eficácia e segurança de novo protocolo de dessensibilização alimentar no tratamento da alergia...

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Susana Piedade , Graça Sampaio, Ângela Gaspar, Natacha Santos, Cristina Arêde, Luis Miguel Borrego, Cristina Santa-Marta, Mário Morais-Almeida Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas, Lisboa Nas últimas décadas, a alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) assumiu uma prevalência e gravidade crescentes, sendo os quadros clínicos cada vez mais persistentes. Trata-se de uma entidade muito desafiante na prática clínica relativamente à qual as opções terapêuticas se limitam frequentemente à evicção rigorosa do alimento e tratamento sintomático das reacções alérgicas acidentais. A possibilidade de efectuar dessensibilização alimentar (DA) nos doentes com alergia alimentar continua a ser tema de debate mas parece tratar-se de uma promissora forma específica de alterar o seu prognóstico. Aprofundar o conhecimento e reportar os resultados obtidos numa série de crianças com APLV IgE-mediada orientadas sob um mesmo protocolo de DA misto, sub-lingual - oral, visando influenciar o prognóstico da doença. Entre Maio de 2009 e Janeiro de 2012, foi aplicado um protocolo de DA sub-lingual oral a 22 crianças com APLV IgE-mediada. O protocolo, utilizando como extracto alergénico leite de vaca (LV) puro, iniciou-se com doses sub-linguais seguidas da ingestão oral de doses progressivas de LV, sempre em Hospital-de-Dia, até à dose alvo de 200mL/dia. Obteve-se consentimento informado no início e em todas as sessões do tratamento. Foi facultado contacto telefónico da equipa médica nas 24 horas. Média etária 8.4 ± 4.5 anos (18 meses a 16 anos) Relação sexo M/F de 1.4:1. A dose de manutenção (200mL/dia) foi alcançada em todos os doentes, numa média de 19 semanas e 5 (mín. 3 a máx. 7) visitas hospitalares. Registaram-se, durante a fase de indução, reacções alérgicas ligeiras a moderadas em 16 crianças, resolvidas com terapêutica oral (anti-histamínicos e/ou corticosteróides): Hospital: MC 16 R 5 GI 4 Ambulatório: MC 16 R 3 GI 4 Reacção alérgica grave em 2 casos: - * 1 caso de anafilaxia após exercício físico, dependente da ingestão de LV; - ** 1 caso de anafilaxia, no início da indução por ingestão acidental de LV. A DA ao LV é uma opção terapêutica inovadora na abordagem da APLV IgE-mediada, independentemente do grau de sensibilização. O protocolo utilizado revelou-se eficaz, seguro e prático. Todos os doentes alcançaram uma dose que permite dieta sem restrições, com melhoria evidente da qualidade de vida. Idade início protocolo de DA (anos) 5 8 4 6 15 16 10 15* 15** 16 9 6 9 3 11 7 2 7 6 1,5 8 6 Última reacção alérgica ao LV 5a A (R+GI) 8a A (MC+R) 4a GI 6a MC 14a A (MC+R) 16a MC 9a MC 14a A (R+MC) 14a A (R+MC+GI) 15a A (MC+R+CV) 6a A (MC+GI) 5a MC 5a R 3a R 11a MC 7a GI 2a MC 6a MC 3a A (MC+GI) 1.5a MC 2a GI 2a A (MC+R) TC LV (mm) 11 10 4 4,5 4 5,5 4 7,5 6 6 5 4,5 5 4 10 3 5 10 3,5 5 5 3,5 IgE específica LV (kUA/L) 0,98 26,8 31,4 12,6 1,43 7,04 1,23 43,5 15,1 59,8 1,2 13,3 5,61 2,47 23 19 1,14 4,49 4,9 0,38 13,9 0.59 Sensibilização aeroalergénios comuns + + + + + - + + + + + + + + + + + - + + + - Outra doença alérgica associada AB, RA AB, RA AB, RA, EA AB, RA, EA, OAA AB, RA, OAA RA, EA RA, OAA AB, RA, OAA RA AB, RA, UF AB, RA AB, RA AB, RA, EA, OAA AB, RA AB, RA, EA, OAA AB, RA, EA, OAA RA, EA, OAA AB, RA AB, RA, EA AB, RA, OAA AB, RA, OAA AB, RA a anos; A anafilaxia; R respiratória ; GI gastrointestinal; MC mucocutânea; CV cardiovascular; AB asma brônquica; RA rinite alérgica; EA eczema atópico; OAA outra alergia alimentar; UFurticária ao frio Visita 1 (Dia 1) Data:___/___/___ Visita 2 (Dia 14 a 28) Data:___/___/___ Visita 3 (Dia 28 a 56) Data:___/___/___ Visita 4 (Dia 42 a 70) Data:___/___/___ Visita 5 (Dia 56 a 84) Data:___/___/___ 1 gota * 2 gotas * 3 gotas * 4 gotas * 0,1 mL 0,2 mL 0,5 mL 0,5 mL 1 mL 1 mL 5 mL 5 mL 10 mL 10 mL 10 mL 10 mL 20 mL 20 mL 50 mL 50 mL 50 mL (intervalo 2 horas) 100 mL 100 mL 100 mL (intervalo 2 horas) 200 mL Dose manutenção (no domicílio) 0,5 a 1 mL 2X/dia Dose manutenção 5 a 10 mL 2X/dia Dose manutenção 20 a 50 mL 2X/dia Dose manutenção 100 mL 2X/dia Dose manutenção 200 mL dose única …Dieta livre… Intervalo entre doses: 20 a 30 minutos Nota: * doses sub-linguais Intervalo entre doses: 20 a 120 minutos Sintomas ligeiros ou isolados: prosseguir protocolo após regressão dos sintomas eventual prescrição anti-hist./cortic. e ajuste / repetição doses. Anafilaxia ou persistência de sintomas: tratar de acordo; reiniciar com dose anterior e incremento de acordo com a resposta e a tolerância evidenciada.

