ferry_luc-kant uma leitura das três críticas

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,. Capyri§>t© F.ciitlons Grosset & Fasquelle. ooo6 t'itulo originaL K.aat- UneJçcturc des ttois "Critiques,. Ca pa1 Sé:rgio Caxnpa .nte lll\Jigem d• capa, Anônimo, c. ' ?9C· Album/Akg- illl>ges/Latinstocl< Editoração: DFL lmpro!)so no Brasil Printed in B.razil CH' · Bur:il. Ci!blosu;;li) ua Sio.d.i.CQto N1dnnald. os F.d i tcaude Uvros. lU F41;6k Ferry, tue Kant: um:\ leHMa lrês "Crhioaa•Jluc FCrl)'\ traituçllo I<arina jannini.. - lüo de Janeiro: OtfEL. 336 )>· Ttad\.lçii.O de: Kant: une leeture eles ttoia ISB!f nB-BS-?·eh-099-> 1. Kant.lmm.anueL 1124- a804_.. 3. Ettea. + Jüx!l.o. r. 'Otulo. Todoo oo direitos rt:)crtadoo pel& lllFEL-selo editotlal da E DYfORAJlElll'JJAND BRASJL LTDA. Rua Argentina, 171 -1o. andar - Sao Crist6vll.o deJa. neiro - RJ T el ., <•=•> >s8s-••1• -l ' ax, (oxxot) CDD->!)3 CDU-t(f\) Nllo éperm itids a roproduçlo totnl ou parcial destaob1·a, por quaisquer meios. sem a prévia por escrito da Editora. SUMÁRIO IntroduÇão, As três "Críticas" e a missão da filosofia , 7 PRIMEIRA PAliTE Introduç1Io à J eitUJ'a das três "'Crfticas" CRiTIC4 DA RAZÃO PUM, 19 11 Clit11ClDtl R4Zo!O PilAm:.\, 74 Ill CRITICA DA F'ACiii.OADE DBJUU;AA, 131 SEGUNDA FARTE A quesrAo da coisa em si. Ensaio de inlciprctaçiio geral do kantismo A.Qu.5STAODA.OOISAEMS1. 171 11 IILÓOJCIDASIN1f:l!PJUi1l\Ç(JES DO KAIITISMO, :<\09 I fi ASOLUC\0 CRiTICA DA MJ'llWOl.ffA

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Page 1: FERRY_Luc-Kant uma leitura das três críticas

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Capyri§>t© F.ciitlons Grosset & Fasquelle. ooo6

t'itulo originaL K.aat- UneJçcturc des ttois "Critiques,.

Capa1 Sé:rgio Caxnpa.nte lll\Jigem d• capa, Anônimo, c. ' ?9C· Album/Akg-illl>ges/Latinstocl<

Editoração: DFL

~009 lmpro!)so no Brasil Printed in B.razil

CH'· Bur:il. Ci!blosu;;li) ua fooh~ Sio.d.i.CQto N1dnnald.os F.ditcaude Uvros. lU

F41;6k Ferry, tue Kant: um:\ leHMa d~$ lrês "Crhioaa•Jluc FCrl)'\ traituçllo I<arina

jannini.. - lüo de Janeiro: OtfEL. ~009-336)>·

Ttad\.lçii.O de: Kant: une leeture eles ttoia ~Critiques" ISB!f nB-BS-?·eh-099->

1 . Kant.lmm.anueL 1124-a804_.. ~Jubo ([hgte;~). 3. Ettea. + Jüx!l.o. r. 'Otulo.

Todoo oo direitos rt:)crtadoo pel& lllFEL-selo editotlal da EDYfORAJlElll'JJAND BRASJL LTDA. Rua Argentina, 171-1o. andar - Sao Crist6vll.o ~09~l-36o-.Rio deJa.neiro - RJ Tel., <•=•> >s8s-••1• -l'ax, (oxxot) :>,SBs-~•87

CDD->!)3 CDU-t(f\)

Nllo é permitids a roproduçlo totnl ou parcial destaob1·a, por quaisquer meios. sem a prévia aulorl~aç:lo por escrito da Editora.

SUMÁRIO

IntroduÇão, As três "Críticas" e a missão da filosofia , 7

PRIMEIRA PAliTE

Introduç1Io à JeitUJ'a das três "'Crfticas"

CRiTIC4 DA RAZÃO PUM, 19

11 Clit11ClDtl R4Zo!O PilAm:.\, 74

Ill CRITICA DA F'ACiii.OADE DBJUU;AA, 131

SEGUNDA FARTE

A quesrAo da coisa em si. Ensaio de inlciprctaçiio geral do kantismo

A.Qu.5STAODA.OOISAEMS1. 171

11

IILÓOJCIDASIN1f:l!PJUi1l\Ç(JES DO KAIITISMO, :<\09

I fi A SOLUC\0 CRiTICA DA MJ'llWOl.ffA

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l3o LUC FERRY +~ Kant

CAPITULO lll

CRITICA DA FACULDADE DE JULGAR'

llá tl;m r..on:r.eito que simboliza mais e mellior do que todos os outros o roo,1JnentopeJo q.>al a filosofia kantis'-'1 inverte a relação do furito com o

Infinito, a relaçlo do homem com Deus, e que já vimos em prAtica no cen­

tro das duas pTimeiras C.rJt:ica.s. Esse conceitO é a "estética.". Embora grego por sua etimologia (aisthesis • sensaçoo), ele possui uma significa­ç~o f'.specificamente moder•la. Pois, confonnevii.Oos também ao analisar os traços fundamentais da Critica da razilo pura, se o sens!vel como tal é a

marca do humano, o signo infallvel a. ruptura num homem mergull>ado

no espaço. imerso no temp o. e um Deus totalmente in1ellgh·cl , enUo é

not'roal que o h,uroanism.o moderno se questione positiva.men(esohre sua significaç~o. Oxa, é,,. terceira Oritic;, Ú790) que esse aspecto sensivel da

humanidade do homem se·r§ ptuticularmente ana1ümdo, a princ1pio em. relação à qucs;tão da estética. ou seja. em primeiro lugar, à questão da

delinição c dos critérios da beleM.

Na. linguagem comum, "estética", "filosofia da 'll'le" ou "teoria do · belo" são expressões mais ou menos equivalentes. E gostamos <\e pensar

que elas designam. uma preocupaçho t:io essencial ao ser humano que

sempre existir.amso.b ·uma forma ou.outra em todas as civilizaçõea. No emanto, esse luga.r-com\un é enganador: a estética propriamente dita é uma disciplina rel atiYamente recente. Seu surgimento estA ligado de

"' maneüa indisso10vel a uma verdadeira revolução no olhar lançadq: ao fenõm<"..no da beleza. revoluçl:io que é diretamentecoma:ndeda pela inversão

'No que fie n:lere.,o C!Senci$1. ette capitulo rt:IOitiQ.. r.eC$ttutun.ede~n"tOlve~Tl~k.squ<l eu havi11 con~o a eatéHeo Jumtir.bl.ero meu liM'Io ile'.sthctJeu8..

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Page 3: FERRY_Luc-Kant uma leitura das três críticas

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LUC FERRY ·~ Kant

das relações entre humanidade e divindade e que carocteri2a:r!i n~o apc­ll!IS a filosofia kantista, mas, de maneira mais geral, toda a atmosfera das "I.uzes". Nessas condições, mo é de snl'prcenderofato de que a primeita "Estética" - a primeira obra a trazer ~licitamente esse titulo - surge apeMs em 1750. 1'rata-ac da Aestiletica do filósofo alcmllo Alexander Baumgarten. Como sempré ocorre na ltistória das ideiois, o surgi:Jnento de um conceito novo, sobretudo se promete perdurar, não é insignificante e merece ser analisado por ll1l:\ instante antes de adentrarmos no ce:rne da terceira Ori.ti.ca.

A dupla revolução da estéfiC;J, o génio e o gosto

O nasr.ilneuto da estética e, por conseguinte, o fato de dedicarmos IJJ.tla disciplina especial ao estudo da sensibilidade como tal, em vez de considerã-la secundária, é incompreensível se não a restabelecermos cont base numa <lupla perturbação intervinda na ordem da arte, pertu:r­baçilo essa paralela àquela que vimos em prlitica 1la revolução cienti:fiCA. na q\1al a primeira Critica se inspira\ .. ~.

Comecemos coro a parte do autor. Nas civilizações do passado. as obras de arte cumpriam l>.tna funçllo sagrada. Aind• no seio da Anti­guidade grega, para evocar uma tradiçlo no entanto próxima da nossa, elas tinham }>Or missão refl~tú· a ordem cós.m.ica exterr'l}l. e superior aos homens. Eram oo.mo um "pequeno mundo" que supostamente represen­tava, em escala reduzida, as pl'opriedades harmoniosas do grande todo cósmico. E é dal<rue extraiam sua grandeza imponente, sua capacidade de se impor efetivamente aos indiv:fduos que as :recebiam como elementos viu dos de fora. Jlm Platão, que em muitos aspectos era o mais • modemo" dos antigos, o llelo nUllca se d.efini.t pura e simplesmente em tennos de criação subjetiva, nem mesmo em função do efeito que podia prodU'âr em

outra sensibilidade particular. Aideia do Belo estava maJs associada à de ~ma ordem objetiva, em que reinavam "a medida e a proporção" (Filebo).

E nesse sentido, por exemplo, que Sócrates intexpcla Górgias no diálogo que leva o nome do famoso sofista'

Critica da faculdade de ítÚ(far

Podes. segundo tua escolha, oo:osidera:r: o exemplo dos pintores, dos arquitetqs., dos consl'n\tort$ dt: barcos. de todos os outros profissionais ( ... ]1

cada um d-elea se propõe certa ordem (cosmos) quando coloca etn seu devi· do lugar cada coisa que tem a ordenar, e obriga mna a ser o que convém à

outra. a se ajustar a ela até que o conjunto contrtitua uma obra que :re.ilite uma ordem e um mTanjo.

Em tal conte,1o, a obra possui a certa "objetividade", exprimia menos a Jnspiraç~o sobjetiva do arquiteto ou do escultor <lo que a ordem cósmi­

CA que ele apreendia na qul\l\dade de modesto intercessol· ent.rc os homens c os deuses. Tanto o percebemos que, no fundo, pouco nos impor1n conhecer a identidade do autor desta estátua ou daquele baixo­

relevo antigo. Tampouco passaria por nossa cabeça procurar o nome de uru artista atrás dos gatos de bronze q11e podemos admirar llaS salas de

egiptologia, o essencial é que se tratáva de um animal sagrado, que en.car­nava stmbolos cósmicos ou religiosos que tràJ1Sce·odiama humanidade e que era rransfigurado como tal no espaço da orle.

Provavelmente se !ará a objeção de que havia .. autores" nas civi}b.ações

pré~democrliticas.Aiguns deles, como o famoso Zêuxisde qucfala Plat~o.

chegaram a dei'XArum nome. 'rodaviâ:, n.o seio de suaprópriaciviliz.aç!lo. não eram percebidos como .. g~nios ••, se por esse termo entende:rroo& o

que ele irli designar a partir do século XVIII, criad.ores c:x nlhilo, demiur­gos humanos, capazes de encontrar neles próprios todas as fontes e todos

os recursos de sua inspiração. O artista antigo era mais um intercessor­entte o mu.ndo humano e o un)veno dos de\tSes. entre os indivicluos e o

cosmos- do que um verdadeiro denúttrgo. Por conseguinte, entendemos como a elCigência de inovaçÃo e de Ol·igioali.dade radicais que se alia à eon-_., cepção moderna do autor é inseparãvel da ideologia da tlibua rasa que se exprime jã etn Descar tes. O belo não deve se>· descoberto, como se já preexistisse no mundo objetivo, mas criado. i.nveJJtado, e ·cada momento

de renovação deve encontrar, a partir de enUo, seu lugat no seio de 'O:O:IIt

história d.a arte, cuja encarnação iostitucionallogo será oferecida pelo museu.

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f I'

LUC FERRY ~ Kant

A em~ m~t>ç3odo lado do autor, que separa tilonitidamenteo mundo moderno do antigo, reeponde. do lado do espectador, o surgimento da noçso de goeto. Ao que parece, o termo aparece pela primeira vet e111 GraciAn- pelo menos entendido em seu •entido figurado -para designar a capacidade subjetiva de distinguir o oonveniente do inconveniente. 0 belo do feio. Slgnllic.' diter 'l"•· diferentemente do que acontecia entre os antJsos, o belo nlo dealgna mais uma qualidade ou um conjunto de propriedades que pertencem de maneiro intrfllkco às obras de arte. Conforme lnalstem os primeiros tratados de estética, o belo é apenas subjetivo. realde essencialmente no que ognda nosso gosto, nossa &cnsi­

bilidade (oi&tbc&$). É o 'I" e, por exemplo, ressaltA Crou-em seu Traité du Buu (17•s>• "Quando se pergunta o que é o Belo, USo se preu:nde falar de um objeto que exi•te fora de nós e que é separado de todos os outros, como quando se pergunta o que é um ea>'llo o~ o 'l"e é uma ãrvore [ ... ]."

