etnopedologia - topicos em ciencia do solo v4 p321-344 [2005]

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ETNOPEDOLOGIA: UMA NOVA DISCIPLINA? Ângelo Giuseppe Chaves Alves (1) & José Geraldo Wanderley Marques (2) Introdução ................................................................................................................................ 321 A Etnociência Clássica ........................................................................................................... 324 Denominações para o Saber Pedológico ............................................................................. 325 Etnopedologia e Abordagens Correlatas .............................................................................. 328 Etnopedologia no Brasil ......................................................................................................... 331 Considerações Finais ............................................................................................................. 338 Literatura Citada ...................................................................................................................... 339 (1) Professor Adjunto do Departamento de Biologia, Área de Ecologia, Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. Laboratório de Etnoecologia. Rua Manoel de Medeiros s/ n, Dois Irmãos, CEP 52171-900. Recife, (PE). E-mail: [email protected] (2) Professor Titular do Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Rodovia BR 116, Km 3. Campus Universitário. CEP 44031-460 Feira de Santana (BA). (3) Usa-se “etnociência clássica”, nesse contexto, para referir-se à etnociência praticada nos EUA a partir da segunda metade do século XX, diferenciando-a de outras abordagens semelhantes (e aproximadamente simultâneas) desenvolvidas por europeus como Claude Lévi-Strauss e André-Georges Haudricourt (Toledo, 1992; Marques, 2002; Campos, 2002). INTRODUÇÃO Em razão do crescente interesse pela etnopedologia no Brasil, torna-se necessário compreender e definir melhor o seu campo de abrangência. O termo “etnopedologia”, concebido como uma abordagem associada à etnociência clássica (3) , foi introduzido por Williams & Ortiz Solorio (1981), em seu estudo sobre a etnotaxonomia de solos entre camponeses de Tepetlaoztoc, México (Quadro 1). Em trabalhos anteriores, Williams (1972, 1975) já havia discutido alguns temas etnopedológicos. Com base em documentos do século XVI, a autora analisou o “sistema taxonômico asteca para materiais de solo” e buscou esclarecer as contribuições etno-históricas que o estudo da “pedologia asteca” poderia trazer.

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ALVES, A. G. C.; MARQUES, J. G. W. 2005. Etnopedologia: uma nova disciplina? Tópicos em Ciência do Solo 4: 321-344.

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Introdução ................................................................................................................................ 321A Etnociência Clássica ........................................................................................................... 324Denominações para o Saber Pedológico ............................................................................. 325Etnopedologia e Abordagens Correlatas .............................................................................. 328Etnopedologia no Brasil ......................................................................................................... 331Considerações Finais ............................................................................................................. 338Literatura Citada ...................................................................................................................... 339

(1) Professor Adjunto do Departamento de Biologia, Área de Ecologia, Universidade FederalRural de Pernambuco – UFRPE. Laboratório de Etnoecologia. Rua Manoel de Medeiros s/n, Dois Irmãos, CEP 52171-900. Recife, (PE). E-mail: [email protected]

(2) Professor Titular do Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual de Feirade Santana – UEFS. Rodovia BR 116, Km 3. Campus Universitário. CEP 44031-460 Feirade Santana (BA).

(3) Usa-se “etnociência clássica”, nesse contexto, para referir-se à etnociência praticada nosEUA a partir da segunda metade do século XX, diferenciando-a de outras abordagenssemelhantes (e aproximadamente simultâneas) desenvolvidas por europeus como ClaudeLévi-Strauss e André-Georges Haudricourt (Toledo, 1992; Marques, 2002; Campos, 2002).

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Em razão do crescente interesse pela etnopedologia no Brasil, torna-senecessário compreender e definir melhor o seu campo de abrangência. Otermo “etnopedologia”, concebido como uma abordagem associada àetnociência clássica(3), foi introduzido por Williams & Ortiz Solorio (1981),em seu estudo sobre a etnotaxonomia de solos entre camponeses deTepetlaoztoc, México (Quadro 1). Em trabalhos anteriores, Williams (1972,1975) já havia discutido alguns temas etnopedológicos. Com base emdocumentos do século XVI, a autora analisou o “sistema taxonômico astecapara materiais de solo” e buscou esclarecer as contribuições etno-históricasque o estudo da “pedologia asteca” poderia trazer.

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Quadro 1. Definições e comentários de diversos autores sobre etnopedologiae enfoques correlatos

Termos Definições e comentários Autores

Etnopedologia “Percepção ‘folk’ de propriedades e processos do solo; classificação etaxonomia ‘folk’ de solos; teorias e explicações ‘folk’ sobrepropriedades e dinâmica de solos; manejo ‘folk’ de solos; percepção‘folk’ das relações solo-planta; comparações entre os conhecimentos‘folk’ e técnicos sobre solos; e avaliação do papel da percepção ‘folk’dos solos nas práticas agrícolas e em outros campos do comportamento,tudo isso pode ser contemplado sob a denominação ‘etnopedologia’.O termo é usado aqui num sentido mais amplo do que usualmente seaplica em etnociência, ou nas denominações etno + disciplinaacadêmica (por exemplo: etnoictiologia, etnoornitologia,etnobotânica)”.

Will iams &Ortiz

Solorio(1981)

Etnoecologia “Etnoecologia pode ser definida como percepções indígenas dasdivisões ‘naturais’ no mundo biológico e das relações planta-animal-homem dentro de cada divisão. Essas categorias ecológicas,cognitivamente definidas, não existem isoladamente; portanto, aetnoecologia deve também lidar com as percepções das inter-relaçõesentre as divisões naturais”.

Posey(1983);

Posey et al.(1984)

Etnobiologia eetnopedologia

“A etnobiologia é essencialmente o estudo do conhecimento e dasconceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito dabiologia. Em outras palavras, é o estudo do papel da natureza nosistema de crenças e de adaptação do homem a determinadosambientes. Neste sentido, a etnobiologia relaciona-se com a ecologiahumana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos uti lizadospelos povos em estudo. [...] Uma vez descobertas as categoriasindígenas definidoras dos fenômenos naturais, os especialistas nosdiversos campos científ icos podem dar início à coleta de dadosreferentes às suas especialidades, tais como: à etnoentomologia,etnobotânica, etnofarmacologia, etnopedologia, etnogeologia,etnoapicultura, etc”.

