direito internacional privado - aulas teórico práticas
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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
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14de Fevereiro – Aula 1 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
Apresentação. Bibliografia. Programação. Introdução
Teoria Geral dos Conflitos de Lei: primeira matéria a ser leccionada.
O DIP visa estabelecer princípios e regras para as questões suscitadas na vida jurídico
privada internacional. O DIP é fundamentalmente um direito de reconhecimento.
Matérias/Problemas de DIP:
Problema de Jurisdições
Problema da Determinação da Lei Aplicável/Conflitos de Leis
Problema do Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras
Programação das Aulas
Introdução Geral (objecto e princípios fundamentais)
Situações Jurídicas absolutamente internacionais, relativamente internacionais
e puramente internas
Competência
Reconhecimento das Sentenças Estrangeiras
Âmbito do DIP
Valores do DIP
Fontes do DIP
Regras de Conflitos
A base do DIP é o reconhecimento das situações constituídas nas outras ordens
jurídicas.
Próxima Aula:
João Baptista Machado: 9 – 28; 44 a 51
Ferrer Correia: 11 – 44; 62 – 70
AULAS TEÓRICO-PRÁTICAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A
PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO & PROF. LUÍS BARRETO XAVIER
2012/2013
2012/2013
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SITUAÇÃO1: SITUAÇÃO RELATIVAMENTE INTERNACIONAL
O Senhor A, francês, casa com a Senhora B, francesa. O casamento realiza-se em
França e eles ficam lá a morar. Para Portugal tal é uma situação
estrangeira/internacional, mas para França tal é uma situação interna. Não se trata de
situação absolutamente internacional, uma vez que apenas para Portugal é que tal
situação consubstância uma situação internacional.
SITUAÇÃO2: SITUAÇÃO PURAMENTE INTERNA
Em Portugal, C casa com D, sendo ambos portugueses. Tal é uma situação puramente
interna.
SITUAÇÃO3: SITUAÇÃO ABSOLUTAMENTE INTERNACIONAL
O Senhor E, português, casa com a Senhora F, francesa, em Espanha. Tal
consubstancia uma situação absolutamente internacional, pois à partida é uma
situação plurilocalizada: desde do primeiro momento, tal situação não está
relacionada/conexada com uma única ordem jurídica.
O DIP na forma de conflitos é essencialmente um direito de localização.
As leis, as regras jurídicas, procuram ser regras de conduta. A regra jurídica procura
corresponder aquilo que se espera que as pessoas façam espontaneamente.
Naturalmente que as pessoas contam com a aplicabilidade das leis que estão em
vigor no momento em que elas praticam os actos, não devendo ter, em princípio, a lei
natureza retroactiva. O DIP é primo do direito intertemporal que procura estabelecer
qual a lei que se aplica no tempo. Um contrato que foi celebrado há 20 anos poderá
ser regulado por uma lei que entra agora em vigor? Depende: quanto à constituição
não, mas quanto aos efeitos sim. A constituição de uma situação jurídica é um
primeiro momento e o seu conteúdo e efeitos um segundo momento.
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O DIP parte do pressuposto que as leis basicamente são as regras de conduta. Ou
seja, no DIP temos o problema da aplicação das leis no tempo. Por exemplo: uma
situação jurídica foi constituída no dia 1.1.1990 e em 1.1.2000 surge uma nova lei. Nesta
situação, para salvaguardar a expectativa das pessoas e assegurar a segurança
jurídica aplica-se o Princípio da Não Retroactividade das Leis. Isto é, o direito
intertemporal.
No DIP o Princípio básico, paralelo a este, é o da Não Transactividade das Leis. A regra
básica do DIP, antes de qualquer regra de conflito, assenta em que uma lei só pode
ter a pretensão de aplicar-se a factos que no momento em que são praticados têm
alguma conexão de natureza espacial com essa lei.
As situações, pela diversidade dos seus elementos, em DIP, podem entrar em contacto
com várias leis.
Uma lei não deve ter a pretensão, se quiser continuar a ser um padrão de conduta
para as pessoas, de se aplicar a situações com as quais não tenha qualquer conexão
espacial. A ordem jurídica se não quiser ser uma ordem de coacção terá de ser uma
ordem de prescrição de uma determinada conduta: as pessoas têm a expectativa de
uma situação jurídica validamente constituída não o deixe de ser pelo facto de surgir
uma posterior lei que altere tal.
São exemplos de Factores de Conexão a nacionalidade, a habitação, a verificação
do facto ilícito, etc.
A Delimitação do âmbito de eficácia possível de uma determinada lei assenta no
âmbito espacial em que ela pode ter a pretensão de se aplicar.
O âmbito de eficácia possível de uma lei portuguesa assenta em que ela não pode ter
pretensão de aplicar-se a situações internacionais de outras ordens jurídicas com as
quais não tenha qualquer elemento de conexão.
O problema são as situações puramente internacionais. A solução mais comum
assenta na aplicação de uma regra de conflito, ou seja na determinação de qual
daquelas leis têm o título mais forte para intervir. À partida apenas se deve aplicar
uma lei, para não existirem conflitos. As regras de conflito delimitam o âmbito de
competência da lei, restringem a sua aplicação em função do âmbito de
competência.
A responsabilidade extracontratual é regulada pela lei do Estado em que ocorreu a
principal actividade causadora de prejuízo. Esta é uma regra de conflito: de entre as
duas leis possíveis abstractamente aplicáveis ela selecciona em função de dois
critérios (1) elemento de conexão abstracto (2) conceito quadro (é um conceito
técnico jurídico, sendo contrario ao comum das situações que descrevem situações
de facto).
Quanto aos instrumentos de uniformização podem-se salientar quer os regulamentos
comunitários quer as convenções internacionais.
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18 de Fevereiro – Aula 2 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
No âmbito de aplicação do DIP existe o problema de conflitos de leis no espaço (não
existe harmonia entre as diversas leis no espaço para a resolução dos mesmos
problemas jurídicas), problema de jurisdição, problema do reconhecimento das
sentenças estrangeiras ou o reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras
e é discutível que caiba o direito de nacionalidade e dos estrangeiros. Tudo depende
de critérios adoptados.
Quer o conflito de leis no espaço, o problema de jurisdição e o problema do
reconhecimento e execução das sentenças estrangeiras constituem problemas
colocados pela plurilocalização das situações jurídicas, sendo que os fundamentos e
princípios pelo que se regem estas três áreas temáticas são fundamentalmente os
mesmos.
O DIP utiliza a técnica da Regra de Conflitos, sendo esta diferente das regras de Direito
Material.
LEX FORI: designa a lei do tribunal que está a resolver um litígio internacional. A lei do
foro é a lei daquele país, é o direito interno, o direito estadual, a que pertence o
tribunal que vai resolver um determinado litigio. O direito interno tem duas camadas
(1) camada de direito material (normas jurídicas que resolvem os problemas
concretos, os problemas substancias que as pessoas têm no seu dia-a-dia); (2)
camada de direito de conflitos (normas de segundo grau, normas sobre normas, tendo
como objecto outras normas; as regras de conflito não procuram dar a solução para
os problemas do dia-a-dia, indicando apenas a lei a que se vai buscar aquela
solução).O Direito de Conflitos, as suas normas, que são um dos instrumentos básicos
da resolução de problemas de conflitos das leis no espaço, têm uma estrutura
diferente das das leis no espaço. A regra de conflitos é uma regra de segundo grau,
porque não dá a solução para os problemas que as pessoas têm, sendo que elas só
resolvem o problema sabendo a lei à luz da qual consagra-se a solução. As normas de
conflitos são regras sobre regras, tem por objecto outras regras jurídicas. Aquilo que há
de comum entre os ordenamentos jurídicos são os problemas, as questões. Da
desarmonia entre os ordenamentos existe a necessidade de encontrar a lei que vai
dar a solução para o problema. As regras de conflitos enunciam problemas.
Análise do Código Civil: parte de DIP
Nos termos do art. 14º consagra-se o Direito dos Estrangeiros que se refere
praticamente a um problema de capacidade.
Nos termos do art. 15º ao art. 24º existem regras metodológicas (isto não deveria
constar do código civil, mas sim da ciência do direito).
A partir do art. 25º consagram-se as normas de conflitos, nomeadamente o estatuto
pessoal sendo que a referida norma consagra qual o seu âmbito. Estatuto significa
basicamente lei ou o conjunto de direitos de que beneficia uma pessoa porque é
residente ou nacional (etc.) de determinado Estado. O ESTATUTO PESSOAL é o
conjunto de matérias mais intimamente ligadas à pessoa. Existe uma lei que é
conhecida por ser a lei pessoal.
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O art. 25º é uma norma incompleta porque não indica qual a lei pessoal do indivíduo,
sendo que tal encontra-se consagrado no art. 31º.
Um Estado normalmente de grande emigração é normalmente um estado que rege o
estatuto pessoal dos seus cidadãos através da sua nacionalidade. Exemplo: um
português que reside em França continua a ter como lei pessoal a do estado
português mas posteriormente podem existir problemas de conflitos de leis.
As regras de conflitos muitas vezes vão seccionando as situações jurídicas
internacionais privadas, sendo que as regras de conflitos como que copiam a nossa
ordenação jurídica.
Ou seja, a função primordial da regra de conflitos é indicar a lei que se vai aplicar
para os problemas da vida jurídica internacional privada. Note-se que nada disto é
pacífico. O que é universalmente aceite é que todos os Estados têm de reconhecer
conteúdos estrangeiros, ou seja não pode vigorar o Princípio da Territorialidade
Absoluta. A função primordial do DIP é salvaguardar a expectativa e continuidade
das relações jurídica da vida internacional privada a fim que as pessoas tenham
segurança e estabilidade na sua vida.
O PROF. BAPTISTA MACHADO procede logo à distinção entre situações puramente
internas, relativamente internacionais e absolutamente internacionais.
O Direito de Conflitos, de leis no espaço, tem como função localizar a situação num
determinado espaço jurídico para mandar aplicar a lei que vigora em tal.
IDEIAS FUNDAMENTAIS:
Não há nenhum Estado do Mundo que não reconheça conteúdo estrangeiro.
A lei de cada Estado não pode ter uma pretensão de aplicação absoluta. As
leis têm limitesao seu âmbito de aplicação no espaço:
Uma lei tal não pode ter pretensão de se aplicar a situações com as
quais não tinha nenhum contacto no momento da sua constituição; os
efeitos já produzidos são intocáveis.
Uma lei não pode ter a pretensão de se aplicar a situações com as
quais não tenha qualquer contacto espacial. Uma lei só se pode
aplicar a factos com a qual tenha qualquer ligação: os elementos que
prendem uma lei com uma situação podem ser variados:
nacionalidade (elemento jurídico de conexão para a resolução de
conflitos na lei do espaço, mas pode não o ser para aferir a
competência dos tribunais portugueses).
NO DIP distinguem-se, quanto a um determinado facto, dois momentos: o momento
da constituição do facto e o momento da produção dos seus efeitos.
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SITUAÇÕES INTERNAS E RELATIVAMENTE INTERNACIONAIS: Resolve-se por aplicação da
regra básica de que uma lei só se pode aplicar a uma situação com a qual tenha
algum elemento de contacto. São a mesma coisa, mas são vistas de pontos de vista
diferente.
SITUAÇÃO ABSOLUTAMENTE INTERNACIONAIS/SITUAÇÕES PLURILOCALIZADAS:Situações
que têm conexão com mais de uma lei, pelo que não se resolve na totalidade de
acordo com a regra básica anterior, dizendo apenas qual são as leis que podem ter
vocação para regular aquela situação (PRINCÍPIO DA NÃO TRANSACTIVIDADE DAS
LEIS). A regra básica diz imediatamente quais são as leis que podem ter a pretensão
de regular aquela situação. É necessário fazer intervir a Regra de Conflitos.
O DIP é um direito de reconhecimento do conteúdo jurídico estrangeiro pois admite-se
que uma situação relativamente internacional que se passou em França tem de ser
reconhecida quanto à constituição em Portugal, por exemplo.
Nos termos do art. 49º, o casamento produz relações jurídicas duradouras. Enquanto a
obrigação instantânea, é uma obrigação que nasce para morrer logo de seguida; é
aquela obrigação que não tem por vocação perdurar (contrato de compra e venda
de um livro: a obrigação extingue-se com o cumprimento), o conteúdo da obrigação,
a prestação, não é determinada em função do tempo; nas obrigações duradouras, o
tempo define o conteúdo da prestação, ou seja elas não se extinguem pelo
cumprimento uma vez que visam a satisfação de interesses periódicos (o
arrendamento).
O casamento é uma obrigação duradoura, uma vez que as obrigações dos cônjuges
mantém-se continuadamente enquanto o casamento durar. O dever de respeito é
uma obrigação contínua e não periódica. Nos termos do art. 49º e ss, desmonta-se o
casamento em peças: (1) capacidade para contrair casamento (se um português
casar com uma francesa a capacidade relativamente ao português afere-se de
acordo com a lei portuguesa, mas a capacidade relativamente à francesa afere-se
de acordo com a lei francesa), (2) forma do casamento (se casarem em França a
determinação da forma válida para o casamento é a lei francesa), (3) relações entre
os cônjuges (no casamento entre o português e a francesa, as relações entre os
cônjuges, afere-se pela lei nacional comum por força do princípio da igualdade de
dignidade (antigamente, aferia-se pela lei nacional do marido), mas como são de
nacionalidades diferentes aplica-se o nº2 do art. 52º que consagra o critério da
residência habitual comum).
O Princípio da Não Transactividade delimita o âmbito de eficácia possível de uma lei.
Questão diversa é de saber de entre duas leis que tem a pretensão de se aplicar
aquela questão qual será a aplicada. Tal apura-se através da regra de conflitos,
localizando-se a situação. A regra de conflitos localiza a situação num determinado
espaço jurídico, ou seja atribui competência ou reconhece a competência de uma
das leis para regular aquela situação. Note-se que a regra de conflitos é uma regra de
conexão ou de localização, isto é indica qual a lei em que se encontra resposta para
aquele problema.
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O DIP procura para cada matéria encontrar a conexão mais estreita, mais próxima
daquela situação. Relativamente a cada problema jurídico procura determinar qual é
o elemento mais forte.
Toda a aplicação da lei estrangeira implica um salto para o desconhecido (nunca se
sabe o que a lei estrangeira diz e tal pode chocar a nossa consciência jurídica), mas
existe um paraquedas que é a cláusula do ordenamento. À partida o DIP é um direito
de reconhecimento e a perspectiva de cada legislador é aceitar conteúdo jurídico
estrangeiro uma vez que as pessoas estão à espera que se apliquem tais leis e até
para salvaguardar as expectativas válidas criadas por essas pessoas.
Perante as divergências que existem entre as diferentes ordens jurídicos, a forma de
resolver o problema assenta, sem prejuízo de certas leis de uniformização (lei uniforme
das letras e livranças e lei uniforme dos cheques), em tentar encontrar para cada
matéria a conexão mais forte porque presuntivamente é com a aplicação dessa lei
que as pessoas contam. Se assim não se conseguir resolver ainda problema existem
ainda outras formas de conseguir alcançar a situação.
Problema do reconhecimento da validade da situação jurídica constituída à luz de
uma lei estrangeira:
Para a Escola Nova a Regra de Conflitos é a solução para qualquer problema
de DIP
PROF. BAPTISTA MACHADO: Há problemas de DIP que podem ser resolvidos sem
recurso à regra de conflitos, como por exemplo as situações puramente
internas. Há que distinguir dois problemas: (1) o âmbito de eficácia de uma lei;
(2) o âmbito de uma competência da lei. Na origem da resolução de todos os
problemas de DIP não está a regra de conflitos. O autor indica o elemento de
conexão como sendo essencial. O problema das qualificações só se percebe
se interpretarmos que o art. 15º consagra que antes da intervenção da Regra
de Conflitos é necessário fazer intervir o Princípio da Não Transactividade da
Lei.
Se a situação é puramente interna só se trata de reconhecer tal, mas se uma situação
jurídica se constituir num país estrangeiro à luz de uma lei que nós não consideramos
competente para tal como se resolve tal situação? Está-se face a um problema de
reconhecimento de direitos adquiridos.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO: relaciona-se com o tribunal que está melhor
colocado/posicionado para resolver um litígio. As regras de conflito de jurisdição são
as regras que delimitam a competência dos tribunais portugueses para apreciar um
litigio.
CONFLITO DE LEIS: descobrir a lei que tem o melhor título para intervir, sendo que à
partida será a que terá a conexão mais significativa.
Quanto às decisões que os tribunais estrangeiros adoptem, pode haver necessidade
de reconhecimento destas noutros ordenamentos jurídicos. O processo de admissão
designa-se como reconhecimento da sentença estrangeira.
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Os estados normalmente não recusam o reconhecimento das sentenças estrangeiras,
mas sujeitam-no a um processo especial. Em Portugal, tal processo de reconhecimento
encontra-se consagrado no art. 1994 e ss CPC, mas a tal sobrepõe-se o Regulamento
de Bruxelas I.
Reconhecer uma sentença estrangeira não implica necessariamente que (1) o juiz
tenha aplicado a mesma lei que a nossa (2) não depende da competência
internacional directa.
As regras de conflitos de leis no nosso CC são quase todas regras bilaterais (exemplo:
‘’ao casamento aplica-se a lei de nacionalidade dos cônjuges’’, ou seja pode ser
qualquer lei do mundo).
Note-se que a primeira questão que se tem que resolver quando existe um litigio
internacional é a de saber qual o tribunal competente e só posteriormente coloca-se
a questão de saber qual a lei aplicável.
O reconhecimento das sentenças estrangeira sé autónomo uma vez que se pode
aplicar sentenças que apliquem leis diferentes daquelas (já existiu um acto jurídico
com força e convicção completamente diferente). O reconhecimento de uma
sentença estrangeiro não implica que o tribunal que a proferiu seja competente
faceaquilo que nós entendemos.
O DIP é um direito Estadual e pelo objecto é normalmente direito privado
(indirectamente, refere-se à delimitação da competência das regras de direito
privado).
A Justiça do DIP é essencialmente uma justiça formal, não estando preocupada com
a validade ou legitimidade substancial das decisões do caso concreto; não está
preocupado com a justiça do caso concreto, mas sim com a segurança deste. O
Princípio básico do DIP é o da Harmonia Jurídica Internacional (nós devemos dar uma
solução a um caso que seja reconhecida como válida em todos os países do mundo;
que seja a mesma a solução dada ao caso em todos os países do mundo). Ou seja o
Princípio da Harmonia Jurídica Internacional tem a pretensão que a solução dada ao
caso seja universal e tal consegue-se com os vários Estados a adoptarem regras de
conflitos próximas. Mesmo se divergirem as regras de conflitos ainda há outras formas
de resolver o litígio. Note-se que este princípio tem influência não apenas na escolha
da lei mas também no reconhecimento das sentenças estrangeiras.
Existe ainda o problema da harmonia material. Embora o DIP trabalhe com a
desarticulação das situações jurídicas, tal não impede que ocorra uma desarmonia
entre as desarticulações. Existindo desarmonia material, as diferentes leis dão soluções
que não se harmonizam entre si.
Um outro princípio que se formulou e daria azo à criação de normas é o Princípio da
Maior Proximidade, mas em bom rigor a regra de conflitos deve procurar escolher a lei
mais próxima daquela situação. Mas não é neste sentido que se fala naquele
princípio.
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O Princípio da Maior Proximidade relaciona-se com a Eficácia das Sentenças (Princípio
da Efectividade das Sentenças Judiciais). Por exemplo, atende-se ao art. 62º: a lei
pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste.
Determina-se a aplicação de uma lei e o seu reconhecimento no país em que importa
que ela produza efeitos. Por exemplo, no caso dos bens imóveis vigora a lei que existe
no local onde ele se situa, ou seja onde a sentença terá de produzir efeitos.
O Princípio da Boa Administração da Justiça significa que naturalmente um juiz
português sabe de direito português, pelo que as vezes é muito complicado aplicar o
direito estrangeiro. Ou seja, à partida deveria aplicar-se a lei que é mais próxima ao
juiz, sendo que neste caso seria a lei do seu país. Este princípio só em raras situações
deve ser aplicado, sob pena de por em causa a finalidade e o objecto do DIP.
O Princípio da Paridade da Igualdade de Tratamento das Diferentes Leis assenta na
criação de um sistema de aplicação de leis que deve ser igual em todos os estados,
sendo que a diferenciação assenta na localização. Relaciona-se com o elemento de
conexão. Todas as leis devem ser colocadas em pé de igualdade, tendo todas a
mesma oportunidade de intervenção, decidindo-se de acordo com o elemento de
conexão de localização.
INTERESSES DO DIP (que por ele devem ser prosseguidos)
Interesses Individuais: interesses de sujeitos de direito privado (singulares ou
colectivos).
Em matéria de estatuto pessoal, deverá ser aplicada uma lei que tenha
em consideração os interesses individuais do sujeito em concreto
envolvido. Nas sociedades comerciais a lei pessoal será aquela onde
ela terá a sua sede efectiva.
Interesse do Indivíduo na Escolha da lei que que ele ache preferível: em
matéria de contratos, vigora o princípio da autonomia da vontade
quanto à escolha da lei aplicável
À transmissão dos imóveis aplica-se normalmente à lei da situação das
coisas
À responsabilidade extracontratual aplica-se a lei onde se produziu o
facto ilícito
Ordem Pública Internacional (art. 22º): existe uma prevenção geral que assenta
em que se a aplicação concreta da lei for chocante para a ordem jurídica
portuguesa não se reconhece aquele efeito. Existe uma interferência entre o
direito de conflitos e o direito material.
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Note-se que existem regras de conflitos que orientam a conexão com base no efeito
que decorre da aplicação de uma determinada lei. Há leis de conflitos que
estabelecem uma série de conexões opcionais que conduzem, por exemplo, à
validade do negócio. Neste caso, já se está face a interesses de justiça material
(normas de conexão substancial)
Próxima Aula:
Vias Possíveis e Alternativas de Resolução dos Conflitos de Leis
Estrutura e Tipos das Regras de Conflitos
Normas de Aplicação Necessária ou Imediata (Relatório de Mestrado do
Professor)
21 deFevereiro– Aula 3 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
LEX FORI vs LEX CAUSAE: enquanto a lexfori é a lei do tribunal que é chamado a
resolver um litigio (pode aplicar a sua própria lei ou pode aplicar uma lei estrangeira –
no primeiro caso a lexfori coincide com a lexcausae, no segundo causo já não).
A utilização da regra de conflitos como solução para os problemas de litígios na lei do
espaço, não é a única solução possível. O método conflitual, proposto de certa forma
por Savigny, traduz-se geralmente na criação de regras de conflitos bilaterais.
Existem várias alternativas à Regra de Conflitos, nomeadamente:
Criação de um direito especial para as situações da vida privada
internacional: tinha-se um código civil para as situações puramente internas e
outro código civil para as situações relativamente/absolutamente
internacionais.
LexMercatoria: no fundo, seria o direito desenvolvido na própria actividade
internacional comercial composto por um conjunto de usos ou costumes, que
correspondia as praticas regulares dos comerciantes. Tal seria composto, por
exemplo, pelo facto de nas relações comercias internacionais muitas vezes
utilizarem-se contratos standarzidos; termos utilizados no comércio jurídico
internacional, etc. em bom rigor a lex mercatória, hoje ainda não pode ser
considerada como fonte de direito.
Os autores americanos defendiam que devia se encontrar a melhor lei
adaptada ao caso concreto – lei substancialmente mais adequada para a
resolução do caso – etc.
Mas o método da Regra de Conflitos é o mais adequado e o que conduz a uma
melhor resolução e eficácia dos litígios internacionais. O resto é história, e não vingou.
O método conflitual passa pela criação das regras de conflitos, sendo que estas não
são todas iguais. As mais comuns são as bilaterais: o bilateral é uma designação que
se usa muito mas que não significa literalmente o que se pensa.
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REGRA DE CONFLITO BILATERAL: é uma regra de conflitos que determinada qual lei
aplicável podendo essa ler a lei do foro ou qualquer outra. No fundo, é uma regra
multilateral: se pode desencadear a aplicação da lei do foro ou a aplicação de
qualquer lei de um estado do mundo é multilateral. Normalmente é uma regra de
conexão múltipla, que só escolhe uma conexão para aplicação da lei ao caso
concreto.
REGRAS DE CONFLITO UNILATERAIS: apenas delimitam o âmbito de competência da lei
do foro; dizem apenas quando o direito português é aplicável. Segundo a corrente do
unilateralista cada estado apenas pode dizer quando a sua lei é aplicável, mas não
tem competência para dizer quando é que a lei dos outros estados é aplicável.
Envolve de alguma forma a soberania de cada estado, sendo esta corrente. Mas tal
esta errada: se em Portugal se manda aplicar a lei francesa não é a soberania do
estado francês que esta a ser manifestada, mas sim a soberania do estado português
devido ao facto de achar que aquela deve ser a lei aplicável devido as expectativas
dos sujeitos. Havia ainda quem defendesse que o unilateralismo era a melhor forma de
manter a harmonia internacional: a melhor forma de resolver os litígios é cada estado
dizer quando quer aplicar à sua lei. Esta segunda teoria gera situações de vácuo
(imagine-se uma situação em que nenhum estado quer aplicar a sua lei, nestes casos
tal conduz a um conflito negativo, uma situação de vácuo: aquela situação/litigio não
tem resolução). O biliteralismo evita situações de vácuo, mas pode multiplicar
situações de cúmulo.
A regra de conflitos padrão é a regra de conflitos bilateral. As modernas leis de direitos
de conflitos são todas construídas de acordo com regras de conflitos bilaterais. É de
alguma forma universal: a regra de conflitos pode determinar a aplicação de
qualquer lei de qualquer estado.
REGRAS DE CONFLITOS IMPERFEITAMENTE BILATERAIS: prevêem a aplicação tanto da lei
do foro como da lei de qualquer outro estado mas só para alguns casos. Isto passou-se
no art. 51º do CC até 2007, quanto ao casamento uma vez que não previa a forma do
casamento de dois estrangeiros no estrangeiro.
Note-se que tal não significa que nos não usemos regras de direito material no direito
português. Por exemplo, atente-se o art. 2223º: o nosso legislador consagra que,
embora a regra geral sobre a forma do testamento vigora o art. 65º, mas quanto aos
portugueses pode-se fazer exigências suplementares. Isto é, aceita-se que o
testamento possa ser feito no estrangeiro mas não em qualquer parte do mundo. Nos
termos do art. 65º/1 I parte facilita-se a vida das pessoas e potencia-se a validade do
negócios que se faz. Se estiverem envolvidos cidadãos portugueses, de acordo com o
art. 65º, o testamento seria válido independentemente de onde fosse celebrado.
Contudo, existe o art. 2223º: embora não deixe de ser aplicável a lei estrangeira
competente, o testamento terá sempre de observar uma forma solene para produzir
efeitos em Portugal.
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ESTRUTURA DA REGRA DE CONFLITOS BILATERAL
Elemento1 (elemento estruturante) – Elemento de Conexão: é uma
circunstancia da vida que se relacione com os factos e que tem aptidão para
estabelecer a ligação entre essa situação da vida e uma determinada lei.
Pode ser delimitado através de conceitos normativos ou conceitos puramente
descritivos da situação de facto (lugar da situação de uma coisa). Exemplos:
nacionalidade, sendo uma realidade normativa (art. 25º, 26º, 27º, 30º e 31º), a
residência habitual, sendo um conceito descritivo de uma realidade de facto
sendo que é onde tem o seu centro de vida (art. 31º/2, 35º/3), sede da pessoa
colectiva, sendo um elemento atribuído na sua constituição podendo existir
uma sede estatutária embora se atende à sede efectiva, a situação de uma
coisa, lugar da pratica de um acto e a conexão voluntária (as pessoas querem
que se aplique uma determinada lei). Por diversos elementos, uma situação da
vida pode estar em contacto com diversas leis. Em suma, o elemento de
conexão é um elemento da factualidade que o legislador utiliza na regra de
conflitos, escolhendo um deles, para ser o elemento designativo da lei
competente. Exemplo: situação X está em contacto com a Lei A (lei da
nacionalidade do comprador), com a Lei B (nacionalidade do vendedor), com
a Lei C (local da celebração do negócio) e com a Lei D (domicilio de ambos)
a situação está no âmbito de eficácia de todas as referidas leis. Decide-se
de acordo com o seguinte: qual o elemento de conexão relevante, qual é o
escolhido pela regra de conflitos, etc. todas as leis são competentes mas são
competentes para que? Aqui surge o objecto da conexão.
Elemento2 (elemento estruturante) – Objecto de Conexão: é geralmente
definido através do conceito quadro, ou seja este conceito quadro serve para
delimitar a competência atribuída aquela lei. O conceito quadro é um
conceito questão, coloca um problema, refere-se a um problema ou a
conjunto de problemas jurídicas, refere-se a uma matéria ou um perfil. É um
conceito que se refere a uma questão jurídica, que indirectamente esta a
responder as normas a que se referem aquelas questões jurídicas. Enquanto o
elemento de conexão diz qual a lei competente, o conceito quadro diz quais
as matérias que são reguladas por aquela lei.
Elemento3 – Consequência Jurídica da Regra de Conflitos (corresponde à
estatuição das normas): atribuição ou reconhecimento da competência
atribuída a uma determinada lei. A lei que estiver conectada com os factos de
acordo com o elemento de conexão, será a lei competente para regular a
questão regulada pelo conceito quadro.
▲ Nas regras de conflitos subsume-se um conjunto de normas jurídicas num conceito
quadro
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Note-se que há REGRAS DE CONFLITOS COM CONEXÃO MULTIPLICA, podendo ser:
ALTERNATIVA: exemplo, o negócio jurídico é valido se X ou Y ou Z. Possível de
aplicação é qualquer lei visando potenciar a validade do negócio. Visa-se
favorecer uma determinada situação, uma determinada pessoa ou um
determinado interesse. Atente-se ao art. 36º do CC. Por vezes este tipo de
normas não tem em vista apenas facilitar o comércio internacional, mas
também aplicar a lei mais favorável a uma determinada pessoa. Por vezes, são
regras que decidem a lei aplicável não em função de elementos puramente
conflituais mas sim em função do resultado que se ira obter (têm um conteúdo
substancial). São regras de conflitos que visam resultados de natureza material.
CUMULATIVA: São Regras de conflitos que mandam aplicar mais do que uma
lei a um mesmo litígio. Sujeita-se a validade ou eficácia de um acto à
prescrição conjunta de duas leis. São casos raros, uma vez que criam uma
enorme dificuldade. Estas regras prometem mais do que aquilo que dão:
prometem aplicar duas leis, mas no fundo só se aplica a norma mais rigorosa.
Atente-se ao art. 60º: só pode ser validamente constituída uma relação de
filiação adoptiva se a lei pessoal do adoptante o permitir e se a lei que regula
a relação entre o adoptante e os progenitores naturais o permitir.
DESTRIBUTIVA:a regra de conflitos distribui entre leis diferentes aspectos da
mesma questão jurídica (por exemplo, a capacidade matrimonial).
SUBSIDIÁRIA: muitas vezes visa resolver problemas que são criados pela própria
regra de conflitos que adopta uma conexão, que facilmente pode não existir.
Atente-se ao art. 52º: às relações pessoais entre os cônjuges aplica-se a lei da
nacionalidade comum, mas se eles não tiverem nacionalidade comum aplica-
se a lei da residência habitual comum. E se não residirem juntas? O legislador
desistiu de resolver: antes de 77 aplicava-se a lei da nacionalidade do marido,
mas agora estabelece que quem vai decidir será o juíz quando estiver a
apreciar o caso concreto (‘’a lei do país com o qual a vida familiar se ache
mais estreitamente conexa’’). Visa resolver situações de impasse.
CONDICIONAIS: A competência atribuída a uma lei é sujeita a uma condição,
que pode ser a de essa mesma lei ser aplicável. Atente-se ao art. 28º: a lei
parte do princípio que a lei competente para aferir a capacidade negocial
daquele individuo não era a lei portuguesa (em principio, a lei competente
seria a lei da sua nacionalidade). Visa a protecção do comércio jurídico local.
Faz depender a competência de uma regra estrangeira ela ter regras
semelhantes às constantes do art. em análise. De alguma forma, biliteraliza o
nº3: existe uma remissão para uma lei condicionada, que assenta no facto de
ela se querer ou não aplicar. Depende de uma condição. Acontece muitas
vezes quando ao se distinguir os bens móveis e imóveis, em que para os
primeiros se aplica a lei da nacionalidade e aos segundos a lei do local onde
eles se encontram.
▲CONFLITO DO MÓVEL: a mãe do professor, brasileira, quando se casou com o pai do
professor, português, perdeu a nacionalidade brasileira e agora é portuguesa.
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NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU NECESSÁRIA
Houve sempre uma tentação que assentava no regresso aos estatutários. Note-se que
os romanos tinham uma lei para eles e uma lei para os estrangeiros. O Direito de
Conflitos começa a nascer na Idade Média. Na escola estatutária analisavam-se os
estatutos e tentava apurar-se o seu âmbito de eficácia.
Com o direito dos conflitos procura-se localizar as situações num espaço jurídico,
através de uma regra de conflitos. De acordo com a paridade e a igualdade de
intervenção entre todas as leis do mundo, existia contudo um salto de paraquedas:
resultados insatisfatórios/Inadmissíveis a que conduz a lei de um estado pode chocar o
nosso ordenamento jurídico.a ordem publica intervém depois de se usar a regra de
conflitos, esta dizer qual a lei aplicável, verificar-se as consequências da aplicação
dessa lei.
Nos países de índole romana defendia-se que algumas materias pela sua sensibilidade
não aceitavam a aplicação de leis estrangeiras aplicando-se a lei nacional. Note-se
que ainda hoje no direito público aplica-se a nossa lei e nada mais.
FRANCESCAKIS: veio com a história das leis de aplicação necessária ou imediata e
afirmava que a prática dos tribunais franceses muitas vezes antes de ver se é aplicável
uma lei estrangeira era verificar a aplicabilidade do seu direito. Quando as leis
estrangeiras se quiserem aplicar aplicam-se imediatamente sem passar por uma regra
de conflitos: normas de aplicação necessária ou imediata, sendo que nem sempre são
de aplicação imediata porque necessitam sempre, por exemplo, de um elemento de
conexão.
REGRAS DE APLICAÇÃO NECESSÁRIA OU IMEDIATA: São regras que pelas finalidades
que visam prosseguir não se satisfazem, não aceitam, o âmbito de competência que
é atribuído à sua própria lei, querendo aplicar-se a mais casos, estendendo o seu
âmbito de competência que lhe era conferido pelas regras de conflitos gerais do
sistema. As regras de aplicação necessária ou imediata, implicitamente ou expressa,
têm uma regra de conflitos que delimitam o seu âmbito de competência. O âmbito
de aplicação de uma lei é delimitado pela sua previsão e estatuição. Ou seja, são
regras de direito material que expresso ou implicitamente estabelecem uma conexão
especial que representa uma extensão relativamente ao âmbito de competência do
sistema jurídica em que essa lei se insere. Por exemplo: quando estiver envolvido um
português, o legislador exige que o testador tenha feito o testamento com forma
solene ampliando o âmbito de competência da lei portuguesa nos termos do art.
2223º (vsart. 65º). Em suma é uma regra que pelos fins que prossegue que são de tal
forma importantes, ela não se satisfaz com o âmbito de competência que é definido
pela regra de conflitos geral (nos termos do art. 65º, o direito português só era
competente se o testamento tivesse sido realizado em Portugal, mas no art. 2223º o
legislador ampliou o âmbito de competência da lei portuguesa).
Na Lei do Contrato de Agência, nos termos do art. 38º, aos contratos de agência que
se desenvolva exclusivamente ou preponderantemente em território português, só não
se aplica a legislação portuguesa, quanto à cessação, se tal for mais benéfico para o
agente.
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Tal resulta de uma directiva comunitária. Em matéria de contratos, a regra básica é
que a lei aplicável será aquela que as partes escolhem. O problema é que há quem
defenda que nestes casos existe ‘’a lei do mais forte’’.
