educaÇÃo polÍtica e consciÊncia crÍtica: o programa de formaÇÃo polÍtico, sindical e...
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RESUMO O presente estudo teve o objetivo de analisar a proposta formativa do “Programa de Formação Político-Sindical e Educacional” proposto pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná, a APP-Sindicato (Associação dos Professores do Paraná), em conjunto com a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), entre os anos de 2007 e 2009. Para cumprir com a finalidade delineada, examinou-se parte do material didático (apostilas), o qual integra o curso de formação. Tratou-se, em síntese, de detectar as potencialidades da iniciativa contida na proposta formativa do programa de formação da APP-Sindicato, mas, também, os limites de sua pedagogia de formação, direcionada às suas bases de professores e funcionários de escola pública, a qual tem o intuito de elevar o grau de consciência crítica e política do conjunto da categoria. Em geral, conferiu-se que o material analisado traz implicações ao processo de formação política dos profissionais ligados a APP, uma vez que a sociedade de classes é retratada de forma dicotômica e superficial, descaracterizando a luta de classes e seus embates ideológicos. Verificou-se também que o material vale-se de uma ampla gama de autores das mais diversas perspectivas filosóficas, as quais não são devidamente articuladas a ponto de evidenciar o processo evolutivo do pensamento liberal e a crítica que se faz a ele, resultando em uma espécie de ecletismo teórico-metodológico. Para a análise e a problematização do programa de formação, recorreu-se à concepção materialista da história. Palavras-chave: Educação política. Consciência crítica. APP-Sindicato.TRANSCRIPT
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FRANCIELI ARAUJO
EDUCAO POLTICA E CONSCINCIA CRTICA: O PROGRAMA DE FORMAO POLTICO, SINDICAL E EDUCACIONAL DA APP-SINDICATO (2007-2009)
ORIENTADORA: PROF. DR. ADREANA DULCINA PLATT
2013
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2013
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FRANCIELI ARAUJO
EDUCAO POLTICA E CONSCINCIA CRTICA: O PROGRAMA DE FORMAO POLTICO, SINDICAL E EDUCACIONAL DA APP-SINDICATO (2007-2009)
Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Educao da Universidade Estadual de Londrina, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre.
Orientadora: Prof. Dr. Adreana Dulcina Platt.
Londrina Paran 2013
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Catalogao elaborada pela Diviso de Processos Tcnicos da Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)
A663e Araujo, Francieli.
Educao poltica e conscincia crtica: o Programa de Formao Poltico,
Sindical e Educacional da APP-Sindicato (2007-2009) / Francieli Araujo. Londrina, 2013.
101 f.: il.
Orientador: Adreana Dulcina Platt.
Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Londrina, Centro de Educao, Comunicao e Artes, Programa de Ps-Graduao em
Educao, 2013.
Inclui bibliografia.
1. Sindicato dos Professores das Redes Pblicas Estadual e Municipais no Paran Teses. 2.
Poltica e educao Teses. 3. Sindicatos Professores Teses. 4. Educao e Estado
Teses. 5. Sociologia educacional Teses. I. Platt, Adreana Dulcina. II. Universidade Estadual
de Londrina. Centro de Educao, Comunicao e Artes. Programa de Ps-Graduao em
Educao. III. Ttulo.
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FRANCIELI ARAUJO
EDUCAO POLTICA E CONSCINCIA CRTICA: O PROGRAMA DE FORMAO POLTICO, SINDICAL E EDUCACIONAL DA APP-SINDICATO (2007-2009)
Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Educao da Universidade Estadual de Londrina, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre.
Comisso examinadora:
_____________________________ Prof. Dr. Adreana Dulcina Platt
UEL Londrina - PR
_____________________________ Prof. Dr. Eliane Cleide da Silva
Czernisz - UEL Londrina - PR
_____________________________ Prof. Dr. Paulo Sergio Tumolo
UFSC Florianpolis SC
Londrina, 19 de agosto de 2013.
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Agradecimentos
Esta pesquisa fruto da participao de pessoas muito importantes, as quais
contriburam, direta e indiretamente, com apontamentos, sugestes e
incentivos. Por essa razo, alguns agradecimentos se fazem necessrios.
Agradeo orientadora deste trabalho, professora Adreana Dulcina Platt,
Por contribuir com o delineamento deste estudo, pelas leituras e apontamentos.
Aos professores Dr. Paulo Srgio Tumolo e Dr Eliane Cleide da Silva Czernisz,
Pela gentileza e disponibilidade de participarem das bancas de Qualificao e
Defesa.
Ao Emlson, secretrio do PPEdu,
Por ser sempre atencioso, em seu trabalho, esclarecendo as dvidas e os
encaminhamentos.
s amigas: Marcela, Maria Fernanda Cunha, Renata, Giovana, Carolina e Eliete,
Pelas palavras de apoio, pelas experincias trocadas, pela pacincia em saber ouvir,
nos momentos de incerteza.
minha me,
Meu maior exemplo.
Por fim, ao professor e amigo Ariovaldo Santos,
Pelo incentivo constante, por compartilhar seu imenso conhecimento, por ter
acreditado na realizao deste trabalho, desde o primeiro momento. Muito obrigada!
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Desconfiai do mais trivial, na aparncia singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
no aceiteis o que de hbito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confuso organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural,
nada deve parecer impossvel de mudar.
Bertold Bretch
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ARAUJO, Francieli. Educao poltica e conscincia crtica: o programa de formao poltico, sindical e educacional da APP-Sindicato (2007-2009). 2013. 101 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.
RESUMO
O presente estudo teve o objetivo de analisar a proposta formativa do Programa de Formao Poltico-Sindical e Educacional proposto pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educao Pblica do Paran, a APP-Sindicato (Associao dos Professores do Paran), em conjunto com a CNTE (Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao), entre os anos de 2007 e 2009. Para cumprir com a finalidade delineada, examinou-se parte do material didtico (apostilas), o qual integra o curso de formao. Tratou-se, em sntese, de detectar as potencialidades da iniciativa contida na proposta formativa do programa de formao da APP-Sindicato, mas, tambm, os limites de sua pedagogia de formao, direcionada s suas bases de professores e funcionrios de escola pblica, a qual tem o intuito de elevar o grau de conscincia crtica e poltica do conjunto da categoria. Em geral, conferiu-se que o material analisado traz implicaes ao processo de formao poltica dos profissionais ligados a APP, uma vez que a sociedade de classes retratada de forma dicotmica e superficial, descaracterizando a luta de classes e seus embates ideolgicos. Verificou-se tambm que o material vale-se de uma ampla gama de autores das mais diversas perspectivas filosficas, as quais no so devidamente articuladas a ponto de evidenciar o processo evolutivo do pensamento liberal e a crtica que se faz a ele, resultando em uma espcie de ecletismo terico-metodolgico. Para a anlise e a problematizao do programa de formao, recorreu-se concepo materialista da histria. Palavras-chave: Educao poltica. Conscincia crtica. APP-Sindicato.
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ARAUJO, Francieli. Political education and critical awareness: the political, syndical and educational training program of APP-Union (2007-2009). 2013.101 f. Dissertation (Masters Degree in Education) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.
ABSTRACT This study aimed to analyze the training proposal of the Political, Syndical and Educational Training Program, presented by the Public Education Workers Union, the APP-Union (Association of Teachers of Parana), jointly with the CNTE (National Confederation of Workers in Education), between 2007 and 2009. In order to achieve this goal, part of the didatic material (coursepacks), which integrates the training course, was investigated. In summary, the present research detected not only the potentialities held by the training proposal of the APP-Union training program, but also the limits of its training pedagogy, oriented to its base of teachers and employees that work at public schools, where there is the intention of raising the level of political and critical awareness of the whole category. In general, it was checked that the material brings implications to the political development process of teachers linked to the APP, once the class society is portrayed in a dichotomous and superficial way, depriving the characteristics of class struggle and its ideological impingement. In addition, this paper verified that the material unites a wide range of authors from distinct philosophical standpoints, which are not properly articulated as to reveal the evolutionary process of liberal thought and the critique concerning it, resulting in a kind of theoretical and methodological eclecticism. Materialist conception of history was adopted to analyze and investigate the training program. Key-words: Political education. Critical awareness. APP-Union.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APLP - Associao dos Professores Licenciados
APMP - Associao do Pessoal do Magistrio
APP - Sindicato - Sindicato dos Trabalhadores em Educao Pblica do Paran
CNTE - Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao
CUT Central nica dos Trabalhadores
DIEESE Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos Socioeconmicos
PFPSE - Programa de Formao Poltico, Sindical e Educacional
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SUMRIO
1 INTRODUO ....................................................................................................... 11
2 TRABALHADORES EM EDUCAO PBLICA: PERTENCIMENTO DE CLASSE
EM DISCUSSO........................................................................................................18
2.1 TRABALHO PRODUTIVO E TRABALHO IMPRODUTIVO.................................................18
2.2 O ESTATUTO CONCEITUAL DOS ESTRATOS MDIOS ...................................................23
2.3 OS TRABALHADORES EM EDUCAO PBLICA COMO CATEGORIA PROFISSIONAL DOS
ESTRATOS MDIOS........................................................................................................38
3 NOTAS SOBRE O SINDICATO DOS TRABALHADORES DO SETOR
PBLICO...................................................................................................................43
3.1 SNTESE DA CONSTITUIO HISTRICA DA APP-SINDICATO: A ORGANIZAO SINDICAL
DOS TRABALHADORES EM EDUCAO PBLICA DO ESTADO DO PARAN ............................ 45
3.2 O PROJETO FORMATIVO DO PFPSE DA APP-SINDICATO E O PAPEL DO DIRIGENTE
SINDICAL ..................................................................................................................... 51
4 O PROGRAMA DE FORMAO POLTICO, SINDICAL E EDUCACIONAL DA APP-SINDICATO (2007- 2009): EDUCAO POLTICA E EONCSCINCIA CRTICA .................................................................................................................... 65
4.1 PRIMEIRAS ANLISES - INTRODUO SOCIOLOGIA, TEORIA POLTICA E ECONOMIA
POLTICA: ALGUNS APONTAMENTOS ............................................................................... 71
4.2 CONCEPO DE FILOSOFIA SEGUNDO A PROPOSTA FORMATIVA DO PFPSE DA APP-
SINDICATO: CONTRAPONTOS ......................................................................................... 78
4.3 TEORIA E PRTICA DA COMUNICAO SINDICAL: OS LIMITES DA
PROPOSTA....................................................................................................................81
4.4 ASPECTOS HISTRICOS DO MOVIMENTO SINDICAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAO
PBLICA: A DISCUSSO DE CLASSE E CONSCINCIA DE CLASSE........................................ 89
5 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 96
REFERNCIAS..........................................................................................................99
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INTRODUO
Neste estudo, tem-se o objetivo de analisar o Programa de Formao
Poltico, Sindical e Educacional1, proposto pelo Sindicato dos Trabalhadores em
Educao Pblica do Paran, a APP-Sindicato em conjunto com a CNTE
(Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao), entre os anos de 2007 e
2009.
