ser pessoa, Ética e cidadania

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    Ser Pessoa, Ética e

    Cidadania

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    1. OBJETIVOS

    • Refletir sobre a Pessoa Humana, retomando e aprofun-dando aspectos já abordados nas unidades anteriores.

    • Compreender o significado de ética e moral, suas distin-ções, campos de atuação e implicações para a sociedade

    contemporânea.

    • Analisar a importância de se resgatar o papel da cidadaniacomo ação individual e coletiva na perspectiva de umasociedade eticamente sustentável.

    2. CONTEÚDOS

    • As dimensões humanas da consciência, do amor e da li-berdade como características antropológicas.

    • A definição de ética e moral e suas respectivas distinções

    e semelhanças.

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    • As tarefas e o campo de atuação da ética a partir da De-claração Universal dos Direitos Humanos.

    • O resgate da cidadania enquanto valorização do ser huma-no diante de uma sociedade em crise de valores humanos.

    • Humanização ou coisificação: os desafios da sociedadecontemporânea.

    3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE

    Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que

    você leia as orientações a seguir:

    1) Leia atentamente cada item proposto para compreen-der os diversos temas que serão abordados, percebendoa inter-relação entre eles.

    2) Conheça a bibliografia indicada, inclusive com a suges-tão de outros livros e filmes que ajudam na compreen-são dos temas da unidade.

    3) Estabeleça permanentes contatos com os demais parti-cipantes da disciplina e levante exemplos reais que aju-dem a entender os diversos tópicos abordados.

    4) Acompanhe os acontecimentos do dia a dia por meio daleitura de jornais e da imprensa falada para perceber aimportância dos assuntos veiculados na mídia com a te-mática desenvolvida.

    5) Antes de iniciar os estudos desta unidade, é interessanteconhecer um pouco da biografia dos pensadores, cujopensamento norteia o estudo desta disciplina. Para sa-ber mais, acesse os sites indicados.

    Antonio Gramsci (1891-1937)Um dos fundadores do Partido Comunista Italiano. Estudouliteratura na Universidade de Turim, cidade aonde frequen-tou círculos socialistas. Filiou-se ao Partido Socialista Ita-liano, tornando-se jornalista e escrevendo para o jornal doPartido (L’Avanti) e tendo sido editor de vários jornais socia-listas italianos, tendo fundado em 1919, junto com PalmiroTogliatti, o L’Ordine Nuovo. O grupo que se reuniu em tornode L’Ordine Nuovo aliou-se com Amadeo Bordiga e a amplafacção Comunista Abstencionista dentro do Partido Socia-lista. Isto levou à organização do Partido Comunista Italiano

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    (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos líderes do partidodesde sua fundação, porém sobordinado a Bordiga até que este perdeu a lide-rança em 1924. As teses de Gramsci foram adotadas pelo PCI no congresso queo partido realizou em 1926. Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto.Ele começou a organizar o lançamento do jornal ocial do partido, denominado[[L’Unità]]. Em 8 de novembro de 1926, a polícia fascista prendeu Gramsci (ape-sar de sua imunidade parlamentar, permaneceu preso até próximo da sua morte,

    quando foi solto em liberdade condicional dado ao seu precário estado de saúde(imagem e texto disponíveis em: . Acesso em: 15 out. 2010).

    Max Weber (1864-1920)Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no perí-odo em que as primeiras disputas sobre a metodologia dasciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudoem seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta clas-se média, Weber encontrou em sua casa uma atmosferaintelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecidoadvogado e desde cedo orientou-o no sentido das huma-nidades. Weber recebeu excelente educação secundáriaem línguas, história e literatura clássica. Em 1882, começouos estudos superiores em Heidelberg; continuando-os em

    Göttingen e Berlim, em cujas universidades dedicou-se simultaneamente à eco-nomia, à história, à losoa e ao direito. Concluído o curso, trabalhou na Univer -sidade de Berlim, na qual idade de livre-docente, ao mesmo tempo em que serviacomo assessor do governo. Em 1893, casou-se e;, no ano seguinte, tornou-seprofessor de economia na Universidade de Freiburg, da qual se transferiu para

    a de Heidelberg, em 1896. Dois anos depois, sofreu sérias perturbações ner-vosas que o levaram a deixar os trabalhos docentes, só voltando à atividadeem 1903, na qualidade de co-editor do Arquivo de Ciências Sociais (Archiv türSozialwissenschatt), publicação extremamente importante no desenvolvimentodos estudos sociológicas na Alemanha. A partir dessa época, Weber somentedeu aulas particulares, salvo em algumas ocasiões, em que proferiu conferênciasnas universidades de Viena e Munique, nos anos que precederam sua morte,em 1920 (imagem disponível em: . Acesso em: 15 out. 2010.Texto disponível em: . Acesso em: 15out. 2010).

    4. INTRODUÇÃO À UNIDADE

    Entender o ser humano é uma tarefa extremamente exigen-te e difícil. Isso porque não se pode analisá-lo a partir de um únicoponto de vista ou sob uma ótica predefinida. O ser humano deveser entendido na sua complexidade, abrangência e profundidade,

    caso seja a intenção de toda pessoa que reflete sobre si mesma esobre a realidade que está a sua volta.

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    A disciplina Antropologia, Ética e Cultura procura respondera esse desafio, sugerindo caminhos de reflexão que, mais do queconclusivos, abrem pistas para novas reflexões, numa perspecti-va dialética e, portanto, sempre em mudança. A terceira unidade,que está sendo apresentada, propõe-se a ser uma contribuiçãoa mais diante do que foi apresentado nas unidades anteriores eem outros contextos, acadêmicos, profissionais, familiares, entre

    outros, que querem entender a vida e exercer alguma forma departicipação.

    Tratar da noção de pessoa, recuperando o que já foi aborda-do nas unidades anteriores, refletir sobre a relação entre ética e

    moral, numa perspectiva antropológica, discutir a importância e oreconhecimento da cidadania, entendida como fundamental parao processo de transformação da sociedade, são aspectos funda-mentais do mundo acadêmico; mas não só dele, como também davida em toda sua totalidade, plenitude e abrangência.

    Por isso, a sugestão é que você, como aluno do Centro Uni-versitário Claretiano, entre nessa dinâmica e seja capaz de perce-

    ber a importância das temáticas que serão apresentadas para suaexistência individual e social. Entre no conteúdo desta unidadecom espírito crítico, com disciplina e disposição, mas, principal-mente, com vontade de contribuir para a realização de uma so-ciedade melhor, mais humana e cada vez mais preocupada com odesenvolvimento sustentável.

    A disciplina não é a solução para esse problema, mas, comcerteza, ajudará a colocá-lo sobre a mesa, exigindo que nossapostura não seja de aceitação, mas de vontade de mudar. Afinal,"quem sabe faz a hora não espera acontecer..." (VANDRÉ, 2010).

