educaÇÃo ambiental campesina: do diÁlogo de … · ao amor incondicional: mãe maria rita e pai...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO AMBIENTAL CAMPESINA: DO DIÁLOGO DE SABERES À SEMEADURA DE PROJETOS AMBIENTAIS ESCOLARES COMUNITÁRIOS EDILAINE MARIA MENDES FERREIRA Cuiabá-MT 2016

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    EDUCAO AMBIENTAL CAMPESINA: DO DILOGO DE SABERES

    SEMEADURA DE PROJETOS AMBIENTAIS ESCOLARES

    COMUNITRIOS

    EDILAINE MARIA MENDES FERREIRA

    Cuiab-MT

    2016

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    EDUCAO AMBIENTAL CAMPESINA: DO DILOGO DE SABERES

    SEMEADURA DE PROJETOS AMBIENTAIS ESCOLARES

    COMUNITRIOS

    EDILAINE MARIA MENDES FERREIRA

    Dissertao de Mestrado apresentada ao

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    (PPGE), do Instituto de Educao (IE), da

    Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

    para obteno do ttulo de Mestre.

    ORIENTADORA: Profa. Dra. REGINA APARECIDA DA SILVA

    Cuiab-MT 2016

  • s sementes do futuro: filho Bernardo e filha Brbara;

    parceria:

    esposo Osvaldo;

    alteridade: irm Edinir;

    Ao muxirum:

    irmos Roswal, Rosmar, Rosmir, Joert, Zildinei, Marineo, Javert e Roosevelt;

    Ao amor incondicional:

    me Maria Rita e pai Javet;

    Aos confetos partilhados: GPEA e comunidade escolar de So Pedro de Joselndia;

    Eu dedico com gratido!

  • AGRADECIMENTOS

    A Deus pelo dom da vida, pela sabedoria para superar as dificuldades e

    por conduzir o meu caminho de acordo com o Teu querer.

    professora Dra. Regina Silva por acreditar e encorajar o ingresso no

    mestrado sob sua orientao, pela pacincia, pelo carinho e pela solidariedade nos

    momentos de crise, sem dvida, inestimveis para a concluso deste trabalho.

    minha famlia pelo amor incondicional, por compartilhar mais esta

    travessia e por ser grande incentivadora e admiradora dos meus passos.

    Ao GPEA, em especial a professora Dra. Michle Sato, e comunidade

    de So Pedro de Joselndia pela colaborao confetuosa durante a pesquisa, pois o

    processo formativo Escolas Sustentveis e COM-VIDA no Pantanal de Mato Grosso,

    Brasil que construram juntos, nos possibilitou inmeras aprendizagens.

    Aos professores, professoras e colegas de caminhada acadmica que

    contriburam, direta ou indiretamente, neste processo de formao profissional

    proporcionando no apenas conhecimento racional, mas manifestaes ticas,

    estticas e afetivas na educao.

    banca examinadora composta pela Dra. Rachel Trajber, Dra. Lindalva

    Garske e Dr. Ronaldo Senra pelos apontamentos e contribuies na dissertao.

    Aos amigos e amigas, companheiros e companheiras de trabalho e

    irmos e irms na amizade que contribuem para minha formao e vivncia

    fraternal, agradeo na certeza de continuarem presentes em minha vida.

    A todos e todas, meu eterno agradecimento!

  • RESUMO

    Com a intencionalidade de dialogar e refletir sobre Sociedades Sustentveis nos diferentes mbitos sociais e criar tticas de enfrentamento s mudanas climticas, o Grupo Pesquisador em Educao Ambiental, Comunicao e Arte (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), teceu coletivamente o processo formativo Escolas Sustentveis e COM-VIDA no Pantanal de Mato Grosso, Brasil juntamente com a Escola Estadual Professora Maria Silvino Peixoto de Moura e a comunidade pantaneira de So Pedro de Joselndia, municpio de Baro de Melgao, Mato Grosso, Brasil. Essa pesquisa tem como objetivo compreender como se deu esse processo de aprendizagem coletiva e colaborativa, tecido por meio do dilogo Freireano entre a universidade, a escola e a comunidade do campo. Nossa busca percorreu uma trajetria metodolgica de carter qualitativo embasada na sociopotica. A escolha pela sociopotica foi por compreendermos que o processo formativo foi construdo cooperativamente e, tambm, em vrios momentos da investigao, pudemos contar com a colaborao de co-pesquisadores. Assim, alm da racionalidade cientfica, nossa pesquisa acolheu tambm sentimentos, como a subjetividade e a afetividade, na construo do saber. Evidenciamos que as atividades formativas, desse processo, tiveram incio no ano de 2013, finalizando em 2014. Toda a tessitura, desde a proposta de calendrio, a definio dos momentos de estudo e prtico: coletivos e/ou individuais, as temticas a serem articuladas, a definio dos projetos ambientais foram construdas por meio da dialogicidade. A fundamentao terica partiu de temticas do contexto local, usando materiais de apoio sobre escolas sustentveis e COM-VIDA, tramados com conceitos de educao ambiental, do campo e popular. A culminncia do processo formativo se deu com a construo e implantao de quatro Projetos Ambientais Escolares Comunitrios (PAEC) no ambiente escolar: a Ecocasa Tradicional, a Cortina Verde, o Telhado Verde e o Ecofiltro. Todos com perspectivas de baixo custo e baixo impacto ambiental, com a proposta de aumentar a articulao escola-comunidade e colaborar para a transformao da escola em espao educador sustentvel ou com critrios de sustentabilidade. A efetivao dos PAEC, promovida pela participao coletiva e colaborativa da comunidade escolar, nos permitiu perceber o quanto que a reflexo dialogada, com apontamentos para um currculo fenomenolgico, promove a construo e reconstruo de espaos de autoconhecimento (EU), da relao social de alteridade (OUTRO) e respeito ao lugar habitado (MUNDO). Palavras chave: Educao Ambiental Campesina; Processo Formativo; Escolas Sustentveis e Projetos Ambientais Escolares Comunitrios.

  • ABSTRACT

    With the intentionality of talking and thinking about Sustainable Societies about the different social extents and creating tactics of confrontation to the climatic changes, the Researcher Group in Environmental Education, Communication and Art (GPEA) of the Federal University of Mato Grosso (UFMT), has collectively woven the formative process Sustainable Schools and COM-VIDA in the Pantanal Wetlands of Mato Grosso, Brasil in conjunction with the State School Teacher Maria Silvino Peixoto de Moura and the pantanal community of So Pedro de Joselndia, municipal district of Baro de Melgao, Mato Grosso, Brazil. This inquiry aims to understand how this process of collective and collaborative learning, woven through the Freirean dialog between the university, the school and the field community. Our search went through at methodological trajectory of qualitative character grounded in sociopoetic. The choice of sociopoetic was since we understand that the formative process was cooperatively built and, also, in various moments of the investigation, we count on the co-investigators collaboration. So, besides the scientific rationality, our inquiry accepted also feelings, as subjectivity and affectivity, in the knowledge construction. We showed that the formative activities, of this process, had beginning in the year of 2013, finishing in 2014. The whole texture, since the calendar proposal, the definition of the moments of study and practical: collective and/or individual, the themes to be articulated, the definition of the environmental project were built through the dialogicity. The theoretical grounding left from themes of the local context, using support materials on sustainable schools and COM-VIDA, woven with concepts of environmental education, of the field and popularly. The culmination of the formative process was with the construction and introduction of four Environmental Communitarian School Projects (PAEC) in the school environment: the Ecocasa Tradicional, the Cortina Verde, the Telhado Verde and the Ecofiltro. All with perspectives of low cost and low environmental impact, with the proposal of increase the school-community articulation and contributes for the transformation of the school to sustainable educator space or with sustainability criteria. The effectuation of the PAEC, promoted by the collective and collaborative participation of the school community, allowed us to perceive how much that talked reflection, with notes for a phenomenological curriculum, promotes the construction and reconstruction of autoknowledge spaces (I), of the social relation of alterity (OTHER) and respect to the inhabited place (WORLD). Keywords: Rural Environmental Education; Formative Process; Sustainable Schools and Environmental Communitarian School Projects.

  • LISTA DE FIGURAS E QUADROS

    Figura 1 - Momento de travessia em So Pedro de Joselndia: formando, deformando, transformando e reformando saberes, valores e conceitos............ 24

    Figura 2 - Mapa indicando a localizao da comunidade pantaneira de So Pedro de Joselndia............................................................................................. 49

    Figura 3 - Mapa fotogrfico de So Pedro de Joselndia, Baro de Melgao-MT, indicando os locais de referncia na comunidade........................................ 50

    Figura 4 - Frente da escola, entrada principal..................................................... 52

    Figura 5 Pesquisadora na busca por saberes se encanta com a beleza pantaneira............................................................................................................. 58

    Figura 6 Nos dilogos construdos as entrevistas se concretizaram............... 65

    Figura 7 Material de apoio que foi entregue aos participantes do processo formativo............................................................................................................... 75

    Figura 8 Momentos festivos de integrao universidade-escola-comunidade, no lanamento dos PAEC.................................................................................... 82

    Figura 9 PAEC Ecocasa Tradicional, localizada direita na frente da escola. 86

    Figura 10 Alguns detalhes da construo da Ecocasa Tradicional.................. 87

    Figura 11 Despertar de interesse da comunidade em rever antiguidades....... 88

    Figura 12 - Casa de barrote, localizada na comunidade pantaneira de So Pedro de Joselndia............................................................................................. 89

    Figura 13 - Extenso dos fundos da escola........................................................ 90

    Figura 14 - PAEC Cortina Verde, plantas em expanso, para proporcionar conforto trmico nos espaos educativos............................................................ 93

    Figura 15 - PAEC Telhado Verde, estrutura com cobertura de grama............... 95

    Figura 16 - PAEC Ecofiltro, estruturas instaladas no bebedouro da escola........ 98

    Figura 17 PAEC em So Pedro de Joselndia/2015....................................... 111

    Figura 18 Diagrama do foco central do projeto de pesquisa, a educao ambiental e escolas sustentveis pensadas no mbito de uma escola do campo................................................................................................................... 119

    Quadro I - Breve apresentao dos pesquisadores-formadores do GPEA e dos professores e professoras da escola, co-autores no processo formativo Escolas Sustentveis e COM-VIDA no Pantanal de Mato Grosso, Brasil e co-responsveis pelos saberes e aprenderes dessa pesquisa.................................

