breves consideraÇÕes a respeito da lei 12.015/09 … · crime de estupro, desde que na espécie...

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BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA LEI 12.015/09 (LEI DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL) Cláudia Tereza Sales Duarte 1 Thallys Mendes Passos 2 RESUMO: Este artigo trata das alterações introduzidas pela Lei 12.015/09 no Código Penal, mais especificamente no titulo VI, até então intitulado de “Crimes contra os Costumes”, hoje recebendo a designação de “Crimes contra a Dignidade Sexual”. Palavras-chave: Direito Penal. Lei 12.015/09. Crimes contra a dignidade sexual. O presente artigo tem por objetivo disponibilizar aos leitores um apanhado geral das alterações legislativas introduzidas pela Lei 12.015/09, em face das figuras delitivas que protegiam os “costumes” e, ao mesmo tempo, expor alguns casos práticos que permitirão contextualizar o alcance das mudanças. Em 10 de agosto de 2009, entrou em vigor a Lei 12.015/09, que alterou substancialmente o Título VI, do Código Penal, referente aos crimes contra os costumes. Antes de tecer as primeiras impressões sobre a reforma, vale destacar que o novel diploma além de revogar a Lei 2.252/54, que tratava do crime de corrupção de menores, inseriu-o no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 244-B. O novo diploma ainda fez uma pequena alteração no artigo 1º da Lei 8.072/90 (lei de crimes hediondos) ao revogar neste artigo o inciso VI, modificando também a redação do inciso V. Inicialmente, quanto à denominação conferida ao título VI do Código Penal, andou bem o legislador ao substituir a antiga expressão “crimes contra os costumes” por “crimes contra a dignidade sexual”, por se mostrar mais adequada ao texto constitucional e à nova realidade social, porquanto a 1 Advogada, Psicóloga, Professora e Especialista em Direito Penal, Processual Penal e Teoria Geral do Processo da Faculdade Processus e em cursos preparatórios para concursos. 2 Biólogo, Agente de Polícia Civil do Distrito Federal e estudante do curso de direito da Faculdade Processus.

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BREVES CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA LEI 12.015/09 (L EI DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL)

Cláudia Tereza Sales Duarte 1

Thallys Mendes Passos 2

RESUMO:

Este artigo trata das alterações introduzidas pela Lei 12.015/09 no Código Penal, mais especificamente no titulo VI, até então intitulado de “Crimes contra os Costumes”, hoje recebendo a designação de “Crimes contra a Dignidade Sexual”.

Palavras-chave: Direito Penal. Lei 12.015/09. Crimes contra a dignidade sexual.

O presente artigo tem por objetivo disponibilizar aos leitores um

apanhado geral das alterações legislativas introduzidas pela Lei 12.015/09, em

face das figuras delitivas que protegiam os “costumes” e, ao mesmo tempo,

expor alguns casos práticos que permitirão contextualizar o alcance das

mudanças.

Em 10 de agosto de 2009, entrou em vigor a Lei 12.015/09, que

alterou substancialmente o Título VI, do Código Penal, referente aos crimes

contra os costumes. Antes de tecer as primeiras impressões sobre a reforma,

vale destacar que o novel diploma além de revogar a Lei 2.252/54, que tratava

do crime de corrupção de menores, inseriu-o no Estatuto da Criança e do

Adolescente, no art. 244-B. O novo diploma ainda fez uma pequena alteração

no artigo 1º da Lei 8.072/90 (lei de crimes hediondos) ao revogar neste artigo o

inciso VI, modificando também a redação do inciso V.

Inicialmente, quanto à denominação conferida ao título VI do

Código Penal, andou bem o legislador ao substituir a antiga expressão “crimes

contra os costumes” por “crimes contra a dignidade sexual”, por se mostrar

mais adequada ao texto constitucional e à nova realidade social, porquanto a 1 Advogada, Psicóloga, Professora e Especialista em Direito Penal, Processual Penal e Teoria Geral do Processo da Faculdade Processus e em cursos preparatórios para concursos. 2 Biólogo, Agente de Polícia Civil do Distrito Federal e estudante do curso de direito da Faculdade Processus.

liberdade ao próprio corpo está intimamente ligada à dignidade humana, e não,

como afirmava Hungria3 ao dissertar sobre o conceito de costumes, de que tal

expressão era utilizada para denotar os hábitos da vida sexual aprovados pela

moral prática.

Nesse sentido, Guilherme Nucci4 esclarecia que o Código Penal já

estava a merecer uma reforma há muito tempo, no tocante à vetusta

denominação “crimes contra os costumes”, levando em consideração a

dignidade da pessoa humana e não os hábitos sexuais que porventura os

membros da sociedade resolvessem adotar livremente, sem qualquer

constrangimento e sem ofender direito de outrem, ainda que esses hábitos

pudessem ser interpretados como imorais ou inadequados.

Assim, a crítica que foi feita ao legislador em 2005, quando por

intermédio da Lei 11.106/05 deixou de dispor sobre a modificação acima

referida, não mais subsiste.

Tecidas as primeiras considerações a respeito da modificação do

título, passaremos a partir daqui a dispor sobre as alterações significativas

quanto aos tipos penais.

Primo ictu oculi, verifica-se que o Título VI do Código Penal passou a ser dividido em seis capítulos, fora o capítulo III que já havia sido revogado integralmente pela Lei 11.106/05, a saber:

- Capítulo I: dos crimes contra a liberdade sexual - Capítulo II: dos crimes sexuais contra vulnerável - Capítulo IV: disposições gerais - Capítulo V: do lenocínio e do tráfico de pessoas para fins de

prostituição ou de outra forma de exploração sexual - Capítulo VI: do ultraje ao pudor público - Capítulo VII: Disposições gerais

Analisaremos, ora em diante, cada capítulo e as alterações pelas quais passaram os tipos penais.

3 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. VIII. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 103-104. 4 NUCCI, Guilherme. Código Penal Comentado, 3. ed. São Paulo: Editora RT, 2003, p. 641.

1. Capítulo I – Dos Crimes contra a Liberdade Sexua l

1.1. Artigo 213

Assim dispõe esse artigo, com a nova redação dada pela Lei 12.015/09:

“Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir qu e com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (cato rze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”. (NR)

A primeira grande alteração trazida pelo novel diploma foi a

unificação dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor em um só

tipo penal, previsto no art. 213, ficando revogado o artigo 214. Essa situação já

era idealizada por vários doutrinadores, pois era comum a existência de

algumas controvérsias nos Tribunais Superiores, ou mesmo entre

doutrinadores, sobre a impossibilidade do reconhecimento da continuidade

delitiva entre as duas condutas ou do reconhecimento da desistência voluntária

no delito de estupro. Além do que, na linguagem popular, tanto as condutas do

estupro quanto do atentado violento ao pudor acabavam sendo denominadas

de estupro.

O legislador atual optou pela palavra “estupro” para definir a

conduta do agente que constrange alguém, mediante violência ou grave

ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se

pratique outro ato libidinoso.

Analisando as condutas do artigo 213, verificamos que hoje

qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo do crime de estupro (em

sentido amplo), bastando que se pratique o constrangimento, com a utilização

de violência ou grave ameaça para atingir a finalidade prevista no tipo penal.

Diante disso, o crime hoje passa a ser classificado como crime comum e não

mais bi-próprio, apesar de se ter entendido, com algumas posições contrárias,

que na antiga redação do artigo 213, a mulher poderia ser sujeito ativo do

crime de estupro, desde que na espécie de autoria mediata ou pela teoria do

domínio do fato5.

Em uma análise mais técnica do tipo do artigo 213, verifica-se que

na primeira parte, no que diz respeito ao sujeito ativo, o crime é classificado de

mão própria, por exigir do agente uma atuação pessoal e indelegável, e próprio

em relação ao sujeito passivo, pois somente a mulher poderá figurar como

vítima. Quando se tratar de quaisquer outros atos libidinosos, o crime será

comum, já que não se exige do agente e nem da vítima uma especial

qualificação ou mesmo uma atuação pessoal.6

Importante registrar que, com a nova redação, não se exige que a

conduta do agente, no caso do constrangimento, se volte contra a mulher,

apesar de o conceito de conjunção carnal ser ainda o que fora definido por

Hungria como “a cópula secundum natura, o ajuntamento do órgão genital do

homem com o da mulher, a intromissão do pênis na cavidade vaginal” 7.

Diante das novas condutas descritas como crime de estupro, já

existem doutrinadores denominando a primeira parte do artigo 213 de estupro

próprio e a segunda parte, de estupro impróprio, por se tratar, esta última, da

antiga conduta descrita como o crime de atentado violento ao pudor.

A Lei 12.015/09 criou três modalidades de qualificadoras para o

crime de estupro. As duas primeiras, previstas no §1º do artigo 213, dispõem

sobre a ocorrência de resultado lesão de natureza grave ou se a vítima é

menor de 18 anos e maior de 14 anos. Já a terceira, disposta no §2º do

referido artigo, prevê a ocorrência do resultado morte.

Diverso do que ocorria no revogado artigo 223, que previa no

capítulo das disposições gerais formas qualificadas para os crimes previstos

nos artigos 213 a 218, dentre elas os resultados lesão de natureza grave e

morte, o §1º do artigo 213 deixa claro que a lesão e a morte devem decorrer da

conduta de estupro e não especificamente da violência. Importante frisar que

5 Rogério Sanches entendia que, se adotada a teoria do domínio do fato, a mulher mandante poderia figurar como autora imediata do crime de estupro. 6 Rogério Greco, op. cit, p. 11. 7 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. VIII, Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 128.

esses resultados, lesão grave ou morte, só podem ser imputados ao agente a

título de culpa, tratando-se de crimes eminentemente preterdolosos. Desse

modo, o agente deve ter praticado a conduta no sentido de estuprar a vítima,

vindo, culposamente, a causar-lhe lesão de natureza grave ou morte.

