ensaios para o ensino de filosofia

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Daiane Martins Rocha Jason de Lima e Silva Evandro Oliveira de Brito (organizadores) Promoção Grupo de Pesquisa Filosofia, Arte e Educação UFSC ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA Parceiro Editorial Centro Universitário Municipal de São José USJ 2015

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Os ensaios deste livro foram produzidos pelos estagiários do curso de Licenciatura em Filosofia da UFSC, em 2014, a partir de dois campos de atuação: o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e o Colégio Aplicação da UFSC. Muitos contribuíram para a realização deste livro, a começar pelos próprios estagiários, que se serviram de uma experiência em razão da qual a vida profissional é precedida pelo risco de se colocar diante de outros...

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Page 1: Ensaios para o ensino de filosofia

Daiane Martins Rocha

Jason de Lima e Silva

Evandro Oliveira de Brito

(organizadores)

Promoção Grupo de Pesquisa

Filosofia, Arte e Educação UFSC

ENSAIOS PARA O ENSINO DE FILOSOFIA

Parceiro Editorial Centro Universitário Municipal de São José

USJ

2015

Page 2: Ensaios para o ensino de filosofia
Page 3: Ensaios para o ensino de filosofia

ENSAIOS PARA O ENSINO DE

FILOSOFIA

Page 4: Ensaios para o ensino de filosofia
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Daiane Martins Rocha

Jason de Lima e Silva

Evandro Oliveira de Brito

(organizadores)

ENSAIOS PARA O ENSINO DE

FILOSOFIA

São José CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ 2015

Page 6: Ensaios para o ensino de filosofia

CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ

Reitora: Elisiane C. de Souza de F. Noronha

EDITORA CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

Editor Conselheiro: Evandro Oliveira de Brito Assessor editorial: Débora Medeiros

COMISSÃO EDITORIAL

ACADÊMICA

Adarzilse Mazzuco Dallabrida

Carolina Ribeiro Cardoso da Silva

Fernando Mauricio da Silva

Keila Villamayor Gonzalez Jason de Lima e Silva

José Cláudio Morelli Matos Maria Solange Coelho

Rogério Tadeu Lacerda Vera Regina Lúcio

EDITORA ASSISTENTE Zuraide Silveira

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Assessoria de Comunicação USJ

CAPA: Evandro O. Brito

“Gota de orvalho” de Escher, 1948. REVISÃO: Organizador

FICHA CATALOGRÁFICA Coordenação de Biblioteca do USJ

Atribuição - Uso Não-Comercial Vedada a Criação de Obras Derivadas

100

R672e

Ensaios para o ensino de filosofia / Daiane Martins

Rocha, Jason de Lima e Silva, Evandro Oliveira

de Brito – 1 ed. – São José : Centro Universitário

Municipal de São José, 2015.

173 p.

ISBN 978-85-66306-13-2 (e-book)

Inclui bibliografia

1. Filosofia – Estudo e ensino. 2. Estágios

supervisionados. 3. Prática de ensino. I.

Rocha, Daiane Martins. II. Silva, Jason L.

III. Brito, Evandro O. IV. Título.

CDD 100

Page 7: Ensaios para o ensino de filosofia

A filosofia não é uma habilidade para

exibir em público, não se destina a servir

de espetáculo; a filosofia não consiste em

palavras, mas em ações. O seu fim não

consiste em fazer-nos passar o tempo com

alguma distração, nem em libertar o ócio

do tédio. O objetivo da filosofia consiste em

dar forma e estrutura à nossa alma, em

ensinar-nos um rumo na vida, em orientar

os nossos atos, em apontar-nos o que

devemos fazer ou pôr de lado, em sentar-se

ao leme e fixar a rota de quem flutua à

deriva entre escolhos.

Sêneca

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Page 9: Ensaios para o ensino de filosofia

7

SUMÁRIO Apresentação Jason de Lima e Silva e Daiane Martins Rocha ................... 09 Por que e como ensinar filosofia no ensino médio? Ou Sócrates contra Eichmann: educar para o pensar ou para o não pensar? Helder Félix Pereira de Souza .............................................. 17 The Wall: uma reflexão acerca do mecanicismo escolar e o ensino de filosofia Felini de Souza ..................................................................... 43 É possível a filosofia no ensino médio? Como é possível? Vinicius Arion Aliende Palongan de Oliveira ....................... 57 Uma possibilidade para o ensino de filosofia atual: o intercruzamento kathegeliano em dois atos Lucas Beligni Campi ............................................................. 69 Ensino da filosofia: um exercício antropofágico Thor João de Sousa Veras .................................................... 79 O “ensinar a filosofar” e o filosofar sobre sexualidade: uma proposta pedagógica para a filosofia enquanto processo de criação conceitual de gilles deleuze e félix guattari e o corpo lascivo em Merleau-Ponty Diego Luiz Warmling .......................................................... 101

Page 10: Ensaios para o ensino de filosofia

8

Os desafios do ensino de filosofia para o ensino médio Michelle Ramunno Monteiro ............................................ 115 Sobre o ensino de filosofia no ensino médio Guilherme Damin Bortoli .................................................. 125 Filosofia no ensino médio: sim, uma experiência possível Aldo Félix Barreto .............................................................. 141 Compreensão prévia e filosofia no ensino Flávio Ricardo da Silva ....................................................... 153 A importância do estudo dos textos clássicos nas aulas de filosofia do ensino médio: reflexões acerca da docência em filosofia Yuri Galvão Oberlaender de Almeida ................................ 163

Page 11: Ensaios para o ensino de filosofia

9

APRESENTAÇÃO

Os ensaios deste livro foram produzidos pelos

estagiários do curso de Licenciatura em Filosofia da UFSC, em

2014, a partir de dois campos de atuação: o Instituto Federal de

Santa Catarina (IFSC) e o Colégio Aplicação da UFSC.

O trabalho de supervisão desses estagiários, ou seja, o

trabalho de acolhimento na escola e acompanhamento na sala

de aula, devemos a quatro pessoas, sem as quais a formação

filosófica dos estudantes careceria da excelência que a

experiência humana e coletiva nos dá, nesta tarefa de tornar-se

professor, a cada encontro, na escuta e na palavra. São elas:

Sandro Ricardo Rosa e Leonardo Francisco Schwinden, do

Colégio de Aplicação, e Eliodória Ventura e Eliéser Spereta,

do IFSC. A essas pessoas deixamos nossos mais sinceros

agradecimentos: pelo trabalho de formação na escola e de

diálogo permanente com a universidade.

A experiência em sala, desde a etapa da observação e

assistência até o momento da prática de ensino, despertou nos

estagiários e estagiárias o interesse em muitos dos problemas

que integram o nosso sistema escolar, sobretudo no que diz

respeito à possibilidade de se ensinar Filosofia (o que significa

também a possibilidade de o discurso filosófico produzir algum

efeito sobre aqueles que não escolheram a filosofia como modo

de vida e/ou profissão). Assim, tais ensaios expressam o

trabalho de o estagiário primeiramente se situar como sujeito

na escola, entre outros sujeitos, segundo a ordem de disciplinas

e de saberes que regulamentam o tempo e o espaço de cada

qual; esse esclarecimento põe ao mesmo tempo em jogo o

desafio de se constituir uma forma de saber cuja razão é

justamente problematizar a realidade (como algo

evidentemente conhecido ou inquestionável) e a ocasião de se

fazer do encontro, num tempo e espaço previamente dados, o

princípio de uma experiência de pensamento e liberdade entre

Page 12: Ensaios para o ensino de filosofia

Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha

10

outros. Nada disso, claro, é tão simples, nem seguramente

garantido. Depende em parte da compreensão do que fazemos

(ou do que é possível fazer) onde estamos, em parte também do

quanto o outro está aberto à experiência de aprender a ser livre

ao questionar o que pensa ou julga ser.

Abrimos essa edição com o ensaio de Helder Félix

Pereira de Souza, Por que e como ensinar Filosofia no Ensino

Médio? Ou Sócrates contra Eichman: Educar para o pensar

ou para o não pensar? Nesse texto, somos levados a questionar

o sentido da educação após Auschwitz (os campos de

concentração do Terceiro Reich). Para o filósofo Theodor

Adorno, a razão de educar se daria no evitar a barbárie.

Considerando as possíveis implicações da análise de Hannah

Arendt sobre o julgamento de Eichmann, são pensadas duas

formas fundamentais de educação, segundo duas espécies de

formação: o “tipo Eichmann”, que corresponde à produção de

indivíduos prontos a obedecer a seus superiores, sem pensar o

quanto esses atos seriam bons ou ruins para si e para outros; e o

“tipo Sócrates”: a atividade educacional teria como base um

caráter mais reflexivo, compreendido tanto pelo conhecimento

de si, quanto pelas implicações das escolhas e ações individuais

sobre a humanidade como um todo. Cabem ainda as críticas de

Nietzsche a Sócrates e Platão, no sentido de considerar o

pensamento reflexivo e moral o princípio para nos converter

em animais de rebanho, ao invés de liberar o animal guerreiro.

Como essas questões podem nos levar a uma postura em sala

de aula no que se refere ao ensino de Filosofia? Que métodos

poderíamos utilizar para alcançar os objetivos propostos, os

quais, como proposto nesse artigo, opõem-se a uma educação

que produza indivíduos do “tipo Eichmann”?

Em seguida, lemos o ensaio de Felini de Souza,

intitulado The Wall: Uma reflexão acerca do mecanicismo

escolar e o ensino de Filosofia, no qual somos provocados pelo

clássico filme The Wall, do diretor Allan Parker (1982),

Page 13: Ensaios para o ensino de filosofia

Apresentação

11

baseado no sucesso da banda Pink Floyd: trata-se de questionar

o ensino enciclopédico que reprime a criatividade e a diferença

entre os estudantes, o qual, por sua vez, impossibilita o

exercício filosófico propriamente dito. Em tom bastante

provocativo e instigante, o ensaio traz várias críticas ao nosso

sistema de educação atual, de tal modo que aponta a outro

direcionamento: rumo a uma educação para a reflexão e

liberdade. E nesse sentido, retoma e atualiza muito do legado

de nosso mestre Paulo Freire.

Vale também conferir É possível a Filosofia no

Ensino Médio? Como é possível?, de Vinicius Arion de

Oliveira, quem pensa nossa aptidão filosófica desde a mais

tenra idade. As questões mais básicas feitas por nós quando

crianças, assim, corresponderiam a um exercício filosófico

natural a nós seres humanos, o qual pode e deve ser

incentivado na adolescência. Por quê? Justamente para que tais

questionamentos e dúvidas não sejam rejeitados como meros

“porquês”, mas se tornem princípios para mudanças de

pensamento e atitude frente ao mundo.

Lucas Beligni Campi abre o ensaio Uma possibilidade

para o ensino de Filosofia no modelo atual: o intercruzamento

Kanthegeliano em dois atos com um poema de sua autoria

sobre o exercício filosófico em sala de aula: ressignificação de

si e do outro durante o processo de ensino. Campi direciona seu

artigo para a defesa de um modelo Kanthegeliano do exercício

de Filosofia no ensino médio, o que consistiria numa

compatibilização tanto da proposta kantiana, de um ensino que

proporcione o exercício da autonomia aos educandos, quanto

da abordagem historicista da Filosofia, que é atribuída a Hegel,

já que toda a tradição filosófica, com os dilemas e as grandes

questões da humanidade investigados, não devem ser

ignorados. O foco é, sobretudo, ir além da história da filosofia,

fazendo com que o exercício filosófico ocorra em sala de aula,

e que as ferramentas para a construção de um raciocínio sólido

Page 14: Ensaios para o ensino de filosofia

Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha

12

e bem argumentado sejam alcançadas nas aulas (em razão do

que os professores partem dos clássicos da história da

Filosofia). O objetivo não é de pouca importância: permitir ao

estudante de ensino médio, através das aulas de Filosofia, viver

um processo de ressignificação de sua existência, de modo a

fortalecer o seu pensar para o enfrentamento diário dos

próprios problemas.

No ensaio Ensino da Filosofia: Um exercício

Antropofágico, Thor João de Sousa Veras parte do que ele

nomeia uma “pedagogia da devoração”, inspirada no manifesto

antropofágico de Oswald de Andrade, e que se serve de quatro

etapas (aperitivação, deglutição/devoração, digestão e

transformação). Etapas que muito lembram os escritos de

Sílvio Gallo a propósito do ensino da filosofia, embora aqui

esteja em jogo uma apropriação da arte como recurso

fundamental para afetar os alunos “com a filosofia, na filosofia

e para a filosofia”, contando ainda com o suporte da história da

filosofia e a construção de conceitos.

Em O ensinar a filosofar e o filosofar sobre a

sexualidade, de Diego Luiz Warmling, somos instigados a

pensar em como trabalhar a questão da sexualidade nas aulas

de Filosofia, a partir de Merleau-Ponty e seus escritos sobre a

relação do sujeito com o seu corpo, sua reação à dor e ao

prazer, o que importaria à formação da estrutura subjetiva do

indivíduo enquanto tal. Partindo de questionamentos como “o

que vocês entendem por relações afetivas?”, “existe, de fato, o

que podemos entender por uma sexualidade normal? Se existe,

o que pode ser definido como tal?”, o ensaio reforça a

importância do ensino de filosofia como construção de

conceitos, e esboça alguns caminhos para se pensar no ensino

médio o conceito de sexualidade.

Michelle Ramunno Monteiro, no ensaio Os desafios

do ensino de Filosofia para o Ensino Médio, descreve a

aparente falta de interesse dos estudantes nas aulas de filosofia

Page 15: Ensaios para o ensino de filosofia

Apresentação

13

como um dos principais desafios que se apresentam aos

professores de ensino médio, situação que foi “desmistificada”

com a aplicação de um questionário que indagava estudantes

acerca de temas que lhes interessariam. Os resultados foram

surpreendentes, pois levam a perceber que o desinteresse não é

em relação à filosofia em si, mas ao modo como ela tem sido

trabalhada em sala de aula. Como é defendido no artigo, a

atividade filosófica no ensino médio não se trata somente de

transmitir informações ou conceitos, mas também de incitar a

reflexão acerca das questões universais que a Filosofia aponta,

o que pode ser feito pautando o plano de ensino em três

aspectos: problematizar, conceituar e argumentar.

Com o ensaio Sobre o ensino de Filosofia no Ensino

Médio, Guilherme Bortoli, apresenta Sócrates como o

professor de filosofia por excelência. Investiga sua formação e

seus métodos, bem como a importância de o professor ter uma

“atitude filosófica” que possa levar seus interlocutores a

“ascese do pensamento”, sobretudo segundo o uso da dialética.

E ainda temos o ensaio Filosofia no Ensino Médio:

Sim, uma experiência possível, de Aldo Félix Barreto, que traz

algumas experiências de sala de aula e reflexões do professor

supervisor sobre a possibilidade e função da Filosofia no

ensino médio, bem como a responsabilidade atribuída a essa

disciplina e ao professor pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares

Nacionais) e OCN’s (Orientações Curriculares Nacionais para

o ensino de Filosofia).

Acerca da Compreensão prévia e filosofia no ensino

médio, Flávio Ricardo da Silva sustenta ser a filosofia possível

por conta de sermos e estarmos sempre em contato com o

mundo, de modo que o existir, como seres conscientes, se torna

o princípio da própria filosofia. Através de alguns exemplos

práticos de formas para se trabalhar em sala de aula, o ensaio

coloca a filosofia como aquela que “abre o jovem para a

Page 16: Ensaios para o ensino de filosofia

Jason de Lima e Silva Daiane Martins Rocha

14

possibilidade de ressignificação e enriquecimento da própria

experiência no mundo”.

Por fim, o ensaio A importância do estudo dos textos

clássicos nas aulas de Filosofia do ensino médio: reflexões

acerca da docência em filosofia, de Yuri de Almeida, provoca

reflexões sobre a situação do ensino de Filosofia após 2008,

quando se tornou obrigatório novamente, com a

responsabilidade de “ajudar a formar cidadãos”. O artigo nos

chama atenção ainda para o déficit de formação adequada de

professores, visto que muitas vezes o foco dos cursos de

filosofia é o da pesquisa acadêmica e não o da formação de

professores. Também observa o quanto é recente o crescimento

no número de material didático de filosofia. A proposta do

artigo é, sobretudo, mostrar o quanto o estudo dos clássicos

poderia iluminar o ensino de filosofia atualmente, tais como

Platão e Aristóteles, através dos problemas levantados por

esses grandes autores, de modo a tornar possível o exercício do

pensamento crítico e efetivamente encorajada a tal “educação

para a cidadania”.

Muitos contribuíram para a realização deste livro, a

começar pelos próprios estagiários, que se serviram de uma

experiência em razão da qual a vida profissional é precedida

pelo risco de se colocar diante de outros, convencer-se do que

se faz como algo que tem algum sentido e pode dar algum

sentido àqueles que encontra, reconhecer que o tempo no fim

das contas oprimiu e que lamentavelmente não foi possível

falar e discutir tudo o que pensou antes e depois de um

encontro, mas também descobrir que a inclinação solitária e

filosófica pode ser reforçada pela solidariedade de alguns, ao

lembrar ter sido despertada certa apatia ou concentrada a

euforia. Dar-se conta de que o mundo é mundo no seu devir e

fazer filosofia, dar-se a pensar e dar a pensar, eis a diferença,

no trabalho entre os jovens de um mundo que nos dá tantas

coisas quantas poucas boas ideias, as ideias com as quais

Page 17: Ensaios para o ensino de filosofia

Apresentação

15

fazemos mais digna nossa condição tão frágil. A esses

primeiramente agradecemos, os acadêmicos com quem

aprendemos a generosidade de que ensinar é estar cercado de

olhares e distrações, e por isso mesmo o esforço para se

produzir e perceber o entusiasmo que nos dá o pensar.

Agradecemos de modo especial a todos os

professores e idealizadores do LEFIS (Laboratório

Interdisciplinar de Ensino de Filosofia e Sociologia), por

proporcionarem o debate e a integração entre pesquisadores e

professores do ensino médio e das licenciaturas de Filosofia e

Sociologia. Nossos agradecimentos ao professor Alberto

Cupani, que incentivou e amparou os estagiários durante o ano,

em reuniões na universidade e no colégio, além de ter se

dedicado à leitura crítica de seus ensaios.

Boas leituras!

Jason de Lima e Silva

Daiane Martins Rocha

Page 18: Ensaios para o ensino de filosofia
Page 19: Ensaios para o ensino de filosofia

17

POR QUE E COMO ENSINAR FILOSOFIA NO ENSINO

MÉDIO? OU SÓCRATES CONTRA EICHMANN:

EDUCAR PARA O PENSAR OU PARA O NÃO

PENSAR?

Helder Félix Pereira de Souza

1. Introdução

A primeira parte do ensaio desenvolve a noção de

ausência do pensar caracterizada pela figura do tipo Eichmann

como perigo para a existência da humanidade. Problema atual

em nossa época e que foi enfatizada pela pensadora alemã

Hannah Arendt, mas também em coro com Heidegger, Adorno

e outros autores que refletiram sobre o período pós-guerra e os

riscos da homogeneização do ser.

Por outro lado, a segunda parte destaca a importância da

presença do pensar representada pela figura do tipo Sócrates

como capaz de cultivar a pluralidade humana. Ou seja, o

autoexame, o exame de si, a reflexão ou o pensar, como o

elemento que cuida e possibilita a convivência entre homens no

singular e no plural, combinando a diferença e a identidade.

Na terceira parte o pensar socrático e o não-pensar

eichmaniano são contrapostos a fim de destacar a importância

de manter ativo o pensar para evitar a instalação do horror

totalitário e a perpetuação da barbárie. Apontando como

possível resposta ao por que ensinar filosofia no ensino médio

a aposta no ensino de filosofia na educação básica brasileira

Page 20: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

18

como uma abertura ao pensar ou filosofar para evitar a perda

da pluralidade do mundo humano.

Aceitando tal aposta na educação filosófica como o

exercício do filosofar, a quarta parte busca indicar algumas

maneiras de como ensinar filosofia no ensino médio. Assim,

são destacadas algumas táticas experimentadas durante o

estágio I e II e que são de grande serventia para quem ousa

ensinar filosofia.

Por fim, algumas considerações finais.

2. O tipo Eichmann e o não-pensar

Se pensarmos com Heidegger (1973), Hannah Arendt

(2010, 2011a), Adorno (2000) etc., grande parte dos

pensadores do século passado aceitam o acontecimento da

segunda grande guerra, o evento totalitário, os campos de

concentração, como marcos na história da humanidade que não

podemos simplesmente esquecer, mas cuidar para que não se

instalem novamente. Mesmo que a ameaça do totalitarismo

pretenda sempre desertificar o mundo humano, como destaca

Arendt (2011b), a nossa época exige um esforço para que o

mundo não seja esvaziado.

Mas, qual a relação entre o risco de perdermos o mundo

e a educação, especificamente, o ensino da filosofia na

educação?

Se pensarmos com Arendt que, apesar de ter tratado

diretamente muito pouco o tema da educação, é possível

detectar, ao menos indiretamente, em seus textos, uma

preocupação com a continuidade do mundo e

consequentemente com a educação, ainda mais ao desenvolver

as noções de amor mundi (ALMEIDA, 2009) e “banalidade do

mal” (ARENDT, 2010), ou seja, do amor ao mundo do qual

pertencemos no plural e no singular e o risco de perdermos o

Page 21: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

19

mundo pela ausência do pensamento reflexivo. A inserção da

filosofia na educação pode ser um caminho para ampliar ainda

mais a reflexão na formação dos alunos e estimular ainda mais

tal postura entre os professores, os cidadãos e a sociedade,

contribuindo para que o mundo não seja totalmente

desertificado pela ausência de pensamento.

Hannah Arendt, influenciada por Heidegger1 (1973) que

apontou sobre a importância da tarefa do pensamento que se

abria com os acontecimentos do século passado e também pelo

espírito de sua época do pós-guerra, voltou seus esforços para

realizar uma espécie de ontologia do presente na medida em

que buscava pensar o que estamos fazendo. Tal postura

arendtiana se intensifica após suas reflexões sobre o

julgamento do alemão nazista Adolf Eichmann (2011a)

realizado em Jerusalém em 1961.

1 É importante destacar o fato curioso de Heidegger ter participado do

nazismo por alguns meses, se afastando depois. Alguns autores criticam tal

postura do grande filósofo alemão e, sobretudo, detectam elementos

totalitários em suas obras. Pensemos se a abertura ao pensar não seria

também uma armadilha em que a humanidade caiu e não consegue escapar,

como Nietzsche (2010) alertava sobre o engodo em que Sócrates nos

colocou ao implantar o gérmen do pensamento reflexivo e moral, que nos

torna animais de rebanho ao invés de liberar o animal guerreiro. Mesmo

agora, nesta pequena nota, refletindo sobre isso, não conseguimos escapar

do pensar e do pensamento. Talvez isso seja uma condição que não

podemos mais deixar de lado, ainda mais que “onde mora o perigo é lá que

também cresce o que salva” (HEIDEGGER, 2012, p.37). Por esse motivo,

como veremos mais a frente, o ensino da filosofia no ensino médio é um

estímulo à atividade do pensar contra a ausência do pensamento, sendo uma

aposta no modo de ser socrático frente ao maior perigo de tipos Eichmann

de ser, que não pensam. Antes ser um animal de rebanho pensante do que

um animal de rebanho não pensante que pode colocar em risco todo o

rebanho, ainda mais em tempos no qual o homem manipula cientificamente

experimentos capazes de aniquilar sua própria existência, tal como os

experimentos físico-nucleares, químicos, biológicos e também as

tecnologias sociais. Antes de fazer ou agir cegamente é melhor pensar duas

vezes ou três vezes mais.

Page 22: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

20

A partir do contato com Eichmann, sua vida e sua

postura no julgamento, Arendt e muitos outros ficaram

espantados ao encontrar uma figura comum no banco dos réus.

Um pai de família normal, com círculo de colegas e laços de

amizade como qualquer outra pessoa, bem diferente do

monstro nazista e cruel que muitos esperavam encontrar.

A questão que espantava Arendt é como Eichmann,

uma pessoa tão normal, foi capaz de organizar a logística da

solução final identificando e transportando milhares de

pessoas, enviando-as para a morte nos campos de concentração

sem muito se importar? A pensadora alemã destaca a hipótese

de que o respectivo tenente-coronel nazista era incapaz de

refletir sobre suas ações, de pensar sobre o que estava fazendo,

ponderar o bem e o mal daquilo que ele fazia.

O que mais assustou Arendt foi a extrema obediência de

Eichmann às ordens do Führer e a sua completa normalidade

diante do assassínio em massa que organizou e cuidou

enquanto burocrata e que alegava somente cumprir ordens. “O

problema com Eichmann era exatamente que muitos eram

como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos,

mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais”

(AREDNT, 2011a, p.299).

No nazismo o mais importante era o cumprimento

estrito do dever, ou seja, as leis do Estado que emanavam

diretamente das palavras de Hitler e adquiriam força de lei

devendo ser realizadas cegamente. Tais ordens eram

rigorosamente e eficientemente cumpridas pelos nazistas, em

que o certo era cumprir ordens, mas não pensá-las, mesmo que

implicasse em aniquilar milhares de pessoas.

Os atos eram monstruosos, mas o agente – ao

menos o que estava em julgamento – era

bastante comum, banal, e não demoníaco ou

monstruoso. Nele não se encontrava sinal de

firmes convicções ideológicas ou de motivação

Page 23: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

21

especificamente más, e a única característica

notória que se podia perceber tanto em seu

comportamento anterior quanto durante o

próprio julgamento sumário de culpa que o

antecedeu era algo de inteiramente negativo:

não era estupidez, mas irreflexão. No âmbito

dos procedimentos da prisão e da corte

israelenses, ele funcionava como havia

funcionado sob o regime nazista; mas, quando

confrontado com situações para as quais não

havia procedimentos de rotina, parecia

indefeso, e seus clichês produziam na tribuna,

como já haviam evidentemente produzido em

sua vida funcional, uma espécie de comédia

macabra. Clichês, frases feitas, adesão a

códigos de expressão e conduta convencionais e

padronizados têm a função socialmente

reconhecida de proteger-nos da realidade, ou

seja, da exigência de atenção do pensamento

feita por todos os fatos e acontecimentos em

virtude de sua mera existência. Se

respondêssemos todo o tempo a essa exigência,

logo estaríamos exaustos; Eichmann se

distinguia do comum dos homens unicamente

porque ele, como ficava evidente, nunca havia

tomado conhecimento de tal exigência. Foi essa

ausência de pensamento – uma experiência tão

comum em nossa vida cotidiana, em que

dificilmente temos tempo e muito menos desejo

de parar e pensar – que despertou meu

interesse (ARENDT, 2010, pp.18-19).

O sociólogo e filósofo Zigmunt Bauman (2014, p. 78)

aponta que Eichmann era o modelo perfeito de burocrata,

cidadão, cumpridor dos deveres que mantinha-se o mesmo

tanto em casa ou no trabalho, capaz até mesmo de em

momentos livres executar metodicamente algumas sonatas de

Brahms sem cometer erros. Pensando nos dias de hoje ele seria

o modelo de trabalhador perfeito ou “o orgulho de uma

prestigiosa firma europeia (incluindo, pode-se acrescentar, as

Page 24: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

22

empresas com grandes proprietários ou grandes executivos

judeus)”.

O oficial nazista não nutria ódio intenso ou preconceito

contra os judeus, apesar de os enxergar como “objetos que

deveriam ser, por exigência de sua repartição, devidamente

manejados” (BAUMAN, 2014, p.79). Curiosamente, ele cita

Kant em seu julgamento ao fundamentar a sua aceitação

rigorosa das leis e que Arendt (2011a) ironicamente atesta a

superficialidade da sua leitura dado que a sua versão do

imperativo categórico estaria corrompida pelo fato de colocar

em risco a pluralidade humana e que Eichmann fora incapaz de

ponderar reflexivamente.

No entanto, a constatação de Arendt sobre o modo de

ser de um agente nazista, tomando como modelo o modo de ser

do burocrata Eichmann, causa espanto na medida em que

relacionamos com o nosso cotidiano atual. Em nossa vida

parece que mais reproduzimos mimeticamente

comportamentos do que agimos com espontaneidade, ou seja,

nos acostumamos facilmente a aceitar uma ordem ou uma lei,

repetir gestos, comportamentos, frases de efeito e clichês, sem

ao menos refletir sobre elas próprias e mais ainda sobre suas

causas e consequências. “Isso levou alguns observadores a

supor que na maioria das pessoas, se não em todas, vive um

pequeno SS esperando para vir à tona [...]” uma espécie de

“‘Eichmann latente’ escondido no homem comum”

(BAUMAN, 1998, p.195).

Se dirigirmos a perspectiva para o meio educacional

brasileiro e lembrarmos os inúmeros modos de se ensinar,

constataremos que boa parte do ensino e aprendizagem se foca

na repetição mimética de clichês. Na filosofia, um âmbito que

por excelência nos deveria estimular o pensar, não é tão

diferente como aponta o professor Geraldo Balduíno Horn

visto que “o ensino institucional e formal da Filosofia sempre

serviu ao estabelecimento e manutenção de forças hegemônicas

Page 25: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

23

que buscavam neutralizar ou mesmo anular qualquer

possibilidade de formação humana crítica e autônoma”(2009,

p.19).

O professor Silvio Gallo (2012) tece também diversas

críticas sobre a forma de ensino mecânico e acelerado,

característico de nossa época e que tem em vista a mera

repetição de conceitos e aplicação em prova, deixando de lado

a reflexão que exige tempo e paciência. Reforçando a crítica, o

professor Alejandro Cerletti aponta os cuidados que se deve ter

no ensino da filosofia para que não sejam “simples técnicos

que apenas aplicam receitas ideadas por especialistas” (2009,

p.78) e nem repetidores de propostas de ensino, deixando de

lado os contextos e as particularidades dos cursos e dos alunos.

Enfim, Nietzsche em seus primeiros escritos já havia

criticado essa forma de ensino de filosofia que causa mais

repugnância à filosofia do que aproximação:

[...] pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita

experiência da vida, em que cinquenta sistemas

em palavras e cinquenta críticas desses sistemas

são guardados juntos e misturados – que aridez,

que selvageria, que escárnio, quando se trata de

uma educação para a filosofia! Mas, de fato,

todos reconhecem que não se educa para ela,

mas para uma prova de filosofia: cujo resultado,

sabidamente e de hábito, é que quem sai dessa

prova – ai, dessa provação! – confessa a si

mesmo com um profundo suspiro: ‘Graças a

Deus que não sou filósofo, mas cristão e

cidadão do meu Estado! (NIETZSCHE, 1974,

p.89).

Parece que essa forma de ensino educa para formar

tipos Eichmann de ser. Tipos normais, comuns, incapazes de

pensar por si, mas somente obedecer. Dotados de uma extrema

normalidade e que em momentos extremos podem colocar em

risco a existência da humanidade, pois irrefletidamente são

Page 26: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

24

capazes de cometer crimes contra o gênero humano pelo fato

de não saberem ou sentirem “que estão agindo de modo

errado” (ARENDT, 2011a, p.299).

Kant, já havia alertado para essa forma de educação em

que foca somente no treino/adestramento dos indivíduos. O

pensador de Köningsberg enfatiza que “não é suficiente treinar

as crianças; urge que aprendam a pensar.” (1996, p.28) e diz

que na filosofia2 é possível aprender a filosofar, ou seja,

estimular o exercício do pensamento, mas não ensinar um

pensamento filosófico, a não ser historicamente (2001). E tal

atividade se dá praticando “o método de Sócrates” (1996,

p.75): a maiêutica.

Parece que para fugir dos clichês, da mimética

irrefletida, da obediência incondicional e cega que caracterizam

uma educação para formar tipos como Eichmann, a reflexão

praticada com a maiêutica socrática é capaz de conter o perigo

de tal irreflexão que pode colocar em risco a pluralidade

humana.

3. O tipo Sócrates e o pensar

Como muito bem observa o professor Cléber Duarte

Coelho (2014), a maioria dos filósofos tomam Sócrates como o

um modelo de educador. Ou seja, Sócrates é um exemplo de

homem que além cumprir seus deveres, respeitar as leis, é

capaz de pensar reflexivamente e instigar as pessoas a pensar,

sendo um médico de si e também dos outros.

2 É importante destacar que a tarefa da reflexão é objetivo comum a todos

os saberes, não só da filosofia, mas das diversas outras disciplinas. A

diferença é que a tarefa por excelência da filosofia que defendemos é a de

manter ativa a atividade do pensar e refiná-la cada vez mais ao aproximar os

âmbitos da ciência, da arte e da própria filosofia, assim como da vida.