    5. O SER HUMANO COMO PESSOA

    Como já foi apresentado nas unidades anteriores, o ser hu-

    mano sempre foi objeto de investigação e estudo ao longo da his-

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    tória da humanidade. Quem é o ser humano? Como entendê-lo?Qual é o seu limite de compreensão? Essas foram algumas discus-sões apresentadas nas unidades anteriores. Nesta unidade, a pre-tensão é esboçar algumas conclusões a respeito dessas discussõese enfocar a importância de duas dimensões que caracterizam sua

    razão de ser no mundo: a ética e a cidadania. Mas, antes de tratardessas questões, serão propostas algumas reflexões conclusivassobre a noção de pessoa na perspectiva que se pretende sustentarna disciplina Antropologia, Ética e Cultura.

    A busca de compreensão do ser-pessoa culminou num es-forço histórico, fazendo brotar o movimento filosófico e social de-nominado "Humanismo". Essa palavra tem sentido muito positivo

    porque se propõe, fundamentalmente, a valorizar o ser humanona sua plenitude como ser. Entretanto, ela pode ter, pelo menos,três sentidos básicos:

    • Movimento histórico-literário. Refere-se a um movimen-to cultural cujas raízes estão nos séculos 13 e 14, que temo seu esplendor nos séculos 15 e 16, irradiando suas luzesaté os séculos 17 e 18, e tenta resgatar os valores huma-

    nos e literários oriundos da cultura greco-romana.• Movimento especulativo-filosófico. A preocupação é

    resgatar, ao longo da história, as grandes questões quedesafiam o ser humano: sua origem, natureza e destino.Como o ser humano explica a si mesmo nas culturas an-tigas, no Cristianismo, na filosofia moderna e, sobretudo,atualmente, o que se quer saber é, principalmente, o queé humano e o que é anti-humano.

    • Movimento ético-sociológico. A preocupação principal éa prática do ser humano. Não se quer vê-lo contemplandoo mundo, mas, principalmente, transformando o mundoe a si mesmo. É nessa dupla relação, ser humano-ser hu-mano e ser humano-natureza, que se revela a condiçãohumana. É uma posição mais realista e menos doutriná-ria, que está preocupada em afirmar o ser humano como

    sujeito da história e medida de todas as coisas, como afir-mava o sofista grego Protágoras.

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    De qualquer forma, poderíamos sintetizar que o Humanismovê o ser humano como Pessoa. Isso significa que o ser humano éuma totalidade que não pode ser reduzida a nenhuma dimensão,por mais importante que seja. O ser humano tem uma dimensãobiológica, psicológica, social, cultural, religiosa, política, econômi-ca; mas ele é pessoa, no sentido de que todas essas dimensões sãoaproximações de sua essência; isto é, ele é tudo isso e muito mais.

    O ser humano é um mistério, uma surpresa, um desafio.

    A partir desse conceito humanista de Pessoa, não se podeaceitar que o ser humano seja apenas um indivíduo (biológico),um ser consciente e in-consciente (psicológico), um ser de relações

    (social), um ser libidinoso (sexual), um ser produto da cultura (cul-tural), um ser que produz (econômico), um ser que gravita em tor-no do poder (político), um ser que reza (religioso). Tudo isso ajudaa compreender o ser humano, mas pode reduzi-lo a um animal, a uma coisa. Você pode ver um elefante com um microscópio? Claro

    que não! Assim, você também não pode ver o ser humano comoPessoa a partir de uma única dimensão. O ser humano, portanto,

    é um ser complexo: ele possui infinitas dimensões que, ao longoda humanidade, foram sendo integradas no seu ser. Pessoalidadeé sinônimo de complexidade.

    Do ponto de vista do Humanismo filosófico, a Pessoa Huma-na tem uma tríplice dimensão: da consciência, do amor e da liber-dade. Analisaremos, a seguir, cada uma delas.

    Dimensão da consciência

    O ser humano é o único que sabe de si mesmo. Ele se pergun-ta: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Para que existo?Ele é, portanto, o valor absoluto, o valor-fim, a medida de todas ascoisas. Diante do valor ser humano, todas as demais são relativas,por mais importantes que sejam. Ele sabe isso porque, ao longo dahumanidade, foi descobrindo, foi desvendando, foi compreenden-

    do o seu lugar no mundo.

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    E, mais ainda, foi descobrindo, sempre com erros e acertos.Sempre que o ser humano se nega, nega os seus semelhantes enega a natureza, ele trai a si mesmo, e as consequências logo virão.É dessa experiência complexa de dominar a natureza, de dominara si mesmo e de estabelecer comunhão com os demais que brota aPessoa Humana como ser consciente. Portanto, consciência é maisque ciência; é descobrir na ciência a essência do ser humano.

    Dimensão do amor

    O ser humano como Pessoa é um ser de comunhão e não desolidão. Ele reconhece no outro o valor absoluto. Ninguém é mais

    importante para uma Pessoa que a outra Pessoa. É o "Eu" que sedirige ao "Tu", para afirmar como valor supremo a comunhão do"Nós". O outro sou eu mesmo, isto é, a mesma essência sob outraaparência. Esta é a experiência do Amos: descobrir o outro na suaidentidade, na sua singularidade e na sua profundidade.

    Na sua identidade, o outro sou eu mesmo; é a minha essên-cia que se revela a mim no outro. Na sua singularidade, o outro

    não sou eu, pois não há produção em série; o outro é ele mesmocom uma marca pessoal. Na sua profundidade, o outro é um mis-tério marcado pela história; um mistério que nunca chegaremosa penetrar totalmente. E amar é precisamente isto: querer que ooutro seja Eu; querer que o outro seja Tu; querer que o outro sejaNós. A Pessoa é capaz de amar, por isso somente ela deu o salto damaterialidade para a espiritualidade, do físico para o metafísico,

    do ciente para o consciente, do indivíduo para o ser.

    Dimensão da liberdade

    A liberdade é outra dimensão fundamental da Pessoa. ParaDostoiévski, "a liberdade é o atributo da divindade", no sentido deque o que mais aproxima o ser humano de Deus é a possibilida-de do exercício da liberdade. Entretanto, a liberdade é uma con-dição ambígua do ser humano: ela tanto constrói como destrói o

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    ser humano. É preciso definir bem esse termo. Podemos falar deliberdade biológica, no sentido de que o ser humano é livre parao impulso biológico de suas ações, sem necessidade de impulsosexternos. Podemos falar de liberdade psicológica, no sentido deliberdade de opção e autodeterminação.

    E, assim, pode-se falar de liberdade cultural, econômica, reli-giosa, sexual etc. Entretanto, a liberdade é uma condição que pre-cisa ser bem entendida a partir de dois princípios éticos:

    • É a capacidade humana de tornar-se Pessoa, isto é, a pos-sibilidade que o ser humano tem de caminhar na direçãode sua plenitude, de seu valor supremo: o ser humano é a

    medida de todas as coisas.• É uma utopia, um ideal a ser perseguido permanentemen-

    te. Na verdade, ninguém é totalmente livre; somos exces-sivamente influenciados e condicionados pela história do

    nosso tempo e pela história de nossa vida. Nossas ações,decisões e opções são "contaminadas" pelo mundo quenos rodeia.

