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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Letras
Cristiane Alvarenga Rocha Santos
ENTRE AS VOZES DO LEITOR E AS VOZES DO DISCURSO:
a busca de posicionamentos autorais em práticas de leitura
Belo Horizonte 2015
Cristiane Alvarenga Rocha Santos
ENTRE AS VOZES DO LEITOR E AS VOZES DO DISCURSO:
a busca de posicionamentos autorais em práticas de leitura
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Letras.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Jane Quintiliano G. Silva.
Belo Horizonte
2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Santos, Cristiane Alvarenga Rocha
S237e Entre as vozes do leitor e as vozes do discurso: a busca de posicionamentos
autorais em práticas de leitura / Cristiane Alvarenga Rocha Santos, Belo
Horizonte, 2015.
255 f.: il.
Orientadora: Jane Quintiliano Guimarães Silva
Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Letras.
1. Análise do discurso literário. 2. Compreensão na leitura. 3. Interpretação
oral. 3. Intertextualidade. 5. Ensino técnico. I. Silva, Jane Quintiliano Guimarães
II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Letras. III. Título.
CDU: 028.1
Cristiane Alvarenga Rocha Santos
ENTRE AS VOZES DO LEITOR E AS VOZES DO DISCURSO:
a busca de posicionamentos autorais em práticas de leitura
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Letras da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de
Doutora em Letras.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Jane Quintiliano G. Silva.
_______________________________________________________
Jane Quintiliano Guimarães Silva (orientadora) – PUC Minas
_______________________________________________________
Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes – PUC Minas
_______________________________________________________
Sandra Maria Cavalcante – PUC Minas
_______________________________________________________
Hejaine de Oliveira Fonseca – UFVJM
_______________________________________________________
Luciano Novaes Vidon – UFES
Belo Horizonte, 23 de abril de 2015.
Dedico este trabalho a Deus, que, sendo um Outro, dá
forma à minha existência. Sem Ele, nada sou.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus, que me permitiu alcançar mais essa vitória, concluindo mais uma
etapa da minha história acadêmica. A Ele toda glória e toda honra! A Ele pertence este
trabalho!
À minha família pela paciência, pelo incentivo, pelo apoio e pelas orações incessantes que me
fortaleceram para que eu chegasse até aqui. Por terem sonhado comigo e serem minha base de
sustentação ao longo da caminhada acadêmica, desde meus primeiros dias na escola. Em
especial, à minha avó Neguita, pelas orações constantes; meu exemplo de determinação e fé.
Ao meu esposo pela compreensão, pela paciência, pelas orações e pelos “ouvidos e ombro”
amigos nos momentos de angústia, de incertezas, me dando ânimo, força e confiança para
continuar. Obrigada, ainda, por todos os momentos em que pude contar com você, doando seu
tempo, me auxiliando com suas habilidades e com seus conhecimentos em partes deste texto.
À minha querida orientadora, Professora Jane Quintiliano Guimarães Silva que, de forma
competente e brilhante, me apresentou e me conduziu ao universo das pesquisas em torno das
práticas de leitura e do pensamento bakhtiniano, levando-me a refletir, a me posicionar
autoralmente e a vivenciar, de forma apaixonada, o meu próprio fazer docente e de
pesquisadora.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Letras/PUC-Minas pela contribuição, em
cada disciplina realizada, à minha formação. Em especial, todo meu carinho à Professora
Maria Ângela que, com competência e delicadeza, contribuiu com minhas reflexões sobre a
docência, tanto em sala de aula, como fora dela, inclusive durante minha participação nas
Oficinas de Leitura e Produção de Textos na PUC-Minas.
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, em especial, à Direção-
Geral e ao Departamento de Áreas Acadêmicas do campus onde atuo como docente por terem
autorizado a realização desta pesquisa, ao longo do ano de 2013, com minhas turmas do Curso
Técnico Integrado ao Ensino Médio.
Às secretárias da Pós-Graduação em Letras/PUC-Minas, Berenice e Rosária, pela paciência e
ajuda incondicional.
À banca avaliadora deste trabalho, por ter aceitado o convite a este diálogo.
À CAPES, por financiar esta pesquisa ao longo desses quatro anos.
A natureza dialógica da consciência. A natureza dialógica da
própria vida humana. A forma singular adequada para a vida humana autêntica que se expressa verbalmente é o diálogo
aberto. A vida, por sua própria natureza, é dialógica. Viver
significa participar de um diálogo: fazer perguntas, prestar atenção, responder, concordar e assim por diante. Nesse
diálogo uma pessoa participa totalmente e com toda a sua vida: com os olhos, lábios, mãos, alma, espírito, todo o seu corpo e
todas as suas ações. Ela investe todo o seu eu no discurso, e
esse discurso entra no tecido dialógico da vida humana.
(Mikhail Bakhtin, em Problemas da Poética de Dostoievski)
RESUMO
O presente trabalho se afigura como um estudo que se centra na problemática de práticas de
leitura de uma turma de 30 alunos ingressantes no 1° ano do curso de Eletrotécnica integrado
ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus do Instituto Federal de Goiás (IFG). No
âmbito dessa problemática, esta pesquisa, como recorte metodológico e, portanto, como
delimitação de seu objeto de estudo, volta-se para construir uma compreensão aprofundada
sobre como o aluno, na função de leitor, em sua atividade de leitura, na interlocução com as
vozes ou com os discursos que se manifestam nos textos lidos, assume um posicionamento
autoral, estabelece uma interlocução com os discursos de outrem, expressa uma atitude
responsiva e produz sentidos. Levando-se em conta o pressuposto de que esse aluno tem uma
história de leituras, construída dentro e fora do domínio escolar, este estudo busca examinar,
numa perspectiva dialógica e/ou discursiva, na interface entre os estudos do Círculo de
Bakhtin e os da História Cultural (Chartier), com base em diferentes eventos e objetos de
leitura, como o aluno, na função de leitor, empreende o trabalho de orquestração de vozes,
posiciona-se como um leitor, como um sujeito dotado de uma atitude responsiva. Para
acercar-se desse propósito, este estudo ancora-se nos seguintes objetivos: conhecer e
descrever as práticas de leitura dos alunos; verificar como as práticas de leitura são
construídas e desenvolvidas por eles em seu cotidiano; identificar os modos de ler – de
interpretar, de produzir sentidos –, tendo em vista as práticas de leitura propostas durante
atividades escolares; analisar se os alunos apresentam um posicionamento autoral em suas
práticas de leitura; verificar o percurso de leitura desenvolvido por eles, situando-o em
contextos específicos, o que inclui sua relação com os papéis, as finalidades e as formas de
interação que conduzem esses sujeitos em sua atividade leitora; e fornecer subsídios para a
implementação de projetos de ensino, pesquisa e extensão, bem como de políticas públicas,
dentro e fora do IFG, que incentivem e fortaleçam o desenvolvimento de práticas de leitura
entre os alunos, e também na sociedade na qual estão inseridos. Figurando-se como uma
pesquisa de natureza qualitativa, pautada em uma metodologia que se firma como um estudo
de caso de uma turma de alunos do ensino médio, o corpus deste estudo se constitui de 29
questionários, 29 memoriais de leitura produzidos pelos alunos, 29 diários de leitura (com
cerca de 48 registros cada) e 9 atividades de leitura em sala de aula (contabilizando
aproximadamente 260 textos). Após a análise dos dados gerados, esta pesquisa demonstrou
que os alunos investigados apresentam um baixo nível de posicionamento autoral, o qual,
quando é assumido, é marcado, sobretudo por verbos dicendi e modalizadores. Embora nos
memoriais tenha sido observada uma orquestração de vozes de outrem no discurso dos alunos
investigados, não foi possível perceber, na maioria dos relatos constituintes dos diários de
leitura e resultantes das atividades de leitura em sala de aula, a evocação de outros discursos
durante as práticas de leitura realizadas por esses alunos. O que este trabalho sinaliza,
portanto, é a necessidade de uma reflexão, por parte da escola e da sociedade como um todo,
acerca da tendência, infelizmente longe de ser atual, de um silenciamento de um
posicionamento autoral do aluno, o que vem influenciando o modo como ele se relaciona com
as diversas práticas de leitura e, consequentemente, de escrita, na escola e fora dela.
Palavras-chave: Práticas de leitura. Modos de ler. Posicionamento autoral. Intertextualidade.
Interdiscursividade. Ensino Médio Técnico.
ABSTRACT
This work is a figure of a study that has as its center the reading practices of a class of 30
freshmen students of the Integrated and Integral Eletrotécnica Course’s first year in an
Instituto Federal de Goiás campus. Within this issue, this research, as methodological
approach and, therefore, as delimitation of its study object, turns to build a deeper
understanding of how the student, in the reading function, in his reading activity, in
interlocution with voices or discourses that are manifested in the texts read, assumes an
authorial positioning, establishing a interlocution with the other’s discourse, expresses a
responsive attitude and produces senses. Taking into account the assumption that this student
has a history of readings, built inside and outside the school domain, this study seeks to
examine, in a dialogic and/or discursive perspective, in the interface between studies of
Bakhtin’s Circle and the Cultural History (Chartier), based on different events and reading
objects, how the student, in the reading function, undertake the work of orchestration of
voices, how he place himself as a reader, as a subject endowed with a responsive attitude. To
approach to this purpose, this study is anchored on the following objectives: to know and to
describe the reading practices of the freshmen students; to verify how the reading practices
are constructed and developed by these students in their everyday; to identify the ways of
reading – of interpreting, of producing meaning –, in view of the reading practices proposed
in the course of school activities; to analyze if the students have an authorial position in their
reading practices; to verify the reading path developed by the students, situating this path in
specifics contexts, what include their relation with the role, the finality and the interaction
forms that conduct these subjects in their reading activities; to promote, in the reading
practices course, in the classroom, spaces for discussions and positionings that express the
production of meaning(s) work and a critical view of the read text; and to provide subsidies to
the implementation of teaching, research and extension projects, as well as of public policies,
inside and outside the Instituto Federal de Goiás that encourage and consolidate the
development of reading practices among the students, but also into their society. Configured
as a research of qualitative nature, having as method the Case Study, this word analyzes the
Case of a of a class of high school students. The corpus of this study consists of 29
questionnaires, 29 memorials reading produced by the students, 29 daily reading (about 48
records each) and 9 reading activities in class (accounting for approximately 260 texts). After
analyzing the data generated, this research showed that the investigated students have a low
level of authorial position, which, when it is assumed, is marked above all by dicendi and
modal verbs. Although in the memorials has been observed an orchestration of another's
voices in the discourse of students investigated, it was not possible to see in most constituent
reports of the daily reading and resulting from reading activities in the classroom, the
evocation of other discourses during the reading practices performed by these students. What
this study indicates, therefore, is the need for reflection on the part of school and of the
society as whole, about the trend, unfortunately far from being actual, of a silencing of an
authorial position of the student, which influences the way of relation between the student and
this various practices of reading and hence writing in school and beyond.
Keywords: Reading practices. Ways of reading. Authorial position. Intertextuality.
Interdiscursivity. Technical high school.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Práticas de leitura e escrita no computador (Resposta em que se podia
escolher mais de uma alternativa) ............................................................... 118
Gráfico 2 – Objetos de leitura ....................................................................................... 129
Quadro 1 – Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa,
segundo os PCNEM ..................................................................................... 51
Quadro 2 – Objetivos da disciplina LPLB I e habilidades e competências apresentadas
nos PCNEM ................................................................................................. 54
Quadro 3 – Orientações para a produção do diário de leitura ........................................ 64
Quadro 4 – Organização das atividades de leitura em sala de aula ................................ 68
Quadro 5 – Orientações para a escrita do diário de leitura .......................................... 125
Quadro 6 – Objetos de leitura e número de alunos que os citaram............................... 128
Quadro 7 – Representações de leitura relatadas nos diários de leitura......................... 143
Quadro 8 – Atividades de Leitura A, B e C ................................................................... 155
Quadro 9 – Atividades de Leitura D, E, F, G e H .......................................................... 183
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Matriz curricular do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio ..... 45
Tabela 2 – Modos de ler em práticas de leitura e escrita na escola ................................. 94
LISTA DE ABREVIATURAS
CNE – Conselho Nacional de Educação
EaD – Ensino a Distância
EJA – Educação de jovens e adultos
GEGE – Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso
IF – Institutos Federais
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LPLB – Língua Portuguesa e Literatura Brasileira
MCT – Memória de Curto Termo
MLT – Memória de Longo Termo
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola
RS – Representações Sociais
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
TCC – Trabalho de Conclusão do Curso
TRS – Teoria das Representações Sociais
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 17
1 Objetivos ............................................................................................................ 25
1.1.1 Objetivo geral ...................................................................................................... 25
1.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................ 25
2 LEITURA, INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO ................................ 27
2.1 A abordagem histórico-discursiva...................................................................... 28
2.1.1 Práticas de leitura e interação ............................................................................. 28
2.1.2 Práticas de leitura: dialogismo e autoria ............................................................. 33
3 CAMPO DE PESQUISA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......... 42
3.1 Campo de pesquisa ............................................................................................. 42
3.1.1 Delimitando o campo de pesquisa: o campus do Instituto Federal de Goiás em
análise ................................................................................................................. 43
3.2 Procedimentos metodológicos ............................................................................ 59
3.2.1 O questionário ..................................................................................................... 61
3.2.2 O memorial de leitura .......................................................................................... 62
3.2.3 O diário de leitura ............................................................................................... 64
3.2.4 As atividades de leitura em sala de aula ............................................................... 65
4 VOZES DO LEITOR: UMA HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE LEITURA ..... 73
4.1 Uma história das práticas de leitura nos memoriais de leitura .......................... 79
4.1.1 A família e a escola como influência na aquisição e desenvolvimento de práticas de
leitura ................................................................................................................. 79
4.1.1.1 A família e as práticas de leitura ........................................................................ 79
4.1.1.2 A escola e as práticas de leitura ......................................................................... 88
4.1.2 O que significa leitura/ler/ser leitor ................................................................... 104
4.1.3 A relação entre a leitura e a tecnologia.............................................................. 113
4.2 Uma história das práticas de leitura nos diários de leitura .............................. 122
4.2.1 Os objetos de leitura .......................................................................................... 127
4.2.2 Os modos de ler: finalidades, procedimentos e gestos de leitura ......................... 131
4.2.3 A emergência de um posicionamento autoral em relação às práticas de leitura . 134
4.2.4 A emergência de um posicionamento autoral em relação às representações de
leitura .......................................................................................................................... 141
5 ENTRE AS VOZES DO LEITOR E AS VOZES DO DISCURSO: A BUSCA
POR POSICIONAMENTOS AUTORAIS EM PRÁTICAS DE LEITURA EM
SALA DE AULA .............................................................................................. 150
5.1 Parte 1: analisando as atividades de leitura A, B e C ....................................... 154
5.1.1 Atividade de Leitura A: lendo a seca no sertão .................................................. 156
5.1.2 Atividade de leitura B: lendo Drummond em outros textos ................................ 164
5.1.3 Atividade de leitura C: lendo a desumanização do humano ............................... 170
5.2 Parte 2: analisando as atividades de leitura E, F e G ....................................... 182
5.2.1 Atividade de leitura E: lendo provérbios em uma canção ................................... 186
5.2.2 Atividade de leitura F: lendo política e religião em uma crônica........................ 190
5.2.3 Atividade de leitura G: lendo o Descobrimento do Brasil em textos diversos ...... 194
5.3 Acerca da emergência de um posicionamento autoral nas atividades de leitura ...
.......................................................................................................................... 198
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 201
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 210
APÊNDICE A – Questionário ....................................................................................... 221
APÊNDICE B – Atividades de Leitura ......................................................................... 235
17
1 INTRODUÇÃO
“Dizem que nós, leitores de hoje, estamos ameaçados de extinção,
mas ainda temos de aprender o que é leitura.” (MANGUEL, 2010, p.
38).
“Nossos alunos não leem”. Esse é um enunciado que permanece na esfera escolar,
mesmo com todo o desenvolvimento tecnológico de que a sociedade dispõe: desde o
crescimento da imprensa e a disseminação de editoras até o desenvolvimento de dispositivos
como celulares, tablets, computadores. Segundo alguns especialistas, os jovens leem mais,
pois a internet tem proporcionado um contato maior destes com textos sobre assuntos
variados, os quais se apresentam com o auxílio de imagens e sons interativos e se tornam
grandes atrativos para uma sociedade que é, a cada dia que passa, mais hiperativa. Digo
“hiperativa” não no sentido psicológico do termo, mas no sentido de que, desde pequenos,
esses jovens são estimulados a ter uma vida intensa, cheia de compromissos, e que, portanto,
não lhes permitem “perder tempo” com o que lhes demanda tempo, paciência.
Não pretendo promover aqui uma generalização, mas o que se percebe em muitos
alunos, nas salas de aula, é uma falta de interesse quando se exige deles concentração,
paciência, persistência para resolver uma questão de física ou matemática, ou para ler uma
crônica de uma página. É muito comum, também, vê-los errando uma questão pelo simples
fato de, na ânsia por eliminar logo a tarefa, não ter lido o seu enunciado. É importante dizer,
ainda, que o que apresento não é um ponto de vista contrário ao uso da tecnologia, apenas
questiono o uso, ou melhor, o mau uso que se possa estar fazendo delas.
Como professora da área de linguagens, sempre me incomodou certos discursos que
circulam no ambiente escolar acerca da leitura. Ao ingressar no Instituto Federal de Goiás
(IFG), passei a observar mais de perto o comportamento e o discurso dos alunos sobre a
leitura. Alguns, citavam suas preferências; outros, demonstravam seu “pavor”, decorrente, em
certos casos, de situações “traumáticas”, como a obrigatoriedade de ler determinada obra.
Havia alunos que entendiam a leitura no sentido estrito de ler um livro, não compreendendo o
universo amplo de práticas de leitura no qual estamos envolvidos, e muitos que, em
decorrência de fatores ainda desconhecidos, apresentavam uma grande limitação na leitura, na
compreensão e na produção de textos.
A partir dessas e de outras inquietações, decidi investigar como meus alunos,
ingressantes no 1o ano do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013,
em um campus do IFG, posicionavam-se quando estavam lendo em diversos eventos de
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leitura. Assim, o problema que se coloca nesta pesquisa é: como os alunos ingressantes no
curso supracitado liam/leem? Seriam eles capazes de assumir um posicionamento autoral no
curso de suas práticas de leitura?
Penso que esses dados poderão contribuir para um diagnóstico do nível de letramento
desses alunos e apontar ações que possam ser empreendidas na instituição, no âmbito do
ensino, da pesquisa e da extensão, para aprimorar o desenvolvimento não só cognitivo, mas
também social deles.
Quanto ao tema, devido à sua complexidade, a leitura desperta as mais diversas
inquietações e questionamentos em quem passa a dedicar-se ao seu estudo. Há pesquisas
sobre a leitura no âmbito da educação, da psicologia, da linguística, das ciências sociais, da
história e da antropologia, por exemplo. Como esta investigação se inscreve na esfera escolar,
em especial nas aulas de Língua Portuguesa de uma turma de 1° ano do curso de Eletrotécnica
integrado do Ensino Médio, gostaria de apresentar, a título de contextualização, alguns
aspectos que abordam a relação entre a escola e a leitura, baseada em alguns pressupostos de
pensadores, principalmente, das áreas da educação e da linguística discursiva acerca do
assunto.
Nos dizeres de Silva (1995a, p.7), “[...] o único reduto onde a leitura ainda tem chance
de ser desenvolvida é a escola”, o que confirma a posição de muitos estudiosos que defendem
que a escola é o lugar do ensino e da aprendizagem da leitura (ZILBERMAN, 1986;
LAJOLO, 1986; LERNER, 2002; entre outros), marcando uma relação estreita entre a esfera
escolar e a leitura. Dessa afirmação decorrem muitas questões, dentre as quais discutiremos as
que se mostraram mais interessantes para a nossa investigação.
A primeira que podemos apontar é a tendência em reduzir as práticas de leitura à
esfera escolar, ou ainda, em se considerar como “adequadas”, “corretas”, “melhores” as
práticas de leitura desenvolvidas na escola. Pensar dessa forma implica desconsiderar as
demais práticas de leitura vivenciadas pelas crianças e jovens em suas casas, comunidades
religiosas (ou de outro cunho a que pertençam), praças, livrarias, bibliotecas, entre outros
espaços que os permitem experienciar a leitura sob diversas facetas, modos e gestos. Esse
enunciado de Silva (1995a) retoma um discurso muito comum em nossa sociedade, o de que a
escola é a única instituição que possui legitimidade para dizer o que deve ou merece ser lido.
A segunda diz respeito ao paradoxo que essa relação instaura quando se parte do
discurso teórico para o cotidiano escolar. Enquanto historiadores, pedagogos, estudiosos de
literatura, psicólogos e linguistas discutem sobre a importância do professor como um
mediador de leituras, como alguém que é responsável por contribuir e estimular a vivência e a
19
reflexão de seus alunos acerca de suas práticas de leitura; elencam o que deve ser objeto de
leitura ou não em sala de aula – como muitos que ainda defendem a superioridade do livro
didático e do livro literário –; e alertam para métodos diversos, muitos professores encontram-
se distantes desses debates, não havendo um diálogo que permita pensar em soluções
realmente efetivas para o problema da leitura no país.
Esse descompasso entre o que se diz na academia e o que se faz na escola acaba por
transformar a “leitura” em uma “lei-dura” (SILVA, 1995b) ainda nos dias atuais, quando se
utilizam textos apenas como um meio para estudar gramática ou identificar características de
estilos de época literários, ou seja, quando o texto é trazido para a sala de aula somente como
um pretexto (LAJOLO, 1986). Além disso, muitas vezes, o ambiente escolar não permite que
o aluno conceba a leitura de outro modo que não seja como obrigação, já que, “em geral, há
dezenas de páginas para serem lidas em tempo escasso, com vocabulário desconhecido e
estrutura, às vezes, inusitada”, então, o “que esperar senão o desânimo consigo mesmo e o
desafeto pelo conhecimento?” (YUNES, 2005, p.37).
Tal comportamento do professor pode ser compreendido, em certa medida, pela
cobrança de que ele cumpra programas de ensino e desenvolva habilidades e competências
com base na imagem de um aluno/leitor ideal: eis mais uma contradição que aponto como
uma segunda questão importante. Sendo a escola uma instituição promotora da
democratização do saber, recebe alunos de diferentes classes sociais e níveis de
conhecimento, contudo, o que se observa é uma tendência em manter as distinções sociais, já
que muitos professores, ainda hoje, acabam privilegiando a leitura como decodificação1,
legitimando, assim, determinadas formas de leitura – que, muitas vezes, são consideradas
corretas por serem trazidas pelo livro didático –, e descartando outras, marcadas pelo lugar
social e pela história do aluno.
Desse modo, homogeneízam-se o ensino e a aprendizagem da língua, concebendo-se
como melhor e correta apenas a norma padrão; homogeneízam-se as práticas de leitura,
privilegiando-se a leitura do que é bom e melhor para ser lido, e do que pode garantir uma
emancipação econômica e social – por meio da leitura de obras que são cobradas nos
processos de seleção para as universidades, por exemplo –; e, consequentemente,
homogeneíza-se o aluno, que passa a ver a realidade não de forma crítica e reflexiva, mas
1 A decodificação consiste no reconhecimento e tradução de sílabas ou palavras em sons, sem atribuição de
sentido para o que é lido.
20
alienada, já que ele aprendeu a adquirir conhecimento somente de forma mecanicista e
estática.
Diante desse quadro, pesquisadores de diversas áreas vêm refletindo sobre a
necessidade de o professor abordar a leitura a partir da diversidade e da historicidade dos
alunos, sem perder de vista o papel da escola de promover o ensino e a aprendizagem.
Segundo Lerner (2002), a escolarização das práticas sociais de leitura desses alunos, por meio
da transposição didática, seria uma saída para essa descaracterização que a leitura vem
sofrendo na escola, pois permitiria que o aluno “representasse”, na esfera escolar, as práticas
de leitura que desenvolve fora dela.
Yunes (1999; 2005), por sua vez, sugere a criação de “círculos de leitura”, que se
caracterizam por encontros regulares, em forma de círculo ou roda, de um grupo de
pessoas/alunos destinados à leitura e discussão de textos diversos – verbais e não-verbais.
Esses momentos seriam coordenados por um leitor-guia que mediaria a conversa, sem atuar
como uma autoridade ou como um centro controlador do sentido. Assim, o foco dos
participantes encontrar-se-á no texto, na construção do seu sentido de forma coletiva. De
acordo com a pesquisadora, “o que se quer alcançar com o Círculo de Leitura é a descoberta
da condição de leitor e uma qualificação maior para a leitura, por conta mesmo da troca, do
intercâmbio, da interação de vivências e histórias de leitura [...]” (YUNES, 1999, p.20), o que
também conduz a um exercício da consciência crítica desses leitores.
Há outros que propõem projetos com obras literárias ou com textos midiáticos; ou,
ainda, aqueles que consideram que as “[...] leituras-escutas não podem estar ausentes da
reflexão crítica da escola”, como Geraldi (2013, p.28). A “leitura-escuta” é aquela que se faz
de programas televisivos, radiofônicos ou da internet que são apresentados por locutores que
modalizam, através da entonação, do ritmo, da intensidade e da altura da voz, por exemplo, o
seu dizer. De acordo com o pesquisador, elas não devem ser deixadas de lado pela escola, já
que, ao assistirmos e/ou ouvirmos tais programas, construímos uma leitura ao escutá-los.
A despeito de todas essas propostas, uma terceira questão que trago à baila e que me
preocupa é o conceito de leitura do qual nós, professores, estamos nos apropriando para
desenvolver nosso trabalho na escola e compartilhando com nossos alunos, visto que nos
tornamos exemplos de leitores para muitos deles. Sobre isso, Silva (1995b, p.22) alerta para o
fato de que é preciso “[...] um professor que, além de se posicionar como um leitor assíduo,
crítico e competente, entenda realmente a complexidade do ato de ler. [...]”. Ser um leitor
“assíduo, crítico e competente” exige que o professor se posicione como autor do seu dizer
mediante os textos que lê e compartilha com os alunos.
21
Não basta, então, que o professor cobre que seu aluno seja um leitor se ele mesmo não
for um (não necessariamente de textos literários clássicos), e, ainda, que conceba a prática da
leitura de forma mecânica, como decodificação, desconsiderando toda a rede dialógica
complexa envolvida no ato de ler e a necessidade de o leitor assumir um posicionamento
diante do que lê. Desde que haja essa conscientização, acredito ser possível começar a mudar
as concepções de leitura existentes na escola, seja de professores, de bibliotecários ou de
alunos.
É preciso, também, que se abandonem práticas que restrinjam o ler à leitura do livro
didático2 e do livro literário, os quais, em determinado período da nossa história, em especial
no último, foram considerados obras de excelência, complexas e “adequadas” à leitura escolar
e à aquisição da língua, marginalizando outros gêneros discursivos, considerados “inferiores”
para serem incluídos entre os textos de leitura na e da escola. É o que se pode verificar neste
trecho de um texto de Lajolo (1996, p.58) escrito no final da década de 1980, quando os
meios de comunicação de massa se popularizavam cada vez mais:
Essa tendência modernizante de arejar o livro com a presença do artigo de jornal, da
crônica, da letra de música – enfim – do texto contemporâneo, pode criar um outro problema: em vez de a escola ir familiarizando o aluno com textos gradualmente
mais complexos (o que permitiria o amadurecimento progressivo do leitor), o
monopólio do moderno pode estancar o diálogo, sempre necessário, entre diferentes
registros.
Assim, pelo levantamento que realizei em diversos textos datados dessa época até os
dias de hoje, percebo que, nas décadas de 1980 e 1990, a preocupação de muitos
pesquisadores no que diz respeito à leitura era com os objetos de leitura dos alunos. Focando-
se nessa questão, os problemas com a falta de leitura estariam resolvidos. Dessa maneira, não
se consideravam, nem em sala de aula nem nas investigações em torno da leitura na esfera
acadêmica, a história de leitura do aluno/leitor, seus modos de ler (procedimentos, finalidades
e gestos), o que lê e como lê, o que, por sua vez, acabava por trazer o problema da
homogeneização das práticas de leitura à tona novamente.
As investigações sobre a leitura no Brasil focalizam diversos níveis e aspectos
relacionados ao tema. A leitura é um objeto de estudo complexo em sua essência, tanto pelas
2 Não tenho como negar que, na maioria das vezes, o único recurso de que o professor dispõe, em sala de aula, é
o livro didático. Entretanto, acredito ser possível ir além da sua leitura na escola. Citarei, ainda que brevemente, três exemplos de como isso pode ser feito: a) muitas bibliotecas recebem exemplares de revistas e jornais de
grande circulação que podem proporcionar práticas de leitura diversas aos alunos, se bem orientadas; b) muitas
escolas públicas possuem salas de informática que podem ser utilizadas para o trabalho com a leitura em
ambiente virtual; e c) a popularização dos smartphones também favorece a vivência com as práticas de leitura nesse ambiente.
22
limitações metodológicas que o pesquisador pode encontrar ao buscar apreender certos fatos
relativos a ela, quanto pela amplitude de questões que se pode levantar sobre ela. Fazendo
uma breve referência, há estudos que procuram compreender a leitura a partir de aspectos
psicofísicos e/ou cognitivos, ou seja, como ela se processa na mente dos indivíduos (VAN
DIJK, 1983; 2002; KLEIMAN, 2004a; 2004b; 2008); estudos que buscam identificar
estratégias que permitam contribuir para uma “melhor” compreensão textual (KOCH, 1989,
1990, 2003a, 2003b, 2004, 2006; KOCH; TRAVAGLIA, 1989); estudos que se voltam para a
prática de ensino da leitura, visando à formação de professores; entre outros.
Ao discutir sobre os estudos desenvolvidos por Roger Chartier, no âmbito da História
Cultural, sobre as práticas de leitura e escrita na escola, Kramer (2006, p.40) afirma que eles
contribuíram para uma mudança conceitual nos campos da leitura e da escrita, que, “mais do
que práticas escolares ou instrucionais”, passaram a ser concebidas como práticas culturais.
Este trabalho, portanto, segue uma perspectiva semelhante à de pesquisas que vêm
sendo realizadas no Brasil que assumem como seu objeto de análise as práticas de leitura
como práticas culturais (CHARTIER, 2002). Investigar as práticas de leitura demonstra uma
preocupação, por parte do pesquisador, com o modo pelo qual uma determinada comunidade
de leitores faz uso dos textos que lê. O que se busca, portanto, é identificar o que esses leitores
leem, como leem, o que leem (tanto no sentido físico, quanto no que diz respeito aos
caminhos percorridos por eles para produzir sentido), e de que forma têm acesso ao que leem,
por exemplo.
Desse modo, parte-se, neste estudo, de uma noção de leitura como ato concreto,
historicamente construído, ancorada nos pressupostos teóricos que a História Cultural, ou,
mais especificamente, um de seus expoentes, o historiador Roger Chartier, oferecem. Admitir
tal posicionamento revela um afastamento de uma concepção positivista que compreende
como sendo autor, texto e leitor figuras universais e abstratas, sem qualquer vínculo histórico
e social entre si, e entre elas e outros autores, textos e leitores.
Essa visão vem ao encontro do que defende Orlandi (2000) ao apontar a necessidade
de se considerar a historicidade do sentido no momento da leitura. Nessa perspectiva, Rangel
(2004, p.43) destaca que a “história de leituras do leitor não é a memória vista como acúmulo
de conteúdos, um espaço pleno e homogêneo, mas um espaço de réplicas e desdobramentos
que se manifestam no ato de ler.”. O leitor, assim, deve ser concebido como um sujeito
histórico, responsivo e responsável diante do que lê, e não passivo, um mero armazenador de
informações que são acionadas mecanicamente no momento da leitura. Isso significa que, ao
longo de sua vida, o sujeito acumula leituras que constituem sua história como leitor. Além
23
disso, ele pode ser considerado leitor não porque sabe ler – ou seja, porque passou pelo
processo de alfabetização –, ou porque tem hábitos de leitura, ou porque é capaz de acumular
em sua memória conteúdos decorrentes de tudo que lê, mas porque realiza suas práticas de
leitura com uma postura dialógica (BAKHTIN, 2006, 2010a), relacionando o que lê a suas
leituras anteriores, e sendo capaz de singularizar-se, isto é, posicionar-se em relação ao que lê,
como autor do seu dizer (BAKHTIN, 2010a). Sobre isso, Yunes (2002, p.32) afirma:
Enquanto o leitor que alcançou a condição de comunicante de uma escritura não
reconhecer no interlocutor um outro eu, isto é, não solidarizar-se com seu direito de dizer, pensar e querer, mesmo diversos dos seus, as práticas de leitura não servirão
para mais que notas e ilustrações, sem efeito transformador da tendência à inércia no
social dominante. Ler é solidarizar-se pela reflexão, pelo diálogo com o outro, a
quem altera e que o altera.
A leitura precisa, portanto, promover transformação, fazer com que o leitor saia de sua
posição de conforto e movimente seus saberes, somando-os, contrapondo-os, ratificando-os
ou revendo-os, a fim de construir sentido em suas práticas de leitura. É preciso ter em mente
que “ler, compreender, interpretar ou produzir sentido é uma questão de ângulo, de percepção,
ou de posição enunciativa [...]” (CORACINI, 2009, p.25). Por isso, a leitura demanda um
sujeito leitor ativo, que enuncie de seu(s) lugar(es) social(is) e histórico(s).
Mais adiante, discutirei com mais profundidade esses pressupostos, articulando-os,
especialmente, com os dados gerados na pesquisa. Refletindo, agora, acerca do que dizem
Batista e Galvão (2011) sobre as práticas de leitura e as tendências de pesquisas, atualmente,
no Brasil, corroboramos a ideia de que “a distribuição de um produto cultural não revela tudo;
pelo contrário, sua apropriação, sua utilização e seu consumo são tão importantes para a
realização de uma história da leitura quanto sua circulação.” (BATISTA; GALVÃO, 2011,
p.20). Isso significa que conhecer o “quem”, o “quê”, o “quando” e o “onde” não são
suficientes para compreendermos as práticas de leitura dos alunos em sua complexidade.
Sendo assim, torna-se necessário verificarmos o “como” e o(s) “por que(s)” de tais práticas de
leitura do grupo em análise.
Diversos têm sido os caminhos percorridos por pesquisadores para recuperar esses
aspectos relativos a tais práticas. Nesta pesquisa, escolhi partir de algumas ideias do
pensamento bakhtiniano e seu círculo, como dialogismo e autoria (posicionamento autoral), e
alguns de seus desdobramentos nos estudos do texto e do discurso. Assim, adotarei uma
abordagem histórica e discursiva das práticas de leitura, por meio da qual espero alcançar os
objetivos elencados mais adiante.
24
Considerando a perspectiva de leitura que será adotada, no momento, apresentarei,
brevemente, outros conceitos também caros a este estudo, como os de intertextualidade
(KRISTEVA, 2012) e de interdiscursividade (MAINGUENEAU, 2008). Segundo Bakhtin
(2006), a palavra é dialógica, é uma ponte entre o eu e o outro. Por isso, o filósofo constrói
todo o seu pensamento baseado em um princípio dialógico da linguagem. Logo, para ele, todo
discurso reporta a outros, que, por sua vez, reporta a outros, e assim por diante. Os sujeitos
constroem seu discurso a partir de discursos outros que permeiam constantemente o seu dizer,
o que permite a eles assumirem uma posição autoral a partir do que leem, por exemplo.
Compreendo a ideia bakhtiniana de posição autoral como uma orquestração de vozes
(BAKHTIN, 2010a). Isso significa dizer que, em cada ato único e responsável do aluno ao ler,
ao perceber as vozes que ali dialogam e ao ser capaz de se colocar como autor, mobilizando
outras leituras que possuem relação com o que está sendo lido e assumindo uma posição
autoral, “reorganizando” essas vozes em um outro enunciado, ele orquestra vozes. Dessa
forma, o desafio desta investigação consiste em “capturar” essas outras vozes, que, em sua
maioria, não estão explícitas, não são evidentes, e também em verificar como elas aparecem
na voz dos alunos na função de leitores. Que vozes são essas? O que “refratam”? O que tais
vozes “dizem” sobre as práticas de leitura dos alunos? Por que há uma dificuldade em
recuperá-las?
Como disse anteriormente baseada em Bakhtin (2006; 2010a), a palavra é dialógica,
assim, quando um aluno experiencia o mundo por meio da leitura, experiências estéticas são
vivenciadas (em maior ou menor profundidade, pois parece ser algo variável, já que é um ato
singular do ser e que depende de suas “leituras” anteriores, de sua história de leitura), e estas
levam o leitor a se posicionar autoralmente diante do que lê, dos modos como lê, etc.
Essa ideia relaciona-se ao que Poulain (1988, p.8 apud BATISTA; GALVÃO, 2011,
p.21, tradução nossa) afirma: “a leitura não é apenas o momento em que ela acontece, mas um
conjunto, um ‘corpo de práticas’: tudo o que a condiciona, a prepara, a conduz, a prolonga ou
a anula não é marginal à leitura mas radicalmente constitutivo.”3. Portanto, acredito que, por
meio da verificação de um posicionamento autoral nas práticas de leitura dos alunos
ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um
campus do IFG, será possível conhecer melhor essas práticas, bem como os modos de ler
(procedimentos, finalidades e gestos) desses sujeitos, o que poderá nortear projetos de
3 “la lecture n’est pas seulement le moment où celle-ci s’effetue, mais un ensemble, un ‘corps de pratiques’: tout
ce qui la conditionne, y prépare, y conduit, la prolongue ou l’annule n’est pas périphérique à la lecture mais en est radicalement constitutif”.
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naturezas diversas que visem promover uma conscientização da leitura e de uma
responsibilidade ativa (BAKHTIN, 2010b) perante o que é lido.
1 Objetivos
1.1.1 Objetivo geral
Verificar a emergência de um posicionamento autoral no curso de práticas de leitura
de alunos ingressantes em um dos campus do Instituto Federal de Goiás.
1.1.2 Objetivos específicos
a) conhecer e descrever as práticas de leitura dos alunos ingressantes no 1º ano do
curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus
do Instituto Federal de Goiás;
b) verificar como as práticas de leitura são construídas e desenvolvidas por esses
alunos, em seu cotidiano;
c) identificar os modos de ler – de interpretar, de produzir sentidos –, tendo em vista
as práticas de leitura propostas no curso das atividades escolares;
d) analisar se os alunos apresentam um posicionamento autoral em suas práticas de
leitura cotidiana;
e) verificar o percurso de leitura desenvolvido pelos alunos, situando-o em contextos
específicos, o que inclui sua relação com os papéis, as finalidades e as formas de
interação que conduzem esses sujeitos em sua atividade leitora;
f) fornecer subsídios para a implementação de projetos de ensino, pesquisa e
extensão, bem como de políticas públicas, dentro e fora do IFG, que incentivem e
fortaleçam o desenvolvimento de práticas de leitura entre os alunos, e também na
sociedade na qual estão inseridos.
Em termos metodológicos, esta pesquisa se inscreve em uma abordagem qualitativa,
caracterizando-se como um estudo de caso, tendo em vista seu interesse de obter “[...] o maior
número de informações detalhadas, valendo-se de diferentes técnicas de pesquisa, visando
apreender uma determinada situação e descrever a complexidade de um fato.” (MARCONI;
LAKATOS, 2004, p.274). Entre as técnicas utilizadas, estão: o questionário, o memorial, o
26
diário de leitura e atividades de leitura realizadas em sala de aula.
Em termos estruturais, esta tese encontra-se organizada em sete capítulos. No capítulo
2, intitulado Leitura, interação e produção de sentido, proponho uma discussão acerca de três
diferentes abordagens em torno da leitura, a fim de delimitar e esclarecer a perspectiva
adotada neste estudo. No capítulo 3, Campo de pesquisa e procedimentos metodológicos,
apresento, de modo detalhado, a metodologia utilizada na pesquisa, a esfera de realização da
investigação e a composição do corpus analisado. No capítulo 4, Vozes do leitor: uma história
das práticas de leitura, faço uma análise dos questionários atrelada à análise dos memoriais
de leitura, procurando identificar as práticas de leitura por meio da história de leitura dos
alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em
um campus do IFG, e analisar, como, ao relatar essas práticas, eles as significam e se
significam como leitores, assumindo um posicionamento autoral. Em um segundo momento,
no mesmo capítulo, desenvolvo uma análise dos diários de leitura relacionada aos dados dos
questionários e dos memoriais. O capítulo 5 é dedicado à análise das atividades de leitura em
sala de aula, buscando mostrar como as práticas de leitura são construídas e desenvolvidas por
esses alunos no espaço da sala de aula, como eles leem, que percursos de leitura seguem a fim
de construir sentido para o que leem e se assumem um posicionamento autoral nessas práticas
de leitura em sala de aula. O capítulo 6 apresenta algumas considerações finais acerca da
pesquisa realizada.
27
2 LEITURA, INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE SENTIDO
A leitura, como objeto de investigação, vem sendo estudada, ao longo tempo, sob
diversas perspectivas teórico-conceituais-metodológicas em campos disciplinares como a
Psicologia, a Pedagogia, a Psicolinguística, a Linguística, a Linguística Aplicada, a Literatura
(Teórica e Crítica) e a História Cultural. Dentre essas, podemos citar, como exemplo,
pesquisas que se dedicam a uma abordagem cognitivo-interacionista (VAN DIJK, 1983,
2002; VAN DIJK; KINTSCH, 1983; KOCH, 1989; 1990; 2003a; 2003b; 2004; KOCH;
TRAVAGLIA, 1989; KLEIMAN, 1995; 2004a; 2004b; 2008; FÁVERO; KOCH, 2007); a
uma abordagem literária (BARTHES, 2004; 2010; 2012; BARTHES; COMPAGNON, 1987;
ECO, 2012a; 2012b; ISER, 1999; JAUSS, 1994; JOUVE, 2002) e, por fim, a uma abordagem
histórica, a qual discute leitura a partir de pressupostos que constituem o campo de
investigação da História Cultural (CHARTIER, 1999; 2002; 2004; 2011; CHARTIER e
CAVALLO, 1999). O que proponho, neste estudo, portanto, é investigar a leitura em uma
interface histórica e discursiva, aproximando as reflexões promovidas por Chartier acerca da
leitura como prática cultural e alguns pressupostos bakhtinianos (BAKHTIN, 2003; 2006;
2010a; 2010b).
Desse modo, busco compreender a leitura de uma forma mais ampla, considerando
não apenas como o leitor se relaciona com o texto enquanto materialidade discursiva, mas
também as condições sociais e históricas que compõem essa relação com a leitura. A leitura
não se restringe a um ato psíquico. A leitura é uma prática cultural que envolve uma ação do
leitor não apenas de ordem psíquica, mas social, histórica, transformando-se ao mesmo tempo
em que transforma o outro e o mundo à sua volta. Suas implicações não se restringem à
consciência do indivíduo, mas à realidade em que ele vive, suas relações interpessoais e com
outros objetos de leitura.
Nesta investigação, parto do princípio de que os leitores, ao construírem sentido para o
que leem em suas práticas de leitura – que são, como já disse, muito mais do que um processo
cognitivo que se realiza na superfície textual, pois se inserem social e historicamente como
uma prática cultural na vida dos leitores –, devem estar conscientes de que é no enunciado que
essas vozes sociais constituintes de um discurso podem ser captadas por meio dessa
materialidade linguística. E, mais, não só “captadas”, pois de um leitor que assume uma
atitude responsável e responsível diante do que lê, espera-se que ele orquestre essas vozes,
confrontando-as com a sua e, por fim, posicionando-se como autor do seu dizer.
28
Essa abordagem, portanto, vem ao encontro dos objetivos desta pesquisa,
considerando a importância de, tanto como pesquisadora quanto como professora, conhecer a
história de leitura dos alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino
Médio de um campus do Instituto Federal de Goiás no ano de 2013, bem como suas práticas
de leitura escolares e cotidianas e seus modos de ler ao longo do primeiro ano de curso.
A seguir, discutirei com mais detalhes os conceitos de leitura, interação e produção de
sentido para a abordagem aqui adotada, a qual denominarei uma abordagem histórico-
discursiva da leitura, apoiando-me nas reflexões de Chartier e de Bakhtin e seu círculo.
2.1 A abordagem histórico-discursiva
A fim de tornar mais claro o percurso teórico e a abordagem que servirá de apoio para
a análise dos dados gerados nesta pesquisa, optei por dividir esta seção em duas partes,
embora elas se complementem e se corroborem. Sendo assim, apresento, inicialmente, uma
reflexão acerca dos conceitos de práticas de leitura – a partir dos estudos de Chartier – e de
interação – tal como a propõe Bakhtin e seu círculo. Em um segundo momento, discuto como
as noções de dialogismo e autoria podem se relacionar ao conceito de práticas de leitura.
2.1.1 Práticas de leitura e interação
Começarei por afirmar, com Chartier (1999; 2002; 2004; 2011), que considero a
leitura como uma prática cultural. Isso significa que, segundo esse historiador, os discursos
que circulam ou que fazemos circular em uma sociedade estão permeados por representações
de grupos sociais, que, por meio daqueles, disseminam seu modo de ver a realidade. Sendo
assim, o mundo é construído, pensado, dado a ler pelo leitor conforme suas condições sociais,
históricas e culturais. Enfim, em uma sociedade, há diversos grupos sociais que elaboram seus
modos de conceber a realidade, e isso, muitas vezes, é feito tendo em vista seus próprios
interesses. Daí considerar que não há discursos neutros, como advogam não apenas Chartier
(1999; 2002; 2004; 2011), como também Bakhtin/Voloshínov (2006).
Essa discussão leva a pensar sobre as práticas de leitura de um grupo de alunos
ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um
campus do IFG, e as representações que eles constroem ao longo de sua história de leitura em
relação, por exemplo, ao que é ler, ao que é “bom” ou “ruim” de ser lido, ao modo como
leem, quando e por que leem. Acredito que essas representações revelam a concepção de
29
leitura desses alunos, ou seja, o discurso sobre a leitura do grupo social a que se “vinculavam”
ou se “vinculam”. Ao definir, metodologicamente, nesta pesquisa, uma rede de eventos
diversos – memorial, questionário, atividades de leitura e diário de leitura –, busco identificar,
no discurso desses alunos, como eles concebem sua história com as práticas de leitura.
Para Chartier (2002), caberia à História Cultural investigar as representações que os
grupos modelam de si próprios, dos outros e da realidade à sua volta – o comportamento, os
hábitos, as práticas sociais e culturais da sociedade de sua época, por exemplo. Tendo esse
objetivo em vista, ele investiga e documenta objetos de leitura, gestos e modos de ler de um
ou mais grupos, a fim de conhecer e compreender suas práticas de leitura em diversos
momentos da história (CHARTIER, 1999; 2004).
Nessa perspectiva da História Cultural, o leitor é concebido como um sujeito social,
concreto e historicamente constituído, ou seja, como alguém que, em suas práticas de leitura,
age, discursiva e corporalmente, por meio de gestos e modos de ler, considerando as
dimensões sócio-históricas, culturais e (inter)subjetivas em que ele e o texto se encontram.
Nessa concepção de leitura e de leitor, rompe-se com a ideia de um sujeito universal e
abstrato, ideal, trans-histórico, invariante, que não depende de fatores sociais e históricos para
a construção do sentido de um texto.
Ao refletir sobre isso na esfera do ensino, penso que o fato de se estabelecer como um
texto deve ser interpretado, por exemplo, impede que os alunos tenham liberdade para
compreender e expressar os sentidos construídos para esse texto no curso de suas práticas de
leitura. E aqui não faço uma apologia à Barthes e à sua concepção de leitura por prazer,
embora reconheça que esta seja um modo de ler, mas, ao questionar essa prática de leitura nas
escolas, pretendo afirmar que tais restrições – tendo em vista “o modo correto” de ler um
texto, buscando sempre o que “o autor” quis dizer – alimentam uma estrutura de poder que a
sala de aula, muitas vezes, colabora para que se mantenha. Além disso, tais restrições
reforçam a ideia, tão criticada por Certeau (2012, p.238), de que “a eficácia da produção
implica a inércia do consumo. [...] Coloca-se, portanto, em posição de privilégio aqueles que
são ‘produtores’ – autores, pedagogos, revolucionários, etc. – em detrimento dos que não o
são.”.
O ensino de estratégias, de “táticas”4, ou, ainda, de modos de agir (CERTEAU, 2012)
nas práticas de leitura não deve ser relegado. O que deve ser relegada é a atitude de tratar o
4 Segundo o autor, a leitura seria uma prática do tipo “tática”. Isso significa que, ao ler um texto, o(s) sentido(s) é
(são) construído(s) em relação a outro(s) dizer(es) – essa concepção parece se aproximar das noções bakhtinianas de interação e dialogismo. Cabe ao leitor, portanto, conhecer as trajetórias táticas para movimentar-se dentro do
30
aluno-leitor como um sujeito sem história, desprovido de experiências e marcas da sociedade
em que vive quando este interage com textos diversos e constrói um sentido diferente (mas
possível) do que nós, professores, os críticos e os próprios autores esperamos. É importante
nos lembrarmos de que ler é “constituir e não reconstituir um sentido.” (GOULEMOT, 2011,
p.108).
O que estou dizendo é que a relação entre texto e leitor não é transparente, ou seja, o
primeiro seria reduzido ao seu conteúdo semântico, e o último seria visto como se suas
práticas de leitura não fossem sócio-historicamente variáveis. Segundo Chartier (2002, p.25):
Considerar a leitura como um acto concreto requer que qualquer processo de
construção de sentido, logo de interpretação, seja encarado como estando situado no
cruzamento entre, por um lado, leitores dotados de competências específicas,
identificados pelas suas posições e disposições, caracterizados pela sua prática do ler, e, por outro lado, textos cujo significado se encontra sempre dependente dos
dispositivos discursivos e formais – chamemo-lhes “tipográficos” no caso dos textos
impressos – que são os seus.
Assim, na concepção de Chartier (2002), as práticas de leitura exigem um leitor que
dialogue com o que lê. O leitor não é, portanto, um receptor que simplesmente acumula as
informações que recebe sem compreendê-las, confrontá-las entre si e com outras práticas de
leitura e transformá-las em conhecimento. Para esse autor, a leitura envolve dois mundos: o
mundo do leitor – que apresenta competências específicas, posições e disposições possíveis de
serem recuperadas por meio do conhecimento de suas práticas de leitura (o que lê, como lê,
por que lê, quando lê, onde lê) – e o mundo do texto – cujo significado depende tanto de
aspectos discursivos quanto do suporte (formato, cores, presença ou não de imagens, tamanho
e fonte utilizada, se impresso ou veiculado em mídia eletrônica ou digital etc.). Tudo isso
entra em jogo quando se fala em práticas de leitura.
É importante reconhecer que a relação entre texto e leitor caracteriza-se pela
mobilidade, o que me leva a refletir sobre como os leitores se apropriam dos textos. O suporte
em que um texto circula, seus aspectos gráficos, seu conteúdo, o modo como esse conteúdo é
organizado textual e discursivamente, assim como as condições sócio-históricas do leitor
influenciam suas práticas de leitura, conforme Chartier (2011, p. 78) apresenta no excerto a
seguir:
[...] pensar que os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis
situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou
texto, gerenciando os dizeres que o constituem. Segundo Certeau (2012), esse “não lugar” do leitor confere a ele essa mobilidade, o que o conduz a uma atividade criativa.
31
inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas
também pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja com um objetivo
explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo.
Hoje, por exemplo, é comum observar momentos de leitura coletiva e em voz alta de
textos bíblicos realizados em cultos, missas ou reuniões de grupos religiosos; momentos em
que se lê silenciosamente um artigo científico, fazendo grifos, anotações, esquemas, resenhas,
buscando apoio em outros textos; ou situações de estudo, quando nos sentamos juntos a uma
mesa. Por outro lado, quando se lê um romance ou uma revista, o que comumente se faz
sozinho, muitos deixam-se ficar deitados em um sofá ou à sombra de uma árvore em um
parque, não sendo preciso exigir um controle maior do corpo durante a leitura. Esses breves
exemplos mostram que os objetos de leitura orientam as práticas de leitura, ou seja, o
conhecimento dos objetos de leitura de uma dada comunidade de leitores (CHARTIER;
CAVALLO, 1999) fornece pistas sobre as práticas leitoras desses sujeitos, conforme esclarece
Goulemot (2011, p.109), historiador que segue a linha teórica de Chartier:
Há uma dialética inscrita na história do corpo e do livro. Impõem-se-nos (quem nos
impõe?) atitudes de leitor [...]. As relações com o livro, isto é, a possibilidade de
constituir sentido, se dão por meio dessas atitudes de leitor. Inversamente, o livro,
tomado como gênero, dá a posição de sua leitura. [...] é verdade que o livro indica com frequência (ou incita a escolher) o lugar de sua leitura. [...] livros constituem
por si mesmos o espaço de sua leitura. Porém, mais genericamente, nosso corpo lê, e
não somente pelo viés dos olhos ou de nosso psiquismo, uma vez que há uma
invasão do sentido por parte da consciência que provou a doença, a saúde ou a morte.
Considerar o caráter histórico das práticas de leitura leva a retomar, ainda nessa
discussão, uma reflexão promovida por Certeau (2012) acerca da ideia de produção e
consumo. Segundo ele, a produção cultural é compreendida por muitos como um processo
racionalizado, expansionista, centralizado, espetacular e barulhento, enquanto o seu consumo
é visto como um lugar de passividade, caracterizado por
[...] suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas
“piratarias”, sua clandestinidade, seu murmúrio incansável, em suma, uma quase-
invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por produtos próprios (onde teria o seu lugar?) mas por uma arte de utilizar aqueles que lhe são impostos. (CERTEAU,
2012, p.94).
Certeau (2012), no entanto, questiona e rejeita essa concepção de consumo. Sua
proposta é que se anule a diferença entre produzir e consumir, o que implica dizer que o
sentido de um texto ou de uma obra, por exemplo, depende do modo como estes são
32
apropriados por um leitor ou outros leitores. Logo, um texto não encerra a verdade absoluta e
única do autor ou de um grupo que possuiria legitimidade para dizer como aquele deveria ser
interpretado. O autor não pode limitar a compreensão e a atividade criadora do leitor, embora
contribua para a construção do sentido do texto. Assim, esse consumo deve ser entendido
como uma atitude ativa, “responsível” (responsável e respondível) do leitor, como um
momento – nos dizeres de Bakhtin (2010a, 2010b) – em que cabe a ele orquestrar as múltiplas
vozes que dialogam no e com o texto, assumindo, assim, não o papel de autor, mas um
posicionamento autoral diante do que lê.
Esse posicionamento autoral envolve uma articulação por parte desse leitor entre os
textos e os discursos presentes no texto que lê e fora dele, construindo sentido para o que lê a
partir de sua história de leitura, de outros objetos de leitura, dos seus modos de ler, de suas
motivações de leitura, por exemplo. Desses movimentos resulta um outro texto, um outro
discurso. O leitor, assim, “combina os seus fragmentos e cria o desconhecido no espaço
organizado pela capacidade que eles possuem de permitir uma pluralidade de significações.”
(CHARTIER, 2002, p.61). O consumo, portanto, estaria relacionado ao uso, ao modo como os
produtos culturais são utilizados.
Essa discussão empreendida por Certeau (2012) se aproxima do que Chartier (2002,
p.121) enuncia sobre uma contradição presente ao longo da história que envolve, de um lado,
uma concepção de texto enquanto aquele que é “todo-poderoso e, por isso, é capaz de
condicionar o leitor, o que faz desaparecer a leitura enquanto prática autônoma”; e, de outro,
uma compreensão de que a “liberdade do leitor é primordial, sendo ele produtor inventivo de
sentidos não pretendidos e singulares, o que faz encarar os atos de leitura como uma coleção
indefinida de experiências irredutíveis umas às outras.” (CHARTIER, 2002, p.121, grifos do
autor). Diante dessa contradição, Chartier (2002, p.123) defende a necessidade de se elaborar
uma síntese segundo a qual “abordar a leitura é, portanto, considerar, conjuntamente, a
irredutível liberdade dos leitores e os condicionamentos que pretendem refreá-la”, o que
também considero mais adequado quando se investiga um objeto complexo como a leitura.
Assim, é preciso que se busque compreender como os textos organizam a leitura que
deles deve ser feita e, ao mesmo tempo, se verifiquem quais as leituras podem ser captadas no
momento em que esse texto é encarnado no leitor, ou seja, passa pelo seu corpo, por meio dos
seus gestos e modos de ler, e é moldado pelas suas práticas de leitura anteriores.
A abordagem que Chartier (2002) desenvolve acerca da leitura enquanto uma prática
cultural contribui, ainda, para esta pesquisa na medida em que esclarece o papel crucial da
interação (BAKHTIN/VOLOSHÍNOV, 2006) entre leitor e texto, quando ambos constituem-
33
se um ao outro. Ao reconhecer o leitor como um sujeito concreto, que vive em uma sociedade
e tem uma história, as quais o diferencia em relação às suas práticas de leitura, Chartier
(2002) rompe com a ideia de um leitor passivo, mas também de um leitor manipulado ou
orientado por estratégias de um autor que o dirige, definindo o modo pelo qual seu texto deve
ser compreendido.
Além disso, sua visão das práticas culturais permite compreender a leitura de uma
forma mais ampla, ou seja, investigar as práticas de leitura de uma comunidade de leitores
significa não apenas considerar as relações textuais e discursivas entre leitor e texto, mas
também compreendê-las de uma maneira mais profunda, conhecendo os objetos de leitura
(inclusive seus suportes materiais, formato, tipografia, imagens etc.), os gestos de leitura
(tanto os que envolvem uma orquestração de vozes no texto, quanto a “orquestração selvagem
do corpo”5, ou seja, de pé, assentado, deitado, em voz alta, em silêncio etc.), onde ele lê (em
casa, na escola, no ônibus etc.), por que/para que (para ser aprovado em um vestibular, para se
divertir, para se manter informado, para divulgar um produto) e quando (a época em que o
texto foi produzido e lido).
Já demonstrei, em alguns momentos desta seção, a possibilidade de abrir um diálogo
entre a concepção de leitura que a História Cultural oferece e alguns princípios bakhtinianos.
A partir de agora, gostaria de discutir, de forma mais pontual, o modo pelo qual pretendo
relacionar noções como interação, dialogismo e autoria à prática de leitura.
2.1.2 Práticas de leitura: dialogismo e autoria
Analisando em particular o material verbal, a palavra, Bakhtin/Voloshínov (2006,
p.35) afirma que todo signo é ideológico e “só pode aparecer em um terreno interindividual”.
Esse signo “reflete e refrata uma outra realidade, que lhe é exterior”
(BAKHTIN/VOLOSHÍNOV, 2006, p.31), por isso, a interação é o espaço onde se funda o
sentido.
A atividade de linguagem funda-se na interação, ou seja, no fato de que a linguagem é
dialógica. Por isso, não se pode ignorar, nas diversas situações de comunicação entre os
sujeitos, a influência das crenças, experiências, valores e leituras que estes trazem consigo ao
se relacionarem por meio da linguagem. Em uma interação verbal, portanto, eles imprimem às
palavras seus pontos de vista, ao mesmo tempo em que definem a si próprios a partir delas,
5 Termo utilizado por Certeau (2012) ao se referir aos movimentos corporais dos leitores em suas práticas de leitura.
34
interferindo diretamente no sentido que possam adquirir em cada situação específica de
interação. Bakhtin/Voloshínov (2006, p.122) compreende esse diálogo6 da seguinte forma:
“uma vez materializada, a expressão exerce um efeito reversivo sobre a atividade mental: ela
põe-se então a estruturar a vida interior, a dar-lhe uma expressão ainda mais definida e mais
estável.”.
A abordagem bakhtiniana da interação mostra o aspecto social e histórico como
fundamento das práticas de linguagem, considerando não apenas a atividade mental e a
consequente objetivação da expressão interior realizada pelo locutor, mas também o
movimento inverso produzido pelo alocutário. Além disso, sua abordagem passa a considerar
a importância da ideologia na atividade mental de objetivação da palavra na enunciação, com
base na situação de comunicação e nos sujeitos que dela participam.
Refletindo sobre esse princípio, que pode e deve ser aplicado às práticas de leitura de
uma comunidade de leitores, entendo que, ao se apropriar de um texto, o leitor interage com
um outro, na medida em que traz sua história de leitura, seleciona gestos de leitura e modos
de agir conforme as práticas sociais do lugar, da época, enfim, da sociedade em que vive: “a
comunicação verbal não poderá jamais ser compreendida e explicada fora desse vínculo com
a situação concreta.” (BAKHTIN/VOLOSHÍNOV, 2006, p.128). Chartier (2002), como foi
visto acima, considera que o ato de apropriação de um texto pressupõe todos esses
movimentos. O que Certeau (2012) define como “efetuação” – processo no qual o leitor
interage com o texto a fim de construir um sentido para o que lê tendo em vista uma atividade
autoral – também se aproxima do modo como o filósofo russo compreende a “interação
verbal”.
Considerar, em uma interação, o vínculo com a situação concreta é conceber que a
interação verbal pauta-se na historicidade dos sujeitos que fazem parte de uma sociedade. Em
uma interação entre texto e leitor, essa historicidade define e perpassa, como se vê, os objetos
e os gestos de leitura, os modos de ler e as finalidades das leituras de uma comunidade de
leitores. Essa história do leitor relaciona-se também à história do livro:
Reconstruir em suas dimensões históricas esse processo de “atualização” de textos exige [...] [compreender que os leitores], de fato, não se defrontam jamais com
textos abstratos, ideais e desprendidos de toda a materialidade: manejam ou
percebem objetos e formas cujas estruturas e modalidades governam a leitura (ou a escuta) procedendo à possível compreensão do texto lido (ou ouvido). Contra uma
definição puramente semântica do texto [...] é preciso levar em conta que as formas
6 Neste trabalho, apoio-me no conceito de diálogo conforme o pensamento bakhtiniano e de seu Círculo, ou seja,
como uma das formas de interação verbal, mas também em um sentido amplo, como um aspecto característico de toda comunicação verbal.
35
produzem sentidos e que um texto, estável por extenso, passa a investir-se de uma significação e de um status inéditos, tão logo se modifiquem os dispositivos que
convidam à sua interpretação. (CHARTIER; CAVALLO, 1999, p.12-13).
Em nossa sociedade, por exemplo, pode-se observar, há alguns anos, uma série de
edições de grandes clássicos em versões conhecidas como “pocket”. Essas versões, que se
assemelham aos impressos editados pela Biblioteca Azul – retomados em diversas obras de
Chartier – caracterizam-se pelo preço acessível, pelo formato pequeno (por isso, também, o
adjetivo pocket), por uma linguagem mais simples e, dependendo da editora, pela modificação
na estrutura de capítulos e de partes do texto original7. Esse tipo de publicação pode, portanto,
modificar as práticas leitoras de um grupo de leitores ou dar espaço a outras, novas.
Sendo assim, quando falo em práticas de leitura, estou considerando que uma
investigação da leitura deve superar uma análise estritamente textual e discursiva, e também
observar como os textos, em sua materialidade, interferem no modo como se lê, como o leitor
se apropria do que lê ou, ainda, os gestos de leitura: “A leitura não é somente uma operação
abstrata de intelecção; ela é engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e
com os outros.” (CHARTIER, 1999, p.16). Esta pesquisa se propõe a tentar mapear esses
gestos nas práticas de leitura de alunos ingressantes em um campus do IFG por compreender
que tais gestos dizem muito não apenas sobre como eles leem o que leem, mas também sobre
o conceito de leitura desses jovens.
Além de me dedicar a conhecer os leitores e seus objetos de leitura, a época em que
vivem e os objetos que nela circulam, além dos lugares e gestos de leitura desses leitores,
busquei, nesta investigação, compreender os seus modos de agir quando leem e o porquê
dessas práticas leitoras (DARNTON, 2010). Para isso, considerei necessário “amarrar” às
ideias desenvolvidas por Chartier o princípio de dialogismo bakhtiniano, ou seja, quando se
compreende que os textos são constituídos por vozes que não apenas a do autor, mas a do
leitor e de outros que entram nesse diálogo, convocados por ambos, pode-se dizer que “a
leitura introduz portanto uma ‘arte’ que não é passividade.” (CERTEAU, 2012, p.50).
Esse enunciado de Certeau (2012) corrobora o que Bakhtin/Voloshínov (2006, p.271)
defendia como uma compreensão responsiva ativa dos sujeitos participantes de uma situação
7 Em maio de 2014, causou polêmica o fato de uma escritora ter conseguido publicar, inclusive com dinheiro
público, obras de alguns autores clássicos da literatura brasileira, como Dom Casmurro, de Machado de Assis,
em versões “facilitadas”, a fim de encontrar mais adesão do público do século XXI. Tal fato exaltou os ânimos de estudiosos que consideraram tal atitude uma afronta ao texto literário, ao estilo e ao efeito estético pretendido
pelo escritor (Para mais informações, confira, por exemplo, em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/165102-machado-pra-burro.shtml). O que quero salientar, no entanto,
é que o formato, a linguagem, a composição desse “novo” texto ocasionarão novos modos de ler, pois trata-se de um outro texto, tecido de uma outra forma, com outras vozes.
36
de interação: “Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente
responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão é prenhe
de resposta [...].”. Embora o autor não tenha se dedicado à leitura especialmente, observa-se
que essa perspectiva reforça a ideia de que o leitor deve ser um sujeito ativo, que responde ou
age quando lê.
Afirmar a importância da compreensão responsiva ativa é reconhecer o dialogismo
como um princípio constitutivo do sentido de um texto, ou seja, ela é resultante de um diálogo
entre as vozes do leitor e as vozes do texto e, ainda, é por meio dela que se pode chegar a um
posicionamento autoral do leitor. É preciso, portanto, que o leitor reconheça, de antemão, que
os enunciados não são indiferentes entre si e não são autossuficientes, ou seja, são elos “[...]
na corrente complexamente organizada de outros enunciados.” (BAKHTIN/VOLOSHÍNOV,
2006, p.272).
Desse modo, “a fina película do escrito se torna um remover de camadas, um jogo de
espaços. Um mundo diferente (o do leitor) se introduz no lugar do autor.” (CERTEAU, 2012,
p.49). Assim, por meio desse remover de camadas, do estabelecimento de relações entre as
vozes, o leitor “define”, ainda que momentaneamente, a sua voz, o seu lugar, uma posição
autoral, a qual também será permeada pelas palavras dos outros, que têm, nesse momento,
suas tonalidades e suas expressões valorativas assimiladas, reelaboradas e/ou reacentuadas.
Abordarei mais pontualmente, a partir de agora, o conceito de posição autoral, a fim
de esclarecer o motivo pelo qual o considerei relevante para a investigação das práticas de
leitura de alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de
2013, em um campus do IFG.
Entre outras obras em que Bakhtin se dedica à noção de autoria, seu livro Questões de
literatura e de estética: a teoria do romance (2010a) é o que a introduz, atrelada aos conceitos
de estética, atividade estética e objeto estético, os quais investiga em seu estudo do romance.
Segundo ele, em um texto literário, a atividade estética é realizada por um autor, definido
como autor-criador, e revela a união de um elemento ético e de outro cognitivo. Ela não cria
uma nova realidade, mas permite ao autor-criador enriquecê-la, completá-la.
Para Bakhtin (2010a, p.33, grifos do autor), “a vida não se encontra só fora da arte,
mas também nela, no seu interior, em toda plenitude do seu peso axiológico: social, político,
cognitivo ou outro que seja”, e isso só acontece por meio desse elemento central na atividade
estética: o autor-criador. Tal autor-criador não é um sujeito de “carne e osso”, mas uma voz
que se instaura no discurso romanesco com a tarefa de construir um objeto estético. Ele é
quem relaciona, em uma obra de arte, o herói (ou tema) e o ouvinte contemplador, ou seja,
37
essa relação acontece toda em torno da figura central do autor-criador, é ele quem organiza,
no romance, todos esses elementos.
Tendo em vista que a vida também se encontra na arte (BAKHTIN, 2010a;
BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1926), que, como já disse, foi estudada pelo filósofo e seu
círculo, em especial, no âmbito literário,
[...] todo artista, em sua obra, se ela é significativa e séria, aparece como o artista
primeiro e tem que ocupar imediatamente uma posição estética em relação à
realidade extra-estética do conhecimento e do ato, ainda que nos limites de sua experiência puramente pessoal e ético-biográfica. (BAKHTIN, 2010a, p.38, grifos
do autor).
Para tentar explicar os movimentos envolvidos na atividade estética, destacarei, neste
momento, o trecho em que o autor diz que “todo artista, em sua obra, [...] tem que ocupar
imediatamente uma posição estética em relação à realidade extra-estética do conhecimento e
do ato [...]” a fim de compreender o que seria essa posição estética.
Tendo em vista um sujeito que pretende realizar-se enquanto autor, direi que, para
compreender e dar sentido a um objeto estético, é necessário que esse sujeito se desloque para
o lugar de um ser contemplativo: o ouvinte contemplador (onde assume uma posição estética
perante a realidade). Nesse lugar, esse sujeito torna-se um ser-único-em-evento, que passa a
compreender, a partir da significação dada ao objeto estético, o seu dever em relação a este.
Além disso, enriquecido com novos ou transformados feixes de relações valorativas, esse
sujeito retorna ao seu lugar “original”, como um sujeito polifonicamente constituído e
assumindo uma posição autoral8.
Observa-se, portanto, a importância do papel do autor-criador na atividade estética,
pois é ele quem orquestra as vozes sociais que se entrecruzam no romance: “toda
estratificação interna de cada língua em cada momento dado de sua existência histórica
constitui premissa indispensável do gênero romanesco” (BAKHTIN, 2010a, p.74). Ele
promove um recorte da realidade, transformando-a, modulando-a, permeando-a de entoações
para produzir um objeto estético. Esse trabalho de orquestração de vozes efetuado pelo autor-
criador pode ser entendido como a forma arquitetônica do discurso, a qual, segundo Bakhtin
(2010a, p.74), é organizada na forma composicional, material: “O discurso do autor, os
discursos dos narradores, os gêneros intercalados, os discursos das personagens não passam
de unidades básicas de composição com a ajuda das quais o plurilinguismo se introduz no
romance.”.
8 O que concebo como posição autoral equivaleria também aos termos autor e autoria de Bakhtin (2010a).
38
A orquestração desse plurilinguismo pode ocorrer em diversos graus, ou seja, “[...]
pode utilizar a linguagem sem se entregar totalmente a ela; ele a torna quase ou totalmente
alheia, mas ao mesmo tempo obriga-a, em última instância, a servir às suas intenções.”
