elo do pudor- desgustação

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Elos Do Pudor

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Page 1: Elo Do Pudor- Desgustação

Elos Do

Pudor

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Elos Do

Pudor

Por

Danka maia & Dan Rebouças

Page 4: Elo Do Pudor- Desgustação

Copyright © 2013 Danka Maia & Dhan Rebouças

Todos os direitos são reservados de acordo com as Normas de Leis e das

Convenções Internacionais. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou

reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos

autores.

www.dankamachine.blogspot.com.br

Page 5: Elo Do Pudor- Desgustação

Agradecimentos

Elos do Pudor foi um livro muito especial em vários sentidos

para mim. Há um versículo na Bíblia que diz "Todas as coisas cooperam

para bem daqueles que amam a Deus.", E está obra simboliza isto. O que

é Destino, o que é plano Divino, e que não há nada neste mundo que o

amor e o respeito não possa edificar.

Meu Senhor, agradeço pela minha vida, por meus pais e por dar-

me o privilégio de conhecer e conceber algo tão sublime com esta

criatura que tanto amo chamado Dhan Rebouças, tenho certeza que somos

uma das muitas provas, que independente de nossas religiões, Nosso Deus

é muito maior que elas.

A Paz, Salam Aleikum, Axé.

Danka Maia

A Deus, por tudo, sem exceções.

A Danka Maia por ter feito o ilustre convite em colaborar para a

criação deste elo.

A Kali por ter me ensinado que o que tem que ser, será,

independente de qualquer coisa, no seu tempo.

Dhan Rebouças

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Capítulo I

A Primeira Ilusão

Quando Laura despertou violentamente batendo de pronto

sentada na cama e intuiu percorrer pelo seu corpo a dor que sua mãe

tantas vezes a alertara, onde as entranhas de uma mulher são expostas

visceralmente para que dela nasça o que de mais belo e sublime foi criado

pelo ser divino então brote neste mundo, tudo se resumiu em uma só

frase por ela segredada:

— Minha Princesa está chegando!

Enquanto agitou Herculano, o marido que elevou à mão a bem

aparada barba de que tanto cuidava para que se aprontasse para o momento

tão esperando para casal, mas, sobretudo por ela, um filme passou pela sua

mente. Iniciou-se quando desatinada abriu o requintado envelope do

laboratório francês onde passava em viagem com seu cônjuge, um

multimilionário do ramo de Hidrelétricas, jazidas e aviações no Brasil, e ali

leu a citação que transformaria sua vida para sempre:

— Positivo para Gravidez.

Foi naquele preciso instante, que Laura concebeu toda chegada

de sua primogênita, Daniela, nome escolhido a dedo por ela, cujo significado

é: "Deus é o meu juiz". Em segundo algum a senhora Andrade cogitou a

probabilidade de dar luz a um menino. Na volta para Brasil, os melhores

designers de interiores foram chamados a dedos a fim de quem um

apresentasse o perfil adequado para o quarto dos sonhos de sua princesinha.

Page 8: Elo Do Pudor- Desgustação

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Laura tinha plena convicção da chegada de Daniela Torres

Andrade, logo, teria que ser de maneira suntuosa como uma legatária

merecia.

Durante os nove meses, infinitas foram às vezes que Herculano

implorou a Laura que o Doutor Linhares pudesse revelar pelo menos a ele o

sexo da criança, e a resposta ininterruptamente fora à mesma:

— Para que querido? Sei que teremos uma linda e belíssima

garotinha. A mais esplêndida de todas, será a nossa Daniela.

Herculano não gostava de contrariar a esposa, embora fosse um

indivíduo de poucas palavras e conhecido pela sua personalidade forte e

extremamente austera. Um homem de negócios, frio, calculista, porém

devotado à sua Lalá Andrade, a única que lhe resumia a um rélis servil. No

entanto, cá nos seus pensamentos, não ocultava que sua preferência era por

um primogênito. Sim, um filho homem para ser criado e educado para

assumir todo império dos Andrades. Que daria ao pai o orgulho de ser seu

sucessor e manter a estirpe de aristocracia que a linhagem carregava há

gerações nos interesses comerciais e financeiros.

Porém, o que tanto Herculano com Laura Torres de Andrades não

sabiam, é que o destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias

nem o desfecho. A incógnita continuamente faz parte da surpresa da plateia,

inda que esta seja seus protagonistas.

A junta médica do doutor Linhares foi acionada as pressas na

luxuosa Clínica Nossa Senhora do Parto, escolhida por ser nobre e como

também por processar a fé de Laura e Herculano, especialmente ela, uma

religiosa fervorosa do catolicismo.

— Como estamos Laura? — Indagou com um ávido sorriso o

Doutor Linhares seguido de mais dois colegas e uma enfermeira que

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acompanhavam a socialite na maca trazida da Bélgica especialmente para a

mulher de Herculano para a dada ocasião.

— Isso dói doutor! — Rebateu afoita enquanto passava a mão

pelo ventre acentuado.

— Ainda podemos pensar em uma cesárea? Não quer ponderar

sua decisão?

Em meio à truculenta dor que antes fina agora se aguçava e

espalhava-se de modo colossal pelas costas na altura dos quadris dilatando-

os abissalmente. À medida que o colo do útero começou a dilatar e sua

posição na pelve mudando o semblante da mulher também exprimia a

mescla de dor e contentamento.

