fichamento cap 19 cultura com aspas

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Fichamento do texto Cultura com Aspas de Manuela Carneiro da cUNHA

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Fichamento Cap 19 Culturae cultura: conhecimentos tradicionais e direitos intelectuais Manuela Carneiro da Cunha- Cultura com aspas. As categorias analticas e evito aqui de propsito o altissonante conceito- fabricadas no centro e exportadas para o resto do mundo tambm retornam hoje para assombrar aqueles que a produziram: assim como os cantes flamencos, so coisas que vo e voltam, difratadas e devolvidas ao remetente. Categorias de ida y vuelta. (pag 312)

Uma dessas categorias cultura. Nooes como raa, e mais tarde culturaa par de outras como trabalho, dinheiroso todas elas bens(ou males)exportados. 312

Desde ento, a culturapassou a ser adotada e renovada na periferia. E tornou-se um argumento central-como observou pela primeira vez Terry Turner- no s das reivindicaes de terras como em todas as demais. Acredito firmemente na existencia de esquemas interiorizados que organizam a percepo e a ao de pessoas e que garantem um certo grau de comunicao em grupos sociais, ou seja, algo no gnero do que se costuma chamar de cultura. Mas acredito igualmente que esta ultima no coincide com cultura, e que existem disparidades significativas entre as duas. Pag 313

Varios povos esto mais do que nunca celebrando sua culturae utilizando-a com sucesso para obter reparaes por danos polticos. A poltica acadmica e a politica tnica caminham em direes contrrias. Mas a cultura no pode ignorar que a culturaest ressurgindo para assombrar a teoria ocidental. 313

Estou interessada na relao entre uma categoria e outra, isto , entre o que os antroplogos costumam chamar de cultura e oque os povos indgenas esto chamando de cultura.

Recorrendo-se ao caso do encontro de junho de 2005 em Rio Branco, pode-se perceber como o conceito de propriedade sobre o conhecimento foi apropriado por povos indgenas em sua interface com a sociedade ocidental e levado a novos desdobramentos.. Pag 318

Declaraes internacionais indgenasOu seja, em menos de dez anos passou-se da cultura dos povos indgenas como patrimnio da humanidade cultura como patrimnio tout court, e mais especificamente ainda culturacomo propriedade particular de cada p[ovo indgena. Pag 327

Ao lidar com conceitos e regimes de conhecimento tradicional, a imaginaoo ocidental nao se afasta muito do terreno conhecido. A conceitualizao dominante do conhecimento tradicional raciocina como se a negao individual fosse sempre o coletivo (na qualidade de individuo corporativo). O racioccio o seguinte: em contraste com a nossa autoria individual, a cultura e o conhecimento deles certamente devem ter autoria coletiva! Ao contrrio da inveno que emana do gnio individual, as invenes culturais deles devem ser fruto de um gnio coletivo, mas nao menos endgeno. isso que se pode considerar como a verso dominante nas sociedades industrializadas acerca do conhecimento tradicional: que povos inteiros, como veremos, possam pensar suas culturas como exgenas, obtidas de outrem-isto no cabe na sua restrita imaginao. Pag 329

Segundo tais construtos(no muito) imaginativos, os povos indgenas s tem duas opes: ou direitos de propriedade intelectual coletiva ou um regime de domnio pblico. [...] Diante dessas alternativas limitadas, no de espantar que os povos indgenas tenham pragmaticamente preferido a opo dominante, reivindicando direitos intelectuais de propriedade coletiva e com isso frustrando as esperanas daqueles que os defendiam, os setores progressistas que se opem aos direitos absolutos da propriedade intelectual. (pag 329)

Para atingir seus objetivos, porm, os povos indgenas precisam se conformar s expectativas dominantes em vez de contest-las. Precisam operar com os conhecimentos e com a cultura tais como so entendidos por outros povos, e enfrentar as contradies que isso possa gerar. 330.

Em contraste com a rpida proliferao de instrumentos e estudos internacionais acerca da proteo ao conhecimento tradicional e da repartio de benefcios no contexto de acesso aos recursos genticos, demoraram a surgir leis nacionais especficas sobre essas questes.330

Fazer parte de um patrimnio nacional, claro est, uma faca de dois gumes: se por um lado valoriza o status simblico indgena, por outro transforma os povos indgenas em nossos ndios, uma frmula que condensa a ambiguidade inerente condio indgena. 332

Tomemos a questo da representaoo, por exemplo. O acesso ao conhecimento tradicional depende crucialmente da chamada anuncia previa informada: para que se realize qualquer pesquisa acerca dos conhecimentos tradicionais, seus detendores devem ser adequadamente informados sobre o que se trata e dar seu consentimento ao modo como esses conhecimentos sero utilizados, e no caso de bioprospeco(pesquisa para fins comerciais) tambm forma como lhes caber receber parte dos eventuais lucros e benefcios. 335

