o ensino da filosofia no ensino médio

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O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: Problematizando a cidadania e a formação docente Walter Matias Lima (UFAL) [email protected] Resumo: Este artigo constitui parte das reflexões do Grupo de Pesquisa sobre Filosofia e Ensino de Filosofia da UFAL, constituído por professores e estudantes do Curso de Graduação em Filosofia. A criação do referido Grupo tem como objetivo desenvolver atividades de ensino e pesquisa que ajudem a promover o ensino de filosofia em Alagoas e no nordeste brasileiro. Estas análises pretendem contribuir com a sistematização e criação de metodologias que atuem como dispositivos e suportes nas atividades pedagógicas exigidas por um ensino de filosofia que busca o pensar como atividade sem a qual a Filosofia é minimizada em seu ensino. Objetiva ainda contribuir para a discussão, no âmbito do sistema educacional, onde existe o ensino médio e a disciplina de filosofia, analisando sua organização e as condições atuais de seu ensino, especialmente, nesta fase de seu desenvolvimento, na cidade de Maceió/AL. Palavras-chave: Ensino de Filosofia; Cidadania; Ensino Médio. TEACHING PHILOSOPHY IN HIGH SCHOOL: QUESTIONING CITIZENSHIP AND TEACHER EDUCATION Abstract: This article is part of the reflections of the Research Group on Philosophy and Philosophy Teaching of UFAL, consisting of teachers and Undergraduate students of Philosophy. The creation of this Group aims to develop teaching activities and researches that will promote the teaching of philosophy in Alagoas and in the Northeast of Brazil. These analyzes are intended to contribute to the sistematization and creation of methods that act as devices and support in educational activities required for teaching philosophy that seeks to thinking as an activity, without which philosophy is minimized in their teaching. It also aims to contribute to the discussion whithin the educational system where there is High Schools and the discipline of philosophy, analysing its organization and conditions of teaching, especially at this stage of its development in the city of Maceió/AL. Key-words: Teaching philosophy; Citzenship; High School.

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O Ensino Da Filosofia No Ensino Médio

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  • O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MDIO:

    Problematizando a cidadania e a formao docente

    Walter Matias Lima (UFAL) [email protected]

    Resumo:

    Este artigo constitui parte das reflexes do Grupo de Pesquisa sobre Filosofia e Ensino de Filosofia da UFAL, constitudo por professores e estudantes do Curso de Graduao em Filosofia. A criao do referido Grupo tem como objetivo desenvolver atividades de ensino e pesquisa que ajudem a promover o ensino de filosofia em Alagoas e no nordeste brasileiro. Estas anlises pretendem contribuir com a sistematizao e criao de metodologias que atuem como dispositivos e suportes nas atividades pedaggicas exigidas por um ensino de filosofia que busca o pensar como atividade sem a qual a Filosofia minimizada em seu ensino. Objetiva ainda contribuir para a discusso, no mbito do sistema educacional, onde existe o ensino mdio e a disciplina de filosofia, analisando sua organizao e as condies atuais de seu ensino, especialmente, nesta fase de seu desenvolvimento, na cidade de Macei/AL.

    Palavras-chave: Ensino de Filosofia; Cidadania; Ensino Mdio.

    TEACHING PHILOSOPHY IN HIGH SCHOOL: QUESTIONING CITIZENSHIP

    AND TEACHER EDUCATION

    Abstract:

    This article is part of the reflections of the Research Group on Philosophy and Philosophy Teaching of UFAL, consisting of teachers and Undergraduate students of Philosophy. The creation of this Group aims to develop teaching activities and researches that will promote the teaching of philosophy in Alagoas and in the Northeast of Brazil. These analyzes are intended to contribute to the sistematization and creation of methods that act as devices and support in educational activities required for teaching philosophy that seeks to thinking as an activity, without which philosophy is minimized in their teaching. It also aims to contribute to the discussion whithin the educational system where there is High Schools and the discipline of philosophy, analysing its organization and conditions of teaching, especially at this stage of its development in the city of Macei/AL.

    Key-words: Teaching philosophy; Citzenship; High School.