Aqui, no entanto, permanece a indagação: é possível a tentativa de

estupro na forma qualificada, mesmo não se consumando a conjunção carnal

ou qualquer outro ato libidinoso, ocorrer o resultado lesão grave ou morte? A

doutrina majoritária entende que nesse caso, em se tratando de delito

preterdoloso, é inadmissível a tentativa, com base no artigo 19 do Código

Penal. Nesse sentido, Luis Regis Prado8. No entanto, doutrina minoritária

entende que toda regra tem uma exceção, sendo essa a hipótese, porquanto

não se pode entender por consumado o crime de estupro se não houve a

efetiva prática da conjunção carnal ou de qualquer ato libidinoso. Seria

incoerente afirmarmos que, caso o agente derrube a vítima no chão, fazendo

com que bata a cabeça no meio-fio, produzindo-lhe a morte, e inexistindo

qualquer prática do ato sexual, o crime do estupro restaria consumado.

Diante desse confronto de entendimentos, vê-se como mais certa a

segunda posição que se manifesta pela tentativa qualificada de estupro, por ser

mais coerente com os princípios da proporcionalidade e da individualização da

pena.

A outra forma qualificada diz respeito à idade da vítima. Em sendo

o crime de estupro praticado contra vítima menor de 18 anos e maior de 14, a

pena é de reclusão de 8 a 14 anos.

A necessidade de se conferir um tratamento penalógico mais

gravoso ao agente, quando a vítima for adolescente (menor de 18 anos e maior

de 14 anos), encontra-se em consonância com os estudos e discussões a

respeito do aumento da violência sexual contra crianças e adolescentes.

Merece registro que, no §2º do artigo 213, a nova lei trouxe um

acréscimo à pena máxima prevista em abstrato, que passou a ser de 30 anos,

8 PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 204.

enquanto na redação anterior do Código Penal, para tal conduta delitiva,

tínhamos o quantum máximo de 25 anos (vide o revogado artigo 223).

Uma das coisas que mais nos chama atenção, no caso do crime de

estupro, é que, a depender da relação anterior mantida entre agente e vítima,

existe uma dificuldade de se provar se houve ou não estupro, principalmente

quando, de um lado, temos a palavra da vítima, que afirma ter sido estuprada

e, de outro, a palavra do réu, que nega todas as acusações. É o que Rogério

Greco, citando o que é tratado pela criminologia como “Síndrome da Mulher de

Potifar” 9, expõe em seu livro.

Em um momento da vida prática, deparamo-nos com um caso em

que um rapaz estava preso, acusado de ter estuprado a ex-namorada. Ele, o

tempo todo, negava a prática delituosa. Ela, por sua vez, afirmava que tinha

sido vítima de estupro. Ao final, ficou devidamente comprovado que ele havia

sido vítima de uma situação forjada por ela. Só para resumir a situação e

atender a curiosidade do leitor, tudo começou porque a suposta vítima não

aceitou o término do namoro e, com desculpa de que seria um encontro de

despedida, manteve conjunção carnal com o suposto autor, de forma

totalmente consentida. Porém, algumas horas depois da relação sexual, ela foi

à delegacia e fez uma ocorrência policial, afirmando que havia sido estuprada

pelo seu ex-namorado. Posteriormente, foi instaurada ação penal e, por

ocasião da instrução, uma testemunha esclareceu devidamente os fatos, o que

implicou a absolvição do agente.

Claro que essa situação narrada não é comum, mas serve de alerta

para que, diante de determinadas situações, deve o magistrado ter um cuidado

maior na apuração dos fatos relatados pela vítima.

1.2. Artigo 215

O artigo 215 teve também sua redação alterada, passando a ser denominado pelo legislador de “violação sexual mediante fraude”, conforme vemos abaixo:

9 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III, 5. ed. RJ: Impetus, 2008, p.

481.

“Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa”. (NR)

Assim como ocorreu com os artigos 213 e 214, os artigos 215 e

216 receberam o mesmo tratamento pelo legislador, que revogou o artigo 216,

unificando tal conduta no artigo 215 do Código Penal, que prevê, em sua nova

redação, o delito de violação sexual mediante fraude. Além disso, o novo tipo

delitivo traz uma pena maior do que a prevista anteriormente.

Importante ressaltar que o artigo 215 já havia sofrido alteração,

dada pela Lei 11.106/05, consistente na retirada da expressão “mulher

honesta” de sua redação original. Diante da evolução da sociedade, tal

conceito não se coadunava mais com o perfil da mulher do século XXI, pois

trazia uma carga discriminatória quando conceituava como honesta somente a

mulher que tivesse uma conduta moral decente, em contraposição àquela que

fosse separada, mãe de filhos concebidos fora do casamento, ou que já tivesse

se entregue aos “prazeres da carne”. Conforme preleciona Hungria, in

Comentários ao Código Penal, v. 8, 5. ed. RJ: Forense, “mulher honesta não é

somente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista da moral, é irrepreensível,

senão também aquela que ainda não rompeu com o mínimo de decência

exigido pelos bons costumes”.

A atual mudança, contudo, criou uma lacuna no ordenamento

jurídico, uma vez que agregou ao artigo 215 apenas parte da conduta descrita

no revogado artigo 216, do CP, que tinha a seguinte redação:

“Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a prati car ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção ca rnal: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005) Pena - reclusão, de um a dois anos”. Atualmente, o artigo 215 afirma que pratica o crime de violação

sexual mediante fraude aquele que tiver conjunção carnal ou praticar ato

libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a

livre manifestação de vontade da vítima. Como se vê, o comportamento do

agente que ludibria a vítima a praticar em si mesma ou nele atos sexuais é

atípico, não cabendo nenhuma forma de integração da norma, sob pena de se

incorrer em analogia in malam partem, situação essa rechaçada pelo direito

penal.

1.3. Artigo 216-A

“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de ob ter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da s ua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao ex ercício de emprego, cargo ou função. Pena de detenção de 1(um) a 2 (dois) anos. Parágrafo único. (VETADO) § 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é me nor de 18 (dezoito) anos. (incluído pela Lei 12.015/09)”.

Outra modificação inserida no Código Penal diz respeito à inclusão

no artigo 216-A, que trata da figura do assédio sexual, de uma causa de

aumento quando a vítima for menor de 18 anos, conforme se verifica no §2º.

A conduta do assédio sexual, tipificada pelo legislador em 2001, por

intermédio da Lei nº 10.224/01, foi sempre alvo de críticas por parte de vários

doutrinadores. Em momento anterior, já tivemos oportunidade de tecer algumas

considerações quanto ao referido delito, em monografia de final de curso, onde

se concluiu com base no moderno princípio da intervenção mínima do direito

penal, cujas características são a fragmentariedade e a subsidiariedade, que o

legislador andou mal em tipificá-lo como crime.

Além do mais, parte da doutrina, de forma bem resumida, entende

que o tipo previsto no artigo 216-A traz algumas imprecisões, principalmente

porque, ao descrever a conduta pelo verbo “constranger”, não especifica a

forma com que vai ser praticado o constrangimento, se mediante violência ou

grave ameaça, ou por simples temor reverencial ou mesmo por insistência do

agente.

Apesar da análise acima, a Lei 12.015/09 introduziu no §2º uma

causa de aumento de pena de até 1/3 se a vítima do assédio for menor de 18

anos, reafirmando a necessidade de proteção do menor, assim como o fez em

outras oportunidades.

É óbvio que, em um contexto de relação de subordinação

hierárquica nas relações laborais, é muito mais grave a conduta do agente

quando voltada contra o menor, merecendo assim, maior repreensão por parte

do legislador.

2. Capítulo II – Dos Crimes Sexuais contra Vulneráv el

Este capítulo passou a dispor sobre as figuras delitivas previstas

nos artigos 217-A, 218, 218-A e 218-B, que se referem, respectivamente, aos

crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia

mediante a presença de criança ou adolescente e favorecimento da

prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável.

Hoje é grande o número de casos de violência sexual e exploração

sexual contra crianças e adolescentes. Os relatos obtidos por meio da

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, criada em março de 2003, foram

determinantes para a propositura do projeto de lei 253/2004 que, após várias

alterações, foi convertido na Lei 12.015/09.

À luz das discussões nas casas legislativas, a Constituição Federal

de 88, em seu artigo 227, homenageia o princípio da proteção integral à

criança e ao adolescente, trazendo à baila as modificações introduzidas pelo

diploma legal em consonância com tal princípio.

2.1. Art. 217-A

Inicialmente, vale lembrar ao leitor que o artigo 217, caput, do

Código Penal, que tratava do crime de sedução, foi revogado pela Lei

11.106/05, por isso mesmo não é objeto do presente artigo.

“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outr o ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descr itas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiênci a mental, não tem o necessário discernimento para a prática do at o, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência . § 2o (VETADO)

§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4o Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.

Conforme se vê, o artigo 217-A revogou o artigo 224, alíneas “a”,

“b” e “c”, do Código Penal, que tratava da presunção de violência, bem como

modificou algumas expressões que haviam sido adotadas, em consonância

com o Código Civil de 1916, mas que já vinham sendo abandonadas pela

doutrina e jurisprudência, diante da evolução dos estudos da psicologia e da

psiquiatria, e até mesmo pelo conteúdo pejorativo e vulgar com que

denominavam pessoas acometidas de determinados distúrbios mentais.

Ocorre que durante muito tempo afirmava-se que a presunção de

violência descrita no revogado artigo 224, era de natureza absoluta, não

cabendo prova em contrário. Assim, caso uma conjunção carnal fosse

praticada com pessoa não maior de 14 anos, era absolutamente presumido a

ocorrência da violência por parte do agente contra a vítima, diante da

incapacidade de ela consentir com a relação, configurando então o crime de

estupro. A partir da década de 80, parte da doutrina e dos tribunais começou a

discutir se a presunção seria absoluta ou relativa, ou seja, se neste último caso

caberia prova em contrário, podendo o agente provar no caso concreto que a

vítima tinha capacidade, até mesmo diante da vida sexual que já mantinha, de

discernir sobre a sua vontade de manter aquele contato sexual,

descaracterizando o crime de estupro.