Posey(1986)

Etnoedafologia “Este ramo das etnociências estuda a percepção camponesa daspropriedades e processos no solo, sua nomenclatura e taxonomia, suarelação com outros fatores e fenômenos ecológicos, assim como seumanejo na agricultura e seu aproveitamento em outras atividadesprodutivas. Analisa também sua correspondência com aquilo que seconsidera ‘verdadeiramente científico’ no mundo ocidental”.

BarreraBassols(1988)

Etnobiologia eetnopedologia

“Etnopedologia [...] é o campo da etnobiologia que se volta maisespecificamente para o conhecimento adquirido por determinadosgrupos humanos, no que se refere ao uso do solo e suas relaçõescom as alterações do ambiente”.

Oliveira(1988)

Etnopedologia “Análises emicistas sistemáticas de solos”. Hecht &Posey(1989)

Etnobiologia “... estudo, no sentido mais amplo possível, do conjunto complexo derelações de plantas e animais com sociedades humanas passadas epresentes”.

Berlin(1992)

Continua...

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A denominação “etnoedafologia” foi apresentada por Barrera Bassols(1988), significando “conhecimento camponês dos solos”. Numa definiçãomais ampla, o mesmo autor relacionou esse conhecimento com aspectosprodutivos (manejo) e com o que se considerava “científico” (Quadro 1).

Quadro 1. Cont.

Termos Definições e comentários Autores

Etnobiologia “A etnobiologia pode ser definida como um campo interdisciplinardedicado à interação entre os seres humanos e seu ambiente vegetal,animal e fúngico. Embora os estudos etnobiológicos sejamsupostamente restritos ao conhecimento, classificação, uso e manejodos seres vivos (plantas, animais e fungos), isto não tem impedidoque muitos etnobiólogos transgridam seus próprios limites, realizandopesquisas para além da biologia. São notáveis, nesse aspecto, asmudanças de enfoque de alguns etnobiólogos, que têm praticado umaespécie de etnoecologia disfarçada ou secreta, dentro do âmbito daetnobiologia, e a publicação de artigos no ‘Journal of Ethnobiology’que não se limitam precisamente ao universo biótico. Esse é o casoda etnobotânica J. Alcorn e do etnozoólogo D. Posey”.

Toledo(1992)

Etnoecologia “... o estudo das interações entre a humanidade e o resto da ecosfera,através da busca da compreensão dos sentimentos, comportamentos,conhecimentos e crenças a respeito da natureza, característicos deuma espécie biológica (Homo sapiens) altamente polimórfica,fenotipicamente plástica e ontogeneticamente dinâmica, cujas novaspropriedades emergentes geram-lhe múltiplas descontinuidades com oresto da natureza. Sua ênfase, pois, deve ser na diversidadebiocultural e o seu objetivo principal a integração entre oconhecimento ecológico tradicional e o conhecimento ecológicocientífico”.

Marques(1995)

Etnoecologia “um enfoque interdisciplinar que estuda as formas pelas quais osgrupos humanos vêem a natureza, através de um conjunto deconhecimentos e crenças; e como os humanos, a partir de seuimaginário, usam e, ou, manejam os recursos naturais”.

Toledo(2000)

Etnoecologia “...o campo de pesquisa (científica) transdisciplinar que estuda ospensamentos (conhecimentos e crenças), sentimentos ecomportamentos que intermediam as interações entre as populaçõeshumanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemasque as incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes”.

Marques(2001)

Etnopedologiae etnoecologia

“Etnopedologia é uma parte da etnoecologia, o estudo do saberambiental indígena (Toledo, 1992, 2000). Ela é uma disciplina híbrida,estruturada a partir da combinação de ciências naturais e sociais, taiscomo ciência do solo e levantamento geopedológico, antropologiasocial, geografia rural, agronomia e agroecologia. [...] Idealmente, aetnopedologia engloba todos os sistemas empíricos de conhecimentodo solo e das terras por populações rurais, desde as mais tradicionaisàs modernas. Ela analisa o papel do solo e das terras no processo demanejo de recursos naturais, como parte de uma racionalidadeeconômica e ecológica”.

BarreraBassols &

Zinck(2003a)

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Essa tendência de enfatizar os aspectos cognitivos também ocorre com aetnopedologia, por vezes resumida como “conhecimento indígena sobresolos” (Pawluk, 1992; Toledo, 2000), ou “conhecimento das populações locaissobre solos” (Barrera Bassols & Zinck, 2000, 2003a). A denominação“etnoedafología” é mais usada em textos escritos em língua espanhola,enquanto nos de língua inglesa predomina o uso de “ethnopedology”.

A etnoedafologia definida por Barrera Bassols (1988) guardasemelhanças com a etnopedologia de Williams & Ortiz Solorio (1981),inclusive no que se refere ao uso agrícola e não-agrícola dos solos. Contudo,referências à utilização do solo para fins não-agrícolas são raras na literaturaetnopedológica, embora haja um reconhecimento geral de que oscamponeses e indígenas também usam solos para fins artesanais (Arnold,1971, 1993; Alves et al., 2003), alimentares/medicinais (Browman &Gundersen, 1993) e em rituais mágico-religiosos (Ollier et al., 1971). Essaênfase em questões agrícolas tem levado a uma descrição mais detalhadado conhecimento local sobre a camada arável, embora haja evidências deque o conhecimento pedológico dos camponeses e indígenas não serestringe à superfície do solo (Ollier et al., 1971; Queiroz & Norton, 1992;Sandor & Furbee, 1996; Barrera Bassols & Zinck, 2003b; Alves, 2004).

Objetiva-se aqui detectar algumas características comuns aos estudosetnopedológicos, bem como situar a etnopedologia no âmbito da etnociência,especialmente da etnoecologia e enfoques correlatos. Discute-se também aeventual configuração da etnopedologia como “uma nova disciplina”,tomando como base o seu desenvolvimento histórico no mundo e no Brasil.

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A chamada “nova etnografia”, “etnociência” ou, ainda, “etnografia semântica”surgiu a partir de meados do século XX, propondo uma nova abordagemantropológica, por meio da qual as culturas deixassem de ser vistas comoconjuntos de artefatos e comportamentos e passassem a ser consideradascomo sistemas de conhecimentos ou de aptidões mentais, como reveladospelas estruturas lingüísticas. Os etnocientistas consideravam o saber comoum conjunto de aptidões possíveis de ser transmitidas entre pessoas epretendiam descobrir os princípios que organizavam as culturas e determinaraté que ponto eles seriam universais. Dentre seus principais expoentesdestacam-se Conklin (1954a,b), Frake (1962, 1964) e Sturtevant (1964).

