ensino de filosofia no brasil

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Perspectivas e impasses

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  • O ENSINO DA FILOSOFIA NO BRASIL: PERSPECTIVAS E IMPASSES *

    1) Situao actual do ensino, da reflexo e da pesquisa filosficos no pas: escolas de pensamento e tendncias

    Em decorrncia da tradio profissionalizante que se estru-turou na cultura luso-forasileira, a partir das reformas educacionais efectivadas pelo Marqus de Pombal (1699/1782) em 1772, o ensino da filosofia foi entendido costumeiramente no Brasil, no como base indispensvel cultura superior, mas como curso* de formao de professores. De outro lado, a presena dessa tradio retrasou a criao das Universidades no meio brasileiro; efecti-vamente, estas vieram a aparecer s no decorrer do sculo XX, e o seu surgimento corre paralelo crtica feita pelos intelectuais ideia profissionalizante (*)

    Embora a ideia de Universidade proposta pela Academia Bra-sileira de Cincias e pela Associao Brasileira de Educao, na dcada de vinte, se voltasse mais para a pesquisa bsica e para a cultura superior, quando realmente foram criadas as pri-meiras instituies universitrias, os seus objectivos se adequaram tradio profissionalizante, A refomra Francisco Campos estru-

    * Comunicao apresentada no colquio Instituio e Filosofia reali-zado na Fundao Antnio de Almeida, do Porto, de 6 a 8 de Novembro de 11986, sobre o ensino de Filosofia nos Liceus,

    i1) Cf. Antnio Paim, A Universidade do Distrito Federal e a ideia de Universidade, Rio de ajneiro, Tempo Brasileiro, 198L Ricardo Vlez Rodrguez, A crise do ensino superior no Brasil, Legenda, Rio de Janeiro, V (9): pgs. 1-88, ago.-dez. 1984.

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  • turou a Universidade ao redor da Faculdade de Educao, Cincias e Letras, cuja funo primordial era a de formar professores para o ensino normal e secundrio ( 2 ) .

    No perodo que vai do ps-guerra aos comeos dos anos sessenta, generalizou-se o modelo universitrio que visava a con-gregar as escolas de formao profissional. Organizaram-se Uni-versidades nos diversos Estados da Federao, contando com a presena, quase sempre, de Faculdades de Filosofia e de cursos dessa disciplina. O nmero de cursos de Filosofia oferecidos pelas diversas Universidades evoluiu de 26, em 1954, para 33 em 1955 e 40 em 1960 As matrculas chegavam, aproximadamente, a 1000 alunos. O total de concluses nos cursos de Filosofia passou de 100 para 200, no decorrer dessa dcada ( 3 ) .

    Aps o perodo acima mencionado, nos comeos da dcada de sessenta, os professores da antiga Faculdade Nacional de Filo-sofia fizeram o balano dos resultados obtidos. A respeito, escreve Antnio Paim (4): (. . .) As evidncias ento colhidas eram desa-lentadoras. Os programas adoptados eram demasiado extensos, incluindo Lgica, Psicologia e Histria da Filosofia. Professores recm-formados eram obrigados a despejar esse volume inusitado de conhecimentos, muitas vezes mal digeridos. Cogitou-se de reformular os programas. Mas os esboos ento elaborados exigi-riam uma reformulao de tal magnitude dos cursos estruturados, a fim de preparar adequadamente os professores, que a tarefa parecia invivel, ou pelo menos muito acima das foras dos patro-cinadores do balano.

    No perodo que vai do incio dos anos sessenta aos nossos dias ( 5 ) , ocorreu o triplo fenmeno da massificao, profissiona-lizao e superespecializao do sistema educacional brasileiro,

    (2) Cf. Antnio Paim, O ensino de filosofia posterior criao do

    Curso Superior de Filosofia, in: O ensino de filosofia no Brasil desde a Colnia (Apostila de curso), Rio de Janeiro, s. d., pgs. '208 seg. (mimeo.).

    (3) Cf. Paim, O ensino da filosofia posterior criao do curso superior de Filosofia, ob. cit., pgs. !21!1-12.

    (4) O ensino da filosofia..., ob. cit., p. 212. (5) Cf. Antnio Paim, O ensino da filosofia posterior criao do

    Curso Superior de Filosofia, ob. cit., pgs. '215 seg. Do mesmo autor, Os novas caminhos da Universidade, Fortaleza, Imprensa Universitria da UFC, 1BS1.

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  • notadamente no sector universitrio. Ricardo Vlez Rodrguez (6) caracterizou assim esse fenmeno: A profissionalizao consiste no facto de o sistema de ensino superior brasileiro ter assumido como funo essencial e quase exclusiva a formao" de profissio-nais para o mercado de trabalho. A massificao, por sua vez, consiste no fenmenoi a que asslistimos nosi ltimos dois decnios, de pretender que a Universidade abrigue indiscriminadamente o maior nmero possvel de estudantes provenientes do segundo^ grau. A superespecializao a tentativa que se deu no planeamento do ensino universitrio brasileiro nas dcadas de 60' e de 70 de copiar o modelo norte-americano da multiplicao das especiali-dades profissionais, sem levar em considerao a real capacidade do pas para absorver essa fora de trabalho.

    Os dados estatsticos ilustram claramente acerca da forma em que aparece hodiernamente o fenmeno da massificao do ensino superior brasileiro. Atendendo' evoluo do nmero1 de institui-es, segundo a natureza e a dependncia administrativa na dcada 1970/1980, constatamos que o nmero total delas passou de 516 no incio do perodo, para 875 no final, revelando um crescimento bastante acentuado. A evoluo do nmero de cursos de gradua-o, no perodo referido acima, foi tambm bastante significativa: o nmero de cursos oferecidos passou de 2 166 em 19701, para 4 070 em 1980 (7)-

    A presso sobre o sistema de ensino superior veio, sem dvida, a partir do ensino mdio, segundo revela a evoluo das concluses de segundo grau, das inscries e da oferta de vagas no vestibular, no perodo em apreo: as concluses de segundo grau passaram de 225 913 em 1970, para 597000 em 1980. A presso exercida pela populao de ensino mdio sobre o sistema de ensino superior revela-se, sobretudo, no enorme crescimento que experimentaram as inscries no vestibular: 328 931 em 1970 e 1 750 000 em 1980.

    (6) A crise do ensino superior no Brasil, Legenda, art cit, pgs. 1-88.

    (7) Cf. Brasil, Ministrio da Educao, Secretaria do Ensino Superior, Cadastro Bsico dos Estabelecimento de Ensino Superior JL972--10I8Q, Braslia, 1981* Brasil, Ministrio da Educao, SEEC, Estatsticas da Educao Nacional 1960-1971, Braslia, 107!2.

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  • As vagas oferecidas passaram de 145 000, no incio do perodo, para 409 000, no final do mesmo (8) .

    Se atendermos evoluo do alunado de graduao, segundo a natureza e a dependncia administrativa das instituies, no perodo de 1970-1980, observaremos tambm um crescimento bas-tante grande: o total geral de alunos matriculados passa de 456 134, no incio do perodo, para 1 345 000, no final do! mesmo. Quanto evoluo do alunado de graduao por rea de conhecimento, no perodo que vai de 1974 a 1980, deve ser salientado o papel importante representado pelo crescimento das matrculas nos cursos de cincias humanas, cujo< total de alunos em 1980' (711000) representava mais da metade da populao universitria brasileira (que chegava a 1345 000 alunos) ( 9 ) .

    Os cursos de Filosofia oferecidos a nvel da Universidade, acompanharam esse processo de massificao do ensino mdio e superior brasileiro. Em 1969 existiam 48 cursos, com pouco menos de 4 mil alunos. Em 1974, o numero de cursos de filosofia corres-pondia a 55, com cerca de 5 mil alunos matriculados. No perodo compreendido entre 1955 e 1978, a matrcula nos cursos de filosofia quintuplicou, passando de 978 alunos para 5 451. As concluses de curso tambm experimentaram um aumento significativo: passa-ram de aproximadamente 100 em meados da dcada de 50, para 211 em 1960. Nos anos posteriores esse aumento continua ininter-rupto: em 1973 registam-se 1480 concluses e em 1974, 1434. No ano de 1971 deu-se a reforma do ensino mdio brasileiro, que passou a ser chamado de ensino de segundo grau. O ensino da filosofia deixou de ser obrigatrio e passou a ser mantido apenas por alguns colgios tradicionais. A demanda de professores de filosofia para o ensino mdio reduziu-se a zero e produziu a dimi-nuio na matrcula nos cursos oferecidos pelas Universidades.

    (8) Cf. Brasil, Ministrio da Educao, SEEC Concluses de 2. grau, Braslia, 198il. Brasil, Ministrio da Educao, CODEAC/SESu, Pesquisa do Vestibular Inscries e Vagas Oferecidas, Braslia, 1981.

    (9) Cf. Brasil, Ministrio da Educao, CODEAC/SESu, Relatrio anual dos Estabelecimentos de Ensino Superior, Braslia, 119811, Brasil, Ministrio da Educao, SESu, Boletim Informativo, Braslia, Maro 1981.

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  • Entre 1973 e 1979, as concluses caram de 1 48 para 7(H (10). Essa situao maratm-se inalterada, embora alguns Estados da Federao tenham includo timidamente o ensino* da filosofia como matria opcional, a nvel do ensino mdio, a partir de 1981.