O fato é que o legislador atual, acabando com essa discussão,

entende que a pessoa menor de 14 anos, que mantém com outra pessoa

conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso, encontra-se em uma situação de

absoluta vulnerabilidade, não cabendo ao aplicador o direito de decidir

contrariamente.

O dispositivo estendeu, também, a proteção para aquelas pessoas

que, diante de uma situação de vulnerabilidade, não tem capacidade de

discernir sobre a prática do ato ou mesmo não tenham como oferecer qualquer

tipo de resistência a ele.

Neste último caso, estão as pessoas com alguma enfermidade ou

deficiência mental e que, em virtude disso, não tenham necessário

discernimento sobre o ato, ou mesmo aquelas que se encontrem em uma

situação na qual não possam resistir à investida do agente.

Como se vê, as vítimas desse novo tipo foram escolhidas por um

critério biológico e psicológico, sendo classificado o crime, quanto ao sujeito

passivo, de próprio, diante da qualidade especial das vítimas. Contudo, de

forma sábia, o legislador entendeu por bem não abranger toda e qualquer

enfermidade ou deficiência mental, mas somente aquelas que implicarão o

comprometimento de juízo da pessoa sobre a prática do ato sexual. É óbvio

que existem casos em que mesmo sendo acometida de enfermidade mental, a

pessoa tem discernimento sobre a relação sexual que mantém, inclusive tendo

família constituída, com filhos.

Quanto à situação em que a vítima não pode oferecer resistência, o

item 70 da Exposição de Motivos do Código Penal, antes mesmo da

modificação, já trazia alguns exemplos, como no caso da paralisia ou no caso

de pessoas que sofreram algum acidente e que, temporariamente, tenham

seus movimentos tolhidos. A doutrina cita outros exemplos, como vítimas

embriagadas de forma letárgica, em estado de hipnose etc.

Tem sido muito corriqueiro nos noticiários casos em que médicos,

ao exercerem suas especialidades, sedam seus pacientes e se aproveitam

dessa situação para praticar com eles conjunção carnal ou atos libidinosos.

Neste caso, considerada a possibilidade de a vítima ter sido colocada pelo

próprio agente, na condição de não poder oferecer resistência, deverá ele ser

responsabilizado pelo crime em questão, pois não exigiu o legislador, para fins

de configuração do crime, que a vítima já se encontrasse nesse estado, tendo

o agente tirado proveito dessa condição.

Assim como fez com o crime de estupro disposto no art. 213, o

legislador também dispôs, nos §§ 1º e 2º do artigo 217-A, sobre modalidades

qualificadas do crime de estupro de vulnerável em ocorrendo lesão de natureza

grave (abrangida a gravíssima) ou morte.

2.1. Artigo 218-A

“Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal o u outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos”.

O delito de corrupção de menores, disposto no artigo 218 caput, do

Código Penal sofreu alteração em sua redação, que anteriormente previa a

conduta daquele que corrompia ou facilitava a corrupção de pessoa maior de

14 anos e menor de 18 anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou

induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo.

Entende-se por corrupção de menores, neste caso, o fato de o

menor passar habitualmente a ter uma vida devassa, a partir da primeira

relação sexual da qual participou ou tão somente presenciou.

Existia na doutrina e jurisprudência grande controvérsia a respeito

da classificação doutrinária, no que tange à exigência ou não da comprovação

da efetiva corrupção do menor para fins de consumação do crime. Havia os

que defendiam ser ele um crime material, exigindo assim, a comprovação da

efetiva corrupção posterior ao ato a que fora submetido. De modo diverso,

havia os que entendiam ser crime formal. Desta forma, a mera prática da

conduta (praticar ou induzir) seria suficiente para se dar por consumado o

delito. Portanto, se o menor já era entregue aos prazeres da carne ou

depravado e, em sendo material o crime, este não seria objeto apto à

configuração do crime. Consideraria-se, portanto, crime impossível, nos moldes

do artigo 17 do Código Penal. Caso contrário, em sendo crime formal, tal fato

seria irrelevante para a configuração delituosa.

Com a nova redação, percebe-se que o legislador simplificou a

conduta de corrupção de menores, bastando que o sujeito ativo induza, de

qualquer modo, menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem. O

elemento normativo “alguém” abrange tão somente os menores de 14 anos de

ambos os sexos, deixando o legislador de conferir proteção ao menor de 18

anos e maior de 14 anos no artigo 227, §1º, que é uma qualificadora do crime

de mediação para satisfação da lascívia de pessoa adulta.

Importante destacar que o agente que pratica a conduta descrita no

tipo não deverá impor à vítima a prática de conjunção carnal ou outro ato

libidinoso, sob pena de incorrer nas penas do artigo 217-A (estupro de

vulnerável) combinado com o artigo 29, todos do Código Penal, aplicando-se a

regra do concurso de agentes, ou seja, quem pratica a conduta prevista pelo

verbo núcleo do tipo (constranger) e aquele com quem o menor irá praticar um

ato libidinoso.

No tocante à conduta do agente que induz, a idéia é que ele tão

somente pratique atos de convencimento e persuasão, levando o menor de 14

anos a satisfazer a lascívia de outrem.

Quanto ao artigo 218-A, introduzido pela Lei 12.015/09, vale dizer

que veio em boa hora, suprindo a lacuna legislativa existente até então.

Conforme disposto acima, na antiga redação, o artigo 218 se resumia ao caput,

nada dispondo sobre a conduta de induzir o menor de 14 anos a presenciar

prática de ato sexual com o intuito de satisfazer a lascívia de outrem.

Igualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente era omisso em relação a

essa conduta, o que tornava atípico o comportamento do agente que, de

alguma forma, induzia-o a presenciar práticas libidinosas.

No tocante à primeira conduta descrita no tipo do artigo 218-A

(praticar), é necessário que o agente pratique a conjunção carnal ou outro ato

libidinoso na presença do menor de 14 anos, sendo indutor o indivíduo diverso

daquele que pratica o ato sexual. Além disso, o crime pode ser praticado em

uma pluralidade de condutas, havendo também a possibilidade de uma

pluralidade de agentes.

Pode ser que o agente praticante do ato libidinoso tenha como

parceiro o menor de 14 anos e que na mesma ocasião tal ato esteja sendo

presenciado por um menor de 14 anos. Assim, o agente incorrerá em duas

práticas delituosas: nos crimes de satisfação de lascívia mediante a presença

de criança ou adolescente e estupro de vulnerável, em concurso material de

crimes.

2.2. Artigo 218-B

“Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostitu ição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) a nos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necess ário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, i mpedir ou dificultar que a abandone: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. § 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantage m econômica, aplica-se também multa. § 2o Incorre nas mesmas penas: I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libi dinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze ) anos na situação descrita no caput deste artigo; II - o proprietário, o gerente ou o responsável pel o local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste art igo. § 3o Na hipótese do inciso II do § 2 o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e d e funcionamento do estabelecimento”.

O artigo em comento trata do crime de favorecimento à prostituição

ou qualquer outra forma de exploração sexual de vulnerável, proibindo a

conduta daquele que submete, induz ou atrai à prostituição, ou outra forma de

exploração sexual, menor de 18 anos, ou pessoa com enfermidade, ou

deficiência mental, que seja incapaz de discernir sobre a prática do ato. Pune,

ainda, a conduta daquele que a facilita, impede ou dificulta a vítima que já

esteja sendo explorada, de abandonar a situação a que está submetida.

No §1º, o legislador dispôs sobre uma qualificadora, cumulando à

pena privativa de liberdade, disposta no caput, uma pena de multa, quando o

agente praticar o crime visando à obtenção de vantagem econômica.

Já no §2º, têm-se duas figuras equiparadas ao crime do caput. O

inciso I refere-se à conduta daquele que mantém conjunção carnal ou qualquer

outro ato libidinoso com menor de 18 anos e maior de 14 anos que esteja na

condição de vítima da exploração. Neste caso, houve uma quebra da teoria

monista, prevista no artigo 29 do CPB, o qual discorre que “quem, de qualquer

modo, concorre para as práticas de um crime, incide nas penas a ele cominada

na medida da sua culpabilidade”. Então, o agente que estiver na situação

descrita anteriormente, restará incurso no artigo 218-B, §2º, inciso I, do CPB,

enquanto o agente praticante das condutas de “submeter, induzir, atrair,

facilitar, impedir ou dificultar” responderá pelo caput do artigo 218-B, também

do CPB.

Quanto ao inciso II, do §2º, do artigo 218-B, verifica-se que a

conduta daquele que é proprietário, gerente ou responsável por locais onde

ocorram a exploração sexual ou a prostituição também foi alvo de repressão

penal.

A nosso ver, o legislador quis reunir em um único artigo condutas

diversas e equipará-las à principal, prevista no caput, a fim de facilitar a

apuração dos crimes praticados por sujeitos que geralmente atuam em um

contexto que os une e acaba por fortalecer e tornar habitual esse tipo de

criminalidade.

Merece destacar que a expressão “exploração sexual”, até então

inexistente no Código Penal, trouxe um gênero do qual são espécies a

prostituição, o turismo sexual, a pornografia, cujo fim é a obtenção de lucro

comercial. Na verdade, a expressão não se resume apenas a essas espécies

descritas anteriormente, vez que sua principal finalidade é abranger o máximo

de condutas que se convergem em um mesmo sentido, qual seja, abusar, tirar

proveito do sexo praticado por terceiros, auferindo lucro. Aqui temos a

chamada interpretação analógica.

De um modo geral, as sanções administrativas impostas por uma

condenação são efeitos específicos da condenação, conforme disposto no

artigo 92 do CPB. No caso do §3º do artigo 218-B, o legislador entendeu por

bem tornar um efeito obrigatório da condenação de quaisquer dos agentes

envolvidos com a prática delituosa, a cassação de licença de localização e

funcionamento dos estabelecimentos onde ocorrerem a exploração de

vulnerável.