Contudo, é natural que quando o legislador diz que a lei aplicável é aquela que as
partes escolham, é necessário atender às regras internacionalmente imperativas. O
regime da cessão do contrato de agência está, mal feito, pensado para proteger o
agente, enquanto sendo a parte mais fraca. A lei portuguesa à partida só deveria ser
aplicada se fosse aquela escolhida pelas partes, mas o art. 38º consagra algo
diferente estendendo a competência da lei portuguesa de forma imperativa.
O art. 38º não é uma regra de aplicação necessária ou imediata, mas apenas
consagra que se aquilo assim não fosse como seria. No fundo, a regra do art. 38º só
torna as coisas mais claras: em muitas regras de aplicação necessária ou imediata
começa-se por adivinhar as coisas, aqui não. O art. 38º é uma regra de conflitos
unilaterais, em que as regras de cessação no contrato de agência aplicam-se a mais
casos do que aqueles que a priori se aplicariam pelas regras de direitos de conflitos
gerais.
A definição das regras de aplicação necessária ou imediata encontram-se
consagradas no art. 9º no Regulamento de Roma I.
Existe um outro tipo de regras no direito que também utiliza elementos de conexão,
expressa ou implicitamente, que se designam como NORMAS MATERIAIS
ESPACIALMENTE LIMITADAS.
25 de Fevereiro – Aula 4 (Prof. Luís Barreto Xavier)
NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU NECESSÁRIA (continuação)
Estas normas surgem não só pela existência de interesses relevantes que merecem
protecção, mas também pelo facto de se uma determinada norma material do
estado de foro não se impusesse como obrigatória mesmo nesse estado, as soluções
que poderiam surgir de ordenamentos estrangeiros poderiam vir a ser afastadas pela
clausula geral da ordem de jurídica, que afasta as soluções estrangeiras que chocam
com a lei do foro.
A bilateralidade das regras de conflitos assenta numa certa fungibilidade das
soluções, ou seja assenta na ideia de que há mais justiça no mundo para la daquela
que cabe na filosofia adoptada no território português. Um sistema bilateral é aquele
se entende que a norma portuguesa não é a única detentora de valores e princípios
que são admissíveis, sendo apenas uma concretização possível do ideal de justiça e
dos valores.
Se não for aplicada a lei portuguesa numa determinada solução será aplicada uma
lei estrangeira que à partida será constituída por valores e princípios dignos de
protecção. O pano de fundo em que surgem as normas imediatas assenta em saber
se que existe a aplicação de uma determinada lei, a do nosso ordenamento jurídico
ou internacional.
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Existe uma ideia de igualdade e de fungibilidade entre sistemas que assenta no facto
de cada ordenamento jurídico ter títulos de aplicabilidade semelhantes aos demais
ordenamentos.
PRINCÍPIO DA HARMONIA JURÍDICA INTERNACIONAL: contribui para a estabilidade das
situações jurídicas, para que as soluções jurídicas de natureza privada consagrada
num determinado ordenamento jurídico seja considerada valida noutro ordenamento
jurídico.
PRINCÍPIO DA PARIDADE: não tenta aplicar a lei portuguesa a todas as situações. Este
princípio determina que as razoes que devem levar à aplicação do direito português
devem ser as mesmas que mandam aplicar as leis estrangeiras. RATIO: Este princípio
articula-se com outros princípios, nomeadamente com o princípio da conexão mais
estreita e com o da harmonia para tutela das expectativas das partes, para tutela
da sua confiança, é que se traça/determina a lei aplicável com independência de
essa ser a lei estrangeira ou a lei do foro.
Tendo em consideração o que foi exposto, à primeira vista, pode parecer que as
normas de aplicação imediata estão a contrariar o Princípio da Paridade. O que
justifica tal? Há autores que definem estas normas de acordo com o interesse estadual
que elas tutelasPROF. LUÍS BARRETO XAVIER discorda: os interesses públicos podem
ser defendidos através de diversas técnicas, desde as normas de aplicação imediata
como através da norma de clausula de ordem publica (art. 22) e ate podem ser
defendidas através de outros vias (o regulamento de ROMA I estabelece uma forma
de tutela para certos interesses, que é uma tutela através de standards mínimos de
aplicação.
RAZÕES: prendem-se com a evolução socio jurídica dos tempos em que se ultrapassou
o paradigma liberal em que o estado não intervém nas relações jurídicas privadas,
passando a ser um estado intervencionista. A técnica das normas de aplicação
imediata surge numa época de intervenção dos poderes estaduais na vida privada
jurídica, intervindo para restabelecer/reparar desequilíbrios à partida e para prosseguir
determinados tipos de interesses estaduais de particular relevância (domínio
económico e social nas relações privadas).
Deste modo, uma das vias possíveis para prosseguir os referidos fins é através de
normas de aplicação imediata.
Normas de Aplicação Imediata vsNormas Espacialmente limitadas
NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA: normas materiais cuja aplicabilidade não
depende das regras de conflitos, mas de uma vontade própria de aplicação
traduzida através de um elemento técnico é que a norma de conflitos ad hoc.
Como é que se sabe que uma norma material é de aplicabilidade imediata ou
necessária?
Existe um mecanismo aparentemente simples: olha-se para a norma e vê-se se essas
normas materiais estão ou não cupuladas uma norma de conflitos unilateral ad hoc.
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REGRA DE CONFLITOS UNILATERAL AD HOC: essa regra de conflitos que delimita apena
o âmbito de aplicação do foro, não delimita todo o direito de aplicação do foro, mas
apenas indica o seu próprio âmbito de aplicação dessa norma material. ANÁLISE DO
ART. 2223º:
PREVISÃO MATERIAL: celebração de um testamento fora de Portugal
ESTATUIÇÃO MATERIAL: obrigatoriedade de observância de uma forma solene,
ou na feitura do testamento ou na sua aprovação
REGRA DE CONFLITOS AD HOC: nacionalidade do testador
Ou seja, segundo o art. 2223º não apenas se está a descrever uma situação de facto
(previsão) que leva a desencadear uma determinada consequência (estatuição),
como se pressupõe ainda um elemento essencial de conexão com o ordenamento
jurídico português (regra de conflitos ad hoc). Resulta desta norma a existência de
uma regra de conflitos unilateral ad hoc: se o testador for português, mesmo que
celebre o testamento fora de Portugal, a forma desse testamento não vai seguir
literalmente a regra de conflitos o art. 65º uma vez que existe uma exigência mínima
que terá sempre de ser respeitada (forma solene). Sempre que se verifique o elemento
ad hoc, faz-se prevalecer a estatuição sobre a regra geral de conflitos do art. 65º.
NORMAS ESPACIALMENTE (AUTO) LIMITADAS: Note-se que as normas de aplicação
imediata impõe a adopção de uma determinada solução sempre que se verifique
uma determinada conexão. Todavia, existem outras normas materiais que fazem o
oposto do que foi referido, no sentido de em vez de dizerem que tais normas são
aplicáveis sempre que se verifique uma determinada conexão ad hoc consagram-se
que não serão aplicáveis nos casos que não estiverem consagrados na sua previsão.
Ou seja, estas normas afastam a sua própria aplicação quando faltar tal conexão por
elas próprias estabelecidas. Exemplo: suponha-se que existe uma determinada norma
que estabelece limites em matéria de contratos que se relaciona com factos que
ocorram em território português. Independentemente de ser aplicação imediata ela
será espacialmente limitada se não fizer sentido aplicar a situações fora de Portugal.
Há certas normas em que a sua aplicação só faz sentido se tiver ocorrido em território
português. Por exemplo, uma colisão entre veículos entre um português e um britânico.
Embora na Grã Bretanha se conduza pelo lado esquerdo, uma vez que o acidente
ocorreu em Portugal não faz sentido aplicar a lei de lá, mas sim a lei de Portugal. Ou
seja, está em causa a ideia de que certas normas materiais têm na sua natureza um
elemento que as liga necessariamente a um determinado espaço, tendo por isso
hostilidade a ser aplicado para la desse mesmo estado.
É ou não possível que uma norma material seja simultaneamente de aplicação
imediata e espacialmente auto limitada?
Sim. Por exemplo, norma com uma previsão e estatuição material + obrigatoriedade
de aplicação quando os sujeitos sejam residentes habituais em Portugal (norma de
aplicação imediata) + Apenas se aplica se os sujeitos forem residentes habituais
(norma espacialmente auto limitada) Em compra e venda de bens de consumo, o
consumidor tem a possibilidade de em 8 dias pedir a resolução do contrato, sem
penalização, desde que devolva o bem adquirido em impecáveis condições.
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Este regime é aplicável sempre que a compra tenha lugar num estabelecimento
comercial situado em Portugal. Esta norma não se aplica a compras realizadas em
estabelecimentos comerciais situados fora de Portugal.
APLICAÇÃO NOS CASOS CONCRETOS DAS NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA
Primeiro, em vez de se verificar se existe uma norma de conflito geral verifica-se se
existe uma norma de aplicação imediata, uma vez que estas segundas prevalecem
sobre a primeira devido à restrição que consagram faceaquelas.
Admitindo Que uma dada norma material não tem expressa no respectivo teor ou em
disposição acessória não contem de forma aparente uma norma de conflitos
unilateral ad hoc. Ou seja trata-se de uma norma material mas ela não aparece
munida da norma de conflitos unilateral ad hoc. Tal apontaria para ser uma norma
material comum. Mas da ratioleges, da razão de ser da norma e dos fins que
prossegue, decorre necessariamente que ela deve aplicar-se sempre que se verifique
uma determinada ligação ao ordenamento jurídico do foro. Ou seja, todas as normas
têm de ser interpretadas, não havendo nenhuma norma que por mais que o sentido
pareça evidente não necessite de ser interpretada, e interpretada chega-se à
conclusão que o âmbito de aplicação e os fins só serão alcançados se a norma se
aplicar a factos ligados com a ordem jurídica portuguesa (aplicação da norma a
todos os cidadãos portugueses ou a todos os residentes habituais em Portugal).
A doutrina diverge:
Há quem entenda que é possível extrair por interpretação do conteúdo da
norma e dos seus fins uma vontade de aplicação da norma que leva a que se
descubra uma norma de aplicação imediata, sob pena do seu fim não ser
atingido oPROF. LUÍS BARRETO XAVIER concorda com esta posição: se o
intérprete tem de o interpretar as diferentes normas isso vale quer para a
previsão material quer para a intervenção espacial. Contudo, o caracter d
interpretação das normas de aplicação das normas imediatas não deve ser a
regra, não podendo o intérprete sempre que lhe dá jeito dizer que é uma
norma de aplicação imediata. É necessário rigor. Na CRP existe uma norma de
proibição dos despedimentos sem justa causa, sendo que parte da doutrina e
a jurisprudência entendem que se trata de uma norma de aplicação imediata
servindo esta norma de base para o afastamento de normas estrangeiras e
para a aplicação directa da norma portuguesa que proíbe os despedimentos
sem justa causa desde que se verifique uma das seguintes conexões (1)
contrato de trabalho executado em Portugal, e (2) sempre que o trabalhador
tenha nacionalidade portuguesa o elemento de conexão ad hoc será o
lugar de execução do trabalho, tendo o prof. dúvidas quando à aplicação
desta norma a trabalhadores não portugueses.
Há quem entenda que o interprete não tem a liberdade suficiente no nosso
sistema de fontes o caracter de aplicação imediato de uma norma posição
do PROF. LIMA PINHEIRO
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Admitindo que se trata de uma norma de aplicação imediata (independentemente
que tal resulte da interpretação ou da própria norma), essas normas serão aplicadas
com prevalência sobre as regras gerais de conflitos.
Imagine-se que se na lexcausea se depara com uma norma de aplicação imediata.
Quidiures? Tal não tem qualquer problema, aplicando-se essa norma por tal integrar a
lexcausae e não por ser uma norma de aplicação imediata, a não ser que tal viole a
nossa ordem jurídica ou a não ser que existisse uma norma de aplicação imediata
portuguesa e tiver vontade de aplicação ao caso concreto. Para além do que foi
referido, a norma de aplicação imediata estrangeira não seria aplicável se fosse
espacialmente auto limitada. Ou seja, a lei estrangeira de aplicação imediata da
lexcausae (que integra o âmbito de aplicação do direito estrangeiro) também não
será aplicável se for espacialmente auto limitada, e sendo-o não se verifique no caso
concreto o elemento de conexão para que ela própria se considere aplicável. Não
sendo tal norma aplicável, e tendo em consideração que a regra de conflitos manda
aplicar o direito estrangeiro, é necessário encontrar nesse quadro a norma aplicável.
Neste caso, pode suceder que existam normas que estabeleçam que só tem
aplicabilidade se verificar a existência de um elemento de conexão, mas não impõe a
sua aplicação sempre que se verifique o elemento de conexão trata-se de hipóteses
em que é competente uma lei estrangeira e dentro desta existem normas
espacialmente auto limitadas.
QUESTÃO MAIS COMPLICADA: qual a relevância das normas de aplicação imediata
quando elas pertencem a um terceiro ordenamento jurídico (não é o ordenamento
jurídico do foro mas também não é o ordenamento jurídico cujas leis a regra de
conflitos manda aplicar)? Existem três hipóteses:
Ignora-se a existência da norma de aplicação imediata: não pertencendo ao
direito do foro nem ao direito que o foro manda aplicar, esta seria a hipótese
mais provável. Mas este não é o caminho hoje dominante na doutrina.
Toma-se em consideração e eventualmente aplica-se
Diz-se que sim, desde que haja titulo expresso de atendibilidade dessas normas
O que justifica a aplicação de uma norma de aplicação imediata de um terceiro
ordenamento?
Segundo alguns dos autores alemães tal deve-se àTeoria da ConexãoEspecial,
ou seja dentro da regra geral de conflitos seria necessário encontrar certos
sectores dentro dos quais faria sentido aplicar-se a solução especial.
Princípio da Harmonia Jurídica: a terceira legislação pode ser um ordenamento
jurídico também conectado com a situação (conexão estreita).
Princípio da Efectividade das Decisões/Exequibilidade das Decisões: deve-se
respeitar uma norma de aplicação imediata de um terceiro estado como
forma de admitir que a sentença na lei do foro possa ser valida nesse terceiro
estado.
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Exemplo: Suponha-se que uma empresa/sociedade comercial celebra um contrato
de fornecimento de mercadorias com outra sociedade comercial. As mercadorias
seriam aplicadas num país estrangeiro, mas a lei aplicável não é a desse país mas
outra. Se no estado em que se deve entregar os bens existir uma lei que proíba a
importação desses bens, tal norma de aplicação imediata deve ser tomada em conta
porque aquele contrato nunca será valido nesse país. Deve-se atender a tal norma de
aplicação imediata, porque é uma norma que pertence ao país da execução do
contrato e consideraria a execução ilegal.
Segundo o art. 9º do Regulamento de Roma I: nos termos do nº3 quando se fala em
‘’consequências’’ está se a referir a saber se a decisão será ou não exequível, se
decorre ou não um desequilíbrio da harmonia internacional, etc.
No campo de aplicação dos contratos internacionais aos quais é aplicável o
Regulamento de Roma I existe o art. 9º/3 que consagra uma solução? E quanto aos
casos em que não exista uma solução expressa? se não existir um titulo expresso de
atendibilidade pode-se afirmar a existência de duas soluções: (1) não aplicação em
caso algum; (2) aplica-se mas tem de existir um qualquer fundamento para tal.
Nos termos do art. 65º/2 existe um título de atendibilidade de normas de aplicação
imediata: ‘’ainda que o acto seja praticado no estrangeiro’’, ou seja é necessário que
essa norma tenha sido desenhada para ser aplicada independentemente da regra
geral de conflitos; é necessário que a norma tenha vontade de aplicação. Trata-se do
estado da lei pessoa do autor da herança no momento da celebração do
testamento.
Nos termos do art. 11º/5 do Regulamento de Roma I trata-se de uma disposição que
surge numa norma de conflitos: se a lei do lugar em que se situa o bem imóvel que é
objecto do contrato exigir uma determinada forma independentemente do lugar de
celebração do contrato, essa forma prevista pelo pais da situação do imóvel ira
prevalecer. Institui-se o titulo de atendibilidade da norma de aplicação imediata.
Nos termos do art. 875º, trata de uma norma de aplicação imediata sendo-o
ponderada a razão de ser da norma e as implicações de segurança jurídica que lhe
estão subjacente. Quanto aos imóveis situados em Portugal a forma de celebração
tem de ser a que a lei portuguesa consagra, independentemente de o contrato ser
celebrado no Estado Y em que se exige apenas a forma verbal.
E se não existissem normas expressas, ou seja nenhum título expresso? É possível
atender a uma norma de aplicação imediata que surja num terceiro estado? O
interprete pode encontrar os títulos de atendibilidade não em normas, mas sim em
princípios? Como por exemplo, o Princípio da Efectividade das Sentenças?
A solução não é ilíquida, não podendo a solução servir para questionar tudo. Existem
evidentemente riscos para a sobreveção de um sistema de regras bilaterais através de
elementos quase unilateralistas, mas evidentemente que se deve ser cauteloso e só se
pode considerar uma norma de aplicação imediata cujo seu caracter não esteja
consagrado na norma depois de uma rigorosa interpretação e se tal consubstanciar
uma solução clarissimamente exigida de acordo com os princípios de DIP.
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Próxima Aula:
Análise das Normas Materiais de DIP
Regras de Conflitos, Normas de Aplicação Imediata e Normas Materiais de DIP
Problemas de aplicação das normas de conflitos
Qualificação das normas de conflitos
28 de Fevereiro – Aula 5 (Prof. Luís Barreto Xavier)
NORMAS MATERIAS DE DIP
Existe uma semelhança com as normas de aplicação imediata, que assenta no facto
de se tratar de normas materiais, mas depois existe um critério de delimitação
conceptual um pouco diferente. As normas materiais de DIP tem como
particularidade a circunstância de se aplicarem e apenas se aplicarem a situações
privadas internacionais, isto é, as normas materiais de DIP não se aplicam a situações
puramente internas, relativamente internacionais e só se aplicam a situações
absolutamente internacionais. Deste modo, estas normas contem uma disciplina
jurídica substantiva que visa abarcar dentro das situações de natureza privada
aquelas que tem contacto com mais de uma ordem jurídica.
ORIGEM DAS NORMAS MATERIAIS DE DIP: de um modo geral, olha-se para o direito
privado de um determinado estado encontra-se predominantemente normas
materiais que são normas materiais comuns. Por exemplo, o art. 685º/1 do CC é
aplicável a uma dada situação de natureza privada independentemente de tal
situação ter caracter puramente interno, relativamente internacional ou
absolutamente internacional, ou seja o seu conteúdo convive bem com situações que
estão dentro do âmbito do DIP como do ordenamento jurídico local. Nos termos do
art. 1862º esta norma poderá ser aplicada a (todas as) situações internacionais? A
situações puramente internas, não existe qualquer dúvida que se aplique. Quanto a
situações relativamente internacionais também se poderá aplicar. E a situações
absolutamente internacionais? A única dúvida que poderá surgir assenta no facto de
nós temos muitas vezes de ter presente que é necessário distinguir matérias de
natureza substantiva e natureza processual. Em matéria de natureza processual, em
regra, aplica-se a lei do foro. Estaria fora de questão que o tribunal cível X fosse aplicar
o CPC espanhol. Esta também fora de questão que um tribunal com competência em
matéria penal vá aplicar um código penal estrangeiro. Ou seja, as normas de conflitos,
e o problema de saber qual o direito aplicável, vale para o direito substantivo e não
para o direito processual. O que é relevante é que estas normas são feitas com
independência de saber se a situação em que vão ser aplicadas é uma situação ou
não de natureza internacional; elas são construídas sem ter em consideração o
caracter ou não internacional. Deste modo coloca-se a questão de saber o porque
da existência de normas materiais de DIP?
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As normas materiais unificadas de DIP podem ser:
Aquelas que de alguma forma se substituem aos direitos nacionais, o que
significa que se aplicam quer a situações puramente internas quem a situações
absolutamente internacionais. Trata-se no fundo de substituir direitos nacionais
por um direito que se for convencional será um direito supranacional. Por
exemplo: a lei uniforme sobre as letras e livranças e lei uniforme do cheque
convenções internacionais que estabelecem um regime unificado que se
aplica quer a situações puramente internas quer a situações absolutamente
internacionais. Mas tal regime, por não ser totalmente completo, não resolve
todos os problemas. Mas tal não afasta a questão de saber qual a lei aplicável
porque nem todos os estados são partes nessas convenções.
Normas que são aplicáveis exclusivamente a situações internacionais, que
procedem à regulamentação de situações internacionais. Por exemplo, a
Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de
mercadorias contém um corpo de regras aplicáveis à compra e venda
internacional de mercadoria; são normas materiais que resultam de uma
convenção internacional e são exclusivamente aplicáveis a compras e vendas
internacionais (caracter exclusivo internacional).
Exemplo: Tratados celebrados entre Portugal e o Brasil quanto a impostos delimitam
espacialmente o âmbito do direito público, e não de DIP.
Para se ser normas materiais de DIP é necessário que tenham (1) caracter
internacional e sejam (2) normas materiais.
As normas materiais não têm de resultar apenas de convenções, podendo também
resultar de legislação nacional. Tome-se em atenção o art. 2223º: é uma norma
material de DIP? Além de ser uma norma de aplicação imediata é também uma
norma material de DIP: ‘’cidadão português em país estrangeiro’’ – esta norma só se
aplica a situações estrangeiras, uma vez que tem conexão com mais de uma ordem
jurídica (a ordem jurídica portuguesa e a ordem jurídica do país (estrangeiro) em que
foi celebrado o testamento).
Quanto às normas materiais que cada estado edita como regulamentação geral são
normas adequadas para regular situações internacionais? Ou visam apenas as
situações puramente internas?
Na verdade trata-se de saber se existe uma diferença substancial entre as situações
puramente internas e absolutamente internacionais. Existe uma diferença que justifica
um regime específico para as situações puramente internas e absolutamente
internacionais? Pensando nas situações mais comuns, por exemplo no Direito da
Família, o casamento entre duas pessoas portugueses que residem habitualmente em
Portugal merece um tratamento diferente do casamento celebrado entre um
português e um espanhol? Exceptuando as diferenças entre os sistemas (poligamia,
regime de bens, etc.), não se justifica um regime diferente quando os nubentes são
apenas de nacionalidade diferente. Por via de regra, as normas editadas para as
situações puramente internas são também adequadas para as situações
absolutamente internacionais.
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Mas nem sempre é assim: caso de adopção transnacional justificam-se ou não
regras especificas quando a adopção implique a transferência da criança de um pais
para o outro? Claro que sim. No comércio internacional (sentido amplo: transferências
internacionais de bens e serviços; operações financeiras e bancárias internacionais)
parece evidente que existem problemas específicos, sendo que muitas situações
privadas exigem um regime especifico daquele que resulta do direito interno de cada
estado. Muitas vezes o regime assenta em normas resultantes dos usos e dos costumes
(lexmercatorie)trata-se de normas que diariamente são observadas e que resultam
de acordos mais ou menos implícitos, regras técnicas resultantes de certas praticas e
de costumes desde há muito seguidos.
Existe um conjunto de regras, de princípios, de criação não estadual e que tem por
objecto a regulamentação de situações do comércio internacional no sentido amplo
do termo que podem reconduzir-se à categoria de lexmercatorie e susceptíveis de
aproximação às normas materiais de DIP
As normas sobre o direito dos estrangeiros são normas materiais de DIP porque
respeitam a determinados direitos e deveres atribuídos a um estrangeiro num país
local.
As normas materiais de DIP são normas que sendo substantiva, sendo materiais,
resolvendo directamente o conflito de interesses em causas se aplicam directamente
quando a situação é internacional (conexão com pelo menos duas ordens jurídicas).
Note-se que o art. 2223º é uma norma de aplicação imediata mas é simultaneamente
uma norma material de DIP, o que significa é que essa norma é autosubsistente. Mas
nem todas as normas matérias de DIP são normas de aplicação imediata, ou seja nem
todas contem elementos sobre a sua aplicação no espaço o que conduz a que elas
sejam aplicáveis por força das regras gerais de conflitos, não se substituindo ao direito
de conflitos. Deste modo, se o direito português contiver uma norma material de DIP
essa norma será aplicável se o direito de conflitos remeter para o direito português.
Em suma, o DIP contemporâneo é um DIP multiforme, ou seja muito diversificado nas
suas fontes (fontes internas, fontes internacionais (convenções internacionais e outras
regras de organização internacional), fontes de DUE, etc.), nos métodos de solução de
DIP (utiliza o método conflitual (normas de conflitos de leis que naturalmente estão
ligadas a certos princípios que lhes a informam – Princípio da Não Transactividade das
Leis), e outras vias alternativas (parte dessas vias são as normas de aplicação imediata
e as normas materiais de DIP). Note-se que as normas de aplicação imediata e as
normas matérias de DIP têm subjacente a si elaborações teóricas que podem ser
reconduzidas a duas categorias/concepções:
CONCEPÇÃO DO INTERESSE ESTADUAL:A que indica como essencial na
resolução das situações de DIP a análise do interesse do estado ou do
governo, ou seja para se saber qual a lei aplicável é necessário olhar para o
interesse estadual face a essa situação. Evidentemente que se começava pela
analise do interesse do foro na aplicação das suas normas, e se não existisse
averiguar-se-ia o interesse estadual dos estados estrangeiros. Para estes autores
que defendem os interesses do estado, vem aquilo a que chama-se normas de
aplicação imediato vêm isso como uma forma de tutela dos interesses
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page24
estaduais. Cada norma de aplicação imediata esta a exprimir um interesse
estadual para que aquela norma se estenda sempre que exista uma
determinada conexão com o estado do foro. Trata-se de uma generalização
deste tipo de raciocínio. Dever-se-ia olhar para as normas e ver qual asuaratio
sendo que esta depende do interesse estadual.
CONCEPÇÃO SUBSTANCIALISTAS: estes autores defendem que as situações
internacionais têm uma natureza distinta das situações puramente internas,
merecendo um regime diferenciado. Trata-se de encontrar soluções que sejam
mais adequadas para as situações de DIP do que aquelas que resultam dos
interesses estaduais. Alguns defendem sobretudo soluções que resultam da
própria actividade dos operados na vida económica internacional enquanto
outros defendem a actividade do estado para encontrar regimes aceites e
específicos.
O DIP actual é um direito no qual estas ideias têm alguma expressão, mas não
suficiente para afastar o regime regra dos conflitos de leis que assenta na regra de
conflitos de leis, apesar de por seu turno esta já não ser a que inicialmente concebida
por Savigny era uma regra rígida, indiferente ao conteúdo material das normas, etc.
hoje a regra de conflitos é flexível, dando espaço ao juiz para encontrar a lei mais
adequada/justa, a lei que melhor prossegue o Princípio da Harmonia Internacional
Jurídica, etc.
Por fim, o que acontece quando há um conflito entre duas normas de aplicação
imediata?
Pertencendo ao mesmo sistema não pode existir um conflito entre duas normas
de aplicação imediata até por força do Princípio de Harmonia Internacional.
Se as normas pertencem a sistemas/ordenamentos jurídicos diferentes:
Se um dos sistemas é o do direito do foro, aplica-se a norma de
aplicação imediata do foro
Se uma das normas integrar a lexcausae, em principio não existe
qualquer problema. Contudo, pode eventualmente colocar-se se existir
um titulo de atendibilidade de um terceiro estado (art. 9º/3 e 11º/5 do
Regulamento de Roma e art. 875º CC)
Se ambas as normas pertencerem a países terceiros, ou há titulo de
atendibilidade ou não há. Existindo titulo de atendibilidade será o
ordenamento jurídico no qual existe; não existindo cabe ao interprete
analisar caso a caso se existe algum titulo de atendibilidade implícito
(principio), sendo que tal depende de uma analise que toma em
consideração diversos factores à qual tem de presidir um juízo da
própria justiça global.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page25
QUALIFICAÇÃO EM DIP
QUALIFICAÇÃO: olhar para uma dada realidade e ver se essa realidade tem ou não
as características necessárias para poder ser reconduzida a um determinado conceito
jurídico. Ou seja, qualificação significa olhar para uma certa situação/facto e ver se tal
reproduz ou não as características que estão indicadas numa dada previsão
normativa.
Exemplo: António agride Bento com um soco causando ferimentos este facto pode
ser qualificado como crime de ofensa à integridade física? Apenas se for um facto
típico, ilícito, culposo e punível e se não existir qualquer causa de justificação e/ou
exculpação. Se todavia estivermos a pensar neste mesmo facto e se quisermos saber
se este facto é gerador de responsabilidade civil é necessário ver se o facto é típico,
ilícito, culposo e possui um nexo de causalidade. Poder-se-á ainda pensar nesse facto
como gerador de outro tipo de consequências jurídicas, nomeadamente quando a
questões resultantes de direito do trabalho podendo originar o fundamento de
despedimento com justa causa; disciplinar no caso do exército e na função pública;
se fosse filho e tivesse morto o pai poderia ser fundamento de incapacidade
sucessória; quanto a seguros de responsabilidade civil, etc.
Se o facto se encontra conectado com mais de uma ordem jurídica, em que por
exemplo o Bento é residente em Espanha e o António reside em Portugaltal facto
pode ser valorado de forma diferente no direito espanhol, uma vez que este não é
semelhante ao direito português. O problema que se coloca não é directamente de
saber se o facto deve ou não ser qualificado como um facto gerador de
responsabilidade civil, mas sim a que normas de conflitos se irá recorrer para solucionar
o conflito de leis em causa. Existem muitos casos em que é a própria qualificação
jurídica do facto que é diferente: aquele facto que num estado merece um
enquadramento num determinado tipo de normas, noutro estado merece um
enquadramento num instituto completamente diferente:
Exemplo1: Em direitos reais, a transmissão da propriedade ocorre por mera celebração
do contrato. O mesmo facto material de celebração de um contrato de compra e
venda se for celebrado entre uma sociedade comercial com sede em Portugal e uma
sociedade comercial com sede na Alemanha de um bem imóvel não se sabe se o
direito real de transmitiu por mero efeito do contrato ou se só se transmitiu através de
um acto posterior destinado a esse efeito.
Exemplo2: Suponha-se que duas pessoas celebram, num determinado país perante o
conservador de registo civil, um casamento sendo do mesmo sexo. No país de A o
casamento homossexual é admitido mas no país de B não. A mesma realidade
fáctica, acompanhada ou não de actos jurídicos, pode ser qualificada de forma
distinta por sistemas jurídicos diferentes.
Perante uma situação internacional o principal problema que existe para determinar a
lei aplicável é saber qual é a norma de conflitos a que se vai recorrer para dirimir o
conflito de leis. Não é obvio qual é essa norma de conflitos, uma vez que só seria obvia
se existisse uma pre compreensão directa do próprio caso que permitisse qualificar os
casos independentemente do sistema com o qual ele esta conectado; ora esses
factos vão ter a relevância jurídica que lhes for dada pelos sistemas com o qual
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eleesta em contacto, não existindo nada na sua natureza que os obrigue a qualificar
de determinada maneira. Deste modo, só tendo conhecimento dos sistemas que
estão em contacto com a situação é possível saber qual a regra de conflitos a que se
ira recorrer para resolver o problema. Tal traduz a primeira especificidade do assunto.
INTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS QUE NA NORMA DE CONFLITOS DELIMITAM O
RESPECTIVO OBJECTO/CONCEITO – QUADRO: a norma de conflitos tem uma estrutura
triangular: elemento de conexão, conceito quadro e consequência jurídica. O
conceito quadro tem como função delimitar o âmbito dentro do qual a norma de
conflitos vai operar. O elemento de conexão serve para seleccionar dentro dos
elementos da situação aquele que sera decisivo para determinar a lei aplicável. A
consequência jurídica traduz-se em determinar a aplicabilidade da lei que resulta do
elemento de conexão; reconhecimento de competência a uma determinada lei para
resolver uma determinada questão e dentro do âmbito circunscrito pelo conceito
quadro. Quando se olha para conceitos que surgem nas normas de conflito, por
exemplo o casamento para efeitos do art. 49º a 55º, o casamento será o mesmo que
em Direito Da Família? Nos termos do art. 46º, este conceito quadro tem que alcance?
Posse, propriedade e demais direitos reais no art. 46º é o mesmo que surge no livro de
direitos reais? O que é o casamento, a posse, a propriedade e demais direitos reais
para efeitos da regra de conflitos? Existem duas alternativas para a interpretação dos
conceitos quadro:
ALTERNATIVA1: Realidade do direito substantivo/interno português – as normas
de conflitos são integrantes do direito interno português e portanto, ate por
força da ideia de unidade do sistema jurídica, elas não podem deixar de ter o
mesmo sentido e alcance que tem o direito português.
É necessariamente assim? Um mesmo conceito tem de valer de forma idêntica
para os diferentes ramos de direito? Ou o Direito pode apropriar-se de
realidades distintas sem que isso ponha em causa a realidade jurídica?
O conceito de empresa tem um sentido diferente para o CIRE, para o Código
Comercial, etc. Um conceito de transmissão para efeitos fiscais pode ser
diferente do conceito de transmissão para o direito civil. A realidade pode ser
a mesma, mas os efeitos jurídicos são diferentes. Não existe uma necessidade
lógico nem uma necessidade ligada à unidade do sistema jurídica que os
conceitos quadros das regras de conflitos sejam interpretados de forma
idêntica aos conceitos das normas substantivas. Mas essa coincidência existe
ou não existe? para responder a tal é necessário saber se é adequado ou não
interpreta-los à luz do direito material do foro. Exemplo: dois sujeitos nacionais
de um país europeu que litigam em Portugal relativamente a um bem imóvel
situado num país estrangeiro da sua nacionalidade, sendo residentes habituais
em Portugal. Se nesse ordenamento jurídico existir um direito que tem um traço
comum com os nossos direitos reais mas em tudo o resto é diferente, quidiuris?
Se fosse enquadrado no direito português seria um direito real mas não tem
qualquer semelhança global com os nossos direitos reais. A regra de conflitos
adequada para dirimir este litigio será a relativa ao direito das obrigações ou
aos direitos reais? Trata-se no fundo de saber qual é a função do conceito
quadro e da própria norma de conflitos.
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Regressando um pouco atrás: a determinação/interpretação de uma norma
jurídica passa pela analise da previsão e estatuição. Como se analisa a
previsão? Por exemplo, o art. 877º visa impedir que o pai ou o avô em conluio
em conflito com o filho ou neto simule uma compra e venda como forma de
beneficiar um dos filhos ou dos netos, em prejuízo dos outros. Se tiver sido feita
uma compra e venda de um bisavó ao bisneto pela ratio do art. 877º tal é
proibido. Toda a razão de tutela da norma vale para bisavós e bisnetos.
Interpreta-se extensivamente a previsão da norma em razão da ratioleges. A
previsão da norma é constituída em função da estatuição.
Deste modo é necessário saber qual a razão de ser das normas de conflitos.
Nos termos do art. 46º, a razão de ser assenta na efectividade das decisões, ou
seja a escolha do lugar da situação do bem como elemento de conexão
resulta de vários factores e do facto de essa ser a lei mais adequada para
reger os problemas jurídicas para os quais os direitos inerentes as coisas foram
pensados. O que o art. 46º trás é um regime diferente da lei aplicável às
obrigações. Por exemplo, um contrato de compra e venda de um imóvel
segue diferentes regimes quanto a diversos aspectos desse contrato
(depesage). Existe uma depesage da situação por efeito da qual podem ser
aplicadas diferentes leis a diferentes aspectos. Qual a razão da depesage?
Alguns autores entendem que utilizar a depesage compara-se a construir uma
bicicleta com peças de marcas diferentes: é difícil fazer a bicicleta andar.
De acordo com o sistema da depesage é necessário distinguir aquilo que é
direito real do direito obrigacional: o tal direito que se qualificava como real
face ao sistema jurídico estrangeiro, de acordo com o art. 46º é um direito
obrigacional ou real? Este direito tem características semelhantes às dos nossos
direitos reais mas não estão no catalogo do nosso direito real. Aplica-se o art.
46º ou não?
Sendo normas de conflitos bilaterais destinam-se a determinar quando é que as
normas portuguesas e estrangeiras se aplicam, sempre tomando em
consideração o Princípio da Paridade. Se nós tivermos necessariamente a
reconduzir ao direito material os conceitos quadros estaremos a desrespeitar o
princípio da paridade, uma vez que um direito estrangeiro não ira concorrer
em igualdade de circunstâncias com o nosso direito, nomeadamente quando
o direito estrangeiro tiver um instituído não previsto no nosso ordenamento
jurídico. Analisemos as restantes alternativas.
