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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA - -- . 0 fim da historia. Revista do Mestrado em Hist6ria, Universidade Severino Sombra, v. 9, n. 10, p.ll-21, 2007b. LYOTARD,J - F. 0 p6s-moderno. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1993. NIETZSCHE, F. W. Sabre verdade e mentira no sentido extramoral. Sao Paulo: Nova Cultural, 1999. (Colet;ao Os Pensadores). ___ . Segunda intempestiva: da utilidade e desvantagem da hist6ria para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2003. PECHEUX, M. Sobre os contextos epistemologicos da anilise de discurso. Cadernos de Porto Alegre, n. 1, p. 47-55, nov. 1998. RORTY, R. Relativism: finding and making. In: ___ . Philosophy and social hope. London: Penguin Books, 1999. ___ . Contingencia, ironia e solidariedade. Sao Paulo: Martins, 2007. RUSEN, J. A hist6ria entre a modernidade e a pos-modernidade. Hist6ria : Ques toes e Debates, Curitiba, v.14, n. 26/27, p. 80-100, jan./dez.1997. WHITE, H. Teoria literiria e escrita da historia. Estudos Hist6ricos, Rio de Janeiro, v. 7, n.l3 , p. 21-48, 1991. ___ . Tr6picos do discurso: ensaios sobre a crftica da cultura. Sao Paulo: Edusp, 1994. 1% HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS OUESTOES DE METODO E EPI STEMOLOGIA Jose D'Assunc; ao Ban-os

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

- --. 0 fim da historia. Revista do Mestrado em Hist6ria, Universidade Severino Sombra, v. 9, n. 10, p.ll-21, 2007b.

LYOTARD,J-F. 0 p6s-moderno. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1993.

NIETZSCHE, F. W. Sabre verdade e mentira no sentido extramoral. Sao Paulo: Nova Cultural, 1999. (Colet;ao Os Pensadores).

___ . Segunda considera~cw intempestiva: da utilidade e desvantagem da hist6ria para a vida. Rio de Janeiro: Relume Dumara, 2003.

PECHEUX, M. Sobre os contextos epistemologicos da anilise de discurso. Cadernos de Tradu~ao, Porto Alegre, n. 1, p. 47-55, nov. 1998.

RORTY, R. Relativism: finding and making. In: ___ . Philosophy and social hope. London: Penguin Books, 1999.

___ . Contingencia, ironia e solidariedade. Sao Paulo: Martins, 2007.

RUSEN, J. A hist6ria entre a modernidade e a pos-modernidade. Hist6ria: Questoes e Debates, Curitiba, v.14, n. 26/27, p. 80-100, jan./dez.1997.

WHITE, H. Teoria literiria e escrita da historia. Estudos Hist6ricos, Rio de Janeiro, v. 7, n.l3, p. 21-48, 1991.

___ . Tr6picos do discurso: ensaios sobre a crftica da cultura. Sao Paulo: Edusp, 1994.

1%

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS OUESTOES

DE METODO E EPISTEMOLOGIA

Jose D'Assunc;ao Ban-os

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EPISTEMOLOGIA! DE QUE SE TRATA~

A Epistemologia surge, nos seus primeiros momentos, quando

o pensamento filos6fico comes;a a buscar o estabelecimento de uma

relas;ao entre conhecimento e realidade. Como o conhecimento e

possivel~ Como ele ocorre~ Que representas;ao do mundo e valida e

verdadeira~ Que parte da realidade, se e que ha uma, e cognosdvel,

apreensivel por alguma forma de conhecimento humano:' Quando

a Filosofia comes;a a fazer perguntas como esta, o Conhecimento

passa a ocupar uma posis;ao central como o seu principal interesse, e

ja estamos entio no ambito de uma reflexio epistemol6gica, sendo

possivel dizer que aqui a Filosofia se transforma em uma Teoria do

Conhecimento.

Percebe~se, entio, que a epistemologia tornou~se possivel a partir

da mudans;a de um paradigma filos6fico, tal como prop6e Jiigern

Habermas (1990), e que as condis;oes para o seu aparecimento no

pensamento racionalista ocidental deram~se precisamente a partir

do momento em que se acrescentou uma outra indagas;ao a questio

"o que e a verdader': que ate entio havia reinado senhorialmente

no castelo de preocupas;oes da filosofia ocidental desde Socrates

e P latio, com todo o desenvolvimento da reflexio racionalista

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EPJSTEMOLOGIAS DA HISTORIA

subsequente. T ratava~se de indagar, a partir da virada epistemologica,

que "verdade" poderia se tornar "objeto de conhecimento': e como

isto poderia se dar. E nao tardaria muito a que se perguntasse se a

verdade de fato existe. As grandes indagas:oes filosoficas deveriam

se voltar agora para a possibilidade de saber, por exemplo, como as

crens:as adquirem valor de verdade.

Uma vez que a epistemologia dirige~se aos problemas

relacionados ao Conhecimento, desdobra~se daf uma preocupas:ao

corn o aparato cognitivo que o torna possfvel. A Consciencia,

entendida como o centro deste aparato cognitivo, desdobra~se

aqui como nos:ao fundamental. Outra nos:ao importante seria a de

Linguagem, vista neste momento como meio que possibilita elaborar

o conhecimento ( e nao como mecanismo que estrutura o proprio

pensamento, tal como ocorreria depois corn a chamada "virada

lingufstica"). De igual maneira, a nos:ao de Metodo, o caminho

atraves do qual pode se produzir o conhecimento em determinadas

dires:oes, torna~se urn desdobramento necessirio para as reflexoes

epistemologicas, e outras nos:oes, tal como a dicotomizas:ao entre

sujeito produtor de conhecimento e objeto do conhecimento terao

aqui o seu lugar. Sobretudo, a relas:ao possfvel entre sujeito e objeto,

ou entre agente do processo cognitivo e realidade, torna~se uma

reflexao imprescindfvel, de modo que aqui se afirmam tambem as

nos:oes de Objetividade e Subjetividade como instincias que se

afirmam nesta relas:ao sujeito/ objeto.

Certamente que a nos:ao de "Ciencia': entre todas estas e delas

se valendo, e ela mesma problematizivel. Logo veremos, ao indagar

pela ciel}tificidade ou nao da Historia, que esta questio dependeri

diretamente da maneira como delineamos o tras:o central do que seria

Ciencia. 0 que define Cienciar Uma abordagemr Uma Metodologia

espedficar Urn tipo de objetor A possibilidade de verificas:aor A

1110

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

possibilidade de se chegar a leis geraisr Uma vez definido o tras:o

central que caracteriza a Ciencia, os posicionamentos em torno da

questao dacientificidade da Historia tambem se modificam, conforme

teremos a oportunidade de ver. Por outro lado, para alem deste "tras:o

geral': que sed. a base do proprio problema aqui examinado, existe

ji urn certo conjunto de caractedsticas que parecem ser, de acordo

corn o consenso geral na comunidade cientifica, comum a todas as

ciencias. Entre estas citaremos a "Intens:ao da Verdade" (em tempo,

nao a possibilidade de se atingir a Verdade, mas, especificamente,

uma "intens:ao de verdade"), para alem da "busca do conhecimento

como objetivo em si': a"liberdade de discussao e cdtica': eo "Diilogo

e Consulta ao saber acumulado" (BOURDIEU, 1980, p. 24). Sem

estas quatro posturas, nao parece haver quem defenda a possibilidade

de se estar diante de uma pritica corn vistas ao estabelecimento de

urn conhecimento de tipo cientifico.

Enfim, todas as nos:oes ae1ma evocadas, Consciencia,

Linguagem, Metodo, Sujeito, Objeto, Objetividade, Subjetividade,

e a propria Ciencia, tornar~se~ao imprescindfveis para discutir

aspectos epistemologicos relacionados a Historia. De fato, seja

na historiografia ou na filosofia da historia, esta grande reflexao

que podedamos delinear como epistemologica se dirige mais

particularmente as indagas:oes sob re 0 que e 0 conhecimento historico,

e em que condis:oes ele se torna possfvel. Haveri uma relas:ao entre

Historia e Verdader Haveri possibilidade de produzir urn tipo de

conhecimento objetivo ( e, neste caso, corn que tipo de objetividade) r

Ou a historia associa~se, nos virios momentos da operas:ao

historiogrifica, a virias subjetividadesr Que metodo viabiliza a

produs:ao de urn conhecimento historico: seria este urn metodo

anilogo ao das ciencias naturais, ou necessariamente a Historia e

as demais ciencias humanas deveriam buscar o seu proprio padrio

I l l, I

I

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

metodologico? De que operas:oes e finalidades deveria se municiar a

Consciencia Historica, na sua busca de produzir urn conhecimento

sobre a Historia valido e util para a vida: deveria buscar a Explicas:ao

ou a Compreensao do mundo? E, por fim, uma pergunta que tern

flutuado no que se refere a sua impord.ncia para as diversas epocas

historiograficas: sera a Historia uma Ciencia?

As perguntas que se tornam possiveis a Historia no ambito

da Epistemologia sao muitas, e refletiremos ou tangenciaremos

algumas delas. A primeira delas, que muito ocupou os pensadores da

historiografia no decorrer dos seculos XIX e XX, e que ainda hoje se

torna objeto de indagas:oes por parte de muitos dos historiografos,

refere-se precisamente as relas:oes mais imediatas entre Historia e

Ciencia.

HISTORIA E CI:ENCIA

Quando se examina comparativamente o infcio do seculo XX

e o infcio do seculo XXI, corn vistas a compreender as mudans:as

do papel da Ciencia na sociedade, alguns contrastes sobressaem.

Vivemos hoje em uma epoca da historia contemporanea, na qual

a Ciencia e frequentemente chamada a conviver corn conceps:oes

alternativas e questionamentos que postulam a possibilidade de se

atingir conhecimento por outros meios que nao apenas os autorizados

pelos procedimentos cientificos: pela intuis:ao, pela imaginas:ao,

pela experiencia mistica, pela Arte. Tal como ja assinalava Jonathan

Culler em urn ensaio publicado em 1982 corn o titulo "Sobre a

Desconstrus:ao': em plena fase de maior intensidade do debate sobre

a Pos-Modernidade, em que a Ciencia era vista pelos modernistas e

estruturalistas da primeira metade do seculo XX como o maximo

HISTORIA E CIJiNCIA : ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGI A

produto da modernidade. A Ciencia era de fa to "o alfa e o omega dos

modernistas e dos estruturalistas': tal como em urn texto de 1989

sobre Historiografia e P6s-Modernismo afirma Frank Ankersmit

(2001, p.117), que em seguida da a perceber o desinteresse dos pos­

modernistas e pos-estruturalistas em discutir o papel da Ciencia no

mundo contemporanea.

Este complexo debate, e esses mesmos deslocamentos relatives

aos interesses em discutir a validade ou nao de admitir urn estatuto

cientifico para a sua propria pratica, tambem atinge os historiadores.