    Em que pese o facto da presena dos cursos de filosofia na Universidade, do ponto de vista da reflexo propriamente dita, pouca tem sido a contribuio daquela* Sintetizando1 as concluses da mais importante pesquisa desenvolvida sobre o ensino da Filo-sofia no Brasil, salienta o seu autor (X 1): A principal verificao no que se refere filosofia na Universidade, desde que se criou a instituio, h meio sculo, que teve lugar o franco amesqui-nhamento do seu papel e misso, A filosofia no foi entendida como um dos instrumentos capazes de contribuir para a superao do vezo profissionalizante, a que se vira reduzido o ensino superir a partir da Reforma de 1772. certo que o propsito de sobrepor formao profissional outras tarefas, como a gerao e a difuso de conhecimentos desvinculados da aplicao, no podia ser atri-budo unilateralmente s disciplinas filosficas, requerendo-se o concurso de outras reas. Contudo*, o enquadramento da filosofia na tradio profissionalizante nem contribuiu para estruturar-se uma autntica universidade nem para o fortalecimento das tradi-es filosficas existentes no pas. A verdade que a criao dos cursos autnomos de filosofia no alterou sobremaneira o movi-mento filosfico do pas. Como no passado, os principais nomes da filosofia brasileira continuam vinculados meditao sobre o direito, a poltica, a pessoa humana ou a cincia, em muitos casos ligados ao ensino mas s circunstancialmente ao ensino da filo-sofia (...).

    J no que diz respeito pesquisa filosfica, podem ser salien-tados dois factos: em primeiro lugar, boa parcela dela se tem dado do lado de fora do sistema universitrio; em segundo lugar, a pes-quisa realizada na Universidade restringe-se s teses de ps-- graduao. Examinemos detalhadamente os dois factos anotados.

    (10) Cf. Brasil, Ministrio da Educao, SESu, Boletim Informativo,

    Braslia, Julho de 198& Antnio Paim, O ensino da filosofia posterior cria-o do Curso Superior de Filosofia, in: O ensino da Filosofia no Brasil desde a Colnia, ob. cit, pg. JI26 seg.

    C11) Cf. Antnio Paim, O ensino da Filosofia no Brasil desde a Colnia, ob. cit., pg, 220.

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  • A pesquisa filosfica, [fora da Universidade. De acordo com o mais expressivo estudo sobre o assunto que nos ocupa (12), a pesquisa filosfica no se institucionalizou no Brasil. Em que pese o facto de terem-se desenvolvido algumas tradies filosficas como a tomista ou a kantiana, isso no conduziu, contudo, im-plantao e consolidao de ncleos de pesquisa, O Brasil no conta hodiernamente, por exemplo, com um Centro de Estudos Tomistas, ou com um Centro dedicado ao estudo do pensamento de Kant. As diversas tradies filosficas, que ao- longo dos tempos foram aparecendo no cenrio cultural brasileirov ensejaram pes-quisas isoladas, sem continuidade. Isso deve ser atribudo, no sentir de Antnio Paim, tradio universitria brasileira: Esta tem-se contentado, atravs dos tempos, com a simples formao profissional. E a prpria filosofia acabaria assumindo feio pro-fissionalizante desde que os cursos de filosofia criados a partir dois anos trinta limitaram-se a diplomar professores para o ensino secundrio. E quando desapareceu a obrigatoriedade desse ensino, nos comeos da dcada passada, por simples inrcia, os cursos e departamentos de filosofia mantiveram a mesma estruturao. De sorte que o balano da experincia do ensino da filosofia parece essencial compreenso das razes pelas quais no< se institucio-nalizou a pesquisa filosfica (13).

    A pesquisa filosfica na Universidade. Em que pese o facto de o sistema universitrio brasileiro' ter enveredado pelo caminho da massificao e da profissionalizao, no entanto- as Universi-dades tm desenvolvido, ao longo das duas ltimas dcadas, pes-quisas filosficas ligadas ao desenvolvimento- dos cursos de mes-trado e doutorado.

    O sistema de ps-graduao brasileiro na rea da filosofia organizou-se a partir das Normas de Credeniciamento dos Cursos de Ps~Graduao, fixadas pelo Conselho Federal de Educao, no seu Parecer n. 77 de 1969. De acordo ao mencionado docu-mento, a ps-graduao foi definida como Curso, o que implicava,

    (12) Cf. Antnio Paim, Pesquisa filosfica no Brasil, subsdios para o Documento Avaliao e Perspectivas da Pesquisa filosfica no Brasil, Rio de Janeiro, CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecno lgico, 11982, (mimeo).

    (13) Antnio Paim, Pesquisa filosfica no Brasil, ob, cit., pg. 2.

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  • de parte dos alunos, a frequncia s aulas de matrias classificadas em dois grupos: rea de concentrao e domnio conexo. Cursadas essas matrias, os alunos obtm um nmero determinado de cr-ditos, que os tornam habilitados para a elaborao e a defesa da dissertao (no caso do mestrado), ou da tese (no caso do dou-torado)- O curso de mestrado possui uma durao mnima de um ano, e o de doutorado de dois anos. O mestrado1 pode ser considerado ou como etapa preliminar ao doutorado, ou como grau com carcter terminal. O doutorado aberto s pessoas que demonstram capacidade para desenvolver, de forma autnoma, a pesquisa no campo do saber que escolhido. requesto que a tese de doutorado apresente uma contribuio real ao estudo do tema pesquisado-(14).

    De acordo com levantamento recente (15), existem mo Brazil, hodiernamente, 15 cursos de ps-graduao em Filosofia. At o ms de Dezembro de 1984, nos vrios cursos de ps-graduao tinham sido aprovadas 43 teses de doutorado e 343 dissertaes de mestrado. As teses de doutorado distriburam-se assim: Univer-sidade de So Paulo, 25; Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, 16; e Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2. Sob o aspecto do nmero de dissertaes de mestrado, os cursos podem ser arrolados em trs grandes grupos: no primeiro (39 a 81 disser-taes defendidas), situam-se a Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (81), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (70), a Universidade de So Paulo (53) e a Pontifcia Univer-sidade Catlica do Rio Grande do Sul (39). No segundo^ grupo (18 a 26 dissertaes defendidas) situam-se a Universidade Fe-deral de Santa Maria (26), a Universidade Federal de Minas Gerais (23), a Universidade Gama Filho (18) e a Pontifcia Uni-versidade Catlica de Campinas (18). No terceiro grupo (com menos de 10 dissertaes defendidas), situam-se a Pontifcia Uni-versidade Catlica de So Paulo ( 5 ) , a UNICAMP Universi-

    (14) Antnio Paim, Balano da ps-graduao em Filosofia, Convivium, So Paulo, n. 4, :198a

    (15) Cf. Jos Carlos Rodrigues, A disciplina filosofia no Brasil na Uni-versidade, Rev. Brasileira de Filosofia, So Paulo, XXXV (fl|39): pgs. 305-308, juL/s-et. 1985.

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  • dade de Campinas (4) , a Universidade Federal de Pernambuco (3) e a Universidade Federal da Paraba (3)*

    No que diz relao s escolas hoidiernas de pensamento, a mais significativa a constituda pelo cutturalismo, cujos mais destacados representantes so* Luis Washington Vita (1921/1968), Miguel Reale, Djacir Menezes, Antnio Paim, Paulo Dourado de Gusmo, Luiz Luisi, Nelson Saldanha, 'Paulo Mercadante, et o A corrente culturalista busca abordar os problemas da filosofia contempornea do ponto de vista da perspectiva transcendental Essa corrente ocupa, no sentir de Antnio Paim (16), uma posio nuclear na contempornea filosofia brasileira. Em razo sobretudo dos fundamentos slidos que conseguiu dar tese do carcter inelutvel da pluralidade de perspectivas em filosofia. Estava assim em condies privilegiadas para tornar-se a principal animadora do Instituto Brasileiro^ de Filosofia, que rene pensadores de todas as tendncias. Seu propsito de estimular o dilogo* filosfico no , pois, atitude postia mas exigncia inelutvel O aprofun-damento da conscincia dos problemas magnos da filosofia tal , no seu entender, a misso do filsofo autntico. O que no signi-fica que abdique de determinadas convices, que tem por ver-dadeiras.

    A crtica concepo oitocentista de cincia, efectivada pelo neo-positivismo, teve como precursor a Otto de Alencar (1874/ /1912) na Escola Politcnica do Rio de Janeiro; essa crtica foi divulgada no artigo intitulado Alguns erros de matemtica na Sntese Subjectiva de Augusto Comte (1898). Sdb a influncia do mencionado autor, aglutina-se pequeno nmero de pesquisa-

    (16) Histria das ideias filosficas no Brasil, 3.a ed., S. Paulo: Convvio; Braslia: INL, 1084, pg. $78. A mais significativa bibliografia da corrente cul-turalista a seguinte: Antnio Paim, Paulo Mercadante, Tpbias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliao, (intr. de Miguel Reale), So Paulo, Grijalbo, 1977; do mesmo autor, O homem e seus horizontes, So Paulo, Convvio, 1980, e Verdade e conjectura, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983; Djacir Menezes, Premissas do culturaiismo dialtico; as componentes de um -pensamento filos-fico, Rio de Janeiro, Ctedra, 1979, do mesmo autor, O sentido antropgeno da histria, Rio de Janeiro, Simes, 1959; Kant e a ideia de direito, Fortaleza, Minerva, s. d. (Tese de doutoramento, Faculdade de Direito do Cear); Lus Washington Vita, Trptico de ideias, So Paulo, Grijalbo, 1967, e A filosofia contempornea em So Paulo, So Paulo, Grijalbo, 1989.

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  • dores que consegue derrotar o comtismo como filosofia das cincias e fazer com que os cientistas brasileiros acompanhassem a evoluo do pensamento cientfico. Esse grupo fundou a Academia Bra-sileira de Cincia, que teve papel decisivo na dcada de vinte, especialmente ao debater a ideia de Universidade, Amoroso Costa (1885/1928) fez com que o movimento no ficasse atrelado unica-mente aos limites da cincia e se abrisse filosofia das cincias. Pontes de Miranda (1892/1979) amplia a abrangncia do neo--positivismo, ao incursionar na rea das cincias humanas e do direito. Lenidas Hegenberg (nasc. em 1925) , contemporanea-mente, o mais importante representante da corrente neopositivista no Brasil (17).

