fichamento macedo etnopesquisa

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 MACEDO, Roberto Sidnei. Et nopesquisa crítica, etnopesqui sa- formação. Brasília: Líber Livro Editora, 2006. 1! ". #s$rie "es%&isa v. 1'( INTRODUÇÃO 1. Co) s&a "r eo*& "a + o etno #do -re-o ethnos, "ovo, "es soa s(, a etno"e s%& isa dire*iona se& interesse "ara *o)"reender as ordens so*io*&lt&rais e) or-ania+o, *onstit&ídas "or s&/eitos inters&b/etiva)ente edii*ados e edii*antes, e) )eio a &)a bacia semântica *&lt&ral)ente )ediada. esse sentido, "reo*&"ase "ri)ordial)ente *o ) os "ro*essos %& e *ons ti t&e) o se r 3&)a no e) so*iedade e e) *& lt& ra e *o) "re ende esta *o)o al- o %&e tra nsv ersali a e ind e4a li a tod a e %&a l%& er a+ o 3&)ana e os etno)$todos %&e aí se dina)ia). #". !( 2. o "ro*esso de *onstr&+o do *on3e*i)ento, a etno"es%&isa *ríti*a no *onsidera os s&/eitos do est&do &) "rod&to des*art5vel de valor )era)ente &tilitarista. Entende *o)o in*ontorn5vel a ne*essidade de *onstr&ir /&ntos tra "elas vias de &)a tensa inte r"reta+ o di al 7-i*a e dial$ti*a a vo do a& to r so*ial "a ra o corpus e)"íri*o analisado e "ara a "r7"ria *o)"osi+o *on*l&siva do est&do, at$ "or%&e a lin-&a-e) ass&)e a%&i &) "a"el *o*onstr&tivo. #".10( 8. #...( o si-nii*ado so*ial e *&lt& ral)en te *ons tr&íd o no se torna resto esquecido na *on*l&so de &)a "es%&isa ele $ traido "ara o *en5rio ativo da *onstr&+o do *on 3e*i)e nto , *o) t&d o a%& ilo %&e l3e $ "r7 "ri o: re- &la rid ades, *o ntr adi +9e s,  "arado4os, a)bi-idades, a)bival;n*ias, assin*ronias, ins&i*i;n*ias, trans-ress9es , trai+9es, et*. #".10( <. #...( traer "ara os ar-&)entos e an5lises da investi-a+o voes de se-)entos so*iais o"ri)idos e ali/ados, e) -eral silen*iados 3istori*a)ente "elos est&dos nor)ativos e  "res*ritivos, le-iti)ad ores da vo da ra*ionalidade des *onte4t&aliada . #".11( '. #...( ao est&dar)os as realidade so*iais, no esta)os lidando *o) &)a realidade or)ada "or  fatos brutos, lida)os *o) &)a realidade *onstit&ída "or "essoas %&e se rela*iona) "or )eio de "r5ti*as %&e re*ebe) identii*a+o e si-nii*ado "ela lin-&a-e) &sada "ra des*rev;las, invo*5las e e4e*&t5las daí o interesse "elas es"e*ii*idades %&alitativas da vida 3&)ana. #".11( 6. Da "ers"e*tiva da etno"es%&isa *ríti*a, o %&e no se ad)ite $ %&e "elo esor+o de *onstr&ir *on*eitos de =se-&nda orde)> se destr&a a "r7"ria realidade investi-ada e a s&bstit&a "or &)a verso *ientii*iada e abstrata. #".12( C!ITU"O I # IN$!IRÇ%E$ &I"O$'&IC $ E E!I$TE(O"')IC$ Um mo*o crítico-fenomeno+ico *e pesquisar . ?ara a eno)enolo-ia, a realidade $ o *o)"reendido, o inter"retado e o *o)&ni*ado.  o 3avendo &)a s7 realidade, )as tantas %&antas ore) s&as inter"reta+9es e *o)&ni*a+9es, a realidade $  perspectival . Ao *olo*arse *o)o tal, a eno)enolo-ia inv o*a o *ar5ter de "ro visoriedade, )&tabilidade e rel ativid ad e da ver dade "or *onse-&inte, no 35 absol&tis)o de %&al%&er "ers"e*tiva. #".1'(

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Fichamento Macedo Etnopesquisa

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MACEDO, Roberto Sidnei. Etnopesquisa crtica, etnopesquisa-formao. Braslia: Lber Livro Editora, 2006. 179 p. (srie pesquisa v.15)

INTRODUO

1. Com sua preocupao etno (do grego ethnos, povo, pessoas), a etnopesquisa direciona seu interesse para compreender as ordens socioculturais em organizao, constitudas por sujeitos intersubjetivamente edificados e edificantes, em meio a uma bacia semntica culturalmente mediada. Nesse sentido, preocupa-se primordialmente com os processos que constituem o ser humano em sociedade e em cultura e compreende esta como algo que transversaliza e indexaliza toda e qualquer ao humana e os etnomtodos que a se dinamizam. (p. 9)

2. No processo de construo do conhecimento, a etnopesquisa crtica no considera os sujeitos do estudo um produto descartvel de valor meramente utilitarista. Entende como incontornvel a necessidade de construir juntos; traz pelas vias de uma tensa interpretao dialgica e dialtica a voz do autor social para o corpus emprico analisado e para a prpria composio conclusiva do estudo, at porque a linguagem assume aqui um papel co-construtivo. (p.10)

3. (...) o significado social e culturalmente construdo no se torna resto esquecido na concluso de uma pesquisa; ele trazido para o cenrio ativo da construo do conhecimento, com tudo aquilo que lhe prprio: regularidades, contradies, paradoxos, ambigidades, ambivalncias, assincronias, insuficincias, transgresses, traies, etc. (p.10)

4. (...) trazer para os argumentos e anlises da investigao vozes de segmentos sociais oprimidos e alijados, em geral silenciados historicamente pelos estudos normativos e prescritivos, legitimadores da voz da racionalidade descontextualizada. (p.11)

5. (...) ao estudarmos as realidade sociais, no estamos lidando com uma realidade formada por fatos brutos, lidamos com uma realidade constituda por pessoas que se relacionam por meio de prticas que recebem identificao e significado pela linguagem usada pra descrev-las, invoc-las e execut-las; da o interesse pelas especificidades qualitativas da vida humana. (p.11)

6. Da perspectiva da etnopesquisa crtica, o que no se admite que pelo esforo de construir conceitos de segunda ordem se destrua a prpria realidade investigada e a substitua por uma verso cientificizada e abstrata. (p.12)

CAPITULO I INSPIRAES FILOSFICAS E EPISTEMOLGICAS

Um modo crtico-fenomenolgico de pesquisar

7. Para a fenomenologia, a realidade o compreendido, o interpretado e o comunicado. No havendo uma s realidade, mas tantas quantas forem suas interpretaes e comunicaes, a realidade perspectival. Ao colocar-se como tal, a fenomenologia invoca o carter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade da verdade; por conseguinte, no h absolutismo de qualquer perspectiva. (p.15)

8. Ao perceber o fenmeno, tem-se que h um correlato e que a percepo no se d num vazio, mas em um estar-com-o-percebido. Ir-s-coisas mesmas a experincia fundante do pensar e pesquisar fenomenolgico; faz parte de seu vigor. Por outro lado, ao mergulhar nas coisas-mesmas, o fenomenolgo realiza um trabalho de desvencilhamento de seus preconceitos para abrir-se ao fenmeno poche; isto , realiza um esforo no sentido de compreender o mais autenticamente possvel, suspendendo conceitos prvios que possam estabelecer o que para ser visto. (p.16)

9. Nesses termos, a co-participao de sujeitos em experincias vividas permite partilhar compreenses, interpretaes, comunicaes, conflitos, etc. Habita nesse processo incessante de interao simblica a esfera da intersubjetividade, a instituio intersubjetiva das realidades humanas. (p.16)

10. Quanto essncia do fenmeno pesquisado, esta jamais pode ser entendida como pureza ltima e definitivamente dada, at porque isso no existe, mas, como queria Husserl, o que existe o alcance do autenticamente vivido, das razes daquilo que vivenciado. (...) O nesse momento, realiza-se o movimento da reduo fenomenolgica, procedimento de aproximao do fenmeno pesquisado, no qual, por um processo de incluso e excluso de contedos, d-se a objetivao do que se pretende conhecer a seu respeito. (p.17)

11. O pesquisador fenomenlogo est preocupado e interroga sujeitos contextualizados, dirige-se para o mundo vivenciado desses sujeitos. Como experincia vivida, esse mbito do mundo denominado regio de inqurito. (p.18)

12. Interessado em descrever para compreender, o pesquisador fenomenlogo sempre est interrogando: o que isto? No sentido de querer aprender o fenmeno situado e o que caracteriza enquanto tal. Em vez de partir de uma atitude positiva (afirmativa, explicativa, generalizante), o fenomenlogo um cptico cuidadoso, evita afirmaes preconcebidas em face das realidades a serem estudadas. (p.18)

13. Da perspectiva fenomenolgica, os acontecimentos no podem ser considerados como fechados em si, como realidades objetivas. Fazendo parte de sua prpria temporalidade, a realidade uma construo precria, provisria, fenomnica, como percepo dos fenmenos pela conscincia. (p.18)

14. Como em todo processo interativo, o discurso sempre compreendido por outrem, que lhe atribui significaes. Nesse veio, o discurso ao dar-se significao o faz como uma obra, isto , dentro de um tipo de codificao num paradigma no qual compreendido. (p.19)

15. Nesse processo, d-se o que na investigao fenomenolgica se denomina de variao imaginativa, que implica interrogar o texto sobre o pensamento do autor e sobre a intencionalidade de seu dizer. (p.19)

16. Sintetizando de forma pertinente o modo fenomenolgico de pesquisar, Espsito (1995, p.76) nos diz que ao se basear na estrutura prvia da compreenso, no pr-reflexivo, e na ontologia, o modo de investigao fenomenolgico tem como objetivo fazer com que o ser ou a coisa interrogada se revele, sendo que as chaves para o acesso compreenso no podem ser buscadas na manipulao e no controle, mas, sim, na participao e na abertura. a sabedoria que se quer alcanar por um processo incessante de interpretao (p.20)