Daniela estava a minutos de seus braços.

— Não. Quero que ela venha do modo mais natural possível.

Disto não abrirei mão!

— Mas Lalá... — Tentou Herculano nervoso ajeitando-se com

seu lenço italiano retirado do terno Armani.

— Decisão tomada meu querido. — Rogou-lhe um olhar de

apoio em vez de coação. — Diga-me Linhares, o que vem a seguir?

— Bem, — Suspirou o médico oferecendo a mão amiga. — A

dor avançará, a intenção é que seu útero fique mais flexível e fino. Imagine,

por exemplo, a textura do seu nariz: ele é firme. Agora sinta os seus lábios:

eles são macios e flexíveis. O colo do útero originalmente é como o nariz, e

tem de ficar da textura dos seus lábios. — arrematando com um breve

sorriso.

— Estou pronta! — Replicou corajosa.

Seguiram para a sala já disposta. Herculano a beijou na testa

decidiu aguardar o nascimento do bebê no quarto que mais lembrava uma

suíte presidencial da cadeia de hotéis Hilton. Lá estavam Enoque e Amália

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Vasconcelos, amigos do casal, Herculano e Laura não possuíam família

antecedente. Ele com uma caixa de legítimos charutos cubanos, ela ajeitando

as lembranças de cor lavanda elaboradas por Laura e bem casados, todos

com seja bem vinda:

Daniela Torres Andrades.

Todos estavam prontos, exceto o destino. E o que fazer quando

este não se encontra preparado?

A dor já se tornara extenuante e cansativa quando Laura sentiu

romper como um escorregão sua menina, e quando viu O Doutor Linhares

segurar o bebê em seus braços e este emitir seu primeiro e agudo choro,

lágrimas desceram incandescidamente de seus olhos. Ela se quer notara

como haviam chegado ali, exausta balbuciou:

— Me dê a minha menina. Minha Princesa. Meu Tudo. Minha

vida!

Linhares trocou olhares entre os membros da equipe, e levou a

criança aos braços da tórrida e apaixonada mãe de primeira viagem inda

envolto pelo sebo da placenta, quando ao chegar rente de Laura proferiu:

— Parabéns mamãe! É um lindo e sadio menino!

O olhar de Laura se demoveu subitamente para o rosto do

médico enquanto segurou seu filho e o questionou:

— O que mencionou?

— É um menino Laura. Lindo, forte e saudável.

Rapidamente ela retira a manta cirúrgica de cima do bebê, quer

garantir que não há nenhum equivoco. Por um ínfimo instante, cogita que o

médico esteja errado e que um dia aquela certamente seria a primeira

grande história da chegada de Daniela. Entretanto, quem estava iludida era

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ela, e ao constatar isto, embora tenha abraçado contra ao peito o filho,

ocultou o abismo em que sua alma adentrou do mesmo modo que abrigou o

quanto seu coração havia se entristecido torpemente.

Calou. Sorriu. E simplesmente resolveu amá-lo.

O Primeiro elo havia nascido.

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Capítulo II

A Segunda Decepção

Passaram-se sete longos anos depois daquele dia. Laura

semelhava ter escolhido duas coisas: Dedicar-se integralmente a José

Henrique, seu lindo e arguto garoto. A outra, demover da ideia de não ter

mais filhos. Não ter Daniela em seus braços além de um fato muito

frustrante, de certa maneira a deixou abalada psicologicamente. Embora

amasse Rico, como o menino era carinhosamente chamado em seu meio

familiar, pegava-se vez por outra com os olhos no horizonte onde descrevia

falar com Deus ininterruptamente arguindo os mesmos pontos:

— Por quê? Como não pude perceber que teria um menino?

Será que sou boa mãe? Que tipo de mãe não intui o filho que terá? Será que

de verdade posso ser chamada de "Mãe"?

E do mesmo modo, a contínua companhia vinha ocupar seu

espaço na solidão desta ocasião: Uma lágrima.

O instante só era abalado quando o filho abancava-se dela e

passando as mãos em seus olhos avermelhados tocava-lhe a face com

candura a acalentava proferindo algo no mínimo perturbador:

— Não te preocupa mãe, ela virá.

Não era uma ou duas vezes que Rico lhe falara tal citação, apesar

dela jamais ter dito ao menino sobre o passado e sua maior frustração

pessoal. Nas infinitas vezes em que Laura vivenciou aquele instante, também

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foram as mesmas infinitas vezes que José Henrique a confortou sempre com

o mesmo carinho e nebulosa menção.

Ela suspirava profundamente, o trazia ao colo, beijava—o e

deixava passar a dor enquanto o sol ia adormecendo no cume da montanha

da suntuosa mansão dos Andrades.

Foi numa fração de segundos numa ida ao Clube de Haras indo

buscar Rico em sua aula de equitação enquanto conversava com outra mãe

aflita pelos tamanhos dos cavalos e seus pequenos rebentos galopando

ensandecidos em cima deles que um súbito mal—estar a invadiu

avassaladoramente.

Foi célere, mas intenso.

— O que foi Lalá? — Perguntou Niza Albuquerque.

— Não sei explicar. De repente a cabeça tonteou, achei que

fosse ao chão. — Inda passando as mãos pelos seus longos cabelos loiros a

fim de encontrar definição para o que a sobreviera.