Entre esses, e ja bastante antiga a discussao sobre o estatuto

epistemologico da Historia: Sera uma Ciencia? Que tipo de Ciencia?

E tambem urn Discurso, uma Arte? Trata-se de uma discussao

que tern ela mesma uma historia, cheia de distintas tomadas de

posis:ao, de medias:oes e combinas:oes, de afirmas:oes e rejeis:oes da

cientificidade da Historia, de redefinis:oes do proprio conceito de

"cientificidade': de modo a ajustar o conhecimento historico corn

vistas a permitir a sua integras:ao a urn certo quadro de disciplinas.

No Brasil, o debate estava bem vivo nos anos 1980 e nos anos 1990

ele retrocede, embora sem perder o interesse. No infcio do seculo

XXI, ou ja mesmo a partir da ultima decada do seculo XX, ele

retorna como uma sombra para trazer a contraluz urn outro debate,

que pergunta se a Historia e urn Discurso, aproxima-se da fics:ao, ou

mesmo se e possivel urn conhecimento historico confiavel e util para

a vida.

As posis:oes de historiadores e filosofos perante a questao da

cientificidade possivel da Historia se diversificam, como nao poderia

deixar de ser. Adam Schaff, em seu ensaio "Historia e Verdade"

(1995), procura mostrar que a variedade de posis:oes possiveis

sobre a questao decorre de uma serie de indagas:oes afins, para as

quais nao existe uma resposta unica. Alguns se perguntam: como

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

podera a Hist6ria postular a sua cientificidade, produz~se pontos

de vista distintos sobre o mesmo fato. Ainda seguindo esta primeira

indagas:ao, poderemos perguntar, adicionalmente: o reconhecimento

da subjetividade implica nao cientificidader A pergunta central,

de todo modo, e a que gira em torno das definis:oes de Ciencia e

cientificidade, e tambem em torno da existencia ou nao de urn

unico modelo de cientificidade. 0 quadro abaixo evoca algumas

possibilidades. Sera que o que define a Ciencia e a possibilidade de

chegar a "leis gerais" r Sera a possibilidade de verificas:aor Sed. urn

tipo de objetor Sera a Ciencia definida por uma Abordagem, ou por

uma metodologia espedficar Outros aspectos poderiam ainda ser

evocados, como a ligas:ao do "cientifico" corn as regras aceitas pela

comunidade legitima dos praticantes da ciencia em questao. Mas,

por ora, consideremos estes quatro elementos.

Quadro 1 • 0 que define "Ciencia"? Fonte: Elaborado pelo autor.

POSSIBILIDADE DE CHEGAR A LEIS GERAISI

UMA METODOLOGIA ESPEClFICAI

0 quadro 2 busca situar em urn grande panorama, embora

simplificado no que se refere as suas posis:oes fundamentais, alguns

historiadores e fil6sofos da Hist6ria frente a possibilidade de se

considerar (ou nao), a Hist6ria como Ciencia. Trata~se apenas de

um ponto de partida para nossas reflexoes.

I IJII

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

A Hist6ria e uma Ciencia do m esmo tipo das Ciencias Naturais

Quadro 2:

A Hist6ria e urn conhecimento

Quadro 2 • Posi~oes em rela~ao a Cientificidade da Hist6ria Fonte: Elaborado pelo autor.

0 Quadro proposto apresenta algumas questoes clissicas

sobre a cientificidade da Hist6ria. A Hist6ria e de fato Cienciar

Ou e alguma outra forma de conhecimento, ate mesmo uma Arter

Se e outra forma de conhecimento, sera, ao menos, uma especie de

conhecimento cientificamente conduzidor E, se de fato considera~

se a Hist6ria de como uma ciencia, sera uma ciencia assimilivel as

ciencias da natureza e as ciencias exatas, ou seri uma ciencia de outro

tipo, que constr6i a sua especificidade a partir de outros parimetros

que lhe sao pr6priosr As respostas dadas pelos historiadores a

perguntas como estas tern variado muito, e nosso objetivo seri o

de mostrar essa imensa variedade de posicionamentos a partir de

alguns exemplos, entre outros tantos que poderiam ser dados.

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EPISTE MOLO GI AS D A HIS TORI A

Para os historicistas alemaes, da primeira metade do seculo XIX,

que instituem a Hist6ria como disciplina universitiria, a Hist6ria e

de fato uma Ciencia especifica que buscara se definir como atividade

intelectual autonoma ao constituir seu proprio metodo de trabalho,

corn suas pr6prias normas (AROSTEGUI, 2006). Contrariamente,

na mesma epoca, afirma~se na Frans:a e Inglaterra urn paradigma

positivista que procura aproximar as Ciencias Humanas, inclusive

a Hist6ria, do modelo cientifico das Ciencias Naturais, em que

teremos Buckle e Taine como alguns dos representantes mais tipicos

deste posicionamento. Ja a Escola Met6dica, que se fortalece em

1876, apresenta uma posis:ao eventualmente ambigua, apesar da

clara influencia positivista. Alguns de seus historiadores afirmam

que a Hist6ria e Ciencia, seguindo o padrao positivista. Este era o

caso de Fustel de Coulanges (1830~ 1889), que se apresentava como

urn seguidor do metodo cartesiano na Hist6ria e que a via como

"pura ciencia'' (LEFEBVRE, p. 1971, p. 217). Mas Seignobos, no

manual de 1901 que se intitula 0 Metodo da Hist6ria aplicado as

Ciencias Sociais, afirma que a hist6ria nao e uma ciencia, mas urn

meio de conhecimento. Na Alemanha, a nova geras:ao de historicistas

tambem se divide, embora tenda a conceber a Hist6ria como Ciencia.

Mas temos o posicionamento marcadamente contrario de Edward

Meyer (1855~ 1930) que, em Teoria e Metodologia da Hist6ria (1955),

rejeita a possibilidade de se falar em uma ciencia da Hist6ria.30

Enquanto isto, ja corn urn ponto de vista decididamente

moderno, Johannes Huizinga ( 1872~ 1945) afirma em seu "Conceito

de Hist6ria'' que a Hist6ria e uma ciencia sim, mas uma ciencia produz

30 Meyer acompanha o posicionamento historicista mais geral de que a Hist6ria nao deve se interessar pelos "fatores gerais da vida humana" (MEYER, 1965, p. 42). A sua posi~ao de que a Hist6ria nao e uma Ciencia, que e menos comum no Historicismo, e acompanhada na Inglaterra por G eorge M acaulay Trevelyan (1876-1962), que defende esta ideia em LUll

arrigo de 1903 in rirulado "Clio, a Muse" (AROSTEGUI, 2006, p. 126-127).

1'16

H ISTO R I A E C I E NCIA: ALG U M AS QU E STOES DE ME.TODO E EPISTEM O LOGIA

uma versao do Passado eo reconstr6i, j a que nao existiria algo como

o "realmente sucedido" para ser reconstituido pelo historiador.31

Corn a ideia de "construs:ao do Passado': Huizinga antecipari uma

postura que em geral sera a dos historiadores dos Annales. Eles

proporao definitivamente a ideia de que a hist6ria e uma "construs:ao

do passado" a partir de uma problematica levantada no Presente.

E oferecerao algumas variantes corn relas:ao ao reconhecimento do

estatuto da Hist6ria. Marc Bloch afirma na famosa Apologia da

Hist6ria que a Hist6ria e uma "ciencia em construs:ao'?2 ao mesmo

tempo em que para o seu grande companheiro, o Lucien Febvre

de Combates pela Hist6ria (1986), a Hist6ria sera urn estudo

"cientificamente produzido': No limite, Pierre Chaunu (n.1923~

2009), urn dos principais representantes da segunda geras:ao de

historiadores dos Annales, afirma em seu livro Hist6ria - Ciencia

Social (1974) que "a hist6ria, ciencia federadora de nosso tempo,

nasceu entre 1929 e o inicio dos anos 30': completando mais

adiante que "o que e anterior tern valor de documento" ( CHAUNU,

1974, p. 56). Ou seja, a Hist6ria e sim uma ciencia, mas a Hist6ria

especificamente fundada pela escola dos Ann ales, nao as experiencias

historiograficas anteriores.

Enquanto se desenvolvem estas disputas em torno da

cientificidade da Hist6ria, e de quem legitimamente a conduz, ja

no ambito do historicismo italiano, a passagem para as primeiras

decadas do seculo XX conhecerao tambem a inusitada proposta

31 Na "Defini~ao do Conceito de Hist6ria'; Huizinga registra que "a Hist6ria e sempre, no que se refere ao passado, uma maneira de dar-lhe forma, e nao pode aspirar a ser outra coisa. E sempre a apreensao e a interpreta~ao de urn sentido que se busca no passado" (HUIZINGA, 1946, p. 90) .

32 Essa ideia de que a Hist6ria e uma ciencia em marcha sed. retomada anos mais tarde, na "Apresenta~ao" de uma das obras coletivas da terceira gera~ao dos Annales, o dicionario .A. Nova 1-listoria, organizado por Jacques Le Goff(1990). 0 historiador frances intitular:i o scu prcfacio, signifi ca rivamenrc, eo m a frase: "Uma ciencia em ma rch a, uma ciencia na inf.1n ia".

1117

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EPISTEMOLOGTAS DA HISTORIA

introduzida pelo ensaio "A Historia Reduzida ao Conceito Geral de

Arte" (1893) e pelo livro Teoria e Hist6ria da Historiografia (1920)

de Benedetto Croce (1866~1952), urn historicista que combina a

postura neokantiana corn uma inspirac;:ao hegeliana, e que formula

a ideia de que a historiografia seria nao uma Ciencia, mas sim

uma Arte. Corn isto, o historicista italiano antecipava de alguma

maneira uma discussao que praticamente so retornaria corn maior

intensidade corn a polemica do Pos~ Modernismo, nas tres ultimas

decadas do seculo XX, embora possam ainda ser citados outros

nomes que, na primeira metade do seculo XX, tambem discutiram

a semelhanc;:a entre historia e arte. Este foi o caso, por exemplo, de

Richard Burdon Haldane (1856~1928), em uma obra intitulada 0 sentido da Verdade na Hist6ria, datada de 1914.33

E importante frisar, desde ji, que as diversas considerac;:oes sobre

a possibilidade de a Historia ser ou nao uma Ciencia dependem,

obviamente, da propria definic;:ao de ciencia que se tern em vista,

tal como ji foi notado no inicio deste artigo e exemplificado corn

o Quadro 1. Apenas para dar urn exemplo, Karl Popper (1902~

1994), que registrou suas posic;:oes sobre a historiografia em urn

livro intitulado A Miseria do Historicismo (1990), pretende renegar

a historiografia a dimensao da cientificidade, principalmente porque

atribui a Ciencia a capacidade de fazer previsoes. Portanto, aqui

como em outros casos, e uma certa concepc;:ao do que se tern por

cientificidade o que orienta a possibilidade de argumentar a favor

ou contra a proposta de incluir a historia entre as ciencias. De

maneira aniloga, Carl Hempel (1905~1997), em seu ensaio sobre

os "Problemas do Conceito de Lei Geral" (1982), sustenta que a

cientificidade deve ser associada a possibilidade de explicar urn

33 "Uma hisr6ria baseada apenas nos merodos ciendficos seria uma brincadeira" (HALDANE, apudTEGGART, 1941, p. 55).