O projeto formativo em exame parte da afirmao de que o atual contexto
social desfavorvel aos trabalhadores em educao pblica, os quais tm seus
direitos aos poucos extintos, em razo das constantes investidas do receiturio
neoliberal. Dessa forma, a perspectiva defendida pelas entidades envolvidas coloca
a necessidade de formar lideranas sindicais capazes de se contrapor a essa
sociedade tida como injusta e desigual. Consideram que esses elementos so
importantes, sobretudo, quando observam debilidades na formao poltica das
direes atuantes na base sindical. Assim, diante do quadro apresentado, coloca-se
em curso o PFPSE, com vistas a superar tais [...] deficincias atravs da formao
de novos dirigentes sindicais (CNTE, 2007, p. 05).
O caminho adotado para suprir tais necessidades articula-se ao
entendimento de que preciso [...] proporcionar e garantir aos dirigentes os
fundamentos necessrios e complementares para a reflexo e compreenso do
processo histrico da luta dos trabalhadores (CNTE, 2007, p. 05). Nesse sentido, a
proposta formativa segue determinado contedo programtico, o qual organizado
em quatro eixos temticos considerados fundamentais, no processo de formao
dos dirigentes sindicais: 1- concepo poltica e sindical; 2- formao de dirigentes
sindicais; 3- planejamento e administrao sindical e 4- temas transversais. Os
primeiros trs eixos temticos dispem de catorze cadernos (apostilas), que foram
desenvolvidos, em grande parte, por professores sem vnculo orgnico com as
entidades, em geral, pertencentes a diversas universidades do pas (CNTE, 2007, p.
05).
1 De agora em diante, ao mencionarmos o Programa de Formao Poltico, Sindical e Educacional
da APP-Sindicato, poderemos utilizar a sigla PFPSE. Importa ainda salientar que as anlises recaem sobre e entidade sindical mediadora da proposta formativa, isto , a APP. Entretanto, a CNTE, tambm, ser evidenciada em alguns momentos do estudo, por contribuir com o referido projeto de formao.
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exatamente com relao a essa proposta formativa sugerida pela APP em
conjunto com a CNTE que se pauta nossa investigao, mais especificamente sobre
a anlise de parte dos cadernos elaborados especialmente ao programa de
formao. Examinaram-se, desse modo, os seguintes cadernos temticos2:
a. Introduo Sociologia (FERREIRA, 2007),
b. Teoria Poltica (SILVEIRA, 2007),
c. Economia Poltica (MACIEL, 2007),
d. Introduo Histria do Movimento Sindical (GOETTERT, 2007),
e. Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educao no
Brasil (MONLEVADE, 2007),
f. Fundamentos da Filosofia: os caminhos do pensar para quem quer
transformar (PASSOS, 2008),
g. Teoria e Prtica da Comunicao Sindical (SANTIAGO; GIANNOTTI, 2008).
Os demais cadernos no foram examinados neste estudo, porque, em nossa
leitura, possuem carter mais instrumental do que conceitual, fornecendo
orientaes sobre a rotina tcnica, administrativa e legislativa de uma entidade
sindical, tal como administrao dos recursos financeiros, estratgias na
organizao de reunies, assembleias, cursos, greves, de modo geral, aspectos
relativos ao planejamento estratgico sindical. No queremos diminuir a ordem do
cotidiano administrativo de um sindicato, considerando-o como um elemento menor
uma vez que nele compreendemos a possibilidade de materializao dos
discursos contra-hegemnicos , mas se justifica o recorte de anlise tecida aos
princpios norteadores da formao poltica e sindical dos trabalhadores em
educao pblica. Soma-se a isso a ampla gama de autores, com suas respectivas
teorias, que comparecem nos cadernos, coloca dificuldades para que todas sejam
analisadas neste trabalho, razo pela qual a investigao aqui proposta contemplou,
basicamente, o material onde evidente o dilogo com o referencial terico
fornecido por Marx, Engels e correntes do marxismo, pois a direo da APP indica
que a perspectiva de formao classista (CNTE, 2007).
2 Os termos: apostilas, cadernos temticos, fascculos e at mesmo cartilhas so empregados
indiscriminadamente no material analisado. Por essa razo no se priorizou um nico termo neste estudo.
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Interessou a este estudo detectar as potencialidades da iniciativa proposta
pelas entidades citadas, assim como os limites de sua pedagogia de formao,
direcionada, em primeiro momento, s suas bases de professores e funcionrios de
escolas pblicas. Objetivou-se, em geral, verificar por quais caminhos so
conduzidas as reflexes acerca da educao poltica necessria emancipao dos
trabalhadores em educao pblica.
A relevncia da pesquisa est na anlise crtica de um programa de
formao poltica dirigido aos trabalhadores da educao pblica, pretendido como
uma compreenso sobre os artifcios da sociedade burguesa, em particular, e ao
capital, em geral. Assim, ao se construir uma proposta formativa com o intuito de
produzir novos dirigentes sindicais, a entidade sindical busca, sobretudo, romper
com o culto conscincia espontnea, isto , a crena de que basta a vivncia
dentro da sociedade de classes para que o agir dos professores e funcionrios seja
crtico.
Dessa forma, ao propor o curso, a APP se coloca no papel de mediadora do
processo educativo. Essa iniciativa importante, visto que o culto ao espontneo,
vivncia cotidiana, obstaculiza ao invs de fazer avanar o processo de tomada de
conscincia crtica por parte da classe trabalhadora. Gadotti refora o que foi
afirmado, escrevendo que
[...] o proletariado no conquista a sua conscincia de classe apenas operando sobre si mesmo, mas fazendo poltica. Esse, porm, no um processo espontneo. O proletariado, o trabalhador em geral, no chega espontaneamente conscincia de classe, conscincia poltica, teoria revolucionria. Por isso h necessidade de uma educao e, sobretudo de uma educao poltica. Conscincia de classe significa domnio da teoria revolucionria e esta nasce da assimilao crtica das posies mais avanadas da cultura burguesa e da sua consequente superao. (1992, p. 63, grifo do autor).
Por certo, a conscincia crtica no consiste em um fenmeno espontneo
atrelado ao conhecimento vulgar, mas de apreenso da totalidade social e de suas
contradies, no plano terico, o chamado concreto pensado, isto , a realidade
apreendida pelo processo de reflexo terica.
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Diante disso, considerou-se, no decorrer das anlises, se a perspectiva
terica, tal como desenvolvida pelas entidades em questo, capaz de
impulsionar o trabalhador da educao pblica reflexo da totalidade do complexo
social, envolvendo nesse movimento as contradies do capitalismo. importante
pensar se o educador sindical da APP, face atual ordem vigente, consegue
fornecer os elementos de mediao para desmistificar o mundo da prxis
fetichizada, prpria ao pensamento do senso comum. Tarefa mais do que
necessria, uma vez que o
[...] pensamento comum a forma ideolgica do agir humano de todos os dias. Todavia, o mundo que se manifesta ao homem na prxis fetichizada, no trfico e na manipulao, no o mundo real, embora tenha a consistncia e a validez do mundo real: o mundo da aparncia (Marx). A representao da coisa no constitui uma qualidade natural da coisa e da realidade: a projeo, na conscincia do sujeito, de determinadas condies histricas. (KOSIK, 1976, p. 15, grifos do autor).
Transcender o campo do imediato, do fenomnico, significa ir alm da
superficialidade com a qual se apresenta o objeto ao senso comum. Sendo assim,
somente problematizando as mediaes que compem a realidade que se pode
superar a aparncia dos processos e fenmenos sociais como sendo a realidade da
estrutura social (PAULO NETTO, 2000).
Portanto, pensar a educao poltica e sindical dos professores e
funcionrios da rede estadual de ensino do Paran, mediada pelo agente de
representao sindical, requer antes investigar em que base est ancorada a
pedagogia de formao proposta e sua filosofia educacional. Assim, tomando por
eixo o quadro investigativo delineado, fez-se recurso ao campo conceitual do
materialismo histrico, incorporando autores clssicos, bem como anlises recentes
do referencial marxiano.
Contudo, se o percurso metodolgico3 adotado para a realizao deste
estudo caminha no sentido de explicar a realidade em seu movimento, o material
3 igualmente importante reconhecer que [...] o mtodo no um componente alienvel da teoria.
Ele no se forja, tambm, independentemente do objeto que se pesquisa. uma relao necessria pela qual o sujeito que investiga pode reproduzir intelectualmente o processo do objeto investigado, para apanhar o movimento constitutivo do ser social e a reproduo intelectual deste configura a base da teoria mesma. [...] recorrendo compulsoriamente abstrao, avana do emprico (os fatos), apreende as suas relaes com outros conjuntos empricos, pesquisa a sua gnese histrica
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didtico elaborado para o curso de formao s tem sentido se examinado luz de
suas amarras com a totalidade social e o prprio carter da luta de classes. Em
geral, o objeto de estudo requer ser pensado em seu entrelaamento com o
complexo social capitalista. Isso necessrio, quando se pretende captar a essncia
do objeto, de tal modo que ele se apresente como , e no como se mostra na
imediaticidade, exerccio prprio do pensamento comum. Nesse sentido, verifica-se
que a anlise da totalidade social em movimento cumpre com tal objetivo, pois [...]
trata da coisa em si que, no entanto, [...] no se manifesta imediatamente ao
homem (KOSIK, 1976, p. 09). a partir da que se torna possvel visualizar o
sentido correto do
[...] pensamento crtico que se prope compreender a coisa em si e sistematicamente se pergunta como possvel chegar compreenso da realidade. [...] O pensamento que quer conhecer adequadamente a realidade, que no se contenta com os esquemas abstratos de prpria realidade, nem com suas simples e tambm abstratas representaes, tem de destruir a aparente independncia do mundo dos contatos imediatos de cada dia. O pensamento que destri a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da aparncia se desvenda o mundo real; por trs da aparncia externa do fenmeno; por trs do movimento visvel, o movimento real interno; por trs do fenmeno, a essncia. (KOSIK, 1976, p. 15-16, grifos do autor).
