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FACULDADE CEARENSE CURSO DE DIREITO Márcio Kleber Fernandes Queiroz NOVAS VERTENTES DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL

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FACULDADE CEARENSE

CURSO DE DIREITO

Márcio Kleber Fernandes Queiroz

NOVAS VERTENTES DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL

1

NOVAS VERTENTES DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL

Monografia apresentada à Coordenação do

Curso de Direito, da Faculdade Cearense -

FAC, como requisito para a obtenção do título

de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Giovanni Augusto Baluz

Almeida.

Fortaleza-CE.

2014

Márcio Kleber Fernandes Queiroz

NOVAS VERTENTES DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL NO

ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL

2

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de

Direito, da Faculdade Cearense - FAC, como requisito

para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovada em: ___/ ___/ ___

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________

Profª. Giovanni Augusto Baluz Almeida.

Orientador (a)

________________________________________________

Prof (a).

Membro

__________________________________________________

Prof (a).

Membro

Fortaleza-CE.

2014

3

Dedico este trabalho monográfico a minha

família, amigos e professores com quem

aprendi as mais belas lições da vida, com

orgulho de um dia tê-los chamados de mestres.

AGRADECIMENTOS

4

Agradeço, еm primeiro lugar, а Deus quе iluminou о mеu caminho durante toda esta

caminhada.

A todos os professores pela paciência nа orientação е incentivo quе tornaram possível а

conclusão deste curso.

Аоs meus pais, irmãos, minha esposa Claudia de Abreu, minhas filhas Crislayne e Clyvina е a

toda minha família que, cоm muito carinho е apoio, nãо mediram esforços para qυе еυ

chegasse аté esta etapa dе minha vida.

5

Onde não há lei, não há liberdade.

John Locke

RESUMO

6

O presente trabalho estuda as alterações da nova Lei nº 12.015/09, abordando principalmente

as hipóteses de ações penais nos crimes contra a dignidade sexual, optando por demonstrar,

além das alterações, as consequências práticas no ordenamento jurídico. A Lei 12.015/2009

veio dar nova interpretação à legislação penal que logo tratou de alterar o próprio título de

“Crimes contra os costumes” para “Crimes contra a Dignidade Sexual”, com o intuito de

abranger ainda mais a aplicação da norma penal, em relação aos crimes sexuais. Expõe-se

sobre os delitos tipificados nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, frente à gravidade que as

condutas neles descritas causam ao bem jurídico tutelado. Destacando-se a inserção de novo

tipo penal, autônomo, o Estupro de Vulnerável (art. 217-A do Código Penal). Dedicou-se, em

especial, atenção aos aspectos penais da nova lei, no plano processual, em relação à

modificação da ação penal utilizada, sendo pública condicionada à representação. Assim,

deve ser considerado que não é correto admitir que permaneça impune o agente que comete os

delitos de tamanha gravidade, que atentam contra a dignidade e liberdade sexual do indivíduo,

deixando a discricionariedade de buscar ou não a punição de criminosos à vítima.

Palavras – chaves: Crimes Sexuais. Dignidade Sexual. Alterações. Lei nº 12.015/09. Novas

Vertentes.

ABSTRACT

7

The present work was intended to study the changes brought by the new Law No. 12.015/09,

addressing mainly the chances of prosecution for crimes against sexual dignity, opting to

demonstrate, beyond these changes, their practical consequences for the legal system. Law

12.015/2009 came to give new interpretation to the criminal legislation then tried to change

his own title "Crimes against morals" for "Crimes against Sexual Dignity", in order to cover

further application of the rule in criminal relation to sexual offenses. It explains about the

offenses established in articles. 213 and 217-A of the Penal Code, against the gravity that the

conduct described therein cause to the legal ward. Highlighting the insertion of a new criminal

type, autonomous, Rape of Vulnerable (article 217-A of the Penal Code). He devoted special

attention on the criminal aspects of the new law, the procedural regarding modification of the

criminal used, being subject to public representation. Therefore, one must consider that it is

not correct to admit that remain unpunished agent who commits the crimes of such

seriousness that undermine the dignity of the individual and sexual freedom, leaving the

discretion to seek or not the punishment of these criminals to the victim.

Key - Words: Sex Crimes. Sexual dignity. Changes. Law No. 12.015/09. New Strands.

SUMÁRIO

8

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 8

2. ASPECTOS HISTÓRICOS QUE CULMINARAM COM O ADVENTO DA LEI N.

12.015/09 .................................................................................................................................. 10 2.1 OS NORTEAMENTOS DOS CRIMES SEXUAIS NO CÓDIGO DO IMPÉRIO DE 1830

12

2.2 A PREVISÃO LEGAL DOS CRIMES SEXUAIS DE ACORDO COM O CÓDIGO

PENAL DE 1890 13

2.3 ANÁLISE DA PREVISÃO LEGAL DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES DE

ACORDO COM AS VERTENTES DO CÓDIGO PENAL DE 1940 15

3.DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL EM ESPÉCIE ............................. 18 3.1 CONCEITO RELACIONADO AOS CRIMES SEXUAIS 18

3.1.1 Os bons costumes e a moralidade sexual 19

3.2 PRINCÍPIOS ADSTRITOS AOS DELITOS SEXUAIS 19

3.2.1 Dignidade da pessoa humana 19

3.2.2 Liberdade e dignidade sexual 21

3.3 O BEM JURÍDICO TUTELADO NOS CRIMES SEXUAIS 22

3.4 DOS CRIMES SEXUAIS EM ESPÉCIE 26

3.4.1 As novas nuances da tipificação do delito de estupro 26

3.4.2 Violação sexual mediante fraude X Posse sexual mediante fraude 26

3.4.3 Assédio sexual 27

3.4.4 Dos crimes sexuais contra vulnerável 27

4. AS MODIFICAÇÕES ADVINDAS AOS CRIMES SEXUAIS COM O ADVENTO

DA LEI N. 12.015/09 .............................................................................................................. 31 4.1 AS NOVAS NUANCES DO DELITO DE ESTUPRO E A ALTERAÇÃO DO NÚCLEO

DO TIPO 31

4.2 A ESPECIFICAÇÃO DO DELITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL 37

4.2.1 As especificações acerca da aplicabilidade ou não do art. 225 do CP em face do

advento da lei n. 12.015/09 39

4.3 A LEGITIMIDADE DA AÇÃO PENAL EM DECORRÊNCIA DA LEI N. 12.015/09 40

4.4 DA EFETIVIDADE DA NOVA LEI NO COMBATE AOS CRIMES CONTRA A

DIGNIDADE SEXUAL E SUA APLICAÇÃO 41

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 43

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 45

1. INTRODUÇÃO

9

O Código Penal brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) traz na

parte especial o Título VI que positiva os crimes contra a dignidade sexual, a partir de 7 de

agosto de 2009 com profunda alteração pela Lei nº 12.015.

Diante das alterações inseridas pela Lei nº 12.015/09 no Código Penal de 1940

verificou-se uma nova vertente para os crimes contra a dignidade sexual. Com o novo

delineamento, este trabalho monográfico tem a missão de expor, de forma analítica, a nova

vertente conferida aos crimes contra a dignidade sexual dentro do ordenamento jurídico-penal

brasileiro.

Ante o tema apresentado sua delimitação recai em novo enfoque legislativo conferido

ao ordenamento jurídico penal relacionado a crimes contra a dignidade sexual, ou seja,

expõem-se as principais mudanças inseridas pela Lei nº 12.015/09 aos delitos que afrontam a

dignidade sexual da pessoa.

A partir da delimitação, chega-se à problematização do tema do estudo: mudanças

inseridas pela Lei nº 12.015/09 no Código Penal brasileiro, especificamente sobre que os

crimes contra a dignidade sexual são capazes de prevenir e reprimir os delitos que atingem

diretamente a honra sexual.

É de certo conhecimento que os crimes sexuais (estupro, assédio sexual, v.g.) abalam

de forma contundente a intimidade do ser humano. Diante do fato o estudo proposto por este

trabalho tem suma importância, principalmente por se pretender verificar se as mudanças

inseridas no ordenamento jurídico penal, em relação aos crimes contra a dignidade sexual,

atingem seu objetivo, ou seja, se há efetiva proteção do bem jurídico tutelado.

Frente ao exposto justifica-se o estudo do tema informando que toda alteração

realizada no ordenamento jurídico brasileiro, seja qual for à área, busca dar maior proteção ao

bem jurídico tutelado, seja de forma preventiva ou repressiva, por isso salutar analisar se a Lei

nº 12.015/09 cumpre tal papel.

Em observância aos objetivos específicos deste estudo ressalta-se: relacionar e

conceituar os crimes contra a dignidade sexual no Código Penal de 1940; Expor os motivos

do surgimento da Lei nº 12.015/09 no ordenamento jurídico penal brasileiro; Analisar de

forma comparativa as alterações do no Código Penal pela Lei nº 12.015/09 em relação aos

crimes sexuais; Detalhar os pontos positivos e negativos da Lei nº 12.015/09 no sistema penal

brasileiro no que diz respeito à proteção da dignidade sexual.

10

Seguindo o exposto nos objetivos e com base na problematização apresentada é

possível, a priori, apresentar a seguinte hipótese: A Lei nº 12.015/09, que altera o Título VI

da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal), em todos os termos, é eficaz no

combate aos crimes perpetrados contra a dignidade sexual, seja de forma preventiva ou

repressiva, tendo em vista que a mesma expõe sansões mais severas quando relacionadas aos

crimes sexuais.

