direito internacional privado
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Direito Internacional Privado - Faculdade de Direito de Lisboa, ano lectivo 2008/2009.Professor regente: Prof. Lima Pinheiro.Autoria: Lara Geraldes.DISCLAIMER: estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo professor regente e assistente.TRANSCRIPT
DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO
PROF. LIMA PINHEIRO
Faculdade de Direito de Lisboa
DISCLAIMER
Estes apontamentos não dispensam o estudo dos manuais recomendados pelo Professor Regente e Assistente.
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
INTRODUÇÃO
1. INTRODUÇÃO
§1: NOÇÃO DE DIP
DIP: regula situações transnacionais de Direito Privado, em princípio. Com
efeito, mesmo relativamente a questões submetidas ao DIP Público pode ser
necessário determinar o direito aplicável (vg se existir uma cláusula de arbitragem,
através da qual as partes atribuem jurisdição a um tribunal arbitral).
Situação transnacional: situação que transcende a esfera social de
um Estado soberano e entra em contacto com outras sociedades
estaduais, colocando-se, portanto, um problema de determinação do
Direito aplicável que deva ser resolvido pelo DIP. Preferível ao
conceito ambíguo de “situação internacional”, que pode confundir-se
com o conceito de relação internacional, relevante para o DIP público.
o Pelo critério do contacto relevante, não é situação
transnacional: A, residente em Lisboa, escreve uma carta
injuriosa a B, residente no Porto, que é acidentalmente
transportada por estradas de Espanha. A norma de conflitos
potencialmente aplicável a este caso é o art. 45º, sendo que
todos os quatro elementos de conexão aí previstos apontam
para a aplicação da lei portuguesa.
O núcleo essencial do DIP é constituído por normas de conflitos:
o Normas de conflitos: proposições que, perante uma situação
transnacional, determinam o Direito aplicável.
o Conflito de leis não se confunde com:
Conflitos de soberanias: conflitos de competências
legislativas entre Estados
Conflitos de sistemas de DIP: divergência entre os
Direitos de Conflitos das ordens jurídicas em presença,
sobre qual delas deve ser aplicada ao caso.
Conflitos de normas na ordem jurídica local: não é,
pois, questão de DIP: relação entre o Direito do Texas e
o Direito da Califórnia, vg.
O Direito de Conflitos regula situações transnacionais através de um
processo de regulação indirecta, mediante a remissão para o Direito
aplicável.
O DIP enquanto ramo do Direito, engloba:
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Direito dos Conflitos
Direito de Reconhecimento (das situações jurídicas fixadas por
decisão estrangeira) – o processo de regulação é ainda um processo
conflitual ou indirecto.
Com efeito, uma situação transnacional pode suscitar a resolução de três
problemas:
1. Determinação do direito aplicável – direito dos conflitos
(arts. 25º ss)
2. Determinação do tribunal competente – direito da
competência internacional (arts. 65º e 65º-A CPC)
3. Determinação da relevância num Estado dos efeitos
produzidos pela decisão estrangeira – direito de
reconhecimento (arts. 1094º ss CPC e 33º ss BRUX-I)
§2: CARACTERIZAÇÃO DAS NORMAS DE CONFLITOS
Tradicionalmente, as normas de conflitos assumem três características
fundamentais:
Normas remissivas ou de regulação indirecta (é esta a
característica essencial, para LIMA PINHEIRO):
o Normas que mandam aplicar à situação descrita na sua
previsão outras normas ou complexos normativos. Não
modelam, per si, as situações jurídicas das pessoas.
o vs normas materiais ou de regulação directa: normas que
desencadeiam efeitos jurídicos que modelam as situações
jurídicas das pessoas.
o FERRER CORREIA: só as normas materiais seriam normas de
conduta, ao passo que as normas de conflitos seriam meras
regras de decisão, tendo por destinatários os órgãos de
aplicação do Direito (concepção que assenta numa visão
judiciária do DIP).
ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO e LIMA
PINHEIRO: recusam esta visão judiciária do DIP, uma
vez que os sujeitos das situações transnacionais
necessitam de determinar o Direito aplicável para
assim poderem orientar as suas condutas. A norma de
conflitos é, pois, uma norma de conduta, embora de
regulação indirecta.
Normas de conexão:
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o Normas que conectam uma situação da vida, ou um seu
aspecto, com o Direito aplicável, mediante um elemento ou
factor de conexão.
o Seleccionam-se, assim, diversos laços que o DIP considera
juridicamente relevantes e decisivos para a determinação do
Direito aplicável: os elementos de conexão (vg nacionalidade,
residência habitual, lugar da situação da coisa, etc.).
o Os factores de conexão podem ser:
Vínculos jurídicos (vg nacionalidade)
Laços fácticos (vg residência habitual)
Consequências jurídicas (vg lugar do efeito lesivo)
Factos jurídicos (vg designação do Direito aplicável,
pelos interessados)
o LIMA PINHEIRO: nem todas as normas sobre a determinação
do Direito aplicável utilizadas pelo DIP são normas de
conexão! Exemplo:
art. 33º, nº 2 LAV: manda aplicar o direito “mais
apropriado ao litígio” – falta, em absoluto, o elemento
de conexão.
o Conclusão: o DIP é caracterizado essencialmente pelo
processo de regulação indirecta, e este processo tanto pode
ser realizado por normas de conexão como por outras normas
sobre a determinação do Direito aplicável.
Normas fundamentalmente formais:
o Normas que, na designação do Direito aplicável, não atendem
ao resultado material a que conduz a aplicação de cada uma
das leis em presença. Exemplo:
art. 49º -- 31º, nº 1: a capacidade para contrair
casamento é, em princípio, determinada através da
respectiva lei pessoal (nacionalidade, em princípio).
Esta norma de conflitos manda aplicar a lei da
nacionalidade à capacidade, sem atender ao conteúdo
dessa lei (seja ela mais exigente ou mais permissiva).
o LIMA PINHEIRO: as normas de conflitos que não sejam
normas de conexão podem ou não ser fundamentalmente
formais! Exemplo:
Norma de conflitos que manda aplicar o Direito que dá
a melhor solução material ao caso (better rule
approach) – a determinação do Direito aplicável é,
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aqui, feita com base em critérios de justiça material.
Embora não haja nenhuma norma de conflitos com
este conteúdo na ordem jurídica portuguesa, o Direito
de conflitos nunca é absolutamente formal, porque não
se desinteressa completamente do resultado a que
conduz a aplicação do Direito competente (art. 22º:
cláusula de ordem pública internacional).
Na ordem jurídica portuguesa há normas de conflitos
materialmente orientadas, favorecendo certo resultado
material:
arts. 35º e 65º e art. 9º ROMA - favorecem a
validade formal dos negócios jurídicos
As normas de conflitos gerais são afastadas por:
Normas de conflitos especiais
Normas de conflitos internacionais:
o Convenção de Roma (ConvROMA): aplica-se a contratos (e a
negócios jurídicos unilaterais, para LIMA PINHEIRO, contra a
maioria da doutrina, que prefere a aplicação dos arts. 41º e
42º) celebrados a partir de 1 de Setembro de 1994.
o Regulamento de Roma I (ROMA I): vai revogar a ConvROMA
o Regulamento de Roma II (ROMA II): aplica-se a obrigações
extracontratuais, quando o dano haja ocorrido depois de 11 de
Janeiro de 2009.
o Outras convenções
2. PLANOS, PROCESSOS E TÉCNICAS DE REGULAÇÃO DAS SITUAÇÕES
TRANSNACIONAIS
§1: PLANOS DE REGULAÇÃO
Regulação pelo Direito estadual:
o Tradicionalmente considera-se que o único plano de regulação
das situações transnacionais seria aquele que corresponderia
à ordem jurídica estadual, aplicando-se o direito que vigora
nesse Estado.
o Nestes termos, as partes das situações transnacionais
deveriam orientar-se exclusivamente pelas normas e
princípios vigentes nas ordens jurídicas conectadas com a
situação.
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o Assim, em caso de litígio, o Direito aplicável à situação seria
determinado pelos tribunais estaduais que fossem
internacionalmente competentes.
A evolução que se verificou entretanto tornou necessário atender à
regulação de situações transnacionais no plano do DIP público, do Direito
Comunitário e do Direito autónomo do comércio internacional, conforme veremos
infra.
Na actualidade, em matéria de estatuto pessoal, as situações transnacionais
continuam a ser, na sua generalidade, reguladas na esfera de uma ordem jurídica
estadual. O mesmo não se verifica nas relações comerciais internacionais (em
especial, contratos internacionais).
§2: PROCESSOS DE REGULAÇÃO
Quanto aos processos de regulação das situações transnacionais contrapõe-
se tradicionalmente:
1. Processo conflitual ou de regulação indirecta:
o Consiste no recurso a uma norma de conflitos para a
determinação do Direito material aplicável.
o Esta é a regra geral da regulação das situações transnacionais
na ordem jurídica estadual.
2. Processos materiais ou de regulação directa:
o Consiste na aplicação directa do Direito material, sem a
mediação de uma norma de conflitos, designadamente
através de três técnicas de regulação directa, a analisar infra.
§3: TÉCNICAS DE REGULAÇÃO
Técnicas de regulação indirecta:
o Regulação pelo sistema de Direito de Conflitos.
Técnicas de regulação directa:
A. Aplicação directa do Direito material comum do foro a
quaisquer situações, independentemente de envolverem
elementos de ordens jurídicas estrangeiras.
B. Criação do Direito material especial (ad hoc) de fonte
interna a situações que envolvem elementos de ordens
jurídicas estrangeiras, independentemente dos laços que
apresentem com o Estado local.
C. Unificação internacional do Direito material especial de
fonte supraestadual, aplicando-o a situações
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transnacionais, independentemente de uma conexão entre
essas situações e um dos Estados em que vigora esse Direito.
§4: REGULAÇÃO PELO DIREITO ESTADUAL
A regulação pelo Direito Estadual implica que a situação seja em primeira
linha regulada pelo Direito vigente na ordem jurídica estadual em causa, e que os
litígios que lhe digam respeito sejam apreciados pelos respectivos tribunais
estaduais.
A regulação das situações transnacionais pelo Direito estadual é, em regra,
indirecta ou conflitual. Como veremos infra, a aplicação directa de Direito material
só se justifica, excepcionalmente, relativamente a certas regras de Direito material
especial.
Só o Direito material unificado constitui uma alternativa global ao sistema de
Direito de Conflitos, ainda que de forma limitada (já que se trata de um Direito
material parcial e fragmentário). Cumpre apreciar.
1. REGULAÇÃO INDIRECTA – Regulação pelo sistema de Direito de
Conflitos:
Tradicionalmente, todas as situações transnacionais eram reguladas
na ordem jurídica estadual por este sistema.
O sistema de Direito de Conflitos é formado essencialmente por um
conjunto de normas de conflitos bilaterais (normas que remetem
tanto para o Direito do foro como para o Direito estrangeiro) e de
normas sobre a interpretação e aplicação destas normas bilaterais.
2. REGULAÇÃO DIRECTA
A. Aplicação directa do Direito material comum:
As situações transnacionais seriam reguladas como se de situações
puramente internas se tratasse.
Técnica de regulação directa que prescinde de normas de conflitos.
Vantagens:
o Consiste na via mais fácil para os órgãos de aplicação do
Direito, que estão mais familiarizados com o Direito material
interno do que com o Direito estrangeiro.
Desvantagens:
o Esta técnica poria em risco a segurança jurídica e a harmonia
internacional de soluções:
O Direito aplicável não seria previsível, variando
consoante o Estado em que a questão se colocasse.
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A aplicação de um Direito diferente em cada Estado
fomentaria a desarmonia internacional de soluções.
Permitiria um forum shopping: a escolha do foro mais
conveniente à pretensão.
o Esta técnica seria incompatível como o DIP público:
Levaria à negação injustificada dos direitos adquiridos
pelos estrangeiros segundo o Direito estrangeiro.
B. Criação de um Direito material especial (ad hoc) de fonte interna:
Em lugar de aplicar o seu Direito material comum, os Estados podem
criar um Direito material especial aplicável exclusivamente às
relações transnacionais.
LIMA PINHEIRO: as concepções favoráveis à regulação das relações
do comércio internacional por meio de soluções materiais especiais
de origem jurisprudencial só parecem ser defensáveis nas ordens
jurídicas em que vigora um sistema de precedente vinculativo.
Vantagens:
o Maior adequação à especificidade das relações internacionais
Desvantagens:
o Todas as desvantagens supra citadas (A.).
Conclusão: esta técnica de regulação directa é de rejeitar como
alternativa global ao processo conflitual. Ainda assim, nada obsta a
que relativamente a certas questões delimitadas se possa justificar a
formulação de normas de Direito material especial, em casos
excepcionais em que a actuação do Direito de Conflitos não permite
alcançar uma solução adequada. Exemplo:
o art. 54º, nº 2: Em caso de mudança da nacionalidade comum
pode haver uma modificação do regime de bens que não era
previsível para terceiros que estabeleceram relações jurídicas
com os cônjuges. Assim, o legislador considerou que era
necessário excluir a eficácia retroactiva para terceiro da
modificação do regime de bens.
A aplicação do Direito material especial depende de uma ligação com o
Estado do foro, pelo que consiste numa técnica de regulação indirecta que não
prescinde de normas de conexão. Tipos de normas de Direito material especial:
Normas de aplicação dependente: a aplicabilidade do Direito material
especial depende do sistema de normas de conflitos. Exemplos:
o art. 2223º: aplicável pelo art. 65º, nº 2
o art. 3º nº 2 e ss CSC, aplicáveis pelo nº 1.
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Normas de aplicação independente: a aplicabilidade do Direito
material especial depende de normas de conexão especiais.
Exemplos:
o Normas que estabelecem um tratamento específico para os
estrangeiros, aplicáveis com base num elemento de conexão
com o território português (vg lugar de execução do contrato,
em Portugal). Exemplo:
o art. 1664º ss: normas sobre registo de casamento de
portugueses no estrangeiro.
No âmbito das normas de aplicação independente do sistema de Direito de
Conflitos, cuja aplicação resulta de normas de conexão especiais, cumpre reter a
noção de normas “autolimitadas”.
Normas “autolimitadas”: normas materiais cuja técnica de regulação
permite que o sistema de Direito de Conflitos seja substituído por
normas de conflitos ad hoc ou por uma valoração conflitual
casuística.
o vg art. 38º DL Contrato de Agência: só será aplicável
legislação diversa da portuguesa se a mesma se revelar mais
vantajosa para o agente. Norma de conflitos unilateral que
alarga a competência atribuída à lei portuguesa pelas normas
de conflitos gerais.
o No sistema jurídico português, a “autolimitação” só pode ser
produto de uma valoração casuística se se revelar uma lacuna
que deva ser integrada mediante a criação de uma solução
conflitual ad hoc, excepcionalmente.
Remissão para o estudo de normas de conflitos unilaterais, infra.
C. Unificação internacional do Direito material aplicável:
Métodos de unificação internacional (vg por via de Convenções
internacionais):
o Uniformização: criação, por uma fonte supraestadual, de
Direito uniforme (Direito aplicável tanto nas relações internas
como nas relações internacionais).
Convenções de Genebra sobre a Lei uniforme em
matéria de letras e livranças e sobre a Lei uniforme em
matéria de cheques.
LIMA PINHEIRO: em regra, normas de aplicação
dependente do sistema de Direito de Conflitos (por
exemplo, a aplicação das Leis uniformes supra
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depende das normas de conflitos gerais que constam
das Convenções de Genebra).
o Unificação stricto sensu: criação, por uma fonte
supraestadual, de Direito material unificado (Direito material
especial de fonte supraestadual).
Convenções de Haia: venda internacional de
mercadorias e contrato de mandato com ou sem
representação (sem aplicação dos arts. 41º e 42º).
Transportes internacionais (marítimo, aéreo, etc.)
Propriedade intelectual
Testamento
LIMA PINHEIRO: em regra, normas de aplicação
independente do sistema de Direito de Conflitos (por
exemplo, quanto às Convenções internacionais, é o
acto supraestadual que cria e define os pressupostos
de aplicação do Direito no espaço). As Convenções de
unificação delimitam as situações reguladas pelo
Direito unificado em atenção à matéria jurídica em
causa (atendendo à “esfera espacial de aplicação”) –
domínio material de aplicação da Convenção. Nestes
termos, a aplicação universal do Direito material
unificado também contribui para o forum shopping.
o Harmonização: estabelecimento de regras ou princípios
fundamentais comuns. O seu objectivo é mais modesto que o
objectivo dos métodos supra, uma vez que não pretende
estabelecer um regime idêntico nos diversos sistemas
nacionais, mas tão-só aproximá-los entre si.
Leis-modelo
Directivas comunitárias
Princípios (conjuntos sistematizados de soluções
elaborados por grupos de especialistas)
LIMA PINHEIRO: este método em nada vem alterar o
normal funcionamento do sistema de Direito de
Conflitos, uma vez que não elimina as diferenças entre
os ordenamentos em presença.
Se a aplicação do Direito unificado depende de uma conexão com um Estado
contratante, definida por normas de conexão especiais, trata-se de um processo de
regulação indirecta. Não se confunda, contudo, com a técnica de regulação
relativamente ao sistema de Direito de Conflitos: aqui, a aplicabilidade do Direito
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(unificado) resulta da actuação de normas de conexão ad hoc, contidas numa
Convenção internacional.
Vantagens:
o Não há que escolher o sistema local aplicável, desde que uma
situação transnacional caia directamente dentro da esfera
espacial e do domínio material de aplicação do regime
convencional.
o Os Estados contratantes assumem uma posição uniforme
sobre a regulação jurídica da situação.
o O regime material aplicável nos diferentes Estados é o
mesmo, facilitando-se, assim, o conhecimento da disciplina
jurídica da situação – garante a segurança jurídica, enfim.
o Técnica de regulação particularmente adequada a situações
transnacionais que surgem em conexão com meios de
comunicação globais (vg Internet).
Desvantagens:
o O processo de unificação internacional é moroso, difícil e
oneroso.
o A desejada “supressão dos conflitos de leis” só seria atingida
se a unificação fosse geral (cobrindo todas as matérias) e
universal (abrangendo todos os Estados). Ora a unificação não
é nem uma coisa, nem outra.
Não é geral: apenas algumas áreas jurídicas são
objecto da unificação (principalmente: comércio
internacional). A unificação é mais difícil em domínios
como o Direito da Família e Sucessões.