Montesqulw nlo dit oad> diferente em seu famoso Ensaio sobre 0 gosto.

Slo cases difenn1ea prateres de nossa alma que fo.rmamos objetoSc do goslo, como o belo [ ... ]. Oa a.ntigoa nn.o tinham esclarecido isso muito .bem. Olhavam como quaUdadcs positivas todas as qualidades relativas de nossa alma [ ... ). Portanto, as fontes do Belo, do Bom, do Agradável estão em nO• mcemoe1 c buacnr sun& n1.z0e~ signi fic:t huscu as c.\usas do.a prneres de noesalll.mu.

Sendo nssim, pnra os pn is f1tudadores da estêtica. a consciência de uma ruptura com o Antiguidade é )>etfeitamente clara. Por certo, a opinllo segundo A IJUal o artista deve procurar • harmonia certamente Jltio desaparece - peJo menos nfto jmediatn:nentc -na estética nascente. Em controp:o;lido, e nisso está " verdadeira ruptura, a harmonia noo é mais emprestada de \llllll ordem traoscendentc. externa e .superior ao homem. Em Kant, como veremos, ela se totnan\ harmonia das faculdades s®jetivas ern nós, de m•nc.ira que nlo ~porque o objeto é intrinstt:R­mente bolo que ele •GT>d•. mas porque proporeioru certo tipo de praur ligodo mois 11 organiuç4o da subjetividade bu.maD:l e secsfvel do que~ cncun•çRo de um• ordem extéma • nós que o cham:unos de belo.

Eis tambétn • n2lo para o surgimento do problems crncial, pratica­mente dcseoohecldo dos Mligos, que olo cessar{ de preocupara estética

Crltica da faculdade de julgar

,..,dem>< o dos critérloe do gosto. VoltAremO$ o encontrá-lo no ceme d• Cólica d• faculd:Jdo dejufFe, sobretudo, do distinção radical 'l"e eb. mstaur> eoUe ovudadelro, o belo e o ogradivel. O verdadeiro e o agradável se opOt•n diamclto\meotA: um ao outro em matérl> de critérios. Com efeito, pelo menos em alguns cosos. podemo& di&t!nguir com certeu o verdadeiro do falso (pela dernonstraçllo em materuAtica ou pela experimentaçlo nas ç~enciosnotunia), enqu•oto o ngndlvcl t eeontinnartseodo, pan sempre, puramente subjeti'IO' quem se a ~reveria a" demonstrar" • um de seus con­,.;mqueesteerraaonlogosw-deowuoodegdonocafé? Emcontrapar­tida. o coso do belo é muito malsoompleJO, poisaseo respeitodÍ$CIItimos como se pudéasemos "quase" demons1nr que uma obro é bela ou nlio, porém com a ooo&cleocla de que evidente11>ente, em última instância. é impolll!lveli'O*>Iver o debate. 0.: reoto, t essa ambiguid>de do belo que lhe confere seu Cllcaoto, tela '!"• nos leva a f.Jar dele na vida cotidiana com muito maisvigor - pr<mdiaao é• Yiolencia de certas querelas estéticas­do que de um teorema de Osica ou de wna divergencia de gosto culinólrio. Voltaremos a esse as.su.uto em detalhe$ ao examinar como Kaot propGe resolver essa .. antinom5a .. do julgunento est.~tico. que uma fórmula de Nietz.schc rca.um irf• multo btUII '"Castos c cores nAo se discutem ... E. no cn!Jinto, n$o se fn• 01Jtrn coisnl"

Por enqu aút01 ~ 8Uíit~1ente J10lllf QliC essa qucat5o dos critérios está d.ireto.meute .ligada oo aurgimento d11 subjetividade moderna ou, o que equjv:tlcao IU'CSillO, Ci''e ell\éoresulbldodu ruptura ooro.ummundo:mtigo, no seio do qual • objeúvidude do belo, definido como uma espécie de

"raicrocosm!>s" à imagem do fl''•ude todo cósmico, Ilno deixava dúvidas. Compreendemos perfeitamente por que, se o belo é subjetivo, se é. camo

se di-Z, '\p.tc.st.Ao de gosto'" e de se.nsi.bíl idude, e não mais de harmonia com a natureza objetiva, como explicar a existência de consenso em torno do que eh•m:unos de "grundea obrru(? Como compreender que, contra toda expectativa, alguns autores a.e tornam '"clá.ssicos" eauavessam os séculos t>nto qumto as clvilli~s? Com a snbjetivitaçlo da arte. com o nascimen­

to dopo e do gosto. a antiga moso03 do belo cedC\1 1\.gar a wna estética,. uma teoria dO$ efeitos prodtnldos por cen .. • cria~es • subjetivas sobre

noosa sensibilidade igu•.lmcntc subjetiva. I! t justamente isso que revela a questlo dos critérios. ou seja. da "dlscutibilldade" do gosto.

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LUC FERRY +& Kant

Pode se clisccrt:ir o belo? A questão dos critérios do ffOSto

Num par•doxo que mJil ousa.mos formular, porque se assemelha a

uma cootndlçSo lógica, se o objtlo belo é representado como puramente subjetivo, se t opreendldo apenas pelo gosto, es3a faculdade tãosubjeün

que mal conseguimoc comprttnder. como poderia haver consenso ou até

mesmo conconllocia rninimamence genl sobre a bel eu de uma obra de •rtc ou da natureu? E. no enunto, As''= essa concordiucia pode ser coustalada de manelra pouco conlutãvel, muitos 830 os que gostam das

"belas p.úaagens". dos obras de Homero, de Sbakespene ou dos pinlores

iblllanos. Am6.alea de Mo••rt ou a de Baeh parecem encontrar uma ade­

a.lo, se ulo UJ:liversa.l. AO menos muito mais ampla do que aquela que se reduziria ao mero p6.bUco de seu pais e de sua ~poca ... O paradoxo pode­

ria pareocr l:riviru. Mas nlo 6. Em muitos aspectos, tudo acontece como se

a eatWc• começasse onde • filosofia contemporilnea ~s vetes p arece cncontraru •11ponto l"wal: pelo qucst~o do relativismo.

Sob o efeito das clêncins sociJôs, habituamo-nos progressiYslllente à ldcla de que nno exJsti:1m valoJ·es em si, internporais e eternos . Cos~ tumiunoa conAide.ntr toda norma, toda insti1uiç.§o intelec.tual , m.or:U ou

polltiea o produto de uma hir,t6l'ia, cuja rcconsbuç~o supostamente esgota o aenlldo. É insufic leote dizer q11e o século XX intelectual e mol·alted

sido nun·cado por \liDA "crise do univets:ll". No entanlo, esse relativisn'o levou multo tempo pnro se impOTl\0 dorolnio da filosofia em que. a partir

de 1960, &o oprescntnva como rndicalmerue subversivo e, por conseguin­te. de•tinado à rnQJ'g!nalidadc. Ingenuidade real on gma.nteria? Em todo

caso, precJeamos uos mtreg'" il evidencia, a verdade é que o historieis­

mo- o relatlvlsmo- é onipresente. I.onge de ser uxn pensamento ma.rginalbado ou reprimido em razmo de um potencial subversivo

grande dem•le para ser oceilo em noss:u sociedadeslihcrais. ele cons­

titui .eu principio maio a6Udo e mais nwúfcsto. A idcia de que pode­

ria e:x!atir u.ma verdade • absoluta • (o que significa apenas, não relativa. b.l que se lembrar. pois o lermo u tornou pejorativo) r •• sorrir qualquer

Cr(licll df> /f>culdadt d• julgar

cstu<f.antc de oegundo grau. quando nno o assusta. Em toda rupócesc, ela

getaltnente entra cro coofilto com sua única convicç.Ao ce'rta: aquela segundo a qual nAo hi verdade absoluta. &se resultado é fruto de uma

lo.nga bis16rla, de wn• bislória de profundas subversões. Pol$ a mosofia odcrna nto coroeç• nem com Niet~sche, nem com ~lan:, mtts com m •

J)cseartcs. que acredllava flnnemente- é dlllcil concem-lo- no caril e~

absoluto das Ycrdadu eternas. A dlstlncia que nos separa bojt de cal

crcnço parece ablslll. Com a estttica o caso é totalmenle diferente, fundando o belo numa

faculdade subjetiva demais para que nela possa!DO$ encontrar facilmente

alguma objetividade. sua hm6ria, ao menos até o final do séeulo XIX. pu· tiriJ.. anles, do rcbtlvismo em bnsea de critérioS para julgar o gosto. De

resto, num paradoxo que merece reflcxto. o gesto relativista revela-se

mui lo menos cspoot.loeo no ealllpo da estética do que naquele da filoso­fia geral e até mesmo da eat6tica, c isso por uma rado muito simples: ele Jogo desmorona sob o peso de sua própri• banalidade. Tanto a tese

niell<schiana. segundo a quru nlo M "fntos" nem verdade cientifica, pod.e

suscitar o iu.tCJ·esse chocando .. sc de frente com as certezas mais bem

estabelecidas do posltlvlsmo cie;nlificista, quanto a ideia de que "o gosto é subjetivo" 6 desprovidlt de atrAtivo, pornllo ter contra quem nem contra o qt1e se cboc.arl De modo totalntente contdrjo, poderíamos dizer, é a opi­nUio segundo a qual scri1t possivcl Ar!.'1tmentar em matéria de arte e até encontrar critérios do belo que plltecc iruntstentflvel para o senso comum.

A pcsq,üsa. sobre os critérios quo ctu·acleritará a catética nascente pareec ninda ltH•Js e&seriCÜil. ~em seu n!vtl que 6t: coloca. do modo mais <llncil e iodsivo, o probiem• ctnlral da fllosofia moderoa em gerai: como

fundar a objelivldade na subjelividade, a ttnnscendeocia 011 imanência?

Em oulroa1ermo&' cor:oo peoa.ar o vinculo (social, evide.ntemcnte, mas n~o apenaa) Mm• sociedade que preeende partir dos indivlduos para

const.nú.t O coletivo? e no dornlnio da eSittica que essa qutstiO t lida nO

estado quimicamente puro, porque t nela que a ltnaio entre o individual

e o genl, entre o subjetivo e o objellvo é mais forte. O belo t, ao mesmo

lempo, 0 q~>e nos rcQne com mais facílidade e misltrio. Concrariamente a

tudo o que oe po<Ua cspcn.r. o consenso em torno das grandes obras de

Page 6: FERRY_Luc-Kant uma leitura das três críticas

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t38 LUC FERRY +~ Kant

'ute ó roui1o forte e amplo. mais atê do que no domlnio das ciênrjas. No mã'x,h:no. como já observava Hume com ironia. há menos discordância sob te a grandeza de Homero ou de Shakespeare do 'J'>esobre a validade da tísica de Galilcu ou de Descartes. E, no entanto, estamos no centro da subjetividade ma:is i>itensa e declarada. Como isso t possível? Poderia haver critérios ocultos do hdo? :S prov/iye), e é a revelá-los e discuti-lo• que essa nova Qj~ciplina, a estética, írá. se consa.grar.