Page 27: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

25

Não é de pouca consideração que o próprio Platão se

utiliza de Sócrates para difundir a filosofia em diálogos e mais

à frente Kant o elege como o modelo de educador que difunde

a atividade do filosofar através da maiêutica.

Em passagens finais da Crítica da razão pura de Kant

discorre sobre a filosofia e o filosofar dizendo que: “Entre

todas as ciências racionais (a priori) só é possível, por

conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a filosofia (a

não ser historicamente): quanto ao que respeita à razão, apenas

se pode, no máximo, aprender a filosofar” (2001, p.672).

Por esse motivo, podemos pensar sobre os pensamentos

filosóficos e seus conceitos, mas não ter como certo e acabado

alguma ideia filosófica. Isso indica que há na compreensão

filosófica de Kant um aspecto mais originário e fundamental da

filosofia como uma atividade do filosofar, muito diferente de

uma concepção demonstrativa e puramente expositiva no seu

ensino. Segundo o professor e grande intérprete de Kant,

Leonel Ribeiro dos Santos,

Kant tem da prática filosófica uma concepção

essencialmente investigativa e inventiva. Todo

aquele que pensa deve chegar à verdade por si

mesmo, servindo as opiniões alheias apenas de

matéria para o exercício do próprio talento

filosófico. A verdade filosófica não está feita

nem dada em parte alguma. Cada qual a extrai

da sua própria razão e a legitima perante a

própria razão. E é neste sentido que se deve

entender a afirmação kantiana, tão

frequentemente repetida, segundo a qual não se

aprende Filosofia, mas aprende-se a filosofar,

não se ensinam pensamentos, mas ensina-se a

pensar (SANTOS, 2013, p.132).

O apontamento do filósofo português evidencia a

importância de Kant com a atividade inesgotável do

pensamento que não se limita à mera imitação e repetição de

Page 28: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

26

outros pensamentos, como muitas vezes constatamos nas aulas

de filosofia, mas extrapola esses limites e expande tal atividade

através do filosofar por si.

Como dito anteriormente, é neste sentido que a

filosofia adquire seu caráter mais elementar: a maiêutica

socrática, em que a tarefa fundamental da filosofia enquanto

atividade do filosofar é a de ser parteira de pensamentos. No

caso do ensino da filosofia aos jovens, a estratégia básica

implica em extrair conhecimentos dos alunos: que se “dê a luz

o que tem dentro acerca do saber” (PLATÃO, 2010, p.265) tal

como exemplarmente fazia Sócrates, e não somente introduzi-

los.

Transferir conceitos abstratos dos pensadores da

filosofia, se é que isto é possível, é uma tarefa complexa e

maçante para os jovens no ensino médio, que estão sendo

inseridos no universo da filosofia e muitos deles tendo o seu

primeiro contato com tal saber. Portanto, trabalhar de forma

leve os conceitos, priorizando o filosofar através da maiêutica

socrática é um caminho possível para a filosofia no ensino

médio brasileiro.

Hannah Arendt também aceita Sócrates como uma

espécie de tipo ideal de homem e pensador, na medida em que

convida a todos ao autoexame ou a reflexão:

[...] um pensador que tenha permanecido

sempre um homem entre homens, que nunca

tenha evitado a praça pública, que tenha sido

um cidadão entre cidadãos, que não tenha feito

nem reivindicado nada além do que, em sua

opinião, qualquer cidadão poderia e deveria

reivindicar.[...] decidido dar a vida não por um

credo ou uma doutrina específica – ele não

tinha nenhum dos dois - , mas simplesmente

pelo direito de examinar as opiniões alheias,

pensar sobre elas e pedir a seus interlocutores

que fizessem o mesmo (2010, pp.189-190).

Page 29: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

27

Pensar o que estamos fazendo, realizar uma ontologia

do presente, exercitar o autoexame, são atividades sinônimas

ao cuidado de si e que se constitui também em uma espécie de

cuidado do outro (FOUCAULT, 2011), podendo servir como

um antídoto ao perigo do totalitarismo ou para que Auschwitz

não se repita (ADORNO, 2000). Em outras palavras, o modelo

socrático de ser, que estimula a atividade reflexiva como

postura de vida, se fomentada também no ensino da filosofia

como convite ao filosofar, pode contrapor-se a ausência de

pensamento ou a incapacidade de pensar o que fazemos,

característica de tipos Eichmanns de ser ou de uma educação

meramente instrumental, que busca o conhecimento pelo

conhecimento e o homem não como fim em si, mas como

meio.

Até mesmo Hannah Arendt destacou que o maior mal

que pode ocorrer entre homens, a banalidade do mal, é a

ausência do pensar. É a possibilidade da morte do pensamento

e que pode implicar no estabelecimento do mal banal e a

desertificação do mundo humano, nos deixando acostumados

com o deserto e até mesmo a viver nessa falta de mundo

(ARENDT, 2011b).

Ser capaz de discernir o certo do errado, pensando em si

e nos outros enquanto seres plurais que habitam e constituem o

mesmo mundo, foi a postura de Sócrates e é a peculiaridade do

pensamento reflexivo, diferentemente do pensamento que

calcula e enquanto vontade de verdade quer instrumentalmente

conhecer e dominar a totalidade. Como aponta Arendt, “A

manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento, é

a habilidade de distinguir o certo do errado, o belo do feio. E

isso, nos raros momentos em que as cartas estão postas sobre a

mesa, pode sem dúvida prevenir catástrofes, ao menos para o

eu.” (2010, p.216).

Page 30: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

28

4. Sócrates x Eichmann e a aposta na educação

para o pensar

Mas e se pensarmos de forma contrária? Ou seja, e se

aceitássemos a hipótese nietzschiana presente em “Crepúsculo

dos ídolos” na qual Sócrates e Platão são “como sintomas de

declínio, como instrumentos da dissolução grega, como

pseudogregos, antigregos” (2010, p.18)? Seria então o

surgimento do pensar maiêutico a decadência de um povo? E o

modo de ser do tipo Eichmann, incapaz de pensar

reflexivamente por si, seria um modelo a ser seguido, pois é o

inverso de Sócrates? Qual então seria o caminho certo da

educação? Obedecer cegamente suspendendo o pensar

reflexivo ou saber obedecer e também mandar, mantendo ativo

o pensar reflexivo? Em outras palavras, por que ensinar

filosofia na educação básica? Por que abrir nos alunos a vereda

da reflexão e educar para o filosofar?

Parece que, pensando com Heidegger, Arendt, Adorno,

dentre inúmeros outros pensadores, nós contemporâneos

ocidentais tendemos a ponderar para o caminho do pensamento

reflexivo. Sobretudo após os horrores da segunda grande

guerra, a melhor aposta (PASCAL, 1973) que podemos fazer é

evitar que coisas como o totalitarismo, a barbárie ao extremo se

instalem. Mesmo não tendo absoluta certeza de que estimular o

pensamento reflexivo seja um caminho absolutamente seguro,

ao menos contra a ausência de pensamento que produz tipos

Eichmann, apostar na reflexão é uma opção para quem não tem

alguma outra.

Além do mais, o simples fato de se colocar tal questão

nos insere no âmbito do pensar e que nos força a meditar sobre

outra questão importante: é possível escapar ao pensar quem já

nele se encontra?

Page 31: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

29

Podemos dizer que nos encontramos dispostos em um

‘entre’ pensar e não pensar. Em alguns momentos o

pensamento parece nos requisitar e algumas vezes não, porém

há momentos em que não podemos deixá-lo de lado, sobretudo

nos acontecimentos extremos como aqueles que sempre

ameaçam o mundo e a existência humana, ou a instalação da

barbárie como aponta Adorno (2000).

Parece que a justa medida aristotélica (1973) pode

auxiliar o respectivo problema do excesso de pensar e o

excesso de não pensar. O meio termo implica em cultivar a

reflexão para que ela se refine em suas múltiplas possibilidades

e desperte quando necessária, mas também cultivá-la para que

o pensar não se torne um peso ou tormento ao ponto de

suspender o mundo buscando um além-mundo para habitar.

Há aqui uma espécie de educar para que nem sejamos

completamente socráticos, o que nos levaria a ser

“superafetados” (NIETZSCHE, 2010, p.19) da razão ao ponto

de platonicamente suspender o mundo acreditando em outro

melhor. Por outro lado, é importante educar também para que

nem sejamos completamente Eichmanns, que nos levaria a ser

repetidores miméticos de ordens, incapazes de refletir sobre o

que se está fazendo (ARENDT, 2011a).

No entanto, partindo do pressuposto de que Eichmann

tornou-se um tipo comum de ser do homem moderno e atual

que não pensa ou pouco pensa sobre suas próprias ações, pois

não tem tempo para pensar; parece que apostar em um tipo

socrático de ser, que muito pensa e sabe pensar com rigor

quando é requisitado, poderia ser uma boa aposta justamente

por representar uma falta em nossa época. O antídoto para tipos

Eichmann de ser é misturar-se, contaminar-se a tipos Sócrates

de ser. O que falta em um torna evidente o que transborda no

outro, e vice e versa, desvelando assim a essência de ambos e a

sua importância em nossa época.

Page 32: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

30

Pensando a educação brasileira atual, ter como modelo

de ensino filosófico a maiêutica socrática, mas também que

ultrapasse a barreira das disciplinas, é um possível e

estimulante contraponto ao modo eichmaniano de ser. Em

outras palavras, uma possível resposta à pergunta sobre por que

ensinar filosofia na educação básica é: educar para refletir ou

pensar o que estamos fazendo consiste em uma aposta frente a

ausência do pensar ou da reflexão, tão comum hoje em dia em

nossa era da instantaneidade (BAUMAN, 2001) e que pode

colocar em risco toda a pluralidade humana. É uma aposta na

educação que possibilita saber obedecer e saber mandar, e,

quando requisitado, também pensar as próprias ações para se

evitar catástrofes.

5. Como exercitar a maiêutica socrática no ensino

médio?

A aceitação da aposta no exercício do filosofar ou de se

pensar o que estamos fazendo tal como Sócrates, em

contrapartida ao estabelecimento de figuras não-pensantes

reflexivamente do tipo Eichmann, representa um caminho

possível para a filosofia no ensino médio na tentativa de se

educar contra a barbárie (ADORNO, 2000) e o deserto do

totalitarismo (ARENDT, 2011b).

Mas como pode acontecer este tipo de educação

filosófica no ensino médio? Em outras palavras, como ensinar

filosofia aos alunos do ensino médio? Esta é também uma

pergunta que se mantém sempre aberta, pois existem vários

modos de se ensinar filosofia.

Aqui, o ensino de filosofia na educação básica é

pensado juntamente com Kant (2001), que aposta no ensino da

filosofia como atividade do filosofar. Para isso, indicamos três

táticas úteis que se orientam pela grande aposta na estratégia da

Page 33: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

31

atividade de filosofar no ensino médio e que foram exercitadas

durante a prática de estágio I e II na licenciatura em filosofia da

UFSC.

Acompanhadas pela tática do SPIC que conforme Silvio

Gallo (2012) consiste em sensibilizar, problematizar, investigar

e conceitualizar com os alunos; as táticas do CSI que implica

no dizer claro, simples e ingênuo; e com a tática do PréDuPós

como exercícios pré-aula (fixação do tema, esboço mental e

escrito da aula, aula com alunos invisíveis, ensaios e re-

ensaios), durante-aula (manter-se no aqui agora, sensibilidade

espacial e temporal, aproveitar toda e cada questão do aluno,

instigá-los e entusiasmá-los, tirá-los do aturdimento, etc.) e

pós-aula (reexame mental e se possível escrito das aulas),

podem ampliar as chances de que a atividade do filosofar

aconteça em sala de aula no ensino médio.

De modo geral, a grande tática do SPIC consiste em

uma etapa do ensino em que os alunos são sensibilizados a fim

de serem inseridos e preparados para o tema da aula;

consequentemente, o tema é problematizado abrindo espaço

para um exame de tais problemas na história da filosofia; e, por

fim, os conceitos que emergem das atividades anteriores em

diálogo com os alunos através dos pensamentos filosóficos,

intermediado pelo professor-filósofo, são reproblematizados

com o intuito de os alunos, e também o professor, apropriarem-

se dos conceitos abrindo a possibilidade de construírem por si

mesmos seus próprios conceitos ou ao menos algumas noções

conceituais.

De toda essa tática orientadora do ensino filosófico no

ensino médio, destaca-se maior importância para a atividade do

filosofar, pensado como um jogo dialógico de perguntas e

reperguntas entre professor aluno, aluno professor, e entre os

próprios alunos; vertendo e invertendo constantemente pontos

de vista entre os envolvidos no diálogo.

Page 34: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

32

Nesse aspecto, são bem vindas as lições de Silvio Gallo

sobre o SPIC com o intuito de sensibilizar os alunos para

preparar o terreno para o filosofar e também à filosofia. Dispor

de exemplos, mídias, assuntos que estão em nosso cotidiano e

dos alunos, chamá-los pelo nome3, ou se estiverem

compenetrados no celular pedir para acessarem a internet e

compartilhar uma informação que contribua para o tema da

aula, etc., são táticas importantes para retirá-los do aturdimento

e despertá-los para o caminho do filosofar.

Por isso, para potencializar a grande tática do SPIC

podemos combinar mais táticas para derivá-las em conjunto e

aumentar as possibilidades de que a estratégia do filosofar se

abra e até mesmo se realize em sala de aula.

Além dessa sensibilização e sensibilidade em sala de

aula, é importante também uma tática princípio, inspirada em

Schopenhauer, que destaca a importância do dizer “simples,

claro e ingênuo” (2005, p.33) consistindo na tática do CSI.

Implica em elaborar uma proposta temática claramente

definida e desenvolvê-la de forma simples, sem muitos floreios

ou eruditismos, para que qualquer um entenda minimamente do

que trata o assunto; e por fim, ter em conta a leveza da

ingenuidade no sentido de realizar um raciocínio que se

desenvolva naturalmente no decorrer da aula, sem

artificialidades, ou seja, sem denotar algo que pareça forçado,

pouco à vontade, mas tomar as aulas com uma desenvoltura

3 O espelho de turma com as fotos e nomes de cada aluno é extremamente

importante como ferramenta para conhecer o rosto de cada aluno e

estabelecer uma proximidade empática em um primeiro contato do

estagiário e a turma ou do professor e aluno, pois permite reconhecer e

chamar cada aluno por seu próprio nome, o que desperta maior interesse e

atenção na aula para ambos os lados. Permite também identificar quem são

os alunos mais participativos, os menos participativos, os que levam a sério

as aulas e os que não se interessam, etc., permitindo montar táticas para

lidar diretamente com cada um durante as aulas.

Page 35: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

33

espontânea em que professor e alunos sintam-se bem naquele

espaço preparado para o filosofar.

A grande tática do SPIC, atravessada pela tática

princípio do CSI, da clareza, simplicidade e ingenuidade,

consistindo no desenvolvimento de um tema claro e bem

definido; uma exposição simples e sem tantos floreios; uma

disposição ingênua de abertura para o acontecimento de uma

aula filosófica: tais elementos reunidos são orientações chave

para se montar uma economia de recursos, conceitos e tempo

de aula no ensino médio, que merecem ser exercitados para que

toda aula tenha grandes chances de se abrir para o

acontecimento filosófico.

Para isso, mais táticas-exercício são importantes para

que o professor esteja bem preparado para ir para a sala de

aula. Destacam-se três táticas-exercício que podem auxiliar na

realização das aulas: as táticas pré-aula, durante-aula e a pós-

aula (PréDuPós).

Primeiramente, a tática pré-aula consiste em um

exercício inicial que antecede a aula, ou seja, serve para o

melhor preparo e ensaio da aula. Após o professor ter

elaborado e estudado o plano de aula4, passando-o e

repassando-o quantas vezes for preciso mentalmente e em

4 A etapa de escolha do tema e problema de aula consiste em um

conhecimento inicial da turma (que pode ser aferido por um questionário

dirigido a cada aluno para perscrutar seus gostos, como muito bem sugerido

por uma das estagiárias) que denota predisposição para certos temas e que o

professor se aproveita para inspirar os motes de aulas. Após ter delimitado e

estudado o tema, o professor elabora o seu plano de aula e monta como será

a aula orientando-se pela grande tática do SPIC e a tática-princípio da

clareza, simplicidade e ingenuidade. Após reunir todo o material para a

aula, exercitá-lo mentalmente e escrever um esboço ou esquema de aula no

papel, até chegar a uma aula aproximada daquilo que pretende realizar, está

delimitado o plano de aula e o professor está pronto para seguir a etapa da

tática pré-aula, ou ensaio concreto de aula com alunos invisíveis.

Page 36: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

34

esboço no papel, surge o momento de ensaiá-lo, como em um

teatro performático para alunos invisíveis.

Ou seja, o professor poderá ensaiar ao menos três vezes

sua pré-aula simulando uma aula com alunos invisíveis, pois tal

ensaio permite construir uma noção do tempo/espaço de aula,

ter melhor noção da tonalidade e intensidade da voz, do corpo,

dos gestos e dos passos; além de inspirar (DELEUZE, 2014) e

permitir exercitar a imaginação do que poderia ocorrer durante

a aula, o que um aluno poderia perguntar sobre tal e tal coisa,

etc. Exercitar essa previsibilidade de aula é preparar-se para a

arte do improviso, que está presente e é inevitável em todas as

aulas, aproveitando esses momentos fundamentais da melhor

forma possível abrindo espaço para a criação do novo junto

com os alunos.

Combinar o aqui agora real, ou o que aparece do

mundo, com o aqui agora invisível do pensamento

(imaginação), amplia as possibilidades do acontecimento de

uma aula. É imprescindível, como parte da estratégia de aula,

treinar a tática do ‘passar a aula imaginando-a no pensamento’

testando mentalmente todas as suas possibilidades e ‘passar a

aula para alunos invisíveis’ simulando em uma sala real como

seria de fato a mesma aula pensada anteriormente para alunos

invisíveis, e também se possível para alguns colegas, o que

futuramente será a aula para os alunos reais do ensino médio.

Aqui a noção de tempo e espaço ganham extrema

importância. O aqui agora do espaço tempo visível do mundo é

aquele ao qual estamos acostumados: é o tempo cronológico,

com delimitações físicas e necessárias. Já o aqui agora do

pensamento é sempre presente, ou seja, não há contagem de

tempo e medida de espaço necessária, pois sendo um âmbito do

pensamento livre para a imaginação, pode ou não contar o

tempo e delimitar o espaço, assim o pensamento interiorizado

suspende o mundo e o que vigora nele é a imaginação de uma

aula em um aqui agora, ou espaço e tempos invisíveis

Page 37: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

35

(ARENDT, 2010). Quando ambos estão bem exercitados, tudo

é possível na imaginação reflexiva.

Uma segunda tática importante e que deriva do

exercício anterior é a tática durante-a-aula, que consiste em

sempre estar no aqui agora da aula, praticando com alunos

reais tudo o que fora ensaiado. Isso implica na disposição do

professor em estar aberto para o acontecimento-aula, bem

preparado através da tática da pré-aula, e pronto para qualquer

improviso.

Tal tática consiste em ficar atento a tudo e a todos que

estão ali presentes de um modo que nenhum sinal passe

despercebido e também não se esquecer da estratégia e táticas

desenvolvidas, para que não se percam os objetivos

pretendidos na aula. No entanto, é importante tomar extremo

cuidado para que durante a aula o aqui agora (espacial e

temporal) da relação direta com os alunos, com a sala, com o

que esta sendo dito, etc., não seja suspenso pelo intenso pensar

ou preocupar-se com a estratégia ou o plano a ser seguido e as

táticas a serem usadas. Pois tal deslocamento pode acabar

suspendendo o aqui agora da sala de aula deslocando-o para o

aqui agora do pensamento (o lugar invisível do pensamento)

comprometendo o jogo com a realidade externa, anulando a

ingenuidade do professor e tornando a aula extremamente

artificial e mecânica, bem diferente de uma aula com

desenvoltura natural e espontânea.5

5 Por isso é importante o professor ter sua estratégia de aula bem definida e

suas táticas bem exercitadas a fim de organicamente se desenvolverem

quando necessárias. Do mesmo modo que no teatro as cenas são ensaiadas e

exercitadas para que sejam naturais no decorrer da peça, durante as aulas é

necessário o professor também sentir-se à vontade no manuseio de suas

próprias ferramentas e deixar à vontade seu público inspirando segurança,

confiança e entusiasmo aos alunos.

Page 38: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

36

Alguns cuidados durante o acontecimento de aula são

importantes. Por exemplo: se durante a montagem da lousa6 o

professor perceber que uma parte da turma está dispersa, seria

interessante aproveitar o momento para construir

conjuntamente com os alunos os itens dispostos no quadro ao

mesmo tempo em que os explica; outra opção para trazer os

alunos para a aula é perguntar mais para os alunos o que eles

acham de tal e tal coisa para prepará-los para o diálogo e iniciar

a discussão sobre o tema de aula; se muitos estiverem

conectados na internet, mexendo em celulares ou tablets, pedir

para que pesquisem na internet algo simples, mas pertinente ao

tema da aula (como a data de vida e morte de tal filósofo, nome

completo do autor de tal obra, de filme, pintura, significado de

palavras no dicionário, período histórico, etc.)7.

Por fim, o intuito durante-as-aulas é que o professor

esteja integralmente presente a fim de usar todas as táticas

possíveis como tentativa de se conquistar um espaço livre para

que o pensamento filosófico, ou a atividade do filosofar,

aconteça em sala de aula entre professor e alunos, alunos e

professor, e entre os próprios alunos, com a finalidade de que

estes também se presentifiquem no aqui agora da aula e do

6 Caso o professor utilize na aula recursos de mídia (power point, vídeo,

projeção de imagem ou texto) convém prepará-los e testá-los com

antecedência, a fim de que no momento da aula não seja desperdiçado

tempo com tais preparativos e tenha-os disponíveis prontamente. De outro

lado, pensar outras alternativas como: enquanto pede uma atividade para os

alunos (lerem ou escreverem um texto, etc) o professor vai ativando o

equipamento de mídia, ou ter outros recursos em mãos para substituir as

multimídias quando falharem. 7 Isso talvez seja uma boa tática para guiar os alunos na utilização das

tecnologias e orientá-los para uma boa pesquisa na internet indicando

alguns sites interessantes para frequentarem, mas também orientando como

identificar boas fontes de conhecimento e informação na internet. Há

também vídeos e jogos na internet que podem direcioná-los para os assuntos

filosóficos, como o jogo ‘filosofighter’, o vídeo do ‘futebol dos filósofos’,

etc.

Page 39: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

37

pensamento. Tudo isso planejado para que uma aula de 45

minutos no ensino médio tenha um bom rendimento, mas que

esses poucos minutos possam ser estendidos para as aulas do

ano como um todo e consequentemente para a vida dos que ali

estão presentes e por ali passaram.8

Por fim, a tática-pós-aula, que consiste em um reexame

mental e escrito da aula efetivamente dada, com o intuito de

marcar pontos positivos e negativos da aula trasncorrida para

aprimorar ou desenvolver novas táticas de ensino e descartar

ou consertar as falíveis. E também para dar um panorama geral

da aula a fim de preparar as próximas aulas, mantendo a

estratégia do filosofar sempre ativo.

Em suma, falou-se da estratégia da aula de filosofia que

é possibilitar e manter ativo o filosofar. Para isso destacou-se a

importância das táticas de aula: como a grande tática do SPIC;

a tática CSI, do dizer claro, simples e ingênuo; a tática

PréDuPós: do pré-aula (tema, esboço mental, escrito, aula com

alunos invisíveis, ensaios e re-ensaios); a tática durante-a-aula

(manter-se no aqui agora, sensibilidade espacial e temporal,

aproveitar toda e cada questão do aluno, instigá-los e

entusiasmá-los, tirá-los do aturdimento); a tática pós-aula, que

consiste em um reexame mental e se possível escrito das aulas,

para poder cada vez mais manter aberto o caminho do

pensamento e o filosofar como estratégia de educação

filosófica no ensino médio.

É importante lembrar que mesmo com todo esse

treinamento, exercício e ensaios, não é possível garantir o

8 Como sugestão de uma atividade mais longa a criação de um diário de

pensamentos pode ser muito útil para manter o filosofar ativo por mais

tempo e bem exercitado como destacado no artigo A escrita de si como

exercício filosófico para o ensino médio: elaborando um diário de

pensamentos (PIEDADE; SOUZA, 2014). Tal atividade pode servir

também como instrumento de avaliação do professor, capaz de aferir o

andamento do aprendizado do aluno e reforçar a apropriação conceitual pelo

mesmo.

Page 40: Ensaios para o ensino de filosofia

Helder Félix Pereira de Souza

38

acontecimento de aula e que a atividade do filosofar se ative,

mas sem tais táticas a possibilidade que uma aula de filosofia

no ensino médio se abra para o filosofar podem diminuir, pois

o professor vai para aula com menos preparo. Nota-se que toda

a aula, assim como uma peça teatral, nunca está

definitivamente pronta, acabada, mas ela pode estar mais ou

menos, melhor ou pior preparada, ainda mais quando precisa

lidar com os improvisos.

A grande tática do SPIC, a tática do CSI e a tática do

PréDuPós são fundamentais para que o preparo de aula se torne

orgânico no professor e a estratégia do ensino da filosofia entre

os jovens da educação básica mantenha aberto o caminho do

filosofar para que este aconteça com naturalidade e

desenvoltura.

6. Considerações Finais

Por fim, a filosofia no ensino médio assim como a

educação é uma aposta que nós enquanto educadores, filósofos,

cidadãos e pessoas não podemos fugir, pois já estamos

inseridos nessa tradição mundana. Educar e ensinar filosofia na

educação básica é acreditar que a abertura à crítica e a reflexão

através da atividade do filosofar socrático pode auxiliar contra

a instalação da barbárie que partilha da condição humana e está

sempre presente em tipos tão normais e comuns de ser como

Eichmann.

Em outras palavras, ao ingressarmos no trágico jogo da

vida e da existência humana é melhor ter algo no que apostar

do que nada ter para apostar. Como já dizia o antigo provérbio:

‘mais vale ter um pássaro na mão do que dois voando’, ou seja,

já que somos lançados em um mundo ‘pronto’ e em movimento

é melhor ter presente a atividade do filosofar como aposta do

que nada ter para apostar.

Page 41: Ensaios para o ensino de filosofia

Por que e como ensinar filosofia

39

Apostando na educação e na importância da filosofia no

ensino médio, um caminho possível, dentre vários outros, para

que o filosofar aconteça em sala de aula no ensino médio é a de

orientar-se pela estratégia de manter ativo o filosofar

estimulados pelas táticas do SPIC, do CSI e do PréDuPós

explorados neste ensaio. Quando tais táticas são bem

exercitadas as chances do acontecimento filosófico ocorrer em

sala de aula tornam-se maiores, o que pôde ser constatado

durante a realização do estágio I e II no colégio de aplicação da

UFSC.

7. REFERÊNCIAS

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Page 44: Ensaios para o ensino de filosofia
Page 45: Ensaios para o ensino de filosofia

43

THE WALL: UMA REFLEXÃO ACERCA DO

MECANICISMO ESCOLAR E O ENSINO DE

FILOSOFIA

Felini de Souza

O sistema educacional brasileiro sempre entra em

discussão, principalmente durante o período de eleições. Nas

manifestações em junho de 2013 no Brasil, muitos cartazes

continham escritos que pediam por mais educação, por mais

investimentos na educação, ou por uma educação de qualidade.

Porém, uma pergunta que surge é: que educação nós

queremos? E o que nós entendemos por educação?

As promessas de mais escolas, escolas de qualidade e

boa remuneração ao professor sempre são citadas nesses

períodos de eleições para governantes, porém durante décadas

a educação vem sendo debatida, como uma necessidade mal

empregada na sociedade. Na atual eleição de governantes

federais e estaduais de 2014, foi comum ouvir a proposta de

educação em tempo integral. Confunde-se assim, escola com

educação, considerando-se que o aluno ficará na escola o dia

inteiro, e assim aprenderá. Pensamos que este tipo de promessa

eleitoreira, não passa de uma proposta de “asilo” infantil, onde

se coloca a criança na escola em tempo integral para que os

pais e as mães possam trabalhar mais, servir mais ao sistema.

A educação não se dá apenas no ambiente escolar. O

ser humano possui a capacidade de aprender e essa capacidade

não se limita à escola. A todo momento o ser humano está

aprendendo, descobrindo coisas novas, experimentando,

modificando conceitos que até então acreditava, aperfeiçoando

capacidades e se adaptando ao meio que sempre se modifica.

E de quem é a culpa pelos problemas da educação? Da

escola? Dos professores? Dos alunos? Da sociedade? Ou do

Page 46: Ensaios para o ensino de filosofia

Felini de Souza

44

governo? Responder essas perguntas não é uma questão fácil,

assim como tentar solucionar os problemas da educação que a

décadas são diagnosticados e debatidos.

1. Relação docente-discente e discente-docente

O processo de ensino não se dá simplesmente por

transferência de conhecimento. Os conteúdos trabalhados

precisam estar associados à realidade do estudante, deste modo,

o aluno consegue compreender e adaptar o conteúdo às

problemáticas do seu cotidiano. O professor não é o único

dentro da sala de aula que possui conhecimentos prévios, é

preciso notar que os alunos já possuem uma carga cultural e de

aprendizado que proporcionaram experiências válidas para a

constituição do conhecimento. Sendo assim, não é só o aluno

que aprende na relação professor-aluno, mas também o

professor adquire conhecimento.

Nesta forma de compreender e de viver o

processo formador, eu, objeto de meu ato

formador. É preciso que, pelo contrário desde

os começos do processo, vá ficando cada vez

mais claro que embora diferentes entre si, quem

forma se forma e re-forma ao formar e quem é

formado forma-se e forma ao ser formado. É

neste sentido que ensinar não é transferir

conhecimentos [...](FREIRE, 1996, p. 22-23).

É necessário levar em consideração os conhecimentos

culturais vividos pelos alunos. Por meio desse conhecimento, é

possível construir um entendimento melhor a respeito do que é

passado em sala de aula. Não existe professor sem os alunos,

assim como não existe o “ensinar” sem o “aprender”. Portanto,

o ensinar e o aprender se dá simultaneamente, a professora ou o

professor aprende enquanto ensina, devido aos conhecimentos

Page 47: Ensaios para o ensino de filosofia

The Wall

45

prévios dos estudantes. É preciso parar de considerar o aluno

como tábula rasa. É preciso parar de considerar o professor

como o portador de todo o conhecimento, aquele que tem a

obrigação de responder todas as perguntas. As respostas para

os questionamentos podem ser encontradas de forma coletiva,

na relação docente-discente e discente-docente.

O professor não é aquele que simplesmente “dá a

aula”, a aula deve ser construída como uma participação ativa

tanto do aluno como do professor. O aluno não é um mero

espectador apassivado que apenas recebe os conteúdos prontos

e as respostas para as suas perguntas. Dar as respostas para os

alunos, para todos seus questionamentos, é impedi-lo de ir em

busca da solução para as suas dúvidas por conta própria.

Portanto, o professor deve ter uma postura democrática,

visando reforçar a capacidade crítica do educando e sua

curiosidade. O professor não deve silenciar o aluno, deve

deixá-lo livre para perguntar, questionar, expor sua curiosidade

frente aos conteúdos passados e situações cotidianas, pois o

que é ensinado em sala de aula tem relação com situações

cotidianas e é preciso que os alunos consigam visualizar desta

maneira: visualizar que o aprender, os conteúdos tratados na

escola, tem total relação com a nossa vida e com todo o meio

que nos cerca.

No filme The Wall (1982), do diretor Allan Parker,

temos a demonstração do que é uma cultura educacional

conservadora e tecnicista, em que é preciso apenas repetir os

ensinamentos do professor a ponto de decorá-los. Não há

criação, apenas repetição. O personagem principal do filme,

chamado Pink, durante a infância, cria um poema que é lido de

forma pejorativa pelo professor. Uma demonstração de uma

atividade docente que nega as origens, ideias e criações de suas

alunas e alunos.

Em The Wall, o professor de Pink não instiga os

alunos a buscarem o conhecimento, não os torna inquietos a

Page 48: Ensaios para o ensino de filosofia

Felini de Souza

46

ponto de que haja uma procura por parte deles, somente se vê a

repetição, a criação de padrões de mentes. Suas potencialidades

são deixadas de lado, dando vez apenas às “frases” decoradas:

“Daí a impossibilidade de ver a tornar-se um professor crítico

se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor

cadenciado de frases e de ideias inertes do que um desafiador

(FREIRE, 1996, p.27)”.

