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Evanildo Costeski Vinícios Rocha de Souza Vera Maria Soares Fick EPISTEMOLOGIAS E TECNOLOGIAS PARA O ENSINO DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS O Ensino de Filosofia Fascículo 3 Gráfica Editora R. Esteves Tiprogresso Ltda. Fortaleza, 2009

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Evanildo CosteskiVinícios Rocha de SouzaVera Maria Soares Fick

EPISTEMOLOGIAS E TECNOLOGIAS PARA OENSINO DAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

O Ensino de Filosofia Fascículo 3

Gráfica Editora R. Esteves Tiprogresso Ltda.Fortaleza, 2009

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Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro da EducaçãoFernando Haddad

Secretária de Educação BásicaMaria do Pilar Lacerda Almeida e Silva

Diretor do Departamento de Políticas daEducação Infantil e Ensino Fundamental

Marcelo Soares Pereira da Silva

Coordenadora Geral de Formação de ProfessoresHelena Costa Lopes de Freitas

Coordenadora do Humanas Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada

Maria Neyara de Oliveira Araújo

Universidade Federal do Ceará (UFC)Reitor

Jesualdo Pereira Farias

Comitê Gestor Humanas

Profa. Dra. Maria Neyara de Oliveira Araú[email protected]

Prof. Dr. José Aires de Castro [email protected]

Projeto GráficoDaniel Benevides

CapaDaniel Benevides e Vinícios Rocha

Revisão Renata Abreu Silvério, Viviane Batista de Oliveira e Felipe Rocha de Souza

Ficha CatalográficaFrancisca Danielle Guedes

Gráfica e Editora

Gráfica Editora R. Esteves Tiprogresso Ltda.C839e

Epistemologias e Tecnologias para o Ensino das Humanidades. Fascículo 3 – O ensino de Filosofia. / Evanildo Costeski, Vinícios Rocha de Souza, Vera Maria Soares Fick. – Fortaleza: Tiprogresso, 2009.

27p. 21 x 29,7 cm.

Inclui dicas de bibliografia e material áudio-visual.

1. Didática nas Humanidades 2. Filosofia – estudo e ensino 3. Ensino de Filosofia – Ensino Médio I – Título.

CDD 370.71

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Apresentação .....................................................................................................................5

1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NO NÍVEL MÉDIO.........................................................................................................121.1 Introdução ..................................................................................................................121.2 O Ensino de Filosofia como Direito à Filosofia .....................................................141.3 O Ensino de Filosofia em Sala de Aula...................................................................171.4 A Filosofia na Escola..................................................................................................221.5 Considerações finais..................................................................................................23Referências Bibliográficas...............................................................................................25Para Saber Mais................................................................................................................25

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O ENSINO DE FILOSOFIA

Epistemologias e Tecnologias para o

ensino das Humanidades

APRESENTAÇÃO

Vinícios Rocha de Souza1

Vera Maria Soares Fick2

Caro(a) professor(a),

É com grande alegria que o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Edu-cação Continuada para as Humanidades – HUMANAS/UFC – põe a sua disposição a coleção Epistemologias e Tecnologias para o Ensino das Hu-manidades.

Nosso principal objetivo é fornecer, por meio de um conjunto de 5 (cin-co) fascículos, elementos didático-pedagógicos que permitam uma reflexão crítica acerca do papel das Humanidades (Ciências Humanas e Sociais e da Filosofia) na constituição dos currículos de formação escolar; entendendo por currículo, neste caso, tanto as disciplinas escolares (Sociologia, Filosofia, História e Geografia), quanto as aprendizagens que se sucedem no limiar das relações que são estabelecidas no percurso da ação pedagógica entre os atores envolvidos no ambiente escolar e seus desdobramentos a partir do protagonismo que os(as) educandos(as) exercitam na comunidade/socieda-de na qual vivem.

As Humanidades contribuem decisivamente para a formação dos es-tudantes, a partir da estruturação de um senso-crítico, desenvolvimento de uma sensibilidade estética, da competência de se comunicar (oralmente e por escrito) e da capacidade de agir livremente, a partir de uma leitura par-ticular e/ou coletiva de mundo.

Se o ensino das ciências naturais permite aos estudantes, por exemplo, a compreensão do universo, do planeta e dos fenômenos que incidem sobre as coisas, as disciplinas relativas ao ensino das humanidades estimulam o jovem a se situar no mundo, a desvelar os sentidos íntimos da espécie hu-mana nas relações que estabelecem entre si e com a natureza na produção

1 Graduado em pedagogia pela Universidade Federal do Ceará - UFC, Mestre em Educação Bra-sileira Contemporânea pela UFC. É coordenador pedagógico do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada para as Humanidades - HUMANAS/UFC, organiza e apresenta a presente coleção.

2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, Mestra em Sociologia pela Univerdidade Federal do Ceará - UFC. É coordenadora pedagógica do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada para as Humanidades - HUMANAS/UFC, organiza e apresenta a presente coleção. 

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de cultura e da vida em sociedade.

Historicamente, as ações político-ideológicas, que dimensionaram o projeto desenvolvimentista e de modernização do Brasil da primeira me-tade do século XX, priorizaram a ordenação de matrizes curriculares uni-versitárias que privilegiaram disciplinas (Química, Engenharia, Eletrônica, Matemática) e cargas-horárias adequadas a um certo ideal de desenvolvi-mento (ROUANET, 1987).

No caso específico das escolas de 1º e 2º graus, observou-se um interes-se maior pela área de letramento, com ênfase na aquisição pragmática e uti-litarista da Linguagem e da Matemática, compreendida como aptidão para o cálculo. Por volta de 1987, por conta da volta da democracia e da convoca-ção da nova constituinte, criou-se no Brasil um ambiente e uma atmosfera política para o debate e a legislação de políticas educacionais e culturais; momento este em que foram preconizadas reformas visando a uma revalo-rização em nossos currículos das disciplinas relativas às Humanidades.

A sociedade contemporânea nos impõe grandes desafios. Mesmo com alguns avanços, principalmente na área de tecnologia, a humanidade chega ao séc. XXI imersa num mar de contradições. A democracia, justiça social, liberdade e ética se esfacelam em meio à dinâmica hegemônica e contradi-tória do mercado de consumo, da violência e das políticas neoliberais. Para alguns, a primazia dos números da economia globalizada potencializa-se como racionalidade única do Estado, reduzindo as possibilidades de inclu-são social dos sujeitos: seus sistemas de valores, costumes, crenças, tradições e perspectivas de desenvolvimento local sustentáveis. Diante de uma rea-lidade social tão difícil, nós nos permitimos perguntar a você, professor(a) cursista: como projetaremos a mudança?