3. Capítulo IV – Disposições Gerais

3.1. Artigo 225

“Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título,

procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante a ção penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (d ezoito) anos ou pessoa vulnerável”. (NR)

A nova redação do artigo 225 do Código Penal, que trata da ação

penal para os crimes dispostos nos capítulos I e II do Título VI, dispõe que a

legitimidade para a propositura da ação penal cabe exclusivamente ao

Ministério Público, mesmo quando exige, em alguns casos, a representação da

vítima.

Antes da alteração, a regra era a ação penal privada, na qual se

conferia à vítima a legitimidade para a ação penal, salvo as exceções previstas

na redação anterior do artigo 225, em que seria pública condicionada à

representação, dispondo sobre a legitimidade do Ministério Público na

persecução penal. Já o delito de estupro mereceu tratamento diferenciado no

caso de ser praticado mediante violência real, pois, segundo a Súmula 608 do

Supremo Tribunal Federal, a ação penal seria pública incondicionada.

A regra, no Brasil, é que os crimes sejam apurados mediante ação

penal pública incondicionada, nos termos do artigo 100 do Código Penal,

colacionado abaixo:

“Art. 100 - A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério P úblico, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 2º - A ação de iniciativa privada é promovida med iante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá -lo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) § 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-s e nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece d enúncia no prazo legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.198 4) § 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou i rmão. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) ”.

Como se verifica, dizer que um crime se procede mediante ação

penal privada é afirmar que cabe à vítima dar início à ação penal, pelo

oferecimento da queixa-crime, e impulsioná-la até a decisão final. Em sentido

contrário, quando estamos diante de uma ação penal pública, o seu titular é o

Ministério Público que, pelo oferecimento da denúncia, provocará a jurisdição

para que decida se houve ou não o crime e se o denunciado é ou não o seu

autor.

Após essa breve explicação, voltemos à análise da importância das

novas regras no que tocante à ação penal nos crimes dispostos nos capítulos I

e II, do Título VI.

Como dizíamos, o legislador atual achou por bem retirar das mãos

da vítima a propositura da ação penal. Antes, a idéia que se tinha era fazer

prevalecer a vontade desta, já que na rotina de crimes dessa natureza é

comum nos depararmos com a situação em que a vítima não quer se expor,

principalmente dando início à ação penal e prosseguindo com a produção de

prova até a decisão definitiva, incidindo naquilo que a criminologia denomina de

“vitimização secundária” ou “revitimização”.

Rogério Greco10, ao tratar da análise do artigo 225, cita Hassemer

e Muñoz Conde, que, ao dissertarem sobre o tema, aduzem que “o efeito

vitimizador que tem os órgãos encarregados da Administração da Justiça

quanto em suas investigações e atuações policiais ou processuais expõem a

vítima a novos danos ou a situações incômodas, umas vezes desnecessárias,

mas outras inevitáveis, para a investigação do delito e castigo do delinquente”.

Hoje, a lei é clara no sentido de ampliar a proteção à vítima,

deixando nas mãos do Ministério Público a persecução criminal. O máximo que

a lei exige é a representação da vítima, como nos casos dos crimes dispostos

no capítulo I (estupro, violação sexual mediante fraude e assédio sexual).

Quanto aos crimes previstos no capítulo II (estupro de vulnerável, corrupção de

menores, satisfação da lasciva mediante a presença de criança ou

adolescente, favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual

10 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. vol. III, 5. ed. RJ: Impetus, 2008, p. 556.

de vulnerável), estes serão apurados mediante ação penal pública

incondicionada.

Não obstante a modificação em termos de ação penal e o desejo

do legislador de proteger a vítima, o fato é que hoje estamos diante de uma

celeuma jurídica. Conforme exposto acima, para o crime de estupro e suas

formas qualificadas (lesão grave ou morte), que passaram a integrar o corpo do

artigo 213, está expressamente previsto no artigo 225 que a ação penal será

pública condicionada.

Ocorre que antes da modificação, o delito de estupro qualificado

pelo resultado lesão grave ou morte era crime de ação penal pública

incondicionada, porquanto o antigo artigo 225 não tratava da ação penal

quando da ocorrência desses resultados, pois estavam dispostos no revogado

artigo 223 que, por sua vez, encontrava-se no Capítulo IV, do Título VI. Sendo

assim, como o artigo 223 falava “se da violência resultasse lesão grave ou

morte”, ou seja, com presença da violência real (física) aplicava-se o

enunciado da Súmula 608 do STF que determinava a instauração da ação

penal pública incondicionada.

O fato é que para alguns doutrinadores, a referida súmula perdeu

sua eficácia, diante da atual redação do artigo 225, tendo o legislador ignorado

a sua existência. Dessa forma, se tínhamos até 10 de agosto de 2009 ações

penais públicas incondicionadas em curso para apuração do crime de estupro

qualificado por esses resultados, com a entrada em vigor do novo diploma

legal, todas elas, a partir da entrada em vigor da Lei 12.015/09, deverão ser

suspensas, ficando a depender da representação da vítima ou de seus

familiares, já que, conforme dito acima, a representação é uma condição de

procedibilidade para a propositura da ação penal. Sem a representação, não há

como se prosseguir com a ação penal, justamente porque a inovação legal se

trata de uma novatio in mellius, devendo retroagir para alcançar os réus que

estejam respondendo pelo crime de estupro com resultado lesão grave ou

morte.

Nesse sentido, Damásio de Jesus11:

NOVATIO LEGIS IN MELLIUS: A LEI NOVA MODIFICA O REGIME ANTERIOR, BENEFICIANDO O SUJEITO. (...) A lei nova inclui condições de procedibilidade não exigidas anteriormente. É possível que a lei posterior transforme um crime de ação pública em crime de ação privada; que converta um crime de ação penal pública incondicionada em crime de ação penal pública condicionada à requisição ministerial ou representação. Nestes casos, são necessárias distinções: a) se a ação penal ainda não se iniciou, quando da entrada em vigor da lei nova, não pode ser intentada sem as referidas condições; b) se a ação penal já foi intentada pelo órgão do Ministério Público através da denúncia e a lei nova exigir a queixa, só pode prosseguir se o ofendido, ou seu representante legal, assumir a posição acusatória; c) se a ação penal já foi iniciada pelo órgão do Ministério Público, através da denúncia e a lei nova exigir representação, o processo só pode prosseguir em face da anuência do ofendido, que deverá ser notificado a fim de manifestar-se, sob pena, de ocorrer decadência. Em resumo, hoje se a vítima ou seu representante legal não forem

localizados, para apresentação de representação, em tempo hábil, na hipótese

de estupro qualificado pelos resultados lesão grave ou morte, os criminosos

poderão ser beneficiados, após 7 de fevereiro de 2010, pela decadência e, por

conseguinte, extinta suas punibilidades, nos termos do artigo 107, inciso IV, do

Código Penal.

Em virtude dessa situação absurda, o Procurador Geral da

República, com fundamento nos princípios da dignidade humana e da proibição

da proteção deficiente, ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4301,

datada de 17 de setembro de 2009, pedindo liminarmente que o artigo 225 seja

declarado inconstitucional, restaurando-se a eficácia da Súmula 608 do STF.

Apesar do entendimento do Procurador Geral da República e de

parte da doutrina, o tema não é pacífico, já que alguns doutrinadores, a

exemplo de Rogério Greco e Paulo Queiroz, entendem que a Súmula 608 do

STF não perdeu eficácia diante da reformulação do artigo 225.

Para uma melhor compreensão, transcrevemos o entendimento de

Rogério Grego12:

11

JESUS, Damásio E. Direito Penal: Parte Geral, vol 1, 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 88. 12 GRECO, Rogério. Adendo: Lei 12.015/2009. Dos crimes contra a Dignidade Sexual. RJ: Impetus. 2009.

“E mais. Temos que aplicar os princípios da razoabilidade; da conformação do legislador ordinário à Constituição da República; da proibição do retrocesso e o da interpretação conforme a Constituição para entendermos que, em se tratando de crime de estupro com resultado lesão grave ou morte ou, ainda, se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos, a ação será PÚBLICA INCONDICIONADA. Não é crível nem razoável que o legislador tenha uma política de repressão a esses crimes e, ao mesmo tempo, tornado a ação penal pública condicionada à representação. Até mesmo pelo absurdo de se ter a morte da vítima do crime de estupro e não haver quem, legitimamente, possa representar para punir o autor do fato. O crime ficaria impune. Com certeza, por mais confuso que esteja o Congresso Nacional, com seus sucessivos escândalos, não foi isso que se quis fazer. O intérprete não pode mais se ater, única e exclusivamente, ao que diz o texto ordinário, mas, principalmente, ao que diz a Constituição da República; e é aqui que reside a maior tarefa hermenêutica: conformar a lei ordinária ao texto constitucional.” E continua em seu raciocínio:

“Ora, é inconteste que o legislador ordinário jogou a barra da razoabilidade e da ponderação longe demais quando admitiu (acreditamos sem querer) que o crime de estupro com resultado lesão grave ou morte fosse de ação penal pública condicionada à representação. Se o fez conscientemente, houve um retrocesso social, inadmissível dentro de um Estado Democrático de Direito. Se a interpretação conforme a Constituição é uma forma adaptativa, corretiva e criadora de novos sentidos de um texto legal, não resultando dela a expulsão da lei do ordenamento jurídico, mas sim de sua recuperação, não há outra forma de entender o novo artigo 225 do CP que assim para nós fica: Nos crimes definidos no Capítulo I somente se procede mediante representação, salvo se da violência resultar lesão grave ou morte ou, ainda, se a vítima for menor de 18 anos ou pessoa vulnerável.”

De qualquer forma, para que possam ser evitadas interpretações

equivocadas e contraditórias nos casos concretos, a ação direta de

inconstitucionalidade ajuizada é totalmente pertinente e até que o Egrégio

Tribunal se manifeste, acreditamos que a melhor interpretação é a adotada por

Rogério Greco.

4. Capítulo V – Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoa para fim de prostituição ou outra forma de exploração sexual

4.1. Artigo 228

“Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificult ar que alguém a abandone: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e mu lta.

