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_____________________________________________________________ ______ CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA DIREITO CIVIL

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_____________________________________________________________________________ MDULO I

___________________________________________________________________

CURSO DO PROF. DAMSIO A DISTNCIA

DIREITO CIVIL

__________________________________________________________________

Praa Almeida Jnior, 72 Liberdade So Paulo SP CEP 01510-010

Tel.: (11) 3346.4600 Fax: (11) 3277.8834 www.damasio.com.br

MDULO I

DIREITO CIVIL

Lei de Introduo ao Cdigo Civil

Prof. Vitor Frederico Kmpel

1. DECRETO-LEI N. 4.657/42

A Lei de Introduo ao Cdigo Civil estabelece os alicerces de nosso sistema jurdico e constitui o nosso Direito Internacional Privado, sendo considerada norma de sobredireito, de acordo com a definio da doutrina, apresentando institutos e regras que abrangem todos os ramos do Direito. Podemos encontrar vrios objetos para a referida lei. Os principais so:

tratar da obrigatoriedade das leis, discorrendo sobre a vigncia e eficcia destas;

estabelecer o incio e o fim da produo de efeitos das normas;

apresentar todas as fontes do Direito;

conferir ao intrprete princpios hermenuticos e integrativos;

solucionar o conflito das leis no tempo;

resolver o conflito das leis no espao.

1.1. Etimologia da Palavra Direito (Origem)

A palavra Direito tem origem em duas expresses latinas distintas:

Directum (linha reta): a nomenclatura vem do conceito geomtrico "linha reta", simbolizando a retido do sistema jurdico. A palavra apresenta o maior valor do Direito, que o "justo". Todos os institutos jurdicos, sem qualquer exceo, visam a busca do justo, de forma implcita. O valor "justo" objetivo, sendo encontrado nas fontes do Direito, principalmente nos princpios e regras constitucionais.

Jus, juris (vnculo): a palavra em questo traz a idia de relao jurdica, isto , a relao lgica do sistema, estabelecida por uma premissa maior (norma), uma premissa menor (fato) e a concluso, que a subsuno do fato norma.

1.2. Conceito de Direito

Direito a norma que rege as aes humanas e suas conseqncias na vida real, estabelecida por uma organizao soberana, com carter sancionatrio.

1.3. Acepo/Significado do Direito

Conforme conceito acima mencionado, podemos extrair quatro significados fundamentais para o Direito.

1.3.1. A busca do justo

Como j exposto, o justo valor fundamental do Direito e se viabiliza por meio de trs espcies de justia, citadas a seguir:

Comutativa: espcie de justia particular, cujo maior objeto o bem privado, onde um particular confere ao outro aquilo que lhe devido, por meio de uma igualdade simples. Enxergamos a justia comutativa na Teoria Geral dos Contratos. Existe uma equivalncia entre os dois objetos, como ocorre na troca entre uma jia e um automvel.

Distributiva: seu objeto o bem privado, cuja diviso se d por meio de uma igualdade proporcional. Estabelece-se por uma repartio feita pelo grupo social ao particular, conforme a necessidade, o mrito e a importncia de cada indivduo. As pessoas no so vistas de forma assemelhada, como na justia comutativa. Na distributiva ocorre um tratamento diferenciado. Tem-se, como exemplo, o imposto sobre grandes fortunas, que incidir sobre um grupo restrito de pessoas, quando de sua criao.

Geral ou social: decorre de uma igualdade proporcional. Nessa relao proporcional, os membros da sociedade do comunidade o bem que lhe devido.

1.3.2. Norma agendi (direito objetivo)

Norma agendi a norma de agir. So as disposies tpicas do sistema jurdico. considerado o direito esttico, porque no h incidncia em casos concretos, havendo apenas abstrao normativa, positivada e vigente no ordenamento jurdico.

1.3.3. Facultas agendi (direito subjetivo)

Facultas agendi a faculdade de agir. Para alguns autores o direito subjetivo; a subsuno da norma ao caso concreto. tambm considerada parte do juzo de concreo.

A norma agendi, que esttica, dinamiza-se na facultas agendi.

1.3.4. Direito enquanto sano

Embora a sano no seja da essncia do Direito, j que a essncia do Direito o justo, a sano compe a natureza do Direito. Toda norma jurdica contm um preceito secundrio explcito, dentro do sistema jurdico. Todas as normas jurdicas tm sano; porm, a sano no encontrada no texto normativo, devendo o intrprete fazer uma integrao com outros textos para encontrar a sano adequada. Assim, podemos citar, como exemplo, uma das obrigaes do casamento, disposta no artigo 231, inciso I, do Cdigo Civil, ou seja, "fidelidade recproca". A sano para o descumprimento dessa norma no est no Cdigo Civil e sim no artigo 5., caput, da Lei n. 6.515/77, conjugada com os artigos 10, 17 e 19 da mesma Lei do Divrcio. Logo, o infiel, na ao de separao judicial litigiosa, pode ser condenado perda da guarda dos filhos, obrigao do pagamento de penso alimentcia e perda do direito de uso do nome do outro cnjuge.

1.4. Causas de Direito

As causas de Direito so as formas como o Direito se estabelece, os fatores que determinam os efeitos do Direito. Quatro so as causas fundamentais:

Causa eficiente: a origem histrica do Direito. Discute-se se a origem advm do direito natural ou do direito positivo, devendo as questes filosficas serem abstradas para fins de concurso, limitando-se a uma sucinta abordagem. Segundo o direito natural, o sistema seria oriundo de princpios morais imutveis que teriam sido incorporados ao ordenamento. Para alguns juristas o famoso "dever-ser". De acordo com a corrente positivista, a origem do Direito se d por meio de normas estabelecidas pelo poder poltico e que regulam a vida social, sendo tais normas as nicas capazes de definir comportamentos e impor sanes pelo descumprimento destes.

Causa final: conforme j abordado, a maior finalidade do Direito, ou seja, seu valor fundamental, a busca do "justo", que vem estabelecido nos princpios e regras constitucionais, nas leis infraconstitucionais e nas demais fontes adotadas pelo sistema.

Causa material: embora o Direito em si seja uno, para fins didticos sofre divises que se prestam a uma melhor compreenso tpica. Uma das principais divises a dicotomia Direito Pblico e Direito Privado. O Direito Pblico tutela as relaes em que uma das partes o Estado, as normas so cogentes e o vnculo de subordinao. O Direito Privado aquele em que as partes so exclusivamente particulares, as normas so dispositivas e o vnculo de coordenao. Como a classificao insuficiente e imprecisa, temos os direitos sociais, uma categoria intermediria, limite entre o Direito Pblico e o Direito Privado.

Causa formal: forma de exteriorizao do Direito; fontes do Direito.

1.5. Fontes do Direito

A matria tratada no artigo 4. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil que estabelece: "Quando a lei for omissa, o juiz decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princpios gerais de direito". sabido que o intrprete obrigado a integrar o sistema jurdico, ou seja, diante da lacuna (ausncia de norma para o caso concreto) ele deve sempre encontrar uma soluo adequada. Alis, basta verificarmos o verbo "decidir" para entendermos que o sistema jurdico ordena a deciso do caso concreto.

Com efeito, diante da hiptese de anomia (ausncia de normas), o ordenamento jurdico de um Estado deve adotar um entre os trs sistemas conhecidos para soluo da ausncia de norma para o caso concreto, a saber:

Non liquet: sistema pelo qual o magistrado decide pela no-soluo da relao jurdica, por no haver respaldo legal. Esse sistema criticado por no atender aos fins primordiais da jurisdio (realizao da justia, pacificao social e resoluo da lide).

Suspensivo: por este, o intrprete suspende o andamento do feito, e conseqentemente suspende a deciso para a relao jurdica, comunicando o legislativo da ausncia de norma regulamentadora, para fins de edio.

Integrativo: sistema pelo qual, ante a ausncia de lei aplicvel relao jurdica sob deciso, o intrprete no pode se furtar sentena, devendo fazer uso da analogia, dos costumes e dos princpios gerais de Direito. o sistema adotado por nossa Lei de Introduo ao Cdigo Civil.O artigo 4., j mencionado, fez questo de estabelecer uma hierarquia entre as fontes, pois s autorizou o juiz a valer-se de outras fontes quando houvesse omisso na lei e impossibilidade de aplicao da analogia, buscando resolues legais para casos semelhantes.

Assim, temos o seguinte quadro:

fonte principal: lei;

fontes secundrias ou acessrias: analogia, costumes e princpios gerais do Direito, doutrina, jurisprudncia e brocardos jurdicos.

A doutrina diverge quanto s fontes secundrias. Alguns autores entendem que apenas a analogia, os costumes e os princpios gerais de Direito so fontes secundrias, no admitindo a doutrina, a jurisprudncia e os brocardos jurdicos. A maioria, porm, entende que estas ltimas, fontes secundrias, tambm esto presentes no sistema jurdico. 1.5.1. Lei

Lei o preceito jurdico escrito, emanado do legislador e dotado de carter geral e obrigatrio. , portanto, toda norma geral de conduta, que disciplina as relaes de fato incidentes no Direito, cuja observncia imposta pelo poder estatal.

a) Classificao das leis

A classificao das leis, para o nosso estudo, tem por objetivo resolver o problema da antinomia, ou seja, o problema do conflito e da contradio das normas, hiptese em que mais de uma norma incide sobre o caso concreto. Antinomia deve, normalmente, ser resolvida por meio dos critrios mencionados a seguir, j que o hermeneuta (intrprete) s deve se valer de uma nica norma para a soluo de um determinado caso concreto, devendo eliminar as demais.

a.1. Quanto hierarquia

As leis no esto todas no mesmo plano, ou seja, existe uma hierarquia entre elas. Como forma ilustrativa, podemos adotar o sistema piramidal preconizado por Kelsen, simbolizando a estrutura hierrquica das normas.

Constituio Federal

Leis complementares e leis ordinrias

Decretos, portarias e demais atos administrativos

No topo da pirmide, temos o Texto Constitucional. Abaixo da Constituio Federal, temos as leis complementares e as leis ordinrias, ambas como substrato da Constituio Federal, havendo divergncia na doutrina a respeito da supremacia das leis complementares em relao s leis ordinrias, ou da igualdade entre estas, existindo apenas campos diferenciados de competncia. Encontramos, ainda, as normas regulamentares, base do sistema piramidal, formadas por decretos, portarias e outros atos administrativos.

Existem alguns juristas que colocam as leis complementares em uma posio hierarquicamente superior s leis ordinrias, pelo fato dessas terem um processo de elaborao mais rgido, com um quorum maior para aprovao. Outros juristas entendem que as leis complementares e as leis ordinrias esto situadas em um mesmo nvel hierrquico, uma vez que ambas retiram eficcia direta do Texto Constitucional. No h uma posio melhor, devendo o intrprete adotar uma das existentes.

Na realidade, alm da diferena formal quanto ao quorum de aprovao entre leis ordinrias e complementares, existe uma diferena material, j que o Texto Constitucional, quando exige elaborao de norma complementar, menciona expressamente "mediante lei complementar" e quando exige lei ordinria cita apenas "lei".