O trabalho monográfico está compreende três capítulos que versam sobre a temática

das mudanças ocorridas com o advento da lei 12.015/09, que trata da tipificação e sanção dos

crimes contra a dignidade e liberdades sexuais.

Nesse sentido, o primeiro capítulo trata dos aspectos históricos que culminaram com o

advento da Lei nº 12.015/09, analisando a previsão legal dos crimes sexuais nos diplomas

penais de 1830, 1890 e de 1940.

O segundo, capítulo, por seu turno, refere os crimes contra a dignidade sexual,

apresentando conceito, princípios, bem jurídico tutelado e espécies de crimes sexuais.

No terceiro capítulo, têm-se as modificações de crimes sexuais pela Lei nº 12.015/09,

destacando-se as nuanças do delito de estupro, especificação do delito de estupro de

vulnerável, legitimidade da ação penal com o advento da lei modificadora e a efetividade e

aplicação da nova lei no combate aos crimes contra a dignidade sexual.

Este estudo se encerra com as considerações finais expondo todo conhecimento

adquirido, visando confirmar ou não a hipótese suscitada, ou seja, que a Lei nº 12.015/09

cumpre seu papel, de modo eficaz,

na prevenção e repressão dos crimes sexuais.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS QUE CULMINARAM COM O ADVENTO DA LEI N.

12.015/09

11

No Brasil, os crimes contra a dignidade sexual estão regulamentados no Título VI do

Código Penal. O primeiro capítulo analisa a evolução histórica dos tipos penais, que

envolvem essa temática antes do advento da lei nº 12.015/09, que os altera.

Tal abordagem se faz necessária para entendimento dos conceitos morais vigentes de

cada época que respingaram na atuação dos legisladores, com repercussão no âmbito penal,

através, inclusive, da tipificação delitiva de determinadas condutas de relevo social para a

norma penal.

Será possível analisar o desenvolvimento do pensamento da sociedade sobre a temática

da sexualidade e do papel da mulher, que ocasionaram também a evolução de figuras penais,

de modo a dar maior proteção à mulher e retirar o foco da moral e dos bons costumes para

deter-se na liberdade individual.

O Direito Penal, de forma inegável, sempre teve ligação entre a moral e a religião e, por

isso, no campo da sexualidade observou-se a ligação jurídica da dignidade sexual, a estes no

âmbito jurídico-penal.

No direito canônico, por exemplo, a mulher meretriz jamais poderia ser vítima de

estupro, pois tal crime tem como sujeito passivo apenas a mulher virgem, com exigência,

sendo exigida para caracterização do delito, de violência como elemento. Diz-se, que para a

igreja, até os pensamentos e desejos libidinosos eram reprimidos, visualizando-se a tutela da

honra e não, conforme se busca tutelar nos dias atuais, a dignidade sexual.

Nesse diapasão, bem expõe Valdir Sznick (1992, p. 12) ao deliberar acerca das condutas

sociais, passíveis de intervenção da norma penal:

Essa liberdade sexual, uma subespécie da liberdade normal, não pode

ser tolhida ou cerceada. Daí, quando intervêm na relação sexual –

entre dois seres, normalmente de sexos diferentes – fatores alheios,

como a violência, há necessidade de intervenção do direito. E, quando

a violência é grave, o direito penal.

A religião, ao adentrar a seara da liberdade sexual ingressa em caráter excessivo na

seara particular, salientando que esta não pode ser cerceada. Como exemplo concreto de

invasão, cita-se a legislação anglo-saxônica que, entre as infrações penais positivadas tinha a

homossexualidade e o incesto, deflagrando, pois, nítida afronta à dignidade humana, em face

da excessiva reprimenda jurídico-penal em seara eminentemente intima, como opção sexual.

12

Segundo Hungria (1959, p. 115), o direito romano positiva o delito “stuprum, em

sentido amplo, designava qualquer congresso carnal ilícito e, stricto sensu, o concubinato com

mulher virgem ou não casada, mas honesta. Conforme a doutrina de Hungria, o direito

romano já destacava a proteção aos delitos sexuais, designando que o estupro, num sentido

amplo, ser a conjugação carnal delineada através de contornos ilícitos, e, num sentido estrito,

a estupro era o concubinato com mulher virgem ou não casada, desde que restasse assente a

honestidade, segundo os aspectos morais da mesma.

No Código de Ur-Namu, datado no ano de 2050 antes de Cristo, considerado o mais

antigo do mundo, havia previsão de punições para os crimes sexuais, destacando, assim, a

proteção estatal, em face do delito adstrito à dignidade sexual. Ressalta-se que o código de

Ur-Namu pode ser visto como um dos primeiros dispositivos legais a delinear tutela protetiva

à dignidade sexual.

Segundo estudo de Antonio Garcia-Pablos de Molina (2008, p. 13), sobre os crimes

sexuais, expõe o art. 130 do Código de Hamurabi, definindo que se alguém violenta

sexualmente mulher virgem que ainda reside com familiares biológicos ou de origem, pego

em flagrante, será a ele imputado a pena de morte e a mulher violada ficará livre, haja vista,

que, segundo o código de Hamurabi, o que se busca tutelar de fato é a honra na

consubstanciada na dignidade sexual da vitima.

Na legislação penal brasileira o Código Criminal de 1830, no capítulo dos crimes contra

a segurança da honra previa no art. 219, coito com mulher menor de 17 anos; cópula mediante

violência ou ameaça com qualquer mulher honesta prevista no art. 222, e o art. 224, a sedução

de mulher honesta menor de 17 anos, com cópula carnal.

2.1 NORTEAMENTOS DOS CRIMES SEXUAIS NO CÓDIGO DO IMPÉRIO DE 1830

No Código Criminal do Império, a sexualidade confunde-se com a honra, uma vez que

sua positivação estava ao lado dos crimes de calúnia e injúria. Salientando-se que as

tipificações delitivas, concernentes aos crimes contra os costumes, trazem em: seu bojo o

ideário moralista da época, pouco se importando com a questão da dignidade sexual. Destaca-

13

se que o termo antigo “costume” faz referência direta aos hábitos e o termo composto “bons

costumes”, ligado às questões sexuais.

O estupro no Código Criminal de 1830, mediante violência ou ameaça, era considerado

crime mais grave cuja pena a reclusão de 3 a 12 anos, cumulando o dote da ofendida. Para o

delito o art. 222 previa a redução de pena de um mês a dois anos, caso a vítima fosse

prostituta, salientando, pois o critério adstrito à tutela dos costumes da época.

Salienta-se que nos crimes sexuais, a mulher era a principal vítima, por isso é possível

dispor que, no Brasil, durante longo período, a mulher, de acordo com a lei penal, era objeto

de satisfação dos desejos do homem, perfazendo-se, assim, a norma penal pátria, quanto a

esse aspecto, nítido reflexo do ideário social arcaico de outrora.

Tal afirmação tem nítida comprovação ante ao fato de que, no período assinalado, o que

se pretendia era a proteção dos bons costumes e não a proteção da dignidade sexual, pois o

importante era a honra e a virgindade da mulher vitimada.

2.2 A PREVISÃO LEGAL DOS CRIMES SEXUAIS DE ACORDO COM O CÓDIGO

PENAL DE 1890

Avançando na história, tem-se o Código Penal de 1890, que estabelecia expressamente

no art. 268, § 1º, que, se a mulher vitima de estupro fosse mulher pública, ou seja, prostituta, o

autor do delito teria direito à redução da pena, se o crime fosse praticado contra mulher

honesta, ou seja, virgem, a sanção delitiva poderia ser aumentada.

No referido Diploma Penal, ao autor do delito não seria imputado pena, caso viesse se

casar com a vítima (art. 276, parágrafo único), no mesmo sentido é a disposição de que, se a

mulher não quisesse manter relações sexuais com o marido, e, mesmo assim, mantivesse

conjunção carnal, nada lhe aconteceria, pois, nesse período, era dever matrimonial da mulher

satisfazer o marido, ou seja, exercício regular de um direito, não se aferindo, pois, à dignidade

sexual da mulher casada, em face dos desejos do marido.

Nessa época, assim como na anterior, o Brasil vivia sob a égide da moral, do

conservadorismo e dos costumes religiosos que, no âmbito jurídico, refletiam em face da

preponderância da tutela jurídica dos costumes.

14

Nota-se que o tratamento da dignidade sexual da mulher, em legislações passadas,

insere-se em nível inferior ao do homem, tendo deste modo desprezado a feminilidade,

principalmente no aspecto sexual.

Um bom exemplo da inferioridade da mulher, na legislação penal brasileira encontra-se

no Código Penal de 1890, que, no art. 278, positivava que “Induzir mulheres, quer abusando

de sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças [...]” (Grifo

Nosso).

Nos processos de crimes contra os costumes dá-se a inversão do ônus da prova, pois,

quando a mulher vítima de crime sexual procurava na justiça o julgamento, acabava sendo

“julgada” por sua vida pregressa, antes de encontrar a efetiva tutela jurídica, em face de sua

dignidade sexual, ressaltando que o réu julgado só era considerado culpado pela agressão

imposta à mulher considerada “honesta”.