Como a norma a autonomia de cada aldeia, a emergncia de algo como uma representao tnicana forma de lderes de associaes inevitavelmente acompanhada de conflitos, j que nada mais difcil do que atribuir legitimidade a representantes legais.,

Contratos, enquanto formas de troca(legal), criam sujeitos(legais) segundo a lgica descrita por Mauss e mais tarde por Levi Strauss. No Brasil, embora as formas de representaoo indgenas sejam legalmente reconhecidas como sujeitos de direito conforme a Constituio de 1988(art 232), de um modo geral encoraja-se a constituio de associaes da sociedade civil com estatutos aprovados e explcitos como a forma mais convincente (para todos os envolvidos) de lidar com projetos, contratos, bancos, governos e ONGs. Pag 335-336

Insisto na palavra construdo, pois pode ser que a prpria ideia de representao, estivesse totalmente ausente entre os Krah. Mas o que significa costumeiro no contexto em pauta?[...] A noo de costumeiro apresenta vrios problemas em sua utilizaoo pragmtica. Ela supe que costume (outra palavra para cultura) seja algo dado que precisaria apenas ser explicitado ou codificado. Alm disso supe que unidades tnicas como s Kraho, os Katukina, os Kaxinawa ou tantas outras sejam entidades no problemticas do mesmo tipo que um pas, por exemplo. Isso relativamente simples de entender. Mas o que acontece se todo o nosso construto de coisas como sociedade, representao e autoridade nao tiver (ou no tiver tido) nenhum equivalente entre esses povos? 337

De fato, a autoridade para representar um grupo indgena produzida no prprio processo de realizar atos jurdicos em seu nome. Isso significa que essa representao seria ilegtima iu inautntica ( um conceito alis que s trouxe problemas para o nosso mundo)? Conforme Bruno Latour em sua interpretaoo de Gabriel Tarde, fazer emergir coletividades em contexto em vez de encontra-las ready made algo propriamente universal. So o discurso poltico e outros polticos, eu acrescentaria, que constituem sociedades, grupos, coletividades. 339

... um outro principio de organizao foi introduzido pela poltica dos projetos. Como mostrou Bruce Albert, os projetosde instituies privadas ou governamentais se tornaram um elemento central da poltica indgena contempornea, o que poderia ser estendido aos movimentos sociais em geral. A caa aos projetos uma atividade constante para a aqualos antroplogos so recrutados. 340

A demarcao de terras, a recuperaoo de peas depositadas em museus, a participaoo em uma organizao poltica indgena nacional, bem como atividades econmicas subsidiadas, sao exemplos de projetosque sempre so simultaneamente polticos, culturais e econmicos.

Sugeri que era preciso distinguir a estrutura interna dos contextos endmicos da estrutura intertnica que prevalece em outras situaes. Cabe uma advertncia:a lgica intertnica no equivale submisso lgica externa nem lgica do mais forte. antes um modo de organizar a relao com estas outras lgicas. [...] as situaes intrtnicas no so desprovidas de estrutura. Ao contrrio, elas se autoorganizam cognitiva e funcionalmente.

A ideia de articulaoo intertnica uma continuao natural da teoria Lvi-satraussiana do totemismo e da organizao de diferenas. Em contraste com o que ocorre em um contexto endmico, em que a lgica totmica opera sobre unidades ou elementos que so parte de um todo social, numa situaoo intertnica so as prprias sociedades como um todo que constituem as unidades da estrutura intertnica, constituindo-se assim em grupos tnicos. Estes so elementos constitutivos daquela e dela derivam seu sentido. Segue-se que traos cujos significado derivava de sua posio num esquema cultural interno passam a ganhar novo significado como elementos de contrastes intertnicos. Integram dois sistemas ao mesmo tempo, e isso tem conseguencias. Para tornar mais precisa a definio de culturaa que apenas aludi no incio deste texto, sugiro que usemos aspas culturapara unidades num sistema intertnico. 356

Cultura tem uma propriedade de metalinguagem: uma noo reflexiva que de certo modo fala de si mesma. 356

Cheguei mesmo a sugerir uma correlaoo um tanto paradoxial: quanto menos uma sociedade concebe direitos privados sobre a terra, mais desenvolve direitos sobre bens imateriais, exemplificados em particular pelo conhecimento.357

...quando consideramos direitos costumeiros estamos nos movendo no campo das culturas (sem aspas), ao passo que quando consideramos as propostas legais alternativas e bem intencionadas estamos no campo das culturas.