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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁ CURSO DE DIREITO Renata Colares Tavares A Valorização Do Princípio Da Fraternidade No Direito Constitucional Macapá 2008

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁCURSO DE DIREITO

Renata Colares Tavares

A Valorização Do Princípio Da Fraternidade No DireitoConstitucional

Macapá2008

‘1

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAPÁCURSO DE DIREITO

Renata Colares Tavares

A Valorização Do Princípio Da Fraternidade No DireitoConstitucional

Monografia apresentada ao Curso de Direito,

do Centro de Ensino Superior do Amapa, como

requisito à obtenção do grau de bacharel em

Direito. Sob a orientação do professor Agnaldo

Alves Ferreira.

Macapá2008

‘2

À minha mãe, Rosa Maria Colares Tavares

a quem devo os valores aprendidos a ternura e o

amor a mim dedicados,à minha irmã Roberta

Colares Tavares pelo constante encorajamento e

à minha prima Simone Brito de Oliveira pelo

companheirismo e amizade.

‘3

AGRADECIMENTOS

Não poderia deixar de agradecer o apoio de muitos. Assim, agradeço:

Em primeiro lugar a Deus, meu mestre maior.

Ao meu orientador Agnaldo, assim como aos demais docentes do curso,

os quais com suas experiências, conhecimentos jurídicos, suscitaram reflexões para

este trabalho em especial a Professora Claudia Cezario com seus comentários

preciosos.

A todos os amigos que direta ou indiretamente me deram o suporte

necessário a realização deste trabalho.

‘4

“A exigência mais sentida no mundo de hojeé a reconstituição dos relacionamentos

humanos em todos os âmbitos da vida social:desde aquele familiar até o

relacionamento entre as Nações e os Povos.

Redescobrir e atuar novas formas de relação,que correspondem às novas formas

éticas e jurídicas que garantem a justiça em todos os relacionamentos, para o

bem de cada individuo e da sociedade;é o objetivo perseguido por juristas,

advogados, professores e estudantesempenhados no mundo do Direito

e da Justiça,nos quais vivenciam a Fraternidade’’.(Lubich,2005)

‘5

RESUMO

O presente trabalho aborda o tema a valorização do principio da fraternidade no

Direito Constitucional, tomando como foco o princípio da fraternidade no sistema

jurídico, sobretudo no direito constitucional. Abrange-se o contexto histórico

contemporâneo, a evolução do constitucionalismo moderno e na normatização dos

direitos fundamentais inserindo-se neste contexto o principio da fraternidade.

Discorre-se sobre a fraternidade e direitos humanos tendo como enfoque a idéia de

universalização que a fraternidade comporta, Faz-se uma correlação da fraternidade

com a dignidade da pessoa humana como pressuposto para a analise do caráter

intersubjetivo dos direitos fraternais. Citando-se alguns fundamentos clássicos,

aborda-se o direito constitucional contemporâneo para situar o principio da

fraternidade em fase de valorização e reconhecimento em transcendência ao

constitucionalismo fraternal, apresenta de forma concisa os reflexos deste novo viés

no âmbito da justiça restaurativa e solução de conflitos. O trabalho discorre sobre a

constatação de que o principio da fraternidade esta sendo assimilado não somente

no âmbito filosófico, social ou político, mas também no âmbito jurídico e

constitucional e destaca a importância e necessidade de aprofundamento da

questão.

Palavras-chaves: fraternidade, direito, operadores, constitucionalismo

‘6

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................................... 7

CAPITULO I............................................................................................................. 10

OS PRINCIPIOS DA LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE E OCONSTITUCIONALISMOMODERNO...............................................................................................................10

1.1 O CONSTITUCIONALISMO MODERNO E A NORMATIZAÇÃO DOSDIREITOS FUNDAMENTAIS E A SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DALIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE.....................................................10

CAPITULO II............................................................................................................ 17FRATERNIDADE E O CARATER INTERSUBJETIVO DOS DIREITOS................ 17

172.1 A FRATERNIDADE E DIREITOS HUMANOS.................................................2.2 A FRATERNIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: O CARÁTERINTERSUBJETIVO DOS DIREITOS........................................................................19

CAPITULO III........................................................................................................... 26O PRINCIPIO DA FRATERNIDADE E O CONSTITUCIONALISMO...................... 26

3.1 O PERSONALISMO CONSTITUCIONAL E O PRINCIPIO DAFRATERNIDADE.....................................................................................................

26

3.2 O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL........................................................293.3 OS REFLEXOS DE UM CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL.................... 33

CONSIDERAÇÔES FINAIS..................................................................................... 35

REFERÊNCIAS........................................................................................................37

ANEXOS.................................................................................................................. 40

‘7

INTRODUÇÃO

O propósito, na abordagem do tema A valorização princípio da

fraternidade no direito constitucional é provocar uma reflexão sobre a sua

importância, reconhecimento e repercussão na seara jurídica, em especial, no

campo do Direito Constitucional.

A fraternidade é um conceito filosófico ligado a idéias de liberdade e

igualdade que hoje representa um complemento tardio e necessário da trilogia que

caracterizou parte do pensamento revolucionário francês no século XVIII. O princípio

fundado na igualdade dos homens perante a lei perdura nas práticas jurídicas da

nossa sociedade, tanto quanto o princípio da liberdade juntamente com todas as

lutas em busca da sua concretização e cresceu nos mais variados níveis, sendo

neste contexto que queremos identificar o principio da fraternidade no direito

constitucional.

Vale ressaltar não ter sido possível maior aprofundamento das questões

tratadas, como gostaríamos de fazê-lo, sobretudo, pelo pouco material bibliográfico

que trate especificamente deste assunto ainda que seja de fundamental importância

para a aplicabilidade do direito.

O principal objetivo deste trabalho é apresentar a fraternidade como uma

categoria jurídico constitucional dentro do ordenamento jurídico, extraindo a

participação e importância da fraternidade em alguns momentos histórico-

constitucionais, e apontando as formas com que a fraternidade vem sendo

valorizada, e efetivamente aplicada no meio jurídico. Para aprofundar o tema em

questão, necessário se fez analisar, brevemente, a evolução porque passou o

constitucionalismo moderno, com destaque nas respostas que procurou empreender

frente às grandes transformações da sociedade.

A fraternidade, ao longo do tempo, vem sendo reconhecida como um

ideal de filosofia política ou social, mas nunca jurídico, portanto, o tema é inovador

no ordenamento jurídico contemporâneo e tem suscitado grande interesse dos

operadores do Direito. Podemos citar como exemplo desta preocupação os vários

congressos a nível nacional e internacional que enfatizaram a fraternidade no

contexto jurídico como o Congresso ocorrido em 2005 na Itália com a participação

‘8

de 700 pessoas de 47 paises, no Brasil, o ocorrido em outubro de 2007 em São Luiz

com o tema “Fraternidade: um novo elemento ao conceito de justiça” e outro em São

Paulo em janeiro de 2008 com o tema Direito e Fraternidade na construção da

justiça.

A priori, constata-se uma inquestionável dificuldade na apreciação crítica

do tema em uma perspectiva jurídica, porquanto, como registra Goria (2008, p. 25),

em geral, concebe-se a fraternidade como algo que se aperfeiçoa espontaneamente,

o que seria incompatível com o Direito, caracterizado pelo uso da coatividade.

Fraternidade e direito, no entanto, não são excludentes. Tal afirmação tem

sua comprovação pela normatização do princípio da fraternidade em inúmeras

Constituições modernas, transcendendo aos já consagrados princípios da liberdade

e da igualdade.

