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CENTRO UNIVERSITÁRIO LUTERANO DE MANAUS ANTONIA LUCIMAR DA SILVA ABREU ESTUPRO: TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO OU CUMULATIVO MANAUS-AM 2017

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CENTRO UNIVERSITÁRIO LUTERANO DE MANAUS

ANTONIA LUCIMAR DA SILVA ABREU

ESTUPRO: TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO OU CUMULATIVO

MANAUS-AM 2017

ANTONIA LUCIMAR DA SILVA ABREU

ESTUPRO: TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO OU CUMULATIVO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus. Orientador: Prof. Me. Rubens Alves da Silva

MANAUS-AM 2017

ANTONIA LUCIMAR DA SILVA ABREU

ESTUPRO: TIPO PENAL MISTO ALTERNATIVO OU CUMULATIVO

CENTRO UNIVERSITÁRIO LUTERANO DE MANAUS

Data da Aprovação ____/____/____

Banca Examinadora

________________________________

Prof: Orientador

Instituição

________________________________

Prof. (a)

Instituição

________________________________

Prof. (a)

Instituição

MANAUS-AM

2017

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por ser essencial em minha vida, autor do meu

destino, pois sem ele eu não teria forças para essa longa jornada, ao professor

RUBENS ALVES pela orientação, apoio e confiança.

A minha mãe LUCIA SILVA ao meu pai CARLOS ABREU pelo amor,

incentivo e apoio incondicional. Quero também agradecer meu ESPOSO meus

irmãos DELKMIRLEY; FRANCE JERFFESON que de forma especial e carinhosa me

deram força e coragem nos momentos de dificuldades.

E não deixando de agradecer de forma grandiosa minha filha JERLLINY

LUÍSE que embora não tendo conhecimento disto, mas iluminou de maneira

especial os meus pensamentos me levando a buscar mais conhecimentos e nunca

desistir.

RESUMO ANTONIA LUCIMAR DA SILVA ABREU. Estupro: Tipo Penal Misto Alternativo ou

Cumulativo. 2017. 44f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Centro

Universitário Luterano de Manaus. Manaus, 2017. O tema proposto foi: “Estupro: tipo penal misto alternativo ou cumulativo”. Um dos objetivos foi analisar as alterações promovidas pela Lei nº 12.015/2009, sobretudo no artigo 213, do Código Penal. Outro foi definir em qual teoria o artigo em comento coaduna melhor: tipo misto alternativo ou cumulativo. Mais um foi identificar qual teoria predomina na doutrina e jurisprudência. Justificou-se que a abordagem desse tema se baseava na controvérsia criada após a unificação dos antigos artigos 213 e 214, do Código Penal, surgindo o atual artigo 213, do mesmo Diploma Legal. Pois havia o concurso material entre ambos artigos antes da reforma e isso continuou a ser defendido por parte da doutrina e jurisprudência logo após essa inovação. No decorrer dos últimos anos a controvérsia continuou. Assim, em um delito tão grave e muito reprovado socialmente, era interessante buscar a resposta para essa questão. Foi aplicada a pesquisa exploratória e bibliográfica ao trabalho acadêmico. Como foi possível notar, mesmo em tempos remotos o estupro era punido de alguma forma, muitas vezes, até com mais severidade do que atualmente. Esse ato é tão nocivo a vítima que, no caso da mulher, se admite inclusive o aborto (legalizado), quando engravidar por meio desse crime. Em um momento recente o Brasil comportava o estupro no artigo 213 e o atentado violento ao pudor no artigo 214, ambos do CP. Estes tipos foram unificados com a Lei nº 12.015/2009. Gerando estranheza em parte da doutrina, ocasionando diversas controvérsias. A partir disso, o homem passou a ser também sujeito passivo e a mulher pode atuar como agressora. Estupro deixou de ser somente a conjunção carnal, já que outros atos não invasivos podem ensejar o crime em questão. Assim, um desses debates foi sobre a classificação do delito do atual artigo 213, do CP, como sendo um tipo misto alternativo ou cumulativo. Considerando o estupro como um tipo misto alternativo, o agente será condenado por um crime único, independentemente da quantidade de atos sexuais que tenha praticado com a mesma vítima, no mesmo local e em igual momento delitivo. Já se a teoria adotada fosse a cumulativa, este responderia, em concurso material, por todos os atos libidinoso cometidos com a vítima. Como foi possível perceber, a adoção de uma dessas teorias modificaria sobremaneira a sentença do réu e respectivamente o tempo de duração da pena aplicada pelo juiz. Entretanto, não se admite que casos praticamente iguais tenham condenações muito discrepantes, o que tornou imprescindível a unificação da jurisprudência acerca dessa questão. Dessa maneira, concluiu-se que, o Poder Judiciário cumpriu o seu papel de guardião da legislação, afastando teorias, muitas vezes, aparentemente justas e que buscam corrigir “erros” redacionais do legislador, mas que na prática trazem uma interpretação contrária à determinação normativa. Obviamente, não pareceu feliz a reforma feita em 2009, porém, quem deverá “corrigir” essa questão é o Poder Legislativo, pois o texto é claro ao utilizar o termo “ou”, o que demonstra o caráter alternativo do artigo 213, do CP, e não cumulativo como queriam alguns.

Palavras-chave: Estupro. Tipo penal misto alternativo. Tipo penal misto cumulativo.

ABSTRACT

ANTONIA LUCIMAR DA SILVA ABREU. Rape: Alternative Mixed Criminal Type or

Cumulative. 2017. 44f. Monograph (graduation) – Centro Universitário Luterano de

Manaus. Manaus, 2017.

The theme proposed was: “Rape: alternative mixed criminal type or cumulative”. One of the objectives was to analyze the changes introduced by Law No. 12,015/2009, particularly Article 213 of the Criminal Code. Another was set in which theory the article under discussion is consistent best: alternative mixed type or cumulative. Another was to identify which theory prevails in the doctrine and jurisprudence. It is appropriate to approach this issue is based on the controversy created after the unification of the former Articles 213 and 214 of the Criminal Code, resulting in the current Article 213 of the same Code. For there was the material competition between the two articles before retirement and it continued to be defended by the doctrine and jurisprudence after this innovation. Over the past years the controversy continued. So in an offense as serious and socially disapproved, it was interesting to look for the answer to this question. exploratory and literature to academic work research was applied. As can be noted, even in ancient times rape was punished in some way, often even more severely than at present. This act is so harmful to the victim, in the case of the woman, including permitting abortion (legal) when pregnant by this crime. In a recent time the Brazil acted rape in Article 213 and indecent assault in Article 214, both of CP. These types were unified with Law No. 12,015/2009. Generating strangeness of the doctrine, causing several controversies. From this, the man became also taxable person and the woman can act as an aggressor. Rape is no longer only the carnal knowledge, since other non-invasive acts may give rise to the crime in question. So, one of these discussions was on the classification of the offense of the current Article 213, the CP, as an alternative or cumulative mixed type. Considering rape as an alternative mixed type, the agent will be convicted of a single crime, regardless of the number of sexual acts that has practiced with the same victim at the same place and same time. But if the theory was adopted cumulative, this answer, material competition for all libidinous acts committed with the victim. As can see, the adoption of these theories very modify the defendant’s sentence and respectively the duration of the sentence imposed by the judge. However, it is admitted that nearly identical cases have very differing convictions, which made necessary the unification of jurisprudence on this issue. Thus, it was concluded that the judiciary fulfilled its role of guardian of the law, away theories often seem fair and that seek to correct “erros” redaction of the legislature, but in practice bring an interpretation contrary to the determination rules. Obviously did not look happy reform made in 2009, however, who should “fix” this issue is the legislative branch, since the text is clear by using the term “or”, which shows the alternative character of Article 213, CP and noncumulative as some wanted. Keywords: Rape. Mixed alternative criminal type. Criminal type mixed cumulative.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 8

2. DIREITO PENAL E OS CRIMES HEDIONDOS .................................................. 10

2.1 Breve histórico ........................................................................................ 10

2. 2 Os crimes previstos na Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) . 13

3. A FIGURA DO ESTUPRO ......................................................................... 20

3.1 Evolução na legislação brasileira ............................................................. 21

3.2 Definições e considerações ..................................................................... 23

3.3 As modificações feitas pela Lei nº 12.015/2009 ....................................... 25

4. ANÁLISE DO NOVO TIPO PENAL ...................................................................... 28

4.1 O estupro como tipo penal misto cumulativo ........................................... 28

4.2 O estupro como tipo penal misto alternativo ............................................ 30

4.3 Posição jurisprudencial ............................................................................ 32

4.3.1 Tribunais estaduais............................................................................... 33

4.3.2 Tribunais superiores ............................................................................. 35

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 38

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 41

8

INTRODUÇÃO

O tema proposto neste trabalho é: “Estupro: tipo penal misto alternativo ou

cumulativo”. Um dos objetivos é analisar as alterações promovidas pela Lei nº

12.015/2009, sobretudo no artigo 213, do Código Penal. Outra finalidade é definir em

qual teoria o artigo em comento coaduna melhor: tipo misto alternativo ou

cumulativo. Mas o fito é identificar qual teoria predomina na doutrina e

jurisprudência.

Justifica-se que a abordagem desse tema se baseia na controvérsia que foi

criada após a unificação dos antigos artigos 213 e 214, do Código Penal, que fez

surgir o atual artigo 213, do mesmo Diploma Legal.

Pois havia a ocorrência da aplicação de concurso material entre os crimes

dos dois artigos antes da reforma e essa possibilidade continuou a ser defendida por

parte da doutrina e jurisprudência logo após a inovação da unificação.

Entretanto, no decorrer dos últimos anos a controvérsia continuou acalorada,

pois as teorias supratranscritas passaram a ser defendidas, destacando-se que

ambas possuem influências diferentes na aplicação da sentença condenatória e

tempo de duração da pena.

Assim, em um delito tão grave e muito reprovado socialmente, é interessante

buscar a resposta para essa questão, já que é necessário visualizar se a

interpretação majoritária que está sendo feita atualmente coaduna com o

ordenamento jurídico e se a aplicação da pena está atendendo o fato concreto.