Por fim, na base da pirmide esto os regulamentos e os decretos, alm de todos os demais atos administrativos, sendo o substrato de todo o sistema hierarquicamente inferior s leis.

a.2. Quanto especialidadeO critrio hierrquico, acima explanado, o primeiro instrumento do intrprete para resolver o fenmeno da antinomia e prevalece, inclusive, diante dos demais critrios de soluo. Porm, tal critrio insuficiente ante o fato da grande maioria dos conflitos de normas ocorrer entre normas de mesmo nvel hierrquico.

O segundo critrio de classificao leva em considerao a amplitude das normas, tendo por postulado o fato de que se o legislador tratou com maior acuidade de um determinado ponto do Direito, ele deve prevalecer sobre outro tratado de maneira geral.

Normas gerais: so as normas que discorrem sobre todo um ramo do Direito. Temos, como exemplo, o Cdigo Civil que a norma geral do ramo civil.

Normas especiais: so as que regulam determinado ramo do Direito. Exemplo claro a Lei do Divrcio, que trata de um aspecto dentro do ramo civil. Dentre as leis especiais, h as de carter extravagante, que tm por objetivo cuidar de tema j codificado. o caso da Lei de Locaes que modificou parte do Cdigo Civil quanto ao referido contrato que, por sua vez, tambm era abordado de maneira geral.

A lei especial revoga a lei geral, ante o fato da primeira ter sido elaborada com maior rigor pelo jurista, versando sobre uma determinada matria com maior acuidade.

a.3. Quanto cronologia

O critrio cronolgico leva em considerao o momento em que a norma jurdica entra em vigor, passando a regulamentar uma determinada matria e revogando as normas de igual contedo que j estavam no sistema jurdico. a exata regra do artigo 2. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil. Tal critrio s incide sobre as leis permanentes, j que as temporrias apresentam um regime jurdico prprio.

Leis permanentes: no tm prazo certo para vigorar, ou seja, tm prazo de vigncia indeterminado, vigendo at que outra a modifique ou revogue (artigo 2. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil).

Leis temporrias: tm prazo certo para vigncia, subdividindo-se em:

expressas: os prazos de vigncia esto expressamente disciplinados na prpria norma. Nesse caso, a norma tem contedo auto-revogatrio (leis de vigncia temporria);

tcitas: apesar de tais normas no terem prazo de vigncia, so leis que vigoram apenas para uma situao especial. Com a cessao do fato, ou da situao, cessa tambm a norma (leis excepcionais).A norma poder ser eficaz e no ser efetiva, como no caso do casamento pelo regime dotal. uma norma eficaz, considerando sua no-revogao; no entanto, no efetiva, pois caiu em desuso.

O princpio fundamental de que a lei posterior revoga a anterior.

b) Antinomia das leis

Como j mencionado, a classificao s tem interesse para resolver o fenmeno da antinomia, ou seja, o conflito de leis. Todo conflito de leis tem soluo, j que o juiz obrigado a decidir o caso concreto. Porm, alguns conflitos no podem seguir um critrio rgido de soluo, devendo ser solucionados caso a caso (conflito real). Outros conflitos, porm, adotam os princpios fundamentais para a soluo, podendo ser seguido um critrio uniforme de soluo, chamado conflito aparente de normas.

Assim, os critrios que podem ser adotados so:

critrio hierrquico: a lei superior revoga a inferior;

critrio da especialidade: a lei especial revoga a geral;

critrio cronolgico: a lei posterior revoga a anterior.

1.5.2. Analogia

Analogia fonte formal mediata do direito, utilizada com a finalidade de integrao da lei, ou seja, a aplicao de dispositivos legais relativos a casos anlogos, ante a ausncia de normas que regulem o caso concretamente apresentado apreciao jurisdicional (a que se denomina anomia). Sua forma de utilizao est melhor explicitada no item 3.4. deste mdulo.

1.5.3. Costumes

O direito consuetudinrio ou costumeiro pode ser conceituado como a norma aceita como obrigatria pela conscincia do povo, sem que o Poder Pblico a tenha estabelecido.

O direito costumeiro apresenta os seguintes requisitos:

subjetivo (opinio necessitatis): a crena na obrigatoriedade, isto , a crena que, em caso de descumprimento, incide sano;

objetivo (diuturnidade): constncia na realizao do ato.

A diferena existente entre o costume e o hbito est no elemento subjetivo, que inexiste neste ltimo. Isso significa que no hbito existe a prtica constante, porm, sem a crena da sua obrigatoriedade.

Os costumes classificam-se em:

Contra legem: o costume no respeita as normas constantes do sistema jurdico. a desobedincia reiterada do comando legal com a crena na inefetividade da lei. Temos, como exemplo, o costume de no respeitar o sinal vermelho, por questo de segurana, aps um determinado horrio.

Praeter legem: aquele que amplia o preceito da lei. previso de uma conduta paralela, no prevista pela lei; porm, no proibida por esta, podendo-se citar, como exemplo, o cheque que, apesar de ser uma ordem de pagamento vista, funciona como uma garantia de pagamento, respeitando-se sua dupla condio. O cheque ps-datado deve respeitar a data consignada para apresentao junto ao sacado, embora a apresentao vista garanta o pagamento.

Secundum legem: o costume segundo o qual, o prprio texto da lei delega ao costume a soluo do caso concreto. Esse caso exemplificado pelo artigo 1.192, inciso II, do Cdigo Civil, que determina ao locatrio pagar pontualmente o aluguel segundo o costume do lugar, quando no houver ajuste expresso.

1.5.4. JurisprudnciaA jurisprudncia uma funo atpica da jurisdio. So decises reiteradas, constantes e pacficas do Poder Judicirio sobre determinada matria num determinado sentido. No h necessidade de a jurisprudncia ser sumulada para ser fonte. Aqui, cabe ressaltar que a jurisprudncia no pode ser confundida com a orientao jurisprudencial, que qualquer deciso do Poder Judicirio que esclarea a norma legal. A orientao jurisprudencial apenas um mtodo de interpretao da lei e no precisa de uniformidade, sendo rara a adoo da jurisprudncia como fonte.

Existem trs posies quanto jurisprudncia:

corrente negativista: para essa corrente, a jurisprudncia no fonte e Direito;

corrente jurisprudencialista: tudo se resolve pela jurisprudncia;

corrente ecltica (realista): a jurisprudncia pode ser usada desde que tenha contedo cientfico.

1.5.5. Doutrina

Chamada Direito Cientfico, o conjunto de indagaes, pesquisas e pareceres dos cientistas do Direito. H incidncia da doutrina em matrias no-codificadas, como no Direito Administrativo e em matrias de Direito estrangeiro, no previstas na legislao ptria.

H duas orientaes:

formalista: o doutrinador o doutor em Direito. At a dcada de 60, essa orientao era pacfica;

informal: no precisa ser escrita por doutor, bastando que seu autor consiga imprimir ao trabalho coerente contedo cientfico.

1.5.6. Princpios gerais do Direito

So postulados que esto implcita ou explicitamente expostos no sistema jurdico, contendo um conjunto de regras. Os princpios gerais de Direito so a ltima salvaguarda do intrprete, pois este precisa se socorrer deles para integrar o fato ao sistema. De acordo com as lies de Celso Antnio Bandeira de Mello, princpios so vetores de interpretao, que, por sua generalidade e amplitude, informam as demais regras, constituindo a base de todo o ramo do Direito ao qual se aplica.

1.5.7. Brocardos jurdicos

Brocardos jurdicos so frases, sentenas concisas e de fcil memorizao, que encerram uma verdade jurdica (exemplo: ne procedat judex ex officio princpio da inrcia da jurisdio). Funcionam como meio integrativo, estando configurada hiptese de anomia. Aplicam-se a todo o sistema jurdico, sendo muitas vezes traduzidos como normas do ordenamento positivo. Exemplo: Exceptio non adimpleti contractus , que vem devidamente previsto no artigo 1.092 do Cdigo Civil.2. EFICCIA DA LEI NO TEMPO2.1. Princpios

Os princpios que regem a eficcia da lei no tempo so os seguintes:

Princpio da obrigatoriedade (artigo 3. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil): segundo esse princpio, somente a norma jurdica publicada obrigatria a todos e ningum poder descumpri-la, alegando ignorncia. Portanto, o erro de direito inescusvel (ignorantia legis neminem excusat).

Princpio da continuidade (artigo 2., caput, da Lei de Introduo ao Cdigo Civil): tal postulado estabelece que uma norma permanente s perder a eficcia se outra, de mesma ou superior hierarquia, vier modific-la ou revog-la. Portanto, a norma jurdica no perde vigncia pelo mero decurso do tempo.

Princpio da irretroatividade (artigo 6. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil): a lei nova no pode retroagir para abarcar situaes consolidadas por lei anterior. Visa estabelecer a segurana jurdica do sistema, por intermdio do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada.

2.2. "Vacatio Legis"2.2.1. Conceito

Denomina-se vacatio legis o perodo de tempo que se estabelece entre a publicao e a entrada em vigor da lei. A lei no produzir efeitos durante a vacatio legis (artigo 1. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil), incidindo a lei anterior no sistema. Existem dois motivos para sua existncia:

cognitivo: para que a lei seja levada ao conhecimento do destinatrio antes de sua vigncia;

instrumental: para que os rgos da administrao se aparelhem, para que a norma ganhe efetividade.

2.2.2. Sistemas de "vacatio legis"

Exitem trs sistemas distintos de vacatio legis, quais sejam:

Sistema simultneo ou sincrnico: de acordo com esse sistema, que o sistema brasileiro, a lei sempre entra em vigor na mesma data em todo o territrio nacional. H, portanto, uma sincronia na entrada em vigor da lei.

Sistema progressivo: era o sistema da Lei de Introduo ao Cdigo Civil anterior, no qual a vigncia era distinta para locais distintos do territrio nacional. Substitudo por gerar insegurana jurdica.

Sistema omisso: segundo esse sistema, no existe vacatio legis e toda lei entra em vigor na data de sua publicao.

2.2.3. Espcies de vacatio legis H trs espcies de leis referentes vacatio legis:

Lei com vacatio legis expressa: a lei de grande repercusso, que, de acordo com o artigo 8. da Lei Complementar n. 95/98, tem a expressa disposio do perodo de vacatio legis. Temos, como exemplo, a expresso contida em lei deteminando "entra em vigor um ano depois de publicada".

Lei com vacatio legis tcita: aquela que continua em consonncia com o artigo 1. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil, ou seja, no silncio da lei entra em vigor 45 dias depois de oficialmente publicada.

Lei sem vacatio legis: aquela que, por ser de pequena repercusso, entra em vigor na data de publicao, devendo esta estar expressa ao final do texto legal.

2.2.4. Contagem

A Lei Complementar n. 107/01 estabelece em seu artigo 8., 1., o seguinte: "A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleam perodo de vacncia far-se- com a incluso da data de publicao e do ltimo dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqente a sua consumao integral".