É óbvio que dividiremos a busca pela solução a essa interrogação com você, caro(a) docente. A nossa contribuição nessa resposta passa pela com-preensão de que a escola e o educador possuem um papel fundamental na mudança da sociedade. Concordamos com Paulo Freire, quando este admite que a educação sozinha não muda a sociedade, mas que, sem ela, nenhuma mudança de fato acontece.

Em nosso entendimento, a educação é um processo de formação e eman-

cipação, cujo fim é o exercício de uma cidadania humanista e libertária. O principal papel da educação escolar, na perspectiva das humanidades, é

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capacitar os agentes escolares (professores e estudantes) a formularem co-nhecimentos fundamentados numa permanente crítica ao conjunto das re-lações e produções humanas constituídas no passado e no presente, a fim de que se possa projetar um futuro diferente, avesso aos ideais de reificação que barbarizam e admoestam o gênero humano. E é nessa perspectiva que o Núcleo HUMANAS/UFC pretende caminhar ao seu lado.

Ao longo deste curso, discutiremos com vocês o papel que as disci-plinas ligadas à área das humanidades tem na educação contemporânea sem, é claro, deixar de refletir sobre os fundamentos básicos. Também apre-sentaremos algumas propostas de ações em torno da transposição didática desses saberes em sala de aula, no trabalho cotidiano com os(as) estudan-tes. Optamos por difundir saberes diversos (Didática, Novas tecnologias, Sociologia, Filosofia, História e Geografia) em uma mesma coleção e em diferentes fascículos por acreditar que esses diferentes saberes são comple-mentares, e por compreender que a complexidade do trabalho individual e o sucesso na condução de cada um desses saberes reside principalmente, na capacidade que o(a) educador(a) moderno(a) deve ter de pautar o ensino numa perspectiva inter e transdisciplinar.

Deste terceiro fascículo, intitulado O Ensino de Filosofia, participa o pro-

fessor/pesquisador Dr. Evanildo Costesky da Universidade Federal do Ce-ará – UFC.

Em seu artigo intitulado Considerações sobre o Ensino de Filosofia no Nível Médio, o prof. Costesky aborda a importância da re-introdução da discipli-na de Filosofia no currículo da educação básica brasileira, trazendo à dis-cussão a questão da especificidade da contribuição desta disciplina no que diz respeito à formação dos estudantes do Ensino Médio para um exercício pleno da cidadania.

É bem verdade que sob a designação “Filosofia” reúnem-se formas bastante diversas de exercício do pensamento (tanto no que diz respeito à forma, métodos de investigação e de veiculação do saber, quanto aos conte-údos, os objetos que as diferentes filosofias privilegiam). Mas a constatação da diversidade das filosofias, longe de constituir-se em empecilho ao reco-nhecimento de sua natureza específica face as demais formas de saber, é parte mesma de sua especificidade.

É com base no reconhecimento desta pluralidade de discursos, que

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constitui a história da Filosofia e da importância mesma desta história para o ensino disciplinar de Filosofia, que o prof. Costesky nos apresenta o que podemos descrever como uma didática para o ensino de Filosofia. Esse re-conhecimento não implica na redução do ensino de Filosofia à reconstrução expositiva de sua história, do qual resulta, muitas vezes, em aulas descon-textualizadas e, por isso mesmo, pouco eficazes no que diz respeito à tarefa de despertar o interesse dos alunos.

Em oposição a esse modelo didático, a proposta do prof. Costesky pen-sa a história da Filosofia como fonte de referenciais teóricos para constante reflexão crítica dos alunos acerca de “conteúdos vividos” – aqueles per-tinentes à prática social na qual eles se encontram “imersos”, os valores (éticos, estéticos, políticos, etc.) – que perpassam esta prática, bem como os diversos discursos que possuem a função de legitimá-los.

Agora é com vocês, caros(as) professores(as)! Esperamos que os conhe-cimentos aqui difundidos permitam-lhes uma análise crítica acerca do tra-balho que tem sido desenvolvido em suas disciplinas, bem como propiciem uma base sólida de saberes para viabilizar um melhor trabalho em sua sala de aula no caminho que devemos trilhar na conquista desta escola huma-nística e de qualidade social. Tenham todos(as) uma ótima leitura!

•O Núcleo HUMANAS/UFC

Ao final do ano de 2003, o Ministério da Educação - MEC deu início à construção de uma política pública de formação continuada de professores. O diferencial, desse projeto do MEC, era a articulação institucional entre os sistemas de ensino básico e as universidades. O alvo dessa iniciativa: as escolas públicas e comunitárias. O MEC traduziu tal espírito na expressão coloquial “levar a universidade ao chão da escola”.

Para concretizar o projeto, o MEC instituiu a Rede Nacional de Forma-ção Continuada de Professores de Educação Básica (REDE), criada com o objetivo de contribuir para a melhoria da formação continuada dos profes-sores. A REDE é composta por dezenove universidades que se constituem em Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação. Essas universi-dades são responsáveis pela elaboração e execução de programas de for-mação continuada em cinco áreas de conhecimento: Matemática e Ciências, Alfabetização e Linguagem, Artes e Educação Física, Ciências Humanas e Sociais e Avaliação e Gestão Escolar.

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A Universidade Federal do Ceará instituiu o HUMANAS/UFC (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada para o Desenvolvimento das Humanidades), integrando-se à REDE, juntamente com a Universidade Federal do Amazonas - UFAM e a Universidade Católica de Minas Gerais - PUC, para a formação de professores na área de Ciências Humanas e So-ciais.

O Núcleo HUMANAS/UFC está vinculado ao Departamento de Socio-logia e ao Instituto UFC-Virtual, órgão que vem desenvolvendo, desde o ano de 2000, pesquisas na produção de conteúdos educacionais que possam ser utilizados em diversas situações de aprendizagem tanto por professores quanto por alunos.

A missão do Núcleo HUMANAS/UFC é oferecer aos professores da Educação Básica, particularmente àqueles ligados às Ciências Humanas e Sociais, elementos para a reflexão teórico-prática em torno da relação entre trabalho, desenvolvimento e educação; refletir sobre as formas de relação entre a escola e seu entorno; e propor a criação de uma rede virtual de dis-cussão sobre o significado das Humanidades na Formação Continuada.

Nosso principal objetivo é a elaboração de programas de formação continuada para professores da rede pública de ensino, compreendendo a necessidade de repensar teorias e métodos, em especial para o ensino das Ciências Humanas e Sociais nas escolas públicas do ensino básico (educa-ção infantil, ensino fundamental e ensino médio). Entre os objetivos espe-cíficos: oferecer programas de formação continuada aos docentes da Edu-cação Básica; formar professores/tutores que se destinam à mobilização e qualificação dos professores; constituir Células de Educação Continuada em contextos escolares.

