fabiana pina
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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP-USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Fabiana Pina - Universidade Estadual Paulista
Acordo MEC-USAID: aes e reaes (1966-1968)
A dcada de 60 foi marcada, entre outras coisas, por acordos assinados
entre o Brasil e a USAID (Agency for International Development). Criado no
perodo da guerra fria, este rgo norte-americano tinha como objetivo
assessorar pases subdesenvolvidos. Essa assessoria ocorreu em vrias reas,
como por exemplo, na agricultura com o acordo CONTAP-USAID assinado em
1966 para o treinamento de tcnicos rurais. Tambm se previa o assessoramento
na rea da educao, em especial, no ensino superior. Tambm nesse setor, a
guerra fria constitua o elemento que dirigia as aes do acordo. Segundo
Santos (2005, p. 117),
O pano de fundo da contribuio tcnica para o ensino superior se transformar em prioridade da USAID foi o conflito EUA versus URSS, pois a chave para que o Brasil permanecesse uma sociedade livre e um pas amigo prximo dos EUA estava no ensino superior.
De acordo com Fausto, no incio da ditadura militar, o Brasil estava em
pssimas condies econmicas e, por isso, recebia apoio dos EUA, que no
queriam que o pas, a exemplo de Cuba, se tornasse comunista. Para Solange, o
auxilio dos EUA para pases subdesenvolvidos se deu devido falta de
dinheiro que estes tinham para conseguir consumir os produtos norte-
americanos. A mesma autora definiu a USAID como
Agncia norte-americana para o desenvolvimento internacional, agncia bilateral responsvel pelas reaes estabelecidas entre os EUA e os pases perifricos, que contribuiu decisivamente na ordenao, regulao e concretizao de parte da retrica da aliana para o progresso, construindo as decises quanto s doaes e emprstimos em favor dos pases perifricos e realizando um novo ajuste entre os pases capitalistas. (2005, p.40)
Assim, o acordo MEC-USAID, e, principalmente a atuao da USAID,
no somente no Brasil, mas em todos os pases perifricos, podem ser
compreendidos como uma ao dos EUA para garantir a vigncia do sistema
capitalista nestes pases e transferir para estes as concepes e a organizao
social, poltica e econmica que prevalecia nos Estados Unidos.
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Limitaremos o nosso trabalho ao estudo dos acordos referentes
educao superior no Brasil que ocorreu especificamente em 10 de junho de
1966, intitulado: Acordo MEC-USAID de Assessoria para a Modernizao da
Administrao Universitria. Foi revisto dez meses depois e substitudo por
outro ttulo: Acordo MEC-USAID de Assessoria do Planejamento do Ensino
Superior. O contexto nacional no qual o acordo foi assinado pode ser
considerado um momento significativo dos problemas referentes
universidade. Problemas de ordem quantitativa, j que a procura pelas vagas na
universidade era maior do que esta oferecia (assim como hoje) e qualitativos.
Para Romanelli (1986, p. 209),
A crise servia de justificativa de interveno (MEC-USAID), mas no passava de um pretexto para assegurar ao setor externo oportunidade para propor uma organizao de ensino capaz de antecipar-se refletindo-a na fase posterior do desenvolvimento econmico.
O ensino, de acordo com o discurso do presidente Castelo Branco, no V
Frum Universitrio, deveria preparar cidados de alto nvel cultural que teriam
a misso de impulsionar o desenvolvimento do pas. O estudante deveria, antes
de desejar um simples diploma, alcanar amplos conhecimentos que lhe
permitiriam ser elemento til ao progresso e prosperidade da sociedade. Em
contrapartida, na Universidade no se poderia permitir o fortalecimento das
ideologias. Era necessrio um aperfeioamento da comunidade universitria.
Desse modo, da perspectiva do governo, este acordo era a soluo possvel e
mais apropriada para uma ao de melhoria do ensino no perodo.