— Pico de pressão! — Definiu precisamente Niza como de

praxe, uma vez filha de um renomado médico se achara também no direito

em exercício da profissão, coisa de gente abastada, crer que o status

dispensa pormenores como faculdade e graduação por exemplo.

Laura esboçou um sorriso educado, sem grande emoção. Embora

não quisesse nem refletir na hipótese, reconheceu instintivamente aquele

presságio. Ela já tivera aquele incômodo súbito anteriormente.

No caminho de volta para casa, enquanto Rico pulava no anterior

do carro de um lado a outro, peralta como por rotina, com ela, uma vez que

Afonso, o motorista, era o responsável por guiá-los e empregado deles há

anos, a senhora Andrades sentiu um efêmero frio na barriga o que a levou a

revolver repetidamente o colar de ouro branco que continuamente carregava

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ao pescoço junto à imagem de Santa Clara, sua santa de devoção, o que

despertou a atenção de Afonso, que além de um funcionário, era um amigo,

uma vez que era casado com sua verdadeira e melhor amiga de infância

Faaha, na verdade uma irmã de coração. Uma mulçumana nascida na Argélia

e nos mais rígidos preceitos do mundo árabe que veio para o Brasil com a

família para o bairro onde Laura já residia ainda criança, e ali construíram

uma amizade eterna,

— Algum problema Laurinha?

— Hã? — Retrucou perdida na devastação de seus

pensamentos.

— Desde que entrou no carro na hípica está estranha.

Aconteceu alguma coisa?

— Não Afonso. Não foi nada demais creio. Apenas um mal

brusco, coisa passageira.

— Não acha melhor passarmos na clínica do Doutor Linhares?

Já estamos na rota.

— Linhares! — Replicou como se a proposta de preocupação

de Afonso a ultrajasse brutalmente.

— Se quiser claro. — Completou o homem a fitando pelo

retrovisor do veículo.

Avaliou a sugestão. Porém, teve medo. Era como se na alma

soubesse precisamente do que se tratava. Pegou-se em um devaneio

bruscamente retirada dele numa nova tentativa do motorista.

— Laurinha? Então, o que acha?

— Sim. — Redarguiu de pronto, sem se dar conta que era o

sim que mudaria não só curso do automóvel, mas também de novo, o de sua

vida.

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A confirmação de que a linhagem Andrades receberia mais um

membro no clã familiar deixou Herculano e José Henrique empolgados e

cheios de planos, contudo o mesmo não adveio sobre Laura. O pai, logo

principiou a traçar metas meteóricas para mais um filho, agora, ele queria

Daniela como nunca. Dizia orgulhoso:

— Agora sim, tudo que será perfeito. Um casal. O casal dos

Torres de Andrades.

Rico, embora seus oito anos, desatinou pela casa convicto de um

irmãozinho chegaria para dividir consigo brinquedos, jogos e um aliado

para suas peraltices. Herculano atentou para o semblante desolador da

esposa e estranhando a atitude sentou-se ao seu lado e a inquiriu:

— Minha amada, o que foi? Cri que daria até uma festa ao saber

da notícia. Vamos celebrar minha Lalá Andrades, nossa menininha enfim

vem a caminho! — Bradou com um esplêndido sorriso.

O que Herculano não sabia era que na alma Laura sabia que não

conceberia a menina. Desta vez sua intuição está aguçada, teria outro

garotinho. E a decepção agora era saber que não poderia dar ao seu amado,

o fruto mais desejado de sua vida.

Desta vez o quadro se invertera. Herculano reacendera uma

chama desgovernada pela chegada da filha. O quarto, enxoval, preparativos,

até mesmo a comemoração de cada mês de gestação com um petit comitê

para os amigos mais chegados ao clã dos Andrades incidia mensalmente.

Laura iniciou um severo quadro de depressão. Agora era ela a

tentar quase em tom implorativo ao marido:

— Meu amor, para com tantos exageros! Não teremos Daniela.

Sei que estou gerando um menino, e quero chamá-lo de Herculano Filho em

sua homenagem, o que acha?

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— Laurinha, pare com bobagens! Já temos nosso primogênito.

De que nos valeria agora outro menino? Daniela Torres de Andrade —

Desenhava no ar com o dedo indicativo. — Perfeito! Qualquer rapaz que se

preze em nosso meio social vai implorar para casar-se com ela. Entretanto,

serei rígido! — Inda balançando o mesmo dedo.

A mãe, só cabia afogar-se num mar de frustrações. O coração de

uma mulher é como um oceano guarda muitos segredos. E se constituírem

revelados, a força do outro pode fatalmente fraquejar. Afinal decepção não é

o desgosto que o outro nos causa e sim gigantescas expectativas que

colocamos sobre tal pessoa.

Foi então que em tom quase inaudível pelo ouvido humano, no

entanto pulsando aos tímpanos da alma, escutou uma das melodias de sua

cantora preferida soltar:

Sonhar mais um sonho impossível

Lutar quando é fácil ceder

Vencer o inimigo invencível

Negar quando a regra é vencer

Sofrer a tortura implacável

Romper a incabível prisão

Voar num limite improvável

Tocar o inacessível chão

É minha lei, é minha questão.

Virar esse mundo, cravar esse chão.