Não é universal: nem todos os Estados são partes nas
Convenções de Direito material unificado e, ainda que
assim fosse, as Convenções são frequentemente
modificadas posteriormente por protocolos (tratados
posteriores que respeitam apenas a alguns dos Estados
contratantes).
o Divergências de interpretação e integração do Direito
unificado:
LIMA PINHEIRO: não sendo possível evitar soluções
divergentes, deve-se atender à solução consagrada no
ordenamento nacional competente segundo o Direito e
Conflitos quando for competente a jurisdição estadual.
Por outro lado, se for competente a jurisdição arbitral,
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só será pertinente atender à orientação de uma
particular jurisprudência nacional quando as partes
tenham escolhido o respectivo regime jurídico para
reger a situação.
§5: OUTROS PLANOS DE REGULAÇÃO
Para além da regulação pelo Direito estadual, observamos actualmente:
Regulação pelo DIP público
Regulação pelo Direito Comunitário
Regulação pelo Direito autónomo do comércio internacional
Antes de prosseguirmos, cumpre estabelecer as seguintes conclusões:
Regulação pelo Direito estadual:
o Opera-se uma regulação essencialmente indirecta ou
conflitual.
o A regulação directa ou material é excepcional.
o Apesar dos progressos realizados pela unificação internacional
do Direito material aplicável, o sistema de Direito de Conflitos
é ainda aquele que desempenha a principal missão de
regulação das situações transnacionais.
Regulação pelo DIP público e pelo Direito Comunitário:
o Nestes planos, diferentemente, a regulação tanto pode ser
directa ou material, como indirecta ou conflitual.
o Regulação pelo DIP público: cumpre ter presente a Convenção
de Washington de 1965 (CIRDI – Centro Internacional para a
Resolução de Diferendos de Investimento), e a criação do
Tribunal Arbitral Internacional.
o Ainda assim, a regulação indirecta ou conflitual continua a ser
a regra. Naturalmente, neste caso o Direito de Conflitos
aplicável não é o Direito de um Estado em particular, mas sim
um Direito Internacional de Conflitos, Direito esse que regula
indirectamente as situações relevantes na ordem jurídica
internacional ou na ordem jurídica comunitária e que é
aplicável pelas jurisdições internacionais ou comunitárias.
Regulação pelo Direito autónomo do comércio internacional:
o A regulação é em parte indirecta e em parte directa.
o Neste âmbito importa reter:
A Nova Lex Mercatoria, ao contrário da Lex Mercatoria
medieval, estabeleceu regras e princípios aplicáveis às
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relações do comércio internacional,
independentemente dos órgãos estaduais e
supraestaduais. Inclui, para tal, os usos e costumes do
comércio internacional.
SCHMITTHOFF reconduz este conjunto de regras e
princípios a um direito material especial do comércio
internacional, uma vez que o Direito de Conflitos seria
uma barreira artificial à condução dos negócios de
modo prático. Segundo esta concepção, a Lex
Mercatoria não seria um direito internacional ou
supranacional. LIMA PINHEIRO sustenta que esta tese
se ajusta bem à arbitragem internacional.
Contra esta tese se pronunciou GOLDMAN,
reconduzindo a Lex Mercatoria a uma ordem jurídica
autónoma do comércio internacional (societas
mercatorum).
o O Conselho de Direcção do UNIDROIT (Instituto Internacional
para a Unificação do Direito Privado) aprovou, nesta sede, os
princípios relativos aos contratos do comércio internacional,
em 1994.
o Para LIMA PINHEIRO, a formação de uma ordem jurídica
autónoma do comércio internacional depende da verificação
de dois pressupostos:
1. Existência de um espaço transnacional adequado
2. Consenso básico sobre um certo núcleo de valores
comuns
o Em suma:
Recorre-se ao Direito de Conflitos para determinar o
Direito aplicável à situação mas, concorrentemente,
são tidos em consideração os usos do comércio
internacional.
Naturalmente, o Direito de Conflitos aplicável não é o
Direito de um Estado em particular, mas sim um Direito
de Conflitos autónomo (que integra o Direito
Transnacional da Arbitragem) – Direito autónomo do
Comércio Internacional.
Antes de procedermos, cumpre estabelecer os traços gerais do método da
Escola Estatutária de DIP Público.Com efeito, SAVIGNY, na sua obra Tratado, tratou
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da aplicação no espaço de estatutos e propôs que a interpretação fosse feita em
relação a cada uma das relações jurídicas típicas do Direito Civil. Nestes termos,
estabeleceu o princípio de aplicação da lei da sede de categorias amplas de
relações jurídicas:
Estado e capacidade das pessoas: lei do domicílio
Contratos: lei do lugar da execução
Direitos Reais: lei da situação da coisa
Família: lei do domicílio do marido
Sucessões: lei do domicílio do autor da sucessão
Uma breve incursão pelo Código Civil (arts. 25º ss) permite-nos constatar
que, ainda hoje, o nosso DIP se encontra estruturado por categorias amplas de
relações jurídicas típicas.
Este método evoluiu para um método analítico ou de especialização (vg conexão
mais estreita), subdividido em questões mais parcelares do que as categorias
amplas supra.
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DIREITO DE CONFLITOS
PARTE GERAL
1. NATUREZA DO DIREITO DE CONFLITOS
§1: ÓRGÃOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO DE CONFLITOS
O Direito de Conflitos é aplicado pelas entidades que exercem funções
jurisdicionais ou administrativas.
Órgãos supraestaduais: ordem jurídica internacional ou comunitária
o Excepção.
o Jurisdições internacionais:
TIJ (órgão de contencioso)
CIRDI (Centro Internacional de Resolução de Diferendos
de Investimento)
o Tribunais comunitários:
TJCE
Tribunal de 1ª instância
Órgãos estaduais: ordens jurídicas estaduais
o Órgãos nacionais portugueses:
Jurisdicionais:
Tribunais estaduais
Tribunais arbitrais, eventualmente (LAV)
Administrativos:
Conservadores dos registos
Notários
Agentes diplomáticos
Comandantes das unidades militares, navios,
etc.
Órgãos transnacionais:
o Tribunais de arbitragem transnacional (arbitragem comercial
internacional – o modo normal de resolução de diferendos no
comércio internacional)
§2: FONTES DO DIREITO DE CONFLITOS
Fontes internacionais (designadamente, Convenções)
Fontes comunitárias (designadamente, Directivas)
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Fontes transnacionais (designadamente, regulamentos dos centros
de arbitragem e costume)
Fontes internas (designadamente, lei, costume e jurisprudência)
§3: NATUREZA DO DIREITO DE CONFLITOS
A tese clássica sobre o objecto e função da norma de conflitos, encarando-a
como uma norma de delimitação de competências legislativas que resolveria
conflitos de soberania estaduais, mostra-se adversa à concepção do Direito de
Conflitos enquanto Direito Privado.
Neste âmbito, desenvolveram-se as seguintes teorias:
Construções universalistas: inclusão do DIP no DIP público,
reclamando-se a existência de um sistema de DIP com validade
universal que se impõe aos ordenamentos nacionais.
Construções particularistas: a norma de conflitos tem por função a
delimitação da competência legislativa dos Estados, ainda que o DIP
tenha carácter interno.
A favor da natureza pública do Direito de Conflitos: sectores da
doutrina italiana.
A opinião dominante, contudo, entende que o DIP é Direito privado: Direito
privado especial regulador das situações privadas transnacionais. Ora, como supra
foi referido, há situações transnacionais que, apesar de conformadas por Direito
público, devem ser resolvidas pelo DIP (vg no caso de as partes estabelecerem uma
cláusula de arbitragem).
2. OBJECTO E FUNÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS
§1: TIPOS DE NORMAS DE CONFLITOS
Objecto da norma: realidade que a norma regula
Função da norma: problema jurídico que a norma tem por missão resolver e
o processo por que o resolve
Para examinar o objecto e a função das normas de conflitos, cumpre
distinguir entre:
Normas de conflitos bilaterais: normas que tanto remetem para o
Direito do foro como para o Direito estrangeiro.
o Constituem exemplos a generalidade de normas de conflitos
do CC: o sistema português é de base bilateralista.
Normas de conflitos unilaterais: normas que só determinam a
aplicação do Direito do próprio foro. Exemplos:
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o art. 3º, nº 3 Code Civil (Francês): “as leis francesas sobre o
estado e a capacidade aplicam-se aos franceses, mesmo que
residam no estrangeiro” (exemplo histórico) – norma de
conflitos unilateral geral.
o art. 38º DL Contrato de Agência: “aos contratos regulados por
este diploma que se desenvolvam exclusiva ou
preponderantemente em território nacional só será aplicável
legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime
da cessação…” – norma de conflitos unilateral especial ad hoc.
o art. 37º LAV: “o presente diploma aplica-se às arbitragens que
tenham lugar em território nacional” – norma de conflitos
unilateral especial ad hoc.
o art. 28º, nº 1: a capacidade é, em princípio, regida pela lei
pessoa (art. 25º). Porém, o negócio jurídico celebrado em
Portugal por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal
competente não pode ser anulado no caso de a lei interna
portuguesa, se fosse aplicável, considerar essa pessoa como
capaz. Esta norma é de algum modo bilateralizada pelo art.
28º, nº 3 – norma de conflitos unilateral especial que se
reporta a questões parcelares.
o As normas unilaterais podem ser:
Normas unilaterais gerais: é o já citado art. 3º, nº 3
Code Civil (refere-se a estados ou categorias de
relações jurídicas). Não vigoram no sistema jurídico
português.
Normas unilaterais especiais: encontram-se numa
relação de especialidade com outras normas de
conflitos, unilaterais ou bilaterais. Podem assumir três
modalidades, quanto à sua previsão:
Normas unilaterais especiais que se
reportam a estados ou categorias de
relações jurídicas, encontrando-se numa
relação de especialidade com outras normas de
conflitos que se reportam a categorias
normativas mais amplas – vg art. 3º, nº 1, 2ª
parte CSC, em relação de especialidade com a
1ª parte do nº 1 do mesmo artigo (regra de
conflitos que regula em geral essa categoria
ampla). Vejamos: as relações do estatuto
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
pessoal das sociedades comerciais estão
submetidas à lei do Estado onde se encontre
situada a sede principal e efectiva da sua
administração (nº 1, 1ª parte); a sociedade que
tenha sede estatutária em Portugal não pode,
contudo, opor a terceiros a sua sujeição a lei
diferente da lei portuguesa (nº 1, 2ª parte).
Normas unilaterais especiais que se
reportam a questões parcelares que, em
princípio, estariam englobadas no domínio de
aplicação de outras normas de conflitos – vg a
norma unilateral relativa à validade de uma
determinada cláusula contratual, uma questão
que encontra dentro do domínio de aplicação da
lei reguladora do contrato; art. 28º, nº 1.
Normas unilaterais especiais ad hoc,
reportando-se a uma norma ou lei material
individualizada – vg art. 37º LAV, 38º DL
Contrato de Agência e 60º, nº 7 DL Direito Real
de Habitação Periódica. A maior parte das
normas unilaterais especiais vigentes na ordem
jurídica portuguesa são normas ad hoc.
As normas de conflitos unilaterais, em especial as normas unilaterais
especiais ad hoc, são frequentemente encaradas como normas adversas em
relação ao “sistema de normas de conflitos”. LIMA PINHEIRO considera que esta
visão é demasiado simplista, uma vez que não é de excluir que certas normas
unilaterais sejam “conformes ao sistema” e, por isso, não são necessariamente
“adversas” ou “estranhas” a esse sistema de normas de conflitos, maxime se se
proceder à sua generalização e bilateralização, em termos que veremos infra.
Numa posição intermédia situam-se as normas bilaterais imperfeitas:
Normas bilaterais imperfeitas: normas que determinam a
aplicação tanto do Direito do foro como de Direito estrangeiro,
limitando o seu objecto a certos casos que têm uma ligação
especial com o Estado do foro. Não fornecem directamente a
solução para as situações do mesmo tipo abstracto e não esgotam,
por isso, todos os casos.
o Exemplo: o art. 1107º CC Seabra – “se o casamento for
contraído em país estrangeiro entre português e estrangeira,
ou entre estrangeiro e portuguesa, e nada declararem nem
estipularem os contraentes relativamente a seus bens,
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entender-se-á que casaram conforme o direito comum do país
do cônjuge varão”. Aqui, a ligação especial à ordem jurídica
portuguesa exigida para a aplicação da norma de conflitos é a
nacionalidade portuguesa de um dos cônjuges. Esta norma
nada dispõe, por isso, sobre o Direito aplicável no caso de
casamento entre dois estrangeiros em Portugal.
o Actualmente: art. 51º, nº 1 e 2, com desvios ao art. 50º. O nº 1
prevê o casamento de dois estrangeiros em Portugal,
enquanto que o nº 2 prevê o casamento de dois portugueses
ou de um português e de um estrangeiro no estrangeiro. Fica
de fora o casamento de dois estrangeiros.
§2: OBJECTO E FUNÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS BILATERAL
É certo que não está em causa um problema de respeito da soberania
estrangeira, a respeito da aplicação ou não aplicação do Direito estrangeiro, mas
trata-se antes de uma questão de regular uma situação transnacional,
determinando a ordem jurídica que vai fornecer a disciplina material aplicável ao
caso.
Nestes termos, e segundo a maioria doutrinária da Escola de Lisboa (na qual
se inclui LIMA PINHEIRO) o objecto da norma de conflitos bilateral é o mesmo que
o objecto do DIP enquanto ramo de Direito: a realidade que a norma regula consiste
na situação transnacional.
Diferentemente, a Escola de Coimbra (a título exemplificativo, FERRER
CORREIA) entende que o objecto da norma de conflitos bilateral seria uma norma
material (já que as normas de conflito são encaradas como “normas sobre normas”
e não como normas de regulação indirecta).
Quanto à função (rectius, o problema jurídico a que a norma se propõe
resolver) da norma de conflitos em geral, seja bilateral, unilateral ou especial ad
hoc, LIMA PINHEIRO entende que será necessariamente a regulação das situações
transnacionais mediante um processo conflitual ou indirecto.
Relativamente às normas de conflitos bilaterais, LIMA PINHEIRO identifica-
lhes uma dupla função técnico-jurídica:
A norma de conflitos propõe-se a determinar o Direito aplicável
A norma de conflitos, quando remeta para Direito estrangeiro,
propõe-se a conferir-lhe um título de aplicação na ordem jurídica
interna – diferentemente, quando a norma de conflitos unilateral
remeta, necessariamente, para o Direito do foro, não é necessário
que lhe confira um título de aplicação na ordem jurídica interna.
Assim se compreende que a remissão operada pela norma de conflitos seja
não recipienda, ie, a norma de conflitos não converte proposição jurídica
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estrangeira num elemento da ordem jurídica do foro enquanto critério de conduta
ou de decisão. O Direito estrangeiro é aplicado enquanto Direito estrangeiro, e não
se torna português pelo facto de ser aplicado por tribunais portugueses.
§3: NORMAS DE CONFLITOS UNILATERAIS
Na norma bilateral, o “chamamento” do Direito estrangeiro decorre, em
princípio, do mesmo elemento de conexão que define a esfera de aplicação da lei
do foro (vg: o Direito português é aplicável à capacidade de um português do
mesmo modo que o Direito espanhol é aplicável à capacidade de um espanhol). O
Direito estrangeiro é aplicável em “igualdade de circunstâncias” com o Direito do
foro, enfim.
Já o unilateralismo, por seu lado, é suspeito de levar a um favorecimento da
esfera de aplicação do Direito do foro em detrimento do Direito estrangeiro.
Vantagens: as normas unilaterais maximizam a aplicação da lei do
foro
Desvantagens: conduzem à desarmonia internacional de soluções,
aumentando o risco de os tribunais dos diferentes Estados
apreciarem segundo Direitos diversos uma mesma situação.
Se a situação em apreço se encontrar fora da esfera de aplicação do Direito
do foro, o unilateralismo manda atender ao Direito estrangeiro que se considera
competente. Questiona-se: e se dois Direitos estrangeiros se considerarem
competentes? Ou, diferentemente, se nenhum Direito estrangeiro se considerar
competente? Sob pena de denegação de justiça, o juiz deve escolher um dos
Direitos para solucionar o caso ou, no caso em que nenhum mostre disposição para
isso, deve chamar à aplicação algum deles.
§4: BILATERALIZAÇÃO DE NORMAS UNILATERAIS
Neste âmbito, surge o conceito de “bilateralização de normas
unilaterais”: quando num Estado vigore uma norma de conflitos unilateral e a
situação em causa se situe fora da esfera de aplicação do Direito do foro, os
tribunais desse Estado integram a lacuna mediante a bilateralização da norma
unilateral. Esta operação pressupõe, por isso:
1º: uma lacuna.
2º: generalização da previsão da norma.
Exemplifiquemos:
Exemplo paradigmático de norma unilateral: o art. 3º, nº 3 Code Civil
– considerando que “as leis relativas ao estado e à capacidade das
pessoas se aplicam aos franceses, mesmo que residam em país
estrangeiro”, os juízes daqui extraem a conclusão que o estado e a
capacidade de um português está submetido ao Direito português e,
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mais em geral, que o estado e a capacidade das pessoas em geral
são regidos pelo Direito da nacionalidade. Esta seria, assim, uma
norma de conflitos bilateral pura, pelo que a bilateralização diz-se
pura ou perfeita. Exemplo de bilateralização imperfeita: se o art. 3º,
nº 3 Code Civil dissesse que aos portugueses se aplica a lei
portuguesa, sem mais.
Assim, ainda que o bilateralismo seja preponderante nos sistemas de DIP,
não encontramos actualmente sistemas puramente unilateralistas ou puramente
bilateralistas.
Mas nem sempre a bilateralização é possível: só será possível quando a
regra unilateral valha como revelação de um “princípio geral”, como uma conexão
adequada à situação.