A modernizao da sociedade era um dos principais objetivos do
governo e, para alcan-la, o sistema educacional deveria caminhar neste
sentido. Os Estados Unidos eram o exemplo mximo do sucesso alcanado
atravs desta modernizao. Por isto, para os governantes, no haveria nada
mais coerente que seguir o modelo adotado por ele. De acordo com Cunha, A
modernizao da universidade objetivava nessa perspectiva (re)produzir aqui a
cincia internacional (EUA), a ser ensinada segundo padres de idntica
categoria, sem veleidades autonomistas. Na revista Educao e Sociedade
Veiga escreveu que, no perodo, os Estados Unidos, crescentemente,
tornavam-se fonte de inspirao de paradigmas educacionais fruto do
estreitamento das relaes diplomtico-militares e econmicas entre o gigante
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desenvolvimento do norte e o subdesenvolvimento do sul (Apud
ROMANELLI, 1982, p.38). Em sntese, a justificativa do governo estava
pautada na idia de que para alcanarmos modernizao e o desenvolvimento
deveramos inclusive seguir os modelos educacionais dos EUA.
Em 1965 o professor norte-americano Rudolph Atcon realizou um
estudo sistematizado da situao das universidades brasileiras a pedido do ento
diretor do ensino superior do ministrio da educao e cultura, Raymundo
Monis de Arago, que teve o seguinte nome: Rumo reformulao estrutural
da universidade brasileira. De acordo com Cunha, citando o prprio Atcon
(...) para que a reformulao ocorresse a universidade deveria se libertar de
todas as malhas do estado, ter autonomia plena para se desenvolver enquanto
empresa privada (Apud, CUNHA, 1988, p.139). Atcon defendia o planejamento
do sistema educacional voltado s necessidades do mercado. Para tatno a
universidade teria que seguir os seguinte objetivos: primeiramente educao e
treinamento profissional, pesquisa cientfica e cursos de especializao,
extenso universitria e educao superior geral.
O convnio assinado em 1966 apresenta uma sntese da situao
educacional do perodo, na qual o relatrio citado a cima foi de extrema
importncia j que o acordo pautou-se vrias de suas consideraes neste
relatrio. Com base nestes estudos sobre a situao da universidade brasileira, o
acordo chama a ateno para a necessidade de uma reformulao do ensino que
seria feita atravs de uma reforma bem organizada e com bases amplas no
setor da administrao universitria. A assistncia proposta pelo rgo inclua
consultoria tcnica, uma srie de seminrios a fim de estimular outras
instituies interessadas a considerar a execuo de programas semelhantes e
cursos de curta durao nos EUA, para treinamento e especializao de pessoal
brasileiro necessrio avaliao, adaptao e instituio de novos processos e
tcnicas administrativas essenciais. A assistncia a princpio no seria para
todas as universidades, mas somente para aquelas que estavam interessadas e
preparadas, que j tivessem atingido seu grau de amadurecimento para reforma
administrativa da universidade.
O objetivo era estimular e prestar assistncia a um mximo de 18
universidades brasileiras, pblicas e particulares, nos seus esforos para
executar e institucionalizar reformas administrativas que resultariam em maior
economia e eficincia operacional. Para isto, seriam enviados consultores norte-
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americanos que teriam como trabalho visitar as instituies determinadas, a fim
de estabelecer o interesse especifico e as necessidades de reforma.
Proporcionariam servios de consultoria quelas instituies e realizariam
seminrios no Brasil sobre problema, tais como controle de custos,
administrativo-financeira, planejamento fsico de cidades universitrias e
distribuio de cursos de acordo com os interesses e as necessidades das
diferentes universidades.
No segundo convnio, citado no incio deste trabalho, foi dada uma
nfase maior ao dos brasileiros no programa. A todo instante o convnio
afirma que as ltimas e definitivas decises em relao s mudanas seriam de
competncia das autoridades brasileiras. Assim, a esta caberia ainda aprovar ou
no os planos que seriam elaborados para a reformulao da universidade.
Mais, ainda, o convnio prev que os planos, sero colocados em execuo
pelas autoridades brasileiras. Desta forma no bastavam propostas dos
assessores norte-americanos. Estas propostas deveriam ser aprovadas pelos
brasileiros responsveis e postas em prtica por eles. No entanto algumas
questes devem ser feitas: em que consistiam as propostas do acordo? Elas
abriam caminho para uma nova concepo de funcionamento da universidade?
Os cursos oferecidos aos brasileiros nos EUA consistiam em que? Qual era a
concepo de universidade defendia por este americanos? Quem eram os
brasileiros envolvidos no convnio? O fato que somente atravs do estudo
minucioso das concepes norte-americanas referentes universidade, dos seus
objetivos para com a Universidade Brasileira e a anlise das propostas que
foram efetivadas poderemos compreender melhor o que significou este acordo
para o ensino superior brasileiro.