    66

    Quadro II Temticas dialogadas durante os momentos presenciais do processo formativo............................................................................................... 76

  • LISTA DAS SIGLAS

    AUs reas midas

    CEB Cmara de Educao Bsica

    CEE Conselho Estadual de Educao

    CEFAPRO Centro de Formao e Atualizao de Profissionais da Educao

    Bsica

    CEP Comit de tica em Pesquisa

    CGEA Coordenao Geral de Educao Ambiental

    CIEA Comisso Interinstitucional de Educao Ambiental

    ClimBAP Rede Municipal de Adaptao e Mitigao s Mudanas

    Climticas: Resposta a diferentes Cenrios de Mudanas

    Climticas

    CNE Conselho Nacional de Educao

    CNIJMA Conferncia Nacional InfantoJuvenil pelo Meio Ambiente

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    COMVIDA Comisso de Meio Ambiente e Qualidade de Vida na Escola

    CONSEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extenso

    CP Conselho Pleno

    CPP Centro de Pesquisa do Pantanal

    DCNEA Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Ambiental

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    EMREBUGA Escola Municipal Rural de Educao Bsica Prof Udeney

    Gonalves de Amorim

    ENERA Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma

    Agrria

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    FUFMT Fundao Universidade Federal de Mato Grosso

    GPEA Grupo Pesquisador em Educao Ambiental, Comunicao e Arte

    GS Gabinete do Secretrio

    HUJM Hospital Universitrio Julio Muller

    ICaracol Instituto Caracol

    IE Instituto de Educao

    IFMT Instituto Federal de Mato Grosso

    INAU ou INCT

    reas midas Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia em reas midas

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao Agrria

    JOCUM Jovens Com Uma Misso

    LDB Lei de Diretrizes e Base

    MCTI Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao

    MEC Ministrio da Educao

    MT Mato Grosso

    MS Mato Grosso do Sul

  • NTM Ncleo de Tecnologia Municipal

    PAEC Projeto Ambiental Escolar Comunitrio

    PCN Parmetros Curriculares Nacionais

    PLS Projeto de Lei no Senado

    PME Programa Mais Educao

    PNE Plano Nacional de Educao

    PNEA Poltica Nacional de Educao Ambiental

    PNES Programa Nacional Escolas Sustentveis

    PPGE Programa de Ps-Graduao em Educao

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    PrE Projeto de Educao Ambiental

    ProInfo Programa Nacional de Tecnologia Educacional

    ProMEA Programa Mato-Grossense de Educao Ambiental

    ProNEA Programa Nacional de Educao Ambiental

    PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    PSS Processo Seletivo Simplificado

    PVC Policloreto de Vinila

    REMTEA Rede Mato-grossense de Educao Ambiental

    RPPN Reserva Particular do Patrimnio Natural

    SEDUC Secretaria de Estado de Educao

    SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente

    SESC Servio Social do Comrcio

    SME Secretaria Municipal de Educao

    TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    TNT Tecido no tecido

    UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

    UFOP Universidade Federal de Ouro Preto

    UNEMAT Universidade do Estado de Mato Grosso

  • SUMRIO

    CAPTULO 1: SEMEANDO SONHOS............................................................ 12

    1.1 SEMEAR.................................................................................................... 13

    1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA...................................................................... 16

    1.3 BIOGRAFIA ECOLGICA E TRAVESSIA EDUCACIONAL...................... 17

    1.4 SINOPSE DOS CAPTULOS VINDOUROS.............................................. 26

    CAPTULO 2: GERMINANDO SEMENTES.................................................... 29

    2.1 EDUCAO AMBIENTAL CAMPESINA................................................... 30

    2.2 EDUCAO AMBIENTAL, ESCOLAS SUSTENTVEIS E PAEC............ 36

    2.3 MUXIRUM: PARCEIROS DA SEMEADURA............................................. 42

    2.3.1 Instituto Nacional de Cincia e Tecnologia em reas midas......... 43

    2.3.2 Grupo Pesquisador em Educao Ambiental, Comunicao e Arte 44

    2.3.3 Rede Municipal de Adaptao e Mitigao s Mudanas Climticas: Resposta a diferentes Cenrios de Mudanas Climticas..........................................................................................

    46

    2.3.4 WWF-Brasil....................................................................................... 47

    2.3.5 Instituto Caracol................................................................................ 48

    2.4 LCUS DO MUXIRUM: CARACTERIZAO DE SO PEDRO DE

    JOSELNDIA................................................................................................... 48

    2.5 TERRENO DA SEMEADURA: COMUNIDADE ESCOLAR....................... 51

    2.6 TROCA DE SEMENTES: CIRANDA DE DILOGOS ENTRE O GPEA E A COMUNIDADE ESCOLAR...........................................................................

    54

    CAPTULO 3: AGUANDO CAMPOS.............................................................. 57

    3.1 CAMINHANDO EM GUAS PANTANEIRAS............................................ 58

    3.2 TRAANDO A ROTA................................................................................. 62

    3.3 TRAVESSIA COM TICA.......................................................................... 64

    3.4 DIALOGANDO COM OS SEMEADORES................................................. 65

    3.5 ABEIRANDO DA REALIDADE................................................................... 69

    CAPTULO 4: COLHENDO FRUTOS............................................................. 71

    4.1 TEMPO DE COLHER: PERCEPES SOBRE O PROCESSO FORMATIVO....................................................................................................

    72

    4.2 A FRUTIFICAO: PAEC PANTANEIROS............................................... 84

    4.2.1 PAEC Ecocasa Tradicional................................................................. 85

    4.2.2 PAEC Cortina Verde........................................................................... 90

    4.2.3 PAEC Telhado Verde.......................................................................... 94

  • 4.2.4. PAEC Ecofiltro................................................................................... 96

    4.3 PARTILHANDO FRUTOS: APRENDNCIA COM OS PAEC................... 99

    4.4 LIMITAES E FRAGILIDADES: DA SEMEADURA PS-COLHEITA 106

    4.5 DISPERSANDO SEMENTES.................................................................... 118

    REFERNCIA BIBLIOGRFICA.................................................................... 124

    APNDICES.................................................................................................... 130

    ANEXOS.......................................................................................................... 136

  • 12

    CAPTULO 1

    Semeando Sonhos

    SEMEAR

    Olha, escuta. J que comes esta fruta agora, quando cedo

    aqui na beira deste quintal de teus avs porque, ao invs de cuspires os gros como quem despreza o que no doce,

    porque no te curvas um pouco sobre o cho e no te ocupas por um momento em semear aqui e ali pequenos gros que o teu gesto transformar em rvores?

    Um dia, que a vida tambm faa o mesmo com o teu corpo, j sem o dom do sopro. E quando um teu neto vier num julho e comer um fruto da planta que semeaste

    sem saber o que faz, ele te far eterno. (Carlos Rodrigues Brando)

    Plantio de mudas: Projeto Ambiental Escolar Comunitrio Cortina Verde

    Foto: Edilaine Ferreira (2014).

  • 13

    1.1 SEMEAR

    Semear, lanar sementes ao solo para sua germinao, na esperana de

    presenciar belas floradas, fartas e deliciosas colheitas e produo de novas

    sementes, completando um ciclo que est em constante movimento, com novas

    aprendizagens em suas etapas de cultivo, tranadas com o afeto das feituras.

    Anunciamos nossa dissertao de mestrado com o verbo semear, na esperana de

    que ela tambm seja semente de saberes e aprenderes, e com perspectivas de

    contribuio na germinao de espaos educadores sustentveis, bem como,

    evidenciar a principal atividade da vida campesina, o trabalho com a terra. Partimos

    da premissa de que somos cuidadores da Terra, com o papel de cultivar, zelando de

    suas vidas diversas e de seus bens naturais com tica e sustentabilidade, e no

    disseminadores do agronegcio, fomentados pela lgica do capitalismo agrrio.

    Nessa perspectiva, nos propomos a semeadura de saberes

    multirreferenciais tramados com amorosidade dos aprenderes. Ou seja,

    disseminao de confetos, termo criado pelo grupo pesquisador e que, segundo

    Sato, Gauthier e Parigipe (2005, p. 110) se constitui a partir do entrelaar entre

    conceitos e afetos.

    A abordagem multirreferencial foi esboada inicialmente por Jacques

    Ardoino; nessa perspectiva, Fagundes e Burnham (2001) apontam que:

    os saberes no so constitudos apenas por contedos disciplinares, por estas reas passam concomitantemente relaes sociais, expresses estticas, emocionais e afetivas, alm do biolgico, do econmico, que refletem as condies scio-histrico-culturais dos indivduos e grupos sociais. Nesse processo cruzam-se perspectivas simblicas, culturais, ticas, polticas, pragmticas, entre outras, que no esto sujeitas a fundamentos lgicos e metodolgicos dos esquemas disciplinares. (FAGUNDES e BURNHAM, 2001, p. 44).

    Discutiremos sucintamente, sem a pretenso de sanar toda complexidade

    e dimenso epistemolgica, conceitos e temticas como educao ambiental,

    biorregionalismo, educao do campo, educao popular, processo formativo,

    escolas sustentveis, projetos ambientais escolares comunitrios e polticas

    pblicas. Pretendemos entrelaar tais saberes, apresentando a possibilidade de

    dilogo entre eles, por meio da pesquisa que realizamos sobre o processo formativo

  • 14

    Escolas Sustentveis e COM-VIDA, no Pantanal de Mato Grosso, Brasil, construdo

    pelo Grupo Pesquisador em Educao Ambiental, Comunicao e Arte (GPEA) da

    Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), juntamente com uma escola do

    campo do Pantanal Matogrossense.

    Ao inserirmos nossa pesquisa nas discusses em nvel coletivo e

    planetrio, no que se refere aos problemas socioambientais vigentes, principalmente

    nas questes sobre mudanas climticas, buscamos entender a possibilidade de

    pensar e construir sociedades sustentveis por meio dos diferentes mbitos sociais.

    Sociedades sustentveis inscritas no Tratado de Educao Ambiental para

    Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global. Embasadas na diversidade de

    buscas e possibilidades para a construo coletiva das sustentabilidades ambiental,

    social, econmica, poltica e tica. Contrariando o conceito de desenvolvimento

    sustentvel que, ao nosso ver, se limita apenas dimenso de crescimento

    econmico e sem criticidade. Silva (2012) enfatiza sua crtica expresso

    desenvolvimento sustentvel, no que tange a substantividade e adjetividade,

    respectivamente dos termos,

    [...] o sustentvel serve para tentar renovar o carter colonial e predatrio do desenvolvimento a promessa civilizatria que o centro do sistema-mundo vende (impe) para suas margens. No so os ecossistemas, suas caractersticas e especificidades ecolgicas, sua histria de ocupao, as relaes que os povos dos lugares estabelecem com eles, que vo definir possveis projetos emancipadores e durveis para esses lugares/ecossistemas. o desenvolvimentismo modernizador dos de fora (donos do capital ou, s vezes, o prprio Estado), guiados pela frmula sagrada da modernidade (prenhe da colonialidade do poder), que vai sacramentar seu destino. (SILVA, 2012, p. 208).