Por esse caminho, forjam-se as condies para distinguir entre
representao reproduo equivocada do real no plano da conscincia e
conceito da coisa. Desvenda-se que a essncia no se manifesta imediatamente ao
homem. No caso especfico do programa de formao, embora sua iniciativa se
revele como algo positivo, porque busca ir alm do materialismo espontneo da
cotidianidade, no se pode desconsiderar que ele est inserido em uma sociedade
determinada por interesses capitalistas e, por isso, pode apresentar uma falsa leitura
da realidade. O mesmo ocorre com o conjunto do material selecionado, que se
insere dentro de uma problemtica concreta, isto , o carter contraditrio do
e o seu desenvolvimento interno e reconstri, no plano do pensamento, todo este processo. (PAULO NETTO, 2000, p. 75).
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capitalismo e as formas de insero dos professores e funcionrios no interior desse
modo de produo enquanto trabalhadores assalariados mdios, analisados
mediante a perspectiva de uma entidade vinculada a determinadas correntes
ideolgicas do movimento dos trabalhadores em educao.
Dessa maneira, deve-se reconhecer que essa forma de anlise requer
compreender que
[o] fenmeno no radicalmente diferente da essncia, a essncia no uma realidade que pertence a uma ordem diversa da do fenmeno. Se assim fosse efetivamente, o fenmeno no se ligaria essncia atravs de uma relao intima, no poderia manifest-la e ao mesmo tempo escond-la; a sua relao seria reciprocadamente externa e indiferente. Captar o fenmeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa se manifesta naquele fenmeno atingir a essncia. Sem o fenmeno, sem a sua manifestao e revelao, a essncia seria inatingvel. No mundo da pseudoconcreticidade o aspecto fenomnico da coisa, em que a coisa se manifesta e se esconde, considerado como a essncia mesma, e a diferena entre a essncia e o fenmeno desaparecem. [...] A realidade a unidade do fenmeno e da essncia. Por isso, a essncia pode ser to irreal quanto o fenmeno, e o fenmeno tanto quanto a essncia, no caso em que se apresentam isolados e, em tal isolamento, sejam considerados como a nica ou autntica realidade. (KOSIK, 1976, p. 12, grifos do autor).
Tomando por base o exposto, observe-se que imprescindvel pensar o
objeto articulando-o com as vrias dimenses do real. Em decorrncia, o texto foi
organizado da seguinte forma: no CAPTULO I, buscou-se reconhecer as
especificidades do pblico ao qual se destina o PFPSE. Destacou-se inicialmente
que, embora assalariados, o tipo de trabalho executado pelos trabalhadores em
educao pblica tipicamente improdutivo, o que exigiu o delineamento das
categorias trabalho produtivo e trabalho improdutivo, segundo a concepo
materialista da histria. Outro elemento importante apresentado refere-se ao
pertencimento de classe dos profissionais ligados APP. Verificou-se que
professores e funcionrios da rede pblica de ensino pertencem aos estratos
mdios, porque, entre outras razes, realizam um tipo de trabalho que no resulta
em mais-valia ao capital.
Assim, conferidas as especificidades da categoria qual se dirige o PFPSE
da APP que se tornou possvel caminhar para o CAPTULO II. Procurou-se nessa
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seo demonstrar algumas particularidades do movimento sindical do setor pblico.
A partir dessa ao, resgatou-se brevemente a constituio histrica da APP-
Sindicato, fazendo-nos compreender suas principais lutas e anseios, desde a sua
origem associativa at os dias atuais enquanto entidade sindical representativa dos
trabalhadores em educao pblica. Com o exposto, foi possvel aprofundar nosso
objeto de estudo, delineando as diretrizes gerais do PFPSE, a fim de verificar como
pensam a referida proposta formativa direcionada aos professores e funcionrios da
rede estadual de ensino do Paran, vistos como futuros agentes difusores da
conscincia crtica ao capitalismo. Partindo do entendimento de que tais
individualidades compreendem mais amplamente o mundo trabalho que se
concebeu a possibilidade de aproximar a anlise das entidades quelas
desenvolvidas por Antonio Gramsci, a respeito da funo do intelectual orgnico da
classe trabalhadora.
O CAPTULO III destinou-se anlise dos cadernos selecionados pelo
estudo, com a finalidade de compreender mais detalhadamente o PFPSE e sua
proposta formativa.
A realizao desta pesquisa permitiu tecer algumas consideraes sobre o
programa de formao promovido pela APP-Sindicato: em geral, constatou-se, de
acordo com os cadernos analisados, que, buscando criticar a sociedade capitalista,
o caminho adotado o da construo de uma leitura superficial, dicotmica, por
vezes fenomenolgica, marcada pela presena de conceitos operacionalizados
arbitrariamente ou, ainda, esvaziados de seu sentido.
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2 TRABALHADORES EM EDUCAO PBLICA: PERTENCIMENTO DE CLASSE EM DISCUSSO
Neste captulo, discute-se questo fundamental para a investigao
proposta. Trata-se de delinear as categorias analticas que cercam os trabalhadores
em educao no setor pblico, grupo profissional para o qual se destina o Programa
de Formao Poltico, Sindical e Educacional da APP-Sindicato (2007-2009). Parte-
se do pressuposto de que, embora assalariados, professores e funcionrios filiados
entidade guardam, em relao aos demais trabalhadores, particularidades que
permitem classific-los como improdutivos, uma vez que no produtores de mais-
valia para o capital. Ademais, assume-se desde j, como ponto de partida, que os
vnculos que os ligam com a totalidade da vida social fazem predominar a
proximidade desses profissionais com os estratos mdios de trabalhadores, o que
nos levou a resgatar parte do debate conceitual sobre essa camada intermediria.
Portanto, por esta discusso ser marcada pela natureza do trabalho que
realizam considerado de carter improdutivo, diante do capital mister revisitar a
distino entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, buscando compreender o
pertencimento desses trabalhadores s camadas mdias, em geral definida pela
literatura como classes mdias.
2.1 TRABALHO PRODUTIVO E TRABALHO IMPRODUTIVO
Com a finalidade de recortar nosso objeto de estudo, ao demarcarmos as
especificidades relativas aos profissionais ligados APP-Sindicato, um ponto
relevante a considerarmos, embora de difcil discusso, refere-se noo de
trabalhadores produtivos e trabalhadores improdutivos. Tal categorizao decisiva
para o afastamento de uma posio terica que identifica professores e funcionrios
da rede pblica de ensino como proletrios4. Alm disso, esclarecer as categorias
trabalho produtivo e trabalho improdutivo ajuda no que concerne ao momento
subsequente da pesquisa, isto , aquele que busca compreender o que so os
estratos mdios. 4 Essa tendncia retratada por Souza (1997, p. 15), ao relatar que [a] organizao sindical dos
professores tem se pautado pela construo de um sindicalismo classista e de massa, que compreende o professor como integrante da classe operria e se apoia na sua conscincia como assalariado em processo de proletarizao perspectiva que no compartilhada por este estudo.
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Nesse sentido, Marx fornecer contribuies decisivas para a compreenso
dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo, assim como do processo de
trabalho5.
Sobre o processo de trabalho, o autor argumenta que este
[...] um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com a sua prpria ao, impulsiona, regula e controla seu intercmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas foras. Pe em movimento as foras naturais de seu corpo, braos e pernas, cabea e mos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma til vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domnio o jogo das foras naturais. [...] Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. (MARX, 1980, p. 202).
Para a concepo materialista da histria, o trabalho condio fundante
constituio do ser social, independentemente da forma societria na qual se
estabelece. De acordo com a passagem acima, o processo simples de trabalho no
tem como princpio a produo de riqueza. Contudo, na sociedade capitalista, tal
processo ganha contornos especficos e complexos, uma vez que subsumido
lgica do capital, o trabalho tem a finalidade de gerar mais-valia.
Nesses termos, a fora de trabalho no capitalismo concebida como uma
mercadoria, como qualquer outra com valor de uso, com a diferena de que nica
que agrega valor ao capital, ou seja, o mais valor. Este, por sua vez, extrado da
fora de trabalho atravs do tempo excedente ou trabalho no pago, isto , o
perodo do processo de trabalho no qual o trabalhador opera alm dos limites do
trabalho necessrio. O trabalho excedente o trabalho que ultrapassa o tempo
socialmente necessrio para a produo dos meios que garantem a sobrevivncia
do trabalhador e a produo e reproduo da fora de trabalho. atravs dele que o
capitalista extrai a mais-valia (MARX, 1987, p. 242).
Para Marx, a essncia do capitalismo est no trabalho no pago apropriado
pelo capitalista em sua relao direta com os trabalhadores. Dessa espcie de
trabalho assalariado produtivo depende a existncia do capital (MARX, 1987, p.
133). Em geral, o [...] trabalho produtivo no seno expresso sucinta que
5 Essas categorias se apresentam no corpo conceitual do livro primeiro, volume I da obra O Capital.
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designa a relao integral e o modo pelo qual se apresentam a fora de trabalho e o
trabalho no processo capitalista de produo (MARX, 2004, p. 131). Ademais,
analisa:
O trabalho produtivo troca-se diretamente por dinheiro enquanto capital, isto , por dinheiro que, como capital, se contrape fora de trabalho. Em consequncia, trabalho produtivo aquele que, para o operrio, reproduz somente o valor previamente determinado de sua fora de trabalho, ao passo que, em sua condio de atividade geradora de valor, valoriza o capital; e ope ao operrio os valores criados por essa atividade, na condio de capital. (MARX, 2004, p. 132).
O trabalho produtivo trabalho resultante de explorao. S ele capaz de
gerar mais-valia burguesia. A essa classe (burguesa) interessa somente a parte do
trabalho excedente do operrio, cujo valor a fonte de toda a riqueza para o capital.