Para nos atermos :~o essencial, podertamos di~e•· que. M final do séc•.>loXVIll, três grandes respostass§o dadas à questAo dos critérios do

belo. A primeira 6 perfeitamente representada pelo classicismo francês,

que se concehe em grande parte como 1una herança do racionalismo car .. tcaiano. Seu modelo eucama-se até na caricatura dos primeiros versos <le Are poérique. em 'l''e Boileau ressalta a racionalidade da obrn de arte. "Nada além do belo é verdadeiro/só o verdadeiro é apxeciltvellele deve r.einar em toda parte/ e até mesmo na fábula. • O Belo se defu:te entiio como a ihtstraçll.o de uma idcia verdadeira, como a euca rJl3.Ç!io de uma vetdade de razão num m:tterinl senóivel. Na medida em que. seg><ndo a célebre fórmttla de Descartes, "o bom-senso é a coisa mais bem partíll>ada do mundo''. entendemos f-acih:neJlle que. na perspectiva do classicismo. a questão doscxitérios d.o belo se torna relativamente fãcil de resolver. se a hele-6!-t .reajde .oa. en~e:oaça.o sensível de uma ideia verdadeira e, como tal,

eo oount li. hm:n.anidade, ê dificil entender por que nào se uniria a nós. Desse modo, a pala"·a de ordem clássica. segundo a qual na arte convém "imitar a. natureza ... s\lgere qne a universalidade do bom gosto depende de sua relação com um mundo objetivo, desvelado pela rat-ão. Portaoto, O gênio ilissico n.'io é tanto aquele que inve<l.lil. m!lll aquele que desve.la e descobre-nesse sentido, a arte adota utividade cieutifica como mode­lo. Nessas condições. pode-se j-uJgar a beleza como • vet·dade. e isso por uma ra<ão bastante compteensive!. a primeira nada mais é do que a e.'l'ressão sensível da segunda. É nessa pefSpectiva que Rameau fundará sua música na ror:. temática. elaborando assim a teoria mais pe:tfeitamen1e racionalista da harmonia. É nesse sentido tamhêm que Moli~.re tentam "ilustrar" de maneira senslvelalgumas verdades bem sentidas sobre a

Crítica da facuW.ade de jul15ar

·.~spêcie bUIJl.ar;HJ:, desvelando para nós, à sua malleitB, gfltndes "'tipos '.'ideais" da humanidade, o hipócrita. o Avaro, o DonJua:n, o hipocond:r!aco

... . :.AcadaVC"t10 são as idelas, as "noções comuns'' Wcialmenteapreendidas · pela inteligencia que em .seguida são tomadas sensíveis na arte e, desse

ponto de visia, a questão do• critérios já não cria ncnbttm problema, é

belo o que exprime wn.a verdade de rAzão com. vi\'acidade e, por canse­.· guiDte, de maneira agradável pata todo espfl'ito normalmente cons-

titttldo. Uma segunda resposta, que poderfamos cban\ar, no sentido mais

filosófico do termo, de "materialista". desenha-se no empirismo ing1es. Ela simplesmente toma o sentido oposto daquela dos clãssicos franceses. Poderlamosresulni-Lt da seguinte maneira• a beleza não é absolutamente a ilustração de uma ide ia verdadeira, de uma verdade de razão, mas. ao con­t.rál'io. reside em objetos bastante concretos que, de modo muito mate ... rJa1, de1eita.mnossos órgãos sensoriais. Ncs~a perspectiva. ooJl'lo :resolYe:r a quest~o do critério do belo? Como explicar qnc algmnas obt'lls encón­tram uma adesão quase u.niver8'll ou.. pelo menos. )l•stante geral?

A resposta pode ser breYe• uma vez que os seres humanos têm pratica­mente os mesmos órgãos sensori.ai$, o gue agrada a um deve agradar iam­bêm aos outros, de maneira que n~o bA nenhuma surpresa no fato de o belo agradar quase univeJ'salm~te. As três con.sequências dessa tese, expressa com excelência. nos Ensajos estéticos de I·lume, são bastante previsivcis: inici~lmente., a arte se aproxima, numa constante c já antiga aoalogi:i, da culinária (da "arte culiDária ") .llm seguida. o problema prb:tcipal de tal teo­

ria. estética lt~o ê mais compreender os consensos. que silo evidentes. mas t>'}llicar as divergúncias de gosto. NesS> óptica. e.''}llicaremos sua ra.zllo por meio das pe'J'>enas diferenças <IUt afetam os órgnos, que. por sua vez. pod.em ser saudãveis ou doentes, edttcados ou selvagens, reflnados ou grosseil'<>s etc. Por fim. como • ciência, a estética é assunto de especialistas, daqueles que "slo entendidos •, que treinaram seus órgãos sensoriais.

Nada resume melhor essa doutl'ina do <rue a ~nedota contada por Hum e num de seus ensaios: dois renomados sommeliers são convidados por um t·ei a provru· o vinho de um tonel Ambos o declaram cxcele)\1e, mas um deles percebe um l eve gosto de f erro. e o outro. de couro.

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LUC FERRY .g. Kant

'lbrnam-se motivo de troça e são mandados de volta a sua adega. Por6m, wna vez te1·minado o tonel, descobrc .. se em seu fundo uma peq\tena chave ornada com um anel de couro ... Desse modo, ·vemos como, embora &:nsualista. Hume pennanecerá ligado à ldcia clássica de uma objetividade do belo, ainda que "fuodc • essa objetividade não na ta•ão univers.'ll, como os cartesianos, mas na hipótese de uma estruturapsioobiológica comum à htunarúdade. A esse respeito. seu ponto de 'ista ainda domina ampb­roente aquele de muitos bjólogos contemporâneos.

Fwttlmente, na Critica dn faculdade dc julgu, Kant I~Wçará as bases de uma. concepção do gosto que ultrapassará essa op9siÇão do racionalismo e dO matcríalismo para fundar. o essencial das teorias do gênio; retomadas pelo rom.mtismo. O belo nl!O ê nem o verdadeito, como pens.unos clás­

sicos, ne1n o agradável, como querem os empi.ristas. A prova? Ela~side justamente no fenômeno da· discutihilidade" do gosto, que Ka.nt coloca­ráno centro de SUl\ reflexão. Certamente, em maté:ri<\ de gosto, na verd.a .. de nada 6 demonstrável. o que hasta para wdicax que ele n~o pel:tenee à esfera da ciência e da \•erdade. Porém, em contrapartida, o que o distin­gue do agradiivel e, por conseguinte, f» com que ele não pertença à arte culinária é que, num paradoxo que toda a estética kantista tentará eluci­dar, podemos discutir a respeito, como se fosse possível - o que não OCO):t:e da mesma rua:n.e.ira na culin~ria - fomect"x argumentos e:m favor ou em detrimento de um julgamento de gosto .

Nessa perspectiva, o belo se definirá. como tun imecmediário entre a narureza e o espírito, entre o inteligível e o sensivel ou.. antes, como uma espécie de reconciliação milagrosa de ambos, e tudo oco..-re como se nele o scnsivel apontasse a partir de si próprio para oigrúficações ;nteligíveis.

É o que se pode d.i't.er. por exemplo, de uma obra musical, d.e wu coro de Ba.eh ou de uma sonata de Moiart: como uma história que con1aríamos a uma criança. eles possuem um começo, wn desenvolvimento e u.m fita. podem ser tristes ou serenos, tumult'Uosos ou cabnoõ etc., em todo caso,

podem exprimir inúmeros estados de alma. Mas .tod•s essas signific.,ções que h vezes chegamos ~ cooceitlUl]izar são criadas por fenôme.nos puramente sc.ns1veis: na rnUsica, nAo bi\ nenhuma palavra, nenhum con­ceito, nenhuma imagem, nenhuma represcntaçlo intelectual de qualquer

Cr{tíca da faculdade de julg.ru

natur<oza.Nela, tudo é • m<•terial", e, no entanto, esse material f~• sentido, -so, por si só, intel igivel. Tal é a alqnimi• milagTOsa da arte que -nos

a analisá-la, a falar aseu respeito, a discutir sobre ela atê mr.smo com paixão ... porem, sem nunca poder chegar à minima prova.

Portanto. 6 sobre a báse de um conflito, de mua antinomia que opô e o de v:ista dos cartesianos e o dos sensualistas, que a Critica da facul· , _,.1,-w-

dade de julgar se construirá. Nessas condições, antes de estudar as moda­lidadessegundo a.sqnais ela pxetenderi resolvê-lo. não é;nútil. dJMrmais a1btOmas palavras sobre a maneira como a. quetela )'ealmente se encarnou, antes de Kant, na bistóTja da estética nascente. Pois, especialmente na Franç.a, ao ponto de vista dos cmpiristM propriamente dito se sobrepori

0 dos autores. que, wmo o abade Du llos, teceberão a herança de Pascal, ou seja, a hleia de que os rmpetos do coração são inefáveis. E essa conota­çjo s~plementax em relaçlo ao empil·ismo de Hume taml>6m e<:rã levada exn conta por Kaut na terceira Cri.ticn.

CJassiciSJ11o e sentimento no séculoXVIn • mdiscul:ibilidade do gosto

O conflito que opoe a estética cU.ssica à do sentimento tem suas raízes n.o século XVU. Entretanto, continua no século XV!ll com uma nuança i.ITlportantc, couforme demonstra a obra do discípulo de Boileau, Charles Batteux. Les llc,u.x-Al'ts réduits .i un m~me príncipe (J746) , a saber, a preocupação de introdu•írna reflexão sobre o Belo a obse.rvvção da expe­riência concreta em vez de co.nJiar apenas nas virtud.es da dedução carte­siana: "Imitemos O$ verdadeiros IJsir.os que reúnem experiências e, ero scgnida, í'Undam sobre e] as nm sistema que as reduz em principio." Sem d~vida, o modelo ê fornecido roais pela -Jlsica de Newton do que pela <le Desc~est assim como a primeira l'eduz a diversidade elos fenômenos celestes a 11m principio único - a gra>i t,.ção universal-. na esfe<O estética. partindo- se d,:; experiênda, c não de princípios a priori, é preciso tentar reduzir a diversidade das regras concretamente em jogo nas obras de a.cte a Uilla única regra. pois "tçdas as regras são os ramos presos a um mesmo cnule".

Page 8: FERRY_Luc-Kant uma leitura das três críticas

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LUC FERRY ~ Kant

1bdavia, mesmo que o método nAo seja mais cartesiano, dedutivo, 0

!: resnl tado das pesqn\sas de llatteux enconn·a-se em confol·midade com~ ensimuncnto de Boileau, • regra das regras r.()ntinua sendo a. Imitação da na turer.a ou, mais exatam.el.l.tc. a imitação d . .aq uilo que a rat.ão desvela como a cssencia da natureza. de modo <fUC o venladeiro gênio n:1o in.ven. ... tà, roas descobre:

O esptxito humano só pode criar de maneira imprópria~ todas as suas produções trazem a marca de um modelo. [ .. .] Sendo t~ssim, o gênio que n-a~

balh.u pa.ra agtada:r não deve :nem pode sair dos limites da _própria :oattlf(UJ.

Sua l'unç!o consiste não em imaginar o que pode ser, mas em eJJ.contraro que~. lnYenta.rnasartesnãQ é dar o ser a um obj<:to, €:reconhecê-lo onde ele éecomoeleé.

Portanto> a :nte não difere essenciahnentc da ciên ciA, }JOis a única

originalidade do al'tista depende da escolh• do tema, da composição, e não de suas faculdades de cdaçno. Quanto ~o essencial, ele se limita a apresentar num material sensível-o mármore. as cores. os sons e1c.-a ideiaiJiltluai que'!'""' exprimir.

Na ou·r;ra vertente do conflito, o maior teórico da estética do seJ.lti­mento no séculoXVIIJ, o abade Du & s, inscreve-se igualmente na conti· mtidade dos escritores do século XVII, ta] como Bouhours. Suas Réflc· x:ions critiquessur la poésfe ezla peinture Ü?l9) - que Voltaire dizia ser "o livro mais útil que já escreveram sobre essas matéd<l.S numa naç!l.o da .Europa"- sit'IJam .. sc decididamente do lado de uma crítica do classici~­mo. afirmando o primado incontes1ável da emoção sobre a inteüg~ncia. Se o objetivo da obra de arte é agrad:rr- o que também adl).útem os clãs­sicos-. ainda é nee<:ssãrio precisar que ··ae todos os talentos que permi­

tem do mimar os outros homens. o mais poderoso não é a superioridade do esplrito e das lnzes, é o talento de emocioná-los segundo seu bel-prazer". h JU:ficx:ians deDu &s apresentam-se então como uma teoria dos cfei· tos da atte sobre o coraç!io humano; elas deixam o terreno do direito para se situarem no nível do !azo, da paicologia e da antropologia. Bis seu pro­jeto tal como é fornmlado na Introdução,

Critica da faculdade de julgar l4,3

Um livro que. pox a8$im dher , desdobr.tsse o coração hunumo no momento e1U que este é entemecido porum poema ou tocado po·r u.m qua.­dro daria visões b:,stante amplas e luus justas a nosRos artesãos sobxe o eft".ito gexaJ de suas obra$, que apa.renteme.nte a maioria deles tem multa

dificuldadoe em prever.

. . Convém confcrit· mais importância à observação do qne à deduçi\o l)a · . reflt".xão estética em $i. O empirismo surge aqui como um complemento .- !. desse anticartesbnismo pascaliano que jã per r..ebiamos em Bouhours>

:m:ts, fundamentalmente. a estética do senlimento só desen•tolve e enri­quece a estética da delicadeza, "So hã alguma matéria em qne a a:rgumen­

tação deve caEar ... se perante a experiência, certamente é nas quest.Oes que podemos levantat sobre os méritos de um poema."