    Meira e Sato (2005) nos fazem repensar o uso do termo desenvolvimento,

    uma vez que, em portugus a etimologia do prefixo des nos remete negao, ao

    isolamento ou averso e consiste, portanto, na separao da sociedade e

    ambiente; ou tambm o reforo economia em detrimento de outras dimenses

    reivindicadas pelo movimento ecolgico mundial (MEIRA e SATO, 2005, p. 27), ou

    seja, antagnico ao envolvimento.

    Em seu artigo Em busca de sociedades sustentveis, Sato (2008), nos

    revela a constante busca que temos que travar para construir sociedades

    sustentveis e se utiliza da metfora do trabalho de Ssifo, onde o mesmo recebeu

  • 15

    um castigo de Zeus, obrigando-o a empurrar uma rocha enorme montanha acima.

    No entanto, quando chegava ao topo, a rocha rolava montanha abaixo em

    decorrncia gravitacional.

    A luta ecolgica assemelha-se muito a essa histria, j que nossa luta parece ser pouco audvel e nossas experincias parecem ser pedras sobre pedras. Ainda que ningum negue a importncia dos cuidados ambientais e que a educao seja tida como prioridade nas polticas pblicas, banalizou-se o discurso, e a panaceia do capital continua em alta. Empurramos a pedra, mas ela rola para baixo, destituda pelo sistema, que continua orientando o grande sucesso humano. No vasto imaginrio das pessoas do mundo inteiro, o desenvolvimento foi tido como objetivo de vida, porm esquecemos que ele pode ser a negao do envolvimento educativo e ambiental, sendo emergencial dar uma guinada conceitual existncia humana. (SATO, 2008, p. 56).

    Aqui entendemos que o espao escolar se constitua em um solo frtil e

    um ambiente favorvel da sociedade para a germinao de um novo modo de ver e

    agir. Apresentando as possibilidades sugeridas pela Educao Ambiental, por meio

    do que Trajber e Sato (2010, p. 77) chamam de espaos educadores sustentveis,

    deixando de ser meras reprodutoras de conhecimento e transcendendo para

    geradoras de uma cultura pr-sustentabilidade. Com essa percepo e nesse

    contexto que nasce a possibilidade de pesquisarmos o processo formativo em

    educao ambiental, inscritos no biorregionalismo1 construdo pelo grupo

    pesquisador juntamente com a comunidade de uma escola do campo pantaneira.

    Vemos a Educao Ambiental e a Educao do Campo como propostas

    que esto em constante debate na atualidade, seja pelas lutas de classes, lutas

    sociais, por justia (socioambiental), por direitos humanos, por preservao e

    conservao e que vm passando por processos de construo e reconstruo tanto

    no ambiente escolar e comunitrio (local) quanto no ambiente externo (global).

    Essas duas formulaes pedaggicas coadunam com o princpio de que a escola,

    exerce um papel significativo e imprescindvel na formao humana, que , tambm,

    um espao de referncia na vida das comunidades; percebemos as duas

    educaes, ambiental e do campo, muito prximas e em profundo dilogo para

    pensar a formao de forma mais abrangente e significativa. Assim, percebemos

    1 Biorregionalismo, em conformidade com Sato (2005, p. 41), por um posicionamento mais poltico da

    histria local, interpretando culturas e comunidades sem negligenciar o ambiente natural circundante das regies.

  • 16

    que no h como separ-las, da as identificarmos no ttulo de nossa pesquisa

    Educao Ambiental Campesina, pois ambas partem de uma premissa nica e, ao

    mesmo tempo, mltipla de saberes; as duas surgem a partir de lutas de movimentos

    sociais distintos, mas com carter identitrio, que convergem na Educao Popular.

    Comungamos com Cunha (2013, p. 133) em sua afirmao de que a

    concepo de Educao Popular contrape-se radicalmente quelas que

    despolitizam a prtica educativa ou a deslocam do olhar sobre o mundo e as

    relaes que estabelecemos nele. Carlos Rodrigues Brando, conforme Cunha

    (2013, p. 133), destaca que falar em Educao Popular acreditar em uma

    educao de todos e com todos, defender um projeto coletivo de educao que

    supera a viso do para e concebe o com, ou seja, como processo emancipador

    de sujeitos capazes de pensar os fenmenos sociais, aqui ampliados para

    fenmenos socioambientais.

    Estas so importantes reflexes que suscitamos aqui, mas que

    permearo a discusso ao longo das pginas dessa dissertao.

    1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

    Nosso principal objetivo foi compreender os processos de aprendizagem

    coletiva por meio de um processo formativo em Educao Ambiental e da

    construo de Projetos Ambientais Escolares Comunitrios (PAEC), a partir do

    dilogo Freireano entre a universidade, a escola e a comunidade do campo,

    realizado pelo Grupo Pesquisador em Educao Ambiental, Comunicao e Arte

    (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), juntamente com a Escola

    Estadual Professora Maria Silvino Peixoto de Moura, localizada na comunidade

    pantaneira de So Pedro, distrito de Joselndia, municpio de Baro de Melgao,

    Mato Grosso, Brasil.

    Buscando atingir esse objetivo, foram surgindo algumas indagaes e

    questionamentos, os quais nos guiaram na elaborao dos roteiros de entrevistas

    semiestruturadas, para os pesquisadores-formadores2 do GPEA (Apndice A) e

    professores e professoras da escola, facilitadores e facilitadoras do processo

    2 Nesse trabalho, buscamos utilizar uma linguagem inclusiva ou no-sexista, isto , que valorize tanto

    as mulheres quanto os homens. Entretanto, em algumas passagens onde dialogamos com citaes diretas, por motivos de concordncia, nem sempre conseguimos utilizar uma linguagem inclusiva, o que tambm ocorreu por algumas passagens com citaes indiretas.

  • 17

    formativo (Apndice B).

    Assim, com o nosso trabalho, buscamos descrever como o GPEA e a

    comunidade escolar do campo pensaram, elaboraram e implantaram o processo

    formativo Escolas Sustentveis e COM-VIDA, no Pantanal de Mato Grosso, Brasil.

    Como tambm, nossa pretenso consiste em identificar os limites e as

    possibilidades elencadas na trajetria desde processo formativo construdo com a

    escola do campo, realizando alguns apontamentos.

    Bem como, acreditamos que, a partir das reflexes desta pesquisa, outras

    sementes germinaro, possibilitando corroborar com as polticas pblicas,

    oferecendo alguns princpios e elementos essenciais a uma futura construo

    coletiva de uma proposta de processo formativo em Educao Ambiental, com a

    comunidade escolar do campo, atendidos pela Rede Municipal de Ensino de Cuiab-

    MT. Nossa perspectiva, enquanto estatutria desta rede, atuando como professora

    formadora e assessora pedaggica na Secretaria Municipal de Educao (SME) de

    Cuiab, seja contribuir para tal propositura.

    1.3 BIOGRAFIA ECOLGICA E TRAVESSIA EDUCACIONAL

    Nasci com a ajuda de uma parteira, em uma fazenda chamada Cerro do

    Leo, situada no municpio de Arapoti, no Paran; sou a nona filha e segunda

    mulher de dez irmos. Tive uma infncia diretamente ligada ao campo, levava uma

    vida simples e sustentvel, pois quase todo nosso sustento vinha do cultivo da terra,

    e da criao de animais domsticos. A fartura alimentar era grande, alimentos como

    feijo, arroz, mandioca, milho, caf, trigo, abbora, melancia, laranja, jabuticaba,

    banana, goiaba, demais verduras, carnes (bovina, suna, ovina e aves), leite e ovos

    sempre tnhamos na mesa, apontando para uma vivncia de agricultura familiar3.

    O contato com a natureza era constante, nadava em rios, pescava,

    brincava em poas dagua, subia em rvores para brincar e comer seus frutos,

    andava de ps descalos, brincava com bonecas de milho, construa animais com

    frutos e palitos, andava a cavalo e contribua em alguns afazeres prprios para a

    minha idade. Recordo-me que, s vezes, descascava milho e o debulhava para

    3 Neves (2012, p. 32) aponta que o termo agricultura familiar, corresponde a mltiplas conotaes:

    apresenta-se como: categoria analtica; como categoria de designao; como termo de mobilizao e como termo jurdico. Embora seu surgimento tenha ocorrido em meados da dcada de 1990, interpretamos que coadunava com nosso modo de vida.

  • 18

    alimentar as aves no terreiro, colhia verduras para o almoo, varria a casa - estas

    so algumas situaes que me vm na memria.

    Lembro-me, tambm, que ao anoitecer ningum ficava para fora de casa,

    pois as noites eram muito escuras e a iluminao provinha apenas da lua e das

    estrelas; vagalumes se faziam ver, ao longe, com seus flashes de luz; no tnhamos

    energia eltrica, apenas a luz de lamparinas e lampies. Assim, reunamos todos na

    cozinha para jantar e se preparar para dormir, embalados pela sinfonia do cantar

    das cigarras e dos grilos e coaxar de rs e sapos.

    Embora tivssemos carro, muitas das travessias, como ir casa dos

    parentes mais prximos, eram feitas a p, a cavalo, de carroa, ou de trator e eram

    momentos alegres e amedrontadores, pois passvamos por lugares de mata muito

    fechada que parecia ter olhos por todo lado; o corao acelerava ao recordar as

    histrias contadas por meu av materno, contava-nos ele que existiam, nesses

    lugares, fantasmas, saci, boitat e outros mitos. E tambm, pela presena real de

    animais silvestres, como onas, serpentes, entre outros.

    Como morvamos perto de meus avs maternos, convivemos bem de

    perto com eles; quando dormamos na casa deles ficvamos at tarde ouvindo as

    histrias de vov que, s vezes, eram engraadas, algumas enigmticas e outras

    assustadoras.

    Participei tambm de muitas festas de santo; inclusive, meu av realizava

    em sua propriedade anualmente, do dia 23 para o dia 24 de junho, a Festa de So

    Joo Batista. Reuniam-se vizinhos e parentes, muitos que no se viam h muito

    tempo. Era costume erguer uma enorme fogueira, fincar um mastro com a imagem

    do santo e rezar. No faltava, tambm, fartas comidas caipiras, pinho e milho

    assados na brasa e danas. Na madrugada, prximo ao amanhecer, tinha a

    lavagem do santo em um rio que passava nos fundos da casa. A mstica4 era que

    cada um pegasse seu santo de devoo e sasse em procisso at o rio, percurso

    feito com oraes e cantorias. Chegando l, lavava-se os ps dos santos, um modo

    simblico de representar todas as dificuldades vividas e que, naquele instante,

    4 Manifestao mstica na possibilidade pelas religies, conforme Bogo (2012, p. 473): a mstica

    nesse entendimento, a espiritualidade que acolhe e se expressa por meio da experincia do mistrio vivido concretamente. Ela d sentido continuidade do existir como mediao para a realizao do projeto real e metafsico. Por essa razo, o contemplativo torna-se reflexivo da prtica insurgente.