Não me importa saber

Se é terrível demais

Quantas guerras terei que vencer

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Por um pouco de paz

E amanhã se esse chão que eu beijei

For meu leito e perdão

Vou saber que valeu

Delirar e morrer de paixão

E assim, seja lá como for

Vai ter fim a infinita aflição

E o mundo vai ver uma flor

Brotar do impossível chão.

E repetiu para si mesma entre sussurros de uma alma

agonizando:

— E assim, seja lá como for vai ter fim à infinita aflição. E o

mundo vai ver uma flor brotar do impossível chão!

E foi os versos da canção que deu a mulher uma força

revigorante. Um suspiro no meio de tantos "ais".

Passaram os meses e o dia de novo adveio.

Agora Laura sabia exatamente o que era e como proceder.

Todavia, devido à depressão que lhe sobreveio antes daquele dia da

composição de Maria Betânia, a depressão tinha judiado demais tanto de sua

alma quanto de seu corpo. A pressão arterial desestabilizou-se por demais. E

o Doutor Linhares não ocultou dela ou de Herculano que se tratava de uma

gestação de alto risco. E uma cesárea agora era primordial para garantir a

vida a ela e a criança.

Naquele instante, ali na sala de cirurgia, notou a aflição no rosto

da junta médica. Algo estava muito errado. De repente, sentiu como se caísse

de um penhasco, a sensação de que saiu do corpo e inexplicavelmente

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pairava sobre o mesmo podendo se ver do teto e toda correria dos médicos

para salvá-la assim como o bebê, ouvia os tais articularem-se entre si:

— Sangramento vaginal forte, Doutor!

— Aplique uma dose de Ergometrina, temos que estabilizar o

sangramento! — Gritou.

— P.A subindo consideravelmente! — Bradou a segunda

enfermeira.

— Quanto? — Ele rebateu.

— 210/140!

— Ela vai entrar em colapso a qualquer instante Linhares!

Estamos perdendo-a! — Berrou o outro cirurgião assistente.

— Calma equipe! — Pediu serenamente apesar de gotejar

baldes de suor. — Quero uma dose intravenosa de Nifedipino!

— Mas ela não está tendo um parto prematuro! — Replicou o

assistente.

— Não! Mas houve redução significativa da incidência de

síndrome de angústia respiratória em 37%, enterocolite necrosante em 79%,

hemorragia intraventricular em 41% e icterícia neonatal em 27%, ou seja,

quero que o organismo dela entre choque e entenda como se fosse tal

situação. Ande vamos pessoal!

— É arriscado demais Linhares! — Fitou o colega.

— Será que sou tão somente o único que percebeu que a

paciente já está quase em óbito? — Redarguiu nervoso.

— O útero dela terá que ser retirado adotando este

procedimento. — arrematou o doutor Armando.

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— Ela já tem dois filhos. Não precisará mais do útero, inda vai

me agradecer por se livrar dele. Vamos, não temos tempo para suposições!

Quero salvar a vida dela e do menino!

E foi neste preciso segundo em que escutou a frase: "Quero

salvar a vida do menino!" refletiu célere:

— Meu filho precisa de mim. Não posso ir!

E embora aquela sensação fosse deverás aconchegada e serena,

optou jogando-se diretamente o que inda entendia como extensão de seu

corpo e pressentiu adentrar de novo em si.

— Ela está voltando! — Soltou a enfermeira.

— Pressão estabilizando! — Disse o clínico.

— Transfusão sanguínea tipo A+ agora equipe! — Linhares

lutava como o guerreiro num fronte de batalha.

— Adiantei-me com o banco de sangue Doutor, já está aqui! —

Retrucou a veemente escudeira Rebeca, uma enfermeira admirável pelo

senso e intuição profissional.

— É por isso que eu te amo, Rebeca! — Sorriu Linhares

esboçando um lacônico sorriso. — Não queremos a Síndrome de Sheehan

dando as caras por aqui!

— P.A baixando e estabilizando em 140X80! — Advertiu o

Armando.

— Maravilha! — Falou exultante Linhares. — Vamos lá

Laurinha, vamos lá!

E de repente, lá dentro do sua psique, conquanto a luz que lhe

envolvia fosse bela e envolvente, embora alcançasse que o útero seria

retirado acabando com absoluta probabilidade de trazer Daniela a este

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mundo, e mesmo compreendendo que Herculano poderia cuidar de Rico

muito bem, ela fechou os olhos mentalmente e articulou a si mesma.

— Lute. Sorria. E ame-o!

Aos poucos ia sentindo-se dona de seu corpo novamente. Sinais

estabilizados, junta médica abrandada e hílare. Nascia Herculano Andrades

Filho e renascia Laura Torres de Andrades.

O segundo elo ganhava forma.

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CAPÍTULO III

A Chegada

Nove anos haviam se passado para os Andrades.

José Henrique agora com a mesma idade, Lano como era chamado o caçula com seus quatro anos.

Os irmãos eram inseparáveis. A cumplicidade entre os dois era admirada por todos. Pareciam ter mais

consanguinidades entre si do que com os pais. Sem dúvidas, excelentes companheiros de vida.

O casamento entre Herculano e Laura sustentava-se por ele. Apesar de ela ser uma mãe

irretocavelmente devotada aos filhos e ele. Herculano sabia que a mulher carregava um peso abissal por não

ter tido a filha que tanto aspirou.