LIMA PINHEIRO coloca o problema em dois níveis diferentes:
1º: cumpre determinar se existe, efectivamente, uma lacuna.
o Num sistema jurídico em que não haja normas bilaterais (mas
tão-só normas unilaterais), surge uma lacuna sempre que não
seja aplicável o Direito do foro a certos estados ou categorias
de relações jurídicas. Exemplo: uma norma que apenas
estabelece a competência do Direito do foro para reger o
estado e a capacidade dos nacionais (art. 3º, nº3 Code Civil),
suscita uma lacuna quando se coloca o problema do Direito
aplicável aos estrangeiros – vg A, francês, casa-se com B,
português.
o Problema: normas de conflitos unilaterais especiais, como o
art. 3º, nº 1 CSC – a 2ª parte só contempla a hipótese em que
a sociedade tem sede da administração no estrangeiro e sede
estatutária em Portugal. Nos restantes casos (sede estatutária
num país estrangeiro diferente daquele onde se situa a sede
da administração, vg duas sedes no estrangeiro), deve aplicar-
se a regra geral (o estatuto pessoal é regido pela lei da sede
da administração) ou bilateralizar-se a norma unilateral
especial (nº 1, 2ª parte)? – LIMA PINHEIRO: há que atender à
ratio legis da norma (às razões que fundamentam o critério de
conexão utilizado pela norma de conflitos unilateral, enfim) – o
legislador atendeu à confiança depositada por terceiros na
competência da lei da sede estatutária, pelo que não haveria
lacuna e aplicar-se-ia a regra geral prevista no nº 1, 1ª parte
(MARQUES DOS SANTOS e MOURA RAMOS). Assim, a
confiança de terceiros também deve ser tutelada quando a
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sede estatutária esteja situada no estrangeiro. Há uma lacuna,
que deve ser suprida mediante bilateralização da norma
unilateral especial (nº 1, 2ª parte), para LIMA PINHEIRO, uma
vez que essa norma preconiza a solução mais adequada do
que a tutela da confiança prevista no nº 1, 1ª parte. O
afastamento da última norma implica um raciocínio de
interpretação restritiva ou de redução teleológica.
o E quando as normas de conflitos unilaterais se referem a
questões parciais que estariam, em princípio, englobadas no
domínio de aplicação de normas de conflitos bilaterais? Neste
caso, entende LIMA PINHEIRO que só existirá
verdadeiramente uma lacuna se, na impossibilidade de
determinar o Direito aplicável, se afastar o recurso às normas
de conflitos geral.
o Outro exemplo: se não existisse no nosso sistema o art. 65º,
nº 2, que ressalva a aplicabilidade de normas como aquela do
art. 2223º, colocar-se-ia a questão de saber se a forma do
testamento celebrado por um estrangeiro, num país que não é
o da sua nacionalidade, seria exclusivamente regida pela
regra de conflitos geral ou por uma norma semelhante à do
art. 2223º. Na falta da última, estaríamos perante uma
verdadeira lacuna que deveria ser integrada mediante a
bilateralização da norma de conflitos unilateral em causa.
2º: integração da lacuna.
o Quanto às normas unilaterais ad hoc: a bilateralização está
condicionada à existência, naquele sistema, de normas com o
mesmo conteúdo e função, envolvendo um processo mais
amplo, a que LIMA PINHEIRO designa de “generalização”. A
generalização compreende:
O “alargamento da previsão” da norma (reformulando-
a, por forma a abranger normas materiais estrangeiras
com o mesmo conteúdo e função); e
A bilateralização em si (veja-se os arts. 2223º e 65º, nº
2).
o De iure condendo , LIMA PINHEIRO defende que esta
bilateralização se venha a traduzir na formulação de regras de
remissão condicionada, em termos que veremos infra.
o As normas bilaterais imperfeitas (cfr. supra) também suscitam
um problema de integração de lacunas: no caso de se concluir
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pela existência de uma lacuna, esta pode, em princípio (a
verificação deve ser caso a caso!), ser integrada mediante
uma aplicação analógica da norma bilateral imperfeita. Por
exemplo, no caso de o art. 51º não prever o casamento entre
dois estrangeiros (lacuna), parece que a sua aplicação
analógica é possível neste caso, para que dois estrangeiros
possam casar noutro Estado perante os respectivos agentes
diplomáticos ou consulares. Já a formulação de uma norma
bilateral perfeita está afastada.
Ainda que possam ser levantados impedimentos à bilateralização, como a
necessidade de defesa de interesses privados locais perante interesses
estrangeiros, LIMA PINHEIRO considera que, perante a verificação de uma lacuna,
as normas unilaterais são, em regra, bilateralizáveis. Aquelas que não o forem
serão normalmente designadas por normas de delimitação (rules of limitation of
law).
§5: FUNÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS UNILATERAL
As normas de conflitos unilaterais realizam um processo de regulação
indirecta de situações transnacionais mas por meio do chamamento do Direito do
foro. Não têm, por isso, uma dupla função (como as normas de conflitos bilaterais).
A função das normas unilaterais especiais ad hoc consiste ainda na
determinação do Direito aplicável a uma situação transnacional, mas delimitam a
esfera de aplicação no espaço das normas a que se reportam.
§6: NORMAS DE REMISSÃO CONDICIONADA
As normas de remissão condicionada são aquelas em que observa uma
“conexão condicional”, ie, a norma de conflitos incorpora, como condição de
aplicação, determinada posição assumida pelo DIP da lei designada: é o que se
verifica com o art. 47º: a capacidade para constituir ou dispor de direitos reais
sobre imóveis é definida pela lei da situação da coisa desde que essa lei assim o
determine. Para LIMA PINHEIRO, uma norma de remissão condicionada é aquela
que tem em conta a competência da lei estrangeira segundo o respectivo DIP.
Exemplos: arts. 28º nº 3, 31º nº 2, 36º nº 1 in fine, 45º nº 3, 47º e 65º
nº 2.
Não se confunda com devolução, uma vez que esta se verifica se a lei
estrangeira designada pela nossa norma de conflitos não aceitar a
competência, caso em que cabe aplicar a lei portuguesa.
§7: NORMAS DE RECONHECIMENTO
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Norma de reconhecimento é, para LIMA PINHEIRO, aquela que estabelece
que determinado resultado material ou que efeitos jurídicos se produzirão na ordem
jurídica do foro caso se verifiquem noutro Direito (normas sobre o reconhecimento
de efeitos de sentenças estrangeiras).
É, ainda assim, uma norma de remissão porque determina a aplicação do
Direito estrangeiro à produção do efeito.
§8: O DIP E OUTRAS DISCIPLINAS JURÍDICAS
O DIP na relação com outras disciplinas jurídicas:
O DIP e o Direito Constitucional
o O Direito Constitucional interfere com o DIP nos seguintes
planos:
Recepção do DIP Público Geral (art. 8º CRP)
Incidência sobre:
O Direito da Nacionalidade
O Direito dos Estrangeiros (art. 15º CRP)
Compatibilidade de certos elementos de conexão com
a tutela constitucional dos Direitos Fundamentais, em
países com Constituições recentes, como Portugal: o
Princípio da Igualdade levou à alteração dos arts. 52º e
53º, ao preverem anteriormente a lei da nacionalidade
do cônjuge marido.
O DIP e o DIP Público
o As fontes de um podem ser as fontes do outro.
o DIP Público: reconhece a personalidade internacional dos
particulares em termos limitados; as situações transnacionais
são reguladas na ordem jurídica dos Estados e no plano do
direito autónomo do Comércio Internacional.
o DIP: assiste-se a tendências de internacionalpublicização das
relações do Comércio Internacional.
o Há, pois, áreas de sobreposição entre um e outro ramo.
O DIP e o Direito Comunitário
o Para LIMA PINHEIRO, o TCE não contém “normas de conflitos
ocultas” nem condiciona a actuação do Direito de Conflitos.
o O princípio de proibição de discriminação em razão da
nacionalidade, previsto no art. 12º TCE, só proíbe a
discriminação “no âmbito de aplicação do Tratado”.
o Pergunta-se frequentemente se a integração comunitária
implicou uma unificação do direito material privado. Para
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LIMA PINHEIRO, mesmo se vigorasse uma concepção
federalista da União Europeia (os “Estados Unidos da
Europa”), essa concepção não implicaria a unificação do
Direito (veja-se o exemplo americano). O mercado comum é,
por isso, compatível com a pluralidade de situações jurídicas.
3. A JUSTIÇA E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO DE CONFLITOS
§1: A JUSTIÇA
A justiça concretiza-se em valores e princípios jurídicos:
Ideia de supremacia do Direito
Valores formais do Direito de Conflitos:
o Certeza
o Previsibilidade
o Harmonia internacional de soluções
Valores materiais do Direito de Conflitos:
o Dignidade da pessoa humana
Respeito da personalidade dos indivíduos
o Igualdade
Carácter bilateral das normas de conflitos
Igualdade de tratamento
Exclusão de elementos de conexão discriminatórios
o Adequação
o Equilíbrio e ponderação
o Liberdade
Princípio da autonomia privada
o Tutela da confiança
o Bem comum
§2: OS PRINCÍPIOS
Os princípios do Direito de Conflitos auxiliam o intérprete na interpretação e
integração de lacunas.
LIMA PINHEIRO discorda da posição de BAPTISTA MACHADO segundo a
qual os princípios prevalecem sobre as normas de conflitos singularmente
consideradas, uma vez que defende a igual vinculatividade das normas de conflitos
face às normas materiais. Distingue:
Princípios de conformação global do sistema:
o Princípio da harmonia jurídica internacional
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o Princípio da harmonia material ou interna (unidade do
sistema)
o Princípio da confiança
o Princípio da efectividade
o Princípio do favor negotii
o Princípio da reserva jurídico-material
Princípios de escolha das conexões:
o Princípio da conexão mais estreita
o Princípio da personalidade (noção de lei pessoal)
o Princípio da territorialidade
o Princípio da autonomia privada
4. ESTRUTURA GERAL DA NORMA DE CONFLITOS
§1: ELEMENTOS DA NORMA DE CONFLITOS
A previsão (= conceito-quadro) da norma de conflitos define os
pressupostos de cuja verificação depende a sua aplicação, delimitando o seu
objecto e o seu âmbito material.
Nestes termos, a maior parte das normas de conflitos delimitam as situações
da vida através de conceitos técnico-jurídicos, correspondendo a categorias de
situações ou a questões parciais (como a capacidade) – vg art. 46º, nº 1.
Todavia, encontramos exemplos de algumas normas de conflitos que não se
reportam a situações típicas globalmente consideradas, mas apenas a certos
aspectos parcelares (vg capacidade negocial). Com efeito, a especialização do
Direito de Conflitos acentua o fraccionamento na regulação das situações
transnacionais, uma vez que quanto mais numerosas forem as normas de conflitos,
e mais limitado o seu âmbito de incidência, mais frequente será a submissão de
diferentes aspectos da mesma situação a leis diversas e a várias normas de
conflito, com aplicação de leis materiais distintas. Exemplo: o contrato de compra e
venda celebrado em França entre um português e um espanhol pode desencadear
a aplicação da lei portuguesa, lei espanhola ou lei francesa, consoante se apliquem
os arts. 8º ROMA, 46º CC e 9º ROMA, respectivamente.
Este fenómeno de fraccionamento designa-se de dépeçage. MARIA HELENA
BRITO enuncia, neste âmbito, dois princípios: o princípio do direito único (conexão
mais estreita, art. 4º ROMA) e o princípio da coordenação (eliminação de
contradições normativas ou valorativas).
O dépeçage traz consigo o risco de contradições normativas ou valorativas
entre proposições jurídicas que são pedidas a diferentes ordens jurídicas. A
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preservação da harmonia material reclama, por isso, a reconstrução da unidade e
coerência mediante a conjugação dos diferentes estatutos.
A estatuição (= conexão) da norma de conflitos consiste na consequência
jurídica que a norma desencadeia, sendo tradicionalmente identificada com a
conexão. A conexão, essa, é o chamamento de um ou mais Direitos para regularem
a questão (coincide com a função da norma de conflitos). O Direito aplicável será
designado de lex causae.
A estatuição da norma de conflitos carece, pois, de concretização.
§2: CONEXÃO
A conexão em geral pode assumir as seguintes modalidades:
Conexão singular: conexão cujo resultado desencadeia a aplicação
de um só Direito para reger a situação.
o Simples: a norma de conflitos designa por forma directa e
imediata um único Direito aplicável à questão, vg art. 46º, nº
1.
o Subsidiária: a norma de conflitos dispõe de uma série de
elementos de conexão que operam em ordem sucessiva, por
forma a que a actuação do elemento de conexão seguinte
depende da falta de conteúdo concreto do elemento de
conexão anterior, vg arts. 52º, 53º, 31º e 32º.
o Alternativa: a norma de conflitos contém dois ou mais
elementos de conexão, susceptíveis de designarem dois ou
mais Direitos, sendo efectivamente aplicado aquele que, no
caso concreto, se mostrar mais favorável à produção de um
efeito jurídico, vg art. 36º e 65º.
o Optativa: a norma de conflitos dispõe de dois ou mais
elementos de conexão, susceptíveis de designarem dois ou
mais Direitos, sendo efectivamente aplicado aquele que seja
escolhido por uma determinada categoria de interessados, vg
art. 7º ROMA II.
Conexão plural: conexão cujo resultado desencadeia a aplicação de
mais de um Direito para reger a situação.
o Cumulativa simples: a norma de conflitos exige, para que se
produza certo efeito jurídico, que o efeito seja desencadeado
ou reconhecido por dois ou mais Direitos simultaneamente, vg
art. 33º, nº 3. Consequência: aplicação da lei mais exigente
(BATIFFOL).
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o Limitativa ou condicionante: a norma de conflitos chama
um Direito como primariamente competente, mas atribui a
outro sistema uma função limitativa ou condicionante quanto
à produção de certo efeito, vg art. 60º, nº 4.
§3: ELEMENTO DE CONEXÃO
O elemento de conexão é tradicionalmente considerado um laço que se
estabelece entre uma situação da vida e o ordenamento de um Estado soberano.
LIMA PINHEIRO considera esta noção insuficiente, uma vez que pode consistir em:
Laço fáctico (art. 60º, nº 2)
Vínculo ou qualidade jurídica (vg nacionalidade)
Consequência jurídica (vg lugar do efeito lesivo)
Facto jurídico (art. 41º, nº 1)
Não se confunda com conexão: o elemento de conexão individualiza o
Direito a ser aplicado, enquanto que a conexão chama uma ou mais ordens
jurídicas.
LIMA PINHEIRO classifica o elemento de conexão, quanto ao conteúdo:
Conceito técnico-jurídico (vg nacionalidade e domicílio)
Descritivo ou fáctico (vg lugar da situação da coisa ou lugar do facto)
Para além desta classificação, o elemento de conexão pode ainda ser:
Móvel: passível de mudança no tempo (vg domicílio, nacionalidade ou
residência habitual).
Imóvel: insusceptível de mudança no tempo (vg lugar da celebração
do contrato, lugar da situação da coisa imóvel ou lugar da
perpetração do delito).
Neste âmbito, cumpre atender ao denominado elemento de conexão de
conceito designativo indeterminado: vg lei do Estado com o qual existe conexão
mais estreita (arts. 4º ROMA, 52º, nº 2, in fine e 60º, nº 2, in fine).
A conexão mais estreita radica no princípio da proximidade, de LAGARDE,
segundo o qual se aplicaria a lei da conexão mais estreita em função da
ponderação das circunstâncias do caso concreto. Nestes termos, adopta dois tipos
de normas de conflitos:
Normas de conflitos que remetem directamente para a lei da conexão
mais estreita (os exemplos supra).
Cláusulas de excepção: normas jurídicas que ordenam a aplicação da
lei com a qual existe uma conexão mais estreita, em detrimento da
lei mandada aplicar a título principal por outras normas de conflito.
o Gerais: não existem em Portugal (contra, FERRER CORREIA e
BAPTISTA MACHADO sustentam que vigora na nossa ordem
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jurídica uma cláusula de excepção geral implícita que manda
aplicar a lei do Estado com o qual existe conexão mais
estreita).
o Especiais: art. 4º, nº 5 ROMA II.
5. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS
§1: INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA NORMA DE CONFLITOS
Os critérios de interpretação da norma de conflitos são os critérios gerais do
CC (arts. 8º e 9º).
Estaremos perante uma lacuna da lei no Direito dos Conflitos quando não
encontramos uma norma de conflitos de fonte legal que indique a lei reguladora de
determinada situação transnacional. As lacunas podem ser patentes ou ocultas:
serão ocultas quando se descobrem mediante interpretação restritiva ou redução
teleológica de uma norma de conflitos existente.
Para BAPTISTA MACHADO, as lacunas de DIP são necessariamente
patentes. Já LIMA PINHEIRO não afasta a possibilidade de verificação de lacunas
ocultas de DIP. Exemplifiquemos: uma situação transnacional pode, à primeira
vista, parecer encontrar-se abrangida pela previsão de uma norma de conflitos mas,
por via de interpretação restritiva ou de redução teleológica, vir-se a concluir que
existe uma lacuna (vg o já analisado art. 3º, nº 1 CSC).
Na integração da lacuna deve ter-se em conta o disposto no art. 10º, nos
termos gerais:
1º: deve recorrer-se à norma aplicável a caso análogo (analogia
legis).
2º: na falta de norma aplicável a um caso análogo, a solução do caso
deve ser obtida mediante uma concretização dos princípios gerais e
ideias orientadoras do Direito de Conflitos (analogia iuris).
3º: não sendo possível integrar a lacuna por nenhum dos processos
supra, o intérprete deve criar um critério de decisão “dentro do
espírito do sistema”, que seja susceptível de ser seguido em casos
semelhantes, no futuro.
§2: A NORMA DE CONFLITOS COMO NORMA DE CONDUTA
Para a Escola de Coimbra (FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO) as
normas de conflitos têm por principais destinatários os tribunais, não os
particulares. Nestes termos, o objecto das normas de conflitos são normas
materiais (uma vez que as normas de conflitos são normas sobre normas). São
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normas que teriam por fim resolver um conflito de leis materiais. Por isso, a norma
de conflitos será de aplicação universal e imediata, uma vez que o seu âmbito de
aplicação no espaço e no tempo é ilimitado. Uma vez que não se constituem
direitos nem se impõem deveres, a questão da retroactividade nem sequer é
suscitada. Por outras palavras, as normas de conflitos seriam normas materiais que
se aplicam a situações da vida.
Já LIMA PINHEIRO, na esteira de ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO,
defende que as normas de conflitos são normas de (1º) regulação (2º) indirecta e
que, por regra, têm por função orientar a conduta dos sujeitos. Só
excepcionalmente seriam aplicadas como meros critérios de decisão. Não há que
considerar, por isso, que sejam à partida de aplicação imediata e universal, no
tempo e no espaço, respectivamente. O seu objecto coincide com o objecto do DIP
(situações transnacionais). Por outras palavras, as normas de conflitos seriam
situações da vida que se aplicam a normas materiais.