Um ponto negativo de tomar a finalidade da escola

como a aprovação no vestibular é esse caráter de repetir e

decorar para passar no concurso e ter uma boa colocação. Para

essa memorização através da repetição são criados métodos

como a paródia de músicas onde a letra é a fórmula que precisa

ser aplicada, ou o conteúdo que precisa ser decorado para saber

responder a questão na prova. Mas na prática da vida o aluno

não consegue assimilar aquele conteúdo decorado na música

com o seus questionamentos cotidianos. O professor que utiliza

como um meio apenas a memorização do aluno quanto aos

conteúdos, não consegue dar a liberdade de criação e de

assimilação do mundo em que o aluno vive.

Sabe-se, porém, como os educadores são

tentados a considerar a educação como um

processo puramente espiritual. Entretanto, à

educação compete também a tarefa de ajudar o

homem a situar-se no seu meio físico e a tirar o

maior proveito possível das condições que este

lhe oferece (SAVIANI, 1983, p.33).

Atribui-se importância, então, a aproximação com a

realidade do aluno ao ensinar. Deste modo, fazendo com que o

aluno perceba que pode experimentar seu aprendizado em seu

meio e em seu cotidiano.

Page 49: Ensaios para o ensino de filosofia

The Wall

47

2. O despertar da curiosidade

Costumamos ter a infância e a juventude como

períodos de questionamentos e descobertas. A postura

filosófica é ir além do senso comum nas respostas para tais

questionamentos e incentivar que essa curiosidade dos alunos

leve a aprendizados. A criança ou adolescente vai passar por

diversas problemáticas nessas fases, como exemplo podemos

considerar os seguintes casos; quando ocorre uma morte de um

parente ou conhecido da criança e surgem as dúvidas sobre “o

que acontece quando as pessoas morrem?” ou quando o

adolescente passa pelo seu primeiro conflito amoroso e surgem

questionamentos sobre “o que é o amor?”; ou sobre o futuro,

“com o que vou trabalhar?”; e “o que preciso para ser feliz?”;

“o que é felicidade?”. Todos esses questionamentos não

deixam de ser questionamentos filosóficos que devem ser

levados em consideração. Devem ser levados para a sala de

aula e trabalhados de modo que possam trazer mais

questionamentos e mais conhecimentos para os alunos. Para

Dermeval Saviani (1983, p.66) o objeto da filosofia é tratar “os

problemas que o homem enfrenta no transcurso de sua

existência”. Pensando assim, podemos chegar à conclusão de

que a filosofia está muito presente na vida dos seres humanos

e, portanto, ela não deve ser ensinada distante dos

questionamentos e experiências dos estudantes.

O fundamental é que professor e alunos saibam

que a postura deles, do professor e dos alunos, é

dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não

apassivada enquanto fala ou enquanto ouve. O

que importa é que professor e alunos se

assumam epistemologicamente curiosos

(FREIRE, 1996, p.86).

A curiosidade é uma característica vital que

proporciona descobertas e ultrapassa os limites do aprendizado

Page 50: Ensaios para o ensino de filosofia

Felini de Souza

48

mecânico. Por meio das perguntas e indagações os alunos vão

construindo ou reconstruindo suas opiniões. Esse é o papel

principal das aulas de Filosofia, pois elas precisam ser

questionadoras para que desse modo o aluno encontre meios e

soluções para os problemas filosóficos.

Um dos deveres da prática educativa é o

desenvolvimento da curiosidade insatisfeita e crítica do aluno.

A curiosidade precisa ser estimulada para que por meio dela o

estudante possa buscar experiências, desse modo, adquirindo

conhecimento. E é por meio da curiosidade que atingimos a

criatividade.

A criatividade e a autonomia do aluno devem ser

respeitadas, assim como sua identidade, e na prática educativa

é preciso ser coerente com esses deveres. Em The Wall, os

alunos são representados em uma das cenas com máscaras

iguais, demonstrando assim que suas potencialidades e

identidades não são respeitadas. No filme, mostra-se este

exemplo também quando os alunos caem na máquina de moer

carne, transformando-se em uma massa homogênea onde não é

possível identifica-los. Considerar os alunos iguais em suas

capacidades os obriga a ter o dever de saber das mesmas

coisas, nas mesmas fases. Porém, o desenvolvimento pode não

se dar assim de forma mecânica. Nem todos os alunos e alunas

de determinada série vão possuir e ter condições de ter certos

conhecimentos, ou ter facilidade para adquiri-los. Cada pessoa

tem sua história, sua cultura, seu tempo de aprender e de fazer

descobertas. A divisão por séries é mais uma amostra do

modelo industrial que a escola utiliza. E a escola; no filme The

Wall, segundo minha interpretação, tem ainda o caráter de

formá-los para serem “mais um tijolo do muro”.

Page 51: Ensaios para o ensino de filosofia

The Wall

49

3. A finalidade da escola

Quando falamos em “mais um tijolo no muro”, isso

nos remete a uma formação mecânica que visa um único fim a

todos os estudantes. Na prática, atualmente, podemos observar

que o fim comum das escolas tem sido a boa pontuação no

vestibular que leva à aprovação dos estudantes nas

universidades. Deste modo a educação perde o seu caráter de

desenvolver a personalidade e as capacidades dos seres

humanos e passa a ter apenas a finalidade da aprovação nos

concursos e vestibulares.

As publicidades apelativas que mostram números de

aprovados chamam a atenção dos pais e dos alunos que sonham

estar nos melhores cursos das universidades. Esse tipo de

aprendizado mecânico é condenado pelo filósofo alemão

Friedrich Nietzsche. Nietzsche em Schopenhauer como

Educador trata do “ensino enciclopédico” mais voltado a área

da Filosofia. Segundo Nietzsche, a Filosofia estava sendo

ensinada distante da realidade dos jovens estudantes e o

resultado era que os estudantes decoravam os sistemas e suas

refutações antes da prova de avaliação e esqueciam-se de tudo

logo após a avaliação. Nietzsche, portanto, desconsidera o

sistema educacional de sua época, que tem como intenção

formar “homens teóricos”, pois separam o pensamento da vida.

O professor Nietzsche, não incitava em seus alunos o simples

acúmulo de conteúdos, ao invés disso, propunha um

desenvolvimento do senso crítico e da atividade criadora de

cada indivíduo.

Nenhuma matéria escolar deve ser ensinada de forma

mecânica, forçando o aluno a decorar fórmulas e conceitos. O

êxito da educação deve ir além dos resultados obtidos nas

provas e testes, aos quais o estudante se submete.

No entanto, temos que lembrar que a culpa pelos

problemas da educação não se devem somente ao modo de

Page 52: Ensaios para o ensino de filosofia

Felini de Souza

50

ensinar do professor. No filme The Wall, o professor

“desconta” em seus alunos a opressão que ele sofre de sua

esposa. A esposa do professor, no filme, é uma representação

do sistema que leva o professor a ter que cumprir ordens, como

a de limitar a liberdade de criação do seu aluno levando ele a

decorar fórmulas e conceitos. Sem contar a falta de estrutura

para a educação que algumas escolas sofrem e a falta de

incentivos aos professores no desempenho das suas funções

como educadores, algo que também é representado pela figura

da esposa do professor de Pink.

As professoras e professores já estão sendo formados

para atender as demandas do sistema educacional vigente que

busca o vestibular e o mercado de trabalho como finalidade. De

um modo geral, os docentes não são instigados a refletir sobre

suas práticas e sobre o que os obriga a se submeterem a tais

práticas de ensino. Sendo assim, também podem ser

considerados como vítimas dessas problemáticas da educação.

A função comum atual da escola é o vestibular,

visando também o mercado de trabalho, bons salários e boas

vagas de emprego. No entanto, tendo a utilidade da escola com

esses fins é possível notar como as capacidades individuais dos

alunos são deixadas em segundo plano. Todos são colocados da

mesma forma aos mesmos conteúdos, deixando de levar em

consideração dificuldades ou facilidades pessoais perante

algumas temáticas ensinadas na escola. Esse tipo de postura da

escola, que tem como “produto final” o indivíduo que será útil

ao mercado de trabalho é comentado por Nietzsche. A

sabedoria que tem como função a produção sem a reflexão é

uma sabedoria vaga.

[...] Mas essa sabedoria está podre e cada fruta

tem seu verme. Acreditem em mim; quando

quisermos que os homens trabalhem e se

tornem úteis na oficina da ciência, antes de

terem atingido a maturidade, arruinamos a

Page 53: Ensaios para o ensino de filosofia

The Wall

51

ciência no mais breve prazo, assim como

arruinamos os escravos empregados muito cedo

nessa oficina. Lamento que sejamos obrigados

a nos servirmos da gíria dos proprietários de

escravos e dos empregadores para descrever

condições de vida que deveriam ser imaginadas

depuradas de todo utilitarismo e ao abrigo das

necessidades da existência. Mas

involuntariamente expressões como “oficina”,

“mercado de trabalho”, “oferta e demanda”,

“exploração” [...] saem da boca quando

queremos descrever a mais jovem geração de

sábios. A honesta mediocridade se torna sempre

mais medíocre; a ciência, do ponto de vista

econômico, sempre mais utilitária

(NIETZSCHE, 2008, p. 86 - 87).

Os cursos pré-vestibular focalizam em um ensino

rápido, de um conteúdo acumulado que deveriam ter sido

dados desde o ensino básico. Propondo formas de decorar (que

são por vezes vazias), para apenas garantir que o aluno – ainda

sem muito conhecimento prático de vida e sem assimilar o

conteúdo com situações cotidianas – passe no vestibular e

produza na mesma rapidez em que seu conhecimento foi

produzido. Estes testes avaliativos procuram homogeneizar

quantificando o saber de forma equalizada, não levando em

conta o ser humano e suas individualidades, também como

membro ativo do processo de conhecimento.

4. Experiências do estágio de docência

A experiência do estágio de docência no Instituto

Federal de Santa Catarina nos permitiu acompanhar duas

turmas diferentes. Uma no primeiro semestre (2014.1) e outra

no segundo semestre (2014.2). Esta possibilidade de conhecer

duas turmas distintas faz com que presenciamos variadas

Page 54: Ensaios para o ensino de filosofia

Felini de Souza

52

situações e diferentes estudantes, com suas singulares

potencialidades, facilidades e dificuldades de aprendizado.

Pois, o ser humano é constituído por sua cultura e sua história,

e esta deve ser levada em conta no momento de aprendizagem.

Portanto, cada turma e cada estudante devem ser considerados

únicos.

Na experiência do estágio de docência pude notar que

os estudantes já estão preocupados com o mercado de trabalho,

com o vestibular, as ações afirmativas, as bolsas de estudos e

cursos. Nas aula de filosofia há um “escape” para refletir sobre

conceitos de justiça e igualdade quanto ao mercado de trabalho

e as ações afirmativas, por exemplo. É possível utilizar esses

“dilemas”, dos alunos, como meios de sensibilizar e

problematizar as temáticas em sala de aula. Aproximar o

conteúdo da realidade dos alunos é uma ideia de sensibilização.

Na sensibilização os alunos sentem-se incluídos no assunto, a

partir da problematização o problema do assunto será também

um problema deles. A partir de então começa a investigação

para encontrar uma provável solução já encontrada por outros

autores e conceituar em cima do problema que foi proposto.

Quando problematizamos, abrimos as

possibilidades de aprendizagem, uma vez que

os conteúdos não são tidos como fins em si

mesmo, mas como meios essenciais na busca de

respostas. Os problemas têm a função de gerar

conflitos cognitivos nos alunos (desequilíbrios),

que provoquem a necessidade de empreender

uma busca pessoal (SANTOS, 20--?, p.4).

A filosofia, como as demais disciplinas do currículo,

não devem esquecer seu caráter prático e de reflexão das

práticas. O método de memorização deve ser banido, pois

impede uma visualização das teorias sendo colocadas em

prática, ou a percepção da teoria dentro das práticas. Por

exemplo: em uma aula com o tema “utilitarismo”, seria muito

Page 55: Ensaios para o ensino de filosofia

The Wall

53

mais proveitoso que o conteúdo partisse de problemas morais

práticos, como o dilema de Trolley. Deste modo, auxiliando no

entendimento da teoria.

Durante o estágio de docência, no Instituto Federal de

Santa Catarina (2014), percebe-se como falta aos estudantes o

pensar criticamente. As avaliações tendem a testar o nível de

memorização dos alunos quanto aos conceitos apresentados em

sala, mas não o pensar criticamente sobre um problema moral

utilizando apenas as teorias e conceitos como uma base. Com

isso, observou-se durante o estágio de docência que as alunas e

alunos não estão acostumados com um tipo de avaliação que

exija pensamento e reflexão, estão acostumados apenas com a

memorização. Os estudantes não acham que uma avaliação

com um caráter reflexivo seja difícil, consideram-na diferente

do que estão acostumados.

Ainda sobre a aproximação dos conteúdos abordados

com a realidade dos alunos, percebe-se com frequência que os

eles tendem a conversar nos intervalos de aula assuntos

pertinentes para as aulas de filosofia, como por exemplo no

período de eleições. É um desperdício deixar um tema tão

presente escapar das aulas de filosofia política.

Outro ponto observado no estágio de docência foi o

fato das aulas não ocuparem outros espaços da escola fora de

sala de aula. Está não é uma característica apenas desta escola,

ou apenas desta turma. É comum vermos os corredores e o

pátio das escolas vazios enquanto os alunos e alunas estão

dentro de sala em horário de aula. A pergunta que fica é: a

aprendizagem só se dá entre quatro paredes, com o auxilio da

lousa e com os alunos sentados? Creio que não. A

aprendizagem se dá em todo tempo e em todo lugar, e,

portanto, devemos buscar explorar os espaços para novas

descobertas.

Na prática do estágio de docência tive a oportunidade

de apresentar aos alunos os conceitos, do filósofo francês, René

Page 56: Ensaios para o ensino de filosofia

Felini de Souza

54

Descartes. Entre as imagens utilizadas para despertar nos

estudantes algumas das paixões, tema abordado pelo filósofo

na obra As Paixões da Alma, também fizemos uma atividade

onde os alunos criavam seus “remédios para os excessos e

faltas da paixões da alma” escrevendo tais conselhos para uma

vida melhor em pedaços de folhas. Após uma conversa sobre

os “remédios”, os estudantes saíram da sala de aula e colaram

os bilhetes pelos espaços da escola. Esta é uma forma, ainda

que “tímida”, de tirar os alunos das quatro paredes e das

cadeiras, explorando os demais ambientes da escola.

Este presente ensaio pode, também, servir como base

para uma aula. Pois esta reflexão da qual o ensaio propõe

discute a realidade tanto do professor, quanto do aluno e até da

sociedade como um todo.

5. Considerações finais

Precisamos tratar dos problemas da educação, sabendo

que ela mesma é a solução para várias adversidades da

sociedade. A educação precisa ainda ser muito pensada para

que as pessoas que a compõe cobrem soluções e também sejam

elas mesmas as soluções para tais problemas. Tendo em vista a

Filosofia como uma portadora da visão crítica em cima dessas

problemáticas e valorizando essa matéria como todas as outras

que fazem parte do currículo da educação escolar. Em meio a

toda essa ação docente e discente, o ser humano se vê imerso

nessa problemática educacional e diante do problema a busca

se dá no refletir.

Refletir sobre a questão da educação e da escola já é

um primeiro passo para uma mudança que esperamos. Refletir

sobre nossa prática docente, nosso papel na escola, na

educação e na sociedade. Se colocar no lugar da aluna e do

aluno que busca mais conhecimento. Enquanto estudante,

Page 57: Ensaios para o ensino de filosofia

The Wall

55

refletir também sobre seu papel dentro da sistemática que o

cerca e questionar. Segundo Dermeval Saviani (1983), refletir é

voltar-se a si mesmo, analisar com cuidado os conhecimentos

que possui e que recebe, e o meio onde está. E é deste modo

que em meio a educação e a escola devemos refletir sobre as

problemáticas que nos cercam.

Assim como o espelho tem a propriedade de

captar a luz e projetá-la numa determinada

direção (reflexão da luz), assim também o

homem tem a capacidade de captar (através da

consciência) os dados da realidade e imprimir-

lhes determinado sentido. Refletir é o ato de

retomar, reconsiderar os dados disponíveis,

revistar, vasculhar numa busca constante de

significado (SAVIANI, 1983, p.67).

É por meio do ato de refletir que podemos encontrar

as soluções para nossas indagações, ou apenas questionar

nossas próprias certezas ou realidades. Portanto, atribuímos, ao

refletir importância na filosofia e na questão educacional, pois

a reflexão sobre a educação já é o primeiro passo para uma

mudança.

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Page 59: Ensaios para o ensino de filosofia

57

É POSSÍVEL A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO?

COMO É POSSÍVEL?

Vinicius Arion Aliende Palongan de Oliveira

“É possível?”-Sim é possível. Mas “como é possível?”

é uma questão para a qual ainda não tenho uma resposta pronta

e dificilmente a terei. Entretanto, isso não significa que esta

seja uma questão tola ou sem importância de ser refletida, pelo

contrário, é uma questão que me acompanhará enquanto eu

quiser ser um professor de filosofia e que, com certeza, terá

diferentes respostas conforme o momento em que me for

colocada. Isso porque minhas respostas serão amadurecidas,

modificadas e/ou reformuladas a cada experiência docente e a

cada nova perspectiva filosófica com a qual me deparar. E

justamente o que deixa tal questão mais interessante e

provocativa é o fato de ela não possuir uma única resposta,

muito menos um único método de resolução, pois há sempre

essa possibilidade de mudança, essa incerteza quase iminente

ao tentar respondê-la. Para mim esse é um fator positivo que

serve como incentivo para tentar sempre buscar uma boa

resposta.

Outra característica forte que ela carrega é a

individualidade, isto é, acredito que a principal base para

respondê-la será a concepção de filosofia que cada um traz

consigo. Digo isso porque lembro a minha primeira aula de

“Filosofia da Educação”, na qual a professora pediu que

escrevêssemos qual era nossa visão pessoal da filosofia e como

nós a entendíamos. Nenhuma resposta foi igual, cada um

apresentou uma visão diferente de filosofia e o que me chamou

mais a atenção foi o fato de que estávamos todos na mesma

Page 60: Ensaios para o ensino de filosofia

Vinicius Arion Oliveira

58

fase e tínhamos cursado várias disciplinas juntos, logo, me

pareceu que o mais natural seria darmos respostas parecidas.

Portanto, nossa resposta para “como trabalhar a filosofia no

ensino médio?” será basicamente uma extensão da nossa visão

particular de filosofia somada às nossas experiências em sala

de aula.

Não tenho uma resposta definitiva também para o que

seja filosofia, mas desde que essa pergunta me foi feita minha

resposta já se modificou algumas vezes. Penso que uma

característica comum aos seres humanos é a curiosidade, isto é,

desde a infância, logo que dominamos a linguagem básica e

começamos a fazer as primeiras associações já esboçamos a

tentativa de compreender o mundo ao nosso redor, uma espécie

de curiosidade natural de conhecer o desconhecido e entender o

que nos cerca. Conforme nós vamos desenvolvendo nossa

linguagem e, consequentemente, ampliando nossas associações

e assimilações do mundo, os questionamentos de tudo que nos

cerca surgem de maneira natural e espontânea, começam com

as crianças pequenas (na época em que elas começam a

bombardear os pais com os “porquês” infinitos) e se tornam

uma espécie de hábito que nos acompanhará por algum tempo

ou, se for estimulado, por toda a vida.

Em meio a esse turbilhão de perguntas surgem (também

de maneira espontânea) algumas questões filosóficas, que

aparentemente são as mais tenebrosas, pois muitas vezes dizem

respeito a coisas que estão além do nosso alcance e percepção,

parece que nunca chegaremos a uma resposta definitiva (um

questionamento leva ao outro que leva a outro e assim por

diante). E sempre que nos conformamos sobre algum assunto

aparece algo que nos desestabiliza e nos leva a refletir

novamente. Por isso penso que o diferencial das questões

filosóficas é que elas acompanham a dinâmica da vida,

podendo sempre ser reformuladas e para cada reformulação há

uma possibilidade de se chegar a uma resposta diferente, ou

Page 61: Ensaios para o ensino de filosofia

É possível a filosofia

59

seja, elas se modificam ao longo de nossa vivência, conforme

surgem novas experiências e conforme vamos assimilando

novos conceitos. Elas se modificam de tal modo que podemos

até dizer que nossas perguntas se renovam, mas isso não

implica que vamos perdendo nossas primeiras dúvidas, nós as

retomamos constantemente e muitas vezes com outras

perspectivas ou somente acompanhadas de novos

questionamentos. Arrisco até em dizer que nossas dúvidas

amadurecem conforme o ritmo em que nós mesmos

amadurecemos ao longo de nossa formação enquanto pessoa.1

Por exemplo, não me recordo ao certo que idade eu

tinha, mas era bem pequeno quando uma tia-avó morreu e eu

perguntei pra minha mãe “por que as pessoas morrem?” e “o

que era a morte?”, não gostei nem um pouco da resposta que

recebi, de que era algo natural e que acontece com todos, não

queria que ninguém próximo de mim morresse e nem eu queria

morrer. Lembro também que junto a essa resposta ela me disse

que essa tia iria para o céu, que lá era o lugar das pessoas boas,

etc. (me deu uma explicação condizente com a sua religião, a

católica) o que levantou questões como “porque nem todas as

pessoas iriam para o céu?” etc. Enfim, o que quero ilustrar com

esse exemplo é que após essa primeira experiência já me

deparei algumas vezes fazendo questionamentos sobre a morte,

principalmente quando acontece com alguém próximo e

sempre que me pergunto sobre isso acabo formulando uma

resposta que difere, ao menos minimamente, da resposta

anterior.

Acredito que aqui já podemos ter uma predefinição de

filosofia se pensarmos, então, que suas questões são aquelas

1 Não quero afirmar aqui que a Filosofia se resume apenas ao ato de

questionar, penso que a dúvida é a porta de entrada para o desenvolvimento

e a sistematização de toda Filosofia (e claro, não apenas da Filosofia, mas

também a base para o desenvolvimento de todas as vertentes do

conhecimento humano).

Page 62: Ensaios para o ensino de filosofia

Vinicius Arion Oliveira

60

que não visam encerrar um determinado assunto (apesar das

várias tentativas dos filósofos), mas sim abrir possibilidades

para pensarmos diferentes perspectivas. Em outras palavras, o

mundo vai se construindo ao nosso redor e nos é despejada

incessantemente uma carga enorme de crenças, teorias,

conceitos e hábitos que nos absorvem e fornecem as matérias

para tecermos uma rede que nos deixe confortáveis, porém,

sempre que algo soar estranho, ou não se encaixar bem nessa

rede, isso irá nos incomodar. Fazendo uma adaptação para o

mito de Penélope, na Odisseia, nós estamos constantemente

tecendo, descompondo e “retecendo” nossa rede. Entretanto,

apesar desse processo de composição e recomposição, essa

rede sempre vai aumentando conforme recebemos material

para tecê-la e o ponto mais importante é que ela nunca será

terminada. Pensando assim, podemos dizer que a filosofia é a

caixa de ferramentas que nos possibilita construir, desconstruir,

reconstruir e modificar essa rede conceitual que nos envolve

(mas não é a única “caixa de ferramentas”, é claro).

O que pude notar com o estágio é que cada aula é uma

surpresa, pois enquanto a preparamos criamos certa expectativa

de como ela irá se desenvolver, qual rumo seguirá etc., mas

quando a aplicamos, ao entrar em sala, as coisas não saem

como o esperado. Por exemplo, algum assunto que era apenas

para servir de ligação, que se esperava passar despercebido,

ganha um destaque inesperado ou algo que se achou que seria

interessante acaba não sendo (não só os assuntos, mas também

as dinâmicas pensadas para um melhor aproveitamento das

aulas muitas vezes falham). Penso que isso ocorre porque uma

aula não é uma equação exata, ela depende de inúmeras

variáveis desconhecidas, por exemplo, depende do estado de

espírito do professor, da sua abertura ou não para a classe, sua

preparação para lidar com mudanças repentinas no

cronograma; também depende do estado de espírito dos alunos

e da abertura destes para o professor e para os assuntos a serem

Page 63: Ensaios para o ensino de filosofia

É possível a filosofia

61

trabalhados em aula; depende de uma compreensão mínima da

dinâmica da sala, ou seja, se os alunos são mais ativos ou

passivos durante as aulas, qual é a abertura deles para

diferentes dinâmicas, se eles têm uma boa relação entre eles

próprios e com o professor; etc.

Resumindo, a aula quase nunca sai exatamente como o

esperado, às vezes supera as expectativas e outras não. É como

se tivéssemos um arqueiro e um alvo e colocássemos ambos

em constante movimentação (uma movimentação simultânea e

aleatória, ou seja, ambos se movimentam para todas as direções

sem qualquer tipo de padrão), de modo que, ao atirar a flecha

ela poderá acertar o alvo em cheio, ou acertá-lo de raspão, ou

passar muito perto, ou muito longe etc. Falando assim até

parece uma loteria, principalmente se entendermos que o

arqueiro é o professor, a flecha é o “conhecimento” e o alvo os

alunos. Porém, temos essa impressão apenas se pensarmos na

figura clássica do professor como o detentor do conhecimento

e os alunos como “os alvos a serem atingidos”.

Talvez, então, teremos um exemplo melhor se

trocarmos o alvo por outro arqueiro, assim poderíamos

entender que o conteúdo (a flecha) parte dos dois lados e um

arqueiro só atinge o outro quando houver uma sincronia nos

movimentos (uma sintonia entre professor e aluno). Isto é,

precisamos buscar essa sintonia com os alunos para que haja

um bom aproveitamento das aulas, além disso, os alunos

precisam se identificar com o conteúdo e isso requer certa

habilidade do professor para trazer os assuntos, assim como

requer também uma sensibilidade de perceber essa sincronia e

conseguir explorar isso de maneira produtiva para ambos os

lados.

Ultimamente o que me perturba são duas questões, a

primeira é sobre como conciliar “história da filosofia - temas -

problemas” e a segunda é sobre como criar essa sintonia entre

professor e aluno e, como perceber o interesse deles (os alunos)

Page 64: Ensaios para o ensino de filosofia

Vinicius Arion Oliveira

62

por determinados assuntos filosóficos, para que seja possível

trabalhar em cima disso de uma forma mais significativa para

ambos os lados.

Como eu penso que muitos questionamentos filosóficos

surgem espontaneamente em diferentes etapas de nossas vidas,

acredito que possa estar aí uma das respostas, ou seja, muitos

alunos já se perguntaram sobre “o porquê” das coisas em

algum momento, mas provavelmente não dedicaram um tempo

mínimo para a reflexão sobre determinado assunto2. Isto é,

foram tocados pela curiosidade, muitas vezes ingênua, da

descoberta, mas não a sistematizaram de maneira mais crítica.

De acordo com Paulo Freire, em seu livro Pedagogia da

Autonomia, a dúvida é natural do ser humano e é através dela

que passamos do nível da intuição para uma “rigorosa

curiosidade epistemológica”. Neste sentido, ele afirma:

[...] quanto mais pomos em prática nossa capacidade

de duvidar, tanto mais eficazmente curiosos nos

podemos tornar e mais crítico se pode fazer o nosso

bom senso. O exercício ou a educação do bom senso

vai superando o que há nele de instintivo na avaliação

que fazemos dos fatos e dos acontecimentos em que

nos envolvemos (FREIRE, 1996, pg. 26).

Logo, se pensarmos que o alimento da filosofia é a

dúvida, cabe ao professor de filosofia trazer para o aluno o

gosto pelo questionamento e demonstrar a importância deste

hábito para o desenvolvimento do estudante enquanto pessoa.

Afinal, aquele que não estiver aberto à dúvida não consegue

ampliar sua noção de mundo, muito menos desenvolver seu

2 O que é comum, pois nossa tendência é elaborar respostas prontas para os

mais variados questionamentos, o que acaba reforçando um padrão de

repetição mecânica de conceitos, crenças e teorias. E isso desestima a

criança ou o jovem a investigar e, consequentemente, desenvolver um senso

crítico.

Page 65: Ensaios para o ensino de filosofia

É possível a filosofia

63

senso crítico, além do que, se não houvesse essa abertura

seriam extintas quaisquer possibilidades de descobertas em

qualquer área do entendimento humano. Talvez, se for possível

mostrar aos estudantes, num primeiro contato, que a filosofia é

algo importante para o desenvolvimento humano e que todos

nós levantamos questões filosóficas (em maior ou menor grau)

em alguma etapa de nossa vida, isso já possibilitaria uma

abertura maior para abordar temas filosóficos em sala.

O que pude observar na primeira etapa do estágio

(observação) foi a importância de deixar os alunos falarem,

pois não basta chegar à sala e apresentar um tema já

acompanhado com sua opinião e “verdade” ou apenas

apresentar o tema sob a perspectiva de um filósofo clássico,

porque muitas vezes os alunos nem chegam a se identificar

com o tema, não conseguem fazer a ligação com as

experiências deles. Portanto, acho que é de extrema

importância um diálogo horizontal com os alunos, para ouvir

suas opiniões e poder apresentar, a partir delas, alternativas e

pensamentos diferentes.

Uma primeira sensibilização pode ser facilitada por

meio de filmes, fotos, músicas, literatura, notícias de jornais,

novelas, seriados e muitos outros recursos que possibilitem a

aproximação dos temas a serem abordados com o cotidiano dos

alunos. Após isso, a problematização já pode surgir dos

próprios alunos e o bom é que não precisamos nos apegar a

uma única problematização, por exemplo, do tema “liberdade”

podemos desenvolver dilemas sobre liberdade individual,

liberdade política, liberdade de expressão, liberdade de

escolhas e suas consequências, etc. E com isso trazer para a

turma, diferentes visões de vários filósofos em momentos

históricos distintos. Acredito que essa seria uma alternativa

para conciliar história, tema e problema, mostrando aos

estudantes que muitas questões colocadas por eles em sala já

foram tratadas seriamente por filósofos em algum momento da

Page 66: Ensaios para o ensino de filosofia

Vinicius Arion Oliveira

64

história, mas nem por isso elas foram resolvidas. Com isso é

possível mostrar que os temas filosóficos são comuns a todos

nós (prova disso é que podemos localizá-los em diferentes

pessoas e também em diferentes momentos históricos) e que as

várias formas de problematização são decorrentes de fatores,

como por exemplo, o contexto social e cultural, o momento

histórico, as crenças pessoais do indivíduo, etc.

Neste sentido, penso na filosofia como uma ferramenta

fundamental para despertar o senso crítico nos alunos, uma

ferramenta que os auxilia a quebrar esse círculo vicioso de

repetição-assimilação-reprodução e proporcione o suporte

necessário para o desenvolvimento da crítica e, acima de tudo,

da criação.

Antes de iniciar a segunda etapa do meu estágio (a

docência), uma leitura que me auxiliou muito na preparação

das aulas foi, novamente, a de Paulo Freire. Em sua obra

Educação como prática de liberdade ele propõe um método

para a alfabetização de adultos que se baseia no

desenvolvimento crítico e na capacidade de criação, algo

diferente do método de repetição mecânica das cartilhas. Em

suas palavras:

[...] a alfabetização não pode ser feita de cima para

baixo, como uma doação ou uma imposição, mas de

dentro para fora, pelo próprio analfabeto, apenas com a

colaboração do educador. Por isso é que buscávamos

um método que fosse também instrumento do

educando e não só do educador e que identificasse,

como lucidamente observou um jovem sociólogo

brasileiro, o conteúdo da aprendizagem com o

processo mesmo da aprendizagem (FREIRE, 1967,

p.110).

A proposta central desse método é situar o sujeito, no

caso o analfabeto, como protagonista do processo de

aprendizagem, não mais o tratando como um mero expectador

Page 67: Ensaios para o ensino de filosofia

É possível a filosofia

65

passivo, destinado a apenas receber os conteúdos. Ao ler esses

parágrafos, me identifiquei muito com a ideia central e pensei

que não só a alfabetização, mas a educação em geral poderia

ser pensada por essa perspectiva construtiva. Então comecei a

elaborar minhas aulas com inspiração nessa ideia que, aliás,

condizia com o que pensava antes, na etapa de observação.

A proposta do professor Leonardo foi que nós (eu e o

Horklin) trabalhássemos A República de Platão ao longo do

último trimestre. Pensamos em uma maneira de conciliar essa

ideia de trabalhar junto com os alunos, construindo os

conceitos, e inserir as ideias de Platão. A nossa proposta foi a

de, antes de trazer qualquer ideia da República, trabalhar os

temas presentes na obra junto com os alunos, sob a perspectiva

deles e apenas depois fazer a relação com as ideias de Platão.