ALTERNATIVA2: recorre-se ao direito comparado. Os conceitos quadros
deveriam ser entendidos tendo em conta uma análise comparativo dos
diferentes ordenamentos tentando encontrar um dominador comum entre os
ordenamentos. Deixará sempre de fora aspectos que por exemplo só estão
previstos num ordenamento jurídico. Não é viável.
ALTERNATIVA3: recorrer à lexcausae (direito para o qual remete a lei de
conflitos). Se o imóvel estivesse situado na Eslovénia recorria-se ao direito de lá
e verifica-se se tal consubstanciava ou não um direito real.
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Todas as alternativas analisadas até agora fazem esquecer o momento central da
interpretação de uma norma: a ratio. Deste modo, estamo nos a esquecer qual a ratio
de cada norma de conflitos. A ratio do art. 46º por exemplo visa a efectividade das
decisões, encontrar a lei mais conectada com a situação, encontrar uma lei que
tutele as expectativas das partes, etc. quer dizer as normas de conflitos têm uma ratio
que esta precipitada num determinado elemento de conexão. Cada norma de
conflitos resulta de uma dialética entre o elemento de conexão e o conceito quadro.
Tal no art. 877º, o direito de impugnar a venda (consequência jurídica) resultava de
uma determinada ratio resultante da previsão, nestes casos o elemento de conexão
deriva da ratio. Isto é, se se escolhe o elemento de conexão nacionalidade para
determinar a lei aplicável ao casamento significa para todos os casos de contrato
celebrado entre duas pessoas que visam constituir familiar independentemente de tal
compreender ou não ao âmbito material das normas de direito da família. O conceito
de casamento para efeitos do art. 49º e ss pode abranger realidades que não tem
directa expressão no nosso direito material.
4 de Março – Aula 6 (Prof. Luís Barreto Xavier)
INTREPRETAÇÃO DOS CONCEITOS QUADRO DAS NORMAS DE CONFLITOS
(CONTINUAÇÃO)
Os conceitos quadro são conceitos juridicamente, e mais concretamente técnico
jurídicos no sentido em que não são meros conceitos jurídicos porque o Direito pode
apropriar-se de meros conceitos fácticos. Todos os conceitos quadros não podem ser
delimitados exclusivamente em conceitos factuais pois merecem uma valoração
jurídica e operações mais ou menos complexa para apurar o respectivo sentido. A
resposta para esta magna questão terá que assentar em que estes conceitos,
integrando-se cada um deles numa determinada norma jurídica, hão-de ser
interpretados de acordo com o respectivo fim da norma de conflitos (interpretação
teleológica). A interpretação dos conceitos quadros vai depender do juízo valorativo
que esta inerente à norma de conflitos. Qual a razão de ser da própria norma de
conflitos? Tal irá apurar-se tendo em conta o sistema em que a norma se integra: se a
norma é uma norma de conflitos do CC, o seu alcance e inerentemente o alcance do
próprio conceito quadro, irá resultar do juízo valorativo da própria norma que se insere
no CC. Se a norma de conflitos integrar um regulamento da UE, é necessário
interpretar o seu juízo valorativo à luz do regulamento e no âmbito de inserção de tal
regulamento no seio da UE. Deste modo, o conceito quadro de casamento, contrato,
compra e venda, etc irá ganhar alguma autonomia relativamente ao direito material
do foro. Tal autonomia viola a ideia de unidade do sistema jurídico? O facto do
conceito de casamento do art. 49º e ss ser diferente ou não necessariamente
coincidente com o conceito de casamento do Livro da Família lesa o sistema jurídico?
Não, desde que as consequências jurídicas dessas normas não sejam contraditórias, o
direito pode servir-se dos conceitos atribuindo-lhe um sentido diferente daquele que é
dado noutro ramo do direito, para outros fins e para resolver outro tipo de questões.
Se um conceito quadro estiver conceito numa norma de conflitos do CC é irrelevante
o que estiver consagrado no direito material português? Não, é necessário existir
pontos comuns sendo necessário olhar para o direito material como um ponto de
partida e não como ponto de chegada. O essencial é analisar autonomamente a
norma de conflitos para procurar encontrar o seu sentido.
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Partindo do direito material com o objectivo de encontrar um sentido autónomo para
as regras de conflitos é necessário saber como reconstruir o juízo valorativo de cada
norma de conflitos. Exemplo: o conceito quadro do art. 52º assenta nas relações entre
os cônjuges. Para encontrar o seu juízo valorativo o ponto de partida será recorrer ao
direito material, ou seja ir aos artigos no livro da família que regulam as relações entre
os cônjuges. Poder-se-ia recorrer ao direito comparado mas tal não seria decisivo
embora relembre que a função das normas de conflitos é determinar qual é a lei
competente, ou seja determinando o direito competente independentemente desse
direito ser o do foro ou estrangeiro. O conceito quadro há-de ser suficientemente
amplo para que nele possam caber realidades normativas de muito diferente
configuração. O recurso ao direito comparado será necessário para apurar quais os
tipos de realidade que temos de encarar como possíveis de aplicação. Contudo, o
direito comparado não resolve na pratica o problema: é impossível a partir do direito
comparado encontrar um conceito comum e alem disso remeter exclusivamente para
o direito comparado seria deixar nas mãos de um direito de comparação algo que
tem de caber ao direito do foro (a norma de conflitos pertente ao direito do foro e
este é que terá determinar o seu alcance). O critério de interpretação das normas de
conflitos há-de ter como aspecto basilar a circunstancias de que essa interpretação é
autónoma fase ao direito material mas não o será face à luz do direito do foro. É em
função da razão de ser das normas de conflitos que tal se apura. As normas de
conflitos ao determinarem a lei aplicável fazem-no escolhendo o elemento de
conexão. Aqui está precipitada a ideia valorativa de que alguma maneira justifica
uma dada solução, ou seja a norma de conflitos resulta conjugação funcional entre
um dado elemento de conexão e um conceito quadro que define o âmbito dentro
do qual o elemento de conexão vai actuar. O juiz valorativo que temos de descobrir é
se o legislador escolheu para a matéria da relação entre os cônjuges aquele
elemento de conexão, se tal faz sentido para as relações entre os cônjuges, para que
tipo de normas esta solução conflitual deste elemento de conexão escolhido faz
sentido. Deste modo, analisemos o art. 52º que consubstancia uma regra de conflitos
múltipla subsidiária (‘’na falta desta’’). As relações entre os cônjuges são reguladas de
acordo com uma das três leis hierarquicamente consagradas. É necessário ao
interpretar o art. 52º ter em consideração a norma especial do art. 53º: neste artigo
temos uma norma especial face à norma do art. 52º, isto é se não existisse esta norma
do art. 53º o conjunto de relações entre os cônjuges consagrados no art. 53º seriam
regulados pelo art. 52º. O legislador excluiu algumas situações do art. 52º escolhendo
um elemento de conexão diferente no art. 53º ambos têm como elemento de
conexão a nacionalidade comum mas no art. 53º fixa-se o momento em que este
elemento é relevante (‘’ao tempo da celebração do casamento’’), sendo que para o
art. 52º o momento relevante será o actual fazendo uma interpretação sistemática. Na
matéria do regime dos bens e das convenções entendeu-se que não deveria ocorrer
a mutabilidade da lei aplicável quanto a essas matérias: tal deve-se à expectativa
que as partes têm no momento em que celebram o casamento, ou seja conta-se que
se irá aplicar aquela lei e não que esta seja susceptível de se vir a alterar
posteriormente. Não faria sentido, até para tutela de terceiros, deixar que as
mudanças nas matérias do art. 52º pudessem alterar-se com as mudanças dos
elementos de conexão.
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A que matérias faz sentido aplicar-se um elemento de conexão variável sendo que
nestes casos tal deve-se reconduzir ao art. 52º e por outro lado quais os casos em que
é razoável aplicar-se um elemento de conexão estabilizado sendo que nestes casos
aplica-se o art. 53º?
O conceito quadro da norma de conflitos interpreta-se à luz da teleologia própria da
respectiva norma em que se insere tendo em conta o próprio sistema de normas de
conflitos em que tal se encontra inserida. Para se encontrar a teleologia da norma é
essencial perceber o que é que esteve na base do elemento de conexão que foi
adoptado.
O que se procura na interpretação de cada norma de conflitos, em concreto do
conceito quadro, é reconstruir o juízo valorativo que esteve na sua base. Cada norma
de conflitos encontra-se inserida num direito de conflitos mas tal não chega, sendo
necessário acrescentar o seguinte: quando se aplica uma regra de conflitos por
exemplo do Regulamento de Roma I é necessário também interpretar o seu conceito
quadro. O que será contrato para efeitos do Regulamento de Roma I? Recorre-se ao
sistema em que está integrado o conceito: no fundo quando se diz que a
interpretação dos conceitos quadros é feita com autonomia e de acordo com o DIP
do foro é necessário ler que quando as normas de conflitos pertencem ao direito
interno do foro é necessário integrar os conceitos quadros de acordo com o DIP de
fonte interna do foro; mas se a regra de conflitos pertencer a um regulamento do UE
tal deriva do próprio espirito do Regulamento.
O art. 877º encontra-se inserido no Livro II nos Contratos em Especial. Interpretando
sistematicamente ela deveria ser integrada no Regulamento de Roma I. Será que faz
sentido o art. 877º ver a sua aplicabilidade dependente do Regulamento de Roma I?
O art. 877º tem na sua ratio questões de direito da família e mais concretamente de
sucessões (igualação de partilha e legítima). Na verdade está em causa uma tutela
de cariz sucessório. O art. 877º deve ser qualificado como norma relativa às sucessões
por morte, norma cuja aplicabilidade deve estar dependente da sucessão por morte
(POSIÇÃO DO PROF. LUÍS BARRETO XAVIERvsPROF. LIMA PINHEIRO: devia aplicar-se a
norma de conflitos do art. 57º). Se esta norma se destina a evitar que o autor do
património disponha de tal dissimulando através de uma compra e venda aparente
uma verdadeira liberalidade e com isso prejudicando outros herdeiros, tudo o que
aqui esta previsto não remete para a matéria sucessória? Sim: o art. 877º deve ser
interpretada em sede sucessória, o que faz sentido até em termos sistemáticos. A
norma que fixa a lei aplicável à sucessão faz sentido aplicar-se a estas hipóteses. O
único contra argumento existente é que no momento em que o contrato é celebrado
não esta em causa a sucessão, ou seja o autor da sucessão ainda não morreu pelo
como se aplica a nacionalidade do autor da sucessão como elemento de conexão?
Tal não impede a aplicação da lei se se presumir que ele ira manter a mesma
nacionalidade e ele não impede que outras normas sucessórias sejam aplicáveis por
força do art. 62º, normas sucessórias aplicáveis antes do falecimento do de cuius.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page31
Em suma/conclusões:
Mesmo relativamente ao direito material português, o seu papel é relevante
mas não é decisivo: no conceito quadro contratos não cabe por exemplo o
art. 877º que está integrado no contrato de compra e venda mas tem uma
ratio sucessória.
Entre a interpretação dos conceitos quadro e a sua aplicação a dadas normas
não há uma verdadeira clivagem/cisão entre dois momentos ontologicamente
diferentes: há uma certa continuidade resultante de uma relação circular entre
interpretação e aplicação.
HIPÓTESE PRÁTICA
A, de nacionalidade portuguesa, casado com B, de nacionalidade brasileira, residem
habitualmente em Portugal para onde se deslocaram há quatro anos. Anteriormente e
desde a celebração do casamento residiam habitualmente no Brasil, em São Paulo. A
decide vender o imóvel em que habitam e que lhe pertence por inteiro. B impugna
esta venda alegando falta de consentimento. Quidiuris?
DADOS ADICIONAIS RELEVANTES PARA A RESOLUÇÃO
Celebração do Casamento: República Dominicana
Lei Aplicável ao Regime de Bens: art. 53º/2 II parte (não se aplica o nº1 porque
não tem nacionalidade comum nem a I parte do nº2 porque como o caso
nada nos indica em contrario presume-se que a data do casamento A residia
em Portugal e B no Brasil) primeira residência conjugal: lei brasileira
Regime de Bens: comunhão de adquiridos
APLICAÇÃO DO ART. 1682º-A/2 como fundamento de impugnação por parte
de B? Só se a lei portuguesa fosse aplicável. E é? O art. 1682º-A/2 é uma norma
relativa às relações entre os cônjuges? Ou seja aplica-se o art. 52º/2? Uma vez
que se trata da casa da morada de família estamos face a uma tutela familiar.
O art. 1682º-A/2 pode reconduzir-se ao conceito quadro do art. 52º/2. Mas é
aplicável ou não? Qual o elemento de conexão que o art. 52º/2 estabelece?
O art. 1682º-A/2 só se irá aplicar se o art. 52º/2 determinar a aplicação da lei
portuguesa. O art. 52º/2 respeita à residência habitual comum no momento
actual. Como no momento actual eles residem em Portugal a lei portuguesa
seria aplicável e aplicava-se o art. 1682º-A/2 pelo que seria necessário o
consentimento de B.
Seria necessário ainda saber se a lei brasileira consagra solução idêntica à
nossa ou não devido ao Princípio da Paridade de Tratamento.
Se fosse semelhante à nossa seria qualificável nos termos do art. 52º em
relações entre os cônjuges e não seria aplicável a lei brasileira uma vez
que o nº2 do art. 52º remete para a lei portuguesa.
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Supondo agora que existiam as seguintes alterações (1) o imóvel em
causa não seria a casa de morada de família, mas outro imóvel
pertencente a A e (2) no direito brasileiro vigora uma norma material
que consagra o seguinte: ‘’a alienação de imóveis próprios de um
cônjuge nunca carece de consentimento do outro cônjuge’’.
DIREITO MATERIAL: no direito português, se a lei portuguesa fosse
aplicável, estaríamos no âmbito do art. 1682º-A/1 al. a): seria necessário
consentimento salvo se o regime adoptado for o da separação de
bens. Uma vez que A e B se encontram casados em regime de
comunhão de adquiridos, se a lei portuguesa fosse a aplicável seria
necessário consentimento. E neste caso aplicar-se-ia o art. 52º ou 53º?
Enquanto na hipótese anterior estava em causa a morada de família,
neste caso no nº1 do art. 1682º-A existe um regime estabelecido cujo
conteúdo vai depender do regime de bens adoptados: se o regime de
bens for da separação não será necessário consentimento, mas se for
de comunhão será consentimento esta norma esta agregada aos
regimes de comunhão, ou seja o legislador português veio estabelecer
uma disciplina normativa que agregou funcionalmente aos regimes de
comunhão estando a sua aplicabilidade dependente do regime de
bens adoptado pelo que estará a sua aplicabilidade dependente da
norma de conflitos do art. 53º e não do art. 52º. Deste modo, a norma
do art. 1682º-A/1 al. a) será aplicável ou não? Uma vez que o art. 53º
indica como elemento de conexão ‘’a lei da sua residência habitual
comum à data do casamento’’ a norma portuguesa não seria
aplicável. Aplica-se então a norma brasileira que indica que nunca será
necessário o consentimento? O tribunal português que esta a julgar o
litigio irá aplicar a regra de conflitos do direito português. A lei brasileira
só será aplicável se entendermos que irá funcionar o instituto do
reenvio. Ou seja, a norma material brasileira consagra que nunca será
necessário o consentimento pelo que a sua aplicabilidade depende de
que regra de conflitos? Art. 52º ou 53º? Uma vez que o conteúdo da lei
brasileira prescinde do consentimento do outro cônjuge
independentemente do regime de bens não se irá aplicar o art. 53º mas
sim o 52º, porque integra a disciplina geral das relações entre os
cônjuges. Deste modo, a lei brasileira será aplicável? Uma vez que o art.
52º remete para a lei portuguesa (‘’lei da sua residência habitual
comum’’ actual) a lei brasileira não será aplicável.
A lei portuguesa não seria aplicável devido ao art. 53º que através do
seu elemento de conexão não considerava competente o direito
português e a lei brasileira também não seria aplicável devido ao art.
52º. Qual a lei aplicável? Duas soluções:
Vácuo jurídico/conflito negativo de jurisdições
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OPINIÃO DO PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: tendo em
consideração que a aplicação da lei portuguesa (art. 1682º-A/1
al. a) não é aplicável por força do art. 53º) e da lei brasileira (a
norma que dispensa sempre o consentimento não é aplicável
por força do art. 53º) conduziam a soluções diferentes, não se
olhava para o Direito da Família e o contrato de compra e
venda era válido com base no princípio de liberdade que existe
no direito privado.
Suponha-se agora que a norma brasileira determina que a alienação de imóveis
próprios de um dos cônjuges carece sempre do consentimento do outro cônjuge.
Quidiuris?
A norma brasileira não dependendo do regime de bens faz com que a lei brasileira
também não seja aplicável por força do art. 52º. A lei portuguesa também não seria
aplicável por força do art. 53º. Neste caso seria necessário o consentimento uma vez
que apesar de nem a lei portuguesa nem a lei brasileira serem aplicadas ambas
exigem o consentimento. Aqui existe um conflito negativo de qualificações/vácuo
jurídico, ou seja uma hipótese em que por força do jogo normas das regras de conflitos
não se encontra uma solução que valorativamente seja aceite por nenhum dos
ordenamentos jurídicos em contacto com a situação.
Esta hipótese antecipou, de forma implícita, segunda grande questão da
qualificação: o objecto.
OBJECTO DA QUALIFICAÇÃO
A doutrina diverge quanto ao objecto da qualificação: para uns são factos ou
situações da vida e para outras normas materiais. Se fossem factos da vida nós
teríamos de ir perguntar as normas materiais dos diferentes ordenamentos jurídicos
qual o seu conteúdo antes de ir as normas de conflitos? Os factos não são suficientes
para os qualificar, para os tornar objecto da qualificação sem mais. Primeiro é
necessário analisar as normas em cada ordenamento jurídico que dão resposta à
questão/situação a regular. É evidente, contudo, que estes factos são relevantes: as
normas objecto da qualificação são aplicáveis aquele facto concreto, não sendo
tomadas em abstracto.
Em suma: quando nos deparamos com uma dada situação internacional que requer
uma solução jurídica não se sabe a priori a solução a dar a essa questão: não se sabe
se é um problema contratual, familiar, sucessório, etc. A situação em causa tem de ser
olhada à luz das pretensões nela envolvida; posteriormente tem de convocar os
ordenamentos jurídicos que estao em contacto com a situação e de seguida
averigua-se aquele que será aplicada. Contudo, primeiro é necessário ver em cada
ordenamento jurídico quais as normas que dão resposta a esse caso se esse
ordenamento jurídico for aplicado.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page34
7 de Março - Aula 7 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)SINTESE DAS ÚLTIMAS AULAS
As normas de direito material dão a solução para problemas de vida. As regras de
conflitos indicam dentro de um conflito de leis qual será a lei aplicável, mas não indica
qual a solução aplicável ao caso concreto. Uma lei só se pode aplicar a factos com
os quais tenha uma determinada conexão espacial. O âmbito de competência, mais
restrito do que o âmbito de eficácia, sendo determinado por uma regra de conflitos
sendo que esta só vai dirimir o conflito sobre as leis potencialmente aplicáveis.
ÂMBITO DA APLICAÇÃO DA NORMA:Uma norma só se pode aplicar fora do seu âmbito
de aplicação se se fizer uma interpretação extensiva ou aplicação analógica: a
norma descreve em geral e abstracto uma situação da vida e no caso concreto
verificamos se corresponde aquilo que a norma prevê ou não. Não se pode forçar a
aplicação de uma norma há situações em que ela não se quer aplicar a menos que a
situação se encaixe no âmbito ou no espirito da norma.
NORMA ESPACIALMENTE AUTO LIMITADA
A norma espacialmente auto limitada é uma norma que delimita o seu âmbito de
aplicação também em função da localização dos factos no espaço. Elas
expressamente ou implicitamente só se querem aplicar a factos que se localizem num
determinado âmbito territorial/aplicação.
Uma norma espacialmente auto limitada é um problema de aplicação de lei mas em
nada se relaciona com os problemas de DIP!! É uma norma material que delimita o seu
âmbito de aplicação no espaço tendo em consideração a localização dos factos.
Esta norma na sua aplicação concreta depende de um duplo requisito:
A lei a quem ela pertence tem de ser considerada competente pela regra de
conflitos aplicável
Os Factos localizados no espaço se encontrem na forma que ela impõe (não é
um elemento de conexão relevante para efeitos de DIP, servindo apenas para
delimitar o seu âmbito de aplicação no espaço)
NORMA DE APLICAÇÃO IMEDIATA OU NECESSÁRIA
São normas de direito material que não se delimitam a sê-lo, tendo expressa ou
implicitamente uma regra de conflitos. Ou seja, é uma norma de direito material que
se quer aplicar a mais casos do que aqueles que é aplicável a lei em que ela se
integra. O seu elemento de conexão tem relevância conflitual. Têm uma vocação
expansiva. Enquanto no caso da norma espacialmente auto limitada o problema é de
aplicação da norma, neste caso é um problema de âmbito de competência a que
ela pertence. A norma de aplicação imediata quer se aplicar a mais situações do que
aquela que o ordenamento jurídico se aplica se acordo com a regra de conflitos
geral. As normas sobre a cessação do contrato de agência são de aplicação
imediata ou necessária. A indemnização de clientela é um instituto imperativamente
internacional.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page35
Podem existir regras que sejam simultaneamente de aplicação imediata ou necessária
e de espacialmente auto limitada. Mas não é comum. A regra pode dizer que quer
aplicar para alem do seu âmbito de competência mas só a certos factos que se
encontrem localizados num dado local.
QUALIFICAÇÃO
Art. 15º CC:‘ ’norma mais genial do direito português’’ que resolve um problema
metodológica da aplicação da regra de conflitos. Resolve um problema que desde
de 1891 atormenta os juristas: problema de qualificação.
Uma regra de conflitos tem dois elementos estruturais (elemento de conexão e
objecto da conexão) e a outro elemento consequência dos anteriores (consequência
jurídica – reconhecimento da competência de uma lei).
QUALIFICAR: algo possui determinadas características que em geral corresponde
aquilo. Reconhecer numa realidade os atributos que o conceito qualificante tem.
Qualifica-se algo porque reconhece-se nessa coisa as características do conceito
qualificante. Qualificar é no fundo o processo inverso na subsunção. É aquilo que nós
quando aplicamos normas jurídicas a realidades de facto qualificamos juridicamente
essas realidades de facto. enquanto numa norma jurídica de direito material lidamos
com um conceito descritivo de uma realidade de facto, no caso do DIP estamos face
a uma norma sobre norma (uma regra de conflitos é uma regra sobre regra, regra essa
que pretende dirimir/resolver os conflitos entre as leis). Se a regra de conflitos resolve
conflitos entre as leis ela tem de se referir a essas leis. O que é complicado na
qualificação de DIP é que estamos a qualificar normas e não realidades de facto. A
consequência jurídica da regra de conflitos é consequência da operação do
elemento de conexão: ao localizar-se o elemento de conexão nos sabemos qual é a
lei competente. Mas a lei é competente para que? A lei é competente para intervir
através da determinação do conceito quadro. O direito de conflitos opera a lei
aplicável, não em função do que ela dispõe, mas em função da conexão dela com
os factos: se for a conexão mais estreita é com a aplicação dessa lei que as pessoas
contam. O conceito quadro delimita a matéria para a qual a lei seleccionada é
competente. Ou seja, quais são as normas da lei competente que vão intervir?
Segundo o art. 15º só vão intervir as regras que subsumam-se do conceito quadro da
regra de conflitos.
Análise do art 15º (muito importante!)
A competência atribuída a uma leio factor que desencadeia a
competência de uma lei é a localização do elemento de conexão
Abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que têm
nessa lei dessa lei
Integram o regime do instituto visado na regra de conflitossubsumem-se ao
conceito quadro da regra de conflitos que mandou aplicar essa lei
Qual é verdadeiramente o objecto da qualificação de DIP? Qualificam-se normas
jurídicas! Aquilo que se conexiona são normas jurídicas.
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CONCEITO QUADRO: é um conceito de questão.
A qualificação pressupõe que se tenha interpretado as normas regras de conflitos
(elemento de conexão e conceito quadro) e em segundo lugar que se tenha
aplicado.
Relações entre os Cônjuges: art. 52º e 53º
O art. 52º refere-se ao momento actualcabem as relações pessoais e as
relações patrimoniais que não dependam do regime de bens.
O art. 53º refere-se ao momento da celebração do casamentoexiste uma
manifestação de vontade das partes quando se casam (tanto quando
escolhem um determinado regime de bens ou quando não o escolhem e
aplica-se supletivamente, sendo mesmo assim uma manifestação de vontade);
existe uma expectativa dos nubentes em ser aquele o regime de bens desde
que se casam e que não venha a sofrer alterações. Aplica-se apenas às
relações patrimoniais entre os cônjuges que dependam do regime de bens
escolhido expressamente ou supletivamente.
As regras de conflitos são interpretadas à luz da nossa lei portuguesa, qualquer
conceito deve ser interpretada de acordo com o sistema em que se integra.
Quando no art. 52º o legislador consagra ‘’as relações entre os cônjuges são
reguladas pela lei nacional comum’’ o que é que ele pretende de facto dizer? Os
conceitos utilizados pelas regras de conflito interpretam-se autonomamente aos
conceitos das restantes normas materiais. Por exemplo, o casamento consagrado no
art. 52º, embora não seja muito relevante, não corresponde ao mesmo que se
consagra quanto ao casamento no Livro da Família. Um conceito utilizado por uma
regra de conflitos não tem necessariamente o mesmo sentido que tem o conceito
equivalente no direito material do foro.
A doutrina estrangeira costuma distinguir a qualificação em primária e secundária
dando origem à TEORIA DA DUPLA QUALIFICAÇÃO
QUALIFICAÇÃO PRIMÁRIA/COMPETÊNCIA(1)DIREITO MATERIAL + (2) REGRA DE
CONFLITOS + (3) LEI COMPETENTE: perante uma qualquer situação da vida jurídica
privada internacional a primeira coisa a fazer é determinar o problema jurídico
concreto e não em abstracto. Em direito português, no caso de uma prestação de
alimentos por exemplo, tal insere-se no art. 52º que manda aplicar a lei nacional
comum. O que foi relevante foi a qualificação de acordo com o nosso direito material.
Ou seja, a primeira coisa a fazer é fazer uma qualificação para saber qual a lei
competente. Por exemplo: ‘isto no caso é um problema de alimentos é consiste de
acordo com o direito material (LIVRO DA FAMÍLIA) num problema de relação entre os
cônjuges. Só depois disto é que se vai ver qual a regra de conflitos eu regula as
relações entre os cônjuges.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page37
⇓
PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO: A qualificação (primária) não é um passo
necessário para se determinar qual a lei aplicável. Parte-se da regra básica da Não
Transactividade: a situação x está em contacto com que leis? Por exemplo com a lei
da nacionalidade do cônjuge A, com a lei da nacionalidade do cônjuge B, com a lei
da residência habitual comum e com a lei do país com o qual a vida familiar se ache
mais estreitamente conexa. Todas estas leis podem vir a regular o caso e todas elas
são competentes.
NOTA;O instrumento da qualificação é o conceito quadro.
11 de Março – Aula 8 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
Já vimos que a norma de conflitos tem dois elementos estruturais: o elemento de
conexão e o conceito quadro que determina o elemento da conexão. O elemento
de conexão conexa um facto com uma lei com o objectivo de reconhecer
competênciaaquela lei, mas essa lei só será competente dentro de um determinado
âmbito de competência sendo este delimitado pelo conceito quadro.
TAREFAS INTERPRETATIVAS: como as regras de conflitos na nossa lei estão organizadas
não por elementos de conexão mas por conceitos quadro, é necessário saber
delimitar os conceitos quadros relativamente aos outros conceitos quadros, e tal faz-se
por interpretação da regra de conflitos. Aquilo que é casamento para um a norma de
conflitos não é necessariamente aquilo que se entende por casamento no Livro da
Família. A regra de conflitos como parte que é do direito do foro tem de ser
interpretada à luz do direito do foro, à lei da lei portuguesa tentando reconstruir o
pensamento do legislador que está na base da regra de conflitos. No art. 52º
mobilizou-se a conexão, ficando a conexão adstrita a um determinado momento
histórica (celebração do casamento) enquanto no art. 53º é uma conexão móvel.
Enquanto no art. 53º fixou-se temporalmente a conexão devido ao facto de as
pessoas terem escolhido aquele regime jurídico de bens: se fosse variável estar-se-ia a
frustrar as expectativas/confiança que as partes depositaram no regime jurídico
escolhido. Chegamos à conclusão que no art. 53º só cabem as matérias que
dependam exclusivamente do regime de bens escolhidos; todas
asrelaçõespatrimoniais que não dependam do regime de bens escolhidos pelos
cônjuges aplica-se o regime do art. 52º.
QUALIFICAÇÃO: Analisamos anteriormente que o conceito-quadro refere-se a normas
jurídicas de outros sistemas, que até pode ser o nosso. Aquilo que se conecta são
normas. Como se interpretam as normas de direito material? De acordo com o sistema
em que elas se integram. Naturalmente, as regras de direito material de um
determinado sistema jurídico tem de ser interpretadas de acordo com esse sistema
jurídico. Na aplicação do direito estrangeiro é necessário ser cauteloso, aplicando tal
como ele é aplicado no sistema jurídico em que ele faz parte. A regra de conflitos
determina a competência de uma lei estrangeira que será chamada a resolver uma
questão jurídica delimitada por um conceito-quadro. A qualificação traduz-se numa
perspestiva subsumir normas materiais de um direito estrangeiro ou do direito do foro,
ou seja o material que será qualificado ou subsumi-lo num conceito-quadro. Como é
que se la chega para se encontrar o material que será classificado? Os defensores da
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page38
dupla classificação argumentam no sentido de qualificar normas de uma
determinada lei mas como não se sabe qual a lei é preciso fazer uma primeira
qualificação.
Exemplo: Existindo uma determinada situação da vida (X) está conectada com a lei 1
e a com a lei 2. A lei 1 é a lei da nacionalidade comum dos cônjuges ao tempo da
celebração do casamento. A lei 2 é a lei da nacionalidade comum actual. Só existem
duas leis em contacto com a situação só podendo ser uma delas chamada a resolver
aquela situação. Parte-se do princípio que estas duas leis são competentes mas para
coisas diferentes. A lei 2 é competente para resolver todas as questões jurídicas que
não dependam do regime de bens escolhidos pelos cônjuges, enquanto a lei 1 resolve
as questões que dependem do regime de bens escolhidos pelo casamento. Na
prática existem duas leis em contacto com a situação e uma situação de facto a ser
regulado. Por hipótese a Lei 1 diz que aplica-se para a resolução do caso a norma X, Y
e Z enquanto a Lei 2 diz que aplica-se a norma A, B e C. Para que a norma X,Y e Z
serem aplicadas é preciso que sejam que a Lei 1 as considere competentes e depois é
ainda necessário que se subsumem no conceito-quadro.
ANÁLISE DO ART. 877º: esta regra resolve um problema de compra e venda? Se esta
regra vier a aplica-se numa regra de conflitos em que qual dos conceitos quadro se
insere? Qual o conceito quadro da nossa regra de conflitos que respeita a esta
norma? Art. 41º (esquecendo a existência do DUE)? Esta regra subsume-se ao conceito
quadro do art. 41º? Ou esta norma diz respeito a problemas de direito da família?
Procura-se o conceito quadro da regra de conflitos onde esta regra se subsume. É
necessário classifica-la na perspectiva do DIP, de acordo com as Regras de Conflitos.
A finalidade do art. 877º assenta em proteger quem? A regra destina-se claramente a
que um dos ascendentes não beneficie um dos descendentes prejudicando os
restantes descendentes. O ordenamento a que se vai buscar uma regra deste tipo
deve ser em função dos elementos de conexão dos contratos ou das relações
familiares? Claramente a segunda hipótese. O titulo porque ela intervém diz tudo.
A qualificação primária serve para encontrar a regra de conflitos que indica qual a lei
competente. Em Portugal não se faz a qualificação primária. A norma que aquele
ordenamento jurídica que se pretende aplicar ao caso tem que subsumir-se ao
conceito quadro de uma regra de conflitos cujo elemento de conexão manda aplicar
essa lei cujo essa regra de conflitos se insere.
ANÁLISE DO ART. 2133º/3: matéria sucessória ou de divórcio? O Sr. A (português) morre
e a Sra. B (alemã) vem reclamar uma parte da herança. Alguém bem dizer que a Sra.
B não herda porque nesse momento já estava separada judicialmente de pessoas e
bens. Eles residiam habitualmente em França. Quidiuris? Existem três leis
potencialmente aplicáveis: francesa, portuguesa e alemã:
Para o Sr. A aplica-se o art. 62º sendo a lei portuguesa a aplicável
Como eles residiam habitualmente em França aplicar-se-ia o art. 52º e 55º
Qual a lei competente neste caso? O entendimento geral é o seguinte: estando em
causa a regra do art. 2133º/3, fazendo parte da lei portuguesa, nos termos do art. 62º
manda-se aplicar a lei portuguesa. A lei sucessória é aquela que diz quem são os
herdeiros.
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HÍPOTESE PRÁTICA
DADOS DO CASO
ABEL – Português
BERTA – Francesa
Residiam em França (celebração do casamento)
Residem agora em Portugal
LEI FRANCESA
Lei Nacional da Mulher
Lei da Residência Habitual Comum ao tempo da celebração do casamento
LEI PORTUGUESA
Lei Nacional do Marido
Lei da Residência Habitual Comum Actual
Abel vendeu a casa de morada de família, sem o consentimento da esposa e a Berta
impugna a venda com fundamento no art. 1682º-A/2. Quidiures?
O art. 1682º-A/2 subsume-se ao conceito quadro do art. 52º ou do art. 53º? Neste caso,
quem se casar e contar com a aplicação da lei portuguesa sabe que não pode
escapar a isto, ou seja não há aqui a protecção de qualquer expectativa. Deste
modo, aplica-se o art. 52º.
Uma vez que a casa de morada de família em que eles é a residência habitual
comum aplica-se, de acordo com o art. 52º/2, a lei portuguesa.
Imagine-se agora que eles residiam habitualmente comum em Portugal, mas agora
residem em França.
Neste caso, de acordo com o art. 52º/2 seria aplicável a lei francesa, não se
aplicando o art. 1682º-A/2.
NOTA: O elemento de conexão determina qual a lei competente e o conceito-quadro
determina a competência dessa lei.
(?)O art. 1682º-A/2 é uma norma de aplicação imediata ou necessária?Se sim, e se os
sujeitos em questão fossem ambos franceses, apesar de se aplicar o art. 52º/1 o que
em princípio implicaria aplicar a lei francesa e pressupondo que no ordenamento
francês não exista nenhuma norma de cariz semelhante ao art. 1682º-A/2 sendo o art.
1682º-A/2 uma norma de aplicação imediata ou necessária que visa proteger todos os
núcleos familiares que tenham residência habitual comum em Portugal seria aplicada
esta norma.
⇓
Para se saber se o art. 1682º-A/2 é uma norma de aplicação imediata ou necessária é
necessário questionar se esta norma aceita ser só aplicada quando a lei portuguesa é
competente ou aplica-se independentemente de tal só pelo facto da casa de
morada de família se situar em Portugal?
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ANÁLISE DO ART. 1766º/1 AL. C): esta norma subsume-se a que regra de conflitos? É
uma consequência sancionatória do divórcio? As doações entre casados são
limitadas (por exemplo, caducam por morte do doador). Este artigo indica que a
doação entre casados caduca por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens
por culpa do donatário. Como se qualifica esta regra? Qual o estatuto a que
compete definir a perda dos apelidos pelo divórcio? À partida será ao estatuto
pessoal de cada um dos cônjuges. Contudo, a parte final do art. aponta para uma
consequência sancionatória do divórcio. Aplica-se o art. 55º que remete para o art.
52º.