Será aplicada a pesquisa exploratória ao trabalho acadêmico com o objetivo

de proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais

explícito ou com o escopo de construir hipóteses.

Também utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica. Os exemplos mais

característicos dessa espécie são as investigações sobre ideologias ou aquelas que

se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema.

E, por último, a técnica indireta é a que será usada para a coleta dos dados

da futura pesquisa. Assim, serão utilizadas as fontes: a) bibliográficas; b)

documentais; c) matérias de sítios eletrônicos; d) revistas impressas e eletrônicas; e)

artigos científicos; f) normas jurídicas; g) jurisprudências; entre outras.

Assim, no Capítulo 1 haverá menção sobre o direito penal e os crimes

hediondos, em seguida um breve histórico e os crimes previstos na Lei nº

9

8.072/1990, conhecida como a Lei dos Crimes Hediondos.

No Capítulo 2 tratar-se-á sobre a figura do estupro e a sua evolução na

legislação brasileira, como também das definições e considerações sobre esse tipo

de crime. Ainda, serão feitas exposições das modificações feitas pela Lei nº

12.015/2009.

Por último, no Capítulo 3 terá uma análise do novo tipo penal, qual seja, o

atual artigo 213, do Código Penal. Por essa razão será obrigatório apresentar as

teorias conhecidas como “tipo penal misto cumulativo” e “tipo penal misto

alternativo”, relacionando-as com o delito de estupro.

Desse modo, precisar-se-á expor o posicionamento jurisprudencial brasileiro

sobre essa questão, tanto dos Tribunais estaduais como dos Tribunais Superiores. E

ao final serão feitas as ponderações derradeiras deste trabalho acadêmico.

10

2. O DIREITO PENAL E OS CRIMES HEDIONDOS

Neste Capítulo haverá menção sobre o histórico, mais precisamente, da

classificação dada a determinadas infrações penais como hediondas. E também dos

crimes que são considerados hediondos na legislação brasileira atualmente.

2.1 Breve histórico

O Direito Penal sempre buscou perpetrar a paz social. E a maneira buscada

para isso se concretizar é protegendo determinados bens jurídicos, importantes

tanto para a sociedade como para o indivíduo, como a vida, a integridade física,

patrimonial, sexual, etc.

Assim, nas décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por uma grande fase de

crimes como roubos, estupros, homicídios, extorsão mediante sequestro, tráfico e

consumo indevido de substâncias entorpecentes, etc. Como resposta a esta onda

de criminalidade o Estado criou algumas leis para tentar controlar essas situações

que assolavam o país (OCCHIENA, 2008).

Embora tenha havido a criação de leis para controlar o tráfico e uso indevido

de drogas ilícitas, como a Lei nº 5.726/1971, e posteriormente substituída pela Lei nº

6.368/1976, mesmo assim a população continuava cobrando reações mais severas

do Estado frente a criminalidade que aumentava gradualmente (OCCHIENA, 2008).

Em seguida, foi introduzido no inciso XLIII, no artigo 5º, da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, que diz:

Art. 5 [...]: [...];

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

[...] (BRASIL, 1988, on-line).

Em relação ao mandamento constitucional acima, João José Leal (1996, p.

14) expressa que:

Verifica -se que o Constituinte de 88 tomou a iniciativa de considerar a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo como uma espécie maior, imperativa e categórica de crime profundamente repugnante e, portanto, merecedora de uma reação punitiva especificamente mais severa (inafiançabilidade e insuscetibilidade de graça ou anistia). São crimes constitucionalmente hediondos. Ao mesmo tempo, a Carta magna facultou

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ao legislador ordinário a iniciativa de rotular outras infrações penais com a marca jurídica da hediondez absoluta e legalmente presumida.

Diversos projetos foram criados antes da Lei nº8.072/1990 ser aprovada. O

primeiro deles foi o Projeto de Lei nº 2.105/1989, em que se agravavam as penas de

roubo, sequestro e estupro. Depois veio o Projeto de Lei nº 2.154/1989

estabelecendo regras sobre o tráfico ilícito de entorpecentes, prevendo inclusive a

prisão preventiva obrigatória (OCCHIENA, 2008).

Também surgiu o Projeto de Lei nº 2.529/1989 que trazia como hediondos os

crimes de estupro, sequestro, genocídio, as violências praticadas contra menores

impúberes, os delitos executados com evidente perversidade e ainda o assalto com

homicídio ou periclitação da vida dos passageiros de quaisquer veículos de

transportes coletivos.

Em seguida igualmente houve o Projeto de Lei nº 3.875/1989 que fixava

penas entre 20 e 30 anos de reclusão, classificava como hediondos alguns crimes

previstos na legislação penal e além disso acrescentou aqueles que provocam

intensa repulsa.

Ainda, o Projeto nº 5.270/1990 aumentou a pena do crime de extorsão

mediante sequestro e o Projeto nº 5.281/1990 determinava o cumprimento da pena

desse crime, sendo integralmente em regime fechado, não sendo admitida nenhuma

maneira de progressão (OCCHIENA, 2008).

Por último, todos os projetos formaram o Projeto Substitutivo nº 5.405/1990,

que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e em seguida pelo Senado Federal,

transformando-se na Lei nº 8.072, em 25 de julho de 1990, sendo mais conhecida

como “Lei dos Crimes Hediondos - LCH”.

Leal (1996) dividiu os crimes hediondos em duas categorias: a) os que são

expressamente considerados por que a Lei Maior de 1988 assim determinou; b) e

aqueles que são definidos por lei comum, que é o caso da LCH, que trouxe um rol

taxativo, podendo ser alterado mediante processo legislativo ordinário. Alberto Silva

Franco (2000, p. 91-92) critica o modo como a CRFB/1988 usou a locução “crime

hediondo”.

O texto legal pecou, antes de mais nada, por sua definição a respeito da locução “crime hediondo”, contida na regra constitucional. Em vez de fornecer uma noção, tanto quanto explícita, do que entendia ser a hediondez do crime – o projeto de lei enviado ao Congresso Nacional sugeria uma definição a esse respeito -, o legislador preferiu adotar um

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sistema bem mais simples, ou seja, o de etiquetar, com a expressão “hediondo”, tipos já descritos no Código Penal ou em leis penais. Dessa forma, não é “hediondo” o delito que se mostre “repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto, horroroso, horrível”, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de execução, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer outro critério válido, mas sim aquele crime que, por um verdadeiro processo de colagem, foi rotulado como tal pelo legislador.

Ainda, inicialmente, não foi apenas a conceituação jurídica que foi um

problema na LCH, mas também a punição que ela usou com referência aos crimes

considerados hediondos, a não concessão de indulto e a proibição de progressão de

regime foram questões que deram pretexto a grandes discussões doutrinárias.

Franco (2000, p. 95) expressa que:

As deformidades detectadas na Lei 8.072/90 não se reduzem à mera questão classificatória. Os tipos que receberam a qualificação jurídica de “hediondo”, embora não tenham sofrido nenhuma mudança na sua composição descritiva, tiveram, em sua maioria, alterações em seu preceito sancionatório. [...]. Ao fazê-lo, a Lei 8.072/90 desconsiderou, por completo, a necessidade de que o sistema de cominação punitiva possuía uma coerência, uma lógica interna. A falta de um equilibrado balanceamento, na determinação legal das penas, possibilitou punições desproporcionadas, incoerentes, absurdas. Assim, a morte por homicídio qualificado, será punível, no mínimo, com doze anos de reclusão; no latrocínio no mínimo, com vinte anos de reclusão e na extorsão mediante seqüestro, no mínimo, com vinte e quatro anos de reclusão. Bastou que a agressão à vida tivesse uma conotação patrimonial, para que o mesmo fato (morte) provocasse conseqüências tão disformes.

Posteriormente, com a Lei nº 8.930, de 06 de setembro de 1994, foi

introduzido ao rol de crimes hediondos da LCH o homicídio simples quando

executado em atividade típica de grupo de extermínio e o qualificado; e se retirou o

crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou

medicinal, qualificado pela morte. Entretanto, para Franco (2000, p. 102):

A Lei 8.930, de 6 de setembro de 1994, foi o produto final da pressão dirigida ao Congresso nacional pelos meios de comunicação social, mas a inclusão do homicídio na lista dos crimes hediondos não serviu para nada: nem para alterar o desequilíbrio punitivo provocado pela Lei de Crimes Hediondos, já que não houve, em sua redação, nenhuma mudança da cominação penal, nem para reduzir as ações criminosas contra as quais o diploma legal foi preparado. Os linchamentos, as execuções sumárias e as chacinas, que aumentaram numa evidente progressão a cada ano, não tiveram nenhum enquadramento típico direto, resumindo-se a Lei 8.930/94 a incorporar no homicídio simples a circunstância fática de ter sido executado em atividade típica de grupo de extermínio, o que seria havido como crime hediondo e a etiquetar o homicídio qualificado, em todas as suas hipóteses, também como hediondo.

Além disso, em 20 de agosto de 1998, com a Lei nº 9.695, acrescentou-se a

13

Lei de Crimes Hediondos a infração penal descrita no artigo 273, do Código Penal

(falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou

medicinais).

Em 2009, com a Lei nº 12.015, o crime de estupro se tornou hediondo

também, bem como, o estupro de vulnerável. Destaca-se que outras alterações

foram feitas em seguidas incluindo nos delitos ao rol da Lei nº 8.072/1990.

2.2 Os crimes previstos na Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos)

Desde a sua vigência em 1990, o rol dos crimes hediondos vem sendo

ampliado pelo legislador pátrio, com o escopo de punir as condutas que mais

chocam a sociedade e também como resposta a violência existente e generalizada.

Eis o teor na íntegra dos artigos 1º e 2º, da Lei nº 8.072/1990:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984) I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII); (Redação dada pela Lei nº 13.142, de 2015) I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2º) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015) II - latrocínio (art. 157, § 3º, in fine); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994) III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994) IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994) V - estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º). (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994) VII-A – (VETADO) (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 1998) VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998). (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 1998) VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º). (Incluído pela Lei nº 12.978, de 2014)

14

Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado. (Parágrafo incluído pela Lei nº 8.930, de 1994) Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (Vide Súmula Vinculante) I - anistia, graça e indulto; II - fiança. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) 2º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007) 3º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de 2007)

4º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. (Incluído pela Lei nº 11.464, de 2007) (BRASIL, 1990, on-line).

