jose d'assunc;ao ban-os - filosofia e história da ... · epistemologias da historia ......
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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
- --. 0 fim da historia. Revista do Mestrado em Hist6ria, Universidade Severino Sombra, v. 9, n. 10, p.ll-21, 2007b.
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HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS OUESTOES
DE METODO E EPISTEMOLOGIA
Jose D'Assunc;ao Ban-os
EPISTEMOLOGIA! DE QUE SE TRATA~
A Epistemologia surge, nos seus primeiros momentos, quando
o pensamento filos6fico comes;a a buscar o estabelecimento de uma
relas;ao entre conhecimento e realidade. Como o conhecimento e
possivel~ Como ele ocorre~ Que representas;ao do mundo e valida e
verdadeira~ Que parte da realidade, se e que ha uma, e cognosdvel,
apreensivel por alguma forma de conhecimento humano:' Quando
a Filosofia comes;a a fazer perguntas como esta, o Conhecimento
passa a ocupar uma posis;ao central como o seu principal interesse, e
ja estamos entio no ambito de uma reflexio epistemol6gica, sendo
possivel dizer que aqui a Filosofia se transforma em uma Teoria do
Conhecimento.
Percebe~se, entio, que a epistemologia tornou~se possivel a partir
da mudans;a de um paradigma filos6fico, tal como prop6e Jiigern
Habermas (1990), e que as condis;oes para o seu aparecimento no
pensamento racionalista ocidental deram~se precisamente a partir
do momento em que se acrescentou uma outra indagas;ao a questio
"o que e a verdader': que ate entio havia reinado senhorialmente
no castelo de preocupas;oes da filosofia ocidental desde Socrates
e P latio, com todo o desenvolvimento da reflexio racionalista
119
EPJSTEMOLOGIAS DA HISTORIA
subsequente. T ratava~se de indagar, a partir da virada epistemologica,
que "verdade" poderia se tornar "objeto de conhecimento': e como
isto poderia se dar. E nao tardaria muito a que se perguntasse se a
verdade de fato existe. As grandes indagas:oes filosoficas deveriam
se voltar agora para a possibilidade de saber, por exemplo, como as
crens:as adquirem valor de verdade.
Uma vez que a epistemologia dirige~se aos problemas
relacionados ao Conhecimento, desdobra~se daf uma preocupas:ao
corn o aparato cognitivo que o torna possfvel. A Consciencia,
entendida como o centro deste aparato cognitivo, desdobra~se
aqui como nos:ao fundamental. Outra nos:ao importante seria a de
Linguagem, vista neste momento como meio que possibilita elaborar
o conhecimento ( e nao como mecanismo que estrutura o proprio
pensamento, tal como ocorreria depois corn a chamada "virada
lingufstica"). De igual maneira, a nos:ao de Metodo, o caminho
atraves do qual pode se produzir o conhecimento em determinadas
dires:oes, torna~se urn desdobramento necessirio para as reflexoes
epistemologicas, e outras nos:oes, tal como a dicotomizas:ao entre
sujeito produtor de conhecimento e objeto do conhecimento terao
aqui o seu lugar. Sobretudo, a relas:ao possfvel entre sujeito e objeto,
ou entre agente do processo cognitivo e realidade, torna~se uma
reflexao imprescindfvel, de modo que aqui se afirmam tambem as
nos:oes de Objetividade e Subjetividade como instincias que se
afirmam nesta relas:ao sujeito/ objeto.
Certamente que a nos:ao de "Ciencia': entre todas estas e delas
se valendo, e ela mesma problematizivel. Logo veremos, ao indagar
pela ciel}tificidade ou nao da Historia, que esta questio dependeri
diretamente da maneira como delineamos o tras:o central do que seria
Ciencia. 0 que define Cienciar Uma abordagemr Uma Metodologia
espedficar Urn tipo de objetor A possibilidade de verificas:aor A
1110
HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
possibilidade de se chegar a leis geraisr Uma vez definido o tras:o
central que caracteriza a Ciencia, os posicionamentos em torno da
questao dacientificidade da Historia tambem se modificam, conforme
teremos a oportunidade de ver. Por outro lado, para alem deste "tras:o
geral': que sed. a base do proprio problema aqui examinado, existe
ji urn certo conjunto de caractedsticas que parecem ser, de acordo
corn o consenso geral na comunidade cientifica, comum a todas as
ciencias. Entre estas citaremos a "Intens:ao da Verdade" (em tempo,
nao a possibilidade de se atingir a Verdade, mas, especificamente,
uma "intens:ao de verdade"), para alem da "busca do conhecimento
como objetivo em si': a"liberdade de discussao e cdtica': eo "Diilogo
e Consulta ao saber acumulado" (BOURDIEU, 1980, p. 24). Sem
estas quatro posturas, nao parece haver quem defenda a possibilidade
de se estar diante de uma pritica corn vistas ao estabelecimento de
urn conhecimento de tipo cientifico.
Enfim, todas as nos:oes ae1ma evocadas, Consciencia,
Linguagem, Metodo, Sujeito, Objeto, Objetividade, Subjetividade,
e a propria Ciencia, tornar~se~ao imprescindfveis para discutir
aspectos epistemologicos relacionados a Historia. De fato, seja
na historiografia ou na filosofia da historia, esta grande reflexao
que podedamos delinear como epistemologica se dirige mais
particularmente as indagas:oes sob re 0 que e 0 conhecimento historico,
e em que condis:oes ele se torna possfvel. Haveri uma relas:ao entre
Historia e Verdader Haveri possibilidade de produzir urn tipo de
conhecimento objetivo ( e, neste caso, corn que tipo de objetividade) r
Ou a historia associa~se, nos virios momentos da operas:ao
historiogrifica, a virias subjetividadesr Que metodo viabiliza a
produs:ao de urn conhecimento historico: seria este urn metodo
anilogo ao das ciencias naturais, ou necessariamente a Historia e
as demais ciencias humanas deveriam buscar o seu proprio padrio
I l l, I
I
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
metodologico? De que operas:oes e finalidades deveria se municiar a
Consciencia Historica, na sua busca de produzir urn conhecimento
sobre a Historia valido e util para a vida: deveria buscar a Explicas:ao
ou a Compreensao do mundo? E, por fim, uma pergunta que tern
flutuado no que se refere a sua impord.ncia para as diversas epocas
historiograficas: sera a Historia uma Ciencia?
As perguntas que se tornam possiveis a Historia no ambito
da Epistemologia sao muitas, e refletiremos ou tangenciaremos
algumas delas. A primeira delas, que muito ocupou os pensadores da
historiografia no decorrer dos seculos XIX e XX, e que ainda hoje se
torna objeto de indagas:oes por parte de muitos dos historiografos,
refere-se precisamente as relas:oes mais imediatas entre Historia e
Ciencia.
HISTORIA E CI:ENCIA
Quando se examina comparativamente o infcio do seculo XX
e o infcio do seculo XXI, corn vistas a compreender as mudans:as
do papel da Ciencia na sociedade, alguns contrastes sobressaem.
Vivemos hoje em uma epoca da historia contemporanea, na qual
a Ciencia e frequentemente chamada a conviver corn conceps:oes
alternativas e questionamentos que postulam a possibilidade de se
atingir conhecimento por outros meios que nao apenas os autorizados
pelos procedimentos cientificos: pela intuis:ao, pela imaginas:ao,
pela experiencia mistica, pela Arte. Tal como ja assinalava Jonathan
Culler em urn ensaio publicado em 1982 corn o titulo "Sobre a
Desconstrus:ao': em plena fase de maior intensidade do debate sobre
a Pos-Modernidade, em que a Ciencia era vista pelos modernistas e
estruturalistas da primeira metade do seculo XX como o maximo
HISTORIA E CIJiNCIA : ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGI A
produto da modernidade. A Ciencia era de fa to "o alfa e o omega dos
modernistas e dos estruturalistas': tal como em urn texto de 1989
sobre Historiografia e P6s-Modernismo afirma Frank Ankersmit
(2001, p.117), que em seguida da a perceber o desinteresse dos pos
modernistas e pos-estruturalistas em discutir o papel da Ciencia no
mundo contemporanea.
Este complexo debate, e esses mesmos deslocamentos relatives
aos interesses em discutir a validade ou nao de admitir urn estatuto
cientifico para a sua propria pratica, tambem atinge os historiadores.
Entre esses, e ja bastante antiga a discussao sobre o estatuto
epistemologico da Historia: Sera uma Ciencia? Que tipo de Ciencia?
E tambem urn Discurso, uma Arte? Trata-se de uma discussao
que tern ela mesma uma historia, cheia de distintas tomadas de
posis:ao, de medias:oes e combinas:oes, de afirmas:oes e rejeis:oes da
cientificidade da Historia, de redefinis:oes do proprio conceito de
"cientificidade': de modo a ajustar o conhecimento historico corn
vistas a permitir a sua integras:ao a urn certo quadro de disciplinas.
No Brasil, o debate estava bem vivo nos anos 1980 e nos anos 1990
ele retrocede, embora sem perder o interesse. No infcio do seculo
XXI, ou ja mesmo a partir da ultima decada do seculo XX, ele
retorna como uma sombra para trazer a contraluz urn outro debate,
que pergunta se a Historia e urn Discurso, aproxima-se da fics:ao, ou
mesmo se e possivel urn conhecimento historico confiavel e util para
a vida.
As posis:oes de historiadores e filosofos perante a questao da
cientificidade possivel da Historia se diversificam, como nao poderia
deixar de ser. Adam Schaff, em seu ensaio "Historia e Verdade"
(1995), procura mostrar que a variedade de posis:oes possiveis
sobre a questao decorre de uma serie de indagas:oes afins, para as
quais nao existe uma resposta unica. Alguns se perguntam: como
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
podera a Hist6ria postular a sua cientificidade, produz~se pontos
de vista distintos sobre o mesmo fato. Ainda seguindo esta primeira
indagas:ao, poderemos perguntar, adicionalmente: o reconhecimento
da subjetividade implica nao cientificidader A pergunta central,
de todo modo, e a que gira em torno das definis:oes de Ciencia e
cientificidade, e tambem em torno da existencia ou nao de urn
unico modelo de cientificidade. 0 quadro abaixo evoca algumas
possibilidades. Sera que o que define a Ciencia e a possibilidade de
chegar a "leis gerais" r Sera a possibilidade de verificas:aor Sed. urn
tipo de objetor Sera a Ciencia definida por uma Abordagem, ou por
uma metodologia espedficar Outros aspectos poderiam ainda ser
evocados, como a ligas:ao do "cientifico" corn as regras aceitas pela
comunidade legitima dos praticantes da ciencia em questao. Mas,
por ora, consideremos estes quatro elementos.