HISTORTA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

fen6meno como subsumido a leis ou a uma teoria, o que o leva a

negar a cientificidade, ao menos em parte, a historiografia de sua

epoca (1970). Uma posic;:ao nao muito distante e sustentada por

Patrick Gardner, urn autor particularmente interessado na Natureza

da Explicafiio Hist6rica (1952), e que organizou urn conjunto

completo de fontes para o estudo das Teorias da Hist6ria (1959), no

livro que recebeu este nome.34

Hi ainda os que definem Ciencia mediante o tipo de metodo e

da abordagem, e que, ao perceber claros contrastes entre os metodos

e abordagens da Historia em relac;:ao ao paradigma das ciencias

naturais, sao levados a concluir que a historiografia nao deve ser

enquadrada como ciencia. Este nao e o caso, como ji fizemos notar,

do Historicismo, que embora perceba e sustente claramente a

distinc;:ao de metodos entre a Historia e as Ciencias Naturais, nem

por isso deixa de qualificar a Historia como um"outro tipo de ciencia''.

Ji Oswald Spengler, no inicio do seculo XX, distingue a Ciencia

em oposic;:ao a Historia por considerar que a primeira se aproxima

de seus objetos por meio da busca e utilizac;:ao de leis, enquanto a

segunda, a historiografia, deve se aproximar de seus objetos corn o

avivamento da intuic;:ao.

Seguiriam, pela segunda metade do seculo XX, as defesas da

cientificidade da Historia. Roger Chartier ji escreve no inicio do

seculo XXI contra o pano de fundo de uma torrente de posic;:oes

que rejeitam a cientificidade da Historia, a qual e, sim, uma pritica

cientifica, justifica a afirmac;:ao no seu artigo "A Historia hoje: duvidas,

desafios, propostas': sustentando que a cientificidade da Historia

ancora~se no fato de que ela possui regras que possibilitam controlar

34 Comenrarios sobre as posic;:oes de Popper, Hempel, Gardner e ourros, podem ser enconcrados no capitulo "0 Esgoramenro do Modelo Academico (1918-1939)" do livro J-list6ria dos Homens, de Josep Foncana (2004, p. 243-260). Sob re a filosofia de Popper, vcr Schilp (1974).

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

as operas:oes a partir das quais se produzem certos enunciados

(CHARTIER, 1994).

No imbito do Materialismo Hist6rico, hi uma tendencia

subseqiiente a posis:ao de que a hist6ria e uma ciencia. Mas, assim

mesmo hi posis:oes coma a de Thompson, que sustentou em Miseria

da Teoria (1978) que a hist6ria e urn conhecimento aproximado,

o que em sua argumentas:ao seria impeditivo para atribuir-lhe

rigorosamente o status de ciencia. Perry Anderson, outro dos

mais iminentes historiadores marxistas da Inglaterra, faz a cdtica

desta posis:ao em 1985, em uma obra intitulada Teoria, Politica e

Hist6ria: urn debate corn E. P. Thompson. Anderson afirma neste

ensaio que a caractedstica de ser urn conhecimento aproximado e

a impossibilidade de verificas:ao empirica nao sao impeditivos para

categorizar urn imbito de saber como cientifico, sendo mesmo

estas caracteristicas a regra expressa pela maior parte das ciencias.

Enquanto isso, Pierre Vilar, historiador marxista que dialoga corn

os Annales, retoma a ideia de que a "hist6ria e construs:ao': ideia que

aparece registrada, por exemplo, em urn artigo de 1973 intitulado

"Tentativa de diilogo corn Althusser':

Ji a necessidade de opor a ciencia ou conhecimento hist6rico

ao que e produzido pelas ciencias naturais, segue sendo uma

discussao atualizada na segunda metade do seculo XX. Assim,

para os historicistas mais modernos ligados a hermeneutica,

conforme veremos, a Hist6ria segue como uma Ciencia que tern

as suas pr6prias especificidades. E, ji em uma perspectiva distinta,

o micro-historiador italiano Carlo Ginzburg sustentaria em urn

artigo brilhante, intitulado "Raizes de urn Paradigma Indiciirio"

(1991), que a hist6ria nao seria urn conhecimento ou uma ciencia

do tipo galileano, mas sim uma especie de conhecimento indiciirio

(GINZBURG, 1991).

ISO

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

Mas, haved., por fim, aqueles que, como Paul Veyne ou Hayden

White, rejeitam explicita ou implicitamente o estatuto cientifico

da Hist6ria. Paul Veyne, por exemplo, rejeita enfaticamente a

cientificidade da Hist6ria no seu livro Como se Escreve a Hist6ria, de

1971, e ji no seu ensaio de 1974 para a coled.nea Faire de l'histoire

(LE GOFF; NORA, 1974), no qual busca discorrer sobre"ahist6ria

conceptualizante': admire que a historiografia apresenta "nucleos de

cientificidade': mas sendo que estes sao sempre relacionados corn o

empreendimento conceptual propriamente dito, e nao corn relas:ao a construs:ao de uma narrativa que tenha em vista o referente externo.

Questoes correlatas a posis:ao epistemol6gica da Hist6ria no

quadro geral das ciencias humanas tambem trazem a primeiro

piano discuss6es importantes, como a oposis:ao entre Objetividade e

Subjetividade e o grau e modo como estas instincias interferem ou

integram-se ao trabalho do historiador. Iluminam-se tambem, como

ji foi dito, as quest6es relativas ao Metodo, a partir das quais podemos

nos perguntar se 0 metodo hist6rico e similar ao das outras ciencias

naturais, como postulariam os positivistas e evolucionistas sociais,

ou se, admitindo-se a sua singularidade, deveria ser assimilado aos

metodos das demais ciencias humanas, ou apresentar especificidades

suas, que desde logo assinalam a sua incontornivel singularidade?

Partiremos deste ponto e, para tal, examinaremos urn momento

particularmente significativo, dentro do qual se di urn debate que

envolve simultaneamente as quest6es da relas:ao entre Objetividade

e Subjetividade no trabalho historiogd.fico, as quest6es de Metodo,

e as indagas:oes sobre a posis:ao do historiador como agente que

produz ou participa da produs:ao do conhecimento hist6rico. 0

momento escolhido e o da querela entre Positivismo e Historicismo,

no decurso do seculo XIX.

1'5 I

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

0 SECULO XIX: 0 CONTRASTE ENTRE POSITIVISMO

E HISTORICISMO A PARTIR DAS INDAGA<;:OES

EPISTEMOLOGICAS

Ja desde o seculo XIX, o paradigma Positivista, padrao

cientificista que buscava a identifica<;ao de leis gerais para a Hist6ria,

vinha se confrontando corn o paradigma Historicista, este que, desde

a contribui<;ao de urn Ranke que ainda acreditava na possibilidade de

"contar os fatos tais como eles se sucederam" (2004, p.19), foi abrindo

cada vez mais espa<;o para o relativismo hist6rico. 0 Historicismo,

em diversos de seus setores, foi apurando a percep<;ao de que o

historiador nao pode se destacar da sociedade como pressupunha o

modelo das ciencias naturais preconizado pelo Positivismo e outras

vertentes cientificistas das ciencias humanas. Ao contrario disto, foi

se afirmando cada vez mais no universo historicista a ideia de que o

historiador fala de urn lugar e a partir de urn ponto de vista, e que,

portanto, nao pode almejar nem a neutralidade nem a objetividade

absolutas, e men os ainda falar em uma verdade em termos absolutos.

A Hermeneutica, campo de saber e reflexao dedicado a interpreta<;ao

de textos e objetos culturais, foi se afirmando como importante

espa<;o de reflexao a partir de fil6sofos e historiadores que real<;avam

a relatividade dos objetos, sujeitos, e metodos hist6ricos.

Positivismo e Historicismo sao dois paradigmas que se

contrap6em como dois modelos antagonicos, e praticamente

espelham-se (invertem~se) no que tange a questao da objetividade/

subjetividade em Hist6ria. 0 Positivismo ja estava praticamente

formado ate as primeiras decadas do seculo XIX, a partir das ideias

de Augusto Comte, que postulava uma aproxima<;ao das Ciencias

Sociais em rela<;ao as Ciencias Naturais tanto no que concerne a sua "objetividade': encarada como absoluta, como no que se refere

1'52

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGJA

a sua busca de Leis Gerais para os desenvolvimentos humanos.

Metodol6gica~mente, metodos das Ciencias Sociais e metodos das

Ciencias Naturais deveriam se aproximar.

Ha uma razao para o fato de que o Positivismo ja esti

praticamente pronto na primeira metade do seculo XIX. Na verdade,

alguns de seus pressupostos sao heran<;as do paradigma Iluminista

para as ciencias do espirito. Os iluministas tambem acreditavam na

possibilidade de descobrir Leis Gerais para as sociedades humanas,

na possibilidade de aproximar os metodos das ciencias do espirito

e das ciencias naturais e na ideia de que o pesquisador podia e

devia se colocar em uma atitude de neutralidade perante seu objeto

cientifico. Esse receituario, porem, era para o seculo XVIII bastante

revolucionario, pois vinha a se contrapor contra uma escolastica

tardia que se apoiava em argumentos de autoridade. Metaforas

organicistas, emprestadas ao mundo natural, eram empregadas para

falar no parasitismo social das classes aristocraticas. 0 Iluminismo

sintonizava~se corn o movimento revolucionario que logo explodira

na Fran<;a, e representava urn modelo de pensamento produzido,

sobretudo, por uma burguesia revolucionaria.

0 Positivismo, no seculo XIX, estava a reboque de uma

burguesia que ja chegara ao poder. As metaforas organicistas ou

fisicas, uma fisiologia social ou uma matematica social, sao utilizadas

agora corn objetivos conservadores. Ao Progresso dos iluministas

juntara~se a Ordem. E os cientistas sociais estariam a servi<;o do

Estado, da ordem burguesa, e nao sintonizados corn atividades

revolucionarias. A concilia<;ao de classes e o seu objetivo maior. Estas

ideias constituem urn dos dois principais paradigmas dominantes

para as ciencias sociais no seculo XIX.

Na historiografia, sobretudo a partir de meados do seculo XIX,

corn as obras de Taine, Renan e Buckle, que o Positivismo se afirma;

1')3

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EP!STEMOLOGIAS DA HISTORIA

nas Ltltimas decadas do seculo XIX, esta corrente vai influenciar

a nascente "Escola Metodica" da Frans:a, que a partir de 1876 se

afirma corn a publicas:ao do primeiro numero da Revue Historique,

uma revista que trad. na sua comissao editorial nomes da antiga

geras:ao positivista, como Taine e Renan, e novos nomes da escola

metodica como Monod e Lavisse. Os metodicos acompanham os

positivistas no que concerne ao entendimento da Historia como

ciencia, mas, rigorosamente falando, nao estarao empenhados na

busca de Leis Gerais e nem professarao determinismos a maneira de

Taine. Portanto, os metodicos incorporam a influencia positivista,

mas estao a meio caminho de algumas posicroes do historicismo.