Ela nunca mais fora a mesma.

Isto se materializava definitivamente, quando Laura se trancava em seu quarto dos pensamentos

onde gostava de rabiscar poemas, pintar seus quadros, quarto este que seria de Daniela e enquanto lá jazia, a

melodia era ininterruptamente a mesma:

Tem uma hora que bate

Uma tristeza tão grande,

Que eu não sei o que fazer

E nem pra onde ir!

É tanta coisa

Que eu queria dizer,

Mas não tem ninguém pra ouvir!

Então choro, sem ninguém ver,

Eu choro...

Faço o possível pra segurar a cabeça

Mas a emoção não quer,

Que eu me desfaça

Ou então que eu esqueça

Do amor daquela "mulher"...

E eu choro...

Sem ela saber.

Eu choro...

Choro por tudo

Que a gente não teve,

Por tudo que a gente não realizou

Choro porque eu sei que ainda te amo,

E você me amou e ama!

Choro por tudo

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Se assim for preciso!

Choro porque eu sei que ainda te quero!

Choro por tudo,

E por tudo lhe digo

Te espero!

Te quero!

Te amo!!

Nessas ocasiões Herculano sabia que entrar no recinto só traria a sua amada mais frustração e

sobre o ponto de vista dela, certa desonra. Então, ele se abordava rente a porta e aguardava o tempo que fosse

necessário até que suspendesse a canção, se acalmasse e ele percebesse que enfim poderia adentrar sem

provocar nenhum tipo de constrangimento a Laura. Cuidado de quem respeita, zela e ama.

Peculiar era quando um dos meninos sentia a falta da mãe e já sabiam que ali estaria e se

deparavam com o pai sentado, contemplativo e com os olhos marejados.

— Papai! — Aproximou-se Lano com cuidado.

Limpando os olhos, objetou ao seu caçulê:

— Sim filhote.

— Tudo bem com o senhor?

— Sim, sim, claro! Por que não haveria de estar? — Tratava logo de sorrir abraçando o filho

junto ao peito.

— E mamãe? — Indagou o menino num tom especulativo.

O pai ainda escutando a composição não hesitou em contrapor:

— Com Daniela. Ela está com Daniela.

— Quem é Daniela, papai? — Lano não compreendia a situação, e por saber disto o pai passou a

mão na cabeça e redarguiu solicito:

— Alguém que a mamãe ama muito. Mas perdeu ou simplesmente não encontrou em algum lugar

do seu passado.

— E pode se perder ou achar alguém no passado, papai? — O menino coçou a cabeça confuso.

— Ah sim, meu filho... — Herculano levantou-se o pegou no colo e foi descendo as escadas com

ele enquanto a explicação se perdia no barulho deleitoso da escadaria da mansão.

Durante o jantar, reunidos à mesa, que o telefone tocou e uma das empregadas, Cristina foi

atendê-lo:

— Residência dos Andrades.

— Por favor... — A voz do outro lado demonstrava severa dificuldade na língua portuguesa. —

Senhora Laura?

— A família está à mesa. Quem deseja? — Questionou a empregada, pois sabia que Herculano

não admitia nenhum tipo de entrevero durante as sagradas refeições do clã.

— Dizer ser de Farah, por favor. Urgente senhora! — A voz rouca evidenciava muita aflição o

que inquietou o coração da criada e a fez romper contra a regra de seu rígido patrão.

Ela trouxe o aparelho rente ao ventre, como se intuísse algo, sem menos saber do que se tratava. E

atreveu-se:

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— Madame, é para senhora.

— Quantas vezes terei que mencionar nesta casa que não admito interferências nas refeições,

Cristina? Terei que despedi-la para que compreenda? — Herculano tornava-se possesso quando desobedecido.

Laura viu nos olhos da moça certa agonia, e o rebateu:

— Sem delongas querido. Tenho certeza que não seria para meias patacas que Cristina ousaria

infringir a uma de suas regras. Mesmos as mais imbecis. — Sorriu descontraindo o ambiente. — Com

licença!

Ela passou tomando o aparelho rasgando para sala com a criada seguindo-a:

— De quem se trata? — Perguntou antes de elevar o objeto ao ouvido direito.

— Senhora, pelo que entendi é da parte de uma moça... Nome estranho... Fátima... Fah... Alguma

coisa!

— Faaha? — Respingou ligeiro Laura.

— Isso mesmo! — Concluiu Cristina.

— Obrigada querida, deixe agora por gentileza.

Assim que a moça virou o corredor à esquerda em direção à cozinha. Um ar gélido correu por trás

da nuca da mulher, uma mistura de medo tomou e perturbou seu espírito.

Há cinco anos perderá o contato com Farah depois que Afonso saiu do emprego como motorista e

decidiu voltar com a esposa para Argélia. A distância também se deu devido o estado depressivo aguçado de

Laura. No fundo, tinha consciência que havia abandonado a amiga, talvez a única de toda sua vida. Contudo,

meses atrás, um de seus velhos conhecidos da época de menina se deparara com ela e avisou que Farah estava

esperando seu primeiro filho. Nem mesmo tal notícia fez com que a senhora Andrades buscasse por Farah.

Gravidez havia se tornado um assunto proibido em seu consciente devido suas fracassadas tentames. Mas

naquele segundo não hesitou e respondeu:

— Laura Andrades falando.