Expondo de maneira bem resumida, dividimos nossas

aulas da seguinte maneira: iríamos trabalhar basicamente com

três temas, “Democracia e outras formas de governo”, “Justiça”

e “Educação”, buscando sempre partir da perspectiva dos

alunos sobre cada tema e depois vincular com Platão. Antes de

iniciar cada assunto, sem fazer qualquer consideração ou

comentários prévios, pedimos que os alunos escrevessem em

uma folha de papel o que eles pensavam sobre o tema, por

exemplo, em nossa primeira aula, logo que entramos em sala

pedimos para eles escreverem o que era democracia e logo em

seguida iniciamos um debate partindo dos escritos e

comparando com outras concepções de democracia e com

outras formas de governo.

Para nossa segunda aula, levei as folhas com as

respostas para casa e preparei um resumo sobre democracia e

formas de governo me baseando em algumas palavras que

foram mais citadas pelos alunos e o Horklin preparou uma

apresentação sobre o que Platão pensava sobre a democracia,

monarquia, aristocracia, etc. para fazermos uma comparação e

iniciarmos uma discussão com a turma. Entretanto, como

Page 68: Ensaios para o ensino de filosofia

Vinicius Arion Oliveira

66

mencionei acima, que muitas aulas não saem como o esperado,

essa segunda aula, ao menos para mim, não saiu conforme a

expectativa, pois os alunos não se sentiram motivados a

continuar a discussão e a aula acabou virando uma aula

expositiva e não dialogada. Mas avaliando o pós-aula, percebi

que a maior parte da culpa disso foi nossa, que devido à falta

de experiência pecamos em alguns pontos, por exemplo, os

alunos estavam esperando um retorno sobre as questões que

eles haviam entregado na aula anterior e já no início da aula

ficaram um pouco decepcionados ao pegarem de volta suas

respostas sem nenhuma correção ou comentário. Outro ponto

foi o que preparamos uma aula inteira pensando apenas na

participação dos alunos e quando eles não participaram ficamos

um pouco perdidos, não pensamos em um “plano B”.

A terceira aula eu preparei sozinho, sobre o tema da

Justiça, então ao final de segunda aula pedi para que eles

escrevessem o que entendiam por Justiça e me entregassem.

Dessa vez corrigi, fiz um comentário e coloquei uma questão

para reflexão em cada uma das respostas3. Separei as respostas

em cinco grupos diferentes, cada um com uma definição de

Justiça (já pensado para fazer a ligação com as cinco definições

expostas em A República) e a ideia foi a de escrever essas

frases deles na lousa e discuti-las em sala. Para iniciar a aula,

preparei uma exposição rápida sobre os significados e a

simbologia da Justiça nas mitologias egípcia, grega e romana,

com o intuito de fazer uma reconstrução histórica das

definições de Justiça e apontar algumas semelhanças com as

definições atuais. Em seguida, fui escrevendo as frases deles na

lousa e propondo o debate, essa parte foi bem legal, pois ao

verem suas frases escritas na lousa eles ficaram empolgados e

se sentiram mais confiantes para argumentarem a favor ou

contra tais definições (alguns até repensaram suas próprias

3 E realmente, quando entreguei para eles as questões corrigidas e

comentadas a recepção foi outra, completamente diferente da aula anterior.

Page 69: Ensaios para o ensino de filosofia

É possível a filosofia

67

definições, pois se identificaram mais com a do colega) e a aula

fluiu bem até o final.

Para a quarta aula, eu seguiria a discussão relacionando

as definições dos alunos com as definições de Platão, porém,

não pude comparecer e quem fez isso foi o Horklin, que

também pensou em um filme para a quinta aula. O filme se

chama “O Doador de Memórias” que retrata uma sociedade

ideal do futuro que se assemelha muito aos moldes do que

Platão descreveu em A República.

Finalmente, nossa penúltima aula foi uma apresentação

geral da República, mostrando a concepção de educação para

Platão e deixando clara a proposta central do livro que é a

construção de um modelo de sociedade ideal. E a última aula

foi avaliação. Como avaliação, pensamos em uma maneira de

pedir algo mais informal, como uma redação, para fosse

possível notar o que eles absorveram das discussões nas aulas.

Pedimos a eles para formarem grupos de quatro pessoas e

construírem (juntos) uma cidade ideal, especificando como

seria o governo, a justiça e a educação. Através do que eles

escreveram foi possível comparar com as questões entregues

nas primeiras e notar uma mudança em algumas definições.

Minha avaliação geral das aulas foi positiva, mas é

claro que fiquei com a sensação de que poderia ser melhor,

houve muitas falhas e boa parte delas devido à inexperiência,

mas com certeza elas contribuíram e contribuirão para

melhorar minhas experiências futuras de docência. Por isso,

uma coisa que continuo acreditando e que pretendo prosseguir

e aperfeiçoar é a ideia de que a filosofia, no ensino médio, deve

ser trabalhada de maneira conjunta entre professor e aluno,

com base no diálogo aberto, valorizando as opiniões dos alunos

e buscando desenvolver o senso crítico e estimular o

questionamento. Na perspectiva da não acomodação e

repetição de conteúdos, mas de criação conjunta, trazendo para

o debate grandes temas e nomes da história da filosofia para

Page 70: Ensaios para o ensino de filosofia

Vinicius Arion Oliveira

68

relacionar com as opiniões cotidianas, mas não como um

argumento de autoridade, que vise corrigir ou impor uma

verdade absoluta para tal questão e sim como uma perspectiva

diferente (ou semelhante) que foi formulada de maneira mais

sistemática, mas que nem por isso não pode ser refutada.

Enfim, encerro meu ensaio com uma frase de Paulo Freire que

é muito significativa para mim, pois representa minha visão

particular de filosofia: “Estudar não é um ato de consumir

ideias, mas de cria-las e recriá-las” (FREIRE, 1981, p.10).

REFERÊNCIAS

FREIRE, P.. Ação cultural para a liberdade e outros

escritos. 5° edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1981.

FREIRE, P.. Educação como prática de liberdade. Rio de

Janeiro: Paz e Terra. 1967.

FREIRE, P.. Pedagogia da Autonomia. 25° edição, Rio de

Janeiro: Paz e Terra. 1996.

Page 71: Ensaios para o ensino de filosofia

69

UMA POSSIBILIDADE PARA O ENSINO DE

FILOSOFIA ATUAL: O INTERCRUZAMENTO

KATHEGELIANO EM DOIS ATOS

Lucas Beligni Campi

Ressignificância Desconstrutiva

Me disseram que lá era diferente,

Como se eu acreditasse que podia ser igual.

Que ali não era a realidade,

Como se eu ainda acreditasse no real.

E tudo foi muito rápido. Quando menos percebi já estava ali na

frente. Falava de igualdade, singerismo, Thomas Hobbes e connatus. Não

tinha muito segredo, eu já sabia tudo sobre eles. Já os conhecia antes

mesmo de encontrá-los...

E na sensibilização que nem sempre sensibiliza,

Eu ressignificava.

E eles desconstruíam.

Esqueceram de me avisar que da minha técnica eles conheciam.

Que eles também ensinavam e me investigariam...

Olhava no relógio

Já era tempo de problematizar.

E no problema levantado, novos problemas surgiam.

Foi então que percebi que não se entra duas vezes na mesma aula.

Que quando tentava, já tinha ido. E tudo sobre eles agora já não fazia mais

sentido...

Eu me ressignificava,

Eles me desconstruíam.

Eu investigo,

Eles me sensibilizam.

Page 72: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

70

E nessa dança metodológica, quase sem metodologia, eu tentava

resistir mas com tantos mediadores, eu já não media....

E na ressignificância desconstrutiva minha certeza evanescia.

1. Base Teórica

Em meu último ensaio da licenciatura em filosofia

comentei sobre A impossibilidade do ensino de Filosofia no

modelo atual lembrando como tal modelo não permitiria o livre

pensar, requisito básico para o verdadeiro filosofar:

Já de início manifesto minha opinião de como

imagino uma boa aula de filosofia: educador e

educandos decidiriam juntos os temas a serem

estudados; alunos manifestariam suas opiniões e

participariam ativamente das aulas; a disposição

das cadeiras – isso quando os envolvidos não

sentassem diretamente no chão – seria

circular; haveria direta relação entre os assuntos

tratados e a realidade daqueles alunos e o

professor apenas faria o papel de um mediador

que iria suscitando questionamentos e lincando

os temas com a história da filosofia, citando

assim grandes filósofos e suas principais teorias.

Ou como ouso apelidar, o intercruzamento

Kanthegeliano (CAMPI, 2013).

No entanto, para tal conclusão, tive como base

experiências próprias de sala de aula enquanto professor de

outras disciplinas e somente agora após vivenciar de fato o

curso de filosofia no Instituto Federal de Santa Catarina

(IFSC) mudei consideravelmente de opinião. E da proposta

Intercruzamento Kanthegeliano adicionei o termo dois atos.

Page 73: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

71

Primeiramente não será inútil pontuar como tal escola é

distinta da realidade comum escolar, contudo ainda assim, é

uma escola pública que segue a proposta curricular nacional e

acaba sendo um exemplo de como é possível atingir tal

excelência estudantil no modelo atual, o que contradiz minha

antiga concepção das aulas de filosofia. Ou seja, há um lugar

dentro do sistema público educacional em que professores e

alunos são convidados de fato para o pensar filosófico.

Obviamente que o IFSC também possui uma série de

desafios para ainda otimizar o ensino mas mantêm um

diferencial significativo que é em relação a autonomia dos

estudantes, possível parcela que propiciou atingir tal

suficiência filosófica. Aos alunos e alunas não é imposto a

permanência ou entrada nas aulas; assim como ficam livres

para o uso de dispositivos eletrônicos mesmo durante o

discurso do professor e cabe a eles decidir quais técnicas

preferem utilizar para seu aprendizado. Por fim, não possuem

notas para os avaliar, mas sim conceitos que toleram maiores

deslizes argumentativos por parte deles.

Isso tudo para clarificar como imagino os passos

seguidos por tal instituição para alcançar as aulas que

presenciei: aulas de diálogo constante; temas atuais da

realidade dos envolvidos; ou em outras palavras, um

aprendizado ativo. E a estratégia é semelhante à proposta por

Sílvio Gallo (2012): “Se a filosofia é o sentimento de

ignorância, é porque nela é fundamental a experiência do

problema. Não se produz filosofia sem um problema, o que nos

leva a afirmar que o problema é o motor da experiência

filosófica do pensamento”.

Desse modo, primeiro se ensina a história da filosofia

com seus autores e revisa os passos que estes usaram para sair

do problema e chegarem a seus conceitos: um primeiro ato ou

momento, a parcela hegeliana, em que a filosofia precisa ser

contextualizada historicamente, mas o enfoque é para os

Page 74: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

72

problemas, para motivar o pensar dos ouvintes. Assim como

Gallo defende, o motor do pensamento são os problemas e se

faz necessário revisá-los para exercitar o pensar.

E em um segundo momento, finalmente, abrir para os

educandos o livre filosofar, parcela kantiana, para que agora

com o pensar fortalecido com as revisões conceituais dos

grandes pensadores possam também conceituar. O que sugere o

maior desafio, pois apesar de todos nesse segundo ato serem

convidados a filosofia, poucos atingirão a maestria – até porque

como qualquer ocupação, ao filósofo também é exigido certa

vocação.

E todo esse processo exige criatividade para que os

conceitos também tragam a marca dos educandos, o que nas

palavras de Montaigne seria parecido com o processo de

produção de mel pelas abelhas:

As abelhas libam flores de toda espécie, mas

depois fazem o mel que é unicamente seu e não

do tomilho ou da manjerona. Da mesma forma

os elementos tirados de outrem, ele os terá de

transformar e misturar para com eles fazer obra

própria, isto é, para forjar sua inteligência

(MONTAIGNE, 1987, p.78).

Mas para além da criatividade precisaremos também do

envolvimento dos alunos e alunas, de sorte que os problemas

precisarão vir da realidade dos mesmos para ser de verdadeiro

interesse. Que eles possam se identificar com as questões

levantadas e assim perceberem como grandes pensadores já

vivenciaram problemas semelhantes, criando assim uma

identificação até mesmo com a própria filosofia. E aqui

novamente podemos recorrer às belas palavras de Montaigne:

É de um grande simplismo ensinar aos meninos

“o sentido dos Peixes, do Leão resplendente, ou

Capricórnio que se banha nas águas da

Page 75: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

73

Hespéria”, a ciência dos astros e movimentos da

oitava esfera antes de lhes abrir os olhos para os

próprios sentidos: “que tenho a ver com a

Plêiade, e a estrela boieira?”. Anaxímenes

escrevia a Pitágoras: “Como posso preocupar-me

com o segredo das estrelas, quando tenho sempre

presente a meus olhos a morte ou a escravidão?”

(MONTAIGNE, 1987, p. 79).

Dessa forma, fica nítida que essa clara separação dos

atos não se dá na prática – no primeiro já aparece o segundo e

vice-versa – e por isso intercruzamento. Essas metodologias

vão se cruzando por todo processo educacional e mesmo que

alguma seja priorizada em determinada circunstância, nunca se

exclui o manifestar da outra.

Em outras palavras, seria louvável que, enquanto o

enfoque seja na história da filosofia, os alunos já possam

arriscar conceituações, e quando mudar o foco para o livre

manifestar, também se possa recorrer ao saber historicista,

quando esse se fizer necessário. E aí fica ainda mais claro o

papel do professor enquanto mediador, aquele que percebe as

urgências do grupo e vai direcionando o processo de

aprendizagem.

Então, mesmo que nem todos os alunos possam de fato

filosofar, ainda assim essa proposta tenta incentivar os poucos

que possuem inclinação para tal, o que já contribui

consideravelmente quando lembramos que também é papel dos

professores de filosofia incentivar futuros filósofos e não dar

continuidade ao modelo de aulas convencionais em que se

ensina apenas uma pobre história da filosofia e acaba por matar

qualquer ímpeto de filosofar.

Crítica essa muito recorrente no nível de ensino

superior – mas que evidentemente também serve para o ensino

de base – bem exemplificada pelos professores Porchat e

Murcho, quando mostraram em seus estudos como o estudante

que acaba por entrar em um curso de filosofia e recebe o

Page 76: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

74

modelo de aula mais comumente aplicado não apenas são

desestimulados do livre pensar como exauridos de qualquer

inclinação filosófica. Murcho se referindo ao aluno:

Dele não se espera realmente que filosofe, nem

lhe são fornecidos os instrumentos para isso.

Dele espera-se apenas que compreenda as ideias

dos filósofos do passado; ou que reinterprete os

seus escritos [...]. A sua atividade acadêmica

consistirá que exclusivamente em relatórios

sobre o que os filósofos pensam. Não consistirá

em tentativas progressivamente mais sofisticadas

para filosofar. Tal pretensão pode até ser vista

como ridícula (MURCHO, 2008).

Ou nas palavras de Porchat:

Porque o temor que me assalta é que, levados

pela nossa segura consciência de que a Filosofia

se alimenta continuamente de sua história,

tenhamos ido longe demais na prática da

orientação historiográfica. Que, no

louvável intuito de assegurarmos a nossos

estudantes uma sólida base de conhecimentos

historiográficos, de os afastarmos de um achismo

inconsequente próprio dos que nunca

frequentaram de perto o pensamento dos grandes

filósofos nem aprenderam a dura disciplina das

lógicas internas aos grandes empreendimentos

filosóficos, tenhamos perdido de vista a meta que

muitos desses estudantes – e de nós, também –

tinham – tínhamos – em nossos horizontes: a

elaboração de uma reflexão filosófica, a

compreensão filosófica de nós mesmos e

do mundo (PORCHAT, 2010, p.26).

E é nesse sentido que urge repensarmos um novo

modelo semelhante ao dessa instituição, para que a filosofia

cumpra talvez seu maior papel na vida dos estudantes que é a

Page 77: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

75

ressignificação de suas existências. Ou em outras palavras,

como a filosofia busca os problemas e não as soluções, ela tem

a possibilidade de fortalecer o pensar e assim propiciar a cada

educando o enfrentamento diário dos próprios problemas e

também do seu existir.

2. Parte Prática

Para as aulas ministradas na instituição em questão

seguimos os temas previstos no cronograma feito pela

professora supervisora da escola, contudo, ficou ao nosso

critério a escolha da metodologia. No meu caso, acabei

ministrando dez aulas, sendo cinco planejadas e cinco

espontâneas.

No caso das planejadas, foram duas sobre Bioética e

três sobre Ética Deontológica. Na verdade como sempre são

aulas duplas, em um dia pude discorrer sobre a filosofia de

Peter Singer na sua obra Ética Aplicada e na outra semana

sobre os conceitos de Kant. Mas ainda retomamos Kant na aula

de Ética Teleológica.

A metodologia que tentei recorrer foi a descrita nesse

trabalho, como, por exemplo, na aula sobre Ética Deontológica

passei aos alunos trechos com ações morais do filme Batman

Dark Night – tentativa de Sensibilizá-los com algo atual e

próximo da realidade da turma em questão – e

Problematizando passei a palavra a eles para saberem o que

acharam das cenas e se seriam ações boas ou más – aqui já

iniciando o processo de aprendizado ativo.

Após esse primeiro momento, iniciamos a Investigação,

ou primeiro ato, discorrendo sobre a teoria kantiana e seu

conceito de Imperativo Categórico. Dessa forma, pudemos

perceber que as cenas ditas do bem foram relacionadas com o

personagem Batman e as ditas do mal a seu inimigo Coringa.

Page 78: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

76

No entanto, após compartilharmos da teoria kantiana tivemos a

percepção que classificar as ações das personagens não é algo

simples.

Nesse momento final, os alunos e alunas perceberem

que foram precipitados nos seus julgamentos, e começaram, a

partir da teoria, a Conceituar, ou segundo ato, e aqui chegamos

na oficina de Conceito e na Ressignificação existencial dos

alunos. Pois, com muita criatividade os estudantes, motivados

pelo mediador, começam a relacionar tal filosofia com a sua

vida e percebem como as ações morais possuem uma grande

complexidade e que não basta julgarmos algo como positivo

para que de fato possamos ignorar os escrúpulos morais e

realizar tal ação. Dessa forma, também ficou uma lição de casa

para que eles percebam seus atos, e os que observarem,

busquem autonomia e consigam julgar seus atos com maior

bagagem crítica.

Já no caso das aulas ditas espontâneas, que ocorreram

sem aviso prévio, foram formas de ocupar os horários abertos

criados pela desistência da apresentação de um dos grupos de

educandos. Quatro destas foram sobre Thomas Hobbes e uma

apenas sobre Rousseau. E nesse caso, ocorreram de maneira

clássica, exposição pouco dialogada, pois sequer havia um

plano de aula.

Além das aulas, tentamos trazer para as avaliações um

pouco da proposta descrita nesse trabalho. Destaque para duas

delas: uma discursiva individual, mas com a possibilidade de

consulta do grupo que pertencia, foi formado grupos mistos

com cada integrante oriundo de uma área diferente do

seminário que apresentou, e a outra discursiva, individual, sem

consulta, que exigia do aluno a análise de um relato de caso

segundo as diferentes concepções teóricas sobre a Ética.

Não será inútil para finalizar, citar também que, de

maneira geral os alunos e as alunas se saíram muito bem nas

avaliações e que a participação dos mesmos nas aulas

Page 79: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

77

ocorreram de forma intensa e geral. Não houve sequer um

deles que não tenha arriscado conceituações e participações

críticas bem situadas durante as aulas.

3. REFERÊNCIAS

CAMPI, Lucas Beligni. A impossibilidade do Ensino de

Filosofia no modelo atual, 2013. Não publicado.

GALLO, Silvio. Metodologia do Ensino de Filosofia, 1.ed. São

Paulo: Papirus, 2012.

MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. 4.ed. São Paulo: Nova

Cultura, 1987.

MURCHO, Desidério. A natureza da filosofia e o seu ensino.

Educ. e Filos., Uberlândia, v. 22, n. 44, p. 79-99, jul./dez. 2008.

Disponível em <http://criticanarede.com/naturfilosofia.html>.

Acesso em 06/03/2015.

PORCHAT, Oswaldo. Discurso aos estudantes sobre a

pesquisa em filosofia, Fundamento, Ouro Preto, v. 1, n. 1

set./dez. 2010. Disponível em:

<http://www.revistafundamento.ufop.br/index.php/fundamento

/article/view/13/4>. Acesso em: 06/03/2015.

Page 80: Ensaios para o ensino de filosofia
Page 81: Ensaios para o ensino de filosofia

79

ENSINO DA FILOSOFIA: UM EXERCÍCIO

ANTROPOFÁGICO

Thor João de Sousa Veras

"Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente.

Filosoficamente. "

Oswald de Andrade

(Manifesto antropofágo)

Este ensaio é resultado do anseio de se pensar a

possibilidade pedagógica da filosofia no ensino médio e o

sentido que a minha vivência numa sala de aula me provocou a

pensar com olhos livres as infinitas potencialidades dessa

experiência educativa nos trópicos. Reuni nessa bricolagem de

reflexões algumas incursões

conceituais em busca do sentido do

ensino da filosofia oriundos da

minha prática como observador e

docente no terceiro ano "A" do

Colégio de Aplicação da

Universidade Federal de Santa

Catarina, sob supervisão dos

professores Sandro Rosa e Daiane

Martins, para a disciplina de estágio

obrigatório supervisionado,

necessária para a conclusão da licenciatura plena em filosofia.

Partindo de uma provocação (tupinambá-)nietzschiana

de que toda história da filosofia é prova de "uma má

compreensão do corpo", detive-me em um recorte filosófico

que não se constitui contra o corpo, a despeito dele ou sem ele,

mas com ele. Evidenciando que mesmo em Espinosa, ou

Page 82: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

80

depois Gilles Deleuze, e Nietzsche entre os dois, a questão: o

que pode o corpo? ainda não foi verdadeiramente explorada.

Para trilhar esse percurso, contei com duas inspirações teóricas,

uma na contra-história da filosofia, do filósofo hedonista

Michel Onfray e outra na antropofagia cultural brasileira, do

filósofo original brasileiro, Oswald de Andrade.

1. Onfray e Oswald: um encontro possível

Michel Onfray apareceu há alguns anos na cena

intelectual da França como um nietzschiano iconoclasta,

defensor de um hedonismo atualizado ao tempo presente.

Doutor em Filosofia, hoje, é um dos ensaístas mais populares

de seu país apontado como continuador da obra de Foucault e

Deleuze. Lecionou por 20 anos em um liceu para secundaristas

até criar a “Universidade Popular de Caen” em 2002, após

demitir-se do sistema de ensino francês1. Onfray elabora um

diagnóstico crítico da situação do ensino da filosofia não

somente nos liceos secundaristas mas também na forma em que

a filosofia era ensinada nas academias. Segundo o pensador

francês, o modelo implementado nas instituições educativas de

ensino da Filosofia, não está voltada para o filosofar autônomo

no sentido kantiano , mas para a reprodução técnica da História

da Filosofia , no sentido hegeliano, uma história construída

culturalmente por filósofos do Ocidente e permeada por um

idealismo que remonta Platão:

1 Em seu afastamento alegou todos os motivos do seu desgosto pelo ensino

tradicional: a burocracia, o adestramento no lugar da educação, a disciplina

no lugar da instrução, a formatação intelectual e ideológica de indivíduos

destinados a servir ao mercado, o conteúdo pobre, o corpo docente triste,

sem pathos, desmobilizado pelo desprezo dos alunos.

Page 83: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

81

Assim como se escrevia a história da filosofia

apenas do ponto marxista-leninista no Império

Soviético, o idealismo europeu que chegou aos

trópicos é outro, a historiografia dominante no

ocidente liberal é platônica. As histórias da

filosofia empenham-se em mostrar a riqueza

das variações sobre esse tema idealista.

Esquecem que o problema não está na variação

mas no eterno refrão do velho serrote musical

do tema (ONFRAY, 1990, p. 13).

Não é à toa que o filosófo da matemática Alfred

Whitehead escreve em Process and Reality que a mais segura

descrição da tradição européia é a de que ela consiste em uma

série de anotações a Platão. Ou seja, como professores recém-

formados, temos como partida uma história única, canônica,

objetiva, como referência para consulta no preparo das aulas ao

mesmo tempo que nos utilizamos desse mesmo ponto de

partida para reproduzir e debater na sala de aula.

De acordo com o filósofo do martelo, Nietzsche, essa

educação para a Filosofia não seria outra coisa senão o

afastamento da própria Filosofia do filosofar primitivo: um

filosofar que acontece a partir de suas forças, por meio dos

próprios recursos extraídos e cultivados com a vida, pensada

com o intuito de exprimi-la numa linguagem e produtiva e

criativa, perturbadora de tudo aquilo que a faz sucumbir,

fazendo o homem a renunciar a ela.

Em consonância com Nietszche, Onfray acredita que a

filosofia deve ocupar-se em encarar o corpo por inteiro. Desta

forma, os cinco sentidos são recuperados a serviço dos prazeres

e elevados à condição pragmática contra a tradição de

abandono do corpo no pensamento ocidental. O que pretende

Onfray é ir na contra-corrente e pensar uma contra-história

onde o corpo seja privilegiado, por isso, escreveu um

compêndio pedagógico e didático ao ensino contemporâneo da

filosofia, um antimanual que contesta o ensino enciclopédico e

Page 84: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

82

uma série de seis livros da contra-história da filosofia, de

Leucipo até Lyotard.

Procedimento similar foi operado pelo escritor e

agitador cultural Oswald de Andrade em sua tese para a cadeira

de filosofia da USP em 1950 chamada "A crise da filosofia

messiânica" onde lança a hipótese de um dualismo na história

da filosofia, entre uma cultura messiânica, (transcencente,

classista e patriarcal) e uma cultura antropófaga (imanente,

sem-classes, matriarcal):

Tendi e tendo cada vez mais para uma filosofia

que chamo de filosofia da devoração. A vida é

devoração pura e só há uma conduta a seguir: o

estoicismo. É verdade que outro conceito da

existência divide a humanidade. É o conceito

messiânico e salvacionista. Os que se

enfileiram debaixo dessa bandeira são os que

acreditam que há qualquer coisa a salvar dentro

deste mundo ou fora dele. O primeiro

pensamento é que presidiu a vida das

sociedades primitivas tão superiores às

sociedades civilizadas. Estas servem-se do

messianismo para criar as servidões do corpo e

do espírito e as ilusões de toda espécie

(ANDRADE, 1970, p.56 ).

Tal projeto fora interrompido pela morte do autor, mas

deixou uma vasta influência para outros que pretendem re-

atualizar e celebrar o conceito de devoração no cenário cultural

e acadêmico, a sua importância hoje é expressa na frase

contudente de Augusto de Campos: "a antropofagia expressa

nas obras de Oswald de Andrade e outros é “a única filosofia

original brasileira e, sob alguns aspectos, o mais radical dos

movimentos artísticos que produzimos”.

Este movimento constituiu-se em uma tendência que se

manifestou em vários campos da cultura nacional. Nas artes

plásticas com Hélio Oiticica; Glauber Rocha no cinema novo;

Page 85: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

83

Augusto Boal, no Teatro do Oprimido, a música, que tornou

mais conhecida, esta tendência contou entre outros, com

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Torquato Neto,

Capinam, Gal Costa, Nara Leão, maestro Rogério Duprat.

Oswald via na visão de mundo antropofágica dos índios

brasileiros uma máquina de guerra que se deparava com o

projeto ocidental de uma história da filosofia que separou do

corpo e da alma, privilegiando esta em função da outra. O

filósofo da devoração afirmava que os trópicos apresentou ao

europeu, homem filosoficamente vestido, a verdade filosófica

do "homem nu", entenda-se, a possibilidade de uma relação

nua do homem com a verdade. Uma das declinações desta

verdade já se lia na frase lapidar do Manifesto Antropofágo de

1929: "o espírito se recusa a conceber o espírito sem o corpo".

A antropofagia, considerada como um ato natural e

instintivo de devorar o outro, adentra na minha reflexão como

uma noção teórica experimental que pensa a prática filósofica

como uma atitude do corpo que devora o outro e o mundo, que

processa e transforma o processado, criando novos sentidos,

outras possibilidades de reinventar e transformar o mundo, o

outro e a si mesmo:

(…) pensar o pensamento como algo que, se

passa pela cabeça, não nasce nem fica lá; ao

contrário, investe e exprime o corpo da cabeça

aos pés, e se exterioriza como afeto

incorporante: predação metafísica, canibalismo

epistêmico, antropofagia política, pulsão de

transformação do e no outro. (VIVEIROS DE

CASTRO, 2012, p.263)

2. Estágio Docência

Em conjunto com o professor supervisor, Sandro Rosa,

elaborei um plano de ensino que traçava um crítica à tradição

Page 86: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

84

dualista no pensamento ocidental. Elas eram dirigidas

essencialmente a duas correntes: uma socrático-platônica, que

busca a verdade antropocêntrica no mundo das ideias, em

detrimento das experiências sensíveis, e a outra via cartesiana,

que rearticula o dualismo clássico na esfera do individualismo.

Nas sextas-feiras pela manhã, no primeiro horário, às

7h30, aconteciam meus encontros com a turma do terceiro ano

"A". As aulas consistiam num convite aberto à experimentação

de se pensar o corpo como objeto de análise e discussão

filósofica e seus desdobramentos práticos na vida de cada

aluno.

Para essa aventura, Epicuro, Nietzsche, Bataille e

Foucault fizeram parte do cardápio dos nossos encontros, suas

teorias serviram de ingredientes para debates e discussões em

vista da construção filosófica de uma estética de si, ou algo

parecido com isso. Desse modo as aulas colocaram em questão

como cada pensador elaborou um pensamento crítico sobre o

corpo e o seu domínio, através dos desejos, afetos, potências,

experiências interiores ou uso dos prazeres e cuidado de si.

As aulas seguiam um programa aberto à resposta que

cada aula nos dava em retorno da temática do "corpo", os

alunos eram o termômetro filosófico para que caminho a

experiência conduzia. Diversos poemas, contos, vídeos de

longa e curta metragem, programa de televisão foram

utilizados para afetar o aluno em algum sentido para propor e

criar questões e problemas para serem postos em debate na sala

e na vida.

O que se aproxima do método utilizado nas aulas foi

uma adaptação própria dos passos para o aprender de Paulo

Freire, em a Pedagogia do Oprimido, e da pedagogia

rizomática do conceito de Sílvio Gallo, com as etapas de

sensibilização, problematização, investigação e conceituação.

A avaliação seguiu um caminho contrário à verificação por

meio de provas múltipla-escolha sobre o assunto. Além dos

Page 87: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

85

debates recorrentes e nas diversas intervenções dos alunos à

medida que eram afetados pelo tema, provocados pelos

problemas, e instigados pelas investigações, sugeri que eles

produzissem um ensaio filosófico sobre uma obra de arte,

retirando ali o que tinha de filosófico sobre o tema proposto,

um exercício de "inestética":

[...] uma relação da filosofia com a arte, que,

colocando que a arte é, por si mesma, produtora

de verdades, não pretende de maneira alguma

torná-la, para a filosofia, um objeto seu. Contra

a especulação estética, a inestética descreve os

efeitos estritamente intrafilosóficos produzidos

pela existência independente de algumas obras

de arte (BADIOU, 2012, p.1).

Nos ensaios se encontrava, na forma de escrita de si, a

reflexão filósofica dos afetos e a relação das perspectivas deles

sobre temas tão recorrentes na vida dos estudantes, como a

felicidade, o amor, sexualidades, entre outros. Todos

conseguiram traduzir numa escrita oblíqua e não sistemática a

relação que a filosofia e certos conceitos possam ser

reapropriados no cotidiano deles, em diversas situações, em

distintas reflexões com a cultura e as experiências que

transpassam suas vivências. O resultado desse trabalho

apareceu como uma atividade de encerramento no auditório do

colégio, fizemos da última aula um evento artístico, uma

"mostra" com a temática de "Corpo: erotismo, sexualidade e

gênero." Os alunos produziram poemas, músicas, curtas

audiovisuais, clipes de música e críticas culturais. Todos

demonstrarem estar em sintonia com as novas descobertas de si

e do mundo através da aventura do corpo tão explorada nos

nossos encontros. E uma posição mais crítica frente às

patologias e preconceitos que a liberdade do corpo enfrenta

frente a sociedade. Uma nova forma de se relacionar com o

Page 88: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

86

mundo e consigo de uma maneira autonôma e não reprodutora

de formatos pré-dispostos.

3. Ensino da Filosofia

Desde meu primeiro encontro com os colegas e

supervisores da prática docente deste ano uma pergunta foi

posta como desafio e linha condutora da reflexão durante nossa

imersão na escola: é possível ensinar filosofia no ensino

médio? Se sim, como?