(BAKHTIN, 2010a, p.105). É importante dizer que o autor espera desse outro uma
compreensão responsiva ativa, isto é, que ele não apenas experiencie o objeto estético, mas
reflita sobre ele enquanto um ser também ético.
Introduzido no romance, o plurilinguismo é submetido a uma elaboração literária.
Todas as palavras e formas que povoam a linguagem são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas significações concretas e que se organizam no romance
em um sistema estilístico harmonioso, expressando a posição sócio-ideológica
diferenciada do autor no seio dos diferentes discursos da sua época. (BAKHTIN,
2010a, p.106, grifo do autor).
Como já discuti ao longo deste trabalho, o leitor não é um sujeito passivo, pelo
contrário, é um ser historicamente constituído pelas suas experiências e leituras anteriores, as
quais entram em jogo em suas práticas de leitura. Nestas, as vozes do texto e as vozes do
leitor se cruzam a fim de constituir sentido para o que é lido, interferindo em outros fatores,
como nos gestos, nas motivações, nas finalidades e nos objetos de leitura. Desse modo, pode-
se pensar que, ao ler, esses sujeitos leitores assumem uma posição autoral, já que sua leitura
consistirá no resultado dessa orquestração de vozes promovida por ele.
Bakhtin enfatiza o autor-criador como o elemento central da atividade estética, o qual
é uma voz e não um sujeito encarnado. Parto da concepção de que, nas práticas de leitura, não
há “um” elemento central, o que se torna central na produção de sentido nessas práticas é a
interação entre o objeto de leitura e o leitor, é o diálogo que ambos estabelecem. Além disso,
concebo o leitor como um sujeito social e histórico, que age tanto na história quanto nos
discursos, ou seja, o sujeito histórico se faz presente em suas práticas de leitura e na voz do
leitor que se mistura a outras que lhe são anteriores, em suas práticas de leitura, reafirmando,
moldando e transformando suas leituras e sua história.
Cabe ao leitor, responsível ao texto e responsável por seu dizer, uma atividade
criadora, pois, em um nível discursivo, nas suas práticas de leitura, é ele quem orquestra as
diversas vozes do texto, bem como as que o constituem. Possenti (2002, p.117) denomina essa
orquestração de vozes dentro do texto de indícios de autoria: “Afirmei anteriormente que um
dos indícios de autoria é dar voz aos outros. Mas também disse que um texto bom é uma
questão de como... Podemos juntar as duas coisas: pode ser uma questão de como dar voz aos
outros.” (grifos do autor).
39
Não nego que os textos apresentam uma organização “prévia” que permite identificar
suas vozes, mas é como se, para construir sentido para um texto, o leitor precisasse
desconstruí-lo e, baseado em sua entoação avaliativa e no diálogo entre suas vozes e as desse
texto, o construísse novamente, com outras tonalidades, outras tessituras.
Pensando em textos que se vinculam a outras esferas de comunicação nas quais os
sujeitos se apropriam de textos, como a mídia, a escola, o ambiente familiar, entre outros,
observa-se que o leitor não só “contempla”, mas se envolve com o texto, toma-o para si, em
maior ou menor grau, discursiva e corporalmente, e com ele busca um diálogo. Ao interagir
com os textos, ele também se enriquece com novos ou transformados feixes de relações
valorativas e discursivas, ou seja, o intertexto (KRISTEVA, 2012) e o interdiscurso
(MAINGUENEAU, 2008) que fundam o texto contribuem para a construção do seu sentido
quando o leitor coloca essas vozes que tecem o texto em diálogo com os textos e os discursos
que evoca em sua leitura.
O conceito de autoria, portanto, não é restrito à figura que estaria no “polo” da
produção do texto (ainda que seja uma voz e não um ser de “carne e osso”), mas é possível
relacioná-lo também ao leitor, considerando que este, em suas práticas leitoras, assume um
posicionamento autoral, mesmo que não produza, por escrito, um texto em resposta ao que foi
lido.
No entanto, como três dos objetivos desta pesquisa consistem em identificar os modos
de ler tendo em vista as práticas de leitura propostas nas atividades escolares; analisar se os
alunos apresentam um posicionamento autoral em suas práticas de leitura cotidianas dentro e
fora da escola; e verificar o percurso de leitura desenvolvido pelos alunos, situando-o em
contextos específicos, o que inclui sua relação com os papéis, as finalidades e as formas de
interação que conduzem esses sujeitos em sua atividade leitora, o memorial, as atividades de
leitura em sala de aula e o diário de leitura foram propostos a fim de exporem suas leituras.
Porém, no momento de analisar tais práticas de leitura, como distinguir se um texto apresenta
ou não um posicionamento autoral?
Possenti (2002) tenta, ainda que timidamente, sugerir formas de se identificar um
posicionamento autoral nos textos. Ao falar em indícios de autoria, ele retoma o paradigma
indiciário, método proposto pelo italiano Ginzburg (1989), “[...] que remonta às origens da
própria humanidade. Este método está fundamentado na investigação de ‘pistas’, ‘sinais’ ou
‘indícios’ reveladores acerca dos fenômenos da realidade [...]” (COELHO, 2006, p.1 apud
SANTOS, 2012, p.34). Para Ginzburg (1989), esse método permite ao pesquisador conhecer
40
uma realidade complexa que não é possível experimentar diretamente, mas por meio de dados
aparentemente negligenciados ou, muitas vezes, ignorados por quem investiga essa realidade.
Santos (2012, p.35) compreende que, ao mostrar a peculiaridade inerente às pesquisas
em disciplinas como a História, entre outras, em relação aos métodos utilizados em outras
ciências, “o autor atribui [...] às ciências humanas essa atividade epistemológica e diz que é
possível, a partir de tal atividade, conhecer a realidade humana.”. Assim, as marcas que
definem a presença ou ausência de uma posição autoral nos textos seriam indícios de autoria
ou de uma orquestração de vozes promovida pelo leitor. Para Possenti (2002, p.112), as
[...] verdadeiras marcas de autoria são as da ordem do discurso, não do texto ou da
gramática [...] ela nem cai do céu, nem decorre automaticamente de algumas marcas,
escolhidas numa lista de opções possíveis. Trata-se de fazer com que entidades e
ações que aparecem num texto tenham exatamente historicidade [...].
Assim, segundo ele, alguém assume uma posição autoral quando realiza, consciente ou
inconscientemente, duas ações: dá voz a outros enunciadores e mantém distância em relação
ao próprio texto. A primeira seria a incorporação a seu texto – no caso dos alunos, à sua
leitura – de outras vozes, seja do senso comum, seja de outras leituras, o que chama atenção,
também, para o uso dos verbos dicendi. A última está relacionada a momentos em que os
leitores marcam sua posição em relação ao que dizem e em relação a seus interlocutores.
Assemelha-se ao que se conhece por metadiscurso ou atividade metaenunciativa, nas palavras
de Authier-Revuz (1998 apud POSSENTI, 2002). A seguir, cito um exemplo apresentado por
Abramo (1998), citado por Possenti (2002, p.115):
Não há mais praticamente nenhuma interação do cotidiano em que se possa encarar o interlocutor sob uma presunção de honestidade. Presume-se que o outro, se
deixado livre, usará todos os meios para “maximizar sua própria utilidade”, para
usar o curioso linguajar dos economistas; em linguagem comum, para levar
vantagem.
Abramo (1998), citado por Possenti (2002), assume um posicionamento autoral no
momento em que, ao retomar uma expressão comum à esfera econômica, procura explicá-la
por meio de outros termos, os quais estão marcados por sua avaliação, seu tom e são
influenciados por sua história de vida e de leitura. Nas palavras de Possenti (2002, p.121),
[...] há indícios de autoria quando diversos recursos da língua são agenciados mais ou menos pessoalmente – o que poderia dar a entender que se trata de um saber
pessoal posto a funcionar segundo um critério de gosto. Mas, simultaneamente, o
apelo a tais recursos só produz efeitos de autoria quando agenciados a partir de
condicionamentos históricos, pois só então fazem sentido.
41
Por fim, a emergência de uma posição autoral está relacionada à presença de índices
na leitura feita pelos alunos que revelam uma densidade maior, uma avaliação, uma tomada
de posição e uma relação com outros textos e outros discursos na leitura, seja de forma oral,
seja por escrito, em sala de aula ou em seu cotidiano. Toda essa discussão reafirma a
importância desta pesquisa na esfera não só acadêmica, mas também escolar, visto que “[...]
tratar de dialogismo junto aos alunos significa desenvolver leitura simbólico-ideológica que
permita chegar às vozes constituidoras do enunciado.” (MACHADO; WACHOWICZ, 2013,
p.100).
Dando prosseguimento às reflexões deste trabalho, o próximo capítulo será dedicado à
apresentação do campo em que a pesquisa foi desenvolvida, bem como do corpus e da
metodologia utilizada para que os objetivos aqui propostos fossem alcançados.
42
3 CAMPO DE PESQUISA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Apresento, neste capítulo, em um primeiro momento, um breve histórico e uma
descrição do campo em que a pesquisa foi desenvolvida, considerando a importância de tornar
conhecidas as condições e a esfera em que foram gerados os dados – um instituto federal de
educação, ciência e tecnologia do estado de Goiás que apresenta suas particularidades em
termos de currículo e funcionamento. Em um segundo momento, exponho a abordagem
metodológica adotada neste estudo, os procedimentos de geração e coleta dos dados, bem
como a sua descrição. Esclareço que esta pesquisa é de natureza qualitativa e configura-se
como um estudo de caso, por buscar reunir “[...] o maior número de informações detalhadas,
valendo-se de diferentes técnicas de pesquisa, visando apreender uma determinada situação e
descrever a complexidade de um fato.” (MARCONI; LAKATOS, 2004, p.274).
3.1 Campo de pesquisa
Para contextualizar o campo de pesquisa em que se desenvolveu a geração e a coleta
dos dados, realizadas ao longo de 2013, no âmbito de um IFG, no 1o ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, considero importante, neste momento do estudo,
apresentar, de modo resumido, algumas informações sobre a criação dessa instituição no
estado de Goiás.
Desde 2003, o governo federal pretendia promover modificações na educação
profissional e tecnológica. Em 2008, foi promulgada a Lei n° 11.892, que criava, entre outros,
o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás. De acordo com o art. 2°
desta lei, os Institutos Federais (IF) definem-se como
[...] instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e
multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas
diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos
técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas. (BRASIL, 2008a).
Assim, diferentemente das universidades, os IF atuam em três níveis: educação
superior (cursos superiores de tecnologia9, licenciatura
10, bacharelado e engenharia, pós-
9 Segundo a alínea a, do inciso VI, do art. 7°, da Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008), trata-se de cursos que visam a
formação profissional para os diferentes setores da economia. 10 É interessante observar que a concepção de tecnologia presente na Lei nº 11.892 é, por diversas vezes,
reduzida ao âmbito de cursos na área das ciências exatas e aplicadas, como se pode ver na alínea b, do inciso VI, do art 7°, que faz referência aos cursos de licenciatura que podem ser oferecidos pelos IF e destaca que estes
43
graduação lato sensu e pós-graduação strictu sensu); educação básica (cursos técnicos
integrados ao Ensino Médio); e profissional (cursos técnicos subsequentes11
, PRONATEC12
,
entre outros). Os IF também oferecem diferentes modalidades de ensino, como o ensino
presencial, o Ensino a Distância (EaD) e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), por exemplo.
Outra particularidade dos IF que chama atenção na definição apresentada na lei
supracitada é que a educação profissional e tecnológica oferecida pelos institutos deve atrelar
conhecimento técnico e tecnológico às práticas pedagógicas. Isso significa, tendo em vista
especialmente o Ensino Médio integrado ao curso técnico, que o aluno, ao longo de seus
estudos, cursará disciplinas do Núcleo Comum e Diversificado, mas também disciplinas do
Núcleo Específico, as quais variam conforme o curso técnico escolhido ao ingressar na
instituição. Dessa forma, espera-se que, ao se formar, o indivíduo tenha condições de entrar
no mercado de trabalho mais cedo e/ou dar continuidade aos estudos por meio de um curso
superior, de preferência na área tecnológica.
É importante dizer, ainda, que os IF têm como público-alvo indivíduos que possuem
baixa renda e que são provenientes de escolas públicas. Isso se deve ao objetivo do Estado de
oferecer uma educação de qualidade àqueles que não têm condições de pagar uma escola
particular, mas também de “proporcionar emancipação política e econômica.” (BRASIL,
2008ª) a jovens de famílias de baixa escolaridade e baixa renda. Conforme se observa nos
documentos de referência, espera-se que o indivíduo alcance um nível de escolaridade e de
renda superior e, consequentemente, tenha uma qualidade de vida melhor que a de seus
predecessores. Ainda de acordo com esses documentos, o governo federal deve incentivar a
expansão de IF no país a fim de formar profissionais para atuarem em diversos setores da
economia brasileira, desenvolvendo pesquisas e novos processos, produtos e serviços em
colaboração com o setor produtivo.
3.1.1 Delimitando o campo de pesquisa: o campus do Instituto Federal de Goiás em
análise
“[...] visam a formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática [...]”
(BRASIL, 2008a). Assim, fica claro que o foco da educação tecnológica é formar profissionais na área tecnológica. 11 São cursos voltados para um público que já terminou o Ensino Médio e deseja fazer um curso técnico. 12 Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego criado pelo governo federal em 2011 a fim de
expandir a oferta de cursos da educação profissional e tecnológica. Para mais informações, consultar http://pronatec.mec.gov.br/index.php.
44
O campus do IFG onde desenvolvi esta pesquisa foi inaugurado em abril de 2009 e,
hoje, conta com dois cursos técnicos integrados ao Ensino Médio (Química e Eletrotécnica);
um curso técnico integrado ao Ensino Médio em Agroindústria, na modalidade de Educação
de Jovens e Adultos; dois cursos superiores (Bacharelado em Engenharia Elétrica e
Licenciatura em Química); dois cursos técnicos subsequentes (Eletrotécnica e Automação
Industrial); e um curso técnico em Açúcar e Álcool, na modalidade de Educação a Distância.
Esses cursos totalizam a entrada de cerca de 400 alunos por ano na instituição, por meio de
um processo seletivo anual, no caso dos cursos técnicos integrados, e semestral, nos demais.
Em termos de infraestrutura, há laboratórios nas áreas de Química, Indústria, Física,
Matemática, Biologia e Informática, além de uma academia, quadras de esporte, refeitório e
uma biblioteca com um acervo de cerca de 4.957 exemplares e 1.690 títulos. A instituição
possui também um espaço onde os alunos, os funcionários e a comunidade em geral podem
ler jornais e revistas de assuntos gerais e especializados, os quais são atualizados diária e
mensalmente. No entanto, pelo que pude observar ao longo do ano e por meio de relatos dos
funcionários da biblioteca, os alunos dos cursos técnicos, em sua maioria, usam a biblioteca
para acessar a internet (muitos deles, para disputar jogos on-line, o que é proibido por
regulamento) e fazer trabalhos no computador. Poucos, então, a utilizavam com fins de estudo
e leitura de jornais, revistas, folhetos e livros impressos. Cabe ressaltar, porém, que era
comum encontrar alguns alunos estudando ou lendo, principalmente livros, nos intervalos, nas
próprias salas de aula ou em algum canto dos corredores e jardins do campus.
Abordando mais especificamente os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, é
importante dizer que os alunos que neles se matriculam são, em sua maioria, provenientes da
rede pública de educação, e que, ao que se percebe, vêm manifestando dificuldades para
adaptar-se a essa nova dinâmica da vida estudantil, que exige deles um tempo integral na
escola, um ritmo diferente de estudo, de rotina e de disciplina escolares.
Cada turma é composta, em média, por 30 alunos, podendo ultrapassar esse número
em decorrência de alunos repetentes. O grupo analisado nesta pesquisa – 1° ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio – não possuía alunos nessa condição na disciplina de
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira I.
Cabe ressaltar que os discentes que ingressaram a partir de 2012 em alguns dos
campus do Instituto Federal de Goiás estão inseridos em uma nova matriz curricular, em
decorrência da Resolução n° 48, de 13 de novembro de 2012 (BRASIL, 2012). O documento
alterou os turnos de funcionamento dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, que,
antes, eram apenas matutinos, para turno integral (matutino e vespertino), o que vem
45
ocasionando muitas divergências entre os docentes e os dirigentes do instituto, devido, por
exemplo, ao baixo rendimento dos alunos, que passaram a cursar mais disciplinas, já que o
curso, que tinha duração de quatro anos, passou a ter de ser concluído em três anos.
Tendo em vista a importância que a disciplina de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira (LPLB) apresenta em um curso técnico de Ensino Médio, e também as práticas de
leitura que esse aluno traz e desenvolve no seu cotidiano dentro e fora da escola, acredito ser
necessário conhecer como essa disciplina está inserida na matriz, no caso, do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio. Em vista disso, apontaremos alguns aspectos
relativos ao funcionamento dessa disciplina no cotidiano escolar da sala de aula do campus
onde desenvolvi a pesquisa.
Para se ter uma noção geral da matriz do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino
Médio, atualmente, integral, optei por apresentar na Tabela 1, abaixo, as disciplinas, a carga
horária de cada uma, bem como outras especificações. Nela, observamos que, nos primeiros
anos do curso de Eletrotécnica, os alunos cursam 19 disciplinas, sendo 12 parte do Núcleo
Comum, e sete do Núcleo Específico, também chamado de disciplinas técnicas. Nos segundos
anos, passam a ser 20 disciplinas, sendo 11 do Núcleo Comum, três do Núcleo
Diversificado13
e seis do Núcleo Específico, quando surgem duas disciplinas com carga
horária maior do que as cursadas no ano anterior. No último ano, são nove disciplinas do
Núcleo Comum, duas do Núcleo Diversificado e seis do Núcleo Específico, totalizando 17
disciplinas.
Tabela 1 – Matriz curricular do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio
13 Embora continuem sendo três disciplinas a compor o Núcleo Diversificado no 2° ano, foi incluída, a partir de
2013, mais uma disciplina optativa, a Oficina de Leitura e Produção de Textos. Sendo assim, os alunos devem escolher entre esta ou a disciplina Língua Estrangeira – Espanhol.
46
Fonte: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA (2009).
47
Devido à quantidade de disciplinas, ao que se observa, muitos alunos levam tempo
para se adaptar ao ritmo diferente de estudos que a escola exige, o que acaba por servir de
justificativa para que alguns não resolvam tarefas ou leituras requeridas para casa e, até
mesmo, não se dediquem como deveriam às avaliações. Muitos relatam, também, que optam
por se engajar mais nas disciplinas técnicas, preferindo ficar retidos, principalmente, nas
disciplinas do Núcleo Comum, consideradas por alguns deles como “mais fáceis”.
Atualmente, o campus do IFG onde a pesquisa aconteceu conta com três professoras
efetivas na área de LPLB, sendo uma delas também da área de Língua Espanhola. É
importante dizer, ainda, que é comum o fato de um professor assumir de duas a três turmas de
um mesmo ano, e cabe a ele atuar em três frentes – gramática, literatura e produção de texto –,
embora, como consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM),
constituam uma só: Linguagem.
De acordo com o Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), cabe à escola, com base em seus objetivos, definir a
carga horária que será destinada à disciplina. Assim, no IFG, as aulas são geminadas, ou seja,
no 1° ano, a disciplina de LPLB possui dois encontros semanais, com 1h40 de duração cada, e
a partir do 2° ano, há apenas um encontro, de 1h40.
Por meio de conversas informais com as colegas da área, verifiquei que elas ainda
consideram possível fazer um bom trabalho em termos de leitura e escrita com a carga horária
destinada à disciplina no 1° ano. Contudo, a partir do 2° ano, a situação se complica,
conforme elas ponderam, já que o professor não consegue, com um encontro semanal,
dedicar-se a um ensino de LPLB que possibilite ao aluno situações significativas de
aprendizagem da linguagem que permitam um trabalho crítico, da parte do aluno, com a
linguagem. Além disso, há uma ideologia reproduzida por alguns alunos acerca do livro
didático que confere a ele um status de “guardião” de todo o saber que devem “acumular” na
escola, não importando se há, além daqueles que o livro traz, outros conhecimentos a
construir, a compartilhar no ambiente da sala de aula de LPLB.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), documento
que tem por função nortear o ensino das disciplinas que compõem o currículo do Ensino
Médio, como a disciplina de Língua Portuguesa, observei que perpassa, na exposição sobre
essa disciplina – que é abordada na Parte II dos PCNEM14
, denominada Linguagens, códigos
e suas tecnologias –, um discurso que se apoia em uma visão crítica do ensino e da
14 A partir deste momento, nesta pesquisa, por “PCNEM” entenda-se “PCNEM de Língua Portuguesa”.
48
aprendizagem de língua, ao destacar o caráter interacional da linguagem, situada sócio e
historicamente, e construída por um ser responsável, ético, no sentido bakhtiniano, e a partir
de um outro que o constitui, assim como ele constitui esse outro. Isso pode ser exemplificado
pela seguinte orientação extraída dos PCNEM:
Compreender a língua é saber avaliar e interpretar o ato interlocutivo, julgar, tomar
uma posição consciente e responsável pelo que se fala/escreve. Toda fala/escrita é
histórica e socialmente situada, sua atualização demanda uma ética. Onde se aprende
isso? A experiência escolar é necessária e, mais, deve ser uma necessidade sentida pelo próprio aluno. (BRASIL, 2000, p.22).
Na leitura do documento, portanto, fica evidente um discurso que evoca uma
concepção bakhtiniana da língua. Segundo essa perspectiva, a língua não se configura como
um sistema abstrato, idealizado, como acreditavam e acreditam os defensores do objetivismo
abstrato (BAKHTIN/VOLOSHÍNOV, 2006), mas como uma materialização da linguagem
humana verbalizada. Logo, resulta de um trabalho dos sujeitos, que, ao se comunicarem por
meio de signos ideológicos, constroem a realidade e constituem o outro conforme a situação
de interação. Assumir uma abordagem dialógica da linguagem implica considerar que o
“processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em propostas
interativas língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo de construção do
pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno em particular e da sociedade em geral.”
(BRASIL, 2000, p.18).
A compreensão de um sujeito ativo, que se constitui e é constituído na e pela
linguagem, conforme identificada nos PCNEM, remete à noção de posicionamento autoral,
objeto desta investigação. Embora o documento não faça referência ao termo, ele deixa claro
que, nas aulas de Língua Portuguesa, o aluno deve ser estimulado a refletir, produzir sentido e
expor sua opinião acerca do que lê e escreve, ou seja, a assumir uma posição perante o que lê,
constituir-se autor de seu dizer a partir da relação que estabelece entre o objeto de sua leitura e
outros textos e discursos, por meio de uma orquestração das vozes que os povoam. Nos
PCNEM, essas ideias aparecem da seguinte forma:
O aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O texto só
existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada
contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os
outros textos que o compõem. O homem visto como um texto que constrói textos (BRASIL, 2000, p.18).
49
Considerar o aluno como produtor de textos significa dar voz a ele, permitir que ele
construa sentido para a realidade à sua volta a partir de suas leituras e experiências anteriores.
E “dar voz” ao aluno é orientá-lo a assumir seu dizer em relação a outros dizeres e contribuir
para que, por meio da leitura e produção de textos, ele se constitua como “ser humano”, como
diz os PCNEM. Essa atitude em sala de aula depende, em grande parte, do professor, que
deve saber conduzir as atividades de leitura, por exemplo, orientando o aluno quanto aos
modos de fazer (CERTEAU, 2012), sem menosprezar ou ridicularizar o que ele diz acerca do
que leu. É o que enuncia os PCNEM no seguinte trecho:
A opção do aluno por um ponto de vista coerente, em situação determinada, faz
parte de uma reflexão consciente e assumida, mesmo que provisória. A importância
de liberar a expressão da opinião do aluno, mesmo que não seja a nossa, permite que
ele crie um sentido para a comunicação do seu pensamento. Deixar falar/escrever de todas as formas, tendo como meta a organização dos textos. (BRASIL, 2000, p.21-
22).
Embora o texto do documento venha ao encontro das concepções de língua e
linguagem em que se apoia esta pesquisa, é interessante observar que o trabalho com a leitura
em sala de aula não aparece no documento de forma sistemática tal como quando ele aborda a
produção textual (conforme é possível verificar em um dos excertos supracitados). As
referências à leitura aparecem de forma explícita nesses PCNEM apenas em três momentos:
as duas primeiras, quando se apresenta uma crítica ao modo como a disciplina vem sendo
desenvolvida nas escolas; e a última, quando se defende que os alunos devem compreender e
usar a Língua Portuguesa como língua materna, reconhecendo que é por meio dela que o
mundo e o próprio sujeito são organizados e significados.
O uso da língua só pode ser social e o social, longe de ser linear, leva a intricadas
redes de significações. De qualquer forma, o sujeito que produz a linguagem é
único, bem como a situação de produção. O uso depende de se ter conhecimento sobre o dito/escrito (a leitura/análise), a escolha de gêneros e tipos de discurso.
(BRASIL, 2000, p. 22, grifos nossos).
Como se pode observar, o uso do sinal gráfico “barra” (/) não sugere oposição ou
alternância, como é seu uso comum, mas sinonímia entre os termos “leitura” e “análise”, o
que entra em discordância com a concepção de leitura apresentada neste trabalho. Ao
compreender leitura como “análise”, os PCNEM expõem uma concepção restrita de leitura. O
documento não faz referência à leitura como uma prática cultural (CHARTIER, 1999a;
1999b; 2002; 2004; 2011), ou seja, desconsidera seu caráter de atividade sócio-histórica, na
qual os sujeitos constroem sentidos ao dialogarem com os objetos de suas leituras. Dessa
50
forma, a associação entre leitura e análise deve-se a seu interesse em abordar o conceito
apenas como um processo cognitivo e interacional. Nesta pesquisa, a leitura será abordada
tanto como um processo cognitivo, interacional, quanto como uma prática cultural, tendo em
vista os objetivos mais gerais de conhecer as práticas de leitura dos alunos do 1o ano do curso
de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, bem como de verificar se eles assumem um
posicionamento autoral durante essas práticas.
Visto que os PCNEM são um documento que tem por finalidade estabelecer os
parâmetros e fornecer as orientações para o trabalho, nesse caso, com a disciplina de Língua
Portuguesa em sala de aula, aponto a necessidade de se rever o conceito de leitura apresentado
no documento, incluindo as condições sócio-históricas de produção e recepção dos objetos de
leitura, bem como os modos de ler, os gestos de leitura. Enfim, é preciso lançar um olhar
sobre a leitura também como uma prática cultural.
Abordar a leitura sob esse viés envolve diferentes ações, como considerá-la uma
atividade que varia conforme a cultura, o grupo social a que se vincula, a época em que se
vive, os significados atribuídos a ela pelos sujeitos etc.; conhecer a história de leitura dos
alunos e os objetos de leitura que fazem parte do seu cotidiano, bem como seus modos de ler;
discutir maneiras de se trabalhar as formas de leitura em sala de aula; enfim, compreendê-la
não apenas como um processo cognitivo e interacional, mas também histórico.
Os PCNEM pressupõem oito habilidades e competências a serem desenvolvidas em
Língua Portuguesa no Ensino Médio, que, como esclarecem seus organizadores, têm um
caráter “indicativo e interpretativo, propondo a interatividade, o diálogo, a construção de
significados na, pela e com a linguagem.” (BRASIL, 2000, p.4). Essas habilidades e
competências encontram-se transcritas no Quadro 1 abaixo. Em seguida, apresento uma
análise de como elas são interpretadas pelos professores que elaboraram o Plano de Ensino da
disciplina LPLB I (Língua Portuguesa e Literatura Brasileira I), ministrada no 1o ano do
Ensino Médio no IFG.
51
Quadro 1 – Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa,
segundo os PCNEM
1. Representação e comunicação 2. Investigação e compreensão 3. Contextualização sociocultural
1.1 Confrontar opiniões e pontos de
vista sobre as diferentes
manifestações da linguagem verbal.
1.2 Compreender e usar a Língua
Portuguesa como língua materna,
geradora de significação e
integradora da organização do
mundo e da própria identidade.
1.3 Aplicar as tecnologias de
comunicação e da informação na
escola, no trabalho e em outros
contextos.
2.1 Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,
relacionando textos/contextos,
mediante a natureza, função,
organização, estrutura, de acordo com as condições de produção,
recepção (intenção, época, local,
interlocutores participantes da
criação e propagação das ideias e escolhas, tecnologias disponíveis).
2.2 Recuperar, pelo estudo do texto
literário, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo,
o patrimônio representativo da
cultura e as classificações
preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial.
2.3 Articular as redes de diferenças
e semelhanças entre a língua oral e escrita e seus códigos sociais,
contextuais e linguísticos.
3.1 Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação de
acordos e condutas sociais e como
representação simbólica de
experiências humanas manifestas nas formas de sentir, pensar e agir
na vida social.
3.2 Entender os impactos das tecnologias da comunicação, em
especial da língua escrita, na vida,
nos processos de produção, no
desenvolvimento do conhecimento e na vida social.
Fonte: BRASIL (2000, p.24).
Como se observa acima, as habilidades e competências são divididas em três eixos –
Representação e Comunicação, Investigação e Compreensão e Contextualização sociocultural
–, que se subdividem, apresentando, na forma de tópicos, os objetivos a serem alcançados em
relação à disciplina. Esses objetivos são gerais, possivelmente, para proporcionar uma maior
flexibilidade ao professor e à escola, adaptando-os à sua realidade.
Pressupõe-se, então, que o Plano de Ensino da disciplina Língua Portuguesa do IFG
deverá basear-se nessas habilidades e competências, a fim de estabelecer sua ementa e seus
objetivos. Embora estes mudem no decorrer dos anos, a ementa da disciplina é a mesma para
o 1o, o 2º e o 3
o anos, e para todos os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio – técnico
em Química e técnico em Eletrotécnica (sala de aula pesquisada):
Práticas de leitura, compreensão, interpretação e produção de textos de diversos
gêneros textuais em diferentes contextos discursivos; Análise linguística: integração dos níveis morfossintático e discursivo; Literatura Brasileira e seus aspectos
estilísticos e culturais em diálogo com a cultura afro-brasileira e indígena; Usos da
Língua em diferentes registros e níveis de formalidade. (INSTITUTO FEDERAL
DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS, 2013, p. 1).
52
O que se verifica é que a ementa é ampla e propõe um ensino de LPLB, no IFG,
atualizado e coerente com o que dizem os PCNEM de Língua Portuguesa – o que se pode
perceber, por exemplo, no tratamento que se espera que seja dado aos conteúdos “Análise
linguística” e “Uso da língua”. Além disso, ela visa um ensino de língua que se apoia na
leitura e na escrita de gêneros textuais para o seu desenvolvimento, numa perspectiva
discursiva e contextualizada. Em termos teóricos, percebo que há uma incoerência quando a
ementa ressalta a necessidade de se considerar nas práticas de leitura, compreensão,
interpretação e produção diversos gêneros textuais em diferentes contextos discursivos.
Ao se referir a contextos discursivos, a ementa retoma uma concepção de linguagem e
de gênero mais próxima de uma visão bakhtiniana, em comparação com a que trata de
gêneros textuais. O que, na ementa, pode ser entendido por contextos discursivos são as
situações de produção dos enunciados ou textos, que são concebidos, nesse caso, como
gêneros discursivos. Segundo Rojo (2005, p.185), essa teoria do gênero discursivo centra-se
[...] no estudo das situações de produção dos enunciados ou textos e em seus
aspectos sócio-históricos. [...] [e, por isso, tende] [...] a selecionar os aspectos da
materialidade linguística determinados pelos parâmetros da situação de enunciação – sem a pretensão de esgotar a descrição dos aspectos linguísticos ou textuais, mas
apenas ressaltando as “marcas linguísticas” que [decorrem de/produzem]
significações e temas relevantes no discurso.
Embora resulte de uma releitura do conceito de gênero discursivo de Bakhtin (2003), a
teoria de gêneros textuais, tal como é discutida, por exemplo, por Schneuwly e Dolz (2011) e
Marcushi (2008), apresenta uma ênfase distinta da anterior. Ela dedica-se à descrição da
materialidade textual, amparada por categorias advindas da Linguística Textual, o que
equivaleria a uma análise da forma composicional dos enunciados.
É preciso pensar que os conceitos utilizados na construção de uma ementa refletem
uma posição teórico-metodológica que deve estar clara e coerente não apenas com os
objetivos da disciplina, mas também com a proposta metodológica de ensino da disciplina, ou
seja, com a forma pela qual os conteúdos deverão ser abordados pelo professor. Acredito que
essa ausência de clareza no caso da ementa de Língua Portuguesa do IFG deve-se a diversos
fatores, como, por exemplo, o fato de esse terreno de estudo – dos gêneros
discursivos/textuais – ainda hoje ser considerado movediço, sendo objeto de reflexão de
pesquisadores de diversas áreas – não só da Linguística –, como Bakhtin (2003), Marcuschi
(2008), Schneuwly e Dolz (2011), Bazerman (2005), Swales (1990), Miller (1984), Bronckart
(1999), Maingueneau (2008), entre outros.
53
Por fim, corroborando a visão de Rojo (2005), reconheço que ambas as teorias são
válidas para um trabalho com a linguagem, porém é necessário ter em mente que elas não são
indiferentes uma com a outra, apresentando modos distintos de se tratar os enunciados. O que
se nota, no entanto, na ementa da disciplina de LPLB, no IFG, é que esses conceitos se
diluem, não ficando clara a perspectiva adotada pela instituição. Desse modo, como
professora, me sinto à vontade para escolher qual abordagem seguir durante as minhas aulas,
qual seja, uma visão discursiva da linguagem.
Após essa discussão sobre a ementa, passarei a uma breve análise dos objetivos da
disciplina, procurando verificar se há uma consonância entre os objetivos propostos no Plano
de Ensino da disciplina LPLB I, no IFG, e as competências e habilidades elencadas nos
PCNEM. O Quadro 2 mostra uma relação entre os objetivos da disciplina e as habilidades e
competências pressupostas pelo documento de referência. Na primeira coluna, encontram-se
os objetivos e, nas demais, consta uma série de números em sequência (1.1, 1.2, em diante)
que remetem às habilidades e competências previstas nos PCNEM. Os quadrados hachurados
indicam uma correspondência – mesmo que aproximada – entre o que consta no Plano de
Ensino da disciplina LPLB 1 e as habilidades e competências que se espera que o aluno
desenvolva durante o 1o ano dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio:
54
Quadro 2 – Objetivos da disciplina LPLB I e habilidades e competências apresentadas
nos PCNEM
Objetivos da disciplina LPLB I no IFG
Competências e habilidades identificadas entre os objetivos que
compõem o Plano de Ensino da disciplina LPLB no IFG
1.1* 1.2 1.3 2.1 2.2 2.3 3.1 3.2
1. Reconhecer a participação dos elementos
contextuais e linguísticos para a construção de sentidos nas esferas midiática e literária.
2. Adequar o registro linguístico ao contexto
interacional de uso da língua.
3. Compreender as relações intertextuais estabelecidas entre textos da esfera literária e de
outros campos discursivos.
4. Utilizar a paráfrase como recurso para a
construção de resumos.
5. Identificar os gêneros textuais como forma de
atividade humana nas diferentes esferas sociais.
6. Reconhecer os aspectos gerais que caracterizam os textos de gêneros acadêmicos.
7. Utilizar os elementos linguísticos em adequação com o grau de formalidade dos
contextos enunciativos.
8. Compreender os aspectos temáticos, estruturais e estilísticos predominantes em
textos do Quinhentismo, do Barroco e do Arcadismo.
9. Reconhecer os aspectos culturais afro-brasileiros e indígenas nos diversos gêneros textuais.
*Os números correspondem a cada uma das habilidades e competências conforme descritas no Quadro 1.
Fonte: Elaborado pela autora.
Examinando o Quadro 2, observa-se que a maior parte das habilidades e competências
são retomadas nos objetivos 1.2, 1.3, 2.1, 2.2, 3.1 e 3.2 da disciplina, o que é um aspecto
positivo em se tratando da necessidade apontada pelo MEC quanto à adequação das escolas
aos PCNEM. Além disso, os objetivos corroboram o que consta na ementa em relação aos
conteúdos previstos para o 1o ano dos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio.
É importante problematizar, contudo, a ausência de correspondência entre a habilidade
e competência 2.3 e os objetivos da disciplina, e a baixa correspondência entre a habilidade e
competência 1.1 e tais objetivos. A habilidade e competência “Articular as redes de diferenças
e semelhanças entre a língua oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e linguísticos”
(2.3) não é retomada nos objetivos da disciplina. Minha hipótese é de que a sua ausência entre
os objetivos decorre de uma ideologia de marginalização da oralidade nas aulas de Língua
Portuguesa, como se fosse algo que não precisasse ou não devesse ser ensinado. Há diversos
estudos que apontam essa questão – como os de Cavalcante (2006), Citelli (2004), Marcuschi
(2007), Rojo (2004), Signorini (2001), Schneuwly e Dolz (2011), para citar alguns – e
55
defendem o ensino das duas modalidades e a reflexão entre ambas, como explica Cavalcante
(2006, p.184):
[...] o estudo da fala deve abordar questões relacionadas a situações comunicativas,
estratégias organizacionais de interação próprias de cada gênero, processos de compreensão etc. É na perspectiva de um trabalho de reflexão que articule todos
estes aspectos que a oralidade deve ser alçada à condição de objeto de ensino.
Partindo para a análise da baixa ocorrência da competência e habilidade “Confrontar
opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal” (1.1), como
se pode verificar no Quadro 2, relacionei-a, por aproximação, ao objetivo de “Compreender as
relações intertextuais estabelecidas entre textos da esfera literária e de outros campos
discursivos”, embora eles se encontrem inscritos em abordagens teóricas distintas. Enquanto
as habilidades e competências descritas nos PCNEM se aproximam de uma visão discursiva
da linguagem, como é o caso da 1.1, que propõe que o aluno seja capaz de estabelecer
relações entre “opiniões e pontos de vista”, o objetivo da disciplina se restringe a
“compreender relações intertextuais”, as quais se encontram na materialidade do texto. Há,
ainda, um problema relativo ao fato de o Plano de Ensino da disciplina dizer que relações
intertextuais são estabelecidas em “campos discursivos” diversos, o que, mais uma vez,
ocasiona uma inconsistência teórica. Por que, então, a aproximação?
Primeiro, porque, embora seja possível reconhecer nos PCNEM uma perspectiva
discursiva da linguagem, no Plano de Ensino, há diversos problemas conceituais e
metodológicos que não me permitem definir, com clareza, como a Língua Portuguesa deve ser
abordada em termos de leitura e escrita. Segundo, porque tanto a habilidade e competência
quanto o objetivo da disciplina remetem a uma ideia de leitor que participa da construção do
sentido do texto, interage com ele, ainda que em níveis distintos de análise. Desse modo, a
inscrição em uma abordagem mais textual pode caracterizar uma escolha teórico-
metodológica dos responsáveis pela elaboração do Plano de Ensino de LPLB I em relação ao
princípio dialógico que constitui os textos e discursos.
Cabe dizer que, considerando os objetivos deste estudo, chama minha atenção a baixa
frequência com que este último item aparece entre os objetivos da disciplina, por considerá-lo
fundamental para a formação do aluno enquanto sujeito social, inserido em um universo de
práticas de leitura e escrita que não devem ser vivenciadas de forma passiva, mas consciente,
o que só é possível quando o aluno consegue sair do lugar de dizer do outro e constituir o seu
próprio lugar de dizer, ou seja, assumir um posicionamento autoral quando lê.
56
Desenvolver essa competência e habilidade no aluno requer ensiná-lo a construir
sentido para os textos, estimulando-o a assumir o seu lugar de dizer em relação ao que lê, uma
competência e habilidade que deveria estar mais enfatizada entre os objetivos da disciplina
LPLB I, por propiciar momentos de reflexão e expressão de opinião entre os alunos em sala
de aula.
As habilidades e competências 1.1 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as
diferentes manifestações da linguagem verbal – e 1.2 – Compreender e usar a Língua
Portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do
mundo e da própria identidade – interessam a este estudo sobretudo porque estão relacionadas
ao estímulo de uma compreensão ativa do aluno ao ler ou produzir um texto.
As ações de “confrontar opiniões” e “compreender e usar a língua para gerar
significação e organizar o mundo e a identidade” exigem uma participação efetiva do aluno
no papel de leitor e produtor de textos. Assim, penso que tais ações, entre outras, estão
ancoradas em uma perspectiva de que ler e produzir textos requer uma atitude de
responsividade do aluno, mas também de responsabilidade em relação ao seu dizer, o que o
leva a assumir um posicionamento autoral a partir do que lê e escreve. Orientar o aluno a
participar da construção do sentido do texto, significando e ressignificando o que lê, é
conduzi-lo a assumir uma posição diante do que lê, a organizar seu conhecimento e sua
experiência como leitor, a fim de constituir-se autor de seu dizer.
Dando continuidade à discussão, abordarei de forma mais específica o campo de
pesquisa a partir de agora, apresentando o universo em que a pesquisa de fato foi se
constituindo: a sala de aula de LPLB. Durante o desenvolvimento da pesquisa, em minha sala
de aula, pude ter um contato direto e prolongado com meus alunos no ano de 2013.
Convivendo com eles no ambiente em que se dava a investigação, comecei a perceber que, em
diferentes momentos, era como se eu estivesse com uma lupa e pudesse me enxergar, ao
mesmo tempo, como professora e como pesquisadora, em um movimento exotópico
(BAKHTIN, 2003; 2006). Esse movimento permitiu que, entre o “eu professora” e o “eu
pesquisadora” houvesse uma troca de experiências e saberes. Enfim, uma estava constituindo
a outra dialogicamente, ou seja, o fazer professor contribuía para o fazer pesquisador e vice-
versa.
Bakhtin (2003; 2006) contribui, por meio de suas reflexões sobre conceitos como
exotopia/ação exotópica, excedente de visão e acabamento, para a compreensão dessa ação
do professor que se coloca, em determinados momentos, na posição de pesquisador dos
eventos de leitura e escrita no interior de sua própria sala de aula. Ele mostra que o eu se
57
constitui através do outro, pois é na interação que o outro, com seu excedente de visão,
possibilita que tenhamos um acabamento, ainda que temporário. Na situação em que se insere
um professor pesquisador, cabe ao ser professor colocar-se no lugar do outro (no caso, do ser
pesquisador) no momento em que se realiza a pesquisa em sala de aula.
O outro é visto por mim como acabado, ao passo que vejo a mim mesmo como
essencialmente inacabado, ao mesmo tempo em que o outro se vê como inacabado e
me vê como acabado: trata-se do excedente de visão, base tanto da interação como
da atividade autoral e científica. Isso remete à questão da “exotopia” ou “excedente
de visão”, que á a base do trabalho estético. (SOBRAL, 2005, p.111).
O que se verifica, no entanto, é que, ao se colocar no lugar de pesquisador, o
movimento é inverso, ou seja, o outro passa a ser o professor. A esse exercício de se
posicionar no lugar do outro a fim de constituir-se é o que Bakhtin (2003; 2006) denominou
como exotopia, isto é, o contínuo colocar-se no lugar do outro para compreender seu
excedente de visão e lhe possibilitar um acabamento provisório.
Assim, enquanto, em um momento, o professor permite que o pesquisador, ao ocupar
seu espaço, desvele a sua prática ao pesquisar – no caso, a prática de leitura dos alunos (a qual
envolve interação) –, em outro, o pesquisador ocupa um espaço “de fora” e passa a refletir
sobre a prática desse professor. Sendo assim, eu só me “completo” a partir do momento em
que sou capaz de enxergar minhas ações com o olhar do outro, somente assim me torno
acabado, ainda que esse acabamento tenha prazo de validade. Logo, o pesquisador que
investiga sua sala de aula de leitura acaba por conhecer a si próprio, a se constituir como
professor, ao sair do lugar de pesquisador e observar-se “de fora” como professor.
Em suma, essa ação exotópica conduz o professor a uma reflexão e a uma avaliação
sobre o que é ser professor, o que é ensinar e como ensinar, e o pesquisador a uma reflexão e
avaliação sobre o que é ser pesquisador, o que é pesquisar e como fazer pesquisa sobre a
própria prática na escola15
.
Nessa perspectiva, Lüdke (2012), retomando Contreras, diz ser importante para o
professor que atua na escola básica possuir o conhecimento teórico e metodológico necessário
para desenvolver uma pesquisa que efetivamente contribua para a sua formação e para o
ensino. No entanto, segundo o autor, isso não é suficiente para orientar a reflexão
[...] na direção dos verdadeiros problemas a serem enfrentados pelo trabalho
docente. É preciso, ainda segundo Contreras, que o professor se comprometa com a
15 Sobre isso, conferir Sobral (2013).
58
transformação da realidade, no que se refere a esses problemas, e aqui entram os
componentes éticos e políticos do seu trabalho. (LÜDKE, 2012, p. 33).
Para que o professor constitua-se como um sujeito consciente, crítico e competente, e
busque tais transformações, é necessário dar-lhe condições, como uma boa formação, cursos
de formação continuada e acesso ao universo da pesquisa, não apenas na posição de leitor ou
“aplicador” do que se desenvolve na academia, mas de agente, de pesquisador, inclusive de
sua prática. Para isso, claro, são indispensáveis também que as outras duas dimensões
humanas entrem em jogo: a ética e a teórica (ZANDWAIS, 2012).
As aulas de LPLB, portanto, me proporcionaram uma experiência em que pude, como
pesquisadora, me observar “de fora”. Ao refletir sobre as práticas de leitura desenvolvidas
durante os encontros com os alunos, ao analisar “de perto” seus modos de ler e ao tentar
flagrar a emergência de posicionamentos autorais em atividades de leitura, constituía-me
como professora de LPLB, repensando, constantemente, o meu fazer docente.
Quando assumo essa posição de professora-pesquisadora de minha sala de aula,
concebo a aula como um acontecimento, o que, segundo Geraldi (2010, p.100), consiste em
“[...] eleger o fluxo do movimento como inspiração, rejeitando a permanência do mesmo e a
fixidez mórbida do passado.”. Em outras palavras, tal posicionamento desmantela ideias como
a de que ensinar é transmitir informações, e reforça a ideia de que ensinar é orientar os alunos
a aprender a aprender, a construir conhecimento e a refletir juntos sobre a linguagem e sobre a
leitura e a escrita como práticas sociais. Isso significa que é preciso “[...] pensar o ensino não
como aprendizagem do conhecido, mas como produção de conhecimentos, que resultam, de
modo geral, de novas articulações entre conhecimentos disponíveis.” (GERALDI, 2010,
p.98).
Partindo dessas concepções, a escolha pela turma do 1° ano do curso de Eletrotécnica
integrado ao Ensino Médio deveu-se, sobretudo, ao meu interesse em conhecer quem era esse
aluno-leitor que acabava de ingressar no IFG, qual sua história de leitura, quais suas práticas
de leitura, de que modo ele lê, o que lê e se assume um posicionamento autoral no papel de
leitor. Acredito que a realização desta pesquisa colaborará para uma reflexão sobre o ensino
de LPLB no IFG e, ainda, poderá apontar ações, como atividades e projetos, que possam
contribuir para uma formação crítica dos alunos em relação à linguagem.
Após as considerações acerca do campo de pesquisa mais amplo – um campus do IFG
– e mais restrito – a sala de aula de LPLB I –, por meio de discussões em torno das condições
de ensino da disciplina no instituto; de como ela se organiza em relação à sua ementa e a seus
objetivos; de como o seu Plano de Ensino dialoga com os pressupostos dos PCNEM; e, ainda,
59
das circunstâncias em que os dados foram gerados, ou seja, como foi pesquisar a própria sala
de aula, apresentarei a abordagem metodológica adotada por este estudo, os procedimentos de
geração e coleta dos dados, bem como a sua descrição.
3.2 Procedimentos metodológicos
Tendo em vista o objetivo mais geral da pesquisa – verificar a emergência de um
posicionamento autoral no curso de práticas de leitura de alunos(as) ingressantes em um dos
campus do IFG – e o seu campo de investigação – minha sala de aula de LPLB –, apoiei-me
em uma abordagem qualitativa, com uma preocupação de analisar e interpretar os dados de
forma mais aprofundada, considerando a complexidade do comportamento humano. Além
disso, o fato de trabalhar com um número mais reduzido de dados – em relação ao que se
observa em uma pesquisa quantitativa – possibilita ao pesquisador uma análise mais detalhada
das informações.
Outra característica das pesquisas de abordagem qualitativa é a realização, a princípio,
da coleta dos dados, para, em seguida, construir a “teoria de base” na qual se apoiará a
investigação, seja para confirmar, seja para confrontar o que esta diz. Ao utilizar essa
abordagem, “[...] o investigador entra em contato direto e prolongado com o indivíduo ou
grupos humanos, com o ambiente e a situação que está sendo investigada, permitindo um
contato de perto com os informantes.” (MARCONI; LAKATOS, 2004, p.272).
Uma pesquisa qualitativa pode valer-se de métodos e técnicas diversos, a escolha
dependerá do que está sendo investigado. No caso deste trabalho, optei pelo método do estudo
de caso, que se “constitui uma investigação de uma unidade específica, situada em seu
contexto, selecionada segundo critérios predeterminados e, utilizando múltiplas fontes de
dados, que se propõe a oferecer uma visão holística do fenômeno estudado.” (ALVES-
MAZZOTTI, 2006, p. 650). Como técnicas, escolhi utilizar os gêneros discursivos
questionário, memorial, atividades de leitura em sala de aula e diário de leitura, sobre os
quais tratarei mais adiante.
O método de estudo de caso apresenta ainda algumas características que julgo
importantes para o desenvolvimento deste estudo, como: a) compreende que o conhecimento
está em constante transformação, por isso o quadro teórico é visto apenas como uma base para
que a pesquisa se desenvolva; b) ressalta a necessidade de, ao longo da pesquisa, ter-se como
princípio a interpretação considerada no contexto; c) busca retratar a realidade em sua
completude e profundidade; d) usa fontes de informação variadas, coletadas em situações e
60
por tipos de informantes também distintos; e) pode permitir generalizações naturalísticas ao
leitor, o que, segundo Lüdke e André (1986, p.19), “[...] ocorre em função do conhecimento
experiencial do sujeito, no momento em que este tenta associar dados encontrados no estudo
com dados que são frutos das suas experiências pessoais”; f) procura fornecer diferentes
pontos de vista numa situação social para que o leitor se posicione diante dessas opiniões,
bem como das conclusões apresentadas pelo pesquisador; e g) preocupa-se em transmitir os
resultados da pesquisa de forma clara e direta, um estilo mais informal, narrativo, como uma
forma de se aproximar mais do leitor e de suas experiências por meio da apresentação de um
objeto de estudo, que é tratado como singular, único e historicamente situado na realidade que
o circunda.
Tomando como referência as discussões apresentadas acima, consideramos que o
estudo de caso mostra-se adequado aos interesses científicos desta pesquisa, uma vez que
dediquei-me ao estudo de um caso, situado em uma circunstância social e histórica específica:
a emergência de um posicionamento autoral no curso de práticas de leitura de alunos
ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um
campus do IFG.
Além disso, por partir de uma concepção de leitura ancorada em pressupostos sócio-
históricos (CHARTIER, 1999a; 1999b; 2002; 2004; 2011; BAKHTIN, 2003, 2006, 2010a,
2010b) e dialógicos (BAKHTIN, 2003, 2006, 2010a, 2010b) da linguagem, compreendo que
as práticas de leitura devem ser investigadas no contexto em que são produzidas e recebidas.
Essa visão dialógica da linguagem está relacionada à ideia de um não acabamento, traço do
estudo de caso, o que caracteriza a atividade de linguagem como essencialmente recursiva –
discursos retomam discursos anteriores e apontam para outros que hão de vir. Assim, ao
realizar um estudo de caso, dialoguei com as teorias de base, tomando-as como pontos de
partida para o que eu haveria de descobrir na realidade investigada. E o resultado desta tese
poderá se tornar, para outros leitores e pesquisadores, um ponto de partida para novas
pesquisas.
Este trabalho buscou, sobretudo, um aprofundamento do caso investigado, a fim de
conhecer quem são esses alunos ingressantes como leitores; como esse grupo social significa
a leitura; quais práticas de leitura fizeram e fazem parte de sua história como leitores; como
leem; e se ocupam uma posição autoral quando leem. Desse modo, recorri “[...] a uma
variedade de dados, coletados em diferentes momentos, em situações variadas e com uma
variedade de tipos de informantes.” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p.19), como se verá a seguir.
61
A pesquisa iniciou-se em março de 2013, com a participação de 29 alunos do 1o ano do
curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio. No decorrer das atividades, apenas três
deles deixaram de participar das atividades, que foram propostas a partir da metade do ano até
outubro, quando elas se encerraram. O fato de eu ser professora da turma, encontrando-os
toda semana ao longo de todo o ano, permitiu que eu desenvolvesse um bom relacionamento
com os alunos, o que pode ter contribuído para que eles participassem ativamente da pesquisa
paralelamente às aulas da disciplina.
A fim de apreender como os alunos ingressantes de um campus do IFG significavam as
ações e os eventos de leitura – dentro e fora da escola –, considerei como pertinentes para a
geração dos dados as seguintes técnicas: a) aplicação de um questionário, composto de
perguntas relativas à história de leitura dos alunos ingressantes no instituto em 2013; b) a
escrita de um memorial de leitura; c) a realização de atividades de leitura em sala de aula; e
d) o diário de leitura (MACHADO, 1998), no qual os alunos registraram o que estavam lendo
no seu cotidiano, tecendo comentários a respeito dessas leituras.
Com exceção do questionário, que proporcionou dados mais objetivos sobre a realidade
investigada, os demais instrumentos possibilitaram uma compreensão mais aprofundada da
história de leitura e das práticas de leitura dos alunos, por meio da identificação dos objetos,
dos modos e gestos de leitura, dos espaços em que essas práticas ocorriam e da emergência de
um posicionamento autoral durante essas práticas, a partir da análise dos modos de dizer –
marcas de ironia, metadiscurso, citações diretas e indiretas, modalizações e uso de verbos
dicendi. Esses conceitos e categorias de análise serão retomados nos próximos capítulos.
Assim, sob o enquadre metodológico supracitado, o corpus desta pesquisa constitui-se
dos seguintes objetos: 29 questionários; 26 memoriais; 239 comentários resultantes das
atividades de leitura (sendo que, na primeira, na quarta e na oitava, participaram 29 alunos; na
segunda e na terceira, 28; na quinta, na sexta e na nona, 25; e, na sétima, 21); e cerca de 46
registros16
em diários de leitura por aluno. Abordarei cada um deles detalhadamente a seguir,
a fim de esclarecer de que forma a pesquisa se desenvolveu.
3.2.1 O questionário
16 Indicamos um número aproximado, considerando que houve uma grande variação na quantidade total de
registros por aluno, em decorrência de alguns deles terem deixado de registrar suas leituras em determinadas semanas.
62
A primeira etapa da pesquisa consistiu na aplicação de um questionário, que permitiu
conhecer, de forma ampla, a história dos alunos ingressantes no ano de 2013, em um campus
do IFG, especialmente, a história de leitura desses estudantes até o momento, como, por
exemplo, suas práticas de leitura e seus modos de ler o que liam e/ou leem. Após a coleta,
esses dados foram tabulados e cruzados para quantificar alguns deles e relacioná-los entre si.
O questionário aplicado nesta pesquisa foi baseado em um questionário desenvolvido
por Vóvio (2007) em sua investigação sobre sentidos, práticas e identidades leitoras de
alfabetizadores de jovens adultos. Contudo, ele foi adaptado para atender às especificidades
da realidade e dos objetivos desta investigação, havendo modificações em algumas perguntas,
e eliminação e acréscimo de outras que se fizeram necessárias. Decidi partir desse
questionário por avaliá-lo como um modelo que me possibilitaria conhecer tanto os aspectos
amplos como os aspectos específicos das práticas de leitura dos alunos em estudo, ou seja,
não apenas os objetos de leitura, mas também os modos de ler, os espaços de leitura, entre
outros pontos consonantes com os objetivos deste trabalho.
Em meados de março de 2013, então, apliquei, durante uma de minhas aulas, entre os
alunos do 1o ano do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, um questionário
composto por 71 questões fechadas, as quais versaram, em um primeiro momento, sobre o
perfil socioeconômico dos alunos, como, por exemplo, sexo, idade, escolas onde estudaram
durante o Ensino Fundamental, a renda e escolaridade dos pais etc. Essas informações,
embora não tenham sido alvo direto de análise, permitiram-me compreender melhor outros
dados fornecidos pelos alunos mais estreitamente vinculados aos objetivos da pesquisa, como
o fato de quase 100% deles afirmarem possuir computador e internet em casa, e apontarem,
em outras perguntas do questionário, e também no memorial e em registros nos diários de
leitura, um crescimento das práticas de leitura em ambiente virtual entre eles.
Em um segundo momento e, em sua maior parte, o questionário trouxe perguntas que
tinham por finalidade conhecer as práticas de leitura dos alunos dentro e fora do ambiente
escolar, tematizando aspectos como os objetos, os modos e gestos de leitura, os espaços de
leitura, e a concepção de leitor e de leitura que eles trazem em sua história, que foram
selecionados por atenderem diretamente aos objetivos desta tese de conhecer as práticas de
leitura que fizeram parte da vida desses alunos, e de verificar como elas revelam quem é esse
aluno, recém-chegado ao IFG, na função de leitor que assume um posicionamento autoral
diante do que lê.
3.2.2 O memorial de leitura
63
Outra técnica utilizada nesta pesquisa com o propósito de conhecer, entre os alunos do
1o ano do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, suas histórias de leitura, como
eles significavam e significam suas práticas de leitura e o que é leitura e ser leitor foi o
memorial. A escolha desse instrumento nesta investigação justificou-se por proporcionar uma
complementação dos dados gerados por meio do questionário.
Essa complementação se deu porque o questionário possibilitou uma visão mais ampla
e objetiva da história de leitura dos alunos, bem como de suas práticas de leitura passadas e
atuais. O memorial, por sua vez, permitiu conhecer esses dados de maneira mais restrita em
termos de variedade de informações, pois os alunos tiveram a liberdade de selecionar, entre
suas memórias de leitura, aquelas que, para eles, eram mais importantes ou marcantes para
narrar. Devido a isso, o memorial ofereceu mais riqueza de detalhes acerca dos dados
recuperados no questionário respondido pelos alunos.
Além disso, os memoriais foram um instrumento para verificarmos a emergência de
posicionamentos autorais, uma vez que, ao recuperar os modos de dizer, sua história de leitura
e suas práticas de leitura, esses relatos possibilitaram identificar como os alunos ingressantes
no curso de Eletrotécnica do IFG em 2013 significam a leitura, o leitor, os espaços onde
vivenciaram a leitura, as pessoas que os influenciaram ou não a adquirir o hábito ou a gostar
de ler, entre outros aspectos.
Os memoriais foram produzidos nas seguintes circunstâncias: em sala de aula, durante
uma aula, foi realizada uma dinâmica seguida por uma discussão, mediada por mim, sobre o
que são memórias, o seu papel na sociedade, a nossa relação com essas memórias, os
significados que lhes concedemos, entre outros aspectos, e, por fim, o que seria um memorial,
pois os alunos desconheciam esse gênero. Nessa dinâmica, cada aluno apresentou os objetos
que lhes pertenciam e que lhes remetiam a alguma memória. O uso desse recurso (da
dinâmica) nesta pesquisa caracterizou-se como um esforço para que, partindo de suas
vivências, os alunos compreendessem o que é um memorial, mais especificamente, um
memorial de leitura.
Em seguida, os alunos foram orientados a relatar, no próprio diário de leitura (sobre o
qual falarei a seguir), sua história de leitura de forma livre – sem indicação do que deveriam
registrar ou extensão pré-definida –, abordando, por exemplo, quando começaram a ler, quem
os incentivou a ler, o que gostam de ler, em quais lugares leem etc.
64
O memorial, portanto, se caracterizou como um importante instrumento para esta
pesquisa, pois nos ofereceu dados acerca das práticas de leitura dos alunos investigados que
confirmaram as informações do questionário e, em outros momentos, complementaram-nas.
3.2.3 O diário de leitura
A escolha do diário de leitura como instrumento de pesquisa se justificou pelo interesse
em conhecer e descrever as práticas de leitura cotidianas dos alunos durante o ano de seu
ingresso no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio do IFG. Os dados gerados nos
diários auxiliaram no sentido de complementar a história de leitura do aluno – recuperada por
meio do questionário e do memorial de leitura.
Desse modo, o uso do diário de leitura como técnica de pesquisa permitiu que
verificássemos como as práticas de leitura são construídas e desenvolvidas por esses alunos
em seu cotidiano e na escola; analisássemos se os alunos apresentam um posicionamento
autoral em suas práticas de leitura cotidianas; e verificássemos o percurso de leitura
desenvolvido pelos alunos, situando-o em contextos específicos, o que inclui sua relação com
os papéis, as finalidades e as formas de interação que conduzem esses sujeitos em sua
atividade leitora – os quais constituem alguns objetivos deste estudo.
A escrita do diário de leitura foi realizada de março a outubro de 2013, em um caderno
simples onde cada aluno relatou, ao menos duas vezes na semana, o que leu, como leu o que
leu, o que compreendeu do que leu, que relações conseguiu estabelecer entre o que leu e os
textos que já conhece, entre outras questões pontuadas em um roteiro previamente
estabelecido e entregue ao aluno, como se pode ver no Quadro 3:
Quadro 3 – Orientações para a produção do diário de leitura ORIENTAÇÕES PARA A ESCRITA DO DIÁRIO DE LEITURA
Nele, você registrará:
o que tem lido durante a semana, por que tem lido/leu o texto/livro x;
quais as suas impressões dessas leituras: se gostou ou não do que leu/se está gostando ou não do que está lendo; o que entendeu do que leu (se não entendeu, o que acredita ter atrapalhado sua
compreensão);
apresente e comente os pontos/aspectos que considerou importantes/interessantes no texto/livro;
ao ler o texto, outros textos lhe vieram à lembrança? Quais? Quais elementos (expressões, imagens, tema etc.) permitiram esse reconhecimento?
o fato de o texto se relacionar com outro(s) texto(s) facilitou a sua compreensão? Explique.
Lembre-se de que o diário é seu, portanto, se quiser colocar imagens, citar músicas, poesias, elaborar desenhos e
65
trazer outros textos que você acha interessantes e que tenham relação com o texto que você leu e está
comentando, fique à vontade!
Fonte: Elaborado pela autora.
Em relação ao roteiro entregue para orientação da escrita dos diários, poucos alunos se
basearam nele para relatar suas práticas de leitura, os quais, em sua maioria, o fizeram com
mais afinco até, aproximadamente, agosto de 2013. Desse mês em diante, os alunos se
limitaram em relatar quais foram os objetos de suas leituras na semana e os espaços onde as
realizaram. Fiz algumas intervenções inicialmente, solicitando que eles tentassem desenvolver
mais o relato, tendo em vista a importância da escrita como uma forma de refletir sobre o que
liam. Percebi que essa atitude poderia estar se repetindo por diversos fatores: eles
simplesmente não liam, por isso acreditavam que não “tinham o que dizer”; liam, mas “por
preguiça”, “cansaço” ou “falta de tempo”, como alguns relataram em conversas informais,
deixavam de registrar suas leituras; ou, talvez, tenham ficado desinteressados na disciplina e
em suas atividades, o que pode ter acarretado um desinteresse em continuar participando da
pesquisa.
O diário de leitura permanecia com os alunos, que tinham a liberdade de relatarem suas
leituras quando e onde quisessem durante a semana. No entanto, desde o início de sua
produção, o caderno era recolhido de 15 em 15 dias, a fim de verificar o andamento dos
relatos e fazer os ajustes necessários, sendo devolvido novamente ao aluno para que
prosseguisse com os registros. No final da pesquisa, eles foram arquivados para serem
analisados.
Apesar de algumas dificuldades que se impuseram no percurso de geração desses
dados, os diários de leitura foram ferramentas de grande importância, na medida em que
funcionaram como um lugar de reflexão do aluno sobre suas práticas de leitura cotidianas. Por
isso, os diários colaboraram para materializar essa reflexão diária sobre as experiências de
leitura vivenciadas por esses alunos.
3.2.4 As atividades de leitura em sala de aula
As atividades de leitura foram incluídas entre os instrumentos de pesquisa, pois, por
meio delas, foi possível identificar, em rodas de leitura realizadas em sala de aula, os modos
de ler, de interpretar, de produzir sentidos dos alunos; analisar se eles assumiam, nas
atividades escolares, um posicionamento autoral; verificar o percurso de leitura desenvolvido
por eles em contextos específicos, o que inclui sua relação com os papéis e as finalidades e
66
formas de interação que os conduzem em sua atividade leitora; e promover, no curso das
práticas de leitura, espaços de discussão e posicionamentos que expressam o trabalho de
produção de sentido(s) e uma visão crítica em relação ao texto lido.
Esse instrumento, portanto, me proporcionou vivenciar e analisar, junto aos alunos, os
seus modos e gestos de leitura em atividades de leitura em processo, durante as aulas. Os
encontros de 1h40 tornaram-se um ambiente de troca entre mim (professora-pesquisadora) e
os alunos, e entre eles. Assim, por meio da leitura e de comentários sobre os textos, busquei
proporcionar momentos de interação, de modo que os alunos construíssem sentidos para os
textos em um espaço onde eles possuíam liberdade para se expressar, ou seja, eu lhes
concedia “voz” para “ouvir as vozes” que os constituíam como sujeitos. Desse modo, eu
procurava incentivá-los a expor o que entendiam dos textos, o que pensavam acerca do que
leram, a fim de verificar os percursos de leitura realizados por eles e também se eles eram
capazes de assumir um posicionamento autoral diante do que liam.
As atividades de leitura aconteceram em sala de aula, concomitantemente à produção
do diário de leitura – o qual eles produziam em casa ao longo da semana –, durante nove
meses, com a realização de, aproximadamente, uma roda de leitura por mês. Antes dessas
rodas de leitura em sala de aula ocorrerem, houve um planejamento inicial, que envolveu, na
medida do possível, uma seleção prévia de textos que apresentassem um diálogo mais
explícito entre textos e discursos, a definição dos objetivos de cada encontro, a forma de
coleta dos dados e o objeto que seria trabalhado. A principal finalidade dessas atividades era
que o aluno percebesse, ao ler e discutir os textos, os movimentos dialógicos dentro do texto,
e também fora dele.
É importante esclarecer que os textos escolhidos consideraram o nível de conhecimento
que um aluno egresso do Ensino Fundamental II deveria possuir, e que a escolha por textos
que apresentassem um diálogo mais explícito entre textos e discursos deveu-se ao fato de
ainda não termos, inicialmente, como mensurar o repertório de leitura dos alunos. Além disso,
como o principal objetivo desta investigação é verificar se os alunos ingressantes no curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio são capazes de, ao ler um texto, se posicionarem
como autores de seu dizer, orquestrando as vozes dos textos lidos com outras anteriores para
construir sentido, a presença de uma intertextualidade e interdiscursividade explícitas, a meu
ver, facilitaria esse movimento de construção do sentido.
No Quadro 4, é possível verificar como cada encontro foi organizado, ainda que de
forma concisa. Nele, apresento o número da atividade, a data em que foi realizada, os
objetivos da aula (baseados nos descritores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação
67
Básica (SAEB)17
, a metodologia, o objeto que foi trabalhado e os textos utilizados. Os
objetivos da pesquisa foram norteadores da organização dessas atividades, bem como da
seleção de cada texto.
17 O SAEB mede o desempenho de alunos do Ensino Fundamental e do Ensino Médio das escolas do Brasil. “O
descritor é uma associação entre conteúdos curriculares e operações mentais desenvolvidas pelo aluno, que traduzem certas competências e habilidades” (BRASIL, 2008, p.18).
68
Quadro 4 – Organização das atividades de leitura em sala de aula
Atividade Data Objetivos Metodologia Objeto trabalhado Textos utilizados
1 01/04/13
– Verificar se os alunos compreendem os textos com base nos seguintes descritores do SAEB: localizar informações explícitas em um texto; inferir o sentido de uma palavra ou expressão; inferir uma informação implícita em um texto; identificar o tema de um texto; interpretar o texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.); identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros; distinguir um fato da opinião relativa a esse fato; e reconhecer diferentes formas de se tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido.
Leitura e comentários dos alunos, por escrito, sobre os textos. Forma de registro: texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Gêneros discursivos: obra de arte (pintura) e trecho de um romance.
1) Quadro Os Retirantes, de Cândido Portinari. 2) Capítulo 1 – Mudança, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
2 15/04/13
– Verificar se os alunos compreendem os textos com base nos seguintes descritores do SAEB: localizar informações explícitas em um texto; inferir o sentido de uma palavra ou expressão; inferir uma informação implícita em um texto; identificar o tema de um texto; interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.); identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros; distinguir um fato da opinião relativa a esse fato; e reconhecer diferentes formas de se tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido.
Leitura e comentários dos alunos, por escrito, sobre os textos. Forma de registro: texto escrito.
Intertextualidade/ Interdiscursividade. Gêneros discursivos: publicidade, poema e nota jornalística.
1) Publicidade da SOLETUR sobre educação ambiental parodiando o poema No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade. 2) Nota jornalística No meio do caminho tinha um ladrão, publicada na revista IstoÉ.
3 13/05/13
– Verificar se os alunos compreendem os textos com base nos seguintes descritores do SAEB: localizar informações explícitas em um texto; inferir o sentido de uma palavra ou expressão; inferir uma informação implícita em um texto; Identificar o tema de um texto; interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.); identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros; distinguir um fato da opinião relativa a esse fato; e reconhecer diferentes formas de se tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido.
Leitura e comentários dos alunos, por escrito, sobre os textos. Forma de registro: texto escrito
Intertextualidade/Interdiscursividade. Intergenericidade (oração feita pela personagem na charge). Gêneros discursivos: reportagem, poema e charge.
1) Reportagem Infância de pequenos brasileiros se perde nos lixões, publicada na Folha de S.Paulo. 2) Poema O bicho, de Manuel Bandeira. 3) Charge Declaração dos Direitos Humanos, de Angeli.