CONFLITO DE QUALIFICAÇÕES (não será muito aprofundado nas aulas)
Uma situação X está em contacto com a Lei 1 e com a Lei 2. Querendo aplicar-se a
norma A tal cabe na regra de conflitos X que cabe na Lei 1. Querendo aplicar-se a
norma B tal cabe na regra de conflitos Y que cabe na Lei 2. Tal dá origem a um
conflito positivo de jurisdições? E agora? Agora é casuístico. A regra de conflitos não
conseguiu resolver o conflito. Mas também pode acontecer uma situação de vácuo
jurídico: a norma X manda aplicar a Lei 2 e a norma Y manda aplicar a Lei 1.
CONFLITO DE SISTEMAS
Ocorre quando o elemento de conexão base para uma lei (por exemplo, em Portugal
é a nacionalidade) não é o mesmo que em outra lei (por exemplo, no Brasil é a
residência habitual comum).
Os conflitos de sistemas podem ser resolvidos através das seguintes formas: questão
prévia, princípio da maior proximidade, princípio dos direitos adquiridos e reenvio.
REFERÊNCIA MATERIAL: regra de conflitos faz a uma referência material a uma lei
estrangeira. Princípio Geral consagrado no art. 16º. A referência material abrange
apenas as regras materiais dessa lei e não as regras de conflitos.
REFERÊNCIA GLOBAL: quando a regra de conflitos faz uma referência a uma
estrangeira a referência abrange as regras materiais e as regras de conflitos.
De acordo com o Princípio da Harmonia Jurídica Internacional quando se surge algo
tal deve ir ao encontro dos princípios e valores dos diversos ordenamentos jurídicos.
Quando as regras de conflitos portuguesas se referem a leis estrangeiras referem-se
apenas as regras de direito material da lei estrangeira (‘’direito interno dessa lei’’
leia-se direito material e exclui-se o direito de conflitos! Advertência feita devido ao
facto de o direito de conflitos também ser direito interno!).
▲ Existiram vários autores que pretenderam resolver os problemas de conflitos
negativos de DIP. As soluções dadas são insuficientes mas a sua leitura e
conhecimento é importante pelo que se remete para as Lições de Direito
Internacional Privado do Prof. Ferrer Correia.
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A regra de conflitos é uma regra de decisão, não de conduta, pelo que não existe
qualquer razão para se determinar a sua aplicação no espaço, tempo, etc.
14 de Março - Aula 9 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
REENVIO (art. 17º, 18º e 19º) Regula os Conflitos Negativos de DIP
Os conflitos negativos ocorrem quando nenhum ordenamento jurídico, devido às
divergências das regras de conflitos, nenhum se considera competente.
ATITUDES PERANTE O REENVIO:
RECUSA TOTAL DO REENVIO: a função da regra de conflitos é apenas indicar
qual a lei que deverá ser aplicável, não em remeter a competência para outro
estado. São os defensores que quando uma regra de conflitos refere uma lei
estrangeira refere-se apenas ao seu direito material.
ATITUDES FAVORÁVEIS À ACEITAÇÃO DO REENVIO:
FRANÇA: a referência da sua lei a uma lei estrangeira é uma referência
global. Se a Lei 1 devolver a competência ao direito francês aplica-se o
direito francês; se a Lei 1 remeter a competência a uma Lei 2 aplica-se
a lei2. Mas só se aceita um reenvio, pelo que se a Lei 2 remeter a uma
Lei 3 aplica-se à mesma a lei 2.Atitude favorável ao reenvio, adoptada
pelos tribunais franceses nomeadamente. Em 1882, Forgo era um
bávaro, que vivia habitualmente em França, e que faleceu deixando
parentes afastados como sucessíveis. Esses herdeiros herdavam
segundo a ser bávara mas não segundo a lei francesa. A lei francesa
mandava aplicar ao caso a lei bávara e esta por sua vez mandava
aplicar a lei francesa. Os tribunais franceses acharam que devia
aplicar-se a lei francesa porque (1) era a lei mandada aplicar pela lei
bávara e (2) quem herdava era o Estado. Embora os tribunais franceses
sejam favoráveis quando ao reenvio, não aceitavam todo e qualquer
reenvio: só aceitavam o reenvio de 1º grau/devolução simples
TEORIA DO DUPLO REENVIO (TOTAL): o tribunal inglês diz que aplica a mesma lei
que o tribunal francês aplicaria. A regra de conflitos inglesa quando faz
referencia a uma lei estrangeira faz referencia a essa lei estrangeira a nível
material, a nível de regra de conflitos e a perspectiva dessa lei sobre o reenvio
(Lei Inglesa - - - > Lei Francesa; Lei Francesa Lei Inglesa (referencia global); Lei
Francesa Lei Inglesa; Lei inglesa Lei Francesa). Exemplo: os franceses
partem do princípio que existe uma referência global mas aceitam apenas o
primeiro reenvio. A lei francesa manda aplicar a lei espanhola e interpretam
sempre a segunda referência da lei espanhola como sendo material
independentemente de ser global ou não. Se a lei francesa mandar aplicar a
lei espanhola, e a lei espanhola mandar aplicar a lei brasileira e a lei brasileira
mandar aplicar a lei dinamarquesa. Os tribunais franceses aceitam o primeiro
reenvio pelo que se aplicava a lei brasileira; os tribunais espanhóis aplicavam a
lei dinamarquesa, a lei brasileira também aplicava a dinamarquesa tal como a
lei dinamarquesa que aplicava a sua lei. Lei inglesa --- > lei francesa (quando
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na lei inglesa manda a competência para a lei francesa diz que vai resolver oi
caso como a lei francesa resolveria; a lei francesa manda aplicar a lei inglesa
que manda aplicar a francesa pelo que se aplica a lei francesa). A lei inglesa
manda aplicar a lei brasileira e esta manda aplicar a lei inglesa. A lei brasileira
não aceita o reenvio. Aplica-se a lei inglesa, não havendo duplo reenvio. Lei
inglesa -- > lei francesa lei espanhola (duplo reenvio) lei francesa. A lei
inglesa aplicava a lei que a lei francesa mandava aplicar. A lei francesa
mandava aplicar a lei espanhola que por sua vez mandava aplicar a lei
francesa pelo que os tribunais ingleses iriam aplicar a lei francesa.
MODALIDADES DE REENVIO
REENVIO de 2º GRAU OU REENVIO PARA A FRENTE (art. 17º):Lei do Foromanda
aplicar a Lei 1 que manda aplicar a Lei 2. As ‘’’’ referem-se a elementos de
conexão.
DEVOLUÇÃO, RETORNO, REENVIO DE 1º GRAU OU REENVIO PARA TRÁS (art. 18º):
Lei do Foro Lei 1
REENVIO EM CADEIA: Lei do Foro Lei 1 Lei 2 Lei 3 Lei 4 Lei 5
RETORNO INDIRECTO (indirectamente encontra-se no art. 18º): Lei do Foro Lei
1 Lei 2 Lei do Foro (tanto a Lei do Foro como qualquer das Leis utilizam
elementos de conexão diferentes)
PRINIPIO DO RECONHECIMENTO DAS SENTENÇAS ESTRANGEIROS: reconhece-se que
certos conteúdos jurídicos são válidos de acordo com uma lei que não é aquela que
nós consideramos competente.
O reenvio nem sempre foi unanimemente aceite, nomeadamente em Itália e no Brasil.
O reenvio procura ver se existe possibilidade de harmonizar as diferentes leis que s
encontram dentro da cadeia.
SISTEMA DE REENVIO PORTUGUÊS
Utilização do reenvio como um expediente pratico para atingir finalidades de DIP. O
reenvio não tem de ser aceite como regra nem ser excluído como regra. É um
problema de interpretação do direito de conflitos. O reenvio não deve ser rejeitado a
partida nem aceite sem limitações: só deve ser aceite nos casos em que vá ao
encontro dos valores de DIP. Apesar de o art. 16º referir o principio da referencia
material é preciso acautelar do ponto de vista pratico. O reenvio é justificado pelo
principio da harmonia jurídica internacional (art. 16º e 18º), o reconhecimento dos
direitos adquiridos (art. 31/2 interpretado extensiva e analogicamente), o principio da
maior proximidade (art. 17º/3) e o principio do favor negoti (art. 36º/2 e 65º/1).
Análise do art. 16º: regra prática que está aqui para ajudar um tribunal estrangeiro:
eles sabem que o nosso ponto de partida é aplicar o direito material estrangeiro.
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Análise do art. 17: regula a transmissão de competência.
Nº1: decorre do principio geral de DIP, ou seja a harmonia jurídica
internacional, deve-se aceitar o reenvio quando conduza à concretização do
principio; pode haver reenvio se a lei portuguesa enviar a competência para
uma lei que manda para uma terceira lei e esta se considera competente.
Exemplo art. 17º/1: LEI PORTUGUESA - - - > LEI FRANCESA - - - > LEI BRASILEIRA =
LEI BRASILEIRA considera-se a si própria competente e os tribunais portugueses
aplicam a lei brasileira. Ou seja, nos termos do art. 17º/1 deve-se admitir o
reenvio quando seja o expediente adequado para atingir a harmonia jurídica
internacional (não é verdadeiramente uma excepção face ao art. 16º).
Nº2: esta construído como uma excepção face ao nº1. Refere-se ao reenvio
em matéria de estatuto pessoal não admitindo tal. O nosso legislador considera
que em matéria de estatuto pessoal à partida há apenas duas leis com
legitimidade para regular essa matéria: lei da nacionalidade e lei do
domicilio/residência habitual. Só se admite a aplicação de uma lei diferente
das referidas se elas estiverem de acordo quanto à aplicação dessa outra lei.
Em matéria de estatuto pessoal o que interessa não é uma harmonia entre
quaisquer leis, mas sim uma harmonia entre a lei da nacionalidade e a lei do
domicilio. Lei portuguesa (lei domicilio) --- > lei francesa (lei da nacionalidade)
Lexloci - não se admite o reenvio porque a lei do domicilio e a lei da
nacionalidade não estão de acordo. Mesmo que o domicilio seja num terceiro
estado que mande aplicar a lei da nacionalidade não existe reenvio.
Nº3: mesmo que se verifique a excepção do nº2 pode haver reenvio.
Manifestação indirecta do Princípio da Maior Proximidade/Principio da Eficácia
e Reconhecimento das sentenças. Numa situação como a anterior existe
reenvio se a lei que a francesa manda aplicar for a lei da situação dos bens
imoveis e esta se considere competente.
Análise do art. 18º
Nº1: regra básica em matéria de retorno. Lei portuguesa - - - > L1 (remete para
a LP) só nesta situação o reenvio é um mecanismo essencial para atingir a
harmonia jurídica. Se o DIP da L1 devolver para a LP é este o direito aplicável.
Lei portuguesa - - -> lei inglesa (remete para a LP). Tribunais ingleses aplicam a
mesma lei que a LP. Sendo o nosso principio básico o do art. 16º os tribunais
ingleses aplicavam a sua lei.
Nº2: regula o retorno em matéria de estatuto pessoal. Interpretação extensiva
admite o retorno para a nossa lei. LP --- > LF - Lei Brasileira (remete para LP). A
lei francesa indirectamente remete para o direito material português. Ao
contrario do art. 17º/2, refere-se ao reenvio na modalidade do retorno: LP
(domicilio) --- > LN (remete para a LP). Só deve aplicar-se uma lei diferente da
nacionalidade ou do domicilio, se a lei da nacionalidade ou do domicilio
estiver de acordo quanto à aplicação dessa lei.
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Art. 17º/2 vs art.18º/2
Ambos consagram que só pode ser aplicada outra lei quando a lei do domicilio e a lei
da nacionalidade estiverem de acordo.
O art. 18º/2 é mais rigoroso a admitir o retorno para a lei portuguesa, do que o art.
17º/2 ao admitir a atribuição de competência em matéria de estatuto pessoal
Se ambos se inspiram na ideia comum que assenta no acordo ente a lei do domicilio a
lei da nacionalidade, há situações em que deve haver reenvio na forma de
transmissão de competente mesmo que a terceira lei não se repercute competente.
Exemplo: LP - - - > LN - - - > (referencia material) L3 - - -> L4; LD L3. Nesta situação
deve ou não haver reenvio?
Violando o disposto no art. 17º/1, deve haver reenvio uma vez que a LN e a LD estão
de acordo quanto à aplicação da L3. Deste modo aplica-se a L3.
Análise do art. 31º/2: manifestação clara de um principio de favorecimento de
validade do negocio inspirado no reconhecimento de situações constituídas em pais
estrangeiro. Se a situação já se constitui em pais estrangeira e estava em condições
de produzir ai os seus efeitos, nos não devemos negar o reconhecimento a essas
situações. O que o legislador consagra é que a lei da residência habitacional é uma
lei que tem um peso próximo da conexão nacionalidade. Admite-se a aplicação
alternativa da lei da residência habitual as matérias de estatuto pessoal (art. 25º - art.
31º/1). PROF. FERRER CORREIRA & PROF. BAPTISTA MACHADO: interpretação extensiva
do art. 31º/2. O que é relevante é que é o negocio tenha sido celebrado de acordo
com a lei do domicilio e esteja em condições de ai produzir os seus efeitos uteis
normais? Mas porquê a lei do domicilio? O que importas em bom rigor é que o
negocio jurídico esteja em condições de produzir os seus efeitos no estado do
domicilio. LP LD L2 L3 = lei 2 competente se o negocio tiver que produzir efeitos
do LD que manda aplicar a L2. Trata de saber qual a LD considera competente.
Requisitos do art. 31º/2:
Negocio celebrado no estado da residência habitual
Negocio celebrado de acordo com a lei da residência habitual
Lei da residência habitual se considere competente
Não interessa nada onde o negócio é celebrado, interessa sim saber se o negocio
esta em condição de produzir efeitos no estado do domicilio.
A restrição analógica do art. 31º/2 conduz a uma restrição analógica do art. 17º/2
quanto às situações a constituir. Deste modo, nas situações em que o art. 17º/2
considerava não existir reenvio passa a existir.
LP --- > L NACIONALIDADE L3 (considera-se competente). LD remete para a LN. De
acordo com o art. 17º era a L3 mas de acordo com a LD era a LN. Contudo, como se
trata de uma situação de reconhecimento aplicar-se-ia a L3.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page45
CONEXÕES HOSTIS AO REENVIO
Há conexões que pela sua razão de ser não admitem o reenvio. A grande maioria das
convenções internacionais indica expressamente que o direito mandado aplicar por
essas normas é apenas o direito material.
CONEXÃO VOLUNTÁRIA: a lei aplicável é escolhida pelas partes livremente. Por
exemplo, o art. 41º. É uma conexão hostil ao reenvio também.
CONEXÃO LOCAL DA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO EM MATÉRIA DE VALIDADE FORMAL
DOS NEGÓCIOS:Porque é a lexloci que deve vigorar quanto à forma? Para facilitar a
vida às partes. Se a ideia é facilitar a vida as pessoas, a conexão local da celebração
para efeitos de forma externa do negocio é uma conexão que a partida não deve
admitir o reenvio, excepto quando este seja a única forma de salvar a validade do
negocio: art. 36º/2 e art. 65º/1.
Análise do art. 19º/1: princípio do favor negoti como obstáculo ao reenvio. Quando a
aceitação do reenvio conduzir a invalidade do negocio jurídico ou a ilegitimidade de
um estado que seria legitimo por uma lei que nos consideramos competente, não se
admite o reenvio. LP - - -> LN L3 (considera-se competente) = sendo o negocio
valido à luz da lei da nacionalidade mas invalido à luz da l3, aplica-se a LN e não há
reenvio.
PROF. FERRER CORREIA E PROF. BAPTISTA MACHADO (PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO
NÃO CONCORDA E ACHA DISCUTIVEL): interpretação restritiva do art. 19º/1. Este artigo
fica sujeito a dois pressupostos: só se deve obstar ao reenvio se se tratar de uma
situação a reconhecer (e não a constituir) e se a lei portuguesa era uma lei que no
momento em que se constitui estava em contacto com essa situação. Se a lei
portuguesa não tinha nenhum contacto com a situação então porque é a LN seria a
competente se as partes não tinham nenhuma expectativa visto que a LN só é
competente devido à LP. Mas as partes podiam confiar na LN independentemente da
LP. Se a ideia é salvar a validade do negocio então salva-se independentemente de a
LP ter algum contacto com a situação.
18 de Março – Aula 10 (Prof. Luís Barreto Xavier)
CONFLITO DE SISTEMAS: divergência entre sistemas de regras de conflitos, entre
sistemas de DIP
ATITUDES FACE AO REENVIO ENQUANTO SOLUÇÃO DE CONFLITOS NEGATIVOS DE
SISTEMAS
TESES QUE REJEITAM O REENVIO: adoptam uma referência material para a lei
estrangeira
TESES QUE ACEITAM DE FORMA SISTEMÁTICA O REENVIO: adoptam uma
referência global para a lei estrangeira
TESES QUE NÃO ACEITANDO O REENVIO COMO SOLUÇÃO TAMBÉM NÃO O
REJEITAM A PRIORI: utilizam-no como fim para atingir determinados objectivos,
tal como sucede com o sistema Português.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page46
Os regulamentos europeus têm criando normas/regras de conflitos unificadas,
excluindo deste modo a importância do reenvio
TESES CLÁSSICAS PARA OS SISTEMAS QUE ACEITAM O REENVIO
DEVOLUÇÃO SIMPLES: L1 L2 L3 --> L2 (referência global; -- > remete). L1
só toma em consideração as regras de conflitos de L2 e não as regras de
reenvio. Aplica-se a Lei3 (aceita-se o primeiro reenvio). L2 aplica L2 porque
embora remeta para L3 aceita o reenvio de L3 para L2. Este sistema não
contribui de forma minimamente relevante para se atingir a harmonia jurídica
internacional. Este sistema surge sobretudo para aumentar a aplicação da lei
do foro nos países em que ele foi adoptado. Ele é sobretudo adoptado em
caso de retorno.
DUPLA DEVOLUÇÃO: L1 _-_-_-> L2 L3 - - >L2. Quem pratique dupla devolução
vai aplicar a lei que seria aplicável no sistema para o qual se remete. L1 ao
remeter para L2 irá aplicar a lei que os tribunais de L2 aplicariam, neste caso
aplicavam-se as suas normas materiais uma vez que existe o reenvio de L3 para
L2. L1 aplica L2, L2 aplica L2 e L3 aplica L3 pelo que não existe uma harmonia
entre os sistemas. Contudo, neste sistema consegue-se harmonia entre dois
sistemas, neste caso entre o sistema de L1 e L2. L1 _-_-_-> L2 _-_-_-> L1 = ciclo
vicioso (L1 aplica a lei que L2 aplicar e L2 aplica a lei que L2 aplicar).
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que numa determinada matéria a lei portuguesa manda aplicar a lei
nacional dos indivíduos, que por seu turno remete para uma terceira legislação. Tendo
em conta que a lei nacional pratica o sistema da referência material e a terceira
legislação adopta a Teoria da Dupla Devolução remetendo para L2 coloca-se a
questão de saber qual a lei aplicável.
Lei Portuguesa -,-> L2 (lei da nacionalidade) --> L3 -_-_-> L2
LEGENDA
-,->sistema português
-_-_->sistema da dupla devolução
-->referência material
referência global
L2, além de remeter para L3, aplica L3. L3 remete para L2 e aplica aquilo que os
tribunais de L2 vão aplicar. Deste modo, L3 aplica L3 (aplica a sua lei material) uma
vez que L2 aplica L3 (art. 17º/3). Existe harmonia jurídica internacional.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page47
Supondo agora que a lei portuguesa remete para a lei nacional que remete para a
terceira legislação através do sistema de devolução simples e L3 remete para L2
também com o sistema da devolução simples. Quidiuris?
Quando o art. 17º/1 consagra ‘’remeter para outra legislação’’ em bom rigor não é a
norma de conflitos de direito material de L2 a ter em conta apenas: é também
necessário considerar as regras de conflitos de L2. Quando se diz remeter deve-se ler
aplicar. Não basta que L2 remeta para L3: é necessário que L2 aplique L3.
Uma vez que L2 apenas remete para L3 e não a aplica, aplica-se L2 porque é a lei que
a norma de conflitos do art. 16º manda aplicar.
E se os interessados residirem habitualmente em Portugal e a lei referida pela norma
de conflitos for a lei pessoal?
Aplica-se o art. 17º/2: não existe reenvio e aplica-se a L2 (lei da nacionalidade).
E se a Lei da Residência Habitual for uma quarta lei e esta remeter para a L2, ou seja
para a lei da nacionalidade?
A lei nacional manda aplicar a L3 e a lei da residência habitual manda aplicar a lei da
nacionalidade. A lei 3 aplica a lei que a lei da nacionalidade aplica pelo que se
aplica a lei 3. Deste modo, temos a L2 a aplicar a Lei 3 e a Lei da Residência Habitual
Comum a mandar aplicar a lei da nacionalidade. Tanto a Lei da Residência Habitual
como a Lei da Nacional encontram-se fortemente ligadas ao individuo. Embora haja
uma harmonia jurídica internacional entre a L2 e a L3, a circunstância de que a Lei da
Residência Habitual considera competente a lei nacional introduz um factor de
perturbação que conduz a que não se deve prescindir de aplicar a lei da
nacionalidade quando a lei da residência habitual comum a mandar aplicar.
Suponha-se agora que a Lei da Residência Habitual considera-se a si própria
competente?
Aplicando o art. 17º/1 seria a Lei 3 a aplicável por ser a lei considerada competente
pela lei nacional.
Imagine-se agora que a Lei3 era a lei da situação dos imóveis. Quidiuris?
Aplicando o art. 17º/3 a lei aplicável seria a lei da situação dos imóveis (L3 aplica a lei
que a lei da nacionalidade considera competente, sendo que a lei da nacionalidade
considera competente a lei da situação dos imóveis).
RATIO DO ART. 17º/3 – IDEIA DE EFECTIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS: ao aplicar-se a
lei da situação dos imóveis está se a contribuir para que a decisão judicial produzida
em Portugal possa ser executada no país de situação dos imóveis. Subjacente a esta
ideia está a assunção do pressuposto de que no país da situação dos imóveis só se vai
reconhecer a sentença se essa tiver feito aplicação da lei desse estado.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page48
ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA MAIOR PROXIMIDADE
Hoje ainda faz sentido? A resposta prende-se com o problema de reconhecimento e
execução de sentenças estrangeiras. Ou seja, trata-se de saber se os sistemas de
reconhecimento de sentenças estrangeiras fazem depender esse reconhecimento da
aplicação do seu direito material, ou seja este sistema faz sentido se tiver em vigor na
maior parte dos estados um sistema de revisão de mérito das sentenças estrangeiras,
ou seja um sistema que promova o controlo da lei aplicável no estado em que a
sentença deve produzir efeitos. Actualmente, cada vez menos se procede ao controlo
da lei aplicável quer por força do DUE quer por força do sistema comum português
(art. 1094º e ss CPC). Deste modo o art. 17º/3 e o art. 47º têm uma razão de ser
bastante limitada.
Admita-se que a agora a Lei Nacional remete para a Lei Portuguesa, sendo que a Lei
da Situação dos Bens se considera competente. Note-se ainda que a Lei da
Residência Habitual remete para a Lei Nacional.
Lei1 (Portuguesa) –‘-> LN (Lei2) --> Lei 1 LRH --> LN LSI = considera-se competente
Nos termos do art. 18º/1, a lei aplicável seria a lei portuguesa.
Enquanto o art. 17º/2 prevê casos que quando verificados neutraliza casos que seriam
passíveis de reenvio, o art. 18º/2 consagra os casos em que existe reenvio não sendo
uma excepção ao nº1 mas um conjunto de requisitos para que se possa verificar o
reenvio. Uma vez que tais requisitos não se encontram verificados não poderá existir
reenvio.
E se a lei da residência habitual em vez de remeter para a lei da nacionalidade
remeter para si própria?
Aplica-se L2 (lei da nacionalidade), não existindo reenvio.
E se LN remetesse para a lei da situação dos imóveis, enquanto a lei da residência
habitual remetesse para si própria?
Uma vez que a lei da residência habitual não remete para a lei da nacionalidade,
aplicava-se a lei que a lei da nacionalidade considerasse competente: aplicava.se a
lei da situação dos imóveis. Neste caso, toma-se em consideração que a lei
considerada competente pela lei da nacionalidade também se considera
competente.
Imagine-se agora que L1 –‘-> L2 -_-_-> L1 (lei portuguesa). Quidiuris?
Quando L2 olha-se para o sistema português olha tanto para as normas materiais,
normas de conflitos e normas de reenvio. Deste modo, não podemos a partir do
sistema de referencia adoptado pela Lei 2 partir do pressuposto que eles fazem uma
referencia material ao nosso direito. Deste modo, adopta-se a regra geral do art. 16º.
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PROF. BAPTISTA MACHADO (maioria da doutrina discorda): se o julgador português
aceita-se o reenvio o que faria o julgaria do país que adopta a dupla devolução? Do
ponto de vista da harmonia jurídica internacional qualquer que seja a orientação que
os tribunais portugueses adoptem quando ao reenvio tal irá alcançar-se, uma vez que
qualquer que seja a atitude tomada em Portugal será reproduzida pelos tribunais
britânicos (sistema da dupla devolução). Deste modo, mais vale aplicar a lei
portuguesa que é a lei do foro e que o juiz melhor conhece (manifestação do princípio
da boa administração da justiça).
Se o sistema que pratica dupla devolução remete para o direito português, não se
pode nunca concluir que esta a remeter para o direito material apenas que é
pressuposto da aplicabilidade do art. 18º/1 (só se aplica este artigo quando for feita
uma referência material ao direito português). Deste modo, aplica-se o art. 16º pelo
que a melhor solução assenta em não existir reenvio.
Imagine-se agora a seguinte hipótese: L1 –‘-> L2 _-_-_-> L3 --> L1. Quidiuris?
Uma vez que a lei 2 irá aplicar a lei que os tribunais da L3 aplicarem é necessário
começar por analisar o que a L3 faz.
Art. 18º/1: se a L3 designada pela L2 devolver para o L1, é este o direito aplicável. L2
considera indirectamente competentes os tribunais portugueses uma vez que remete
para a L3 que faz uma referencia material para L1.
Tomando como base o exemplo anterior, imagine-se agora que L3 faz uma referência
global (e já não material) para L1?
L1 remete para L2. L2 utilizando o sistema de dupla devolução coloca-se na mesma
situação que os tribunais de L3 e aplicam a lei que os tribunais de L3 considerem
competentes. Por sua vez, L3 irá aplicar a lei que os tribunais de L1 apliquem. Trata-se
de um ciclo vicioso. Segundo a generalidade da doutrina, não existe razão legal nem
racional para aceitar o reenvio, aplicando-se a regra geral do art. 16º.
Suponha-se agora que LP –‘-> L2 L3 LP
L2 pratica devolução simples, pelo que remete para L3 e aplica L1 porque aceita um
reenvio. L3 irá aplicar a L2. E LP? Faz-se depender a aplicação do art. 18º/1 de uma
harmonia de todas as leis da cadeia ou exige-se essa harmonia? Para o PROF. LUÍS
BARRETO XAVIER é relevante uma harmonia relacionada com a nossa norma de
conflitos (L2).
Suponha-se que LP –‘-> L2 -_--> L3 L4 LP
Neste caso, L2 aplica o que L3 aplicar e este pratica devolução simples pelo que
aplica a lei portuguesa. L4 aplica a Lei 2.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page50
Imaginando-se que aceita-se agora o reenvio, sendo que sem reenvio tinha-se o
negócio válido e com reenvio já não.Quidiuris?
Nos termos do art. 19º/1 não se poderá aplicar o reenvio: princípio do favorecimento
do negócio. Trata-se de tutelar as expectativas das partes. Deste modo, é necessário
entender de forma cautelosa o art. 19º/1 uma vez que ela pressupõe algo que não se
encontra nela expresso: a norma refere-se apenas aos negócios jurídicos já celebrados
e não a celebrar. Não existem expectativas a tutelar pelas partes nos casos em que o
negócio ainda não foi celebrado. É uma interpretação restritiva do art. 19º/1, ou seja
interpretação que conduz a que a norma se aplique apenas a situações já
constituídas.
QUESTÃO DUVIDOSA – SEGUNDA RESTRIÇÃO, PROF. A. FERRER CORREIA: O art. 19º/1 só
se aplicaria se as partes não pudessem ter tido a expectativa de se aplicarem as
regras de conflitos portuguesas. Ou seja, só seria de esperar que as partes se
orientassem pela lei designada pelas nossas normas de conflitos se as partes tivessem
no momento da celebração do negócio algum contacto com a ordem jurídica
portuguesa.
⇓
PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: esta questão prende-se com a função das normas de
conflitos. Existem duas grandes concepções que se opõem sobre a função das regras
de conflitos.
CONCEPÇÃO1: As normas de conflitos são meramente regras de decisão para
os aplicadores de direito, dirigindo-se a dirimir conflitos de leis e não se dirigindo
às partes mas sim exclusivamente aos aplicadores de direito. As regras de
conflitos são regras dirigidas aos aplicadores de direito quanto ao caminho a
tomar para dirimir os litígios resultantes da colisão de direitos, não sendo regras
de conduta
CONCEPÇÃO2 – POSIÇÃO DO PROF. A. FERRER CORREIA: As regras de conflitos
alem de se dirigirem ao tribunal e a outros órgãos de aplicação de direito
também se dirigem as partes uma vez que estas vão dirigir a sua actividade
com base naquilo que seja previsível da solução que venha se a adoptar. As
regras de conflitos também são regras de conduta. Note-se que o PROF.
FERRER CORREIA só considera que as regras de conflitos são regras de conduta
também quando se trata de defender a segunda interpretação restrita do art.
19º/1: quanto aos demais casos defende que as regras de conflito são regras
de decisão e não regras de conduta.
Considerando que as Regras de Conduta são regras de conduta, o mesmo também
se terá de defender para o reenvio. Deste modo, as partes não podiam legitimamente
contar com a aplicação da lei designada pelas nossas normas de conflitos sem contar
com a aplicação das normas de reenvio pelo que não seria legitima a expectativa.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page51
Deste modo, o PROF. LUÍS BARRETO XAVIER defende que a expectativa das partes
relaciona-se além de se dever com a remissão da regra de conflitos para a lei da
nacionalidade, por exemplo, ainda com o facto de ser a lei nacional do sujeito. As
pessoas confiam na aplicação da sua lei nacional (‘’se se perguntar na rua o que são
regras de conflitos ninguém sabe; se se perguntar na rua qual a sua lei nacional todos
sabem’’).
21 de Março – Aula 11 (Prof. Luís Barreto Xavier)
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que num contrato internacional as partes escolhem a lei de Marrocos
como lei aplicável a esse negócio. A lei de Marrocos não se considera competente e
remete para a lei portuguesa que é a lei da residência habitual comum dos
contraentes. Quidiuris?
Sendo a lei de Marrocos designada pelas partes, é necessário questionar se tal
designação era permitida? Em princípio sim, pelo que a consequência nos termos do
art. 19º/2 seria a aplicação da lei de Marrocos (lei escolhida pelas partes) não se
admitindo reenvio.
Ratio do art. 19º/2: Tutela da Autonomia Privada/Vontade em DIP, ou seja a partir do
momento em que as partes escolheram determinada lei, podendo fazê-lo, tal escolha
deve ser respeitada.
Se as partes tivessem mandado aplicar a lei de um determinado país (lei marroquina),
mas se se conseguisse por interpretação chegar à conclusão que as partes queriam
mandar aplicar a lei que a lei desse país considerasse competente (lei portuguesa),
nesse caso qual a lei que deveria ser aplicável?
Neste caso, deveria ser aplicada a lei portuguesa. Mas isso não contraria o art. 19º/2?
A lei escolhida pelas partes era a lei considerada competente pelo direito marroquino,
ou seja a lei portuguesa. Trata-se de proceder a uma designação indirecta da lei
competente, pelo que as regras de conflitos da lei escolhida são meramente
instrumentais face à autonomia privada.
Ou seja, o que está em caso no art. 19º/2 não é consagrar o afastamento do reenvio
em todas as situações, mas sim a expressão da autonomia da vontade que não pode
ser afastada pelo reenvio quando já se encontrava consagrada.
Contudo, as partes poderiam ou não ter escolhido a lei marroquina?
Nos termos do art. 3º/1 do Regulamento de Roma I as partes podem escolher a lei
aplicável.
Mas as partes podem escolher a lei aplicável numa situação puramente interna?
A única coisa que podem fazer é integrar o contrato com recurso a disposições
materiais capturadas num determinado sistema jurídico estrangeiro, mas tal não
significa utilizar essa lei estrangeira.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page52
Quando as partes num contrato puramente interno remetem para a lei inglesa, as
disposições imperativas da lei portuguesa terão sempre de ser respeitadas, apenas se
aplicando a lei inglesa às regras supletivas, ou seja ao espaço vazio deixado pela lei
portuguesa onde as partes podem aplicar disposições materiais de outro sistema
jurídico estrangeiro.
Deste modo, só se poderia aplicar a lei marroquina no seu todo ao contrato se tal não
se inserisse numa situação puramente interna, teria de ter qualquer elemento que o
permitisse inserir numa situação internacional.
Nesta hipótese aplicava-se mesmo o art. 19º/2?
Não, na nossa hipótese o art. 19º/2 seria aplicável se a autonomia da vontade
estivesse a ser exercida ao abrigo das regras de DIP de fonte interna portuguesa,
nomeadamente do art. 41º CC. Mas não é isso que sucede: a aplicação do art. 41º
em matéria contratual é afastada pelo Regulamento de Roma I.
A razão pelo que no caso não existe reenvio não se prende com o art. 19º/2 CC mas
sim com o art. 20º do Regulamento de Roma I: no âmbito de aplicação do
Regulamento de Roma I, tal como sucege na generalidade dos regulamentos da UE,
existe uma directriz que afasta o reenvio.
Comparando o art. 20º do Regulamento de Roma I com o art. 19º/2 resulta que no
âmbito de aplicação do Regulamento de Roma I o reenvio é sempre afastado, quer
as partes tenham ou não escolhido a lei aplicável, ao contrário do que sucede no art.
19º/2 em que o reenvio só é afastado quando as partes tenham
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que o Gustavo celebra uma convenção antenupcial com a Mary
(britânica) na República Dominicana perante dois amigos. Admitindo que este
contrato foi celebrado verbalmente na presença de estas duas testemunhas, forma
esta que é admitida face ao direito da República Dominicana e admitindo por outro
lado que este contrato é formalmente invalido quer pela lei inglesa quer pela lei
portuguesa coloca-se a questão de saber se em Portugal esta convenção antenupcial
deve ou não produzir efeitos.
TEMA: forma da declaração negocial/forma da convenção antenupcial
LEIS POTENCIALMENTE APLICÁVEIS: lei portuguesa, lei inglesa e lei da república
dominicana
QUALIFICAÇÃO: Existem três ordenamentos jurídicos potencialmente aplicáveis é
necessário localizar as normas materiais de cada Estado, ou seja as normas materiais
que nos indicam se tal convenção pode ou não produzir efeitos devido à forma como
que foi celebrada. Procura-se as normas materiais que dêem uma solução jurídica ao
problema em causa; identificar em cada um dos ordenamentos potencialmente
aplicàveis as normas que dão resposta ao problema suscitado.
Norma de Direito Material da República Dominicana: uma celebração da
convenção antenupcial verbal é valida desde que seja celebrada perante
duas testemunhas
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page53
Norma de Direito Material do Direito Português: art. 1710º CC (forma da
convenção antenupcial: declaração prestada perante funcionário do registo
civil ou por escritura pública)
Norma de Direito Material do Direito Inglês: norma igual à do art. 1710º CC
As normas materiais que em cada um destes ordenamentos jurídicos nos indicam se
uma convenção antenupcial pode ser celebrada verbalmente com testemunhas ou
deve ser celebrada perante um funcionário do registo civil ou perante escritura
pública, estas normas em concretas onde podem ser subsumidas? Serão normas
relativas à capacidade das partes (art. 25º e 49º)? Não. São normas relativas às
convenções antenupciais (art. 53º)? Não. E o art. 50º? Não, diz respeito à forma do
casamento. Deste modo aplica-se a regra geral sobre a forma da declaração que é o
art. 36º.
