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VOZES E CONTRA-VOZES DE UM DISCURSO UNIVERSITÁRIO LUSÓFONO: COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA UNIVERSIDADE DA INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA UNILAB FRANCISCA MÔNICA RODRIGUES DE LIMA SÃO PAULO 2017

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VOZES E CONTRA-VOZES DE UM DISCURSO UNIVERSITÁRIO

LUSÓFONO: COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA UNIVERSIDADE DA

INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA –

UNILAB

FRANCISCA MÔNICA RODRIGUES DE LIMA

SÃO PAULO

2017

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FRANCISCA MÔNICA RODRIGUES DE LIMA

VOZES E CONTRA-VOZES DE UM DISCURSO UNIVERSITÁRIO

LUSÓFONO: COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA UNIVERSIDADE DA

INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA –

UNILAB

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação (PPGE), da

Universidade Nove de Julho (UNINOVE),

como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Pedro da Silva

SÃO PAULO

2017

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Lima, Francisca Mônica Rodrigues de.

Vozes e contra-vozes de um discurso universitário lusófono:

cooperação internacional na Universidade da Integração Internacional da

Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB. / Francisca Mônica Rodrigues de

Lima. 2017.

181 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Nove de Julho - UNINOVE,

São Paulo, 2017.

Orientador (a): Prof. Dr. Maurício Pedro da Silva.

1. Cooperação. 2. Integração. 3. Internacionalização. 4. Lusofonia.

I. Silva, Maurício Pedro da. II. Título.

CDU 37

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VOZES E CONTRA-VOZES DE UM DISCURSO UNIVERSITÁRIO

LUSÓFONO: COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA UNIVERSIDADE DA

INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL DA LUSOFONIA AFRO-BRASILEIRA –

UNILAB

FRANCISCA MÔNICA RODRIGUES DE LIMA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação (PPGE), da

Universidade Nove de Julho (UNINOVE),

como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em Educação.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________________

Professor Doutor Maurício Pedro da Silva – Orientador, UNINOVE/SP

_____________________________________________________________________

Professor Doutor José Eduardo de Oliveira Santos – Titular, UNINOVE/SP

______________________________________________________________________

Professor Doutor Daniel Pansarelli – Titular, UFABC/SP

______________________________________________________________________

Professor Doutor Manuel Tavares Gomes – Suplente, UNINOVE/SP

______________________________________________________________________

Professora Doutora Diana Navas – Suplente, PUC/SP

São Paulo,____ de ________ de 2017.

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Às memórias de meu pai, Severino Rodrigues

de Lima, e de minha avó, Indalícia Furtado de

Souza (Dazinha), pelos diálogos e

ensinamentos que despertaram meu olhar

sensível. Minha plena gratidão.

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AGRADECIMENTOS

A Deus e aos meus guias espirituais pela saúde, força e determinação.

À Yalorixá Ivete Urdiali De Freitas, dirigente espiritual do Grupo Espírita

Prosperidade e Luz (GEPEL), e aos amigos espirituais representados pelos médiuns:

Adilson Batista Macario, Adna Lima, Adriana Gare Carnielli, Afra Ferreira Da Silva,

Alberto Aparecido Monteiro, Alex Sandro Teixeira Da Costa Camera, Alexandre

Silvestre, Aline Aparecida Gomes Rosa, Anderson Da Silva Gimenes, Anderson

Hernandes, Andreza Fernandez, Andrezza Serra, Anubis Savoia De Almeida, Aristides

Vasconcelos Duarte, Beatriz Carnielli, Bruna Alethea Costa Mello, Bruno Auricchio,

Bruno Cerqueira Binatti, Bruno Fernandes, Carla Cenedesi, Carla Cristina Oshiro,

Carlos Eduardo Silva Duarte, Carlos Peri Tupinamba Duarte, Linley Carol Lucchese,

Clarissa De Sales Modolo Silva, Claudia Sirlene Manzoli Sepero, Claudete Fernandes

Seco, Cledineides Leal Moraes, Clovis Bernardini Mahineister, Daiane Bento, Danieli

Bento, Daniella Pedrosa Santos Da Silva, Danilo Silva Bento, Debora Cristina Borges,

Denis Henrique Silva Mendes, Denis Urdiali De Freitas, Denise Angela Reina, Denise

Carvalho, Diego Apolinario, Douglas De Paula Mariano, Douglas Silva Ribeiro, Edson

Dos Santos Jordão, Eduardo Alves Lopes, Eduardo Silva Ferreira, Eduardo Urdiali De

Freitas, Elaine Antunes Marques, Elaine Cristina O. Santos, Eliane Correia Duarte,

Elaine Mesquita, Elizandra Iara De Paula, Elizangela Silva Cruz, Erica Fabiana Gama

Nass, Erika Patricia Bernardini, Eurico Urdiale, Felipe Nass, Fernanda Barros

Guimarães, Fernanda Cristina Moraes, Fernanda Urdiali Da Silva, Heloisa Dellamore,

Ingrid Urdiali Miranda, Irene Urdiali De Gois, Irene Cardoso Almeida, Isabella Urdiali

Miranda, Ítalo Luiz Oshiro, Ivone Urdiali Sequitin, Jessica Cristina Criolezio, João

Henrique Dutra, Jose Alves Arruda, Jose Alves Arruda, Josiely Okamatsu, Katia Regina

Guerra, Laerte Tieghi, Laudo Suzuki, Leila Moreira Gushi, Leticia Silva Espirito Santo,

Liane Moreira, Lidiane Dumere, Loula Magna Volpato, Luciana Batista Macario,

Manoel Francisco Fernandes, Manoel Kingelbt, Marcelo De Souza, Marcelo Sepero,

Marcelly Ferreira Neves, Marcia Aparecida M. Criolezio, Marcia Maria Fernandes De

Souza, Marcia Urdiali da Silva, Marcos Roberto da Silva, Marcos Roberto Mauro,

Margarete Ap. Silva Mauro, Margarida Maria Pinheiro Grieco, Maria Aparecida de

Jesus Lima, Maria Aparecida Landin, Maria Aparecida Oliveira G.Rosa, Maria Claudia

de Souza, Maria da Natividade Ferreira, Maria de Fatima S. Espirito Santo, Maria de

Lourdes Gaspari Fernandes, Maria Lessa Klingelst, Maria Silvana Silva, Maria

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Vanderléa Souza Santos, Mariana dos Santos Munhoz, Marina Urdiali, Michelle

Rodrigues Hotero, Natalia Kiseliovas Mota, Neide Santos, Neize da Silva Magalhães,

Nelson Alves Godoy Filho, Nicolly Cenedesi, Paulo Rogerio R. Figueira, Raquel

Stasionisas Gimenes, Regina Paschoalato de Godoy, Renan de Jesus Moraes, Renata

Ap. Gomes Rosa, Renata Goi, Robson Gushi de Oliveira, Rosangela A. Paes Urdiali da

Silva, Rosena Aparecida Carvalho, Rubens Trevisioli Junior, Samantha Criolezio,

Sandra Ribeiro S. Pedroso, Sandro Cesar da Silva, Sergio Pedroso, Sidneia Cristina

Moraes, Silvio Jose Rosa, Sonia Regina Marques, Suzan Cristina Pires, Tarcisio

Munhoz, Tatiani Sequetin da Silva, Telma Silva A. Rio, Thereza Maria Araujo, Vagner

Firmino Roque, Vaneide de Noronha Rodrigues, Vitor Urdiali da Silva, Viviane

Cristina S. Leite, Edna Lino Macario, Anderson Klingelbt e Gabriel Silva Espirito

Santo.

À minha mãe Evanda Mendes de Lima e aos meus irmãos Miriam Rodrigues de

Lima e Ezequiel Rodrigues de Lima pelo apoio, amor e carinho.

Ao amigo e irmão Antonio Germano por me apresentar o mestrado em Educação

na Uninove com amizade incondicional.

Ao meu orientador Maurício Pedro da Silva pela amizade e apoio imensurável

para a efetivação dessa pesquisa.

Aos professores José Eduardo de Oliveira Santos e Manuel Tavares Gomes

pelos diálogos frutíferos e indicações de leituras.

Aos novos amigos que conquistei ao longo do mestrado e que me deram força

com carinho e respeito: Neide Silva, Sandra Gomes, Cláudia Oliveira, Fernando Leonel,

Régia Vidal, Telma Martins, Evangelita Nóbrega, Mônica Abud Luz e Maria Lúcia.

À Cristiane de Marco Soares, Alex, Juliana, Jennifer Lopes e Aline pela

delicadeza, simpatia e carinho.

Ao amigo João Carlos Novais Luz pelos diálogos no âmbito da educação que

acentuaram minha postura crítica motivando minha luta constante.

À Universidade Nove de Julho pela concessão da bolsa Prosupi.

Minha gratidão!

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A Carne

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que vai de graça pro presídio

E para debaixo de plástico

Que vai de graça pro subemprego

E pros hospitais psiquiátricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que fez e faz história

Segurando esse país no braço

O cabra aqui não se sente revoltado

Porque o revólver já está engatilhado

E o vingador é lento

Mas muito bem intencionado

E esse país

Vai deixando todo mundo preto

E o cabelo esticado

Mas mesmo assim

Ainda guardo o direito

De algum antepassado da cor

Brigar sutilmente por respeito

De algum antepassado da cor

Brigar bravamente por respeito

De algum antepassado da cor

Brigar por justiça e por respeito

De algum antepassado da cor

Brigar, brigar, brigar

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Marcelo Yuka, Ulisses Cappelletti e Seu Jorge

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LIMA, Francisca Mônica Rodrigues de. Vozes e contra-vozes de um discurso

universitário lusófono: cooperação internacional na Universidade da Integração

Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB. 2017. 181p. Dissertação

(Mestrado em Educação) – Universidade Nove de Julho, São Paulo, 2017.

RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo as estratégias discursivas presentes nos

acordos de cooperação entre a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia

Afro-Brasileira (UNILAB) e instituições portuguesas e africanas com o objetivo de

identificar as vozes e contra-vozes que emergem do discurso universitário lusófono.

Essa instituição, criada pela Lei nº 12.289, de 20 de julho de 2010, e instalada em 25 de

maio de 2011, promove a interiorização da educação superior buscando integrar o Brasil

e os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Angola,

Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Brasil, Portugal e

Timor-Leste (Ásia). Como a formação e integração do alunado é um dos propósitos

desta universidade, conta com corpos docente e discente provenientes não só das várias

regiões do Brasil, mas também de outros países, além do estabelecimento e execução de

convênios temporários ou permanentes com outras instituições da CPLP,

desenvolvimento local com o intercâmbio cultural, científico e educacional da região. A

lusofonia tem como base a língua portuguesa comum a todos os países que integram a

proposta da UNILAB e envolve questões sociais, econômicas e de estratégia geopolítica

para os países que a compõem. A questão que orientou a investigação foi: Em que

medida os acordos entre instituições portuguesas e africanas e a UNILAB se orientam

por uma ideologia neocolonialista de integração entre o Brasil e os países membros da

CPLP? Nesse sentido, nossa dissertação tem como objetivos específicos: identificar e

analisar a palavra cooperação, presente nos acordos de estudo, e a construção de seus

sentidos a partir de um determinado contexto na elaboração de estratégias discursivas

que desvelem aspectos da colonização e da colonialidade no âmbito da

internacionalização. As hipóteses levantadas foram: A proposta de integração, presente

nos acordos entre instituições portuguesas e africanas e a UNILAB, é uma estratégia

discursiva de manutenção de uma ideologia neocolonialista; a cooperação e a integração

são estratégias discursivas de construção de um espaço multicultural para a manutenção

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de uma ideologia neocolonialista. Os teóricos que fundamentaram a análise dos acordos

foram Mikhail Bakhtin, Aníbal Quijano e Walter Mignolo.

Palavras-chave: Cooperação. Integração. Internacionalização. Lusofonia.

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LIMA, Francisca Mônica Rodrigues de. Voices and counter-voices of a Lusophone

university discourse: international cooperation at the University of International

Integration of Afro-Brazilian Lusophony - UNILAB. 2017. 181p. Dissertation (Master

in Education) - University Nove de Julho, São Paulo, 2017.

ABSTRACT

The present study has the purpose of studying the discursive strategies present in the

cooperation agreements between the University of International Integration of Afro-

Brazilian Lusophony (UNILAB) and Portuguese and African institutions with the

objective of identifying the voices and counter-voices that emerge from discourse

University. This institution, created by law no. 12,289, of July 20, 2010, and installed

on May 25, 2011, promotes the internalization of higher education in order to integrate

Brazil and the member countries of the Community of Portuguese Speaking Countries

(CPLP): Angola, Cape Verde, Guinea Bissau, Mozambique, Sao Tome and Principe,

Brazil, Portugal and Timor-Leste (Asia). Since the formation and integration of the

student is one of the purposes of this university, it has teaching and student bodies

coming not only from various regions of Brazil, but also from other countries, besides

the establishment and execution of temporary or permanent agreements with other

institutions of the CPLP, local development with the cultural, scientific and educational

exchange of the region. Lusophony is based on the Portuguese language common to all

countries that integrate the UNILAB proposal and involves social, economic and

geopolitical issues for the countries that make up the UNILAB proposal. The question

that guided the research was: To what extent do the agreements between Portuguese and

African institutions and UNILAB be guided by a neocolonialist ideology of integration

between Brazil and the member countries of the CPLP? In this sense, our dissertation

has as specific objectives: to identify and analyze the word cooperation, present in the

agreements of study, and the construction of its senses from a determined context in the

elaboration of discursive strategies that reveal aspects of colonization and coloniality

within the scope of internationalization. The hypotheses raised were: The integration

proposal, present in the agreements between Portuguese and African institutions and

UNILAB, is a discursive strategy of maintaining a neocolonialist ideology; Cooperation

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and integration are discursive strategies of building a multicultural space for the

maintenance of a neocolonialist ideology. The theorists who founded the analysis of the

agreements were Mikhail Bakhtin, Aníbal Quijano and Walter Mignolo.

Keywords: Cooperation. Integration. Internationalization. Lusophony.

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LIMA, Francisca Monica Rodrigues. Voces y contra-voces de un discurso

universitario de habla portuguesa: la cooperación internacional en la Universidad de

Integración Internacional africanos de habla portuguesa-brasileña - UNILAB. 2017

181p. Disertación (Maestría en Educación) - Universidad Nueve de Julio de Sao Paulo,

2017.

RESUMEN

La presente investigación tiene como objeto de estudio las estrategias discursivas

presentes en los acuerdos de cooperación entre la Universidad de la Integración

Internacional de la Lusofonía Afro-Brasileña (UNILAB) e instituciones portuguesas y

africanas con el objetivo de identificar las voces y contra-voces que emergen del

discurso universitario lusófono. Esta institución, creada por la ley nº 12.289, de 20 de

julio de 2010, e instalada el 25 de mayo de 2011, promueve la interiorización de la

educación superior buscando integrar a Brasil ya los países miembros de la Comunidad

de los Países de Lengua Portuguesa (CPLP): Angola, Cabo Verde, Guinea-Bissau,

Mozambique, Santo Tomé y Príncipe, Brasil, Portugal y Timor Oriental (Asia). Como

la formación e integración del alumnado es uno de los propósitos de esta universidad,

cuenta con cuerpos docentes y discentes provenientes no sólo de las diversas regiones

de Brasil, sino también de otros países, además del establecimiento y ejecución de

convenios temporales o permanentes con otras instituciones de la CPLP desarrollo local

con el intercambio cultural, científico y educativo de la región. La lusofonía tiene como

base la lengua portuguesa común a todos los países que integran la propuesta de la

UNILAB e involucra cuestiones sociales, económicas y de estrategia geopolítica para

los países que la componen. La cuestión que orientó la investigación fue: ¿En qué

medida los acuerdos entre instituciones portuguesas y africanas y la UNILAB se

orientan por una ideología neocolonialista de integración entre Brasil y los países

miembros de la CPLP? En este sentido, nuestra disertación tiene como objetivos

específicos: identificar y analizar la palabra cooperación, presente en los acuerdos de

estudio, y la construcción de sus sentidos a partir de un determinado contexto en la

elaboración de estrategias discursivas que desvían aspectos de la colonización y la

colonialidad en el ámbito de la internacionalización. Las hipótesis planteadas fueron: La

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propuesta de integración, presente en los acuerdos entre instituciones portuguesas y

africanas y la UNILAB, es una estrategia discursiva de mantenimiento de una ideología

neocolonialista; La cooperación y la integración son estrategias discursivas de

construcción de un espacio multicultural para el mantenimiento de una ideología

neocolonialista. Los teóricos que fundamentaron el análisis de los acuerdos fueron

Mikhail Bakhtin, Aníbal Quijano y Walter Mignolo.

Palabras clave: Cooperación. Integración. Internacionalización. Lusofonía.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Cursos de graduação campus Palmares em Acarape (CE)...................65

Quadro 2 - Cursos de graduação presencial campus Liberdade (CE) e Malês (BA)............66

Quadro 3 - Especialização Presencial campus Liberdade em Redenção (CE).......67

Quadro 4 - Cursos de graduação presencial campus Malês (BA).............................................68

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABC/MRE - Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores

AHN - Arquivo Histórico Nacional

ANDES - Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

CAPES - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior

CDID - Centro de Documentação e de Informação para o Desenvolvimento

CENFA - Centro de Formação e Aperfeiçoamento Administrativo

CEPS - Centro de Estudos Políticos e Sociais

CFE - Conselho Federal de Educação

CGCPLP-DEAF/MRE - Coordenação Geral da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa do Departamento da África do Ministério das Relações Exteriores

CNE - Conselho Nacional de Educação

CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa

CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

CTPD - Cooperação Técnica para o Desenvolvimento

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio

EUA - Estados Unidos da América

FASUBRA - Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras

FMI - Fundo Monetário Internacional

FUFCSPA - Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

GRE - Graduate Records Examination

IES - Instituições de Ensino Superior

IFES - Instituições Federais de Ensino Superior

IIC - Instituto de Investigação Cultural

INDP - Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas

INERG - Instituto Nacional de Energia

INIDA - Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário

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IP - Instituto Pedagógico

IPC - Instituto Politécnico de Coimbra

ISCED Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda

ISCEE - Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais

ISE - Instituto Superior de Educação

ISECMAR - Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar

ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica

LDB - Lei de Diretrizes e Bases

LEC - Laboratório de Engenharia de Cabo Verde

MEC - Ministério da Educação

NEPAD - Nova Parceria para o Desenvolvimento Econômico da África

OBEDUC - Observatório de Educação da Universidade Nove de Julho

PALOPS - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PNAP - Programa Nacional de Formação em Administração Pública

PROUNI - Programa Universidade para Todos

PT - Partido dos Trabalhadores

REUNI - Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

RIJES - Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior

RIPES - Rede de Instituições Públicas de Educação Superior

RNIPFES - Rede Nacional de Instituições Públicas Federais de Ensino Superior

SEPPIR - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SISU - Sistema de Seleção Unificada

UA - União Africana

UAB - Universidade Aberta do Brasil

UC - Universidade de Coimbra

UDF - Universidade do Distrito Federal

UFABC - Universidade Federal do ABC

UFAM - Universidade Federal do Amazonas

UFCA - Universidade Federal do Cariri

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UFERSA - Universidade Federal Rural do Semi-Árido

UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul

UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados

UFOB - Universidade Federal do Oeste da Bahia

UFRB - Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFSB - Universidade Federal do Sul da Bahia

UFT - Universidade Federal do Tocantins

UFTM - Universidade Federal do Triângulo Mineiro

UFVJM - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

UnB - Universidade de Brasília

UNE - União Nacional dos Estudantes

UNIAM - Universidade Federal da Integração da Amazônia Continental

Uni-CV - Universidade de Cabo Verde

UNIFAL - Universidade Federal de Alfenas

UNIFESSPA - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

UNILA - Universidade Federal da Integração Latino-Americana

UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

UNIPAMPA - Universidade Federal do Pampa

UNIVASF - Universidade Federal do Vale do São Francisco

URJ - Universidade do Rio de Janeiro

USAID - United States Agency for International Development

USP - Universidade de São Paulo

UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.....................................................................................................21

INTRODUÇÃO..........................................................................................................27

CAPÍTULO I - TERRA À VISTA: A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL..35

1. A Europa na educação superior brasileira..........................................................35

1.1. Reformas em mares nunca navegados...............................................................39

1.2. Da construção fragmentada à formação da universidade no Brasil...............47

1.3. Reforma de 1968 na formação da crise universitária.......................................50

1.4.Processo de Bolonha na reconfiguração da educação superior

europeia.................................................................................................................53

1.5. Processo de Bolonha no espaço unificado da Educação Superior na América

Latina.....................................................................................................................55

1.6. Caminhos para a universidade popular..............................................................57

2. UNILAB: África, Portugal e Brasil na internacionalização da educação

superior..........................................................................................................................62

2.1. A cidade de Redenção............................................................................................62

2.2. Campi da UNILAB e cursos universitários..........................................................65

2.2.1. Processo seletivo de estudantes brasileiros e estrangeiros..............................68

2.2.2. Internacionalização da educação superior brasileira......................................69

2.2.3.Convênios de cooperação internacional.............................................................71

CAPÍTULO II - LUSOFONIA: COLONIALIDADE, DESCOLONIZAÇÃO E

PALAVRA......................................................................................................................73

2.1. Lusofonia como linguagem do poder....................................................................73

2.2. Neoliberalismo e liberdade do sujeito....................................................................82

2.3. A colonialidade e a descolonização........................................................................85

2.4. A palavra e o signo ideológico em Mikhail Bakhtin............................................92

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CAPÍTULO III - COOPERAÇÃO ENTRE BRASIL, PORTUGAL E ÁFRICA....96

3. Fontes de pesquisa.....................................................................................................96

3.1. O contexto na construção dos sentidos da palavra cooperação..........................98

3.1.1. Universidade de Coimbra...................................................................................99

3.1.1.1. A cooperação no acordo entre a Universidade de Coimbra e a UNILAB.100

3.1.2. Instituto Politécnico de Coimbra......................................................................109

3.1.2.1. A cooperação no acordo entre Instituto Politécnico de Coimbra e a

UNILAB........................................................................................................................109

3.1.3. Universidade de Cabo Verde............................................................................117

3.1.3.1. Internacionalização........................................................................................118

3.1.3.2. A cooperação no acordo entre a Universidade de Cabo Verde e a

UNILAB....................................................................................................................... .118

3.1.4. Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda................................124

3.1.4.1. Cooperação Sul-Sul: Brasil e África na internacionalização......................125

3.1.4.2. A cooperação no acordo entre o Instituto Superior de Ciências da

Educação e a UNILAB................................................................................................127

3.2.Mais um olhar sobre a cooperação e os

acordos...................................................................................................................131

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................135

REFERÊNCIAS...........................................................................................................140

1.Bibliográficas............................................................................................................140

2.Sites............................................................................................................................147

ANEXOS.......................................................................................................................149

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21

APRESENTAÇÃO

O diálogo não é um produto histórico, é a própria

historicização. É ele, pois, o movimento constitutivo

da consciência que, abrindo-se para a infinitude,

vence intencionalmente as fronteiras da finitude e,

incessantemente, busca reencontrar-se além de si

mesma.

Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido)

Em vagar, bola vermelha flutuando no céu azul. Tudo brilhava. A luz

incandescente expulsou as nuvens do sertão de Pernambuco seco pelo calor

insuportável. O solo ficou marcado por veias onde não corria mais água e a vida lutava

para existir nas casas de sapé, nos animais e nas plantações.

“A fome e a miséria têm cara de herege” era o que minha avó, Dazinha, dizia

quando relembrava dos tempos de seca. Narrava as histórias numa tentativa de superar a

dor e vibrar a força para enfrentar os limites entre a vida e a morte. Quando fixava os

olhos eram ressecados pela paisagem ocre refletida em dura luz solar sem dar passagem

para as lágrimas.

No Sítio Baixa das Flores, sertão de Pernambuco, começou a lutar contra a seca

quando descobriu as palavras. Seu pai, meu bisavô, era homem de poucas posses, mas

suficientes para pagar uma professora particular. Foi assim que aprendeu a ler e

escrever. O sertão começou a ficar colorido com a descoberta da bíblia, reis, princesas,

castelos, assombrações e seres fantásticos que se tornaram seus amigos e confidentes.

Todos os dias à noite, os moradores iam à casa da minha avó para escutar as histórias

que ela lia, pois era a única pessoa alfabetizada naquela região. Depois de um tempo,

começou a ensinar todos a ler e a escrever no período de 1960 a 1970.

As suas filhas também se tornaram professoras, dentre elas, minha mãe, Evanda.

No entanto, também não puderam concluir, pois trabalhavam na roça, mas o que

sabiam, graças a minha avó, já era suficiente para alfabetizar. Minha mãe foi uma das

filhas que mais estudou. Aprendeu a ler e escrever em casa e depois foi estudar no

Grupo Escolar, localizado numa cidade próxima, Santa Cruz, desafiando as

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adversidades daquele contexto de miséria ao vestir saco de estopa e aproveitar o

mandacaru para comer e beber a água existente dentro dessa planta. Conseguiu concluir

a quarta série, tornou-se professora dessa escola e com o salário que recebia veio para

São Paulo, em 1976. Chegando aqui, a história dela se fundiu à história de tantos outros

nordestinos que fogem da seca, da fome e da miséria embalados por sonhos que

prometem uma vida melhor pautada no quem trabalha, come. Assim, foi trabalhar como

costureira e casou com meu pai, Severino que, trabalhando como vendedor ambulante e

feirante, comprou um boteco no Jardim Elba, bairro localizado na periferia da zona leste

de São Paulo.

Durante alguns anos, passamos por privações materiais, pois meu pai havia

comprado aquele comércio de maneira parcelada. O antigo proprietário vendeu porque

era vítima de assaltos constantes. Então, toda a família trabalhava no boteco dia e noite.

Minha mãe ficava durante a manhã com meus dois irmãos mais novos enquanto eu

limpava a casa e meu pai fazia comida típica de Pernambuco para vender. Depois,

minha mãe ia para casa, fazia o almoço e nos levava à escola. Eu, filha mais velha,

trabalhava com meu pai depois que chegava da escola até o bar fechar. Gostava de ficar

lá à noite, pois tinha música e muitos fregueses ligados ao Partido dos Trabalhadores

(PT) que iam beber e comer os pratos típicos feitos pelo meu pai: fava, caldo de mocotó,

mucunzá, sarapatel, feijão de corda, tripa de porco frita. Ficava observando e escutando

as histórias que contavam sobre o partido, que acabara de ser fundado, num contexto

recente de pós-ditadura militar, 1985.

Em uma das noites, estavam combinando, secretamente, assistir ao filme O

homem que virou suco. Escutei e perguntei para o meu pai se poderia ir e ele disse que

não. Perguntei por qual motivo não iria e ele disse que era impróprio para minha idade

de, aproximadamente, sete anos. Continuei observando os fregueses do PT e, quando

percebi que estavam saindo, fui atrás e segui-os até um galpão no fundo da igreja.

Fiquei escondida na porta e vi o padre Franco, também ligado ao PT, recebendo-os para

assistir àquele filme censurado pela ditadura militar. Assisti escondida e não entendi

nada. A atuação do partido estava na organização e articulação da comunidade, dos

moradores da favela, para lutar por melhorias naquele bairro extremamente pobre onde

ninguém queria morar graças às histórias de assaltos e homicídios. Era frequente ir à

padaria buscar pão pela manhã e encontrar uma pessoa assassinada coberta por um

jornal. Comecei a me interessar por política e lutas sociais nesta época.

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No boteco, atendi muitos bandidos, pais de família, prostitutas e travestis.

Gostava especialmente de atender uma mulher de meia idade. Não lembro o nome dela,

mas era alemã e tinha vindo para o Brasil depois que separou do marido por não ser

compreendida e aceita por ele, pois lia muito. Era poetisa. Sempre pedia a pinga “Três

Fazendas” e ficava no canto, sozinha, bebendo várias doses durante a tarde até a noite.

Conversávamos sobre livros e ela dizia que eu deveria ser escritora. Trazia alguns para

eu ler e conversar com ela depois. Ficamos amigas. Depois de algum tempo parou de

frequentar o boteco, pois estava com cirrose. Morreu meses depois. Além dela, tive

outros amigos que partiram por cirrose, infarto, assassinato e prisão: Mané do Ferro,

Sopinha, Lilico, Zé do Mé, travesti Michele e travesti Aderbal, Anatólio, Benê, Fofão,

Tostói (líder do PT do bairro), Negão Aceno, Pedrão do Correio, Zé do Táxi, Bulanga,

Marcão da Paralela, Edinho Tapeceiro, Zito e tantos outros.

Meu pai, Severino, era conhecido em todo o Jardim Elba por respeitar e

conversar com as pessoas sem distinção. Era convidado para festas na favela, onde me

levava, batizados, casamentos e aniversários. Sempre me aconselhava para a vida

explicando para eu conversar com todos, que ninguém é melhor ou pior do que eu, pois

eu preciso do outro e o outro precisa de mim, então se precisamos um do outro não

existe melhor nem pior. Trabalhávamos juntos e eu observava como era gentil e como

falava bem com todos. Achava bonito. Ele sabia assinar o nome e as quatro operações

numéricas, mas era muito articulado e sempre tinha uma opinião fundamentada sobre

diversos assuntos. Veio também de Pernambuco, da mesma região da minha mãe, eram

primos. Não estudou, pois só trabalhava na roça, mas sabia fazer qualquer tipo de conta

de cabeça. Tinha o raciocínio muito rápido para fazer contas e resolver problemas do

cotidiano.

Quando adolescente, aos treze anos, fui incentivada pela minha mãe a substituir

uma professora que ministrava aulas na igreja para adultos utilizando o Método Paulo

Freire. Fiquei, aproximadamente, dois meses e fui mais tocada pelas questões

complexas que envolvem a educação e as injustiças sociais ao dialogar com aqueles

adultos sobre a vida deles e porquê não estudaram quando crianças. As histórias sempre

tinham o mesmo final: precisaram trabalhar quando crianças na roça ou os pais não

tinham recursos financeiros para mandar o filho para a cidade estudar, ou ainda: o pai

não deixava a filha estudar, pois mulher tinha que casar e cuidar da casa. A professora

voltou e não ministrei mais aulas para aqueles senhores e senhoras, porém, não

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perdemos o contato, pois eram fregueses do boteco do meu pai. Depois, fui convidada

pela igreja a trabalhar durante uma semana com crianças portadoras de necessidades

especiais no “Cantinho da Esperança”, lugar mantido pela igreja e por doações

humanitárias e materiais da comunidade.

Nessa época, estava prestando o vestibular. Escolhi o curso de Letras por gostar

de Literatura, já que fui incentivada desde criança a ler. Fui aprovada na Universidade

Estadual Paulista, UNESP, campus Assis. Sai da casa dos meus pais, em 1997, rumo a

Assis na expectativa de voltar formada. Quando cheguei lá, fui morar em uma república

de evangélicas, pois o custo de todas as despesas da casa era baixo, cerca de 150 reais

por mês. Mas, mesmo assim, precisava trabalhar. Uma das moças, que também morava

nessa república, precisava de alguém para lavar suas roupas. Disse a ela que tinha

interesse e comecei a ganhar alguns trocados para tirar cópia dos textos. Mas não parou

por aí. Nas eleições de 1998, distribuía panfletos de candidatos a vereador na região

central de Assis por dez reais a semana, o que garantia a minha parte do aluguel, 50

reais.

Mais tarde, algumas moradoras da casa concluíram a faculdade e a república foi

dissolvida. Cada uma de nós partiu para lados diferentes. Quanto a mim, morei em

algumas repúblicas, sempre trabalhando para pagar as contas. Foi então que percebi

como era desigual a distribuição de bolsas na universidade. Sempre entrava no processo

seletivo, mas não conseguia. Não desisti, pois sabia que meus pais ansiavam pelo

diploma. Assim, continuei buscando me manter na universidade trabalhando

informalmente: revisei uma tese de doutorado em espanhol depois de traduzi-la para o

português tendo, por dia, o valor de 20 reais mais o almoço. Fui garçonete em um bar,

de quinta a domingo, ganhando 15 reais o dia trabalhado. Depois, fui trabalhar como

repórter, fotógrafa e revisora em jornais de Assis. Trabalhando aqui e ali, para me

equilibrar na corda bamba, me perguntava: como uma universidade pública privilegiava

na seleção de bolsas os privilegiados da sociedade? Andavam de carro e custeavam as

festas e academia de ginástica com o dinheiro da bolsa. Já os que precisavam do

dinheiro para manter sua dignidade custeando as necessidades básicas lutavam pra ficar,

muitas vezes passando por sérias privações. Comigo, na camada desses

desprivilegiados, estavam os negros, pobres e filhos de nordestinos que lutavam pelo

diploma, pois sabiam que seriam os únicos da família a cursar ensino superior.

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Em agosto de 2000, ano em que conclui a faculdade, comecei a trabalhar como

professora na Rede Estadual de Ensino de São Paulo em cidades do interior: Assis,

Paraguaçu Paulista, Tupã, Presidente Venceslau e Santo Anastácio. Em 2006, fui

aprovada no concurso público para professor da rede estadual de ensino de São Paulo e

fui trabalhar no bairro Cidade Tiradentes, localizado na periferia de São Paulo. Neste

lugar, existem mais de 40 mil unidades habitacionais construídas, na década de

1980, pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB)

e Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo

(CDHU).

Nesta escola, tive contato estreito com as carências de crianças e adolescentes

devido a muitos fatores, especialmente, a falta de diálogo e respeito em casa e na escola.

Percebi que esta pode ser uma das origens para a (de)formação de adolescentes tristes e

sem expectativas vagando em nuvens gigantes num estado de letargia. Ministrando aula

para o ensino médio e dialogando com os alunos, observei que a maioria não almeja

cursar uma faculdade e tampouco sair do bairro, pois argumentam que não possuem

condições financeiras para pagar uma faculdade particular. A possibilidade de estudar

em uma universidade pública não povoa seus sonhos, pois julgam a prova muito difícil

para eles e fácil para os alunos de escola particular. Além disso, a maioria desconhece o

que é vestibular e as universidades públicas como a USP. Quando concluem o ensino

médio, vão trabalhar como cobrador de ônibus, operador de telemarketing, atendente em

redes de lanchonete, tem filhos ou entram para o crime fazendo fama no bairro e

conquistando lá dentro o respeito que não conseguem lá fora.

A construção de um lugar de exclusão social não está somente no espaço do

bairro Cidade Tiradentes ou de qualquer outro localizado nas periferias da cidade e do

país. Está, antes de tudo, na colonização de corpos e mentes que atravessa a história

escrevendo com sangue, suor e lágrimas sobre os excluídos localizados na margem que

sustentam o centro. Não estão no centro porque são negros, porque são pobres, porque

são nordestinos.