Outro o sentido do trabalho produtivo para o trabalhador assalariado subordinado
diretamente ao capital. Assim,
[p]ara o prprio operrio, o trabalho produtivo, como qualquer outro, no mais do que um meio para a reproduo de seus meios necessrios de subsistncia. Para o capitalista, a quem a natureza do valor de uso e o carter do trabalho concreto utilizado totalmente indiferente em si mesmo, o trabalho produtivo puramente meio de obter dinheiro, de produzir mais-valia. (MARX, 2004, p. 135).
Apropriar-se do trabalho, dando a ele o carter de produtivo, condio para
o capital, uma vez que a
[...] produo capitalista no apenas produo de mercadoria, essencialmente produo de mais-valia. O trabalhador produz no para si, mas para o capital. No basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve autovalorizao do capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produo material ento um mestre-escola um trabalhador produtivo se ele no apenas trabalha as cabeas das crianas, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresrio. O fato de que este ltimo tenha investido seu capital numa fbrica de ensinar, em vez de numa fbrica de salsichas, no altera em nada na relao. O conceito de trabalho produtivo, portanto, no encerra de modo algum apenas uma relao entre a atividade e efeito til, entre
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trabalhador e produto do trabalho, mas tambm uma relao de produo especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorizao do capital. Ser trabalhador produtivo no , portanto, sorte, mas azar. (MARX, 1984, p. 105-106, grifos nossos).
O trabalho produtivo, assim como sugere a assertiva precedente, deve ser
apreendido na sua relao ampla com o capital, isto , independente do tipo de
mercadoria que produza: material ou imaterial, de natureza produtiva todo
trabalho de que se extrai mais-valia.
Outro elemento inerente ao trabalho produtivo a condio de
assalariamento. No entanto, tal fator no exclusivo a esse tipo de trabalho, mas se
pode fazer presente, tambm, nas fileiras dos trabalhadores improdutivos. Dessa
forma, Marx esclarece:
Todo trabalhador produtivo assalariado, mas nem todo assalariado trabalhador produtivo. Quando se compra o trabalho para consumi-lo como valor de uso, como servio e no para coloc-lo como fator vivo em lugar do valor do capital varivel e incorpor-lo ao processo capitalista de produo o trabalho no trabalho produtivo e o trabalhador assalariado no trabalhador produtivo. (2004, p. 128, grifos nossos).
Convm salientar que os trabalhadores assalariados, produtivos ou
improdutivos, encontram-se sujeitos dinmica da acumulao do capital, ainda que
de formas distintas. Entretanto, o que se pretende destacar aqui que, caso
contribua com a valorizao do capital, trabalho produtivo; se no, trabalho
improdutivo. Assim, para Marx, a distino entre o trabalho produtivo e improdutivo
no se limita ao fato de serem indispensveis ao desenvolvimento do capital, como
apontado, mas sua importncia est na funo social que exercem, ou seja, em seu
valor de uso mediante as exigncias da sociedade capitalista. Nesse mbito, Marx
demonstra como o mesmo tipo de trabalho pode ser apropriado pelo capital,
produtiva ou improdutivamente:
Uma cantora que entoa como um pssaro um trabalhador improdutivo. Na medida em que vende seu canto, assalariada ou comerciante. Mas, a mesma cantora, contratada por um empresrio, que a faz cantar para ganhar dinheiro, um trabalhador produtivo, j que produz diretamente capital. (MARX, 2004, p. 133).
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Portanto, os trabalhadores dividem-se entre aqueles que produzem mais-
valia e aqueles que no o fazem. A distino fundamental est em caracterizar o
trabalhador improdutivo enquanto elemento importante reproduo do capital,
embora no produtor de mais-valia. Tais trabalhadores improdutivos so
assalariados em funes burocrticas, as quais so complementares produo
propriamente dita (SAES, 1984). Encarregam-se de sustentar a complexa estrutura
capitalista, atravs de tarefas de controle, que em si no representam riqueza ao
capital, mas evitam os desperdcios do trabalho produtivo. Desse modo, pode-se
considerar que os trabalhadores do chamado setor de servios6, os trabalhadores do
Estado, do comrcio, dos bancos, alm daqueles da educao pblica, so
socialmente teis ao capital, pois contribuem com a administrao e manuteno
dessa sociedade (PESSANHA, 1997).
De acordo com Saes (1984), a distino entre trabalho produtivo e trabalho
improdutivo tem implicaes ideolgicas, uma vez que a classe dominante e o
Estado capitalista se valem da diviso social do trabalho como forma de
consolidao de sua hegemonia. Nota-se, com isso, que essa distino resulta [...]
no enfraquecimento da solidariedade entre os trabalhadores produtivos e os
improdutivos e disperso dos trabalhadores improdutivos (SAES, 1984, p. 11).
Nesse sentido, procurando ocultar o antagonismo de classes, cria-se uma
gigantesca operao ideolgica que apresenta a concorrncia entre os indivduos
como natural, a qual encontra respaldo na hierarquia do trabalho e na ideologia da
meritocracia (SAES, 1984). Cabe, dessa maneira,
[...] explicar a fragmentao de toda atividade humana e a especializao forada em funo de um imperativo racional; neste quadro, a distino fisiologicamente duvidosa entre trabalho manual e trabalho no-manual foi difundida com o objetivo de impor uma hierarquia ao mundo do trabalho e de convencer o conjunto dos trabalhadores de que tal hierarquia decorria de uma distribuio desigual de dons e mritos (SAES, 1984, p. 11, grifos do autor).
Em que pesem os limites da discusso proposta, buscou-se distinguir
trabalho produtivo e improdutivo a fim de contribuir com o debate sobre a definio
6 De acordo com Marx, [...] servio no , em geral, seno a expresso para o valor de uso particular
do trabalho, na medida em que este no til como coisa, mas como atividade (2004, p. 136). Ademais exemplifica dizendo que nenhum homem compra prestaes de servios mdicas ou legais como meio de transformar em capital o dinheiro assim desembolsado (idem, p. 137).
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de classes. Assim, busca-se delimitar o pertencimento de classe dos trabalhadores
em educao pblica, resgatando antes parte do campo conceitual referente aos
estratos mdios.
2.2 O ESTATUTO CONCEITUAL DOS ESTRATOS MDIOS
Dada a complexidade da discusso, faz-se necessrio revisitar, igualmente,
parte do debate sobre os estratos mdios, fundamentalmente na obra de
importantes tericos7 da rea e tema. Estimulados pelo aumento significativo dos
estratos mdios, verificado principalmente com o desenvolvimento do capital
monopolista8 e com a reestruturao econmica9 que conduz emergncia de
novos agrupamentos de trabalhadores (com novas funes ocupacionais), comum
a diversos autores os esforos para delinear o campo conceitual que traduza o
significado, dentro da estrutura social mais geral, desse contingente da fora de
trabalho, assim como sua insero na totalidade de produo social, enquanto
assalariados.
7 Destacam-se os autores consultados: Dcio Saes (1984, 2005); Nicos Poulantzas (1978); Wright
Mills (1976); Harry Braverman (1981). 8 Jos Paulo Netto (1996) faz um resumo dos fenmenos introduzidos pela organizao monoplica
na economia capitalista, j que [...] o capitalismo monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de contradies que confere ordem burguesa os seus traos basilares de explorao, alienao e transitoriedade histrica, todos eles desvelados pela crtica marxiana (p. 15). [...] a constituio da organizao monoplica obedeceu urgncia de viabilizar um objetivo primrio: o acrscimo dos lucros capitalista atravs do controle dos mercados. Com isso, a organizao monoplica da economia capitalista introduz uma srie de fenmenos que so destacados: a) os preos das mercadorias (e servios) tendem a crescer progressivamente; b) as taxas de lucros tendem a ser mais altas nos setores monopolizados; c) a taxa de acumulao se eleva, acentuando a tendncia descendente da taxa mdia de lucro e a tendncia ao subconsumo; d) o investimento se concentra nos setores de maior concorrncia, uma vez que a inverso nos monopolizados torna-se progressivamente mais difcil (logo a taxa de lucro que determina a opo ao investimento se reduz); e) cresce a tendncia a economizar trabalho vivo (grifo do autor), com a introduo de novas tecnologias; f) os custos de venda sobem, com um sistema de distribuio e apoio hipertrofiado o que, por outra parte, diminui os lucros adicionais dos monoplios e aumenta o contingente de consumidores improdutivos. H ainda a tendncia a equalizao das taxas de lucro revertida em favor dos grupos monopolistas (que extraem seus superlucros tambm a partir de uma deduo da mais-valia e de outros grupos capitalistas). O trabalho vivo tende a ser economizado pelo uso de novas tecnologias. Ocorre tambm o aumento de trabalhadores como exrcito de reserva industrial (p.17). Paulo Netto (1996) chama a ateno para o fenmeno de supercapitalizao: devido s crescentes dificuldades de valorizao, o capital acumulado utilizado como forma de autofinanciamento. Os traos gerais apontados esboam o pano de fundo do capital monopolista, os quais, se bem analisados, evidenciariam o pice da contradio capitalista. 9 Enfatiza Dcio Saes: A constituio de um mercado urbano de trabalho no-manual sobretudo
resultado do desenvolvimento do capitalismo industrial. [...] preciso verificar que parte da populao rural se mobilizou para as cidades para preencher as novas funes econmicas (1984, p. 43, grifos do autor).
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Desse modo, no sentido de melhor conhecer esses grupos sociais
intermedirios, em suas manifestaes objetivas (seu pertencimento estrutura
social total) e subjetivas (prticas e valores defendidos por este contingente de
assalariados), a fundamentao terica verificada aponta, basicamente, para duas
possibilidades de insero de classe desse agrupamento social: aquela que trata de
fundi-los, ora aos proletrios, ora aos burgueses, ou a que trata de compreend-los
como uma insero de classe especfica.
Permeiam as anlises algumas inquietaes: os estratos mdios estariam
propensos a identificar-se com qual classe social? A chamada proletarizao
socioeconmica teria levado os estratos mdios a negar um alinhamento com o
movimento operrio assumindo a crena de pertencimento a um estrato especfico e
superior? A suposta identificao dos estratos mdios com os proletrios estaria
ligada aos contnuos achatamentos salariais que no os distinguiriam
financeiramente da grande parte da faixa salarial dos demais trabalhadores
assalariados?