Assim, as ações, desenvolvidas no Núcleo, buscam redimensionar essa área do conhecimento e reestruturá-la a partir de uma nova concepção de Humanidades, centrada na perspectiva da inclusão. As ações definidas para o HUMANAS são: desenvolvimento de programas e cursos de formação continuada de professores e gestores para as redes de educação infantil e fundamental, à distância e semi-presenciais, incluindo a elaboração de material didático para a formação docente (livros, vídeos, softwares); de-senvolvimento de projetos de formação de professores/tutores para os pro-gramas e cursos de educação continuada; desenvolvimento de tecnologia educacional para o Ensino Fundamental e a gestão de redes e unidades de

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educação pública; e associação a Instituições de Ensino Superior e outras Organizações para a oferta de programas de formação continuada, bem como, a implantação de novas tecnologias de ensino e gestão em unidades e redes de ensino.

O projeto pedagógico do HUMANAS/UFC expressa os valores que seguem as diretrizes norteadoras apontadas pela REDE/MEC: a formação continuada é exigência da atividade profissional no mundo atual; a forma-ção continuada deve ter como referência a prática docente e o conhecimento teórico; a formação continuada vai além da oferta de cursos de atualização ou treinamento; a formação, para ser continuada, deve integrar-se no dia-a-dia da escola; e a formação continuada é componente essencial da profissio-nalização docente. Portanto, a formação profissional continuada possibilita aos profissionais da educação o necessário processo de uma prática profis-sional alicerçada na constante reflexão crítica, sistemática, e disciplinada sobre o trabalho pedagógico.

As experiências formativas do Núcleo acontecem no formato de tutoria. O(a) tutor(a) é um(a) professor(a), um(a) técnico(a) ou um(a) gestor(a) do sistema público de educação básica que tenha concluído ou esteja matriculado(a) em cursos de pós-graduação nas áreas da Filosofia, das Ciências Sociais ou áreas afins. O(a) tutor(a) pode ser também um(a) professor(a) universitário(a), igualmente da área de Ciências Sociais e afins, lotado(a) nos diversos campi das instituições públicas de ensino superior. A principal função do(a) tutor(a) é mediar a formação continuada dos(as) professores(as). Sendo assim, preferencialmente, o(a) tutor(a) também deve pertencer à comunidade escolar local. Os(as) tutores(as) recebem uma for-mação teórica geral em torno dos processos sociais referentes à problemá-tica do trabalho, do desenvolvimento e da educação, e uma formação em ambiente colaborativo virtual, cujo objetivo é familiarizá-los com as tecno-logias de ensino a distância, oferecendo a discussão teórica e as habilida-des práticas para a criação e acompanhamento de projetos e comunidades. Esta formação permitir-lhes-á fazer o acompanhamento dos professores por meio da internet, nos casos em que a modalidade seja possível.

A Metodologia do Trabalho em Células de Educação Continuada para as Humanidades, utilizada pelo Núcleo, compreende a escola como um es-paço socialmente constituído, onde se confrontam e realizam os saberes e os poderes de grupos e classes, cujo teor teórico-prático necessita ser per-manentemente evidenciado e avaliado, de modo que cada um dos agentes

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possa identificar com clareza o lugar de onde está falando (ou, ao contrário, o lugar onde emudeceu).

A Célula de Educação Continuada para as Humanidades constitui-se de um pequeno grupo de trabalho composto por agentes da comunidade escolar, que se comunica sistematicamente para trocar informações acerca da prática de ensino, bem como realizar projetos e fazer estudos e pesquisas. Tem como princípio a troca das experiências vividas pelos diversos agentes em face da relação existente entre a escola e seu entorno.

As trocas de experiências pedagógicas nas células de educação permi-tem a identificação dos problemas e das soluções possíveis, em que se es-tabelece uma pauta de questões para estudos mais aprofundados. Sendo a ‘troca’ o princípio fundamental da metodologia em Células, ressalta-se aí a necessidade das parcerias e, portanto, das relações em rede. A “troca”, como princípio, também ressalta os atributos mais fundamentais da vida em sociedade, os quais dizem respeito às ações de dar, receber e retribuir, que estabelecem os laços entre os indivíduos e criam as obrigações morais, no sentido sociológico.

O trabalho com a Metodologia de Células de Educação Continuada proporciona momentos por excelência para o reconhecimento do “outro”, favorecendo a construção de um coletivo possível (“comunidade de desti-no”). Isso significa que as Células de Educação Continuada mobilizam as diversas circunstâncias de espaço, tempo e significados que cada um de seus membros aciona e negocia no contato com os seus saberes e com os dos demais participantes.

Diante do exposto, importa ressaltar que a Célula não se resume a um “grupo de estudo” ou “equipe de trabalho”. Ao contrário, trata-se de uma metodologia participativa, na qual os participantes devem ter como pro-posta a articulação do referencial teórico com suas experiências no dia-a-dia escolar, numa dinâmica que vincula horizontalmente teoria e prática (fora das hierarquias burocráticas).

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NO NÍVEL MÉDIO

Evanildo Costeski - UFC3

1.1 Introdução

Finalmente, o ensino de filosofia passa a ser obrigatório em todas as séries do Ensino Médio, como determina a lei 11.684 de 02 de junho de 2008. É uma grande vitória para os estudantes e as escolas de Ensino Médio, para as Universidades e os estudantes dos cursos de Licenciatura em Filosofia e, enfim, para a própria educação brasileira. O ensino de Filosofia já tem uma longa tradição em países como a França e a Itália, referências na cultura ocidental em educação humanística. Sem a Filosofia, a educação tende a ser puramente técnica, sem uma discussão fundamentada sobre os diversos valores morais necessários para a construção de um país democrático. Além disso, as próprias ciências perdem a oportunidade de tornar os seus princí-pios epistemológicos mais claros e coerentes para os alunos.

As formações humanística e científica não podem estar separadas. A Filosofia oferece todas as condições para se pensar uma educação interdis-ciplinar, onde valores morais e éticos possam coexistir com pesquisas cientí-ficas, sem prejuízos para o meio-ambiente e o desenvolvimento da civiliza-ção humana. É verdade que essa função não é específica da Filosofia. Todas as ciências devem visar a formação integral do ser humano, porém, essa formação não seria completa sem a Filosofia.