Conforme resumiu Sturtevant (1964), o prefixo “etno-” adquiriu, com aetnociência, um sentido diferente, passando a referir-se ao “sistema de

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conhecimento e cognição característico de uma determinada cultura”. Paraele, “uma cultura congrega todas as classificações populares característicasde uma sociedade, ou seja, toda a etnociência daquela sociedade, seusmodos particulares de classificar seu universo material e social”.Exemplificando a visão dos etnocientistas de seu tempo, considerou que“etno-história é a concepção compartilhada por membros de uma dadacultura sobre eventos passados, ao invés (como seria mais comum) de sera história (em nossos termos) de ‘grupos étnicos’; etnobotânica é umaconcepção cultural específica sobre o mundo vegetal, ao invés (comotambém seria mais comum) de ser uma descrição e usos das plantasorganizada com base na nossa própria taxonomia binominal”. Nessesentido, pode-se falar em “etnociências” (agora no plural), em referência aessas abordagens mais específicas, como etnobotânica, etnozoologia, etc.

A etnociência perdeu importância relativa a partir do final dos anos 1960,criticada por antropólogos materialistas (Harris, 1968) e interpretativistas(Geertz, 1973). Inicialmente, a maioria das pesquisas etnocientíficasconsistiu em estudos semânticos sobre determinados domínios doconhecimento, predominantemente as terminologias de parentesco, deseres vivos e das cores. Esses dois últimos campos continuam a gerarestudos recentes, embora haja críticos que rejeitem as etnotaxonomiaspor as considerarem estáticas (Murray, 1982; Brown, 1999).

A partir de meados dos anos 1980, a etnociência tomou outro impulso, comvários autores propondo adaptações, aplicações e implicações, comoRibeiro (1986), Posey & Overall (1990), Toledo (1991; 1992), Warren et al.(1995), Marques (1995; 2001), Nazarea (1999) e Berkes (1999). Embora aetnociência tenha perdido apoio enquanto teoria da cultura e, ou, doconhecimento, seus métodos clássicos (ou adaptações deles) continuamfornecendo modelos e representações formalmente testáveis de algunsdomínios do conhecimento e do comportamento humano. Assim, o arcabouçometodológico etnocientífico continua inspirando pesquisas e intervençõesrelacionadas às interfaces da antropologia com as ciências da natureza, bemcomo às ligações entre diversidade biológica e cultural (Furbee, 1989, 2002).Uma das abordagens possíveis dentro desse contexto é a etnopedologia.

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Por ser a etnopedologia um campo epistemológico “híbrido”, é previsívelque haja entropia na definição e na comunicação de seus conceitos emétodos. Assim, usam-se diversas expressões do tipo etno + ciência para

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denominar estudos que abordam, com maior ou menor profundidade eabrangência, as relações da espécie humana com os solos e as terras.Além da própria etnopedologia (Williams & Ortiz Solorio, 1981; Tabor, 1992)e etnoedafologia (Barrera Bassols, 1988; Licona Vargas et al., 1992),encontram-se: etnoecologia (Conklin, 1954a, b; Johnson, 1974), etnobiologia(Posey, 1986), etnoagronomia (Moran, 1981), ecologia humana (Schaeffer& Eden, 1995), etnomineralogia (Arnold, 1971), etno-história (Williams, 1975)e etnoarqueologia (Wilshusen & Stone, 1990). Reconhecendo a validade elimitação de cada enfoque, usa-se aqui preferencialmente o termo“etnopedologia”, no sentido de designar o conjunto de abordagensinterdisciplinares desenvolvidas ao longo da história (e não somente apóso surgimento da “etnociência clássica” nos EUA) dedicadas a estudar asinterfaces entre os solos, a espécie humana e os outros componentes dosecossistemas.

Expressões do tipo etno + ciência são às vezes substituídas ouacompanhadas, na l i teratura, por expressões que qualif icam osconhecimentos (entre outros aspectos) característicos das populaçõespesquisadas, como: local, indígena(4), tribal, popular, do povo, “folk” (quetambém se usa sem tradução no Brasil), autóctone, tradicional, vernáculo,prático, coletivo, situado, camponês, informal, nativo, rural, cotidiano,culturalmente específico, étnico, oral, comunitário, endógeno, sustentável,comum, saber-fazer, entre outros.

Os termos “ciência” e “científico” podem não ser completamenteadequados para caracterizar o saber acadêmico e diferenciá-lo de outrossaberes. De fato, a discussão sobre o que é “ciência” estava presente nosprimórdios da etnociência, quando Sturtevant (1964) alertou para algumasimplicações “pejorativas” e “indesejáveis”:

“O termo ‘etnociência’ é inadequado por duas razões – primeiro porqueele sugere que outros tipos de etnografia ‘não’ são ciência, e segundoporque ele sugere que as classificações populares ‘são’ ciência(Spaulding, 1963). Embora o termo possa ter sido escolhidoparcialmente por causa da primeira razão, seria politicamente incorretoinsistir nisso [...]. Para abordar propriamente a segunda razão, énecessário discutir sobre a definição e a filosofia da ciência. Talvez

(4) A expressão inglesa “indigenous” (e.g.: “indigenous knowledge”, “indigenous soilknowledge”, “indigenous knowledge about soils”) aparece muito comumente na literatu-ra etnocientífica, significando aproximadamente “autóctone”, não somente em referên-cia a populações “tribais”.

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seja suficiente enfatizar que o significado mais apropriado para ‘ciência’aqui (mas não em outros contextos) seja essencialmente‘classificação’”.(5)

Diversos autores consideram que populações iletradas também usamprocedimentos científicos em sua experiência cotidiana com o meio natural:Williams (1975) escreveu artigo intitulado “Ciência Asteca do Solo” e explicouque “as populações pré-hispânicas no Vale do México desenvolveram umasofisticada tecnologia para explorar o seu ambiente físico. As suas obrasde engenharia e seus sistemas agrícolas sugerem uma compreensãosistemática do ambiente natural, e as coleções de plantas e animais quemantinham indicam uma curiosidade intelectual básica, que é ofundamento da investigação científica”. Por sua vez, Baraona (1987)considerou que “sem ciência, não é possível fazer a natureza produzir, sejacom a ciência dos camponeses ou a ciência que ensinam nas universidades,ou ainda formas que mesclam ambas” e resumiu “as características maissalientes da ciência camponesa: seu sistema mnemônico de registro, suadinâmica e seu caráter de aparato cognitivo voltado à sobrevivência”. Ainda,Hecht & Posey (1989) informaram: “pesquisas na última década têmdemonstrado a extraordinária complexidade da ciência Kayapó [...]. Essacomplexidade se reflete nas suas detalhadas taxonomias de insetos, peixese plantas, e na sua bem desenvolvida base agrícola”. Mais recentemente,Winkler Prins & Sandor (2003) consideram que “o saber pedológico local écomplexo, multifacetado e, freqüentemente, muito sutil em sua expressão.Envolve muitas experiências de tentativa-e-erro, mas também incluiprocessos científicos”.