O homicídio como delito hediondo é aquele praticado: a) mediante paga ou

promessa de recompensa ou por motivo torpe; b) por motivo fútil; c) com emprego

de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de

que possa resultar perigo comum; d) à traição, de emboscada, ou mediante

dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do

ofendido; e) e para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem

de outro crime (conforme incisos I, II, III, IV e V, do § 2º, do artigo 121, do CP). A

pena para esse tipo penal é de reclusão, de 12 a 30 anos (ZAGONEL, 2013).

Também é hediondo a lesão corporal dolosa de natureza gravíssima, a

sanção penal é de reclusão, de 02 a 08 anos (§ 2º, do artigo 129, do CP). E lesão

corporal seguida de morte, a pena será de reclusão, de 04 a 12 anos (§ 3º, do artigo

129, do CP).

E, ainda, quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos artigos

142 e 144, da Lei maior de 1988, integrantes do sistema prisional e da Força

Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em consequência dela,

ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em

razão dessa condição.

O latrocínio é um roubo qualificado quando da violência resultar a morte da

vítima (§ 3º, artigo 157, do CP). Assim, a violência física imposta pelo agente para

concretizar a subtração de coisa alheia móvel, ocasiona a morte da vítima

15

(FRANCO; LIRA; FÉLIX, 2011). A sanção penal para esse tipo penal é de reclusão,

de 20 a 30 anos, sem prejuízo de multa (ZAGONEL, 2013).

A extorsão como crime hediondo é quando se constrange alguém, mediante

violência ou grave ameaça, e com a finalidade de obter para si ou para outrem

indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma

coisa, tendo como resultado a morte da vítima. Nesse caso a pena é de reclusão, de

24 a 30 anos, segundo determina o § 2º, do artigo 158, do CP (ZAGONEL, 2013).

Sequestrar pessoa com o objetivo de obter, para si ou para outrem, qualquer

vantagem, como condição ou preço do resgate. A pena para esse tipo penal é de

reclusão, de 08 a 15 anos. Se o sequestro durar mais de 24 horas, se o sequestrado

for menor de 18 ou maior de 60 anos ou se o crime for praticado por bando ou

quadrilha, a pena é de reclusão, de 12 a 20 anos. Ainda, se do fato resultar lesão

corporal de natureza grave, a pena é de reclusão, de 16 a 24 anos. Se resultar a

morte, a pena é de reclusão, de 24 a 30 anos, de acordo com os §§ 1º, 2º, 3º e

caput do artigo 159, do CP (ZAGONEL, 2013).

Já com relação ao estupro de vulnerável se refere a conjunção carnal ou

praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos, a pena é de reclusão, de 08 a 15

anos (caput do artigo 217-A, do CP).

Ainda, incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com

alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o discernimento

necessário para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode

oferecer resistência (§ 1º, do artigo 217-A, do CP).

Ainda, se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave, a pena é de

reclusão, de 10 a 20 anos (§ 3º, do artigo 217-A, do CP). Por fim, se da conduta

resultar morte, a pena é de reclusão, de 12 a 30 anos, consoante dispõe o § 4º, do

artigo 217-A, do Código Penal (BRASIL, 1940, on-line).

A epidemia como crime hediondo é aquela causada dolosamente, por meio

da propagação de germes patogênicos, resultando a morte da vítima. A pena para

esse tipo penal é de reclusão, de 20 a 30 anos, segundo determina o § 1º, do artigo

267, do CP (ZAGONEL, 2013).

É crime hediondo falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado

a fins terapêuticos ou medicinais. A pena é de reclusão, de 10 a 15 anos, e multa

(caput do artigo 273, do CP). Nas mesmas penas incorre quem importa, vende,

expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou

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entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (§ 1º,

do artigo 273, do CP).

Incluem-se entre os produtos a que se refere o artigo 273, do CP, os

medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os

saneantes e os de uso em diagnóstico (§ 1º-A, do artigo 273, do CP) (BRASIL,

1940, on-line).

Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em

relação a produtos em qualquer das seguintes condições: a) sem registro, quando

exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; b) em desacordo com a

fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; c) sem as características de

identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; d) com redução de

seu valor terapêutico ou de sua atividade; e) de procedência ignorada; f) e

adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente (§

1º-B, do artigo 273, do CP).

É igualmente hediondo o favorecimento da prostituição ou de outra maneira

de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável. Esse tipo de

delito está expresso no artigo 218-B, do Código Penal. Eis a sua redação:

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá -la, impedir ou dificultar que a abandone: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) §1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) §2º Incorre nas mesmas penas: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 3º Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) (BRASIL, 1940, on-line).

Conforme o artigo 2º, do Decreto nº 30.822/1952 (que ratificou a Convenção

para prevenção e a repressão do crime de genocídio, ocorrida em 04 de setembro

de 1951), entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a

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intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou

religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade

física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a

condição de existência capaz de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d)

adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) e efetuar

a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo (ZEGONEL, 2013).

Outro crime considerado hediondo é o genocídio, que nada mais é que o

homicídio de pessoas determinado por diferenças étnicas, nacionais, raciais,

religiosas e políticas. Ou seja, o genocídio na prática é uma espécie de “limpeza

étnica”.

Destaca-se também que, o legislador, ao criar a LCH, equiparou (ou

assemelhou) aos crimes hediondos os delitos de: a) tortura; b) tráfico ilícito de

entorpecentes e drogas afins; c) e o de terrorismo; para atribuição de um tratamento

mais duro na esfera do processo e da execução penal. Em relação ao crime de

tortura, conforme dispõe o artigo 1º, da Lei nº 9.455/1997:

Art. 1º Constitui crime de tortura:

I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. §1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. §2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. §3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. §4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por agente público; II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) III - se o crime é cometido mediante seqüestro. §5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. §6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. §7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. (BRASIL, 1997, on-line).

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O crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins está previsto no

caput do artigo 33, e em seu § 1º, incisos I a III, da Lei nº 11.343/2006:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: (Vide ADI nº 4.274) Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

4º Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012) (BRASIL, 2006, on-line).

Ainda não existe no Brasil a tipificação do crime de terrorismo. O que se teve

ao longo dos anos, foram crimes tipificados contra o Estado e a Ordem Política e

Social. A Lei nº 7.170/1983 é a norma mais atual, na qual o legislador definiu os

crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabeleceu seu

processo e julgamento (ZAGONEL, 2013). Segundo Antônio Lopes Monteiro (2002,

p. 121):

Alguns elementos são destacados por todos os autores na busca de uma definição para o terrorismo: - a criação do terror. Consiste em criar na população um estado de alarme e de medo contínuo através da prática reiterada de atos, os quais, isoladamente, pouco significariam. - a violência. No chamado terrorismo clássico, os estragos causados pelos meios utilizados são elemento essencial. - o fim político do agir. Sempre, ou quase

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sempre, está presente o elemento político na atividade terrorista. - o requinte na organização e preparação das atividades, bem como o nível dos membros que dela participam são outras características sempre presentes no terrorismo.

Com referência ao crime de estupro, a Lei nº 12.015, de 07 de agosto de

2009, revogou o artigo 214, do CP, e alterou o artigo 213, do mesmo diploma. Desse

modo, o homem passou a ser também sujeito passivo deste delito e a mulher

passou a ser igualmente sujeito ativo. Destaca-se que, o atentado violento ao pudor

foi incorporado a este tipo penal (ZAGONEL, 2013).

O estupro praticado como crime hediondo é quando se constrange alguém,

mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir

que com ele se pratique outro ato libidinoso. A pena, nesse caso, é de reclusão, de

06 a 10 anos (caput do artigo 213, do CP).

Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave ou se a vítima for

menor de 18 ou maior de 14 anos, a pena é de reclusão, de 08 a 12 anos (§ 1º, do

artigo 213, do CP). Se da conduta resultar morte, a pena é de reclusão, de 12 a 30

anos, de acordo com o § 2º, do artigo 213, do CP.

Salienta-se que, durante anos se discutiu se o crime de estupro para ser

considerado hediondo deveria ser cometido mediante violência ou grave ameaça.

Essa controvérsia se findou em 02 de outubro de 2012, pois o Superior Tribunal de

Justiça (STJ) definiu, por unanimidade, que o crime de estupro é hediondo, ainda

que não haja a morte ou grave lesão a vítima. Segundo os ministros do STJ, a lei

penal aplicada tem a função de proteger a liberdade sexual, sendo desnecessária a

ameaça à vida ou à integridade física da vítima (ZAGONEL, 2013).

Frisa-se também que, essa não é a primeira vez que uma Corte superiora

afirma que o estupro é crime hediondo, já que, em 2001, o Supremo Tribunal

Federal (STF) já havia se manifestado nesse sentido, porém na época suas

decisões não eram vinculantes (que valem obrigatoriamente para todas as

instâncias). O STJ também já se posicionou anteriormente desse modo, entretanto,

apenas agora o tema teve a sua jurisprudência unificada.

Desse modo, no próximo capítulo haverá alusão acerca da figura do estupro.

20

3. A FIGURA DO ESTUPRO

O estupro, entre os crimes sexuais é tido como o mais grave. É um delito

previsto e punido em toda sociedade civilizada, desde os primórdios. Possivelmente

essa repulsa social é fomentada pelo prejuízo ocasionado a vítima, que podem

perdurar para o resto da vida dela, infelizmente até com sequelas permanentes,

tanto físicos como psicológicas.

Com o sistema patriarcal instalado, a parceria entre homens e mulheres foi

deixada de lado e cedeu lugar a uma sociedade machista, na qual a mulher era

considerada como mercadoria valiosa, sustentável e submetida a toda forma de

capricho e violência (SILVA, 2011).

Porquanto, na época, acreditavam que elas se restringiam somente à

reprodução e a sexualidade passiva. A dependência financeira delas parecia

justificar a aceitação de seus deveres conjugais e ao serviço sexual, mesmo não

consentido.

Todavia, a prática do estupro com o decorrer dos tempos passou a ser uma

prática inaceitável e reprimida de várias maneiras diferentes, conforme costumes,

etnia, origem de cada povo e épocas distintas.

