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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO OS CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR: ASPECTOS E REFLEXOS APÓS A LEI 12.015/09. GIOVANA DOS SANTOS BURNIER DECLARAÇÃO “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”. ITAJAÍ (sc), 25 de maio de 2010. ___________________________________________ Professor Orientador: MSc. Luiz Eduardo Cleto Righetto UNIVALI Campus Itajaí-SC

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

OS CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR: ASPECTOS E REFLEXOS APÓS A LEI 12.015/09.

GIOVANA DOS SANTOS BURNIER

DECLARAÇÃO

“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”.

ITAJAÍ (sc), 25 de maio de 2010.

___________________________________________ Professor Orientador: MSc. Luiz Eduardo Cleto Righetto

UNIVALI – Campus Itajaí-SC

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

OS CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR: ASPECTOS E REFLEXOS APÓS A LEI 12.015/09

GIOVANA DOS SANTOS BURNIER

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientador: Professor MSc. Luiz Eduardo Cleto Righetto

Itajaí, junho de 2011.

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AGRADECIMENTO

A Deus, pela vida e saúde.

Aos meus pais, Jorge e Nara, pela educação, pelos

valores éticos que me foram transmitidos e por tudo

o que realizaram e continuam realizando por mim.

Ao meu irmão, Marcelo e minha cunhada, Jandira,

por sempre me incentivarem e acreditarem em meu

potencial. E aos meus sobrinhos Cáren e Junior que

pelo simples fato de existirem já são para mim um

estímulo à sempre fazer o melhor.

As minhas tias Terezinha de Lourdes, Maria Tane e

Sônia Beatriz, por serem zelosas e estarem sempre

dedicadas a me ajudar como segundas mães. Serei

sempre grata. Em especial a minha prima

Alessandra pelo incentivo e exemplo de dedicação e

disciplina.

Aos meus amigos e colegas que estiveram

presentes durante este curso, auxiliando-me em

momentos de dificuldade e dúvidas. Em especial, a

minha amiga Kaliandra Taffarel, por sua amizade,

compreensão, paciência e auxílio em momentos

importantes dessa jornada. E a Eduardo Guimarães

Argolo, pessoa especial que conheci nessa reta

final, que, embora distante, me incentivou, se

preocupou e compreendeu os momentos de atenção

exclusiva a esta monografia

Ao meu orientador MSc. Luiz Eduardo Cleto

Righetto, cujos ensinamentos e orientações foram

imprescindíveis a realização desta monografia.

Agradeço a todos os demais professores que, cada

um com sua maneira peculiar, contribuíram para

minha formação acadêmica.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho ao meu pai, Jorge, meu melhor

amigo e exemplo de humildade e que sempre me

incentivou a lutar pelo que acredito.

A minha mãe, Nara, mulher lutadora e dedicada ao

bem estar de seus filhos e netos.

.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2011.

Giovana dos Santos Burnier Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Giovana dos Santos Burnier, sob o título

Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor: aspectos e reflexos após a Lei

12.015/09, foi submetida em 10 de junho de 2011 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: MSc. Luiz Eduardo Cleto Righetto (orientador e

presidente da banca), MSc. Airto Chaves Jr. (membro) e Esp. Guilherme Augusto

Correa Rehder (membro), aprovada com a nota ______.

Itajaí, junho de 2011.

Professor MSc. Luiz Eduardo Cleto Righetto Orientador e Presidente da Banca

Maria Claudia da Silva Antunes de Souza Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

As categorias fundamentais para a monografia, bem como os

seus conceitos operacionais serão apresentados no decorrer da monografia.

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................... 10

INTRODUÇÃO .................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 .......................................................................................14

FATO TÍPICO .................................................................................... 14

1.1 CONCEITO DE CRIME .................................................................................. 14

1.1.1 ASPECTO FORMAL ......................................................................................... 14

1.1.2 ASPECTO MATERIAL ...................................................................................... 15

1.1.3 ASPECTO ANALÍTICO ...................................................................................... 16 1.1.3.1 TIPO PENAL .......................................................................................................18 1.1.3.1.1 Funções do tipo penal ........................................................................... 20 1.1.3.1.2 Elementos do tipo penal ........................................................................ 21

1.1.3.1.3 Classificação dos tipos penais .............................................................. 21 1.1.3.2 TIPICIDADE.........................................................................................................24 1.1.3.2.1 Excludentes de tipicidade ...................................................................... 25 1.1.3.3 CONDUTA ...........................................................................................................26 1.1.3.3.1 Ausência de conduta ............................................................................. 30 1.1.3.3.2 Formas de conduta................................................................................ 33 1.1.3.4 RESULTADO .......................................................................................................34 1.1.3.5 NEXO CAUSAL ...................................................................................................36

CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 40

ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR ANTES DA LEI 12.015/09 .......................................................................................... 40

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2.1 OBJETO JURÍDICO DOS DELITOS ............................................................. 40

2.2 CONCEITO DE ESTUPRO ............................................................................ 42

2.2.1 TIPO OBJETIVO .............................................................................................. 43

2.2.2 TIPO SUBJETIVO ............................................................................................ 45

2.2.3 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO ................................................................ 47

2.2.4 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ........................................................................... 50

2.3 CONCEITO DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR .................................. 51

2.3.1 TIPO OBJETIVO .............................................................................................. 52

2.3.2 TIPO SUBJETIVO ............................................................................................ 54

2.3.3 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO ................................................................ 56

2.3.4 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ........................................................................... 57

2.4 FORMAS DOS DELITOS DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR ............................................................................................................................. 58

2.4.1 SIMPLES ........................................................................................................ 59

2.4.2 QUALIFICADA ................................................................................................ 59

2.4.3 PRESUMIDA ................................................................................................... 61

2.4.4 CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO ...................................................................... 64

CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 68

O ESTUPRO DEPOIS DA LEI 12.015/09: SEUS REFLEXOS .......... 68

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3.1 CONCEITO DE ESTUPRO ............................................................................ 68

3.1.1 TIPO OBJETIVO .............................................................................................. 69

3.1.2 TIPO SUBJETIVO ............................................................................................ 71

3.1.3 SUJEITO ATIVO E PASSIVO ............................................................................. 72

3.1.4 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ............................................................................ 73

3.1.5 FORMAS ........................................................................................................ 74 3.1.5.1 Simples ...............................................................................................................74 3.1.5.2 Qualificada .........................................................................................................74 3.1.5.3 Presumida ..........................................................................................................75 3.1.5.4 Causa especial de aumento ..............................................................................76

3.2 REFLEXOS NA ATUALIDADE ...................................................................... 78

3.2.1 CRIME ÚNICO DE CONDUTAS ALTERNATIVAS ..................................................... 84

3.2.2 POSSIBILIDADE DA REDUÇÃO DA PENA ............................................................ 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 89

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 92

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RESUMO

Com a entrada em vigor da Lei n.º 12.015, foi modificado,

consideravelmente o Título VI do Código Penal, denominando-o “Dos crimes contra

a dignidade sexual”, estabelecendo-se novos tipos penais, unificando tipos antigos e

alterando regras em geral. Nesta monografia pretende-se estudar os crimes de

estupro e atentado violento ao pudor, enfocando os reflexos jurídicos trazidos pela

Lei nº 12.015/09. Para tanto, parte-se da análise da teoria geral do crime.

Posteriormente trata-se acerca do conceito e das características dos delitos de

estupro e atentado violento ao pudor antes de sofrerem as alterações,

demonstrando que estes delitos visam proteger a liberdade sexual das pessoas.

Finalmente, chegar-se a definição de estupro prevista na Lei nº 12.015/09, a qual

criou uma novatio legis ao integrar os crimes de estupro e atentado violento ao

pudor em uma única figura delitiva. Aborda-se acerca das modificações do tipo

objetivo e subjetivo, sujeito ativo e passivo, consumação e tentativa e formas, desse

novo tipo penal. Demonstra-se que o novo conceito de estupro fez surgir uma

polêmica doutrinária em relação a aplicação da continuidade delitiva ou do concurso

de crimes, sustentando que a conjunção carnal forçada e os demais atos libidinosos

praticados sem o consentimento da vítima, através do emprego de violência física ou

moral, passaram a integrar um único crime, sendo passível, portanto, a aplicação da

continuidade delitiva quando presentes os requisitos exigidos pela Lei. Considerando

que em alguns aspectos a Lei nº 12.015/09 representa uma novatio legis in mellius,

determinados efeitos devem ser estendidos até mesmo as decisões já transitadas

em julgadas, atualmente, contrárias a atual previsão do art. 213 do Código Penal.

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11

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto analisar

individualmente os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, visando

compreender quais foram os aspectos e reflexos jurídicos causados pela Lei n.º

12.015/09.

Justifica-se este estudo aprofundado diante da importância em

se analisar os reflexos que a Lei n.º 12.015/09 apresentou na atualidade e na prática

jurídica.

Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, produzir

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do

Vale do Itajaí – Univali; geral, compreender os reflexos da alteração que a Lei

12.015/09 causou nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor e analisar o

que na atualidade deve ser efetivado para se adequar a nova legislação.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando da teoria geral

do crime, abordando os conceitos de crime, tipo penal, tipicidade, conduta, resultado

e nexo causal.

No Capítulo 2, tratar-se-á dos crimes de estupro e atentado

violento ao pudor antes da lei n.º 12.015/09, da objetividade jurídica destes delitos,

dos seus elementos objetivos e subjetivos, quem pode ser considerado sujeito ativo

ou passivo do crime, o momento em que se consumam os delitos e, em que casos

ocorrem a tentativa, bem como as formas simples, qualificadas, presumidas e

causas de aumento.

No Capítulo 3, tratar-se-á do novo conceito de estupro, após a

fusão em um único tipo penal dos arts, 213 e 214 do Código Penal, e quais as

consequências dessa alteração. Abordar-se-á quais foram os reflexos que a Lei

12.015/09 apresentou aos processos que já foram julgados ou encontravam-se em

curso, quando da sua entrada em vigor.

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O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os

reflexos da Lei n.º 12.015, de 7 de agosto de 2009.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base o seguinte

problema: Quais os reflexos da Lei n. 12.015/09, nos processos passados e futuros

que apuram crimes contra a dignidade sexual, especialmente aos crimes de estupro

e atentado violento ao pudor?

Relacionada ao problema formulado, foi levantada a seguinte

hipótese:

Os principais reflexos da Lei n. 12.015/09 nos processos que

apuram fatos anteriores a este diploma legal é a possível redução da reprimenda

pena, se houver condenação por estupro e atentado violento ao pudor, já que a nova

lei uniu as duas condutas delitivas. Já nos processos futuros, a possibilidade de uma

pena proporcional a idade da vítima, bem como a modificação no tipo de ação penal

decorrente do crime.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática.

p. 86.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

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Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

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FATO TÍPICO

1.1 CONCEITO DE CRIME

O Código Penal vigente, diferentemente de leis penais antigas,

como o Código Criminal de 1830 e o Código Penal de 1890, não define o conceito

de crime, razão pela qual, atualmente, compete a doutrina determiná-lo.

Primeiramente, tem-se que, conforme descreve Nucci8 “é a

sociedade a criadora inaugural do crime, qualificativo que reserva às condutas

ilícitas mais gravosas e merecedoras de maior rigor punitivo”.

No Brasil, sob a análise etimológica, adota-se o critério

dicotômico ou bipartido, através do qual, a expressão “infração penal” ou “ilícito

penal” constituem o gênero que abrange os termos “delito” ou “crime”, os quais

correspondem ao mesmo significado e, “contravenção”.

A Lei de Introdução ao Código Penal brasileiro apresenta em

seu art. 1º que:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Sob o prisma jurídico, é possível obter o conceito de crime, por

meio da análise de três enfoques, a saber: aspecto formal, aspecto material e

aspecto analítico.

1.1.1 Aspecto Formal

Sob esse aspecto o conceito de crime abrange apenas a

ilicitude do fato em face da norma penal, não se preocupando, portanto, com o

aspecto interno ou ontológico do crime, ou seja, no que tange ao prisma formal,

8 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 166.

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15

conceitua-se o delito apenas por meio da concepção do direito e da técnica jurídica

à respeito do que é o crime, é, portanto, a definição determinada pelo legislador.

Assim, crime é a conduta que um indivíduo pratica em

discordância com o estabelecido em lei. Neste sentido, Capez9 explica que:

O conceito de crime resulta da mera subsunção da conduta ao tipo legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo.

É através desse enfoque que se proclama o principio da

legalidade ou da reserva legal, para o qual não há crime sem lei anterior que o

defina, nem pena sem lei anterior que a comine.

Conclui-se, portanto, que por meio desse aspecto o crime é a

violação da lei penal.

1.1.2 Aspecto Material

Para se obter o conceito material de crime é necessário

analisar os motivos que ensejaram o legislador a prever que determinada conduta

humana é merecedora de sanção, ou seja, no que se refere ao enfoque material o

conceito de crime provém de uma análise ontológica, pois sob este aspecto visa-se

compreender as razões que levaram o legislador a prescrever como criminosa tal

conduta humana e seus resultados.

Conforme bem argumenta Jesus10

O conceito material do crime é de relevância jurídica, uma vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a razão determinante de constituir uma conduta humana infração penal e sujeita a uma sanção. É certo que sem descrição legal nenhum fato pode ser considerado crime. Todavia, é importante estabelecer o critério que leva o legislador a definir somente alguns fatos como criminosos. É preciso dar um norte ao legislador, pois, de forma contrária, ficaria ao seu livre alvedrio a criação de normas penais incriminadoras, sem esquema de orientação, o que fatalmente, viria lesar o jus libertatis dos cidadãos.

9 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 113.

10 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. 23ª edição. São Paulo: Saraiva. 1999. p.263.

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16

Para Capez11:

Sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.

Desta forma, constata-se que sob o ponto de vista material, o

crime é a exteriorização das condutas que os cidadãos consideram puníveis ou não,

ou seja, nas palavras de Nucci, “é a concepção da sociedade sobre o que pode e

deve ser proibido, mediante aplicação de sanção penal. É, pois, a conduta que

ofende um bem juridicamente tutelado, merecedora de pena”.

Portanto, crime, através desse prisma, é o fato decorrente de

uma conduta humana que prejudica ou expõe a perigo um bem jurídico tutelado pela

lei.

1.1.3 Aspecto Analítico

Por meio do prisma analítico, para se chegar ao conceito de

crime analisa-se os elementos que compõe o delito, ou seja, destacam-se os valores

imprescindíveis do crime.

Porém, existem correntes distintas sobre qual é o conceito de

crime sob esse foco.

Assim, há doutrinadores como René Ariel Dotti, Damásio de

Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto e Flávio Augusto Monteiro de Barros,

que defendem a teoria bipartida, a qual define crime como sendo um fato típico e

antijurídico. Para os seguidores dessa corrente, a culpabilidade corresponde

somente a um pressuposto de aplicação da pena e, portanto, recai sobre o fato e

não sobre a característica do agente. Bem como, entendem que a punibilidade não

constitui elemento do delito, mas sim é uma consequência jurídica.

11

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. p. 113.

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17

Nesse sentido, compreende Capez12 que: “a finalidade deste

enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu

autor. [...] Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito”.

No entanto, há os doutrinadores que sustentam a teoria

quadripartida, como Basileu Garcia e Muñoz Conde, os quais entendem que crime é

um fato típico, antijurídico, culpável e punível.

Porém, para Miguel Reale Júnior e outros partidários da teoria

dos elementos negativos do tipo, o crime é um fato típico e culpável, pois

compreendem que a antijuridicidade do delito está intrínseca ao próprio tipo.

Já o doutrinador Luiz Flávio Gomes, por sua vez, segue a

teoria denominada constitucionalista, para a qual crime é um fato típico, antijurídico

e punível, sendo a culpabilidade o pressuposto da pena.

Contudo, a corrente majoritária é a tripartida que define crime

como sendo um fato típico, antijurídico e culpável. Os adeptos dessa ideia dividem-

se em finalistas, dentre os quais podemos citar os doutrinadores Assis Toledo,

Heleno Fragoso, Rogério Greco, entre outros, causalistas como Nelson Hungria,

Magalhães Noronha, Euclides Custódio da Silveira, Roque de Brito Alves, entre

outros, e os que seguem a teoria social da ação, a qual busca ajustar as principais

características do causalismo e do finalismo.

Nesse sentido, Nucci13 define que:

O causalismo busca ver o conceito de conduta despido de qualquer valoração, ou seja, neutro (ação ou omissão voluntária e consciente que exterioriza movimentos corpóreos). O dolo e a culpa estão situados na culpabilidade. Logicamente, para quem adota o causalismo, impossível se torna acolher o conceito bipartido de crime (fato típico e antijurídico). [...] A conduta sob o prisma finalista, é a ação ou omissão voluntária e consciente, que se volta a uma finalidade. Ao transferir o dolo para a conduta típica, o finalismo despiu-o da consciência de ilicitude, que continuou fixada na culpabilidade.

12

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. p. 113.

13 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 168.

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18

Observa-se que a teoria causalista preocupa-se apenas com o

resultado, desconsiderando se ação do agente foi dolosa ou culposa, pois, para os

adeptos dessa corrente, não importa o intuito do agente, visto que a consequência

será a mesma, independentemente do dolo ou culpa.

Os finalistas, por sua vez, defendem que para a existência do

crime, é fundamental a análise da vontade humana, da finalidade do agente, não

importando os fatos praticados sem dolo ou culpa.

Ressalta-se que, com a reforma do Código Penal em 1984,

pela Lei 7.209, o dolo e a culpa passaram a não mais integrar a culpabilidade,

transferindo-se para a tipicidade, sendo que na culpabilidade adaptou-se o conceito

de ilicitude do fato.

Por fim, Nucci14 destaca que:

A importância da culpabilidade se alarga no direito penal moderno, e não diminui, de forma que é inconsciente deixá-la fora do conceito de crime. Não fosse assim e poderíamos trivializar totalmente o conceito de delito, lembrando-se que, levado ao extremo esse processo de esvaziamento, até mesmo tipicidade e antijuridicidade – incluam-se nisso as condições objetivas de punibilidade –, não deixam de ser pressupostos de aplicação da pena, pois, sem eles, não há delito, nem tampouco punição.

Como se vê, para esta concepção, a tipicidade e a ilicitude

constituem pressupostos da pena, bem como a culpabilidade.

1.1.3.1 TIPO PENAL

O tipo penal é a previsão legal abstrata que descreve a

conduta humana permitida ou considerada ilícita, sendo a última passível de sanção,

ou seja, conforme descreve Barros15, “é o comportamento humano descrito em lei

como crime ou contravenção”.

Sobre este tema, Jesus16 manifesta-se:

14

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 169.

15 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. 5ª edição. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 150.

16 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p.263.