— Senhora Laura? Aqui ser da Argélia, lugar de sua amiga Faaha.

— Sim, quem está falando?

— Sou Dabir Fahd senhora. Tio de Faaha.

Laura lembrara-se dele, das histórias que a amiga contava de como era sovina.

— Pois não, pode falar.

— Faaha pede que senhora venha. Ela não bem. Precisar da senhora, me mandar dizer isso.

Desculpa a língua portuguesa.

— O que ela tem Sid Dabir? Preciso saber! — Laura percebeu que algo sério incidira com Faaha.

— Nada bem, senhora. Manda passar o endereço.

— Sim, um minuto! — Assim que sentou com as pernas trêmulas e ajeitou o bloco de papel e

caneta foi talhante.— Diga Sid Dabir, qual o endereço de Faaha!

Ele detalhou tudo. Ela se despediu como Faaha a ensinara ainda menina:

— Salam Aleikum. — Tradução para "A Paz de Deus esteja com você".

E do outro lado Dabir cumpriu o costume:

— Alaikum As-Salaam! — tradução "E sobre vós a paz".

Imediatamente rasgou a folha do bloco de papel, e como uma flecha voltou à sala de jantar.

— Herculano, mande preparar um de nossos jatinhos. Preciso partir para Argélia inda hoje.

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— O que? — Pulou o marido da cadeira quase engasgado com o peito de peru defumado. —

Enlouqueceu Laurinha? Que conversa é essa? Atravessando o recinto atrás dela que já estava no último

patamar da escada que levava aos segundo pavimento da casa.

Quando entrou no quarto, ela já vinha com a mala jogada em cima da cama, e em seguida com

cabides de roupas separadas.

— Pode me explicar do que se trata?

— Já ligou para comandante Felix? Ande Homem! Tenho pressa!

— Laura, o que é isto? Do que está falando?

— O telefonema era de um tio de Faaha. Ela não está bem, mandou me chamar. E eu vou até ela!

— Está falando que vai atravessar meio mundo para ir ver uma amiga?

— Não, estou comunicando que vou atravessar meio mundo e se fosse preciso o mundo inteiro

para saldar um dívida que tenho com a única amiga que a vida me deu e que por covardia virei as costas.

Faaha precisa de mim, Herculano. Sabe como sou, não se atreva a ser um obstáculo!-sendo claramente concisa

no aviso.

— Irei com você então!

— Não! Vou sozinha. Quero que fique com os meninos. Vamos, avise que aprontem a aeronave!

Saindo as pisas duras, o marido acatou completamente contrariado a ideia da mulher. No entanto,

a conhecia o suficiente para saber que demover ou bloquear seus planos seria o presságio de uma densa

tempestade da qual não queria cruzar.

Duas horas depois ele já se despedia da esposa no campo de aviação. Laura por sua vez agradeceu

seu apoio e fez pela ducentésima vez recomendações sobre os filhos. O beijou e adentrou veloz num dos jatos

da família informando ao comandante estar preparada para as nove horas e meia que separavam não só Brasil

da Argélia, mas sim ela da Faaha. O que desconhecia, era que este também era o tempo exato que a separava

de seu destino.

Durante o percurso Laura parou para pensar sobre aquele ato desvairado. Nunca havia deixado

Rico e Lano para trás por uma noite se quer. Dera-se conta que aquela estava sendo a primeira vez, e como a

amizade dela e Faaha ainda pudesse ser tão forte ao ponto de fazer cometer tal ação?

Perdida na imensidão do mar mediterrâneo adormeceu com tal adágio na meditação, levada pelas

asas do acaso dentro daquele jato, a senhora Andrades ia de encontro ao seu maior desafio, aquele que

mudaria toda sua história, aquele que todos nós somos chamados para cumpri-lo mais ou menos dias, porque

de sorte todo ser humano tem que passar por ele, pelo seu, enfrentar o que o destino lhe montou.

A chegada às terras argelianas foi calma. Luzes, cores, sons e cheiros povoavam por onde a

limusine do hotel cortava caminho levando Laura a sua suíte Presidencial arranjada as pressas pelas

secretárias do marido. Assim que se ajeitou, ligeira pediu ao motorista que a levasse a tal direção dado por

Dabir.

— A senhora deseja descansar um pouco? Foi uma viagem fatigante. — proferiu o Assir, um

homem alto bem apanhado com seu terno bem alinhado.

— Agradeço a preocupação Assir, contudo, o caso pede urgência. —Entregando o pedaço de

papel da carteira de grife e entregando-o. — Quero que me leve a este endereço agora! — Sendo breve.

Apanhando o pedaço de folha, assim que descansou os olhos nas linhas, Assir a fitou de pronto:

— Madame, faz ideia de onde quer que eu a leve?

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— Não, mas ainda quero que me leve. — obtemperando numa firmeza espantosa.

— Isto é no subúrbio de Argel, fica em Bab Ezzouar.

— E daí? — Contrapôs decidida.

— A senhora deseja ir até lá de limusine?

— Algum problema? Ou limusine deixou de ser um meio de locomoção? Isto pouco importa dada

circunstância!

— Tudo bem madame. Como queira.