Na legislação Hebraica, o quinto livro da Bíblia, Deuteronômio, previa pena de

morte para o homem que forçasse a mulher desposada (prometida em casamento) a

se casar com ele. Todavia, se a mulher fosse virgem e não desposada, o autor do

delito pagaria ao pai da vítima cinquenta ciclos de prata e ainda se casaria com a

mesma (TEIXEIRA, 2015).

O Código de Hamurabi, em seu artigo 130, havia a previsão que se fosse

violada mulher virgem, mesmo que morasse na casa paterna o homem seria morto e

a mulher ficaria livre. No Egito, a pena imposta era a castração. Já na Grécia, era

imposta pena de multa, entretanto, posteriormente modificou-se a legislação e a

pena passou a ser a de morte (SILVA, 2011).

No Império Romano, a pena imposta era o pagamento de metade dos bens,

quando a vítima era honesta ou pena de morte pela lex julia de via publica (Lei que

previa a pena capital para os delitos carnais). Importante esclarecer que a denominação

utilizada era stuprum, que se referia como crime de conjunção carnal ilícita com mulher

virgem ou viúva honesta, com emprego da violência (SILVA, 2011).

Expressa-se ainda que, na época da invasão dos bárbaros no Império

21

Romano do Ocidente a punição era diferente entre nobre e escravo. Em relação ao

primeiro a punição era a pena de multa e ao segundo a pena de morte (SILVA,

2011).

No direito canônico para a configuração do crime a mulher precisaria ser

virgem e a conduta teria que ser cometida com violência. Já na antiga legislação

inglesa o crime de estupro era punido com pena de morte. Posteriormente a pena foi

alterada para castração e vazamento dos olhos (SILVA, 2011).

Durante a Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no Século XVIII e se

expandindo pelo mundo no Século XIX, as mulheres se achavam em um período de

grande fraqueza. Este foi um período de grande assédio, com muitos casos de

estupro de operárias, perpetrados até mesmo pelos patrões e contramestres

(SILVA, 2011).

Nas guerras do Século XX o estupro continuou a ser praticado pelas tropas.

Na segunda guerra existem casos praticados tanto por soldados do eixo como pelos

aliados. No Século XXI as mulheres continuaram a serem violentadas, até mesmo

por seus maridos (SILVA, 2011).

3.1 Evolução na legislação brasileira

De início, destaca-se que o ordenamento jurídico brasileiro sempre em toda a

sua história considerou crimes as condutas atuais tipificadas no artigo 213, do

Código Penal (CP), artigo que define o delito de estupro. Entretanto, o termo

“estupro” era expressado de formas diferentes.

A antiga legislação penal chamada de “Ordenações Filipinas”, sancionada em

1595, previa que, aquele que praticasse estupro contra qualquer mulher receberia

pena de morte e também receberia a mesma pena a pessoa que de algum modo

tivesse participado (ajudando, prestando favor ou aconselhando) do delito. Para

aqueles que cometessem cópula anal era aplicada pena de morte pelo fogo (SILVA,

2011).

Na Lei de 16 de dezembro de 1830, denominado como “Código Criminal do

Império”, havia a previsão que determinava que, praticar cópula carnal mediante

violência ou ameaças, com qualquer mulher honesta, receberia pena de prisão de

03 a 12 anos e pagamento de um dote à ofendida. E caso a vítima do crime fosse

prostituta, a pena seria reduzida para 01 mês a 02 anos. Contudo, se o autor do

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delito se casasse com a vítima ficaria isento de pena (TEIXEIRA, 2015).

Embora as legislações anteriores preverem o crime de estupro, este apenas

foi denominado no Código Penal de 1890 que definiu tal crime como sendo o ato

pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, virgem ou não (TEIXEIRA,

2015).

Se a vítima fosse honesta, virgem ou não, a pena cominada para esse delito

seria de prisão celular por 01 a 06 anos. Contudo, se a vítima fosse mulher pública

ou prostituta a pena seria reduzida para 06 meses a 02 anos de prisão celular

(TEIXEIRA, 2015).

Já no Código Penal de 1940, o crime de estupro era definido como o ato de

constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça, com

pena reclusão de 06 a 10 anos. Assim, somente mulheres poderiam figurar no polo

passivo do crime e apenas homens, no polo ativo (TEIXEIRA, 2015).

Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (2010), a anterior denominação do Título VI,

“Dos crimes contra os costumes”, revelava a importância que o legislador de 1940

atribuía à tutela da moralidade sexual e do pudor público nos crimes sexuais em

geral, ao lado, e, às vezes, acima da proteção de outros bens jurídicos relevantes

como a integridade física e psíquica e a liberdade sexual.

O autor acima continua discorrendo que, é o que se verificava abertamente,

por exemplo, na previsão como causa extintiva de punibilidade o casamento da

ofendida com o autor do crime sexual, por se considerar este motivo de desonra

para a vítima e a união em matrimonio era uma maneira de se reparar o mal

ocasionado pelo delito, por meio da restauração do conceito que ela usufruía no

meio social (MIRABETE, 2010).

De acordo com Guilherme de Souza Nucci (2014), surgiu-se a necessidade

de adaptação das normas penais em virtude da evolução da sociedade em seu

modo de pensar e agir quanto a matéria sexual, e adaptar-se também às inovações

trazidas pela Constituição da República Federativa de 1988.

Dessa maneira, a Lei nº 12.015/2009 provocou uma alteração da

nomenclatura do Título VI da Parte Especial do Código Penal, abandonando a visão

tradicional “Dos costumes” e trazendo uma nova denominação, “Dos crimes contra a

dignidade sexual”, bem jurídico tutelado no inciso III, do artigo 1 º, da CRFB/1988

(NUCCI, 2014).

Destarte, a Norma em comento trouxe ao direito positivo brasileiro uma nova

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definição ao termo “estupro”, que agora aduz, havendo a conjunção carnal violenta

contra homem ou mulher e também o comportamento de obrigar a vítima (homem

ou mulher), a praticar ou permitir que com o agente se pratique outro ato libidinoso

(CUNHA, 2013).

3.2 Definições e considerações

Guilherme de Souza Nucci (2009) conceitua o crime de estupro como o ato

de constranger (tolher a liberdade, forçar ou coagir) alguém (pessoa humana),

mediante o emprego de violência ou grave ameaça, à conjunção carnal (cópula

entre pênis e vagina) ou à prática (forma comissiva) de outro ato libidinoso (qualquer

contato que propicie a satisfação do prazer sexual, como por exemplo, o sexo oral

ou anal, ou o beijo lascivo), bem como a permitir que com ela se pratique (forma

passiva) outro ato libidinoso.

Já Rogério Sanches Cunha (2013) expressa que o crime de estupro é delito

bicomum, qualquer pessoa, homem ou mulher, pode figurar como sujeito passivo ou

ativo do delito. Pune-se a prática de conjunção carnal ou atos libidinosos

acompanhados de física ou moral. O meio de execução do crime é a violência

(emprego de força física capaz de impedir a vítima de reagir) e grave ameaça

(violência moral, direta, justa ou injusta).

O doutrinador supratranscrito alude que nem sempre se faz necessário

contato físico entre o autor e vítima, pratica o crime aquele que para a sua lascívia

ordena que a vítima explore o seu corpo (masturbando-se) apenas para

contemplação (CUNHA, 2013). Rogério Greco (2015, p. 468-469) aduz que:

Quando a conduta for dirigida à conjunção carnal, o crime será de mão própria no que diz respeito ao sujeito ativo, seja ele um homem ou mesmo uma mulher, pois que exige uma atuação pessoal do agente, e próprio com relação ao sujeito passivo, que poderá ser também tanto um homem quanto uma mulher, uma vez que a conjunção carnal pressupõe uma relação heterossexual. Quando o comportamento for dirigido a praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso estaremos diante de um crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso;

comissivo (podendo ser praticado via omissão imprópria, na hipótese de o agente gozar do status de garantidor); material; de dano; instantâneo; de forma vinculada, quando a conduta for dirigida à prática da conjunção carnal, e de forma livre, quando o comportamento disser respeito ao cometimento de outros atos libidinosos; monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte (dependendo da forma como é praticado, o crime poderá

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deixar vestígios, a exemplo do coito vagínico ou do sexo anal; caso contrário, será difícil sua constatação por meio de perícia, oportunidade em que deverá ser considerado um delito transeunte).

Mais uma vez, Nucci (2009) explana que o elemento subjetivo é o dolo. A

infração penal se consuma com a introdução, ainda que incompleta, do pênis na

vagina e com a prática de qualquer ato libidinoso e é admissível tentativa. Em

relação a consumação e a tentativa do estupro, Greco (2015, p. 470) alude que:

Quando a conduta do agente for dirigida finalisticamente a ter conjunção carnal com a vítima, o delito de estupro se consuma com a efetiva penetração do pênis do homem na vagina da mulher, não importando se total ou parcial, não havendo, inclusive, necessidade de ejaculação. Quanto à segunda parte do art. 213 do estatuto repressivo, consuma-se o estupro no momento em que o agente, depois da prática do constrangimento levado a efeito mediante violência ou grave ameaça, obriga a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Assim, no momento em que o agente, por exemplo, valendo-se do emprego de ameaça, faz com que a vítima toque em si mesma, com o fim de masturbar-se, ou no próprio agente ou em terceira pessoa, nesse instante estará consumado o delito. Na segunda hipótese, a consumação ocorrerá quando o agente ou terceira pessoa vier a atuar sobre o corpo da vítima, tocando-a em suas partes consideradas pudendas (seios, nádegas, pernas, vagina [desde que não haja penetração, que se configuraria na primeira parte do tipo penal], pênis etc.).

Tratando-se de crime plurissubsistente, torna-se perfeitamente possível o raciocínio correspondente à tentativa. Dessa forma, o agente pode ter sido interrompido, por exemplo, quando, logo depois de retirar as roupas da vítima, preparava-se para a penetração. Se os atos que antecederam ao início da penetração vagínica não consumada forem considerados normais à prática do ato final, a exemplo do agente que passa as mãos nos seios da vítima ao rasgar-lhe vestido ou, mesmo, quando lhe esfrega o pênis na coxa buscando a penetração, tais atos deverão ser considerados antecedentes naturais ao delito de estupro, cuja finalidade era a conjunção carnal.