Quadro 1 • 0 que define "Ciencia"? Fonte: Elaborado pelo autor.
POSSIBILIDADE DE CHEGAR A LEIS GERAISI
UMA METODOLOGIA ESPEClFICAI
0 quadro 2 busca situar em urn grande panorama, embora
simplificado no que se refere as suas posis:oes fundamentais, alguns
historiadores e fil6sofos da Hist6ria frente a possibilidade de se
considerar (ou nao), a Hist6ria como Ciencia. Trata~se apenas de
um ponto de partida para nossas reflexoes.
I IJII
HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
A Hist6ria e uma Ciencia do m esmo tipo das Ciencias Naturais
Quadro 2:
A Hist6ria e urn conhecimento
Quadro 2 • Posi~oes em rela~ao a Cientificidade da Hist6ria Fonte: Elaborado pelo autor.
0 Quadro proposto apresenta algumas questoes clissicas
sobre a cientificidade da Hist6ria. A Hist6ria e de fato Cienciar
Ou e alguma outra forma de conhecimento, ate mesmo uma Arter
Se e outra forma de conhecimento, sera, ao menos, uma especie de
conhecimento cientificamente conduzidor E, se de fato considera~
se a Hist6ria de como uma ciencia, sera uma ciencia assimilivel as
ciencias da natureza e as ciencias exatas, ou seri uma ciencia de outro
tipo, que constr6i a sua especificidade a partir de outros parimetros
que lhe sao pr6priosr As respostas dadas pelos historiadores a
perguntas como estas tern variado muito, e nosso objetivo seri o
de mostrar essa imensa variedade de posicionamentos a partir de
alguns exemplos, entre outros tantos que poderiam ser dados.
EPISTE MOLO GI AS D A HIS TORI A
Para os historicistas alemaes, da primeira metade do seculo XIX,
que instituem a Hist6ria como disciplina universitiria, a Hist6ria e
de fato uma Ciencia especifica que buscara se definir como atividade
intelectual autonoma ao constituir seu proprio metodo de trabalho,
corn suas pr6prias normas (AROSTEGUI, 2006). Contrariamente,
na mesma epoca, afirma~se na Frans:a e Inglaterra urn paradigma
positivista que procura aproximar as Ciencias Humanas, inclusive
a Hist6ria, do modelo cientifico das Ciencias Naturais, em que
teremos Buckle e Taine como alguns dos representantes mais tipicos
deste posicionamento. Ja a Escola Met6dica, que se fortalece em
1876, apresenta uma posis:ao eventualmente ambigua, apesar da
clara influencia positivista. Alguns de seus historiadores afirmam
que a Hist6ria e Ciencia, seguindo o padrao positivista. Este era o
caso de Fustel de Coulanges (1830~ 1889), que se apresentava como
urn seguidor do metodo cartesiano na Hist6ria e que a via como
"pura ciencia'' (LEFEBVRE, p. 1971, p. 217). Mas Seignobos, no
manual de 1901 que se intitula 0 Metodo da Hist6ria aplicado as
Ciencias Sociais, afirma que a hist6ria nao e uma ciencia, mas urn
meio de conhecimento. Na Alemanha, a nova geras:ao de historicistas
tambem se divide, embora tenda a conceber a Hist6ria como Ciencia.
Mas temos o posicionamento marcadamente contrario de Edward
Meyer (1855~ 1930) que, em Teoria e Metodologia da Hist6ria (1955),
rejeita a possibilidade de se falar em uma ciencia da Hist6ria.30
Enquanto isto, ja corn urn ponto de vista decididamente
moderno, Johannes Huizinga ( 1872~ 1945) afirma em seu "Conceito
de Hist6ria'' que a Hist6ria e uma ciencia sim, mas uma ciencia produz
30 Meyer acompanha o posicionamento historicista mais geral de que a Hist6ria nao deve se interessar pelos "fatores gerais da vida humana" (MEYER, 1965, p. 42). A sua posi~ao de que a Hist6ria nao e uma Ciencia, que e menos comum no Historicismo, e acompanhada na Inglaterra por G eorge M acaulay Trevelyan (1876-1962), que defende esta ideia em LUll
arrigo de 1903 in rirulado "Clio, a Muse" (AROSTEGUI, 2006, p. 126-127).
1'16
H ISTO R I A E C I E NCIA: ALG U M AS QU E STOES DE ME.TODO E EPISTEM O LOGIA
uma versao do Passado eo reconstr6i, j a que nao existiria algo como
o "realmente sucedido" para ser reconstituido pelo historiador.31
Corn a ideia de "construs:ao do Passado': Huizinga antecipari uma
postura que em geral sera a dos historiadores dos Annales. Eles
proporao definitivamente a ideia de que a hist6ria e uma "construs:ao
do passado" a partir de uma problematica levantada no Presente.
E oferecerao algumas variantes corn relas:ao ao reconhecimento do
estatuto da Hist6ria. Marc Bloch afirma na famosa Apologia da
Hist6ria que a Hist6ria e uma "ciencia em construs:ao'?2 ao mesmo
tempo em que para o seu grande companheiro, o Lucien Febvre
de Combates pela Hist6ria (1986), a Hist6ria sera urn estudo
"cientificamente produzido': No limite, Pierre Chaunu (n.1923~
2009), urn dos principais representantes da segunda geras:ao de
historiadores dos Annales, afirma em seu livro Hist6ria - Ciencia
Social (1974) que "a hist6ria, ciencia federadora de nosso tempo,
nasceu entre 1929 e o inicio dos anos 30': completando mais
adiante que "o que e anterior tern valor de documento" ( CHAUNU,
1974, p. 56). Ou seja, a Hist6ria e sim uma ciencia, mas a Hist6ria
especificamente fundada pela escola dos Ann ales, nao as experiencias
historiograficas anteriores.
Enquanto se desenvolvem estas disputas em torno da
cientificidade da Hist6ria, e de quem legitimamente a conduz, ja
no ambito do historicismo italiano, a passagem para as primeiras
decadas do seculo XX conhecerao tambem a inusitada proposta
31 Na "Defini~ao do Conceito de Hist6ria'; Huizinga registra que "a Hist6ria e sempre, no que se refere ao passado, uma maneira de dar-lhe forma, e nao pode aspirar a ser outra coisa. E sempre a apreensao e a interpreta~ao de urn sentido que se busca no passado" (HUIZINGA, 1946, p. 90) .
32 Essa ideia de que a Hist6ria e uma ciencia em marcha sed. retomada anos mais tarde, na "Apresenta~ao" de uma das obras coletivas da terceira gera~ao dos Annales, o dicionario .A. Nova 1-listoria, organizado por Jacques Le Goff(1990). 0 historiador frances intitular:i o scu prcfacio, signifi ca rivamenrc, eo m a frase: "Uma ciencia em ma rch a, uma ciencia na inf.1n ia".
1117
EPISTEMOLOGTAS DA HISTORIA
introduzida pelo ensaio "A Historia Reduzida ao Conceito Geral de
Arte" (1893) e pelo livro Teoria e Hist6ria da Historiografia (1920)
de Benedetto Croce (1866~1952), urn historicista que combina a
postura neokantiana corn uma inspirac;:ao hegeliana, e que formula
a ideia de que a historiografia seria nao uma Ciencia, mas sim
uma Arte. Corn isto, o historicista italiano antecipava de alguma
maneira uma discussao que praticamente so retornaria corn maior
intensidade corn a polemica do Pos~ Modernismo, nas tres ultimas
decadas do seculo XX, embora possam ainda ser citados outros
nomes que, na primeira metade do seculo XX, tambem discutiram
a semelhanc;:a entre historia e arte. Este foi o caso, por exemplo, de
Richard Burdon Haldane (1856~1928), em uma obra intitulada 0 sentido da Verdade na Hist6ria, datada de 1914.33
E importante frisar, desde ji, que as diversas considerac;:oes sobre
a possibilidade de a Historia ser ou nao uma Ciencia dependem,
obviamente, da propria definic;:ao de ciencia que se tern em vista,
tal como ji foi notado no inicio deste artigo e exemplificado corn
o Quadro 1. Apenas para dar urn exemplo, Karl Popper (1902~
1994), que registrou suas posic;:oes sobre a historiografia em urn
livro intitulado A Miseria do Historicismo (1990), pretende renegar
a historiografia a dimensao da cientificidade, principalmente porque
atribui a Ciencia a capacidade de fazer previsoes. Portanto, aqui
como em outros casos, e uma certa concepc;:ao do que se tern por
cientificidade o que orienta a possibilidade de argumentar a favor
ou contra a proposta de incluir a historia entre as ciencias. De
maneira aniloga, Carl Hempel (1905~1997), em seu ensaio sobre
os "Problemas do Conceito de Lei Geral" (1982), sustenta que a
cientificidade deve ser associada a possibilidade de explicar urn
33 "Uma hisr6ria baseada apenas nos merodos ciendficos seria uma brincadeira" (HALDANE, apudTEGGART, 1941, p. 55).
HISTORTA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
fen6meno como subsumido a leis ou a uma teoria, o que o leva a
negar a cientificidade, ao menos em parte, a historiografia de sua
epoca (1970). Uma posic;:ao nao muito distante e sustentada por
Patrick Gardner, urn autor particularmente interessado na Natureza
da Explicafiio Hist6rica (1952), e que organizou urn conjunto
completo de fontes para o estudo das Teorias da Hist6ria (1959), no
livro que recebeu este nome.34
Hi ainda os que definem Ciencia mediante o tipo de metodo e
da abordagem, e que, ao perceber claros contrastes entre os metodos
e abordagens da Historia em relac;:ao ao paradigma das ciencias
naturais, sao levados a concluir que a historiografia nao deve ser
enquadrada como ciencia. Este nao e o caso, como ji fizemos notar,
do Historicismo, que embora perceba e sustente claramente a
distinc;:ao de metodos entre a Historia e as Ciencias Naturais, nem
por isso deixa de qualificar a Historia como um"outro tipo de ciencia''.
Ji Oswald Spengler, no inicio do seculo XX, distingue a Ciencia
em oposic;:ao a Historia por considerar que a primeira se aproxima
de seus objetos por meio da busca e utilizac;:ao de leis, enquanto a
segunda, a historiografia, deve se aproximar de seus objetos corn o
avivamento da intuic;:ao.