§ 1o Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irm ão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor o u empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, o brigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 2º - Se o crime é cometido com emprego de violênc ia, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, ap lica-se também multa”.

A prostituição, como todos sabem, é considerada uma das

“profissões” mais antigas da humanidade. Ao longo da história, a prostituição

foi tomando contornos diferenciados, a fim de se adaptar às mudanças sociais,

políticas e religiosas. Alguns chegam a afirmar que a prostituição é uma

necessidade da sociedade, já que contribui para a redução da violência sexual.

De fato, o problema não está simplesmente na prostituição, mas na

criminalidade que está por detrás dela, como o tráfico de drogas, de armas e

de pessoas.

A prostituição em si não é crime. No Brasil, adotou-se o sistema

abolicionista, deixando-se de responsabilizar criminalmente quem pratica a

prostituição. Apesar de não ser crime e já existir há bastante tempo, é certo

que a prostituição continua sendo permeada de preconceitos e discriminações

e isso é até compreensível, pois sempre foi praticada às margens da

sociedade, servindo para estigmatizar quem a exerce.

Não obstante seja atípico o comportamento de se prostituir,

mereceu atenção do legislador o comportamento daquelas pessoas que vivem,

de alguma forma, da prostituição ou, nas palavras de Hungria13, “que de

alguma forma se intrometem entre duas pessoas para fazer que uma aceda ao

desejo carnal da outra ou, ainda, para facilitar os recíprocos desejos que essas

pessoas teriam de conhecer-se carnalmente”.

13 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, vol. VIII, Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 268/269.

Com isso, o artigo 228 pune as condutas daquele que induz ou

atrai alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilita a sua

prática ou, ainda, impede ou dificulta que alguém a abandone.

Interessante registrar o posicionamento de Guilherme Nucci14 que,

ao criticar a manutenção da conduta como delituosa, afirma:

“Em primeiro plano, perdeu-se a oportunidade de extirpar da legislação penal brasileira esse vetusto e desacreditado crime. O favorecimento da prostituição é basicamente inaplicável, pois envolve adultos e, consequentemente, a liberdade sexual plena. A prostituição não é delito e a atividade de induzimento, atração, facilitação, impedimento (por argumento) ou dificultação (por argumento) também não tem o menor sentido constituir-se infração penal. O mais (prostituição) não é crime; o menos (dar a idéia ou atrair à prostituição) formalmente é. A lesão ao princípio da intervenção mínima e, por via de consequência, à ofensividade, torna-se nítida. Tratando-se de prostituição infantil, o bem jurídico ganha outro tom e outra importância; porém, cuidando-se de prostituição de adulto, com clientela adulta, sem violência ou grave ameaça, não há a menor razão para a tutela penal do Estado. O tipo penal, ora mantido com poucas alterações (inócuas), continuará sem aplicação na prática. Espera-se do Judiciário a posição de guardião dos ditames constitucionais, particularmente o direito à intimidade e à vida privada, não se podendo invadir o cenário do relacionamento sexual entre adultos.”

Bem ou mal, a nova redação do artigo 228 sofreu algumas

alterações, pois na anterior só se punia a conduta daquele que visava explorar

a prostituição. O legislador recente, de forma coerente e atualizada, tipificou a

conduta também daquele que tenha por finalidade outra forma de exploração

sexual.

Luis Flávio Gomes e Rogério Sanches15 trazem os estudos de Eva

Faleiros para conceituarem a exploração sexual como sendo um gênero, do

qual tem como espécies a prostituição, o turismo sexual, a pornografia e o

tráfico para fins sexuais.

14 NUCCI, Guilherme. Crimes contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 74/75. 15 GOMES, Luis Flávio; SANCHES, Rogério e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 65/66.

Já Rogério Greco16, de forma não menos precisa, entende que tal

expressão abrange aquela situação em que a vítima não vive do comércio do

corpo, mas de alguma forma é explorada sexualmente, sem nem mesmo

receber alguma remuneração em troca.

Não alheios ao que afirma Guilherme Nucci, as condutas mais

graves, tipificadas, realmente são aquelas que têm por finalidade impedir ou

dificultar que alguém abandone a prostituição ou outra atividade pela qual é

explorada sexualmente.

Geralmente a conduta visando impedir ou dificultar está relacionada

àquela situação em que a vítima, ao exercer a prostituição, acaba por contrair

dívidas com a pessoa que a explora, ao que este tenta impedi-la de deixar essa

atividade, impondo a quitação da dívida, que se tornou impagável, como

condição para liberá-la.

O artigo 228 traz, ainda, em seus §§1º, 2º e 3º, as modalidades

qualificadas do crime.

O §1º sofreu modificação em sua redação e também na pena

prevista, passando a dispor que “se o crime é praticado por ascendente,

padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador,

preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma,

obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, a pena é de reclusão de 3 a 8

anos”.

Já o §2º dispõe que, se o crime for cometido com violência ou

grave ameaça, a pena será de 4 a 10 anos de reclusão, além da prevista para

a violência. Este parágrafo não foi modificado.

Por sua vez, o §3º traz a figura do proxeneta mercenário, ou seja,

quando o agente pratica o crime visando à obtenção de lucro. Neste caso,

aplica-se além das penas privativas de liberdade cominadas, a pena de multa,

que deverá ser calculada no valor de referência de dias-multa.

16 GRECO, Rogério. Adendo: Lei 12.015/2009. Dos crimes contra a Dignidade Sexual. Niterói, RJ. 2009.

Importante registrar que só há possibilidade de configuração deste

delito se houver habitualidade no comércio da atividade sexual ou mesmo de

sua exploração. A prática de um único ato, como ocorreu no conhecido filme

“Proposta Indecente”, não se presta para configurar o delito em questão,

conforme afirma Rogério Greco17.

4.2. Artigo 229

Dispõe o artigo 229, intitulado “Casa de Prostituição”, com sua nova

redação, que:

“Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceir o, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intu ito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa”.

O referido artigo, antes de sua modificação, tinha a seguinte

redação: “manter, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou local

destinado a encontros para fins libidinosos, haja, ou não, intuito de lucro, ou

mediação direta do proprietário ou gerente”.

Como se observa, o legislador atual decidiu por bem utilizar a

expressão genérica “estabelecimento em que ocorra exploração sexual”, como

forma de alcançar a manutenção de qualquer estabelecimento, seja ou não

casa de prostituição. A doutrina dá exemplos dos prostíbulos, casas de

massagem, bordéis, randez vouz, boites de strip teases ou mesmo qualquer

outro lugar onde as pessoas se deixam explorar sexualmente, mesmo sem

finalidade de lucro.

Percebe-se que, apesar de várias críticas e até de previsões

contrárias, o legislador manteve tipificada criminalmente a conduta de

manutenção de casa de prostituição.

Interessante registrar que no início de 2009, em uma decisão alvo

de discussões e críticas, o Superior Tribunal de Justiça18 reafirmou o

17 Idem, p. 134. 18 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 820.406/RS. Relator: Arnaldo Esteves Lima. Julgado em 05.03.2009. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 19.01.2010.

entendimento de que a conduta é motivo de repressão, não se justificando se a

prática é tolerada pela sociedade.

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça deu-se diante de

uma decisão absolutória do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de alguns

réus acusados de manterem casa de prostituição. Todos foram absolvidos pelo

juízo de primeira instância, decisão esta mantida pela segunda instância, o que

ensejou a interposição, pelo Ministério Público, do Recurso Especial.

O fundamento da decisão de absolvição foi o de que o fato não

mais constitui infração penal, devendo ser reconhecido à sociedade civil o

direito de descriminalização do tipo penal, já que a manutenção da

penalização, neste caso, em nada contribui para o fortalecimento do Estado

Democrático de Direito, resultando apenas em um tratamento hipócrita diante

da prostituição institucionalizada com rótulos como “acompanhantes” ou

“massagistas”.

Luiz Flávio Gomes19, fazendo uma análise da posição do Superior

Tribunal de Justiça, lembrou que:

“(…) o equívoco da decisão (s.m.j.) não é só cultural. Também é científico. A interpretação exageradamente formalista do tipo penal (art. 229) retrata uma enorme desatualização. Depois de Roxin (1970) o tipo penal já não pode ser interpretado literalmente, secamente, gramaticalmente. A tipicidade (como temos enfatizado nos nossos livros) é formal e material. Uma das exigências materiais reside na desaprovação da conduta que cria risco proibido (Roxin); uma outra reside na produção de um resultado jurídico intolerável (Zaffaroni, Luiz Flávio etc.). Nada disso está presente na manutenção de casa de prostituição (ou motel), na medida em que os frequentadores sejam adultos, que praticam sexo ou outra atividade libidinosa sem nenhum tipo de violência. (...)” Outro grande doutrinador, Rogério Greco20, também se mostra

contrário à existência desse tipo penal, afirmando que:

“a existência de tipos penais como o do artigo 229 somente traz descrédito e desmoralização para a Justiça Penal (Polícia, Ministério Público e Magistratura etc), pois que, embora sendo do conhecimento da

19 GOMES, Luiz Flávio. Ter ou manter casa de prostituição (ou motel) é crime, diz STJ. Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20090311123823830. Acesso em 13.12.2009. 20 GRECO, Rogério. Adendo: Lei 12.015/2009. Dos crimes contra a Dignidade Sexual. Niterói, RJ. 2009, p. 139.

população em geral que essas atividades são contrárias à lei, ainda assim o seu exercício é levado a efeito por propagandas em jornais, revistas, outdoors, até mesmo em televisão, e nada se faz para tentar coibi-lo. Nas poucas oportunidades em que se resolve investir contra os empresários da prostituição em geral, percebe-se, por parte das autoridades responsáveis, atitude de retaliação, vingança, enfim, o fundamento não é o cumprimento rígido da lei penal, mas algum outro motivo, muitas vezes escuso, que impulsiona as chamadas blitz em bordéis, casas de massagens e similares. Nessas poucas vezes que ocorrem essas batidas policiais, também o que se procura, como regra, é a descoberta de menores que se prostituem, demonstrando, assim, que não é o local em si que está a merecer a repressão, mas sim o fato de ali se encontrarem pessoas que exigem a sua proteção”.