Ji uma reflexao sob re a natureza do conhecimento historico, bem

ao estilo positivista, segue corn livros como o de Louis Bourdeau,

que e publicado em 1888 corn o titulo I.:histoire et les historiens: essai

critique sur l'Histoire consideree comme science positive. Todos os

pilares fundamentais do Positivismo sao reafirmados aqui: a busca de

Leis Gerais, a objetividade metodologica aproximada a das Ciencias

Naturais, a Neutralidade de urn historiador que devia se destacar

do seu objeto de estudo e observaAo distanciadamente, e mesmo

0 uso de uma linguagem tao formalizada quanto possivel, avessa a

narratividade. Enquanto isto, Paul Lacombe tambem sustentaria em

1894 uma discussao sobre a cientificidade da Historia em termos

positivistas, sustentando a existencia de leis do desenvolvimento

historico em seu ensaio De l'Histoire consideree como science.

Neste momento, a escola Metodica e seus herdeiros tambem

irao publicar manuais corn ideias positivistas ate meados do

seculo XX, como os manuais de Wilhelm Bauer e Louis Halphen,

respectivamente publicados em 1921 e 1946, ambos corn o nome

Introdufao a Hist6ria. Urn destes manuais, alias, o de Luis Halphen,e

citado no artigo de Fernando Braudel sobre "Historia e Ciencias

I S!l

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPlSTEMOLOGIA

Sociais: a longa duras:ao" (1958) como exemplo de historiografia

tradicional e retrograda, precisamente em uma passagem na qual

se diz que o historiador apenas precisa esperar de suas fontes que

estas deixem falar os fatos por si mesmos. Mas, o mais famoso dos

manuais e, certamente, o de Seignobos e Langlois, escrito em 1898 e

duramente criticado pela Escola dos Annales na terceira decada do

seculo XX.

Ao contririo do Positivismo que praticamente ja estava formado

na primeira decada do seculo XIX, em virtude de ter herdado do

Iluminismo os seus principais paradigmas ( aplicando-os para

urn uso conservador), o Historicismo ira construir passo a passo

o seu paradigma no decurso do seculo XIX, embora ja existam

sinais deste paradigma nas concepcroes sobre a Historia de varios

filologos, filosofos e teologos da segunda metade do seculo XVIII,

a comecrar corn a contribuicrao de Johann Martin Chladenius, que ja

tecia reflex6es sobre a relatividade dos juizos historicos. Estas varias

posicroes, alias, foram bem estudadas por Reinhart Koselleck em sua

obra Futuro Passado (2006).

0 Historicismo, no formato apresentado a partir do seculo

XIX, parte de posicroes que podem ser consideradas conservadoras,

a servicro dos grandes estados-nacionais, e Ranke ainda acredita

ser capaz de "contar os fatos tais como eles se deram". Mas ja nao

acreditam em uma Historia Universal humana, e sim em historias

nacionais particulares, de modo que ja se ve aqui urn primeiro

prindpio de aceitacrao da relatividade historiografica - neste caso ao

nivel do objeto de estudo. Cada vez mais, o pensamento historicista

ira investir na ideia de que as ciencias humanas deveriam buscar

metodos proprios, e nao procedimentos emprestados as ciencias

da natureza. Logo surgiria a Hermeneutica para opor a "explicas:ao';

propria das ciencias naturais, a "compreensao'; propria das ciencias

ISS

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTOIUA

humanas. E, por fim, nas ultimas decadas do seculo XIX, alguns

setores historicistas completam uma virada relativista: ji acreditam

que tambem o historiador, e nao apenas as sociedades examinadas,

esti implicado na sua especificidade. Quando se chega a este

panto, Positivismo e Historicismo ji se espelham perfeitamente

corn relas:ao aos principais aspectos que se referem a relas:ao entre

Objetividade e Subjetividade Historiogrifica. Os desenvolvimentos

de uma consciencia cada vez maior da historicidade do proprio

historiador levaram, ainda no seculo XIX, ao desenvolvimento

da Hermeneutica. 0 'Quadro 3' ilustra este espelhamento entre

as posis:oes fundamentais do Positivismo e do Historicismo corn

relas:ao as questoes acima discutidas.

A Alemanha e a Frans:a, espacialmente, tornaram-se palcos

privilegiados para a expressao dos paradigmas Historicista e

Positivista, respectivamente. Obviamente que em ambos os paises

haveriam as exces:oes, em que Karl Lamprech pode ser citado como

urn exemplo de historiador alemao que menos se aproxima da

posis:ao clissica do historicismo que do Positivismo, ji que postula

categorizas:oes gerais para a anilise da Hist6ria, na verdade mais

direcionadas para a psicologia e cultura. Destacando-se tambem

historiadores de seu tempo, pois ji antecipa de alguma maneira a

modalidade da Hist6ria Cultural e tambem a abordagem da Hist6ria

Comparada, para nao falar do diilogo corn a Psicologia.

Na ltilia, para dar urn exemplo fora da oposis:ao tradicional entre

Alemanha e Frans:a, reedita-se no quadro nacional de historiadores

a querela entre Historicismo e Positivismo. 0 Historicismo iri ser

represe.ntado por Benedetto Croce (1866-1952) eo Positivismo por

Pasquale Villari (1827-1917).

Para a Hist6ria, as contribuis:oes historicistas no ambito do

reconhecimento da relatividade hist6rica e da Hermeneutica, e

I SO

HISTORIA F. CI F. NCIA! ALGUMAS QUESTOES DE ME.TODO F. EP J STEMO LO G IA

as solitirias cnttcas nietzschinianas as verdades racionalistas,

posteriormente revivificadas pelas crises do conhecimento e das

metanarrativas, favoreceram a que gradualmente se fosse agus:ando

nos historiadores a plena consciencia da historicidade de cada panto

de vista. Gadamer, historiando uma contribuis:ao hermeneutica que

comes:a a adquirir impulso no seculo XIX a partir da abordagem

ainda romantica de Schleiermacher, e que avans:a pela hermeneutica

historicista de Dilthey ate chegar a 0 Ser e o Tempo de Heidegger,

indica em sua obra maxima, Verdade e Metodo, mas tambem na

serie de conferencias que foi publicada sob o titulo A Consciencia

Hist6rica, uma singularidade maior do homem contemporanea: a

sua "consciencia hist6rica': A consciencia hist6rica, apresentada nao

~penas como urn privilegio, mas talvez mesmo como urn "fardo':

e uma singularidade que diferencia 0 homem contemporanea,

entendido como o homem do seculo XX, de todas as geras:oes

anteriores. Gadamer (1998, p. 5) define a consciencia hist6rica

como o privilegio do homem moderno de ter "plena consciencia da

historicidade de todo o presente e da relatividade de toda a opiniao':

Eis aqui, na intensificas:ao da "consciencia hist6rica'' tal como

formulada por Gadamer a partir da tradis:ao hermeneutica, na

tendencia crescente do historicismo relativista a veneer cada vez

mais o sempre aberto debate contra o cientificismo e positivismo nas

ciencias humanas, e na reintensificas:ao das ideias de Nietzsche por

meio de autores como o Michel Foucault de A Verdade e as Formas

Juridicas, o ambiente intelectual que favorece uma implacivel critica

a ideia de uma rigorosa possibilidade de atingir uma Verdade (no

sentido absoluto) atraves da Hist6ria, tal como a ha via vislumbrado

a maior parte dos historiadores do seculo XIX. Outros aspectos,

ainda mais, poderiam ser citados como refors:adores do ambiente

que favorece a critica ou a relativizas:ao historiogri fica da Verdade,

1')7

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

denrre os qua1s a emergencia das pesquisas freudianas sobre o

inconsciente, nos:ao tambem incorporada a muitos historiadores,

ou mesmo a propria emergencia de paradigmas alternativos entre as

ciencias exatas, antes unificadas pelo modelo newtoniano da Fisica.

Mas o que nos interessari, a seguir, sera o avans:o para urn outro

momento da reflexao sobre a cientificidade da Hist6ria.

Os ANNALES E SUA POSI<(AO COM RELA<(AO A CIENTIFI~

CIDADE DA HISTORIA

Os Annales constituiram urn movimento historiografico que

empreendeu profunda revisao sobre o que deveria ser a Hist6ria nos

tempos contemporaneos, e que submeteu a critica todo urn setor ji

tradicional da historiografia herdada do seculo XIX, e que adentrara

o seculo XX. Neste processo em que os Annales buscavam afirmar~

se no territ6rio das ciencias humanas e, ainda mais especificamente,

no universo institucional frances, tambem ocorreram estere6tipos de

que os Annalistas lans:aram mao para depreciar uma historiografia

que apodaram de "hist6ria historizante': mas que certamente nao

recobria toda a historiografia de se us opositores institucionais, ji que

tambem havia grandes historiadores antenados corn as mudans:as

dos novos tempos e que pertenciam a outras escolas hist6ricas. Corn

isso, o projeto do Annales viu~se vitorioso e favorecendo o registro de

uma Hist6ria da escola dos Annales conforme urn relato por vezes

triunfalista. Autores como Frans:ois Dosse, em seu impactante livro

intitulado A Hist6ria em Migalhas (1987), procura dar~nos uma

leitura desta !uta de formas:ao dos Annales nos primeiros tempos,

e tambem das descontinuidades existentes entre as duas primeiras

I S8

HJSTO RIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

geras:oes dos Annales e a chamada terceira geras:ao, tambem muito

conhecida como Nouvelle Histoire.

PERSPECTIVA GENERALIZANTE

LEIS GERAIS I UNIVERSALIDADE

HUMAN A

(As sociedades humanas sao reguladas por leis naturais, invariiveis, independentes

da a~ao humana)

RELATIVIDADE DO OBJETO HIST6RICO

(Inexistem leis de cariter geral que sejam validas para rodas

as sociedades. Qualquer fen6meno social)

IDENTIDADE DE ME TO DOS

' '

FUNDAMENT OS DO POSITIVISMO

,.) !

DISTIN<;:AO DE METODOS

(0 objeto de estudo ji esti na natureza, e o cientista

dele se apropria. Separado de seu objeto de esrudo, o

hisroriador pode ser neutro e imparcial)

SUBJETIVIDADE DO HISTORIADOR

(0 Historiador rambem esti mergulhado na

Hist6ria)

entre as Ciencias Humanas e as Ciencias Nacurais (Diferen~a entre fatos

hist6ricos e faros naturais)

PERSPECTIVA PARTICULARIZANTE

Quadro 3 , Paralelo Comparativo entre Positivismo e Hisroricismo Fonte: Elaborado pelo autor.