    De qualquer forma, a liberdade é um dos atributos que confi-guram a essência humana: a possibilidade de transcender o tempoe a história e assumir uma opção fundamental de vida. Essa opçãoleva-nos a ser Pessoa Humana, portanto, é a síntese das dimen-sões consciência, amor e liberdade. Esses três atributos possuem

    uma relação dialética: um explica-se a partir do outro, e cada qualtem sua expressão e significado à luz dos outros dois.

    São as dimensões que se expressam na Pessoa humana. Aconsciência só é plenamente humana se for consciência do amore da liberdade; do amor, enquanto comunhão entre os homens, eda liberdade, enquanto opção fundamental para essa comunhão.Exceto isso, não teremos consciência, só ciência; teremos indivídu-os e não pessoas; teremos opressão e não comunhão. O amor só é

    amor se for consciente e livre. Não há amor onde não há conheci-

    mento; não há amor onde não há liberdade.

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    O amor é entendido aqui como expressão de comunhãoentre pessoas, como compromisso de concretude (amor é fazer),como expressão do bem (o ser é o bem). A liberdade só é plenaonde há consciência e amor. Não há liberdade na ignorância, nanegação da realidade da Pessoa, não há liberdade na opressão, naexploração do ser humano pelo ser humano.

    Portanto, a Pessoa Humana exprime-se na síntese da cons-ciência, do amor e da liberdade; na antítese da inconsciência, doegoísmo e da opressão; na tese da criação, da redenção e do Espí -rito. Três atributos que qualificam um ao outro, numa relação deconvergência e de interdependência. Vê-los isoladamente, sobre-

    por um ao outro, é negar a Pessoa Humana.Se o ser humano fosse só consciência, seria pura racionalida-

    de; se o ser humano fosse só amor, seria puro sentimento; se o serhumano fosse só liberdade, seria pura ação. A Pessoa Humana é

    Pessoa porque tem poder de criar (consciência), de redimir (amor)e de transformar (liberdade).

    A dimensão ética do Ser Pessoa

    Diante do ser pessoa, deparamo-nos com a questão da éti-ca, elemento constitutivo da condição de sobrevivência, vivência econvivência. Assim, a ética pode ser entendida como um conjuntode normas que regula o comportamento de grupos humanos.

    Nas sociedades feudais, por exemplo, refere-se a um con-

     junto de representação religiosa da relação social de produção. Aética social, naquela concepção de sociedade, é de ordem religio-sa. Ela consiste em seguir as normas de uma ordem estabelecidapor Deus e é, fundamentalmente, uma moral de conformismo. Asociedade não era entendida como construção humana.

    Nas sociedades vinculadas ao capitalismo globalizado, a éti-ca refere-se a uma construção humana fundamentada, segundo

    Max Weber (1992), numa ética protestante, em que a austerida-de – que significa utilizar o necessário e não consumir de maneira

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    ostensiva – se torna um elemento constituinte e determinante.Nesse caso, a religião apresenta-se como papel ideológico na re-produção da relação capitalista, gerando submissão do trabalhoao capital.

    Mas o que podemos entender propriamente por ética, sa-bendo que vivemos em um mundo capitalista globalizado, exclu-dente e opressor? A primeira observação que deve ser feita é queela não se confunde com a moral. A moral entende-se como regu-lação dos valores e comportamentos considerados legítimos poruma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma tradi-ção cultural etc. Portanto, apresenta-se como um fenômeno social

    particular, sem o compromisso com a universalidade.A ética, por sua vez, pode ser entendida de duas maneiras.

    Primeiro, como o julgamento da validade das morais; nesse caso,apresenta-se como uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas

    ela não é puramente teórica. A ética, nesse caso, deve ser enten-dida, ainda, como um conjunto de princípios e disposições voltadopara a ação, historicamente produzido, cujo objetivo é balizar as

    ações humanas. A ética existe como uma referência para os sereshumanos em sociedade, de modo tal que a sociedade possa setornar cada vez mais humana.

    Assim, tanto a ética como a moral, sendo distintamente re-conhecidas, não se colocam como um conjunto de verdades fixas e

    imutáveis, pois ambas apresentam um caráter histórico e social.

    Diante do que se pretende trabalhar na disciplina, outra pre-ocupação importante é saber quais são as tarefas da ética. Elaspodem ser resumidas da seguinte maneira:

    • principal reguladora do desenvolvimento histórico-cultu-ral da humanidade;

    • sem ética, ou seja, sem a referência a princípios huma-nitários fundamentais comuns a todos os povos, nações,

    religiões etc., a humanidade já teria se despedaçado atéa autodestruição;

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    • em seu sentido etimológico – Ethos: ética em grego –, de-signa a morada humana, significando tudo aquilo que aju-da a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradasaudável: materialmente sustentável, psicologicamenteintegrada e espiritualmente fecunda.

    Um exemplo paradigmático de princípio ético é a Declaração

    Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU (Organi-zação das Nações Unidas) no ano de 1948. Para nós, que vivemosnuma sociedade marcadamente capitalista, em que predomina umapostura extremamente individualista, é preciso que cada cidadão in-corpore esses princípios como uma atitude prática diante da vida

    cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento.Isso traz uma consequência inevitável: frequentemente, o

    exercício pleno da cidadania (ética) entra em colisão frontal com amoralidade vigente. Até porque a moral vigente, sob pressão dos

    interesses econômicos e de mercado, está sujeita a constantes egraves degenerações.

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta 30artigos que sustentam o que deveria ser uma vivência humana quereconheça e valorize a dimensão humana na sua totalidade. Aqui,eles serão apresentados como forma de corroborar com a reflexãoproposta.

    Declaração Universal dos Direitos Humanos ––––––––––––––Artigo I.

    Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Sãodotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros comespírito de fraternidade.

    Artigo II.

    1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades esta-belecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacio-nal ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

    2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, ju-rídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer

    se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quersujeito a qualquer outra limitação de soberania.

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    2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamentemotivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos eprincípios das Nações Unidas.

    Artigo XV.

    1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade.

    2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de

    mudar de nacionalidade.Artigo XVI.

    1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, na-cionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma fa-mília. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e suadissolução.

    2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à pro-teção da sociedade e do Estado.

    Artigo XVII.

    1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

    Artigo XVIII.

    Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião;este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade demanifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelaobservância, em público ou em particular.

    Artigo XIX.

    Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direitoinclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber etransmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente defronteiras.

    Artigo XX.

    1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacíca. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

    Artigo XXI.

    1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país direta-mente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.

    2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será

    expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por votosecreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

    Artigo XXII.

    Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social,à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordocom a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociaise culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da suapersonalidade.

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    Artigo XXIII.

    1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a con-dições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneraçãopor igual trabalho.

    3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfa-

    tória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatívelcom a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outrosmeios de proteção social.

    4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar paraproteção de seus interesses.

    Artigo XXIV.

    Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável dashoras de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

    Artigo XXV.

    1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, ea sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurançaem caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos deperda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

    2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesmaproteção social.

    Artigo XXVI.

    1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos

    nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-prossional será acessível a todos, bem como a instruçãosuperior, esta baseada no mérito.

    2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da perso-nalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos epelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a to-lerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, ecoadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que seráministrada a seus lhos.

    Artigo XXVII.1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da co-

    munidade, de fruir das artes e de participar do progresso cientíco e de seusbenefícios.

    2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiaisdecorrentes de qualquer produção cientíca literária ou artística da qual sejaautor.

    Artigo XXVIII.

    Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direi-tos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente

    realizados.

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    Artigo XXIX.

    1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e plenodesenvolvimento de sua personalidade é possível.

    2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito ape-nas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o m de assegu-rar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e

    de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estarde uma sociedade democrática.

    3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidoscontrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

    Artigo XXX.

    Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reco-nhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualqueratividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direi-tos e liberdades aqui estabelecidos (ONU, 2010).

     ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

    Mas, diante da tarefa da ética, é possível perceber que exis-tem diversos campos de atuação da própria ética. Podemos desta-car os seguintes:

    1) Ética e convivência humana: há necessidade de éticaporque há o outro  ser humano. A atitude ética é umaatitude de amor pela humanidade.

    2) Ética e justiça social: um sistema econômico-político--jurídico que produz, estruturalmente, desigualdades,injustiças, discriminações, exclusões de direitos, entreoutros, é eticamente mau, por mais que seja legalmente(moralmente) constituído.

    3) Ética e sistema econômico: o sistema econômico é o fa-tor mais determinante de toda a ordem (e desordem)social. Quando existe uma reprodução da miséria estru-tural, a ética diz que se exigem transformações radicais eglobais na estrutura do sistema econômico.

    4) Ética e meio ambiente: o trabalho é a ação humana quetransforma a natureza para o homem. Mas, para que otrabalho cumpra essa finalidade de sustentar e huma-nizar o homem, ele deve se realizar de modo autossus-tentável para a natureza e para o homem. Preservar ecuidar do meio ambiente é uma responsabilidade éticadiante da natureza humana.

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    5) Ética e educação: toda educação é uma ação interativa:faz-se mediante informações, comunicação, diálogo en-tre seres humanos. Em toda educação, há um outro emrelação. Em toda educação, por tudo isso, a ética estáimplicada.

    6) Ética e cidadania: a cidadania nem sempre é uma reali-dade efetiva nem é para todos. A efetivação da cidadaniae a consciência coletiva dessa condição são indicadoresdo desenvolvimento moral e ético de uma sociedade.

    7) Ética e política: política é a ação humana que deve terpor objetivo a realização plena dos direitos e, portanto,da cidadania para todos. O projeto da política, assim, é ode realizar a ética, fazendo coincidir com ela a realização

    da vontade coletiva dos cidadãos, o interesse público.8) Ética e corrupção: a corrupção, seja ativa ou passiva, é

    a força contrária, o contrafluxo destruidor da ordem so-cial. É a negação radical da ética, porque destrói na raizas instituições criadas para realizar direitos. A corrupçãoé antiética. Indignar-se, resistir e combater a corrupçãoé um dos principais desafios éticos da política.

    Diante dessa reflexão sobre o ser pessoa, numa perspecti-va ética e moral, ficam alguns questionamentos, principalmentequanto às ações que devem ser realizadas. Para isso, podemosmencionar uma iniciativa da ONU, que, no ano 2000, ao analisar

    os maiores problemas mundiais, estabeleceu Oito objetivos do mi-lênio (ODM), que, no Brasil, são chamados de Oito jeitos de mudaro mundo. A ideia é mostrar que, juntos, podemos mudar a nossa

    rua, a nossa comunidade, a nossa cidade, o nosso país.A Rede Brasil Voluntário, que congrega centros de volunta-

    riado de todo o Brasil, consciente da importância desse projeto,criou dois sites (disponível em: . Aces-so em: 29 out. 2010. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2010) para estimular debates e propiciar o

    conhecimento e o engajamento de todos os interessados em par-

    ticipar de ações, campanhas e projetos de voluntariado que cola-borem com os ODM.

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    Os Oito jeitos de mudar o mundo podem ser conhecidos daseguinte forma iconográfica:

    Figura 1 Oito jeitos de mudar o mundo.

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    Frei Betto escreveu na  ALAI  (Agência Latino-Americana deInformação)  América Latina en Movimiento, em 19 de julho de2004, diante da proposta da ONU, um belíssimo texto, que repro-duzimos a seguir.

    Oito jeitos de mudar o mundo ––––––––––––––––––––––––––De 9 de agosto – aniversário da morte de Betinho – a 15, haverá, no país, umagrande mobilização em torno da Semana Nacional pela Cidadania e Solidarieda-de. A motivação é despertar gestos de pessoas e instituições que façam multipli-car exemplos de cidadania e solidariedade.

    É o caso da indústria Tevah, no Rio Grande do Sul, que dedica um dia de toda asua produção de agasalhos à população de baixa renda ou da escola FlorestanFernandes, do MST, em São Paulo, que educa seus alunos conscientizando-osde sua responsabilidade política e incutindo-lhes visão histórica.

    Qualquer pessoa ou instituição – movimento social, denominação religiosa,ONG, escola, empresa, associação etc. – pode e deve participar da Semana,recriando-a no local onde se insere. Basta promover algo que reforce a cidadaniae a solidariedade: mesas-redondas; campanhas; palestras; mutirão que bene-cie, sem assistencialismo, a população de baixa renda.

     A Semana estará centrada nas Metas do Milênio, aprovadas por 191 países daONU, em 2000. Todos, inclusive o Brasil, se comprometeram a cumprir os oitoobjetivos até 2015: 1) Acabar com a fome e a miséria; 2) Educação básica dequalidade para todos; 3) Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4) Re-duzir a mortalidade infantil; 5) Melhorar a saúde das gestantes; 6) Combater a

     AIDS, a malária e outras doenças; 7) Qualidade de vida e respeito ao meio am-biente; 8) Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.Não há quem não possa fazer um gesto na direção desses oito objetivos: debaterem sala de aula as causas da pobreza e os entraves à melhor distribuição derenda; introduzir na escola educação nutricional e o programa Jovem Voluntá-rio, Escola Solidária; promover painel sobre Chico Mendes, exposição sobre osdireitos dos povos indígenas ou ações de combate ao trabalho e à prostituiçãoinfantis; participar do Fome Zero ou organizar uma horta comunitária; lutar pelamelhoria da educação, do acesso a medicamentos seguros e baratos ou abrir umcurso de alfabetização de adultos; denunciar o preconceito contra homossexuaise o uso da mulher no estímulo ao consumismo; fortalecer a Pastoral da Criança

    e discutir a relação entre explosão demográca e crescimento econômico comdesenvolvimento social; conscientizar sobre os riscos da Aids, as causas da ma-lária e o aumento de doenças decorrentes do desequilíbrio ecológico; atuar naimplantação da reforma agrária, visitar e apoiar acampamentos e assentamentosrurais e pesquisar o que é desenvolvimento sustentável etc.