    Na parte que corresponde aos pensadores catlicos do pre-sente sculo, convm mencionar a Jakson de Figueiredo (1891/ /928), com quem se inicia o novo perodo- de valorizao do tomismo, aps a Encclica Aeterni Patris (1879). O mais impor-tante pensador catlico deste sculo foi sem dvida Alceu Amoroso Lima (1893/1983) pseudnimo Tristo de Athayde quem deu continuidade ao trabalho empreendido por Jakson de Figuei-redo, ao preocupar-se com a superao do liberalismo e do mar-xismo, preservando as conquistas do denominado por ele huma (18).

    Outros pensadores de nomeada no terreno da filosofia catlica so Leonardo Van Acker (nascido em 1896), de origem belga, radicado no Brasil desde a dcada de vinte, quando substituiu a Mons. Sentroul (1876/1933) na Faculdade de Filosofia dos Beneditinos em So Paulo. Van Acker, segundo Antnio Paim (19),

    (17) Cf. Antnio Paim, Histria das ideias, filosficas no Brasil, 3.a Edi o, ob. cit, pg. 533 seg.

    (18) Cf. Antnio Paim, ob. cit., pgs. '565/672. (19) Histria das ideias filosficas no Brasil, 3.a Edio, ob. cit, pg. 574.

    Algumas das obras bsicas dos pensadores catlicos contemporneos so as se guinte: Dom Odilo Moura, Ideias catlicas no Brasil, So Paulo, Convvio, 1978; do mesmo autor, Direces do pensamento catlico no Brasil do s culo XX, in: Adopho Crippa (coord.), As ideias filosficas no Brasil sc. XX, Parte I, So Paulo, Convvio, 1978, pgs. I1!3O-I2Q5; Ladusans Stanislavs, Rumos da filosofia actual no Brasil, So Paulo, Loyola, 1076; Alceu Amoroso Lima, Meditao sobre o mundo mperno, Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1942, e Meio sculo de presena literria, (i 19119/1969), Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1969;

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  • apresentou uma classificao do tomismo de grande valor heurs-tico, notadamente para a compreenso das vicissitudes dessa cor-rente no Brasil, Hodiernamente encontramos, outrossim, pequeno grupo de autores fiis ao tomismo, como Geraldo Pinheiro Machado (1913/1985), Stanislavs Ladusans, Yulo Brando, Carlos Lopes de Mattos, Fernando Arruda Campos, Cassiano Cordi, Urbano Zilles, Geraldo Vidigal de Carvalho, Gerardo Dantas Barreto, Dom Estevo Bittencourt e Dom Odilo Moura, Encontramos tambm pensadores catlicos que se inserem em correntes dife-rentes ao tomismo como Ubiratan Borges de Macedo e Gilberto de Mello Kujawski (orteguianos), Alcntara Silveira e Joo Scan-timburgo (seguidores da filosofia de Blondel), padre Mac Dowell, Arcngelo Buzzi e Maria do Carmo Tavares de Miranda (de ins-pirao heideggeriama), Remy de Souza (estudioso do pensamento teilhardiano), Tarcsio* Meirelles Padilha (inspirado no pensamento lavelliano). Grupo significativo de estudiosos catlicos identifi-cado por Antnio Paim (20) como dedicado ao estudo do pensa-mento brasileiro: Geraldo Pinheiro Machado, Antnio Rezende Silva, Tiago Ado Lara, Jos Carlos Rodrigues, Francisco Pinheiro Lima Jnior, Victorino Sanson e Minoru Matsumoto,

    No que diz relao evoluo do positivismo^ neste sculo, deparamo-nos com o peculiar fenmeno da decadncia dessa cor-rente e a sua substituio pelo marxismo, formulado por Lenidas de Rezende (1889/1950) numa perspectiva positivista e estatizante.

    O pensamento de Edmund Husserl (1859/1938) teve inicial-mente, no meio brasileiro, alguma repercusso no terreno da filo

    Rio de Janeiro, Jos Olympio, )1969; Antnio Carlos Villaa, O pensamento cat-lico no Brasil, Rio de Janeiro, Zahar, 1075; Leonardo Van Acker, O' tomismo e o pensamento contemporneo, So Paulo, Convvio, '1986; Tarcsio Meirelles Padilha, A ontologia axiolgica de Louis Lavello, Rio de Janeiro, Universidade do Distrito Federal, 1955 e Uma filosofia da esperana, (pref. de H. L. Lippmann), Rio de Janeiro, Palias, Ii98!2; Fernando Arruda Campos, Tomismo e Neatomismo no Brasil, So Paulo, Grijaldo, 11968; Geraldo Pinheiro Machado, A filosofia no Brasil, 3." edio, So Paulo, Cortez & Moraes, 19176; do mesmo autor, 1000 ttu-los de autores brasileiros de filosofia, So Paulo, Pontifcia Universidade Cat-lica/CEDIC, 1983, 3 vol..

    (20) Cf. Histria das ideias filosficas no Brasil, 3.a Ed., ob. cit., pg. 1533 seg.

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  • soia do direito No entanto, a maior repercusso da corrente fenomenolgica concretizou-se no estudo da meditao husserliana enquanto mtodo. Coube a Creusa Capalbo desincumbir-se dessa tarefa. Foram desenvolvidos por ela dois aspectos fundamentais: a fenomenologia no um sistema filosfico em sentido estrito, mas um questionamento (ou seja, um mtodo); em segundo lugar, esse mtodo no se reduz a uma teoria intuitiva do conhecimento, mas trata-se melhor de uma hermenutica e de uma dialctica, Aquiles Cortes Guimares ensejou importante contribuio, ao aplicar a fenomenologia ao estudo do pensamento filosfico bra-sileiro. importante mencionar, ainda, a sistematizao efectivada por Beneval de Oliveira na sua obra A fenomenologia no Brasil (1983) (21).

    No relacionamento ao existencialismo, podem-se distinguir dois momentos diferentes no perodo contemporneo'. Esses mo-mentos so caracterizados da seguinte forma por Antnio Paim (22): O primeiro ocorre logo no ps-guerra, quando as ideias dessa corrente aparecem sobretudo' atravs de Sartre, merecendo as cr-ticas dos pensadores catlicos. Nessa ocasio, somente Vicente Ferreira da Silva tomaria a Heidegger como referncia. Mais

    (21) Cf. Antnio Paim, ob. cit., pg. 532 seg.. Do mesmo autor, O estudo do pensamento filosfico brasileiro, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1979, pgs. 811/88. Creusa Capalbo, Fenomenologia e cincias humanas. Rio de Janeiro, J. Ozon, 1973; da mesma autora, A fenomenologia de Alfred Schutz, Rio de Janeiro, Antares, 10179; Aquiles Cortes Guimares, O tema da conscincia na filosofia brasileira, So Paulo, Convvio, il9812; Beneval de Oliveira, A fenome nologia np Brasil, Rio de Janeiro, Palas, 198B.

    (22) Histria das ideias filosficas no Brasil, 3.a edio, ob. cit, pg. 358. Sobre a crtica catlica ao existencialismo, cf. Jlio Barata, Contra o existencia lismo de Sartre, Rio de Janeiro, Jornal do Comrcio, 1949, e Alceu Amoroso Lima, O existencialismo, Rio de Janeiro, Agir 1951. As principais obras de autores de inspirao existencialista so: Vicente Ferreira da Silva, Obras com pletas, 2 vol, So Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, il964; Gerard Bornheim, Metafsica e finitue, Porto Alegre, Movimento, l!972, e DialUca, Teoria, Praxis, Porto Alegre, Globo, 1977; Adolpho Crippa, Mita e cultura, So Paulo, Convvio, 1975, e A ideia de cultura em Vicente Ferreira da Silva, So Paulo, Convvio, 1984; Emmanuel Carneiro Leo, Aprendendo a pensar, Petrpolis, Vozes, 1977; Eudoro de Souza, Dionsio em Creta, So Paulo, Duas Cidades, 1975 Horizonte e cpmplementariedade, So Paulo, Duas Cidades, 1975, e Histria e mito, Bras lia, Editora da Un. B., 1981.

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  • tarde, sobretudo em decorrncia da volta de Emmanuel Carneiro Leo ao Brasil, nos comeos da dcada de sessenta, depois de haver estudado com Heidegger na Universidade de Friburgo, na Alemanha, que a obra do principal representante da corrente comea a ser traduzida. Configura-se assim um segundo momento quando a fonte inspiradora Heidegger e definem-se reas de intersse. Esquematicamente seriam as seguintes: Emmanuel Car-neiro Leo, no Rio de Janeiro, est mais interessado na herme-nutica; Gerd Bornheim, primeiro no Rio Grande do Sul e depois no Rio de Janeiro, na metafsica da finitude; Eudoro de Souza, em Braslia, na investigao' dos primeiros pensadores gregos e Adolpho Crippa (So Paulo) era dar sequncia s investigaes de Ferreira da Silva relacionadas ao mito. No se trata de nenhum exclusivismo, desde que em qualquer dessas esferas aparecm impli-cados os grandes temas do existencialismo heideggeriano. A inves-tigao dos primeiros pensadores de carcter (hermenutico, emergindo o problema do mito, da finitude, etc. Carneiro Leo traduziu e editou fragmentos pr-socrticos. Contudo, a linha mestra aparece em cada caso com nitidez

    2) Breve resumo da tradio filosfica do pas; comparao e intercmbio com as outras tradies filosficas (da Amrica Latina e/ou de outras partes)

    A meditao filosfica brasileira do perodo colonial caracte-riza-se pela inspirao nos temas tratados pela Segunda Escolstica portuguesa, O ponto central dela consistia na defesa da ortodoxia catlica, a partir das disposies adoptadas no Conclio de Trento (1545/1563), como reaco contra a reforma protestante. A m-xima expresso desse esforo foi a Ratio Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia na estrita regulamentao das actividades acadmicas da Companhia de Jesus em Portugal. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colgio das Artes de Coimbra, na Universidade de vora e nas outras escolas jesu-ticas (23).