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19

Em relação às condutas humanas, ou o Estado as considera indiferentes, sob o ponto de vista jurídico-penal, ou as determina, quando necessárias; ou as tutela, quando benéficas; ou as impede, quando prejudiciais. Daí segue que, ao invés de se manifestar arbitrariamente, a posteriori, em relação ao comportamento realizado, o Estado se pronuncia a priori, determinando a proibição de prática de condutas nocivas aos bens jurídicos mais relevantes para a vida em sociedade. E o faz por meio de lei penal, embora também o faça por meio de outras.

E ainda, no entendimento de Mirabete17:

Como o Estado, através do ordenamento jurídico, quer sancionar com penas as condutas intoleráveis para a vida em comunidade, tutelando os bens jurídicos fundamentais, poderia fazê-lo com uma norma geral que permitisse a aplicação de sanções penais a todos aqueles que praticassem um fato profundamente lesivo a esses bens. Nessas condições, porém, os destinatários da norma não poderiam saber exatamente quais as condutas que estariam proibidas nem o juiz poderia saber quais penas deveria impor. Por isso, a lei deve especificar exatamente a matéria de suas proibições, os fatos que são proibidos sob ameaça de sanção penal, ou seja, o que é considerado crime. Isto é feito através dos tipos penais.

Logo, é através do tipo penal que sabemos qual conduta

realizada poderá ser objeto de punição, pois, o tipo penal descreve o fato proibido e

que, caso praticado, implicará ao agente uma penalidade. Assim, tem-se que, o tipo

penal é especificação das condutas que intentadas lesam os bens tutelados pela

norma jurídica.

Assim, tem-se que, conforme o conceito de Jesus18, “tipo é o

conjunto dos elementos descritivos do crime contidos na lei penal. Varia segundo o

crime considerado”.

O tipo penal possui a natureza da síntese, visto que, é

impossível abarcar a amplitude das circunstâncias do fato concreto, assim, o

legislador ao criar um tipo penal, concentra neste a essência comum de cada

espécie.

17

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. 26ª edição. São Paulo: Atlas. 2010. p. 86.

18 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p.273.

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20

1.1.3.1.1 Funções do tipo penal

Sabe-se que é por meio do ordenamento jurídico que o Estado

aplica penalidades às condutas que ferem os bens jurídicos tutelados pela norma.

Porém, é imprescindível que os destinatários desta norma compreendam

exatamente quais os atos que praticados serão alvo de punição, assim, o tipo penal

tem como função especificar os fatos que são considerados crimes.

Dessa forma, á respeito da função do tipo penal, Nucci19

esclarece que:

É a descrição abstrata de uma conduta, tratando-se de uma conceituação puramente funcional, que permite concretizar o princípio da reserva legal (não há crime sem lei anterior que o defina). A existência dos tipos penais incriminadores (modelos de condutas vedadas pelo direito penal, sob ameaça de pena) tem a função de delimitar o que é penalmente ilícito do que é penalmente irrelevante, tem o objetivo de dar garantia aos destinatários da norma, pois ninguém será punido senão pelo que o legislador considerou delito, bem como tem a finalidade de conferir fundamento à ilicitude penal. Note-se que o tipo não cria a conduta, mas apenas a valora, transformando-a em crime.

Assim, verifica-se que o tipo penal tem como funções

predominantes a de garantia, pois, ampara o princípio da legalidade e a de

fundamentar a ilicitude do fato. Mas também pode ser citada como mais uma das

funções do tipo, a de descrever o inter criminis, haja vista que o tipo penal determina

o início e o término da conduta, diferenciando a tentativa da consumação.

A norma penal é estruturada em título ou nomem juris, que

representa a denominação jurídica do delito, em preceito primário, o qual prescreve

o comportamento humano que será considerado criminoso e, por fim, o preceito

secundário, que estabelece a pena a ser cominada ao agente que pratica a conduta

delituosa, no dizer de Jesus20, ”o direito de punir se manifesta essencialmente no

preceito secundário da lei penal incriminadora”.

19

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 189/190

20 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p.263.

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21

1.1.3.1.2 Elementos do tipo penal

Os elementos formadores do tipo penal são denominados

objetivos, os quais dizem respeito ao aspecto material do fato e independem da

vontade do agente, se subdividindo em descritivos, cujo significado pode ser obtido

pela simples constatação ou observação, não se exigindo nenhum juízo de valor,

como por exemplo, “matar” (art. 121 do CP); e, normativos, os quais dependem de

uma análise de sentimentos e opiniões, pois o seu significado se extrai da

observação das circunstâncias que envolvem o fato, como lugar, época, etc.,

acrescido de valores morais, sociais, religiosos e consuetudinários, ou de juízos de

valoração jurídica.

Conforme esclarece Jesus21, os elementos objetivo do tipo:

São os que se referem à materialidade da infração penal, no que concerne à forma de execução, tempo, lugar, etc. [...]. A fórmula do tipo é composta de um verbo que expressa a conduta. Trata-se, em geral, de um verbo transitivo com o seu objeto: “matar alguém”, [...]. O verbo, muitas vezes, não indica uma conduta em si injusta, tornando-se tal em face de outros elementos do tipo. É o que ocorre como verbo tirar do art. 346 do CP, que só adquire colorido antijurídico quando a coisa é própria e se encontra em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção. [...]. A par dos elementos objetivos, o legislador insere na figura típica certos componentes que exigem, para a sua ocorrência, um juízo de valor dentro do próprio campo da tipicidade. [...] nos elementos típicos normativos cuida-se de pressupostos do injusto típico que poder ser determinados tão-só mediante juízo de valor da situação de fato.

Os elementos subjetivos, que são estabelecidos a partir da

vontade e intuito do agente, são também definidos como elementos subjetivos do

tipo específico, pois, há somente alguns tipos que são imprescindíveis da finalidade

específica do autor para se concretizar. E, à respeito, Nucci22 esclarece que “quando

o tipo penal possui finalidade específica expressa, chama-se delito de intenção (ou

de resultado cortado); quando a finalidade específica é implícita, denomina-se delito

de tendência”.

1.1.3.1.3 Classificação dos tipos penais

Os tipos penais podem ser classificados em tipo fechado,

quando não é necessário que o juiz aplique juízo de valoração, visto que, possui a 21

JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p. 276/277.

22 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 192.

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22

norma já possui a descrição pormenorizada da conduta delituosa, ou tipo aberto,

quando, diferentemente do tipo fechado, é imprescindível que o juiz utilize-se do

juízo de valoração, pois será necessário avaliar a conduta do agente comparando-a

com as circunstâncias do crime. Como por exemplo, para constatar se um

determinado delito foi culposo, será preciso comparar a ação do réu com a atitude

que o chamado homem prudente e de discernimento teria.

Tipo objetivo e tipo subjetivo, que na descrição de Nucci23:

O primeiro é a parte do tipo penal referente unicamente aos elementos objetivos, [...]; o segundo é a parte do tipo ligada à vontade do sujeito, podendo ela estar implícita, como ocorre com o dolo [...], bem como explícita, quando houver expressa menção no tipo legal a respeito da finalidade.

Tipo básico, que no entendimento de Nucci24 corresponde “a

composição fundamental do crime, sem a qual não se poderia falar na infração

penal, tal como intitulada pelo Código Penal. É a conduta nuclear com seus

indispensáveis complementos”; e, tipo derivado, no dizer de Barros25:

É o que se forma com base no tipo fundamental, mediante o acréscimo de dados que agravam ou atenuam a pena. Subdividem-se em: tipo agravado ou qualificado e tipo atenuado ou privilegiado.

Tipo simples, formado de apenas uma conduta punível; e tipo

misto; constituído de mais de uma conduta punível. Tipo-total de injusto, que nas

palavras de Nucci26:

É o tipo que congrega, na sua descrição, embora implicitamente, as causas de justificação. Assim, falar em tipicidade seria considerar, ao mesmo tempo, a antijuridicidade, como se o tipo penal fosse construído da seguinte forma: furto seria “subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, desde que não fosse em estado de necessidade”.

23

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 192/193.

24 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 193.

25 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 201.

26 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 194.

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23

O tipo indiciário, por sua vez, conforme descreve Nucci27,

“trata-se da posição de quem sustenta ser a tipicidade um indício de antijuridicidade.

Preenchido o tipo penal incriminador, está-se constituindo uma presunção de que o

fato é ilícito penal”. Ou seja, a tipicidade da conduta decorre de um indício de que a

ação pode ser antijurídica.

Tipo formal e tipo material, no dizer de Nucci28

O primeiro é o tipo legal de crime, ou seja, a descrição feita pelo legislador ao construir os tipos incriminadores [...]. Para apurar a tipicidade material, vale-se a doutrina dos princípios da adequação social e da insignificância, que configuram as causas implícitas de exclusão de tipicidade.

Tipo congruente, que no entendimento de Barros29, “é aquele

em que há coincidência entre a vontade do agente e o fato descrito na norma penal”

e o tipo incongruente, por sua vez, “é aquele em que não há coincidência entre a

vontade do agente e o fato descrito na norma penal. Exemplos: tentativa, crimes

culposos e crimes preterdolosos”. Isto é, os tipos congruentes correspondem aos

delitos materiais consumados de acordo com a vontade do agente, já no tipo

incongruente o resultado ocorre de maneira diversa da intenção do agente.

Tipo normal é aquele que se constitui apenas de elementos

objetivos, os quais não dependem de valoração para serem identificados; tipo

anormal, por sua vez, possui, além dos elementos objetivos, elementos normativos

ou subjetivos, nesse caso, o juiz deverá interpretar o caso concreto. Acerca desse

assunto, Mirabete30 esclarece que:

Tipo normal é aquele que contém apenas uma descrição objetiva, puramente descritiva, como ocorre nos crimes de homicídio (art. 121), lesões corporais (art. 129) etc. [...]. Tipos anormais são as descrições legais de fatos que contêm não só elementos objetivos referentes ao aspecto material do fato, mas também alguns outros que exigem apreciação mais acurada da conduta, quer por conduzirem a um julgamento de valor, quer por levarem à interpretação de termos jurídicos ou extraordinários, quer, ainda, por

27

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 194.

28 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 195.

29 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 203.

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 102.

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24

exigirem aferição do ânimo ou do intuito do agente quando pratica a ação.

Tipo de tendência interna subjetiva transcendente, que no dizer

de Nucci31 “trata-se do tipo penal que possui elemento subjetivo específico implícito,

não se contentando com o dolo (ex.: é o que ocorre nos crimes contra a honra”. E,

por fim, tipo remetido, o qual explica Nucci32, “cuida-se de um tipo penal incriminador

de construção externa complexa, fazendo remissão a outro(s) tipo (s) penal (penais)

para que possa ser aplicado”.

1.1.3.2 TIPICIDADE

O fato típico possui como elementos a conduta humana, o

resultado (com exceção dos crimes de mera conduta33), o nexo causal (salvo nos

delitos de mera conduta e formais34) e a tipicidade.

A tipicidade corresponde à adequação exata da conduta

humana (fato natural concreto) ao tipo penal abstrato, isto é, a tipicidade é todo

comportamento humano que se encaixa perfeitamente a descrição contida na lei.

Neste entendimento manifesta-se Jesus35 ao doutrinar que “tipicidade, num conceito

preliminar, é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de

cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”.

Nucci36, de encontro a este pensar, descreve a tipicidade como

sendo “a adequação do fato ao tipo penal, ou, em outras palavras, é o fenômeno

representado pela confluência dos tipos concretos (fato do mundo real) e o abstrato

(fato do mundo normativo)”.

31

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 196.

32 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 196.

33 Para a consumação do crime de mera conduta não há necessidade da ocorrência do resultado naturalístico. O tipo penal descreve apenas a conduta considerada criminosa.

34 No crime formal, não se exige, para a sua consumação, a ocorrência do resultado naturalístico, embora o tipo penal descreva a conduta e o resultado.

35 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p. 264.

36 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 222.

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25

E, ainda, acrescenta-se o conceito de Capez37, para o qual

tipicidade significa “a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou

integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo

descritivo constante na lei (tipo penal).

Sobre esse tema, Mirabete38 leciona que:

Nem sempre a adequação do fato ao tipo penal se opera de forma direta, sendo necessário à tipicidade que se complete o tipo penal com outras normas, contidas na parte geral dos códigos. É o que se chama de tipicidade indireta, como ocorre na tentativa (art. 14, inc. II) e no concurso de agentes (art. 29).

Como se vê, há casos em que é preciso amoldar a norma

penal incriminadora, prevista na parte especial do Código Penal, com outro

dispositivo de extensão descrito na parte especial, para que assim, possa-se

constituir a tipicidade de determinado crime. Para Nucci39 essa tipicidade é

denominada “tipicidade por extensão”.

Ademais, Mirabete40 acrescenta:

Embora a lei, em princípio, deva restringir-se à definição objetiva, precisa e pormenorizada, para evitar-se a necessidade de um juízo de valor na apreciação da tipicidade, muitas vezes a figura penal contém elementos outros que não puramente descritivos. Quando tal ocorre, está-se diante da tipicidade anormal.

Nesse caso, verifica-se que, em razão do tipo penal conter

elementos normativos, será imprescindível uma análise a partir de um juízo de

valoração, para assim se interpretar o fato e determinar a ocorrência da tipicidade.

1.1.3.2.1 Excludentes de tipicidade

Por fim, oportuno mencionar as excludentes de tipicidade, que,

conforme Nucci “dividem-se em legais (expressamente previstas em lei) e

supralegais (implicitamente previstas em lei)”. Assim, verifica-se que, o crime

37

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. p. 190.

38 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 101.

39 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 222.

40 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 101.

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26

impossível é uma excludente de tipicidade expressamente legal, pois se encontra

devidamente prescrita no art. 17 do Código Penal.

Ainda, existem excludentes de tipicidade que não se encontram

previstas no Estatuto Repressivo, são as chamadas excludentes supralegais, como

a adequação social e a insignificância. Nesse sentido, Nucci41 leciona que:

Com relação à adequação social, pode-se sustentar que uma conduta aceita e aprovada consensualmente pela sociedade, ainda que não seja causa de justificação, pode ser considerada não lesiva ao bem jurídico tutelado. É o caso da colocação do brinco, algo tradicionalmente aceito, como meta de embelezamento, embora se possa cuidar de lesão à integridade física. Parece-nos que a adequação social é, sem dúvida, motivo para exclusão da tipicidade, justamente porque a conduta consensualmente aceita pela sociedade não se ajusta ao modelo legal incriminador, tendo em vista que este possui, como finalidade precípua, proibir condutas que firam bens jurídicos tutelados. Ora,se determinada conduta é acolhida como socialmente adequada deixa de ser considerada lesiva a qualquer bem jurídico, tornando-se um indiferente penal”.

Dessa feita, constata-se que, se determinada conduta é

socialmente aceita e não repreendida moralmente, não há justificativa para manter a

sua tipicidade e incriminar o fato.

E, ainda, Nucci42 define que:

Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar com bagatelas.

Conclui-se, portanto, que sendo ínfima a lesão ao bem jurídico,

não deve o direito penal tutelar, logo se exclui a tipicidade do fato.

1.1.3.3 CONDUTA

A conduta é a exteriorização da vontade do ser humano, por

meio de uma ação ou omissão, consciente e voluntária, que objetiva um

determinado resultado, o qual é considerado crime pela lei.

41

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 223.

42 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 224.

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27

Primeiramente, atenta-se ao que leciona Barros43:

O crime é realização exclusiva do ser humano, só o homem pode realizar condutas. Isso porque a vontade, seja qual for a teoria que se adote, é o elemento essencial da conduta. E a vontade é atributo exclusivo do homem.

Logo, tem-se que, inexiste crime sem ação ou omissão

humana. Para conceituar a conduta, existem quatro teorias, quais sejam, teoria

naturalística, teoria finalista, teoria social e teoria jurídico- penal.

A teoria causalista (ou naturalística), conforme descreve

Barros44, defende que:

A vontade é a causa da conduta, e esta, a causa do resultado. O seu principal defeito é dissociar a conduta realizada no mundo exterior da relação psíquica do autor (conteúdo volitivo), deixando de analisar o conteúdo da vontade (“querer interno”). Essa teoria não diferencia a conduta dolosa da conduta culposa, pois não faz nenhuma indagação sobre a relação psíquica do agente para com o resultado.

Assim, certifica-se que, para essa concepção, a finalidade

subjetiva (dolosa ou culposa) do agente é dispensável para interpretar a

culpabilidade em determinado delito. Dessa forma, Barros45 critica essa teoria, pois:

A definição de conduta como o movimento corpóreo voluntário, que produz uma modificação no mundo exterior, não encontra argumentos para explicar os crimes omissivos nem os crime de mera conduta. Também não explica a tentativa.

A teoria finalista, por sua vez, de acordo com o que explica

Barros46:

Foi criada por Hans Welzel no início da década de 30. O jurista alemão preconizava que conduta é um acontecimento final e não um processo puramente causal. Conduta é o comportamento humano, voluntário e consciente, dirigido a um fim. Uma conduta pode ser contrária ou conforme o direito, consoante a atitude subjetiva do agente. O dolo e a culpa integram a conduta; nisso reside a diferença com o conceito clássico de conduta.

43

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 151.

44 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 152.

45 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 153.

46 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 153.

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28

Seguindo o mesmo entendimento Costa Junior47 leciona que:

A concepção finalística welzeliana, segundo a qual a ação não é apenas “causal”, mas um acontecer “finalista”. O homem, mercê de seu conhecimento, pode prever as conseqüências de sua atividade, orientado-a para a obtenção de seu desideratum. Atua finalisticamente, norteando seu comportamento em direção a seu objetivo. A causalidade é “cega”. A finalidade é “vidente”.

Além disso, Barros48 entende que segundo a teoria finalista “a

vontade que colore a conduta é sempre finalista, isto é, dirigida consciente à

execução do resultado previsto e querido”.

Compreende da mesma forma Costa Junior49 ao mencionar

que:

O homem canaliza a corrente causal no rumo certo, para atingir a meta optata. Por isso, a ação finalística se decompõe no objetivo que o autor se propõe a alcançar, nos meios que emprega para tanto e nas conseqüências secundárias, necessariamente vinculadas à utilização desses meios.

Portanto, toda ação ou omissão do agente objetiva

determinada consequência. Pois, consoante Barros50·:

No crime culposo também há finalidade. Na essência do delito culposo está a inobservância de um dever de cuidado (dirigir perigosamente, deixar arma de fogo perto de criança etc.). Nesse caso, ensina Welzel, a finalidade da conduta não se dirige ao resultado lesivo, mas a um resultado juridicamente irrelevante, já antecipado na mente do agente. Todavia, a inobservância do dever de cuidado desvia o rumo da direção final, provocando o resultado indesejado pelo agente.

Analisando essa teoria, Costa Junior51 manifesta que,

“assumindo tal posição, Welzel retrocedeu em seu sistema o momento valorativo,

uma vez que, para determinar se algo será ou não evitável, faz-se necessário atingir

a esfera subseqüente da culpabilidade”.

47

JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. 10ª edição, São Paulo: Saraiva. 2009. p.58.

48 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 153.

49 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p.58.

50 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 154.

51 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p.58.

