caderno formação sindical

Upload: alexandre-linares

Post on 14-Jan-2016

37 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Textos para formação de militantes operários revolucionários nos sindicatos.

TRANSCRIPT

  • CURSO DE FORMAO SINDICAL

    Textos de Olivier Doriane e Julio Turra

  • Brochura produzida pela Comisso Operria e pela Comisso de Formao da Direo Nacional

    da Corrente O Trabalho do PT, seo brasileira da 4 Internacional e publicada pela Nova Editora Palavra.

    Diagramao: Alexandre Linares

    Abril de 2015

    SUMRIO

    Trotsky e os Sindicatos ................................................. 03 (Olivier Doriane)

    Os desafios atuais para a independncia sindical..........18(Julio Turra)

  • Curso de Formao Sindical - 3

    TROTSKY E OS SINDICATOSOlivier Doriane1

    No Programa de Transio, redigido por Leon Trotsky em 1938, um captulo dedicado questo dos sindicatos:

    Na luta pelas reivindicaes parciais e transit-rias, os operrios tm atualmente mais necessidade que nunca de organizaes de massa, sobretudo de sindica-tos. A fora adquirida pelos sindicatos na Frana e nos Estados Unidos a melhor resposta aos doutrinrios ultra-esquerdistas da passividade que pregavam que os sindicatos fizeram o seu tempo.

    Os bolcheviques leninistas se encontram na pri-meira linha de todas as formas de luta, mesmo onde se trata de interesses materiais ou dos direitos democrti-cos mais modestos da classe operria. Eles participam

    1 - Olivier Doriane militante da seo francesa da 4 Internacional, Corren-te Comunista Internacionalista (CCI) do Partido Operrio Independe. Artigo originalmente escrito para a edio A VERDADE 68/69, revista terica da 4 Internacional, edio especial em homentagem a Leon Trotsky.

  • Curso de Formao Sindical - 4

    ativamente na vida dos sindicatos de massa, se preo-cupam em reforar e de aumentar seu esprito de luta. Eles lutam implacavelmente contra todas as tentativas de submeter os sindicatos ao Estado burgus atravs da arbitragem obrigatria e todas outras formas de in-terveno policial, no somente fascistas, mas tambm democrticas. somente sobre a base deste trabalho, que possvel lutar com sucesso no interior dos sindi-catos contra a burocracia reformista, e em particular contra a burocracia stalinista. As tentativas sectrias de edificar ou de manter pequenos sindicatos revolucion-rios como uma segunda edio do partido significam, de fato, renunciar luta pela direo da classe operria. necessrio adotar aqui como princpio inabalvel: o au-to-isolamento capitulador fora dos sindicatos de massa equivale traio da revoluo e incompatvel com a militncia na 4 Internacional.

    Ao mesmo tempo, a 4 Internacional rejeita e con-dena resolutamente todo fetichismo sindical, prprio aos sindicalistas:

    a) Os sindicatos no tm e, visto suas tarefas, sua composio e o carter de seu recrutamento, no podem ter programa revolucionrio acabado; isto porque eles no podem substituir o partido. A edificao dos parti-dos revolucionrios nacionais, sees da 4a Internacio-nal, a tarefa central da poca de transio.

    b) Os sindicatos, inclusive os mais fortes, no abar-cam mais de 20 a 25% da classe operria e, alis, suas camadas mais qualificadas e melhor remuneradas. A maioria mais oprimida da classe operria s arrasta-da episodicamente para a luta, em perodos de progresso excepcional do movimento operrio. Nestes momentos, necessrio criar organizaes ad-hoc, que envolvam toda a massa em luta: os comits de greve, os comits de

  • Curso de Formao Sindical - 5

    fbricas, e, enfim, os sovietes.

    c) Enquanto organizaes das camadas superiores do proletariado, os sindicatos, como testemunha toda a experincia histrica, inclusive a experincia recente dos sindicatos anarco-sindicalistas da Espanha, desenvol-vem fortes tendncias conciliao com o regime demo-crtico burgus. Nos perodos de luta de classes aguda, os aparelhos dirigentes dos sindicatos se esforam para se tornar senhores do movimento das massas para o neutralizar. Isto ocorre desde simples greves, at as gre-ves de massa com ocupao de fbricas, que abalam os princpios da propriedade burguesa. Em tempo de guer-ra ou de revoluo, quando a situao da burguesia tor-na-se particularmente difcil, os dirigentes sindicais or-dinariamente tornam-se ministros burgueses.

    por isso que as sees da 4 Internacional devem constantemente se esforar, no apenas para renovar o aparelho dos sindicatos, propondo firme e resolutamen-te, em momentos crticos, novos lderes prontos para a luta no lugar dos funcionrios rotineiros e dos carreiris-tas, mas tambm para criar, em todos os casos onde possvel, organizaes de combate autnomas que me-lhor respondam s tarefas da luta de massas contra a sociedade burguesa, sem hesitar, se necessrio, diante de uma ruptura aberta com o aparelho conservador dos sindicados. Se criminoso virar as costas s organiza-es de massa para se contentar com fices sectrias, no menos criminoso tolerar passivamente a subordi-nao do movimento revolucionrio das massas ao con-trole de camarilhas burocrticas abertamente reacion-rias ou conservadoras mascaradas (progressistas). O sindicato no um fim em si, mas somente um dos meios na marcha revoluo proletria.

    Esta afirmao concentrada se liga a uma larga experincia pol-

  • Curso de Formao Sindical - 6

    tica e prtica, combinando-se com uma elaborao terica constante adquirida, sob mltiplas e diversas formas, ao longo da atividade de militante e dirigente revolucionrio de Leon Trotsky. impossvel nos limites deste artigo tudo evocar, pois a questo dos sindicatos esteve permanentemente presente em todo o combate de Leon Trotsky. O que lgico, visto que o sindicato a organizao elementar da classe ope-rria, a primeira forma de organizao da classe, expressando de ma-neira organizada os interesses antagnicos do trabalho com o capital.

    Sempre lembrando que a luta de classe internacional em seu contedo, mas nacional em sua forma, Trotsky, ao abordar a questo dos sindicatos, se esforar sempre de levar em conta as condies concretas nas quais os militantes combateram em relao com a luta de classes em seus pases e suas tradies histricas.

    Acredito que devemos nos lembrar dos fatos mais elementares da histria do desenvolvimento do movi-mento operrio em geral e dos sindicatos em particular. Sob esse ponto de vista, existem diferentes tipos de de-senvolvimentos da classe operria em diferentes pases. Cada um conheceu forma especfica de desenvolvimento, mas ns podemos fazer uma classificao geral.

    Na ustria e na Rssia particularmente, o movi-mento operrio comeou enquanto movimento poltico, enquanto partido. Era o primeiro passo. A social-de-mocracia, em sua primeira fase, esperava que a recons-truo socialista da sociedade estivesse prxima, mas aconteceu que o capitalismo estava suficientemente forte para permanecer. Houve um longo perodo de prosperi-dade e a social-democracia foi obrigada a organizar os sindicatos. Na Alemanha, ustria, Rssia, sobretudo, os sindicatos eram desconhecidos e comearam a ser cons-trudos e dirigidos por um partido poltico, o partido so-cial-democrata.

    um tipo de desenvolvimento diferente o que apa-rece nos pases latinos, na Frana e, sobretudo na Espa-

  • Curso de Formao Sindical - 7

    nha. L, o movimento dos partidos e o movimento sindi-cal so quase independentes entre si e se organizam sob bandeiras diferentes, e mesmo, em certa medida, opos-tos. O partido uma mquina parlamentar. Os sindica-tos esto sob certo ponto na Frana e mais ainda na Espanha sob a direo dos anarquistas.

    O terceiro tipo dado pela Gr-Bretanha, os Es-tados Unidos, e mais ou menos, os domnios (britnicos, como Canad e Austrlia, NDT). A Inglaterra o pas clssico dos sindicatos, das trade-unions. Eles come-aram a ser construdos ao inal do sculo 18, antes da revoluo francesa e durante a pretensa revoluo in-dustrial. ()

    Somente aps um sculo que as trade-unions co-mearam a construir o seu partido poltico. todo o con-trrio da Alemanha e da ustria. L, foi o partido que despertou a classe operria e construiu os sindicatos. Na Inglaterra, so os sindicatos que, depois sculos de exis-tncia e de luta, foram obrigados a construir um parti-do poltico. -- Discusso com os militantes do Socialist Workers Party (Partido Socialista dos Trabalhadores) es-tadunidense - 31 de maio de 1938, pginas 279-280-281, Tomo 17, Oeuvres (Obras) .