2.3. Errata

Os erros encontrados na lei podem ser de duas espcies:

erro irrelevante: no influi na interpretao da norma, no havendo necessidade de correo. erro material, a ser corrigido de ofcio pelo juiz.

erro substancial: implica divergncia de interpretao e poder ocorrer em trs fases distintas do processo legislativo:

antes da publicao: a norma poder ser corrigida sem maiores problemas;

no perodo de vacatio legis: a norma poder ser corrigida; no entanto, dever contar novo perodo de vacatio legis;

aps a entrada em vigor: a norma poder ser corrigida mediante uma nova norma de igual contedo.

Observao: a Lei de Introduo ao Cdigo Civil tratou da matria no artigo 1., 3. e 4., preocupando-se com o erro substancial antes da entrada em vigor.

2.4. Revogao da Norma

a hiptese em que a norma jurdica perde a vigncia porque outra norma veio modific-la ou revog-la. A norma jurdica permanente e s poder deixar de surtir efeitos se a ela sobrevier outra norma que a revogue. O desuso no implica a perda da vigncia da norma, e sim, a perda de sua efetividade.

A revogao de uma norma jurdica pode ser feita de duas formas:

revogao expressa: um novo comando normativo dispe expressamente a respeito da perda da eficcia da norma anterior;

revogao tcita: a nova norma jurdica se torna incompatvel com a norma anterior, ficando esta ltima revogada.

Essas duas modalidades de revogao podem se dar por ab-rogao ou derrogao:

ab-rogao: a revogao total da norma, ou seja, a norma antiga perde sua eficcia na totalidade;

derrogao: a revogao parcial da norma, ou seja, a norma antiga continua vigorando com alguns pontos revogados pela nova lei.

Para a verificao de revogao das normas, trs critrios devem ser utilizados:

hierrquico: verificar qual das normas superior, independentemente da data de vigncia das duas normas (exemplo: um regulamento no poder revogar uma lei ainda que entre em vigor aps esta);

cronolgico: a norma que entrar em vigor posteriormente ir revogar a norma anterior que estava em vigor;

especialidade: as normas gerais no podem revogar ou derrogar preceito ou regra disposta e instituda em norma especial.

2.5. No-repristinao da NormaA no-restaurao da norma a impossibilidade que uma norma jurdica tem de, uma vez revogada, voltar a vigorar no sistema jurdico pela simples revogao de sua norma revogadora, ou seja, o aniquilamento da norma revogadora no restaura a norma revogada. O motivo dessa no-restaurao de normas o controle do sistema legal para que se saiba exatamente qual norma est em vigor. Admite-se, no entanto, a restaurao expressa da norma, ou seja, uma norma nova que faa to-somente remisso norma revogada poder restituir-lhe a vigncia, desde que em sua totalidade.

2.6. Conflitos da Lei no Tempo

2.6.1. Introduo

O direito intertemporal visa solucionar os conflitos entre as novas e as velhas normas, entre aquela que acaba de entrar em vigor e a que acaba de ser revogada. Isso porque alguns fatos iniciam-se sob a gide de uma lei e s se extinguem quando outra nova est em vigor. Para solucionar tais conflitos existem dois critrios:

disposies transitrias: o prprio legislador no texto normativo novo concilia a nova norma com as relaes j definidas pela norma anterior;

princpio da irretroatividade: a lei no deve retroagir para atingir fatos e efeitos j consumados sob a lei antiga.

2.6.2. Direito adquirido

O direito adquirido conceituado, de acordo com Gabba, como aquele que j se incorporou definitivamente ao patrimnio e personalidade de seu titular, ainda que de efeitos latentes, de modo que nem a lei e nem fato posterior possa alterar tal situao jurdica.O direito adquirido apresenta os seguintes limites:

no prevalece contra normas constitucionais, exceto, para alguns doutrinadores, se e quando decorrentes de emenda constitucional, pois o Direito adquirido clusula ptrea, por ser direito previsto no artigo 5. da Constituio Federal/;.

retroage normas administrativas e processuais;

retroage normas penais benficas ao ru;

retroage normas que dizem respeito ao estado e capacidade das pessoas.

Dentro do conceito de Direito adquirido, existem dois que so espcies do gnero, quais sejam:

a) Ato jurdico perfeito

o ato que tem aptido para produzir efeitos. Alguns doutrinadores entendem que o ato jurdico no difere do negcio jurdico; no entanto, outros entendem que a diferena reside nos efeitos de um e de outro, tendo em vista que no ato jurdico os efeitos ocorrem independentemente da vontade das partes (exemplo: ptrio poder), enquanto no negcio jurdico os efeitos so perseguidos pelas partes (exemplo: contratos em geral).

O ato jurdico pode ser:

instantneo: aquele que, no momento de seu nascimento, j produz efeitos e, neste caso, no existe conflito de leis (exemplo: compra e venda vista de um imvel);

diferido: o ato que produz efeito em momento nico; todavia, a concretizar-se em momento posterior sua prtica (exemplo: compra e venda, com entrega e pagamento a prazo);

de trato sucessivo, ou execuo continuada: ato que produz efeitos periodicamente, enquanto a relao jurdica se protrai no tempo (exemplo: contrato de locao com pagamento de parcelas peridicas). O ato jurdico perfeito divide-se em duas espcies:

condicional: h manifestao de vontade; porm, os efeitos dependem de evento futuro e incerto, diferente de mera expectativa de direito; termo: h manifestao de vontade; porm, os efeitos dependem de evento futuro e certo.b) Coisa julgada

De acordo com a doutrina de vanguarda, coisa julgada a qualidade dos efeitos da sentena, no sentido de lhes traduzir imutabilidade. Somente o dispositivo da sentena, cuja funo analisar o pedido, far coisa julgada, no podendo haver coisa julgada quanto fundamentao, em que se analisa a causa de pedir. A coisa julgada soberana, ou seja, no pode ser alterada por ao rescisria, se decorrido o prazo legal para propositura desta (aps o perodo de dois anos de trnsito em julgado, a questo ficar inquestionvel).

3. HERMENUTICA JURDICA

3.1. ConceitoHermenutica jurdica a cincia, a arte da interpretao da linguagem jurdica. Serve para trazer os princpios e as regras que so as ferramentas do intrprete. A aplicao, a prtica das regras hermenuticas, chamada exegese.

3.2. Espcies de Interpretao

Sob o critrio da natureza, ou meios de faz-la, temos as seguintes espcies de interpretao:

gramatical: busca o significado literal da linguagem, aplicando regras de sistematizao da lngua;

lgica: busca contextualizar a norma, visando o seu alcance, e tem por base as normas anteriores e posteriores e o sistema em que est includa;

histrica: busca a inteno do legislador tanto no momento da feitura da norma quanto na origem do seu instituto, preponderando a anlise da situao ftica existente quando da edio do texto legal;

teleolgica (sociolgica): busca a adaptao da norma ao contexto social existente ao tempo de sua aplicao, alcanando a denominada interpretao evolutiva;

sistemtica: busca a interpretao contextual da norma, sua colocao nos textos positivos, suas subordinaes a outros textos, sua ordem na espcie legislativa que a prev e sua conseqente seara de aplicao.

3.3. Sistemas de Interpretao

So trs os sistemas de interpretao existentes:

Sistema da livre pesquisa: o intrprete deve buscar a finalidade social da norma, ou seja, deve buscar o bem comum. A livre pesquisa o sistema utilizado no Brasil (artigo 5. da Lei de Introduo ao Cdigo Civil).

Sistema dogmtico: o Direito s pode ser interpretado com base na lei. inoperante no sistema brasileiro.

Sistema histrico-evolutivo (Savigny): aquele que procura abrandar o sistema dogmtico. Como o anterior, tambm inoperante no sistema brasileiro.

3.4. Passos na Interpretao e Integrao da lei

So cinco os passos utilizados na interpretao da lei:

primeiro passo: interpretao literal (gramatical);

segundo passo: verificao dos quatro outros critrios (lgica + histrica + teleolgica + sistemtica);

terceiro passo: utilizao da analogia, e no tocante a esta aplicao, cumpre informar a existncia de regra bsica de hermenutica apta a informar a aplicao do meio integrativo analgico, traduzida na expresso latina ubi idem ratio, ibi eadem dispositio (onde h a mesma razo, aplica-se a mesma disposio);

quarto passo: uso das fontes secundrias (costumes + doutrina + jurisprudncia);

quinto passo: utilizao dos princpios gerais do Direito.

3.5. Resultados da Hermenutica Jurdica

Por fim, quanto aos resultados encontrados na aplicao dos meios de interpretao das leis, a doutrina nos aponta trs hipteses de resultados, de acordo com a extenso da mensagem legal:

declarativo: hiptese prevista quando o intrprete entende ter a lei dito exatamente o que pretendia em seu texto, sem restries ou ampliaes (tambm chamado resultado prprio);

restritivo: assim denominado quando, na interpretao, o exegeta cr ter a lei dito mais do que precisaria dizer, restringindo, portanto, o alcance da norma interpretada; extensivo: o resultado encontrado quando se considera que o texto legal determina menos do que queria, sendo necessria ampliao de seu campo de atuao para regulao normativa de determinados casos concretos.3.6. A Lei de Introduo e o Novo Cdigo Civil

O Decreto-lei n. 4.657/42 no sofre nenhuma alterao ou revogao em qualquer de seus dispositivos, com a entrada em vigor do Novo Cdigo Civil (Lei n. 10.406/01). Isto porque, conforme afirmamos no incio do captulo, o objeto tratado pela Lei de Introduo distinto do objeto do Direito Civil. Alis, a Lei de Introduo no informa somente o Direito Civil, inserindo princpios e regras de todo o ordenamento jurdico. Aqui cabe destacar que a Lei de Introduo posterior ao Cdigo Civil de 1916 (Lei n. 3.071/16). Dessa forma, verificamos que j no introduzia o Cdigo Civil de 1916 e, portanto, no introduz tambm o novo Cdigo.MDULO II

DIREITO CIVIL

Parte Geral do Cdigo Civil

Prof. Vitor Frederico KmpelOs dispositivos da Parte Especial do Cdigo Civil sempre sobressaem aos dispositivos da Parte Geral.

A Parte Geral do Cdigo Civil subdivide-se em:

das pessoas: trata dos sujeitos da relao jurdica;

dos bens: trata dos objetos da relao jurdica;

dos atos e fatos jurdicos: trata dos atos e fatos que formam a relao jurdica entre os sujeitos e os objetos. O Cdigo Civil ao invs da velha expresso "ato jurdico" utiliza a expresso "negcio jurdico".

1. DAS PESSOAS NATURAIS o ser humano considerado como sujeito de direitos e obrigaes. Para ser uma pessoa, basta existir, basta nascer com vida, adquirindo personalidade.

O artigo 1. do Cdigo Civil dispe que: toda pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil. O Cdigo Civil de 1916 dizia "todo homem capaz de direitos e obrigaes na ordem civil".

Com a palavra homem, o legislador afastou toda e qualquer situao em que os animais fossem capazes de direitos e obrigaes (exemplo: um animal no poder ser beneficiado por testamento).

Porm, note que a atual legislao substituiu a palavra "homem" por "pessoa", deixando mais tcnica a disposio, alterando ainda a palavra "obrigao" por "dever", tendo ambas a mesma conotao.