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29

Conforme descreve Costa Junior, a teoria finalística não

considerava que o resultado decorrente da ação culposa é extratípico, tendo em

vista que esta conduta é caracterizada por uma imperfeição nos meios de execução

que levam à conseqüência final.

Verifica-se, portanto, que essa teoria considera que o dolo e a

culpa constante na conduta do agente têm uma finalidade e, conforme Barros52

“retirando-os da culpabilidade, antecipando, destarte, a análise desses dois

elementos”.

O mérito dessa teoria, conforme manifestam Rodrigues e

Capobianco53, “foi o de ter constatado a existência do elemento subjetivo do injusto,

ou seja, a finalidade existente em toda conduta humana de comportar-se de modo

contrário ao sentimento social de justiça”.

Em contrapartida, os adeptos da teoria social, segundo

Barros54, acreditam que:

Conduta é o comportamento humano socialmente relevante, dominado ou dominável pela vontade humana. Na análise da tipicidade de uma conduta são considerados três aspectos: o causal, o finalístico e o social. Assim, conduta é um conceito de natureza causal-finalístico-social.

Sob a mesma ótica, manifesta-se Costa Junior55:

É a finalidade que irá cimentar todos os atos em que se cinde o processo executivo do crime. Conduta é, portanto, um conceito de natureza causal-finalística. Não só. A conduta haverá de desenrolar-se num mundo de valores. É a realidade social, não a naturalística, que irá servir de ribalta para a ação.

Dessa forma, para essa teoria o que torna a conduta

penalmente relevante é o efeito social que causa, ou seja, se é ou não socialmente

considerável.

52

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 154.

53 RODRIGUES, Ana Paula da Fonseca. CAPOBIANCO, Rodrigo Julio. Direito Penal: 1ª Fase. São Paulo: Método, 2004. p. 34.

54 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 155.

55 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 59.

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30

Por sua vez, no que tange a teoria jurídico-penal da conduta,

Barros56 leciona que:

Sob o aspecto do direito penal, a conduta é analisada em função da norma, pois é esta que lhe empresta relevância, devendo ser extirpadas da ciência penal as condutas que em face da norma jurídica são indiferentes.

Assim, descreve Barros57 que, para essa teoria, “conduta é a

ação ou omissão, dolosa ou culposa, que lesa ou põe em perigo de lesão um bem

jurídico penalmente protegido”.

Contudo, é necessário para determinar a conduta, com base

em qualquer das teorias supramencionadas, que haja vontade e consciência por

parte do agente, haja vista que, ao dizer de Barros58 “os acontecimentos naturais e

os atos dos seres irracionais, produzidos sem a interferência do homem, são

irrelevantes para o direito penal”.

Nesse sentido, vontade, segundo define Nucci59, “é o querer

ativo, apto a levar o ser humano a praticar um ato, livremente”.

Outrossim, referente aos elementos da conduta, no

entendimento de Barros60:

Na análise da conduta, alguns ensinamentos de Welzel ainda são aplicados. Com efeito, a conduta compreende o objetivo visado pelo agente, os meios que emprega para alcançar o objetivo e as conseqüências secundárias vinculadas à utilização desses meios.

Portanto, tendo em vista que o Direito Penal preocupa-se

apenas com as condutas realizadas de forma voluntária, o comportamento praticado

em completo estado de inconsciência é irrelevante.

1.1.3.3.1 Ausência de conduta

56

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 156.

57 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 157.

58 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 158.

59 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 199.

60 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 159.

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31

Sobre a ausência de conduta, entende Costa Jr61 que:

Exige-se, para que haja conduta, um mínimo de participação subjetiva: a vontade, que lança a conduta. Sem essa vontade propulsora, o gesto humano não atinge a dignidade de conduta. Estaremos no campo dos movimentos reflexos, inconscientes ou coarctados.

Ainda, no entendimento de Barros62 acrescenta que:

Nem todo comportamento humano, ainda que se enquadre num tipo penal, é conduta criminosa. Sem a existência de vontade não há conduta, nem fato típico. Pouco importa se o agente tem ou não consciência da ilicitude do fato, circunstância cuja análise é relegada à culpabilidade. O requisito essencial da conduta é a vontade.

Observa-se, então, que não é relevante para o direito penal a

intenção interna do agente, isto é, a mera cogitação não exteriorizada em ações

concretas. Bem como, as ações executadas sem voluntariedade, como nas ações

realizadas sob coação física irresistível, movimentos reflexos, atos executados em

completo estado de inconsciência e em casos fortuito e força maior.

Nos movimentos reflexos, Barros63 explica que:

Nesses casos, o movimento corporal não é impulsionado pelo elemento psíquico (querer interno), e, sim, fisiológico. O estímulo a um centro sensitivo provoca a reação automática, sem qualquer interferência da consciência ou da vontade. [...]. Nesse caso, não há conduta, pois não há vontade dominável.

Como se vê, os reflexos tratam-se de atitudes involuntárias,

decorrentes de reações motoras ou fisiológicas devido a reação automática dos

órgãos humanos a um estímulo. Tais condutas são penalmente irrelevantes.

Porém, importante destacar que os atos impulsivos são

considerados conduta criminosa, pois de acordo com Barros64:

61

JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal Objetivo. Comentários Atualizados. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2006. p. 15

62 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 158/159.

63 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 160.

64 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 160.

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32

Nas ações em curto-circuito (atos impulsivos), ao revés, há um movimento relâmpago, provocado pela excitação de diversos órgãos, acompanhado de um elemento psíquico, isto é, de uma vontade obcecada, de modo que o agente não chega a perder a consciência, podendo, inclusive, evitar o seu agir pelo exercício do autocontrole.

No que tange a coação física irresistível, Costa Jr65 leciona

que:

Afora os movimentos reflexos, escapam ao conceito de conduta o comportamento humano motivado por estados patológicos, bem como aqueles executados sob coação de uma força exterior, irresistível e absoluta. A ação (ou omissão) praticada sob tal coação não configura sequer uma conduta, por tratar-se de vis absoluta, à qual não se pode resistir (cui resistere non potest). Quem a pratica é o coator. O coacto não age, é coagido (non agit, sed agitur). O ato não é seu, mas de quem dele se serve como instrumento.

Ou seja, quando ocorre essa forma de coação o coacto não

possui a liberdade de ação, isto é, não tem a opção de escolha, pois tem que agir de

acordo com a vontade do coactor. Logo, não pode considerar que o coacto praticou

uma ação, tendo em vista que este não teve vontade.

Referente ao caso fortuito e força maior Barros66 entende que:

São acontecimentos imprevisíveis e inevitáveis, que escapam do domínio da vontade do homem. Vimos que a vontade é elemento da conduta, tanto nos crimes dolosos como nos culposos. Portanto, a ausência de vontade exclui a conduta, que, por sua vez, torna o fato atípico.

Assim, verifica-se que, a conduta que foge da previsibilidade

humana não poderá ser considerada crime, haja vista que não houve intuito na

ocorrência de determinado resultado.

Por fim, não há voluntariedade nas ações praticadas em

completo estado de inconsciência, como ocorre nos casos de hipnose, que no

entendimento de Nucci, “é um estado mental semelhante ao sono, provocado

artificialmente por alguém, levando o hipnotizado a agir como se fosse um autômato,

65

JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal Objetivo. Comentários Atualizados. p. 15.

66 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 161.

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33

obedecendo a ordens e comandos”. Dessa feita, nesse caso também não haverá

conduta, ante a ausência de vontade.

1.1.3.3.2 Formas de conduta

Outrossim, no tocante as formas de conduta, ação e omissão,

tem-se que, no dizer de Costa Jr67.

Conduta é gênero de que constituem espécies a ação e a omissão. Quer na conduta positiva (ação), que na negativa (omissão), existem duas integrantes: uma interior ou psíquica (moral), outra exterior ou física (material)

No entendimento de Barros68, a ação “consiste num movimento

corpóreo externo. Exige do agente uma atuação positiva, um fazer”. E, por sua vez,

quanto a omissão, no dizer de Costa Junior69:

O coeficiente físico da omissão, pelo contrário, reduz-se a um nada fazer (nihil facere), ou a um agir diversamente (aliud agere), desde que não seja executado aquilo que deve ser feito (quod debetur).

Ainda, Barros70 esclarece que:

A omissão não é apenas um comportamento estático, de repouso corporal, isto é, a abstenção do movimento corpóreo, e, sim, o não fazer aquilo que o agente tinha o dever jurídico e a possibilidade de realizar.

Feito esta consideração, entende-se que a omissão pode

ocorrer no simples fato do agente permanecer inerte, bem como, quando age de

maneira distinta do que em razão do seu dever jurídico deveria realizar.

Os delitos omissivos podem ser classificados em próprios,

também denominados puros, ou impróprios.

Quanto aos crimes omissivos próprios Barros71 ensina que:

67

JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal Objetivo. Comentários Atualizados. p. 15.

68 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 162.

69 JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal Objetivo. Comentários Atualizados. p. 15.

70 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 163.

71 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 163.

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A conduta negativa (non facere) é descrita no preceito primário da lei penal. Exemplos: omissão de socorro (art. 135 do CP), abandono material (art. 244 do CP) [...] e outros. Nesses delitos, a simples omissão é suficiente para a consumação, independentemente de qualquer resultado ulterior.

Ao que se refere aos crimes omissivos impróprios tem-se que,

no dizer de Barros72:

O núcleo do tipo é uma ação, mas tipicidade compreende também a conduta daquele que não evitou o resultado, por atuação ativa. A tipicidade consiste na violação do dever jurídico de impedir o resultado.

Verifica-se, portanto, que os crimes omissivos impróprios só

podem ser praticados por quem detêm o dever jurídico de evitar a ocorrência do

resultado. Como por exemplo, a mãe que tem o dever de alimentar o filho,

impedindo que este venha a morrer por inanição, nesse caso, com a superveniência

do resultado morte, a mãe deverá responder pelo crime de homicídio.

1.1.3.4 RESULTADO

O resultado, de acordo com a teoria naturalística, significa a

alteração do mundo exterior causado pela conduta humana consciente e voluntária.

Ou seja, no dizer de Nucci73

É a modificação sensível do mundo exterior. O evento está situado no mundo físico, de modo que somente pode-se falar em resultado quando existe alguma modificação passível de captação pelos sentidos.

Entretanto, existem crimes que independem da alteração no

mundo exterior para se consumar, mesmo havendo a afirmação do Código Penal em

seu artigo 13, que não há crime sem o resultado, desta forma, a teoria que sustenta

o conceito jurídico ou normativo, entende que o resultado, nas palavras de

Mirabete74, é a:

72

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 164.

73 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 203.

74 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 96.

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Lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma penal. Como todos os crimes ocasionam lesão, ou, ao menos, perigo ao bem jurídico tutelado, harmonizam-se os dispositivos legais.

E, segundo acrescenta e esclarece Jesus75:

Enquanto para a teoria naturalística o resultado é uma entidade natural, distinta do comportamento do sujeito, para a concepção normativa é o mesmo fato, mas considerando sob o prisma da proteção jurídica. Daí a seguinte consequência: de acordo com os naturalistas há crime sem resultado; para os normativistas, porém, o resultado é o elemento do delito.

Assim, em contrapartida ao conceito naturalístico, para o

conceito normativo ou jurídico o resultado, conforme descreve Barros76 é:

A lesão ou perigo de lesão do bem jurídico tutelado pela norma penal”. [...] Sob o aspecto jurídico, não há crime sem resultado, porquanto, sem a lesão ou perigo de lesão do bem jurídico, inexiste a antijuridicidade, que é um dos elementos essenciais do crime. Nesse conceito jurídico até mesmo os crimes de mera conduta, os omissivos próprios e os delitos tentados contêm resultado.

Sobre esse tema Nucci77 acrescenta que o conceito de

resultado sob o critério jurídico ou normativo, “é a modificação gerada no mundo

jurídico, seja na forma de dano efetivo ou na de dano potencial, ferindo interesse

protegido pela norma penal”.

Assim, conclui-se que, sob o ponto de vista jurídico, o resultado

é decorrente de uma conduta humana que prejudica um bem jurídico tutelado.

Por fim, acerca dos conceitos de resultado, é de salutar

importância e oportuno destacar o entendimento de Nucci78:

Embora o critério jurídico seja o adotado pelo legislador (basta analisar o disposto na Exposição de Motivos do Código Penal: a Reforma Penal de 1984 fez referência expressa à manutenção do critério estabelecido pelo Código de 1940), prevalece, na doutrina pátria, o conceito naturalístico de resultado. Justamente por isso, faz-

75

JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p.244.

76 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 171.

77 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 203.

78 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 203.

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36

se diferença entre crimes de atividade (formais e de mera conduta) e de resultado (materiais).

Portanto, constata-se que o entendimento que predomina para

a doutrina brasileira é o conceito naturalístico do resultado.

1.1.3.5 NEXO CAUSAL

Oportuno ressaltar que, somente nos crimes materiais de forma

livre consumados e omissivos impróprios, é necessário analisar o nexo causal, pois

no entendimento de Barros79:

No direito penal, o problema da causalidade não se estende a todos os delitos, porquanto, o nexo causal só funciona como elemento do fato típico em relação aos crimes materiais consumados. Esses delitos, na sua forma tentada, revestem-se de tipicidade sem o nexo causal [...]. E mesmo nos delitos materiais consumados, o assunto perde o interesse nos denominados crimes de forma vinculada, em que a conduta vem cunhada de forma específica dentro do tipo penal [...]. No tocante aos crimes de mera conduta e omissivos puros, os elementos do fato típico, [...], são: conduta e tipicidade. Nesses delitos, o tipo penal não faz alusão a nenhum resultado naturalístico, tornando-se, por isso, no plano da tipicidade, inócua qualquer indagação acerca do nexo causal, cuja relevância se realça apenas na identificação dos partícipes. Já em relação aos crimes formais, a questão da causalidade também não é essencial à identificação do fato típico, que igualmente registra apenas dois elementos: conduta e tipicidade. Todavia, o tipo descreve o resultado naturalístico, não o exigindo, porém, para a consumação. Isso faz com que o nexo causal tenha pertinência não só na identificação do partícipe, como também na revelação do exaurimento, consubstanciado no resultado, que, como é sabido, pode influenciar a dosagem da pena-base.

Feita essa observação, referente ao nexo causal leciona

Barros80 que:

O estudo do nexo causal tem por objetivo apurar a causa do resultado naturalístico. Na maioria das vezes, porém, o evento não tem na conduta do agente a sua causa única e exclusiva, mas sim na conjunção de múltiplos elementos, anteriores e posteriores, imiscuindo-se a conduta entre um desses elementos, surgindo, então, a necessidade de saber quando a conduta é a causa do resultado.

79

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 176/177.

80 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. p. 177.

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37

Observa-se, portanto, que o nexo causal procura verificar se

determinado resultado será ou não imputado ao agente, ou seja, a relação de

causalidade encontra-se entre o comportamento humano, que é a causa do efeito, e

o resultado advindo deste comportamento. Assim, o nexo causal corresponde à

ligação que pode ser estabelecida entre o resultado e a conduta do agente.

Entretanto, para melhor compreender o nexo causal, faze-se

necessário definir o significado de causa. Sobre esse tema, Nucci81 conceitua que

“causa é toda ação ou omissão que é indispensável para a configuração do

resultado concreto, por menor que seja o seu grau de contribuição”.

O Código Penal em seu art. 13 prescreve que “o resultado, de

que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.

Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.

Assim, verifica-se que, muito embora, exista divergência de

teorias que conceituam a causa, esse dispositivo expressa que na legislação penal

brasileira aplica-se a teoria da equivalência das condições ou equivalência dos

antecedentes, segundo a qual causa é considera-se todo fato que concorre para

ocorrência o resultado.

Mirabete82, de encontro a este pensar, manifesta que:

Não se distingue entre causa (aquilo que uma coisa depende quanto à existência) e condição (o que permite à causa produzir seus efeitos, seja positivamente a título de instrumento ou meio, seja negativamente, afastando os obstáculos). As forças concorrentes equivalem-se e sem uma delas o fato não teria ocorrido (conditio sine qua non).

Assim, para teoria conditio sine qua non, adotada pelo Código

Penal, no dizer de Jesus83, “é considerada causa a ação ou omissão sem a qual o

resultado não teria ocorrido”.

81

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 204.

82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 97.

83 JESUS, Damásio de. Direito Penal. Parte Geral. p.249.

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38

Portanto, é atribuída igual relevância causal a todos os

antecedentes do resultado, não podendo nenhum elemento ser excluído, visto que

todos têm o mesmo valor. Logo, não há distinção entre causa e condição, causa e

ocasião e causa e concausa.

Porém, para definir se determinada ação é causa do resultado,

aplica-se o procedimento hipotético de eliminação, sobre o tema leciona Mirabete84:

Para que se possa reconhecer se a condição é causa do resultado, utiliza-se o processo hipotético de eliminação, segundo o qual causa é todo antecedente que não pode ser suprimido in mente sem afetar o resultado. Assim, se a vítima se fere na fuga quando procura fugir da agressão há relação de causalidade, pois se, hipoteticamente, se suprimisse a agressão, a vítima não fugiria e, portanto, não sofreria a lesão.

Por meio do procedimento hipotético de eliminação, avalia-se

de maneira individual cada fato que integra o contexto de eventos do delito. Desta

forma, quando se suprimindo mentalmente um desses fatos, concluí-se que o

resultado não ocorreria, este determinado fato constitui causa do evento.

A teoria da equivalência das condições é criticada, pois,

conforme afirmação a corrente causal poderia ir ao infinito, entretanto, Mirabete85

defende que:

Mesmo estabelecida a relação de causalidade entre o ato e o resultado, a relevância penal da causalidade acha-se limitada pelo elemento subjetivo do fato típico, por ter o agente querido o fato ou por ter dado causa ao resultado ao não tomar as cautelas que dele se exigia, ou seja, só pratica conduta típica quem agiu com dolo ou culpa. A rigor, a adoção do princípio da conditio sine qua non tem mais relevância para excluir quem não praticou conduta típica do que para incluir quem a cometeu.

Dessa feita, conforme se constata, para evitar a

responsabilização de pessoas que de algum modo influenciaram para o resultado,

contudo, não tiveram qualquer intuito de causá-lo, aplica-se o filtro subjetivo, o qual

exige que a conduta seja dotada de dolo ou culpa, para que somente assim, possa-

se imputar a determinado indivíduo a causa do resultado.

84

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 97.

85 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 98

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39

É de especial relevância a explanação acerca da teoria geral

do crime, embora não seja o objeto específico desta pesquisa, com o intuito de

melhor ser compreendida as alterações que os crimes de estupro e atentado

violento ao pudor sofreram após a Lei nº 12.015/09, tema este que será abordado no

capítulo 3 desta pesquisa.

Porém, antes de analisar precisamente as alterações trazidas

pela Lei nº 12.015/09 aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, importante

estudar como era a anterior previsão destes crimes. Tais aspectos serão objetos do

capítulo seguinte.