Importante acrescentar que esforos de respostas a essas questes esto
presentes no leque de reflexes distantes ou inseridas no campo do materialismo
histrico, o qual compreende que as classes sociais so identificadas de acordo com
a sua posio nas relaes sociais de produo, ou seja, considera-se o tipo de
vnculo estabelecido entre os homens de uma classe e os meios de produo, tendo
em vista a gerao e a apropriao dos excedentes sociais. As classes sociais
seriam definidas pelas condies materiais nas quais se inserem, conforme as
relaes econmicas de base capitalista.
Assim, regidas pela estrutura econmica social particular, as duas grandes
classes fundamentais no capitalismo compreenderiam: a) a burguesia, que controla
o conjunto das relaes sociais de produo, inclusive o Estado, e se apropria do
excedente10 na forma de mais-valia, e b) a classe dos proletariados, que no possui
os meios de produo e independncia econmica, restando-lhes apenas vender
constantemente sua fora de trabalho, a fim de subsistir.
10
Silva Junior contribui com a definio do termo excedente, afirmando que [...] o trabalho que no pago pelo capitalista; o trabalho que, por ir alm do trabalho necessrio reposio dos meios de subsistncia, permite ao capitalista a apropriao da mais-valia resultante. o trabalho explorado que, por isso mesmo, na lgica do capital, se constitui em trabalho produtivo. produtivo porque ao produzir mais-valia produz tambm ampliao do capital (1990, p. 29).
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Neste ponto, voltamos clssica questo do processo hegemnico do
capital: a classe detentora dos meios de produo (burguesia) torna-se
economicamente dominante, garantindo, tambm, o predomnio poltico e ideolgico
sobre toda classe proletria, oposta em interesses (MARX; ENGELS, 1998). Dentro
da relao contraditria que as identifica, observe-se, ainda, que entre elas se
estabelece uma permanente correlao de foras, uma vez que a histria das
classes sociais, na sociedade capitalista, envolve a condio de possuidores e
despossudos 11.
O relacionamento entre essas duas grandes classes sociais conduz ao
acirramento de foras polticas tambm opostas. Nessa conjuntura, as classes esto
impossibilitadas de serem iguais ou de produzirem a igualdade social.
Em geral, as correlaes de foras evocam a luta constante pelo poder
poltico institucionalizado e expresso por meio do Estado, dos partidos polticos,
sindicatos (tanto patronais quanto de trabalhadores). Luta que se manifesta tambm
na adeso dos trabalhadores em movimentos sociais diversos e na contnua
resistncia ao capital, por meio dessa forma de reivindicao coletiva. As classes
sociais se identificam ainda por meio das lutas polticas que lhes so inerentes.
Dessa forma, o dimensionamento terico proposto neste estudo ocorre,
tambm, no sentido de compreender as posies polticas assumidas pelos estratos
mdios de acordo com a fase contempornea do modo de produo capitalista.
Logo, dentre as classes sociais fundamentais (burguesia e proletariado), emergem
conjuntos socais intermedirios, os quais a literatura convencionou chamar por
estratos mdios, classes mdias, assalariados mdios, camadas mdias urbanas,
pequena-burguesia, nova pequena-burguesia, colarinhos brancos (White colar),
dentre outras denominaes verificadas nas bibliografias consultadas12.
A heterogeneidade de termos atribudos a essa camada social inclusive
motivo de polmica entre os autores que se debruam em analis-la. Todavia, a
questo terminolgica apenas um indcio da polmica principal, a qual trata de
11
A esse respeito, Marx e Engels (2001, p. 23-24) so categricos, ao afirmarem: A histria de toda a sociedade em nossos dias a histria da luta de classes. Homem livre e escravo, patrcio e plebeu, senhor e servo, mestre e oficial, em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposio; empenhados numa luta sem trgua, ora velada, ora aberta, luta que a cada etapa conduziu a uma transformao revolucionria de toda a sociedade ou ao aniquilamento das duas classes em confronto. 12
A inteno no foi levantar todos os termos que definiram e definem os assalariados no-manuais, mas notadamente indicar a sua diversidade terminolgica.
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delinear o posicionamento econmico, poltico e ideolgico desse agrupamento
social composto por assalariados no-manuais, improdutivos e no proprietrios dos
meios sociais de produo.
Alguns autores marxistas buscaram a definio do conceito de classes
mdias, discutindo-o sob pontos de vista pouco consensuais. Este o caso dos
trabalhos de Dcio Saes (1984, 2005), Nicos Poulantzas (1978) e Harry Braverman
(1981). Fora da tradio marxista, expe-se ainda o trabalho de Wright Mills (1976),
o qual se utiliza dos pressupostos weberianos para analisar os trabalhadores no-
manuais.
Para Saes (1984, p. 10), por exemplo, a dita classe mdia13, por viver da
mais-valia produzida pela classe operria, compreenderia um segmento social
secundrio, pois no estaria em oposio direta aos donos do capital. Os grupos
mdios no esto [...] diretamente engajados no antagonismo entre as classes
fundamentais e no constituem, pois um dos agentes principais do conflito poltico
capaz de destruir a sociedade capitalista (SAES, 1984, p. 18). Contudo, de acordo
com o autor, a situao social secundria dos grupos mdios alinhada ao carter
limitado de sua prtica poltica no configuraria ausncia poltica por parte dessa
camada, pois [...] os grupos mdios podem constituir uma base social de apoio
poltica das classes sociais, seja a classe superior, seja a classe popular. Assim, o
apoio e o consentimento dos grupos mdios seriam, nas palavras do autor, fatores
importantes de concretizao de uma certa poltica de classes (SAES, 1984, p.19).
Outro elemento importante que configuraria esse agrupamento de
trabalhadores seria a sua heterogeneidade, ou seja, suas mltiplas camadas
internas que, segundo Saes renem um grande [...] conjunto de trabalhadores
assalariados dos servios urbanos (bancos, comrcio) e da administrao de
empresas industriais, os funcionrios do Estado, civis e militares, e os profissionais
liberais (1984, p. 09). Diante desse quadro, enfatiza-se que no possvel atribuir a
todos os trabalhadores pertencentes s camadas mdias um mesmo patamar
ideolgico e poltico. Saes salienta:
13
De acordo com o autor, a expresso classe mdia implica uma incoerncia lgica do conceito, que ocorre com a juno de classe, definida segundo as relaes sociais de produo, e mdia, que sugere a posio num sistema de estratificao social (SAES, 1984, p. 03).
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Esse grupo social congrega todos os trabalhadores, assalariados ou no, que, alm de desempenharem algum trabalho apenas indiretamente produtivo (quando no absolutamente improdutivo), auto representam-se, no plano ideolgico, como trabalhadores no-manuais, distintos dos trabalhadores manuais e superiores a eles nos planos profissional e social. A constituio da classe mdia no plano ideolgico no um processo simples, que possa ser identificado com a emergncia de uma conscincia de si entre os trabalhadores intelectuais propriamente ditos: isto , aqueles trabalhadores no-manuais que exercem atividades mentais criadoras e inovadoras. Na verdade, a classe mdia passa a atuar concretamente como um grupo social especfico quando os trabalhadores intelectuais na acepo estrita da palavra se renem ideologicamente com os trabalhadores cuja atividade dominantemente mental, mas tem um carter reiterativo, e no criativo ou inovador. Isso ocorre quando esses dois segmentos de trabalhadores no-manuais entendem que possvel usar, cada um a seu modo (o primeiro segmento valorizando, sobretudo, a criatividade, o segundo grupo limitando-se a valorizar a ausncia de esforo fsico de monta), o prestgio social do trabalho intelectual, agora definido de modo amplo e impreciso, para afirmar a sua superioridade econmica e social com relao s classes trabalhadoras manuais. (2005, p. 100, grifo do autor).
Importa para o autor destacar que a diversidade dos servios urbanos no
Brasil, isto , as mltiplas funes desempenhadas no conjunto dos trabalhadores
mdios incluem [...] grupos profissionais to diversos quanto os vendedores
ambulantes e os tcnicos da administrao pblica. Dessa maneira, compreende
que a classe mdia deve ser analisada como uma noo prtica, quer dizer, no
pode ser determinada num plano puramente terico, porque [...] recobre um leque
de grupos profissionais bastante diversos cuja unidade ideolgica e poltica seria no
mnimo problemtica (SAES, 1984, p. 09). Ademais, afirma que a difcil tarefa de
localizar a posio poltica e ideolgica dos grupos mdios na sociedade de classes
se deve, sobretudo, diviso social do trabalho nos moldes do capitalismo moderno,
ou seja, na ciso rgida entre o trabalho manual e o trabalho no-manual (SAES,
1984, p. 11)14.
14
Sobre a diviso do trabalho e a mistificao da realidade que dela resulta, Marx e Engels
apresentam suas consideraes nA Ideologia Alem: Primeiro, na comunidade tribal, a diviso do trabalho se baseia na diferena dos sexos. Com o surgimento da diviso entre cidade e campo as imposies naturais se tornam secundrias e avultam as condies sociais propriamente ditas. A formao da classe dos comerciantes, separada dos produtores, faz avanar ainda mais o processo da diviso social do trabalho. Deste processo se origina a propriedade nas suas diversas formas, desde a propriedade comunal tribal at a propriedade so termos idnticos. A diviso do trabalho alcana um patamar superior quando se separam o trabalho manual do trabalho intelectual. Este ltimo passa a ser funo privilegiada de certo segmento da classe dominante, o qual se
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Saes considera que a conscincia mdia portadora de elementos de
valorizao dons e mritos do trabalho no-manual, o que a levaria recusar a
equiparao socioeconmica com os trabalhadores manuais (SAES, 1984, p. 11).
Em termos gerais, a classe mdia estaria apegada ideologia meritocrtica, que
imporia conscincia dos trabalhadores no-manuais a falsa percepo de que a
separao entre trabalho manual e trabalho no-manual seria uma hierarquia
natural baseada no mrito pessoal, dificultando a compreenso de que ambos
esto subsumidos dinmica da acumulao do capital, ainda que de forma
diferenciada.