    , portanto, considerando essas diferenas que Trotsky se inse-re nos debates de cada pas. Assim, encarregado pela direo da Inter-nacional Comunista de acompanhar a questo francesa e a formao do jovem Partido Comunista Francs (PCF) nos anos 20, ele encon-tra uma situao complexa. Trotsky considera que o sindicalismo revolucionrio, anterior guerra de 1914, reagrupava a verdadeira vanguarda da classe operria e que prefigurava de alguma forma o que devia ser o partido comunista. Mas, por seu turno, os militantes sindicalistas so desconfiados diante da constituio do Partido co-munista, do qual alguns membros formalmente respondem ao cha-mado da revoluo russa, mas que largamente composto de carrei-

  • Curso de Formao Sindical - 8

    ristas e dirigentes que, durante a Primeira Guerra mundial, apoiaram a Unio sagrada2. Trotsky leva ento, junto com Lnin, um obstinado combate para ganhar esses militantes sindicalistas, em particular Mo-natte3 para a constituio do Partido Comunista.

    Ele foi bem sucedido. Mas por curto perodo, pois logo que en-traram, Monatte e seus camaradas, eles foram confrontados com o processo de burocratizao do PCF imposto por Moscou. O que os leva a recuar. Monatte se ops ideia do partido e erige em dogma a autonomia sindical e sua independncia diante do partido. Ao mes-mo tempo, os sindicalistas revolucionrios iriam utilizar o sindicato como um partido. Trotsky se ops a esta concepo:

    O sindicalismo revolucionrio no tomou o nome de partido e permanece organicamente meio constitu-do. um partido que se esfora para fundir seus quadros com aqueles do sindicato, ou ao menos de encontrar um biombo no sindicato. Da subordinao efetiva dos sin-dicatos s pretenses das tendncias, das fraes e mes-mo dos grupos de amigos no seio do sindicalismo. ()

    E inversamente. precisamente a Internacional comunista que levou uma luta obstinada contra a ciso do movimento sindical na Frana, ou seja, contra sua transformao efetiva em partidos sindicais. (...) Neste sentido, a Internacional Comunista, desde o primeiro dia de sua existncia, sustentou a autonomia real, vital dos sindicatos, conforme a todo o esprito do marxismo.

    Em 1929, continuando sua polmica com os sindicalistas revo-lucionrios, ele insiste:

    2 - Unio Sagrada. Governo formado no incio da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) com a inteno de mostrar unidade nacional e contou com a participao de dois socialistas. NdT.3 - Pierre Monatte, sindicalista revolucionrio, fundador da Via Operria, jornal da CGT em 1909. Em 1915, ele manifestou sua oposio guerra e Unio Sagrada demitindo-se da Comisso administrativa da CGT. Ele se associou a Trotsky durante a guerra. NdA.

  • Curso de Formao Sindical - 9

    A tarefa do Partido Comunista no consiste ape-nas em ganhar influncia sobre os sindicatos, tais quais eles so, mas de conquistar, atravs dos sindicatos, uma influncia sobre a maioria da classe operria. Isto s possvel se os mtodos empregados pelo partido nos sin-dicatos corresponderem natureza e s tarefas destes ltimos. A luta pela influncia do partido nos sindica-tos encontra sua verificao objetiva no fato de que eles progridam ou no, e no fato de que o nmero de seus membros aumente, assim como suas relaes com as massas mais amplas. Se o partido s adquire influn-cia nos sindicatos ao preo de uma diminuio e de um fracionamento deles transformando-os em auxiliares do partido para objetivos momentneos e impedindo-os de tornarem-se verdadeiras organizaes de massas que as relaes entre o partido e a classe so falsas. -- L. Trotsky, 14 de outubro de 1929, Sindicalismo e comunis-mo, em La Verit (A Verdade) N 8, 1 de novembro de 1929).

    Como se v, estamos longe da caricatura que foi feita da posio de Lnin e Trotsky sobre a subordinao dos sindicatos aos partidos. Por outro lado, inegvel que primeira vista, estas citaes e estas afirmaes de Leon Trotsky podem parecer contraditrias com a po-ltica adotada pelo Congresso da Internacional Comunista, ou com a constituio da Internacional Sindical Vermelha (ISR) impulsionada por Lnin. Esta contradio aparente. Do que se trata?

    No 2 Congresso da Internacional Comunista (julho de 1920), um texto foi adotado e que entrar para a histria com o ttulo de 21 condies de admisso dos partidos na Internacional Comunista. Para entender este texto, necessrio coloc-lo em seu contexto. A jovem Internacional Comunista acabara de se constituir aps a Revo-luo de outubro de 1917. Num mesmo movimento, afluem em sua di-reo milhares de militantes revolucionrios que viam na tomado do poder pelo conselho de operrios e camponeses uma promessa de vi-trias revolucionrias prximas em outros pases, mas tambm uma

  • Curso de Formao Sindical - 10

    srie de organizaes, de partidos, de dirigentes, alguns dos quais lar-gamente impregnados da poltica indecisa, e at social patriota, que tinha marcado diversas correntes dos velhos partidos socialistas e do movimento sindical.

    O 2 Congresso julgou ento necessrio resumir num certo n-mero de pontos as condies a preencher para que um partido fosse admitido na Internacional Comunista. Era um texto ligado s circuns-tncias, mais que um texto definitivo. Um certo nmero de condi-es tinha, evidentemente, um aspecto geral, outras eram mais con-junturais. Mas, como isso aconteceu mais de uma vez na histria, o provisrio permaneceu e se transformou em outra coisa. O stalinis-mo logo se apoderou destas 21 condies para congelar de maneira definitiva aquelas que poderiam servir estabilizao de uma casta burocrtica dirigente da Internacional Comunista e faz-las se voltar contra a prpria luta de classes. Entre estas condies, as condies 9 e 10 tornam seguras as relaes entre a Internacional Comunista e as organizaes sindicais. Embora no esteja explicitamente formulada a subordinao do sindicato ao partido, o contedo destas condies levam logicamente a isso. A nona condio estipula que necessrio conduzir o trabalho perseverante e constante (que) conquistar os sindicatos ao comunismo. A dcima ordena combater por toda a par-te pela ruptura com a Internacional sindical fundada em Amsterdam a fim de fazer aderir os sindicatos unio internacional dos sindica-tos vermelhos aderentes Internacional Comunista.

    Estas formulaes visavam permitir uma delimitao com um movimento sindical dirigido por aqueles que, em 1914, tinham arras-tado os sindicatos para a Unio Sagrada com os governos em guerra. Neste caso, as 21 condies exprimiam ento as condies de inde-pendncia de classe.

    Da mesma forma, a constituio da ISR no correspondia po-sio fundamental de Lnin, mas para ele era um meio temporrio para buscar associar ao combate da Internacional os militantes sin-dicalistas revolucionrios, os militantes que buscavam preservar a independncia de classe dos sindicatos e que eram suspeitos aos olhos

  • Curso de Formao Sindical - 11

    de diversos partidos comunistas que se constituam. Isso no impe-de que a formulao destas condies de admisso Internacional Comunista colocasse como um princpio o alinhamento destes sindi-catos no partido com todas as conseqncias negativas que isso teve aps a degenerescncia burocrtica da Unio Sovitica e da Interna-cional Comunista. A questo da autonomia e da independncia dos sindicatos toma uma importncia decisiva em relao com as conse-qncias dramticas para o movimento operrio mundial da poltica do stalinismo. Integrante destas lies da luta de classes internacio-nal, o congresso da seo francesa da 4 Internacional questionou as condies 9 e 10 de admisso aps a 2 Guerra mundial.

    Esta distino reafirmada entre o lugar do sindicato e o do par-tido corresponde quela feita por Leon Trotsky. De fato, para ele o sindicato deve abraar largamente a classe operria e no pode subs-tituir o partido, pois, explica:

    precisamente para isso que os comunistas no se disfaram no domnio da ideologia no mais que no da organizao da organizao sindical, no ex-ploram esta ltima por manobras de bastidores, no a dividem quando esto em minoria, no atrapalham seu desenvolvimento autnomo e a ajudam, com todas as foras, na luta. Ao mesmo tempo, o partido comunista se reserva o direito de se pronunciar sobre todas as ques-tes do movimento operrio, inclusive do movimento sindical, de criticar a ttica sindical e de apresentar suas propostas, as quais a organizao sindical livre para aceitar ou recusar. O partido se esfora pela ao pr-tica de ganhar confiana da classe, e sobretudo de sua parte sindicalizada.

    Entretanto, a questo do lugar do sindicato, com a qual os ope-rrios lutam pela repartio do produto social na sociedade capitalis-ta, se colocou em novos termos no momento da tomada do poder na Unio Sovitica. Um debate se deu em 1921 sobre o que foi chamado a militarizao dos sindicatos.

  • Curso de Formao Sindical - 12

    necessrio restituir em quais condies histricas ele se deu, pois ele inseparvel dos problemas da Revoluo Russa no quadro da situao internacional.

    Entre 1919 e 1920, as circunstncias da guerra civil, o atraso da revoluo na Europa particularmente na Alemanha, as dificuldades nas quais se debatiam a revoluo proletria vitoriosa num pas atra-sado como a Rssia, impuseram o que foi chamado comunismo de guerra.

    Os mtodos militares predominavam ento no conjunto da vida econmica e poltica. Sem medidas administrativas rigorosas e um comando quase militar do pas, teria sido impossvel triunfar frente coalizo dos exrcitos contra-revolucionrios imperialistas dirigidos contra o jovem poder sovitico.