A minha história de luta por um diploma no ensino superior está amalgamada

com o sangue, suor e lágrimas porque estou na margem: sou negra, sou pobre e sou

filha de nordestinos. E, do meu lugar, percebo que a força da margem fissura o centro

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que sustenta a classe dominante, pronta para cair e ser engolida pela margem na luta

popular.

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INTRODUÇÃO

A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

(UNILAB) foi criada pela Lei nº 12.289, de 20 de julho de 2010 e instalada em 25 de

maio de 2011. Está localizada nos estados da Bahia, município de São Francisco do

Conde, e do Ceará, municípios de Redenção e Acarape. Busca a integração entre os

países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)1: Angola,

Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e

Timor-Leste (Ásia) tendo como foco os países africanos. Para tanto, os contextos

políticos que marcam os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1999 e 1999-

2003), Lula (2003-2007 e 2007-2011), até 2016, e Dilma Rousseff (2011-2015 e 2015-

2016) são momentos de idealização e construção da UNILAB, indispensáveis à

compreensão do processo político que envolve sua criação.

Os contextos político, econômico e social do Brasil no início do século XXI, a

partir do Partido dos Trabalhadores (PT), nos dois mandatos do governo de Luiz Inácio

Lula da Silva (2003-2010), procurou favorecer a criação de universidades que buscam

realizar o compromisso social e político com a população marginalizada e excluída dos

bancos da universidade ao longo da história da educação superior no Brasil.

Nosso trabalho possui uma dimensão política, pois reside na necessidade de

compreender a integração entre Brasil, África e Portugal tendo como fontes de pesquisa

os acordos entre instituições portuguesas e africanas e a UNILAB no âmbito da

educação superior. Nessa perspectiva, essa universidade pode, como inovação que se

contrapõe ao modelo hegemônico de universidade, representar fator de construção de

uma universidade popular que considere a interculturalidade e problematize a relação

1 “No caso da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) foi criado em 2004 o espaço de

ensino superior da CPLP (Declaração de Fortaleza) com objectivos semelhantes ao do espaço de ensino

superior europeu criado pelo processo de Bolonha. Pouco se avançou nesse projecto até hoje. Entretanto,

em abril de 2008 o Ministro das Relações Exteriores do Brasil anunciou a criação da Universidade da CPLP, no Nordeste do Brasil, na cidade de Redenção. Quanto a este e outros projectos no interior da

CPLP há que avaliá-los à luz das relações de intercâmbio universitário que lhes subjazem. A tentação

neocolonialista, não apenas por parte de Portugal (o que não surpreende por ter sido a potência

colonizadora neste espaço) mas também por parte do Brasil (uma ex-colônia com mais poder económico

que o ex-colonizador) deve ser combatida. Fundamentalmente trata-se de saber se o poder de concepção e

de gestão destas iniciativas é distribuído segundo regras acordadas pelos países sem interferência do

poder financeiro de cada um deles. Na medida em que tal interferência existir, haverá muito

possivelmente neocolonialismo.” (SANTOS; FILHO, 2008, p. 101)

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entre os países africanos de língua portuguesa e os princípios epistemológicos que

fundamentam a matriz institucional da universidade.

Destacam-se as colônias portuguesas que tem o idioma português como língua

oficial: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, e a

Declaração de Bolonha, assinada em 1999, configurando-se, depois, no Processo de

Bolonha, tendo Portugal dentre os 29 países europeus. Na medida em que Portugal

colonizou tais países, buscamos observar, nos acordos de estudo, se as estratégias

discursivas apontam para a (re)construção de uma ideologia neocolonizadora no âmbito

da internacionalização.

A observação do nosso locus de pesquisa, a UNILAB, contribuiu para a

identificação das vozes e contra-vozes que emergem do discurso universitário lusófono,

a partir de um corpus discursivo composto pelos textos em análise.

O nosso objeto de estudo são as estratégias discursivas presentes nos referidos

documentos com o intuito de observar as vozes e contra-vozes que emergem do

discurso universitário lusófono. A análise considerou a polifonia, conceito presente nos

estudos do filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin, elemento que harmoniza a

diversidade de vozes independentes produzindo diferentes efeitos de sentido e

repercutindo em múltiplas ideologias:

A comunicação verbal, inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação

ou resistência à hierarquia, utilização da língua pela classe dominante

para reforçar seu poder etc. (BAKHTIN, 1992, p. 14)

A partir desse objeto, formulamos a questão de pesquisa observando a

articulação entre os pressupostos teóricos e os dados da realidade: Em que medida os

acordos entre instituições portuguesas e africanas e a UNILAB se orientam por uma

ideologia neocolonialista de integração entre o Brasil e os países membros da CPLP?

Como afirma LUDKE (1986, p. 46),

É conveniente que no processo de delimitação progressiva do foco

principal da investigação sejam também formuladas algumas questões ou proposições específicas, em torno das quais a atividade de coleta

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possa ser sistematizada. Além de favorecer a análise, essas questões

possibilitam a articulação entre os pressupostos teóricos do estudo e os

dados da realidade.

Nessa perspectiva, levantamos as seguintes hipóteses a partir da nossa questão

de pesquisa: A proposta de integração, presente nos acordos entre instituições

portuguesas e africanas e a UNILAB, é uma estratégia discursiva de manutenção de

uma ideologia neocolonialista; a cooperação e a integração são estratégias discursivas

de construção de um espaço multicultural para a manutenção de uma ideologia

neocolonialista.

A pesquisa utilizada tem uma abordagem qualitativa, com objetivo exploratório

e análise de documentos, por meio da observação das fontes de pesquisa compostas

pelos acordos de estudo e entrevista, com o objetivo de contribuir com o debate sobre a

existência de marcas discursivas neocolonialistas no âmbito da internacionalização nos

referidos textos que apresentam proposta de integração e cooperação entre o Brasil e

países membros da CPLP na educação superior. Nesse sentido,

[...] as circunstâncias particulares em que um determinado objeto se

insere são essenciais para que se possa entendê-lo. Da mesma maneira as pessoas, os gestos, as palavras estudadas devem ser sempre

referenciadas ao contexto onde aparecem. (LUDKE, 1986, p.12)

A escolha desse tipo de pesquisa deu-se por conta de um planejamento que “é,

portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados

aspectos relativos ao fato estudado.” (GIL, 2002, p. 41) Nessa perspectiva, a seleção

desses documentos considerou o seu contexto de criação e as informações que emergem

deste:

Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde

podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de

informação. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada,

mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto. (LUDKE, 1986, p. 39)

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Para tanto, considerando que “o levantamento bibliográfico preliminar é que irá

possibilitar que a área de estudo seja delimitada e o problema possa finalmente ser

definido” (GIL, 2002, p. 61) foram contemplados os autores que discutem temas

pertinentes à nossa pesquisa, os quais podem ser agrupados em sete grupos teóricos: 1.

Universidade: Luiz Antonio Cunha (2003), Naomar de Almeida Filho (2008), Meneghel

(2001), Marilena Chauí (2001), Cristovam Buarque (1994) e Florestan Fernandes

(1975). 2. Lusofonia: Seabra (1998), Lourenço (2001), Pinto (2009), Galito (2012),

Oliveira (2013) e Severo (2016). 3. Globalização e Neoliberalismo: Eric Hobsbawn

(1995), Milton Santos (2001) e David Harvey (2008). 4. Universidade popular: José

Eustáquio Romão (2013), Eduardo Santos (2013), Jason Mafra (2013) e Manuel

Tavares (2013) inseridos no Observatório de Educação da Universidade Nove de Julho

(OBEDUC), além de Boaventura de Sousa Santos (2008, 2011). 5. Educação popular:

Carlos Rodrigues Brandão (1986) e Paulo Freire (1987, 1962). 6. Colonização e

colonialidade: Walter Mignolo (2013) e Aníbal Quijano (2005). 7. Filosofia da

linguagem: o estudo da palavra cooperação considerou os pressupostos teóricos de

Mikhail Bakhtin (1992) para a análise dos acordos de estudo, inserida nos contextos

social, cultural, político, histórico e econômico, pois “o sentido da palavra é totalmente

determinado por seu contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos

contextos possíveis.” (BAKHTIN, 1992 p. 106)

A lei de criação da UNILAB, além do Decreto Presidencial que Institui as

Diretrizes do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão Federais das

Universidades Federais (REUNI), 2007, e o Marco de Referência da Educação Popular

para as Políticas Públicas (2014) constituíram fontes de pesquisa para fundamentar as

reflexões sobre a UNILAB e sua relação política com as instituições portuguesas e

africanas por meio dos referidos acordos.

No campo acadêmico, a revisão da literatura contemplou pesquisas a partir das

palavras-chave lusofonia e política externa do Brasil para a África considerando o

contexto de criação da UNILAB, além da parceria com países membros da CPLP.

A monografia “O papel da lusofonia nas relações entre Brasil e Angola” (2014),

de Leonildes Nazar Chaves (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), tem como

objetivo propor um debate teórico e ontológico em torno da questão lusófona,

investigando como seu aspecto identitário implica antagonismos, tensões e expectativas.

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O artigo “A açucarada língua portuguesa: lusotropicalismo e lusofonia no século

XXI” (2015), de Cristine Gorki Severo (Universidade Federal de Santa Catarina), tem

como objetivo abordar, a partir dos conceitos de lusotropicalismo e lusofonia, o

processo histórico de mercantilização da língua portuguesa.

O texto “A evidencialidade na fala dos guieenenses focalizando as dificuldades

da comunicação em língua portuguesa” (2015), artigo científico de Cláudia Ramos

Carioca (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira),

propõe uma reflexão a partir da fala dos estudantes guieenenses sobre as dificuldades da

comunicação em língua portuguesa.

Além disso, o artigo “Nosso Norte é o Sul: A Cooperação Internacional para o

Desenvolvimento no Âmbito da Lusofonia”, das autoras Mayra Goulart (Universidade

Federal do Rio de Janeiro) e Patrícia Rangel (Universidade de São Paulo), trata das

iniciativas de cooperação com os países em desenvolvimento, em especial os Países

Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palops), que ganha em intensidade a partir da

ascensão eleitoral do Partido dos Trabalhadores.

O artigo “Política Africana do Brasil: Mudança entre Lula e Dilma?” (2015), do

autor Guilherme Ziebell de Oliveira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), trata

dos dois mandatos do governo Lula e do governo Dilma que marcaram uma mudança

significativa na política externa brasileira para a África.

A dissertação de mestrado em Sociologia, “A política externa do governo Lula: a

experiência da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

(UNILAB)”, de 2014, do pesquisador Maurício Gurjão Bezerra Heleno, abordou a

política externa do governo Lula (2003-2010) para o continente africano, com ênfase na

experiência da UNILAB inaugurada em 2011, no Nordeste do Brasil. Esta iniciativa no

âmbito da educação superior é parte da estratégia do Governo Lula de fortalecer os

laços de cooperação com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

A pesquisa “Estudantes Timorenses na UNILAB: o processo de integração em

um ambiente acadêmico luso-afro-brasileiro”, dissertação de mestrado em Educação, de

2015, da pesquisadora Clarissa Diniz Diógenes, faz uma análise sobre o processo de

integração dos estudantes timorenses (vindos da Ásia) na Universidade da Integração

Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), criada em 2010, como uma

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estratégia da política brasileira de aproximação com os países africanos e com este

localizado na Ásia.

A problematização das estratégias discursivas presentes nos acordos de estudo,

como documentos de (re)construção de uma ideologia neocolonizadora no âmbito da

internacionalização foi desenvolvida nesse trabalho com a divisão em três capítulos. No

capítulo I foram contemplados os autores que discutem a universidade: Luiz Antonio

Cunha (2003), Naomar de Almeida Filho (2008), Meneghel (2001), Marilena Chauí

(2001), Cristovam Buarque (1994) e Florestan Fernandes (1975). A discussão sobre a

universidade popular partiu dos autores José Eustáquio Romão (2013), Eduardo Santos

(2013), Jason Mafra (2013) e Manuel Tavares (2013), inseridos no Observatório de

Educação da Universidade Popular no Brasil da Universidade Nove de Julho

(OBEDUC), além de Boaventura de Sousa Santos (2008, 2011). As discussões sobre

educação popular tiveram como base os autores Carlos Rodrigues Brandão (1986) e

Paulo Freire (1987, 1962).

O capítulo II aborda a lusofonia, com base nos autores Seabra (1998), Lourenço

(2001), Pinto (2009), Galito (2012), Oliveira (2013) e Severo (2016); na sua correlação

com o neoliberalismo e com o poder, contempla Eric Hobsbawn (1995), Milton Santos

(2001) e David Harvey (2008), bem como a colonização e a colonialidade com base nos

estudos do sociólogo e cientista político peruano Aníbal Quijano (2005, 2005a, 2002),

que vai discorrer sobre a colonialidade a partir da origem da globalização na formação

da América e no capitalismo colonial moderno como padrão de poder.

Além disso, Quijano problematiza a ideia de “raça” como justificativa para a

dominação colonial e hegemonia eurocêntrica. Para tanto, discute a hegemonia branca

favorecida pelo trabalho dos escravos perante o mercado mundial cada vez mais

monetarizado representado por China, Índia, Ceilão, Egito, Síria e os futuros Orientes

Médio e Extremo. Assim, após o século XVI, os negros eram considerados escravos e

os índios, servos, sem direito a receber um salário, conforme percepção branca europeia.

Walter Mignolo (2005, 2007, 2010), intelectual argentino e professor de

literatura e antropologia cultural, explora os conceitos de colonialismo, geopolítica do

conhecimento e pós-modernidade, passando por questões atuais como a expansão

colonial e a construção do “nacional” no final do século XIX e começo do século XX.

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Argumenta que foi por meio das visões eurocêntricas e das práticas sociais coloniais

que se construíram subjetividades no hemisfério ocidental.

Conforme ele aponta, o Novo Padrão de Poder Mundial e a Nova Inter-

Subjetividade Mundial dão conta de um processo de re-identificação histórica com

novas identidades geoculturais: Europa, América, África, Ásia e Oceania. Dessa

maneira, a Europa toma o controle das formas de subjetividade, cultura, conhecimento e

produção do conhecimento e reprime as formas de conhecimento dos colonizados,

obrigando-os a aprender a cultura dos dominadores para reproduzirem a dominação:

A colonialidade do poder é o padrão de poder que se constitui

juntamente com o capitalismo moderno/colonial eurocentrado, que

teve início com a conquista da América em 1492. O world-system moderno/colonial, que se constituiu a partir daquela data, deu origem

a um novo padrão de poder mundial fundamentado na ideia de raça,

que passou a classificar a população mundial, produzindo identidades

raciais historicamente novas que passariam, por sua vez, a ficar associadas a hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes aos

padrões de dominação. (QUIJANO, 2005, p. 126)

Nesse capítulo, as reflexões sobre a palavra estão pautadas no filósofo da

linguagem Mikhail Bakhtin, que busca compreender o exercício da linguagem humana

por parte dos indivíduos. Defende que o exercício da fala em sociedade constitui objeto

real e material para entender o fenômeno da linguagem humana, pois o mundo está em

desenvolvimento e em perene transformação. Assim, seu objeto está em processo, ou

seja, não se submete a uma forma fixa e imutável.

Nessa perspectiva, para ele, a língua não é um conjunto de formas (signos) e

suas regras de combinação (sintaxe), como defende Saussure, que concebe o signo

como uma relação entre um significante (um som, uma imagem acústica ou um

grafema) e um significado (um conceito). Para Bakhtin, o significado é uma

impossibilidade teórica, pois um signo não tem um significado, mas receberá tantas

significações quantas forem as situações reais em que venha a ser usado por sujeitos

localizados social e historicamente nos contextos de enunciação e relações sociais:

Essa cadeia ideológica estende-se de consciência individual em

consciência individual, ligando umas às outras. Os signos só

emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra. E a própria consciência individual

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está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando

se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente,

somente no processo de interação social. (BAKHTIN, 1992, p. 34)

O signo possui um significado que reflete e refrata outra realidade, passando a

significar, além de suas particularidades materiais, no sentido físico-material e no

sentido sócio-histórico de acordo com um determinado lugar de enunciação, ou seja,

numa relação dialógica. Posto isso, a palavra, quando dita, constitui-se como produto

ideológico na interação social tornando-se signo ao agregar as mudanças sociais e

promover outras mudanças nas bases da sociedade.

O capítulo III constitui o corpus discursivo composto pelos acordos entre a

UNILAB e a Universidade de Coimbra, Instituto Politécnico de Coimbra, Universidade

de Cabo Verde e Instituto de Ciências da Educação de Luanda na análise da palavra

cooperação, localizada no contexto político e social de produção desses documentos. A

pesquisa foi qualitativa, com uma metodologia que se desdobrou em revisão

bibliográfica e análise do discurso, examinando-se a palavra cooperação como

categoria.

A análise dos documentos partiu dos pressupostos teóricos do filósofo da

linguagem, Mikhail Bakthin, quando trata de signo e linguagem, com vistas a observar a

permanência de uma ideologia colonizadora que se integra e que se expressa nos

paradigmas da epistemologia eurocêntrica (colonialidade), examinando a constituição,

sub-reptícia ou não, de uma relação opressor/oprimido no corpus discursivo analisado.

Dessa forma, analisamos a palavra cooperação observando se os contextos em

que ela está localizada desvelam a (re)construção de uma ideologia neocolonizadora e

se esta universidade propõe, de fato, um espaço para a inclusão e legitimação de saberes

que sustenta a construção de uma universidade que ecoa as vozes diversas dos

excluídos, dos marginalizados e dos subalternizados, ou seja, um espaço de cultura

popular e da diversidade.

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CAPÍTULO I

TERRA À VISTA: A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

A contextualização histórica é o objetivo deste capítulo que busca localizar a

criação da universidade no Brasil a partir da Europa e Estados Unidos e como isso

incidiu sobre a história da educação superior no país.

Para tanto, as reformas universitárias, especialmente a Reforma de 1968 com

destaque para a crise universitária, as incidências do Processo de Bolonha na formação

de modelos de educação superior e a lusofonia, como estratégia política de comunicação

entre os países da CPLP, contribuem com as reflexões sobre a criação da UNILAB.

Nessa perspectiva, apresentamos a universidade popular, que se contrapõe ao

modelo europeu de universidade fortalecido na globalização e neoliberalismo, trazendo

uma proposta de valorização dos saberes populares e respeito ao diálogo entre eles e o

conhecimento científico na construção de um conhecimento contra-hegemônico.

1. A Europa na educação superior brasileira

Estudos de Santos e Almeida Filho (2008) tratam do surgimento das primeiras

universidades fundadas na Itália e na França, no século XI, no contexto da História

Medieval. Eram escolásticas, pois incorporavam a Igreja Católica Romana e serviam

como espaço para uma sociedade feudal em transição para o Renascimento destinado a

educar a elite pensante da época.

A formação teológica avançada tinha como base a filosofia escolástica na

construção de uma universidade escolástica geradora da doutrina e com modelo

acadêmico baseado na transmissão do saber mediante relações diretas entre mestre e

aprendiz. Além disso, o currículo da universidade medieval articulava o saber

legitimado em um ciclo básico composto pelas sete artes liberais divididas em dois

blocos: o trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium (Aritmética,

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Geometria, Astronomia e Música). A Teologia foi o único ensino especializado

admitido. Devido à organização das primeiras universidades laicas, foi incorporado o

estudo das leis como formação jurídica visando à consolidação de uma ordem jurídica

mercantil necessária ao poder econômico da nascente burguesia.

A era moderna conduziu a universidade medieval à construção de uma estrutura

curricular mais rígida, composta por duas faculdades: Direito e Teologia. Já no século

XV, as escolas médicas foram incorporadas como Faculdade de Medicina. O

racionalismo iluminista determinou a agregação de centros de formação científica,

faculdades de Filosofia, chamados de faculdades inferiores. A Europa pós-

Renascimento, em meio ao início do capitalismo, acenou para um paradigma

universitário pós-escolástico, a universidade da arte-cultura, devido à diversidade

artística e cultural da África e da Ásia trazida para a Europa depois das Grandes

Descobertas.

Segundo Almeida Filho, o enciclopedismo, novo paradigma acadêmico, foi

idealizado para a formação da elite burguesa e o desenvolvimento de habilidades

artísticas e literárias próprias do Iluminismo. Assim, contribuiu com a construção de

um centro de resistência na defesa do conservadorismo, pois não havia cobrança de

produção científica e tampouco de conhecimento e sistematização do conhecimento

humanístico. Dessa forma, era infundada a ideia de centro formador dos novos agentes

da ciência e da tecnologia, consonante às demandas da industrialização que começava a

mudar o mundo.

Ainda merecem destaque a explosão do mercado editorial, inaugurando a

indústria cultural, o ressurgimento das bibliotecas, como espaço de formação

profissional e cultural, e dos museus, podendo substituir a universidade como instituição

de produção científica e tecnológica.

Immanuel Kant escreve a obra O conflito das faculdades (1795), primeiro

movimento para uma reforma universitária, na qual analisa a estrutura de ensino

superior daquela época: a Faculdade de Teologia, estabelecida pela divindade, a

Faculdade de Medicina, advinda do princípio da autoridade, e a Faculdade de Direito,

submetida ao soberano. A proposta da reforma universitária tinha como base a não

obediência a princípios religiosos e políticos para a constituição de um espaço livre

onde não houvesse poder externo para atestar a verdade das faculdades superiores.

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A Alemanha, após as guerras napoleônicas e buscando reformar seu sistema de

educação superior, adota o projeto dos irmãos Von Humboldt baseado na pesquisa e na

proposta kantiana que valorizava as faculdades inferiores. São eles, também, os

responsáveis pelo sistema de gestão acadêmico baseado no conceito de cátedra,

estendido à liberdade de cátedra, ou seja, um líder intelectual para cada disciplina

científica responsável pela gestão dos processos administrativos e dos conteúdos

curriculares. (SANTOS; FILHO, 2008)

Nos Estados Unidos (EUA) ocorre outra reforma universitária, cem anos após a

Reforma Humboldt, que não foi articulada pelo Estado, mas pela sociedade civil,

representada pelo grande capital no que diz respeito ao investimento e organização de

instituições que começavam a interferir na estruturação da sociedade tornando-se, no

início do século XX, uma referência do capitalismo. A educação, especialmente a

superior, é organizada de maneira desregulada apesar da influência do modelo

humboldtiano na Nova Inglaterra.

Conforme Santos e Almeida Filho (2008), o Relatório Flexner traz um modelo

de reorganização de todo sistema universitário americano com base na adaptação do

modelo adotado pelas universidades escocesas que persiste, com poucas modificações,

na América do Norte. Após os movimentos dos direitos civis dos anos 1960, cresceu o

número de community colleges por todo o território norte-americano, contribuindo com

a massificação do acesso à universidade de segmentos sociais excluídos do ensino

superior.

No contexto histórico da colonização no Brasil, estudos de Luiz Antônio Cunha

(2003) apontam para uma crítica à educação como um instrumento de instauração do

poder de Portugal: contou com os jesuítas na criação de colégios voltados a alunos

internos e externos, onde somente filhos de funcionários públicos, artesãos, criadores

de gado, senhores de engenho e mineradores, tinham acesso ao ensino secundário e às

primeiras letras.

Em 1553, é fundado pelos jesuítas o primeiro estabelecimento de educação

superior no Brasil2, localizado na Bahia, que conta com os ensinos de Artes, chamado

2 “A Primeira Instituição de Ensino Superior do Brasil (1553-1759), o Collegio do Salvador da Bahia, foi

fundado pelo padre Manoel da Nóbrega, em 1553. Nele estudaram Antonio Vieira, Frei Vicente do

Salvador, Gregório de Matos e outros. Suas instalações incluíam a atual Catedral Basílica, a área da

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também de Ciências Naturais ou Filosofia, e Teologia a partir de 1553. Portugal

permitia esses cursos além da concessão de bolsas para que um pequeno número de

filhos de colonos fosse estudar em Coimbra. No entanto, o contexto histórico do

Iluminismo, no século XVIII, impulsionou a proibição de universidades no Brasil, pois

Portugal temia que os estudos universitários colaborassem com a criação de

movimentos independentistas. Em outras palavras,

Portugal detinha com mão-de-ferro o monopólio da formação superior, tornando absolutamente interdito ministrar “ensino

superior” nas colônias. Por isso, os colonizadores portugueses jamais

permitiram o estabelecimento de instituições de educação

universitária no Brasil – sua maior e mais bem guardada colônia – até o começo de século XIX. (SANTOS; FILHO, 2008, p. 128)

Até o final do Primeiro Reinado, Portugal atuou na formação das elites. Além

disso, houve pouco êxito na criação de universidades nos períodos colonial e

monárquico acentuando o controle da metrópole sobre a independência cultural e

política da colônia. Nesse sentido, “o novo ensino superior nasceu sob o signo do

Estado Nacional” (CUNHA, 1980, p. 62) sendo que, a partir de 1808, são estabelecidos

cursos e academias voltados à formação de profissionais para o Estado. (CUNHA,

1980). Conforme refere Fávero,

Entre as tentativas de criação de universidade no Brasil, ao longo dos

anos, registra-se, no nível das intenções, a que constava da agenda da

atual Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, e o Pátio dos Estudos Gerais, na atual Praça da Sé. As

dependências internas tinham celas, cozinha, refeitório, oficinas, pomar, biblioteca e enfermaria, que atendiam também ao público externo. Os estudos eram públicos e gratuitos e tinham caráter humanístico,

que atendiam aos interesses da Igreja e aos colonizadores portugueses. No final do século 17, dispunha de

uma notável biblioteca, com cerca de 3000 livros, numa época em que a imprensa era proibida no Brasil.

O Colégio dos Jesuítas oferecia um curso elementar. Ensinava a ler, escrever, a contar e conceitos básicos

da religião Católica. O curso secundário enfocava o ensino de Letras e Filosofia. Na classe de Letras

estudava-se Gramática Latina, Humanidades e Retórica. Na classe de Filosofia estudava-se Lógica,

Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais. O curso de Teologia e Ciências Sagradas era

ministrado para a formação de sacerdotes. Foi o primeiro curso de nível superior do Brasil. Em 1573 o

Colégio graduou também os primeiros bacharéis em Artes do Brasil. Em 1578, concedeu os primeiros

graus de mestre em Artes. No século 17, os jesuítas já consideravam sua instituição como uma

universidade, embora sem aprovação oficial de Portugal. Existiam, por exemplo, as faculdades de Artes, Teologia e Matemática. Meritoriamente, foi a Primeira Universidade do Brasil. Em 1759,

os jesuítas foram expulsos da América Lusitana. As instalações do Colégio foram ocupadas

posteriormente pelo Hospital Real Militar da Bahia (1799) e a igreja transformou-se na Catedral Basílica

(1765).” Disponível em: http://www.bahia-turismo.com/salvador/centro-historico/colegio-jesuitas.htm

Acesso em: 17 janeiro 2017.

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Inconfidência Mineira. Tentativas, sem êxito, continuam por mais de

um século. Uma delas coincide com a transferência da sede da

Monarquia para o Brasil. Portanto, não seria exagero inferir que Portugal exerceu, até o final do Primeiro Reinado, grande influência

na formação de nossas elites. Todos os esforços de criação de

universidades, nos períodos colonial e monárquico, foram malogrados, o que denota uma política de controle por parte da Metrópole de

qualquer iniciativa que vislumbrasse sinais de independência cultural

e política da Colônia. (FÁVERO, 2000, p. 18-19)

No início do século XIX o Brasil recebe o status de Reino Unido a Portugal e

Algarve e, com isso, são criadas instituições de educação superior. A transferência da

sede do poder metropolitano, em 1808, contribuiu com a modificação dessas

instituições, além de coincidir com o surgimento do Estado nacional e “depois de ter

sido clerical, até a transferência para o Rio de Janeiro da sede do reino português, em

1808, o ensino superior tornou-se todo estatal até a proclamação da República, em

1889.” (CUNHA, 2003, p. 156) Assim, o novo ensino superior obedece às dependências

econômica e cultural que Portugal tem em relação à França e Inglaterra, sobressaindo o

modelo napoleônico, pautado no pensamento educacional da burguesia francesa,

quando “no século XIX, generalizou-se no continente o padrão francês de universidade

napoleônica, voltada para a formação de quadros profissionais, organizadas num

complexo de unidades autárquicas.” (SANTOS; FILHO, 2008, p. 127-128)

1.1. Reformas em mares nunca navegados

A proclamação da República, em 1889, contribuiu com mudanças nos

segmentos político, econômico e social, com províncias transformadas em estados,

regidos por constituições próprias e o aumento da procura por educação secundária e

superior sob o poder do governo nacional. Nesse sentido, os latifundiários queriam

filhos bacharéis e “doutores” como estratégia preventiva para atenuar possíveis

situações de destituição social e econômica e os colonos estrangeiros e trabalhadores

rurais viam na educação um meio para os filhos alcançarem melhores posições sociais e

econômicas.

A Reforma Benjamin Constant (1890-1891) é a primeira de uma série

de medidas visando o campo educacional deflagradas na República,

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tendo sido proposta no Governo Provisório de Manoel Deodoro da

Fonseca. A iniciativa refere-se a um conjunto de documentos

anteriores à primeira constituição republicana. São eles: o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal

(Decreto n° 981, de 8 de novembro de 1890), o Regulamento da

Escola Normal da Capital Federal (alterado pelo Decreto n. 982 de 8 de novembro de 1890), o Regulamento para o Ginásio Nacional

(Decreto nº 1.075, de 22 de novembro de 1890) e o Regulamento do

Conselho de Instrução Superior (Decreto nº 1232-G, de 2 de janeiro

de 1891). (VIEIRA, 2009, p. 08-09)

Esse contexto possibilitou transformações do ensino superior, especialmente no

que diz respeito à facilitação do acesso e, “assim, no período que vai da reforma de

1891 até 1910, foram criadas no Brasil 27 escolas superiores: nove de Medicina,

Obstetrícia, Odontologia e Farmácia; oito de Direito; quatro de Engenharia; três de

Economia e três de Agronomia.” (CUNHA, 2003, p. 08)

A Reforma Epitácio Pessoa (1901) consta de dois instrumentos legais:

o Decreto nº 3.890, de 01 de janeiro de 1901, que “Approva o Codigo dos Institutos Officiaes de Ensino Superior e Secundario, dependentes

do Ministerio da Justiça e Negocios Interiores”; e, o Decreto nº 3.914,

de 26 de janeiro de 1901, que “Approva o regulamento para o Gymnasio Nacional”. O primeiro documento disciplina questões

diversas relativas à organização, composição e funcionamento das

instituições federais de ensino superior e secundário e daquelas “fundadas pelos estados ou por particulares”. O segundo texto trata da

organização do Ginásio Nacional, assim como assuntos relativos ao

curso, programas e exames; admissão, disciplina, freqüência e

recompensas de alunos; magistério e pessoal administrativo. (VIEIRA, 2009, p. 09)

No entanto, a expansão e facilitação do acesso ao ensino superior impulsionaram

um processo de resistência, pois os diplomas superiores deixariam de ser um

instrumento de discriminação social e a formação de intelectuais das classes dominantes

ficaria comprometida. Conforme reitera Cunha (2003, p. 09),

a introdução dos exames de ingresso às escolas superiores para todos

os pretendentes foi uma tentativa de restabelecer o desempenho

daquela função. Em suma, induzidos pela ideologia do bacharelismo,

os jovens das classes dominantes e das camadas médias buscavam obter, de qualquer maneira, um diploma superior, qualquer que fosse.

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A qualidade de ensino passa a ser questionada ao mesmo tempo em que ocorrem

movimentos pela desoficialização do ensino e queda dos privilégios de diplomas

escolares, facilitando a construção de um espaço para a reforma do ensino secundário e

superior que, a partir do “Decreto 8.659, de 5 de abril de 1911, deu as normas legais do

que veio a ser conhecida como Reforma Rivadávia Corrêa, titular do Ministério da

Justiça e dos Negócios Interiores.” (CUNHA, 2003, p. 09) Com esse documento, os

estabelecimentos educacionais criados pelo governo federal perdem privilégios no que

diz respeito à garantia de matrículas no ensino superior e emissão de diplomas que

conferiam exclusividade profissional; os estabelecimentos governamentais passam a ser

corporações autônomas nos segmentos didático, administrativo e financeiro; são

instituídos exames de admissão no ensino superior e o Conselho Superior de Ensino seria

presidido por pessoa de livre nomeação e substituiria a função fiscal do Estado

conduzindo o ensino superior até sua total independência do governo federal.

O número de faculdades cresceu mesmo com a resistência à livre diplomação e à

liberdade profissional nas instituições corporativas e dentro da burocracia do Estado.

Assim, para reorganizar os ensinos superior e secundário no país, em 18 de março de

1915, foi promulgado o decreto 11.530, ou seja, a Reforma Carlos Maximiliano, novo

ministro do Interior. Com isso, houve mudanças significativas, porém, da Reforma

anterior, foram mantidos os exames de admissão (vestibulares) no ensino superior e a

ausência de garantia de matrículas nas escolas superiores para candidatos com diplomas

do Colégio Pedro II e de outros com mesmo nível. (CUNHA, 2003)

As mudanças provocadas pela Reforma Carlos Maximiliano exigiam a admissão do

candidato de instituições de ensino privadas e públicas não somente nos exames

vestibulares como também a apresentação de certificado de aprovação do curso ginasial

no Colégio Pedro II ou em estabelecimentos de ensino estaduais no mesmo nível desta

instituição, além disso, deveriam passar pela fiscalização do Conselho Superior de

Ensino. Assim, era garantido o acesso restrito ao ensino superior. No entanto, a expansão

do ensino superior continuou em todo país abrangendo o número de estabelecimentos de

ensino e de alunos.

Em 13 de janeiro de 1925 é instituído o Decreto 16.782-A, representando a

Reforma João Luiz Alves, também conhecida como Lei Rocha Vaz, com o objetivo

intensificar os exames vestibulares a partir da adoção do critério numerus clausus.

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Antes, todos os candidatos aprovados teriam direito à matrícula, porém, de acordo com

esta última Reforma, os diretores das instituições de ensino superior deveriam divulgar

o número de vagas a cada ano e, como consequência, os candidatos aprovados eram

matriculados por ordem de classificação. Os que não passavam por esse processo

poderiam concorrer no outro ano a uma vaga. Com isso, havia diminuição de

estudantes em determinados cursos provocando a condução aos cursos com pouca

procura e vagas não preenchidas.

Na ascensão de Getúlio Vargas ao poder (1930-1945 e 1951-1954) são

concebidas duas reformas: a Reforma Francisco Campos e as Leis Orgânicas do

Ensino ou Reforma Gustavo Capanema.