Destacando seu ponto de vista, acerca da visualização da figura feminina em face dos

delitos sexuais Andrade (2005, p. 1) aponta:

As mulheres estereotipadas como desonestas do ponto de vista da

moral sexual, inclusive as menores e, em especial as prostitutas, não

apenas não são consideradas vítimas, mas podem ser convertidas, com

o auxílio das teses vitimológicas mais conservadoras, de vítima em

acusadas ou rés num nível crescente de argumentação que inclui ter

„consentido‟, „gostado‟ ou „tido prazer‟, „provocado‟, forjado o

estupro ou „estuprado‟ o pretenso estuprador, especialmente se o autor

não corresponder ao estereótipo de estuprador, pois, corresponde-lo, é

condição fundamental para a condenação.

Apesar de ser incompreensível o modo como o legislador passado tratava a dignidade

sexual, leva-se em consideração que a legislação penal que positivava a dignidade sexual fora

promulgada numa sociedade patriarcal, na qual a mulher tinha um papel inferior, ou seja, ela

devia obediência ao homem, em especial ao marido, salientando-se, pois, que a norma penal

busca guardar e proteger os bens jurídicos considerados relevantes em determinado tempo

histórico-social, assim pode-se aferir que o código penal de 1890 nada mais é do que o reflexo

sexual de outrora.

15

2.3 NA ÁLISE DA PREVISÃO LEGAL DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES DE

ACORDO COM AS VERTENTES DO CÓDIGO PENAL DE 1940

Até então, no sexual observam-se danos: pessoal, que atingia diretamente a vítima e

outro para à sociedade, que tem atingida a moral sexual dominante à época.

Por isso, foi inserido no Código Penal de 1940 no Título VI os chamados “Crimes

Contra os Costumes”, que visavam proteger a honra, a moralidade e ofensas públicas ao

pudor.

Assim, referida denominação ao Título VI do Código Penal de 1940, segundo Cezar

Roberto Bitencourt (2010, p. 3), já não era bem aceita na época, pois “não correspondia aos

bens jurídicos que pretendia tutelar, violando o princípio de que as rubricas devem expressar e

identificar os bens jurídicos protegidos em seus diferentes preceitos”

O Código Republicano de 1940, posterior ao Código Criminal de 1890, de certo modo,

previa benefício para o autor de tais delitos, pois a pena aplicada era a celular, de 1 a 6 anos,

mais dote. Se a vítima fosse mulher meretriz, aplica-se redução de pena de 6 meses a 2 anos.

No processo evolutivo social, econômico e jurídico o ordenamento jurídico penal

brasileiro, em relação aos crimes sexuais promulga o Código Penal de 1940, dando destaque

ao crime de estupro, art. 213, que definia que “constranger mulher à conjunção carnal,

mediante violência ou grave ameaça”.

Observa-se então que, na positivação do crime de estupro a mulher poderia ser vítima

do delito, disciplinando que o meio realizado é a violência ou grave ameaça, não se traçando,

pois, distinção visualizada na norma penal outrora entre a mulher virgem, honesta e meretriz.

É importante destacar aqui que somente o homem, segundo o Código Penal de 1940,

poderia ser sujeito ativo do delito de estupro, pois o que o configura o delito é a efetiva

conjugação carnal, sob pena de configurar outro delito ou apenas tentativa, no entanto, não

poderia o homem figurar como sujeito passivo do delito, haja vista que o tipo penal previa a

vítima mulher.

Para a sociedade brasileira mudar de posicionamento e tratar com o devido respeito a

dignidade sexual, em especial da mulher, foram necessários anos e anos de muita luta, pois o

que se busca, em todo ordenamento jurídico, é a evolução da sociedade pelo respeito dos

princípios constitucionais, de modo específico, do princípio da dignidade da pessoa humana.

16

Para a época em que foram definidos os chamados crimes contra os costumes, o

legislador se preocupou com o que era moralmente apropriado. No entanto, hoje se verifica

que a evolução do pensamento e hábitos da sociedade evidencia que os dispositivos legais que

tratam dos crimes contra os costumes foram marcados por concepção moral ultrapassada.

A partir dessa constatação olvidou-se por entender que uma pessoa adulta e capaz é

livre para fazer o que bem entender de sua vida privada e sexual, pois o direito lhe assegura

tal liberdade, devendo tão somente não violar o interesse alheio tutelado.

Nesse enfoque são oportunas as palavras de Estefam (2009, p. 16):

Em sua redação original, o Título VI intitulava-se „Dos Crimes contra

os Costumes‟. Com essa rubrica, o legislador, propunha-se à tutela do

comportamento médio da sociedade, no que dizia respeito à ética

sexual (segundo a moral média dos homens). Cuidava-se de noção

impregnada de moralismos [...] transmitia a impressão de que se

procurava impor às pessoas um padrão mediano no que concerne a sua

atividade sexual.

É de fácil percepção que a legislação penal de 1940 protegia a honra e os costumes,

destacando na maioria dos artigos, a mulher como vítima de crimes sexuais, exigindo-se por

vezes, que esta fosse considerada “mulher honesta” para o delito configurar-se, demonstrando

que o campo de proteção do Direito Penal fosse reduzido, ou seja, as demais mulheres não

encontravam efetiva proteção pelo Direito Penal.

Numa análise detalhada dos tipos penais constantes no Título “Dos Crimes contra os

Costumes”, da Legislação Penal de 1940, verifica-se que, por trás de aparente proteção à

mulher, havia um forte reforço à moral sexual cuja base estava no aprisionamento da

sexualidade feminina.

Tal aprisionamento verificado nos antigos delitos que situa a mulher como ser inferior

ao homem, sendo esta subestimada em sua inteligência, pois se tinha a idéia que ela era

facilmente enganada pelo ardil masculino, segundo consta na letra da lei.

Artigo 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude.

Artigo 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir

que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Artigo

217. Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter

com ela conjunção carnal aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável

17

confiança. Artigo 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave

ameaça ou fraude, para fim libidinoso. Se a raptada é maior de quatorze e

menor de vinte e um, e o rapto se dá com seu consentimento (Código Penal

Brasileiro de 1940).

Sobre a questão de a mulher ser a principal vítima dos crimes contra os costumes, em

especial do delito de estupro, Nucci (2010, p. 48-49) explica o fato, pois, na época, a

conjugação carnal com ela era mais grave, sendo que esta pode engravidar, acarretando o

direito ao aborto, entre outras consequências sérias.

Com os anos, a sociedade evolui e o direito, por consequência, tendo então o Direito

Penal em relação aos crimes contra a dignidade sexual deixado de ser exclusivamente

aplicado a mulher, em especial a chamada “mulher honesta”. Tal afirmação se refere Nucci

(2010, p. 55) in verbis:

Foi-se o tempo em que a proteção penal destinava-se somente à mulher

honesta. Não mais é época para imiscuir os costumes sexuais (os tais bons

costumes) no contexto das violações sexuais violentas. Qualquer estupro é

atentatório à dignidade humana e, como tal, precisa ser punido.

Diante das palavras expostas, entende-se, dentro do atual contexto social e jurídico do

Estado brasileiro, que os crimes contra a dignidade sexual devem ser punidos, principalmente

os mais violentos, por exemplo, o crime de estupro, pois o que se protege, em princípio, é a

dignidade humana de toda pessoa, mulher, homem, criança, adolescente ou idoso.

A Lei nº 11.106/05 traz mudanças importantes em questões dos crimes sexuais,

demonstrando que a legislação deve acompanhar a evolução da sociedade, ou seja, estar em

sintonia com os costumes atuais.

Nesse sentido, Greco (2012, p.450) ensina:

As modificações ocorridas na sociedade trouxeram novas e graves

preocupações. Em vez de procurar proteger a virgindade das mulheres, como

acontecia com o revogado crime de sedução, agora, o Estado estava diante

de outros desafios, a exemplo da exploração sexual de crianças.

18

Com a introdução da Lei nº 11.106/05, a mulher é elevada ao mesmo patamar do

homem, isto é, ao nível de legislação penal relacionada aos crimes sexuais, procurando

diminuir preconceitos e características da sociedade patriarcal.

Contudo, com a edição da Lei nº 11.106/05, tem-se apenas reforma substancial, um

pouco tímida, é que importantes a não foram abrangidos. Destaca-se que o legislador deixa

passar ótima oportunidade de esclarecimento de questões, que sempre causaram divergência

na doutrina e na jurisprudência.

Em lição sobre a questão Estefam (2009, p. 17), aponta que “Muitos problemas, porém,

persistiam, dentre os quais se destaca a denominação do Título e, via de consequência, a

compreensão do valor constitucional nele protegido”.

Das mudanças inseridas pela Lei nº 11.106/05, destaca-se o fim da criminalização do

delito de sedução (art. 217), retirada total do Capítulo III, que trazia os crimes de rapto (arts.

219 a 222), supressão da extinção da punibilidade no de casamento entre a vítima e autor do

estupro, exclusão do termo “honesta”, inclusão do homem como vítima, descriminalização do

adultério, e, por fim, alteração do título do Capítulo V, antes denominava “Do lenocínio e do

tráfico de mulheres”, passando a ser intitulado como “Do lenocínio e tráfico de pessoas”,

ampliando a abrangência.

3. DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL EM ESPÉCIE

3.1 CONCEITO RELACIONADO AOS CRIMES SEXUAIS

Compreende-se que o conceito de crimes sexuais relaciona-se diretamente com a

proteção da inviolabilidade da dignidade humana, no que tange à liberdade sexual da pessoa,

haja vista a sexualidade ser parte integrante do ente, que deve exercer e expressar-se

sexualmente sem nenhum tipo de constrangimento, violência ou grave ameaça, posto que o

individuo, ao relacionar-se sexualmente, tende a fazê-lo de forma livre, espontânea e sem

limitação psíquica ou física.