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40

Capítulo 2

ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR ANTES DA LEI

12.015/09

2.1 OBJETO JURÍDICO DOS DELITOS

Primeiramente, ressalta-se que o objeto jurídico dos crimes em

geral é o bem ou o interesse que possui relevância para a sociedade ou para

determinado indivíduo titular destes e, em virtude dessa importância, esse bem ou

interesse é protegido pela norma penal, ou seja, no dizer de Mirabete86:

Objeto do delito é tudo aquilo contra o que se dirige a conduta criminosa [...]. Objeto jurídico do crime é o bem-interesse protegido pela lei penal [...]. Conceituam-se bem como tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade humana, inclusive as de natureza moral, espiritual etc., e interesse como o liame psicológico em torno desse bem, ou seja, o valor que tem para seu titular.

Assim, tem-se que, para o crime de estupro o objeto jurídico é

a liberdade sexual da mulher, haja vista, que esse tipo penal visa proteger a

liberdade de escolha dos seus parceiros sexuais, bem como a autonomia de realizar

os atos sexuais que desejar.

Nesse sentido é o entendimento de Capez87:

Sob a epígrafe “Dos crimes contra os costumes” tutela o Código Penal a moral social sob o ponto de vista sexual. A lei penal não interfere nas relações sexuais normais dos indivíduos, mas reprime as condutas anormais consideradas graves que afetam a moral média da sociedade. No crime de estupro tutela-se sobretudo a liberdade sexual da mulher, ou seja, a liberdade de dispor de seu corpo, de não ser forçada violentamente a manter conjunção carnal com outrem.

86

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral arts. 1º a 120 do CP. p. 112.

87 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 3ª edição, São Paulo: Saraiva. 2005. p. 1/2.

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41

Ou seja, o crime de estupro visa proteger a integridade e o

direito de inviolabilidade que a mulher tem sob o seu corpo.

O entendimento de Greco88 vai de encontro a este raciocínio,

ao definir que:

A liberdade sexual da mulher é o bem juridicamente protegido pelo tipo penal que prevê o delito de estupro e, em sentido mais amplo, os costumes. A lei, portanto, tutela o direito de liberdade que a mulher tem de dispor sobre o próprio corpo no que diz respeito aos atos sexuais.

A liberdade sexual trata-se, portanto, da faculdade que a

mulher tem de dispor da maneira que desejar o seu próprio corpo à prática sexual.

Neste sentido é oportuno citar a manifestação de Prado89:

A liberdade sexual, como objeto de tutela do Direito Penal [...] busca-se garantir a toda pessoa que possua a capacidade de autodeterminação sexual que a exerça com liberdade de escolha e de vontade. A preocupação aqui é assegurar ou garantir que a atividade sexual das pessoas seja exercida em condições de plena liberdade.

No tocante ao delito de atentado violento ao pudor, tem-se, no

dizer de Capez90 que:

Tutela-se sobretudo a liberdade sexual da mulher, ou seja, a liberdade de dispor de seu corpo, em especial a de não ser forçada violentamente a sujeitar-se a atos libidinosos diversos da conjunção carnal. Ao contrário do crime de estupro, protege-se igualmente, a liberdade sexual do homem, uma vez que a lei faz referência à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal.

Verifica-se que, como no estupro, esse delito visa proteger a

liberdade sexual, entretanto, neste caso, além da mulher, o homem também se

encontra sob essa tutela.

88

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 5ª edição, Rio de Janeiro: Impetus. 2008. p. 467.

89 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 194/194.

90 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 27.

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42

Greco91, seguindo a mesma linha de pensamento, manifesta-se

que:

A lei, portanto, tutela o direito de liberdade que as pessoas têm de dispor sobre o próprio corpo no que diz respeito aos atos sexuais. O atentado violento ao pudor, atingindo a liberdade sexual das pessoas, ofende, simultaneamente, a dignidade humana, que se vê menosprezada com o ato sexual forçado.

Constata-se, por consequência, que esse delito visa impedir

que a pessoa sofra alguma violência ou ameaça a fim de dispor de seu corpo para

prática de ato libidinoso.

2.2 CONCEITO DE ESTUPRO

A palavra estupro deriva da expressão stuprum, que, conforme

descreve Costa Junior92:

No direito romano equivalia a qualquer congresso sexual indevido, compreendendo inclusive a pederastia e o adultério. Não deixa de ser uma forma especial de constrangimento ilegal, em que a tutela recai, primacialmente, sobre os costumes.

No Código Penal, antes da alteração trazida pela Lei nº.

12.015/09, o crime de estupro era previsto no art. 213 como sendo “constranger

mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão,

de seis a dez anos”.

No dizer de Mirabete93, “trata-se, pois, de um delito de

constrangimento ilegal em que se visa à prática de conjunção carnal”.

Em nada difere o entendimento de Costa Junior94 ao doutrinar

que “caracteriza-se o estupro, o mais grave dos atentados contra a liberdade sexual,

pela prática da conjunção carnal mediante violência”.

91

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 501.

92 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 607.

93 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial arts. 121 a 234 do CP. 22ª edição, São Paulo: Atlas, 2004. p. 415.

94 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 607.

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43

Portanto, o estupro corresponde ao ato de obrigar, forçar a

vítima, no caso mulher, por meio de violência ou grave ameaça, a praticar com o

agente a conjunção carnal.

2.2.1 Tipo Objetivo

Prevê o crime em análise que a conduta considerada típica é

manter conjunção carnal por meio de violência ou grave ameaça.

No tocante ao conceito de conjunção carnal, Greco95 expõe

que:

Foi adotado, portanto, pela legislação penal brasileira, o sistema restrito no que diz respeito à interpretação da expressão conjunção carnal, repelindo-se o sistema amplo, que compreende a cópula anal, ou mesmo o sistema amplíssimo, que inclui, ainda, os atos de felação (orais).

Como se vê, sob o prisma legal, a conjunção carnal

corresponde apenas à cópula vagínica, de forma completa ou não, entre homem e

mulher, não abrangendo as demais formas de praticas sexuais, como a cópula anal

ou oral, tais atos poderão ser considerados atentado violento ao pudor.

No tocante ao elemento objetivo do crime de estupro,

manifesta-se Prado96:

A conduta incriminada pelo legislador no artigo 213 consubstancia-se em constranger (forçar, compelir) mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça (tipo autônomo/simples/anormal/incongruente). Conjunção carnal, elemento normativo extrajurídico do tipo, consiste na cópula natural efetuada entre homem e mulher, ou seja, cópula vagínica. [...] Quanto ao uso de instrumentos mecânicos ou artificiais por parte do sujeito ativo, haverá estupro, da mesma forma, desde que sejam acoplados ao pênis do sujeito ativo.

Acerca dessa abordagem, oportuno acrescentar a

manifestação de Greco97:

95

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 466.

96 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 197.

97 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 466.

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44

De acordo com a redação legal, verifica-seque o núcleo do tipo é constranger, aqui utilizado no sentido de forçar. Obrigar, subjugar a vítima ao ato sexual. Trata-se, portanto, de modalidade especial de constrangimento ilegal, praticado com o fim de fazer com que o agente tenha sucesso no congresso carnal

Ou seja, tendo em vista que a vítima é obrigada a realizar ato

sexual, sob o qual tem o direito de escolha se deseja ou não praticar, configura-se

uma modalidade de constrangimento ilegal.

O entendimento de Capez98 vai de encontro a este raciocínio,

ao definir:

Que o estupro, na realidade, constitui uma espécie de crime de constrangimento ilegal, na medida em que a vítima é coagida, devido ao emprego de violência ou grave ameaça, a fazer algo que por lei não está obrigada, no caso, a praticar conjunção carnal com o agente. A violência, no caso, é a material, ou seja, com o emprego de força física capaz de tolher a capacidade de agir da vítima, que a impede, em suma, de devencilhar-se do estuprador (p. ex., amarrar as mãos da vítima, praticar agressões contra ela). Trata-se de violência real.

Igualmente, é necessário para a configuração do delito de

estupro que a conjunção carnal ocorra através do emprego de violência ou de grave

ameaça, que impeçam a vítima de se defender e de impedir a cópula carnal.

Sobre esse tema, Costa Junior99 entende que:

O dissenso da vítima deverá ser irretorquível e sincero, positivo e militante, extravazando-se numa resistência inequívoca. A vítima não poderá aderir, em momento algum, ao ato da lascívia. Deverá opor-se decididamente, enquanto dispuser de forças.

Exige-se, portanto, que a vítima resista de maneira veemente

ao injusto sofrido, opondo-se ao ato sexual de forma sincera e positiva, resistindo

com toda a sua força, e vindo a ceder apenas em virtude da violência sofrida.

Porém, leciona Capez100 que:

98

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 2.

99 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 608.

100 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 3.

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Tal resistência física, contudo, pode não estar presente no crime, pois, muitas vezes, o temor causado pode ocasionar a paralisação dos movimentos da vítima, ou esta pode perder os sentidos e desmaiar.

Outrossim, à respeito da ameaça, manifesta Prado101 que:

Alternativamente ao uso da violência física, é prevista a violência moral ou grave ameaça, que é a manifestação expressa ou tácita, explícita ou implícita, real ou simbólica, escrita, oral ou mímica, direta ou indireta, do propósito de causar um dano ou uma situação de perigo, para que a ameaçada consinta na conjunção carnal.

Observa-se, que esta violência moral deve ocorrer de forma

grave, assim entende Capez102 quando leciona que:

A violência moral é aquela que age no psíquico da vítima, cuja força intimidatória é capaz de anular sua capacidade de querer. A lei fala em ameaça grave, isto é, o dano prometido deve ser maior que a própria conjunção carnal, não tendo a vítima outra alternativa senão ceder à prática do ato sexual. O mal prometido pode ser direto (contra a própria vítima) ou indireto (contra terceiros ligados à vitima); justo (denunciar crimes praticados pela vítima) ou injusto (anunciar que vai matá-la); e deve ser analisado sob o ponto de vista da vítima, ou seja, tendo em conta suas condições físicas e psíquicas; uma senhora de idade, um enfermo ou uma criança são muito mais suscetíveis que uma jovem que possui plena capacidade física e mental. Cada caso exigirá uma análise individual.

Verifica-se que a grave ameaça consiste na promessa de

causar um sério dano à vítima ou a pessoas a ela relacionadas, provocando, assim,

no (a) ofendido (a) um temor imensurável, visto que se encontra em estado

vulnerável perante o agressor, dessa forma, terá que cede a prática do ato sexual,

pois, não tem alternativa.

2.2.2 Tipo Subjetivo

O elemento subjetivo do crime de estupro é o dolo, o qual, no

dizer de Capez103 “é consubstanciado na vontade de constranger a mulher à

conjunção carnal, mediante emprego de violência ou grave ameaça”. Ou seja, o dolo

101

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 608.

102 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 2/3.

103 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 6.

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é representado pela intenção e consciência do agente em praticar os elementos

objetivos do tipo ilícito.

Acerca desse tema, Mirabete104 manifesta que:

A vontade de constranger, obrigar, forçar a mulher é o dolo do delito de estupro. Exige-se, porém, o elemento subjetivo do injusto (dolo específico), que é o intuito de manter conjunção carnal.

Seguindo a mesma linha de raciocínio Costa Junior105 expressa

que:

Além do dolo genérico (vontade de empregar a violência na conjunção carnal), o crime exige o dolo específico, representado pela finalidade de manter conjunção carnal com mulher. É esse elemento que irá nortear o julgador a detectar se se trata de tentativa de estupro, ou de atentado ao pudor. O dolo poderá ser eliminado pela boa-fé, sempre que não tenha havido emprego de violência excessiva, quando o agente tiver motivos para crer que a mulher estivesse por consentir na cópula, pelas manifestações de carinho precedentes.

É preciso, portanto, para que se configure o delito de estupro, a

vontade livre e consciente do agente com o intuito de obter a cópula vagínica, sendo

esta intenção caracterizadora do dolo específico.

Porém, Capez106 em entendimento contrário manifesta que:

Não é exigida nenhuma finalidade especial, sendo suficiente a vontade de submeter a vítima à pratica de relações sexuais completas. O que pode causar certa dúvida é o fato de que tal crime exige a finalidade de satisfação da lascívia para a sua caracterização. Ocorre que se trata de um delito de tendência, em que tal intenção se encontra ínsita no dolo, ou seja, na vontade de praticar a conjunção carnal.

Assim no entendimento de Capez, aquele que coage a mulher

utilizando-se de violência ou grave ameaça a realizar a conjunção carnal, não atua

com nenhuma finalidade específica, somente age com a consciência e intenção de

104

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial arts. 121 a 234 do CP. p. 419.

105 JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal Objetivo. Comentários Atualizados. p.417.

106 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 6.

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praticar a ação típica e com isso saciar o seu desejo sexual, existindo, deste modo,

apenas o dolo genérico.

Neste sentindo é oportuno citar a manifestação de Greco:

Para que se configure o delito em estudo, a conduta do agente deve ser dirigida, tão-só e finalisticamente, a constranger a vítima à conjunção carnal. Caso a sua finalidade seja a prática, também, de outros atos libidinosos, além da conjunção carnal, que não sejam, necessariamente, naturalmente antecedentes ao estupro, o agente também deverá ser responsabilizado pelo atentado violento ao pudor, em concurso de crimes.

Verifica-se que é importante para a caracterização do delito em

comento constatar qual era a vontade do agente, sendo, portanto, o dolo o elemento

subjetivo fundamental para a configuração do crime de estupro, importante, até

mesmo, para distinguir este delito do crime de atentado violento ao pudor ou da

mera tentativa de estupro.

2.2.3 Sujeito Ativo e Sujeito Passivo

De acordo com o abordado nos itens anteriores desta

pesquisa, verifica-se que somente o homem pode ser o sujeito ativo do crime de

estupro, trata-se, portanto, de um delito próprio.

Este é o entendimento de Greco107 quando leciona que:

De acordo com a redação legal, verifica-se que somente o homem pode ser sujeito ativo do delito de estupro. Tal ilação se deve não ao núcleo do tipo, que é o verbo constranger, mas sim à expressão conjunção carnal, entendida como a relação sexual normal, ou seja, a cópula vagínica, que somente pode ocorrer com a introdução do pênis do homem na vagina da mulher.

Logo, constata-se que se trata de crime impossível o estupro

entre pessoas do mesmo sexo.

107

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 468.

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A mulher, no entanto, pode ser co-autora desse delito, caso

ordene ou auxilie a sua consumação. Ou ainda, pode ser considerada partícipe,

caso o instigue. Nesse sentido, é o entendimento de Capez108:

No que toca à autoria mediata, contudo, nada impede que a mulher seja sujeito ativo do crime de estupro, uma vez que, nesse caso, ela não estaria executando pessoalmente a conjunção carnal. [...] Assim, se a mulher se serve de um doente mental ou de um menor inimputável, ou se, mediante o emprego de grave ameaça (coação moral irresistível), obriga um homem a manter conjunção carnal com a vítima, estará presente a hipótese da mulher como autora de estupro. [...] É perfeitamente possível o concurso de pessoas na modalidade co-autoria e participação [...] em que pese a mulher não poder manter conjunção carnal com outra mulher, ela pode praticar a ação nuclear típica do crime, consubstanciada no verbo constranger. [...] Partícipe é, assim, aquele que instiga o comparsa à prática delitiva, isto é, reforça uma idéia já existente; ou o induz, isto é, faz nascer a idéia na mente do agente; ou o auxilia materialmente.

Há, porém, uma divergência doutrinária acerca da possibilidade

do marido praticar o crime de estupro contra a sua esposa. Os doutrinadores mais

antigos, como Hungria, defendem a ideia de que não é possível o crime de estupro

praticado pelo marido contra a sua mulher, visto que nesse caso, a conjunção carnal

é obrigação recíproca do casal, e, portanto, não é ilícita.

Compactua com essa corrente Costa Junior109 ao lecionar que:

O estupro pressupõe a cópula ilícita, e a prestação sexual é dever recíproco dos cônjuges. Estará, pois, o marido exercitando um seu direito, se o fizer regularmente. Isto significa que poderá responder pela violência física excessiva que venha a empregar para compelir a esposa à cópula. A solução é a mesma no caso de o agente conviver com a ofendida more uxorio.

Contudo, a opinião de Prado110 diverge dessa, quando

manifesta que:

Assiste razão à doutrina penal moderna que repele a tese em epígrafe, entendendo incabível amparar o estupro praticado pelo marido contra sua esposa sob o manto da causa da justificação do exercício regular de direito. [...] Nada autoriza o marido a se utilizar da violência para obter o almejado ato sexual. Não haverá,

108

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 3/4.

109 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 607/608.

110 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 196.

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evidentemente, o exercício regular de um direito neste comportamento, pois, ainda que admitido o direito, não se poderá conceber, em tal hipótese, o exercício regular.

Capez111 também compartilha desse posicionamento ao

lecionar que “a mulher tem direito à inviolabilidade de seu corpo, de forma que

jamais poderão ser empregados meios ilícitos, como a violência ou grave ameaça,

para constrangê-la á prática de qualquer ato sexual”.

Destarte, muito embora, seja um dever do casal a prestação

sexual, isto não autoriza o marido a compelir sua esposa, por meio de violência

física ou moral, a pratica da conjunção carnal, pois, tal ato viola o direito que a

mulher tem de inviolabilidade de ser corpo, logo, não se trata de regular exercício do

seu direito.

Referente ao sujeito passivo, por sua vez, constata-se evidente

que somente a mulher poderá o ser. Nesse sentido é este o entendimento de Costa

Junior112:

Sujeito passivo é somente a mulher. Irrelevante seja ela casada, viúva, ou solteira, virgo intacta ou não, honesta ou devassa, freira ou meretriz. Nem mesmo a marafona que mercadeja o corpo, cedendo au premier passant, pode ser excluída do rol das eventuais vítimas de estupro.

Este dizer de Costa Junior é fundamental para compreender

que o tipo penal não objetiva proteger a pureza da mulher, ou sua condição física

em virtude de sua idade, ou, ainda, sua experiência de vida, mas sim, visa proteger

a liberdade sexual da mulher.

Acerca desse tema, relevante é a manifestação de Capez113 no

sentido de que “não importa para a configuração do crime que a mulher seja virgem

e honesta, não se excluindo da proteção legal a prostituta, que, embora mercantilize

seu corpo, não perde o direito de ele dispor quando bem quiser”.

111

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 5.

112 JUNIOR, Paulo José da Costa. Direito Penal Objetivo. Comentários Atualizados. p.416.

113 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 5.

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Dessa forma, o sujeito ativo será todo homem (podendo ser o

marido) que subjugar a vítima mediante o uso de violência ou grave ameaça, à

prática de conjunção carnal, bem como, a mulher que ordene, auxilie ou instigue a

consumação do delito. E como sujeito passivo, considerar-se-á a mulher que é

compelida a realizar a cópula vagínica, não sendo relevante a sua conduta social

e/ou idade.

