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    DOI: 10.4025/actascieduc.v32i1.9483

    Acta Scientiarum. Education Maring, v. 32, n. 1, p. 83-92, 2010

    Estado, igreja e educao no Brasil nas primeiras dcadas da

    repblica: intelectuais, religiosos e missionrios na reconquista da

    f catlica

    Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro

    Departamento de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Estrada do Bem Querer, km 4,45050-440, Vitria da Conquista, Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]

    RESUMO.Abordamos, aqui, a relao Igreja, Estado e Educao no Brasil, focalizando a IgrejaCatlica que aqui se instalou desde o perodo colonial com escolas de primeiras letras, colgios emisses. Com a poltica pombalina e a expulso dos jesutas, essa Igreja foi perdendo,paulatinamente, o poder. Quase foi silenciada durante o perodo imperial, para afinal, ressurgir, apartir da proclamao da Repblica, e se revigorar nas trs primeiras dcadas do sculo XX. Nessapeleja, a Igreja foi defendida por alguns intelectuais catlicos, que participaram ativamente da

    renovao dela. Alm desses intelectuais, a Igreja contou, de modo paralelo, com o trabalhoeducacional e missionrio de diocesanos e religiosos regulares que educaram, evangelizaram eacudiram o povo nas suas dificuldades espirituais e materiais. Ao mesmo tempo, apaziguaramconflitos entre a populao espezinhada e o Estado, prevalentemente nas regies brasileiras maisdepauperadas. Cabe discutir o papel desses intelectuais e religiosos e questionar at que pontosuas interferncias apontaram para uma mudana social ou se confirmaram uma atitude desubmisso ordem, autoridade e estabilidade social.Palavras-chave:povo, misso, evangelizao, poder, ideologia.

    ABSTRACT. State, church and education in Brazil during the first decades of the

    republic: intellectuals, religious figures and missionaries in the reconquest of the

    catholic faith. In previous works, we addressed the relationship between Church, State andEducation in Brazil, focusing on the Catholic Church, who settled here since the colonial periodwith primary schools, colleges and missions. With the Marquis of Pombal and the expulsion of

    the Jesuits, this Church gradually lost power. It was almost silenced during the Imperial period,finally to re-emerge starting with the proclamation of the Republic, and to revive during the firstthree decades of the twentieth century. In this battle, the Church was supported by someCatholic intellectuals, who participated actively in the renewal. In addition to these intellectuals,the Church also counted on the missionary and educational work of bishops and regularreligious figures, who educated, evangelized and assisted people in their spiritual and materialdifficulties. At the same time, they were silent on conflicts between the oppressed population andthe State, especially in Brazils most impoverished regions. It is worth discussing the role ofintellectuals and religious figures, and question to what extent their influence pointed to socialchange or confirmed an attitude of submission to order, authority and social stability.Key words: people, mission, evangelism, power, ideology.

    Introduo

    A anlise da presena da Igreja Catlica no Brasilcolonial, suas ordens religiosas aqui instaladas e a suaatuao catequtico-evangelizadora e educacional1

    1

    As categorias Evangelizao, Catequese e Educao tm especificidades prprias.Evangelizar significa, literalmente, levar a boa nova (a palavra de Cristo e a esperanade salvao). No Dicionrio etimolgico Nova Fronteira, a palavra evangelizar vem deEvangelho evangelium latim, que deriva do grego euagglion, significando doutrinade Cristo, tambm denominando cada um dos quatro livros do Novo Testamento.Para levar o Evangelho, o primeiro passo a catequizao. Catequizao palavraderivada de catecismo livro elementar de instruo religiosa ensino de dogmas epreceitos da religio do latim: catecismus, derivado do grego katechisms. Decatecismo derivam as palavras catequese (doutrina) e catecmeno (aquele que seprepara para receber o batismo). Catequese termo conhecido desde a Antiguidade esignifica a instruo dos convertidos, ou catecmenos, ou seja, instruo dos iniciandosnos rudimentos da f.

    pressupem a compreenso de que tal instituio era

    detentora de ampla experincia evangelizadora anterior,desde a Idade Mdia, inclusive nas cruzadas contra osmuulmanos. Depois, a partir da certeza da existnciado Padroado Rgio2 nas terras conquistadas e,finalmente, a partir da compreenso de que o Estado,polarizado entre duas classes antagnicas senhores e

    2

    No texto, o termo Padroado se refere ao direito de autoridade da CoroaPortuguesa sobre a Igreja Catlica, nos territrios de domnio Lusitano. Essedireito do Padroado consistiu na delegao de poderes ao Rei de Portugal,concedida pelos papas, em forma de diversas bulas papais, uma das quais uniuperpetuamente a Coroa Portuguesa Ordem de Cristo, em 30 de dezembro de1551. J no Imprio, esse regime foi renovado pela Bula Praeclara Portugalliae,que concedeu a D. Pedro I os direitos do Padroado Rgio ora chamado deRegalismo (SAVIANI, 2007).

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    escravos tinha mecanismos de controle sobre todo oorganismo colonial, principalmente sobre a prpriaIgreja. Alm do que, se tratou de um Estado absolutista,centralizador e que monopolizava quaisquer decisesque viessem de encontro aos seus interessesmercantilistas (CASIMIRO, 2002). Mas, a despeito do

    controle do Estadoem todo o Imprio Portugusa Igreja Catlica, reinou nica, livre e soberana, nassuas aes de evangelizao, catequese e educaoformal, at a primeira metade do sculo XVIII.

    A partir da segunda metade desse sculo, sob agide da administrao pombalina, a Igreja vaiencontrar pela frente uma srie de dificuldades queacarretaro graves prejuzos sua aoevangelizadora, catequtica e educacional.

    Entretanto, segundo Lustosa (1977), Pombal, adespeito do poder acumulado no reinado de D. JosI, encontrou objees, crticas, barreiras e at mesmosabotagens advindas de grupos que viam seusinteresses em risco.

    Da queda de brao resultante, somada guerrade morte encetada em toda a Europa contra os

    Jesutas, resultou a expulso da Companhia deJesus de Portugal, do Brasil e de outras colnias,em 1559, e a sua extino em 1773, o quedesagregou o sistema escolar, em grande partesustentado pelos jesutas.