Seguiriam, pela segunda metade do seculo XX, as defesas da
cientificidade da Historia. Roger Chartier ji escreve no inicio do
seculo XXI contra o pano de fundo de uma torrente de posic;:oes
que rejeitam a cientificidade da Historia, a qual e, sim, uma pritica
cientifica, justifica a afirmac;:ao no seu artigo "A Historia hoje: duvidas,
desafios, propostas': sustentando que a cientificidade da Historia
ancora~se no fato de que ela possui regras que possibilitam controlar
34 Comenrarios sobre as posic;:oes de Popper, Hempel, Gardner e ourros, podem ser enconcrados no capitulo "0 Esgoramenro do Modelo Academico (1918-1939)" do livro J-list6ria dos Homens, de Josep Foncana (2004, p. 243-260). Sob re a filosofia de Popper, vcr Schilp (1974).
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
as operas:oes a partir das quais se produzem certos enunciados
(CHARTIER, 1994).
No imbito do Materialismo Hist6rico, hi uma tendencia
subseqiiente a posis:ao de que a hist6ria e uma ciencia. Mas, assim
mesmo hi posis:oes coma a de Thompson, que sustentou em Miseria
da Teoria (1978) que a hist6ria e urn conhecimento aproximado,
o que em sua argumentas:ao seria impeditivo para atribuir-lhe
rigorosamente o status de ciencia. Perry Anderson, outro dos
mais iminentes historiadores marxistas da Inglaterra, faz a cdtica
desta posis:ao em 1985, em uma obra intitulada Teoria, Politica e
Hist6ria: urn debate corn E. P. Thompson. Anderson afirma neste
ensaio que a caractedstica de ser urn conhecimento aproximado e
a impossibilidade de verificas:ao empirica nao sao impeditivos para
categorizar urn imbito de saber como cientifico, sendo mesmo
estas caracteristicas a regra expressa pela maior parte das ciencias.
Enquanto isso, Pierre Vilar, historiador marxista que dialoga corn
os Annales, retoma a ideia de que a "hist6ria e construs:ao': ideia que
aparece registrada, por exemplo, em urn artigo de 1973 intitulado
"Tentativa de diilogo corn Althusser':
Ji a necessidade de opor a ciencia ou conhecimento hist6rico
ao que e produzido pelas ciencias naturais, segue sendo uma
discussao atualizada na segunda metade do seculo XX. Assim,
para os historicistas mais modernos ligados a hermeneutica,
conforme veremos, a Hist6ria segue como uma Ciencia que tern
as suas pr6prias especificidades. E, ji em uma perspectiva distinta,
o micro-historiador italiano Carlo Ginzburg sustentaria em urn
artigo brilhante, intitulado "Raizes de urn Paradigma Indiciirio"
(1991), que a hist6ria nao seria urn conhecimento ou uma ciencia
do tipo galileano, mas sim uma especie de conhecimento indiciirio
(GINZBURG, 1991).
ISO
HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
Mas, haved., por fim, aqueles que, como Paul Veyne ou Hayden
White, rejeitam explicita ou implicitamente o estatuto cientifico
da Hist6ria. Paul Veyne, por exemplo, rejeita enfaticamente a
cientificidade da Hist6ria no seu livro Como se Escreve a Hist6ria, de
1971, e ji no seu ensaio de 1974 para a coled.nea Faire de l'histoire
(LE GOFF; NORA, 1974), no qual busca discorrer sobre"ahist6ria
conceptualizante': admire que a historiografia apresenta "nucleos de
cientificidade': mas sendo que estes sao sempre relacionados corn o
empreendimento conceptual propriamente dito, e nao corn relas:ao a construs:ao de uma narrativa que tenha em vista o referente externo.
Questoes correlatas a posis:ao epistemol6gica da Hist6ria no
quadro geral das ciencias humanas tambem trazem a primeiro
piano discuss6es importantes, como a oposis:ao entre Objetividade e
Subjetividade e o grau e modo como estas instincias interferem ou
integram-se ao trabalho do historiador. Iluminam-se tambem, como
ji foi dito, as quest6es relativas ao Metodo, a partir das quais podemos
nos perguntar se 0 metodo hist6rico e similar ao das outras ciencias
naturais, como postulariam os positivistas e evolucionistas sociais,
ou se, admitindo-se a sua singularidade, deveria ser assimilado aos
metodos das demais ciencias humanas, ou apresentar especificidades
suas, que desde logo assinalam a sua incontornivel singularidade?
Partiremos deste ponto e, para tal, examinaremos urn momento
particularmente significativo, dentro do qual se di urn debate que
envolve simultaneamente as quest6es da relas:ao entre Objetividade
e Subjetividade no trabalho historiogd.fico, as quest6es de Metodo,
e as indagas:oes sobre a posis:ao do historiador como agente que
produz ou participa da produs:ao do conhecimento hist6rico. 0
momento escolhido e o da querela entre Positivismo e Historicismo,
no decurso do seculo XIX.
1'5 I
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
0 SECULO XIX: 0 CONTRASTE ENTRE POSITIVISMO
E HISTORICISMO A PARTIR DAS INDAGA<;:OES
EPISTEMOLOGICAS
Ja desde o seculo XIX, o paradigma Positivista, padrao
cientificista que buscava a identifica<;ao de leis gerais para a Hist6ria,
vinha se confrontando corn o paradigma Historicista, este que, desde
a contribui<;ao de urn Ranke que ainda acreditava na possibilidade de
"contar os fatos tais como eles se sucederam" (2004, p.19), foi abrindo
cada vez mais espa<;o para o relativismo hist6rico. 0 Historicismo,
em diversos de seus setores, foi apurando a percep<;ao de que o
historiador nao pode se destacar da sociedade como pressupunha o
modelo das ciencias naturais preconizado pelo Positivismo e outras
vertentes cientificistas das ciencias humanas. Ao contrario disto, foi
se afirmando cada vez mais no universo historicista a ideia de que o
historiador fala de urn lugar e a partir de urn ponto de vista, e que,
portanto, nao pode almejar nem a neutralidade nem a objetividade
absolutas, e men os ainda falar em uma verdade em termos absolutos.
A Hermeneutica, campo de saber e reflexao dedicado a interpreta<;ao
de textos e objetos culturais, foi se afirmando como importante
espa<;o de reflexao a partir de fil6sofos e historiadores que real<;avam
a relatividade dos objetos, sujeitos, e metodos hist6ricos.
Positivismo e Historicismo sao dois paradigmas que se
contrap6em como dois modelos antagonicos, e praticamente
espelham-se (invertem~se) no que tange a questao da objetividade/
subjetividade em Hist6ria. 0 Positivismo ja estava praticamente
formado ate as primeiras decadas do seculo XIX, a partir das ideias
de Augusto Comte, que postulava uma aproxima<;ao das Ciencias
Sociais em rela<;ao as Ciencias Naturais tanto no que concerne a sua "objetividade': encarada como absoluta, como no que se refere
1'52
HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGJA
a sua busca de Leis Gerais para os desenvolvimentos humanos.
Metodol6gica~mente, metodos das Ciencias Sociais e metodos das
Ciencias Naturais deveriam se aproximar.
Ha uma razao para o fato de que o Positivismo ja esti
praticamente pronto na primeira metade do seculo XIX. Na verdade,
alguns de seus pressupostos sao heran<;as do paradigma Iluminista
para as ciencias do espirito. Os iluministas tambem acreditavam na
possibilidade de descobrir Leis Gerais para as sociedades humanas,
na possibilidade de aproximar os metodos das ciencias do espirito
e das ciencias naturais e na ideia de que o pesquisador podia e
devia se colocar em uma atitude de neutralidade perante seu objeto
cientifico. Esse receituario, porem, era para o seculo XVIII bastante
revolucionario, pois vinha a se contrapor contra uma escolastica
tardia que se apoiava em argumentos de autoridade. Metaforas
organicistas, emprestadas ao mundo natural, eram empregadas para
falar no parasitismo social das classes aristocraticas. 0 Iluminismo
sintonizava~se corn o movimento revolucionario que logo explodira
na Fran<;a, e representava urn modelo de pensamento produzido,
sobretudo, por uma burguesia revolucionaria.
0 Positivismo, no seculo XIX, estava a reboque de uma
burguesia que ja chegara ao poder. As metaforas organicistas ou
fisicas, uma fisiologia social ou uma matematica social, sao utilizadas
agora corn objetivos conservadores. Ao Progresso dos iluministas
juntara~se a Ordem. E os cientistas sociais estariam a servi<;o do
Estado, da ordem burguesa, e nao sintonizados corn atividades
revolucionarias. A concilia<;ao de classes e o seu objetivo maior. Estas
ideias constituem urn dos dois principais paradigmas dominantes
para as ciencias sociais no seculo XIX.
Na historiografia, sobretudo a partir de meados do seculo XIX,
corn as obras de Taine, Renan e Buckle, que o Positivismo se afirma;
1')3
EP!STEMOLOGIAS DA HISTORIA
nas Ltltimas decadas do seculo XIX, esta corrente vai influenciar
a nascente "Escola Metodica" da Frans:a, que a partir de 1876 se
afirma corn a publicas:ao do primeiro numero da Revue Historique,
uma revista que trad. na sua comissao editorial nomes da antiga
geras:ao positivista, como Taine e Renan, e novos nomes da escola
metodica como Monod e Lavisse. Os metodicos acompanham os
positivistas no que concerne ao entendimento da Historia como
ciencia, mas, rigorosamente falando, nao estarao empenhados na
busca de Leis Gerais e nem professarao determinismos a maneira de
Taine. Portanto, os metodicos incorporam a influencia positivista,
mas estao a meio caminho de algumas posicroes do historicismo.
Ji uma reflexao sob re a natureza do conhecimento historico, bem
ao estilo positivista, segue corn livros como o de Louis Bourdeau,
que e publicado em 1888 corn o titulo I.:histoire et les historiens: essai
critique sur l'Histoire consideree comme science positive. Todos os
pilares fundamentais do Positivismo sao reafirmados aqui: a busca de
Leis Gerais, a objetividade metodologica aproximada a das Ciencias
Naturais, a Neutralidade de urn historiador que devia se destacar
do seu objeto de estudo e observaAo distanciadamente, e mesmo
0 uso de uma linguagem tao formalizada quanto possivel, avessa a
narratividade. Enquanto isto, Paul Lacombe tambem sustentaria em
1894 uma discussao sobre a cientificidade da Historia em termos
positivistas, sustentando a existencia de leis do desenvolvimento
historico em seu ensaio De l'Histoire consideree como science.