O Inciso III do § 1º do Artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394 de 20/12/1996), revogado pela lei 11.684 de 2 junho de 2008, dizia que o estudante deveria, no final do Ensino Médio, demonstrar o “domí-nio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercí-cio da cidadania”. Este objetivo foi sucessivamente reiterado pelos PCN e

3 É graduado em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração – USC. Mestre e Doutor em Filosofia pela Pontífice Universidade Gregoriana. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Ceará – UFC.

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Orientações Curriculares para o Ensino Médio e confirmado pelo Parecer CNE/CEB 38/2006 do Conselho Nacional da Educação, sobre a obrigatoriedade da Filosofia e da Sociologia no Ensino Médio. Como sabemos, até a lei da obrigatoriedade, o conhecimento de Filosofia e Sociologia era apenas trans-versal no Ensino Médio. Nesse sentido, a revogação do Inciso III do art. 36 de LDB pela lei 11.684 de 2008 mostra que os conhecimentos filosóficos e sociológicos necessários para o exercício da cidadania não devem mais ser apenas transversais, mas da própria Filosofia e Sociologia enquanto disci-plinas obrigatórias. Mas, como a Filosofia pode contribuir para o exercício da cidadania? Para isso, faz-se necessário a compreensão prévia do termo “Filosofia” e “cidadania”. As Orientações Curriculares para o Ensino médio, vol. 3, no ítem “Conhecimentos de Filosofia”, apresentam as bases para essa compreensão.

Não há uma compreensão unívoca da Filosofia. Cada filósofo tem o seu sistema de idéias. A Filosofia platônica é diferente da aristotélica, como a kantiana é diferente da hegeliana ou da marxista e assim por diante. Todas as filosofias são coerentes e importantes. Cada uma tem uma lógica própria, que merece ser estudada e interpretada. Diante desse mosaico de filosofias, o professor do Ensino Médio também poderá ter as suas preferências, aliás, é importante que tenha, para que possa fundamentar seu ponto de vista e sua visão de mundo.

O conceito de “cidadania”, tampouco, é unívoco. Assim como a Filoso-fia, a compreensão de cidadania está em processo, em um movimento que nada tem de fixo. Na verdade, a formação para a cidadania não depende apenas da Filosofia e da Sociologia. Ela é objeto de formação de toda Edu-cação básica (LDB, art. 32) e do Ensino Médio em especial (LDB, art. 36). A formação para a cidadania depende de um conjunto de disciplinas. Para ser cidadão, não basta apenas compreensão política, mas é necessário, outros-sim, um conhecimento científico adequado das ciências naturais e tecno-lógicas. Qual seria, então, a especificidade da Filosofia na formação para a cidadania? Como esclarecem as Orientações para o Ensino Médio:

A resposta a essa questão destaca o papel peculiar da filosofia no desen-volvimento da competência geral de fala, leitura e escrita – competên-cia aqui compreendida de um modo bastante especial e ligada à natu-reza argumentativa da Filosofia e à sua tradição histórica. Cabe, então, especificamente à Filosofia a capacidade de análise, de reconstrução racional e de crítica, a partir da compreensão de que tomar posições diante de textos propostos de qualquer tipo (tanto textos filosóficos

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quanto textos não filosóficos e formações discursivas não explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca deles é um pressuposto indispensá-vel para o exercício da cidadania (BRASIL, 2009, p. 26).

A importância da Filosofia para a formação humana é maior do que sua ambigüidade. O estudo dos diversos textos filosóficos constitui um interes-sante exercício para a arte do diálogo, da tolerância e do respeito às diversas opiniões, necessárias para o exercício da cidadania. É a própria diversidade histórica da Filosofia que dá sentido à sua unidade. Sem diferenças não há reflexão, não há diálogo e, conseqüentemente, não há cidadania.

Desse modo, a ambigüidade da Filosofia, isto é, o fato de não existir uma única Filosofia, mas diversas “filosofias”, segundo o ponto de vista particular de diferentes filósofos e sistemas que constituem a história da filosofia, acaba favorecendo a educação para a tolerância, para a liberdade e para o diálogo, bases para uma verdadeira cidadania. Daí a importância da História da Filosofia para o Ensino de Filosofia. O educando aprenderá que as contradições e as diferentes opiniões filosóficas constituem um processo que nada tem de negativo, ao contrário, formam a base para uma sociedade verdadeiramente democrática, onde o respeito às diferenças constituem a regra, não a exceção.

1.2 O Ensino de Filosofia como Direito à Filosofia

O ensino da Filosofia é, portanto, necessário para a formação e o exer-cício da cidadania. Essa é a principal justificativa teórica para a implantação oficial da Filosofia no Ensino Médio. A formação para a cidadania é um direito e um dever de todos os brasileiros. Trata-se de uma verdade irre-futável. Mas será que não se poderia dizer o mesmo da Filosofia? O direi-to ao exercício da cidadania supõe o direito à Filosofia, tal como afirma J. Derrida (1990). O princípio derridariano do “direito à Filosofia para todos” fundamentou a discussão sobre a reforma do ensino de Filosofia na França (GALICHET, 2000, p. 53). Em nossa opinião, sem esse princípio, a própria compreensão do direito à cidadania fica incompleto.

Em uma conferência proferida em 1991, intitulada “O direito à Filosofia do ponto de vista cosmopolita”, sob o patrocínio da Unesco, Derrida expli-cita em três pontos a questão do direito à filosofia.

a) O direito à Filosofia é cosmopolita, isto é, não pode ser reduzido a uma

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nação ou apenas a uma cultura. Ele vai além, inclusive dos dois modelos tradicionalmente hegemônicos na filosofia mundial: o continental e o an-glo-saxão analítico. Eis o que diz Derrida:

Uma certa história, notadamente mas não só uma história colonial, constitui esses dois modelos em referências hegemônicas no mundo inteiro. O direito à filosofia passa não apenas por uma apropriação des-ses dois modelos concorrentes e, no limite, de todo modelo por todos e por todas (...), o direito de todos e de todas à filosofia passa também pela reflexão, pela mudança e pela deconstituição dessas hegemonias, pelo acesso a lugares e a eventos filosóficos que não se esgotam nes-sas duas tradições dominantes nem nessas línguas (DERRIDA, 2004, p. 23).

É verdade que a Filosofia teve a sua origem na Grécia, em uma determi-nada língua e cultura. Mas se ela foi grega no início, rapidamente se tornou multicultural, tornando-se patrimônio de todos os povos, de uma única e mesma humanidade.