Tive boas reflexões e conversas sobre essa problemática

no decorrer deste intenso ano. Primeiramente, há de se levar

em conta o fato importante de que tive as condições propícias

para um ensinar e uma experimentação plena, tive recursos

técnicos quando precisei, auxílio de dois professores que me

ensinaram muito sobre a prática docente, tive uma turma com

uma disposição digna para as atividades e provocações que

surgiram, e um colégio com uma comunidade muito integrada

e com aparatos pedagógicos disponíveis. Além da experiência

oportuna de já ter sido aluno na mesma instituição. De fato,

esse não é o retrato da maioria dos alunos de filosofia dos 50

cursos de graduação em licenciatura que a cada ano saem da

universidade, por relatos de colegas próximos e de professores

que trabalham com a temática da filosofia da educação, as

situações são bem adversas, escolas não equipadas, corpos

docentes e técnicos não preparados, violência escolar,

desinteresse generalizado, entre outros bloqueios de uma

convivência e respeito mútuo do ambiente escolar.

Portanto, é importante frisar que o laboratório do

estagiário forasteiro só se desenvolveu e despertou em mim

possibilidades ativas e criativas do ensino, por ter a consciência

de que os ambientes de ensino de filosofia no ensino médio no

Brasil afora não são ideais para um filosofar enriquecedor da

Page 89: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

87

experiência do aluno. Disso segue-se, respondendo a pergunta

inicial, que o ensino da filosofia para estudantes secundaristas

é possível e desafiador ao mesmo tempo, mas de modo muito

distinto da forma em que se é ensinada a filosofia no ensino

superior. Em grande medida, porque acaba-se por ensinar como

"se foi ensinado” (CERLETTI, 2009, p.56).

Indubitavelmente, a sala de aula te desafia a se

reconfigurar completamente no momento em que você se

depara com a multiplicidade em jogo e com os limites do

ensino acadêmico. Por exemplo, de acordo com o professor

Desidério Murcho, uma das primeiras coisas que o professor de

filosofia recém-formado descobre com espanto é que o que

estudou e aprendeu na faculdade é praticamente irrelevante na

sua prática letiva (MURCHO, 2002, p.9).

A transposição exata do formato das aulas em que fui

ensinado catedraticamente pela maioria dos professores do

departamento seria um desastre pedagógico para a realidade de

alunos de Ensino Médio. Não pelo fato de que meu

aprendizado foi realizado de uma forma errada, creio que para

a vivência da pesquisa a universidade dá as ferramentas para a

compreensão do conteúdo, seus procedimentos, e sua leitura

exegética monográfica, para uma análise erudita do estudante.

No entanto, no ensino médio, não estamos formando

especificamente pesquisadores. Tampouco estamos lidando

somente com a formação de bons e dóceis cidadãos, como o

Ministério da Educação sugere em suas recomendações

programáticas. A sala de aula, esta pluralidade de seres

humanos com trajetórias e histórias, tem que estar aberta às

vivências dos alunos e a sua potencialidade criativa de dar

sentido nos textos e conceitos à sua vida, não como uma

formação moral e cívica, ou mesmo na forma exegética

acadêmica, que transforma o texto em um enfadonho fim em si

mesmo. É um fenômeno semelhante ao que o sociólogo Pierre

Bourdieu relatou sobre o ensino francês da metade do século:

Page 90: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

88

há de um lado aqueles que sustentam que para compreender a

literatura ou a filosofia, é suficiente ler os textos.

No texto "A coruja na gaiola", o professor de filosofia

política Alessandro Pinzani diagnostica a situação da filosofia

encontrada em boa parte dos departamentos em que ele passou.

Nesse texto ele constata que a filosofia acadêmica praticada

nos departamentos de filosofia está imersa numa lógica onde

apenas se repete o pensamento de um filósofo de um

comentador fechado sobre si mesmo sem que seja possível a

abertura a experiência de pensar um problema que afeta a sua

vida filosoficamente, isso é a partir da experiência do e com o

próprio filosofar. Acontece que o ensino da filosofia herdeiro

dessa cultura acadêmica é reproduzido como uma transmissão

de conteúdos cujo objetivo é fazer que o aluno acumule o

máximo de informações possíveis através de modelos

filosóficos, formulados para serem aplicados na resolução de

questões. Nas palavras do professor Pinzani, uma espécie de

"ensino voltado para o entendimento desses textos clássicos e

para a sua reprodução monográfica através do processo de

interpretação e arguição conceitual nos artigos produzidos na

sua trajetória universitária, isso de acordo com as

determinações metodológicas e ideológicas de cada

professor"(PINZANI, 2014).2

2 "Quem tentar opor-se a esta lógica; quem achar que a assim chamada

comunidade científica não passa de uma manifestação de poder, aliás: do

Poder; um lugar de normalização e estrangulamento de todo saber

heterodoxo; um instrumento de controle e defesa de privilégios – quem

tentar, então, subtrair-se à lei do “publish or perish”, do “publica ou morre”

(lembrem-se: Sócrates não escrevia e não quis escrever, achando isto

impróprio para um verdadeiro filósofo; foi Platão que tentou normalizar e

canonizar o ensino do mestre ao pô-lo por escrito); quem achar que pensar

não é simplesmente comentar o que outros pensaram, quem quiser levar a

filosofia para as ruas da cidade, talvez já não corra, hoje, o risco de ser

executado ou aprisionado, mas corre o risco de outra morte: a morte

acadêmica"(PINZANI, 2008, p.3).

Page 91: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

89

A verdade é que há vários diagnósticos na literatura da

filosofia da educação brasileira que nos chamam atenção para

uma crítica minuciosa da razão acadêmica, quero me deter

neste ensaio em alguns aspectos que interagem na formação de

professores de filosofia na nossa realidade dos trópicos, por

exemplo, a noção de educação bancária de Paulo Freire que se

reflete na formação de uma consciência culturalmente

dependente em nossa formação cultural; a delinquência

acadêmica em função de uma pedagogia burocratizada,

analisada por Maurício Tragtenberg; uma filosofia ornamental,

segundo o filósofo Roberto Gomes; uma filosofia de papagaio,

segundo o filósofo Oswald de Andrade.

Esta última crítica, de Oswald, sobre a condição de

subalternidade colonial na academia é muito discutida na esfera

pública desde 1970, por exemplo, em seu livro "Departamento

francês de ultramar" sobre a formação da "cultura filosófica

uspiana", Paulo Arantes fala de um "complexo colonial" cujas

raízes remontariam a esse momento de formação da disciplina

filosófica brasileira. Segundo o pensador uspiano:

A filosofia brasileira é o conjunto de

publicações brasileiras sobre um assunto

tradicionalmente classificado de filosófico

pelos bibliotecários. Isso é a filosofia feita no

Brasil, e ela não é distinta das demais por ser

“brasileira”. Dito isso, nem tudo está dito. A

filosofia brasileira não é brasileira, ela é

importada (ARANTES, 1987, p. 351).

Ora, se a própria filosofia teve seus primeiros suspiros

em terras brasileiras como catequese das missões jesuíticas

enviada pela corte portuguesa, e seu ensino, travestido de

humanismo artificial, visava uma educação formalista, retórica,

baseada na erudição livresca (CARTOLANO, 1985, p.20) creio

que essa análise de Paulo Arantes, apesar de exagerada, é

muito condizente com a realidade brasileira.

Page 92: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

90

O filósofo francês Jacques Ranciére, em seu livro, O

Mestre Ignorante, identifica como causadora dessa reprodução

acrítica, uma racionalidade explicadora, defensora de uma

lógica em que aquele que explica é detentor dos conhecimentos

filosóficos necessários para transmitir um vasto conteúdo e

expor sua erudição a aqueles que não o possuem. O professor

seria um mediador do livro do filósofo e do aluno. Cabe aos

alunos compreenderem esse repasse. A lógica da explicação,

comenta Ranciére, como uma política de ensino, silencia no

aprendiz seu pensamento pulsante, sua experiência de

pensamento, para dar voz aquilo que compreendeu pela

explicação do professor.

Gilles Deleuze situa essa forma de lógica da explicação

na filosofia, um aspecto, de uma filosofia maior, uma filosofia

que, quando presa, é refém de imagens dogmáticas do

pensamento e está no nível de uma filosofia voltada para a

manutenção do poder de suas constantes, universalidade dos

conceitos, uso correto da razão, e transmissão de saberes

eurocêntricos. No entanto, esse modo de filosofar, não permite

a produção da diferença, seja nos pensamentos, nos problemas

e soluções.

O que sugiro pensarmos para o ensino da filosofia é um

deslocamento das práticas formais e disciplinares de ensino da

filosofia para um movimento que privilegie a valorização da

dimensão estético-expressiva nas práticas pedagógicas, da

passividade à ação. É a aposta de um aprendizado ativo, para

além da recognição, em um ensino em que seja oportunizado

múltiplas experiências de pensamento, que implique um

aprendizado criativo e não meramente reprodutivo, em que o

estudante não fique condenado a simplesmente assimilar

conteúdos, a decorar ideias e sistemas.

Se a Filosofia consiste na experiência com o conceito, é

importante que o jovem estudante tenha a oportunidade de

fazer ele mesmo a experiência do pensamento e não apenas

Page 93: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

91

reproduzir, assim como seria importante que, numa aula de

química, por exemplo, o estudante fizesse, ele próprio, a

experiência no laboratório, não apenas tomando ciência do

resultado no livro didático.

Ao propor uma "educação menor nos trópicos" estou

atento à necessidade de sairmos deste processo de arremedo, de

imitação e de posturas, por vezes exageradamente

conciliadoras para com as ideias. Para tal é preciso reabilitar

a antropofagia oswaldiana nos dias de hoje, inclusive na

educação, para pensar um ensino de resistência contra o que

Sílvio Gallo chama dessa educação maior hegemônica da

Filosofia da Representação, para que possamos valorizar e

encontrar o inusitado, potencializar as multiplicidades e

conceber a riqueza da diferença.

4. Educação nos trópicos: pedagogia da devoração

Metodologicamente, como proposta de ação, no plano

da sala de aula, a filosofia podia muito se inspirar no

procedimento do artista plástico Hélio Oiticica, que ao fabricar

seu parangolé, suas instalações e performance, levava em conta

tudo ao seu redor, valorizando radicalmente nossas

experiências, subjetividades, histórias, trajetórias e

individualidades. Tudo que está no mundo pode ser meu

material, dizia Oiticica, "participador" é o nome que ele

designa para aquele que ao interagir a obra de arte decorre

também a transformar a obra, passando a fazer assim, parte da

autoria. Ou nos termos de Guy Debord, sair da condição de

espectador numa sociedade regida pelo fenômeno do

espetáculo e tomar a frente ativa no processo pedagógico.

A proposta de um ensino antropofágico da filosofia é

aposta de uma pedagogia voltada para o acontecimento, um

ensino rizomático, onde o aluno não deveria aprender imitando

Page 94: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

92

o outro, neste caso o professor de filosofia, mas inventando

nossa própria maneira de nos relacionamos com os signos do

pensamento.

Vejamos aqui o eco de Nietzsche, a filosofia não lida

com verdades, como objetividades, a filosofia deve, sim, estar

preocupada com a multiplicidade, com as distintas

perspectivas, com os “múltiplos olhos” que podem nos

possibilitar um conhecimento mais completo e mais complexo.

Na filosofia da educação brasileira, o educador Valdo

Barcelos nos mostra que o nosso raro exemplo de exercício

antropofágico é o pensador e educador Paulo Freire, sobretudo

na sua pedagogia do oprimido e da indignação, que se propõe

refletir sobre o processo de colonialismo que se submetem

amplos setores da intelectualidade nacional (BARCELOS,

2012, p. 78). De acordo com Freire, as relações de ensino-

aprendizagem devem estar permanentemente abertas às

questões emergentes da sociedade, dialogando com elas, sem,

contudo, abrir mão de suas origens, sua cultura, suas

experiências, enfim, seus saberes e fazeres para pensar uma

educação que rejeite a condição de opressão do colonizador e,

ao mesmo tempo, busque romper com a cultura da

subalternidade que o aprisiona.

O ensino antropofágico se constitui na linha da

pedagogia do conceito reapropriado de Gilles Deleuze pelo

pensador brasileiro Sílvio Gallo. Esse modo de aula traz à tona

a necessidade de um ensino focado na aprendizagem em que “o

foco esteja no processo singular de pensamento de cada um. E

para isto não há método” (GALLO, 2007, p. 73). A

compreensão moderna da educação tende a centrar na ideia do

método e na utopia que se pode mediante o controle do que se

ensina, controlar o que alguém aprender, fruto de uma

sociedade pedagogizada, com um viés somente explicativo.

Pelo contrário, é uma tentativa de abertura do processo do

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Ensino da filosofia

93

ensinar que convida o estudante a aprender, praticando,

experimentando o pensamento da natureza filosófica.

Nesse sentido, o ensino se constitui de um convite para

o pensar. “Cada estudante precisa fazer ele próprio o

movimento, ele próprio precisa experimentar o pensamento,

entrar no campo problemático e experimentar o pensar por

conceitos” (GALLO, 2007, p.75). Um deslocamento possível

para essa prática seria pensar uma metodologia antropofágica,

ativa e criativa, muito influenciado pelas travessias realizadas

por intelectuais que pensam o ensino da filosofia, como Daniel

Lins, Tomaz Tadeu, Walter Kohan, Jorge Larossa, entres

outros, mas diretamente extraio e configuro um método aberto

com a apropriação ressignificante do método de Silvio Gallo e

de Paulo Freire, em busca de um processo educativo aberto,

ativo e pluriversal.

5. Metodologia Antropofágica (4 etapas/dentadas)

(1) Aperitivação

Só pensamos quando somos instigados a isso por

problemas. Pensar é uma necessidade vital motivada por

problemas, portanto os problemas propostos devem ser vividos

pelo aluno como problemas seus, que o mobilizam para fazer o

movimento de pensamento. Nesta etapa (dentada) é muito

produtivo o recurso a filmes, músicas, contos, poemas,

programas de televisão. Sobretudo, exibição de filmes com a

temática a ser abordada, discutindo em seguida de modo a

mostrar a relação daquele tema com a vida dos estudantes. O

professor assume uma função de afetar os alunos com a

filosofia, na filosofia, para a filosofia. Os professores podem

tomar para si a função não de explicação, mas de afetação:

deliberadamente escolher elementos e formas de afetar os

Page 96: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

94

alunos para a filosofia, através da filosofia. “Os afectos

atravessam o corpo como flechas, são armas de

guerra”(DELEUZE,1992, p. 18).

(2) Deglutição/Devoração

Aqui nesta etapa, a devoração transforma o tema em

problema. Coloca-se em prática o sentido incentivando os

alunos a produzirem questões a partir do tema abordado.

Quanto mais intensa e múltipla for essa devoração, mais

elementos a classe e cada estudante terão para fazer sua própria

experiência de pensamento. Os professores de filosofia

uruguaios nessa mesma esteira trabalham o ensino filosófico

como uma atividade ativa, e já incorporaram no currículo de

seu ensino secundário, em torno de problemas filosóficos, e

não somente pela história da filosofia. Em torno desses

problemas, é possível trabalhar com temas filosóficos, como eu

trabalhei a filosofia do corpo, e com uma história da filosofia

com seus filósofos e diferentes conceitos, mas isso é tomado

como um modo instrumental que permita a compreensão

daqueles problemas e, mais do que isso, matéria básica para a

criação de conceitos novos para a compreensão subjetiva de

cada estudante.

(3) Digestão

Trata-se de investigar o problema, aqui se faz uso da

história da filosofia, ou no meu caso, a contra-história da

filosofia, recorrendo a filosofias que em sua época e em seu

contexto pensaram sobre o tema que está sendo abordado. Isso

seria um instrumento para os alunos, não um fim em si, para

decorar conteúdos. As obras desses filósofos poderiam ser

Page 97: Ensaios para o ensino de filosofia

Ensino da filosofia

95

estudadas para que os estudantes despertassem em si mesmos

não o talento para a sua compreensão, mas os germes de sua

própria independência teórica, de sua disposição para resistir à

cultura da moda ou a cultura oficial e de sua ligação íntima

consigo mesmo. Assim, os estudantes poderiam apropriar-se

significativamente da obra estudada, tomando-a pelo que

possui de viva e de atual, para vivê-la, lançando-se de sua

potencialidade de pensar e ser livre, conforme seus próprios

instintos, a sua força e capacidade de utilizar a sua própria

linguagem para expressá-los e, consequentemente, expressar a

própria vida (PAGNI, 2004, p. 226).

(4) Transformação (Sobremesa/Cafézinho)

É o momento inventivo e criativo do processo de

aprendizagem, onde o estudante recria os conceitos estudados,

refazendo eles mesmos o movimento de pensamento que o

levou à criação.

6. Conclusão

Essas reflexões partiram de muitas dúvidas que

perpassaram durante toda minha graduação, que muito

sinteticamente pude compartilhar neste texto. Contudo, penso

que tais apontamentos ainda prematuros para alguém que inicia

a vida acadêmica podem deixar como utopia de um ensino

mais democrático e participativo à ser construído nesta

trajetória que a Filosofia enfrenta com o seu retorno em peso

aos currículos das escolas secundaristas brasil adentro. Como

nos lembra Cerletti, não se trata, aqui, de em seguida convidar

o estudante a “fazer como” o filósofo, mas sim, de procurar

despertá-lo para a possibilidade desse fazer filosófico e lançar

um convite para “fazer com” (CERLETTI, 2009, p.41). Ensinar

Page 98: Ensaios para o ensino de filosofia

Thor João Veras

96

filosofia de modo ativo, mais do que transmitir a sabedoria, dar

o garfo e a faca para que experimentem os problemas criados

como mobilizadores e impulsionadores do pensamento. Desse

modo, um ensino no plano de imanência, no sentido

deleuziano, "antropofágico", contribui para pensar a educação

como um espaço de aprendizagem e ressignificação da cultura,

que possibilita a convivência com o corpo; que aprofunda a

relação do ser no mundo, a reversibilidade dos sentidos e a

estesia como campo da experiência sensível e da imputação de

sentidos; que convoca a beleza de múltiplas leituras do vivido e

que alarga a compreensão de si e do outro.

7. REFERÊNCIAS

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101

O “ENSINAR A FILOSOFAR” E O FILOSOFAR SOBRE

SEXUALIDADE: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA

PARA A FILOSOFIA ENQUANTO PROCESSO DE

CRIAÇÃO CONCEITUAL DE GILLES DELEUZE E

FÉLIX GUATTARI E O CORPO LASCIVO EM

MERLEAU-PONTY

Diego Luiz Warmling

1. Introdução

Logo cedo no curso de licenciatura em filosofia são

lançados alguns desafios bastante peculiares no que tange o

ensino desta área do conhecimento. A começar por dinâmicas

em disciplinas como Organização Escolar, Seminário de

Ensino em Filosofia, Metodologia de Ensino de Filosofia1, etc.,

é durante os Estágios Supervisionados que estes desafios

apresentam seu aspecto mais concreto: “é possível ensinar

filosofia no ensino médio? Se possível, como isto pode

acontecer?”. Diante de provocações como estas, ao licenciando

fica por si só evidente como é difícil responder tais perguntas

de maneira direta e objetiva2. Assim como os grandes dilemas

1 Na intenção de adquirirmos logo cedo um primeiro contato com os

desafios da carreira de professor, já nestas disciplinas os professores nos

propunham trabalhar com aulas ensaiadas onde, virtualmente, simularíamos

as dinâmicas encontradas de uma sala de aula. 2 Observação minha: questões deste nível muitas vezes não passam de puras

abstrações e, por isto, exigem

sempre um certo grau de parcialidade à quem escolhe respondê-las. Sem,

contudo, deixar de me contextualizar, utilizarei desta brecha de

subjetividade para mesclar o que venho observando em meu Estágio

Page 104: Ensaios para o ensino de filosofia

Diego Luiz Warmling

102

inerentes à disciplina, fazer filosofia dentro de sala de aula se

constitui, também, num grande problema ao pensamento

critico; quiçá um dos maiores! Desta maneira, partindo do que

Gilles Deleuze e Félix Guattari dizem sobre a filosofia em O

que é a Filosofia?3, num primeiro movimento de articulação

deste ensaio, responderei estas questões dizendo que o filosofar

é, antes de uma narrativa causal histórica, um processo ativo de

construção e desconstrução conceitual.

Seguindo este ínterim, tal qual sugere o próprio título,

na tentativa de pensar como a temática da sexualidade pode

ser/estar inserida dentro de uma aula de filosofia, além de

tentar responder questões como as anteriores, a partir do que

articula Maurice Merleau-Ponty, proporei-me a responder um

último problema: “é possível trabalhar a sexualidade no ensino

de filosofia?”. Partindo, portanto, do que podemos entender

como um diálogo entre Merleau-Ponty, Deleuze e Guattari,

num segundo momento direi, por fim, que a sexualidade se

constitui como um tema bastante prolífero a ser trabalhado em

aula pois, enquanto movimento de expressão singular

compreendido na nossa própria existência, pressupõe uma série

de temas paralelos que não só desembocam num processo

identificação existencial, como pressupõem uma série de

debates com os mais variados campos do conhecimento.

2. Primeira parte: como é possível fazer filosofia no

ensino médio

De fato, ainda não sabemos se é possível “ensinar

filosofia”, muito menos como isto deve acontecer. Não há,

como dizem, uma “receita pedagógica” que funcione de

Supervisionado com o que proponho e penso sobre o fazer filosofia no

ensino médio. 3 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que e a filosofia? Rio de

Janeiro: Editora 34, 1992.

Page 105: Ensaios para o ensino de filosofia

O “ensinar a filosofar”

103

maneira 100% satisfatória! Neste sentido, acredito que, antes

de um “ensinar filosofia”, se possa pensar num “ensinar a

filosofar”; num “incitar ao pensamento crítico”; num “fazer

filosofia”. Seguindo os passos de Gilles Deleuze e Félix

Guattari no livro O que é a Filosofia?, penso no “fazer

filosofia” como um processo ativo e constante de criação e

recriação conceitual. Para que possamos entender melhor esta

inversão, vejamos, então, um pouco mais sobre este

“casamento” tão vindouro ao século XX.

Enquanto um dos grandes encontros filosóficos do

século, num pequeno espaço de tempo a frutífera relação entre

Deleuze e Guattari produziu grandes obras como “O Anti-

Édipo”(1972) e “O que é a Filosofia?” (1991). Frutos de uma

longa, rica e controversa colaboração, os resultados desta união

estão principalmente voltados para a valorização das

experiências inconstantes daquilo que é vivido individualmente

pelos sentidos. Ao primar pela diversidade das singularidades

que se constroem no momento presente (no momento da ação),

a aliança entre estes dois pensadores surge, portanto, na

intenção de axiomatizar uma espécie de engessamento na

atividade reflexiva de até então.

De acordo com os mesmos, até o momento, todas as

possibilidades de abordagem filosófica responderiam não ao

modo próprio do fazer filosófico, mas sim a uma relação de

linearidade imagética subordinada ao antes e depois dos

conceitos produzidos na história (ao longo de uma narrativa

causal histórica do pensamento filosófico). Sendo assim, ao

evidenciar um conflito entre o modo como concebemos o fazer

filosófico e a maneira como ele efetivamente se realiza, para

pensarmos o filosofar tal como desejamos (“ensinar a

filosofar”), é de vital importância que tenhamos em mente qual

é a especificidade da filosofia. Por isto, quando ficamos frente

Page 106: Ensaios para o ensino de filosofia

Diego Luiz Warmling

104

a frente com questões tais como as anteriores4, estas perguntas

parecem ser satisfatoriamente respondidas à medida que

empregamos a filosofia não como uma simples narrativa

histórica dos conceitos, mas, como defendem Deleuze &

Guatarri, enquanto de um processo ativo de criação conceitual.

Desta forma, se em O que é a filosofia? entendermos

que não existem conceitos simples e isolados, que todo

conceito tem sempre um componente e que este sempre nos

remete a uma multiplicidade de outros conceitos, quando

preanunciamos uma alternativa ao filosofar, a filosofia

propriamente dita fica, pois, implícita num horizonte sui

generis peculiar acerca do entendimento sobre o que seria o ato

criativo de um filósofo. Guiados por Deleuze & Guattari, criar

conceitos é, então, o objetivo da filosofia:

O filósofo é amigo do conceito, ele é conceito

em potência. Quer dizer que a filosofia não é

uma simples arte de formar, de inventar ou de

fabricar conceitos, pois os conceitos não são

necessariamente formas, achados ou produtos.

A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina

que consiste em criar conceitos. […] Criar

conceitos sempre novos, é o objeto da filosofia.

É porque o conceito deve ser criado que ele

remete ao filósofo como àquele que o tem em

potência, ou que tem sua potência e sua

competência. [...] Para falar a verdade, as

ciências, as artes, as filosofias são igualmente

criadoras, mesmo se compete apenas à filosofia

criar conceitos no sentido estrito. Os conceitos

não nos esperam inteiramente quietos, como

corpos celestes. Não há céu para os conceitos.

Eles devem ser inventados, fabricados ou,

antes, criados (DELEUZE; GUATTARI, 1992.

p. 13).

4 A saber: é possível fazer filosofia no ensino médio? Se possível, como isto

pode acontecer?

Page 107: Ensaios para o ensino de filosofia

O “ensinar a filosofar”

105

Jamais tratado de forma específica por estes dois

pensadores, antes visto a partir de um destacamento conceitual

distintivo da filosofia em relação à arte e a ciência, o horizonte

ao qual me refiro (o “ensinar a filosofar”) pode, portanto, ser

definido como um processo ininterrupto galgado na criação

conceitual, dada pela relevância que é facultada à singularidade

dos acontecimentos e à busca dos detalhes que se constroem no

instante mesmo da ação – no instante mesmo da aula de

filosofia.

Retomando parte de minhas experiências enquanto

professor-estagiário de filosofia no Instituto Federal de Santa

Catarina, acredito assim que, conforme o educador se torna

consciente das possibilidades que tem para trabalhar a

disciplina dentro do espaço escolar, o “ensinar a filosofar”5 traz

para dentro de sala de aula o movimento crítico que à filosofia

é tão importante: partindo antes muito mais do que os alunos

tem a dizer do que do professor propriamente dito, uma aula de

filosofia deve ser um espaço de construção, desconstrução e

reconstrução dos conceitos produzidos ao longo da história.

Antes mesmo de qualquer exegese filosófica

apreendida numa linearidade histórica e genealógica, acredito

que o “ensinar a filosofar” deve, portanto, ser entendido como

um instigar os alunos ao pensamento crítico e dialético. Sendo

assim, cabe a mim, enquanto professor, provocar dentro de sala

de aula certo estranhamento que, antes de qualquer coisa,

viabiliza o debate e discussão entre os estudantes. Explico-me:

levando em conta que muitos dos alunos podem não estar

interessados no que a filosofia tem a ensinar enquanto narrativa

histórica, ao professor de filosofia é acima de tudo imbuída a

tarefa de incitar a exposição e o diálogo entre as mais

5 Aqui vale lembrar que este termo “ensinar a filosofar” é aqui entendido

implicitamente a partir de Deleuze & Guattari.

Page 108: Ensaios para o ensino de filosofia

Diego Luiz Warmling

106

diferentes opiniões e pontos de vista. O professor de filosofia

deve ser instigador do pensamento crítico e do ato de filosofar.

3. Segunda Parte: é possível trabalhar a sexualidade no

ensino de filosofia?

Se, como disse, ao professor de filosofia é dado o

trabalho de “ensinar o filosofar” e se meu objetivo principal é

traçar um panorama para a possibilidade de se trabalhar a

sexualidade dentro do ambiente escolar, fica fácil imaginar

como isto pode acontecer durante uma aula. Enquanto conceito

que, num só tempo, implica vários outros conceitos, a

sexualidade traz em si a força que os alunos precisam para

refletir e repensar a sua própria existência. A partir de Maurice

Merleau-Ponty, façamos então algumas digressões conceituais.

4. Sexualidade e existência em Merleau-Ponty

Desde muito jovem o homem já possui condições de

sentir ou deixar de sentir

sensações agradáveis e desagradáveis junto ao corpo. Desde a

mais tenra idade, o contato com pessoas próximas (pais,

amigos, parentes, vizinhos, etc.), as carícias, os afagos, as

palmadas, os prazeres e os desprezares (tanto físicos quanto

afetivos) que a criança experiencia diariamente fazem parte da

natureza e do desenvolvimento das mais

variadas funções que estarão, desde cedo, em processo

ininterrupto de formação.

Possuindo um sentido, as atitudes que uma criança

tende a reproduzir não são necessariamente causadas por

alguém ou algum acontecimento específico, são, antes, fruto de

Page 109: Ensaios para o ensino de filosofia

O “ensinar a filosofar”

107

toda uma estrutura6 onde ela (a criança) está mergulhada.

Sabendo que muitas das nuances dispostas em seu contexto são

passíveis de ser apreendidas e que, de certo modo, acabam

sendo utilizadas no cotidiano, a percepção de um ambiente

agradável entre os pais, o respeito mútuo e a cordialidade que

estes empregam entre si, podem, por exemplo, ser aprendidos e

expressos como exemplos vivos de respeito para consigo

mesmo e para com o outro7.

Antes mesmo de toda elaboração lógica e discursiva

que a fala pressupõe, vendo o mundo sob o olhar do outro, a

criança compreende o sentido humano dos corpos e dos objetos

de uso juntamente com o valor significativo que sua estrutura

lhe dispõe; adquirindo então certo estilo e certo comportamento

que ajudará não apenas a se movimentar, a se expressar e

perceber o mundo ao seu redor. Através das trocas de

experiências com os outros, no homem vão se construindo

desde cedo esquemas comportamentais, perceptivos e

expressivos que se entrelaçam, enriquecem e se transformam

de acordo com os arranjamentos relacionais que o mundo

dispõe. Assim, não só pelo ambiente afetivo, mas também

junto às influências dos meios culturais, políticos, educativo,

escolares, etc., é que o homem vê em si o amadurecimento

6 Partindo de Merleau-Ponty, para este artigo compreenderemos por

“estrutura” um organismo cuja unidade exprime sempre uma determinada

conduta diante de um mundo próprio à espécie e que, direta ou

indiretamente, determina a ação de um sujeito onde cada um de seus

movimentos no mundo não podem ser compreendidos separadamente, pois

cada um destes elementos estão subsumidos na unidade do seu próprio

comportamento. De modo bastante geral, esta noção de estrutura

compreende um organismo que se forma de maneira espontânea antes

mesmo que o homem se dê conta sua individuação enquanto sujeito. 7 Aqui vale salientar que isto não ocorre de maneira necessária. Não são

raros os casos onde, mesmo inserida num contexto totalmente desfavorável,

a criança (pessoa) não deixa de interagir com os colegas de maneira

extremamente respeitosa e cordial.

Page 110: Ensaios para o ensino de filosofia

Diego Luiz Warmling

108

gradual/constituinte para a base do erotismo e de toda a

capacidade de viver intimamente a sexualidade com o outro.

Por conseguinte, ao vislumbrar o tema da sexualidade

como uma perspectiva de controvérsias filosóficas dentro do

ambiente escolar (sala de aula), vejo-me, portanto,

enredado por algumas acepções da envolvente obra de Maurice

Merleau-Ponty. Penso, portanto, que se fazem necessários

alguns apontamentos acerca dos projetos deste autor.

Para Maurice Merleau-Ponty, nossa relação com o

mundo está incluída na relação do corpo consigo mesmo. No

entanto, este (corpo) só é compreendido a partir da relação que

estabelece com outros corpos. Neste sentido, é preciso passar

considerar uma atmosfera que, para além de uma experiência

para mim, evidencie nossa relação com o mundo sem

apresentar-se como independente da infraestrutura existencial

humana: nossa atmosfera sexual e afetiva.

É preciso considerar a afetividade e a sexualidade

como partes constituintes do nosso trato com o mundo. Se

queremos evidenciar a gênese do ser, é, portanto, preciso

considerá-las como parte de nossa experiência que só tem

sentido e realidade para nós. Com efeito, para Merleau-Ponty,

“nossa meta constante é pôr em evidência a função primordial

pela qual fazemos existir para nós, pela qual assumimos o

espaço, o objeto ou o instrumento e descrever o corpo enquanto

lugar desta apropriação” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 213).

Devemos procurar ver como os objetos se põem para nós pelo

desejo ou pelo amor, e só então compreenderemos como as

coisas podem em geral ser ou existir. Entre o automatismo

(empirismo) e a pura representação (intelectualismo)8, as coisas

8 Trata-se de considerar a sexualidade tanto como um mosaico de sensações

que não se compreendem e só se explicam por um esquematismo corporal,

quanto de dizer que, atravessadas por um intelecto, simples representações

podem deslocar nossos estímulos e constituir valores que a principio não

Page 111: Ensaios para o ensino de filosofia

O “ensinar a filosofar”

109

são, portanto, apreendidas na mesma medida que o horizonte

dos nossos desejos e emoções nos permite.