17. Nessa perspectiva, o modo fenomenolgico de pesquisar nos d uma fecunda possibilidade de ultrapassagem do modo formalista de conhecer as complexas realidades humanas e educacionais, por conseqncia. (p.20)

Intersubjetividade e realidades mltiplas

18. Schutz nos alerta enfaticamente para o corriqueiro hbito do uso de categorias homogeneizadoras das realidades humanas, destacando a natural pluralidade, singularidade e dialogicidade do convvio humano no mbito das reciprocidades das perspectivas, que no excluem, bom frisar, compreenses de construes a partir das dissonncias cognitivas, das crises e/ou dos conflitos. (p.23)

19. Para Schutz, as coisas so designadas e compreendidas dentro de um grupo social, no qual acontece o fenmeno da tipicabilidade ou formas individuais partilhadas de aes e significados. A tipicabilidade de uma ao pode passar a ser qualquer um, na medida em que vai se desprendendo do particular, generalizando-se e caminhando para a anonimidade. Outrossim, o processo de interao que vai dar movimento a tipicabilidade das mltiplas realidades construdas cotidianamente. Nesse sentido, Maffesoli diz ser crucial o entendimento desse dinamismo para o conhecimento do fato social. (p.24)

A construo do outro: o ator social um idiota cultural

20. Kilani (1994, 9.87) pe-se a refletir que inventar o outro compreender a si mesmo como vivo num mundo onde se pode, por contraste com o outro, desenhar os seus contornos. (p.24)

20a. (...), cenrio de onde emerge o outro, no uma entidade independente daqueles que a representam, ou uma fora autnoma que exercida sobre as mentes dos indivduos. (p.24)

21. Faz-se necessrio, por conseguinte, desfazer-nos de uma concepo reificada de cultura, para repens-la como fora que age e que tambm resultante de aes. necessrio tambm se desfazer da concepo supra-orgnica de cultura, como uma realidade que se projeta acima dos autores sociais e guia suas aes. (p.24)

22. Ademais, a construo do outro se d num processo de negociao em que cultura e a identidade cultural esto em contnua efervescncia, como espaos inscritos e como histria de atores sociais dentro de uma temporalidade. (p.25)

23. Esse um processo importante para se pensar a epistemologia das cincias antropossociais, ao relativizar a cultura do outro como objeto de estudo. Aponta-se para o mbito da complexidade quando a sociedade do eu questiona a si prpria ao pensar e refletir sobre a sociedade do outro. A relao sujeito/objeto, definitivamente, j no aquela preconizada pela lgica da objetividade dura e disjuntiva. Identidade passa a constituir-se como metamorfose nessa relao de co-construo, ou seja, de processo identitrio. Nesse sentido, no h mais lugar para o observador esterilizado e exorcizado de seu objeto, que faz do afastamento condio privilegiada de construo do conhecimento. (p.26)

24. (...) a partir dessa vontade de estudar in situ que o outro passa a ser visto reflexivamente como uma fonte que, ao ser acordada como compreenso sociocultural, pode, inclusive, transformar a cultura do eu perspectiva que os estudos antropolgicos vo compartilhar com a maioria das cincias antropossociais. A construo do outro passa a ser uma temtica hbrida e uma fonte extremamente seminal para se afirmar o carter interativo e intensamente dinmico/dialgico das realidades humanas. A experincia da diversidade passa a ser um tema central para a desconstruo dos estudos maniquestas e monorreferenciais, que insistem em achar que o mundo pode ser visto e compreendido apenas por uma s lente. (p.27)

25. O importante ressaltar que, para conhecer como o outro experimenta a vida, faz-se necessrio o exerccio sensivelmente difcil de sairmos de ns mesmos. H que nos desdobramos, revirarmos, suspendermos preconceitos, criticarmo-nos, abrirmo-nos a certa violao de habitus sagrados e solidificados da sociedade do eu. Experincia intestina e radicalmente relacional intercriticidade. (p.28)

26. (...) Nesse processo de olhar o outro da perspectiva dele, necessria uma descrio densa da experincia do outro e do eu. (p.28)

27. As culturas so verdades relativas aos atores e atrizes sociais; so verses da vida, teias, imposies, escolhas de uma poltica de sentidos e significais que orientam e constroem nossas alternativas de ser e de estar no mundo (GUIMARES ROCHA, 1985 p.78) (p.29)

28. Pensamos, portanto, que a construo do outro na educao e na pesquisa sobre a educao vem desalojar a confortvel posio autocentrada das pedagogias do eu e das tecnologias do eu, sempre despreparadas e de m vontade para pensar e interagir intercriticamente com as alteridades. (p.30)

29. Para o etnopesquisador crtico dos meios educacionais, o outro condio irremedivel para a construo de conhecimentos no mbito das situaes e prticas educativas. Ao estabelecer a diferena, o outro vai mostrar ao etnopesquisador que nem tudo regularidade, norma, homogeneizao e que, ao traarem uma linha dura para a compreenso do aro educativo, as cincias da educao perderam de vista a multiplicidade instituinte. (p.30)

Contexto e lugar: pertinncias constitutivas

30. Quando discorrem sobre a necessidade de contextualizar o fenmeno como forma de aprend-lo mais significamente, Ludke e Andr (1986) comentam que preciso levar conta como o objeto se situa, para assim compreender melhor a manifestao relacional das aes, das percepes, dos comportamentos e das interaes. (p.33)

31. (...), medida que os atores se comunicam e falam, constroem em conjunto a pertinncia do contexto e escolhem os elementos de que tm necessidade no imediato. no fenmeno da reflexividade que se evidencia o carter dinmico dos contextos, na media em que estes so constitudos e se constituem nos mbitos das relaes instituinte/institudo. (p.33-34)

32. bom frisar que os contextos no so equivalentes aos meios fsicos; eles so construdos por pessoas. Pessoas em interao servem de ambiente uns para os outros; assim, o contexto uma construo na qual a intersubjetividade condio incontornvel. (p.34)

33. (...) o lugar se apresenta como um ponto de articulao entre a mundialidade em constituio e o local como especificidade concreta, como momento (ALEXANDRI CARLOS, 1996) (P.35)

34. Definindo a partir do sujeito que se revela nas formas de apropriao pelo corpo, o lugar se completa pela fala troca alusiva a algumas senhas , pela convivncia e pela intimidade cmplice dos locutores. No lugar encontramos as mesmas determinaes da totalidade, sem com isso se eliminar as particularidades. Cada sociedade produz seu espao, determina os ritmos, os modos de apropriao. O lugar, portanto, guarda o mbito prtico-sensvel, real e concreto. (p.35-36)

35. (...) o espao no para o vivido um simples quadro. A atividade prtica vai modificando constantemente os lugares e seus significados, marcando e renomeando, acrescentado traos novos e distintos, que trazem valores novos, presos aos trajetos construdos e percorridos (itinerncias). Podemos falar, portanto, de uma territorialidade movente, cambiante. (p.37)

36. Enfim, a etnopesquisa sem lugar perde sua fora hermenutica e criativa, formando, nesse sentido, um paradoxo irremedivel. (...) Dessa perspectiva, por exemplo, a escola jamais pode ser avaliada como instituio epifenomnica; um locus indispensvel para a compreenso da concretude das polticas e das aes educacionais (...) (p.37)

O cultivo das epistemologias qualitativas

37. (...), para o olhar qualitativo, necessrio conviver com o desejo, a curiosidade e a criatividade humanas; com as utopias e esperanas; com a desordem e o conflito; com a precariedade e a pretenso; com as incertezas e o imprevisto. Acredita-se, dessa forma, que a realidade sempre mais complexa que nossas teorias, que no cabem em um s conceito. interessante frisar que o olhar qualitativo no estranha as sutilezas paradoxais da cotidianidade. (p.38-39)

38. Haver, portanto, incessantemente, a necessidade de interpretao, decorrente do fato de que o fenmeno e o discurso a seu respeito serem de ordem do smbolo. Havendo vrios sentidos possveis realidades mltiplas , a interpretao torna-se indispensvel. Conseqentes so as argumentaes de Merleau-Ponty, por exemplo, quando nos sugere que todo conhecimento que se possa ter do mundo, mesmo o prprio conhecimento cientfico, construdo a partir de meu prprio ponto de vista, ou a partir de alguma experincia de mundo sem o que os smbolos da cincia seriam sem significados. (p.41)

39. Torna-se, assim, iluso objetivista, pensar em conhecer a totalidade do mundo-vida. Faz-se necessrio salientar, outrossim, que, ao referenciar-se na fenomenologia, os recursos metodolgicos ditos qualitativos da etnopesquisa buscam o rigor, diferente da rigidez esterilizante da pesquisa armada e hermtica. Pretender o conhecimento dos mbitos da qualidade da vida humana no significa mergulhar sem rumo algum, tampouco considerar que qualquer informao sobre qualquer assunto deve ser coletada e analisada. interessante notar que os recursos metodolgicos qualitativos da etnopesquisa apontam para uma outra forma de se fazer cincia, uma cincia que aceita, sem escamotear, o desafio inquietante e maravilhoso de saber que quer saber sobre aquele que pensa e sabe. (p.41-42)

Uma hermenutica crtica: o imperativo da interpretao socialmente tensionada

40. Superando a separao entre senso comum e cincia, uma hermenutica crtica transforma-os numa forma de conhecimento, o qual, segundo Santos, ser simultaneamente mais reflexivo e mais prtico, mais democrtico e mais emancipador. (p.43)

41. Sendo assim, a hermenutica crtica uma das fontes de inspirao para uma etnopesquisa crtica, na medida em que contm a possibilidade democrtica e emancipatria de que a crtica seja tambm prtica, (...) (p.43-44)

Etnopesquisa crtica e o argumento crtico-pedaggico

42. nessa discusso da interface entre pesquisa e ao que nos parece habitar a relao entre etnopesquisa e pedagogia crtica. (p.44)

43. (...) Uma vez despertos, educadores-etnopesquisadores comeam a ver as escolas como criaes humanas com sentidos, limites e possibilidades, e no se satisfazem em perceber os indicativos do fenmeno; querem interpret-los radicalmente, com o compromisso de fazer cincia com conscincia crtica. (p.45)

44. Imbudos da etnopesquisa, educadores crticos conhecem a liberdade responsvel das metodologias inerentes a essa alternativa cientfica, conduzindo investigaes pertinentes e contingentes a contexto, e, na necessidade de conhecer, educadores-etnopesquisadores crticos podem abraar estratgias cognitivas mais compatveis com as situaes vivenciadas e problematizadas. (p.47)

