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DIREITO GLOBALIZADO, ÉTICA E CIDADANIA

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Direito GlobalizaDo, Ética e ciDaDania

Direito GlobalizaDo, Ética e ciDaDania

MARCOS JOSÉ ALVES LISBOARENATA ALVARES GASPAR

(OrganizadOres)

Belo Horizonte2016

340.112 Direito globalizado, ética e cidadania / [organizado por] Marcos D598 José Alves Lisboa, Renata Alvares Gaspar. Belo Horizonte: 2016 Arraes Editores, 2016. p.183

ISBN: 978-85-8238-223-3

1. Direito. 2. Direito constitucional. 3. Direito globalizado. 4. Ética. 5. Ética empresarial. 6. Cidadania. 7. Globalizacão. 8. Direitos sociais. I. Lisboa, Marcos José Alves (org.). II. Gaspar, Renata Alvares (org.). III. Título.

CDD(23.ed.)–340.112 CDDir-340.16

Belo Horizonte2016

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-nº700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2016.

Coordenação Editorial: Produção Editorial e Capa:

Revisão:

Fabiana CarvalhoDanilo Jorge da SilvaMarcos J. A. Lisboa

Matriz

Rua do Ouro, 603 – Bairro Serra Belo Horizonte/MG - CEP 30210-590

Tel: (31) 3031-2330

Filial

Rua Senador Feijó, 154/cj 64 – Bairro Sé São Paulo/SP - CEP 01006-000

Tel: (11) 3105-6370

www.arraeseditores.com.br [email protected]

Álvaro Ricardo de Souza CruzAndré Cordeiro Leal

André Lipp Pinto Basto LupiAntônio Márcio da Cunha Guimarães

Bernardo G. B. NogueiraCarlos Augusto Canedo G. da Silva

Carlos Bruno Ferreira da SilvaCarlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoJamile Bergamaschine Mata Diz

Janaína Rigo SantinJean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

V

autores

ARTUR JOSÉ RENDA VITORINOProfessor titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas pertencente ao corpo permanente de seu Programa de Pós Graduação em Educação, onde leciona cursos sobre Ética, Políticas Educacionais e o Direito à Educação e Seminário Avançado de Pesquisa, e das Faculdades de História e de Pedagogia da PUC-Campinas, onde leciona cursos sobre África Pré-Colonial, História do Brasil século XIX, História do Brasil Contemporâneo, Estudos Sociais A e B. Tem experiência nos seguintes temas: Fundamentos da Educação; Políticas Públicas em Educação; História Regional e História Social do Trabalho. Tem realizado investigações e publicado nas áreas de Política Pública Antirracista em Educação, Fundamentos da Educação e dos estudos sobre as relações entre mídia, racismo e educação. É coordenador do subprojeto da área de História do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) em fun-cionamento na universidade.

EDUARDO GARCIA DE LIMAAdvogado, Graduado em Direito e Especialista em Direito Tributário pela Pon-tifícia Universidade Católica de Campinas, Mestre em Direito Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

FERNANDA CRISTINA COVOLANDoutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com Bolsa MACK-Pesquisa; Mestre em Direito pela Universidade Me-todista de Piracicaba; Professora titular na UNASP, Campus EC.

JOSÉ HENRIQUE SPECIEMestre e Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Pres-biteriana Mackenzie. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professor da área de Direito Público da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Advogado. E-mail: [email protected]

VI

FABIANA BARROS DE MARTIN Graduada em Direito (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), especialista em Gestão Educacional (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), Mestre em Direito Romano e Sistemas Jurídicos Contemporâneos (Universidade de São Paulo), professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Introdução ao Estudo de Direito e Direito Civil) e Integradora Acadêmica de Direção da Faculdade de Di-reito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

RENATO KIRCHNERProfessor titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Membro do corpo docente permanente da Faculdade de Filosofia (desde 2010) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião (desde 2014). Doutor e mestre em Filo-sofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, coordena projeto de pesquisa vinculado ao Programa de Mestrado em Ciências da Religião e ao Programa de Iniciação Científica, sendo também editor da revista Reflexão. Le-ciona diversas disciplinas na graduação e pós-graduação. E-mail: [email protected].

DIOGO RODRIGUES DOS SANTOS ALBUQUERQUEGraduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Atual-mente, além de estudante do curso de Teologia pela PUC-Campinas, realiza sua segunda Iniciação Científica com o Prof. Dr. Walter Ferreira Salles. E-mail: [email protected]

CARLOS OTÁVIO FERREIRA DE ALMEIDAProfessor Pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUCC; Pesquisador Visitante na Vienna University of Economics and Business, WU, Aus-tria; Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo, USP; Mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ; Mestre em Direito Tributário pela University of Florida (Levin), UF, Estados Unidos; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, IBDT.