1.1. Capacidade

a medida da personalidade. H duas espcies de capacidade:

de direito: a capacidade de aquisio de direitos, no importando a idade da pessoa (artigo 1. do Cdigo Civil);

de ato: a capacidade de exerccio de direitos, de exercer, por si s, os atos da vida civil (artigo 2. do Cdigo Civil).

As pessoas que possuem os dois tipos de capacidade tm a chamada capacidade plena, e aqueles que no possuem a capacidade de fato so chamados incapazes, tendo a chamada capacidade limitada. No Brasil no poder existir incapacidade de direito.

1.2. Incapacidade

a restrio legal ao exerccio dos atos da vida civil.

No se pode confundir incapacidade com falta de legitimao. O incapaz no pode praticar sozinho nenhum ato da vida jurdica. A falta de legitimao impede apenas a prtica de um determinado ato da vida jurdica.

O incapaz proibido de praticar sozinho qualquer ato da vida civil, sob pena de ser nulo todo ato praticado por ele.

A incapacidade pode se apresentar em duas espcies:

absoluta: acarreta a proibio total da prtica dos atos da vida civil, sob pena de nulidade (artigo 166, inciso I, do Cdigo Civil), e suprida pela representao;

relativa: permite a prtica dos atos civis, desde que o incapaz seja assistido por seu representante, sob pena de anulabilidade (artigo 171, inciso I, do Cdigo Civil), e suprida pela assistncia.

Existem algumas excees em que os relativamente incapazes podem praticar atos sozinhos, como fazer um testamento, aceitar mandato para negcios, celebrar contrato de trabalho com 18 anos etc.

O Cdigo Civil est permeado de institutos que protegem os incapazes. Por tal motivo, o legislador destinou uma pessoa capaz para representar o absolutamente incapaz e para assistir o relativamente incapaz, suprindo assim a incapacidade. Institui-se, por conseguinte, a ao declaratria de nulidade do ato jurdico, ou ao anulatria. O sistema privado anterior a 1916 ainda era mais protetivo, pois previa o instituto da restitutio in integrum. Era um remdio de carter extraordinrio que garantia ao incapaz, mesmo que todas as formalidades tivessem sido observadas, a anulao do negcio jurdico. O artigo 8. do Cdigo Civil de 1916 sepultou o instituto que no respeitava direitos adquiridos e gerava grande insegurana social. Mesmo sem expressa previso do Cdigo Civil atual, continua o sistema a repudiar a "restitutio in integrum", no mais de maneira expressa, mas agora de maneira implcita pelo sistema jurdico.

1.2.1. Incapacidade absoluta artigo 3. do Cdigo Civil

So considerados absolutamente incapazes:

menores de 16 anos;

os que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos;

os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade.

a) Menores de 16 anos

So os menores impberes.

b) Enfermo ou deficiente mental

O Decreto-lei n. 24.559/34 trata minuciosamente da situao dos loucos. Autoriza ao juiz, na sentena de interdio, fixar limites curatela.

Para garantir que no haja interdies de pessoas capazes, o interditando dever ser citado no processo para que exera sua defesa. Havendo sentena de interdio, esta dever ser publicada, pelo menos, trs vezes no jornal local.

Sempre que um louco j interditado praticar qualquer ato jurdico sozinho, este ser nulo, ainda que a terceira pessoa no soubesse da existncia da sentena de interdio, tendo em vista a presuno da publicidade.

Para se decretar a interdio, fundamental o exame mdico que comprove a doena mental. O juiz dever, ainda, fazer um exame pessoal do interditando, na forma de interrogatrio com perguntas bsicas, como nome de parentes, endereo, nmero de telefone etc.

O Cdigo Civil omisso quando se trata de ato jurdico praticado por deficientes ou enfermos antes da interdio. Como no existe a presuno da publicidade, a jurisprudncia se manifestou nesse sentido da seguinte forma: "em princpio nulo o ato praticado por deficiente ou enfermo, ainda que no haja interdio, tendo em vista o Cdigo Civil haver sido genrico. No entanto, se terceira pessoa envolvida alegar boa-f, ou seja, demonstrar que o negcio foi feito em condies normais (sem abuso) e que a deficincia no era notria (aparentemente o deficiente parecida normal e a deficincia no era de conhecimento de todos), pode-se validar o ato jurdico".

O Decreto-lei n. 891/38 regulou a interdio dos toxicmanos, que so aqueles que, em virtude do uso de txicos, perdem sua capacidade mental. Como nem sempre a dependncia de txicos torna o toxicmano absolutamente incapaz, o Decreto-lei permitiu a fixao de limites para a curatela em caso de interdio, ou seja, o Juiz pode considerar o toxicmano relativamente incapaz, entendendo que ele poder praticar alguns atos jurdicos. Com base nesse Decreto-lei, podem-se interditar, tambm, os alcolatras. As duas hipteses hoje so tratadas pelo Cdigo Civil como de incapacidade relativa (artigo 4., inciso II), porm, podem gerar incapacidade absoluta quando a cognio da pessoa inexistir para a prtica de atos jurdicos.

O Cdigo Civil de 1916 usava a expresso "loucos de todo gnero". A expresso foi substituda pela falta de tecnicidade e at pelo seu uso pejorativo. Outras legislaes utilizaram a expresso psicopata. Com acerto, temos a expresso "enfermo ou deficiente mental", alis expresso que confere ao juiz ampla possibilidade de no processo de interdio estabelecer a pessoa entre os absoluta ou relativamente incapazes.

c) Pessoas, por motivos transitrios, sem expresso da vontadeAndou bem o Cdigo Civil ao substituir a velha disposio que s inclua os surdos-mudos, que no podiam expressar a vontade, por todos aqueles que no conseguem expressar a vontade, por uma causa transitria. Aqui podemos incluir todos os que tenham algum problema fsico que venha gerar a referida incapacidade.

1.2.2. Incapacidade relativa artigo 4. do Cdigo Civil

So considerados relativamente incapazes:

os maiores de 16 e menores de 18 anos;

os brios habituais, os viciados em txicos, e os que, por deficincia mental, tenham o discernimento reduzido;

os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

os prdigos.

a) Maiores de 16 anos e menores de 18 anos (menores pberes)Embora exista um sistema de proteo aos menores incapazes, os menores pberes perdem essa proteo caso pratiquem qualquer ato disposto nos artigos 180 e 181 do Cdigo Civil.

O Cdigo Civil de 1916 dispunha no seu artigo 156 que, para efeitos civis, os menores pberes so equiparados aos maiores quanto s obrigaes resultantes de atos ilcitos dos quais forem culpados. O legislador, preocupado com o desenvolvimento intelectual, entendia que a maturidade havia chegado quando ocorria a prtica e um ato ilcito. Portanto, o ato culposo ou doloso que trouxesse prejuzo a terceiro gerava responsabilidade ao menor. A omisso do novo Cdigo Civil no altera a imputabilidade e responsabilidade civil do menor relativamente incapaz, adotando-se para a hiptese a regra geral do artigo 186 do Cdigo Civil.

Portanto, como o menor que atua na vida jurdica a sua vontade que constitui a mola geradora, sendo a assistncia um mero suporte para a prtica do ato.

b) brios habituais, toxicmanos e todos com discernimento reduzidoFoi a cincia mdico psiquitrica que ampliou as hipteses de incapacidade relativa, como no caso de alcolatras ou dipsmanos, toxicmanos, entre outros que tenham sua capacidade cognitiva alterada. Todos esses precisaro da assistncia de um curador (artigo 1767, inciso III, do Cdigo Civil).

c)Excepcionais, sem desenvolvimento mental completo

A hiptese d grande discricionariedade ao julgador, pois abarca todos os "fracos dementes", surdos mudos, portadores de anomalias psquicas, comprovados e declarados em sentena de interdio, que os tornam incapazes de praticar atos da vida civil, sem assistncia de um curador (artigo 1767, inciso IV, do Cdigo Civil).

d)PrdigosSo aqueles que no conseguem reter os seus bens e acabam chegando misria. O prdigo no considerado louco, apenas possui um desvio de personalidade, podendo ser, no entanto, interditado a fim de se proteger sua famlia. O conceito de famlia restrito ao cnjuge, aos descendentes e aos ascendentes.

A interdio do prdigo tem trs caractersticas:

se ele tiver famlia, poder ser interditado;

se ele no tiver famlia, no poder ser interditado, tendo em vista no haver a quem proteger;

a restrio que ele sofre muito pequena, s se limitando prtica de atos que acarretam a reduo de seu patrimnio (alienao, doao etc.) (artigo 1782 do Cdigo Civil).

O prdigo pode livremente casar-se sem autorizao de curador. Esse o pensamento tanto do Professor Silvio Rodrigues quanto da Professora Maria Helena Diniz.

O Ministrio Pblico poder requerer a interdio se houver somente filhos menores, no existindo qualquer pessoa da famlia que tenha capacidade para requerer a interdio. A jurisprudncia acoplou a companheira no rol da famlia para requerer a interdio do prdigo.

1.2.3. Silvcolas vulgarmente chamado de ndio e sujeito a regime tutelar estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessar medida que se adaptar a civilizao do pas. O artigo 4., pargrafo nico, do Cdigo Civil, estabelece: "A capacidade dos ndios ser regulada por legislao especial". A incapacidade estabelecida por lei especial no uma restrio e sim uma proteo.

H uma lei federal (Lei n. 6.001/73) que regulamenta a proteo dos silvcolas, que ficam sob a tutela da Unio (tutela estatal). Na vigncia da lei anterior Lei n. 6.001/73, foi criado um rgo para tutelar os silvcolas em nome do Estado: a FUNAI.

Os silvcolas no possuem registro de nascimento civil, sendo que seu registro feito na prpria FUNAI.

Se um silvcola se adaptar civilizao, poder requerer sua emancipao, tornando-se, assim, pessoa capaz. Para a emancipao, os silvcolas devem comprovar que j completaram 21 anos de idade, que j conhecem a lngua portuguesa e que j esto adaptados civilizao, podendo exercer uma atividade til.

O Estatuto do ndio (Lei n. 6.001/73) dispe que todo ato praticado por silvcola, sem a assistncia da FUNAI, nulo. O prprio Estatuto, no entanto, dispe que o juiz poder considerar vlido o ato se constatar que o silvcola tinha plena conscincia do que estava fazendo e que o ato no foi prejudicial a ele.

1.3. Cessao da IncapacidadeCessa a incapacidade quando desaparece a sua causa ou quando ocorre a emancipao (exemplo: se a causa da incapacidade a menoridade, quando a pessoa completar 18 anos, cessar a incapacidade) (artigo 5. do Cdigo Civil).

A emancipao pode ser de trs espcies (artigo 5., pargrafo nico, do Cdigo Civil): voluntria, judicial e legal.

a) Emancipao voluntria

Aquela decorrente da vontade dos pais. A idade mnima para a emancipao 16 anos. Antes da vigncia do atual sistema, a emancipao voluntria s poderia acontecer a partir dos 18 anos, porm hoje, por questo teleolgica, a emancipao voluntria cai automaticamente para 16 anos.

A concesso da emancipao feita pelos pais, ou de qualquer deles na falta do outro, como j era previsto pela prpria Lei de Registros Pblicos.