A crtica do Iluminismo e a emergncia de uma hermenutica intercrtica

45. (...) o campo da pesquisa, pautado no princpio de que, pelo trabalho histrico-cultural com os saberes, convivendo e aprendendo com a diferena, podemos buscar o alcance coletivo da verdade, do bem e do belo, de uma perspectiva intercrtica, como vislumbra o prprio Atlan (1999, 1994, 1984, 2001) (p.49-50)

CAPITULO II BASES ACIONALISTAS E SEMIOLGICAS DA ETNOPESQUISA CRTICA

Ao e significado social

46. O ponto importante a noo de significado e sua relao com o tipo de conhecimento do qual necessitamos ou que podemos ter a fim de compreender e explicar os fenmenos sociais. Assim, falar em significado comear a assimilar o fato extremamente importante de que os seres humanos possuem uma subjetividade complexa e variada, refletida nos artefatos e nas instituies sociais nas quais eles vivem. Em termos antropossociais, nos referimos a isso como cultura. (p.52-53)

47. A partir desse entendimento, dois postulados so tomados como formadores do eixo norteador para a compreenso da noo de ao segundo uma perspectiva sociofenomenolgica: todo ator deve, quando age, pr necessariamente em obra procedimentos de compreenso e de interpretao pelos quais ele d, permanentemente, um sentido s atividades ordinrias em que se insere. A ao social uma realizao prtica, isto , um produto desse trabalho de interpretao, que deve informar os atores para agir, assegurando a continuidade das relaes de troca, que fundam a possibilidade de uma ao. (p. 54)

Interao simblica: gnese das aes

48. Aqui a relao dos seres humanos entre si surge do desenvolvimento de sua habilidade em responder a seus prprios gestos. Essa habilidade permite que diferentes seres humanos respondam da mesma forma ao mesmo gesto, possibilitando o compartilhar de experincias, a incorporao em si do comportamento. O comportamento , pois, social e no meramente uma resposta aos outros. O ser humano responde a si mesmo da mesma forma que outras pessoas lhe respondem e, ao faz-lo, imaginativamente compartilha a conduta dos outros. (p.56)

49. A ao, invariavelmente, ocorre em relao a um lugar e a uma situao, logo, a ao em si feita luz de uma situao especfica, a ao construda pela interpretao da situao, consistindo a vida grupal de unidades de aes. (...) (p.57)

50. interessante pontuar que, da perspectiva do interacionismo simblico, a interpretao um processo formativo, e no uma aplicao sistemtica de sentidos estabelecidos. (p.57)

51. (...) a sociedade humana ou a vida em grupo vista como consistindo de pessoas que interagem, isto , de pessoas em ao, que desenvolvem atividades diferenciadas que as colocam em diferentes situaes. (...) (p.57)

52. A vida de um grupo humano representa, portanto, um vasto processo de formao, sustentao e transformao de objetos, na medida em que seus sentidos se modificam, modificando o mundo das pessoas. (p.58)

53. Essa compreenso da ao humana se aplica tanto para ao individual, como para a ao coletiva, e, nesse ponto, a ao conjunta pode se constituir objeto de estudo, sem perder o carter de ser construda por um processo interpretativo, quando a coletividade enfrenta situaes nas quais age. Apesar de seu carter distintivo, a ao conjunta tem sempre que operar por meio de um processo de formao. Essa decorrncia de aes permite ao indivduo partilhar sentidos comuns e preestabelecidos sobre as expectativas de aes dos participantes e, consequentemente, cada participante capaz de orientar seu prprio comportamento luz desses sentidos. (p.58)

54. Consequentemente, no so as regras que criam e sustentam a vida em grupo, mas o processo social de vida grupal que cria, mantm e legitima as regras. Conclui-se, desse modo, que as instituies representam uma rede que no funciona, diablica e automaticamente, devido a certa dinmica interna ou sistema de requerimento; funciona porque pessoas, em momentos diferentes, fazem alguma coisa, como um resultado da forma como definem situaes na qual atuam. (p.58)

55. A experincia que os atores cotidianamente retiram do mundo-vida e os conceitos que dele fazem constituem o objeto privilegiado e essencial das cincias antropossociais. O mtodo interacionista define um novo realismo em cincias sociais e consiste num esforo de reconstruo dos conceitos situacionais em toda sua complexidade e, em particular, tal como so apreendidos e avaliados por atores para os quais as situaes dadas so circunstncias e experincias reais de sua vida prtica. Assim, o pesquisador deve circular sempre entre dois mundos aqueles dos atores e aquele da teoria social. Um verdadeiro conhecimento da realidade social no pode pautar-se apenas por questionrios, escalas de atitudes e anlises estatsticas descontextualizadas. (p.59)

A tradio de Chicago

Definio da situao: uma noo seminal para a etnopesquisa

56. O conceito de definio da situao, criado e desenvolvido por Thomas em 1923, tem, em nosso entendimento, uma fecundidade notria naquilo que constitui a operacionalidade de um princpio fenomenolgico bsico: a necessidade de ir ao encontro do ponto de vista do outro para, a partir da, e s da, interpretar suas realizaes. (p.64)

57. (...) o indivduo age em funo do ambiente que ele percebe e das situaes que ele enfrenta. Suas atitudes e percepes preliminares informam sobre o ambiente, permitindo-lhe interpret-lo e compreend-lo. Portanto, a ordem social e a histria pessoal fazem as mediaes necessrias para que o indivduo/ator defina situaes. (p.64)

O instituinte ordinrio

58. Para H. Meham (1982), o construtivismo social toma como axioma bsico o fato de que as estruturas sociais e as estruturas cognitivas se edificam e se situam nas interaes entre as pessoas. Conceber as instituies como coisas prontas que, num dado momento comeam a funcionar e, inevitavelmente, moldam/formam as aes das pessoas significa aceitar, de alguma forma, que as estruturas sociais (humanas) so vazias dessa prpria humanidade; que so uma construo extra-humana. Por outro lado, perceber a atividade, a ao mutante, constitutiva da vida em sociedade, nos parece uma via socialmente pertinente para encontrar a concreticidade do ator/sujeito em sua primordial condio: a de construtor rotineiro de suas instituies. Assim, analisar a instituio sem analisar as atividades que a constituem significa reific-la, apreend-la pseudoconcretamente, perder de vista seu carter processual, ou mesmo vital. significativo reafirmar que na realidade so os membros da vida social ordinria que produzem a ordem social. (p.65)

59. (...) Para a etnometodologia, so prticas cotidianas que produzem uma realidade. Outrossim, sendo a prtica descritvel, sem sempre ser descrita. H, na realidade, uma potencialidade descritiva como especificidade humana (accountability), e as narrativas podem conter elementos tcitos e opacos, tornando o mundo da linguagem extremamente complexo. (...) (p.67)

A etnometodologia e a compreenso dos etnomtodos: uma inspirao terica fundante

60. (...) A etnometodologia uma teoria do social que, ao centrar-se no interesse em compreender como a ordem social se realiza mediante as aes cotidianas, consubstanciou-se numa teoria de etnomtodos, (...) (p.68)

61. (...) em Le domaine dobjet de lethnomthodologie, Garfinkel nos diz do seu objeto de estudo: os procedimentos intersubjetivamente construdos que as pessoas na sua cotidianidade empregam para compreender e edificar suas realidades. Para o autor, quando se faz conhecimento social, profano ou profissional, toda referncia ao mundo real, mesmo concernente aos acontecimentos fsicos ou biolgicos, uma referncia s atividades organizadas da vida cotidiana. Trata-se, portanto, de um fenmeno fundamental para a cincia social, quando analisa as atividades do dia-a-dia como mtodos dos membros (aqueles que dominam a linguagem natural) para tornar essas atividades visivelmente racionais e reportveis para todos os fins prticos. (p.70)

62. (...) a constituio social do saber no pode ser analisada independentemente dos contextos da atividade institucionalizada que o produz e o mantm. (p.71)

63. O prprio Garfinkel (1985, p.89) nos relata que o termo etnometodologia foi empregado para referir-se investigao das propriedades racionais das expresses indexais e de outras aes prticas, como realizaes contingentes e contnuas das prticas organizadas e engenhosas da vida de todos os dias. A partir dessas elaboraes, v-se aparecer uma srie de termos que, juntos com outros, vo constituir o corpus terico da etnometodologia e que se transformaro em idias-fora dessa forma de ver o social se fazendo; (...) (p.72)

64. Nesse veio, Jules-Rosette (1986, p.102) esfora-se para resumir as caractersticas principais da etnometodologia, ao trabalhar basicamente sobre seus conceitos fundamentais. Segundo autora, pode-se situar a etnometodologia entre a tradio fenomenolgica e a filosofia da linguagem ordinria (...) e seus principais aspectos so: a indexalidade, a reflexibilidade, a descritibilidade, o conceito de membro da sociedade, a competncia nica (...) e a abordagem da ao na cena social. (...) a etnometodologia no puramente uma sociologia da vida cotidiana; porquanto cada tentativa de anlise deve dar conta dos aspectos fundamentais da ao e da significao implicada. (p.72-73)

65. (...), as prticas sociais devem ser olhadas localmente, isto , jamais de forma descontextualizada. (...) (p.73)

66. (...) A ao social concebida como indissociavelmente ligada ao trabalho de compreenso que todo indivduo deve atualizar com o objetivo de assegurar a continuidade das atividades prticas de que ele participa. Em suma, a ao social consiste numa prtica de sentido que o ator utiliza quando age. O ator social um prtico de sentido (OGIEN, 1985, p.54) (p.74-75)

67. Para o autor, se a cincia social capaz de dar conta das atividades dos indivduos, graas existncia de uma propriedade irremedivel do mundo: vivemos num mundo que descritvel, inteligvel, analisvel. Tal descritibilidade revela-se nas aes prticas que empreendemos cotidianamente, subsdio seminal para a compreenso de como se instaura a ordem social. (p.76)