Neste momento, a escola Metodica e seus herdeiros tambem
irao publicar manuais corn ideias positivistas ate meados do
seculo XX, como os manuais de Wilhelm Bauer e Louis Halphen,
respectivamente publicados em 1921 e 1946, ambos corn o nome
Introdufao a Hist6ria. Urn destes manuais, alias, o de Luis Halphen,e
citado no artigo de Fernando Braudel sobre "Historia e Ciencias
I S!l
HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPlSTEMOLOGIA
Sociais: a longa duras:ao" (1958) como exemplo de historiografia
tradicional e retrograda, precisamente em uma passagem na qual
se diz que o historiador apenas precisa esperar de suas fontes que
estas deixem falar os fatos por si mesmos. Mas, o mais famoso dos
manuais e, certamente, o de Seignobos e Langlois, escrito em 1898 e
duramente criticado pela Escola dos Annales na terceira decada do
seculo XX.
Ao contririo do Positivismo que praticamente ja estava formado
na primeira decada do seculo XIX, em virtude de ter herdado do
Iluminismo os seus principais paradigmas ( aplicando-os para
urn uso conservador), o Historicismo ira construir passo a passo
o seu paradigma no decurso do seculo XIX, embora ja existam
sinais deste paradigma nas concepcroes sobre a Historia de varios
filologos, filosofos e teologos da segunda metade do seculo XVIII,
a comecrar corn a contribuicrao de Johann Martin Chladenius, que ja
tecia reflex6es sobre a relatividade dos juizos historicos. Estas varias
posicroes, alias, foram bem estudadas por Reinhart Koselleck em sua
obra Futuro Passado (2006).
0 Historicismo, no formato apresentado a partir do seculo
XIX, parte de posicroes que podem ser consideradas conservadoras,
a servicro dos grandes estados-nacionais, e Ranke ainda acredita
ser capaz de "contar os fatos tais como eles se deram". Mas ja nao
acreditam em uma Historia Universal humana, e sim em historias
nacionais particulares, de modo que ja se ve aqui urn primeiro
prindpio de aceitacrao da relatividade historiografica - neste caso ao
nivel do objeto de estudo. Cada vez mais, o pensamento historicista
ira investir na ideia de que as ciencias humanas deveriam buscar
metodos proprios, e nao procedimentos emprestados as ciencias
da natureza. Logo surgiria a Hermeneutica para opor a "explicas:ao';
propria das ciencias naturais, a "compreensao'; propria das ciencias
ISS
EPISTEMOLOGIAS DA HISTOIUA
humanas. E, por fim, nas ultimas decadas do seculo XIX, alguns
setores historicistas completam uma virada relativista: ji acreditam
que tambem o historiador, e nao apenas as sociedades examinadas,
esti implicado na sua especificidade. Quando se chega a este
panto, Positivismo e Historicismo ji se espelham perfeitamente
corn relas:ao aos principais aspectos que se referem a relas:ao entre
Objetividade e Subjetividade Historiogrifica. Os desenvolvimentos
de uma consciencia cada vez maior da historicidade do proprio
historiador levaram, ainda no seculo XIX, ao desenvolvimento
da Hermeneutica. 0 'Quadro 3' ilustra este espelhamento entre
as posis:oes fundamentais do Positivismo e do Historicismo corn
relas:ao as questoes acima discutidas.
A Alemanha e a Frans:a, espacialmente, tornaram-se palcos
privilegiados para a expressao dos paradigmas Historicista e
Positivista, respectivamente. Obviamente que em ambos os paises
haveriam as exces:oes, em que Karl Lamprech pode ser citado como
urn exemplo de historiador alemao que menos se aproxima da
posis:ao clissica do historicismo que do Positivismo, ji que postula
categorizas:oes gerais para a anilise da Hist6ria, na verdade mais
direcionadas para a psicologia e cultura. Destacando-se tambem
historiadores de seu tempo, pois ji antecipa de alguma maneira a
modalidade da Hist6ria Cultural e tambem a abordagem da Hist6ria
Comparada, para nao falar do diilogo corn a Psicologia.
Na ltilia, para dar urn exemplo fora da oposis:ao tradicional entre
Alemanha e Frans:a, reedita-se no quadro nacional de historiadores
a querela entre Historicismo e Positivismo. 0 Historicismo iri ser
represe.ntado por Benedetto Croce (1866-1952) eo Positivismo por
Pasquale Villari (1827-1917).
Para a Hist6ria, as contribuis:oes historicistas no ambito do
reconhecimento da relatividade hist6rica e da Hermeneutica, e
I SO
HISTORIA F. CI F. NCIA! ALGUMAS QUESTOES DE ME.TODO F. EP J STEMO LO G IA
as solitirias cnttcas nietzschinianas as verdades racionalistas,
posteriormente revivificadas pelas crises do conhecimento e das
metanarrativas, favoreceram a que gradualmente se fosse agus:ando
nos historiadores a plena consciencia da historicidade de cada panto
de vista. Gadamer, historiando uma contribuis:ao hermeneutica que
comes:a a adquirir impulso no seculo XIX a partir da abordagem
ainda romantica de Schleiermacher, e que avans:a pela hermeneutica
historicista de Dilthey ate chegar a 0 Ser e o Tempo de Heidegger,
indica em sua obra maxima, Verdade e Metodo, mas tambem na
serie de conferencias que foi publicada sob o titulo A Consciencia
Hist6rica, uma singularidade maior do homem contemporanea: a
sua "consciencia hist6rica': A consciencia hist6rica, apresentada nao
~penas como urn privilegio, mas talvez mesmo como urn "fardo':
e uma singularidade que diferencia 0 homem contemporanea,
entendido como o homem do seculo XX, de todas as geras:oes
anteriores. Gadamer (1998, p. 5) define a consciencia hist6rica
como o privilegio do homem moderno de ter "plena consciencia da
historicidade de todo o presente e da relatividade de toda a opiniao':
Eis aqui, na intensificas:ao da "consciencia hist6rica'' tal como
formulada por Gadamer a partir da tradis:ao hermeneutica, na
tendencia crescente do historicismo relativista a veneer cada vez
mais o sempre aberto debate contra o cientificismo e positivismo nas
ciencias humanas, e na reintensificas:ao das ideias de Nietzsche por
meio de autores como o Michel Foucault de A Verdade e as Formas
Juridicas, o ambiente intelectual que favorece uma implacivel critica
a ideia de uma rigorosa possibilidade de atingir uma Verdade (no
sentido absoluto) atraves da Hist6ria, tal como a ha via vislumbrado
a maior parte dos historiadores do seculo XIX. Outros aspectos,
ainda mais, poderiam ser citados como refors:adores do ambiente
que favorece a critica ou a relativizas:ao historiogri fica da Verdade,
1')7
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
denrre os qua1s a emergencia das pesquisas freudianas sobre o
inconsciente, nos:ao tambem incorporada a muitos historiadores,
ou mesmo a propria emergencia de paradigmas alternativos entre as
ciencias exatas, antes unificadas pelo modelo newtoniano da Fisica.
Mas o que nos interessari, a seguir, sera o avans:o para urn outro
momento da reflexao sobre a cientificidade da Hist6ria.
Os ANNALES E SUA POSI<(AO COM RELA<(AO A CIENTIFI~
CIDADE DA HISTORIA
Os Annales constituiram urn movimento historiografico que
empreendeu profunda revisao sobre o que deveria ser a Hist6ria nos
tempos contemporaneos, e que submeteu a critica todo urn setor ji
tradicional da historiografia herdada do seculo XIX, e que adentrara
o seculo XX. Neste processo em que os Annales buscavam afirmar~
se no territ6rio das ciencias humanas e, ainda mais especificamente,
no universo institucional frances, tambem ocorreram estere6tipos de
que os Annalistas lans:aram mao para depreciar uma historiografia
que apodaram de "hist6ria historizante': mas que certamente nao
recobria toda a historiografia de se us opositores institucionais, ji que
tambem havia grandes historiadores antenados corn as mudans:as
dos novos tempos e que pertenciam a outras escolas hist6ricas. Corn
isso, o projeto do Annales viu~se vitorioso e favorecendo o registro de
uma Hist6ria da escola dos Annales conforme urn relato por vezes
triunfalista. Autores como Frans:ois Dosse, em seu impactante livro
intitulado A Hist6ria em Migalhas (1987), procura dar~nos uma
leitura desta !uta de formas:ao dos Annales nos primeiros tempos,
e tambem das descontinuidades existentes entre as duas primeiras
I S8
HJSTO RIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
geras:oes dos Annales e a chamada terceira geras:ao, tambem muito
conhecida como Nouvelle Histoire.
PERSPECTIVA GENERALIZANTE
LEIS GERAIS I UNIVERSALIDADE
HUMAN A
(As sociedades humanas sao reguladas por leis naturais, invariiveis, independentes
da a~ao humana)
RELATIVIDADE DO OBJETO HIST6RICO
(Inexistem leis de cariter geral que sejam validas para rodas
as sociedades. Qualquer fen6meno social)
IDENTIDADE DE ME TO DOS
' '
FUNDAMENT OS DO POSITIVISMO
,.) !
DISTIN<;:AO DE METODOS
(0 objeto de estudo ji esti na natureza, e o cientista
dele se apropria. Separado de seu objeto de esrudo, o
hisroriador pode ser neutro e imparcial)
SUBJETIVIDADE DO HISTORIADOR
(0 Historiador rambem esti mergulhado na
Hist6ria)
entre as Ciencias Humanas e as Ciencias Nacurais (Diferen~a entre fatos
hist6ricos e faros naturais)
PERSPECTIVA PARTICULARIZANTE
Quadro 3 , Paralelo Comparativo entre Positivismo e Hisroricismo Fonte: Elaborado pelo autor.
De todo modo, urn ponto importante para os Annales das
primeiras duas geras:oes era, ao menos em alguma medida, o da
cientificidade da hist6ria, nos:ao corn a qual visivelmente nao quiseram
romper. Por outro lado, tal como ilustra urn Editorial de Frans:ois
Furet para a Revista dos Annales ja em 1989, este historiador ji
renega mais ou menos explicitamente que a Hist6ria seja uma
I S9
EP ISTEMOLOGIAS DA H I STORI A
ciencia no sentido habitual, concedendo apenas que a Hist6ria
postule o estatuto de cientificidade no sentido de ser urn discurso
que produz "modelos de cientificidade': As duas posis:oes revelam,
portanto, entre as duas primeiras gera<;6es dos Annales e a terceira
geras:ao, o deslocamento do desejo de afirmas:ao da cientificidade da
hist6ria para uma secundarizas:ao desta questao, ou para urn certo
desprendimento da pretensao ao estatuto cientifico por parte dos
historiadores do grupo. Nao se trata, na verdade, de urn depoimento
isolado, e hi outros textos que deixam entrever este aspecto.