Greco (2015, p. 471-472) também expressa sobre a modalidade comissiva e

igualmente acerca da omissiva do estupro. Nas palavras do autor:

O núcleo constranger pressupõe um comportamento positivo por parte do agente, tratando-se, pois, como regra, de crime comissivo.

No entanto, o delito poderá ser praticado via omissão imprópria, na hipótese de o agente gozar do status de garantidor, nos termos preconizados pelo § 2º do art. 13 do Código Penal. Imagine-se a hipótese em que um carcereiro (ou agente penitenciário), encarregado legalmente de vigiar os detentos em determinada penitenciária, durante sua ronda, tivesse percebido que um grupo de presos estava segurando um de seus “companheiros de cela” para obrigá-lo ao coito anal, uma vez que havia sido preso por ter estuprado a própria filha, sendo essa a reação “normal” do sistema carcerário a esse tipo de situação. Mesmo sabendo que os presos iriam violentar aquele que ali tinha sido colocado sob a custódia do Estado, o garantidor, dolosamente, podendo, nada faz para livrá-lo das mãos dos seus agressores, que acabam por consumar o ato libidinoso, forçando-o ao coito anal.

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Nesse caso, deverá o carcereiro responder pelo resultado que devia e podia, mas não tentou evitar, vale dizer, o estupro por omissão.

E que o crime será qualificado quando da conduta do agente resultar lesão

corporal de natureza grave, nesse caso, a pena aplicada será de reclusão, de 08 a

12 anos. Se a conduta do agente resultar em morte da vítima, a pena é de reclusão,

de 12 a 30 anos. O crime será qualificado também se for cometido contra vítima

menor de 18 ou maior de 14 anos (NUCCI, 2009).

3.3 As modificações feitas pela Lei nº 12.015/2009

Mirabete (2010) expressa que, com a Lei nº 12.015/2009 foi dada uma nova

redação ao crime de estupro, modificando dois tipos penais previstos na redação

original do Código Penal, o de estupro que era definido como o constrangimento da

mulher à conjunção carnal e o de atentado violento ao pudor que punia o

constrangimento de alguém à pratica de ato libidinoso, unificando esses dois tipos

penais em somente um. Greco (2010, p. 465-466) expressa que:

A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, caminhando de acordo com as reivindicações doutrinárias, unificou, no art. 213 do Código Penal, as figuras do estupro e do atentado violento ao pudor, evitando, dessa forma, inúmeras controvérsias relativas a esses tipos penais, a exemplo do que ocorria com relação à possibilidade de continuidade delitiva, uma vez que a jurisprudência de nossos Tribunais, principalmente os Superiores, não era segura. A nova lei optou pela rubrica estupro, que diz respeito ao fato de ter o agente constrangido alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Ao que parece, o legislador se rendeu ao fato de que a mídia, bem como a população em geral, usualmente denominava de "estupro" o que, na vigência da legislação anterior, seria concebido por atentado violento ao pudor, a exemplo do fato de um homem ser violentado sexualmente. Agora, como veremos mais adiante, não importa se o sujeito passivo é do sexo feminino, ou mesmo do sexo masculino, que, se houver o constrangimento com a finalidade prevista no tipo penal do art. 213 do diploma repressivo, estaremos diante do crime de estupro. Em alguns países da Europa, tal como ocorre na Espanha, esse delito é chamado de abuso sexual. Analisando a nova redação dada ao caput do art. 213 do Código Penal, podemos destacar os seguintes elementos: a) o constrangimento, levado a efeito mediante o emprego de violência ou grave ameaça; b) que pode ser dirigido a qualquer pessoa, seja do sexo feminino ou masculino; c) para que tenha conjunção carnal; d) ou, ainda, para fazer com que a vítima pratique ou permita que com ela se pratique qualquer ato libidinoso.

Assim, é importante trazer a definição do crime de estupro apresentada pela

legislação penal atual, no artigo 213, do CP:

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Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 2º Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) (BRASIL, 1940, on-line).

A primeira conduta descrita no tipo penal é a do constrangimento à conjunção

carnal. Conjunção carnal, para o dispositivo em tela é a cópula vagínica, completa

ou incompleta entre homem e mulher, penetração do membro viril no órgão sexual

da mulher, com ou sem o fito de procriação (MIRABETE, 2010).

Já a segunda conduta descrita fala em constranger a vítima a praticar ou

permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Ato libidinoso é definido como

todo ato lascivo, voluptuoso, dissoluto, proposto ao desafogo da concupiscência.

Sendo ainda considerado ato libidinoso, o beijo aplicado de modo lascivo ou com

escopo erótico (MIRABETE, 2010). Greco (2015, p. 470) explica essas duas

condutas apresentadas por Mirabete fazendo alusão aos sujeitos do crime de

estupro, ipsis litteris:

A expressão conjunção carnal tem o significado de união, de encontro do pênis do homem com a vagina da mulher, ou vice-versa. Assim, sujeito ativo no estupro, quando a finalidade for a conjunção carnal, poderá ser tanto o homem quanto a mulher. No entanto, nesse caso, o sujeito passivo, obrigatoriamente, deverá ser do sexo oposto, pressupondo uma relação heterossexual. No que diz respeito à prática de outro ato libidinoso, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, bem como sujeito passivo, tratando-se, nesse caso, de um delito comum.

Entretanto, é preciso ressaltar que, esses atos devem possuir alguma

relevância, já que, caso contrário, corre-se o risco de se punir o agente de modo

desproporcional com o seu comportamento, uma vez que a pena mínima cominada

ao delito de estupro é de 06 anos de reclusão (GRECO, 2015).

Sobre isso, Bitencourt (2010, p. 50) aduz que “passar as mãos nas coxas, nas

nádegas ou nos seios da vítima, ou mesmo um abraço forçado, configuram [...] a

contravenção penal do art. 61 da lei especial, quando praticados em lugar público ou

acessível ao público”. A norma explanada por Bitencourt é o Decreto-lei nº 3.688, de

03 de outubro de 1941, conhecida como “Lei das Contravenções Penais”.

27

Desse modo, com a Lei nº 12.015/2009, entende-se que o crime de estupro

passou a ser de conduta múltipla ou de conteúdo variado. Praticando o agente mais

de um núcleo, dentro do mesmo contexto fático, não desnatura a unidade do crime.

A mudança é benéfica para o acusado, devendo retroagir para alcançar os fatos

pretéritos (CUNHA, 2013).

A regra é que o crime em tela será de ação penal pública condicionada à

representação da vítima ou de seu sucessor, nos termos do artigo 225, do CP,

sendo o crime de ação pública incondicionada apenas quando for cometido contra

menor de 18 anos. Porém, em observância ao artigo 101, do CP e da Súmula 608,

do Supremo Tribunal Federal (STF), o crime de estupro será de ação pública

incondicionada (TEIXEIRA, 2015).

A seguir o teor do artigo em questão:

Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público” (BRASIL, 1940, on-line).

E eis o texto da referida Súmula do STF: “No crime de estupro, praticado

mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada” (SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL, 2016, on-line).

Destaca-se que há controvérsia acerca da eficácia da Súmula em tela, pois

existem estudiosos que afirmam que a mesma está revogada, outros discordam.

Porém, como este não é o cerne do tema deste trabalho, não haverá

aprofundamento sobre essa questão. No Capítulo a seguir será feita uma análise

sobre esse recente tipo penal.

28

4. ANÁLISE DO NOVO TIPO PENAL

Fazendo uma análise percebe-se que o artigo 213, do CP, prevê que o crime

de estupro pode ser praticado de três modos diferentes: a) constranger a vítima a ter

conjunção carnal; b) ou constranger a vítima a praticar outro ato libidinoso; c) ou

constranger a vítima de maneira que esta permita que com ela se pratique outro ato

libidinoso.

Assim, a Lei nº 12.015/2009 originou a seguinte discussão: se o crime do

artigo em questão é um tipo misto alternativo ou um tipo misto cumulativo. Se for

considerado um tipo misto alternativo, estará caracterizada a infração penal se o

autor praticar uma das condutas ou mais, contra a mesma pessoa e nas mesmas

condições de local e tempo, devendo responder por delito único, afastando-se a

possibilidade de concurso material.

Todavia, sendo considerado um tipo misto cumulativo, se o autor cometeu

uma conjunção carnal e mais dois atos libidinosos, responderá por três crimes em

concurso material, cumulando três vezes o artigo 213, do CP. Adiante haverá uma

abordagem mais detalhada sobre essas duas teorias.

4.1 O estupro como tipo penal misto cumulativo

Vicente Greco Filho (2009) sustenta que o agente que praticou com a vítima

conjunção carnal e outros atos libidinosos contra a vítima, praticou distintos delitos,

pois o modo de execução é diferente, devendo a pena ser cumulada em concurso

material, não se admitindo a hipótese de crime único.

Já os que cumprem pena não poderiam requerer a revisão em virtude dessa

mudança, por não ter havido abolitio criminis e, sendo assim, os condenados pelos

antigos artigos 213 e 214 do, CP, não podem se beneficiar pela retroatividade da lei

penal, tendo suas penas diminuídas em razão da aplicação somente do atual artigo

213, do CP (GRECO FILHO, 2009).

Nessa esteira, da mesma maneira que o autor respondeu pelo antigo artigo

213 e 214, do CP, em concurso material, agora responderia pela primeira parte do

novo artigo no que diz respeito a conjunção carnal e pela segunda parte em relação

ao ato libidinoso, devendo a pena ser duplicada (triplicada, quadruplicada –

dependendo do caso concreto).

29

Desse modo, seria inadmissível condenar o criminoso somente a um crime de

estupro se este realizou mais de uma de suas modalidades, já que são condutas

autônomas e assim devem ser consideradas para a majoração da pena.

Segundo esse entendimento, o concurso material não resulta de o fato do

agente ter empreendido o mesmo abuso sexual contra a mesma vítima repetidas

vezes, porquanto nesse caso, aplicar-se-ia o crime continuado. A cumulatividade

deriva de o fato do agente ter empregado práticas sexuais variadas, isto é, que

possuem diferentes modos de execução, contra a mesma vítima (SABINO, 2014).