A emancipao s pode ocorrer por escritura pblica, atravs de um ato unilateral dos pais reconhecendo que o filho tem maturidade necessria para reger sua vida e seus bens. O atual sistema mais rgido que o anterior que autorizava a emancipao por escritura particular. O inciso I, do pargrafo nico, do artigo 5. foi expresso ao exigir o instrumento pblico. A escritura irretratvel e irrevogvel para no gerar insegurana jurdica.

Hoje a jurisprudncia tranqila no sentido de que os pais que emancipam os filhos por sua vontade no se eximem da responsabilidade por eles.

b) Emancipao judicial

aquela decretada pelo juiz. O menor sob tutela s poder ser emancipado por ordem judicial, tendo em vista que o tutor no pode emancipar o tutelado. O procedimento regido pelos artigos 1103 e seguintes do Cdigo de Processo Civil com participao do Ministrio Pblico em todas as fases. A sentena que conceder a emancipao ser devidamente registrada (artigo 89 da Lei 6.015/73).

c) Emancipao legal

Decorre de certos fatos previstos na lei (exemplos: casamento, estabelecimento do menor com economia prpria, recebimento do diploma de curso superior etc.).

Qualquer que seja a idade, o casamento emancipa os menores. um ato previsto em lei, que culmina na emancipao. No caso de casamento nulo, os efeitos da emancipao no sero vlidos, voltando os menores condio de incapazes. O casamento nulo putativo, ara o cnjuge de boa-f tambm produz uma emancipao vlida.

No caso de leis especiais, como o Estatuto da Criana e do Adolescente, o Cdigo de Transito Brasileiro etc., elas sempre iro se sobrepor ao Cdigo Civil em relao emancipao de menores, ou seja, ainda que sejam emancipados, os menores no podero praticar atos no permitidos pelas leis especiais (exemplo: um rapaz emancipado com 17 anos no poderia se habilitar para dirigir, visto que idade mnima para adquirir permisso ou habilitao 18 anos).

1.4. Incio da Personalidade Natural

Inicia-se a personalidade natural a partir do nascimento com vida. De acordo com o disposto no artigo 2. do Cdigo Civil, a personalidade civil comea a existir com o nascimento com vida, mas a lei protege, desde a concepo, os direitos do nascituro. Os direitos do nascituro, entretanto, esto condicionados ao nascimento com vida, ou seja, se nascer morto, os direitos eventuais que viria a ter estaro frustrados.

O nascituro titular de direitos eventuais no deferidos, ou seja, so direitos que podem acontecer, mas que s sero deferidos a ele a partir do nascimento com vida. O nascituro um ser em expectativa, tendo em vista ainda no ter personalidade. Sendo um titular de direitos eventuais, aplica-se ao nascituro o previsto no artigo 130 do Cdigo Civil, que permite ir a juzo a fim de que se tomem precaues em relao aos seus direitos.

De acordo com o artigo 53 da Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Pblicos), os natimortos devero ser registrados. Se a criana nascer e respirar durante alguns segundos antes de morrer, ela adquiriu personalidade civil e dever haver um registro de nascimento e um de bito. A importncia de se constatar se a criana respirou ou no, adquirindo ou no personalidade, est, por exemplo, em casos de herana, visto que, se a criana adquiriu personalidade, ela estar na qualidade de herdeiro.

A docimasia hidrosttica de Galeno consiste numa experincia utilizada para verificar se a criana respirou ao nascer. Consistia na retirada do pulmo da criana, mergulhando-o em um recipiente com gua. Se o pulmo flutuasse, constatava-se que nele havia entrado ar, ou seja, a criana havia respirado.

Tramita um Projeto para alterar o novo Cdigo Civil do prprio Deputado Ricardo Fiuzza estabelecendo um novo artigo 2., para a Lei 10406/02, que teria a seguinte redao: "A personalidade civil da pessoa comea do nascimento com vida; mas a lei pe a salvo os direitos do embrio e os do nascituro". Portanto, o embrio tambm passaria a ser protegido pelas leis civis.

1.5. Extino da Personalidade NaturalDe acordo com o disposto no artigo 6. do Cdigo Civil, termina a existncia da pessoa natural com a morte (morte real), presumindo-se esta quanto aos ausentes nos casos dos artigos 1.167, inciso II, do Cdigo de Processo Civil, 37 a 39 e 1.784 do Cdigo Civil.

A doutrina chama a declarao de ausncia de morte presumida. Seus efeitos, no entanto, diferem-se da morte real, tendo em vista s atingirem a esfera patrimonial.

Pode haver morte presumida sem a decretao de ausncia em duas situaes (artigo 7. do Cdigo Civil):

1.) Se for extremamente provvel a morte de quem estava em perigo de vida;

2.) se a pessoa desaparecer ou se tornar prisioneira de guerra e no reaparecer at dois anos aps o trmino da guerra.

A morte simultnea a morte de duas ou mais pessoas ao mesmo tempo. Essas pessoas so chamadas de comorientes. Se no houver meios de saber qual das pessoas morreu, primeiro aplica-se o disposto no artigo 8. do Cdigo Civil, ou seja, a presuno de que morreram todas simultaneamente. Essa presuno de comorincia tem como conseqncia que os comorientes no podem herdar um do outro.

Ocorre a morte civil quando uma pessoa, embora viva, tratada como morta, perdendo os seus direitos civis. No Direito Brasileiro est prevista no artigo 1.816 do Cdigo Civil, s tendo efeitos em relao herana.

1.6. Individualizao da Pessoa Natural

Os elementos individualizadores da pessoa natural so trs:

nome;

estado;

domiclio.

1.6.1. Nome

O nome apresenta dois aspectos:

aspecto individual: diz respeito ao direito que todas as pessoas tm ao nome;

aspecto pblico: o interesse que o Estado tem de que as pessoas possam se distinguir umas das outras, por isso regulamentou a adoo de um nome por meio da Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Pblicos).

O nome integra os direitos da personalidade (artigo 16 do Cdigo Civil) e se compe de trs elementos:

prenome ou nome;

patronmico ou sobrenome;

agnome.

a) Prenome

Pode ser simples ou composto e escolhido pelos pais. A regra de que o prenome definitivo (artigo 58 da Lei n. 6.015/73). O prenome era imutvel at o advento da lei 9708/98, passando no mais a ser adotado o princpio da imutabilidade e sim o princpio da definitividade. O nome passou a ser substituvel por um apelido pblico notrio.

Existem, alm da hiptese acima, algumas outras excees a regra da definitividade. So elas:

Em caso de evidente erro grfico: quando o escrivo escreveu o nome errado e necessita de uma correo (exemplo: o nome deveria ser escrito com e foi escrito com SS). A mudana pode ser feita por requerimento simples ao prprio Cartrio e ser encaminhada para o Juiz-Corregedor do Cartrio, sendo ouvido o Ministrio Pblico. Se o juiz verificar que realmente houve um erro, autorizar a sua correo;

Prenomes que exponham o seu portador ao ridculo: hoje mais difcil algum registrar o filho com prenome que o exponha ao ridculo, visto que, com a Lei n. 6.015/73, o escrivo tem o dever de no registrar tais prenomes. Os pais podero requerer autorizao ao juiz no caso de o escrivo no registrar o nome escolhido. Caso haja necessidade da mudana do prenome por este motivo, deve-se entrar com ao de retificao de registro e, se o juiz se convencer, autorizar a mudana. Em todos os pedidos de retificao, o Ministrio Pblico requer que o juiz exija do requerente a apresentao da folha de antecedentes.

Costumes Alm de apelidos pblicos notrios que seriam outros nomes prprios substitutivos ao que consta no registro, temos o apelido no seu sentido pejorativo, isto , um nome sem significado certo (exemplos: Pel, Lula, Xuxa, Maguila etc.);

Lei de Proteo s Testemunhas: as pessoas que entrarem no esquema de proteo testemunha podem mudar o prenome e, inclusive, o patronmico, a fim de permanecerem no anonimato;

ECA: o Estatuto da Criana e do Adolescente criou nova exceo, no caso de sentena que determina a adoo plena, em que se cancela o registro da criana, podendo os adotantes mudar tanto o prenome quanto o patronmico;

Pode-se, ainda, mudar o prenome para a traduo de prenome estrangeiro (Willian por Guilherme, James por Thiago).

b) Patronmico

o que designa a origem familiar da pessoa. No escolhido pelos pais, visto que a pessoa j nasce com o patronmico deles. O patronmico tambm poder ser mudado:

Em caso de adoo plena.

Com o casamento, visto que tanto a mulher quanto o homem podero utilizar o patronmico um do outro. Trata-se de uma faculdade do casal, visto que, se a mulher no quiser, no ser obrigada a utilizar-se do patronmico do marido, como era antigamente.

A dissoluo do casamento poder mudar o patronmico, ou seja, a mulher que utilizou o patronmico do marido, quando do casamento, com a dissoluo poder voltar a usar seu nome de solteira. A Lei dos Registros Pblicos disps que a companheira tambm pode utilizar o patronmico de seu companheiro, mas se colocaram tantos obstculos que raramente se v um pedido deferido feito pela companheira.

De acordo com o artigo 56 da Lei de Registros Pblicos, qualquer pessoa poder, no primeiro ano aps completar a maioridade, fazer mudanas no seu nome completo, desde que no modifique seu patronmico. Combinando-se, no entanto, esse artigo com o artigo 58 da mesma lei (prenome imutvel), admite-se somente a incluso de patronmico dos pais que no foram acrescentados, para se fugir dos homnimos. Se transcorrer o perodo disposto no artigo 56, poder, ainda, fazer a mudana pelos mesmos motivos (artigo 57). A diferena que no artigo 56 a mudana ser administrativa e no caso do artigo 57 deve ser o pedido motivado e mediante ao judicial.

c) Agnome

a partcula que acrescentada ao final do nome para diferenciar as pessoas da mesma famlia que tm o mesmo nome (exemplos: Jnior, Neto etc.).

1.6.2. Estado

O estado a soma das qualificaes da pessoa na sociedade. Apresenta trs aspectos:

aspecto individual: diz respeito ao modo de ser das pessoas, so as caractersticas pessoais que representam a individualidade (exemplos: altura, peso, cor etc.);

aspecto familiar: diz respeito posio que ocupam na famlia (exemplos: casado, solteiro etc.);

aspecto poltico: diz respeito qualificao de nacionalidade e cidadania.

O estado tem trs caractersticas importantes:

irrenunciabilidade: no se pode renunciar aquilo que caracterstica pessoal;

inalienabilidade: no se pode transferir as caractersticas pessoais;

imprescritividade: o simples decurso do tempo no faz com que as pessoas percam o estado.

1.6.3. Domiclio

a sede jurdica da pessoa, o local onde ela encontrada. De acordo com o artigo 70 do Cdigo Civil o local em que a pessoa estabelece a sua residncia com nimo definitivo.

Assim, o conceito do artigo 70 do Cdigo Civil apresenta dois elementos:

elemento objetivo: a residncia;

elemento subjetivo: o nimo definitivo.

possvel que a pessoa tenha mais de um domiclio. O artigo 71 do Cdigo Civil dispe que a pessoa poder ter mais de um domiclio quando:

tenha mais de uma residncia onde alternadamente viva;

tenha vrios centros de ocupaes habituais.