O carro foi se afastando dos arredores da cidade, indo em direção à planície de Metidja. A região

semiárida parcamente povoada do Chotts, o qual contém lagos salgados (chotts) e onde se localizam em maior

número os criadores de ovelhas e cabras ia fazendo tudo ficar para trás e de algum modo a guiando para o que

estava por vir. Foi no meio do nada, entre pedras e rostos desconfiados que Assir comunicou:

— É aqui senhora Andrades.

Ela olhou todo ambiente chocada com a degradação do mesmo, respirou fundo e replicou:

— Tudo bem.

Ao abrir a porta, indagou-a:

— Não acha melhor que eu a acompanhe?

— Não é necessário. Sei aqui falam tanto o árabe quanto o francês. Dou conta do segundo. —

Sorrindo.

— Mas madame... — O motorista tentava advertir pela pobreza do local.

— O que tem Assir? São pessoas, somente pessoas, como eu e você. Corte minha veia ou a deles, a

cor da vida ainda é a mesma meu caro, vermelha.

E saiu tentando equilibrar-se com o salto agulha em meio ao terreno arenoso, por fim decidiu

retirá-los. Semelhava uma peregrinação. E Laura não teve como não questionar-se, por qual promessa ou

pecado estava pagando a Santa Clara. A reflexão só cedeu quando viu num casebre uma luz fraca ascender e

resolveu abeirar-se:

— Bonsoir madame. Vous cherchez Menezes dame Fahd Faaha, pouvez —Vous me dire où est

votre maison ?

— Oui, bien sûr . Avez appelé la dame Laura ?

— Oui, je suis Laura.Por quoi?

— Faaha attendent pendant des jours , suivez-moi s'il vous plaît.

Suivez-moi.

Laura então acompanhou a senhora como ela pedira, e nos fundos num cabana coberta de mantas

de cabras adentrou com a mulher. Sua primeira impressão foi a pior possível, apesar de muito limpo, o

cenário era de miséria cabal. Na medida em que passos se davam, inda que curtos, dada a módica

circunferência do espaço Laura se apavorava com a qualidade de vida que sua amiga poderia estar vivenciando

ali com o marido e grávida.

Foi inevitável não permitir que a emoção a tomasse. Que um bolo amargo descesse pela garganta

como se fosse cerrar a glote.

Foi impossível não sucumbir às lágrimas que brotaram no canto de seus olhos.

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E quando seus olhos se refizeram e repousaram sobre o corpo tão defasado da bela Faaha, Laura

meramente desabou de vez. Correu até a cama improvisada por tijolos, juntou sua testa a da amiga como

sempre faziam, um gesto que denota irmãs de coração para os árabes, e só conseguiu tartamudear:

— Me perdoe.

Ambas se calaram por alguns minutos. Havia emoções a flor da pele nos dois os lados.

— Eu demorei muito tempo. — Laura soluçava incessantemente. Culpava-se demais por ver

Faaha naquela circunstância tão degradante e adversa. Faaha passou a mão pelo seu rosto e iluminada como

sua principal característica corrigindo-a:

— Não. Você veio. Então esse era o tempo.

Laura se recompôs, e contemplando Faaha tentou entender a situação.

— Onde está Afonso? Por que não me mandou chamar antes? Soube que estava grávida. O que

aconteceu?

— Ouça irmã. — Redarguiu a moça com muito esforço e a voz funda dada a fraqueza de sua

saúde. — São muitas perguntas, para pouco tempo. Já devia ter partido, roguei a Alah que me permitisse ver

sua chegada, tenho que lhe falar.

— Vou tirá-la daqui imediatamente Faaha! — gritou Laura.

— Não, não pode. Não é isto que foi escrito Laura. Escute—me, por favor. — apeteceu Faaha

com colossal esforço o que lhe incidiu uma forte tosse deixando à amiga inda mais terrificada.

— Meu Deus, Faaha!

— Escute. Afonso se foi há seis meses. A bebida o consumiu assim como a jogatina. Não tive uma

boa gestação, precisa voltar e ir para o Hospital Central de Argel, meu bebê está lá a sua espera. Somente você

tem permissão para tirá-la de lá.

— Como assim? Não estou entendendo? Por que eu? Por que não trouxe seu filho consigo?

— Ouça Laura. Alah tem seus mistérios. Um dia, mesmo que estejamos em planos espirituais

distintos iremos entender seu designo para nós duas.

— Então buscarei o menino e... — Levantando-se em passo acelerado e antes de chegar ao

umbral da porta, Faaha a retificou veementemente:

— Uma menina!

Laura petrificou-se. Um arrepio cruzou todo seu corpo de uma ponta a outra como um relâmpago.

Um frio tomou-lhe a boca do estômago, a boca secou-se por completo. Era como se uma grande descarga

elétrica tivesse transverso todo seu corpo. Virou-se lentamente e olhando dentro dos olhos da irmã de coração,

repetiu a frase:

— Uma menina.

Tornando a assentar-se ao lado de Faaha.

— Não terei tempo para ver minha filha crescer Laura. Há um dito árabe que diz: "Se não podes

enxergar, doa teus olhos para quem possa." Sei que meus olhos não poderão vê-la crescer, então decidi dá-la

o que durante toda sua vida tanto desejou irmã. Quis Alah que o meu ventre e não o seu trouxesse a este

mundo sua filha.