Temos como objetivos neste trabalho mostrar as premissas do acordo
MEC-USAID, que podem ser resumidas nas propostas do professor Atcon.
Pretendemos analisar o acordo no interior das lutas polticas da dcada de 1960,
com o objetivo de mostrar como, para o governo, a efetivao deste acordo era
uma maneira de conter e, se possvel, acabar com as constantes manifestaes
dos estudantes que estavam insatisfeitos com as condies universitrias da
poca. Por ltimo, complementando o nosso trabalho, pretendemos analisar o
modo como a sociedade brasileira encarou o acordo, examinando tanto suas
crticas como a opinio dos que o defendiam.
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As crticas feitas ao acordo foram muitas. Pelegrini, em seu livro A UNE
nos anos 60: utopias e prticas polticas no Brasil, analisa a reao da UNE
diante do acordo. As crticas feitas pelos intelectuais esto em artigos
publicados em revistas como Revista Civilizao Brasileira. Tambm temos as
crticas feitas por Jos Nilo Tavares (1980) e Ted Goertzel (1967). Existem
tambm as publicaes daqueles que defenderam direta ou indiretamente as
propostas do acordo, como as de Ansio Teixeira e de Newton Sucupira, ambos
publicados na Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos.
De acordo com Ted Goertzel, o livro base dos planejadores americanos
de desenvolvimento educacional foi um estudo chamado Educao, Fora-
humana e Progresso Econmico de Frederico Harbison e Chals Muers. Para
eles, a educao superior era parte e parcela do processo de desenvolvimento
econmico e nela estava a fora necessria e capaz para o aumento das
indstrias. A concepo geral de progresso defendida por eles era o
empresarialismo, que dava especial importncia s cincias naturais, como
engenharia, medicina e treinamento empresarial. A maior crtica que o autor
apresenta a esta concepo est relacionada negao que ela apresenta entre a
Universidade e o resto da comunidade. Quando os empresrios recomendam,
com empenho, que as universidades sirvam sociedade, querem dizer servir
aos grupos dirigentes da sociedade (GOERTZEL, 1967, p.126). Tinham como
objetivo o treinamento para carreiras especficas em vez do desenvolvimento
das foras intelectuais gerais. Mas, para os que defendiam o acordo, o
desenvolvimento econmico era mais lento em alguns pases devido falta de
fora humana tecnicamente treinada, por isso os pases subdesenvolvidos
deveriam investir nas cincias que contribuiriam para este lado, como as j
citadas. Para o autor, o acordo MEC-USAID pretendia formar tcnicos que
atuariam em setores da sociedade e no na sociedade. No entanto, o autor
lembra que, diferentemente do que o governo e o rgo norte-americano
pareciam acreditar a formao de tcnicos no era o nico e nem o fator
essencial para a industrializao. A concluso do autor a seguinte:
No meu propsito, contudo, resolver aqui os problemas educacionais
do Brasil. No entanto, uma concluso certa. Estes problemas so, fora
de dvida, muito complexos e sutis, e, fora de dvida, importantes
demais para que possam ser entregues a uma comisso de cinco
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planejadores de desenvolvimento americanos (GOERTZEL, 1967,
p.137).
Na mesma linha de raciocnio de Goertzel, podemos colocar a Unio
Nacional dos Estudantes, que tambm se posicionou contra os acordos MEC-
USAID. Desde abril de 1964, a UNE passou a atuar na clandestinidade at 1968
(FAUSTO/GORENDER) e nos Fruns realizados por ela que encontramos
parte de suas concepes. No XXVIII Frum, os estudantes afirmaram que o
governo militar prope para a universidade, uma universidade e um
universitrio inteiramente distantes e alienados dos problemas do seu pas e do
seu povo. Quando comparamos as propostas do governo (pautadas no acordo)
e a da Unio Nacional dos Estudantes, a diferena entre elas clara e so
praticamente opostas. A reforma proposta pela Unio Nacional dos Estudantes
seria a proposta revolucionria, como caracterizada por Goertzel, em
contraposio proposta empresarialista do governo juntamente com a USAID.