    Em fevereiro de 1919, Trotsky, tendo a possibilidade de reor-ganizar o setor decisivo dos transportes, props ao Comit Central abandonar o comunismo de guerra. A partir de um ponto e vista eco-nmico (as possibilidades de recuperao da economia pelos mtodos do comunismo de guerra estavam esgotadas), Trotsky props substi-tuir a repartio forada do abastecimento por um imposto sobre os cereais e as trocas comerciais. Ele foi vencido no Comit Central (11 votos contra 40). O comunismo de guerra continua durante um ano ainda.

    em funo, e de certo ponto de vista em aplicao desta deci-so, que Trotsky dedica-se a uma aplicao sistemtica dos mtodos de guerra inclusive para os sindicatos, para que participassem dire-tamente da guerra econmica. Lnin se ops.

    Ele escreve contra Trotsky :

    Ele pretende que, num Estado operrio, o papel dos sindicatos no seja de defender os interesses mate-riais e morais da classe operria. um erro. O camara-da Trotsky fala de um Estado operrio. Mas uma abs-trao! Quando falvamos de Estado operrio em 1917, era normal. Mas hoje quando vm nos dizer: Por que

  • Curso de Formao Sindical - 13

    defender a classe operria e contra o que, visto que no h mais burguesia, visto que o Estado um Estado ope-rrio, eles manifestamente se enganam, pois este Estado no totalmente operrio. Eis o cerne do problema... Nosso Estado tal hoje que o proletariado totalmente or-ganizado deve se defender e ns devemos utilizar estas organizaes operrias para defender os operrios con-tra seu Estado e para que os operrios defendam nosso Estado. (Lnin. Tomo 32, pginas 11-35. Ed. de Moscou)

    Esta discusso foi muito dura e os termos da polmica violentos.

    Entretanto, ela no foi mais aguda que os debates sobre a in-surreio, a paz de Brest-Litovisk4, ou a utilizao de especialistas no comunistas e at burgueses no exrcito vermelho, na indstria ou agricultura. No obstante, de novembro de 1920 (5 Congresso dos sindicatos) at maro de 1921 (10 Congresso do Partido), o Comit Central se dividiu em dois grupos, um de oito membros, dentre eles Lnin; o outro de sete membro, dentre eles Trotsky.

    Trotsky escreveu sobre isso no Novo Curso :

    Grupos se constituram poca da discusso me-morvel sobre os sindicatos. Agora que temos a possibi-lidade de observar com um golpe de vista todo este per-odo e colocar luz da experincia ulterior, constatamos que a discusso no se desenrolava sobre os sindicatos, nem mesmo sobre a democracia operria: o que se ex-primia nestas disputas, era um mal estar profundo do partido, cuja causa era o prolongamento excessivo do regime econmico do comunismo de guerra. Toda a organizao econmica do pas estava asfixiada. A dis-cusso sobre o papel dos sindicatos e da democracia ope-rria encobria na realidade a busca por uma nova via

    4 - Tratado de paz assinado entre a Rssia e a Alemanha em maro de 1918. Proposto pelo Conselho de Comissrio do Povo, ele estabelecia a paz imediata a todos os pases em guerra. Somente a Alemanha aceitou haja vista que esta-va interessada em se livrar dos combates na frente oriental.

  • Curso de Formao Sindical - 14

    econmica. A soluo foi encontrada na supresso das requisies dos produtos alimentares e do monoplio dos cereais, e na gradual liberao da indstria estatal em relao tirania da direo econmica central. Estas decises histricas foram tomadas por unanimidade e tocavam a discusso sindical, tanto mais que, aps a ins-taurao da Nova Poltica Econmica (NEP), o papel dos sindicatos apareceu sob luz completamente diferente; al-guns meses depois, foi necessrio modificar radicalmen-te a resoluo sobre os sindicatos. -- L. Trotsky, Cours nouveau (Novo Curso), ,pginas 49-50-51, Ed. 10-18.

    Mais tarde, Trotsky, apontou numa carta de 1937 que se tratava de uma falsa discusso dos dois lados, nos sentamos muito mal so-bre o comunismo de guerra. Queramos uma mudana, e a discusso comeou sobre um ponto absolutamente secundrio e falso.

    A elaborao real de Trotsky sobre o lugar dos sindicatos foi dada nos documentos citados acima e em diversos outros. Seria neces-srio, por exemplo, evocar a apaixonada discusso com os militantes da organizao americana, o Socialist Workers Party, no momento do desenvolvimento do CIO. Trotsky conclama maior vigilncia sobre o desenvolvimento das correntes progressistas no seio do movimento sindical americano.

    Esta ateno dirigida vida e ao desenvolvimento dos sindica-tos se associa a uma apreciao sobre seu lugar na sociedade capita-lista no estgio do imperialismo. Em 1937, num texto dedicado aos ultra-esquerdistas e aos incurveis em particular. Algumas conside-raes tericas, ele escreveu:

    O capitalismo imperialista no mais capaz de desenvolver as foras produtivas da humanidade, e por esta razo, ele no pode admitir aos operrios nem con-cesses materiais nem reformas sociais efetivas. Tudo isso justo. Mas tudo isso justo na escala de uma poca inteira. Existem ramos da indstria que se desenvolve-ram depois da guerra.

  • Curso de Formao Sindical - 15

    E ainda:

    O pensamento marxista concreto, ou seja, vis-lumbra todos os fatores decisivos ou importantes para uma questo dada, no somente em suas relaes re-cprocas, mas ainda em seu desenvolvimento. Ele no dissolve a situao do momento presente na perspectiva geral, mas atravs da perspectiva geral ele torna poss-vel a anlise da situao presente em toda a sua particu-laridade. precisamente com esta anlise concreta que comea a poltica..

    Assim,

    um lder sindical que se deixaria guiar exclusi-vamente pela tendncia geral do capitalismo senil para renunciar a toda luta econmica e parcial seria de fato, apesar de suas concepes revolucionrias, um agente da reao. Um lder sindical marxista deve no somen-te vislumbrar as tendncias gerais do capitalismo, mas analisar tambm os traos especficos da situao, a conjuntura, as condies locais, o elemento psicolgico igualmente, para propor uma atitude de combate, de ex-pectativa ou de recuo.

    somente sobre a base desta atividade prtica in-timamente ligada experincia da grande massa que o lder sindical pode colocar s claras as tendncias gerais do capitalismo senil e educar os operrios para a revo-luo. -- L. Trotsky, Oeuvres (Obras) 15 , setembro - de-zembro 1937- pginas 97-98.

    Em 1940, no texto Os sindicatos poca da decadncia impe-rialista (o ltimo texto que ele escreveu), ele precisa o lugar dos sin-dicatos numa situao onde a burguesia leva uma ofensiva de integra-o e de questionamento das prprias formas da democracia, produto das fases anteriores da luta de classes.

    H, escreveu ele, um aspecto comum no desenvol-

  • Curso de Formao Sindical - 16

    vimento, mais exatamente na degenerescncia das or-ganizaes sindicais modernas em todo o mundo: sua aproximao e sua fuso com o poder do Estado.

    Este processo igualmente caracterstico para os sindicatos neutros, social-democratas, comunistas e anarquistas. S este fato indica que a tendncia a fundir-se com o Estado no inerente a tal ou qual doutrina, mas resulta das condies sociais comuns a todos os sin-dicatos.

    O capitalismo monopolista no est baseado na concorrncia e na iniciativa privada, mas num coman-do central. As camarilhas capitalistas, frente dos po-derosos trustes, dos sindicatos patronais, dos consrcios bancrios, etc., controlam a vida econmica da mesma altura que o faz o poder do Estado, e a cada instante eles recorrem colaborao deste ltimo. Por seu turno, os sindicatos, nos ramos mais importantes da indstria, se encontram privados da possibilidade de tirar proveito da concorrncia entre as diversas empresas. Eles devem encarar um adversrio centralizado, intimamente unido ao poder. Da decorre para os sindicatos na medida em que eles permanecem em posies reformistas, ou seja, em posies baseadas sobre a adaptao propriedade privada a necessidade de se adaptar ao Estado capita-lista e de lutar pela cooperao com ele..

    Trotsky precisa :

    Do que precede pareceria fcil, primeira vista, tirar a concluso que os sindicatos renunciam a ser sin-dicatos na poca imperialista: eles quase no deixariam mais lugar democracia operria que, nos bons velhos tempos, quando a libra tornou-se dominante na arena econmica, constitua o prprio contedo da vida inter-na das organizaes operrias; na falta da democracia operria, no poderia haver luta livre para exercer uma

  • Curso de Formao Sindical - 17

    influncia sobre os membros dos sindicatos; e, deste fato, a arena principal do trabalho revolucionrio no seio dos sindicatos desapareceria.