Seguindo neste ínterim, as analises feitas por Merleau-

Ponty em “O corpo como ser sexuado” logo mostram

experiências outras que as “normais”. É revelando às teorias

clássicas seus próprios limites que a sexualidade introduz

modos de ser diferentes da “normalidade”. Sendo assim, somos

levados a admitir uma zona vital onde se compõem as

possibilidades sexuais em cada pessoa: imanente à vida sexual,

é preciso pois que se considere, na própria existência, uma

EROS ou LIBIDO capazes de animar um mundo original, dar

significação sexual aos estímulos exteriores e esboçar o uso

que cada sujeito fará de seu corpo. É preciso, portanto,

considerar uma “função primordial” onde o corpo não é mais

um objeto qualquer, mas uma estrutura subtendida a um

esquema sexual bastante particular.

A percepção erótica se faz no mundo, não numa

consciência laborativa. O sujeito possui em si uma

compreensão que “não é da ordem do entendimento”, mas que,

enquanto o desejo, busca cegamente outro corpo. Para

Merleau-Ponty, a vida sexual não é somente o genital ou o

instintivo, é, antes, o poder que o sujeito tem de aderir e fixar-

se em múltiplos ambientes e experiências – de adquirir

estruturas de conduta. Enquanto significação privilegiada que

atravessa o movimento espontâneo da nossa existência, a

sexualidade é, então, vista como um dos modos pelos quais,

espontaneamente, o sujeito erige sua própria história e toma

posse do meio.

A questão da sexualidade assume, então, um lugar

diferenciado a partir de Merleau-Ponty: uma intencionalidade

ambígua que se dilui na própria existência humana e que, num

só tempo, evidencia a maneira geral pela qual o ser ontológico

tem relação aparente com nossos prazeres e dores naturais (MERLEAU-

PONTY, 2011).

Page 112: Ensaios para o ensino de filosofia

Diego Luiz Warmling

110

se relaciona com as coisas. Para o filósofo, não se estabelece

entre corpo, existência e sexualidade uma relação hierárquica,

tudo está pressuposto mutuamente. Sendo assim, sem

necessariamente ser objeto de uma consciência deliberativa, a

sexualidade não é nem transcendência da vida humana, nem

imagem de suas representações inconscientes. Constantemente

presente como uma atmosfera ambígua, da região onde habita

(corpo), é coextensiva à vida.

Assim como as outras modalidades do ser-no-mundo

(dentre elas podemos citar as esferas politica, artística,

religiosa, etc.), a sexualidade interage com a forma geral da

existência humana e, numa espécie de dialogo entre o que o EU

se projeta enquanto sujeito e o que ELE entende do outro

enquanto objeto, constrói o que podemos entender como nossa

história pessoal (historicidade). Desta forma, a sexualidade

deve ser entendida como um movimento expressivo e singular

na relação entre meu corpo próprio e o mundo.

Contrario a qualquer determinismo cientifico, para

Merleau-Ponty o homem é uma função viva que, enquanto

totalidade, é também uma ideia histórica (conceito). Sendo

assim, é impossível separar o sexual do não-sexual, pois a

sexualidade não é nem fechada em si mesma, nem mais que ela

mesma; ela é nosso ser por inteiro. Indicando, pois, uma

independência em relação aos fatores fisiológicos, nossa vida

sexual não seria

necessariamente uma decisão racionalizada, antes um gesto

repleto de significação existencial onde, na relação com os

outros corpos, o modo de ser no mundo se revela para sua

própria existência. É a sexualidade quem faz com que o

homem tenha uma história; uma maneira especifica de ser.

Page 113: Ensaios para o ensino de filosofia

O “ensinar a filosofar”

111

5. Considerações finais:

Se retomarmos algumas das asserções expostas até o

momento, na medida em que atinge a formação do sujeito

como um todo, logo percebemos que trabalhar temas como a

sexualidade dentro de sala de aula é, em verdade, muito

prolífero. Conforme o educador toma consciência do amálgama

de possibilidades para se trabalhar o “filosofar” dentro de sala

de aula, quando este dispõe seus alunos de maneira que se

abram para repensar as atitudes em relação àqueles que no

cotidiano são coparticipantes da própria existência, tal tema

(sexualidade) adquire uma importância muito grande, pois,

enquanto conceito a ser debatido, implica uma multiplicidade

de tantos outras contingências – afetividade, carinho, desejo,

prazer, percepção, corpo, bem querer, comunicação, valores

morais, ética, saúde, pluralidades culturais, etc., são bons

exemplos disto. Deste modo, dado que a filosofia é um

processo ativo de construção e desconstrução conceitual, no

que tange a sexualidade, os alunos não só se veem

aprioristicamente embebidos de questionamentos que podem

desembocar num processo de identificação existencial, como

são levados a reconhecer que tal temática precisa ser discutida

e dialogada em comum acordo com as mais heterogêneas

disciplinas do conhecimento9.

Assim como os debates sobre uso de drogas, direitos

civis e outros tantos temas

transversais que aos poucos estão sendo reintroduzidos dentro

do ambiente escolar, a questão da sexualidade impõe-se como

9 A partir de recortes de manuais como o DSM-IV (Manual Diagnóstico e

Estatístico de Transtornos Mentais) ou o CID-10 (Classificação Estatística

Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), de

documentários disponíveis na internet e até mesmo da própria filosofia de

Merleau-Ponty, estas foram algumas reflexões que tentei trabalhar durante

minha aula.

Page 114: Ensaios para o ensino de filosofia

Diego Luiz Warmling

112

um tema bastante importante a ser discutido dentro de um

plano de ensino de filosofia. Retomando parte de minha

experiências enquanto “professor-estagiário”, a meu ver, ao

contrário de tantas outras disciplinas, uma aula de filosofia não

busca trabalhar com conceitos cristalinos e imediatos; sempre

visando o debate entre as mais diferentes opiniões e pontos de

vista, trabalha a todo instante com a possibilidade de se

repensar a sociedade como um todo. Sendo assim, enquanto

frutos de uma formação repressora onde ainda perduram ideias

bastante conservadoras relacionadas ao sexo, questionamentos

tais como: “o que vocês entendem por relações afetivas?”,

“existe, de fato, o que podemos entender por uma sexualidade

normal? Se existe, o que pode ser definido como tal?”, são

dotados de tão ampla relevância que professores e alunos são

levados a admitir que a sala de aula é, de fato, uma

possibilidade viva para se discutir um tema que, de tão visceral,

acaba metamorfoseando não só um indivíduo, mas toda uma

sociedade.

Partindo de minhas experiências em sala de aula

durante os Estágios Supervisionados de Ensino de Filosofia,

concluo enfim dizendo que a questão da sexualidade põe-se

como um projeto em aberto e muito vindouro para dentro do

ambiente escolar. Não só no que diz respeito ao ensino de

disciplinas como História, Biologia, Química, etc., mas

principalmente no que tange o “fazer filosofia”, não é um

conceito fechado em si mesmo, põe-se, antes, como um leque

aberto de possibilidades para o pensamento crítico e para o

filosofar propriamente dito.

6. REFERÊNCIAS

CARMO, Paulo Sergio do. Merleau-Ponty: uma introdução.

São Paulo (SP): EDUC, 2002.

Page 115: Ensaios para o ensino de filosofia

O “ensinar a filosofar”

113

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. O que e a filosofia ?

Rio de Janeiro: Editora 34,1992.

FERRAZ, Marcus Sacrini Ayres. O transcendental e o

existente em Merleau-Ponty. São Paulo (SP): Associação

Editorial Humanitas, 2006.

FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico (org.). Educação sexual:

múltiplos temas, compromisso comum. Paraná: UEL –

Londrina, 2009. Em

<http://www.cepac.org.br/blog/wpcontent/uploads/2011/07/Ed

ucacao_Sexual_Multiplos_Temas.pdf > Acesso em 08/05/2013.

GALLINA, Simone. O Ensino de filosofia e a criação de

conceitos. Caderno Cedes, Campinas, vol. 24, nº 64, p. 359-

371, 2004. Disponível em:

<http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v24n64/22836.pdf>. Acesso

em 11/05/2013.

GALLO, Silvio. A Filosofia e seu ensino: conceito e

transversalidade. Revista Ethica. Rio de Janeiro, v.13, n.1,

p.17-35, 2006. Disponível em:

http://www.revistaethica.com.br/v13n1Artigo1.pdf. GILES, Thomas Ransom. Crítica fenomenológica da

psicologia experimental em

Merleau-Ponty. Petrópolis: Vozes, 1979.

KHOURI, M. M. E. Rizoma e Educação: Contribuições de

Deleuze e Guattari. In:

ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA

DE PSICOLOGIA SOCIAL: FRONTEIRAS E CONFLITOS,

XV., 2009. Alagoas. Anais. Maceió: ABRAPSO, 2009.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção.

São Paulo (SP): Martins Fontes, 1994.

SOARES, Jurandir Goulart; BARBOSA, Salvador Leandro. O

que é Filosofia? Da criação conceitual ao aprender. Rio Grande

do Sul: UFSM – Santa Maria. Em

<http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/016e1.pdf >

Acesso em 12/05/2013.

Page 116: Ensaios para o ensino de filosofia
Page 117: Ensaios para o ensino de filosofia

115

OS DESAFIOS DO ENSINO DE FILOSOFIA PARA O

ENSINO MÉDIO

Michelle Ramunno Monteiro

Como futuros professores de Filosofia, nada mais

pertinente do que tomarmos conhecimento de como são

ministradas aulas desta disciplina para alunos do ensino

médio, observando a postura pedagógica e métodos de ensino

dos professores já atuantes, conhecendo também os desafios

da atividade de docência.

Tendo em perspectiva que a atividade pedagógico-

filosófica não se trata somente de transmitir informações ou

conceitos, mas também de incitar a reflexão acerca das

questões universais que a Filosofia aponta, desenvolvendo a

análise crítica dos alunos, mostrou-se que uma estratégia

pedagógica adequada à natureza do saber filosófico é pautar o

plano de ensino de filosofia em três aspectos: problematizar,

conceituar e argumentar.

Sob este prisma, é premente que a aula de Filosofia

não esteja voltada somente à transmissão de conceitos, mas um

convite à atividade reflexiva e ao diálogo, no entanto, sem que

negligenciemos as teorias filosóficas que já foram formuladas,

mas dando também importância ao desenvolvimento da

capacidade de elaboração do pensamento crítico e do processo

argumentativo do aluno. Essa abertura à problematização não

implica que abandonemos o estudo da história da Filosofia,

mas que partamos, a partir do que já foi pensado, rumo a novas

possibilidades de abordar determinadas questões, adaptadas a

nossos problemas contemporâneos, com a intenção de

despertar nos alunos a percepção de que os problemas

filosóficos permeiam também sua realidade, para que assim

logremos atingir a sensibilização e o consequente interesse

Page 118: Ensaios para o ensino de filosofia

Michelle Ramunno Monteiro

116

para os temas trabalhados em sala de aula, a meu ver, o maior

desafio que encontramos como educadores, posto que para o

que não se tem interesse, a aprendizagem é muito mais árdua.

Os temas filosóficos parecem despertar maior

interesse quando a aula é aberta ao diálogo, e, portanto,

quando os alunos são ouvidos e podem ouvir-se, como o

método socrático propõe – que se dê luz à verdade que já está

em cada um, e que se obtenha, a partir do diálogo, algum

conceito, ou até mesmo alguma quebra de um conceito. O

saber filosófico nunca é estático, é sempre passível de

evolução, pois como dizia Heráclito, não se pode entrar duas

vezes em um mesmo rio. Talvez não se possa discutir um

mesmo problema filosófico repetidas vezes sem que se tenha

alguma nova visão sobre ele. De outra forma, não seria um

problema filosófico, mas um dogma.

E assim também, a cada classe, em sua singularidade

ímpar, e em cada aula, como professores, devemos adaptar-nos

constantemente para que os métodos sejam os mais adequados

possíveis para alcançarmos nossos objetivos pedagógicos,

tendo sempre como objetivo último que o amor pelo

conhecimento, a origem do significado do termo Filosofia,

possa encontrar espaço para desenvolver-se em jovens e

inquietas mentes.

O primeiro obstáculo, apontado frequentemente nos

textos acerca do ensino de Filosofia para o ensino médio, é a

falta de interesse dos alunos pela Filosofia, já que esta nem é

ainda disciplina de vestibular (somente em raras exceções), e

geralmente a motivação maior para os estudos seriam os

benefícios práticos que advirão destes, e não uma legítima

impulsão para o conhecimento, como seria desejável. Mas será

que de fato os alunos do ensino médio não têm interesses

filosóficos?

Page 119: Ensaios para o ensino de filosofia

Os desafios do ensino

117

A filósofa e pedagoga Lídia Maria Rodrigo, na obra

“Filosofia em sala de aula” – teoria e prática para o ensino

médio, apontou, a este respeito, que:

O desinteresse pelas aulas de filosofia deriva,

em boa parte, da falta de compreensão dos

conteúdos ou do fato de que, muitas vezes, o

estudante não consegue encontrar significação

nesses conhecimentos. O professor pode ter

certa cota de responsabilidade nisso, se os

procedimentos de ensino que adota contribuem

para alimentar o desinteresse e a indiferença

(RODRIGO, 2014, p. 37).

Sabemos que grande parte das obras filosóficas, com

seus termos rebuscados e eruditos, figura para a maioria dos

jovens alunos do ensino médio como uma leitura pesarosa e

pouco atraente. Temos apostilas para o ensino de Filosofia para

o ensino médio que pode servir-nos como guia cronológico e

oferecer aos alunos breves resumos de quase tudo em termos

de história da filosofia ocidental, porém, assim ensinada, a

Filosofia em nada difere das demais disciplinas, e somente

focar-se na transmissão de conceitos seria um tanto quanto

anti-filosófico. No entanto, com a natural dispersão dos alunos

quando eles não têm que se ater a conteúdos e avaliações, e

com a disputa desumana pela atenção dos mesmos com seus

celulares com mil atrativos, faz-se necessário pensar em formas

de oferecer conteúdos, oferecer a possibilidade de reflexão

filosófica em sala se aula, e entreter os alunos, sensibilizando-

os para as questões que estarão em pauta.

No intuito de fazer com que, como ponto de partida,

os próprios alunos reconheçam que possuem intrinsecamente

interesses filosóficos, para, a partir de tais interesses, planejar

os conteúdos, elaborei um questionário, e o distribuí aos alunos

de uma primeira série do ensino médio, sala na qual exerci meu

Page 120: Ensaios para o ensino de filosofia

Michelle Ramunno Monteiro

118

estágio de ensino. Como se pode observar no quadro abaixo, o

questionário procurou investigar perfis e áreas de interesse dos

alunos, para um posterior estudo sobre as melhores formas de

abordagem de temas filosóficos com aproximação aos temas de

interesse apontados em tal pesquisa.

QUESTIONÁRIO PROPOSTO AOS ALUNOS DE

FILOSOFIA DO ENSINO MÉDIO

NOME:

IDADE:

SÉRIE:

1. QUAIS AS DISCIPLINAS QUE MAIS LHE

INTERESSAM?

2. QUAIS AS DISCIPLINAS QUE MENOS LHE

INTERESSAM?

3. VOCÊ JÁ SABE QUE PROFISSÃO QUER

SEGUIR? SE SIM, QUAL?

4. TEM O HÁBITO DE LER?

5. QUAL A SUA MAIOR DIFICULDADE QUANDO

LÊ UM TEXTO?

ENTRE OS TEMAS ABAIXO, ASSINALE OS QUE MAIS

LHE INTERESSAM, AS QUESTÕES QUE MAIS

DESPERTAM SUA CURIOSIDADE, OU

PREOCUPACÃO, OU TEMAS QUE VOCÊ COSTUMA

PENSAR A RESPEITO COM CERTA FREQUÊNCIA:

( )O que é o amor?

( )Qual o sentido da vida?

( ) O que é a felicidade?

( )Religião

( )Sucesso

( )Existe destino?

( ) O por quê da desigualdade

no mundo.

( )Leis da natureza.

( )Deus

Page 121: Ensaios para o ensino de filosofia

Os desafios do ensino

119

( ) Liberdade

( )Arte

( )Beleza

( ) Paixão

( ) Direitos humanos

( )Pena de morte

( )Prisão

( ) Crime

( )Violência

( )Direitos dos animais

( )Desejo

( ) Família

( )Maneira correta de agir.

( )Poder

( ) Auto-controle

( ) Solução para problemas

no mundo.

( )A natureza humana é boa

ou má?

( ) Existe “natureza humana”?

( )Morte.

( )Conhecimento.

( )A questão do sofrimento

humano.

( ) Prazeres

( ) Vícios

( ) Preocupações acerca de

seu próprio futuro.

( ) Ambições materiais

( ) Fama

( ) Sexo oposto

( )Igualdade entre homens e

mulheres.

( )Preconceito

( ) Outro (s) – Qual (is)?

OS FILOSÓFOS, AO LONGO DA HISTÓRIA DA

HUMANIDADE, REFLETIRAM SOBRE MUITOS DOS

TEMAS ACIMA. ESCREVA ABAIXO 5 DENTRE ESTES

TEMAS /ASSUNTOS QUE VOCÊ GOSTARIA DE

ESTUDAR FILOSOFICAMENTE (OU ESCOLHA SEUS

PRÓPRIOS TEMAS, DEVEM SER PELO MENOS 5!).

Este questionário foi respondido por 24 alunos, sendo

eles 11 meninos e 13 meninas, da primeira série do ensino

Page 122: Ensaios para o ensino de filosofia

Michelle Ramunno Monteiro

120

médio, no Colégio de Aplicação. Entre os meninos, os

principais temas de interesse foram: morte, seguida da questão

do sentido da vida, vícios, prazeres, Deus, religião, poder, se

existe destino e liberdade; já entre as meninas, embora o

primeiro lugar em tema de interesse também seja a morte, o

segundo tema mais citado foi autocontrole, seguido da questão

quanto ao sentido da vida, direito dos animais, preconceito e

igualdade de gêneros.

Numa visão geral, portanto, na somatória dos temas de

interesse escolhidos pelos alunos, o principal tema de interesse

foi a questão da morte, escolhido por 18 alunos dentre os 24,

seguida da questão do sentido da vida, escolhida por 17 alunos.

A relevância deste tipo de pesquisa é o quanto pode

auxiliar em uma abordagem filosófica destas questões, que já

despertam um prévio interesse nos alunos, e a possibilidade de

utilizar tais temas como guias para o trabalho com conteúdos

filosóficos.

Por exemplo, para aprofundarmos o tema da morte,

podemos estudar em sala de aula a obra platônica Apologia de

Sócrates. Além de na referida obra haver um belo

questionamento de Sócrates em relação à morte, tal aula

possibilitaria, além do debate do tema que se apresenta como

principal, dar aos alunos o conhecimento de quem foi Sócrates,

quem foi Platão, o contexto filosófico de então, bem como o

julgamento e condenação do filósofo que dividiu a filosofia em

antes e depois dele. Tudo isso a partir de um tema de estudos

que os próprios alunos escolheram. Podemos também, ainda

acerca da temática da morte e do sentido da vida, trabalharmos

a filosofia platônica, o Mito de Er, e a teoria da imortalidade da

alma, para contrapô-la com outras teorias. O tema do

autocontrole, por exemplo, também abre espaço de estudo e

debate acerca da mediania aristotélica, do imperativo

categórico kantiano, ou tantas outras filosofias que ocuparam-

se que questões éticas.

Page 123: Ensaios para o ensino de filosofia

Os desafios do ensino

121

Enfim, desta forma o ensino seria pautado em um

interesse prévio dos alunos nas temáticas abordadas, e a partir

de preocupações reais, a partir de temas filosóficos

contemporâneos e universais, iniciaríamos nossa viagem rumo

à história da Filosofia.

O interesse pela reflexão filosófica, assim como

por qualquer outro assunto, só poderá ser

despertado se os conteúdos se revelarem

significativos para o sujeito da aprendizagem,

quer dizer, além de serem objetivamente

significativos, eles devem sê-lo também

subjetivamente, inscrevendo-se num horizonte

pessoal de experiências, conhecimentos e

valores.

Essa significação subjetiva ganha corpo quando

o sujeito consegue relacionar um novo

conhecimento com aqueles que já fazem parte

de sua estrutura cognitiva, ou seja, quando o ato

de conhecimento tem condições de configurar-

se, em alguma medida, como um ato de

reconhecimento.

[...]

A História da Filosofia ganha novo sentido

quando, em lugar de apresentar-se como uma

crônica do passado, passa a ser solicitada por

interrogações postas no presente. A referência

aos autores não constitui mera erudição ou um

conhecimento pelo conhecimento, mas um

recurso precioso e indispensável para pensar as

questões da contemporaneidade (RODRIGO,

2014, p.38,51).

Tendo em vista a aparente insuficiência do ensino de

Filosofia centralizado somente no eixo histórico, o filósofo e

pedagogo Sílvio Gallo nos indica no texto “Chegou a hora da

Filosofia”, da Revista Educação, a tendência atual para os

Page 124: Ensaios para o ensino de filosofia

Michelle Ramunno Monteiro

122

outros eixos possíveis: o temático, onde há escolha do estudo

de temas de natureza filosófica, como liberdade, morte, etc.,

sendo estes temas universais, portanto, mais fáceis de

chegarem próximos à realidade do aluno, e, portanto,

despertar-lhe o interesse que o instigue a atividade do

pensamento crítico, e o eixo problemático, que estrutura suas

aulas na organização dos conteúdos em torno dos problemas

tratados pela Filosofia, porém com o apoio dos textos

filosóficos, e abordagem histórica para discussão dos temas

propostos - a partir de um tema, o professor convida os alunos

a refletirem acerca de uma questão filosófica, abre a discussão

a respeito, mas não se limita somente ao debate, mas usa-o

como gancho para apresentar textos que já versaram sobre a

questão que está sendo aprofundada, ou mesmo sobre filósofos

que já dedicaram-se aos problemas filosóficos apresentados aos

alunos.

Conhecer a história da filosofia é substancial ao

exercício do filosofar, mas atividade reflexiva é o filosofar em

si. Na prática de ensino, não devem ser tomadas como

caminhos opostos, mas como parte de um mesmo caminho. A

organização do conhecimento é fundamental para que o aluno

organize o próprio pensamento, e possa ter parâmetros de

comparação, essa também atividade interpretativa, de reflexão

e discernimento, e, portanto, do pensamento. Na comparação

existe crítica, portanto comparar também é pensar acerca de

algo. E qualquer comparação só pode ser feita tendo

conhecimento de mais de um lado de uma questão, de um fato,

de uma idéia. Logo, não pode ser abolido o ensino histórico-

filosófico, mas a tendência atual é que o ensino seja histórico-

filosófico-reflexivo, sendo o diálogo crítico com a tradição

também é uma forma de filosofar.

Outro aspecto interessante demonstrado pelo

questionário respondido pelos alunos é que, independente da

idade ou experiência de vida, é próprio da natureza humana

Page 125: Ensaios para o ensino de filosofia

Os desafios do ensino

123

questionar-se acerca de temas fundamentais – e o interesse pela

temática da morte é na verdade a própria inquietação e

curiosidade acerca do sentido da vida, pois são temas cuja

significação sempre estará entrelaçada. Jovens são seres que

contam poucos anos vivenciais, sendo o estado de juventude

passageiro, porém a condição humana é o atributo essencial de

que participam – o que pretendo ressaltar com tal afirmação é

que não me parece correto subestimar suas inclinações,

julgando-as pueris e sem profundidade, só porque possuem

pouca idade, mas reconhecer a mesma humanidade à procura

de respostas que há em todos nós. Com o ensino de Filosofia, é

certo que não devemos pretender fornecer respostas, ou

espalhar verdades, mas aproximá-los do pensamento de outros

que, ainda que distantes por séculos e séculos, e milhas e

milhas, tinham as mesmas inquietações, voltavam-se para os

mesmos problemas, pois a natureza pungente das questões

filosóficas é a universalidade. E desse diálogo entre o passado

e o presente, que surja a verdade de cada indivíduo, e que seu

pensamento possa ser alimentado pela sabedoria reconhecida

naqueles que nos antecederam, e na sabedoria do espírito, o

que usualmente chamamos consciência.

REFERÊNCIAS

GALLO, Sílvio. Chegou a hora da Filosofia. Revista

Educação. Ed. 116. Disponível em

<http://revistaeducacao.uol.com.br/textos.asp?codigo=12008>.

Acesso em 30 jun. 2014.

SOUZA, S. M. R. A filosofia no Ensino Médio: uma releitura a

partir dos PCNs. In: CORNELLI, G.; DANELON, M.;

GALLO, S. (org.). Ensino de filosofia: teoria e prática. Ijuí:

Unijuí, 2004.

HORN, Geraldo Balduino. Ensinar filosofia: pressupostos

teóricos e metodológicos. Ijuí: Unijuí, 2009.

Page 126: Ensaios para o ensino de filosofia

Michelle Ramunno Monteiro

124

RODRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula – teoria e

prática para o ensino médio. Campinas, SP: Autores

Associados, 2014.

Page 127: Ensaios para o ensino de filosofia

125

SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

Guilherme Damin Bortoli

Introdução

É estranho que em nosso tempo a filosofia não

seja, até para gente inteligente, mais do que um

nome vão e fantástico, sem utilidade nem valor,

na teoria como na prática. Creio que isso se

deve aos raciocínios capciosos e embrulhados

com que lhe atopetaram o caminho. Faz-se

muito mal em a pintar como inacessível aos

jovens, e em lhe emprestar uma fisionomia

severa, carrancuda e temível. Quem lhe pôs tal

máscara falsa, lívida, hedionda? Pois não há

nada mais alegre, mais vivo e diria quase mais

divertido (MONTAGNE, Ensaios, p.86).

Para pensar a atividade do professor de filosofia no

ensino médio será analisado em um primeiro momento o

entorno no qual a educação esta envolvida: aluno, escola e

sociedade. A partir desta análise serão expostas algumas ideias

a respeito da prática docente, tendo como referência prática o

Estágio de docência realizado no Instituto Federal de Santa

Catarina (IFSC) no ano de 2014.

Page 128: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

126

1. Aspectos referentes ao entorno

Primeiramente temos que ter em conta que um aluno

nunca é "tabula rasa"1. Eles trazem para a sala a realidade em

que vivem, seus anseios, suas crenças, experiências e valores.

Há de se ter em conta também que, em geral, os alunos de

ensino médio têm idade entre 15 e 18 anos, e, por isso, estão

em uma fase de descobertas, inclusive de si mesmos. É um

período em que procuram pôr afirmação nos seus meios sociais

e seguramente isto aparece nas salas de aula. Cabe ao professor

lidar com esta situação e procurar estabelecer um ambiente

propício para o desenvolvimento da aula em que todos possam

sentir-se livres para expressar-se e expor opiniões e anseios.

Penso que a filosofia tem uma peculiaridade quanto ao

"movimento" necessário para sua prática. Entendo que o

essencial para o exercício da filosofia é um movimento em

direção a si mesmo na medida em que em última instância

estamos tratando de pensar a respeito de nossas convicções. Na

adolescência em geral, parece que os jovens preferem o

"movimento" oposto a este referido, em direção ao mundo que

parece lhes agradar mais.

O IFSC especificamente, por ser uma instituição de

ensino de excelência, seleciona seus alunos através de um

concorrido exame de seleção. Os reflexos desta seleção,

obviamente, podem ser percebidos em sala de aula. Em geral,

os alunos demonstram-se interessados para o aprendizado e são

muito bem articulados para expor suas convicções, alguns já

com muita bagagem literária e filosófica. Esta especificidade

do Instituto é muito positiva para o exercício da filosofia uma

1CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à

proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos

para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008.

Page 129: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

127

vez que, além dos alunos trazerem boas contribuições para o

debate também fazerem bons questionamentos o que acaba por

instituir um processo colaborativo entre alunos e professor em

sala de aula.

Com relação à escola, é preciso observar que está sob

o regimento de autoridades educativas que estabelecem as

diretrizes para o ensino, bem como os programas curriculares

das disciplinas que devem ser respeitadas pelo professor.

Entendo, entretanto, que tais conteúdos determinados não são

por si só, nem garantia, nem impedimento para que haja o

ensino de Filosofia dado que qualquer conteúdo prescrito vai

ter de ser atualizado filosoficamente pelo professor2.

Quanto ao processo educativo como um todo, entendo

que a escola e a educação em geral, estão vivendo uma crise. A

escola tem a postura de uma instituição que parece já não se

adequar as demandas dos alunos. Paula Sibilia (2012) faz uma

análise muito significativa desta crise e chama a atenção para o

fato de que a escola, no passado, fora pensada para atingir

certos objetivos que atualmente já não são os mesmos:

Os fatores que levaram a essa situação (de

crise) são inúmeros e extremamente complexos,

mas uma via para compreender os motivos

desse mal-estar seria pensar a instituição

escolar como uma tecnologia – quer dizer,

como um dispositivo, como uma ferramenta ou

um intricado artefato destinado a produzir algo.

E, portanto, é uma tecnologia de época: um

aparelho historicamente configurado. A partir

dessa perspectiva, não custa verificar que tal

maquinaria parece estar se tornando

gradativamente incompatível com os corpos e

2CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à

proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos

para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008.

Page 130: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

128

as subjetividades das crianças de hoje. A escola

seria, então, uma máquina antiquada; e, por

isso, seus componentes e seu funcionamento

são cada vez mais conflitantes com nossos

jovens (SIBILIA, 2012, p. 197).

Esta incompatibilidade descrita por Sibilia pôde ser

percebida no decorrer das aulas de filosofia no IFSC

especialmente quando o professor, num momento mais

expositivo da aula, procura apresentar a argumentação de

determinado filósofo. Parece que os alunos não dispõem de

paciência para acompanhar o argumento e acabam dispersando

a atenção facilmente.

Observou-se que o IFSC tem a educação claramente

direcionada para o ensino técnico. Neste sentido as disciplinas

da área das humanas parecem receber menor atenção dos

alunos em comparação das ciências naturais.

Entendo que, de maneira geral, isto ocorre porque a

atividade teórica tem sua importância encoberta pelas ciências

práticas uma vez que os resultados desta demonstram-se mais

evidentes e imediatos. Entretanto há de se exaltar a imanência

da atividade teórica, uma vez que a forma com que se pensa o

que se faz afeta diretamente a forma com que se faz. Nesse

sentido, faz-se necessário situar a filosofia e esclarecer a sua

importância.

Epicuro, filósofo grego do período helenístico,

entende que a filosofia é algo essencial para todos os homens e,

neste sentido sua utilidade estaria em ajudar os homens a terem

uma vida feliz. A filosofia é compreendida como a terapia que

procura cuidar da saúde da alma e seu propósito é que os

indivíduos, de maneira racional, possam se libertar do

sofrimento, o que lhes permitirá atingir o verdadeiro prazer,

identificado com a felicidade.

Que nenhum jovem adie o estudo da filosofia, e

que nenhum velho se canse dela; pois nunca é

Page 131: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

129

demasiado cedo nem demasiado tarde para

cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz

que o tempo para este estudo ainda não chegou

ou já passou é como o homem que diz que é

demasiado cedo ou demasiado tarde para a

felicidade. Logo, tanto o jovem como o velho

devem estudar filosofia, o primeiro para que à

medida que envelhece possa mesmo assim

manter a felicidade da juventude nas suas

memórias agradáveis do passado, o último para

que apesar de ser velho possa ao mesmo tempo

ser jovem em virtude da sua intrepidez perante

o futuro. Temos, portanto, de estudar o meio de

assegurar a felicidade, visto que se a tivermos,

temos tudo, mas se não a tivermos, fazemos

tudo para a obter (EPICURO, Carta a

Meneceu).

Para Epicuro a filosofia se justifica porque, em última

instância, pensa a respeito da postura que se escolhe tomar

diante da realidade e, esta por sua vez é determinante para que

possamos ter uma vida feliz.

Penso que a filosofia é de suma importância no

processo educativo à medida que este deve ser compreendido

como formação humana, que vai além da mera capacitação

técnica da mão de obra. Isto também esta determinado de

alguma forma pela LDB no seu artigo 35, quando cita que o

ensino médio deva ter como finalidade, dentre outras, “o

aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a

formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e

do pensamento crítico”.

2. A dicotomia filosofia entre o filosofar

Para ajudar a compreender melhor o exercício da

filosofia do ensino médio é preciso expor a dicotomia que

Page 132: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

130

muitos autores tem feito em relação à didática de ensino da

filosofia ou como História da Filosofia, com ênfase na tradição

filosófica ou como ensino do filosofar, com ênfase no que se

chama a “atitude filosófica”.