— Faaha... — Laura jogou-se para trás trazendo as mãos ao rosto pranteado diante de tamanha

revelação.

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— Sou viúva, as leis mulçumanas exigem que os filhos fiquem com a família paterna, mas Afonso

não era mulçumano e a família dele se quer sabe que ele morreu. Não ligam, jamais ligaram. Cabe a eu nomear

minha filha a alguém. E não existe ninguém neste mundo que possa amá-la como merece além de mim, que

não seja você, Laura.

Ela rastejou-se até Faaha, beijou sua testa e cingiu intensamente.

— Não sei como pode ser isto, Faaha! — Repetia entre soluços.

— Um dia saberemos por que o Destino quis assim. Há um propósito maior em tudo que Alah faz.

Ele nos irá mostrar o porquê decidiu que constituiria de tal modo.

— Sabe que somos de religiões tão diferentes... — Laura lembrou o fato.

— Mas sempre soubemos que Deus é grande demais para caber em religiões e o amamos do jeito

que Ele é. Isto é o que importa, e ininterruptamente foi o que nos uniu.

— Isso parece um sonho, pesadelo, não sei explicar...

— Isso é maktub. Já estava escrito. Tem que ser assim, minha irmãzinha.

As forças de Faaha foram esmorecendo, quando Laura notou que sua hora estava de fato chegando,

lamentou:

— Me perdoe!

— Você veio Laura. Você veio. Só me prometa uma coisa...

— Qualquer coisa que pedir! — Falou passando a mão pelo rosto de Faaha.

— Quando o sangue dela descer permita que conheça suas raízes. Permita que seja ingressada

nesta fé. Depois deixe que decida. Só quero que ela saiba quais são suas origens.

— Prometo. Tem a minha palavra. — Beijando-lhe docemente a mão.

Faaha sorriu e proferiu:

— Vá buscar sua Daniela.

— Foi este o nome que deu a ela? — gracejou.

— Não. A chamei por Kalila.

— Então vou buscar Kalila, e não Daniela. — Objetou à senhora Andrades determinada.

— Por que Laura? — Faaha tenta entender em seus últimos instantes a atitude da amiga.

— Porque Daniela foi meu sonho, Kalila é a minha realidade. — Proferiu orgulhosa. — Agora,

me conte por que Kalila? — Quis saber Laura.

— Significa "Aquela que será amada". — Fitou os olhos na face de Laura, riu e na medida em

que o riso foi se desfazendo sua alma foi esvaecendo deixando aquele corpo tão judiado e defasado pelas dores

e sofrimentos e puramente terminou sua jornada discorrendo:

— Eu vou.

A irmã pela última vez pôs sua testa junto à dela, e mesmo que estivesse ruindo, arrumou forças

em si e segredou:

— Vá em paz minha irmã.

Laura saiu firme da choupana com o papel que Faaha tinha apontado na pequena cabeceira que lhe

cedia todo direitos de ir enfim a um Hospital e sair dele com a sua menina nos braços.

Antes, tentou de todo jeito dar a Faaha o melhor funeral que o dinheiro possa oferecer como

derradeira despedida. Contudo não pôde, e foi aconselhada por advogados locais, que deixasse que a família

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tomasse conta de tudo, já que essa era a tradição. E segundo a mesma, ela não poderia estar presente, uma vez

que não era mulçumana.

Então partiu para o Hospital Central de Argel. Desceu da Limusine em passos arrimes e resolvidos,

a mãe leoa havia vindo buscar seu tão esperado e amado filhote.

Buscou a direção do Hospital, deixou que os advogados administrassem a questão em silêncio. Só

se manifestou quando o diretor elevou-se de sua cadeira, vindo em sua direção e narrou em francês:

— Madame, votre petite princesse d'attente!

Finalmente, os pés de Laura compreendiam o que expressava levitar ao escutar tal elocução tão

desejada, cobiçada e apetecida por aquela mulher.

— Senhora, sua princesinha a espera!

Ela limpou os olhos com um lenço, e seguiu o diretor. Ao chegar o berçário, fez-lhe um pedido:

— Deixe-me entrar e descobrir quem é ela?

O homem sorriu, esticou o braço direito, e replicou.

— Por favor, senhora!

Ao pisar no berçário encontravam-se ali cerca de trinta recém— nascidos, dezoito meninos e doze

meninas. Ela foi caminhando olhando todos, inclusive os meninos, passou pela primeira menina, segunda,

terceira. No entanto, foi atraída para o final do recinto. Lá, entre mantas aquecedoras, jazia uma pequena

menina, a menor de todas, traços finos, cabelos fartos, pele avermelhada. Laura fechou os olhos, e lá no fundo

de sua alma o coração afirmou:

— É ela!

Seus lábios tremiam. O coração agora disparara e um súbito fogo a consumia na altura do peito de

tanto sentimento. Virou-se para o diretor e somente apontou para ao bebê. Ele sorriu e acenou a cabeça

confirmando sua intuição. Ligeiramente, passou os braços por trás da cabecinha da pequenina, trouxe junto de

seu ombro e sussurrou em seu ouvido:

— Bem-vinda Minha Princesa Kalila Torres de Andrades. Mamãe por fim te encontrou!

Beijou. Sorriu. E unicamente sentiu que enfim amaria de verdade.

O terceiro elo enfim amarraria todas as circunstâncias de suas trajetórias