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    INTRODUO

    Um dos objetivos desta Pesquisa foi promover a discusso da cidadania e da tica nas

    atividades de ensino de Filosofia no ensino mdio em Alagoas, atravs de discusses,

    produo de material didtico-pedaggico, fomento a cursos de capacitao aos professores

    que j atuam no ensino mdio e reforo queles que esto cursando a licenciatura em

    Filosofia. Ele faz parte da organizao efetiva do Grupo de Pesquisa em Ensino de Filosofia

    (UFAL/ICHCA).

    Outro objetivo, que se integra ao anterior, refletir sobre a constituio dos

    Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio e, mais especificamente, sobre o papel

    do ensino de filosofia, no mbito da tica, neste segmento da educao em Alagoas e no

    Brasil.

    Acreditamos que a contribuio significativa da filosofia, ao abordar a prpria filosofia,

    a educao e a cidadania, cumprir com a sua especificidade: a ruptura com o senso comum e

    com o dogmatismo, propiciando a abertura para o debate, a crtica, a manifestao da

    contradio no mbito da relao entre o pblico e o privado, naquilo que urgente para a

    construo da cidadania em Alagoas.

    Assim sendo, entendemos que uma das tarefas da filosofia, que aqui capital,

    iluminar o sentido terico e prtico daquilo que pensamos e fazemos. Que nos leve a

    compreender a origem de ideias e valores que respeitamos ou odiamos, que nos esclarea

    quanto origem da obedincia a certas imposies e quanto ao desejo de transgredi-las.

    Enfim, que nos diga alguma coisa acerca de ns mesmos, que nos ajude a compreender como,

    por que, para quem, por quem, contra quem ou contra o que as ideias e os valores so

    elaborados e o que podemos fazer deles.

    O trabalho da filosofia no consiste em trazer, necessariamente, solues e respostas,

    mas em pensar o existente, a experincia individual e coletiva, a prtica. Da a necessidade de

    desenvolver a capacidade de ler e de entender os textos filosficos e a prpria realidade, de

    educar os professores e alunos para o exerccio da dvida, da contestao, do pensamento,

    bem como de descobrir e de se indignar contra toda e qualquer forma de excluso; de

    trabalhar no sentido da humanizao de todos os homens e de todas as mulheres, da criao

    de instituies e sociedades verdadeiramente humanas, o que jamais poder ser preocupao,

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    compromisso e tarefa de uma s matria, mas de um trabalho transversal e transdisciplinar

    que ajude aos sujeitos, historicamente situados, a construrem prticas efetivas de cidadania.

    Seguindo essas perspectivas sobre a filosofia que entendemos a importncia

    de um trabalho de estudo e pesquisa que envolva professores e estudantes nas escolas

    no estado de Alagoas, especialmente no ensino mdio e que a UFAL, naquilo que

    possvel pelos professores do Departamento de Filosofia, possa contribuir com a

    criao de uma cultura cidad efetiva em nossa sociedade.

    FILOSOFIA E CIDADANIA

    Em nossos dias, muito se tem falado de cidadania. Num pas colonizado desde

    sua origem, que viu a colonizao ir mudando de mos ao sabor das alteraes nas

    foras geopolticas e econmicas mundiais, o exerccio da cidadania tem sido sempre

    tnue, eivado de controvrsias e contradies. Depois de passar por duas dcadas de

    um regime de exceo, a ltima dcada tem sido marcada pelo discurso da construo

    da cidadania. Tambm muito se tem falado da educao; a mdia, os governos, os

    empresrios, a sociedade a tm posto na ordem do dia. E no so poucos os discursos

    que colocam para a educao a tarefa de formar o cidado.

    Mais recentemente, tambm a filosofia entrou na roda: a Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional, finalmente aprovada em dezembro de 1996, afirma que

    os jovens egressos do ensino mdio devem dominar os conhecimentos de filosofia

    necessrios ao pleno exerccio da cidadania. E, ainda, fala-se de um tico exerccio da

    cidadania.

    Entendemos que a cidadania um atributo de todo ser humano e, ao mesmo

    tempo, uma condio poltica. Podemos definir a cidadania como a relao de

    pertena a uma comunidade. J Aristteles mostrava que inerente ao ser humano a

    condio poltica; dele a clebre afirmao de que o homem um animal poltico.