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Page 1: Eficácia e segurança de novo protocolo de dessensibilização alimentar no tratamento da alergia às proteinas do leite de vaca

Susana Piedade, Graça Sampaio, Ângela Gaspar, Natacha Santos, Cristina Arêde,

Luis Miguel Borrego, Cristina Santa-Marta, Mário Morais-Almeida

Centro de Imunoalergologia, Hospital CUF Descobertas, Lisboa

Nas últimas décadas, a alergia às proteínas do leite de vaca (APLV) assumiu uma prevalência e gravidade crescentes, sendo os quadros clínicos cada vez mais

persistentes. Trata-se de uma entidade muito desafiante na prática clínica relativamente à qual as opções terapêuticas se limitam frequentemente à evicção rigorosa

do alimento e tratamento sintomático das reacções alérgicas acidentais. A possibilidade de efectuar dessensibilização alimentar (DA) nos doentes com alergia

alimentar continua a ser tema de debate mas parece tratar-se de uma promissora forma específica de alterar o seu prognóstico.

Aprofundar o conhecimento e reportar os resultados obtidos numa série de crianças com APLV IgE-mediada orientadas sob um mesmo protocolo de DA misto,

sub-lingual - oral, visando influenciar o prognóstico da doença.

Entre Maio de 2009 e Janeiro de 2012, foi aplicado um protocolo de DA sub-lingual – oral

a 22 crianças com APLV IgE-mediada.

O protocolo, utilizando como extracto alergénico leite de vaca (LV) puro,

iniciou-se com doses sub-linguais seguidas da ingestão oral de doses progressivas de LV,

sempre em Hospital-de-Dia, até à dose alvo de 200mL/dia.

Obteve-se consentimento informado no início e em todas as sessões do tratamento.

Foi facultado contacto telefónico da equipa médica nas 24 horas.

Média etária 8.4 ± 4.5 anos (18 meses a 16 anos)

Relação sexo M/F de 1.4:1.

A dose de manutenção (200mL/dia) foi alcançada em todos os doentes, numa média de 19 semanas e 5 (mín. 3 a máx. 7) visitas hospitalares.