O ensino como História da Filosofia remete a um

ensino sistemático e organizado com o intuito de possibilitar ao

estudante o conhecimento das diversas correntes filosóficas ao

longo da história. Este ensino pode ser feito em ordem

cronológica ou não. O objetivo central parece ser de

instrumentalizar o estudante para um possível pensar filosófico

Entretanto esta proposta de ensino não me parece

apropriada porque ao voltarmos para estudar a história da

filosofia veremos que já houveram diversos conhecimentos

diferentes e até teorias contraditórias concebidas como

filosofia. Devemos então buscar algo em comum nos

conhecimentos apresentados pelos filósofos que poderíamos

chamar de "Filosofia". Esta característica comum é na verdade

uma atitude, uma atividade e não propriamente o conteúdo.

É neste sentido que a Filosofia se distingue das outras

disciplinas estudadas no ensino médio e que inclusive faz com

que não exista um método propriamente dito que poderia ser

utilizado sempre da mesma forma. Não se trata de um

conhecimento enciclopédico, que armazena conteúdo. Ainda

assim a História da Filosofia tem fundamental importância, à

medida que é a partir do seu vasto conteúdo que estamos

instrumentalizados para as abordagens em sala de aula.

Penso que a filosofia é antes uma pergunta do que

uma resposta, que se caracteriza mais pela busca do que pela

posse. Utilizarei aqui uma analogia com relação à Utopia que

poderia ser aproximada à Verdade procurada pela filosofia e

que enfatiza o caminho traçado para atingir o objetivo:

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo

dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho

dez passos e o horizonte corre dez passos. Por

Page 133: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

131

mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Para

que serve a utopia? Serve para isso: para que eu

não deixe de caminhar (GALEANO, 2001, p.

230).3

O exercício da filosofia é como a busca pela Utopia, ela nos

proporciona o caminhar, o movimento.

Mas então como definir o que é a Filosofia? Percebe-

se certo incômodo em defini-la, mas podemos identificar este

incômodo como um sentimento que oportuniza o filosofar uma

vez que se movimenta em busca de um conceito. A Filosofia é,

em última instância, dar oportunidade ao pensamento4. Chauí

no artigo para a Folha intitulado Perfil do professor

improdutivo, ao procurar uma definição para filosofia afirmou:

uma tarefa absurda e pouco produtiva, para não

dizer inglória e vã, tentar uma definição de

Filosofia. Não porque a filosofia seja essa coisa

imprecisa, flutuante, tal que tudo é Filosofia e

nada é Filosofia, mas porque definir Filosofia é

dar a ela, de antemão, conteúdos. Se eu der, de

antemão, conteúdos para a Filosofia, eu terei

retirado, (...) a própria possibilidade de fazer

Filosofia (CHAUÍ, 1988, A3).

3. Conciliação entre a filosofia e o filosofar

Entendo que o que faz com que seja Filosofia é a

atitude filosófica, e por isto é interessante procurar desperta-la

nos alunos. Entretanto, como já foi dito, isto não exclui a

importância da tradição filosófica na sala de aula. Eis aqui o

3BIRRI,Fernando apud GALEANO, Eduardo. Las Palabras Andantes.

Catalogos S.R.L., Buenos Aires, 2001. 4CERLETTI, Alejandro. O Ensino de Filosofia como problema filosófico.

2009.

Page 134: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

132

grande desafio, como conciliar o ensino da filosofia, como

atitude filosófica e o conteúdo da tradição filosófica?

Acredito que o uso da tradição filosófica no contexto

do ensino médio deve, antes de mais nada, ser feito através de

uma abordagem temática. O conteúdo da tradição pode servir

tanto de embasamento teórico para uma discussão, quanto para

despertar o interesse dos alunos.

A história da filosofia deve ser vista como

história não da tradição em seu sentido

doutrinário, ou como história dos grandes

sistemas, mas sim como contendo a

contribuição dos grandes filósofos ao

introduzirem questões que até hoje nos

motivam a pensar, e como indicando os vários

modos como essas questões foram tratadas.

Deve ser vista também não como linear ou

contínua, mas como incluindo o intenso debate

entre os vários filósofos e as várias correntes de

pensamento, as críticas, rupturas, controvérsias,

polêmicas que já se encontram no inicio mesmo

da filosofia como a crítica de Parmênides aos

mobilistas, de Platão aos sofistas e de

Aristóteles aos platônicos. A tradição filosófica

é uma história de grandes polêmicas, mais do

que da formação progressista de um saber ou da

constituição de uma doutrina. (…) A

consideração da historia da filosofia não nos

revela o progresso de um saber, nem a expansão

de um conhecimento. Não é linear, nem

cumulativa, mas antes, os problemas são

recorrentes, incessantemente retomados

(MARCONDES, 2008, p. 60).

É importante perceber a importância da recapitulação

da tradição filosófica, mas não no sentido da formação de um

aluno erudito, capaz de "armazenar" as teorias concebidas no

decorrer da história. O que penso ser mais relevante na tradição

filosófica são os questionamentos feitos pelos filósofos, que

Page 135: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

133

continuam a proporcionar discussões. A tradição não precisa

ser abordada como um fim em si mesmo, mas antes como meio

para proporcionar o filosofar a partir do despertar da “atitude

filosófica”.

Despertar este que não se mostra tarefa fácil. É certo

que a “atitude filosófica” é intrínseca ao ser humano, uma vez

que surge do sentimento de espanto, de confrontar-se com o

desconhecido. O mundo nos espanta, por esta razão

filosofamos. Entretanto a rotina do dia-a-dia acaba por nos

“adormecer”. Por esta razão fala-se no despertar da “atitude

filosófica”. Porém não é somente a partir do esforço do

professor que se dá o despertar. Em última instância depende

do sujeito adormecido querer despertar. Cerletti descreve este

processo da seguinte forma:

Ensinar é conduzir a antessala de desafios que,

em última instância, são pessoais. O que cabe

ao professor é estimular e levar adiante este

desafio. Filosofar, então, é atrever-se a pensar

por si mesmo, e fazê-lo requer uma decisão. Há

que se atrever a pensar, porque isto supõe uma

maneira nova de se relacionar com o mundo e

com os conhecimentos, e não meramente

reproduzi-los. E isto implica incerteza. Pensar

supõe que há algo novo que se põe em jogo. É

uma atitude produtora e criadora, não é

meramente uma reprodução ou repetição do que

há. O que habitualmente se costuma "ensinar" é

o produto do pensamento de outros, o que

chamamos conhecimentos. Mas o pensamento é

intransmissível porque é um ato que depende,

em última instancia, de cada um (querer

transmiti-lo seria como pretender ensinar

alguém a ser um inventor). Transmitir ideia já

elaboradas não significa, obviamente, ensinar a

pensar, já que os conhecimentos são, em última

instância, só informação. Informação de maior

ou menor qualidade ou importância, mas

Page 136: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

134

apenas informação, e a filosofia, certamente,

requer algo mais (CERLETTI, 2006, p.30).

De fato, percebe-se na sala de aula diferentes atitudes

nos alunos, enquanto alguns estão dispostos para a investigação

filosófica e demonstram-se interessados e participativos, outros

parecem estar mais acomodados. O professor de filosofia que

pretende despertar a “atitude filosófica” nos estudantes precisa

colocá-los em um estado de incômodo com o contínuo não-

saber e torná-los dispostos a investigação.

4. Sócrates, o professor de filosofia por excelência

Sócrates nos é apresentado por Platão como o filósofo

por excelência porque reconhecia seu não-saber. Ora, que tipo

de professor é Sócrates? Como ele ensina a filosofia? Qual a

sua formação? Obviamente o modo como os homens eram

formados nos tempos de Sócrates era bem diferente do que

conhecemos no século XXI. Não havia toda a sistemática de

cursos e disciplinas que temos nos dias de hoje. Seguem

algumas curiosidades a respeito da formação de Sócrates.

Apesar de pertencer à família de recursos

modestos, Sócrates pôde, desde a juventude,

receber uma educação esmerada, digna de

jovens atenienses de ricas e aristocráticas

famílias. Manteve desde cedo relações com as

mais notáveis inteligências de sua época e

também com o círculo de Péricles, que passou a

governar Atenas quando Sócrates contava vinte

anos de idade. Mas teve contato principalmente

com os sofistas, que nesta época atuavam em

Atenas. Frequentou desde a mocidade o liceu,

local em que os jovens atenienses realizavam o

cultivo físico e intelectual. Frequentou também

a escola de música de Cosmos para se

Page 137: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

135

aperfeiçoar no bailado e, ao mesmo tempo, na

cítara (NAVARRO 1996, p.13).

Como é possível notar, a formação de Sócrates vai

muito além do que hoje conhecemos por Universidade, o que

lhe possibilitou aprofundar-se nas questões em que se detinha.

Esta atitude deve ser tomada como referência para o professor

de filosofia. É fundamental que a preparação vá além dos

muros das Universidades. É indispensável que o professor

possua permanentemente a “atitude filosófica” que lhe estimule

o movimento incessante em busca do conhecimento.

O “professor” Sócrates esperava levar seus

interlocutores à “ascese do pensamento” através da maiêutica.

Processo este descrito no diálogo Teeteto de Platão com uma

analogia a “arte do parir”, é dizer, de trazer ideias à luz,

esclarecê-las. Esse processo do “parto” das ideias é conduzido

por Sócrates através da técnica da dialética. Num primeiro

momento procura levar o interlocutor a aporia com o objetivo

de que ele abandone o que ele pensa saber, suas certezas.

Cumprindo este primeiro objetivo, Sócrates inicia o “parto”

fazendo com que seu interlocutor exponha suas ideias,

contrapondo argumentos, fazendo perguntas, com o objetivo de

trazer à luz ideias mais claras.

Da atividade de Sócrates podemos tirar algumas

lições. A primeira delas é que o interlocutor (no caso da prática

docente, os alunos) é o ator do seu próprio conhecimento. Para

aprender, ele precisa tornar as ideias suas (assimilá-las), ser

ativo na relação ensino-aprendizagem. É dizer, sem iniciativa

do interlocutor não haverá aprendizado.

Segundo, o método da dialética pode ser uma boa

ferramenta para a prática docente. Ao expor suas ideias e ouvir

outras diferentes, o estudante estará mais interessado em

esclarecer e aprimorar as suas a partir dos argumentos

apresentados do debate.

Page 138: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

136

Há ainda o método da educação por imagens do qual

Sócrates faz uso. A partir de uma narrativa descritiva de um

fato hipotético, o interlocutor constrói uma imagem mental que

posteriormente será interpretada. Penso que o aluno retém esta

imagem mental com mais facilidade e isto lhe ajudará a

construir e memorizar o argumento construído a partir da

interpretação da imagem – Quem não se recorda da alegoria da

caverna apresentada por Platão? Na prática pude constatar que

os exemplos debatidos em sala de aula, no caso específico das

abordagens de ética normativa, ajudaram muito os estudantes a

compreender as teorias.

5. O ensino de filosofia

Em uma breve recapitulação dos temas tratados neste

ensaio, acredito que o primeiro passo para uma boa prática

docente no ensino médio é compreender o aluno e o entorno ao

qual o ele esta submetido, família, escola, sociedade.

Discutiu-se a respeito da dicotomia existente entre o

ensino da filosofia como História e como busca (filosofar),

entretanto procurou-se a aproximação das duas posturas e

conclui-se que estas não se excluem, mas se complementam.

Apresentou-se algumas características da formação de

Sócrates e também sua forma de compreender e praticar a

filosofia. Entende-se que os métodos apresentados dos quais se

utiliza, dialética e educação através de imagens, são

possibilidades para o ensino de filosofia no ensino médio,

entretanto nem estes nem quaisquer outros devem ser utilizados

como “O método”.

Certamente não há maneira privilegiada ou um

método eficaz de ensinar, porque esta maneira dependerá do

professor-filósofo que se seja e das condições em que se dê

Page 139: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

137

esse ensino5. Neste sentido, pretender dispor de uma “fórmula

mágica” para a atividade docente em filosofia é ilusório porque

cada circunstância apresentará suas particularidades. A

“didática” da filosofia é uma construção (uma base conceitual

teórica e prática) que deveria ter a vitalidade de se atualizar

todos os dias6. Entretanto, podemos pressupor uma estrutura

básica para uma boa aula de filosofia, na qual se estabelece

uma situação problema cujas soluções devem ser encontradas

filosoficamente.

Em relação à prática, devem-se levar em consideração

alguns aspectos preliminares. É condição indispensável para a

prática docente a disposição e preparação (domínio do

conteúdo a ser estudado) do professor. Somente assim poderá

manter seus alunos interessados no conteúdo.

Devemos também pensar que “a sala de aula é um

âmbito em que é possível formular perguntas filosóficas com a

radicalidade que elas implicam”7. É através destas perguntas

que se deseja despertar nos alunos a atitude filosófica, para, a

partir de então, fazer filosofia.

Com relação aos alunos, descreveu-se que o interesse

dos alunos é outro, estão diante da descoberta da sua liberdade,

dos seus sentimentos. A disciplina de filosofia lhes esta sendo

imposta como uma obrigação. Como, então, motivar o aluno e

fazê-lo interessado pela filosofia?

É certo que temas polêmicos e temas relacionados

com as inquietações da adolescência facilitam. Entretanto,

independentemente do tema, deve haver alguma sensibilização

a fim de que o aluno compreenda o problema a ser trabalhado.

5CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta filosófica à

proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org). Filosofia: Caminhos

para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008. 6Ibid

7Ibid.

Page 140: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

138

Assim, a sensibilização deve ser uma forma de convidar os

alunos para, juntamente com o professor, procurar por

respostas. O objetivo aqui é o despertar a “atitude filosófica”, é

convidar os alunos para movimentarem-se, serem ativos nesta

busca. A ausência desta atitude implicará uma resposta que não

lhes faz sentido.

Para as aulas de ética normativa durante o estágio

docente, utilizou-se de dilemas éticos práticos para sensibilizar

os alunos (um caso de canibalismo). A medida que os alunos

encontravam dificuldades para julgar tais dilemas interessaram-

se em procurar justificativas para as suas escolhas. Além do

interesse pela investigação, observou-se também que as teorias

apresentadas foram compreendidas em grande medida através

dos exemplos apresentados. Sempre que retomávamos o tema

em outras ocasiões, os exemplos foram citados pelos alunos

para relembrar os argumentos das teorias apresentadas.

Passando pelo primeiro passo da sensibilização e, por

consequência do despertar a “atitude filosófica” nos alunos,

cabe ao professor habilmente conduzir a discussão e trazer para

ela, sempre para somar ao debate, os conceitos da tradição

filosófica. Penso ser importante contrapor ideias através da

exposição de teorias e também das críticas dirigidas a ela; isto

leva os alunos a compreender a essência do problema em

questão além de oferecer-lhes mais recursos para que

construam as suas respostas. É preciso tomar cuidado com a

exposição de argumentações muito extensas que levam os

alunos a entediarem-se e, por consequência dispersarem-se. A

variação do método utilizado pelo professor no decorrer da sua

aula ajuda a quebrar a “monotonia”, por isso, utilizar-se de

esquemas teóricos, exemplos, imagens, além de auxiliarem na

compreensão do assunto, mantém a aula agradável.

Em função da natureza polêmica de alguns temas

filosóficos, o debate acaba sendo parte das aulas. Ele deve ser

uma construção com diferentes argumentos e não um ringue de

Page 141: Ensaios para o ensino de filosofia

Sobre o ensino de filosofia

139

ideias. Por isto é fundamental que impere a tolerância. Acredito

ser importante que o professor (estando ciente de que não é

responsabilidade sua) tente preparar seus alunos para irem além

da sua subjetividade; é dizer, que sejam capazes de ouvir e

aceitar a posição do outro mesmo que seja contrária a sua.

Immanuel Kant identificou o pensar de forma consciente como

uma síntese do pensar por si mesmo com o pensar do ponto de

vista do outro8.

Por fim, tendo em vista o que esperamos para uma

aula de filosofia, é preciso estar alerta para a direção à qual não

queremos ir. Não queremos que a aula de filosofia seja um

“achismo” geral, na qual qualquer discussão e qualquer opinião

tenham status de pensamento filosófico. Neste mesmo sentido,

não queremos que as discussões sejam superficiais, ficando

presas a opiniões e senso comum. É necessário que o

pensamento supere o senso comum e que os argumentos sejam

construídos com racionalidade. Tampouco queremos ser

filósofos críticos negativos, criticar destrutivamente qualquer

argumento sem propor uma reordenação.

6. REFERÊNCIAS

CERLETTI, Alejandro A. Ensinar Filosofia: da pergunta

filosófica à proposta metodológica. In: KOHAN, Walter (org).

Filosofia: Caminhos para seu ensino. RJ. Lamparina, 2008.

__________________. O Ensino de Filosofia como problema

filosófico. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009.

Chaui, M. Perfil do professor improdutivo. Folha de São

Paulo, 24 de fevereiro, 1988.

8KANT, Immanuel, 1724-1804. Critica da razão pura. 4. ed. Lisboa

Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

Page 142: Ensaios para o ensino de filosofia

Guilherme Damin Bortoli

140

EPICURO. Carta a Meneceu. Tradução de Desidério Murcho.

Disponível em <http://criticanarede.com/meneceu.html>.

Acesso em 06/03/2015.

GALEANO, Eduardo. Las Palabras Andantes. Catalogos

S.R.L., Buenos Aires, 2001.

KANT, Immanuel, 1724-1804. Critica da razão pura. 4. ed.

Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

KOHAN, W. O. Sócrates, A Educação e a Filosofia. De herói a

Anti-Herói. In: Ensino de Filosofia: teoria e prática, 113-126.

Ijuí: Unijuí, 2004.

NAVARRO, Eduardo de Almeida. Sócrates, Vida e

Pensamentos. São Paulo: Ed. Martin Claret, 1996.

SIBILIA, Paula. A Escola no Mundo Hiper-conectado: Redes

em vez de Muros?. Matrizes, São Paulo (USP), vol 5, no 2

(2012); p 195 - 211.

MARCONDES, Danilo. É Possivel ensinar a filosofia? E, se

possível, como?. In: KOHAN,Walter (org). Filosofia:

Caminhos para seu ensino. RJ: Lamparina, 2008.

PLATÃO, Teeteto. In: Diálogos de Platão. Tradução do grego

por Carlos Alberto Nunes. 3a. ed., Belém: Universidade

Federal do Pará, 2001.

Page 143: Ensaios para o ensino de filosofia

141

FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO: SIM, UMA

EXPERIÊNCIA POSSÍVEL

Aldo Félix Barreto

1. Introdução

Realizei meu estágio de docência em filosofia para o

ensino médio, acompanhando as aulas de filosofia do Professor

Elieser Spereta, no IFSC - Instituto Federal de Santa Catarina

por um período de dois semestres. No primeiro deles minha

experiência foi com uma turma de 3º ano do curso Técnico

Concomitante em Edificações. No segundo, estagiei em uma

turma mista de 2º ano com alunos do curso Técnico

Concomitante em Meio Ambiente e do curso Técnico

Concomitante em Química. No acordo feito entre a

Universidade Federal e o IFSC, estabeleceu-se que os

estagiários da UFSC participariam das aulas em duplas.

Durante todo o período de estágio formei dupla com o colega

Guilherme Bortoli, e o trabalho em dupla mostrou-se bastante

produtivo.

A experiência de estágio proporciona ao graduando de

licenciatura, a possibilidade de participar das interações

vivenciadas, normalmente, apenas por professores e alunos nas

salas de aula durante o processo de ensino/aprendizagem. Tive

a oportunidade de observar atentamente o andamento das aulas

e estabelecer relações com os referenciais teóricos estudados

durante o curso de graduação. Pude ministrar alguns conteúdos,

preparar questões de provas sobre os temas por mim

ministrados e também corrigir provas.

Preparar-se para ensinar filosofia no ensino médio

requer em um primeiro momento, indagar-se a respeito da

Page 144: Ensaios para o ensino de filosofia

Aldo Félix Barreto

142

natureza da filosofia em si e de sua especificidade. Também é

pensar sobre um ensino dirigido a estudantes jovens, na maior

parte com uma faixa etária entre 14 e 18 anos e perguntar-se:

Por que ensinar filosofia? O que ensinar? E como ensinar?

(Souza, 2004). Requer refletir a respeito do papel do professor

de filosofia em meio ao processo educativo, bem como sobre a

repercussão de sua atitude filosófica junto aos alunos. Foi

interessante verificar durante o meu período de estágio, como

estas questões ressurgiam e reavivavam-se diante do desafio de

cada aula a ser ministrada.

2. Reflexões sobre a experiência de estágio no IFSC

As turmas de 2º e 3º anos do IFSC assistem duas aulas faixa de

filosofia por semana, o que corresponde a 100 minutos de aula

a cada encontro. Já no primeiro semestre de estágio, o

professor Elieser nos deu liberdade para ministrar alguns

temas. Confesso que senti o peso da responsabilidade e só dei

aulas, mesmo, no segundo semestre. Ministrei duas lições, uma

sobre a ética kantiana e outra sobre a ciência política em

Maquiavel. Para cada lição pude contar com o tempo integral

das duas aulas faixa.

Poder ministrar duas aulas por semana, é um privilégio

se considerarmos que os PCNs - Programas Curriculares

Nacionais e OCN/Filosofia - Orientações Curriculares

Nacionais não prevêem a obrigação de duas aulas semanais de

filosofia para o ensino médio. Em muitos casos, dependendo da

escola, o professor de filosofia contará com apenas 50 minutos

por semana para desenvolver as atividades em sala de aula com

cada turma. A luta para conquistar uma obrigatoriedade de

abrangência nacional, de pelo menos duas aulas de filosofia por

semana para o ensino médio, está na pauta de luta dos

movimentos que buscam um ensino de filosofia de melhor

Page 145: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

143

qualidade para esta etapa do ensino médio. Outra conquista

almejada por estes movimentos, é a atuação exclusiva de

docentes com graduação de nível superior em filosofia nas

ministrações desta disciplina. É comum ver-se em várias

escolas, privadas ou mesmo nas do estado, professores de

outras disciplinas, como história ou sociologia, ministrando

aulas de filosofia. No entanto, alcançar os principais itens da

referida pauta de lutas, dependerá das respostas a um desafio

maior: o de estabelecer uma identidade da matéria filosofia

como disciplina pertinente ao currículo de ensino médio.

Enquanto esta identidade não estiver bem fixada, a disciplina

de filosofia continuará a constar no imaginário popular, e

mesmo entre os demais profissionais da educação, como

disciplina de caráter secundário, relacionada à erudição, fé e

moral.

O professor Elieser é doutorado em filosofia pela

Unicamp, universidade respeitada do estado de São Paulo.

Segundo ele, “despertar e manter o interesse dos alunos é

fundamental, pois, se perdermos este vínculo de interesse pela

matéria, os estudantes tendem a encarar a filosofia como coisa

antiga, confusa, chata…”. Segundo ele, as aulas expositivas

com abordagens temáticas tem surtido mais efeito neste

sentido, que as que consistem em abordagens históricas.

Eu já havia preparado minha aula sobre ética kantiana

quando assisti à aula do Guilherme (colega de estágio) sobre o

utilitarismo de Bentham. Que aula! Ele conversou com a turma

todo o tempo, apresentando os princípios teóricos e ilustrando

com casos verídicos. Sua aula foi um sucesso em vários

aspectos, mas a forma como prendeu a atenção de todos foi

marcante, a ponto de me fazer rever o programa de exposição

da minha aula que estava prevista para a semana seguinte.

Optei por uma aula mais dialogal, então, começando

cada etapa com apresentação de casos que consistiam em

Page 146: Ensaios para o ensino de filosofia

Aldo Félix Barreto

144

dilemas éticos, alguns propostos pelo próprio Kant. Coloquei o

livro “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” de Kant,

à disposição dos alunos para que passassem de mão em mão e

folheassem, tendo um contato concreto com a obra impressa do

autor. Só após a apresentação de cada caso, prosseguíamos

para a problematização com os estudantes analisando aquele

caso. Estando os estudantes, de maneira geral, envolvidos no

processo, prosseguia a aula com as soluções teóricas

desenvolvidas por Kant e estas eram novamente dispostas no

diálogo com a turma para a análise de todos. O pensamento

kantiano foi contextualizado com seu tempo, as bases para as

formulações do imperativo categórico foram analisadas junto

com a turma, exemplos do seu funcionamento foram

apresentados e discutidos e objeções à ética kantiana

apontadas por outros teóricos foram contempladas. Foi

interessante notar que mesmo sem contato anterior com as

objeções apresentadas por especialistas, alguns alunos se

anteciparam apresentando suas próprias objeções o que me

dava oportunidade para apresentar as objeções daqueles.

Para que o professor de filosofia possa cumprir com seu

papel nas relações ensino/aprendizagem da disciplina, precisará

ter desenvolvido em si próprio, sólida cultura filosófica,

entendendo o aprendizado do filosofar, como processo e não

como produto, ou seja, algo que se constrói pela leitura dos

textos filosóficos, pelo debate e pela reflexão. Para tanto

requer-se que o professor tenha desenvolvidas, as habilidades

didático-pedagógicas necessárias e uma postura interdisciplinar

para mediar o desenvolvimento da competência de

contextualização sociocultural em seus alunos. O texto dos

PCNs/filosofia prevê que a construção, por parte do professor,

de sua identidade como docente de filosofia, dependerá de

como ele responde à pergunta: “O que é filosofia?”. No texto

lemos:

Page 147: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

145

Em suma, a resposta que cada professor de

filosofia do Ensino Médio dá à pergunta...“que

é filosofia?” decorre, naturalmente, da opção

por um modo determinado de filosofar que ele

considera justificado. Aliás, é fundamental para

esta proposta que ele tenha feito sua escolha

categorial e axiológica, a partir da qual lê e

entende o mundo, pensa e ensina. Caso

contrário, além de esvaziar sua credibilidade

como professor de Filosofia, faltar-lhe-á um

padrão, um fundamento, a partir do qual possa

encetar qualquer esboço de crítica (BRASIL,

2000, p. 48. l).

Observando as aulas do professor Elieser, pude

perceber que ele é um profissional competente, que tem bom

conhecimento a respeito de diversas áreas da filosofia e

domina com excelência os temas à que se propõe ministrar.

Sua postura afetiva e dialogal, tem lhe garantido o respeito de

todas as turmas. Ele sonda as opiniões dos estudantes com

atenção. Após cada participação do aluno, ele apresenta a

mesma ideia do aluno usando outras palavras e confirma com

este se era aquilo mesmo que o aluno queria dizer. A aula

segue sempre nesse ritmo que convida à reflexão e à

participação. Certa vez, Elieser confidenciou comigo, de que

se preocupava com a postura extremamente “conservadora”

(capitalista) dos alunos do IFSC. Percebi em meio a suas aulas

sobre bem estar social, na sua expressão, traços de uma

cultura política interessada nas questões sociais, bastante

discretos, mas, sólidos.

Imagino que eu precise conhecer um pouco mais da

filosofia como um todo, até que possa definir com certeza, a

quais correntes da filosofia deva me vincular. Mas por

enquanto, já percebo em mim, um considerável gosto pelos

textos dos diálogos platônicos, pela ética de Levinas, pela

Page 148: Ensaios para o ensino de filosofia

Aldo Félix Barreto

146

proposta educacional de Paulo Freire, pela estética

hegeliana… Filosofar, eu defino como um jeito de interpretar

a realidade, que pode partir até de uma intuição, mas que

precisa passar ileso pelo crivo rigoroso da razão.

É salutar, portanto, que o professor esteja criticamente

comprometido com a corrente filosófica com a qual melhor se

identifica, mas, consciente de que o seu papel está mais para

um facilitador que propõe os conteúdos a partir da realidade

dos estudantes, agindo como mediador dos processos dialogais,

de investigação e de construção de conceitos. A figura do

professor que deseja realizar qualquer espécie de doutrinação,

não faz jus a uma atitude verdadeiramente filosófica.

Não basta, portanto, que a disciplina de filosofia conste

como integrante obrigatória dos currículos de ensino médio e

que cada professor de Filosofia tenha formação acadêmica

filosófica, para imaginarmos que durante uma aula desta

disciplina, o estudante esteja tendo a oportunidade de vivenciar

uma experiência de pensar filosoficamente. Para “provocar”

intencionalmente em sala de aula tal experiência, se exigirá

uma articulação acertada de elementos pedagógicos

imprescindíveis: enfoque, conteúdo e metodologia de ensino,

apropriados.

Pensar no enfoque, conteúdo e metodologia a ser

aplicada em uma aula de filosofia, remete-nos novamente à

figura do professor e suas intenções em classe. É do professor a

responsabilidade de condução da aula. Portanto, ele tem que

poder identificar de forma geral, o contexto em que estão

inseridos os estudantes da classe a que se dirige, e estar

preparado para a reflexão filosófica à qual pretende conduzi-

los. Não se pode chamar de aula de filosofia propriamente dita,

uma ministração que despreze de todo a tradição filosófica, sua

especificidade de pensamento por conceitos, seus principais

Page 149: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

147

autores e correntes, bem como sua configuração na história.

Para Horn:

Só podemos aprender a pensar, pensando, mas,

para nós, pensar implica retomar aquilo que é

resultante do que já foi pensado. Esta é a

justificativa e a significação mais profunda do

diálogo com os pensadores que nos

antecederam no tempo e com aqueles que

convivem conosco num mesmo espaço social,

na contemporaneidade (Horn, 2009).

Contudo, se queremos oferecer ao estudante

oportunidades de refletir, criticar e resignificar seu mundo por

um viés filosófico, esta aula precisa despertar o seu interesse de

participação na reflexão, o que exigirá do professor equilíbrio o

bastante, para ao tentar fugir de um conteudismo de história da

Filosofia, não acabar por incentivar um pensar

descompromissado, descontextualizado que resulte em um

discurso vazio.

A participação dialogal dos alunos das duas turmas

observadas se deu de forma natural. Eles não apresentam

maiores problemas de expressão, fazendo perguntas e

observações pertinentes aos temas propostos. Foi possível ver

um ou outro, vez por outra, entretido com alguma atividade

não relacionada à aula, seja esta uma conversa paralela, em

tom baixo, ou fazendo uso de aparelho celular para acesso

breve a redes sociais. Nada intolerável ou preocupante. De

maneira geral, as turmas surpreenderam positivamente,

considerando sua média de idade e o comportamento bem

menos receptivo de alguns de seus pares em outros contextos

escolares, principalmente no que diz respeito às atividades que

exigem capacidades de abstração, de leitura, e de escrita.

Devemos considerar que para ingressar no IFSC, os

estudantes passam por um teste de seleção, o que facilita a

Page 150: Ensaios para o ensino de filosofia

Aldo Félix Barreto

148

formação de turmas com nível de aproveitamento acima da

média nacional. Todavia, parece claro, que grande parte dos

resultados positivos alcançados nestas aulas de filosofia, tem

sido construída na interação amigável entre o professor e a

turma. Certa vez, Elieser comentou comigo e com Guilherme,

que a escolha feita por alguns profissionais de fazer-se

representar na figura de “professor carrasco”, não surte um

bom resultado.

Para Alejandro Cerletti: “Quem ensina Filosofia deve

ter-se perguntado, com a radicalidade que implica uma

pergunta filosófica autêntica, por que e para que vai ensinar

filosofia a esse grupo ao qual vai dirigir-se” (CERLETTI,

2009, p.78). É certo que determinada metodologia de ensino de

filosofia poderá estar mais próxima de se adequar ao processo

de ensinar o filosofar, no entanto, a viabilização deste processo

só se faz através da mediação consciente de um professor capaz

de empreendê-lo. “Devido a isso, aqueles que ensinam filosofia

nunca poderiam ser simples técnicos que apenas aplicam

receitas ideadas por especialistas.” (Cerletti, p.78). O professor

tem de estar atento para não permitir que algum apego seu ao

planejamento prévio, impeça-o de ater-se ao verdadeiro

questionar filosófico por parte do aluno. O planejamento de

uma aula de filosofia, devido à própria natureza da Filosofia,

deve prever abertura para o questionamento crítico e o pensar

autônomo deve sempre ser incentivado.

Porque ensinar filosofia? Eu quero ensinar filosofia

pela mesma razão apontada por uma máxima relacionada à

educação: ‘educação para a emancipação’ . Ousar pensar por

si, já é um ato emancipador, deve ser incentivado e

aprimorado.