(...) a filosofia jamais foi o desdobramento responsável de uma úni-ca destinação originária ligada à língua única ou ao lugar de um só povo. A filosofia não tem uma só memória. Sob o seu nome grego e em sua memória européia, ela sempre foi bastarda, híbrida, enxertada, multilinear, poliglota e cumpre-nos ajustar nossa prática da história da filosofia, da história e da filosofia, a essa realidade que foi também uma chance e que permanece mais do que nunca uma chance. O que eu digo aqui da filosofia pode-se dizer igualmente, e pelas mesmas razões, do direito e da democracia (DERRIDA, 2004, p. 21-22).

b) A reflexão filosófica é autônoma. Se até o momento ela foi produzida em língua grega, latina, árabe, alemã, inglesa ou francesa, isso não significa que não se pode filosofar em outras línguas. O mesmo pode ser dito em re-lação à religião e às ciências exatas, naturais e tecnológicas. Uma política do direito à filosofia para todos e para todas não é somente uma política da ci-ência e da técnica, mas uma política do pensamento, que respeite a autonomia irredutível da filosofia diante das ciências e das religiões (DERRIDA, 2004, p. 24). Como afirma Derrida:

Tendo-se em conta o que liga a ciência à técnica, à economia, aos inte-resses político-econômicos ou político-militares, a autonomia da filoso-fia em face da ciência é tão essencial à prática de um direito à filosofia quanto a autonomia em face das religiões é essencial para quem queira que o acesso à filosofia não seja interdito a nenhuma pessoa, homem ou

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mulher. Eu faço aqui alusão ao que em cada área cultural, linguística, nacional religiosa, possa limitar o direito à filosofia por razões sociais, políticas ou religiosas, devido à pertença a uma classe, a uma idade, a um sexo ‒ ou a tudo isso ao mesmo tempo (DERRIDA, 2004, p. 25).

A afirmação de Derrida é realmente surpreendente: o direito à Filosofia não pode ser proibido a nenhuma pessoa, homem ou mulher; por razões de idade, de sexo, de língua ou por motivações políticas e religiosas. O acesso ao pensamento autônomo é um direito de todos. Todos têm o direito de saber as razões últimas do seu pensamento, se ele é realmente seu pensamento ou imposto por uma ideologia externa. A Filosofia é obra do pensamento e o pensamento é universal, de todos os seres humanos; logo, a Filosofia deve ser também universal.

c) O Direito universal à Filosofia justifica a sua institucionalização peda-gógica oficial. É certo que a reflexão filosófica não se limita às instituições oficiais, mas “é evidente por si que todas as diferenças de tradição, de esti-lo, de língua, de nacionalidade filosófica são traduzidas ou encarnadas em modelos institucionais ou pedagógicos, às vezes até produzidas por essas estruturas (a escola, o colégio, o liceu, a universidade e as intituições de pesquisa)” (DERRIDA, 2004, p. 26). Não obstante, o direito à filosofia ser relativamente reconhecido pelos acadêmicos e pela classe política, é um fato que a filosofia sofre de uma série de restrições pedagógicas. Para muitos o acesso à Filosofia é limitado e até proibido. Como expressa Derrida:

É que, para além dos motivos políticos ou religiosos, para além dos motivos de aparência pedagógica que podem levar a limitar o direito à filosofia e até a proibi-la (a determinada classe social, às mulheres e aos adolescentes antes de uma certa idade etc., aos especialistas desta ou daquela disciplina ou aos membros deste ou daquele grupo), além mesmo de todos os motivos de discriminação a esse respeito, a filosofia sofre em toda parte, na Europa e alhures, em seu ensino e em sua pes-quisa, de um limite que, conquanto não tome sempre a forma explícita de uma proibição ou da censura, recai nisso não obstante, simplesmen-te devido à limitação dos meios postos em ação para sustentar o ensino e a pesquisa filosóficos. Essa limitação é motivada, eu não digo justi-ficada, tanto em sociedades de tipo capitalista liberal, socialistas ou social-democráticas, sem falar de regimes autoritários ou totalitários, por equilíbrios orçamentários que concedem a prioridade às pesquisas e as formações para a pesquisa dita, muitas vezes a justo título, útil, rentável, urgente, à ciência dita finalizada, aos imperativos tecnoeco-nômicos e até científico-militares (ibid, id., p. 26-27).

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Não se trata de forma alguma de contestar o ensino técnico-científico. Esse é indispensável para o desenvolvimento da humanidade e da própria filosofia. Mas o progresso científico deveria vir acompanhado de um au-mento de responsabilidade moral e de espírito crítico. Por isso, o direito à filosofia se torna ainda mais urgente. Infelizmente, no Brasil, esse direito não é ainda aplicado aos alunos do Ensino Fundamental. O fato de os ado-lescentes terem acesso, pela internet, a todo tipo de informação justifica a necessidade de se estabeler critérios para esse acesso. A Filosofia poderia perfeitamente ajudar na classificação dessas informações e no estabeleci-mento desses critérios, ao menos subjetivamente. Sem o ensino curricular da Filosofia, os adolescentes do Ensino fundamental ficam individualmente mais vulneráveis e sujeitos aos diversos níveis de manipulação. Essa situa-ção ilustra muito bem as consequências da ausência da Filosofia em todos níveis da educação básica.

Entretanto, isso não obscurece o fato de que a institucionalização da filosofia no Ensino Médio é uma grande vitória para a Filosofia brasileira. É verdade que uma hora por semana é pouco, mas já é alguma coisa. Além da sala de aula, a Filosofia pode contribuir também com outras atividades aca-dêmicas e culturais na Escola. A atividade filosófica não se reduz à sala de aula, mas a toda atividade escolar. No que segue, trataremos primeiramente do ensino de filosofia em sala de aula e depois falaremos de outras possíveis atividades filosóficas na Escola.

1.3 O Ensino de Filosofia em sala de aula

Vimos que a história da Filosofia é fundamental para o Ensino de Filo-sofia e o exercício de cidadania. Porém, isso não significa que ele precisa ser puramente histórico e conteudístico. Como afirma Marcos Nobre: “entupir a cabeça dos alunos com a história do pensamento filosófico, da Grécia An-tiga aos dias atuais (...), vai produzir, quando muito, bocejos ostensivos” (Folha de São Paulo, 03/02/2009). O Ensino da História da Filosofia precisa ser contextualizado. É preciso “associar adequadamente temas e textos” (Orientações, p. 33). Os textos filosóficos devem possibilitar a reflexão sobre os temas que interessam aos alunos e vice-e-versa.

O Ensino de Filosofia torna-se possível, portanto, a partir de dois con-teúdos: um sistemático e coerente, oriundo dos textos e dos filósofos que constituem a História da Filosofia; e um outro assistemático, originário da própria vivência dos alunos. Trata-se aqui da clássica divisão entre saber

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comum e saber científico, com a diferença que o Ensino de Filosofia não está apenas no aprendizado de um puro saber científico, mas na articulação do saber comum com o saber produzido pela história da filosofia.