    Desta forma, por 200 anos, o poder da Igreja noBrasil foi inquestionvel. Mas, aps a expulso dos

    jesutas, sua derrocada foi paulatina e vertiginosa atatingir a um grau de quase extino no Perodo

    Imperial. Conforme Saviani (2007), o regimemonrquico instalado aps a independncia polticaadotou o catolicismo como religio oficial, sob aforma de padroado, nos mesmos moldes como vinhaacontecendo no perodo colonial. Nas palavras deSaviani, esse regime vigorou at o final do Imprio,j que foi renovado, em 1827, pela Bula Praeclara

    Portugalliae, de Leo XII, que concedeu a Dom PedroI o reconhecimento formal dos tradicionais poderesdo Padroado para si, inaugurando o padroado rgioou regalismo no Brasil (CASALI, 1995, p. 61).

    A despeito do padroado rgio, ou regalismo, a

    vida imperial, bastante laicizada e secularizada,distanciava-se e entrava em conflito com os cnonesromanos, mas, segundo Saviani (2007), a hegemoniacatlica no campo da educao no chegou a serabalada nem mesmo quando se agudizaram osconflitos entre o clero e as elites, bafejadas peloiderio iluminista. Aconteceu, sim, uma crise dehegemonia cuja expresso mais ruidosa foi adenominada questo religiosa. Para Casali,

    [e]ssa denominao reporta-se ao episdio em queos bispos de Olinda, Dom Vital, e do Par, Dom

    Antonio de Macedo Costa, determinaram, em 17 dejaneiro de 1873, que em suas dioceses os maonsfossem afastados dos quadros das Irmandades,Ordens Terceiras e quaisquer AssociaesReligiosas (CASALI, 1995, p. 64).

    Tal querela deu motivo priso dos bispos,

    julgados e condenados a cumprir quatro anos derecluso, mas eles foram anistiados ao trmino deum ano. A tentativa de restaurao da Igreja se deucom a implantao da Repblica. A princpio, comum crescimento tmido, at atingir a uma nova fasegerminal nas duas primeiras dcadas do sculo XX.

    A restaurao da espiritualidade do catolicismobrasileiro, de acordo com Villaa (2006, p. 10), se da partir de D. Vidal (entre 1870 a 1880) ecorresponde a um fenmeno cultural realmentenovo na histria do Brasil o qual podemos chamar areao catlica. , pois, da, que surge a chamada

    reao catlica, porm, no caso de D. Vital, maisvoltada ao pastoral. Nas palavras do mesmoautor, no tivemos pensamento catlico no Brasil,nem ao longo dos dois sculos de influnciaescolstica, nem muito menos ao longo do sculo

    XIX3. Mais ou menos na dcada de 1870-1880,processa-se a reao catlica. Villaa julga que,

    [s]e quisssemos escolher uma data e uma figura,escolheramos a figura de Dom Vital e a data de1873, isto , a Questo Religiosa. a primeira reaoantipombalina catlica da histria espiritual doBrasil. Nunca antes o catolicismo reivindicara umlugar ao sol, uma situao definida na paisagem

    brasileira. Neste sentido, Dom Vital o anti-MonteAlverne, o primeiro esforo para uma volta quelaunidade ideolgica anterior ruptura pombalina.(VILLAA, 2006, p. 10).

    A mobilizao da Igreja no Brasil expressou-se na forma de resistncia ativa que articulavadois aspectos: a presso para o restabelecimentodo ensino religioso nas escolas pblicas e adifuso de seu iderio pedaggico mediante apublicao de livros e artigos em revistas e jornaise, em especial, na forma de livros didticos parauso nas prprias escolas pblicas assim como na

    formao de professores, para o que ela dispunhade suas prprias Escolas Normais (SAVIANI,2007, p. 179).Conforme este autor, tal estratgia foi acionada

    pela Igreja desde a Proclamao da Repblica e aPastoral dos Bispos, de 1890, alm de criticar asmedidas laicizantes como a precedncia docasamento civil sobre o religioso; a laicizao doscemitrios e a inelegibilidade e excluso dos clrigos

    3

    Conforme Villaa (2006), aconteceu uma presena quase exclusivamentefrancesa at a publicao dos Estudos Alemes, em 1882, com que TobiasBarreto abre o perodo de influncia germnica na cultura brasileira.

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    do direito de voto nas eleies; e a proibio doensino religioso nas escolas pblicas, estimula oscatlicos a participar da poltica dando forma idiado Partido Catlico (SAVIANI, 2007, p. 180).

    Assim, a Igreja participou ativamente do processopoltico em todo o perodo republicano.

    Para engrossar a fileira dos defensores da Igreja,entre 1880 a 1916, surgem os primeiros pensadoresconvertidos, dentre os quais, Joaquim Nabuco(1892) e Felcio dos Santos (1897). Dos convertidos,alguns eram escritores, a exemplo de Eduardo Prado,falecido em 1901, e Nabuco, falecido em 1910.

    Afirma Villaa que quem primeiro representou noBrasil a renovao catlica foi Jlio Maria (1880-1916), militante e pregador, primeiro pensamentoque intuiu a importncia do povo na Igreja. Pregou apopularizao desta e muito influenciou as camadaspopulares. Nas palavras do autor:

    [...] A sua influncia atingiu mais as camadaspopulares e nenhum dos seus livros propriamenteficou. Apenas um pouco a memria histrica queescreveu para o Livro do Centenrioe se reeditou em1950, no centenrio do nascimento de Jlio Maria deMorais Carneiro: O catolicismo no Brasil. Teve,porm, Jlio Maria a intuio da importncia dopovo, a intuio da necessidade de uma unio efetivaentre a Igreja e o povo.Foi ele o primeiro catlico adesligar decididamente o Altar do Trono depoisdos incidentes da Questo Religiosa. E a pregar,digamos assim, a popularizao da Igreja (VILLAA,2006, p. 12, grifo nosso).

    Mortos estes trs, surge a figura polmica deJackson de Figueiredo (1889-1928) que, convertidoa partir de 1918, iria influenciar uma nova gerao.Figueiredo se intitulou reacionrio, no sentido dereao do bom senso, contra o liberalismoiluminista. Segundo Villaa,

    Jackson servia-se do termo reacionrio com prazer,com volpia. Considerava-se um defensor da reaodo bom-senso. E chamou assim a um de seus livrosmais tpicos uma coletnea de artigos exaltados:

    Reao do bom-senso. Como chamaria a outro livroLiteratura reacionria. Que entendia ele porreacionrio? Contra que reagia? Em que consistia asua reao ao bom-senso? Reacionrio era para

    Jackson o antiliberal. O que detestava, o quepretendia combater era a democracia liberal, vindade Rousseau e da Revoluo Francesa. O que amavaera a ordem, a autoridade, a estabilidade. E quando,em 1921, se fundou a primeira revista de intelectuaiscatlicos no Brasil, Jackson escolheu para ttulo apalavra ordem (VILLAA, 2006, p. 13).