De todo modo, urn ponto importante para os Annales das

primeiras duas geras:oes era, ao menos em alguma medida, o da

cientificidade da hist6ria, nos:ao corn a qual visivelmente nao quiseram

romper. Por outro lado, tal como ilustra urn Editorial de Frans:ois

Furet para a Revista dos Annales ja em 1989, este historiador ji

renega mais ou menos explicitamente que a Hist6ria seja uma

I S9

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EP ISTEMOLOGIAS DA H I STORI A

ciencia no sentido habitual, concedendo apenas que a Hist6ria

postule o estatuto de cientificidade no sentido de ser urn discurso

que produz "modelos de cientificidade': As duas posis:oes revelam,

portanto, entre as duas primeiras gera<;6es dos Annales e a terceira

geras:ao, o deslocamento do desejo de afirmas:ao da cientificidade da

hist6ria para uma secundarizas:ao desta questao, ou para urn certo

desprendimento da pretensao ao estatuto cientifico por parte dos

historiadores do grupo. Nao se trata, na verdade, de urn depoimento

isolado, e hi outros textos que deixam entrever este aspecto.

Comes:aremos, todavia, pelos prim6rdios dos Annales. Embora

postulando para a hist6ria o estatuto de Ciencia, os annalistas dos

primeiros tempos procuraram discutir o conceito de "cientificidade':

e o tipo de "ciencia" que os novas historiadores deveriam buscar.

Comecemos por evidenciar que, para os annalistas das primeiras

decadas, em sua maioria, a Hist6ria poderia perfeitamente postular

o seu lugar entre as Ciencias. Deveria constituir, contudo, urn outro

tipo de Ciencia, que nao o das Ciencias Naturais, ainda que alguns

annalistas buscassem incorporar inBuencias deste antigo modelo

por meio da medias:ao das Ciencias Humanas recem~emergentes

que ji buscavam estabelecer uma medias:ao em relas:ao aos modelos

das ciencias naturais. Dessa forma, o importante a ressaltar e que

os principais annalistas procuraram delimitar de maneira original o

estatuto epistemol6gico da Hist6ria.

Bloch, em Apologia da Hist6ria ( 2001), a considera uma "Ciencia

em Constru<;ao': Febvre, em Combates pela Hist6ria (1965), a classifica

como urn "estudo cientificamente conduzido': Todos se ampararam

amplamente no novo conceito de "Hist6ria~ Problema': urn conceito

que coloca a formulas:ao do Problema e de Hip6teses como panto

de partida da pesquisa, ao contririo do panto de vista da Hist6ria

loo

HISTORIA E CIENCIA: ALGU MAS QUESTOES DE METODO E EPI STEMOLOGIA

Historizante, que situava os documentos e os fatos preestabelecidos

que se deveria recuperar como panto de partida.

Desde ji, seri oportuno considerar que nao e possivel falar em

urn paradigma unificado dos Annales. Nao hi homogeneidade no

conjunto dos seus participantes corn relas:ao a certos aspectos que

permitiriam falar em paradigma. Fora o conceito de Longa Duras:ao,

e a no<;ao de Hist6ria~ Problema, os Annalistas nao constituiram

urn modelo te6rico da realidade, ou uma certa rede conceitual,

que os membros desta escola seguissem de modo a estabelecer

urn diilogo e urn fundo comum tal como ocorre, por exemplo, no

ambito do Materialismo Hist6rico. Deste modo, nao constituindo

urn paradigma ou uma unidade epistemol6gica, e bastante Butuante

o conjunto de posi<;oes dos historiadores dos Annales face a cientificidade ou nao da Hist6ria e, mais especificamente, do tipo de

hist6ria que predominava tendencialmente no grupo.

Jose Carlos Reis, em urn ensaio no qual elabora urn balan<;o que

apresenta o desenvolvimento "Da Hist6ria Global a Hist6ria em

Migalhas" (2000), e que traz por subtitulo a instigadora pergunta "o

que se ganha, o que se perder': ressalta que por vezes os annalistas, que

tinham como outro de seus tras:os comuns a Interdisciplinaridade,

podiam optar por modelos ou posicionamentos epistemol6gicos

sintonizados corn a ciencia social trazida para diilogo mais frequente

por este ou aquele historiador (REIS, 2000). Deste modo, a

dificuldade em identificar o "nucleo duro" da escola e pasta em relevo

pelo histori6grafo.

Mais ficil do que falar da "epistemologia hist6rica" dos Ann ales,

e identificar urn certo Programa da Escola que apresenta alguns

elementos recorrentes, mesmo considerando as chamadas tresgera<;6es

dos Annales. A Interdisciplinaridade (notadamente, o diilogo corn

as ciencias sociais emergentes ou em processo de afirmas:ao), a ideia

I () I

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

de que a Hist6ria deve ser colocada coma "constrw;:ao do Presente': a

oposi~ao de uma"Hist6ria Problematizada'' a uma hist6ria factual, eis

aqui alguns aspectos que se destacam do conjunto. Outros aspectos

do Programa dos Annales, se assim podemos dizer, referem-se muito

mais as oposi~6es e estrategias de enfrentamento, ou as rejei~6es

de dogmas. Ao mesmo tempo em que se abrem a experimenta~ao,

os Annales insistiram constantemente em afirmar a sua recusa de

dogmatiza~ao, ou mesmo de sistemas. Mais recorrentes em todos

os annalistas eram dais tra~os importantes, conforme destaca Jose

Carlo Reis no mesmo ensaio: "a estrutura~ao do evento" e a "pd.tica

da interdisciplinaridade".

0 Febvre da primeira fase buscou frisar o papel da Hist6ria

coma "estudo cientificamente conduzido': evitando classificar a

Hist6ria coma "ciencia''. Preferia se expressar nestes termos, par

urn lado, para se afastar da identifica~ao corn a postura cientificista

dos positivistas; par outro lado, colocar nestes termos o estatuto

epistemol6gico do tipo de Hist6ria que os Annales almejavam

produzir, permitia trabalhar mais corn o probabilismo do que corn

a mensura~ao. Esd.vamos aqui, ainda, nos prim6rdios de forma~ao do grupo. Logo, corn a estrondosa abertura de urn campo novo pelos

Annales - a "Hist6ria Serial" - a op~ao pelo mensurivel invadiria

a cena de maneira significativa. Mas, no periodo de encaminhar

estrategias ainda para a forma~ao do grupo, Febvre preferiu se

expressar nos termos da hibil formula do "estudo cientificamente

conduzido" (FEBVRE, 1965).

Tambem e u.til notar que tanto em Febvre coma em Bloch,

aparec~ a defini~ao da Hist6ria coma "ciencia dos homens no

tempo" (BLOCH, 2001, p. 55). E assim que Marc Bloch se expressa

em urn famoso trecho de seu livro Apologia da Hist6ria (2001),

162

H I STORIA E CIEN CI A: ALGUMAS QUESTO ES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

precisamente na parte do livro em que discute este que e urn dos

aspectos distintivos da Hist6ria: o tempo.

A segunda gera~ao dos Annales traz a primeiro plana, em uma

de suas duas principais correntes, o "numero': a "quantifica~ao': a

"serializa~ao". Corn os historiadores economicos e demogrificos,

portanto, o campo metodol6gico explorado pelos annalistas abre-se

mais significativamente para a incorpora~ao de metodos que buscam

apreender par meio de grandes series de dados ou informa~6es a

. repeti~ao, mas tambem a varia~ao, a tendencia. Ao mesmo tempo,

Fernando Braudel exploraria a segunda corrente importante desta

epoca: aquela que investia na possibilidade de trabalhar corn uma

"Hist6ria Global': o que, de certa maneira, era uma heran~a mais

direta de Marc Bloch. Portanto, esta gera~ao partilha-se entre o

"estrutural': uma continuidade aprimorada do que ji havia sido

lan~ado pela primeira gera~ao, e o quantitativo conjuntural, de certa

maneira uma novidade que permitiu, diante da possibilidade de lidar

corn grandes massas de dados, corn extensas series de informa~ao,

uma certa "euforia cientificista': para utilizar uma expressao de

Noiriel em seu artigo de 1989, incluido na revista dos Annales corn

o titulo "Par uma abordagem subjetivista do social" (REIS, 2000).

Esta euforia cientificista, quase uma fetichiza~ao do quantitativo

em alguns casos, tambem encontraria os seus pr6prios limites, que

ji come~avam a se insinuar nos anos 1960. E sintomitico o artigo

de Witold Kula para a mesma Revista dos Annales, incluido no n°2

de 1960 corn o titulo "Hist6ria e Economia: a Longa Dura~ao': no

qual o historiador polones procura problematizar as tens6es entre

a intera~ao entre "hist6ria serial" e "longa dura~ao': ji que quando a

serie come~a a abranger urn periodo de tempo demasiado extenso,

come~a a perder homogeneidade e a comprometer tanto a exatidao

coma a compara~ao dos virios segmentos da serie. Mais tarde, j i em

161

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

1980 e no balans:o em forma de dialogo publicado no livro partilhado

por Lardreau e Georges Duby, este Ultimo criticaria o mesmo fetiche

da quantificas:ao, quando impulsionado pela ilusao de cientificidade.

A TERCEIRA GERA<(AO DOS ANNALES1 E UMA NOVA

POSTURA EM RELA<(AO A QUESTAO DA CIENTIFICIDADE

DA HISTORIA

As criticas de Duby e Lardreau (1980, p. 45) sao sintomaticas

de uma mudanp que se processara no proprio interior dos Annales,

na passagem da segunda para a terceira geras:ao. Os historiadores

da Nouvelle Histoire ja nao aceitavam, ou ao menos ja nao eram

muito entusiastas da ideia de cientificidade da Hist6ria. Sinal

bastante evidente disto, que tomaremos para exemplificas:ao, e 0

posicionamento de Frans:ois Furet, que inclusive redige urn Editorial

para a revista dos Annales de 1989 tangenciando a questao.

Para Furet, a Hist6ria nao e ciencia, e sempre oscilara entre

a arte da narras:ao, a inteligencia do conceito e o rigor das provas

(REIS, 2006). Neste aspecto, Furet se distancia do panto de vista

predominante nos Annales corn relas:ao a cientificidade da Hist6ria.

Para evocar as palavras de Reis (2006, p. 21), ele nao se iludiu corn

a "euforia ciehtificista da longa duras:ao, do quantitativismo e da

hist6ria~problema': Para Furet, nao havia incompatibilidade entre

"Hist6ria~problema'' e "narras:ao': Ele ja acompanhava as afirmas:oes

de Ricoeur, nos anos 1980, para quem mesmo a hist6ria ma1s

estruturaL

Para entender em que sentido Fran<;:ois Furet nao ve uma

incompatibilidade entre "narrativa'' e "hist6ria problema': valera a

pena refletir mais demoradamente sabre que tipo de Narrativa era

IM

HISTORIA E CIENCIA; ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGJA

estigmatizado pelos Annales dos primeiros tempos, quando estes

opunham sua pretensao de uma hist6ria que deveria constituir urn

novo tipo de Ciencia. A Narrativa que os Annales depreciavam

era a "narrativa historizante': a que postulava coincidir corn o real e

corn o que realmente aconteceu. Esse tipo de narrativa organizava

os eventos em uma trama cujo fim ja se conhecia antecipadamente.