Este trabalho identifica, pois, a fraternidade como igualdade em dignidade

entre todos os homens; superando a idéia simplista de consangüinidade, ou laços

entre parentes, isto é, qualidade que liga membros de uma mesma família, como já

foi conceituada. A dignidade, aqui, é considerada numa perspectiva dinâmica, em

constante evolução. Entende-se a pessoa num contexto relacional, na busca por sua

própria realização em comunidade; sua participação com outras pessoas,

respeitando os direitos subjetivos destas.

Assim, é que em boa hora a fraternidade como categoria jurídica, há de

ser vista como uma nova tendência sistêmica, propiciando as bases não só para o

seu reconhecimento no mundo jurídico, como para um novo olhar na atuação

jurídica, com a humanização dos operadores e dos próprios tribunais na aplicação

do direito.

Ao analisar a problemática jurídica relacionada com a Fraternidade,

buscamos mostrar a sedimentação deste princípio ao longo do tempo e também em

nosso ordenamento jurídico. Para isto, realizamos pesquisa e análise bibliográfica

pertinentes ao assunto, enlaçando o teor histórico, jurídico, doutrinário, sociológico e

em pesquisas feitas na Constituição em vigor.

O trabalho monográfico será dividido em partes; a primeira será

direcionada a normatização dos direitos fundamentais e a sua direta relação com os

princípios da liberdade, igualdade e fraternidade; a segunda apresentará a

‘9

fraternidade e sua estreita relação com a dignidade da pessoa humana, condição

sine qua non para a compreensão do caráter intersubjetivo dos direitos; e a terceira,

finalmente, discorrerá sobre o personalismo constitucional e o principio da

fraternidade, apresentado o constitucionalismo fraternal e seus reflexos no âmbito

jurídico no que concerne a justiça restaurativa e na solução de conflitos como

resultado prático do reconhecimento da fraternidade no direito constitucional.

‘10

CAPITULO I – OS PRINCIPIOS DA LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADEE O CONSTITUCIONALISMO MODERNO.

1.1 O CONSTITUCIONALISMO MODERNO E A NORMATIZAÇÃO DOSDIREITOS FUNDAMENTAIS E A SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DALIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE.

Remontando a primeira idéia de ordenamento jurídico, tem-se que a

normatização do direito surge com a organização da sociedade. Tal fato social gera

a necessidade de normas que, disciplinando condutas, estabeleçam regras de

convivência social.

Nestes termos, de acordo com a doutrina de Kelsen (1995, p. 264), a

produção do Direito se dará sempre em conseqüência de um ato do poder

constituído, isto é, de uma opção feita pelo legislador, em face do poder a ele

conferido.

Nas palavras de kelsen (1995 p 264):

Não existe nenhuma ordem jurídica, de nenhum Estado moderno, segundoa qual os tribunais e outoridades administrativas sejam excluídos da criaçãode normas jurídicas gerais, isto é, da legislação, e da legislação não apenascom base em estatutos e regras de costume, mas também diretamentebaseada na constituição.

No decorrer da evolução das sociedades humanas, entretanto, constatou-

se que há certos direitos, que não se submetem a tal arbítrio e devem ser

assegurados. Estes direitos, segundo a doutrina jus naturalista, decorrem da própria

natureza humana e se inserem num conjunto de bens da vida insuscetíveis de

submissão às ingerências do Estado.

Dessa forma, esses direitos adquiriram a denominação de fundamentais,

sendo caracterizados pelo professor Silva (2007, p. 181), como irrenunciáveis,

imprescritíveis e inalienáveis.

A normatização dos direitos do homem sedimentou-se lentamente e está

intimamente ligada à necessidade de limitação do poder do Estado, ocorrida

mediante o chamado constitucionalismo moderno.

‘11

Em verdade, de acordo com Canotilho (1998, p. 350), costuma-se fazer

uma divisão no processo de desenvolvimento da idéia dos direitos fundamentais,

marcado por dois importantes documentos do século XVIII: a Declaração da Virgínia,

de 1776, no continente americano e a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão, em 1789, conseqüência da Revolução Francesa e da queda do regime

absolutista.

Afirma ainda o mestre português, que antes da publicação destes

documentos havia uma “cegueira” em relação à idéia dos direitos do homem e que

depois deste marco histórico passou-se a vivenciar a constitucionalização de tais

direitos.

Como afirma Baggio (2008, p 8 - 9) a grande importância da trilogia de

1789 é a fraternidade adquirir uma dimensão política aproximando-se e interagindo

com outros dois princípios que caracterizam as democracias atuais: a liberdade e a

igualdade. Porque de fato, até antes de 1789 fala-se de fraternidade sem a liberdade

e a igualdade civis, políticas e sociais; ou fala-se de fraternidade em lugar delas. Tal

trilogia arrancou a fraternidade do âmbito das interpretações – ainda que bem

matizadas – das tradições inserindo-a num contexto totalmente novo ao lado da

liberdade e da igualdade, um novum que é anunciado e logo em seguida decai.

Permanecem em primeiro plano a liberdade e a igualdade – geralmente mais

antagônicas do que aliadas (justamente por serem desprovidas de fraternidade)

quase sempre integradas entre si no seio dos sistemas democráticos.

Como observa ainda Baggio:

Liberdade e igualdade conhecem, assim, uma evolução que as levou a setornarem autenticas categorias políticas, capazes de se manifestarem tantocomo princípios constitucionais quanto como idéias-força de movimentospolíticos. A idéia de fraternidade não teve a mesma sorte. Com exceção docaso francês, como principio político, ela viveu uma aventura marginal, opercurso de um rio subterrâneo, cujos raros afloramentos não conseguiamirrigar sozinhos, a não ser esporadicamente, o terreno político. Enfim opensamento democrático a respeito da fraternidade manteve-se em silêncio.(2008, 8-9).

O ideário: liberdade, igualdade e fraternidade, têm sua origem almejada

por vários grupos: iluministas, maçons como J. M. Roberts, dentre outros. Todavia,

‘12

encontra raízes na doutrina cristã dos padres da igreja, razão pela qual o seu

reconhecimento e atuação no continente europeu são atribuídos aos autores

católicos do século XVII.

Referido ideário, deu ensejo ao constitucionalismo moderno, isto é, a

compilação de um ordenamento jurídico, que possuía no topo de sua pirâmide

normativa, a constituição.

Ressalte-se que esse movimento não se restringiu apenas ao âmbito

jurídico, tendo também alcance sociológico.

Do ponto de vista jurídico o constitucionalismo refere-se a um sistema

normativo, encabeçado pela constituição, que se coloca acima dos detentores de

poder, como meio legítimo de organização e limitação. Por sua vez,

sociologicamente simboliza um movimento social que dá suporte à limitação do

poder, impossibilitando que os governantes façam prevalecer seus interesses na

condução do Estado.

Vale registrar, pois, que o estabelecimento de constituições escritas está

diretamente ligado à edição das declarações de direitos do homem Moraes (2002, p.

58) e a normatização dos direitos fundamentais.

Nas palavras de Bonavides (2007, p. 562):

Em rigor, o lema revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio políticofrancês, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dosdireitos fundamentais, profetizando até mesmo a seqüência histórica de suagradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade.

Nesse primeiro momento, pós-revolucionário, a parte material das regras

constitucionais se apresentava teoricamente estável, pela ausência de opositores.