  • 19

    fossem levadas pela correnteza da gua, bem como uma forma de agradecimento e

    a revitalizao de novas esperanas.

    Vivamos em sintonia com o ambiente e com as pessoas, o tempo era

    marcado pela posio do sol no cho e pela sombra produzida, a vida passava

    entoada pelo canto dos pssaros, pelos trajetos de formigas que, conforme suas

    alteraes e mobilizaes, indicavam alguma mudana no clima ou na estao.

    Vivenciei muitas partilhas com os vizinhos e parentes prximos, por

    exemplo, em pocas de plantio ou colheita, havia mutires objetivando atividades

    mtuas e coletivas em forma de rodzio, cada perodo era um stio que era atendido.

    As mulheres, alm de ajudar no servio braal, tambm se responsabilizavam pela

    feitura da comida para um grupo de, mais ou menos, 30 pessoas.

    Aos oito anos, lembro-me de momentos traumticos ao ter que migrar

    para a cidade para estudar, tendo que morar com minha irm. Pois meus pais

    entendiam que, por eu ser mulher, a educao na escola urbana tinha mais

    qualidade5, visto que meus irmos continuaram estudando em uma escola rural,

    prxima nossa propriedade. Embora sejam alfabetizados, tanto meu pai quanto

    minha me no concluram o ensino fundamental, porm sempre fizeram questo de

    incentivar a mim, a minha irm e a meus irmos a estudar.

    E, assim, me afastei de meus pais. Tive dificuldades em me adaptar e

    retornei ao campo, nesse primeiro momento. Porm, no ano seguinte no teve jeito,

    entrei no mundo da educao formal, tendo Nazareth Correa como minha primeira

    professora. Uma pessoa amvel que, com seu jeito meigo e acolhedor, me fez

    adentrar no mundo das palavras, sonhar e viajar com elas. A partir da a vivncia no

    campo passou a ser apenas aos finais de semana e durante as frias escolares,

    mas nunca deixei de viver e conviver com os elementos e seres do campo, pois

    minha famlia sempre atuou nesse ambiente.

    Na adolescncia, no diferente de tantas outras pessoas nessa fase, em

    minha rebeldia, sonhava em ser hippie, sem mesmo conhecer ou conviver com

    algum ou com alguma comunidade de hippies, queria ser livre e conhecer o mundo.

    5 Incio dos anos 80, segundo Antunes-Rocha (2014, p. 15-16), nesse perodo a educao escolar

    para crianas do meio rural era de responsabilidade administrativa e pedaggica do governo municipal, um cenrio onde as salas de aula s existiam em fazendas onde o proprietrio apoiava o prefeito; as professoras eram contratadas conforme interesse de ambos; quase nenhum investimento era feito em termos da escolarizao, capacitao e acompanhamento do trabalho pedaggico; a infraestrutura do sistema era muito deficiente; as taxas de evaso eram altas; as edificaes eram precrias. Alm da precariedade fsica, havia a descontinuidade do funcionamento.

  • 20

    Porm, s ficou na vontade, pois meus pais eram bem rigorosos em nossas

    escolhas.

    Em 1989 mudamos para Paranatinga, Mato Grosso, acompanhando meu

    pai no sonho de expandir suas terras e ocupar outros territrios. Assim inicio meu

    interesse por atuar na rea da educao, ao ingressar no Magistrio. Foi um perodo

    de grande relevncia para a minha estima pelo ensino e aprendizagens, no por

    achar que professor era dono do saber, mas por acreditar que, enquanto voc

    ensina, voc aprende muito mais. Para mim, ser professora no consiste apenas

    entrar em uma sala de aula com o plano de ensino embaixo do brao, giz na mo e

    detentora do saber. Essa profisso nos faz comprometer-se com a sociedade, uma

    vez que na escola que nos tornamos cidados reflexivos e crticos. Cidados

    capazes de decidir o seu futuro e o modelo de sociedade desejada. Posso afirmar

    que tive grandes mestres que me apresentaram a essa construo, bem como, a

    partir da iniciao de leituras apoiadas em Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brando.

    Entre os anos de 1996 a 1999 estudei Licenciatura Plena em Cincias

    Biolgicas na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiab, me identificando

    mais com as disciplinas voltadas para a educao, uma vez que o curso tambm

    desenvolve trabalhos voltados a pesquisas cientficas tcnicas. Durante os

    semestres de 97/2, 98/1 e 98/2 fui monitora na disciplina de Histologia Animal. Alm

    de realizar atividades no laboratrio (confeco de lminas histolgicas

    permanentes), tambm auxiliava os estudantes no ensino da microscopia, obtendo

    conceito timo pela orientadora, professora Dra. Jane Vignado. Esse momento

    tambm foi importante para minha formao poltica, pois frequentava as reunies

    do centro acadmico e atuava em lutas e militncias por melhorias na universidade,

    acreditando na educao pblica.

    Em 1999 fui professora de Cincias e Biologia na Escola Estadual Salim

    Felcio, de Cuiab, onde procurava ao mximo realizar meu trabalho com a

    participao dos estudantes, incentivando-os a pesquisar e a despertar sua

    criticidade.

    Durante esse mesmo ano, com colegas do curso, desenvolvemos um

    trabalho com estudantes do Ensino Mdio sobre decomposio. O resultado do

    trabalho foi apresentado no Seminrio Educao 99 Mutao na Educao na

    UFMT/Cuiab, Mato Grosso, intitulado Decomposio de Alimentos na Viso de

    Alunos do Ensino Mdio.

  • 21

    No XXIV Seminrio de Estudos Biolgicos na UFMT/Cuiab, Mato

    Grosso, apresentei dois trabalhos com os seguintes ttulos: Diagnstico do

    Comportamento Sexual dos Formandos de 1999, dos cursos de Biologia, Educao

    Fsica e Pedagogia da UFMT/Cuiab-MT, o qual se tornou a minha monografia de

    concluso do curso, orientada pela professora Dra. Jane Vignado; e Diagnstico do

    grau de informao sobre a sade de Alunos de 5 a 8 sries das Escolas

    Estaduais Nilo Pvoas e Ferreira Mendes, Cuiab-MT. Trabalhos que foram

    imprescindveis na visualizao de que a prtica fundamental teoria, pois os

    estudantes ficavam interessadssimos em participar das atividades. Iniciei, assim,

    meu percurso nas escritas cientficas.

    Tambm em 1999, fui monitora no curso de Aperfeioamento de

    Professores de Biologia do Ensino de Mdio/Gentica, no municpio de Ribeiro

    Cascalheira-MT. Durante esse trabalho pude observar quo importantes se

    constituem as pesquisas educacionais, pois, por meio delas possvel apontar as

    limitaes que os professores passam no seu cotidiano educacional e considerar

    outras perspectivas.

    Em 2000, como j havia concludo o curso, atuei como professora do

    Curso de Pedagogia, na disciplina de Cincias I Contedo e Mtodo na cidade de

    Nova Mutum-MT; mais uma vez, pude verificar o quanto prazeroso o aprendizado

    usando ferramentas pedaggicas prticas, pois os estudantes, j professores, se

    sentiam orgulhosos na finalizao/resultados de seus trabalhos.

    Em Cuiab trabalhei em duas escolas: no Colgio Aptus, como professora

    de Biologia, e novamente na Escola Estadual Salim Felcio, como professora de

    Cincias e Biologia; desenvolvi, juntamente com a comunidade escolar, uma Feira

    de Cincias, que teve a participao expressiva da comunidade e escolas vizinhas

    do bairro. Durante esse perodo participei de palestras, cursos, seminrios e

    congressos, para o aperfeioamento e aprimoramento de meus conhecimentos e

    entendendo que a formao contnua e permanente. Ressalto que a maioria era

    voltada para a rea da educao.

    Durante o perodo de 2001 a 2003, atuei como professora substituta no

    Instituto de Biocincias da UFMT/Cuiab-MT, lecionando as disciplinas de Biologia

    para o curso de Educao Fsica, Citologia para Engenharia Florestal e Agronomia,

    Histologia Animal, Fisiologia Animal Comparada e Biologia Celular para o curso de

    Cincias Biolgicas, inclusive para uma turma especial em Sinop, Mato Grosso.

  • 22

    Em 2003, ministrei a disciplina de Histologia Animal, no Projeto de

    Licenciaturas Plenas Parceladas, no Campus Universitrio de Pontes e Lacerda,

    Ncleo Pedaggico de Araputanga, pela Universidade do Estado de Mato Grosso

    (UNEMAT). Em Cuiab, fui professora nas Escolas Estaduais Rodolfo Augusto

    Trechaud e Curvo e Andr Luiz da Silva Reis at julho de 2003, pois, em agosto fui

    chamada a assumir o concurso elaborado pela Secretaria Municipal de Educao

    (SME) de Cuiab.

    Assim retomei minha vivncia no campo, pois assumi o cargo de

    professora no curso Tcnico em Agropecuria, na Escola Municipal Rural de Ensino

    Bsico Prof Udeney Gonalves de Amorim (EMREBUGA), localizada no distrito de

    Aguau, municpio de Cuiab-MT. Nesse perodo comecei a estudar sobre

    Educao do Campo, embasada nas discusses a partir de Roseli Caldart, Mnica

    Molina e Miguel Arroyo, leis e diretrizes, pedagogias da alternncia, da terra, do

    trabalho, entre outras que melhor se adequam realidade campesina. Atuei nas

    disciplinas voltadas Zootecnia, Associativismo/Cooperativismo e Administrao

    Rural. Colaborei na construo e organizao do Projeto Poltico Pedaggico da

    escola, bem como em vrios outros projetos educativos.

    Porm, em 2007, de maneira autoritria e impositiva, o curso foi extinto

    pela entidade mantenedora, sem mesmo ouvir a comunidade local. A justificativa foi

    amparada na responsabilidade municipal, no que se refere obrigatoriedade do

    atendimento educacional, que se restringe Educao Infantil e ao Ensino

    Fundamental. Diante de tal realidade, passei a compor o quadro pedaggico da

    escola, atuando como professora de Cincias, de Matemtica e da parte

    diversificada, Iniciao Agricultura e Zootecnia para os anos finais do Ensino

    Fundamental, pela SME. No diferente de tantas outras escolas do campo, pela falta

    de professores com formao especfica, tambm lecionei aulas de Qumica, Fsica

    e Matemtica para o Ensino Mdio, pela Secretaria de Estado de Educao

    (SEDUC).