    Se somos animais polticos, o que quer dizer sobre o fato de vivermos em sociedade,

    em comunidade, que compartilhamos a vida, somos, necessariamente, pertencentes a

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    uma comunidade. Por outro, lado, a cidadania nada se no a exercitarmos, pois

    sendo inerente condio humana, ela depende de nossas aes.

    A cidadania no um conceito unvoco; sua conceituao histrica e depende

    estritamente da percepo do momento histrico em que ela forjada. Assim, uma

    coisa era ser cidado na polis grega, outra era ser cidado no calor das discusses da

    Assembleia Legislativa que promoveu a Revoluo Francesa e outra, bastante

    diferente, ser cidado neste Brasil de incio de sculo. Podemos dizer que, em termos

    atuais e mais comuns, a cidadania constitui-se em direitos (possibilidades) e deveres

    (necessidades) dos indivduos articulados numa sociedade poltica, numa comunidade.

    E atravs dessa caracterizao poltica da cidadania podemos questionar se ela

    existe, de fato, no Brasil contemporneo.

    Nessa perspectiva, que ensejamos nossa pesquisa, aprofundar a

    problematizao de relao entre tica, ensino de filosofia e cidadania nas escolas

    alagoanas. Nosso intuito fomentar a discusso e a reflexo sobre questes filosficas

    e polticas relacionadas ao contexto do nosso estado. Tambm pretendemos produzir

    material de apoio para que possa ser utilizado nas diversas instncias educativas, no

    mbito escolar, e que contribuamos, dessa forma, para a construo de

    conhecimentos necessrios, que possibilitem a prtica de uma cultura cidad efetiva e

    crtica. Em decorrncia, esperamos que as referidas relaes sejam radicalizadas e

    possibilitem as devidas conceituaes que permearam a compreenso e interpretao

    do tema.

    Pois, trata-se, portanto, para ns brasileiros, de construir uma cidadania de

    fato, para alm de uma cidadania legal e de direito como a cidadania burguesa

    realizada nos pases ricos. Precisamos construir uma cidadania ativa, uma verdadeira

    forma de ao poltica que seja possvel para o conjunto da sociedade e no apenas

    para as minorias privilegiadas. No Brasil de hoje, por conseguinte, urgente que

    arregacemos as mangas e nos dediquemos a conquistar e construir (o ensino a

    pesquisa acadmica uma forma de ao concreta e eficaz) uma cidadania que, se

    inerente nossa condio de humanos, s ter sentido quando a exercermos de fato.

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    Assim sendo, o que vamos expor a seguir so consideraes que resultaram do

    estgio atual de nossas discusses terico-metodolgicas no mbito do Curso de

    Licenciatura em Filosofia da Ufal e com os alunos bolsistas envolvidos em pesquisa de

    Pibic.

    Portanto, pretendemos levantar alguns temas sobre a filosofia no ensino mdio

    brasileiro. Temas que tm como objetivo contribuir para o debate atual sobre a

    problemtica acerca da importncia e do significado que podemos atribuir ao ensino

    de filosofia. Contudo, diante da grande diversidade e complexidade que a questo da

    filosofia no ensino mdio, no pretendemos esgot-la, nem afirmar que essa a

    melhor maneira de trat-la.

    PROBLEMATIZANDO O ENSINO DE FILOSOFIA

    A bibliografia que, geralmente, discute a dinmica que envolve os processos de

    ensino/aprendizagem na prxis educativa, levanta controvrsias tericas e prticas

    sobre concepes de educao e do papel da escola na sociedade, o que coloca, para o

    ensino de filosofia. A necessidade de uma tomada de perspectiva. Partiremos da noo

    de que uma das caractersticas da educao ser um processo pelo qual nos

    transformamos ao reconstruirmos nossas experincias dando-lhes novas significaes,

    ver por exemplo as contribuies de Gallo (2012); Cepas (2010); Go (2010).

