a exclusão de sócios na sociedade limitada de acordo com o código civil de 2002

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  DANIEL DE AVILA VIO A EXCLUSÃO DE SÓCIOS NA SOCIEDADE LIMITADA DE ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL DE 2002 Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito Comercial. FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO São Paulo 2008

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A Exclusão de Sócios Na Sociedade Limitada de Acordo Com o Código Civil de 2002

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  • DANIEL DE AVILA VIO

    A EXCLUSO DE SCIOS

    NA SOCIEDADE LIMITADA

    DE ACORDO COM O CDIGO CIVIL DE 2002

    Dissertao apresentada Faculdade de

    Direito da Universidade de So Paulo, sob a

    orientao do Prof. Dr. Haroldo Malheiros

    Duclerc Verosa, como requisito parcial para a

    obteno do ttulo de Mestre em Direito

    Comercial.

    FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    So Paulo

    2008

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Professor Haroldo Malheiros Duclerc Verosa pela oportunidade e pela valiosa

    orientao. Aos Professores Marcos Paulo de Almeida Salles e Francisco Satiro de Souza

    Junior pelo precioso debate durante o exame de qualificao. Aos meus colegas tantos,

    mas em especial Daniel, Joana e Juliana , pelo inestimvel apoio.

    A meus pais, minha irm e Anna, por tudo.

  • NDICE ANALTICO

    INTRODUO....................................................................................................................3 1. HISTRICO E DIREITO ESTRANGEIRO........................................................8 1.1. Perodo Romano e Medieval .............................................................................8 1.2. A Positivao do Instituto ...............................................................................12 1.2.1. Alemanha e ustria ........................................................................................12 1.2.2. Frana..............................................................................................................15 1.2.3. Espanha...........................................................................................................18 1.2.4. Itlia ................................................................................................................20 1.2.5. Portugal...........................................................................................................29 1.2.6. Common Law ..................................................................................................31 1.3. Desenvolvimento do Instituto no Brasil .........................................................34 2. FUNDAMENTO TELEOLGICO DA EXCLUSO DE SCIO...................50 2.1. A Excluso de Pleno Direito............................................................................51 2.1.1. A Liquidao da Quota em Funo de Dvida Particular do Scio ................51 2.1.2. A Excluso do Scio Falido............................................................................62 2.2. A Excluso Facultativa ....................................................................................68 2.2.1. Excluso e Preservao da Empresa...............................................................68 2.2.2. Excluso de Scio e Propenso a Investir ......................................................72 2.2.3. O Sentido da Excluso Extrajudicial de Scio ...............................................75 3. FUNDAMENTO DOGMTICO .........................................................................80 3.1. Disciplina Legal Taxativa................................................................................80 3.2. Poder Corporativo Disciplinar .......................................................................83 3.3. Resoluo do Contrato por Inadimplemento ................................................86 3.4. Inadequao da Unicidade de Fundamento Dogmtico...............................91 4. A SOCIEDADE LIMITADA NO CDIGO CIVIL DE 2002 ...........................95 4.1. Nota Crtica ao Cdigo Civil de 2002 em Matria de Sociedades ...............95 4.2. Normas Aplicveis Sociedade Limitada ...................................................102 4.3. A Sociedade Limitada entre as Sociedades de Pessoas e de Capitais........112 5. AS CAUSAS DE EXCLUSO............................................................................118 5.1. Crtica Doutrina do Rompimento da Affectio Societatis .........................127 5.2. Violao do Dever de Colaborao ..............................................................137 5.2.1. No Integralizao da Quota Social..............................................................138

  • 5.2.2. Incapacidade Superveniente e no Prestao de Servio..............................141 5.3. Violao do Dever de Lealdade ....................................................................146 6. O PROCEDIMENTO DE EXCLUSO ............................................................151 6.1. A Excluso de Pleno Direito..........................................................................151 6.2. A Excluso Facultativa ..................................................................................155 6.2.1. Titularidade do Direito Material de Excluso e Legitimidade Ativa............155 6.2.2. Prazo para a Excluso e para a Reao Excluso ......................................159 6.2.3. Excluso Judicial ..........................................................................................163 6.2.4. Excluso Extrajudicial ..................................................................................166 6.2.4.1. Previso Contratual Expressa ....................................................................167 6.2.4.2. Reunio e Assemblia de Excluso e Defesa do Excluendo..................172 7. ASPECTOS CONTROVERSOS DA EXCLUSO DE SCIO .....................184 7.1. A Clusula de Vedao da Excluso de Scio .............................................184 7.2. A Excluso do Scio Administrador ............................................................188 7.3. Excluso em Sociedade com Dois Scios......................................................190 7.4. A Excluso do Scio Majoritrio..................................................................195 7.5. Excluso de Scio na Sociedade em Liquidao .........................................197 8. EFEITOS DA EXCLUSO DE SCIO............................................................202 8.1. O Momento da Excluso ...............................................................................202 8.2. Apurao dos Haveres e Destino das Quotas do Excludo.........................206 8.3. Responsabilidade Residual do Scio Excludo ............................................211 8.4. Modificao da Firma Social ........................................................................212 CONSIDERAES CONCLUSIVAS ..........................................................................215 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................219 RESUMO ..........................................................................................................................228