2.2.4 Consumação e Tentativa

O estupro trata-se de um delito de resultado instantâneo, dessa

forma entende Prado114 quando menciona que, “a consumação do estupro se perfaz

com a cópula carnal, isto é, com a introdução do pênis na cavidade vaginal, ainda

que de forma parcial”.

Em nada difere o entendimento de Costa Junior115 ao

conceituar que:

Aperfeiçoa-se o crime com a introdução, ainda que parcial, do pênis na vagina (immissio in vaginam). Não se faz mister que o agente atinja o orgasmo (emissio seminis). Conjunção carnal não significa coito completo: basta a cópula vestibular para a consumação.

Capez116 também entende desta forma ao afirmar que “trata-se

de crime material que se consuma com a introdução completa ou incompleta do

pênis na cavidade vaginal da mulher”.

Assim, o delito de estupro se consuma com a cópula vagínica,

independentemente se de forma completa ou não, sendo, ainda, indiferente que o

agente atinja a ejaculação.

Igualmente, é admitida pela doutrina que o crime de estupro

ocorra na forma tentada, isto quando por razões alheias a intenção do agente, este

não consiga consumar o delito, pois conforme manifesta Greco117, “tratando-se de

114

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 199.

115 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 609.

116 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 7.

117 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 468.

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crime plurissubsistente, torna-se perfeitamente possível o raciocínio correspondente

à tentativa”.

Nesta tangente, Prado118 leciona que:

Quando, porém, o agente, apesar de desenvolver atos inequívocos tendentes ao estupro, não consegue atingir a meta optata, por circunstâncias alheias à sua vontade, haverá apenas a tentativa. Cite-se, como exemplo, a hipótese do agente que, após subjugar a vítima a fim de concretizar a conjunção carnal, é surpreendido por terceira pessoa, ou consegue a ofendida desvencilhar-se, empreendendo fuga do local, frustrando, destarte, o fim delituoso por ele almejado. Ocorre aqui uma disfunção entre o processo causal e a finalidade a eu se direcionava o autor do delito.

Ocorrerá, portanto, a tentativa quando o agente após iniciada a

prática dos atos precedentes à conjunção carnal, por circunstâncias alheias a sua

vontade não consegue consumar o fato. Ressaltando-se que somente haverá a

tentativa de estupro quando o agente tem a finalidade de ofender a liberdade sexual

da mulher, ou seja, quando seu real intuito é a cópula carnal.

2.3 CONCEITO DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

No Brasil o atentado violento ao pudor passou a ser previsto

como delito autônomo somente com a previsão no art. 223 do Código Criminal de

1830.

Antes de sua supressão pela Lei 12.015/09 o art. 214 do atual

Código Penal definia o atentado violento ao pudor como sendo o ato de “constranger

alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se

pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.

Dessa forma, Costa Junior119 leciona que:

É a incriminação de ato libidinoso diverso da cópula normal, mediante violência. Ato libidinoso é qualquer ato que extravase o apetite desenfreado de luxúria do agente, excetuando o coito vagínico. Poderá tratar-se de coito anal ou do oral, do coito inter

118

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 199.

119 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 610.

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femora, da masturbação, da apalpação de órgãos genitais, da copula entre os seios ou axilas etc.

O entendimento de Prado120 vai de encontro a este raciocínio

ao conceituar que atentado violento ao pudor “consiste no fato de o agente

constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou a consentir

que com ele se pratique atos libidinosos não atinentes ao coito natural”.

O crime de atentando violento ao pudor consiste, então, no ato

de obrigar, forçar, subjugar outrem, utilizando-se de violência ou grave ameaça, a

praticar ou a permitir que com ele se pratique atos lascivos, diversos da conjunção

carnal.

2.3.1 Tipo Objetivo

Extrai-se do tipo penal em análise, o ato de constranger,

mediante violência ou grave ameaça – sobre esta conduta observa-se ao abordado

acerca do crime de estupro –, porém, é necessário ater-se que, no caso do delito em

comento, o intuito do agente ao constranger, diferentemente do estupro, é o de

coagir a vítima a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso

da conjunção carnal.

À respeito, destaca inteligentemente Prado121 ao lecionar que:

A incriminação alcança tanto a conduta do agente que constrange a vítima a realizar o ato libidinoso, de modo ativo, como aquela que submete a vítima a uma situação passiva, a fim de permitir que com ela seja praticado aquele ato.

E ainda, sob este prisma manifesta Greco122:

O constrangimento empregado pelo agente pode ser dirigido a duas finalidades diversas, como se percebe pela redação do art. 214 do Código Penal. Na primeira delas, o agente obriga a própria vítima a praticar um ato de libidinagem diverso da conjunção carnal. A sua conduta, portanto, é ativa, podendo atuar sobre seu próprio corpo, com atos de masturbação, por exemplo; no corpo do agente que a constrange, praticando, v.g., sexo oral; ou ainda, em terceira pessoa,

120

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 204.

121 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 204.

122 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 500.

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sendo assistida pelo agente. O segundo comportamento é passivo. Nesse caso, a vítima permite que com ela seja praticado o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, seja pelo próprio agente que a constrange, seja por um terceiro, a mando daquele.

Desta feita, constata-se que o tipo prevê a configuração do

delito e a punição ao agente que coage a vítima a praticar o ato libidinoso de forma

ativa (obrigando-a a nele realizar ato libidinoso), passiva (permitir que o agente nela

pratique o ato libidinoso) ou de ambas as maneiras. E, conforme manifesta

Capez123, “se o agente forçar a vítima a contemplá-lo enquanto se masturba, não há

falar no crime em tela, pois não houve participação física da vítima no ato libidinoso”.

O elemento do tipo em análise, conforme previsto na lei

consiste no ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que no dizer de Mirabete124:

Trata-se, portanto, de ato lascivo, voluptuoso, dissoluto, destinado ao desafogo da concupiscência. Alguns são equivalentes ou sucedâneos da conjunção carnal (coito anal, coito oral, coito inter-femora, cunnilingue, anilingue, heteromasturbação). Outros, não o sendo, contrastam violentamente com a moralidade sexual, tendo por fim a lascívia, a satisfação da libido. [...] O ato somente será considerado atentatório ao pudor, e, portanto, criminoso, se, objetivamente considerado, é libidinoso.

No mesmo sentido, Prado125, manifesta que “ato libidinoso,

elemento normativo extrajurídico, é toda conduta perpetrada pelo sujeito ativo que

se consubstancia numa manifestação de sua concupiscência”.

Desta forma, tem-se que, o ato libidinoso é aquele que é

praticado com a finalidade de satisfazer a lascívia do agente, isto é, toda ação

considerada socialmente anormal, doentia ou imoral, que atenta contra o pudor das

pessoas. Seguindo esse raciocínio, Costa Junior126 acrescenta que:

O ato, além de materialmente indecoroso, deverá traduzir uma expansão de luxúria. Não há ato libidinoso sem libidinosidade. A libidinagem é o descomedimento do apetite carnal. O beijo, dado nos seios ou e outras partes pudendas do corpo, poderá constituir ato de

123

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 31.

124 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial arts. 121 a 234 do CP. p. 422/423.

125 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 204.

126 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 611.

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libidinagem. Entretanto, como a norma pune a prática do ato libidinoso praticado mediante violência, será difícil configurá-la, se o agente vier a beijar de inopino, embora em partes recatadas, a vítima.

Não se incluem no conceito de ato libidinoso, conforme bem

destaca Capez127, “as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere

ao ato, ou seja, a uma realização física concreta”.

Destarte, verifica-se que o delito de atentado violento ao pudor

pode caracterizar-se de várias formas, desde que, sejam estas diversas da

conjunção carnal.

2.3.2 Tipo Subjetivo

O elemento subjetivo do delito em tela é o dolo, este é o

entendimento de Prado128 ao lecionar que: “o tipo subjetivo é representado pelo

dolo, consistente na consciência e vontade de constranger a pratica de ato libidinoso

diverso de conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.

Ou seja, o tipo subjetivo do crime de atentado violento ao

pudor, corresponde a vontade livre e consciente do agente em forçar a vítima a

praticar, de maneira ativa e/ou passiva o ato lascivo.

Assim, também entende Capez129 que o elemento subjetivo “é

o dolo, consubstanciado na vontade de constranger outrem, mediante o emprego de

violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato

libidinoso diverso da conjunção carnal”.

De encontro a esse entendimento Greco130 leciona: A conduta

do agente deve ser dirigida finalisticamente a constranger a vítima a praticar ou a

permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

127

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 28

128 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 205.

129 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 32.

130 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 502.

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Porém, a doutrina diverge quanto à existência ou não, para

caracterização do delito, da finalidade do agente ao constranger alguém, mediante

violência, a praticar ou permitir que com ele se pratique o ato lascivo.

Assim, no entendimento de Prado131:

O melhor posicionamento, todavia, é aquele que prima pela existência de um elemento subjetivo do injusto no delito de atentado violento ao pudor, qual seja o especial fim de praticar com a vítima ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Constitui, portanto, o crime em apreço delito de tendência (intensificada), tal como o delito de estupro.

Ou seja, no dizer de Prado, para a configuração do delito em

comento é indispensável que o agente haja com o intuito de satisfazer a própria

libidinagem.

No entanto, em raciocínio divergente Costa Junior132 expõe

que:

O conteúdo intencional da conduta não integra o tipo. Ademais, o agente pode visar a outra finalidade, diversa da satisfação de luxúria, como desacreditar ou ridicularizar a vítima, ou praticar a conduta por vingança. Consiste o dolo (genérico) na vontade de constranger a vítima, mediante violência, à pratica de ato libidinoso.

Dessa forma, extrai-se do entendimento de Costa Junior, que

não é fundamental para a configuração do crime de atentado violento ao pudor, que

o agente atue com a única e exclusiva intenção de satisfazer a sua própria lascívia,

podendo, dessa forma, configurar o delito quando o agente obriga a vítima a praticar

o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça,

por outras razões.

Capez133, por sua vez, entende que:

O tipo penal não requer qualquer finalidade específica, contudo, é necessária a satisfação da lascívia. Não se trata de finalidade especial, percebida pelo agente, já que esta não é exigida pelo tipo,

131

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 206.

132 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 611/612.

133 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 33.

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mas de realização de uma tendência interna transcendente, vinculada à vontade de realização do verbo do tipo.

Destarte, Capez compreende ser indispensável a satisfação da

lascívia por parte do agente, não correspondendo este prazer a um fim específico,

visto que não é prescrito pelo tipo penal, tratando-se, portanto, de delito de intenção,

onde o agente busca o resultado previsto, porém é dispensável para a consumação

o seu alcance.

2.3.3 Sujeito Ativo e Sujeito Passivo

Conforme se obtém da antiga redação no art. 214 do Código

Penal, qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser sujeito ativo ou passivo do

crime de atentado violento ao pudor.

Este é o entendimento de Greco134 ao manifestar que se trata

de:

Crime comum com relação ao sujeito ativo, o atentado violento ao pudor pode ser cometido por qualquer pessoa, não exigindo a figura típica constante do art. 214 do Código Penal nenhuma qualidade ou condição especial. Da mesma forma, qualquer pessoa pode figurar como sujeito passivo do delito em estudo, não importando o sexo ou a idade da vítima, sendo, também por esse enfoque, considerado um crime comum.

Observa-se, desta feita, que não há qualquer exceção acerca

de quem pode figurar como sujeito passivo ou ativo de delito em apreço, podendo,

então ser qualquer pessoa.

Seguindo a mesma conclusão, Capez135 manifesta que “ao

contrário do crime de estupro, tanto pode ser sujeito ativo o homem quanto a mulher.

Assim admite-se a prática do crime contra pessoa do mesmo sexo”.

134

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 501.

135 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 32.

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57

Costa Junior136 ao explicar sobre sujeito passivo manifesta que

“é quem sofre o atentado, inclusive a meretriz, que não pode ficar à mercê dos

caprichos lúbricos, ou das perversidades sexuais do parceiro”.

Não diverge a compreensão de Capez137 ao lecionar que

“qualquer pessoa, tanto homem quanto a mulher. Não se excluem da proteção legal

as prostitutas”.

Assim, verifica-se que a norma penal busca proteger a

liberdade sexual de todos os indivíduos, impedindo que qualquer pessoa sofra

violência ou grave ameaça com o intuito de dispor de seu corpo para prática de ato

libidinoso. Nesse caso, também é perfeitamente aceitável, que qualquer dos

cônjuges possa ser autor ou vítima de atentando violento ao pudor.

2.3.4 Consumação e Tentativa

Consuma-se o delito de atentado violento ao pudor com a

efetivação do ato lascivo, após o constrangimento da vítima por meio de violência ou

grave ameaça.

Neste sentido descreve Greco138 que:

Consuma-se o atentado violento ao pudor no momento em que o agente, depois da prática do constrangimento levado a efeito mediante violência ou grave ameaça, obriga a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique o ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Capez139 possui a mesma opinião ao lecionar que “consuma-se

o crime com a prática do ato libidinoso diverso da conjunção carnal”.

136

JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 615.

137 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 32.

138 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 501

139 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 33.

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Em nada difere do entendimento de Costa Junior140 ao dizer

que a consumação: “verifica-se com a execução do ato libidinoso,

independentemente da satisfação do apetite sexual do agente”.

Para a consumação do delito de atentado violento ao pudor é

necessário o emprego de violência ou grave ameaça, que subjugue a vítima a

praticar ou permitir que se pratique o ato lascivo, sendo, ainda, imprescindível que

ocorra o contato físico entre o agente e a vítima.

A tentativa, por sua vez, é aceitável, pois segundo Greco141:

A tentativa é possível a partir do momento em que o agente praticar o constrangimento sem que consiga, nas situações de atividade e passividade da vítima, determinar a prática do ato libidinoso, tratando-se, pois, de delito plurissubsistente.

Assim, para que se possa considerar o delito na forma tentada,

verifica-se imprescindível que o agente inicie o ato atentatório ao bem jurídico

tutelado pela norma. Nesta linha de pensamento Capez142 doutrina que:

Se o agente emprega violência ou grave ameaça, que são atos executórios do crime, mas não consegue realizar os atos libidinosos por circunstâncias alheias a sua vontade, há crime tentado.

Entende-se, por conseguinte, que ocorrerá a tentativa quando,

após o agente principiar a violência física ou moral em face da vítima, ou seja,

oferecer perigo ao bem jurídico protegido, por circunstâncias alheias a sua vontade,

é impossibilitado de praticar o ato libidinoso.

2.4 FORMAS DOS DELITOS DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR

Conforme será explanado, por conseguinte, os delitos de

estupro e atentado violento ao pudor são previstos de forma simples, de acordo,

respectivamente, com a descrição do caput, do art. 213 e do caput, do art. 214,

ambos do Código Penal; qualificada, quando ocorrer algum dos resultados previsto

140

JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 611.

141 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 502.

142 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 33.

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nos art. 223 do Código Penal; é presumida a violência quando a vítima apresentar

alguma das peculiaridades expostas no art. 224 do Código Penal; e por fim, a pena

dos delitos será aumentada quando sobrevier alguma das suposições do art. 226 do

Código Penal.

2.4.1 Simples

Conforme menciona Capez143 a forma simples do delito de

estupro encontra-se “prevista no caput do art. 213, do Código Penal”, ou seja, há

configuração do crime em apreço em sua forma simples com o cometimento da

conduta constranger mulher à conjunção carnal através do emprego de violência ou

grave ameaça.

Por sua vez, a modalidade simples do crime de atentado

violento ao pudor, conforme leciona Capez144 é “prevista no caput do art. 214 do

Código Penal”, isto é, se caracteriza o aludido delito quando o agente constrange a

vítima, por meio de violência ou grave ameaça, a realizar ou permitir que com ele se

pratique ato libidinoso, diverso da conjunção carnal, sem que existam as

possibilidades de qualificação ou causa de aumento do crime.

2.4.2 Qualificada

Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são

considerados qualificados pelo resultado, quando ocorrer alguma das hipóteses

previstas no antigo artigo 224 do Código Penal, o qual dispunha: “Se da violência

resulta lesão corporal de natureza grave. Pena – reclusão, de oito a doze anos.

Parágrafo único. Se do fato resulta a morte: pena – reclusão, de doze a vinte e cinco

anos”.

Explica Costa Junior145 que “a lesão corporal grave ou a morte

deverão resultar da violência. Vale dizer, deverá haver entre o resultado

preterdoloso e a conduta violenta um nexo de causalidade material”.

143

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 17.

144 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 17.

145 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 620.

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Ou seja, apenas nos delitos praticados com violência, e em

decorrência desta, a vítima sofre lesões graves ou gravíssimas ou morre, é que se

poderá implicar a penalidade prevista na forma qualificada.

Ademais, acerca da forma qualificada pelo resultado Greco146

leciona que “ab initio, deve ser frisado que esses resultados que qualificam a

infração penal somente podem ser imputados ao agente a título de culpa, cuidando-

se, outrossim, de crimes eminentemente preterdolosos”.

Assim, somente será o agressor punido pelos delitos na

modalidade qualificada, quando sua intenção era dolosa em relação à prática do

estupro ou atentado violento ao pudor, porém, devido à violência empregada, sem

que deseje, isto é, culposamente, ocorre o resultado morte ou lesão corporal grave.

Logo, se este resultado deriva de força maior ou caso fortuito,

não será ao agente imputada a prática dos crimes na forma qualificada, pois, se

deve atentar ao disposto no artigo 19 do Código Penal, que “pelo resultado que

agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao

menos culposamente”.

Ainda, ressalta Prado147 que “a lesão corporal de natureza leve

ou mesmo a simples via de fato são elementos constitutivos dos tipos penais [...],

não se aplicando nesses casos o disposto no art. 223”.

Acerca do resultado pretendido pelo agente, oportuno, ressaltar

o entendimento de Greco148:

No entanto, pode ter agido com ambas as finalidades, vale dizer, a de praticar o crime sexual [...], bem como a de causar lesões corporais graves ou morte da vítima. Nesse caso, [...], deverá responder por ambas as infrações penais, em concurso material de crimes, nos termos preconizados pelo art. 69 do Código Penal.

Portando, se o ofensor tinha a pretensão de estuprar ou de

praticar ou permitir que com a vítima se praticasse ato lascivo, bem como provocar a

146

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 547.

147 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p 243.

148 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 547

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sua morte ou lesioná-la gravemente, deverá ser penalizado por ambas as condutas

em concurso material.

2.4.3 Presumida

Em regra, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor

exigem para que se consumem, que o agente alcance o seu objetivo, que são,

respectivamente, a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso, constrangendo a

vítima por meio de violência real.

Entretanto, o legislador atendo a determinadas peculiaridades

da vítima, estabeleceu no artigo 224 a denominada violência ficta, ou seja, quando a

cópula vagínica ou o ato libidinoso, forem praticados com vítima não maior de

quatorze anos; ou alienada ou débil mental; ou que por qualquer outra razão não

pode oferecer resistência, o estupro ou o atentando violento ao pudor são

presumidos, mesmo que a vítima consinta com o ato sexual.