Existe a possibilidade de a pessoa ter domiclio, mas no ter residncia. So os casos daquelas pessoas que viajam muito a trabalho, vivendo em hotis. Antigamente eram chamados de caixeiros viajantes. O artigo 73 do Cdigo Civil dispe que as pessoas que no tiverem residncia fixa tero como domiclio o local onde forem encontradas.

Existem duas espcies de domiclio:

Necessrio: aquele determinado pela lei (exemplo: os incapazes tm por domiclio o mesmo de seus representantes; o domiclio do funcionrio pblico o local onde exerce suas funes etc.). A mulher no tem mais domiclio necessrio, visto a isonomia prevista na Constituio Federal/88 e o disposto no artigo 1569 do Cdigo Civil.

Voluntrio: pode ser:

comum: aquele escolhido pela pessoa e poder ser mudado por ela. A conduta da pessoa vai mostrar se ela teve ou no inteno de mudar o seu domiclio;

especial (artigo 78 do Cdigo Civil): aquele que possibilita aos contratantes estabelecer um local para o cumprimento das obrigaes (foro de contrato) ou um local para dirimir quaisquer controvrsias surgidas em decorrncia do contrato (foro de eleio). A pessoa privilegiada poder, no entanto, renunciar ao foro eleito para se utilizar do foro do domiclio do ru. No ter validade o foro de eleio em contrato de adeso, salvo se no prejudicar o aderente.

MDULO III

DIREITO CIVIL

Pessoas Jurdicas e Bens

Prof.Vitor Frederico Kmpel

1. DAS PESSOAS JURDICAS1.1. Conceito

A necessidade cada vez maior de circulao de riquezas para a sociedade, como fator de desenvolvimento coletivo, social, econmico e tecnolgico, fez com que se desenvolvessem em nossa sociedade grupos afins de atuao conjunta na busca de objetivos, quando menos, semelhantes. Assim ocorreu com as corporaes de ofcio que, ao lado dos feudos da Idade Mdia, transformaram no s as prticas comerciais da poca, mas todo o direito comercial, sendo considerados verdadeiros embries das revolues industriais e comerciais posteriores. Todavia, ante a necessidade crescente de agilidade nas negociaes operadas por entes coletivos, bem como a necessidade de resguardo ante aos atos por estes praticados, so criadas as pessoas jurdicas, objeto deste estudo, abaixo conceituadas.

Assim, pessoas jurdicas so entidades s quais a lei empresta personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigaes. A principal caracterstica da pessoa jurdica o fato de ela possuir personalidade prpria distinta da personalidade de cada um de seus membros, nos termos do artigo 20 do Cdigo Civil de 1916.

1.2. Natureza jurdica

Vrias foram as teorias criadas para fundamentar a existncia das pessoas jurdicas que, por sua vez, dividiram-se em dois grandes grupos: as teorias da fico e as teorias da realidade. De acordo com os preceitos defendidos pelas teorias da fico, a pessoa jurdica no possui personalidade, sendo considerada uma verdadeira fico doutrinria ou fico legal. Essas teorias no foram admitidas no sistema jurdico brasileiro, tendo em vista ser o prprio Estado uma pessoa jurdica de Direito Pblico, da qual emana o Direito ptrio. Assim, as regras emanadas de uma fico seriam, por bvio, fictcias e, portanto, de observncia facultativa.

Prevaleceram, ento, outras teorias, pertencentes ao grupo das Teorias da Realidade. Essas teorias da realidade se dividem em teoria da realidade objetiva; teoria da realidade tcnica; e teoria institucionalista de Hauriou. Como bem esclarece o Prof. Silvio Rodrigues no seu "Curso de Direito Civil", Vol. 1, 32. edio, 2002, as trs teorias suficientemente explicam o fenmeno em questo. A teoria da pessoa jurdica como realidade objetiva, estabelecida por Gierke e Zitelmann, adotada tambm por Pontes de Miranda, a famosa teoria orgnica, pois so pessoas representadas por rgos e representadas por pessoas que compem os rgos. Os rgos so a expresso da vontade da pessoa jurdica. As pessoas jurdicas so uma realidade, com vida prpria e com existncia distinta das de seus membros. Segundo a teoria da realidade tcnica o homem amplia os seus meios de ao e assegura o mais eficaz possvel o nvel de desenvolvimento da atividade humana. J a teoria de Hauriou determina que a pessoa jurdica uma instituio que cria um vnculo social, unindo os indivduos que visam ao mesmo fim. No momento em que a instituio alcana certo grau de organizao e automatizao torna-se pessoa jurdica.

O artigo 45 do Cdigo Civil estabelece que o comeo da existncia legal das pessoas jurdicas ocorre com a inscrio do ato constitutivo no respectivo registro. Portanto, a realidade da pessoa jurdica objetiva. O artigo 20 do Cdigo Civil de 1916 proclamava que a pessoa jurdica tem existncia distinta da de seus membros, ou seja, no se confunde a pessoa jurdica com a pessoa de seus componentes. Isso significa que, entre outros exemplos de diferenciao, no se podem penhorar bens dos scios para pagamento de dvidas da pessoa jurdica, ao menos ab initio. Para que as conseqncias oriundas do texto do artigo 20 no fossem utilizadas com a finalidade de lesar terceiros, surgiu, dentre outros mecanismos legais, a teoria da desconsiderao da pessoa jurdica.

Por meio dessa teoria, permitido ao juiz, em casos de m-f, fraude, abusos, atos de insolvncia, falncia e extino de atividades em caso de m-administrao, etc., desconsiderar a regra do artigo 20 para permitir a penhora dos bens particulares dos scios, sem, todavia, extinguir a pessoa jurdica ou ainda interferir em sua administrao, o que se considera bem menos lesivo a esta, notadamente em razo de um de seus princpios basilares, a saber, o de sua preservao. Assim, se ficar provado que os scios agiram inescrupulosamente para lesionar terceiros, o juiz poder desconsiderar a pessoa jurdica, passando a enxergar os scios como pessoas com personalidades prprias.

Cumpre registrar que esta teoria teve origem no direito anglo-saxo, com o nome de disregard of the legal entity, posteriormente difundida no direito norte-americano, onde recebeu o nome de lifting of the corporate veil, entre outros pases como Espanha e Argentina. No Brasil era adotada por meio de analogia ao artigo 135 do Cdigo Tributrio Nacional at a edio de leis como o Cdigo de Defesa do Consumidor (artigo 28), Lei de infraes Ordem econmica (artigo18) e a Lei dos crimes praticados contra o Meio Ambiente (artigo 4.). Em que pese previso de aplicao, em sede contratual, somente no Cdigo de Defesa do Consumidor, poder-se- aplic-la, por analogia, inclusive para contratos no regidos por este.

Por fim, o Cdigo Civil prev, em seu artigo 50, a teoria da desconsiderao, que adota no somente atos objetivamente reveladores de utilizao ilcita da pessoa jurdica, mas tambm atos subjetivamente apreciveis, a exemplo da confuso patrimonial, seguindo orientao de juristas do jaez de Fbio Konder Comparatto.

1.3. Requisitos para a Constituio da Pessoa Jurdica

A doutrina aponta trs requisitos para a constituio de uma pessoa jurdica, a saber:

1.3.1. Vontade humana criadora

necessrio que o grupo de pessoas, ao se reunir, tenha a inteno de criar uma pessoa jurdica. Quando h vontade para a criao de uma pessoa jurdica, que exercer atividade empresarial, esse requisito denominado affectio societatis.

1.3.2. Licitude de seus objetivos necessrio que o objetivo da pessoa jurdica seja lcito. Se uma pessoa jurdica for constituda com fins lcitos e, com o decorrer do tempo, passa a distorcer suas finalidades, praticando atos ilcitos, poder ser extinta. Registre-se que a expresso licitude de objetivos deve ser entendida de modo amplo, de forma a inserir em seu conceito a moralidade dos atos e objetivos perseguidos.

1.3.3. Observncia das condies legaisAs condies que a lei impe tambm devem ser observadas pelas pessoas jurdicas, at porque elas s existem em razo de um expediente tcnico criado pelo ordenamento, em razo das finalidades perseguidas. So condies impostas pela lei:

a) Elaborao do ato constitutivo

Sendo uma associao, que tem por natureza a inexistncia de fins lucrativos, deve-se elaborar um Estatuto como ato constitutivo. Se a pessoa jurdica tiver fins lucrativos, seja uma sociedade civil ou comercial, elabora-se um Contrato Social como ato constitutivo. As fundaes possuem como ato constitutivo o testamento ou a escritura pblica.

b) Registro do ato constitutivo

Somente a partir do registro a pessoa jurdica passa a ter existncia legal. O artigo 45 do Cdigo Civil dispe que a existncia legal da pessoa jurdica comea com o registro dos seus atos constitutivos. Esses atos devero ser registrados no Cartrio do Registro Civil das Pessoas Jurdicas. No caso de sociedade comercial, porm, o contrato social dever ser registrado na Junta Comercial. Uma sociedade de advogados ter seu registro na subseo da Ordem dos Advogados do Brasil mais prxima. Para a maioria das pessoas jurdicas basta o registro para que elas tenham existncia legal.

Enquanto o ato constitutivo no for registrado, a pessoa jurdica no passa de uma mera sociedade de fato. O artigo 20, 2., do Cdigo Civil de 1916 dispunha que a sociedade de fato no tem legitimidade ativa, mas tem legitimidade passiva. Tal disposio restou derrogada em razo do texto do artigo 12, inciso VII, do Cdigo de Processo Civil que deu legitimidade tanto ativa quanto passiva, no aspecto processual, s sociedades de fato.

c) Autorizao do governo

Algumas sociedades necessitam dessa autorizao para constituio e funcionamento vlido (artigo 45, ltima parte, do Cdigo Civil). O artigo 20, 1., do Cdigo Civil de 1916 mencionava, exemplificativamente, algumas das sociedades que precisam da autorizao do governo, a exemplo das Cooperativas, Caixas Econmicas etc. Esse rol meramente exemplificativo, visto que hoje todas as instituies financeiras, consrcios e muitas outras foram inseridas nessa relao por meio de lei, necessitando da autorizao do governo. O Cdigo Civil atual no trouxe disposio paralela visto ser a matria de direito pblico, no sendo da alada do Cdigo Civil.

1.4. Classificao das Pessoas Jurdicas

Vrios so os critrios adotados para a classificao das pessoas jurdicas, dentre os quais passamos a explicitar, para fim de entendimento, os que abaixo seguem:

1.4.1. Quanto nacionalidadeDe acordo com o critrio da nacionalidade, as pessoas jurdicas classificam-se em: nacionais e estrangeiras.

1.4.2. Quanto estrutura internaa) Corporaes

O que caracteriza a corporao a existncia de seus membros. Toda corporao representada por um grupo de pessoas, sendo que o patrimnio no essencial. No Direito Romano, as corporaes eram conhecidas como universitas personarum.

As corporaes tm por objetivo sempre o bem-estar de seus membros, ou seja, existem para beneficiar os seus membros, a exemplo de uma Sociedade Comercial, que tem por finalidade a gerao de lucro a estes.