    Em 2009 a EMREBUGA foi contemplada e se cadastrou no Programa

    Mais Educao (PME) do Ministrio de Educao (MEC), elaborado a partir de

    conceitos de Educao Integral, assim, durante o primeiro semestre de 2010,

    assumi a funo de articuladora do PME na escola, a qual foi muito importante, pois

    atuei em vrios projetos nas atividades que os educandos desenvolviam nas reas

  • 23

    de educao ambiental, esportes/lazer e cultura/artes. Foi um perodo de muita

    aprendizagem, pois tudo era novo e diferente da minha prxis escolar.

    No segundo semestre de 2010, a convite da SME, deixo a escola do

    campo e passo a atuar na Coordenadoria de Programas e Projetos da SME. Tive a

    oportunidade, em 2011, de participar do curso de 90h ofertado pela UFMT, sendo

    um processo formativo em Escolas Sustentveis e Comisso de Meio Ambiente e

    Qualidade de Vida na Escola (COM-VIDA), tendo como tutor o gpeano6 Herman

    Hudson de Oliveira. Formao que me fez refletir e me encantar pela Educao

    Ambiental. Em 2012 assumi a gerncia da coordenadoria e fiquei como responsvel

    pelo PME, trabalhando e realizando formaes juntamente com articuladores,

    diretores e coordenadores pedaggicos, sobre a elaborao do plano de ao, plano

    de aplicao e relatrios em conformidade com as normativas do Fundo Nacional de

    Desenvolvimento da Educao (FNDE) do MEC.

    Buscando aprimoramento nas teorias e conceitos sobre o PME, ingressei

    na Ps-Graduao Lato Sensu em Educao Integral, ofertado pelo Instituto de

    Educao da UFMT em parceria com o MEC. Durante a disciplina de Educao

    Ambiental, que foi a ltima do curso, que me decidi por desenvolver uma pesquisa

    que coadunasse as duas educaes, Integral e Ambiental; finalizei em 2013 com a

    pesquisa intitulada Educao Integral e Educao Ambiental: um dilogo essencial,

    sob a orientao das professoras Dra. Michle Sato e Dra. Regina Aparecida da

    Silva, alando o ttulo de Especialista em Educao Integral e retomando meu

    encantando pela Educao Ambiental, a partir dos estudos realizados, embasados

    principalmente em Jaqueline Moll, Raquel Trajber e Marcos Sorrentino.

    Como tenho habilidade para trabalhar com Tecnologias de Informao e

    Comunicao, desde 2011, concomitante atuao na SME, sou tutora na formao

    de professores e outros agentes educacionais para o uso pedaggico das atuais

    ferramentas tecnolgicas, pelo Programa Nacional de Tecnologia Educacional

    (ProInfo) do MEC, na condio de bolsista. Em 2013, com a mudana de gesto na

    SME, fui designada, por meio da Portaria n 170/2013/GS/SME, para atuar como

    professora formadora em tecnologia educacional no Ncleo de Tecnologia Municipal

    (NTM) de Cuiab. Considero um trabalho tambm importante, pois percebo que

    6 Gpeano: termo confetuoso (CONceitos+aFETOs) que identifica um pesquisador do GPEA.

  • 24

    muitos professores e muitas professoras ainda encontram dificuldades em trabalhar

    com as novas tecnologias, chegando a rejeit-las em certos momentos.

    Assim, acreditando na formao como um processo contnuo e

    permanente, em 2014 ingressei no Mestrado em Educao, no Programa de Ps-

    Graduao em Educao, ofertado pelo Instituto de Educao da UFMT. Aqui tive o

    reencontro com um anjo, a professora da UFMT, Dra. Regina Aparecida da Silva

    que, a partir da orientao durante a especializao, me motivou e me fez despertar

    para a possibilidade de fazer um mestrado. Optei, ento, pela linha de pesquisa

    Movimentos Sociais, Poltica e Educao Popular, por coadunar com o meu

    entendimento de que a educao escolarizada se fortalece quando construda com

    os movimentos sociais e com a educao popular, possibilitando a elaborao de

    polticas pblicas contextualizadas.

    Compor o GPEA consiste num encantamento profundo e um incio de um

    novo ciclo na minha vida, pois me permitiu participar de um grupo pesquisador onde

    as tramas dos saberes so tecidas por confetos. Um novo olhar e uma nova

    travessia (Figura 1) se iniciam.

    Figura 1 - Momento de travessia em So Pedro de Joselndia: formando, deformando, transformando e reformando saberes, valores e conceitos

    Foto: Julio Resende (2015).

  • 25

    Gostaria de expressar o quanto de crescimento pessoal, social,

    profissional, artstico, cultural e intelectual adquiri durante a travessia pelo mestrado

    e convivncia com o GPEA. Confesso que, enquanto professora de cincias,

    biologia e outras disciplinas ou funes afins em que atuei, acreditava que estava

    trabalhando com Educao Ambiental; hoje percebo que poderia ter contribudo

    muito mais, se tivesse esses conhecimentos adquiridos nesta convivncia, e sei que

    essa construo permanente.

    Foram tantas temticas e confetos adquiridos. Para mim, o mais

    importante a forma como o GPEA conduz suas pesquisas cientficas. Primeiro, no

    existe o individual, o unilateral, o eu, mas sim, o coletivo, o plural, o ns, aspectos

    que, para mim, sempre foram importantes e busquei construir em todos os

    ambientes em que trabalhei e convivi. Segundo, o afloramento de valores, de lutas,

    de direitos, de respeito, como tambm de dons artsticos que tinha deixado de lado

    durante o meu caminhar profissional. Entender que ambiente e arte, desenho e

    poesia se coadunam e que, a partir disso, pode haver a comunicao, o dilogo;

    estes conhecimentos foram muito profcuos para a minha formao.

    Sempre gostei de ler, porm meu leque de autores era bem restrito; me

    embasava, na maioria das vezes, apenas em tericos ou documentos institucionais

    (Leis, MEC, SEDUC, SME, etc.); hoje percebo que preciso ir alm, a fundo, pois

    dependendo do terico que embasa meus escritos, demonstra a linha de

    pensamento que sigo. No me via enquanto pesquisadora, da minha frustrao logo

    que entrei no mestrado, chegando a pensar em desistir; hoje entendo o que ser

    pesquisadora e educadora, embora ainda tenha crises de pavor e medo.

    Os conceitos e temticas que mais me chamaram ateno, nestas

    vivncias com o GPEA, foram: Educao Ambiental e suas correntes, Projeto

    Ambiental Escolar Comunitrio (PAEC), Projeto de Educao Ambiental (PrEA),

    conflitos socioambientais, justia climtica e ambiental, mtodos de pesquisa

    (fenomenolgico, mapeamento social, biorregionalismo, socioptica, cartografia do

    imaginrio etc.), de que, at ento, no tinha conhecimento. Tericos, como Gaston

    Bachelard, Boaventura Sousa Santos, Michle Sato, Homi Bhabha, Henri Acselrad,

    Enrique Leff, Manoel de Barros, Michel Mafesolli, os pesquisadores e suas

    pesquisas do GPEA, entre outros.

    Digo que at meu vocabulrio, um tanto quanto cartesiano, dogmtico e

    institucional, devido a minha formao inicial, tem sido (re)elaborado com a

  • 26

    convivncia. A mudana tambm tem ocorrido no como olhar, como falar, como

    sentir e como agir. Acredito ter tido a possibilidade de perceber-se enquanto ser

    humano que compe o ambiente e, portanto, responsvel e aprende com ele e

    com os demais constituintes.

    A travessia pelo Mestrado em Educao tem contribudo muito para a

    minha formao, deformao, transformao e reformao, usando os conceitos

    de Gaston Bachelard. Acredito que a minha atuao profissional, na Secretaria

    Municipal de Educao de Cuiab ou em outros espaos educadores, ser regada

    dos vrios saberes e aprenderes construdos com os professores, com os colegas

    de turma do programa, com o GPEA e com a comunidade escolar pantaneira. Penso

    que, a partir dessa aprendizagem coletiva, terei mais embasamento terico e prtico

    para realizar minhas atividades enquanto educadora ambiental. Espero que os

    resultados dessa pesquisa possam contribuir para a construo de polticas pblicas

    municipais em educao ambiental na rede municipal de educao de Cuiab, qui

    do pas.

    1.4 SINOPSE DOS CAPTULOS VINDOUROS

    No captulo 2: Germinando Sementes, cultivaremos conceitos de

    Educao do Campo e Ambiental, adubadas organicamente por polticas pblicas

    educacionais, regadas com saberes de escolas sustentveis e construo e

    implantao de PAEC. Apresentando as principais caractersticas do lcus da

    semeadura e o terreno comunitrio escolar que recebeu o processo de

    aprendizagem coletiva, com muito entusiasmo. Apresentaremos, tambm, o

    muxirum que se formou e que, a partir dessa parceria, propiciou a construo e a

    semeadura do processo formativo Escolas Sustentveis e COM-VIDA no Pantanal

    de Mato Grosso, Brasil. Assim, nesse contexto e por meio das cirandas de dilogos,

    o processo formativo quebra sua dormncia e brota.

    Continuando as regas constantes da pesquisa, no captulo 3: Aguando

    Campos, descreveremos a travessia metodolgica, de cunho qualitativa, percorrida

    por meio da Sciopotica. Explicitando os momentos e procedimentos adotados;

    apresentando os roteiros e termos utilizados; indicando que o Projeto de Pesquisa

    foi cadastrado na Plataforma Brasil e respeitou as etapas e os tempos ticos da

    pesquisa; apresentando quem foram os semeadores entrevistados e que

  • 27

    colaboraram na construo desse trabalho; e indicaremos como procedemos a

    nossa leitura e interpretao dos dados coletados.

    Os frutos, produzidos a partir do processo formativo e colhidos durante a

    investigao, sero apresentados no captulo 4, Colhendo Frutos. No entendimento

    de que as aprendncias tal qual as colheitas sofrem alternncias em seus ciclos e

    seus tempos. Diferentemente da perspectiva produtivista esperada pelo agronegcio

    da monocultura, que evidencia a hegemonia de saberes, nossos resultados foram

    diversificados, apresentando frutos heterogneos, mas com sabores preservados e

    elevados valores nutricionais. O processo formativo e a construo dos PAEC foram

    muito pertinentes e inovadores, apresentando resultados bem promissores, no

    entanto a continuidade desta etapa do ciclo de colheita, que seria o

    acompanhamento da articulao entre a prtica e sua aplicabilidade na educao

    formal, no pudemos acompanhar, pois a investigao apresentava um tempo de

    realizao.

    Com um breve fechamento de nossa dissertao o subttulo Dispersando

    Sementes intenciona evidenciar que o dilogo de saberes e aprenderes construdo

    coletivamente entre o GPEA e a comunidade escolar de So Pedro de Joselndia

    no se encerra na finalizao do processo formativo e que, na sua incompletude e

    continuidade, sementes dispersaro para outros espaos, germinando novos

    saberes e novos aprenderes em outros solos, acreditando na perspectiva de novos

    dilogos.