    (2S) Cf., para esta sntese histrica, o ensaio de Ricardo Vlez Rodrguez

    intitulado: La historia dei pensamiento filosfico brasileno (siglos XVII a XIX). problemas y corrientes, lntemmerican Review of Bibliography, Washington, XXXV (3): pgs. 279-280, 1085.

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  • Dois aspectos essenciais Ratio Studiorum eram a subordi-nao do ensino* superior teologia e o dogmatismo, que repousava na proiura de uma ortodoxia definida pelos prprios jesutas, e que conduzia ao expurgo dos textos dos autores, inclusivo os do prprio S. Toms de Aquino. Consequentemente, a meditao filosfica colonial correspondeu no Brasil corrente chamada por Luis Washington Vita de saber de salvao ( 2 4 ) , cujos prin-cipais representantes foram Manuel da Nbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. Desse conjunto, destacasse a obra Compndio narrativo do peregrino da Amrica (25) de Marques Pereira (1652/1735), que foi editada sucessivamente em 1728, 1731, 1752, 1760 e 1765, A obra respondia problemtica tpica da espiritualidade monacal, que se polarizava ao redor da ideia de que o homem no foi criado por Deus para esta vida, sendo esseniial, consequentemente, o carcter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas

    Na segunda metade do sculo XVIII, consolidou-se em Por-tugal a corrente do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte crtica Segunda Escolstica e ao papel monopolizador que os jesutas exerciam no ensino, bem como pela tentativa em prol da formulao de uma concepo de filosofia que se identi-ficasse com a ciniia aplicada. Duas obras inspiraram a essa corrente de pensamento: Instituies Lgicas do italiano Antnio Genovesi (1713/1769) (26) e o Verdadeiro mtodo de estudar do oratoriano portugus Lus Antnio Verney (1713/1792) ( 2 7 ) , O empirismo mitigado foi formulado e desenvolveu-se no contexto mais amplo das reformas educacionais do Marqus de Pombal

    (2) Cf. Antologia do pensamento social e poltico no Brasil, Washington:

    Secretaria Geral da O. KA,; So Paulo: Grijalbo, 1968, pgs. 15-37. (25) A edio mais recente desta obra foi feita no Rio de Janeiro pela

    Academia Brasileira de Letras, (2 volumes), ll39, sob os cuidados de Afranio Peixoto.

    (26) Instituies lgicas resumidas do Genuense, por J. S. P,, lente de filosofia, Rio de Janeiro, Imprensa Americana de J. P. da Costa, 1937. A mais recente edio desta obra foi publicada sob o ttulo de As instituies da lgica, (trad. de M. Cardoso, intr. de A. Paim), Rio de Janeiro, PUC/Documentrio/ /CFC, 1977.

    (27) Verdadeiro mtodo de estudar, ed. organizada por A. Salgado Jnior, Lisboa, S da Costa, 1050, vols. I-V.

    381

  • (1699/1782), que visavam a incorporar a cincia aplicada ao esforo da modernizao desptica do Estado portugus. No en-tanto, ao responder a uma problemtica formulada a partir das necessidades do Estado absolutista e no de uma perspectiva que tivesse como ientro* o homem, o empirismo mitigado no conseguiu dar uma resposta satisfatria aos problemas da conscincia e da liberdade. Essa corrente empolgou, no entanto, a importantes segmentos da inteUigentsia brasileira, a partir da vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A gerao de homens pblicos que organizou as primeiras instituies de ensino superior era de formao cientificista-pombalina. Entre eles, convm men-cionar a Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares (1755/1812), que em 1810 organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro (28).

    Silvestre Pinheiro Ferreira (1769/1846) efectivou a superao do empirismo mitigado (29). Inspirado na filosofia de Gottfried Wilhelm Leibniz (1646/1716) e, de outro lado, na lgica aristo-tlica e no empirismo lockeano, o pensador portugus, que foi ministro da Corte de Dom Joo VI no Brasil, formulou um sistema abrangente que abarcava trs partes: teoria do discurso e da lin-guagem, saber do homem e sistema do mundo. A sua mais impor-tante contribuio ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superao da filosofia at ento vigente. Pinheiro Ferreira sistematizou a sua proposta terica principalmente nas Preleces filosficas ( 3 0 ) , bem como na formulao do liberalismo poltico e das bases do sistema representativo, no Manual do cidado num governo representativo (31). Graas a essa contribuio terica,

    (28) Cf. Antnio Palm, (organizador), Pombal e a cultura brasileira, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro/Fundao Cultural Brasil-Portugal, 1982.

    (29) Cf. Antnio Paim, Histria das ideias filosficas no Brasil, 3.a Edi o, ob. cit, pgs. 1253 seg. Ricardo Vlez Rodrguez, La influencia dei libera lismo anglosajn en el pensamiento poltico luso-brasileno de los siglos XVIII y XIX, in. Liberalismo y conservatismo en Amrica Latina, Bogot, Tercer Mundo, ,1978, pgs. '29-69.

    (30) '2.a Edio, intr. de Antnio Pam, So Paulo, Ed. da Universidade de So Paulo/Ed. Grijalbo, 1970.

    (31) 18i34 Esta obra teve a sua ltima edio brasileira em Escritos polticos, Rio de Janeiro, PUC/DocumentriOj 1976.

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  • o Imprio brasileiro conseguiu superar as lutas civis ensejadas pela verso do liberalismo radical, e deitou os alicerces para a prtica parlamentar. No entanto, a sua meditao no conseguiu formular de forma completa uma explicao filosfica para os problemas da liberdade.

    Os temas da conscincia e da liberdade ocuparam o centro do debate filosfico efectivado no Brasil ao longo do sculo- pas-sado, A partir da contribuio terica de Silvestre Pinheiro Fer-reira, os pensadores eclcticos tentaram dar uma resposta de ins-pirao espiritualista problemtica do homem. Os filsofos brasileiros deste perodo inspiraram-se, sem dvida, no eclectismo espiritualista francs formulado por Maine de Biran (1766/1824) e divulgado por Victor Cousin (1792/1867), que permitiu superar o extremado sensismo de Condillac (1715/1780). Mas o pensa-mento dos primeiros reveste-se da originalidade que possuam as circunstncias histricas do Brasil no sculo XIX,

    As duas figuras mais representativas do eclectismo brasileiro foram Eduardo Ferreira Frana (1809/1857) e Domingos Gon-alves de Magalhes (1811/1882) (32), A obra do primeiro carac-teriza-se por buscar uma fundamentao filosfica para o exerccio da liberdade poltica. Em que pese o facto de ter formulado uma viso determinista do homem nos seus primeiros ensaios, o seu pensamento evoluiu em direco a uma concepo espiritualista na obra fundamental Investigaes de Psicologia (3 3), publicada em 1854, Gonalves de Magalhes exps o seu pensamento filo-sfico na obra Factos do esprito humano (1858) (34). O problema ao qual respondeu o mais importante pensador romntico do Brasil, foi o da construo da ideia de nao. Esso fez com que a obra

    (32) Ambos os autores desempenharam funes de importncia na pol tica do Segundo Reinado. Ferreira Frana, como parlamentar pela Provncia da Bahia. Magalhes, que obteve do Imperador dom Pedro II o ttulo de Visconde de Araguaia, prestou importantes servios ao Imprio como professor do Colgio Imperial Pedro II, e como secretrio do Duque de Caxias,

    (33) !2.a Ed-, intr. de A. Paim, So Paulo, Grijalbo/Edusp, 19*73.

    (34) Esta obra, considerada a mais importante manifestao do ecletismo espiritualista brasileiro, foi traduzida ao francs em 1859. Foi consultada a segunda edio brasileira: Obras de Domingos Jps Gonalves de Magalhes, tomo VII, Rio de Janeiro, Garnier, 1865.

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  • de Magalhes, como salienta o seu principal estudioso Roque Spenier Maciel de Barros (35), se formulasse no contexto de uma proposta pedaggica, Magalhes baseia a sua concepo da liber-dade e da moral numa anlise filosfica inspirada em Victor Cousin e parcialmente em Malebranche (1638/1715) e Berkeley (1685/ /1753); formula uma explicao do homem em termos puramente espiritualistas, que negam qualquer valor substancial ao mundo material, mesmo ao prprio corpo, j que o universo sensvel s existe intelectualmente em Deus, como pensamentos seus, O ho-mem, preso ao corpo, livre pelo facto de ser esprito e assume o carcter de ente moral em virtude dessa resistncia do iorpo. A inspirao romntica dessa filosofia aparece na importncia dada por Magalhes ao factor religioso como motor da nacionalidade, e no papel representado pela poesia como educadora do povo (ele foi, alis, o mais importante representante do romantismo' literrio no Brasil),

    Outras figuras menos importantes da corrente eclctica bra-sileira foram Salustiano Jos Pedrosa (morto em 1858) e Antnio Pedro de Figueiredo (1814/1859), quem traduziu ao portugus o Curso de histria da filosofia moderna de Victor Cousin. O declnio da iorrente eclctica acontece ao longo do perodo de 1880 a 1900, por fora do fenmeno cultural que Slvio Romero (1851/1914) chamou de surto de ideias novas, e que se carac-terizou pela presena, nos meios acadmicos, de filosofias contr-rias ao espiritualismo eclctico, como o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo.