Acerca desse assunto, doutrina Capez149:

Tem em vista o legislador circunstâncias em que a vítima não tem capacidade para consentir validamente ou não tem capacidade de resistência. Com base na presença dessas circunstâncias, criou-se uma presunção legal do emprego de violência, pois, se não há capacidade para consentir ou para resistir, presume-se que o fato foi violento. Difere da violência real, pois nesta há efetiva coação física ou moral.

Seguindo o mesmo posicionamento Costa Junior150 manifesta

que:

Presume-se a violência se a vítima for menor de catorze anos, alienada, débil mental ou não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência. A presunção remonta a Carpzovio, alicerçado no argumento de que velle non potuit, ergo noluit (consentir não pode, logo não quer).

Dessa forma, tem-se que as infrações penais de estupro ou

atentado violento ao pudor, ocorrem de maneira presumida quando a vítima tem ao

149

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 59.

150 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 608.

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tempo do fato idade inferior a 14 anos, ou sendo a vítima alienada ou débil mental,

ou, ainda, quando esta não poderia, por qualquer outra razão, resistir à violência

sofrida, pois nessas hipóteses as vítimas, no momento do fato, não possuem

liberdade sexual.

Nesse sentido, Greco151 entende que:

O Código Penal, tratando-se de vítima menor de 14 anos, ou que seja alienada ou débil mental, ou que não possa oferecer resistência, despreza o seu consentimento para o ato sexual, uma vez que entende que, em virtude de sua particular condição, não possui a necessária capacidade para consentir, seja não ter maturidade suficiente para entender as coisas do sexo, ou mesmo por não compreender o ato que pratica. Com a previsão da presunção de violência busca-se proteger a chamada indenidade sexual da vítima.

Acerca da idade igual ou inferior a quatorze anos, leciona

Capez152 que “o menor de idade, pela imaturidade, não pode consentir na prática

dos atos sexuais”.

É de salutar importância e oportuno citar o entendimento de

Rodrigues e Capobianco153:

A corrente jurisprudencial majoritária se inclina no sentido de que se a mulher com idade não superior a 14 anos já tiver, anteriormente aos fatos, mantido relações sexuais com diversas pessoas, é promíscua, ou se fizer-se passar por mais velha não se configura o estupro se ela consentir com a conjunção carnal (não há presunção de violência).

Esse também é o entendimento de Greco154 ao lecionar que:

Hoje em dia, a maioria de nossos doutrinadores, bem como nossos Tribunais Superiores, têm entendido como a relativa essa presunção de violência, sendo, portanto, agora juris tantum, cedendo diante do caso concreto. [...] Assim, a proteção legal não poderia ser dirigida, por exemplo, à vítima que tivesse já uma vida sexual ativa, com pleno discernimento dos seus atos. Da mesma forma, poderá ser alegado o chamando erro de tipo, a fim de afastar a presunção de violência no que diz respeito ao ato sexual praticado com vítima

151

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 549

152 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 59.

153 RODRIGUES, Ana Paula da Fonseca. CAPOBIANCO, Rodrigo Julio. Direito Penal. 1ª fase. p. 193.

154 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 551/552.

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menor de 14 anos. Como se sabe, há pessoas que demonstram ter uma idade muito superior àquela que efetivamente possuem.

Destarte, caso a menor de 14 anos já possui uma vida sexual

ativa e tem plena consciência do ato sexual que prática, não será protegida pela

presunção de violência. Ademais, caso a vítima, embora não seja maior de 14 anos,

mas diante de sua condição física e de outros fatores, aparenta ter idade superior o

agente poderá alegar erro de tipo.

No que tange a vítima alienada ou com debilidade mental,

Prado155 ensina que:

Para que a vítima receba a tutela penal há necessidade de se apresentar nas mesmas condições psicológicas do artigo 26 do Código Penal, não tendo nenhuma capacidade de discernimento sobre o ato atentatório à sua liberdade sexual. [...] A tutela penal recai também sobre o débil mental, cuja anomalia é mais branda do que a primeira. Situa-se aí o fronteiriço, cuja capacidade mental, superior à do idiota e à do imbecil, encontra-se a imbecilidade e a sanidade ou higidez psíquica.

O entendimento de Greco156 vai de encontro a este raciocínio,

ao lecionar que:

Nem todas as pessoas que possuem algum tipo de alienação ou debilidade mental estão incapacitadas para ter uma vida sexual normal, mas, sim somente aquelas que, em razão desse fato, são incapazes de compreender o seu comportamento sexual.

Desta feita, verifica-se presumida a violência somente quando

a vítima diante de sua alienação ou debilidade mental, não tem a capacidade de

compreender e nem de autodeterminação sobre a sua própria vida sexual.

Porém, existem casos em que a vítima não é menor de

quatorze anos e nem é alienada ou débil mental, entretanto, em virtude de outras

razões é incapaz de oferecer resistência a prática do ato sexual. Como bem

exemplifica Costa Junior157 estas causas poderão ser “enfermidade, paralisia, idade

155

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 247.

156 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 553.

157 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 622.

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avançada, embriaguez, desmaio, ingestão de entorpecentes, soporíferos ou

anestésicos etc.”

Relevante a manifestação de Prado158 no sentido de que:

É indiferente, para a configuração da violência, que a vítima seja colocada em tal estado por provocação do agente, ou tenha este simplesmente se aproveitado do fato de o ofendido estar previamente impossibilitado de oferecer resistência.

Ou seja, em ambas as situações haverá presunção de

violência.

Ademais, conforme destaca Capez159, “a presunção aqui

também é relativa, devendo ser provada a completa impossibilidade de oferecer

resistência”.

Verifica-se que neste caso, também se tem o objetivo de

proteger a indenidade sexual da vítima, visto que por determinadas razões está

incapacitada de manifestar o seu consentimento para a prática da conjunção carnal

ou para a realização do ato lascivo.

2.4.4 Causa Especial de Aumento

No tocante as causas de aumento de pena, o art. 226 do

Código Penal prevê:

Art. 226. A pena é aumentada:

I - de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas;

II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela;

Como se vê, as penas imputadas aos delitos de estupro e

atentado violento ao pudor serão aumentadas quando estes crimes acontecerem em

158

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 248.

159 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 59.

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concurso de agentes, ou com violação do dever, ou abuso da situação vantajosa

que se encontra o agente.

No primeiro caso, Costa Junior160 leciona que, “referente ao

concurso de pessoas, tem sua razão de ser na maior facilidade da perpetração do

crime e na periculosidade revelada pela conduta conjunta”.

Sobre essa causa de aumento Prado161 acrescenta que, “não é

imprescindível a presença de todos os agentes nos atos de execução, bastando que

os co-autores ou partícipes hajam concorrido, de qualquer forma, para o delito”.

Assim, na compreensão de Prado, para que haja a incidência

da causa de aumento não se exige que todos os agentes participem da execução,

devendo a pena ser aumentada quando há a pluralidade de agentes em qualquer

fase do delito.

Porém, Greco162 manifesta-se de forma diversa ao

entendimento de Prado, pois, entende que:

A presença de duas ou mais pessoas é motivo de maior facilidade no cometimento do delito, diminuindo ou, mesmo anulando a possibilidade de resistência da vítima. Dessa forma, existe maior censurabilidade no comportamento daqueles que praticam o delito em concurso de pessoas. Assim, não somos partidários da corrente que aceita a aplicação da causa de aumento de pena em estudo pela simples existência do concurso de pessoas, sem levar em consideração a maior facilidade no cometimento da infração penal, quando realizada, efetivamente, por dois ou mais agentes.

Assim, na opinião de Greco, a pluralidade de agentes deve ser

constatada durante os atos de execução do crime sexual.

No que tange a segunda hipótese em que ocorre a causa de

aumento, descreve Costa Junior163 que:

Podem ser agentes desta modalidade agravada ascendentes (pai ou avô), pai adotivo, padrasto, irmão, tutor, curador ou qualquer pessoa

160

JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 623.

161 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 253.

162 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. p. 553

163 JUNIOR, Paulo José da Costa. Curso de Direito Penal. p. 623.

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que disponha de autoridade sobre a vítima, a qualquer título que for, como o professor ou o empregador, o sogro, o amásio da mãe da vítima.

Assim, no dizer de Prado164:

O aumento de pena encontra lastro no incesto e na relação de autoridade entre autor e vítima do delito. A maior gravidade do injusto, particularmente do desvalor da ação, nessas hipóteses, é evidente, já que o delito é praticado justamente por aquele que tem especial dever de proteção, vigilância e formação moral da ofendida, o que debilita sobremaneira sua defesa. A exasperação da pena encontra fundamento ainda em considerações de ordem político-criminal, posto que o sujeito ativo pode se prevalecer voluntariamente das referidas relações também – ou unicamente – para favorecer sua impunidade.

Observa-se que esta causa de aumento visa punir com maior

gravidade o crime cometido por pessoas que detém alguma autoridade ante da

vítima, condição esta que proporciona ao agente facilidade à realização do delito,

tendo em vista, a vulnerabilidade que se encontra a ofendida. Assim, é justificada a

maior reprovação dos delitos praticados por agentes que têm o dever de proteger a

vítima.

Existe, ainda, outra causa de aumento especial da pena de

estupro ou atentado violento ao pudor, a qual é prevista na Lei 8.072 de 1990 (lei

dos crimes hediondos), em seu art. 9º, o qual dispõe que:

As penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal.

Referente a esta causa de aumento, Prado165 manifesta que:

Entende a melhor doutrina que o aumento da pena, em tal caso, só será possível, nos delitos de estupro e atentado violento ao pudor praticados mediante violência real ou grave ameaça, uma vez que não se pode considerar as circunstâncias previstas no art. 224 do Código Penal como elementares do delito, para presumir a violência,

164

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 253.

165 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. p. 254.

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e, ao mesmo tempo, enfocá-las como causa de aumento de pena, sob pena de se incorrer bis in idem, que em tudo afronta o princípio da legalidade.

Como se verifica, o posicionamento mais aceitável é o que

compreende que a causa de aumento prevista no art. 9º da Lei nº. 8.072/90 deverá

incidir apenas sobre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em que

ocorrerem o resultado morte ou lesão corporal grave. Portanto, no caso de violência

presumida, não se reconhece tal causa de aumento, pois implicaria em bis in idem,

visto que, o agente seria punido com desmedida severidade.

Assim, de grande relevância o estudo de como os crimes de

estupro e atentado violento ao pudor eram previstos antes da alteração feita pela Lei

nº 12.015/09, para a compreensão do capítulo seguinte, o qual analisará sobre a

nova tipificação dos delitos em estudo, bem como quais são os reflexos que a

referida lei implicou na atualidade.

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Capítulo 3

O ESTUPRO DEPOIS DA LEI 12.015/09: SEUS REFLEXOS

3.1 CONCEITO DE ESTUPRO

Com a redação prevista pela Lei nº. 12.015, de 07 de agosto de

2009, o art. 213 do Código Penal passou a conceituar o estupro como sendo o ato

de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal

ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

Segundo Nucci166, a nova disposição do crime estupro:

É constituída de verbos em associação: a) constranger alguém a ter conjunção carnal; b) constranger alguém a praticar outro ato libidinoso; c) constranger alguém a permitir que com ele se pratique outro lado libidinoso. São três possibilidades de realização do estupro, de forma alternativa, ou seja, o agente pode realizar uma das condutas ou as três, desde que contra a mesma vítima, no mesmo local e horário, constituindo um só delito. [...] Hoje tem-se o estupro congregando todos os atos libidinosos (dos quais a conjunção carnal é apenas uma espécie) no tipo penal do art. 213.

O entendimento de Bezerra Filho167 vai de encontro a este

raciocínio ao estabelecer que “o alcance legal agora é mais abrangente por

contemplar outras condutas referentes ao ato sexual forçado que exprime ou inspire

a volúpia na satisfação da luxúria”.

Destarte, o conceito de estupro equivale ao ato de obrigar,

forçar, subjugar a vítima, que pode ser qualquer pessoa, através de violência ou

grave ameaça, a praticar com o agente a conjunção carnal ou praticar ou permitir

que com ele se pratique outro ato libidinoso satisfatório de sua lascívia.

166

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 815/816.

167 FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. 2ª edição. Curitiba: Juruá. 2010, p. 27.

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69

Entretanto, conforme Nucci168 destaca:

Deve-se deixar bem claro não ter havido revogação do art. 214 do CP (atentando violento ao pudor) como forma de abolitio criminis (extinção do delito). Houve uma mera novatio legis, provocando-se a integração de dois crimes numa única figura delitiva, o que é natural e possível, pois similares.

Por fim, oportuno adicionar a manifestação de Nucci169, no

sentido de que:

A alteração inserida no art. 1.º, V, da Lei 8.072/90, foi significativa para terminar com a anterior discussão a respeito da hediondez do delito de estupro na forma simples. Confirma-se a posição majoritária da jurisprudência: o estupro, em qualquer de suas modalidades, é crime hediondo.

Como se vê, o crime de estupro continua sendo considerado

hediondo, muito embora a nova redação legal.

3.1.1 Tipo Objetivo

Infere-se do descrito no art. 213 do Código Penal, que a

conduta a ser punida é a de constranger alguém, através de violência moral ou

física, a manter com o agente, conjunção carnal ou a realizar ou consentir que com

ele se pratique outro ato lascivo.

Nesse sentido Nucci170 leciona que o tipo objetivo consiste em:

Constranger (tolher a liberdade, forçar ou coagir) alguém (pessoa humana), mediante o emprego de violência ou grave ameaça, à conjunção carnal (cópula entre pênis e vagina), ou à prática (forma comissiva) de outro ato libidinoso (qualquer contato que propicie a satisfação do prazer sexual, como, por exemplo, o sexo oral ou anal, ou o beijo lascivo), bem como a permitir que com ele se pratique (forma passiva) outro lado libidinoso.

168

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 816.

169 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. p. 20.

170 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 811.

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70

Seguindo o mesmo entendimento Jesus171 explica que

“constranger significa obrigar, forçar. Para que exista o constrangimento é

necessário o dissenso da vítima. É preciso que a falta de consentimento do ofendido

seja sincera e positiva”.

Ou seja, é imprescindível que a vítima resista de maneira

evidente e física, revelando que não deseja que o agente consume o ato sexual.

Pois, caso contrário, conforme registra Bezerra Filho172 “a aderência da vítima

durante ao ato sexual concorrendo para o seu prolongamento e respondendo com

atos, gestos e carícias, demonstrando satisfação e prazer, desnatura o tipo penal”.

No entanto, Jesus173 esclarece que:

Não se exige, porém, o heroísmo, levando a resistência às últimas consequências. Não consente a mulher (ou o homem) que se entrega ao estuprador por exaustão de suas forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de qualquer ato externo de resistência.

Assim, observa-se que, quando a vítima cede ao ato sexual em

virtude da exaustão de suas forças ou em razão do medo, resta ainda, configurada a

sua discordância com tal ato.

Ademais, como se vê, não mais somente a conjunção carnal

faz parte do elemento objetivo do delito em comento, pois, como bem atenta Bezerra

Filho174:

Para a configuração do crime de estupro, afora o ato sexual de conjunção carnal, aquele em que há penetração do órgão sexual peniano na vagina da mulher pelo agente, também se constitui diante do esforço e energia dominadora e intimidadora, que imponha à vítima praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso inerente às satisfações sexuais.

Dessa forma, também constitui o tipo objetivo, quando o agente

por meio de violência ou grave ameaça, coage alguém a praticar ou consentir que

171

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. 19ª edição. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 130.

172 FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p. 27.

173 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 130.

174 FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p. 26.

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com ele se pratique outro ato libidinoso (atitude passiva da vítima), que não a

conjunção carnal.

Jesus175 esclarece que ato libidinoso “é o que visa ao prazer

sexual. É todo aquele que serve de desafogo à concupiscência”. Ademais, não há

necessidade de maiores explicações acerca do conceito de ato libidinoso, visto que

tal definição já foi abordada no item 2.3.1, do capítulo anterior, e embora tenha

ocorrido alteração no conceito de estupro, não modificou o que se entende por ato

libidinoso.

Ainda, Jesus176 leciona que:

De acordo com o texto legal, para que se caracterize a prática de estupro, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso podem ser obtidos mediante o emprego de violência ou grave ameaça. A violência, portanto, pode ser física (vis absoluta ou vis corporalis) ou moral (grave ameaça, vis compulsiva).

Destarte, da mesma forma como previa a antiga redação dos

crimes de estupro e atentado violento ao pudor, é imprescindível que a subjugação

da vítima ocorra mediante o emprego de violência física ou grave ameaça. Ressalta-

se que o conceito destas violências já foi tratado no item 2.2.1 do segundo capítulo.

3.1.2 Tipo Subjetivo

Acerca do tipo subjetivo, tem-se que, o crime de estupro

apenas será punível quando o agente o praticar com dolo, que vem a ser a vontade

de realizar com a vítima a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso.

Este é o entendimento de Nucci177 ao manifestar que:

É a finalidade de obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, satisfazendo a lascívia. Ainda que haja intuito vingativo ou outro qualquer na concretização da prática sexual, não deixa de envolver uma satisfação mórbida do prazer sexual.

175

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 131.

176 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 133.

177 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 812.

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Jesus178, de encontro a este posicionamento leciona que:

O tipo não reclama nenhum fim especial do agente. Para que se configure o crime, portanto, não há necessidade de que esteja presente uma finalidade especial, qual seja, a de satisfazer a própria libido, na atuação do sujeito ativo.

Desta feita, constata-se que basta o dolo por parte do agente

do crime de estupro à pratica da conjunção carnal e/ou outro ato libidinoso, sendo

prescindível que este possua uma finalidade especial.

3.1.3 Sujeito Ativo e Passivo

A redação anterior do Código Penal, conforme tratada no

capítulo anterior, previa que somente o homem poderia ser o sujeito ativo de crime

de estupro, visto que, apenas ele poderia manter a cópula vagínica com a mulher.

Nesse sentido, Jesus179 leciona que:

A Lei n.º 12.015, de 2009, rompeu com esse paradigma, transformando o estupro em crime comum. É possível, desta feita, que haja estupro cometido por homem contra mulher, homem contra homem, mulher contra mulher ou por esta contra homem.

Assim, tem-se que, com a nova previsão do art. 213 do Código

Penal, tanto o homem como a mulher podem ser sujeito ativo da infração penal em

tela.

Da mesma forma, referente ao sujeito passivo, este poderá ser

qualquer pessoa, assim é o entendimento de Jesus180 ao lecionar que:

Não se exige qualquer qualidade especial para que seja vítima de estupro, não importando se se trata de pessoa virgem ou não, prostituta ou não, casada, solteira, separada de fato, viúva ou divorciada, velha ou moça, liberada ou recatada. Não há necessidade de que a vítima compreenda o caráter libidinoso do ato praticado.

178

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 133/134.

179 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 127.

180 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 128.