Para o professor Sílvio Gallo, “ensinar filosofia é ensinar o ato, o proces-so do filosofar” (2007, p. 16). Para tanto, ele desenvolve quatro momentos: Sensibilização, Problematização, Investigação e Criação de Conceitos (Ibid., p. 25-31). A nossa proposta é semelhante à de Sílvio Gallo, com algumas adaptações. Ela também envolve quatro etapas:

a) Problematização inicial: o pensamento filosófico é motivado pelo estado de crise, isto é, pela tomada de consciência dos problemas da vida humana, da sociedade e do mundo em geral. Mas não é suficiente que o professor de filosofia apresente problemas externos, é necessário que os próprios alunos desenvolvam questões a partir de suas experiências próprias. Assim como a etapa da Sensibilização de Sílvio Gallo, o objetivo deste momento “é fazer com os estudantes vivam, ‘sintam na pele’, um problema filosófico a par-tir de um elemento não-filosófico” (Ibid., p. 26). Para essa problematização inicial, poderão ser usados recursos diversos, tais como: filmes, documen-tários, letras de músicas, programas de televisão, trechos de literatura e po-esia, etc. “Em suma, algo que chame a atenção dos estudantes, sobretudo por falar na sua própria linguagem, e que desperte seu interesse por um determinado problema” (op. cit).

É muito importante que o professor de filosofia seja receptivo e não faça pré-julgamento dos temas e problemas apresentados pelos alunos. Mesmo questões religiosas podem motivar uma discussão filosófica. Uma discus-são sobre a fé religiosa pode levar a uma discussão sobre os diversos tipos de paixões que dão sentido à vida moderna como, por exemplo, a paixão pelos clubes de futebol, por filmes e por telenovelas. Um dos principais im-pedimentos para reflexão filosófica são as afirmações taxativas, as certezas prontas e as opiniões cristalizadas (GALLO, 2007, p. 29). Portanto, as diver-sidades de opiniões e temas devem ser vistas como algo positivo. Quanto mais contradições e discussões, mais o pensamento estará livre para o exer-cício da reflexão filosófica.

Após o levantamento de temas e problemas gerais vividos pelos estu-dantes, o professor fará uma primeira classificação dos mesmos, os quais poderão ser éticos, sociais, religiosos, políticos, econômicos, psicológicos, ambientais, culturais, etc. Não se trata ainda de uma classificação filosófi-

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ca, mas apenas metodológica. A filosofia não terá respostas para todos os problemas levantados, mas certamente posssibilitará uma reflexão sobre os mesmos.

b) Investigação dos problemas: a investigação filosófica dos problemas levantados na primeira etapa pode ser feita de duas maneiras: uma mais temática e outra mais histórica. A temática concentrar-se-á sobre os problemas levantados pelos alunos e classificados preliminarmente pelo professor. Com base nessa classificação, o professor selecionará textos filosóficos apropriados à problemática levantada. Por exemplo: para problemas éticos e morais, poderão ser selecionados textos de filósofos clássicos (Aristóteles) e de modernos e contemporâneos (Kant e Levinás); para questões existenciais, poderão ser destacadas as contribuições de Kierkegaard, Camus e Sartre. Para problemas socias e econômicos, textos de K. Marx e assim por diante. Após a leitura de trechos específicos da obra de autores clássicos e contemporâneos, o professor tratará de discutir com os estudantes, buscando a contextualização dos textos filosóficos. Nesse momento, poderão ser tiradas dúvidas sobre o pensamento do filósofo, da sua vida e da sua relação com história humana em geral. Nesse processo, prioritariamente temático, a história da filosofia não será o centro da investigação, mas “um recurso necessário para pensar o nosso próprio tempo, nossos próprios problemas” (loc. cit.). Com o tempo, depois de várias leituras de textos filosóficos do período clássico, moderno e contemporâneo, o aluno poderá ter uma visão mais ampla e geral da história da Filosofia. Mas o objetivo primeiro da investigação temática será a reflexão sobre as questões atuais, não o conhecimento aprofundado da história da Filosofia.

Já na investigação histórica, os problemas atuais continuam sendo o foco principal, mas ao contrário do processo temático, a reflexão sobre eles será indireta, a partir da própria interpretação da história da Filosofia. Para isso, o estudo da história da Filosofia deverá ser contextualizado, de acordo com as questões levantadas pelos alunos e classificadas previamente pelo professor. As estruturas dos mitos gregos poderão ser comparadas com a estruturas de alguns filmes contemporâneos que expressam claramente a situação do homem moderno. A trilogia cinematográfica estrelada por Matt Damon e dirigida por Paul Greengrass se presta a esse estudo comparativo. Os filmes A Identidade Bourne, A supremacia Bourne e o Ultimato Bourne têm como tema principal a busca de uma identidade perdida através de vários perigos e desafios até alcancar um novo renascimento, bem semelhante à estrutura de vários mitos gregos, como por exemplo, o mito de Jasão e os Ar-

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gonautas. A primeira trilogia de Guerra das Estrelas de George Lucas, em que o filho tem a angustiante missão de matar o pai, tem também seu fun-damento nos mitos gregos, em particular, no mito de Édipo.

Depois da contextualização de alguns mitos, o professor pode traba-lhar com alguns diálogos platônicos, como o Mito da Caverna, a Apologia de Sócrates e o Banquete. Através do Mito da Caverna pode-se falar da alienação midiática contemporânea; já a Apologia destaca, entre outros, o problema da violência, da aplicação da lei e da justiça e o Banquete das diversas formas de amor, que constituem, certamente, um discurso sempre atraente aos jo-vens.

No período moderno, a leitura das três primeiras meditações de Des-cartes pode levar o jovem a questionar o seu conhecimento sobre a realida-de. Será que estou sonhando? O que estou vendo passar diante de mim será um homem ou um robô? São questões que podem ir ao encontro de várias questões destacadas pelos jovens na primeira etapa. Os famosos quatro ído-los de Bacon que bloqueam a mente humana: Ídolos da Tribo, Ídolos da Caver-na, Ídolos do Foro e Ídolos do Teatro ajudam a mostrar para o aluno que a nossa mente pode estar impregnada de conceitos falsos e ideológicos. Já a leitura de partes do Manifesto comunista de K. Marx revela ao jovem as situações injustas presentes no trabalho, na economia e na sociedade atual.