Destarte, o essencial do conflito continua intacto no século XVlfl e as..:;im permanecerã até o surgimento das primeiras tentativas de síntese. que tóm seu último coroiUllento na Critica da faculdade de julgar. de Kant. Pro,•a disso é o fato de a quest~o central da OJ>tinomia, aqnela da discutibi­lidode do gosto, serigual.menteeludida por Batteux eDu Dos' no prlm•jro, eJJl nome de um racionalismo dogmático, pois, "de modo gel'lll, só pode haver uHl único bom gosto, que é o que aprova a bela .natu:tet.a: e todos

aqueles qne :não a aproYam têm nccess~tiamente um gosto ruim"' no segando. pela razão rigoTosamente inversa: em matéria degusto,"' o cami­nho da discussão n.io é tão bom para se conhecer o mérito dos versos e dos

quadros quanto aqnde do sentimento". Com efeito, segundo Du Bos,

(. . .] ()sentimento ensina muito mais se a obra coxnove e causa em nós a impressão que <leve cat1Sttr do que tqdas as dissertações compostas pelo& críticos para e;qJlicar seu mérito e para calcu11r su~ã imperfeiçoes e aeus defeitos. O caminho da discu&&iiO e da auâlise { ... ) é bom para :~ verdade quando se tl'atn de c:neontrar ~s causas que r~.em ~que uma obra agra.dt: ou nlo; l"J:l3S e# C caminl1o n!lo-v-.de aq·uele do sentimento. quando se trata de

d~cidir a seguinte quest!lo: a obra a.g>:ada 0\1 não? A ob:ra é boa ou ruim de

modo genl? É a mesm~ cois3.

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'11 LUC FERRY +~ Kant

Se Q "caminho da discussão • 6 rejeitado pela estética elo sentimento ···. isso ocorre de duas formas, afirmadas de ·roAneira bastante explicita na~ Réflexion& de um lado, não hav~ndo maisnenhllll)arcferência a concti· tos nem • regras- em consequência de uma crítica radical do racionalismo

clássico -, já não h.í critério em torno do qual a discussão possa · instaurar-se:

Se o mérito m.ais impo"l.'tmte dos poemas e dos quadros fosse esta-r em cónformidade com regras r<::digidas por escrito, poderíamos dizer que a. me lho .r mmei.ra de julgar sua excelenda e a categoria à qual devc:m pettcn­cer na estima dos homens seria o eam.inho d3 discussllo e da análise. M3s 0

.mérito mais importante dos poemas e dos qu.:td:ros ~ noa agradar.

e, a pa.tti.r de então~ ê ao sentimento q1\e se deve referil· para emitir um julgamento. Por ou.tro lado, como Do Bos rulo considel:a. <..'omo fará mais tarde KatJt, a possihiliclade de uma critica do racionalismo dogmático não impedir toda referência n critérios inteligíveis- a "ld.eias'; indetermjna­das, para n;to dizer a regras cientificas-, ele também serã. lew1do a com-. parar a impossibilidade da discussão estética com aquela da discussão culinãl'ia:

Depois de ter estabeleeido O$ priucípiol' geométricos sobre o sabt~t c definido as qualidades de cada ingrediente qne entra ua composição deS6cs pratos, será que algtun dia óu&arinmos discutir a propoJ·ç:ro mantida em sua mistura pata dtc::idJr se o tempero~ bom? N~da fazemos [ •.. ] provmtos o lempero e. mesmo sem co:uh(:<:er essasregt·as, ~Ht.bcmos que é bom. De certo modo, o cone o mesmo com as obl'a& intclectu.ais e os quadros feitos para nos agradar qu:mdo nos comovem.

A discussão é inútil, "can&ativ~ para o esCl·itor e desagtad:ivel p:ua o l ei1or".

De um noutro momento do conllito que opõe a estética do sentimento

e o classicismo, hã na: o apenas oposiç~o • . mas também, como em toda

Crítica da faculdade de julgar 145

. b·suutu:ra antinômica, p.•u;.sagcm. Se as doas estéticas conduzem. segundo

àtgUmentações toda>oa bwel'$l1S, "Ul))a rejeição oomum da intersubjeti­' · ;.;dade (da discutibüidade do belo), ê porque ambas se enrmam numa

concepção egocêntrica de uma subjetividade voltada paOl si mesma: para

sua partículari da de inefãvel.· no que diz respeito A estérica do sentimento,

para sua cert·eza de ter raz!l.o, no que diz respeito ao cla$SiCismo. É justa ... JJ)entc esse egocentrismo que Kant tenta rã superar na antinomia do

gosto.

A antinomia do gosto: a superaç~o do classicismo e do sentimentalismo

Por trãs das questões manifestas - o belo é a imitação de uma verda­de desv~Jada pela razão ou a manifestação subjetiva dos irnpubos inefã­V"eis de um coração que reage às impressões de um objeto sensivt>J? -, trata-se, para Kant, de resolver a ques-tão do "senso comum" (de onde

vem a concordância dn maiori::l dos homens quanto às grandes obras?),

que recobre perfeitamente aquela dos critérios, evitâudo reduzir. como f:w.em os clássicos, o julgamento do gosto a umjúlgamento quase cientifico

e, assim. negar sua especificidade. Desse modo. a análise kantista da antinomia aparece como tun momento crucial na história da estética moderna.

Tomando •= caminho que lhe é fa:mUiar, KanL expõe a querela par­tindo de um "tópico ... de uma análise dos lugares .. comuns que conccr·

ncm ao julgamento do gosto. O primeiro deles, ·· cada UJil com seu gosto ... não apresenta nenhuma

dificuldade particular, significa simplesmente que o helo se confunde

tom o agradável, que o julgamento do gos1o t aSS\lrrlo c;; riJamente suhje· tivo, que não poderia. a partir de então, prct:ender ohter a adesão m .. "CessárJa de-outrem. O segundo é mais sutil: "gosto não se discute ''. Supõe que o

julgamento do gosto. cmhora encerre ull)a pretensr.o il universalidade. não poderia s.er dcmonstTado por provas :nem por argon~:~entos que se apoicm em concei1os ci.entificos determinados.

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~6 LUC FERRV ~ Kant

Para compreenderem 1.oda sua exten~o a antinomia do classicismo e do sensuaUemo. a css:as duas opiniOes correntes ainda 6 preciso acres­centAr uma m.\xiln>. que uda um ew:ontrará em si pela simples rc!lf<Xio, "Pode-se discutir o gosto.· Contrariamente As •parencias, essa n>mm. Dlo contradi• o ~ndo lugar-comum. pois M uma bo• diferença entre uma dispulltlo-argwnentaçio citl)U(ica que procede por demODStraÇSo conC<!Irual- e uma diseus&lo (Streit). que viSll apenas a wna concor­dSncb hipottllca e muito frigi! referente ao objeto belo. Em contrnparti­da, a ideia de cliocuulo opOe·oe o primeiro lugar-comum, "Pode-se di~t­culiro gosto (embora n~o oe pos8'l di•pu14-Jo) [ ... ).Essa sentença envol­ve o contririo da primein proposição (' .. da um com seu gosto'). Com efeito, nas sicun~s em que t permitido di&:utir, também.., deve ter a capem nça de entrar em acordo·, porUnto. delr.ulsccndcr a esfera mona­dista do ccgito, do aubjetividade individual. volc,da para seu ego.

Desse modo. o estabelecimento da antinomia procede de um com­portamento fenomenológico: trata-se de descreveras contradiÇões real­mente vividos pela conscieneía cotética para incitar à reflerlo. Desde que nceltemos refleiJ'r, eocon.ttl"'e:tnO$ em nós mesmos- no fundo. essa é a conV"im;.no do Kanl - o sentimen to 1rltimo de que, no mesmo tempo, é

·imposolvel demonstrar a validade de nossos julgamentos estéticos e, no entanto, em eerto sentido, d legitimo discuti-h. Conservamos n.a dJscussã.o

a cspc••nJJÇll, ni:o.dn que muit~a vezes dcsihtdida, de fazer partil11aruma. oxperieocla ••·eapelto d• <Jttal temos alntlliÇlio de que, embora seja iotal­

me.nte iiHlJvidual, deve poder ono ser eatr:tnha o outrem na medida em qne de 6 out.r·ol1orocm. 'K:uot nos convid• a pensar naidciade que o julga­mento do gosto aponuo, • Jlllrtir de si mesmo. pa.r:a u.m objetivo de comu· nleaçao int01'6ubjotivo. paro "uma ampliaç~o do objeto e do sujeito": se começannoaa d!scudro gotto. se nesoecaso-A diferença do cr•c aconte­ce no doiOÍDlo cullnirio. que erroneamente dJzemos que resulta da arte qu~ndo na verd>dc se trata apenas de arteSll03to- a discord~ncia suscit> um ""rdodei.ro diãlogo, eis o indicio. ainda que momentaneamente miste­rioso, de que julif'W'OI • c>:peritncia estttica como sendo comiUÚcil•cl, mesmo que cl• só poou ser fUndada em conceitos cicntiBcos. mesmo que a comurucaÇIO que ela wdua nunca sej> fP'Talltida.

Critica do foculdodo de julgar ~7

Ora. é justrunentc isso quo, cada urna à sua maneira. a tese ocnoualist:o · 0

• antltese clâs•lea, que compllem • antinomia do gosto. tendem a

negan • 1 • Tese. O julgamento do gosto nlo se funda o os conceitos; do oon-

trlrlO. poderiam08 dlsput~r • eae rupeíto (decidir por meio de provas). ~.Anll<eu. O julgamento do gosto fuoda-scemconccitos; do conin­

rio, niO poderia mos nem meamo, apesar dasdiferençaa que ele apresenta.. diocutir a esse respeito (visar ao aseentimentoneccssltio de outrem para

esse julgamento)." Aontinomia gin totalmeotc o;m 10mo da questão da COIDllDicobilidade

do julgamento esc.tllco. de sua capacidade de trane<:ender ou nlio a subje­tNidade JIMdculardo Cogito. Apenu nessa 6pliea aborda-se o problema da raciooalid nde ou da irraclonolidnde (conceituolidade ou n1o·

conceitualidnde) do gosto. Ero certo sentido. se entc..a.dJdas corretamente, a tese e a antitese

encerram algo cone to. de manclt<~ que podemos admitir- esse ser! o principio da soluç~o konllsta - qne elaA se opõem apenasemaparencta: é

ve~'((ndc qne o jul!l"mento do gosto (teto) n~o se apoia emcotoceitos cien­tlllcosc que n~o depende de uma demonstroçlo, como c.rê ondonalistoo rlãssico, pol'tm, uunpouoo delxn de a<:r verdade <[Uc. de certo modo, esse

julgamento remete o .. con<'..oito6 iJ1dCterminados". não cientlficos. por cerlo, maa irueliglvci&- ou scjlk, pura Kant. conforme vereJnos mais H(liante, esse julgamento remete ~a "ldolns do rat~o· que fundam apo .. ;­biüdad.e, se nao de uma disputRtio. oo menos de uma discussllo que pode conduz.i r a um .. $CD$0 comum".

'Portanto, a OJ)Oilçlo t OJ)Ollauparcnte- sof1stica ou "dialética" ­

porque o termo "conceito"' "nllo 6 t.omado no mesmo sentido nas duas m.\ximas da faculdade cstttiea de julga.r"' ora, na lCliO. entendemos por oonceUo uma regTa clentlflca do entendimento. ora,~a anl!tea<:. 'ri.<:amos apenas a wntt !dela indettnnlttada da ratAo. Por oon~e. para re..<olver aantinomia, "seria preciso exprimir-se da seguinte lo~ na t..., o jul­gamento do gosto Dlo se funda em conceitos detcrminodOS; e, na autlte­ae: o julgamento do gosto 1\u>da-se nwn conceito. mas num conceito lndctt:rmiDJldo. e. a681m. Dlo boveria entre elas nenhuma oontrndiçlo".

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LUC FERRY ·~ Kant

A 6lgnl:ficaçAo oooereta da soluçAo kantista jáse·dellneú, por ser 0

objeto de um sentimento p:ll'tieular e intimo, a beleza desperta as Ide;..

da rufo. que utao presentes em todo bomem- eis por que ela pode tnnsc:ender a oubjetMdade particular e 8ltscitar um senso comum (ums

veoque as ldeiu "despertadas" pelo objeto belosllo oomunslhiUllanidade.

Veremos um pouco mala ad.i1nte em que consistem exa1amente essas famosasidelu.ls quaiJ Kant.., oontenu por enquanto em fater alnslo).