69
4 24/06/13
– Resgatar as lembranças da turma em relação aos filmes já conhecidos, assistidos em casa, no cinema, na escola ou em alguma outra esfera social. Promover uma interação em que todos possam se manifestar, expressando suas impressões sobre as publicidades e sobre os filmes. – Verificar se os filmes referidos na publicidade podem ser reconhecidos. – Questionar se esses filmes foram retomados da mesma forma como eles conheciam antes. – Identificar o que há de diferente nas publicidades em relação ao que eles conheciam antes dos filmes. – Verificar se reconhecem alguma relação entre o título dos filmes e o “título” de cada publicidade. – Observar o que aproxima ambos (os títulos e temas da publicidade e também do filme)? E o que os distancia. – Discutir qual(is) seria(m) o(s) objetivo(s)/finalidade(s) do texto.
Leitura e comentários dos alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos. Forma de registro: gravação em áudio e texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Paródia. Gêneros discursivos: publicidade e filme.
1) Seis publicidades da Rede Hortifruti, parodiando filmes hollywoodianos. 2) Filmes hollywoodianos.
5 27/08/13
– Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um. – Observar se os alunos identificam a relação entre o miniconto e os demais textos com que dialoga. – Entender a paródia como um processo principal de identificação dos diálogos que se manifestam no miniconto e nos textos a que remete. – Verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Leitura, e comentários dos alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos. Forma de registro: gravação em áudio e texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Paródia. Ironia. Literatura de informação (A Carta, de Pero Vaz de Caminha). Gêneros discursivos: miniconto e crônica de viagem.
1) Miniconto Historinha do Brasil, de Fernando Bonassi. 2) A Carta, de Pero Vaz de Caminha.
6 17/09/2013
– Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) os textos construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um. – Observar se os alunos identificam a relação dialógica entre os textos por eles escolhidos. – Entender a intertextualidade como um diálogo que se estabelece entre os textos. – Por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Leitura, e comentários dos alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos Forma de registro: texto escrito (questão de prova)
Intertextualidade/Interdiscursividade. Gêneros discursivos: crônica de viagem, miniconto, charge, poema e cartaz.
1) A Carta, de Pero Vaz de Caminha. 2) Miniconto Historinha do Brasil, de Fernando Bonassi. 3) Charge disponível em: http://mestresdahistoria.blogspot.com.br/2012/03/revisao-do-capitulo-1-politica.html. Acesso em: 5 set. 2013. 4) Poema Carta de Pero Vaz, de Murilo Mendes.
70
5) Cartaz disponível em: http://difusoraou.dominiotemporario.com/noticia. php? pageNum_categoria=1&totalRows_categoria=16&title=19-de-abril-dia-do-indio-dia-do-exercito-brasileiro-e-dia-de-santo-expedito. Acesso em: 7 set. 2013.
7 11/11/2013
– Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um. – Observar se os alunos identificam a relação entre a canção e os demais textos com que dialoga. – Entender a intertextualidade como um diálogo que se estabelece entre a canção e os textos a que remete. – Por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Leitura e produção de um comentário sobre o texto. Forma de registro: gravação em áudio e texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Ironia. Gêneros discursivos: canção e provérbios, ditos populares.
1) Canção Bom Conselho, de Chico Buarque. 2) Provérbios, ditos populares.
8 26/11/2013
– Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um. – Observar se os alunos identificam a relação entre a crônica e os demais textos com que dialoga. – Entender a intertextualidade como um diálogo que se estabelece entre a crônica e os textos a que remete. – Por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Leitura, e comentários dos alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos. Forma de registro: gravação em áudio e texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Gêneros discursivos: crônica e narrativa bíblica.
1) Crônica A primeira pedra, de Luís Fernando Veríssimo, publicada no Estado de S.Paulo de 29 de março de 2012. 2) Narrativa bíblica.
9 04/12/2013
– Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto presente na questão de prova, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um. – Observar se os alunos identificam a relação entre o poema, a canção e os demais textos com que dialogam. – Entender a intertextualidade como um diálogo que se estabelece entre o poema, a canção e os textos a que remetem. – Por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Leitura, e comentários dos alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos. Forma de registro: texto escrito (questão de prova)
Intertextualidade/Interdiscursividade. Gêneros discursivos: poema e canção.
1) Trecho de Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga. 2) Música Pega ladrão, de Gabriel, o Pensador.
Fonte: Elaborado pela autora.
71
Além desse planejamento, foi elaborado um roteiro prévio de análise dos textos para
me orientar durante a geração dos dados, tendo em vista os seguintes objetivos: verificar se os
alunos reconheciam a(s) voz(es) que permeava(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s)
para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se os alunos identificavam a
relação entre o texto em análise e os demais textos/discursos com que dialoga; entender a
intertextualidade e a interdiscursividade como um diálogo que se estabelece entre o
texto/discurso em análise e os textos/discursos a que remete; por fim, verificar se os alunos
seriam capazes de se posicionar diante do que leram ou se apenas parafraseavam o que liam.
Preparado esse plano de ação, no encontro em sala de aula, a turma era disposta em um
grande círculo, e uma cópia do texto era distribuída para cada aluno. Cabe dizer que, nessa
etapa, as leituras e discussões das rodas de leitura foram registradas de diferentes formas:
inicialmente, os alunos apenas liam os textos, sem qualquer intervenção, e, em seguida,
faziam uma análise desses textos por escrito; depois, passei a gravar os encontros em áudio
(por meio de um gravador) e a transcrever as discussões realizadas oralmente, sendo que, após
esse diálogo, os alunos produziam comentários acerca do texto e do que foi discutido durante
sua leitura e análise. Esses ajustes se tornaram necessários, pois não houve tempo hábil para o
desenvolvimento de uma pesquisa piloto para averiguarmos qual era a melhor forma de gerar
esses dados. Além disso, a amplitude da sala de aula e a quantidade de alunos prejudicaram a
coleta de alguns dados, o que exigiu alterações no modo de registrar essas atividades de
leitura.
O texto, então, era lido por mim e pelos alunos, podendo, em um primeiro momento,
ser feita uma leitura silenciosa e, posteriormente, outra em voz alta. Em seguida, no papel de
professora-pesquisadora, orientava a discussão oral do texto com questões do roteiro
norteadas pelos objetivos supracitados. Encerrada a discussão, os alunos deveriam, em uma
folha específica, pautada, discorrer sobre o texto lido e comentado (o que não ocorreu apenas
com a atividade de leitura no 4), orquestrando as vozes do texto e dos colegas, e assumindo
um lugar de dizer, ou seja, um posicionamento autoral acerca do que foi lido. O objetivo de
solicitar a produção desse texto consistiu em verificar se o aluno apenas parafraseava o que
dizia o texto ou se extrapolava o que era dito pelo texto, assumindo um posicionamento
autoral.
Concluindo a discussão em torno dos procedimentos metodológicos definidos nesta
pesquisa, acredito que todas as técnicas/instrumentos que orientaram as ações (de geração e
análise dos dados) aqui empreendidas – o questionário, o memorial, os diários de leitura e as
72
atividades de leitura escolares – contribuíram para os objetivos propostos, os quais, em linhas
gerais, buscaram conhecer as práticas de leitura dos alunos do 1o ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio e como eles se posicionavam quando liam em
diversos eventos de leitura em seu cotidiano.
No próximo capítulo, após o que foi apresentado acerca do campo de pesquisa e dos
procedimentos metodológicos utilizados na realização desta pesquisa, abordaremos algumas
concepções de leitura desenvolvidas até o momento em diversas áreas do conhecimento, a fim
de delinearmos o que estamos concebendo como leitura e como esta se insere no âmbito do
campus do Instituto Federal de Goiás, em especial, para os ingressantes no 1° ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio.
73
4 VOZES DO LEITOR: UMA HISTÓRIA DAS PRÁTICAS DE LEITURA
Vou contar pra vocês a história de uma menina que, um dia, ganhou
um dedalzinho. Até que um passarinho se aproximou e levou seu
dedalzinho embora... (D. Neguita, minha avó materna).
O ato de lembrar nos permite ressignificar momentos marcantes de nossa história
presentes em nossa memória, sejam eles bons ou ruins. Essas lembranças podem nos fazer
sorrir, chorar, lamentar o que poderia ter sido e não foi. Muitas vezes, elas nos arrebatam para
lugares, conversas, histórias que permaneceram em uma espera, como se estivessem
“dormindo” um sono profundo, até serem despertadas. A epígrafe que introduz este capítulo é
uma prova do que estou dizendo. Explicarei.
Ao refletir sobre os memoriais como um dos instrumentos utilizados nesta pesquisa e
ao analisar a história de leitura dos alunos, iniciou-se um movimento que se tornou presente,
constante, insistente, ao longo de toda a investigação, embora este não fosse o foco do
trabalho: a reflexão sobre o próprio fazer do pesquisador como professor e vice-versa. Além
disso, conduziu-me a uma reflexão sobre os leitores que somos, que nos tornamos e que
desejamos ser.
É como se, à medida que a pesquisa se desenvolvesse, construísse a mim mesma como
professora, pesquisadora e leitora, o que remete ao que Bakhtin já havia discutido há anos
(mas que é tão atual) acerca da exotopia. O eu se constitui a partir de um outro. Quando
aquele se desloca para o lugar deste, tem a visão desse outro e passa a compreender a si
mesmo: “O autor/narrador precisa dar a sua vida (objeto temático de sua narrativa) um certo
acabamento, que somente alcançará se dela distanciar-se, se olhá-la de fora, se se tornar um
outro em relação a si mesmo.” (SILVA, 2010, p.615).
Pesquisar minha sala de aula nesse contexto não se reduziu apenas a compreender, por
exemplo, as práticas de leitura de meus alunos. Pesquisar minha sala de aula envolveu um
pesquisar-me, um fazer-me, um refletir sobre mim enquanto professora, pesquisadora e
leitora. Sendo assim, ao pensar sobre o conceito de memorial, memória e lembranças, e ao me
debruçar sobre as lembranças relativas à leitura que se encontravam na memória dos meus
alunos, os jovens ingressantes no 1° ano do curso técnico de Eletrotécnica integrado ao
Ensino Médio, minhas lembranças de práticas de leitura vivenciadas na infância, na
adolescência, na universidade acabaram emergindo no presente.
Sobre isso, Guedes-Pinto, Gomes e Silva (2008, p.62) apontam, baseadas em uma
pesquisa que desenvolveram a partir de memórias de práticas de leitura de professores em
74
formação, esse caráter dialógico do investigar e, em especial, do recordar durante a produção
de um memorial:
Sublinhamos, com isso, que o processo de rememoração não é de mão única.
Pesquisadores e pesquisados rememoram suas trajetórias nas situações de entrevista. Nas palavras da pesquisadora Bosi, ambos sairão transformados pela convivência,
dotada de uma qualidade única de atenção. No processo de entrevistar os
professores, nós também recuperamos cenas de leitura que vivenciamos a partir
daquilo que eles nos contam, a partir da própria situação de entrevista. (grifos das autoras).
A epígrafe citada no início deste capítulo recupera um evento, “uma cena” de leitura
que fez parte de minha infância. Lembro-me bem de que eu e minha irmã gostávamos muito
de dormir na casa de meus avós maternos. Na hora de ir para cama, minha avó se sentava à
beira da cama e começava a narrar as aventuras de uma menina e seu dedalzinho. Eu e minha
irmã amávamos ouvi-la – e o fizemos por diversas vezes, atentas aos acontecimentos e aos
finais que mudavam cada vez que ela contava – e ficávamos imaginando como um pequeno
dedal podia fazer uma menina como nós tão feliz! Eram momentos mágicos, que contribuíram
para a minha história de leitura, que permanecem em um lugar especial em minha memória e
que vêm à tona quando me observo “de fora”, em um movimento exotópico, narrando tais
lembranças.
De difícil definição e podendo ainda funcionar como um componente de gêneros –
como o diário pessoal e a autobiografia –, o gênero discursivo memorial circula em diversas
esferas da nossa sociedade (empresas, universidades, escolas), atendendo a finalidades
específicas distintas: conhecer o perfil do candidato a uma vaga de emprego, apresentar um
trabalho de conclusão de curso, diagnosticar os conhecimentos prévios de um aluno no início
de um ano escolar etc. Há algum tempo, no entanto, ele vem se tornando um “instrumento
metodológico” eficaz no âmbito de pesquisas, por exemplo, de estudiosos da Psicologia, da
Linguística Aplicada e da Educação (BOSI, 1979; KENSKI, 1994; GUEDES-PINTO, 2002;
MARTINS, 2004; GUEDES-PINTO; GOMES; SILVA, 2008; SILVA, 2010).
Nesse contexto, portanto, o memorial tem sido utilizado como uma técnica que pode
ser aplicada oralmente por meio de entrevistas semiestruturadas ou por escrito, com a
finalidade principal, dependendo dos objetivos da investigação, de conhecer a história de vida,
de leitura e de escrita do pesquisado. Sendo assim, o memorial caracteriza-se, no âmbito desta
pesquisa, como uma narrativa produzida no presente, mas que remete a acontecimentos,
75
eventos de letramento18
(STREET, 2001) experienciados no passado, podendo, ainda, apontar
para perspectivas futuras.
Sob esse enquadre, o conceito de memória que se mostra adequado aos interesses
deste estudo é o de memória como “conservação do passado” (BOSI, 1979, p.15). Nesse
sentido, ela é a guardiã de nossas lembranças, as quais vêm à tona no presente quando as
acionamos por meio de alguém, de algum objeto ou de alguma situação que nos leva a
ressignificá-las no presente da interação com os outros.
Para definir memória, Bosi (1979) busca em Bergson e em Halbwachs referências para
investigar as memórias de velhos. Sendo o primeiro um filósofo e o segundo um sociólogo, o
que esses pesquisadores discutem acerca do tema se complementa, a despeito de algumas
diferenças. Isso porque, em linhas gerais, Bergson voltou seu olhar para os aspectos
psicológicos da memória – o que contribuiu para uma compreensão da memória em termos
subjetivos –, dedicando-se ao estudo do fenômeno a nível de indivíduo, como analisa Bosi
(1979, p.16, grifos do autor): “Não há, no texto de Bergson, uma tematização dos sujeitos-
que-lembram, nem das relações entre os sujeitos e as coisas lembradas; como estão ausentes
os nexos interpessoais, falta, a rigor, um tratamento da memória como fenômeno social.”.
Influenciado pelas ideias do filósofo, Halbwachs passa a estudar os “quadros sociais
da memória”, ou seja, ele investiga a memória sem ignorar o papel da sociedade e da história
nas lembranças que a compõe e na ação do lembrar. Isso significa que “a memória do
indivíduo depende do seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola,
com a Igreja, com a profissão; enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência
peculiares a esse indivíduo.” (BOSI, 1979, p.17). Nessa perspectiva, “lembrar” não é reviver o
passado, mas “[...] refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as
experiências do passado.” (BOSI, 1979, p.17).
“Lembrar”, portanto, é um trabalho do sujeito que, ao narrar experiências passadas de
sua infância, por exemplo, percebe-as a partir de um outro olhar, do sujeito adulto que é no
presente, com toda sua história de vida, identidade, conhecimento, princípios e valores que
foram e estão constituindo-o ao longo dos anos. Assim, ao evocar as lembranças em nossa
memória, todos esses aspectos influenciam no modo como elas serão contadas, significadas
por nós, como diz Bosi (1979, p.17, grifos do autor):
A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por
18 Street (2001) parte do conceito de “eventos de letramento” cunhado por Heath (1982) – não consta nas referências para verificar se há uma padronização dos eventos de letramento nas práticas sociais.
76
mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de
então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas ideias, nossos juízos de
realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a
identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista.
Na narrativa das memórias, o sujeito que narra e o protagonista das memórias
coincidem, embora a narrativa não seja a realidade em si, vivida pelo ser real, de “carne e
osso” (abordaremos essa questão mais adiante). Sendo assim, corroboro a ideia de Silva
(2010, p.611), para quem o ato de “[...] narrar memórias pressupõe uma ação autorreflexiva e
autobiográfica [...]”, o que também me leva a dizer que, no momento em que se produz um
memorial, realiza-se uma ação exotópica por parte de quem recorda, ou seja, “[...] o autor
deve tornar-se outro em relação a si mesmo, olhar para si mesmo com os olhos de outro”,
como explica Bakhtin (2003, p.360), na obra Estética da criação verbal. Nesse estudo,
Bakhtin explica/discute a noção de exotopia como sendo uma ação necessária em que o
sujeito, para constituir-se enquanto tal, deve deslocar-se de sua posição, colocando-se no
excedente de visão de um outro, e tornando-se outro em relação a si mesmo, conforme já
enunciado nos Capítulos 2 e 3 deste trabalho.
Sob essa perspectiva, procurarei entender os dados dos memoriais de leitura,
considerados aqui particularmente como lembranças que fazem parte da história de leitura,
das práticas de leitura passadas dos alunos ingressantes em 2013 no curso de Eletrotécnica
integrado ao Ensino Médio; e, ainda, observar como, por meio de um processo de objetivação,
essas lembranças se materializam em um texto, no qual os alunos vão tecendo artesanalmente,
como diz Benjamin (1987), suas lembranças com os olhos de um outro, que são eles próprios
vistos “de fora” e no presente dessa interação.
Nessa tessitura dos memoriais, permeada pela historicidade do narrador, funda-se o
trabalho discursivo das memórias, o que implica a escolha de quais lembranças relatar e de
como elas serão relatadas. Assim, o que um sujeito narra é a sua versão do “real”, de como
vivenciou, significou suas experiências. Desse modo, como interlocutores desses memoriais,
precisamos ter em mente que as análises que aqui serão desenvolvidas partem da
compreensão de que essas narrativas são versões dos alunos sobre suas práticas leitoras, e não
das práticas em si. Logo, não há uma preocupação em retomar um discurso ancorado na
“verdade”, e, sim, em uma dialogicidade, a qual constitui o sujeito.
Observa-se, sobretudo, que os alunos do 1° ano do curso de Eletrotécnica integrado ao
Ensino Médio desse campus do IFG estabelecem nos memoriais um diálogo constante não
77
apenas com as suas experiências, mas também com uma memória coletiva. O conceito de
memória coletiva vem de Halbwachs, o sociólogo que retomei anteriormente. Segundo ele, a
memória individual está amarrada à memória do(s) grupo(s) a que esse indivíduo pertence e,
esta, por sua vez, liga-se à memória coletiva da sociedade. Baseada nas ideias do pesquisador,
Bosi (1979, p.333) diz que:
Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivência familiares,
escolares, profissionais. Ela entretém a memória de seus membros, que acrescenta,
unifica, diferencia, corrige e passa a limpo. Vivendo no interior de um grupo, sofre as vicissitudes da evolução de seus membros e depende de sua interação.
A memória coletiva, portanto, é recordada por um indivíduo que retém dessa memória
o que lhe é significativo e que, por sua vez, a ressignifica conforme as condições individuais,
sociais e históricas em que a evoca. Dessa forma, observa-se que muitas de nossas lembranças
ou ideias não são nossas originalmente, mas se tornam nossas à medida que passam a compor
a nossa história de vida e a dialogar com as demais que se encontram em nosso interior. Como
afirma Bosi (1979, p.335),
[...] o que nos parece unidade é múltiplo. Para localizar uma lembrança não basta um
fio de Ariadine; é preciso desenrolar fios de meadas diversas, pois ela é um ponto de
encontro de vários caminhos, é um ponto complexo de convergência dos muitos planos do nosso passado.
O dialogismo também se faz presente na interação aluno/professor-pesquisador, no
sentido de que aquele, ao produzir seu memorial, leva em consideração o seu interlocutor e as
orientações que, no caso, recebeu sobre o que é um memorial e seu funcionamento textual e
discursivo. Outros fatores sociais e históricos também interferem na escrita do memorial,
como o fato de esses alunos terem acabado de ingressar em um instituto federal, onde as
expectativas são de que seja uma instituição diferenciada, que exigirá muito deles, que possui
um quadro de professores qualificados e com um ensino de excelência.
Assim, é importante considerar que as ações de citar e/ou enfatizar certos objetos de
leitura podem estar relacionadas ao que os alunos consideram relevante para ser dito no
memorial. Eles sabem que estão produzindo um texto para a professora-pesquisadora, ou seja,
conhecem seu interlocutor, em função do qual reconstroem e ressignificam suas experiências
com práticas de leitura.
Não só a relação com o professor-pesquisador deve ser considerada na produção dos
memoriais, como também o contexto material dessa produção. Retomando a concepção de
78
Halbwachs de que memória é trabalho, Guedes-Pinto, Gomes e Silva (2008) afirmam que a
ação de lembrar, rememorar exige esforço e dedicação daquele que narra suas memórias.
Segundo as autoras, pode-se auxiliar esse processo fazendo uso de objetos que funcionam
como “muletas da memória”, os quais facilitam a ativação das lembranças.
Neste momento, considero relevante retomar o contexto material da produção do
memorial nesta pesquisa. O memorial foi produzido em sala de aula após a realização de uma
dinâmica e a apresentação do que é um memorial, sua finalidade e composicionalidade. Sendo
assim, a princípio, os alunos foram orientados a trazerem objetos que evocassem memórias,
boas ou ruins, mas que fossem significativos para eles em algum momento de suas vidas. Na
aula seguinte, eles trouxeram diversos objetos que funcionaram como “muletas da memória”
– livros, bonecas, fotos, cartas, camisetas, entre outros – sobre os quais cada um falou,
trazendo lembranças de amizades, parentes que já se foram, momentos que viveram e de que
se recordavam com alegria ou dor.
Em seguida, abri uma caixa que havia levado com uma grande quantidade de diários
que escrevi ao longo da minha vida, especialmente na adolescência. Mostrei a eles que esses
diários funcionam como “guardiões de lembranças” que posso recuperar hoje materialmente,
mesmo passados tantos anos. Discuti, também, as diferenças entre as lembranças que estavam
nos meus diários e as lembranças que comporiam um memorial de leitura. À medida que
mergulhávamos nas nossas memórias, fui inserindo o conceito de memorial, um gênero até
então desconhecido pela turma.
Após essa conversa, orientei-os a produzirem um memorial de leitura, no qual eles
deveriam relatar como foi a história deles com a leitura, desde o primeiro contato.
Considerando uma certa insegurança inicial por parte deles, disse que eles poderiam falar
sobre o que haviam lido até aquele momento de suas vidas, os lugares onde liam, como foi e
tem sido a relação com a leitura na escola e em outras instituições sociais, o que gostavam ou
não de ler, entre outras informações que considerassem relevantes para uma história deles
com a leitura.
Assim, em sala de aula, como diria Certeau (2012, p.163) ao referir-se à narração de
memórias de um modo metafórico, “essa escritura originária e secreta ‘sairia’ aos poucos,
onde fosse atingida pelos toques.” O autor completa: “Seja como for, a memória é tocada
pelas circunstâncias, como o piano que ‘produz’ sons ao toque das mãos.”.
Após refletir sobre o gênero memorial e sua importância como instrumento de
pesquisa na esfera educacional, buscarei, a seguir, conhecer e analisar a história de leitura dos
alunos ingressantes em 2013 no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, em um
79
campus do IFG. Por meio dos memoriais de leitura produzidos por eles, pretendo conhecer,
descrever e analisar as práticas de leitura desses alunos desde os seus primeiros contatos com
a leitura até a sua chegada ao IFG.
Os memoriais, portanto, trazem informações sobre as práticas de leitura desses jovens,
como o que liam; quem mais os influenciou a gostar de ler; o que a leitura significa para eles;
onde liam, quando, como e com que finalidade; entre outros dados que me levam a
compreender, a partir de uma visão mais ampla, a relação deles com a leitura ao longo de suas
vidas.
É importante esclarecer que irão compor a análise dos memoriais dados que considerei
relevantes do questionário acerca da relação dos alunos com as práticas de leitura ao longo de
suas histórias. Escolhi apresentar os dados dessa maneira por considerar que, estando os dados
“lado a lado”, seria possível verificar, de forma mais clara, um diálogo entre o que os alunos
relataram nos memoriais e o que eles responderam nos questionários.
4.1 Uma história das práticas de leitura nos memoriais de leitura
Analisando os memoriais produzidos pelos alunos ingressantes no 1° ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, em 2013, e os dados fornecidos por eles no
questionário, observa-se que há uma coerência entre o que ambos apontam acerca de quem
mais os influenciou a ler: a escola e a família são as instituições mais citadas. Há, ainda,
alguns alunos que citam a igreja ou a religião como um lugar onde leem e são conduzidos à
leitura de textos religiosos e da Bíblia.
Considerando os dados que serão apresentados a seguir, proponho algumas reflexões
acerca da relação entre a leitura e a instituição familiar e, posteriormente, entre a leitura e a
escola. Vejamos o que dizem os alunos em seus memoriais e nos questionários sobre isso.
4.1.1 A família e a escola como influência na aquisição e desenvolvimento de práticas de
leitura
4.1.1.1 A família e as práticas de leitura
Esta seção tem como objetivo identificar, descrever e analisar como os alunos
significaram, em seus memoriais, a influência da família, como um grupo social ao qual eles
pertencem, na aquisição e no desenvolvimento de suas práticas de leitura até o momento
80
presente. Assim, por meio da identificação e análise de seus modos de dizer ao relembrarem
episódios que compõem suas histórias de leitura, buscarei verificar a emergência de um
posicionamento autoral em relação às suas práticas de leitura:
AL19
: [...] na minha infancia dos 4 aos 9 anos tava na fase daqueles livros clássicos infantis. “Branca de Neve” “Cinderela” dentre outros, sempre que aparecia uma
coleção nova eu fazia minha mãe comprar nunca cheguei a ler todos mas queria ter,
acho que esse foram os unicos que eu li realmente por estar com vontade [...]20.
AL significa sua relação com a leitura na infância a partir da orquestração de diversas
vozes que evoca em seu discurso. A primeira delas encontra-se no trecho “estava na fase
daqueles livros clássicos infantis”, quando a expressão adverbial de tempo “na fase” marca a
lembrança de uma época e, mais que isso, sugere que a leitura é composta por “fases” que são
compartilhadas socialmente entre os sujeitos. Além disso, a leitura, em seu relato, restringe-se
aos livros como objetos de leitura. Segundo ela, “dos 4 aos 9 anos” o que uma criança lia ou
deveria ler eram os “livros clássicos infantis”, o que remete a uma voz que não é sua, mas de
um outro – no caso, da família, que, por sua vez, reproduz a voz de especialistas que
asseveram que, durante a infância, crianças devem ter acesso a uma literatura voltada para o
universo da fantasia, que lhes transmitam valores, princípios e ensinamentos por meio de
histórias ficcionais, ou seja, que contribuam para sua formação como indivíduo em sociedade
de uma maneira lúdica.
O mercado editorial, por sua vez, alimentado por essa ideologia e, ao mesmo tempo,
realimentando-a, produzia e produz, cada vez com mais dinamismo tecnológico, coleções
voltadas para esse público (veja também o relato de VP a seguir), como AL lembra quando
diz que “sempre que aparecia uma coleção nova eu fazia minha mãe comprar nunca cheguei a
ler todos mas queria ter”. Nesse trecho, a aluna busca construir uma imagem de criança
leitora assídua e interessada, logo, pró-ativa. Contudo, como “pró-ativa” compreendo a pessoa
que, embora seja dependente de um outro ser, consegue agir no mundo de forma reflexiva.
Assim sendo, é preciso rever em relação a quê AL é “pró-ativa”. No excerto supracitado, fica
clara a ênfase dada por ela ao consumo de livros, o que caracteriza AL como uma criança pró-
ativa, porém, em relação à aquisição de livros, e não em termos de práticas de leitura, as quais
ela se limita a abordar de maneira superficial. Assim, nesse trecho, a concepção de leitor
19 A fim de preservar a identidade dos alunos que participaram da pesquisa, utilizei, ao longo do texto, apenas as
iniciais de seus nomes. 20 A grafia das palavras utilizadas pelos alunos nos memoriais, nos diários de leitura e nas atividades de leitura foi mantida na reprodução dos trechos ao longo da tese.
81
apresentada por AL parece estar relacionada a um comportamento consumista em relação aos
livros.
É interessante ressaltar, por fim, que a aluna significa esses objetos de leitura da sua
infância como sendo aqueles que ela leu “realmente por estar com vontade”. Desse modo, AL
traz uma voz que está relacionada a um discurso que se inscreve em uma concepção de leitura
como uma prática que deve ser sempre prazerosa, logo, que se faz quando se tem “vontade”.
No entanto, como já discuti em outro momento, proporcionar prazer, entreter é apenas uma
das finalidades que a leitura pode ter entre outras – como adquirir conhecimento, se informar
–, que dependem, por exemplo, dos objetos de leitura. A seguir, há trechos dos memoriais
produzidos por VP e D, que apresentam algumas semelhanças em relação ao que disse AL
acerca de suas práticas de leitura:
VP: Quando criança, minha mãe costumava comprar livros na Nobel, eu ia junto e
achei um livro interessante na estante, era uma coleção de 20 livros, quando comprei
o primeiro da coleção, me interessou muito e acabei comprando dez da coleção [...].
Os trechos acima exemplificam que, segundo a maioria dos ingressantes, os pais os
incentivavam à prática da leitura comprando livros infantis e gibis – os dois objetos de leitura
mais citados por eles nos memoriais. Muitos deles afirmam que “pediam” para que os pais
comprassem esses materiais, que compunham, inclusive, coleções, como alguns mencionam.
Novamente, é perceptível um foco na ação dos pais de comprar os livros e gibis – o que não
deixa de ser um aspecto positivo –, no entanto, após o relato da compra, não há um relato
acerca dos modos de ler, dos gestos de leitura e dos espaços onde as práticas de leitura
aconteciam.
D: Geralmente toda criança aprende a ler com o incentivo da escola, por exemplo,
cantinho da leitura, levar os alunos a biblioteca da escola, etc, mas para mim foi diferente, é claro que também passei pela faze, mas comecei a ler em casa, com
livros que meus pais compravam de historinhas infantis [...].
Nesse trecho, embora D não deixe claro seus modos e gestos de leitura nas práticas de
leituras realizadas no ambiente familiar, ela destaca que foram os pais os responsáveis pelas
suas primeiras experiências leitoras, comprando-lhe livros de “historinhas infantis”. Ao iniciar
seu relato com o advérbio “geralmente”, a aluna introduz, em seu discurso, uma voz que
dissemina uma ideologia, já discutida no Capítulo 1 deste trabalho, a qual repercute no
discurso de pesquisadores, como no de Silva (1995, p.7), que afirma: “[...] o único reduto
onde a leitura ainda tem chance de ser desenvolvida é a escola”. D, inclusive, refere-se a dois
82
espaços conhecidos onde algumas práticas de leitura são desenvolvidas na escola a fim de
incentivá-las: o “cantinho da leitura” e a biblioteca.
A aluna, no entanto, contrapõe essa voz a uma outra a partir do trecho iniciado pelo
operador argumentativo mas: “mas para mim foi diferente”. Ao dizer isso, D parece se
considerar parte de um grupo diferenciado de crianças que “aprendem” a ler em casa (o que
tem se tornado cada vez mais comum), fato que ela atribui à ação dos pais de incentivá-la por
meio da compra de livros. Para D, ler significa decodificar, na medida em que ela destaca em
seu relato a aprendizagem da leitura, contrapondo como esta normalmente se dá nos espaços
escolares – “cantinho da leitura” e “biblioteca” – e no ambiente familiar – por meio de
“historinhas infantis” compradas pela família.
O fato de os alunos relatarem em seus memoriais de
leitura lembranças de práticas de leitura na esfera familiar –
ainda que vagas –, demonstra a importância da ação da família
na formação cultural dos alunos, e revela como eles significam
sua relação com a leitura no interior desse grupo social.
Como parte da sociedade, a família atua como uma das
instituições responsáveis pelo desenvolvimento social,
intelectual e físico desses indivíduos, transmitindo valores,
princípios e conhecimentos diversos, que, inclusive, estão
permeados por uma ou outra ideologia. O que pretendo dizer
aqui é que o modo como os pais lidam e significam as práticas
de leitura para os filhos pode interferir na forma como estes
passarão a considerá-las. É importante dizer, no entanto, que não é minha intenção
compreender essa relação familiar com a leitura com um olhar determinista, pelo contrário.
Contudo, percebo que há uma influência muito grande no modo como a família lida com as
diversas práticas de leitura das crianças e dos jovens – o que se comprova no discurso de
alguns memoriais citados acima.
Mata (1999, p.66) discute sobre a necessidade de se valorizar o papel que a família
desempenha na vida de um indivíduo, já que é nessa esfera que este terá seus primeiros
contatos com os objetos de leitura e escrita21
:
21 Nesse contexto, Mata (1999) apresenta a noção de literacia para se referir ao que, no Brasil, muitos estudiosos
(SOARES, 1998; TFOUNI, 1995; KLEIMAN, 1995) têm denominado de letramento. Assim, ela defende que é
no ambiente familiar que os indivíduos têm seu primeiro contato com os objetos de leitura e escrita, ou seja,
conhecem, vivenciam esses objetos, ainda que intermediados por um adulto. Isso não significa uma aprendizagem formal desses objetos, o que cabe à escola.
37,93% dos estudantes
alegaram que um
professor foi a sua maior
influência para a leitura.
31,03% responderam que
foi a mãe.
13,79, disseram que o pai
foi quem mais os
influenciou na prática da
leitura.* *Refiro-me, neste e nos quadros ao longo do capítulo, aos dados mais expressivos de algumas perguntas do questionário. Por isso, observar-se-á que eles não totalizam 100%.
83
Enquanto processo social iniciando-se muito precocemente, não se pode
desvalorizar o papel que a família tem nos primeiros contatos com o escrito e na
valorização destes. Tal como refere Hannon (1995), através destes contatos qualquer
criança pode aprender coisas sobre a literacia antes de frequentar a escola e fora da escola. Contudo, nem todas aprendem a “mesma literacia”, já que esta depende da
cultura e dos valores inerentes a cada comunidade. Assim, o tipo de experiências
valorizadas e proporcionadas, a frequência de experiências, a diversidade, a
qualidade e a forma como são desenvolvidas, dependem de cultura para cultura, de comunidade para comunidade, de família para família.
Assim, o modo como os pais se relacionam com tais objetos e a visão que transmitem
sobre eles aos filhos podem influenciar, em grande medida, o modo pelo qual essas crianças
os conceberão, tanto no presente quanto no futuro. Segundo a autora, em família, a criança
pode ter experiências de letramento e aprender “coisas” sobre ele naturalmente em atividades
cotidianas antes mesmo de frequentar a escola. Em outras palavras, “é conveniente [...] que o
livro entre para a vida da criança antes da idade escolar e passe a fazer parte de seus
brinquedos e atividades cotidianas” (ESCARPITT; BAKER apud MELO, 2009, p.73). Mata
(1999) também destaca que cada cultura, cada família promoverá esse contato de modo
diverso.
Assim, quando os alunos ingressam na escola, é indispensável que esta procure
conhecer a sua história, as suas vivências com as práticas de letramento (de leitura e de
escrita) em casa e em outros espaços que eles frequentam, para que se possa planejar, de
forma adequada e situada, ações coerentes e efetivas que possibilitem a aprendizagem de
novas práticas no ambiente escolar.
Considerando toda essa questão, esta pesquisa tem como um de seus objetivos
identificar e descrever as práticas de leitura – nosso objeto de investigação – dos alunos
ingressantes em um campus do IFG. Reconheço o quanto a história de leitura desses alunos é
relevante para compreender sua relação atual com a leitura e os significados dessa prática em
suas vidas.
Ainda em relação à influência da família no contato desses alunos com as práticas de
leitura, podemos observar, tanto nos memoriais quanto nos questionários, que os objetos mais
lembrados por eles são revistas em quadrinhos/gibis e livros de contos de fadas. Esses objetos
de leitura, em especial, aparecem diretamente relacionados à ação da família (da mãe,
principalmente, e do pai), como foi possível ver acima.
84
É necessário ressaltar, no entanto, que, quando recuperam memórias mais recentes,
próximas do que vivem no presente, outros objetos – mesmo que em alguns casos isolados de
alunos – são mencionados tanto nos questionários quanto nos diários de leitura (veja o
Capítulo 6), como revistas, notícias, manchetes, artigos (de opinião), legendas de filmes,
placas, textos escolares e livros didáticos. Entretanto, esses objetos de leitura aparecem nos
memoriais já desvinculados da esfera familiar e não associados a uma influência dos pais.
Sendo assim, não descarto a hipótese de que muitos podem ter se referido a tais objetos como
uma estratégia para surpreender, criar uma imagem que, segundo eles, seria a de um aluno
leitor, já que, como pesquisadora e professora, seria eu a leitora dos memoriais.
Ao relembrar suas histórias de leitura, alguns alunos evocam lembranças de pequenas
bibliotecas particulares dos pais e de momentos em que os viram dedicados à leitura. Tendo
em vista a afirmação de que os pais são “modelos que de alguma forma acabam por
influenciar de forma natural os comportamentos de ‘leitor’ dos respectivos filhos” (MATA,
1999, p.74), considero relevante mostrar como os alunos se referiram a esse espaço (as
pequenas bibliotecas particulares) e à sua função na esfera familiar, e porque eles associaram
esses elementos a uma influência ou não da família em suas práticas de leitura.
O que observei nos memoriais, no entanto, é que apenas alguns afirmam se sentirem
incentivados a ler ao ver o comportamento dos pais, o que demonstra não haver uma relação
direta entre os pais serem leitores e o filho também ser. Um dos alunos chegou a afirmar:
“Meu pai, minha mãe gosta muito de ler, mas eu não puxei para eles, gosto mas de ver.” (K).
Outros admitem ter fácil acesso a livros, mas que “não têm interesse em ler”.
Recupero, a seguir, o relato de dois alunos que dizem possuir uma biblioteca em casa.
O primeiro acredita que seu gosto pela leitura deve-se ao exemplo dos pais que o incentivam
“desde pequeno” a ler; o segundo, por sua vez, admite não ler os objetos de leitura existentes
na biblioteca doméstica:
I: [...] Acho que eu gosto de ler graças a meu pai e minha mãe pois eles nunca
dispenção um bom livro, meu pai quase uma mini biblioteca em casa, assim eu
sou incentivado a ler todos os dias desde pequeno [...].
MM: Tinha o costume de ler 5 livros por ano, que era geralmente exigido pela
escola para fazer avaliações, mas com isso perdi um pouco de interesse em ler, pelos assuntos abordados nesses livros, apesar de ter uma grande variedade de
livros em casa na pequena biblioteca de meu pai. Todos os livros eram com
temas educativos e longos [...].
48,28% preferem ler
revistas em quadrinhos e mangás.
44, 83% preferem ler
revistas de informação (Veja, IstoÉ, Época etc.).
27,59% preferem ler
livros e textos eletrônicos.**
**Dados mais expressivos. Nesta questão, os alunos poderiam assinalar mais de
uma alternativa.
85
No discurso de I, pode-se reconhecer uma voz que corrobora o dizer de especialistas,
por exemplo, de Mata (1999), de que os pais influenciam os filhos ao se mostrarem modelos
de leitores. Essa voz é percebida quando I diz: “Acho que eu gosto de ler graças a meu pai e
minha mãe pois eles nunca dispensam um bom livro”. Nesse trecho, embora o aluno use o
verbo “acho”, o qual exprime certa dúvida quanto a quem teria influenciado seu gosto, a
expressão “graças” e a oração introduzida pela conjunção explicativa “pois” demonstram a
crença de I de que seus pais são os responsáveis por seu gosto pela leitura.
Nesse trecho, outra voz também entra na teia discursiva tecida por I, que sugere ser
leitor aquele que gosta de ler, que está sempre lendo e que cresce em um ambiente propício
à leitura. Quanto a isso, farei uma discussão mais adiante, mas, por ora, cabe ressaltar que
associar a leitura a uma atividade sempre prazerosa é ter uma visão equivocada das práticas
de leitura, já que a leitura pode, em determinadas situações, ser uma atividade que demanda
trabalho, esforço, dedicação, a fim cumprir, por exemplo, uma tarefa. Compreendo que essa
visão da leitura presente no relato do aluno está vinculada a uma ideologia que circula na
sociedade – mas que emana, a priori, de alguns especialistas na área de educação –, de que
leitor é aquele que gosta de ler; se não gosta, não é leitor. E, ainda, de que a escola,
principalmente, e os pais são os responsáveis por desenvolver esse gosto nas crianças.
Em relação a isso, I parece querer deixar claro que sua família tem feito a sua parte
ao incentivá-lo à prática da leitura “todos os dias desde pequeno”. Ele associa a existência
de uma minibiblioteca em casa ao incentivo dos pais quando diz: “meu pai [tem] quase uma
mini biblioteca em casa, assim eu sou incentivado a ler todos os dias desde pequeno”.
Percebo que o uso da expressão “assim” introduz uma consequência, segundo I, do
comportamento dos pais ao terem uma minibiblioteca em casa. Outra voz, portanto, ecoa
nesse relato do aluno: a de que a existência de objetos de leitura diversos em casa indica que
há incentivo às práticas de leitura, o que não se fundamenta, já que é possível ver crianças
que não dispõem de nenhum livro em casa – até mesmo por motivos financeiros – e que são
incentivados a ler; por outro lado, é comum conhecer crianças a quem os pais estão sempre
comprando materiais diversos, mas que não leem. Incentivar as práticas de leitura é mais do
que oferecer objetos de leitura, é saber oferecê-los; é preciso refletir sobre isso (retomarei
essa discussão adiante).
No segundo excerto, extraído do memorial de MM, a primeira voz que ele traz para o
seu discurso é a da escola, que assume socialmente a responsabilidade de desenvolver nos
alunos o hábito de leitura dos alunos – “tinha o costume de ler 5 livros por ano” – o que,
muitas vezes, é feito por meio da cobrança das leituras em avaliações – “que era geralmente
86
exigido pela escola para fazer avaliações” –, devido à crença entre os professores de que, se
não valer nota, o aluno não faz.
O relato de MM, porém, traz uma voz que contradiz a voz da escola, uma voz que
ecoa uma memória coletiva – a dos alunos – de que os livros que os professores pedem que
sejam lidos são chatos, desinteressantes – “Todos os livros eram com temas educativos e
longos” – e que, por isso, os alunos não leem. É preciso que a escola saiba inserir os objetos
de leitura na vida do aluno, de modo que ele compreenda que há finalidades e formas
diferentes de ler, e que, no ambiente escolar, ele nem sempre lerá por gosto. Logo, ao mesmo
tempo em que as escolas precisam de professores que estejam preparados para lidar com as
práticas de leitura considerando-as como práticas culturais, os alunos precisam ser
conscientizados para refletirem sobre o que é ser leitor e o que é leitura nas diversas esferas de
atividade da sociedade. Discutirei melhor essa relação do aluno com as práticas de leitura
escolares no próximo tópico.
MM, assim como I, também faz referência à presença de uma biblioteca em casa, a
qual pertence ao pai. Em suas palavras, ele acredita viver uma contradição, pois “apesar de ter
uma grande variedade de livros em casa na pequena biblioteca de meu pai”, “não tem
interesse em ler”. Essa sensação de conflito decorre de uma voz que repercute uma ideologia
de que ter uma biblioteca em casa é um comportamento de alguém que gosta, que tem
interesse em ler, o que, segundo ele, não é o seu caso. Como já discuti acima, essa não é uma
relação de causa e consequência válida, pois ter acesso a objetos de leitura em casa não
garante que se tenha interesse em ler.
Para esse aluno, assim como para outros, a leitura é aquela feita em livros, devendo ser
prazerosa e abordar temas que lhe sejam interessantes, do contrário, serve apenas como um
ato mecânico para cumprir uma tarefa: realizar avaliações. Ao contrário de I, MM não
compreende a existência de uma biblioteca em sua casa como um fator que colabore para o
seu interesse pela leitura.
É importante observar que o modo como os pais apresentam e significam os objetos de
leitura para os filhos também pode aproximá-los ou afastá-los da vivência com as práticas de
leitura diversas. É o que narram os alunos A, GF, J e LT:
A: [...] Eu aprendi a ler com a rigidez dos meus pais e o esforço que eu era obrigado
a ter quando criança.
GF: A minha historia com a leitura é muito pouco, porque quando eu era menor
meus pais se esforsaram para mim ler, mais só que eu nao tinha os recursos
nessesarios (livros enfantis) e também não tinha enterece pela leitura.
87
J: [...] Minha mãe queria que eu aprendesse a ler com os livros que meus irmãos
ultilizavam na escola [...].
LT: [...] geralmente fico vendo videos meu pai as vezes emplica comigo porque passo o dia todo e não leio nada.
Nos enunciados acima, observa-se que os alunos concebem a leitura como
decodificação, como um ato mecânico, obrigatório, que exige esforço, condições financeiras
e, assim como outros relataram, vontade: “também não tinha enterece pela leitura” (GF). Por
meio da identificação dessas vozes que se entrecruzam nos memoriais, verifica-se que não há,
ainda, entre os alunos, uma compreensão mais aprofundada do que seja a leitura, do que é ser
leitor, uma visão de leitura como prática cultural.
No relato desses alunos, há uma voz comum que perpassa todos eles: a da família
como uma instituição social disciplinadora, que se preocupa com os estudos dos filhos, e que
busca “fazer com” que os filhos percebam a importância da leitura para suas vidas. Por isso,
essa voz, resgatada nas lembranças de infância, é significada por eles como rígida, insistente e
implicante, porque dela emanava uma obrigatoriedade em relação à leitura: “aprendi a ler com
[...] o esforço que eu era obrigado a ter quando criança” (A); “quando eu era menor meus pais
se esforsaram para mim ler” (GF); “meu pai as vezes emplica comigo porque passo o dia
todo e não leio nada” (LT); e “minha mãe queria que eu aprendesse a ler [...]” (J).
Essa atitude de cobrança dos pais para que os filhos leiam, estudem, apoia-se em uma
crença enraizada na memória coletiva de que leitura seja “[...] um ato redentor, capaz de
salvar o indivíduo da miséria e da ignorância.” (BRITTO, 2003, p.99). Muitos pais, portanto,
passam a reproduzir essas ideias, que, frequentemente, são disseminadas na sociedade, por
meio da mídia, de algumas escolas e universidades, e por entidades governamentais ou não
que se dizem promotoras da leitura.
Aqueles que assim pensam, muitas vezes, acreditam que a quantidade de leitura
realizada ou o acúmulo de informações adquiridas por meio dela tornará seus filhos
indivíduos atualizados, sábios e bem-sucedidos. Sabe-se, porém, que a leitura é uma prática
cultural e histórica, e que, por isso, precisa ser sempre considerada em relação a outras
leituras, outras informações, para que o indivíduo possa, enfim, produzir conhecimento e
promover transformação social. O homem não deve ser compreendido como um depósito de
informações, e, sim, como um ser que produz conhecimento a partir do estabelecimento de
um diálogo entre suas leituras.
88
Pensar as práticas de leitura dessa forma, como “[...] um ato de posicionamento
político diante do mundo” (BRITTO, 2003, p.100), faz com que os indivíduos tenham mais
consciência das implicações do ler para si e para a sociedade. Além disso, “[...] mais
independente será sua leitura, já que não tomará o que se afirma no texto que lê como verdade
ou como criação original, mas sim como produto.” (BRITTO, 2003, p.100).
4.1.1.2 A escola e as práticas de leitura
Iniciarei esta seção retomando outra parte do memorial de AL, a fim de introduzir uma
discussão acerca de como os alunos significam as práticas de leitura que desenvolviam em
suas escolas no passado em seus memoriais de leitura produzidos durante esta pesquisa:
AL: [...] Apartir dos 10 [anos] só lia os livros que a escola “obrigava”, todos os livros que a escola mandava a gente ler eu sempre acabava gostando, eu não me
lembro dos titulos dos livros, me lembro mais das historia o texto acabava me
conquistando e eu lia o livro em um dia pois eu sou uma pessoa muito curiosa e isso
acaba me levando a ter mais preguiça de ler pois tenho que esperar tempo demais pra saber o fim da historia, por isso prefiro filmes e series. É isso, ainda não tinha
aquele gosto em ler.
Quando AL passa a significar suas práticas de leitura na escola, é possível identificar
uma voz em seu discurso quando ela diz: “apartir dos 10 só lia os livros que a escola
‘obrigava’” e “todos os livros que a escola mandava a gente ler eu sempre acabava
gostando”. Na visão de AL, cabia à escola a tarefa de “obrigar”, “mandar” os alunos lerem,
verbos que expressam uma entonação negativa, primeiro, porque, no dizer de AL, expressam
uma ação unilateral da escola quanto às práticas de leitura de seus estudantes; e, segundo,
porque essa ação unilateral apresenta um valor de imposição, de ordem, não havendo espaço
para o aluno questioná-la.
Como já discuti em outros momentos deste trabalho, a escola, por vezes, acaba por
desestimular a leitura ao não torná-la significativa para o aluno. O fato de ser um ambiente
que proporciona formação intelectual e social aos indivíduos não exclui um ensino que
considere as especificidades da realidade de seus alunos, muito pelo contrário, pois contribuir
para a formação de um indivíduo para que ele viva em sociedade é considerar as condições
em que ele vive, os conhecimentos e experiências que ele traz ao longo de sua história.
Ao final de seu relato, AL diz que, apesar da obrigatoriedade da escola, o texto
acabava conquistando-a. Percebe-se que, durante quase todo o relato, como analisado
anteriormente, AL significa-se como uma leitora interessada, que, mesmo diante de uma
89
“obrigação”, passava a gostar dos livros indicados pela escola. Porém, ao concluir seu relato,
a aluna passa a apontar a sua curiosidade como a responsável por sua “preguiça de ler” e
acaba admitindo preferir “filmes e séries”, assumindo-se como alguém que não gostava de ler
no passado: “É isso, ainda não tinha aquele gosto em ler”.
Outra questão interessante é a que apontei quando analisei um trecho do memorial de
I, à qual dedico-me agora: garantir o acesso a objetos de leitura é suficiente para inserir um
aluno no universo das práticas de leitura? Além disso, como a escola tem agido em relação à
democratização da leitura? Que tipo de influência é anunciada pelos alunos em seus
memoriais?
É necessário esclarecer que apenas o acesso a objetos de leitura – por meio de
projetos, programas e campanhas governamentais ou não – não garante uma democratização
da leitura, ou seja, não oferece as mesmas condições para que todos se tornem leitores,
forjando “[...] cidadãos críticos, conscientes da sua força coletiva no processo de
transformação social.” (MELO, 2009, p.93).
Assim, quando digo “leitor”, me refiro a um sujeito que não apenas reproduz o que lê,
mas que é capaz de se posicionar politicamente em relação ao que lê, relacionando sua leitura
a outras leituras anteriores, tecendo um diálogo no qual ele revela marcas de um
posicionamento autoral. Enfim, é preciso lembrar de que:
A leitura não é um ato que se dá apenas pelo domínio alfabético. Trata-se de uma
ação dotada de profundo sentido social – participação, criação, construção. Logo, a sua democratização não se produz com medidas exclusivamente culturais: mais
escolas, mais livros, mais bibliotecas. (MELO, 2009, p.77, grifos do autor).
Assim, ainda que um aluno tenha à sua disposição dezenas de livros, o que percebo é
que ainda há carência de políticas públicas por parte do governo que visem à promoção de
leitores engajados, críticos, e não meros reprodutores das informações adquiridas. É
necessário compreender que a leitura exige um comportamento autônomo do leitor, que deve
mobilizar outros conhecimentos e saberes a fim de construir sentido para o que lê.
Como estou abordando a necessidade de que haja mais políticas públicas relacionadas
à leitura que sejam uma ação dotada de sentido social, ou seja, que promovam efetivamente
uma democratização da leitura, lembro de que o governo federal aprovou, em 2010, a Lei nº
12.244, que estabelece que “as instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas
de ensino do País contarão com bibliotecas [...]” (BRASIL, 2010). A meta, que inclui cerca de
130 mil novas bibliotecas, entre elas, 113.269, em escolas públicas, deve ser alcançada até
90
2020. Contudo, segundo um levantamento realizado pelo movimento Todos Pela Educação,
baseado no Censo Escolar de 2011, seria necessário que se construísse, desde a promulgação
da lei, 34 unidades por dia, o que não está acontecendo.
Além disso, segundo matéria do Estado de S.Paulo, uma comparação com os números
apresentados pelo Censo de 2008 “[...] mostra que, mesmo as escolas construídas nos três
anos seguintes [de 2008 a 2011] (foram 7.284 novas unidades) não contemplam o espaço:
apenas 19,4% dessas novas instituições têm biblioteca” (BALMANT, 2013), ou seja, o espaço
que seria destinado à biblioteca não foi previsto no planejamento das 80,6% demais escolas.
A meu ver, mesmo que o governo consiga construir grande parte dessas bibliotecas –
já que realizar o que propõe a lei é uma utopia –, de nada elas servirão se não houver ações
político-pedagógicas que promovam o envolvimento de professores e alunos com práticas de
leitura diversas – inclusive as novas práticas associadas à tecnologia –, e com práticas que se
comprometam com atividades que desenvolvam a reflexão, a criatividade, a autonomia dos
alunos.
Vejamos, a seguir, como alguns alunos ingressantes no IFG em 2013, no curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, relatam suas experiências com as bibliotecas das
escolas onde estudaram até 2012:
LL: Eu começei a ler porque a minha escola incentivava os alunos, a escola era s
IalP [...] iamos a biblioteca e 3 vezes por semana liamos gibis na sala, isso dos 5 aos
6 anos de idade. Depois mudei de escola, fio para o S. e lá tinha biblioteca mais so podiamos ir I vez por semana com a Professora liamos bastante historias [...].
Depois ao 9 anos eu ia sozinho e comecei a ler novamente e pegava livro
emprestado toda semana, livros pequenos pois não gostava de ler livros grandes. [...]
Depois disso ate a 8a serie estudei em duas escolas, as duas não tinham bibliotecas mas na 8a serie a professora de Português deixou agente, todos da sala escolher o
iamos ler para a avaliação, depois de ler Don Casmurro O PIOR LIVRO QUE JÁ LI
EM TODA A MINHA VIDA. Então escolhemos um livro chamado Jogos Vorazes e
quando comecei a ler não consegui parar então li toda a coleção por conta propria [...].
Em seu memorial, LL evoca a voz de educadores e especialistas que defendem a
importância da existência de bibliotecas nas escolas, visto que elas proporcionariam uma
democratização do acesso à leitura, oportunizando aos alunos experiências de leitura com
diversos objetos de leitura, em especial com livros. Ao dizer “iamos a biblioteca e 3 vezes por
semana liamos gibis na sala”, “fio para o S. e lá tinha biblioteca mais so podiamos ir I vez por
semana com a Professora”, “Depois ao 9 anos eu ia sozinho e comecei a ler novamente e
pegava livro emprestado toda semana” e “Depois disso ate a 8a serie estudei em duas escolas,
as duas não tinham bibliotecas”, LL estabelece uma gradação, enfatizando que, do início de
91
sua alfabetização até os 14 anos, seu contato com a leitura só foi diminuindo, o que, segundo
ele, decorre da ausência de bibliotecas. Essa não deixa de ser uma visão reducionista, como
apresenta T, que lembra de que sua professora buscava alternativas para incentivar sua turma
a ler por meio da realização de rodízios de livros entre os colegas.
Em seguida, ele traz a voz de sua professora do 9o ano, a qual teria negociado com os
alunos a leitura de um livro de Machado de Assis, Dom Casmurro – que ele qualifica, em
caixa alta, como o “pior livro” que já leu em sua vida –, pela cobrança na avaliação da leitura
de um livro escolhido por eles – Jogos vorazes: “a professora de Português deixou agente,
todos da sala escolher o iamos ler para a avaliação, depois de ler Don Casmurro”. A voz da
professora, no discurso de LL, remete ao conflito que muitas vezes é vivido pelo professor de
Língua Portuguesa, que, diante da dificuldade em trabalhar com textos clássicos da literatura,
acaba por “barganhar” com os alunos a fim de que eles leiam o que é proposto pela escola. No
entanto, pelo que o próprio aluno diz, essa tentativa de negociação serve, na maioria das
vezes, apenas para que o aluno se distancie ainda mais das práticas de leitura escolares,
embora possa colaborar no sentido de aproximá-lo mais de outras práticas, o que se percebe
quando LL traz a voz da turma ao utilizar a 1a pessoa do plural: “Então escolhemos um livro
chamado Jogos Vorazes e quando comecei a ler não consegui parar então li toda a coleção
por conta propria”. Mais uma vez, o que se percebe é uma concepção de leitura como uma
atividade que deve proporcionar prazer, e que está ligada às escolhas de LL, que lê “por conta
própria” quando é um objeto de seu interesse.
Embora LM também evoque essa ideologia de que o professor é o responsável por
incentivar as práticas de leitura escolares, o fato de a escola não possuir uma biblioteca não
impede que ele tenha acesso aos objetos de leitura, como se vê no seguinte trecho do seu
memorial:
LM: [...] na minha primeira escola a professora nos encentivava muito a ler, apesar
da escola não ter uma biblioteca; e eu gostava muito e tinha a curiosidade de sempre
estar lendo desde livros infantis a cartases nas ruas. Aos 6 anos eu avia mudado de
escola, la os professores não nos ensentivava a ler muito, mesmo la tendo uma biblioteca muito grande e com varios livros, demorei uns 2 meses para descobrir
onde era a biblioteca [...].
No trecho, “aos 6 anos eu avia mudado de escola, la os professores não nos
ensentivava a ler muito, mesmo la tendo uma biblioteca muito grande e com varios livros,
demorei uns 2 meses para descobrir onde era a biblioteca”, LM posiciona-se contra uma voz
que traz uma ideologia de que o mais importante é que o governo construa e invista em
92
bibliotecas, ou seja, em infraestrutura. Ele deixa claro em seu memorial que o diferencial no
tratamento dado à leitura pela escola está no modo como o professor lida com ela em sala de
aula (questão que discuti no Capítulo 1 deste trabalho).
No excerto a seguir, percebe-se que outros alunos, como T, fazem coro a essa
compreensão das práticas de leitura na escola:
T: Na minha primeira escola não havia biblioteca, apesar de ter icentivo pelos
professores. Apesar de não ter uma biblioteca, tinham livros, onde que nós fazíamos
rodízios toda semana. Já na minha segunda escola, onde passei meu fim do ensino fundamental, tinha biblitoteca. Porém, os professores nem incentivavam, era como
se não existisse.
Esses relatos nos dizem muito sobre como era a relação dos alunos pesquisados com
as bibliotecas em seu passado escolar. A princípio, não devemos negar que a existência de
uma biblioteca ativa e rica em objetos, espaços e atividades de leitura não contribua para uma
vivência diferenciada dos estudantes com as práticas de leitura. Ela é importante, mas não
determinante, inclusive porque a instituição escolar não deve ser o único espaço onde o jovem
tem contato com a leitura. É importante considerar, ainda, que desconhecemos tais
bibliotecas, seu acervo, as condições de trabalho que são oferecidas ao professor para que faça
um trabalho aliado ao bibliotecário da escola e, ainda, os princípios norteadores da
instituição22
.
O fato é que, segundo LM e T, a isso se soma a falta de incentivo por parte dos
docentes. Assim, com base na experiência que tive ao longo desta pesquisa, em 2013, percebo
que ao jovem ainda em idade escolar é preciso apresentar textos diversos, desenvolvendo
modos de ler diferentes, em lugares distintos, com finalidades que ele até mesmo desconhece.
Enfim, cabe também a nós, professores, promover esse encontro entre os alunos e as práticas
de leitura, ainda que não tenhamos todos os recursos necessários, como uma biblioteca
adequada.
Como se pode notar, a ação do professor pode transformar a realidade escolar, ainda
mais se, aliado ao seu trabalho em sala de aula, for possível contar com objetos de leitura
22 Entre a antiga 6a série e o 3° ano do antigo científico, estudei em um colégio privado que apresentava uma visão conteudista de ensino e que, por isso, priorizava a aquisição de conhecimentos com uma finalidade bem
clara: a preparação para o vestibular. A escola dispunha da melhor biblioteca da cidade, tanto em quantidade
quanto em qualidade de títulos de livros, assinaturas de revistas e jornais, por exemplo. No entanto, diante do
grau de exigência das disciplinas – especialmente na área de exatas –, os alunos que queriam aproveitar o que a biblioteca oferecia precisavam “nadar contra a corrente”, ou seja, já terem consciência e contato com as práticas
de leitura fora daquele ambiente escolar para serem autônomos em termos de ir ou não à biblioteca. Além disso,
o próprio professor ficava de “mãos atadas”, pois “tinha que dar conta” do conteúdo programado, o que
“engessava” sua prática em sala de aula. Assim, muitas vezes, os princípios adotados pela instituição de ensino acabam influenciando as práticas docentes, os professores querendo ou não.
93
diversos em uma biblioteca. Contudo, é preciso ter em mente que o fato de elas não existirem
não nos exime de nossa responsabilidade de proporcionar aos nossos alunos contato com
leituras diversas, ainda que em sala de aula.
Em uma pesquisa realizada com professores de línguas de uma escola secundária
situada em Portugal, Freire (2007) aponta a necessidade de que haja uma integração efetiva da
biblioteca escolar nas práticas pedagógicas. Porém, segundo ela, isso só será possível se
gestores, professores e bibliotecários se dispuserem a transformar, caso seja preciso, a cultura
da escola, com a finalidade de promover uma cultura colaborativa entre esses agentes. Freire
(2007, p.56) pontua que
[...] uma integração efetiva da biblioteca escolar nas práticas pedagógicas dos
docentes exige uma atenção à cultura da escola na qual a biblioteca se integra, em
ordem à construção progressiva de uma cultura de colaboração que viabilize um incremento da qualidade do ensino e das aprendizagens, ao mesmo tempo que
contribua para a introdução de melhorias qualitativas no profissionalismo dos
professores.
Assim, segundo a pesquisadora, a existência de uma cultura colaborativa pode
contribuir para a formação do profissional docente, que, por meio de trocas e diálogos com a
comunidade acadêmica, pode repensar suas ações em relação à biblioteca escolar, utilizando o
espaço como parte de sua prática pedagógica. Poderá contribuir, ainda, para a aprendizagem
dos alunos, uma vez que nesse espaço eles poderão manipular diversos objetos de leitura e
descobrir novos modos de ler, por exemplo. É indispensável dizer que o ato mecânico de
conduzir os alunos a uma biblioteca não proporcionará a eles uma vivência profunda com a
leitura.
Dessa forma, por meio de um acesso real à leitura, seria possível contribuir para a
formação de cidadãos conscientes de seu papel na sociedade em que vivem, e capazes não só
de questionar, mas também de modificar a sua realidade.
O conhecimento não é informação nem se mesura pela quantidade de informação
disponível ou armazenada por algum sistema. Se, por um lado, a capacidade de
articular criticamente elementos do mundo exige informação, já que não se constrói
conhecimento do nada, por outro lado o conhecimento só pode ser construído porque o sujeito, num determinado contexto histórico, dispõe de condições de
manipulação de informações de diversos graus de complexidade.
Descontextualizada, a ideia de leitura como instrumento de ilustração neutraliza diferenças qualitativas e políticas dos tipos de informação e mitifica o
conhecimento. (BRITTO, 2003, p.102-103).
94
É preciso, também, que os jovens tenham acesso a
diversos objetos de leitura, não apenas aos livros, mas também
aos jornais, revistas, textos eletrônicos, anotações, entre outros,
que lhes possibilitem adquirir informações e habilidades de
leitura diferenciadas – das mais simples à mais complexas –, as
quais, como diz Britto (2003), conduzam a uma construção do
conhecimento. Essa construção, nos dizeres do pesquisador,
acontece mediante uma manipulação dessas informações, a
qual deve ser realizada considerando-se o contexto social e histórico do texto e do leitor.
Retomarei, agora, parte do excerto dos memoriais de MM, GF e LL:
MM: Tinha o costume de ler 5 livros por ano, que era geralmente exigido pela
escola para fazer avaliações, mas com isso perdi um pouco de interesse em ler, pelos assuntos abordados nesses livros [...].
LL: [...] sei que nem sempre lia por conta propria porque algumas vezes eu era
obrigado a ler por causa da escola, e se me lembro bem teve um livro que não li, e que ia cair na prova mas mesmo assim tirei nota sem colar! [...].
GF: [...] o que eu lia era livros que a escola obrigava a ler para faser um debate na
turma e depois contra outras salas [...].
Esses três excertos nos mostram uma concepção vinculada a uma memória coletiva de
que, na escola, a leitura que se faz é “obrigatória” e se opõe a uma leitura “por conta própria”,
pois “cai na prova”, é cobrada em “debates”, e atende ao objetivo de “fazer avaliações”. A
obrigatoriedade, segundo esses relatos, conduz ao desinteresse – já que, como diz um deles,
“os livros eram com temas educativos e longos” – e decorre de uma concepção escolar de que
é preciso “fazer os alunos lerem”, devido à cobrança da sociedade, dos pais, da universidade.
A “obrigatoriedade” que se encerra no aluno tem início na ação do próprio professor
que, sentindo-se “coagido” a “fazer” com que seus alunos leiam certos tipos de materiais,
começa a fazer cobranças – que, em alguns casos, são atividades até interessantes – mas sem
propósito ou sentido.
Tabela 2 – Modos de ler em práticas de leitura e escrita na escola23
Modos de ler em práticas de leitura e escrita na
escola
Frequência (%)
Frequentemente Às
vezes Raramente Nunca Não
responderam
23 Como o questionário foi aplicado nas primeiras semanas de aula, os alunos responderam às perguntas em relação às suas práticas de leitura e escrita passadas, vivenciadas em outras instituições escolares.
48,28% dos alunos afirmaram ler menos na
atualidade.*
Destes, 42,86% disseram ler menos devido à falta de
tempo; 28,57% alegam ter
desinteresse/não gostar de
ler ou preferir fazer outras atividades.*
*Dados mais expressivos.
95
Anotar enquanto o professor dá aula 51,72 34,48 13,79 0,00 0,00
Anotar enquanto faz trabalho ou debate em grupo 13,79 55,17 24,14 6,90 0,00
Copiar matéria ou exercícios do quadro-negro 82,76 3,45 6,90 6,90 0,00
Responder questionários sobre textos avulsos ou de livros didáticos
31,03 37,93 20,69 6,90 3,45
Fazer resumos ou comentários de textos 20,69 41,38 31,03 6,90 0,00
Ler jornais ou revistas 20,69 27,59 37,93 13,79 0,00
Fazer redação ou produzir textos 6,90 68,97 24,14 0,00 0,00
Fazer trabalho sobre filmes ou vídeos assistidos 6,90 27,59 37,93 27,59 0,00
Participar de debates 3,45 41,38 41,38 13,79 0,00
Preparar e apresentar seminários 6,90 27,59 34,48 27,59 3,45
Fazer dramatização 6,90 6,90 20,69 65,52 0,00
Fazer provas 75,86 13,79 6,90 0,00 3,45
Ler em voz alta 10,34 20,69 48,28 20,69 0,00
Fonte: Elaborada pela autora.
A Tabela 2, baseada em dados obtidos por meio do questionário, demonstra os modos
de ler dos alunos quando envolvidos em práticas de leitura e escrita na escola. O que se
observa é que a prática mais frequente entre 82,7% dos alunos é “copiar matéria ou exercícios
do quadro-negro”, seguida de “fazer provas”, para 75,86% dos alunos. De acordo com
68,97% dos alunos, às vezes, eles fazem redação ou produzem textos, e com 55,17%, às
vezes, anotam enquanto fazem um trabalho ou debate em grupo. Raramente, conforme
48,28% dos alunos, eles leem em voz alta, e, para 41,38%, é raro participar de debates.
Enquanto isso, 65,52% alegam nunca ter feito dramatização na escola, e 27,59% nunca ter
preparado e apresentado seminários, bem como ter feito trabalho sobre filmes ou vídeos
assistidos.
Nota-se, ao analisar as colunas “às vezes” e “raramente”, que são nelas que as práticas
de leitura mais se localizam, segundo os dados fornecidos pelos alunos. A hipótese é de que,
como muitos professores se preocupam em concluir um conteúdo programático, as aulas, por
vezes, acabam incentivando ou apresentando ao aluno apenas alguns modos de ler e não
outros que também contribuem para a sua formação como leitor e como indivíduo
participativo, crítico. Essa talvez seja a razão de as respostas terem se concentrado na coluna
“às vezes” e “raramente”.
Desse modo, o contato dos alunos com a diversidade de práticas de leitura que
circulam em nossa sociedade não se torna significativo. Além disso, o aluno não tem “voz”,
não só na sugestão do que será lido, como também no momento de expressar sua
interpretação, opinião acerca do que foi lido. Isso caracteriza a ação docente como arbitrária e
96
unidirecional, o que não significa que não se deve ponderar algumas dessas vozes, como, por
exemplo, quando MM responsabiliza a escola e seu modo de lidar com a prática de leitura
pela sua perda de interesse em ler. Não se deve pensar de um modo tão reducionista, culpando
apenas a escola pela falta de interesse em leitura de seus alunos. Há muitas questões
envolvidas nessa relação escola-leitura-aluno, dentre as quais discutirei apenas algumas, em
decorrência da complexidade da temática e da amplitude do debate que pode gerar essa
reflexão.
Em primeiro lugar, é preciso, como diria Britto (2003), desmitificar a ideia de que a
leitura é uma prática sempre prazerosa e que, por isso, a escola deve “convencer” (muitas
vezes, é esse o pensamento dos professores, em especial, os de Língua Portuguesa) o aluno de
que ler é muito “gostoso”, divertido, agradável, quando essa é apenas uma das facetas da
leitura. Ler também é trabalhar, o que exige, por vezes, disciplina, concentração, exercício
intelectual da parte do leitor, e isso não agrada a muita gente. Assim, torna-se imprescindível
questionar “[...] a crença de que a educação não pode ser chata, tem de ser natural” (BRITTO,
2003, p.107), e conscientizar alunos e professores sobre essa realidade, desfazendo equívocos.
É importante dizer que o gosto está relacionado ao desejo, ao prazer, à satisfação, por
isso acredito que a tarefa do professor de Língua Portuguesa no Ensino Médio, em particular,
não é fazer com que o aluno goste de ler, mas, sim, conscientizá-lo de que existem diversos
objetos de leitura, diferentes modos e gestos de leitura, bem como finalidades que variam
conforme as práticas de leitura.