    Considerado precursor do integralismo noBrasil, Figueiredo era pela ordem, pela autoridade,pela estabilidade. Fundou a RevistaA Ordem (1921)e o Centro D. Vidal (1922). Morreu

    prematuramente, em 1928, aos 37 anos. Foi amigode outros intelectuais catlicos, como Tristo de

    Atade, Sobral Pinto, Hamilton Nogueira, AugustoFrederico Schmidt, Leonel Franca.

    O Centro Dom Vidal, entendido pelo Cardeal Lemecomo a maior afirmao da inteligncia crist em

    terras do Brasil (CASALI, 1995, p. 119), foi criadocomo um rgo destinado a aglutinar intelectuaisleigos que desempenhariam o papel de eliteintelectual da restaurao catlica. Sua liderana foiexercida por Jackson de Figueiredo, que foisucedido, ao sobrevir sua morte prematura, em 1928,por Alceu Amoroso Lima, que assumiu a direo docentro tendo como assistente o padre Leonel Franca(SAVIANI, 2007, p. 181).

    Alceu do Amoroso Lima (Tristo de Atade)converteu-se em 1928, graas influncia deFigueiredo, e foi quem sucedeu a este, por ocasioda sua morte, na direo do Centro Dom Vital e naRevista A Ordem. Porm, ao contrrio deFigueriredo, era um liberal. Conforme Villaa,

    Amoroso Lima deu base cultural ao catolicismo noBrasil e, a partir de 1935, colocou-se sob a orientaodeclarada do filsofo francs, Jacques Maritain, e doseu humanismo integral, influenciando ocatolicismo brasileiro de 1928 at sua morte.

    Alceu coloca-se nitidamente sob a orientao de umfilsofo, que, naquela poca significava ousadia,

    vanguardismo, o que tnhamos de mais avanado nomundo catlico: Jacques Maritain. Tristo de Atadetrouxe para o Brasil o pensamento de Maritain, asposies poltico-sociais maritainianas dohumanismo integral. Esse livro de 1936, obra-prima da Filosofia Social de Maritain, publicado emplena Revoluo espanhola e escrito originariamentepara o curso de vero da Universidade de Santander,na Espanha, em 1535, esse livro-pioneiro teveenorme repercusso no pensamento catlico doBrasil. Foi um impacto. Foi um divisor de guas.Separou fundamente. Suscitou divergncias terrveis.

    A partir da, o pensamento catlico brasileiro sediversifica: os maritainianos e os antimaritainianos.Os reacionrios e os liberais. Os abertos e osfechados. Os da direita e os da esquerda. O passado e

    o presente (VILLAA, 2006, p. 16).Ainda na opinio de Villaa (2006), Jackson

    queria catolicizar o Brasil, mas, para isso, queriacongelar o pas, com o sacrifcio da liberdade ordem e autoridade. Alceu do Amoroso Lima,no. Foi sempre pela liberdade, contra oautoritarismo. Para o autor, certo que Alceunamorou o Integralismo, por volta de 1934-35,como est no seu livro Indicaes Polticas,de 1936,H nesse livro, um artigo sobre Integralismo eCatolicismo, que me parece muito expressivo,

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    exatamente dessa lucidez e dessa independnciade Alceu (VILLAA, 2006, p 17).

    Em 1932, Alceu era um dos pilares da fundao doInstituto Catlico de Estudos Superiores, no Rio de

    Janeiro, germe da Universidade Catlica criada em1941. Neste Instituto houve o primeiro ncleo de uma

    vida universitria catlica, com forte influnciamaritainiana e tomista (graas ao esprito de LeonelFranca, mestre e confessor de Alceu, por 20 anos).

    [...] Se teve mais tempo do que Jackson, tambmno foi um especulativo. Sua vocao absorventemente esttica. Ele sacrificou o crticoliterrio ao crtico das idias, Mas no chegou aelaborar um pensamento filosfico. Apenascomentou [...] Mas o que, sobretudo, ele significouna histria do pensamento catlico brasileiro, foi essaatitude nova de abertura, de comunicao com omundo moderno [...] (VILLAA, 2006, p. 18).

    Considerando a educao uma rea estratgica,os catlicos esmeraram-se em organizar esse campocriando, a partir de 1928, nas diversas unidades dafederao, Associaes de Professores Catlicos, que

    vieram a se aglutinar na Confederao CatlicaBrasileira de Educao. Nas palavras de DermevalSaviani, com essa fora organizativa, os catlicosconstituram-se no principal ncleo de idiaspedaggicas a resistir ao avano de idias novas,disputando, palmo a palmo com os renovadores,herdeiros das idias liberais laicas, a hegemonia docampo educacional no Brasil, a partir dos anos de1930 (SAVIANI, 2007, p. 181).

    O terceiro nome que se converteu aocatolicismo, em 1939, e pugnou pela Igreja daqueletempo foi Gustavo Coro, considerado, por Villaa(2006), como a volta do esprito de Jackson, porm,mais truculento, mais reacionrio, mais agressivo.

    Era a negao do pluralismo. Coro oantimoderno, o reacionrio tpico, o monoltico, oantidialgico (VILLAA, 2006, p. 19). A partir deCoro, o Centro Dom Vital perdeu um pouco olam. Primeiro, porque o prprio Alceu no serenovou; segundo, por causa da diversidade de

    pensamentos dos agentes internos; e, terceiro, porcausa da morte do Cardeal Leme, em 1942, o qualtinha sido o grande animador da obra de Alceu,como lder catlico e pensador. Mas, dentre estescatlicos mencionados, a Alceu Amoroso Lima, oTristo de Atade, que Villaa (2006, p. 20) atribui amaior expresso do pensamento catlico no Brasil,no perodo focado:

    [...] podemos dividir a histria do pensamentocatlico no Brasil em antes e depois de Tristo de

    Atade. Foi Alceu Amoroso Lima quem disse que ahistria da Igreja no Brasil se dividia em antes e

    depois de Dom Vital (De Dom Vital a So Vital?,conferncia publicada em A Ordem, dezembro de1944). O pensamento catlico no Brasil tem, nafigura singular de Amoroso Lima, mais presena doque obra, o seu instante decisivo.