Comes:aremos, todavia, pelos prim6rdios dos Annales. Embora
postulando para a hist6ria o estatuto de Ciencia, os annalistas dos
primeiros tempos procuraram discutir o conceito de "cientificidade':
e o tipo de "ciencia" que os novas historiadores deveriam buscar.
Comecemos por evidenciar que, para os annalistas das primeiras
decadas, em sua maioria, a Hist6ria poderia perfeitamente postular
o seu lugar entre as Ciencias. Deveria constituir, contudo, urn outro
tipo de Ciencia, que nao o das Ciencias Naturais, ainda que alguns
annalistas buscassem incorporar inBuencias deste antigo modelo
por meio da medias:ao das Ciencias Humanas recem~emergentes
que ji buscavam estabelecer uma medias:ao em relas:ao aos modelos
das ciencias naturais. Dessa forma, o importante a ressaltar e que
os principais annalistas procuraram delimitar de maneira original o
estatuto epistemol6gico da Hist6ria.
Bloch, em Apologia da Hist6ria ( 2001), a considera uma "Ciencia
em Constru<;ao': Febvre, em Combates pela Hist6ria (1965), a classifica
como urn "estudo cientificamente conduzido': Todos se ampararam
amplamente no novo conceito de "Hist6ria~ Problema': urn conceito
que coloca a formulas:ao do Problema e de Hip6teses como panto
de partida da pesquisa, ao contririo do panto de vista da Hist6ria
loo
HISTORIA E CIENCIA: ALGU MAS QUESTOES DE METODO E EPI STEMOLOGIA
Historizante, que situava os documentos e os fatos preestabelecidos
que se deveria recuperar como panto de partida.
Desde ji, seri oportuno considerar que nao e possivel falar em
urn paradigma unificado dos Annales. Nao hi homogeneidade no
conjunto dos seus participantes corn relas:ao a certos aspectos que
permitiriam falar em paradigma. Fora o conceito de Longa Duras:ao,
e a no<;ao de Hist6ria~ Problema, os Annalistas nao constituiram
urn modelo te6rico da realidade, ou uma certa rede conceitual,
que os membros desta escola seguissem de modo a estabelecer
urn diilogo e urn fundo comum tal como ocorre, por exemplo, no
ambito do Materialismo Hist6rico. Deste modo, nao constituindo
urn paradigma ou uma unidade epistemol6gica, e bastante Butuante
o conjunto de posi<;oes dos historiadores dos Annales face a cientificidade ou nao da Hist6ria e, mais especificamente, do tipo de
hist6ria que predominava tendencialmente no grupo.
Jose Carlos Reis, em urn ensaio no qual elabora urn balan<;o que
apresenta o desenvolvimento "Da Hist6ria Global a Hist6ria em
Migalhas" (2000), e que traz por subtitulo a instigadora pergunta "o
que se ganha, o que se perder': ressalta que por vezes os annalistas, que
tinham como outro de seus tras:os comuns a Interdisciplinaridade,
podiam optar por modelos ou posicionamentos epistemol6gicos
sintonizados corn a ciencia social trazida para diilogo mais frequente
por este ou aquele historiador (REIS, 2000). Deste modo, a
dificuldade em identificar o "nucleo duro" da escola e pasta em relevo
pelo histori6grafo.
Mais ficil do que falar da "epistemologia hist6rica" dos Ann ales,
e identificar urn certo Programa da Escola que apresenta alguns
elementos recorrentes, mesmo considerando as chamadas tresgera<;6es
dos Annales. A Interdisciplinaridade (notadamente, o diilogo corn
as ciencias sociais emergentes ou em processo de afirmas:ao), a ideia
I () I
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
de que a Hist6ria deve ser colocada coma "constrw;:ao do Presente': a
oposi~ao de uma"Hist6ria Problematizada'' a uma hist6ria factual, eis
aqui alguns aspectos que se destacam do conjunto. Outros aspectos
do Programa dos Annales, se assim podemos dizer, referem-se muito
mais as oposi~6es e estrategias de enfrentamento, ou as rejei~6es
de dogmas. Ao mesmo tempo em que se abrem a experimenta~ao,
os Annales insistiram constantemente em afirmar a sua recusa de
dogmatiza~ao, ou mesmo de sistemas. Mais recorrentes em todos
os annalistas eram dais tra~os importantes, conforme destaca Jose
Carlo Reis no mesmo ensaio: "a estrutura~ao do evento" e a "pd.tica
da interdisciplinaridade".
0 Febvre da primeira fase buscou frisar o papel da Hist6ria
coma "estudo cientificamente conduzido': evitando classificar a
Hist6ria coma "ciencia''. Preferia se expressar nestes termos, par
urn lado, para se afastar da identifica~ao corn a postura cientificista
dos positivistas; par outro lado, colocar nestes termos o estatuto
epistemol6gico do tipo de Hist6ria que os Annales almejavam
produzir, permitia trabalhar mais corn o probabilismo do que corn
a mensura~ao. Esd.vamos aqui, ainda, nos prim6rdios de forma~ao do grupo. Logo, corn a estrondosa abertura de urn campo novo pelos
Annales - a "Hist6ria Serial" - a op~ao pelo mensurivel invadiria
a cena de maneira significativa. Mas, no periodo de encaminhar
estrategias ainda para a forma~ao do grupo, Febvre preferiu se
expressar nos termos da hibil formula do "estudo cientificamente
conduzido" (FEBVRE, 1965).
Tambem e u.til notar que tanto em Febvre coma em Bloch,
aparec~ a defini~ao da Hist6ria coma "ciencia dos homens no
tempo" (BLOCH, 2001, p. 55). E assim que Marc Bloch se expressa
em urn famoso trecho de seu livro Apologia da Hist6ria (2001),
162
H I STORIA E CIEN CI A: ALGUMAS QUESTO ES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
precisamente na parte do livro em que discute este que e urn dos
aspectos distintivos da Hist6ria: o tempo.
A segunda gera~ao dos Annales traz a primeiro plana, em uma
de suas duas principais correntes, o "numero': a "quantifica~ao': a
"serializa~ao". Corn os historiadores economicos e demogrificos,
portanto, o campo metodol6gico explorado pelos annalistas abre-se
mais significativamente para a incorpora~ao de metodos que buscam
apreender par meio de grandes series de dados ou informa~6es a
. repeti~ao, mas tambem a varia~ao, a tendencia. Ao mesmo tempo,
Fernando Braudel exploraria a segunda corrente importante desta
epoca: aquela que investia na possibilidade de trabalhar corn uma
"Hist6ria Global': o que, de certa maneira, era uma heran~a mais
direta de Marc Bloch. Portanto, esta gera~ao partilha-se entre o
"estrutural': uma continuidade aprimorada do que ji havia sido
lan~ado pela primeira gera~ao, e o quantitativo conjuntural, de certa
maneira uma novidade que permitiu, diante da possibilidade de lidar
corn grandes massas de dados, corn extensas series de informa~ao,
uma certa "euforia cientificista': para utilizar uma expressao de
Noiriel em seu artigo de 1989, incluido na revista dos Annales corn
o titulo "Par uma abordagem subjetivista do social" (REIS, 2000).
Esta euforia cientificista, quase uma fetichiza~ao do quantitativo
em alguns casos, tambem encontraria os seus pr6prios limites, que
ji come~avam a se insinuar nos anos 1960. E sintomitico o artigo
de Witold Kula para a mesma Revista dos Annales, incluido no n°2
de 1960 corn o titulo "Hist6ria e Economia: a Longa Dura~ao': no
qual o historiador polones procura problematizar as tens6es entre
a intera~ao entre "hist6ria serial" e "longa dura~ao': ji que quando a
serie come~a a abranger urn periodo de tempo demasiado extenso,
come~a a perder homogeneidade e a comprometer tanto a exatidao
coma a compara~ao dos virios segmentos da serie. Mais tarde, j i em
161
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
1980 e no balans:o em forma de dialogo publicado no livro partilhado
por Lardreau e Georges Duby, este Ultimo criticaria o mesmo fetiche
da quantificas:ao, quando impulsionado pela ilusao de cientificidade.
A TERCEIRA GERA<(AO DOS ANNALES1 E UMA NOVA
POSTURA EM RELA<(AO A QUESTAO DA CIENTIFICIDADE
DA HISTORIA
As criticas de Duby e Lardreau (1980, p. 45) sao sintomaticas
de uma mudanp que se processara no proprio interior dos Annales,
na passagem da segunda para a terceira geras:ao. Os historiadores
da Nouvelle Histoire ja nao aceitavam, ou ao menos ja nao eram
muito entusiastas da ideia de cientificidade da Hist6ria. Sinal
bastante evidente disto, que tomaremos para exemplificas:ao, e 0
posicionamento de Frans:ois Furet, que inclusive redige urn Editorial
para a revista dos Annales de 1989 tangenciando a questao.
Para Furet, a Hist6ria nao e ciencia, e sempre oscilara entre
a arte da narras:ao, a inteligencia do conceito e o rigor das provas
(REIS, 2006). Neste aspecto, Furet se distancia do panto de vista
predominante nos Annales corn relas:ao a cientificidade da Hist6ria.
Para evocar as palavras de Reis (2006, p. 21), ele nao se iludiu corn
a "euforia ciehtificista da longa duras:ao, do quantitativismo e da
hist6ria~problema': Para Furet, nao havia incompatibilidade entre
"Hist6ria~problema'' e "narras:ao': Ele ja acompanhava as afirmas:oes
de Ricoeur, nos anos 1980, para quem mesmo a hist6ria ma1s
estruturaL
Para entender em que sentido Fran<;:ois Furet nao ve uma
incompatibilidade entre "narrativa'' e "hist6ria problema': valera a
pena refletir mais demoradamente sabre que tipo de Narrativa era
IM
HISTORIA E CIENCIA; ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGJA
estigmatizado pelos Annales dos primeiros tempos, quando estes
opunham sua pretensao de uma hist6ria que deveria constituir urn
novo tipo de Ciencia. A Narrativa que os Annales depreciavam
era a "narrativa historizante': a que postulava coincidir corn o real e
corn o que realmente aconteceu. Esse tipo de narrativa organizava
os eventos em uma trama cujo fim ja se conhecia antecipadamente.