0 seu modelo maior era a Biografia, e nao e a toa gue este tenha

sido urn dos generos tendencialmente rejeitados pelo conjunto

dos annalistas. Urn dos principais tras:os deste tipo de narrativa,

do panto de vista estilistico, era o ocultamento do narrador, o que

refors:ava a impressao de que o texto hist6rico, assim construido,

coincidia efetivamente corn o passado reaL Alem disto, este modelo

narrativo implicava uma temporalidade linear e irreversivel, na

qual os eventos, unicos e incomparaveis, eram organizados em urn

continuidade, sendo ela, conforme ja destacamos, teleol6gica. 0

que o historiador tradicional buscava corn este tipo de narrativa era

urn efeito de objetividade, que visava fazer o leitor crer que o real

coincidia corn o que de fato estava escrito - e "narrar': deste panto

de vista, era "mostrar" o que de fato acontecera. Deve~se considerar,

acima de tudo, que este modelo narrativo era precisamente o que

interessava as elites politicas que financiaram 0 projeto hist6rico

dos historiadores ligados aos estados~nacionais, uma vez que, corn

este modo narrativo teleol6gico, o qual pretendia alcans:ar a unica

verdade, oferecia~se a ordem politica vigente a respeitabilidade de

uma origem e a promessa de uma continuidade ancorada em urn

consenso obtido pelo panto de vista unico, aquele que examinava

a Hist6ria de cima, a partir das perspectivas e das as:oes da elite

politica.

E muito interessante destacar que, bem antes dos Annales,

o soci61ogo durheiminiano Frans:ois Simiand ja denunciava as

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

implicac;:oes deste modo narrativo em seu livro de 1903, intitulado

Metodo Hist6rico e Ciencia Social. Neste texto, Simiand procurava

opor as emergentes Ciencias Sociais a Hist6ria, tal coma concebida

por uma escola espedfica, a chamada "Escola Met6dica': que tinha

em Seignobos e em Langloise seus principais names. Ainda mais

oportuna e sua critica aos tres idolos da tribo dos historiadores,

uma vez que ali ele antecipa concepc;:oes da nova Hist6ria

que ainda estariam por se gestar a partir dos Annales: o idolo

politico, o idolo individual e o idolo cronol6gico. Mas, enfim, essa

narrativa historizante, teleol6gica, pela perspectiva de cima, porem

escamoteada coma se representasse o panto de vista consensual,

o unico possivel, e tambem uma narrativa essencialmente politica

e linear, era o que comec;:ava a ser criticado pelas Ciencias Sociais,

que ja comec;:ava a desenvolver no inicio do seculo XX uma vigorosa

critica que, por assim dizer, iria ser usurpada pelos Annales na sua

estrategia de ascensao disciplinar e institucional. Nao era todo tipo

de narrativa que ja mostrava fragilidade nos novas tempos em que

comec;:avam a se multiplicar as possibilidades metodol6gicas de

analise historiografica. De todo modo, a emergencia da hist6ria

estrutural coma a grande novidade, somada as inflamadas criticas

de Febvre a narrativa historizante nos seus Combates pela Hist6ria

(1953), tudo isso acabou contribuindo para uma efetiva retrac;:ao do

estilo narrativo na nova produc;:ao historiografica.

Retornemos agora ao final do seculo, a historiadores coma

Furet e Georges Duby, que ja nao se encantavam tanto corn a euforia

cientificista que fora proporcionada pela hist6ria quantitativa e

outras novidades do segundo p6s~guerra. Nas ultimas decadas do

seculo XX, ja se comec;:ara a p6r em cheque tanto as metodologias

seriais, coma a importancia de se afirmar o discurso da cientificidade

coma panto flllcral para legitimar os Annales. A Nouvelle Histoire,

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

entao, ja era urn sucesso editorial, ja tinha conquistado a midia.

Ate mesmo para atender aos apelos desta midia e do publico

ampliado de hist6ria, tornava~se oportuno construir urn texto

sedutor, envolvente, prazeroso e interessante para novas publicos.

Em autores coma Georges Duby, na sua produc;:ao a partir dos anos

1980, ja vemos coma que uma substituic;:ao da antiga concepc;:ao do

Passado construido como uma 'Problematizac;:ao do Presente' por

uma outra: a do Passado construido coma uma 'Representac;:ao do

Presente: no caso uma representac;:ao sedutora, que parece dialogar

corn a literatura, corn a arte, corn o cinema, e que se preocupa em

trabalhar mais ativamente corn o Imaginario e corn a Imaginac;:ao.

Ha urn importante livro~entrevista de Georges Duby em dialogo

corn Lardreau, publicado em 1980, no qual Duby fala abertamente

do papel da Imaginac;:ao na sua produc;:ao historiografica. Isto e

sintomatico. Dificilmente, nos anos de preocupac;:ao dos Annales

corn o discurso da cientificidade, a questao da imaginac;:ao hist6rica, e

mesmo da possibilidade de utiliza~la para preencher lacunas, poderia

ser exposta corn tanto entusiasmo por urn historiador tao bem

situado na vanguarda do movimento dos Annales. 0 movimento

completava seu area corn relac;:ao a discussao da cientificidade

historiografica: esta nao era mais uma questao tao importante.

PAUL VEYNE: UMA POSI<;:AO ESPECIFICA EM RELA<;:AO A

(NAO) CIENTIFICIDADE DA HISTORIA

Outro historiador que recoloca em cheque o estatuto cientifico da

Hist6ria e Paul Veyne, autor que p rocura trazer para a historiografia

urn pouco das contribuic;:oes de Michel Foucault. Na verdade, Paul

Veyne fora o primeiro historiador a elaborar urn estudo mais

167

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

sistematico fortemente amparado na critica e rejeis:ao das certezas e

pad.metros que, ate poucos anos antes ainda fundavam a pretensao

de cientificidade historica a partir das abordagens quantitativa e

serial. Este estudo, publicado em 1971, foi intitulado Como se Escreve

a Hist6ria.

A conceps:ao anticientificista da Historia proposta por Paul

Veyne no celebre ensaio de 1971 trazia a marca da inBuencia

foucaultiana: a historia aparecia aqui referenciada, pela primeira vez

em uma formulas:ao mais explicita, como urn genero lited.rio que, se

produzia explicas:oes, isto nao tinha nada a ver corn cientificidade,

mas apenas corn a maneira espedfica que a narrativa historica tinha

para se organizar em uma "intriga compreensivel': Este ensaio foi

escrito dois anos antes de Hayden White publicar o seu Meta~

Hist6ria (1973), no qual, de certo modo, colocava em pratica o que

ja aparece formulado em Veyne em termos de equiparar a Historia

a uma intriga. A resposta a Veyne, ao menos a mais conhecida, veio

no ano seguinte, em urn ensaio escrito por Michel de Certeau para

a Revista dos Annales intitulado: "Uma epistemologia de transis:ao:

Paul Veyne'' (1972). Era o primeiro passo de uma reBexao critica

ainda mais aprofundada, que ja nao se referiria diretamente a Paul

Veyne, mas que procuraria estabelecer urn cuidadoso balans:o

sistematico dos aspectos envolvidos na "Operas:ao Historiogd.fica''

(1974). 0 texto tornou~se urn classico e faria parte, no mesmo ano

de sua publicas:ao, sob forma de artigo, da coleranea Fa ire de l'histoire

organizada por Pierre Nora.

Corn Paul Veyne, a reBexao sobre o relativismo da constituis:ao

do'temJ?o historico' e da obra historiografica havia sido conduzida ao

extremo. Ele considera que, fundamentalmente, o que o historiador

faz e construir intrigas, 0 que para ele sao os processos inteligiveis

construidos pelo proprio historiador, a partir de recortes da realidade

168

H ISTORIA E CIENCIA : A LG U MAS QUESTOES DE M ETODO E EP ISTE M OLOGIA

vivida que chega do passado por residuos presentes nas fontes

historicas. Livre para lidar corn os fatos conhecidos e corn as fontes

que utiliza como materiais, e para, de acordo corn seus proprios

criterios, organizar em uma intriga os fatos, discursos e fragmentos

que lhe chegaram do passado. 0 pensamento do historiador recorta

urn pedas:o da vida (na verdade uma combinas:ao de diversifi.cados

pedas:os da vida) e organiza a partir dai a sua intriga. Desta

maneira, o tempo e o recorte reconstituidos pelo historiador nao

se relacionam ao tempo cronologico, sendo, rigorosamente citando

construs:oes do proprio historiador, resultados de urn esfon;:o

criativo e de uma singularidade que lhe sao proprios. Os fatos sao

selecionados, adaptados, conectados, ressignifi.cados de acordo corn

os interesses da intriga que o Historiador esti construindo; no

entretece de sua intriga, de maior ou menor complexidade, cruzam~

se itined.rios narrativos possiveis. 0 conhecimento historico aparece,

assim, plenamente como reconstrus:ao racional. 0 historiador da a

compreender intrigas humanas, mas nao intrigas e processos que se

deram no vivido real, ainda que intrigas que comportem veridicidade

e que se baseiam nos materiais concretos que chegaram ao presente.

Vista desta maneira, a Historia explica enquanto narra, mas esta

explicas:ao nao e cientifica (VEYNE, 1971).

Algumas nuances separam o livro Como se Escreve a Hist6ria, de

1971, de urn texto intitulado "A Historia Conceptualizante': escrito

tres anos depois para figurar na obra coletiva Faire de l'histoire,

organizada por Jacques Le Goff e Pi;rre Nora (1974). Nesta, Paul

Veyne ja admire que a historiografia apresenta certos nucleos de

cientificidade (mas sem constituir uma ciencia). Retoma~se a ideia

de que a Historia pode ate mesmo ser cientificamente conduzida,

caracterizando~se por ser teorica, logica, abstrata, mas nao se

constitui aqui uma ciencia propriamente dita. Veyne parece neste

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EPISTEMOLOG!AS DA HISTORIA

texto reencontrar~se corn Febvre, que muitas decadas antes ji havia

definido o estatuto epistemol6gico da historiografia em termos de

urn "conhecimento cientificamente produzido".

Por fim, em uma aula inaugural de 1976 para o College de

France intitulada "0 Inventirio das Diferens:as'?5 Paul Veyne ji

nao parece insistir muito na nao cientificidade da Hist6ria. Para

ele, a historiografia seri o "Inventirio Conceitual" das diferens:as

humanas, o campo de saber que buscari individualizar os exemplos

trazidos pela hist6ria efetiva por meio das operas:oes conceituais

empreendidas pelos historiadores.