    Por meio dessa dissertao, assim como qualquer outra rea do

    conhecimento, no pretendemos esgotar o assunto e no afirmamos que a

    Educao Ambiental ir resolver os problemas socioambientais da humanidade, at

    porque no esse o seu preceito, mas sim, compreender melhor a dimenso de

    sustentabilidade socioambiental. Aqui apresentamos as contribuies que um

    processo formativo, a partir da interveno dialgica e colaborativa, pode trazer no

    sentido de proporcionar a reflexo, transcender os problemas evidenciados, propor

    atividades para comunidades biorregionais e reinventar o currculo formal. Ou ainda,

    ampliar as formulaes conceituais de Escolas Sustentveis que, conforme Sato

    (2013) compreende:

    [...] uma escola que soubesse ouvir a comunidade e junto com ela elaborasse um Projeto Ambiental Escolar Comunitrio (PAEC),

  • 28

    correspondente s identidades ali pulsantes, fenomenologicamente correspondente realidade da escola, mas essencialmente com compromisso social e ambiental. A organizao de um currculo no mais hegemnico, mas no contexto de cada biorregio. (SATO, 2013, p. 21).

    O desenrolar dissertativo trar uma reflexo sobre a forma como o GPEA

    e a escola do campo, por meio de processo formativo, semearam e gestaram

    aprendizagens conjuntas e mtuas entre os sujeitos envolvidos nessa proposta,

    para, assim, criar tticas de enfrentamento/resistncia frente aos problemas

    socioambientais evidenciados pela comunidade escolar, com perspectivas de

    construir uma cultura embasada na real sustentabilidade socioambiental.

  • 29

    CAPTULO 2

    Germinando Sementes

    Poeta o ser que v semente germinar. Manoel de Barros

    Menina na canoa pantaneira, So Pedro de Joselndia, Baro de Melgao-MT

    Foto: Edilaine Ferreira (2014)

  • 30

    2.1 EDUCAO AMBIENTAL CAMPESINA

    Ao apontarmos o ttulo de nossa pesquisa, educao ambiental

    campesina, partimos da nossa identidade com as duas educaes: ambiental e do

    campo, bem como, na prerrogativa, interpretada por ns, que ambas esto

    interligadas umbilicalmente h um nico tero gestacional, a educao popular.

    Percebemos, durante nossa travessia investigativa, que a vida se faz vivente,

    vivendo-a; que o saber se constri, construindo-o, pois, como afirma Freire (2014,

    p.74), o mundo est sendo. Assim, iniciamos a perceber-nos, enquanto um ser

    num continuum processo de aprendizagem, se construindo temporal e

    espacialmente. E, hoje, temos a convico de nosso inacabamento. Temos

    conscincia de que estamos nos construindo, enquanto ser com o mundo, por meio

    do dilogo conosco mesmo, com o outro e interligados com o mundo, numa

    trajetria da vida. E essa interligao nos possibilita trocar confetos.

    Quando indicamos uma aliana, alm de nossas vivncias e paixes,

    entre Educao Ambiental e Educao do Campo, pensamos na possibilidade da

    convergncia entre os campos. Pois ambas esto do mesmo lado, lutando contra

    um sistema hegemnico, desigual, excludente e opressor, enfrentando a perspectiva

    de uma educao sempre pensada para o povo e no do povo ou com o povo, como

    prev a Educao Popular. Assim, percebemos que, pensar o campo pedaggico e

    as prticas educativas emancipadoras, nos possibilita interpretarmos essa

    justaposio, a que nos atrevemos indicar nessa pesquisa. Carrillo (2013, p. 19)

    contribui com nosso apontamento, quando afirma que ao

    reconhecer a educao popular no s como concepo ou enfoque pedaggico, mas tambm como movimento e como prtica educativa situada, leva-nos a reconhecer que as experincias concretas no esto orientadas exclusivamente por concepes, pensamentos e teorias pedaggicas elaboradas, mas tambm por ideologias, imaginrios culturais, representaes e crenas compartilhadas e reelaboradas pelos educadores populares. [...] As sistematizaes de experincias educativas populares sempre desvelam esta riqueza de sentidos crticos, rebeldes e emancipadores que as animam.

    A perspectiva de explicitar melhor nosso apontamento de educao

    ambiental campesina, apoiada na educao popular, foi despertada pela

    investigao do processo formativo Escolas Sustentveis e COM-VIDA no Pantanal

  • 31

    de Mato Grosso, Brasil. Pois, pudemos verificar, em lcus, a possibilidade dessa

    interlocuo. Percebemos que durante a aprendizagem coletiva e colaborativa

    construda por meio do dilogo Freireano, ocorrida em So Pedro de Joselndia, a

    trama apresentava convergncia na educao popular, pois as intervenes do

    grupo pesquisador no debate provocativo com a comunidade escolar se faziam na

    perspectiva da promoo da ingenuidade para a criticidade (FREIRE, 2014, p. 33),

    na possibilidade de uma educao crtica e emancipatria. Interpretamos, ento, que

    um projeto de educao precisa emergir do contexto, do dilogo multirrefencial de

    saberes, o que vai possibilitando construir um currculo fenomenolgico. Como bem

    nos aponta Brando (2013), o momento de invertermos a lgica da educao para

    o povo em direo a uma criada pelo povo.

    Ao transitar de baixo para cima e de dentro para fora, de um sujeito econmico reprodutor da riqueza do capital a um sujeito poltico criador da sociedade de vida em que vive. No devemos esquecer que sujeito poltico possui em Paulo Freire a conotao do agente consciente-e-crtico e, portanto, de uma pessoa criativamente da gesto e transformao de sua polis, o seu lugar de vida e destino. (BRANDO, 2013, p. 13).

    A escola do campo no se constitui em uma mera instituio educativa

    formal, mas tambm um projeto de vida das famlias campesinas, portanto,

    entendemos que ela deve: se desvencilhar das amarras de um currculo pronto,

    esttico e sem vnculo com o contexto; sair de suas paredes geometricamente

    ilhadas e mergulhar no mundo da vida da comunidade. Caldart (2012) nos aponta

    que preciso trazer para dentro do processo pedaggico, as contradies sociais,

    as potencialidades e os conflitos humanos.

    Isso tem exigido e permitido transformaes na forma da escola, cuja funo social originria prev apartar os educandos da vida, muito mais do que fazer da vida seu princpio educativo. Acontecem hoje no mbito da Educao do Campo experimentos pedaggicos importantes na direo de uma escola mais prxima dos desafios de construo da sociedade dos trabalhadores. (CALDART, 2012, p. 263).

    Visualizamos, em So Pedro, que a escola vista como um dos centros

    de referncia na comunidade, um espao de ensino e aprendizagem, mas tambm

    um espao social de encontro e de integrao com outras comunidades. No

  • 32

    entanto, sua identidade, enquanto escola do campo, se encontra ainda fragilizada,

    no diferente de outras tantas escolas do pas, pois um olhar crtico ao que se v

    nas polticas pblicas revela que so poucas escolas com uma identidade

    campesina de fato. Garske (2012, p. 20) nos aponta, tambm, que a educao

    escolar do campo vive um descaso no que tange responsabilidade do Estado, pois

    o mesmo, desconsidera alguns nveis e modalidades de ensino e mantm a cultura

    hegemnica, tratando valores, crenas e saberes do campo de modo romntico ou

    mesmo depreciativo, facilitando a imposio de um currculo urbano.

    Vivenciando a escola do campo, percebemos que alm da manuteno

    de uma organizao curricular desvinculada da realidade, dos sujeitos do campo e

    de seus saberes, a escola excludente, pois segundo Machado (2010, p. 153)

    nega as possibilidades de permanncia dos sujeitos em seu interior. A maioria,

    ainda, apresenta os desafios logsticos para se chegar at a escola, deficincias na

    infraestrutura dos espaos educativos construdos e sem calendrio escolar

    especfico para a realidade. Entendemos que essas dificuldades apresentadas

    sejam desencadeadoras dos baixos ndices de escolarizao apresentados pelo

    campo, pois, a escola educa como se estivesse desligada da realidade, nem para a

    vida no campo, nem para a vida urbana, e com problemas complexos a serem

    enfrentados.

    Diante dessa realidade que nasce a possibilidade do dilogo, entre a

    universidade, a escola e a comunidade pantaneira do campo, sobre a construo

    coletiva do processo formativo em Educao Ambiental, tramados com o aporte da

    Educao do Campo. Com a pretenso de evidenciar em que Educao do/no

    Campo o GPEA se ancora, apresentamos a contribuio de Senra e Nora (2013, p.

    156-157):

    [...] Educao DO Campo s se faz sentido se vier no de propostas externas e concepes estranhas realidade local, mas do seu lcus de atuao, criao, surgimento. Um processo educativo que seja verdadeiramente uma Pedagogia do Oprimido (Freire) vinda dos povos do campo, de suas prxis, seus saberes, de conhecimentos no dilogo com as cincias, validados como conhecimentos acumulados pela humanidade. [...] Educao NO Campo um buscar a defesa para que os processos de escolarizao e educativos ocorram contextualizadamente, no seu local de atuao, como garantia de direitos sociais que atendam e se preocupem com a dignidade humana. (grifos dos autores)

  • 33

    Ampliamos o dilogo sobre Educao do Campo com Caldart (2002);

    para ela, tal expresso traz uma reflexo pedaggica oriunda das diferentes formas

    de vivncias educativas construdas no prprio campo ou por seus sujeitos.

    uma reflexo que reconhece o campo como lugar onde no apenas se reproduz, mas tambm se produz pedagogia, reflexo que desenha traos do que pode se constituir como um projeto de educao ou de formao dos sujeitos do campo. um projeto que reafirma como grande finalidade da ao educativa ajudar no desenvolvimento mais pleno do ser humano, na sua humanizao e insero crtica na dinmica da sociedade de quem faz parte. (CALDART, 2002, p. 22).

    Para Arroyo (2000), as metas da transgresso, do direito a ter direito, do

    direito de pensar uma poltica pedaggica prpria do campo, pressupe uma

    educao voltada para a valorao do ser humano, e pela reinveno da

    significao da vida social em oposio ao conformismo pedaggico. Um fazer

    pedaggico centrado em aprender a ser livre para ensinar a ser livre (ARROYO,

    2000, p. 146).