Instituiu-se o Estado Liberal, que, como o próprio nome já evidencia, colocou em

relevo a proteção da liberdade.

No que pertine ao tema, clara a lição de Bonavides (1980, p. 31), in

verbis:

(...) no liberalismo, o valor da liberdade, segundo Vierkandt, cinge-seà exaltação do indivíduo e de sua personalidade, com a preconizadaausência e desprezo da coação estatal. Quanto menos palpável apresença do Estado nos atos da vida humana, mas larga e generosaa esfera de liberdade outorgada ao indivíduo. Caberia a este fazer ou

‘13

deixar de fazer o que lhe aprouvesse (...).

As Constituições revolucionárias de fins do século XVIII destacavam

sobremaneira uma concepção individualista dos direitos fundamentais, fundada no

pensamento iluminista Silva (2004, p. 174).

Nestes termos, destaca-se a célebre Constituição belga de 1831, que

pioneiramente constitucionalizou os direitos do homem, causando impacto no mundo

jurídico europeu Bonavides(2007, p. 229).

Como relata Rufia apud Silva(2004, p 167),houve uma dupla

transformação no que diz respeito à positivação e a subjetivação dos direitos e a

constituição belga, cujo Título II efetivamente inscreve os direitos fundamentais dos

belgas, fez com que daí por diante as constituições liberais democráticas

passassem a trazer um capítulo em que os direitos fundamentais do homem da

respectiva vinculação estatal foram subjetivados e positivados.

Faz ainda um alerta Silva (2004 p. 167):

Cumpre, no entanto, observar que Biscaretti di Rufia não conhece aconstituição a constituição do Império do Brasil, de 1824, se não verificariaque a primazia da subjetivação e da positivação dos direitos do homem nãocabe a constituição belga, mas a ela, que os enuncia, com as garantiaspertinentes, em seu art. 179, cujo caput é bem característico, quandodeclara que a “inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãosbrasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e apropriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneiraseguinte” (segue o rol de direitos em 35 incisos).

O mundo conheceu, ainda nas primeiras décadas do séc. XIX, a

constitucionalização da primeira geração ou primeira dimensão dos direitos

fundamentais, direitos de status negativus, segundo a terminologia de G. Jellinek,

Canotilho (1998, p. 360) que limitavam a atuação estatal, impondo ao Estado um

dever de abstenção; e direitos de status activus, que possibilitavam a participação do

cidadão na formação da vontade estatal.

Para elucidar os direitos de primeira geração, úteis são as lições de Sarlet

(2004b, p. 54), senão vejamos:

‘14

(...) são o produto do pensamento liberal-burguês do século XVIII, demarcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos doindivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa,demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera deautonomia individual em face de seu poder (...).

Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, como bem

assevera Bonavides (2007, p. 563), os primeiros a figurarem nos textos

constitucionais: os direitos civis e políticos. Conclui o autor, ilustrando que tais

direitos correspondem à fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.

Com o passar do tempo, contudo, um dos efeitos da conhecida

Revolução Industrial foi o surgimento de uma enorme massa proletariada. Essa

grande parcela da sociedade se ressentia das gritantes desigualdades pessoais e

sociais que sofriam, passando a lutar para que o princípio da igualdade não fosse

meramente formal, como era no liberalismo, mas juridicamente reconhecido.

O período que simboliza o fim da primeira guerra mundial proporcionou

um repensar do Estado e funcionou como um propulsor para que a sociedade

constitui-se um novo marco: o Estado Social, que deu especial ênfase à igualdade.

Nesse contexto, destacaram-se a Constituição de Weimar de 1919 e a

Constituição do México de 1917, como pioneiras na sagração dos direitos de

segunda geração ou dimensão: direitos sociais, econômicos e culturais. Deve-se

citar, ainda, a Declaração dos direitos do povo trabalhador e explorado, de 1918,

produzida com base no ideário da Revolução Russa de 1917, como expressão do

constitucionalismo social-democrata Bonavides (2007, p. 564).

Tais direitos germinaram em virtude da doutrina antiliberal do século XX e

possuem status positivus, já que os indivíduos podem exigir do Estado prestações

específicas, concretizadas por meio de políticas públicas.

No Brasil foi a Constituição de 1934 que institucionalizou os direitos

sociais e econômicos.

Não obstante o reconhecimento normativo constitucional que passaram a

ter em tantos países, os direitos de segunda geração, ou dimensão, tiveram a sua

efetividade questionada, na medida em que importavam em prestações materiais

inexeqüíveis pela ausência de recursos (reserva do possível), entre outros fatores.

Assim, esses direitos foram remetidos à esfera programática, por não

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conterem, em si, as garantias asseguradas pelos instrumentos processuais de

proteção dos direitos da liberdade Bonavides (2007, p. 564). Dificuldade, esta,

superada quando as Constituições passaram a formular preceitos que determinavam

a aplicabilidade imediata desses direitos, como o faz a própria Constituição

brasileira.

Vencidas as duas primeiras dimensões dos direitos fundamentais, chega-

se à terceira geração, consubstanciada nos direitos da fraternidade. Direitos que

inauguram um novo patamar, contribuindo para plena efetividade da liberdade e

igualdade.

Nos dizeres de Bonavides (2007, p. 569):

A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas esubdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar emseguida a que se buscasse uma outra dimensão dos direitos fundamentais,até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre afraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude desentido que não parece compreender unicamente a proteção específica dedireitos individuais ou coletivos.

Os direitos de fraternidade Sarlet (2004b, 56) trazem como nota distintiva

o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu

titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação).

O ponto característico desta dimensão de direitos fundamentais é a sua

titularidade coletiva ou difusa, razão pela qual, pode-se afirmar que o seu

destinatário é o próprio gênero humano. Nesse contexto, esses direitos têm como

diferencial o seu caráter universal, ou, pelo menos, transindividual. Figuram nesse

diapasão, o direito à paz, a um meio ambiente equilibrado, à comunicação, entre

outros.

Alguns autores defendem, ainda, a existência de uma quarta geração dos

direitos fundamentais, conseqüência da globalização dos direitos. Nesta vereda,

Bonavides (2007, p. 571) cita o direito à informação, ao pluralismo, mas, sobretudo,

o direito à democracia direta.

A normatização dos direitos de terceira, ou de terceira e quarta dimensão

(dependendo do entendimento), recepcionaram uma pueril fase da evolução do

constitucionalismo, isto é, passou-se do liberal para o social; e agora, podemos

‘16

acompanhar a evolução do social para o fraternal. Concepção defendida, no Brasil,

pelo Ministro Carlos Britto, do Supremo Tribunal Federal ,Britto (2006, p. 216).

Assim, esclarecedoras as palavras de Ferreira Filho (1995, p. 57), quando

diz que “a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos de

igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa:

liberdade, igualdade e fraternidade”.

Estabelece-se, assim, a relação entre a evolução do constitucionalismo

moderno, a normatização dos direitos fundamentais e os princípios da liberdade,

igualdade e fraternidade. Com o advento dos direitos fraternais de terceira e quarta

geração fica clara a necessidade de se aprofundar a relação destes com a dignidade

da pessoa humana e seu aspecto relacional.

‘17

CAPITULO II - A FRATERNIDADE E O CARÁTER INTERSUBJETIVO DOSDIREITOS

2.1 A FRATERNIDADE E DIREITOS HUMANOS

O processo de redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos

iniciado pelo conselho econômico e social da ONU em 16 de fevereiro de 1946

concluiu-se em 10 de dezembro de 1948 com a aprovação definitiva pela

Assembléia geral.