Registaram-se, durante a fase de indução, reacções alérgicas ligeiras a moderadas em 16 crianças,

resolvidas com terapêutica oral (anti-histamínicos e/ou corticosteróides):

Hospital: MC – 16 R – 5 GI – 4 Ambulatório: MC – 16 R – 3 GI – 4

Reacção alérgica grave em 2 casos:

- * 1 caso de anafilaxia após exercício físico, dependente da ingestão de LV;

- ** 1 caso de anafilaxia, no início da indução por ingestão acidental de LV.

A DA ao LV é uma opção terapêutica inovadora na abordagem da APLV IgE-mediada, independentemente do grau de sensibilização.

O protocolo utilizado revelou-se eficaz, seguro e prático.

Todos os doentes alcançaram uma dose que permite dieta sem restrições, com melhoria evidente da qualidade de vida.

Idade início protocolo de DA (anos)

5 8 4 6 15 16 10 15* 15** 16 9 6 9 3 11 7 2 7 6 1,5 8 6

Última reacção alérgica ao LV 5a A

(R+GI)

8a A

(MC+R)

4a GI

6a MC

14a A

(MC+R)

16a MC

9a MC

14a A

(R+MC)

14a A

(R+MC+GI)

15a A

(MC+R+CV)

6a A

(MC+GI)

5a MC

5a R

3a R

11a MC

7a GI

2a MC

6a MC

3a A

(MC+GI)

1.5a MC

2a GI

2a A

(MC+R)

TC LV (mm) 11 10 4 4,5 4 5,5 4 7,5 6 6 5 4,5 5 4 10 3 5 10 3,5 5 5 3,5

IgE específica LV (kUA/L) 0,98 26,8 31,4 12,6 1,43 7,04 1,23 43,5 15,1 59,8 1,2 13,3 5,61 2,47 23 19 1,14 4,49 4,9 0,38 13,9 0.59

Sensibilização aeroalergénios comuns

+ + + + + - + + + + + + + + + + + - + + + -

Outra doença alérgica associada

AB, RA AB, RA AB, RA, EA AB, RA, EA,

OAA AB, RA,

OAA RA, EA RA, OAA

AB, RA, OAA

RA AB, RA, UF AB, RA AB, RA AB, RA, EA,

OAA AB, RA

AB, RA, EA, OAA

AB, RA, EA, OAA

RA, EA, OAA

AB, RA AB, RA, EA AB, RA,

OAA AB, RA,

OAA AB, RA

a – anos; A – anafilaxia; R – respiratória ; GI – gastrointestinal; MC – mucocutânea; CV – cardiovascular; AB – asma brônquica; RA – rinite alérgica; EA – eczema atópico; OAA – outra alergia alimentar; UF– urticária ao frio

Visita 1

(Dia 1) Data:___/___/___

Visita 2

(Dia 14 a 28) Data:___/___/___

Visita 3

(Dia 28 a 56) Data:___/___/___

Visita 4

(Dia 42 a 70) Data:___/___/___

Visita 5

(Dia 56 a 84) Data:___/___/___

1 gota *

2 gotas *

3 gotas *

4 gotas *

0,1 mL

0,2 mL

0,5 mL

0,5 mL

1 mL

1 mL

5 mL

5 mL

10 mL

10 mL

10 mL

10 mL

20 mL

20 mL

50 mL

50 mL

50 mL

(intervalo 2 horas)

100 mL

100 mL

100 mL

(intervalo 2 horas)

200 mL

Dose manutenção

(no domicílio)

0,5 a 1 mL 2X/dia

Dose manutenção

5 a 10 mL 2X/dia

Dose manutenção

20 a 50 mL 2X/dia

Dose manutenção

100 mL 2X/dia

Dose

manutenção

200 mL dose única

…Dieta livre…

Intervalo entre doses: 20 a 30 minutos

Nota: * doses sub-linguais

Intervalo entre doses: 20 a 120 minutos

Sintomas ligeiros ou isolados: prosseguir protocolo após regressão dos sintomas – eventual prescrição anti-hist./cortic. e

ajuste / repetição doses.

Anafilaxia ou persistência de sintomas: tratar de acordo; reiniciar com dose anterior e incremento de acordo com a resposta e

a tolerância evidenciada.