Independente das críticas feitas, a consumação do crime de

manutenção de casa de prostituição, para a maioria da doutrina, exige uma

habitualidade de conduta, ou seja, por ser um crime classificado

doutrinariamente como habitual, a prática isolada no local de um encontro

“amoroso” constitui um indiferente penal. É necessária uma conduta reiterada

para sua configuração.

Rogério Greco21 discorda dessa necessidade, entendendo que o

simples fato de o agente inaugurar um local que se destine à exploração sexual

já consuma o crime, cabendo inclusive a prisão em flagrante de seus

proprietários. Para ele, se de um lado o tipo exige o animus de permanência e

habitualidade, do outro não requer a prática de qualquer ato libidinoso.

Apesar da posição respeitável do doutrinador, o fato é que a

doutrina majoritária (aqui podemos citar Cezar Roberto Bitencourt 22) entende

pela necessidade da prática reiterada de atos referentes à exploração sexual, o

que afasta também a possibilidade da tentativa no crime.

Fato outro que nos chama a atenção é que, com a modificação do

tipo penal, os motéis, a princípio, deixaram de se enquadrar no crime de “casa

de prostituição”, a não ser que se destinem à exploração sexual.

A antiga redação do artigo 229 tipificava a conduta daquele que

mantinha, por conta própria ou de terceiro, casa de prostituição ou local

21 Idem, p. 141. 22 BITENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal. Parte Especial 3, 4. ed. São Paulo: Saraiva, p. 95.

destinado a encontros para fins libidinosos, havendo ou não intuito de lucro.

Com isso, alguns doutrinadores chegavam a afirmar que o motel se

enquadraria no tipo penal, na modalidade “local destinado a encontros para fins

libidinosos”. Ocorre que existia uma grande divergência doutrinária e

jurisprudencial a esse respeito, principalmente diante da interpretação restritiva

que se deu a esses locais como sendo aqueles que se destinavam

especificamente à prostituição.

Fora isso, o próprio princípio da adequação social terminava por

afastar os donos de motéis da responsabilização penal, como podemos extrair

do Acórdão nº 76473/TJDF.

Hoje, tal discussão encontra-se esvaziada, diante da alteração do

tipo penal.

4.3. Artigo 230

A Lei 12.015/09 deu nova redação aos §§ 1º e 2º, do artigo 230,

passando o crime de rufianismo a dispor sobre as seguintes modalidades

qualificadas:

Art. 230 … “§ 1 o Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padra sto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou cura dor, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por l ei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância : Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e mul ta. § 2o Se o crime é cometido mediante violência, grave a meaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livr e manifestação da vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem p rejuízo da pena correspondente à violência”. (NR)

O crime de rufianismo dispõe sobre a conduta daquele que tira

proveito da prostituição alheia, participando diretamente dos seus lucros ou

fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça.

Como se vê, a conduta do rufião é diversa da do lenão (que pratica

o crime de lenocínio – artigo 228), pois neste o agente, após intermediar uma

relação sexual entre duas ou mais pessoas, afasta-se da vítima sem buscar

necessariamente o lucro. Rogério Sanches Cunha23 afirma, ainda, que o lucro

é o marco que diferencia o crime de rufianismo daquele previsto no artigo 229

(casa de prostituição).

Apesar de a conduta do caput do artigo 230 ter sido mantida, o

legislador acrescentou a ele duas formas qualificadas. Na verdade, o §1º

trouxe uma descrição mais abrangente do que a prevista no §1º do artigo 227,

dispondo que a pena é de reclusão de três a seis anos, e multa, se a vítima

(pessoa que é explorada pelo rufião) é menor de 18 anos e maior de 14 anos,

ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado,

cônjuge da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de

cuidado, proteção ou vigilância (é o chamado agente garantidor).

Nota-se que a primeira hipótese da qualificadora exige do agente

conhecimento prévio da idade da vítima, sob pena de não incidir na modalidade

qualificada.

Já o §2º trata da hipótese, em que a pena é de reclusão de dois a

oito anos, de o agente utilizar de violência ou grave ameaça, ou mesmo utilizar

fraude ou qualquer outro meio que impeça, ou dificulte, a livre manifestação da

vontade da vítima.

No caso de haver emprego de violência, deverá ser aplicada a

regra do cúmulo material de penas, por expressa disposição do §2º, diante do

concurso de crimes, ou seja, a pena do crime de rufianismo qualificado deverá

ser somada à pena da lesão decorrente da violência.

Por sua vez, as qualificadoras previstas na parte final do §2º,

fraude ou qualquer outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da

vontade da vítima, são novidades e, por isso mesmo, não poderão retroagir

para alcançar fatos pretéritos, diante da proibição da retroatividade da lei penal

que traga malefícios ao agente.

23 GOMES, Luis Flávio; SANCHES, Rogério e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 74.

Importante lembrar que, antes da alteração, havia a incidência

também no rufianismo qualificado, da pena de multa, sendo que esta, agora,

deixou de existir.

4.4. Artigo 231

Dispõe o artigo 231 sobre o crime de tráfico internacional de

pessoa para fins de exploração sexual, com a redação dada pela Lei

12.015/09:

“Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no terr itório nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou o utra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exer cê-la no estrangeiro. Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, alicia r ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2o A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência menta l, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III – se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor o u empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, o brigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraud e. § 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem e conômica, aplica-se também multa”.

O comércio de pessoas para exercer a prostituição é uma prática

comum há algum tempo e ultrapassa fronteiras. Notícias veiculadas pelos

meios de comunicação mostram mulheres brasileiras que são levadas para o

exterior por quadrilhas de aliciadores e que, chegando lá, encontram-se

impedidas de retornarem ao Brasil após descobrirem que o trabalho prometido

não é de modelo e muito menos o tão sonhado casamento, mas a prostituição.

A frequência de estrangeiras trazidas para o Brasil já é bem menor, apesar de

merecer a mesma proteção da norma.

O artigo 231, em 2005, já havia sofrido alteração, por meio da Lei

11.106, quando a rubrica original “tráfico de mulheres” foi substituída por

“tráfico internacional de pessoas”, a fim de ampliar a proteção tanto a mulheres

quanto a homens, que são vítimas deste crime.

Desta vez, o legislador novamente alterou a rubrica do crime,

inserindo a finalidade do tráfico de pessoa para “fim de exploração sexual”.

Outra alteração na redação do tipo é que a conduta de intermediar

foi retirada do caput do artigo 230 e passou a integrar o §1º, por meio de outras

condutas, como agenciar, aliciar etc. Também foi inserido o §3º ao tipo,

acrescendo a pena de multa se o crime for praticado com o intuito de lucro.

Como se vê, o reflexo da preocupação internacional com o tráfico

internacional de pessoas para fim de serem exploradas sexualmente é nítido,

uma vez que se ampliou o leque de condutas punidas pela norma. Antes, a

redação era mais enxuta e punia-se aquele que promovesse, intermediasse ou

facilitasse a entrada, no território nacional, de pessoa que viesse a exercer a

prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no exterior. Hoje, as condutas

foram ampliadas, alcançando aquele que promova, facilite a entrada ou a saída

de pessoas que venham a exercer a prostituição ou outra forma de exploração,

bem como aquele que agencie, alicie, compre a pessoa traficada, transporte,

transfira ou aloje essa pessoa.

O §2º, por sua vez, prevê uma causa de aumento de pena da ½ se

a vítima é menor de 18 anos ou se não tiver o necessário discernimento para a

prática do ato, por razões de enfermidade ou doença mental. Continua o

referido parágrafo incidindo o aumento na pena do agente que seja

ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor,

curador, preceptor, empregador da vítima, ou se assumiu por lei ou outra

forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância. E, por fim, incide o

aumento, se o crime for praticado com emprego de violência, grave ameaça ou

fraude.

Conforme se verifica, a antiga redação do §1º, que fazia remissão

ao artigo 227, §1º, que tratava de modalidade qualificada, foi ampliada e

transformada em causa de aumento de pena, a ser sopesada na terceira fase

da dosimetria da pena. Por fim, a multa ganhou parágrafo destacado no tipo do

artigo 231 (§3º).

As alterações foram consideráveis, apesar de alguns doutrinadores

se posicionarem no sentido de que não terão efetividade ou praticidade. O fato

é que a própria doutrina já se antecipa nas discussões, e a divergência quanto

ao momento consumativo do crime continua e é exaustiva. Para Rogério

Greco24 e Guilherme Nucci25, o crime é material, pois para sua consumação é

indispensável a verificação de que a pessoa, que entrou ou saiu do país, venha

a exercer a prostituição, ou seja, explorada sexualmente – seria uma

modalidade de crime condicionado. Daí, percebe-se que possibilidade do

reconhecimento da tentativa também é objeto de discussão. Contudo, para a

maioria da doutrina o crime é formal, ou seja, a consumação se dá com a

entrada ou saída da pessoa do território nacional, dispensando-se que

pratique, efetivamente, algum ato fruto da exploração sexual.

4.6. Artigo 231-A

A nova redação do artigo 231-A, que trata do tráfico interno de

pessoas, segundo alguns doutrinadores, tornou-se mais apurada, nos

seguintes termos:

“Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento d e alguém dentro do território nacional para o exercício da prostitu ição ou outra forma de exploração sexual: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 1o Incorre na mesma pena aquele que agenciar, alicia r, vender ou comprar a pessoa traficada, assim como, tendo conhe cimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la. § 2o A pena é aumentada da metade se: I - a vítima é menor de 18 (dezoito) anos; II - a vítima, por enfermidade ou deficiência menta l, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; III - se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor o u empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, o brigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou IV - há emprego de violência, grave ameaça ou fraud e. § 3o Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa”.