    Há na esquerda quem torça o nariz para as Metas do Milênio. O mesmo erro foicometido quando os verdes, décadas atrás, levantaram a bandeira da ecologia.Felizmente Chico Mendes nos abriu os olhos, ensinando que a preservação domeio ambiente é uma das poucas bandeiras que mobilizam adeptos em todasas classes sociais.

     A Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade não é uma iniciativa do go-verno, embora conte com o seu apoio e participação. É uma proposta da so-

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    ciedade civil, visando mobilizar a nação em torno de ações concretas que nospermitam construir o "outro mundo possível". E priorizar, em pleno neoliberalismoque assola o Planeta, valores antagônicos ao individualismo e à competitividade,como o são a cidadania e a solidariedade.

     A pergunta central que a Semana pretende levantar é: o que estamos fazendopara mudar o mundo? O que faz você, a sua escola, a sua comunidade religiosa,o seu movimento social, a sua empresa? Queixar-se é fácil e reclamar não édifícil. O desao, porém, é agir, organizar, conscientizar, transformar.

    "Diários de motocicleta", lme de Walter Salles, mostra a cena em que ErnestoGuevara decide, na noite de seu aniversário, mergulhar no rio que o separava dacomunidade de hansenianos. Naquele momento, Che optou pela margem opostaa da cidadania e da solidariedade. Não cou na margem em que nascera e foracriado, cercado de confortos e ilusões, nem se reteve "na terceira margem do rio",aquela dos que se isolam em suas convicções sectárias e jamais completam a tra-vessia. É esta opção que a Semana quer incentivar. Porque nós podemos mudar oBrasil e o mundo. Basta passar das intenções às ações (BETTO, 2010).

     ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

    6. QUESTÃO DA CIDADANIA

    O que fazer para que o Brasil e o mundo possam implemen-tar uma sociedade eticamente sustentável? Acreditamos que aresposta a essa pergunta remete para outra situação, que trata depensar a questão da cidadania. Pinsky (2003, p. 9) irá dizer que:

    Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igual-dade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também parti-cipar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políti-cos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem osdireitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduona riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila. Exercer a cidadania plena éter direitos civis, políticos e sociais.

    Portanto, para o autor, "cidadania não é uma definição es-tanque, mas um conceito histórico, o que significa que seu sentidovaria no tempo e no espaço" (PINSKY, 2003, p. 9).

    A cidadania instaura-se a partir dos processos de lutas que culmi-naram, por exemplo, na Independência dos Estados Unidos da Américado Norte e na Revolução Francesa. Esses dois eventos romperam o prin-cípio de legitimidade que vigorava até então, baseado nos deveres dos

    súditos, e passaram a estruturá-lo a partir dos direitos do cidadão.

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    Desse momento em diante, todos os tipos de luta foram tra-vados para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania epara que o mundo ocidental a estendesse para mulheres, crianças,minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias. Nesse sentido, pode-se afirmar que, na acepção mais ampla, cidadania é a expressãoconcreta do exercício da democracia.

    A cidadania tem uma história que pode ser sumariamenteapresentada levando-se em consideração vários momentos, co-meçando com o Povo Hebreu – os profetas sociais e o Deus dacidadania. Os profetas sociais, há quase 30 séculos, falavam em cui-dar dos despossuídos, proteger a viúva e o órfão, não pensar apenas

    em morar, comer e viver bem num mundo de pobreza extrema. Fa-zem parte, ainda, da história da cidadania, as cidades-estado greco-romanas, entendidas como organizações de democracia direta emque cada cidadão era um voto.

    O Cristianismo dos primeiros séculos também se nessa te-mática quando apresenta uma postura igualitária e contrária aqualquer forma de hierarquia. Também o Renascimento – Floren-

    ça e Salamanca –, entendido como um período considerado o daredescoberta do homem.

    Os alicerces da cidadania encontram-se nas três grandesrevoluções burguesas: a Revolução Inglesa, com o surgimento daseparação dos poderes como base para uma sociedade cidadã; a

    Revolução Francesa, quando propõe os ideais de Igualdade, Liber-dade e Fraternidade; e a Revolução Norte-Americana, que partiado discurso para a prática democrática, colocando em ação aquiloque apenas frequentava o mundo das ideias na Europa.

    Assim, o desenvolvimento da cidadania ocorreu com asideias que romperam fronteiras, particularmente o Socialismo, aluta pelos direitos sociais, tais como: a bandeira fundamental dostrabalhadores dos séculos 19 e 20, a marcha das mulheres em bus-

    ca da igualdade com especificidade e as minorias religiosas, étni-

    cas e nacionais.

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    Também é relevante para o desenvolvimento do tema: a au-todeterminação nacional; a Anistia Internacional, que se empenhapelos direitos humanos elementares, como o direito à integridadefísica; e as diversas conquistas da humanidade, sempre em buscada qualidade de vida, de um meio ambiente razoável.

    No Brasil, é possível perceber que a cidadania ocorreu em

    várias áreas e segmentos sociais, principalmente com a cidada-nia indígena, os quilombos, presentes na luta dos negros fugidosorganizados, as conquistas sociais dos trabalhadores no Brasil, asmulheres brasileiras em busca da cidadania. No campo político,temos as eleições como possibilidades e limites da prática de vo-

    tar, a cidadania ambiental, com a preservação da natureza e dasociedade como espaços de cidadania, e as novas possibilidadesde cidadania por meio do terceiro setor.

    Constata-se, diante de toda essa evolução, que a sociedade

    moderna adquiriu um grau de complexidade muito grande com adivisão clássica dos direitos do cidadão em individuais, políticos esociais, sem que consigam dar conta da compreensão da realida-

    de. Nesse caso:Sonhar com cidadania plena em uma sociedade pobre, em que oacesso aos bens e serviços é restrito, seria utópico. Contudo, osavanços da cidadania, se têm a ver com a riqueza do país e a pró-pria divisão de riquezas, dependem também da luta e das reivindi-cações, da ação concreta dos indivíduos (PINSKY, 2003, p. 13).

    Diante do que foi apresentado, contata-se que a cidadania e aética exigirão de todo ser humano um posicionamento eficiente e efi-caz para pensar e transformar a realidade na qual estamos inseridos.Nesse sentido, duas posturas éticas podem ser assumidas diante dacomplexidade da sociedade atual, embora a primeira que será men-cionada se refere ao que pode se considerar uma postura antiética.

    Uma ética coisificadora do ser humano

    As implicações éticas da modernidade, desde seu início atésua evolução, são alvos de muitas discussões. A ciência tem alcan-

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    çado um grau de desenvolvimento nunca antes percebido pelahumanidade. Portanto, ela apresenta valores que não podem sermenosprezados.