Ainda que as divergências entre as duas Escolas sejam significativas, ambas
concordam que as normas de conflitos incidem sobre interesses particulares e não
sobre os interesses do Estado (foi há muito afastada a concepção de regularem
conflitos de soberanias).
§3: APLICAÇÃO NO TEMPO DO DIREITO DE CONFLITOS
No âmbito da aplicação de normas de conflitos no tempo, LIMA PINHEIRO
propõe:
1º: recurso a normas transitórias, se as houver, que disponham
expressamente sobre a aplicação no tempo do Direito de conflitos. É
o caso das normas que constam do Decreto Preambular do Código
Civil de 1966: são normas especiais de direito transitório que regulam
a sucessão no tempo de regras materiais, pelo que são
analogicamente aplicáveis às normas de conflitos (uma vez que não
existem normas de direito transitório que apenas regulem a sucessão
no tempo de normas de conflitos). Outro exemplo: art. 1107º Código
Seabra.
2º: na omissão do legislador, deve recorrer-se ao Direito
Intertemporal da ordem jurídica em que estão integradas as normas
de conflitos em causa (na esteira de ISABEL DE MAGALHÃES
COLLAÇO). Assim, a aplicação da norma de conflitos antiga é
imposta pelo princípio da continuidade das situações jurídicas.
o arts. 12º e 13º: normas gerais de direito transitório que
regulam a sucessão no tempo de regras materiais.
§4: APLICAÇÃO NO ESPAÇO DO DIREITO DE CONFLITOS
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São duas as concepções tradicionais nesta matéria:
Alcance universal e territorialismo quanto aos órgãos de aplicação do
DIP:
o Toda e qualquer designação da lei competente para regular
uma situação passa exclusivamente pelo Direito do foro.
Limitação do Direito de Conflitos pelo princípio dos direitos
adquiridos:
o Pretende-se tutelar a confiança depositada pelas partes na
existência de situações que se constituíram segundo o Direito
de um Estado que apresenta um laço particularmente
significativo com a situação.
Vigoram na ordem jurídica portuguesa certas normas de conflitos que de um
ou outro modo limitam o campo de aplicação no espaço de outras normas de
conflitos. Exemplos:
art. 31º, nº 2 (conjugado com o nº 1 e o art. 25º).
o Norma de remissão condicionada que dá relevância ao Direito
de Conflitos estrangeiro.
art. 47º (conjugado com os arts. 25º, 31º nº 1 e 32º).
o Norma de remissão condicionada que dá relevância ao Direito
de Conflitos estrangeiro.
art. 37º LAV
6. DO ELEMENTO DE CONEXÃO
§1: INTERPRETAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO ELEMENTO DE CONEXÃO
Há dois momentos fundamentais na interpretação e aplicação do elemento
de conexão:
Interpretação: determinação do sentido e alcance do conteúdo do
conceito que designa o elemento de conexão – vg: o que deve
entender-se por nacionalidade?
o A interpretação é feita lege fori.
Concretização: determinação do laço em que se traduz o elemento de
conexão – vg: qual o Estado de que A é nacional?
o A concretização pode ser lege fori ou lege causae.
A concretização do elemento de conexão pode debater-se com três
problemas:
Determinação do conteúdo concreto do elemento de conexão:
o Concretização lege fori (com base nas normas materiais da
ordem jurídica do foro)
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o Concretização lege causae (com base na ordem jurídica que
se considera competente). Este tipo de concretização debate-
se com um vício lógico: dar por adquirido o que se pretende
demonstrar. Assim, a solução pauta-se por um método de
tentativas ou de ensaio, consultando todas as leis
potencialmente aplicáveis.
Neste âmbito, cumpre atender aos denominados conflitos latentes de
concretização do elemento de conexão, exemplificando:
Há harmonia jurídica se:
o Concretização lege fori do elemento de conexão
nacionalidade:
Lei PT – Lei Fr.
Lei Fr – Lei Fr.
Lei Ital – Lei Fr.
Não há harmonia jurídica, mas sim um conflito latente (mesmo
tratando-se do mesmo elemento de conexão), se:
o Concretização lege fori do elemento de conexão capacidade:
Lei PT – Lei Fr.
Lei Fr – Lei Fr.
Lei Ital – Lei PT.
Há harmonia jurídica se:
o Concretização lege causae:
Lei PT – Lei Fr.
Lei Fr – Lei Fr.
Lei Ital – Lei Fr.
O ordenamento jurídico francês é o único em que o
elemento de conexão se concretiza no seu território.
A concretização lege causae pode suscitar casos de conteúdo
múltiplo ou de falta de conteúdo:
o Conteúdo múltiplo do elemento de conexão: vg dupla ou tripla
nacionalidade, dupla residência habitual (conflito positivo na
concretização do elemento de conexão). O problema do
conteúdo múltiplo pode ser resolvido por uma norma especial
(vg arts. 27º e 28º LNAC, quanto ao elemento de conexão
nacionalidade). Os restantes elementos de conexão devem ser
concretizados caso a caso, à luz dos princípios gerais do DIP.
o Falta de conteúdo do elemento de conexão: vg apátridas
(conflito negativo na concretização do elemento de conexão:
nenhuma lei atribui nacionalidade àquela pessoa). O problema
32
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
da falta de conteúdo também pode ser resolvido por uma
norma especial (vg arts. 32º, nº 2, e 82º), ou através do
critério geral estabelecido pelo art. 23º, nº 2, 2ª parte (manda
recorrer à lei que for subsidiariamente competente). Na falta
de conexão subsidiária, sem que se possa concretizar o
elemento de conexão (seja porque nem sequer alegou o lugar
da situação da coisa imóvel, vg), resta recurso ao Direito
material português do foro, por aplicação analógica do
disposto no art. 348º, nº 3, uma vez que não vigora um
princípio de conexão mais estreita em Portugal (LIMA
PINHEIRO).
Concretização no tempo do elemento de conexão
o E se o conteúdo concreto for susceptível de sofrer alteração
no tempo? - vg nacionalidade, residência habitual, etc.
o Solução:
Analogia entre a sucessão de estatutos e o conflito de
leis no tempo (BAPTISTA MACHADO)
Interpretação da norma de conflitos que suscita o
problema (ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO e
FERRER CORREIA).
§2: ELEMENTOS DE CONEXÃO EM PARTICULAR
A doutrina interpretou e concretizou cada um dos elementos de conexão, em
particular:
Nacionalidade:
o arts. 31º, nº 1, 52º e 53º: normas que remetem para a lei
pessoal.
o art. 45º, nº 3: norma que não remete para a lei pessoal do
indivíduo.
o Para a ordem jurídica portuguesa, estas normas nunca podem
remeter para a lei de um Estado não soberano.
o Neste âmbito, cumpre atender ao Acórdão MICHELETTI
(1992): acórdão que pretendeu solucionar o problema de um
argentino/italiano que pretende prevalecer-se da liberdade de
estabelecimento, invocando o facto de uma das suas duas
nacionalidades ser de um Estado-membro da União Europeia.
Jurisprudência pronunciou-se no sentido de, para efeitos da
liberdade de estabelecimento, prevalecer sempre a
nacionalidade do Estado-membro. DÁRIO MOURA VICENTE
33
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
veio sustentar a impossibilidade desta solução jurisprudencial
ser transposta para o Direito de Conflitos, em termos gerais,
mas apenas tratando-se de um caso de uma das quatro
liberdades comunitárias. Já LIMA PINHEIRO defende que esta
solução vale para resolver conflitos de nacionalidade de
Direito de Conflitos, afastando o art. 28º LNAC (uma vez que
prevalece sobre este).
o Interpretação do elemento de conexão nacionalidade: vínculo
jurídico-político que une a pessoa ao Estado.
o Concretização: lege causae, por força de um princípio de DIP
Público (é prerrogativa de cada Estado dizer quem são os seus
nacionais).
Domicílio:
o arts. 32º, nº 1, 2ª parte (apátrida menor)
o art. 39º, nº 3 (representação voluntária: domicílio profissional)
o Interpretação do elemento de conexão domicílio: vínculo
jurídico que liga uma pessoa a um lugar, aliado a uma nota
objectiva de permanência nesse mesmo lugar.
o Concretização: lege causae (domicílio legal) e lege fori
(domicílio profissional), art. 39º.
Problemas de conteúdo múltiplo do elemento de
conexão (vg duplo domicílio): MARQUES DOS
SANTOS propõe a aplicação analógica dos arts. 27º e
28º LNAC.
Problemas de falta de conteúdo do elemento de
conexão (vg falta de domicílio): MARQUES DOS
SANTOS propõe, no caso do art. 39º, a aplicação
analógica do art. 32º. Na falta destes, a aplicação da lei
do foro.
Residência habitual:
o art. 32º, nº 1 (apátridas)
o arts. 52º nº 2, 53º nº 2, 54º, 56º nº 2, 57º nº 1 e 60º nº 3
o Interpretação do elemento de conexão residência habitual:
residência com carácter de permanência.
o Concretização: lege causae.
Problemas de conteúdo múltiplo do elemento de
conexão (vg dupla residência habitual): MARQUES
DOS SANTOS propõe a aplicação analógica dos arts.
27º e 28º LNAC e LIMA PINHEIRO sustenta a
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
residência habitual do Estado com conexão mais
estreita.
Problemas de falta de conteúdo do elemento de
conexão (vg falta de residência habitual, mas apenas
residência ocasional): MARQUES DOS SANTOS
propõe a aplicação analógica dos arts. 31º e 32º e, na
falta destes, a aplicação da lei do foro.
Lugar da celebração do contrato:
o O problema de concretização do elemento de conexão apenas
se coloca quando o contrato é celebrado entre ausentes.
Assim, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO propõe que a
concretização seja lege fori, aplicando-se analogicamente o
disposto no art. 224º, quanto à teoria da recepção. Com uma
excepção: se a aceitação chegou ocasional ou acidentalmente,
deve ser considerado o lugar onde deveria ter chegado a
aceitação.
7. REMISSÃO PARA ORDENAMENTOS JURÍDICOS COMPLEXOS
§1: O PROBLEMA
São ordenamentos jurídicos complexos, entre outros:
EUA
Canadá
Suiça
Neste âmbito importa reter as seguintes normas:
art. 20º: elemento de conexão nacionalidade
art. 19º, nº 1 ConvROMA
art. 22º RegROMA I
art. 25º, nº 1 RegROMA II
o A lei local: do Estado federado, vg.
Para os elementos de conexão que não a nacionalidade:
FERRER CORREIA: é competente o sistema em vigor no lugar para
que aponta directamente o elemento de conexão.
Diferentemente, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO: é competente
o ordenamento do Estado soberano. LIMA PINHEIRO concorda com
este entendimento, uma vez que ao DIP não cumpre resolver
conflitos internos.
§2: A SOLUÇÃO
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Na resolução do problema da remissão para ordenamentos jurídicos
complexos, cumpre estabelecer a seguinte distinção:
Se o elemento de conexão for a nacionalidade:
o art. 20º
nº 1: sistema unitário de Direito interlocal; se não:
nº 2: DIP unificado; se não (vg EUA):
nº 2, in fine: residência habitual. Aqui, a Escola de
Coimbra (FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO)
entende esta remissão para a residência habitual,
mesmo que fora do Estado da nacionalidade do
indivíduo. Contra, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO
entende tratar-se da residência habitual dentro do
Estado da nacionalidade. Se não, estaremos perante
uma lacuna que deve ser integrada através do princípio
da conexão mais estreita (também LIMA PINHEIRO):
1º: Estado local (subnacionalidade)
2º: Estado local (domicílio)
3º: Estado local (último domicílio/residência
habitual)
e ainda, para ISABEL DE MAGALHÃES
COLLAÇO, 4º: Estado federado onde se situa a
capital do Estado soberano (no caso dos EUA, o
Estado de Washington, DC).
Se o elemento de conexão for outro que não a nacionalidade:
o Não cabe aplicação do art. 20º, pelo que estamos perante
uma lacuna.
o Solução:
Para LIMA PINHEIRO: a lacuna integra-se mediante
aplicação analógica do disposto no art. 20º.
Contra, a Escola de Coimbra propugna a remissão
directa para o Estado local.
8. A DEVOLUÇÃO OU REENVIO
§1: INTRODUÇÃO
O problema da devolução coloca-se quando a norma de conflitos portuguesa
remete para uma ordem jurídica estrangeira e esta, por ter uma norma de conflitos
diferente da nossa, não se considere competente e remeta para outra lei.
Nestes termos, pergunta-se:
36
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Devemos aplicar a lei designada, mesmo que esta não se considere
competente?
Ou devemos ter em conta o DIP da lei designada?
Para respondermos a esta questão cumpre determinar o sentido e alcance
atribuído à referência feita pela nossa norma de conflitos:
Esta referência dirige-se directa e imediatamente ao Direito material
da lei designada? – Referência material.
Ou esta referência dirige-se antes ao DIP da lei designada (Direito de
Conflitos)? - Referência global.
Os pressupostos de um problema de devolução são, pois, os seguintes:
A norma de conflitos do foro (a norma portuguesa) remete para uma
lei estrangeira.
A lei estrangeira designada não se considera competente (a norma
de conflitos estrangeira utiliza um elemento de conexão diferente da
norma de conflitos do foro ou, embora utilizando o mesmo elemento
de conexão, seja interpretada por forma diferente), remetendo para
outra lei (Estado terceiro ou Estado do foro).
§2: TIPOS DE DEVOLUÇÃO
A devolução pode apresentar-se como:
Retorno de competência ou reenvio de primeiro grau:
o O Direito de Conflitos estrangeiro remete a solução da questão
para o Direito do foro (o direito português).
o Exemplo:
Lei aplicável à capacidade de um brasileiro domiciliado
em Portugal:
Lei PT – capacidade é aferida segundo a lei
nacionalidade – Lei Br – capacidade é aferida
segundo a lei do domicílio – devolve para a Lei
PT.
o Podemos ter retorno indirecto quando:
A lei designada (L2) remete para uma lei estrangeira
(L3) com referência global e esta, por sua vez, devolve
para o Direito do foro (o direito português, L1).
Transmissão de competência ou reenvio de segundo grau:
o O Direito de Conflitos estrangeiro remete a solução da questão
para outro ordenamento estrangeiro (que não o direito do
foro).
o Exemplo:
37
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Lei aplicável à sucessão de imóveis, em Inglaterra, do
de cujus francês:
Lei PT – sucessão imobiliária é aferida segundo
a lei da última nacionalidade do de cujus – Lei Fr
– sucessão imobiliária é aferida segundo a lei da
situação dos imóveis – devolve para a Lei Ingl.
o Podemos ter transmissão em cadeia, quando:
A lei designada (L2) remete para uma lei estrangeira
(L3) com referência global e esta também não se
considera competente, devolvendo para uma quarta lei
(L4).
o A transmissão será com retorno, quando:
A lei estrangeira (L3) remete para a lei designada (L2).
Os esquemas típicos de reenvio são quatro:
Retorno directo: L1 – L2 – L1
Retorno indirecto: L1 – L2 – L3 – L1
Transmissão de competência: L1 – L2 – L3 – L4…
Transmissão de competência com retorno: L1 – L2 – L3 – L2
§3: CRITÉRIOS GERAIS DE SOLUÇÃO
Os critérios gerais de solução dos problemas de devolução ou reenvio
podem ser sistematizados nas seguintes teses:
Tese da referência material:
o A referência feita pela norma de conflitos é sempre entendida
como uma referência material: remissão directa e imediata
para o Direito material da lei designada (L2). O Direito de
Conflitos da lei designada não interessa, portanto, e esta tese
contrapõe-se a qualquer sistema de devolução (negação do
reenvio). Encontra-se consagrada no art. 15º ConvROMA e art.
24º RegROMA II.
o Vantagens: respeita a valoração feita pelo legislador na
escolha da conexão mais adequada. Como não aceita a
devolução, não implica abdicar da escolha consagrada na
norma de conflitos do foro.
o Desvantagens: ao ignorar o Direito de Conflitos estrangeiro
esta tese fomenta a desarmonia internacional de soluções.
Tese da referência global:
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o A remissão da norma de conflitos para uma ordem jurídica
estrangeira abrange sempre o Direito de Conflitos da lei
designada (referência global).
o Vantagens: esta tese radica no princípio da harmonia
internacional. Uns poderão dizer que reflecte a
indissociabilidade das normas de conflitos em relação às
normas materiais. LIMA PINHEIRO rejeita este entendimento,
uma vez que umas e outras são suficientemente autónomas
para que outra ordem jurídica determine a aplicação desse
Direito material apesar de não ser competente segundo o
Direito de Conflitos.
o Desvantagens:
Objecções de fundo: ao fazer a referência global, o
Direito de Conflitos do foro vai renunciar ao seu juízo
de valor sobre a conexão mais adequada, privilegiando
o critério de conexão do Direito de Conflitos
estrangeiro.
Objecções de natureza prática:
Transmissão ad infinitum (L2 – L3 – L4 – L5…
sucessivamente, sem que se chegue a lei
nenhuma) – para LIMA PINHEIRO, esta
objecção é de rara verificação na prática, uma
vez que as situações transnacionais estão
geralmente em contacto com um número
limitado de Estados;
Ping pong perpétuo (só é possível quebrar o
círculo vicioso de referência global se um dos
sistemas praticar referência material).
Esta tese apresenta duas modalidades:
TESE DA DEVOLUÇÃO SIMPLES: a remissão da norma de conflitos
do foro abrange as normas de conflitos da ordem estrangeira
(referência global), mas a remissão operada pela norma de conflitos
estrangeira entende-se como referência material (um só Direito
material). Não se respeita, portanto, o tipo de remissão feito pelo
Direito de Conflitos estrangeiro. Por outras palavras, a referência é
global, para o Direito de Conflitos, mas só quanto às normas de
conflitos, e não quanto às normas de reenvio.
o Teoria adoptada pela jurisprudência portuguesa antes da
entrada em vigor do CC 1966, nos casos de retorno.
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o Exemplo: Direito aplicável à sucessão de um francês
domiciliado e com bens imóveis em Portugal – L1 – lei da
última nacionalidade do de cujus – L2 (Lei francesa) – lei do
último domicílio e lei da situação dos bens imóveis – L1 (lei
portuguesa). O STJ aceitou o retorno, neste caso, e aplicou o
Direito português. Quid iuris se a questão tivesse sido
apreciada num tribunal francês? Este aceitaria o retorno e
aplicaria o Direito francês.
o Vantagens: favorece a aplicação do Direito do foro; é
relativamente fácil de aplicar; encontra sempre uma lei
competente; evita situações de ping pong perpétuo.
o Desvantagens: não leva, em princípio, à harmonia
internacional de soluções, excepto se L2 praticar referência
material. Se todos os sistemas fossem de devolução simples,
nunca haveria harmonia internacional.