  • 3

    INTRODUO O presente estudo tem por objetivo analisar a atual disciplina do instituto da excluso de

    scios no Direito brasileiro, tomando em considerao o impacto da promulgao do

    Cdigo Civil de 2002 (Lei Federal n 10.406/02).

    A primeira e necessria delimitao do tema investigado decorre do prprio conceito de

    excluso, entendido para os fins do trabalho como a perda da qualidade de scio

    contrariamente vontade do prprio quotista, ou a prescindir desta ltima. Dessa maneira,

    afastam-se do escopo da anlise hipteses como, por exemplo, a morte do scio na qual

    este, obviamente, j no mais existe como centro de imputao de direitos e obrigaes ou

    titular de vontade ou o seu afastamento em funo de exerccio de opo de compra.

    Neste ltimo caso, ainda que exista oposio no momento de concretizao da venda, h

    uma manifestao de vontade anterior que impede a caracterizao do negcio como

    excluso.

    Alm disso, tambm fogem ao foco principal da presente investigao as hipteses em que

    a perda compulsria da qualidade de scio o resultado de foras externas e estranhas

    sociedade. Pode-se citar, por exemplo, a hiptese em que as autoridades de defesa da

    concorrncia determinem a venda obrigatria da participao em determinada sociedade,

    como condio aprovao de uma operao de fuso. Uma outra possibilidade de tal

    gnero a expropriao pelo Estado de quotas ou aes em funo de questo de interesse

    pblico.

    O instituto da excluso de scio, tal qual abordado na presente anlise, figura tpica do

    Direito Privado e, no mbito deste, interessa ao Direito Societrio. Nesse sentido, um dos

    objetivos do trabalho ser justamente o de sublinhar as diferenas estruturais entre os casos

    de excluso de pleno direito, novidade introduzida no ordenamento brasileiro por

    inspirao da lei italiana, e a excluso facultativa, tradicional objeto de anlise da doutrina

    brasileira.

    Um outro importante fator de restrio do escopo da pesquisa o tipo societrio objeto do

    estudo. A anlise concentra-se exclusivamente nas sociedades limitadas, conforme

    disciplinadas no Cdigo Civil de 2002, e as referncias a outras espcies de sociedade ou

  • 4

    s associaes so feitas apenas para fins de comparao, analogia e suporte ao trabalho

    principal.

    Por fim, o terceiro elemento de delimitao do tema temporal, na medida em que o cerne

    da pesquisa a disciplina contempornea da matria. Isso no significa que a anlise

    histrica no seja relevante. Em razo da construo predominantemente doutrinria e

    jurisprudencial do instituto da excluso de scios no Brasil, pode-se afirmar que a

    investigao histrica possui importncia redobrada. Um dos propsitos do trabalho

    inclusive apontar como a doutrina da dissoluo parcial continua a ecoar em nossos

    tribunais, com reflexos negativos, a despeito da promulgao de novas normas societrias

    que com todos os seus inegveis defeitos despiram tal tese de sentido, uma vez que

    eliminaram disposies individualistas do Cdigo Comercial de 1850, as quais

    determinavam a dissoluo (total ou strictu sensu) da sociedade em razo de causas

    atinentes pessoa de um dos scios.

    Com efeito, o trabalho se inicia com um sucinto exame do tratamento normativo atribudo

    excluso de scios no Direito estrangeiro, para sucessivamente se debruar sobre o longo

    percurso de incorporao do instituto no Direito ptrio. De qualquer modo, importante

    sublinhar que o levantamento histrico possui carter meramente ancilar, servindo apenas

    para contextualizao e suporte da discusso da disciplina contempornea do instituto.

    No que diz respeito s justificativas para a escolha do tema, possvel identificar inmeras

    razes aptas a confirmar sua relevncia e sua atualidade. A excluso de scio possui

    enorme importncia, tanto sob uma perspectiva estritamente conceitual e terica, quanto

    em termos prticos e sob um ponto de vista scio-econmico.