Ainda, considera-se que a vontade do legislador ao modificar o dispositivo em

comento, não foi a de criar um tipo misto alternativo, mas somente de colocar o

estupro e o atentado violento ao pudor em um mesmo patamar de gravidade,

realizando a junção das duas condutas em um mesmo tipo (SABINO, 2014).

Contudo, sem deixar de considerar que são distintas no seu modo de

execução e, por essa razão, devem ser consideradas como condutas isoladas na

fixação da pena, de maneira que aconteça o concurso material entre elas (SABINO,

2014).

Entretanto, Greco Filho (2009) faz a seguinte ressalva, ipsis litteris:

O tipo do art. 213 é daqueles em que a alternatividade ou cumulatividade são igualmente possíveis e que precisam ser analisadas à luz dos princípios da especialidade, subsidiariedade e da consunção, incluindo-se neste o da progressão. Vemos, nas diversas violação do tipo, um delito único se uma conduta absorve a outra ou se é fase de execução da seguinte, igualmente violada. Se não for possível ver nas ações ou atos sucessivos ou simultâneos nexo causal, teremos, então, delitos autônomos.

Isto é, exemplificando o que o autor acima descreve que, na aplicação da

pena do delito do artigo 213, do CP, existe a possibilidade de continuidade delitiva,

de concurso material e de crime único, sendo indispensável uma análise apurada do

caso concreto para definir qual desses institutos seria cabível (SABINO, 2014).

Greco Filho (2009) aduz novamente que:

Se, durante o cativeiro, houve mais de uma vez a conjunção carnal pode estar caracterizado o crime continuado entre essas condutas; se, além da conjunção carnal, houve outro ato libidinoso, como os citados, coito anal, penetração de objetos etc., cada um desses caracteriza crime diferente cuja pena será cumulativamente aplicada ao bloco formado pelas conjunções carnais. A situação em face do atual art. 213 é a mesma do que nas vigências dos antigos 213 e 214, ou seja, a cumulação de crimes e penas se afere da mesma maneira, se entre eles há, ou não, relação de causalidade ou consequencialidade. Não é porque os tipos agora estão fundidos formalmente em um único artigo que a situação mudou. O que o estupro mediante conjunção carnal absorve é o ato libidinoso em progressão àquela e não o ato libidinoso autônomo e independente dela,

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como no exemplo referido.

Portanto, de acordo com essa tese, quando presentes os requisitos do artigo

71, do CP, o agente submete a vítima a somente uma modalidade de violência

sexual reiteradas vezes (por exemplo, obriga a vítima a manter conjunção carnal

duas vezes), possível é a aplicação da continuidade delitiva (SABINO, 2014).

E quando determinado ato libidinoso for necessário para a execução da

conjunção carnal ou de outro ato libidinoso diverso, o mencionado artigo será

interpretado como misto alternativo, de maneira que a pena deverá ser equivalente à

prática de somente um delito, já que a conduta inicial foi absorvida pela conduta

principal (SABINO, 2014).

Ainda, se o ato libidinoso era desnecessário para a consumação da

conjunção carnal ou de outro ato libidinoso diverso, o artigo 213, do CP, deverá ser

interpretado como misto cumulativo, por exemplo, quando o agente pratica

conjunção carnal e em seguida sexo anal, sendo a pena cumulada em tantos

quantos abusos este cometeu.

4.2 O estupro como tipo penal misto alternativo

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2010), o crime de estupro é um tipo

penal misto alternativo, pois a prática de conjunção carnal e de atos libidinosos

diversos, dentro de um mesmo contexto fático, implica em uma única sanção, qual

seja, a prevista no artigo 213, do CP.

Pois, de acordo com o autor acima, fazendo uma análise da letra da lei, tal

artigo tipifica a conduta por meio do verbo “constranger”. Assim, sendo o núcleo do

tipo singular, mesmo com a diversidade e pluralidade de ações praticadas contra a

mesma vítima, resultaria na prática de um único crime.

Destaca-se que, quem defende a possibilidade de concurso material do artigo

em questão, considera que as condutas do autor do crime devem ser analisadas de

modo individual, compondo cada uma, uma infração penal e, desse modo, devendo

ser somadas as respectivas penas.

Nucci (et al, 2010) assevera que essa possibilidade existiria se a redação

legal estivesse redigida de maneira diferente, como acontece com outros delitos,

como exemplo, o do artigo 208, do CP, que trata dos crimes contra o sentimento

religioso:

31

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência. (BRASIL, 1940, on-line).

Sobre essa análise, Nucci (2011, p. 834) aduz que:

[...] observa-se, com clareza, três episódios distintos: a) a conduta de escarnecer de alguém; b) a conduta de impedir ou perturbar (alternativa nesse ponto) cerimônia ou culto; c) a conduta de vilipendiar ato ou objeto de culto. Todas elas são ofensivas ao bem jurídico liberdade de culto e crença, porém são totalmente distintas. Caso o agente cometa todas as condutas, deve responder por três delitos cumulados.

Destarte, ainda completa que, além do recurso gramatical ser diverso, já que

se empregou “ponto-e-vírgula” e não a conjunção alternativa “ou”, e analisando as

condutas descritas no tipo, evidencia a distinção entre cada uma delas, porquanto

tanto o modo de agir como as finalidades são diversas. Assim, justifica-se que a

pena para quem comete duas ou mais dessas condutas deve ser cumulativa no

caso do artigo 208, do CP (NUCCI, 2011).

Já em relação ao estupro, a única maneira de analisar tal delito como misto

cumulativo, seria se a conjunção carnal fosse definida como algo distinto de ato

libidinoso. Porém, para Nucci (2011, p. 836): “[...] parece-nos impossível tal defesa,

seja no cenário do direito penal, seja no âmbito de qualquer outra ciência”.

Dessa forma, se a interpretação do artigo 213, do CP, fosse feita para tornar

cabível o concurso material, dois princípios penalistas seriam violados: a) o da

legalidade, já que estaria em confronto com o texto legal; b) e o da

proporcionalidade, pois o autor da infração penal poderia ter sua pena majorada

absurdamente pela prática de um único delito.

Para Nucci (et al 2010, p. 404): “[...] o grau de proteção que a norma confere

ao bem jurídico e o tipo de transtorno psicológico que a infração causa ao ofendido

não são critérios válidos para classificação do tipo penal como misto cumulativo ou

alternativo”. Ainda, segundo Cezar Roberto Bitencourt (apud NUCCI et al, 2010, p.

69):

[...] a maneira de execução é o modo, a forma, o estilo de praticar o crime, não exigindo a lei identidade, mas apenas semelhança. [... ]. A violência e a grave ameaça são o modo de execução do crime e não a forma final da prática do ato. Deve-se levar em conta que “conjunção carnal” e “outro ato libidinoso” são elementares do crime de estupro e que somente se chega ao verbo nuclear “ constranger” através dos modos de execução violência ou

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grave ameaça.

Antes da Lei nº 12.015/2015 a hipótese de crime continuado era dificilmente

aceita. Pois, a conjunção carnal e os atos libidinosos diversos estavam em artigos

diferentes (artigo 213 e 214, do CP). Hoje isso seria possível, mesmo sendo um tipo

misto alternativo, por estarem no mesmo artigo.

Isso é expressado por Rogério Greco (2010, p. 477) da seguinte forma:

No entanto, pode ocorrer que, uma vez praticado o estupro (com sexo anal e conjunção carnal), o agente, após algum tempo, queira, por mais uma vez, praticar os referidos atos sexuais com a vítima, que ainda se encontrava subjugada. Nesse caso, poderíamos levar a efeito o raciocínio relativo ao crime continuado? Entendemos que a resposta só pode ser positiva, pois que o agente, após a consumação do primeiro estupro, veio a praticar novo crime da mesma espécie, e que pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, o crime subsequente deve ser havido como continuação do primeiro, aplicando-se, portanto, a regra constante do art. 71, do Código Penal.

Por último, percebe-se que a defesa do crime de estupro como tipo misto

cumulativo é o resultado da enorme repulsa que os crimes sexuais provocam na

sociedade. Prova disso, é que não existe discussão tão exacerbada referente ao

crime de tráfico ilícito de entorpecentes como um tipo misto alternativo, ainda que

seja um crime gravíssimo e que ocasiona enormes prejuízos sociais (NUCCI, 2012).

4.3 Posição jurisprudencial

Atualmente as decisões majoritariamente consideram o estupro como um tipo

misto lternative. Destaca-se que, os juízes compreendem que o Direito Penal

existe para disciplinar a vida em sociedade, procurando a paz social, porém, as

emoções, a pretensão e os dogmas individuais sobre dado caso concreto, não se

sobrepõem e não podem ir contra o que declaradamente dispõe a lei.

Para Nucci (2012, p. 902):

Ao Judiciário cabe lternative a lei, criticá-la até, mas não pode deixar de cumpri-la, a lterna de não ser a norma ideal. Cabe, ainda, deixar de aplicá-la se lternat a Constituição Federal. Assim não sendo, respeita-se o fruto proveniente do Legislativo.

Todavia, geralmente os julgadores creem que o estupro praticado com mais

violência, isto é, com maior número e modos de abusos sexuais, deve sofrer

punição mais severa, afastando a reprimenda do mínimo legal e aplicando-se as

respectivas agravantes, quando lternat, o que inviabiliza o entendimento de que a

interpretação do tipo como misto lternative beneficiaria o réu (SABINO, 2014).