TESE DA DEVOLUÇÃO INTEGRAL, foreign court theory ou
dupla devolução: ao contrário da devolução simples, na devolução
integral o tribunal do foro deve decidir a questão transnacional tal
como ela seria julgada pelo tribunal do país da ordem jurídica
designada (L2). A norma de conflitos remete para a ordem jurídica
estrangeira no seu conjunto, incluindo as próprias normas sobre a
devolução (normas de conflito + normas de reenvio).
o Exemplos: L1 (DD) – L2 (RM) – L3; L1 (DD) – L2 (RM) – L1
o Teoria aceite no Direito de Conflitos inglês.
o Vantagens: garante a harmonia na aplicação do Direito. O
tribunal de L1 aplicará a mesma lei e dará, em princípio, a
mesma solução ao caso que o tribunal de L2, caso L2 tenha
um sistema de referência material.
o Desvantagens: tese de difícil generalização, uma vez que
pressupõe, em caso de retorno, que a ordem jurídica
designada não pratica também devolução integral, sob pena
de círculo vicioso ou ping pong perpétuo. Para quebrar o
círculo é preciso recorrer à devolução simples ou à referência
material. Por vezes conduz ainda à aplicação de uma lei que
não se considera competente, e, portanto, ao abandono da
conexão escolhida pelo legislador do foro. Exemplos: L1 (DD) –
L2 (DD) – L3 (DD) – L4 (DD)….; L1 (DD) – L2 (DD) – L1 (DD) –
L2….
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Solução adoptada:
ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, BATIFFOL e LAGARDE: deve
renunciar-se a qualquer regra geral em matéria de devolução. O
problema deve ser resolvido no plano da interpretação de cada
norma de conflitos, à luz das finalidades por ela prosseguidas.
Sistema vigente em Portugal (arts. 17º, nº 1 e 18º, nº 1): consagra
uma regra geral de referência material mas aceita a devolução em
certos casos, maxime como mecanismo de correcção do resultado a
que conduz no caso concreto a aplicação da norma de conflitos do
foro (quando seja exigido pela justiça conflitual – princípio da
harmonia internacional de soluções e princípio do favor negotii). É um
sistema híbrido, que não consagra em termos expressos qualquer
uma das teses supra.
Sistema alemão e italiano: aceitam a devolução como regra geral,
estabelecendo certos limites.
§4: REGRA GERAL
A regra geral da referência material (remissão directa e imediata para o
Direito material da lei designada, L2) encontra-se consagrada no art. 16º: a
referência das normas de conflito a qualquer lei estrangeira determina apenas, na
falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno [leia-se, Direito
material] dessa lei.
Daqui não resulta, contudo, qualquer adopção da tese da referência material
supra, uma vez que se prevê que “preceito em contrário” a afaste. Exemplos: arts.
17º, 18º, 36º, nº 2 e 65º, nº 1 in fine.
BAPTISTA MACHADO justifica, assim, a consagração, no art. 16º, de uma
“regra pragmática” que admite desvios, e não de um princípio geral.
Cumpre analisar as disposições especiais supra, nas quais o favor negotii
actua como fundamento autónomo de devolução:
art. 36º: no âmbito da forma da declaração negocial, o nº 1 contém
uma conexão alternativa (“é, porém, suficiente”), enquanto que o nº
2 cria uma terceira possibilidade – a observância da forma prescrita
pela lei para que remete a norma de conflitos da lei do lugar da
celebração (a lei local, enfim). Esta norma adopta um sistema de
devolução simples, uma vez que nada refere sobre o sistema de
devolução da norma de conflitos da lei local. Para LIMA PINHEIRO,
este caso de devolução deve ser entendido em termos de devolução
integral.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
art. 65º, nº 1, in fine: aqui, a devolução vem abrir uma quarta
possibilidade para salvar a validade formal de uma disposição por
morte. Remete-se para o que anteriormente foi dito.
Em conclusão, em matéria de forma do negócio jurídico, admite-se a
transmissão de competência para uma lei que não esteja disposta a aplicar-se para
obter a validade formal do negócio.
Os arts. 17º e 18º contêm regras especiais que admitem a devolução,
configurando um sistema de devolução sui generis, mais próximo da devolução
integral do que da devolução simples (a devolução depende sempre do acordo com
L2). Explicitemos, infra.
§5: TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA
O art. 17º, nº 1 admite a transmissão de competência: se, porém, o DIP da
lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter [leia-se, aplicar] para outra
legislação e esta se considerar competente para regular o caso, é o direito interno
[leia-se, Direito material] desta legislação que deve ser aplicado. É necessário, pois,
que L2 aplique outra ordem jurídica estrangeira (e não a lei do foro) e que esta
aceite a competência. Não há transmissão de competência quando L2, apesar de
remeter primariamente para L3, não a aplique, vingando antes a regra da
referência material do art. 16º. A transmissão pode ainda ser indirecta se L2 aplicar
L3 mas esta, embora remetendo para L2 outra vez, praticar devolução simples e
aceitar o retorno, considerando-se indirectamente competente.
Já BAPTISTA MACHADO e FERRER CORREIA defendem que, em certos
casos, se aceite a transmissão de competência mesmo que a outra ordem jurídica
aplicada por L2 (seja ela L3 ou L4…, chamemos-lhe Ln) não se considere
competente: vg quando a lei da nacionalidade e a lei da residência habitual ou
domicílio estiverem de acordo na aplicação de Ln. LIMA PINHEIRO rejeita este
entendimento, de iure constituto, uma vez que colidiria com o disposto no art. 16º:
na falta de preceito em contrário, as normas de conflito portuguesas remetem
apenas para o Direito material da lei designada. De iure condendo, contudo, não
afasta esta proposta em termos absolutos.
Exemplo: sucessão imobiliária de francês, cujo imóvel se encontra sito em
Inglaterra. L1 – lei da última nacionalidade do de cujus – L2 (Lei francesa) – lex rei
sitae – L3 (Lei Inglesa) – lex rei sitae – L3 considera-se competente.
O art. 17º, nº 1 abrange ainda, no seu espírito, as hipóteses em que a
transmissão de competência se verifica num caso de transmissão em cadeia (L2
aplica L4 e esta considera-se competente).
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Sucessão mobiliária de um francês que morreu em Portugal, tendo
com último domicílio a Alemanha.
A norma de conflitos francesa sujeita a sucessão mobiliária à lei do
último domicílio do de cujus.
A norma de conflitos alemã sujeita a sucessão à lei da nacionalidade
do de cujus no momento da morte.
Os tribunais franceses e alemães praticam devolução simples.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica francesa, alemã e portuguesa.
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão mobiliária de bens do de cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei da nacionalidade – LFr (DS) – Lei do domicílio – Lalem (DS) – Lei
da nacionalidade – LFr.
LF: LF (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito material
francês)
LA: LA (se a acção fosse intentada na Alemanha, aplicar-se-ia o Direito
material alemão)
LPT: LPT (se a acção fosse intentada em Portugal, aplicar-se-ia o Direito
material português)
Devolução simples: a referência é global, para o Direito de Conflitos, mas só
quanto às normas de conflitos, e não quanto às normas de reenvio.
Não se aplica o art. 17º, nº 1 porque a lei francesa aplica o seu Direito
material, por força da remissão operada pela lei alemã.
Aplica-se a regra geral do art. 16º: a referência operada pela lei portuguesa
é material, ie, remete directa e imediatamente para o Direito material da lei
designada, L2 (lei francesa). Logo, cabe aos tribunais portugueses aplicar a lei
francesa.
Sucessão imobiliária de um francês que morreu em Portugal, tendo
como último domicílio o Brasil e cujos imóveis se encontram sitos na
Dinamarca.
As normas de conflitos brasileiras e dinamarquesas submetem a
sucessão mobiliária e imobiliária à lei do último domicílio do de cujus.
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As normas de conflitos francesas submetem a sucessão imobiliária à
lei do lugar da situação do imóvel.
Os tribunais franceses praticam devolução simples.
Na Dinamarca e no Brasil, a referência a uma lei estrangeira é
geralmente entendida como uma remissão para o seu Direito material
(referência material).
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica francesa, brasileira, portuguesa e dinamarquesa.
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão imobiliária de bens do de
cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei da nacionalidade – LFr (DS) – Lex rei sitae – LDinam (RM) – Lei
domicílio – LBr (RM) – LBr
LF: LB (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito material
brasileiro)
LD: LB (se a acção fosse intentada na Dinamarca, aplicar-se-ia o Direito
material brasileiro)
LB: LB (se a acção fosse intentada no Brasil, aplicar-se-ia o Direito material
brasileiro)
A lei portuguesa remete para L2 (LF), que remete para outra legislação, e
esta considera-se competente (LB): deve aplicar-se o art. 17º, nº 1, e,
consequentemente, o Direito material brasileiro.
§6: EXCEPÇÃO À TRANSMISSÃO DE COMPETÊNCIA
Cessa o disposto no nº 1, se (art. 17º, nº 2): … a lei referida pela norma de
conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado residir habitualmente em
território português ou em país cujas normas de conflito considerem competente o
Direito interno [leia-se, Direito material] do Estado da sua nacionalidade. Esta
excepção aplica-se em matéria de estatuto pessoal, e nos casos em que já se tenha
aplicado o nº 1. L2 deve ser a lei da nacionalidade.
E se a lei pessoal não for a da nacionalidade? A ratio do preceito (nº 2, in
fine) parece afastar a hipótese em que a lei pessoal fosse a da residência habitual.
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Cumpre determinar quem é “o interessado” para efeitos de verificação desta
excepção. O interessado é aquele que desencadeou o funcionamento do elemento
de conexão que designou L2 (na sucessão, vg, o interessado será o de cujus).
Se, face ao art. 53º (efeitos das convenções antenupciais e regimes de
bens), entretanto tiver mudado a residência habitual para a aplicação do art. 17º,
nº 2, entende-se que é relevante a residência habitual ao tempo do casamento, e
não a residência habitual actual, sob pena de alterações no regime de bens.
A razão de ser desta norma, dificultando a transmissão de competência em
matéria de estatuto pessoal, radica na primazia da conexão nacionalidade:
Quando o interessado tenha residência habitual em Portugal (nº 2, 1ª
parte): há uma conexão estreita com o Estado do foro e este não
deve, por isso, abdicar da solução que elegeu por mais justa (a lei
nacional).
Quando o interessado tenha residência habitual noutro Estado que
aplica a lei da sua nacionalidade (nº 2, 2ª parte, in fine): a lei da sua
nacionalidade remete para um Estado que não é o da residência
habitual (vg por não consagrar os elementos de conexão
considerados relevantes nesta matéria, como a nacionalidade, o
domicílio ou a residência habitual). Pode acontecer que a lei da
nacionalidade remeta a questão da capacidade para a prática de um
acto para a lei do lugar da celebração, vg. Podemos correr o risco de
aplicar uma lei que não tem um ligação íntima nem estável com o
interessado, ou, no reverso da medalha, aplicar uma lei da
nacionalidade que fica em desarmonia com o DIP da residência
habitual. Assim, justifica-se o recurso à conexão julgada mais
adequada para reger o estatuto pessoal (a lei da nacionalidade),
mesmo que em detrimento da harmonia internacional. Cessa, pois, a
devolução, aplicando-se a lei da nacionalidade.
O art. 17º, nº 3 vem repor a transmissão de competência em casos em que,
por força da norma supra, se justifique um “princípio de maior proximidade”: ficam,
todavia, unicamente sujeitos à regra do nº 1 os casos de:
Tutela
Curatela
Relações patrimoniais entre os cônjuges
Poder paternal
Relações entre adoptante e adoptado
Sucessão por morte
…se a lei nacional indicada pela norma de conflitos devolver para a lei da
situação dos bens imóveis e esta se considerar competente.
Sistematizando, eis os pressupostos de aplicação deste preceito:
45
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Matérias supra indicadas
A lei da nacionalidade aplica-se a lex rei sitae
A lex rei sitae considera-se competente
Verifica-se um dos casos de cessação da transmissão de competência
previstos no nº 2:
o O interessado reside habitualmente em território português
o O interessado reside habitualmente em país cujas normas de
conflitos considerem competente o Direito material do Estado
da sua nacionalidade
Sucessão de um súbdito do Reino Unido, falecido em Portugal,
residente em Londres até 1993, data em que mudou a sua residência para
Roma, cujo património, à data da morte, era constituído por um imóvel
situado na França.
As normas de conflitos francesas e inglesas sujeitam a sucessão
imobiliária à lei do lugar da situação da coisa.
A norma de conflitos italiana sujeita a sucessão à lei da
nacionalidade do de cujus no momento da sua morte.
Os tribunais franceses praticam devolução simples, os tribunais
ingleses praticam dupla devolução e os tribunais italianos praticam
referência material.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica do Reino Unido, italiana, portuguesa e francesa.
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão imobiliária de bens do de
cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei da nacionalidade – Lei RU (DD) – Lex rei sitae – Lei Fr (DS) – Lex
rei sitae – Lei Fr.
O Reino Unido é um ordenamento jurídico complexo, no qual não vigora
qualquer direito interlocal ou DIP unificado, pelo que se aplica o art. 20º, nº 2, in
fine: atende-se à residência habitual do interessado (de cujus), dentro do Estado da
nacionalidade (para ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO). Existindo uma lacuna,
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
esta deve ser integrada através do princípio da conexão mais estreita (também
para LIMA PINHEIRO), e sucessivamente:
1º: Estado local (subnacionalidade) – Lei inglesa.
2º: Estado local (domicílio)
3º: Estado local (último domicílio/residência habitual) – Lei inglesa.
e ainda, para ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, 4º: Estado federado
onde se situa a capital do Estado soberano (no caso dos EUA, o Estado de
Washington, DC).
LING: LF (se a acção fosse intentada em Inglaterra, aplicar-se-ia o Direito
material francês)
LF: LF (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito material
francês)
LIT: LING (se a acção fosse intentada em Itália, aplicar-se-ia o Direito
material inglês)
Os tribunais ingleses praticam dupla devolução, ie, o tribunal do foro deve
decidir a questão transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal do país da
ordem jurídica designada (L2). A norma de conflitos remete para a ordem jurídica
estrangeira no seu conjunto, incluindo as próprias normas sobre a devolução
(normas de conflito + normas de reenvio).
L2 remete para L3 (LFr) e esta considera-se competente (art. 17º, nº 1), mas
não há transmissão de competência porque o de cujus tinha residência habitual na
Itália e as normas de conflitos italianas consideram competente o direito interno do
Estado da sua nacionalidade (a Lei inglesa), segundo o art. 17º, nº 2.
Todavia, cumpre atender ao disposto no art. 17º, nº 3: tendo sido aplicados
os nº 1 e 2, tratando-se de (nomeadamente) sucessão por morte e remetendo a lei
da nacionalidade (Lei inglesa) para a lei da situação dos imóveis (Lei francesa) e
esta se considere competente, voltamos a aplicar a regra do nº 1. A Lei portuguesa
aplica a Lei francesa, porque L2 remete para L3 e esta considera-se competente (nº
1).
Diferentemente, caso adoptássemos a doutrina da Escola de Coimbra quanto
à remissão operada pelo art. 20º, nº 2, in fine, esta seria entendida para a
residência habitual, mesmo que fora do Estado da nacionalidade do indivíduo. Ou
seja, para a Lei italiana. Assim:
LPT – Lei da residência habitual – Lital – Lei da nacionalidade – LIng – Lex rei
sitae – LFr – Lex rei sitae – LFr
LITAL: LING (se a acção fosse intentada em Itália, aplicar-se-ia o Direito
material inglês)
LING: LF (se a acção fosse intentada em Inglaterra, aplicar-se-ia o Direito
material francês)
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
LF: LF (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito material
francês)
Não caberia aplicar o art. 17º, nº 1, uma vez que L2 (Lital) não remete para
uma lei que se considere competente, pelo que, segundo a regra geral do art. 16º,
a Lei portuguesa aplicaria a Lei italiana.
§7: RETORNO
O retorno de competência é admitido, sob certas condições, pelo art. 18º, nº
1: se o DIP da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno
português, é este o direito aplicável. O retorno de competência pressupõe, pois,
que L2 remeta para o Direito português e aplique (!) o Direito material português
(seja por retorno directo ou indirecto): a verificação deste pressuposto é essencial
para que o retorno se considere condição necessária e suficiente para assegurar a
harmonia com L2.
Exemplo (retorno directo): sucessão mobiliária de um francês com último
domicílio em Portugal. Lei portuguesa – Lei da última nacionalidade do de cujus –
Lei francesa – Lei do último domicílio – Lei portuguesa. Lei francesa pratica
devolução simples, pelo que aceita o retorno operado pela lei portuguesa e
considera-se competente. L2 apenas remete para L1, sem a aplicar, pelo que não
aceitamos o retorno e aplicamos L2, nos termos gerais do art. 16º. Em conclusão,
nunca aceitamos o retorno directo operado por um sistema que pratica devolução
simples.
Exemplo (retorno indirecto): L2 remete para L3, com devolução simples, e L3
remete para o Direito português. L2 aplica o Direito material português.
Maiores dificuldades suscita a hipótese de L2 condicionar a aplicação ou não
aplicação do Direito material português ao nosso Direito de Conflitos, vg tratando-
se de um PALOP (sistema de devolução igual ao nosso, antes da reforma de 1977
do Código Civil). No caso de L2 fazer devolução integral, BAPTISTA MACHADO
defende a aceitação do retorno, aplicando-se o Direito material português e
facilitando-se a administração da justiça. LIMA PINHEIRO defende que esta
solução implica um raciocínio circular, uma vez que só poderemos concluir que L2
aplica o Direito material português se afirmarmos que L1 aceita o retorno. Para
mais, se aplicarmos L2, L2 considera-se competente, pelo que o retorno não seria
necessário (recorde-se o princípio de paridade entre a lei do foro e a lei
estrangeira).
FERRER CORREIA é o único que afasta a aplicação do art.18º, nº 1, no caso
de nem todas as leis estarem de harmonia quanto ao Direito material aplicável.