O objeto belo f, ao mesmo tempo, puramente senslvel e. no entanto. intelectualc ele 6 recoDCili~ da natureu e dointeleeto, =reconciJia. çAo contitJ&emc, fruto da pr6pri• nature<a (da nature<a externa, quando se trahl da beleu de wna paisagem, da natureu no homem, no caso do

genio na origem d.1 obra de arte), e nJo de uma vontade consciente que

seguiria regras determinadas, como querem os cUssicos. lmposslveJ.

portanto, produtir cienlifie•mente uma obra de arte aplicando regr ..

como poderiam os (ner. por exemplo, com a construç~o de uma ponte.

lmposalvel, contudo, negar que a obrn desperta em nós nilo apenas $Cntl­

mentos e emoçOes, mos também representações intelectuais.llis por que podemos <liaculir essa q uesllo sem, no entanto, p oder demonstrá-la ...

Além d11qull o '(UC contem de correto, a tese e • :mlftese da antinomiJ

também podem ser Interpretada.$ de •Mneira errônea ou, como <lizlúln~ "dogm4tlca ":

- Jl te$e s ifSUWca ent~o que o gosto, que depende do sentimento. é um:t questno puramente subjctiva: sfgn.ü'ica, portanto, pelo lllcnosde

<lireito. que é i.ocomunleAvel, inel4vel. Como jã ftlúa no plano da filosofia

especul•Uvo, para llcrkeley, o sensualismo condu• ao solipsismocstético: "cada um com seu gosto•, o sujeitonlo passa de um indivlduo·mõnada,

incapaz de uir de si mesmo-eonsequentemeote. o empirismo, como toda monadologia. só poderá resolver o problema da intersubjetividade

se recorrer i ideia. em t\lt.im:t inadncia teológjea, de uma harmonia preestabelecida. Para explicar, por exemplo, que os humanos veem. todos

ao mesmo tempo. uma mesa oa sala, é preciso recorrer ã hipótese de om

Deus que tem a hoodade de colocar em <4da mõnada representaçoes que coucordem entre si -Isso se descartarmos as teses retlistas que eaplicom

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0 00.,..., .. o partir da realidade do objeto em sil Caso se verilique que o

·~ menta do goeto, apesar de seu carAter subjetivo, dá lugar a um senso ~=w:n. isso ocor.tc unicamente por nsõcs de fato que, como tais. na.o requerem a <liscusslo, ma&llmASimplt$ COill!tataç.,o. Sendo assim. a der­

radeira conscqu~ncb do empirismo t que •wn julgamento do gosto s6

_met<Çe a<.r coll81derado exato poff[uc ocontt<:t: de um grande núme.-o de

pessoas con<:Ordu a &ell respeito - nlo porque, por trás dessa eoncor­

dlnda. se supOe alg\tm pri.nclpio • priori. mas porque (como para o gosto

elo p.W.to) os sujeitos slo casualmente org;aniudos de mancin uniforme·.

0 Belo &e redu. ao agradlvel. c a arte. • cullnlria. De resto, a variedade dos

gostos nlo merece maia discusslo do que sua concordllncia. ~·também

depcnded• simples constatAçiO. e o aenao coro>un n~o podena ser nem o

objet<l nem o efeito de um diAlogo interaubjetivo. Desse modo, a tese

oureo aocofl'tncia de um pcicoloaJsrnoque tJn poucotemposerásubsti­tuido por um mstoricismo. depois por um socioloaJsmo e atualmente até

mesmo por um bioloaJwo. que umbêm reduzir~o o gosto a uma questlo

dereooptAculo materfbl.

- A antftcse, compreendJda dogmaticamente, por certo consegoe

fumlar o senso comum, mas ao preço do um thcplo erro: ela reduz o julga·

meuto do gosto num julgamento lógico, c a ~lrtc. a uma ciência. O concci .. to ceJ>lral da estética racionalista clbsica torno-se, nssiro, o da perfeição. A obra bela é .aquela quo. de ocordo com n:gros (conceitos) deten ninadas por uma • arte: poética", n:ol ;,,. pcrfeitamcme um fim, tan\M•n determina­

do conceitulllmente. O cescnciol do arte reside M conceito. É graças a

ele quo dctcrmJ.JJamos um fim ediflconte. graça• a ele tamMm que o reali;AillOS tomando os eamlflhoe da técnica (da qual a perspectiva, em

piotur.. é um doa roodcloa). Mas o clasalcismo dogmtirico encerra um

segundo erro (ur.na falha, oem d~vlda. aos olhos de Kant), ao reduúr o

belo lsiropleo represenuçAo ttcnlca de um fim estabelecido pela razão c

pelo gosto p a m essa pr6pr1a ratlo. t.le acaba perdendo a subjetividAde

jusumeote reivind i cada pela est~liea do sentimento, embora ela o conte·

besse mal. O dassiclamo funda o senso comum de tal modo que deixa de

reunir sujeitos parc:lcula.re.s. anlm1doa por sentimentos. para reunir

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LUC FERRY .g. l<ant

lndiv1duos· m0nsdas que só se comunicam entre si de forma iDdiret>, apems pelo conceito. portmto, poraqnflo que neles~ o menossubjetr.o, Para o rnclooailm>o clABOico, ·o julgamento do gosto dissímnla um julga- - · mento da ntJo sobre a pel"feiÇllo de •~ coisa e a relaçlo do que é clife­rente nela com um 6m•, o Importante é suher se a obra de arte é "ben- . feita•, se estA ou n~o em conformidade eom •s •regras da arte• (com ..

regras da penpcctiv.t, com a regra du tüs unidades etc.) -Ul03 vez que 1

sensibilidade 6 apenas o modo confuso pelo qnal os homens, seres flni­toe, percebem lliDI realidade que. no fundo, é totalmente illlliligí•eL

Apesar de sua oposlçJo. a tese e a antltese dogmitieas acabam con­cordando. no erro, quanto ao e$$ene!ah o Cogito, o indi...S.dno, ~uma mOoada (scoalvel ou racional, no fundo, pouco importa} que só pode entrar em comunlcaç.lo com •• outras mOnodas indireàmente, mo pela via da discuss5o, m .. por intermédio de uma harmonia preestabelecida (harmonia dos 6rgaos sensoriais no empirismo, barmoma das rat.Ocs tDdJv:!duals no racionalismo). A cada vez, o sujdto encontra-se reduzido ao illd.ivJdu.o monadista e desprovido de soa dimensão essencial. a inteJ·sobjetiv:!dadc. Em ambos os CRBos, a diseoSSiio revela-se desprovida de serttido• nos emphiaras. l>01'<JilC t>tdo se reduz a qt•estões de f~to, nos ncionaUs1as, po•·que o concei1o, no cASo, ns regras da arte, Jogo pôe um fim n todo dise\I$8AO possivel ao deeretnr peremptoriamente onde se eneontrnm o bom e o .•nalt gosto .

Dcterrnir.Mç/lo e reflc'Xflo, porque o belo cnc= o ideal de uma comm.licaçilo sem conceito

Embora por ra~es Inversas, o racionalismo clássico e o e:mplriSlXlO sell8uallsto •presentam o mesmo defeito, ambos levam a fundar o • senso comum•, auseitado pelo objeto belo, de tal manel.r• que a subjetividade se encontra, por assim dizer. rcmCIIda e, por conugtünte. negada. Eotre os dAssleos, a personalidade própria ao autor de um julgamento de gosto dissolve-se numa razno universal que se compt>rta de modo dogmático em relaçJo ao particular. Entre osempiristas. numprimeiromomento. a

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Crfticc <ia fac .. ldode de julgar

particularidade d<>e811jeitoo parece bem preservada, mas a i":ers~j~­dade acaba sendo reduzida a um prioclpio puramente matenol., à ideta de uiD• estrutura pllquica c orglnic• comum 1 wna ea~eie de indiv!duos. Seodo 1esi.m, 1 exper!enc!• cstttica nada mais requer que seja especifica­mente bUII)2DO, o Belo t apenao uma variedade do agradãvel, e aarteculi­

nitia. 0 modelo da estttica em geral. AqucsUo levantada pela antinomia do gosto ta seguinle• como man­

ter a Jdl#• de wna potsh•el unM:nalidade do gosto sem que o prinelpio desse senao comum seja oegador da snbjelividade? llm outros termos, como pensar a intersubjetiY!dadc estética sem fundA·Ia numa ratlo dog­mltica ou n..ma ertrutura pa!cofisiol6gica empirica? E, inversamente, como monte r a particularidade •bsoluta do gosto sem ceder i fórmula • cada qual com seu gosto • e destruir, a86im, a pretcnslo à universalidade, na .us&ncia da qual • simples di~<:usslo eottt.ica perderia toda signifi­caçAo? "Quando é permitido dJscuÚr. deve-se também ter a esperança de entrar em ac.ordo [ ... )", diJ KanL

O l'acioualisroo e o cmpiri&rno baseiam-se muna concepção reifica­dora da subj etividnde; ar'llbos pensam o Cogito de •naneira monadista, como urna coi8~ vollacl3 par'• at mesma - o que f:lt com que conduz.a.m. .oom primeb·o momento, ao sollpslamo e recorrAm, em segtmda instân­cia. à ideia de uma harmonia preestabelecida 0\armonia das ~en1es ou dos corpoa) para l·esolver o problema d11 iutersnbjetividade. E a lógica dessa soluç~o C(l•e se trato de abolh· ao se colocar em prãtica um pensa­mento intd.i to do sujelt.o que. em Xant, recebe o nome de l!eflexão.

Esta tíltlma se encontro implicada jA no distinçno do julgamento detertninante e do jl~g:>mento re11exivo, sobre a qual se baseia toda • teo­ria eStttica desenvolvida na terccita Criticao

' A faculdade de julgarem gcr!al t aquela que conSiste em pensar o pa.....-6-çula.r como compreeDdfdo aob o universal. Se ,o univenal (a regra. o princlp>O. alei) 6 d•do. entloaiAculdade ~ julg.rt. que 8\lbaum<: sob este

llltimo o pl.rticu!M, t detemúoante C..J. Se apenas o particular 6 dado, e se alaculdadedejulprd...,eacontrarotml•enal(quelbe..,.,..ponde).elaê

Bimpl......ote rellex!Y>.

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LUC FERRY ·~ Kant

ll nesses termos que Kant realiza • divislo entre o julg:unento de conhecimento c!enllfico, julgamento detonninante, e o julgamento de gosto, julgamento reflexivo.

Voltaremos a esse assunto em breve. Notemos desde já que pudemo• contpara:r- conforme fezErjc Well -o julgamento determioante. ql\cvai do universal ao particular, com o Código Civill'ril!lcêa, enquanto o julga­

mento reflexivo, que remonta em tiCntldo contrário, seria o análogo da jurispmdfncla :mglo-...a. Notemos tamhém que, por essa simples dis­tinção, Kant situa·sc de imediato no Indo oposto do classicismo raciona­

lista, que confunde julgamento catético e julgamento cientifico. Ele con­sidexa impossível o catabelecimeoto de umn .. arte poética'" que seria, como desejava Ro.meau, wna vcrd>deita cienei• da produção do Belo. A partir de então, ê a uoçãO de rcOCXllo que tem de ser especificada, pois é nela que se situ> claramente a originalidade da poaiçio kantista. O termo

• reOexio" -unívoco em KAnt. da Crltica d• tulo pural Crltica da facakJa­de de julgu- designa de modo butiiJlte geral um o atividade intclectnal

que se car•cttTir.a por cinco momentos. Um breve exemplo, o da fonna­çfto de um concelto emp!rico. poderâ &crvir aqni de ilnstr•ção e preparar a aroillise do julgamento estético.

Para forjar o conceito empirico de tull conjunto de objetos desconhe­cidos para nós, ou seja, de runnei.ra mais stroples, para Jhes dar um nome - poT exemplo, uma variedade de Arvo1·es ainda nlo repertoriada -.é necessário, com efeito. proceder a urnn clas.sific:lçlro. Comparando seme­lhanças e abstraindo diferenças que n5o julgamos essenciAis, consegui­

remos reagrupar sob uma classe comum os objetos considerados e criar,

assim, um conceito empirico ao qu3l poderemos atribuir seu nome. NC$$a operaçio simples. os cinco momentos coll$tirutivos da refiedo­

do julgamento reflexivo-jA estio presentes,

1. Em primeiro lugar, a atividade do retlexllo procede manifestamente

do particular ao universill (dos indMduoa A classe geraO. Tudo começa pela observação das árvores ooncrctn.

..