Por fim, o autor compreende que os grupos mdios so constitudos por
fraes de trabalhadores que a hierarquia do trabalho classifica como no-
manuais. No entanto, sua condio mdia e sua conscincia no operria [...] no
afastam o estabelecimento de alianas com a classe proletria; mas, a aliana no
equivale, em nenhum caso, a fuso ou integrao (SAES, 1984, p. 14-15).
A indefinio poltica dos grupos mdios j era sinalizada pelos clssicos, no
sculo XIX. Nesse perodo, os grupos intermedirios eram compostos por artesos,
pequenos proprietrios rurais e urbanos, comerciantes, profissionais liberais
(mdicos, advogados, artistas etc.), os quais constituam, de acordo com Marx e
Engels, as camadas mdias, cuja indefinio poltica foi destacada pelos autores,
no Manifesto do Partido Comunista, obra de 1848:
De todas as camadas que hoje em dia se opem burguesia, s o proletariado uma classe verdadeiramente revolucionria. As outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da grande indstria; o proletariado, pelo contrrio, seu produto mais autntico. As camadas mdias pequenos comerciantes, pequenos fabricantes, artesos, camponeses combatem a burguesia porque esta compromete sua existncia como camadas mdias. No so, pois, revolucionrias, mas conservadora; mais ainda, so reacionrias, pois pretendem fazer girar para trs a roda da Histria.
dedica a pensar. A tarefa exclusiva de pensar se enobrece, enquanto se envilecem as tarefas exigentes de esforo fsico, entregues aos indivduos das classes dominadas e exploradas. Uma vez que a tarefa de pensar (isto , de realizar elaboraes intelectivas e de exercer a direo da sociedade) se torna privilgio de estreito crculo de indivduo, isentos da obrigao do trabalho produtivo, a conscincia destes indivduos dominantes se entifica na ideia de Conscincia substantivada e colocada no reino das abstraes imateriais. A Conscincia entificada se imagina ser algo mais e algo distinto da prtica existente. Imagina que representa realmente algo sem representar algo real. Desde este instante, acha-se a Conscincia entificada em condies de emancipar-se (ficticiamente) do mundo e entregar-se criao da teoria pura etc. Perde-se de vista o substrato material de tais criaes e so elas que parecem propulsoras do desenvolvimento material. (MARX; ENGELS, 1998, p. 28-29, grifos nossos).
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29
Quando se tornam revolucionrias, isto se d em consequncia de sua iminente passagem para o proletariado; no defendem ento seus interesses atuais, mas seus interesses futuros; abandonam seu prprio ponto de vista para se colocar no proletariado. (MARX; ENGELS, 2001, p. 49).
Ademais, afirma-se que:
Nos pases onde a civilizao moderna se desenvolveu, formou-se uma nova pequena burguesia que oscila entre o proletariado e a burguesia; essa nova pequena burguesia incessantemente se reconstituiu como parte complementar da sociedade burguesa, mas seus membros so continuamente relegados ao proletariado em razo da concorrncia. (MARX; ENGELS, 2001, p. 66).
Para Lukcs, o carter incerto da pequena burguesia15 [...] justifica-se pelo
fato de sua existncia no ser fundada exclusivamente sobre sua situao no
processo de produo capitalista, mas estar indissoluvelmente ligada a vestgios da
sociedade dividia em estamentos (2003, p. 156). Desse modo, expe como a
conscincia de classe desta camada social se comporta frente luta de classes:
[...] a pequena burguesia, como classe de transio em que os interesses das duas outras classes [burguesia e proletariado] se enfraquecem simultaneamente, se sentir acima da oposio das classes em geral. Como consequncia, ela buscar no os meios de suprimir os dois extremos, capital e salrio, mas de atenuar sua oposio e transform-la em harmonia. Em sua ao, passar, portanto, ao largo de todas as decises cruciais da sociedade e dever lutar alternativamente, e sempre de modo inconsciente, por outra ou outra das direes das lutas de classes. (LUKCS, 2003, p. 157, grifos do autor).
Para Marx e Engels, a pequena burguesia no foi capaz de fazer frente
tendncia de concentrao e centralizao do capital, o que a levou s fileiras do
proletariado. Somam-se a isso dois outros fatores: o crescente assalariamento
decorrente do processo produtivo e o desenvolvimento tecnolgico das grandes
15
De acordo com Ridenti: [a] pequena-burguesia, na terminologia clssica, tem origem pr-capitalista (composta por camponeses, artesos e pequenos comerciantes); progressivamente diminuiu de nmero, como previa Marx, mas no chegou a desaparecer, em nossos dias, adaptada e reinventada pela sociabilidade capitalista. Por outro lado, as classes mdias tradicionais compem-se tendencialmente de profissionais liberais independentes, advogados, mdicos, arquitetos, artistas e outros, que vendem seus servios como bens imateriais; esses profissionais subsistem at hoje, embora paulatinamente se tornem assalariados. (1995, p. 17).
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30
empresas, os quais comprimiram a pequena burguesia, de tal forma que somente
uma reduzida parcela dessa camada social manteve a propriedade privada. Assim,
v-se que a indefinio da pequena burguesia com relao ao seu posicionamento
poltico e ideolgico decorre da prpria contradio que comporta sua situao de
classe (MARX; ENGELS, 2001).
Significativas nesse sentido, tambm, so as contribuies de outro terico
marxista, Nicos Poulantzas, em As classes sociais no capitalismo de hoje (1978). O
autor, nessa obra, contrrio s correntes que negam as especificidades de classe
do conjunto dos trabalhadores assalariados dentro do que denomina capitalismo
monopolista de Estado. Poulantzas discorda, sobretudo, das teorias que equiparam
os trabalhadores no-manuais classe operria. Segundo o autor, no se deve
negligenciar as divergncias existentes entre esses dois grupos de trabalhadores,
pois,
[...] negando expressamente o pertencimento de classe desses conjuntos, omite-se ao mesmo tempo suas divergncias de classe com a classe operria, ou seja, a possibilidade de interesses de classe relativamente distintos daqueles da classe operria. A identidade sepultada e o amlgama operado entre esses interesses e aqueles da classe operria se fazem, como por acaso, pervertendo, em longo prazo, os interesses prprios da classe operria, nica classe revolucionria at o fim, de forma que se possam confundir com aqueles conjuntos, enquanto todo o problema reside precisamente em trazer esses conjuntos ao pertencimento de classe especfico sobre posies de classe operria. (POULANTZAS, 1978, p. 221).
Ao considerar essas razes, o autor ressalta que as camadas sociais que se
situam numa posio intermediria no devem ser entendidas como classe
proletria; todavia, avalia que, para o campo marxiano, todas as fraes, camadas e
categorias sociais possuem um pertencimento de classe. Nesse sentido, no se trata
de afirmar que esses conjuntos esto margem ou acima da sociedade, isto ,
exteriores classe, mas, na verdade, so fraes de classe, assim como [...] a
burguesia industrial uma frao da burguesia; as camadas so camadas de classe:
a aristocracia operria uma camada da classe operria (POULANTZAS, 1978, p.
215). De acordo com o autor, a noo de classe engloba, sobretudo, a sua atuao
poltica, a qual se torna inexistente fora da luta de classes. Nas palavras dele:
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31
[...] a luta de classes e a polarizao no podem circunscrever conjuntos ao lado ou margem das classes, sem pertencimento de classe, pela simples razo de que tal pertencimento de classe no outra coisa seno a luta das classes, e que essa luta s existe pela existncia de lugares das classes sociais: sustentar que existem grupos sociais exteriores s classes, mas na luta das classes, no tem estritamente sentido algum. E, naturalmente, bem diverso o problema da eliminao do real de algumas classes ou fraes no desenvolvimento ampliado do capitalismo (pequena-burguesia tradicional, pequeno campesinato parceiro): nesses casos, no assistimos absolutamente a um processo de reabsoro dessas classes em conjuntos sem pertencimento de classe camadas intermedirias no assalariadas mas a um processo de eliminao progressiva dessas prprias classes. (POULANTZAS, 1978, p. 218, grifos do autor).
As classes sociais so, para o autor, conjuntos de agentes sociais
determinados, principalmente, mas no exclusivamente, por seu lugar no processo
de produo, ou seja, na esfera econmica. Assim, ao pressupor uma definio de
classes sociais, Poulantzas considera pens-la no conjunto da diviso social do
trabalho e na sua relao estruturante. Especificamente, trata do posicionamento de
classe dos grupos intermedirios:
[...] o fato de esses conjuntos no fazerem, do ponto de vista das relaes econmicas, parte nem da burguesia, nem do proletariado, no poderia ser suficiente para determinar um lugar comum desses conjuntos nas relaes econmicas, isto , uma determinao por simples extrapolao. (POULANTZAS, 1978, p. 224).
Em consequncia, a estrutura de classes no se refere, para Poulantzas,
exclusivamente ao nvel das relaes econmicas num sentido restrito, mas
envolvem da mesma forma, as relaes ideolgicas e polticas.
As caractersticas comuns desses conjuntos, no plano dessas relaes, devem ser compreendidas em referncia s relaes polticas e ideolgicas que especificam os lugares, na diviso social do trabalho, da burguesia e do proletariado. (POULANTZAS, 1978, p. 224).
Segundo o autor, seria a articulao complexa desses trs nveis que
permitiria determinar o pertencimento de classe dos diversos agrupamentos sociais.
Afirma ainda que o rompimento com relao s concepes economicistas das
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classes sociais possibilitaria compreender o lugar dos assalariados no-manuais e
improdutivos:
A referncia s relaes polticas e ideolgicas absolutamente indispensvel para circunscrever o lugar da pequena-burguesia na determinao estrutural de classe: no somente para fundamentar o pertencimento da pequena-burguesia tradicional e da nova pequena-burguesia a uma mesma classe, mas tambm e, sobretudo, a fim de entender esse lugar da nova pequena-burguesia em relao classe operria, as fraes dessa nova pequena burguesia etc. (POULANTZAS, 1978, p. 224).