MARCELO VALDIR MONTEIROPossui graduação em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de Cam-pinas (1997), Mestrado em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (2004) e cursou doutorado em Direito Penal, USP, de 2006-2009. Atualmente é professor da PUC-Campinas, FACAMP, FADI-Sorocaba e do PROORDEM. Foi vice- presiden-te da OAB-Campinas (2014-2015). Tem experiência na área do direito, com ênfase em Direito Penal, Processual Penal e Direito Constitucional.

JOSÉ GUILHERME DI RIENZO MARREYJuiz de Direito em Campinas (SP), Mestre em Direito pela Faculdade Paulista de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutorando em Direito

VII

Processual Civil pela Faculdade Paulista de Direito, da Pontifícia Universidade Ca-tólica de São Paulo. É professor da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

HEIDI AMSTALDEN ALBERTINAdvogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

MARIA CAROLINA GERVÁSIO ANGELINIAdvogada. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

LUÍS RENATO VEDOVATOProfessor Doutor da UNICAMP, Professor da PUC-Campinas e Professor do Pro-grama de Mestrado em direito da UNINOVE.

SILVIO BELTRAMELLI NETOProcurador do Trabalho da 15ª Região, lotado em Campinas/SP. Doutor em Di-reito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba e especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Profes-sor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

DIOGO CRESSONI JOVETTAFormado em DIREITO pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, espe-cialista em DIREITO TRIBUTÁRIO pela mesma instituição e Mestre em DIREI-TO Pela Universidade Metodista de Piracicaba e Doutorando em Direito Comer-cial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP.

MARIO DI STEFANO FILHOBacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

JOÃO VICTOR DE NADAI FRANCISCObacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

LUCIANE KLEIN VIEIRADoutora em Direito Internacional pela Universidad de Buenos Aires (2015). Mes-tre em Direito Internacional Privado pela Universidad de Buenos Aires (2012). Mestre em Direito da Integração Econômica, pela Universidad del Salvador e Uni-versité Paris I - Panthéon - Sorbonne (2010). Especialista em Gestão de Escolas, pela Universidade Castelo Branco (2006). Professora de Direito Internacional Público e Privado da FACAMP e da PUC-Campinas. Ex-bolsista do CONICET (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina). Pesquisadora do Ins-tituto de Investigaciones Jurídicas y Sociales Dr. Ambrosio L. Gioja. Diretora Ad-junta do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Membro da Associação Americana de Direito Internacional Privado (ASADIP).

VIII

RENATA ALVARES GASPARProfessora Dra. Pesquisadora da Faculdade de Direito da PUCCampinas. Líder do GP Relações jurídicas e desenvolvimento social e econômico, com ênfase em temas regionais, sub-regionais e internacionais (globais)/ Direito. Linha de pesquisa: coo-peração jurídica internacional.

IX

suMário

aPresenTaÇÃO .................................................................................................... Xi

CAPÍTULO INTRODUTÓRIORenata Alvares Gaspar ........................................................................................... 1

CaPíTulO 1CONSIDERAÇÕES SOBRE A IDEIA DE FORMAÇÃO ÉTICA E O DUALISMO ENTRE CULTURA E PODERArtur José Renda Vitorino ..................................................................................... 5

CaPíTulO 2DIREITOS SOCIAIS E CIDADANIAEduardo Garcia de Lima e Fernanda Cristina Covolan ................................ 18

CaPíTulO 3O PAPEL DO MUNICÍPIO NO ESTADO FEDERAL BRASILEIRO E A QUESTÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOSJosé Henrique Specie ................................................................................................ 36

CaPíTulO 4PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS E A IGUALDADE MATERIALFabiana Barros De Martin .................................................................................... 51

CaPíTulO 5A CRIANÇA COMO ARQUÉTIPO ORIGINÁRIO DE TODA AÇÃO RESPONSÁVELRenato Kirchner e Diogo Rodrigues dos Santos Albuquerque ...................... 65

CaPíTulO 6DIRETO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL, GLOBALIZAÇÃO, ÉTICA E CIDADANIACarlos Otávio Ferreira de Almeida...................................................................... 73

X

CaPíTulO 7ÉTICA EMPRESARIAL, CRIMINAL COMPLIANCE E ACORDO DE LENIÊNCIAMarcelo Valdir Monteiro ....................................................................................... 87