    Sob a tica dogmtica e conceitual, j dizia Arturo Dalmartello, autor de uma das mais

    importantes obras sobre tema, que a excluso representa uma lente de aumento que permite

    avaliar detalhadamente todos os aspectos e contornos do fenmeno societrio1. Com efeito,

    a excluso uma questo transversal a todo o Direito Societrio. O estudo de tal instituto

    impe uma investigao da prpria natureza dogmtica do conceito de sociedade, das

    1 Listituto dellesclusione fornisce, per cos dire, la lente dingrandimento che rivela, in ogni suo contorno e in ogni suo dettaglio la vera essenza giuridica della collaborazione sociale. in A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 161.

  • 5

    correlaes entre empresa e sociedade, das diferenas estruturais entre os diversos tipos

    societrios e das obrigaes atribuveis aos scios em cada um deles.

    A esse respeito, importante mencionar que se adota como premissa para o estudo a

    natureza contratual das sociedades, com plena adeso tese do contrato plurilateral

    tambm dito associativo ou de comunho de escopo , consolidada pelo ilustre e saudoso

    Professor Tullio Ascarelli2. Em tal mbito, o instituto desponta, de fato, como um elemento

    de reafirmao da especialidade e autonomia da categoria dos contratos plurilaterais, na

    medida em que, como se argumenta a seguir, representa uma forma peculiar de incidncia

    do preceito da resoluo dos contratos por inadimplemento, antes tido como

    exclusivamente aplicvel aos contratos bilaterais. Os Captulos 2 e 3 do estudo so

    dedicados justamente investigao do sentido e da natureza jurdica do instituto da

    excluso de scios.

    Alm de sua relevncia estritamente conceitual, convm recordar que, em termos scio-

    econmicos, a grande difuso das sociedades limitadas no Brasil faz com que todas as

    questes que possuam um relevante impacto sobre a sua estabilidade e preservao

    categoria na qual o instituto da excluso inequivocamente se enquadra tenham

    igualmente uma grande importncia para a realidade das atividades econmicas no pas.

    Com efeito, levantamento do Departamento Nacional de Registro Comrcio DNRC

    indica que entre o perodo de 1985 a 2003, as sociedades limitadas (ento regidas pelo

    Decreto 3.708/19) representaram mais de 99,9% das sociedades constitudas no Brasil3.

    A defesa da atualidade de um tema objeto de pesquisa jurdica, por outro lado, requer a

    percepo de que o debate doutrinrio que o cerca no se encontra totalmente esgotado,

    que as opinies dos estudiosos no foram definitivamente decantadas pela jurisprudncia,

    existindo ainda dvidas a serem dirimidas, posies discordantes e questes em aberto.

    Tambm sob esse aspecto, uma investigao dedicada ao instituto da excluso de scios

    revela-se mais do que justificada. No Brasil, o debate em torno dos aspectos polmicos do

    mecanismo da excluso nunca foi definitivamente superado. Mesmo s vsperas da

    2 T. ASCARELLI, O Contrato Plurilateral, p. 256. 3 De acordo com as estatsticas divulgadas pelo Departamento Nacional de Registro do Comrcio DNRC, no perodo compreendido entre 1985 e 2003 foram constitudas no pas 4.300.257 sociedades limitadas, 20.080 sociedades annimas e apenas 4.534 sociedades classificadas sobre a rubrica outros tipos, que exclui as sociedades cooperativas (www.dnrc.gov.br).

  • 6

    promulgao do Cdigo Civil de 2002, nossos tribunais produziam decises contraditrias

    e a doutrina se debatia em relao a questes como a necessidade de justa causa (e o seu

    contedo) e a possibilidade de excluso extrajudicial na presena de clusula restritiva de

    deliberao majoritria.

    Com a promulgao do novo diploma, entretanto, multiplicam-se as questes que exigem

    interpretao e anlise. O Cdigo Civil de 2002, com efeito, introduz em nosso

    ordenamento o primeiro tratamento minimamente pormenorizado e sistemtico do regime

    da excluso de scios, antes relegado a normas relativas ao Registro do Comrcio, que

    apenas tangenciavam a matria. Ao faz-lo, contudo, o novo diploma valeu-se de um

    intrincado e confuso sistema de remisses. Nesse sentido, natural e inevitvel que

    proliferem opinies divergentes na doutrina sobre os mais variados aspectos da nova

    norma, fato que por si j tornaria o tema da excluso merecedor de uma anlise mais

    detida.

    por essa razo que o Captulo 4 do presente trabalho dedica-se a traar um breve

    panorama das novas normas societrias introduzidas pelo Cdigo Civil de 2002, avaliando-

    as criticamente. O foco principal de tal passagem do estudo reconstruir o perfil elementar

    da atual sociedade limitada, o qual, no sem grande esforo hermenutico, emerge da

    confusa e intrincada rede de remisses normativas e referncias estabelecida pelo novo

    diploma.