    Para o autor, a grande fase de retomada do

    catolicismo no Brasil foi entre 1930 e 1940. Nesseperodo frtil aconteceram: o movimentouniversitrio, no Instituto Catlico da Praa XV; omovimento litrgico (com as primeiras missasdialogadas, as primeiras missas versus populum; omovimento maritainiano; os Crculos Operrios; as

    Equipes Sociais; o movimento de vocaesmonsticas sados da vida universitria; e,principalmente, a fundao da Ao Catlica em1935. Tudo nasceu afinal dessa intimidade entreDom Leme e Tristo de Atade (VILLAA, 2006, p.19). Mas, como j foi dito, a ruptura causada pela

    morte do Cardeal Leme e a crescentereacionarizao de Gustavo Coro Braga criaramuma situao embaraosa para a cultura catlicabrasileira.

    Podemos, assim, falar em uma verdadeira cadeiasucessria de lderes catlicos que, seja pela pregao,pela ao pastoral, pelas suas ideias ou pelos seusescritos, reagiram situao de crise advinda doPerodo Imperial. Ao romantismo franciscano deMonte Alverne sucedeu a ao pastoral de Dom Vital(1870-1880); o carisma e a intuio de Jlio Maria,alm da converso de Joaquim Nabuco e Felcio dosSantos. Uma segunda gerao se fez presente nas

    primeiras dcadas do sculo XX, como AugustoFrederico Schmidt, Leonel Franca, Sobral Pinto ecapitaneada por Jackson de Figueiredo. Aps a mortedeste, projeta-se a figura maior da reao catlica noBrasil, Alceu do Amoroso Lima, com apoio irrestrito deLeonel Franca e do Cardeal Leme, a despeito doautoritarismo retroativo apresentado, posteriormente,por Gustavo Coro.

    Nesse perodo, as lutas da Igreja pela participaonas instncias do poder aconteceram, realmente, eno eram simples iluses fantasmagricas. A messeera grande e os inimigos eram reais, dentro e fora

    da Igreja. Fora desta, os catlicos pugnaram comcomunistas, positivistas, escolanovistas e, na prpriaIgreja, com alguns segmentos do clero. o que nosrelata Rocha (2000), em referncia implicncia daIgreja com os escolanovistas, principalmente com

    Ansio Teixeira. Interessante a defesa de Ansio pormembros da prpria Igreja:

    Primeiro, acontece o afastamento de Ansio daDireo da Educao no Distrito Federal, quando,entre 1932 e 1935, ele esbarra na oposio direta do

    Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Jaime de BarrosCmara, de Alceu do Amoroso Lima e de Leonel

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    Franca (da Ao Catlica). Derrotado, ele se afasta ese exila no interior baiano. O segundo estopim coma Igreja foi causado por uma conferncia de Ansio,

    j em 1956, pronunciada no Congresso Estadual deEducao do Estado de So Paulo, na qual eleapresenta o corolrio, conforme transcrio de

    Rocha (2000, p. 154):Obrigatria, gratuita e universal, a educao spoderia ser ministrada pelo Estado. Impossveldeix-la confiada a particulares, pois estes somentepodiam oferec-la aos que tivessem posses (ou aprotegidos) e da operar antes para perpetuar asdesigualdades sociais, que para remov-las. A escolapblica, comum a todos, no seria, assim,instrumento de benevolncia de uma classedominante, tomada de generosidade ou de medo,mas um direito do povo, sobretudo das classestrabalhadoras, para que, na ordem capitalista, otrabalho (no se trata, com efeito, de nenhuma

    doutrina socialista, mas do melhor capitalismo) nose conservasse servil, submetido e degradado, masigual ao capital na conscincia de suas reivindicaese dos seus direitos.

    Segundo Rocha, a Igreja reagiu com energia, e arevista catlica Vozes, de Petrpolis, principalmente,alinhou grande quantidade de artigos que defendiama posio da Igreja e atacavam Ansio Teixeira.Segundo o Rocha (2000, p. 156), o Frei Evaristo

    Arns alerta, em um desses artigos:

    Duas ameaas graves pesam, nesta hora, sobre aliberdade de ensino em nossa Ptria: a primeira nos

    vem do prprio Ministrio da Educao e Cultura,embora no traga sempre o rtulo oficial. O Sr.

    Ansio Teixeira que, como diretor do INEP,controla as Escolas Normais e, assim, as Primrias;como secretrio da CAPES, distribui favores para oensino superior; como membro da comisso tcnicado MEC para a reforma do ensino mdio, insuflaseu esprito no Secundrio, , alm de tudo, omentor de boa parte das publicaes sobre aeducao no pas. O Senhor Ansio, durante cincolustros, tem demonstrado uma tenacidade invulgarem sua campanha sistemtica contra os Colgios eescolas Particulares [...] O que mais me impressiona,porm, que um homem, cujas teses principais sototalitrias e cuja atividade anticrist se faa ouvir emtodos os quadrantes do Brasil, embora convenharealar igualmente, a bem da verdade, que, dentro doprprio Ministrio, as idias do Diretor do INEPencontrem viva oposio.

    A ironia, afirma Rocha (2000, p. 157), que, nointerior da prpria Igreja, o conservador Cardeal daSilva, da Bahia, e muito amigo de Ansio, sai emdefesa deste, em carta dirigida ao educador:

    [...] Foi dolorosa surpresa a leitura do Artigo Abolchevisao do ensino, principalmente por v-la sob o

    ttulo de Vida Catlica. A mgoa que, de justia lhecausou aquela publicao, feriu-me, ao mesmotempo, profundamente; conheo bem seu corao esuas idias. Se ao menos se refutasse, calmamentealguma idia sua, algumas daquelas que discordamdo pensamento genuinamente catlico, ainda bem,mas tripudiar sobre um nome reconhecidamente

    admirado, realmente estulto, gravemente injusto e,mais ainda, contraproducente [...].

    Alm da campanha da Revista Vozes, setores daIgreja, liderados pelo Arcebispo de Porto Alegre, D.

    Vicente Scherer, em 1958, organizaram odocumento intitulado Memorial dos bispos gachos ao

    presidente da Repblica sobre a Escola Pblica nica,acusando a poltica educacional de Ansio Teixeira e,mais uma vez, D. Augusto lvaro da Silva (Cardealda Silva), somando-se a outros setores daintelectualidade brasileira, saram em defesa de

    Ansio (ROCHA, 2000, p. 156).