19

3.1.1 Os bons costumes e a moralidade sexual

O termo “bons costumes”, segundo estabelece Estefam (2009, p.16), em consonância

com ordenamento jurídico brasileiro outorga “noção impregnada de moralismos [...],

transmitia a impressão que se procurava impor às pessoas um padrão mediano no que

concerne a sua atividade sexual”.

Os bons costumes relacionam-se diretamente com a atividade sexual, demonstrando

que as pessoas de nível mediano devem se comportar de modo a não infringir as regras sociais

de vida, para não atingirem-se o direito de forma negativa.

Nesse sentido, é que os bons costumes se referem diretamente com a moralidade

sexual, sendo esta o liame médio do ser humano que o permite comportar-se com pudor

dentro da sociedade, respeitando e tendo respeitada a sua liberdade sexual, principalmente no

que tange ao desejo de dispor ou não do corpo.

Sendo assim, a moralidade sexual acompanha a noção de bons costumes, conforme

outorga a sociedade na qual esta inserida a pessoa, devendo esta agir de acordo com os

preceitos legais e sociais que lhe são impostos.

3.2 PRINCÍPIOS ADSTRITOS AOS DELITOS SEXUAIS

No combate aos crimes sexuais, o direito como um todo elenca princípios que

norteiam a dignidade sexual do ser humano, haja vista que os princípios consistem no

nascedouro da norma penal, nesse sentido e com objetividade, apresentam-se como princípios

adstritos a referidos delitos: Dignidade da pessoa humana, Liberdade e Dignidade sexual, que

possuem como escopo a busca da tutela da dignidade sexual do ser humano.

3.2.1 Dignidade da pessoa humana

De acordo com Kant, a dignidade humana encontra-se na capacidade de autonomia, ou

seja, no fato de o homem ser a única criatura capaz de se submeter livremente às leis morais,

que são reconhecidas como oriundas da razão prática.

20

Tal capacidade de autonomia relaciona-se com as leis físicas que regulam o universo e

a ele mesmo, em dimensão noumênica, que torna um ser subjetivo, livre, constituído pela

interioridade e pela consciência moral.

Essa dimensão o possibilita ser autônomo, isto é, sujeito moral que reconhece o valor e

a obrigatoriedade das normas que ele mesmo se impõe, sendo fiel ao imperativo categórico.

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura proteção ao o ser humano, em

situações que possam constrangê-lo ou submetê-lo a condições de menosprezo, propiciando,

pois, a busca da tutela da dignidade humana, em sua existência.

Referido princípio é positivado na Constituição Federal de 1988, no art. 1º, inciso III,

in verbis:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui- se em Estado

Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é o fundamento último em que se assentam o Estado

Democrático de Direito, bem como toda a norma jurídica que estabelece regras de

convivência pacifica e harmoniosa entre os membros da sociedade brasileira, pautada na

liberdade, na harmonia social, na não discriminação de raça, sexo, religião, opção política etc.

Levantando breves questionamentos sobre referido princípio, Maria Garcia (2010, p.

300) diz que:

A dignidade da pessoa humana tem como essência e base, portanto, a

liberdade de dar-se uma lei a si mesmo (no sentido do imperativo categórico

kantiano), pela vontade racional. Sendo a razão um atributo do humano –

todo ser humano (que tenha a qualidade do humano) detém essa dignidade.

Daí poder-se afirmar que a dignidade humana corresponde à compreensão

do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação

consciente, garantia moral e juridicamente.

[...]

E reporta-se à formulação de G. Durig, em face da Constituição da

Alemanha, para quem a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada

atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixado a

objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa.

21

Dessa maneira afirma-se que o princípio da dignidade da pessoa humana compreende

a proteção do indivíduo na sua forma física e psíquica, sendo lhe garantida a consciência

moral sua consciência e moral que são juridicamente positivados.

3.2.2 Liberdade e dignidade sexual

Os crimes sexuais estão diretamente ligados com a dignidade sexual, inerente ao ser

humano, tida mais como valor do que como princípio.

Desse modo, ao referir o conceito da palavra dignidade, está-se expondo a própria

definição de crimes sexuais.

Por isso dignidade, segundo Ingo Wolfgang Sarlet, citado por Grecco (2011, p. 46), é:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz

merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da

comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de

cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover

sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da

vida em comunhão com os demais seres humanos.

Dentro do citado, observa-se relação direta entre a palavra dignidade e proteção do ser

humano contra qualquer ato degradante e desumano, ou seja, todo e qualquer crime sexual

que vitima, a pessoa a denegri e desumaniza a pessoa.

Relacionada a os crimes sexuais, a palavra dignidade atualmente alcança o seguinte

sentido, segundo aduz Marcão e Gentil (2011, p. 34):

[...] um sentido de conformidade entre duas grandezas próprias das relações

sociais, que bem podem ser a pessoa humana, de um lado, e o respeito que

lhe devem as demais, de outro. Daí ter-se como inadmissível a dúvida acerca

de poder o profissional do sexo ser vítima dos crimes contra a dignidade

sexual, por ter acaso perdido a dignidade; cuidando-se de atributo absoluto,

que decorre da simples existência humana, essa qualidade acompanha

necessariamente o sujeito, ainda que ele mantenha uma vida reprovável; por

idêntica razão, o criminoso, por mais desfigurado socialmente que possa ser,

mantém pelo menos esse mínimo de dignidade, que o faz merecedor de

reconhecimento pelos demais; em situação diversa, mas igualmente digno, é

o alienado mental, incapaz de raciocinar e avaliar uma ofensa, mas também

merecedor de respeito alheio.

22

Por oportuno, dignidade, em seus vários tipos, relaciona-se com a vida sexual da

pessoa, e por isso ligada em algo inerente do ser humano, ou seja, dignidade sexual como

espécie peculiar de dignidade humana.

Nesse sentido, segundo salienta Nucci (2010, p. 41-42), a dignidade é um sentimento

de respeitabilidade e autoestima do ser humano, constituindo elemento fundamental na sua

formação pessoal. Por isso, na vida sexual, o ser pode se realizar com bem entender, sem

qualquer interferência do Estado ou da sociedade.

Frente a isso o conceito de crime sexual passa intimamente pelo conceito e definição

de dignidade, sendo que dignidade sexual do ser humano está na liberdade em poder dispor da

sua vida sexual, com respeito à liberdade do outro, pois crime sexual é todo ato atentatório da

dignidade sexual que fere a vida íntima do ser humano lesado.

3.3 O BEM JURÍDICO TUTELADO NOS CRIMES SEXUAIS

Na linha de desenvolvimento deste estudo e tendo por base o exposto, é inerente

ressaltar o bem jurídico tutelado pelo Código Penal no Título VI “Dos Crimes contra a

Dignidade Sexual”.

Nesse sentido, estatui Luiz Régis Prado (2011, p. 632), acerca do crime de estupro,

destacando, como bem jurídico tutelado, a liberdade sexual da pessoa, em sentido amplo, ou

seja, abrange a integridade e autonomia sexual. A liberdade sexual confere à pessoa humana o

direito à inviolabilidade carnal.

Os doutrinadores Estefam e Campos (2010, p. 89) esclarecem que a lei, ao proteger a

dignidade sexual das pessoas, resguarda o direito de dispor do próprio corpo, como melhor

lhe prover, para fins de sexualidade.

Ainda sobre o crime de estupro o bem jurídico tutelado, Flávio Monteiro de Barros

(2010, p. 12) discorre:

O bem jurídico tutelado é a liberdade sexual e também a honra sexual da

mulher. Trata-se de direito disponível, excluindo-se o crime diante do

consentimento da vítima, desde que esboçado antes da consumação. O

23

agente, na dúvida se a vítima consentiu ou não à conjunção carnal, responde

pelo crime, a título de dolo eventual.

Pela doutrina, conclui-se que o bem jurídico tutelado, no Título VI do Código Penal, é

a liberdade sexual e também a honra sexual, no caso em questão da mulher.

O bem ora tutelado pela norma penal é disponível e o crime excluído quando a vítima

consente em ato antes da consumação, no caso de dúvida quanto ao consentimento ou não da

vítima, o agente responde pelo crime de dolo eventual, conforme explanado.

No delito de “Violação Sexual mediante Fraude”, por exemplo, a proteção recai, assim

como no estupro, sobre a liberdade sexual da pessoa em sentido amplo. A diferença do

estupro é por ter a vítima à vontade viciada por causa da fraude empregada, posto que, nesse

delito, conhecido como estelionato sexual, a vítima é levada a erro, em face do ardil do sujeito

ativo.

No que tange à analise do delito de Assédio Sexual, no art. 216-A, do Código Penal, o

legislador também tutela a liberdade sexual, sendo observados os casos em que a vítima sofre

constrangimento pela conduta do agente que, em relação à vítima é superior hierárquico ou

ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função.

Em relação aos crimes sexuais contra vulnerável, a tutela recai sobre a dignidade

sexual. Por exemplo, o art. 217-A do Código Penal, que trata do Estupro de Vulnerável,

dispõe que o bem jurídico tutelado é a liberdade sexual, principalmente pela condição de

vulnerabilidade da vítima, não sendo tratada mais de violência presumida, salientando-se,

quanto à esta tipificação delitiva, o bem jurídico tutelado neste e que busca proteção do

desenvolvimento sexual, saudável e condizente com a idade.