    No entanto, podemos considerar que nem sempre houve

    contribuição para o reconhecimento da plena dignidade humana.Esse fato coloca a necessidade de se considerar a relação entreciência, ética e cidadania. A compreensão de cada um dos termosnão é uma tarefa fácil por apresentar diversas abordagens a res-peito. Mas isso não torna a temática irrelevante.

    Podemos perceber que existe uma postura ética que não sepreocupa com esse assunto, pois não acredita em sua importância.

    A ciência não necessita desse tipo de indagação, por se apresentarcom características particulares. Ela é entendida a partir de umaconcepção positivista, que estuda a sociedade da mesma maneiraque se estuda a vida social das formigas ou das abelhas.

    A ideia de que a sociedade pode ser entendida como coisa trouxe várias implicações para o estudo das ciências não somentena área de exatas e biológicas, mas também na área de humanas.

    A mentalidade positivista esteve e ainda está presente em váriasciências, desde a Sociologia até a Psicologia, passando pela Teoria

    da Evolução e pela Física. A Psicologia, por exemplo, que começa aser entendida como ciência somente a partir do século 19, refleteesse tipo de pensamento.

    Fundamentando-se numa concepção positivista da mentehumana, ela não se preocupou com questões ligadas à alma ( psy-

    que). A tendência behaviorista, na sua formulação inicial, ressalta-va o estudo do indivíduo apenas interagindo com o meio, basean-do-se na relação entre estímulo e resposta. Essa concepção teve

    dificuldade em trabalhar com o método da introspecção, que sa-lientava as questões da alma e não somente o indivíduo e o meio(JAPIASSU, 1995, p. 45-69).

    As implicações éticas tornam-se evidentes. Quando se nega

    a condição humana na sua complexidade e nas suas diferentes

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    nuances de compreensão, corre-se o risco de interpretá-la comocoisa. Esse processo de coisificação apresenta sérias consequên-cias para a sociedade e para o próprio ser humano. Uma delas é asupervalorização das ciências, privilegiando uma minoria, enquan-to a grande maioria suporta as consequências dessa evolução. Aspesquisas científicas avançam em diferentes campos da realidade,enquanto uma parcela considerável da população não tem as mí -nimas condições para sobreviver. Veja o que dizia Hugo Assmann(1994, p. 19) quando, em 1994, se referia a 2010:

    Muitas das grandes corporações transnacionais trabalham comuma perspectiva de ‘cenário futuro’, para o ano 2010, entre 700milhões e um bilhão de consumidores potenciais, com apreciávelpoder aquisitivo. Alguns poucos aumentam a cifra da clientela po-tencial ‘interessante’ para ao redor de um bilhão e meio. Isso numahumanidade de, previsivelmente, 6,5 a 8 bilhões de habitantes. Épara esse recorde de clientela que se planeja o ‘crescimento econô-mico’. Como se dá para ver, a ‘massa sobrante’, isto é, o número de‘desinteressantes’ e ‘descartáveis’, é assustador.

    Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados. Na so-ciedade brasileira, que convive com uma diferença exorbitante de

    ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres, classifi-

    cando o Brasil como um dos países com pior distribuição de renda,há um excelente mercado emergente de consumo e, ao mesmo

    tempo, convive-se, diariamente, com uma situação de extremamiséria. No continente africano, os seres humanos morrem pormotivos de doenças como a AIDS ou por causa de guerras civis,sem o apoio de organismos internacionais. Como é um continente

    que não interessa política e economicamente, seus problemas sãoirrelevantes para o capitalismo globalizado.

    A sociedade contemporânea tomou proporções alarmantes,criando relações de dependência e intercâmbio entre todos os pa-íses do planeta. Essa situação nem sempre considera a dignidadeda pessoa humana. A abordagem é apenas de ordem econômicaem detrimento da solução dos problemas sociais, vistos como in-

    significantes para a manutenção de um pretenso crescimento eco-nômico.

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    O que fazer diante desse quadro? Parece que não existem sa-ídas plausíveis. A apatia e a falta de perspectivas geram um senti-mento de desânimo generalizado. Basta olhar para a política no Bra-sil diante dos casos de fraude e corrupção, cada vez mais evidentesnos três poderes: o executivo, o legislativo e o judiciário. Ou, então,

    para o papel da imprensa diante desses fatos e de tantos outros queenvolvem vários campos da sociedade civil e da política.

    Na maioria das vezes, o que se percebe é que a imprensa nãose mobiliza para esclarecer essas questões, mas quer apenas criarsensacionalismo e uma divulgação que não considera as causas re-ais desses acontecimentos. E a violência explícita e implícita presen-te na sociedade? Não podemos deixar de nos preocupar com todaessa problemática. Por isso, torna-se necessário pensar um projetoético que resgate a importância da cidadania na sociedade atual.

    Um projeto ético humanitário

    Existe saída diante de um projeto social que não prioriza a

    condição humana? Como ser protagonista numa sociedade em que

    a grande parte da população apenas recebe as informações semse comprometer com a transformação da realidade? Será possívelaceitar essa postura coisificadora que submete à passividade umagrande parte da população?

    Um projeto ético humanitário pode ser concretizado. O ca-minho de sua realização depende de cada um de nós e dos meiosdisponíveis. O projeto deve ser um compromisso de toda a socie-

    dade e pode ser realizado por meio da solidariedade para com oser humano, do reconhecimento de relações sociais justas e equi-tativas e do respeito pela natureza.

    Uma ética fundada na solidariedade reconhece o respeito àpessoa. O homem não pode ser visto como objeto de exploração e deconsumo, mas deve ser respeitado em todas as suas dimensões, des-de a econômica, política, social e individual. A solidariedade implicano compromisso com aqueles que são excluídos da sociedade.

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    É possível criar um processo de inclusão em que todos pos-

    sam ter os direitos plenamente reconhecidos. Mas, enquanto exis-

    tir tanta diferença social e enquanto tantas pessoas se submeterem

    a viver embaixo de pontes e viadutos ou "puxando carroças" para

    sobreviver, é sinal de que ainda há muita coisa para ser feita. Tal -vez, diante disso, tenha-se a sensação de impotência. O que pode

    ser feito para transformar essa realidade? Basta dar um pedaço de

    pão para quem precisa ou dar uma esmola para um mendigo que

    nos interpela na rua? Se isso não for suficiente, como reverter uma

    estrutura geradora dessa situação?

    Vamos analisar alguns pontos dessa discussão. O primeiro é

    a necessidade de se fazer algo a partir das nossas possibilidades,tomando consciência do problema. Muitas pessoas não se depa-ram com esse tipo de questionamento. Existe um desconhecimen-to que ocorre ou por ignorância ou por negligência.

    À medida que percebemos ser um problema que atinge atodos, tornamo-nos responsáveis pela sua legitimação ou trans-

    formação. Podemos recuar, mas se o fizermos estaremos nos colo-

    cando como coniventes com a maneira que a sociedade está orga-nizada, tanto no desenvolvimento das ciências como nas relações

    políticas, econômicas e culturais.