    Entretanto, tal posio seria fundamentalmente falsa. ()

    Do que precede, decorre claramente que, a des-peito da degenerescncia contnua dos sindicatos e de sua integrao progressiva ao Estado imperialista, o trabalho no seio dos sindicatos no somente no perdeu sua importncia, mas permanece como antes, e torna-se num certo sentido, revolucionrio. A aposta deste traba-lho permanece essencialmente a luta para influenciar a classe operria. Cada organizao, cada partido, cada frao que toma uma posio ultimatista em relao aos sindicatos, ou seja, que de fato vira as costas classe operria, simplesmente porque suas organizaes no lhe agradam, est condenada a perecer. E, necessrio dizer, ela merece sua sorte.

    Em todo o mundo, as sees da 4 Internacional agem sob di-versas formas para ajudar na preservao da independncia de classe das organizaes operrias, pela defesa dos sindicatos contra sua in-tegrao no governo, nova forma do corporativismo. A 4 Internacio-nal, junto com militantes operrios de todo o mundo e de organiza-es de todas as origens, participa, sustenta e chama a desenvolver a campanha de preparao da Conferncia Mundial de Argel, no centro da qual, com a luta contra a guerra, se encontra a luta pela indepen-dncia do movimento operria.

    Agosto de 2010.

  • Curso de Formao Sindical - 18

    OS DESAFIOS ATUAIS PARA A

    INDEPENDNCIA SINDICAL

    Julio Turra1

    A Nota dos Editores2 de setembro de 1978 para a primeira edi-o desta coletnea de textos de Leon Trotsky sobre os sindicatos foi assinada pela Kairs, uma livraria e editora criada por militantes da Organizao Socialista Internacionalista (OSI), que integrava ento o Comit de Organizao pela Reconstruo da 4 Internacional e que hoje a Corrente O Trabalho do PT, seo brasileira da 4 Interna-cional.

    As condies de clandestinidade impostas pela ditadura militar exigiam esse tipo de expediente ento. Mas, em seu contedo, a Nota dos Editores expunha a viso da OSI sobre a evoluo histrica do movimento sindical brasileiro e fixava os princpios polticos, a partir

    1 - Julio Turra, professor e dirigente da Centra nica dos Trabalhadores. Mi-litante da seo brasileira da 4 Internacional, Corrente O Trabalho do Partido dos Trabalhadores. O presente texto foi originalmente publicado como posfcio ao livro Escritos sobre Sindicato de Leon Trotsky (Nova Editora Palavra).2 A Nota dos Editores citada foi publicada como introduo primeira edi-o do livro Escritos sobre Sindicato de Leon Trotsky e republicada na nova edio da Nova Editora Palavra.

  • Curso de Formao Sindical - 19

    dos ensinamentos de Trotski, que orientavam a interveno dos seus militantes nesse terreno fundamental para a luta de classe que so os sindicatos.

    Uma parcela significativa dos sindicalistas, e no apenas os liga-dos OSI, que combateram pela fundao da CUT, ocorrida em agos-to de 1983, tiveram na primeira edio deste Trotski: Escritos Sobre Sindicato uma referncia para sua formao e interveno polticas.

    Passados 30 anos, se os princpios fixados nos textos de Trotsky permanecem de aguda atualidade, necessrio, ainda que de forma resumida, atualizar a evoluo mais recente do sindicalismo no Brasil no quadro dos desafios colocados luta dos trabalhadores em todo o mundo. Este o objetivo deste posfcio.

    * * *

    Se a Nota caracterizava dois perodos histricos, distintos e opostos, vividos pelo movimento sindical no Brasil, o primeiro de um sindicalismo embrionrio, mas independente e combativo, o segun-do, a partir de 1935, de um sindicalismo atrelado ao Estado, a funda-o da CUT abre um terceiro perodo, que, com todas as contradies, o que ainda vivemos.

    Em primeiro lugar porque a fundao da CUT foi resultado do movimento profundo da classe operria para transformar-se de clas-se em si em classe para si3 e que, no por acaso, tambm deu ori-gem ao surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT). Vale dizer, de uma classe definida pelo lugar objetivo que ocupa nas relaes de produo capitalista, para uma classe que, atravs de sua organizao independente dos exploradores, comea a ter conscincia de que seus interesses so opostos e contraditrios aos da classe dominante.

    3 - -Classe em si classe para si: As condies econmicas transforma-ram, em primeiro lugar, a massa do povo em trabalhadores. A dominao do capital sobre os trabalhadores criou a situao comum e os interesses comuns dessa classe. Assim, essa massa j uma classe em relao ao capital, mas no ainda uma classe para si mesma. Na luta, da qual indicamos apenas algu-mas fases, essa massa se une e forma uma classe para si. Os interesses que ela defende tornam-se interesses de classe. Marx em Misria da filosofia

  • Curso de Formao Sindical - 20

    Esse movimento se expressou na onda de greves iniciada em 1977/78 que, a partir da concentrao industrial do ABC paulista, es-praiou-se por todo o pas e pelos distintos setores da classe trabalha-dora. Na luta pelas reivindicaes imediatas, as greves chocavam-se com a ditadura e os pelegos4 encastelados nos sindicatos, colocando praticamente a necessidade da construo de sindicatos livres. Neces-sidade que por vezes tomava a forma de comandos de greve eleitos pela base para superar o obstculo do aparelho sindical a servio do governo militar, por outras empurrava dirigentes dos sindicatos ofi-ciais a assumirem a luta, e ao faz-lo, sofrerem a interveno do Mi-nistrio do Trabalho e a represso policial-militar.

    Assim, comea a amadurecer numa ampla vanguarda, tirando do isolamento os grupos que clandestinamente faziam um trabalho de formiga nas fbricas como oposio sindical nos anos de chum-bo da ditadura, a convico de que era preciso transformar radical-mente a estrutura sindical, libertando os sindicatos das amarras com o Estado e unindo-os numa Central Sindical Independente, o que era proibido pela legislao vigente, assim como a sindicalizao dos fun-cionrios pblicos.

    Simultaneamente, amadurece tambm a idia de que no bas-tava a organizao sindical, ainda que combativa e independente, que era preciso que os trabalhadores tivessem sua prpria representao poltica, pois os dois partidos institucionais da ditadura, Arena5 e MDB6, eram dominados pelos patres e seus interesses.

    o mesmo movimento da classe que cria o PT em 1981 e a CUT em 1983. a mesma vanguarda forjada nas greves que vai fornecer o ncleo fundamental para a existncia de um e outra.

    Esse movimento se chocou frontalmente com a poltica do sta-

    4 - Pelegos Burocratas ligados ao Ministrio do Trabalho cuja prtica a de amortecer os conflitos entre o capital e o trabalho. Vem de pelego, couro de ovelha usado no sul do pas entre o dorso do cavalo e a sela do cavaleiro.5 Arena - Aliana Renovadora Nacional, partido da situao durante a ditadura.6 MDB - Movimento Democrtico Brasileiro: partido da oposio oficial durante a ditadura.

  • Curso de Formao Sindical - 21

    linismo no Brasil. De matriz stalinista eram o PCB7, PCdoB8 e MR-89, que combatiam duramente a proposta do PT, atacando-a de divisio-nista, para preservar sua aliana com a suposta burguesia democr-tica no quadro do MDB, o partido que fazia oposio consentida di-tadura sustentando suas instituies subordinadas ao imperialismo.

    No terreno sindical, os stalinistas tambm tudo fizeram para impedir a fundao da CUT. Na Conferncia Nacional da Classe Tra-balhadora (CONCLAT), de 1981, na Praia Grande (SP), se delinearam dois grandes blocos no sindicalismo brasileiro: a) o bloco combati-vo, constitudo pelas diferentes foras que confluram para o PT nas suas origens e que defendiam a unidade da classe trabalhadora numa central sindical independente e democrtica; e b) o bloco stalinistas-pelegos, auto-intitulado, ironicamente, Unidade Sindical, que divi-dia o movimento da classe se aferrando defesa da estrutura sindical oficial, e defendia a reedio de organismos como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) de 1962/63, que foi uma coordenao de cpula das confederaes oficiais subordinadas ao estado, sustenta-das pelo imposto sindical e sem nenhum controle democrtico das bases.

    Por voto de maioria, o CONCLAT de 1981 decidiu que o con-gresso de fundao da Central nica dos Trabalhadores deveria reali-zar-se em 1982. Foi eleita uma Comisso Nacional Pr-CUT, paritria entre os dois blocos, com o mandato de organiz-lo.

    Foram dois anos de manobras da Unidade Sindical para adiar o congresso, finalmente realizado em agosto de 1983, no Pavilho Vera Cruz10 em So Bernardo do Campo com 5 mil delegados, um ms

    7 PCB - Partido Comunista Brasileiro fundado em 1922, depois de 1961 conhecido como pr-Moscou. Em 1992 o PCB cindiu-se novamente, com a constituio do PPS que ficou com a maioria de seus quadros.8 PCdoB - Partido Comunista do Brasil fruto da ciso de 1961, de orienta-o pr-China e depois pr-Albnia.9 MR-8 - Movimento Revolucionrio 8 de Outubro: antigo grupo armado que depois integra o PMDB, o MDB e hoje se constitui em Partido Ptria Livre (PPL)10 Pavilho Vera Cruz: antigo estdio cinematogrfico (Cia. Vera Cruz), pal-co do congresso de fundao (1983) e do 1 Congresso da CUT (1984).