Esta conclusão de redação e aprovação, não por acaso aconteceu em

menos de três anos depois das aberrações nazistas. Uma das primeiras questões

que viriam a ser enfrentadas era justamente a forma da declaração.

A declaração de Direitos Humanos de 1948 possui algumas

características que a diferenciam das cartas de direitos anteriores, do século XVIII.

Segundo Aquini (2008, p.28) esta diferenciação se da em três aspectos: A

universalidade, pois houve a passagem de um projeto de declaração “internacional”

para o de uma declaração “universal”; A defesa da autonomia do individuo perante a

autoridade ampliou-se se destacando a necessidade de “uma ordem social e

internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente declaração

possam ser plenamente realizados” (artigo 28) e evidenciando também uma

responsabilidade individual pela aplicação dos direitos humanos “todo ser humano

tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de

sua personalidade é possível” (artigo 29); e por ultimo diferencia-se com a definição

dos direitos econômicos e sociais, sendo considerado um dos pilares da declaração.

“Todos os homens são irmãos. Dotados de razão econsciência, são membros de uma única família. São livres etêm a mesma dignidade e os mesmos direitos”.Texto do 1º artigo proposto em junho de 1947 pelo comitê deredação à Comissão dos Direitos do Homem. Aquini (2008,p130)

‘18

O texto definitivamente aprovado em 1948 dirá:

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidadee direitos. São dotados de razão e consciência e devem agirem relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Este primeiro artigo da declaração Universal dos direitos do homem

apresenta-se como uma transposição para a esfera universal dos princípios da

liberdade, da igualdade e da fraternidade.

A declaração deveria incorporar os seguintes princípios: 1) unidade da

família humana; 2) a idéia de que todo ser humano tem o direito de ser tratado como

qualquer outro ser humano; 3) o conceito de fraternidade entre os homens. Aquini

(2008, p 133).

Neste sentido afirma ainda Aquini (2008,p.133):

A fraternidade, todavia, não se apresenta apenas comoenunciação de um conceito, mas como principio ativo, motor docomportamento, da ação dos homens, com uma conotaçãoessencialmente moral. Assim, Ela deve ser considerada – ameu ver- estreitamente ligada ao mesmo tempo ao preâmbulo,nas partes em que evoca a idéia da família humana econsidera a declaração um ideal comum a ser alcançado portodos os povos e nações, e ao artigo 29, que introduz a idéiados deveres que todo ser humano tem para com acomunidade.

Nesta perspectiva, amplia-se o leque de sujeitos sobre os quais recai

potencialmente a responsabilidade de por em pràtica os direitos humanos. Como já

foi visto anteriormente, tanto na visão liberal como na socialista, esta

responsabilidade recai principalmente sobre o Estado, que deve assegurar um

mínimo de direitos a todos, mas sem interessar-se pelo fato de outros direitos serem

efetivamente respeitados ou não.

Observa-se, portanto que a fraternidade tende a ampliar este numero de

sujeitos “responsáveis” e, por isso, estimula que deveres e compromissos sejam

assumidos além do que esta prescrito pelas autoridades publicas em nível nacional

e internacional. O que não diminui a responsabilidade dessas autoridades que

deverão diretamente interferir para que o direito seja aplicado, ou ao menos

‘19

predispor um quadro legislativo que promova a ação de outros sujeitos não-publicos,

para que se preserve o objetivo fundamental que é a aplicação do Direito.

Por fim, se constata que no atual contexto de globalização, onde há um

maior número de sujeitos trabalhando em prol da aplicação dos direitos humanos, a

fraternidade exerce um papel de permitir que neste campo os problemas sejam

enfrentados de um ponto de vista universal, onde todo problema e toda solução

passa a ter ligações de interdependência fraternal com outras pessoas, ou outras

nações.

2.2 FRATERNIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O CARATERINTERSUBJETIVO DOS DIREITOS.

Para estabelecer a correlação do caráter jurídico da fraternidade com o

reconhecimento da dignidade da pessoa humana, foi necessária a anterior

abordagem pela constitucionalização dos princípios defendidos na Revolução

francesa.

Entende-se a fraternidade como igualdade em dignidade. Logo, para se

compreender a fraternidade, é indispensável o aprofundamento do princípio da

dignidade, que está na base da consagração dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, urge reconhecer que a concepção de dignidade passou

por um processo de racionalização, não obstante ter mantido o seu foco inicial, que

é a concepção de igualdade de todos os homens.

A consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, inserido

hoje na Constituição brasileira vigente, em seu artigo 1º, inciso III:

TÍTULOI – Dos Princípios FundamentaisArt. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem comofundamentos:c No plebiscito realizado em 21-4-1993, disciplinado na EC nº2, de 25-8-1992, foram mantidos a república e o presidencia-lismo, como forma e sistema de governo, respectivamente.c Art. 60, § 4º, I e II, desta Constituição.I – a soberania;

‘20

c Arts. 20, VI, 21, I e III, 84, VII, VIII, XIX e XX, destaConstituição.c Arts. 201, 202, 210 e 211 do CPC.c Arts. 780 a 790 do CPP.c Arts. 215 a 229 do RISTF.II – a cidadania;c Artes. 5º, XXXIV, LIV, LXXI, LXXIII e LXXVII, e 60, § 4º, destaConstituição.c Lei nº 9.265, de 12-2-1996, estabelece a gratuidade dos atosnecessários ao exercício da cidadania.c Lei nº 10.835, de 8-1-2004, institui a renda básica dacidadania.III – a dignidade da pessoa humana;c Artes. 5º, XLII, XLIII, XLVIII, XLIX, L, 34, VII, b, 226, § 7º, 227e 230, desta Constituição.c Art. 8º, III, da Lei nº 11.340 de 7-8-2006, que dispõe sobre acriação de mecanismos para coibir a violência doméstica efamiliar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 destaConstituição.IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;c Artes. 6º a 11 e 170 desta Constituição.V – o pluralismo político.c Art. 17 desta Constituição.c Lei nº 9.096, de 19-09-1995, dispõe sobre Partidos Políticos.Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exercepor meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termosdesta Constituição.

Assim como em outras Cartas Políticas contemporâneas (Portugal,

Alemanha, Itália etc.) abriga intensa influência da doutrina social da igreja católica.

O conceito de pessoa que possui valor em si mesmo, isto é, que possui

direitos subjetivos, ou ainda, direitos fundamentais, surge com a chamada filosofia

patrística, sendo depois desenvolvida pelos escolásticos (Santos, 1998).

Por seu turno, com o desenvolvimento da doutrina jus naturalista

fundamentada em um processo de racionalização do tema, completa-se o processo

de secularização da dignidade, passando ela a ser intrínseca ao ser humano (Sarlet,

2004a, p. 32).

Nesse sentido, afirma Kant apud Machado (1980, p. 134):

O Homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existecomo um fim em si mesmo, não simplesmente como meio parao uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, emtodas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmocomo nas que se dirigem a outros seres racionais, ele temsempre de ser considerado simultaneamente como um fim.

‘21

Infere-se, desta feita, que, independentemente de ter fundamento

teocêntrico ou antropocêntrico, a dignidade será inexoravelmente compreendida

como uma qualidade intrínseca da pessoa humana Sarlet(2004b, p. 41). Não

podendo o homem ser tratado como um objeto, mas sempre como um fim em si

mesmo.