No art. 218 do Código Pena,l o bem jurídico tutelado, conforme lição de Flávio

Monteiro de Barros (2010, p. 47), é:

[...] a dignidade sexual dos menores, visando evitar a sua contaminação e

depravação sexual. O consentimento da vítima não exclui o crime, ainda que

seja emancipada, pois a imaturidade decorrente da idade por si só é fator

impeditivo de sua adesão à conduta criminosa.

No mesmo sentido, é o disposto no art. 218-A, da norma penal pátria, pois a proteção

recai sobre a moral e preservação contra a perversão dos valores do menor.

24

O art. 218-B do código penal, também protege a liberdade sexual que, segundo Luiz

Régis Prado (2011, p. 646), declina sobre a identidade ou intangibilidade da pessoa

vulnerável.

Frente o exposto, a preocupação do legislador é em proteger bens-valores

fundamentais da pessoa humana, implicando o reconhecimento que a tutela confere aos

direitos fundamentais.

Desse modo, demonstra-se o quanto são importantes à proteção dos bens jurídicos

tutelados pela lei, nos crimes contra a dignidade sexual, haja vista, o combate efetivo

delineado pela mesma, que pugna pela coibição dos delitos sexuais.

Identificado o bem jurídico tutelado pelo Código Penal, no Título VI, que trata “Dos

Crimes contra a Dignidade Sexual”, é oportuno, para esclarecimento e ampliação de

conhecimento, expor brevemente sobre o “Sujeito Ativo e Passivo” nos crimes contra a

dignidade sexual.

Perfazendo-se, pois, sua análise, é mister destacar, inicialmente, o maior e mais grave

crime contra a dignidade sexual para identificação dos sujeitos que compõem o delito de

estupro, positivado no art. 213 do Código Penal.

O sujeito ativo realiza a ação delitiva. O passivo, por seu turno, sofre a ação delituosa.

Alguns crimes contra a dignidade sexual têm sujeitos ativos e passivos. É o caso do crime de

estupro, que traz na letra da lei, o sujeito ativo, sempre o homem, e o passivo, sempre mulher.

Com a alteração realizada pela lei 12.015/09, o sujeito passivo do delito deixa de ser apenas

do gênero feminino, para ser estendido ao masculino, ou seja, hoje, tanto a mulher e homem

podem ser sujeitos passivos do crime de estrupo.

A partir do entendimento de que o sujeito passivo pode ser homem ou a mulher, passa-

se ao sujeito ativo nos crimes contra a dignidade sexual.

Segundo Junqueira (2009, p. 264), pelo que expõe o art. 213 do Código Penal, crime

de estupro, tem como sujeito ativo qualquer pessoa, ou seja, homem ou mulher, pois se trata

de crime comum.

Em sentido semelhante é o entendimento de Flávio Monteiro de Barros (2010, p. 12)

ao lecionar:

25

Trata-se de crime comum, podendo ser praticado tanto pelo homem quanto

pela mulher, porquanto o tipo penal refere-se a “constranger alguém”. De

fato, a mulher pode figurar como autora do estupro se obrigar o homem a ter

com ela conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

No o crime comum, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher.

Entende-se por crime comum todo e qualquer delito que possa ser praticado por qualquer

pessoa, ou seja, não pressupõe agente em particular ou qualidade especial para configuração o

delito.

Nesse sentido, os crimes constantes do Título VI do Código Penal, estupro (art. 213),

violação mediante fraude (art. 215), estupro de vulnerável (art. 217-A) e crime de satisfação

de lascívia, mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A do CP), são considerados

delitos comuns, podendo o sujeito ativo ser tanto homem quanto mulher.

Analisando-se a sujeição ativa e passiva, em relação ao crime de assédio sexual, tem-

se por característica tratar de delito próprio, pois o sujeito ativo é o agente específico que

utiliza sua condição hierárquica ou de ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou

função, para perpretar o delito.

Em relação a tal crime, Flávio Monteiro de Barros (2009, p. 36) bem assevera, in

verbis:

Trata-se de crime próprio, pois só pode ser cometido por pessoa que seja

superior hierárquico ou tenha ascendência sobre a vítima em razão de

emprego, cargo ou função. A expressão emprego é para os assédios sexuais

no ambiente laborativo privado; as expressões cargo ou função, referem-se

ao ambiente laborativo no setor público.

O delito de assédio sexual acontece apenas no ambiente laborativo, particular ou

público, em relação a este, a vítima exerce cargo ou função, e em relação à aquele,é do setor

privado.

Os crimes contra a dignidade sexual, pela da Lei n° 12.015/09, têm conceituação com

base na própria definição de dignidade humana. A assertiva é verdadeira, no sentido de que a

legislação penal protege a liberdade sexual da pessoa humana.

Os crimes sexuais, conclui-se, são condutas negativas que atentam contra a vida sexual

e a liberdade da pessoa humana, posto que tais delitos ferem intimamente a sexualidade,

26

destacando que todos são livres para dispor como bem entender de sua liberdade sexual, sem,

contudo, afetar a vida sexual de outrem.

3.4 DOS CRIMES SEXUAIS EM ESPÉCIE

No direito, espécie quer dizer o mesmo que tipo, algo singular, determinado,

especifico, distintivo dos demais, capaz de ser individualizado, restringido. Ou seja, espécie

quer dizer crime em sua tipologia.

3.4.1 As novas nuanças da tipificação do delito de estupro

Antes da Lei 12.015/2009, o crime de estupro tinha, no núcleo conceitual, apenas a

conjunção carnal, sendo a copula vagínica, ou seja, a introdução do órgão sexual masculino

no órgão sexual feminino, mediante violência ou grave ameaça.

Todo ato diferente da conjugação carnal, mediante violência ou grave ameaça, eram

tidos como atentado violento ao pudor, conforme disposição do art. 214 do Código Penal,

hoje revogado.

Atualmente não existe delito de atentado violento ao pudor, sendo que sua conduta

agora é considerada estupro; isto é, a redação em vigor do art. 213 do Código Penal abrange

tanto a conduta, antes considerada estupro, conjugação carnal, como anteriormente

considerada atentado violento ao pudor, ou seja, prática de qualquer ato libidinoso diverso da

conjugação carnal.

Dessa forma, o termo estupro, com o advento da Lei nº 12.015/09, é de maior

amplitude.

Destacando que seja qual for a sua modalidade, o estupro é considerado crime

hediondo, por força do que prevê o art. 1º, inciso V, da Lei nº 8.072/90.

3.4.2 Violação sexual mediante fraude X Posse sexual mediante fraude

27

Anteriormente à Lei 12.015/2009, o Código Penal positivava os crimes de posse

sexual mediante fraude, sendo este positivado art. 215, cuja referência é a conduta de manter

conjunção carnal com mulher, mediante fraude e também havia a positivação do atentado

violento ao pudor mediante fraude (art. 216) que se utilizava de fraude para conseguir ato

libidinoso diverso da conjunção carnal com alguém.

Atualmente, os artigos 215 e 216 têm a redação do art. 215 da norma penal pátria, com

o advento da lei 12.015/09, com aumento de pena, e eliminadas as qualificadoras antes

previstas.

A matéria se refere à violação sexual mediante fraude, descrita no artigo 215, do

Código Penal: é crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém,

mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da

vítima”.

3.4.3 Assédio sexual

Atualmente no âmbito da norma penal, o crime de assédio sexual apresenta a seguinte

positivação:

Assédio sexual

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou

favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior

hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou

função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. (VETADO)

§ 2o A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18

(dezoito) anos.

Em referido delito não houve mudança do núcleo do tipo, pois a Lei nº 12.015/09,

apenas inclui o § 2º, trazendo a causa especial de aumento de pena quando a vítima for menor

de idade.

3.4.4 Dos crimes sexuais contra vulnerável

28

3.4.4.1 Estupro de vulnerável

Nota-se que caput do art. 217-A, do Código Penal, mantém a linha legislativa de

considerar a prática da conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com pessoa menor

de 14 (catorze) anos de idade, seja com o seu consentimento ou não, tendo em vista, pois,

irrelevância jurídico-penal do consentimento do vulnerável.

Hoje se tem crime específico o “estupro de vulnerável”, para os casos de ato

libidinoso, forçado ou não, praticado com menor de 14anos.

Destaca-se, que, em momento anterior, para punir o agente, mesmo com

consentimento da vítima, em ato libidinoso, havia o artigo 224 (hoje revogado) que era

utilizado para aplicação dos arts. 213 e 214, de acordo com o caso, sendo considerado estupro

ou atentado violento ao pudor com presunção de violência.

Atualmente, detectada a prática da conjunção carnal com menor de 14 anos, responde

o sujeito ativo pelo delito positivado no art. 217-A, não sendo aplicada a positivação do art.

213, posto que a pena seja especifica, em comparação com a atribuída ao delito de estupro.

A título de esclarecimento, o crime de estupro de vulnerável, seja qual for sua

modalidade, constitui crime hediondo conforme do art. 1º, inciso VI da Lei nº 8.072/90.

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos

tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -

Código Penal, consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei

nº 8.930, de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984)

VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º);

(Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).

3.4.4.2 Corrupção de menores

Antes, o art. 218 do Código Penal positivava o delito de corrupção de menores.

Atualmente a Lei nº 12.015/2009, fez breves alterações, sem trazer nenhuma figura nova.