    Assim sendo, concebemos que a filosofia (seria melhor dizer; as filosofias) no

    feita para refletir sobre qualquer coisa. A capacidade de refletir uma aptido que

    pode ser desenvolvida sem o auxlio da filosofia. Mesmo quando dizemos que a

    filosofia uma atividade de reflexo crtica de conjunto, rigorosa e sistemtica, o que

    parece j virou lugar comum em vrios manuais apostilados que existem no mercado e

    direcionados ao ensino mdio, a filosofia reduzida a uma interpretao genrica.

    O que a filosofia tem a dizer, o diz porque uma disciplina criativa e inventiva

    como qualquer outra e mantm transversalidades com as demais. A importncia da

    filosofia reside na sua potencialidade para construir conceitos, entendendo os

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    conceitos como necessidades que brotam da experincia humana. Os conceitos no

    existem em-si e por-si mesmos, no so entidades metafsicas que existiriam como

    essncias intemporais (nem associados, de antemo, a critrios transcendentais de

    verdade, universalidade, imutabilidade), no so anteriores prxis das singularidades

    e dos coletivos historicamente situados.

    Tratamos, aqui, dos conceitos dentro da perspectiva deleuziana, em que o fazer

    filosfico trata dos acontecimentos e, estes, entendidos no como fatos, mas como

    devires. Para alm da questo o que ? (questo prioritria em uma abordagem

    metafsica), encontramos a questo o que se passou?. Contudo, no se trata de

    entender o acontecimento como preocupao exclusiva pelo presente, no sentido de

    investigar unicamente o imediato, o instantneo, uma espcie de investigao para

    encontrar o ser do presente, mas o devir do presente. Na perspectiva deleuziana,

    procuramos fornecer uma conceitualizao das tendncias que influenciam diversas

    instncias da produo filosfica, apontando os possveis sentidos do acontecimento,

    isto , abrindo para novas significaes da experincia. Eis o trabalho do pensamento:

    perguntar o que vai acontecer ou o que aconteceu; atravs dos conceitos. Estes

    dizem o acontecimento, ao invs de dizer as essncias.

    Pensar criar, no unicamente refletir. colocar a questo do sentido (da

    produo do sentido e o sentido da produo), no da verdade. exercer o

    pensamento como atividade inventiva na ordem dos problemas, das regras e dos

    conceitos: o pensamento como criao. Essa uma das possibilidades do ensino da

    filosofia: experimentar novas relaes entre os seres, construir novas composies; o

    pensamento como plano de composio onde as relaes e os acontecimentos se

    constroem e se desconstroem. Porque os conceitos filosficos no so noes

    universais, mas singularidades, a filosofia formula os conceitos adequados

    contemplao, reflexo, comunicao, em que o conceito impede o pensamento

    de ser uma simples opinio, o conceito o que faz pensar em domnios heterogneos.

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    O prazer uma consequncia da necessidade de criar. E a filosofia uma

    disciplina criadora, forja conceitos por necessidade de nos situar melhor no espao-

    tempo.

    Colocando o que foi dito em outra perspectiva, perspectiva que passa de travs

    com a anterior; podemos dizer que o futuro da filosofia depende de sua capacidade de

    auto-reconstruo conceitual e, ao mesmo tempo, da efetivao da atividade filosfica

    como trabalho crtico do conceito que busca a elaborao de teorias com intenes

    prticas, construindo hipteses plausveis orientadoras do sujeito capaz do exerccio

    constante de investigao. essa capacidade de auto-reconstruo conceitual o que

    torna a filosofia eficaz, dando-lhe condies de permanecer fiel prxis que a

    engendrou. Lembrando que em filosofia, mas no exclusivamente em filosofia, as

    concluses so transitrias, no definitivas; isto , abertas a novas ponderaes.

    Contudo, e como a filosofia no mais preocupao apenas da elite cultural

    no submetida ao trabalho produtivo, a atividade filosfica se faz a partir da

    capacidade de construir um corpus teortico crtico que proporcione a elaborao de

    conhecimentos com intenes prticas. Um conhecimento que possa ser continuado

    na formao de um discurso dialtico-dialgico orientador da ao, onde haja a

    possibilidade de diminuir o abismo existente entre a inteno e o gesto, onde a ao

    transcenda o mbito do sujeito singular e mergulhe na vida cotidiana dos diversos

    agentes histricos, contribuindo para a emancipao humana.