A dignidade da pessoa humana consiste, pois, no núcleo essencial de

todo direito fundamental. Logo, se o Estado Democrático de Direito tem por

fundamento a dignidade da pessoa humana, observa-se que todos os direitos

fundamentais possuirão um mínimo de dignidade.

Este conteúdo mínimo que é denominado núcleo essencial

,Canotilho(1998, p. 321), mínimo existencial Britto(2007, p. 98), minimum

invulnerável Santos(1999, p. 94), ou ainda concebido como o “coração do patrimônio

jurídico-moral da pessoa” Rocha(1999, p. 32), não pode deixar de ser assimilado

com seu caráter absoluto, e inviolável.

Nessa linha, Canotilho (1998, p. 321) assegura que esse mínimo deve ser

sempre ressaltado, devendo prevalecer, caso entre conflito com outro direito

constitucionalmente garantido. É a essência do direito fundamental, razão pela qual

não pode ser objeto de anulação, revogação, mitigações ou relativizações.

No texto da Constituição da República Federativa do Brasil, encontramos

esse minimum invulnerável1, em todas as normas que tratam de direitos

fundamentais. Assim sendo, fica o legislador vedado a criar condições

desproporcionais ou que tornem impraticáveis tais direitos.

Poderemos citar como exemplos desse mínimo intangível, previstos pela

Constituição da República de 1988, a cláusula que assegura que ninguém será

submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), a que

garante aos presos o respeito à integridade física (art. 5º, XLIX), ou ainda a regra

que traz a garantia do salário mínimo (art. 7º, IV).

Dessa maneira, o que se está protegendo é a dignidade da pessoa

humana. Cada núcleo essencial representa o conteúdo mínimo de dignidade que há

1

‘22

em cada direito fundamental. Nas palavras de Ingo Sarlet (2004b, p. 41), “a

dignidade se afigura como a qualidade integrante e irrenunciável da condição

humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida”.

É, justamente, essa condição irrenunciável, que tornam dignas de

destaque as observações de Delmas-Marty (2003, p. 52), quando afirma que:

A proclamação pela comunidade internacional de um ‘núcleointangível dos direitos do homem’ deve precisamente velar porele, com a condição de não proceder por enumeração,fragmentária e sempre recomeçada, das necessidadesconsideradas como essenciais, mas de definir esta fontecomum a todos os direitos, a qual denominamos ‘igualdignidade’.

Vale relembrar que o homem é anterior ao Direito e ao Estado. Logo,

acima de qualquer circunstância, tem o homem o direito não só de ser reconhecido

como ser humano, como também de ter a sua dignidade protegida

constitucionalmente. Desse modo, cabe ao direito a garantia da paz social, isto é, o

regular desenvolvimento das relações entre os cidadãos Caso (2005, p. 128).

Nesse sentido, têm-se a lição de Freire (2008, p. 85) ao esclarecer que “a

aceitação da normatividade do princípio da dignidade da pessoa humana impõe,

assim, a aceitação da sua capacidade de produzir efeitos jurídicos, através das

modalidades de eficácia positiva, negativa, vedativa do retrocesso e hermenêutica”.

Convém anotar, também, a lição dada por Canotilho (1998, p. 542)

quando esclarece haver uma base antropológica dos direitos fundamentais,

composta não somente pelo ‘homem individual’, mas também pelo homem inserido

em relações sócio-políticas e sócio-econômicas e em grupos de várias naturezas,

com funções sociais diferenciadas.

Com foco nesse paradigma, o caráter relacional e intersubjetivo dos

direitos e dos sujeitos de direito receberá novos contornos. Não se concebe a

convivência de direitos, experimentada no seio social, como excludente ou paralela.

Ao reverso, entende-se o direito como um instrumento que regula condutas, visando

fazer com que os sujeitos de direito vivam em relação com os outros e não apesar

dos outros Machado(2008, p. 18).

‘23

Assim, em cada ser humano habita, num certo sentido, toda a

humanidade. Todos se reduzem a um, à unidade. Desse modo, importante trazer à

baila a lição de Delmas-Marty (2003, p. 49), quando elucida que

“é o direito à igual dignidade de cada ser que consagra a

humanidade do homem – pode-se dizer que sacraliza a

humanidade em cada um de nós e contribui para o movimento

de hominação.”.

Há seu tempo, os ordenamentos jurídicos contemporâneos avançaram na

proteção do ser humano, face às intervenções do Estado e dos detentores de poder,

garantindo, dentro do possível, liberdade e igualdade.

É indispensável garantir, entretanto, a fraternidade. Até porque, tal

princípio torna-se premissa e condição dos outros dois (liberdade e igualdade), na

medida em que consiste do seu elo humanizador.

A fraternidade, mas do que como um princípio ao lado da liberdade e da

igualdade, aparece como aquele que é capaz de tornar esses princípios efetivos.

Aquini (2008, p 137).

E o que afirma Baggio (2008 p 53- 54):

O pensamento moderno desenvolveu a liberdade e a igualdadecomo categorias políticas, mas não fez mesmo com afraternidade - embora esta seja o alicerce das outras duas -,seja por fraqueza, por medo das implicações, seja pela eclosãodo conflito entre religião e modernidade, que tornouparticularmente cheio de obstáculos o terreno da fraternidade.No entanto, a fraternidade e o princípio regulador dos outrosdois princípios: se vivida fraternalmente, a liberdade não setorna arbítrio do mais forte, e a igualdade não degenera emigualitarismo opressor. A fraternidade poderia ajudar poderiaajudar na realização do projeto da modernidade. Esta ultima,de fato, não deve ser negada; ao contrário, seu projeto deveser retomado, adequando-o, porém, à plenitude de valores queele proclama.

As Cartas Constitucionais, desta feita, ao consagrarem os princípios da

liberdade e da igualdade, reforçaram somente os direitos individuais Voce (2008, p.

‘24

2). No entanto, como demonstramos acima, tal postura não é o bastante, na medida

em que não assegura a plena efetivação dos direitos que garantem não só as

relações intrapessoais, como as interestatais. Constata-se, pois, a importância e

necessidade de aplicação do princípio fundamental da fraternidade.

Nesse sentido, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de

1789, já indicava que os limites dos direitos individuais, encontravam-se nos direitos

de cada cidadão em relação com o outro:

Artigo 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo quenão prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturaisde cada homem não tem por limites senão os que asseguramaos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.

A Constituição da República de 1988 aponta como um dos seus objetivos:

construir uma sociedade livre, justa e solidária. Ao assinalar tal escopo não está

descrevendo, como aduz Sarmento (2006, p. 295):

(...) uma diretriz política desvestida de qualquer eficácianormativa. Pelo contrário, ela expressa um princípio jurídico,que, apesar da sua abertura e indeterminação semântica, édotado de algum grau de eficácia imediata e que pode atuar,no mínimo, como vetor interpretativo da ordem jurídica comoum todo.

Arremata, ainda, o mesmo autor:

Na verdade, a solidariedade [aqui também é possível referir-seà fraternidade] implica reconhecimento de que, embora cadaum de nós componha uma individualidade, irredutível ao todo,estamos também juntos, de alguma forma irmanados por umdestino comum. Ela significa que a sociedade não deve ser umlócus da concorrência entre indivíduos isolados, perseguindoprojetos pessoais antagônicos, mas sim um espaço de diálogo,cooperação e colaboração entre pessoas livres e iguais, que sereconheçam como tais.

Nesse contexto, o princípio da fraternidade já é utilizado para consagrar

os direitos transindividuais ou metaindividuais, além das práticas de ações

afirmativas e de justiça distributiva.