Numa crítica severa, Agrawal (1995) afirmou que é difícil (e talvez inútil)tentar estabelecer uma diferenciação nítida entre o conhecimento “indígenaou tradicional” e o “científico ou ocidental”, alegando que ambos os tiposcompartilham características comuns, ao mesmo tempo em que apresentammuitas diferenças internas. Acrescentou o autor que faz mais sentido referir-se a múltiplos domínios e tipos de conhecimento, com diferentes lógicas eepistemologias. Outros autores (Zimmerer, 1994; Winkler Prins, 1999a)preferem considerar que “o conhecimento local se baseia e se reproduzpela experiência, diferentemente do científico, que se desenvolve porexperimentação controlada e se reproduz dentro de instituições formais”.Nesse sentido, Winkler Prins (1999a) afirmou:

(5) Aqui e no restante do texto, os grifos são dos autores, assim como os comentáriosentre colchetes.

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“Para que o saber pedológico local seja incluído em estratégias de manejosustentável, os pesquisadores devem admitir a existência de diferentesformas de conhecimento do solo. Dessa maneira, as futuras pesquisaspoderiam combinar conhecimento pedológico local e científico, de modoa subsidiar a formulação de políticas relacionadas ao manejo sustentáveldas terras. Os cientistas devem se engajar num diálogo com aspopulações locais e daí talvez possa emergir uma terceira forma deconhecimento, que represente uma integração de conhecimento local ecientífico e que sirva para informar a elaboração de políticas”.

Neste texto, usam-se preferencialmente os termos “local”(6), emreferência às populações pesquisadas em estudos etnopedológicos, e“formal” e “acadêmico”, para referir-se aos pesquisadores treinados eminstituições formais de ensino e pesquisa, por eles serem considerados maisadequados que outros, como “indígena”, “tradicional”, “científico” e “técnico”.Nesse sentido, o termo “pedológico” (e.g.: “saber pedológico local”) aplica-se aqui como “referente a solos” (e não apenas à ciência pedológicaacadêmica), pois o sufixo “-logo” vem do grego “lógos” (“que trata”)(7).

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Considera-se aqui que a etnopedologia é, atualmente, um dos possíveisfocos da abordagem etnoecológica, convergindo assim com Toledo (2000),que definiu etnoecologia (Quadro 1) e acrescentou que, “de acordo com aperspectiva etnoecológica, o saber indígena sobre solos (etnopedologia)deve ser analisado sob três pontos de vista: epistemológico, produtivoe cultural”. Estes pontos de vista correspondem a três domínios, que eledenominou, respectivamente, “corpus” (repertório de conhecimentos ousistema cognitivo), “praxis” (conjunto de práticas) e “kosmos” (sistemas decrenças ou cosmovisão).

(6) Considera-se aqui o termo “local” na mesma acepção sugerida por Winkler Prins (1999a)para “local soil knowledge”: conhecimento de propriedades e manejo do solo por pessoasvivendo num determinado ambiente por um determinado período de tempo”.(7) No dicionário “Aurélio” (http://www.uol.com.br/bibliot/), “-logo” consta como elementode composição que significa ‘palavra’, ‘tratado’, ‘estudo’, ‘ciência’; ‘que estuda’, ‘que tra-ta’. Capturado em junho de 2004.

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Tomando por base o complexo Kosmos-Corpus-Praxis de Toledo (2000),Barrera Bassols & Zinck (2000, 2003a) avaliaram que os estudosetnopedológicos desenvolvidos até então enfatizavam mais freqüentementeas questões comportamentais (“praxis”), com menor destaque para osconhecimentos (“corpus”) e menor ainda para a cosmovisão (“kosmos”)das populações em relação aos solos. Esses autores assumiram posiçãosemelhante à de Toledo (2000), afirmando que “etnopedologia é uma parteda etnoecologia” (Quadro 1).

Os aspectos enfatizados nos estudos etnopedológicos e etnoecológicosvariam consideravelmente, dependendo dos objetivos e da filiaçãoepistemológica dos autores. Comumente, tem-se dado mais ênfase àsdimensões comportamental (prática) e cognitiva (intelectual) do uso dossolos e demais recursos, mas alguns autores têm sugerido possíveisvariações em torno desse binômio, com a exploração de aspectoscosmológicos (Berkes, 1999; Toledo, 2000), emocionais (Marques, 1995,2001) e socioeconômicos (Winkler Prins, 1999a, 2001).

Uma análise geral das publicações sobre etnoecologia e abordagenscorrelatas mostra que ainda são escassos os trabalhos que relacionamaspectos culturais e ecológicos dos solos (etnopedologia),comparativamente ao que se tem publicado sobre plantas (etnobotânica) eanimais (etnozoologia) (Pawluk et al., 1992). Contudo, as primeiras obrasque se referiram explicitamente à ‘etnoecologia’ (Conklin, 1954a,b) jácontinham também uma abordagem etnopedológica.

Conklin (1954a,b) estudou com detalhe as relações dos Hanunóo dasFilipinas com as plantas e seu cultivo, tratando de forma secundária outrostemas, como os solos e os animais. Mesmo assim, seu trabalho demonstra,indiretamente, a proximidade entre etnoecologia e etnopedologia. Da suadiscussão etnopedológica, destaca-se o seguinte:

“Em face do uso agrícola e de outros aspectos práticos, os Hanunóodistinguem cuidadosamente certos tipos de solos; seis tipos básicos emais de 20 subtipos são prontamente identificados. Critérios comofriabilidade, pegajosidade, dureza (na estação seca), cor e textura sãodeterminantes” (Conklin, 1954b).

“Um estudo sobre classificação do solo entre os Hanunóo e suas idéiassobre aptidão dos solos para diversos cultivos – outras variáveispermanecendo constantes – produziu boas correlações com osresultados de análises químicas de amostras de solos” (Conklin, 1954a).