68. Para os etnometodlogos, a competncia social dos membros nasce no seio de uma determinada comunidade, e a escola uma delas; a cultura ali criada indexaliza as aes. Nesse sentido, normas, regras e valores so sempre uma interpretao local, pontual, pois na escola que elas se criam e se recriam incessantemente, procurando mostrar, por exemplo, como as desigualdades so construdas e mantidas no dia-a-dia das relaes escolares, os etnometodlogos entram na lgica das aes cotidianas no-documentadas, desvelando procedimentos de excluso nem sempre visveis nem sempre comunicados: um mundo de aes tcitas que as relaes cristalizadas ao longo da histria da instituio escolar mantm reificadas, isto , naturalizadas. (p.76)

69. As sesses de orientao, a relao professor/aluno, as interaes entre alunos e a construo de regras de convivncia entre eles e a instituio escolar, a associao de pais, as formas de avaliao, entre outros, so assuntos que emergem como campos significativos para os estudos etnometodolgicos, vistos correntemente apenas pela ptica reprodutivista, correlacional ou experimentalista. Dessa forma, mesmo que se considere a iniqidade como efeito da reproduo do sistema escolar, fato que se vem deixando intacta a questo de saber quais so os processos sociais da construo dessa iniqidade. (p.76-77)

70. (...) Refletindo sobre a questo, Coulon nos diz que o contexto institucional, isto , os mecanismos tcitos que regem a vida de nossos estabelecimentos escolares, determinante no somente de aprendizagens, mas tambm da socializao em geral. (...) (p.77)

71. Etnometodologia e educao fundam um encontro to seminal quanto urgente, em face da parcialidade compreensiva fundada pelas anlises duras. Pelo veio interpretacionista, os etnometodlogos interessados no fenmeno da educao buscam o tracking dos etnomtodos pedaggicos, isto , uma pista pela qual tentam compreender uma situao dada, bem como praticam a filature, ou seja, o esforo de penetrar compreensivamente no ponto de vista do ator pedaggico, em suas definies das situaes, tendo como orientao forte o fato de que a construo do mundo social pelos membros metdica, se apia em recursos culturais partilhados que permitem no somente o construir, mas tambm o reconhecer (MACEDO, 2000) (p.78)

A inspirao contempornea nos estudos culturais

72. O etnopesquisador crtico tem nos estudos culturais uma inspirao importante, na medida que, interessado no campo de produo indexalizada de significados, busca compreender a dinmica dessa produo dentro das mltiplas referncias e relaes poltico-culturais instituintes. (p.80)

CAPITULO III A ETNOPESQUISA E A APROPRIAO DO MTODO

73. (...) orientados pelas idias de Blumer, que os mtodos em etnopesquisa lutam pelo acolhimento da natureza do mundo emprico habitado por seres humanos culturalmente situados e situantes e pela organizao de procedimentos metodolgicos que reflitam esse acolhimento. nesses termos que, para o etnopesquisador, os stios de pertencimento simblico (ZAOUAL, 2003) so fontes ineliminveis a serem acordadas para que a construo do conhecimento indexalizado seja possvel. (p.80)

A perspectiva etnogrfica e clnica da etnopesquisa

74. No caso da etnopesquisa crtica, valoriza-se intensamente a perspectiva sociofenomenolgica, que orienta ser impossvel entender o comportamento humano sem tentar estudar o quadro referencial, a bacia semntica e o universo simblico dentro dos quais os sujeitos interpretam seus pensamentos, sentimentos e aes. (p.82)

75. Praticando uma cincia social dos fatos midos e muitas vezes obscuros do dia-a-dia, a descrio etnogrfica a escrita da cultura no consiste somente em ver, mas fazer ver, isto , escrever o que se v procedendo transformao do olhar em linguagem (...) (LAPLATINE, 1996) (p.82)

76. Para a etnopesquisa, descrever um imperativo, estar in situ ineliminvel, compreender a singularidade das aes e realizaes humanas fundante, bem como a ordem sociocultural que a se realiza. (p.83)

A prtica do trabalho de campo do etnopesquisador: a pesquisa in situ

77. O trabalho de campo significa observar pessoas in situ, isto , descobrir onde elas esto, permanecer com elas em uma situao que, sendo por elas aceitvel, permite tanto a observao ntima de certos aspectos de suas aes como descrev-las de forma relevante para a cincia social. Engedra-se aqui o estudo in vivo de como se dinamizam as construes cotidianas das instituies humanas. (p.83)

78. Assim a cincia social requer sempre arte na observao e na anlise, e a observao de campo mais que uma etapa preparatria para as grandes pesquisas estatsticas. (p.83)

79. Aqui a informao o registro da vida ao vivo, que entre alguns pesquisadores de campo, por vezes, equivocadamente denominado de dados crus. (p.84)

80. (...) Ao longo de estudos que empreendemos como pesquisador de campo, o que nos impressiona justamente o carter fortemente idiogrfico da informao in situ. Isto , o trabalho de campo implica uma confrontao pessoal com o desconhecido, o confuso, o obscuro, o contraditrio, o assincronismo, alm dos sustos com o inusitado sempre em devir. O campo tem uma resistncia natural que demanda uma dose de pacincia considervel, em face, por exemplo, das rupturas com os ritmos prprios do pesquisador ou determinados prazos acadmicos. (p.85)

81. A depender dos objetivos e do relacionamento previsto do pesquisador com aqueles com quem ele trabalha, o mtodo de campo requer um grande dispndio de tempo para o pesquisador aproximar-se daqueles para quem ele pode no ser familiar. Assegurar e manter as relaes com pessoas com quem temos uma pequena afinidade pessoal, fazer copiosas notas aquilo que normalmente parecem ser acontecimentos mundanos do cotidiano, incorrer, s vezes, em riscos pessoais no trabalho de campo e se isso no for suficiente semanas e meses de anlises que se seguem ao trabalho de campo , na realidade, a rotina do etnopesquisador. (p.86)

82. Dessa forma, se correto supor que as pessoas, em sua vida cotidiana, ordenam seu meio, atribuem significados e relevncia a objetos, fundamentam suas aes sociais em racionalidades de seu senso comum, no se pode fazer pesquisa de campo ou usar qualquer outro mtodo de pesquisa nas cincias antropossociais sem levar em considerao o princpio da interpretao contextualizada. (...) (p.87)

83. (...) A fecundidade dos resultados de uma etnopesquisa vai depender em muito do tipo do acesso conquistado. fundamental a disponibilidade das pessoas para informar, deixar-se observar, participar ativamente da pesquisa e at mesmo para co-construir o estudo como um todo. Esse o mbito da etnopesquisa partilhada, na qual a intercriticidade na produo do conhecimento se torna uma ao politicamente orientada. (p.87)

84. H de se construir uma confiana recproca, pouco importando o quanto o pesquisador seja familiar ou no em relao aos sujeitos do estudo. necessrio estabelecer claramente, desde o incio, que a pesquisa visa compreender a situao como ela se apresenta, e que as pessoas jamais sero incomodadas ou prejudicadas nos seus afazeres e relaes, exceto a partir de um contrato bem explicitado entre pesquisador e atores do contexto estudado, ou mesmo, se houver uma demanda vinda dos membros do grupo ao se envolverem na pesquisa. (p.88)

O estudo de caso e a busca da densidade singular

85. (...), o estudo de caso muitas vezes se consubstancia em um estudo sobre casos, quando numa s investigao faz-se necessrio pesquisar mais de uma realidade sem, entretanto, perder-se a caracterstica pontual e densa desses estudos (MACEDO, 1995; ANDR, 2005) (p.88-89)

86. (...) temos que garantir uma das fontes de rigor da etnopesquisa que o esforo incessante de analisar a realidade como ela se apresenta, como todas suas impurezas. (p.90)

87. Faz-se necessrio ressaltar que, em muitas etnopesquisas nas quais mais de uma realidade estudada pontualmente, lana-se mo do denominado estudo sobre casos ou multicaso. Preocupados em resguardar a natureza idiogrfica e relacional desses estudos, evita-se a mera comparao, construindo-se relaes contrastantes e totalizaes em que o movimento relacional com os contextos mais amplos pertinentes a principal caracterstica. (p.91)

A observao: presena do olhar sensocompreensivo do etnopesquisador

88. (...) o processo de observao no se consubstancia num ato mecnico de registro, apesar da especificidade da funo do pesquisador que observa ele est inserido num processo de interao e de atribuio de sentidos. Goffman (1983) e sua dramaturgia social nos dizem que, quando um indivduo chega presena de outros, estes, geralmente, procuram obter informaes a seu respeito ou trazem baila as que j possuem. com base nas evidncias apreendidas que comea o processo de definio da situao e o planejamento das linhas de ao. medida que a interao progride, ocorrero, sem dvida, acrscimos e modificaes ao estado inicial das informaes. (p.92)

89. (...) necessrio pontuar, por outro lado, que o objeto da pesquisa que vai fornecer as evidncias capazes de fomentar uma deciso quanto dimenso do perodo de observao e ao grau de envolvimento necessrio. Nesse mbito, mais significativo ainda o domnio que o pesquisador tem em sua temtica e das nuances por ela produzidas em sua inerente complexidade. (p.92)

90. No que se refere aos perodos de participao, em algumas pesquisas pode ser interessante haver diversos perodos curtos de observao para verificao das mudanas havidas num determinado programa ou em seu dinamismo ao longo do tempo. Em outros estudos, pode ser mais adequado concentrar as observaes em determinados momentos, digamos, no incio ou no final de cada perodo ou subperodo escolar. (...) (p.92)

As notas de observao: em busca da pertinncia do detalhe

91. Bruyn (1966) denomina de adequao subjetiva o mtodo pelo qual o pesquisador avana sua compreenso das anotaes realizadas durante a observao para validar a pesquisa. Para isso, Bruyn apresenta seis indicadores para se alcanar essa adequao (p.94)

92. O tempo seria o primeiro indicador. Assim, quanto mais tempo o observador dispender com o grupo, maior ser a adequao alcanada (...) (p.94)

93. Um outro indicador o lugar. No lugar se atualizam as aes, d-se o pulsar cotidiano da vida das pessoas que edificam as prticas. (p.94)

94. O terceiro indicador so as circunstncias sociais. necessrio viver as circunstncias que o grupo experiencia, observar as reaes organizadas ou no, as estratgias construdas, os conflitos institudos. (p.94)

95. O quarto indicador a linguagem. Quanto mais o investigador estiver familiarizado com a linguagem do meio social investigado, mais apuradas podem ser as interpretaes sobre esse meio. (...) (p.94) 96. O quinto indicador a intimidade. Poderamos dizer que os procedimentos de observao inerentes etnopesquisa cultivam, em geral, a proximidade. (...) quanto mais o observador se envolver com os membros do grupo, mais estar capacitado para compreender os significados e as aes que brotam da cotidianidade vivida por eles. (...) (p.95)