‘25

O princípio da dignidade da pessoa humana está estritamente ligado ao

da fraternidade, visto que compõe o seu conceito, além de orientar a sua atuação,

portanto, a fraternidade, delimitada pela dignidade, norteia as relações entre os

sujeitos de direito, garantindo uma convivência pacífica, além da solução justa dos

conflitos, razão pela qual ocasionou o surgimento do constitucionalismo fraternal.

‘26

CAPITULO III - O PRINCIPIO DA FRATERNIDADE E O CONSTITUCIONALISMO

3.1 O PERSONALISMO CONSTITUCIONAL E O PRINCIPIO DA FRATERNIDADE

O personalismo constitucional é possível ser vislumbrado segundo

Pizzolato (2008, p.115-116) na constituição italiana onde se torna o valor

fundamental, sendo o ponto de mediação antropológica no qual toda a arquitetura

constitucional se sustenta, concepções estas totalmente contrárias as que as

precederam próprias do estado totalitário que na Itália chamou-se fascismo e do

estado liberal individualista. A primeira concepção é evitada por pesar o valor e

dignidade do individuo na medida em que faz parte de um organismo maior ao qual

deve ele dedicar sua existência individual, na segunda concepção o modelo

individualista refutado por nossos constituintes como versão ideal-típica contesta a

própria matriz de origem no direito natural iluminista e no contratualismo liberal.

Ainda segundo Pizzolato, por traz de tudo isso, esta a idéia de

individuo desconhecida anteriormente como entidade originária e titular de direitos

naturais que cuja consistência precede a idéia de sociedade que neste caso torna-

se o fruto posterior e eventual de um livre ato de vontade (um contrato) estipulado

entre indivíduos, todos livres, independentes e iguais.

Esclarece ainda o mestre italiano, Pizzolato (2008, p.117).

Não se chega, porém, ao personalismo apenas por diferençaou por oposição aos dois modelos repudiados. Ele tem umestatuto filosófico e antropológico bem definido, que se enraíza,na tradição, acolhida e desenvolvida também pela doutrinasocial da igreja, que parte de Aristóteles. Passa por SantoTomás e chega justamente até o personalismo (comunitário) deMounier e Maritain. Nessa perspectiva, o que se evidencia é ocaráter naturalmente social e político da pessoa, cujaidentidade só se constrói na relação social com o diferente desi, no pertencimento histórico e no enraizamento cultural.

Mounier apud Pizzolato (1975, p.94) explica que a identidade humana

esta constitutivamente inserida no sistema estruturado e solidário das relações

sociais e segundo a ótica personalista, todo homem é um ser estruturalmente

carente e aberto à relação com o diferente de si. Portanto, o que caracteriza o

‘27

homem é a interdependência estrutural. Para Baggio esta suposta estruturalidade

do caráter relacional do homem, sustenta a afirmação de que o processo de

constituição da personalidade desenvolve-se e aperfeiçoa-se por intermédio das

estruturas da sociedade, pertencer a uma comunidade é constitutivo e estrutural da

personalidade humana, não um dado acessório ou opção eventual.

Permanecendo nessa concepção antropológica constitucional, afirma

Pizzolato (2008, p.118):

(...) o fraco, o carente, não representa um “homem menor”,mas constitui o ícone do homem em si, por manisfestarplenamente a abertura estrutural que todo homem tem àrelação com os outros, dos quais tem necessidades a fim deformar uma identidade para si e a fim de viver. (...) Portanto,antes do individuo existe necessariamente uma comunidade,entendida como rede de relacionamentos, tecido de relações,quadro de solidariedade que sustenta o próprio individuo epermite o seu desenvolvimento.

É através da análise deste personalismo que começa a se delinear

de modo nítido a fraternidade, como observa Pizzolato (2008, p.119):

Justamente por ser a fraqueza aquilo que identifica os homensentre si, não existe para a solidariedade o caminho dopaternalismo, mas tão-somente o da fraternidade. Opersonalismo não corre o risco, ao menos no campo teórico,de cair no assistencialismo, pois não há nele uma separaçãoentre uma categoria de “fortes”, que de maneira paternalista,deve prestar socorro, e uma categoria de “fracos”, destinatáriado socorro. O que há é uma interdependência e umafraternidade, na qual todo cidadão tem o dever de desenvolveruma atividade ou uma função que concorra para o progressomaterial e espiritual da sociedade.

O principio da fraternidade penetrou, ainda que discretamente, no

ordenamento jurídico, passando a ser aplicado por outras vias, como no caso

italiano onde não há espaço para a vontade o “absolutista” dos direitos uma vez que

o que regula a solidariedade, o reconhecimento e os conflitos de tais direitos e a

solidariedade.

‘28

Não cabe, portanto como afirma Pizzolato nenhuma afirmação prioritária

de liberdade, mas um reconhecimento contínuo dos direitos entre si e com as

exigências sociais.

Para bem esclarecer sobre este chamado balanceamento dos direitos

promovido pela fraternidade nos diz Pizzolato (2008, p.124):

Assim, a fraternidade age no ordenamento como solidariedadeque nasce da ponderação entre as esferas de liberdade, e queé confiada não à intervenção do Estado enquanto sujeito ativoda relação jurídica, mas sim à ação do estado enquantoordenamento jurídico.

É oportuno esclarecer que o principio da fraternidade – reconstruído-

mesmo que fragmentado pelo ordenamento jurídico italiano primeiramente na sua

Constituição, não tem o mesmo significado que esse termo assume na tradição

jurídica e filosófica francesa. Na França, a fraternité nasce e desenvolve-se em

pleno clima revolucionário, num ambiente cultural iluminista.

Alerta ainda Pizzolato (2008,p.125) que não podemos, portanto, ao

considerar o contexto histórico, encontrar, na fraternidade revolucionaria a idéia de

uma solidariedade confiada à estruturação social, por meio de formações sociais

responsáveis, tal como se deduz do ordenamento constitucional italiano.

Nas palavras de Pizzolato (2008, p. 126):

O principio de fraternidade conjugado em sentido personalistapassa pelo reconhecimento e pela valorização institucional deum tecido social rico e solidário (as comunidades), de umsistema de relações estruturado em formações sociais, na qualseja continuamente recriada a interdependência entre ossujeitos, a base mais duradoura da solidariedade. A promoçãodesse tecido social interdependente e (por isso) solidáriopermite ao Estado buscar o desenvolvimento da pessoahumana sem substituir as formações sociais intermediárias,mas ao contrário, responsabilizando-as, promovendo sualógica participativa e inserindo-se nelas. Trata-se, portanto, deuma fraternidade que segue o modelo comunitário, de cunhoético, não baseada em improváveis convergênciasespontâneas de interesses individuais e egoístas, nem natransferência integral ao estado das tarefas de socorro àsfraquezas.

‘29

Neste sentido, a fraternidade torna cada individuo responsável pelo outro

e consequentemente pelo bem da comunidade promovendo a busca de soluções

para a aplicação do Direito sem que necessariamente dependam da autoridade

publica, tendo como conseqüência a valorização de entidades associativas e

econômicas voltadas à busca da ampliação das liberdades civis e políticas e, ao

mesmo tempo, a melhoria das condições sociais e econômicas.

3.2 O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL

Após os dois grandes momentos do Constitucionalismo Moderno onde o

primeiro foi marcado pelo constitucionalismo liberal e o segundo evidenciado pelo

constitucionalismo social. Vislumbra-se agora o Constitucionalismo fraternal.