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O fato de Conklin (1954a,b) ter sido um dos pioneiros da etnoecologia eda própria etnociência clássica indica que ambas compar tilham,historicamente, métodos e objetivos, em uma espécie de sobreposiçãoepistemológica (Fowler, 1977). O recorte disciplinar no campo etnocientíficoé problemático e instigante, pois as diversas abordagens, comoetnobotânica, etnozoologia, etnoecologia, etnopedologia, etc., não sãonecessariamente excludentes entre si.

Apesar das contribuições decisivas surgidas a partir da etnociênciaclássica, muitos trabalhos de caráter etnopedológico foram elaboradosanteriormente, ou paralelamente, embora não adotassem o termo“etnopedologia” nem os métodos da etnociência clássica praticada nos EUA.Nesse sentido, Krasilnikov (1999) afirma que a tendência de considerar ostrabalhos de Williams & Ortiz Solorio (1981) e Conklin (1954a,b) como únicospioneiros da etnopedologia “não é inteiramente correta” e, ainda, que “aetnopedologia, considerada uma nova ciência pela maioria dos pedólogosde fora da Rússia, é mais antiga que a própria ciência do solo moderna,que possui enfoque pedogenético”. Para justificar sua opinião, Krasilnikov(1999) transcreveu esta avaliação feita no século XIX, pelo geólogo egeógrafo russo Vasili Dokuchaev(8), sobre os mapeamentos de solos entãodisponíveis na Rússia: “o mapeamento era realizado ora com base emdepoimentos das populações locais, ora com base em observações decampo que normalmente consideravam apenas a cor do solo”.

Vale salientar que, em 1876, Dokuchaev (considerado “pai da pedologiamoderna”) participou de uma comissão interdisciplinar que estudava ossolos “chernozem”. Foi nessa época que alguns termos populares eslavos,como “chernozem’, “solonetz” e “gley”, começaram a ser usados na literaturacientífica (Krasilnikov & Tabor, 2003). Dessa maneira, não é adequada aidéia de considerar a etnopedologia como “nova disciplina”.

Outra questão relevante é o caráter híbrido ou interdisciplinar dos estudosetnoecológicos e etnopedológicos. Nesse sentido, Marques (2001)manifestou a necessidade de “reconhecimento da etnoecologia como umcampo de cruzamento de saberes (no mínimo uma interdisciplina e nãouma disciplina a mais)”. A isso soma-se a existência de toda uma variedadede abordagens que se pode, num sentido amplo, consideraretnopedológicas, como salientaram Winkler Prins & Sandor (2003):

(8) Dokuchaev, V.V. Vantagens do estudo de nomes locais de solos russos. In: Coleção deTrabalhos Completos. Volume 7. Moscou, Academia de Ciências da URSS. 1953, p. 332-340.

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“Etnopedologia situa-se na interseção entre as ciências naturais, ciênciassociais e humanidades. Portanto, há métodos e epistemologias ‘híbridos’que se usam para visualizar e avaliar o manejo e o conhecimentopedológico locais. Não há um caminho único para se ‘fazer’etnopedologia. De fato, os métodos representam um desafio contínuo”.

Assim, pode-se dizer que a etnopedologia não deve ser “uma disciplina”no sentido estrito do termo, sendo mais provavelmente ou idealmente uma“interdisciplina” ou “disciplina híbrida”.

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O antropólogo e entomólogo Darrell Addison Posey foi um pioneiro daetnobiologia e etnoecologia no Brasil, a partir de suas pesquisas iniciadasem 1977 entre os índios Kayapó da aldeia Gorotire, no sul do Pará. Posey(1986) introduziu no Brasil o termo “etnopedologia”, considerando-a comosubsidiária da etnobiologia (Quadro 1).

Após ter contribuído em estudos de etnoentomologia (etnobiologia),Posey (1979) passou a atuar como um obstinado promotor do enfoqueetnoecológico e dos direitos de propriedade intelectual relacionados aomanejo de recursos por grupos indígenas e outras populações locais (Posey,1999). Uma definição proposta por Posey (1983) e Posey et al. (1984) paraetnoecologia enfatiza o estudo das “relações planta-animal-homem”(Quadro 1). Posteriormente, num artigo em co-autoria (Frecchione etal.,1989), a etnoecologia foi redefinida, substituindo a expressão “relaçõesplanta-animal-homem” por “relações solo-planta-animal-homem”.

Alguns dados preliminares de interesse etnopedológico foramapresentados por Posey (1979), indicando ser o sistema agrícola Kayapócapaz de evitar grandes perdas de nutrientes e matéria orgânica do soloao longo dos anos:

“Em 1977, levei amostras de solo de Gorotire para serem analisadaspela Embrapa em Belém, Pará. O resultado mostrou que o solo ao longodo Rio Fresco é relativamente fértil. O sistema de agricultura Kayapó éexcelente na manutenção de materiais orgânicos e inorgânicos no solo,tendo um mínimo de perda de nutrientes. Acredita-se que o solo éreciclado [sic] a cada 15 anos. Os dados, entretanto, indicam que operíodo em que a terra é deixada sem cultivo deve ser reduzido paradez anos, ou um pouco menos em certos tipos de solo, como o ‘pyka-tyk’ [solo preto]”.

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Uma abordagem mais direta e aprofundada da etnopedologia foipublicada por Hecht & Posey (1989), que apresentaram uma definição ereconheceram a escassez de pesquisas nesse campo: “pesquisadores emetnobiologia têm demonstrado que as populações iletradas possuem umconhecimento muito abrangente e cientificamente acurado a respeito deseus ambientes [...]. Análises emicistas sistemáticas de solos, ouetnopedologia, são extraordinariamente mal-representadas nos estudosde ciência indígena, o que é surpreendente, dado o papel central do solocomo recurso em sistemas de subsistência” (Quadro 1). Esses autoresanalisaram o manejo da fertilidade do solo pelos Kayapó de Gorotire para ocultivo agrícola em círculos concêntricos, destacando nesse sentido amanipulação do fogo e da cobertura morta, a adição direta de nutrientes eo controle do processo de sucessão ecológica secundária. Demonstraramdiferenças significativas entre as zonas (círculos) de cultivo, em termos defertilidade dos solos, e indicaram que o manejo dos gradientes de fertilidadedo solo é um dos componentes da lógica indígena subjacente ao sistemade cultivo em círculos concêntricos. Além disso, contestaram as hipótesesdeterministas segundo as quais a pobreza química dos solos explicaria asbaixas densidades populacionais (e outras características sociais) dosgrupos indígenas habitantes das terras altas da Amazônia pré-colombiana,opinião posteriormente compartilhada por Descola (1992).