97. Finalmente, tem-se o que Bruyn chama de consenso social. Uma espcie de pattern que o pesquisador extrai a partir dos sentidos que permeiam e perpassam as prticas dentro da cultura. (...) os etnopesquisadores atingem a compreenso quando conhecem as regras da cena social e como estas so construdas e mantidas. Chega-se, assim, por um processo interpretativo, natureza da ordem social estabelecida e estabelecendo-se. (p.95)

A observao participante: o esforo para a compreenso situada dos etnomtodos

98. (...) a observao participante (OP), termina por assumir sentido de pesquisa participante, tal o grau de autonomia e importncia que assume em relao aos recursos de investigao de inspirao qualitativa. (p.96)

99. No que se refere prtica da OP como tecnologia de pesquisa, a partir dos estudos de Adler e Adler que se observa a distino entre trs tipos de implicao em relao ao campo de pesquisa. Para os autores, emergem da prtica da OP a participao perifrica, a participao ativa e a participao completa. (...) (p.99) 100. Na observao participante perifrica, (...) os pesquisadores (...) preferem no ser admitidos no mago das atividades dos membros. Procuram no assumir nenhum papel importante na situao estudada. (p.100)

101. Quanto observao participante ativa, o pesquisador se esfora em desempenhar um papel e em adquirir um status no interior do grupo ou da instituio que estuda, o que lhe permite participar ativamente das atividades como um membro aceito. (p.100)

102. Quanto participao completa, esta pode dar-se como pertencimento original e por converso. No primeiro caso, o pesquisador emerge dos prprios quadros da instituio e dos segmentos da comunidade, recebendo destes a autorizao para realizar estudos em que a realidade comum o prprio objeto de pesquisa. (p.101)

103. Por outro lado, a natural flexibilidade do campo de observao da etnopesquisa d ao pesquisador um meio efetivo para abordar, de uma forma um tanto quanto tranqila, a dinamicidade das realidades humanas. O trabalho de campo assume, em geral, um contnuo processo de reflexo e de mudana de foco de observao, o que permite ao pesquisador testemunhar as aes das pessoas em diferentes cenrios. Tal flexibilidade permite, ademais, que objetivos, questes e recursos metodolgicos sejam retomados, assim como articulaes com a teoria, dependendo da dinamicidade e das orientaes que surgem no movimento natural da realidade investigada. Assim, a flexibilidade no ato de pesquisar uma das condies para a autenticidade e o sucesso de uma etnopesquisa na qual a observao participante seja um recurso significativo. (p.102)

A entre-vista: buscando o significado social pela narrativa provocada

104. A entrevista outro recurso extremamente significativo para a etnopesquisa. Numa etnopesquisa, a entrevista ultrapassa a simples funo de coleta instrumental de dados no sentido positivista do termo. Comumente com uma estrutura aberta e flexvel, a entrevista pode comear numa situao de total imprevisibilidade em meio a uma observao ou em contatos fortuitos com os participantes. (...) (p.102)

105. Na entrevista, poderoso recurso para captar representaes, os sentidos construdos pelos sujeitos assumem para o etnopesquisador o carter da prpria realidade, s que do ponto de vista de quem a descreve. (...) (p.103)

106. (...) A linguagem nasce socialmente com aquilo que ela exprime. Ela no nem falsa nem verdadeira, portanto. seu uso social que lhe dar status de verdade ou mentira. (...). Em educao, certas prticas no so discursos, mas os discursos sustentam, orientam e justificam a prtica. (...) (p.104)

107. De fato, a entrevista um rico e pertinente recursos metodolgico para a apreenso de sentidos e significados e para a compreenso das realidades humanas, na medida em que toma como premissa irremedivel que o real sempre resultante de uma conceituao; o mundo aquilo que pode ser dito, um conjunto ordenado de tudo que tem nome, e as coisas existem mediante as denominaes que lhes so emprestadas. O que existe para o homem tem nome enfim (DUARTE JNIOR, 1984), e o conhecimento humano ter de ser, por conseqncia, uma prtica incessantemente tematizvel. interessante notar que o aspecto no-estruturado da entrevista pode tomar, em algumas situaes da pesquisa, conotaes de dialogicidade livre. Alis, a conversa corrente, ordinria, um elemento constitutivo da observao participante: o pesquisador encontra pessoas e fala com elas medida que participa das atividades pertinentes, pede explicaes, solicita informaes, procura indicaes, etc. (p.104)

108. Voltando ao recurso da entrevista aberta ou semi-estruturada, verificamos que se trata de um encontro, ou de uma srie de encontros face a face entre um pesquisador e atores, visando compreenso das perspectivas que as pessoas entrevistadas tm sobre sua vida, suas experincias, sobre as instituies a que pertencem e sobre suas realizaes, expressas em sua linguagem prpria. (p.105)

109. Apesar desse carter relativamente no diretivo da entrevista etnogrfica, h a necessidade de que se entenda que esse tipo de recurso metodolgico se parece no comportar nenhuma espcie de estruturao, na realidade, o pesquisador deve elaborar um estratgia pela qual possa conduzir sua entrevista. Assim, a entrevista no-estruturada flexvel, mas tambm coordenada, dirigida e, em alguns aspectos, controlada pelo pesquisador, porquanto se trata de um instrumento com um objetivo visado, projetado, relativamente guiado por uma problemtica e por questes, de alguma forma, j organizadas na estrutura cognitiva do pesquisador. Nesse sentido, recomenda-se a realizao de um roteiro flexvel, no qual a informao inesperada possa ser valorizada e includa. (p.105)

110. Distinguem-se trs tipos de entrevistas de inspirao etnogrfica a partir de experincias etnossociolgica (...) (p.105)

111. A primeira visa elaborar uma narrativa de vida (autobiografia). Aqui o pesquisador se esfora para apreender experincias que marcam de maneira significativa a vida de algum e a definio dessas experincias pela prpria pessoa. (p. 105-106)

112. O segundo tipo destinado ao conhecimento de acontecimentos e de atividades que no so diretamente observveis. (...) (p.106)

113. O terceiro tipo aproxima-se bastante do recurso metodolgico das cincias sociais denominado grupo nominal ou focal. Prope-se que mediante questes abertas sejam obtidas informaes de um nmero um tanto quanto elevado de pessoas num tempo relativamente breve. (...) (p.106)

114. Um outro aspecto importante, no sentido de desconstruir o momento da entrevista como mera coleta instrumental de informaes, que no prprio desenrolar da entrevista podem acontecer redefinies de identidades tanto do pesquisado quanto do pesquisador; pode haver mudanas de objetivos da pesquisa e pessoais. (...) (p.106)

115. Uma outra caracterstica marcante da entrevista que os sujeitos envolvidos na pesquisa podem ser submetidos a vrias entrevistas, no s com o objetivo de obter mais informaes, mas tambm como meio de apreender as variaes de uma situao estudada, muito comum nos meios educacionais. (p.107)

116. Portanto, a entrevista de inspirao etnogrfica, como recurso fecundo para a etnopesquisa, um encontro social constitutivo de realidades, porque fundado em edificaes pela linguagem, pelo ato comunicativo, definidor de significados. Nesse sentido, a entrevista um dos recursos quase indispensveis para a apreenso de forma indexal (encarnada, enraizada segundo a etnometodologia) do significado social pelos etnopesquisadores, at porque, como elabora Austin (1970), nesse contexto, dizer fazer. (p.107)

Os documentos como etnotextos fixadores de experincias

117. Outro recurso significativo na tradio metodolgica da etnopesquisa a anlise de documentos. (...) (p.107)

118. (...) anlises a partir de textos at ento desprezados textos que atestam banais realidades cotidianas , os denominados etnotextos excludos. (p.108)

119. (...) quando a linguagem dos sujeitos importante para a investigao, pode-se incluir todas as formas de produo do sujeito em forma escrita, como as redaes, cartas, comunicaes informais, programas, planos, etc. (p.108)

120. Ademais, os documentos tm a vantagem de serem fontes relativamente estveis de pesquisa, o que facilita, sobremaneira, o trabalho do pesquisador interessado nos significados comunicados das prticas humanas. (p.108)

121. Como etnotexto fixador de experincias, revelador de inspiraes, sentidos, normas e contedos valorizados, o documento uma fonte quase indispensvel para a compreenso/explicitao da instituio educativa. Justifica-se ademais essa nossa assertiva, partindo-se da premissa de que foi na escola moderna que a cultura grfica veio, de vez, sedimentar-se, e por meio dela, predominantemente, que a escola obtm e avalia seus produtos. Poderamos dizer, contemporaneamente, que no possvel vida escolar sem um processo de documentao. A, est, entendemos, uma fonte seminal a ser acordada por aqueles que, abraando a etnopesquisa crtica dos meios educacionais, querem compreender em profundidade ao de educar, suas linguagens e inteligibilidades. (p.110-111)

A histria de vida: experincia, itinerncia e narrativa

122. Vinculada tradio da histria oral, a histria de vida outro recursos metodolgico pertinente exercitado mo mbito da etnopesquisa. No representa nem dados convencionais da cincia social, nem uma autobiografia, tambm no representa um exerccio de fico. (...), e junto como recurso da observao participante o que melhor d sentido noo de processo, na medida em que capta e tenta compreender no processo de interao como se constri a vida do ator. (p.111)

123. Nesse sentido, a histria de vida nada tem a ver com uniformidade e linearidade. Na prtica da histria de vida, atores ignorados e/ou excludos econmica e culturalmente adquirem a dignidade e o sentido de finalidade, ao rememorar a prpria vida, contribuindo pela valorizao da linha de vida para a formao de outras geraes. Consequentemente, o recurso da histria de vida nos meios educacionais mais uma contribuio para o rompimento com o baixo mimetismo cognitivo, o abstracionismo terico e o colonialismo intelectual. (p.114)

O grupo nominal ou focal: a possibilidade da descrio dos etnomtodos via narrativas dialogicizadas