Nos memoriais analisados, alguns alunos revelaram ter gosto pela leitura e, pelo que
pude notar nos relatos, esse sentimento em relação à leitura parece decorrer do fato de a
prática estar associada a um acontecimento ou circunstância significativos para o aluno, como
se pode conferir no exemplo a seguir:
B: Bom, nem sei por onde começar, mas eu adoro ler livros, histórias, textos e etc...,
principalmente aqueles que me emocionam e que colocam você de boca aberta, ou
que causem suspense. E de uma coisa que eu acho que nunca vou esquecer é de
quando tinha uns 6 ou 7 anos que foi quando peguei um livro na escola que gostei de mais dele [...] tinha sido conhecida por adorar aquele livro fui convidada a contar a
história pra todo mundo que tava lá. Fiquei com um pouco de vergonha, mas faze o
que né; todo mundo tava pedindo pra mim ler, o jeito era ler. [...] todos bateram palmas acharam bonitim [...] até hoje quem esquece de mim o povo fala que era a
menina que contava história ai lembram de mim, e não me esqueço disso.
Em seu memorial, B lembra momentos de sua vida que foram marcados pela sua
relação com a leitura: “E de uma coisa que eu acho que nunca vou esquecer é de quando tinha
uns 6 ou 7 anos que foi quando peguei um livro na escola que gostei de mais dele”. No
97
entanto, não foi a prática de leitura que marcou sua vida, mas o fato de essa prática estar
associada a um momento marcante de sua infância, o que a tornou conhecida e reconhecida
por outras pessoas como “a menina que contava história”: “até hoje quem esquece de mim o
povo fala que era a menina que contava história ai lembram de mim”. Como se percebe, o
foco da narrativa de B não está no livro, mas no episódio em que ela conta a história do livro.
B concebe a leitura como uma atividade que provoca os sentidos do leitor,
proporciona-lhe prazer: “adoro ler livros, histórias, textos e etc..., principalmente aqueles que
me emocionam e que colocam você de boca aberta, ou que causem suspense”. Desse modo,
para ela, assim como para outros colegas, a leitura possui um significado restrito a certos
objetos, modos, gestos e finalidades de leitura, o qual é disseminado por algumas escolas e
professores que se apoiam na ideologia de que a leitura deve ser uma atividade de fruição.
Em segundo lugar, há escolas que ainda desconsideram as experiências de vida do
aluno, o que inclui a desvalorização das práticas de leitura vivenciadas na família e em outras
escolas e espaços, enfim, de sua cultura, sua história, sua realidade. Tal desvalorização
configura-se como uma espécie de esquecimento, conforme denomina Abreu (2001, p.156), e
homogeneíza o ensino e a aprendizagem da língua, as práticas de leitura e, sobretudo, o aluno
e sua visão de mundo:
“Esquece-se” de que a leitura não é prática neutra, que no contato de um leitor com
o texto (assim como de um autor com o texto) estão envolvidas questões culturais,
políticas, históricas e sociais. “Esquece-se” de que as diferentes leituras revelam diferentes modos de inserção nas formas da cultura e são condicionadas por eles.
Abreu (2001) explica que esse menosprezo pela cultura do aluno está arraigado na
busca pela escola de instaurar um modelo de práticas de leitura baseado no comportamento de
leitores europeus, com os quais, desde o século XVI, consciente ou inconscientemente, tenta
estabelecer comparações. Desse modo, o leitor europeu descrito nos livros e retratado nas
obras de arte caracteriza-se como um leitor ideal, que cultiva as “melhores” leituras, em
lugares ideais, que lhes proporcionam gozo e leveza, como se outras práticas leitoras não
fossem possíveis e influenciadas pela história, sociedade e cultura nas quais cada leitor está
inserido. Como esse modelo de leitor não se adéqua ao comportamento de nossos leitores,
nossos alunos sempre são taxados como não leitores, pois não leem os objetos de leitura
considerados pelo governo, pela escola e até mesmo pela sociedade – que passa a reproduzir
tais falácias – como “corretos”, “adequados” e “de excelência”.
98
Uma concepção elitista de cultura torna invisíveis as práticas de leitura comuns. A delimitação implícita de um certo conjunto de textos e de determinados modos de ler
como válidos, e o desprezo aos demais estão na base dos discursos que proclamam a
inexistência ou a precariedade da leitura no Brasil. É leitor apenas aquele que os
livros certos, os livros positivamente avaliados pela escola, pela universidade, pelos grandes jornais, por uma certa tradição de crítica literária, ainda que os critérios de
avaliação, poucas vezes explicitados, estejam vinculados a noções particulares de
valor estético, de cidadania, de conhecimento.” (ABREU, 2001, p.154, grifos do
autor).
Como já discuti na introdução deste trabalho, não tenho a intenção de rejeitar a leitura
de livros literários clássicos, por exemplo, mas de criticar um ensino restrito a esse tipo de
objeto de leitura, ignorando a existência de outros objetos, modos de ler e de interagir com os
textos. Não se pode aceitar uma concepção tão reduzida de práticas leitoras que provêm,
muitas vezes, de um grupo social que se diz “intelectual” e que se considera responsável por
ditar quais livros devem ser lidos para que alguém seja considerado um “verdadeiro” leitor.
Assim, o que defendo é a necessidade de que instituições como a escola promovam o contato
do aluno com práticas de leitura diversificadas, que possam dialogar com suas práticas
culturais cotidianas, considerando-se o contexto sócio-histórico em que ele vive.
Em terceiro lugar, há, por outro lado, algumas “pragas”, como diria Possenti (1994)
em seu texto (infelizmente) ainda atual Pragas da Leitura, que insistem em permanecer na
esfera escolar. São elas, basicamente: a ideia de que o professor deve censurar o que o aluno
lê, seja por causa da temática do livro, seja pela idade que aquele possui (considerando que
há, também, uma relação entre esses dois fatores); o tratamento do adolescente, por exemplo,
como uma criança, o qual é orientado a ler livros “idiotas”, infantilizados e que não exigem,
intelectualmente, em demasia dele por temor de que “não dê conta” de lê-los; e a crença,
existente não só entre professores, mas, muitas vezes, incutida por estes nos alunos de que o
livro didático é o guardião, depositário de todo o conhecimento que “precisam” aprender na
escola (e na vida?), o que os torna dependentes dele e do que ele diz. Essa concepção pode
levar, por exemplo, a uma atitude acrítica perante as “verdades” que esse tipo de livro traz,
assim como desestimular o comportamento curioso das crianças e jovens em formação.
Além dessas, Possenti (1994, p.31) aponta a tendência da escola em não proporcionar
um espaço para a discussão, a reflexão, o diálogo entre professor, texto e alunos, o que acaba
por levar ao cultivo da “praga” da “[...] resposta certa, [d]a leitura única, [d]a leitura baseada
na autoridade, não no trabalho interpretativo”; ou o seu extremo oposto, a “praga” de que
qualquer leitura é aceitável, não havendo limites para a interpretação.
Vejamos como algumas dessas “pragas” surgem no discurso dos alunos em seus
memoriais. Para isso, retomo aqui um trecho do memorial de AL já citado anteriormente:
99
AL: Apartir dos 10 só lia os livros que a escola “obrigava”, todos os livros que a
escola mandava a gente ler eu sempre acabava gostando, eu não me lembro dos
titulos dos livros, me lembro mais das historia o texto acabava me conquistando e eu
lia o livro em um dia pois eu sou uma pessoa muito curiosa e isso acaba me levando a ter mais preguiça de ler pois tenho que esperar tempo demais pra saber o fim da
historia, por isso prefiro filmes e series. É isso, ainda não tinha aquele gosto em ler.
No início de seu memorial, percebe-se que AL divide sua história com a leitura em
dois momentos: antes e depois dos 10 anos de idade. Segundo ela, “a partir dos 10”, sua
leitura restringia-se ao que a escola “obrigava”, ou seja, fica subentendido que, antes disso,
ela tinha autonomia para escolher o que ler. Reconhece-se nesse trecho do memorial de AL
uma “praga” muito comum nas escolas que ecoa como uma voz dentro do texto: a partir de
uma certa idade, muitos professores interrompem as visitas com seus alunos às bibliotecas
escolares, as quais lhes permitiam selecionar o que queriam ler, o que favorecia a concepção
de leitura como uma prática prazerosa. Aproximadamente do 7o ano do Ensino Fundamental
II em diante, a maioria dos professores, como uma espécie de censor e conhecedor do que é
“adequado” à idade de seus alunos, passa a determinar, numa ação unidirecional – sem que
haja um diálogo, uma justificativa para tal leitura – o que “deve”, obrigatoriamente, ser lido.
Como também já ressaltei, esse modo de lidar com a leitura na escola torna a prática
desinteressante para o aluno, pois, muitas vezes, ela não é significativa para ele, está distante
de sua realidade. Assim, ao invés de estimular a curiosidade, tão importante para o
desenvolvimento criativo, intelectual do aluno, acabamos por extingui-la. AL diz que
“acabava gostando” do livro que era “obrigada” a ler e que o lia em um dia por ser uma
pessoa curiosa. O que soa estranho é a explicação que a aluna fornece para sua atitude: “e isso
acaba me levando a ter mais preguiça de ler, pois tenho que esperar tempo demais pra saber o
fim da história”.
Por não ter, na verdade, interesse e curiosidade pelo livro em si, já que este lhe foi
imposto, a sua motivação está em acabar logo a leitura para chegar até o final, o que lhe dá
preguiça. Ela admite, então, no final de seu relato, que “ainda não tinha aquele gosto em ler”.
Na voz de AL, encontramos, ainda, um eco das vozes dos colegas que apontaram como
motivos para não destinarem tempo à leitura o desinteresse, a preguiça e o imediatismo,
provocados pelo estilo de vida que predomina na sociedade moderna.
Ainda no excerto de AL, identifica-se uma contradição quando ela afirma, em um
determinado momento, que “ainda não tinha aquele gosto em ler”, e, mais adiante, que prefere
“filmes e series”. O uso do verbo no passado parece uma tentativa de querer expressar que, no
100
presente, “gosta” de ler, no entanto, o uso do verbo “preferir” no presente demonstra o
contrário: ela prefere ver filmes e séries a ler. Considerando que o memorial foi redigido para
ser entregue à professora-pesquisadora, penso que essa contradição decorre da busca de
construir uma imagem que, na visão de AL, agradasse a sua interlocutora, ou seja, de que no
passado não gostava de ler, mas que hoje gosta.
AL crê que é preciso “gostar” de ler, o que é mais uma “praga” que circula pela
escola, já que esta é considerada como a responsável por despertar o encanto, o prazer, o
gosto dos alunos pelo ato de ler, o que parece estar, no final das contas, afastando ainda mais
os alunos da vivência com diferentes práticas leitoras. Esquece-se, como já dissemos, de que a
leitura possui muitas faces que devem ser trabalhadas pela escola, como a leitura prazerosa.
No entanto, não é imperativo que todos os jovens saiam da escola “gostando” de ler.
Possenti (1994) discute essa questão ao considerar uma “praga” a ideia de que a leitura
não exige trabalho, o que acaba por acarretar, além dos problemas que foram apontados
anteriormente, a vivência dos alunos com apenas alguns tipos de práticas de leitura,
decorrentes das escolhas de objetos de leitura considerados melhores do que outros, como o
livro didático e o literário. Relacionada a isso há a “praga” da falta de quantidade, ou seja, é
preciso promover o contato dos alunos com a maior diversidade de práticas de leitura possível
para que eles se tornem capazes de identificar e compreender que os textos, como diria
Bakhtin (2006), são enunciados que compõem elos de uma cadeia complexa de outros
enunciados, que retomam sempre uns aos outros, de formas surpreendentes, graças ao
trabalho criativo dos leitores ao se tornarem “autores” de seu dizer.
Essas “pragas” são denunciadas também por PH em seu memorial:
PH: Bem, na minha infância, até os dias de hoje, sou uma pessoa que me dedico aos
estudos, mas não tinha muito contato com a leitura. Eu pensava que livros não tinham a mínima importância, que não ensinavam nada, e que era perda de tempo,
mas eu estava enganado. Nunca havia me dedicado a ler algum livro. Fazia leitura
de gibis, as vezes eu lia revistas, só para destrair, mas livro, nenhum. Há dois anos
atrás, meu colégio antigo trabalhava com livros didáticos. Eu pensei assim: não deve ser tão ruim ler um livro, e então comecei a ler o livro “A marca de uma lágrima”
[...] Esse livro foi o 1° que eu li com vontade, e interesse. Gostei bastante de sua
história e vou leva-la pelo resto da vida. Bom, depois disso, ainda não me interessei
em outro livro, mas espero conhecer algum que satisfaça minhas expectativas. E tentarei pegar o habito de leitura, pois ler, é uma coisa maravilhosa, e algum dia,
quero ter este prazer novamente!
Nesse trecho, nota-se que, assim como AL, PH parece considerar como leitura apenas
aquilo que lhe proporcionou prazer. Além dessa voz que evoca uma concepção de leitura
como fruição, há no relato desse aluno outras vozes que se cruzam, como a que remete a uma
101
ideologia de que ter hábito de leitura consiste em ler textos literários. Isso porque, se ele
estuda muito, tem o hábito de leitura, ainda que seja uma leitura mais técnica, que exige um
modo de ler diferente da leitura de um texto literário, que tem por objetivo causar efeitos
estéticos diversos. Além disso, ler nem sempre é uma “coisa” maravilhosa”, o que dialoga
com a ideologia da leitura apenas como prazer. Leitura é trabalho, o que exige disciplina do
leitor (outra “praga da leitura” que discutimos acima).
Outra voz presente no discurso desse aluno é a que se apoia na “praga” de que há
leituras melhores ou mais importantes do que outras, pois, embora ele afirme ser muito
dedicado aos estudos, considera que não tem muito contato com a leitura, como se houvesse
estudo que não demandasse leitura. Ele confirma essa ideia quando relata: “Fazia leitura de
gibis, as vezes eu lia revistas, só para destrair, mas livro, nenhum”. Ao dizer isso, o aluno
parece ter em mente que o “livro” é um objeto sagrado, distante de sua realidade, que exige
um comportamento diferenciado de quem se encoraja a lê-lo.
Aliás, “coragem” que ele teve que adquirir para ler “A marca de uma lágrima”, já que,
antes de começar a sua leitura, pensou: “não deve ser tão ruim ler um livro”. A impressão que
PH passa é de que não teve contato algum com esse tipo de objeto de leitura até os seus 12, 13
anos, pois ele narra como se estivesse temeroso do que essa experiência pudesse lhe causar.
Esse comportamento remete à tese de Possenti (1994) de que é preciso proporcionar ao aluno,
desde o início da vida escolar, experiências com práticas de leitura diversas, o que PH
denuncia continuar não sendo prioridade em muitas escolas. Essas experiências, se realizadas
com qualidade, só tendem a contribuir para que o aluno seja capaz de estabelecer sentidos
entre as leituras que acumula ao longo de sua história, relacionando umas às outras, o que
permitirá que ele se posicione de forma consciente e crítica perante novas leituras e situações
em sua vida.
PH revela um conflito de vozes quando, depois de dizer que nunca leu um livro,
afirma que “A marca de uma lágrima” foi o “1° que eu li com vontade, e interesse”. Embora
não seja possível recuperar o que, na verdade, o aluno quis dizer, o que se nota é que a leitura
do livro, indicado pela escola, foi tão significativa – segundo ele relata no memorial, a história
parece ter uma temática voltada para o público adolescente atual – para o aluno que ele vai
“levá-lo [o livro] pelo resto da vida”. No entanto, parece que não foram dadas ao aluno outras
oportunidades e apresentados outros objetos de leitura, outros modos de ler ou mesmo outros
textos literários. Não foi possível recuperar se isso se deve à escola não ter continuado a
incentivar esse tipo de leitura, ou se é porque os livros que ela possa ter indicado não o
agradaram.
102
O fato é que, como professores, não devemos nos eximir de indicar (não obrigar a
leitura) livros a nossos alunos, pois nosso papel também é este: promover o contato deles com
esse objeto de leitura. Contudo, como já dissemos, é imprescindível que haja um
planejamento, para que esta seja uma ação significativa, com finalidades claras e orientações
bem adequadas, considerando a realidade social, econômica e histórica do aluno. Além disso,
é preciso buscar temas que estejam relacionados ao que possa despertar o interesse do aluno.
Para que isso aconteça, é importante que o professor também tenha tido um mínimo de
vivência com diferentes práticas de leitura.
Possenti (1994, p.33) afirma, ainda, que, “na escola, praga mesmo não é o professor
que não manda ler, é professor que não lê.”. Essa é uma questão polêmica e divide opiniões.
Sendo assim, aproveito o ensejo para refletirmos sobre uma quarta questão em torno da
relação escola-leitura-aluno. Segundo o pesquisador, o professor que não lê não teria
condições de aconselhar ou de criar oportunidades para que seus alunos leiam. Como
professora, vivencio, constantemente, momentos em que os alunos me pedem dicas de leitura
além das que, geralmente, ofereço durante as aulas. Percebo, também, que não só as crianças,
mas muitos adolescentes se espelham no comportamento leitor do professor para moldar o seu
ou se tornarem leitores. Desse modo, acredito que um professor leitor pode fazer a diferença
em sua sala de aula, não só em termos de motivar práticas de leitura, mas também na
concepção de leitura que os estudantes podem vir a ter.
Vejamos o que diz Geraldi (2013, p.46) sobre o papel do professor como um mediador
de leitura:
Ninguém pode oferecer ao texto outros textos com que cotejá-lo se não for leitor.
Ser mediador de leituras na escola é ser leitor, e como leitor, ser capaz de enriquecer
o contato do leitor iniciante pela oferta de outros textos com os quais cotejar o que se leu e como se leu o que se leu.
Geraldi (2013), portanto, dialoga com as ideias defendidas por Possenti (1994) de que,
para ser um professor mediador de práticas de leitura (e também de escrita), é imperativo que
este seja um leitor profícuo. Segundo ele, se o professor não for um leitor, não terá condições
de “enriquecer” o repertório de leitura de seus alunos, oferecendo uma leitura crítica,
profunda desses objetos. Além disso, a pouca vivência com a leitura pode ser um obstáculo
até mesmo para que o professor trabalhe a leitura em sala de aula, superando a aplicação de
avaliações tradicionais, como as fichas de leitura, e reforçando a ideia de leitura como uma
“lei-dura”, conforme discuti na introdução deste trabalho. É preciso compreender que a escola
103
deve lidar com a leitura de um modo diferente da família, da igreja, enfim, de outras
instituições sociais; contudo, há uma necessidade de se rever como essa relação tem sido
estabelecida.
Há, por outro lado, estudiosos que, embora reconheçam a precariedade em que se
encontram as condições de trabalho de muitos docentes – o que acaba comprometendo o
investimento de tempo e/ou de dinheiro em leitura –, questionam a possibilidade de existir um
professor que não seja leitor, como é o caso de Britto (2003, p.160-161) quando pontua que
[...] não cabe afirmar que o professor é não-leitor, já que ele é produto de uma sociedade letrada e manipula informações e produtos de escrita. Mais ainda, ele lê
frequentemente diferentes tipos de textos. Mas também não é possível afirmar que o
professor seja um leitor. O fato é que, para boa parte dos professores, a prática de
leitura possível limita-se a um nível mínimo pragmático, dentro do próprio universo estabelecido pela cultura escolar e pela indústria do livro didático. Sua leitura de
textos literários é, frequentemente, a dos livros infantis e juvenis produzidos para os
alunos ou dos textos selecionados e reproduzidos pelos autores dos didáticos; sua
leitura informativa é a dos paradidáticos. Seu conhecimento técnico reduz-se às definições do próprio livro didático. Seu universo de conteúdos necessários coincide
quase sempre com o do livro (grifo do autor).
Na perspectiva de Britto (2003), não há como o professor não ser leitor, já que ele está
inserido em uma sociedade letrada e que se comunica por meio de textos diversos. Além
disso, se considerarmos, em especial, o professor de Língua Portuguesa, observa-se que ele
lida, diariamente, com tipos de textos diversos, tanto em casa quanto no ambiente escolar. O
pesquisador, contudo, relativiza, em seguida, essa questão, afirmando que as leituras
realizadas por esse professor, em detrimento das próprias condições de trabalho – turmas
grandes, jornadas duplas ou triplas, salários baixos, entre outras – restringem-se à leitura de
livros didáticos e paradidáticos para atender a uma necessidade imediata. Assim, as
informações que muitos “transmitem” aos alunos (porque, muitas vezes, não há reflexão sobre
o fazer docente) restringem-se ao que esses livros trazem, não apresentando uma visão ampla
e crítica das leituras que realiza.
A condição de leitor precário dos professores, considerados enquanto uma categoria social, não resulta de sua falta de vontade ou de inconsciência definitiva. O que
ocorre é que suas condições objetivas de vida e de trabalho são parte do processo de
massificação do ensino e depreciação da função docente. (BRITTO, 2003, p.164).
104
O que percebo, por fim, é que a “massificação do ensino” e a “depreciação da função
docente” estão se tornando ações cada vez mais comuns em nossa sociedade, como podemos
verificar, por exemplo, nos discursos que circulam na mídia brasileira. Não adianta culpar
apenas os professores pela falta de leitura dos alunos ou pelo modo como estes a concebem,
pois há toda uma rede complexa de ações (ou de falta delas) que levam a esse resultado, a
começar por problemas de gestão do governo federal e dos órgãos competentes responsáveis
pela educação no nosso país, passando por instituições sociais – como a família, a igreja, a
mídia, a escola – até chegarmos ao indivíduo. Assim, é preciso
considerar que o
[...] hábito de leitura não se aprende, pois, de forma
compulsória na escola. É algo que faz parte dos
padrões culturais de um país, de uma comunidade. É uma atividade que se inicia no núcleo de educação
informal que é a família e encontra sustentação na vida
comunitária. A escola contribui para sedimentá-lo,
mas não para lhe dar projeção na história do indivíduo. (MELO, 2009, p.73).
4.1.2 O que significa leitura/ler/ser leitor
Nos memoriais produzidos pelos alunos ingressantes no 1° ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, é possível recuperar o(s)
significado(s) que eles atribuem à leitura ou ao ato de ler e ao ser leitor, ou seja, o que,
segundo eles, caracteriza alguém como “leitor”. Esses significados perpassam a maioria das
narrativas dos alunos por meio de vozes diversas que compõem seus relatos. Observamos que
alguns estão ancorados no senso comum; outros, em mitos; outros, ainda que provavelmente
não o saibam, estão apoiados em abordagens teóricas ou em concepções de leitura defendidas
por certas áreas de pesquisa e do conhecimento.
Proponho, portanto, neste momento, recuperar, em trechos dos memoriais analisados,
esses significados de leitura, do ato de ler e de leitor, pois considero que o modo como os
alunos os compreendem, os significam pode ser um aspecto importante da relação deles com
as práticas de leitura, seja no passado, seja no presente, ou, até mesmo, no futuro. Acredito
também que a história de leitura desses alunos pode interferir, direta ou indiretamente, no
significado que eles imprimem aos conceitos de leitura, de ato de ler e de leitor. Sendo assim,
é possível dizer que, entre as práticas de leitura e o(s) significado(s) dado(s) a esses conceitos,
estabelece-se uma relação dialógica.
Para 44,83% dos
alunos investigados, a leitura é fonte de
conhecimento e
atualização.
Para 41,38%, a
leitura é fonte de
conhecimento para a
vida.* *Dados mais
expressivos.
105
Darnton (2010, p.145), enunciando do campo da História, discute sobre o modo como
as pesquisas em torno da leitura vem sendo realizadas – focalizadas apenas nos objetos de
leitura ao longo do tempo – e defende a necessidade de investigações que se voltem também
para o leitor, já que, segundo ele, “[...] os textos moldam a recepção dos leitores, por mais
ativos que possam ser. [...]”. O historiador diz, ainda:
Ler Ovídio é enfrentar o próprio mistério da leitura. Ao mesmo tempo familiar e
estranha, é uma atividade que partilhamos com nossos ancestrais, mas nunca poderá ser igual ao que eles vivenciavam. Podemos alimentar a ilusão de sair do tempo para
estabelecer contato com autores que viveram séculos atrás. No entanto, mesmo que
seus textos tenham chegado até nós sem nenhuma alteração – o que é praticamente
impossível, considerando-se a evolução do formato e dos livros como objetos físicos –, nossa relação com tais textos não pode ser a mesma dos leitores do passado. A
leitura tem uma história. Mas como recuperá-la? (DARNTON, 2010, p.151).
Retomo essas ideias Darnton (2010) apenas para ressaltar que, assim como os objetos
de leitura (temas, modo de abordá-los, linguagem, formatos, cores, diagramação) mudam ao
longo da história (enquanto outros permanecem) – e por isso é preciso conhecê-los e pensar
sobre eles se se propõe a investigar a leitura como prática social –, os gestos e modos de ler
também se transformam. A produção do memorial, nesse caso, pode se configurar como um
dos instrumentos que nos permitem recuperar ao menos parte da história de uma comunidade
de leitores, o(s) significado(s) de leitura construídos por eles até o presente, e, ainda, como
eles significam a(s) sua(s) relação(ões) com a leitura.
Como já apresentamos, de certa forma, alguns alunos, ao relatarem suas memórias,
trouxeram uma concepção de leitura como prazer, como algo que lhes provoca emoções
diversas, que lhes deixam “de boca aberta”, aguça sensações diversas, como a tensão durante
um suspense – para citar algumas referências feitas por eles, como vemos em B:
B: Bom, nem sei por onde começar, mas eu adoro ler livros, histórias, textos e etc...,
principalmente aqueles que me emocionam e que colocam você de boca aberta, ou
que causem suspense. [...]
AL: [...] todos os livros que a escola mandava a gente ler eu sempre acabava
gostando, eu não me lembro dos titulos dos livros, me lembro mais das historia o
texto acabava me conquistando e eu lia o livro em um dia [...]
LL: [...] na 8a serie a professora de Português deixou agente, todos da sala escolher
o iamos ler para a avaliação [...]. Então escolhemos um livro chamado Jogos
Vorazes e quando comecei a ler não consegui parar então li toda a coleção por conta propria, os trêz livros juntos deram em torno de 1200 paginas, ja que eram 400
paginas cada. Me lembro que li o Segundo livro em um dia inteiro das 9 hrs da
manha as 22hrs da noite so parava para comer e ir ao banheiro, acho que num
sabado [...]
106
Essa concepção de leitura como uma prática prazerosa, livre, remonta ao pensamento
de autores como Barthes (2004; 2010; 2012), Barthes e Compagnon (1987), e Proust (2002).
É importante ressaltar que esses autores enunciam da esfera literária e que, por isso, a leitura
em suas obras está associada a uma prática que atende a uma função estética do texto, e
caracteriza-se pelo caráter ativo do leitor, que, como um sujeito histórico, tem liberdade para
criar, experimentar o texto e produzir um novo texto conforme a sua visão de mundo, suas
vivências. Isso significa que o comportamento do leitor não se vincula à “descoberta” do que
o autor “queria dizer” – embora Barthes admita que há certa regulação –, mas, sim, ao que
aquele experimenta, “sobredecodifica”, construindo sentidos para o texto: “[...] o leitor é
tomado por uma inversão dialética: finalmente, ele não decodifica, ele sobrecodifica; não
decifra, produz, amontoa linguagens, deixa-se infinita e incansavelmente atravessar por elas:
ele é essa travessia.” (BARTHES, 2012, p.41). Segundo ele, a leitura desejante é marcada por
dois traços:
[...] o sujeito-leitor é um sujeito inteiramente deportado sob o registro do
Imaginário; toda a sua economia de prazer consiste em cuidar da sua relação dual
com o livro (isto é, com a Imagem), fechando-se a sós com ele, colado a ele, bem perto dele, como a criança fica colada à Mãe e o Apaixonado fixado no rosto amado.
O segundo traço de que se constitui a leitura desejante – [...] é o seguinte: na leitura,
todas as emoções do corpo estão presentes, misturadas, enroladas: a fascinação, a
vagância, a dor, a volúpia; a leitura produz um corpo transtornado, mas não despedaçado (sem o que a leitura não pertenceria ao Imaginário). (BARTHES,
2012, p.37-38, grifos do autor).
Nos trechos dos memoriais de AL e LL percebe-se a presença de um desejo de estar
com o livro, de possui-lo de uma só vez, de se apoderar do objeto e das histórias que ele tem
para “contar”: “li o Segundo livro em um dia inteiro das 9 hrs da manha as 22hrs da noite so
parava para comer e ir ao banheiro” (LL); e “eu lia o livro em um dia” (AL). Essas
expressões adverbiais mostram de que forma esses alunos se relacionavam com certos livros,
o que corrobora a concepção de “leitura desejante” de Barthes.
Como Barthes e Compagnon (1987, p.191) afirmam, a leitura passa pelo corpo e é
preenchida pelos sentidos, gestos e sensações do leitor: “Todo o meu corpo participa na
leitura.”. No relato de B, fica clara uma concepção de leitura baseada nesses pressupostos
quando ele usa expressões qualificadoras para o que gosta de ler, como “me emocionam”,
“colocam você de boca aberta” e “causem suspense”: “adoro ler livros, histórias, textos e
etc..., principalmente aqueles que me emocionam e que colocam você de boca aberta, ou que
causem suspense”.
107
Observa-se que esse significado dado à leitura como uma prática prazerosa aparece
relacionado, principalmente, à primeira infância dos alunos. Acredito que isso acontece
porque, tanto em casa como na escola, é comum haver o incentivo à leitura de textos que
exploram esse modo de ler nessa fase, como os livros literários e os quadrinhos, por exemplo.
Ao longo do tempo, nota-se que o repertório desses objetos, bem como os gestos, os modos e
os objetivos de leitura se modificam, se ampliam, como nos relatam D, K e VP a seguir:
D: [...] Posso confessar que leitura não é o meu forte, minha qualidade, pois na
infância gostava sim de ler, as histórias me traziam interesse, mas a partir dos anos que foram passando e os gosto se alterando a leitura ficou mais distante, não que eu
tenha parado de ler, pois tudo que formos fazer devemos ler, sendo assim meu modo
de ler é manchetes, notícias, matérias, pois é onde o meu interesse está fixado, e
assim os livros ficaram um pouco de lado.
K: Quando eu era mais novo gostava de ler toda semana é um gibi que meu pai
comprava, fui crescendo e parando de gostar de ler, hoje leio o que é preciso, não
leio livro por ler. [...]
VP: [...] Quando entrei no Ensino Fundamental II, parei de ler, por estudar muito,
por ser uma escola difícil. Quando cheguei na adolescência, fiquei com preguiça e
não li a partir daí. [...] pretendo ler mais, não só nas viagens.
Outro aspecto a ser apontado é a presença, na voz de alguns alunos, de um discurso
ancorado no mito de que só é leitor aquele que lê certos livros estabelecidos por uma minoria
na sociedade. Essa compreensão errônea, restrita e acrítica do que seja leitura é que leva os
alunos a dizerem que “pararam de ler” ou que “não leem”. Contudo, percebe-se que parte
deles compreendem – como nos esclarece D – que, conforme a idade e o nível de
aprendizado, suas práticas de leitura mudam. Podemos citar como exemplos disso o fato de
eles começarem a fazer mais leituras silenciosas, individuais, assentados em cadeira próximos
a uma mesa, onde passam a ter que fazer anotações, escrever ou digitar textos, conforme o
que leem e os seus objetivos de leitura.
Assim, alteram-se, também, os objetos de leitura. D, por exemplo, afirma que tem se
dedicado à leitura de manchetes, notícias e matérias, e se justifica: “é onde o meu interesse
está fixado, e assim os livros ficaram um pouco de lado”. K, por sua vez, diz: “leio o que é
preciso, não leio livro por ler”. Essas atitudes revelam uma mudança de comportamento em
relação ao que, em geral, os alunos concebem como o pedido da escola para que leiam um
livro X ou Y: “ler por ler” e não porque eles “querem”. Já VP faz referência a um discurso
muito comum entre os jovens que ingressam no Ensino Médio, enraizado em uma memória
coletiva, para justificar uma prática de leitura restrita a livros didáticos: “parei de ler, por
108
estudar muito, por ser uma escola difícil”. Mas ele admite que, na adolescência, ficou com
preguiça e não leu mais: “fiquei com preguiça e não li a partir daí”.
Relacionada a essa concepção de leitura/leitor, há uma outra em evidência em alguns
memoriais ancorada na ideia que circula na sociedade de que, se alguém não lê livros –
literários, principalmente –, não é leitor. Assim, encontramos trechos em que alunos, como
PH, dizem não serem leitores ou, até mesmo, não lerem por não se dedicarem a esses objetos
de leitura em especial, os quais têm por função provocar efeitos estéticos no leitor,
proporcionar momentos de fruição, gozo, criatividade durante a prática da leitura. Ou seja,
como suas leituras, ou a maioria delas, atendem a uma função pragmática, utilitária,
desconsideram-se os leitores. Vejamos o que diz PH em um excerto de seu memorial que
retomo mais uma vez:
PH: Bem, na minha infância, até os dias de hoje, sou uma pessoa que me dedico aos
estudos, mas não tinha muito contato com a leitura. Eu pensava que livros não
tinham a mínima importância, que não ensinavam nada, e que era perda de tempo,
mas eu estava enganado. Nunca havia me dedicado a ler algum livro. Fazia leitura de gibis, as vezes eu lia revistas, só para destrair, mas livro, nenhum. Há dois anos
atrás, meu colégio antigo trabalhava com livros didáticos. Eu pensei assim: não deve
ser tão ruim ler um livro, e então comecei a ler o livro “A marca de uma lágrima”, que conta a história de uma menina chamada Isabel, uma garota de 14 anos que se
acha feia e gorda [...] Esse livro foi o 1° que eu li com vontade, e interesse. Gostei
bastante de sua história e vou leva-la pelo resto da vida. Bom, depois disso, ainda
não me interessei em outro livro, mas espero conhecer algum que satisfaça minhas expectativas. E tentarei pegar o habito de leitura, pois ler, é uma coisa maravilhosa,
e algum dia, quero ter este prazer novamente!
Observa-se que o trecho introduzido pela conjunção adversativa mas – “me dedico aos
estudos, mas não tinha muito contato com a leitura” – comprova o que discuti anteriormente
sobre alguns jovens não considerarem certas práticas de leitura como leitura. Em seu
memorial, PH também parece dizer que o livro seria um objeto diferenciado, ao qual ainda
não havia se dedicado a ler: “Fazia leitura de gibis, as vezes eu lia revistas, só pra destrair”. É
interessante que, para PH, o modo de ler esses objetos é distinto do modo de ler um livro, pois
o que lia até então era “só pra distrair”. Ainda nesse último trecho, o aluno parece se referir,
mais uma vez, ao livro literário, já que, provavelmente, seus estudos se baseiam em leituras
que ele faz do livro didático (além de outros recursos de que dispõe os professores), as quais
desconsidera como “leitura de livros”: “Nunca havia me dedicado a ler algum livro”. Os
outros livros, aos quais nunca se dedicou, são “didáticos”, segundo PH. Nesse momento, ele
se confunde ao denominar “didáticos” os livros que, normalmente, são conhecidos como
“paradidáticos” ou “literários”, adotados em muitas escolas.
109
PH, então, apresenta uma concepção restrita de leitura como sendo aquela associada à
leitura do texto literário, a qual se assemelha à que encontramos nos discursos de AL, B e LL.
Em outras palavras, para ser leitor, é preciso ler livros, e livros que apresentem uma função
diferente da que se faz quando se “estuda”, ou seja, que tenham uma função estética, e que
demandem outros modos de ler. É preciso que a leitura “satisfaça” suas “expectativas”, que
seja “uma coisa maravilhosa” (PH) e que proporcione “prazer”.
Barthes e Compagnon (1987, p.188) discutiram essa questão do valor imputado a
certos objetos de leitura em detrimento de outros no final do século XX, e a concluíram da
seguinte forma:
Tudo o que se lê é discurso, texto, e a leitura, seja qual for o seu sentido, é acesso ao
texto. Em suma, a distinção entre duas leituras só tem valor ideológico:
individualiza, evidentemente, uma divisão social, entre a classe dos privilegiados, leitores de livros, e a outra: a dos explorados, leitores de opúsculos. (BARTHES;
COMPAGNON, 1987, p.188).
Os autores acreditam, portanto, que a ação de valorar os objetos de leitura resulta da
transmissão de uma ideologia enraizada no comportamento da sociedade, no modo como ela
se organiza e distribui seus bens, sejam econômicos, sejam culturais. Antes do Renascimento
e, mais especificamente, da invenção da prensa por Guttemberg, os livros eram um bem
cultural ao qual somente famílias mais abastadas tinham acesso, pois podiam pagar por suas
cópias, enquanto a maioria da população era analfabeta. A partir do século XVI, algumas
obras começaram a ser adaptadas para se tornarem mais acessíveis – tanto em termos
econômicos quanto em termos de linguagem – a um público das classes mais populares, que
começava a se interessar pela leitura, ainda que existissem limitações para que essas pessoas
aprendessem a ler e pudessem adquirir os livros.
Ainda para PH, para ser leitor, é preciso “pegar o hábito de leitura”, uma ação que, de
acordo com o trecho acima, depende dele. Essa concepção de que é preciso adquirir hábito de
leitura também gera muita polêmica, já que isso implica um ato mecânico, desprovido de um
significado social e histórico. Além disso, parece estar embutido nesse termo o mito de que há
quem não leia nada. Desconsiderando os analfabetos, acredito ser difícil afirmar que haja
alguém em nossa sociedade que não leia sequer uma publicidade em um outdoor, um letreiro
de ônibus, uma placa, uma conta de luz, uma receita, ou seja, dependemos da leitura para
sobreviver no mundo em que vivemos. Assim, é necessário refletir sobre a seguinte questão:
adquirir o “hábito” de ler o quê? Muitas pessoas, assim como PH, relacionam a ideia de
“hábito” à de “leitura literária” ou à de “leitura informativa”.
110
Defendo a posição de que são necessárias políticas públicas nas escolas e bibliotecas
que incentivem práticas de leitura diversas, mas não de forma mecanicista e desvinculada de
suas condições de produção e de recepção. É preciso conscientizar os alunos, durante o
período de sua formação, sobre a importância da escrita e da leitura para uma sociedade, e
também que os textos veiculam discursos permeados por ideologias e crenças de quem os
produziu. Além disso, o ato de ler deve ser compreendido como um ato político, de inserção
social, que permite ao aluno produzir conhecimento, questionar e transformar o meio em que
vive. Nesse sentido, Britto (2003, p.100) destaca que
[...] a leitura seria um ato de posicionamento político diante do mundo. E quanto
mais consciência o sujeito tiver deste processo, mais independente será sua leitura,
já que não tomará o que se afirma no texto que lê como verdade ou como criação
original, mas sim como produto.
Isso significa que devem ser apresentados aos alunos diversos objetos e modos de ler,
e não apenas um. Há alunos, no entanto, que concebem a leitura como uma prática que
incorpora objetos diversos, como livros, gibis, revistas, jornais, textos entregues pelos
professores, Bíblia e até legendas de séries e filmes, como se pode ver a seguir:
C: Nunca fui de ler muito, mas os pequenas vezes que pegava algum livro para ler
achei intereçante, [...] Fora isso eu lia e ainda leio revistas, lia textos que as professoras entregavam na escola.
GM: [...] Quando comecei eu lia gibis, livros com figuras, desenhos jornais,
letreiros na ruas [...]Atualmente estou lendo um livro gigante de 700 paginas [...] Leio também revistas e jornais e leio muito quando assisto series de televisão que
estão em outro idioma, então leio muitas legendas e bem rápido.
I: [...] EU sou testemunha de Jeová e gosto muito de ler a Biblia. O primeiro livro que eu li foi o Historias Biblicas, mais já li varios outros livros dos quais ja perdi a
conta. Mais gosto muito de ler revistas, para ficar bem informado entre elas esta a
revista quatro rodas, já que gosto muito de carros, entre outras. [...]
Percebe-se que alguns desses objetos estão ligados a espaços de leitura e grupos
sociais específicos com os quais esses alunos se relacionam, como a escola – “lia textos que
as professoras entregavam na escola” – e o templo religioso – “EU sou testemunha de Jeová e
gosto muito de ler a Biblia”. Eles também relatam outros aspectos de suas práticas de leitura,
como C, que relata emprestar livros algumas vezes: “os pequenas vezes que pegava algum
livro para ler achei intereçante”; e I, que explica a finalidade de ler certas revistas: “gosto
muito de ler revistas, para ficar bem informado entre elas esta a revista quatro rodas”. Essa
finalidade indicada por I é apontada como o segundo maior motivo pelo qual os alunos
111
pesquisados leem: atualização cultural e conhecimentos gerais (31,03%); que se segue à
leitura por prazer, gosto ou necessidade espontânea (34,48%).
Nesses relatos, observa-se que o fato de estar vinculado a uma escola e a uma
denominação religiosa faz com que os alunos desenvolvam certas práticas de leitura, como as
que foram relatadas acima. No questionário, além da escola, eles relataram como espaços
onde mais leem as próprias casas (86,21%) e igrejas (27,59%).
Destacamos um trecho do memorial de I em que ele explica suas práticas de leitura e
demonstra ter consciência de que diferentes práticas apresentam modos de leitura e
finalidades distintas. Ele afirma, por exemplo, que gosta de ler a Bíblia, prática que,
provavelmente, adquiriu por ser religioso. Já as revistas, ele lê “para ficar bem informado”,
seja sobre carros, seja sobre outros assuntos.
É importante dizer, entretanto, que, embora C, GM e I tenham citado objetos diversos,
esse fato não nos esclarece acerca do modo como essas leituras são realizadas, ou seja, não
nos permite conhecer até que ponto há um engajamento da parte desses alunos ao lerem um
texto. Quando digo “engajamento”, refiro-me à capacidade do aluno de promover um diálogo
entre o texto que lê e os já lidos – considerando suas condições de produção e de recepção –,
de questionar o que lê e de assumir um posicionamento autoral em suas práticas leitoras.
Assim, ele deve ter em mente “[...] o fato de que se leem textos e que textos são discursos que
encerram representações de mundo e de sociedade.” (BRITTO, 2003, p.106). É preciso,
portanto, superar uma concepção ingênua de leitura.
Para alguns alunos, a leitura é uma técnica, uma habilidade a ser adquirida e treinada,
a fim de ser aprimorada. Segundo Barthes e Compagnon (1987), a leitura, nessa acepção, é
compreendida como uma técnica de descodificação, a qual requer a aprendizagem das
convenções do código escrito, sendo, por isso, uma pedagogia. Vejamos como esse
significado de leitura é recuperado no discurso dos alunos:
D: [...] comecei a ler em casa, com livros que meus pais compravam de historinhas
infantis, no começo era meio difícil, havia guagueira, palavras que não sabia falar,
mas nada como a prática de ler frequentemente para reforçar a leitura [...]
JV: [...] Entrei no 1° ano do Ens. Fundamental e a minha escola era muito voltada
para esse lado de leituras, produções textuais e interpretações, o que me deu mais facilidade em interpretar e a ler bons textos [...].
VD: [...] não sou muito fã por livro mais acho interessante a leitura para o aumento
de vocabulario, para descobrir palavras novas, e ter um melhor aprendizado.
T: [...] Eu acho que a leitura começa desde o inicio da junção das sílabas, depois
disso é só progredir. [...]
112
No excerto de D, fica claro que a concepção de leitura que a aluna apresenta é de uma
técnica relacionada à descodificação, pois ela se refere à leitura como um processo de
alfabetização, de transposição do código escrito para o oral. A “prática”, por sua vez, é
concebida como um “treino”, um “exercício”, os quais devem ser executados com frequência
a fim de “reforçar” a leitura. T significa a leitura da mesma forma que D quando diz que a
“leitura começa desde o inicio da junção das sílabas, depois disso é só progredir”, ou seja, é
uma técnica que exige a superação de diversas etapas.
No trecho de JV e de VD, a leitura é concebida como um método. Observa-se, ainda,
que eles fazem referência a um outro nível de leitura, não àquele inicial, ligado à
alfabetização, como apresentaram D e T, mas àquele mais complexo, o da compreensão do
texto. Assim, a leitura, na visão de JV e VD, aparece como uma forma de interação com o
texto, contudo, é uma interação que se estabelece apenas por meio de estratégias cognitivo-
textuais. No caso de JV, o exercício da leitura e a aplicação dessas estratégias foram
facilitando a sua atividade de interpretar textos. Já para VD, a leitura é uma forma de ampliar
o vocabulário e de auxiliar no aprendizado.
Encerro esta seção apontando a importância do modo como o professor significa a
leitura em sala de aula, o que pode se refletir no comportamento e no discurso do aluno acerca
dessa prática e do que é ou não ser leitor. Verifiquei que a maioria dos alunos concebe a
leitura como uma atividade, um exercício, uma prática escolar, que, muitas vezes, é
obrigatória e que, por isso, deve ser realizada para melhorar o desempenho escolar, aumentar
o vocabulário, ficar atualizado em decorrência de processos seletivos, entre outras finalidades
bem definidas.
Conforme demonstra o relato dos alunos, ao longo de sua história, os objetos de leitura
e os modos de ler foram se alterando, e essa mudança deu origem a um novo significado do
que seja leitura/leitor para eles: o que era uma atividade prazerosa se tornou uma prática
desinteressante, movida por uma função utilitária; o que se lê ou que se “deve” ler é muito
mais do que contos de fadas e gibis; e que leitor não é aquele sujeito que só lê literatura, mas
que lê diversos objetos, com finalidades variadas.
Ainda que alguns significados se modifiquem, percebe-se que os alunos apresentam
uma concepção estruturalista do que seja leitura e do que seja um leitor, o que reflete a sua
história com essa prática, história constituída de vozes – da família, da sociedade, de
especialistas, da escola, de outros grupos a que pertencem etc. – que permeiam o discurso
113
desses alunos, revelando crenças e ideologias que lhes foram incutidas desde a infância e seus
primeiros contatos com a leitura.
Os dados apresentados comprovam, portanto, a importância de conhecermos o(s)
significado(s) que a leitura tem para o aluno – não apenas como pesquisadores, mas também
como professores –, a fim de orientar o modo pelo qual devemos conduzir as práticas de
leitura no ambiente escolar e no cotidiano dos alunos. Além disso, conhecer os significados
que os alunos associam à leitura permite desconstruir mitos e crenças equivocadas, questionar
ideologias e estimular o posicionamento crítico acerca do(s) significado(s) de “leitura” que ele
traz ao longo de sua vida.
4.1.3 A relação entre a leitura e a tecnologia
As novas tecnologias vêm se tornando, cada vez mais, parte do cotidiano das pessoas.
É inegável que a sua inserção em nosso meio está ocasionando uma mudança, em grande
velocidade e proporção, no modo de pensar e de viver da sociedade. Nas últimas duas décadas
especialmente, notam-se diversos especialistas buscando compreender, por exemplo, as
causas e consequências do uso dessas tecnologias pelos indivíduos nas mais variadas esferas,
como Lévy (2010), Lemos (2007), Virilio (1999), Sfez (2000), Marcuschi e Xavier (2005),
Soares (2002), Coscarelli (2003), Ribeiro (2009a; 2009b), Ribeiro e Coscarelli (2010), para
citar alguns.
Tendo em vista esse contexto atual no qual os alunos estão inseridos, percebi que a
relação entre leitura e tecnologia apareceu com frequência nos relatos analisados. Por isso,
dedicarei esta seção à reflexão em torno do tema a partir dos dados fornecidos pelos alunos
nos memoriais. Cabe dizer que não pretendemos tentar esgotar a questão neste trabalho, por
diferentes motivos. O primeiro deles é que a complexidade do tema, por envolver diversos
aspectos (sociais, econômicos, políticos, históricos e linguísticos), demanda um
aprofundamento que se torna inexequível em decorrência do tempo e do espaço para a
realização da investigação. O segundo – derivado do primeiro – é que tal aprofundamento
pode fazer com que nos detenhamos muito a esse tópico, perdendo de vista o objetivo mais
amplo desta pesquisa.
Dito isso, optamos por apresentar aqui algumas reflexões acerca da relação entre a
leitura e a tecnologia que consideramos relevantes para esta investigação, a partir das vozes
que compõem o grupo investigado: estudantes do 1o ano do curso de Eletrotécnica integrado
ao Ensino Médio do IFG.
114
O primeiro excerto foi extraído do memorial de JV, que diz:
JV: [...] Hoje, leio muito menos do que antes, creio eu que devido ao tempo e a
certas tecnologias do dia-a-dia. Procuro sempre usar a internet para ler sobre
atualidade mundial e a textos que me agradam.
Esse trecho do memorial de JV faz ecoar a voz – que está ancorada em uma memória
coletiva – de muitos alunos, que relacionam o motivo pelo qual eles não leem à presença de
recursos tecnológicos. Assim, na perspectiva de JV, o uso frequente de novas tecnologias
interfere em suas práticas de leitura, seja positiva, seja negativamente. Porém, o que se
verifica é que o aluno parece apresentar uma concepção de leitura e de práticas de leitura
“adequadas”, “corretas”, “boas” como sendo aquelas que incluem apenas materiais impressos,
o que ecoa uma voz que circula entre alguns especialistas e que rejeita a ideia de que as
tecnologias podem colaborar com o trabalho do professor e
contribuir para a aprendizagem dos jovens. Essa seria uma hipótese
para tentar explicar a contradição presente em seu enunciado.
No discurso de JV, tal contradição reflete duas perspectivas
distintas de analisar a relação entre a leitura e as novas tecnologias.
Isso porque, por um lado, ele afirma “ler menos” “devido ao tempo e
a certas tecnologias do dia-a-dia”; e, por outro, porque ele “sempre
usa a internet” para se manter informado, atualizado e se divertir.
Essa segunda parte de seu enunciado, como já afirmei, parece
“anular” o que ele disse inicialmente.
A fim de compreender melhor essa contradição, proponho uma breve reflexão acerca
do que dizem alguns pesquisadores que vêm se dedicando a estudar a influência das novas
tecnologias na vida das pessoas. Recuperarei, no momento, duas abordagens diferentes: uma
delas concebe que a relação entre essas novas tecnologias e a sociedade é prejudicial, não
apenas às relações interpessoais, mas, inclusive, em termos de construção do conhecimento
(VIRILIO, 1999; SFEZ, 2000); a outra admite que não há como “fugir” dessa realidade e que
as pessoas devem adaptar-se a ela, buscando novas formas de se relacionar, de produzir
conhecimento, de ensinar, enfim, de viver (LÉVY, 2010; LEMOS, 2007; MARCUSCHI;
XAVIER, 2005; SOARES, 2002; COSCARELLI, 2002; 2003; RIBEIRO, 2009a, 2009b;
RIBEIRO; COSCARELLI, 2010). Como diz Setton (2011, p.91), ao se aproveitar do termo
cunhado por Lévy (2010), “[...] a cultura ciber está em todo lugar.”.
68,97% dos alunos investigados
utilizam computador
todos os dias da
semana.*
72,41% deles
acessam a internet
todos os dias da semana.*
*Dados mais expressivos.
115
Na visão de Setton (2011), Virilio (1999) e Sfez (2000) são críticos das novas
tecnologias, já que afirmam que estas favorecem o esquecimento e contribuem para uma
atitude passiva dos usuários. Segundo eles, há uma ilusão de que o que fazemos por meio
delas é nos comunicarmos, é interagirmos com os outros, quando, na realidade, apenas
trocamos informações. Atrelado a isso, na concepção desses autores, o ciberespaço24
não
contribui para o exercício de uma atitude reflexiva, pois “não favorece o debate nem a
memória” (SETTON, 2011, p.94), o que se relaciona com a ideia de que os usuários são
passivos em relação às informações que “absorvem”, tal qual uma esponja, durante suas
navegações no ciberespaço.
Os autores também fazem coro ao que declaram alguns pesquisadores sobre o
ciberespaço ser um lugar onde impera a frieza e a impessoalidade entre as pessoas, que
permanecem cada uma em seu espaço, isoladas, com a sensação de estarem em companhia de
centenas de “amigos” e com quem acreditam, realmente, interagir.
É comum perceber que muitos dos que coadunam com esse
modo de pensar sobre a presença das novas tecnologias na
sociedade disseminam algumas ideias que reforçam essa visão
pessimista em relação ao seu uso. Ribeiro (2009a) caracteriza-as
como clichês que circulam em nossa sociedade acerca da leitura na
web e se propõe a desmistificar parte deles, como, por exemplo, o
de que a internet ameaça o hábito de ler; de que ela interfere
negativamente na escrita; de que é complicado falar em acesso digital quando as pessoas nem
aprenderam a gostar do “papel”; de que a internet não oferece conteúdos, textos e ambientes
de credibilidade; e de que os textos, para serem veiculados na web, devem ser concisos e
superficiais.
Nota-se que, no início de seu enunciado, JV evoca um desses clichês – o de que a
internet “ameaça” o hábito de ler –, já que ele diz ler menos em decorrência (segundo
acredita, “creio”) da falta de tempo e de certas tecnologias do dia a dia. Segundo Ribeiro
(2009a, p.589), “provavelmente, a web tem mais a ver com uma nova opção entre as mídias
disponíveis para a ampliação do letramento das pessoas do que com um vilão que fará
desaparecer as outras práticas de leitura e escrita.”. Desse modo, é necessário entender que a
24 “O ciberespaço (que também chamarei de ‘rede’) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas
também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e
alimentam esse universo.” (LÉVY, 2010, p.17). Ligado a essa noção está o conceito de cibercultura, que
consiste no “[...] conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 2010, p.17).
82,76% dos alunos
investigados preferem
navegar pela internet em seu tempo livre.
79,31% deles preferem
acessar redes sociais.
27,59% preferem ler.*
*Dados mais expressivos
116
internet, na realidade, é mais um suporte por meio do qual se tem acesso a textos, à leitura, e
não algo que “exterminará” o hábito de ler das pessoas. Pelo contrário, ele pode, até mesmo,
funcionar como um incentivador da prática da leitura, assim como da escrita para alguns
jovens.
Há, portanto, um segundo ponto de vista: o de que as novas tecnologias estão
presentes nas mais diversas atividades que as pessoas desempenham em seu cotidiano e que,
por isso, precisamos, como professores e pesquisadores da linguagem, refletir sobre as
práticas de leitura e de escrita nesse ciberespaço (LÉVY, 2010). Pesquisadores que se
inscrevem nessa abordagem concebem as novas tecnologias como produtos da cultura e da
sociedade, que possibilitam práticas que
[...] carregam consigo uma dimensão socializadora, promovem uma rede social
complexa e não apenas tecnológica. A cibercultura vai se caracterizar pela formação de uma sociedade estruturada através de uma conectividade telemática generalizada,
ampliando o potencial comunicativo, proporcionando a troca de informações sob as
mais diversas formas, bem como fomentando agregações sociais. (SETTON, 2011,
p.91).
Ao contrário da primeira abordagem, esses estudiosos defendem que as novas
tecnologias cooperam para a socialização, para um ambiente interativo e colaborativo entre as
pessoas, o que, para alguns deles, não era possível por meio de objetos impressos. Essas
novas tecnologias provocariam o retorno das comunidades ou do espírito de comunidade, já
que incentivariam um “desejo de conexão” entre os usuários.
Acredito que esses benefícios, no entanto, ainda estão longe de se tornarem uma
realidade, devido ao uso que as pessoas fazem dessas tecnologias. Embora a ideia seja que os
recursos tecnológicos promovam uma proximidade entre as pessoas em termos de troca de
informações, e mesmo de construção do conhecimento, é preciso considerar que essa
interação apresenta traços distintos de uma situação de interação face a face ou com o próprio
objeto de leitura impresso. Por isso, pesquisadores que se enquadram nessa segunda
abordagem vêm buscando compreender e explicar como as interações verbais acontecem no
ciberespaço, a fim de que elas adquiram o caráter responsivo ativo já apregoado por Bakhtin
(2006).
Alguns estudos abordam mais estritamente reflexões acerca da importância de
promover o contato dos alunos com textos em ambiente virtual em sala de aula, enquanto
outros analisam o modo como algumas escolas têm trabalhado esses textos. Assim, é possível
verificar que especialistas têm destacado a necessidade de investigar, observar e analisar as
117
práticas de leitura e de escrita nesses contextos, para que os objetivos perseguidos pelos
educadores – que eles também são – não se percam de vista, sem deixar de admitir as
peculiaridades que tais práticas podem adquirir nesses novos suportes tecnológicos. Sobre
isso, Soares (2002, p.151) alerta que
[...] a tela, como novo espaço de escrita [e de leitura], traz significativas mudanças
nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e
texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. [...] a
hipótese é de que essas mudanças tenham consequências sociais, cognitivas e discursivas, e estejam configurando um letramento digital. (grifos da autora).
Como Soares (2002), Ribeiro (2009b) assevera que há diferenças nos modos como as
pessoas interagem com os textos que são produzidos e lidos na web, e por isso ela também
acredita na existência de um letramento digital. Esse conceito que, segundo Soares (2002,
p.151), decorre da ideia de letramento – compreendido em um outro contexto, não mais da
cultura do papel, e, sim, de uma cibercultura (LÉVY, 2010) – consiste em “[...] um certo
estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem
práticas de leitura e de escrita na tela.”.
O Gráfico 1, a seguir, demonstra as práticas de leitura e escrita dos alunos investigados
quando utilizam o computador. As práticas mais recorrentes foram: “participo de redes
sociais” (86,21%), “faço download de músicas e/ou filmes em CD/DVD ou arquivo
eletrônico” (82,76%), “navego por diversos sites” (75,86%) e “jogo e desenho” (62,07%).
Esses dados nos mostram um crescimento das práticas de leitura em ambiente virtual, o que
decorre, entre outros fatores, de uma maior acessibilidade a computadores e à internet de que
os jovens gozam nos dias atuais. Contudo, revelam que essas práticas não se diversificam
muito entre os alunos, sendo menor o índice, por exemplo, daqueles que realizam consultas e
pesquisas por meio da internet – o que seria uma prática de leitura esperada entre eles.
118
Gráfico 1 – Práticas de leitura e escrita no computador (Resposta em que se podia
escolher mais de uma alternativa)
Fonte: Elaborada pela autora.
A partir do que Soares (2002) e Ribeiro (2009b) desenvolvem em seus textos, pode-se
observar que ambas, apoiadas em alguns pressupostos de Pierre Lévy, apontam a necessidade,
por exemplo, de se investigar como os alunos leem e escrevem nesses ambientes, de se
analisar como essas novas tecnologias podem se tornar instrumentos eficazes no ensino e na
prática de leitura e de escrita, e de como inserir os alunos, de forma proficiente e crítica, nessa
nova cultura da tela. Essa inserção precisa ser pensada e planejada, pois, ainda que as crianças
pareçam nascer “sabendo” usar essas tecnologias, na realidade, é importante verificar em que
medida essa criança ou esse jovem é letrado para ler e escrever de forma proficiente e
responsiva ativa na web.
O desafio que se coloca, portanto, é como aproveitar os benefícios que a web oferece e
desenvolver entre os alunos práticas de leitura e de escrita que, efetivamente, conduzam à
construção do conhecimento nesse espaço. Para isso, é preciso conhecer e dar a conhecer aos
alunos os mecanismos técnicos, formais e discursivo-textuais de “navegação” peculiares de
textos que circulam no ciberespaço. Ao defender o uso de textos também em ambiente digital,
especialmente nas escolas, Ribeiro (2009b), por exemplo, critica o modo como, muitas vezes,
estes são apresentados aos alunos – fora de seu suporte “original”, de sua interface
86,21
82,76
75,86
62,07
37,93
34,48
31,03
31,03
24,14
10,34
10,34
6,90
3,45
3,45
0,00
0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 80,00 90,00 100,00
Participo de redes sociais
Faço download de músicas e/ou filmes em CD/DVD …
Navego por diversos sites
Jogo ou desenho
Entro em sites de bate-papo e discussão
Envio e recebo e-mails
Consulto e pesquiso
Compro pela Internet
Escrevo trabalhos escolares
Digito dados ou informações
Monto páginas ou faço programas de computador
Organizo agendas ou lista de tarefas
Outras
Escrevo relatórios e outros textos
Elaboro planilhas ou monto bancos de dados
Práticas de leitura e escrita no computador
119
hipertextual –, o que não possibilita experiências, em sala de aula, que se caracterizem como
eventos de letramento digital.
Em algum ponto das propostas de formação das agências de letramento
(especialmente a escola), não se tem mostrado ao leitor em formação como operar interfaces, com honrosas exceções. Embora o texto, de preferência o bom texto,
venha sendo assunto escolar, os suportes onde ele está inscrito nem sempre são. Os
“modos de usar” ficam sempre de fora da “receita”. Não é de hoje que as pessoas
estudam textos fora das plataformas em que foram publicados. Talvez esse seja um dos nós que as levam, em alguns casos, a não reconhecer indícios significativos de
leituras que dependem, também, da diagramação e da organização dos textos nas
páginas, analógicas ou digitais. (RIBEIRO, 2009b, p.93-94).
Há muitos “nós” que devem ser desfeitos quando se decide explorar em nossa sala de
aula as práticas de leitura e escrita que estão na internet. Um deles é o que Ribeiro (2009b)
relata acima: a desvinculação do texto de seu contexto de origem, o ciberespaço. No excerto
acima, a autora explica que o não reconhecimento, pelo leitor, de indícios significativos em
um texto publicado na web decorre da sua leitura fora da interface onde ele foi publicado.
Sendo assim, o fato de o professor levar para a sala de aula um texto impresso que foi extraído
de um site prejudica a construção de sentido desse texto, além de não proporcionar ao aluno
vivenciar a prática da leitura e da escrita no ambiente no qual esse texto efetivamente circula,
com todas as suas particularidades.
Retornando aos memoriais, nota-se que, como JV, outros alunos relatam, em seus
memoriais, lerem na internet para diversas finalidades, ainda que alguns deles afirmem
utilizá-la mais com o objetivo de ver vídeos ou jogar, como LT, que diz: “[...] eu gosto muito
de ver noticias de carros a unica coisa que eu gosto de ler mas geralmente fico vendo videos
[...]”. Mesmo assim, LT admite que lê notícias sobre carros, assunto que parece lhe interessar
muito, o que pude verificar nos relatos feitos pelo aluno em seu diário de leitura escrito ao
longo do ano.
Esse enunciado de LT demonstra que as novas tecnologias podem, se bem utilizadas e
orientadas, revelarem-se ferramentas por meio das quais o aluno – que pouco se interessava
pela leitura e pela escrita – passa a desenvolver práticas de leitura e de escrita diferentes, com
outros modos de ler, outros gestos de leitura, além, claro, de conhecer outros objetos de leitura
ou o mesmo objeto em uma estrutura distinta da que conhecia. Ribeiro (2009a, p.589), por
exemplo, acredita que “provavelmente, a web tem mais a ver com uma nova opção entre as
mídias disponíveis para a ampliação do letramento das pessoas do que com um vilão que fará
desaparecerem as outras práticas de leitura e escrita.”. Desse modo, para a autora, é preciso
compreender que o ciberespaço permite vivenciar práticas de leitura e de escrita distintas das
120
que já conhecemos ou modificadas para adaptar-se ao ambiente virtual; logo, são objetos de
leitura que surgiram com a finalidade de “somar” e não de excluir outras práticas.
O problema que percebo no enunciado de LT é a expressão “é a unica coisa que gosto
de ler”. Sabe-se que o que a web oferece em termos de informação é quase incalculável, por
isso é preciso conscientizar e orientar nossos alunos para que eles saibam lidar com esse
oceano de informações, inserir-se nessa cibercultura e desenvolver habilidades linguísticas e
cognitivas que o meio exige, a fim de transformar esse infindável fluxo de dados, desde que
selecionado, filtrado, em conhecimento. Além disso, é importante que o aluno amplie também
as práticas de leitura e de escrita típicas do ciberespaço, o que deve acontecer de forma
orientada, especialmente na esfera escolar.
Vejamos, agora, o que dizem os alunos LM e GF:
LM: [...] Comecei a ver muita televisão e perdi muito mesmo o habito da leitura. [...]
GF: [...] Sendo assim hoje em dia eu não gosto de ler as unicas coisas que eu pratico
a leitura e em textos na escola, e informações na internet.
O relato de LM reflete o discurso daqueles que acreditam que a tecnologia,
particularmente a televisão nas décadas de 1980 e 1990, fez com que as pessoas “perdessem”
o “hábito” de ler. É preciso esclarecer que as tecnologias – novas ou antigas – não excluem as
práticas de leitura, até porque o rádio, a televisão, o computador, o celular, a internet, os
smartphones e outros recursos tecnológicos25
, por exemplo, introduziram novos objetos,
gestos e modos de leitura, bem como novas práticas de escrita na sociedade, o que não deve
ser negado.
A principal diferença entre a leitura de tais textos, digitais e impressos, está nos
mecanismos de “navegação” usados para ler: o hipertexto exige que o leitor conheça
alguns ícones e convenções dos textos digitais. Por outro lado, quem não sabe como funciona uma primeira página de jornal, um dicionário ou um índice, também vai ter
dificuldade de encontrar o que quer num texto impresso. (COSCARELLI, 2003,
p.1).
Sendo assim, as práticas de leitura nesses meios não é um problema, pelo contrário,
mostram como nossas práticas de linguagem mudam social e historicamente. A questão é a
acomodação, por parte dos jovens, a apenas certos objetos, modos, gestos e objetivos de
25 É importante dizer que o espaço que a leitura pode vir a ocupar no cotidiano dos alunos dependerá também do
modo como essa temática é abordada nesses meios, ou seja, eles podem contribuir para reforçar ou não a ideia de que outras práticas de leitura também são relevantes para a constituição do indivíduo.
121
leitura, como se observa no relato de LT, que diz: “eu gosto muito de ver noticias de carros a
unica coisa que eu gosto de ler mas geralmente fico vendo videos”.
Por fim, o relato de GF ao dizer “hoje em dia eu não gosto de ler as únicas coisas que
eu pratico a leitura e em textos na escola, e informações na internet” faz, parcialmente, coro
ao de JV, pois mostra uma ampliação de suas práticas de leitura, considerando que ele passou
a ler textos na internet, além dos que já lê, por exemplo, no ambiente escolar.
A fim de concluir o que propus a apresentar nesta seção, retomarei algumas palavras
de Bauman (2011, p.12), um grande pensador da sociedade atual e responsável pela
concepção de “modernidade líquida”, condição social que, segundo ele, estamos vivenciando
na história atual da humanidade, e que tem ocasionado diversas mudanças em nosso
comportamento e em nossa forma de pensar, no sentido de que, para fazer um relato “grosso
modo”, há um derretimento de alguns “sólidos” (o que nos dá uma sensação de fluidez), isto
é, de “[...] elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os
padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente,
de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro.”. Ainda segundo ele,
[...] a educação assumiu muitas formas no passado e se demonstrou capaz de adaptar-se à mudança das circunstâncias, de definir novos objetivos e elaborar novas
estratégias. Mas, permitam-me repetir: a mudança atual não é igual às que se
verificaram no passado. Em nenhum momento crucial da história da humanidade os
educadores enfrentaram desafio comparável ao divisor de águas que hoje nos é apresentado. A verdade é que nós nunca estivemos antes nessa situação. Ainda é
preciso aprender a arte de viver num mundo saturado de informações. E também a
arte mais difícil e fascinante de preparar seres humanos para essa vida. (BAUMAN,
2011, p.125).
Diante do que os alunos relataram em seus memoriais acerca de suas práticas de
leitura no ciberespaço, penso que há uma grande tarefa na qual nós, docentes, devemos nos
empenhar se desejamos que nossos alunos vivenciem tais práticas de forma consciente, não
apenas absorvendo, saturando-se de informações, mas produzindo conhecimento a partir do
que leem, assumindo seu dizer por meio de um posicionamento autoral em suas práticas de
leitura. Essa tarefa, como diz Bauman (2011), é árdua, pois demanda esforço, engajamento
por parte da escola e dos docentes (muitos deles, para se atualizarem), mas também é
“fascinante”, pois envolve preparar nossos alunos para viverem e se comunicarem na
sociedade da qual fazemos parte hoje.
Os alunos investigados neste estudo revelaram ler, no passado e no presente, tanto
materiais impressos como os da web, porém, se for efetuado um recorte e o olhar se voltar
para suas práticas de leitura no presente, como eles leem o que leem? Suas práticas leitoras
122
contribuíram no passado e têm contribuído para o seu desenvolvimento intelectual e social no
presente?
A análise dos memoriais permitiu conhecer a história de leitura desses alunos, os
quais, em sua maioria, tiveram um contato mais intenso e prazeroso com a leitura durante a
infância, incentivados, principalmente, pela família e pela escola. A partir, aproximadamente,
dos 11 anos de idade, muitos dos ingressantes dizem ter “parado de ler”, baseando-se nos
objetos de leitura que tinham por referência anteriormente – em especial, livros.
No entanto, grande parte deles menciona a leitura de outros materiais e que seu
repertório de práticas de leitura foi se ampliando com o passar do tempo. Para muitos, o que
era “prazeroso”, passou a ser considerado “obrigatório”, “chato” e até “horrível”, no dizer de
alguns. Apesar disso, há aqueles que apresentam uma visão diferente, de que ler não é uma
questão de “gosto” apenas, mas de necessidade, e que pode até nos “surpreender”.
Eles também demonstram, nos memoriais, como essas práticas se modificam ao longo
da história e das transformações ocorridas em nossas práticas sociais, quando nos contam que,
hoje, por exemplo, leem textos na internet. É importante, portanto, que, aos alunos, se
proporcione vivenciar eventos de letramento, como diz Soares (2002), que não se restrinjam
às práticas de leitura e de escrita em objetos impressos, mas que envolvam também os objetos
que fazem parte de uma cultura da tela.
Por fim, é importante dizer que foi possível recuperar nos memoriais diversos aspectos
relacionados à história de leitura dos alunos pesquisados. Contudo, optei por analisar alguns
deles: a família e a escola como influência na aquisição e no desenvolvimento de práticas de
leitura; o significado de leitura/ler/ser leitor; e a relação entre leitura e tecnologia – os quais
verifiquei como sendo os mais enfatizados pelos alunos em seus textos.
Espero que essa análise tenha permitido conhecer e descrever as práticas de leitura dos
alunos ingressantes no 1º ano do curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, por meio
da apreensão da voz desses leitores, a qual se constitui a partir de um diálogo constante com
um outro nos memoriais. A voz que enuncia ao recordar suas memórias – muitas das quais
estão enraizadas em uma memória coletiva – fala sobre a leitura na perspectiva de um leitor
que revela suas concepções de leitura, as quais são reflexos de construções históricas de
práticas de leitura e do que é ser leitor.