Embora Darrell Posey defendesse, de modo geral, um enfoque integrador,as suas definições para etnoecologia, etnobiologia e etnopedologia dãoênfase maior ao conhecimento possuído pelas populações locais (indígenas,caboclos, etc.). Isso pode ser exemplificado em outra definição sua paraetnopedologia: “conhecimento das populações locais sobre solos e seumanejo” (Posey, 2000).

Outro autor que realizou estudos de interesse etnoecológico eetnopedológico na Amazônia na década de 1970 foi Emilio Moran. Na regiãode Altamira (Pará), Moran (1977) relatou as diferenças entre os antigos“caboclos” e os novos “colonos” provenientes do sul, no que tange aoconhecimento de solos, durante a implantação de assentamentos agrícolas,entre 1972 e 1974. Com base no conhecimento da floresta que tinhamadquirido em atividades de caça e coleta de látex, os “caboclos” escolheramáreas de “paus finos” (árvores de diâmetro relativamente pequeno) e “cipoal”(lianas). Já os colonos sulistas, fazendo extrapolações a partir doconhecimento que tinham de sua regiões de origem, preferiram áreas devegetação mais exuberante (“paus grossos”). Análises laboratoriaisdemonstraram que os solos das áreas escolhidas por “caboclos” tinham

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maiores teores de matéria orgânica, K e P, baixos teores de Al trocável emaior pH (mais próximo da neutralidade), em comparação às áreas escolhidaspor novos “colonos”, indicando assim a maior adequação dos “indicadoresagronômicos populares” usados pelos “caboclos”. Essa experiência foiposteriormente discutida por Moran (1981) sob a denominação de“Etnoagronomia: seleção de solos num ambiente florestal”. Aindacomentando a mesma situação, Moran (1990) sugeriu que, “para facilitar aligação entre as relações homem-ambiente, o ideal é testar umaetnoecologia da categoria ‘solos’ por meio de amostragem de solos”.

O primeiro brasileiro a publicar uma definição para “etnopedologia” pareceter sido Oliveira (1988), que se baseou em Posey (1986) para apresentar aetnopedologia como “campo da etnobiologia” (Quadro 1). Em suaabordagem etnopedológica, Oliveira (1988) utilizou “descrições de cronistase viajantes setecentistas [...] para matizar o modelo de exploração das terrasem diferentes ecossistemas brasileiros, enfatizando a contribuiçãoestrangeira no Brasil colonial e as possíveis heranças culturais, maisespecíficas à região do Baixo Açu, RN”. O autor realizou ainda umacaracterização de Neossolos Flúvicos em diferentes ambientes distinguidospor agricultores locais, introduzindo observações como “os halobiomasconstituem manchas, denominadas pelos agricultores de ‘salinas’”.

Considerando o desenvolvimento recente das etnociências e da ecologia,a inclusão da etnopedologia como campo da etnobiologia (Posey, 1986;Oliveira, 1988) é inadequada, sendo mais coerente associá-la à etnoecologia(Toledo, 2000; Barrera Bassols & Zinck, 2003a).(9)

Embora não tenha usado a denominação “etnopedologia” em seutrabalho, Johnson (1971, 1972) foi o primeiro autor que se baseouexplicitamente em teorias e métodos da etnociência clássica ao relatarpráticas e conhecimentos locais de uma população brasileira a respeito desolos. A partir de um trabalho de campo realizado em 1966-67 com“moradores” de uma fazenda no sertão do Ceará, esse autor detectou oitocategorias locais de “terras”: “roçado novo”, “capoeira”, “capoeira velha”,“campestre”, “coroa”, “rio”, “lagoa” e “salgada”. Naquele contexto, doiscritérios principais eram usados pelos camponeses para estabelecerdistinções: a fertilidade (“terras fracas” e “terras fortes”) e a capacidade de

(9) Nesse sentido, Odum (1988) ressaltou que, “embora a ecologia permaneça firmemen-te radicada na biologia, ela já ganhou a maioridade como disciplina integradora [...],que serve de ponte entre as ciências naturais e as ciências sociais”.

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retenção de umidade (“terras quentes” e “terras frias”). Observou aindauma “considerável” correspondência entre o conhecimento (dadoscognitivos) das “terras” e a sua utilização agrícola (dados comportamentais)pelos camponeses. Etnoecologia foi por ele definida como “um enfoquediferenciado dentro da ecologia humana, que lida com objetivos e métodosderivados da etnociência” (Johnson, 1974).

Ainda no Nordeste do Brasil, destaca-se o trabalho etnopedológicodesenvolvido no Vale do Acaraú (região semi-árida cearense), entre 1980e 1983, como parte de um levantamento sobre os sistemas de produçãoagropecuária na região (Queiroz, 1985; Queiroz et al., 1986; Queiroz &Norton, 1992). Análises estatísticas multivariadas, feitas a partir de dadosmorfológicos, evidenciaram agrupamentos de solos que coincidiram comcategorias de solos reconhecidas pelos agricultores entrevistados. Análisescomplementares demonstraram que esses agrupamentos diferiam entre siem relação a retenção de umidade e pH, de modo que a classificação localmostrava-se válida para diferenciar física e quimicamente os solos.Estabeleceu-se ainda uma correspondência entre as categorias locais eaquelas reconhecidas por outros autores em levantamentos formais naregião: “arisco” correspondia a Neossolos Litólicos, enquanto “barro delouça” correspondia a Planossolos, e “barro vermelho” a diversas categorias(principalmente Luvissolos) (Queiroz & Norton, 1992).

O primeiro trabalho publicado no Brasil cujo título se refere explicitamenteà “etnopedologia” foi realizado por Bandeira (1996), entre os Pankararé doRaso da Catarina, demonstrando que a categoria hierárquica mais inclusivana etnotaxonomia Pankararé denominava-se “terra”, a qual subdividia-seem outras caracterizadas por oposição recíproca (e.g.: “terras fracas”/“terrasfortes” e “terras de alto”/“terras de baixo”).

Marques (1995, 2001) foi o primeiro autor brasileiro a elaborar umarcabouço teórico geral e original no campo da etnoecologia. Na sua“etnoecologia abrangente”, alguns aspectos etnopedológicos foramabordados por meio do estudo da “conexão Homem-mineral”, sendo estauma das “conexões básicas” através das quais se daria a inserção humananos ecossistemas. Considerou ainda as seguintes conexões: Homem-vegetal, Homem-animal, Homem-homem e Homem-sobrenatural. Aetnoecologia foi por ele definida de diferentes maneiras ao longo do tempo(Quadro 1).