Critü;a dn faculdade de jul&ar •s3

~. O geral (ou o universal), o nome, olo 6 dado IIJJICB da atividade de

relltJSO, roas •penas •p6s e por ela-nesse sentido, o julgamento reflexi­

vo op6e·&e ao julgamento d.etenninante, qoe vai do wll,crsal que possuí­n>OB 31é o particulAr, e, assim, constitui somente uma •pliCRçAO do.univer­eat- oomono caso de um juiz que aplicaria uma lei jl r.ontlda nona código.

3. Em.bom o geral não seja dado como ooncei1o ou como leis tletetmi­J"d.IS no inicio da operação reflexiva, existe um horizonte de espera JodctermiiJlldo que serve de fio condutor ou. aeguado a expressl'io de J(Jant, de pri.Dcipio i re!lexiio, no exemplo escolhido, esse principio nos é

o [ornc:c!do pela lógica das classes. Ele consiste na esptrar>Çil ou na exigên­

cia de que o real se deinrá classificor c eonformu segundo os requisitos

da 16glca. O \llliversal existe. portanto, nio como eoaceiro, mas a titulo de ldeh. ou seja, de principio regulador para a rcllcxlo.

4- De modo impUcíto, essa operação supOc que é perfeitamente eon­

ringelllt que o real eorrespondaou nlo aos imperativos da racionalidode

lógica que nio lbe impomos, =• apeou submetemos: oada nos ilnpede de pcn64r que os objetos poderiam não '"'tillfaur nossas cxigtocias sub­jetivas de sistematicidade lógica, de maMit" que nKo consegu itiamos coMtituir g!neros nem espécies. Nega>' essa proposiçao equivaleria a postular " priori a rocíooalidade do •·eal e, em ·(l]tiJn• insutncia, a restituir uma objetividade à ideia de um ponto de vist11 <Uvil:IO. a pa11ir do qual o mundo seria L,otegralmente inteliglvel.

s.Asalm,. atividade derefiexlo mostra-se na fonte de uma satisfação

que Kant nomeia estética e remete A noção de lina.Uclode< t porque o real apm;ee como conti.JJ8eote em rclaçio a noosas exigtocias de ncionalidade qllt o sujeito reflexivo pode experimentar um prazer quando, sem nenhuma garantia, constata. a_ concordSncia doa objelos concretos com suas cx:igencias.

Esses cinco momentos da atividade reflexiva coostituirllo :~estrutura lndm11 do julgamento do gosto. Como na operaçno que preside A formação

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151 LUC FERRY ·~ Kant

dos conceitoscmp!ricos, ta !dela de "sistema", aquilo que Kantehamade ideJa "cosmológica •, aldeia de um mundo integralmente íntelig!vel, jus.

taruentc aquele qnc apa.reoeria em relaÇllo a Deus, que servíri de Pl'ÍDcl· pio para a reDc:xlo c•Wica. O ponto t crncial, pois finalmente permite dar lU'Il conte6do a esse fam060 '"conceito indetel"ull.nado• que evod:Ya­mos bA ponco. Ble tarnbtm Ollclarece a1':12.1o pcla qual a definiçlo lconti.-t• do objeto belo como objeto que reconcilia a natureta c o espltito anun­cia as teorias romAntleas. O vinculo entre a idcia de ~.(o ponto de vista de 1Ull Deus onUcientc aobre o mundo) como principio da reDruo e

1 dcfiniçlo do belo como reconciliaÇllo da sensibilidade e da inte!.igêllci• pode ser hreveJUtnte enuncia.doi apesar de se ter evidenciado o ca.rtter -ilusório de tal !dei a, ela continua, como vimos no capítulo consagrado l primeira Critica. desempenhando um "papel regul•dor· para todaa athi· dado wtelcctuol l!la significa • exigfncia, !nacess!vel mas continuamen-te presente, de uma racionalfuçno perfeita do rea1, portanto, u:m.a sub­

aunçQo completa da matéria sensfvcl do conhecimento sob a f o•~•• inte­Ug!vel (a c81rutura categoria!). Em termos cloros, se pudéssemos nos colocar do ponto devlsw de Dens. nao haveria já para n6s distinçQo entre o scnslvel e o i olellglvel. a intuiç!o e o conceito. o particular c o universal, a. na I ure~n e o esphito c te. Que tal ponto de vista n1io possa. ser o nosso e, mais do que Isso. uno possa •·el:ot.ivit.tr o ponto de vlsm finito do homem, eis o que J'COUita de seu esta!\tto puramente ideal. A título de sünples exi­gfnc!a "" rotno, o rato é cruc A ldeia de Deus ou a Ide in de sistema (o que equivale no mesmo) As vezes pode ser, se nlointcgralmente "preenchida" ("apresen!Jidn", aegundo Kanl). ao menos parcialmente ou "simbolica­mente" evo<.adn por certos objetos. O & lo é justamente um desses obje­tos, uma vez que é reconcillnç5o parcial da natureza c do espirilo, da sen­sibilid•de c dos conceitos, funciona como um traço contingente, umsún­bolo dessa !de ia ueccasAr!o tl.t razlo.

Portanto, os cinco momentos do reflexlo cst.,.Jo presentes no ju.lg;o· mcmto de gosto que procede s) do partieulu (o objeto belo) ao universal

(a cxigfnc!a de'""" uuilo perfeita do sens!vel e do intcUgível); !V &em

conceito dererminado (essa c:xigfncia nada indica que possa fomecer a matéria de uma •arte pott!ca" cientllico); 3) sou:>ente aldeia de ~sou

Critica da fao~ldade ele ju/~;,'(Jr

de sistema que dcscmpenloa aqui o papel de princlpio pam a tdlc:xio; 4> a cxJ,<rttncla do objeto belo que é contingente em relaç~o a cssaideia; s) a

eooeo.rdlnc:ia, iguolmente contingente, do real particular coma exigência liJú'iersalde eistcmatic!dade que cria um praur estético.

Asoluçto do anlinoml• dopo tocontn aqui sua c:xplicaçgo c sua sig­

,úftUçlo· Conttarlamcnre ao que a!inna o racionalismo clissico, o julga­mento de gos1o oJio se rund.o em conceitos (r<gnll) determinadot. portau-

10, t impossivel "dieeuti-108" como se se rnw.e de uro julgarocnto de ~ conbccimCíli.O aentUico. 1bci.Ma. ele olo.., limita • n:metu à pon snbje­

tiridlde emp1riea do sentimento, porque se apoia na presença de um obje­to que, se for belo (o que admitlremO$ por hipóteSe), desperta llllla ide ia ncccssAria da rulo que, como tal, 6 co muro l humanidade. Assim, é por tcfutnci• a essa !dela i.odeterminada (ela comanda apenas a rcconcillaçao

do senslvel e do inlellg!vcl. sem di= precisamente em que pode consistir esoa reoonciliaç§o) que 6 poaslvcl ·discutir" o gosto e ampliar a esfera da subjeUridade pura pl11'a con8idcrar uma divisAo »lo dogm6cica da expe­tiéncia cst6tic,, com o outro, um• ver. que ele é outro ser buuuwo.

Ciêncin c beleza, o J1rn do idetJ) dássico de urnn objetividade do gosto

Pm· conseguinte, a diferença en~1 entre o julgamento de conbeci­menlO ~ulgn.menco determlnllnte) e o julgamento de gosto (julgamento

rdlcxivo) deve ser especificada p11ra que apareça o fundamento último da distinç:So rea1i1.adg pela &Oiuçllo da :mtinomü• entre uma disputab·o, em

que a p:uticuliltidnde subjetiva se om~a numa racion1illdndc imperiosa. e a discussllo, em que e.saa mesma par-ticularidade, lllantendo-se como pameular, vl.$a cnttet<uoto a ae •.mpli1U'It6 pretender: sem demonstl<lÇliO, aem passar pela mediaçlo de um conceito, alcançar a universalidade.

Considerewoelniclalxnente o caso de um julgamento que viS<: à obje­thidade cien1ific:a. Na filosol.i> prt· erllíca, e singularmente no cane$1a­lli$mo, vimos que o problem• da objetividade .. colocava nos segninres

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termos: {{'Ucstionar $C nossas representações dos objetos são "'''e)"dadeiw ras• significa mnru saber se silo adequadas à objetividade que suposb­

men te existe em si, fora de mlllha representação. Também vimos que,

formulado nessc-..s termos, o problema da objetiY:idade é a prlori insol\tvcl: .nu.ttca posso, por definição. saber o que o objet~ é emsl, fora do olha)' que l anço sobre ele. C:.:.m efeito, por definiÇão. o objeto que considero é sem­

pre um objeto para mim, umobjetod.e.minbarepresentaçi!o. e. para saber

o que esse objeto é em sJ, seria necessã.rio q-ne eu pudesse, por assim, di•er, salr de minha consciência- o que. Jogic;unente, é imposs!vel. Nas

filosofias prê-c>·itícas. naquelas que concebetn o Cogito como um sujeito

fechado em sua consciência, eomo uma mônada prisioneira de suas representações, a própria posiç1io do problema da objetividade só pode levar • falsas soluções, lU!la consiste em fazer intervir Deus (gara·ntúl

divina ou harmonia preestabelecida) psra que ele assegure a passagem

entre o objeto para nós e a coisa em si (ou o que designamos como tal).

Asegnnda 6 o ceticismo, cujailustraçi!o espetacular é oferecida pela filo­

sofia de llerkcley. Em suma, ou fundamos a intersubjetividade na inter­

vençl'io do&'l))iítica de um deus ex maclJina, ou renunciamos à objetividade para aceitar o idealismo total ou, como se dit.iana épa<:a <le Kant, o" egoís­mo" filosófico .

Como podemos ver. em muitos aspectos a axrtiuomia do gosto repl'o­duz esu estrutura. Segundo a Crftica d:J razAo pur.1, é preciso .realizar uma "refutação do idealismo", ultrapassar o ponto de vista dos Cogito dogmâ­

ticos ou céticos e definir a. objctMdade independentemenm das noções

de interio,~idnde e de e.nelioridade As quais remetem implicitamente as concepçõesmonawstas do sujeito. }á conhecemos a solução do problema.

A objetividade não designa rã nlais o que é externo à represcntaçi!o, e s im

o caráteruniversalmente vãlido dos esqu~mas ou dos ••co:nectores .. que re:llizam. a assocülção ou a sintese das re1>rcsentações. Sendo assim, o subjetivo e o objetivo se oporao como umanssoc.iação de representações vãlidas a pena$ para mim e uma associação de :representações válidas uni­ve<Salmentc (o que faz com que aiutersubjetivid•de se encontre defiujfi­va.mentcinstah>da no centro da objctivid:Jde). lÍ .ao seio das npresenta· çôes ou, mais exatamente, das associações (sintests) de representações. e

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Crítica da faculdaclo de julgar

, não roais e:m referência a UJna "coís.a em si" externa que sexá. necessário distinguir entre aquelas que são vãlidas apenas para mim (subjetivas) e

aquelas que são uníversaimenteválidas (objetivas).

'Jrata-s-e. portanto, pllra :retomar a express:lo husset·liana, de fundar a "transcendência" (a objetividade, a intersuhjemodade) .no seio da "ima­

nência" (sem "salr" das representaçilcs).IÍ a uma transcendência como

essa que visa o j11lgamcnto cientifico (detenninante). Examinemos o exemplo de um julgamento que enuncia uma relação causal entl'e doia fenômenos . Entram em jogo dois elementos que, segundo Kant. permi­

tem pretender a objetividade nn Ygaçi!o do efeito com a causa,

- ln.icialro.ente, devemos posstúr uma tegra universal (o julgamento detenninante procede do universal ao particular): no caso, tratA-se do

princípio de ca•osal.idade, segundo o qual todo e reito possui necessaria­

mwte uma causa.

- 1hs, para se:r realmente cicntifica - e não apena.s metafísica - , essa lei também deve indicar um critê:rio de aplle~ção aos fenômenos.

C<>roo todos estes \lltintos es tão sih1ados no temp o, o principio de causa·

}idade aplícar .. sc .. â a toda sucessão cuja irreversibHidnde possa ser mos­trada numa experiência. isolando-se va.tiâveJs.

Se t:\1 aplicar essa lei seguindo esse cri1ério. não pode:rei associar "livremente" qualquerfenômeno a qualquer ou !l-o. Ou. mais exatamente,

se eu ussoci:.lr minb..asrcprescntações sem levar em couta a lei e seu crjté .. rio, as associações que produzirei n.no terão ntnl-luma objetividade e per­manecerão p\U·amcnte subjetivas.