    Assim, enquanto poltica de valorizao do campo, a educao passa a

    ser uma ttica para a emancipao e cidadania quando se prope a colaborar com a

    formao de homens e mulheres, vindo a contribuir com a sustentabilidade local,

    regional e nacional, conforme Garcia (2008, p. 61). Construir educao do campo,

    [...] significa construir uma escola do campo com o campo. Significa constru-la de forma vinculada a uma cultura que se produz por meio de relaes mediadas pelo trabalho na terra, entendendo trabalho como produo cultural de existncia humana. (GARCIA, 2008, p. 63).

    Fazendo um breve recorte sobre a histria da educao do campo,

    percebemos que sempre foi atendida pelo poder pblico, por meio de projetos,

    programas e campanhas emergenciais, e sem continuidade, evidenciando como

    polticas compensatrias. Identificada como educao rural, no levava em

    considerao sua realidade territorial e seguia com parmetros educativos

    adaptados da educao urbana.

    Embora ainda definida como educao para a populao rural, mas

    apontando um marco legal, a Lei n 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases (LDB) indica,

    em seu artigo 28 e itens I, II e III, apontamentos e especificidades para a educao

  • 34

    do campo, como: contedos curriculares e metodologias apropriadas realidade

    rural; organizao escolar e calendrio adequados, e adequao natureza do

    trabalho. Conquista por meio da organizao dos movimentos sociais, vinculados ao

    campo.

    Outra grande conquista das lutas dos movimentos sociais do campo se

    constitui nas Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do

    Campo, instituda pela Resoluo CNE/CEB n1, de 3 de abril de 2002,

    reconhecendo a educao do campo como um projeto de Nao. Para Garcia:

    As Diretrizes Operacionais da Educao Bsica do Campo propem tambm a superao da dicotomia entre o rural e o urbano, com suas lgicas e especificidades. Porm, em ambos os espaos preponderantemente, so encontradas marcas e traos de humanidades com manifestaes, culturais, histricas, polticas, relaes sociais divergentes, em alguns casos, e convergentes, em outros. (GARCIA, 2008, p. 44).

    E os movimentos sociais esto lutando pela universalizao do direito

    escola pblica de qualidade social; durante o II Encontro Nacional de Educadoras e

    Educadores da Reforma Agrria (ENERA) em Luzinia, Gois, entre os dias 21 e 25

    de setembro de 2015, destacamos o 12 tpico, que escrevem em seu manifesto de

    compromissos de luta e construo, que, na nossa interpretao, coaduna com o

    currculo da vida:

    12. Seguir na construo de uma escola ligada vida das pessoas, que tome o trabalho socialmente produtivo, a luta social, a organizao coletiva, a cultura e a histria como matrizes organizadoras do ambiente educativo da escola, com participao da comunidade e auto-organizao de educandos e educandas, e de educadores e educadoras. (GOIS, 2015).

    Entendemos, aqui, que a incorporao da educao ambiental, nesse

    contexto, poderia complementar essa perspectiva. Transgredindo a ideia de campo,

    enquanto territrio voltado s questes do trabalho, da cultura, do conhecimento e

    das lutas sociais dos camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo

    e entre lgicas de agricultura (CALDART, 2012, p. 257), ampliando o debate para a

    sustentabilidade socioambiental. Potencializando o enfrentamento de situaes

    problemas por meio de tticas efetivas e trazendo, para o ambiente escolar

    campesino, a perspectiva de construo de sociedades sustentveis. Pois a escola

  • 35

    do campo, como parte integrante de todo um processo de formao humana, deve

    continuar se fortalecendo em seus pressupostos ideolgicos e polticos, mas,

    tambm, precisa se atentar para as questes ambientais globais: mudanas

    climticas, justia ambiental, conflitos socioambientais, devastao ambiental, entre

    outras.

    Aps orientaes da banca de qualificao, verificamos que j existem

    precedentes que coadunam com nosso pensamento. Pois, percebemos que as

    primeiras reflexes para implementar uma educao ambiental campesina, se

    efetivaram por meio da Resoluo n 44/13/CONSEPE/UFMT que, em seu Art. 1,

    cria o curso de ps-graduao lato sensu Especializao em Educao Ambiental

    Campesina, em convnio firmado entre a Fundao Universidade Federal de Mato

    Grosso (FUFMT) e o Instituto Nacional de Colonizao Agrria (INCRA). O curso

    compe a rea de educao, sendo desenvolvido pelo GPEA do Departamento de

    Teoria e Fundamentos da Educao/Instituto de Educao, no campus universitrio

    de Cuiab, sob a coordenao da professora Dra. Michle Sato e do professor Dr.

    Ronaldo Senra. Com incio em fevereiro de 2016, se estendendo at dezembro de

    2017.

    O curso tem uma carga horria total de 360h, com periodicidades de 2

    encontros ao ano, com 90h, cada encontro em regime integral, desenvolvido por

    Crculos de Cultura-mdulos/eixos por meio da Pedagogia da Alternncia. Os

    critrios de seleo consistiram em ser graduado, ter vnculo a um assentamento da

    reforma agrria oficializado pelo INCRA e ser atuante em atividades ligadas

    educao nos assentamentos rurais ou coordenadores pedaggicos em escolas do

    campo. So 60 vagas, das quais os 50 primeiros inscritos sero beneficiados por

    meio do Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA). O curso

    parte do revigoramento dos sentidos da educao do campo, alicerando suas

    esperanas na dimenso socioambiental. Quer promover a formao dos sujeitos,

    trabalhadores do campo, ampliando dilogos com pessoas interessadas numa

    educao ambiental poltica7.

    Em sua tese de doutorado, Senra (2014, p. 190-193) explicita com

    maiores detalhes como se deu todo o trajeto do processo de construo da

    especializao em Educao Ambiental Campesina na UFMT e que, segundo ele,

    7 Fonte:

    http://gpeaufmt.blogspot.com.br/p/ea-campesina.html

  • 36

    tem a propositura de: na ousadia coletiva (em tempos de individualizao) e pelo

    dilogo, quer construir caminhos educativos formativos para os povos do campo

    (para alm das classes) por meio do currculo fenomenolgico. (SENRA, 2014, p.

    194).

    2.2 EDUCAO AMBIENTAL, ESCOLAS SUSTENTVEIS E PROJETOS

    AMBIENTAIS ESCOLARES COMUNITRIOS

    Percebe-se que, a cada dia que passa, os problemas socioambientais so

    mais evidentes e graves no planeta Terra, transformaes naturais que demorariam

    milhes de anos para acontecer esto se consolidando em dcadas. Questes como

    mudanas climticas, reduo e degradao das guas, perda de biodiversidade,

    contaminao por agrotxicos e tantos outras, j so notrias. Assim, preciso

    pensar em solues e novas atitudes para serem implantadas, em vrios mbitos

    sociais, pois se faz necessrio construir uma cultura embasada na sustentabilidade

    socioambiental. Sorrentino e Trajber (2007, p. 14), afirmam que para enfrentar a

    crise ambiental que se instalou nos ltimos tempos, a Educao Ambiental assume

    compromisso de mudanas de valores, comportamentos, sentimentos e atitudes,

    que deve se realizar junto totalidade dos habitantes de cada base territorial, de

    forma permanente, continuada e para todos. Para Carvalho (2008),

    [...] a Educao Ambiental pretende provocar processos de mudanas sociais e culturais que visam obter do conjunto da sociedade tanto a sensibilizao crise ambiental e urgncia em mudar os padres de uso dos bens ambientais quanto o reconhecimento dessa situao e a tomada de decises a seu respeito caracterizando o que poderamos chamar de um movimento que busca produzir novo ponto de equilbrio, nova relao de reciprocidade, entre as necessidades sociais e ambientais. (CARVALHO, 2008, p. 158)

    A concepo contempornea de Educao Ambiental, a fim de responder

    educativamente crises ambientais teve incio na passagem da dcada de 60,

    legado da contracultura, para a de 70, quando o ecologismo ergueu sua bandeira e

    consolidou-se, nasceu dos movimentos sociais, distanciando-se das plataformas

    governamentais ou cientficas (SATO, 2008, p.56). Em 1972, aconteceu o que

    pode-se considerar um marco, a Conferncia de Estocolmo, que tratou da

  • 37

    preservao como princpio de gesto ambiental e reconheceu o papel da educao

    como mecanismo para responder aos problemas ambientais, inserindo a temtica na

    agenda internacional.

    No Brasil o marco legal da Educao Ambiental se d pela Constituio

    Federal de 1988, que em seu artigo n 255, destaca a necessidade de promover a

    educao ambiental em todos os nveis de ensino. Em 1994 aprovado o Programa

    Nacional de Educao Ambiental (ProNEA), criado a partir dos compromissos

    internacionais assumido com a Conferncia do Rio-92, e que vem tendo

    contribuies de educadores ambientais, enfatizando as estratgias das linhas de

    ao. Em 1997, os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), incluem o Meio

    Ambiente como tema transversal no currculo escolar, o que na viso de alguns

    educadores ambientais se deu de maneira impositiva, no havia sido uma proposta

    democrtica, muito menos nascida no bojo da discusso da comunidade escolar

    (PASSOS; SATO, 2002, p.129). E, a Lei n 9795/99, que cria a Poltica Nacional de

    Educao Ambiental (PNEA), trazendo em seu artigo 1:

    Art. 1o Entendem-se por educao ambiental os processos por meio dos quais o indivduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competncias voltadas para a conservao do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999).

    Na perspectiva de fortalecer a gesto escolar e o currculo, no que

    estabelece a PNEA, por meio da Resoluo n 02/12/CNE/CP, se estabelece as

    Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Ambiental (DCNEA).

    Em 1992 durante a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente

    e o Desenvolvimento, tambm conhecida como Cpula da Terra, ocorrida no Rio de

    Janeiro, ficando conhecida como Rio-92, so criados documentos importantes, por

    chefes de estado e sociedade civil: A Agenda 21. Alm deste documento surgem

    outros dois referenciais que foram elaborados pela sociedade civil e que

    fundamentam a prtica dos educadores e educadoras ambientais, o Tratado de

    Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e a Carta da Terra.

    A Agenda 21, consiste em um instrumento de planejamento para a

    construo de sociedades sustentveis, porm em seus 40 captulos destaca mais a

    ideia de desenvolvimento sustentvel (BRASIL, 2009, p. 87), pois foi desenhada,

  • 38

    direcionada e assumida pelos governantes, cientistas e tomadores de deciso

    (PEDROTTI-MANSILLA, 2010, p. 87). A Carta da Terra, surgiu em 1987, fez parte

    da reunio Rio 92, ficando inconclusa e s foi publicada em 2000. O documento

    defende que somos uma comunidade terrestre comum, e portando nos convida a

    somar foras para gerar uma sociedade sustentvel global, baseada no respeito a

    natureza, nos direitos humanos universais, na justia econmica e numa cultura de

    paz (BRASIL, 2007, p.44). Nesses 4 tpicos estabelece 16 princpios.