    Religiosos na evangelizao popular e na ao social

    Tambm no campo missionrio, na tentativa dereconquista da f, em movimento paralelo aoempreendida pelos intelectuais e religiosossupracitados, a reao da Igreja se fez presente, desdeo Segundo Imprio. Mormente, na aoevangelizadora, e na ao social, empreendida em

    vrias frentes, como bem analisa Frei Hugo Fragoso,o qual considera o trabalho missionrio, a partir dasegunda metade do sculo XIX, uma ao da qual seserviam Governo e Bispados para o apaziguamentodo povo rebelado ou em perigo de revolta.

    Aos poucos esta ao generalizou-se por todo oBrasil, especialmente nas regies Norte e Nordeste,onde se espraiavam de forma a atender snecessidades de multides carentes e sofridas,castigadas pelo clima e desamparadas pelo Governo.Neste contexto, a canalizao da violncia em formapenitencial encontrava nas Santas Misses ummomento sagrado para a sua expresso, quando todoo povo se aoitava em pblico, sob a voz do santomissionrio, pregando sobre o pecado, a clera deDeus, e sobre a misericrdia divina para com ospenitentes (FRAGOSO, 1980). Segundo Fragoso,

    [] impressionante, como na alma religiosa do nossopovo simples podia [sic] conviver, quase lado a lado,o sentimento profundo da penitncia e expiaopelos pecados, e a alegria ntima que lhe afloravacomo expresso religiosa. primeira vista, parecemincompatveis esses dois sentimentos. Pois eramantes de tudo a dor e a morte que o nosso povointegrava em seu ntimo, como expresso religiosa[...] Se o discurso missionrio expressava a vidasofredora do povo, por outro lado, a realidade comoa misso se concretizava, fazia o povo transportar-se

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    para uma alegre realidade superior. (FRAGOSO,1982, p. 27. grifo do autor).

    Como j relatamos, o Perodo Imperial foi umentrave para a sobrevivncia da Igreja no Brasil, pois,alm das medidas restritivas do Imprio, proibindoos noviciados e a vinda de religiosos estrangeiros, o

    prprio clero brasileiro estava em um momento decrise que beirava estagnao. Baseando-se emdocumentos coletados nos principais arquivos doNordeste, Fragoso afirma que os religiososbrasileiros franciscanos, carmelitas e beneditinostinham, em sua quase totalidade, se recolhido aosconventos, numa forma de vida religiosa que j noatendia aos apelos do momento histrico. Nas suaspalavras (FRAGOSO, 1982, p. 22),

    Argumentava-se que a vida religiosa era algoultrapassado, e que teve sua validade no perodomissionrio da nossa histria brasileira. Alm disso,

    era a vida religiosa expresso de um mundomedieval, que de h muito tinha sido desmoronadopela civilizao moderna. E, por fim, se atirava emrosto aos religiosos a acusao de inteis, ociosos,decadentes.

    J em 1780, havia no Nordeste a queixa de queos nicos religiosos que se dedicavam s missespopulares eram os capuchinhos italianos. E, de fato,segundo pesquisa de Fragoso, neste campo, as aesque se destacaram foram as dos capuchinhos, doslazaristas e de alguns padres diocesanos.

    A histria dos padres diocesanos missionrios

    ainda est para ser escrita. Do pouco que sabemos,relata Fragoso (1982) sobre a atividade do Pe. JosAlves Cavalcante de Albuquerque, sobrinho deD. Joaquim Arcoverde, o qual desenvolveu umaatividade fecunda na qualidade de missionriopopular; e sobre as atuaes dos padres CustdioLuiz de Arajo e Souza, Joo Bem-Venuto e Manuelda Costa Ramos, de cujos trabalhos existem apenasbreves referncias. Alm desses nomes citados,conforme Fragoso (1982, p. 30),

    [s]abe-se, at agora, algo do Pe. Ibiapina, e se tmalgumas referncias atuao missionria do Pe.

    Hermenegildo Herculano. Algo tambm se sabe doPe. Francisco Jos Correia de Albuquerque, grandemissionrio nos sertes pernambucanos, e que podeser considerado um verdadeiro precursor do Pe.Ibiapina [Esteve envolvido, como missionrio], natentativa de pacificao de todo o serto onde surgiuo trgico movimento de Pedra Bonita.

    Apareceram at iniciativas da Igreja em incentivaro trabalho missionrio dos padres diocesanos, nosentido de suprir o exrcito missionrio naquelaocasio em que os religiosos brasileiros estavam sobrestries severas e os religiosos estrangeiros estavam

    proibidos de ingressarem no Pas. Aps analisardocumentos da Pastoral Coletiva, Fragoso (1982,p. 30) relata:

    Seria, talvez, referindo-se a esse provvel grupo, quefalava D. Arcoverde, ao abrir, em 1915, aConferncia dos Bispos das Provncias Eclesisticas

    do Sul do Pas: Ainda no medrou infelizmente aidia, tantas vezes lembrada, da fundao de umaCongregao de sacerdotes nacionais, para misses edireo de nossos Seminrios e Colgios, a qualreataria, como j tive ocasio de dizer, o fio, h tantosanos quebrado, das tradies dos nossos primitivosmissionrios, identificados com nosso povo pelalngua, pelos usos e costumes, pelas qualidades decarter, enfim, do povo de nosso pas.

    Mas, essa iniciativa no teve repercusso devulto. No que concerne aos contedosevangelizador-catequticos, sem dvida, havia umdenominador comum entre o trabalho missionriodiocesano, o capuchinho italiano e o lazaristafrancs. O elemento diferencial de valor no trabalhomissionrio diocesano, talvez, tenha sido aidentificao do diocesano brasileiro com o povo damesma nacionalidade. Alm do que, segundoFragoso (1982, p. 31, grifo do autor), os capuchinhosmostravam mais independncia frente ao governoimperial que os religiosos estrangeiros. delembrar que, na Questo Religiosa, enquanto oscapuchinhos italianos apresentavam atitude reticenteem relao ao conflito que envolveu D. Vital4, o Pe.Hermenegildo Herculano, brasileiro, recebeu ordem

    de priso por ter pregado contra a Maonaria, em1873, e o Padre Ibiapina foi tambm acusado dedesobedincia ao governo manico de Rio Branco,

    Estado do Acre.

    A atuao dos Franciscanos Capuchinhos

    Logo aps a Independncia do Brasil econsequentes sentimentos nacionalistas e patriticos,as atividades missionrias dos capuchinhos sofreramrestries e, em 1831, estes foram expulsos doRecife. Tal sentimento antagnico, aos poucos, foiarrefecendo e, em 1843, o Governo Imperial

    mandou buscar novos missionrios capuchinhos naItlia. Eles seriam, durante todo o Segundo Imprio,os missionrios por excelncia, alm dos lazaristasfranceses, cujas atividades eram divididas entre asmisses e os seus seminrios.