    Entre as correntes filosficas em ascenso nos ltimos dec-nios do sculo XIX, o positivismo foi a que mais repercusso teve no seio do pensamento brasileiro. A razo fundamental desse facto alicera-se na pr-existente tradio cientificista iniciada com as reformas pombalinas, luz das quais se estabeleceu todo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a cincia aplicada e a instruo estritamente profissionalizante, o qual explica o retar-damento que sofreu a ideia de Universidade, entendida como ins-tncia de cultura superior e de saber desinteressado, no contexto cultural brasileiro. Efeitivamente, s a partir de 1920 se consolidou

    (35) A significao educativa do romantismo brasileiro: Gonalves de

    Magalses. So Paulo, Grijalbo/Edusp, IH973.

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  • a ideia de Universidade, como reaco contra o positivismo rei-nante (36).

    O positivismo teve no Brasil quatro manifestaes diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a poltica e a militar. A corrente orto-doxa (37) teve como principais representantes a Miguel Lemos (1854/1917) e Teixeira Mendes (1855/1927), que em 1881 fun-daram a Igreja Positivista Brasileira, com o propsito de fomentar O culto da Religio da Humanidade, proposto por Comit no seu Catecismo positivista.

    A corrente ilustrada (38) teve como principais representantes a Lus Pereira Barreto (1840/1923), Alberto Sales (1857/1904), Pedro Lessa (1859/1921) e Ivan Lins (1904/1975) Essa corrente defendia o plano proposto por Comte (1798/1857) na primeira parte da sua obra, at 1845, antes de que formulasse a Religio da Humanidade, e que poderia ser resumido assim: o positivismo constitui a ltima etapa (cientfica) da evoluo do* esprito humano, que j passou pelas etapas teolgica e metafsica, e que deve ser educado na cincia positiva, a fim de que surja, a partir desse esforo pedaggico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revolues burguesas dos sculos XVII e XVIII

    A corrente poltica do positivismo teve como maior represen" tante a Jlio de Castillios (1860/1903) (39), quem redigiu, em 1891,

    (36) Acerca da inspirao de tipo exclusivamente profissionalizante do sistema de ensino superior brasileiro, cf. de Raul Jobim Bittencourt, A educao brasileira no Imprio e na Repblica, in: Aspectps da formao e evoluo do Brasil, Rio de Janeiro, Jornal do Comrcio, 1953; Antnio Paim, Os novos cami nhos da Universidade, ob. cit.; do mesmo autor (organizador), Pombal e a cul tura brasileira, ob. cit.w

    (37) Cf. Ricardo Vlez Rodrguez, A ditadura republicana segundo1 o Apostolado Positivista, Braslia, Editora da Universidade de Braslia, 10812; Antnio Paim, Como se caracteriza a ascenso do Positivismo, Revista Brasileira de Filosofia, So Paulo, (XXX) 119, jul./set 1960, pgs. '249-269.

    (38) O mais importante estudo a respeito o Ivan Lins, Histria do positivismo na Brasil, 2.a edio, So Paulo, Cia. Editora Nacional, 1967. Cf. Antnio Paim, (organizador e intr.), Plataforma poltica do. positivismo ilustrado, Braslia, Cmara dos Deputados, 198L

    (39) Q principal estudo a respeito a obra de Ricardo Vlez Rodrguez intitulada: Castilhismo, uma filosofia da Repblica, Porto Alegre. EST; Caxias do Sul: UCS, ilflStt

    555

  • a Constituio para o Estado do Rio Grande do Sul, que comeou a vigorar nesse mesmo ano. Segundo essa Carta Constitucional as funes legislativas ficavam em mos do poder executivo, pas-sando os outros dois poderes pbliios (legislativo e judicirio) a girar ao redor do* executivo hipertrofiado. Segundo Castilhos, deveria ser invertido o dogma comteano de que educao mora-lizadora seguiria pacificamente a ordem social e poltica: o Estado forte e centralizador imporia a ordem social e poltica, para depois educar compulsoriamente os cidados na nova mentalidade, ilus-trada pela cincia positiva. Esta corrente teve maior repercusso do que as outras trs, devido ao f aito de ter obedecido tendncia cientificista de que se impregnou o modelo modernizador de Estado consolidado pelo Marqus de Pombal. Assim, as reformas auto-ritrias de tipo modernizador que o Brasil tem experimentado ao longo do sculo XX, deram continuidade mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrtico>. Esse modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getlio Vargas (1883/1954), Acon-teceu com o castilhismo algo* semelhante ao que ocorreu no Mxico com o porfirismo: cooptou a retrica positivista como ideologia estatizante e reformista, contra as velhas lideranas liberais e con-servadoras (40),

    A corrente militar positivista (41) teve como principal repre-sentante a Benjamin Constant Botelho de Magalhes (1836/1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a Monarquia em 1889. Esta corrente estruturou-se paralelamente ilustrada, projectando' ao longo das ltimas dcadas do sculo XX o iderio cientificista pombalino.

    A filosofia positivista foi amplamente critiiada pela corrente identificada como Escota do Recife, cujo principal estudioso Antnio Paim (4 2 ) . O fundador e mais importante representante

    (40) f. ide Ricardo Vlez Rodrguez, Positivismo y realidad latinoameri-

    cana, Revista Brasileira de Filosofia, So Paulo, XXXIV (183), jan.-mar. 1984 pgs. 61-i73.

    (41) Cf. Antnio Paim, Como se caracteriza a ascenso do positivismo, art. eit, pgs. 249-269.

    (4J) A filosofia da Escola do Recife, !2*a edio, So Paulo, Convvio, Jl(9'8IL Cf. de Antnio Paim e Paulo Mercadante, Tobias Barreto na cultura brasileira: uma reavaliao, ob. cit.. As obras mais representativas dos autores

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  • dessa corrente de pensamento foi Tobias Barreto (1839/1889) Outras figuras dignas de meno so Slvio* Romero (1851/1914), Clvis Bevilqua (1859/1944), Artur Orlando (1858/1916), Mar-tins Jnior (1860/1909), Faelante da Cmara (1862/1904), Fausto Cardoso (1864/1906), Tito Livio de Castro (1864/1890) e Graa Aranha (1868/1931).

    Os pensadores da Escota do Recife ensejaram uma forte reac-o contra as duas formas de pensamento que dominavam no panorama filosfico nacional, nas ltimas dcadas do sculo XIX: o ecleitismo espiritualista e o positivismo. Em que pese o facto de, no incio, os seus principais expositores terem assumido ele-mentos do monismo de Haeckel (1834/1919) e da prpria filosofia comteana, bem cedo superariam esses limitados pontos de vista para se abrirem s ideias que garantiriam a tematizao da cultura, no contexto do neokantismo. Esse esforo terico foi iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando. Rosa Mendona de Brito sintetizou assim a contribuio do ltimo: Sua filosofia uma meditao sobre as cincias e a crtica ou teoria do conhe-iimento. Esta a parte da filosofia que lhe d um objecto prprio capaz de justificar-lhe a existncia, representando pois, o ncleo central do pensamento filosfico moderno e contemporneo1. A teoria do real e do ideal - saber o que o nosso conhecimento possui de objectivo e subjectivo o seu problema funda-mental (43).

    A Escola do Recife foi, no contexto do pensamento filosfico brasileiro do sculo XIX, a mais clara manifestao da perspectiva kantiana, ao entender com Tobias Barreto e Artur Orlando

    da Escala do Recife so: Tobias Barreto, Estudos de filosofia, (intr. de P, Mer-cadante e A. Paim), 2.a Edio, So Paulo, Grijalbo/ENL, 19177; Slvio Romero, Obra filosfica, (intr. e sei. de L. W* Vita), Rio de Janeiro, J. Olympio, 1969; Clvis Bevilqua, Obra filosfica, (o"rg. e intr. de U. Macedo), 2. vol., Sao Paulo, Grijalbo/Edusp, 1976; Arthur Orlando, Ensaios de Crtica, (intr. de A. Paim), So Paulo, Grijalbo/Edusp, 1975; Isidoro Martins Jnior, Histria do direito nacional, intr. de N, Saldanha, Braslia, Min. da Justia/Universidade de Braslia, 1979,

    (4S) Rosa Mendona de Brito, Filosofia, educao, sociedade e direito na obra de Arthur Orlando da Silva, 1858/1916, Recife, Fundao Joaquim Nabuco, 11980, pg. 109.

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  • a filosofia como epistemologia (44). Esses pensadores, sem dvida, deitaram as bases para o ingresso e a discusso no contexto bra-sileiro das ideias provenientes do neokantismo, nas primeiras dcadas do sculo XX.

    De outro lado, ao buscar uma fundamentao de tipo1 trans-cendental no s para o conhecimento, mas tambm para a aco humana, a Escota do Recife, especialmente atravs da meditao dos dois autores mencionados anteriormente, chegou concepo da cultura como dimenso especfica do humano1, que se contrape ao mundo da natureza. Segundo o fundador da Escota do Recife: A sociedade, que o grande aparato da cultura humana, deixa-se afigurar sob a imagem de uma teia imensa de relaes sinergticas e antagnicas; um sistema de regras, uma rede de normas, que no se limitam ao mundo da aco, chegam at os domnios do pensamento* Moral, direito, gramtica, lgica, civilidade, polidez, etiqueta, etc. etc, so outros tantos corpos de doutrina, que tm de comum entre si o carcter normativo. (...) E tudo isso () obra da cultura em luta com a natureza ( . . . ) O direito o fio vermelho, e a moral o fio de ouro, que atravessa todo o tecido das relaes sociais. Um direito natural tem tanto senso, como uma moral natural, uma gramtica natural, uma ortografia natural, uma civi-lidade natural, pois que todas estas normas so efeitos, so inventos culturais ( 4 5 ) .