O art. 36º é uma regra de conflitos de conexão múltipla alternativa, uma vez que a
aplicação da lei vai depender da obtenção de um determinado resultado sendo que
esta pode ser alcançada através de varias leis em alternativa, ou seja aplicando a lei
que conduza à validade formal do contrato. Aplica-se a lei que entre as
alternativamente aplicáveis aquela que conduzir à validade do negócio.
O art. 36º concretiza um título de atendibilidade de normas de aplicação imediata de
um terceiro estado.
Neste caso, a lei aplicável à substância deste negócio seria aplicando o art. 53º/2
(uma vez que a lei nacional dos nubentes não era a mesma) ou a residência habitual
comum ou a lei da primeira residência conjugal. Imaginando que tanto para a
residência habitual comum ou a lei da primeira residência conjugal era a lei
portuguesa qual seria a lei portuguesa: a portuguesa ou a de república dominicana?
Nos termos do art. 36º/1 in fine (‘’ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro)
seria a lei portuguesa a aplicável mas nos atendendo ao art. 1710º colocar-se-ia a
questão de saber se tal consubstancia uma norma de aplicação imediata ou
necessária. Deste modo, seria a lei da república dominicana aplicável e a convenção
antenupcial seria válida.
Admita-se agora que a lei da República Dominicana também exige escritura pública
para a convenção antenupcial, mas a sua norma de conflitos remete para a lei da
residência habitual da noiva. Quidiuris?
Tendo como base o facto da noiva ser inglesa, residir habitualmente em Londres e a lei
inglesa admite a celebração de uma convenção antenupcial verbalmente com a
presença de duas testemunhas estamos face a um caso especial de reenvio cujo
fundamento é o princípio do favor negotti. Em lugar de se aplicar a lei designada pela
nossa norma de conflitos (lei da República Dominicana) aplicamos a lei inglesa porque
assim se permite a validade formal do negócio. Para se aceitar este reenvio é
necessário que a lei inglesa se considere competente? Se a ratio do art. 36º/2 assenta
em usar o reenvio como forma de conduzir ao favor negotti, não se exige a
concordância da lei designada pela lei local (ou seja, não se aplica o art. 17º/1).
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page54
Neste caso estamos próximos da dupla devolução: suponha-se ate que a lei local
remete para uma outra legislação mas aceita o reenvio para um outro país. A razão
de ser do art. 36º/2 é aceitar que um negócio considerado validos pelas regras de
conflitos da lei local seja considerado valido pela lei portuguesa.
HIPÓTESE PRÁTICA
Rita celebra um testamento em França deixando todo o seu vasto património à Green
Peace fazendo-o através de um escrito particular que dobra dentro de um envelope
lacrado e que envia por carta registada coma aviso de recepção para a
conservatória do registo civil de Lisboa. Admitindo que a lei francesa permite esta
forma de celebração do testamento, deve ele ser considerado válido e eficaz em
Portugal?
QUALIFICAÇÃO:os ordenamentos potencialmente aplicáveis neste caso é o
ordenamento francês (norma francesa permite a celebração válida deste
testamento) e o ordenamento português (art. 2204º a 2206º CC: faltaria a aprovação
notarial para este testamento ser válido, ou seja face ao direito material português o
testamento em causa seria nulo).
Estas normas matérias subsumem-se ao conceito quadro de testamento pelo que se
recorre ao art. 65º. Trata-se de uma norma conexão múltipla alternativa pelo que se
aplica a lei que entre as varias leis potencialmente aplicáveis era conduzir à validade
do testamento, pelo que se aplicaria a lei francesa. Contudo é necessário conjugar o
art. 65º/2 (regra de conflitos) com o art. 2223º (norma de aplicação imediata ou
necessária). Deste modo, aplicando o art. 2223º não tendo sido observada uma forma
solene na sua feitura ou aprovação este testamento seria nulo.
Tendo em consideração que o art. 2223º é uma norma de aplicação imediata da lei
do foro, enquanto o art. 65º/2 só é relevante para normas de aplicação imediata de
um país estrangeiro: as normas de aplicação imediata do foro impõem-se com
independência das regras gerais de conflitos, tendo sempre de observadas. Se fosse
uma norma de aplicação imediata de um terceiro estado e se não existisse o nº2 do
art. 65º não teria de ser respeitada.
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que dois portugueses, o Leandro e a Cleide, há muito emigrados no Brasil,
decidem casar em Cancun fazendo-o através de uma cerimónia de troca de anéis
presenciada por dois padrinhos. Admitindo que a Cleide tem 15 anos de idade e de
acordo com o direito mexicano pode celebrar o casamento e pode faze-lo
validamente através da cerimónia descrita anteriormente. Considerando que o direito
brasileiro permite a celebração do casamento aos 16 anos exigindo a presença de
um oficial público para a sua celebração diga se este casamento deve ser
considerado válido.
ORDENAMENTOS JURÍDICOS POTENCIALMENTE APLICÁVEIS: Portugal, México e Brasil
QUALIFICAÇÃO
Direito Material Português: art. 1602º, 1602º, 1604º e 1615º
Direito Material Mexicano: idade de 15 anos para celebrar casamento
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page55
Direito Material Brasileiro: idade de 16 anos para celebrar casamento
O problema da validade do casamento irá depender da existência de duas questões:
da validade formal, por um lado, e da validade substancial, por outro.
VALIDADE SUBSTANCIAL DO CASAMENTO: As normas relativas à idade para celebrar
casamento subsume-se no conceito quadro do art. 49º pelo que esta norma se refere
à lei pessoal pelo que seria aplicável a lei portuguesa. Note-se que o art. 49º
consubstancia uma regra de conflitos de conexão múltipla distributiva. Sendo a lei
competente a portuguesa, o casamento seria inválido uma vez que Cleide tinha
apenas 15 anos.
VALIDADE FORMAL DO CASAMENTO: nos termos do art. 50º, a forma do casamento é
regulado pela lei do Estado em que este é celebrado. Se o direito mexicano
considerar aquela forma de casamento válida então o casamento assim o será.
Admita-se que de acordo com o direito brasileiro, a lei aplicável à forma e à
capacidade matrimonial é a lei do local da celebração do casamento, pelo que o
casamento é considerado válido (a lei brasileira considera a lei mexicana válida quer
em matéria de forma (cerimónia de troca de anéis) quer em matéria de substância
(idade de 15anos para celebrar o casamento).Quidiuris?
Embora eles sejam ambos portugueses, não faz sentido neste caso sentido a lei
portuguesa interferir uma vez que a residência habitual de Leandro e de Cleide é no
Brasil e à face da lei deste país o casamento é valido.
Análise do art. 31º/2: embora no nº1 se indique a lei pessoal é a lei da nacionalidade, o
nº2 consagra um desvio ao nº1 que se deve à tutela da expectativa das partes, mas
mais concretamente o art. 31º/2 orienta-se na direcção de atribuir relevância à
residência habitual, ou seja o negócio que seja celebrado no pais da residência
habitual que seja considerado valido à luz dessa lei e considerando-se competente tal
lei (ou seja o negócio considerado valido pela lei da residência habitual e ai sendo
efectivo, leia-se produzindo efeitos), tal conduz a que embora haja uma orientação a
favor da nacionalidade no DIP português existe uma possibilidade de se afastar dessa
orientação para acolher-se a lei da residência habitual nos termos consagrados no
nº2.
⇓
Sendo assim, o nosso caso obedece à descrição do nº2 do art. 32º? Não: não foi
celebrado no Brasil nem de acordo com o direito material brasileiro. Deste modo, o
casamento não seria válido. Mas isto não faz sentido. O negócio produz os efeitos
normais no Brasil, sendo reconhecido para todos os efeitos como casamento válido e
eficaz no Brasil. Deste modo, este casamento também devera ser considerado valido
em Portugal fazendo-se para tal uma INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ART. 31º/2: este
artigo consagrou apenas os casos mais típicos, mas as considerações que levam a
que o negocio seja considerado valido em Portugal conduz à tutela das expectativas
das partes, ou seja tutela da confiança que as partes depositaram no direito da
residência habitual. Em suma, dever-se-á considerar valido este negocio mesmo
celebrado num pais que não é o da residência habitual à luz do direito de um terceiro
país.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page56
É necessária uma harmonia jurídica internacional entre o direito desse terceiro país e o
direito da residência habitual? Tudo depende da razão de ser do art. 31º/2: se a razão
de ser for dar relevância à produção dos efeitos jurídicos no país da residência
habitual então não será necessária. O importante é que o negócio produza os seus
efeitos normais no país na residência habitual.
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que um contrato de compra e venda é celebrado por um português de 17
anos. O contrato é celebrado na Arábia Saudita e respeita à alienação de um imóvel
de que ele é proprietário nesse país. Admitindo que este negócio é válido face ao
direito da Arábia Saudita quidiuris?
QUALIFICAÇÃO:
DIREITO MATERIAL PORTUGUÊS: art. 123º e art. 127º
DIREITO MATERIAL DA ARÁBIA SAUDITA: negócio válido
Face ao direito português, não se inserindo em nenhuma das excepções do art. 127º,
ele seria incapaz.
SE TODAVIA FACE À LEI DA ARÁBIA SAUDITA ELE FOSSE CONSIDERADO COMO CAPAZ
ESTE NEGÓCIO PODERIA SER CONSIDERADO VALIDO EM PORTUGAL?
Atendendo à lógica do art. 31º/2 a resposta seria afirmativa, uma vez que a
capacidade surge aqui associada à lei pessoal. Deste modo, apesar de não se tratar
de um negócio jurídico que se relaciona ao estatuto pessoal, o problema resultante
deste negócio a conexão relevante da lei pessoal deixa de ser através da lei da
nacionalidade e passa a ser da residência habitual se estiverem verificados os
pressupostos.
HIPÓTESE PRÁTICA
Eric, britânico, morre, sem deixar testamento mas deixou património imobiliário (Hotel)
situado em Portugal. Não tem familiares directos nem na linha recta nem na linha
colateral. Admita que de acordo com o direito britânico (comum aos diferentes
ordenamentos locais que integram o Reino Unido) quando uma pessoa falece sem
deixar testamento e sem deixar familiares directos o seu património imobiliário pode
ser objecto de uma apropriação pela coroa britânica (Teoria do Domínio Iminente do
Príncipe: monarca tem direito de apropriação de todos os bens deixados sem dono).
QUALIFICAÇÃO:
DIREITO MATERIAL PORTUGUÊS: art. 2133º/1 al. e), ou seja chamamento do
Estado
DIREITO MATERIAL BRITÂNICO: apropriação pelo Monarca
O art. 2133º/1 al. e) para se aplicar depende da regra de conflitos constante do art.
62º. Nos termos do art. 62º o direito material português só seria aplicável se o de cuius
tivesse nacionalidade portuguesa.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page57
Quanto à norma britânica é uma norma não escrita, ou seja consuetudinária que
consagra a Teoria do Domínio Iminente do Príncipe. Tal enquadra-se com a regra de
conflitos de direitos reais, e em nada se relaciona com o direito sucessório. Nos termos
do art. 46º/1 seria aplicável a lei portuguesa.
Deste modo, estamos face a um conflito negativo de qualificações: as normas
materiais do direito português encontram-se a ser qualificadas na regra de conflitos do
art. 62º e as normas materiais britânicas a ser qualificadas na regra de conflitos do art.
46º/1.
Note-se que esta norma britânica não se aplica independentemente do local onde se
encontram os bens: o direito de apropriação só tem expressão no Reino Unido, pelo
que estanorma consubstancia uma norma espacialmente auto limitada (aplicação
da norma depende de uma conexão com o Reino Unido, ou seja os bens estarem
situados em território britânico). Deste modo, não existe uma pretensão da coroa
britânica a este imóvel pelo que se irá aplicar a lei portuguesa e será o Estado a
herdar.
▲ PROF. BAPTISTA MACHADO: Nas regras de conflitos não existem lacunas, uma vez
que a própria aplicação das regras de conflitos já envolve uma operação analógica.
Imagine-se agora que o de cuius tinha nacionalidade portuguesa e o Hotel
encontrava-se situado no Reino Unido. Quidiuris?
Tendo por base a qualificação que foi realizada anterior coloca-se a questão de saber
se a lei portuguesa será aplicável.
Nos termos do art. 62º será aplicável a lei pessoal do autor pelo que a lei portuguesa
seria aplicável.
A lei britânica mesmo que seja uma norma também de aplicação imediata seria
estrangeira, pelo que seria sempre subsumível no art. 46º e de acordo com esta norma
a lei britânica seria aplicável.
No presente caso estamos face a um concurso de normas aplicáveis/conflito positivo.
Coloca-se agora a questão de saber como se resolve esta questão. Em muitos casos,
existindo duas leis aplicáveis por força de regras de conflitos diferentes e de
qualificações diferenciadas a solução passará pela hierarquização: ou seja qual
prevalece? A regra de conflitos de direitos reais prevalecem sobre a regra de conflitos
de direito sucessório? Ou é o contrário?
A FAVOR DA QUALIFICAÇÃO REAL: Princípio da Eficácia das Situações
A FAVOR DA QUALIFICAÇÃO SUCESSÓRIA: direito institucional, que oferece um
certo grau de especialização.
A solução, embora sujeita a discussão, deveria passar pela qualificação sucessória,
com excepção dos casos em que se não se aplicar a qualificação real tal conduzirá a
resultados sem sentido.
No caso teríamos de aplicar a qualificação real, porque se se aplicasse a qualificação
sucessória tal não iria produzir efeitos no Reino Unido.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page58
NOTAS FINAIS
Quanto ao Reenvio, o sistema português parte da referência material, mas aceita o
reenvio com um limitado alcance para tutela de certos princípios, nomeadamente o
Princípio da Harmonia Jurídica Internacional, Princípio da Eficácia das Sentenças,
Princípio dos Direitos Adquirido, Princípio do Favor Negotii e Princípio da Maior
Proximidade.
4 de Abril - Aula 12 (Prof. Luís Barreto Xavier)
HIPÓTESE PRÁTICA
António e Maria, portugueses, residentes habitualmente no Luxemburgo, celebram
uma convenção antenupcial na qual escolhem o regime de comunhão geral de bens.
Admitindo que este regime não é admitido pelo direito do Luxemburgo e que este
direito remete nestas matérias para a lei da residência habitual diga qual é o regime
de bens adoptado.
QUALIFICAÇÃO
No presente caso, a situação evidencia conexões com mais de um ordenamento
jurídico pelo que se trata de uma situação absolutamente internacional. Sendo assim,
e carecendo de uma solução quanto à ordem jurídica aplicável, começaremos por
localizar as normas materiais potencialmente aplicáveis.
DIREITO PORTUGUÊS: art. 1698º consagra a liberdade e consequente validade da
escolha do regime de bens; se a lei portuguesa for aplicável esta escolha pelo regime
da comunhão geral será válida.
O conceito quadro em que esta norma se subsume será no art. 53º. No presente caso,
como está em causa a substância do regime de bens, que irá variar conforme o
regime escolhido, por isso naturalmente o art. 1698º tem as características,
corresponde ao instituto visado pela regra de conflitos do art. 53º. A aplicabilidade do
art. 1698º está dependente de ser a lei portuguesa aplicável nos termos do art. 53º. O
art. 53º remete para o direito português (‘’lei nacional dos nubentes ao tempo da
celebração do casamento’’) uma vez que tanto Maria como António são
portugueses.
DIREITO DO LUXEMBURGO: a norma material do direito do Luxemburgo também se irá
subsumir ao conceito quadro do art. 53º, uma vez que o problema tem a mesma
natureza, ou seja continua a ser um problema inerente à substancia das convenções
antenupciais e do regime de bens que se irá aplicar. Neste caso, tendo em
consideração o nº1 do art. 53º (‘’lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração
do casamento’’) aplicar-se-ia a lei portuguesa uma vez que tanto Maria como
António são portugueses. Note-se que se houvesse aplicabilidade da lei do
Luxemburgo por outro outra regra de conflitos ter-se-ia um conflito positivo de
qualificações, mas tal não é o caso.
NOTA1: a resolução dos casos práticos em DIP parte do pressuposto que os litígios em
análise encontram-se a ser julgados em Portugal.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page59
NOTA2: No presente caso existe um conflito positivo de sistemas, na medida em que
nos termos do art. 53º o direito português considera-se competente e quanto ao
Luxemburgo este considera-se também competente na medida em que considera
competente a lei da residência habitual comum e António e Maria residiam no
Luxemburgo. Como se resolve tal situação? Se a questão for colocada face a um
tribunal português, prevalece, não o direito material do foro, mas o direito
internacional privado do foro, ou seja a regra de conflitos do art. 53º. Mas se
colocarmo-nos num plano estrangeiro as partes terão a liberdade de escolher qual a
lei que será aplicável (fórum shopping), de acordo com aquela que lhes for mais
favorável, desde que exista o pressuposto da competência internacional de ambos os
tribunais para resolver o litígio. O autor só pode optar entre propor a acção em
Portugal ou no Luxemburgo, se os tribunais de ambos os países se considerarem
internacionalmente competentes. Só existirá a admissibilidade por parte do autor em
escolher a lei aplicável se os tribunais dos ordenamentos com os quais a situação se
encontra em contacto se considerarem internacionalmente competentes. No caso,
não existindo nenhuma razão do ponto de vista dos direitos adquiridos, da maior
proximidade ou de harmonia material das decisões, ou seja não existindo qualquer
fundamento que nos faça desviar da aplicação do direito internacional do foro, será
este a ser aplicado.
NOTA3: no confronto entre a aplicação da lei material do foro considerada
competente pela regra de conflitos do foro e uma norma de aplicação imediata
necessária do outro ordenamento jurídico esta última seria a necessariamente
aplicável? Não: a vontade de aplicação da norma de aplicação necessária não
basta, seria necessário a existência do título de atendibilidade. A norma de aplicação
imediata ou necessária apenas tem relevância prática dentro do ordenamento
jurídico que é considerado competente. Uma norma de aplicação imediata
estrangeira deve ser e só nessa situação aplicada se existir um título de atendibilidade
(expresso ou pode decorrer dos princípios gerais, nomeadamente o princípio da
efectividade das decisões?).
Suponha-se que, por qualquer razão, a convenção antenupcial, em vez ser uma
escolha do regime de bens, tinha uma solução contrária a normas imperativas
portuguesas, nomeadamente o princípio da igualdade entre os cônjuges. Por
exemplo, existe um regime de bens em que existe um claro favorecimento da esposa:
um bem que seja adquirido, na constância do casamento, pelo marido será um bem
comum, mas se for adquirido pela mulher será um bem próprio. O direito material
português considera esta convenção parcialmente inválida mas pelo direito do
Luxemburgo será considerada válida. Quidiuris?
No caso, continua a existir um conflito de sistemas pelo que novamente seria
necessário proceder à qualificação e chegar-se-ia à conclusão que o direito
português seria aplicável nos termos do art. 53º e considerar-se-ia a convenção
antenupcial inválida. Contudo, é necessário atender ao art. 31º/2: existe um conflito
positivo de sistemas cuja solução estabelecida por este artigo através de um desvio à
regra do art. 31º/1. Deste modo, é afastada a aplicação do art. 31º/1 e 53º nos casos
em que os sujeitos residem habitualmente num determinado país (que não Portugal,
neste caso) e pratiquem lá um determinado acto considerado por essa lei
competente, tais negócios serão reconhecidos em Portugal.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page60
RATIO DO ART. 31º/2: nestas matérias, em negócios do estatuto pessoal, as conexões
consideradas relevantes são a nacionalidade e a residência habitual comum; embora
o legislador português tenha considerada a nacionalidade como a conexão mais
estreita com o sujeito não deixa de considerar relevante a residência habitual comum
através de diferentes vias, nomeadamente nos casos do art. 31º/2. O mais relevante é
que o negócio tenha produzido os seus efeitos nesse país: trata-se de reconhecer
direitos efectivamente adquiridos à luz de um ordenamento jurídico que não Portugal.
No caso, esta convenção será ou não reconhecida em Portugal tendo em conta o
exposto anterior? No caso estamos face a uma disposição claramente discriminatória.
Aplica-se o art. 31º/2 ou a cláusula aberta da ordem pública prevalece? Se a questão
colocada ao juiz português for a de saber se um bem adquirido pela mulher se
transmite pela comunhão ao marido parece que sim tendo em consideração o
princípio constitucional de igualdade ente os cônjuges.
Imagine-se que no regime de bens analisado na primeira hipótese existem
estipulações referentes ao património imobiliário dos nubentes: cláusulas da
convenção antenupcial relativas a património imobiliário que quer o nubente homem
quer a nubente mulher são titulares em território luxemburguês. Note-se que a
convenção antenupcial estabelece que os bens imoveis pertencentes a cada um dos
nubentes prevalece a cada um, mas é constituído um usufruto ou um direito de uso a
favor do outro nubente. De acordo com o direito português esta situação seria valida
mas o direito luxemburguês considerava tal situação invalida.Nesta hipótese, qual
seria a solução?
Estamos novamente face a uma situação plurilocalizada para a qual é necessária
encontrar a lei aplicável de forma a dirimir tal conflito.
O próprio regime de bens contem normas que afectam a aquisição de direitos reais
que podem ser sobre moveis ou imoveis. A diferença desta hipótese face à outra
anterior do ponto de vista da subsunção ao conceito quadro do art. 53º não existe.
outra coisa é saber se o exercício desses direitos obedece ao estatuto do regime de
bens ou ao regime dos direitos reais. Será um misto de ambos.
DIREITO PORTUGUÊS: norma de direito material seria aplicável o art, 1698º que permitia
a celebração dessa convenção.
DIREITO LUXEMBURGUÊS: norma de direito material que proibia tal convenção, uma vez
que este direito, por exemplo, estabelece um regime de separação de bens puro
sendo qualquer outro regime considerado inválido.
Ambas as normas de direito material, quer de direito português, quer de direito
luxemburguês, nos termos do art. 53º/1, seria aplicada a lei portuguesa.
O principio da efectividade das decisões encontra-se consagrado, no nosso sistema,
no art. 17º/3 e no art. 47º:
ART. 17º/3: estabelece uma excepção ao nº2 que por sua vez também é uma
excepção face ao nº1. Nas matérias que estão em causa, e que têm em
comum o facto de serem matérias do estatuto pessoal, mais concretamente
situações nas quais pode ter muita relevância bens imóveis, as decisões a
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page61
proferir podem ter de ser reconhecidas e executadas no pais da situação dos
imoveis sendo o reconhecimento essencial para que possa ocorrer a produção
de efeitos. Embora em termos limitados e indirectos (é apenas através do
mecanismo do reenvio que este principio toma expressão) alia-se a harmonia
jurídica internacional à ideia de efectividade das decisões/princípio da maior
proximidade faz-se prevalecer a lei da situação dos imoveis sobre aquela que
iria ser aplicada porque isso conduz a que possa ocorrer a produção de
efeitos. No caso, este artigo é aplicável? Embora se fale nas relações pessoais
entre os cônjuges, o nº3 só se pode aplicar se o nº2 fosse aplicado e neste caso
o nº2 não é aplicado pelo que este artigo pressupõe um conflito diferente
daquele que se encontra no caso: no caso existe um conflito positivo de
sistemas enquanto no art. 17º existe um conflito negativo de sistemas.
ART. 47º: a matéria em causa neste artigo refere-se à capacidade para
constituir direitos reais ou para dispor neles, sendo um estatuto pessoal
reportado a um problema especifico ou seja a capacidade para constituir ou
dispor sobre direitos reais sobre imoveis. A estatuição deste preceito, a sua
solução, assenta na aplicação da lei da situação da coisa desde que essa lei
se considere competente. O regime regra deste artigo é aplicação da lei
pessoal, sendo a excepção o afastamento da lei pessoal em prol da lei da
situação da coisa quando esta se considerar competente. A ratio desta norma
é que se pode afastar a aplicação da lei pessoal em principio competente
quando tal seja um meio adequado a tornar a decisão eficaz no pais em que
ela deve produzir os seus efeitos. O art. 47º consagra uma manifestação do
principio da maior proximidade, que leva a afastar a regra do art. 25º que
estabelece a aplicação da lei pessoal nas matérias ai indicadas
nomeadamente em matéria de capacidade quando se estiver a falar na
capacidade para constituir ou dispor de direitos reais. Existe um conflito de
sistemas: a lei pessoal a considerar-se competente e a lei da situação dos
imoveis, em vários casos, a considerar-se também competente. Nestes casos,
considera-se competente a lei da situação dos imoveis.
Nos anos 60’ era muito mais frequente um controlo das sentenças estrangeiras no
momento em que seriam reconhecidas: existia um controlo prévio e da lei aplicável
ao conhecimento da causa. Quando se ganha uma sentença e pega-se na sentença
e pretende-se fazer vale-la no pais em que o imóvel se situa, o que acontecia no
passado era a existência de um controlo prévio (procedimento destinado a
reconhecer essa sentença e a torna-se executória; a atribuir-lhe força executiva).
Alem disso esse procedimento implicava um controlo da lei aplicável pelo juiz, de
modo a averiguar se tinha sido aplicada a lei competente no pais em que se
pretende reconhecer a sentença.
Evolução a que se assistiu desde dos Anos 60’
Actualmente, recusa-se em via de regra o controlo da lei aplicável ao fundo
da causa, ou seja recusa-se a revisão do fundo da sentença: não se verifica se
a causa foi bem ou julgada, se a lei aplicada era ou não competente,
procedendo-se apenas a uma analise formal.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page62
Abandonou-se ainda a necessidade do próprio reconhecimento das
sentenças, passando o reconhecimento destas a ser de pleno direito: uma
sentença proferida em Portugal será automaticamente reconhecida no
espaço da união europeia.
Neste momento, está a caminhar-se a eliminação de uma decisão ainda que
simplificada para tornar executória a sentença, ou seja uma sentença
proferida com forma executória em Portugal passa a ter força executória em
todo o espaço europeu.
Existe uma tendência para a eliminação do controlo do reconhecimento da
sentença, mas mesmo assim ainda é útil aplicar-se a lei da situação dos imoveis para o
reconhecimento e efectividade das sentenças.
Quando o art. 47º foi redigido pelo PROF. FERRER CORREIA e pelo PROF. BAPTISTA
MACHADOeles propuseram uma redacção diferente da que se encontra em vigor: a
aplicação da lei da situação dos imóveis deveria aceitar-se se ela fosse condição
necessária mas também suficiente para garantir a exequibilidade das decisões. Tal
fazia mais sentido antigamente como faz mais sentido hoje. Contudo, mesmo que o
sistema estrangeiro se considere competente ele pode fazer uma de duas coisas: (1)
nalguns casos ate pode considerar os tribunais locais como exclusivamente
competentes sobre o assunto; se tiverem mesmo que o tribunal português aplique a lei
desse estado a sentença proferida em Portugal não vai ser reconhecida; (2) noutros
casos não é condição necessária desde que não haja controlo da lei aplicável ao
fundo da causa. Em suma: estas normas hoje têm um alcance útil bastante limitado e
portando a sua possibilidade da sua extrapolação, ou seja a extracção de um
princípio que leve à sua aplicação fora destes casos, é mais difícil.
No caso, o art. 47º não tem aplicação porque as normas materiais dos ordenamentos
potencialmente aplicáveis que dariam resposta a este litigio não se referem a
capacidade mas sim a regime de bens. Como o art. 47º não é aplicável, a resposta
regra seria considerar a convenção antenupcial valida à luz do direito português. Só
não o seria, se a aplicação da lei da situação da coisa fosse condição necessária mas
também suficiente para garantir a exequibilidade da decisão. Tal ocorre pela
extracção da ratioleges da aplicação analógica e da razão de ser que esteve na
base do art. 47º.
Quanto aos conflitos negativos de sistemas a solução regra é a que decorre do art.
16º: aplicação do direito material que decorre das nossas regras de conflitos.
Os art. 17º e ss do CC são soluções especiais, não sendo regras verdadeiramente
excepcionais: são subsistemas dentro do sistema de referencia à lei estrangeira.
O princípio da harmonia internacional encontra-se consagrado no art. 17º/1, 18º/1 e
ainda que de modo complementado com outro princípio no art. 17º/3.
O princípio dos direitos adquiridos encontra-se consagrado no art. 31º/2 mas não na
sua aplicação directa mas através da sua interpretação extensiva e também da sua
aplicação analógica, ou seja sempre que do espirito deste artigo decorra a aplicação
do direito material não da residência habitual mas de um direito considerado
competente pelo direito da residência habitual.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page63
O principio do favor negotti tem expressão no art. 19º/1, 36º/2 e 65º/1.
O regime do reenvio tem actualmente uma eficácia potencialmente limitada, uma
vez que alem das convenções, também pelo facto de os regulamentos da união
europeia excluem o reenvio e adoptam o sistema da referencia material à lei
estrangeira.
Quanto aos conflitos positivos de sistemas a regra geral não se encontra escrita, sendo
a regra geral não escrita a aplicação do DIP do foro; aplicação das regras de conflito
do foro.
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que existe um súbito da Arábia Saudita que repudia a terceira esposa
através do modo de dissolução do casamento islâmico que consiste no ‘’TALAK’’ em
Portugal nas férias. Este cidadão da Arábia Saudita reside habitualmente em Espanha,
bem como a mulher repudiada. A esposa coloca em Portugal uma acção em que
pretende que o tribunal se pronuncie sobre a invalidade do modo de dissolução do
casamento usado pelo seu esposo. Tendo em consideração que o direito espanhol
tem um conteúdo semelhante ao português nessa matéria, quidiuris?
DIREITO ISLÂMICO: norma de direito material islâmico prevê a dissolução do
casamento através do Talak.
DIREITO ESPANHOL e DIREITO PORTUGUÊS: a norma de direito material consta do art.
1773º sendo que subsume ao art. 55º.
Quando se realiza as operações necessárias à qualificação é necessário analisar as
normas materiais dos ordenamentos que estão em contacto com a situação e
interpreta-las no sistema em que se inserem nos termos do art. 15º. Deste modo, o Talak
tem como conteúdo o facto de ser um instituto através do qual se extingue o
casamento com recurso ao repúdio unilateral pelo marido face à mulher e como
função a dissolução do casamento. Deste modo, o Talak tem a mesma função que o
divórcio em direito português pelo que também se subsume no conceito quadro do
art. 55º. A solução conflitual naturalmente tem como momento essencial a escolha do
elemento de conexão, ou seja formula-se através da lei aplicável por intermédio de
um elemento de conexão. Nos termos do art. 55º, com remissão para o art. 52º, o
elemento de conexão é a lei nacional comum. Deste modo, faz todo sentido
qualificar como divorcio nos termos do art. 55º algo que não o é no nosso direito
material. Trata-se da expressão que os conceitos quadro tem de ser aplicados de
acordo com uma interpretação lata dos mesmos.
Deste modo, a lei aplicável seria a islâmica mas aceitar a produção de efeitos em
Portugal do Talak seria violador da nossa ordem pública.
Ocorrendo a produção de efeitos do Talak, a mulher repudiada fica em Portugal e
quer se casar com um português. Quidiuris?
No nosso ordenamento jurídico afasta-se o repudio como forma de dissolução do
casamento devido a duas razões: descriminação entre os cônjuges e o facto de ser
uma manifestação unilateral apenas pelo cônjuge masculino.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page64
Sendo a própria (ex) esposa a invocar o facto de não estar casada por ter sido
repudiada e tendo-o marido realizado qual a diferença de tal face ao divórcio por
mutuo consentimento?
Uma coisa é a produção de um efeito jurídico novo em Portugal com base ou não nos
órgãos judiciais portugueses, em que em Portugal não é permitida a celebração de
um casamento poligâmico, assim como não vai ser admitido em Portugal
directamente um repúdio unilateral e com oposição da mulher. Outra coisa é um
facto que já produziu efeitos à luz da lei considerada por nós como competente e que
gerará um efeito jurídico novo.
8 de Abril – Aula 13 (Prof. Luís Barreto Xavier)
Atente-se as seguintes hipóteses práticas em que cada uma tem em comum o facto
de existir a intenção das partes de verem a sua situação regulada por uma
determinada ordem jurídica, quer através de uma escolha, quer através de uma
determinada actuação jurídica que pode ser susceptível de conduzir a tal escolha. Em
todas coloca-se o problema da fraude à lei.
HIPÓTESE PRÁTICA
Dois comerciantes, portugueses, com estabelecimento comercial em Lisboa, decidem
escolher a lei boliviana para regular um contrato de compra e venda de mercadorias
que devem ser entregues no porto de Leixões.
Poder-se-ia colocar em causa a aplicação do art. 41º. O PROF. LUÍS BARRETO XAVIER
defende a não aplicação de tal norma, devido, fundamentalmente, a duas razões:
i. Este artigo em matéria contratual é afastado pelo Regulamento de Roma I
relativamente às obrigações contratuais;
ii. Esta situação é puramente interna (dois comerciantes portugueses com
estabelecimento comercial em Lisboa), pelo que esta escolha da lei pelas
partes, tendo por base o Princípio da Não Transactividade que indica que a lei
aplicável seria a lei portuguesa, nem seria uma tentativa de
internacionalização da situação, estando a tentar regular uma situação
puramente interna através de uma lei estrangeira. O alcance possível desta
escolha é limitado pelo direito imperativo português. O direito imperativo
português é aplicável. O que as partes podem fazer ao abrigo da sua
autonomia privada no direito material português é consagrar soluções que se
diferenciam das disposições supletivas portuguesas. As partes podem de
acordo com a sua autonomia privada podem regular os aspectos deixado livre
pelo direito imperativo português; podem moldar o contrato à imagem do
direito da Bolívia; as partes incorporam no contrato disposições que tem a sua
fonte em direito estrangeiro: clausulas contratuais.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page65
Em suma: a escolha da lei da Bolívia enquanto tal não é valida, não afastando a
aplicação da única lei com a qual a situação tem contacto (lei portuguesa), mas tem
um efeito limitado: permite a incorporação no contrato de disposições que tem
origem no direito da Bolívia que vão se inserir no contrato a titulo de clausulas
contratuais, tendo como condição tal incorporação ser compatível com o direito
imperativo português, não existindo no caso qualquer fraude à lei.
HIPÓTESE PRÁTICA
António, produtor de vinhos no Douro, contrata com uma distribuidora internacional
com sede em França escolhendo a lei australiana para regular o contrato.
Este caso suscita a aplicação do Regulamento de Roma I: nos termos do art. 3º, as
partes podem escolher a lei aplicável ao contrato não estabelecendo qualquer
limitação como a que se verifica nos termos do art. 41º/2 (‘a lei cuja aplicabilidade
corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com alguma
dos elementos do negócio jurídico’’). Deste modo, a escolha da lei australiana será
considerada válida, não existindo qualquer fraude à lei, sendo tal permitido pelo
Regulamento. O próprio Regulamento não deixa de prever que a aplicação de uma
lei estrangeira não pode prejudicar as normas de aplicação imediata do país do foro,
estando estas sempre salvaguardas nos termos deste Regulamento.
HIPÓTESE PRÁTICA
Dois irlandeses, Xon e John, residentes habitualmente em Dublin, deslocam-se a
Portugal com o fim de celebrarem casamento civil perante o conservador do registo
civil.
Nos termos do art. 49º, não poderiam celebrar casamento uma vez que ‘’A
capacidade para contrair casamento (…) é regulada (…) pela respectiva lei pessoa l’,
ou seja, sendo ambos irlandeses e não admitindo a Irlanda o casamento homossexual
eles não poderiam casar em Portugal.
Atenção que a solução a ir ser dada pelo nosso conservador não seria essa: existe um
despacho que admite o casamento entre pessoas do mesmo sexo por estrangeiros
independente do que regula a respectiva lei pessoal. Deste modo, o conservador do
registo civil português iria admitir a celebração do casamento em Portugal. Questão
diferente assenta em saber se tal despacho é ou válido. A ordem jurídica portuguesa é
a ordem mais liberal no sentido de admitir o casamento homossexual entre
estrangeiros como norma de aplicação imediata ou necessária
PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: não é um despacho nem nada semelhante que pode
derrogar uma norma de conflitos prevista no CC (art. 49º). Há todavia tentativas de
justificação desta directriz com base numa ideia de que tal corresponde a uma
manifestação do princípio da igualdade entre cidadãos europeus. Mas o professor
não concorda, pelo que a solução correcta passaria pelo facto de os irlandeses não
podem celebrar em Portugal o casamento porque a lei aplicável ao problema de
capacidade é a lei pessoal dos nubentes, pelo que seria essa a lei aplicável e a lei
irlandesa não admite o casamento homossexual.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page66
Em todo o caso, quer a solução fosse positiva, quer fosse negativa, não existia
qualquer fraude à lei.