Assim, no nivel da filoso.fia teóúea, distinguiremos dois tipos de

associação; as puramente empírica.s. que contam apenas com u.ma sjgni­ficação subj etiva, e as objetivas, que supõem:d ntcrvenção de um concei­

to, ou seja~ de uma regra de sintese ao mesmo t~mpo detetminada c determinante. Por exemplo, se olho o muro que está à minha frente

virtlltdo a cabeça da esquerda para a direita, posso ter. no nlvel puramen·

te subjetivo da pereepç1io, a sensação de que o tnuío "existe da esquerda

para a direita". Mas é claro que uma proposiÇão fundada em ud sensação

nlo tem nenhum• objetividade. e que. na verdade, as partes do mUio

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existem de modo "ei.multlneo·, p<>Ttllnto, tenho de "coloci·bs juntas•,

"sinteti•~·laa• par• llit:rapaa&ar minha perr.epçlo particular e alcançor a objetividade.

Ofunelonam~io do julgatnento de gosto deve ser de.crito em rela­

çlo a cases doia tipos de aseoelaçllo (a aseoeiaçto emp!rica snhjetiva. a

aseoelaçlo eoDCeltual objetJ,.}. Com efeiio, ele faz parte de ambas, sem. no entauto, eoofundlr-se eom nenhuma delas.

Se5"odo a anUise desenvolvida na terceira Ctltica, a sensaÇão da beleza e o pmer est~tleo que a acompanha oascem de uma "livre"asso­ciaçlo da lmaginaçlo• p<>rocasilo da pereepçiO deum objeto belo. a ilna·

ginaçlo. a "moia p<>derosa faculdade ren$1•'e!". associa. imagens sem que

sua Hgaçlo seja de algum modo regulada p<>rum conceito.~ ponto de

vista, o jogo iJnagln,rio aproxima-se mais de uma associaÇão empitica

subjetiva do que de uma slntese regulada por intuições que visam a pro­

dutir um julgllllelllo eientlfico. Mas embora esse jogo seja plenamente

livre por nlo obedecer a nenhuma regra, rndo se passa como se ele... .;..• seguiste certo "lógica", como a.existisse, segundo a própria express>ode

Kant, um• "legalidade do contingente", uma legalidade sem conceito: na

música.lJllc no en1tln1o é norte que parece mais distante da esfera teórica-·· ·" . -·' (pOJ'([Ue nllo opre&C.J.'li.:l nenJluma analogiacom avisão). os sons e as asso.. ..... ..... cinçOes de imt~.gens suscitados eru nós parecem orgnniMr..sc. estru-turar.. ...' "• l

se como se tlvesaen:L um sentido, como se quisessem di:tcr alguma cojsa (O quefotCOnl <jUtA n16SiCO tenhatal'ltO facilidadepara "t.r-<duzirsentimeo­

IOS". sem CJ"C compreendamos por que). Desse ponto de vista. o jogo da imaginaçlo, emborn permaneço pttrnmente na ordem da sensi.bilida­

dc e n3.o recorrn a ue.obum conceito pnra regula:r sua organizaç~o. eatrutura-se "PCSitr de tudo como sepudesse satisfat.e.tespontanea.mente ns exigtnclas de reg.r..que do••de""' julgamento de conhecimento.

Sendo .asaim. hn uma h111rmonia livre e contingente entre a imagi­Jl3.Çio e o entendimento. harmonia essa totalmente impre\"isível e incontrol6vel- eis por que nlopoderia haver arte poética nemciêncfu do

belo. E t e»• lu.rmoni• dos faculdades senslveis e intelectuais que, nwn

aegundo momento. funciona por tunescomo um traço simbólico. como

um inlclo de reali:oaçlo das ldeias da rnlo, a respeito das qu~s vimos

Crltic<J do faculdade de julgar •59

Para serem ··apresentadas", deviam "'allzarllma reoonciliaçaoper­P• . feíta entre o senstvel e o inieUglvel. que corresponde ao p<>nto de Vlsta

que um ente.ndiJnento divino tena sobre o mtmdo - o que p<>deriamos

repruentar pelo griflco seguinte,

lddtde dtted• {cwja ~o cdJiria a tfftlCSC do ICNtrd e. cfo ..~ {fiCUldade ttttdeetul>er:uen~

dl!DelUO

~MQOtiJI COI\IlftJtUIC dC'II.mlllrtltg:lMç&o

llvrt. nlo rc~rJJada c.ll(l entaato, cetnnllr11dll corno •erl• e::rlslclo

pc:Joentendlmc:nl(l

objtto'Bel~

~rlitubr tt.ilft!Vtt

No movimento da rtflexlo !)\te se eleva do particular à Ideia indeter­

minada. os dois moroentos extremos COO$tituem o essencial: se o objeto belo particu.Jsr nllo euseitasae de maneira condng!ntc 3 harmonia das faculdades reqllerido pela ldela de s istema, se e~sn harmonia fosse

produúda de maneira artificial e voluntarista, a exi~nclade sistematici­

dadecompreencUda n• ldeia de Deus e entendida eomo principio regula­

dor da reflexlo em ooda seria satisfeita. Coto deito. a satisfaçlo provém

do sentimeoto da 8nalldode. suseltado em nós pelo objeto belo, uma vez

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160 LUC FERRY ~ Kant

que ele é externo a nós e contingente em relação a nossos princípios e que ludo se pa.ssa como se e1e só existisse para satisfazer espontanéamente ~ nossa exigência de racionalidade (de reooncil.iaÇJ~o do sensível e do :inte­

ligivel). O que agrada aqui é o fato de que o realapatcéc. sem nossa :inter­

veDção. para s atisfazer exigências que, no entallto, são subjetivas. A Beleza naturtll deverã ent1io ser considerada o modelo da beleza artlstica

(o que. no contrário do que pensava Hegel, confere ptofundidade Heo.ria kantista do gênio) . Por outro lado. se as Ideias da ra2llo, tlllhora :indetcr­

ffli»ad.•s. não fossem consideradas comUDs à buman.id.•dc. o objeto belo, ao despertar essas ideias, n!lo suscitaria um senso comum nem mesmo 0

ptojeto. em caso de contestação, de discutira gosto, pots. para discutir. •é

pteeiso ter ao menos a esperança. de entrar em acordo" ... Nesse sentido, a inters1lhjetivjdade remete a certa conccpç.~o da sub·

jeti,·idade que não é inútil explicitar.

Um pensi!Dlento inédito do sujeito, como a retlexi!o e o senso conlum nos conduzem natnral:ruente il

noção de "pensamento ampliado"

Contingencia da b eleza, tmiversalidade <lo h orizonte de espeta no

qual se funda o julgamento de go$to, tais são os dois termos entre os quais se move a )·eflexão. Vimos de que modo. de um pauto de vist;, ]ógi­

co, a ativiclade reflex.i.va residia inicialmente na compara~o. segundo

os conceitos de identidade e de diferença, dos elementos que collljlõem

os gêneros e as espécies. Essa acepção da palavra, que remonta à psico­logia wolHiana, encontra seu prolongamento numa teoria do Wltz, do

"esp lr ito ", ent.enwdo como a capacidade de estabelecer relações

imp1·evistas entre elementos apa-rentemente distaJ,tcs ou b astante wferentes. Mas a essa "ampliação do objeto", como di• Kant, também

corresponde uma "ampliação do sujeito", pela <fl)al este último deixA de

se wnter nos limites estreitos do egoismo monadista p ara aceder à esfera do "sensoco1nwn":

Crítica da facrddade de jt<lgo.r

Sob essa exprc$s.D.O de sensus C:Qmmunis- dceJara Kant - , devemos C(l.mprecnder a jdcia de um se.oso comum a todos, ou seja, de uma facUldade de julgar que. em sua reflexão, leva em consideração o JUodo de represe:nta­çao de w:ahotn('.m totalatente diferente para ligar, po:t· assimd.U.er. seu jul .. ga:roento a 1oda. a razão humana e. dcs&a maneira, escapar à iltls:io resultante

d•• condiÇões subjeti•as e partitul'll.'e• 1. .. 1.

Jlis a razão para a máxima fundamentAl da faculdade de julgar reflexi­

va.tt máxima d o ''pensamento ampliada"• "pensar colocando-se no lugar

de o1dra pessota ... É nesse ponto da argnmcntaç<lo kantista que se conclui a solução da

antinomia do gosto e que é .necessário especificar a natureta e.xsta daqui­lo <rue. ao mesmo tempo, aproxima )nas também separa radicalmente Kaotdos dois pontos de vista constitutivos da antinomia.

No racionalismo dogmático, bem como no empirismo ael.lSUa1ista,

não é proprJamcnte o senso comum que é visado. No prinleixo caso. a obra de arte busca unta universalidade fundada na razão, c • .no segundo. 3pesar de tunrelat il'ismo de principio. ela pode aceder, como em Hume.

a uDla generalidade fundada empiric.amente, a uma hacmotúa. resultante da sill1patia entendida , no sentido próprio, como o fato de sofrer em

comum o mesmo sentimento. Em certos aspectos. a p osição de Kantpodc

parccerpr6xima do :racionalismo e do empirismo: na pnS$agem q:ue aca­bamos ele ler, não é por uma referência .. c:lâssica" a" toda a raz~o humana .. que o senso comUU'I €. fundado? E. de rr ... ~to, como indica suficientemente a exp:ress§o. não seriB esse senso comum uma questão de sensibilidade,

de stntbuento? Apesar da aparência. a diferença entre a posição kantista e o raciona ...

fumo clássico é fundatnental: se é de fato em referência à razão que se concebe a a:olpliação da re.flex~o que cria \llU senso c~Ínum, (i ·rado de que se trata já não ê a.ra•tão determinante dos cartesianos, mas a ldeia indeterruinad• de uma h armon.ia da imaginação se!'sivel e do entendi­

mento, Jdein que. por si só. é evocada aptnas ele modo contingente e imprevisivel pelo surgimento da be leza natural ou genial. Portanto. o belo

permanece essencialmente uma quest1io destb.limento e de sensibilidade.

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t62 LUC FERRY +~ Kant

:Ma$ novamente~ em relaç.ão ao que ocorre no empirismo, é Pl'eciso ter cautela ao evitar confundir o sentimento e a simpatia. Jsso é o que :nos. lembra uma importante Refle.xllo de Kant. ·

Ess11 propriedade que o h.omem tem de só poder jult>tar o partictdarno u:uivers:aJ é o sentimento. A 41impatia é totalmente distinta: ela COI'ICetlJ.o

apenas ao particnlar. ainda qile se mnedo p\lrticular no outro (sie.sebt bl~s auf das Particul;lJ·e. obpeicb .w aTJd&·en).

No caso da sitnp:ttia, "n4o nossitUIIJllosna ldeiado todo. mas nolug:u dos outros" como sCJ·cs simple.mente emplrioos, c n.'!o como humanJdade

em geral. Na estética empirista, o senso commn permanece uma simples gencr:tlidade factual, portanto, de direito, apenas pru·ticular (ligada~ • particularidades psic<>l6gicas e fisiológicas dessa espécie auimal por si só particular que é" humanidade).

Por conseg\ti.nte, é preciso l·ejeitar a simpatia tanto qtUI.nto a razão dogmática, uma YCZ que se trata de p ensar nas condiÇões transcendenta.is

de possibilidade de um senso com= estético realmente iníersubjetil~ oa verdade. tanto no racionalismo quanto no empirismo, o fundamento do "senso comum" não é urnfundatoento da i.ntcrsubjetividade, p ois ele

amda a própria ideia de subjetividade, absorvida num caso em henellcio

de 'U.m unive:rsaJ impe-ssoal e. no outro, em beneficio de tuna estruturl\ situplesmente material, de modo que ambos excluem a possíbilidade da

<.Üscussllo. Pois a discnss~o. e com ela toda critica (incluida logicamente a critica da arte), supõe ao mesmo tempo o reconhecimento de um ponto de

vista comuro c o fato de esse ponto de •d.stanao ser conceitual, mas inde­leJ':tlJinado, ou seja: a ligaçho de um se'lJtimeJJtQ psrticullJr e de 1Ulla Jdeia unj}•crsal reolizada pela refle:tão, terJdo em vis-ta estabelecer Urt)a comu­Dicaçii.o direta entre osindivfduos, um setJto comum nbo conceirnabtJcn· tetimd•do.

Este é o ponto em que a terceira Grfôc:J ultrapassa infinitamente a simples problemática da estética. Longe de se limitar a apresentar uma

soluç!o, por mais elegante e profunda que seja. à qucstlio dos critérios

do jtdgamcnto de gosto, ela se torna doutrina do senlirlo, para não dizer da

Critica da facW.dade de julfSar

P · é \ tstamentenessa CX])eriê.ncia da ampliação de si, da aber-. lvação. ots I . . :. da visão e ao horizonte que se situa, alémd~. pr~r do conheCllllcn~ · 1

. e dAs imperalivos da êtica, toda a 'fimltdade da exlstencJa tb te6nco v

0 pensamento ampliado e a quest1/o do sentido ou da finalidade da existencia ltumána

Desde o Novo Testamento.~ a noção de m~mdo assumiu uma dupla . 'fi ç~o at)aren temente quase contraditória' de fato, com o quarto s1gnJ ca • . . .