A Reforma Francisco Campos (1931-1932) é integrada por medidas

relativas ao ensino superior e secundário, configuradas em um

conjunto de decretos apresentados entre 1931 e 1932. Os primeiros decretos referem-se à criação do Conselho Nacional de Educação

(Decreto nº 19.850 de 11 de abril de 1931), à organização do ensino

superior (Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931) e à organização

da Universidade do Rio de Janeiro (Decreto nº 19.852 de 11 de Abril de 1931). Também seriam definidas medidas relativas ao ensino

secundário (Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931), ao ensino

comercial e à regulamentação da profissão de contador (Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931). Finalmente, viram disposições

adicionais sobre a organização do ensino secundário (Decreto nº

21.241, de 4 de abril de 1932). (VIEIRA, 2009, p. 11)

E sobre as Leis Orgânicas do Ensino ou Reforma Gustavo Capanema:

As reformas concebidas entre 1942 e 1946 passariam à história como

as Leis Orgânicas do Ensino, embora ultrapassem no tempo a obra do Estado Novo e a gestão de Gustavo Capanema como Ministro da

Educação. São onze decretos-leis que estabelecem orientações para o

ensino industrial, o ensino secundário, o ensino comercial, o ensino primário, o ensino normal e o ensino agrícola. Embora separadas no

tempo, as iniciativas guardam entre si uma unidade. Como fruto de

um contexto autoritário, os textos buscam responder a uma série de

demandas de organização do sistema e são efetivadas mediante a vontade do Executivo de promover as referidas mudanças. (VIEIRA,

2009, p. 12)

No contexto político do final da Era Vargas é formulada a Constituição de 1946

e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei n°4.024/61),

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promulgada em dezembro de 1961, com posições entre os defensores do público e do

privado.

A Lei nº. 4.024 de 20 de dezembro de 1961, que “fixa as Diretrizes e

Bases da Educação Nacional” apresenta dispositivos sobre assuntos

diversos, incluindo os fins e o direito à educação; liberdade de ensino;

administração e os sistemas do ensino. Os níveis e modalidades do ensino são tratados em capítulos sobre a Educação de Grau Primário,

de Grau Médio, de Grau Superior e da Educação de Excepcionais.

Outros assuntos contemplados são: a orientação educativa e a inspeção; a assistência social escolar; recursos para a educação; e,

disposições gerais e transitórias. Importante dispositivo da lei refere-

se ao “ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos”. A vitória dos interesses privatistas é visível nas orientações relativas aos

recursos para a educação, onde são previstas formas diversas de

subvenção ao ensino particular. (VIEIRA, 2009, p. 13)

Em 1960, o modelo de pesquisa científico-tecnológico chega ao Brasil por meio

do educador Anísio Teixeira e do antropólogo Darcy Ribeiro, que foram convidados

pelo presidente Juscelino Kubitschek para pensar um novo modelo de educação

superior para a Universidade de Brasília (UnB). Conforme referem Santos e Almeida

Filho (2008, p. 135),

a maior novidade no projeto original da UnB foi uma influência realmente muito forte do modelo flexneriano de universidade

(Teixeira, 2005). Entusiasta do pragmatismo norteamericano, em

especial a filosofia pedagógica de James Dewey, com quem estudou no Teacher’s College da Columbia University, Anísio Teixeira trouxe

dos EUA uma idéia muito aberta do que deveria ser uma

universidade. Anísio e Darcy não hesitaram em propor a superação

dos defeitos do sistema departamental norte-americano, ajustando-o a uma realidade menos especializada e mais carente de recursos.

No entanto, depois do golpe militar de 1964, a Universidade de Brasília foi

tomada pelos militares numa ação que culminou com o exílio do então reitor Anísio

Teixeira e a demissão de docentes e pesquisadores. Após esses acontecimentos, mesmo

não adotando o modelo europeu de universidade, a UnB incorporou a estrutura

administrativa e curricular vigente no país.

Em 1967, os militares firmam acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a

United States Agency for International Development (USAID) com o objetivo de

estabelecer uma reforma na estrutura acadêmica universitária contando com

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empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID). A oligarquia conservadora da estrutura da universidade,

descendente da universidade do Velho Mundo, e os movimentos estudantis de esquerda

se opuseram, “o que, no decorrer de 1968, terminou por justificar o “golpe dentro do

golpe” do AI-5.” (FILHO, 2008, p. 136)

Nesse sentido, a reforma imposta pelos militares não foi aceita pela direita

acadêmica, contribuindo para que a Reforma Universitária de 1968 (Lei nº 5540/68)

tivesse influência do sistema anglo-saxão de departamentos e do sistema franco-alemão

da cátedra vitalícia. A adoção de uma reforma universitária inspirada no sistema norte-

americano provocou um choque no modelo de formação e na estrutura institucional das

universidades. Nessa perspectiva,

mais do que incompleta, a Reforma Universitária de 1968 foi nociva em sua resultante final, pois conseguiu manter o que de pior havia no

velho regime e trouxe o que de menos interessante havia no já testado

modelo flexneriano estadunidense. O fato de ter sido um movimento gerado pela ditadura militar, imposto de cima, provavelmente fez com

que os pontos positivos da proposta de reforma se perdessem no

volume da reação. (FILHO, 2008, p. 137)

Em 1970, as ações resultantes dessa reforma motivaram a implementação de

uma rede de pós-graduação viabilizando programas credenciados em treinamento e

pesquisa por comitê nacional estabelecido pelo MEC, vinculados à Comissão de

Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) que se tornou um sistema de

avaliação pública da educação universitária. Para tanto, são criadas algumas agências,

patrocinadas pelo governo federal, para apoiar a rede universitária de laboratórios de

pesquisa e a concessão de bolsas, de treinamento e pesquisa acoplados a um sistema de

avaliação de desempenho. Dentre elas, está o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq)

em vigor até os dias atuais.

Nesse cenário, o general Ernesto Geisel iniciou um novo período do governo

militar-autoritário, pois

A ascensão do general Geisel na presidência da República, em 1974, e

o anúncio de seu projeto de distensão "gradual e segura" marcaram o

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início de um novo período do governo militar-autoritário, uma fase

que passaria a ser o ponto de partida do processo de democratização

no Brasil. A revogação parcial da censura à imprensa e os sinais, por parte do governo, de valorização das eleições legislativas daquele ano

(1974) indicavam que as declarações do novo presidente eram algo

mais do que promessas de retorno à democracia tão freqüentemente

aludidas por seus antecessores na presidência.4 O modo como este

projeto de liberalização foi conduzido e a dinâmica do processo

político que acabou por levar à democracia foram, no entanto, algo

extremamente complicado. Esta fase da transição foi totalmente conduzida pelo governo militar, que definiu tanto seu ritmo como seu

escopo. (KINZO, 2001)

Desse modo, no final de 1978 foram implementadas reformas políticas

[...] de acordo com o caráter gradual e seguro da política de distensão.

Um novo presidente, general João Figueiredo, encarregado de dar

continuidade à transição política nos seis anos seguintes, havia sido eleito estritamente de acordo com a determinação de Geisel de impor

o nome por ele escolhido. (KINZO, 2001)

Diante desse contexto político, no período de redemocratização (1981 a 1988), o

sistema universitário do país sofre com a crise econômica na América Latina e a crise

política concomitante à abertura democrática.

Os resultados políticos, econômicos e sociais gerados pela Reforma de 1968

motivaram o governo de José Sarney, em 1985, a instituir a Comissão Nacional para

Reformulação da Educação Superior3 com o objetivo de prover elementos para uma

nova política da educação superior. Para isso, algumas entidades, antes excluídas, foram

convocadas ao debate político-institucional como a União Nacional dos Estudantes

(UNE), a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) e a

Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (FASUBRA)

contando com acolhimento de suas propostas pelo Ministério da Educação na

elaboração de um projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso Nacional. Após

extensos debates, foi apresentado um Relatório Final pela Comissão que

3Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002284.pdf. Acesso em: 05

janeiro 2017.

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dentre suas propostas, destacavam-se uma política de financiamento

por meio de vinculação orçamentária (nunca concretizada), normas de

avaliação de desempenho (depois recuperadas pelo MEC), modificações nas carreiras docentes (objeto de negociações das

greves) e um conceito dúbio e superficial de autonomia universitária,

que certamente subsidiou o capítulo pertinente da Constituição de 1988. (FILHO, 2008, p. 139)

Em linhas gerais, todo trabalho desenvolvido pela Comissão não ecoou nos

debates sobre o ensino superior no Brasil. Entretanto, houve uma modificação na

composição do Conselho Federal de Educação (CFE) realizada no governo de Itamar

Franco.

O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), de 1995 a 2003, favorece

investimentos privados locais no ensino superior brasileiro contribuindo com a criação

de instituições privadas. Em documentos divulgados pelo MEC, elaborados por equipes

técnicas internas, havia uma proposta de desregulamentação do setor privado e

reestruturação da universidade pública, da autonomia universitária e da governança das

instituições federais de ensino superior.

Nessa perspectiva, a reforma universitária esteve associada à qualidade e

eficiência do sistema, considerando a autonomia universitária, avaliação,

recredenciamento periódico, tecnologia nacional e interação com o governo na busca de

formulação de políticas gerais e critérios para a designação de dirigentes das Instituições

Federais de Ensino Superior (IFES). Dessa forma, o MEC também propôs o Orçamento

Global como instrumento da autonomia universitária.

A proposta de autonomia universitária facilitou o apoio técnico e político do

governo FHC à constituição da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n°

9394/96, aprovada em 1996. Nesse contexto, o MEC, no campo do ensino superior,

conseguiu a aprovação da Lei n° 9192/95 que versa sobre a regulamentação do processo

de escolha dos dirigentes das IFES, a aplicação de exames para alunos de graduação no

final do curso, decretos, portarias, instruções normativas e propostas para regimentar a

autonomia universitária das IFES.

Contudo, a introdução do processo de avaliação e credenciamento dos

programas de ensino de graduação (lei n° 9131/95), que buscava classificar escolas

superiores, faculdades e universidades, contando com comissões de consultores

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externos, e a introdução do Exame Nacional de Cursos, inspirado no teste de

desempenho dos Estados Unidos, o Graduate Records Examination (GRE), buscavam

dados que deveriam ser empregados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) à

concessão de licenças renováveis para cursos de graduação que não tiveram avanço no

campo de reestruturação do ensino superior no país.

Nesses termos, para serem classificadas como universidade, os programas de

pós-graduação deveriam ser credenciados para desenvolver pesquisas

institucionalizadas, tendo seus títulos reconhecidos depois de aprovados pela CAPES.

Além disso, instituições devidamente autorizadas não necessitavam do credenciamento

do CNE para oferecer cursos de graduação.

1.2. Da construção fragmentada à formação da universidade no Brasil

A contextualização histórica do Brasil, da chegada dos portugueses até a

proclamação da República, se dá num cenário em que as universidades estão ausentes.

Desde o fim do século XVI, o ensino superior era desenvolvido em estabelecimentos

isolados destinados a cursos considerados profissionais como Engenharia, Direito e

Medicina.

Em 1909, foi criada a Universidade de Manaus graças à exploração da borracha,

oferecendo cursos de Engenharia, Direito, Medicina, Odontologia e Formação de

Oficiais da Guarda Nacional. Em 1926, devido à crise econômica da região, foi oneroso

manter a instituição, restando somente a Faculdade de Direito que, em 1962, foi

incorporada à Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

A Reforma Rivadávia Corrêa, com sua política de desoficialização do ensino

superior, em 1911, oportunizou investimentos privados na criação de universidades.

Nesse contexto, surge a Universidade de São Paulo com recursos de um investidor que

esperava cobrar taxas dos estudantes oferecendo cursos de Medicina, Odontologia,

Farmácia, Comércio, Direito e Belas Artes. No entanto, este projeto não teve sucesso

devido à construção da Faculdade de Medicina, financiada pelo governo do Estado de

São Paulo, atraindo os estudantes. Em 1917, devido ao esvaziamento, a Universidade

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de São Paulo é fechada.

Entretanto, a primeira universidade brasileira que contemplou um projeto

acadêmico e institucional pleno foi a Universidade de São Paulo (USP)4, instituída em

1934, com uma matriz europeia que se valeu de acadêmicos franceses formados pela

Sorbonne tais como Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide.

Havia, na mesma época, a Universidade do Distrito Federal (UDF), fundada

pelo pedagogo e filósofo baiano Anísio Teixeira, que propunha uma educação

democrática na identidade nacional pautada na visão de intelectuais modernistas, não

obtendo êxito no cenário das novas universidades daquela época.

A criação da Faculdade de Educação e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras realizou antigo projeto de Femando de Azevedo,

importante educador e membro da comissão de criação da USP. Para

ele, a Faculdade de Educação seria o centro de formação de

professores para o ensino secundário. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, concebida como o "coração da universidade", seria

o lugar onde se desenvolveriam "os estudos de cultura livre e

desinteressada". Nela funcionaria uma espécie de curso básico, preparatório a todas as escolas profissionais, assim como para os seus

próprios cursos. Lá os alunos estudariam as matérias fundamentais de

todos os cursos, após o que se encaminhariam para as faculdades

propriamente profissionais. Essa forma de integração dos cursos seria uma espécie de anteparo diante das tendências desagregadoras

impostas pela crescente especialização do saber, capazes de atingir

até mesmo o saber "desinteressado", cultivado na própria Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Para integrar o corpo docente da nova

universidade foram contratados, logo no primeiro ano de

funcionamento, 13 professores europeus (seis franceses, quatro italianos e três alemães). De 1934 a 1942, trabalharam na

Universidade de São Paulo 45 professores estrangeiros, mais alguns

assistentes de laboratório. Nesse último ano havia 22 professores

estrangeiros na universidade, seis dos quais desde a sua criação. (CUNHA, 2003, p. 168)

4 “Em 25 de janeiro de 1934, um decreto estadual criou a Universidade de São Paulo, incorporando-lhe

as seguintes escolas superiores existentes: Faculdade de Direito, Escola Politécnica, Escola Superior de

Agronomia, Faculdade de Medicina e Escola de Veterinária. O Instituto de Educação foi elevado à

categoria de escola superior e incorporado à universidade como Faculdade de Educação. Já no âmbito da

nova universidade, foram criadas a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o Instituto de Ciências

Econômicas e Comerciais e a Escola de Belas Artes. Diversos institutos de pesquisa técnico-científica mantidos pelo governo estadual foram ligados à universidade como entidades complementares, dentre

eles os seguintes: Instituto Biológico, Instituto de Higiene, Instituto Butantã, Instituto Agronômico de

Campinas, Instituto Astronômico e Geofísico, Instituto de Radium, Instituto de Pesquisas Tecnológicas e

o Museu de Arqueologia, História e Etnografia.” (CUNHA, 2003, p. 167-168)

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Em 1912, é construída a terceira universidade em Curitiba graças à iniciativa de

profissionais locais apoiados pelo governo estadual oferecendo cursos de Direito,

Engenharia, Medicina, Farmácia, Odontologia e Comércio. Sobre o fim dessa

instituição, segundo Cunha (2003, p. 12),

Mas a proibição da equiparação de instituições de ensino superior em

cidades com menos de 100 mil habitantes pôs fim ao projeto da universidade, que foi dissolvida. Restaram, como faculdades livres, as

de Medicina, de Engenharia e de Direito, equiparadas nos anos 20. Em

1950, essas faculdades foram incorporadas à recém-criada Univer-

sidade Federal do Paraná.

Em 1915, o presidente da República, por meio do Congresso Nacional, aprova a

criação da Universidade do Rio de Janeiro (URJ), que ocorre, efetivamente, em 1920.

A fusão das faculdades federais de Medicina e Engenharia e uma faculdade de Direito

deram origem a essa universidade. Em 1927, o governo do estado de Minas Gerais

adota a organização por aglutinação das faculdades de Engenharia, Direito, Medicina,

Odontologia e Farmácia existentes em Belo Horizonte na criação da universidade.

Entretanto, alguns fatores contribuíram para que as primeiras universidades

brasileiras tivessem uma base precária: as duas instituições contavam com conselhos

universitários, atuantes como representação simbólica, formados por diretores das

faculdades integrantes e dois professores catedráticos. Além disso, os recursos

governamentais eram destinados a cada faculdade tendo o diretor e o reitor da

universidade escolhidos pelo presidente da República, assim como a autonomia

universitária era comprometida com a criação de cátedras e currículos de cada curso

pelo governo.

O contexto histórico, político, social e econômico de 1808 até o início do século

XX contribuem com um ensino superior fragmentado no Brasil. Efetivamente, não

havia instituição com o status de universidade, somente estabelecimentos que

ofereciam cursos com características profissionais como Direito, Medicina e

Engenharia.

A Revolução de 1930 favoreceu Getúlio Vargas ascender ao posto de presidente

da República. Nos primeiros cinco anos de seu governo, foram instituídas duas

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políticas educacionais: uma autoritária, comandada pelo governo federal, e outra

liberal, liderada pelo governo do Estado de São Paulo e pela prefeitura do Distrito

Federal. Nesse novo cenário político, o país contava com duas universidades: no Rio de

Janeiro, criada em 1920, e Minas Gerais, em 1927. Mais tarde, em 1934, é criada a

USP e o Rio Grande do Sul recebe status de universidade. Nessa perspectiva,

ao fim da era de Vargas, em 1945, eram cinco as instituições

universitárias, em meio a dezenas de faculdades isoladas. A

Universidade do Rio de Janeiro tinha passado a se chamar, desde

1937, Universidade do Brasil, que se pretendia modelar com suas faculdades e escolas nacionais. A Universidade de Minas Gerais

permaneceu com o status adquirido. A Escola de Engenharia de Porto

Alegre foi credenciada como universidade em 1934, no mesmo ano em que foi criada a Universidade de São Paulo, uma bem sucedida

variante do modelo federal. Em 1940, na cidade do Rio de Janeiro,

surgiram as Faculdades Católicas, embrião da universidade reconhecida pelo estado em 1946 e, mais tarde, pontifícia - foi esta a

primeira universidade privada do país. Teve vida curta a Universidade

do Distrito Federal, criada por Anísio Teixeira em 1935 e dissolvida

em 1939, tendo parte de suas faculdades incorporada pela Uni-versidade do Brasil. (CUNHA, 2003, p. 14)

O modelo institucional e pedagógico da Universidade de Coimbra, com o culto

à tradição histórica da universidade escolástica, inspirou algumas universidades no

Brasil com a criação da rede de universidades federais: Universidade do Rio de Janeiro,

Universidade da Bahia e Universidade de Recife, inauguradas em 1946. Além disso,

figura a Universidade Federal da Bahia “nos documentos de fundação da nossa

Universidade Federal da Bahia, a meta de tornar-se uma Coimbra brasileira.” (FILHO,

2008, p. 134)

1.3. Reforma de 1968 na formação da crise universitária

Em sua origem, o conceito de universidade no Brasil sempre esteve associado à

modernização dos países de primeiro mundo no tocante à formação de mão de obra para

o desenvolvimento da cultura, ciência e tecnologia. Para tanto, foi introduzido no país o

modelo moderno de universidade inspirado nas ideias do cientista alemão Von

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Humboldt, de 1810, contemplando ensino e pesquisa. Anterior a este período, de 1808 a

1810, perdurava o modelo napoleônico na formação de profissionais para o Estado,

permanecendo até o final da II Guerra Mundial, quando as empresas no país não tinham

a urgência de avanço tecnológico e especialização de mão de obra.

No entanto, tempos depois, o processo de industrialização começou a exigir

recursos humanos qualificados para compor empresas multinacionais devido à expansão

da iniciativa privada. Isso favoreceu, no país, a criação de uma estrutura de investigação

acadêmica dando origem ao CNPq e ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em

1948. Como já mencionado, a UnB adotou princípios inspirados numa concepção

tecnocrática norte-americana de produtividade, eficiência e eficácia.

Nesse contexto, o Governo Militar impunha uma modernização com base em

uma proposta tecnocrática para o sistema educacional. Assim, a Reforma Universitária

de 1968, feita sob a proteção do Ato Institucional n. 5 e do Decreto n. 477, é amparada

pelo Relatório Atcon (1965)5 e Relatório Meira Mattos (1968)

6, que colaboraram com a

chegada do modelo de universidade moderna, na adoção de ensino e pesquisa,

contemplando as diversas áreas do conhecimento e valorizando o desenvolvimento

científico e tecnológico. O objetivo era homogeneizar o conjunto de IES segundo os

princípios modernos de indissociabilidade, autonomia e universalidade do

conhecimento (MENEGHEL, 2001). Para a autora,

O discurso da Reforma era composto, portanto, pela crença nos

benefícios trazidos pela ciência e pelo reforço de ideais

desenvolvimentistas/nacionalistas destacados como sinônimos de

harmonia e democracia social, mas nem sempre de capitalismo. Estes justificavam a centralização das ações governamentais (necessidade

de profissionalizar a administração) e a organização da instituição

acadêmica como empresa (regida pelos princípios de produtividade e eficácia). E refletiam, também, valores burgueses, ao apresentar a

educação como meio de ascensão social via meritocracia. O modelo

tripartido, tomado de empréstimo dos EUA, deveria ‘condensar’ todos estes elementos. (MENEGHEL, 2001, p. 138-139)

5 Em 1965, a Diretoria de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC) contrata Rudolph P. Atcon

para a função de consultor com o objetivo de reorganizar a estrutura e funcionamento das universidades

brasileiras. Para tanto, “a diretriz principal de Atcon era decididamente tecnocrata: a reforma da

universidade deveria ser tratada como um assunto eminentemente técnico: ‘uma universidade autônoma é

uma grande empresa, não uma repartição pública’. Cumpre adotar padrões de racionalidade administrativa que consistiriam, por exemplo, em separar o planejamento da execução; aquele deveria ser

centralizado, esta poderia estar distribuída pelos institutos e departamentos, de acordo com as finalidades

acadêmicas de cada um.” (SILVA, 2014, p. 34-35) 6 O Relatório Meira Mattos propõe uma reforma com o objetivo de progresso técnico, econômico e social

do país. (CHAUÍ, 2001, p. 47)

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Desse modo, essa reforma erradica as possibilidades de contestação interna e

externa da universidade e atende às exigências de uma classe média que apoiara o golpe

de 64 vislumbrando o prestígio e a ascensão social com amplo acesso ao ensino superior

(CHAUÍ, 2001).

Para tanto, a adoção de princípios pautados numa concepção tecnocrática norte-

americana voltada à produtividade e eficiência respondem ao avanço dessa instituição

aliado aos ideais do capitalismo globalizado. Nesse sentido, para Buarque (1994, p. 93),

a universidade, instrumento da modernidade, valoriza sociedades de países ricos criando

uma cultura isolada da população e identificada com o pensamento da comunidade

acadêmica e da elite social, contribuindo com o aumento da segregação social à custa do

empobrecimento e atraso da maioria:

Entre 1964 e 1985 a universidade foi o centro da vida democrática do país. Era a grande aliada do povo na luta pela democracia, mesmo

quando recebia todos os incentivos da ditadura militar para fundar o

marco tecnológico da construção de uma sociedade apartada. Lutando por objetivos que coincidiam com os da população em geral, a

universidade escondia o seu isolamento real em relação às massas.

(BUARQUE, 1994, p. 90)

Sob esta perspectiva, o desenvolvimento econômico do país dita uma educação

como capital. Assim, a reforma visa à formação de mão de obra para o mercado de

trabalho e deforma a universidade na sua função ideológica e política, contribuindo com

uma estruturação do modelo organizacional de uma empresa no tocante à fragmentação,

“pois obedece ao princípio da empresa capitalista moderna: separar para controlar.”

(CHAUÍ, 2001, p. 56)

Nesse sentido, a reforma universitária ganhou força, em detrimento da dimensão

humanista do pensamento, por meio da departamentalização, reunindo no mesmo

espaço todas as disciplinas, o que gerou menor gasto material e queda na contratação de

professores; a matrícula por disciplina, divididas em obrigatórias e optativas; a criação

do curso básico, com a finalidade de melhor aproveitamento da “capacidade ociosa” e

possibilidade de se tornar um vestibular interno; a fragmentação da graduação,

comprometendo a comunidade acadêmica; as licenciaturas curtas em ciências, estudos

sociais e comunicação e expressão com o objetivo de manter por menos tempo os

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estudantes e gerando menos gastos; e a institucionalização da pós-graduação,

recuperando a verticalidade do ensino universitário. (CHAUÍ, 2001, p. 48-50)

Os efeitos dessa reforma incidem sobre a massificação do ensino superior,

buscando atender a um número crescente de estudantes e não reformando, de fato, a

estrutura da universidade no que diz respeito à construção de mais instituições, abertura

de concursos públicos para contratação de professores e demais funcionários e incentivo

à pesquisa, por exemplo. Nessa perspectiva, “está implícita a ideia de que para a

‘massa’ qualquer saber é suficiente” (CHAUÍ, 2001, p. 51), ou seja, é um conhecimento

instrumentalizado que localiza os sujeitos em um lugar de poder reverberando,

indiretamente, o discurso do dominante e do dominado:

Desvinculando educação e saber, a reforma da universidade revela que

sua tarefa não é produzir e transmitir cultura (dominante ou não,

pouco importa), mas treinar os indivíduos a fim de que sejam produtivos para quem for contratá-los. A universidade adestra mão-

de-obra e fornece força-de-trabalho. (CHAUÍ, 2001, p. 52)

Em tese, a universidade deve ser um espaço para o diálogo na construção de

relações sociais oxigenadas por uma consciência crítica na construção de reflexões

sobre si, o outro e a sociedade. No entanto, como instituição adequada aos contextos

históricos, foi perdendo sua função ideológica e política e “também não teria adquirido

uma função econômica, sendo uma instituição anacrônica, um peso morto nas costas do

Estado, um elemento irracional e não um fator de racionalização” (CHAUÍ, 2001, p.

53), perdendo sua atuação no cenário de “projeto” de país.

1.4. Processo de Bolonha na reconfiguração da educação superior europeia

Os países membros da União Europeia, ao longo da história de formação da

universidade, tinham sistemas próprios e diferentes de ensino superior. Dada a

integração política e econômica, tornou-se necessária a padronização dos sistemas de

formação profissional entre estes países integrados política e economicamente. O

Compromisso de Lisboa, de 1997, é o resultado dos debates em torno da formação da

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comunidade econômica europeia. Assim, de acordo com Santos Filho (2008, p. 126) os

modelos de educação superior,

durante todo o século XIX e na primeira metade do século XX, a Europa conviveu com uma imensa multiplicidade de modelos de

formação superior. Praticamente cada país do continente europeu

adotou sua versão de sistema universitário diretamente gerado da

universidade elitizada do século XVIII. A universidade de pesquisa inspirada na Reforma Humboldt consolidou-se na Alemanha e no

Reino Unido. Na França, a rede de universidades convivia com os

collèges (muito distintos dos colleges norte-americanos), com as écoles supérieures e com as écoles polytechniques. Nos países

mediterrâneos, em especial na Itália, seguiam-se ainda formatos

setecentistas de formação profissional bacharelesca. Em Portugal, além disso, as diretrizes estruturais da universidade francesa pré-

Reforma Bonaparte eram respeitadas.

É notável que os países membros da União Europeia eram autônomos e

independentes no que diz respeito ao sistema de organização do ensino superior.

Entretanto, em 1998, ministros responsáveis pelo Ensino Superior na Alemanha,

França, Itália e Reino Unido assinaram a Declaração de Sorbonne, documento que

atestava a coerência de um projeto de uniformização e compatibilização entre os

sistemas de ensino europeus.

Em 1999, ministros de 29 países, incluindo Portugal, assinaram a Declaração de

Bolonha, que estabelecia a formação de um Espaço Europeu de Ensino Superior até

2010, tendo como metas o aumento da competitividade, a mobilidade estudantil, a

creditação7, a avaliação e a adoção de estruturas curriculares. Buscava compatibilizar os

sistemas universitários nacionais nivelando graus, diplomas, títulos universitários,

currículos acadêmicos e legitimando programas de formação contínua reconhecíveis por

todos os Estados-membros. Atualmente, mais de 40 países da Europa participam do

Processo de Bolonha, contando também com reuniões para sua consolidação que

ocorreram em Praga (2001), Berlim (2003) e Bergen (2005).

7 O ECTS - European Credit Accumulation and Transfer System, Sistema Europeu de Transferência e

Acumulação de Créditos, implantado em 2003, é uma das ferramentas para o fortalecimento do Processo de Bolonha, no que tange à equiparação nas formas de atribuir créditos às disciplinas, na Europa que

devem ser consonantes ao número total de horas de trabalho que os estudantes devem ter para realizar

uma disciplina. Além disso, a organização do ensino superior é modificada para três ciclos: 1º ciclo, grau

de licenciado, 2º ciclo, grau de mestre e, 3º ciclo, grau de doutor.

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O contexto econômico da Europa foi o palco das transformações na educação

para este continente competir em condições semelhantes com as universidades

estadunidenses formando um sistema que reconsiderasse as antigas tradições

universitárias na construção de centros de excelência acadêmica e de modelos de gestão

como ocorria nos Estados Unidos. Sendo assim, o Processo de Bolonha pode ser

considerado como um meio para a mercantilização do ensino superior no cenário

competitivo entre a Europa e os Estados Unidos, na (de)formação de aptidões para

enfrentar os desafios impostos pelo neoliberalismo.

1.5. Processo de Bolonha no espaço unificado da Educação Superior na América

Latina

O contexto político do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002),

abarcando a globalização, a educação a distância no ensino superior e a Lei de

Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) favorece a expansão do Processo de Bolonha na

educação brasileira.

A proposta de governo, elaborada por uma equipe chefiada por Paulo Renato

Souza, que mais tarde é nomeado ministro da Educação, considera o papel econômico

da educação adequado ao progresso científico e tecnológico voltado à educação superior

e se estendendo à garantia da qualidade do ensino básico, secundário e técnico.

Em outras palavras, a partir da extensão desta proposta para uma parceria entre

o setor privado e financeiro, universidade e indústria, na gestão e no financiamento do

sistema brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico, é possível entender que

o objetivo é qualificar a população para atuar no mercado de trabalho. Nesse caminho,

as condições e a oferta de ensino dão conta de universidades públicas dispondo de

menos recursos e instituições privadas recebendo benefícios que incidiram sobre o seu

crescimento em números e, consequentemente, na queda da qualidade de ensino:

[...] o número de instituições privadas aumentou consideravelmente,

em especial na categoria universidades e na dos centros universitários,

o que resultou na ampliação do alunado abrangido pelo setor. Tal

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crescimento fez-se com a complacência governamental diante da

qualidade insuficiente do ensino ministrado nas instituições privadas e

até mesmo com o benefício do credenciamento acadêmico e do crédito financeiro. Se, de um lado, as IES federais padeceram de recursos para

continuarem a operar nos termos que antes faziam, e, de outro, as IES

privadas recebiam os benefícios visíveis, como deixar de pensar que o sucateamento do setor público do ensino superior correspondia a um

intento deliberado? Sem outra referência empírica, esse foi o

pensamento dominante naquelas instituições durante o octonato FHC.

(CUNHA, 2003, p. 58)

Após os dois mandatos do governo FHC, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito, em

2003, e inicia ações no ensino superior voltadas à expansão e democratização com a

criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das

Universidades Federais (REUNI), sob o Decreto n°6.096/07, objetivando

criar condições para a ampliação do acesso e permanência na

educação superior, no nível de graduação, para o aumento da

qualidade dos cursos e pelo melhor aproveitamento da estrutura física

e de recursos humanos existentes nas universidades federais, respeitadas as características particulares de cada instituição e

estimulada a diversidade do sistema de ensino superior (REUNI,

2007, p. 10).

Pode-se considerar que essa democratização é resultante de lutas dos

movimentos sociais pela garantia de direitos na construção de uma sociedade mais justa

e igualitária. Nesse sentido, os bancos das universidades públicas e privadas passaram a

ser divididos por diversas classes sociais, trazendo o discurso da inclusão social como

forma de consolidar a democracia.

Dessa forma, o Processo de Bolonha ganhou terreno no Brasil com a inclusão

social e a integração regional, por meio do conhecimento e da cooperação solidária, na

instalação de novos campi universitários com uma política educacional de natureza

supranacional expandida em 2008: Universidade Federal da Integração Latino-

Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu (Paraná), Universidade Federal da Integração

Internacional Luso-Afro-Brasileira (UNILAB), em Redenção (Ceará), Universidade

Federal da Integração da Amazônia Continental (UNIAM), em Santarém (Pará), e a

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), em Chapecó (Santa Catarina).

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1.6. Caminhos para a universidade popular

No Brasil, as ideologias europeia e norte-americana configuraram o modelo de

universidade, segregando o acesso e estimulando a competição e a discriminação. Nessa

perspectiva, o neoliberalismo torna-se o cenário ideológico adequado para manter o

povo distante da universidade, dando continuidade à colonização política, social e

ideológica.

No entanto, no final da década de 1940, o educador baiano Anisio Teixeira havia

proposto a concepção de universidade popular. Nesse momento, a educação é delineada

como instrumento de inclusão social e de emancipação política das camadas populares

com acesso à educação superior.

No final dos anos de 1950 e início dos anos de 1960, a Educação Popular (EP)

de Paulo Freire surge com os Movimentos de Educação de Base e de Cultura Popular

ganhando força e espaço na resistência popular dos anos de 1970 e 1980. Para ele, a

base para “uma educação como prática de liberdade” (FREIRE, 1987, p. 05) está

centrada no diálogo que resulta em interações capazes de modificar as estruturas sociais

e a vida dos sujeitos envolvidos neste processo. Nesses termos, “existir, humanamente,

é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta

problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar” (FREIRE,

1987, p. 44). A ação dos sujeitos centrada na práxis e na reflexão conduz ao caminho da

libertação.

Sob tal ótica, o sujeito é um ser fragmentado por palavras e, pensando no sujeito

da classe popular, faz-se necessário tratar da palavra e do poder para localizar quem

fala, de onde fala, para quem fala e com quem fala:

Porque a palavra é um ato de poder, o que equivale a afirmar que ela

não é apenas um entre os seus símbolos, mas o seu exercício. O direito

de falar e ser ouvido é o ofício do senhor. Os súditos calam ou repetem a palavra que ouvem, fazendo seu o mundo do outro. Porque

a diferença entre um e outro está em que o primeiro detém a posse do

direito de pronunciar o sentido do mundo e, por isso, o direito de ditar a ordem do mundo social. (BRANDÃO, 1984, p. 07)

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Nessa perspectiva, é possível refletir sobre a educação como lugar de poder

construído a partir de discursos que buscam persuadir o outro de sua verdade. Isso pode

ser considerado um dos reflexos da colonização portuguesa no Brasil quando os jesuítas

catequizaram os índios tendo como resultado um choque entre culturas, pois

[...] o transplante feito pelos jesuítas de uma educação que, na Europa,

respondia aos desafios de uma sociedade post-renascentista, para uma sociedade como a nossa de então, escravocrata, latifundiária, sem

classe média, sem vida, sem vida urbana, sem diálogo. (FREIRE,

1962, p. 46)

A imposição de uma cultura europeia resultou na negação da cultura, história e

identidade dos índios e negros, especialmente no que diz respeito à comunicação entre

eles pautada na oralidade, sem o registro gráfico da palavra. A partir da instauração de

poder, por meio da palavra, no âmbito da colonização lusa, faz-se necessário considerar

o lugar ocupado pelo povo ao longo da história e se foi conquistado um espaço de luta

como direito com base no pensamento de que “uma educação de uma sociedade

libertada se pensa, toda ela, como uma educação popular.” (BRANDÃO, 1984, p. 75)

Para isso, acreditamos que a educação popular tenha o papel de tornar as palavras, de

fato, verdadeiras e reverter o sentido da palavra e seu poder com

[...] o desafio de se reinventar, sem perder a vitalidade transformadora.