Enfim, na investigação histórica, cabe ao professor selecionar textos e interpretá-los de forma contextualizada, respeitando o próprio desenvolvi-mento do pensamento filosófico. O resultado é semelhante ao da investiga-ção temática, já que ambos os processos têm como foco principal os proble-mas classificados na primeira fase. A diferença é apenas metodológica. Na investigação temática, os textos são selecionados a partir dos temas previa-mente classificados, enquanto na histórica os textos são lidos e estudados de forma sistemática, respeitando o percurso histórico; apenas no final são contextualizados de acordo com os temas selecionados.

c) Criação de conceitos: para o professor Sílvio Gallo, a criação de conceitos é a última etapa do processo de ensino. Sugerimos que esta seja um terceira etapa, seguida de uma quarta, chamada de Socialização de Conceitos. Isso porque a criação é um processo puramente individual que precisa, certa-mente, ser socializado com os demais alunos em sala de aula.

Para definir o ensino de filosofia como criação de conceitos, Sílvio Gallo

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cita os filósofos franceses Deleuze e Guattari:

O filósofo é o amigo do conceito, ele é o conceito em potência. Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente for-mas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disci-plina que consiste em criar conceitos (...) Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia. É porque o conceito precisa ser criado que ele remete ao filósofo como aquele que o tem em potência, ou que tem sua potência e sua competência (...) Os conceitos não nos esperam in-teiramente feitos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou antes criados, e não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam (...) Que valeria um filó-sofo do qual se pudesse dizer: ele não criou um conceito, ele não criou seus conceitos? (DELEUZE & GUATARRI, 2007, p. 13-14 apud GALLO, 2007, p. 23).

Bem entendido: não se trata aqui de um “conceito científico”, pura-mente abstrato, mas de “uma forma racional de equacionar um problema ou problemas, exprimindo uma visão coerente do vivido; isto é, o conceito é uma forma de lançar inteligibilidade sobre o mundo” (GALLO, 2007, p. 23). O estudante será motivado a criar conceitos em sala de aula, com base na leitura de textos filosóficos e discussões com o professor e demais alunos. Os conceitos não precisam ser definitivos nem precisam explicar todos os problemas. Esses podem ser fundamentados não apenas na Filosofia, mas também nas ciências em geral. O jovem estudante do Ensino Médio poderá criar, inicialmente, apenas um conceito pessoal, para explicar sua própria experiência e, assim, orientar filosoficamente a sua vida. Isso não obscurece o fato de ele ter feito, de forma autônoma, uma experiência de pensamento. Nesse momento, é importante que o professor deixe o estudante à vontade, para que o pensamento possa fluir livremente, orientando-o apenas quando necessário.

d) Socialização de conceitos: após a criação individual de conceitos filosóficos iniciais, os estudantes são encorajados a partilhá-los com os outros colegas da sala. Nesse momento, os conceitos poderão ser criticados, possibilitan-do, assim, um amadurecimento do aprendizado filosófico. O importante é que o aluno do Ensino Médio aprenda a discutir e a compartilhar sua expe-riência reflexiva.

A socialização de saberes é fundamental para o Ensino Médio. Da mes-ma forma que outros conhecimentos, os conceitos filosóficos precisam ser

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compartilhados. A socialização pode ser feita tanto em sala de aula, como em semanas específicas, destinadas a trabalhos científicos e culturais na Es-cola. Essa experiência é importante porque faz com que a filosofia se inte-gre mais no currículo escolar e nas atividades interdisciplinares, necessárias para o crescimento intelectual do aluno.

Como já foi dito, os conceitos não são meros instrumentos científicos, mas verdadeiras armas que podem servir para transformar a vida do aluno e o meio em que vive. Silvio Gallo conclui que os conceitos são ferramentas, e podem ser armas, dependendo do uso que deles fazemos. É claro que as armas não são boas ou más em si mesmas; os conceitos podem ser armas de transformação ou armas de conservação, dependendo das intenções de quem os usa. A aula de Filosofia como oficina de conceitos está longe, por-tanto, de ser um empreendimento ingênuo ou alienado. Pode ser arma de luta; o conceito pode ser ferramenta de engajamento.

Mas uma arma ou ferramenta de transformação pode ser instituciona-lizada oficialmente? Como conciliar a criação de conceitos filosóficos com o currículo escolar? Como a Filosofia pode ser revolucionária dentro da ins-tituição escolar brasileira? É suficiente afirmar que a filosofia é necessária para a formação da cidadania e da democracia para torná-la revolucioná-ria? São questões que precisam ser devidamente esclarecidas, para que a filosofia possa cumprir o seu papel na educação dos jovens. Para isso, é necessário que a Filosofia extrapole os limites da sala de aula e passe a atuar na Escola e na comunidade como um todo.

1.4 A Filosofia na Escola

A socialização dos conceitos pode ser feita não apenas em sala de aula, mas na Escola e na comunidade. Faz algum tempo que a Escola Pública não é mais apenas um espaço para o ensino formal. Ela representa um ponto de apoio acadêmico, cultural e esportivo para muitas comunidades. Os pró-prios alunos ocupam o espaço da escola para realizar trabalhos extras nos contraturnos e nos sábados. As salas de aula continuam a ser o foco princi-pal, mas existem muitas outras atividades que exigem atenção dos alunos, como as preparações específicas para o Enem, para os vestibulares, para as olimpíadas de conhecimento, etc. A Filosofia não pode ficar alheia a essas atividades. É possível criar grupos de estudos específicos para as provas do Enem e para os vestibulares. Além dessas atividades prioritariamente acadêmicas, pode-se pensar em atividades interdisciplinares e debates cul-

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turais sobre cinema e Filosofia, literatura e Filosofia e assim por diante, não apenas para os alunos da escola, mas para toda a comunidade.

Com a obrigatoriedade curricular da Filosofia, todas essas atividades extras podem agora ser realizadas pela Escola. A presença da Filosofia na escola vai além da sala de aula. Já é hora, por exemplo, de os cursinhos discutirem textos filosóficos, relacionando-os com outros conhecimentos, para que o aluno tenha consciência da importância da Filosofia para o co-nhecimento humano e científico em geral. As oportunidades existem. No momento, discute-se sobre o futuro dos vestibulares. O MEC pretende substituir os vestibulares tradicionais por um novo Enem nacional. Essa mudança poderia representar uma nova oportunidade para a Filosofia, pelo fato de muitos professores de Filosofia rejeitarem a presença de conteúdos filosóficos no vestibular tradicional. Entretanto, é preciso esperar para ver como será o conteúdo de Filosofia no novo Enem e o seu impacto no Ensino médio. Infelizmente, a julgar pela Matriz de Referência para o Enem 2009 divulgada pelo MEC, as perspectivas para a Filosofia não são muito boas. Parece que novamente a Filosofia será relegada ao segundo plano. Porém, não queremos fazer, aqui, um julgamento apressado. É possível que, nos próximos anos, essa situação mude, a partir do momento em que a Filosofia for implantada em todas as séries do Ensino Médio. Queremos, somente, chamar a atenção para o fato de que a ausência de conteúdo filosófico espe-cífico no Enem nacional fará com que as escolas, principalmente as particu-lares, continuem a dar pouca atenção à Filosofia.