  • Curso de Formao Sindical - 22

    depois de uma greve nacional dos petroleiros ter sido o estopim da primeira Greve Geral debaixo da ditadura militar.

    A fundao da CUT se deu aps uma nova manobra de adia-mento ter sido recusada pelo bloco combativo que, incentivado por um Encontro nacional de sindicalistas do PT realizado pouco antes, resolveu bancar a fundao da central recorrendo diretamente s ba-ses para que elegessem seus delegados.

    Assim, enquanto o PT havia nascido em ruptura com o stalinis-mo e a social-democracia, a CUT nasceria em ruptura com a estrutura sindical oficial financiada pelo Estado atravs do imposto sindical, na luta pelas liberdades democrticas contra a ditadura, o que inclua a liberdade de organizao sindical e o direito de greve. Seus princpios e compromissos fundamentais, presentes em seus Estatutos, resgata-vam as melhores tradies do movimento operrio. Assim no Captu-lo II dos Estatutos da CUT, artigo 4, dentre os Princpios da central figuram os seguintes:

    a) defende que os trabalhadores se organizem com total independncia frente ao Estado e autonomia em relao aos partidos polticos, e que devem decidir li-vremente suas formas de organizao, filiao e susten-tao material. Neste sentido, a CUT lutar pelos pressu-postos consagrados nas convenes 87 e 151 da OIT11 no sentido de assegurar a definitiva liberdade sindical para os trabalhadores brasileiros;

    c) desenvolve sua atuao e organizao de forma independente do Estado, do governo e do patronato, e de forma autnoma em relao aos partidos e agrupa-

    11 Convenes 87 e 151 da OIT - Organizao Internacional do Trabalho : criada em 1919, a OIT uma instituio internacional tripartite, com ban-cadas separadas de governos, empregadores e trabalhadores, objetivando criar normas trabalhistas, estipuladas em convenes que uma vez ratificadas pelos pases membros passam a ter fora de lei. A Conveno 87 diz respeito liberdade e autonomia sindical, vedando qualquer interferncia dos patres e governos na organizao sindical dos trabalhadores, j a Conveno 151 as-segura o direito de negociao sindical coletiva para os funcionrios pblicos.

  • Curso de Formao Sindical - 23

    mentos polticos, aos credos e s instituies religiosas e a quaisquer organismos de carter programtico ou institucional;

    d) considera que a classe trabalhadora tem na uni-dade um dos pilares bsicos que sustentaro suas lutas e suas conquistas. Defende que esta unidade seja fruto da vontade e da conscincia poltica dos trabalhadores e combate qualquer forma de unicidade imposta por par-te do Estado, do governo ou de agrupamento de carter programtico ou institucional.

    No mesmo captulo so definidos como Compromissos:

    b) lutar para a superao da estrutura sindical corporativa vigente, desenvolvendo todos os esforos para a implantao da sua organizao sindical basea-da na liberdade e autonomia sindical;

    c) lutar pelo estabelecimento do Contrato Coletivo de Trabalho, nos nveis geral da classe trabalhadora e especfico, por ramo de atividade econmica, por seto-res, etc.;

    * * *

    Em poucos anos a CUT transformou-se na principal ferramenta de luta dos trabalhadores brasileiros, ganhando sindicatos das mos dos pelegos, organizando sindicatos rurais e urbanos, fazendo cam-panhas como a das Diretas J (1984), pelo no pagamento da Dvi-da Externa, apoiando a revoluo na Nicargua e a luta do sindicato Solidariedade na Polnia contra a burocracia stalinista, comandan-do greves gerais, como a de 1987 na presidncia de Jos Sarney. No havia um movimento dos oprimidos que no contasse com o respaldo da CUT.

    Mas a independncia de classe no um estado passivo, ela se traduz em cada momento em posicionamentos concretos, e estes, na CUT, sempre foram objeto de intenso debate entre posies muitas vezes contraditrias, o que no deixa de ser natural numa central sin-

  • Curso de Formao Sindical - 24

    dical democrtica.

    A trajetria inicial da CUT, em seu conjunto, foi a de um sindi-calismo classista e combativo, independente dos governos e autno-mo dos partidos, que propugnava uma nova estrutura sindical desde a base, incentivando a organizao no local de trabalho, como as comis-ses de fbrica, e a criao de organizaes sindicais de funcionrios pblicos, que, at por estarem margem da estrutura corporativista oficial, surgiam como sindicatos livres e independentes.

    O direito sindicalizao dos funcionrios pblicos s veio a ser reconhecido pela Constituio de 1988, mas at hoje seu direito de negociao coletiva e de greve no est oficializado, embora venha sendo exercido na prtica por fora das mobilizaes da categoria. Alis, a mesma Constituio que acabou com o poder do Ministrio do Trabalho de intervir nos sindicatos, manteve, no entanto, os dois pilares da estrutura sindical varguista: a unicidade sindical (proibio da existncia de mais de um sindicato de categoria na mesma base territorial) e o imposto sindical - mudando seu nome para contri-buio sindical-, que subtrai o equivalente a um dia de trabalho do salrio de todos os trabalhadores, sindicalizados ou no, para finan-ciar a estrutura sindical. Esse dinheiro repartido entre o sindicato de base (60%), federao (15%), confederao (5%) e, agora, com a Lei 11.648/0812, central sindical (10%), alm de 10% do total indo para a Conta Especial Emprego e Salrio do Ministrio do Trabalho e Em-prego.

    Central majoritria no plano nacional, central nica, ao p da letra, no momento de sua fundao, a CUT, entretanto, no encontrou um terreno desimpedido sua frente. Aqueles que tinham se oposto sua fundao, se reuniram em novembro de 1983 para formar uma confederao qual deram o nome de CONCLAT, primeiro, e depois CGT. Posteriormente, em 1991, todo um setor, financiado diretamen-te por empresrios e pelo governo Collor para disputar terreno com 12 Lei 11.648/08: de legalizao das centrais sindicais, revigora a unicidade e mantm os artigos 578 a 610 da CLT (Contribuio Sindical), at que uma lei venha a disciplinar a contribuio negocial, vinculada ao exerccio efetivo da negociao coletiva e aprovao em assembleia geral da categoria.

  • Curso de Formao Sindical - 25

    a CUT, sai da CGT e funda a Fora Sindical, que assume abertamente uma ideologia de colaborao de classes.

    * * *

    A virada na situao mundial que significou a queda do Muro de Berlim (1989) e a desagregao da URSS (1992) gerou uma onda de choque em todo o movimento operrio mundial.

    Como herana da Guerra Fria13, o movimento sindical estava dividido em duas grandes organizaes: a Confederao Internacio-nal de Organizaes Sindicais Livres (CIOSL), de hegemonia social-democrata na Europa e forte influncia da central dos EUA, AFL-CIO, nas Amricas; e a Federao Sindical Mundial (FSM), que agrupa-va as centrais controladas pelos Partidos Comunistas e seus aliados, com grande peso dos sindicatos oficiais dos pases da Europa do Leste subordinados burocracia stalinista que governava a URSS. Existia tambm a Confederao Mundial do Trabalho (CMT), agrupando sin-dicatos de orientao social-crist, muito minoritria.

    Nos seus primeiros anos a CUT decidiu no se filiar a nenhuma das organizaes sindicais internacionais, mantendo sua autonomia para se articular com as centrais que tivessem maior proximidade com sua concepo sindical.

    Mas a queda do Muro de Berlim transtornou todo o cenrio. A FSM quase desapareceu com a queda das burocracias estatais que a sustentavam. A CIOSL passou a receber adeses em grande nmero, o que lhe conferiu um perfil mais plural.

    Em plenria nacional de 1992, depois de intensa polmica no seu 4 congresso, de 1991, a CUT resolveu filiar-se CIOSL -na qual j estavam a Fora Sindical e a CGT- com o objetivo declarado de cons-tituir no seu interior um plo combativo, com parceiros como a KCTU da Coria do Sul e a COSATU da frica do Sul.

    No mesmo congresso de 1991 a Corrente Sindical Classista

    13 Guerra Fria: denominao usual que se d ao perodo posterior 2 Guerra Mundial, marcado pela diviso do mundo em esferas de influncia dos EUA e da ex-URSS.

  • Curso de Formao Sindical - 26

    (CSC), animada pelo PCdoB, entrou na CUT, rompendo com a CGT, que, ento, ficou reduzida aos pelegos tradicionais (pois os moder-nos, propagandeados como sindicalistas de resultado, tinham ido para a Fora Sindical). Registre-se que a CSC continuava defendendo o imposto e a unicidade sindical em contradio com os princpios estatutrios cutistas.

    O impacto da desagregao da URSS foi profundo no movimen-to operrio mundial. Aqueles que acreditavam que a Unio Sovitica era a ptria do socialismo estavam desnorteados. Trotsky havia ex-plicado que a URSS era um estado operrio degenerado pois, mesmo que baseado na expropriao da burguesia e no estabelecimento da propriedade coletiva dos meios de produo, era controlado por uma casta parasitria que sufocava a democracia operria e bloqueava a revoluo em escala internacional, transformando-se esta burocracia de origem stalinista em fator contra-revolucionrio que, no sendo derrubada pela ao da classe (revoluo poltica), abriria as portas para a restaurao capitalista14.