124. Trata-se de um recurso de coleta de informaes organizado a partir de uma discusso coletiva sobre um tema especificado e mediado por um ou mais de um animador-entrevistador. Na realidade, configura-se como uma entrevista coletiva aberta e centrada. Alguns elementos, entretanto, devem ser levados em conta: os membros do grupo; sua preparao para a entrevista; as condies de tempo; o lugar do encontro; a qualidade da mediao ou do entrevistador em termos de domnio da temtica a ser trabalhada e da dinmica grupal. (p.116)

125. bom frisar que nesse tipo de recurso qualitativo faz-se necessrio certo domnio de tcnicas no-diretivas de entrevista, diria mesmo, certa atitude que consista em demonstrar tolerncia s ambigidades, aos paradoxos, s contradies, s insuficincias, s impacincias, s compulses e at mesmo, aos sentimentos de rejeio quanto ao tema tratado ou a sua metodologia. Nesse sentido, sabe ouvir, interromper, fazer snteses, reformulaes, apelos participao, apelos a complementos, distenso, maior objetividade, seriam habilidades recomendveis. (p116-117)

126. Durante a discusso, os membros tm maior possibilidade de diluir defesas, de expressar conflitos e afinidades, fortalecendo o carter construcionista das etnopesquisas. (...) (p.117)

127. (...). Como dispositivo de pesquisa eminentemente grupal, o grupo nominal ou focal extremamente vlido para tratar com os objetos de pesquisa em educao, afinal de contas a prtica pedaggica se realiza como prtica grupal e coletivamente argumentada em todas suas perspectivas. (p. 117-118)

As tcnicas projetivas: o imaginrio sociocultural em expresso

128. Os pesquisadores que elegem como fundamental em seus estudos a apreenso de sentidos e significados, isto , que julgam a subjetividades e seu dinamismo como uma especificidade importante da ao humana, sabem de algumas dificuldades encontradas para a coleta de informaes nesses nveis da experincia. (...) (p.118)

129. (...) A projeo aqui abordada a partir das prprias temticas que emergem da situao analisada e se esfora para que o significado apreendido venha tona impregnado das experincias indexalizadas da cultura e das problemticas de vida experienciada pelos atores. (...) (p.119)

130. Como objetos de projeo, podem se utilizados desenhos dos atores interpretados por eles prprios, opinies sobre uma obra de arte representativa de uma problemtica local, sobre uma pea ou performance, uma msica, uma orao, um curso, um poema ou qualquer expresso literria; so materiais pertinentes para a etnopesquisador, interessado que na densidade simblica da vida. (p.120)

131. Muitos etnopesquisadores adaptam as tcnicas projetivas de acordo com o contexto de sua aplicao. Alguns chegam a inventar recursos projetivos de acordo com seus propsitos. (...) (p.120)

132. (...) necessrio que se alargue a formao do etnopesquisador, at porque esta se consubstancia numa prtica de pesquisa multirreferencial, portanto, solidamente calcada na necessidade da articulao e da relao entre os saberes. No caso do recurso tcnica projetiva, uma aproximao com a psicologia e com a psicolingstica seria recomendvel, ou mesmo a incorporao de pesquisadores dessas reas sensveis mediao social dos fenmenos subjetivos. A conseqncia natural desse processo de articulao tem conduzido a um rompimento com a exclusividade das tcnicas de investigao, fazendo com que dialoguem pesquisadores de diferentes reas das cincias humanas, interessados em criar dispositivos de pesquisa cada vez mais pertinentes em relao complexidade das realidades humanas. (p.121)

A imagem na etnopesquisa

133. (...) Inspirada em Merleau-Ponty, para a autora um ato de conhecimento visual, por exemplo, um desvelar da conscincia, a descoberta de um novo sentido sobre a experincia vivida, desvelamento de novos horizontes que originam novos sentidos, que, ento, refundam aquilo que j foi visto ou experenciado. (p.122)

134. (...) a maior especificidade do texto no-verbal, (...), por assim dizer, no encontramos nele um signo, mas signos aglomerados sem convenes: traos, tamanhos, cor, contraste, textura, sons, palavras, ao mesmo tempo juntos e difusos. (p.122)

135. O no-verbal no substitui o verbal, bom que se diga, mas convive com ele, ou seja, as palavras ou frases que nele podem aglomerar-se perdem sua hegemonia logocntrica para apoiar-se ou compor-se com o visual, com o sonoro, numa nivelao e transformao de todos os cdigos. (p.122)

136. Ao se incorporarem realidade, os textos no-verbais no se impem observao seno por uma operao mental especfica: leitura. (...) gera sua segunda caracterstica estrutural: ele se insere no espao da pagina na qual escrito e, concomitantemente, transforma o prprio espao em linguagem, caracterizando-o como manifestao privilegiada do no-verbal. (p.122-123)

137. Ferrara (1988, p.98) nos diz que (...) estudar o espao como pgina em que se emite e se recebe um texto no-verbal supe estud-lo como extenso daquela prtica representativa, ou seja, nele se escreve a histria sucessiva de um modo de pensar, desejar, desprezar, escolher, relacionar, sentir, etc. A percepo da escola e de sua rede de relaes, por exemplo, construda mediante fragmentos de sua imagem, leva os interessados em sua compreenso surpresa que rompe com o hbito de uso. (p.123)

138. O procedimento de registro do espao levaria o ator pedaggico, por exemplo, a captar, confrontar e informar espaos idnticos, prximos ou divergentes. Contrastar um mtodo significativo em uma pesquisa de percepo espacial, que leva a distines importantes para a compreenso de um cenrio institucional como a escola. (p.123)

139. O pesquisador pode muito bem atuar como estmulo para a captao do uso escolar, resgatando-o de sua opacidade habitual e tornado-o relevante pela imagem (fotografia), a ponto de ser possvel falar sobre ela, verbaliz-la e a complementa o sentido construdo mediante umas gestalt mais ampliada e conectada em relao a outros mbitos da sua vida. (p. 124)

140. O processo de interpretao das imagens construdas pode desenvolver-se a partir das seguintes perspectivas escolares: caractersticas fsico-contextuais e estgio atual e sua transformao; a memria e a histria ambiental; o espao pblico institucionalizado e espontneo: a relao entre o espao pblico e privado; o ambiente escolar nas suas microlinguagens, etc. (p.124)

141. (...) o texto no-verbal opera com resduos desconexos de mltiplas linguagens, mas sua leitura aprende com a leitura de verbal a necessidade de operar logicamente; da a necessidade de geometrizar os resduos signicos, compar-los e flagra convergncias e divergncias (FERRARA, 1988) (p.125)

142. (...) o texto no-verbal supe uma recepo que ousa ultrapassar os limites da alfabetizao verbal para acreditar na sua possibilidade de ver, mediante fragmentos informacionais, um texto que no outra coisa seno o reflexo de outros textos, inclusive verbais, j armazenados na memria e veiculados pelos sentidos. antes de tudo a capacidade de o crebro humano processar informaes por meio da interao sensvel do universo que o cerca. (FERRARA, 1988). Nesse sentido, a escola, por exemplo, mensagem procura de significados que se atualiza em uso e cotidianamente. (p.126)

143. Sampaio, Mclarem e Mcham so exemplos que evidenciam em seus estudos sobre a escola o quanto o uso da imagem um recurso extremamente frtil para a etnopesquisa crtica, principalmente para a compreenso dos mltiplos rituais que a escola constri em seus espaos vitais. Percebe-se, cada vez mais, nas pesquisas partilhadas, a utilizao de etnoimagens, ou seja, imagens construdas e orientadas pelos membros como dados de compreenso indexalizada nas realidades socioculturais. (p.128)

144. Em termos de etnopesquisa, bom lembrar que o vdeo e mesmo a entrevista gravada, no devem substituir a observao participante. Esses meios no obtm o equivalente ao que a presena do pesquisador no campo capaz de obter em termos de observao. (p.128)

145. Levando em conta que uma cultura imagtica se pluraliza toma importncia na sociedade em que vivemos, que os ambientes de aprendizagem se configura cada vez mais pela estruturao das suas imagens, para o etnopesquisador esse um cenrio fecundo de compreenso porque extremamente contemporneo. (p.128)

A dramaturgia social e dispositivo etnocenolgico de pesquisa

146. fato que em sociedade representamos papis diversos. justamente pela via de noo de representao e de sua dinmica interativa que, em parte, a dramaturgia social de Goffman vai inspirar certo mtodo para apreender os diversos papis desempenhados por atores no dia-a-dia, que acaba por compreender determinada organizao interativa de significados socialmente constitudos. Os diversos rituais da prtica pedaggica so um exemplo que nos mostra como papis diversos entram em cena, mobilizados pelos interesses particulares de cada ator, para o final constiturem ator que legitimam e instituem, ao mesmo tempo, uma dada estrutura sociocultural. (p.129)

147. Na dramaturgia goffmaniana, representar transmitir e constituir uma verdade, com todas as contradies ou paradoxos que algum de fora possa apreender (...) (p.129)

148. Para uma compreenso mais apurada de um mtodo etnocenolgico abstrado das idias de Goffman, faz-se necessrio analisarmos alguns conceitos nucleares da sua dramaturgia social. Assim, representao refere-se a toda atividade d um indivduo diante de um grupo particular de observadores sobre o qual ele tem alguma influncia. (...) Na realidade, ao representar um papel, o ator social define e redefine constantemente situaes, reproduz, mas tambm cria, trazendo cena e ressignificando presentemente situaes e cenas do passado recente ou remoto, ou mobilizando sentidos projetados a partir de uma intencionalidade vinda das possibilidades de um certo devir. (p.130)

149. a partir do jogo das aparncias e das expectativas que tambm podemos ter acesso a mbitos que costumamos chamar de verdade, pois as aparncias fazem parte desse conjunto constitutivo. (p.131)

150. Conforme Jean-Marie Pradier, a etnocenologia estuda as prticas e os comportamentos espetaculares organizados dos diversos grupos tnicos e das comunidades culturais. (...) espetacular o que se destaca da banalidade do cotidiano, da plenitude da existncia, da coexistncia, em um evento construdo, assegurado e assumido por um ou mais performers. (...), fica explcito que o propsito da etnocenologia contribuir para um melhor conhecimento da natureza do ser humano, partindo da elaborao de uma teoria geral do espetacular humano, e que sua hiptese fundamental parte do princpio de que a atividade espetacular humana um trao fundamental da espcie, sustentado pela unidade corpo/pensamento, que constitui o espao central em que se organizam formas mltiplas nos campos mais diversos da vida dos indivduos e dos coletivos sociais. (p.131-132)