Nesse sentido, entende-se que houve a supressão do nomen iuris anterior, sendo papel

da doutrina denominar referido delito. O artigo, em comento, tem a seguinte redação, in

verbis:

29

Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia

de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. (VETADO).

O artigo em estudo tinha a rubrica “corrupção de menores”, cuja redação, antes da

alteração legislativa, era, in verbis:

Art. 218. Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14 (catorze)

e menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando ato de libidinagem, ou

induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4

(quatro) anos.

Observar-se pela redação que a prática de libidinagem com pessoa maior de catorze e

menor de dezoito anos poderia levar à incidência da referida figura típica de corrupção de

menores.

Desse modo, aquele que pratica ato de libidinagem com maior de 14 e menor de 18

anos de idade não se insere na figura penal ora positivada.

2.4.4.3 Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

O crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente incluído

no Código Penal pela Lei nº 12.015/09, tem a seguinte positivação:

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente

Art. 218-A. Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou

induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de

satisfazer lascívia própria ou de outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Aqui o menor de catorze anos não participa do ato libidinoso, apenas presencia. Na

redação anterior do art. 218 do CP, punia-se conduta semelhante, quanto a “induzir a

presenciar”, porém referente à pessoa maior de catorze e menor de dezoito anos. Atualmente,

a repressão penal existe somente no tocante à vítima com menos de catorze anos.

3.4.4.4 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de

vulnerável.

30

A Lei 12.015/09 inova com a positivação do delito de Favorecimento da prostituição

ou outra forma de exploração sexual de vulnerável, com a seguinte redação:

Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de

vulnerável

Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de

exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por

enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para

a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.

§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-

se também multa.

§ 2o Incorre nas mesmas penas:

I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor

de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput

deste artigo;

II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se

verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.

§ 3o Na hipótese do inciso II do § 2

o, constitui efeito obrigatório da

condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do

estabelecimento (Código Penal).

Antes de comentar o art. 218-B é preciso fazer menção ao art. 244-A da Lei nº

8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente que positiva:

Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput

do art. 2º desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:

Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.

§ 1º. Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável

pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às

práticas referidas no caput deste artigo.

§ 2º. Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de

localização e de funcionamento do estabelecimento.

Com o advento da Lei nº 12.015/09, o Código Penal, ao que se vislumbra, amplia a

conduta antes tipificada apenas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em relação ao

menor.

Frisa-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente reprime apenas a conduta de

submeter a pessoa menor de idade à prostituição ou à exploração sexual. O art. 218-B, ao

tipificar a conduta de submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração

sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o

necessário discernimento para a prática do ato, facilitar, impedir ou dificultar que a abandone,

31

vai além da proteção de vulneráveis, estatuída no âmbito do Estatuto da Criança e do

Adolescente-ECA.

Desse modo, o art. 218-B, do Código Penal revogo tacitamente o art. 244-A, do

Estatuto da Criança e do Adolescente. Ressalvando, o que positiva a Lei Complementar nº

95/98, no art. 9º, vedando a utilização da técnica legislativa.

Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as

leis ou disposições legais revogadas. (Redação dada pela Lei

Complementar nº 107, de 26.4.2001)

4. AS MODIFICAÇÕES DOS AOS CRIMES SEXUAIS COM O ADVENTO DA LEI

N. 12.015/09

Com o advento da Lei nº 12.015/09, os crimes sexuais têm profundas mudanças,

sendas terminológicas relacionadas com o aumento de pena. As mudanças foram positivas,

principalmente na questão legislativa que envolve o tema, pois a nova lei veio a se adequar ao

texto constitucional de 1988, resguardando a respeitabilidade das pessoas em matéria sexual,

garantindo-lhes o direito de escolha, sem qualquer abuso ou agressão.

Diante do novo cenário postulado pela Lei nº 12.015/09, o presente capítulo passa a

expor analiticamente as modificações da lei dos crimes sexuais, em especial para o crime de

estupro e de estupro de vulnerável, evidenciada a legitimidade da ação penal após a lei, sua

efetividade e aplicação no atual cenário jurídico.

4.1 NOVAS NUANÇAS DO DELITO DE ESTUPRO E ALTERAÇÃO DO NÚCLEO DO

TIPO

Pela Lei n. 12.015/2009, o delito de estupro tem significativa alteração, principalmente

no conceito, posto que o novo dispositivo significa a fusão dos antigos arts. 213 e 214 do

Código Pena, em um único tipo penal, estupro.

32

Sobre a unificação terminológica pela Lei nº 12.015/09, André Estefam (2009, p. 31)

informa que “o legislador fundiu os delitos, ampliando o espectro de incidência do art. 213 do

CP”.

De acordo com a Lei n°12.015/2009, o crime de estupro passa a ter a seguinte redação:

“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a

praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Vê-se, pois, que, comparada à anterior (“constranger mulher à conjunção carnal,

mediante violência ou grave ameaça”), a atual redação é bem mais ampla, a ponto de

compreender, por inteiro, o tipo de atentado violento ao pudor previsto no art. 214 do CP

(“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele

se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”).

Enfim, o atual crime de estupro compreende, além do estupro propriamente dito, o

antigo atentado violento ao pudor, razão pela qual é evidente que o art. 214 é revogado,

expressamente, inclusive (art. 7°). É que o legislador fundiu, num só tipo, os antigos delitos

de estupro e atentado violento ao pudor.

Apesar de revogado o art. 214, não houve abolição do crime de atentado violento ao

pudor, que agora passa a fazer parte do crime de estupro. Não há cuidar, pois, de abolitio

criminis, mas de simples mudança do nomen juris da infração, como convinha, aliás, visto

que realmente não fazia sentido a velha distinção entre estupro e atentado violento ao pudor.

No essencial, tudo continua como antes.

Continuando o entendimento, André Estefam (2009, p. 31) destaca o seguinte sobre

mudança:

A mens legislatoris, declarada no relatório apresentado ao projeto de

lei que originou a modificação, teria sido de harmonizar o texto legal

as disposições inseridas no Estatuto de Roma, referente ao Tribunal

Penal Internacional, cuja definição de estupro inclui a violência contra

pessoas do mesmo sexo.

Diante da mudança pela lei, o art. 214 do Código Penal, por consequência, é revogado,

conforme informa Celso Delmanto (2010, p. 692):

“optou o legislador por revogar expressamente o art. 214, que punia o

atentado violento ao pudor, colocando neste novo art. 213, sob a rubrica

estupro, as duas figuras: a conjunção carnal e o ato libidinoso diverso dela”.

33

Sobre a nova figura do delito de estupro, Celso Delmanto (2010, p. 692) ensina que:

O núcleo é constranger (forçar, compelir, obrigar). A pessoa a quem se

constrange pode ser homem ou mulher […]. O constrangimento deve ser

feito mediante violência (física) ou grave ameaça (de mal sério e idôneo) e

deve haver dissenso da vítima.

Observa-se, portanto que o art. 214 do Código Penal foi revogado, com conteúdo fora

incorporado ao art. 213 do diploma penal, atingindo, pela nova redação, toda forma de

violência sexual com fim libidinoso.

Nota-se a partir da nova redação do art. 213, não houve o chamado abolitio criminis,

por não existir supressão de incriminação, como bem destaca André Estefam (2011, p. 2011)

ao dispor que:

A Lei 12.015/2009 revogou os arts. 214 e 216. Não se trata todavia, de

abolitio criminis (isto é, de supressão de incriminação), porquanto os

comportamentos definidos anteriormente nestas normas penais foram

incorporados ao conceito de outros delitos.

Diante dessa questão em comento, Fernando Capez (2010, p.25) esclarece:

Com a nova epígrafe do delito em estudo, entretanto, passou-se a tipificar a

ação de constranger qualquer pessoa (homem ou mulher) a ter conjunção

carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso.

Deste modo, ações que antes configuravam crime de atentado violento ao

pudor (CP, art. 214), atualmente revogado pela Lei n. 12.015/2009, agora

integram o delito de estupro, sem importar em abolitio criminis.

Esclarece-se não haver abolição de crime, pois o previsto no art. 214, atualmente

revogado pela Lei nº 12.015/09, incorpora-se ao art. 213, tendo como ponto de entendimento

a redação do art. 2º do Código Penal que aduz: “Ninguém pode ser punido por fato que lei

posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais

da sentença condenatória”.

34

Desse modo, com a da Lei n. 12.015/2009, o estupro caracteriza-se pela conjunção

carnal (coito vagínico habitual) ou ato libidinoso, por exemplo, sexo anal, praticado com

violência ou grave ameaça por parte do sujeito ativo.

Na redação anterior do art. 213, do Código Penal o delito de estupro se configura pela

conjunção carnal, ou seja, pela introdução do órgão genital masculino na cavidade vaginal,

com emprego de violência ou grave ameaça.

Com a nova redação, busca-se tutelar a liberdade sexual do homem e da mulher, sem

qualquer distinção. Sobre o tema, Rogério Greco (2010, p. 582) destaca: “[...] podemos

apontar como bens juridicamente protegidos tanto a liberdade quanto a dignidade sexual”,

pois a pessoa tem a liberdade de escolha da sua sexualidade, e, quando tal liberdade é violada,

a vítima tem a dignidade atingida.

Damásio de Jesus (2010, p.127) em estudo sobre a nova redação do art. 213 do Código

Penal assevera que:

O estupro em sua redação original do Código Penal, somente poderia

ter o homem como sujeito ativo, porque só ele podia manter com a

mulher conjunção carnal, que é o coito normal. A Lei n.º 12.015, de

2009, rompeu com esse paradigma, transformando o estupro em crime

comum.