RELEMBRANDO BENEDETTO CROCE! A HISTORIA SERIA

UMA ARTE:

As tres ultimas decadas do seculo XX, corn a emergencia de uma

agitada querela em torno da P6s~Modernidade, traria entre virias

questoes as recolocas:oes sabre o estatuto e natureza da Hist6ria:

Seria a Hist6ria urn Discurso, mais ou menos impossibilitado de

recuperar uma realidade vivida? Seria a Hist6ria uma forma de

literatura? Se fosse, e diante da critica de suas possibilidades de

atingir o Real, ate que panto poderia se confundir ou ser recoberta

pela Fics:ao? Ate que panto, mesmo que considerando a cientificidade

da Hist6ria, o historiador nao deveria se preocupar corn a dimensao

estetica da Hist6ria? No limite, a Hist6ria poderia reduzir~se a esta

dimensao estetizante? A discussao sabre uma possivel natureza da Hist6ria nao mais

coma ciencia, mas coma possivel forma de expressao artistica, era

35 A Conferencia foi publicada em 1976 com este drulo. No Brasil, foi traduzida em 1983.

Veyne (1983).

170

HISTORIA E CIENCIA: ALGUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

uma das novidades trazidas pela querela, e H ayden White publicou

em 1973 urn livro intitulado A Meta~Historia, no qual analisava a

obra de grandes historiadores e fil6sofos da hist6ria coma discursos

em forma de prosa que tinham por tris de si determinados tropos

linguisticos, muito mais importantes para delinear o padrao

historiogrifico de cada autor do que qualquer outro aspecto. Estas

novas discussoes, que agora indagavam pela natureza literiria ou

mesmo artistica da Hist6ria, soavam coma uma novidade p6s~

moderna.

Na verdade, ji em fins do seculo XIX e na primeira metade

do seculo XX, a proposta de considerar a Hist6ria coma Arte

vinha sendo apresentada por Benedetto Croce (1866~1952), urn

historicista italiano de inspiras:ao hegeliana que escreveu alguns

livros importantes tanto na area de Hist6ria propriamente dita,

coma no ambito da Filosofia da Hist6ria, entre os quais Teoria e

Historia da Historiografia (1920). 0 ensaio em que levanta a pioneira

proposis:ao sabre a natureza artistica da Hist6ria e curiosamente o

seu primeiro ensaio no ambito da Teoria da Hist6ria, urn ensaio

escrito em 1893 que traz urn provocativo titulo: "A Hist6ria

Reduzida ao Conceito Geral de Arte':36 Para entender corn precisao

o tipo de associas:ao entre Hist6ria e Arte que Benedetto Croce

pretende afirmar, e preciso atentar para a propria definis:ao de Arte

do autor. A Arte e para este uma atividade cognitiva, relacionada

ao conhecimento do individual, bem ao contririo da Ciencia, que e

conhecimento do geral (COLLINGWOOD, 2001). Enquanto isto,

para Croce, s6 praticaria Ciencia aquele que pensa o caso particular

coma compreendido em urn conceito geral (SCHAFF, 1995).

36 Um ano depois da publica~ao deste ensaio, Windelband iria escrever em 1894 um outro ensaio tratando da questao e questionando a afirma~ao de que a Hist6ria e uma Ciencia. Tambem Di lthey em 1883 e S immel em 1892, citados por Croce, ja haviam proposto esta mcsma compa ra~iio entre Hist6ria e Arte.

17 1

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

Avans:ando na mesma dires:ao das ideias de Croce, Collingwood

( 188 9 ~ 194 3), que recebe a sua inRuencia, m as propondo urn a ressalva

crftica, destaca em A Ideia de Hist6ria (2001) o aspecto de que para

Croce s6 hi urn dever da Hist6ria: o de narrar os fatos, sendo que

a investigas:ao das causas nao seria mais que uma "observas:ao mais

rigorosa dos fatos, apreendendo as relas:oes individuais que existem

entre eles" (COLLINGWOOD, 2001, p. 297). A ressalva crftica de

Collingwood e que, reconhecendo~se o valor da argumentas:ao de

Benedetto Croce, a Hist6ria e a Arte seriam realmente passiveis de

comparas:ao, inclusive coma ji haviam proposto Dilthey (1883) e

Simmel (1892). Afinal, tanto na Hist6ria coma na Arte nao haveria

uma busca da perceps:ao de leis gerais, e sim uma relas:ao direta

corn o individual, que e contemplado tanto pelo artista coma pelo

historiador, embora de maneira diferenciada. Mas a legitimidade de

comparar as duas atividades por oposis:ao a Ciencia nao significaria

reconhecer uma "identidade" entre Arte e Hist6ria, coma teria feito

Croce, uma vez que o tipo de contemplas:ao e de relas:ao corn o

individual e realizado de maneira distinta por artistas e historiadores.

Ao estabelecer uma "identidade" entre as duas instincias (indo alem

da comparas:ao ou da analogia), Croce teria neste trabalho inicial

confundido em uma s6 coisa os dais modos de contemplas:ao,

respectivamente pr6prios do historiador e do artista: a intuis:ao do

individual e a 'representas:ao' do individual (COLLINGWOOD,

2001).

Para Benedetto Croce - e isto ficari ainda mais claro em Teoria

e Historia da Historiografia (1920), que reve ou aprimora algumas

posis:oes relacionadas a natureza do conhecimento hist6rico - e a

de que a elaboras:ao da Hist6ria corresponde de todo modo a uma

"intuis:ao do real': Trata~se de urn ato subjetivo que se manifesta na

mente do historiador coma "reatualizas:ao': portanto, urn fato de

172

HISTORIA E CiiiNCIA: ALGUMAS QUESTO ES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

imaginas:ao que em seguida e exposto sob a forma de discurso, e

seria este o sentido mais preciso da sua famosa frase "toda hist6ria

e contemporanea" (AROSTEGUI, 2006, p. 136) . Quando Lucien

Febvre retoma esta frase mais tarde, em Cornbates pela Hist6ria

(1986), ele estari lhe emprestando urn sentido ligeiramente

diferenciado: a Hist6ria, coma estudo cientificamente produzido,

comes:a a ser elaborada a partir de urn "problema" levantado no

presente, de modo que cada Presente termina por reconstruir o

Passado a cada operas:ao historiogrifica, mas, certamente, dentro de

certos procedimentos que lhe trazem urn cariter cientifico. Ji corn

Benedetto Croce, a frase "toda hist6ria e contemporanea" implica

uma declaras:ao de plena subjetividade do historiador, que reatualiza

o Passado em sua mente, di~lhe uma expressao criativa relacionivel

mais a Arte do que a Ciencia, e por fim a expoe em forma de discurso.

Em uma linha aniloga e inRuenciada por Croce, viriam mais

tarde as contribuis:oes para a compreensao da natureza da Hist6ria

de Collingwood, corn o seu A Ideia da Historia. Mas de todo modo,

tal coma ji foi ressaltado, Collingwood situa~se em uma posis:ao

razoavelmente crftica ao comentar o ensaio datado de 1893, no qual

Benedetto Croce enuncia pela primeira vez sua proposis:ao de que a

Hist6ria e Arte.

CoNcLusoEs

Dizer que a Hist6ria e Ciencia ou nao, coma se deve ter

percebido, e operas:ao discursiva que passa pela necessidade de

definir os dais termos em questao. 0 que se entende por Ciencia? 0 que se entende por Hist6ria?

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EI' IST b MOLOGI AS D A HISTORI A

Assim, se tomamos exemplificativamente o ponto de vista

de Benedetto Croce em A Hist6ria reduzida ao Conceito Geral de

Arte (1893), que e reencaminhada por Collingwood em A Ideia

de Hist6ria (2001), veremos que, para Croce, e tambem para

Collingwood, o objetivo dos cientistas e compreender os fatos no

sentido de reconhece-los como exemplos ou aplica<;:6es das leis

gerais; ja 0 papel dos historiadores e "contemplar" os fatos, tal como 0

artista. Desta maneira, os dois papeis previstos para a Ciencia e para

a Hist6ria nestes autores nao se coadunam, nao tornam a rela<;:io

possiveL E urn exemplo claro de que a afirma<;:io, de que a Hist6ria

e uma Ciencia (ou nao), depende do delineamento que se da a cada

urn destes termos, e do tipo de rela<;:io que entao se torna possiveL

Vale lembrar que, posteriormente, Croce reelaborou a sua concep<;:io

de que a Hist6ria e uma Arte, e uma forma muito particular de arte,

voltada para a narra<;:io do possivel, em favor de uma reivindica<;:io

da 'autonomia da hist6ria' face a Filosofia e a Ciencia. Esta e ja a

posi<;:io que aparecera em Teoria e Hist6ria da Historiografia (1920).