Para a UNE os acordos MEC-USAID representavam um plano de infiltrao
imperialista do ponto de vista de uma filosofia poltica que se assimilada, viria a
proporcionar a manuteno do sistema capitalista. Em decorrncia disto, eles
lutavam contra o acordo de garantia de investimentos estrangeiros e combatiam
a integrao do Brasil ao mercado armamentista americano e negavam a
interveno da Amaznia (PELEGRINE, 1998, p.101). De acordo com Cunha,
para os estudantes, os objetivos dos convnios MEC-USAID levariam a
universidade a uma estrutura arcaica e empresarial. No entanto os estudantes
queriam uma universidade crtica, autnoma, queriam a democratizao do
ensino, a gratuidade de todos os nveis, vestibulares de habilitao e no de
seleo e a expanso dos cursos noturnos.
Em 1968, Carlos Marighella escreveu o Chamamento ao povo
brasileiro, no qual fez uma pequena citao ao acordo MEC-USAID:
O acordo MEC-USAID vem sendo posto em prtica pela ditadura, com o propsito de aplicar em nosso pas o sistema norte-americano de ensino e de transformar nossa Universidade em uma instituio de capital privado, onde somente os ricos posam estudar (1968).
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Ele tambm se colocava contra o acordo e poderia encaixar-se nos
setores da sociedade que acreditavam que este acordo levaria privatizao do
ensino no Brasil (Histria geral da civilizao brasileira).
Jos Nilo Tavares escreveu um artigo que contou com a colaborao de
Darcy Ribeiro, no qual eles caracterizaram o acordo como uma forma de
recolonizao cultural. Para eles o acordo fortaleceu a ideologia democrtica
entre as novas geraes, aprofundou as bases para o futuro beneficiamento dos
interesses econmicos e financeiros americanos no pas, criou entre os
brasileiros a imagem do amigo americano. Alm destes fatores, para os EUA o
Brasil seria um vasto mercado de consumo de obras didticas, pedaggicas,
cientficas, propagandsticas e a assistncia educao em longo prazo seriam
altamente rendosas.
Podemos ver que a divulgao do acordo provocou reaes contrrias
por parte de diferentes setores da sociedade. No entanto, houve tambm aqueles
que direta ou indiretamente defendiam a interveno norte-americana no
ensino. Ao analisarmos o artigo escrito por Paul Riouer, Reforma e Revoluo
na Universidade, as propostas que ele apresenta como necessrias para a
reestruturao da universidade condizem com aquelas defendidas por Atcon e
pelos assessores norte-americanos; entretanto no h um aprofundamento
terico nestas propostas como fazem a UNE e Goertzel. O que ele nos apresenta
so medidas relacionadas estrutura da universidade. Outro artigo publicado na
mesma revista o de Newton Sucupira A reestruturao das universidades,
o qual apresenta a justificativa da reestruturao das universidades com
medidas apresentadas tanto nas concepes norte-americanos quanto nas
apresentadas por Paul Ricour. So destas crticas e destas propostas que nasce
parte da Reforma Universitria de 1968. Portanto o que temos nesta reforma
so resultados de propostas anteriores inclusive aquelas dos assessores norte-
americanos. Assim, no poderemos falar realmente que o acordo
assiduamente citado por estes autores e est explcito na Reforma de 1968, mas
podemos nos questionar sobre as propostas desta Reforma e as defendidas por
estes autores que esto enraizadas nos fundamentos dos acordos MEC-USAID.
Parte da nossa estrutura universitria fruto destas anlises apresentadas
ao longo do trabalho, como por exemplo, a adoo de professores com
exclusividade e tempo integral, o sistema de crditos e as matrias optativas.
Cabe questionarmos se seria possvel considerarmos a nossa universidade como
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empresarialista ou revolucionria, ou talvez, ainda a resposta a esta pergunta
nos diria que no h como enquadr-la em nenhum destes rtulos.
O tema de extrema importncia para quem quer compreender a
estrutura universitria brasileira atual, j que apresenta projees que chegam
at nossos dias e questes referentes universidade que ainda hoje esto sem
suas devidas respostas e conseqentemente sem a sua necessria soluo.
Como exemplo, podemos citar as consideraes feita por Atcon, ao afirmar que
a Universidade Brasileira era/ uma universidade elitista e que no foi
encontrado o ponto de equilbrio entre uma administrao pblica e uma
administrao privada. Apesar de todos os problemas at aqui arrolados
preciso pensar tambm que a Universidade Brasileira hoje uma universidade
relativamente bem sucedida e que assim como parte dos quesitos problemticos
so resultados do processo histrico social no qual nos propusemos estudar os
fatores positivos tambm o so.
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