151. Segundo essa perspectiva, os etnopesquisadores estariam mais interessados nos etnomtodos, processos e contedos das interaes e dos papis desempenhados, de onde emergem os sentidos e os significados da ao social espetacularizada. (p.132-133)

O Dirio de campo: notas de itinerncias e errncias

152. Jornal de pesquisa, dirio de campo, dirio de viagem so denominaes que conceituam a descrio minuciosa e densa de existencialidade, (...) Trata-se, em geral, de um aprofundamento reflexivo sobre as experincias vividas no campo da pesquisa e no campo de sua prpria elaborao intelectual, visando apreender, de forma profunda e pertinente, o contexto do trabalho de investigao cientfica. (...) (p.133)

153. Na realidade, a prtica do dirio de campo permite que nos situemos melhor nos meandros e nas nuanas, em geral, descartados, nem por isso poucos importantes, da instituio pesquisa, naquilo que so suas caractersticas explcitas e tcitas (...) (p.133)

154. Em geral, a prtica de escrita de um dirio de campo possibilita ao pesquisador compreender como seu imaginrio est implicado no labor a pesquisa; quais seus atos falhos; quais os verdadeiros investimentos que ali esto sendo elaborados. um esforo para tornar-se cnscio da caminhada, do processo pessoal e co-construdo da produo, portanto, um potente instrumento de formao no campo da investigao em cincias antropossociais e da educao. (p.133-134)

155. Nesses termos, ao construir seu dirio de campo, o etnopesquisador reafirma definitivamente seu status de ator/autor entra, por conseqncia, numa elaborao e numa elaborao e numa construo do sujeito e do objeto e passa por um trabalho de elaborao daquilo que nos constitui tanto em nvel imaginrio quanto real. (p.134)

156. Alm de ser utilizado como instrumento reflexivo para o pesquisador, o gnero dirio , em geral, utilizado como forma de conhecer o vivido dos atores pesquisados, quando a problemtica da pesquisa aponta para a apreenso dos significados que os atores sociais do situao vivida. (p.134)

157. No caso da formao de pesquisadores, o dirio, segundo Borba (1997, p.67), (...) torna-se uma prtica regular de escrita de um texto nosso, com o objetivo de uma maior competncia de escrita e de articulao dos nossos espaos de reflexo, um dispositivo que coloca a nu nossas relaes e que, assim, nos ajuda a compreend-las em profundidade. (p.135)

A interpretao dos dados em etnopesquisa crtica

158. A prtica em etnopesquisa crtica nos mostra que, na realidade, a interpretao se d em todo o processo de pesquisa. H, claro, um dado instante de nfase na construo analtica que, irremediavelmente, se transformar num produto de final aberto, (...) H uma produo visada que se objetiva num corpus de conhecimentos a servio de uma formao e de uma relevncia social. De fato, na etnopesquisa a anlise e um movimento incessante do incio ao fim, que, em determinado momento, se densifica e forja um conjunto relativamente estvel de conhecimentos como foi dito, um produto de final aberto , caracterstica marcante das pesquisas ps-fomais. (p.135-136)

159. Assim, uma das primeiras tarefas na anlise dos dados de uma etnopesquisa o exame atento e extremamente detalhados das informaes coletadas no campo de pesquisa. (p.136)

160. Aps um certo tempo de imerso em campo tempo que pode variar segundo a problemtica do objeto pesquisado e/ou de suas especificidades de contexto - , o pesquisador deve indagar-se sobre a relevncia dos seus dados, tomando mais uma vez como orientao suas questes de pesquisa norteadoras e intuies sadas do contato direto com o objeto pesquisado. Tal reflexo aponta para o recurso denominado de saturao dos dados, indicativo da suficincia das informaes e da possibilidade do incio da anlise e da interpretao final do conjunto do corpus emprico. Esse momento jamais visto como momento estanque, pois possvel se retornar vrias vezes ao campo em busca de maior densidade e detalhamento. (p.136)

161. A partir desse momento, a tradio fenomenolgica em pesquisa nos recomenda a reduo. Aqui se determina e se seleciona as partes da descrio que so consideradas essenciais, e aquelas que, no memento, so avaliadas como no-significativas. O propsito desse momento distinguir sem fragmentar e sem perder relaes relevantes o objeto da conscincia, isto , os acontecimentos, as pessoas, as aes, ou outros aspectos que constituam a experincia. (...) Nesse processo de filtragem contextualizada e encarnada, o pesquisador se capacita a reduzir a descrio para chegar conscincia da experincia. Nesse sentido, a compreenso se torna possvel quando o pesquisador assume o resultado da reduo como um conjunto de asseres significativas para ele, pesquisador, mas que aponta para a experincia do sujeito, quer dizer, aponta para a conscincia que este tem do fenmeno. Ao conjunto de asseres da advindas, o procedimento fenomenolgico denomina unidades dos significados (MARTINS, 1992). (p. 137)

162. No comeo, essas unidades devem ser tomadas exatamente como propostas pelos sujeitos que esto descrevendo os fenmenos e utilizando seus etnomtodos. Posteriormente, o pesquisador transforma essas expresses em expresses prprias do discurso que sustenta o ele est buscando. (...) pluralidade, densidade, detalhamento e contextualizao so recursos que, se articulados, do a medida da confiabilidade das etnopesquisas. (p137-138)

163. Faz-se necessrio assinalar que a interpretao em etnopesquisa , sem dvida, uma atividade extremamente exigente em termos intelectuais. (...) medida que a leitura interpretativa dos dados se d s vezes por vrias oportunidades , aparecem significados e acontecimentos, recorrncias, ndices representativos de fatos observados, contradies profundas, relaes estruturadas, ambiguidades marcantes; emerge aos poucos o momento de reagrupar as informaes em noes subsunoras as denominadas categorias analticas , que iro abrigar analtica e sistematicamente os subconjuntos das informaes, dando-lhes feio mais organizada em termos de um corpus analtico escrito de forma clara e que se movimenta para a construo de um pattern compreensvel e heuristicamente rico. (p.138)

164. (...) nesse momento que se inicia o esforo de organizao e sntese, que, no estudo, vai ter seu momento nas consideraes conclusivas. o momento tambm de estabelecer totalizaes relacionais com contextos e realidades histricas conectadas problemtica analisada; de construir tematizando as respostas s questes formuladas quando da construo da problemtica da pesquisa; de elaborar metanlises nas quais podero brotar novas anlises, novos conceitos, compondo um tecido argumentativo pertinente, rigoroso e fecundo, em termos da construo do conhecimento visado. (p.139)

165. interessante lembrar a necessidade da lembrana da voz do ator social implicado na apresentao da pesquisa, e que ele no fale simplesmente pela boca da teoria, no seja apenas um figurante legitimador de conceitos cristalizados e corporativos, que sua fala seja recurso de primeira mo para as interpretaes fundamentadas na realidade concreta, da qual ele faz parte, irremediavelmente. (...) recursos podem ser acrescidos, como fotos, recortes de documentos jornais, cartas, impressos, mapas grficos, cartazes, pinturas, desenhos, fitas de vdeos, CDs, DVDs, etc. Recomenda-se, ainda, que muitos desses recursos figurem no corpo do texto analtico, at mesmo como fonte de uma densa interpretao, afinal, as etnopesquisas visam compreender/explicitar a realidade humana tal como esta vivida pelos atores sociais em todas as perspectivas. (p.141)

166. (...) As nos defrontarmos com a realidade, temos de compreender que ela no cabe num conceito; preciso construir um certo distanciamento terico, a fim de edificarmos, durante as observaes, umas disponibilidade dialgica em face dos acontecimento em curso. Ao concluir a coleta de informaes, as inspiraes tericas so retomadas para trabalharem criticamente no mbito das interpretaes sadas do estudo concreto. Desse encontro tensionado pelos saberes sistematizados e pelos dados vivos da realidade, nasce um conhecimento que se quer sempre enriquecido pelo ato reflexivo de questionar, de manter-se curioso. (p.141-142)

167. Nesse sentido, teoria e empiria engendram um dilogo que tende a vivificar, a vitalizar o conhecimento. Teoria e empiria se informam e se formam incessantemente. (...) (p.142)

168. Preocupados com a validao de seus estudos, os etnopesquisadores utilizam, cada vez mais, o procedimento da confrontao de suas interpretaes conclusivas com as opinies dos atores individuais ou coletivos implicados na situao pesquisada. (...) H uma total disponibilidade intercriticidade como processo de construo social da validao de uma etnopesquisa. (p.143)

169. (...) Erickson cita algumas dificuldades que podem levar desqualificao de um etnopesquisa: insuficincia de provas (...); falta de diversidade no estabelecimento de provas (...); erro de interpretao (...) (p.143)

170. (...) uma das primeiras providncias para se evitar essas dificuldades o cuidado com a durao das observaes e com a necessria proximidade do pesquisador com os atores e seus contextos. (p.143 e 144)

171. nesses termos que o etnopesquisador o principal instrumento da etnopesquisa.