A “conexão Homem-mineral” de Marques (1995, 2001) inclui oscomponentes hidrológico, mineralógico, pedológico e geológico. Entretanto,

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seus estudos até o momento têm refletido com pouca intensidade essaconexão, enfocando com mais detalhe as conexões dos humanos entre si(Homem-homem) e com as outras espécies biológicas (Homem-animal eHomem-vegetal). Embora tenha pesquisado uma população que praticavapesca e, ou, agricultura (os “brejeiros” da Várzea da Marituba, no BaixoSão Francisco Alagoano), sua ênfase maior foi na pesca.

Descrevendo os “elos conexivos com o solo”, Marques (1995, 2001) destacouque “barro, pedras (os ‘xexos’), lama e areia constituem-se em elementosmanipuláveis pelo brejeiro maritubano. Do barro, fazem-se casas – as casasde taipa, antigamente com barro pintadas. Quanto aos ‘xexos’, eles sãoutilizados tanto para atividades relacionadas com a pesca quantomedicinalmente. Da lama, elemento conexivo outrora forte, há uma conexãoresidual para tingimentos e, com areia, além de utilizá-la em construções,o brejeiro atrai peixes”. Mostrou ainda que “o brejeiro categoriza a qualidadedo substrato pedológico/geológico com o qual mantém relações utilizáveis”e destacou as seguintes categorias locais de solos: “terra fraca”, “gran-da-terra-preta”, “terra de paú”, “lama-fufu”, “barro-bem-liguento” e “barro-vermelho”ou “toá”.

É característica da etnoecologia abrangente de Marques (1995, 2001) abusca de uma articulação entre as abordagens emicista e eticista(10),diferindo assim de outros autores (Posey, 1986; Hecht & Posey, 1989), emque predomina a visão emicista.

Vários outros estudos de interesse etnopedológico têm sido realizadosno Brasil após a introdução do termo “etnopedologia” por Williams & OrtizSolorio (1981), principalmente em tribos indígenas na Amazônia Legal(Descola, 1992; Cooper et al., 1995; Schaefer & Eden, 1995; Araújo et al.,2002), bem como entre camponeses na região Sudeste (Cardoso &Resende, 1996; Correia, 2005).

Embora se reconheça a importância das pesquisas etnopedológicasrealizadas a partir da década de 1970 no Brasil, não se pode desconsiderar

(10) Comparando essas abordagens, Harris (2000) salienta que a primeira constitui-sede descrições e interpretações que enfatizam o ponto de vista dos participantes, en-quanto nesta última enfatiza-se o ponto de vista dos observadores. Assim, os enunci-ados emicistas descrevem os sistemas sociais de pensamento e comportamento cujasdistinções, entidades ou fatos se constituem de contrastes e discriminações percebidospelos próprios participantes como similares ou diferentes, reais, representativos, signi-ficativos ou apropriados. Os enunciados eticistas, por sua parte, dependem de distin-ções consideradas apropriadas por uma comunidade de observadores com instrução ci-entífica formal. Em estudos etnopedológicos, os participantes podem ser camponeses eos observadores podem ser pedólogos com formação acadêmica.

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o caráter precursor de alguns trabalhos anteriores. Nesse sentido, Barros(1985)(11) salientou que “a inventiva popular criou uma grande variedade dedesignações para as terras e os terrenos, ora pela natureza dos mesmos,ora pela ocupação, ora ainda pelos acidentes”. A descrição feita por eleindica uma nomenclatura popular relacionada às “terras” e não somenteaos solos, tendência que se observa também em alguns estudosrecentemente realizados na Amazônia (Winkler Prins, 1999a,b, 2001).Apresentando as categorias locais de solos (e terras) no Ser tãoPernambucano, Barros (1985) informou:

“Os terrenos destinados à agricultura, geralmente de formação maisaluvional, são designados como ‘baixios’, ‘várzeas’ e ‘vazantes’. Nelesé que são lançados os roçados e culturas de cana, feijão, milho, arroz,palmatória, mandioca, batata, amendoim, cebola e mesmo fruteiras, nosabrejados. Os terrenos altos são chamados, comumente, ‘chapadas’,‘oiteiros’, ‘serrotes’, ‘tabuleiros’, ‘altos de pedra’, ‘altos de areia’, ‘barros’e ‘carqueijos’. Os úmidos, sobretudo nas encostas, são conhecidos como‘minações’. E as encostas, quando mais íngremes, têm geralmente onome de quebradas. [...] Os solos ruins e impróprios para agriculturarecebem a designação de ‘carrascos’ ou são referidos mais pela cor:‘terra branca’ em toda a região de Afogados da Ingazeira”.

Outro relato pioneiro sobre categorias locais de solos no Brasil foi obtidono Nordeste e está no livro “Solo e Água no Polígono das Secas” (Duque,2001), cuja primeira edição data de 1949, sendo, portanto, anterior aosurgimento oficial da etnociência e da etnoecologia(12) . Descrevendo ocontexto pedológico das “bacias de irrigação” na zona semi-árida nordestina,o autor informa que “os principais nomes dados aos tipos de solos pelostécnicos que fizeram os estudos de campo e também as denominaçõesdadas nos locais pelos habitantes são: aluvião, massapê, salão, tabuleiro,várzea e areiusco”. Oferece ainda uma descrição sumária de cada umdesses tipos de solo, baseando-se em aspectos genéticos, químicos efísicos. Sua descrição exemplifica uma situação comum na literatura deinteresse etnopedológico publicada na primeira metade do século XX: as

(11) Obra publicada originalmente em 1957 e apresentada como “um estudo pioneiro daecologia humana”.(12) O mesmo autor já se referira a algumas dessas categorias de solos num estudo ante-rior (Duque, 1987), originalmente publicado em 1935, sobre os solos encontrados num“posto agrícola” em Icó, Ceará: “o solo irrigável compõe na maior parte de aluvião fluvi-al, massapê, aluvião de encosta, ‘salão’ e residuários”. Fez também uma descrição su-mária desses solos, mesclando informações acadêmicas e locais indistintamente.

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categorias locais e acadêmicas são listadas e descritas conjuntamente, demodo que não se pode distinguir, em cada caso, a origem. Williams & OrtizSolorio (1981) observaram essa mesma indefinição em grande parte daliteratura referente às categorias de solos conhecidas por camponesesmeso-americanos.