,Evangelho, o termo grego cosmos começa a deslgnar n!lo mats apenas o uWverso nat'Ural como algo harmonioso e ordenado, mas os homens

Po ·exemplo •retirar-se do mundo" não designa o fato, qúe o povoam. r _ • . . . . d •101 ·mprovávc], de deixar a terra onde res1d1mos. e sun o de se eus . . d u

:, abstrair da sociedade dos humanos ou, como se costuma dizet·, as mun-

danio\ades". , Ora, a esses dois cou ceitos de muudo (na nua! e hurnan~) tr.rubem

Ondem du'lS visões morais difel·entes. Uma~ loglcameute, corresp • · 1 doJDinou a Antigui.dadr. e cons'ide:ra que a ética deve l·esidir essencw -

roeute nos compôrtarnentos que estão cro conformidade eom sua natu­reza cósmica. A out~a. .. ao contrário. encontra seu apogeu após a nlptura

com aAntigttidadc, no l1ascimen1o do djl·eito e da m~ralxno~e~os. Ela o;e distinrue e-specialmente por meio da noção kanusta de Remo dos

" 'd d d mda couvemente· fins'" na convicção de (l'le a bu.maru a e. quan o reo .. . ment~ por leis morais e jurídicas comtms c até mesmo unive~ais, pode

1orja.r algo como um:. "segunda ntüu:re?.a" e consti~it por.~: mesm~ mas desta vez .na ordem do espirito. o análogo de um !cosmos . mn uru verso que. por ser totalmente humano e até fundad9 n a liberdade do~ homens e "fabl'icado .. por des, n:to deLu de repres~tar um todo bar

monioso e ordenado.

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LUC FERRY ~ Kant

Se seguirmos a annlogia. a vida moral lx:m·sucedida dcfi.ni:r·se-Hor. malmonte n06 mesmoo termo6 que pora os antigos OOJtlO vida erobantlOnia com o cosmoo, a menoo que o IUmo tenha mudado de sentido, doravame, é A bwn;w.idade que ele remete. uma ve• que ela é capu de COnstruir •Ill

universo artific:W. t tlllllbtm nesse contexto que devemos compretnder

as famosu expre-kantisus do inlpcrativo categórico, que nos COnvi­

dam a VÍ\ICr aplicando miximas morais suscet1~cis de se transfonoa:rem

lels ~' ·da namreu •• Este 6ltimo termo pcssui aqui apenas UIIla

oignificaçlo analógica, ele designa a capacidade que essa filosofia e. alêm dela, toda a pol!tica modetnA nos conferem para in~entar por e para nlio

mesmos ••• universo moral. uma sociedade humma pacificada pela pro­mulgaç.'o de leia "anlinatunis". tais oomo, por exemplo, aquela segundo a qual minha liberdade deve luminar onde começa a do outro ...

É tambtm lle88e sentido, e relembrando aideia antiga de cosmos, '!'<• ~nt opOc o ooncclto "escollstico" da filosofia • sen conceito" cósmico·, segundo o primeiro, essa disciplinal<Uum.ir·se-ia ao aprendizado ape­

nas esr.olar de oooheclnlentos, e o filósofo seria simplesmente umerudi· to entte outros, com o segundo. ao contrãtlo. ele aparece comomnverda­

dciro sAblo e nt6 mesmo, como diz Kont, como um "legiilidor" capaz de

aproendor c tnnsformu em leis válidas para sua própria vida os fins

csaencinis dll ratno humann - R priJOcira e mais importante de] as, no plano prático, era o respeito pelo interesse gcnl (pelo universal) e. por conseguinte, peltt personalidade alheia.

Porém, nno 6 s6 iaso - c f ne>lse ponto que a ética formal começa a

ultrapnasnr n elruesma rumo a \tiDa doutrina do sentido ou da. silvaç:to: com essa oovo concepç!io. bumanista e ollo mais naturalista. de um cos­mos por •seim dlt.er aupraoatural. e com a definição inédita da vida boa

que cla implica. RJ!Irece progrust•amente-ultrapassando o ideal moral do "l\eino doe fins". portanto, a <.'tortação ao respeito, simplesmente

leg>l. pcloa outros homens- uma nova representaçlo da vida boa. a exi­

gtncia de uma • cxlsttncla com os oull'OS •, de mn ·mundo comam·, como

dbhendt. que finalmente estaria em conformicL!de com os princlpios do "pen"'-"'ento ampliado", ou seja. de certo tipo de coropreensJo do

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Cr{tico da faculdade d• jtúgar

<tutro. Na verdade, esS<I noçlo. que Kant introduz como que incidental-11100te na Crltic• d• f•culdade do julgar. é crucial. Ela ainda deverá ser

e;tplicitada $e quisermos perceber as r:nlles do extraordinmo futuro de

e. ainda"" época. ela é potencialmente investida. qu .&m oposJÇio ao espirlto "limitado •, o pcnsornento ampliado é ini­

cialmente aquele que consegue ·colocar-se no lugar do outro • , n.ilo •pc­n>S para melhor compreeod~·lo. mu também para tentar. num movi­

mento de retorno a s.i mesmo, tomo se partisse do exterior. enxergar seus próprios julgamento• e nlorea do ponto de vista que poderia ser o dos outros. Nesse sentldo.aldeia de "pciiJillllCnlo ampliado· encontn­

ri uma posteridade nlo apenaa nas teorias cootemportneas da :ugu .. mentaçio (por exemplo. em Habermas ou ainda na noçSo de "véu de

ignorincia •. tal como formulada por Jobn llltwls), mas também, muito aléro da filoeofia univerait~ria, na convicÇio propriamente humanista e

democritica segundo • qual, paro respeiUr •• diferenças c as identida­des culturais diJ~tantea da.a nossas, é necessArio que o ser humano seja eapa• de instJuriU'umo dJI!IQncio de si mesmo (aquelA do" esplrito Cl'íti­

eo") c. para .c;ompreender a s i mesmo. de instituir o possibilidade de ter

em .relaçso a suos próprios tradiçOes um olhar de certo modo externo. Eis

0 quo exige .a "autorreflexJto"'1 com efe i1o. pnm tomar consciência de si

mesmo, o ser bumano pJ.'ccisn estRr disu.nLe do si mesroo; entre outras coisas, é isso r1ue nos permlle considerar ponlos de vista diierentes dos

nossos. En<[l••nro o espfrito limito do permauece preso a sua comunidade de

origem. a ponto do julgar que ela h única posslvel ou, pelo lnenos. que é

a únlca boa e legltlmo. o C8Jllrito ampliado, ao se situar do ponto de 'ista

alheio, consegue contemplar o mttndo corno espectador interessado e benevolente. Na medido em <[llO aceita deseent:Talizar sua perspectiva

inicial. subtrair-se do clrCldo limltado do egocentrismo, ele pode pene­tru os costtunes e oa vaJores di6untes dos teU$. depois, "~oltando a si mesmo. tomar conscitnc:Ll de ai próprio de u.ma maneira distanciada~ menos dogmilica. c. I.Nim. t:nriqueccr consideravelmente suas pró ..

priasvisóu.

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LUC FERRY ~ Kant

Em 'le't de comentar detolhadamente o )>ensrunento de Kant tal corno

ele aparece neste ou n aquele parágrafo da terceix~ Critica, prefiro ilustrá. lo aqui evocando preocupaç<;es contemporâneas. Num discuxso profen­

do por oca$lão da entrega de seu prêmio Nobel , em dc.emhro de ~oo1, 0

escritor anglo-indiano V. S. Naipaul descreveu com perfeição, sem

no entanto fazer a ..menor referência.à·tr.:tdiçllo kantista. essa experiêncihdo

pensamento ampliado c os beneficios que ela pode trazer não apenaspa,..., a

escrita de um livro. mas, de modo mais profundo. para a conduta de uma vi do humana. Ao contar sua inf§ncia "'' p equena ilhA de 'llioidad, Naipaul evoca as limitações inerentes a toda vida comunitária, encerrada Jlosparti­

cularismos, em tennos que merecem ser restituidos em toda a suaprec5sllo:

Nós, indianos. i.m.igrados da f.ndia [ ... ] levãv-.unoa essencialmente'Vid:l$ ritn:W:zadas e ainda nJI.o éramos capü7.C8 da amoavaliaçll.o necessári<t par;. (:omeçar a aprender[. .. ). Em 'lrmid.<~d , onde,l'ecém -chegados, fol'lllfc\•a.tnos uma eomw:ridade en.t desv:tntagem, esaa idei.) de exclusão era 1una espécie de prQteção que nos permitia, po:r um mom.euto apenQs, viver à no'.lsa :maneira c seg1.1ndo nossas próprias regt·as. vi''Cl:' em nossa fndia que esta\':t se apagando. Bis a ra't.Ji.O pa.ra. um exb:aordiuirio egocentrismo. Olhávamos: pa:ra dentro; cumprlalllO,a noa83.S jornadas-: o mundo externo existia numa espécie de obscuridade; não nos, intcgt·o\vamos e:m nJt.da [ ... ),

E N:úpaul pôe· se a explicar de que modo, depois de já se ter tomado

esctitor. ''as zonas de b:evas" que o ej:rcundavam quando criança- os abo:rígincs. o Novo .MW'ldo, a Índia, o universo muçulmano, a África. a Inglate)·ra - to1·oaram~se seus temas preferidos. que U1e permitiram, a certa dist.â:neia, escrevertn:nlivro-sobre sua ilha natal. Poste-:riormente ele acrescenta o seguinte, que talvc~seja o essencial:

Mas quando este livro foi conclWdo, tive a acnst!ç~o de que tinha tindo tudo o qtiC podja de minha: ilhst. Porm& que eu refletisse. nenhu.ma omxa história. itle vinha ã cabeça. Então, o acaso vcio em meu socorro. Tomei•me \i;l.jante. Fui para as Antilhas e entendj bem lnelhor o mecanismo colonial de que eu havia fc.ito p;uie. l"ui para~ Índia. a páb'ia de meus âoccwais.

Crltica da faculdade de julgar 167

dtu'llllte urn ano; e&$3. v1agero rompeu w:irlha 'Vida. em duas. Os JivToa que escrevi sobre essas duas viogens iç.ar<~m-me para novos donútúos de emo­çllo. deram.-mc umavis!o de mundo que eu jamais tivera, ampliaram-me

1ee;oicilJ)lente.

N~o se vê a.qui nem rel>egaçlo nem ren~n.cia ãs particularidades de

. . ero Antru~s um díst:mciamento, umaa.tUJ!li•çDo da visão que permite ong · · ,. apreendê-las de outrá perspectiva, menos i.mtts-1, mais ger~, c. por con-, i.nte. transfigurá-las no espaço da arte para delas extrair os momen­

' ., :::ingularea.. ao mesmo tempo insubstittúveis e significativos para os

ontros- oquefmcom que a obra deNaipaul, longe de qualquer folclotie>no,

pudesse elevar-se à categoria de .. literaL1;ua mundial". No fundo, o ideal llterário mas igualmente existencial que Na ipalll

desenha aqui significa que temos de ir além não apenas do egocentrismo,

mas t rullhém <lo respeito simplesmente formal ou legal das difercn~as

para entrar oa vid.a comum. que ê a única a dar sentido a nos~s existen­ciss iDdividuaJs. Predsamos dos outros para C01npreender a nosmcsroos. precisamos <le sua liberdade e. sepossivel, de sua felicidade par• realizar

nossa pr6pri~ vida. Nesse sentido, a consideração da moral aponta, por

assim dizer. para uma problemática mais elevada: aquela que leva em conta os elementos suscetíveis de dar. de maneira subst:wcial. uma signi­ficaçlo ou \l;ma direção a nossas e.xistênclas e que temos de C\lltivar se quisermos consegu:ir. de certo modo. ••salvar- nos por nossas Jlróprias

forças". Nesse sentido, a concepção kantist> do peusamcnto ampliado, para

al!m do campo do estética, permite ooneeheruma resposta p ara a questão

filosôfiea cru.cial. a da "salvação sem Deus", que poder!amos simples­

mente formular da seguinte maneira, para que serv~ tornar-se adulto,

em~ell1ecer? Para a,mpliar a visão, amar o singular e i\s1ve-Les viver a anula­ç§o dotempo·que nos é dada pot sua presença. Talvez~><>ia menos do que a

promessa cristã, mas quem podel'ia seriamente P.retender que nada

fosse?

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