4.2 Uma história das práticas de leitura nos diários de leitura
123
Nesta investigação, o diário de leitura foi utilizado como uma técnica de pesquisa para
complementar os dados gerados por meio do memorial e do questionário, procurando
responder às seguintes questões: Como as práticas de leitura são construídas e vivenciadas por
esses alunos em seu cotidiano e na escola? Os alunos apresentam um posicionamento autoral
em suas práticas de leitura cotidianas? Qual(is) o(s) percurso(s) de leitura desenvolvido(s)
pelos alunos considerando os contextos específicos, os papéis, as finalidades e as formas de
interação que os conduzem em sua atividade leitora?
O uso do diário de leitura em sala de aula como um instrumento de aprendizagem e de
reflexão sobre práticas de leitura desenvolvidas na esfera escolar foi defendido por muitos
anos, em especial, por Machado (1998; 2005). A pesquisadora dedicou-se, em seu trabalho de
doutorado, à investigação do diário de leitura como um gênero discursivo, à discussão de
como ele poderia ser utilizado em sala de aula e à apresentação de suas contribuições para a
formação de um leitor reflexivo e crítico durante suas práticas de leitura. Baseando-se, então,
na concepção de gênero discursivo de Bakhtin (2003), a autora concebe o diário de leitura não
como um portador de textos ou um suporte para textos, mas como um gênero discursivo
[...] produzido por um leitor, à medida em que lê, com o objetivo maior de dialogar, de “conversar” com o autor do texto, de forma reflexiva. Para produzi-lo, o leitor
deve se colocar no papel de quem está em uma conversa real com o autor, realizando
operações e atos de linguagem que habitualmente realizamos quando nos
encontramos nessa situação de interação. (MACHADO, 2005, p.64).
Como podemos perceber, pela definição de Machado (2005), o diário de leitura possui
algumas particularidades que o diferenciam de outros gêneros discursivos com os quais
apresenta alguns pontos em comum, como o diário íntimo, as notas de leitura e o resumo.
Essas diferenças vão desde as condições de produção do diário de leitura até o modo de
organização do discurso pelo leitor-autor.
Ainda segundo a pesquisadora, a prática do diário de leitura em sala de aula contribui
para que os alunos expressem suas ideias, seus pontos de vista acerca das leituras que
realizam, quando o que vemos, em muitas escolas, são professores tornando-os reféns de suas
próprias interpretações, que, na maioria das vezes, são dependentes do livro didático (algo que
já foi discutido na Introdução deste trabalho). A concepção de diário de leitura de Machado
(1998; 2005) vem ao encontro do que tenho defendido até o momento sobre as práticas de
leitura serem pensadas em uma perspectiva dialógica, já que a escrita desse diário “não só
institui um diálogo entre leitor e autor, como também favorece o despertar do aluno para o
dialogismo existente entre diferentes discursos verbais e não verbais que nos constituem,
124
rompendo barreiras estanques entre diferentes domínios de conhecimento.” (MACHADO,
2005, p.65). É interessante trazer, ainda, uma fala da pesquisadora que complementa essa
afirmação:
Ora, se a mobilização de todos esses conhecimentos, da forma que o leitor já os têm, é fundamental para a construção do significado, é necessário que, nas atividades de
ensino de leitura, criemos situações que provoquem essa mobilização, assim como
nos permitam detectar os conhecimentos e capacidades que os alunos ainda não têm
ou não desenvolveram e que ainda devem ser explorados, expandidos e/ou desenvolvidos. Além disso, o aluno deve ser sempre incitado a estabelecer relações
necessárias entre seus conhecimentos prévios e as informações que o texto lhe traz.
(MACHADO, 2005, p.67).
Quando proponho verificar a emergência de posicionamento(s) autoral(is) no discurso
dos alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013,
em um campus do Instituto Federal de Goiás, quero dizer que pretendo analisar se os alunos
mobilizam (orquestram) os conhecimentos que os constituem e as informações que o texto
traz (as vozes) ao construir sentidos para o que leem em suas práticas de leitura diversas.
Como Machado (1998; 2005), acredito que proporcionar situações que levem o aluno a
mobilizar todas essas vozes e a refletir sobre a necessidade de se assumir uma posição autoral
na leitura de um texto pode contribuir também para uma reflexão do professor acerca do
direcionamento que deve dar em suas aulas às práticas de leitura e à escrita nas diversas
esferas de atividade, e não apenas na escolar.
Sendo assim, a escolha do diário de leitura como uma das técnicas para se alcançar os
objetivos de pesquisa supracitados colaborou não apenas para identificarmos os objetos,
modos e gestos de leitura dos alunos em seu cotidiano, mas, principalmente, para verificarmos
se assumem um posicionamento autoral nas práticas de leitura por eles relatadas. Assim,
acredito que a prática constante do diário, ao mesmo tempo em que contribuiu para o
desenvolvimento da pesquisa, levou os alunos a refletirem mais sobre suas práticas de leitura,
o que fez com que alguns, inclusive, passassem a ler mais, conforme relatos informais em sala
de aula, e com que analisassem seu comportamento leitor “de fora” ao realizarem seus
registros, como veremos mais adiante.
O diário de leitura foi introduzido em sala de aula da seguinte forma: em março de
2013, durante uma aula, informei aos alunos, inicialmente, que a produção do diário seria uma
outra atividade a ser realizada depois de eles responderem ao questionário que comporia a
pesquisa. Passei a discutir com eles, então, sobre o conceito de “diário de leitura”, procurando
mostrar quais suas semelhanças e diferenças em relação a outros diários que já conheciam,
125
como diários íntimos, diários de viagem, entre outros. Em seguida, entreguei-lhes um roteiro
com algumas perguntas, o qual deveria ser seguido ao fazerem seus relatos. Reproduzo esse
roteiro abaixo, embora já o tenha mencionado anteriormente neste trabalho:
Quadro 5 – Orientações para a escrita do diário de leitura ORIENTAÇÕES PARA A ESCRITA DO DIÁRIO DE LEITURA
Nele, você registrará:
a) o que tem lido durante a semana, por que tem lido/leu o texto/livro x;
b) quais suas impressões dessas leituras: se gostou ou não do que leu/se está gostando ou não do que está
lendo; o que entendeu do que leu (se não entendeu, o que acredita ter atrapalhado sua compreensão);
c) apresente e comente os pontos/aspectos que considerou importantes/interessantes no texto/livro;
d) ao ler o texto, outros textos lhe vieram à lembrança? Quais? Quais elementos (expressões, imagens,
tema etc.) permitiram esse reconhecimento?
e) o fato de o texto se relacionar com outro(s) texto(s) facilitou a sua compreensão? Explique.
Lembre-se de que o diário é seu, portanto, se quiser colocar imagens, citar músicas, poesias, elaborar desenhos e
trazer outros textos que você acha interessantes e que tenham relação com o texto que você leu e está
comentando, fique à vontade!
Fonte: Elaborado pela autora.
O roteiro acima consiste em uma série de orientações que foram lidas juntamente aos
alunos e explicadas em sala de aula, sendo retomadas ao longo de seu desenvolvimento
conforme a necessidade. As perguntas elencadas tinham por objetivo permitir-me identificar,
na medida do possível, as práticas de leitura cotidianas dos alunos, e verificar como eles liam,
quais seus percursos de leitura e, sobretudo, se assumiam uma posição autoral ao lerem um
texto. Ressaltei para eles o fato de que o diário lhes pertencia, de modo que eles deveriam agir
discursivamente com liberdade, podendo citar trechos do que liam ou de músicas, colar
imagens ou desenhar, isto é, trazer outros textos diversos para comporem seus diários.
No entanto, assim como Machado (1998) observou ao longo de sua pesquisa, falar em
“liberdade” em uma situação comunicativa como essa seria complicado, o que acaba
caracterizando, a meu ver, esse tipo de produção diarista como paradoxal, porque é
característico do gênero discursivo “diário” um caráter intimista. Por isso, pressupõe-se que,
nesse espaço, o sujeito que enuncia tem liberdade para dizer o que quiser e como quiser,
motivado por fatores diversos. No caso do uso do diário de leitura como um instrumento
pedagógico ou de pesquisa, reconheço que foi complicado exigir essa postura dos alunos, já
126
que houve uma orientação básica à qual deveriam seguir em termos do que dizer (veja o
roteiro acima), além de eles saberem que seus diários constituiriam o corpus de uma pesquisa
e que eu leria seus relatos. Mesmo assim, pedi que eles tentassem fazer seus registros da
forma mais natural possível, como se escrevessem para si mesmos, podendo, inclusive,
acrescentar informações que não estivessem no roteiro, desde que respondessem a ele.
Desse modo, eles deram início aos relatos, os quais deveriam ser feitos, no mínimo,
duas vezes por semana e versar sobre as práticas de leitura vivenciadas durante os 15 dias que
permaneciam com os diários. Após os primeiros 15 dias, recolhi os diários para que pudesse
conferir como estava o andamento dos registros. Observei que alguns estavam relatando fatos
do seu dia a dia, mas se esquecendo de abordar suas práticas de leitura; outros, estavam
retomando as leituras passadas e não as atuais; outros, por sua vez, admitiam inventar
registros por não “ter o que relatar”, já que, segundo eles, não tinham “lido nada” durante
aqueles dias.
Considerando a necessidade de alguns ajustes constatada após minha primeira leitura,
ao entregar os diários aos alunos, expliquei-lhes novamente seu propósito, alertando-os que o
foco dos relatos deveria ser os textos que eles leram naqueles dias e que, se quisessem narrar,
também, algum acontecimento que considerassem importante ao qual uma prática de leitura
estivesse relacionada, poderiam fazê-lo, já que seria um dado relevante dessa prática de
leitura. Aliás, como já dizia Chartier (1999, p.13), “deve-se levar em conta, também, que a
leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos.”.
Com o tempo, os alunos foram se adaptando e conseguindo elaborar seus registros.
Houve um problema, no entanto, que não pude resolver, o qual considerei como sendo a
maior dificuldade encontrada no desenvolvimento dessa parte da pesquisa: a grande maioria
dos alunos não seguiu o roteiro supracitado completamente, ainda que eu solicitasse. Muitos
queixavam-se de falta de tempo por causa da quantidade de disciplinas; outros, que tinham
diversas atividades para fazer, sobrando pouco tempo para escreverem nos diários. Por fim,
optei por não cobrá-los mais, a fim de não tornar a escrita do diário um “peso” para eles,
deixando-os mais livres para relatar suas práticas de leitura. Ressaltei, mais uma vez, o
compromisso deles em relatarem apenas o que realmente fizeram, de modo que, se, segundo a
concepção deles, eles não tivessem lido “nada”, deveriam dizer que não leram “nada”, mesmo
que isso parecesse improvável a meu ver.
Entre os meses de março e outubro de 2013, portanto, os diários eram recolhidos de 15
em 15 dias para que eu pudesse acompanhar a produção diarista dos alunos. É importante
dizer que os diários não eram avaliados nem corrigidos, apenas lidos, já que a natureza da
127
pesquisa é muito mais diagnóstica do que intervencionista. Ao final, os diários foram
escaneados e os originais (dos alunos que entregaram) arquivados.
A análise dos dados gerados por meio dos diários de leitura foi realizada em duas
etapas. A primeira consistiu na leitura atenciosa de cada diário, com o objetivo de realizar um
mapeamento prévio dos relatos relacionados às práticas de leitura e de excertos nos quais
pude identificar a emergência de um posicionamento autoral por parte dos alunos durante suas
práticas de leitura. A segunda, por sua vez, foi dedicada à organização e sistematização desses
dados, o que me permitiu estabelecer as categorias de análise de modo mais concreto, a partir
da análise preliminar desenvolvida na primeira etapa.
Sendo assim, nos diários de leitura, pude recuperar, nas narrativas dos alunos, objetos
de leitura, modos de ler, gestos de leitura e espaços onde algumas dessas leituras ocorriam,
aspectos que caracterizam as práticas de leitura cotidianas desses alunos. Embora eles
tivessem revelado um número baixo (quantitativa e qualitativamente) de posicionamento
autoral em relação às leituras, foi possível verificar a existência desse posicionamento. A
posição autoral apareceu de forma mais evidente quando os alunos evocaram representações
de leitura em seu discurso.
Diante disso, a análise será organizada da seguinte maneira: primeiramente,
apresentarei e discutirei as práticas de leitura recuperadas por esses alunos em seu discurso,
abordando os objetos de leitura, os modos de ler, os gestos de leitura e os espaços de leitura;
em seguida, tratarei de momentos em que foi possível verificar a emergência de um
posicionamento autoral, analisando-a, inicialmente, em relação às práticas de leitura e,
posteriormente, em relação às representações de leitura.
4.2.1 Os objetos de leitura
A investigação dos objetos de leitura, segundo Chartier (2002), compõe a análise das
práticas de leitura de uma comunidade de leitores, uma vez que a apropriação e a
interpretação do que se lê são influenciadas também pelo formato, extensão, material, cores,
imagens etc. que um texto pode apresentar. Assim, esses aspectos orientam as práticas de
leitura, a interação que um leitor estabelece não somente com as vozes que constituem um
discurso, mas também com o texto em relação a seus atributos materiais, físicos. Ao
considerar a leitura como uma prática cultural, torna-se relevante conhecer os objetos de
leitura que tem sido apropriados pelos alunos investigados, bem como o modo pelo qual eles
se relacionam com tais objetos, assumindo um posicionamento autoral.
128
Os objetos de leitura mais citados pelos alunos em seus diários foram livros e/ou
textos literários; livros, textos e fichas didáticos; notícias e reportagens em jornais e revistas
na internet; quadrinhos e mangás; e textos e frases publicados em diversas redes sociais, como
o Facebook e o Twitter. No quadro abaixo, é possível conferir os objetos que foram
retomados nos diários de leitura e o número de alunos que fizeram essa retomada:
Quadro 6 – Objetos de leitura e número de alunos que os citaram
Objetos de leitura Número de alunos
que os citaram
1. Livros e/ou textos literários 19
2. Livros, textos e fichas didáticos 18
3. Notícias e reportagens em jornais e revistas na internet 14
4. Quadrinhos e mangás 12
5. Revistas especializadas (Quatro Rodas, Superinteressante, Todateen, Capricho etc.) 12
6. Textos e frases publicados em diversas redes sociais, como o Facebook e o Twitter 11
7. Revistas em geral (Veja, IstoÉ, Época etc.) 10
8. Livros e textos de disciplinas de áreas técnicas 5
9. Tirinhas, charges na internet 4
10. Folhetos e textos religiosos, Bíblia 4
11. Canção 3
12. Resumos e resenhas de livros e filmes na internet 3
13. Textos literários na internet 2
14. Textos em provas 2
15. Textos e frases em sites diversos 2
16. Notícias e reportagens em jornais e revistas impressos 2
17. Livros, textos e fichas didáticos na internet 2
18. Mensagens via celular 2
19. Textos no celular 2
20. Livros e textos relacionados a disciplinas de áreas técnicas na internet 1
21. Cartas 1
22. Livros de autoajuda 1
23. Textos em blogs 1
24. Textos em jogos (games) 1
25. Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) 1
Não explicitados 5
Fonte: Elaborado pela autora.
Como podemos ver, o objeto de leitura mais mencionado nos diários de leitura (por
76% dos alunos) foram os livros e/ou textos literários, o que me surpreendeu, considerando o
que os alunos apresentaram no questionário aplicado no início da pesquisa (ver Apêndice A)
no qual eles apontaram como objetos que leem com mais frequência os livros didáticos, as
revistas de assuntos gerais, os livros e textos eletrônicos, os quadrinhos e mangás, e os
cadernos e textos didáticos. Esse número parece revelar uma preocupação dos alunos em
129
destacar a prática da leitura de literatura, fazendo ressoar uma voz que enuncia tal prática
como sendo uma leitura de excelência em relação aos demais objetos – muitos dos quais
chegam a ser questionados se são mesmo “leitura” –, ou seja, como sendo a melhor para que
um aluno se desenvolva intelectualmente. Essa interpretação parece proceder, principalmente
quando cruzei as informações apresentadas no quadro abaixo com as que foram geradas por
meio do questionário (Apêndice A):
Gráfico 2 – Objetos de leitura26
Fonte: Elaborada pela autora.
Como dito acima, quando os alunos foram perguntados nos questionários sobre a
frequência com que leem certos objetos de leitura, o único dado que não se confirmou nos
diários foi o que diz respeito à leitura de textos e/ou livros literários. Segundo os dados do
questionário, 44,83% dos alunos disseram ler esses objetos de vez em quando, e 37,93%, ou
seja, quase 40% afirmaram não ter costume de ler textos e/ou livros literários. Como explicar,
então, os relatos no diário? Há várias hipóteses. Uma delas – e a mais otimista – é que teria
havido uma mudança de pensamento e de comportamento desses alunos em relação à leitura;
outra, estaria relacionada a um sentimento de obrigatoriedade por parte dos alunos de
26 É importante dizer que, no questionário, foram oferecidas essas opções de objetos de leitura, e os alunos
deveriam assinalar com que frequência liam tais objetos. Já no diário de leitura, eles tiveram liberdade para
mencionar os objetos que estavam lendo em seu cotidiano, o que deu margem à referência a outros objetos não elencados no questionário.
130
relatarem algo no diário, o que fez com que muitos relessem textos e livros que já leram ou
terminassem aqueles que haviam interrompido a leitura; por fim, outra hipótese seria a de que
eles apenas fizeram referência a livros e textos literários lidos no passado, em sua infância,
por exemplo. No entanto, essas hipóteses só podem ser confirmadas após a realização de uma
nova pesquisa.
Sobre esse comportamento aparentemente contraditório dos alunos, Horellou-Lafarge
e Segré (2010, p.93) afirmam:
[...] as declarações de leitura devem ser manipuladas com precaução, pois refletem mais as representações da leitura das pessoas pesquisadas do que sua prática real.
Traduzem, conforme as categorias sociais, uma preocupação de manifestar sua
conformidade às normas culturais ao declarar mais uma prática reconhecida como
legítima do que uma prática real.
Alguns objetos não elencados no questionário foram lembrados pelos alunos nos
diários, como a canção; os textos e frases nas redes sociais; os textos e livros de disciplinas
técnicas (na internet ou impressos); os resumos e resenhas de filmes e livros; as mensagens
via celular; as cartas; os textos no celular; os TCCs; e os textos em jogos e em blogs, por
exemplo. A variedade de objetos – e mesmo a referência a alguns como “mensagem via
celular”, “canção” e “textos em jogos” – revela uma compreensão mais ampla do conceito de
leitura (debatido algumas vezes em sala de aula), ou seja, de que os textos publicados em um
livro ou em um jornal são apenas alguns dos diversos objetos de leitura que nos cercam na
sociedade em que vivemos. Isso nos faz refletir sobre o fato de que, embora muitos afirmem
“não ler nada”, eles estão, na verdade, lendo, praticamente, a todo momento, nas mais
diversas situações de comunicação.
A referência à leitura de objetos que circulam na internet – como os textos literários,
os textos e frases em redes sociais ou em sites diversos, os resumos e resenhas de filmes e
livros, as notícias e reportagens de jornais e revistas online, entre outros – demonstra que seu
uso vem expandindo as práticas de leitura dos alunos que a acessam em busca de leituras que
os divirtam, entretenham, auxiliem nos estudos, informem e que os levem a se relacionar,
discursivamente, com os outros.
Como já discutimos neste trabalho (cf. Introdução), o desenvolvimento tecnológico, ao
contrário do que muitos afirmam, vem ampliando as práticas de leitura e de escrita dos alunos,
e não extinguindo-as. Essa “expansão”, no entanto, precisa ser aproveitada de uma forma
qualitativa, planejada e reflexiva em nossas salas de aula, e não como algo prejudicial ao
131
desenvolvimento do aluno ou ameaçador às demais práticas de leitura e escrita já
consolidadas na sociedade.
4.2.2 Os modos de ler: finalidades, procedimentos e gestos de leitura
Relacionados a esses objetos estão os modos de ler, que se caracterizam como as
finalidades, os gestos de leitura e o modo como o leitor se posiciona corporalmente no espaço
em relação a esses objetos durante suas práticas de leitura (CHARTIER, 1999b; CAVALLO;
CHARTIER, 1999a). Como já discuti anteriormente (cf. Capítulo 2), esses aspectos
constituem as práticas de leitura que variam histórica e socialmente, o que, por exemplo, leva
as pessoas, em uma determinada época e sociedade, a lerem em grupos, em voz alta,
assentadas em uma poltrona ou em jardins; e em outra, sozinhas, em silêncio, deitadas em
uma cama ou diante da tela de um computador.
Em relação aos gestos de leitura, Chartier (1999), Barthes (1987) e Certeau (2012)
afirmam que eles seriam movimentos corporais que entram “em jogo” nas práticas de leitura,
como, por exemplo, o movimento dos olhos, dos lábios e do aparelho fonético, e movimentos
como sentar, levantar e deitar. Segundo Certeau (2012), além desses movimentos corporais,
os gestos de leitura poderiam incluir balbucios, resmungos, tics e outros ruídos. São ainda
considerados gestos de leitura as reações dos alunos às suas leituras, como preguiça, paixão,
obrigação, necessidade, prazer, cansaço, entre outros.
Os modos de ler, portanto, consistem em procedimentos diversos que os leitores
lançam mão no momento da leitura, ou seja, como o leitor se relaciona com os objetos de
leitura em termos de finalidades, gestos e espaços de leitura. Sendo assim, os modos incluem
finalidades de leitura, como o ler para se informar, para aprender um conteúdo, para entreter,
para cumprir exigências escolares; procedimentos para construir sentido para o que se lê,
como folhear páginas, selecionar trechos ou capítulos, ler textos inteiros ou apenas uma parte,
buscar outros textos para compreender melhor o que se lê, produzir resumos para auxiliar na
compreensão da leitura; e gestos de leitura, como ler sentado no sofá, no chão, deitado na
cama, encostado a uma árvore ou em uma escrivaninha, diante de um computador, ler
balbuciando ou em voz alta, modulando-a ou não ao ler, demonstrar atitudes, sentimentos e
sensações em relação à leitura, como as que citei no parágrafo anterior.
Considerando o exposto, retomo a seguir excertos selecionados dos diários de leitura
para exemplificar alguns dos modos de ler relatados pelos alunos ingressantes no curso de
132
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus do Instituto Federal
de Goiás:
AL: Hoje eu estava no facebook quando surgiu a seguinte frase ‘Até cortar os
proprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edificio inteiro’, da Clarice Lispector, e tipo sempre quando to no face aparece
algo dela, mas hoje eu me deparei que eu nunca cheguei a ler um obra dela inteira, e
nem se quer sabia quem ela era de fato, e resolvi pesquisar um pouco dessa mulher
da qual quão se é falada e suas frases usadas atingindo uma vasta quantidade de pessoas.
JV: Li alguns livros virtuais baseados em histórias da Grecia Clássica, para me
ajudar na disciplina de história nesse 3o Bimestre. Apesar dos livros terem uma linguagem rebuscada, foi fundamentalmente importante para a compreensão da
matéria.
MM: Essa semana tenho que estudar para varias provas e fazer muitos trabalhos, ja que o bimestre esta quase encerrando e temos cada vez menos tempo para fazer
qualquer coisa, por isso apenas fiz leituras dos próprios livros didaticos para
estudar.
T: Como o clube de leitura iniciará com um livro do Assassin’s Creed, resolvi ler
um pouco sobre.
Esse primeiro grupo de relatos revela alguns modos de ler dos alunos investigados que
se firmam pela finalidade da atividade, como ler para se informar (AL), ler para compreender
melhor a matéria que está sendo estudada em alguma disciplina (JV), ler para estudar (MM) e
ler para conhecer melhor uma obra antes de iniciar sua leitura (T). Além dessas finalidades, os
alunos afirmaram ainda ler para fazer um trabalho, para fixar ou dar uma olhada nas
matérias, para fazer tarefas, para se sair bem nas provas e para debater em um clube de
leitura.
Como disse, os modos de ler incluem também os procedimentos que os leitores
utilizam para construir sentido para o que leem, como os que reproduzo nesse segundo grupo
de relatos:
AL: [Transcrição completa da canção “Ana e o Mar”, de O Teatro Mágico] Não
gosto muito de ler mas amo musica, principalmente OTM e as musicas deles tem um pouco de poesia e tals, eu gosto muito de ler as musicas deles pra poder
compriender melhor pois as letras são complexas.
JV: Durante essa semana peguei o livro de Instrumentação Digital para dar uma
olhada na matéria que iremos aprender no proximo bimestre. Me dediquei ao longo
dessa semana a estudar e a ler livros voltados a parte das disciplinas de
Eletrotécnica.
LG: Estava foliando um livro, quando achei um texto chamado ‘O caderno’ [...]
133
MM: [...] li alguns textos na internet sobre alguns itens que estamos estudando em história e em sociologia.
Nos trechos supracitados, os alunos relatam alguns procedimentos que utilizam para
compreender melhor um texto que esteja sendo lido ou que esteja sendo estudado nas
disciplinas, como ler uma música para entender melhor o que ela diz (AL), dar uma olhada
em um livro para conhecer o que ainda será aprendido em uma disciplina (JV), folhear livros
em busca de textos para ler (LG), ler outros livros para ajudar a compreender a matéria que
está sendo aprendida (MM). Eles também afirmaram buscar informações em outros livros (ler
outros livros) para compreender melhor uma leitura, ler um resumo antes de ler o livro,
folhear livros para fixar um conteúdo, e ler e produzir resumos.
Os modos de ler compreendem também gestos de leitura diversos que são retomados
pelos alunos em seus discursos. Esses gestos foram identificados em momentos em que eles
abordam sua relação com os objetos de leitura aludidos nos diários de leitura. Alguns
exemplos podem ser recuperados neste terceiro grupo de relatos:
AL: Hoje estava mexendo no meu facebook e tinha um texto bem grande e eu li ele inteiro pela primeira vez, não costumo ler muito textos grandes.
B: [...] Ando com preguiça, tenho que voltar a ler.
K: Eu li este fim de semana sobre a Corrida da Paz no Morro do Alemão, li por
curiosidade abri o site da Globo e abri. [...]
T: Acabei de estudar para física, li o processo das fórmulas, como fazer, etc. Física me faz lembram do processo de criação dos computadores antigos, que eram usados
para calcular velocidades. Já li muitos textos sobre o assunto, confesso que acho
super interessante, só faz aumentar minha paixão por tecnologia.
J: [...] ontem eu comecei a ler um livro chamado ‘A divina comedia’. Achei que o
livro contava um tipo de comédia angelical, mas depois que li achei ele muito sem
graça e parei de ler. Vou tentar achar outro livro que eu me interesse, um de
quadrinhos, por exemplo. [...]
C: [...] Esses dias por exemplo não li livros de história por exemplo leio o que
precisa ser lido como por exemplo alguma leitura feita na escola.
Como podemos notar, nos diários, os gestos de leitura mais evidenciados pelos alunos
foram aqueles que demonstravam alguma reação deles em relação a uma prática de leitura,
como a curiosidade (K), o interesse, a paixão (T), mas também a preguiça (B), o desinteresse
(J) e a obrigação (C). Além disso, o modo pelo qual os alunos descrevem a frequência com
que vivenciam certas práticas de leitura também pode ser considerado um gesto de leitura,
como faz AL ao dizer que não costuma ler livros grandes.
134
Outros gestos de leitura são retomados, como ler o texto de uma prova com atenção;
ler artigos em um celular sobre algo que esteja estudando para ajudar nos estudos e provas; ler
sobre um desenho após assistir a um episódio dele na TV; ler depois de assistir a uma
reportagem sobre um assunto que interessou; ler para os outros; ler no computador, na
internet, no celular, no livro, na apostila e na ficha; e ler em salas de espera, em bibliotecas,
em templos religiosos e na escola.
Enfim, como pudemos verificar, foram diversos os modos de ler identificados nos
registros dos diários de leitura. Resumidamente, seriam eles: ler um livro, uma revista
inteiro(a); ler a música para entender melhor o que ela diz; buscar informações em outros
livros (ler outros livros) para compreender melhor uma leitura; ler outros livros para ajudar
a compreender a matéria que está sendo aprendida; ler artigos em um celular sobre algo que
esteja estudando para ajudar nos estudos e provas; ler um resumo antes de ler o livro; ler o
texto de uma prova com atenção; ler para aumentar sua paixão sobre determinado assunto;
ler porque interessa; ler para fazer um trabalho, para fixar as matérias; ler para estudar,
para fazer tarefas e para se sair bem nas provas; ler para debater em um clube de leitura; dar
uma olhada nas matérias; folhear livros para fixar um conteúdo; folhear livros procurando um
texto para ler; ler e produzir resumos; ler para os outros; ler sobre um desenho após assistir a
um episódio dele na TV; ler depois de assistir a uma reportagem sobre um assunto que
interessou; ler no computador, na internet, no celular, no livro, na apostila e na ficha; e ler
em salas de espera, em bibliotecas, em templos religiosos e na escola.
Os modos de ler, portanto, revelam quem são esses alunos no papel de leitores, como
se comportam, se relacionam com os objetos de leitura em seu cotidiano, não apenas na esfera
escolar, mas também em outras em que eles estabelecem uma interação com tais objetos. Os
alunos compõem a sua história de leitura, o que nos leva a refletir sobre como esses modos
podem passar por modificações decorrentes de condições sócio-históricas que influenciam
nossa construção contínua como sujeitos leitores.
4.2.3 A emergência de um posicionamento autoral em relação às práticas de leitura
Proponho, a partir deste tópico, apresentar e discutir excertos dos diários de leitura de
alunos que assumiram um posicionamento autoral em relação às práticas de leitura relatadas
em seus diários no período de março a outubro de 2013. É importante lembrar que o conceito
de autoria, de posição autoral foi discutido por Bakhtin (2010a) ao desenvolver seus estudos
sobre a estética na literatura, a partir dos quais se compreende a posição autoral como aquela
135
assumida por um sujeito que desempenha um papel de orquestrador das vozes que constituem
um objeto estético de contemplação, construindo um sentido para o que lê, vê ou ouve. Essa
concepção se assenta no princípio dialógico da linguagem (BAKHTIN/VOLOSHÍNOV,
2006).
A metáfora orquestração de vozes (BAKHTIN, 2010a) está em plena sintonia com a
questão da polifonia, conceito bakhtiniano que recobre a ideia das relações dialógicas entre os
discursos. A orquestração de vozes é uma atividade discursiva empreendida pelo sujeito no
discurso em produção, que envolve um trabalho, por parte do sujeito, com outros discursos ou
outras vozes. Entende-se, nessa perspectiva, que, na orquestração de vozes, assume-se, em
relação a essas vozes, um posicionamento enunciativo que expressa uma compreensão
responsiva ativa com o dizer de outrem (BAKHTIN, 2003), que, conforme os propósitos
discursivos, pode ser expressa, por exemplo, na forma de adesão, refutação, negação, crítica,
ampliação e/ou complementação, concordância ou dissonância. Nesse enquadre, está também
a metáfora de que não há um discurso adâmico. No contexto desta pesquisa especificamente,
como já discuti no Capítulo 2, entendo que o posicionamento autoral construído pelo aluno,
como leitor, emerge no trabalho que ele empreende com os discursos que se travam no texto
lido, para o que ele assume uma atitude responsável pelo seu dizer, pelo dizer de outrem e
pelo seu dizer em relação ao dizer de outrem. É nesse movimento de orquestração de vozes
que o aluno, como leitor, desenvolve um trabalho discursivo, empreende um posicionamento
autoral, age sobre e com os discursos (vozes) em cena, isto é, instaura um diálogo, busca
estabelecer uma compreensão ativa e responsiva em suas práticas leitoras.
Em resumo, a incorporação das vozes do Outro no discurso – seja de forma implícita
ou explícita – leva-nos a presumir de quem enuncia, no caso deste estudo, de quem lê e de
quem reflete sobre as suas práticas de leitura, assumir uma posição autoral, ou seja, assumir o
papel de orquestrador dessas vozes, as quais devem, nesta arena discursiva que instauram,
dialogar, seja concordando, discordando, completando ou desconstruindo uma a outra.
O objetivo principal desta pesquisa consiste justamente em verificar se, durante as
diversas práticas de leitura, os alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao
Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus do Instituto Federal de Goiás, assumem esse
posicionamento quando estão lendo um texto e quando comentam sobre suas histórias de
leitura, isto é, como eles orquestram essas vozes que passam a compor os seus discursos de
leitores-autores ou autores-leitores.
Aliada a essa orientação dos estudos bakhtinianos, tomo também como referência, a
fim de estabelecer categorias de análise em torno do conceito de posicionamento autoral, uma
136
discussão proposta por Possenti (2002) no artigo intitulado Indícios de autoria. Para o
pesquisador, os indícios de autoria seriam os modos pelos quais um sujeito “dá voz aos
outros” em seu discurso. Para tornar o conceito mais objetivo, Possenti (2002) afirma ser
necessário elencar categorias que permitam identificar esses indícios. É importante dizer,
ainda, que, para ele, a análise da autoria não se restringe à identificação das vozes de outrem
nesses discursos, sendo necessário levar em conta também como elas são retomadas. De
acordo com o pesquisador, as marcas de autoria são da ordem do discurso e podem ser
divididas em dois tipos: marcas que dão voz aos outros (o autor explicitamente dá voz aos
outros e incorpora ao texto discursos correntes) e marcas que mantêm a distância do autor em
relação ao próprio texto (atividade metaenunciativa e de avaliações). Segundo ele, a despeito
dessas “categorizações” – decorrentes da análise de discursos em seu artigo –, tendo em vista
que esses indícios estão na ordem do discurso, eles dependem das condições sociais e
históricas nas quais os discursos são produzidos, sendo influenciados por elas, o que não
permite estabelecer uma lista prévia dessas marcas de autoria.
Sendo assim, após uma leitura prévia dos dados gerados nesta pesquisa, foi possível
elencar algumas categorias de análise desses indícios de autoria, que denominaremos de
posicionamento/posição autoral (BAKHTIN, 2010a): verbos dicendi, aspas, metadiscurso,
ironia, modalizadores, discurso direto e discurso indireto. A título de exemplo, retomarei
neste momento apenas alguns trechos de relatos em que os alunos assumiram uma posição
autoral em relação a suas práticas de leitura. O primeiro que analisarei será o relato de AL, a
seguir:
AL: Estava eu realmente tentando não falar do livro perfeito que li durante as ferias
mas não tem como, hoje eu estava mexendo no Facebook, aí apareceu a seguinte
frase: ‘Esse é problema da dor, ela precisa ser sentida’ e logo indentifiquei que era do livro A Culpa é das Estrelas que desculpa repetir, é o melhor livro do mundo, e
eu me lembrei quando estava lendo lembrei de fazer as anotações mas durante as
ferias não estava com ele, então resolvi aproveitar que li a frase para poder entrar no
assunto do livro, o livro conta uma historia de superação de uma garota que luta contra o cancer desde seus treze anos, hoje com 16 ela resolve se excluir de ter uma
vida social e interativa pois se denomina uma ‘granada’ que a qualquer momento
pode explodir afetando assim todos ao seu redor, mas sua mãe a obriga a frequentar
um grupo de apoio e lá ela conhece Augustus um cara como ele mesmo diz ‘é charmoso e fisicamente atraente como eu, é fácil demais seduzir quem você
conhece’ que tinha superado o cancer na perna mas mancava um pouco o que na
minha cabeça deu mais uma pitada de charme, eles se tornam muito amigo e tudo mais, mas o livro não gira em torno da doença deles, Hazel (a garota) era apaixonada
por um livro que não tinha um fim bem explicativo e deixava um monte de
questionamentos, Gus lê esse livro que não tinha um fim bem explicativo e deixava
um monte de duvidas em Gus também, Gus acha que temos que realizar o sonho dos outros e resolve que ira realizar o sonho de Hazel tirando essas duvidas e leva uma
viagem e tudo mais, ele a beija nessa viagem e mostra a ela que ela não pode privar
137
a si mesmo de ser feliz e é nessa viagem que Hazel percebe que está apaixonada por ‘uma (?)’... não vou contar o livro todo, mas ele é perfeito. DEMAIS >.<
Nesse relato, AL assume um posicionamento autoral ao orquestrar as diversas vozes
que constituem o romance lido por ela. Essas vozes são recuperadas em seu discurso
sobretudo por meio de verbos dicendi, na forma de discurso indireto, os quais são utilizados
pela aluna quando ela retoma a voz do “livro” – “o livro conta”, “o livro não gira em torno da
doença deles” –, a voz da personagem Hazel – “ela resolve”, “se denomina” –, a voz do
personagem Augustus – “ele diz”, “Gus acha que”, “resolve”, “mostra a ela”, “diz” –, e a voz
da mãe de Hazel, retomada pela voz da menina – “sua mãe a obriga”. Por meio desses verbos,
AL não apenas reproduz essas vozes, como também expressa a leitura que faz delas, ao
selecionar cada um deles ao retomá-las. Desse modo, sua voz articula-se às vozes do discurso
que é tecido no romance, o que caracteriza uma orquestração de vozes.
Outro recurso presente no discurso de AL é o metadiscurso, observado nos seguintes
trechos: “Estava eu realmente tentando não falar do livro perfeito que li durante as ferias mas
não tem como”, “que desculpa repetir”, “resolvi aproveitar que li a frase para poder entrar no
assunto do livro”, “Hazel (a garota)”, “[Augustus] tinha superado o cancer na perna mas
mancava um pouco o que na minha cabeça deu mais uma pitada de charme” e “não vou
contar o livro todo, mas ele é perfeito.”. Como podemos perceber, o metadiscurso caracteriza-
se como uma estratégia discursiva que permite àquele que enuncia reformular ou esclarecer
algo já dito, ou mesmo expressar um pensamento interior. Ele pode se mostrar por meio da
pontuação, como os parênteses, as vírgulas e os travessões, e também por meio de expressões
ou trechos explicativos do que é enunciado ou do que se pensa acerca do que é enunciado.
É possível notar, ainda, o uso de modalizadores, como advérbios de modo e adjetivos,
quando a aluna explicita a sua voz no enunciado, ao dizer “Estava eu realmente tentando não
falar do livro perfeito que li durante as ferias”, “é o melhor livro do mundo” e “não vou contar
o livro todo, mas ele é perfeito. DEMAIS”. A modalização discursiva constitui um processo de
elaboração de ideias em que o enunciador seleciona elementos linguísticos para produzir o
que pretende dizer, tendo em vista os seus objetivos, a relação estabelecida entre os
interlocutores envolvidos nesse processo, a situação comunicativa e outros elementos que
fazem parte da construção do discurso. Dessa forma, essas escolhas ganham sentido na
enunciação e revelam a intencionalidade do enunciador (TODOROV; DUCROT, 1977;
CORACINI, 1991; OLIVEIRA, 2003).
O discurso direto, explicitado por meio das aspas no discurso de AL, é marcado
quando ela retoma uma voz extraída do livro “A culpa é das estrelas” – “aí apareceu a
138
seguinte frase: ‘Esse é problema da dor, ela precisa ser sentida’” –, a voz da personagem
Hazel – “hoje com 16 ela resolve se excluir de ter uma vida social e interativa pois se
denomina uma ‘granada’” – e a voz do personagem Augustus – “Augustus um cara como ele
mesmo diz ‘é charmoso e fisicamente atraente como eu, é fácil demais seduzir quem você
conhece’”.
O próximo relato que retomarei será o da aluna B, que, ao se referir a uma história lida
em uma revista (que ela não explicita), assume uma posição autoral, fazendo uso de recursos
diversos para orquestrar as vozes que constituem o texto lido e as suas, dando origem ao seu
registro:
B: Acabei de ler uma historia em uma revista. A história se chama ‘O valor da
lealdade’ que conta a história de um homem, um cachorro e um cavalo que estavam
em uma caminhada e perceberam que já estavam mortos, logo a frente encontraram um portão de marmore lindo e como estavam com sede decidiram parar por ali, mas
o guarda não havia deixado os animais entrarem lá então o homem disse que não
beberia a água se seus animais não bebecem água então perguntou qual era o nome
de lá e o guarda disse que era CÉU! Então foram embora com sede! Logo a frente encontraram um sítio e o guarda disse que todos podiam beber água. Então beberam
água e logo na saída perguntaram como se chamava o sítio e o guarda disse CÉU!
Com isso o homem ficou confusso mas o guarda lhe disse que onde ele havia
passado 1o se chamava na verdade INFERNO e que o guarda havia lhe testado que se ele fosse capaz de abandonar seus animais seu lugar seria la! Gostei muito da
história porque acho que numca devemos deixar nossos amigos para trás.
No trecho supracitado, observamos que B faz uso de alguns recursos linguísticos que
explicitam um posicionamento autoral a partir do texto lido, como os verbos dicendi em “‘O
valor da lealdade’ que conta a história de um homem, um cachorro e um cavalo”, “o guarda
não havia deixado os animais entrarem”, “o homem disse que não beberia a água se seus
animais não bebecem água então perguntou qual era o nome de lá e o guarda disse” e “logo
na saída perguntaram como se chamava o sítio e o guarda disse CÉU!”.
Para expressar sua perspectiva acerca da leitura realizada, a aluna utiliza
modalizadores afetivos e advérbios de intensidade – “Gostei muito da história” –, e do tema
por ela retratado, utiliza modalizadores de pessoa, deônticos (que apresentam uma ideia de
obrigatoriedade) e advérbios de tempo – “porque acho que nunca devemos deixar nossos
amigos para trás”.
Há, ainda, outros dois recursos utilizados por B para orquestrar as vozes que
constituem seu discurso: elementos anafóricos, como os hipônimos “um cachorro e um
cavalo” e o hiperônimo “animais” para retomar os primeiros, e as elipses “foram” e
“beberam”, que retomam “um homem, um cachorro e um cavalo”. Além desses elementos, o
139
uso de caixa alta nas palavras “INFERNO” e “CÉU”, seguidas de pontos de exclamação,
parecem marcar a voz de B em meio às outras vozes que compõem seu discurso, enfatizando
a oposição entre esses termos reconhecidos como antitéticos na sociedade e no texto lido.
O terceiro exemplo de emergência de um posicionamento autoral nas práticas de
leitura que analisarei será um relato de J, que trata da leitura de uma “matéria” em um blog:
J: Hoje eu estava lendo uma materia no blog Minilua sobre a origem do mundo
segundo a mitologia cristã. A materia relata como o cristianismo interpreta a origem
do mundo. Eu gosto dessas materias por que eu sou cristão e gosto de ver como as outras pessoas interpretam nossa forma de pensar e nossas crensas. Eu não gostei da
materia por que ela é como todas as outras que fala a respeito das teorias de como
surgiu o mundo.
J orquestra as diversas vozes que entram em diálogo em seu discurso basicamente por
meio de verbos dicendi que expressam sua compreensão do texto lido, como em “A matéria
relata como o cristianismo interpreta a origem do mundo” e “gosto de ver como as outras
pessoas interpretam nossa forma de pensar e nossas crenças”, e de modalizadores, como em
“Eu gosto dessas matérias por que eu sou cristão e gosto de ver como as outras pessoas
interpretam nossa forma de pensar e nossas crenças” e “Eu não gostei da matéria”–, em que
aparecem modalizadores de pessoa (Eu, nossa, nossas, eu sou), afetivos (gosto, gosto de ver),
advérbios de negação (não gostei) e nominalizações (cristão). É interessante notar que, ao
utilizar a 1a pessoa do plural para falar de pensamento e crença, J evoca a voz de um grupo ao
qual se vincula por compartilhar dessas “crenças” e “formas de pensar” – cristianismo –,
mesmo que não explicite quais sejam elas especificamente.
O último exemplo que discutirei acerca da emergência de um posicionamento autoral
em relação a práticas de leitura será um relato de K, intitulado por ele de “Daniela Mercury”.
Em seu registro, K não faz referência ao objeto de sua leitura ou onde teve acesso a ele, ainda
assim, é possível verificar que ele assume uma posição autoral em relação ao que leu, o que
podemos conferir logo abaixo:
K: Daniela Mercury
Eu não gostei porque eu tenho preconceito, mas tipo o meu preconceito é só se me
encomodar se ficar só no canto deles para mim não importa. Eu intendi é porque ela sempre namorou com mulher mas tinha medo de assumir na midia, ela tinha medo
de ser excluída pela sociedade. O aspecto mais importante foi que hoje em dia
devemos respeitar o gosto de cada um, é o que eu estou aprendendo a fazer (terminando de aprender). Vieram a lembrança de que tem um bisavo meu que já
morreu disse que não queria ter nenhum parente gay/sapatão, nada que vinha a
chegar perto disto, se não ele voltava para buscar. [...]
140
Polêmico, o enunciado de K é constituído por muitas vozes que ele orquestra a fim de
também marcar a sua voz. Como podemos notar, em seu discurso, ele usa diferentes tipos de
modalizadores que trazem à tona essas vozes, como, por exemplo, a voz de indivíduos ou
grupos que têm preconceito em relação a pessoas que optam pela homossexualidade, o que se
percebe em trechos como “eu tenho preconceito, mas tipo o meu preconceito é só se me
incomodar se ficar só no canto deles para mim não importa”. Nesse enunciado, K deixa claro,
por meio de modalizadores de pessoa (eu, meu, deles, pra mim), de expressões adverbiais (só
no canto, não importa) e de operadores argumentativos, que também modalizam seu dizer
(mas tipo, se me incomodar, se ficar só no canto), o lugar de onde ele enuncia. K também
retoma ideias como “ela sempre namorou com mulher mas tinha medo de assumir na mídia,
ela tinha medo de ser excluída pela sociedade”, por meio de modalizadores de tempo (sempre)
e de expressões como “ter medo de assumir”, “ter medo de ser excluída”, as quais circulam
com frequência na sociedade associadas ao homossexualismo. Essas vozes corroboram o
enunciado anterior, seguindo uma mesma orientação argumentativa.
K, no entanto, cria um enunciado paradoxal, o que, possivelmente, reflete a situação
em que se encontra muitas pessoas: ser preconceituoso e ter que conter, de alguma forma, esse
comportamento. A essas vozes a que me referi no parágrafo anterior, o aluno contrapõe uma
outra, materializada no seguinte enunciado: “hoje em dia devemos respeitar o gosto de cada
um, é o que eu estou aprendendo a fazer (terminando de aprender).”. Nesse trecho, K utiliza
o modalizador deôntico (devemos respeitar), o qual exprime um sentido de obrigatoriedade, e
não de uma atitude natural de qualquer ser humano. A nominalização também funciona, no
discurso de K, como uma marca de sua voz ao relatar sua leitura, quando ele se refere à opção
ou escolha sexual como o gosto. O termo parece adquirir no contexto uma conotação
negativa, de menosprezo, o que novamente evoca uma voz de preconceito, como um “ato
falho” em meio à necessidade, apontada anteriormente, de que haja respeito. Por fim, ao
utilizar o modalizador de pessoa “eu” e a locução verbal “estou aprendendo”, enfatizando o
desenvolvimento da ação, o aluno marca o seu posicionamento em relação ao ato de ler, traz a
sua voz mais uma vez, evocando uma voz que diz que “respeito” é algo que se “deve
aprender”, ação que ele ainda não concluiu. Aliás, ao utilizar uma estratégia metadiscursiva,
por meio de parênteses, ele explica ao leitor que “está terminando de aprender”.
Por fim, K traz para seu discurso a voz de seu bisavô, que deixa entrever um discurso
carregado por um preconceito: “que não queria ter nenhum parente gay/sapatão, nada que
vinha a chegar perto disto, senão ele voltava para buscar”. Inicialmente, o aluno retoma a voz
do bisavô por meio do verbo dicendi disse. Em seguida, ele também refere-se a ela ao utilizar
141
modalizadores de negação (não, nada, nenhum) que enfatizam o ponto de vista do bisavô
acerca da homossexualidade. O uso das palavras “gay” e “sapatão” como adjetivos que teriam
uma conotação negativa ou preconceituosa – sendo consideradas por alguns grupos na
sociedade como “politicamente incorretas” (voz) – qualifica o substantivo “parente”,
expressando a voz do bisavô, sua opinião acerca do que “não desejava” que acontecesse em
sua família. A anáfora “disto” também marca a voz do bisavô e parece adquirir um sentido de
desprezo, repulsa, caso algum de seus parentes optasse por uma forma diferente de
relacionamento que não fosse entre homem e mulher. Por fim, o operador argumentativo
“senão” introduz uma ameaça feita pelo bisavô, que, embora ancorada em uma voz da cultura
popular, demonstra sua irredutibilidade em aceitar um parente homossexual na família.
Prossigo a análise da emergência de um posicionamento autoral, porém, agora, em
relação às representações de leitura que os alunos trazem em seus relatos.
4.2.4 A emergência de um posicionamento autoral em relação às representações de
leitura
Dando continuidade à análise da emergência de um posicionamento autoral no
discurso produzido pelos alunos nos registros de suas práticas de leitura, abordarei um aspecto
também evidenciado por eles em seus relatos: as representações que apresentam em relação à
leitura. Foi interessante notar que eles assumiram mais uma posição autoral ao referir-se à
leitura do que quando referiram-se a suas práticas de leitura.
Desse modo, torna-se necessário, ainda que de forma breve, esclarecer em que
perspectiva o termo representação será compreendido na análise desenvolvida a seguir. Para
isso, retomarei, inicialmente, Matencio (2006), que, ao estudar a Teoria das Representações
Sociais (TRS) proposta por Moscovici (1979; 2003), apontou algumas críticas à sua
abordagem, dizendo que a definição dada por ele às Representações Sociais (RS) era muito
mais que uma definição das funções que a linguagem desempenha, numa tentativa de
diferenciá-la de seus processos representacionais. Segundo ela, deveria haver uma articulação
entre o social e o cognitivo, partindo de um referencial sociointeracionista dos estudos da
linguagem, que busca
[...] explicar como o homem significa e se significa nas relações com os outros, procurando, ainda, descrever e explicar como a significação se constrói sempre em
processos de interação, nos quais a ação individual – simbolicamente construída –
implica e é implicada pela/na ação social. (MATENCIO, 2006, p.34).
142
Sendo assim, a autora propõe que as RS possuem uma face cognitiva, representada por
operações mentais e linguísticas realizadas pelos indivíduos – o que pode corresponder ao que
Moscovici denominou como “ancoragem” –, e uma outra face social, que caracteriza as
práticas linguageiras intersubjetivas, as interações sociais – que se assemelham ao processo de
“objetivação”, já que, a partir da ancoragem, durante as trocas linguageiras, os indivíduos
partem para uma objetivação dessas RS. Logo, o ideal seria associar à TRS uma análise
discursiva e interacionista das RS nos discursos, já que são neles que essas representações
virão “à tona”, na forma de objetos de discurso, revelando também a identidade dos sujeitos
que interagem entre si:
[...] o estudo das formas de categorização e recategorização de objetos de discurso
deveria dar conta de identificar os efeitos das representações sociais na construção dos papéis sociais e comunicativos dos sujeitos, assinalando suas funções
identitárias nos movimentos de objetivação e subjetivação que manifestam. Este
estudo deveria, ainda, focalizar os movimentos em que o recurso a uma determinada
forma linguageira funciona como estratégia para se ser compreendido ou para vincular-se a/distinguir-se de grupos ou determinadas práticas sociais.
(MATENCIO, 2008, p.7).
Concebendo essas representações como uma representação social (RS), assumirei,
com Charaudeau e Maingueneau (2004), que as RS sempre estiveram associadas, na Análise
do Discurso, às noções de “interdiscursividade” e “dialogismo”. Os autores explicam que o
processo de subjetivação consiste na construção dos próprios sujeitos durante as atividades de
interação. Em concordância com Matencio (2006; 2008), direi que as RS são coconstruídas,
pois dois ou mais sujeitos engajam-se para construir, em uma ação conjunta, objetos
discursivos (ancoragem e objetivação) e, consequentemente, a si mesmos enquanto sujeitos
deste ou daquele discurso (subjetivação).
Assim, neste trabalho, concebo o conceito de representação como ideias, crenças,
valores, saberes (discursos) que circulam em uma sociedade e que podem vir a se cristalizar
durante um período de sua história. Essas representações estão ligadas às práticas sociais,
culturais e históricas de um povo, de um grupo social, que contribui para essa cristalização ao
retomar essas ideias e discursos em suas interações verbais. Por isso, essas representações
estão na esfera do simbólico, e não do real, pois expressam as crenças e o pensamento
elaborado por um grupo social com uma finalidade, influenciado pelas condições de produção
e de recepção.
143
Assim, ao se referirem a essas representações, os alunos fazem dialogar, em seus
discursos, múltiplas vozes que estão ancoradas nessas ideias e discursos. Essas vozes,
portanto, são orquestradas pelos alunos que assumem uma posição autoral em relação à
leitura. Vejamos, inicialmente, as representações de leitura identificadas no discurso dos
alunos investigados:
Quadro 7 – Representações de leitura relatadas nos diários de leitura
Alunos
Representações de leitura AL JV MM LM D B E I GF T C
Ler é uma atividade associada ao prazer, ao
gosto x x x
Não lê ou lê pouco, porque as atividades
escolares demandam muito tempo x x x
Há objetos que não devem ser considerados “de
leitura” ou são inferiores a outros, como ao livro
x x x x x
Uma leitura interessante é aquela com a qual
você se identifica x
A leitura é uma atividade que se pratica quando
se tem tempo livre x x x x
A leitura é vista como obrigação x x x
Para ler, é preciso ter tempo x x
Fonte: Elaborado pela autora.
Como podemos ver, diferentes representações de leitura são recuperadas pelos alunos
em seus discursos, os quais são construídos fundamentados nessas vozes que circulam em
diferentes esferas da sociedade: em casa, na mídia, na escola ou em outras instituições das
quais eles participam. Ao trazerem à memória essas representações, os alunos reportam uma
ou mais vozes nas quais se apoiam para marcar seus lugares discursivos em relação a outras
vozes. Assim, ao recuperar certas vozes, eles acabam por negar ou rejeitar outras, seja por não
corroborá-las, seja por desconhecê-las.
O Quadro 7 nos mostra que as representações de que há objetos que não devem ser
considerados “de leitura” ou que são inferiores a outros, como ao livro, e de que a leitura é
uma atividade que se pratica quando se tem tempo livre são as mais recorrentes nos relatos
dos alunos, as quais podem ser exemplificadas pelos seguintes trechos dos registros dos
alunos em seus diários de leitura:
D (1): Esta primeira semana de abril não comecei a ler nenhum livro, apenas papeis e livros para resolver exercícios na escola.
144
D (2): Nesta semana não pude ler nenhum livro, dediquei a semana ao meu livro de matemática e ao caderno, pois quarta-feira será recuperação e preciso de nota,
quebrei a cabeça para conseguir decorar as fórmulas e regras.
B: Hoje não li nada, fiz as tarefas de português e li um pedaço da carta de Caminha.
MM: Já fizemos alguns trabalhos e começamos a aumentar as provas, cada vez tem
mais provas para fazer, mas tive oportunidade de ler um artigo na internet.
E: Hoje eu apenas mechi no computador e no celular.
I: Não deu tempo de ler nada até hoje a única coisa que li foi um gibi da turma da
Monica enquanto esperava ser atendido pelo dentista.
Nesses excertos, os alunos retomam, em seus discursos, vozes que reproduzem uma
representação de leitura segundo a qual há objetos que são ou devem ser lidos e outros que
não devem ser considerados como tal. É o que já discutimos nos primeiros capítulos deste
trabalho quando tratamos sobre a representação que a sociedade constrói acerca do que é um
objeto de leitura e o que não é, representação que está ligada a uma outra, a de que há objetos
que são “melhores” ou “mais importantes e úteis” que outros. O uso de modalizadores como
apenas, nenhum, não e nada revela essas concepções nos registros de D, B, E e I, quando eles
relatam suas práticas de leitura. MM, por sua vez, parece estabelecer uma ideia de oposição
entre “fazer trabalho e provas” e “ler um artigo na internet”, como se esses objetos de leitura
se excluíssem, sendo os primeiros “não leituras”, e o último, sim. Essa contradição se apoia na
representação sobre a qual discutimos acima. O relato de E também chama atenção, já que ele
parece desconsiderar que, ao “mexer” no computador e no celular, provavelmente está
realizando práticas de leitura, que, embora diversas das que vivencia na escola, por exemplo,
não deixam de ser “leitura”. Mais uma vez, seu discurso se ancora em uma representação do
que seja concebido como “leitura” em nossa sociedade.
A seguir, apresento trechos que demonstram o que denominei de representação de
leitura como uma atividade que se pratica quando se tem tempo livre:
D: Hoje niver da minha tia, não teve nada para fazer fui ler algumas revistas, as pocha é tudo velho, não me deu interesse. :/
B: Hoje viajei e não li nada, esqueci um livro ou uma revista para ocupar meu
tempo.
MM: Final de semana, menos atividades para fazer, tive tempo de ler algumas
revistas variadas, revistas sobre história e algumas notícias semanais.
GF: Hoje estava sem nada para fazer então peguei alguns jornais e revistas e fui
folear por que também estava com preguiça de ler o meu livro.
145
Como podemos notar nos enunciados acima, D, B, MM e GF, ao discorrerem sobre
suas práticas de leitura, dialogam com uma outra voz que diz que ler é passatempo, é uma
atividade que se realiza quando “não se tem nada para fazer” ou “menos atividades para
fazer”. Segundo essa voz, haveria apenas esse modo de ler, quando, na verdade, a leitura pode
ser um passatempo, mas também uma necessidade, um trabalho, uma forma de evadir-se da
realidade em que se vive, por exemplo.
Vejamos, agora, excertos que revelam outras representações de leitura nos relatos
feitos pelos alunos investigados em seus diários de leitura:
AL: Não gosto muito de ler mas amo musica, principalmente OTM [O Teatro
Mágico].
D: [...] a maioria dos livros que leio é sobre o mesmo tema, mas nunca a mesma história, onde eu posso me identificar, acho que seja essa a forma de mim interessar
pelo livro, pois abrange sobre um tempo que eu também estou vivendo.
LM: Bom esta semana eu não lê muito, pois tinha que estudar, fazer algumas tarefaz e também alguns trabalhos mas ainda sim deu para mim ler uma parte do
livro da semana passada.
E: Eu fiz minha tarefas, mandadas pelos professores do IFG, aonde li para poder interpretar oque foi mandado.
MM: Após a volta das aulas, voltamos a ter pouco tempo para realizar leituras de
qualquer tipo, mas estudando, temos que realiza-las, como vários professores passam grandes textos de interpretação em nossos livros didaticos, não ficamos
totalmente sem ler.
C: Costumo ler mais textos na internet acho mais interessante. Fora isso não costumo ler muito, na maioria das vezes leio o que me interessa. Esses dias por
exemplo não li livros de história por exemplo leio o que precisa ser lido como por
exemplo alguma leitura feita na escola.
E: Hoje eu não li nada, pois eu não tive tempo de ler.
AL, ao discorrer sobre suas práticas de leitura, evoca a voz daqueles que defendem a
ideia de que a leitura está associada ao prazer, ao gosto, o que revela uma concepção restrita
dos gestos de leitura, já que a leitura pode estar associada a outros tipos de reação, como a
obrigação e a necessidade, por exemplo. A esse pensamento relaciona-se também o discurso
de D, que compreende a leitura como uma busca por satisfação, por algo que a interesse e que
a faça sentir identificação com o tema abordado pelo livro, dialogando, assim, com uma
representação de que uma leitura interessante é aquela com a qual você se identifica e que lhe
proporciona prazer.
Mais uma representação que revela a existência de outra voz no discurso desses alunos
é a de que, quem se ocupa de atividades escolares, não tem tempo para vivenciar outros
146
objetos de leitura, ou os vivencia pouco, como nos diz acima LM e E. De acordo com LM, ele
não lê muito em decorrência dos estudos e das tarefas que tinha que realizar. Esse
modalizador deôntico expressa a obrigatoriedade que o aluno sente diante das inúmeras
atividades que precisa realizar, o que não o permitiria dedicar tempo a outros objetos de
leitura. Por sua vez, inicialmente, ele demonstra reconhecer que as atividades escolares
compreendem também objetos de leitura – li para poder interpretar o que foi mandado.
Contudo, o uso do verbo mandar de modo enfático (ele o cita duas vezes nesse pequeno
trecho) revela uma representação de que a leitura que é realizada na escola tem um caráter
unilateral e de obrigação, cabendo ao aluno ler por obediência a uma ordem, o que se
caracteriza como uma voz com a qual E dialoga ao produzir seu discurso.
No relato de MM, pelo menos duas vozes além da sua são orquestradas, as quais
remetem a diferentes representações de leitura. A primeira que podemos identificar é a de
que, durante as aulas, as tarefas são muitas, o que impede os alunos de ler objetos de qualquer
tipo. Outra representação, que parece se caracterizar como uma espécie de ressalva, seria a de
que estudar implica ler. Assim, de acordo com MM, eles, como alunos, vivenciam práticas de
leitura mesmo nessas circunstâncias, voz que é marcada pelo modalizador deôntico temos
que, a qual é confirmada no final de seu enunciado por meio do advérbio de modo que
modaliza a expressão ficar sem ler ao dizer não ficamos totalmente sem ler.
No relato de C, verificamos que a aluna promove um diálogo entre diversas vozes.
Uma delas, mais comum entre o público jovem, afirma ser mais interessante ler na internet –
ainda que a aluna depois contraponha o que ela denomina leitura de histórias como a que
seria interessante a outro tipo de leitura, obrigatória –, seja por causa da multiplicidade de
temas e textos que nela circulam, seja pela relação interativa que ela promove ao leitor, por
meio de recursos linguísticos, sonoros, imagéticos, entre outros. Disso decorre, inclusive,
questões levantadas em torno da permanência do impresso numa era tecnológica, imediatista.
Parece, até mesmo, que a aluna está preocupada com o avanço de problemas ambientais
decorrentes da produção de papel, por exemplo. Outra voz vincula-se à representação de que a
leitura deve se restringir ao que gera interesse, prazer, satisfação no leitor, o que se confronta
com outra voz, a de que os objetos de leitura que não se enquadram nesse perfil não devem
ser lidos, do contrário, tornam-se um fardo, um peso, algo desagradável, como afirma C em
leio o que precisa ser lido como por exemplo alguma leitura feita na escola. Mais uma vez,
surge a referência à representação de que a leitura vivenciada na esfera escolar caracteriza-se
como obrigatória, só que, agora, como uma voz no discurso de outra aluna, o que se confirma
como uma representação já cristalizada entre os alunos.
147
Por fim, o enunciado de E dialoga com outras representações que circulam em nossa
sociedade, por exemplo, a de que o brasileiro não lê nada, quando, a todo instante, estamos
interagindo com textos, vivenciando práticas de leitura. Precisamos refletir sobre o quê
estamos lendo e como estamos lendo o que lemos. Se pensarmos assim, veremos que a
afirmação de não temos tempo pra ler, ancorada em outra representação de leitura, é
equivocada, já que, de alguma forma, as práticas de leitura fazem parte do nosso cotidiano. A
aluna, portanto, reproduz essas vozes em seu discurso, explicitando uma representação do que
seja a leitura em sua perspectiva.
A análise dos diários de leitura me permitiu conhecer as práticas de leitura cotidianas e
escolares dos alunos investigados, bem como se eles assumiram um posicionamento autoral
ao relatarem essas práticas. O que pude verificar é que, na realidade, os diários apresentam o
olhar desses alunos acerca de suas práticas leitoras. Assim, eles realizam uma ação exotópica
ao discorrerem sobre o seu próprio fazer.
Assumindo-se como um Outro em relação a si mesmo, esses alunos afirmaram lidar
com objetos de leitura variados, como livros e textos (literários, didáticos, técnicos,
religiosos), jornais e revistas (gerais e especializados, impressos e online), quadrinhos e
mangás, textos diversos na internet, cartas, textos em games e Trabalhos de Conclusão de
Curso. Esses objetos me levaram a perceber o descompasso entre o objeto de leitura mais
apontado pela maioria dos alunos – textos e livros literários – e o que eles afirmaram no
questionário, o que me fez levantar algumas hipóteses, como a necessidade que os alunos têm
de satisfazer o professor ou a escola, apontando a leitura de um objeto que, socialmente, é
concebido por muitos como “o” objeto de leitura mais importante e necessário para o
desenvolvimento intelectual de um jovem.
Em relação aos modos de ler, os alunos registraram as finalidades, os procedimentos e
os gestos de leitura em relação aos objetos analisados anteriormente. A maioria deles
enfatizou as finalidades e os procedimentos ao abordarem o modo como se relacionavam com
os objetos de leitura mencionados, sendo eles: ler a música para entender melhor o que ela
diz; buscar informações em outros livros (ler outros livros) para compreender melhor uma
leitura; ler outros livros para ajudar a compreender a matéria que está sendo aprendida; ler
artigos em um celular sobre algo que esteja estudando para ajudar nos estudos e provas; ler
um resumo antes de ler o livro; e ler para fazer um trabalho, para fixar as matérias; ler para
estudar, para fazer tarefas e para se sair bem nas provas; e ler para debater em um clube de
leitura.
148
Podemos notar que grande parte dos modos de ler citados está relacionada a objetos
que circulam na esfera escolar, corroborando algo que discuti na seção anterior acerca dos
relatos presentes no memorial: com o passar do tempo, os modos de ler se modificam, as
leituras passam a se restringir àquelas que apresentam um caráter mais utilitário e que
provocam um sentimento de obrigação e repulsa. Sobre esse traço histórico dos modos de ler,
Horellou-Lafarge e Segré (2010, p.125) destacam que “as maneiras de ler dependem das
condições da leitura, dos momentos e do tempo que lhe são concedidos, do papel simbólico
que lhe é atribuído.”.
Os alunos, portanto, deixam claro o fato de que concentram suas leituras, na maior
parte do tempo, em objetos ligados às tarefas escolares – as quais eles caracterizam como
obrigatórias, desagradáveis, cansativas etc. –, dedicando-se menos a outros objetos de leitura
que os permitiriam vivenciar outros modos de ler. De qualquer forma, todos os modos de ler
mencionados nos diários de leitura compõem a história de leitura dos alunos investigados,
demonstrando como esses modos podem passar por modificações decorrentes de condições
sócio-históricas que caracterizam nosso inacabamento como sujeitos leitores.
Em relação à emergência de um posicionamento autoral nos relatos de suas práticas de
leitura, os alunos revelaram um baixo índice desse posicionamento em seus discursos. Isso
significa que, na maioria das vezes, o que eles apresentaram foram paráfrases, resumos ou
cópias de trechos dos objetos lidos, ou apenas mencionaram o objeto, sem comentar a leitura
realizada, trazendo outras vozes para dialogarem com o que foi lido. Apesar dessa atitude ter
sido muito comum nos relatos, houve alunos que assumiram uma posição autoral em relação
ao que leram em seu cotidiano, como pudemos discutir anteriormente. Como afirmei, os
alunos assumiram uma posição autoral de forma mais evidente quando revelaram suas
representações de leitura em seu discurso, as quais pude identificar como: ler é uma atividade
associada ao prazer, ao gosto; há quem não leia ou lê pouco, porque as atividades escolares
demandam muito tempo; há objetos que não devem ser considerados “de leitura” ou são
inferiores a outros, como ao livro; uma leitura interessante é aquela com a qual você se
identifica; a leitura é uma atividade que se pratica quando se tem tempo livre; ler é obrigação;
e, para ler, é preciso ter tempo.
Espero que a análise dos diários de leitura tenha contribuído para se conhecer um
pouco mais da história de leitura dos alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado
ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus do Instituto Federal de Goiás,
complementando os dados gerados por meio do questionário e dos memoriais de leitura.
Como pudemos perceber, a voz do leitor atua como uma arena que mobiliza diferentes vozes,
149
promovendo um diálogo que traz à tona os modos de ler e de pensar a leitura na sociedade em
que vivemos.
Passemos, agora, ao próximo capítulo, que será dedicado ao exame da emergência de
um posicionamento autoral durante as atividades de leitura desenvolvidas em sala de aula. Por
meio dessas atividades, concluirei a análise dos dados de pesquisa, acreditando que eles
poderão trazer contribuições no sentido de indicar os percursos de leitura dos alunos quando
leem e o modo como articulam diferentes vozes durante suas práticas de leitura.
150
5 ENTRE AS VOZES DO LEITOR E AS VOZES DO DISCURSO: A BUSCA DE
POSICIONAMENTOS AUTORAIS EM PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE
AULA
Neste capítulo, dedico-me à análise das atividades de leitura desenvolvidas em sala de
aula com os alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano
de 2013, em um campus do Instituto Federal de Goiás, a fim de verificar a emergência de um
posicionamento autoral desses alunos no curso de práticas de leitura, bem como identificar
seus modos de ler durante essas atividades e o percurso de leitura desenvolvido por eles em
cada atividade, analisando sua relação com papéis, finalidades e formas distintas de interação,
enfim, busco constatar como as práticas de leitura são construídas e desenvolvidas por esses
alunos. Antes de adentrar na análise, farei uma breve retomada de alguns dos principais
conceitos que nortearão a leitura e a discussão dos dados gerados durante as práticas de leitura
realizadas em sala de aula.
Ao investigar a leitura como uma prática cultural, parti de um quadro teórico que
concebe a leitura como uma prática de grupos sociais diversos que se caracteriza pela sua
relação com as condições sociais e históricas em que acontece. Nesse enquadre, considerando
igualmente a leitura como uma atividade que se assenta num trabalho discursivo, orientado
por produção de sentidos, assumo aqui a linguagem em uma perspectiva dialógica, que
envolve a participação efetiva dos sujeitos na produção, circulação e recepção do sentido dos
diversos objetos de leitura na sociedade em que vivem.
Dessa perspectiva, recorremos a Bakhtin e ao seu círculo, que defende que o
dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem, o que significa que, em uma interação
verbal, há um diálogo permanente com outros discursos. Esse diálogo consiste na
“assimilação da palavra do outro” por um enunciador, que carrega tal palavra com uma
expressão emotivo-valorativa, podendo (re)elaborá-la e/ou (re)acentuá-la em uma
determinada situação enunciativa.
Sendo assim, os enunciados, conforme Bakhtin/Voloshínov (2006), são elos de uma
cadeia maior de enunciados que remetem a um passado discursivo, mas também apontam para
o seu futuro. Isso nos faz pensar que não haveria um discurso primeiro, original, já que em um
enunciado sempre encontramos (em um grau maior ou menor) ecos de outros enunciados, de
outras vozes que dialogam com a voz de quem o enuncia.