    Para os que compartilhavam das anlises de Trotski, no foi surpreendente constatar que, a partir da desagregao da URSS, mui-tos burocratas dirigentes dos regimes stalinistas rapidamente reci-claram-se e seguiram suas carreiras polticas no mais usurpando o poder sovitico, mas servindo diretamente defesa do imperialismo. Mas entre os quadros organizadores da luta da classe em sindicatos e organizaes de massa dirigidos pelos partidos comunistas o efeito foi mais contraditrio. Enquanto uns abandonavam todo tipo de ativida-de poltica, outros, cuja vontade de continuar fiis sua classe preva-lecia, ainda que atordoados, agarravam-se s organizaes sindicais como escudo de defesa da classe.

    Alm dessa crise subjetiva, o movimento operrio nos anos 90 sofria os golpes das polticas de ajuste estrutural comandadas desde o FMI e Banco Mundial a servio do imperialismo mais poderoso, o dos Estados Unidos, com um desemprego crescente resultante das priva-tizaes ocorridas em larga escala, somadas a uma ofensiva de redu-

    14 Ver a este respeito o livro de Trotsky A Revoluo Trada

  • Curso de Formao Sindical - 27

    o do custo do trabalho com a flexibilizao e reduo de direitos trabalhistas e sociais conquistados aps a Segunda guerra mundial (1939-45), ofensiva que se desdobra numa presso pela desagregao das naes.

    * * *

    Ainda que com certo atraso, pois 1989 marcado no Brasil pela primeira campanha eleitoral de Lula presidncia, que foi o desa-guadouro de um intenso processo de luta e organizao dos setores oprimidos (depois do PT, em 1980, e da CUT, em 1983, forma-se, por exemplo, o Movimento Sem Terra, MST, em 1985) e ela prpria um fator de mobilizao e organizao das massas, esta situao mun-dial que combinava a crise no movimento operrio com a ofensiva das privatizaes e destruio de direitos, chega ao nosso pas no gover-no Collor e se desenvolve nos dois governos sucessivos de Fernando Henrique (1994-2002).

    A CUT, depois de um intenso debate no qual sua maioria diri-gente (j ento a corrente Articulao Sindical, ligada a Lula) hesi-tava inicialmente em abraar o Fora Collor, vai jogar importante papel na grande mobilizao popular que derrubou aquele governo. A CUT vai tambm se pronunciar contra as privatizaes do governo FHC (CSN. Embraer, Vale, telefonia, setor eltrico etc), sem lograr impedi-las, mas freando, com as mobilizaes que liderou, o mpeto privatizante.

    Entretanto, tambm nos anos 90 que aumenta a presso sobre a CUT no sentido da desnaturao do carter independente e de luta de classe de sua criao e trajetria inicial.

    Presses que vinham de vrios lados. No plano internacional da direo da CIOSL, j ento numa linha de promover um protagonis-mo dos sindicatos nas instituies multilaterais criadas para aplicar

  • Curso de Formao Sindical - 28

    a poltica do imperialismo (OCDE15, BIRD16 etc), da Confederao Eu-ropia de Sindicatos (CES)17, organismo subordinado Unio Euro-pia, que propunha CUT e outras centrais da regio a sua integrao ao Mercado Comum do Sul (Mercosul).

    No plano nacional, as presses contra a independncia de classe atingiam frontalmente o PT e a CUT, mesmo se so organizaes de natureza distinta. O PT, cuja maioria dirigente tambm era maioria na direo da CUT, desenvolveu um processo de adaptao aos mar-cos do Estado burgus e abandono progressivo de sua natureza origi-nal de partido operrio independente.

    Essas presses traduziram-se no surgimento de novidades no debate interno CUT, tais como a concepo do sindicato cidado. De forma confusa, o sindicato cidado se opunha ao sindicato com-prometido com a defesa exclusiva dos interesses dos trabalhadores -opostos e antagnicos aos do capital- atribuindo-lhe outras funes de interesse geral, de toda a sociedade.

    Polticas de parceria com os patres passaram a ser pontu-almente aplicadas por setores cutistas, como as Cmaras Setoriais entre os dirigentes do Sindicato dos Metalrgicos e as multinacionais da indstria automobilstica do ABC paulista, ainda no governo Collor (1992), que consistiam em isentar os capitalistas de impostos em tro-ca da ilusria manuteno do nvel de emprego, comportando tam-bm uma trgua nas greves.

    A poltica dos fruns sociais mundiais, iniciados no ano 2000

    15 OCDE - Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico, a qual pertencem 29 pases, dentre os quais os mais industrializados (o Brasil no membro, enquanto pases como o Mxico e a Coria do Sul fazem parte desta organizao)16 BIRD - Banco Internacional de Reconstruo e Desenvolvimento que, juntamente com a Associao Internacional para o Desenvolvimento (AID), compe o Banco Mundial, criado na Conferncia de Bretton Woods (1944)17 Confederao Europia de Sindicatos - CES: Organismo ligado direta-mente Unio Europia, com sede em Bruxelas, que questiona a autonomia e independncia das centrais nacionais a ela filiadas em favor de um marco europeu de dilogo social tripartite

  • Curso de Formao Sindical - 29

    em Porto Alegre, cuja inspirao vem da Conferncia social da ONU de Copenhague (1995) e que conta com aberta simpatia do Ban-co Mundial, veio reforar a tendncia de dissoluo da organizao sindical na sociedade civil (junto com ONGs, Igrejas, empresrios progressistas etc), no para combater o capitalismo, mas para dar face humana globalizao.

    Vale dizer que o principal baluarte dessa poltica, assumida pela maioria dos aparelhos18 que dirigem as organizaes sindicais numa linha de colaborao de classes, foi a corrente Democracia Socia-lista do PT (ligada ento ao Secretariado Unificado, SU, organizao revisionista do programa da 4 Internacional19). Diante da crise dos partidos comunistas com a derrocada da URSS e do desgaste de par-tidos socialistas e social-democratas ao aplicar, estando em governos, diretamente a poltica do imperialismo, foi necessrio recorrer a fal-sos trotskistas para promover tais fruns sociais como obstculos luta de classe contra o capitalismo!

    Assim, na virada do sculo, momento em que a CUT se conso-lidava como a maior central sindical do Brasil e uma das maiores do mundo, em que todas as correntes histricas do movimento operrio estavam em seu seio, ela estava tambm atravessada pelas contradi-es e impactos da crise de direo do movimento operrio mundial e sua refrao no sindicalismo internacional.

    * * *

    18 Aparelhos: ou aparatos, denominao da cpula de organizaes que jogam um papel de freio ou desviam as lutas dos trabalhadores dos seus obje-tivos reivindicativos ou histricos.19 SU - Secretariado Unificado: depois da crise de disperso do movimento trotskista de 1952-53, provocada pelo revisionismo do programa de fundao da 4 Internacional por parte dos seguidores do dirigente Michel Raptis (Pablo), em 1963 houve uma reunificao de alguns setores (como o SWP dos EUA) com o centro pablista, dando origem ao SU. No Brasil, a seo do SU era a Democracia Socialista, tendncia do PT, mas, no primeiro mandato de Lula, quando seu dirigente Miguel Rosseto ocupou o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, houve uma ruptura que deu origem ao Enlace, que passou a ser reco-nhecido como seo oficial do SU. Atualmente tomou o nome de Insurgncia, aps fuso com grupos menores do PSOL.

  • Curso de Formao Sindical - 30

    As conquistas arrancadas pelo movimento dos trabalhadores nesse terceiro perodo histrico do sindicalismo brasileiro, marcado pela fundao da CUT, esto diretamente ameaadas no momento atual. Inclusive a conquista no terreno da organizao independente que a prpria CUT.

    Trata-se de um processo inacabado, cuja evoluo ser determi-nada pela luta de classes em condies de impasse extremo do modo de produo capitalista em sua etapa imperialista, estampado na crise que eclodiu em 2008, a mais profunda do sistema capitalista desde 1929.

    No plano nacional, a eleio de Lula presidncia da Repblica em 2002, colocou a CUT, pela primeira vez, diante de um governo que havia ajudado a eleger (mesmo sendo a quarta candidatura de Lula, um dos fundadores da central, foi a primeira vez que a CUT tomou posio oficial a favor de uma candidatura presidencial, ainda que a esmagadora maioria de sua militncia tivesse feito campanha pelo l-der histrico do PT nas campanhas anteriores).

    Ao montar um governo de colaborao de classes, simbolizado pelo fato de seu vice-presidente, Jos Alencar, ser um grande empre-srio do setor txtil e pela entrega de ministrios a partidos burgueses (como o PL) e da direo do Banco Central a Henrique Meirelles (elei-to deputado federal pelo PSDB de seu concorrente presidncia Jos Serra), Lula buscava sustentao para a poltica anunciada na Carta aos Brasileiros, na verdade dirigida ao capital internacional, onde, antes de tomar posse, anunciava que seu governo respeitaria todos os contratos firmados com o FMI e outras instituies do imperialismo.

