndez. “México social y político [1889]”; “Historia Política [1900]” e “La Era
Actual [1901]”. In: SIERRA, Justo. La evolución política del pueblo mexicano. Caracas:
Biblioteca Ayacucho, 1979a.