É verdade que a Filosofia não pode se tornar refém de nenhuma ava-liação oficial. A importância da Filosofia para a formação moral e cidadã do aluno não poderá ser reduzida a uma prova específica. Ela deve per-manecer autônoma e ir além do que é exigido formalmente pelos órgãos governamentares. Caberá aos professores defender a autonomia da filoso-fia e, ao mesmo tempo, integrá-la nas atividades corriqueiras da Escola e de outras atividades oficiais e extra-oficiais, sejam nacionais, estaduais ou municipais.

1.5 Considerações finais

Os professores de Filosofia devem ter orgulho de seu trabalho. A Filo-sofia não é, não foi, e nunca será secundária na formação humana. Se ela foi considerada sem importância no Ensino Médio brasileiro, isso aconteceu por opções políticas ditatoriais ou pelo domínio de uma formação exces-

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sivamente tecnológica. É certo que a Filosofia pode ser negada e rejeitada oficialmente. Mas, como mostra o filósofo Eric Weil (1996), essa negação implica na instituição da violência na história humana. Mais precisamente de uma violência contra o direito fundamental de todos à Filosofia.

A lei da obrigatoriedade da Filosofia no Ensino médio reconhece im-plicitamente esse direito fundamental. Entretanto, muito precisa ainda ser feito. Infelizmente, o direito à Filosofia ainda não é reconhecido oficialmen-te para os adolescentes e para as crianças, apesar de existir já uma larga experiência em ensino de filosofia para crianças e adolescentes em muitas escolas brasileiras.

Bem entendido: o direito à Filosofia não implica que todos devem se tornar filósofos. Trata-se primeiramente de um direito de acesso aos conteúdos filosóficos que constituem a história humana e, depois, de um direito de exercer a arte da reflexão filosófica, independentemente de língua, raça, idade, classe social, etc. Da mesma forma que quem estuda matemática ou história não precisa, necessariamente, ser matemático ou historiador, o jovem estudante não precisa ser filósofo para exercer a arte da reflexão filosófica em sua atividade diária.

A metodologia para o ensino de Filosofia, explicitada neste artigo, não exclui outras tantas possíveis. Basta conferir as recentes publicações sobre o Ensino de Filosofia, para se ter uma idéia das variedades de opções meto-dológicas propostas pelos especialistas. O professor Juarez Gomes Sofiste, da Universidade Federal de Juiz de Fora, propõe o Ensino de Filosofia no Ensino Médio através do método socrático de investigação e diálogo (2007). Em uma linha semelhante a de Sílvio Gallo, a professora Cláudia Cisiane Benetti, da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, apresenta o En-sino de Filosofia a partir da Filosofia de Deleuze, aproximando-o da psica-nálise de Lacan. Em seu livro, ela apresenta um interessante estudo sobre a relação de amor e ódio que os alunos normalmente têm em relação à Fi-losofia (2006). O professor Ronai Pires da Rocha, da Universidade Federal de Santa Maria, em seu mais recente livro, escrito depois do Parecer CNE/CEB 38/2006 do Conselho Nacional da Educação, sobre a obrigatoriedade da Filosofia e Sociologia, realiza um estudo atualizado sobre a didática da Filosofia a partir dos PCN e das Orientações Curriculares de 2006 (2008). Já o professor Renê J. T. Silveira (2007), da Unicamp, apresenta algumas teses para o Ensino de Filosofia influenciadas claramente por Marx e Gramsci, que dadas suas características ideológicas, são mais viáveis aos alunos de

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Escola pública. Esses são apenas alguns exemplos do que está sendo pro-posto atualmente no Brasil para o Ensino de Filosofia no nível Médio. O im-portante é que todos eles supõem implicitamente o direito à filosofia para todos, principalmente para os jovens do Ensino médio. No momento em que o governo federal inicia uma discussão nacional sobre reforma do cur-rículo no Ensino Médio, precisamos cada vez mais tomar consciência desse direito fundamental, para que a Filosofia não passe a ser mais secundária do que já é na formação oficial do Estado.

Referências Bibliográficas

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DERRIDA, J. O direito à filosofia do ponto de vista cosmopolítico. In: GUINSBURG, J. (Org.). A paz perpétua: um projeto para hoje. São Paulo: Perspecti-va, 2004.

GALICHET, F. A didática da filosofia na França: Debates e perspectivas. In: GALLO, S.; KOHAN, W. O. Filosofia no ensino médio. Petrópolis: Vozes, 2000.

__________. A filosofia e seu ensino: conceito e transversalidade. In: SIL-VEIRA, R. J. T.; GOTO, R. Filosofia no ensino médio: temas, problemas e propostas. São Paulo: Loyola, 2007.

SILVEIRA, R. J. T. Teses sobre o ensino de Filosofia no nível médio. In: SILVEI-RA, R. J. T.; GOTO, R. Filosofia no ensino médio: temas, problemas e propos-tas. São Paulo: Loyola, 2007.SOFISTE, J. G. Sócrates e o Ensino da Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2007.

WEIL, E. Logique de la philosophie. Paris: Vrin, 1996.

Para saber mais

Documentos e leis sobre o Ensino médio (LDB, PCNs, Orientações Cur-riculares sobre o Ensino médio, Matriz de Referência para o Enem de 2009), podem ser acessadas no site do MEC: www.portal.mec.gov.br. Algumas Secretarias Estaduais de Educação prepararam material di-dático próprio. Por trazer uma quantidade razoável de conteúdos e textos, indicamos para consulta o livro didático para Filosofia no Ensino Médio da Secretaria Estadual do Paraná. O livro Convite à filosofia da professora Marilena Chauí é referência bibliográfica básica para o Ensino de Filosofia no Brasil. Já no livro Filosofia, publicado pela editora Ática, Chauí traz para o aluno de Ensino Médio uma síntese do conteúdo desenvolvido no livro

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Convite à Filosofia. A abordagem parte tanto da história da Filosofia, quanto de exemplos e situações ligadas ao cotidiano das pessoas. A autora procura, sempre, estimular o estudante a refletir sobre a realidade que o cerca e sobre os problemas sociais e políticos do mundo de hoje.

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