Desafio presente em diversas iniciativas de organizações da sociedade

civil e movimentos sociais populares que preenchem um enorme mosaico de ações de formação e de cultura popular desde a década dos

2000 até hoje em dia. (BRASIL, 2014, p. 20-21)

Além disso, um povo organizado politicamente torna-se uma ameaça para a

manutenção do poder da classe dominante, sendo que “a sociedade auto-organizada é

vista como perigosa para o Estado e para o funcionamento ‘racional’ do mercado”

(CHAUÍ, 2001, p. 15), pois provoca a contestação de sua participação nos espaços

sociais. Para que isso não ocorra, a educação escolar se encarrega da docilização do

sujeito para apagar sua história e identidade:

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59

A “cultura” que se ensina nas escolas não passa efetivamente de uma

cultura em segundo grau, uma cultura que “cultiva” visando um

número, quer restrito, quer mais largo, de indivíduos desta sociedade, e incidindo sobre objetos privilegiados (letras, artes, lógica, filosofia,

etc.), a arte de se ligar a estes objetos: como meio prático de inculcar a

estes indivíduos normas definidas de conduta prática perante as instituições, “valores” e acontecimentos desta sociedade. A cultura é

ideologia de elite e/ou de massa de uma sociedade dada. Não a

ideologia real das massas (pois em função das oposições de classe, há

várias tendências na cultura): mas a ideologia que a classe dominante tenta inculcar, direta ou indiretamente, pelo ensino ou outras vias, e

num fundo de discriminação (cultura para elites, cultura para as

massas populares) às massas que domina. Trata-se dum empreendimento de caráter hegemônico (Gramsci): obter o

consentimento das massas pela ideologia difundida (sob as formas da

apresentação e da inculcação de cultura). A ideologia dominante é sempre imposta às massas contra certas tendências da sua própria

cultura, que não é reconhecida nem sancionada, mas resiste.

(ALTHUSSER, 1979, p. 44)

No campo da universidade corporativa europeia e da universidade tecnicista

norte-americana, Florestan Fernandes (1975, p. 70) traça um perfil crítico da

universidade brasileira, convocando para uma luta em que “precisamos ter a coragem de

romper completamente com a ordem educacional vigente” no que diz respeito à

revitalização das soluções do passado, pois desde a formação do ensino superior no

Brasil, depois da colonização portuguesa, o que temos são influências de países ricos

que fragmentaram o modelo de universidade no Brasil:

[...] o Brasil se acha no momento crítico da transição da era da escola

superior para a era da universidade. Bem ou mal, o que

conseguimos organizar institucionalmente e explorar construtivamente

foi a “escola superior”. Ela se adaptava plasticamente às condições de um ambiente intelectual mais ou menos tosco e provinciano, que

privilegiava socialmente o saber letrado e, em particular, o

profissional liberal. (FERNANDES, 1975, p. 73, grifos nossos)

Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito presidente da República,

permanecendo por dois mandatos até 2010, sendo o primeiro presidente a vir da classe

popular. Seu governo deu ênfase a programas de distribuição de renda, acesso a linhas

de crédito, reajuste salarial, geração de empregos e criação do Programa Universidade

para Todos (PROUNI), com a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em

instituições privadas de educação superior.

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60

Com o Reuni, foram criadas dezoito universidades públicas: Universidade

Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

(FUFCSPA), Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Universidade Federal do

Triângulo Mineiro (UFTM), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

(UFVJM), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Universidade

Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Universidade Federal da Grande Dourados

(UFGD), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal

do Tocantins (UFT), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Universidade

Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Universidade Federal da Integração

Latino-Americana (UNILA), Universidade Federal da Integração Internacional da

Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Universidade Federal do Cariri (UFCA),

Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Universidade Federal do

Oeste da Bahia (UFOB) e Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)8.

Nesse contexto, países da Europa e do Mercosul desenvolvem políticas e

estratégias de formação para o mercado de trabalho no atendimento de uma demanda

neoliberal tornando a educação um produto. O sociólogo português Boaventura de

Sousa Santos discorre sobre a mercadorização da universidade identificando duas fases:

Na primeira, que vai do início da década de 1980 até meados da

década de 1990, expande-se e consolida-se o mercado nacional universitário. Na segunda, ao lado do mercado nacional, emerge com

grande pujança o mercado transnacional da educação superior e

universitária, o qual, a partir do final da década, é transformado em solução global dos problemas da educação por parte do Banco

Mundial e da Organização Mundial do Comércio. Ou seja, está em

curso a globalização neoliberal da universidade. Trata-se de um fenômeno novo. É certo que a transnacionalização das trocas

universitárias é um processo antigo, aliás, quase matricial, porque

visível desde o início nas universidades europeias medievais.

(SANTOS, 2011, p. 20)

8 As universidades citadas foram criadas ao longo da gestão do Partido dos Trabalhadores (PT),

contemplando os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e da presidenta

Dilma Rousseff (2011-2016). Disponível em: http://www.pt.org.br/governos-do-pt-criam-18-

universidades-publicas-tucanos-nenhuma/ Acesso em: 02 fevereiro 2016.

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61

No entanto, algumas das universidades citadas, especialmente a UNILAB,

apresentam um projeto de inclusão da diversidade9 podendo apontar para a construção

de um outro modelo de universidade que inclui, entre outros fatores, o acesso de

estudantes africanos ao ensino superior. Em relação a essa questão, especialmente no

que compete à interface entre o conceito de pluridiversidade e a educação universitária,

Tavares (2013, p. 63) lembra que

os desafios que se colocam às novas universidades são, sem dúvida,

gigantescos, tendo em consideração a necessidade de resistência a um

modelo universitário hegemónico que se globaliza, à racionalidade

instrumental neoliberal que lhe serve de fundamento e ao modelo de saber que reproduz e perpetua. Importa que a caminhada que as novas

universidades iniciaram não desemboque em “ghetos universitários”

na periferia e semiperiferia do sistema universitário.

Conforme afirma o autor, as novas universidades não devem ser “ghetos

universitários” na periferia e semiperiferia do sistema universitário, mas, a partir destes

lugares, emergirem diversificadas de saberes e práticas circulantes no(s) mundo(s).

Estudos recentes sobre o conceito de universidade popular buscam construir

reflexões pautadas nas seguintes questões: popular quanto aos princípios de garantia de

acesso e permanência dos oprimidos, marginalizados e excluídos, bem como a

valorização dos diferentes e das diferenças no que diz respeito à cultura, etnia, gênero,

identidade, religião, entre outros. Nessa perspectiva, Boaventura (2011) propõe a

“ecologia dos saberes” que articula conhecimentos científicos e universitários aos

saberes populares na construção de um conhecimento contra-hegemônico tendente a

intervir na realidade e superar a hierarquização presente na ideia de conhecimentos

considerados superiores.

Nesse contexto, o domínio da palavra, no que tange à produção escrita do meio

acadêmico, como ferramenta de poder, respondendo como se produz e para quê ou para

quem se produz, revitaliza a elaboração crítica e criativa da realidade:

9 “Art. 2ª A Unilab terá como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas nas diversas áreas

do conhecimento e promover a extensão universitária, tendo como missão institucional específica formar

recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países membros da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP, especialmente os países africanos, bem como

promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional.” (BRASIL,

2010, p. 1)

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62

A produção não vista aqui como produto feito, acabado,

mercantilizável; não como resultado da univocidade do discurso

hegemônico, dominante, o único considerado competente, pois chancelado pelos pares do campo acadêmico-científico que, via de

regra, apenas reproduzem conhecimentos e discursos criados nos

centros avançados do capitalismo. Requer a elaboração crítica e criativa da realidade, em um ato de permanente inter-relação entre os

saberes sistematizados pela ciência e os que são construídos no dia a

dia de trabalho das populações geralmente alienadas do processo

produtivo do conhecimento, assim como se encontram alienadas no/do processo de produção material. (BENINCÁ; SANTOS, 2013, p. 58-

59)

Dessa forma, a existência e a vivência em sociedade corroboram currículo,

metodologia e processo avaliativo atentos e sensíveis à formação de educandos que não

atuem como “‘clientes’ ou ‘recursos humanos’ a serem treinados para o pragmatismo do

mercado” (BENINCÁ; SANTOS, 2013, p. 62), mas na construção de uma sociedade

mais democrática, solidária, promotora da justiça socioeconômica e dos direitos

humanos, da sustentabilidade e da paz com uma universidade aberta à comunidade

“externa”, na construção de uma democracia pautada no diálogo que contemple a

comunidade e a universidade em suas dimensões econômicas, culturais e políticas.

A questão de saber se esses novos modelos de universidade são, de fato,

modelos de extração popular atravessa a discussão que propomos a partir da UNILAB.

Nosso trabalho tem exatamente a ambição de - se não puder responder categoricamente

a esta questão -, ao menos, apontar direcionamentos – teóricos e acadêmicos – no

sentido de esclarecer o estatuto (ou não) de educação popular que tais universidades

sugerem.

2.UNILAB: África, Portugal e Brasil na internacionalização da educação superior

2.1. A cidade de Redenção

O segundo mandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva é o contexto

político de execução do projeto desta universidade que, segundo ele, “é o Brasil

assumindo a sua grandeza, assumindo a condição de um país que, a vida inteira, foi

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63

receptor e, agora, é um país doador. Nós queremos ajudar os outros a se

desenvolverem” 10

.

É importante destacar a relação simbólica que o governo busca estabelecer entre

a criação da UNILAB e sua sede em Redenção, considerada a primeira cidade brasileira

a aderir à abolição da escravatura em 1883. Para justificá-la, “o governo brasileiro

alegava que esse projeto procurava resgatar uma dívida histórica do Brasil com nações

africanas e ao mesmo tempo eleva o país a uma situação de liderança nesse grupo em

um processo globalizante.” (RIBEIRO, 2012, p. 53)

Os estudos desse autor fazem um recorte histórico da cidade de Acarape11

, hoje

Redenção, elevada à categoria de vila em 28 de dezembro de 1868 pela Lei N° 1.255,

sancionada e promulgada pelo presidente da província Sr. Francisco Inácio Marcondes

com nome de “Acarape”. No entanto, a nomeação definitiva da cidade como Redenção

deu-se em 17 de agosto de 1889, pela Lei Provincial N° 2.167, por conta da libertação

dos escravos cinco anos antes do fim da escravidão no Brasil. Consta ainda que foi

colonizada depois de outros estados do nordeste brasileiro e como a localização

geográfica influenciou nos interesses desta região agrária:

A colonização do Ceará pode ser considerada tardia em relação a outros estados nordestinos. As primeiras áreas de fato a serem

colonizadas, estavam localizadas no interior, próxima aos rios, através

de um processo de interiorização com o gado. O início da ocupação do

território cearense no século XVII ocorreu de maneira diferente de outras províncias do Brasil, pois se fez do interior para o litoral, onde

o binômio gado e algodão foram responsáveis pelo surgimento de

vilas e posteriormente os primeiros núcleos urbanos no Estado. (RIBEIRO, 2012, p. 27)

Conforme o estudioso, nesse processo de povoamento a cidade de Redenção se

diferencia de outras regiões do Ceará graças ao cultivo de cana-de-açúcar, pois não era

uma prática comum no estado devido ao clima semiárido. Nessa perspectiva, os

10 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/como-surgiu/ Acesso em: 02 fevereiro 2016. 11 “Embora ainda hoje exista controvérsia e grande obscuridade em torno da origem do nome Acarape,

segundo as interpretações do escritor José de Alencar, Acarape significaria “caminhos das garças” no

vocabulário tupi-guarani, etimologicamente falando a palavra provavelmente também tem origem

indígena e significa “acara” (peixe) e pé (caminho, canal), caminho dos peixes. Porém para muitos

estudiosos o nome da localidade deverá ter apenas um significado correto uma vez que os dois vocábulos

apresentam duas interpretações com significados diferentes.” (RIBEIRO, 2012, p. 28)

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aspectos naturais da cidade favoreciam a produção canavieira com seu solo argiloso e

úmido e clima tropical quente semiárido brando tendo a mão de obra negra no trabalho

escravo da plantação e colheita da cana. Com tais fatores, a cidade de Redenção

desenvolveu sua economia baseada na cultura da cana-de-açúcar se estendendo na

produção de aguardente, rapadura e outros derivados.

Apesar de Redenção ser a primeira cidade a aderir à abolição da escravatura, o

número de africanos, comparado ao nordeste e outras localidades do Brasil, era

pequeno. A descrição de dados nos estudos de Ribeiro (2012, p. 30) destaca que, em

1819, o Ceará possuía 201.710 habitantes, sendo 145.731 livres e 55.439 escravos. O

censo de 1851 aponta que o número de pessoas livres no Estado era de 447.276 e de

escravos era de 35.011, “deixando clara a redução de pessoas não livres no Ceará,

resultado da falta de interesse dessa mão de obra” (RIBEIRO, 2012, p. 30). Nesse

sentido, podemos concluir que o maior número de escravos no Estado do Ceará não

estava em Redenção. Assim, essa mão de obra foi explorada até 1883 para manter sua

economia baseada no cultivo e plantio da cana-de-açúcar a partir do tripé latifundiário

(homens livres, mestiços e escravos) e das condições climáticas favoráveis.

Diante do exposto, a criação da UNILAB dá-se na cidade de Redenção como

“uma grande esperança para o município” (RIBEIRO, 2012, p. 35) na geração de

empregos e oportunidades profissionais para a população local, pois a economia

mantém práticas na agricultura como o cultivo da cana-de-açúcar, milho, arroz, banana,

batata doce, mandioca e feijão:

O simbolismo de Redenção com relação ao fim da escravatura foi

suficiente para que o Governo Federal a escolhesse, fazendo com que

o dia-a-dia da cidade se modificasse em uma simbiose que envolve políticas educacionais de ensino superior que pode beneficiar o Estado

do Ceará, devido à carência de instituições desse porte no mesmo,

criando possibilidade de transformações na cidade de Redenção

esquecida durante muito tempo, levando em consideração a importância que já teve no passado em relação aos investimentos que

aqui já foram citados. (RIBEIRO, 2012, p. 37-38)

Em outras palavras, a instalação da UNILAB em uma cidade com a história e

localização geográfica de Redenção vem cumprir a inserção do país num mundo cada

vez mais globalizado, pois “a globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação

de um processo que começou com a constituição da América e do capitalismo

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colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial” (QUIJANO,

2015, p. 02). Nesse sentido, como resultado temos estudantes de países da África em

uma proposta de integração Sul-Sul entre nações, tendo o Brasil como uma liderança

política educacional em um contexto geopolítico.

2.2. Campi da UNILAB e cursos universitários

Conforme já mencionado, a UNILAB conta com campi localizados nos estados

brasileiros do Ceará e da Bahia. No Ceará, as atividades administrativas e acadêmicas

ocorrem em unidades nos municípios de Redenção e Acarape12

. Na Bahia, no município

de São Francisco do Conde.

O campus Palmares com sede na cidade de Acarape (CE), localizado na região

do Maciço do Baturité, está a 57 km da capital Fortaleza. A unidade oferece os cursos

universitários de Licenciatura em Ciências da Natureza e Matemática, Enfermagem e

Engenharia de Energias.

Quadro 1 – Cursos de graduação campus Palmares em Acarape (CE)

CURSO TURNO REGIME CAMPUS GRAU DURAÇÃO

Licenciatura13

Ciências da

Natureza e

Matemática

Integral

(manhã e

tarde)

Trimestral Unidade

Acadêmica

dos Palmares

(Acarape/CE)

Licenciatura

com

habilitações

em Biologia,

Física,

Matemática e

Química

16 trimestres

Enfermagem14 Integral

(manhã e tarde)

Trimestral Unidade

Acadêmica dos Palmares

(Acarape/CE)

Bacharel 15 trimestres

Engenharia de

Energias15

Integral

(manhã e

tarde)

Trimestral Unidade

Acadêmica

dos Palmares

(Acarape/CE)

Bacharel 15 trimestres

Fonte disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-palmares/ Acesso em: 25 junho 2016.

12 “Acarape foi denominado município pela Lei Estadual nº 11308, de 15 de abril de 1987, desmembrado

de Redenção. Em divisão territorial datada de 1995, o município é constituído do distrito sede.”

Disponível em: http://www.unilab.edu.br/historia-acarape-2/ Acesso em: 17 janeiro 2017. 13 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/ciencias-e-matematica/ Acesso em: 25

junho 2016. 14 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/enfermagem/ Acesso em: 25 junho

2016. 15 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/engenharia-de-energias/ Acesso em: 25

junho 2016.

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66

O campus Liberdade (CE) está localizado na cidade de Redenção, no estado do

Ceará, a 60 km de capital Fortaleza, na região do Maciço de Baturité. Além de

concentrar as atividades administrativas e acadêmicas é sede da reitoria da UNILAB. Os

cursos universitários oferecidos na graduação presencial são Administração Pública,

Agronomia, Bacharelado em Humanidades (BHU) e Letras (Língua Portuguesa), nos

campi Liberdade (CE) e Malês (BA). Na graduação a distância é oferecido o curso de

Bacharelado em Administração Pública. A pós-graduação conta com Especialização

presencial nos cursos de Gestão Governamental e Histórias e Culturas Afro-brasileira,

indígena e africana. A Especialização a distância oferece os cursos de Gestão Pública,

Gestão Pública Municipal e Gestão em Saúde.

Além disso, é oferecido o Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade e

Tecnologias Sustentáveis (MASTS) na modalidade presencial voltado à formação

interdisciplinar na promoção da conservação e uso sustentável da biodiversidade com

base na reflexão e conhecimento de tecnologias sustentáveis por meio de sua

elaboração, divulgação e consumo. O público-alvo é composto por profissionais

graduados nas diversas áreas do conhecimento que tenham interesse nas seguintes

linhas de pesquisa: Tecnologias e Desenvolvimento Sustentável e Sociobiodiversidade e

Sustentabilidade. O curso é voltado aos profissionais que buscam aprofundar as

reflexões no trato com a natureza e a sua transformação em recursos16

.

Quadro 2 - Cursos de graduação presencial campus Liberdade (CE) e Malês (BA)

CURSO TURNO REGIME CAMPUS GRAU DURAÇÃO

Administração

Pública17

Integral

(manhã e

tarde)

Trimestral Redenção/CE Bacharel 12 trimestres

Agronomia18 Integral

(manhã e

tarde)

Trimestral Redenção/CE Bacharel 15 trimestres

Bacharel em Humanidades

(BHU)19

Integral (Noturno) Trimestral Redenção/CE e São Francisco do

Conde/BA

Bacharel 08 trimestres

Letras (Língua

Portuguesa)20

Integral (Noturno) Trimestral Redenção/CE e

São Francisco do

Conde/BA

Licenciado 14 trimestres

Fonte disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-liberdade/ Acesso em: 25 junho 2016.

16 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/masts/ Acesso em: 25 junho 2016. 17 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/admpublica/ Acesso em: 25 junho 2016. 18 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/agronomia/ Acesso em: 25 junho 2016. 19 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/humanas/ Acesso em: 25 junho 2016. 20 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/letras/ Acesso em: 25 junho 2016.

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O curso de bacharelado em Administração Pública, elaborado a partir do Projeto

Pedagógico do Curso Bacharelado em Administração Pública Modalidade a Distância,21

além dos cursos de pós-graduação Especialização lato sensu, Modalidade a Distância,

em Gestão Pública22

, em Gestão Pública Municipal23

e Gestão em Saúde24

foram

adaptados para atendimento ao Edital Nº 019, de 03 de maio de 2012, do Programa

Nacional de Formação em Administração Pública (PNAP) no âmbito do Sistema

Universidade Aberta do Brasil (UAB) da CAPES.

Quadro 3 – Especialização Presencial campus Liberdade em Redenção (CE)

CURSO OBJETIVO

GERAL

PROGRAMA MODALIDADE PÚBLICO-ALVO PRÉ-

REQUISITO

Gestão

Governamental25

Formar gestores

públicos capazes de formular, executar e

avaliar a gestão de

atividades de

interesse público.

Carga horária de

360 horas distribuídas em 12

disciplinas.

Presencial com

atividades a distância.

Servidores

municipais do Maciço de Baturité;

servidores em cargos

de gestão de outros

órgãos públicos ou de

organizações sociais;

pessoas interessadas

em ocupar funções de

gestão.

Formação

superior em curso de

bacharelado

ou de

licenciatura

reconhecido

pelo

Ministério da

Educação.

Histórias e

Culturas Afro-

brasileira,

Indígena e Africana26

Qualificar

professores para a

inclusão das

temáticas suscitadas pelo estudo de

Histórias e Culturas

Afro-brasileira,

Indígena e Africana.

Carga horária de

360 horas

distribuídas em 12

disciplinas.

Presencial. Professores,

coordenadores e

gestores da Educação

Básica da rede de ensino do município

de redenção (CE).

Formação

superior em

curso de

bacharelado ou de

licenciatura

reconhecido

pelo

Ministério da

Educação. Fonte disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-liberdade/ Acesso em: 25 junho 2016.

21Disponível em: http://www.unilab.edu.br/wp-content/uploads/2012/12/PPC-

BachareladoAdmPubPNAP-UNILAB.pdf Acesso em: 25 junho 2016. 22 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/wp-content/uploads/2012/12/PPC-ESPGestaoPubPNAP-UNILAB.pdf Acesso em: 25 junho 2016. 23Disponível em: http://www.unilab.edu.br/wp-content/uploads/2012/12/PPC-

EspGestaoPubMunicipalPNAP-UNILAB.pdf Acesso em: 25 junho 2016. 24 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/wp-content/uploads/2012/12/PPC-EspGestaoSaudePNAP-

UNILAB.pdf Acesso em: 25 junho 2016. 25 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/especializacao-gestao-governamental/ Acesso em: 25 junho

2016. 26 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/especializacao-historias-e-culturas-afro-brasileira-indigena-e-

africana/ Acesso em: 25 junho 2016.

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68

O campus dos Malês, localizado na Bahia, está a 67 km da capital fazendo parte

da região metropolitana de Salvador. Com sede em São Francisco do Conde, terceira

cidade do Recôncavo Baiano com a maior população negra (maior que 90%) declarada

no censo, pertenceu à capital até 1697, quando foi emancipada. Os cursos oferecidos na

graduação presencial são Bacharelado em Humanidades (BHU) e Letras (Língua

Portuguesa); na modalidade a distância é oferecida a graduação em Administração

Pública (Bacharelado). Na pós-graduação lato sensu é oferecida a Especialização na

modalidade a distância em Gestão Pública, Gestão Pública Municipal e Gestão em

Saúde.

Quadro 4 – Cursos de graduação presencial campus Malês (BA)

CURSO TURNO REGIME CAMPI GRAU DURAÇÃO

Bacharelado em Humanidades

(BHU)27

Integral (noturno)

Trimestral Redenção/CE e São Francisco do

Conde (BA)

Bacharel 08 trimestres

Letras (Língua

Portuguesa)28

Integral

(noturno) Trimestral Redenção/CE e

São Francisco do

Conde (BA)

Licenciado 14 trimestres

Fonte disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-sfc/ Acesso em: 25 junho 2016.

2.2.1. Processo seletivo de estudantes brasileiros e estrangeiros

O processo seletivo de ingresso para os candidatos brasileiros dá-se por meio do

Sistema de Seleção Unificado (SISU), do Ministério da Educação, com base na nota

obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Os candidatos estrangeiros são submetidos a uma avaliação do histórico escolar

do Ensino Médio e prova de redação realizada no país de origem. Para isso, os

interessados devem se inscrever nas missões diplomáticas brasileiras dos países

parceiros (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e

Timor Leste). O calendário de seleção é divulgado por meio de editais29

.

27 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/humanas/ Acesso em: 25 junho 2016. 28 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/cursos-de-graduacao/letras/ Acesso em: 25 junho 2016. 29 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/processo-seletivo/ Acesso em: 25 junho 2016.

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69

2.2.2. Internacionalização da educação superior brasileira

A UNILAB, 14°30

universidade pública construída no governo do presidente

Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), foi proposta pelo Projeto

de Lei 3891/08, do Poder Executivo, aprovado em 13 de março de 2009 pela Comissão

de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, com a sua criação por meio da Lei nº

12.28931

, de 20 de julho de 2010, sancionada pelo presidente, e instalada em 25 de

maio32

de 2011. A comissão de implantação foi empossada pelo Ministro da Educação

Fernando Haddad, em 2008, e presidida pelo professor Paulo Speller atuando como

reitor pro tempore, conforme Portaria do MEC nº 936, de 21/07/2010, para o período de

2010 a 201333

.

Com localização nos estados da Bahia, município de São Francisco do Conde, e

do Ceará, municípios de Redenção e Acarape, inaugura um projeto de integração

internacional e cooperação solidária por meio da parceria com países membros da

Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)34

: Angola, Cabo Verde, Guiné-

Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Brasil, Portugal e Timor-Leste, visando à

oferta de cursos de nível superior35

para essas nações em uma cooperação denominada

Sul-Sul. De acordo com Nilma Lino Gomes (UNILAB, 2013, p. 103), que atuou como

reitora pro tempore dessa instituição no período de 2013 a 2014,

30 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34739 Acesso em: 02 fevereiro 2016. 31 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34739 Acesso em: 02 fevereiro 2016. 32 “Na data em que se celebra o "Dia da África", 25 de maio, a primeira cidade brasileira a promover a

abolição dos escravos deu início, simbolicamente, às aulas de cinco cursos oferecidos a alunos de Angola,

Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Timor Leste, onde dos 180 alunos que

participaram da aula, 39 eram estrangeiros.” (RIBEIRO, 2012, p. 54) 33 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/galeria-de-reitores-e-reitoras/ Acesso em: 02 fevereiro 2016. 34 1. Para além dos membros fundadores, República de Angola, República Federativa do Brasil,

República de Cabo Verde, República da Guiné-Bissau, República de Moçambique, República Portuguesa,

República Democrática de São Tomé e Príncipe, e da República Democrática de Timor-Leste, qualquer

Estado, desde que use o Português como língua oficial, poderá tornar-se membro da CPLP, mediante a adesão sem reservas aos presentes Estatutos. 2. A admissão na CPLP de um novo Estado é feita por

decisão unânime da Conferência de Chefes de Estado e de Governo e tem efeito imediato. 3. O pedido

formal de adesão deverá ser feito em língua portuguesa e depositado no Secretariado Executivo da CPLP.

Disponível em: http://www.cplp.org/Files/Filer/cplp/CCEG/IX_CCEG/Estatutos-CPLP.pdf Acesso em:

02 fevereiro 2016. 35 § 2º Os cursos da Unilab serão ministrados preferencialmente em áreas de interesse mútuo do Brasil e

dos demais países membros da CPLP, especialmente dos países africanos, com ênfase em temas

envolvendo formação de professores, desenvolvimento agrário, gestão, saúde pública e demais áreas

consideradas estratégicas. (Lei nº 12.289, de 20 de julho de 2010).

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a consolidação dessa função acadêmica e política esperada da Unilab

exige de todos nós uma postura atenta e em sintonia com a

consciência dos direitos dos coletivos sociais, étnicos, raciais, de gênero e diversidade sexual, tanto na nossa sociedade quanto na

especificidade das sociedades africanas e dos outros países com os

quais a Cooperação Sul-Sul se realizar. No caso da comunidade negra brasileira e africana essa postura implica no direito à sua história,

memória, cultura, identidade, conhecimentos e valores.

É importante destacar que a sanção do Estatuto da Igualdade Racial e a lei de

criação da UNILAB ocorrem no mesmo evento em que o ministro da Secretaria de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Eloi Ferreira, destaca as ações

afirmativas e o PROUNI na inclusão e valorização da comunidade afrodescendente na

universidade.36

Nesse sentido, a promoção do intercâmbio entre professores e estudantes em

programas nas áreas de ensino, pesquisa e extensão contribui com os processos de

integração e internacionalização do ensino superior, bem como com a execução de

convênios temporários ou permanentes com outras instituições da CPLP para o

desenvolvimento regional a partir dos intercâmbios cultural, científico e educacional da

região. Em novembro de 2012, a China também começa a integrar a instituição com

convênios firmados entre a Universidade de Macau e a de Zhejiang Normal University

e, em março de 2013, consolida acordo com o Instituto Politécnico de Macau.

Em seus Artigos 1° e 2o a Lei estabelece que

Art. 1º Fica criada a Universidade da Integração Internacional da

Lusofonia Afro-Brasileira - UNILAB, com natureza jurídica de autarquia, vinculada ao Ministério da Educação, com sede e foro na

cidade de Redenção, Estado do Ceará.

Art. 2º A Unilab terá como objetivo ministrar ensino superior, desenvolver pesquisas nas diversas áreas de conhecimento e promover

a extensão universitária, tendo como missão institucional específica

formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o

Brasil e os demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP, especialmente os países africanos, bem

como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural,

científico e educacional. § 1º A Unilab caracterizará sua atuação pela cooperação internacional,

pelo intercâmbio acadêmico e solidário com países membros da

CPLP, especialmente os países africanos, pela composição de corpo docente e discente proveniente do Brasil e de outros países, bem como

36 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34739 Acesso em: 02 fevereiro 2016.

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71

pelo estabelecimento e execução de convênios temporários ou

permanentes com outras instituições da CPLP.

§ 2º Os cursos da Unilab serão ministrados preferencialmente em áreas de interesse mútuo do Brasil e dos demais países membros da

CPLP, especialmente dos países africanos, com ênfase em temas

envolvendo formação de professores, desenvolvimento agrário, gestão, saúde pública e demais áreas consideradas estratégicas. (Lei nº

12.289, de 20 de julho de 2010).

Em outras palavras, os deveres e funções da UNILAB na integração de ensino,

pesquisa e extensão entre o Brasil e os países membros da CPLP se comprometem com

a formação de profissionais qualificados para o Brasil e para os países que compõem

essa integração educacional na proposta de uma universidade internacional.

2.2.3. Convênios de cooperação internacional

Desde 2010, a UNILAB possui convênio com universidades e institutos

portugueses contabilizando validade de cinco anos com cada um: Instituto Politécnico

de Coimbra (2013), Instituto Universitário de Lisboa (2012), Universidade de Aveiro

(2012), Universidade de Coimbra (2010), Universidade de Évora (2012) e Universidade

de Lisboa (2012).

Em 2014, a Rede de Instituições Públicas de Educação Superior (RIPES) e a

UNILAB realizaram a I Reunião Técnica Internacional da RIPES em parceria com a

Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE) e

a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), além do apoio da Coordenação

Geral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa do Departamento da África do

Ministério das Relações Exteriores (CGCPLP-DEAF/MRE).

O objetivo do evento era elaborar estratégias de cooperação acadêmica com

reitores e representantes de universidades e instituições de educação superior dos Países

Africanos de Língua Oficial Portuguesa e do Timor Leste37

: Universidade Agostinho

Neto e Universidade de Kimpa Vita (Angola); Instituto Universitário de Educação

37Disponível em: http://www.unilab.edu.br/noticias/2014/05/21/ripes-e-unilab-recebem-reitores-de-

universidades-africanas-e-disponibiliza-relatorio-da-i-oficina-de-mobilizacao-e-planejamento-realizada-

em-abril/ Acesso em: 02 fevereiro 2016.

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(Cabo Verde), Universidade Eduardo Mondlane, Universidade Pedagógica e

UniZambezi (Moçambique); Instituto Superior Politécnico (São Tomé e Príncipe) e

Universidade Nacional Timor Lorosa’e (Timor-Leste):

Dessa forma ficam assegurados os deveres e funções da UNILAB

como universidade internacional, integrando o ensino, a pesquisa e a

extensão entre o Brasil e os países que compõem a CPLP, possuindo o objetivo de fornecer profissionais qualificados para o Maciço de

Baturité, para o Estado do Ceará, para o Brasil e para os países que

compõem essa integração educacional. (RIBEIRO, 2012, p. 54)

A cooperação Sul-Sul, unindo Brasil, Países de Língua Oficial Portuguesa

(PALOP) e Timor Leste, atravessou o debate ressaltando as necessidades e os potenciais

de cada instituição no que diz respeito ao intercâmbio de conhecimento e mobilidade

acadêmica na contribuição para o desenvolvimento dos países.

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CAPÍTULO II

LUSOFONIA: COLONIALIDADE, DESCOLONIZAÇÃO E

PALAVRA

Neste capítulo, refletimos sobre a lusofonia e suas relações na colonização dos

corpos e mentes a partir dos referenciais teóricos de Aníbal Quijano e Walter Mignolo,

utilizando, portanto, as categorias colonização, colonialidade e descolonização. Nessa

perspectiva, consideramos o contexto político, social, cultural e econômico em que são

construídos os sentidos da palavra conforme as reflexões sobre sujeito, linguagem e

signo ideológico propostas por Mikhail Bakhtin.

2.1. Lusofonia como linguagem do poder

Os fatores históricos, emergentes e determinantes nos contextos das relações

sociais, contribuem com as reflexões sobre a colonização de Portugal e a instauração da

língua portuguesa no Brasil onde era falada a Língua Geral38

. Dessa forma, os

domínios, especialmente o da Igreja, descortinam as estratégias para manutenção do

poder ideológico e doutrinário sobre a sociedade. Avançando nessa discussão, a religião

38 A Língua Geral, também conhecida como Nheengatu ou Tupi Moderno, nasceu do Tupi Antigo “usado

na maior parte da costa brasileira no tempo da chegada dos portugueses, em 1500. Os indígenas da costa

que falavam variantes dialetais dele eram chamados genericamente de tupis. Eram eles os potiguaras, os

tupinambás, os caetés, os tupiniquins, os tupis da Capitania de São Vicente etc. Os tupis eram

considerados os antepassados de todos os índios da costa, segundo o jesuíta Simão de Vasconcelos.

Podemos dizer que o Tupi foi falado até o final do século XVII, após o que se foi transformando na

Língua Geral, em seus dois principais ramos, a Amazônica e a Meridional. A Língua Geral Amazônica

transformou-se, no século XIX, no Nheengatu. Ela começou a se formar no Maranhão e no Pará da língua

falada pelos tupinambás que ali estavam e que foram aldeados pelos missionários jesuítas, juntamente

com muitos outros índios de outros idiomas e etnias. A Língua Geral Meridional desapareceu

completamente no início do século XX. Essa se irradiara a partir da Capitania de São Vicente para Minas

Gerais, Goiás, Mato Grosso e para as capitanias do sul do país, seguindo o rastro dos paulistas que

avançavam com suas entradas e bandeiras. Há indícios de que tenha também havido uma língua geral na

costa leste do Brasil, no sul da Bahia.” (NAVARRO, 2012) Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142012000300024 Acesso em: 23

janeiro 2017.