Ja Roger Chartier, em seu artigo "A Hist6ria hoje: duvidas,

desafios, propostas" (1994), compreende tanto a Ciencia como a

rela<;:io que se torna possivel entre Ciencia e Hist6ria, a partir dos

procedimentos de controle reconhecidos pela comunidade disciplinar

que rege esta ou aquela modalidade de conhecimento ciendfico, e

que permitem que urn determinado conhecimento produzido seja

refeito por urn outro pesquisador que queira verificar a adequa<;:io

dos procedimentos do primeiro. A Ciencia e aqui definida a partir da

questio classica: trata-se de urn tipo de conhecimento passivel de ser

recu perado em iguais condi<;:6es de produ<;:io ( refazer urn a experiencia

quimica nas mesmas condi<;:6es de pressao e temperatura, por

exemplo). A Ciencia, ou mais propriamente falando o procedimento

ciendfico, deve ser verifidveL Na Hist6ria, a possibilidade de se

174

HISTORIA E CIENC I A: A LGUMAS QUEST OES DE METODO E EP IST EMO LOGIA

recuperar o caminho produzido pelo pesquisador anterior da-se

pela possibilidade de checar as provas (nao as interpreta<;:6es, que

desde que corretamente argumentadas serao possiveis em urn maior

numero ). Registrar a prova eo lugar da prova (basear-se e citar corn

rigor a documenta<;:io nesta estrutura bifolheada a que se refere

Michel de Certeau em "a opera<;:io hist6rica"), e dar indica<;:6es do

quadro conceitual e da metodologia escolhida (isto e, das condi<;:6es

de analise) permitiria a urn historiador que 0 conhecimento

produzido por urn outro atendesse aos criterios de cientificidade

exigidos pela disciplina. A cientificidade da Hist6ria ancora-se

portanto, no fato de que, como toda Ciencia, ela possui regras que

possibilitam controlar as opera<;:6es, a partir das quais se produzem

certos enunciados. Como a Ciencia e definida pela possibilidade

de verifica<;:io e de reprodutividade da opera<;:io que deu origem ao

conhecimento cientifico, e como o essencial da Hist6ria e relacionado

a sua liga<;:ao corn a Prova e corn o rigor argumentativo ( e nao em

fun<;:io da sua dimensao estetica, como prop6e o ponto de vista

p6s-modernista), a rela<;:io de assimila<;:io da Hist6ria pela Ciencia

torna-se imediatamente possiveL

A posi<;:io do Historicismo Alemao, conforme v1mos,

considerando o longo arco que vai desde os seus prim6rdios

rankeanos ate a virada relativista de Droysen e Dilthey e para

alem dela, ate chegar a Gadamer, pode nos trazer outras nuances

aparentemente contradit6rias, que s6 puderam ser resolvidas por

algumas das solu<;:6es propostas pela Hermeneutica. Ciencia, ja

desde o Iluminismo, e que antes mesmo era comumente definida

como urn "conhecimento do geral': Neste sentido, para a concep<;:io

Positivista, herdeira conservadora dos pressupostos iluministas, nao

havia qualquer problema e tudo desde ja estava arranjado. A Ciencia

era conhecimento do Geral (busca de leis regulares que regiam as

17S

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

sociedades e os comportamentos humanos), e a Historia - uma

historia universal, valida para toda a humanidade, que no limite

poderia ser a historia da caminhada do Singular Coletivo rumo

a realizas:ao da Raz;ao Plena - era tambem urn conhecimento do

Geral. Deste modo, a Historia, como as demais ciencias sociais, era

nao apenas uma ciencia, como tambem constituia corn as ciencias

naturais e exatas urn mesmo tipo de ciencias, definivel pelos mesmos

objetivos de generalizas:ao e pela possibilidade de uma aproximas:ao

das metodologias, que deveriam buscar a regularidade. Tambem, o

historiador ou o cientista social era urn cientista do mesmo tipo que

o fisico e o bod.nico, capaz; de neutralidade, de observar o seu objeto

corn distanciamento e destacado dele. Mas o Historicismo propunha

urn problema, pois continuava a ter a sua disposis:ao a definis:ao

de Ciencia como estudo do Geral e ja queria definir a Historia

como estudo do Particular. Esta perspectiva particulariz;ante

do Historicismo, por oposis:ao a perspectiva generaliz;ante do

Iluminismo e de seus herdeiros positivistas, recolocava o problema:

como poderia haver uma Ciencia do Particular? A solus:ao possivel

foi conceber as Ciencias da Naturez;a e a Ciencia Historica ( ou as

ciencias sociais de modo geral), como dois padroes distintos de

ciencia. Nos seus desdobramentos, avans:ados por Dilthey, isso

implicava tambem conceber dois padroes metodologicos distintos:

a 'Compreensao: propria da Historia ou das ciencias do espirito,

e a 'Explicas:ao: propria das ciencias da naturez;a. Percebe-se aqui

o ajuste que precisou ser realiz;ado para que as duas definis:oes, a

de Ciencia e a de Historia, segundo os interesses historicistas,

finalmente se coadunassem.

No imbito do historicismo, essa aproximas:ao entre ciencia e

historia gerou dois caminhos. De urn lado, urn caminho relativista

do historicismo em dires:ao a uma intensificas:ao cada vez; maior da

176

HISTORI A E CIENCIA: A I.GUMAS QUESTOES DE METODO E EPISTEMOLOGIA

"consciencia historica: que passando por uma aproprias:ao da filosofia

de Heidegger iria ter em nomes como o Gadamer de "Verdade e

Metodo" ou o Paul Ricoeur de Tempo e Narrativa (1994). Estes sao

autores que irao aprimorar cada vez; mais a distins:ao entre o padrao

metodologico historiogra.fico por oposis:ao ao padrao das ciencias

naturais, e que tambem trabalharao cada vez; mais corn a subjetividade

do historiador enquanto sujeito de prodw;:ao do conhecimento

humano. Em Ricoeur, chega-se a trabalhar a subjetividade leitora,

e o seu papel na devolus:ao do conhecimento historicamente

produz;ido ao vivido. De outro lado, permaneceria tambem uma

alternativa historicista mais conservadora, mais imobiliz;ada no

momento rankeano (no qual ainda se acreditava na possibilidade

de contar os fatos "tais como eles se sucederam"). E houve mesmo,

como intermedias:oes conciliatorias entre o historicismo e o desejo

de ainda ser uma ciencia a moda antiga, "natural': a assimilas:ao

eventual de certas influencias positivistas e evolucionistas, de modo

que alguns autores chegam a falar de urn "historicismo cientificista:

que desponta nas ultimas decadas do seculo XIX.37

A solus:ao proposta por Marc Bloch, de considerar a Historia

como "ciencia em construs:ao" tambem expressa os conflitos entre

urn conceito de ciencia relacionado a<? estudo do supraindividual, do

que se repete, e urn conceito de Historia compreensivo. Bloch nao

quer se escraviz;ar ao conceito de Ciencia classico, que o identifica

37 Essas nuances historicistas s.io apresentadas por Arno Wehling em seu artigo "Capistrano de Abreu e Silvio Romero: urn paralelo cienrificisra" (1991), no qual e proposta uma periodiza~.io que se adequa bem as fases da historiografia brasileira novecentista: teria havido filos6fico no seculo XVIII urn 'historicismo filos6fico; ainda como uma corrente dominada em rela~.io ao predominio das concep~6es mecanicistas; durante boa parte do seculo XIX teria predominado urn historicismo romantico ou erudito, metodologicamente correspondente a obra de Ranke e que, no Brasil, expressou-se corn a Hist6ria Geral do Brasil de Varnhagen; por fim, nas Ultimas decadas do seculo XIX, particularmente no Brasil, desponta o que Wehling denomina como urn "historicismo cientificista, urn historicismo que nao mais rejeita a possibilidade de encontrar, como Ranke fazia , leis para a Hist6ria" (W EHLING, 1991, p. 267).

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EPISTEMOLOGIAS DA HISTORIA

necessariamente a busca das Leis Gerais e que tern por modelo as

ciencias naturais, mas tambem nao quer romper totalmente corn

este conceito, uma vez que tambem os Annales dialogariam corn a

busca do estrutural (a longa durac;:ao) e corn o que se repetem (a

hist6ria serial, os ciclos). Assim, apresentar a Hist6ria como uma

"ciencia em constrw;:ao" e uma boa alternativa. ApresendAa como

"estudo cientificamente conduzido': de acordo corn a proposic;:ao de

Lucien Febvre, foi tambem uma soluc;:ao, aquela que remete mais

uma vez a busca de padr6es de objetividade na metodologia, na

identificac;:ao das pro vas, no fornecimento a comunidade historiadora

de elementos para exercer urn controle sobre o produto final, tal

como propos tambem Roger Chartier no texto ja comentado.

0 debate segue adiante, e dificilmente se esgotara urn dia. Se a

Hist6ria e de fato Ciencia ou nao, no fim das contas, eis aqui uma

questao que interessa mais pelas reflex6es que coloca em movimento,

que pela esperanc;:a de encontrar respostas definitivas.

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REITORA Nidina Aparecida Moreno

VIcE-REITORA Berenice QuinzaniJordao

eduel ~

DIRE TO RA M aria H elena de Moura Arias

CoNSELHO EDITORIAL Angela Pereira Teixeira Victoria Palma Edna M aria Vissoci Reiche

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Associa~ao Braslleira das Editoras Universitaria

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C6PIA NAO AUTO Ri lADA ~ CR IME

EPISTEMOLOGIAS DAHIST6RIA VERDADE, LINGUAGEM, REALIDADE,

INTERPRETA\)AO E SENTIDO

NA POS-MOOERNIOAOE

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Cataloga.;ao elaborada pela Divisao de Processos Tecnicos da

Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Caraloga.;ao-na-Publica.;ao (CIP)

E64 Epistemologias da hist6ria : verdade, linguagem, realidade,

interpreta~ao e sentido na p6s-modernidade I organizado

por Gabriel Giannattasio e Rogerio Ivano. - Londrina :

Eduel, 2011.

ix, 348 p. : il.

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-7216-596-9

1. Historiografia - P6s-moderna. 2. Hist6ria - Filosofia.

3. Hist6ria- Interpreta~ao de textos. I. Giannattasio, Gabriel.

II. Ivano, Rogerio.

Direitos reservados a Editora da Universidade Estadual de Londrina

Campus Universitirio

Caixa Posral6001

86055-900 Londrina - PR

FoneiFax: 43 3371 4674

e -mail: [email protected]

www.uel.br I editora

Impressa no Brasil I Printed in Brazil

Dep6sito Legal na Biblioteca Nacional

2011

CDU930.2

SuMARIO

vu Apresentac;ao

11 Uma p6s~modernidade tragica: a historiografia

para alem da verdade e da mentira.

Gabriel Giannattasio e Guilherme Cantieri Bordonal

47 Por uma Historiografia p6s~moderna, p6s~virada

lingufstica e interpretativista

101

Alfredo dos Santos Oliva

Reinventando o fazer historiogrcifico a luz de certas

aporias p6s~modernistas

J onathan Menezes

137 Hist6ria e ciencia: algumas questoes de metodo e

epistemologia

185

Jose D'assun~ao Barros

0 problema do sentido hist6rico em Hist6ria das

Ideias: notas acerca da interpretac;ao de textos

politicos

Marcos Antonio Lopes

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215 Possibilidades te6ricas da Analise de Discurso e da

Hermeneutica para a interpreta~ao hist6rica

Paulo Alves

241 Quest6es conceituais na Hist6ria Ambiental

Jozimar Paes de Almeida

265 A crise dos paradigmas no cinema brasileiro: o caso

Deus e o diabo na terra do sol ( 1964) e Bandido da

luz vermelha ( 1968) Fibio M. Bueno

297 Pergunte novamente aos cavalos: realmente foi

preciso teologia para pensar o fim da hist6ria?

Max Alexandre de Paula Gonc;:alves

335 Aforismos sobre a Hist6ria

Rogerio Ivano

APRESENTAfYAO

Os escritos que formam o conjunto desta obra sao resultado das

atividades e reflexoes do grupo de pesquisa denominado "Grupo de

Pesquisa em Epistemologias e Metodologias da Hist6ria': formado

por docentes da area de Teoria e Metodologia do Departamento de

Hist6ria da Universidade Estadual de Londrina, alem de professores

de outros departamentos, de outras institui~oes, e ainda alunos da

p6s-gradua~ao desta institui~ao e de outras universidades. 0 objetivo

do grupo e discutir, pesquisar e promover reflexoes sobre ideias e

metodos da hist6ria, colocando em primeiro piano os fundamentos

que sustentam o valor do conhecimento hist6rico. Geralmente

"implicitos" na narrativa do historiador, raramente se mostram ao

leitor, seja par estrategia, tradi~ao ou "pregui~a epistemica': Mas, os

tempos sao outros e se faz necessaria cola car as vistas os instrumentos

corn os quais se realizam as opera~oes historiograficas.

Constituido em 2007, o Grupo se imp6s urn desafio: transpor

para o texto as perspectivas historiogrificas de cada participante.

Pedia-se para que se levasse a termo aquele trabalho que, para boa

parte dos historiadores, constitui-se numa tarefa ingrata, ardua e

inutil, a saber: que transformassemos a teoria da hist6ria, num texto.

Simples, nao:' Eramos chamados a abandonar o c6modo lugar do

"eles dizem" para 0 papel, as vezes, desconfortavel do autor.

VI I