33

4.3.1 Tribunais estaduais

É interessante observar as jurisprudências brasileiras que, como dito

anteriormente, em sua maioria entende que o delito de estupro é um tipo misto

alternativo. Por exemplo, o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina se

posiciona dessa maneira quando aborda essa questão, in verbis:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL COM EXERCÍCIO DE AUTORIDADE SOBRE A VÍTIMA. (ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL (RESPEITADOS OS LIMITES DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ALTERADO ART. 213) C/C O ART. 226, II, AMBOS DO MESMO DIPLOMA LEGAL. DOSIMETRIA. UNIFICAÇÃO DAS CONDUTAS DE MANTER CONJUNÇÃO CARNAL E DE PRATICAR ATO LIBIDINOSO (ARTS. 213 E 217-A, AMBOS DO ESTATUTO REPRESSIVO). TIPO MISTO ALTERNATIVO. RETROATIVIDADE DA LEI NOVA MAIS BENÉFICA (ART. 5º, XL, DA CF/88). REDUÇÃO DA REPRIMENDA, COM BASE NO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 213 DO CÓDIGO PENAL, COM REDAÇÃO, PORÉM, ANTERIOR A VIGÊNCIA DA LEI N. 12.015/2009, MAIS BENÉFICO E VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. RECURSO DEFENSIVO. MATERIALIDADE E AUTORIA NÃO CONTESTADAS. DOSIMETRIA. ALMEJADA MINORAÇÃO DA PENA IMPOSTA. ACOLHIMENTO. ADEQUAÇÃO DA REPRIMENDA SOMENTE NA SEGUNDA FASE DOSIMÉTRICA. EXCLUSÃO DA AGRAVANTE DO ARTIGO 61, II, F, DO CÓDIGO PENAL. OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO CONCOMITANTE COM A QUALIFICADORA DO ARTIGO 226, II, DO REFERIDO DIPLOMA LEGAL. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PROVIDO. "Não se admite o bis in idem configurado na sentença condenatória, pois, na fixação da pena -base, além de considerar as relações domésticas para elevar a pena na segunda fase da dosimetria, ainda utilizou o mesmo critério para majorar a reprimenda como circunstância especial de aumento de pena". (STJ - Habeas Corpus n. 47623/PB, da Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. em 13/12/2005). (BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação nº 2011.045019-9. Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal. Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato. Florianópolis. Julgado em: 27 ago. 2012. Disponível em: <http://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23832430/apelacao-criminal-reu-preso-apr-20110450199-sc-2011045019-9-acordao-tjsc>. Acesso em: 11 jun. 2016). (Grifou-se).

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios igualmente entende

do mesmo modo:

PENAL - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - LEI 12.015/09 - UNIFICAÇÃO DOS DELITOS - TIPO MISTO ALTERNATIVO -

REALIZAÇÃO SIMULTÂNEA DE MAIS DE UMA CONDUTA - MAIOR REPROVABILIDADE - ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. I. A LEI 12.015/09 PASSOU A CONSIDERAR OS DELITOS DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E ESTUPRO CRIME ÚNICO. POR SER MAIS BENÉFICA, DEVE RETROAGIR. II. A NOVA REDAÇÃO DO ART. 213 DO CP DESCREVE

TIPO MISTO ALTERNATIVO, EM QUE A REALIZAÇÃO DE MAIS DE UMA DAS CONDUTAS PREVISTAS NÃO IMPLICA EM CONCURSO DE DELITOS. AUTORIZADA A REALIZAR NOVA ANÁLISE DAS

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CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. NESSE CASO, O ESTUPRO TENTADO SERVE COMO CIRCUNSTÂNCIA NEGATIVA DO CRIME PARA AUMENTAR A PENA-BASE DO ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR CONSUMADO. PRECEDENTES DESTA CORTE. III. EM CUMPRIMENTO À DETERMINAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REFORMADA A DOSIMETRIA PARA INCREMENTAR A PENA-BASE. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação nº 20070310299447/DF - 0029944 -28.2007.8.07.0003. Órgão Julgador: Primeira Turma Criminal. Relatora: Desembargadora Sandra de Santis. Brasília. Julgado em: 10 abr. 2014. Publicado em: DJE 28 abr. 2014, p. 181. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117929689/apelacao-criminal-apr-20070310299447-df-0029944-2820078070003>. Acesso em: 11 jul. 2016). (Grifou-se).

O Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais também segue esse

entendimento majoritário, ou seja, o crime do artigo 213, do CP, é um tipo misto

alternativo segundo essa Corte estadual:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. RECURSO MINISTERIAL. PEDIDO DE

RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. OCORRÊNCIA DE CRIME ÚNICO. TIPO MISTO ALTERNATIVO. CONDUTAS

PRATICADAS EM UM MESMO CONTEXTO FÁTICO E CONTRA A MESMA VÍTIMA. RECURSO DESPROVIDO. - Após a vigência da Lei 12.015/2009, tanto o constrangimento à prática de conjunção carnal quanto à de outro ato libidinoso foram previstos no artigo 213 do Código Penal que, assim, tornou-se um dos denominados “tipo misto alternativo”. - O verbo núcleo do tipo penal do artigo 213 do Código Penal,

com a redação dada pela Lei 12.015/009, é "constranger". O que se pune é o constrangimento realizado mediante violência ou grave ameaça, seja ele à prática de ato libidinoso, de conjunção carnal ou de ambos. - Se os atos narrados na denúncia ocorreram num mesmo contexto fático, contra a mesma vítima e o bem jurídico tutelado - a liberdade sexual - foi lesado uma única vez, por meio do constrangimento ao qual a ofendida foi submetida, é imperioso o reconhecimento de crime único, ainda que tenha ocorrido a prática de conjunção carnal e também de outros atos libidinosos. (BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo em Execução Penal nº 10231091520420001/MG. Órgão Julgador: Câmaras Criminais/Segunda Câmara Criminal. Relator: Desembargador Nelson Missias de Morais. Belo Horizonte. Julgado em: 08 maio 2014. Publicado em: 19 maio 2014. Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/120452122/agravo-em-execucao-penal-agepn-10231091520420001-mg>. Acesso em: 11 jul. 2016). (Grifou-se).

Desse modo, percebe-se que os Tribunais pátrios entendem expressamente

que o crime de estupro previsto no artigo 213, do CP, é um tipo misto alternativo,

inviabilizando completamente a tese de que seria misto cumulativo como parte da

doutrina gostaria.

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4.3.2 Tribunais superiores

É importante também observar as jurisprudências dos Tribunais superiores,

no caso do Brasil, representados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo

Supremo Tribunal Federal (STF). Este último já se manifestou da seguinte forma, in

verbis:

Com o advento da Lei nº 12.015/2009, como exposto, unificadas as condutas de estupro e de atentado violento ao pudor passaram a configurar crime único ou crime continuado, conforme as circunstâncias concretas do caso. No feito presente, o paciente foi condenado, em primeiro e segundo graus de jurisdição sob a égide da legislação anterior à Lei n.º 12.015/2009. Apesar da elevada censurabilidade das condutas por ele praticadas, há em tese a possibilidade de considerar os abusos sexuais direcionados contra uma só vítima e em único contexto de tempo, lugar e maneira de execução, como crime único ou crime continuado, consideradas as circunstâncias concretas da hipótese. Estabelecidas essas premissas, vislumbro a necessidade da aplicação retroativa da Lei nº 12.015/2009. Compete ao Juízo da Execução Penal unificar as penas, nos termos da Súmula nº 611/STF ('Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna'). A ele caberá, ao exame das condutas criminosas, unificá-las considerando o crime como único ou como continuado. Não pode o Supremo Tribunal Federal interferir na escolha sob pena de supressão de instância, já que esse ponto específico da questão não foi submetido às instâncias ordinárias. Impõe-se, portanto, a concessão da ordem de ofício, para que o juízo da execução criminal competente proceda à aplicação retroativa da Lei nº 12.015/2009, afastando o concurso material entre os delitos sexuais, para redimensionar a pena. (HC 106454, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julgamento em 2.4.2013, DJe de 17.4.2013).

A tese da absorção do atentado violento ao pudor pelo de estupro (previstos, respectivamente, nos arts. 213 e 214 do Código Penal, na redação anterior à Lei 12.015/2009) - sob o argumento de que o primeiro teria sido praticado como um meio para a consecução do segundo - está relacionada à conduta do paciente no momento dos delitos pelos quais ele foi condenado e demanda, por esse motivo, o reexame de fatos e provas, inviável no âmbito da via eleita. Embora o acórdão atacado esteja em harmonia com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cujo Plenário, em 18.06.2009, no julgamento do HC 86.238 (rel. min. Cezar Peluso e rel. p/ o acórdão min. Ricardo Lewandowski), assentou a inadmissibilidade da continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor, por tratar-se de espécies diversas de crimes, destaco que, após esse julgado, sobreveio a Lei 12.015/2009, que, dentre outras inovações, deu nova redação ao art. 213 do Código Penal, unindo os dois ilícitos acima. Com isso, desapareceu o óbice que impedia o reconhecimento da regra do crime continuado no caso. Em atenção ao direito constitucional à retroatividade da lei penal mais benéfica (CF, art. 5º, XL), seria o caso de admitir-se a continuidade delitiva pleiteada, porque presentes os seus requisitos (CP, art. 71), já que tanto a sentença, quanto o acórdão do Tribunal de Justiça que a manteve evidenciam que os fatos atribuídos ao paciente foram praticados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução. Ocorre que tal matéria, até então, não foi apreciada, razão por que o seu exame, diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, constituiria supressão de instância. Por outro lado, nada impede a concessão de habeas corpus de ofício, para conferir ao juízo da execução o enquadramento do caso ao

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novo cenário jurídico trazido pela Lei 12.015/2009, devendo, para tanto, proceder à nova dosimetria da pena, afastando o concurso material e aplicando a regra do crime continuado (CP, art. 71), o que, aliás, encontra respaldo tanto na Súmula 611 do STF, quanto no precedente firmado no julgamento do HC 102.355 (rel. min. Ayres Britto, DJe de 28.05.2010). (HC 96818, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgamento em 10.8.2010, DJe de 17.9.2010) (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2016, on-line).