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74

está imbricada ao desenvolvimento da Ciência e da Arte na formação dos sistemas de

ensino.

Aprisionada por um poder separado da vida, a palavra sem o consenso torna-se a fala necessária para a sociedade e, por isso, é imposta e

dada como legítima para realizar os atos do controle da vida social

dominada pela desigualdade. Torna-se aquela que sendo, ao mesmo

tempo, a norma da ordem, é também a verdade da norma. Dita e principalmente escrita é como selo, mais do que o sinal, de um poder

desde onde a posse não contestada do direito de dizer o sentido de

tudo, de torná-lo legítimo e de fazê-lo circular como saber, crença, ideia, valor e código, estabelece a necessidade social de sua existência

como poder, e funda a necessidade do seu exercício sobre o silêncio

do outro. O poder torna-se legítimo porque é pronunciado como tal e, como tal, pronuncia palavras que ordenam a vida. (BRANDÃO, 1986

p. 08)

Conforme Campos e Neno (2015, p. 05), no final do século XIII, por influência

do clero, o rei funda a primeira universidade em Portugal garantindo o desenvolvimento

da língua portuguesa e manutenção da identidade nacional: o clero detém o poder da

ideologia social e política e a nobreza, o poder militar.

Nesse sentido, a modernidade e as Grandes Descobertas contribuem com os

processos de globalização que colocariam não somente o mercado econômico, mas os

modos de compreensão e subjetivação em processos de homogeneização. Assim, a

comunicação sofre tais impactos a partir dos blocos políticos e econômicos constituídos

no contexto colonial, com a anglofonia, a francofonia, a hispanofonia e a lusofonia.

(SEVERO, 2016, p. 1322)

Tais blocos podem ser tomados como formas de expressão da

globalização e sinalizam para diferentes percursos coloniais que

compartilharam modos de apropriação, submissão e controle de

povos, terras e culturas geopoliticamente localizados nos continentes americano, africano e asiático. (SEVERO, 2016, p. 1322)

Cabe ressaltar que os interesses da classe dominante no uso da língua

demonstram que “o signo é, por natureza, vivo e móvel, plurivalente; a classe

dominante tem interesse em torná-lo monovalente.” (BAKHTIN, 1992, p. 15)

Estendendo tais reflexões à lusofonia, “enquanto signo político colonial construiu

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representações centradas em Portugal e suas instituições” (SEVERO, 2016, p. 1322) a

partir da língua portuguesa como signo colonial sustentando as relações de poder desde

a chegada dos portugueses no Brasil. Dessa forma, é importante destacar todas as

produções escritas e artísticas feitas pelos europeus a partir de olhares e impressões

sobre o Brasil com a língua portuguesa servindo ao processo colonizador.

Assim, a lusofonia no contexto colonial operou pela reprodução de

instituições portuguesas – ensino e religião – que validaram o que conta como língua a partir de chaves epistêmicas eurocêntricas

(Auroux, 2009). Além disso, as línguas europeias eram consideradas

ontologicamente superiores, pois eram derivadas do latim. Nesse caso,

observa-se o papel da língua justificando relações racistas. (SEVERO, 2016, p. 1324)

O contexto histórico de pós Guerra Fria favoreceu a formação da Comunidade

de Países de Língua Portuguesa (CPLP) advogando a paz, a democracia, o Estado de

Direito, a integridade territorial e a não ingerência, o desenvolvimento, a justiça social e

os direitos humanos. Para isso, sua base é formada por concertação político-

diplomática, cooperação multiforme entre os Estados membros, além da promoção e

difusão da língua portuguesa. (GALITO, 2012, p. 14)

Em 17 de julho de 1996, é criada a CPLP tendo a língua portuguesa como

idioma oficial e dominante de Portugal com os países de colonização portuguesa: Brasil,

Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, além de

variedades faladas em Goa, Damão e Diu (Índia), Macau (China), Timor na Oceania e

os membros da diáspora (lusófonos e seus descendentes). Dessa forma, destaca-se uma

língua de mestiçagem cultural que, desde sua origem no contexto da colonização

portuguesa, é cenário de histórias atravessadas por suas culturas e povos, em uma

realidade multicultural:39

39 “(…) o conceito de lusofonia assinala, no contexto da cultura portuguesa, um lugar de “não-reflexão”, de “não-conhecimento” e sobretudo de “não reconhecimento”, quer de si próprio quer do outro.

Obviamente que aqui se encontram implicadas questões de índole identitária relativas aos diversos

sujeitos envoltos na lusofonia, problemas de grau e complexidade diversos, mas sobretudo, do lado

português, uma estratégia de “esquecimento activo” (…) de “recalcamento” (…) da história colectiva

(…).” (BAPTISTA, 2006, p. 24)

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Tendo sido a primeira das línguas em uma outra internacionalização, a das Grandes Navegações dos séculos XV a XVII e a do processo

colonial a partir de então estabelecido, o português é hoje é língua oficial em 10 países, oito deles membros da Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa (CPLP), mais a Guiné Equatorial, que a

oficializou em 2011 ao lado do espanhol e do francês1, e da China, ou

mais exatamente da RAEM, Região Administrativa Especial de

Macau, onde é cooficial ao mandarim até o ano de 2049. (OLIVEIRA,

2013, p. 03)

As bases geográficas, que contam entre 7 e 9 milhões de falantes da língua

portuguesa oriundos das diásporas, especialmente, nos Estados Unidos e Canadá, em

diferentes países europeus, no Japão, na África do sul, no Paraguai e na Venezuela,

contribuem com a manutenção do idioma por meio do ensino da língua de herança no

exterior além do intercâmbio comercial e cultural com estes países. Nesse sentido, “o

português acompanha o intenso processo de emigração que faz com que hoje mais de

190 milhões de pessoas vivam fora dos seus países de origem.” (OLIVEIRA, 2013, p.

05)

Tendo sido a primeira das línguas em uma outra internacionalização, a

das Grandes Navegações dos séculos XV a XVII e a do processo colonial a partir de então estabelecido, o português é hoje é língua

oficial em 10 países, oito deles membros da Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa (CPLP), mais a Guiné Equatorial, que a

oficializou em 2011 ao lado do espanhol e do francês1, e da China, ou

mais exatamente da RAEM, Região Administrativa Especial de

Macau, onde é cooficial ao mandarim até o ano de 2049. (OLIVEIRA,

2013, p. 03)

Na CPLP, a língua portuguesa se relaciona com cerca de 339 línguas diversas

constituintes das culturas dos respectivos países no que diz respeito ao número de

falantes e graus de vitalidade. Dessa forma, é foco de programas desenvolvidos pelos

governos de acordo com registro no Colóquio Internacional de Maputo sobre a

Diversidade Linguística nos Países da CPLP, promovido pelo Instituto Internacional da

Língua Portuguesa na capital Moçambicana, em setembro de 2011:

A CPLP inicia, por este canal, um diálogo com as políticas

contemporâneas do multilinguismo, e os Estados Membros

desenvolvem crescente atenção a estas línguas, vetor de integração

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dos cidadãos às sociedades nacionais que, no século XXI, vão se

configurando de modo cada vez mais plural, tanto cultural como

linguisticamente. Desse modo, nossas sociedades lusófonas vão aprendendo, com algum atraso, a lidar e a ver como oportunidade o

fato de termos, na CPLP, 5% do número total de línguas do mundo.

(OLIVEIRA, 2013, p. 05)

Oliveira destaca que, no campo das organizações, a língua portuguesa expande e

conta com estatutos de oficialidade ou estatuto especial em 26 dessas, com destaque

para cinco dos dezessete blocos econômicos internacionais: União Europeia, Mercosul,

SADC40

, CEDEAO41

, CEEAC42

e, no campo das organizações diplomáticas, está

presente em entidades como a CPLP, a União Africana43

, a UNASUL44

, a OEA45

, a

OEI46

, a União Postal Internacional47

, entre outras.

40Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) foi criada em 1992 para incentivar as relações comerciais entre seus 14 países membros: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto,

Malavi, Maurício, Moçambique, Namíbia, República Democrática do Congo, Seicheles, Suazilândia,

Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Disponível em: http://www.camara.leg.br/mercosul/blocos/SADC.htm

Acesso em: 13 nov 2016.

41 Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDAO) fundada em 28 de maio de 1975

com o objetivo de estabelecer uma zona de livre comércio na África Ocidental. Os países membros que a

integram são: Benin, Burkina Faso, Costa de Marfim, Cabo Verde, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné Bissau,

Libéria, Mali, Niger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Disponível em:

http://pt.reingex.com/CEDEAO-Comunidade-Economica-dos-Estados-da-Africa-Ocidental.asp Acesso

em: 13 nov 2016. 42 Fundada em dezembro de 1981, a Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC)

dispõe sobre a taxação sobre as importações procedentes de países terceiros e inclui onze países: Angola,

Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Congo, República Democrática do Congo, Gabão, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe e Chade. Disponível em: http://pt.reingex.com/CEEAC-Comunidade-

Economica-dos-Estados-da-Africa-Central.asp Acesso em: 13 nov 2016. 43A União Africana (UA) foi criada em 2002, em substituição à antiga Organização da Unidade Africana.

A União Africana é ator de grande importância para a política externa brasileira, pois é foro incontornável

para articular e impulsionar iniciativas em várias áreas – da política à economia, da agricultura ao

desenvolvimento social. A abertura da Embaixada do Brasil em Adis Abeba, sede da União Africana, em

2005, refletiu o interesse brasileiro em acompanhar as atividades da organização. O Brasil tem sido

convidado, desde então, a participar dos principais eventos da UA, na condição de observador. Disponível

em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/mecanismos-inter-regionais/3681-uniao-africana

Acesso em: 13 nov 2016. 44 Criada em Brasília, no ano de 2008, a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) em seu artigo 4º, parágrafo único, estabelece que "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica,

política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-

americana de nações". Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/integracao-

regional/688-uniao-de-nacoes-sul-almericanas Acesso em: 13 nov 2016. 45A Organização dos Estados Americanos (OEA) é sucessora das Conferências Pan-americanas e da

União Pan-americana (1910), a Organização dos Estados Americanos (OEA) é a mais antiga organização

regional em atividade. A estrutura da Organização, as atribuições de seus órgãos, seus princípios e

objetivos comuns estão estabelecidos na Carta da OEA, aprovada na IX Conferência Internacional Pan-

Americana, realizada em Bogotá, em 1948. A OEA tem hoje 35 Estados membros, além de atualmente 69

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[...] brevemente, de acordo com os desdobramentos de negociações,

na ASEAN, bloco que Timor Leste passará a integrar a partir de 2017,

ampliando, lá também, as possibilidades de uso diplomático e societário do português. (OLIVEIRA, 2013, p. 04)

Os blocos econômicos se caracterizam mais como lugares para a presença e

promoção da língua portuguesa, os Blocos Econômicos Regionais, do que as

organizações diplomáticas onde o uso do idioma é restrito somente à documentação da

própria organização.

As organizações diplomáticas e os blocos econômicos podem se configurar

como uma geoestratégia econômica e política na formação da CPLP com a união de

Portugal aos países colonizados por meio da língua portuguesa com suas especificidades

regionais, mas com a influência de um idioma eurocêntrico que reconfigura e domina a

história e a cultura de cada país. (OLIVEIRA, 2013, p. 04)

No Brasil, os impactos da lusofonia incidem também sobre a teoria do

Lusotropicalismo48

, desenvolvida pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, no

livro Casa-Grande & Senzala (1933), pautado em uma interpretação sociológica e países e a União Europeia em caráter de observadores permanentes. O Brasil foi um dos 21 fundadores da

OEA, assinando a Carta de 1948. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-

externa/integracao-regional/14394-a-organizacao-dos-estados-americanos Acesso em: 13 nov 2016. 46

A Organização de Estados Ibero-Americanos (OEI) nasceu em 1949 sob a denominação de Escritório

de Educação Ibero-americana e com o caráter de agência internacional como consequência do I

Congresso Ibero-americano de Educação celebrado em Madri. A Organização dos Estados Ibero-

americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) é um organismo internacional de caráter

governamental para a cooperação entre os países ibero-americanos no campo da educação, da ciência, da

tecnologia e da cultura no contexto do desenvolvimento integral, da democracia e da integração regional.

Os Estados-Membros de pleno direito e observadores são todos os países ibero-americanos que

conformam a comunidade de nações integrada por Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica,

Cuba, Chile, República Dominicana, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Guiné Equatorial, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela. A sede central da

sua Secretaria-Geral está em Madri, Espanha. Disponível em: http://oei.org.br/oei Acesso em: 13 nov

2016.

47 A União Postal universal (UPU) Fundada em 1874, a União Postal Universal (UPU), com sede em Berna, Suíça, é a segunda mais antiga organização internacional em todo o mundo. Com os seus 192

países membros, a UPU é o principal fórum de cooperação entre os atores do setor postal. Ela ajuda a

garantir uma rede verdadeiramente universal de produtos e serviços postais de qualidade. Disponível em:

http://www.mc.gov.br/acoes-e-programas/articulacao-de-politicas-da-area-das-comunicacoes/280-

temas/atuacao-internacional-no-setor-postal/uniao-postal-universal-upu/24753-uniao-postal-universal-upu

Acesso em: 13 nov 2016. 48 O Lusotropicalismo ainda é uma teoria controversa. No entanto, é apresentada nesse trabalho para

exemplificar o contexto de colonização portuguesa e seus impactos no Brasil.

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historiográfica da formação do Brasil que busca qualificar uma identidade ao povo

brasileiro no que diz respeito à questão racial e de mestiçagem no país. Difere das

interpretações apresentadas pelo modelo raciológico da segunda metade do século XIX

e primeiras décadas do século XX conforme assevera Pinto (2009, p. 151)

Para Gilberto Freyre, no Brasil, tanto o negro africano, como o índio, foram elementos que civilizaram o branco português e este na sua

“intrínseca” aclimatabilidade, no amalgamento interracial, logo deixou

de ser português para tornar-se lusobrasileiro. O português para Freyre

já era um mestiço em Portugal, dessa maneira, por essas condições inatas, jamais poderia se desenvolver historicamente um Brasil branco

e europeu. Esse será um dos termos centrais do lusotropicalismo.

Dessa confluência interracial, inaugurou-se no Brasil um novo processo civilizatório que, conforme o autor, haveria por se estender a

todos os espaços de colonização portuguesa.

O fim da Segunda Guerra Mundial força o regime salazarista do Estado fascista

português, representado por Antonio de Oliveira Salazar, a “uma nova definição

estatutária para a caracterização de suas colônias espalhadas pela África e pela Ásia”

(PINTO, 2009, p. 145), que poderiam render-se às novas concepções liberalizantes dos

autonomismos nacionalistas. Para tanto, promove pesquisas nas colônias por meio da

Junta de Investigações do Ultramar (1945) na busca dos conhecimentos sociológicos,

políticos e antropológicos dos povos e regiões ultramarinas “sempre com o sentido de

justificar a singularidade civilizacional do homem português em regiões tropicais.”

(PINTO, 2009, p. 149) Em 1956, cria o Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS),

no qual o Lusotropicalismo ganha espaço. Assim, o estado salazarista utiliza a

representatividade de Gilberto Freyre,

E para melhor justificar o sentido da instrumentalização do modelo

explicativo freyriano pelo Estado salazarista, Casa grande & senzala

sugere o português como herói colonizador, portador de um conjunto específico de práticas de colonização que o tornam único na

experiência histórica das colonizações. (PINTO, 2009, p. 152)

Nesses termos, a lusofonia pode ser entendida como uma geoestratégia

econômica e política que se consolida na formação da CPLP com a união de Portugal e

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países colonizados por meio da língua portuguesa e que, a despeito de suas

especificidades regionais, sofreu com a influência de um idioma eurocêntrico que

reconfigura a história e a cultura de cada país49

. Destarte, para o representante da

linguística moderna, o suíço Ferdinand de Saussure (2006, p. 17):

Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem;

é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É,

ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para

permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Tomada em seu

todo, a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence

além disso ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa

classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe

como inferir sua unidade.

Refletindo sobre a língua como um conjunto de convenções e produto social da

linguagem, é possível dizer que o uso do idioma português, enviesando a língua dos

nativos de cada país, remodelou a língua desses povos, ou seja, a linguagem, cavaleiro

de diferentes domínios na formação de uma identidade linguística atravessada pela

cultura dominante e desempenhando papel central na competição entre as grandes

línguas. Dessa forma, no contexto do processo econômico de internacionalização, a

constituição crescente de diásporas internas à CPLP favorecem

[...] o incremento constante do número de brasileiros em Portugal e

em Angola, de portugueses no Brasil, Angola e Moçambique, de

caboverdianos em Portugal e no Brasil, e assim por diante, merecendo menção ainda a crescente importância da transumância universitária,

que vai aproximando elites responsáveis, no futuro, pela constituição

de importantes elos técnicos e econômicos. O atual momento histórico

é um momento de intensos movimentos humanos, busca de contatos e parcerias, o que contribui fortemente para a valoração positiva das

estratégias de aumento da veicularidade de uma língua (OLIVEIRA,

2013, p. 13).

49 Lélia Gonzalez, intelectual negra e militante das ações de luta contra o racismo e o machismo, refletiu

sobre o uso da língua portuguesa de Portugal e as línguas africanas na construção do Pretuguês

sinalizando um espaço de luta contra o preconceito racial ao confrontar o paradigma dominante, na

adoção de uma língua que respeita o legado linguístico das culturas escravizadas, com a língua

portuguesa sinalizando uma resistência política.

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Com isso, as exigências da economia mundial e a urgência de integração ao

sistema econômico conduziram os países em desenvolvimento às reformas na educação

com vistas à competitividade entre as nações. Para tanto, a internacionalização serve

como mecanismo para o intercâmbio de bens, serviços e informações entre os países.

Nesse contexto, o Brasil se insere na mobilidade estudantil com número crescente de

estudantes brasileiros em países estrangeiros e que “nos últimos anos, vem procurando

se firmar no sentido de viabilizar a ampliação do processo de mobilidade estudantil

externa” (CASTRO; NETO, 2012, p. 91).

A partir do contexto de criação da UNILAB, é importante ressaltar o

fortalecimento econômico do Brasil, Angola e Moçambique resultando no interesse pela

lusofonia traduzido no compartilhamento dos recursos simbólicos e culturais da língua

portuguesa além dos benefícios econômicos e políticos (SEVERO, 2016, p. 1322), pois

“o imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da pluralidade e da diferença e é

através dessa evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a

confraternidade.” (LOURENÇO, 2001, p. 111, grifos do autor)

Considera-se que a lusofonia contemporânea instaura, em diálogo com uma certa história colonial portuguesa e ibérica, chaves específicas de

leitura e interpretação da experiência colonial com ressonâncias ainda

vivas. Ademais, a lusofonia, tomada como signo político, define o que conta como Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Timor Leste, entre

outros, em que a configuração geográfica é construída politicamente.

(SEVERO, 2016, p. 1323)

Nessa perspectiva, a lusofonia e a globalização estão imbricadas na medida em

que a língua portuguesa é um signo político construído no contexto da colonialidade e

modernidade. As relações diplomáticas representadas na UNILAB, na cooperação

solidária com países membros da CPLP e sua fundação no contexto político do governo

Lula, contribuem para “[...] reforçar a posição internacional da formação de nível

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superior em língua portuguesa e promover a mobilidade no espaço da CPLP [...].”

(DECLARAÇÃO DE FORTALEZA, p. 01)50

2.2. Neoliberalismo e liberdade do sujeito

A crise do Socialismo no leste da Europa mobilizou cidadãos alemães a

derrubarem o Muro de Berlim, em 1989, culminando com o fim da Guerra Fria e a

reintegração da Alemanha. Durante a década de 1980, o termo “globalização” já era

utilizado com pouca expressividade, só ganhando força após a queda do Muro de

Berlim e o final da Guerra Fria, que encerraram as disputas econômicas, ideológicas e

militares entre Estados Unidos, líder do bloco capitalista, e União Soviética, líder do

bloco socialista, que buscava uma transformação político-econômica do capitalismo.

No entanto, a globalização não é um evento recente. A necessidade de os povos

explorarem para descobrir novos lugares e abrir rotas e fontes comerciais data do início

da história. Ela passa pelos europeus, que viajaram pelos mares a fim de integrar o

Oriente e o Ocidente, até chegar à Revolução Industrial.

O fim da Guerra Fria provou ser não o fim de um conflito

internacional, mas o fim de uma era: não só para o Oriente, mas para

todo o mundo. Há momentos históricos que podem ser reconhecidos,

mesmo entre contemporâneos, por assinalar o fim de uma era. Os anos por volta de 1990 foram uma dessas viradas seculares. Mas, embora

todos pudessem ver que o antigo mudara, havia absoluta incerteza

sobre a natureza e as perspectivas do novo. (HOBSBAWN, 1995, p. 251)

A globalização inaugura essa nova era de mudanças, no início do século XXI,

com a velocidade desenfreada dos meios de comunicação, diferenças regionais,

crescimentos desequilibrados e assimétricos, vigilância constante (câmeras, internet,

celular) dos sujeitos tornando-os menos livres, com pouca atuação do Estado e da lei,

50 Disponível em:

http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/1422/Educacao05_declara%C3%A7%C3%A3o.pdf?

sequence=1 Acesso em: 13 nov 2016.

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migração de trabalhadores pobres para áreas ricas com a imposição de obstáculos

eficazes dos Estados e da política. (HOBSBAWN, 2007, p. 36-42)

Nessa medida, o dinheiro e a informação ocupam lugar de destaque nos

pressupostos do capitalismo globalizado, acentuando o controle dos sujeitos e

contribuindo para uma sociedade mais desigual:

Tirania do dinheiro e tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado. Sem o controle dos

espíritos seria impossível a regulação pelas finanças. Daí o papel

avassalador do sistema financeiro e a permissividade do comportamento dos atores hegemônicos, que agem sem contrapartida,

levando ao aprofundamento da situação, isto é, da crise. (SANTOS,

2001, p. 35)

A tirania do dinheiro e da informação, o controle dos espíritos, o papel

avassalador do sistema financeiro e a permissividade do comportamento dos atores

hegemônicos pressupõem o lucro, objetivo principal do capitalismo em sua versão

neoliberal, além da “aceleração dos processos hegemônicos, legitimados pelo

‘pensamento único’, enquanto os demais processos acabam por ser deglutidos ou se

adaptam passiva ou ativamente, tornando-se hegemonizados.” (SANTOS, 2001, p. 35)

Sob esta ótica, os sujeitos são considerados mercadorias provocando processos

de desarticulação social, pois “a preocupação neoliberal com o indivíduo põe em

segundo plano toda preocupação democrática social com a igualdade, a democracia e as

solidariedades sociais.” (HARVEY, 2008, p. 190) Assim, o neoliberalismo age como

uma teoria das práticas econômicas baseada na promoção de liberdades e capacidades

empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional que enfatiza

direitos individuais, propriedade privada, livre mercado e livre comércio. Ao Estado

cabe garantir a qualidade e a integridade do dinheiro e estabelecer estruturas para

afiançar os direitos de propriedade individual e assegurar o funcionamento dos

mercados. Para Harvey (2008, p. 12):

As intervenções do Estado nos mercados (uma vez criados) devem ser

mantidas num nível mínimo, porque, de acordo com a teoria, o Estado

possivelmente não possui informações suficientes para entender

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devidamente os sinais do mercado (preços) e porque poderosos grupos

de interesse vão inevitavelmente distorcer e viciar as intervenções do

Estado (particularmente nas democracias) em seu próprio benefício.

As influências das ideias neoliberais povoaram as corporações, os meios de

comunicação e as instituições da sociedade civil, construindo um clima favorável para a

atuação do neoliberalismo, pregando a liberdade e trazendo tensões e contradições que

passam pelo poder do monopólio, fracasso do mercado, acesso à informação e igualdade

de condições de competição. (HARVEY, 2008, p. 49-50)

Nessa perspectiva, os sujeitos são seduzidos pelos “avanços” modernidade e

conduzidos ao consumo, o que aprofunda cada vez mais o abismo da desunião e da

pouca atuação dos cidadãos. Tal estratégia colabora com a existência de uma sociedade

individualista e competitiva que não enxerga no outro o caminho para a emancipação

mútua na construção de uma consciência crítica por meio do diálogo:

Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de

homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são

aprofundadas. Há uma busca de uniformidade ao serviço dos atores

hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais

distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal.

Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado. (SANTOS, 2001, p.

19)

No entanto, as condições de acesso à informação sem fronteiras oportunizam a

aproximação de culturas e povos diversos, formando uma rede de singularidades e

imprimindo identidades que podem ir além dos objetivos neoliberais de competição e

individualidade:

Considerando o que atualmente se verifica no plano empírico,

podemos, em primeiro lugar, reconhecer um certo número de fatos

novos indicativos da emergência de uma nova história. O primeiro

desses fenômenos é a enorme mistura de povos, raças, culturas, gostos, em todos os continentes. A isso se acrescente, graças aos

progressos da informação, a "mistura" de filosofias, em detrimento do

racionalismo europeu. Um outro dado de nossa era, indicativo da possibilidade de mudanças, é a produção de uma população

aglomerada em áreas cada vez menores, o que permite um ainda maior

dinamismo àquela mistura entre pessoas e filosofias. (SANTOS, 2001, p. 20-21)

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Nesse sentido, é possível refletir sobre uma nova história na perspectiva dessa

diversidade que colabora com uma voz fortalecida para o discurso da fragmentação que,

por meio da união, é uníssona na luta pela justiça social dos povos marginalizados ao

longo da história. Em outras palavras, trata-se de uma sociodiversidade imprescindível à

emergência de uma cultura popular “que se serve dos meios técnicos antes exclusivos

da cultura de massas, permitindo-lhe exercer sobre esta última uma verdadeira revanche

ou vingança.” (SANTOS, 2001, p. 21) Como afirma Chauí (2001, p. 11),

graças aos direitos, os desiguais conquistam a igualdade, entrando no espaço político para reivindicar a participação nos direitos existentes e

sobretudo para criar novos direitos. Estes são novos não simplesmente

porque não existiam anteriormente, mas porque são diferentes

daqueles que existem, uma vez que fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos que os afirmaram e os fizeram ser

reconhecidos por toda a sociedade. Com a ideia dos direitos,

estabelece-se o vínculo profundo entre a democracia e a ideia de justiça.

Em outras palavras, é preciso inaugurar um processo político que identifique

alternativas viáveis e possibilidades reais: engajamento em movimentos de desacordo à

política neoliberal onde seja possível ter como produto um programa de oposição de

base ampla ou a análise por meio de exames teóricos e práticos do contexto atual.

(HARVEY, 2008, p. 212)

2.3. A colonialidade e a descolonização

Os estudos de Aníbal Quijano (2005) vão discorrer sobre a colonialidade a partir

do início do processo de globalização na formação da América e no capitalismo colonial

moderno como padrão de poder, numa perspectiva que integra elementos históricos,

econômicos, políticos e ideológicos estruturando as relações de poder na atualidade.

Nesse caminho, propõe reflexões sobre a ideia de “Raça” como justificativa para a

dominação colonial a hegemonia eurocêntrica. Para isso, resgata a história de uma

hegemonia branca favorecida por meio do trabalho dos escravos perante o mercado

mundial cada vez mais monetarizado representado por China, Índia, Ceilão, Egito, Síria

e os futuros Orientes Médio e Extremo. Assim, após o século XVI, os negros eram

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considerados escravos e os índios, servos, sem direito a receber um salário conforme

percepção branca europeia.

O controle dos corpos indígenas e negros garantiu a colonização da América por

meio da conquista de seu trabalho, suas terras e suas riquezas. Dos espaços externos,

este controle se expandiu, à medida que a exploração avançava, para as mentes desses

corpos, modificando suas histórias, culturas e identidades com a voz do colonizador no

silenciamento dos colonizados:

Isso significa que todas essas formas de trabalho e de controle do

trabalho na América não só atuavam simultaneamente, mas foram

articuladas em torno do eixo do capital e do mercado mundial. Conseqüentemente, foram parte de um novo padrão de organização e

de controle do trabalho em todas as suas formas historicamente

conhecidas, juntas e em torno do capital. Juntas configuraram um novo sistema: o capitalismo. (QUIJANO, 2005, p. 126)

Com a ideia de raça, o discurso do poder foi tomando corpo na classificação da

população mundial em negros, índios e mestiços. No bojo dessas identidades sociais, as

relações de dominação sobrepujaram esses povos na formação de hierarquias e

consequente manutenção do poder, pois “raça converteu-se no primeiro critério

fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na

estrutura de poder da nova sociedade” (QUIJANO, 2005, p. 118), ganhando força na

determinação de relações hierárquicas que atravessaram e atravessam a história.

A dominação da Europa alcançou as diversas e heterogêneas histórias culturais

como forma de comando do trabalho em torno do capital para estabelecer o capitalismo

mundial pautado na exploração e dominação.

para os explorados do capital e em geral para os dominados do padrão de poder, a modernidade gerou um horizonte de libertação das pessoas

de toda relação, estrutura ou instituição vinculada com a dominação e

a exploração, mas também as condições sociais para avançar em direção a esse horizonte. A modernidade é, assim, também uma

questão de conflito de interesses sociais. Um deles é a contínua

democratização da existência social das pessoas. Nesse sentido, todo

conceito de modernidade é necessariamente ambíguo e contraditório. (QUIJANO, 2005, p. 125)

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A partir desse contexto, a dominação europeia estendeu sua hegemonia no

controle da subjetividade, da cultura, do conhecimento e da produção do conhecimento.

Com isso, o europeu, a partir da classificação racial da população mundial, depois da

colonização da América, sentia-se superior, traço comum entre dominadores coloniais e

imperiais, gerando e construindo o etnocentrismo. Considerando, nesses termos, dois

fatores, “(...) o etnocentrismo colonial e a classificação racial universal ajudam a

explicar por que os europeus foram levados a sentir-se não só superiores a todos os

demais povos do mundo, mas, além disso, naturalmente superiores.” (QUIJANO, 2005,

p. 121)

Nessa perspectiva, Portugal e Espanha, na reprodução de seus discursos sobre os

povos colonizados, foi infiltrando uma racionalidade na condução de suas ideologias

para a garantia de sua hegemonia: o eurocentrismo surgido na Europa Central, no século

XVII, a serviço do poder capitalista e com foco na constituição da América, torna-se

uma racionalidade específica globalmente hegemônica. No entanto, é importante

destacar que o capital surge durante os séculos XI e XII “na região meridional ibérica

e/ou itálica, e no mundo islâmico”, ou seja, é anterior à constituição da América, mas só

foi possível sua consolidação no sistema de relações de produção organizada graças à

América. Segundo Quijano, (2005, p. 126):

Não se trata, em conseqüência, de uma categoria que implica toda a

história cognoscitiva em toda a Europa, nem na Europa Ocidental em

particular. Em outras palavras, não se refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em todas as épocas, mas a uma

específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna

mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou diferentes, e a seus respectivos saberes concretos,

tanto na Europa como no resto do mundo.

Assim, a confrontação da experiência histórica com o eurocentrismo do

conhecimento resulta nos dualismos europeu/não-europeu, primitivo/civilizado,

tradicional/moderno. No que diz respeito ao evolucionismo, vai do estado da natureza à

sociedade europeia. Neste contexto, ainda se inserem a ideia de raça e a relocalização no

tempo histórico colocando o não-europeu no passado. (QUIJANO, 2005, p. 127)

A relação do corpo e não-corpo está diretamente ligada à ideia de raça e de

gênero no eurocentrismo. Nesse sentido, a cultura de todos povos considerou a

diferenciação do corpo e não-corpo, no entanto, não foram separados, pois coexistiram

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inseparáveis do ser humano. No período da Inquisição, durante os séculos XV e XVI,

dando ênfase à alma, o cristianismo dividiu “corpo” e “alma”, sendo o primeiro o

ressuscitado e o segundo o objeto de salvação. Descartes traz reflexões sobre o que

antes era corpo e não-corpo passando a ser “razão/sujeito” e “corpo”, sendo a razão um

conhecimento racional e o corpo objeto de conhecimento.

Essa leitura eurocêntrica contribui com a conclusão de que as raças inferiores

foram tratadas como seres não-racionais, com seus corpos colocados próximos da

natureza ou dentro da natureza conforme seu nível de inferioridade. Nesse grupo estão

os negros, índios, oliváceos, amarelos e mulheres “próximos da natureza”, as “mulheres

negras”, nesta classificação, são as mais inferiores e, portanto, “dentro da natureza”,

conduzindo ao pensamento de que este novo e radical dualismo contribuiu com o

surgimento da ideia de gênero. (QUIJANO, 2005, p. 128-129)

Quijano (2005) discorre sobre o conceito de modernidade num processo

histórico em que a Europa é pioneira no controle do padrão de poder mundial. Para isso,

lança mão do capitalismo hegemônico envolvendo o controle do trabalho, dos recursos

e dos produtos; da família burguesa no controle do sexo, seus recursos e produtos; do

Estado-nação, com a legitimidade da força, seus recursos e seus produtos tendo o

eurocentrismo no controle subjetivo, além do padrão de poder interligando as demais

instituições e, finalmente, um padrão de poder no controle da população mundial por

meio de três elementos: a colonialidade do poder, o capitalismo e o eurocentrismo. Isso

justifica que

[...] o fenômeno do poder é caracterizado como um tipo de relação

social constituído pela co-presença permanente de três elementos –

dominação, exploração e conflito – que afeta as quatro áreas básicas da existência social e que é resultado e expressão da disputa pelo

controle delas: 1) o trabalho, seus recursos e seus produtos; 2) o sexo,

seus recursos e seus produtos; 3) a autoridade coletiva (ou pública), seus recursos e seus produtos; 4) a subjetividade/intersubjetividade,

seus recursos e seus produtos. As formas de existência social em cada

uma dessas áreas não nascem umas das outras, mas não existem, nem

operam separadas ou independentes entre si. (QUIJANO, 2002, p. 04)

A América, para esse estudioso, possui “uma relação umbilical entre os

processos históricos que se geram a partir da América e as mudanças (...) da

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intersubjetividade de todos os povos que se vão integrando no novo padrão de poder

mundial.” Em outras palavras, um fenômeno que ocorreu com a América e em conjunto

com a modernidade. (QUIJANO, 2005, p. 124)

Os efeitos da colonização foram e são nocivos à formação da América.

Entretanto, é um passado discutido no presente com vistas à mudança como ideia do

futuro, “já que é o único território do tempo no qual podem ocorrer mudanças.”