CaPíTulO 8AS BOAS PRÁTICAS, SOB O PRISMA ÉTICO E LEGISLATIVO DOS DIFERENTES ATORES NO PROCESSO CIVIL E PENALJosé Guilherme Di Rienzo Marrey ....................................................................... 99

CaPíTulO 9O PRINCÍPIO DA AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS NO CASO CRIMÉIAHeidi Amstalden Albertin, Maria Carolina Gervásio Angelini e Luís Renato Vedovato ............................................................................................. 112

CaPíTulO 10A OIT E A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA DE RELAÇÕES DE TRABALHOSilvio Beltramelli Neto ........................................................................................... 125

CaPíTulO 11DA BANALIDADE DO USO DA FORÇA PELO DIREITO: UMA ANÁLISE SOBRE O ARRESTO EXECUTIVO E A DE BENS ANTES DA CITAÇÃO À LUZ DA CIDADANIA - A BANALIDADE DO USO DA FORÇA PELO DIRETO: UMA ANÁLISE SOBRE O ARRESTO EXECUTIVO E A CONSTRIÇÃO DE BENS ANTES DA CITAÇÃO À LUZ DA CIDADANIADiogo Cressoni Jovetta, Mario Di Stefano Filho e João Victor De Nadai Francisco .......................................................................... 139

CaPíTulO 12INFORME SOBRE EL DERECHO PROCESAL INTERNACIONAL BRASILEÑORenata Alvares Gaspar e Luciane Klein Vieira ............................................... 150

XI

apresentação

José Henrique Rodrigues Torres1

“Precisamos da utopia como do pão para a boca”Boaventura de Sousa Santos2

Recentemente, uma pesquisa desvelou que 46,8% dos juízes brasileiros, todos, obviamente, formados nos bancos acadêmicos de faculdades de direito, não conhe-ciam nenhum tratado ou convenção internacional de Direitos Humanos. Aliás, 97,3% desses magistrados afirmaram que nunca leram e nem sequer conheciam o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos)3.

“É um absurdo”, diria Alice, de Lewis CARROL, na atmosfera nonsense de pesadelos do País das Maravilhas.

Ora, em um país, como o nosso, que não é nenhum País das Maravilhas, mas que foi erigido com base nos princípios democráticos de um Estado de Direito, não é possível nem mesmo pensar na construção, aplicação e interpreta-ção de um sistema jurídico, com todas as suas especificidades e complexidades, incompletudes e derivações ideológicas, olvidando-se as normas internacionais

1 Juiz de Direito, Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e do Curso de Especialização em Direito Sanitário do IDISA, ex-presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia e secretário da Federação de Associações de Juízes para a Democracia da América Latina e Caribe, Especialista em Direito das Relações Sociais, membro da Comissão de Altos Estudos sobre Direitos Humanos do Ministério da Justiça, consultor do Ministério da Saúde, membro da LEAP/BRASIL, da Comissão de Terminalidade da Vida do CFM, do Grupo Multidisciplinar de Estudos sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos da FEBRASGO, da CEMICAMP, do GEA, do IBCCRIM e da Rede Global Doctors for Choice/Br e Formador de Formadores da ENFAM (Escola Nacional de Formação é Aperfeiçoamento de Magistrados)

2 Santos, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice, p. 43.3 Aborto induzido: Opinião e Conduta de magistrados brasileiros. RELATÓRIO TÉCNICO FINAL. Investigadores: Dr.

Aníbal Faúndes, Dra. Graciana Alves Duarte, José Henrique Rodrigues Torres. Cemicamp Total de juízes e juízas par-ticipantes: 1.390

PERGUNTA: Você conhece os tratados ou convenções de Direitos Humanos? Convenção.......qtde.............% VIENA................631...........45,4 BEIJING.............332...........23,9 CAIRO...............119.............8,6 SAN JOSÉ............37............2,7 NENHUMA........151..........46,8

XII

de Direitos Humanos, as quais, segundo a nossa Constituição Federal, integram o seu rol de direitos e garantias fundamentais (CF, artigo 5º, parágrafos 2º ao 4º).

Assim, é absolutamente inadmissível, nos dias de hoje, neste nosso país, que faculdades de direito continuem formando profissionais acríticos, insensíveis, alheios à imprescindibilidade e prevalência do sistema de garantias fundamentais e descompromissados com a igualdade e solidariedade.