0 seu modelo maior era a Biografia, e nao e a toa gue este tenha
sido urn dos generos tendencialmente rejeitados pelo conjunto
dos annalistas. Urn dos principais tras:os deste tipo de narrativa,
do panto de vista estilistico, era o ocultamento do narrador, o que
refors:ava a impressao de que o texto hist6rico, assim construido,
coincidia efetivamente corn o passado reaL Alem disto, este modelo
narrativo implicava uma temporalidade linear e irreversivel, na
qual os eventos, unicos e incomparaveis, eram organizados em urn
continuidade, sendo ela, conforme ja destacamos, teleol6gica. 0
que o historiador tradicional buscava corn este tipo de narrativa era
urn efeito de objetividade, que visava fazer o leitor crer que o real
coincidia corn o que de fato estava escrito - e "narrar': deste panto
de vista, era "mostrar" o que de fato acontecera. Deve~se considerar,
acima de tudo, que este modelo narrativo era precisamente o que
interessava as elites politicas que financiaram 0 projeto hist6rico
dos historiadores ligados aos estados~nacionais, uma vez que, corn
este modo narrativo teleol6gico, o qual pretendia alcans:ar a unica
verdade, oferecia~se a ordem politica vigente a respeitabilidade de
uma origem e a promessa de uma continuidade ancorada em urn
consenso obtido pelo panto de vista unico, aquele que examinava
a Hist6ria de cima, a partir das perspectivas e das as:oes da elite
politica.
E muito interessante destacar que, bem antes dos Annales,
o soci61ogo durheiminiano Frans:ois Simiand ja denunciava as
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
implicac;:oes deste modo narrativo em seu livro de 1903, intitulado
Metodo Hist6rico e Ciencia Social. Neste texto, Simiand procurava
opor as emergentes Ciencias Sociais a Hist6ria, tal coma concebida
por uma escola espedfica, a chamada "Escola Met6dica': que tinha
em Seignobos e em Langloise seus principais names. Ainda mais
oportuna e sua critica aos tres idolos da tribo dos historiadores,
uma vez que ali ele antecipa concepc;:oes da nova Hist6ria
que ainda estariam por se gestar a partir dos Annales: o idolo
politico, o idolo individual e o idolo cronol6gico. Mas, enfim, essa
narrativa historizante, teleol6gica, pela perspectiva de cima, porem
escamoteada coma se representasse o panto de vista consensual,
o unico possivel, e tambem uma narrativa essencialmente politica
e linear, era o que comec;:ava a ser criticado pelas Ciencias Sociais,
que ja comec;:ava a desenvolver no inicio do seculo XX uma vigorosa
critica que, por assim dizer, iria ser usurpada pelos Annales na sua
estrategia de ascensao disciplinar e institucional. Nao era todo tipo
de narrativa que ja mostrava fragilidade nos novas tempos em que
comec;:avam a se multiplicar as possibilidades metodol6gicas de
analise historiografica. De todo modo, a emergencia da hist6ria
estrutural coma a grande novidade, somada as inflamadas criticas
de Febvre a narrativa historizante nos seus Combates pela Hist6ria
(1953), tudo isso acabou contribuindo para uma efetiva retrac;:ao do
estilo narrativo na nova produc;:ao historiografica.
Retornemos agora ao final do seculo, a historiadores coma
Furet e Georges Duby, que ja nao se encantavam tanto corn a euforia
cientificista que fora proporcionada pela hist6ria quantitativa e
outras novidades do segundo p6s~guerra. Nas ultimas decadas do
seculo XX, ja se comec;:ara a p6r em cheque tanto as metodologias
seriais, coma a importancia de se afirmar o discurso da cientificidade
coma panto flllcral para legitimar os Annales. A Nouvelle Histoire,
HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
entao, ja era urn sucesso editorial, ja tinha conquistado a midia.
Ate mesmo para atender aos apelos desta midia e do publico
ampliado de hist6ria, tornava~se oportuno construir urn texto
sedutor, envolvente, prazeroso e interessante para novas publicos.
Em autores coma Georges Duby, na sua produc;:ao a partir dos anos
1980, ja vemos coma que uma substituic;:ao da antiga concepc;:ao do
Passado construido como uma 'Problematizac;:ao do Presente' por
uma outra: a do Passado construido coma uma 'Representac;:ao do
Presente: no caso uma representac;:ao sedutora, que parece dialogar
corn a literatura, corn a arte, corn o cinema, e que se preocupa em
trabalhar mais ativamente corn o Imaginario e corn a Imaginac;:ao.
Ha urn importante livro~entrevista de Georges Duby em dialogo
corn Lardreau, publicado em 1980, no qual Duby fala abertamente
do papel da Imaginac;:ao na sua produc;:ao historiografica. Isto e
sintomatico. Dificilmente, nos anos de preocupac;:ao dos Annales
corn o discurso da cientificidade, a questao da imaginac;:ao hist6rica, e
mesmo da possibilidade de utiliza~la para preencher lacunas, poderia
ser exposta corn tanto entusiasmo por urn historiador tao bem
situado na vanguarda do movimento dos Annales. 0 movimento
completava seu area corn relac;:ao a discussao da cientificidade
historiografica: esta nao era mais uma questao tao importante.
PAUL VEYNE: UMA POSI<;:AO ESPECIFICA EM RELA<;:AO A
(NAO) CIENTIFICIDADE DA HISTORIA
Outro historiador que recoloca em cheque o estatuto cientifico da
Hist6ria e Paul Veyne, autor que p rocura trazer para a historiografia
urn pouco das contribuic;:oes de Michel Foucault. Na verdade, Paul
Veyne fora o primeiro historiador a elaborar urn estudo mais
167
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
sistematico fortemente amparado na critica e rejeis:ao das certezas e
pad.metros que, ate poucos anos antes ainda fundavam a pretensao
de cientificidade historica a partir das abordagens quantitativa e
serial. Este estudo, publicado em 1971, foi intitulado Como se Escreve
a Hist6ria.
A conceps:ao anticientificista da Historia proposta por Paul
Veyne no celebre ensaio de 1971 trazia a marca da inBuencia
foucaultiana: a historia aparecia aqui referenciada, pela primeira vez
em uma formulas:ao mais explicita, como urn genero lited.rio que, se
produzia explicas:oes, isto nao tinha nada a ver corn cientificidade,
mas apenas corn a maneira espedfica que a narrativa historica tinha
para se organizar em uma "intriga compreensivel': Este ensaio foi
escrito dois anos antes de Hayden White publicar o seu Meta~
Hist6ria (1973), no qual, de certo modo, colocava em pratica o que
ja aparece formulado em Veyne em termos de equiparar a Historia
a uma intriga. A resposta a Veyne, ao menos a mais conhecida, veio
no ano seguinte, em urn ensaio escrito por Michel de Certeau para
a Revista dos Annales intitulado: "Uma epistemologia de transis:ao:
Paul Veyne'' (1972). Era o primeiro passo de uma reBexao critica
ainda mais aprofundada, que ja nao se referiria diretamente a Paul
Veyne, mas que procuraria estabelecer urn cuidadoso balans:o
sistematico dos aspectos envolvidos na "Operas:ao Historiogd.fica''
(1974). 0 texto tornou~se urn classico e faria parte, no mesmo ano
de sua publicas:ao, sob forma de artigo, da coleranea Fa ire de l'histoire
organizada por Pierre Nora.
Corn Paul Veyne, a reBexao sobre o relativismo da constituis:ao
do'temJ?o historico' e da obra historiografica havia sido conduzida ao
extremo. Ele considera que, fundamentalmente, o que o historiador
faz e construir intrigas, 0 que para ele sao os processos inteligiveis
construidos pelo proprio historiador, a partir de recortes da realidade
168
H ISTORIA E CIENCIA : A LG U MAS QUESTOES DE M ETODO E EP ISTE M OLOGIA
vivida que chega do passado por residuos presentes nas fontes
historicas. Livre para lidar corn os fatos conhecidos e corn as fontes
que utiliza como materiais, e para, de acordo corn seus proprios
criterios, organizar em uma intriga os fatos, discursos e fragmentos
que lhe chegaram do passado. 0 pensamento do historiador recorta
urn pedas:o da vida (na verdade uma combinas:ao de diversifi.cados
pedas:os da vida) e organiza a partir dai a sua intriga. Desta
maneira, o tempo e o recorte reconstituidos pelo historiador nao
se relacionam ao tempo cronologico, sendo, rigorosamente citando
construs:oes do proprio historiador, resultados de urn esfon;:o
criativo e de uma singularidade que lhe sao proprios. Os fatos sao
selecionados, adaptados, conectados, ressignifi.cados de acordo corn
os interesses da intriga que o Historiador esti construindo; no
entretece de sua intriga, de maior ou menor complexidade, cruzam~
se itined.rios narrativos possiveis. 0 conhecimento historico aparece,
assim, plenamente como reconstrus:ao racional. 0 historiador da a
compreender intrigas humanas, mas nao intrigas e processos que se
deram no vivido real, ainda que intrigas que comportem veridicidade
e que se baseiam nos materiais concretos que chegaram ao presente.
Vista desta maneira, a Historia explica enquanto narra, mas esta
explicas:ao nao e cientifica (VEYNE, 1971).
Algumas nuances separam o livro Como se Escreve a Hist6ria, de
1971, de urn texto intitulado "A Historia Conceptualizante': escrito
tres anos depois para figurar na obra coletiva Faire de l'histoire,
organizada por Jacques Le Goff e Pi;rre Nora (1974). Nesta, Paul
Veyne ja admire que a historiografia apresenta certos nucleos de
cientificidade (mas sem constituir uma ciencia). Retoma~se a ideia
de que a Historia pode ate mesmo ser cientificamente conduzida,
caracterizando~se por ser teorica, logica, abstrata, mas nao se
constitui aqui uma ciencia propriamente dita. Veyne parece neste
EPISTEMOLOG!AS DA HISTORIA
texto reencontrar~se corn Febvre, que muitas decadas antes ji havia
definido o estatuto epistemol6gico da historiografia em termos de
urn "conhecimento cientificamente produzido".
Por fim, em uma aula inaugural de 1976 para o College de
France intitulada "0 Inventirio das Diferens:as'?5 Paul Veyne ji
nao parece insistir muito na nao cientificidade da Hist6ria. Para
ele, a historiografia seri o "Inventirio Conceitual" das diferens:as
humanas, o campo de saber que buscari individualizar os exemplos
trazidos pela hist6ria efetiva por meio das operas:oes conceituais
empreendidas pelos historiadores.