Como é possível notar, o STF se posiciona claramente com a tese de que o

crime do artigo 213, do CP, se trata de um tipo misto alternativo. Desse modo,

mesmo havendo conjunção carnal e outro ato libidinoso, este será tratado como

crime único, não existindo qualquer possibilidade de aplicação de concurso material,

como acontecia antes da Lei nº 12.015/2009. O STJ também já tem assentado esse

entendimento. Eis algumas jurisprudências que evidenciam isso:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CONDENAÇÃO POR CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 213 E 214, NA ANTIGA REDAÇÃO DO CÓDIGO PENAL. ADVENTO DA LEI Nº 12.015/2009. UNIÃO, NO MESMO TIPO PENAL, DAS CONDUTAS REFERENTES AO ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E AO ESTUPRO. RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO ENTRE O ESTUPRO E OS ATOS LIBIDINOSOS PRATICADOS CONTRA A VÍTIMA. FIXAÇÃO DE PENA MÍNIMA. IMPOSSIBILIDADE. DESCONSIDERAÇÃO À MULTIPLICIDADE DE OFENSAS À LIBERDADE SEXUAL. SANÇÃO PENAL QUE DEVE SER AGRAVADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O julgado recorrido, ao afastar o concurso material de crimes reconhecido em sede de apelação, condenou o réu como incurso em um único crime de estupro, previsto na antiga redação do art. 213 do Código Penal, desconsiderando que a multiplicidade de condutas alternativas trouxe maior reprovabilidade ao delito. 2. Na fixação da pena-base deve-se considerar o número de ofensas à liberdade sexual cometidas pelo agente contra a vítima, merecendo pena superior ao mínimo aquele que pratica além da conjunção carnal, outros atos libidinosos graves. 3. E, no caso, o Réu constrangeu a vítima, de 15 anos de idade, à conjunção carnal, coito anal e, depois, obrigou a vítima a fazer-lhe sexo oral. Após um período, constrangeu, mais uma vez, a vítima a praticar todos os atos sexuais citados, devendo sua pena-base afastar-se do mínimo legal cominado pelo julgado recorrido. 4. Recurso especial parcialmente provido, para determinar que o Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, considerando a gravidade e o número de atos libidinosos cometidos contra a vítima na ação criminosa, redimensione a sanção penal do Recorrido de maneira proporcional e adequada à prevenção e repressão do crime. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1198786/DF - 2010/0117542 -6. Órgão Julgador: Quinta Turma. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília. Julgado em: 01 abr. 2014. Publicado em: DJe 10 abr. 2014. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25043027/recurso-especial-resp-1198786-df-2010-0117542-6-stj>. Acesso em: 12 jul. 2016). (Grifou-se). HABEAS CORPUS Nº 214.370 - MT (2011/0174771-3) RELATOR: MINISTRO NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC) IMPETRANTE: J R DE M IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO PACIENTE: J R DE M (PRESO) DECISÃO I - RELATÓRIO: J. R. DE M. impetrou, em causa própria, habeas corpus. O paciente foi condenado à pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, por infração ao art. 213 e ao art. 214, na forma do art. 69, todos do Código Penal. O Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso denegou o habeas corpus manejado pelo réu (fls. 35/43).

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No writ em exame, o impetrante sustenta, em síntese, que, com o advento da Lei n. 12.015/2009, o estupro e o atentado violento ao pudor tornaram -se um único delito, razão pela qual deve ser afastado o aumento decorrente do concurso material entre eles (fls. 01/06). O então Relator, Ministro Ari Pargendler, indeferiu a liminar (fl. 21). O Ministério Público Federal manifestou -se pelo não conhecimento do habeas corpus (fls. 54/55). É o relatório. II - DECISÃO: 01. Conforme informações prestadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso (fls. 144/160), ao recurso interposto pelo réu da sentença condenatória foi dado provimento parcial, “para afastar a condenação quanto ao crime de atentado violento ao pudor, fixando a pena privativa de liberdade de 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, pela prática do crime de estupro ora apurado” (fl. 370). Está inscrito no acórdão: “Entretanto, conclui-se do estudo do novo crime de estupro que a modificação beneficiou o agente, pois a conduta anteriormente apenada de forma isolada passou a integrar um tipo penal misto alternativo, passando a ser analisada como circunstância desfavorável durante a fixação da pena-base, quando praticada em conjunto com a conjunção carnal. [...]. Dessa forma, tratando-se de lei penal mais benéfica, deve a norma introduzida pela Lei n. 12.015/09 retroagir em favor do Apelante, a teor do disposto no art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal e no art. 2º, parágrafo único do Código Penal, de modo a demandar o afastamento da pena aplicada de forma autônoma ao crime de atentado violento ao pudor, incidindo a conduta negativamente na quantificação da pena base fixada para o delito de estupro” (fls. 154/155). Nessas circunstâncias, é forçoso concluir que o writ perdeu o objeto. 02. À vista do exposto, com fundamento no art. 34, inc. XI, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, julgo prejudicado o habeas corpus. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 03 de novembro de 2014. MINISTRO NEWTON TRISOTTO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SC) Relator (BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Habeas Corpus nº 214370/MT - 2011/0174771-3. Relator: Ministro Newton Trisotto (Desembargador convocado do TJ/SC). Brasília. Publicado em: DJ 12 nov. 2014. Disponível em: <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153704755/habeas-corpus-hc-214370-mt-2011-0174771-3>. Acesso em: 12 jul. 2016).

Após toda a explanação sobre esse tipo penal e de sua análise, percebe-se

que o Poder Judiciário aduz expressamente que o artigo 213, do CP, trata de um

crime classificado como misto alternativo. A seguir serão feitas as ponderações

finais deste trabalho acadêmico e do tema em questão.

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CONCLUSÃO

Como foi possível notar, o crime de estupro causa repulsa social, o que não

poderia ser diferente, já que este é um ato extremamente nocivo, sobretudo

individualmente, não importando o gênero, a idade, a condição social, a etnia, o

credo, etc.

Mesmo em tempos remotos essa prática era punida de alguma forma, muitas

vezes, até com mais severidade se comparado com a sanção atual. O estupro é

considerado algo tão nocivo a vítima, que no caso da mulher que engravida em

função dessa violência há até mesmo a autorização legal para que aborte.

Desse modo, o legislador busca proteger a vítima até de futuras sequelas,

como no exemplo acima, permitindo em lei outra conduta não muito aceita no meio

social e condenada pela grande maioria das instituições religiosas mas, mesmo

assim, muito utilizada, independente se foi fruto de estupro ou não.

Em um momento recente o Brasil comportava o estupro no artigo 213 e o

atentado violento ao pudor no artigo 214, ambos do CP. Estes tipos foram unificados

em 2009, por meio da Lei nº 12.015. Gerando estranheza em parte da doutrina, o

que proporcionou diversas controvérsias.

A partir de então, o homem passou a ser sujeito passivo também e a mulher

igualmente passou a figurar como agressora. Estupro deixou de ser somente a

conjunção carnal, ou seja, a introdução do órgão masculino na cavidade vaginal, isto

é, outros atos não invasivos (sem penetração) podem ensejar o crime em questão.

Assim, um desses debates foi sobre a classificação do delito do atual artigo

213, do CP, como sendo um tipo misto alternativo ou cumulativo. Considerando o

estupro como um tipo misto alternativo, o agente será condenado por um crime

único, independentemente da quantidade de atos sexuais que venha a praticar com

a mesma vítima, no mesmo local e em igual momento delitivo. Já se a teoria

adotada for a cumulativa, este responderá, em concurso material, por todos os atos

libidinosos reiteradamente cometidos com a vítima.

Como é possível perceber, a adoção de uma ou outra teoria modifica

sobremaneira a sentença do réu e respectivamente o tempo de duração da pena

aplicada pelo juiz. Entretanto, não se admite que casos praticamente iguais tenham

condenações muito discrepantes, o que tornou imprescindível a unificação da

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jurisprudência acerca dessa questão.

Conforme o que foi apresentado neste presente trabalho, a doutrina e a

jurisprudência majoritárias adotaram a classificação do crime de estupro como tipo

misto alternativo, demonstrando a imperatividade da redação legal, embora haja

críticas sobre as possíveis reduções de pena em virtude da retroatividade da lei

penal mais favorável e da impossibilidade da aplicação do concurso material, o que

impede condenações acima do previsto no artigo 213, do CP, como querem os

defensores da teoria cumulativa.

Destarte, o acolhimento dessa tese paira na ideia de que, se a Lei nº

12.015/2009 unificou o antigo artigo 214, do CP (atentando violento ao pudor), e o

antigo 213, do CP (estupro), empregando-se um texto que nitidamente demonstra a

alternatividade das condutas, outra interpretação representaria não apenas uma

ofensa ao que dispôs o legislador pátrio, como enfraqueceria o ordenamento penal

como um todo ao permitir condenações fundamentadas na gravidade em abstrato

das condutas e não segundo a previsão normativa.

Reforça-se que, o respeito ao texto legal é a tradução da segurança jurídica,

pois as interpretações não podem ficar ao alvitre de quem o faz, é preciso sempre

se atentar ao que dispõe qualquer dispositivo e sua compatibilidade constitucional e

de seus princípios jurídicos.

Entretanto, destaca-se que, embora essa classificação atenda melhor a parte

redacional da lei, é imperioso frisar que existem muitas lacunas que a adoção dessa

teoria (misto alternativo) não supre, impedindo que o Estado cumpra com mais

efetividade o seu dever de tutelar um dos bens jurídicos de grande importância, qual

seja, a liberdade sexual de cada indivíduo.

Dessa maneira, conclui-se que, para evitar condenações realmente

“brandas”, é preciso reformar o artigo 213, do Código Penal, para definir com mais

exatidão as condutas violadoras da liberdade sexual, em quais delitos estas

violações se enquadram e quais as reprimendas necessárias para punir cada uma

delas.

Nesse sentido, o Poder Judiciário cumpre o seu papel de guardião da

legislação, afastando inclusive teorias, muitas vezes, aparentemente justas e que

buscam corrigir “erros” redacionais do legislador, mas que invariavelmente na

prática trazem uma interpretação contrária à determinação normativa.

Obviamente, não pareceu feliz a reforma feita em 2009, porém, quem deverá

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“corrigir” essa questão de fato é o Poder Legislativo, pois o texto é claro ao utilizar o

termo “ou”, o que demonstra o caráter alternativo do artigo 213, do CP, e não

cumulativo como querem alguns.

Por último, o profissional do direito ao interpretar a lei, precisa ser técnico e

não pode se deixar envolver com questões emocionais, mesmo que repugnantes.

Se a questão for injusta e não atender o fato concreto, o caminho correto é exigir ou

sugerir a alteração de quem possui essa atribuição e não criar teorias

mirabolantes/fantasiosas que na prática somente tumultuam o Poder Judiciário

brasileiro.

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