    Uma das consequncias do trabalho conceitual da filosofia fazer voz diante

    dos silncios deixados pela ideologia, deixando dessa forma, de falar sobre as coisas,

    para falar das coisas. O conceito brota quando a experincia fala de si e sobre si

    mesma, buscando sua inteligibilidade e compreendendo-se. Neste caso, podemos

    dizer que o conceito advm do trabalho do pensamento, elaborando discursos da

    experincia e no sobre a experincia.

    indispensvel, pois, rever a relao da filosofia com a experincia, tomando-

    se esta no como uma simples contingncia e sim como algo necessrio e importante

    para repensar o cotidiano do homem contemporneo. Urge, portanto, pensar o

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    sentido da formao do docente em filosofia, entendendo este docente como aquele

    que orienta para a construo da experincia do pensar, pensando a experincia.

    O ENSINO DE FILOSOFIA E A FORMAO DE PROFESSORES

    Atualmente, no Brasil, a discusso em torno do significado e do papel da

    filosofia no ensino mdio, tem adquirido amplitudes cada vez mais incisivas. Contudo,

    queremos chamar a ateno para um tema que no tem sido muito abordado: a

    formao dos professores de filosofia. Existem pesquisas feitas no Brasil sobre esse

    tema, mas a maioria no encontrou espao maior de publicao, alm do formato das

    dissertaes e teses que encontramos nas bibliotecas das universidades.

    Colocamos essa questo porque consideramos urgente uma discusso mais

    ampla da atual situao das licenciaturas em filosofia no Brasil. Uma vez que boa parte

    do debate sobre a filosofia no ensino mdio surgiu, atualmente, das prescries

    propostas pela Lei no 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educao. Nesse

    documento, a filosofia e sociologia aparecem como conhecimentos necessrios ao

    exerccio da cidadania, ou seja, artefatos que aparecem como se fossem um

    sortilgio, auxiliando na compreenso do que cidadania, o que deixa a filosofia em

    situao ambgua, uma vez que no fica clara qual a posio, em relao ao ensino da

    filosofia, para a concretizao de um objetivo mais amplo que o prprio fazer filosfico

    possa oferecer ao que se chama, na LDB, de exerccio da cidadania.

    Entendemos que essa forma de abordar a filosofia, deixa em aberto uma

    questo importante: a partir dos parmetros curriculares propostos pelo Ministrio da

    Educao, a filosofia tende a se constituir como disciplina no currculo escolar, o que

    exigiria um professor qualificado para o ensino dessa disciplina. Entenda-se

    qualificado, aqui, como algum que, em princpio, graduou-se em filosofia e que possui

    habilitaes didtico-pedaggicas especficas para o ensino de filosofia no Ensino

    Mdio. No entanto, na maioria das universidades brasileiras, o graduado em filosofia

    no tem formao suficiente para exercer tal atividade, ou a exerce de forma precria.

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    Esse fato se deve, em grande parte, forma como so tratados os contedos das

    disciplinas da licenciatura, muitas vezes panormicos. Levando-se em considerao a

    falta de inter-relao e integrao entre os Departamentos de Filosofia e os Centros de

    Educao, sendo estes ltimos os responsveis, atualmente, pela capacitao dos

    licenciados.

    A organizao dos cursos de graduao em Filosofia, no Brasil, ainda obedece

    ao Parecer de no 277/62, que teve como relator Newton Sucupira, e estabelece um

    currculo mnimo que abrange tanto as licenciaturas, quanto os bacharelados. Esta

    forma de organizar os currculos fez com que a maioria das universidades fundisse

    bacharelado e licenciatura em um nico perodo de graduao, em geral, quatro anos.