RELEMBRANDO BENEDETTO CROCE! A HISTORIA SERIA
UMA ARTE:
As tres ultimas decadas do seculo XX, corn a emergencia de uma
agitada querela em torno da P6s~Modernidade, traria entre virias
questoes as recolocas:oes sabre o estatuto e natureza da Hist6ria:
Seria a Hist6ria urn Discurso, mais ou menos impossibilitado de
recuperar uma realidade vivida? Seria a Hist6ria uma forma de
literatura? Se fosse, e diante da critica de suas possibilidades de
atingir o Real, ate que panto poderia se confundir ou ser recoberta
pela Fics:ao? Ate que panto, mesmo que considerando a cientificidade
da Hist6ria, o historiador nao deveria se preocupar corn a dimensao
estetica da Hist6ria? No limite, a Hist6ria poderia reduzir~se a esta
dimensao estetizante? A discussao sabre uma possivel natureza da Hist6ria nao mais
coma ciencia, mas coma possivel forma de expressao artistica, era
35 A Conferencia foi publicada em 1976 com este drulo. No Brasil, foi traduzida em 1983.
Veyne (1983).
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HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
uma das novidades trazidas pela querela, e H ayden White publicou
em 1973 urn livro intitulado A Meta~Historia, no qual analisava a
obra de grandes historiadores e fil6sofos da hist6ria coma discursos
em forma de prosa que tinham por tris de si determinados tropos
linguisticos, muito mais importantes para delinear o padrao
historiogrifico de cada autor do que qualquer outro aspecto. Estas
novas discussoes, que agora indagavam pela natureza literiria ou
mesmo artistica da Hist6ria, soavam coma uma novidade p6s~
moderna.
Na verdade, ji em fins do seculo XIX e na primeira metade
do seculo XX, a proposta de considerar a Hist6ria coma Arte
vinha sendo apresentada por Benedetto Croce (1866~1952), urn
historicista italiano de inspiras:ao hegeliana que escreveu alguns
livros importantes tanto na area de Hist6ria propriamente dita,
coma no ambito da Filosofia da Hist6ria, entre os quais Teoria e
Historia da Historiografia (1920). 0 ensaio em que levanta a pioneira
proposis:ao sabre a natureza artistica da Hist6ria e curiosamente o
seu primeiro ensaio no ambito da Teoria da Hist6ria, urn ensaio
escrito em 1893 que traz urn provocativo titulo: "A Hist6ria
Reduzida ao Conceito Geral de Arte':36 Para entender corn precisao
o tipo de associas:ao entre Hist6ria e Arte que Benedetto Croce
pretende afirmar, e preciso atentar para a propria definis:ao de Arte
do autor. A Arte e para este uma atividade cognitiva, relacionada
ao conhecimento do individual, bem ao contririo da Ciencia, que e
conhecimento do geral (COLLINGWOOD, 2001). Enquanto isto,
para Croce, s6 praticaria Ciencia aquele que pensa o caso particular
coma compreendido em urn conceito geral (SCHAFF, 1995).
36 Um ano depois da publica~ao deste ensaio, Windelband iria escrever em 1894 um outro ensaio tratando da questao e questionando a afirma~ao de que a Hist6ria e uma Ciencia. Tambem Di lthey em 1883 e S immel em 1892, citados por Croce, ja haviam proposto esta mcsma compa ra~iio entre Hist6ria e Arte.
17 1
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
Avans:ando na mesma dires:ao das ideias de Croce, Collingwood
( 188 9 ~ 194 3), que recebe a sua inRuencia, m as propondo urn a ressalva
crftica, destaca em A Ideia de Hist6ria (2001) o aspecto de que para
Croce s6 hi urn dever da Hist6ria: o de narrar os fatos, sendo que
a investigas:ao das causas nao seria mais que uma "observas:ao mais
rigorosa dos fatos, apreendendo as relas:oes individuais que existem
entre eles" (COLLINGWOOD, 2001, p. 297). A ressalva crftica de
Collingwood e que, reconhecendo~se o valor da argumentas:ao de
Benedetto Croce, a Hist6ria e a Arte seriam realmente passiveis de
comparas:ao, inclusive coma ji haviam proposto Dilthey (1883) e
Simmel (1892). Afinal, tanto na Hist6ria coma na Arte nao haveria
uma busca da perceps:ao de leis gerais, e sim uma relas:ao direta
corn o individual, que e contemplado tanto pelo artista coma pelo
historiador, embora de maneira diferenciada. Mas a legitimidade de
comparar as duas atividades por oposis:ao a Ciencia nao significaria
reconhecer uma "identidade" entre Arte e Hist6ria, coma teria feito
Croce, uma vez que o tipo de contemplas:ao e de relas:ao corn o
individual e realizado de maneira distinta por artistas e historiadores.
Ao estabelecer uma "identidade" entre as duas instincias (indo alem
da comparas:ao ou da analogia), Croce teria neste trabalho inicial
confundido em uma s6 coisa os dais modos de contemplas:ao,
respectivamente pr6prios do historiador e do artista: a intuis:ao do
individual e a 'representas:ao' do individual (COLLINGWOOD,
2001).
Para Benedetto Croce - e isto ficari ainda mais claro em Teoria
e Historia da Historiografia (1920), que reve ou aprimora algumas
posis:oes relacionadas a natureza do conhecimento hist6rico - e a
de que a elaboras:ao da Hist6ria corresponde de todo modo a uma
"intuis:ao do real': Trata~se de urn ato subjetivo que se manifesta na
mente do historiador coma "reatualizas:ao': portanto, urn fato de
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HISTORIA E CiiiNCIA: ALGUMAS QUESTO ES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
imaginas:ao que em seguida e exposto sob a forma de discurso, e
seria este o sentido mais preciso da sua famosa frase "toda hist6ria
e contemporanea" (AROSTEGUI, 2006, p. 136) . Quando Lucien
Febvre retoma esta frase mais tarde, em Cornbates pela Hist6ria
(1986), ele estari lhe emprestando urn sentido ligeiramente
diferenciado: a Hist6ria, coma estudo cientificamente produzido,
comes:a a ser elaborada a partir de urn "problema" levantado no
presente, de modo que cada Presente termina por reconstruir o
Passado a cada operas:ao historiogrifica, mas, certamente, dentro de
certos procedimentos que lhe trazem urn cariter cientifico. Ji corn
Benedetto Croce, a frase "toda hist6ria e contemporanea" implica
uma declaras:ao de plena subjetividade do historiador, que reatualiza
o Passado em sua mente, di~lhe uma expressao criativa relacionivel
mais a Arte do que a Ciencia, e por fim a expoe em forma de discurso.
Em uma linha aniloga e inRuenciada por Croce, viriam mais
tarde as contribuis:oes para a compreensao da natureza da Hist6ria
de Collingwood, corn o seu A Ideia da Historia. Mas de todo modo,
tal coma ji foi ressaltado, Collingwood situa~se em uma posis:ao
razoavelmente crftica ao comentar o ensaio datado de 1893, no qual
Benedetto Croce enuncia pela primeira vez sua proposis:ao de que a
Hist6ria e Arte.
CoNcLusoEs
Dizer que a Hist6ria e Ciencia ou nao, coma se deve ter
percebido, e operas:ao discursiva que passa pela necessidade de
definir os dais termos em questao. 0 que se entende por Ciencia? 0 que se entende por Hist6ria?
173
EI' IST b MOLOGI AS D A HISTORI A
Assim, se tomamos exemplificativamente o ponto de vista
de Benedetto Croce em A Hist6ria reduzida ao Conceito Geral de
Arte (1893), que e reencaminhada por Collingwood em A Ideia
de Hist6ria (2001), veremos que, para Croce, e tambem para
Collingwood, o objetivo dos cientistas e compreender os fatos no
sentido de reconhece-los como exemplos ou aplica<;:6es das leis
gerais; ja 0 papel dos historiadores e "contemplar" os fatos, tal como 0
artista. Desta maneira, os dois papeis previstos para a Ciencia e para
a Hist6ria nestes autores nao se coadunam, nao tornam a rela<;:io
possiveL E urn exemplo claro de que a afirma<;:io, de que a Hist6ria
e uma Ciencia (ou nao), depende do delineamento que se da a cada
urn destes termos, e do tipo de rela<;:io que entao se torna possiveL
Vale lembrar que, posteriormente, Croce reelaborou a sua concep<;:io
de que a Hist6ria e uma Arte, e uma forma muito particular de arte,
voltada para a narra<;:io do possivel, em favor de uma reivindica<;:io
da 'autonomia da hist6ria' face a Filosofia e a Ciencia. Esta e ja a
posi<;:io que aparecera em Teoria e Hist6ria da Historiografia (1920).