(QUIJANO, 2005, p. 124).

Walter Mignolo (2010) constrói reflexões sobre como a colonialidade do poder

tem se infiltrado na construção da modernidade sob a perspectiva europeia, da qual

emerge a criação das diferenças como justificativa para a inferiorização, colonização e

subalternização de povos e culturas, caso de índios, negros, judeus, otomanos, além da

colonização de suas subjetividades epistemológicas:

[...] o fato é que a economia capitalista mudou de rumo e acelerou seu processo com a emergência do circuito comercial do Atlântico, a

transformação da concepção aristotélica da escravidão exigida tanto

pelas novas condições históricas quanto pelo tipo humano (por ex.:

negro, africano) que se identificou a partir desse momento com a escravidão e estabeleceu novas relações entre raça e trabalho.

(MIGNOLO, 2005, p. 34)

Nessa perspectiva, como lógica da colonialidade, expande suas ideias na

proposição de uma monocultura de pensamento que atinge tanto os “povos colonizados”

quanto os “povos colonizadores” com mentalidades voltadas ao “pensar único”, ou seja,

como desafio descolonial “não se trata apenas de descolonizar o colonizado, mas

também (e talvez fundamentalmente) o colonizador, que é quem tem as rédeas do

controle da economia e da autoridade.” (MIGNOLO, 2010, p. 22-23)

A modernidade europeia, enquanto modo de vida social que contempla uma

alternativa de ser/estar/habitar o mundo, alcança lugar de modelo a ser seguido a partir

das rotulações estigmatizadas/hierarquizadas de estar no mundo numa visão europeia,

por relações de força que narram o mundo desconsiderando outras histórias e as

subjetividades dos povos. Nessa “lógica”, manifesta-se a matriz colonial como “uma

autolegitimação que indicará quais os caminhos para salvar a humanidade.”

(MIGNOLO, 2010, p. 45)

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É assim que explodem as imagens do “bárbaro”, “atrasado”, “subdesenvolvido”

e “não civilizado” como aqueles que ainda não galgaram o modelo padrão de

civilização. Nesse sentido, o estudioso alerta para a parcialidade desse modelo e

obediência a uma geopolítica à medida que “se é e se sente onde se pensa” (MIGNOLO,

2010, p. 47); com a divisão do mundo em Norte/Sul, onde a Europa figura,

estrategicamente, no centro do globo, passando a ser concebida numa direção em que “a

modernidade é a época histórica narrada como tal por corpos que a habitam e estão em

condições de dizer.” (MIGNOLO, 2010, p. 57)

As reflexões de Aníbal Quijano e Mignolo tecem relações na construção do

pensamento desse estudioso, no que diz respeito à introdução do conceito de

colonialidade como o lado invisível, mas que sustenta e constitui a modernidade. Desse

modo, a colonialidade do poder foi conectada às esferas política e econômica com a

colonialidade do conhecimento. Segundo Mignolo (2005, p. 34),

Na reconstrução de Arrighi, a história do capitalismo é vista “dentro”

(na Europa), ou de dentro para fora (da Europa para as Colônias) e, por isso, a colonialidade do poder é invisível. A conseqüência é que o

capitalismo, como a modernidade, aparece como um fenômeno

europeu e não planetário, do qual todo o mundo é partícipe, mas com distintas posições de poder. Isto é, a colonialidade do poder é o eixo

que organizou e continua organizando a diferença colonial, a periferia

como natureza.

Sob essa ótica, o envolvimento de Quijano com a teoria da dependência

contribui com o fortalecimento do debate, nas esferas políticas e econômicas, sobre as

relações de dependência entre centro e periferia. Uma das críticas à colonialidade é a

parceria entre modernidade/racionalidade como noção excludente de totalidade na

negação das diferenças de outras totalidades. Esta noção de totalidade expandida pelos

europeus foi divulgada como valor universal sendo, na verdade, um conjunto de fatores

ligados ao contexto socioeconômico da Europa.

Mignolo (2007) desenvolve o “mito da modernidade” a partir de um conceito

racional de emancipação e de um mito irracional, sendo este uma justificativa para a

violência genocida da Europa em sua expansão mundial. Dito de outro modo, ainda que

a modernidade não seja uma “criação” europeia, o conhecimento europeu a incorporou

atribuindo ao pensamento ocidental a formação da modernidade.

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Em outras palavras, a colonização a que o estudioso se refere não está restrita

somente à conquista territorial, mas à colonização do espaço e do tempo dos povos com

a extinção de suas histórias e narrativas na imposição de uma narrativa ocidental. Dessa

forma, a epistemologia europeia ganha corpo como a “verdadeira ciência” e o

conhecimento dos povos colonizados traduzidos como cultura, ou seja, magia, crença e

superstição:

A configuração da modernidade na Europa e da colonialidade no resto

do mundo (com exceções, por certo, como é o caso da Irlanda), foi a imagem hegemônica sustentada na colonialidade do poder que torna

difícil pensar que não pode haver modernidade sem colonialidade; que

a colonialidade é constitutiva da modernidade, e não derivativa. (MIGNOLO, 2005, p. 36)

Assim, para Mignolo, a colonialidade é parte que constitui a modernidade

considerando o mundo colonial/moderno e a matriz colonial de poder como faces de um

mesmo complexo histórico. Europa renascentista e Novo Mundo são traduzidos como

dois polos do mundo moderno/colonial que sustentam a colonialidade e a retórica da

modernidade e, ao mesmo tempo, co-existem e co-dependem na formação do

capitalismo, considerando que "a lógica de colonialidade é, de fato, a implementação de

apropriação capitalista da terra, exploração de trabalho e acumulação de riqueza cada

vez em menos mãos." (MIGNOLO, 2007, p. 477)

O estudioso dá continuidade às ponderações sobre o capitalismo estruturando

argumentos que fazem a distinção entre capital e economia capitalista. Para isso, adota

uma postura de distanciamento do que denomina como “armadilha” da modernidade, ou

seja, que a concepção de que o progresso só é possível por meio do capital/capitalismo.

Para ele, outras estruturas políticas poderiam ser realizadas onde o capital, enquanto

componente da estrutura econômica, não fosse o protagonista.

Mignolo (2007) propõe uma gramática da descolonização epistêmica com

vocabulário, sintaxe e semântica específicos para uma descolonização do conhecimento

e do ser levando, consequentemente, à descolonização da teoria política e da economia

política que, assim, se configura em “uma prática que começa por reconhecer, em

primeiro lugar, que a colonização do saber e do ser tem se constituído em utilizar o

conhecimento imperial para reprimir as subjetividades.” (MIGNOLO, 2010, p. 112) A

gramática da descolonização busca descortinar que o mundo é constituído por muitos

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mundos e que a modernidade antes foi transmodernidade negada e abortada por

interesses e tradições imperiais de uma cultura voltada à dominação, segundo a

invenção e a imposição de suas tradições.

Nesse sentido, os cinco domínios da matriz do poder (econômico, político, da

natureza, do conhecimento e subjetividades de gênero e sexo) são costurados pela

enunciação que (con)forma subjetividades favoráveis à colonialidade do saber e do ser,

sendo preciso um embate descolonial. Para tanto, é preciso desconstruir o poder

epistemológico por meio da educação na tradução e interpretação das nuances do poder

e da colonialidade que se escondem por detrás de conhecimentos concebidos como

neutros e em discursos hegemonicamente produzidos e naturalizados.

Em outras palavras, um mundo onde vários mundos podem co-existir é possível

por meio da descolonização e a partir de uma geopolítica do conhecimento que gere

alternativas para a modernidade e a civilização neoliberal. Para isso, Mignolo (2010)

acredita que as consciências epistêmicas vindas de “baixo” estão anunciadas nos

movimentos sociais e intelectuais e na formação de fraturas com quebras epistêmicas.

Considera ainda que as alternativas descoloniais, como processos que possibilitem a

desconstrução de uma verdade sobre a história do mundo, possam descortinar outras e

mais histórias múltiplas que foram invisibilizadas pelo metarrelato europeu na fundação

de “pensamentos únicos”.

2.4. A palavra e o signo ideológico em Mikhail Bakhtin

As relações entre ideologia e linguagem, destacando a função do signo, da

consciência e das palavras definem que “[...] tudo que é ideológico é um signo. Sem

signos não existe ideologia.” (BAKHTIN, 1992, p. 29) Uma ideologia se sustenta ao se

apropriar de um conjunto de signos para veicular suas ideias e valores, usando

instrumentos de produção e de produtos de consumo (corpos físicos, naturais ou sociais)

como veículos de seus enunciados.

Para tanto, o corpo físico, em si, é neutro de ideologia. Entretanto, o signo é

impresso, nesse contexto, como força ideológica pelo grupo dominante, invertendo ou

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anulando essa dominação. Em outras palavras, qualquer que seja o âmbito de subversão,

político ou econômico, todo grupo ideológico tem como arena a linguagem e seus

signos, podendo alterar o significado e a relação dos sujeitos com os instrumentos de

produção e os produtos de consumo:

A classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter

intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou de

ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de

tornar o signo monovalente. (BAKHTIN, 1992, p. 47)

Logo, a linguagem não pertence à superestrutura e tampouco à infraestrutura,

mas a ambas, pois os signos se constituem como campo de conflitos de classe e de

meios tanto de assegurar a ideologia dominante quanto de fazer erigir as transformações

nas condições de produção econômica.

Assim, em relação à ideologia a consciência não pode ser concebida como

neutra, pois seus movimentos são limitados pelos signos que o sujeito utiliza na

dinâmica da linguagem, ou seja, ao modo como é possível significar o mundo. Nesse

processo, ocorre a tomada de consciência de si e de classe por meio da manipulação dos

signos por parte de uma ideologia dominante.

Segundo o estudioso, qualquer tomada de consciência já é um ato ideológico,

não podendo ser entendida fora do contexto social, pois “[...] a atividade mental do

sujeito constitui, da mesma forma que a expressão interior, um território social.”

(BAKHTIN, 1992, p. 117) Sustenta que a consciência, fora de sua realização num

material concreto, é uma ficção, à medida que “[...] enquanto expressão material

estruturada [...] a consciência constitui um fato objetivo e uma força social imensa”

(BAKHTIN, 1992, p. 118), capaz de reestruturar a vida interior do sujeito, num

movimento constante de reelaboração, o que significa dizer que “[...] não é a expressão

que se adapta ao nosso mundo interior, mas o nosso mundo interior que se adapta às

possibilidades de nossa expressão, aos seus caminhos e orientações possíveis.”

(BAKHTIN, 1992, p. 118)

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A palavra é neutra em relação à ideologia porque pode ser usada com signos

tanto de ideologia dominante quanto de ideologia subversiva, constitui o elo entre

locutor e interlocutor, um meio de interação entre ambos. Entretanto, por ser uma

construção social, ela não é propriedade de nenhum deles, e sua realização “[...] na

enunciação concreta é inteiramente determinada pelas relações sociais.” (BAKHTIN,

1992, p. 113) Desse modo, a estrutura da enunciação é determinada por pressões sociais

considerando que a imagem que o locutor tem de seu interlocutor é que moldará a

estrutura da enunciação. Para Bakhtin (1992), a enunciação é dirigida e determinada

“[...] pelos participantes do ato de fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma

situação bem precisa; a situação dá forma à enunciação.” (BAKHTIN, 1992, p. 113)

Nesse sentido, a análise da língua deve partir da análise das enunciações como

um todo, pois “[...] as unidades reais da cadeia verbal são as enunciações” (BAKHTIN,

1992, p. 125). Suas reflexões a respeito da verdadeira natureza da língua, como objeto

de estudo linguístico, são:

1 - A língua como sistema estável de formas normativamente idênticas

é apenas uma abstração científica que só pode servir a certos fins teóricos e práticos particulares. Essa abstração não dá conta de

maneira adequada da realidade concreta da língua.

2 - A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores.

3 - As leis da evolução lingüística não são as da psicologia individual,

mas também não podem ser divorciadas da atividade dos falantes. São

leis essencialmente sociológicas. 4 - A criatividade da língua não coincide com a criatividade artística

nem com qualquer outra forma de criatividade ideológica específica.

Mas não pode ser compreendida independentemente dos conteúdos e valores ideológicos que a ela se ligam.

5 - A estrutura da enunciação é uma estrutura puramente social. A

enunciação como tal só se torna efetiva entre falantes. O ato de fala

individual é uma contradição in adjecto. (BAKHTIN, 1992, p. 127)

A abordagem histórica e viva da língua, bem como o tratamento sociológico das

enunciações, resulta da interação verbal e de seu caráter dialógico. Logo, a língua é

encarada como um fenômeno social, histórico e ideológico durando e perdurando sob a

forma de um processo evolutivo contínuo. Dessa forma, ela não se transmite, pois os

indivíduos não a recebem pronta para ser usada, eles penetram na corrente da

comunicação verbal na qual a consciência é despertada e começa a operar.

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Nessa perspectiva, a realidade linguística é descortinada como um mundo de

vozes sociais em múltiplas relações dialógicas. Nesta situação, o sujeito, mergulhado

nas múltiplas relações da interação socioideológica, se constitui discursivamente

assimilando as vozes sociais. Entretanto, como a realidade linguística é heterogênea, o

sujeito não assimila somente uma voz social, mas várias.

O conceito de “voz”, conforme definido por Bakhtin, se refere à consciência

falante presente nos enunciados ao carregar um juízo de valor, uma visão de mundo.

Nesse sentido, a ideia do enunciado composto por diferentes pontos de vista, isto é, por

meio de diferentes consciências falantes ou vozes, encontra lugar na natureza ideológica

e dialógica da linguagem. Para tanto, a língua não é neutra e não passa a pertencer às

intenções do falante, mas é povoada pelas intenções dos outros. Em outras palavras, a

relação eu/outro, proposta por Bakhtin, difere o eu e o outro como universos de valores

distintos no relacionamento entre os dois recebendo valorações diferentes.

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CAPÍTULO III

COOPERAÇÃO ENTRE BRASIL, PORTUGAL E ÁFRICA

A palavra cooperação, presente nos acordos de cooperação entre a UNILAB e

universidades e institutos portugueses e africanos, foi analisada a partir de seus

contextos social, político e econômico, pois “o sentido da palavra é totalmente

determinado por seu contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos

contextos possíveis” (BAKHTIN, 1992 p. 106), nessa perspectiva, a análise se vale do

conceito de polifonia presente nos estudos de Mikhail Bakhtin, elemento que harmoniza

a diversidade de vozes independentes produzindo diferentes efeitos de sentidos e

repercutindo em múltiplas ideologias.

3. Fontes de pesquisa

As nossas fontes de pesquisa são constituídas por um corpus discursivo

composto pelos acordos de cooperação entre a UNILAB e a Universidade de Coimbra

(UC), Instituto Politécnico de Coimbra (IPC), Universidade de Cabo Verde (Uni-CV) e

Instituto de Ciências da Educação de Luanda (ISCED).

Observamos a recorrência da palavra cooperação, nossa categoria de análise,

nos referidos documentos e optamos por dois que representassem institutos, IPC e

ISCED, e dois que representassem universidades, UC e Uni-CV, nos contextos sociais,

políticos e econômicos de criação e constituição dessas instituições.

Nesse sentido, optamos pelos documentos, pois “representam ainda uma fonte

‘natural’ de informação. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas

surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo

contexto.” (LUDKE, 1986, p. 39) Para tanto, consideramos a definição de acordo para

corroborar a nossa análise:

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[...] um convénio entre duas ou mais partes ou uma resolução

premeditada de uma ou mais pessoas. [...] Pode-se dizer que um

acordo é o fruto (resultado) de uma negociação ou de um debate. As partes envolvidas expõem os seus argumentos durante as negociações

e procuram uma posição comum; ao encontrá-la, chegam a acordo.

Por hábito, durante o processo de procura de um acordo, cada parte cede em prol dos interesses comuns. Os acordos podem ocorrer em

qualquer âmbito. Dois países podem chegar a acordos através dos seus

respectivos governos, seja em matéria económica, social ou outra51

.

Destacando os estudos linguísticos, escolhemos o gênero discursivo acordo por

entender que é um campo da atividade humana diretamente ligado ao uso da linguagem.

Nessa perspectiva, o caráter e as formas dos usos são multiformes, assim como os

campos da atividade humana. A língua manifesta-se por meio de enunciados (orais e

escritos) concretos e únicos que

[...] refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido

campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo de linguagem,

ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais

da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a

construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo

do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada

enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da

língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261-

262) (grifos do autor)

Assim, o valor do enunciado não é determinado pela língua, considerada como

sistema, mas pelas formas de interação entre língua e realidade, com o falante e outros

enunciados. Nesse sentido, cada um encontra um mundo que já foi articulado por

alguém. Ao usar a palavra a encontramos já habitada por outras falas de outros, pois a

linguagem nunca está completa, é um projeto sempre inacabado (BAKHTIN, 2003).

Sob essa ótica, ao nos depararmos com a palavra cooperação nos acordos

correspondemos uma série de palavras nossas com ressonâncias ideológicas e/ou

concernentes à nossa vida, considerando que

51 Disponível em: http://conceito.de/acordo Acesso em: 10 julho 2016.

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A cada palavra da enunciação que estamos em processo de

compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas,

formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão. (BAKHTIN, 1992, p.

132)

Bakhtin elabora o conceito de polifonia observando que o discurso resulta de

uma trama de diferentes vozes, sem que nunca exista a dominação de uma voz sobre as

outras. Para ele, o discurso é construído a partir do discurso do outro, do “já dito” sobre

o qual qualquer discurso se constrói. Nessa perspectiva, a linguagem é uma realidade

intersubjetiva e dialógica, em que o sujeito é sempre atravessado pela coletividade se

constituindo na e pela interação, reproduzindo na sua fala e na sua prática o contexto

social.

3.1. O contexto na construção dos sentidos da palavra cooperação

As esferas da atividade humana estão relacionadas ao uso da língua, que pode

manifestar-se por meio de enunciados orais e escritos em que “a intenção discursiva do

falante, com toda a sua individualidade e subjetividade, é em seguida aplicada e

adaptada ao gênero escolhido, constitui-se e desenvolve-se em uma determinada forma

de gênero.” (BAKHTIN, 2003, p. 282) Assim, as condições específicas e as finalidades

de cada esfera da atividade humana, com seus modos variados, elaboram tipos mais ou

menos estáveis de enunciados denominados gêneros do discurso:

Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da mesma

forma que organizam as formas gramaticais (sintáticas). Nós aprendemos a moldar nosso discurso em formas de gênero e, quando

ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas

primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada

construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início

temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida apenas se

diferencia no processo da fala. Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os dominássemos, se não tivéssemos de criá-los

pela primeira vez no processo do discurso, de construir livremente e

pela primeira vez cada enunciado, a comunicação discursiva seria

quase impossível. (BAKHTIN, 2003, p. 283)

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Nessa perspectiva, justificamos a escolha do documento acordo para análise por

entender que faz parte da comunicação verbal e que há uma intenção política do sujeito

adaptada a esse gênero.

A primeira leitura do acordo entre o Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) e a

UNILAB despertou interesse sobre as vozes que emergem desse documento.

Observamos nas assinaturas a titulação de doutor acompanhando o nome do presidente

do IPC e a de professora acompanhando o nome da reitora da UNILAB. Nesse sentido,

é possível refletir sobre a relação de poder instaurada na assinatura do documento,

expressa por meio da palavra e dos sentidos construídos a partir dos contextos em que

está inserida. No Brasil, a titulação da professora Nilma Lino Gomes é de doutora52

.

Em outras palavras, a presença das diversas vozes que dialogam entre si num

mesmo texto encontra na polifonia, parte essencial de toda enunciação, diferentes vozes

que se expressam, sendo todo discurso formado por diversos discursos que despertam

em nós ressonâncias ideológicas: “[...] em toda parte um determinado conjunto de

ideias, pensamentos e palavras passa por várias vozes imiscíveis, soando em cada uma

de modo diferente.” (BAKHTIN, 2008, p. 308)

Seguiremos os pressupostos teóricos de Mikhail Bakhtin sobre o funcionamento

da palavra encontrando respaldo para nossa análise nas obras Marxismo e filosofia da

linguagem (1992) e Estética da criação verbal (2003). Nesse sentido, para analisar a

palavra cooperação será necessário compreender o contexto histórico, social, político e

econômico para contextualizar a escrita do referido documento.

3.1.1. Universidade de Coimbra

A Universidade de Coimbra53

, uma das mais antigas de Portugal e do mundo, foi

criada por Dom Dinis ao assinar o Scientiae thesaurus mirabilis, em 1290.

52 Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4728281P2 Acesso em: 24

julho 2016. 53 Disponível em: http://www.uc.pt/sobrenos/historia Acesso em: 10 julho 2016.

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Inicialmente, ficou localizada somente em Lisboa e, em 1308, foi transferida

para Coimbra, tendo suas atividades nas duas cidades até 1537. A instalação definitiva

se dá na cidade de Mondego. Situada no Palácio Real, a Universidade de Coimbra se

expande pela cidade contribuindo com a formação de uma cidade universitária na

criação do Polo II, com as engenharias e tecnologias, e do Polo III, com as ciências da

vida. A Universidade de Coimbra conta com mais de sete séculos de história e figura na

ciência europeia e mundial na formação de personalidades ligadas à cultura, ciência e

política de Portugal.

No que diz respeito à história pautada na tradição do conhecimento, destacamos

os períodos históricos que atravessaram a atuação dessa universidade no cenário do

ensino superior europeu. Dos séculos XIII a XVI, desde sua fundação e até o final do

século XVI, consolidou sua posição como centro de formação de elite54

.

Dos séculos XVII a XIX, período de progressão da Universidade de Coimbra,

em meio a momentos históricos da política portuguesa, conquistou destaque como

instituição fundamental da cultura e da ciência em Portugal55

.

Dos séculos XX a XXI, a democratização do ensino na Europa e em Portugal,

além dos avanços tecnológicos, marcaram esse período constituindo este país como um

ícone europeu e mundial na tradição do conhecimento56

.

3.1.1.1. A cooperação no acordo entre a Universidade de Coimbra e a UNILAB

A palavra cooperação, presente na Cláusula Primeira descrita no Acordo entre a

Universidade de Coimbra (UC) e a UNILAB e em seu Termo Aditivo ao Convénio de

Cooperação, será analisada em seu contexto histórico, destacando a origem do processo

de internacionalização na educação.

54 Disponível em: http://www.uc.pt/sobrenos/historia/marcoshistoricos_xii_xvi Acesso em: 10 julho 2016. 55Disponível em: http://www.uc.pt/sobrenos/historia/marcoshistoricos_xvii_xix Acesso em: 10 julho

2016. 56 Disponível em: http://www.uc.pt/sobrenos/historia/marcoshistoricos_xx_xxi Acesso em: 10 julho 2016.

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Estudos de Veiga (2011, p. 10-11) traçam um percurso histórico da

internacionalização do ensino superior na Europa, da sua origem na Idade Média até o

período Renascentista, com a promoção da mobilidade de estudantes, que voltavam ao

país de origem trazendo conhecimento acadêmico e novas experiências. Pertencentes à

elite, esses acadêmicos assumiam cargos elevados, facilitando a propagação dos

conhecimentos adquiridos na universidade.

Do século XVIII à 2ª Guerra Mundial, o ensino superior foi marcado pela

exportação dos sistemas de educação superior que ia das potências coloniais para as

colônias e, mais tarde, para os novos Estados independentes. Depois da independência,

a atuação das potências continuou a prevalecer com influência na educação desses

países.

A Europa estava muito focada na sua recuperação da guerra e não conseguiu investir no intercâmbio e na cooperação do ensino

internacional. O mundo ocidental não era uma prioridade para a

cooperação académica. Os países pertencentes à mesma esfera de influência e ao terceiro mundo eram os alvos mais importantes. Pode-

se dizer que, nesta altura, a internacionalização do ensino superior era

praticamente inexistente. A maior parte dos governos nacionais fizeram acordos culturais e académicos com outras nações, sob os

quais o intercâmbio de pessoal docente e de alunos era possível

devido a bolsas nacionais, destinadas maioritariamente para a

cooperação na investigação, estudos de língua e estágios pós-graduados. Os números eram pequenos e os objectivos eram mais

relacionados com a diplomacia do que com a cooperação académica e

cultural. (VEIGA, 2011, p. 10)

A educação nos Estados Unidos (EUA), tida como modelo dominante de

desenvolvimento internacional na educação superior, teve influências europeias com a

migração temporária de estudantes para as universidades da Europa nas quais eram

baseadas as universidades de origem. Nesse período, a área de investigação e

publicações acompanhava o interesse nacional com o intercâmbio internacional de

ideias e informações por meio de seminários e conferências, abrindo caminho para a

internacionalização das instituições. Além disso, a mobilidade de discentes e docentes

tornou as universidades centros de aprendizagem internacional.

Da 2ª Guerra Mundial aos dias de hoje, houve uma expansão do intercâmbio do

ensino internacional por meio dos Estados Unidos e da União Soviética (URSS), as

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duas novas potências emergentes da guerra. Estes dois países tinham interesse em

promover a cooperação e o intercâmbio do ensino internacional para expandir sua esfera

de influência.

A década de 1960 assistiu ao acesso das massas na educação superior e sua

expansão, as universidades como fornecedoras de recursos humanos, além de sua

tradição como centro do conhecimento. Nesse sentido, a internacionalização se dá por

meio da mobilidade unilateral dos estudantes do sul para o norte, com o terceiro mundo

sendo um foco para a cooperação acadêmica internacional.

A mediados de la década de lós ochencha, la región de América

Latina y el Caribe alcanzó el “modelo de acceso de masas”, caracterizado por porcentajes de matrículas de educación superior (em

relación al grupo de edad correspondiente a ese nivel educativo)

mayores del 15%. Este modelo de acceso de masas lo había alcanzado la región Europea una década antes (en los setenta) y Norteamérica

dos décadas antes (en los sesenta). (GUADILLA, 1991, p. 72)

Nesse mesmo período, o mundo assiste a uma mudança devido ao

fortalecimento da Comunidade Europeia e à ascensão do Japão como potência mundial.

Com isso, esses países investem no desenvolvimento da investigação e do ensino para

competir com os EUA. No entanto,

O colapso do comunismo no final da década de 80, início de 90 modificou a situação. A super potência política e militar URSS caiu

num período em que os EUA estavam a ser ameaçados pelo Japão e

pela comunidade europeia. O ambiente global passou de

hegemonizado pelas super potências (EUA e URSS) para uma maior repartição de poder entre múltiplas potências. Nessa altura, segundo

Teichler (2009), houve uma propagação da avaliação e medição de

desempenho no ensino superior europeu, em que era considerada a dimensão das actividades internacionais das instituições. (VEIGA,

2011, p. 11)

Segundo Rudzki (1995), existem quatro dimensões do processo de

internacionalização: mudança organizacional, inovação de currículo, desenvolvimento

de pessoal e mobilidade de alunos (apud VEIGA, 2011, p. 12). Nesse sentido, a

adaptação das instituições às mudanças do mundo está ligada à mudança organizacional.

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Já a inovação do currículo busca a criação de novos cursos e a (trans)portabilidade de

qualificações por meio da acumulação e transferência de créditos. O desenvolvimento

de pessoal conta com atividades de formação docente e não docente. A mobilidade de

alunos não fica restrita somente à física para a minoria dos estudantes, mas à mobilidade

intelectual da maioria no que diz respeito à inovação do currículo e desenvolvimento de

pessoal.

De acordo com Qiang (2003), conforme citado por Veiga (2011, p. 15), as

razões para a internacionalização do ensino superior são: competitividade econômica,

segurança nacional, promoção da paz e das boas relações entre nações, auto-

desenvolvimento no mundo em mudança e redução financeira devido ao aumento do

empreendedorismo acadêmico.

Para Iau (2003, apud VEIGA, 2011, p. 15), existem 12 motivos para a

internacionalização do ensino superior: mobilidade e intercâmbio de alunos e

professores, colaboração no ensino e investigação, standards acadêmicos e qualidade,

projetos de investigação, cooperação e desenvolvimento de assistência,

desenvolvimento do currículo, entendimento internacional e intercultural, promoção e

perfil da instituição, diversificação da origem do corpo docente e alunos, questões

regionais de integração, recrutamento de alunos internacionais e diversificação das

fontes de geração de rendimento. No entanto, são apontados como riscos ao processo de

internacionalização do ensino superior: perda de pessoal com competência (brain drain

– “fuga de cérebros”), comercialização/mercantilização da educação, perda da

identidade cultural, ameaça à qualidade da educação e uso do idioma inglês em

programas acadêmicos. (IAU, 2003, apud VEIGA, 2011, p. 21-22)

No final do século XX, a reestruturação produtiva, os avanços no processo de

globalização e as ideias neoliberais contribuíram com a reprodução do capital, a redução

da ação dos Estados nacionais e o engajamento de economias em desenvolvimento no

contexto mundial. Nessa perspectiva, alguns países da América Latina, especialmente o

Brasil, apresentaram desempenho considerável no contexto da economia mundial,

conforme Castro e Neto (2012, p. 88-89):

Referindo-se ao Brasil, Pochmann (2004) reconhece que o país

vivenciou momentos diferenciados na busca de se consolidar como uma nação industrializada. Entre as décadas de 1930 e 1980, houve

maior impulso na industrialização nacional, o que configurou, no país,

um período de “ouro”, caracterizado por elevadas taxas de expansão

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da produção. Mas, a partir de 1980, a economia brasileira registrou

uma profunda inflexão, com a predominância de um ciclo de baixo

dinamismo, perdendo a importância no cenário da economia mundial, passando de oitava para a décima terceira economia do mundo. A

partir da década de 1990 com a implantação de um novo modelo

econômico, o país apresenta sinais de recuperação de alguns indicadores econômicos e sociais, mas continua ainda se inserindo, de

forma periférica, na economia mundial.

Desse modo, as exigências da economia mundial e a urgência de integração ao

sistema econômico conduziram os países em desenvolvimento às reformas na educação

com vistas à competitividade entre as nações. Para tanto, a internacionalização serve

como mecanismo para o intercâmbio de bens, serviços e informações entre os países.

Nesse contexto, o Brasil se insere na mobilidade estudantil com número crescente de

estudantes brasileiros em países estrangeiros e que “nos últimos anos, vem procurando

se firmar no sentido de viabilizar a ampliação do processo de mobilidade estudantil

externa.” (CASTRO; NETO, 2012, p. 91) E, completando:

Outra iniciativa nesse campo da internacionalização, no país, é a

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), que tem, entre os seus objetivos, formar pessoas

para contribuir com a integração do Brasil com países da África em

especial com os membros da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa (CPLP). Essa integração se realiza pela composição do corpo docente e discente, proveniente não só das várias regiões do

Brasil, mas também de outros países e do estabelecimento e execução

de convênios temporários ou permanentes com outras instituições da

CPLP. (op cit, p. 92)

Nessa perspectiva, o intercâmbio de estudantes ampliará a participação do Brasil

no processo de internacionalização “não só enviando alunos ao exterior, mas no sentido

inverso, recebendo alunos e se projetando assim no espaço social e cultural da América

Latina e no Continente Africano.” (op cit, p. 92).

Diante do exposto, nosso documento de análise é o acordo assinado pelo

professor Doutor Paulo Speller, reitor da UNILAB, e pelo professor Doutor Fernando

Seabra Santos, reitor da Universidade de Coimbra (UC), em 01 de julho de 2010, em

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Brasília, enviado pela UNILAB para a UC em 16 de julho de 2010 com vigência de

cinco anos a partir da data de assinatura (validade até 16 de julho de 2015): “O presente

Acordo tem como objectivo fundamental estabelecer uma cooperação académica,

científica e cultural entre as duas Universidades.” (Acordo Geral de Cooperação entre a

Universidade Federal da Integração Internacional Luso-Afro-Brasileira – UNILAB

(Brasil) e a Universidade de Coimbra (Portugal), p. 02, grifo nosso)

Além desse, verificamos no referido documento a existência de um Termo

Aditivo ao Convénio de Cooperação entre a Universidade Federal da Integração Luso-

Afro-Brasileira – UNILAB (Brasil) e a Universidade de Coimbra (Portugal), vigorando

por três anos e podendo ser prorrogado por igual período, assinado pelo reitor da

UNILAB e pelo reitor da UC:

Estabelecer entre a UC e a UNILAB os princípios básicos do

desenvolvimento de programas comuns de formação de professores

brasileiros; os Programas de Licenciaturas Internacionais reforçarão os laços de cooperação entre as duas universidades, nomeadamente

promovendo uma sólida formação científica em áreas específicas, com

obtenção do grau de Licenciatura na UC e posterior desenvolvimento de estudos de formação de professores, com obtenção do grau na

Universidade Federal da Integração Internacional Luso-Afro-

Brasileira. (Termo Aditivo ao Convénio de Cooperação entre a UNILAB e a UC, de 01 de julho de 2010, Cláusula Primeira –

Objecto, p. 06) (grifo nosso)

Em 2012, foi firmada uma parceria acadêmica para a promoção de intercâmbio

entre estudantes e professores dessas instituições57

e aprovado o Programa de

Licenciaturas Internacionais (PLI) criado pela Capes, com a contribuição do Grupo

Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB)58

e do Projeto GAIA59

.

O GCUB busca a integração e internacionalização do ensino superior por meio

da mobilidade docente e discente e é responsável por programas para a

internacionalização das universidades brasileiras com países como México, França,

Portugal, Suíça, Canadá, Colômbia, Peru, entre outros. Além disso, possui 72

57 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/noticias/2012/06/19/alunos-da-unilab-terao-a-oportunidade-

de-estudar-em-portugal/ Acesso em: 02 fevereiro 2016. 58 Disponível em: http://www.grupocoimbra.org.br/Sobre_o_Grupo.aspx Acesso em: 02 fevereiro 2016. 59 Disponível em: http://www.unilab.edu.br/pli-gaia/ Acesso em: 02 fevereiro 2016.

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instituições associadas no Brasil, sendo 51 Universidades Federais, 15 Universidades

Estaduais e 6 Universidades Comunitárias ou Confessionais das cinco regiões do país,

com 24 universidades no Sudeste, 18 no Sul, 16 no Nordeste, 8 no Norte e 6 no Centro-

Oeste60

.

Nesse sentido, o CGUB contribuiu com a construção do Projeto GAIA, que

oferece o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza e Matemática (CNM) em

Nível Internacional em Cooperação Solidária entre a UNILAB e Universidade de

Coimbra, com aprovação do Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI) da Capes,

e apoio do GCUB.

O PLI é um programa “sanduíche” em nível de graduação com início e

conclusão do curso no Brasil e etapa intermediária de formação a ser realizada em

universidades portuguesas parceiras. Assim, os estudantes brasileiros permanecem até

24 meses em uma das universidades de Portugal: Universidade Nova de Lisboa,

Universidade da Beira Interior, Universidade do Algarve, Universidade de Aveiro,

Universidade de Coimbra, Universidade de Évora, Universidade de Lisboa,

Universidade do Minho, Universidade do Porto, Universidade Técnica de Lisboa e

Universidade Trás-os-Montes.