HIPÓTESE PRÁTICA
João, casado com Maria, naturaliza-se cidadão do Kuwait, com a finalidade de casar
novamente com Amina e com Bela.
João pretende adquirir a nacionalidade do Kuwait para poder casar novamente, e
desta vez com duas mulheres.
Neste caso ‘’jogam-se’’ coisas importantes, nomeadamente o sentido e função das
normas de conflitos: quando o legislador do foro consagra que a capacidade se afere
pela lei pessoal (art. 49º) e sendo esta a da nacionalidade (art. 31º/1), quidiuris?
Qual o sentido das normas de conflitos? Trata-se de meras regras técnicas ou existem
opções valorativas que são relevantes quando se escolhe a lei aplicável? É indiferente
aplicar a lei nacional ou a lei do lugar da celebração? Não, uma vez que de um
modo geral as normas de conflito do nosso sistema concretizam uma ideia de
conexão mais estreita, uma ideia de ligação mais forte entre um determinado sistema
e uma situação. A justiça conflitual exprime-se em aplicar a uma determinada
situação a lei com a qual tenha uma relação mais forte. A norma do art. 49º
conjugada com o art. 31º consagra a aplicação da lei mais estreita com a situação.
No caso, a mudança de nacionalidade com o único fim de poder casar com mais
mulheres o que vai provocar? O João não foi para o Kuwait não porque se sente um
desraizado em Portugal, mas sim porque quer estar casado com três mulheres ao
mesmo tempo. Daqui se conclui que a lei mais estritamente ligada à situação, apesar
da mudança de nacionalidade, é a lei portuguesa.
HIPÓTESE PRÁTICA
Jogador de Futebol coloca um anúncio no jornal em que diz ‘’procura-se senhora com
o fim de casar’’. O jogador de futebol queria adquirir a nacionalidade portuguesa.
NOTA; actualmente a nacionalidade portuguesa já é possível sem ser pelo casamento.
Neste caso, desde logo, existia um problema de simulação, pelo que o casamento
seria nulo. Contudo, na maioria das vezes, a simulação é muito difícil de provar.
Admitindo, contudo, que não existia um caso de simulação, ou seja, o acto em si
mesmo, o casamento celebrado, era apto à partida a produzir o efeito pretendido
coloca-se a questão de saber se mesmo assim existia fraude à lei. A criação artificial
de uma ligação com uma determinada ordem jurídica pode ser facilmente
acompanhada de uma grande possibilidade de manipulação. Não se pode dar por
adquirido que quando as partes se colocam sob a alçada de uma determinada lei
que remete para outra lei tal lei é a que se encontra mais estritamente ligada com a
situação.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page67
Pensado agora no extremo oposto: todos os casos em que as partes quiseram afastar
as disposições imperativas da lei que seria aplicada, colocando-se ao abrigo da
aplicação de outra lei, integrando-se nessa (outra) ordem jurídica de modo pleno:
passar a viver no Kuwait, aprender o árabe, etc.
Nos termos do art. 21º, pode-se pensar em fraude à lei como instituto ligado à tutela
do próprio direito do foro ou ligado à defesa do direito competente. O direito tenta
proteger a aplicação da lei considerada competente face aos diversos problemas da
vida jurídica privada internacional.
DOUTRINA: a fraude à lei fica sanada quando as partes tiveram um intuito fraudulento
mas depois ficaram ‘’submersos’’ na vida do país do qual são agora nacionais; a
norma de conflitos não está a ser afectada. Nos casos em que apurado em abstracto
a conexão mais estreita está é a do país da nova nacionalidade, não existe fraude à
lei.
Em suma, a fraude à lei tutela o direito de conflitos, mas isso não significa que ela
possa actuar sempre e em todas as circunstâncias.
INSTRUMENTOS QUE O DIP UTILIZA PARA DELIMITAR O INSTITUTO DE FRAUDE À LEI
O primeiro assenta na consagração da liberdade de escolha da lei pelas partes: o
legislador de DIP esta a reduzir ou circunscrever o espaço de actuação deste instituto.
Tal também sucede nos casos em que o legislador de DIP consagra uma conexão
temporalmente situada, na qual alterações posteriores não sejam relevantes: nos
termos do art. 53º mesmo que as partes alterem a nacionalidade em momento
posterior à celebração do casamento essa alteração posterior é irrelevante na
medida em que aquilo que é decisivo é o momento da celebração do casamento.
Noutros casos a lei estabelece um critério de determinação da lei competente que
não passa tecnicamente por um elemento de conexão propriamente dito, mas de
ideia à conexão mais estreita. Nesses casos, é possível manipular com êxito esse
elemento? Não, porque se as partes actuaram em termos tais que conseguiram criar
uma conexão mais estreita com um determinado sistema, a lei de tal sistema é que
deve ser aplicada porque exprime a conexão mais estreita. Por exemplo, nos termos
do art. 51º a terceira opção é a lei com a qual a vida familiar se encontra mais
conexa.
Por último, a ideia de sanação da fraude nos casos em que as partes acabam por ter
um comportamento que se conforma com a ratio leges, ou seja, criaram
artificialmente uma conexão mas tal posteriormente encontra-se associada a outras
conexões com a lei do país em que a lei começou a ser aplicável, justificando a não
aplicação da lei, inicialmente, considerada competente.
CONSTRUÇÃO DO INSTITUTO DE FRAUDE À LEI
A maioria da doutrina, incluindo o PROF. LUÍS BARRETO XAVIER, considera que este
instituto corresponde à Teoria Geral do Direito, mais concretamente, o objecto da
fraude à lei é a norma de conflitos que determina como aplicável um determinado
ordenamento jurídico.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page68
Pensando na Teoria Geral do Direito, as pessoas para afastarem uma determina
proibição legal irão utilizar um qualquer instrumento que lhes permite ‘’escapar’’ da
previsão da norma, colocando-se sob o domínio de outra norma, porventura uma
norma permitida (‘’fecha-se a porta, sai-se pela janela). No DIP as partes querem
afastar a aplicação da norma de conflitos que consagra competente uma
determinada lei, colocando-se ao abrigo da mesma norma de conflitos com a
referência a outra lei. Para que um instituto possa ser relevante é necessário que a
actividade fraudulenta incida sobre um elemento de conexão relevante (por
exemplo, na hipótese anterior, a simples vinda dos irlandeses para Portugal era
manipulada pela simples vinda para Portugal, ou seja pelo local, e não pela
nacionalidade).
CONSEQUÊNCIA DA FRAUDE À LEI, DESDE QUE ESTA TENHA SIDO DETECTADA E
PROVADA: irrelevância das situações criadas à luz da instituição fraudulenta. Num
caso de mudança de nacionalidade (caso Kuwait) tal não significa que ele deixe de
ser nacional do Kuwait, mas na aplicação de uma norma de conflitos ele continua a
ser cidadão português.
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
Num sistema de DIP, em que existe uma certa fungibilidade quando à lei aplicável,
cada sistema tem de ter um certo ‘’paraquedas’’ quanto ao salto para o
desconhecido, ou seja uma remissão para o direito estrangeiro. A ordem pública
internacional pode servir como forma de salvaguardar a intervenção do direito
estrangeiro quando tal remissão conduza a consequências inadmissíveis para a
unidade material do direito do foro.
A ordem pública internacional é composta por um conjunto de normas e princípios
que se impõe a priori, ou seja é um conceito de conteúdo ou é um conceito
funcional?
A ordem pública internacional é algo que pertence ao estado do foro ou é algo
verdadeiramente internacional?
Note-se que quanto à ordem pública a nível de direito europeu, tendo em
consideração que há regulamentos que remetem para os conceitos de ordem
pública nos diferentes estados membros, há quem defenda um conceito de ordem
público comum aos diferentes estados-membros.
Por exemplo no caso do Talak ou do casamento polígamo, embora incompatíveis
com a nossa ordem publica, se o que estiver a ser invocado não for em concreto
nenhuma das situações anteriores mas sim a produção de certos efeitos posteriores e
que esses efeitos em nada colidem com os nossos valores e com a nossa ordem
publica, nada justificaria uma resposta negativa às pretensões invocadas.
Note-se que a ordem pública actua não só pelo juiz mas também por qualquer outra
autoridade que tenha como função aplicar normas de direito privado.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page69
A clausula de ordem publica encontra-se também consagrada no reconhecimento e
execução de sentenças estrangeiras, tendo neste caso um alcance de rejeição da
sentença estrangeira por incompatibilidade do seu reconhecimento com a ordem
publica portuguesa do estado português.
HIPÓTESE PRÁTICA
Se por hipótese uma sentença estrangeira estabelece a título de condenação o
pagamento de 1 milhão de euros a um determinado sujeito. Tendo em consideração
que a sentença provém do espaço não união europeia ou não se enquadra em
nenhuma situação consagrada nos regulamentos, aplicando-se o regime regra
constante do CC, o que deverá fazer o juiz da causa para saber se existe violação da
ordem jurídica portuguesa?Quidiuris?
O que fazer em primeiro lugar?
?: é necessário avaliar quer a compatibilidade dos fundamentos quer a
compatibilidade da parte decisória com a ordem pública, ambos de forma
autónoma.
PROF. FERRER CORREIA: Na incompatibilidade com a ordem pública apenas se avalia
não os fundamentos da condenação, mas apenas a parte decisória da sentença.
PROF. LUÍS BARRETO XAVIER: Não há um confronto directo dos fundamentos com a
ordem público, o confronto é entre a parte decisória e a ordem pública, mas os
fundamentos também terão de ser tomados em consideração.
Analisa-se a consequência que advém da aplicação da norma, e não a norma em
sim mesmo.
Como se reduz a margem de indeterminação da ordem pública internacional?
No limite a apreciação terá de ser casuística, ou seja do caso concreto. Mas como se
reduz a margem de discricionariedade deste conceito? Para a apurar a
compatibilidade com a nossa ordem pública será sempre necessário recorrer à
constituição, sendo esta para alguns autores tão relevante, que deve assumir-se como
limite autónomo à aplicação do direito estrangeiro: devia estabelecer-se um
confronto directo da norma estrangeira com a constituição POSIÇÃO DO PROF.
JORGE MIRANDA(PROF. LUÍS BARRETO XAVIER NÃO CONCORDA!).
Por exemplo, o conjunto das normas de aplicação imediata pode demonstrar aquilo
que o legislador considera importante na nossa ordem jurídica: ao olhar para a ordem
publica internacional toma-se pelo menos em consideração certo tipo e fontes e
certos tipos de vectores que integram a ordem jurídica portuguesa.
A função da ordem publica internacional assenta em evitar a importação de
conteúdo jurídico cuja a aplicação envolvesse uma ofensa manifesta à nossa ordem
jurídica, que coloquem em causa a unidade valorativa do nosso sistema; a
intervenção desta clausula deve ser excepcional sendo a regra que podem entrar
conteúdos jurídicos diferentes dos nossos.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page70
O juiz ao analisar as consequências da aplicação da norma estrangeira se apurar que
da sua aplicação ocorre uma violação da ordem pública portuguesa não poderá
aplicar a norma. É necessário distinguir duas situações:
RECONHECIMENTO DE UMA SENTENÇA ESTRANGEIRA: a consequência assenta
no não reconhecimento de tal.
APLICAÇÃO DE UMA LEI ESTRANGEIRA: tendo em consideração o Princípio de
Não Negação de Justiça, a não aplicação da lei estrangeira, quando não
exista uma solução a dar ao caso, tal podia ocasionar uma lacuna. Atente-se
ao art. 22º/2: procura-se uma solução na lei estrangeira competente e se não
existir, subsidiariamente, aplica-se o direito interno português.
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL E NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA: ambas
funcionam como cláusulas de salvaguarda sendo que as normas de aplicação
imediata funcionam a priori e a ordem pública a posteriori.
11 de Abril – Aula 14 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
HIPÓTESE PRÁTICA
Discute-se em tribunais portugueses a sucessão imobiliária de um argentino que
morreu com o último domicilio em França, deixando bens imóveis no Paraguai. A
norma de conflitos portuguesa (art. 62º e 31º/1, ambos do CC) remete para a lei
argentina. O DIP argentino bem como o do Paraguai submetem a sucessão à lei do
último domicilio do de cuius. O Direito de Conflitos Francês regula a sucessão
imobiliária pela lex rei sitaer.Os tribunais argentinos, franceses e paraguais praticam a
devolução simples. Quidiuris? Qual a lei que se aplica à sucessão imobiliária que
morreu com domicilio em França deixando bens imóveis no Paraguais?
DADOS DO CASO
Sujeito: nacionalidade Argentina
Último Domicílio: França
Bens Imóveis deixados: situados no Paraguai
Art. 31º/1 e art. 62º: remissão para a lei pessoal do autor, neste caso para a lei
argentina
DIP Argentino e Paraguai: lei Francesa (lei do último domicilio)
Direito de Conflitos Francês: lex rei sitae
Tribunais Argentinos, Franceses e do Paraguai: Devolução Simples
Lei Portuguesa (lei do foro) -_-_-> (referencia material – art. 16º) Lei Argentina (lei da
nacionalidade) - - > (devolução simples) Lei Francesa (lei do domicilio) - - - >Lei do
Paraguai (lex rei sitae) --> (remete) Lei Francesa
Lei Francesa considera competente a lei francesa
Lei Argentina considera competente a lei do Paraguai
Lei do Paraguai considera ‘’competente’’ a lei do Paraguai (porque considera
competente aquilo que a lei francesa considerar competente).
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page71
No caso existem duas hipóteses: a lei francesa considera-se competente, mas a lei
argentina não considera competente a lei francesa, considerando competente a lei
do Paraguai.
Analisando o caso não existe harmonia jurídica internacional, sendo a única lei que se
considera competente a si própria competente é a lei francesa, sendo que todas as
outras consideram competente a lei do Paraguai.
Nos termos do art. 17º/2, a discordância da lei do domicílio é irrelevante desde que
não remeta para o direito interno do estado da nacionalidade.
Aplica-se a lei indicada pelo art. 17º/1, sendo que a lei da situação dos imóveis
considera-se a si própria competente.
O reenvio não é física quântica nem uma logica puramente formal, sendo uma logica
material. É necessário ter em consideração os valores fundamentais do DIP e no caso,
não existindo acordo, aplica-se a lei da situação dos imoveis nos termos do art. 17º/1:
‘’O DIP da lei referida pela norma de conflitos portuguesa’’ – Lei Argentina
‘’remeter para outra legislação’’ – lei portuguesa remete para a lei do
Paraguai
‘’e esta se considerar competente’’ – lei do Paraguai considera competente a
lei que os tribunais franceses considerarem competentes, e neste caso eles
(tribunais franceses) consideram competente a lei do Paraguai.
HIPÓTESE PRÁTICA
Discute-se em tribunais portugueses a sucessão imobiliária de um brasileiro, que
morreu com o último domicilio em França, deixando bens imóveis na Argentina. A
norma de conflitos portuguesa (art. 31º/1 e 62º) remete para a lei brasileira. O DIP
brasileiro, bem como o argentino, submetem a sucessão à lei do último domicilio do
de cuius. O Direito de Conflitos Francês regula a sucessão imobiliária pela lei ex rei
sitae. O direito de conflitos brasileiro não aceita a devolução, e os tribunais argentinos
e franceses praticam a devolução simples.
Lei Portuguesa (lei do foro/lexfori) - _-_-> (referência material – art. 16º) Lei Brasileira (lei
da nacionalidade) - ->Lei Francesa (lexdomicilii) (referência global) Lei Argentina (lei
da localização do imóvel)Lei Francesa
Lei Brasileira considera competente a Lei Francesa
Lei Francesa irá aplicar-se a si própria (só aceita a primeiro reenvio)
Lei Argentina irá aplicar-se a si própria (só aceita o primeiro reenvio)
Neste caso não existe harmonia jurídica internacional. Coloca-se a questão de saber
se se aplica o art. 17º/3, sendo que nesse caso a lei portuguesa irá aplicar a lei da
argentina:
‘’se a lei nacional indicada pela norma de conflitos’’ – lei brasileira
‘’devolver para a lei da situação dos bens imóveis’’ – lei argentina
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page72
‘’e esta se considerar competente’’ – lei argentina considera competente a lei
que os tribunais franceses considerarem competentes.
Contudo, o art. 17º/3 é uma excepção ao nº2 e este é uma excepção ao nº1.
Nos termos do art. 17º/1 aplica-se lei francesa, uma vez que esta se considera
competente!!
Nos termos do art. 17º/2 não se impedia o reenvio, pelo que não era necessário ir ao
art. 17º/3. Os franceses indirectamente consideram-se competentes, pelo que nos
termos do art. 17º/1 iria aplicar-se a lei francesa. Tanto a lei francesa (lei do domicilio)
como a lei brasileira (lei da nacionalidade) consideram competente a lei francesa.
HIPÓTESE PRÁTICA
Em Fevereiro de 1990, João, cidadão brasileiro, domiciliado em Inglaterra, perfilhou
Luís, seu compatriota, igualmente domiciliado neste país, por declaração prestada em
França perante um agente consular brasileiro. Em Janeiro do corrente ano (1991)
encontrando-se já a residir em Portugal, Luís decide impugnar judicialmente a
validade daquela perfilhação. Que lei deverá um juiz português aplicar ao fundo da
causa, sabendo que na matéria em questão:
a) O direito português considera aplicável a lei da nacionalidade de João.
b) A lei brasileira reputa competente a lei do domicílio do perfilhante fazendo-lhe
referência material
c) O direito inglês defere a regulamentação do caso à lei do local da celebração
do acto, sendo que os tribunais ingleses adoptam a teoria do reenvio total.
d) A lei francesa considera competente a lei da nacionalidade do perfilhante e os
tribunais franceses praticam a devolução simples.
Lei Portuguesa (lexfori)- ->Lei Brasileira (lexpatriae)Lei UK (lexdomicili) -_-_-_>Lei
Francesa (lexloci)lei brasileira
Lei Brasileira considera competente a Lei do UK
Lei do UK considera-se competente
Lai Francesa considera competente a Lei do UK
Deste modo, aplica-se o art. 17º/1 e o art. 17º/2, como é matéria de estatuto pessoal,
pela negativa (o art. 17º/2 não impedia o reenvio porque no caso concreto nem a lei
do domicilio mandava aplicar a lei da nacionalidade nem o sujeito residia
habitualmente em Portugal.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page73
DA QUESTÃO PRÉVIA
O problema da questão prévia em DIP começou por ser configurado como um
conflito de sistemas, uma vez que se tratava de um conflito entre dois sistemas de
regras jurídicas para aplicar à questão prejudicial.
Existe um problema de questão previa (situação condicionante) quando exista uma
situação de prejudicialidade ou é necessária uma solução para resolver uma questão
principal (situação condicionada).
PRESSUPOSTOS DA QUESTÃO PRÉVIA NO DIP
À situação principal tinha que ser aplicada uma lei estrangeira
Situação de prejudicialidade; nexo de prejudicialidade
O direito do foro conectar/atribuir autonomia à questão principal e à questão
prévia: uma regra de conflitos diferente para a questão principal e outra para
a questão prévia (a lei do foro manda aplicar à questão principal a lei A; a lei
do foro manda aplicar à questão prévia a lei B o problema é que a lei A
pode mandar aplicar à questão prévia a lei C. Pede-se a resposta à lei B ou à
lei C? Existe um conflito de sistemas entre a lei do foro e a lexcausae)
Um exemplo de QUESTÕES PREJUDICIAL: se um dos cônjuges propõe uma acção a
exigir do outro a obrigação de alimentos questão principal: obrigação de alimentos;
questão prévia: o casamento era válido e existente?
O problema da questão prévia foi discutido durante muito tempo: quando se aplica a
lexcausae estamos face à teoria da conexão subordinada; quando se aplica a lei do
foro estamos face à teoria da questão autónoma.
As questões prévias em geral podem suscitar ainda o problema da equivalência de
conteúdos ou da substituição, que é um problema de direito material. Este problema
assenta em saber se um conceito jurídico utilizado numa norma que vai resolver a
questão principal, essa norma refere-se a um outro pressuposto normativo, se se pode
preencher o conceito jurídico através de conteúdo jurídicos estrangeiros (ver exemplo
constante no PROF. FERRER CORREIA sobre o filho adoptivo que reivindica a herança
deixada pelo pai adoptante).
DOUTRINA TRADICIONAL – distinção dois problemas:
QUESTÃO PRÉVIA: problema de conflitos de sistemas
PROBLEMA DA EQUIVALÊNCIA DE CONTEÚDOS OU DA SUBSTITUIÇÃO (não é um
problema de conflitos de sistemas)
Exemplo: questão principal: herança; questão prévia: eram casados validamente?
A lei do foro manda aplicar a L1 (problema sucessória; a lei do foro manda aplicar a l3
quanto à validade do casamento. Contudo a L1 manda aplicar a L2 quando
à validade do casamento. Problema: se a L2 considera o casamento inválido e a L3
considera o casamento válido
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page74
ARGUMENTO À TEORIA DA CONEXÃO SUBORDINADA: Harmonia Jurídica Internacional,
uma vez que esta refere-se à própria solução da questão principal. Isto é, aplicando-
se a lexcausae existe uma verdadeira e própria harmonia jurídica internacional.
Chega-se à mesma conclusão que se chega no tribunal da lexcausae. Mas tal pode
gerar um problema em que a harmonia interna vem a ser prejudicada.
PROF. FERRER CORREIA: à partida existem situações em que se sabe que nunca se irá
seguir a Teoria da Conexão Subordinada. Sendo a L1 aplicada quando ela não se
quer aplicar que tipo de harmonia se quer alcançar se ela própria já não se quer
aplicar? Tambem não se deve seguir tal teoria quando a decisão que venha a ser
proferida pelo tribunal faça caso julgado quanto à decisão condicionante (só pode
fazer caso julgado quanto à situação condicionada). Sempre que se a situação
condicionada ou principal se referir ao conteúdo ou a um efeito necessário da
situação condicionante não se deve recorrer à Teoria da Conexão Subordinada.
Passa-se a exemplificar casos em que não pode ser aplicada tal teoria:
Se a situação condicionada é um divórcio, a situação condicionante assenta
na validade do casamento;
Se o que se está a discutir é o facto de um filho vir exigir alimentos de um pai, o
que se está a discutir é se ele é pai. Quem é pai tem deveres de alimentos. O
dever de alimentos é uma consequência necessária da valida constituição de
uma situação de filiação. Não se pode recorrer aquela teoria porque não
pode existir uma situação de incerteza quanto ao ser-se ou não pai.
Agora se estivermos face a uma situação de sucessão esta teoria já poderá ser
aplicada, porque as leis são diferentes, consoante o ordenamento jurídico em que se
inserem, quanto a matérias de cariz sucessório.
Só se pode recorrer à Teoria da Conexão Subordinada quando esteja em causa um
efeito jurídico ulterior de uma relação jurídica condicionante.
PROF. BAPTISTA MACHADO: Em bom rigor o único problema que merece atenção é a
interpretação do direito material, nem sendo um problema de direito de conflitos. O
que é que se ganha ao dizer-se que existe um efeito jurídico ulterior? Não existe
verdadeiramente uma situação de questão prévia, mas sim uma questão unitária. O
problema é sempre de resolver quanto as regras de conflitos do foro. Por exemplo, o
dever de alimentos faz parte do conteúdo de uma relação cujo pressuposto é a
constituição de uma validade relação de filiação. Não faz sentido resolver a questão
prévia como problema de conflito de sistemas. O verdadeiro problema da questão
prévia é o problema da substituição, sendo este um problema de direito material, e tal
só ocorre quando exista uma referênciapressuponente (quando uma norma jurídica
faz referencia a um pressuposto de uma situação jurídica condicionante tomando
esse pressuposto como sendo de facto: é ele que tem de dizer se aquela situação de
facto reúne os pressupostos que caracterizam aquela situação de facto).
NOTA: em França, até à década de 80, quando não se sabia quem era o pai e a mãe
da criança tinha estado com vários homens durante o período de concepção, todos
(os homens) eram obrigados ao dever de alimentos relação fundada unicamente
no dever de alimentos.
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15 de Abril – Aula 15 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
O PROBLEMA DA REFERÊNCIA AO ORDENAMENTO PLURILEGISLATIVO OU COMPLEXO
Nos termos do art. 20º, encontra-se consagrado a norma acerca dos ordenamentos
jurídicos.
Há estados soberanos que têm diversos sistemas jurídicos para diferentes partes
jurídicos do seu território ou para diferentes categorias jurídicas. Deste modo, os
ordenamentos jurídicos plurilegislativos podem ser de:
BASE TERRITORIAL: há aqueles que têm um DIP unificado (Suíça) ou um sistema
de conflitos interlocal (Espanha), e outros casos existem situações de
diversidade no direito material e outras são diversas quanto ao DIP
EUA – conjuga-se a competência legislativa do estado federal com a
competência legislativa de cada um dos estados federados, sendo raro
o caso da competência estar centrada no estado federado.
UK – têm três sistemas jurídicos diferentes: sistema jurídico inglês, sistema
jurídico da escócia e sistema jurídico da irlanda do norte (não há
propriamente um estado federal, mas há uma soberania concentrada).
BASE PESSOAL: existem nos países em que existem várias categorias de pessoas
de acordo com a sua religião, de acordo com a casta, de acordo com a
etnia, etc. Exemplo de sistemas com base pessoal é por exemplo o Líbano, a
India, etc.
PT: as nossas regiões autónomas têm alguma competência legislativa atribuída pelos
seus estatutos, pelo que em Portugal também é de certa forma um ordenamento
jurídico plurilegislativos.
Quando se designa de acordo com a regra de conflitos qual a lei aplicável é
necessário ver em que tipo de ordenamento tal se insere.
ANÁLISE DO ART. 20º/1
‘’em razão da nacionalidade de certa pessoa’’: elemento de conexão; o art.
20º está criado com base neste elemento. E quando forem outros elementos
de conexão a designar um ordenamento jurídico plurilegislativos? A história do
direito português leva a concluir que a solução que a lei portuguesa visou
consagrar assenta em que quando o elemento de conexão aponte para um
ordenamento jurídico complexo, não sendo o elemento de conexão a
nacionalidade, aplica-se a lei competente que o elemento de conexão
considere competente. Mas há quem entenda que mesmo nas situações em
que o elemento de conexão permite localizar a competência numa área
delimitada o problema deve ser resolvido pelo direito de conflitos interlocal e
não pelo nosso direito de conflitos.
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PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO: o nosso legislador só permite a
intervenção do direito interlocal quando o elemento de conexão é a
nacionalidade.
PROF. ISABEL MENEZES COLAÇO e PROF. LIMA PINHEIRO: existe uma
lacuna, porque a lei não diz como é que o problema se resolve quando
o elemento de conexão não seja a nacionalidade. Recorre-se ao
direito de conflitos interlocal que indica qual a lei aplicável que pode
não corresponder aos critérios por nós usados.
‘’for competente a lei e um Estado em que coexistam diferentes sistemas
legislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o
sistema aplicável’’: Compete à lei do próprio pais designado através do
elemento de conexão (nacionalidade) dizer qual das leis que vigora no nosso
território que será aplicada; é o direito do estado da nacionalidade que indica
qual a lei aplicável através do direito interlocal. Existindo um direito de conflitos
interlocal unificado será este a decidir qual a lei aplicável e na falta deste?
Recorre às regras de dip desse estado!
ANÁLISE DO ART. 20º/2
Presume-se que os conflitos interlocais se resolvem com recurso ao DIP desse estado. E
se não existir nem uma coisa nem outra (não existe DIP unificado ou solução que os
diferentes sistemas dão para o mesmo problema são diferentes), como se determina a
lei aplicável ao cidadão britânico ou americano?
Actualmente: deixa de ser relevante a nacionalidade (quase que se torna apátrida) e
toma-se em atenção a lei da sua residência habitual. Se a lei da nacionalidade não
permite identificar concretamente qual a lei aplicável aplica-se a lei da residência
habitual o que tem uma certa lógica: manda-se aplicar a lei da nacionalidade
porque se presume que o individuo acha que aquela lei é a mais próxima; se esta não
for suficiente nada lhe é mais próximo que a lei da residência habitual esta solução
gerou controvérsia!
Havia quem entendesse que em vez de se ir para a residência
habitual, devia-se primeiro ir ao vínculo de subnacionalidade.
Só deverá valer a residência habitual se tal corresponder a uma
das áreas territoriais em que o cidadão tem a sua
nacionalidade.
ANÁLISE DO ART. 20º/3: a solução encontrar-se de forma bastante fácil quando não
existam relações mistas.
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APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO – ART. 23º
NOTA: O art. 23º não se aplica à resolução de problemas de reenvio!!
PRINCÍPIO DA EFECTIVIDADE: O direito estrangeiro aplicável é aquele que se aplica na
circunscrição territorial cuja lei é mandada aplicar de acordo com a regra de conflitos
portuguesa.
Só se pode aplicar leis que pertençam a estados soberanos internacionalmente
reconhecidos? Se a lei que vigora naquela área territorial, ainda que sobre ocupação,
deve-se aplicar a lei que efectivamente se aplica naquela circunscrição territorial. Se
existe uma lei que vigora naquela lei, ainda que não seja a lei reconhecida por quem
administra aquela zona, deve ser essa a lei aplicada pelo juiz português.
INTERPRETAÇÃO DA LEI: o CC procurou estabelecer a metodologia adequada à
interpretação de leis. Compete ao legislador decidir qual a melhor forma de
interpretar uma lei? Não. Por exemplo a regra que diz que não se pode proceder a
analogia das regras excepcionais é uma regra muito controversa actualmente. O
legislador apenas permite a analogia de situações excepcionais a situações tão
excepcionais como ela (a razão de ser tem de ser a mesma!).
Nos termos do art. 23º/1, a lei estrangeira deve ser interpretada dentro do sistema a
que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas(‘’quando se
aplica o nosso direito interno somos arquitectos; quanto se aplica o direito estrangeiro
somos fotógrafos’’ quando se aplica o direito estrangeiro deve seguir-se a
interpretação da norma de acordo com os critérios da doutrina e da jurisprudência
desse país (não do nosso)).
O art. 23º/2 levanta vários problemas:
i. A quem compete averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável?art. 348º
CC: organiza um sistema de colaboração entre as partes e o juíz (o direito
estrangeiro, para nós, é tratado como direito e não como um facto).
ii. Quando é que existe impossibilidade de determinar o conteúdo da lei
estrangeira aplicável? O juiz deve procurar determinar o conteúdo com um
certo grau de certeza, não pode à primeira dificuldade dizer que não
consegue. Há quem defenda que se deve fazer funcionar algumas
presunções: direito (não efectivamente) provavelmente aplicável.
iii. Conjugação do art. 23º/2 (recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente
competente) vs art. 348º/3 (recorrerá às regras do direito comum português/
lexfori): em primeiro lugar recorre-se à lei que for subsidiariamente aplicável de
acordo com a nossa regra de conflitos, não sendo mesmo assim possível
determinar o conteúdo segue-se a solução do art. 348º/3.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page78
iv. Enuncia a regra que será aplicável caso não seja possível determinar os
elementos de facto ou de direito de que dependa a designação da lei
aplicável: não faz sentido tratar como apátrida alguém em que não se sabe
qual a nacionalidade, apenas porque ainda não se sabe tal. Vai-se pela
probabilidade. Em última análise segue-se a parte final do art. 23º/2 (aplica-se
a lei subsidiária e se tal não for possível aplica-se o direito interno português)
Um juiz português pode fazer o controlo da constitucionalidade da lei estrangeira?
O problema da constitucionalidade das leis estrangeiras faz-se sobretudo através da
ordem pública internacional.
Mas a questão em análise é outra: um juiz português pode controlar a
constitucionalidade da lei alemã de acordoessa lei?
Se for um sistema de controlo difuso e não concertado da constitucionalidade sim,
mas deve fazê-lo? O juiz português deve comportar-se como o juíz estrangeiro!
Existe uma série de regulamentos comunitários que foram retirando conteúdo ao
direito português. Por exemplo, tendo em consideração o Regulamento de Roma I
para que é que fica a servir o art. 41º?
ENUNCIAÇÃO E BREVE ANÁLISE DOS REGULAMENTOS COMUNITÁRIOS
Regulamento de Roma I (substituiu a Convenção de Roma): art. 22º
Regulamento vs art. 41º o elemento de conexão do regulamento vai apontar
para cada uma das unidades territoriais, não orientando a competência para
o estado como tal.
Regulamento de Roma II (obrigações extra contratuais)
Regulamento quanto à matéria de divórcio e de separação judicial – art. 14º e
15º
Regulamento 650/2012 – competência (…) de decisões (…) – art. 36º e 37º
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DIRECTA& RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS
ESTRANGEIRAS
As regras quanto à competência internacional directa antigamente eramdefinidas por
cada estado, o que originava graves problemas de conflitos positivos e negativos.
Até há muito pouco tempo, quem resolvia estes problemas através de Regulamentos,
nomeadamente através da Conferência de Haia. Esta conferência fez na década de
60 uma convenção (que terminou em 1970) sobre o reconhecimento de sentenças
estrangeiras. A UE substituiu-se quer aos estados quer as conferências internacionais,
criando regras de uniformização.
VER – COMENTÁRIO QUANTO À COMPETÊNCIA DA AUTORIA DO PROF. FERNANDO
FERREIRA PINTO E DO PROF. FERRER CORREIA!
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page79
REGULAMENTOS:
Regulamento de Bruxelas I (44/2001, de 22 de Dezembro de 2000) – aplicável
sempre que o requerido tenha domicilio num Estado Membro da U.E
regulamento mais geral
Regulamento e Bruxelas II Bis (2201/2003)
Regulamento 1346/2000 problemas de insolvência
Regulamento 4/2009 matéria de obrigações alimentares
Regulamento 650/2012 matéria de sucessões
Regulamento 1215/2012 vai substituir o Regulamento de Roma I a partir de
2014 e 2015
CONVENÇÕES
Convenção de Nova Iorque de 1958 reconhecimento e execução de
sentenças arbitrais estrangeiras
Convenção do Ugano de 1988 (versão inicial)/2007 (actual)
Acordo (2005) entre o Reino da Dinamarca
PROCESSO DE RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS: há 30 anos atrás
existiam estados que não reconheciam sentenças estrangeiras; havia outros que
faziam uma revisão material e outrosuma revisão formal (caso de Portugal), em que o
juiz tinha que dar o executato (ordem de execução). Actualmente, as coisas são de
modo diferente, havendo certas situações em que o juiz tem dar ordem de execução.
Com a revisão do regulamento de Roma, qualquer decisão proferida num estado
membro da UE no âmbito do Regulamento de Roma I poderá ser executada em
Portugal, sem qualquer reserva, a não ser que alguém se oponha. Este sistema é uma
evolução que parte do pressuposto da confiança nos tribunais de estados
estrangeiros.
22 de Abril – Aula 16 (PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO)
REGULAMENTO DE BRUXELAS I (44/2001)
Importa esclarecer que a partir de 10 de Janeiro de 2015 passa-se a aplicar o
Regulamento de Bruxelas Reformulado (Regulamento 1215/2012) integralmente, com
excepção do art. 75º e 76º que começa a aplicar-se a partir de 10 de Janeiro de 2014.
Aquilo que não se admite na ordem interna muitas vezes admite-se quando é imposto
pela ordem internacional. Nos termos do art. 267º do Tratado da União Europeia o
regulamento é interpretado pelo Tribunal de Justiça: se os tribunais portugueses
tiverem uma duvida relativamente a um regulamento procedem ao reenvio
prejudicial, sendo que só o podem fazer de acordo com certas
limitações/circunstâncias (ver esta matéria na disciplina de DUE).
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page80
O tribunal que suscita a intervenção do tribunal de justiça através do reenvio em
principio deve seguir a sua orientação, sendo que se o não fizer não existe, contudo,
qualquer sanção para tal.