    Dentre os capuchinhos que se destacaram nessamesse, podemos citar: Frei Plcido de Messina, o

    4

    Segundo Frei Jacinto de Palazzolo, faltava-lhe (a Frei Caetano de Messina,Comissrio Geral dos Capuchinhos no Brasil) autonomia, e sem prvia consulta,no lhe era lcito tomar atitudes que resultassem em pronunciamentos pblicos;E, segundo Frei Fidlis de Primrio, por causa da amizade de Frei Caetano comD. Pedro era natural que aquele no quisesse melindrar o soberano (Cf.FRAGOSO, 1982, p. 31).

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    qual desenvolveu, desde 1841, uma corajosaatividade em defesa da autonomia dos seusmissionrios frente s restries regalistas, exerceuatividade pacificadora na Guerra dos Cabanos,interveio na Guerra dos Marimbondos e gozou degrande prestgio junto a D. Pedro. Outro destaque

    missionrio foi o Frei Evangelista de MonteMarciano, o qual desempenhou papel importante napacificao do movimento de Canudos(FRAGOSO, 1982 p. 33). Afirma Fragoso (1982,p. 33, grifo do autor):

    Os capuchinhos italianos so, durante o 2 Imprio,os missionrios por antonomsia, pois, os lazaristasfranceses, mais dedicados aos seminrios, tinhamuma atividade reduzida nesse setor, e os padresdiocesanos brasileiros constituam um grupo bemminoritrio, face aos capuchinhos. Escreve CostaPorto: Pode-se dizer, sem exagero, que aevangelizao do interior nordestino, na segunda

    metade do sculo XIX, foi precipuamente uma obrados capuchinhos da Penha (Recife) [...].

    Dentre os mais atuantes, destacou-se o Frei Plcidode Messina, Prefeito das misses capuchinhas emPernambuco, que desenvolveu, desde 1841, atividadesmissionrias e atividade pacificadora na Guerra dosCabanos; Frei Caetano de Messina, que chegou aPernambuco em 1841 e interveio na Guerra dosMarimbondos e na Revolta Praieira em 1848; e Frei

    Joo Evangelista de Monte Marciano, chegado ao Brasilem 1872 e que desempenhou papel na tentativa depacificao do movimento de Canudos (FRAGOSO,

    1982, p. 34). Sobre os Capuchinhos, Fragoso (1982 p.36, grifo do autor) observa certa docilidade aogoverno imperial [...] e, quando da Questo Religiosa,Frei Caetano de Messina, como Superior doscapuchinhos do Brasil, para no melindrar oimperador, mantm uma atitude omissa e reticente.

    A atuao dos Lazaristas

    Os lazaristas j exerciam sua atividade no Brasildesde os ltimos anos da Colnia e incio doPrimeiro Imprio. A princpio, eram portugueses e,posteriormente, franceses. As misses populares

    constituam-se em uma das suas principaisfinalidades. Iriam exercer uma extensa e fecundaatuao no Nordeste, sobretudo na Bahia e noCear, bem como no Rio de Janeiro e em Minas,com o conhecido Seminrio do Caraa. Como jrelatamos, os contedos catequticos eram osmesmos, adaptados, claro, s linhas bsicas daespiritualidade da ordem. Evangelizavam o povopobre e os homens do campo:

    Essas linhas fundamentais podemos assimcompendiar: catequese s crianas e adultos,divulgao de catecismos, insistncia na prtica da

    confisso e da comunho freqente, restaurao dapaz e da harmonia entre as pessoas e grupos sociais,prioridade ao povo pobre e simples do campo, aopromocional entre os pobres campesinos, linguagemsimples e prtica em suas pregaes, invectiva contraos erros, e no contra as pessoas, insistncia napregao dos novssimos, promoo das primeiras

    comunhes (FRAGOSO, 1980, p. 38).

    Ao contrrio dos Capuchinhos, os lazaristas nogozavam da simpatia real e eram vistos comoultramontanos e acusados, constantemente, dejesutas. Na Questo Religiosa, quando aconteceuum choque entre o mundo liberal e a IgrejaUltramontana, os mencionados lazaristas quase foramexpulsos do Brasil (FRAGOSO, 1982, p. 38-40).

    O Pe. Bnit C.M., em 1875, assim se pronunciava:A franco-maonaria, composta em parte deestrangeiros, no teria jamais podido decidir o

    governo a perseguir, aprisionar e condenar a quatroanos de trabalhos forados os Senhores bispos deOlinda e do Par, se [...] no houvesse o problemado placet rgio. E vai s causas do conflito, compalavras candentes, afirmando que estas confrarias(que nas igrejas tm mais autoridade que os prprioscuras) perderam totalmente o seu carter religioso, ese tornaram, permita-me a expresso, verdadeiroscovis onde se refugiam os franco-maes, para dalifazerem religio a mais prfida e a mais injusta dasguerras [...]. E depois dessa afirmao, concluicategrico: A Igreja est sob os ps do poder civil, egeme sob a mais vergonhosa servido.

    Padres diocesanos, franciscanos capuchinhos elazaristas, foram, portanto, o estandarte missionrioda Igreja no Segundo Imprio, e nas primeirasdcadas da Repblica. Isso no significa que asordens tradicionais c instaladas no tenhamrealizado atividades catequticas e/ou missionrias. de se destacar a participao de franciscanos daOrdem dos Frades Menores no atendimento s

    vtimas de Canudos e no Contestado5.

    Trabalho missionrio e ao social

    Nessas atividades missionrias, alm da aopastoral, catequtica, atendimento aos enfermos eadministrao dos sacramentos, os religiosostambm desenvolviam atividades sociais epacificadoras nas situaes de rebeldias, levantes emovimentos revolucionrios dos povos aos quaisiam acudir.

    5

    Cf.: Revista de Cultura Vozes, v. 69, n. 5, p. 61-78, 1975 apresenta trechoindito do dirio do Frei Pedro Sinzig, ofm, ento dicono, que serviu emCanudos em 1897. Vinte anos depois, Sinzig escreveu: Reminiscncias de umFrade. Vozes, 1917 e 1925, com comentrios mais detalhados sobre os fatosocorridos em Canudos. A mesma Revista (p. 45-60) traz relato do Frei RogrioNeuhaus, ofm, que participou do episdio do Contestado.