    Destacamos, o Tratado de Educao Ambiental para Sociedades

    Sustentveis e Responsabilidade Global, pois consiste em um documento

    importante e de referncia para se pensar a questo da Educao Ambiental atual.

    Por meio desse documento seus signatrios, pessoas do mundo todo, se

    comprometem com um processo educativo transformador, tendo em sua base de

    princpios o carter crtico, poltico e emancipatrio da Educao Ambiental. Bem

    como, nasce a noo de Sociedades Sustentveis, construdas a partir de princpios

    democrticos, em modelos participativos de educao popular e gesto ambiental.

    Consideram que a educao ambiental um processo de aprendizagem

    permanente, e

    [...] afirma valores e aes que contribuem para a transformao humana social e para a preservao ecolgica. Ela estimula a formao de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relao de interdependncia e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva em nvel local, nacional planetrio. (BRASIL, 2007, p. 39).

    Com a finalidade de instituir o debate sobre as questes ambientais, na

    amplitude de construir sociedades sustentveis, o MEC estabelece por meio

    Programa Mais Educao, institudo pela Portaria Interministerial n 17/2007 e

    regulamentado pelo Decreto n 7083/10, art. 2, inciso V, o respaldo da perspectiva

    da escola em se constituir enquanto espao educador sustentvel:

    V o incentivo criao de espaos educadores sustentveis com a readequao dos prdios escolares, incluindo a acessibilidade, a gesto, a formao de professores e a insero das temticas de sustentabilidade ambiental nos currculos e desenvolvimento de materiais didticos. (BRASIL, 2010)

  • 39

    Assim nasce a possibilidade de se constituir uma poltica pblica

    inovadora interligando a educao integral e a sustentabilidade e Trajber (2012, p.

    183), orienta que para o estabelecimento da educao integral em escolas

    sustentveis muito mais do que a soma das duas partes, criar um espao

    educador sustentvel precisa envolver toda a escola, caso contrrio se tornar mais

    um projeto sem continuidade. Trajber aponta, contribuies importantes, para melhor

    interpretarmos, o que so espaos educadores sustentveis:

    So aqueles que tem a intencionalidade pedaggica de constituir-se em referncias de sustentabilidade socioambiental, isto espaos que mantm uma relao equilibrada com o meio ambiente, compensam seus impactos com o desenvolvimento de tecnologias apropriadas, permitindo a qualidade de vida para as geraes presentes e futuras. (TRAJBER, 2012, p. 176).

    Nessa prerrogativa, conforme Souza-Torres e Palma (2015), por meio das

    aes da Coordenao Geral de Educao Ambiental (CGEA) do MEC, se inicia o

    dilogo entre trs universidades federais: Universidade Federal de Ouro Preto

    (UFOP), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e UFMT, na

    elaborao do Processo Formativo em Educao Ambiental: Escolas Sustentveis e

    COM-VIDA. Com oferta na modalidade a distncia o curso de aperfeioamento,

    prope uma ao no espao escolar, articulada em trs eixos: currculo, gesto e

    espao (SOUZA-TORRES; PALMA, 2015, p. 18, grifos das autoras).

    O processo formativo se estabelece em trs mdulos: o primeiro trata do

    engajamento (EU), o segundo da responsabilidade na convivncia (OUTRO) e o

    terceiro da busca por sustentabilidade (MUNDO). Durante o segundo mdulo,

    busca-se o revigoramento da Comisso de Meio Ambiente e Qualidade de Vida

    COM-VIDA, ou sua criao na escola. A COM-VIDA constitui um elemento importante

    do processo, pois constituda por estudantes, professores, funcionrios, pessoas

    da comunidade, pais, mes e demais interessados pelos temas ligados melhoria

    da qualidade de vida a partir do meio ambiente conservado e recuperado. (BRASIL,

    2007 pp. 14 e 17).

    Em Mato Grosso, caminhando na mesma direo da PNEA, em 2002,

    cria-se a Lei Estadual de Educao Ambiental n 7888/03, sancionada em 09 de

    janeiro de 2003. Segundo, Pedrotti-Mansilla (2010, p. 84) sem nenhuma

    participao dos educadores ambientais, [...], a lei foi uma vergonhosa cpia da

  • 40

    nacional. Por assim, ter sido construda, considerada autoritria e no reflete os

    anseios dos educadores ambientais mato-grossenses. (PEDROTTI-MANSILLA

    ,2010, p. 85). Aps embates entre governo e sociedade civil, com a participao da

    Rede Mato-Grossense de Educao Ambiental (REMTEA) na luta por constituio

    paritria entre governo e sociedade civil, na Comisso Interinstitucional de Educao

    Ambiental (CIEA), sob a coordenao da Secretaria de Estado do Meio Ambiente

    (SEMA), outras secretarias, sindicatos, universidades, redes e empresas, foi

    construdo o Programa Mato-Grossense de Educao Ambiental (ProMEA), em

    2005.

    Segundo Gomes (2015, p. 59), em 2010, a CIEA, sob a coordenao da

    SEMA e da SEDUC iniciou um processo de reviso da Lei Estadual n 7888/03, por

    meio de consulta pblica, encerrada em 2012. Atualmente a referida lei aguarda

    aprovao da Assembleia Legislativa de Mato Grosso.

    No mbito educacional, a Secretaria de Estado de Educao (SEDUC) de

    Mato Grosso busca materializar suas Diretrizes Educacionais para a Educao

    Ambiental, na construo do Projeto de Educao Ambiental (PrEA)8. A ttica se

    constitui na participao democrtica, e na significao do trabalho curricular por

    meio da proposio de discusses pertinentes comunidade a qual a escola est

    inserida na busca pela sustentabilidade. (GOMES, 2015, p.56). Entre seus

    princpios destacamos as seguinte premissa:

    Abandono das atividades pontuais, promovendo um processo educativo que contemplasse a incorporao da educao ambiental nos currculos escolares de forma transversal, de multireferncias, alm de reforar o Projeto Poltico Pedaggico (PPP) por meio dos Projetos Ambientais Escolares Comunitrios (PAEC). (BRASIL, 2009, p. 35).

    Assim surge a proposta de construo de Projetos Ambientais Escolares

    Comunitrios (PAEC) nas escolas de Mato Grosso, que constam no Plano Estadual

    de Educao da SEDUC. Em consonncia, com o PPP da escola, partem do

    pressuposto de que a educao no se d somente dentro dos muros da escola,

    mas em todos os processos educativos que ocorrem, tambm, fora dela. Bem como,

    leva em considerao cada biorregio, despertando o sentido crtico da escola

    8 A elaborao do PrEA se deu por um convnio com a UFMT, sob a consultoria da Prof. Dra.

    Michle Sato.

  • 41

    dialogando com a comunidade. Aliam-se, assim, a educao escolar com a

    educao popular o currculo escolar e o currculo da vida.

    A construo dos PAEC dever ser orientada atravs do currculo e do PPP contra as atividades pontuais somente em datas comemorativas. A anlise do diagnstico preliminar poder oferecer a identificao dos sujeitos atuantes, os temas, as estratgias, os mtodos de avaliao, as principais dificuldades e tambm como a SEDUC poder ser mais colaborativa na implementao de polticas pblicas da EA. O que podemos estabelecer previamente a orientao construo de PAEC com o envolvimento da escola e seu entorno, ou na relao construtiva entre a escola e a comunidade. (MATO GROSSO, 2004, p. 25).

    Entende-se que o PAEC complementa o Processo Formativo em

    Educao Ambiental: Escolas Sustentveis e COM-VIDA, que encontra-se ancorado

    na trade: currculo-gesto-espao, integrando um quarto elemento a

    comunidade, ou seja a interao escola-comunidade, pois a principal proposta dos

    PAEC, consiste em integrar escola e comunidade, promovendo e ampliando o

    dilogo.

    Um documento importante que poder inserir a educao ambiental de

    maneira permanente na prxis escolar e que coaduna com a incluso desse quarto

    componente do PAEC, consiste no Programa Nacional Escolas Sustentveis

    (PNES), embora ainda esteja em verso preliminar. O PNES objetiva incentivar as

    escolas brasileiras a realizarem sua transio para a sustentabilidade

    socioambiental, convertendo-se em espaos educadores sustentveis.

    Considerando as dimenses do currculo, da gesto e do espao fsico e escola-

    comunidade, apresenta princpios e valores, diretrizes e prope uma srie de aes

    articuladas em parceria com diferentes rgos relacionados com a temtica.

    Percebe-se que os avanos, nas polticas pblicas, sobre Educao

    Ambiental fruto de mobilizao e luta de educadores ambientais reunidos em

    entidades, redes, rgos e outros coletivos que compe a malha nacional e que

    continuam em um constante processo de luta. Em 2014 houve um Manifesto pela

    Sustentabilidade e Educao Ambiental no Plano Nacional de Educao (PNE)

    (2011-2020), pois o mesmo apresentava diretrizes contemplativas (art. 2), mas no

    apresentava metas ou estratgias para a sustentabilidade socioambiental. Outro

    manifesto atual, contrrio ao Projeto de Lei no Senado (PLS) n 221 de

    15/04/2015, alterando a lei n 9795/99, pois entende que promover o uso

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    sustentvel dos recursos, como prev a PLS, reduziria a importncia da

    biodiversidade a uma viso utilitarista da natureza, antropocntrica e produtivista,

    prev, tambm, a insero da educao ambiental, como disciplina especfica, no

    ensino fundamental e mdio. Pedrotti-Mansilla (2010), apresenta uma reflexo sobre

    esse embates enfrentados.

    importante frisar que h distino entre padres de poltica e de identidades singulares de certos sujeitos sociais. O esforo em dialogar entre estas duas dimenses ainda est longe de ser alcanado, e ainda deparamos com clientelismo, paternalismo, concepo de que a crtica instituio pessoal ou outras faces que incorporam as contradies inerentes da natureza humana, que ao situar em esferas coletivas, acabam projetando as aes cotidianas ao grande coletivo. Para a construo de polticas pblicas participativas. (PEDROTTI-MANSILLA, 2010, p. 89).

    nesse contexto de questes e lutas da Educao do Campo e

    Educao Ambiental que germina o processo formativo Escolas Sustentveis e

    COM-VIDA no Pantanal de Mato Grosso, Brasil. Este processo foi propiciado por um

    coletivo de parceiros (muxirum) em dilogo entre o GPEA/UFMT e a comunidade

    escolar de So Pedro de Joselndia, na Escola Estadual Professora Maria Silvino

    Peixoto de Moura e embasado na Educao Popular com perspectivas crtica-

    reflexiva, emancipatria e libertadora. Ele foi construdo pelo dilogo multirreferencial

    de saberes, enfocando o biorregionalismo, com esperana da construo de um

    currculo fenomenolgico, tramando conceitos de escola sustentvel,