    A Escola do Recife, ao mesmo tempo> que possibilitou uma crtica de fundo ao determinismo positivista, que ancorava no encadeamento naturalstico da liberdade e da conscincia, redu-zindo-as a efeitos da fsica social, deitou tambm os alicerces para a corrente de pensamento que no sculo* XX se tem revelado mais vital no contexto da meditao filosfica brasileira: o cuttu~ ralismo.

    Em que pese o facto de a Escota do Recife ter sido a mais importante herdeira do kantismo, ao longo do sculo XIX, no

    (44) Cf. Rosa Mendona de Brito, A filosofia de Kant no Brasil (ciclo

    do neokantismo), Tese de doutorado, (Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, 1984), pgs. 13041145.

    (45) Tobias Barreto, Glosas heterodoxas a um dos motes do dia, ou variaes anti-sociolgicas, in. Estudos de Filosofia, (intr. de Paulo Mercadante e Antnio Paim), 2.a Edio, So Paulo: Grijalbo, Braslia: INL, ,1977, pgs. '301/302.

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  • podemos ignorar o papel pioneiro representado pelos Cadernos de Fitosofia (46) do padre Diogo Antnio Feij (1784/1843), que sintetizam o magistrio do Regente do Imprio (1835/1837), Neles encontramos viva a presena de Kant ('1724/1804), tanto no que se refere forma em que Feij entende a razo humana, quanto no que diz relao ao exerccio da liberdade. As seguintes palavras, que ilustram a ideia que o padre paulista tinha acerca da meditao filosfica, partem do pressuposto da revoluo copernicana do filsofo de Knigsberg, que levava a entender a problemtica do conhecimento, sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental: Sondo o homem afirma Feij nos seus Cadernos (47) a nica substncia conhecida por ele, claro que toda cincia para ser verdadeira e no fenomenal, isto , para ter um valor real em si, deve fundamntar-se no* mesmo homem. nas suas leis onde residem os princpios originrios e primitivos de toda a cincia humana.

    A meditao filosfica brasileira do sculo XIX no foi alheia ao influso do krausismo. Miguel Reale, no seu opsculo A doutrina de Kant no Brasil ( 4 8 ) , salienta que o pensamento de Krause (1781/1832), apesar de ter entrado indirectamente no panorama brasileiro por intermdio do jurista portugus Vicente Ferrer Neto Paiva (1798/1886) e dos krausistas Ahrens (1808/1874) e Tiberghien (1819/1901), teve ampla repercusso na Faculdade de Direito do Largo- de So Francisco, em Soi Paulo. Os principais representantes dessa tendncia foram Galvo Bueno (1834/1883) e Joo Theodoro Xavier (1820/1'878), cuja obra Teoria Trans-cendental do Direito (1876), segundo Miguel Reale ( 4 8 ) , resume

    (46) Introd. e natas de Miguel Reale, 2.a edio, So Paulo, Grijalbo/ /IBF/Conselho Estadual de Cultura, 1967. Cf. Miguel Reale, Feij e o kan-tismo, Revista da Faculdade de Direito de S. Paulo, So Paulo, XLV, 1950, pgs- 330/351.

    ,(47) Filosofia moral, em Cadernos de filosofia, ob. cit, pg. 1!21. (48) (Notas margem de um estudo de Clvis Bevilqua), So Paulo,

    Autor, 1951. Este escrito uma crtica hiptese sustentada por G. Bevilqua, no seu ensaio Adoutrina de Kant no Brasil (Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, n. 9'3, 19129, pgs. S-lll4), no sentido de que a presena dfq Kant no Brasil teria sido apenas tangencial.

    (49) Cf. Miguel Reale, A doutrina de Kant no Brasil, ob. cit. pg. 61.

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  • s princpios fundamentais do racionalismo harmnico de Krause, com frequentes referncias doutrina de Kant Joo Theodoro tentou superar o individualismo da concepo kantiana do direito, numa concepo-sntese que conferisse lugar essencial ao papel social daquele, tornando-se assim um dos precursores do chamado direito social ou do direito trabalhista (5 0) no BrasiL

    Uma corrente de pensamento que teve bastante divulgao ao longo do sculo passado, foi o tradicionalismou Podemos men-cionar como representantes importantes dessa tendncia a dom Romualdo Seixas (1787/1860) (quem foi arcebispo primaz do Brasil e recebeu do Imperador o ttulo de Marqus de Santa Cruz) e a Jos Soriano de Souza (1833/1895) (51).

    Apesar de terem recebido o influxo dos tradicionalistas fran-ceses Jos de Maistre (1753/1821) e Luis de Bonald (1754/1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes que os primeiros e que os portugueses. Ubiratan Macedo (5 2) sintetizou assim o ncleo da filosofia tradicionalista brasileira: Pode-se dizer que os tradicionalistas brasileiros no sculo XIX tinham uma cons-cincia clara de um conjunto de teses filosficas, religiosas e de carcter social, em torno das quais desenvolveram ensastica de certa magnitude- Tais teses consistiam no menosprezo ao racio-nalismo e ao liberalismo; na defesa da monarquia legtima; no empenho em prol da unio da Igreja e do- Estado1 e pela proscrio do casamento civil; em favor da liberdade de imprensa e de pen-samento em nome dos direitos da verdade. Passando ao nvel poltico, entretanto, exceptuando1 a preferncia pela monarquia, no se observa maior clareza nas opes. A monarquia constitu-cional vigente era francamente tolerada, do mesmoi modo que o regalismo ( . . . ) E quanto a ter uma actuao poltica estruturada,

    (50) Cf- Miguel Reale, ob. cit, pg. 67. (51) Cf, Ubiratan Macedo, Diferenas notveis entre o tradicionalismo

    piorttugus e o brasileiro, Cincias Humanas, Rio de Janeiro, V (116), jam/mar. 1881, pgs, irr/ia

    (52) Diferenas notveis entre o tradicionalismo portugus e o brasi leiro, ob. cit., pg. 19. Cf. de Antnio Paim, O processo de formao do tra dicionalismo poltico no Brasil, Cincias Humanas, Rio de Janeiro, IV (18-19), julj/dez. 1981, pgs. .15-20.

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  • como queria Soriano de Souza, no chegou a ser considerada* O grupo, embora actuante, era francamente minoritrio e nunca teve maior proximidade com o poder.

    3) Problemtica da filosofia e a sua relao com a cincia contempornea e o desenvolvimento do pas

    No se pode avaliar adequadamente este ponto sem se com-preender previamente como se deu, no caso luso-brasileiro, o- modelo cientificista, no seio do qual ocorreu a assimilao da cincia moderna e se processou a ideia de desenvolvimento.

    O cientificismo(5B), entendido' como o culto cincia enquanto mxima manifestao do saber humano, e a consequente organi-zao da sociedade de acordo com princpios cientficos, teve a sua irrupo em Portugal em meados do sculo XVIII, com a reforma pombalina A obra do* Marqus, que teve como finalidade inserir Portugal na modernidade, constituiu basicamente em assumir um ponto de vista cientificista, a partir do qual se iniciou vasta tarefa reformadora, nos campos econmico, poltico e do* ensino. Esse ponto de vista cientificista, que empolgou ao Marqus de Pombal, foi resumido assim por Antnio Paim (5 4): A peculia-ridade da mensagem pombalina consiste, em primeiro lugar, em ter difundido a crena de que a cincia (entendida como sinnimo de cincia aplicada) o meio hbil para a conquista da riqueza. E, alm disto, em ter nutrido a suposio de que a cincia no corresponde apenas ao processo adequado de gerir e erplorar os recursos disponveis, mas igualmente de inspirar a aco do governo (poltica) e as relaes entre os homens (moral),

    Essas duas caractersticas do cientificismo pombalino, jun-tam-se s outras duas, provenientes da feio pafrimonialista assu-

    (53) Gt de Ricardo Vlez Rodrguez, Persistncia do patrimonialismo

    modemizador na cultura brasileira, Actas do I Congresso luso-brasileiro de Filosofia, Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, XXXVIII (II), 1982, pg. 500-507. De Antnio Paim, cf* Categorias para a anlise da herana pombalina na cultura brasileira, Actas do I Congresso luso-brasileiro de filosofia, Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, XXXVIII (II), 19812, pgs. 466-469

    (54) A querela do estatismo, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978, pgs. 24-25.

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  • mda pelo Estado portugus desde a sua formao; consistem elas, de um lado, na organizao da dominao poltica de forma patri-monial (no contexto do conceito cunhado pela sociologia webe-riana) (55) e, de outro, no surgimento de uma elite burocrtico^ -tcnica que garanta a organizao cientfica do Estado* e da sociedade,

    'Considerada a obra reformadora do Marqus de Pombal, no mbito da modernizao que incutiu no seio do Estado portugus, podemos avali-la como a substituio da crena nas tradies religiosas (at ento mantidas ciosamente pela Igreja atravs das Ordens religiosas e da Inquisio, e que exerciam as funes de sustentculo do poder patrimonial do monarca), pla crena na validade da cincia como fundamento do mesmo poder. Configurar-se-ia, assim, sob Pombal, uma forma de dominao patrimonial modernizadora ou, em outros termos uma modalidade de despotismo esclarecido.