O gnero corporaes se subdivide em:

Associaes: so corporaes sem fins lucrativos. Podem ter variadas finalidades, no entanto no visam ao lucro.

Sociedades civis ou comerciais: as sociedades, tanto civis quanto comerciais, visam sempre ao lucro. Somente as sociedades comerciais praticam atos de comrcio. As sociedades civis, em geral, so constitudas por profissionais liberais e prestadores de servio, a exemplo de sociedades de advogados, sociedades de mdicos etc.

b) Fundaes

Fundao um patrimnio destinado a um determinado fim, ou seja, o que essencial na fundao o seu patrimnio. No Direito Romano, as fundaes eram conhecidas como universitas bonorum.

O objetivo das fundaes ser sempre o bem-estar da sociedade, ou seja, as fundaes existem para beneficiar a sociedade, a coletividade, e no o instituidor ou sua diretoria. Como exemplo, pode ser citada a Fundao de Combate ao Cncer.

As fundaes poderiam ser comparadas s sociedades civis, no entanto no tm fins lucrativos. Sendo um patrimnio destinado a um determinado fim, esse objetivo determinado pelo seu instituidor, ou seja, o dono do patrimnio quem vai determinar a finalidade da fundao.

Para melhor memorizao, apresenta-se abaixo organograma explicativo:* Classificao quanto estrutura:

1.4.3. Fases de Criao de uma Fundao

A criao de uma fundao passa por quatro fases:

1. fase ato de dotao: o momento em que o instituidor destina determinados bens para a criao da fundao. O artigo 62 do Cdigo Civil dispe que o ato de dotao poder ser feito por escritura pblica ou por testamento. Se o ato de dotao quer por testamento ou doao, tiver patrimnio insuficiente para a finalidade da fundao, esse patrimnio ser incorporado em outra fundao que se proponha a fim igual ou semelhante (artigo 63 do Cdigo Civil). Pelo sistema jurdico anterior (artigo 25 do Cdigo Civil de 1916), os bens eram convertidos em ttulos da dvida pblica para ser aumentado ou atravs de novas dotaes, ou com seus prprios rendimentos, a fim de atingirem o montante necessrio para que a fundao pudesse funcionar. Repare que o legislador quis garantir celeridade na constituio da fundao.

O pargrafo nico do artigo 62 do Cdigo Civil estabelece as finalidades da fundao particular e que so: religiosas, morais, culturais ou de assistncia;

2. fase elaborao dos estatutos: pode ser elaborao prpria ou elaborao fiduciria. A elaborao prpria se d quando o instituidor elabora pessoalmente o estatuto. A elaborao fiduciria a modalidade de elaborao em que esta fica a cargo de algum de confiana do instituidor. O Cdigo de Processo Civil, em seu ltimo captulo, dedica uma grande importncia ao Ministrio Pblico, quanto sua atuao junto s fundaes. Determina a lei que o Ministrio Pblico tem o dever de fiscalizar, ingressar com ao para destituir a diretoria e at extinguir a fundao, em caso de ilicitude de seu objeto. O artigo 1.202 do Cdigo de Processo Civil dispe que, se a pessoa que ficou encarregada da elaborao dos estatutos no a fizer dentro de 6 meses, esta elaborao ficar a cargo do Ministrio Pblico, passando por uma apreciao do juiz. A mesma disposio est presente no artigo 65, pargrafo nico, do Cdigo Civil, conferindo 180 dias para que o Ministrio Pblico passe a ter a incumbncia de elaborar o estatuto, quando o estatuto no for elaborado no prazo assinalado pelo instituidor.

3. fase aprovao dos estatutos: em geral, sendo elaborados pelo prprio instituidor ou pela pessoa de sua confiana, os estatutos passaro pela aprovao do Ministrio Pblico. Caso o Ministrio Pblico no os aprove, podero passar pela apreciao do Juiz da comarca, de forma subsidiria, para que seja pelo magistrado suprida a aprovao do Ministrio Pblico (artigo 65 do Cdigo Civil). Sendo os estatutos, entretanto, elaborados pelo Ministrio Pblico, devero, sempre, passar pela aprovao do juiz (artigo 1202 do Cdigo de Processo Civil);

4. fase registro: aps vencidas todas as fases anteriores, a fundao dever ser registrada no Cartrio do Registro das Pessoas Jurdicas.

O artigo 554 do Cdigo Civil estabelece a caducidade para os bens doados para a constituio de uma fundao se esta no tiver sido registrada at dois anos da lavratura da escritura de doao. Portanto, o prazo mximo entre a dotao atravs da escritura de doao e o registro, podendo ser aplicada a regra analgica para a morte do testador at o registro, o prazo mximo de dois anos. Caso nesse prazo no haja o registro, o bem volta ao doador ou repassado aos herdeiros, no caso de testamento, responsabilizando-se aquele que deu causa decadncia de direito.

Havendo necessidade de alterao dos estatutos, esta alterao no poder contrariar a finalidade da fundao, devendo ser aprovada por 2/3 dos componentes para gerir e representar a fundao, passando a seguir pela aprovao do rgo do Ministrio Pblico.

Os bens de uma fundao so inalienveis, entretanto, admite-se a venda de seus bens, desde que o produto da venda seja aplicado na prpria fundao, que o pedido de alienao passe por prvia audincia do Ministrio Pblico e que haja autorizao judicial.

Em relao s hipteses de extino das fundaes, determina o artigo 69 do Cdigo Civil os casos em que pode ocorrer a extino de uma fundao, quais sejam:

quando vencer o prazo de sua durao (entretanto raro, tendo em vista que normalmente no se dispe prazo de durao);

quando se tornar ilcita a finalidade da fundao, o Ministrio Pblico poder ingressar com uma ao visando sua extino;

quando se tornar impossvel ou intil a sua manuteno (a causa mais comum, nessa hiptese, o surgimento de dificuldades financeiras).

Quando uma fundao se extingue, deve-se verificar se o prprio instituidor j previu a destinao dos bens. Se no o fez, o artigo 69 do Cdigo Civil dispe que os bens devero incorporar em outra fundao de fins iguais ou semelhantes, designadas pelo juiz .

1.4.3. Classificao das pessoas jurdicas quanto extenso de sua atuao

Em relao seara de atuao das pessoas jurdicas, estas se classificam em:

a) Pessoas Jurdicas de Direito Pblico

As pessoas jurdicas de Direito Pblico se subdividem, por sua vez, de acordo com seus objetivos e extenso de sua rea de atuao. So elas:

Pessoas Jurdicas de Direito Publico Externo: so os diversos pases, as diversas naes, incluindo-se organismos internacionais tais como a ONU, a OEA, a OTAN etc (artigo 42 do Cdigo Civil).

Pessoas Jurdicas de Direito Pblico Interno: so aquelas cuja atuao se restringe aos interesses e limites territoriais do pas. Podem ser: Administrao Direta (Unio, Estados, Municpios) ou Administrao Indireta (autarquias, fundaes pblicas, sociedades de economia mista e empresas pblicas) (artigo 43, do Cdigo Civil).

b) Pessoas Jurdicas de Direito Privado (artigo 44 do Cdigo Civil)

Conforme anteriormente verificado, as pessoas jurdicas de Direito Privado se subdividem em corporaes e fundaes de Direito Privado, com todas as subdivises antes estudadas.

1.5. Responsabilidade das Pessoas Jurdicas

A responsabilidade civil , notadamente a extracontratual, tem por norte o princpio da individualizao, ou seja, cada um responde pelos danos decorrentes de seus atos. Em relao s pessoas jurdicas, pessoas reais criadas em razo de uma necessidade social, para melhor atendimento dos fins a que se destinam, a regra geral a de que as pessoas jurdicas respondem pelos atos dos seus prepostos e empregados (artigo 930 do Cdigo Civil). Com efeito, o comando do artigo 932, inciso III, do Cdigo Civil dispe que tambm as pessoas jurdicas de Direito Privado respondem pelos atos de seus empregados. O artigo 1.522 do Cdigo Civil de 1916 continha a expresso abrange as pessoas jurdicas, que exercerem explorao industrial, e foi interpretado de forma restritiva durante muito tempo, de modo a entender que somente as pessoas jurdicas com fins lucrativos respondessem pelos atos de seus empregados.

O entendimento hoje da doutrina e da jurisprudncia , no entanto, no sentido de que todas as pessoas jurdicas respondem pelos atos praticados por meio de seus prepostos e empregados, independentemente de terem ou no fins lucrativos. Por tal motivo, que o novo Cdigo Civil no teve disposio correspondente.

1.5.1. Pessoas jurdicas de Direito Pblico. Histrico de sua Responsabilidade. Fases.

A responsabilidade das pessoas jurdicas de Direito Pblico estudada por nossos administrativistas desde que o Estado se fortaleceu como tal, e assume conotaes diferenciadas desde a Idade Mdia at o presente momento histrico, passando por trs fases principais, a saber:

1. Fase irresponsabilidade do Estado: de ampla aplicao na Idade Mdia, notadamente em perodos monrquicos, previa que se o funcionrio pblico causasse dano a algum, somente ele responderia por esse dano. Essa fase durou, conforme dito, enquanto persistiu a monarquia dos dspotas, enfraquecida pelos ideais da revoluo francesa. Era conhecida por um jargo identificador, qual seja, a expresso The King do not wrong. No Brasil essa fase terminou somente com a edio do Cdigo Civil vigente, em 1916;

2. Fase (prevista no artigo 15 do Cdigo Civil) - fase civilista da responsabilidade civil do Estado: a responsabilidade do Estado passou a ser subjetiva, ou seja, para que o Mquina Pblica fosse responsabilizada pelo dano decorrente de sua ao ou omisso, a vtima precisava provar a culpa aquiliana (lato sensu) do funcionrio;

3. Fase (prevista a partir da Constituio de 1946): a responsabilidade do Estado foi regulamentada no texto constitucional, notadamente em razo da criao dos denominados direitos individuais de segunda gerao, passando a ser tratada como matria de Direito Pblico. Nesta fase, denominada fase publicista, a responsabilidade do Estado passou a ser objetiva, ou seja, a vtima no precisa mais se preocupar em provar a culpa do funcionrio, somente devendo provar que sofreu um dano, alm da relao de causalidade entre esse dano e o ato ou omisso de algum funcionrio pblico no exerccio de suas funes, ou pela execuo, ainda que por particulares, de um servio pblico, a exemplo dos concessionrios e permissionrios de servios pblicos.

No Direito Administrativo, surgiram algumas teorias que fizeram com que as Constituies a partir de 1946 acolhessem essa responsabilidade objetiva, tendo como fundamento o fato de que o Estado, na prestao de servios de risco, dever assumir todos os riscos que possam ocorrer no servio pblico. Dessas teorias sobressaram-se duas para justificar a responsabilidade objetiva do Estado:

Teoria do Risco Integral: muito rigorosa para com o Estado. Parte do princpio de que o Estado teria assumido integralmente todos os riscos dos danos que os particulares sofressem por conta dos servios pblicos. No admite qualquer escusa por parte do Estado, nem mesmo a alegao de caso fortuito ou fora maior. Por essa rigidez, ela no foi acolhida pelo sistema jurdico brasileiro, ao menos em regra. Registra-se que, para determinada parcela da doutrina, essa modalidade de risco adotada pelo ordenamento para fins de responsabilizao do Estado, decorrente de atividades nucleares por este praticadas, em razo de sua notria periculosidade.