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73

Como se vê, pode-se enquadrar como sujeito passivo do delito

de estupro homem ou mulher, independente de características pessoais.

3.1.4 Consumação e tentativa

O crime em comento consuma-se com a penetração parcial ou

completa, do pênis na vagina da vítima, sendo prescindível a ejaculação, quando

estupro se referir ao ato da conjunção carnal. Entretanto, se intentando a cópula

vagínica, o agente realiza outros atos libidinosos, já restará configurado o delito,

mesmo que estes atos configurem-se precedentes da cópula normal, tendo em vista

elementar do tipo “por outro ato libidinoso”.

Oportuno mencionar a exemplificação de Jesus181, que vai de

encontro a este raciocínio:

É o caso do agente que, com a intenção de constranger a vítima ao coito anal, a domina, despe-lhe as vestes e a toca nas partes íntimas, preparando-a para o ato que se propõe. Para a caracterização do crime, não é necessário que ele atinja sua finalidade específica de praticar o coito anal. Com o primeiro ato libidinoso, o de despir a vítima, já estará consumado o crime, visto que já se encontram presentes todos os elementos de sua definição legal.

Neste entendimento manifesta-se Nucci182:

Basta a introdução, ainda que incompleta, do pênis na vagina, independentemente de ejaculação ou satisfação efetiva do prazer sexual, sob um aspecto. Com a prática de qualquer ato libidinoso, independentemente de ejaculação ou satisfação efetiva do prazer sexual, em outro prisma.

Outrossim, acerca do delito de estupro, conforme leciona

Jesus183, “admite-se a tentativa. Note que o estupro é crime plurissubsistente, de vez

que seu inter criminis admite fracionamento”.

Assim, tendo o agente iniciado o emprego da violência em face

da vítima, por circunstâncias alheias ao seu intuito, é impedido de prosseguir, não

181

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 134.

182 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 812.

183 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 134.

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praticando, então, a conjunção carnal ou o outro ato libidinoso, restará configurado o

estupro em sua forma tentada.

3.1.5 Formas

As formas do crime de estupro, conforme serão tratadas a

seguir, poderão ser enquadradas em simples; qualificada, quando da violência

resultar lesões corporais graves ou a morte, bem como quando a vítima possuir mais

de quatorze anos e menos de 18 anos; estupro de vulnerável, quando o estupro é

praticado contra pessoa descrita no art. 217-A; e, nas situações em que ocorrem as

causas especiais de aumento.

3.1.5.1 Simples

No tocante a forma simples, sabe-se que corresponde ao ato

descrito no caput, do art. 213 do Código Penal, isto é, quando o agente obriga,

através do uso de violência ou grave ameaça, a vítima a manter com ele a

conjunção carnal, ou a praticar ou a consentir que com ele se pratique outro ato

libidinoso.

3.1.5.2 Qualificada

A nova previsão do tipo penal de delito de estupro passou a

punir com mais severidade, aplicando penas maiores às suas formas qualificadoras.

Tem-se que o crime de estupro é qualificado pelo resultado

quando da violência ou grave ameaça empregada pelo agente advir lesão corporal

de natureza grave ou resultar na morte da vítima. No primeiro caso a pena será de

oito a doze anos de reclusão e, no segundo, de doze a trinta anos de reclusão.

Nesse sentido, preconiza Bezerra Filho184:

A primeira forma de qualificação é na hipótese de a conduta de realização do ato sexual forçado resultar em lesão corporal grave para a vítima, que vem a ser a ofensa à integridade corporal ou à saúde com prejuízo anatômico interno ou externo do corpo humano, que possa resultar na incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias, com perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função, aborto ou enfermidade incurável.

184

FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p. 27/28.

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75

Essa previsão já havia na Lei n.º 8.072/90 e agora foi adaptada

no art. 213 do Código Penal.

Ainda, conforme menciona Nucci185 “o delito qualificado pelo

resultado poder dar-se com dolo na conduta antecedente (violência sexual) e dolo

ou culpa quanto ao resultado qualificador (lesão grave)”.

No segundo caso, quando o crime é qualificado pelo resultado

morte, Nucci186 leciona que “tem-se entendido possuir a vida humana valor tão

superior à liberdade sexual que, uma vez atingida fatalmente, deve levar à forma

consumada do delito qualificado pelo resultado”.

Ainda, a Lei n.º 12.015/09 inovou ao acrescentar a forma

qualificada pela menoridade da vitima, quando esta tiver mais de quatorze anos e

menos de dezoito (§ 1º, do art. 213, do Código Penal). À respeito, leciona Bezerra

Filho187 que está inovação representa:

Numa manifestação legal de proteção mais firme em favor da vida sexual e do corpo da pessoa adolescente, pois é nessa faixa etária que os reflexos nocivos de uma violência sexual produzirá maiores perplexidade aos nossos jovens, cujo trauma trará prejuízos psíquicos à sua personalidade, ao seu comportamento e à sua vida de um modo geral, além do risco de uma gravidez indesejada ou do contágio de doenças sexualmente transmissíveis graves, como a Aids.

Assim, essa qualificadora visa punir com maior gravidade os

crimes de estupros cometidos contra uma pessoa que se encontra na fase da

adolescência.

3.1.5.3 Presumida

Quanto à violência presumida, anteriormente prevista no art.

224 do Código Penal, com a nova Lei n.º 12. 015/09, esta passou a ter previsão em

tipo penal próprio (art. 217-A), configurando-se assim, o crime praticado contra

pessoa menor de 14 anos, ou alienada ou débil mental, ou ainda, que por alguma

razão não possam oferecer resistência, estupro de vulnerável. 185

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 813.

186 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 814.

187 FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p. 28.

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76

Esse é o entendimento de Jesus188 ao afirmar que “em se

tratando de vítimas vulneráveis, aplicar-se-á o art. 217-A do CP (estupro de

vulnerável)”.

E segundo manifesta Bezerra Filho189:

Pelo novo diploma legal aquele que pratica relação sexual ou atos libidinosos contra menor de 14 (catorze) anos, que tenha, ou não, o seu consentimento, incorrerá na pena prevista neste dispositivo.

Ademais, Nucci190 doutrina que:

Eliminou-se o disposto no art. 224 do Código Penal, relativo à presunção de violência, utilizada para conferir tipicidade aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, quando obtida a relação sexual com pessoa vulnerável. Ilustrando, associava-se o art. 213 com o 224, a, do Código Penal, para criar a figura do estupro de menor de 14 anos, presumindo-se ter havido violência, em razão da incapacidade de discernimento da vítima. Cremos ter sido correta a eliminação da denominada presunção de violência, a fim de não criar falsa dedução de que haveria, em direito penal, presunções (ilações, probabilidades) extraídas em concreto contra os interesses do acusado. Portanto, adotou a Lei 12.015/2009 a conceituação de vulnerabilidade (estado de quem está privado da capacidade de resistência, sujeito à lesão ou despido de proteção). Há variadas formas para alguém se encontrar, em algum momento da vida, vulnerável a algo. No contexto do art. 217-A, trata-se da capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso, continua, na essência, existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir. Entretanto, inseriu-se no termo vulnerável o que antes de denominava singelamente de presunção de violência.

Destarte, pode se constatar que presume ainda a violência

quando o estupro é praticado contra que pessoas que apresentem as

peculiaridades, agora descritas no art. 217-A, passando tal forma de estupro a

denominar-se estupro de vulnerável.

3.1.5.4 Causa especial de aumento

Com a entrada em vigor da Lei nº 12.015/09, manteve-se as

causas de aumento previstas no art. 226 do Código Penal, acrescentando duas

188

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 129.

189 FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p. 70.

190 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 828/829.

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77

novas causas de aumento, quais sejam, quando do estupro resultar gravidez, ou

quando o agente sabendo ou devendo saber ser portador de doença sexualmente

transmissível, abusa da vítima e a transmite tal doença.

Nesse sentido, analisando as causas de aumento da pena de

estupro, Bezerra Filho191 descreve:

Aumento de pena I: A pena será aumentada de metade, se do crime de estupro resultar gravidez (Inc. I do art. 234-A do CP). Aumento de pena II: Incorrerá em aumento da pena de um sexto até a metade, se o agente responsável pelo estupro transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador (Inc. II do art. 234-A do CP). Aumento de pena III: A pena é aumentada de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas (Inc. I do art. 226 do CP). Aumento de pena IV: Resultará em aumento da pena de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título de autoridade sobre ela (Inc. II do art. 226 do CP).

No tocante a causa de aumento pela gravidez, Nucci192 leciona

que:

Preocupa-se o legislador, basicamente, com o delito de estupro, passível de gerar a concepção. A elevação da sanção penal tem por fim desestimular a ejaculação sem preservativo, com o risco de gravidez e, a partir disso, ocorrer um eventual aborto (art. 128, II, do CP). entretanto, se houver casamento entre o agente e a vítima, a causa de aumento torna-se desnecessária, embora a lei a tenha criado com o caráter de obrigatoriedade. Deveria ser facultativa, aplicando-se quando imprescindível e dependendo do cenário encontrado.

Jesus193 acrescenta que “referida circunstância pressupõe

relação de causalidade entre o delito sexual praticado e o estado gravídico”.

E tangente a causa de aumento em razão da transmissão de

doenças sexualmente transmissíveis, Nucci194 manifesta que:

A transmissão de doença sexualmente transmissível é outra preocupação legítima, dando ensejo ao aumento de pena. Volta-se,

191

FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p. 28/29.

192 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 864.

193 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 225.

194 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 864

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mais uma vez, a contatos sexuais intensos, como no caso do estupro. Lembremos que no caso do vírus da AIDS, ainda há polêmica, havendo quem defenda consistir a conduta tentativa de homicídio, tendo em vista a letalidade da doença transmitida. De todo modo, cremos existir necessidade de uma avaliação médica, pois a medicina avançou muito no tocante a AIDS. Conforme o caso concreto, pode-se verificar se a enfermidade é letal ou controlada. Outro ponto consiste na utilização das expressões de que sabe (dolo direito) ou deve saber (dolo eventual), não se devendo interpretar qualquer incidência da figura culposa nesse contexto.

Assim, na primeira nova hipótese de aumento da pena pode-se

constatar que quando do estupro decorrer gravidez a consequência do delito será

mais grave, visto que, o legislador considerou que a gravidez indesejada e causada

por tal fato implicará na vítima um trauma ainda maior. E, na segunda nova hipótese

de aumento de pena, conclui-se que se busca uma punição maior ao estuprador que

ao tempo do fato sabia ou deveria saber que era portador de doença sexualmente

transmissível, e transmite esta para a vítima.

Na terceira hipótese de aumento da pena, manteve o

entendimento de que o crime praticado por mais de uma pessoa torna-o mais grave.

E por fim, a última hipótese de aumento da pena, mantém o fundamento no fato de

que o agente que possui alguma autoridade sobre a vítima, tem maior

responsabilidade de preservar pela indenidade sexual da pessoa, sendo o crime

cometido nessa circunstância repudiável com maior intensidade.

3.2 REFLEXOS NA ATUALIDADE

Ante o abordado neste capítulo e comparando ao tratado no

segundo, pode-se verificar que o delito de estupro sofreu alterações significativas, as

quais certamente geraram reflexos na atualidade. Assim, passa-se agora a analisar

de formar detalhada quais foram as implicações apresentadas pela Lei nº 12.015/09.

Com a alteração, nota-se primeiramente a fusão dos arts. 213

e 214 em um único tipo penal, mantendo o nomem iuris de estupro. Esta união dos

artigos abrangeu a incidência do delito, visto que agora o homem também pode ser

vítima de estupro, bem como a mulher pode ser considerada sujeito ativo da referida

infração, conforme já abordado.

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Outra mudança relevante trata-se da possibilidade de

graduação da pena de acordo com a idade da vítima. Esta constatação resta

evidente a partir da análise comparada do caput e § 1º, do art. 213 e 217-A, ambos

do Código Penal.

Assim, a Lei ao adicionar o § 1º ao art. 213, criou uma nova

qualificadora, a qual prevê a pena de reclusão, de 8 a 12 anos, incidindo, no dizer de

Nucci195, “se o crime for cometido contra vítima menor de 18 anos ou maior 14

anos”.

Outrossim, quando o cometimento de estupro é em desfavor de

pessoa menor de 14 anos, acha-se regulado pelo art. 217-A, o qual prevê, com a

nova redação, a figura do estupro de vulnerável, fixando a pena para este delito de 8

a 15 anos, de reclusão. Destaca-se que esta reprimenda pode sofrer aumento, pois,

se da conduta resultar lesão grave, a pena é de 10 a 20 anos, de reclusão ou se

ocorrer a morte da vítima, a penalidade será fixada entre 12 e 30 anos, de reclusão.

Nesse sentido Nucci196 afirma, “em suma, por ser tipo penal

especial em relação ao art. 213, sempre que a prática sexual envolver menor de 14

anos, [...] tipifica-se como estupro de vulnerável, levando-se em conta o art. 217-A”.

Verifica-se que com a introdução da figura do estupro de

vulnerável, no art. 217-A do CP, revogou expressamente o art. 224 do Código Penal

e, por conseguinte, a causa de aumento de pena descrita o art. 9º da Lei dos Crimes

Hediondos197, que se aplicava quando o ilícito fosse cometido com violência

presumida.

Entretanto, oportuno ressaltar que, tendo em vista que essa

nova figura (estupro de vulnerável) resultou em um agravamento na pena, não

poderá retroagir para alcançar os fatos cometidos anteriormente à entrada em vigor

195

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p.813.

196 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p.828.

197 Previa o art. 9º da Lei n.º 8.072/90 que “as penas fixadas no art. 6º para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º, 158, § 2º, 159, caput e seus §§ 1º, 2º e 3º, 213, caput e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal”.

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80

da nova legislação, dessa forma, permanece aos crimes praticados preteritamente a

punição estipulada ao delito de atentado violento ao pudor, previsto no antigo art.

214 do Código Penal.

Destarte, verifica-se que no crime de estupro praticado contra

menor de 14 anos, a pena a ser fixada será de 8 a 15 anos, e de 10 a 20 anos caso

da conduta resulte lesão grave ou de 12 a 30 anos, se resultar na morte da vítima.

Quando o sujeito passivo possui ao tempo do fato idade superior a 14 anos e inferior

a 18 anos, poderá ser fixada a reprimenda entre 8 e 12 anos. E, para as vítimas com

idade superior a 18 anos, a pena aplicada será a do caput, do art. 213, a qual varia

de 6 a 10 anos.

Outro reflexo da Lei 12.015/09 foi a alteração do regime

jurídico da ação penal, pois, previa a antiga redação do art. 225 do Código Penal

que nos crimes contra a liberdade sexual a ação penal somente se procedia por

meio de queixa, salvo nos casos em que a vítima ou os seu pais eram

hipossuficientes e não possuam condições de arcar com as custas processuais,

neste caso a ação era pública condicionada à representação e, quando o delito

fosse cometido com abuso do poder pátrio, sendo neste caso, a ação pública

incondicionada.

Porém, com a nova previsão, conforme afirma Jesus198, “a

ação penal é, em regra, pública condicionada à representação. É o que preceitua o

art. 225, caput, do CP”.

E seguindo o mesmo entendimento acrescenta Nucci199:

A redação dada ao art. 225, pela Lei 12.015/2009, simplificou a situação, nos seguintes termos: a) nos crimes definidos nos Capítulos I e II do Título VI (arts. 213 a 218-B) a ação é pública, condicionada à representação da vítima; b) entretanto, a ação é pública incondicionada se a vítima é menor de 18 anos ou pessoa vulnerável (menor de 14 anos, enfermo ou deficiente mental e incapaz de oferecer resistência).

198

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 185.

199 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 839.

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81

Dessa forma, constata-se que não vigora a ação privada nos

crimes sexuais, excetuando, como bem atenta Nucci200:

Os fatos cometidos anteriormente à vigência da Lei 12.015/2009 (7 de agosto de 2009), pois esta norma tornou mais rigorosa a possibilidade de punição do agente. Em outros termos, a Lei 12.015/2009, eliminando a ação privada, mais favorável ao acusado, dispondo de renúncia, perdão e perempção, é prejudicial, de modo que não pode retroagir no tempo. Cuida-se de norma processual material, com reflexos nítidos em direito penal, respeitando, então o disposto no art. 5.º, XL, da CF.

Como se vê, para delitos cometidos antes da entrada em vigor

da Lei 12.015/09 mantém-se a ação privada, visto que a nova norma trata-se de

refomatio in pejus, não podendo assim retroagir a fim de prejudicar o acusado.

Outrossim, a nova legislação causa efeito direito na Súmula

608 do STF201 e no entendimento de Nucci202:

Não vemos mais sentido na subsistência, advindo que foi de época passada, onde houve necessidade de imperar uma política criminal mais rígida, em favor da mulher estuprada. [...] A referida Súmula não é vinculante e pensamos deva ceder à novel legislação penal. Portanto, ainda que o estupro seja cometido com violência real (agora contra mulheres e homens), a ação passa ser pública condicionada à representação da vítima. Ora, assim sendo, a Lei 12.015/2009 é mais favorável no tocante à Súmula 608. Por isso, dever ser aplicada retroativamente. As ações penais públicas incondicionadas, por força da mencionada Súmula 608, devem ser obstadas, consultando-se a vítima, acerca da sua vontade de representar contra o réu. [...] A consulta não precisa aguardar o prazo de seis meses de decadência. Se a ação está em andamento, convoca-se a ofendida e colhe-se o termo de representação ou renúncia. Neste último caso, ocorre a extinção da punibilidade.

Ou seja, segundo compreende Nucci, com a entrada em vigor

da nova legislação – a qual alterou a ação penal para os crimes contra a liberdade

sexual e a integridade na formação do menor, previstos nos art. 213 ao 218,

determinando que em regra ação é pública condicionada à representação –, não

mais recepciona o disposto na Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, sendo

200

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 839.

201 Esta Súmula prevê que, no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

202 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 839.

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82

assim, aplica-se aos delitos praticados com violência real, em princípio, a regra

descrita no caput, do art. 225, isto é, ação pública mediante representação da vítima.

No caso da antiga disposição que previa ser pública

condicionada a ação, quando a vítima ou seus pais não tivessem condições

financeiras de pagar as despesas do processo, não resta evidente nenhum prejuízo

em face da Lei 12.015/09.

Já, no tocante à previsão de ação pública incondicionada,

quando o autor do crime o comete com o abuso do poder familiar, ou da qualidade

de padrasto, tutor ou curador, ocorreu uma alteração que favorece aos interesses do

acusado. É o entendimento de Nucci203 ao lecionar:

Hoje, a ação somente é pública incondicionada se a vítima for menor de 18 anos ou vulnerável. Portanto, o abuso da qualidade de padrasto ou curador pode não gerar ação publica incondicionada, desde que a vítima seja maior de 18 anos e não se encaixar no perfil vulnerável. [...] Deve-se analisar, no caso concreto, quais ações tramitam como públicas incondicionadas e deviam ser condicionadas pela representação da vítima. Nesses casos, cabe ao magistrado paralisar o andamento e colher a representação.