ANÁLISE DO REGULAMENTO DE BRUXELAS I
O regulamento está divido em sete capítulos,
CAPÍTULO I: respeita ao âmbito de aplicação material do regulamento
CAPÍTULO II: respeita à competência internacional dos tribunais (regras que
resolvem os conflitos de jurisdição)
CAPÍTULO III: respeita ao reconhecimento e execução de sentenças
estrangeiras
CAPÍTULO IV: (…)
CAPÍTULO V: (…)
CAPÍTULO VI: (…)
CAPÍITULO VII: (…)
CAPÍTULO VIII: (…)
CAPÍTULO I – ÂMBITO DE APLICAÇÃO
O âmbito de aplicação material corresponde ao conjunto de materiais que se
pretendeu uniformizar nos tribunais dos estados membros da união europeia e o
reconhecimento de sentenças proferidas por aqueles. Permite delimitar a execução
de sentenças..em que matérias?
Este regulamento já não se aplica quanto à matéria das obrigações de alimentos que
passaram a ser regulamentos pelo Regulamento 4/2009
Nos termos do art. 1º é necessário distinguir duas vertentes quanto ao ÂMBITO
MATERIAL:
VERTENTE POSITIVA (‘’aplica-se em matéria civil e comercial’’: quando se diz
que a aplicação as matérias civis e comerciais é independente da natureza
da jurisdição tal significa que é indiferente a natureza dos sujeitos processuais
desde que o objecto do litigio não tenha conexão com poderes da
autoridade e se trate de matérias civis e comerciais, sendo ainda indiferente a
natureza dos órgãos de decisão.
VERTENTE NEGATIVA (‘’não abrange (…) matérias fiscais, aduaneiras e
administrativas): só ficam excluídas do regulamento as situações em que os
órgãos públicos aparecem a exercer prorrogativas de autoridade, ou seja,
poderes de autoridade. Quanto às matérias administrativas importa dizer que
esta exclusão não significa que se exclua uma acção que foi proposta pela
segurança social contra alguém pedindo a devolução de uma quantia que
adiantou a título de obrigação de alimentos fica sujeito às regras deste
regulamento. Será necessário ainda atender ao nº2 do art. 1º - basicamente
exclui-se tudo aquilo que consta do art. 25º CC (art. 1º/2 al. a)). Note-se que o
regulamento aplica-se às doações, desde que não o sejam por morte, nem por
cônjuges, etc. Existindo uma convenção de arbitragem se um dos tribunais dos
estados membros ignorá-la e considerar-se (sobrepondo-se à convenção)
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page81
competente. O regulamento é aplicável ao reconhecimento e execução da
sentença que esse tribunal (incompetente porque preteriu o tribunal arbitral)
proferiu? A maior parte da doutrina entende que se o tribunal se considerou
competente e emitiu essa sentença tal deve ser considerada válida. O PROF.
FERNANDO FERREIRA PINTO discorda totalmente desta solução. Note-se ainda
que de acordo com o art. 22º quando se fala em competência exclusiva tal
não significa que não possam ser estas matérias reguladas pela arbitragem.
ÂMBITO ESPACIAL DO REGULAMENTO: nos termos do art. 1º/3 consagram-se os estados
membros com excepção da Dinamarca (que naquela altura não quis aderir a este
regulamento). Em 2005 a Dinamarca resolveu aceitar a aplicação deste regulamento,
mas não integralmente. Hoje em dia, ao regime que vigora entre os estados membros
e a Dinamarca, aplica-se o Regulamento com ligeiríssimas alterações. Como se trata
de um Regulamento que pretendeu uniformizar as decisões dos tribunais é pressuposto
que se trate de um litígio que tenha conexão juridicamente relevante com mais de um
Estado.
O regulamento possui dois tipos de regras:
REGRAS LEGAIS: é pressuposto geral da aplicação das regras de competência
legal que o reu se encontre domiciliado num dos estados membros da união
europeia. Note-se que as regras de competência exclusiva prescindem da
circunstancia de o reu se encontrar domiciliado num estado membro, devido à
sua razão de ser: estas regras apenas são atribuídas aos estados que possuem
com o litigio uma relação tão estreita e restrita que leva a que se prescinda de
qualquer outro factor.
NOTA: nos termos do art. 22º/1 fala-se em ‘’arrendamento de imóveis’’ mas se
não fosse de imóveis não seria arrendamento, obviamente!
REGRAS CONVENCIONAIS (PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO)
EFEITO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA: passa a ser competente o tribunal
de um estado que se não fosse esse pacto não teria competência para
regular aquele litigio;
EFEITO PRIVATIVO DE COMPETÊNCIA: passa a não ser competente o
tribunal de um estado que se não fosse este pacto teria competência
para regular aquele litigio.
Nos termos do art. 2º/1, os estrangeiros domiciliados no estado membro ficam sujeitos
às regras desse estado nos mesmos termos que os seus nacionais.
Qual é a especificação do art. 2º/2 face ao art. 2º/1? Tem-se interpretado no sentido
em que as pessoas que não sejam nacionais daquele Estado membro podem invocar
as mesmas regras nacionais que são atribuídas aos nacionais desse estado membro.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page82
Nos termos do art. 3º/1, terá de ser o regulamento a determinar essa competência
exclusiva ou alternativa. Nos termos do art. 3º/2, o anexo I (alterado recentemente)
indica quais são as regras de competência nacionais exorbitantes, ou seja, cada
estado muitas vezes era levado a estender a competência internacional dos seus
tribunais para além aquilo que era aceitável, aceitando tal competência nos casos
em que nem existia uma conexão aceitável entre os tribunais desse estado e os litígios.
ÂMBITO TEMPORAL: encontra-se consagrado no art. 76º, sendo ainda necessário
atender ao art. 66º.
Nos termos do art. 67º e ss. não se diz uma coisa que é evidente: este regulamento
prevalece sobre as regras nos estados membros quanto às regras de competência
internacional e de reconhecimento das sentenças, resultando tal do art. 8º/4 CRP.
Há uma série de convenções internacionais que foram derrogadas por este
regulamento. De acordo com os novos tratados europeus compete à própria UE
negociar tratados, sendo que os estados membros não devem-se fazer parte de
qualquer convenção que possa conflituar com esta competência.
CAPÍTULO II - COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS
CRITÉRIO GERAL: o autor deve propor a acção no tribunal dodomicilio do reu – art. 2º
CRITÉRIOS ESPECIAIS DE COMPETÊNCIA LEGAL: secção 2 a 7. Estes critérios especiais
não derrogam a competência geral, apenas estando previstos para casos especiais.
Existe uma competência alternativa.
CRITÉRIOS DE PROTECÇÃO:Competência em matérias de seguros, em contratos de
trabalho e relativas ao consumidor (art. 8º a 21º) estas normas definem sem
necessidade de recorrer a qualquer outras regras a competência. Trata-se de
estabelecer um foro quanto a certas pessoas carentes de protecção (trabalhadores,
segurados e consumidores). Estas regras além de estabelecer conexões que visam
proteger as partes que carecem de maior protecção, também se estabelecem
limitações aos pactos de jurisdições nestas matérias.
Existem ainda critérios de competência exclusiva (art. 22º), critério de competência
convencional e critérios de verificação da competência, litispendência e conexão e
regras especiais de medidas de protecção.
Como se afere o domicilio de uma pessoa?
O próprio regulamento remete para a lexcausae: deve-se aplicar o direito
internacional do estado em que esta pessoa se encontra presuntivamente domiciliada
(art. 59º).
À partida, de acordo com o CC, domicilio coincide com residência familiar; onde a
pessoa tem o seu centro de vida.
E quanto às pessoas colectivas?
Neste caso é necessário atender ao art. 60º, sendo que o nº1 indica três critérios.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page83
Se a pessoa esta domiciliada num Estado membro ainda assim poderá ser
demandada nos tribunais de outro estado membro ANÁLISE DO ART. 5º (Regras de
Competência Legal Especiais)
1.
a. Caracter um tanto ou quanto indefinido desta regra; uma pessoa pode ser
demandada, em matéria contratual, no lugar onde foi ou devia ser cumprida
a obrigação em questão. Mas qual é a obrigação em questão? Atendendo ao
Regulamento de Roma I será a obrigação que serve de base/fundamento ao
processo. O regulamento decompõe o contrato num número indefinido de
obrigações que ele pode conter: uma obrigação duradoura pode dar lugar a
‘n’ numero de obrigações, sendo que a competência respeita a cada
obrigação. Não faz muito sentido relativamente a uma obrigação que ainda
tem de ser cumprida (quando ainda não haja incumprimento) estar a prever a
sua competência (apenas faz sentido nas medidas cautelares).
b. O próprio regulamento define onde deve ser proposta a acção através da
determinação de qual o lugar para o cumprimento da obrigação: no caso de
um contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, seja qual for a
obrigação que sirva de base a acção o que releva, no primeiro caso, é o lugar
onde os bens deveriam ser entregas, e no segundo caso, é o lugar onde os
serviços deveriam ser prestados.
c. Se não se aplicar a al. b) aplica-se a al. a): em todos os casos não previstos na
al. b) aplica-se a al. a), sendo que nesta se atende ao lugar em que deve ser
cumprida a obrigação em questão.
3. A grande dificuldade assenta em saber onde acaba o art. 1º al. a) e onde
começa o nº3: por exemplo, a responsabilidade pré contratual situa-se onde?
PROF. ALMEIDA COSTA: prevalece a responsabilidade contratual ≠ PROF.
FERNANRDO FERREIRA PINTO.TRIBUNAL DE JUSTIÇA: Sempre que haja violação
de uma obrigação concretamente assumida no processo de pendência do
contrato (fase prévia à vinculação), trata-se de uma situação de
responsabilidade contratual; mas se se basear na pura e simples violação de
um dever legal de conduta (por exemplo: dever legal de conduta segundo os
ditames da boa fé) estamos face a um caso de responsabilidade
extracontratual.
29 de Abril – Aula 17 (Prof. Luís Barreto Xavier)
ANÁLISE DO REGULAMENTO DE BRUXELAS I
A competência deste regulamento assenta concretamente em contratos celebrados
por consumidores, em contratos individuais de trabalho e em contratos de seguro.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page84
Nos termos do art. 15º/1 al. c) consagram-se as regrais gerais para que haja uma tutela
do consumidor, sendo necessário que a outra parte esteja no domicilio do consumidor.
O nº2 da norma em análise alarga o conceito de conceito e de tutela do consumidor.
O elemento de conexão é o domicilio do consumidor.
Nos EUA não existe uma tutela do trabalhador, tal como não existe na UE
relativamente ao despedimento com justa causa.
Nos termos do art. 25º consagram-se os pactos de jurisdição, sendo que pelo menos
uma das partes tem de ter domicilio num dos Estados Membros. Os pactos de
jurisdição expressam a autonomia da vontade. Nos pactos de jurisdição não se sabe à
partida quem é o autor e o réu: não faz sentido que a aplicabilidade deste
requerimento esteja sujeito a isso.
Exemplo
Imagine-se uma situação em que o domicilio de um determinado individuo é em
Espanha; estamos no âmbito de matéria contratual (contrato de compra e venda); a
coisa vendida foi entregue em França; o réu não pagou o preço e o demandado
encontra-se em Portugal.
Quando ao âmbito de aplicação, a nível espacial atende-se ao domicilio do reu e a
nível material atende-se ao facto de se tratar de matéria contratual.
Nos termos do art. 5º/1 al. a) o que é relevante não é a obrigação, mas sim a entrega
da coisa (art. 5º/1 al. b), pelo que o tribunal francês deveria ser o tribunal competente.
Os tribunais Portugueses não são internacionalmente competentes se existir um pacto
de jurisdição ou se se aplicar o art. 24º: se o reu aparece em litigio perante o tribunal
português e não contesta a competência (pacto de jurisdição implícito).
2 de Maio – Aula 18 (Prof. Luís Barreto Xavier)
HIPÓTESE PRÁTICA
António, português, celebra um contrato de compra e venda de um imóvel situado na
Alemanha por escrito particular assinado em Marrocos. O vendedor é uma sociedade
de mediação imobiliária com sede na Alemanha. António transfere o montante
correspondente ao preço para uma conta da referida sociedade, mas descobre que o
imóvel não tinha as características pretendidas. Que problemas do DIP podem emergir
desta hipótese? Resolva-os.
Trata-se de um problema de DIP, na medida em que a situação se encontra em
contacto com mais de um ordenamento jurídico (Alemanha, Portugal e Marrocos) –
situação absolutamente internacional.
Os problemas que se levantam nesta questão respeitam (1) à lei aplicável e (2)
competência internacional.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page85
Coloca-se a questão de saber que meios o português possui para tutelar os seus
direitos? O interesse de António assenta na dissolução do contrato com a
recuperação do dinheiro, ou seja António irá intentar uma acção de resolução do
contrato por incumprimento defeituoso.
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DO TRIBUNAL
Qual o instrumento jurídico ao qual vamos recorrer para resolver esta questão? Será o
Regulamento de Bruxelas I na medida em que o seu âmbito material de aplicação
encontra-se preenchido nos termos do seu art. 1º; o seu âmbito espacial também se
encontra preenchido nos termos do art. 2º e do art. 60º/1 al. a) (a sociedade tem a
sua sede na Alemanha) e o seu âmbito temporal também se encontra preenchido nos
termos do art. 66º. Aplicando o Regulamento de Bruxelas I afastam-se as regras de
direito interno português.
Onde poderá António demandar o vendedor? No caso está em causa uma acção de
resolução do contrato, independentemente do seu fundamento, não se poderia
aplicar o art. 22º porque o problema não tem o cerne em matéria de direitos reais:
trata-se de um deficiente cumprimento do contrato, pelo que se irá aplicar o art. 5º/1
al. a) que se refere a matérias contratuais em conjugação com o art. 2º.
Deste modo, o autor poderá propor a acção no tribunal alemão, quer por força do
art. 2º, quer por força do art. 5º/1 al. a).
LEI APLICÁVEL
Aplicação do Regulamento de Roma I – existe um conflito de leis? Sim.
Lei aplicável ao conteúdo do contrato: segundo o Regulamento de Roma I
será a lei escolhida pelas partes, sendo que na falta de tal escolha existem
regras supletivas nomeadamente a que aponta para a localização do imóvel
sendo neste caso, em principio, aplicável a lei alemã.
Lei aplicável à forma do contrato
Lei aplicável à transmissão do contrato
Neste caso saber qual a lei aplicável a cada um destes aspectos nem se colocava
uma vez que o que António quer é a resolução do contrato.
Suponha-se que a acção é proposta na Alemanha e um tribunal alemão profere uma
sentença em que afirma que não pode ocorrer a resolução do contrato porque de
acordo com o direito alemão, o comprador tinha um ónus de se informar sobre as
características do objecto do contrato, condenando ainda António como litigante de
má fé e a indemnizar danos não patrimoniais relativos à agencia de mediação
imobiliária. Esta decisão pode ser reconhecida em Portugal? Se sim, em que termos?
À questão do reconhecimento de sentenças aplica-se o Regulamento de Bruxelas I,
sendo a regra a do reconhecimento automático. Neste caso, seria necessário atender
ao art. 33º e ss. Não se aplicando nem o art. 34º nem o art. 35º, iria se aplicar o art.
33º/1 a sentença seria automaticamente reconhecida.
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O processo executivo pode ser proposto com base no título executivo que é a
sentença alemã?
Atendendo ao art. 38º e ss é necessário declarar a exequibilidade da decisão (tal
deixará de ser com o (novo) Regulamento de Bruxelas I que entra em vigor em 2015:
não será necessária um procedimento simplificada para declarar a exequibilidade da
decisão, ou seja sendo a decisão exequível no pais em que é proferida, também será
nos demais), através de um requerimento. Será necessário ainda atender ao art. 41º.
Nesta fase não há possibilidade de o tribunal verificar estes motivos de não
exequibilidade da sentença, previstos no art. 34º e 35º. Mas a parte que gostaria de se
opor à execução fica sem tutela, não sendo previamente ouvida antes de ser
declarada a exequibilidade? Não, poderá sempre recorrer e só em sede de recurso o
tribunal pode e deve verificar se estão ou não reunidas as condições para o
reconhecimento e execução da decisão.
Em matéria de competência internacional do tribunal de origem o que poderá servir
de fundamento para não reconhecer ou para não declarar executória uma
sentença?
Nos termos do art. 34º estabelecem-se os casos em que uma decisão não será
reconhecida, mas tal não responde à pergunta.
A resposta encontra-se nos casos previstos no art. 35º. E se forem violadas
competências fora dos casos do art. 35º? Atendendo ao art. 35º/3 não poderá
proceder-se ao controlo da competência dos tribunais do EM de origem: mesmo que
o tribunal do EM da origem tinha proferido uma sentença que viola o Regulamento
fora dos casos previstos no art. 35º/1 essa violação não é relevante para fundamento
de recusa e reconhecimento da sentença. Mas porque é assim, ou seja porque é que
a violação da regra do art. 2º por exemplo não serve de fundamento à recusa do
reconhecimento? De um lado existe a ideia de facilitar o reconhecimento das
sentenças estrangeiras que está na base de toda a arquitectura das regras de
competência, estabelecendo a possibilidade de ‘’circulação das sentenças’’, não
criando barreiras jurídicas em excesso pelo que o sistema de reconhecimento seja
fortemente facilitado através do reconhecimento automático e da fixação minimalista
de condições para esse mesmo reconhecimento em sede de competência. A ideia
que é cada pais confia no sistema jurisdicional dos diferentes estados membros, sendo
que só verifica a violação de regras de competência no caso dessas regras terem
caracter imperativo, visando-se tutelar valores mais elevados.
Todavia não se percebe muito bem a solução consagrada no art. 35º/1 quanto aos
contratos individuais de trabalho. Na opinião do PROF. LUÍS BARRETO XAVIER existe um
lapso do legislador: este regulamento de Bruxelas veio substituir a convenção de
Bruxelas, sendo que esta não tinha um capítulo dedicado aos contratos individuais de
trabalho. Quando a convenção foi reformulada para ser assumida como
regulamento, o legislador ao elaborar um capítulo autónomo sobre o contrato
individual de contrato não foi cuidadoso no momento do reconhecimento de
sentenças. Tal desarmonia é agora resolvida com a reformulação do regulamento de
Bruxelas.
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RESOLUÇÃO DO CASO: António apenas poderá recorrer através de recurso da
sentença executória. Em sede de recurso a solução tomada pelo juíz português será a
que consta do art. 45º, ou seja só tratando de um dos casos do art. 34º ou 35º é que
será recusada ou revogada a declaração. O caso enquadra-se no art. 34 ou 35º? Os
factores analisados são apenas os referidos no art. 34º e 35º, ou seja violação da
ordem pública, violação de certas regras de competência, violação dos direitos de
defesa e violações de decisões contrariadas anteriormente. O caso não se enquadra
em nenhum dos casos do art. 34º e 35º. A sentença em principio seria susceptível de
ser reconhecida, pelo que o tribunal de recurso não irá dar provimento ao recurso
intentado por António.
Note-se que com a entrada em vigor do novo regulamento de Bruxelas em 2015 não
seria necessário uma sentença de exequibilidade, mas António poderia recorrer de
acordo com as regras neste constante (art. 46º)
Suponha-se agora que em vez de ter existindo um cumprimento defeituoso do
contrato, a sociedade que celebrou o contrato de compra e venda com António
celebrou de seguida outro contrato de compra e venda, sobre o mesmo objecto, com
Alif, turco. O imóvel é entregue a Alif que fica muito contente com as características
do mesmo. Antonio pretende reivindicar a propriedade do imóvel.
Estamos face a uma situação plurilocalizada pelo que tal coloca problemas de DIP. O
cerne do problema encontra-se na reivindicação do imóvel o que consubstancia
TRIBUNAL INTERNACIONALMENTE COMPETENTE
Neste caso aplica-se o art. 22º/1 pelo que estamos face a um caso de competência
exclusiva dos tribunais alemães.
LEI APLICÁVEL
É necessário ter em consideração que as normas de conflitos não resolvem todos os
problemas jurídicas, sendo que as regras irão respeitar a determinado instituto/matéria,
pelo que para termos a solução global é necessário recorrer a diferentes normas de
conflitos – mecanismo da dépesage.
O Regulamento de Roma I aplica-se aos casos em que tem por objecto direitos reais,
nos termos do art. 1º e 4º. Daqui resulta que a lei aplicável ao contrato, não havendo
escolha, é a lei alemã porque tal é a lei do estado em que se encontra situado o
imóvel que é o objecto do contrato.
Contudo no caso está em causa o reconhecimento do direito de António, pelo que tal
pretensão resolve-se de que maneira?
Quer o problema seja colocado em Portugal, quer seja colocado na Alemanha, a
solução, de acordo com o Regulamento de Roma I será semelhante. Mas o problema
de saber a quem pertence a titularidade do objecto depende do Regulamento de
Roma I?
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Aos aspectos contratuais desta questão aplica-se o Regulamento de Roma I, mas aos
aspectos não contratuais, nomeadamente relacionados a direitos reais, tal problema
não depende do disposto do Regulamento de Roma I sendo deixado à regra de
conflitos, que no nosso ordenamento jurídico é o 46º e à regra de conflitos do direito
alemão, sendo que a propriedade se transfere por mero efeito do contrato (art. 408º e
art. 879º a))
No direito alemão, sistema paradigmaticamente diferente do nosso, a propriedade
não se transmite por mero efeito do contrato de compra e venda. Da compra e
venda resulta a obrigação de transmitir a propriedade da coisa.
Deste modo, uma vez que o tribunal competente seria o tribunal alemão nos termos
do art. 22º do Regulamento de Bruxelas, António não adquiriu a propriedade da coisa,
podendo a sociedade celebrar o novo contrato de compra e venda sendo
proprietário Alief.
António possui uma pretensão contratual com a sociedade, tendo um direito de
indemnização sofrido pela não transmissão da propriedade a que a sociedade estava
obrigada pela celebração do contrato.
Suponha-se que António alega incapacidade para celebrar aquele contrato
(arrependeu-se) e quer anula-lo. Quidiuris?
TRIBUNAL COMPETENTE INTERNACIONALMENTE
Não se aplicava o Regulamento de Bruxelas I nos termos do art. 1º/2 al. a) (exclui-se a
capacidade quando tal seja a questão essencial do caso); o caso não se encontra
abrangido dentro do âmbito material deste regulamento.
Seria necessário analisar se existia outro Regulamento da UE aplicava ao caso e na sua
falta se existia alguma convenção. Como não existia recorrer-se-ia ao direito comum
português, ou seja ao CPC. Nos termos do art. 65º CPC houve uma redução dos
factores de competência internacional através da eliminação de dois princípios que
anteriormente vigoravam, existindo agora o Princípio da Coincidência (art. 65º/1 al. b))
e Princípio da Necessidade (art. 65º/1 al. d)). Seria necessário saber se existia um
tribunal português territorialmente competente para esta questão sendo necessário
recorrer ao art. 85º regra geral conjugado com o art. 86º/2 (não existia qualquer regra
especifica quando à capacidade). Deste modo, aplicando o art. 86º/2 não se poderia
aplicar o Princípio da Coincidência. Deste modo se os tribunais alemães não se
considerassem competentes aplicava-se o art. 86º/2 conjugado com o art. 65º/1 al. d).
Admita-se agora que a sociedade tinha em Portugal uma agência e era demandada
em Portugal.
Fazendo o mesmo caminho anterior, a solução obtém-se pelo DIP de fonte
portuguesa, ou seja através do CC.
Era necessário proceder à qualificação de acordo com o direito interno português.
Admitindo que de acordo com o direito português o contrato era anulável, de acordo
com o direito marroquino e alemão o contrato era valido.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page89
No caso estamos a analisar a capacidade da pessoa singular e não a da pessoa
colectiva, sendo que se fosse este segundo o caso aplicava-se o art. 33º. Deste modo
as normas relevantes são o art. 25º, o art. 31º, nomeadamente o art. 47º.
Nos termos do art. 47º existem duas previsões e duas estatuições
Previsão1: se em matéria de capacidade para (…) a lei da situação dos
imóveis se considerar competente
Estatuição1: a lei aplicável é a da situação dos bens
Previsão 2: se em matéria de capacidade para (…) a lei da situação (…) não
se considerar competente
Estatuição2: a lei aplicável é a lei pessoal
No plano estrito do art. 47º era necessário saber a lei alemã se considera competente
ou não, sendo necessário recorrer as regras de conflitos alemã. Tal levanta a questão
interessante de por força do mecanismo da depesage a lei aplicável ser a lei alemã e
não se constituindo o direito real por mero efeito do contrato não se aplicaria o art. 47º
porque se trata da capacidade para celebrar o contrato de compra e venda do qual
nasce apenas a obrigação de transmitir o direito real. Se assim for, se o imóvel estiver
situado na Alemanha, não se aplicada o art. 47º. Se o imóvel estiver situado noutro
pais a situação seria outra aplicando-se o art. 25º e não o art. 47º. Deste modo
aplicava-se a lei da nacionalidade sem desvios, ou seja a lei portuguesa. Se assim é
necessário saber se existe qualquer outro desvio.
Sendo aplicável a lei portuguesa o contrato era anulável.
Mas é necessário ver se se aplica o desvio constante do Regulamento de Roma I no
art. 13º: depende das circunstancias concretas (o caso não nos fornece elementos
quando a este aspecto).
Podia-se aplicar o art. 28º CC? Podia-se se aplicar o seu nº2, a não ser que se
entendesse que não existia uma verdadeira disposição de imóveis.
Podia-se aplicar o art. 31º/2 tendo em consideração agora que António residia em
Marrocos? Era necessário saber o que dizia a lei marroquina quanto às regras da
competência. Entendendo que esta mandava atender à lei do local da celebração.
Deste modo nos termos do art. 31º/2 seria aplicável a lei portuguesa.
Esta sentença pode ser reconhecida em Marrocos e na Alemanha?
Depende das regras de competência de reconhecimento de estrangeiras
reconhecido no direito marroquino e alemão.
Imagine-se agora que António casado com Fátima, marroquina, quer propor uma
acção de divórcio em Portugal. Pode faze-lo?
Não se pode aplicar o Regulamento de Bruxelas I porque tal consubstancia uma
excepção ao seu âmbito material.
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page90
Deve-se atender ao Regulamento 2201/2003. Este regulamento visou afastar
obstáculos de natureza pessoal à livre circulação de pessoas no espaço europeu, ou
seja quis se afastar o risco de atravessando-se as fronteiras tais alterassem sem mais o
estado civil, etc.
TRIBUNAL COMPETENTE
Sendo ele Português, ela marroquina e residem habitualmente em Marrocos. Tendo
em consideração que o regulamento não vincula Marrocos a questão assenta em
saber se os tribunais portugueses são competentes internacionalmente.
Atendendo ao art. 3º uma vez que a situação não se enquadra em nenhuma dessas
hipóteses não se aplica o regulamento.
Não sendo isto excluído pelo art. 6º recorre-se nos termos do art. 7º e sendo a
competência regulada pela lei desse EM recorrem-se às regras de processo civil.
Atendendo ao art. 65º al. b) e ao art. 75º os tribunais portugueses não seriam
competentes; só seriam competentes se se aplicasse a al. d) do art. 65º se os tribunais
marroquinos não se considerassem competentes o que seria difícil uma vez que
Marrocos é o local onde eles residem e a nacionalidade da esposa.
Suponha-se agora que a sentença proferida pelos tribunais marroquinos que profere o
divórcio é reconhecida em Portugal?
Não se pode aplicar o Regulamento de Bruxelas II bis porque o âmbito espacial destes
reconhecimentos em sede de decisões estrangeiros é necessário quer o estado de
origem da sentença quer o estado em que se visa o reconhecimento serem EM, o que
não é o caso (Marrocos). Deste modo seria necessário atender ao art. 1094º e ss CPC:
nos termos do nº1 deste artigo existe um controlo prévio que incide sobre que tipo de
factores? Nos termos do art. 1096º será meramente formal.
6 de Maio – Aula 19 (Prof. Luís Barreto Xavier)
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que foi decidido num tribunal brasileiro decretar o divórcio entre dois
portugueses, residentes habitualmente no Rio de Janeiro. Esta sentença pode ser
reconhecida em Portugal? Se sim, em que termos.
Não se poderia aplicar o Regulamento de Bruxelas II bis uma vez que a situação não
se encontra no seu âmbito de aplicação: o Brasil não é um estado membro. Deste
modo é necessário atender ao art. 1094º e ss CPC.
Nos termos do art. 1094º é necessário que a sentença, para ser reconhecida em
Portugal, seja confirmada, estando os requisitos desta constantes no art. 1096º.
E se esta sentença de divórcio foi proferida contra um dos cônjuges com base no
direito material brasileiro, isto é, um tribunal brasileiro aplicou quanto a essa matéria a
lei brasileira, sendo que se tivesse aplicado a lei portuguesa o conteúdo da decisão
teria sido bem diferente e não seria desfavorável à parte vencida nessa acção,
nomeadamente em matéria de partilha dos bens comuns do casal.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page91
Tal em principio não seria relevante uma vez que não há revisão do mérito da decisão,
ou seja, não se analisa o conteúdo da decisão, se a lei foi bem ou mal aplicada ou se
a lei aplicada foi a indicada pela norma de conflitos. Em suma, não se analisa se a
decisão substancialmente foi ou não correcta na perspectiva do direito do foro. Este
princípio é aceite hoje em Portugal.
No caso nada parece indicar que possamos estar face à excepção constante no art.
1096º al. f), mas é necessário atender ao art. 1100º/2 que consubstancia um caso de
revisão de mérito – pressupostos:
Sentença proferida contra português
Direito português aplicável (art. 53º CC)
Deste modo, uma vez que se aplica o art. 1100º/2 esta sentença não poderia ser
reconhecida em Portugal. O art. 1100º visa tutelar o cidadão português, na medida
em que a sentença é proferida contra um português. O que está em causa é uma
tutela do cidadão português nos estritos casos em que um cidadão português seria
prejudicado pela não aplicação da lei portuguesa, quando essa seria a lei aplicável
pelo direito de conflitos. É uma tutela do cidadão português e não uma tutela do
direito português quando aplicável.
Admita-se que a sentença em causa não era uma sentença de divórcio, mas era uma
sentença que reconhecia a validade de uma convenção antenupcial celebrada no
Brasil. Admitindo que esta convenção era nula perante a lei portuguesa, a parte contra
quem a decisão foi proferida pode opor-se nos termos do art. 1100º/2 CPC?
Atendendo ao art. 53º/1 ‘’lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do
casamento’’ a lei aplicável seria a portuguesa (se a questão fosse colocada diante de
um tribunal português) e a convenção seria nula.
Contudo é necessário atender ao art. 31º/2: no caso a lei brasileira considerava-se
competente (os tribunais aplicaram a lei brasileira e eles residiam habitualmente no
Brasil). Então e o art. 1110º/2 pode ou não ser aplicado? Não, falta a aplicabilidade do
direito português ao caso de acordo com o nosso direito conflitos apesar do art. 53º
CC mandar em principio aplicar a lei nacional, o art. 31º/2 estabelece um desvio à
regra em matéria de estatuto pessoal, visando a situação dos direitos adquiridos
considerando esta sentença valida na medida em que é proferida pelos tribunais
brasileiros que se consideram competentes.
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que um litigio entre uma sociedade comercial com sede em Portugal e
uma sociedade comercial com sede no Brasil é decidido através da arbitragem em
Nova Iorque. Podia sê-lo? Se sim, em que termos é que esta decisão arbitral pode vir a
ser reconhecida em Portugal.
Convenção de Nova Iorque de 1958 – reconhecimento de sentenças arbitrais
Se a arbitragem tivesse ocorrido, por exemplo, em Luanda, aplicava-se a Nova Lei da
Arbitragem.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page92
A relevância da arbitragem assenta em ser um mecanismo alternativo à via judicial,
podendo ser adoptado quando exista uma convenção de arbitragem e desde que
seja uma matéria susceptível de ser objecto de arbitragem (existem várias matérias
que pela sua natureza pessoal não são susceptíveis de ser resolvidas pela via arbitral,
nomeadamente o casamento e a adopção).
Nas relações comerciais internacionais, do ponto de vista estatístico, é o regime regra
da resolução de litígios internacionais. Sobretudo nas transacções de determinada
dimensão, o recurso aos tribunais judiciais é excepcional. Tal deve-se ao facto de
existir uma potencial maior celeridade na arbitragem e de os árbitros possuírem uma
maior especialização sobre aquela matéria ao contrário do que sucede nos tribunais
judiciais em que o nível de especialização não é tão superior. Justifica-se ainda o
recurso à arbitragem pelo seu caracter não publico das decisões (exemplo: discute-se
a formula da coca cola – é preferível resolver esse assunto num tribunal arbitral em que
existe confidencialidade do que num tribunal judicial em que tal não existe).
PLANO DO DIREITO APLICÁVEL
A opção pela arbitragem tem consequências no plano do direito aplicável ou não? O
direito de conflitos aplicado quando as pessoas recorrem a um tribunal judicial é
diferente de quando se recorre à arbitragem. Existem dois níveis de abordagem:
i. Existem regulamentações nacionais da arbitragem
ii. Existe a realidade mais ou menos desregulada da arbitragem
O que sucede se três árbitros decidem sobre um litigio entre uma sociedade comercial
com sede num determinado pais e outra sociedade com sede noutro pais, sem os
árbitros se encontrarem pessoal (cada um localizado no seu pais de origem sendo que
nenhum coincide com o pais em que se encontra a sede da sociedade). Qual o valor
da decisão arbitral? A decisão arbitral torna-se vinculativa para as partes? Quer
através de arbitragens ad hoc quer através de arbitragem institucionais tais instituições
funcionam independente do que qualquer pais diga sobre o que elas devem fazer?
Em Portugal existe a (nova) lei de arbitragem voluntária, mas o que sucede se as
partes a ignorarem e se desenvolver uma arbitragem à margem desta lei? Na prática
o que se passa é que as partes acatam as decisões arbitrais, acabando estas por
serem eficazes, sendo os meios de as atacar por via judicial são limitados, nem tendo
os estados sentidos em criar grandes entraves à efectivação destas decisões arbitrais.
Daqui resulta que há quem entenda que ao lado das regulamentações nacionais, ao
lado dos direitos estaduais, existem uma ordem transnacional na qual tem
acolhimento a instituição arbitral que vivem à margem das regulamentações
estaduais. Nesse sentido, em que medida estes árbitros devem pautar a sua conduta
de acordo com os interesses estaduais? Devem pensar um bocadinho no país em que
a decisão arbitral irá produzir efeitos.
Embora os legisladores nacionais em vestes de todo o optimismo antropológico
pensem que conseguem regular a arbitragem, na verdade só conseguem regular
certos aspectos desta. A arbitragem é uma ordem que vive com uma certa
autonomia face às demais.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page93
Nos termos do art. 49º e ss da Nova Lei de Arbitragem consagra-se o conceito de
arbitragem internacional.
Nos termos do art. 52º decorre a diferença entre a aplicação deste regime e o regime
que resultaria do direito de conflitos. Consagram-se regras conflituais próprias que tem
a característica de serem mais flexíveis.
Existem regras diferentes em função do recurso à via judicial (recorre-se ao direito de
conflitos vigente: regulamentos e CC) e o recurso à via arbitral, justificando-se tal pelo
facto de existir uma tutela da autonomia da vontade.
RECONHECIMENTO DAS DECISÕES ARBITRAIS
Dos art. 55º e ss da NLAV resulta um sistema de controlo prévio das decisões, sendo um
controlo meramente formal
NOTA: Existem os chamados regulamentos duplos que englobam a competência
internacional, o direito aplicável e o reconhecimento de decisões.
OUTROS INSTRUMENTOS EUROPEUS
O Regulamento de Titulo Executivo Europeu, o Regulamento de Injunção de
pagamento e o Regulamento relativo a acções de pequeno montante visaram
facilitar o reconhecimento através de atribuição de força executiva a estes sem
qualquer necessidade de controlo prévio.
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que são procurados por um cliente vosso que se prepara para celebrar
uma grande transacção com uma empresa russa relativamente a um investimento a
ter lugar em Moçambique. Quais são os cuidados a aconselhar ao cliente?
Sendo as partes a escolher a lei A ou B, ou seja escolher qual a lei aplicável o
elemento de conexão é a vontade.
Além de verificar se existia alguma espécie de arbitragem era necessário saber se se
vai celebrar ou não um pacto de jurisdição e em causo afirmativo analisar qual seriam
os tribunais competentes e qual a lei aplicável.