    Contemplando em seus Projetos Pedaggicos, tanto o incentivo pesquisa e

    produo intelectual, quanto atividade de docncia. Contudo, a pesquisa em filosofia

    est restrita praticamente aos cursos de ps-graduao em pouqussimas

    universidades (essas poucas raramente valorizam a docncia voltada para o ensino

    mdio) e a formao docente, especificamente para o magistrio do Ensino Mdio, fica

    a cargo dos Centros de Educao, aonde os alunos de filosofia vm de forma genrica,

    as disciplinas de Prtica de Ensino (mesmo com estgio curricular), Didtica e a j velha

    e cansada Estrutura e Funcionamento de Ensino.

    Sendo assim, preciso que se reconstrua a compreenso do trabalho do

    professor de filosofia, levando-se em considerao o professor como educador que

    pensa sua prtica e direciona sua ao para a reestruturao de suas condies de

    trabalho, assumindo a atividade docente como prtica transformadora. Essa uma das

    tarefas que se pem como urgentes na discusso da formao do docente em filosofia

    para crianas e jovens. Precisamos alimentar o debate por uma nova perspectiva das

    graduaes em filosofia, desde a estrutura do currculo mnimo, dos contedos

    programticos das disciplinas; tanto quanto dos Parmetros Curriculares propostos

    para o Ensino Fundamental e Mdio ensejando, dessa maneira, novas perspectivas na

    licenciatura e no bacharelado em filosofia, sem mergulhar do didatismo e construindo

    tanto o pensar filosfico, como o filosofar.

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    Se estivermos certos, precisamos avanar para sair de um discurso sobre a

    filosofia, aqui filosofia no Ensino Mdio, para um discurso da prtica de ensino de

    filosofia. Precisamos ouvir a voz daqueles que tm a filosofia como experincia, isto ,

    professores e estudantes.

    Entendemos que a filosofia, no Ensino Mdio, deve ser inserida como disciplina

    especfica, contribuindo para a formao de comunidades de investigao (LIPMAN,

    1994), mesmo que inserida como instrumento para a reflexo sobre o exerccio da

    cidadania, o que refora ainda mais a discusso sobre as licenciaturas em filosofia. No

    se trata, aqui, de fazer a apologia mercantil da profissionalizao do professor de

    filosofia, mas de procurar, no mbito da graduao, as condies do pensar

    permanente o sentido do ensino de filosofia e suas mltiplas realizaes nas diversas

    reas da educao escolar, ou seja, perguntar constantemente: o que ensinar, para

    que ensinar e como ensinar, levando em considerao o trabalho que j vem sendo

    realizado pelos docentes nas salas de aula.

    Neste caso, o trabalho conceitual da filosofia busca explorar os limites tanto da

    teoria quanto da prtica, atravs da crtica avaliadora e da reavaliao crtica

    transigente do que pode ser efetivado ou no efetivado nas escolhas e decises das

    singularidades ou coletividades situadas historicamente e que ensejam as prticas do

    Ensino Mdio; por outro lado, essa busca est permeada pelo mergulho nos problemas

    da subjetividade e da intersubjetividade, constantemente bombardeadas pela crise

    dos universais numa sociedade de mercado e de consumo que transforma em fetiche

    os valores e que confunde os devires da prxis de homens e mulheres com o culto da

    eternizao do presente.

    Encontrar um sentido para o ensino de filosofia na educao de crianas e

    jovens, atualmente, requer um olhar sobre a situao da escola brasileira que, em

    geral, est permeada por uma concepo prioritariamente informativa e enciclopdica

    (s vezes ingenuamente humanstica e outras vezes cientificista). Assim como os

    discursos em defesa da filosofia no ensino mdio, com raras e honrosas excees,

    descrevem o prprio ensino da filosofia distanciado de uma reflexo de como se

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    encontra a escola brasileira, hoje. Como se o ensino da filosofia no sofresse

    determinaes, por exemplo, das polticas pblicas e do planejamento na educao

    nos nveis nacional e regional.

    Isso est caracterizado no texto da LDB quando, para o exerccio da

    cidadania, a filosofia e a sociologia entram como elementos auxiliares para o

    referido exerccio.