Esse caráter constitutivo dos enunciados coloca em evidência a importância que
Bakhtin concede ao Outro em seus estudos. Ao tratar, por exemplo, da exotopia, ele
151
demonstra que eu só posso SER a partir do momento em que me coloco no campo de visão do
Outro, que está fora, que me enxerga de um outro lugar que não o meu. Assim, não é possível
pensar o homem destacado de suas relações sociais e afetivas com o Outro, as quais são
mediadas pela linguagem em uma situação de interação. Resumindo:
Nosso discurso, isto é, todos os nossos enunciados (inclusive as obras criadas) é
pleno de palavras dos outros, de um grau vário de alteridade ou de assimilidade, de
um grau vário de aperceptibilidade e de relevância. Essas palavras dos outros trazem
consigo a sua expressão, o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos, e reacentuamos. (BAKHTIN, 2003, p.294-295).
Assim, para que um enunciado se constitua dialogicamente, é necessária uma atitude
responsiva do Outro, que se revela na medida em que se demonstra um comportamento ativo
diante da compreensão de um enunciado que foi proferido em uma dada situação de interação.
Um enunciado, portanto, é construído tendo em vista esse Outro, ainda que este seja apenas
uma projeção, de quem se espera uma compreensão responsiva ativa.
Anos mais tarde, outros pesquisadores retomaram essa questão do dialogismo
bakhtiniano, procurando torná-la mais operacional nas análises de corpora diversos em
pesquisas na área da linguagem. Em 1967, influenciada pela Semiótica e interessada em
estudar o texto literário, Julia Kristeva recuperou o conceito de dialogismo no termo que ficou
conhecido como intertextualidade. Segundo a pesquisadora (1967, p.439), citada por Fiorin
(2010, p.163), todo texto se constrói “como um mosaico de citações, todo texto é absorção e
transformação de um outro texto”. Esse texto a que Kristeva se refere seria o mesmo que
discurso em sua interpretação da obra de Bakhtin: “O discurso (o texto) é um cruzamento de
discursos (de textos) em que se lê, pelo menos, um outro discurso (texto)” (KRISTEVA,
1967, p.84 apud FIORIN, 2010, p.163). Desse modo, ela abandona a ideia de
intersubjetividade para dar lugar à de intertextualidade, ou seja, a interação não se dá entre
sujeitos, mas entre textos.
Para implementar sua concepção de intertextualidade, foi preciso que Kristeva
repensasse a noção tradicional de texto vigente em sua época, ou seja, como um objeto
perceptível pela visão, um depósito de uma materialidade significante, estável, permanente, é
“o que está escrito”. Segundo Barthes (1994), citado por Fiorin (2010), a estudiosa passou a
definir o conceito de “texto” assim: “aparelho translinguístico que redistribui a ordem da
língua colocando em relação uma palavra comunicativa, que visa à informação direta, com
diferentes enunciados anteriores ou sincrônicos.” (BARTHES, 1994, p.1.680 apud FIORIN,
2010, p.164).
152
Ao conceber o texto como uma prática significante, Kristeva compreende a
significação como algo que é construído, transformado em meio a um diálogo entre o sujeito
que enuncia e um Outro, em um dado contexto social e histórico, e não mais como uma
abstração, como postulavam os estruturalistas. Assim, “todo texto é um intertexto; outros
textos estão presentes nele, em níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis.”
(BARTHES, 1994, p.1.683 apud FIORIN, 2010, p.164).
Embora a concepção de texto apresentada por Kristeva se aproxime muito do que
entendemos como discurso, Fiorin (2010, p.165) aponta nela um problema, “que é distinguir,
de um lado, manifestação acabada do trabalho com a língua e, de outro, esse próprio
trabalho.”. Desse modo, o pesquisador afirma que, se considerarmos que o texto é uma
manifestação do enunciado (discurso), a intertextualidade deve ser compreendida como uma
forma de interdiscurso, ou seja, temos um caso de intertextualidade quando a relação entre os
discursos é explicitada ao leitor. Para Fiorin (2010, p.181), há
[...] uma distinção entre as relações dialógicas entre enunciados e aquelas que se dão
entre textos. Por isso, chamaremos qualquer relação dialógica, na medida em que é
uma relação de sentido, interdiscursiva. O termo intertextualidade fica reservado apenas para os casos em que a relação discursiva é materializada em textos. Isso
significa que a intertextualidade pressupõe sempre uma interdiscursividade, mas que
o contrário não é verdadeiro (grifo do autor).
Em síntese, baseando-nos na leitura de Fiorin (2010), encontramos em Bakhtin e seu
círculo duas compreensões do conceito de dialogismo: um princípio constitutivo da
linguagem e uma forma composicional do discurso. Na primeira acepção, ainda que as vozes
que constituam um discurso não se manifestem explicitamente, tal discurso será considerado
dialógico. Na última, as diferentes vozes que constituem um discurso se mostram, sendo
incorporadas no interior do discurso de modo marcado na materialidade do texto. Segundo
Bakhtin (2003), haveria duas formas de incorporar essas vozes ao discurso: a) o discurso do
outro pode ser citado abertamente, sendo possível separá-lo de forma nítida, o que ocorreria
com o uso do discurso direto, do discurso indireto, das aspas e da negação; e b) o discurso é
internamente dialogizado, ou seja, ele é bivocal, como é o caso da paródia, da estilização, da
polêmica velada ou mostrada e do discurso indireto livre.
A incorporação das vozes do Outro no discurso – seja de forma implícita ou explícita
– exige de quem enuncia assumir uma posição autoral, ou seja, assumir o papel de
orquestrador dessas vozes, que devem, nessa arena discursiva em que se instauram, dialogar,
seja concordando, discordando, completando ou desconstruindo uma a outra. O objetivo
153
principal desta pesquisa consiste justamente em verificar se, durante diversas práticas de
leitura, os alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano
de 2013, em um campus do Instituto Federal de Goiás, assumem esse posicionamento quando
estão lendo um texto, e como eles orquestram essas vozes que passam a compor o seu
discurso de leitores-autores ou autores-leitores.
Como já apontei em outros momentos, Bakhtin, assim como seu círculo, não se
dedicaram à investigação da leitura. Bakhtin/Voloshínov, quando discutem a interação verbal,
concebem-na de uma forma geral, ou seja, o que apresentam em Marxismo e Filosofia da
Linguagem é uma compreensão do funcionamento da linguagem e não de algumas práticas
em particular, ainda que eles utilizem muitos exemplos relacionados à interação face a face.
Além disso, quando Bakhtin reflete sobre o conceito de autoria ou posição autoral, ele o faz
no âmbito da Estética (cf. o livro Questões de Literatura e Estética), aplicando tal conceito e
outros a ele relacionados especialmente em textos da esfera literária.
Como já foi explicitado anteriormente (cf. Capítulo 3), as atividades de leitura
consistiram em atividades que visavam identificar, em rodas de leitura realizadas em sala de
aula, os modos de ler, de interpretar e de produzir sentidos dos alunos; analisar se eles
assumiam, nas atividades escolares, um posicionamento autoral; verificar o percurso de leitura
desenvolvido por eles em contextos específicos, o que inclui sua relação com os papéis e as
finalidades e formas de interação que os conduzem em sua atividade leitora; e promover, no
curso das práticas de leitura, espaços de discussão e posicionamentos que expressam o
trabalho de produção de sentido(s) e uma visão crítica em relação ao texto lido.
Essa etapa da pesquisa ocorreu entre março e outubro de 2013, cerca de uma vez por
mês, durante as aulas de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, no 1o ano do curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio. A análise dos dados gerados por meio desse
instrumento será dividida em duas partes, tendo em vista o modo como foram orientadas as
ações em cada grupo de atividades. Sendo assim, proponho uma discussão, em um primeiro
momento, dos dados originados das Atividades de Leitura A, B e C, e, em um segundo
momento, das Atividades de Leitura E, F e G27
.
É importante dizer que todas as atividades de leitura foram norteadas por diretrizes
selecionadas dentre as que o SAEB elenca como habilidades e competências que devem ser
desenvolvidas junto aos alunos do Ensino Médio. São elas: localizar informações explícitas
27 Optei por descartar, para fins de análise, a atividade de leitura D por não ter tido registro escrito dos alunos. Já
as atividades de leitura H e I não foram analisadas em virtude da necessidade de se fazer um recorte,
selecionando as atividades de leitura em virtude da relevância dos dados apresentados, a fim de que a análise não se tornasse muito extensa.
154
em um texto; inferir o sentido de uma palavra ou expressão; inferir uma informação implícita
em um texto; identificar o tema de um texto; interpretar o texto com auxílio de material
gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.); identificar a finalidade de textos de
diferentes gêneros; distinguir um fato da opinião relativa a esse fato; e reconhecer diferentes
formas de se tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em
função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido.
Outro aspecto a ser destacado é o fato de que foi priorizada a leitura de textos que
apresentassem um diálogo mais explícito com outros textos/discursos, a fim de cooperar para
que os alunos conseguissem articular mais facilmente as vozes do texto e do discurso,
assumindo um posicionamento autoral durante essa leitura. Como os alunos eram
ingressantes, o que concluí é que era preciso “experimentar”, propondo textos com “níveis”
de dialogismo diversos, para verificar se eles seriam capazes de identificar e compreender um
intertexto e um interdiscurso no texto que lhes era oferecido como objeto de leitura, ou seja,
se eles seriam capazes de orquestrar essas vozes junto às que os constituem, ainda que
momentaneamente, como sujeitos – digo “momentaneamente” devido ao inacabamento
desses sujeitos (BAKHTIN, 2010a).
5.1 Parte 1: analisando as atividades de leitura A, B e C
As três primeiras atividades que compõem a primeira parte da análise foram orientadas
da seguinte maneira: os textos – objetos de leitura – eram entregues, um de cada vez, para que
os alunos lessem silenciosamente. Posteriormente, eu distribuía-lhes um conjunto de
perguntas referente ao primeiro texto e, depois, ao segundo. Não havia leitura em voz alta
nem discussão dos textos. Assim, os alunos apresentaram uma leitura individual dos textos
que lhes foram oferecidos, não havendo qualquer interferência da minha parte28
. As respostas
dadas às questões propostas acerca dos textos eram recolhidas no término de cada atividade.
O quadro a seguir (já apresentado no Capítulo 3 e retomado parcialmente aqui) expõe,
além da identificação e da data em que as atividades dessa primeira parte da análise foram
realizadas, a metodologia utilizada, o objeto trabalhado e os textos que foram objeto de leitura
da turma investigada:
28 Muitos chegavam a me chamar nas carteiras para que eu confirmasse se suas respostas estavam “certas”. No
entanto, esse não era o propósito da pesquisa, por isso expliquei que meu interesse consistia em verificar o quê e como eles compreendiam o que estavam lendo.
155
Quadro 8 – Atividades de Leitura A, B e C
Atividade Data Metodologia Objeto trabalhado Textos utilizados
A 01/04/13
Leitura e comentários dos alunos sobre os textos. Forma de registro: texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Gêneros discursivos: obra de arte (pintura) e trecho de um romance.
1) Quadro Os Retirantes, de Cândido Portinari. 2) Capítulo 1 – Mudança, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos.
B 15/04/13
Leitura e comentários dos alunos sobre os textos. Forma de registro: texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Gêneros discursivos: publicidade, poema e nota jornalística.
1) Publicidade da SOLETUR sobre educação ambiental parodiando o poema No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade. 2) Nota jornalística No meio do caminho tinha um ladrão, publicada na revista IstoÉ.
C 13/05/13
Leitura e comentários dos alunos sobre os textos. Forma de registro: texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Intergenericidade (oração feita pela personagem na charge). Gêneros discursivos: reportagem, poema e charge.
1) Reportagem Infância de pequenos brasileiros se perde nos lixões, publicada na Folha de S.Paulo. 2) Poema O bicho, de Manuel Bandeira. 3) Charge Declaração dos Direitos Humanos, de Angeli.
Fonte: Elaborado pela autora.
Como se pode conferir no quadro acima, para a atividade de leitura A, selecionei dois
textos: o quadro Os Retirantes, de Cândido Portinari, produzido em 1944, e um trecho de
Vidas Secas, de Graciliano Ramos, escrita entre 1937 e 1938. Esses textos relacionam-se entre
si não somente por terem sido, de certa forma, contemporâneos, mas por parecer
compactuarem com uma compreensão da arte como uma denúncia, com uma temática social,
que pretendia retratar o Brasil com seus problemas sociais e suas mazelas.
Os textos da atividade de leitura B foram escolhidos pela relação que ambos
estabelecem com o poema No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade. Tanto a
publicidade da empresa de turismo SOLETUR quanto a nota jornalística publicada na revista
IstoÉ ressignificam o poema de Drummond, inserindo-o em um novo contexto: o de
problemas sociais, como a poluição causada pelo homem (em especial, por turistas) e a
degradação do patrimônio público.
Já os textos da atividade de leitura C – a reportagem Infância de pequenos brasileiros
se perde em lixões, de Beatriz Castro, na Folha de S.Paulo, o poema O Bicho, de Manuel
Bandeira, e a charge Declaração dos Direitos Humanos, de Angeli – foram propostos por
156
apresentarem um diálogo entre si acerca de um outro problema social: a condição desumana a
que são submetidas pessoas que dependem do lixo para sobreviver. Eles, porém, focalizam
aspectos distintos sobre o tema, como o trabalho infantil nos lixões, a “desumanização” do ser
humano que se alimenta do que encontra nos lixos e a existência de uma Declaração dos
Direitos Humanos no país, que é válida e cobrada pela sociedade em certos casos (crimes
durante a Ditadura Militar, conforme destacado na charge), mas não em outros, como no caso
daqueles que vivem nos lixões de grandes metrópoles.
No Apêndice B deste trabalho, há uma reprodução dos textos que constituíram esse
bloco de atividades, acompanhados das questões que os alunos deveriam responder acerca de
cada um deles, com base nas diretrizes estabelecidas pelo SAEB. É importante dizer que na
análise não discutirei todas as respostas, já que, em média, cada atividade foi composta por
cerca de 8 a 10 perguntas no total, o que torna inviável uma reflexão sobre cada uma. Assim,
selecionei aquelas perguntas que estariam mais relacionadas a inferir uma informação
implícita em um texto, identificar o tema de um texto, distinguir um fato da opinião relativa a
esse fato e reconhecer diferentes formas de se tratar uma informação na comparação de textos
que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em
que será recebido.
5.1.1 Atividade de Leitura A: lendo a seca no sertão
Nos dados gerados nesta primeira etapa, ao buscar identificar indícios de autoria, ou
ainda, de uma posição autoral dos alunos ao lerem um texto, observei que muitos deles
tiveram dificuldades para compreender o que estavam lendo. Alguns apresentaram
interpretações que contradiziam os textos, enquanto outros afirmavam leituras que, na
verdade, seriam mais hipóteses interpretativas, sem ao menos justificá-las, como é o caso, por
exemplo, dos alunos a seguir, que, ao serem questionados, durante a atividade de leitura A,
sobre o que compreendiam do quadro de Portinari, responderam:
ANL: Compreendi que as pessoas “morreram” de seca [...].
N: Que a um marido e uma mulher com seus filhos e parece o avo do lado, tirando
uma foto. Axo que é uma familia pobre.
VD: Compreendo que é uma família triste e miseravel, o tema é miseria e pobreza.
157
ANL afirma ter compreendido que as pessoas – sobre as quais ela não fornece mais
informações – “morreram” de seca. A referência à morte decorrente da seca demonstra que a
aluna identificou, ao ler o texto, a ideia principal do artista, ainda que utilize o verbo no
passado como uma ação concluída. Ela, porém, não deixa claro em sua resposta o percurso de
sua leitura para que chegasse a essa conclusão, apontando, por exemplo, a presença de
elementos como pássaros que se assemelham a urubus, o cajado na mão de um personagem
idoso aludindo à figura de uma foice nas mãos da Morte, a aparência degradante dos
personagens e o predomínio de tons escuros, que remetem a uma atmosfera mortífera. Toda
essa cena é que nos permite associar a ideia de morte à seca. O uso das aspas na palavra
morreram chama atenção, pois revela um posicionamento da aluna acerca do que leu, ou seja,
ao usar esse recurso, ela demonstra ter compreendido a expressão em seu sentido figurado.
Contudo, essa não parece ter sido a intenção de Portinari ao mostrar que a seca ceifa muitas
vidas, seja de quem nela permanece, seja de quem se arrisca a deixá-la, como fizeram os
retirantes de sua obra.
N, por sua vez, ao observar o quadro, não faz referência à seca, ao fato de as pessoas
retratadas serem retirantes e sua relação com o ambiente de morte. Sua atenção concentra-se
na posição em que os personagens se encontram – voltados para o espectador –, o que a leva a
dizer que estavam tirando uma foto. Além disso, o fato de, provavelmente, já ter
experienciado momentos em que foi objeto de uma fotografia parece motivá-la a fazer tal
afirmação. No entanto, uma interpretação como essa não se configura como uma hipótese
interpretativa, já que, quando muito, o grupo de pessoas posou para o artista que o representou
por meio da pintura.
No trecho supracitado, VD infere que o grupo de pessoas constitui uma família que
está em situação de pobreza, miséria. Ele percebe também semblantes tristes nos
personagens, e faz escolhas lexicais que demonstram um posicionamento autoral, mesmo que
embrionário, perante o texto. Entretanto, ele não consegue identificar que esses aspectos são,
na verdade, consequência de um problema social maior, que é a seca da qual é consequência a
migração de muitos para regiões onde possam “sobreviver”. Além disso, assim como ANL, o
aluno não deixa claro o seu percurso de leitura, ou seja, quais movimentos o levaram a
concluir o que afirma.
É necessário lembrar que toda leitura exige uma compreensão ativa por parte do leitor,
do contrário, não há interação no sentido bakhtiniano e, não havendo interação, não há a
emergência de um posicionamento autoral. Ao me atentar ao “como” se diz, ou melhor, a
“como” os alunos reportam suas leituras, reconheço que a autoria é da ordem do discurso e
158
construí-la significa “aprender a lidar com os discursos existentes que atravessam nosso
discurso o tempo todo e com as posições e informações do outro, podendo assumir isso como
se fosse a própria voz do sujeito ou estabelecendo o embate entre a voz do outro e a voz do
sujeito.” (PASQUOTTE-VIEIRA, 2013, p.97).
A partir dessa compreensão do conceito de posicionamento autoral, passarei à análise
dos textos de alguns alunos quando perguntados, também na atividade de leitura A, sobre qual
seria a perspectiva (opinião) do artista acerca do tema retratado no quadro:
J: Uma denuncia social a situação sofrida pelos migrante de varias regiões. [...].
LG: Mostrar o sofrimento que a população nordestina enfrenta quando chega a seca,
que a família esta se retirando por causa da seca.
U: O artista mostra que a seca é um problema que não pode ser deixado de mão. Vi
que na pintura a família apresenta desnutrição e uma vida de má qualidade e esses
são problemas que não podem ser deixados de mão.
Z: Que muitas famílias estão precisando de serem vistas, pois estão sendo
esquecidas. Pelo jeito dessa família que estão saindo dos seus lugares para
arrumarem um lugar para sobreviverem.
Nos trechos acima, é possível verificar um posicionamento autoral dos alunos
mediante sua leitura da obra Os Retirantes, de Portinari, por meio do uso de modalizadores
que revelam como eles interagiram com a imagem. J, por exemplo, a compreende como uma
denúncia social. Ao afirmar isso, ele assume uma posição perante o que o artista lhe
apresenta, dizendo, em outras palavras, que o quadro não é apenas uma representação de um
grupo de retirantes, mas uma denúncia social, ou seja, a manifestação ou a comunicação de
um problema comum na sociedade brasileira, especialmente na época de sua produção,
àqueles que desconheciam essa realidade.
Em sua leitura do quadro, LG assume uma posição autoral quando reconhece na
imagem uma espécie de metonímia do sertão nordestino, compreendendo que a intenção do
artista seria mostrar o sofrimento que a população nordestina enfrenta quando chega a seca.
O quadro nada diz sobre o grupo ser um representante (parte) da população nordestina,
contudo, ao assumir essa leitura do texto, LG demonstra ter algum conhecimento anterior
acerca do problema da seca no sertão nordestino e de que esse fato tem relação com o
movimento migratório dessa região para a região centro-sul do país, conhecimentos (vozes)
com os quais dialoga ao ler a pintura de Portinari. É interessante observar que a escolha do
verbo dicendi mostrar para retomar, a partir do seu lugar discursivo, a ação do artista ao tratar
do tema também revela uma posição autoral de LG.
159
U, em seu relato, assume uma posição autoral ao considerar a desnutrição e a má
qualidade de vida da família representada na obra de Portinari como consequências da seca –
a seca é um problema; problema que deve ser resolvido; não pode ser deixado de mão. Além
disso, assim como LG, ele utiliza o verbo dicendi mostrar para significar a ação discursiva de
Portinari ao produzir a tela, o que também demarca sua voz em diálogo com a voz do discurso
do artista.
A leitura que Z apresenta da perspectiva do pintor acerca do tema retratado revela um
posicionamento autoral, visto que o aluno, por meio de uma linguagem figurada – famílias
estão precisando de serem vistas, pois estão sendo esquecidas –, expressa o descaso da
sociedade brasileira, principalmente dos governantes, com a população que vive em regiões
de fortes secas, o que as obriga a se mudar para sobreviverem. Desse modo, segundo Z,
Portinari torna visível a seca e suas mazelas aos que não querem ou não as enxergam, a fim de
lembrar que o problema existe e precisa ser denunciado.
Ao serem perguntados sobre a possível época em que a obra foi produzida e se ela
apresentaria um sentido diferente para o leitor de hoje, chamou minha atenção a resposta
formulada por JV, que demonstrou claramente um posicionamento autoral, orquestrando
outras vozes que dialogavam diretamente com o texto lido, como se pode ler a seguir:
JV: A obra foi produzida em meados do século XX, esse período foi marcado pelo
fluxo migratório das famílias do sertão para a tentativa mal sucedida da melhor
condição no Sudeste. Hoje o fluxo se inverteu, as famílias tentam voltar a sua região de origem, causando um fluxo migratório inverso ao do século XX.
A emergência de uma posição autoral de JV pode ser verificada principalmente pelo
uso de modalizadores, como no início do trecho, quando ele diz que a obra foi produzida em
meados do século XX. Nesse caso, por desconhecer a data exata de produção da obra, o aluno
cria uma hipótese – em meados do século XX –, considerando outra voz que, provavelmente,
traz de suas aulas ou livros de História e/ou Geografia, que se materializa em expressões
como fluxo migratório, tentativa [...] de melhor condição no Sudeste, fluxo migratório
inverso. JV, além de elencar esses elementos que revelam uma orquestração de vozes durante
sua leitura, marca seu território discursivo por meio de um outro modalizador, tentativa mal
sucedida, o qual expressa sua perspectiva sobre o acontecimento representado por Portinari no
quadro: o fluxo migratório de pessoas do sertão nordestino para a região centro-sul do país. O
aluno, no entanto, não explica por que considera essa migração como uma tentativa mal
160
sucedida, se concluiu isso baseado na pintura analisada ou em informações adquiridas em
livros ou em alguma outra circunstância.
Ao serem questionados se a imagem e o tema abordados pela obra dialogavam ou
possuíam alguma relação com outro texto que conheciam, a maioria dos alunos – 18 do total
de 29 participantes – disse não conhecer ou não lembrar de nenhum outro texto, e um aluno
não respondeu. Apenas cinco alunos afirmaram conhecer algum texto e citaram músicas de
Luiz Gonzaga, como Vida de Viajante e Asa Branca, e a novela Cordel Encantado,
transmitida pela Rede Globo entre abril e setembro de 2011. Os demais (outros cinco alunos)
generalizaram, como AL, que afirmou Sim, já vi em vários jornais e revistas com reportagens
sobre isso [...], ou referiram-se a algum texto que não tem relação com o texto lido, como E,
que disse Sim, Lado a Lado, fazendo referência a uma novela transmitida pela Rede Globo,
entre setembro de 2012 e março de 2013, que abordava o período posterior à abolição da
escravatura e à Proclamação da República no Brasil. Embora se possa estabelecer um diálogo
entre as circunstâncias abordadas em ambas as obras, o aluno não demonstra como isso é
possível em sua resposta.
O outro texto proposto na atividade de leitura A foi o primeiro capítulo de Vidas
Secas, de Graciliano Ramos, intitulado Mudança. Apresentando uma temática semelhante,
acreditei que o excerto do livro seria uma oportunidade para que os alunos refletissem sobre a
obra de Portinari lida por eles inicialmente e relacionassem ambas as obras. No entanto, o que
percebi ao ler as respostas que eles deram às perguntas é que a maioria dos alunos parece não
ter lido o capítulo por completo ou o leram superficialmente, mesmo que este fosse composto
por três páginas. Tal atitude diante desse objeto de leitura me faz refletir sobre a aparente
resistência de muitos alunos diante do texto literário, alegando ser uma leitura chata, com
uma linguagem difícil, com uma temática que não lhes interessa, entre outros argumentos
elencados para justificar a não leitura de um texto como o que foi proposto. Por que parece
circular entre os alunos uma cultura de “aversão” ao texto literário? Há realmente uma
dificuldade ou essa é uma ideologia que se dissemina sem que se pense sobre ela? De que
forma poderíamos transformar essa realidade? Como não é objetivo deste texto aprofundar-se
em relação a esses objetos de leitura, sugiro a leitura de alguns pesquisadores que vêm se
dedicando, em parte, a essas questões, como Dalvi, Rezende e Jover-Faleiros (2013), Cosson
(2011), além de outros já mencionados na Introdução deste trabalho.
Vejamos o que disseram alguns alunos ao serem questionados sobre qual seria a
situação narrada no referido capítulo:
161
GF: Ele narra o percurso de uma família para sair da pobresa.
K: Uma família que procurava sua sobrevivencia viajando em busca de comidas
LT: A mudança da família.
VD: Uma familia que está atras de comida.
Os excertos acima apontam uma leitura superficial do texto, já que alguns alunos,
como K e VD, ao responderem à pergunta, afirmam se tratar de uma família atrás/em busca
de comida, quando, na verdade, esse é um episódio que compõe uma cena maior: a difícil
peregrinação de uma família pelo sertão. O comentário de LT – A mudança da família –, por
sua vez, leva à hipótese de que o aluno pode não ter passado das primeiras linhas do capítulo,
pois ele não faz nenhuma referência a aspectos centrais da narrativa, como a seca, o sertão, a
fome, a sede, a miséria e a morte. GF compreende que o texto trata sobre uma viagem – o
percurso de uma família –, mas com a finalidade de sair da pobreza. Assim como a fome, a
pobreza é apresentada por Graciliano como uma consequência da seca, não sendo o tema
central da narrativa.
Outros alunos demonstraram indícios de um posicionamento autoral quando lhes
perguntei sobre a posição do autor diante do tema retratado no capítulo e quais recursos ele
utiliza para mostrá-la ao leitor. Eis algumas respostas obtidas:
AL: A opinião dele é que a seca faz com que as pessoas tome decisões tragicas, que
a seca é algo horrivel que vai acabando com as pessoas aos poucos.
J: O sofrimento de migrantes. Alguns trecho o autor revela o sofrimento da família
com expressões como: “infelizes”, “ordinariamente”. E tambem o modo como a
família se comunica: “condenado do Diabo”, “excomungado”, etc.
AL seleciona alguns modalizadores para demarcar sua posição autoral acerca do que
lê. Ela compreende que, para o autor, a seca faz com que as pessoas tomem decisões
trágicas... é algo horrível que vai acabando com as pessoas aos poucos, ou seja, a seca
adquire um status de agente que não oferece outra saída àqueles que ela atinge senão tomarem
decisões que podem lhes custar a vida, ideia inerente a termos como trágico. O adjetivo
horrível qualifica a seca, corroborando o valor negativo já expresso pelo adjetivo trágico
contido em uma de suas consequências lembradas pela aluna, como a obrigatoriedade de uma
tomada de decisão das pessoas que vivem sob essas circunstâncias. AL, portanto, compreende
que, ao relatar o sofrimento da família da forma como o faz, o narrador revela que a mudança
162
acaba sendo imposta ao homem do sertão pela própria seca, que o obriga a tomar decisões
trágicas.
AL ainda marca sua posição ao dizer que a seca vai acabando com as pessoas aos
poucos, ou seja, a aluna parece associar o processo de degradação dessas pessoas que, em sua
perspectiva, é lento à forma (intencionalmente) vagarosa com que o autor desenvolve a
narrativa para demonstrar o caminhar também vagaroso dos personagens pela terra seca.
Embora a aluna não deixe clara essa relação, de certa forma, metalinguística da obra, ela pode
ser estabelecida quando tentamos recuperar as vozes orquestradas por ela ao ler o texto. É
importante dizer que ela também não aponta quais recursos o autor utilizou para marcar sua
perspectiva em relação ao tema ao longo da narrativa.
J, embora de modo mal articulado textualmente, compreende que a opinião do autor é
que os migrantes sofrem. O aluno não desenvolve sua afirmação, o que torna difícil verificar
seu percurso interpretativo durante a leitura a respeito de qual seria a posição que o autor
revela ter sobre o que narra. No entanto, ao contrário de muitos outros colegas, ele justifica
como chegou a essa conclusão trazendo para o seu texto a voz do autor, que se refere aos
personagens, no início do texto, como infelizes, e a voz de Fabiano, que se dirige aos filhos
por meio de adjetivos que possuem uma conotação de alguém que é rejeitado ou abandonado:
condenado do Diabo e excomungado. Assim, ele demonstra, em parte de sua resposta, uma
posição autoral ao ler o texto, orquestrando as vozes que o compõe – o autor revela [...] com
expressões como [...] e o modo como a família se comunica –, e também a sua – o sofrimento
de migrantes. O uso das aspas, do verbo dicendi revela e dos dois pontos demarca o território
discursivo das vozes que dialogam entre si para justificar a afirmação inicial de J.
Em seguida, ao questionar os alunos sobre a época em que o texto teria sido produzido
e se ela apresentaria um sentido diferente para o leitor de hoje, observei que a maior parte não
soube responder. Muitos disseram que o sentido seria o mesmo para o leitor de hoje,
justificando com o fato de que o problema apresentado pelo autor ainda persiste. É o caso de
GF, K e Y:
GF: [...] Não pois a casos de familias no norte querendo sair da pobresa e da seca.
K: [...] Não pois os dias de hoje passam pelas mesmas dificuldades.
Y: [...] ele continua trazendo a mesma “imagem”.
Ao se posicionarem dessa forma – de que o sentido seria o mesmo –, os alunos
desconsideram as condições que interferem na recepção de um texto. A sociedade de hoje é
163
diferente da sociedade de décadas anteriores, já que surgiram novos pensadores, novas
tecnologias, novos comportamentos e modos de se relacionar, entre outros. O que quero
destacar é a importância, em uma situação de aprendizagem, de o professor mostrar para seus
alunos que a construção do sentido de um texto passa não apenas pelas suas condições de
produção, mas também de recepção. Conforme já dizia Bakhtin/Voloshínov (2006), somos
sujeitos sociais, constituídos a partir da interação com o Outro, sendo assim, nossos valores,
conhecimentos e experiências aprendidos e vivenciados em uma dada época devem entrar em
um jogo dialógico com os valores, conhecimentos e experiências aprendidos e vivenciados
pelo Outro. Só assim seremos capazes de construir sentido, por exemplo, para o que lemos.
Vejamos, a seguir, a resposta dada à pergunta por outros dois alunos:
MM: Penso que seja em uma época bem antiga pela linguagem e a referencia de
“Sinha”, Acho que não apresenta sentidos diferentes, por ser uma questão que ainda é vivenciada.
JV: A obra provavelmente foi feita em meados do século XX, a diferença entre a
compreensão das pessoas da época, e das pessoas atualmente, se da por causa do fato das pessoas atuais, já saberem que essa melhor condição de vida tão esperada
pelos nordestinos não aconteceu.
Assim como GF, K e Y, MM afirma que o sentido construído a partir da leitura do
texto é o mesmo para os leitores da época em que ele foi publicado e para os leitores de hoje,
segundo ele, por ser uma questão que ainda é vivenciada. O que chama atenção em seu
enunciado, no entanto, é a justificativa que ele fornece para a sua hipótese de que o texto
tenha sido produzido em uma época bem antiga. O aluno traz, entre aspas, a voz do autor, que
trata a única personagem feminina do romance por Sinhá, e também, provavelmente, a voz de
algum professor ou livro onde tomou conhecimento de que a linguagem varia historicamente
e revela a identidade do falante, como a época e a região em que ele vive ou viveu. Assim,
MM posiciona-se discursivamente ao apontar que o uso de tal pronome de tratamento está
relacionado à época em que o texto foi produzido.
É preciso, porém, que o aluno seja levado a refletir acerca das peculiaridades inerentes
ao texto literário, pois o fato de usar uma variante histórica ou regional/geográfica, por
exemplo, não significa necessariamente que o texto tenha sido produzido por alguém naquela
época ou região. No caso do texto de Graciliano, há estudiosos que afirmam que, para
escrever Vidas Secas, o escritor teria se baseado em histórias que teria ouvido de retirantes
quando pequeno onde nasceu, em Quebrangulo, no interior de Alagoas. Assim, a narrativa
remonta a uma época anterior à escrita do próprio romance.
164
JV, por sua vez, ao responder em que época o texto teria sido produzido, modaliza seu
enunciado por meio do uso dos advérbios provavelmente e em meados, o que revela um
afastamento perante o que ele afirma. Assim, nesse momento, ele demonstra um
posicionamento autoral ao lançar mão desse recurso linguístico para imprimir esse efeito de
afastamento. Além disso, segundo ele, a compreensão das pessoas acerca da situação narrada
no texto mudou, pois hoje elas já sabem que essa melhor condição de vida tão esperada pelos
nordestinos não aconteceu. Os termos em destaque revelam um posicionamento autoral de
JV em relação ao que lê, ou seja, ele orquestra as vozes do texto – do autor e dos personagens
– retomando-as, em seu enunciado, de modo indireto, já que, ao dizer que muitos nordestinos
esperavam encontrar melhores condições de vida fora do sertão, ele faz uma alusão à narrativa
lida. Ele traz para esse diálogo, ainda, a voz que seria, segundo ele, da sociedade em que vive,
ao dizer que o fato de as pessoas, hoje em dia, já saberem que a expectativa de muitos
nordestinos de conseguirem melhorar de vida frustraram-se, interfere no sentido que os
leitores construirão em sua leitura de Vidas Secas.
Ao serem questionados se a imagem e o tema abordados pela obra dialogavam ou
possuíam relação com algum outro texto que conheciam, a maioria dos alunos – 17 do total de
29 participantes – disse não conhecer ou não lembrar de outros textos, e um não respondeu.
Apenas quatro alunos afirmaram conhecer algum; dois citaram que há músicas de Luiz
Gonzaga, sendo que um fez referência especificamente à música Asa Branca; outro lembra do
filme nacional que narra a história do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, Lula, o filho do
Brasil; e o último mencionou o filme, também nacional, baseado na obra de Ariano Suassuna,
O Auto da Compadecida. Os demais (outros sete alunos) generalizaram, dizendo, por
exemplo, como ANL: Não conheço nenhum texto desse jeito, apenas reportagens feitas com
o tema da seca; ou referiram-se a algum texto que não tem relação com o texto lido, como E,
que novamente menciona a novela Lado a Lado, transmitida pela Rede Globo, entre setembro
de 2012 e março de 2013. Da mesma forma que na resposta a essa pergunta em relação ao
primeiro texto – o quadro de Portinari –, os alunos não desenvolveram suas ideias, discutindo
porque se pode estabelecer um diálogo entre a história narrada no romance de Graciliano
Ramos e esses outros textos.
5.1.2 Atividade de leitura B: lendo Drummond em outros textos
Durante a atividade de leitura B, foi proposta, a um grupo de 28 alunos, a leitura de
dois textos que apresentavam um diálogo com o poema No meio do caminho, do escritor
165
mineiro Carlos Drummond de Andrade. Os textos foram entregues um de cada vez e a
dinâmica da atividade foi a mesma da anterior: os alunos liam os textos e respondiam as
questões sem qualquer intervenção da minha parte. O roteiro de perguntas foi o mesmo, como
se pode verificar no Apêndice B deste trabalho, havendo alguma alteração em decorrência do
gênero discursivo ou de algum aspecto particular do texto.
O primeiro texto lido foi uma publicidade da empresa de turismo SOLETUR, que
visava conscientizar o leitor acerca da necessidade de, durante suas viagens, não poluir o meio
ambiente. A pergunta inicial requeria que os alunos descrevessem o que viam na publicidade,
ou seja, que elementos compunham o texto. Alguns excertos são retomados abaixo:
Z: Um selo de uma aviação que está escrito: Viajar é preservar vejo um texto, uma
lata amassada, uns cacos de vidros, o símbolo do IBAMA e uma marca de uma
empresa brasileira de turismo SOLETUR.
GF: Vejo uma lata amassada, o simbolo do ibama e um texto que cita objetos no
caminho, aonde representa a poluicão e a sujeira nas ruas.
U: Vejo uma lata que representa a sujeira nas estradas. Esta propaganda mostra que
durante as viajens as pessoas sujam as estradas por onde passar, e a propaganda
critica essas ações.
Nesses exemplos, verificamos que o enunciado de Z é o que recupera com mais
pormenores o texto verbal e não verbal que constitui a peça publicitária. No entanto, não é
possível observar um movimento autoral do aluno, que parece apenas decodificar o que vê no
texto. Não há um trabalho com a linguagem que revele uma singularidade do sujeito que
enuncia. GF e U, porém, avançam um pouco mais ao relatarem sua leitura da publicidade. GF,
por exemplo, utiliza um hiperônimo – objetos – para se referir à pedra, ponta de cigarro, lata,
saco plástico e cacos de vidro, ainda que esse hiperônimo generalize muito, já que se
caracteriza como um conjunto de objetos que possuem uma especificidade. Outro momento
em que sua posição autoral torna-se mais evidente é quando ele diz que esses objetos no
caminho [...] representa[m] a poluição e a sujeira nas ruas, ou seja, o aluno compreende que
aqueles objetos enumerados no texto são uma metonímia de poluição e sujeira causadas pela
população.
A compreensão do texto por U é um pouco mais profunda que a de GF, que não faz
alusão ao fato de ser uma publicidade de uma empresa de turismo, que conta com o apoio do
IBAMA (por isso a logomarca da instituição no canto direito da página) e traz informações
importantes para se construir sentido para o texto, o que se relaciona diretamente com a
emergência de uma posição autoral ou não por parte do leitor.
166
Analisando o enunciado de U, observamos que o aluno também marca sua posição
autoral ao dizer que a lata no centro da publicidade é apenas um exemplar escolhido pela
agência publicitária para representar a sujeira nas estradas. O uso dos verbos dicendi mostra
e critica traz uma outra voz para dentro de seu texto – a da propaganda –, orquestrada por ele,
que a reporta. Essas duas ações atribuídas à propaganda revelam, além da demarcação da voz
da publicidade, o modo como o aluno construiu sentido para o que leu. Assim, é importante
ressaltar que a crítica não seria uma ação coerente com o que propõe a publicidade. É nesse
momento que cabe a intervenção do professor para levar o aluno a refletir sobre quais são os
objetivos de uma publicidade, o que seria criticar, quais seriam as condições de produção e de
recepção desse texto etc.
Num segundo momento, os alunos foram questionados acerca do que compreenderam
da publicidade e se poderiam identificar o tema nela retratado. Foi interessante notar que
muitos alunos demonstraram ter compreendido a publicidade em um sentido metafórico,
como, por exemplo, A e N (destacados a seguir), que usam expressões como as dificuldades
que ele vai ter de enfrentar; conseguir vencer; você passa por dificuldades, tudo na vida há
dificuldades; e qualquer coisinha no caminho pode prejudicar a vida de muitas pessoas.
Assim, segundo eles, os objetos citados na publicidade representariam barreiras que as
pessoas precisam superar para vencer na vida, o que extrapola os sentidos possíveis do texto.
Vejamos:
A: Que para mim todas as coisas que o texto retrata, a latinha, pedra, saco plástico, etc. mostra o caminho e as dificuldades que ele vai ter de enfrentar, ou que para
conseguir vencer as coisas você passa por dificuldades, que tudo na vida a
dificuldades. O tema é viajar e preservar.
N: Compreendi que esta tentando explicar que qualquer coisinha no caminho pode
prejudicar a vida de muitas pessoas.
Em seguida, procurei saber dos alunos investigados qual seria a possível intenção da
publicidade. Embora muitos tenham apresentado respostas superficiais à questão, alguns
demonstraram indícios de autoria em seus enunciados, como MM:
MM: A intenção da empresa pode ser de incentivar as pessoas a prezervar o meio
ambiente ou apenas ganhar clientes, com sua “preocupação” com o meio ambiente.
Ao invés de afirmar a intenção da publicidade, MM modaliza seu enunciado por meio
da locução verbal pode ser, que sugere uma hipótese no trecho a intenção da empresa pode
ser de incentivar as pessoas a preservar o meio ambiente. Além disso, o aluno introduz a voz
167
da empresa de turismo com o verbo incentivar para se referir ao modo como compreendeu o
enunciado presente na publicidade – trata-se de um incentivo à preservação ambiental. Em
seguida, MM insere sua voz no texto e demarca sua posição autoral também por meio do
sentido irônico que imprime ao trecho ou apenas ganhar clientes, com sua “preocupação”
com o meio ambiente. O uso do modalizador apenas e de aspas na palavra preocupação
revela uma desconfiança do leitor diante da verdadeira intenção da publicidade, ou seja, ela
pode estar simulando uma preocupação com o meio ambiente, quando, no fundo, seu interesse
é angariar clientes que acreditariam nessa preocupação da empresa com a questão ambiental.
Ao orquestrar essas vozes em seu enunciado, MM mostra ter um posicionamento autoral
diante do que leu. O aluno, no entanto, não justifica com partes do texto o que diz.
A última pergunta relativa a esse primeiro texto da atividade de leitura B consistiu em
saber dos alunos que outros textos poderiam dialogar com a publicidade lida. A maioria dos
alunos – 18 do total de 28 participantes – generalizou, como D, que disse: Em revistas sobre
meio ambiente, jornais e etc. Dois alunos não responderam, oito afirmaram não conhecer ou
não lembrar de outros textos que possam dialogar com a publicidade, e um respondeu a
questão de modo equivocado. Observamos que a mesma questão comparada com a resposta
dada pelos alunos aos textos anteriores apresentou um número mais alto de generalizações, o
que pode ser um indício de pouca leitura, por parte dos alunos, acerca do tema, de
Drummond, ou até mesmo de desinteresse em relação à atividade.
O segundo texto proposto nessa atividade de leitura B foi uma nota jornalística
intitulada No meio do caminho tinha um ladrão, publicada na revista IstoÉ, em junho de
2008, que tratava sobre o roubo, pela 4a vez, dos óculos da estátua do poeta Carlos
Drummond de Andrade, e do valor que seria gasto pelo governo do Rio de Janeiro para que
outro fosse colocado no lugar. Em uma das perguntas feitas aos alunos, interroguei-os se eles
conseguiriam identificar alguma relação entre o poeta Carlos Drummond de Andrade e o
título da nota jornalística. Como exemplo, reproduzo as respostas de AL e J a seguir:
AL: O poeta Carlos Drummond de Andrade tem um texto cujo nome é “No meio do
caminho” e eles pegaram esse título e acrescentaram “um ladrão”
J: “No meio do caminho tinha um ladrão” faz referencia a famosa poesia de Carlos
Drummond “No meio do caminho tinha uma pedra”.
Os dois alunos reconhecem a alusão feita na manchete da notícia ao poema de Carlos
Drummond de Andrade, embora não apontem, por exemplo, o que possivelmente motivou o
estabelecimento da relação entre o poema e o fato relatado na notícia. AL refere-se à
168
modificação realizada pela revista no trecho em que diz eles pegaram esse título e
acrescentaram “um ladrão”, ou seja, ela insere a voz da revista em seu discurso, na forma
indireta, por meio dos verbos pegaram e acrescentaram, e faz uso das aspas no trecho
acrescido pela revista. J, por sua vez, apresenta um indício de autoria quando usa um
modalizador para dizer que a manchete da notícia faz referência à famosa poesia de Carlos
Drummond, ou seja, usa uma poesia muito conhecida do poeta provavelmente para que o
leitor reconheça esse diálogo entre os discursos.
Em outra questão, perguntei-lhes se o autor da nota jornalística posiciona-se diante do
fato que noticia e pedi que justificassem sua resposta. Muitos alunos afirmaram, como E (veja
o excerto logo abaixo), que o jornalista não demonstra sua opinião acerca do fato que noticia,
o que revelou uma concepção reducionista, mas ainda muito difundida nas escolas, de que, em
notícias, o autor informa, em artigos de opinião, por exemplo, ele opina. Essa é uma visão
idealista da linguagem, como se fosse possível delimitar o que os sujeitos fazem ao utilizá-la.
Cada enunciação é única e, como tal, deve ser analisada considerando-se os traços gerais de
um gênero discursivo, mas sem massificá-lo. Além disso, acredito que a argumentação esteja
presente em toda produção de linguagem, de forma mais ou menos evidente.
E: Não. Por ser um fato jornalístico, ele apenas informa o leitor.
MM: Sim, apesar de no texto apenas retratar o fato acontecido, no título diz que era
um “ladrão” no meio do caminho, fazendo relação com o preço do objeto.
E assume uma posição autoral quando traz para o seu discurso essa voz que afirma a
existência de enunciados que apenas informam, enquanto outros apresentam apenas a opinião
de quem escreve, e corrobora essa voz, ao dizer que, por ser um fato jornalístico, ele apenas
informa o leitor. Além disso, esse posicionamento também é identificado quando notamos
que E usa o modalizador apenas para reforçar a ideia de que ele (o jornalista?) se restringe a
informar o leitor.
O enunciado de MM aparenta ser, num primeiro momento, contraditório, o que o
torna, em certo ponto, incoerente. Inicialmente, o aluno faz coro a E, trazendo para seu
discurso a voz de alguns profissionais ou mesmo de livros didáticos que afirmam que notícias
apenas informam, ou, como MM diz, retratam o fato acontecido. Contudo, ele introduz esse
discurso com o operador argumentativo apesar de, o que indica que ele fará uma ressalva,
uma concessão mais adiante. Ao inserir, em seu discurso, a voz do enunciador – no título diz
que era um “ladrão” no meio do caminho –, o aluno afirma que, no título, ele constrói uma
169
relação com o que é dito no corpo da notícia acerca do preço dos óculos roubados. Assim,
MM parece sugerir que houve uma escolha lexical, por parte do enunciador, dessa palavra
ladrão para se referir ao sujeito que depredou a estátua de Drummond, o que demonstra um
ponto de vista sobre esse sujeito. Embora MM não deixe claro esse percurso interpretativo, é
possível perceber indícios desse movimento, como pude analisar.
Outra questão sobre a nota jornalística consistiu em saber se os alunos consideravam
que os dois textos lidos nessa aula – a nota e a publicidade – tratavam de um mesmo tema,
apontando em que se assemelhavam e em que se diferenciavam. Vejamos o que disseram AL
e J:
AL: Eles se assemelham em falar sobre coisas no caminho, mas se diferenciam no
sentido, no primeiro eles fazem uma relação denotativa onde realmente a coisas no
caminho e no segundo texto eles o titulo faz referencia a um ladrão no meio do caminho e na verdade era só uma referencia a obra de Carlos Drummond.
J: Não. Ele se assemelham ao mesmo poema de Carlos Drummond. E se
diferenciam por que a publicidade trata do fato ao meio ambiente e a noticia ao fato do roubo.
AL não afirma se o tema abordado é o mesmo em ambos os textos, apenas assinala em
que se assemelham e em que se diferenciam, a partir da leitura que fez. Como aspecto
semelhante, ela afirma que os dois falam sobre coisas no caminho. A aluna, no entanto, não
compreende o diálogo que os textos estabelecem com o poema de Drummond, ou melhor,
segundo ela, isso só acontece na nota jornalística. Quanto à diferença, ela se encontra no
sentido que a expressão no meio do caminho adquire – no primeiro, ela compreende que a
expressão adquire um sentido denotativo, ideia que ela reforça com o uso do modalizador
realmente, e no segundo, ela afirma que se trata apenas de uma referência ao poema de
Drummond, ao qual foi acrescentada a palavra ladrão. Ainda que AL não consiga construir
um sentido para o texto de Drummond quando este dialoga com a nota jornalística,
percebemos que há indícios de autoria em partes de seu discurso, especialmente quando ela
articula sua voz, por meio de modalizadores – realmente e na verdade –, às vozes do texto,
por meio de verbos dicendi – falam, fazem uma relação e fazem referência –, e à voz do
professor, do livro didático, quando retoma o conceito de sentido denotativo.
Analisando o enunciado de J, verificamos que ele reconhece que, tanto a publicidade
quanto a nota jornalística, possuem em comum um diálogo com o poema No meio do
caminho, de Drummond. No entanto, ele não desenvolve essa ideia em seu discurso, não
mostrando como esse diálogo se instaura. Ao abordar a diferença entre os textos, J faz o
170
mesmo, retomando a voz dos textos por meio do verbo dicendi trata para afirmar que o
primeiro se dedica à temática do meio ambiente, e o segundo, ao roubo dos óculos. Se
compararmos a resposta de AL à de J, observaremos que seu texto apresenta mais indícios de
um posicionamento autoral que o de J, o que parece estar relacionado, por exemplo, ao fato de
AL ter desenvolvido mais seu discurso e ter conseguido articular diversas vozes que se
entrecruzam na leitura dos textos.
Por fim, quando questionados se os textos lidos durante essa atividade possuíam
relação com algum outro texto conhecido, verificamos que, dos 28 participantes, 15
afirmaram não lembrar ou não conhecer outro texto; 12 generalizaram, como VP, que diz:
Sim, eu já vi notícias sobre a quantidade de lixos na rua e várias notícias em jornais e
revistas sobre roubos de fortunas; e um não respondeu. Mais uma vez, indaguei-me se esse
resultado estaria relacionado a um baixo índice de leitura acerca do assunto por parte dos
alunos ou a um desinteresse dos alunos pela atividade.
5.1.3 Atividade de leitura C: lendo a desumanização do humano
Durante a atividade de leitura C, propus a um grupo de 28 alunos a leitura de três
textos que apresentavam um diálogo entre si em decorrência de sua temática, relativa à vida
de quem depende do lixo para sobreviver, a que optei por denominar-se como a
desumanização do humano. Assim como nas demais atividades, entreguei um texto por vez
para que os alunos o lessem, refletissem sobre sua leitura e respondessem as questões sem
qualquer intervenção de minha parte novamente. O roteiro de perguntas foi semelhante,
apresentando alterações em decorrência do gênero discursivo ou de algum aspecto particular
do texto, como se pode conferir no Apêndice B deste trabalho.
O primeiro texto fornecido aos alunos foi uma pequena reportagem, publicada no
portal da internet G1, em abril de 2013, intitulada Infância de pequenos brasileiros se perde
nos lixões, que aborda a vida de pessoas que tiram dos lixões o seu sustento, com destaque
para o trabalho infantil nesses locais. Inicialmente, pedi aos alunos que escrevessem sobre o
que leram na reportagem como se fossem contá-la para um amigo. Vejamos os enunciados de
I, J e LM:
I: A reportagem fala sobre as pessoas que vivem em lixão e dão duro para conseguir o seu sustento. As vezes trabalhando até 17 horas diarias correndo varios riscos ate
mesmo de contrair doenças. Mais aborda um tema mais especifico que é o trabalho
de crianças que muitas vezes trabalham com os pais catando lixo, e além de ser
proibido o trabalho infantil e uma coisa que ninguém eu acho queria passar por isso.
171
E fala tambem que essas pessoas/crianças tem sim sonhos mais que a maioria das vezes não se realiza.
J: Li um texto que fala sobre a vida de famílias, e principalmente das crianças, que
vivem de catar lixos nos lixões das cidades. São pessoas pobres que vivem apenas do que ganham ou do que recolhem no lixo. As crianças sofrem com a falta de boas
condições vividas e tem seu futuro interrompido por falta de estudos. Essas crianças
são vítimas de violencia e exploração e muitos os descartam da sociedade.
LM: No texto é mostrado pessoas que perdem sua infancia para ajudar suas
familias, ou seja, o texto é uma reportagem que se trata de jovens e crianças que
trabalham, ou melhor, sobrevivem revirando o lixo para procurar o que comer;
alguns começam muito cedo a trabalhar no lixão, e não vão á escola; trabalham no lixão para ajudar a familia não porque gostão.
Em seu enunciado, I retoma a voz do autor de duas formas distintas: por meio de
verbos dicendi, como fala e aborda, e de paráfrases de partes do texto, como no trecho
trabalhando até 17 horas diárias correndo vários riscos até mesmo de contrair doenças, ser
proibido o trabalho infantil e pessoas/crianças tem sim sonhos. Além da voz do autor, I deixa
claro a sua voz, ao marcar discursivamente a sua leitura do texto lido, ao utilizar
modalizadores como as pessoas dão duro, para expressar o modo como ele compreendeu o
relato que a jornalista faz da história de vida de alguns catadores de lixo. No trecho pessoas
tem sim sonhos, o aluno usa um advérbio que, devido à construção do enunciado, apresenta
um tom de ênfase sobre uma informação presente no texto: a de que muitos não realizam seus
sonhos por ter que trabalhar no lixão. Além disso, I modaliza seu dizer quando apresenta uma
posição autoral, ao esclarecer para seu “amigo”, para quem relata o que leu, que a reportagem
fala sobre as pessoas que vivem em lixão e dão duro para conseguir o seu sustento. Mas
aborda um tema mais específico que é o trabalho de crianças que muitas vezes trabalham
com os pais catando lixo. O uso do operador argumentativo mas introduz uma voz que se
opõe ao que foi dito antes e revela um posicionamento autoral de I em relação ao tema
abordado no texto lido. A reportagem trata de pessoas que se sustentam com o que encontram
no lixão, porém o seu foco incide sobre o trabalho infantil nesses lixões. O uso do
modalizador mais específico reforça a introdução dessa ideia, que materializa sua voz.
J também revela um posicionamento autoral ao orquestrar as vozes presentes no texto
lido e a sua, e também ao materializar a sua leitura na resposta dada à pergunta. Um dos
recursos que o aluno utiliza são os verbos dicendi, como fala, em Li um texto que fala sobre a
vida de famílias. Assim como I, J também retoma trechos do texto na forma de paráfrase, mas
trazendo a voz do enunciador para o seu discurso, como nos trechos As crianças sofrem com a
falta de boas condições vividas e Essas crianças são vítimas de violência e exploração. J
marca discursivamente sua voz quando usa o advérbio principalmente, que modaliza seu
172
dizer, deixando claro que o tema da reportagem incide, em especial, sobre a vida de crianças;
quando usa anáforas para retomar os sujeitos que são tematizados na reportagem, como
famílias e crianças, pessoas pobres, crianças, essas crianças e vítimas, termos que
transmitem o sentido construído por ele sobre o texto lido; quando usa o adjetivo
interrompido, qualificando futuro, que também é um modalizador que revela a sua
compreensão do que o texto diz sobre as crianças terem que parar de estudar para ajudar suas
famílias no lixão; por fim, quando usa o verbo descartam em muitos os descartam da
sociedade, explicitando, mais uma vez, a voz do leitor, que, ao utilizá-lo, conclui que essas
crianças são rejeitadas, ignoradas por muitos na sociedade.
Do mesmo modo que os colegas supracitados, LM retoma a voz do enunciador por
meio de paráfrases de partes do texto lido, como pessoas que perdem sua infância para
ajudar suas famílias e alguns começam muito cedo a trabalhar no lixão, e não vão à escola;
trabalham no lixão para ajudar a família. Ele demarca seu território discursivo por meio de
modalizações, que aparecem em trechos como No texto é mostrado e o texto é uma
reportagem, as quais estão relacionadas ao uso do verbo “ser” no presente, caracterizando
uma afirmação. Além disso, ao dizer que o texto é uma reportagem, o aluno evoca em seu
discurso uma voz que pode ser a de um professor, de um livro didático ou mesmo relacionada
a experiências anteriores como leitor que o fazem reconhecer o texto lido como uma
reportagem e não como um artigo de opinião, por exemplo.
LM também delimita sua voz em seu discurso por meio de marcadores
metadiscursivos, como ou seja e ou melhor, os quais o aluno utiliza como uma forma de
organizar o seu dizer, de orientar os seus leitores e de construir sua relação com eles. No
primeiro caso, LM faz, inicialmente, uma generalização, para, após a expressão ou seja,
especificar o termo texto, que passa a ser referenciado como reportagem; o trecho pessoas que
perdem sua infância para ajudar suas famílias passa a delimitar a faixa etária de pessoas por
meio do referente jovens e crianças; e o fragmento que perdem sua infância para ajudar suas
famílias é retomado como que trabalham. O verbo trabalhar também é revisto pelo aluno,
que, após dizer ou melhor, sinaliza para o leitor uma mudança de argumento em seu discurso.
O verbo sobreviver, então, passa a ter um sentido distinto no discurso do aluno e mais
próximo de um diálogo com as vozes do texto. Após essa análise, verificamos que LM
apresenta uma posição autoral diante do que lê, demonstrando realizar em seu discurso uma
orquestração de vozes que inclui a sua própria voz, as vozes do texto e a voz pressuposta do
seu leitor/ouvinte.
173
Os alunos foram questionados também se, ao lerem o texto, poderiam dizer que a
jornalista dá sua opinião acerca do tema abordado, e se sim, qual seria essa opinião e o que
teria feito eles chegarem a essa conclusão. Retomo, abaixo, alguns enunciados dos
participantes a fim de analisá-los:
E: Sim. Que crianças não deveriam parar de estudar para trabalhar, ainda mais
catando lixo. Por ela falar no texto.
U: O jornalista não diz explicitamente sua opinião, mas está embutido no sentido do texto, pois o lendo percebe-se que se trata de uma crítica.
VP: Sim, durante o texto ele dá suas opiniões como dizer que a infância é tratada
como lixo. Ele fala sobre isso, fora da fala de pessoas citadas no texto.
Os alunos tiveram dificuldades para responder a essa pergunta, embora a maior parte
tenha concordado que o texto apresenta a opinião da jornalista. E, U e VP são alguns dos
alunos que conseguiram identificar a opinião da jornalista e apresentaram um esboço de
justificativa. O aluno E traz para seu discurso a voz da jornalista por meio de um modalizador
deôntico – crianças não deveriam parar de estudar para trabalhar –, que exprime um
sentido de proibição. Sendo assim, o aluno compreende que a jornalista é contra o trabalho
infantil. Ao especificar a situação do trabalho infantil nos lixões, a voz de E atravessa a voz da
jornalista quando afirma ainda mais catando lixo. Isso porque a jornalista não aborda o
trabalho infantil em geral e, numa escala, estabelece níveis do que seria um trabalho melhor
ou pior para crianças. Já E, ao utilizar essa expressão adverbial, demarca sua voz no
enunciado, demonstrando que catar lixo seria um dos piores trabalhos que uma criança
poderia exercer. A voz do aluno, por sua vez, ancora-se em um discurso (voz) que circula em
nossa sociedade de que lugar de criança é na escola e de que catar lixo não é um trabalho
digno de um ser humano, principalmente de crianças. O aluno, portanto, apresenta indícios de
um posicionamento autoral ao orquestrar as vozes que materializam o discurso no texto e a
sua própria voz.
U apresenta um ponto de vista diferente de E acerca da presença da opinião da
jornalista no texto, pois, segundo ele, A jornalista não diz explicitamente sua opinião. O aluno
traz a voz da jornalista para o seu discurso por meio do verbo dicendi diz, o qual é
acompanhado de dois modalizadores – um advérbio de negação (não) e um advérbio de modo
(explicitamente) –, que mostram a leitura que U fez do texto. Esse enunciado do aluno traz um
pressuposto: o de que há uma opinião no texto, ainda que ela não esteja na superfície textual.
Para U, ela está embutida no sentido do texto, mas ele não deixa muito claro o que seria isso.
174
Parece-me que o que o aluno pretendia dizer é que, para identificar os argumentos da
jornalista, é preciso buscá-los, por exemplo, na seleção das palavras do texto, no modo como
ela se refere à situação, às pessoas etc. Entretanto, a meu ver, U não soube como justificar sua
afirmação inicial. Ele diz, ainda, que, lendo o texto, percebeu que se trata de uma crítica, o
que marca sua voz discursivamente.
VP utiliza verbos dicendi como dá opinião (opina) e fala para retomar a voz da
jornalista em seu discurso. O primeiro, em particular, deixa claro que o aluno admite que há
opinião no texto lido. Para justificar o que diz, VP reproduz um trecho do texto – a infância é
tratada como lixo –, embora não utilize aspas para sinalizar que esse enunciado não lhe
pertence, mas à jornalista. Aqui, poderíamos considerar que há um problema nessa
orquestração de vozes por parte do aluno, já que ele assume como sua a voz do outro. É
interessante que VP reconhece na inserção da voz das pessoas que exemplificam o discurso da
jornalista como um modo que ela tem de expressar a sua opinião – fala de pessoas citadas no
texto –, ainda que o seu texto esteja truncado e que ele não o desenvolva nesse sentido.
Quando questionados se conheciam outros textos que poderiam dialogar com a
reportagem, oito dos 28 alunos disseram não conhecer ou não lembrar de nenhum outro texto;
dez fizeram generalizações como nas atividades anteriores; cinco referiram-se a textos que, ao
menos inicialmente, não possuiriam relação com o que foi lido (esses alunos não justificaram
sua resposta); e cinco afirmaram conhecer algum texto. Destes, quatro fizeram referência à
novela Avenida Brasil, transmitida pela Rede Globo, entre março e outubro de 2012, que se
ambienta, em parte da trama, em um lixão. Outro aluno, LG, cita o poema O Bicho, de
Manuel Bandeira, no qual o narrador relata a cena que testemunha, aparentemente a distância,
de um animal revirando as latas de lixo em busca de alimento e que o surpreende ao verificar
que se trata de um ser humano.
O segundo texto lido pela turma foi uma charge produzida pelo cartunista Angeli e
publicada no jornal Folha de S.Paulo, provavelmente em 2010, intitulada Declaração dos
Direitos Humanos, que mostra um lixão, próximo ao viaduto de uma cidade, onde crianças
brincam e uma mulher, em primeiro plano, ajoelhada junto a um pequeno rato, agradece a
Deus, como que fazendo uma oração, porque os “direitos humanos” estariam funcionando no
país, já que ninguém mais seria perseguido, torturado, censurado, exilado ou morto em
decorrência de suas escolhas políticas. O enunciado é irônico se considerarmos o conjunto
título, imagem e discurso da personagem, pois o cartunista parece ter a intenção de promover
uma reflexão sobre como tem sido aplicada a Declaração dos Direitos Humanos no país por
meio de uma suposta contradição entre essas partes que compõem o texto.
175
Passando à análise dos enunciados dos alunos acerca da leitura que fizeram desse
texto, reproduzo a seguir as respostas referentes à primeira pergunta, que requeria deles
discutir sobre a situação mostrada na charge:
JV: A charge traz uma ironia como base, se trata de uma mulher no meio de um aterro sanitário agradecendo por neste país não existir torturas, censura a imprensa,
intelectuais exilados, para enfatizar a ironia o titulo da charge é denominada
“Declaração dos Direitos Humanos”.
U: É uma imagem que retrata a falta de consideração com os direitos humanos mais
básicos que são a saúde, educação e o direito de trabalhar.
É interessante notar que, se considerarmos o que redigiram em seus textos, a maioria
dos alunos parece ter concentrado sua atenção, durante a leitura, na imagem que compunha o
texto, ignorando o título e a fala da personagem, que também aparecem na charge. JV e U
foram alguns dos poucos que não apenas citaram esses três discursos que se entrecruzam no
texto de Angeli, como também buscaram algum tipo de articulação entre eles. No caso de JV,
várias vozes são orquestradas por ele ao assumir uma posição autoral quando enuncia. Uma
delas é a voz do enunciador da charge, que aparece em dois momentos: quando usa o verbo
traz, que adquire uma função de verbo dicendi em A charge traz uma ironia como base, e
quando retoma o título da charge por meio do uso de aspas em o título da charge é
denominado “Declaração dos Direitos Humanos”. Além da voz do enunciador, JV incorpora
a seu discurso a voz da personagem da charge ao utilizar o verbo agradecer como um verbo
dicendi no trecho uma mulher no meio de um aterro sanitário agradecendo por neste país
não existir torturas, censura a imprensa, intelectuais exilados. A voz do leitor JV também
compõe essa teia discursiva, que se forma quando ele afirma que A charge traz uma ironia
como base, e que, para enfatizar a ironia, o título da charge é denominado “Declaração dos
Direitos Humanos”. O aluno apoia seu discurso no conhecimento que adquiriu do que seja
ironia, provavelmente em sala de aula, em livros didáticos ou em alguma situação informal ao
longo de sua vida. É esse conhecimento que lhe permite dizer que a ironia é a base da
construção do sentido da charge e que ela é enfatizada pelo título, já que a expressão
“Declaração dos Direitos Humanos” parece, a princípio, estabelecer um paradoxo com o
restante da charge.
A resposta de U também reflete uma orquestração de vozes por parte do leitor, que, ao
materializar sua leitura, seja oralmente, seja por escrito, leva-nos a identificar a emergência de
um posicionamento autoral. Ele retoma a voz do enunciador da charge ao utilizar o verbo
dicendi retrata no trecho É uma imagem que retrata a falta de consideração com os direitos
176
humanos mais básicos. A escolha do verbo dicendi revela também a voz do leitor que constrói
um dado sentido para o que é introduzido por esse verbo em seu enunciado. Sendo assim,
nessa situação comunicativa, U parece utilizar o verbo retratar no sentido de representar,
simbolizar, ou seja, a imagem exemplifica um problema social e político mais amplo, que é a
falta de garantia da aplicação da Declaração dos Direitos Humanos no Brasil em qualquer
circunstância que se fizer necessária, e não somente em algumas delas. U também demarca
seu território discursivo quando afirma que é uma imagem que retrata a falta de
consideração com os direitos humanos mais básicos. Nesse trecho, o aluno modaliza o seu
dizer ao utilizar as expressões em destaque a fim de mostrar sua leitura do texto, ou seja, para
ele, a charge é um exemplo de que os direitos humanos fundamentais não estão sendo
garantidos, não estão sendo considerados.
Em seguida, os alunos responderam o que, segundo eles, conteria uma Declaração dos
Direitos Humanos. Pedi que eles discutissem a relação que poderia haver entre o que ela
enuncia e a charge. Vejamos o que J, MM e N relataram:
J: Conteria uma serie de leis que são consideradas como os direitos de todos os
cidadãos. A relação se da a situação das personagens contradizendo a declaração dos direitos humanos.
MM: Conteria direitos que se aplicariam a todos os seres humanos, mas como na
imagem, não é bem essa a realidade. O titulo e a imagem fazem relação com essas declarações não estarem sendo aplicado a todos, ja a fala e a imagem, o cidadão
agradece por não ter mais tortura e perseguições, ou seja, esta agradecendo por não
ser pior do que já é.
N: Que uma pessoa que mora no lixão ou que são pobres tinha que ter o direito de
uma moradia de um estudo de ter um trabalho decente para trabalhar. Que as pessoas
estão ali catando lixo porque não deve ter o não deve saber dos direitos humanos. A
mulher falando mostra que ela não ta sabendo de nada do seu pais por que esta agradecendo por uma coisa que não aconteceu no nosso pais, que ela não conhece os
direitos humanos.
Segundo J, a Declaração dos Direitos Humanos conteria uma série de leis que são
consideradas como os direitos de todos os cidadãos. Nesse trecho, percebemos a orquestração
de algumas vozes, como a que se materializa na locução verbal são consideradas, a qual
funciona como um modalizador no discurso de J, que busca afastar-se do que enuncia, ou
seja, não é ele quem considera, mas alguém ou alguma instância superior de autoridade (voz)
é quem considera, julga o que deve ser incluído nesse documento. É importante lembrar de
que, ao utilizar essa estratégia discursiva, J também demarca a sua voz no texto.
A palavra cidadão remete à outra voz que participa dessa arena polifônica que
constitui o tecido discursivo resultante da leitura de J, já que traz consigo um sentido mais
177
específico, de um indivíduo que, “como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e
políticos por este garantidos e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são
atribuídos.” (HOUAISS, 2009). Mesmo que J não tenha essa definição de dicionário em sua
mente no momento de sua leitura, ele traz essa voz ao utilizar o termo cidadão, demonstrando
ter ao menos uma noção de que ser cidadão é ter consciência de que se tem direitos e deveres
a cumprir na sociedade da qual faz parte.
Num segundo momento de sua resposta, J aponta qual seria, segundo ele, a relação
possível entre o que a charge enuncia e o que estaria na Declaração dos Direitos Humanos. O
aluno enuncia de forma rasteira que a situação das personagens contradiz a declaração dos
direitos humanos. Ele usa, portanto, o verbo contradizer como um verbo dicendi para
expressar sua leitura da relação entre ambos os textos: a charge e a Declaração dos Direitos
Humanos. Assim, ele retoma as vozes que constituem esses textos para assumir a sua voz, a
de que os discursos que se encontram na charge fundam um paradoxo intencional.
Para MM, a Declaração dos Direitos Humanos conteria direitos que se aplicariam a
todos os seres humanos. Percebo que, provavelmente com base em leituras ou experiências
anteriores, o aluno, ao ler o título da charge, faz uma alusão, assim como J, ao princípio
constitucional da igualdade, que deve ser garantido por lei e consta, por exemplo, no art. 5o da
nossa Constituição Federal Brasileira, e utiliza todos como um termo que modaliza o
substantivo seres humanos. MM relaciona a voz da Declaração à voz do enunciador da charge
e, por meio de dois advérbios – não e bem –, ele modaliza seu dizer, assumindo um
posicionamento de que a realidade mostrada na imagem não é bem a que consta no referido
documento. O aluno também usa verbos dicendi para retomar, em seu discurso, vozes que
dialogam no texto, como em O título e a imagem fazem relação (relacionam) e em o cidadão
agradece.
MM, entretanto, não compreende a ironia construída na charge, o que é possível
comprovar no trecho em que ele diz: o cidadão agradece por não ter mais tortura e
perseguições, ou seja, está agradecendo por não ser pior do que já é. Ao fazer essa
afirmação, introduzida pela expressão metadiscursiva ou seja, o aluno parece compreender
que a personagem realmente está sendo grata, considerando sua situação razoável ou
suportável em comparação com a de outras pessoas. Nessa parte, em especial, MM não
consegue orquestrar as vozes que constituem o discurso do chargista, da personagem, da
Declaração dos Direitos Humanos, entre outras, de modo a construir um sentido possível para
o que leu.