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    Na Cabanada6, mais ou menos entre 1832 e1836, a primeira tentativa de pacificao veio porintermdio do bispo de Olinda, D. Joo MarquesPerdigo. Reativada a luta, o Governo encarregou oFrade Jos Plcido de Messina de tentar um acordo;na Revoluo Praieira, entre 1848 e 1850, resultante

    de enorme desequilbrio econmico e social,novamente o Governo recorre ao capuchinho, FreiCaetano de Messina, e, depois da pacificao,agradece, sensibilizado (FRAGOSO, 1982, p. 44).Frei Eusbio de Sales, que teve uma misso especial

    junto a Pedro Ivo, relata ao Presidentepernambucano, segundo documento transcrito porFragoso (1982, p. 44):

    Passei a noite com ele no meio da sua gente.[...]expus-lhe logo o motivo de minha vinda e principieia catequiz-lo para o persuadir de, na qualidade deCristo, e militar que era, desviar-se da senda errada

    em que estava, e voltar ao grmio dos bons epacficos Cidados, nico abrigo da Religio,fazendo-lhe ao mesmo tempo ver as benvolasintenes do Governo Imperial[...].

    Fragoso observa que, para o missionriocapuchinho, s o prisma de revolta armada e dedesobedincia s autoridades constitudas que lhechama a ateno. Da mesma forma, trs anos aps aRevoluo Praieira, surge em vrias provncias doNordeste a Guerra dos Marimbondos e o Presidenteda Provncia recorre ao Bispo D. Perdigo que, porsua vez, recorre ao Frei Caetano de Messina,alegando que a revolta foi induzida por pessoas malintencionadas contra o Governo. Depois de vrioscombates com mortos e feridos, Frei Caetanoconseguiu enfim apaziguar o povo, procurando, aomesmo tempo, convenc-lo de que a fora militarconcorre para a conservao da ordem e para asustentao da religio (FRAGOSO 1982, p. 45).

    O mesmo contexto de intemprie, pobreza eomisso do governo vai desencadear a revolta doQuebra-Quilos7, que se expressar em rejeio aorecrutamento forado, s novas leis de impostos e snovas determinaes do sistema mtrico. No camporeligioso, corresponder ao episdio das prises de

    D. Vital e de D. Antnio Macedo Costa. Nacorrelao de foras resultante, de notarmos atimidez dos capuchinhos italianos e a veemncia dospadres diocesanos, Ibiapina e Herculano, quepregam abertamente contra o governo. o queatesta Fragoso (1982, p. 48), ao analisar o jornalcatlicoA Unio, o qual defende os padres acusadosde subverso:

    6

    A princpio uma revolta dos saudosos do Imprio, a Cabanada transformou-se,a seguir, numa revolta do povo oprimido.7

    Iniciada em 1874, a revolta do Quebra-Quilos se alastrou por Pernambuco,Alagoas, Paraba e Rio Grande do Norte.

    O pensamento de A UNIO parece ser o mesmo doPe. Ibiapina, acusado de subverter o povo. E ento sepode perceber claramente que os missionriosbrasileiros no se prestavam nesta revolta, a seremmeros instrumentos dceis do governo paraapaziguar o povo rebelado. Pois as verdadeiras causasda sedio eram estruturas e mecanismos de

    esmagamento criados pelo prprio governo, queexaure o sangue do povo[...].

    Conforme Fragoso (1982, p. 48), embora aGuerra de Canudos, em sua conflagrao final, sesitue nos incios da Repblica, no entanto, herdeirado Imprio. Mais uma vez os capuchinhos sochamados para instaurar a paz, a ordem e atranquilidade. Paz, para o Governo, significava oreconhecimento da autoridade constituda, por partedos seguidores do Conselheiro, a sua disperso eretorno aos seus lugares de origem. No havia, porparte do Governo, a inteno de resolver os

    problemas sociais daquela gente, mas, sim, de curvaro Conselheiro e seus seguidores obedincia aoGoverno, restabelecendo a ordem. Mais uma vez oscapuchinhos so chamados, na pessoa domissionrio Frei Joo Evangelista de MonteMarciano, que apresenta um relato em 1895 sobre apobreza e a misria que presencia e descreve a tristesituao de pobreza e misria em que se encontra apopulao de Canudos:

    [...] mas atribui a causa imediata dessa situaoangustiante, ao Conselheiro, que teria contribudopara enganar e atrair o povo simples e ignorante dos

    nossos sertes [...] Da ser profundamente injusta acaracterizao que faz Frei Joo Evangelista aoPresidente e ao Arcebispado da Bahia de que oConselheiro no tem nada de ortodoxia catlica eque contraria o ensino da Igreja, transgride as leis edesconhece as autoridades eclesisticas, sempre quede algum modo lhe contrariam as idias, ou oscaprichos, e arrastando por esse caminho seusinfelizes sequazes (FRAGOSO, 1982, p. 49).

    Nas tentativas de argumentao com oConselheiro, Frei Evangelista proibiu que fizessemda religio um pretexto ou capa para seus dios ecaprichos, porque a Igreja Catlica no era e nuncaseria solidria com instrumentos de paixes einteresses particulares ou com perturbadores daordem pblica. Nas palavras de Fragoso (1982, p. 50,grifo nosso), a atingia Frei Joo Evangelista o cernede sua argumentao, ao lembrar os trs princpiossagrados para a Igreja de ento, princpios que eramincompatveis com qualquer movimento delibertao: A autoridade constituda, a ordemestabelecida e a lei normativa da sociedade. Naconcepo da poca, o Conselheiro, com seusseguidores, violara esses trs princpios, pois

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    perturbara a ordem pblica, negara obedincia autoridade republicana e transgredira as leis queregem uma sociedade.

    Vale lembrar que, parte do movimentomissionrio, cujo foco era os redutos sertanejos erurais, novas formas de presena religiosacomeavam a florescer, tambm, em centrosurbanos. Exemplo significativo foi a criao doCrculo Operrio da Bahia COB, no incio dadcada de 1930, pela Irm Dulce Lopes Pontes epelo alemo, Frade Franciscano, ofm8 FreiHildebrando Kruthaup. Trabalharam juntos pormais de 20 anos, mas, enquanto a viso de IrmDulce estava marcada com o carisma da caridade, oolhar de Frei Hildebrando j apontava para a direode um movimento social operrio. Fragoso (1980,p. 34) informa:

    Durante os anos da guerra, sobretudo, a partir de1942, surge uma srie de dificuldades atingindo osfranciscanos alemes e [...] a 2 de setembro de 1942,o Arcebispo da Bahia, Dom Augusto lvaro da Silva,exigiu que os alemes se afastassem da direo deinstituies religiosas e, com isso, Frei Hildebrandoteve que passar a Frei Joaquim da Silva o cargo.