O objetivo é elevar a qualidade da graduação, com foco nos cursos de

licenciatura (formação de professores), ações voltadas à implementação de novas

diretrizes curriculares e ênfase no ensino fundamental e médio. Conforme o acordo, “o

Programa de Licenciaturas Internacionais referido na Cláusula Primeira abrangerá as

áreas de Química, Física, Matemática, Biologia, Português, Artes e Educação

Física.” (Termo Aditivo ao Convénio de Cooperação entre a UNILAB e a UC, de 24 de

abril de 2012, p. 10, Cláusula Segunda – Das áreas de formação) (grifos do autor)

Como já exposto, a palavra será analisada a partir de suas quatro propriedades. A

primeira delas é a pureza semiótica, destacando que a palavra cooperação possui traços

mais ou menos estáveis de significado, não ficando restrita ao gênero discursivo acordo

e podendo circular nas várias esferas da sociedade. Desse modo, a circulação da palavra

cooperação, no acordo entre a UC e a UNILAB, constrói sentidos para o processo de

60 Disponível em: http://www.grupocoimbra.org.br/VisaoGeralAssociadas.aspx Acesso em: 02 fevereiro

2016.

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internacionalização, pois “os Programas de Licenciaturas Internacionais reforçarão os

laços de cooperação entre as duas universidades” (Termo Aditivo ao Convénio de

Cooperação entre a UNILAB e a UC, de 01 de julho de 2010, Cláusula Primeira –

Objecto, p. 06) (grifo nosso). A palavra “laços” vem corroborar o sentido de união entre

as duas universidades por meio da cooperação, reforçando o processo de

internacionalização do ensino superior.

A segunda propriedade é a possibilidade de interiorização resultante do

confronto entre o signo circulante em nossa consciência e as variações de sentido a

partir dos valores entoados externamente pelo locutor. Nessa perspectiva, nos detendo

ao sentido estável da palavra cooperação, no dicionário encontramos “colaboração”,

“solidariedade”, além dos significados que circulam em nossa consciência entrando em

embate com cooperação externamente circulante na esfera do acordo entre a UC e a

UNILAB.

Dessa forma, a partir do enunciado “[...] cooperação académica, científica e

cultural entre as duas Universidades” (Acordo da Universidade de Coimbra, de 01 de

julho de 2010, Cláusula Primeira – Objecto, p. 02) (grifo nosso), podemos depreender

um outro significado para a palavra cooperação, se pensado o sujeito pós-moderno

como um estudante dessas universidades localizado academicamente, cientificamente e

culturalmente na UC e na UNILAB no contexto do neoliberalismo. Nesse sentido,

[...]“à medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências

externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se

tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural.” (HALL,

2006, p. 74). E ainda,

No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as

distinções culturais, que até então definiam a identidade, ficam

reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas e todas as

diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é

conhecido como "homogeneização cultural."” (op. cit, p.75)

Uma nova perspectiva sobre o signo instaurado na consciência resulta do

confronto entre os significados conhecidos pela consciência e o sentido construído

externamente a partir do objetivo comunicativo do locutor. Trata-se da terceira

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propriedade da palavra: a possibilidade de circulação externa e interna do signo.

Torna-se, então, importante destacar a não identidade perfeita entre os dois momentos

de circulação:

O signo interno, que circula na consciência como resultado da

integração entre a experiência socioideológica do sujeito sobre esse signo e o mundo exterior, não é idêntico ao signo original. E o signo

externo, circulante nas várias esferas ideológicas e, portanto,

inoculado pelos aspectos genéricos e carregado de entoações, também não é idêntico àquilo que passa a circular internamente na consciência

do sujeito. (BRAIT, 2005, p. 187-188)

Nesse sentido, o signo cooperação, no contexto da internacionalização do ensino

superior, não é igual ao que circula interna e externamente na consciência do sujeito

localizado no tempo e espaço de uma universidade que integra estudantes vindos de

países membros da CPLP. Nesse contexto, podemos construir um outro sentido para a

palavra cooperação por meio dos acordos com IES portuguesas inseridos em uma

política de internacionalização do ensino superior.

Assim, temos a neutralidade, quarta propriedade da palavra, que vai tratar da

palavra cooperação presente no acordo entre a UC e a UNILAB ligando-as, oferecendo

um ponto de mediação e de embates de significados e pontos de vista entre essas

instituições na elaboração e assinatura do acordo. Dessa forma, temos, de um lado, a UC

propondo “laços de cooperação entre as duas universidades” (Termo Aditivo ao

Convénio de Cooperação entre a UNILAB e a UC, de 01 de julho de 2010, Cláusula

Primeira – Objecto, p. 06) (grifo nosso) por meio da “[...] cooperação académica,

científica e cultural entre as duas Universidades” (Acordo da Universidade de Coimbra,

de 01 de julho de 2010, Cláusula Primeira – Objecto, p. 02) (grifo nosso) no contexto da

internacionalização do ensino superior; de outro, temos a UNILAB localizada na

primeira cidade brasileira a aderir à abolição da escravatura, Redenção, no estado do

Ceará, abastecendo perspectivas de desenvolvimento e crescimento com a criação de

uma universidade que vai contar nos seus corpos docente e discente, além de brasileiros,

com estrangeiros vindos dos países membros da CPLP. Nessa perspectiva, a palavra

cooperação evolui e incorpora novas significações ideológicas, ou seja, os valores

sociais entoados pelo uso no acordo entre a UC e a UNILAB.

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3.1.2. Instituto Politécnico de Coimbra

O Instituto Politécnico de Coimbra (IPC)61

foi criado em 1979 no contexto da

implementação do ensino politécnico em Portugal. Para tanto, contou com a tradição e

experiência de escolas que passaram a integrá-lo colocando-o em um lugar de

importância no âmbito do ensino superior público em Portugal.

As unidades de ensino que compõem esta instituição são: Escola Superior

Agrária de Coimbra, Escola Superior de Educação de Coimbra, Escola Superior de

Tecnologia e Gestão de Oliveira do Hospital, Escola Superior de Tecnologia da Saúde

de Coimbra, Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra e Instituto

Superior de Engenharia de Coimbra.

Além disso, oferece serviços de ação social62

na concessão de apoio tais como:

bolsas de estudo e auxílio de emergência, alojamento, alimentação em cantinas e bares,

serviços de saúde e apoio a atividades desportivas e culturais.

O reconhecimento desta instituição está pautado no ensino superior de

qualidade, com sólida formação teórica e preocupação em adaptar-se às necessidades do

mercado de trabalho e da região, resultando em altas taxas de empregabilidade de seus

profissionais formados.

3.1.2.1. A cooperação no acordo entre Instituto Politécnico de Coimbra e a

UNILAB

O Acordo do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) foi assinado, em 31 de

outubro de 2013, pela então reitora da UNILAB, Prof° Nilma Lino Gomes, e o

presidente do IPC Prof. Dr. Rui Jorge da Silva Antunes. A vigência desse documento é

de cinco anos contados a partir da data de assinatura, sendo válido até 31 de outubro de

2018.

Estudos de Urbano (2011, p. 95) traçam um panorama do ensino em Portugal,

destacando que o ensino superior foi o que mais sofreu transformações assumindo-se

61Disponível em:

http://portal.ipc.pt/portal/portal/sobreIPC/apresentacao;jsessionid=9B3130C575D0DBB1BBB4B186DC6

47A0A Acesso em: 10 julho 2016. 62 Disponível em: http://portal.ipc.pt/portal/portal/SAS/apresentacao_sas Acesso em: 10 julho 2016.

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110

como produto da modernidade. Assim, o sistema de ensino superior europeu,

caracterizado por uma variedade persistente, denota o crescimento do ensino

politécnico,

[...] onde formalmente estão institucionalizados sistemas binários de

coexistência e relacionamento próximo entre dois subsistemas de

ensino superior, se não universitário e politécnico, pelo menos universitário e não-universitário.” (URBANO, 2011, p. 97)

A expansão e a diversificação do ensino estão pautadas no projeto político

apresentado por Veiga Simão, na década de 1970, descrevendo que os institutos

politécnicos integrariam o ensino superior com as universidades e estabelecimentos de

ensino similares.

O ensino superior politécnico, sucedâneo do ensino superior de curta

duração, foi criado pela reforma Veiga Simão (com a Lei n.º 5/73 e o Decreto-Lei n.º 402/73), tendo sido consagrado em definitivo com a

alteração da designação de “ensino superior de curta duração” para

“ensino superior politécnico”, a partir do Decreto-Lei n.º 513-T/79, com “dignidade idêntica ao universitário” e com objectivos de

formação superior específicos. (URBANO, 2011, p. 97-98)

Em 1986, a Lei de Bases do Sistema Educativo legitima o ensino politécnico no

ensino superior português marcando a construção binária do ensino superior. Tempos

depois, a Lei n° 115/97 vem alterar a referida Lei de Bases descrevendo que o ensino

superior politécnico passa a conferir graus de bacharel e licenciado, nivelando as

formações de base no que se refere aos diplomas. Assim, a duração das formações nos

dois subsistemas de ensino deixa de ser válida, cabendo a cada subsistema determinar

seus campos e modos de ação para que a estrutura binária do sistema de ensino faça

sentido, ou seja,

[...] são aspectos como “visão estratégica, dimensão cultural, internacionalização, impacto regional, investigação e desenvolvimento

(I&D), inovação, especialização e interdisciplinaridade” (Simão e

outros, 2002: 68) que diferenciarão os subsistemas. (URBANO, 2011,

p. 98)

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Nessa perspectiva, o Processo de Bolonha em Portugal versa sobre o acesso dos

maiores de 23 anos ao ensino superior e o regime jurídico dos graus e diplomas do

ensino superior além dos cursos de especialização tecnológica por meio dos Decretos-

Leis n° 64/2006, n° 74/2006 e n° 88/2006 e, finalmente, “o Decreto-Lei n.º 114/2006,

como segunda prorrogação do regime de instalação regulado pelo Decreto-Lei n.º 24/94

no âmbito do ensino superior politécnico.” (URBANO, 2011, p. 99) Além disso, a

institucionalização da duração igual para os dois subsistemas de ensino superior e o

Processo de Bolonha contribuíram com mudanças no ensino em Portugal no nível da

oferta e da procura.

Dessa forma, o ensino politécnico oportunizaria condições de igualdade e acesso

ao ensino superior na diversificação social de públicos, além da adequação das matérias

e das práticas a diferentes grupos sociais visando uma formação profissionalizante e,

assim, “o ensino politécnico viria colmatar a escassa democratização e a falta de

diversificação do ensino superior existente até então.” (URBANO, 2011, p. 99) Nessa

perspectiva, o valor de mercado das licenciaturas é maior considerando ser a habilitação

que mais contribui com a qualificação dos quadros médios e superiores.

Em linhas gerais, a evolução do ensino superior em Portugal, nos detendo mais

no politécnico, contribuiu com um processo de diferenciação interna no ensino superior

a partir do conceito de curta duração e, depois, politécnico. Nesse país, o sistema de

ensino superior é binário, pois traça caminhos distintos para as universidades e

politécnicos. No entanto, a oferta e a procura de formação podem contribuir com uma

mudança das representações sociais e dos modelos culturais no ensino superior e no

subsistema politécnico, ou seja, esse último provocando alterações no sistema de

ensino.

Em 1964, as modificações no campo político brasileiro encontraram eco na

instauração do regime militar com ações repressivas aos movimentos estudantis, além

da censura e vigilância dos docentes. Tais medidas tiveram impactos na formulação da

política educacional, no que diz respeito às propostas para modernização e expansão do

ensino superior, com a Reforma de 1968. Nessa perspectiva, instituições voltadas à

transmissão do conhecimento com foco profissionalizante e distanciado da atividade de

pesquisa contribuem escassamente com a formação de um intelectual crítico para a

análise da sociedade.

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A escola superior brasileira constituiu-se como uma escola de elites

culturais ralas e que apenas podiam (ou sentiam necessidade social de)

explorar o ensino superior em direções muito limitadas. Como a massa de conhecimentos procedia do exterior e a sociedade só

valorizava a formação de profissionais liberais, a escola superior

tornou-se uma escola de elites, de ensino magistral e unifuncional: cabia-lhe ser uma escola de transmissão dogmática de conhecimentos

nas áreas do saber técnico-profissional, valorizadas econômica, social

e culturalmente pelos extratos dominantes de uma sociedade de castas

e estamental. (FERNANDES, 1975, p. 55-56) (grifos do autor)

O ensino superior privado, após a Reforma de 1968, encontra sua estrutura nos

modelos de empresas educacionais voltadas para a obtenção de lucro econômico e

atendimento eficaz do mercado educacional. No final dos anos de 1960 até a década de

1970, houve uma expansão do setor privado por estabelecimentos isolados de pequeno

porte. A partir da segunda metade da década de 1970, a organização do setor privado,

por meio de fusões, resultou em federações de escolas e, no final da década de 1980, a

conversão de estabelecimentos isolados em universidades levou a aumento expressivo

no número de estabelecimentos.

Além disso, nas décadas de 1970 e 1980, o neoliberalismo avança no Brasil na

figura das multinacionais americanas e europeias, afetando sobremaneira as relações

trabalhistas e acentuando as desigualdades sociais. Nesse contexto político e econômico,

o país passava pelo final da ditadura militar e início da abertura democrática que

conduzia os brasileiros à liberdade, um dos pressupostos do neoliberalismo, além do

lucro e da propriedade privada.

Diante dos contextos histórico, político, econômico e social buscamos localizar a

formação dos Institutos Politécnicos em Portugal, acentuando a transformação do

ensino superior como produto da modernidade e, no Brasil, a Reforma de 1968,

contribuindo com um ensino superior tecnicista voltado à formação de mão de obra para

o mercado de trabalho.

Primeiro, o próprio contexto histórico constrói caminhos em que encontramos

elementos para construir os sentidos que dele emergem e no qual a palavra cooperação

está localizada. E compreendemos os enunciados quando reagimos às palavras no

despertar de ressonâncias ideológicas, pois

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[...] o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também

se refrata. O que determina essa refração do ser no signo ideológico?

O confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica [...] (BAKHTIN, 1992, p. 46)

Nesse sentido, obsevamos o funcionamento da palavra cooperação no acordo

entre o IPC e a UNILAB e como se dá a construção de sentido na Cláusula Primeira,

pois “[...] o estudo do enunciado como unidade real da comunicação discursiva

permitirá compreender de modo mais correto também a natureza das unidades da língua

(enquanto sistema) – as palavras e orações.” (BAKHTIN, 2003, p. 269).

O presente Acordo de Cooperação tem por objetivo a conjugação de esforços entre os partícipes mediante utilização de tecnologias,

recursos humanos, materiais e científicos disponíveis, visando uma

implementação conjunta de programas, projetos e atividades de

ensino, pesquisa e extensão envolvendo as diversas áreas do conhecimento humano, bem como o intercâmbio de professores,

estudantes e material acadêmico (Acordo do Instituto Politécnico de

Coimbra, Cláusula Primeira, de 31 de outubro de 2013, p. 01). (grifo nosso)

No que diz respeito às quatro propriedades da palavra, a primeira delas, a pureza

semiótica, pontua que a palavra cooperação pode circular em várias esferas ideológicas

da sociedade. Ela não fica restrita somente ao gênero discursivo acordo, pois toda

palavra possui traços mais ou menos estáveis de significados, o que permite sua

utilização e entendimento em contextos diferentes e com perspectivas de funcionamento

quase infinitas.

A segunda propriedade é a possibilidade de interiorização que ocorre no

confronto entre o signo internamente circulante em nossa consciência e as variações de

sentido a partir dos valores entoados externamente pelo locutor. Nessa perspectiva,

imaginemos que em nossa consciência a palavra cooperação tenha um determinado

sentido e que seja o mais estável, ou seja, o sentido descrito no dicionário. Segundo a

definição do Dicionário Michaelis, a palavra cooperação significa: 1. Ato ou efeito de

cooperar. 2. Prestação de auxílio para um fim comum; colaboração; solidariedade.63

63 Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=a3ke Acesso em: 10 julho 2016.

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Em outras palavras, os significados que circulam internamente em nossa

consciência tomam contato com cooperação externamente circulante na esfera do

acordo entre o IPC e a UNILAB, ocorrendo o embate entre o signo internamente

circulante e o externo. Dessa forma, ao escolher a palavra cooperação, não somente faz

circular externamente os sentidos mais ou menos estáveis e conhecidos, mas institui

uma política de internacionalização do ensino superior por meio de um acordo entre

dois países que instauraram lugares e relações de poder nos processos de colonização

tendo Portugal no lugar do colonizador e o Brasil no lugar do colonizado. Assim, os

novos significados devem ser compreendidos pelo interlocutor, ampliando-se, nesse

processo, os sentidos de cooperação.

A possibilidade de circulação externa e interna do signo, terceira propriedade

da palavra, resulta do confronto entre os significados conhecidos pela consciência e o

sentido construído externamente a partir do objetivo comunicativo do locutor,

conduzindo a uma nova perspectiva sobre o signo instaurado na consciência. Nesses

termos, há uma não identidade entre os dois momentos de circulação onde o signo

interno circulante na consciência, resultado da associação entre a experiência

socioideológica do sujeito sobre o signo cooperação e o mundo exterior, não é igual ao

signo original. Assim, o signo externo, circulante nas várias esferas ideológicas,

também não é igual ao que passa a circular internamente na consciência do sujeito.

Diante disso, temos a neutralidade, quarta propriedade da palavra, lançando um

olhar sobre a relação entre as duas instituições. No texto do acordo, a palavra

cooperação encontra-se entre o IPC e a UNILAB ligando-os e oferecendo um ponto de

mediação e, por consequência, um embate de significados entre esses participantes da

comunicação escrita. Nesse sentido, de um lado do acordo existe Portugal na figura do

IPC dizendo a seus destinatários, por meio da palavra cooperação, que a instituição tem

por objetivo a “conjugação de esforços” e propondo a união entre as referidas

instituições pela

[...] utilização de tecnologias, recursos humanos, materiais e

científicos disponíveis, visando uma implementação conjunta de

programas, projetos e atividades de ensino, pesquisa e extensão envolvendo as diversas áreas do conhecimento humano, bem como o

intercâmbio de professores, estudantes e material acadêmico. (Acordo

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do Instituto Politécnico de Coimbra, Cláusula Primeira, do Objeto, de

31 de outubro de 2013, p. 01) (grifo nosso).

Do outro lado do acordo, temos o Brasil, na figura da UNILAB, assinando o

referido documento no contexto político do governo Lula, século XXI, com o país

estreitando relações com a África e com foco no desenvolvimento traduzido em

comércio internacional e parceria no ensino superior com o IPC, pois

[...] o Brasil continuará a construir com seus parceiros africanos

relações abrangentes, que reflitam de forma equilibrada os principais

pilares do relacionamento bilateral com cada um dos países aqui representados: o diálogo político, a cooperação e as relações

econômicas e comerciais64

.

Dessa forma, a palavra cooperação evolui e adquire novas significações

ideológicas por meio dos valores sociais entoados no acordo entre o IPC e a UNILAB.

Observamos no enunciado a palavra tecnologias corroborando o desdobramento

de outros sentidos para a palavra cooperação no contexto de criação do IPC, localizado

na formação de profissionais que atendam às exigências do mercado de trabalho, ou

seja, a transformação do ensino superior em produto da modernização. Nessa

perspectiva, podemos entender a cooperação como uma estratégia para o uso e

aplicação de tecnologias de uma instituição portuguesa no contexto do ensino superior

brasileiro, pois é a voz do europeu que emerge do acordo entre o IPC e a UNILAB,

considerando que

O fato de que os europeus ocidentais imaginaram ser a culminação de

uma trajetória civilizatória desde um estado de natureza, levou-os também a pensar-se como os modernos da humanidade e de sua

história, isto é, como o novo e ao mesmo tempo o mais avançado da

espécie. Mas já que ao mesmo tempo atribuíam ao restante da espécie o pertencimento a uma categoria, por natureza, inferior e por isso

anterior, isto é, o passado no processo da espécie, os europeus

imaginaram também serem não apenas os portadores exclusivos de tal

modernidade, mas igualmente seus exclusivos criadores e protagonistas. (QUIJANO, 2005, p. 122)

64 Disponível em: http://blog.itamaraty.gov.br/42-brasil-africa/122-brasil-e-africa-a-renovada-parceria-

atlantica Acesso em: 10 julho 2016.

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Além disso, refletindo sobre a parceria entre a UNILAB e os países membros da

CPLP verificamos a política de internacionalização do ensino superior por meio de

parcerias entre o Brasil e a África, no contexto do governo Lula, marcando uma

mudança na política externa brasileira para esse continente entre 2003 e 2010.

O país abriu (ou reabriu) embaixadas em dezoito países do continente

(passando de 18 para 36 embaixadas), no que foi correspondido pelos

países africanos, que abriram 13 novas embaixadas em Brasília, atingindo um total de 29 países com representação no Brasil. O

avanço, todavia, não foi apenas diplomático. O volume de comércio

entre o Brasil e a África cresceu consideravelmente, passando de US$ 5 bilhões, em 2002, para US$ 26 bilhões em 2008, e uma série de

iniciativas foram criadas (como a Cúpula América do Sul-África) ou

retomadas (como a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul –

Zopacas – e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP) (AMORIM, 2010) (OLIVEIRA, 2015, p. 29).

Nessa perspectiva, o contexto político brasileiro torna-se um espaço de

cooperação com os países africanos, conduzindo-nos a pensar que o documento

assinado entre IPC e UNILAB em 2003, ano do primeiro mandato do governo Lula,

pode representar um acordo não somente com o Brasil, mas com os países africanos na

construção de um horizonte com (re)ssignificações de sentidos dos contextos político,

econômico, cultural e social

A política de relações institucionais e internacionais da UNILAB parte

do princípio de que o conhecimento em circulação na universidade, sem perder de vista a universalidade própria da ciência, deverá abrir

espaço para o livre e amplo intercâmbio de conhecimento e cultura

entre o Brasil e os países de expressão portuguesa – em especial

africanos. O principal objetivo desta política será, portanto, criar espaços e ampliar meios para que as instituições dos países parceiros

da UNILAB desenvolvam este intercâmbio na perspectiva da

cooperação solidária e da qualidade acadêmica com inclusão social. (GOMES; VIEIRA, 2013, p.91)

O desenvolvimento do intercâmbio constrói caminhos para uma política de

internacionalização do ensino superior na parceria entre países de expressão portuguesa

no contexto político e econômico do Brasil e da África, considerando que “o maior

engajamento com a África se daria, portanto, através de uma relação entre iguais, em

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um esforço comum de superação das dificuldades sociais e econômicas mútuas

(SARAIVA, 2012).” (OLIVEIRA, 2015, p. 31)

3.1.3. Universidade de Cabo Verde

A Universidade de Cabo Verde (Uni-CV)65

é a única instituição pública com

caráter de universidade no país. Está distribuída em cinco unidades com sua reitoria

localizada na cidade Praia.

Em 1979, na escola de Formação de Professores, passa a formar docentes para

lecionar no ensino secundário. Torna-se universidade com o estabelecimento de três

instituições públicas de ensino superior no país: Instituto Superior de Educação (ISE)

criado pelo Decreto-Lei n°54/95, de 2 de outubro de 1995; Instituto Superior de

Engenharia e Ciências do Mar (ISECMAR), criado pelo Decreto-Lei n°40/96, de 21 de

outubro de 1996; Instituto Nacional de Administração e Gestão (INAG), criado pela

Resolução n°24/98, obedecendo ao Decreto-Lei n°40/96.

Em 20 de novembro de 2006, o Conselho de Ministros cria a Universidade de

Cabo Verde, por meio do Decreto-Lei n°53/2006, integrando o ISE, em Praia, e o

ISECMAR, em Mindelo. Em 2007, o Instituto Nacional de Investigação e

Desenvolvimento Agrário (INIDA), em São Jorge dos Órgãos, junta-se a essa

instituição. A respeito da participação do Brasil, “nos primeiros anos de existência, a

Uni-CV contou com forte apoio de universidades brasileiras em matéria de formação de

docentes e intercâmbio de experiências administrativas.”

Nos anos iniciais de funcionamento, instituições associaram-se à Uni-CV num

formato jurídico específico e, por meio do Decreto-Lei n°29/2008, de 9 de outubro,

houve a extinção do ISE, ISECMAR e INAG, tendo essas estruturas se integrado na

Uni-CV.

Em 31 de janeiro de 2014, essa universidade passa por eleição livre e direta do

seu reitor: com 50,9% dos votos, a professora doutora Judite Nascimento é empossada

no dia 24 de fevereiro do mesmo ano.

65 Disponível em: http://www.unicv.edu.cv/index.php/pt/apresentacao-pt/historial Acesso em: 25 janeiro

2017.

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118

3.1.3.1. Internacionalização

A Uni-CV surge a partir de um projeto atrelado à universalidade e

internacionalização. Conforme referido no preâmbulo do seu Estatuto, é definida como

uma Universidade em Rede:

Atendendo às especificidades de um Estado arquipelágico e de uma Nação que se prolonga além-fronteiras, através da sua expressiva

diáspora, e tendo em mira as exigências de qualidade e equidade a que

está obrigada a Universidade Pública66

.

Dessa forma, insere-se no mundo do conhecimento por meio da adesão a

associações de universidades e a redes, consórcios e programas de mobilidade e de

investigação internacionais.

A Uni-CV firmou parcerias com instituições de ensino superior nacionais e com

várias estrangeiras do Brasil, Estados Unidos, Espanha, França, Portugal, entre outros

países. Para tanto, integra as seguintes associações de universidades, programas,

consórcios e redes internacionais: Associação das Universidades de Língua Portuguesa

(AULP), Agência Universitária da Francofonia (Agence Universitaire de la

Francophonie), International Association of Universities e Associação Fórum de Gestão

do Ensino Superior nos Países e Regiões de Ensino Superior.67

3.1.3.2. A cooperação no acordo entre a Universidade de Cabo Verde e a UNILAB

O Acordo da Universidade de Cabo Verde foi assinado em 19 de junho de 2012

pelo reitor da UNILAB, Prof° Doutor Paulo Speller, e o reitor da Uni-CV, Prof° Doutor

66 Disponível em: http://www.unicv.edu.cv/index.php/pt/cooperacao-pt#protocolos Acesso em: 25 janeiro

2017.

67Disponível em: http://www.unicv.edu.cv/index.php/pt/cooperacao-pt#associações Acesso em: 25

janeiro 2017.

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Paulino Lima Fortes. A vigência desse documento é de cinco anos, contado a partir da

data de assinatura e com validade até 19 de junho de 2017.

Para contextualizar a análise desse documento, buscaremos resgatar o ensino

superior em Cabo Verde como um centro de cultura e de desenvolvimento econômico e

social, seguindo um Programa de Governo que “considera prioritário para o sector da

Educação a criação de condições para a institucionalização do ensino superior

designadamente nos domínios técnico e de gestão.” (ALVES, 1998)

[...] o Programa de Governo prescreve o “estabelecimento de

mecanismos que recompensem a abertura de cursos em áreas científicas e nos níveis de formação que agreguem mais valor ao

esforço de desenvolvimento do país”, procurando, assim, influenciar

as prioridades a nível das ofertas formativas a serem submetidas, quer à acreditação, quer a apoios e financiamentos do Estado, nos termos

do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior e do Regime

de Graus e Diplomas do Ensino Superior, publicados em 2012.

(VARELA, 2013)

Nesse caminho, o ensino superior deverá expandir as estruturas existentes,

estabelecer parcerias com institutos e empresários e promover a cooperação com outras

instituições por meio de acordos e convênios:

A organização do ensino superior deverá incorporar criticamente as experiências de formação pós-secundária e terá como linhas de

orientação a optimização e expansão de estruturas existentes, a

articulação com os institutos de investigação e o mundo empresarial, o aproveitamento das competências cabo-verdianas residentes no país e

no estrangeiro e a cooperação com instituições de ensino superior

segundo projectos específicos e pela potenciação de acordos e

convénios. (ALVES, 1998)

A Uni-CV desempenha papel “federador” das instituições de ensino superior e

de investigação em Cabo Verde: Instituto Superior de Educação (ISE), Instituto

Superior de Engenharia e Ciências do Mar (ISECMAR), Instituto Superior de Ciências

Económicas e Empresariais (ISCEE), Instituto Pedagógico (IP), Centro de Formação e

Aperfeiçoamento Administrativo (CENFA), Instituto Nacional de Investigação e

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Desenvolvimento Agrário (INIDA), Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas

(INDP), Instituto Nacional de Energia (INERG), Instituto de Investigação Cultural

(IIC), Laboratório de Engenharia de Cabo Verde (LEC), Centro de Documentação e de

Informação para o Desenvolvimento (CDID) e Arquivo Histórico Nacional (AHN).

(ALVES, 1998)

Numa segunda fase, mais avançada, não se exclui a individualização desses dois pólos, tanto pela sua origem vocacional como pelo tipo de

ensino praticado. No pólo da Praia, maioritariamente representado

pelo ISE, pratica-se um ensino mais clássico, do tipo universitário, enquanto que nas escolas do Mindelo, ISECMAR e ISCEE, o ensino é

mais do tipo politécnico. No primeiro caso, estudam-se mais as

humanidades e no segundo as ciências aplicadas. Essas constatações

evidenciam também a necessidade de se identificar que tipo de ensino superior deverá ser instituído em Cabo Verde, que poderá melhor

servir para a preparação de quadros técnicos altamente preparados e

operacionais para a solução dos problemas do país. (ALVES, 1998)

Segundo o estudioso, num contexto de internacionalização, o desenvolvimento

das atividades acadêmicas em parcerias além-fronteiras constitui um meio para a

consolidação da Uni-CV em um país de dimensões reduzidas e recursos escassos, na

medida de sua participação em redes internacionais no estabelecimento de seu ensino

superior.68

Dessa forma, a inserção dessa instituição em redes universitárias dos países da

CPLP,

[...] com destaque para Portugal e Brasil, dará continuidade à

formação de quadros nas áreas não organizadas internamente. O

aproveitamento das relações já estabelecidas com universidades

portuguesas e brasileiras permitirá a formação de professores e investigadores para o sistema, não se excluindo também a capacitação

dos recursos humanos da universidade em outros países, no âmbito de

acordos bilaterais de cooperação. (ALVES, 1998)

68 “Institucionalização da Universidade de Cabo Verde; Inversão do binómio formação de quadros no

exterior - formação de quadros no país; Criação e/ou reforço de uma capacidade endógena em ciência e

tecnologia; Prestação de serviços no quadro das regiões em que o país está inserido (Países Lusófonos

(CPLP e PALOP), Macaronésia, Sahel (CILSS), África do Oeste (CEDEAO), pequenos países insulares

em desenvolvimento (AOSIS)) e das organizações internacionais a que Cabo Verde pertence.” (ALVES,

1998)

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A empresarialização e a submissão aos ditames do mercado acentuam as

tendências de internacionalização da universidade segundo critérios de accontability

definidos por organizações multilaterais (VARELA, 2013), como o Regime Jurídico das

Instituições de Ensino Superior (RIJES), que “estabelece as bases do sistema de garantia

da qualidade e de avaliação do ensino superior em Cabo Verde, combinando as

componentes de acreditação, heteroavaliação e auto-avaliação, em estreita correlação.”

(VARELA, 2013)

Nesse sentido, a globalização hegemônica impõe, por meio de avaliação,

standards a processos educacionais69

. O resgate da função formadora, que considera as

diferenças nas instituições educativas, deve ser realizado no currículo a partir de

processos de aprendizagem participativos e emancipadores.

Conforme refere Santos (2008, p. 43), “a Universidade tem um papel crucial na

construção do lugar dum país num mundo polarizado entre globalizações contraditórias”

advogando a “ideia de projecto nacional numa perspectiva diferente, ou seja, um

projecto nacional concebido de modo “não autárcico” e que, para ter credibilidade, deve

“ser sustentado por forças sociais interessadas em protagonizá-lo.” (VARELA, 2013)

Em outras palavras, as universidades devem buscar uma globalização alternativa

e uma reforma progressista, além de

[...] superarem os seus preconceitos e procurar alianças com os

diversos protagonistas, quer no seio da sociedade, quer no interior das próprias academias, quer ainda com Estado nacional, em prol de uma

69 “O governo de Cabo Verde solicitou apoio do governo brasileiro para criar um sistema de avaliação,

tendo como referência o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). Em abril e

outubro de 2013 foram realizadas duas missões para capacitação dos membros do Conselho para a

Qualidade do Ensino Superior em Cabo Verde e foi elaborado documento orientador com as atribuições

do referido Conselho. Também foram construídos os indicadores de qualidade do instrumento de

avaliação. Participaram da ação, representantes das IES de Cabo Verde, integrantes do Conselho de

Qualidade e o Ministério do Ensino Superior Ciência e Inovação (MESCI) de Cabo Verde. Na próxima

etapa será consolidada a auto avaliação das IES, a formação dos avaliadores do Sistema de Avaliação de Cabo Verde e realizada a avaliação externa das Instituições de Educação Superior. Em 2014 deverá se

efetivar a construção da proposta de avaliação das carreiras ofertadas nas IES de Cabo Verde.” (SILVA,

2014, p. 6-7) Disponível em:

http://uniso.br/publicacoes/anais_eletronicos/2014/2_es_politicas_publicas/08.pdf Acesso em: 19

fevereiro 2017.

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globalização alternativa e de uma reforma progressista da instituição

universitária. (SANTOS, 2008)

Diante do exposto, a palavra cooperação presente na Cláusula Primeira (Área de

Cooperação) e descrita no Termo de Convênio Específico entre a Universidade Federal

da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Brasil) e a Universidade de

Cabo Verde (Cabo Verde) será analisada a partir de seus contextos históricos, sociais e

econômicos. A descrição do texto nesse documento é:

A área de cooperação inclui, sob consentimento mútuo e existência de condições apropriadas, qualquer programa oferecido e proposto por

qualquer das partes como desejável, executável, e que venha a

contribuir para o fomento e o desenvolvimento de relações de cooperação entre as duas partes convenentes. (Termo de Convênio

Específico entre a Universidade Federal da Integração Internacional

da Lusofonia Afro-Brasileira (Brasil) e a Universidade de Cabo Verde

(Cabo Verde), Cláusula Primeira, de 19 de junho de 2012, p. 01) (grifo nosso)

A análise das quatro propriedades da palavra será sustentada pelos contextos

histórico, social e econômico que envolvem a produção do referido documento. A

primeira delas, a pureza semiótica, denota que a palavra cooperação pode circular em

várias esferas ideológicas da sociedade na construção de uma política de

internacionalização do ensino superior no Brasil e na África, pois possui traços que

permitem sua aplicação em diversas situações com múltiplas interpretações.