Para a restante doutrina, basta que apenas L2 remeta para LPT.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Sucessão dos bens móveis de um francês domiciliado em Portugal
no momento da sua morte.
A norma de conflitos francesa sujeita a sucessão mobiliária à lei do
último domicílio do de cujus.
Os tribunais franceses praticam devolução simples.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica portuguesa e francesa.
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão mobiliária de bens do de cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei da nacionalidade – LFr (DS) – Lei do último domicílio – LPT
Não podemos aplicar o art. 18º, nº 1 porque a Lei francesa, ao praticar
devolução simples, faz referência global, para o Direito de Conflitos da LPT, mas só
quanto às normas de conflitos, e não quanto às normas de reenvio. O art. 18º, nº 1
só se aplicaria no caso em que a Lei francesa remetesse para a LPT, fazendo
referência material.
A Lei francesa aplica, pois, o seu próprio Direito material.
LF: LF (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito material
francês)
A referência é material, nos termos gerais (art. 16º, uma vez que o art. 18º
não tem aplicação), pelo que os tribunais portugueses devem aplicar a Lei francesa.
Não há que ponderar a aplicação do art. 18º, nº 2, uma vez que esta norma só se
aplica se concluirmos ser possível a aceitação do reenvio ao abrigo do nº 1 do
mesmo artigo.
Em 1998, A, súbdito do Reino Unido e residente em Londres fez,
nesse local, um testamento. Em 1999, quando faleceu, o seu património
era apenas constituído por um imóvel sito em Sintra, que A deixou à sua
amiga B nos termos desse testamento. C, único filho de A, vem requerer,
perante os tribunais portugueses, a redução do testamento por ofensa da
legítima.
As normas de conflitos inglesas sujeitam a sucessão imobiliária à lei
do lugar da situação do imóvel.
49
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
O DIP inglês consagra a teoria da dupla devolução e, à luz do seu
Direito material, o testamento é válido.
A remissão da lei portuguesa para a lei da nacionalidade é
entendida para o respectivo Direito material, e não para as suas normas
de conflitos (referência material).
O direito dos filhos à legítima não é um princípio de ordem pública
internacional do direito português.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica do Reino Unido e portuguesa.
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão imobiliária de bens do de
cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei nacionalidade – LRU (LING/DD) – Lex rei sitae – LPT
O Reino Unido é um ordenamento jurídico complexo, no qual não vigora
direito interlocal nem DIP unificado. Considera-se lei pessoal do interessado (o de
cujus) a lei da sua residência habitual dentro do Estado da sua nacionalidade (art.
20º, nº 2, 2ª parte), ou seja, Inglaterra (Londres).
Não se aplica o art. 18º, nº 1 porque o Direito inglês remete para o Direito
material português e para o seu Direito de Conflitos (dupla devolução) – o tribunal
inglês deve decidir a questão transnacional tal como ela seria julgada pelo tribunal
do país da ordem jurídica designada (LPT). A norma de conflitos remete para a
ordem jurídica estrangeira no seu conjunto, incluindo as próprias normas sobre a
devolução (normas de conflito + normas de reenvio). A dupla devolução impede-
nos de aplicar o art. 18º, nº 1.
Logo, aplica-se a regra geral da referência material (art. 16º) e LPT aplica a
Lei inglesa. Há harmonia, na medida em que a Lei inglesa aplicaria também a sua
lei (dupla devolução). Contra, BAPTISTA MACHADO sustenta a aceitação do
reenvio, aplicando-se o art. 18º, nº 1 e a LPT, em nome de uma melhor
administração da justiça, uma vez que o juiz português conhece o Direito material
português.
Este entendimento colide com o que sustenta a maioria doutrinária
(FERRER CORREIA, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, MARQUES DOS
SANTOS e LIMA PINHEIRO) e a jurisprudência: a aceitação da devolução, neste
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
caso, envolveria uma petição de princípio, dando-se por demonstrado o que se
pretende concluir: o reenvio quando a aceitação da devolução depende do reenvio
da LPT para a Lei inglesa.
§8: LIMITAÇÃO DO RETORNO DE COMPETÊNCIA
O retorno de competência também é limitado em matéria de estatuto
pessoal (art. 18º, nº 2): quando, porém, se trate de matéria compreendida no
estatuto pessoal, a lei portuguesa só é aplicável se o interessado tiver em território
português a sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar
igualmente competente o direito interno português. Este preceito só se aplica
quando há retorno nos termos no nº 1 do mesmo artigo.
Por outras palavras, em matéria de estatuto pessoal, o retorno deve
obedecer a requisitos adicionais, só sendo aceite em duas hipóteses:
Quando o interessado tenha residência habitual em Portugal
Quando o interessado tenha residência habitual num Estado que
aplica o Direito material português: LPT (RM) – L2 (RM) – LPT.
Uma vez mais, este preceito radica na primazia da conexão lei da
nacionalidade. Apesar de a LPT não ser a mais relevante, a Lei da nacionalidade e a
Lei da residência habitual estão de harmonia quanto à aplicação da LPT.
No entanto, dificulta-se mais o retorno de competência (art. 18º, nº 2) do
que a transmissão de competência (art. 17º, nº 2), uma vez que, aqui, o retorno só
se mantém em dois casos, enquanto que a transmissão de competência só cessa
em duas hipóteses. Em caso de retorno, se o elemento de conexão lei da
nacionalidade designar a lei portuguesa, entende-se existir uma conexão forte com
a ordem jurídica do foro.
Sucessão imobiliária de um francês com último domicílio em
Portugal, cujos imóveis se encontram situados no Brasil.
As normas de conflitos francesas sujeitam a sucessão imobiliária à
lei da situação dos imóveis.
As normas de conflitos brasileiras sujeitam a sucessão, em termos
gerais, à lei do último domicílio do de cujus.
Os tribunais franceses praticam devolução simples e o Código Civil
brasileiro consagra o princípio da referência material.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica portuguesa, francesa e brasileira.
51
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão imobiliária de bens do de
cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei nacionalidade – LFr (DS) – Lex rei sitae – LBr (RM) – Lei último
domicílio – LPT.
A Lei brasileira devolve a competência à LPT.
LF: LPT (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito
material português)
LB: LPT (se a acção fosse intentada no Brasil, aplicar-se-ia o Direito material
português)
LPT: LPT (se a acção fosse intentada em Portugal, aplicar-se-ia o Direito
material português)
Há harmonia: LPT
Não se aplica o art. 17º porque o retorno em causa é para a lei do foro (LPT),
e não para outra legislação.
Segundo o art. 18º, nº 1, se o Direito de L2 (LFr) devolver para LPT, é este o
Direito material aplicável. Ora a Lei francesa pratica devolução simples, aplicando a
LPT. Todavia, como se trata de matéria de estatuto pessoal, a LPT só se aplica se o
interessado (o de cujus) tiver residência habitual em Portugal (art. 18º, nº 2). É o
caso, pelo que se aceita a devolução e é competente a LPT.
§9: LIMITES À DEVOLUÇÃO
Segundo o art. 19º, nº 1, cessa o disposto nos dois artigos anteriores,
quando da aplicação deles resulte a invalidade ou ineficácia de um negócio jurídico
que seria válido ou eficaz segundo a regra fixada no art. 16º, ou a ilegitimidade de
um estado que de outro modo seria legítimo. Se L2 for mais favorável à validade ou
eficácia do negócio ou à legitimidade de um estado, prevalece, pois, o favor negotii
sobre a devolução e sobre a harmonia internacional, na medida em que se pretende
facilitar e desenvolver o comércio internacional. LIMA PINHEIRO considera
exagerada esta primazia, sacrificando-se a harmonia internacional de soluções.
FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO defendem a interpretação
restrita deste preceito, aplicável apenas às situações já constituídas e em contacto
com a ordem jurídica portuguesa ao tempo da sua constituição, de forma a tutelar a
confiança depositada pelas partes. LIMA PINHEIRO discorda deste entendimento,
uma vez que a interpretação tem que respeitar o sentido possível do texto legal. A
52
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
“interpretação restritiva” proposta aproxima-se de uma verdadeira redução
teleológica, pelo que é de afastar.
Não há reenvio quando as partes hajam escolhido uma lei material
estrangeira (art. 19º, nº 2): vg art. 34º (pessoas colectivas internacionais) e art. 41º
(obrigações voluntárias). Não se trata de “fazer cessar” ou paralisar a devolução,
mas sim da pura não aplicação dos arts. 17º e 18º, por força da ideia de que a
conexão “escolha das partes” é adversa ao reenvio (FERRER CORREIA).
A referência considera-se material (arts. 36º, 50º e 65º, para MARQUES
DOS SANTOS).
DÁRIO MOURA VICENTE acrescenta ainda que são também adversas ao
reenvio conexões que protejam uma parte (vg art. 45º, nº 2) – lei do lugar do efeito
lesivo, fazendo também referência material.
LIMA PINHEIRO restringe a “aversão ao reenvio” apenas ao âmbito do
art.19º, nº 2.
Certas matérias também não admitem devolução ou reenvio:
art. 15º ConvROMA (referência material)
art. 24º RegROMA II (referência material)
Ressalve-se que nenhum destes preceitos exclui a hipótese de as partes
designarem como aplicável um sistema globalmente considerado, incluindo o
respectivo Direito de Conflitos, vg se remeterem para “o Direito aplicável nos
tribunais do Estado X”. Aqui, respeita-se a vontade das partes.
A devolução também não é admitida nas seguintes matérias, por
Convenções internacionais:
Obrigações alimentares (Convenção da Haia)
Representação voluntária (1978)
“Contratos de mediação” (1978)
Nestes casos, remete-se para a “lei interna”, no sentido de Direito material.
A referência é, pois, material.
LIMA PINHEIRO considera que seja no caso das Convenções internacionais
supra, seja no caso do RegROMA II, a exclusão do reenvio é injustificada.
A, brasileiro com residência habitual em Lisboa, pretende casar em
Portugal.
O Direito brasileiro sujeita a capacidade matrimonial à lei do
domicílio, praticando referência material.
Segundo o Direito português, A não tem capacidade para casar. Mas
tem capacidade à luz do Direito brasileiro.
53
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica portuguesa e brasileira.
2. A questão jurídica em apreço é a capacidade para casar.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 49º e 31º,
nº 1; a lei pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais.
4. LPT – Lei da nacionalidade – LBr (RM) – Lei do domicílio – LPT.
LB: LPT (se a acção fosse intentada no Brasil, aplicar-se-ia o Direito material
português)
LPT: LPT (se a acção fosse intentada em Portugal, aplicar-se-ia o Direito
material português)
Há reenvio para a lei portuguesa, porque o DIP de L2 (LBr) devolve a
competência para o direito interno português, pelo que é este que se aplica (art.
18º, nº 1). Mas, tratando-se de matéria compreendida no estatuto pessoal (é o
caso), e uma vez que o interessado tem residência habitual em Portugal, aplica-se o
art. 18º, nº 2 e LPT é, ainda assim, aplicável.
Contudo, o casamento seria válido à luz da Lei brasileira, mas não à luz de
LPT. Aplica-se, pois, o art. 19º: o reenvio não é admitido por força do princípio do
favor negotii (que se sobrepõe ao princípio da harmonia jurídica internacional).
Verificam-se todos os pressupostos de aplicação desta norma: a ponderação da
aplicação do art. 18º, a invalidade do negócio, resultante dessa mesma aplicação, e
a validade deste se o art. 16º (regra geral) fosse de aplicar. Cessando o disposto no
art. 18º, aplica-se a referência material, nos termos gerais (art. 16º), devendo os
tribunais portugueses aplicar o Direito material brasileiro.
FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO, numa “interpretação
restritiva” deste preceito (para LIMA PINHEIRO, uma verdadeira redução
teleológica), defendem a sua aplicação apenas às situações já constituídas e em
contacto com a ordem jurídica portuguesa ao tempo da sua constituição, de forma
a tutelar a confiança depositada pelas partes. Nestes termos, apenas seria aplicado
quando a situação em causa (aqui, o casamento) fosse constituída ou celebrada
perante as autoridades públicas, em Portugal – estas deveriam recusar a celebração
do negócio jurídico. Seguindo este entendimento, e sendo o casamento a celebrar
futuramente em Portugal, não cabe aplicação do art. 19º, mas sim do art. 18º, nº 1
e nº 2.
A, britânico com residência habitual em Londres, deixou todos os
seus bens imóveis situados em França a favor de instituições francesas.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Os filhos, que viviam em Lisboa, requereram em Portugal a redução do
testamento, invocando violação do direito à legítima.
As normas de conflitos francesas e inglesas sujeitam a sucessão
imobiliária à lei do lugar da situação da coisa.
Os tribunais ingleses praticam dupla devolução, e os tribunais
franceses praticam devolução simples.
Em Inglaterra não se protege a legítima, enquanto que em França
esta é protegida.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica do Reino Unido, portuguesa e francesa.
2. A questão jurídica em apreço é a sucessão imobiliária de bens do de
cujus.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 62º e 31º,
nº 1: a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão; a lei
pessoal é, neste caso, a da nacionalidade, nos termos gerais. Não se trata de
aplicar potencialmente os arts. 36º, nº 2 e 65º, nº 1, uma vez que se trata de uma
questão relativa à substância da sucessão e não à sua forma.
4. LPT – Lei da nacionalidade – LIng (DD) – Lex rei sitae – LFr (DS) – Lex rei
sitae – LFr.
O Reino Unido é um ordenamento jurídico complexo, no qual não vigora
direito interlocal nem DIP unificado. Considera-se lei pessoal do interessado (o de
cujus) a lei da sua residência habitual dentro do Estado da sua nacionalidade (art.
20º, nº 2, 2ª parte), ou seja, Inglaterra (Londres). Assim, por força dessa norma, LPT
remete para a Lei inglesa.
Aplica-se o art. 17º, nº 1, uma vez que o DIP de L2 (LIng) remete para outra
legislação e esta considera-se competente. Os tribunais portugueses devem aplicar
a Lei francesa. Assim, temos que:
LING – LF (se a acção fosse intentada em Inglaterra, aplicar-se-ia o Direito
material francês)
LF – LF (se a acção fosse intentada em França, aplicar-se-ia o Direito
material francês)
LP – LF (se a acção fosse intentada em Portugal, aplicar-se-ia o Direito
material francês)
Não há lugar à aplicação dos nº 2 e 3 do mesmo artigo.
Cumpre ponderar a aplicação do art. 19º: não se admite o reenvio quando,
ponderado e aceite nos termos do art. 17º, de cuja aplicação resulta a invalidade do
negócio jurídico em causa, se conclua que esse negócio seria válido se fosse
55
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
aplicável o art. 16º. Cessa o reenvio, não se aplica o art. 17º, e retornamos à regra
geral do art. 16º: o Direito material a aplicar é o Direito inglês.
Remete-se para o que supra foi dito quanto à interpretação restritiva
sugerida por FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO.
9. AS NORMAS “AUTOLIMITADAS” OU DE APLICAÇÃO NECESSÁRIA
§1: NOTA TERMINOLÓGICA
Cumpre estabelecer as seguintes diferenciações terminológicas:
LIMA PINHEIRO: normas “autolimitadas” ou de aplicação necessária
– será esta a expressão adoptada.
MARQUES DOS SANTOS: normas de aplicação imediata
FERRER CORREIA: normas de aplicação imediata e necessária
DÁRIO MOURA VICENTE: normas internacionais imperativas
É comum a todos estes autores a expressão tradicional de lois de police.
Para MARQUES DOS SANTOS, estas normas caracterizam-se por ser:
Materiais (e não normas de conflitos)
Especialmente autolimitadas (o âmbito de aplicação espacial é
independente do que decorre das regras de conflitos gerais – a sua
delimitação espacial é feita por normas de conflito unilaterais
especiais ad hoc).
Dotadas de especial intensidade valorativa (são consideradas
especiais por um determinado Estado: a sua observância é
fundamental para a salvaguarda política, económica e social desse
Estado) – inspiração na doutrina de FRANCESCATIS. Contra, LIMA
PINHEIRO defende que nem sempre as normas de aplicação
necessária referem o interesse do Estado.
Outras características que podem ser apontadas: heterogeneidade
(referindo-se a vários ramos do Direito Privado e do Direito Público) e
variabilidade no tempo e no espaço.
Dada a sua especialidade, estas normas prevalecem sobre as normas de
conflitos gerais, segundo LIMA PINHEIRO.
§2: AS NORMAS “AUTOLIMITADAS”
As normas “autolimitadas” são as normas cuja aplicação resulta de normas
de conexão especiais.
Ainda que a designação de normas “autolimitadas” seja insuficiente, será
esse o conceito adoptado, à falta de melhor, e ainda que este tipo de normas
materiais não autolimite a sua esfera de aplicação no espaço.
56
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Normas “autolimitadas”: normas materiais cuja técnica de regulação
permite que o sistema de Direito de Conflitos seja substituído por
normas de conflitos ad hoc ou por uma valoração conflitual
casuística. A “autolimitação” resulta de esta norma material ser
acompanhada de uma norma de conflitos unilateral ad hoc, que se
reporta exclusivamente a uma norma ou a uma lei material
determinada, ou de uma valoração casuística à luz das circunstâncias
do caso. Essas normas unilaterais ad hoc podem ser expressas ou
implícitas (de natureza consuetudinária ou criadas pelo intérprete
para integrar uma lacuna). Para MARQUES DOS SANTOS, as
normas unilaterais implícitas (vg art. 1682º-A, nº 2) devem ser
criadas pelo intérprete por via da interpretação, enquanto que LIMA
PINHEIRO sustenta que tal operação interpretativa é impossível,
sendo necessária também a supra mencionada “valoração conflitual”.
Exemplos:
o vg art. 38º DL Contrato de Agência: só será aplicável
legislação diversa da portuguesa se a mesma se revelar mais
vantajosa para o agente – norma de conflitos unilateral que
alarga a competência atribuída à lei portuguesa pelas normas
de conflitos gerais.
o No sistema jurídico português, a “autolimitação” só pode ser
produto de uma valoração casuística se se revelar uma lacuna
que deva ser integrada mediante a criação de uma solução
conflitual ad hoc, excepcionalmente. Como são diminutos os
casos em que o legislador estabelece uma norma de conflitos
ad hoc, o acento é frequentemente colocado no
estabelecimento desta “autolimitação” por via interpretativa,
ie, mediante uma valoração casuística.