Page 151: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

149

Sílvio Gallo aposta numa metodologia que respeita a

especificidade conceitual da Filosofia, propondo a disciplina de

filosofia como oficina de conceitos, aberta ao inusitado e à

criação:

(...) numa aula de filosofia assim concebida,

importa mais o processo criativo, a

experimentação, fazer o movimento de

pensamento do que o ponto de chegada, a

solução do problema, a veracidade do conceito

criado. Importa que cada estudante possa passar

pela experiência de pensar filosoficamente, de

lidar com conceitos criados na história,

apropriar-se deles, compreendê-los, recriá-los e,

quem sabe até mesmo criar conceitos próprios

(GALLO, 2007, p.26).

Minha segunda aula foi sobre ciência política, a partir

da obra “O Príncipe” de Maquiavel. Comecei perguntando se

havia questões sobre Maquiavel na prova do ENEM (Exame

Nacional do Ensino Médio) aplicada na semana anterior e os

alunos confirmaram que sim. Então perguntei sobre o que eles

já sabiam sobre Maquiavel e fui anotando as respostas no

quadro branco. Como na aula de Kant, disponibilizei o livro

“O príncipe” para apreciação dos alunos. Expliquei que

durante o nosso estudo naquele dia, muitas das nossas

opiniões sobre Maquiavel poderiam mudar.

Entendo que posicionar o conteúdo a partir da realidade

dos alunos, seja começar a partir daquilo que eles já conhecem

ou da forma como eles reagem a uma notícia atual ou a uma

obra de arte, ou mesmo ao pensamento expresso num

fragmento de texto filosófico. A reação de cada aluno nestes

momentos revela algum valor seu, que ele já conhece, que o

Page 152: Ensaios para o ensino de filosofia

Aldo Félix Barreto

150

permite se posicionar a respeito do objeto de contemplação,

aprovando, desaprovando...

A partir da introdução, cada etapa da aula foi iniciada

com a leitura de um fragmento da obra O Príncipe com

excessão do último fragmento, extraído da obra “Comentários

sobre a primeira década de Tito Lívio” também de Maquiavel.

Cada fragmento revelava um aspecto diferente do pensamento

maquiaveliano. Um aluno lia o fragmento em voz alta e os

demais acompanhavam a leitura por meio de cópias xerox. O

pensamento contido no fragmento era, então, problematizado e

a partir da problematização, mais dados a respeito da vida, da

obra e do posicionamento ético-político de Maquiavel eram

acrescentados. Como última etapa, pedi que formassem

equipes de três ou quatro integrantes para responder por

escrito a três perguntas relacionadas ao tema. Quando

acompanhava o trabalho nas equipes, pra minha surpresa, um

aluno chamado Giovanni perguntou se Maquiavel não estaria

ironizando ao escrever O Príncipe. Parabenizei-o, revelando

que Rousseau pensava como ele, mas aproveitei para

apresentar concepções mais atuais que divergiam desta

posição. Uma aluna de outra equipe me disse que se interessou

pelo tema e que iria ler O Príncipe.

Para o caso de alguém imaginar ser utópico propor uma

aula de ensino médio que possibilite ao estudante criar seus

próprios conceitos, Gallo explica que tal tarefa não é

impossível e baseia-se nas ideias de Deleuze e Guattari para

sugerir que quando o aluno se utiliza de um conceito trazido da

história da filosofia para interpretar seu mundo, ele já recria o

conceito, pois tal conceito se transforma quando extraído de

seu contexto original para o contexto atual mediante a

apreensão feita pelo aluno.

Page 153: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

151

3. Conclusão

Sim, filosofia no ensino médio é uma experiência

possível, contudo, dependerá do professor encarar os desafios

que se farão presentes de uma forma ou de outra a cada dia e a

cada aula. Às vezes o desafio poderá estar na dificuldade que a

própria temática escolhida possa representar, outras no

desinteresse generalizado de uma turma ou de um grupo

isolado em uma turma. Há que se considerar também,

dificuldades impostas pelas próprias condições de trabalho

oferecidas por algumas instituições de ensino, sejam péssimas

instalações, horário reduzido para as aulas, ou falta de material

didático. A desvalorização da disciplina de filosofia por alguns

colegas, professores de outras disciplinas, pode representar em

si, um sutil desafio à boa aceitação desta disciplina no âmbito

restrito de uma escola. Certamente, o ensino de filosofia no

contexto geral da educação de ensino médio brasileira

apresenta condições bem mais áridas que as oferecidas no

IFSC para prática do filosofar a partir de experiências em sala

de aula. No entanto, um professor dinâmico e bem preparado

será capaz de responder bem a muitos dos desafios com os

quais venha a se deparar.

A respeito da pauta de lutas observada por movimentos

país afora no que tange à filosofia de ensino médio, sabemos

que a trajetória desta disciplina no ensino médio, teve suas

maiores conquistas muito recentemente a partir de 2008 com a

nova LDB. As melhoras desde então, tem sido gradualmente

mais visíveis, e neste aspecto, o papel das universidades,

propondo a reflexão sobre o tema e formando os novos

professores tem sido preponderante.

4. REFERÊNCIAS

Page 154: Ensaios para o ensino de filosofia

Aldo Félix Barreto

152

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio. Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília, DF,

2000.

CERLETTI, Alejandro. Em direção a uma didática filosófica.

In: _____. O ensino de filosofia como problema filosófico.

Tradução de Ingrid Müller Xavier. Belo horizonte: Autêntica,

2009. Coleção Ensino de Filosofia.

GALLO, Sílvio. Artigo: A filosofia e seu ensino: conceito e

transversalidade. In: SILVEIRA, Renê J.T; GOTO, Roberto

(org). Filosofia no ensino médio: Temas, problemas e

propostas. Loyola, 2007.

HORN, Geraldo Balduino. Ensinar Filosofia. RS: Ed. Unijuí,

2009.

SOUZA, Sônia Maria de. Artigo: A FILOSOFIA NO ENSNO

MÉDIO: uma (re)leitura a partir dos PCNs. In: ENSINO DE

FILOSOFIA: Teoria e Prática; org. Gallo; Danellon; Cornelli.

Ijuí: ed. UNIJUÍ, 2004.

Page 155: Ensaios para o ensino de filosofia

153

COMPREENSÃO PRÉVIA E FILOSOFIA NO ENSINO

Flávio Ricardo da Silva

1. A filosofia é possível no Ensino Médio?

De saída, a minha resposta para essa questão é sim. A

filosofia é possível não só no ensino médio, mas é sempre

possível enquanto existirem seres humanos. A filosofia é um

possível do humano, na medida em que este é um ser que

compreende. E ser um ser que compreende significa que, uma

vez existindo no mundo, o homem já está sempre caminhando

em alguma compreensão. Existir no mundo significa sempre já

ter sido atingido pelo mundo1. Existir, portanto, não significa

meramente ser, como uma coisa fechada em si mesma – que

não compreende, que não esta aberta –, mas existir já sempre

em contato com o mundo e, assim, compreensivamente.

Poderíamos dizer isso de outra forma. Existir significa ser

consciente – por isso as coisas, diferentemente dos humanos,

não existem, apenas são. Este ser consciente nunca é um “em

si”, fechado, mas ser consciente é ser consciente de algo, é já

estar direcionado para o mundo. Eu não existo “primeiro”

como um “eu mesmo” que “depois” entra em contato com o

1 Mundo aqui não é um conjunto de coisas, mas uma totalidade (aberta) de

significação a partir da qual as coisas me aparecem. Uma cadeira, por exemplo, não me aparece como um objeto dos sentidos ao qual, posteriormente, eu atribuo o nome de cadeira. Uma cadeira me aparece dentro de uma totalidade de significados, sem a qual o ‘ser cadeira’ não se mostraria como tal. Em termos simples, a cadeira não é um mero dado dos sentidos, ela não me aparece como cadeira sem que já haja uma compreensão – implícita ou explícita – do mundo.

Page 156: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

154

mundo. Não, eu já existo sempre em contato com o mundo e é

neste contato – que sempre já se deu – que ocorre a

compreensão (de forma mais ou menos explícita/clara).

Essa compreensão é a “matéria prima” da filosofia. É

sobre esta compreensão originária que os filósofos constroem

seus sistemas. Uma filosofia age sobre esta compreensão. Às

vezes tenta refutá-la (céticos, por exemplo), até escarnecê-la

(cínicos), fechá-la (quando se torna a filosofia, o sistema). Mas

sempre, a nosso ver, pode enriquecê-la, expandi-la. Agir sobre

a compreensão significa, então, ter uma postura ativa sobre

esta compreensão. Ou seja, não apenas ser atingido

passivamente pela compreensão, mas pensar esta compreensão

ativamente. Fazer com que esta compreensão – na medida do

possível – se mostre mais claramente, mais explicitamente. Em

outras palavras, tornar esta compreensão mais consciente e

assim conceder, ou restituir, ao homem o poder de escolher2.

O que queremos mostrar com estas ideias é que a

filosofia é sempre possível na vida do homem. Na medida em

que ela (filosofia) se ampara na experiência humana no mundo.

Uma experiência compreensiva – o homem sempre já se move

2 Quando algo me é oculto eu nada posso decidir a respeito, apesar de

poder ser influenciado por isso. Por exemplo, uma concepção baseada na metafísica platônica pode, por meio da cultura na qual vivo, exercer grande influência sobre minhas concepções a respeito do que considero verdadeiro, sem que eu possa criticar tal concepção (mesmo que eu a efetue no meu comportamento, na minha forma de pensar). Posto que ela não me aparece explicitamente e permanece, portanto, como um pressuposto impensado sobre o qual eu não decido. Ou seja, um voltar-se ativo sobre um aspecto impensado de uma compreensão prévia que já influencia a minha vida, abre para mim a possibilidade de exercer certa liberdade sobre este impensado que anteriormente, por se manter impensado e oculto (mas ainda tendo consequências na minha vida cotidiana), me determinava sem que eu pudesse exercer alguma liberdade de escolha sobre isto.

Page 157: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

155

em uma compreensão de mundo – e potencialmente discursiva;

passível, em alguma medida, de se explicitar em discurso. Essa

compreensão sempre já ocorrida, na medida em que o homem é

consciente no mundo, já é uma espécie de filosofia elementar,

ou potencial. Porém, o filosofar propriamente dito, ocorre

quando o homem se volta sobre a compreensão na qual está

enredado e tenta explicitá-la ativamente. Esse explicitar, esse

trazer a luz, é o ato filosófico que nos interessa aqui. O

filosofar, assim compreendido, possibilita tanto a crítica de

uma compreensão prévia (ou pelo menos de alguns aspectos

desta), quanto uma ampliação de horizonte. Tornar a

compreensão mais rica e abrangente.

2. Como é possível a filosofia no Ensino Médio?

A partir do exposto acima queremos fazer perceber

que o aluno sempre já se move em certa compreensão do

mundo. O estudante não vem à sala de aula como uma tábula

rasa, ele já compreende. E este é o elo a partir do qual ele pode

ser levado à filosofia, no sentido ativo de que falávamos

anteriormente. É na compreensão já efetuada pelo aluno na sua

vida cotidiana, que o professor deve “alcançá-lo” durante a

aula. Isso significa que é preciso um esforço, da parte do

professor, por captar a compreensão prévia dos alunos em

relação ao tema que será abordado. Por sua vez, isso se traduz

numa postura de abertura em relação ao diálogo com a turma.

O aluno deve ter a oportunidade de manifestar sua

compreensão tanto antes, quanto durante a exposição do

professor. E o professor a partir do que nota no conteúdo dos

comentários e perguntas deve ir ajustando seu discurso, o ritmo

da exposição, o vocabulário usado. Os alunos fornecem ao

professor a “matéria prima” com a qual ele os ajudará a

Page 158: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

156

compreender o tema ou autor estudado. Essa matéria prima

advém da própria vivência deles, do seu existir no mundo.

Aqui temos um duplo movimento: por um lado, o tema ou

autor abordado deve ser “levado” até a compreensão prévia do

aluno, e por outro a compreensão prévia do aluno é trazida até

o tema ou a perspectiva do autor. Por exemplo: em uma aula

sobre felicidade o docente se utiliza de um vídeo sobre o

assunto. Após assistirem o vídeo o professor faz perguntas aos

alunos, perguntas que visam fazer com que eles exponham sua

visão prévia do que é a felicidade. O professor, então, usa as

ideias que os alunos expõem para ir introduzindo o conteúdo

programado para a aula. As opiniões dos alunos dão ensejo

para que o professor traga a eles opiniões e conceitos

filosóficos. Deste modo, a discussão vai tomando contornos

mais claros. Abrindo aos alunos a possibilidade de dialogar

com a tradição filosófica.

Assim, a tradição filosófica pode ajudá-los a tornar

mais clara e mais rica a compreensão que eles têm da e na

própria vida. A aula nunca deve ser tão abstrata e deslocada do

cotidiano dos alunos a ponto de que não possam vivenciar a

problematização filosófica em sua própria existência, sob pena

de fazê-los perder o interesse. A filosofia, os problemas e

temas de que ela tratou e trata, são problemas e temas da

existência humana. Assim entendida, a tradição filosófica não

pode ser encarada como um fim em si mesmo. Mas como algo

que deve se relacionar com o aluno por intermédio do

professor. A tradição deve falar ao aluno para que este possa se

apropriar dela. O professor é o mediador que faz com que a

tradição fale ao aluno. Possibilitando que ele (o aluno) consiga

fazer uso de ideias e conceitos filosóficos na compreensão de

sua existência, de sua situação no mundo. Nessa apropriação,

nesse “falar” da tradição, o aluno pode sair do “assim se diz”

de uma compreensão adquirida passivamente e assumir um

pensamento mais ativo e crítico.

Page 159: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

157

Na prática, essa mediação feita pelo professor

significa certa simplificação dos conceitos filosóficos

trabalhados. Mas um simplificar que permita ao jovem ver a

filosofia na sua vida, e não uma simplificação que entregue a

ele respostas simplórias e estéreis. A simplificação, aqui, abre a

possibilidade de apropriação, por parte do estudante, dos

conceitos filosóficos e enseja a continuidade da reflexão (com

o que ela tende a se tornar mais complexa). É isso que nos

interessa. O filosofar enquanto ato, o pensamento ativo. Não

está em mira a tradição como doutrina, como coisa acabada,

mas a tradição como fornecedora de instrumentos conceituais

capazes de fomentar a continuidade do pensamento. O filosofar

crítico, e não doutrinário. Um filosofar como tarefa do

pensamento humano. E, portanto, nunca acabado, nunca

totalizado.

Com a lembrança da importância da tradição

queremos fazer ver que, se por um lado é muito importante

ouvir o aluno, abrir espaço em aula para que ele se manifeste e,

mais importante, que o conteúdo dessas manifestações seja

utilizado pelo professor como matéria prima para que ele ajude

o aluno a construir seu entendimento a respeito do assunto

abordado; por outro lado, a aula não pode se resumir a um

diálogo entre aluno e professor, ou entre alunos, deve haver a

“intromissão” de conceitos filosóficos mais claros para que não

se perca o rumo. A tradição filosófica faz parte da construção

que o professor visa ajudar o aluno a engendrar com a matéria

prima que ele (aluno) já traz consigo.

São dois aspectos, portanto: por um lado o que o aluno

traz, por outro o que a tradição tem a oferecer em relação a isso

que ele traz. E mesmo isso que os alunos trazem é carregado de

tradição. Os alunos existem no mundo. Esse mundo é povoado,

também, por conceitos filosóficos. Na medida em que já

sempre foram atingidos pelo mundo, os alunos já foram

Page 160: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

158

atingidos pela tradição filosófica. Na aula é possível fazê-los

perceber essa situação. Fazê-los ver os limites e potenciais da

visão de mundo que já adquiriram no decorrer de suas vidas.

Nesse sentido, a aula de filosofia não é apenas um momento de

aprendizado de filosofia enquanto disciplina da grade

curricular, mas também um momento de autoconhecimento e

autocrítica; autoconhecimento entendido não como um

conhecimento de um sujeito fechado em si mesmo, mas como

conhecimento de si na relação com o outro3. O conteúdo

exposto na aula, se trabalhado adequadamente (segundo a ideia

de levar em conta a compreensão prévia do aluno), não vai se

resumir a uma apresentação abstrata destituída de interesse

vital, mas algo que toca a vida cotidiana do aluno. A filosofia,

diferentemente de outras disciplinas mais técnicas que são

ministradas na escola, tem essa capacidade de manter viva a

perspectiva humana sobre a vida. Esse é o elemento que pode

tocar o jovem no seu mundo cotidiano. A filosofia abre o

jovem para a possibilidade de ressignificação – feita, dentro do

possível, ativa e criticamente – e enriquecimento da própria

experiência no mundo.

3. Trabalho em sala

Empregamos vídeos em algumas aulas ministradas

utilizando uma metodologia que segue as principais ideias

discutidas neste ensaio. Passamos o vídeo para os alunos e,

logo após o fim deste, reentramos em cena fazendo questões

sobre a compreensão que eles tinham acerca do que foi

abordado pelo vídeo. Por exemplo, um dos vídeos falava sobre

Epicuro e a felicidade, após os alunos o terem assistido,

3 Outro entendido como mundo. Incluindo muitos aspectos, como a

própria tradição filosófica, por exemplo.

Page 161: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

159

perguntamos o que era felicidade para eles. A partir do que

responderam podemos ir introduzindo o assunto que

desejávamos abordar. Dentro daquilo que os alunos expuseram

estavam algumas ideias que tinham captado em aulas anteriores

sobre Aristóteles e Sartre. Com as intervenções dos alunos

pudemos dar um contorno mais claro à posição de Epicuro em

relação às posições destes outros filósofos que eles emulavam

(com ou sem consciência). Utilizando o que eles diziam

pudemos fazer a aula mais interessante e acessível. Ainda que

tivéssemos que passar por alto em vários aspectos mais

específicos do pensamento de cada autor e nos focar mais no

problema da felicidade – que é mais concreto para o aluno do

que o estudo muito profundo do pensamento de um autor

específico.

Posteriormente, ministramos uma aula sobre Sócrates

na qual utilizamos o gancho da aula anterior sobre Epicuro.

Logo após terem assistido a outro vídeo (desta vez sobre

Sócrates) interpelamos os alunos e estes começaram a fazer

comparações entre Sócrates e Epicuro. Alguns se posicionando

ao lado deste ou daquele autor. Naquilo que diziam pudemos

notar tanto em que pé andava as suas compreensões de

Epicuro, quanto as que formavam a respeito de Sócrates.

Assim, pudemos esclarecer um pouco mais o pensamento de

ambos os filósofos ao mesmo tempo em que fazíamos esse

pensamento ressoar na vida pessoal de cada aluno. Por

exemplo, utilizamos Epicuro, e sua hierarquia de desejos, para

fomentar uma crítica à nossa era consumista. Da mesma forma,

Sócrates foi utilizado por nós para iluminar a importância do

pensamento crítico para o bom funcionamento da democracia e

como é importante que um cidadão possa defender suas ideias

perante outros cidadãos e aceitar a própria ignorância quando

esta lhe é revelada no contato com outros.

Page 162: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

160

Na esteira dessa aula sobre Sócrates cabe um aviso

que, a partir de nossa vivência no decorrer desta aula, julgamos

importante. Trata-se de que o professor não sobrecarregue suas

aulas com uma grande profusão de conceitos. Na aula que

ministramos sobre Sócrates percebemos uma diminuição da

participação da turma quando o número de conceitos expostos

se tornava muito elevado, tornando o panorama geral do

assunto abordado em algo muito complexo. Os alunos tendem

a se sentir inibidos frente a tal situação, não conseguindo

encontrar o “fio de Ariadne” que lhes permitiria fazer

colocações a respeito do que está sendo exposto. Uma

multiplicação exagerada de informações dá a aula aquele ar

“abstrato” que tende a afastá-los da discussão. Neste ponto

também entra o “tato” do professor, a capacidade de perceber a

situação dos alunos frente ao assunto e de mudar o andamento

da aula em função dessa percepção. Aqui cabem recursos a

exemplos, perguntas dirigidas a turma que estimulem e dêem

uma indicação do que o professor está pondo em questão com

o que está expondo. Muitas vezes percebemos que ao fazer

uma pergunta à turma botamos luz sobre o que o professor

espera que os alunos estejam compreendendo e qual é o

“caminho” da aula, para onde, ou para o que, as explicações se

dirigem e qual é a relação disso com a vida dos alunos.

4. Considerações finais

No dia-a-dia da prática docente – neste curto espaço

em que a empreendemos – mostrou-se de fato difícil, em

muitas situações, captar a compreensão que a turma estava

tendo do assunto abordado. Participamos da elaboração de uma

avaliação e percebemos que alguns alunos compreenderam

nossas exposições de uma forma um tanto diferente do que

esperávamos. E aqui se mostrou outra ferramenta de diálogo

Page 163: Ensaios para o ensino de filosofia

Compreensão prévia e filosofia

161

entre aluno e professor, a própria avaliação. Nesta a

oportunidade de perceber o que foi apreendido e de onde foi

apreendido se revela ao docente. O professor pode captar o

modo como este ou aquele aluno o compreende. Ele pode ver

de onde estes alunos enxergam o assunto abordado, i. e., qual

era a compreensão prévia (ou pelo menos algum aspecto desta)

a partir da qual os alunos estavam interpretando o que estava

sendo trabalhado em sala. Captando um pouco essa

compreensão prévia, é possível trabalhar o assunto de forma

diferente, para tentar melhorar sua absorção por parte do aluno.

Isso mostra que a avaliação tem valor não só ao fim da

exposição de um assunto e antes de se adentrar outro, mas

também durante esta exposição. Para que seja possível a

mudança de rumo na forma como o assunto é abordado, ainda

enquanto este está sendo abordado.

5. REFERÊNCIAS

MENDEZ, J.M.A. Avaliar para conhecer, examinar para

excluir. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

LUIJPEN, W. Introdução à fenomenologia existencial. São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

Page 164: Ensaios para o ensino de filosofia
Page 165: Ensaios para o ensino de filosofia

163

A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DOS TEXTOS

CLÁSSICOS NAS AULAS DE FILOSOFIA DO ENSINO

MÉDIO: REFLEXÕES ACERCA DA DOCÊNCIA EM

FILOSOFIA

Yuri Galvão Oberlaender de Almeida

“A água é bebida com mais gosto quando da própria

fonte”- Ovídio

Quando ainda estava no ensino médio, lembro-me de

algumas palavras proféticas de meu pai. Na, meados de meus

dezessete anos, entregava-me a convivência com os amigos e a

prática intensa de esporte. Meu pai, médico de formação e

profissão, lera amplamente, desde astrologia até filosofia, o que

lhe dá certa cultura geral.

Certo dia disse-me, em tom de conselho: “meu filho,

leia os clássicos, os grandes pensadores, como Platão. Eles

“farão sua cabeça”. Imagino que ele, pautado na percepção de

que me aplicava avidamente ao esporte e à convivência, teve a

sensibilidade de notar minha falta de interesse ao estudo, à

educação intelectual. Hoje compreendo quão proféticas essas

palavras. Ao estudar Platão percebo quão imbuídas elas estão

de certa ideia de educação1. O gosto de meu pai pela leitura foi

decisivo para que tivesse meu primeiro contato com a filosofia.

Ao escrever esse ensaio de docência, vejo em suas palavras o

divisor de águas para um indivíduo. Mas não só isso, vejo

também uma semente pela qual se pode formar um professor

1 De modo resumido essa ideia consiste na ginástica, para educar o corpo, e

na música, para educar o espírito. Cf. Plato, Republic (book II, 376e) in

Complete Works/ Plato; Indianapolis, Indiana, Hackett Publishing

Company, 1997.

Page 166: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

164

de filosofia. Este ensaio é expressão de experiências docentes e

reflexões acerca da docência em filosofia.

A filosofia entre nós retornou, em caráter de disciplina

obrigatória do ensino médio, em 2008. A justificativa para sua

volta é sua importância para que os cidadãos brasileiros

possam de fato exercer sua cidadania2. Mas de que maneira

exatamente a filosofia prepara os jovens para o exercício da

cidadania? Seria ela uma espécie de merchandising formadora

de cabeças para o status quo? Ou seria ela uma nobre e fiel

serviçal de nossa divina (ou melhor, laica) democracia? Já

adianto que o objetivo desse ensaio não é responder a essas

perguntas, ou melhor, é respondê-las da maneira mais séria,

radical e direta que aquele que ora vos escreve é capaz, nesse

momento. Procurarei deixar claro que, ao enfrentar essas

perguntas a sério, descobre-se o problema que há no fundo

delas, e então uma investigação mais essencial e preliminar

mostra seu porte, fazendo dessas perguntas meras

questiúnculas secundárias.

A filosofia já esteve em nossas escolas (antes de nossa

ditadura militar), inclusive bem acompanhada pelo ensino de

latim, grego e francês, testemunha disso é a professora

Marilena Chauí, que foi aluna de colégio público naquela

época3. No entanto, desde a ditadura militar a filosofia esteve

2 CEPPAS, Filipe, Anotações sobre o ensino da filosofia no Brasil, In:

Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele Cornelli, Marcelo

Carvalho e Márcio Danelon. Coleção explorando o ensino; v. 14. Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010.

3 CARVALHO, Marcelo; SANTOS, Marli. O Ensino da Filosofia no

Brasil: três gerações. In: Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele

Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio Danelon. Coleção explorando o

Page 167: Ensaios para o ensino de filosofia

A importância do estudo

165

afastada de nossas escolas, estando restrita às universidades e

faculdades. Em consequência, a filosofia desenvolveu-se

principalmente como pesquisa acadêmica, ou formação para

bacharelado, como hoje é chamado. A preocupação pela

didática, ou mesmo investigação de seu ensino para aqueles

que nela não veem ou não compreendem (“ainda que ainda”,

pois um dia podem compreender) a importância da filosofia,

naturalmente passou despercebida, ou foi propositalmente

negligenciada. O curso histórico da filosofia (junto ao palpite

deste que ora vos escreve) entre nós parece indicar uma

valorização maior à pesquisa acadêmica, em detrimento de

uma filosofia voltada às escolas, ou seja, ao público que não

escolheu como curso superior a filosofia. Podemos chamá-los

de leigos, insensíveis ao encanto da filosofia, ou seja lá o que

for. Fique claro que o “diagnóstico” acima tratado pretende

generalizar o “status” da filosofia entre nós desde a ditadura

militar (e sua expulsão das escolas) e a revisão da LDB feita

em 20084.

Observa-se que os novos professores de ensino médio,

formados em nossas universidades, estão inteirando-se do

ensino da filosofia para os que não escolheram (ao menos

ainda) a filosofia como seu estudo principal. Estão enfrentando

esse desafio em momento recente à reimplantação da filosofia

nas escolas. É natural, portanto, que o “déficit” de formação

adequada para esse tipo de ensino (uma vez que o foco, ao

ensino; v. 14. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação

Básica, 2010. 4 BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de diretrizes e bases da

educação nacional [recurso eletrônico] : Lei nº 9.394, de 20 de dezembro

de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. (Série

legislação; n. 130). 10. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições

Câmara, 2014.

Page 168: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

166

longo dos anos, tenha sido a pesquisa acadêmica) seja sentido,

tanto entre os estagiários de filosofia para o ensino médio,

quanto nos professores que os preparam. Outro fato r é o

crescente e recente, número de material didático de filosofia,

sendo produzido entre nós. Através dessas considerações

quero destacar o momento crítico em que o ensino de filosofia

a nível escolar vive e o quão decisivo é essa formação para o

futuro desse ensino.

Portanto, o estagiário de hoje vive o desafio de

encontrar maneiras para ensinar a filosofia. Onde buscar as

fontes para o ensino de filosofia no ensino médio? Como fará

cumprir a própria justificativa pela qual a filosofia foi

reintroduzida em nossas escolas (a saber, contribuir para o

exercício da cidadania)? Em verdade, esse estagiário de

filosofia tem até mesmo o direito de questionar e buscar refutar

a possibilidade de fazer filosofia no ensino médio, ou a

justificativa pela qual foi reintroduzida. No entanto esse ensaio

não quer enveredar por essa via. Vamos ao ponto, portanto:

uma palavra tem sido usada sem maiores cerimônias até o

momento. É usada também em nossa LDB. Foi até dado a

responsabilidade por desenvolver o exercício da cidadania. Que

palavra é essa?

Aqui chegamos ao ponto que anunciei mais acima, e

começamos a tocar no problema de fundo, ou seja, naquilo que

está pressuposto na reintrodução da filosofia em nosso ensino.

Vejam bem: está-se pressupondo o conhecimento do que é a

própria filosofia. A pergunta que já está respondida, mas não

explicitamente, é decisiva para determinar o alcance da

filosofia, sua importância e a maneira mais propícia de seu

ensino. O que é filosofia?

Ao clímax da pergunta segue-se a escuridão do

abismo. Mas, como diz Confúcio: “não reclame da escuridão,

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A importância do estudo

167

acenda uma vela”, ou seja, frente à imensa escuridão do

desconhecido, faça o que está ao seu alcance.

Bem sabemos que a filosofia é tradição milenar

(iniciou a mais de 2500 anos atrás), e que ao longo desses

milênios de história ela foi praticada, ensinada e definida de

muitas maneiras diferentes. Essas definições contradizem-se,

englobam-se, entrepassam-se, tornando a resposta a essa

pergunta algo nada fácil. Ainda mais quando não se tem em

mente uma mera elaboração “palavresca”, que têm por

motivação a entrega de um trabalho acadêmico em

determinado prazo. A dura realidade da prática docente de

filosofia no ensino médio é o campo em que a resposta a essa

pergunta será colocada em xeque e a todo o momento testada.

Talvez, pela dificuldade das situações, é possível arriscar-se a

dizer que nesse campo a filosofia será testada a nível

existencial, na vida prática do aspirante a professor. Até onde

se está disposto a ir para ser professor de filosofia? Em todo

caso, o ponto que estou destacando é a importância vital dessa

pergunta (ou seja, o que é filosofia?) para aquele que se propõe

a ensinar filosofia no ensino médio. Talvez mais importante

ainda do que ao professor da academia, que recebe alunos já

interessados em filosofia, portanto, algo dela entendem (ao

menos espera-se que assim seja). Como esse estagiário poderá

enfrentar essa pergunta?

Certamente, se seu objetivo for somente passar em

concurso público, ou coisa que o valha, o estudo que lhe será

proposto serão documentos como parâmetros curriculares e

orientações curriculares, bem como livros de professores atuais

que, como ele, enfrentam os mesmos problemas e fazem a

mesma pergunta. Estará aí a verdadeira fonte da qual se pode

descobrir (ou redescobrir) a essência da filosofia?

Acredito que a forma mais segura de formar-se frente

a essa busca (a saber, a busca pela essência da filosofia) está no

estudo da cultura greco-romana antiga. Além de serem

Page 170: Ensaios para o ensino de filosofia

Yuri Galvão Almeida

168

imprescindíveis para a compreensão da identidade ocidental de

nosso tempo, são também as testemunhas mais palpáveis da

gênese, ou do projeto inicial da filosofia. Portanto, o que é

proposto é um retorno à tradição filosófica. Nessa herança de

nossos antepassados encontra-se o conteúdo e a metodologia

do que podem vir a ser as aulas de filosofia no ensino médio. O

conteúdo sendo os clássicos, como Platão e Aristóteles, por

exemplo, e o método sendo o exercício de leitura e de

interpretação dessas obras.

A vela que ora acende-se frente à escuridão lançada

pela pergunta é bem pequena e talvez a luz que lança mal valha

o esforço de escrever esse breve ensaio. No entanto, defende-se

que esse simples retorno aos clássicos, à medida que vir se

desenvolvendo, pode ser uma direção segura e vigorosa para

encontrar-se um caminho para o ensino de filosofia. Assim esse

que vos escreve vem procurando fazer, desde que seu pai

despertou-lhe de seu sono e disse: vá ler os clássicos!

Referências

PLATO, Republic (book II, 376e). In: Complete Works/Plato;

Indianapolis, Indiana, Hackett Publishing Company, 1997.

CEPPAS, Filipe, Anotações sobre o ensino da filosofia no

Brasil, In: Filosofia: ensino médio / Coordenação, Gabriele

Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio Danelon. Coleção

explorando o ensino; v. 14. Brasília: Ministério da Educação,

Secretaria da Educação Básica, 2010.

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A importância do estudo

169

CARVALHO, Marcelo; SANTOS, Marli. O Ensino da

Filosofia no Brasil: três gerações. In: Filosofia: ensino médio /

Coordenação, Gabriele Cornelli, Marcelo Carvalho e Márcio

Danelon. Coleção explorando o ensino; v. 14. Brasília:

Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2010.

BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de diretrizes e

bases da educação nacional [recurso eletrônico] : Lei nº 9.394,

de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases

da educação nacional. (Série legislação; n. 130). 10. ed.

Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.

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