24 GRECO, Rogério. Adendo: Lei 12.015/2009. Dos crimes contra a Dignidade Sexual, Niterói, RJ. 2009, p. 156. 25 NUCCI, Guilherme. Crimes contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 89.

O que estes doutrinadores querem dizer é que a redação atual do

artigo separou quem promove o deslocamento da pessoa daquele que agencia

ou intermedeia o tráfico.

Este artigo foi introduzido em 2005, por meio da Lei 11.106, e teve

por finalidade punir as atividades destinadas ao exercício da prostituição dentro

do território nacional.

Dando continuidade às alterações legislativas, a Lei 12.015/09 deu

nova redação ao dispositivo, mantendo as condutas de promover ou facilitar o

deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da

prostituição ou outra forma de exploração sexual, acrescendo novas condutas

ao §1º, quais sejam, aliciar, agenciar, vender, comprar a pessoa traficada,

transportá-la, transferi-la ou alojá-la. Essas últimas seriam condutas punidas

por extensão da própria norma.

Verifica-se, assim, que a ideia da proteção conferida à vítima do

tráfico internacional é a mesma da do tráfico interno. Na verdade, a

preocupação com o tráfico interno de pessoas tem aumentado no Brasil em

virtude do turismo sexual, muito comum em cidades turísticas, em especial

naquelas localizadas na Região Nordeste, principalmente nos meses de férias

(janeiro e julho).

O tráfico interno de pessoas assemelha-se ao tráfico internacional

até mesmo no que diz respeito às causas de aumento de pena. Assim como no

artigo 231, as penas no artigo 231-A aumentam-se da metade se a vítima é

menor de 18 anos, se não tem discernimento sobre a prática do ato em virtude

de deficiência mental ou enfermidade, se o agente tem alguma relação de

parentesco ou esteja em uma situação de responsável ou agente garantidor e,

por fim, se há emprego de violência, grave ameaça ou fraude na prática

delituosa.

O §3º traz o tráfico interno mercenário de pessoas, denominado

assim pela doutrina, cumulando a pena de multa à pena privativa de liberdade,

quando o intuito do agente é obter lucro.

Uma única diferença de tratamento entre os artigos 231 e o 231-A

foi em relação à pena. Antes da Lei 12.015/09 as penas para ambos os crimes

eram idênticas. Hoje, a pena para o tráfico interno de pessoa é de reclusão de

2 a 6 anos, ou seja, menor do que a prevista para o tráfico internacional, que é

de 3 a 8 anos de reclusão.

Quanto a questão do momento consumativo do crime, interessante

registrar o posicionamento de Guilherme Nucci26 quando analisando o tipo em

questão, afirma que, por ser este um crime formal, não demanda resultado

naturalístico, ou seja, não é necessário se perquirir se a vítima se prostituiu ou

se foi explorada sexualmente, bastando que o agente pratique quaisquer das

condutas descritas no tipo penal.

Poderíamos nos perguntar: Por que a mudança de posicionamento

do doutrinador, se os crimes de tráfico internacional e interno de pessoa são

tão semelhantes? Diante de uma breve leitura, verifica-se que Nucci analisa o

crime do artigo 231-A da seguinte forma:

“... E o mais importante: colocou-se o exercício da prostituição ou outra forma de exploração sexual como finalidade a ser atingida, mas não necessariamente.”

O que o doutrinador quer dizer é que o elemento subjetivo do

injusto, também chamado de elemento subjetivo específico, que se extrai da

expressão “para o exercício da prostituição ou outra forma de exploração

sexual”, não necessariamente deverá ocorrer, ou seja, é só uma finalidade a

mais do agente que pratica quaisquer das condutas descritas. Diversa é a

redação do artigo 231, quando dispõe sobre o elemento subjetivo específico

“que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual”,

isto é, neste realmente deverá ser comprovado o resultado naturalístico - se a

pessoa traficada veio realmente a ser explorada, de alguma forma,

sexualmente.

26 NUCCI, Guilherme. Crimes contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 92.

De qualquer modo, apesar dessas discussões, a doutrina

majoritária sempre se posicionou pela defesa de ambos os crimes como

formais, exigindo-se tão somente, para sua consumação, a prática das

condutas descritas nos tipos.

5. Disposições Gerais

5.1. Artigos 234-A e 234-B

O capítulo VII do Titulo VI dispõe sobre causas de aumento de

pena aplicáveis aos crimes contra a dignidade sexual, tendo os artigos 234-A e

B a seguinte redação:

“Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a p ena é aumentada: I – (VETADO); II – (VETADO); III - de metade, se do crime resultar gravidez; e IV - de um sexto até a metade, se o agente transmit e à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria sa ber ser portador.” “Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.” “Art. 234-C. (VETADO) . (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) ”.

O artigo 234-A trouxe duas novas causas de aumento de pena,

cada qual com frações diferenciadas.

Inicialmente, cabe registrar que a decisão de vetar os incisos I e II

do artigo 234-A deu-se tendo em vista que as hipóteses de aumento de pena

previstas nos referidos dispositivos já figuram nas disposições gerais, no artigo

226, que manteve a sua redação anterior. A repetição dessas causas de

aumento nos incisos acima em nada iria contribuir, podendo, inclusive, gerar

discussões e interpretações diversas. Para esclarecer melhor, o artigo 226 trata

das causas de aumento de pena se o crime é cometido com o concurso de 2

(duas) ou mais pessoas e se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, tio,

irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da

vítima ou que tenha autoridade sobre ela.

Esclarecido esse ponto, o artigo 234-A traz duas novas causas de

aumento de pena aos crimes dispostos no Título VI. No inciso III, tem-se um

aumento de pena da metade se do estupro resultar gravidez. Anteriormente,

esse resultado deveria ser considerado pelo juiz ao analisar as conseqüências

do crime, na primeira fase da dosimetria, quando da análise das circunstâncias

judiciais. Com a reforma do Código, o sopesamento agora ocorre na terceira

fase, como causa de aumento de pena.

Por sua vez o inciso IV traz um aumento de 1/6 até metade se o

agente transmitir à vitima doença sexualmente transmissível de que sabe ou

deveria saber ser portador. A dúvida deste inciso é se essas expressões “de

que sabe ou deveria saber ser portador” denotam o dolo ou podem ser

imputados ao agente a título de culpa. Rogério Greco27 nos responde:

“ O inciso IV em análise exige, para efeitos de aplicação da causa especial de aumento de pena, que o agente, no momento do contato sexual, saiba – ou pelo menos deva saber – que seja portador dessa doença sexualmente transmissível. As expressões contidas no mencionado artigo – saiba ou deva saber ser portador - são motivo de intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial. Discute-se se tais expressões são tão somente indicativas de dolo ou podem permitir também o raciocínio com a modalidade culpa.

... Com a devida vênia das posições contrárias, devemos entender que as expressões que sabe ou deva saber ser portador dizem respeito ao fato de que o agente atuado, no caso concreto, com dolo direto ou mesmo com dolo eventual, mas não com culpa. Merece ser frisado, ainda, que, quando a lei menciona que o agente sabia ou devia saber ser portador de uma doença sexualmente transmissível está se referindo, especificamente, a esse fato, ou seja, ao conhecimento efetivo ou possível da contaminação, e não ao seu elemento subjetivo no momento do ato sexual, ou seja, não importa saber, para que se aplique a causa de aumento de pena em estudo, se o agente queria ou não a transmissão da doença, mas tão somente se, anteriormente ao ato sexual, sabia ou poderia saber se dela era portador.

Anteriormente à mudança legislativa, em ocorrendo a doença

transmissível, o agente respondia também pelo crime disposto no artigo 131 do

Código Penal, que trata do crime de perigo de contágio venéreo, em concurso

formal impróprio. Agora, conforme destaca Luis Flávio Gomes e Rogério

27 GRECO, Rogério. Adendo: Lei 12.015/2009. Dos crimes contra a Dignidade Sexual. Niterói, RJ. 2009, p. 169.

Sanches28, parece óbvio que o crime de perigo fica absorvido, evitando o bis in

idem na aplicação da pena.

O artigo 234-B determina que todos os processos em que se

apuram os crimes definidos no Título VI, devam ser resguardados pelo segredo

de justiça, mitigando dessa forma o princípio da publicidade dos processos,

que é a regra. Aqui, o legislador de forma acertada protegeu a intimidade das

vítimas, evitando que fiquem expostas a um constrangimento maior diante de

um possível acesso às informações ali contidas e aos atos praticados durante o

curso da ação penal.

6. Lei 2.252/54 e o Princípio da Continuidade Norma tivo-Típica

A Lei 12.015/09, além de alterar o Título VI do Código Penal,

dispôs sobre a revogação do artigo 1º da Lei 2.252/04, que tratava do delito

especial de corrupção de menores. Tal dispositivo, diverso do que vimos no

artigo 218, tipificava a conduta daquele que corrompia ou facilitava a corrupção

de pessoa menor de 18 anos, com ela praticando infração penal ou induzindo a

praticá-la.

Diverso do que se pode entender, o novel diploma não

descriminalizou tal conduta, pois apesar de ter revogado a Lei 2.252/54, a

conduta descrita no artigo 1º foi alvo de modificação e criação do tipo previsto

no artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, ocorrendo o que se

chama de “Princípio da Continuidade Normativo-Típica, conforme se verifica

abaixo:

“Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal o u induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incl uído pela Lei nº 12.015, de 2009) § 1o Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisq uer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da intern et. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

28 GOMES, Luis Flávio; SANCHES, Rogério e MAZZIOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 89.

§ 2o As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1 o da Lei n o 8.072, de 25 de julho de 1990 . (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) ”. Apesar de não receber mais a rubrica “corrupção de menores”,

percebe-se que a redação do artigo 244-B é idêntica ao do artigo 1º do

revogado diploma legal, tendo o legislador só excluído do preceito primário o

quantum de pena privativa de liberdade e o valor da multa, que já se

encontrava ultrapassado. Além disso, o artigo 244-B foi acrescido dos §§1º e

2º, que demonstram a preocupação com o meio de execução da corrupção e

com a espécie de infração penal a que o menor é induzido a praticar.