Não é mais possível formar profissionais do direito que, alienados e ideologi-camente ignorantes, desconheçam a necessidade da garantia do império da função social do direito no contexto do sistema internacional de proteção dos direitos fundamentais, neste mundo globalizado, envolto em problemas sociais terríveis, prenhe de desigualdades e rupturas profundas, fundado em uma ideologia capita-lista de exclusão e alienação.

Como adverte Flávia PIOVESAN, ”no momento em que os seres humanos tornaram-se supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da des-truição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável”4. E esse novo paradigma evidencia que “a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como uma questão doméstica do Estado, mas deve ser concebida como um problema de relevância internacional, como uma legítima preocupação da comunidade internacional”5.

Urge, pois, ouvir o Coelho Branco, que está gritando, desesperado, olhando para o relógio: “Por minhas orelhas e bigodes, como está ficando tarde!”.

Antes que seja tarde demais, as faculdades de direito, sob a égide dos Direitos Humanos e dos valores democráticos e republicanos, devem assumir o seu papel primacial na formação dos profissionais que irão interpretar e aplicar um direito que não seja mera imposição de regras morais, que garanta a liberdade de escolha, que promova a regulação racional das condutas humanas, que não interfira no livre desenvolvimento dos indivíduos, que promova a autonomia, que adote res-trições mínimas à liberdade, que aplique essas restrições como exceções e apenas quando absolutamente necessário e indispensável para garantir a coexistência so-cial e que respeite, sempre, a dignidade humana, que sempre haverá de prevalecer em relação aos interesses econômicos e financeiros.

Aliás, a Mafalda, em um dos brilhantes e sarcásticos cartoons do argentino QUI-NO, admoestou Felipe, dizendo-lhe que eram ingênuas as suas ideias de prevalência da cultura em relação aos interesses econômicos, mas, Manolito, simbólica encarnação desses interesses, alerta, sentenciou: “não são ingênuas essas ideias; são perigosas”6.

É por isso que, neste momento histórico desconfortável, vemos prevalecer e agi-gantar-se, como um Leviatã, uma ideologia capitalista neoliberal, cruel e avassaladora,

4 Piovezan, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. p. 140.5 Op. cit. p. 1416 Felipe: “!algun dia se dará mas valor a la cultura que al dinero!”; Mafalda: “?no son algo ingenuas tus ideas, Felipe?”; Ma-

nolito: “!ingenuas no! !son peligrosas!”, IN: Quino, Joaquim Salvador Lavado, Toda Mafalda, Ediciones de La Flor., Buenos Aires, 2008, p.65.

XIII

que valoriza, acima de qualquer coisa, os interesses econômicos, patrimoniais e finan-ceiros, que incentiva o lucro, a competição e o individualismo, que idolatra o capital especulativo e volátil, que despreza, exclui e marginaliza os seres humanos e que produz e reproduz a discórdia de Eris, a violência e o desencontro.

É nesse contexto social, político e ideológico que o Direito está enfren-tando, atualmente, desafiantes questões, de extrema relevância histórica, e que podem acarretar imensas consequências para a convivência humana e para a felicidade da vida social.

E a nossa sociedade democrática, ao enfrentar o desafio instigante dessas ques-tões, tem navegado por um mar revolto, encapelado, atormentado pelas procelas da desigualdade e de uma histórica injustiça social, caracterizada especialmente pela flagrante omissão do Estado.

Aliás, nós acabamos de sair de um século que, segundo Eric HOBSBAWM, foi o século, o mais curto da história da humanidade, que ficou caracterizado por uma terrível “negligência social”7.

O poder econômico controla e subordina os Estados e as políticas públicas, estrangulando-as e acarretando terríveis prejuízos para os seres humanos que vivem neste e nos demais países do chamado terceiro mundo, especialmente os mais frá-geis e oprimidos política e economicamente.

Nesse contexto histórico, político, social e econômico é imprescindível, portan-to, que as faculdades de direito promovam uma profunda reflexão sobre a inadmissi-bilidade da aplicação de um sistema jurídico inspirado pela intolerância e sustentado pelo discurso econômico-transnacional, que concebeu o movimento de Lei e Ordem, que estabelece uma política de guerra aos inimigos selecionados das classes subalter-nizadas e que mantém a opção por um estado de exceção permanente.

Há alguns anos, durante o período da ditadura militar e civil que infelicitou este país, foi introduzida nos currículos escolares a disciplina “Educação Moral e Cívica”, encarregada de fomentar uma resignação incondicionada ao sistema autoritário e co-brar, naquele momento obscuro de nossa história, a obediência cega a determinados valores morais, para a mantença das fantasias oníricas de um país das maravilhas, exclusivamente legalista, asséptico, neutro, apolítico e distante da realidade social.