    O Crculo Operrio da Bahia chega ao seuapogeu entre 1948 e 1950, com estatuto, imveis e,mais ou menos, 26 mil scios, mas, comdivergncias de opinio quanto ao significado deuma associao de operrios entre os partidrios da

    Irm Dulce (mais voltada para as aes caritativas, eos franciscanos, mais voltados para a conscientizaoreligiosa e social), acabou afastando os franciscanosdo Crculo, que passou a ser dirigidoespiritualmente pelos jesutas. S a ttulo deilustrao, segue uma citao na qual Fragoso9recupera fragmentos do discurso de Frei Gil de

    Almeida Bonfim, assistente espiritual do Crculo,em torno de 1948, o qual questiona o verdadeirosentido da assistncia social:

    [...] E levantava Frei Gil a pergunta: parta de onde

    partir, solucionar a Assistncia Social o problema?Por termo s lutas de classe? Conquistar a paz?No temos receio de dizer que no!E justificava asua afirmao: A Assistncia Social no ataca osmales pela raiz; no se prende s suas causas, queso, antes de tudo, a desordem das estruturas, ainjustia radical do regime econmico, a ruptura dosquadros normais da vida, o desequilbrio das pessoase das coletividades, a mediocridade humanageneralizada, o materialismo [...]. A Assistncia

    8OFM Ordem dos Frades Menores.

    9

    Com base em documentao coletada no Arquivo do Convento de SoFrancisco de Assis da Bahia.

    Social pode atenuar um pouco as lutas de classe,contribui, todavia, para prolong-la ainda mais.

    de lembrar, primeiro, que estamosrecuperando pensamentos e ideias religiosas comoelas se apresentavam desde o Segundo Imprio,passando pelo incio da Repblica, Estado Novo, at

    a Nova Repblica, ou seja, uma longa durao, etratando das ideias de personagens dspares: de umlado, intelectuais catlicos, estreitamente envolvidoscom autoridades polticas e religiosas da Igreja e, deoutro, procos e religiosos carismticos e popularesentre as massas iletradas. Todavia, vale destacarmosque, dentro dessa cronologia, sem dvida, o discursodo Frei Gil significa um avano dentro da viso demundo religiosa.

    Consideraes finais

    Na leitura do processo histrico brasileiro,principalmente no quesito educao, indispensvela anlise objetiva do significado da presena da IgrejaCatlica no Brasil, tanto em se tratando de qualquerperodo do passado colonial, imperial ourepublicano, quanto em se tratando dos dias atuais.

    No Brasil colonial, por meio do Padroado Rgio,a importncia da Igreja foi notria. Findo o PerodoColonial, e em pleno Perodo Imperial, o padroadorgio continuou sob a forma de regalismo, mas jno detinha o mesmo poder10. Aos poucos, mudou-se a correlao de foras entre Estado e Igreja, emprejuzo desta que, em 1873, se v ameaada ao

    extremo com a priso dos bispos D. Vital e D.Macedo Costa.Com a Repblica, acontece uma reao catlica,

    a princpio, tmida, at atingir a uma fase germinalnas duas primeiras dcadas do sculo XX. Arestaurao do poder e da dignidade eclesisticaaconteceu, paulatinamente, a partir de umaparticipao poltica significativa, principalmentecom a adeso de intelectuais convertidos aocatolicismo e com a insistente ao poltica queenvolve publicaes, fundao de associaes,centros de discusso, propostas pedaggicas e

    instituies de ensino, as quais, apesar de irem deencontro s propostas inovadoras dos escolanovistas,tinham clientela cativa, mormente entre os filhos daelite.

    Destarte, os cristos pugnaram com comunistas,positivistas, escolanovistas estranhos Igreja, mas,at mesmo dentro da prpria Igreja, pugnaram comalguns segmentos do clero, cujas interpretaes do

    Evangelho sugeriam uma ao mais contundente por

    10

    J bem antes do Aviso Imperial de 1855, que proibia os noviciados no Brasil,toda uma srie de medidas restritivas ia dificultando a vida religiosa em terrasbrasileiras (FRAGOSO, 1980).

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    parte da Igreja e novas formas de relaes com asociedade brasileira.

    Ao mesmo tempo, ao largo das discussesintelectuais mais prximas s instncias de poder, etambm em defesa da f catlica, outra face da Igrejase reapresenta, a partir do Segundo Imprio, na

    tentativa de substituir o movimento missionriocolonial. Nessa nova etapa, alguns padres diocesanose religiosos regulares franciscanos capuchinhos elazaristas, ao tempo em que alimentam a f eatendem aos apelos do povo sofrido, cumprem,ainda, o papel de apaziguadores dos conflitos entre opovo e o Estado sempre na tentativa de submeteros mais rebeldes e subordinar o povo ordem, autoridade e lei.

    De modo geral, so bem sucedidos, haja vista adominao dos rebelados desde os tempos dasrevoltas no Imprio at a guerra e destruio de

    Canudos. Com o passar do tempo, desses embatesresultaram uma Igreja que aos poucos se aproximoudas populaes mais desfavorecidas e algumas aesevanglicas que ultrapassaram as intenesmeramente caritativas, visando a uma mudanasocial, como temos exemplo na ao franciscana

    junto ao Crculo Operrio da Bahia COB.Finalmente, observamos que, a despeito de

    caminhos diferentes, as aes de reconquista doespao da Igreja Catlica no Brasil tanto por partedos religiosos e intelectuais que transitavam maisperto dos mecanismos do poder, quanto por parte

    dos missionrios que se embrenhavam nas regiesmais longnquas e intermediavam os conflitos maisregionalizados tinham, como meta unitria, a

    manuteno da ordem, da autoridade e daestabilidade social, compreendidas como obedincia Igreja e ao Estado.

    Referncias

    CASALI, A. M. D. Elite intelectual e restaurao daIgreja. Petrpolis: Vozes, 1995.CASIMIRO, A. P. B. S. Economia crist dos senhoresno governo dos escravos: uma proposta pedaggica

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    VILLAA, A. C. O pensamento catlico no Brasil. Riode Janeiro: Civilizao Brasileira, 2006.

    Received on February 25, 2010.

    Accepted on March 8, 2010.

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