    A propósito das relações sociais é preciso motivar para a ela-boração de uma ética humanitária. Estamos nos referindo a umasociedade que seja capaz de oferecer as condições básicas para a

    sobrevivência da vida humana. E levantar esses aspectos é consi-derar duas grandes áreas: a Saúde e a Educação.

    Somente com uma população saudável, em que a medici-na, por exemplo, não seja apenas curativa, mas preventiva, serápossível garantir os direitos à saúde, ao trabalho, ao lazer, à habi-tação, entre outros. Uma vida saudável, que englobe todos esseselementos, exige, também, uma educação não somente alfabeti-

    zadora, mas conscientizadora.

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    No momento, essa tarefa pode ser concretizada por váriasinstâncias da sociedade que vão desde o ensino institucional atéoutras formas de organização, como sindicatos e empresas. A lutadeve ser de todos, inclusive dos que estão inseridos diretamentena prática pedagógica, procurando ser agentes de conscientização

    libertadora e promotora da vida.

    Outra temática essencial que não podemos omitir é no quetange à natureza. E falar sobre natureza não significa apenas deixarde cortar uma árvore, embora isso também seja necessário. Signifi-ca pensar na recuperação e manutenção do ecossistema, que estásendo destruído por aqueles que, em nome da ciência, entendem

    ser a natureza apenas um objeto de exploração e de consumo.

    Quando tomamos conhecimento de acontecimentos comoo desmatamento da floresta Amazônica, a dizimação dos índios

     – que cada vez mais perdem o direito a terra – e a destruição dacamada de ozônio, nossa posição não pode ser de passividade.

     Devemos começar a nos manifestar, sabendo que existemvários caminhos. Pode ser fazendo um estudo dessa realidade e

    conhecendo as iniciativas presentes na comunidade. Ou pela nos-sa inserção em organizações não governamentais (ONGs) que lu-tam pela preservação da natureza e pela ecologia política; ou pormeio de uma iniciativa pessoal e com amigos que sensibilize paraa solução dos problemas.

    Não podemos nos silenciar diante de tanta barbaridade feitacontra a natureza. Se nos calarmos, quem irá se manifestar  é a pró-

    pria natureza e, quando isso acontecer, poderá ser tarde demaispara pensar numa solução viável e capaz de reverter a situação.

    Assim, apresentamos alguns elementos do que denomina-mos ética humanitária. A metodologia ou o caminho a ser seguidodepende de cada um. O fato é que não podemos ficar parados, es-perando os problemas aparecerem. Temos de fazer a nossa parte.

    Refletir sobre a ética, analisar as ciências e suas implica-ções sociais, solidarizar-se com a situação dos pobres e excluídos

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    da sociedade e perceber o que o ser humano está fazendo com anatureza não é uma tarefa fácil. Quando nos deparamos com talcontexto, temos de nos desacomodar  do nosso mundo e nos lan-çar para uma iniciativa que acreditamos plausível e cujo resultadoainda não sabemos como se concretizará.

    O que deve nos impulsionar é a certeza de que, se não fizermos

    algo para mudar esse quadro, as consequências serão catastróficas.Talvez não soframos o resultado disso, mas as próximas geraçõescom certeza sentirão o impacto das decisões tomadas por nós.

    Por isso não podemos nos tornar indiferentes. Citamos umapassagem importante sobre esse tema, que serve como elemento

    de reflexão:Odeio os indiferentes. Como Federico Hebbel, acredito que "viverquer dizer tomar partido". Não podem existir os apenas homens,os estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode dei-xar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, é parasitismo,é covardia, não é vida. Por isso, odeio os indiferentes. A indiferençaé o peso morto da história. É a bola de chumbo para o inovador, é amatéria inerte na qual frequentemente se afogam os entusiasmosmais esplendorosos. (...) A indiferença atua poderosamente na his-

    tória. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; é aquilo com oque não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, quedestrói os planos mais bem construídos. É a matéria bruta que serebela contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal quese abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de va-lor universal) pode gerar, não se deve tanto à iniciativa dos poucosque atuam, quanto à indiferença de muitos. O que acontece nãoacontece tanto porque alguns o queiram, mas porque a massa doshomens abdica de sua vontade, deixa fazer; deixa enrolarem os nósque, depois, só a espada poderá cortar; deixa promulgar leis que,

    depois, só a revolta fará anular; deixa subir ao poder homens que,depois só uma sublevação poderá derrubar. (...) Os fatos amadu-recem na sombra porque mãos, sem qualquer controle a vigiá-las,tecem a teia da vida coletiva e a massa não sabe, porque não sepreocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados deacordo com visões restritas, os objetivos imediatos, as ambiçõese paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos ho-mens ignora, porque não se preocupa (GRAMSCI, 1917).

    O nosso compromisso é exigente, apresentando-se como umdesafio colocado por esse cenário atual, do qual temos uma grande

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    parcela de responsabilidade. Cabe à sociedade mudar as práticasque não são condizentes com uma ética verdadeiramente humanitá-ria. Não podemos, em nome de uma ética, continuar atestando uma

     falsa ética legitimadora de interesses pessoais ou corporativos.

    Para exercermos plenamente o nosso direito de cidadania,não basta apenas votar no candidato que acreditamos lutar pelos

    interesses da população. Precisamos nos sentir membros partici-pantes e, na medida das nossas possibilidades, fazer alguma coisapara a concretização de uma sociedade na qual os valores huma-nos sejam respeitados. Por isso faz sentido acreditar na ética comofundamento das ações humanas e como princípio que regula as

    normas do comportamento social.

    7. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS

    Sugerimos que você procure responder, discutir e comentar as questões a se-guir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade, ou seja, da reflexãosobre a pessoa e das respectivas implicações antropológicas, da distinção en-tre ética e moral, assim como da valorização e da recuperação do conceito decidadania como importante papel de transformação social.

    Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho noestudo desta unidade:

    1) Para saber se você compreendeu bem o conteúdo, verifique se há distinçãoentre ética e moral, segundo a apostila e os textos indicados. Fundamentadonessa afirmação, responda:

    a) Você entende que é possível existir moral sem ética?b) Quando moral pode ser entendida como ética?c) Por que a ética e a moral não são entendidas como um conjunto de ver-

    dades fixas e imutáveis, mas fazem parte de um contexto histórico-socialdeterminado?

    2) Diante do que foi estudado sobre ética e moral, reflita sobre o porquê de,na sociedade contemporânea, não constatarmos uma verdadeira morte dosvalores, tais como a honestidade, a palavra, a sabedoria, a sensibilidade e asemelhança?

    3) A partir do extrato de texto a seguir, reflita sobre o porquê de, por mais quea constatação seja entendida como moralmente ou até naturalmente aceita

    por muita gente, ela ser colocada como um problema ético fundamental.Você consegue identificar qual seria esse problema?