Pensando em probabilidades, há sistemas judiciais que se encontram melhor
preparados para certo tipo de opções e para certos tipos de litígios.
HIPÓTESE PRÁTICA
Suponha-se que um cliente nosso manda um email a dizer ‘’estou a beira da
bancarrota, preciso de por o meu património a salvo!! O que é que eu faço?’’. O
cliente é ucraniano. O cliente quer deslocar tudo para Marrocos. Quidiuris?
Aqui seria necessário analisar o Regulamento sobre a insolvência
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page94
Poder-se-ia aconselhar a deslocação da sede para Marrocos e para este mesmo país
a transferência de todo o seu património? Das duas uma: ou vai a tempo ou não vai a
tempo. Obviamente existem actos que poderão ser atacados através de certos meios
de que o credor dispõe para proteger a sua pretensão (declaração de nulidade,
impugnação pauliana, arresto, etc.), mas pode haver prova em contrário no sentido
de que a sede estatutária não corresponde à sede efectiva.
9 de Maio – Aula 20 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
MATÉRIA DO ESTATUTO PESSOAL
Quando em DIP se utiliza o termo estatuto tal consubstancia uma manifestação
periférica do método estatutário que era o método da Idade Média (‘’os romanos
estavam nas tintas para o DIP, pois aplicavam o direito romano aos romanos e aos
estrangeiros’’). Quando se atende ao estatuto pessoal está-se a falar na lei pessoal do
individuo. Nos termos do art. 25º consagram-se as matérias do estatuto pessoal. Qual a
lei pessoal do individuo? Não é o artigo 25º que o diz, mas sim o art. 31º/1 que
consagra que a lei pessoal é a lei da nacionalidade do individuo. Contudo, nos termos
do art. 31º/2 permite-se que sejam reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos
celebrados no país da residência habitual – a lei da residência habitual apresenta-se
quase como uma competência alternativa, mas apenas quase uma vez que ela não
é paralela à lei da nacionalidade. O art. 31º/2 é uma disposição que diz francamente
menos do que aquilo que esta no seu espirito devendo ser interpretado
extensivamente: o que é importante é que esse individuo se tenha colocado sobre a
sombra da lei da sua residência habitual para celebração do negócio, Bastando que
a lei à luz da qual foi celebrado o negócio seja considerada competente pela lei da
residência habitual do individuo. Se no entanto o individuo tiver pautado a sua
conduta à luz da lei da residência habitual tal será reconhecido em Portugal, desde
que seja matéria de estatuto pessoal obviamente. O art. 28º é bastante importante na
medida que estabelece alguns desvios à capacidade do individuo: para protecção
do comércio jurídico local, do comercio jurídico que se faz no pais em que o negocio
é celebrado, admite que um individuo que não é capaz face à luz da sua lei nacional,
mas se é capaz à luz do pais onde celebra o negocio, também será capaz em
Portugal. O art. 28º/1 consagra uma regra de conflitos unilateral consagrando-se a
aplicação imediata. No nº3 existe uma bilateralização dessa regra: se o negócio for
celebrado em pais estrangeiro deve ser observada essa regra.
No que respeite às pessoas colectivas elas também têm uma lei pessoal que rege os
aspectos essenciais da sua vida, ficcionando-se até que tenham uma lei pessoal. A
pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do estado em que ela tem a sede
efectiva da sua administração (no caso das sociedades comerciais é necessário
atender ao art. 3º/1 I parte que consagra uma regra paralela à do art. 31º/2).
Cabe no conceito quadro do art. 52º todas as normas da lei portuguesa ou
estrangeira que se refiram às leis pessoais do cônjuge desde que não se referiam ao
regime dos bens que é matéria do art. 53º.
Até 1977 onde agora o art. 52º fala em ‘’lei do país com o qual a vida familiar se ache
mais estreitamente conexa’’ falava-se em lei da nacionalidade do marido. Mas tal
acabou devido ao Princípio da Igual Dignidade entre os Cônjuges.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page95
Níveis de Constitucionalidade quanto às Regras de Conflitos
As regras de conflitos estão sujeitas a juízos de constitucionalidade? A regra de
conflitos estabelece uma solução que ofende o Princípio da Igual Dignidade
entre os Cônjuges
A lei que a nossa regra de conflitos manda aplicar é uma lei estrangeira. Pode-
se fazer a fiscalização da constitucionalidade da lei estrangeira à luz da nossa
constituição? Não faz sentido.
Pode um juiz português fazer a constitucionalidade de uma lei alemã em face
da constituição alemã? Só nos mesmos termos em que o poderá fazer um juiz
alemã, e desde que lá vigore um sistema de constitucionalidade difusa.
Nos termos do Regulamento de Roma III (regulamento 1259/2010) que trata da
situação do divórcio considera como lei aplicável a lei que os cônjuges escolherem
nos termos do art. 5º/1. Se as partes não escolherem a lei competente atende-se ao
art. 8º.
REGULAMENTO DE ROMA I
O Regulamento de Roma I veio substituir a Convenção de Roma.
O Regulamento de Roma I substitui a nossa regra de conflitos interna consagrada no
art. 41º. Contudo, as nossas normas de conflitos podem ainda ser aplicadas a relações
contratuais constituídas antes da entrada em vigor do Regulamento de Roma I e em
casos de obrigações contratuais unilaterais.
Nos termos do art. 1º consagra-se o âmbito de aplicação material do regulamento de
Roma I, sendo que quando se fala em ‘’conflito de leis’’ poder-se-ia pensar que só se
aplica a situações plurilocalizadas mas não é bem assim, sendo necessário conjugar o
art. 1ª/1 com o art. 3º.
O regulamento de Roma I consagra regras gerais e especiais, a fim de tutelar as partes
mais débeis. A regra geral é o da autonomia da vontade, ou seja os interessados
escolhem a lei que querem que seja aplicada aos seus contratos.
As partes só podem escolher a lei de um estado ou podem por exemplo escolher a
lexmercatorie se é que isto existe? Entende-se por lexmercatorie as regras seguidas no
comércio internacional. À partida o regulamento não parece prescindir que seja
indicado uma lei pertencente a uma ordem internacional concreta. Depois há uma
série de matérias que apesar de serem contratuais são excluídas. Note-se que quando
o art. 1º al. g) fala em agente trata-se de toda a pessoa que prossegue interesses
alheios.
Antigamente, atendendo ao art. 41º CC a escolha pelas partes encontrava-se sujeito
a certos limites. Tal implicava um controlo da própria designação.
É necessário proceder a uma análise de cada um dos números do art. 3º.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page96
O regulamento permite a depesage do contrato, ou seja decompõe-se o contrato e
aplica-se a diferentes partes destes diferentes leis: permite-se a decomposição do
contrato mas têm que ser aplicados regimes coerentes
Quando as partes não escolhem a lei aplicável é necessário atender ao art. 4º. Note-
se que o nº3 do art. 4º consubstancia uma cláusula de desvio ou de excepção, sendo
de perguntar o que o legislador entendeu por conexão mais estreita? Tendo em
consideração o conjunto de circunstancias do caso qual a lei com a qual ele possui a
conexão mais especifica.
Em suma: a regra é a escolha das partes, mas se elas não tiverem escolhido ou tiverem
escolhido varias leis que não se harmonizam entre si atende-se aos vários números do
art. 4º, começando sempre pelo nº1.
REGULAMENTO DE ROMA II – ANÁLISE
13 de Maio – Aula 21 (Prof. Fernando Ferreira Pinto)
HIPÓTESE PRÁTICA
António, cidadão venezuelano, e Maria, cidadã portuguesa, conheceram-se em
Caracas e contraíram casamento em Janeiro de 2006, tendo fixado a residência
conjugal na cidade do México. Em Dezembro de 2006, o casal transferiu a sua
residência para Londres, onde nasceram os seus dois filhos e onde se mantiveram até
que em Janeiro do corrente ano António abandona o lar conjugal voltando à
Venezuela. Maria, que entretanto regressa também a Portugal, acompanhada dos dois
filhos do casal, propõe em tribunal português a acção de divórcio contra António com
fundamento no aludido abandono. Admitindo que:
a) A lei inglesa considera aplicável ao divórcio a lei da primeira residência
conjugal e os tribunais ingleses praticam a teoria da devolução dupla;
b) A lei mexicana reputa competente na mesma matéria a lei do local da
celebração do casamento aceitando a teoria da devolução simples;
c) A lei venezuelana faz referência material à lei da primeira residência conjugal;
d) A lei mexicana não admite o divórcio com fundamento no simples abandono
do lar conjugal, ao passo que a lei portuguesa, venezuelana e inglesa o
admitem.
Responda às questões seguintes:
1. Em face do direito vigente no nosso país, os tribunais portugueses seriam
competentes para apreciar a acção de divórcio em causa?
No presente caso estamos face a um problema de DIP, na medida em que estamos
face a uma situação plurilocalizada.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page97
Em primeiro lugar é necessário atender ao Regulamento de Bruxelas II (bis): atendendo
ao âmbito material (art. 1º), ao âmbito temporal (art. 64º) e ao âmbito espacial
parece não existir qualquer problema. Contudo é necessário atender ao art. 3º al. a)
ultima situação: sendo Maria de nacionalidade portuguesa os tribunais portugueses
seriam competentes à luz deste regulamento apenas se ela já residisse em Portugal há
mais de 6 meses. Contudo, tal não é o caso. É ainda necessário atender ao art. 7º.
Não sendo aplicável o Regulamento de Bruxelas II (bis) é necessário recorrer ao
Código de Processo Civil. Conjugando o art. 65º al. b) com o art. 75º, pelo que
residindo Maria em Portugal os tribunais portugueses seriam competentes.
2. Que lei aplicariam neste caso os tribunais ingleses, mexicanos e venezuelanos
se se reputassem competentes para o apreciar?
Analisemos de seguida qual a lei que seria aplicável pelos tribunais em causa:
Tribunais Ingleses: lei mexicana
Tribunais Mexicanos: lei mexicana
Tribunais venezuelanos: lei mexicana
Lei Portuguesa - - -> Lei Inglesa ---> Lei Mexicana Lei Venezuelana -> Lei Mexicana
Neste regulamento não existe reenvio nos termos do art. 11º. Porque é que não há
reenvio no âmbito deste regulamento? De acordo com este regulamento a lei que se
aplica ao divórcio é aquela que as partes tiverem escolhido no âmbito do art. 5º,
sendo que se nada escolher atende-se ao art. 8º. Neste artigo a intenção do legislador
assenta em que nele existe uma conexão subsidiária de DIP, que conjugada com o
art. 5º leva a uma conexão múltipla alternativa para favorecimento. Há partida quase
que se aceita tudo. Se não existisse este regulamento aplicava-se o art. 55º CC e na
falta deste o art. 52º CC sendo que aplicando esta última norma seria aplicável a lei
inglesa.
Se não existisse regulamento – aplicação do art. 17º/1 e seria aplicável a lei mexicana,
mas neste pais não se admite divorcio. E agora? A harmonia jurídica gira em torno de
aceitar o divórcio – art. 22º
3. Que lei deverá aplicar o tribunal português por hipótese competente?
Neste caso é necessário atender ao Regulamento 1259/2010 e ao seu artigo 8º: não se
enquadrando a situação em nenhuma alínea anterior, aplicar-se-ia al. d) pelo que os
tribunais portugueses iriam aplicar a lei portuguesa (a acção foi intentada em
Portugal).
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HIPÓTESE PRÁTICA
Em Agosto de 1990, António, nacional da Guatemala, com residência habitual em
Portugal, e Beatriz, portuguesa, também residente em Portugal, casaram-se em Las
Vegas, para ocasião de uma viagem de férias aos EUA. O casamento foi celebrado
perante um reverendo protestante que se prontificou a oficiar o casamento não
obstante nenhum dos nubentes ter apresentado o certificado de capacidade
matrimonial. Após o casamento e sem que o tenham feito transcrever no registo civil
português, o casal estabelece residência na Argentina adquirindo um apartamento
em Buenos Aires. Passados dois anos, ai vem a nascer o primeiro filho de ambos,
Carlos, e decidem regressar a Portugal estabelecendo residência em Cascais. Em
Outubro de 2008, o casal separa-se e António vai viver para a Guatemala. Neste país,
António vende a Carlos o apartamento que possuía na Argentina. Beatriz, ao tomar
conhecimento da venda, intenta nos tribunais portugueses uma acção de anulação
desse contrato de compra e venda, tanto em seu nome pessoal como em nome do
outro filho do casal, Daniel, ainda menor. A acção é proposta contra António e Carlos
e para fundamentar a sua pretensão Beatriz alega que
1. é casada com António, tendo já feito transcrever o seu casamento em
Portugal;
2. de acordo com o art. 1682º-A do CC português, a alienação carecia do
consentimento de ambos os cônjuges;
3. também de acordo com o art. 877º do referido código Daniel deveria ter dado
o seu consentimento à venda o que não aconteceu.
António e Carlos defendessem alegando que:
1. os tribunais portugueses são incompetentes para conhecer da acção de
anulação, pois António está domiciliado na Guatemala, Carlos é cidadão
argentino e o apartamento em causa situa-se na Argentina;
2. mesmo que Beatriz já tenha feito transcrever o seu casamento, certo é que o
apartamento alienado foi adquirido antes de tal transcrição, estando inscrito no
Registo Predial Argentino em nome de António;
3. além disso, o casamento entre António e Beatriz já se encontra dissolvido por
sentença proferida por um tribunal na Guatemala, em Janeiro do presente ano,
no termo de uma acção que foi intentada por António em Janeiro de 2011 e na
qual Beatriz, embora devidamente citada, optou por não se defender;
4. António e Carlos submeteram o contrato que celebraram à lei argentina, pelo
que o art. 877º CC não é em caso algum aplicável.
Aos fundamentos de defesa apresentados Beatriz contrapõe que:
1. para efeitos de competência internacional dos tribunais portuguesas é
suficiente a circunstância de Carlos se encontrar domiciliado em Portugal;
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2. a transcrição do casamento tem efeitos retroactivos à data da celebração
deste;
3. a sentença do divórcio proferida na Guatemala não está reconhecida em
Portugal nem poderá nunca vir a sê-lo, dado que ela, Beatriz, intentou a acção
de divórcio contra António em Junho de 2009, acção que ainda se encontra
pendente junto dos tribunais portugueses.
Pondere os argumentos apresentados pelas partes e responda às seguintes questões:
a) Qual a fonte das regras de conflitos de jurisdição porque o tribunal português
deverá aferir se tem competência internacional para conhecer da acção
intentada por Beatriz.
Aplicação do Bruxelas I: a matéria que está em causa é um contrato de compra e
venda, mais concretamente a sua anulação.
b) De acordo com o conjunto de regras que considerou aplicável, os nossos
tribunais têm ou não competência para resolver o caso?
No caso concreto, António não se encontra domiciliado num Estado Membro
(Guatemala), ao passou que Carlos encontra-se (Portugal). Aplicação do art. 6º/1 que
consubstancia um caso de conexão? O problema é que António não tem domicílio
num Estado Membro. Mas não é necessário que ambos se encontrarem domiciliados
em Estado Membro: basta que um se encontre domiciliado num Estado Membro e as
acções se encontrem conexas. De qualquer forma, neste caso, a acção tinha de ser
proposta contra os dois, ou seja contra o comprador e contra o devedor sob pena de
não se fazer caso julgado.
Os tribunais portugueses tinham competência neste caso? Há uma parte da doutrina,
com a qual o PROF. FERNANDO FERREIRA PINTO concorda, que defende que tratando-
se de uma acção de nulidade ou de anulação não se pode aplicar o art. 5º porque
tal respeita ao cumprimento de uma obrigação; há quem entenda que as acções de
invalidade aplica-se o art. 5º porque nesse caso atende-se ao lugar em que devia ser
cumprida a obrigação.
Não se podendo aplicar o art. 5º poderia ser aplicável o art. 22º? Não, não se trata de
matéria de direitos reais.
c) Tendo em atenção as categorias de normas materiais que assumem relevância
para o DIP como se caracteriza o art. 1682º-A do CC?
No presente caso não estamos face à casa de morada de família, uma vez que eles
habitavam em Cascais e já não em Buenos Aires, pelo que não estamos face a uma
questão do art. 1682º-A/2 (norma de aplicação imediata ou necessária para os casos
em que a casa de morada de família se encontra situada em Portugal).
Nos termos do art. 1682º-A/1 quanto muito colocava-se em causa um problema de
qualificação, ou seja se cabe no art. 52º ou 53º.
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d) A citada disposição do nosso CC é aplicável à hipótese em questão?
O art. 1682º-A/2 não é aplicável, porque a casa de morada de família situava-se em
Cascais e já não em Buenos Aires. Quanto ao nº1 este subsume-se ao art. 53º. Estamos
face a um problema de qualificação. O art. 1682º-A/1 faz depender o consentimento
do regime de bens. Subsumindo-se ao art. 53º o elemento de conexão aponta para a
lei portuguesa.
e) Que problema metodológico fundamental suscita a controvérsia entre as
partes a respeito da aplicabilidade do art. 877º do CC.
Trata-se de qualificar a norma: contratos, família ou sucessões? Nos termos do art. 15º
CC a qualificação faz-se de acordo com o sistema de conflitos do foro. O material a
qualificar pode-se ir buscar a uma lei estrangeira, mas depois a qualificação faz de
acordo com o nosso sistema de regras de conflitos.
f) O mencionar do art. 877º do CC pode ser efectivamente aplicado ao caso
descrito?
De acordo com o sistema de regras de conflitos portuguesa o art. 877º seria aplicável
ao caso? O direito português não foi o direito escolhido pelas partes portanto exclui-se
a parte contratual. Deste modo, o art. 877º enquanto norma que atende às relações
entre pais e filhos, aplicando a lei pessoal do filho, seria aplicável a lei argentina nos
termos do art. 57º; enquanto norma que atende ao cariz sucessório nos termos do art.
62º seria aplicável a lei pessoal do autor que neste caso seria a de Guatemala pelo
que o art. 877º não seria aplicável.
g) A circunstância de a sentença de divórcio proferida pelos tribunais
guatemaltecos não se encontrar revista e confirmada em tribunal impede que
a mesma produza quaisquer efeitos no nosso país? Em caso de resposta
negativo indique que efeitos podiam ter relevância para a resolução da
hipótese.
Uma sentença estrangeira proferida por um tribunal guatemalteco produz algum
efeito em Portugal, ou seja está sujeito a algum processo de revisão em Portugal?
Ao reconhecimento daquela situação nunca seria aplicável o Regulamento de
Bruxelas I nem II (bis). Não existe qualquer convenção celebrada entre Portugal e
Guatemala, pelo que é necessário atender ao art. 1094º e ss CPC. Uma sentença
estrangeira, mesmo que não esteja revista e confirmada em Portugal, pode produzir
efeitos, mas não são os seus efeitos directos, são por exemplo efeitos probatórios e
efeitos sucessórios – problema da questão prévia.
h) Caso António venha a requerer o reconhecimento em Portugal da aludida
sentença de divórcio, que normas serão aplicáveis à apreciação do pedido de
reconhecimento?
Neste caso seria necessário aplicar o art. 1094º e ss do Código de Processo Civil,
nomeadamente os requisitos do art. 1096º do mesmo código.
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Maria Luísa Lobo – 2012/2013 Page101
i) Tem Beatriz razão quando alega que essa sentença não poderá nunca ser
reconhecida no nosso país?
Nos termos do art. 1096º consagram-se os requisitos essenciais para a confirmação.
Nos termos do art. 1100º consagram-se os fundamentos de impugnação. Nem todos os
requisitos do art. 1096º são de conhecimento oficioso, mas a Beatriz pode-se a opor a
qualquer uma e ainda poderá impugnar com fundamento nos termos do art. 771º al.
a) c) e f).
Análise do art. 1096º CPC:
a) Se existirem dúvidas pede-se a legalização do documento – art. 540º CPC;
b) É preciso que se trate de uma decisão definitiva, sem possibilidade de recurso;
c) Consagração do princípio da unilateralidade da competência internacional
indirecta;
d) Primeira questão: a litispendência estrangeira entre nós é relevante? Qual é a
ratio desta norma? Esta norma consagra um critério de prevenção da
jurisdição: a acção foi interposta primeiro num tribunal estrangeiro. A
litispendência estrangeira é irrelevante nos termos do art. 447º/3.
No caso estamos face a uma questão que se insere no art. 1096º al. d), ou seja quem
preveniu a jurisdição foi Portugal, pelo que Beatriz tinha razão. É necessário ainda
atender ao art. 1096º/2.
20 de Maio – Aula 22 (Prof. Luís Barreto Xavier)
HIPÓTESE PRÁTICA
Erica e Ulfe, nacionais da Suécia, casados, resolvem fixar residência em Portugal. No
ano seguinte, Erica falece em Lisboa deixando testamento a favor de Lisa, italiana,
filha de anterior casamento com Francesco. Responda autonomamente a cada uma
das seguintes questões:
a) Admita que o direito sueco não atribua ao cônjuge sobrevivo a qualidade de
herdeiro forçoso;
b) O direito sueco rege a sucessão por morte pela lei da última residência
habitual do autor da sucessão acolhendo a teoria da referência material.
Diga se Ulfe pode invocar a lei portuguesa para reclamar a tutela sucessória que lhe é
negada pela lei sueca?
Trata-se de uma situação plurilocalizada, absolutamente internacional, que convoca,
por isso, questões de DIP, sendo o problema colocado quanto à lei aplicada. Porque
regras de conflitos iremos resolver este problema? Será necessário proceder à
qualificação para com isso escolher a regra de conflitos competentes a fim de dirimir
o conflito de leis potencialmente aplicáveis:
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Lei sueca – resolve este problema não reconhecendo o titulo de herdeiro
forçoso/legitimário ao cônjuge sobrevivo, isto é, a Ulfe.
Lei portuguesa – testamento não pode afectar a quota legitimária do cônjuge
sobrevivo.
Em primeiro lugar é necessário se existe algum instrumento de DIP que resolva a
questão. No caso existe um regulamento da União Europeia em matéria sucessória,
mas que ainda não entrou em vigor pelo que se recorre ao CC, nomeadamente ao
art. 62º: será aplicável a lei pessoal do autor da sucessão ao momento da abertura da
sucessão, neste caso a lei sueca. Aplica-se sem mais o direito material sueco? Uma vez
apurada a lei aplicável através do art. 62º o passo seguinte passa por olhar para a
regra de conflitos da lei estrangeira ou para o reenvio? Em primeiro lugar analisa-se a
regra de conflitos: se esta mandar aplicar o direito sueco não seria necessário analisar
o sistema de conflitos. Primeiro analisa-se então a regra de conflitos sueca a fim de
saber se esta se considera competente: a lei sueca manda atender à última
residência do autor da sucessão, sendo que este vivia em Portugal à data da sua
morte, a lei sueca manda aplicar a lei portuguesa.
De seguida iremos ver se se aceita o reenvio no seu modo de retorno. Deste modo é
necessário ver qual o sentido reenvio da lei sueca: esta faz referencia material ou seja
remete/devolve para o direito interno português.
No caso aplica-se o art. 18º/1 pelo que o direito português é aplicável: tal situação
encontra-se de acordo com o DIP uma vez que assim se consegue a harmonia
internacional.
Uma vez que estamos no âmbito do estatuto pessoal (art. 25º) é necessário ainda
passar este retorno pelo crive do art. 18º/2: tal encontra-se preenchido, na medida em
que o interessado tinha residência habitual em Portugal, pelo que se aplica a lei
portuguesa.
Admita agora que a lei sueca consagra a tese da dupla devolução. A sua resposta
seria a mesma?
Dá-se por resolvido todo o problema até ao momento em que a lei sueca remete num
sistema de dupla devolução para a lei portuguesa e vamos resolver a partir daqui o
problema.
Aqui é importante antes de se dar a resposta, dar-se espaço para a solução, ou seja
começa-se pela fundamentação e não pela solução final.
Não se pode partir do pressuposto que a lei sueca remete para o nosso direito
material, não podemos dar por assente que a lei que pratica dupla devolução está a
remeter para o nosso direito material, uma vez que faz uma referência global para o
direito português.
Segundo o PROF. BAPTISTA MACHADO não obstante o que se acabou de ver, devia-se
aceitar aqui o reenvio por esta razão: qualquer que fosse a posição a adoptar pelo
julgador português por esta questão, tal posição seria reproduzida necessariamente
pelo tribunal que praticasse dupla devolução, ou seja, qualquer que fosse a solução
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - A FDUCP
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(aceitar o reenvio ou não) tal seria sempre objecto de adesão pela lei que remete
para a lei portuguesa. Aplicando a lei portuguesa, os outros tribunais também
aplicariam a lei portuguesa; se aplicássemos a lei inglesa os tribunais ingleses também
aplicariam tal lei. Deste modo, mais valia aplicar a lei portuguesa porque é a lei que os
tribunais portugueses melhor conhece.
Há autores que entendem que aqui não deve haver reenvio, e depois há o PROF.
BAPTISTA MACHADO que entende que devia ser aplicado.
O problema aqui coloca-se no plano dos princípios: nós, em Portugal, temos um
princípio de boa administração que fundamenta a aplicação da lei portuguesa
relativamente a leis estrangeiras em igualdade de circunstância, ou temos em vigor
um Princípio da Paridade de Tratamento inerente às regras de conflitos.
Suponha que o património de Erica era constituído por imóveis situados em Itália. O
direito italiano prevê a legitima do cônjuge sobrevivo, ao contrário do direito sueco.
c) O direito sueco remete em matéria de sucessão imobiliária para a lei da
situação dos imoveis sendo contrário ao reenvio.
d) O direito italiano remete para a lei da nacionalidade do autor da sucessão
acolhendo a sucessão simples
Diga se Ulfe tem direitos hereditários.
Trata-se de uma situação absolutamente internacional, com conexão com três ordens
jurídicas. Atende-se quanto à qualificação ao art. 62º e à remissão para a lei da
nacionalidade, sendo que a lei portuguesa remete para a lei sueca.
Lei Portuguesa -,-,-> Lei Sueca -->(devolução simples) Lei Italiana Lei Sueca
No caso estamos face a uma questão de transmissão, de reenvio de 2º grau, pelo que
se aplica o art. 17º. É necessário analisar se os pressupostos do art. 17º/1 se encontram
verificados:
Lei para a qual a nossa regra de conflitos remete para outra legislação: lei
sueca (para a qual a lei portuguesa remete) remete para a lei italiana (remeter
enquanto a lei sueca mandar aplicar a lei italiana)
Lei que é mandada aplicar pela lei referida pela nossa norma de conflitos se
considere competente: lei italiana pelo facto de só aceitar o primeiro reenvio
considera-se competente de forma indirecta (tal encontra-se de acordo com
a ratio leges, isto é, com a harmonia jurídica).
Contudo, o problema não se resolve apenas com a verificação dos pressupostos do
art. 17º/1. É necessário analisar a (in)existência de obstáculos no art. 17º/2: encontram-
se preenchidos os seus pressupostos pelo que cessa o reenvio. Deste modo, cessa o
reenvio pelo que de acordo com o art. 17º/2 aplica-se a regra geral do art. 16º e
manda-se aplicar a lei material sueca.
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Contudo, há uma excepção à excepção constante no art. 17º/3 que significa a
efectividade das decisões judiciais de acordo com o princípio da maior proximidade.
Existe uma conjugação entre o principio da maior proximidade e o principio da
harmonia internacional pelo que neste caso seria aplicável a lei italiana.
No caso é necessário ainda atender ao art. 19º: o testamento seria parcialmente
ineficaz com o reenvio; sem reenvio seria válido e eficaz (aplicava-se a lei sueca).
Dê um exemplo de norma de aplicação imediata e explique o seu campo de
aplicação no confronto com as regras gerais de conflitos.
Por exemplo o art. 2223º é uma norma de aplicação imediata face ao art. 65º que é a
regra geral de conflitos. Qual o campo de aplicação do art. 2223º? O campo de
aplicação da norma de aplicação imediata coincide ou não com aquilo que iria
decorrer das normas de conflitos? Não.
Se o art. 2223º não fosse uma norma de aplicação imediata, a sua aplicabilidade no
espaço estaria depende do art. 65º, uma vez que aquela norma material subsume-se
na regra de conflitos quanto à forma da declaração da disposição por morte, que
manda, em alternativa, aplicar várias leis (existiam 4 leis potencialmente aplicáveis,
sendo a selecção entre elas feita através do critério da validade formal do negócio).
Deste modo, se a norma do art. 2223º não fosse uma norma de aplicação imediata
seria afastada por alguma das 4 leis consagradas no art. 65º desde que uma destas
considerasse o testamento válido.
Deste modo, o campo de aplicação do art. 2223º assenta no testamento celebrado
no estrangeiro por nacional português (conexão: nacionalidade). Existe o tal elemento
de conexão ad hoc (nacionalidade) que leva a aplicar a norma de aplicação
imediata em vez da norma geral do art. 65º.
Note-se que quanto ao art. 65º/2 quando se diz ‘’ainda que o acto seja praticado no
estrangeiro’’ tal integra a previsão da norma, respeitando a normas de aplicação
imediata ou necessária: não basta que a norma relativa a forma estabeleça um
regime imperativo, é necessário que esse regime tenha um caracter de aplicação
imediata (queira aplicar-se mesmo que o acto seja praticado no estrangeiro).
Por exemplo, o Regulamento de Roma I no seu artigo 11º/5 al. a) tem uma disposição
de cariz semelhante ao art. 65º/2.
A partir da interpretação do art. 19º, a conclusão quer porque o negócio já estava
constituído, quer ate pela interpretação do Prof. Ferrer Correia (expectativas das
partes), cessa o reenvio e o testamento seria plenamente vago e eficaz. Deste modo,
Ullfe ficava sem tutela sucessória.
Mesmo que se entenda que a tutela do cônjuge sobrevivo é um vector muito
importante, ou seja, um principio a que se deve relevância central na ordem jurídica
portuguesa, nomeadamente no domínio da sucessão, ter-se-ia sempre de lidar com a
ordem publica internacional que é a solução do caso concreto, ou seja aquilo que
viola a ordem publica é a existência de consequências inadmissíveis para a unidade
do nosso ordenamento jurídico. Para se apurar tal violação da unidade essencial do
ordenamento jurídico é necessário tomar em consideração vários factores.
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Admitindo que existia violação da nossa ordem pública a consequência seria a não
aplicação da norma em análise lei sueca nos termos do art. 16º/2, mas iria ser
necessário analisar se existiam outras normas quanto a este aspecto na lei sueca. Se
tal não fosse possível, aplicar-se-ia a lei portuguesa de acordo com a parte final do
nº2? Sim, mas a titulo de lei subsidiária competente de acordo com as nossas regras de
conflitos.
Analisemos agora o confronto entre o art. 23º e o art. 348º: existe alguma (aparente)
contradição? O art. 348º só se aplica quando exista um direito subsidiariamente
competente, uma vez que este é ainda competente. Nos termos do art. 23º/2 aplica-
se o direito subsidiariamente competente e só na falta deste é que se aplica o art.
348º/3 – a aplicação do direito português é uma aplicação de última ratio.
HIPÓTESE PRÁTICA
Victor, famoso jogador de futebol, português, e Helena, espanhola, casaram em 2005
em Portugal. Dois anos depois, Victor foi ‘’emprestado’’ a um clube russo pelo Benfica.
Como o empréstimo só tinha a duração de um ano, Helena e o filho de ambos
continuaram a residir em Lisboa. Sabendo que o seu novo treinador, Vladimir, era
apreciador de tapetes persas, Victor, doou-lhe, na Rússia, o tapete que tinha na sua
sala de casa em Lisboa e prometeu enviar-lho quando regressasse a Portugal. A
doação nunca foi reduzida a escrito. Tendo tomado conhecimento da disposição feita
pelo marido a favor de Vladimir, Helena pede num tribunal português a declaração de
nulidade do contrato com fundamento no art. 947º/2. Helena acrescenta que não
consentiu na doação e encontrando-se o tapete na casa de morada de família esta
doação sempre seria anulável por força do art. 1682º/3 al. a). Sabendo que a lei russa
não contém normas semelhantes à dos artigos referidos no CC pronuncie-se sobre a
validade formal e substancial da doação feita por Victor a Vladimir.
No presente caso, estamos face a uma situação plurilocalizada, absolutamente
internacional, uma vez que a situação encontra-se conectada com mais de um
ordenamento jurídico (Portugal, Espanha e Rússia).
Quanto à qualificação, esta assenta na qualificação das normas materiais dos
ordenamentos que estão em contacto com a situação. A lei portuguesa é uma das
leis potencialmente aplicáveis pelo que vamos a analisar de seguida.
Atendendo ao art. 52º/2 não tendo os nubentes a mesma nacionalidade iria-se
atender à lei da sua residência habitual comum à data do casamento pelo que deste
modo a lei portuguesa seria competente. Atendendo ao art. 1682º/3 al. a) se o direito
português for aplicável este contrato é anulável nos termos do art. 1687º/1. A norma
do art. 1682º/3 al. a) subsume-se no art. 52º, uma vez que não depende do regime de
bens que vigora entre os cônjuges.
O art. 52º ao estabelecer a solução conflitual para os problemas de relações entre os
cônjuges é uma norma geral, sendo o art. 53º uma norma especial; por esta via o art.
53º irá aplicar-se a todos os casos de relações entre os cônjuges no qual esteja
implícito um problema de regime de bens.
No caso, o art. 1682º/3 al. a aplica-se independentemente do regime de bens
adoptado, pelo que não sendo um regime especifico, é um regime comum aos
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diversos regimes de bens, não havendo razão para a sua aplicabilidade estar
dependente do regime de bens, pelo que a regra de conflitos aplicável será do art.
52º de acordo com a qual o elemento de conexão é a lei nacional comum que como
neste caso não existia seria a lei da residência habitual comum mas como neste
momento não existia seria a lei mais conexa com a vida familiar que neste caso seria
portuguesa. Deste modo, a doação seria anulável.
Seria ainda necessário qualificar a lei russa. Mas como esta não tem nenhuma
disposição correspondente, não existe qualquer problema pelo que a doação seria
válida.
Imaginando, contudo, que o direito russo tinha uma disposição em que dispensava o
consentimento da esposa para a doação tinha de se analisar se tal estava
dependente do regime de bens, pelo que se não tivesse iria subsumir-se também do
art. 52º e também não seria aplicável porque esta norma não considera competente
o direito russo, mas sim o direito português.
Em suma, a lei portuguesa seria aplicável a questão da validade substancial nos
termos do art. 52º pelo que a doação seria anulável.
Quanto à validade formal, de acordo com o direito material português (art. 947º) esta
disposição não seria valida. Será necessário atender ao Regulamento de Roma I:
quanto ao seu âmbito espacial será universal nos termos do art. 2º. Nos estados
membros da união europeia o regulamento de Roma I será aplicável a um estado
membro que tenha conexão com outro estado, independentemente de tal ser estado
membro ou não. No caso seria aplicável o art. 11º do Regulamento Roma I.
Note-se que aplicamos o Regulamento de Roma I qualificando a doação como um
contrato bilateral, mas nem em todos os ordenamentos tal é qualificada como
bilateral. Como se resolve tal?
Pelo menos existe um negócio jurídico cuja qualificação vai depender do direito ao
qual vamos estar ligados. Seria necessário ver se para o direito russo a doação
também é um contrato.
Deste modo, aplicando o art. 11º/1 poderia ser regulado pela lei reguladora de
substância, ou seja, a circunstancia de o contrato poder ser anulável pela falta de
consentimento era o único aspecto que se levantava aqui quanto à validade
substancial. Mas existem mais aspectos substanciais. Quanto à validade substancial
atende-se ao Regulamento de Roma I ao seu art. 3º e ss. Como nada se diz quanto à
escolha da lei aplicável seria necessário recorrer ao art. 4º de acordo com o qual a lei
aplicável sendo a prestação característica a entrega da coisa pelo que o doador se
encontrava obrigado à entrega, sendo a sua residência habitual actualmente em
Rússia pelo que a lei aplicável à substancia seria a lei russa nos termos do art. 4º/2.
Quanto à lei aplicável a forma seria a lei aplicável à substância ou a lei onde o
contrato foi celebrado sendo que em ambos os casos seria competente a lei russa.