Por fim, outro ponto relevante acerca da ação penal, dize-se

respeito no caso dos crimes qualificados em virtude dos resultados de lesão corporal

grave e morte (no crime de estupro e estupro de vulnerável), haja vista que o

legislador ao revogar o art. 223 do Código Penal foi omisso em estabelecer qual o

tipo de ação penal é determinada nestes casos. Nesse sentido, Nucci204 manifesta

que:

Este é grave o suficiente para demandar ação pública incondicionada. Porém, tal medida só é viável no cenário do estupro de vulnerável, vez que se respeitará o disposto pelo art. 225, parágrafo único (a ação é pública incondicionada). No tocante ao estupro quando houver resultado lesão grave ou morte, seguindo-se literalmente, o art. 225, caput, seria a ação pública condicionada à representação da vítima. Não há cabimento nisso. A falha legislativa ocorreu em razão da revogação do art. 223, que estava fora do contexto dos Capítulos I, II e III do Título VI, logo, não se subsumia à regra da ação privada (antiga previsão do art. 225, caput). Havendo lesão grave ou morte a ação era pública incondicionada. A justificativa, pacífica na jurisprudência brasileira, concentrava-se na

203

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 840.

204 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 840.

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redação do art. 225, caput, ao dizer que “nos crimes definidos nos capítulos anteriores, somente se procede mediante queixa” (grifamos). Ora, os capítulos que definiam crimes eram o I, II, III. O IV cuidava das disposições gerais, onde estavam inseridas as formas qualificadas (lesão grave e morte). Então, nessas hipóteses, ação era pública incondicionada. Afastada a Súmula 608 do STF pela nova redação ao art. 225, dada pela Lei 12.015/2009, deve-se buscar a solução para o aparente impasse no art. 101 do Código Penal. nossa posição, em relação ao mencionado art. 101, era de refutar a sua utilidade. Afinal, bastava que o Código indicasse a espécie de ação penal, quando da redação dos tipos, ou, na ausência, seria ação pública incondicionada, sem necessidade de haver o preceito do art. 101. Somos levados a rever esse posicionamento, diante de grave erro do legislador. O art. 101 do Código Penal, enfim pode ter o seu lado útil. O estupro seguido de lesões greve ou morte é crime complexo em sentido estrito, pois composto por um constrangimento ilegal para obter conjunção carnal ou outro ato libidinoso associado às lesões graves ou morte (constrangimento ilegal + lesão grave; constrangimento ilegal + morte). O elemento lesão grave (art. 129, §§ 1.º e 2.º, CP) comporta ação penal pública incondicionada. O elemento morte (art. 121, CP), igualmente. Portanto, como nessas duas últimas situações a legitimidade, incondicionada, pertence ao Ministério Público, o estupro com resultado lesão grave ou morte também comporta ação pública incondicionada.

Conforme se vê, Nucci defende que nos crimes de estupro

qualificados pelo resultado morte ou lesão corporal grave, a ação penal deve ser

pública incondicionada, analisando-se ao disposto no art. 101 do Código Penal, visto

que o legislador ao criar a Lei 12.015/09, não previu a espécie de ação para estes

casos.

No entanto, Jesus205 em posicionamento contrário manifesta:

E no caso de crimes sexuais dos quais resultem lesões corporais de natureza grave ou morte? A ação penal é pública incondicionada. Aplica-se, nesse aspecto, a Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal.

Assim, na opinião desse doutrinador, mantém-se vigente a

Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, aplicando-a nos casos de estupro

qualificado pelo resultado morte ou lesão corporal grave.

205

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 185.

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3.2.1 Crime único de condutas alternativas

A fusão dos art. 213 e 214 também gerou dúvida doutrinária

acerca da existência de crime único ou concurso de delitos, quando o autor do fato,

constrange a mesma vítima, na mesma ocasião, a praticar a conjunção carnal e

outro ato libidinoso.

Segundo Nucci206:

É inequívoca a unificação de condutas criminosas, referentes aos anteriores estupro e atentado violento ao pudor, sob um mesmo tipo penal alternativo. Portanto, o agente que “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” responderá por um só delito: estupro (art. 213, CP). É pacífico o entendimento em relação aos tipos penais alternativos: a prática de uma só conduta descrita no tipo ou o cometimento de mais de uma, quando expostas as práticas num mesmo cenário, mormente contra idêntica vítima, resulta na concretização de uma só infração penal.

E, sobre este tema, Jesus207 explica que:

Antes do advento da Lei n.º 12. 015, de 2009, não havia dúvida alguma de que o crime de estupro podia ser praticado em concurso com o revogado atentado violento ao pudor, desde que os atos libidinosos praticados não fossem daqueles que precediam ao coito normal. Assim, dizíamos, o coito anal, praticado com a mesma vítima, antes ou depois da cópula normal, constituía-se em crime autônomo, em concurso com o estupro não podendo ser absorvido por este. A lei vigente, contudo, não ampara semelhante interpretação, visto que a conjunção carnal forçada e os demais atos libidinosos realizados sem o consentimento, em razão do emprego de violência ou grave ameaça, passaram a integrar a mesma figura típica (art. 213).

E acerca dessa temática, Nucci208 leciona:

Há quem sustente tratar-se a nova figura típica do art. 213 de um tipo misto cumulativo, devendo-se separar as condutas (ao menos duas delas): a) constranger alguém à conjunção carnal; b) constranger alguém à prática de outro ato libidinoso. Se o agente desenvolver as duas, ainda que contra a mesma vítima, no mesmo cenário, deveria responder por dois delitos em concurso material, somando-se as

206

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. p. 63.

207 JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 135.

208 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p. 816/817.

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penas.essa posição nos parece injustificável. Basta conhecer o tipo cumulativo autêntico para perceber a nítida diferença entre as situações. [...] Esse modelo foi construído de forma alternativa, o que também não deve causar nenhum choque, pois o que havia antes, provocando o concurso material, fazia parte de um excesso punitivo não encontrado em outros cenários de tutela penal a bens jurídicos igualmente relevantes. [...] visualizar dois ou mais crimes, em concurso material, extraídos das condutas alternativas do crime de estupro, cometido contra a mesma vítima, na mesma hora, em idêntico cenário, significa afrontar o princípio da legalidade (a lei define o crime) e o princípio da proporcionalidade, vez que se permite dobrar, triplicar, quadruplicar etc., tantas vezes quantos atos libidinosos forem detectados na execução de um único estupro. [...] A nova redação do art. 213 adotou a conhecida fórmula do tipo misto alternativo, que, em nome da legalidade e em respeito à proporcionalidade, garantias constitucionais fundamentais, deve ser respeitado.

Ademais, conforme manifesta-se Jesus209:

Admite-se a continuação quando se trata do mesmo sujeito passivo. Tratando-se de vítimas diversas e distintas e lesando o estupro interesses jurídicos pessoais, somos da opinião de que não se poderá aceitar a figura do crime continuado.

Seguindo este raciocínio, Bezerra Filho210 cita a seguinte

jurisprudência:

Só se admite o reconhecimento do crime continuado no delito previsto no art. 213 do CP quando praticado contra uma única vítima. Sendo duas as ofendidas, há concurso material. (STF – RT 586/426).

Se os delitos de estupro, embora cometidos no mesmo dia e contra a mesma vítima, foram praticados em locais diversos e com certo lapso temporal a intervalar os episódios, não há crime único, reconhecendo-se a continuidade delitiva (RT 631/290-1).

PLURALIDADE. ESTUPRO. CONTINUIDADE DELITIVA. A turma reconheceu do recurso e lhe deu provimento para reconhecer a hediondez do delito capitulado no caput do art. 213 do CP, bem como afastar a continuidade delitiva, restando fixada a pena privativa de liberdade, em razão do concurso material, em quinze anos e dois meses de reclusão, mantidos os demais consectários da condenação. Na espécie, para a caracterização da continuidade delitiva, é necessário o preenchimento de requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Cometidos vários crimes de estupro contra vítimas diferentes, sem unidade de desígnios por parte do réu e em

209

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 136.

210 FILHO, Aluízio Bezerra. Crimes Sexuais: anotados e comentados. p 29.

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momentos e circunstâncias diferentes, não há que se falar em delito continuado. Precedentes citados do STF: RE 102.351-SP, DJ 28/09/1984; HC 87.281-MG, DJ 4/8/2006; do STJ: HC 94.140-SP, DJ 5/5/2008; REsp 935.533-RS, DJ 8/10/2007, e HC 38.531-MS, DJ 11/4/2005. (STJ – Resp 1.102.415-RS, 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – j. em 18/08/2009 – 0403).

Ou seja, dentre as consequências que surgiram com a fusão

dos art. 213 e 214 do Código Penal, uma delas consiste que o ato de obrigar a

mesma vítima, mediante violência ou grave ameaça, no mesmo contexto fático, a

realizar a conjunção carnal e outro ato libidinoso, não vinculado a cópula vagínica,

deixou de gerar o concurso material de crimes, tornando-se crime único, admitindo-

se, também, a figura do crime continuado, (regra do art. 71 do Código Penal) quando

o delito é praticado contra mesma vítima, em cenários diferentes.

Ainda, verifica-se que, com a aplicação deste entendimento

ocorre um grande abrandamento na punição do agente, pois, como exemplifica

Nucci211, caso fosse aplicada a tese do concurso de crimes:

Se o agente dominar a vítima e, sequencialmente, obrigá-la a masturbá-lo, enquanto lhe dá um beijo lascivo, para, em continuidade alisar todo o seu corpo nu com as mãos. São computados, até o momento, três atos libidinosos. Insere-se, então, o sexo oral, após a conjunção carnal e finalmente o sexo anal. Eis o cômputo de outros três atos libidinosos, um deles a conjunção carnal, apenas espécie do gênero libidinagem. Finalizando seu propósito de satisfação da lascívia, o agente obriga a vítima a manter-se deitada enquanto ele ejacula sobre o seu corpo, constituindo-se o derradeiro ato libidinoso. Toda a cena transcorre num único local, contra a mesma vítima, em menos de uma hora. Afastando-se a alternatividade das condutas, privilegiando a tese da cumulatividade ou dos tipos penais conjuntos, constituindo cada conduta um delito distinto, temos a prática de sete atos libidinosos, compondo o universo de sete estupros, em concurso material, para os mais exigentes, totalizando 42 anos de reclusão, cuidando-se de delitos hediondos. Lembremos, por fim, estarmos exemplificando com a pena mínima.

Neste caso, considerando o concurso material, a pena chegaria

a um patamar muito elevado, acima da punição imposta ao crime de homicídio

qualificado, por exemplo, relevando, assim, uma ofensa aos princípios da legalidade

e proporcionalidade.

211

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Parte Especial. p.816.

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Por está razão e conforme o exemplo de Nucci constata-se que

com a alteração legislativa houve um abrandamento na punibilidade do agente que

constrange a mesma vítima, mediante violência ou grave ameaça, a praticar

conjunção carnal e outro ato libidinoso, visto que nesse caso o posicionamento

majoritário é no sentido de que quando estas condutas são realizadas em face de

uma única vítima, na mesma ocasião, configurará um único crime, e quando tais

atos, forem praticados contra a mesma vítima, mas em momentos temporais

diferentes haverá a continuidade delitiva, e não mais o concurso de crimes, que era

possível de ser aplicado quando o estupro e atentado violento ao pudor

correspondiam a infrações distintas.

3.2.2 Possibilidade da redução da pena

Conforme abordado no item anterior, constata-se que diante da

unificação dos arts. 213 e 214, gerando uma única figura típica, sob a denominação

de estupro, não mais se aceita a aplicação do concurso material de crimes, visto que

agora o ato de constranger mediante violência ou grave ameaça a vítima a praticar

conjunção carnal e outro ato libidinoso, consiste em um único crime.

Desta feita, ressalta-se que, tendo em vista que a alteração se

reflete de forma mais benéfica ao agente, seus efeitos deverão retroagir, pois de

acordo ao que menciona Jesus212 apud Estefam:

A alteração é benéfica e deverá retroagir, atingindo todos os fatos anteriores à vigência da Lei, até mesmo aqueles que já alcançados por decisão transitada em julgado (CF, art. 5.º, XL e CP, art. 2.º).

No mesmo sentido é o entendimento de Nucci213 ao manifestar

que:

Constitui garantia fundamental a aplicação da lei penal favorável de forma retroativa, nos termos do art. 5º, XL, da CF. Sob o mesmo prisma, preceitua o art. 66, I, da Lei de Execução Penal, competir ao juiz da execução “aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado”

212

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte especial. p. 136.

213 NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual: comentários à lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. p. 63.

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Assim, respeitando ao princípio da retroatividade da lei mais

benéfica (novatio legis in mellius), aqueles que já foram condenados pela prática de

ambos os crimes, estupro e atentado violento ao pudor, poderão ter suas penas

revistas, e consideravelmente, reduzidas, obviamente se preencherem aos

requisitos do art. 71 do Código Penal.

Deve-se, portanto, analisar os processos em que já houve a

condenação, verificando se o condenado preenche os requisitos do art. 71 do

Código Penal, pois, caso presentes estes requisitos nas circunstâncias do crime,

deverá ser aplicada a nova disposição legal, removendo a soma das penas

imputada a cada conduta, e considerando, conforme o caso, a pena de apenas um

crime ou da reprimenda mais grave, acrescendo-se de um sexto a dois terços, ou

seja, se reconhece nestes casos a continuidade delitiva, pelo fato de cada conduta

praticada corresponder, a teor da nova legislação, ao mesmo tipo penal.

Por fim, para que o apenado que foi condenado pela prática de

ambos os crimes, estupro e atentado violento ao pudor, com o reconhecimento do

concurso material destes delitos, deverá peticionar ao juízo da execução penal

requerendo a adequação da reprimenda imposta, com base no princípio da

retroatividade da lei mais benéfica, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código

Penal, e art. 5º, XL, da Constituição Federal. In casu, a retroação dos efeitos da Lei

12.015/09, ocorrerá no que se refere a continuidade delitiva.

Por sua vez, a aplicação da novatio legis in mellius, após a

sentença condenatória transitada em julgado compete ao juízo da execução,

conforme preconizam os art. 66, I, da Lei n.º 7.210/84214 e a Súmula 611 do

Supremo Tribunal Federal215.

Destarte, tem-se por concluída a presente pesquisa, a qual

teve como objetivo analisar quais os reflexos que a Lei n.º 12.015, de 2009,

apresentou na prática forense.

214

Referido inciso dispõe que compete ao Juiz da execução aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado.

215 A Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal prevê que, transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Previam-se, na legislação penal brasileira, os crimes de

estupro e atentado violento ao pudor como crimes autônomos, ou seja, eram

preceituados em tipos penais distintos.

O legislador atento as mudanças da sociedade em relação às

questões sexuais, bem como a forma como estes delitos ocorriam, editou a Lei n.º

12.015 de 7 de agosto de 2009, modernizando-se, dessa forma, o cenário dos

crimes sexuais.

O crime de estupro passou a ser conceituado não mais

somente como o ato de constranger a vítima, mediante violência moral ou física, a

praticar conjunção carnal, mas abarcou o que previa o antigo crime de atentado

violento ao pudor, ou seja, a nova definição de estupro corresponde ao ato de

obrigar qualquer pessoa, por meio de violência ou grave ameaça a praticar

conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

Assim, esta alteração, trouxe conseqüências substanciais e,

consequentemente, atingiu diretamente a processos passados e aos futuros. Pois,

conforme se observou com a união dos artigos 213 e 214 em um único tipo penal

não mais se admite o concurso de crimes quando o agente constranger a mesma

vítima, em mesma ocasião, a praticar a conjunção carnal e outro ato libidinoso.

Referida conseqüência reduz consideravelmente a pena do acusado ou daquele que

já foi condenado.

Pois, considerando que esse reflexo da novatio legis, beneficia

o acusado, deverão seus efeitos, com base no princípio da retroatividade, atingir até

mesmo os casos que já foram julgados. Cabendo o juízo da execução penal analisar

tal situação e reduzir a pena do apenado quando for o caso.

Outrossim, visando proteger a vida sexual, a saúde física e

psíquica do adolescente, o legislador inovou acrescentando o § 1º ao art. 213,

prevendo que na hipótese do crime de estupro ser praticado contra pessoa maior de

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14 anos e menor de 18 anos, a punição será mais severa, podendo o agente ser

condenado de 8 a 12 anos, de reclusão.

A Lei 12.015/09 também introduziu o art. 217-A, criando a

figura do estupro de vulnerável, revogando, dessa forma, o art. 224, o qual previa a

violência presumida. A pena prevista para esse caso, ou seja, quando o estupro for

praticado contra menores de 14 anos, aqueles que possuem enfermidade ou

deficiência mental que lhes torne incapazes de discernir o ato sexual pratica, bem

como, contra pessoa que, por qualquer causa, não possua capacidade de

resistência. A pena nestes casos, na forma simples do tipo penal, varia de 8 a 15

anos.

Como se vê, da análise das conseqüências trazidas pela Lei

12.015/09, extrai-se a possibilidade de fixação da pena de acordo com a idade da

vítima, ou seja, o crime de estupro praticado em face de menor de 14 anos, a pena

poderá ser fixada de 8 a 15 anos, já no caso da vítima ter idade superior a 14 anos e

menor a 18 anos, a pena varia de 8 a 12 anos. Para as vítimas com idade superior a

18 anos, fixa-se o previsto no caput do art. 213, o que prevê a pena de 6 a 10 anos.

Tem-se também, como reflexo do novo diploma legal, a

alteração da ação penal, pois a antiga redação do art. 225 do Código Penal

determinava que, em regra, nos crimes contra a liberdade sexual a ação penal

somente se procedia por meio de queixa. Entretanto, com a nova redação, a ação

penal passou a ser, em regra, pública condicionada à representação. Trata-se,

assim, de norma processual material, com reflexos evidentes em direito penal,

respeitando, dessa forma o preceituado no art. 5.º, XL, da CF.

Portanto, com essa mudança, deve-se verificar, no caso

concreto, quais ações estão em decurso como públicas incondicionadas e deviam

ser condicionadas pela representação. Nesses casos, cabe ao magistrado

interromper o andamento do processo e solicitar a representação da vítima.

Destarte, tem-se por concluída a presente monografia,

ressaltando-se que a hipótese apresentada inicialmente, restou-se comprovada,

sendo nos processos que apuram fatos anteriores a Lei 12.015/09 é possível a

redução da pena, se decorrer a condenação por estupro e atentado violento ao

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pudor, haja vista que a nova lei uniu as duas condutas delitivas. Já nos processos

futuros, a possibilidade de uma pena proporcional a idade da vítima, bem como a

modificação no tipo de ação penal decorrente do crime.

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RODRIGUES, Ana Paula da Fonseca. CAPOBIANCO, Rodrigo Julio. Direito Penal: 1ª Fase. São Paulo: Método, 2004.