O legislador, no §1º, como não poderia deixar de ser, atento aos

avanços tecnológicos, mais especificamente no que tange à rede mundial de

computadores, pune, também aquele que utiliza quaisquer meios eletrônicos,

para praticar as condutas descritas no caput do artigo 244-B. Podemos mais

uma vez concluir que o princípio da proteção integral ao menor deve ser

pensado sobre todos os aspectos, inclusive diante dos avanços promovidos

pela informática.

No §2º, trouxe o legislador um aumento de pena ao agente que

corromper ou facilitar a corrupção do menor, fazendo com que ele pratique

crimes hediondos. Entendemos que neste caso, a punição do agente deverá

ser mais grave, principalmente diante do princípio da proporcionalidade de sua

conduta, fazendo com que o menor pratique delito de altíssimo potencial

ofensivo.

Quanto ao momento consumativo do crime, entendemos que a

discussão outrora mantida pelos doutrinadores e tribunais, sobre a

necessidade ou não de se perquirir a efetiva corrupção do menor, para fins de

consumação do crime, deverá continuar, já que a conduta descrita no artigo

244-B não sofreu nenhuma alteração que pudesse pôr fim às discussões. O

fato é que, por uma norma comezinha de hermenêutica, deverá prevalecer nos

tribunais o entendimento de que, para a consumação do crime basta, tão

simplesmente, a prática da conduta, principalmente por ser um crime de perigo,

se presumindo a inocência moral do menor de forma absoluta como

pressuposto fático do tipo.

É certo que, diante da postura adotada pelo legislador atual, de

preocupação com a proteção do menor, a melhor interpretação é a de que,

para a consumação do crime, mostra-se necessária apenas a prática da

conduta. Contudo, a questão é polêmica e promete não ter fim.

7. Alterações da Lei 8.072/90

Diante das alterações dispostas nos Capítulos I e II, do Título VI, do

Código Penal, fizeram-se necessárias algumas alterações, na verdade poucas,

no artigo 1º da Lei 8.072/90, que trata dos crimes hediondos.

A primeira alteração foi no sentido de ajustar a redação do inciso V

e VI, do artigo 1º, do referido diploma legal. Antes, os incisos etiquetavam

como crimes hediondos, respectivamente, o estupro e o atentado violento ao

pudor. Sendo assim, diante da nova realidade dos crimes contra a dignidade

sexual, passaram a constar, nestes incisos, os crimes de estupro (nas

modalidades simples e qualificadas) e de estupro de vulnerável (também em

suas modalidades simples e qualificadas).

Interessante registrar que, com as novas modificações feitas na Lei

8.072/90, chegou ao fim a discussão doutrinária que existia se os crimes de

estupro e atentado violento ao pudor, em suas formas simples, seriam ou não

crimes hediondos. Isso porque na antiga redação, os incisos V e VI referiam-se

apenas às modalidades qualificadas. Agora, conforme se verifica abaixo, tal

polêmica chegou ao fim.

“Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, to dos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930, de 6.9.1994) (…) V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o); (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009) . (…)”

8. Conclusões

De tudo que expusemos aqui, chega-se a várias conclusões.

Inicialmente, percebemos que o Título VI do Código Penal já vinha

sofrendo algumas modificações, já que em 2002 foi introduzido o artigo 216-A,

que tratou da conduta do assédio sexual. Posteriormente, em 2005, a Lei

11.106 revogou o crime de sedução, tornando atípica essa conduta tão arcaica

nos dias atuais.

Verifica-se que em 2009, o legislador, sob o novo enfoque jurídico,

baseado na Constituição Federal, traz a lume os princípios da dignidade da

pessoa humana, da liberdade e da proteção integral da criança e do

adolescente. Além disso, sobre o enfoque social, conclui-se que o Título VI

adequou-se à realidade ao deixar claro a necessidade de tutela da liberdade

sexual e não da moral sexual.

Dentro dessa nova visão, pode-se concluir que no geral, as

alterações do Título VI alcançaram alguns objetivos específicos, principalmente

no que tange à necessidade de se combater de forma mais veemente a

violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Nesse diapasão,

fixou-se a idade (abaixo de 14 anos) como limite de absoluta proibição a

qualquer tipo de relacionamento sexual. A contrário sensu, estabelecido esse

limite, tudo está a depender do consentimento ou não da pessoa. É como se o

legislador dissesse que a partir dos 14 anos não deve o Estado interferir na

liberdade sexual de qualquer pessoa, a não ser que haja violência, grave

ameaça ou fraude.

É de se perceber que a atualização legislativa está em consonância

com as transformações sociais, pois é de conhecimento de todos que a

iniciação sexual das pessoas tem ocorrido cada vez mais cedo, mais

especialmente no período da adolescência. Certo ou errado, bem ou mal, o fato

é que a lei é clara em relação a isso.

Não obstante os ajustes da lei, considerados positivos, existem

preocupações e discussões em relação a algumas imprecisões e lacunas

legislativas. Primeiro, quanto à ocorrência de possível inaplicabilidade da causa

de aumento de pena contida no artigo 9º da Lei 8.072/90 aos crimes contra a

dignidade sexual, diante da revogação do artigo 224 do Código Penal, que

tratava da presunção de violência. Neste caso, alguns já sustentam que esta

causa de aumento teria perdido o seu pressuposto legal, não sendo mais

possível a sua aplicação para fatos posteriores à Lei. E esse foi o entendimento

do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 110205/SC, julgado em 20 de

setembro de 2009.

Aqui, entendemos que os aplicadores do direito deverão ter muita

cautela na medida em que uma resposta positiva, de não aplicação do artigo 9º

ao Título VI, mais especificamente no capítulo II, implicaria o surgimento de

uma norma mais benéfica, incidindo imediatamente nos processos em

andamento ou mesmo naqueles sentenciados.

Entendemos ser a melhor interpretação aquela que preserva a

incidência da causa de aumento de pena ao artigo 217-A do Código Penal.

Nesse sentido, percebe-se que o legislador fala que a causa de aumento de

pena incide em qualquer das hipóteses do artigo 224, e tais hipóteses

continuam referidas na lei, porém no artigo 217-A, que trata do estupro de

vulnerável. Ora, o simples fato de o artigo ter sido substituído não pode se

tornar óbice para a aplicação do artigo 9º da Lei 8.072/90, já que o mecanismo

de remissão às vitimas elencadas nele está devidamente preservado no artigo

217-A.

Caso o intérprete ainda tenha dúvida sobre a aplicabilidade do

dispositivo da Lei de Crimes Hediondos, basta fazer uma interpretação

conforme a Constituição, tendo em mente que o legislador de 2009 quis

reafirmar os interesses constitucionalmente protegidos, que aqui é a criança e

o adolescente, os quais gozam de proteção com absoluta prioridade.

Quanto à incidência da Súmula 608 do STF, que trata da ação

penal para as formas qualificadas do crime de estupro, acreditamos que antes

mesmo de o Supremo Tribunal se manifestar na Ação Direta de

Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral da República, a posição

dos tribunais será de manutenção do comando da súmula às hipóteses de

estupro, se ocorrida lesão grave ou morte.

Talvez a maior discussão esteja em relação à lacuna criada pela

Lei 12.015/09, em relação ao adolescente de 14 anos, que no dia do seu

aniversário é estuprado. Para alguns, por não ser ele nem menor e nem maior

de 14 anos, a conduta do agente seria atípica, com base em uma visão técnica

de tipicidade e integração da norma, porquanto qualquer analogia seria

prejudicial ao réu, sendo inaceitável no Direito Penal.

Ocorre que, para parte da doutrina, não responderia o agente pelo

crime do artigo 217-A (estupro de vulnerável) e nem pelo crime disposto no

artigo 213, §1º (estupro qualificado), mas sim pelo caput do artigo 213, que

trata da modalidade simples do crime de estupro. Esse entendimento acaba

por beneficiar o agente, pois a pena a ser-lhe aplicada será menor do que

aquela que seria cominada a um outro agente que estuprasse uma vítima

menor ou maior de 14 anos.

Neste caso, acreditamos que a melhor posição é daqueles que,

com fundamento principiológico e interpretativo, baseado no princípio da

proteção integral da criança e do adolescente e na intenção do legislador,

entendem que seria muito preciosismo da parte do aplicador da lei ater-se às

palavras contidas no tipo penal e interpretá-las de forma literal. Ora, ter 14 anos

equivale a ter a mesma proteção conferida ao maior de 14 anos, pois a ideia da

lei não é reduzir a tutela, mas ampliá-la a ponto de conferir uma resposta mais

efetiva em caso de vítimas menores de 18 anos, e com imposição de penas

maiores.

Por fim, em que pese o legislador ter reunido as condutas dos

artigos 213 (estupro) e 214 (atentado violento ao pudor) no tipo penal “estupro”

(artigo 213), com o intuito de facilitar a caracterização do delito, essa opção

mostrou-se prejudicial à vítima. Anteriormente, a pena era mais severa para o

agente que praticasse, dentro de um mesmo contexto, conjunção carnal e outro

ato libidinoso com a mesma vítima, implicando a aplicação da regra do

concurso material de crimes, quando então as penas eram somadas. Desta

feita, foi bem o legislador por um lado, porque ampliou as condutas que

caracterizam o crime de estupro, bem como os sujeitos do crime. No entanto,

mostrou-se pouco efetivo, por beneficiar esse mesmo agente, na situação

acima descrita, com aplicação da pena de um crime único.

Percebe-se que toda alteração legislativa, principalmente no âmbito

penal, costuma deflagrar calorosos embates pertinentes e salutares.

Lembramos, inclusive, daquele brocardo tão famoso, dispondo que “uma

penada do legislador põe abaixo bibliotecas inteiras”, isso porque em um país

assentado no direito positivado, qualquer alteração/edição de novas leis implica

uma necessidade de se discutir e construir interpretações diversas sobre os

temas ali tratados, justamente com a ideia de se adequar o direito às relações

e transformações sociais.

9. Referências Bibliográficas

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