    O 8 Congresso nacional da CUT, de 2003, elege como presi-dente Luiz Marinho, dos metalrgicos de So Bernardo, mesmo sindi-cato que projetou Lula no cenrio poltico, e marcado pela polmica em torno da contra-reforma da Previdncia dos servidores pblicos, rebaixando seus direitos, que o governo federal encaminhara ao Con-gresso nacional para a aprovao de deputados e senadores.

    Nenhum delegado do Congresso da CUT manifestou-se favor-

  • Curso de Formao Sindical - 31

    vel proposta do governo Lula, mas, depois de muitas idas e vindas, a maioria votou contra a posio de retirada da PEC 41, defendida pelos militantes de O Trabalho. Ganhou a posio de emendar a PEC 41, com a proposta de um teto de 20 salrios mnimos para as apo-sentadorias dos servidores. Nesse episdio, mais uma vez, se revelava o quo prejudicial o sectarismo de setores de ultra-esquerda que, junto com dirigentes da corrente majoritria e da CSC, torpedearam um acordo que havia sido forjado com as delegaes de servidores -e que, certamente, alcanaria a maioria no plenrio, se fosse manti-do- no sentido de aprovar uma resoluo defendendo a suspenso da tramitao da PEC 41, o que seria um golpe na proposta do governo e um extraordinrio ponto de apoio para barrar a contra-reforma. Fo-ram esses mesmos setores que, mais frente, iriam passar a militar abertamente pela diviso-destruio da CUT.

    Os sindicatos do funcionalismo federal realizaram uma grande mobilizao nacional contra a reforma da Previdncia. A CUT par-ticipou, mas sua posio de apresentar emendas enfraquecia a luta e abria espao para que setores esquerdistas e sectrios buscassem utilizar a mobilizao muito mais para desgastar a CUT e o prprio governo do que focar no atendimento da reivindicao, quer pela reti-rada pelo governo do projeto ou pelo voto contrrio dos parlamenta-res. Finalmente a reforma passou, os parlamentares do PT que vota-ram contra foram expulsos do partido (dentre eles a senadora Helosa Helena e deputados que depois vieram a participar da formao do P-SOL).

    O legtimo descontentamento dos sindicatos de servidores fe-derais com uma contra-reforma aplicada por um presidente que ti-nha sido eleito com o voto macio deste setor, foi explorado para uma poltica de diviso-destruio da CUT, liderada pelo PSTU (partido ligado corrente morenista, do nome de seu dirigente histrico, o argentino Nahuel Moreno, que ganha autonomia com a crise de dis-perso do trotsquismo dos anos 52-53, caracterizada por dar as costas a uma poltica de Frente nica e pela sua concepo de direo alter-nativa, corrente que havia rompido com o PT em 1992).

  • Curso de Formao Sindical - 32

    Embora se apresente como trotskista, o PSTU, ao propor a des-filiao de sindicatos da CUT para constituir a Coordenao Nacional de Lutas (Conlutas, criada em 2004), aplica uma poltica abertamente contrria ao programa de fundao da 4 Internacional (Programa de Transio, escrito por Trotsky em 1938), que afirma: necess-rio esclarecer este princpio irredutvel: o auto-isolamento capitu-lador dos sindicatos de massas, que equivale a uma traio revo-luo, incompatvel com a permanncia na 4 Internacional (Os sindicatos na poca de transio, publicado nesta obra).

    A poltica divisionista do PSTU, ocorre no momento em que as presses para atrelar a CUT ao governo Lula so as mais poderosas e so provenientes, em primeiro lugar, do prprio governo. Um exem-plo o convite a Luiz Marinho para assumir o Ministrio do Trabalho em meio ao seu mandato (2005). Marinho renuncia ao seu posto de Presidente Nacional da CUT para atender ao convite do governo.

    Nos sindicatos filiados e nas instncias da CUT, no entanto, trava-se uma luta para organizar a resistncia s medidas do gover-no Lula que se chocam com os interesses dos trabalhadores. nesse momento que o PSTU e outros grupos sectrios desertam o terreno de combate na central, virando as costas a milhes de trabalhado-res, ajudando assim os setores mais lulistas da direo a manter seu controle sobre o movimento sindical.

    No perodo mais recente, a partir do 9 CONCUT de 2006, que coincide em parte com o segundo mandato presidencial de Lula, a CUT procura retomar a iniciativa no terreno das mobilizaes.

    No plano poltico partidrio, depois de o PT ter sofrido os im-pactos negativos da crise do mensalo (2005) ao final do primeiro mandato de Lula, o presidente reeleito amplia a base de sustentao de seu governo no congresso nacional para 14 partidos, entregando ministrios chave ao PMDB. Sua poltica econmica, alvo freqente de crticas da CUT desde o primeiro mandato, mantm o apoio ao agro-negcio exportador, portanto na contramo da reforma agrria, e busca uma parceria com Bush no cenrio internacional, seja em acordos para o incentivo produo de etanol, seja mantendo tropas

  • Curso de Formao Sindical - 33

    brasileiras no Haiti desde 2004 sob a bandeira da ONU.

    Depois de liderar a reao do movimento sindical contra uma emenda de flexibilizao trabalhista adotada pelo congresso (a Emen-da 3), que Lula havia vetado e sofria presso do empresariado para retirar seu veto, a CUT organiza uma Marcha a Braslia em agosto de 2007 com 20 mil manifestantes levantando uma agenda dos tra-balhadores que cobrava de Lula uma srie de reivindicaes, vrias delas contrrias a iniciativas do prprio governo (como a exigncia de retirada do PL das Fundaes estatais de direito privado ou do PLP 01/07 (agora PLS 611) que congela a folha de salrios dos servidores).

    Ainda em 2007, a CUT participa, ao lado de outras entidades como o MST, do Plebiscito Popular pela Anulao do Leilo da Cia. Vale do Rio Doce, ainda que no tenha jogado toda a sua fora nesse processo. Pronuncia-se pelo fim dos leiles das reas de produo de petrleo, se faz presente em atos contra a visita de Bush ao Brasil. Em conjunto com outras centrais, a CUT protagoniza tambm a luta pela valorizao do Salrio mnimo com marchas a Braslia.

    No congresso de 2006, os sindicalistas identificados com o P-SOL ainda estavam presentes na CUT, chegando a apresentar uma chapa que no obteve o mnimo de 10% de votos para fazer-se repre-sentar na direo nacional. Mas, em seguida, esse setor, agrupado na Intersindical, passou a fazer frente comum com a poltica destruido-ra da Conlutas para desfiliar sindicatos e federaes da CUT. Atual-mente a Intersindical est dividida entre os que defendem juntar-se Conlutas e os que so contrrios a esta fuso.

    J em setembro de 2007 a CSC que rompe com a CUT para fundar a Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Sua motivao poltica pode no ter sido a mesma da Conlutas e Intersindical, li-gadas a partidos que se proclamam oposio ao governo Lula, pois o PCdoB, que anima esta corrente, tem participao ministerial no governo federal e, durante os 17 anos em que a CSC esteve na CUT, na maior parte do tempo trabalhou em aliana com a Articulao Sin-dical. Mas sua prtica de desfiliar sindicatos e federaes a mesma da Conlutas e Intersindical e, nisso, as trs foras agem no mesmo

  • Curso de Formao Sindical - 34

    sentido de diviso e destruio da CUT.

    Essa deciso da CSC de romper com a CUT para formar a CTB, ainda que marcada pela velha poltica stalinista de sindicato correia de transmisso do partido, no pode ser explicada margem do pro-cesso de legalizao das centrais sindicais no Brasil, negociado entre elas e o governo Lula e que resultou na j mencionada Lei 11.648/08).

    Este acordo, baseado na manuteno da unicidade sindical e na partilha entre as centrais de 10% do total arrecadado com o imposto sindical, foi autorizado por um voto de maioria da Executiva nacional da CUT (ainda com a presena de membros da CSC, que votaram a favor).

    Pela primeira vez em seus 30 anos de histria, a CUT endossava uma lei que mantm a unicidade e o imposto sindical, contra os quais sempre combateu, e aceitava um reconhecimento legal que apenas lhe permite participar, ao lado de outras centrais, de conselhos triparti-tes consultivos com as entidades empresariais e o governo, vedando explicitamente a participao das centrais na assinatura de conven-es ou acordos coletivos (que seguem sendo prerrogativa exclusiva dos sindicatos de base, federaes e confederaes de categoria ou ramos).

    A representatividade das centrais, condio para receber pro-porcionalmente o dinheiro do imposto, estabelecida pelo Minist-rio do Trabalho a partir do registro de sindicatos no rgo. Alm da CUT, foram legalizadas a Fora Sindical, a UGT (fuso da CGT com a CAT1820 e setores sados da Fora Sindical), a Nova Central21, a CTB (formada pela CSC, aps o acordo de legalizao) e a CGTB22 (ligada ao MR-8, agora transformado em Partido Ptria Livre - PPL). A Con-lutas, mesmo no tendo participado das negociaes, tambm enca-minhou ao Ministrio do Trabalho seu pedido de reconhecimento.