A autolimitação destas normas implica que só devam ser aplicadas quando a
regra de conflitos unilateral ad hoc assim o determine (MARQUES DOS SANTOS).
A isto acrescenta LIMA PINHEIRO que também se devem aplicar quando as regras
de conflitos comuns mandarem aplicar o Direito no qual se inclui essa norma.
Exemplo: se uma norma de conflitos geral (comum) mandar aplicar o diploma sobre
o Direito Real de Habitação Periódica, então as normas que estejam consagradas
nesse âmbito devem ser consideradas autolimitadas, e prevalecem sobre as
normas comuns. Por isso se diz que são “normas susceptíveis de aplicação
necessária” (veja-se o art. 16º DL DRHP, quando se aplica nos termos do art. 60º, nº
7 do mesmo diploma).
57
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
As normas “autolimitadas” podem ser divididas em quatro categorias (para
LIMA PINHEIRO, já que a doutrina tradicional, preconizada por FERRER CORREIA
e MARQUES DOS SANTOS, apenas enuncia dois tipos):
Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais
vasta do que aquela que decorreria do Direito de Conflitos
geral: o já referido art 38º DL Contrato de Agência – norma que
alarga a competência atribuída à lei portuguesa pelas normas de
conflitos gerais. Revendo a sua posição, LIMA PINHEIRO não mais
considera as normas de aplicação necessária ou imediata (vg lois de
police ou overriding statutes) sejam uma modalidade de normas
“autolimitadas” deste primeiro tipo. Hoje considera que esse tipo de
normas são um modo de actuação de certas normas “autolimitadas”
(a norma pode actuar como norma de aplicação necessária, ou ser
susceptível de aplicação necessária, mas não ser, à partida, e sem
mais, de aplicação necessária). Conclui-se: as normas “autolimitadas”
susceptíveis de aplicação necessária não constituem uma alternativa
ao processo conflitual ou de regulação indirecta, mas uma
manifestação de um certo tipo de unilateralismo.
Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço que só
em parte coincide com aquela que decorreria do Direito de
Conflitos geral: vg art. 60º, nº 7 DL Direito Real de Habitação
Periódica – as disposições deste diploma aplicam-se a todos os
contratos relativos a direitos reais de habitação periódica e a direitos
de habitação turística em empreendimentos que tenham por objecto
imóveis sitos em Portugal, ie: as disposições aplicam-se qualquer que
seja a lei reguladora do contrato, desde que o imóvel se encontre em
Portugal.
Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais
restrita do que aquela que decorreria do Direito de Conflitos
geral
Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço
inteiramente diferente da que decorreria do Direito de
Conflitos geral, aplicando-se sempre fora da esfera de competência
normal da ordem jurídica a que pertencem (daí a sua verificação ser
manifestamente rara).
Como aferir se uma norma é “autolimitada”?
Se o legislador formar expressamente uma norma de conflitos ad
hoc, esta prevalece sobre o Direito de Conflitos geral, como norma
especial que é – casos de rara verificação.
58
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Na falta de solução expressa, uma norma material será
“autolimitada” se:
o Se assistir à inferência de uma norma de conflitos ad
hoc implícita – pode inferir-se das proposições legais ou de
costume (prática reiterada acompanhada de uma convicção
de vinculatividade).
o Se criar uma solução conflitual ad hoc à luz da teoria
das lacunas da lei – na maioria dos casos, tratar-se-á de
uma lacuna oculta, já que a maior parte das lacunas
encontram solução numa norma do sistema de Direito de
Conflitos; a revelação de uma lacuna pressupõe, assim, uma
interpretação restritiva ou uma redução teleológica da norma
de conflitos geral. Exemplo: quando a norma de conflitos não
tutela o valor que está subjacente à norma ou à lei material
em causa, cumpre integrar essa lacuna nos termos seguintes
– vg normas de conflitos vigentes em matéria de contratos e,
por isso, aplicáveis aos contratos de arrendamento (ROMA):
não atendem ao fim de protecção da parte contratual mais
fraca (o arrendatário). Logo, deve entender-se que existe uma
lacuna no Direito de Conflitos geral, que deve ser integrada
por uma solução ad hoc que determine a aplicação das
normas protectoras do arrendatário a todos os arrendamentos
de imóveis situados em Portugal.
o Se vigorar uma cláusula geral que coloque o problema
da aplicabilidade da norma material em função das
circunstâncias do caso. Perante a vigência de um sistema
codificado de Direito de Conflitos que não contém qualquer
indicação nesse sentido, LIMA PINHEIRO não vê fundamento
para a vigência dessa cláusula geral. Assim, quando não se
trate de um caso em uma norma é “autolimitada” pelos dois
exemplos supra, o intérprete não pode atribuir a uma regra
material o carácter de norma “autolimitada”, e esta só pode
relevar através da cláusula de ordem pública internacional,
como limite à aplicação do Direito estrangeiro. Para isso, é
necessário que:
Se trate de uma norma fundamental da ordem jurídica
portuguesa.
59
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
O resultado concreto a que conduza o Direito
estrangeiro seja manifestamente incompatível com
esta norma.
Conclui-se: as normas “autolimitadas” são excepcionais. A “autolimitação”
resultará, em princípio, de esta norma material ser acompanhada de uma norma de
conflitos unilateral ad hoc ou de uma valoração casuística à luz das circunstâncias
do caso.
A adopção de cláusulas gerais, neste âmbito, não é recomendável, sob pena
de o legislador “passar um cheque em branco” aos tribunais. Uma cláusula geral
que permita aos tribunais estabelecer essa “autolimitação” com base numa
valoração casuística prejudica gravemente a certeza e a previsibilidade jurídicas.
Se, excepcionalmente, certas normas ou leis materiais devam ter uma
esfera de aplicação no espaço diferente daquela que resulta do sistema de Direito
de Conflitos, o legislador deve antes formular normas de conflitos ad hoc
apropriadas.
Em 20 de Novembro de 2006, A, britânico com residência habitual
em Londres, celebrou nesse local um contrato com a sociedade BV, com
sede em Lisboa, pelo qual adquiriu a esta um direito real de habitação
periódica, pelo período de 15 dias em cada ano, num condomínio no
Algarve.
Nos termos do art. 3º ConvROMA, o contrato em causa é regulado
pelo direito material em vigor na Ilha de Mann, uma vez que contém uma
cláusula de escolha a favor desta lei.
Em 25 de Novembro de 2006, A, já arrependido de ter celebrado o
contrato, comunica à sociedade BV, por carta registada, a sua intenção de
o resolver. A sociedade BV opõe-se a esta pretensão, com fundamento na
renúncia de A, nos termos do contrato, a qualquer direito de resolução.
A intenta uma acção contra a sociedade, em tribunal português,
requerendo a declaração de nulidade da referida cláusula contratual.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica do Reino Unido e portuguesa.
2. A questão jurídica em causa é a extinção de um contrato relativo à
transmissão de um Direito Real de Habitação Periódica.
3. As normas de conflito potencialmente aplicáveis são os arts. 16º e 60º, nº
7 do DL DRHP e os arts. 3º, 15º e 19º ConvROMA.
60
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
4. Observamos um conflito entre a Lei da Ilha de Mann (lei escolhida pelas
partes), segundo a qual a resolução do contrato não é possível, e a lei portuguesa
(art. 16º, nº 1 DL Direito Real de Habitação Periódica), que admite essa mesma
resolução.
5. A Convenção de ROMA é aplicável, na medida em que o contrato foi
celebrado depois de 1 de Setembro de 1994 e antes de 17 de Dezembro de 2009 (a
partir dessa data tem aplicação o Regulamento ROMA I). Segundo o art. 3º
ConvROMA (norma de conflitos geral), que consagra o princípio da liberdade de
escolha, o contrato rege-se pela lei escolhida expressamente pelas partes (nº 1).
Nestes termos, se a acção for intentada em Portugal, os tribunais portugueses
devem aplicar a Lei da Ilha de Mann.
LPT: LIM
O Reino Unido é um ordenamento jurídico complexo, pelo que se aplica o
disposto no art. 19º ConvROMA: a Ilha de Mann é considerada como um país, e o
seu Direito material será assim exclusivamente aplicado.
A referência, no âmbito desta Convenção, é sempre material, excluindo-se o
reenvio (art. 15º ConvROMA).
6. Segundo o art. 60º, nº 7 do DL Direito Real de Habitação Periódica, o qual
consagra uma norma de conflitos unilateral especial ad hoc, as disposições desse
diploma aplicam-se a todos os contratos dessa índole em empreendimentos que
tenham por objecto imóveis sitos em Portugal. É o caso, uma vez que o condomínio
se situa no Algarve. Por força desta norma, LPT será de aplicar, e não a Lei da Ilha
de Mann.
7. Dir-se-ia que, em caso de conflito entre as duas fontes, prevaleceria a
Convenção de ROMA, uma vez que se trata de fonte internacional de DIP. Todavia,
esta Convenção ressalva (art. 7º, nº 2 e 20º ConvROMA) a aplicação de normas de
aplicação necessária como aquela consagrada no art. 60º, nº 7 DL DRHP. Com
efeito, o nº 7 desse diploma faz com que todas as normas desse mesmo diploma
sejam consideradas autolimitadas, incluindo o referido art. 16º, nº 1 DL DRHP.
Os tribunais portugueses devem aplicar LPT.
Subhipótese: e se as partes tivessem escolhido a aplicação do
Direito português?
E se o condomínio se situasse em Marrocos? Poderá ainda assim
aplicar-se o DL DRHP?
Segundo o art. 3º ConvROMA (norma de conflitos geral), a lei a aplicar pelos
tribunais onde a acção for intentada é LPT, na medida em que foi essa a lei
escolhida pelas partes.
61
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Nestes termos, dir-se-ia que o art. 16º DL DRHP, quanto à resolução do
contrato, teria aplicação, uma vez que integra a ordem jurídica portuguesa.
Todavia, MARQUES DOS SANTOS sustenta que uma norma de aplicação
imediata (como esse art. 16º DL DRHP) só pode ser aplicada quando a norma de
conflitos o permitir (aqui, seria o art. 60º, nº 7 DL DRHP). Nada sendo dito, ou não
permitindo a norma em causa essa aplicação (é o caso!), o Direito português é
ainda aplicável (já que foi o Direito escolhido pelas partes), mas o DL DRHP não tem
aplicação (até porque o imóvel se encontra sito em Marrocos, não cabendo aplicar o
art. 60º, nº 7 desse diploma): recorremos às regras do Direito das Obrigações geral.
A autolimitação no espaço significa que não se pode aplicar uma norma que não
quer ser aplicada: ora o art. 16º DL DRHP, por força do art. 60º, nº 7 desse diploma,
não “quer ser aplicado”, uma vez que o imóvel não se encontra sito em Portugal.
Contra este entendimento, a maioria da doutrina entende que o art. 16º DL
DRHP teria aqui aplicação, e não as regras gerais do Direito das Obrigações, por
força da atribuição de competência à LPT pelo art. 3º ConvROMA.
O que distingue as duas teses é que MARQUES DOS SANTOS não
estabelece a fronteira entre âmbito de aplicação possível (ou susceptível de
aplicação necessária) e âmbito de aplicação necessária, enquanto que o resto da
doutrina (por todos, LIMA PINHEIRO) assim o faz. O art. 16º DL DRHP é uma
norma susceptível e aplicação necessária, pelo que prevaleceria sobre as regras
gerais do Direito das Obrigações.
A e B, alemães, casados há 10 anos, vivem em Portugal há 5 anos.
Recentemente, A decide vender, sem o consentimento de B, a casa de
morada de família (situada em Portugal). Na acção intentada por B contra
A, este vem dizer que vendeu a casa legitimamente, na medida em que se
aplica o Direito alemão, que não contém regra equivalente à do art. 1682º-
A, nº 2 CC português.
1. A situação é transnacional: as ordens jurídicas em contacto são a ordem
jurídica alemã e portuguesa.
2. A questão jurídica em causa é a legitimidade da venda de bens dos
cônjuges, na constância do matrimónio.
3. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis são os arts. 52º e
1682º-A,nº 2.
4. As relações entre os cônjuges, maxime nas relações patrimoniais (é o
caso), são reguladas pela Lei nacional comum (art. 52º, nº 1). Aqui, os cônjuges têm
a mesma nacionalidade, pelo que se aplica a lei alemã.
LPT: LA
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MARQUES DOS SANTOS entende que o art. 1682º-A, nº 2 constitui um
exemplo de uma norma de aplicação imediata, à qual devemos recorrer sempre
que a casa de morada de família se situe em Portugal. Di-lo por via interpretativa,
partindo da ratio da norma material, identificando nesta sede uma norma de
conflitos implícita, unilateral ad hoc.
LIMA PINHEIRO não corrobora deste entendimento, uma vez que repudia a
criação de normas de conflitos implícitas pela via interpretativa, como é o caso. As
que eventualmente poderão ser identificadas, são implícitas por via do costume, a
partir da análise de princípios de aplicação no espaço ou por via da integração de
lacunas. Com efeito, em princípio vigorará sempre uma norma de conflitos geral,
pelo que a conclusão por uma norma de conflitos unilateral especial ad hoc só
poderá ser extraída por interpretação restritiva ou redução teleológica, como supra
já foi explanado.
10. RELEVÂNCIA DAS NORMAS IMPERATIVAS ESTRANGEIRAS
§1: NORMAS IMPERATIVAS ESTRANGEIRAS
As normas imperativas estrangeiras só podem ser aplicadas na ordem
jurídica local por força do título de aplicação que uma proposição vigente nesta
ordem jurídica lhes conceda. Cumpre distinguir:
Normas imperativas da lex causae: aplicáveis pelo título de aplicação
conferido pelas normas de conflitos gerais.
o Problemas:
Normas de conflitos especiais, que limitam o domínio
de aplicação das normas de conflitos gerais.
Normas “autolimitadas”, que excluem a sua aplicação
à situação que são chamadas a disciplinar.
Normas imperativas de terceiros ordenamentos: questiona-se se a
ordem jurídica local lhes confere um título de aplicação mediante
proposições jurídicas especiais ou permite antes a sua tomada em
consideração.
o Exemplo: art. 7º, nº 1 ROMA (não vigora na ordem jurídica
portuguesa, porque o nosso país fez uma reserva) – só confere
relevância às normas imperativas de terceiro Estado que
sejam de aplicação necessária.
No âmbito da relevância de normas imperativas de terceiros ordenamentos
em matéria de obrigações contratuais, desenvolveram-se as seguintes teses:
Teoria do estatuto obrigacional (tradicional): as normas imperativas
estrangeiras só serão aplicadas quando integrem a lex causae.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
o LIMA PINHEIRO: levada às suas últimas consequências, esta
tese impediria qualquer desenvolvimento e aperfeiçoamento
do sistema pela jurisprudência e pela ciência jurídica.
Teoria da conexão especial:
o Cláusula geral segundo a qual serão aplicadas, além das
normas jurídicas que pertençam ao estatuto obrigacional, as
de qualquer outra ordem jurídica, desde que exista uma
relação suficientemente estreita entre a ordem jurídica em
causa e o contrato, e tendo como limite a sua conformidade
com a ordem pública do foro.
o Para LIMA PINHEIRO e MARQUES DOS SANTOS, deve ser
adoptada uma “regra de reconhecimento” que dê um título e
legitime a relevância, no Estado do foro, das normas de
aplicação imediata estrangeiras, de acordo com as condições
e dentro dos limites fixados pelo Estado do foro.
De iure condendo, LIMA PINHEIRO dá preferência à criação de normas de
remissão condicionada a certas categorias de normas imperativas vigentes em
Estados que apresentam determinada conexão com a situação. A remissão será
condicionada à “disposição a aplicar-se” das normas em causa.
De iure constituto, não vigora na ordem jurídica portuguesa qualquer regra
geral sobre a relevância de normas imperativas de terceiros ordenamentos.
Todavia, observamos algumas normas relevantes neste domínio:
art. 16º Convenção de Haia
art. 23º, nº 2 DL CCG
Em 20 de Novembro de 2006, A, britânico com residência habitual
em Londres, celebrou nesse local um contrato com a sociedade BV, com
sede em Lisboa, pelo qual adquiriu a esta um direito real de habitação
periódica, pelo período de 15 dias em cada ano, num condomínio em
Inglaterra.
Nos termos do art. 3º ConvROMA, o contrato em causa é regulado
pelo direito material em vigor na Ilha de Mann, uma vez que contém uma
cláusula de escolha a favor desta lei.
Em 25 de Novembro de 2006, A, já arrependido de ter celebrado o
contrato, comunica à sociedade BV, por carta registada, a sua intenção de
o resolver. A sociedade BV opõe-se a esta pretensão, com fundamento na
renúncia de A, nos termos do contrato, a qualquer direito de resolução.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
A intenta uma acção contra a sociedade, em tribunal português,
requerendo a declaração de nulidade da referida cláusula contratual.
Neste caso, aplicar-se-ia o art. 60º, nº 8 DL DRHP, uma vez que o imóvel se
situa no território de outro Estado-membro da UE. Os tribunais portugueses devem
aplicar a lei inglesa uma vez que esta norma é de aplicação imediata. MARQUES
DOS SANTOS designa-a de norma de reconhecimento expressa de âmbito
especial.
Subhipótese: e se o imóvel se situasse na Suiça?
A Suiça não é um Estado-membro da UE, pelo que se aplica o art. 7º, nº 1
ConvROMA: pode ser dada prevalência às disposições imperativas da lei de outro
país com o qual a situação apresente uma conexão estreita.
Contudo, Portugal fez uma reserva a esta norma, pelo que não se aplica no
nosso país.
Segundo a tese do estatuto obrigacional, as únicas normas estrangeiras de
aplicação imediata são as da lex causae (neste caso, a lei da Ilha de Mann). Neste
sentido, LIMA PINHEIRO sustenta que as normas de aplicação imediata da lex
causae devem ser aplicadas. Diferentemente, segundo a tese da conexão especial,
de WENGLER, o legislador deve adoptar regras que facilitem a aplicação de
normas de aplicação imediata estrangeira, pelo que a distinção entre normas de
aplicação imediata da lex causae não procede. Deve aplicar-se as normas de
Estados estrangeiros, desde que tenham uma conexão especial, respeitando-se a
“vontade” dessas normas.
LIMA PINHEIRO defende que se a norma for de um terceiro Estado (e não
da lex causae, é o caso!), e na falta de regra expressa, deve ser-lhe atribuída
relevância através de uma norma de remissão condicionada implícita, mediante o
processo de bilateralização que já conhecemos. Para tal, cumpre aferir da
existência de uma lacuna, para que assim se possa generalizar a previsão da norma
de conflitos unilateral especial.