    Se, no texto da LDB, encontramos ambiguidades no que diz respeito ao ensino

    de filosofia e sociologia, o mesmo pode ser dito sobre o que se chama exerccio da

    cidadania e de como a filosofia pode ajudar a efetivar esse exerccio, uma vez que a

    obrigatoriedade do ensino de filosofia, no nvel mdio, enfrenta uma srie de questes

    que necessitam de mais investigao: a) os processos de formao docente do

    licenciando em filosofia, isto , como se estrutura no Brasil, a partir da diretrizes

    curriculares, as graduaes em filosofia tanto no bacharelado, quanto na licenciatura;

    b) quais as condies de estgio curricular para os licenciandos, onde e como realizam

    seus estgios e quais as condies de acompanhamento; c) quais as propostas

    curriculares para o ensino mdio na escola pblica e na escola privada e a relao com

    o Enade; d) a carga horria disponvel para o ensino de filosofia e a relao com as

    condies estruturais da escola, bem como com relao entre o que as propostas

    curriculares indicam e o projeto pedaggico da escola; e) urge discutir as varincias

    nacionais sobre a formao de professores de filosofia e as diversas propostas

    estaduais para o ensino mdio, especificamente entre filosofia e sociologia e as outras

    reas de saber e f) abertura para novas discusses entre ensinar filosofia e ensinar a

    filosofar.

    CONSIDERAES FINAIS

    Podemos definir cidadania pelos princpios democrticos, onde o exerccio da

    cidadania se consagra como constante processo de conquista e de materializao

    social e poltica de instituies (a escola, uma delas) e de comportamentos. A

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    democracia como forma de existncia social onde se estabelecem, numa sociedade

    dividida em classes, as relaes sociais, os valores e o poder poltico, o que caracteriza

    o exerccio da cidadania como a busca de efetivar os direitos (sociais, civis e polticos)

    no embate entre a igualdade como principio democrtico e a desigualdade real

    imposta pela atual sociedade. No h cidadania fora de um espao social de luta pela

    igualdade e pela liberdade daqueles que a exercem. Assim sendo, umas das

    contribuies que a presena do ensino de filosofia pode ensejar o permanente

    esforo para manter viva a capacidade do exerccio do pensar. O pensamento e o

    conceito como instrumentos de ao poltica contra a imposio de uma ordem

    estabelecida, contra as redues ideolgicas; o conceito como arma contra o

    argumento da fora, contra a violncia. O trabalho da filosofia nos d condies de

    debruarmo-nos sobre nossa experincia, discutindo nossa prtica e transformando

    nossas aes.

    A prtica do ensino de filosofia como possibilitadora do pensamento crtico

    atravs do trabalho do conceito, trabalho este que no negue as dimenses afetivas e

    motivacionais do sujeito, leva crtica radical do j pensado. E uma crtica radical

    mantm a recusa por uma satisfao complacente com o status quo; uma crtica

    radical exercita uma razo coerente e emancipadora; uma crtica radical no fecha sua

    anlise reduzindo o particular em si mesmo e uma crtica radical mantm vivo o

    compromisso do engajamento. Pois enquanto membro de uma organizao coletiva, o

    sujeito constri uma comunidade historicamente real. As relaes intersubjetivas so

    radicalizadas com o objetivo de sair do reino da escassez por caminhos que necessitam

    da crtica advinda da razo dialtica, crtica essa que abre, atravs da linguagem e da

    interao entre os sujeitos, a possibilidade da constituio de grupos autocrticos e de

    uma sociedade onde o exerccio da liberdade pressuposto para a transparncia da

    prpria sociedade.

    Portanto, uma das afinidades entre filosofia e educao mostrar a correlao

    entre experincia e conceito, reintroduzindo na universalidade dos conceitos a

    insupervel singularidade da aventura humana, mediante a reconstituio

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    Debates em Educao - ISSN 2175-6600 Macei, Vol. 2, n 4, Jul./Dez. 2010.

    compreensiva das mediaes em que se concretiza a prxis individual e coletiva,

    partindo da compreenso de que toda filosofia exige uma ensinabilidade, pois no

    existe filosofia que no reclame uma pedagogia. Tal a necessidade histrica a que

    responde a educao e a que responde uma prtica de ensino de filosofia no ensino

    mdio, como tambm, no superior. Isto , como atividade onde experincia e conceito

    ensejam transformaes.

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