    20 CAT - Central Autnoma de Trabalhadores.21 NCST - Nova Central Sindical de Trabalhadores.22 CGTB Central Geral dos Trabalhadores do Brasil. Mais recentemente a CGTB cindiu-se com uma ala liderada pelo seu antigo presidente formando a Central dos Sindicatos Brasileiros - CSB com relaes com o PMDB.

  • Curso de Formao Sindical - 35

    Nada obrigava a CUT, central majoritria, a assinar tal acordo (alis, se no assinasse ele no sairia). Perdeu-se uma oportunidade histrica de colocar em pauta a ratificao da Conveno 87 da OIT (que probe a interferncia dos patres e governos na organizao sin-dical). Hoje, como subproduto da legitimao da unicidade e impos-to sindical pelas centrais, o Ministro do Trabalho Carlos Lupi (PDT) quer estend-los para o setor publico, onde a CUT, ao longo dos anos, ajudou a construir um sindicalismo livre e sem imposto sindical.

    O atual cenrio de pulverizao da representao sindical na c-pula (vrias centrais), com a manuteno da unicidade na base, nada tem a ver com os princpios de Liberdade e Autonomia sindical com os quais a CUT foi fundada e que permanecem em seus Estatutos. Na verdade, esse arranjo privilegia os burocratas que vivem do imposto sindical, empurrando a CUT convivncia institucional forada com outras centrais com projetos sindicais opostos aos seus, nos foros tri-partites. A manuteno dessa situao mais uma ameaa existn-cia da CUT como central sindical independente.

    Por isso mesmo, o combate em defesa da CUT como central sin-dical independente nascida da luta da classe trabalhadora brasileira, inclui a ruptura desse acordo, hoje lei, de reconhecimento das centrais sindicais. Existe um caminho direto, indicado ao longo dos anos pela prpria CUT, para avanar para a liberdade sindical: a luta imediata e decidida, desde as bases, pela ratificao da Conveno 87 da OIT, terminando com o imposto sindical e com qualquer interferncia do Estado na organizao sindical dos trabalhadores.

    * * *

    No cenrio do sindicalismo mundial, sob presso da globali-zao -na verdade, do imperialismo- se acumulam enormes perigos para a sobrevivncia no s da CUT como central sindical indepen-dente, mas de toda organizao sindical digna do nome, ou seja, cuja razo de ser a defesa dos interesses dos trabalhadores que so dis-tintos e antagonicos aos dos patres.

    Em novembro de 2006, em Viena (ustria) foi fundada, a partir

  • Curso de Formao Sindical - 36

    da dissoluo prvia da CIOSL e da CMT, a Confederao Sindical In-ternacional (CSI), atraindo algumas centrais (como a CGT francesa) que haviam rompido com a FSM e outras at ento independentes. Todo o problema que as bases constitutivas da CSI, inscritas em sua carta de princpios, constituem uma ruptura com a concepo e a prtica histrica do sindicalismo voltado para a luta de classe contra a explorao do capital sobre a massa trabalhadora.

    Para a CSI, do que se trata da governana democrtica da glo-balizao, concebida como a reivindicao dirigida s instituies multilaterais que defendem os interesses e aplicam a poltica do impe-rialismo, de que os sindicatos sejam convidados a participar de suas decises, para dar-lhes um verniz social. Assim, se pretende erigir uma parceria governos-capitalistas-sindicatos, que faa barragem luta da classe contra a explorao, desnaturando a razo de existir dos sindicatos. Seria uma reedio do corporativismo em escala mundial.

    A CUT, filiada que estava na CIOSL, passou a fazer parte da CSI por deciso majoritria de sua direo, no sem resistncia, expressa em seu 9 congresso. Em seguida, a CUT participou da fundao da Confederao Sindical dos Trabalhadores das Amricas - CSA (brao nas Amricas da CSI).

    Com o advento da atual crise mundial do capitalismo, rapida-mente a cpula da CSI foi chamada a aplicar sua orientao. Assim, s vsperas da reunio de abril de 2009 do Grupo dos 20 (pases mais ricos, que incluiu o Brasil representado por Lula) em Londres, a nova central mundial lhe dirigiu uma carta em que se prope a trabalhar conjuntamente com governos, ONU e outras instituies, visando reorientar a governana da economia mundial, agregando que os sindicatos devem participar plenamente das novas estruturas de go-vernana e assessoramento das organizaes internacionais.

    Assim, de instrumentos de defesa da fora de trabalho contra a explorao do capital, os sindicatos deveriam tornar-se assessores do FMI e Banco Mundial? No, mais do que nunca a independncia de classe dos sindicatos deve ser preservada para defender os traba-lhadores da crise e assegurar um futuro para a humanidade!

  • Curso de Formao Sindical - 37

    Nenhuma unio de todos nos planos nacional e internacional ou reforma das instituies que empurraram o mundo atual crise, pode ser uma sada para os explorados e oprimidos.

    O papel das organizaes sindicais defender com unhas e den-tes os empregos, salrios e direitos dos trabalhadores no atual cen-rio de crise mundial. Essa uma condio para a construo da fora poltica capaz de acabar com esse sistema apodrecido, rumo a uma sociedade sem explorados e sem exploradores.

    Ao mesmo tempo, no porque uma central ou confederao sindical nacional filiou-se CSI que ela estaria perdida definitivamen-te para a luta de classe. Existe a resistncia dos trabalhadores em toda a parte, para defender seus empregos, salrios e direitos contra os capitalistas que querem que os trabalhadores paguem o custo de crise do seu modo de produo. Essa resistncia inevitavelmente repercu-te nas organizaes construdas pelos trabalhadores, a comear pelos sindicatos, que a classe busca utilizar para sua luta.

    Assim, desenvolve-se uma batalha crucial que envolve os qua-dros organizadores da classe. De um lado, esto submetidos enorme presso, transmitida pelas cpulas das direes, para uma integrao total das organizaes ao dispositivo mundial do imperialismo (go-vernana); de outro, so pressionados a preservar a independncia sindical diante de governos e patres, pela ao da classe que bus-ca utilizar o sindicato como instrumento de organizao e defesa dos seus interesses. Como dissemos acima, trata-se de um processo ina-cabado, que ser decidido pela luta de classes.

    Nesta batalha, a 4 Internacional j escolheu o seu lado: intervir atravs de seus militantes para reforar todo elemento de defesa da independncia das organizaes, contra sua integrao ao dispositivo do imperialismo, cuja crise empurra a humanidade barbrie e acen-tua sua poltica de guerra e explorao.

    Agora mesmo, a OIT anuncia que a ordem do dia de sua 96 Conferncia anual, de 3 a 19 de junho em Genebra (Sua), sofreu mo-dificaes para que se realize em 15 e 16 de junho uma Cpula da OIT

  • Curso de Formao Sindical - 38

    sobre a crise mundial do emprego, reunindo governos, tomadores de deciso, organizaes patronais, da sociedade civil, multinacio-nais e organizaes sindicais. Seu objetivo seria lanar as bases para um pacto mundial pelo emprego.

    O Acordo Internacional dos Trabalhadores e Povos, no qual os militantes da 4 Internacional participam em p de igualdade com companheiros de diferentes origens, e que h 11 anos realiza encon-tros de sindicalistas por ocasio das conferncias da OIT, na carta-convite para a reunio de 6 de junho de 2009, discute tal pacto mun-dial nos seguintes termos:

    No mesmo momento em que os governos buscam em toda a parte integrar as organizaes sindicais, para associ-las aplicao dos planos de destruio de em-pregos, de salvamento dos bancos, no seria um perigo elaborar e adotar um Pacto mundial pelo emprego com as multinacionais, as organizaes patronais e go-vernos, como uma contribuio ao processo lanado pelos dirigentes dos pases do G 20?

    Teramos que aceitar nos tornar parceiros dos pa-tres, ou devemos preservar a independncia das orga-nizaes sindicais? Deveramos apoiar os planos de re-lanamento, na verdade de financiamento dos bancos e dos especuladores, ou agir de forma resoluta em defesa do trabalho? preciso retornar ao sistema fundamental das convenes e normas da OIT ou aceitar que a OIT se transforme em instrumento de aplicao das decises do G 20?

    Em sntese, o movimento operrio mundial deve integrar-se na governana mundial em todos os nveis, ou, ao contrrio, assumir sua misso histrica de defesa dos interesses dos trabalhadores?

    Este o desafio fundamental lanado ao sindicalismo hoje no mundo e tambm no Brasil. Retomando os termos da Nota dos Edi-

  • Curso de Formao Sindical - 39

    tores deste livro de 1978, a unidade e independncia sindical cons-tituem um binmio dialtico inseparvel, pois no h unidade de classe no plano sindical sem independncia de classe diante dos pa-tres, governos e instituies internacionais que aplicam a poltica do imperialismo.

    Junho de 2009

  • A teoria se transforma em fora material

    quando penetra nas massas

    Karl Marx

    Preo: R$ 5,00