Poulantzas entende que h diferenas importantes entre esses dois
agrupamentos sociais. A pequena-burguesia tradicional seria originria de um
modo de produo anterior ao capitalismo e tenderia a desaparecer. Por sua vez, a
nova pequena-burguesia16 ascenderia e se fortaleceria com o desenvolvimento do
capitalismo monopolista. Alm disso, a chamada nova pequena-burguesia, ao
contrrio da anterior, no tem a propriedade dos meios de produo e exerce um
trabalho assalariado, isto , [...] remunerado sob a forma de salrio
(POULANTZAS, 1978, p. 227). Portanto, ir indicar como nova pequena-burguesia
tanto os trabalhadores improdutivos, quanto as fraes produtivas do trabalhador
coletivo, principalmente as de trabalho mais intelectual e qualificado, as quais no
poderiam ser equiparadas tendo em vista seu sentimento de pertena de classe,
sua vinculao ao trabalho intelectual e suas condies ideolgicas e polticas
conjunturais ao operariado produtor direto de mais-valia (CAVALCANTE, 2010, p.
08).
E por que Poulantzas no abarcou nas fileiras do proletariado a pequena
burguesia? Em sua opinio, o conceito de proletariado estaria vinculado ao de
trabalho produtivo, no sentido clssico do termo.
Ocorre que o trabalho produtivo, no modo de produo capitalista, [...]
aquele que produz mais-valia, que valoriza o capital que trocado pelo capital
(POULANTZAS, 1978, p. 229). Para Poulantzas (1978), os assalariados do
16
Sobre a nova pequena-burguesia e a pequena-burguesia tradicional, Poulantzas reconhece que, embora apresentem posies diferentes nas relaes de produo, no que concerne especificamente relao de propriedade e de assalariamento, elas tm no plano poltico e ideolgico bastante proximidade, e isso que o leva a incluir os dois grupos sociais em uma mesma e nica classe (POULANTZAS, 1978).
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comrcio, dos bancos (e acrescentem-se os professores e funcionrios do setor
pblico da educao) no produzem mais-valia e, por isso, no pertencem s fileiras
do proletariado, ainda que contribuam diretamente no processo global de repartio
da mais-valia, ao desempenharem tarefas burocrticas, de controle. Como observa o
autor:
Certamente, esses trabalhadores assalariados so tambm explorados, e seu salrio corresponde reproduo de sua fora de trabalho: eles contribuem para diminuir os custos de realizao da mais-valia, realizado em parte trabalho no-pago. [...] so extorquidos do sobretrabalho, mas no so explorados diretamente, segundo a relao de explorao capitalista dominante, a criao de mais-valia. (POULANTZAS, 1978, p. 230).
Poulantzas (1978) elenca uma srie de atributos que distinguiriam a nova
pequena-burguesia assalariada do operariado. Tais caractersticas poderiam estar
presentes na totalidade ou apenas em parte das diferentes fraes dessa nova
pequena-burguesia. Por sua anlise, os principais atributos dessa nova pequena-
burguesia seriam: o trabalho improdutivo, as funes de direo e controle do
trabalho de terceiros (setor de servios, tcnicos), o trabalho intelectual, e uma
prtica poltico-ideolgica individualista e reformista. Corrobora com esse
pressuposto, o exemplo dado por Boito Jnior (2004, p. 218):
Um engenheiro ou administrador assalariado que organiza a produo numa fbrica capitalista exerce um trabalho produtivo, porm, pelo fato de organizar e controlar o trabalho dos produtores diretos faria parte da nova pequena-burguesia. J um professor de uma instituio pblica, a despeito de no controlar o trabalho de terceiros, faria parte da nova pequena-burguesia pelo fato de realizar um trabalho improdutivo e socialmente valorizado como trabalho intelectual.
A respeito da separao entre trabalho intelectual e trabalho manual,
Poulantzas (1978) considera que este um dos principais motivos de distino entre
os assalariados da nova pequena-burguesia e o proletariado. Conforme o autor,
[...] essa diviso trabalho intelectual/trabalho manual no somente se limita a uma diviso tcnica do trabalho, mas constitui de fato, em todo modo de produo dividido em classes, a expresso concentrada da correspondncia das relaes polticas e ideolgicas
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na sua articulao com as relaes de produo. (POULANTZAS, 1978, p. 253).
Assim, os principais traos ideolgicos dessa nova pequena-burguesia
seriam: o aspecto ideolgico anticapitalista, mas que se inclinaria fortemente em
direo s iluses reformistas, a explorao vivida sob a forma de salrio,
reivindicaes essencialmente ligadas questo das rendas, concentrando na
redistribuio de rendas sob o critrio de uma justia social e de uma poltica
igualitria; hostilidade grande riqueza, mas articulada defesa da manuteno
das hierarquias salariais, medo permanente da proletarizao, que se exprime na
resistncia a qualquer transformao revolucionria que possa ameaar os
privilgios de sua condio de trabalhador no-manual (POULANTZAS, 1978, p.
317).
Dessa forma, [...] temerosa de cair na proletarizao, seduzida por
ascender burguesia, a nova pequena-burguesia aspira com frequncia
promoo, carreira, ascenso social, em suma a se tornar burguesia
(POULANTZAS, 1978, p. 318, grifos do autor).
Diante disso, Poulantzas (1978) recusa, por exemplo, a tese de que estaria
ocorrendo fuso entre os agrupamentos intermedirios e os demais assalariados,
em razo da tendncia de proletarizao dos trabalhadores no-manuais.
A tese da proletarizao das camadas mdias sustentada por Harry
Braverman, no livro Trabalho e Capitalismo Monopolista (1981). Nessa obra, o autor
faz a anlise das classes sociais sob o capital monopolista, sinalizando para a
tendncia de proletarizao dos trabalhadores assalariados de escritrio.
O tratamento dado por Braverman s fraes improdutivas dos
trabalhadores no-manuais distancia-se, em certa medida, da leitura de Poulantzas,
pois opera com a hiptese de um estreitamento de laos entre os setores mdios e
demais trabalhadores assalariados, medida que os primeiros estariam se
proletarizando.
Com base nas alteraes da estrutura produtiva acontecidas rapidamente,
ao longo dos sculos XIX e XX, Braverman (1981) assinala que a monopolizao da
propriedade privada e a produo em larga escala de mercadorias levaram ao rpido
crescimento da fora de trabalho assalariada no-manual subordinada ao capital.
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Por conseguinte, esboa brevemente a estrutura de classe do capitalismo pr-
monopolista, contrapondo-a ao do capitalismo monopolista.
As complexidades da estrutura de classe do capitalismo pr-monopolista surgiram do fato de que to grande segmento da populao trabalhadora, nem sendo empregada pelo capital nem empregando ela mesma trabalho em grau significativo, sentiu-se fora da polaridade capital-trabalho. A complexidade da estrutura de classe do moderno capitalismo monopolista surge da prpria considerao oposta: isto , que quase toda populao transformou-se em empregada do capital, ou com seus ramos imitativos nas organizaes no governamentais ou ditas no lucrativas assumiram a forma de compra e venda da fora de trabalho. (BRAVERMAN, 1981, p. 342, grifos do autor).
O autor retoma a noo ampliada de classe operria, argumentando a
ocorrncia de uma fuso na situao de classe dos trabalhadores assalariados de
escritrio com os trabalhadores manuais. Isso se daria em funo do aparecimento
de novas tecnologias empregadas na produo e pelos atuais mtodos de controle
do trabalho baseados nos modelos de gerncia cientfica17 utilizados pelos
capitalistas para manter a taxa de acumulao, o que implicaria a deteriorizao das
condies de venda da fora de trabalho, ocorrendo a proletarizao das camadas
mdias (BRAVERMAN, 1981, p. 342).
Para Braverman, os trabalhadores de escritrio contadores, secretrios,
caixas, telefonistas, arquivistas, recepcionistas, servios de pessoal, entre outras
funes administrativas, de planejamento e controle , como os nomina, estavam
submetidos a condies de trabalho semelhante a dos proletrios das fbricas. As
principais caractersticas apresentadas foram: exerccio repetitivo das funes,
trabalho controlado por terceiros, fragmentao do trabalho (planejamento separado
de execuo), ameaas de desemprego etc. (BRAVERMAN, 1981, p. 342)18.
Todas as camadas assalariadas estariam suscetveis ao processo de
proletarizao, o qual ocorreria no pela condio de assalariamento, mas pela
perda de controle sobre o processo de trabalho, bem como pelo aumento do exrcito
17
Segundo Braverman (1981, p. 82), a gerncia cientfica [...] significa um empenho no sentido de aplicar os mtodos da cincia aos problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas empresas capitalistas em rpida expanso. 18
Essa questo importante, pois o PFPSE proposto pela APP-Sindicato se dirige aos trabalhadores em educao, incluindo, assim, no apenas a categoria dos professores, mas demais profissionais de escola, como merendeiras, secretrias, auxiliares de servios gerais, entre outros setores de servios.
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de reserva. De acordo com Braverman (1981), a atual classe mdia estaria se
diferenciando cada vez mais da pequena burguesia do capitalismo pr-monopolista,
correspondendo definio de classe trabalhadora manual. A velha classe mdia ou
antiga pequena-burguesia [...] possua atributos de ser nem capitalista nem
trabalhadora; ela no desempenhava papel direto no processo de acumulao de
capital, seja de um lado ou de outro. J a [...] nova classe mdia, em contraste,
ocupa sua posio intermediria no porque esteja fora do processo de aumento do
capital, mas porque, como parte desse processo, ela assume as caractersticas de
ambos os lados (BRAVERMAN, 1981, p. 344, grifos do autor). Diante disso,
considera ainda que, mesmo que as camadas intermedirias conservem algum grau
de controle sobre o trabalho e possuam o nvel de remunerao mais elevado, se
comparado ao conjunto do proletariado, elas tendem a se aproximar cada vez mais
dos demais trabalhadores assalariados produtivos. Portanto, toda a nova classe
mdia estaria propensa proletarizao. Com efeito, delineia a nova classe mdia
da seguinte forma:
Esta parcela do emprego abrange os engenheiros, tcnicos, quadro cientfico, os nveis inferiores da superviso e gerncia, o considervel nmero de empregados especializados liberais ocupados em mercadejamento, administrao financeira e organizacional e semelhantes fora da indstria capitalista, em hospitais, escolas, reparties pblicas, etc. (BRAVERMAN, 1981, p. 341, grifos do autor).