    Quatro elementos podemos salientar no* esforo- reformador de Pombal: a Academia dos Ericieira, a que pertencera Pombal e que desenvolveu no seio da mentalidade portuguesa a ideia da modernizao da cultura, mediante uma abertura s ideias prove-nientes da Europa, bem como a preocupao' pela modernizao da economia mediante o desenvolvimento da indstria; o ilumi-nismo portugus, cujo expoente foi, como frisamos atrs, Lus Antnio Verney e que contribuiu para difundir a ideia da neces-sidade de uma reforma do ensino baseada na cincia moderna. Os outros dois elementos que podemos assinalar na reforma pom-balina so de carcter institucional, e correspondem s duas pri-meiras realizaes do Marqus no campo educacional e poltico: a reforma da Universidade de Coimbra que, no sentir de Hernani Cidade foi verdadeiramente a criao de uma nova Universi-dade (56) e a organizao do Colgio dos Nobres de Lisboa (1761)

    (55) Cf. Max Weber, Economia y Sociedad, (l.a Edio espanhola), trad.

    de Jos Medina Echavarra, et alii, Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1944, voL IV, pg. l;3f9-l(40 Para uma aplicao da categoria de Patrimonialismo ao caso latino-americano, cf*., de Ricardo Vlez Rbdrguez, Tradicin patrimonial y administracin senorial en Ia Amrica Latina, Universidad de Medelln, II (44), set./nov. 1,984, pgs. Sh/ll\^

    (56) A reforma pombalina a instruo, Rio de Janeiro, Pontifcia Uni versidade Catlica/Editora Documentrio/Conselho Federal de Cultura, il9i77, pg. 3.

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  • que correspondeu exigncia de dotar o Estado portugus de uma elite burocrtico-tcnica que garantisse a sua modernizao, como* salientamos anteriormente,

    Tefilo Braga (1843/1924) (5 7) salienta que a ideia da criao do Colgio dos Nobres proveio do esclarecido mdico portugus Antnio Nunes Ribeiro Sanches, que tinha prestado os seus ser-vios Imperatriz da Rssia, como mdico e pesquisador no Colgio dos Nobres de So Petersburgou Em carta dirigida em 1759 ao ministro portugus, afirma o ilustre mdico: No ano de 1751 se estabeleceu em Paris a Escala Real Militar ( . . . ) Em Dinamarca, em Sucia e em Prussia se instituram e conser-varam Escolas militares semelhantes, institudas depois de poucos anos ( . . . ) Parece que Portugal est hoje quase obrigado no s a fundar uma Escola militar, mas de preferi-la a todos os estabe-lecimentos literrios que sustenta com to excessivos gastos O que se ensina e tem ensinado at agora neles para chegar a ser sacerdote e jurisconsulto; e como j vimos acima no tem a Nobreza ensino algum para servir a sua ptria em tempos de paz nem de guerra ( . . .)

    Eis aqui, na enumerao feita por Tefilo Braga, a lista das disciplinas que Ribeiro Sanches propunha que fossem ensinadas no Colgio dos Nobres: lnguas portuguesa, latina, castelhana, francesa e inglesa; a aritmtica, geometria, lgebra, trigonometria, seces cnicas, etc; geografia, histria profana, sagrada e militar; risco, fortificao, arquitectura militar, naval e civil; hidrografia e nutica; dana, esgrima, manejo da espingarda, equitao e nata-o. E, alm destas disciplinas, a filosofia moral, direito de gentes, direito civil, poltico e ptrio; a economa poltica do Estado-, agricultura geral, navegao e comrcio, Manifestamente con-clui Tefilo a fundao do Colgio dos Nobres em 1761 foi a realizao prtica desse pensamento (58).

    A importncia do Colgio dos Nobres foi grande, porquanto constituiu o primeiro esboo da Faculdade de Filosofia baseada no culto cincia moderna, que posteriormente daria as bases

    (57) Histria da Universidade de Coimbra. Lisboa, Tip. da Academia Real das Cincias, 1898, tomo III: 11700 a l00, pgs. 350-351.

    (58) Histria da Universidade de Cpimbra, ob, cit, pg. 35L

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  • para a reforma da Universidade. Referindo-se sua proposta, afirmava o mdico Ribeiro Sanches que ali est decretado o ensino da histria filosfica, da lgica, da geografia, cronologia, da histria, das matemticas elementares e transcendentais, da arquitectura civil e militar, da fsica geral e da experimental, estudos pblicos desconhecidos at agora em Portugal (59).

    A ideia cientificista, em sntese, surgira em Portugal, sob o Marqus de Pombal, na segunda metade do< sculo* XVIII, como alternativa modrenizadora que substituiu a crena na tradio reli-giosa sobre a qual at ento assentava o poder patrimonial do Estado. Em que pese o carcter modernizador da reforma pom-balina, em nada modificou o esquema concentrado do poder patri-monial; no surgira, ento da queda do absolutismo teocrtico um regime de democracia representativa, como tinha acontecido na Inglaterra aps a Revoluo Gloriosa de 1688. Apareceu, assim, como alternativa modernizadora, no seio da cultura lusa, o despotismo ilustrado ou patrimonialismo modernizador (60), que exerceria forte influxo no desenvolvimento^ do cientificismo no Brasil

    Antnio Paim salienta que as ideias fundamentais do patri-monialismo modernizador manifestaram-se ao longo do Imprio, no Brasil, em primeiro lugar atravs do radicalismo^ liberal de frei Caneca (1774/1825), que sustentava poder-se organizar a sociedade em bases puramente racionais. Esse intento moderni-zador, no entanto, colidiria frontalmente com a estrutura patri-monial de cunho tradicional do' Imprio, e desapareceria depois da morte, por fuzilamento1, do frade carmelita. Em segundo lugar, o patrimonialismo modernizador manifestou-se na criao da Real Academia Militar (1810), cujo artfice foi um ex-aluno da Univer-sidade pombalina: o conde de Linhares, D. Rodrigo de Souza Coutinho (1755/1812); a finalidade da Academia consistia em garantir a formao cientfica de oficiais do Exrcito e engenheiros.

    (59) Apud Tefilo Braga, ob. cit., pg. 37.L O grifo do autor.

    (60) O conceito de patrimonialismo modernizador ou nepatrimonialismo, de inspirao weberiana, foi formulado por Simon Schwartzman na obra Bases do autoritarismo brasileiro, (lLa Edio, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 1962) a aplicado sistematicamente por Antnio Paim formao e evoluo do Estado nd Brasil (Cf. A querela do estatisma, ob. cit.).

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  • O currculo da Academia Militar escreve Paim , e atravs dele o iderio pombalino seria preservado ao longo do> Imprio. Outras influncias se fizeram presentes, sobretudo nas Faculdades de Direito e de Medicina, como de resto na esfera poltica. Con-tudo, no estabelecimento' que daria origem Escola Politcnica mantinha-se o culto da cincia na mesma situao configurada pelo Marqus de Pombal, isto , nutrindo a suposio de que competente em todas as esferas da vida social (61),

    A experincia parlamentarista ao longo do Imprio, permitiu uma certa desconcentrao do poder patrimonial o qual, de outra parte, deitava profundas razes na burocracia crescente, sendo> a instituio da Guarda Nacional um dos elos fundamentais ( 6 2 ) , Em que pese essa experincia de governo representativo; a elite civil e militar que derrubou a Monarqua em 1889 esqueceu suma-riamente a prtica da representao, interpretando-a como meta-fsica liberal, dentro dos chaves em voga do positivismo', O cami-nho estava, assim, aberto para a retomada da ideia do culto cincia aplicada a servio do Estado, no contexto da tradio patrimonial-modernizadora de inspirao pombalina, ao longo da vida republicana brasileira,

    O cientificismo, assim, evoluiu durante a Repblica de mos dadas com uma experincia cada vez mais aprimorada de centra-lismo autoritrio e modernizador. Uma das primeiras manifes-taes desse cientificismoi desptico1 foi a experincia castilhista sul-riograndense (1891/1930) que, inspirando-se na Constituio que Jlio de Castilhos (1860/1903) escreveu para o Rio- Grande do Sul em 1891, vingou ao longo de mais de trs decnios e influenciou definitivamente na evoluo do Estado brasileiro no presente sculo.

    Trs ideias podemos salientar no cientificismo castilhista: o primado da cincia aplicada na consolidao do Estado e na con-centrao das funes legislativas e de governo no Executivo; a centralizao do poder econmico e poltico no Estado; a tutela moralizadora e racionalizadora do Estado forte sobre a sociedade

    (61) Antnio Paim, A querela do estatismo, ob. cit, pg. 29.

    (62) Cf. Fernando Uricoechea, O minotauro imperial, So Paulo DI- FEL, >19i78.

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  • e a emergncia da continuidade administrativa, O castilhismo constituiu a primeira experincia acabada de cientificismo ta Pombal na era republicana. Das suas fileiras saiu Getlio Vargas, que levou a experincia castilhista ao nvel nacional (63).

    Uma outra manifestao do cientificismo ligado concepo do patrimonialismo modernizador, se deu na obra de Benjamin Constant Botelho de Magalhes (1833/1891) na Academia Militar, que manteve viva a crena na possibilidade da moral e da poltica cientfica. Benjamin Constant aderiu ao positivismo, justamente porque reconheceu nessa filosofia que privilegiava o papel da cincia na organizao da sociedade, uma adequada expresso do cientificismo de inspirao pombalina, que tinha, alis, inspi-rado a criao da Real Academia Militar, Por sua vez, a obra de Aaro Reis (1856/1936) (64) na Escola Politcnica, ao fazer um combate frontal ao liberalismo econmico, formulando ampla doutrina centrada no intervencionismo estatal na economia, e tendo como pressuposto a crena na capacidade tico-normativa da cin-cia, revelou mais uma vez o influxo das ideias cientificistas de origem pombalina, no contexto da Repblica Velha (6 5).