O art. 60º, nº 7 e 8 DL DRHP contém normas unilaterais ou bilaterais
imperfeitas. A generalização da sua previsão (alargando-a e bilateralizando-a)
permitiria extrair a seguinte norma: “aos contratos de direitos reais de habitação
periódica aplica-se a lei do lugar do imóvel”. Esta regra seria de remissão
condicionada, para LIMA PINHEIRO, uma vez que está condicionada à existência
de normas de conteúdo e função idênticas às normas do Direito do foro (aqui, face
às normas suíças de DRHP).
Aplicar-se-ia a Lei suíça, uma vez que o imóvel se encontra aí situado, por
via deste raciocínio. Assim se assegura a harmonia jurídica internacional.
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11. FRAUDE À LEI
§1: NOÇÃO
A fraude à lei consiste na utilização de um tipo negocial não proibido para
contornar uma proibição legal. Desta feita, as partes conseguem alcançar o
resultado que a norma proibitiva visava evitar.
Em Portugal, o instituto da fraude à lei constitui um instrumento da justiça
da conexão e um limite ético à autonomia privada na modelação do conteúdo
concreto dos elementos de conexão.
§2: TIPOS DE FRAUDE À LEI
Tipos de fraude à lei:
Manipulação do elemento de conexão para afastar a lei normalmente
competente: vg naturalização num país para beneficiar de
determinado elemento de conexão.
Internacionalização fictícia de uma situação interna: vg celebração de
um contrato no estrangeiro.
§3: ELEMENTOS DE FRAUDE
Elementos de fraude:
Elemento objectivo
Elemento subjectivo ou volitivo (é necessário dolo, sempre)
§4: SANÇÕES DA FRAUDE
Existem duas soluções:
FERNANDO OLAVO e jurisprudência francesa: todos os actos
integrados no processo fraudulento são nulos e inoperantes.
Doutrina recente e art. 21º: o Estado do foro não pode recusar a
naturalização, mas sim a produção de efeitos na aplicação da norma
de conflitos.
A fraude à lei estrangeira também deve ser sancionada. FERRER CORREIA
e BAPTISTA MACHADO não diferenciam essa fraude à fraude à lei do foro. Já
ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO não só diferencia as duas fraudes, como
considera que a fraude à lei do foro é sempre sancionada, enquanto que a fraude à
lei estrangeira só é sancionada se:
A lei estrangeira defraudada também sanciona a fraude
A lei estrangeira defraudada não sanciona a fraude mas está em
causa, do ponto de vista do DIP do foro, um princípio do mínimo ético
nas relações internacionais.
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12. QUALIFICAÇÃO
§1: NOÇÃO
A qualificação permite determinar qual a norma material a que se reconduz
o Direito aplicável. Por outras palavras, permite-nos determinar se certa realidade
jurídica se reconduz a uma ou outra norma de conflitos. Só depois desta operação
deveremos ponderar o reenvio ou a ordem pública internacional.
A qualificação suscita dois problemas:
As normas de conflitos utilizam, no conceito-quadro, conceitos
jurídicos sintéticos.
As situações com as quais o DIP lida são transnacionais, contactando
com várias ordens jurídicas. Por isso, cumpre determinar se a
interpretação deve ser lex fori ou lex causae.
§2: OPERAÇÕES DE QUALIFICAÇÃO
A doutrina portuguesa distingue as seguintes operações de qualificação:
1. Interpretação do conceito-quadro que determina a categoria de
conceitos
2. Caracterização do objecto que há-de ser reconduzido ao conceito-
quadro
3. Qualificação stricto sensu ou subsunção: determinação do critério
que há-de presidir à integração do objecto referido em 2. no conceito
referido em 1.
1. Interpretação:
A interpretação consiste na determinação do sentido e alcance dos conceitos
utilizados no conceito-quadro (vg o conceito de Direitos Reais, no art. 46º).
A interpretação deve ser feita lege fori, de acordo com o Direito material da
ordem jurídica do foro. Assim, Direitos Reais serão os direitos que, na ordem
jurídica, são considerados como tal (incluindo Direitos Reais menores). Se a
interpretação fosse lege causae, todas as normas de conflitos seriam normas em
branco, na medida em que remeteriam para conceitos-quadros definidos pela lei da
causa.
MARIA HELENA BRITO defende a tese de RABEL e ZWEIGERT, segundo a
qual o conceito-quadro da norma de conflitos deve ser interpretado através de uma
análise do Direito Comparado, alcançando-se assim um conceito universal comum,
na medida do possível. A análise deve ser comparativa, mas não necessariamente
universal (a comparação não deve ser entre todos os ordenamentos jurídicos, mas
apenas entre aqueles envolvidos na situação transnacional em apreço).
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
2. Caracterização:
A caracterização consiste na determinação da conformidade entre as
normas materiais da lex causae e a previsão. Exemplo: o art. 46º remete para a lei
do lugar da situação da coisa, pelo que cumpre aferir se, de acordo com o Direito
material alemão, a norma que se aplica àquela situação da vida é ou não de
Direitos Reais.
Dir-se-ia que a remissão em causa é para todo o Direito material da lex
causae, independentemente do ramo de Direito. Assim não o é em Portugal:
segundo o art. 15º, a competência atribuída a uma lei abrange somente as normas
que, pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei, integram o regime do
instituto visado na regra de conflitos. A referência é, pois, selectiva.
A caracterização deve ser feita lege causae (para tal aponta o próprio art.
15º).
3. Qualificação stricto sensu ou subsunção:
Chegados à subsunção, podemos assistir a divergências de qualificação
stricto sensu, caso em que temos três hipóteses:
1. As normas materiais qualificam-se numa norma que remete para o
seu Direito – conflito positivo de qualificações.
2. As normas materiais qualificam-se numa norma que não remete
para o seu Direito, mas sim para outra ordem jurídica – conflito
negativo de qualificações.
3. Apesar de existir divergências de qualificação, há uma das normas
que se subsume a uma regra de conflitos que remete para o seu
Direito.
§3: ESQUEMA DE RESOLUÇÃO DE CASOS PRÁTICOS
Determinação dos ordenamentos jurídicos em contacto com a
situação e das potenciais leges causae em questão.
Identificação do objecto da qualificação: qual a questão jurídica em
causa?
Identificação das normas materiais potencialmente aplicáveis ao caso
concreto nas ordens jurídicas em contacto com a situação.
2º momento da qualificação - CARACTERIZAÇÃO: caracterização
das normas materiais, determinando o seu conteúdo e função, à luz
da ordem jurídica a que pertencem – lege causae (art. 15º).
Ponderação da possibilidade de subsunção das normas materiais em
alguma regra de conflitos vigente no ordenamento jurídico português
– lex fori.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
1º momento da qualificação – INTERPRETAÇÃO: interpretação
do conceito-quadro da regra de conflitos em que parece ser possível
subsumir as normas materiais já caracterizadas.
3º momento da qualificação – SUBSUNÇÃO: qualificação stricto
sensu das normas na regra de conflitos.
o Não há divergência nas caracterizações: conclui-se pela
subsunção numa única regra de conflitos, que será aplicável.
Cumpre concretizar a conexão:
A regra de conflitos remete para a ordem
jurídica a que pertence a norma material? – a
norma material de que partimos, como faz parte
da ordem jurídica designada como competente,
é aplicável.
A regra de conflitos não remete para a ordem
jurídica a que pertence a norma material? – a
norma material de que partimos não faz parte
da ordem jurídica que é declarada como
competente pela regra de conflitos a que se
subsume, pelo que não é aplicável.
o Há divergência nas caracterizações – as normas materiais dos
ordenamentos em contacto subsumem-se a regras de
conflitos de foro diferentes:
Cumpre concretizar a conexão:
Conflitos positivos ou concursos de normas
aplicáveis
Conflitos negativos ou situação de falta de
normas aplicáveis – as normas de conflitos
remetem para ordens jurídicas diferentes
daquelas a que pertencem as normas materiais
qualificadas nas normas de conflitos.
Apenas uma regra de conflitos remete para a
norma material – é esta a norma material
aplicável.
A e B, cidadãos espanhóis do mesmo sexo, casaram em Espanha,
onde o casamento homossexual é permitido. A, que pretende agora casar
em Portugal com outra pessoa, invoca a invalidade do casamento com B
com fundamento no Direito português.
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Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
1. Os ordenamentos jurídicos em causa são o ordenamento português e
espanhol.
2. A questão jurídica em apreço é a capacidade para contrair casamento.
3. A norma material potencialmente aplicável ao caso é o art. 1577º,
segundo a qual o casamento consiste no contrato celebrado entre pessoas de sexo
diferente.
4. Segundo o art. 49º, a capacidade para contrair casamento é regulada, em
relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal. A lei pessoal é, nos termos do
art. 31º, nº 1, a lei da nacionalidade.
A interpretação deve ser lege fori. Como tal, o art. 1577º impede a aplicação
das normas espanholas a respeito do casamento homossexual. Para mais, LIMA
PINHEIRO entende que faz parte do núcleo essencial do casamento a diferenciação
de sexos.
Ainda assim, não se afasta a aplicação analógica do art. 49º a casos como
este.
A, português, e B, italiana, estão casados há 20 anos e residem
habitualmente em Roma. Decidem vender a C, filha do casal, portuguesa
residente habitualmente em Faro, um bem imóvel situado nesta cidade.
Escolhem como lei aplicável a lei italiana.
D, que se sente prejudicado pela venda feita à sua irmã, C,
questiona-se se pode anular o casamento com fundamento na lei
portuguesa, uma vez que em Itália existe uma norma que proíbe a venda
de pais a filhos.
1. Os ordenamentos jurídicos em causa são o ordenamento português e
italiano.
2. A questão jurídica em apreço é a validade da venda a filhos ou netos.
3. A norma material potencialmente aplicável ao caso é o art. 877º, segundo
a qual é proibida a venda a filhos ou netos.
4. Segundo a lei portuguesa, a norma material constante no art. 877º
pertence ao ramo do Direito da Família (art. 15º) e, uma vez que respeita às
relações entre pais e filhos, subsume-se à regra de conflitos do art. 57º. Essas
relações são reguladas pela lei nacional comum dos pais (não é o caso, uma vez
que A e B têm nacionalidades diferentes) e, na falta desta, pela lei da sua
residência habitual comum (Lei italiana), segundo o art. 57º, nº 1.
70
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Segundo a lei italiana, a norma material que proíbe a venda de pais a filhos
pertence ao ramo do Direito das Obrigações (art. 15º) e subsume-se ao art. 3º da
ConvROMA (e não ao art. 41º, uma vez que respeita a obrigações provenientes de
negócio jurídico celebrado antes de 1 de Setembro de 1994).
LPT: LI
LI: LI
Há divergência na qualificação, uma vez que as normas materiais dos
ordenamentos em contacto se subsumem a regras de conflitos de foro diferentes
(art. 57º vs art. 3º ConvROMA). Apesar de existir divergências de qualificação, há
uma das normas que se subsume a uma regra de conflitos que remete para o seu
Direito (a Lei Italiana remete para si). Logo, é essa a lei competente.
A, cidadão dos EUA, pede em Portugal a condenação de B,
português, no pagamento de dívida contratual deste. As partes tinham
convencionado a aplicação da lei do Tennessee. Segundo o Direito desse
estado, a acção para o exercício do direito de crédito de A deveria ter sido
intentada no prazo de 6 anos.
B alega a prescrição do direito de A.
As normas são de natureza processual.
1. Os ordenamentos jurídicos em contacto são o ordenamento jurídico
complexo dos EUA e Portugal.
2. A questão jurídica em apreço é a prescrição da acção para o exercício do
direito de crédito.
3. As normas materiais potencialmente aplicáveis são: a norma do art. 309º,
segundo a qual o prazo prescricional ordinário em Portugal é de 20 anos; e a norma
do estado do Tennessee segundo a qual o prazo seria de 6 anos.
4. Caracterização das normas materiais: a norma da lei do Tennessee é uma
norma processual, enquanto que a norma portuguesa é uma norma substantiva.
5. As normas de conflitos potencialmente aplicáveis ao caso são os arts. 40º
(a prescrição é regulada pela lei aplicável ao direito, ou seja, pela lei do Tennessee)
e 3º ConvROMA.
LPT: LT
Mas a lei do Tennessee é Direito Processual que não cabe na previsão do art.
40º. Não há normas de conflito sobre normas processuais. Alguns autores (vg LIMA
PINHEIRO) defendem mesmo a existência, em Portugal, de uma norma de conflitos
implícita que considera que a lei processual portuguesa se aplica sempre que a
acção corra no nosso país.
71
Direito Internacional Privado - Lara Geraldes @ FDL
Se concluirmos pela existência de uma norma de conflitos implícita,
poderemos ter que:
LPT: LPT
Todavia, cremos que a subsunção não tem que ser um mero corolário lógico
ou uma consequência automática da caracterização. Tem que existir uma
correspondência funcional entre uma, e outra. Aqui, o conteúdo e função do
instituto previsto na lei do Tennessee é funcionalmente semelhante ao conteúdo do
instituto português da prescrição. Logo, é possível reconduzir a questão em apreço
aos arts. 40º e 3º ConvROMA, dos quais resulta a aplicação da lei do Tennessee
pelos tribunais portugueses. Assim, o direito de acção já se encontra prescrito e já
não pode ser exercido em tempo útil.
A e B, cidadãos franceses, residentes na Alemanha, celebram uma
promessa de casamento. B rompe a promessa, casando com C na
Alemanha.
A demanda B perante um tribunal português exigindo o pagamento
de uma indemnização.
A lei alemã regula a promessa de casamento autonomamente, no
livro do Direito da Família do BGB.
Em França, o rompimento da promessa de casamento gera
obrigação de indemnizar com fundamento em responsabilidade
extracontratual.
1. Os ordenamentos jurídicos em contacto são o ordenamento português,
alemão e francês.
2. A questão jurídica em causa é o incumprimento de promessa de
casamento.
3. As normas materiais potencialmente aplicáveis são as normas constantes
do art. 1594º (segundo o qual há fundamento de indemnização), do BGB e do Code
Civil.
4. As normas de conflito potencialmente aplicáveis são os arts. 25º e 31º, nº
1 (quanto às normas materiais portuguesas e alemãs, sistematicamente
consagradas no Livro do Direito da Família) e art. 45º (quanto às normas materiais
francesas, do Direito das Obrigações).
5. Concretização do elemento de conexão e subsunção:
LPT: art. 1594º - Direito da Família – arts. 31º, nº 1 e 25º - lei da
nacionalidade – LF.
LA: BGB – Direito da Família – arts. 31º, nº 1 e 25º - lei da nacionalidade – LF.
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LF: Code Civil – Direito das Obrigações – art. 45º - lei do lugar do dano – LA.
Estamos perante um conflito negativo de qualificações, uma vez que as
normas de conflitos remetem para ordens jurídicas diferentes daquelas a que
pertencem as normas materiais qualificadas nas normas de conflitos. Este conflito
negativo resolve-se mediante ajustamento de uma regra a uma solução concreta
(adaptação). Deve preferir-se a adaptação de normas de conflitos à adaptação de
normas materiais, e deve fazer-se nos termos dos princípios do DIP.
Neste caso, ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO e LIMA PINHEIRO
defendem que não faz sentido recusar o direito à indemnização do nubente não
faltoso, por força da inexistência de uma regra de conflitos aplicável, já que todas
as ordens jurídicas a preveem. Deve, pois, adaptar-se o art. 45º, substituindo-se o
elemento de conexão: prefere-se a lei da nacionalidade e não a lei do lugar do dano
(esse é, alias, um elemento de conexão previsto no art. 45º, nº 3, 1ª parte). Nestes
termos,
LF: LF (a nacionalidade francesa é a nacionalidade comum aos dois
nubentes)
13. LEI APLICÁVEL ÀS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS E
EXTRACONTRATUAIS
§1: ÂMBITOS DE APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE ROMA,
REGULAMENTO ROMA I E ROMA II
Âmbito material:
art. 1º ConvROMA e art. 1º RegROMA I: obrigações contratuais de
âmbito civil e comercial
o Excluem-se os negócios jurídicos unilaterais (contra, LIMA
PINHEIRO)
RegROMA II: obrigações extracontratuais de âmbito civil e comercial
o Responsabilidade objectiva e subjectiva
o Gestão de negócios, enriquecimento sem causa e culpa in
contrahendo (arts. 10º ss RegROMA II)
o Os arts. 5º a 8º RegROMA II são especiais face à regra geral do
art. 4º RegROMA II.
o Escolha das partes: art. 14º RegROMA II.
Âmbito espacial:
ConvROMA: Estado-contratante (regra geral do DIP público)
RegROMA I: Estados-membros (menos a Dinamarca)
RegROMA II: Estados-membros (menos a Dinamarca)
Âmbito temporal:
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ConvROMA: contratos celebrados a partir de 1 de Setembro de 1994
(art. 17º ConvROMA)
RegROMA I: contratos celebrados a partir de 17 de Dezembro de
2008 (art. 28º RegROMA I)
RegROMA II: factos ocorridos depois de 11 de Janeiro de 2009
§2: PRINCÍPIOS COMUNS ÀS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS
Autonomia privada
Conexão mais estreita
Protecção do contraente mais fraco
A referência é sempre material, pelo que não há reenvio.
Se as partes escolherem os princípios do UNIDROIT, vg, há uma referência
material e não conflitual (é como se constassem do contrato enquanto cláusulas
contratuais). Esses princípios não poderão, consequentemente, violar disposições
imperativas da lei competente.
14. LIMITES À APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO OU
TRANSNACIONAL
§1: CARACTERÍSTICAS DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Excepcionalidade
Relatividade
Actualidade
15. RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS
§1: FONTES
CPC: arts. 1094º ss.
Regulamento 44/2001: arts. 32ºss.
Regulamento 2201/2003
§2: PRINCÍPIOS GERAIS
Há sistemas que não admitem o reconhecimento de sentenças estrangeiras.
Dentro daqueles que o admitem, há dois sistemas possíveis:
Reconhecimento automático (Regulamento 44/2001)
Reconhecimento individualizado (arts. 38º ss Regulamento 44/2001)
o Controlo formal (vg arts. 1094º ss CPC)
o Controlo de mérito (vg art. 110º, nº 2 CPC)
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