Teoria do Risco Administrativo: consiste em responsabilizar objetivamente o Estado, todavia, com a permisso de que o Estado afaste totalmente a sua responsabilidade, caso consiga com xito provar a culpa exclusiva da vtima, ou ainda a ocorrncia de caso fortuito ou fora maior. Desse modo, tal teoria tem a excelente tcnica de inverso do nus da prova, determinando a presuno relativa de ser o Estado culpado, todavia, permitindo que este prove a ocorrncia de uma das excludentes anteriormente expostas. Assim, a ttulo de exemplo, a inexistncia de testemunhas em favor do Estado o prejudica, tendo em vista que ser ele quem dever provar eventual culpa da vtima ou casos fortuitos.

O Estado responde objetivamente, de acordo com a maioria da doutrina ptria, no s por ao, mas tambm por omisso. Registra-se, em relao a esse tema, opinio em contrrio do doutrinador Celso Antonio Bandeira de Melo, para quem os atos omissivos da administrao dependem da demonstrao de culpa, pelo lesado, para que se possibilite a indenizao. Por fim, em casos de culpa concorrente da vtima, a indenizao ser reduzida pela metade.

A Constituio Federal de 1988 trata da responsabilidade do Estado no artigo 37, 6., trazendo duas inovaes em relao s Constituies anteriores:

a substituio da palavra funcionrio por agente, tendo em vista ser a expresso agente, mais ampla;

estendeu a responsabilidade objetiva s pessoas jurdicas de Direito Privado prestadoras de servio pblico, ou seja, as concessionrias e as permissionrias de servio pblico tambm tero responsabilidade objetiva, a exemplo das empresas de recolhimento de lixo, de administrao de pedgios etc.

O artigo 37, 6., da Constituio permite que o Estado mova uma ao regressiva contra o funcionrio, ou seja, se o Estado vier a ser condenado por culpa de seu funcionrio, ter direito a uma ao regressiva contra este. A responsabilidade do funcionrio nesse caso, entretanto, subjetiva, ou seja, depende de prova, pelo Estado, de culpa na atuao do funcionrio contra o qual se pretende o regresso.

Sempre que algum tiver direito a uma ao regressiva contra outra pessoa, poder utilizar-se da denunciao da lide, de forma a agilizar a indenizao possvel pelo direito de regresso, atendendo assim, ao princpio da economia processual (artigo 70, inciso III, do Cdigo de Processo Civil). Assim, caso o Estado tenha direito ao regressiva contra o funcionrio, poder-se-ia vislumbrar a possibilidade de o Estado denunci-lo da lide quando da apresentao da contestao. A lide principal ser aquela que a vtima move contra o Estado e a lide secundria ser aquela que o Estado requer o regresso ao funcionrio. Nesses casos, o Juiz dever, em uma nica sentena, decidir as duas aes. O juiz, entretanto, poder julgar procedente a lide principal e improcedente a lide secundria, caso o Estado no demonstre a culpa do funcionrio.

Existe uma corrente doutrinria e jurisprudencial que entende no ser possvel denunciar da lide ao funcionrio pblico, em razo da diversidade de formas de responsabilizao, causando conseqentemente um atraso injustificado da lide principal, em que o lesionado requer indenizao estatal. Assim, nesses casos, a denunciao da lide deveria ser indeferida, tendo em vista que a responsabilidade do Estado objetiva e a do funcionrio subjetiva, havendo necessidade de demonstrao de culpa. Essa mesma corrente tambm alega que no haveria sentido a denunciao da lide, tendo em vista o antagonismo, ou seja, o Estado contestar alegando culpa exclusiva da vtima e denunciar a lide alegando que a culpa foi de seu funcionrio.

possvel que a vtima mova uma ao contra o funcionrio e no contra o Estado. A vantagem que a execuo seria mais rpida, no entanto a vtima teria que demonstrar a culpa, tendo em vista que a responsabilidade do funcionrio subjetiva, alm de arcar com os riscos da insolvncia do agente causador do dano.

2. DOS BENS2.1. Conceito

Considera-se bem tudo aquilo que existe no universo e que til ao homem. H uma distino entre bem e coisa. Bem gnero e coisa espcie. Somente so chamados de coisa aqueles bens que podem ser apreendidos pelo homem (bens corpreos) e que tm valor econmico. Registra-se na doutrina divergncia a respeito da conceituao de bem e coisa. Assim, Slvio Rodrigues, diversamente da maioria, entende coisa como gnero, e bem como espcie.

H uma classificao que no consta do Cdigo Civil, mas que adotada pela doutrina, porque trazida desde o Direito Romano: bens corpreos e bens incorpreos. Bens corpreos so os que tm existncia material, a exemplo de uma cadeira, de um livro etc. Bens incorpreos so os que tm existncia abstrata somente, a exemplo de crditos, direitos de autor, direito sucesso aberta etc. Existem algumas expresses sobre os bens que eram utilizadas no Direito Romano e passaram a ser utilizadas at hoje:

res nullis ( a coisa de ningum, que existe no universo, mas no pertence a ningum, como peixes e animais selvagens);

res derelicta ( a coisa abandonada, que j pertenceu a algum e foi abandonada).

O patrimnio das pessoas formado por bens corpreos e bens incorpreos. A classificao do Cdigo Civil uma classificao cientfica que agrupa os bens por sua natureza.

2.2. Classificao dos Bens

2.2.1. Dos bens considerados em si mesmosO cdigo classifica os bens, em primeiro lugar por si mesmos, no os comparando ou ligando com nenhum outro. Na classificao de bens mveis e bens imveis, a inteno do homem deve ser considerada. Exemplo: se o indivduo planta uma rvore para corte, esta chamada de bem mvel por antecipao.

a) Bens imveis

So os que no podem ser transportados sem destruio de um lugar para outro. No artigos 79 e 80, o Cdigo Civil classifica os bens imveis em:

Bens imveis por natureza: preliminarmente, consideram-se bens imveis por natureza o solo e seus acessrios e adjacncias, ou seja, tudo aquilo que adere ao solo naturalmente, a exemplo das rvores, frutos e subsolo. Alguns autores entendem que deveria ser bem imvel por natureza somente o solo; acessrios e adjacncias deveriam ser chamados bens imveis por acesso natural.

Bens imveis por acesso industrial (artificial): definido como tudo aquilo que resulta do trabalho do homem, tornando-se permanentemente incorporado ao solo. So as construes e as plantaes.

Bens imveis por acesso intelectual (por destinao do proprietrio): a lei considera bem imvel por acesso intelectual aqueles bens mveis que aderem a um bem imvel pela vontade do dono, para dar maior utilidade ao imvel ou at mesmo para o seu embelezamento, aformoseamento, a exemplo de um trator comprado para melhor utilizao em uma fazenda, pois, enquanto o trator estiver a servio da fazenda, ser considerado como bem imvel por acesso intelectual. So aqueles bens mveis incorporados ao bem imvel pela vontade do dono. Assim como o proprietrio imobilizou o bem mvel, ele poder, conseqentemente, mobiliz-lo novamente quando no for utiliz-lo mais para aquilo a que se destinava.

Bens imveis por determinao legal: so determinados bens que somente so imveis porque o legislador resolveu enquadr-los como tal, para que se possibilite, em regra, maior segurana jurdica nas relaes que os envolvam. Podemos citar o direito sucesso aberta, ainda que o acervo seja composto nica e exclusivamente de bens mveis; os direitos reais sobre imveis e as aes que o asseguram; as aplices da dvida pblica, quando oneradas com clusula de inalienabilidade.

b) Bens mveis

Determina o artigo 82 do Cdigo serem bens mveis os bens suscetveis de movimento prprio, ou de remoo por fora alheia. Podem ser classificados da seguinte maneira:

Bens mveis por natureza: so bens mveis por natureza no s aqueles que tm movimento prprio, como tambm aqueles que no tm movimento prprio. Subdividem-se em bens mveis propriamente ditos (aqueles que no tm movimento prprio) e bens semoventes (aqueles que tm movimento prprio).

Bens mveis por antecipao: aqueles bens imveis que tm uma finalidade ltima como mvel. Assim, mesmo temporariamente imveis no perdem o carter de bem mvel, em razo de sua finalidade, a exemplo das rvores plantadas para corte.

Bens mveis por determinao legal: so alguns bens que a lei considera mveis por determinao legal, e conseqentemente, aplicando as disposies sobre bens mveis nas relaes que os envolvam. So eles: Os direitos reais sobre objetos mveis e respectivas aes; os direitos de obrigao, e respectivas aes; alm dos direitos do autor.

A lei permite, por exceo, que navios e avies, que so bens mveis, sejam dados em hipoteca, todavia, sem perder a caracterstica de bens mveis.

c) Bens fungveis e bens infungveis

O artigo 85 do Cdigo Civil aplica essa classificao apenas aos bens mveis. So bens fungveis aqueles bens mveis que podem ser substitudos por outros da mesma espcie, natureza e qualidade. Com efeito, certos bens so infungveis porque possuem caractersticas especiais que os tornam distintos de outros da mesma espcie e qualidade, no permitindo, destarte, a sua substituio.

Registra-se que, de acordo com as lies do eminente Prof. Carlos Roberto Gonalves, excepcionalmente, bens imveis podem ser considerados bens fungveis, a exemplo de vrias pessoas proprietrias, em condomnio, de um conjunto de lotes ainda no divididos, ocasio em que cada um proprietrio de um nmero determinado de lotes, fungveis, posto que ainda no identificados os seus proprietrios.

A fungilibilidade ou a infungibilidade, podem decorrer tambm da vontade das partes, a exemplo de bens fungveis emprestados para ornamentao e posterior devoluo, a que a doutrina d o nome de comodatum ad pompam vel ostentationem.

d) Bens consumveis e bens inconsumveis

O artigo 86 considera consumveis os bens mveis cuja utilizao acarreta a destruio da sua substncia, a exemplo dos alimentos, e os destinados alienao, como um livro, um disco, ou demais bens expostos para venda. Assim, h bens consumveis de fato, ou materialmente consumveis, como os alimentos em geral, e h bens consumveis de direito, juridicamente consumveis, como veculos, aparelhos eltricos colocados venda etc.

O usufruto somente recai sobre os bens inconsumveis, entretanto o artigo 1392, 1., do Cdigo Civil admite que o usufruto recaia sobre bens consumveis, recebendo a denominao "usufruto imprprio", ou "quase-usufruto".

e) Bens divisveis e bens indivisveis (artigo 87 do Cdigo Civil)

So divisveis as coisas que podem ser partidas em pores distintas, formando, cada poro, um todo perfeito. Assim, o bem divisvel quando cada poro continua com as caractersticas do todo.

A indivisibilidade pode resultar da natureza, da lei e da vontade das partes:

Bem indivisvel por natureza: aquele que, se for dividido, perde a caracterstica do todo, a exemplo de um animal.

Bem indivisvel por lei: existem alguns bens que por natureza talvez