178
Em seu enunciado, N utiliza, principalmente, modalizadores deônticos que expressam
uma ideia de obrigatoriedade, como em tinha que ter, ou de hipótese, como em não deve ter
ou não deve saber. A aluna demarca sua posição discursiva ao defender, por meio da
expressão tinha que ter, a aplicação do que, segundo ela, seriam os direitos dos pobres ou dos
que moram no lixão. O que chama atenção no discurso de N são os trechos em que ela afirma
que o agradecimento da personagem deve-se a um desconhecimento dos seus direitos: que as
pessoas estão ali catando lixo porque não deve ter o não deve saber dos direitos humanos. A
mulher falando mostra que ela não tá sabendo de nada do seu país [...] ela não conhece os
direitos humanos. Embora não se possa afirmar o conhecimento da aluna acerca de temas
como alienação e emancipação, verificamos que ela estabelece uma relação entre o saber e o
poder, ou seja, segundo ela, por desconhecer seus direitos, a personagem não tem argumentos
que a “empoderam” a questionar a circunstância em que vive e a cobrar das autoridades
melhorias na sociedade. Assim, ainda que sem refinamento, é possível recuperar essa voz no
discurso de N, a qual ela relaciona à voz da personagem e da Declaração dos Direitos
Humanos. A aluna, portanto, assume um posicionamento autoral quando orquestra essas
vozes, marcando a sua própria voz em seu discurso. Cabe destacar que ela não responde à
primeira pergunta da questão.
Em outro momento, os alunos foram questionados se, para eles, os textos I (a
reportagem) e II (a charge) tratavam sobre o mesmo tema, como cada um o abordava e o que
eles teriam de semelhante ou de diferente. Analisemos as respostas de GM e JV:
GM: Sim em um é uma reportagem como indícios, citações, e real, e a charge
satiriza o assunto.
JV: Sim, o texto 1 é uma reportagem e nela traz uma visão objetiva do fato, o texto 2 é uma ironia, faz com que o leitor interprete a charge, e tenha um conhecimento
prévio sobre Declaração dos direitos humanos, para entender a ideia principal do
texto.
Muitos alunos destacaram como diferença o fato de serem textos de gêneros
discursivos diferentes, enquanto poucos expuseram semelhanças, as quais se restringiram ao
tema. No entanto, alguns apontaram outros aspectos, como GM e JV demonstram nos
excertos supracitados. Em seu enunciado, GM afirma que um texto é uma reportagem e
justifica sua resposta dizendo, embora de modo truncado, que ele apresenta indícios, citações,
e real. Não fica claro o que o aluno pretendeu dizer com indícios, mas ele demonstra
reconhecer traços comuns ao gênero reportagem – o que funciona como uma entrada de
leitura –, como o fato de o texto conter citações e abordar fatos reais. Para explicar porque
179
considerou os textos distintos, GM parece considerar que satirizar um assunto em um texto
significa que ele pode se basear em fatos reais, mas não possuir referentes específicos na
realidade à nossa volta. Ao mobilizar esses conhecimentos, provavelmente adquiridos em sala
de aula, em livros didáticos ou em experiências como leitor, o aluno apresenta um
posicionamento autoral em relação ao que diz. Ele, no entanto, responde apenas parcialmente
ao que foi perguntado na questão.
JV também não discute se os textos apresentam um mesmo tema, contudo, ele
identifica os gêneros discursivos e destaca, ainda que de forma breve, o modo como eles
tratam o tema. Assim, o aluno também focaliza as diferenças entre os textos, não apontando
semelhanças. Ele inicia seu relato afirmando que o texto 1 é uma reportagem e que nela se
apresenta uma visão objetiva do fato. Ao utilizar o adjetivo objetiva, JV modaliza seu
discurso, mostrando como compreendeu o que leu ou como a jornalista se posicionou ao fazer
seu relato. Além disso, ele fala em fato, o que remete à ideia de que cabe a uma reportagem
trazer informações apresentadas como baseadas em uma realidade objetiva. Em seguida, o
aluno diz que o texto 2 é uma ironia, o que apresenta um problema de paralelismo semântico,
já que ironia consiste em um efeito de sentido e não um gênero discursivo. A despeito disso,
JV parece compreender que o sentido da charge está fundamentado na ironia (algo que ele
próprio já disse; cf. excerto supracitado). Segundo ele, para que o leitor interprete a charge, é
preciso que ele tenha um conhecimento prévio sobre Declaração dos direitos humanos. Ao
ler o enunciado de JV, percebemos que o aluno articula diversos conhecimentos – como saber
reconhecer um gênero, o que é ironia, conhecimento prévio, por exemplo – que se inserem em
seu discurso como vozes que o auxiliam na tarefa de constituir um posicionamento autoral em
relação à sua leitura.
O terceiro e último texto proposto aos alunos nessa atividade de leitura foi o poema O
Bicho, de Manuel Bandeira, que traz o relato de um narrador que se surpreende ao constatar
que um homem, e não um animal qualquer, busca no lixo o seu alimento. Por meio desse
texto literário, o poeta parece expor um processo de quase desumanização a que muitos
indivíduos se submetem para sobreviver devido a uma condição de miséria.
Em uma das perguntas, questionei os alunos se o autor se posicionava diante do tema
abordado no poema; caso a resposta fosse positiva, eles deveriam expor os recursos utilizados
por ele para assumir esse posicionamento. Vejamos o que disseram GM, MM, MK e U:
GM: Com espanto a enfase que ele dá na palavra “bicho”.
180
MM: Atravez de um poema o autor demonstra seu espanto ao se deparar com a realidade do homem visto agindo como um animal.
MK: O autor se posiciona de forma assustada. O bicho não era um cão, não era um
gato nem um rato o bicho, “meu Deus” era um homem.
U: O autor critica essa situação, através de uma fala que indica surpresa.
Os enunciados exemplificam a resposta da maioria dos alunos a essa questão, ou seja,
que a posição do autor sobre o tema abordado é de espanto, susto ou surpresa. Isso revela que
eles não conseguiram estabelecer um diálogo entre a voz do narrador e outras vozes para
compreender a reflexão ou a provocação do autor acerca de uma situação que, por mais
espanto que cause, tem se tornado comum em nosso país. Alguns deles utilizam verbos
dicendi para retomar a voz do narrador em seu texto, como o autor demonstra (MM) e o autor
se posiciona (MK). U, por sua vez, afirma que o autor critica, o que mostra que o aluno
compreendeu a intenção do autor de fazer não apenas um relato, mas, por meio dele, esboçar
uma crítica política e social.
Os alunos justificam suas afirmações de formas variadas. GM, por exemplo, explica
que o recurso de que se valeu o autor para explicitar seu posicionamento foi a ênfase que ele
dá à palavra “bicho”, colocada entre aspas pelo aluno para demarcar o discurso do autor em
seu discurso. Já MM explica que o autor utilizou um poema para transmitir sua opinião acerca
da realidade. MK, por sua vez, transcreve o trecho final do poema, sem aspas, ou seja, sem
marcar a voz do Outro em seu discurso, com exceção da expressão meu Deus, que é destacada
com aspas provavelmente porque MK pretendia mostrar que o autor revelou seu espanto ao
utilizar essa expressão. Assim, embora ele traga a voz do autor para o seu discurso, ela se
“mescla” à sua, o que demonstra uma dificuldade do aluno em demarcar essas vozes em sua
escrita. Por fim, U explica que a crítica do autor é verificada em uma fala que indica
surpresa, o que se assemelha ao argumento de MK, pois parece que ele se refere ao mesmo
trecho do poema – meu Deus. Como os alunos desenvolveram pouco suas respostas, observei
que poucas vozes são orquestradas em seus discursos, o que revela um nível baixo de autoria
nessa questão.
Em seguida, os alunos foram questionados se, segundo a leitura deles, o primeiro texto
(reportagem) e este último tratam do mesmo tema e como cada um o aborda, apontando o que
eles apresentam de semelhante e de diferente. Vejamos as respostas de JV, T e U:
JV: Sim. O texto 1 aborda de forma direta e objetiva formando uma reportagem. O texto 3 por sua vez é um poema e aborda o tema visto por um espectador, não consta
entrevistas nem opiniões.
181
T: Sim, a fome é retratada nos dois textos. As duas tem a procura de alimentos, só
que uma tem aquele lugar próprio e o segundo texto tem aquela caça por comida.
Cada uma aborda de diferentes forma, o texto 1 é uma reportagem, que fala com as
pessoas que tem aquela vida. O texto 2, é retratado como poema em uma vizualização do autor para o que aconteceu com o personagem.
U: Sim, só que o texto I aborda o tema de forma que apenas transmite a reportagem
(denotativo) e no texto II é usada a linguagem conotativa que exprime o tema de forma possa se perceber o tema através de uma metáfora do “homem” retratado.
JV afirma que ambos os textos tratam de um mesmo tema, mas ele não o identifica. Na
segunda parte de sua resposta, ele se dedica a explicar como cada um abordou o tema e a
apontar as semelhanças e diferenças entre eles. O aluno modaliza seu discurso quando diz que
o texto aborda o tema de forma direta e objetiva, formando uma reportagem. Segundo ele,
então, para ser uma reportagem, é preciso que o texto apresente esses traços. A essas
características ele opõe o texto 2, que, em suas palavras, é um poema. Assim como no seu
comentário acerca do primeiro texto, percebemos que o reconhecimento do gênero discursivo
por parte de JV explicita, ainda que ele o faça de forma generalista, um conhecimento acerca
desses textos, o que pode ser considerado uma voz que ele inclui em seu discurso. Ele
reconhece no espectador a voz que narra a cena ao longo do poema, e justifica sua diferença
em relação à reportagem em termos de gênero discursivo, ao dizer, mais uma vez, que no
poema não consta entrevistas nem opiniões. Como já discuti anteriormente, essa concepção
de gênero discursivo está vinculada a uma voz, que, ao se mostrar conservadora no que diz
respeito à compreensão de fenômenos da linguagem, concebe que os textos podem ser
etiquetados e colocados em “caixinhas”, apresentando características imutáveis, quando
sabemos que eles são “tipos relativamente estáveis de enunciados”, conforme nos diz Bakhtin
(2003).
T afirma que a fome é o tema dos dois textos. Ao afirmar isso, a aluna parece buscar
uma temática comum entre os textos, quando a reportagem dedica-se de modo mais específico
à questão do trabalho infantil nos lixões. Assim, embora não explicite, ela parece relacionar o
trabalho infantil nos lixões como sendo, ao mesmo tempo, a causa e a consequência da fome e
da miséria humanas. Daí a conclusão de que apresentam um mesmo tema. Em seguida, a
aluna explica o que considerou como diferenças entre os textos, o que é marcado pela
expressão adverbial só que, a qual funciona como um modalizador que especifica uma dessas
diferenças: só que uma tem aquele lugar próprio e o segundo tem aquela caça por comida.
Os pronomes demonstrativos aquele e aquela e o adjetivo próprio modalizam os substantivos
lugar e caça, enfatizando a diferença entre a solução encontrada para a fome em um e outro
182
texto. Segundo a leitura de T, a procura por alimento narrada no poema a leva a comparar a
atitude do homem a de um animal selvagem que caça seu próprio alimento para sobreviver.
Assim como os demais colegas, a aluna também aponta como diferença o gênero discursivo
dos textos – o texto 1 é uma reportagem e o texto 2 é retratado como poema –, o que
caracteriza uma das vozes que entra em diálogo com as vozes que constituem os textos. A voz
dos que trabalham no lixão é um dos elementos comuns na composição de reportagens, o que
é reconhecido pela aluna – é uma reportagem, que fala com as pessoas que tem aquela vida.
T ainda reconhece que o texto traz o ponto de vista de uma voz acerca do que aconteceu a um
personagem, termo que revela a existência de uma outra voz em seu discurso relacionada à
literatura.
Assim como T, U afirma que ambos os textos apresentam o mesmo tema. Ao
diferenciá-los, o aluno diz que o texto 1 apenas transmite a reportagem (denotativo). Aqui,
ele demarca sua voz ao utilizar o advérbio apenas para modalizar o verbo transmitir,
parecendo mostrar que o texto é restrito a um relato da jornalista, o qual é feito com um
sentido denotativo, literal. Esse conceito, que é trazido entre parêntesis, consiste em uma voz
com a qual U dialoga ao ler o texto, assim como o faz quando explica que no texto II é usada
a linguagem conotativa e afirma que o tema é expresso através de uma metáfora do
“homem” retratado. Os termos linguagem conotativa e metáfora são conceitos que o aluno
traz de um outro lugar, de um outro discurso, configurando-se como vozes que ele evoca para
participarem de sua leitura. Notamos também que ele usa aspas na palavra homem, o que
demonstra um conflito entre duas vozes no texto: uma de que o personagem criado por
Manuel Bandeira seja um homem (no sentido de sua essência) e outra de que o personagem,
devido ao seu comportamento, já não pode mais ser considerado como um homem, mas, sim,
como um bicho (no sentido de que a sua condição o desumanizou). Percebemos, portanto, que
o aluno mobiliza outras vozes para compor o seu discurso e que, ao orquestrá-las, ele revela
um posicionamento autoral em relação ao que leu.
5.2 Parte 2: analisando as atividades de leitura E, F e G
Nesta seção, apresentarei uma análise de três das cinco atividades de leitura realizadas
com a mesma turma – alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino
Médio, no ano de 2013, em um campus do Instituto Federal de Goiás –, seguindo o mesmo
critério utilizado na primeira parte para investigar a emergência de um posicionamento autoral
nos textos decorrente da leitura dos alunos em sala de aula. Optei por dividir a análise das
183
atividades de leitura em duas partes, tendo em vista a diferença na metodologia utilizada em
sala de aula para a geração dos dados. Assim, esse desdobramento na análise revela-se como
uma forma de se obter, além do que já foi proposto nos objetivos desta pesquisa, uma visão
comparativa dos dados gerados sob condições de produção distintas, o que pode destacar
questões relevantes para este estudo.
As atividades de leitura que compõem esta segunda parte da análise foram orientadas
da seguinte maneira29
: o(s) texto(s) – objetos de leitura – era(m) entregue(s) aos alunos. Em
seguida, era realizada uma leitura deles por mim e pelos alunos, o que se dava, em um
primeiro momento, de forma silenciosa e, posteriormente, em voz alta. Depois, no papel de
professora-pesquisadora, eu orientava a discussão oral do texto com questões do roteiro
norteadas pelos objetivos da pesquisa. Encerrada a discussão, os alunos discorriam, em uma
folha específica, pautada, sobre o texto lido e comentado, orquestrando as vozes do texto e
dos colegas, e assumindo um lugar de dizer, ou seja, um posicionamento autoral acerca do
que foi lido. A solicitação da produção desse texto teve como objetivo verificar se o aluno
apenas parafraseava o que lia ou se extrapolava o que era dito pelo texto, assumindo um
posicionamento autoral.
O quadro a seguir (já apresentado no Capítulo 3 e retomado parcialmente aqui) expõe,
além da identificação e da data em que as atividades dessa segunda parte da análise foram
realizadas, a metodologia utilizada, o objeto trabalhado e os textos que foram objeto de leitura
da turma investigada. É importante dizer que, para fins de análise, foram selecionadas,
aleatoriamente, três das cinco atividades de leitura geradas num segundo momento por meio
desse instrumento de pesquisa. Sendo assim, nossa análise se concentrará, dentre as atividades
listadas abaixo, nas atividades de leitura E, F e G:
Quadro 9 – Atividades de Leitura D, E, F, G e H
Atividade Data Metodologia Objeto trabalhado Textos utilizados
D 24/06/13
Leitura, e comentários dos
alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos.
Forma de registro: gravada em áudio
Intertextualidade/Interdiscursividade.
Paródia. Gêneros discursivos: publicidade.
1) 6 publicidades da Rede Hortifruti, parodiando filmes hollywoodianos e nacionais.
E 27/08/13 Leitura, e comentários dos
Intertextualidade/Interdiscursividade.
1) Miniconto Historinha do Brasil,
29 É importante explicar que, embora as atividades de leitura constituintes dessa segunda parte da análise tenham
sido gravadas em áudio, como já informado anteriormente (inclusive no Capítulo 3 deste trabalho), essas
gravações não comporão o corpus de análise, pois foram realizadas apenas como um suporte para a geração dos dados.
184
alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos.
Forma de registro:
gravação em áudio e texto escrito.
Paródia. Ironia.
Literatura de informação (A Carta, de Pero Vaz de Caminha).
Gêneros discursivos: miniconto e crônica de viagem.
de Fernando Bonassi. 2) A Carta, de Pero
Vaz de Caminha.
F 17/09/2013
Leitura, e comentários dos
alunos, oralmente e por escrito, sobre os textos
Forma de registro: texto escrito (questão
de prova)
Intertextualidade/Interdiscursividade.
Gêneros discursivos: crônica de viagem, miniconto, charge, poema e cartaz.
1) A Carta, de Pero Vaz de Caminha.
2) Miniconto Historinha do Brasil, de Fernando Bonassi.
3) Charge disponível em:
http://mestresdahistoria.blogspot.com.br/2012/03/revisao-do-
capitulo-1-politica.html. Acesso em: 5 set. 2013.
4) Poema Carta de Pero Vaz, de Murilo
Mendes. 5) Cartaz disponível em:
http://difusoraou.dominiotemporario.com/noticia. php?
pageNum_categoria=1&totalRows_categoria=16&title=19-de-
abril-dia-do-indio-dia-do-exercito-brasileiro-e-dia-de-
santo-expedito. Acesso em: 7 set. 2013.
G 11/11/2013
Leitura e produção de um comentário sobre o texto.
Forma de registro: gravação em áudio e
texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade. Ironia.
Gêneros discursivos: canção e provérbios, ditos populares.
1) Canção Bom Conselho, de Chico Buarque.
2) Provérbios, ditos populares.
H 26/11/2013
Leitura e comentários dos alunos, oralmente
e por escrito, sobre os textos.
Forma de registro: gravação em áudio e texto escrito.
Intertextualidade/Interdiscursividade.
Gêneros discursivos: crônica e narrativa bíblica.
1) Crônica A primeira pedra, de
Luís Fernando Veríssimo, publicada no Estado de S.Paulo,
em 29 de março de 2012.
2) Narrativa bíblica.
I 04/12/2013
Leitura e comentários dos alunos, oralmente
e por escrito, sobre os textos.
Intertextualidade/Interdiscursividade.
Gêneros discursivos: poema e canção.
1) Trecho de Cartas Chilenas, de Tomás
Antônio Gonzaga.
185
Forma de registro: texto escrito (questão
de prova).
2) Música Pega ladrão, de Gabriel, o Pensador.
Fonte: Elaborado pela autora.
Como se pode conferir no quadro acima, para a atividade de leitura E, selecionei cinco
textos: A Carta, de Pero Vaz de Caminha, escrita em 1.500 e considerada a certidão de
nascimento do nosso país, a qual também compunha os conteúdos a serem estudados na
disciplina; o miniconto Historinha do Brasil, extraído da obra Passaporte, do escritor,
roteirista, dramaturgo e cineasta paulista Fernando Bonassi, publicada em 2001; o poema
Carta de Pero Vaz, escrito pelo poeta Murilo Mendes e publicado em 1932 na obra História
do Brasil, que também estabelece uma relação parodística com o documento escrito por
Caminha; uma charge extraída da internet, mas originalmente publicada no livro História do
Brasil para principiantes, de Carlos Eduardo Novaes e César Lobo, em 2005, a qual
apresenta uma sátira à exploração do território brasileiro pelos portugueses, fazendo alusão
aos primeiros contatos entre índios e portugueses, o que também possibilita estabelecer um
diálogo com A Carta, de Caminha; e, por fim, um cartaz em comemoração ao Dia do Índio
também extraído da internet, que afirma serem eles “a essência do povo brasileiro” e exalta a
sua cultura, apresentando uma relação com alguns trechos de A Carta. Por estabelecerem um
diálogo com o texto-base – A Carta, de Pero Vaz de Caminha –, os textos permitem a nós,
leitores, relacioná-los entre si.
Na atividade de leitura F, propus aos alunos a leitura da canção Bom Conselho, escrita
por Chico Buarque, em 1972, especialmente para o filme Quando o carnaval chegar, de Cacá
Diegues. A letra da canção faz referência à época da ditadura militar – período em que as
pessoas viviam sob constante ameaça, sobressaltadas em razão da repressão imposta à
liberdade de expressão e pensamento – e convida a população a seguir os conselhos do
enunciador, construídos, intencionalmente, com uma estrutura e sentido opostos ao que diz a
tradição popular em seus ditos e provérbios. Assim, a leitura da obra de Chico Buarque nos
faz refletir sobre o sentido que esses discursos podem adquirir sob outras condições de
produção e de recepção.
Durante a atividade de leitura G, os alunos leram e discutiram a crônica A primeira
pedra, de Luís Fernando Veríssimo, publicada em março de 2012, no jornal Estado de S.
Paulo, próximo ao período em que os ministros do Supremo Tribunal Federal definiam uma
data para o julgamento dos réus do Mensalão – esquema de compra de votos de parlamentares
deflagrado no primeiro mandato do governo de Luís Inácio Lula da Silva e que veio à tona
186
com a denúncia do deputado Roberto Jefferson (PTB), também envolvido no caso. Em seu
texto, Veríssimo faz alusão a toda essa situação utilizando um trecho da Bíblia que narra um
episódio em que Jesus intervém no julgamento, feito por um grupo de fariseus, de uma
mulher que teria cometido o crime de adultério, sendo condenada ao apedrejamento. Assim, o
escritor acaba parodiando o texto bíblico e ressignificando-o ao interpretá-lo em
circunstâncias atuais.
No Apêndice B deste trabalho, há uma reprodução dos textos que constituíram esse
segundo bloco de atividades, com as questões que compuseram o roteiro que orientou a
discussão dos textos em sala de aula e os comentários dos alunos acerca deles. Ao final da
discussão guiada por mim, os alunos deveriam produzir um pequeno texto, comentando a sua
leitura.
5.2.1 Atividade de leitura E: lendo provérbios em uma canção
Durante a atividade de leitura E, propus a um grupo de 25 alunos a leitura da canção
Bom Conselho, produzida pelo escritor, compositor e cantor Chico Buarque. Após uma leitura
silenciosa e outra em voz alta, ouvimos a canção interpretada por Ney Matogrosso. A escolha
por essa versão se deu por ela ser mais moderna e com uma qualidade melhor de gravação, o
que facilitaria a reprodução em sala de aula. Quanto ao texto, ele foi selecionado tendo em
vista o diálogo que estabelece, principalmente, com um acontecimento marcante na história
do nosso país – o Regime Militar (1964-1984) – e com provérbios, ditos populares, ou seja,
com uma tradição popular de transmissão de um ensinamento ou regra social ou moral por
meio de frases curtas que os expressam de maneira figurativa.
Após ler e ouvir a canção, levantei algumas questões para que os alunos refletissem e
discutissem oralmente sobre o texto, em círculo, compartilhando suas leituras. Como já disse
anteriormente, essas questões foram baseadas em um roteiro semelhante ao que fora utilizado
na primeira parte da geração das atividades de leitura, apresentando alterações em decorrência
do gênero discursivo ou de algum aspecto particular do texto, como se pode conferir no
Apêndice B.
Em decorrência da quantidade de textos dos alunos e da extensão do texto que ora se
apresenta ao leitor, optei por efetuar um recorte, selecionando apenas dois comentários que
resultaram dessa atividade de leitura. A fim de verificar a emergência de um posicionamento
autoral dos alunos durante suas leituras e de revelar como esse posicionamento pode ser
recuperado em seus discursos, apresento, a seguir, uma análise dos comentários que
187
demonstram “níveis” de autoria distintos, isto é, enquanto em um deles se observa um maior
posicionamento autoral do aluno em relação ao que leu, no outro, esse índice de
posicionamento autoral é menor. Vejamos, inicialmente, o comentário de PH:
PH: A música “Bom Conselho” de Chico Buarque, feita em 1972, faz uma crítica em relação ao tempo da ditadura, onde vários compositores foram exilados, devido
às músicas compostas por eles, e que foram censuradas pelo simples motivo de que
elas falavam mal do governo e da ditadura em si. Chico Buarque compôs esta
música, utilizando alguns ditados populares e inversões de sentidos, justamente, para fazer uma crítica, mas para o governo era simplesmente uma música humorística,
em que o autor inverte palavras e sentidos para provocar humor; uso de provérbios.
Como diz o título, Chico Buarque, por meio da música, aconselha as pessoas que
sofrem com a ditadura, a começar a ter atitude, a começar a dar importância ao tempo, a lutarem pelos seus direitos. Por exemplo: “Inutil dormir que a dor não
passa”. A pessoa quando dorme, ela se recupera dos males que lhe afringe, mas não
tem efeito sobre aqueles que sofrem com a ditadura e não tem a atitude de reagir.
“Devagar é que não se vai longe”. Ele quis dizer que, quem não tem coragem, quem não se importa com o tempo, não alcança seus objetivos.
Para compor seu enunciado, PH promove um diálogo entre diversas vozes, como a de
Chico Buarque, a do enunciador da canção, a da tradição popular e a da História. Para isso,
ele utiliza diversos recursos linguísticos, como verbos dicendi, vários tipos de modalizadores,
aspas, paráfrase e o metadiscurso, os quais revelam um leitor que orquestra diferentes vozes
ao ler um texto, assumindo, a partir dessa ação, um posicionamento autoral em relação à
leitura realizada.
Os verbos dicendi, por exemplo, aparecem principalmente em trechos em que PH
retoma a voz de Chico Buarque, como em A música “Bom Conselho” de Chico Buarque [...]
faz uma crítica e [...] Chico Buarque, por meio da música, aconselha as pessoas que sofrem
com a ditadura. A escolha desses verbos revela o modo como o aluno compreendeu a canção
e a intenção do compositor ao escrevê-la: aconselhar, mas também criticar as condições
políticas e sociais sob as quais ela foi escrita. Na realidade, o que se pode dizer é que são
críticas apresentadas como supostos conselhos por um enunciador.
No seu comentário, PH modaliza seu dizer em muitos momentos, como, por exemplo,
quando traz a voz da História em A música “Bom Conselho” de Chico Buarque, feita em
1972, faz uma crítica em relação ao tempo da ditadura, onde vários compositores foram
exilados, devido às músicas compostas por eles, e que foram censuradas pelo simples motivo
de que elas falavam mal do governo e da ditadura em si. O aluno marca seu território
discursivo ao utilizar o adjetivo simples para modalizar o substantivo motivo, deixando claro
para seu leitor o que pensa acerca da censura imposta a muitos artistas durante o período
188
ditatorial no Brasil. Em sua perspectiva, portanto, falar mal do governo e da ditadura não
eram motivos suficientes para que esses artistas fossem exilados e censurados.
No trecho, Chico Buarque compôs esta música, utilizando alguns ditados populares e
inversões de sentidos, justamente, para fazer uma crítica, mas para o governo era
simplesmente uma música humorística, em que o autor inverte palavras e sentidos para
provocar humor; uso de provérbios, PH utiliza advérbios para modalizar seu discurso. Esses
modalizadores demonstram a leitura do aluno acerca das circunstâncias históricas de produção
e recepção da canção e da motivação do compositor para escrevê-la. Por meio deles, ele expõe
sua compreensão de que o discurso de Chico Buarque não era tão ingênuo quanto deveria
parecer aos ouvidos do governo, o que também é marcado pelo uso do operador
argumentativo mas. Aqui, duas vozes se contrapõem na voz do aluno: a voz do compositor e a
suposta voz do governo. Ainda nesse excerto, PH utiliza orações intercaladas, como nos
trechos utilizando alguns ditados populares e inversões de sentidos e em que o autor inverte
palavras e sentidos para provocar humor, que funcionam como uma estratégia
metadiscursiva pela qual o aluno tenta esclarecer ao seu leitor alguma afirmação feita
anteriormente. No primeiro caso, ele explica como Chico Buarque compôs a canção e, no
segundo, porque, em sua perspectiva, o governo poderia considerar a canção como uma
música humorística.
PH retoma, em seu discurso, a voz do enunciador da canção, demarcada por meio de
aspas, como em “Inútil dormir que a dor não passa” e “Devagar é que não se vai longe”. O
aluno faz referência a esses trechos da canção para explicar o sentido construído por ele dos
provérbios populares no contexto da canção. Em relação ao primeiro provérbio, quando expõe
o que compreendeu da canção, o aluno retoma, na forma de uma paráfrase, o provérbio
original (ou seja, a voz da tradição popular) – a pessoa quando dorme, ela se recupera dos
males que lhe aflige – para explicar o sentido que este adquire, ao ser invertido, na canção de
Chico Buarque – mas não tem efeito sobre aqueles que sofrem com a ditadura e não tem a
atitude de reagir. No caso do segundo provérbio – “Devagar é que se vai longe” –, o aluno
traz a voz do enunciador por meio de um verbo dicendi – Ele quis dizer que, quem não tem
coragem, quem não se importa com o tempo, não alcança seus objetivos – e explica, com
uma interpretação mais geral, não tão relacionada às condições de produção da canção, o
sentido construído por ele do provérbio depois de “invertido”. Sendo assim, a voz do leitor é
marcada no discurso quando orquestra as demais que passam a constituí-lo, o que leva à
emergência de um posicionamento autoral do aluno no papel de leitor.
189
Dando sequência à análise de comentários produzidos por alunos ingressantes no
curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus do
Instituto Federal de Goiás, com a finalidade de investigar a emergência de um posicionamento
autoral em práticas de leitura em sala de aula e de identificar como ele se manifesta,
discutirei, agora, o seguinte comentário do aluno Y:
Y: O autor do texto da um “Bom conselho” de você se arriscar não ter medo de
derrotas e sempre pensar positivo, como se ele dissece “quem não arrisca não
petisca”, na parte em que ele fala “aja 2 vezes antes de pensar” está indo em controversia ao dito popular “pense 2 vezes antes de agir”, ele consegue passar essa
sensação claramente. Ele consegue tal façanha, graças ao uso de recursos de
linguagem como, expressoes, e formas de escrever, sem pausas, o que causa uma
sensação de algo frenetico. O autor fala de uma forma como se ele consegui-se ser bem sucedido, com tal forma de ser. Como se ele já tivesse vivido muito, e com toda
essa experiência, chegasse a clonclusão que é assim que deve agir, assim que deve
ser. Em minha opnião ele pode estar certo e ao mesmo tempo não. Para uma pessoa
colocar isso em pratica ela tem que, estar preparada para derrotar, preparada para perder. Na parte em que ele diz “Brinque com meu fogo. Venha-se queimar” ele
deica claro que seguindo esse modo de ser você pode se “queimar”.
Numa primeira leitura do enunciado de Y, observamos que o aluno utiliza vários
recursos linguísticos para marcar as vozes do enunciador da canção, da tradição popular e a
sua própria, como o uso de aspas – “aja duas vezes antes de pensar” e “pense duas vezes
antes de agir” –, de verbos dicendi – O autor do texto dá um “Bom conselho” e Na parte em
que ele diz “Brinque com meu fogo. Venha se queimar” – e de modalizadores – ele consegue
passar essa sensação claramente e Em minha opinião ele pode estar certo e ao mesmo
tempo não.
O que uma nova leitura do texto de Y revela, no entanto, é que, provavelmente, por
desconhecer as condições de produção da canção (o que infiro da leitura do comentário), ele
tem dificuldades de construir um sentido possível para o que lê. Consequentemente, o aluno,
apesar de utilizar diversos recursos linguísticos em seu texto (muitos dos quais apontei no
parágrafo anterior), não consegue articular as vozes do texto às suas vozes, as quais
apresentam uma disjunção em termos de sentido, não permitindo a ele falar em um discurso a
que seja possível atribuir uma unidade de sentido. Uma compreensão responsiva ativa remete
à emergência de um posicionamento autoral. Assim, se o leitor não interage, no sentido
bakhtiniano, com o texto que lê, não conseguirá assumir uma posição autoral, ou seja, não
haverá uma orquestração de vozes por parte do leitor.
Compreendo, então, que o primeiro passo para que os alunos assumam uma posição
autoral em relação ao que leem é nós, professores, lhes proporcionarmos momentos de
190
reflexão acerca das práticas de leitura em sala de aula, de modo a aprimorar suas habilidades e
competências para realizar uma leitura proficiente, ao mesmo tempo em que os estimulamos,
progressivamente, a dialogar com outras vozes durante a leitura de um texto. Assumir um
posicionamento autoral ao ler um texto é uma ação que deve ser estimulada, pensada,
discutida e aprendida especialmente em sala de aula, não apenas nas aulas de Língua
Portuguesa, mas sobretudo nessa disciplina.
5.2.2 Atividade de leitura F: lendo política e religião em uma crônica
O texto proposto nessa atividade de leitura foi a crônica A primeira pedra, de Luís
Fernando Veríssimo, publicada no jornal Estado de S. Paulo, em março de 2012. Estavam
presentes nessa aula 21 alunos, os quais fizeram, inicialmente, uma leitura silenciosa do texto
e, em seguida, uma leitura em voz alta. Posteriormente, baseada em um roteiro norteador
(Apêndice B), levantei algumas questões acerca do texto para que fossem debatidas
coletivamente. É importante dizer que não apenas durante essa atividade, mas também em
outras, os alunos as responderam e ainda fizeram perguntas, as quais eram pensadas e
discutidas em conjunto. Ao final, eles elaboraram um pequeno texto comentando a leitura
realizada, critério que foi seguido em todas as atividades dessa segunda parte da análise.
A escolha do texto deve-se ao fato de, assim como no caso das atividades anteriores,
ser um texto em que há um diálogo mais ou menos explícito entre uma narrativa bíblica e um
acontecimento atual – o julgamento do mensalão. A escolha se deu também por se tratar de
um enunciado um pouco mais complexo que os anteriores – o que exigiria mais dos alunos –,
pois há um interdiscurso no discurso de Veríssimo que exige um maior conhecimento do
leitor para que seja identificado, levando à construção do sentido do que é lido.
Como foi feito na análise anterior, aqui também realizei um recorte, selecionando
apenas dois comentários resultantes dessa atividade de leitura, nos quais verificarei a
emergência de um posicionamento autoral dos alunos durante suas leituras e como esse
posicionamento pode ser recuperado em seus discursos. A fim de seguir um mesmo critério de
análise, os dois comentários a seguir apresentam “níveis” de autoria também distintos, a fim
de demonstrar, de modo representativo, como os alunos interagiram (leram) com o texto
proposto. O primeiro texto que será analisado é o de VP, reproduzido abaixo:
VP: Nesse texto o autor usa uma ambiguidade no contexto, pois ele conta uma
história bíblica, mas criticando o mensalão, fazendo com que os corruptos sejam os
fariseus e a mulher o povo, ou seja, os políticos nos apedrejam, por nos roubar. Ele
191
usa falas de políticos, no caso, de Roberto Jefferson, que desmascarou os corruptos: “Não só não sou corrupto como sempre combati a corrupção”. Nessa fábula ele cria
uma lição de moral ao falar que evitem a hipocrisia e o moralismo relativo, dito por
Jesus, que no caso é o supremo tribunal, e isso vale tanto hoje em dia, quanto
naquela época. O uso da história da Bíblia, para se referir aos políticos, é impressionante, por julgar o mensalão e isso se parece aos textos de Chico Buarque,
por ele não se referir diretamente ao contexto. O mensalão existia a muito tempo e
isso tem semelhança ao caso da história ter um contexto antigo, por ser uma história
da Bíblia. O mundo, ou melhor, o Brasil é no papel a mulher que sofre com isso (o mensalão e o apedrejamento). A hipocrisia (falsidade) e o moralismo relativo (lição
de moral relativa) são a lição de moral e no final a política partidária e um visão no
futuro, que um dia, isso vai acabar.
É possível identificar no enunciado de VP diversos indícios de autoria, por meio de
marcas como verbos dicendi, uso de aspas, modalizadores e metadiscurso. Esses indícios de
autoria revelam uma orquestração de vozes que passam a compor o discurso do aluno quando
ele se dispõe a expor, na forma de um texto, a sua leitura da crônica de Veríssimo discutida
em sala de aula. Ao orquestrar essas vozes, ele marca o seu território discursivo em relação a
essas vozes, revelando uma posição autoral como leitor.
No início de seu comentário, ele afirma: Nesse texto o autor usa uma ambiguidade no
contexto, pois ele conta uma história bíblica, mas criticando o mensalão, fazendo com que os
corruptos sejam os fariseus e a mulher o povo. Num primeiro momento, observamos o uso
dos verbos dicendi pelo aluno para retomar a voz do enunciador do texto, como usa uma
ambiguidade, conta e criticando, o que demonstra a leitura de VP das ações discursivas do
narrador. Ao recuperar o conceito ambiguidade, o aluno traz a voz da semântica e da
pragmática – que estuda a construção do sentido das palavras e enunciados, ainda que em
níveis diferentes –, conhecimento provavelmente adquirido em livros e em sala de aula. É
interessante que VP compreende o diálogo estabelecido entre os dois discursos que
constituem principalmente a crônica como uma ambiguidade no contexto, o que ele explica
logo em seguida, utilizando, inclusive, um marcador metadiscursivo (ou seja): pois ele conta
uma história bíblica, mas criticando o mensalão, fazendo com que os corruptos sejam os
fariseus e a mulher o povo, ou seja, os políticos nos apedrejam, por nos roubar. Ao promover
um diálogo entre essas vozes, VP constrói um sentido para o que lê, articulando-as a fim de
demarcar a sua.
VP retoma, ainda, por meio de um verbo dicendi – usa falas –, a voz do narrador,
quando diz: Ele usa falas de políticos, no caso, de Roberto Jefferson, que desmascarou os
corruptos: “Não só não sou corrupto como sempre combati a corrupção”. Nesse mesmo
excerto, o aluno usa aspas para fazer uma citação direta, extraída do texto, a qual remete à voz
de um dos personagens da crônica, que ele compreende como sendo o deputado Roberto
192
Jefferson. Embora isso não esteja dito explicitamente no texto de Veríssimo, essa foi a
hipótese a que chegamos em nossa leitura em sala de aula, o que nos faz perceber que o aluno,
nesse caso, refere-se a uma voz coletiva – dele, minha e dos colegas – produzida durante a
discussão realizada previamente.
É interessante observar como VP vai construindo sentido para sua leitura, trazendo
outras vozes possivelmente de experiências de leitura em sala de aula ou mesmo fora dela,
como em Nessa fábula ele cria uma lição de moral ao falar que evitem a hipocrisia e o
moralismo relativo, dito por Jesus, que no caso é o supremo tribunal, e isso vale tanto hoje
em dia, quanto naquela época. Nesse trecho, o aluno referencia o texto como sendo uma
fábula, pois ele cria uma lição de moral. Ele relaciona o conhecimento adquirido de que uma
fábula deve trazer um ensinamento ou preceito moral (voz) – o que caracteriza uma voz no
seu discurso – com o fato de o texto apresentar uma lição de moral. A voz de Jesus é
retomada em seu discurso para citar, de forma indireta, esse ensinamento. O aluno introduz,
ainda, como uma estratégia metadiscursiva, uma oração intercalada – que no caso é o
supremo tribunal –, na qual deixa sua voz evidente, a fim de esclarecer para o leitor o sentido
que ele constrói para o que lê.
Há outros trechos em que a voz do aluno é mais evidenciada: quando ele qualifica o
interdiscurso que constitui o discurso do narrador por meio de um adjetivo que modaliza seu
dizer, expressando sua percepção sobre o texto – O uso da história da Bíblia, para se referir
aos políticos, é impressionante, e quando compara o comportamento de Veríssimo ao de
Chico Buarque, o que demonstra por meio de um verbo que modaliza o enunciado e de uma
oração explicativa que justifica sua comparação – isso se parece aos textos de Chico Buarque,
por ele não se referir diretamente ao contexto. Essa referência ao modo como Chico Buarque
se expressa em suas canções também retoma uma voz que enuncia esse traço na produção do
compositor, especialmente durante o Regime Militar no Brasil.
No final de seu texto, VP utiliza diversas estratégias metadiscursivas que também
marcam a sua voz no discurso, como o uso de expressões explicativas (ou melhor) que
reorientam o seu dizer – O mundo, ou melhor, o Brasil é no papel a mulher que sofre com
isso (o mensalão e o apedrejamento) –; de parênteses com expressões anafóricas, como é o
caso presente no trecho que acabei de citar; e de palavras sinônimas que funcionam como uma
estratégia para facilitar a compreensão do leitor – A hipocrisia (falsidade) e o moralismo
relativo (lição de moral relativa) são a lição de moral.
Percebemos, portanto, que VP assume um posicionamento autoral ao ler o texto
proposto, pois, como demonstrei, ele orquestra as vozes que compõem o texto e as que o
193
constituem a fim de construir um sentido para o que lê. Fica claro que o aluno interage com
essas vozes durante a prática de leitura e marca seu território discursivo, seu lugar de dizer em
relação a essas vozes.
Analisemos, agora, o enunciado de K, produzido a partir da sua leitura da mesma
crônica:
K: A cronica “A primeira pedra” fala sobre varios assuntos sobre uma mulher que
cometeu um crime que era previsto nas leis das antiguidades, que é o adulterio, os
fariseus levaram ela até Jesus querendo crucifica-la com apedrejamento como mandava a lei de Moisés. Jesus avisou a eles “atire a primeira pedra quem estiver
sem pecado, mais como todos já haviam cometido pecado a vida da mulher que
cometeu o adultério foi salva. Depois disto Jesus foi falar com cada um dos fariseus
para saber um pouco sobre o porque dos pecadores (fariseus) queriam apedreja-la. O primeiro fariseu cometeu um adulterio como a mulher, mais queria apedreja-la antes
de reconhecer seu próprio erro que foi como o dela. O segundo fariseu que queria
apedreja-la já tinha desviado 10% do rebanho de cordeiro outro pecado grave. Já o
terceiro acha que não tem nenhum pecado porque combateu a corrupção, mais foi o primeiro a combater a propina. Foi o primeiro a receber a propina e não reconheceu
o erro. No final do texto falam sobre o esquema do mensalão que foi um erro um
crime bem grande pois receberão dinheiro para aprovar leis, que poderiam
prejudicar a sociedade e varios outros tipos de leis.
O comentário de K, como podemos observar, consiste em uma paráfrase do texto lido,
ou seja, o aluno apenas escreveu, com outras palavras, o que leu na crônica, revelando, em
raros momentos, marcas de uma orquestração de vozes, como o uso do verbo dicendi fala, em
A crônica “A primeira pedra” fala sobre vários assuntos; de aspas, para fazer referência, na
forma de uma citação direta, à voz de Jesus no texto de Veríssimo, em “atire a primeira
pedra quem estiver sem pecado” (o aluno não fecha as aspas em seu texto); e do
metadiscurso, quando utiliza, entre parênteses, o termo fariseu como sinônimo de pecadores,
em Depois disto Jesus foi falar com cada um dos fariseus para saber um pouco sobre o
porque dos pecadores (fariseus) queriam apedreja-la.
No fim do seu enunciado, K faz referência ao mensalão, mas como mais um fato
narrado na crônica, sem apontar qualquer relação entre os textos. Desse modo, percebemos
que o aluno não consegue compreender a intenção comunicativa de Veríssimo e o
interdiscurso que constitui o seu discurso, e faz apenas uma paráfrase do que leu, sem
articular as vozes que fundam o texto. Logo, K interage com o texto em um nível superficial,
não apresentando uma posição autoral ao ler a crônica.
Esse comportamento leitor parece ser muito comum nas escolas devido à tendência de
muitos professores – seja em decorrência de uma má formação, seja por falta de interesse,
motivação ou tempo, por exemplo – de se preocupar mais com as informações que se
194
encontram na superfície textual durante uma prática de leitura em sala de aula, não investindo
ou investindo pouco tempo e leitura para levar os alunos a “mergulharem” na teia discursiva
que constitui um texto, seja ele qual for. A aprendizagem de Língua Portuguesa exige um
trabalho com a leitura que leve o aluno a refletir sobre o que é ler e como se deve ler. Ler é
movimentar experiências de leituras anteriores e futuras, articulando-as com as do presente,
assumindo um lugar de dizer, uma posição discursiva, enfim, uma posição autoral em relação
à palavra do Outro.
5.2.3 Atividade de leitura G: lendo o Descobrimento do Brasil em textos diversos
A última atividade de leitura que analisarei foi baseada em um conjunto de cinco
textos, dentre os quais os 29 alunos presentes deveriam escolher três para produzir seu
comentário. Além dessa particularidade em relação às atividades anteriores, essa atividade
apresentou outra: ela compôs uma questão de prova do terceiro bimestre letivo. Dois dos
cinco textos que compuseram a questão foram lidos e debatidos em sala de aula: A Carta, de
Pero Vaz de Caminha, e Historinha do Brasil, um miniconto de Fernando Bonassi. No caso
do primeiro texto, foi solicitado que eles o lessem em casa e trouxessem seus comentários
para que lêssemos trechos e discutíssemos em sala. Quanto ao segundo texto, foi lido na
íntegra em sala de aula e, posteriormente, discutido com base em um roteiro elaborado
previamente, como foi feito nas outras atividades de leitura, procurando estabelecer, ainda,
um diálogo entre o miniconto de Bonassi e o documento de Caminha. Os outros três textos
propostos – uma charge, um cartaz e o poema Carta de Pero Vaz, de Murilo Mendes – seriam
novos (aparecendo apenas na prova) e os alunos deveriam lê-los e escolher um deles para
responderem à seguinte questão:
Em seu livro Passaporte, Fernando Bonassi publicou diversos minicontos, dentre eles, o texto a seguir
discutido em aula. Releia-o e comente-o em, no mínimo, 15 e, no máximo, 30 linhas. Para isso, você deverá relacionar o que foi estudado nas aulas neste bimestre e a sua leitura do texto de Bonassi à
leitura de um dos textos abaixo (escolha entre o Texto 1, o Texto 2 ou o Texto 3).
A escolha dos textos decorreu da verificação de um diálogo entre eles em relação à
temática do descobrimento do Brasil. Cada um foi escrito conforme o gênero discursivo, a
finalidade comunicativa, as condições de produção, a linguagem etc., tendo como base A
Carta, de Pero Vaz de Caminha. O fato de ter de relacionar três textos exigiria, em meu ponto
de vista, mais dos alunos, por se tratar de um número maior de textos a serem relacionados
195
(três, e não um ou dois) e porque os alunos não contavam com uma cópia da carta durante a
prova.
Como se verá, novamente realizei um recorte, selecionando apenas dois comentários
resultantes dessa atividade de leitura, nos quais verificarei a emergência de um
posicionamento autoral dos alunos durante a leitura dos textos e como esse posicionamento
pode ser recuperado em seus discursos. Mais uma vez, os dois comentários a seguir
apresentam “níveis” de autoria distintos, e demonstram, por meio de exemplos, como os
alunos interagiram com (leram) o texto proposto. O primeiro texto que será analisado é o de
JV, reproduzido abaixo:
JV: O texto de Bonassi é escrito para fazer uma crítica em relação a vinda dos
portugueses ao Brasil. Bonassi critica a forma de como nasceram as povoações dos
ameríndios. A charge demonstrada no texto 1 traz indicios dessa crítica, pois é demonstrada uma subordinação do indio em relação ao portugues jesuíta. Os índios
pelos relatos contados foram muito amistosos na recepção portuguesa, aceitando em
sua maioria as imposições portuguesas que eram impor uma “educação” e a
catequização dos ameríndios com a religião cristã (católica), por meio das Companhias de Jesus (jesuítas). Presente na carta de Caminha. A carta de Caminha
ao contrário do texto de Bonassi, entra no critério da literatura de informação que
objetivava as informações da terra descoberta, exaltando as belezas da terra e
enviando informações para o rei de Portugal. Voltando a charge, podemos observar que o portugues ali demonstrado como jesuíta, tem o objetivo de catequizar o índio
lhe oferecendo uma cruz como “presente de sua terrinha”, e o índio demonstrado
com pontos de interrogações, ou seja sem entender o significado daquele objeto.
Fazendo referência ao texto de Bonassi onde diz “que nascem minúsculas comunidades [...] cheias de fome e burrice para todos os lados”.
Em seu enunciado, JV retoma diversas vozes – de Bonassi, de Caminha, da literatura,
do chargista e a sua própria –, as quais orquestra a fim de revelar um posicionamento autoral
em seu discurso. Para isso, ele utiliza diversos recursos linguísticos, como verbos dicendi,
metadiscurso, modalizadores e aspas.
O aluno utiliza verbos dicendi quando recupera a voz de Bonassi – Bonassi critica a
forma como nasceram as povoações dos ameríndios – e a voz do chargista – A charge
demonstrada no texto 1 traz indicios dessa crítica –, as quais expressam a leitura que JV faz
dos textos, ou seja, segundo ele, ambos teriam como objetivo a crítica ao relato original de A
Carta. Para o aluno, a charge traz indícios da mesma crítica feita por Bonassi, o que fica claro
pelo uso do pronome anafórico essa. A voz de Caminha é evocada por meio do discurso
indireto quando o aluno faz referência a um trecho de A Carta, em Os índios pelos relatos
contados foram muito amistosos na recepção portuguesa, aceitando em sua maioria as
imposições portuguesas que eram impor uma “educação” e a catequização dos ameríndios
com a religião cristã (católica), por meio das Companhias de Jesus (jesuítas). Nesse trecho, a
196
voz de Caminha conflita com a de JV, pois, ao mesmo tempo em que encontramos partes em
que ele praticamente parafraseia A Carta, ele marca o seu território discursivo por meio da
oração intercalada pelos relatos contados, que revela um afastamento de JV em relação ao
que enuncia no momento; e de modalizadores, como aceitando em sua maioria as imposições
portuguesas que eram impor uma “educação”. As aspas na palavra educação são utilizadas
pelo aluno para provocar um efeito de ironia, o que revela uma voz crítica, que questiona
outra voz relacionada aos objetivos relatados por Caminha em A Carta. Além disso, as
expressões entre parênteses são uma estratégia metadiscursiva para tornar mais claro para o
leitor o que significa religião cristã e Companhia de Jesus no contexto de A Carta.
JV lança mão do metadiscurso também em outros momentos ao longo do seu
comentário, o que revela marcas de sua voz no interior do discurso, por exemplo, quando ele
orienta o leitor que tornará a abordar a charge no trecho iniciado por Voltando à charge, e
quando introduz um esclarecimento ao leitor, revelando a sua leitura da charge, por meio da
expressão explicativa ou seja em e o índio demonstrado com pontos de interrogações, ou
seja, sem entender o significado daquele objeto.
O aluno também traz a voz da literatura, ou melhor, de aulas, livros didáticos ou outros
materiais que tenham abordado A Carta na esfera literária, o que podemos perceber pela
linguagem utilizada e pelas informações a que JV se refere para tratar o documento em seu
texto, como podemos verificar em A carta de Caminha ao contrário do texto de Bonassi,
entra no critério da literatura de informação que objetivava as informações da terra
descoberta, exaltando as belezas da terra e enviando informações para o rei de Portugal.
JV utiliza alguns modalizadores que evidenciam seu ponto de vista em relação a partes
dos textos que leu, como quando recupera a voz do chargista em A charge demonstrada no
texto 1 traz indícios dessa crítica, pois é demonstrada uma subordinação do índio em relação
ao português jesuíta. O aluno marca sua voz ao mostrar sua compreensão da relação entre o
índio e o português “demonstrada” na charge como uma relação de subordinação do primeiro
ao último. O aluno também modaliza o seu dizer quando aponta uma diferença entre A Carta
de Caminha e o miniconto de Bonassi em A carta de Caminha ao contrário do texto de
Bonassi, entra no critério da literatura de informação.
Por fim, ele utiliza as aspas como forma de marcar a voz do personagem da charge em
podemos observar que o português ali demonstrado como jesuíta, tem o objetivo de
catequizar o índio lhe oferecendo uma cruz como “presente de sua terrinha”, e do
enunciador do miniconto de Bonassi em Fazendo referência ao texto de Bonassi onde diz
“que nascem minúsculas comunidades [...] cheias de fome e burrice para todos os lados”.
197
Esses trechos entre aspas são citações diretas que demarcam outros discursos que compõem o
discurso do aluno.
Tendo em vista o que foi discutido acima, verificamos que, ao orquestrar as distintas
vozes que constituem os diversos textos lidos, JV revela uma posição autoral em relação ao
que leu, construindo sentido durante sua prática de leitura. Há, portanto, uma interação entre
essas vozes e as vozes desse leitor, a qual demarca seu território discursivo em relação a elas.
Analisemos, agora, o comentário de LG feito a partir da leitura dos textos propostos:
LG: No texto “Historinha do Brasil” conta como que era os indios (amerindios), conta que era um povo de sangue bom (calmos), que andava com as vergonhas de
fora (que andava pelados). Conta tambem que eles procurava no alem-mar, outro
paraíso que confortem os índios, mas acho que aqui era um paraíso, fala tambem que
no Brasil era o unico lugar onde havia bananas, e no Documento “A carta de Caminha” diz que a banana era uma fruta boa mas se comesse muito, passava mau
(tinha febre). Ja no Documento, diz com detalhes como foi a chegada dos
portugueses, diz que os portugueses chegaram, e os indios foram logo conhecer, mas
como muita calma, e que os indios gostavam de comer inhame, mas os portugueses nao conhecia o que era inhame. quando os portugueses se instalarao, foram logo
ensinar seus costumes, mas os indios não entendia, como mostra a charge, mas os
portugueses ensinaram com muito custo. A relação da carta, da historinha do Brasil
e da charge era que os indios não entendia nada do que os portugueses falavam, pos era algo novo para os indios.
Em seu comentário, LG, assim como nos comentários analisados anteriormente como
tendo um baixo índice de autoria, revela o uso de alguns recursos linguísticos para demarcar
sua própria voz na paráfrase que faz dos textos, numa tentativa de estabelecer um diálogo
entre eles. O aluno utiliza, por exemplo, o metadiscurso, ao colocar entre parênteses
expressões equivalentes em termos de sentido em No texto “Historinha do Brasil” conta
como que era os índios (ameríndios), conta que era um povo de sangue bom (calmos), que
andava com as vergonhas de fora (que andava pelados); ou que especificam o sentido de um
enunciado em no Documento “A carta de Caminha” diz que a banana era uma fruta boa mas
se comesse muito, passava mau (tinha febre).
O metadiscurso também aparece quando LG parece fazer uma observação em relação
a uma afirmação retomada do miniconto de Bonassi (o que está em destaque no trecho a
seguir), ficando claro o limite entre o seu dizer e o do enunciador do miniconto: Conta
também que eles procuravam no além-mar, outro paraíso que confortem os índios, mas acho
que aqui era um paraíso. Ele modaliza seu dizer a fim de marcar, ainda, a sua voz no texto,
por meio de adjetivos e locuções adverbiais, como podemos comprovar, respectivamente, nos
seguintes trechos: mas os portugueses ensinaram com muito custo e Já no Documento, diz
198
com detalhes como foi a chegada dos portugueses. Ambos os enunciados revelam uma
interpretação de LG em relação aos textos.
O que verificamos no comentário de LG é que há uma tentativa, como já disse, de
assumir um posicionamento em relação aos textos. No entanto, apesar do uso de alguns
recursos linguísticos, ele interage apenas até certo ponto, desconsiderando toda a arena
discursiva que se instaura diante de seus olhos. Assim, quando ele retoma os textos em seu
discurso, o faz apenas parafraseando partes do que leu. Ele parece fazer uma análise
comparativa de conteúdo, buscando identificar se o que um texto diz é encontrado em outro.
Logo, LG parece representar um grupo de alunos distintos dos que vimos anteriormente, pois
se caracteriza como um leitor que parece saber que precisa “sair do lugar”, “movimentar” o
texto para construir sentido durante a leitura, mas que, por motivos diversos, apresenta
dificuldades em fazê-lo.
5.3 Acerca da emergência de um posicionamento autoral nas atividades de leitura
Como pudemos verificar, os alunos investigados – ingressantes no curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, no ano de 2013, em um campus do Instituto Federal
de Goiás – revelaram, durante as práticas de leituras realizadas em sala de aula, uma posição
autoral em relação aos textos lidos, ainda que muitos apresentem apenas indícios de autoria
em seus textos. Isso significa que, ao materializarem suas leituras, seja em respostas a
questões, seja em comentários na forma de uma produção textual, eles foram capazes, na
maioria das vezes, de orquestrar as vozes que constituíam o dizer do enunciador do texto, bem
como aquelas que lhes constituem como sujeitos.
A autoria se manifestou no discurso dos alunos de duas formas distintas: quando
assumiam outros discursos como se fossem sua própria voz – o que equivaleria ao que
Authier-Revuz (2001) denomina de heterogeneidade constitutiva – e quando o embate de
vozes entre a voz do outro e a própria voz era demarcada, de modo explícito, no discurso – o
que equivaleria ao que a mesma autora denomina de heterogeneidade mostrada. No entanto,
essa última forma de orquestrar as vozes durante uma prática de leitura foi mais recorrente no
discurso dos alunos do que a primeira.
Entre os recursos linguísticos mais utilizados por eles para referirem-se a essas vozes,
estão os modalizadores, as citações diretas e indiretas, as aspas, os verbos dicendi, o
metadiscurso e as expressões anafóricas. Assim, por meio da análise dessas marcas, foi
possível verificar a emergência de uma posição autoral dos alunos durante as atividades de
199
leitura. Além de valerem-se desses recursos para referirem-se às múltiplas vozes articuladas
ao longo de sua leitura, eles demonstraram, por meio dessas escolhas linguísticas, seus gestos
de leitura e modos de lerem os textos.
Um aspecto muito importante a destacar é que, na maioria das vezes, os enunciados
dos alunos remeteram, além das vozes que o constituem, apenas àquelas que podiam ser
recuperadas no texto lido, ou seja, eles estabeleceram um diálogo com as vozes que
compunham esse texto, mas não trouxeram outros discursos, outras vozes, exteriores a ele,
para dialogar com as que o fundam.
Esse fato parece apontar para um baixo índice de leitura dos alunos em relação, ao
menos, ao que os textos lidos abordaram e sinaliza a importância de que o professor
proporcione momentos de práticas de leitura em sala de aula e incentive outros fora dela, para
que os alunos sejam capazes de, ao lerem um texto, orquestrarem o máximo de vozes possível
na busca da construção de sentido para ele. A proficiência na leitura vai além da aquisição de
habilidades e estratégias para compreender um texto, e passa pela reflexão acerca do que é ler,
dos modos e gestos de leitura, ou seja, de uma problematização, em sala de aula, sobre a
leitura enquanto prática cultural, influenciada pela nossa história de leitura e pelo
comportamento, pensamento, crenças e valores da sociedade que nos cerca.
Fazendo uma análise comparativa, ainda que breve, das atividades de leitura realizadas
na primeira e na segunda parte da geração dos dados das atividades de leitura, pude observar
as seguintes diferenças: os alunos articularam melhor as suas vozes e as do texto lido quando
produziram um comentário na forma de um texto “corrido” e apresentaram mais dificuldade
em fazê-lo nas primeiras atividades, em que deveriam responder a diversas questões; eles
apresentaram mais facilidade em orquestrar as diferentes vozes do texto lido em seu discurso
quando a leitura incidia apenas sobre um texto (a atividade de leitura em que aparentaram ter
mais dificuldade em assumir uma posição autoral foi a última, em que os alunos deveriam
relacionar três textos); nas últimas atividades de leitura, as discussões realizadas antes da
produção textual fizeram com que a interação em sala de aula contribuísse para a construção
do discurso dos leitores, o que pudemos perceber em inúmeras retomadas que os alunos
realizaram, em seu discurso, dessa voz “coletiva”; por fim, em geral, os alunos não
desenvolveram muito suas ideias em sua escrita, porém, o número de alunos, durante as
últimas atividades de leitura que agiram desse modo foi bem menor.
Essas observações nos mostram que desenvolver atividades de leitura em sala de aula
que envolvam um momento de interação entre alunos e professor, a fim de construir sentido
200
para o que leem, de forma coletiva, podem contribuir para a vivência do aluno com as práticas
de leitura de uma forma reflexiva, assumindo uma posição autoral quando leitor de um texto.
201
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Investigar a leitura como uma prática cultural é lançar um olhar diferente ao que,
geralmente, vemos circular na esfera escolar, por meio de concepções de leitura apresentadas
por professores e alunos. É compreender a leitura para além da aprendizagem de estratégias,
habilidades e competências as quais muitos acreditam que, quando adquiridas, lhes tornam
leitores proficientes. É, longe de negar a importância desses aspectos, observar as práticas
leitoras passadas e presentes de uma comunidade de leitores, nesse caso, de um grupo de
alunos ingressantes no curso de Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, em 2013, em um
campus do Instituto Federal de Goiás (IFG).
Essa abordagem da leitura implica considerá-la a partir de um viés histórico, ou seja,
considerar a leitura como prática cultural consiste em compreender de que modo a sociedade
e a história influenciam no surgimento, na popularização ou no desaparecimento de uma
prática de leitura. Essa história não é apenas a da sociedade em que um dado sujeito vive, mas
a sua própria história, construída no interior dessa sociedade. Ao refletir sobre isso, decidi
investigar as práticas leitoras dos meus alunos, os sujeitos mencionados no parágrafo anterior,
propondo um diálogo entre o pensamento de Chartier (1999; 2002; 2004; 2011) acerca da
leitura e as ideias de Bakhtin e seu Círculo (1926; 2003; 2006; 2010a; 2010b).
Desse modo, este trabalho apoiou-se em dois conceitos principais: o de práticas de
leitura e o de posicionamento autoral. Tendo em vista esses conceitos, inicialmente, procurei,
por meio de técnicas de pesquisa, como o questionário e o memorial, recuperar a história de
leitura passada dos alunos até o momento em que eles ingressaram em um campus do IFG. Os
dados fornecidos por esses jovens, por meio dessas técnicas, demonstraram uma história de
leitura que começou bem, com o incentivo principalmente da família e da escola, como alguns
afirmaram nos memoriais.
A maioria dos alunos evoca e enfatiza lembranças de leitura no período da infância,
mostrando que, à época, eles a associavam a uma prática que proporcionava prazer, satisfazia
curiosidades e que podia torná-los reconhecidos, como podemos ler no relato de B, em seu
memorial:
[...] E todos perguntavam quem é essa menina e tal; aí respondiam assim: - é aquela
menininha que gostava de ler pra gente o livro a casa sonolenta! Fiquei conhecida desse jeito e até hoje quem esquece de mim o povo fala que era a menina que
contava história ai lembram de mim, e não me esqueço disso.
202
Segundo dados do questionário, 62,07% dos alunos afirmaram ter livros infantis em
casa quando crianças, o que indica o reconhecimento da existência desses objetos, mas não
necessariamente que os alunos os liam ou se havia um incentivo para que os lessem. Isso nos
leva a afirmar a importância de que não só os professores, mas também os pais sejam
orientados em relação a como envolver as crianças e os jovens nesse universo das práticas de
leitura.
Ainda no questionário, 48,28% dos alunos afirmaram ler menos atualmente, enquanto
31,03% disseram ler o mesmo tanto, e 20,69% relataram ler mais. Como podemos verificar,
quase metade dos participantes da pesquisa admitiu ler menos hoje em dia. Esses dados
confirmam grande parte dos relatos presentes nos memoriais, nos quais muitos dos
respondentes resgataram experiências que tiveram com a leitura e com textos, como livros e
revistas em quadrinhos, em especial.
Muitos afirmam ter lido com frequência até, aproximadamente, os 11, 12 anos e, daí
por diante, ter diminuído ou “parado de ler” em decorrência dos estudos ou da “descoberta”
de outras atividades que consideram mais interessantes. As leituras feitas nos últimos anos
são, em geral, caracterizadas por eles como “chatas” e motivadas por uma “obrigação”
escolar. Assim, no que diz respeito ao universo pesquisado, a quantidade de leitura tem
seguido uma tendência de uma redução cada vez maior na diversidade de práticas de leitura. É
importante dizer, porém, que há práticas que, com o tempo, começam a fazer parte da vida
desses alunos, e outras que se intensificam, como a leitura de textos técnicos, de relatórios, ou
seja, de práticas de leitura com um caráter mais utilitário, enquanto outras perdem espaço.
Segundo dados do questionário, o maior impedimento para que os alunos se dediquem
à leitura, atualmente, é a falta de tempo (42,86%), seguida do desinteresse/não gostar de ler e
da preferência em fazer outras atividades (ambos com 28,57%, totalizando 57,14% das
respostas). A falta de tempo é mencionada por diversos alunos em seus relatos nos diários de
leitura como justificativa para não lerem ou lerem menos do que consideram necessário, como
afirmou JV:
Continuo lendo o livro ‘Corrente da vida’, de modo que essa semana está muito puxada de provas e o tempo de leitura está ficando pouco. Tenho que me dedicar a
tais matérias que julgar mais difíceis para que possa ter um maior descanso ao
termino do 3o Bimestre.
Falta, no entanto, refletir sobre o complemento do verbo “ler”, ou seja, os alunos
alegam não ter tempo para ler “o quê”, já que, muitos, em seus diários, dizem não ter tempo
203
de ler porque precisam estudar? O que esses jovens parecem nos dizer é que, a partir de uma
determinada idade, com o aumento das disciplinas escolares, da complexidade dos conteúdos
e de suas responsabilidades, não “têm tempo” para uma leitura que lhes proporcione prazer,
tal como muitos a conheceram na sua infância. Como cresceram com essa concepção de
leitura, tudo o que não se encaixa nesse gesto de leitura não é leitura. É possível identificar,
portanto, um equívoco no discurso de muitos alunos enunciado desde o questionário até os
registros nos diários de leitura sobre o que são objetos de leitura e modos de ler, ou seja, não
há uma reflexão da leitura como prática, que varia histórica e socialmente ao longo da nossa
própria história.
O que observamos, então, é que a concepção de leitura que esses alunos trazem ao
longo de suas vidas influenciam diretamente no modo como eles compreendem e se
relacionam com os objetos de leitura. Por isso, volto a ressaltar a importância de o professor
conhecer a história de leitura de seus alunos antes de qualquer intervenção, pois, muitas vezes,
em vez de transformar essas concepções, de levá-los a refletir criticamente sobre elas, acaba-
se por reforçá-las.
A presença de um professor-leitor em sala de aula também contribui para que seus
alunos vivenciem as práticas de leitura de um modo diferente daquele que não lê. Como
pensar e levar os alunos a uma atitude reflexiva se não vivenciamos diversos objetos,
finalidades e modos de ler? Não adianta exigirmos de nossos alunos uma prática que não faz
parte da nossa história (GERALDI, 2013; POSSENTI, 1994). Além disso, como já discutimos
ao longo deste trabalho, não adiantará o governo criar projetos e programas como o PNBE
que, ao se proporem incentivadores da leitura no Brasil, enviem às escolas livros, revistas,
jornais etc., se não houver profissionais qualificados para lidarem com esses objetos de leitura
junto aos alunos.
Como pudemos ver, ao longo da análise dos dados, a maioria dos alunos demonstrou
compreender a leitura como uma atividade, um exercício, uma prática escolar que, muitas
vezes, é obrigatória, imposta a eles, e que, por isso, deve ser realizada para melhorar o
desempenho escolar, para se atualizar em decorrência de processos seletivos etc.
Conforme demonstra o relato dos alunos, ao longo de suas histórias, os objetos de
leitura, os modos de ler foram se alterando, e essa mudança, para esse grupo, deu origem a um
novo significado do que seja leitura/leitor para eles: o que era uma atividade prazerosa se
tornou uma prática desinteressante, movida por uma função utilitária; o que se lê ou que se
“deve” ler é muito mais do que contos de fadas e gibis; e o leitor não é aquele sujeito que só lê
literatura, mas que lê diversos objetos, com finalidades variadas.
204
Passemos à questão da emergência de um posicionamento autoral por parte dos alunos
no curso de suas práticas de leitura. Apenas retomando o que concebi ao longo deste trabalho
como um posicionamento autoral, é importante esclarecer que, para que um aluno, ao ler um
texto, assuma uma posição autoral, faz-se necessário que ele tenha uma compreensão
responsiva ativa do que lê, ou seja, cabe a ele assumir um lugar de orquestrador das diversas
vozes que constituem o texto lido, promovendo um diálogo dessas vozes com as suas palavras
interiores. Conforme pontua Bakhtin (2010a, p.88-89), “o discurso nasce do diálogo como sua
réplica viva, forma-se na mútua-orientação dialógica do discurso de outrem no interior do
objeto. A concepção que o discurso tem de seu objeto é dialógica”, ou seja, o que fundamenta
o discurso é o dialogismo, é a réplica a outros discursos já ditos.
Ao discutir a questão da compreensão na obra de Bakhtin e seu Círculo, o Grupo de
Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGE)30
(2010, 2010, p.101) afirma que
[...] quem apreende a enunciação de outrem não pode ser um receptor passivo. Não é
um ser mudo que faz a recepção do discurso do outro, mas “um ser cheio de
palavras interiores”. A palavra recebe a palavra. Essa palavra recebida pelo
interlocutor provoca um “comentário efetivo”, ao mesmo tempo em que organiza uma “réplica interior”.
Desse modo, compreendo que, se o leitor não apreende a(s) enunciação(ões) de outrem
ao ler um texto, ele é considerado um receptor passivo, mudo em relação ao discurso alheio. É
por isso que, ao apresentar alguns apontamentos ao final desta investigação, chamo atenção
para um movimento, especialmente na esfera de atividade escolar, que denomino de tendência
a um silenciamento de uma posição autoral, sobre a qual tratarei mais adiante.
Se, para Bakhtin e seu Círculo, o dialogismo é constitutivo da linguagem e se toda
compreensão é uma réplica, concluo que, se não há réplica, é porque não houve compreensão,
e vice-versa. E, ainda, se o texto exige que o leitor assuma uma atitude responsiva e
responsável em relação ao Outro e ao seu próprio dizer, e ele não o faz, parece que não
podemos falar em uma interação entre esses sujeitos ou, se pudermos, que ela apresentou um
baixo grau de dialogicidade.
O que verifiquei, portanto, ao longo das análises dos memoriais, dos diários de leitura
e das atividades de leitura em sala de aula, é que os alunos ingressantes no curso de
Eletrotécnica integrado ao Ensino Médio, em 2013, em um campus do Instituto Federal de
Goiás, apresentaram um posicionamento autoral em suas práticas de leitura. Essa afirmação
30 O Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGE) é constituído por professores e alunos da Universidade
Federal de São Carlos e está em atividade desde 2003, contribuindo com a realização de eventos e publicações em torno da obra de Bakhtin e seu Círculo.