    Porm, a manifestao mais acabada do cientificismo brasi-leiro foi obra de Getlio Vargas, quem realizou a unio definitiva das duas vertentes modernizadoras: a castilhista e a proveniente da Academia Militar e da Escola Politcnica. Qual a contribuio de Vargas ao castilhismo? pergunta Antnio Paim Indicaria, de um modo geral, que consistiu no empenho em transformar as questes polticas em problemas tcnicos (66) +

    O prprio Getlio expressou esse propsito em discurso pro-nunciado a 4 de Maio de 1931 (6 7 ) . Estas so as suas palavras: ( . . . ) A poca das assembleias especializadas, dos conselhos

    (63) Cf., de Ricardo Vlez Rodrguez, Castilhismo, uma filosofia da Repblica, ob. cit,

    (64) -j\ principal obra deste autor, responsvel pela teoria anti-liberal do intervencionismo estatal directo na economia, que empolgou as reformas do perodo Vargas, intitula-se: Economia poltica finanas e contabilidade, Rio de Janeiro, Impresa Nacional, I101B.

    (65) Cf. Paim, A querela do estatismo, ob. cit., pgs. 35-40. (66) Paim, ob. cit., pg. 7!3. (67) Citado por Paim, ob. cit., pg. 75.

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  • tcnicos integrados administrao. O Estado puramente poltico, no sentido antigo do termo, podemos consider-lo, actualmente, entidade amorfa, que, aos poucos, vai perdendo o valor e a signi-ficao... Creio azado o ensejo para o cancelamento de antigos cdigos e elaborao de novos. A velha frmula poltica, patro-cinadora dos direitos do homem, parece estar decadente; Em vez do individualismo, sinnimo de excesso de liberdade, e do comu-nismo, nova modalidade de escravido, deve prevalecer a coorde-nao perfeita de todas as iniciativas, circunscritas rbita do Estado, e o reconhecimento das organizaes de classe, como cola-boradores da administrao pblica.

    O esforo modernizador e autoritrio de Vargas, ao passo que levava at as ltimas consequncias o preconceito castilhista contra a classe poltica (o regime parlamentar, diziam os casti-lhistas, um regime para lamentar), deitava os alicerces para o fortalecimento definitivo do Estado brasileiro e o surgimento da tecnocracia como o seu sustentculo, materializando assim o ideal do patrimonialismo modernizador pombalino, de organizar a socie-dade e o Estado sobre uma base cientfica. Todo o esforo de Vargas afirma Antnio Paim vai consistir em criar orga-nismos onde as questes de alguma relevncia passem a ser con-sideradas do ngulo tcnico. Amadurecido o ponto de vista dos tcnicos, a instituio' deve assegurar a audincia dos interessados. O governo no se identificar com qualquer (uma) das tendncias em choque porquanto exercer as funes de rbitro (6 8) .

    Assim, Vargas conseguiu materializar o princpio do encami-nhamento tcnico dos problemas nos principais campos da admi-nistrao pblica e da poltica. No terreno educacional, por exem-plo, promoveu o consenso dos tcnicos, atravs da Associao Brasileira de Ensino. No mbito da poltica salarial, chegou adopo, por parte do governo, de mecanismos tcnicos, mediante a criao do Ministrio' do Trabalho; surgiu assim uma legislao abrangente, que possibilitou a organizao da Justia do Trabalho e dos sindicatos como peas dessa engrenagem. No< campo legis-lativo, depois de fechado o Congresso em 1937, realizou-se ampla experincia de legislao atendendo a critrios tcnicos, com a

    (68) Paim, ob. cit, pg. 74.

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  • formao de comisses especiais para elaborar leis e decretos no mbito do Ministrio de Justia e dos Estados.

    O princpio do encaminhamento tcnico dos problemas mani-festar-se-ia, finalmente, no campo econmico, com a atribuio ao Estado, como misso precpua, da promoo da racionalidade econmica, que implicava dentro da tradio castilhista e luz do intervencionismo autoritrio apregoado por Aaro Reis a crescente interveno do Estado na economia (a criao da side-rrgica de Volta Redonda, por exemplo, bem como a ingerncia do poder pblico na negociao da moeda estrangeira, a conso-lidao da centralizao das emisses pelo Banco do Brasil, a criao da Superintendncia da Moeda e do Crdito, precursora do Banco Central, a criao* do Conselho Federal de Comrcio Exterior e a constituio, no interior desse Conselho, de uma Comisso Especial para estudar o problema do ao) (6 9).

    A actualidade do cientificismo que acompanhou a evoluo do patrimonialismo modernizador no seio do Estado brasileiro, salientada por Paim, no perodo que vai do incio* da dcada de 50 at aos nossos dias, atravs dos seguintes factos: em primeiro lugar, a emergncia do planeamento entendido como conjunto de tcnicas destinadas a assegurar a consecuo de determinadas metas no campo da racionalizao da economia, Esse facto manifestou-se a partir dos trabalhos da Comisso Mista Brasil-Estados Unidos (1951/1953), reunida durante o ltimo mandato de Getlio Vargas (1951/1954) Em segundo lugar, merece meno a criao do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico (BNDE) em 1952, pois foi o elemento catalisador das novas tcnicas e o que permitiu o teste da sua eficcia nos anos 50. No mencionado Banco se formou a primeira gerao* de tecnocratas treinados para efec-tivao da racionalizao da economia, sob a interveno do Es-tado (70)> Configurou-se, luz dessa influncia, a adopo da ideia cientificista de desenvolvimento, alicerada na crena, de inspirao pombalina, de que o motor da racionalidade econmica o Estado-empresrio.

    Em terceiro lugar, o programa de metas de Juscelino Kubit-schek veio reforar essa racionalizao da economia, decorrente

    (69) Cf. Paim, ob. cit, pgs. 81-83.(70) Cf. Paim, ob. cit., pgs. 1QMO0,

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  • da adopo da ideia de planeamento. Em quarto lugar, cabe men-cionar o movimento militar de 64 e o -lon-go perodo de autorita-rismo ensejado durante as duas dcadas subsequentes; esse movi-mento pode ser caracterizado como tentativa de implantao com-pulsria da racionalidade econmica atravs da interveno directa 'do Estado-empresrio e da adopo plena da ideia de planeamento* 'A tendncia cientificista teria assim, no regime ditatorial ps-64, a sua mxima manifestao, notadamente aps a reforma adminis-trativa de 1967, que enfeixou nas mos da elite tecnocrtico-militar a formulao da poltica econmica e da poltica social, com a marginao da classe poltica (71).

    importante ainda salientar a vigorosa contribuio do IBESP--ISEB (1955) e da Escola Superior de Guerra (criada em 1950), que conferiram ideia de desenvolvimento um carcter cientfico. A Escola Superior de Guerra desenvolveu estudos sistemticos sobre poltica, admitindo a possibilidade de uma cincia poltica que contribua para o bem comum. O propsito essencial da Escola salienta Paim tornou-se a promoo> da racionalidade na actuao do Estado. Semelhante objectivo entendido como correspondendo velha aspirao da intelectualidade e da elite militar, e consiste no empenho decidido em prol da superao das deformidade do Estado liberal (7 2) .

    Considerando que ao Estado moderno cabe a realizao do ordenamento econmico e social, a Escola acha necessrio elimi-nar-se toda a actuao improvisada, espria e emocional, a fim de substitu-la pelo mximo de racionalidade. Embora a Escola Superior de Guerra tivesse desenvolvido com xito uma signifi-cativa elaborao terica, notadamente no que respeita rea de actuao do poder que no pode ser objecto de barganha por configurar as bases do pacto poltico (esfera denominada de objectivos ittacionais permanentes), o empenho em atribuir funda-mentos morais ideia de segurana nacional, dissociando^a de qualquer conotao ideolgica, no teve resultado bem sucedido (73).

    (71) Cf. de Adopho Crippa, et alii, Democracia e participao, So Paulo. Convvio, 1!9'79. Paim, ob. cit, pg. l!20 seg..

    (72) OPaim, ob. cit, pg. 117. (73) Cf. Paim, ob. cit., pgs. M7-I1I1&

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  • Do que levamos exposto, podemos concluir que a hiptese cientificista pesou muito, no seio da cultura luso-brasileira, face abertura cincia moderna e adopo da ideia de desenvol-vimento. A modernizao do Brasil processou-se no contexto tutelar da cincia aplicada a servio do Estado. Para confirmar a actualidade dessa concepo, recentemente formulou-se nova hiptese cientificista, que daria resposta a todos os problemas e enigmas do pas, sob o ttulo de engenharia poltica (7 4) .

    Assim, o grande problema com que se defronta hodiernamente a meditao filosfica no Brasil, o- da superao do cientificismo. A falncia do modelo de desenvolvimento estatizante e autoritrio, que empolgou elite tecnocrtico-militar ao longo dos ltimos vinte anos, torna mais imperiosa ainda a necessidade de novos caminhos. Papel fundamental nessa busca corresponde reflexo filosfica, a nica capaz de assinalar os valores preteridos e indicar os ideais de pessoa humana e de sociedade a serem atingidos. Par-cela significativa desse esforo corresponde contribuio dada pela hodierna meditao filosfica, notadamente pela corrente culturalista e pelo pensamento catlico, segundo ficou exposto na primeira parte deste Informe.

    Ricardo Vtez Rodrguez Professor das Universidades Federal de Juiz de Fora,

    Gama Filho e Estadual de Rio de Janeiro

    (74) Cf. do General Golbery do Couto e Silva, Conjuntura poltica

    nacional: o Poder executivo e geopoUtica do Brasil, 2.a Edio, Rio de Janeiro, Jos Olympio, 19811.

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