Como visto, o constitucionalismo liberal firmou-se no fortalecimento do

individualismo, baseando-se no ócio do poder estatal e na propriedade privada.

Enquanto que o constitucionalismo social, fruto da continua racionalização do

constitucionalismo, buscou ir além, para tentar restringir o poder econômico, com o

intuito de limitar a concentração de renda e, via de regra, a exclusão social.

Assim sendo, constata-se que na vertente liberal, a inação do Estado é

condição de império do princípio da liberdade. Por outro lado, na corrente social, a

ação estatal é utilizada com o fim de concretizar o princípio da igualdade. Princípios

de cuja união indissolúvel emerge o futuro do constitucionalismo contemporâneo,

isto é, o constitucionalismo fraternal, com base no princípio da fraternidade.

Concretizando, desta feita, como bem asseverou Bonavides (2007, p. 562) a

institucionalização do lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e

fraternidade.

Nesse sentido, o Estado Fraternal veio transcender o Estado Social,

contudo sem o negar. Assim como, o Estado Social superou o Estado Liberal, não

obstante ter mantido, igualmente, as suas conquistas Britto (2006, p. 216).

Em verdade, só depois da Declaração Universal dos direitos do Homem é

que as Leis Fundamentais de cada povo soberano foram ganhando uma

funcionalidade fraternal Britto (2006, p. 179).

‘30

No Brasil, a Constituição da República de 1988 faz referências expressas

tanto à fraternidade, como à solidariedade. Já no seu preâmbulo reconhece a

sociedade brasileira como fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Por seu turno, o artigo 3º, inciso I, evidencia como um dos compromissos

fundamentais da República Federativa do Brasil: a construção de uma sociedade

livre (homenagem à liberdade, aspecto político), justa (é a dimensão social de ações

distributivas) e solidária (é a dimensão fraternal) 2.

No transcurso do texto magno, constata-se ainda a consagração dos

direitos fundamentais de terceira e quarta gerações, como o direito ao

desenvolvimento, ao meio ambiente, à comunicação, dentre outros. Assim sendo, o

corpo constitucional é formado por uma gama de princípios consagrados com força

constitucional.

De acordo com Britto (2006, p.180), a Constituição Cidadã de 1988 é

fundada em princípios, os quais devem ser analisados como supernormas de Direito,

na medida em que se adicionou a mera dignidade formal da Constituição, uma

dignidade material, garantindo uma supereficácia normativa da Carta Constitucional.

No mesmo diapasão, Miranda (1983, p.199) afirma terem os princípios

fundamentais uma função ordenadora, bem como possuírem aplicação imediata,

enquanto diretamente capazes de conformarem relações político-constitucionais.

Arremata o autor, esclarecendo que a ação imediata dos princípios consiste, em

primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e de integração, pois

são eles que dão coerência geral ao sistema.

Sem embargo, estes direitos nucleares dos seres humanos que lastreiam

a dinâmica da atuação do poder originário estão se inclinando, abruptamente, na

direção de um comando constitucionalista de estirpe fraternal, Stefanini (2006, p.

14).

Essa nova fase do constitucionalismo moderno funda-se numa integração

comunitária, como bem esclarece Britto (2006, p. 216), in verbis:

2 Pensamento expresso no voto do Ministro Carlos Ayres Britto, na ADI nº. 3.768-4/DF, julgadapelo Supremo Tribunal Federal e publicada no DJ. 26/10/2007.

‘31

(...) entendamos por Constitucionalismo Fraternal esta fase emque as Constituições incorporam às franquias liberais e sociaisde cada povo soberano a dimensão da Fraternidade, isto é, adimensão das ações estatais afirmativas, que são atividadesassecuratórias da abertura de oportunidades para ossegmentos sociais historicamente desfavorecidos, como, porexemplo, os negros, os deficientes físicos e as mulheres (paraalém, portanto, da mera proibição de preconceitos). De par comisso, o constitucionalismo fraternal alcança a dimensão da lutapela afirmação do valor do Desenvolvimento, do Meio Ambienteecologicamente equilibrado, da Democracia e até de certosaspectos do urbanismo como direitos fundamentais.

Nesses termos, o reconhecimento de uma sociedade fraterna passa pela

vivência de uma vida plural, onde cada cidadão tem suas especificidades, aceitas

sem preconceitos. Esse respeito recíproco define uma ação que vai além da garantia

da mera liberdade individual, ou de uma simples busca pela inclusão social, na

medida em que se preocupa com a realização dos direitos do homem, por meio da

fraternidade.

O Estado Fraternal caracteriza-se, pois, pela plena integração dos

princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. Isto porque, não pode haver

fraternidade sem a liberdade de todos os cidadãos, garantida pelo ordenamento

jurídico; assim como também não há fraternidade senão entre iguais.

Nessa linha, Britto (2006, p. 217) ensina que:

(...) a compassiva ou aproximativa igualdade social é acondição material objetiva para o desfrute de uma liberdadereal. Tanto quanto esse mesmo tipo de igualdade social écondição material objetiva para o desfrute de uma fraternidadecomo característica central de qualquer povo.

A consagração da fraternidade depende, pois, da realização de uma

igualdade que supere os simples gastos públicos com a massa populacional menos

favorecida, para a ascensão a uma igualdade em dignidade.

A lição de Bernhard (2008 p. 61-62):

(...) a fraternidade está ligada aos princípios de liberdade e deigualdade, assegurados por constituições em todos os EstadosModernos. (...) a fraternidade pressupõe a liberdade individual

‘32

e a igualdade de todos os homens, e está numa relação deinterdependência mútua com esses dois princípios. Os trêsconceitos têm por raiz a dignidade da pessoa humana. Oobjetivo atingido de proteger os Direitos Humanos quanto oalcance da tutela e da garantia do indivíduo, deve valer –segundo o conceito de fraternidade – como garantia mínimapara cada indivíduo, em cada tempo e em cada lugar, inclusiveos direitos sociais.

Os tribunais brasileiros também já se utilizaram da fraternidade na

resolução de certas lides. O julgamento da ADI 3.768-4/DF, quando o Supremo

Tribunal Federal assegurou a gratuidade dos transportes públicos urbanos e semi-

urbanos para os idosos, reconhecendo a necessidade de se garantir uma vida digna,

além de se fundamentar na dignidade humana como fundamento a ser garantido.

O Ministro Carlos Ayres Britto Neste julgamento afirmou que o direito sob

análise tratava-se de um direito fraternal, já que exigia do Estado “ações afirmativas,

compensatórias de desvantagens historicamente experimentadas por segmentos

sociais como os dos negros, dos índios, dos portadores de deficiências e dos

idosos”.

A lição de Bernhard (2008, p. 61- 62), confirma o entendimento esboçado,

senão vejamos:

(...) a fraternidade está ligada aos princípios de liberdade e deigualdade, assegurados por constituições em todos os EstadosModernos. (...) a fraternidade pressupõe a liberdade individuale a igualdade de todos os homens, e está numa relação deinterdependência mútua com esses dois princípios. Os trêsconceitos têm por raiz a dignidade da pessoa humana. Oobjetivo atingido de proteger os Direitos Humanos quanto oalcance da tutela e da garantia do indivíduo, deve valer –segundo o conceito de fraternidade – como garantia mínimapara cada indivíduo, em cada tempo e em cada lugar, inclusiveos direitos sociais.

