estética de caeiro
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Temáticas e marcas formais e estilísticas da poesia de Alberto CaeiroTRANSCRIPT
Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca Escola Básica e Secundária de Ponte da Barca
Cód. Agr.: 152626
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ALBERTO CAEIRO
Eis alguns textos que ilustram a filosofia que inspira a poética de Caeiro:
“A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana;
o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa
no poeta. O meu mestre Caeiro foi o único poeta inteiramente sincero do mundo.”
“Apagar tudo do quadro de um dia para o outro, ser novo com cada madrugada, numa
revirgindade perpétua da emoção – isto, e só isto, vale a pena ser ou ter, para ser ou ter o que
imperfeitamente somos. Esta madrugada é a primeira do mundo. (…) Nunca houve esta hora,
nem esta luz, nem este meu ser. Amanhã o que for será outra coisa, e o que vir será visto por
olhos recompostos, cheios de uma nova visão.”
“Quem me dera, neste momento, ser alguém que pudesse ver isto como se não tivesse
com ele mais relação que o vê-lo – contemplar tudo como se fora o viajante adulto chegado hoje
à superfície da vida! (…) Reparar em tudo pela primeira vez.”
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
“Vê as coisas apenas com os olhos, não com a mente. Quando olha para uma flor, não
permite que isso provoque quaisquer pensamentos. (…) A sua poesia é, de facto, sensacionista.
A sua base é a substituição do pensamento pela sensação. (…) Por sensação entende Caeiro a
sensação das coisas tais como são, sem acrescentar quaisquer elementos do pensamento pessoal,
convenção, sentimento ou qualquer outro lugar da alma.”
Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação
Caeiro é um poeta que manifesta uma tendência constante para um objetivismo total. Poeta
sensacionista, privilegia os sentidos, sobretudo a vista/ olhar e o ouvir, substituindo o pensamento
pela sensação das coisas, tais como são. Face a este objetivismo sensorial completo, vê as coisas com
os olhos, não com a mente, isto é, despoja-as, limpa-as de todos os preconceitos ou simbolismos. É,
por isso, antimetafísico, antilírico, antimetafórico…, como se pode ver no longo poema
“Guardador de Rebanhos”:
“Nunca fui senão uma criança que brincava.
(…) Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.”
“E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro,
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.”
“Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos.”
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Defende, portanto, a naturalidade, a espontaneidade na criação artística ou arte poética.
Escrever “como quem respira”, como as flores, como o vento: “A minha poesia é natural como o levantar-
se o vento…”. Só assim há a comunhão com a natureza.
Esta opção até se manifesta em aspetos como a construção frásica (que mostra uma aparente
despreocupação com a organização sintática), no uso de vocabulário muito simples e concreto
(coisas, substantivos), nos versos brancos (sem rima) e na métrica irregular. Ao contrário do
ortónimo, usa bastante o gerúndio e quase sempre o presente (ação pontual e iterativa) para traduzir
as ações ocasionais do viajante que não tem passado, nem projeta futuros… Privilegia a coordenação
(parataxe) e as orações subordinadas (hipotaxe) não são frequentes, pois as afirmações de Caeiro são,
normalmente, diretas. Os adjetivos e advérbios também são raros (a lírica do ortónimo, essa é rica em
parênteses, subordinações de toda a espécie, porque Pessoa ortónimo é um novelo embrulhado para o
lado de dentro…) e, como é óbvio, rejeita o uso da metáfora, porque é antipensador, anti carga
simbólica, ainda que, por vezes, ela apareça, e recorre muito à comparação com objetos concretos
(pastor, borboleta, carpinteiro, Natureza, regato…) e ao polissíndeto (e…, e…, e…).
“Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.” (Caeiro deambula, sem destino, absorvido pelo espetáculo das coisas)
“(…) Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.” (O poeta parece resolver a dor de pensar do ortónimo, mas, afinal, a
inconsciência não é total – cfr. ortónimo…)
“Pensar incomoda como andar à chuva.”
“(…) Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.”
“(…) Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la.”
“Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.”
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Mais alguns versos famosos que ilustram o caráter antimetafísico da poesia de Caeiro:
“Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…”
“O mistério das coisas, onde está ele?
(…) Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum.
(…) Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos:
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas.”
Não admira, por isso, que Caeiro desdenhe dos poetas e dos filósofos e dos místicos, porque
tentam descobrir o sentido oculto das coisas, quando, para o poeta, as coisas não têm qualquer
sentido oculto.
O objectivismo sensorial é outra marca da sua poética…
“Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
(…) Eu não tinha que ter esperanças – tinha só que ter rodas…
(…) Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
(…) Quem me dera que eu fosse os rios que correm
(…) Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
(…) Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
(…) Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena…”
Note-se o desejo místico do sujeito poético de se transformar ou dispersar pela Natureza
(panteísmo naturalista), para, assim, ser totalmente objetivo e feliz. Trata-se, no entanto, de um
desejo (cfr. modo conjuntivo). Afinal, voltamos ao velho drama de Pessoa ortónimo que, através de
Caeiro, procura libertar-se da tendência obsidiante para a lucidez, ou seja, a sua condenação ao
pensamento.
“Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
(…) Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.”
Prof. Luís Arezes