Também no Sudeste do Brasil surgiu outra iniciativa pioneira na primeirametade do século XX, a partir de um “levantamento agrogeológico” realizadopelo Instituto Agronômico de Campinas (Setzer, 1941), que resultou naapresentação dos “principais tipos de solo do Estado de São Paulo” comrespectivos “nomes populares”(13) : “salmourão”, “massapé”, “terra claraarenosa”, “terra argilosa”, “terra arenosa” (“catanduva”), “terra silicosa”, “terraargilosa” (“sangue de tatu”), “terra calcária” (“terra clara rica”), “terra arenosa”(“arisca”, “areia vermelha”), “terra roxa de campo”, “terra roxa misturada”,“terra roxa legítima” (“encaroçada”, “apurada”), “terra vermelha arenosa”,“terra cinzenta arenosa”, “terra clara arenosa (“areia de praia”), “várzeasdrenadas (“barro claro ou cinzento”) e aluviões drenados (“terra baixaarenosa”).

Setzer (1941) apresentou os “nomes populares” de solos e sua sinonímia,mas não informou sobre os métodos que teria usado para chegar a essesnomes, nem sobre o contexto sociocultural em que se inseriam. Tambémnão esclareceu quanto ao aparente uso compartilhado desses nomes portécnicos e agricultores. Seu trabalho, assim como o de Duque (1987, 2001),data de uma época em que o desenvolvimento da pedologia acadêmica(conforme concebida hoje) era ainda recente, principalmente no Brasil. Opróprio Setzer (1941) considerou que “a ciência do solo, também chamada‘Pedologia’ ou ‘Edafologia’, é uma ciência moderna, cuja importância foiavaliada há meio século apenas”. Atualmente, o Sistema Brasileiro deClassificação de Solos já não contempla ou informa sobre nomes popularesdos solos (Embrapa, 1999)(14). Talvez haja oportunidade para isso quandoesse Sistema estiver mais desenvolvido, principalmente no sexto nívelcategórico (séries). Uma vez que as distinções de solos feitas peloscamponeses e indígenas se aplicam ao seu ambiente mais próximo, é

(13) Neste caso, os nomes que aparecem entre parênteses são sinônimos indicados porSetzer (1941). Esse autor dividiu as categorias “massapé” e “salmourão” em subtipos, deacordo com a rocha-mãe.(14) É digno de nota o registro de dezenas de nomes populares de materiais e tipos desolos no “Vocabulário de Ciência do Solo” editado pela Sociedade Brasileira de Ciênciado Solo (Curi et al., 1993).

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provável que o saber local seja válido como subsídio para o estabelecimentode séries de solos (Tabor, 1992).

Essa tendência de omitir denominações locais de solos parece indicaruma perda de informação cultural no desenvolvimento da pedologia formal.Nesse sentido, Krasilnikov & Tabor (2003) mostraram que os sistemastaxonômicos locais estão sendo substituídos pelos formais, especialmentenos países mais desenvolvidos, porque aqueles, quando existentes, sãoapenas localmente válidos e têm utilidade limitada, comparativamente aestes. No entanto, os autores argumentam que, apesar dessas limitações,as taxonomias locais podem ainda fornecer informações úteis paracompreensão da estrutura, do funcionamento e das alterações na paisagem,principalmente nos países em desenvolvimento, com poucos recursos parapesquisas. Anteriormente, Wilde (1953) já alertara para a importância dos“simples nomes populares” de solos:

“Os estudantes de pedogênese farão bem se buscarem novos horizontespara uma terminologia mais adequada. Eles devem descartar o confusocaleidoscópio verbal e voltar-se para os simples nomes populares quesão ocasionalmente encontrados em relatórios pedológicos. Solos comopatana no Ceilão, badob no Sudão, regur na Índia, muskeg na Américado Norte e smonitsa na Iugoslávia, são alguns exemplos de termosbreves e fonéticos, que possuem individualidade inerente, e carregam osabor da terra que os trouxe à existência”.

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Os diversos exemplos de estudos etnopedológicos realizados no Brasile em outros países mostram algumas tendências em comum, como:

1. Há uma grande escassez de trabalhos etnoecológicos relativos aosrecursos do meio físico, comparativamente ao que se tem publicado arespeito dos componentes bióticos dos ecossistemas (principalmente sobreplantas e animais). A etnopedologia ainda é menos desenvolvida que outroscampos associados à etnoecologia, como etnobotânica e etnozoologia(Pawluk et al., 1992).

2. Tem-se dado maior ênfase às questões práticas e cognitivas e poucaatenção às dimensões cosmológica (Barrera Bassols & Zinck, 2000, 2003a),político-social (Winkler Prins, 1999a) e emocional (Marques, 2001, 2002).

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3. Tem sido dado maior destaque às questões agrícolas e pouca atençãoa outras atividades praticadas pelas populações rurais. A ênfase emquestões agrícolas tem levado a uma descrição mais detalhada doconhecimento local sobre a camada arável, quando se sabe que oconhecimento pedológico dos camponeses não se restringe à superfíciedo solo (Queiroz & Norton, 1992; Sandor & Furbee, 1996; Alves et al., 2003;Alves, 2004).

Com base na literatura consultada, apresentam-se as seguintessugestões:

1. Considerando a variedade de abordagens, objetivos e métodosobservados nos estudos etnopedológicos, bem como a perspectiva dearticulação do conhecimento local com o acadêmico, e das ciências naturaiscom as ciências sociais e humanidades, é mais adequado considerar aetnopedologia como “campo de cruzamento de saberes” (Marques, 2001)do que como “uma disciplina” (Toledo, 1992).

2. A etnopedologia teve um desenvolvimento maior, em termosqualitativos e quantitativos, após a publicação do trabalho de Williams &Ortiz Solorio (1981), mas não é correto afirmar que seja uma “novadisciplina”, pois alguns trabalhos de interesse etnopedológico forampublicados (principalmente na Rússia, mas também em outros países,inclusive no Brasil) antes mesmo que a “etnociência clássica” surgisse nomeio antropológico dos EUA, nos anos 1950-60 (Krasilnikov, 1999).

3. O termo “etnopedologia” pode ser usado para designar o conjunto deabordagens interdisciplinares desenvolvidas ao longo da história (e nãosomente após o surgimento da “etnociência clássica” nos EUA), dedicadasa estudar as interfaces entre os solos, a espécie humana e os outroscomponentes dos ecossistemas. Desse modo, a etnopedologia caracteriza-se como um dos possíveis focos da abordagem etnoecológica.

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