Destaca-se conforme doutrina, colacionada que a Lei nº 12.015/09 altera o delito de

estupro, transformando-o em crime comum, considerando homem ou mulher.

Nesse sentido Rogério Sanches Cunha (2010, p. 250) aponta:

Antes da Lei 12.015/2009, ensinava a doutrina que o crime de estupro

era bipróprio, exigindo condição especial dos dois sujeitos, ativo

(homem) e passivo (mulher). Agora, com a reforma, conclui-se que o

delito é bicomum, onde qualquer pessoa pode praticar ou sofrer as

consequências da infração penal (em outras palavras: qualquer pessoa

pode ser sujeito ativo assim como qualquer pessoa pode ser sujeito

passivo). (grifo nosso)

Frente ao exposto, conclui-se pela possibilidade do crime de estupro, entre pessoas do

mesmo sexo ou de sexos opostos, pois, com a inclusão dos atos libidinosos ao núcleo do tipo

35

penal, qualquer pessoa pode ser sujeito ativo ou passivo, para o delito de estupro, haja vista

tratar-se de delito bicomum.

Esclarece, pois, com a junção das figuras do estupro e do atentado violento ao pudor,

que, ao constranger a vítima, o agente visa à conjunção carnal ou à prática de ato libidinoso

diferente.

Sobre a questão, esclarece Celso Delmanto (2010, p. 692):

Na primeira figura, o constrangimento visa à conjunção carnal (coito

vagínico), sendo indiferente que a penetração seja completa ou que

haja ejaculação. Na segunda figura, o constrangimento visa praticar,

ou obrigar a vítima a permitir que com ela se pratique, “outro ato

libidinoso” (diverso da conjunção carnal), compreendendo-se, aqui, o

sexo anal o sexo oral, a masturbação etc.

Resta esclarecido que, com o advento da Lei n. 12.015/2009, o legislador

infraconstitucional amplia condutas do art. 213 do Código Penal, sendo o delito passou a ser

configurado também pela da prática de ato libidinoso distinto da conjunção carnal.

À inclusão os atos libidinosos no tipo penal do art. 213, o legislador cria certa

celeuma, em relação à necessidade de criação de rol taxativo para definição do que venha a

ser ato libidinoso para configuração do delito de estupro, haja vista que, ante tal fator, abre-se

enorme universo de possibilidades de tipificação de estupro de condutas que aflorem a libido

pela violência ou grave ameaça.

Dentro dessa questão Damásio de Jesus (2010, p. 131) conceitua ato libidinoso como

sendo:

É todo aquele que serve de desafogo à concupiscência. É o ato lascivo,

voluptuoso, dirigido para a satisfação do instinto sexual.

Objetivamente considerado, o ato libidinoso deve ser ofensivo ao

pudor coletivo, contrastando com o sentimento de moral médio, sob o

ponto de vista sexual. Além disso, subjetivamente, deve ter por

finalidade a satisfação de um impulso de luxúria, de lascívia.

André Estefam (2011, p. 145) traz o seguinte entendimento sobre ato libidinoso:

36

[...] o beijo na boca (ainda que “roubado”) jamais poderá caracterizar

o ato libidinoso (nesse caso, poderá haver o crime de constrangimento

ilegal ou a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor,

sob pena de malferir o princípio da proporcionalidade). Afigura-se

arrematado exagero, em nosso sentir, considerar que o ato de tomar à

força um beijo na boca de outrem possa ser considerado crime

hediondo, punido com reclusão, de 6 a 10 anos.

Como não existe na lei rol taxativo que determine tipos de atos considerados

libidinosos, no caso concreto, para a configuração do delito de estupro, observa-se o princípio

constitucional da proporcionalidade, quando verificada certa desproporção entre sanção

prevista e gravidade da conduta.

Sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade, André Estefam (2011, p. 146)

aponta que é possível o afastamento da norma que prevê conduta de estupro, somente e com a

desproporção inequívoca e insuperável.

Nesse sentido e com base na atual redação do crime de estupro definir, o que venha a

ser ato libidinoso passa pela questão básica do elemento subjetivo do delito de estupro, sendo

o dolo, pois, se o agente deseja a conjugação carnal, o crime resta configurado, caso deseje

apenas satisfazer sua lascívia, o estupro também se configura, por ter o agente praticado ato

diverso da conjugação carnal, este considerado ato libidinoso.

Tal entendimento é destacado por Damásio de Jesus (2010, p. 133-134):

O tipo [estupro] não reclama nenhum fim especial do agente. Para que se

configure o crime, portanto, não há necessidade de que esteja presente uma

finalidade especial, qual seja, a de satisfazer a própria libido, na atuação do

sujeito ativo. Basta a intenção de praticar o ato libidinoso e a consciência da

libidinosidade de tal ato.

Evidencia-se que a vontade do agente é fator predominante para definir se o crime de

estupro consumou-se pela conjugação carnal ou por ato libidinoso diferente.

Do exposto, neste tópico conclui-se que a Lei nº 12.015/09 altera o núcleo do tipo

penal do art. 213, ampliando a abrangência quanto ao sujeito ativo e passivo do delito e sua

forma de configuração, sendo esta conjugação carnal ou ato libidinoso diferentes, com

37

destaque do o elemento subjetivo do tipo penal como fator predominante para definição do

crime de estupro.

4.2 ESPECIFICAÇÃO DO DELITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

A Lei nº 12.015/09, em relação a crimes sexuais cometidos contra menores de 14 anos,

deficientes mentais e pessoas com potencialidade de resistência diminuída, introduz profundas

mudanças, criando novo capítulo, “dos crimes sexuais contra vulnerável”.

Tais mudanças visam, de modo geral, a conferir maior proteção às pessoas com

capacidade restringida, devido à idade ou causas, sendo irrelevante a concordância dos

indivíduos com o ato sexual.

A punição imposta pela configuração do crime sexual contra vulnerável independe de

o agente utilizar ou não violência, grave ameaça ou fraude, pois, devido à vulnerabilidade dos

tutelados, considera-se a anuência deles com o ato sexual insuficiente, configurando delito,

mesmo com consentimento da vítima, ante o entendimento jurisprudencial predominante que

entende pela irrelevância jurídico-penal da vontade do vulnerável em consentir o ato.

Anterior à reforma, a punição de os crimes sexuais contra vulneráveis se dava com o

enquadramento da conduta no artigo 213 (estupro) ou 214 (atentado violento ao pudor)

combinado com condições da vítima, previsto no artigo 224:

Art. 224: Presume-se a violência, se a vítima:

a) Não é maior de quatorze anos;

b) É alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;

c) Não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

O artigo se intitulava presunção de violência, sendo que atualmente não mais se aplica

com a vigência da Lei nº 12.015/09.

Para punição as pessoas que mantiverem conjunção carnal ou pratica ato libidinoso

com pessoas enumeradas no antigo artigo 224, o legislador infraconstitucional cria o tipo

38

penal específico estupro de vulnerável. Assim, não mais se fala em presunção de violência e

sim em vulnerabilidade.

Atualmente, com a introdução da Lei nº 12.015/09 no ordenamento jurídico brasileiro,

o crime de estupro de vulnerável vem positivado no art. 217-A, com a seguinte redação:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com

menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com

alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário

discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não

pode oferecer resistência.

§ 3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4o Se da conduta resulta morte:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Com a inclusão do art. 217-A, tem-se a busca efetiva de proteção de pessoas

vulneráveis. O artigo positiva o crime de estupro perpetrado contra menores de 14 anos, pela

conjugação carnal ou ato libidinoso, conferindo ao agente causador uma pena de reclusão, que

de oito a quinze anos de prisão.

É possível extrair facilmente da redação do art. 217-A que, com a vítima, homem ou

mulher, com idade menor de 14 anos, o crime de estupro de vulnerável é presumido pelo fator

idade, pois não é necessária a conjugação carnal: basta que o criminoso realize ato libidinoso

com menor de 14 anos.

No § 1º do art. 217-A, a Lei nº 12.015/09 inclui sujeitos tutelados, vulneráveis,

levando em conta sua condição física e deficiência mental, ou seja, independente da idade da

vítima que, enferma ou com deficiência psíquica, é considerada vulnerável e vítima fácil de

crimes sexuais restando, pois, o estupro de vulnerável perpetrado em desfavor da vítima.

Nos §§ 3º e 4º do art. 217-A, da norma penal relata-se o aumento de pena conforme

consequência do ato praticado. Pelo § 3º, resultando a conduta em lesão corporal de natureza

grave, a pena é de reclusão, com período mínimo de 10 e máximo de 20 anos. O § 4º positiva

que, havendo morte, a pena é de reclusão de 12 a 30 anos, ante maior gravidade resultante da

prática delitiva com morte.

39

4.2.1 Especificações acerca da aplicabilidade ou não do art. 225 do CP em face do

advento da lei n. 12.015/09

Diante da especificação do delito estupro de vulnerável, verifica-se a aplicação ou não

do art. 225, da Lei nº 12.015/09.

Para os crimes previstos no Título VI, a Ação Penal, em regra, é de iniciativa privada.

Contudo tem-se que a legislação vigente à época, necessitava de alterações, por exemplo, de

que crimes previstos no Título VI indicavam interpretação abrangente, como, no caso dos

antigos arts. 215 e 216 que falavam, respectivamente, em mulher honesta e mulher virgem.