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    Muitas das grandes corporações transnacionais trabalham comuma perspectiva de ‘cenário futuro’, para o ano 2010, entre 700milhões e um bilhão de consumidores potenciais, com apreciávelpoder aquisitivo. Alguns poucos aumentam a cifra da clientela po-tencial ‘interessante’ para ao redor de um bilhão e meio. Isso numahumanidade de, previsivelmente, 6,5 a 8 bilhões de habitantes. É

    para esse recorde de clientela que se planeja o ‘crescimento econô-mico’. Como se dá para ver, ‘a massa sobrante’, isto é, o número de‘desinteressantes’ e ‘descartáveis’, é assustador (ASSMANN, 1994).

    4) Segundo a missão e o projeto educativo Claretiano, "O homem é um ser úni-co, irrepetível, constituído das dimensões biológica, psicológica, social, uni-ficadas pela dimensão espiritual, que é o núcleo do ser-pessoa". (CEUCLAR,2005). Partindo dessa afirmação, você pode compreender por que a noçãode Pessoa é tão importante para compreender quem é o ser humano?

    5) A missão e o projeto educativo Claretiano enfatizam a importância e o valorda pessoa humana. Tendo como referência tal definição, você acha que oestudo desta disciplina foi importante para uma mudança na sua visão so-bre a noção de pessoa e sua implicação para a compreensão da sociedadecontemporânea?

    8. CONSIDERAÇÕES

    Depois de refletir sobre o ser pessoa numa perspectiva éticae cidadã, cabem algumas considerações, cuja finalidade é propornão o fechamento da questão, mas a abertura de horizontes, vi-sando a uma atitude de compromisso e de responsabilidade nesteinício de século 21. O que pensar a respeito dos temas elencados?Quais as implicações que eles apresentam para uma atuação cons-ciente e responsável?

    Uma primeira ideia que não se pode negligenciar é o fato deque a pessoa humana está sendo desconsiderada no atual sistemacapitalista globalizado. Cada vez mais, a preocupação não é coma humanização do ser humano, mas com a valorização do lucro eda ganância, "custe o que custar". Os avanços da ciência, o desen-volvimento tecnológico, entre outras conquistas alcançadas, nor-malmente, trazem benefícios para uma pequena parcela da popu-

    lação; a maioria ainda sofre um processo de empobrecimento quese traduz numa frase do papa da Igreja católica João Paulo II que

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    diz: "vivemos numa sociedade de pobres cada vez mais pobres acusta de ricos cada vez mais ricos". Será esse o nosso desejo paraa sociedade futura e para as próximas gerações, que sofrerão oimpacto das decisões tomadas pela sociedade atual?

    Outro aspecto importante, diante da constatação apresentadano parágrafo anterior, é a morte dos valores na sociedade contem-porânea. Parece que falar sobre ética e moral se tornou um assuntoarcaico e "fora de moda"; além disso, muitos sustentam que teriaocorrido uma verdadeira morte dos valores, como, por exemplo, asensibilidade, a compaixão, a misericórdia, entre outros.

    Resgatar a importância dos valores e o papel da ética, en-

    quanto reconhecimento de princípios universais que valorizam avida na sua totalidade, é uma tarefa que compete a todos aqueles

    que têm sensibilidade e empatia para com o sofrimento e as an-

    gústias do ser humano e, porque não dizer, da própria natureza.

    Por isso, tratar do tema da ética é tão fundamental quanto

    realizar descobertas científicas e tecnológicas. Mas não basta ape-

    nas o desenvolvimento do assunto no mundo acadêmico; é preci-so perceber que existem implições, exigindo ações concretas que

    levem os seres humanos a se comprometerem com a transforma-

    ção da sociedade, fazendo-a cada vez mais humana e eticamente

    sustentável.

    Todos esses aspectos remetem para a discussão a respeito

    da cidadania, por isso, na última parte da terceira unidade, o temafoi apresentado dentro dos limites propostos pela disciplina. Mui-

    tas coisas poderiam ser ditas. Mas cabe ressaltar que foi apresen-

    tada apenas uma pequena reflexão, remetendo o interessado a

    estudar mais a respeito, a partir das obras indicadas nos tópicos de

    referências bibliográficas de cada unidade.

    O problema é que falar de cidadania não é apenas refletir te-

    oricamente a questão, mas, assim como a ética, é pensar em ações

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    concretas que mostrem a nossa preocupação com a situação atual

    da sociedade em que estamos inseridos.

    O texto de Gramsci – odeio os indiferentes – apresenta-se

    como um questionamento interessante para nos posicionarmos

    diante dos desafios atuais. O que estamos fazendo para resolveros problemas e impasses presentes nos diversos campos de atu-

    ação do ser humano, tais como a política, a religião, a família, a

    desigualdade social, entre outros?

    Chegando ao final da unidade, inserida dentro da disciplina

     Antropologia, Ética e Cultura, a intenção é mostrar que, indepen-

    dentemente de credo religioso, de ideologia política, de opiniõespessoais, o ser humano não pode ficar alheio aos desafios que de-

    vem ser enfrentados na sociedade atual.

    O Centro Universitário Claretiano tem uma missão e um

    projeto de educação ética e humanitária. Todos são convidados a

    entendê-los e aplicá-los. Ajude a multiplicar essa ideia, fortalecen-

    do a consciência e a necessidade da nossa responsabilidade para

    alcançar esse objetivo. Não percamos a esperança, jamais...!

    9. E-REFERÊNCIAS

    Lista de figuras

    Figura 1 – Oito jeitos de mudar o mundo: disponível em: . Acesso em: 23 set. 2010.

    Sites pesquisados

    BETTO, F. Oito jeitos de mudar o mundo. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2010.

    ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2010.

    VANDRÉ, Geraldo. Pra não dizer que não falei das flores. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2010.

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    10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    ALVES, Rubem. Filosofia da ciência. Introdução ao jogo e suas regras. 8. ed. São Paulo:Brasiliense, 1986.

    ASSMANN, Hugo. Crítica à lógica da exclusão. São Paulo: Paulus, 1994.

    BOFF, Leonardo. Ética e moral : a busca de fundamentos. Petrópolis: Vozes, 2004.COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. SãoPaulo: Companhia das Letras, 2006.

    FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 14aed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

    GALLO, Silvio (Coord.). Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia. 11. ed. Campinas:Papirus, 2003.

    HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livro das religiões. São Paulo:Companhia das Letras, 2005.

    JAPIASSÚ, Hilton. Introdução à epistemologia da psicologia. 5. ed. São Paulo: Letras &Letras, 1995.

    LARAIA, Roque de Barros. Cultura. Um conceito Antropológico. 20. ed. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 2006.

    MONDIN, Battista. O homem: quem é ele? Elementos de Antropologia Filosófica. 8. ed.São Paulo: Paulus, 1980.

    MANZINI COVRE, Maria de Lourdes. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1998.

    MONDIN, Battista. Definição filosófica da pessoa humana. Bauru: EDUSC, 1998.

    PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História da cidadania. 2. ed. São Paulo:Contexto, 2003.

    RUBIO, Alfonso García. Elementos de antropologia teológica. Salvação cristã: salvos dequê e para quê? 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

    VALLS, Aluaro. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, 1994.

    WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1992.