Na segunda propriedade, a possibilidade de interiorização, se dá no confronto

entre o signo que circula internamente na nossa consciência e suas perspectivas de

sentido a partir dos valores entoados externamente pelo locutor, ou seja, a interpretação

que temos da palavra cooperação entra em embate entre o signo internamente circulante

e o externo.

A palavra cooperação instaura uma política de internacionalização do ensino

superior por meio do acordo entre Brasil e Cabo Verde incorporando novos significados

no contexto das políticas de ensino superior: relações de cooperação entre as duas

partes convenentes, em outras palavras, a introdução da Uni-CV em redes universitárias

dos países da CPLP, com destaque para Portugal e Brasil, além da língua portuguesa

comum a esses países como signo político que instaura relações de poder.

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A terceira propriedade da palavra, possibilidade de circulação externa e interna

do signo, se dá no confronto entre os sentidos presentes na consciência e o sentido

construído externamente. Dessa forma, é formada uma nova concepção sobre o signo

instaurado na consciência a partir do signo externo, circulante nas esferas ideológicas,

que não é o mesmo que passa a circular internamente na consciência do sujeito. Os

contextos político, econômico e social colaboram com a incorporação de outros sentidos

à palavra cooperação devido às políticas de internacionalização do ensino superior, com

os sujeitos absorvendo tais sentidos na consciência.

A neutralidade, quarta propriedade da palavra, estabelece a relação entre a

UNILAB e a Uni-CV por meio da palavra cooperação, oferecendo um ponto de

mediação, assim como um embate de significados. Nesse sentido, é reforçada a inserção

da Uni-CV em redes universitárias dos países da CPLP com o beneficiamento das

relações estabelecidas com universidades brasileiras e portuguesas na formação de

quadros profissionais no âmbito dos acordos bilaterais de cooperação. (ALVES, 1998)

A cooperação entre a UNILAB e a Uni-CV salienta a inserção internacional do

Brasil no continente africano por meio da sua presença política, diplomática e

econômica. Conforme refere Heleno (2014, p. 111):

A diplomacia brasileira apresenta duas facetas em relação à África: uma cooperativa, materializada em diversos programas de

transferência de conhecimentos, e outra dominadora, revelada pelo

interesse brasileiro em expandir sua influência política e pela ação

predatória de empresas brasileiras em países africanos.

Nesse sentido, entendemos que o Governo Lula buscou fortalecer os laços de

cooperação com a CPLP, por meio da criação da UNILAB, no contexto de

internacionalização da educação superior brasileira70

.

70 “O Brasil e os Países de Língua Oficial Portuguesa têm laços históricos e profundos que datam de

longos anos e que se têm aprofundado com o tempo, através das relações de cooperação solidária entre

seus povos. A educação constitui fator determinante no desenvolvimento socioeconômico, cultural e

político dos povos e a cooperação entre os respectivos países tem permitido reforçar seus sistemas

educacionais. Nesse sentido, os ministros de Educação dos Estados Membros (EM) da CPLP estão convictos de que o intercâmbio entre instituições de ensino superior é uma das formas mais profícuas de

estímulo ao desenvolvimento científico, tecnológico e cultural dos Estados Membros. A RIPES pretende

ser um espaço que atenda a este princípio e, igualmente, que fortaleça o conceito trabalhado pelo

documento Cooperação na CPLP – uma Visão Estratégica de Cooperação Pós-Bissau, especificamente no

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Dentre as universidades brasileiras, a Unilab é a grande porta de

entrada brasileira para estudantes africanos, ao lado do Programa

Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G). Porém, em termos proporcionais, a Unilab recebe uma porção muito maior de

estrangeiros (reserva de 50% das vagas para estudantes estrangeiros),

haja vista que o PEC-G se dilui entre todas as universidades federais brasileiras. Sem a Unilab, a oportunidade de jovens africanos

ingressarem numa instituição de ensino superior dificilmente seria

possível. Esse é um dos grandes méritos da instituição. (HELENO,

2014, p. 114)

Dessa forma, tal ação corrobora a política externa do governo Lula que

articulava o discurso e a prática diplomática na construção de alianças com países

parceiros no âmbito das relações Sul-Sul. A efetivação de projetos bilaterais e a

instauração de acordos de cooperação colaboram com a “abertura e/ou ampliação de

novos acordos e mercados, consoantes à defesa da própria política desenvolvida pelo

Estado brasileiro junto ao continente africano desde a década de 1960.” (RIBEIRO,

2007, p. 09)

3.1.4. Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda

O Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda oferece

ensino superior público para a formação de professores, gestores escolares, demais

profissionais da educação e da investigação científica desde a década de 1980. Essa

instituição conta com um Centro de Estudos e Investigação em Ciências da Educação e

oito Departamentos de Ensino e Investigação. Oferece oito cursos de licenciatura e

cinco de mestrado71

, contabilizando mais de 3000 alunos e mais de 200 docentes pós-

graduados em universidades europeias, americanas e africanas.

que tange a utilização de “metodologia de trabalho que privilegie um contacto mais direto com as

realidades dos beneficiários da cooperação comunitária.” I Reunião Técnica Internacional da Rede de

Instituições Públicas de Educação Superior (RIPES), 21 e 22 de maio de 2014, “Declaração de

Fortaleza”. Disponível em: http://www.ripes.unilab.edu.br/index.php/cplp/leia-na-integra-a-declaracao-

de-fortaleza-documento-gerado-ao-final-da-i-reuniao-tecnica-internacional-da-ripes/ Acesso em: 18

fevereiro 2017.

71 Os cursos de licenciatura oferecidos no ISCED são: Licenciatura em Ciências da Educação

(Opção: Pedagogia e Psicologia); Licenciatura em Ensino da Filosofia; Licenciatura em Ensino da

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Essa IES, com autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira, por

meio do Decreto Presidencial nº 146/12 de 27 de junho que cria as universidades

públicas de Angola, “obedece a uma estrutura baseada numa Direcção Geral coadjuvada

por duas Áreas estratégicas: Área Científica e Área dos Assuntos Académicos.”72

Além disso, possui parcerias com Direcções do Ministério da Educação,

Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Universidade de Évora, Instituto

Superior de Educação e Tecnologia de Moçambique, Instituto de Ciências da Educação

da Universidade Lusófona e outras instituições.

3.1.4.1. Cooperação Sul-Sul: Brasil e África na internacionalização

Desde o final da década de 1940, o Brasil busca desenvolver ações de

cooperação internacional em âmbitos político, social e econômico. Nas décadas de 1950

e 1960, o processo de libertação nacional ocorrido na África e na Ásia teve iniciativas

políticas no eixo Norte-Sul em oposição ao eixo leste-Oeste

no Movimento dos Países Não-Alinhados, no Grupo dos 77 e na

reivindicação de uma Nova Ordem Econômica Internacional nos anos

1970 suas instâncias mais importantes à época (IPEA; ABC, 2010).

Todas essas iniciativas políticas buscavam redirecionar o conflito internacional para o eixo Norte-Sul em oposição ao eixo Leste-Oeste

que caracterizava a guerra fria (1947-1989). (MENEZES; RIBEIRO,

2011)

Dessa forma, os cenários pós-guerra fria reconfiguraram os desafios do

desenvolvimento com a globalização, a competição internacional e a necessidade de

novos polos de poder. No contexto brasileiro, conforme referem Menezes e Ribeiro

(2011),

Matemática; Licenciatura em Ensino da Sociologia; Licenciatura em Ensino de História; Licenciatura em

Ensino de Língua Portuguesa; Licenciatura em Ensino de Línguas e Literaturas Africanas; Licenciatura

em Letras Modernas. Os cursos de mestrado oferecidos são: Mestrado em Ciências da Educação;

Mestrado em Ensino da Matemática (sem acesso ao programa desse curso); Mestrado em Ensino de

História; Mestrado em Língua Francesa e Engenharia da Formação; Mestrado em Língua Portuguesa;

Mestrado em Ensino da Língua Inglesa como Língua Estrangeira. Disponível em: http://isced.ed.ao/

Acesso em: 05 fevereiro 2017.

72 Disponível em: http://isced.ed.ao/sobre-o-isced Acesso em: 05 fevereiro 2017.

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No plano global, o governo Lula da Silva priorizou o multilateralismo

(reforma do processo decisório da ONU, não-proliferação), o

desenvolvimento de uma política comercial mais afirmativa com atuação nos diversos tabuleiros (o da OMC, o da ALCA, o das

negociações Mercosul-União Européia), as parcerias diversificadas no

âmbito Sul-Sul com países semi-periféricos grandes (África do Sul, China, Índia).

Na primeira década do século XXI, a ação estratégica da diplomacia brasileira

foi pautada no fortalecimento da multipolaridade nas relações internacionais. Assim, a

necessidade de novos polos de poder como “a União Europeia e seu avançado processo

de integração, China, Índia e o ressurgimento da Rússia pós-soviética corroboram a

percepção de um ordenamento internacional mais heterogêneo e plural (SILVA,

AMORIM e GUIMARÃES, 2003).” (MENEZES; RIBEIRO, 2011)

O entendimento de que a aproximação das relações no eixo Sul-Sul reduziriam

assimetrias das “estruturas hegemônicas de poder” na busca de alternativas73

para o

Brasil (MENEZES; RIBEIRO, 2011), com as “brechas no meio internacional para

relacionamentos construtivos e autônomos em relação à agenda internacional que

refletem as perspectivas de Washington.” (ALMEIDA FILHO, 2009, p. 80)

As ações multilaterais, no estreitamento entre Brasil e África, envolvem a

criação de mecanismos de cooperação com a União Africana (UA) para complementar

iniciativas de estabelecimento das relações com cada país africano na órbita bilateral.

Nessa perspectiva, os projetos que o Brasil desenvolve com a África estão ligados à

cooperação na formação profissional em áreas como educação, saúde, agricultura e

esporte.

Na área da educação foram realizados 55 atos bilaterais com mais de

20 países, destacando-se 19 memorandos de entendimento e 21

acordos. Dentre os acordos, ressalta-se a criação da UNILAB, a implementação de programas diversos de apoio na área de educação a

73 “As parcerias que o Brasil faz não são excludentes, e por isso o País tem diálogo estreito não apenas com a América Latina e com os países em desenvolvimento, ou ainda com os chamados “emergentes”.

Temos uma relação densa também com os países desenvolvidos e considero que essa é a linha correta a

seguir. [...] Assim, temos contribuído para começar a desenhar uma nova ordem mundial, sem a pretensão

de liderar ninguém ou de recorrer a rótulos como o de líder, que pessoalmente não me agradam e geram

incompreensões. Nosso interesse é o de contribuir para buscar soluções”. Entrevista exclusiva concedida

por escrito pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, aos jornais Politiken (Dinamarca) e

Dagbladet (Noruega). Copenhague, 17/12/2009. (MENEZES; RIBEIRO, 2011)

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países da CPLP e o programa “linguagem das letras e dos números”,

que promoveu capacitação de 120 professores de matemática e

português de Cabo Verde. (MENEZES; RIBEIRO, 2011)

Nesse sentido, por meio de acordos bi e multilaterais abrangendo questões

culturais, científicas e tecnológicas, a educação é incorporada como um serviço de

mercado em ambiente de internacionalização do ensino superior, que “passa a assumir

características de um processo estratégico ligado à reestruturação do poder.”

(ZAMBERLAM; CORSO; BOCCHI; FILIPPIN; KÜLKAMP, 2009, p. 21)

3.1.4.2. A cooperação no acordo entre o Instituto Superior de Ciências da

Educação e a UNILAB

A relação entre Brasil e África e sua contribuição para a internacionalização do

ensino superior podem ser compreendidas a partir da Política Externa Independente

(1961-1964) impulsionada, inicialmente, pelo governo de Jânio Quadros para planejar

as ações brasileiras neste continente e que “uma década depois, com o choque

petrolífero e com o Governo Geisel, a África passou a ocupar um lugar privilegiado na

política externa e comercial brasileira, que se estendeu até o final do Governo Sarney,

em 1990.” (VISENTINI, 2015, p. 2)

Durante esse período, do Regime Militar e da Nova República, as

relações Brasil-África foram intensas, especialmente no campo econômico, diplomático e da cooperação técnica. Em diversos

aspectos ela foi, inclusive, mais sólida do que a do Governo Lula. O

Brasil tinha um poder de decisão mais forte e cruzou o limite

tradicionalmente admitido na ordem internacional entre nações da periferia. Foi a fase da acelerada industrialização por substituição de

importações brasileira. (VISENTINI, 2015, p. 2)

No século XXI, o Renascimento Africano traduz a recuperação do

protagonismo das nações africanas mais importantes e as economias asiáticas na

procura por recursos, mercados e aliados. Já no Brasil, com o Governo Lula, as relações

ganharam força numa dimensão estratégica mundial. A economia brasileira entrava em

equilíbrio e a africana voltava a crescer, na criação de “novas formas de articulação

continental, com a transformação da Organização da Unidade Africana em União

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Africana, além do lançamento da Nova Parceria para o Desenvolvimento Econômico da

África (NEPAD).” (VISENTINI, 2015, p. 3)

O novo governo, apesar de certa falta de coordenação e carência de

recursos, deu um salto qualitativo nas relações com a África,

estabelecendo os fundamentos da Cooperação Sul-Sul. A semi-periferia encontrava a periferia, forjando mecanismos mutuamente

vantajosos. Como parte do BRICS, tal relacionamento adquiria um

significado geopolítico e geoeconômico extremamente relevante. A África contribuiu para a projeção internacional do Brasil, enquanto

nosso país auxiliava na emergência global das nações africanas. No

campo econômico as empresas brasileiras, chinesas e indianas, além

de outras, foram ganhando o espaço até então dominado por companhias européias e norte-americanas. (VISENTINI, 2015, p. 3)

Os contextos sociais, econômicos, culturais e políticos são necessários à

compreensão da expansão do ensino superior em Angola. Nesse sentido, vale ressaltar a

necessidade do seu “enquadramento na estratégia global de formação de recursos

humanos eficientes, competitivos e criativos para o desenvolvimento do país.”

(KANDINGI, 2016, p. 76)

Dessa forma, o Estado procede à institucionalização das instituições de Ensino

Superior privadas em atendimento à procura desse nível de ensino no âmbito das

transformações econômicas, políticas e sociais. (BONDO, 2002)

O Estado, como principal regulador, não pode ser substituído pelo

mercado na coordenação dos sistemas educativos, de um modo geral,

e das instituições de Ensino Superior, de forma particular, cabendo-lhe, para o efeito, a tarefa de proporcionar um ambiente de políticas

favoráveis quer para as instituições de Ensino Superior públicas, quer

para as privadas, que estimule a que satisfaça as necessidades de

ensino, de investigação e de inovação do conhecimento científico (Banco Mundial, 1995; Magalhães, 2004; UNESCO, 1996, 2014).

(KANDINGI, 2016, p. 78)

O Protocolo entre o ISCED de Luanda e a UNILAB foi assinado, em 20 de abril

de 2012, pelo reitor da UNILAB, Prof° Doutor Paulo Speller, e o reitor do ISCED,

Prof° Doutor Daniel Mingas. A vigência desse documento é de cinco anos, contando a

partir da data de assinatura, válido até 20 de abril de 2017. A palavra cooperação foi

localizada no seu texto inicial e será analisada a partir de seus contextos históricos,

sociais e econômicos. Conforme o documento:

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[...] no intuito de desenvolver relações de cooperação com base no

estabelecimento de contatos e entendimentos mútuos, enfatizando

desenvolver intercâmbio acadêmico e cultural nas formas de educação e pesquisa, e de acordo com a legislação que rege a matéria, acordam

o seguinte. (Protocolo entre a Universidade da Integração

Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Brasil) e o Instituto Superior de Ciências da Educação de Luanda (Angola), texto inicial,

de 20 de abril de 2012, p. 01) (grifo nosso).

A primeira propriedade da palavra, a pureza semiótica, define que a palavra

cooperação pode circular nas esferas ideológicas da sociedade, ou seja, nas situações de

comunicação incorporando múltiplos sentidos. No documento é descrito “no intuito de

desenvolver relações de cooperação...” corroborando o entendimento de que a palavra

relações propõe mais um sentido à cooperação e reforçando a interpretação de

fortalecimento da internacionalização do ensino superior com Brasil e Angola em

sintonia, em conexão.

A possibilidade de interiorização, segunda propriedade da palavra, se dá no

embate entre o signo que circula na nossa consciência e seus sentidos a partir dos

valores entoados externamente pelo locutor. Nessa perspectiva, em “relações de

cooperação com base no estabelecimento de contatos e entendimentos mútuos” a

palavra cooperação vai incorporando sentidos na relação com contatos e mútuos,

tecendo uma rede de significados que colabora com o embate entre o signo circulante na

nossa consciência e os valores externos. Nesse sentido, a palavra cooperação, além de

cooperar, fortalece os contatos numa política conciliadora de entendimentos mútuos.

O Brasil, por sua vez, sempre foi um parceiro importante de Angola,

posto que os dois países apresentam raízes culturais comuns e falam a

mesma língua, além de compartilharem seu entorno estratégico, notadamente o Atlântico Sul. Ainda que tenha havido um

enfraquecimento dessa relação na década de 1990, houve a

revitalização da mesma a partir de 2003, quando houve uma mudança nas diretrizes da política externa do Brasil sob o governo de Luiz

Inácio Lula da Silva. A partir de então, destacam-se projetos de

cooperação técnica entre os dois países, como é o caso do projeto “Escola para Todos”, além da presença de empresas brasileiras no

país. (VISENTINI, 2015, p. 14)

Dessa forma, corroborando a possibilidade de interiorização, a terceira

propriedade da palavra, possibilidade de circulação externa e interna do signo, resulta

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do choque entre os sentidos construídos internamente e externamente à nossa

consciência. Em síntese, o signo externo colabora para o desenvolvimento de um novo

conceito sobre o signo instaurado na consciência a partir dos signos contatos e mútuos

que, conforme já explicado, constroem uma rede de significados em torno da palavra

cooperação.

A quarta propriedade da palavra, a neutralidade, estabelece uma

correspondência entre a UNILAB e o ISCED mediada pela palavra cooperação, bem

como um embate de significados. Conforme documento Educação como ponte

estratégica Brasil-África: Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e

Príncipe (BRASIL, 2013)74

, “se busca estabelecer uma ponte mais estável e pensada

entre todos e, assim, colocar a educação na agenda central da cooperação e na atuação

estratégica para a melhoria da qualidade de vida das sociedades do sul”, corroborando o

significado de que a educação está atrelada à cooperação no desenvolvimento do Brasil

e dos países africanos parceiros. Conforme refere Saraiva (2012, p.51),

(...) o continente africano assiste uma transição positiva para um novo patamar de inserção internacional no início do novo século. Em três

linhas se pode observar a elevação do status da África no nascer do

século XXI: a) no avanço gradual dos processos de democratização dos regimes políticos e a contenção dos conflitos armados; b) no

crescimento econômico associado a performances macroeconômicas

satisfatórias e alicerçadas na responsabilidade fiscal e preocupação

social; c) na elevação da autoconfiança das elites por meio de novas formas de renascimentos culturais e políticos.

Nessa perspectiva, as relações internacionais estão atreladas à retomada da

política africana do Brasil no início do século XXI. Isso significa dizer que as

74 “O documento Educação como ponte estratégica Brasil-África: Angola, Brasil, Cabo Verde,

Moçambique e São Tomé e Príncipe (BRASIL, 2013) foi elaborado pelo Ministério da Educação a partir

das discussões realizadas na reunião interministerial em maio de 2013, na Bahia, onde se reuniram os

ministros da educação e do Ensino Superior de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e

Príncipe, juntamente com representantes e dirigentes da Organização dos Estados Ibero-americanos

(OEI), da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da UNESCO, da Organização das

Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e do Programa Mundial de Alimentos, além de

reitores das universidades federais brasileiras e outras autoridades, com o objetivo de sistematizar as

principais diretrizes do Programa que dá nome ao documento. Várias ações em andamento foram elencadas como parte do programa de cooperação educacional entre Brasil e África.” (SILVA, 2014, p. 5)

Disponível em: http://uniso.br/publicacoes/anais_eletronicos/2014/2_es_politicas_publicas/08.pdf Acesso

em: 19 fevereiro 2017.

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estratégias dos interesses nacionais e de seus protagonistas (diplomatas e empresários)

são organizadas a bem da expansão do capitalismo brasileiro por meio dos negócios e

da cooperação.

Em relação às inovações conceituais e práticas, é possível identificar a

passagem de um discurso culturalista – que argumentava pela

“africanidade” brasileira - para o discurso da dívida histórica do Brasil em relação à África, que estruturou uma forma de cooperação mais

pragmática e uma política externa específica para a África.

(SARAIVA, 2012, p. 98-99)

Em outras palavras, a expansão da educação superior está atrelada ao

desenvolvimento de projetos conforme demanda dos países: cursos a distância,

programas de mobilidade estudantil e docente, criação de universidades nos países

recipiendários (São Tomé e Príncipe), promoção da mobilidade acadêmica, com

destaque para a UNILAB, pois “há uma grande expectativa por parte do governo

brasileiro de que essa experiência se torne modelo de cooperação educacional para os

outros países.” (SILVA, 2014, p. 10)

3.5. Mais um olhar sobre a cooperação e os acordos

Entrevista concedida via e-mail, em 30 de janeiro de 2017, por Carlos André

Moura Barros, Coordenador de Cooperação Nacional e Internacional, Coordenador

RNIPFES – UNILAB, Pró-Reitoria de Relações Institucionais.

1. Os acordos são efetivados a partir do que propõem, ou seja, a cooperação? Se

sim, quais são os impactos na vida universitária da Unilab?

Sim, os acordos efetivados entre esta Unilab e as diversas instituições visam

prioritariamente a Cooperação. O objeto da maioria dos acordos firmados é a

conjugação de esforços entre os partícipes, visando a implementação conjunta de

programas, projetos e atividades (ensino, pesquisa e extensão).

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Estas atividades poderão envolver as diversas áreas do conhecimento humano. Também

propomos a realização de intercâmbios discente, docente e técnico, além de matérias

acadêmicas.

Nossa Pró-Reitoria de Pós Graduação propõe ainda a possibilidade de produção

conjunta com pesquisadores das instituições acadêmicas parceiras.

Como impactos temos:

- Diversidade cultural (costumes, dialetos, comidas, danças etc.)

- Intercâmbio de conhecimentos entre estudantes brasileiros e estudantes internacionais;

- Intercâmbio de conhecimentos entre estudantes internacionais e comunidades das

cidades em que os estudantes se hospedam;

- Troca de experiências entre docentes brasileiros e docentes estrangeiros;

- Periodicamente recebemos grupos dos diversos países parceiros.

- Criação de associações de cada país representado nesta Ifes;

- Apresentação da Unilab aos estudantes internacionais;

- Legalização e acompanhamento dos estudantes internacionais;

- Palestras sobre as leis brasileiras. Temos um evento que chamamos de SAMBA

(Seminário de Ambientação Acadêmica) – Apresentamos todos os setores da Unilab aos

estudantes internacionais recém ingressos, a fim de que saibam a qual setor recorrer

dada sua necessidade. Neste evento, apresentamos questões legais urgentes, como

problemas que enfrentamos dada a divergência entre culturas (racismos, violência

contra a mulher, etc.)

- Recebemos professores, técnicos de instituições estrangeiras para conhecer nossa

rotina e procedimentos;

- Recebemos autoridades dos países. Sempre reunimos os estudantes dos países

representados por estas autoridades visando uma maior integração entre os países e os

futuros profissionais que receberão nas diversas instituições;

- Realizamos eventos em conjunto com os países parceiros (Festival de Arte e Cultura,

mostras de dança, etc.)

2. Existem estudantes portugueses frequentando a Unilab?

Não temos estudantes portugueses frequentando a Unilab. Nossos estudantes são dos

seguintes países:

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- Angola;

- Cabo Verde;

- Guiné Bissau;

- Moçambique;

- São Tomé e Príncipe e

- Timor Leste.

Encaminho, em anexo, a quantidade de estudantes internacionais, por país e curso75

.

3. Os referidos acordos têm influência na vida cotidiana da Unilab ou das outras

instituições portuguesas e africanas que são parceiras?

Sim. Os acordos firmados, com ações implementadas, influenciam diretamente nas

rotinas dos países, através de suas instituições. Na pergunta número 01 respondi várias

influências dada a participação de diversos parceiros na rotina desta Unilab. Informo,

ainda, que anualmente enviamos emissários da Unilab aos países parceiros para a

aplicação das provas do Processo Seletivo de Estudantes Estrangeiros – PSEE.

Neste momento cada servidor (docente ou técnico) realiza várias atividades no país

(palestras em escolas secundaristas, palestras no centro Cultural do Brasil no país,

participa de momento de reunião com parceiros visando ações aos acordos firmados,

visita a futuros parceiros, etc.) Neste momento, prospectamos futuras parcerias. Como

exemplo disto, posso citar o Festival de Arte Cultura da Unilab que ocorreu em 2016.

Em 2015, participando como emissário em Moçambique, pensamos numa ação conjunta

entre as instituições Unilab e Universidade Politécnica. Foi pensado num Simpósio de

Arte e Cultura, com atuações no Brasil e em Moçambique. Dada a restrição

orçamentária vivida pelo nosso país, a realização se deu apenas no Brasil, mas ainda

pensamos na realização deste movimento em Maputo, na sede da Universidade

Politécnica.

Pode-se citar, ainda, diversas possibilidades que estão sendo construídas em conjunto, a

saber: Ensino a distância, Produção em conjunto, treinamento de técnicos, editais de

75 O referido documento consta nos anexos dessa dissertação.

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mobilidade discente/docente, estágio curricular dos estudantes internacionais nos países

de origem, validação/reconhecimento de diplomas, etc.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa, com abordagem qualitativa e objetivo exploratório, centra-

se na análise da palavra cooperação, localizada nos acordos entre a UNILAB e

universidades e institutos portugueses e africanos, com o fim de contribuir com o debate

sobre a existência de marcas discursivas neocolonialistas no âmbito da

internacionalização do ensino superior.

Para tanto, procuramos responder à questão que fundamentou nosso trabalho:

Em que medida os acordos entre instituições portuguesas e africanas e a UNILAB

contribuem com uma ideologia neocolonialista considerando a integração entre o Brasil

e os países membros da CPLP? A localização da UNILAB em Redenção, primeira

cidade a libertar os escravos em 1883, denota a dimensão simbólica do projeto dessa

instituição. Nesse sentido, as reflexões de Aníbal Quijano a respeito da modernidade

constroem caminhos para refletir sobre a escolha dessa cidade “localizada a 55Km da

capital cearense, a criação do campus em Redenção representou bem a proposta da

UNILAB: integrar para desenvolver”76

, e gerou “uma oportunidade de aproximar o

interior do nordeste brasileiro a uma educação avançada.77

Se o conceito de modernidade refere-se única ou fundamentalmente às

idéias de novidade, do avançado, do racional-científico, laico, secular,

que são as idéias e experiências normalmente associadas a esse

conceito, não cabe dúvida de que é necessário admitir que é um

fenômeno possível em todas as culturas e em todas as épocas

históricas. (QUIJANO, 2005, p. 122)

A ideologia neocolonialista pode ser compreendida, nesse contexto, como

fundamento cultural de uma internacionalização cooperativa dessa instituição no

governo Lula que, conforme a Lei nº 12.289, na descrição de sua missão e objetivos

visa “formar recursos humanos para contribuir com a integração entre o Brasil e os

demais países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP,

76 Disponível em http://www.unilab.edu.br/como-surgiu/ acesso em 02 junho 2016.

77 Disponível em http://www.unilab.edu.br/como-surgiu/ acesso em 02 junho 2016.

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especialmente os países africanos, bem como promover o desenvolvimento regional e o

intercâmbio cultural, científico e educacional.” (BRASIL, 2013, p. 01) Nessa

perspectiva, Carlos André Moura Barros, Coordenador de Cooperação Nacional e

Internacional, Coordenador RNIPFES – UNILAB, da Pró-Reitoria de Relações

Institucionais, em entrevista concedida por e-mail no dia 30 de janeiro de 2017, ao ser

questionado sobre a influência dos acordos na vida cotidiana da UNILAB ou das outras

instituições portuguesas e africanas que são parceiras, afirma que

Pode-se citar, ainda, diversas possibilidades que estão sendo

construídas em conjunto, a saber: Ensino a distância, Produção em

conjunto, treinamento de técnicos, editais de mobilidade discente/docente, estágio curricular dos estudantes internacionais nos

países de origem, validação/reconhecimento de diplomas etc.

No que diz respeito à integração entre o Brasil e os países membros da CPLP,

são configuradas novas práticas colonizadoras com a determinação da língua portuguesa

aos povos colonizados por Portugal, por meio da lusofonia no contexto da política

linguística da CPLP. Esse idioma se constitui como signo político graças à difusão e

manutenção da língua portuguesa que colabora com a (re)construção do simbólico na

manutenção da ideologia dominante.

A lusofonia, como projeto político unificador, e suas implicações sociais,

culturais, históricas e linguísticas sobre os países colonizados se apresenta como recurso

geopolítico de classificação dos sujeitos. Dessa perspectiva, é possível enxergar o

acúmulo de fragmentos nas margens com vozes uníssonas (ad)vindas de sujeitos

invisíveis que só se enxergam quando pronunciam outros mundos que não são os seus.

No que tange à análise da palavra cooperação, descrita nos acordos entre a

UNILAB e universidades e institutos portugueses e africanos, em suas quatro

dimensões: pureza semiótica, possibilidade de interiorização, possibilidade de

circulação externa e interna do signo e neutralidade partiu das reflexões propostas por

Bakhtin, considerando que as relações sociais (re)constroem a linguagem. Além disso,

fomos guiados pela importância das relações dialógicas propostas por Paulo Freire na

promoção do diálogo com vistas à educação como prática da liberdade. Nesses termos,

“com a palavra o homem se faz homem. Ao dizer sua palavra, pois, o homem assume

conscientemente sua essencial condição humana” (FREIRE, 1987, p. 07) e mantém a

luta imprescindível às (re)construções do signo, da ideologia, da língua e da mudança

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social por meio do diálogo onde os homens se fazem homens reconhecendo na palavra

as possibilidades de existir no mundo e pronunciá-lo.

A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de inaugurar o diálogo

corajoso com as massas. Sua legitimidade está no diálogo com elas, não no engodo, na mentira. Não pode temer as massas, a sua

expressividade, a sua participação efetiva no poder. Não pode negá-

las. Não pode deixar de prestar-lhes conta. De falar de seus acertos, de

seus erros, de seus equívocos, de suas dificuldades. A nossa convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo, mais revolução será.

(FREIRE, 1987, p. 72)

Observamos que a palavra cooperação representa um signo político localizado

nos acordos entre a UNILAB e universidades e institutos portugueses e africanos

podendo ser traduzidos como documentos institucionais no estabelecimento de relações

diplomáticas entre o Brasil e países membros da CPLP com o mote da integração. Dessa

forma, é possível confirmar a nossa primeira hipótese considerando as relações entre

Brasil, África e Portugal no âmbito da internacionalização do ensino superior: A

proposta de integração, presente nos acordos entre instituições portuguesas e africanas e

a UNILAB, é uma estratégia discursiva de manutenção de uma ideologia

neocolonialista.

Conforme Carlos André Moura Barros, ao ser questionado se os referidos

acordos têm influência na vida cotidiana da UNILAB ou das outras instituições

portuguesas e africanas que são parceiras, responde que “Sim. Os acordos firmados,

com ações implementadas, influenciam diretamente nas rotinas dos países, através de

suas instituições.” Ainda, ao ser questionado se os acordos são efetivados a partir do

que propõem, ou seja, a cooperação e, se sim, quais são os impactos na vida

universitária da Unilab, responde que “Sim, os acordos efetivados entre esta Unilab e as

diversas instituições visam prioritariamente a Cooperação.” Nesse sentido, podemos

confirmar a nossa segunda hipótese: a cooperação e a integração são estratégias

discursivas de construção de um espaço multicultural para a manutenção de uma

ideologia neocolonialista. Para tanto, consideramos a influência dos acordos na rotina

dos países parceiros através de suas instituições, além dos acordos efetivados entre a

UNILAB e as instituições portuguesas e africanas visando a cooperação.

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A partir da análise da palavra cooperação nos acordos e da referida entrevista foi

possível refletir sobre os processos de internacionalização da UNILAB nos governos

Lula que priorizaram a educação superior como atuação estratégica de cooperação no

desenvolvimento do Brasil e dos países africanos parceiros. No entanto, a educação

superior busca instrumentalizar profissionais para atuarem no mercado de trabalho na

manutenção de uma sociedade consumidora que,“em lugar de sermos definidos como

pessoas que participam da luta para construir e reconstruir nossas relações educacionais,

políticas e econômicas, somos definidos como consumidores.” (APPLE, 1999, p. 51)

Ainda foi possível verificar que a efetivação desses discursos é atravessada por

relações de poder vinculadas à política do ensino superior num contexto neoliberal que

exige a modernização desse nível de ensino no que tange à formação de mão de obra e

educação como produtos. A presença de estudantes brasileiros e africanos na UNILAB

corrobora a formação de mão de obra para atuar no mercado de trabalho, considerando

que essa instituição tem parceria com Portugal e que, mesmo assim, há ausência de

estudantes portugueses. Ao ser questionado se existem estudantes portugueses

frequentando a UNILAB, Barros responde: “Não temos estudantes portugueses

frequentando a Unilab. Nossos estudantes são dos seguintes países: Angola; Cabo

Verde; Guiné Bissau; Moçambique; São Tomé e Príncipe e Timor Leste.”

As reflexões expendidas neste trabalho permitem-nos concluir que a cooperação

e a integração são estratégias discursivas na manutenção de uma ideologia dominante

que atravessa a história (re)configurada na colonização de corpos e mentes. No âmbito

da educação superior são formados sujeitos para atuar no mercado de trabalho

acentuando as desigualdades sociais com a cooperação a serviço da inserção

internacional. Nesse sentido, a universidade é destituída de seu papel político,

ideológico e crítico fortalecendo um modelo organizacional de empresa. Assim, a

parceria entre o setor privado e financeiro, universidade e indústria, na gestão e no

financiamento do sistema brasileiro de desenvolvimento científico e tecnológico,

corroboram a qualificação da população.

No entanto, o contexto político, social e econômico do governo Lula

oportunizou a criação da UNILAB tendo a inclusão da diversidade cultural como espaço

para os marginalizados, invisibilizados e excluídos: negros, pobres e nordestinos

localizados historicamente como povo colonizado. As políticas de internacionalização

da UNILAB ganham contorno e forma com as vozes silenciadas desses povos na

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inclusão da diversidade. Mas, da margem, é possível escutar a respiração do silêncio

como contra-voz fissurando o centro.

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