A anlise de contedos e a compreenso intercrtica dos etnotextos humanos

172. A tentativa de interpretar os livros sagrados foi, na realidade, o primeiro esforo para a realizao de uma anlise de contedo. (...) o recurso utilizado densamente, quando cartas pessoais, documentos, autobiografias e jornais so analisados visando compreender o contedo dessas fontes de conhecimento. (p.144-145)

173. Algumas peculiaridades so importantes na anlise de contedos. Uma delas que se trata de um meio para estudar a comunicao entre atores sociais, que enfatiza a anlise dos contedos das mensagens sem se restringir ao discurso. (p.145)

174. (...) importante salientar, ainda, que o domnio do mtodo de anlise de contedos no dispensa em hiptese alguma a inspirao filosfica e terico-epistemolgica, que dever ficar evidenciada nos referenciais que fundamentam qualquer estudo. (p.145)

175. Da perspectiva da etnopesquisa, a anlise de contedos um recurso metodolgico interpretacionista que visa descobrir o sentido das mensagens de uma dada situao comunicativa. (...) Um poema, um discurso, uma entrevista, uma histria de vida, uma declarao verbal ou escrita, um dirio pessoal ou de campo, um livro didtico, ou quaisquer formas de ao ou realizao humanas so objetos de uma anlise de contedos isto , qualquer realidade em que o contedo possa emergir significativamente para a compreenso de uma dada situao, via processos construcionistas de comunicao humana; da a noo de texto se ampliar para tudo que expressa e comunica no mundo humano. (p.146)

176. (...) analisar um contedo de forma pertinente implica a importncia de tornar-se membro, como recomendam os etnometodlogos, quer dizer, encharcar-se ou fazer parte da linguagem natural praticada por uma comunidade, compreend-la em profundidade. Portanto, destacar, fragmentando, o contedo onde ele se d, com o objetivo de analis-lo, uma prtica inconcebvel para uma etnopesquisa, seria um paradoxo insupervel. (p.146-147)

177. (...) Bardin (1997, p.52) especifica trs etapas bsicas no trabalho com a anlise de contedos: pr-anlise, descrio e interpretao inferencial (...) (p.147)

178. (...) o analista de contedos (...). Trabalha desvelando sentidos e significados que habitam a teia comunicativa, que se escondem e se revelam, dependentes que so dos valores, das ideologias e dos interesses do ser social. Dessa perspectiva, a analise de contedos passa a ter importncia de peso no conjunto das tcnicas praticadas pela etnopesquisa crtica, principalmente se cultivam os pressupostos e princpios da sociofenomenologia de feio crtica. (p.149)

179. Assim, para que a analise de contedos tome como referncia os princpios da etnopesquisa crtica, faz-se necessria a incorporao da inspirao hermenutica de orientao crtica (...) (p.150)

CAPITULO IV ETNOPESQUISA CRTICA, CURRCULO E FORMAO

A formao em questo

180. (...) Bildung (formao) surge modernamente na Alemanha no fim do sculo 18. um conceito de alta complexidade, com extensa aplicao nos campos educacional e da cultura, alm de ser indispensvel nas reflexes sobre o homem e a humanidade, sobre a tica, a criao, a sociedade e o Estado. (...) No caso da lngua portuguesa, formao amplia-se e se complexifica bem mais, aproximando-se do significado alemo sem, entretanto, atingir sua indexalidade. (...) (p.152)

181. Umas das conseqncias de uma formao inspirada por alguns dos princpios aqui descritos a valorizao intercrtica da experincia e do vivido como reflexes seminais para a valorizao da prtica (...) (p.152)

Etnografia semiolgica e formativa: base da etnopesquisa-formao

182. Para Lapassade (1991), a etnografia na escola de extrema importncia para a formao terico-metodolgica e crtica do professor e seus alunos, partindo-se das bases filosficas e sociolingsticas desse recurso de pesquisa. Calcada no imperativo da descrio reflexiva, da pertinncia do detalhe contextualizado, do trabalho com os sentidos construdos em contexto, a prtica etnogrfica nascida no interior das prticas pedaggicas uma endoetnografia escolar, portanto desvelaria realidade at hoje em opacidade, escondidas numa caixa-preta intocvel pela anlise sistmica de entrada e sada. (p.153)

183. Um mundo de prticas, sentidos e significados complexos , em geral negligenciado, como se a sala de aula, a escola e suas construes representassem apenas um reflexo mecnico do processo decisrio de autoridades pedaggicas; um cenrio esttico e estril. Faz-se necessrio destacar que exercitar um endoetnografia dos meios educacionais no deve ter o interesse fechado apenas na pesquisa. um recurso para todos os fins prticos da formao, da auto-eco-organizao dos formadores e formando. (...) processo formativo (...) se constitui a partir do conjunto das relaes pedaggicas e de suas nuances, interagindo com nossas interpretaes, com as interpretaes dos alunos e de todos os atores e atrizes do cenrio pedaggico (...) (p.153)

184. Ademais, o conjunto dessas endoetnografias formaria, na sua temporalidade especfica e relacional, um imaginrio rico em patterns pedaggicos, em processos idenditrios descobertos a partir do conjunto das aes e das obras elaboradas na dinmica organizacional e institucional dos cenrios educacionais. Afinal, o ser humano muito se reconhece na sua prpria obra refletida. (p.154)

185. (...) d-se no ato formativo a perda de um momento fecundo em termos de processo ensino-aprendizagem: o aprender por mimese, processo de identificao ativa e de extrema mobilizao afetiva, tica e cognitiva. (p.154)

186. (...) podemos apontar a endoetnografia como a prtica metodolgica motivante e de reais possibilidades para tornar o ato educativo bem mais reflexivo nos seus aspectos formativos, muitas vezes ofuscados pelo desenvolvimento de uma cultura latente, no revelada, nem por isso menos importante (...) (p.155)

187. A meu juzo, professores e alunos endoetnogrficos, alm de aperfeioarem a observao como esforo hermenutico para uma participao reflexiva e intercrtica, se transformam, sem rituais dolorosos dispensveis, em intelectuais pesquisadores (...) (BOUMARD, 1989) (p.155)

188. (...) uma abordagem endoetnogrfica inspirada na epistemologia qualitativa permite compreender como as relaes sociais mudam, como as pessoas em formao mudam, como mudam suas vises de mundo, como a realidade escolar se conflitua pela possibilidade de mudana. (p.156)

Etnopesquisa-ao e etnopesquisa-formao

189. Falar de uma etnopesquisa-ao nos conduz a um campo onde a academia concretamente sai de seus muros e age em termos de interveno com as pessoas. Na relao, etnopesquisa/ao, assume-se como principal objetivo da pesquisa a solidariedade e a tica comunitrias. Nem pesquisa desinteressada, nem modificacionismo brbaro cabem nessa relao, mas compartilhada produo de conhecimento visando pertinncia e relevncia scio-comunitrias, que, de incio, partem claramente em busca da construo do conhecimento, para que a pesquisa como etapa fundamental no se dissolva no interesse. (...) (p.156-157)

190. Apesar de a etnopesquisa-ao ter surgido de uma perspectiva de interveno externa, na qual o expert, em geral, prope ou negocia com sua pesquisa a interveno em uma dada realidade, o que denomino de etnopesquisa-ao tem, predominantemente, um carter construtivo que vem de dentro do campo pesquisado. Dessa perspectiva, o especialista dever est implicado na situao a ser conhecida e transformada. (p.157)

191. Por outro lado, historicamente, a pesquisa-ao desde seu inventor, o antroplogo americano J. Collier, se caracteriza como uma ao transformadora especializada. (...) (p.157)

192. (...) o conhecimento prtico que cresce em valorizao, conhecimento esse forjado no seio da comunidade envolvida na pesquisa e na transformao. A etnopesquisa-formao adota o princpio antropolgico segundo o qual os membros de um grupo social conhecem melhor sua realidade que os especialistas que vm de fora da conviviabilidade grupal da comunidade ou da instituio, o que no significa fechamento num basismo ingnuo e equivocado, mas abertura a uma dialogicidade interessada, com vistas a uma interveno majorante e intercrtica. (p.160)

193. No que se refere ao processo de pesquisa a formulao da problemtica, a negociao do acesso ao campo, a coleta de dados, sua avaliao e anlise, a apresentao dos resultados , a etnopesquisa-formao difere pouco da etnopesquisa crtica. (p.160)

194. Na formulao da problemtica de uma etnopesquisa-formao, (...) o pesquisador implica-se junto com a coletividade na construo da problemtica da pesquisa e de seu estudo. (...) Toda e qualquer etapa da etnopesquisa-formao desenvolvida num processo de discusso coletiva. comum que a coleta e dados se realize mediante a utilizao de mtodos muito ativos, como as discusses de grupo, os jogos de papis e as entrevistas em profundidade. Questionrios so utilizados, entretanto as questes so abertas e utilizadas de uma perspectiva semiolgica. (p.161)

195. No que concerne validade dos dados, a discusso coletiva que os legitimar, o aval comunitrio vindo dos participantes observadores que os autorizar como autenticidade cientfica para aquela realidade a ser conhecida e transformada. O exame dos dados tem por funo redefinir a problemtica inicial; o objetivo da pesquisa ajudar a encontrar novas solues. (p.161)

196. (...) tratando-se de anlise e interpretao dos dados, so as discusses enviadas pelo grupo de pesquisadores implicados que lhe daro corpo e legitimao. (...) o coletivo social empenhado em conhecer em profundidade que vai fazer emergir os resultados, os pontos onde a interveno se dar, que tornar para si o processo decisrio que a pesquisa indica. Tal procedimento se repete na apresentao dos resultados da pesquisa; numa discusso grupal ou comunitria que os resultados so apresentados, surgindo da as chamadas estratgias de ao formativa. (p.162)

197. Quanto questo do mtodo, as tecnologias de pesquisa utilizadas pela etnopesquisa-formao caracterizam-se pelas mesmas orientaes metodolgicas da etnopesquisa crtica. (p.162)

198. (...) Em geral, a pesquisa-ao utiliza grande nmero de recursos metodolgicos de natureza quantitativa; entretanto, d uma feio nova aos mtodos, na mesma em que os transforma em instrumentos coletivos de pesquisa. A coletivizao da tecnologia de pesquisa uma marca das etnopesquisas interessadas na interveno. (p.163)

199. Carr e Kemmis (1983) enumeram uma srie de razes que iro justificar a pesquisa-ao nos meios educacionais: os professores j no se contentam com o pesquisador do tipo consultor, vindo do exterior, os atores pedaggicos esto cada vez mais conscientes da inutilidade socioeducacional de um certo nmero de pesquisas em educao, distanciadas das necessidades reais do processo educacional, no qual o pesquisador assume dentro dos meios educacionais uma simples postura de observador, (...) (p.163)

200. (...) A etnopesquisa-formao, como cultivo da prxis, ser, portanto, uma pesquisa interna da prtica singular do prtico. Por conseguinte, o conhecimento adquirido est constantemente em relao dialtica com a prtica estudada na ao; nesse sentido, o conhecimento um processo cooperativo ou coletivo de reconstruo interna de um grupo de pesquisadores-prticos. (p.165)

201. A pesquisa-ao dos meios educacionais, tal como a concebem Carr e Kemmis, tem como objetivo desenvolver entre os educadores-pesquisadores um tipo de distncia crtica em relao aos sentidos e significados que governam habitualmente as prticas. (p.165)

202. No seio dessa prtica reflexiva e democrtica de pesquisar, outras inteligibilidades podem emergir e fortalecer-se em poder, outros talentos ressurgem ao entender porque eram vistos como meros componentes. (p.167)