E sobre as classes mdias hoje, merece destaque o trabalho de Wright Mills,
denominado A nova classe mdia, de 1976. Nessa obra, Mills realiza um abrangente
estudo sobre a nova classe mdia norte-americana. Ancorado no pensamento
weberiano, o autor analisa a reduo da antiga classe mdia pequenos burgueses
e o aumento significativo da nova classe mdia White collar mdicos,
empresrios, trabalhadores de escritrio, vendedores, gerentes, advogados,
professores, entre outros. Nesse trabalho, o autor destaca as categorias weberianas
de propriedade, mercado, renda, status e poder. Mills afirma que, ao contrrio da
antiga classe mdia, constituda por pequenos proprietrios, [...] na nova classe
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mdia, os homens trabalham para os outros na propriedade dos outros (1976, p.
91)19.
Os tipos analisados por Mills so concebidos como [...] proletrios das
profisses liberais. Entre as categorias profissionais destacadas, esto os
professores, que correspondem mais numerosa categoria, com aproximadamente
31% dos profissionais liberais de qualquer um dos nveis (1976, p. 147). Os
professores considerados parte integrante das classes mdias seriam teis na
criao de outros colarinhos brancos. Segundo Mills, [...] essa carreira em geral,
no atrai os filhos de famlias cultas da classe superior. O tipo de homem recrutado
[...] tem em geral uma origem nitidamente plebeia. Ademais, afirma que [...] esta
profisso, portanto, inclui muitas pessoas que subiram na posio de classe e de
status e que, na ascenso, adquiriram mais provavelmente os mritos intelectuais do
que os sociais (p. 148).
De acordo com o autor, para compreender a antiga classe mdia, era
preciso analisar a propriedade, mas, para entender as novas classes mdias,
necessrio examinar econmica e sociologicamente a estrutura ocupacional.
Considera ainda que a expanso produtiva na indstria, o desenvolvimento na
distribuio de mercadorias e o aumento das funes de coordenao e
planejamento explicariam o crescimento dos colarinhos brancos. O aumento da
burocracia, tendncia presente na estrutura moderna, provocou tambm a expanso
dos servios pblicos, como o caso da educao.
Os professores da rede pblica de ensino ocupariam, nesse sentido, uma
condio de classe contraditria, pois estariam posicionados, conforme Mills (1976),
entre a burguesia e o proletariado. Ou seja, trabalham para o Estado, instituio do
capital, ao mesmo tempo em que so assalariados, isto , desprovidos dos meios
sociais de produo. 19
Ressalta Patrcia Trpia: [o] termo nova classe mdia refere-se a um conjunto bastante heterogneo de trabalhadores cuja origem o final do sculo XIX o que nos leva, de partida, a afirmar que a classe mdia no nova. O termo foi utilizado pelo socilogo norte-americano Charles Wright Mill sem referncia camada intermediria entre operariado e burguesia, camada que ento se expande, a partir da fase monopolista do capitalismo. Wright Mills chamou este conjunto de trabalhadores de colarinhos brancos. Trata-se basicamente dos trabalhadores assalariados no-manuais. O adjetivo novo tem a funo de evidenciar que, se inicialmente a classe mdia era minoritria quantitativamente e composta basicamente por profissionais liberais, a partir do sculo XX os trabalhadores de classe mdia superam numericamente a classe operria e passam a desempenhar funes de natureza burocrtica, administrativa, financeira, no setor de servios e de comunicao, no setor pblico e privado. Disponvel em: . Acesso em: 27 maio 2013.
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A teoria de Mills (1976) baseia-se fundamentalmente nos critrios de
situao de classe, que estariam atrelados renda em forma de salrio e questo
de status ou prestgio social. No que se refere ao critrio renda, Mills identificar os
colarinhos brancos cada vez mais prximos da classe operria. No entanto, esse
segmento social ir sempre reivindicar a superioridade de seu status social com
respeito ao dos trabalhadores manuais, independentemente do grau de qualificao
profissional, ocupacional ou mesmo poder econmico que possuam.
Em comum, os autores mencionados enfatizam que, no interior da camada
intermediaria, h diferentes fraes de classes, o que impossibilita definir uma
unidade poltica e ideolgica ao conjunto desses trabalhadores. Fatores como o
nvel de socializao do trabalho, nvel de remunerao, que se d geralmente em
forma de salrio, das qualificaes formais estabelecidas para o exerccio da
profisso, da complexidade das tarefas, nvel de autonomia no ambiente de trabalho
e na realizao das tarefas, enfim, so alguns dos inmeros elementos que
configurariam o trabalhador mdio e que, ao mesmo tempo, complexificam a sua
identificao de classe.
Em suma, o conjunto de consideraes apresentadas acerca da noo de
estratos mdios indica que esses grupos sociais incorporam atualmente uma nova
variedade de trabalho e distintas configuraes polticas e sociais. As atividades
assalariadas no-manuais, criadas pela expanso capitalista, nos mais variados
setores improdutivos e de circulao de mercadorias, geram controvrsias no que
concerne filiao de classe dos estratos mdios.
2.3 OS TRABALHADORES EM EDUCAO PBLICA COMO CATEGORIA PROFISSIONAL DOS ESTRATOS MDIOS A discusso proposta at o momento buscou demonstrar a noo de
estratos mdios, a fim de compreender o posicionamento poltico e ideolgico dessa
camada social, a qual engloba os professores e funcionrios da rede pblica de
ensino, categoria para a qual se dirige o Programa de Formao Poltico, Sindical e
Educacional da APP-Sindicato. Demostrou-se ainda que uma das caractersticas
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preponderantes das camadas mdias o trabalho improdutivo, ou seja, aquele que
no se converte em mais-valia ao capital.
Convm, agora, colocar em debate o pertencimento de classe dos
trabalhadores em educao pblica, a fim de delimitar as especificidades dessa
categoria profissional.
Poderamos inicialmente afirmar a existncia de uma rotina institucional
realizada tanto por professores da rede privada quanto pblica de ensino, que
sugere ser de uma mesma natureza (como a preparao de aula, sua presena
fsica organizando as atividades de uma determinada turma de alunos, etc.).
Entretanto, o capital se apropria de forma diferenciada desse trabalho, o qual pode
ser caracterizado por uma natureza produtiva ou uma natureza improdutiva. Na rede
privada de ensino, o professor20 vende a sua fora de trabalho ao proprietrio da
escola, que, por sua vez, repassa a quem deseja compr-la, por um valor maior do
que aquele pago ao professor sob a forma de salrio. Esse valor a mais, apropriado
pelo capitalista (no caso, o proprietrio da escola), o que Marx (1987) conceituou
de mais-valia. Por essa perspectiva, o trabalho do professor da rede privada pode
ser definido como produtivo, porm, no proletrio. Nesse mesmo mbito, Marx
salienta:
Nos estabelecimentos de ensino, por exemplo, os professores, para o empresrio do estabelecimento podem ser meros assalariados; h grande nmero de tais fbricas de ensino na Inglaterra. Embora eles no sejam trabalhadores produtivos em relao aos alunos, assumem essa qualidade perante o empresrio. Este permuta seu capital pela fora de trabalho deles e se enriquece por meio desse processo. (MARX, 1987, p. 404).
J no caso dos professores da rede pblica de ensino21, a situao se
diferencia, uma vez que, por serem empregados do Estado, seu trabalho no
20
O professor da rede privada de ensino pertenceria de acordo com Poulantzas (1978) as fraes produtivas do trabalho no-manual, tal como foi sinalizado na seo anterior. 21
Neste estudo, delimitaremos as anlises de formao sindical aos trabalhadores da educao do setor pblico estadual do Paran. A figura do professor das escolas pblicas do Paran pode ser marcada pelo tipo de vnculo empregatcio que estabelece com a instituio. Dentro da categoria, h duas formas predominantes de contratao na rede pblica: pode-se destacar o professor efetivo (QPM Quadro Permanente do Magistrio) ou o professor com contrato temporrio, o qual no Estado do Paran comumente chamado de PSS, por participar do Processo Seletivo Simplificado. O professor efetivo o servidor pblico, concursado, estvel, estatutrio; j o professor temporrio aquele profissional contrato por tempo determinado, em substituio ao incompleto quadro efetivo,
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apropriado pelo capital na forma de mais-valia. Esses profissionais so identificados
como trabalhadores assalariados improdutivos. O trabalho do professor do setor
pblico foi o que caracterizamos anteriormente, quando nos reportamos condio
de prestao de servios, elemento necessrio manuteno do capital, porm,
este no se converte objetivamente em mais-valia. Efetivamente, [...] a diferena
entre o trabalho produtivo e o improdutivo consiste to somente no fato de o trabalho
trocar-se por dinheiro como dinheiro ou por dinheiro como capital (MARX, 2004, p.
137).
Entre os autores brasileiros que discutem o tema, encontra-se Silva Jnior
(1990), o qual aposta na improdutividade do trabalho do professor do ensino pblico,
visto que, sob a lgica do capital, onde se assenta a administrao pblica, [...] o
professor e o especialista em educao so efetivamente trabalhadores
improdutivos, de vez que, [...] sua atividade e seu trabalho no concorrem para a
acumulao do capital (p. 53, grifos do autor).
Abramo (1987), por usa vez, classifica o professor do ensino pblico como
funcionrio do Estado, inserido nas camadas mdias. Para ele, o pertencimento de
classe dos professores, hoje, seria proveniente de duas vertentes da estrutura de
classes sociais: a primeira, baseada no processo de mobilidade social vertical
descendente, por ser proletarizado nas suas condies de trabalho e culturalmente.
A segunda vertente estaria ligada ao processo de massificao do magistrio, cuja
origem estaria no processo da prpria massificao escolar. Assim, tomando por
base esses pressupostos, o autor considera que as condies objetivas do trabalho
docente afastariam a categoria da disposio de lutas polticas, o que explicaria o
fato de o professor ser, na atualidade, mais um [...] corporativista do que
reformulador (p. 80).
Relevantes, tambm, so as consideraes de Hyplito (1991), ao
caracterizar as especificidades do trabalhador docente na atualidade. Para esse
autor, certo que o trabalho do professor na escola particular produtivo, pois os
donos das escolas lucram com o excedente extrado do seu trabalho. No entanto,
com relao ao trabalho dos professores no ensino pblico, seu posicionamento
parte do princpio de que este no produtivo, se considerarmos a acumulao do
capital a partir da produo imediata de mais-valia.