Por oportuno, no ano 2005, tais dispositivos, entre outros, foram modificados pela lei

11.106/05, de modo que é continuar da mesma forma, pois não havia ofensa a qualquer

preceito fundamental.

Apesar de a Ação Penal, para crimes sexuais contra vulneráveis ser de iniciativa

privada, a legislação prevê exceções genéricas, nesse sentido, a Súmula 608 do Supremo

Tribunal Federal positiva que “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação

penal é pública incondicionada”, destacando que, em casos mais graves, a Ação Penal é de

iniciativa do Ministério Público.

Tal fato tem escopo de maior segurança jurídica, pois, em certos casos, a vontade da

vítima em manter segredo e evitar constrangimentos, é mitigada pelo dever do Estado de

punir, de forma mais severa, o autor de tais delitos.

Em 2009, em relação a crimes sexuais, o legislador altera a parte processual e parte

significativa do direito material, passando a Ação Penal a ser pública condicionada a

representação do ofendido, e prevendo exceções próprias de cada tipo penal.

Hoje, o art. 225 tem a seguinte redação:

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se

mediante Ação Penal pública condicionada à representação.

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante Ação Penal pública

incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa

vulnerável (Código Penal de 1940).

40

Destaca-se que o crime de estupro de vulnerável se configura por fatores específicos.

Primeiro, a vítima é pessoa vulnerável, sendo esta entendida como o menor de 14 anos de

idade, deficiente mental e pessoa sem discernimento sobre o que está acontecendo, quando

vítima de estupro, maior severidade do legislador penal ao estipular, em especifico, que a ação

penal denota nuanças de iniciativa pública incondicionada, em face da vulnerabilidade ampla

da vitima.

4.3 A LEGITIMIDADE DA AÇÃO PENAL EM DECORRÊNCIA DA LEI N. 12.015/09

Na Ação Penal, uma das principais alterações da Lei nº 12.015/09 é com relação aos

legitimados para sua propositura, sendo que, anteriormente, era privada e passa a ser pública

condicionada à representação.

Destaca-se que a simples alteração de legitimados para propositura da ação denota

natureza inconstitucional, porém ressalta que a maneira como foi feita não é adequada, por

gerar certa discórdia e insegurança jurídica.

Há certa discórdia ou insegurança jurídica com base no seguinte exemplo: acontecido

o crime antes das alterações e a vítima tenha apresentado queixa-crime, o processo tem o

trâmite natural. Contudo, com alteração de legitimados, a vítima não mais prossegue no

processo, devendo passar a representação ao Ministério Público, para que ação tenha trâmite

natural.

É de 06 (seis) meses o prazo decandecial para a vítima representar a partir do

conhecimento da autoria do delito. Não cumprindo o prazo o direito decai, de acordo art. 107,

inciso IV combinado com o artigo 103 do Código Penal.

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

[...]

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

Dessa forma, caso o crime tenha sido cometido seis meses antes da vigência da lei

modificadora ou sua autoria tenha sido descoberta no mesmo período, conforme o postulado,

o direito de representação decai, gerando impunidade do agente infrator, insegurança jurídica

e violação ao Princípio da Vedação da Proteção Deficiente por parte do Estado.

41

O tema legitimidade da ação penal nos crimes sexuais é um dos mais importantes,

porém pouco debatido tanto doutrina e pela jurisprudência. Contudo Rogério Greco (2010, p.

558) ensina: “Quando se verifica que o texto legal aponta para possibilidades interpretativas

variadas, impõe-se ao intérprete buscar extrair da lei o sentido que mais se harmonize com a

Constituição”.

Desse modo, no que diz respeito aos legitimados, afirma-se que a regra atual é válida

somente para os crimes cometidos depois das alterações e para os delitos em que o direito de

representação não tenha decaído até a promulgação da Lei nº 12.015/09.

Portanto, os legitimados, para a propositura da ação penal, nos crimes sexuais, de

acordo com a nova regra, são aqueles que têm o bem jurídico ofendido na vigência da lei ou

que o direito de representação não tenha decaído.

4.4 DA EFETIVIDADE DA NOVA LEI NO COMBATE AOS CRIMES CONTRA A

DIGNIDADE SEXUAL E SUA APLICAÇÃO

É notório que na atual legislação sobre os crimes sexuais reside certa fragilidade, parte

no aspecto material, com maior veemência no que tange ao aspecto processual, prejudicando a

efetividade e aplicação da norma penal pátria acerca dos delitos sexuais em caso concreto.

Nesse sentido, posiciona-se pela não aplicação da lei da forma como se apresenta, por

assim acarretar consequências irreparáveis à sociedade, com dúvidas quanto à efetividade e

eficácia do Poder público em face dos criminosos.

Com base na questão, a doutrina faz duras críticas, destacando a necessidade de agir

diferente do que impõe a atual legislação, com base na Lei nº 12.015/09. Nesse sentido, a

Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça entende ser aplicável a súmula 608 do Supremo

Tribunal Federal aos crimes sexuais, praticados antes ou depois da vigência da lei. Em uma

decisão proferida no dia 23 de março de 2012, sobre um fato ocorrido no ano de 2006, a Sexta

Turma do Superior Tribunal de Justiça assim se pronuncia:

[...]. A Lei nº 12.015 estabeleceu que a Ação Penal é pública, a cargo

do MP, mas ainda condicionada à representação da vítima. No

entanto, segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, a jurisprudência do

STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) adotou o entendimento de

que, nas situações de estupro cometido com emprego de violência

42

real, a Ação Penal é pública incondicionada – ou seja, o Ministério

Público deve agir independentemente de representação da vítima. „Se

há indícios de emprego de violência e grave ameaça contra a ofendida,

inclusive com o uso de faca, é desnecessário discutir se o termo de

representação e a declaração de hipossuficiência são

extemporâneos‟[...] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2012).

Depreende-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, nos crimes

cometidos com emprego de violência real, a ação penal é pública incondicionada, postulando

que o Ministério Público deve agir independente de representação da vítima. Contudo

observar-se, em caso concreto, os atos iniciais da vítima depois do delito, comparecimento à

delegacia e a realização de exame pericial servem para validar a propositura da Ação Penal,

haja vista que os procedimentos consistem em mecanismos de coleta de provas aptas a

embasar com solidez a ação penal.

Portanto, conclui-se que em regra a alteração processual deve ser seguida a partir de

sua promulgação, independente de mais benéfica ou maléfica ao réu ou à sociedade. A

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça traz esta exceção, e, de forma indireta,

modifica a aplicabilidade e eficácia do disposto no art. 225, parágrafo único, do Código Penal.

De modo a solidificar o entendimento sumulado outrora no âmbito do STF, ressaltando-se,

pois a necessidade da intervenção estatal direta e eficaz, pela ação penal pública

incondicionada, de modo a coibir a proliferação dos delitos sexuais.

43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destaque-se em sede conclusiva que o presente estudo monográfico abordou as

inovações introduzidas pela Lei nº 12.015/09 no Título VI do Código Penal, estudados

inicialmente os aspectos históricos, destacando-se os crimes sexuais nos diplomas penais de

1830, 1890 e 1940, no, último, análise da previsão legal dos delitos sexuais.

Entre as alterações promovidas pela Lei 12.015/09, está, inicialmente, a mudança da

denominação do Título VI da parte especial do Código Penal, designado “Dos Crimes contra

a Dignidade Sexual”.

A mudança terminológica está diretamente relacionada com o bem jurídico tutelado

pela lei, pois o título atual é adequado: “Dos Crimes contra os Costumes”, uma vez que os

delitos previstos atentam contra a dignidade e liberdade sexual, salientando-se, assim,

inclusive, a alteração do que o seio social busca tutelar, em face da norma jurídica.

Entende-se nesse contexto, que a principal alteração promovida pela Lei nº 12.015/09

encontra-se nos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, atualmente unidos em

único tipo penal (art. 213), simplesmente denominado de “estupro”.

Destaca-se também com o advento da lei modificadora a incorporação ao Código

Penal da figura do estupro de vulnerável, positivado no novo 217-A, destacando-se a

presunção da vulnerabilidade da vítima, uma vez que não importa se o ato foi realizado com

ou sem consentimento.

Importante alteração da Lei nº 12.015/09 diz respeito à ação penal, atualmente pública,

condicionada à representação, tendo por ressalva os casos em que a vítima é menor de dezoito

anos de idade ou pessoa vulnerável (deficiente mental ou enfermo, por exemplo), para os

quais a ação penal é pública incondicionada.

Postula-se, pelo exposto neste trabalho, que a reforma se mostrava necessária para

adaptar o Título VI da parte especial do Código Penal à atual situação da sociedade, tendo

como base os princípios constitucionais relacionados ao tema.

Verifica-se, portanto, que o objetivo da Lei nº 12.015/09 é tornar a situação do agente

que pratica atos sexuais, mediante violência ou grave ameaça, mais gravosa.

Destaca-se interpretação sistemática da reforma e da legislação relacionada a crimes

sexuais com o objetivo de suprir eventuais lacunas, dissipando determinadas discussões, de

44

modo a viabilizar a efetiva tutela jurídico-penal, em face da necessidade veemente de combate

e busca da coibição dos delitos sexuais, de modo a assegurar a todos, indistintamente, o

respeito à dignidade sexual e, por conseguinte da dignidade da pessoa humana.

45

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