Ja Roger Chartier, em seu artigo "A Hist6ria hoje: duvidas,
desafios, propostas" (1994), compreende tanto a Ciencia como a
rela<;:io que se torna possivel entre Ciencia e Hist6ria, a partir dos
procedimentos de controle reconhecidos pela comunidade disciplinar
que rege esta ou aquela modalidade de conhecimento ciendfico, e
que permitem que urn determinado conhecimento produzido seja
refeito por urn outro pesquisador que queira verificar a adequa<;:io
dos procedimentos do primeiro. A Ciencia e aqui definida a partir da
questio classica: trata-se de urn tipo de conhecimento passivel de ser
recu perado em iguais condi<;:6es de produ<;:io ( refazer urn a experiencia
quimica nas mesmas condi<;:6es de pressao e temperatura, por
exemplo). A Ciencia, ou mais propriamente falando o procedimento
ciendfico, deve ser verifidveL Na Hist6ria, a possibilidade de se
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HISTORIA E CIENC I A: A LGUMAS QUEST OES DE METODO E EP IST EMO LOGIA
recuperar o caminho produzido pelo pesquisador anterior da-se
pela possibilidade de checar as provas (nao as interpreta<;:6es, que
desde que corretamente argumentadas serao possiveis em urn maior
numero ). Registrar a prova eo lugar da prova (basear-se e citar corn
rigor a documenta<;:io nesta estrutura bifolheada a que se refere
Michel de Certeau em "a opera<;:io hist6rica"), e dar indica<;:6es do
quadro conceitual e da metodologia escolhida (isto e, das condi<;:6es
de analise) permitiria a urn historiador que 0 conhecimento
produzido por urn outro atendesse aos criterios de cientificidade
exigidos pela disciplina. A cientificidade da Hist6ria ancora-se
portanto, no fato de que, como toda Ciencia, ela possui regras que
possibilitam controlar as opera<;:6es, a partir das quais se produzem
certos enunciados. Como a Ciencia e definida pela possibilidade
de verifica<;:io e de reprodutividade da opera<;:io que deu origem ao
conhecimento cientifico, e como o essencial da Hist6ria e relacionado
a sua liga<;:ao corn a Prova e corn o rigor argumentativo ( e nao em
fun<;:io da sua dimensao estetica, como prop6e o ponto de vista
p6s-modernista), a rela<;:io de assimila<;:io da Hist6ria pela Ciencia
torna-se imediatamente possiveL
A posi<;:io do Historicismo Alemao, conforme v1mos,
considerando o longo arco que vai desde os seus prim6rdios
rankeanos ate a virada relativista de Droysen e Dilthey e para
alem dela, ate chegar a Gadamer, pode nos trazer outras nuances
aparentemente contradit6rias, que s6 puderam ser resolvidas por
algumas das solu<;:6es propostas pela Hermeneutica. Ciencia, ja
desde o Iluminismo, e que antes mesmo era comumente definida
como urn "conhecimento do geral': Neste sentido, para a concep<;:io
Positivista, herdeira conservadora dos pressupostos iluministas, nao
havia qualquer problema e tudo desde ja estava arranjado. A Ciencia
era conhecimento do Geral (busca de leis regulares que regiam as
17S
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
sociedades e os comportamentos humanos), e a Historia - uma
historia universal, valida para toda a humanidade, que no limite
poderia ser a historia da caminhada do Singular Coletivo rumo
a realizas:ao da Raz;ao Plena - era tambem urn conhecimento do
Geral. Deste modo, a Historia, como as demais ciencias sociais, era
nao apenas uma ciencia, como tambem constituia corn as ciencias
naturais e exatas urn mesmo tipo de ciencias, definivel pelos mesmos
objetivos de generalizas:ao e pela possibilidade de uma aproximas:ao
das metodologias, que deveriam buscar a regularidade. Tambem, o
historiador ou o cientista social era urn cientista do mesmo tipo que
o fisico e o bod.nico, capaz; de neutralidade, de observar o seu objeto
corn distanciamento e destacado dele. Mas o Historicismo propunha
urn problema, pois continuava a ter a sua disposis:ao a definis:ao
de Ciencia como estudo do Geral e ja queria definir a Historia
como estudo do Particular. Esta perspectiva particulariz;ante
do Historicismo, por oposis:ao a perspectiva generaliz;ante do
Iluminismo e de seus herdeiros positivistas, recolocava o problema:
como poderia haver uma Ciencia do Particular? A solus:ao possivel
foi conceber as Ciencias da Naturez;a e a Ciencia Historica ( ou as
ciencias sociais de modo geral), como dois padroes distintos de
ciencia. Nos seus desdobramentos, avans:ados por Dilthey, isso
implicava tambem conceber dois padroes metodologicos distintos:
a 'Compreensao: propria da Historia ou das ciencias do espirito,
e a 'Explicas:ao: propria das ciencias da naturez;a. Percebe-se aqui
o ajuste que precisou ser realiz;ado para que as duas definis:oes, a
de Ciencia e a de Historia, segundo os interesses historicistas,
finalmente se coadunassem.
No imbito do historicismo, essa aproximas:ao entre ciencia e
historia gerou dois caminhos. De urn lado, urn caminho relativista
do historicismo em dires:ao a uma intensificas:ao cada vez; maior da
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HISTORI A E CIENCIA: A I.GUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA
"consciencia historica: que passando por uma aproprias:ao da filosofia
de Heidegger iria ter em nomes como o Gadamer de "Verdade e
Metodo" ou o Paul Ricoeur de Tempo e Narrativa (1994). Estes sao
autores que irao aprimorar cada vez; mais a distins:ao entre o padrao
metodologico historiogra.fico por oposis:ao ao padrao das ciencias
naturais, e que tambem trabalharao cada vez; mais corn a subjetividade
do historiador enquanto sujeito de prodw;:ao do conhecimento
humano. Em Ricoeur, chega-se a trabalhar a subjetividade leitora,
e o seu papel na devolus:ao do conhecimento historicamente
produz;ido ao vivido. De outro lado, permaneceria tambem uma
alternativa historicista mais conservadora, mais imobiliz;ada no
momento rankeano (no qual ainda se acreditava na possibilidade
de contar os fatos "tais como eles se sucederam"). E houve mesmo,
como intermedias:oes conciliatorias entre o historicismo e o desejo
de ainda ser uma ciencia a moda antiga, "natural': a assimilas:ao
eventual de certas influencias positivistas e evolucionistas, de modo
que alguns autores chegam a falar de urn "historicismo cientificista:
que desponta nas ultimas decadas do seculo XIX.37
A solus:ao proposta por Marc Bloch, de considerar a Historia
como "ciencia em construs:ao" tambem expressa os conflitos entre
urn conceito de ciencia relacionado a<? estudo do supraindividual, do
que se repete, e urn conceito de Historia compreensivo. Bloch nao
quer se escraviz;ar ao conceito de Ciencia classico, que o identifica
37 Essas nuances historicistas s.io apresentadas por Arno Wehling em seu artigo "Capistrano de Abreu e Silvio Romero: urn paralelo cienrificisra" (1991), no qual e proposta uma periodiza~.io que se adequa bem as fases da historiografia brasileira novecentista: teria havido filos6fico no seculo XVIII urn 'historicismo filos6fico; ainda como uma corrente dominada em rela~.io ao predominio das concep~6es mecanicistas; durante boa parte do seculo XIX teria predominado urn historicismo romantico ou erudito, metodologicamente correspondente a obra de Ranke e que, no Brasil, expressou-se corn a Hist6ria Geral do Brasil de Varnhagen; por fim, nas Ultimas decadas do seculo XIX, particularmente no Brasil, desponta o que Wehling denomina como urn "historicismo cientificista, urn historicismo que nao mais rejeita a possibilidade de encontrar, como Ranke fazia , leis para a Hist6ria" (W EHLING, 1991, p. 267).
177
EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA
necessariamente a busca das Leis Gerais e que tern por modelo as
ciencias naturais, mas tambem nao quer romper totalmente corn
este conceito, uma vez que tambem os Annales dialogariam corn a
busca do estrutural (a longa durac;:ao) e corn o que se repetem (a
hist6ria serial, os ciclos). Assim, apresentar a Hist6ria como uma
"ciencia em constrw;:ao" e uma boa alternativa. ApresendAa como
"estudo cientificamente conduzido': de acordo corn a proposic;:ao de
Lucien Febvre, foi tambem uma soluc;:ao, aquela que remete mais
uma vez a busca de padr6es de objetividade na metodologia, na
identificac;:ao das pro vas, no fornecimento a comunidade historiadora
de elementos para exercer urn controle sobre o produto final, tal
como propos tambem Roger Chartier no texto ja comentado.
0 debate segue adiante, e dificilmente se esgotara urn dia. Se a
Hist6ria e de fato Ciencia ou nao, no fim das contas, eis aqui uma
questao que interessa mais pelas reflex6es que coloca em movimento,
que pela esperanc;:a de encontrar respostas definitivas.
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VIcE-REITORA Berenice QuinzaniJordao
eduel ~
DIRE TO RA M aria H elena de Moura Arias
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Efrain Rodrigues Gilmar Arruda Jose Fernando Mangili Junior Maria Helena de Moura Arias (Presidente)
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C6PIA NAO AUTO Ri lADA ~ CR IME
EPISTEMOLOGIAS DAHIST6RIA VERDADE, LINGUAGEM, REALIDADE,
INTERPRETA\)AO E SENTIDO
NA POS-MOOERNIOAOE
Cataloga.;ao elaborada pela Divisao de Processos Tecnicos da
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Caraloga.;ao-na-Publica.;ao (CIP)
E64 Epistemologias da hist6ria : verdade, linguagem, realidade,
interpreta~ao e sentido na p6s-modernidade I organizado
por Gabriel Giannattasio e Rogerio Ivano. - Londrina :
Eduel, 2011.
ix, 348 p. : il.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7216-596-9
1. Historiografia - P6s-moderna. 2. Hist6ria - Filosofia.
3. Hist6ria- Interpreta~ao de textos. I. Giannattasio, Gabriel.
II. Ivano, Rogerio.
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Impressa no Brasil I Printed in Brazil
Dep6sito Legal na Biblioteca Nacional
2011
CDU930.2
SuMARIO
vu Apresentac;ao
11 Uma p6s~modernidade tragica: a historiografia
para alem da verdade e da mentira.
Gabriel Giannattasio e Guilherme Cantieri Bordonal
47 Por uma Historiografia p6s~moderna, p6s~virada
lingufstica e interpretativista
101
Alfredo dos Santos Oliva
Reinventando o fazer historiogrcifico a luz de certas
aporias p6s~modernistas
J onathan Menezes
137 Hist6ria e ciencia: algumas questoes de metodo e
epistemologia
185
Jose D'assun~ao Barros
0 problema do sentido hist6rico em Hist6ria das
Ideias: notas acerca da interpretac;ao de textos
politicos
Marcos Antonio Lopes
215 Possibilidades te6ricas da Analise de Discurso e da
Hermeneutica para a interpreta~ao hist6rica
Paulo Alves
241 Quest6es conceituais na Hist6ria Ambiental
Jozimar Paes de Almeida
265 A crise dos paradigmas no cinema brasileiro: o caso
Deus e o diabo na terra do sol ( 1964) e Bandido da
luz vermelha ( 1968) Fibio M. Bueno
297 Pergunte novamente aos cavalos: realmente foi
preciso teologia para pensar o fim da hist6ria?
Max Alexandre de Paula Gonc;:alves
335 Aforismos sobre a Hist6ria
Rogerio Ivano
APRESENTAfYAO
Os escritos que formam o conjunto desta obra sao resultado das
atividades e reflexoes do grupo de pesquisa denominado "Grupo de
Pesquisa em Epistemologias e Metodologias da Hist6ria': formado
por docentes da area de Teoria e Metodologia do Departamento de
Hist6ria da Universidade Estadual de Londrina, alem de professores
de outros departamentos, de outras institui~oes, e ainda alunos da
p6s-gradua~ao desta institui~ao e de outras universidades. 0 objetivo
do grupo e discutir, pesquisar e promover reflexoes sobre ideias e
metodos da hist6ria, colocando em primeiro piano os fundamentos
que sustentam o valor do conhecimento hist6rico. Geralmente
"implicitos" na narrativa do historiador, raramente se mostram ao
leitor, seja par estrategia, tradi~ao ou "pregui~a epistemica': Mas, os
tempos sao outros e se faz necessaria cola car as vistas os instrumentos
corn os quais se realizam as opera~oes historiograficas.
Constituido em 2007, o Grupo se imp6s urn desafio: transpor
para o texto as perspectivas historiogrificas de cada participante.
Pedia-se para que se levasse a termo aquele trabalho que, para boa
parte dos historiadores, constitui-se numa tarefa ingrata, ardua e
inutil, a saber: que transformassemos a teoria da hist6ria, num texto.
Simples, nao:' Eramos chamados a abandonar o c6modo lugar do
"eles dizem" para 0 papel, as vezes, desconfortavel do autor.
VI I