Hoje, todavia, diante da reconquista dos valores éticos e humanos do Estado Democrático de Direito, que consagra o respeito irrestrito à dignidade humana, ao pluralismo, à diversidade cultural, à alteridade e à solidariedade, uma nova postura pedagógica precisa e deve ser adotada.

É exatamente por isso que professores, professoras, alunos e alunas da Facul-dade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, cientes de que é preciso romper com o imobilismo, decidiram produzir esta obra, fundada no diálogo e desenvolvida com base em pesquisas e estudos realizados em sala de aula, para provocar uma reflexão profunda e responsável sobre as mais pertinentes e ingentes questões que desafiam o direito globalizado, a ética e a cidadania.

7 A era dos extremos, O breve século XX. 1914-1991. Companhia das Letras, SP. 2005, p. 29.

XIV

E todos e todas, docentes e discentes, partícipes da construção do conhecimen-to nesta instituição de ensino jurídico, sabemos que o Direito somente pode ser efetivamente democrático se estiver essencialmente comprometido com os direitos fundamentais e com a garantia da ampliação do espaço social, para que não prevaleça a lógica de Procusto8, pois o direito é feito para a vida, não a vida para o direito.

Como observa Boaventura de Souza SANTOS, a demarcação dos territórios indígenas, a regularização dos territórios quilombolas e até mesmo a questão das cotas são problemas que não podem ser enfrentados, especialmente nas escolas de direito, sem que seja considerada a realidade histórica em que estamos mergulha-dos, realidade essa decorrente “de uma política embasada em profundas contradi-ções e produzida por uma histórica usurpação violenta dos territórios originários dos povos indígenas e por uma continuada exploração dos escravos”9, bem como dos segmentos sociais subalternizados e marginalizados.

Mas também é preciso enfrentar, sob o arnês dos princípios republicanos e com absoluto respeito à dignidade humana e à ética democrática, questões outras, tão relevantes e pertinentes quanto aquelas, como o acesso à universidade para to-dos e a igualdade material, a democracia digital, o direito tributário internacional, a responsabilidade social das empresas e a ética empresarial, a autodeterminação dos povos, a proteção internacional dos direitos humanos, o respeito à cidadania e a banalização do uso da força pelo direito.

E é exatamente esse o objetivo desta obra.É por isso que eu tenho a honra de apresenta-la, com imensa alegria e espe-

rança, certo de que a sua provocação será inspiradora. Lembrem-se de que Alice acordou de seu sonho e descobriu que estava no

mundo real, onde a relva só farfalha ao vento e as águas da lagoa só se encrespam ao ondular dos juncos, onde o tinir dos sinos das ovelhas não se transformam no tilintar das xícaras de chá, onde os gritos da Rainha são a voz do pastorzinho e os espirros do bebê, o guincho do Grifo, onde os mugidos do gado à distância tomam o lugar real da Tartaruga Falsa e onde os barulhos esquisitos que a perseguiram em seu pesadelo nada mais são que a bulha diária da movimentação dos trabalhadores no terreiro da fazenda10.

Como diria Fernando Pessoa, “é tempo de travessia e, se não ousamos fazê-la, ficaremos para sempre à margem de nós mesmos”.

REFERÊNCIAS

CARROL. Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do Espelho, Edição Comentada por Gard-ner. Martin, RJ: Jorge Zahar Editor, 2002.

8 Procusto, era um habitante do mundo mítico da antiguidade grega, que capturava os invasores de suas terras e os levava para casa e os colocava em uma de suas duas camas: uma grande e outra pequena; se o forasteiro fosse pequeno, era colocado na cama de di-mensões avantajadas e esticado até que coubesse perfeitamente na extensão do leito; e, se o “hóspede” fosse grande, era acomodado na pequena cama e as suas pernas eram cortadas para que coubesse nos limites estabelecidos por aquele diminuto catre.

9 O impensável aconteceu, Folha de São Paulo, 26 de setembro de 2008, p. A-3.10 Aventuras de Alice no País das Maravilhas, p. 123.

XV

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos, O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, Saraiva, SP, 2006.

QUINO, Joaquim Salvador Lavado. Toda Mafalda, Buenos Aires: Ediciones de La Flor., 2008.

SANTOS, Boaventura de Sousa. O impensável aconteceu, Folha de São Paulo, 26 de setembro de 2008.

________. Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade, São Paulo: Cortez Editora, 2003.