Temos então, indispensáveis e esclarecedoras as palavras de Britto

(2006, p. 218), esclarecendo que:

(...) a Fraternidade é o ponto de unidade a que se chega pelaconciliação possível entre os extremos da Liberdade, de um lado, e, deoutro, da Igualdade. A comprovação de que, também nos domínios do

‘33

Direito e da Política, a virtude esta sempre no meio (medius in virtus). Coma plena compreensão, todavia, de que não se chega à unidade sem antespassar pelas dualidades. Este, o fascínio, o mistério, o milagre da vida.

Desse modo, tem-se que a Carta Constitucional de 1988, consagrou a

fraternidade em seu texto, o que proporcionou o desenvolvimento pela doutrina dos

conceitos primários do constitucionalismo fraternal, o qual já vem sendo acolhido

igualmente nos tribunais pátrios.

3.3 REFLEXOS DE UM CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL

Cabendo ao direito regular os conflitos das relações jurídicas entre partes

provocadas pelo caos da ruptura da convivência social, o principio da fraternidade è

essencial para recomposição da harmonia entre estas bem como a pacifica

coexistência entre as mesmas, de forma que os conflitos sejam reduzidos e

rapidamente solucionados.

Este objetivo vem sendo perseguido na vida de tantos que operam no

campo da ética social, do direito, da justiça e da administração publica.

Esta experiência vital dentro do Direito, o confronto e a troca de idéias

entre aqueles que assumem a fraternidade como novo parâmetro o qual se possa

basear todas as relações para recompor a sociedade, permitem individualizar formas

novas de operar nos vários âmbitos do direito constitucional, como também formas

novas de desenvolver as diferentes funções sejam aquelas que beneficiam o

individuo ou aquelas que beneficiam a coletividade.

Com esta finalidade verifica-se que em algumas partes do Brasil e do

mundo formam-se ‘’grupos’’ de docentes de ética social e de direito, magistrados e

advogados, funcionários do judiciário, agentes penitenciários e empregados

públicos, que organizam congressos onde nascem e se concretizam iniciativas

varias que vão desde a educação a legalidade à renovação dos ambientes e das

estruturas.

‘34

Citamos dentre as varias algumas delas, inicialmente enunciando o

resultado qual se obtém e em seguida expondo as iniciativas concretas que podem

conduzir aos mesmos:

Moralização da vida publica: perseguida seja mediante aos congressos

de estudo, seja, em particular, através do empenho pessoal e coletivo para exercitar

as funções publicas com honestidade e transparência, opondo-se ao fenômeno da

corrupção e instaurando modalidades corretas de gestão publica;

Educação à legalidade: atividades formativas e informativas nas

escolas e na sociedade, valorizando os contributos de experiência e de vivencias

pessoas de operadores de direito e de administração publica;

Ordenamento jurídico e administração da justiça: através do empenho

dos diversos operadores em atuar as atividades em favor de uma administração

jurídica eficaz e que responde às necessidades tutelares de cada individuo e da

coletividade; estudos, pesquisas e congressos que contribuem para a renovação do

direito e da justiça;

Prevenção e recuperação social: ação interna nos institutos penais

para reabilitação humana e social dos detentos, e para o melhoramento da função

do sistema carcerário. É exemplo disto quanto fazem operadores na Itália, nos

Camarões, na Nigéria e Espanha; e em muitos outros paises em que os momentos

de violência e retaliação foram substituídos por um confronto de ações e idéias entre

agentes penitenciários e detentos, com a participação de psicólogos, magistrados,

ex-detentos, chapelões, diretores e advogados;

Proteção e promoção dos direitos humanos: participação e colaboração

com os Órgãos Internacionais (ONU e ONG), para estudo de soluções e atividades

concretas que promovem a fraternidade;

‘35

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É a abertura ao novo e as mudanças, que possibilita ao Direito

Constitucional o contínuo resgate de seu compromisso com a Democracia, na

medida em que se voltará com toda atenção àqueles que buscam a justiça, por meio

da plena efetivação de seus direitos fundamentais.

Entre os bons resultados na elaboração deste trabalho, para um

enriquecimento acadêmico, destaca-se o reforço a uma leitura do Direito

Constitucional abrangendo sua evolução histórica e, portanto, vislumbrando sua

capacidade de amplitude e sua possibilidade de incorporar novos paradigmas, entre

eles a aplicação do princípio da fraternidade como uma nova tendência nos tribunais

e no atuar jurídico.

Deve-se frisar a importância desse momento de transformação, com o

acolhimento do princípio da fraternidade nos foros jurídicos. Descortina-se um novo

momento para Direito, acrescentando-se uma nova exigência de eficácia das

normas constitucionais, para que criem não só a ordem, mas também aprimorem a

relação entre os indivíduos, e as leis devem refletir e inspirar este caráter

humanizador.

A valorização do princípio da fraternidade no meio jurídico vem,

justamente, aprimorar a efetivação de direitos, garantindo maior segurança, e

ampliando a visão sobre os conflitos e seus envolvidos.

Acredita-se que o futuro do constitucionalismo será marcado por valores

como a verdade, não cabendo mais as promessas impossíveis de serem realizadas,

será um constitucionalismo transparente, e eficaz acima de tudo. As constituições

do futuro deverão aproximar-se de uma nova idéia de igualdade, baseada na

solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social. As

reformas constitucionais, embora objetivando adaptar os textos constitucionais às

exigências da realidade, deverão ocorrer com ponderação e equilíbrio, sem

descartar ou romper com as varias idéias antecedentes. Será um processo continuo

onde a sociedade participará de forma ativa, integral e equilibrada no processo.

‘36

Em razão disso, este trabalho comunga com aqueles que acreditam na

consagração do princípio da Fraternidade no direito constitucional de modo a

aprimorar a prestação jurisdicional, bem como a vida em sociedade, colocando em

relevo o ser humano.

A Fraternidade vem sendo debatida em congressos, além de alguns

artigos na doutrina. Vem, igualmente, sendo contemplada em algumas decisões

jurisprudenciais, mas ainda é pouco, razão pela qual se sugere o amplo debate do

tema não só em seminários, mas por todos os meios, de modo a alcançar o maior

número de operadores jurídicos e a sociedade como um todo.

Finaliza-se este trabalho, reconhecendo-se, ainda, a existência de várias

questões não resolvidas na matéria estudada, o que é natural em assunto de tão

pouca tradição. Nossa expectativa é contribuir com a demonstração de que a

fraternidade pode e deve ser reconhecida no âmbito jurídico-constitucional, a fim de

melhorar não só a solução dos conflitos emergentes de disputas diversas como

também todo o atuar jurídico.

É importante perceber que neste contexto, já emergem resultados

benéficos, junto aos grandes grupos envolvidos nos casos já julgados (idosos

deficientes físicos etc.). Temos os exemplos da incidência do principio da

fraternidade no campo da justiça restaurativa e na mediação de conflitos.

O pleno reconhecimento da fraternidade no âmbito constitucional,

certamente irá contribuir para a exata compreensão e construção do bem comum e

na solução de varias demandas, o que provocara a conseqüente jurisprudência, o

que é de costume acontecer no andamento do Direito.

‘37

REFERÊNCIAS:

ANDREA, Moreira. Direito e Fraternidade se encontram. Revista Cidade Nova,Sao Paulo, v. 11, p. 20-23, nov.2007.

BAGGIO, Antonio Maria(Org.);Pizzolato,Filippo;AQUINI,Marco.(2008). O princípioesquecido. São Paulo, Ed. Cidade Nova.

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