205
baseia-se na análise desenvolvida, a partir da qual pudemos identificar marcas que o
demonstravam em seu discurso, como o uso de verbos dicendi, modalizadores, expressões
metadiscursivas, discurso direto, discurso indireto, entre outros já mencionados ao longo deste
texto. Contudo, é importante dizer que o posicionamento autoral se caracterizou como um
baixo nível de posicionamento, uma outra questão que este trabalho coloca. Se assumimos
que a essência da linguagem é dialógica, acredito não ser possível afirmar um posicionamento
autoral “nulo” do leitor, pois, mesmo quando este realiza uma paráfrase, há um mínimo de
autoria ao reproduzir o que leu em um texto. Assim, constatei, ao longo das análises, que há
níveis de autoria ou graus de compreensão (no sentido bakhtiniano) de um texto, os quais
podem ser aferidos a partir do grau de dialogicidade que um discurso produzido com base em
uma prática de leitura apresenta.
Sendo assim, observei que, ao apresentar, em seus memoriais de leitura, suas
concepções de leitura e de leitor, os alunos demonstraram um maior posicionamento autoral
em seus discursos, orquestrando diversas vozes a fim de marcar os seus dizeres, como a da
família, da escola, da mídia, do senso comum, entre outras. Contudo, ao abordar suas práticas
de leitura em seus diários de leituras e nos comentários produzidos a partir das atividades de
leitura em sala de aula, pude notar um baixo nível de posicionamento autoral em relação às
leituras realizadas. Além disso, esse posicionamento se revelou basicamente por meio do uso,
principalmente, de verbos dicendi e de modalizadores, sendo raríssimos os momentos em que
os alunos se referiram a outros textos e discursos que já haviam lido em outros momentos de
suas vidas e que poderiam se relacionar com a leitura realizada.
O que isso significa? Significa, a meu ver, que os alunos apresentaram uma
dificuldade para articular as vozes do texto lido às suas vozes (suas palavras interiores,
decorrentes, por exemplo, de outras leituras) e para assumir uma atitude criadora e não
reprodutora. É importante destacar que essa dificuldade revelou-se maior nos relatos que
compuseram os diários de leitura se comparados aos produzidos em sala de aula após a
discussão coletiva dos textos lidos nas atividades de leitura. Acredito que essas atividades
contribuíram para que os alunos compartilhassem suas leituras e outros textos e discursos com
os colegas e comigo, no papel de professora-pesquisadora, construindo, coletivamente, um
sentido para o que havia sido lido, o que, penso eu, permitiu uma maior emergência de um
posicionamento autoral em relação às suas práticas de leitura. A realização de atividades de
leitura interativas, reflexivas, em sala de aula demonstrou que elas podem ser instrumentos
pedagógicos e didáticos que realmente fazem diferença na vida do aluno, caracterizando-se
206
como um estímulo para que, por intermédio do professor, aos poucos, eles se constituam
leitores-autores em suas diversas práticas leitoras.
Quanto aos diários de leitura, penso que o fato de os alunos terem apresentado um
baixo nível de posicionamento autoral tenha relação com o não compartilhamento de suas
leituras, mas não se deve somente a isso. Além disso, e de ser uma prática escrita
desconhecida por eles, inclusive seu correlato, o diário íntimo, há outras questões sobre as
quais precisamos refletir e que envolvem também o baixo posicionamento autoral nas
atividades de leitura.
Como todos sabemos, o sistema educacional brasileiro vem se mostrando falho há
muitos anos. Sofrendo influência de ideias que parecem apregoar um silenciamento do aluno,
os próprios documentos do governo, bem como o discurso que circula nos livros didáticos,
reforçam um suposto empoderamento do professor, o qual é anunciado como aquele que
detém todo o saber que deve ser rigidamente transmitido por meio do livro didático.
Oprimido, a despeito de todo esse discurso, por normas institucionais e pelo currículo que
deve ser seguido à risca, o professor se fortalece silenciando o aluno em sala de aula, ou seja,
por receio de ser questionado em relação aos seus conhecimentos, à sua eficiência em cumprir
um planejamento ou de se instalar a indisciplina ou a perda do controle de sua sala de aula,
muitos professores (há exceções!), ainda hoje, promovem um ensino tradicional, em vez de
buscar um equilíbrio entre o reconhecimento do seu saber e o do saber que o aluno pode
compartilhar num momento de aprendizagem. Cabe dizer que muitos pesquisadores vêm
evidenciando que essa ainda é uma realidade nas escolas do nosso país, como Franco (2008);
Amaral (2013); Campinho (2007), Mendonça (2006), entre outros.
É importante explicar que o termo silenciamento nesse contexto refere-se ao fato de ao
aluno não ser dado espaço ou oportunidades de expressar-se acerca do que é estudado, lido,
discutido em sala de aula, ou seja, mesmo no século XXI, vivenciamos nas escolas uma
ideologia de que o aluno não “sabe nada” e, por isso, está na escola para “adquirir” saber e
não “compartilhar” saberes, “saberes” estes, na maioria das vezes, confundidos com
“informação” e não concebidos como produtores de “conhecimento”. Essa questão torna-se
ainda mais evidente se considerarmos os avanços tecnológicos que hoje facilitam a aquisição
de informação por meio da internet, acessada por meio de computadores, tablets e celulares,
por exemplo. O ponto-chave já apontado por alguns pesquisadores, como Brito (2003), é
como transformar essa avalanche de informação em conhecimento. Penso que seja aí, então,
que a figura do professor se torna mais imprescindível para orientar seus alunos a produzirem
conhecimento a partir dessas informações.
207
Esse silenciamento que alcança o aluno é observado antes, na formação docente.
Quantos professores foram silenciados nos bancos escolares e, depois, nos bancos de
universidades? O fato de o professor não vivenciar a autoria em suas práticas de leitura está
relacionado também à sua história de leitura, tal como os alunos demonstraram nesta
pesquisa. Muitos não aprenderam a assumir uma posição autoral ao ler um texto quando ainda
no papel de alunos, e essa atitude de passividade contribuiu para que permanecessem cada vez
mais silenciados. Ao se tornarem professores após uma formação silenciadora, como lidar
com os textos em suas salas de aula? As consequências desse silêncio em sala de aula em
relação à emergência de um posicionamento autoral, agora, de seus alunos, podem ser
observadas como a desmotivação e a passividade dos alunos que dizem não “terem tempo”
para ler ou não “gostarem” de ler. Esse comportamento reflete a história de leitura desses
alunos, afinal, como querer que eles se posicionem em relação ao que leem se não
aprenderam, ao longo de sua vida escolar, a assumir uma posição autoral em suas práticas
leitoras?
Muitas são as questões que se levantam e que podem gerar outras inquietações, as
quais precisam ser investigadas. A pergunta que me faço ao final deste estudo, no entanto, é:
considerando o contexto da pesquisa – uma escola técnica, com alunos que ingressaram no
Ensino Médio, ou seja, que já percorreram cerca de 8 anos em uma instituição escolar –, de
que forma é possível transformar essa realidade demonstrada pelos dados gerados ao longo
deste estudo?
Penso que, em primeiro lugar, é preciso assumirmos nossa responsabilidade como
seres éticos e únicos em nossa existência. Assumir esse lugar no papel de professores implica
desempenharmos nossa função no interior do sistema educacional do qual fazemos parte, mas
com o qual não precisamos corroborar indistintamente. É possível realizar um trabalho, na
esfera escolar, que vise à construção de um aluno leitor que não apenas tenha contato com
objetos de leitura diversos, mas que vivencie diferentes modos de ler e, sobretudo, que seja
capaz de assumir uma posição autoral em suas práticas de leitura.
Acredito que o desenvolvimento de projetos de ensino, como as rodas de leitura, em
sala de aula ou fora dela, a produção de diários de leitura, a formação de clubes de leitura,
entre outros já citados, inclusive, na introdução deste trabalho, poderão auxiliar o professor na
tarefa de contribuir para a formação de sujeitos leitores conscientes, críticos, que se
posicionam em relação aos discursos que circulam na sociedade, tornando-se autores, como
nos dizem Barthes e Compagnon (1987, p.200):
208
Qualquer leitura é produção [...] enquanto aproximação activa do texto, a leitura se pratica sempre com uma dupla dimensão. Põe em jogo dois textos, sendo o sentido
aquilo que está em jogo em ambos; a leitura é essencialmente uma avaliação, uma
interpretação de um texto em relação a outro: uma transacção.
Para concluir, espero, por meio deste trabalho, ter contribuído para pesquisas que
envolvam a educação tecnológica no âmbito dos institutos federais de educação, instituições
que se caracterizam como relativamente recentes e que apresentam um ensino peculiar em
relação a outras instituições de ensino, como o ensino integrado e integral de um curso técnico
concomitante ao Ensino Médio. Por essas e outras questões já apresentadas no Capítulo 3,
esse espaço vem demandando um olhar atento de professores e pesquisadores para o seu
funcionamento, tanto em termos de gestão quanto em termos pedagógicos.
Penso, ainda, que esta pesquisa pode colaborar no sentido de fazer coro a tantas outras
investigações que enfatizam a atualidade, genialidade e plasticidade do pensamento
bakhtiniano e de seu Círculo, nos oferecendo conceitos aplicáveis à interação entre leitores e
textos, embora não tenham se dedicado à leitura em seus escritos. Isso se deve ao fato de
serem conceitos que surgem de uma reflexão em torno da própria essência da linguagem e do
humano. É importante dizer, também, que a articulação entre o pensamento desse grupo e de
Chartier nos levou a identificar pontos em que as concepções de leitura do historiador e as de
interação de Bakhtin e seus seguidores dialogam e se complementam, sobretudo por
considerarem a importância da sociedade e da história para a produção de linguagem.
Por fim, espero que este trabalho, ao chamar a atenção para as práticas de leitura e os
modos de ler, isto é, para os usos dos textos e os modos como os alunos têm se relacionado
com eles, possa ter contribuído, em especial, para refletirmos acerca do modo como nós,
professores, temos oportunizado a vivência de nossos alunos com as práticas de leitura no
cotidiano da sala de aula. Aqui, retomo parte da epígrafe que introduziu este texto e que
expressa o posicionamento assumido por mim como pesquisadora e professora:
A vida, por sua própria natureza, é dialógica. Viver significa participar de um diálogo: fazer perguntas, prestar atenção, responder, concordar e assim por diante.
Nesse diálogo uma pessoa participa totalmente e com toda a sua vida: com os olhos,
lábios, mãos, alma, espírito, todo o seu corpo e todas as suas ações. Ela investe todo
o seu eu no discurso, e esse discurso entra no tecido dialógico da vida humana. (BAKHTIN, 2010c, p.329).
Esse enunciado exprime a profundidade do pensamento bakhtiniano acerca da vida. O
que somos sem o “Outro”? A nossa essência é dialógica, nosso viver é dialógico. Sendo
assim, como ignorar isso em nossas salas de aula, em nosso relacionamento com os alunos e,
209
junto deles, em nosso relacionamento com o conhecimento nas práticas de leitura que
realizamos? É preciso lembrar de que, sem o Outro, não há existência, pois a essência da
própria vida é dialógica. Sendo assim, a pergunta que deixo a mim mesma e a meus colegas é:
que “Outro” temos sido em relação aos nossos alunos em nossas salas de aula?
210
REFERÊNCIAS
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BAKHTIN, Mikhail M.; VOLOSHINOV, Valentín N. Discurso na vida e discurso na arte
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APÊNDICE A – Questionário
Projeto: Vozes do leitor e Vozes do texto: da autoria aos gestos identitários em práticas de leitura
Pesquisadora: Cristiane Alvarenga Rocha Santos
Identificação
Nome: ____________________________________________________________________
Turma: 1º Ano Integrado Integral de ____________________
Instruções para preenchimento:
Primeiramente, folheie todo o questionário e veja como está organizado.
A seguir, responda às questões na ordem que preferir, procurando responder a todas as
perguntas.
Em cada pergunta, leia todas as alternativas e marque apenas uma alternativa de resposta, a não ser que a pergunta indique “Pode assinalar mais de uma”.
1. Sexo: 1. Masculino 2. Feminino
2. Qual a sua idade? ____ anos
3. Onde você nasceu? 1. Na cidade de: _______________________ 2. Estado: ______________________
4. Qual o número de pessoas que vive em seu domicílio? 1. uma pessoa (vive sozinho (a))
2. duas pessoas
3. três pessoas 4. quatro pessoas
5. cinco pessoas 6. mais de cinco pessoas
5. Assinale o grau de instrução do(a) chefe de sua família? 1. Analfabeto/Primário incompleto
2. Primário completo/Ginasial incompleto
3. Ginasial completo/Colegial incompleto 4. Colegial completo/Superior incompleto
5. Superior completo
(Primário: 1ª à 4ª série; Ginasial: 5ª à 8ª série; Colegial: Ensino Médio)
6. Você frequentou creche ou pré-escola? 1. Sim
2. Não
7. Com que idade você iniciou a primeira série do Ensino Fundamental (primário)?_______________
222
8. Onde você estudou no Ensino Fundamental?
Escola _____________________________________ Início _________ Fim __________ Escola _____________________________________ Início _________ Fim __________
9. Assinale quais dos serviços ou bens abaixo você tem em seu domicílio e a quantidade
1 2 3 4 5 6 ou + Nenhum
TV em cores
Vídeo cassete ou DVD
Rádio
Computador conectado à internet
Banheiro
Automóvel
Empregada mensalista
Aspirador de pó
Máquina de lavar
Freezer
Geladeira
10. Qual a renda familiar bruta no mês passado? (renda familiar bruta é a soma de todos os
rendimentos sem descontos recebidos pelas pessoas que vivem em seu domicílio)
a) até R$ 678,00 b) de R$ 678,00 a R$ 1.000,00
c) de R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00 d) de R$ 2.001,00 a R$ 4.000,00
e) acima de R$ 4.000,00
11. Qual o nível de escolaridade completo mais alto de seu pai ou responsável do sexo masculino
que o criou? 1. Analfabeto 2. Sabe ler e escrever, mas não cursou a escola
3. Primário incompleto (1ª até a 3ª série) 4. Primário completo (4ª série)
5. Ginásio incompleto (5ª até a 7ª série)
6. Ginásio completo (8ª série) 7. Ensino Médio ou 2º grau incompleto (1ª e 2ª série)
8. Ensino Médio ou 2º grau completo (3ª série) 9. Ensino Superior incompleto
10. Ensino Superior completo
11. Pós-graduação (lato sensu, Especialização, Mestrado ou Doutorado) 12. Não sei
12. Qual é (ou foi) a ocupação profissional principal do seu pai ou responsável do sexo masculino? __________________________________________________________________________________
13. Qual o nível de escolaridade completo mais alto de sua mãe ou responsável do sexo feminino
que o criou?
223
1. Analfabeta 2. Sabe ler e escrever, mas não cursou a escola
3. Primário incompleto (1ª até a 3ª série) 4. Primário completo (4ª série)
5. Ginásio incompleto (5ª até a 7ª série)
6. Ginásio completo (8ª série) 7. Ensino Médio ou 2º grau incompleto (1ª e 2ª série)
8. Ensino Médio ou 2º grau completo (3ª série)
9. Ensino Superior incompleto 10. Ensino Superior Ccompleto
11. Pós-graduação (lato sensu, Especialização, Mestrado ou Doutorado) 12. Não sei
14. Qual é (ou foi) a ocupação profissional principal da sua mãe ou responsável do sexo feminino? __________________________________________________________________________________
15. Das pessoas que moravam com você, durante a sua infância, quais sabiam ler e escrever ou
frequentavam a escola? __________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________
16. O que você mais gosta de fazer no seu tempo livre? (Pode assinalar mais de uma)
1. Assistir à televisão 2. Escutar música ou rádio
3. Descansar
4. Reunir com amigos ou família 5. Assistir vídeos/filmes em DVD
6. Sair com amigos 7. Ler (jornais, revistas, livros, textos na internet)
8. Navegar na internet
9. Praticar esporte 10. Fazer compras
11. Passear em parques e praças
12. Acessar redes sociais (Facebook, Twitter, Orkut) 13. Escrever
14. Ir a bares/restaurantes 15. Jogar videogames
16. Viajar (campo, praia, cidade)
17. Desenhar, pintar 18. Ir ao cinema, ao teatro, a espetáculos de dança, concertos, museus, exposições
19. Fazer artesanato, trabalhos manuais
17. Você gosta de ler? 1. Não gosto 2. Gosto muito
3. Gosto mais ou menos
18. O que a leitura significa para você? 1. Fonte de conhecimento para a vida
2. Fonte de conhecimento e atualização profissional 3. Fonte de conhecimento para a escola
4. Uma atividade interessante 5. Uma atividade prazerosa
224
6. Ocupa muito tempo 7. Prática obrigatória
8. Produz cansaço/exige muito esforço 9. Uma atividade entediante
10. Não sabe
11.Outros. _________________________________________________________________________
19. Sobre a afirmação “Ler bastante pode fazer uma pessoa ‘vencer na vida’ e melhorar a sua
situação socioeconômica”, você: 1. Concorda totalmente
2. Concorda em parte 3. Discorda em parte
4. Discorda totalmente
5. Não sabe
20. Você conhece alguém que “venceu na vida” por ler bastante? 1. Parente 2. Amigo/conhecido
3. Personalidade pública (política e artística) 4. Outra pessoa
5. Não sabe
6. Não conhece ninguém
21. Quando você era criança, costumava ver seus pais ou responsáveis fazendo alguma dessas
atividades? (Pode assinalar mais de uma) 1. Lendo revistas
2. Lendo jornais 3. Lendo folhetos
4. Lendo livros
5. Lendo ou escrevendo cartas 6. Lendo ou escrevendo receitas
7. Lendo ou escrevendo tarefas do trabalho
8. Ensinando ou acompanhando as crianças em tarefas escolares 9. Lendo cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
11. Não me lembro de vê-los fazendo essas atividades
22. Quando você era criança, costumava ver seus irmãos ou outras crianças que moravam com
você fazendo alguma dessas atividades? (Pode assinalar mais de uma) 1. Lendo revistas
2. Lendo jornais
3. Lendo folhetos 4. Lendo livros
5. Lendo ou escrevendo cartas 6. Lendo ou escrevendo receitas
7. Lendo ou escrevendo tarefas do trabalho
8. Fazendo tarefas escolares 9. Lendo cartilhas, carta do ABC ou livros escolares
11. Não me lembro de vê-los fazendo essas atividades
23. Na casa onde você passou a sua infância, havia algum destes materiais? (Pode assinalar mais
de uma) 1. Álbuns de fotografia
2. Bíblia ou livros religiosos
3. Cartilhas ou livros escolares 4. Literatura de cordel
225
5. Dicionário 6. Enciclopédias
7. Folhetos, apostilas ou livretos de movimentos sociais, de partidos políticos ou grupos religiosos 8. Folhinha, calendários
9. Guias de rua e serviços
10. Catálogos e listas telefônicas 11. Jornais
12. Livros de receitas
13. Livros de literatura 14. Livros didáticos ou apostilas escolares
15. Livros infantis 16. Livros técnicos ou especializados
17. Manuais de instrução
18. Revistas 19. Outros. Quais?
___________________________________________________________________
20. Não tinha nenhum desses materiais
24. O que você mais gosta de ler? (Pode assinalar mais de uma) 1. Revistas (Veja, IstoÉ, Época, Super Interessante etc.)
2. Jornais (O Globo, O Popular, Folha de S.Paulo etc.)
3. Livros didáticos 4. Livros de autoajuda
5. Livros de entretenimento (romances, contos, novelas etc.)
6. Livros e textos eletrônicos 7. Revistas em quadrinhos, mangás
8. Revistas para o público adolescente (Capricho, Toda Teen etc.) 9. Revistas de fofocas e novelas (Caras, Contigo, Quem etc.)
10. Revistas eróticas (Playboy, Sexy, Vip etc.)
11. Revistas femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire etc.) 12. Revistas especializadas (saúde, informática, esporte, viagem, música)
13. Bíblia ou textos religiosos
Outros: ____________________________________________________________________________
25. Indique a frequência com que você lê o(s) texto(s) abaixo:
Todos os dias
Algumas
vezes por
semana
Uma vez
por
semana
De vez
em
quando
Não
costumo
ler
Revistas gerais (Veja, IstoÉ, Época, Super
Interessante)
Jornais (O Globo, O Popular, Folha de S.Paulo etc.)
Livros didáticos
Livros de autoajuda
Livros de entretenimento (romances, contos, novelas
etc.)
Livros e textos eletrônicos
Revistas em quadrinhos, mangás
Caderno didático e textos xerocados (das disciplinas
do curso)
Revistas para o público adolescente (Capricho, Toda
226
Teen etc.)
Revistas de fofocas e novelas (Caras, Contigo, Quem etc.)
Revistas eróticas (Playboy, Sexy, Vip etc.)
Revistas femininas (Cláudia, Nova, Marie Claire
etc.)
Revistas especializadas (saúde, informática, esporte,
viagem, música)
Bíblia ou textos religiosos
26. Você costuma ler livros? 1. Não costumo ler livros (Pule para a pergunta 34) 2. Leio menos de um livro por ano
3. Leio um ou dois livros por ano 4. Leio de três a seis livros por ano
5. Leio um livro por mês
6. Leio dois livros por mês 7. Leio mais de dois livros por mês
27. Como você costuma ler livros? 1. Um livro inteiro por vez
2. Começa a ler um livro e larga sem terminar 3. Só partes/capítulo de livros
4. Parte do livro mais de uma vez
5. O mesmo livro mais de uma vez 6. Vai até o fim de um livro mesmo se não gosta
7. Mais de um livro ao mesmo tempo
28. Você costuma conversar sobre os livros que lê? (Pode assinalar mais de uma) 1. Não costumo conversar sobre livros que leio 2. Sim, converso com meus pais ou parentes ou pessoas que vivem comigo
3. Sim, converso com professores ou colegas de escola
4. Sim, com amigos ou namorado(a) 5. Sim, com colegas de trabalho, do grupo ou associação que tomo parte ou da religião que sou adepto
29. Onde você costuma ler livros? (Pode assinalar mais de uma) 1. No local onde trabalho
2. Na escola onde estudo 3. Em casa
4. No transporte (ônibus, lotação, automóvel)
5. Em uma biblioteca pública 5. Em organizações comunitárias, associações, clubes ou entidades religiosas
6. Em outro lugar. Qual(is)?
____________________________________________________________
30. Habitualmente, como você obtém o(s) livro(s) que lê? (Pode assinalar mais de uma) 1. Compro
2. Tenho em minha casa
3. Tenho disponível no trabalho 4. Pego emprestado da biblioteca da escola
6. Pego emprestado de amigos 7. Pego emprestado de pessoas que participam do mesmo grupo ou associação
8. Pego emprestado de biblioteca pública
6. Ganho brinde ou exemplar de cortesia
227
7. Obtenho de outras formas. Quais? _____________________________________________________
31. Dos livros que já leu, você lembra de alguns de que tenha gostado muito ou que tenham sido
marcantes? Escreva o título do livro e do autor se você lembrar, caso contrário, pule para a
próxima pergunta.
Título do livro Nome do autor
1.
2.
3.
4.
5.
32. Você conhece autores de literatura que considera bons ou importantes? Se lembrar, escreva
os nomes abaixo, caso contrário, pule para a próxima pergunta.
33. Você se lembra de qual foi o último livro que leu ou está lendo? 1. Sim
2. Não
Se sim, qual? _______________________________________________________________________
34. Em relação ao seu passado como leitor (não apenas de livros), você considera que hoje você: 1. Lê mais (Pule para a pergunta 36) 2. Lê menos
3. Lê o mesmo tanto
35. Qual a principal razão para você estar lendo menos do que já leu? 1. Falta de tempo 2. Desinteresse/não gosta de ler
3. Prefere outras atividades
4. Não tem paciência para ler 5. Só lê quando é exigido
6. Tem limitações físicas (visão)
7. Lê muito devagar 8. Não tem concentração para ler
9. Tem dificuldades de compreensão ao ler 10. Livro é caro
11. Não tem onde comprar
12. Não há bibliotecas por perto 13. Não sei
36. O que te motiva a ler? 1. Atualização cultural/conhecimentos gerais
2. Prazer, gosto ou necessidade espontânea 3. Exigência escolar
228
4. Motivos religiosos 5. Não sei
37. O que mais influencia você na escolha de um texto e/ou de um livro? 1. O tema/ assunto
2. O título 3. Dicas de outras pessoas
4. O autor
5. A capa 6. Críticas/resenhas
7. Publicidade/anúncio 8. A editora
9. Outro motivo. Qual? _______________________________________________________________
38. Há quanto tempo comprou o último livro? 1. Há 3 meses ou menos
2. De 4 a 6 meses 3. De 7 a 12 meses
4. De 1 a 2 anos 5. De 3 a 5 anos
6. Mais de 5 anos
7. Nunca comprou livros
39. Quais livros/textos você comprou nos últimos seis meses? 1. Livros em geral (incluindo livros digitais e excluindo livros didáticos) 2. Livros didáticos e de literatura indicados pela escola
3. Apostilas ou xerox de livros ou capítulos de livros 4. Não comprou nenhum
40. Onde você costuma comprar livros? 1. Livrarias
2. Bancas de jornal e revista
3. Sebos (lojas de usados) 4. Igrejas e outros espaços religiosos
5. Bienais/Feiras de livros 6. Na rua (vendedores ambulantes)
7. Na internet
8. Supermercados/Hipermercados 9. Lojas de departamentos
10. Em casa ou no local de trabalho (porta a porta)
11. Em casa ou no local de trabalho (por catálogo) 12. Outros locais
13. Não compro livros (Pule para a pergunta 42)
41. O que o motiva a comprar um livro? (Pode assinalar mais de uma) 1. Prazer, gosto pela leitura 2. Cultura, conhecimento
3. Entretenimento e lazer 4. Porque a escola exige
5. Para dar de presente
6. Outro motivo: ____________________________________________________________________
42. Com que frequência você ganha livros? 1. Sempre 2. Algumas vezes
229
3. Nunca (Pule para a pergunta 44)
43. Você considera que o fato de ganhar livros influenciou o seu gosto pela leitura? 1. Foi importante
2. Não foi importante
44. Com que frequência você:
Todos os
dias
Algumas vezes
por semana
Uma vez por
semana
De vez em
quando
Não costumo
ler
Lê/lia sozinho,
silenciosamente
Lê/lia sozinho, em voz alta
Seu pai lê/lia para você
Sua mãe lê/lia para você
Seus professores leem/liam
para você
Outras pessoas leem/liam
para você
45. Quem você acha que mais influenciou seu gosto pela leitura? (Escolha até duas opções) 1. Meu pai ou responsável do sexo masculino
2. Minha mãe ou responsável do sexo feminino 3. Um parente
4. Um professor 5. Um(a) amigo(a)
6. Um colega ou superior no trabalho
7. Um padre/pastor ou líder religioso 8. Um colega ou líder comunitário ou líder sindical
9. Outra pessoa. Quem?
_______________________________________________________________ 10. Adquiri o gosto pela leitura sozinho
46. Você sabe se existe na sua cidade ou bairro alguma biblioteca pública? 1. Sei que existe
2. Não sei se existe 3. Não existe (Pule para a pergunta 48)
47. Essa biblioteca é de fácil ou difícil acesso? 1. Fácil acesso
2. Difícil acesso 3. Não sei
48. O que uma biblioteca significa pra você? (Pode assinalar mais de uma) 1. Um lugar para estudar
2. Um lugar para pesquisar
3. Um lugar voltado para estudantes 4. Um lugar para emprestar livros de literatura
5. Um lugar para emprestar livros para trabalhos escolares 6. Um lugar voltado para todas as pessoas
7. Um lugar para lazer
8. Um lugar para passar o tempo 9. Um lugar para consultar documentos e outros materiais do acervo
230
10. Um lugar para ver filmes/escutar músicas 11. Um lugar para participar de concertos, exposições e eventos culturais
12. Um lugar para acessar a internet
49. Você costuma frequentar
1 ou 2
vezes por
semana
3 ou 4
vezes por
semana
5 ou 6
vezes por
semana
Todos os dias
Nunca
Bibliotecas públicas
Biblioteca escolar
Bibliotecas virtuais
Bibliotecas virtuais quando está em uma
biblioteca física (pública, escolar)
50. O que faria você frequentar bibliotecas? (Pode assinalar mais de uma) 1. Ter mais livros novos
2. Ser mais próxima ou de fácil acesso 3. Ter títulos mais interessantes
4. Ter atividades culturais 5. Ter internet
6. Ter melhor disposição dos livros
7. Ter horários de funcionamento ampliados 8. Ter ambientes mais parecidos com livrarias
9. Ter um ambiente mais agradável
10. Ter um bom bibliotecário 11. Nada me faria frequentar uma biblioteca
12. Não sei
51. Você costuma utilizar computador? 1. Nunca uso 2. Sim, todos os dias da semana
3. Sim, quase todos os dias da semana
4. Sim, um ou dois dias por semana 5. Sim, de vez em quando
52. Você costuma utilizar a internet? 1. Sim, todos os dias da semana
2. Sim, quase todos os dias da semana 3. Sim, um ou dois dias da semana
4. Sim, de vez em quando
5. Nunca uso
53. Quando você lê no computador para se informar ou se divertir, de que modo você lê: 1. Assentado(a), com o computador em cima de uma mesa
2. Deitado(a), em cima da cama
3. Assentado(a), em cima da cama 4. Assentado(a) no sofá
5. Deitado(a) no sofá
6. De outro(s) modo(s): _______________________________________________________________
54. Quando você lê no computador para estudar, de que modo você lê: 1. Assentado(a), com o computador em cima de uma mesa
231
2. Deitado(a), em cima da cama 3. Assentado(a), em cima da cama
4. Assentado(a) no sofá 5. Deitado(a) no sofá
6. De outro(s) modo(s): _______________________________________________________________
55. Em qual desses locais você costuma usar computador com mais frequência? (Escolha até
duas opções) 1. Em casa 2. Na escola
3. No trabalho 4. Em centros comunitários
5. Em locais públicos (bibliotecas, telecentros etc.)
6. Em locais privados (cybercafés, agências de correio etc.) 7. Na casa de amigos ou parentes
8. Em outro local. Qual? ______________________________________________________________
56. No computador, o que você costuma fazer? (Pode assinalar mais de uma) 1. Escrevo relatórios e outros textos 2. Escrevo trabalhos escolares
3. Organizo agendas ou lista de tarefas
4. Digito dados ou informações 5. Elaboro planilhas ou monto bancos de dados
6. Consulto e pesquiso
7. Monto páginas ou faço programas de computador 8. Envio e recebo e-mails
9. Compro pela internet 10. Jogo ou desenho
11. Navego por diversos sites
12. Faço download de músicas e/ou filmes em CD/DVD ou arquivo eletrônico 13. Entro em sites de bate-papo e discussão
14. Participo de redes sociais
15. Outras. Qual(is)? _________________________________________________________________
57. Você já ouviu falar em e-books e livros digitais? 1. Sim
2. Não
58. Você já leu algum? 1. Nunca (Pule para a pergunta 62)
2. Sim, li no computador 3. Sim, li no celular
59. Como foi seu contato com um e-book ou livro digital? 1. Gostou muito
2. Gostou um pouco 3 Não gostou
60. Quantos livros digitais já leu? 1. Um livro
2. De 2 a 5 livros 3. De 6 a 10 livros
4. De 11 a 15 livros
5. Mais de 15 livros
232
61. E você acredita que, de agora em diante, vai ler... 1. Mais livros impressos
2. Mais livros digitais 3. Na mesma proporção
62. Indique com que frequência você:
Frequentemente Às vezes Raramente Nunca
Vai ao cinema
Vai ao teatro
Assiste a shows de música ou dança
Ouve noticiário no rádio
Ouve outros programas no rádio
Assiste a vídeos e DVD em casa
Assiste ao noticiário na TV
Assiste a filmes na TV
Assiste a outros programas na TV
Vai a museus ou exposições de arte
63. Você costuma ler para estudar ou para aprender alguma coisa? 1. Sim 2. Não (Pule para a pergunta 66)
64. Quando você lê para estudar, o que você costuma fazer? (Assinale até três opções) 1. Escrevo comentários nas margens do texto
2. Sublinho partes do texto 3. Anoto as ideias mais importantes
4. Copio partes do texto
5. Faço resumos 6. Faço esquemas com as ideias principais do texto
7. Faço outras atividades. Quais? _______________________________________________________
8. Não faço nada
65. Quais dos tipos de texto abaixo você costuma ler para estudar? (Assinale até três opções) 1. Livros didáticos
2. Livros técnicos, teóricos ou ensaios
3. Livros de literatura 4. Jornais
5. Revistas
6. Dicionários ou manuais de gramática 7. Enciclopédias
8. Apostilas 9. Textos ou exercícios em folhas avulsas
10. Matérias, esquemas, textos ou exercícios no caderno
11. Folhetos 12. Outros. Quais?
___________________________________________________________________
13. Nenhum destes
233
66. Na escola, você costuma:
Frequentemente Às
vezes Raramente Nunca
Anotar enquanto o professor dá aula
Anotar enquanto faz trabalho ou debate em grupo
Copiar matéria ou exercícios do quadro-negro
Responder a questionários sobre textos avulsos ou de
livros didáticos
Fazer resumos ou comentários de textos
Ler jornais ou revistas
Fazer redação ou produzir textos
Fazer trabalho sobre filmes ou vídeos assistidos
Participar de debates
Preparar e apresentar seminários
Fazer dramatização
Fazer provas
Ler em voz alta
67. Quando você lê para manter-se informado (Ex.: Veja, Época, Super Interessante, Jornais
etc.), você:
Sempre Algumas vezes Nunca
1. Anota as ideias mais importantes
2. Faz resumos ou resenhas
3. Consulta outros textos
4. Relê o texto
5. Faz esquemas com as ideias principais do texto
6. Escreve comentários às margens do texto
7. Sublinha partes do texto
8. Apenas lê
68. Quando você lê textos didáticos e paradidáticos (Ex.: livros, caderno, apostilas, textos xerocados etc.), você:
Sempre Algumas vezes Nunca
Anota as ideias mais importantes
Faz resumos ou resenhas
Consulta outros textos
Relê o texto
Faz esquemas com as ideias principais do texto
Escreve comentários nas margens do texto
Sublinha partes do texto
Apenas lê
234
69. Você apresenta alguma dificuldade ao ler? 1. Sim 2. Não (Pule para a pergunta 71)
70. Qual é a maior dificuldade que você apresenta ao ler? 1. Lê muito devagar
2. Não tem paciência para ler
3. Tem problemas de visão ou outras limitações físicas 4. Não tem concentração suficiente para ler
5. Não compreende a maior parte do que lê 6. Não tem dificuldade nenhuma
71. Em quais instituições sociais você costuma ler além da escola? 1. Igreja
2. Clube
3. Casa 4. Associações de que faz parte
5. Trabalho 6.Outras: ________________________________________________________________________
Obrigada!
235
APÊNDICE B – Atividades de Leitura
MEMORIAL DE LEITURA
Objetivo: Elaborar um memorial sobre a experiência de leitura dos alunos.
Orientações:
a. Assistir ao vídeo Memórias de Emília (Disponível em:
http://www.youtube.com/user/sitiodopicapausite#p/u/25/WNbefMsEIhs).
b. Refletir, com os alunos, sobre o que são memórias, utilizando como ponto de partida o vídeo Memórias de Emília.
c. Realizar uma dinâmica em sala de aula com objetos trazidos de casa pelos alunos
que lhes permitem evocar alguma lembrança. Nessa dinâmica, cada aluno deverá mostrar aos colegas o objeto trazido e falar sobre as lembranças que ele lhe traz.
d. Após esse momento, retomar o conceito de memórias, apresentar o que é um
memorial de leitura e solicitar que o escrevam em seus diários de leituras.
e. Recolher os diários de leitura.
236
ATIVIDADE DE LEITURA A
Lendo a seca no sertão
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o(s) texto(s) lido(s) em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar
se os alunos identificam a relação entre os textos; e, por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientações:
1. Expor o Texto 1, a obra Retirantes, de Cândido Portinari, no quadro branco, utilizando
um aparelho de data-show, e solicitar a sua leitura silenciosa.
2. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo SAEB e relacionadas à leitura do Texto 1, quais sejam:
a. O que você vê no quadro? Você pode descrevê-lo?
b. O que você compreendeu do quadro? Você poderia identificar o tema retratado no quadro?
c. Qual a perspectiva/opinião do artista acerca do tema retratado? O que fez você chegar a essa conclusão?
d. Você sabe em que época foi produzida essa obra? Ela apresenta um sentido diferente para o leitor da época e dos dias de hoje?
e. A imagem e o tema abordados na obra dialogam ou possuem relação com algum outro texto que você conhece?
3. Entregar uma cópia do Texto 2, Capítulo 1 – Mudança, de Vidas Secas, de Graciliano
Ramos, e solicitar a sua leitura silenciosa.
4. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo SAEB e relacionadas à leitura do Texto 2, quais sejam:
a. Que situação é narrada neste capítulo?
b. Quais personagens são apresentados ao leitor? c. É possível inferir o principal tema que será abordado no livro com base neste
capítulo introdutório? Qual seria ele? d. Como o autor se posiciona diante desse tema? Quais recursos ele utiliza para
mostrar esse posicionamento? e. Você sabe em que época foi produzida essa obra? Ela apresenta um sentido
diferente para o leitor da época e dos dias de hoje? f. Graciliano e Portinari tratam de um mesmo tema? Como cada um aborda tal tema?
Em que eles se assemelham? Em que se diferenciam? g. A imagem e o tema abordados na obra dialogam ou possuem relação com algum
outro texto que você conhece?
5. Recolher as folhas com as respostas das questões.
237
TEXTOS UTILIZADOS:
Texto 1
CANDIDO PORTINARI, Retirantes (Retirantes), 1944 Óleo s/ tela 190 x 180 cm.
Col. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand São Paulo, Brasil
Texto 2
Capítulo I – Mudança
Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra Baleia iam atrás.
Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão. – Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno esperneou acuado, depois
sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O voo negro dos urubus fazia círculos altos em redor de bichos moribundos.
– Anda, excomungado. O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela
sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde. Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados no estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande. Ausente do companheiro, a cachorra Baleia tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria
ofegando, a língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas, que se retardavam.
238
Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia do rio, onde haviam descansado, a beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na catinga. Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e latia arremedando a cachorra.
As manchas dos juazeiros tornaram a aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como cascos, gretavam-se e sangravam.
Num cotovelo do caminho avistou um canto de cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.
Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.
Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.
Estavam no pátio de uma fazenda sem vida O curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os moradores tinham fugido. Fabiano procurou em vão perceber um toque de chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando resistência, penetrou num cercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro do fundo, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral. Trepou-se no mourão do canto, examinou a catinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um instante no copiar, fazendo tenção de hospedar ali a família. Mas chegando aos juazeiros, encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira.
Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo.
Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente.
Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente. Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores.
O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os alentava.
Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o sangue e tirava proveito do beijo.
Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com segurança, esquecendo as rachaduras que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.
Sinhá Vitória remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de alecrim para fazer um espeto. Baleia, o ouvido atento, o traseiro em repouso e as pernas da frente erguidas, vigiava, aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do bicho e talvez o couro.
Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros – e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano.
Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito da bolandeira de seu Tomás. Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de seu Tomás?
Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia chover. Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não
sabia porquê, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, Sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.
Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede.
239
Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna acudia os xiquexiques e os mandacarus. Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma ressurreição de garranchos e folhas secas.
Chegou. Pôs a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família. Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as raízes de macambira, soprou-as, inchando as bochechas cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado, a barba ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no espeto de alecrim.
Eram todos felizes. Sinhá Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as nádegas bambas de Sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de Sinha Vitória provocaria a inveja das outras caboclas.
A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas, três, agora havia poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o morro.
A fazenda renasceria – e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria dono daquele mundo. Os troços minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda de pederneira, o aió, a cuia de água o baú de folha
pintada. A fogueira estalava. O preá chiava em cima das brasas. Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam a cara triste de Sinhá Vitória. Os meninos se espojariam na terra
fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga ficaria verde. Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a
hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir. (RAMOS, Graciliano. A mudança. In: RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 100. ed. São Paulo: Record, 2006).
ATIVIDADE DE LEITURA B
Lendo Drummond em outros textos
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o(s) texto(s) lido(s)
em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se os alunos identificam a relação entre os textos; e, por fim, verificar se os alunos são
capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientações:
1. Expor o Texto 1, a publicidade da empresa de turismo SOLETUR, no quadro branco, utilizando um aparelho de data-show, e solicitar a sua leitura silenciosa.
2. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo
SAEB e relacionadas à leitura do Texto 1, quais sejam:
a. O que você vê na publicidade? Você pode descrevê-la? b. O que você compreendeu da publicidade? Você poderia identificar o tema nela
retratado? c. Qual a possível intenção dessa publicidade? O que fez você chegar a essa
conclusão? d. Em sua opinião, que outros textos podem dialogar com a publicidade lida?
3. Expor o Texto 2, nota jornalística intitulada No meio do caminho tinha um ladrão,
publicada na revista IstoÉ, no quadro branco, utilizando um aparelho de data-show, e solicitar a sua leitura silenciosa.
4. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo
SAEB e relacionadas à leitura do Texto 2, quais sejam:
a. Que situação é narrada nesta nota jornalística? b. Você consegue identificar alguma relação entre o poeta Carlos Drummond de
Andrade (cuja estátua ilustra o texto) e o título da nota jornalística? Qual?
240
c. Você pode inferir, a partir da leitura desta nota jornalística, um típico problema social? Qual seria ele?
d. O autor desta nota jornalística se posiciona diante do fato que noticia? Sim ou não? Por quê?
e. A publicidade e a nota jornalística tratam de um mesmo tema? Em que eles se assemelham? Em que se diferenciam?
f. A publicidade e a nota jornalística possuem algum tipo de relação com outro texto que você conhece?
5. Recolher as folhas com as respostas das questões.
TEXTOS UTILIZADOS:
Texto 1
(Disponível em: <http://textosunisanta.blogspot.com.br/2012/04/intertextualidade-sustentavel.html>. Acesso em:
03 abr. 2013).
Texto 2
241
(Disponível em: www.uefs.br/erel2009/anais/giseliasousa.doc. Acesso em: 03 abr. 2013)
ATIVIDADE DE LEITURA C
Lendo a desumanização do humano
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o(s) texto(s) lido(s) em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar
se os alunos identificam a relação entre os textos; e, por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientações:
1. Entregar uma cópia do Texto 1, a reportagem Infância de pequenos brasileiros se perde
nos lixões, publicada na Folha de S.Paulo, em 5 de abril de 2010, e solicitar a sua leitura silenciosa.
2. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo
SAEB e relacionadas à leitura do Texto 1, quais sejam:
a. Como se fosse contar para um amigo, escreva, com as suas palavras, o que você leu na reportagem.
b. Você poderia identificar o tema abordado na reportagem? Qual é ele? c. A jornalista dá a sua opinião acerca do tema abordado? Qual seria? O que fez você
chegar a essa conclusão? d. Em sua opinião, que outros textos podem dialogar com a reportagem lida?
3. Expor o Texto 2, uma charge de Angeli, publicada no jornal Folha de S.Paulo,
provavelmente em 2010, no quadro branco, utilizando um aparelho de data-show, e solicitar a sua leitura silenciosa.
4. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo
SAEB e relacionadas à leitura do Texto 2, quais sejam:
242
a. Que situação é mostrada na charge? b. O que conteria uma “Declaração dos Direitos Humanos”? Que relação pode haver
entre ela e o que é enunciado na charge? c. Os textos 1 e 2 tratam de um mesmo tema? Se sim, como cada um o aborda?
d. Em que os textos 1 e 2 se assemelham? E se diferenciam?
5. Entregar uma cópia do Texto 3, o poema O Bicho, de Manuel Bandeira, e solicitar a sua leitura silenciosa.
6. Entregar, a cada aluno, um roteiro de questões baseadas nos descritores elencados pelo
SAEB e relacionadas à leitura do Texto 3, quais sejam:
a. Que situação é narrada neste poema? b. O que surpreende o narrador no poema?
c. Você poderia identificar o tema abordado na reportagem? Qual é ele? d. Como o autor se posiciona diante desse tema? De que recursos ele se utiliza para
mostrar esse posicionamento? e. Ambos os textos (I e II) tratam do mesmo tema? Como cada um aborda o tema? O
que eles têm de semelhante e de diferente?
7. Recolher folhas com respostas das questões.
TEXTOS UTILIZADOS
Texto 1
05/04/10 – 09h03 – Atualizado em 05/04/10 – 09h33
Infância de pequenos brasileiros se perde nos lixões São crianças que acordam muito antes de o sol nascer para garimpar o que sobrou de comida, vivem longe da escola e são vítimas de violência e exploração. BEATRIZ CASTRO Arcoverde, PE A vida de Renata da Silva, de 21 anos, é uma correria. Ela tem três filhos para criar e está com dois meses de gravidez. A caçula, Jenifer, de apenas 1 ano, reclama da água fria do banho de lata. A casa de poucos móveis e nenhum conforto é muito pequena. A família sobrevive do que cata no lixo. As roupas, os brinquedos e até os óculos que fazem a felicidade de Maria foram jogados fora. Todos os dias a família tem uma rotina dura para cumprir. Renata e as três crianças vão juntas procurar as sobras no lixo. A carroça, puxada pelo jegue, é o transporte. E lá vão eles, sacolejando de rua em rua. As crianças se equilibram. Maria, de 4 anos, é a mais velha e tenta segurar os irmãos menores. Renata tem pressa. A concorrência de catadores em Arco Verde, no sertão de Pernambuco, é grande. Ela não para nem para amamentar a bebê. Maria também trabalha. A menina aprendeu muito cedo a revirar os sacos de lixo à procura do que precisa. A comida que a pequena catadora encontra logo é divida com os irmãos. “Elas começam a comer, gostam. A gente é acostumada assim. Muita coisa que a gente acha no lixo as crianças comem. Elas são muito novinhas, mas a gente só pode criar assim, não tenho com quem deixar, tenho que levar para onde for”, conforma-se Renata. Maria, tão pequena, também vai aprendendo a retirar a sobrevivência do lixo. “Meu sonho é que esse não seja o futuro para ela. Mas é o único jeito, é nossa sobrevivência”, diz a mãe.
243
A vida não reserva muitas escolhas para as crianças que vivem do lixo. Perto do trabalho, longe da escola, elas deixam de preparar o futuro. Perpetuam um ciclo de miséria e de exclusão. A história de Maria Iane e Ana Carla, duas adolescentes que encontramos no antigo lixão de Arco Verde cinco anos atrás, é o retrato triste de um drama que se repete. Longe das montanhas de lixo, em casa, Maria Iane se emocionou ao nos revelar o sonho que tinha: “Queria ser secretária”. A menina catadora não realizou o sonho. O trabalho impediu que Maria Iane terminasse os estudos. Hoje, com 21 anos, ela é a mãe dedicada de duas crianças. Não tem emprego. “Eu não tenho nada, tudo o que tenho me deram”, diz. Duas filhas, grávida, Ana Carla também teve a vida marcada pelo trabalho no lixo. Virou catadora, assim como a mãe e a avó. “Deixamos de estudar para ir para o lixo, catar para ajudar a mãe da gente, para colocar alguma coisa dentro de casa para comer. Hoje não tenho estudo, sei ler, mas pouco. Nos serviços que arrumo, as pessoas querem com primeiro grau, não cheguei a fazer. A vida é essa mesmo: vou catar lixo, se não morrer de fome. Minha vida era para ser outra, olha o que aconteceu comigo. Sou catadora, desde pequena e vivo ainda catando”, conta. No Brasil, a entrada no mercado de trabalho só é permitida a partir dos 16 anos. Mas, na prática, é muito diferente. Existe uma tolerância com esse pesadelo imposto às crianças. Não é possível nem saber a dimensão exata do problema. Não existem estatísticas oficiais sobre a quantidade de crianças catadoras de lixo no país. Os especialistas estimam que a situação é mais dramática no Nordeste. No lixão de Maceió, em Alagoas, atrás de cada caminhão que chega, começa uma corrida degradante pela sobrevivência. Adultos, crianças e adolescentes disputam os restos. O gancho é o equipamento de trabalho no triste garimpo dos catadores. Nas montanhas de lixo, vários dramas se encontram. “Tenho 15 anos. Estou aqui para dar de comida à minha mãe, depois que mataram meu pai. Eu trabalho o dia todo, até de noite. Das 5h às 22h, 23h”, diz um adolescente. No lixo, o perigo está sempre por perto: seringas, cacos de vidro, arames, comida estragada. Tudo o que não serve para mais nada é jogado fora. Os pequenos catadores disputam como um troféu os frangos estragados. “Tem frango que já tem um ou dois dias que está morto. Eles dizem que não é para comer, que é para dar para os cães, os porcos. Eu fico triste de ver tanta gente jogada no lixo, trabalhando, recolhendo objetos que não têm mais serventia para nada, só que para eles têm algum valor”, observa um caminhoneiro. Crianças vulneráveis a doenças, ferimentos, infecções, vivendo sem direito a higiene, saúde, educação. A infância é tratada como lixo. “A missão para erradicar o trabalho infantil em lixões no país, em primeiro lugar, se deve à autoridade municipal. Ele não deve permitir que o administrador do aterro tenha a presença de crianças entre aquelas pessoas que fazem a reciclagem. Em segundo lugar, das famílias. As famílias têm que ter a consciência de que lixão não é lugar de criança. Se você é cidadão responsável e se omite, se furta o dever de denunciar uma criança que está em situação de trabalho infantil no, lixo, você também está contribuindo para a violação do direito dessa criança e desse adolescente”, afirma um especialista. (Disponível em: <http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL1557009-16020,00-INFANCIA+DE+PEQUENOS+ BRASILEIROS+SE+PERDE+NOS+LIXOES.html>. Acesso em: 26 abr. 2013).
Texto 2
244
(Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/2652700/atps-sociologiadoc/4>. Acesso em: 28 abr. 2013).
Texto 3
O BICHO
Vi ontem um bicho
na imundície do pátio
catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa;
não examinava nem cheirava:
engolia com voracidade.
O bicho não era um cão, não era um gato,
não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(BANDEIRA, Manuel. Belo, belo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008)
ATIVIDADE DE LEITURA D
Hollywood vai à Hortifruti
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em
sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se os alunos identificam a relação entre as publicidades e o(s) demais texto(s) com que dialoga;
entender a paródia como um processo principal de identificação dos diálogos que se manifestam no miniconto e nos textos a que remete; e, por fim, verificar se os alunos são
capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientações:
245
1. Expor as publicidades da rede de lojas Hortifruti no quadro branco, utilizando um aparelho de data-show.
2. Orientar a discussão sobre os textos com base em um roteiro de questões elaboradas a
partir de descritores elencados pelo SAEB e relacionadas à leitura dos textos, quais sejam:
a. O que você compreendeu das publicidades? Que elementos te levaram a
compreendê-las desse modo? b. Você consegue identificar o(s) texto(s) retomado(s) nas publicidades? Qual(is)?
c. Quais transformações são promovidas nesses textos retomados quando passam a circular em uma publicidade como esta?
d. Essas transformações acarretam uma mudança no sentido desses textos (anúncios de filmes)? Explique-as.
e. Em que os textos que dialogam se assemelham e em que se diferenciam? f. Qual(is) seria(m) o(s) objetivo(s)/finalidade(s) das publicidades?
3. Apenas gravar esta atividade.
TEXTOS UTILIZADOS:
246
247
(Disponível em: <http://cantinhodoerik.blogspot.com.br/2013/03/propagandas-incriveis-hortifruti.html>. Acesso em: 02 jun. 2013).
ATIVIDADE DE LEITURA E
Lendo A Carta de Caminha em um miniconto
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em
sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se os alunos identificam a relação entre o miniconto e o(s) demais texto(s) com que dialoga;
entender a paródia como um processo principal de identificação dos diálogos que se manifestam no miniconto e nos textos a que remete; e, por fim, verificar se os alunos são
capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientações:
1. Entregar cópias do miniconto Historinha do Brasil, de Fernando Bonassi. Em círculo, promover uma interação em que todos os alunos possam se manifestar, expressando
suas impressões sobre a crônica. Solicitar uma leitura silenciosa e, em seguida, uma leitura em voz alta.
2. Orientar a discussão sobre a canção com base em um roteiro de questões elaboradas a partir de descritores elencados pelo SAEB e relacionadas à leitura do texto, quais sejam:
a. Você consegue identificar o(s) texto(s) retomado(s) no miniconto? Qual(is)?
b. Os acontecimentos narrados são retomados da mesma forma como em outro(s) texto(s)?
c. Em que o texto lido se diferencia e em que se assemelha em relação a outros textos que você já leu sobre o tema?
d. Observar o que aproxima o miniconto de outros textos que com ele dialogam. E o que os distancia.
e. Qual(is) seria(m) o(s) objetivo(s)/finalidade(s) do miniconto?
3. Solicitar que produzam um texto, em torno de 10 a 15 linhas, comentando a leitura realizada. Recolhê-lo ao final da atividade.
TEXTO UTILIZADO: Historinha do Brasil
248
Três caravelas lotadas de badulaques partem de uma Europa recém-saída de mais uma escuridão e ávida por molho pardo condimentado. Um povo americano de sangue bom demais vai à praia com as vergonhas de fora.
Os marujos chupam limão, apesar dos dentes podres. Os ameríndios procuram no além-mar outros paraísos que
os confortem, apesar da superprodução de bananas. Do encontro desses esfuziantes destroços, nascem
minúsculas povoações cheias de idéias, academias e três refeições por dia, cercadas de fome e burrice por todos os lados.
(Belém – Portugal – 1998) (BONASSI, Fernando. Passaporte. São Paulo: Cosac & Naify, 2001).
ATIVIDADE DE LEITURA F
Lendo o Descobrimento do Brasil em textos diversos
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em
sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um. Observar se os alunos identificam a relação entre o miniconto e o(s) demais texto(s) com que dialoga;
entender a paródia como um processo principal de identificação dos diálogos que se manifestam no miniconto e nos textos a que remete; e, por fim, verificar se os alunos são
capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientação:
1. Solicitar, por meio de uma questão de prova, que os alunos comentem em, no mínimo, 15 e, no máximo, 30 linhas, o miniconto Historinha do Brasil, de Fernando Bonassi,
relacionando-o ao texto A Carta, de Pero Vaz de Caminha, estudada no bimestre, e a outro texto (escolhido pelo aluno entre três sugeridos: uma charge, um cartaz e um
poema).
TEXTOS UTILIZADOS:
Texto 1
Historinha do Brasil
Três caravelas lotadas de badulaques partem de uma Europa recém-saída de mais uma escuridão e ávida por
molho pardo condimentado. Um povo americano de sangue bom demais vai à praia com as vergonhas de fora. Os marujos chupam limão, apesar dos dentes podres. Os ameríndios procuram no além-mar outros paraísos que
os confortem, apesar da superprodução de bananas. Do encontro desses esfuziantes destroços, nascem
minúsculas povoações cheias de idéias, academias e três refeições por dia, cercadas de fome e burrice por todos
os lados. (Belém – Portugal – 1998)
(BONASSI, Fernando. Passaporte. São Paulo: Cosac & Naify, 2001)
Texto 2
249
(Disponível em: <http://www.google.com.br/imgres?um=1&hl=pt->. Acesso em: 5 set. 2013).
Texto 3
Carta de Pero Vaz
A terra mui graciosa,
Tão fértil eu nunca vi.
A gente vai passear,
No chão espeta um caniço, No dia seguinte nasce
Bengala de castão de oiro.
Tem goiabas, melancias,
Banana que nem chuchu. Quanto aos bichos, tem-nos muitos,
De plumagens mui vistosas.
Tem macaco até demais
Diamantes tem à vontade Esmeraldas é para os trouxas.
Reforçai, Senhor, a arca,
Cruzados não faltarão, Vossa perna encanareis,
Salvo o devido respeito.
Ficarei muito saudoso
Se for embora daqui. (MENDES, Murilo; STEGAGNO PICCHIO, Luciana. História do Brasil: 1932. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991).
Texto 4
250
(Disponível em: <http://difusoraou.dominiotemporario.com/noticia.php?pageNum_categoria=1&totalRows_ categoria=16&title=19-de-abril-dia-do-indio-dia-do-exercito-brasileiro-e-dia-de-santo-expedito>. Acesso em: 7
set. 2013).
ATIVIDADE DE LEITURA G
Lendo provérbios em uma canção
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se
os alunos identificam a relação entre a canção e os provérbios populares com que dialoga; e, por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas
parafraseiam o que leem.
Orientações:
1. Entregar cópias da canção, Bom Conselho, de Chico Buarque, e, em círculo, promover uma interação em que todos os alunos possam se manifestar, expressando suas
impressões sobre a canção após realizarem uma leitura silenciosa dela e ouvirem-na.
2. Orientar a discussão sobre a canção com base em um roteiro de questões elaboradas a partir de descritores elencados pelo SAEB e relacionadas à leitura do texto, quais sejam:
a. Você consegue identificar o(s) texto(s) retomado(s) na música de Chico Buarque?
Qual(is)? b. Quais são as transformações que o artista promove nesses textos retomados quando
cita-os em sua música?
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c. Essas transformações acarretam uma mudança no sentido desses textos (provérbios)? Explique-as.
d. Com que(quais) finalidade(s) utilizamos provérbios em nosso cotidiano? Que importância eles podem ter?
e. Considerando o que você respondeu na pergunta anterior, reflita sobre o(s) objetivo(s) pelo(s) qual(is) Chico Buarque retoma esses provérbios em sua música
e de um modo peculiar. f. O título da canção é “Bom conselho”. Que relação ele pode estabelecer com o que
é dito ao longo da canção? São “bons conselhos”? Em que sentido? g. Que efeito de sentido o artista pretende produzir neste texto? Por quê? Como é
possível perceber isso?
3. Solicitar que produzam um texto, em torno de 10 a 15 linhas, comentando a leitura realizada. Recolhê-lo ao final da atividade.
TEXTOS UTILIZADOS:
Bom Conselho
Ouça um bom conselho (Se conselho fosse bom, ninguém daria, venderia)
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa (Dorme, que a dor passa) Espere sentado (Tudo alcança quem não espera sentado)
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança (Quem espera, sempre alcança)
Venha, meu amigo Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo (Quem brinca com fogo acaba se queimando)
Venha se queimar
Faça como eu digo (Faça o que eu digo, não faça o que eu faço) Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar (Pense duas vezes antes de agir)
Corro atrás do tempo (Não se deve correr atrás do vento)
Vim de não sei onde Devagar é que não se vai longe (Devagar se vai ao longe)
Eu semeio o vento (Quem semeia vento, colhe tempestade)
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade (HOLLANDA, Chico Buarque de; VELOSO, Caetano. Caetano e Chico juntos e ao vivo. Rio de Janeiro: Polygram/Philips, 1972).
ATIVIDADE DE LEITURA H
Lendo política e religião em uma crônica
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se
os alunos identificam a relação entre a crônica e o(s) demais discurso(s) com que dialoga; e, por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante do que leem ou se apenas
parafraseiam o que leem.
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Orientações:
1. Entregar cópias da crônica, A primeira pedra, de Luís Fernando Veríssimo, publicada em 29 de março de 2012, em O Estado de S. Paulo. Em círculo, promover uma
interação em que todos os alunos possam se manifestar, expressando suas impressões sobre a crônica. Solicitar uma leitura silenciosa e, em seguida, uma leitura em voz alta.
2. Orientar a discussão sobre a canção com base em um roteiro de questões elaboradas a
partir de descritores elencados pelo SAEB e relacionadas à leitura do texto, quais sejam:
a. Você consegue identificar o(s) texto(s) retomado(s) na crônica de Luís Fernando Veríssimo? Qual(is)?
b. Quais são as transformações que o cronista promove no texto retomado quando cita-o em sua crônica?
c. Essas transformações acarretam uma mudança no sentido desse texto (história bíblica)? Explique-as.
d. Qual(quais) é (são) a(s) finalidade(s) da produção dessa história bíblica no passado?
e. Considerando o que você respondeu na pergunta anterior, reflita sobre o(s) objetivo(s) pelo(s) qual(is) Luís Fernando Veríssimo retoma essa história bíblica
em sua crônica. f. Observe o final do texto. Se ele tivesse sido encerrado em “Evitem a hipocrisia e o
moralismo relativo – diz Jesus”, o sentido que construímos seria o mesmo que o da crônica completa? Fale sobre isso.
g. Que efeito de sentido o cronista pretende produzir neste texto? Por quê? Como é possível perceber isso?
3. Solicitar que produzam um texto, em torno de 10 a 15 linhas, comentando a leitura
realizada. Recolhê-lo ao final da atividade.
TEXTO UTILIZADO:
A primeira pedra 29 de março de 2012 | 3h 11 Luiz Fernando Veríssimo – O Estado de S. Paulo E os fariseus trouxeram a Jesus uma mulher apanhada em adultério, e perguntaram a Jesus se ela não deveria ser apedrejada até a morte, como mandava a lei de Moisés. E disse Jesus: aquele entre vós que estiver sem pecado que atire a primeira pedra. E a vida da mulher foi poupada, pois nenhum dos seus acusadores era sem pecado. Assim está na Bíblia, evangelho de São João 8, 1 a 11. Mas imagine que a Bíblia não tenha contado toda a história. Tudo o que realmente aconteceu naquela manhã, no Monte das Oliveiras. Na versão completa do episódio, um dos fariseus, depois de ouvir a frase de Jesus, pega uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, dizendo “Eu estou sem pecado!” - Pera lá - diz Jesus, segurando o seu braço. - Você é um adúltero conhecido. Larga a pedra. - Ah. Pensei que adultério só fosse pecado para as mulheres - diz o fariseu, largando a pedra. Outro fariseu junta uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, gritando “Nunca cometi adultério, sou puro como um cordeiro recém-nascido!”. - Falando em cordeiro - diz Jesus, segurando o seu braço também - e aquele rebanho que você foi encarregado de trazer para o templo, mas no caminho desviou 10% para o seu próprio rebanho? - Nunca ficou provado nada! - protesta o fariseu. - Mas eu sei - diz Jesus. - Larga a pedra. Um terceiro fariseu pega uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a adúltera, dizendo: “Não só não sou corrupto como sempre combati a corrupção. Fui eu que denunciei o escândalo da propina paga mensalmente a sacerdotes para apoiar os senhores do templo”. - Mas foste tu o primeiro a receber propina - diz Jesus, segurando seu braço.
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- No meu caso foi para melhor combater a corrupção! - Larga a pedra. Um quarto fariseu junta uma pedra do chão e prepara-se para atirá-la contra a mulher, dizendo: “Não tenho pecados, nem da carne, nem de cupidez ou ganância!”. - Ah, é? - diz Jesus, segurando o seu braço. - E aquela viúva que exploravas, tirando-lhe todo o dinheiro? - Mas isto foi há muito tempo, e a mulher já morreu. - Larga a pedra, vai. E quando os fariseus se afastam, um discípulo pergunta a Jesus: - Mestre, que lição podemos tirar deste episódio? - Evitem a hipocrisia e o moralismo relativo - diz Jesus. E, pensando um pouco mais adiante: - E, se possível, a política partidária. (Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-primeira-pedra-,854897,0.htm>. Acesso em: 23 nov. 2013).
ATIVIDADE DE LEITURA I
Lendo sobre corrupção no passado e no presente
Objetivo: Verificar se os alunos reconhecem a(s) voz(es) que permeia(m) o texto lido em sala, construindo sentido(s) para ele(s) a partir das práticas de leitura de cada um; observar se
os alunos identificam e compreendem a relação entre a canção e o poema Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga; e, por fim, verificar se os alunos são capazes de se posicionar diante
do que leem ou se apenas parafraseiam o que leem.
Orientações:
1. Solicitar, por meio de uma questão de prova, que os alunos comentem em, no mínimo, 15 e, no máximo, 30 linhas, a canção Pega ladrão, de Gabriel, o Pensador,
relacionando-a em termos do interdiscurso que a constitui.
TEXTOS UTILIZADOS:
Texto 1 Cartas chilenas (Tomás Antônio Gonzaga)
Prólogo
Amigo leitor, arribou a certo porto do Brasil, onde eu vivia, um galeão, que vinha das Américas espanholas.
Nele se transportava um mancebo, cavalheiro instruído
nas humanas letras. Não me foi dificultoso travar, com
ele, uma estreiteza amizade e chegou a confiar-me os manuscritos que trazia. Entre eles encontrei as Cartas
chilenas, que são um artificioso compêndio das
desordens que fez no seu governo Fanfarrão Minésio,
general de Chile. [...]
Carta 8
“As casas, os cativos, mais as roças,
Agora, Fanfarrão, agora falo
Contigo, e só contigo. Por que causa
Ordenas que se faça uma cobrança Tão rápida e tão forte contra aqueles
Que ao erário só devem tênues somas?
Não tens contratadores, que ao rei devem
Texto 2 Pega Ladrão! (Gabriel O Pensador)
“– Vossa Excelência, agora explique, mas não
complique! – Vossa Excelência, eu já expliquei! Eu não vi essa
lista. Eu afirmo com a mais absoluta certeza e
sinceridade Que eu nunca vi essa lista! Não sei dessa
lista, não quero saber e tenho raiva de quem sabe! Quem disser que eu vi essa lista é um mentiroso, E vai
ter que provar! E se provar, vai se ver comigo!”
Pega ladrão! No Governo!
Pega ladrão! No Congresso! Pega ladrão! No Senado!
Pega lá na Câmara dos Deputados!
Pega ladrão! No Palanque! Pega ladrão! No Tribunal!
É por causa desses caras
Que tem gente com fome
Que tem gente matando etc. e tal... Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) A miséria só existe porque tem
corrupção!
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De mil cruzados centos e mais centos?
Uma só quinta parte, que estes dessem, Não matava, do erário, o grande empenho?
O pobre, porque é pobre, pague tudo,
E o rico, porque é rico, vai pagando
Sem soldados à porta, com sossego! Não era menos torpe, e mais prudente
Que os devedores todos se igualassem?
Que, sem haver respeito ao pobre ou rico,
Metessem, no erário, um tanto certo, À proporção das somas que devessem?
Indigno, indigno chefe! Tu não buscas
O público interesse. Tu só queres
Mostrar ao sábio augusto um falso zelo, Poupando, ao mesmo tempo, os devedores,
Os grossos devedores, que repartem
Contigo os cabedais, que são do reino.
Talvez, meu Doroteu, talvez que entendas Que o nosso Fanfarrão estima e preza
Os rendeiros que devem, por sistema:
Só para ver se os ricos desta terra,
A força de favores animados, Se esforçam a lançar nas régias rendas.”
(GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu &,
Cartas chilenas. 5.ed. São Paulo: Ática, 1999).
Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) Tira do Poder, Bota na prisão! E você que é um simples mortal
Levando uma vidinha legal
Alguém já te pediu 1 real?
Alguém já te assaltou no sinal? Você acha que as coisas vão mal?
Ou você tá satisfeito?
Você acha que isso é tudo normal?
Você acha que o país não tem jeito? Aqui não tem terremoto
Aqui não tem vulcão
Aqui tem tempo bom
Aqui tem muito chão Aqui tem gente boa
Aqui tem gente honesta
Mas no poder é que tem gente que não presta
“Eu fui eleito e represento o povo brasileiro. Confie em mim que eu tomo conta do dinheiro.”
Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) A miséria só existe porque tem
corrupção! Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) Tira do Poder, Bota na prisão!
Tira esse malando do poder executivo!
Tira esse malandro do poder judiciário! Tira esse malandro do poder legislativo!
Tira do poder que eu já cansei de ser otário!
Tira esse malandro do poder municipal!
Tira esse malandro do governo estadual! Tira esse malandro do governo federal!
Tira a grana deles e aumenta o meu salário!
“– Tá vendo essa mansão sensacional? Comprei com o
dinheiro desviado do hospital. – Ah! E o meu cofre cheio de dólar? É o dinheiro que
seria pra fazer mais uma escola.
– Precisa ver minha fazenda! Comprei só com o
dinheiro da merenda! – E o meu filhão? Um milhão só de mesada! E tudo
com o dinheiro das crianças abandonadas.
– E a minha esposa não me leva à falência Porque eu
tapo esse buraco com o rombo da Previdência. – Vossa excelência, cê não viu meu avião? Comprei
com uma verba que era pra construir prisão!
– E a superlotação?
– Problema do povão! Não temos imunidade? Pra nós não pega não.”
Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) A miséria só existe porque tem
corrupção! Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) Tira do Poder, Bota na prisão!
A miséria só existe porque tem corrupção Desemprego só aumenta porque tem corrupção
Violência só explode porque tem tanta miséria e
desemprego
Porque tem tanta corrupção! “Todos que me conhecem sabem muito bem que eu
não admito o enriquecimento do pobre e o
empobrecimento do rico.”
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E você, que nasceu nesse país
E que sonha e que sua pra ser feliz Você presta atenção no que o candidato diz?
Ou cê vota em qualquer um, seu babaca?
E depois da eleição você cobra resultado?
Ou fica ai parado de braço cruzado? Cê lembra em quem votou pra deputado?
E quem você botou lá no Senado?
Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) A miséria só existe porque tem corrupção!
Pega, pega!
Pega, pega ladrão! (3x) Tira do Poder, Bota na prisão!
“– Como vocês suspeitavam, eu realmente vi essa lista. Eu vi, mas não li. E digo mais, eu engoli. Pra que
ninguém lesse também. E foi com a melhor das
intenções. Burlei a Lei, mas com toda honestidade!
– Vossa Excelência engoliu a lista? – Bem, eu a coloquei para dentro do meu organismo,
num lugar seguro e escuro. De modo que pra todos os
efeitos, sendo assim desta maneira, eu me reservo ao
direito de não dizer nada mais. Tá tudo publicado nos anais.
– Mas ontem o senhor falou que não viu a lista. Hoje o
senhor fala que viu a lista. E amanhã o senhor...
– Ah! Amanhã ninguém lembra mais! E o caso da lista vai entrar prá lista dos casos, os casos que ficaram pra
trás...” O PENSADOR, Gabriel. Seja Você Mesmo (mas não Seja
sempre o Mesmo). Rio de Janeiro: SonyMusic, 2001).