    Tendo j apontado as diferenas estruturais entre as hipteses de excluso de pleno direito

    e excluso facultativa e eleito a tese da resoluo contratual como fundamento deste ltimo

    instituto, o passo seguinte evidentemente examinar os deveres atribudos ou atribuveis

    aos quotistas, nos termos da lei ou consoante o contrato social, cujo inadimplemento

    poderia ensejar a aplicao da expulso de scio. Desse modo, o Captulo 5 destina-se

    anlise das principais causas de excluso.

    No Captulo 6, trata-se dos procedimentos de excluso, identificando trs vias principais

    estabelecidas, ainda que nebulosamente, pelo Cdigo Civil de 2002: a excluso de pleno

    direito, a excluso judicial e a excluso extrajudicial estas duas ltimas, formas de

    excluso facultativa. Enfrentam-se, no Captulo 7, algumas questes particularmente

    controversas em matria de excluso, tal como a excluso em sociedade com dois scios.

  • 7

    O Captulo 8 aborda, enfim, as principais conseqncias decorrentes da efetivao da

    expulso de um quotista, sem contudo aprofundar-se nos detalhes da questo da apurao

    de haveres.

    Em relao s fontes doutrinrias consultadas, de se apontar o nmero relativamente

    pequeno de monografias, publicadas no Brasil, dedicadas especificamente excluso de

    scios, o qual no parece estar altura da relevncia do tema. Convm recordar que a

    interpretao prevalente do artigo 18, do revogado Decreto 3.708/19, tornou aplicvel

    antiga sociedade por quotas a maior parte dos institutos tpicos das sociedades annimas.

    Este fato, somado ao prprio laconismo do Decreto 3.708/19, permitia a transposio

    quase direta s sociedades por quotas da maior parte das concluses obtidas no mbito das

    sociedades annimas e compeliu os doutrinadores a se dedicarem quase exclusivamente a

    estas ltimas, a despeito da maior difuso do primeiro tipo societrio. Assim, determinados

    temas, como a prpria questo da excluso de scios, tornaram-se em certa medida

    rfos da devida ateno dos estudiosos, os quais acabaram dedicando-se com maior

    nfase a temas que eram, concomitantemente, relevantes tanto para a sociedade annima

    quanto para a antiga sociedade por quotas, tal como o direito de recesso.

    No que diz respeito ao exame do Direito estrangeiro e, em particular, anlise de Direito

    Comparado, merecem destaque sem dvida alguma a jurisprudncia e a doutrina italianas.

    Tal ateno especial se justifica pelo papel pioneiro exercido pelos juristas italianos nesta

    matria, mesmo antes da promulgao do Cdigo Civil de 1942, mas tambm pela

    inegvel inspirao de tal diploma na elaborao das normas societrias do Cdigo Civil

    Brasileiro de 2002. De qualquer forma, ocorre assinalar que, enquanto a anlise

    panormica do Direito estrangeiro foi sobreposta ao levantamento histrico, no Captulo 1,

    o trabalho no contm um captulo dedicado especificamente investigao de Direito

    Comparado. Esta ltima est disseminada nas demais passagens do estudo, mas apenas

    pontualmente, em suporte a anlise do prprio ordenamento brasileiro.

  • 8

    1. HISTRICO E DIREITO ESTRANGEIRO

    Nem os Romanos tivero commercio qual oje se

    pratica, e usa, e entende, e conhece, nem o commercio

    doje ja o commercio do seculo passado.

    Jos Ferreira Borges, Londres, 18301 1.1. Perodo Romano e Medieval

    O objetivo essencial do instituto da excluso de scios conciliar uma mudana no quadro

    de scios com a sobrevivncia e permanncia da sociedade, enquanto centro de imputao

    de direitos e obrigaes. este dado elementar que liga umbilicalmente, tanto em termos

    de fundamentos dogmticos, quanto no que tange o seu desenvolvimento histrico, a

    excluso de scios a outras hipteses de resoluo do vnculo social limitadamente a um

    dos scios, tais como o recesso, a retirada unilateral de scio ou a substituio de scio

    falecido.

    A despeito da ampla naturalidade com a qual tais conceitos so aceitos na atualidade, a

    preservao da sociedade ante uma alterao na composio do quadro de scios encerrou

    uma profunda transformao e uma verdadeira ruptura em relao aos paradigmas

    clssicos que orientaram os caminhos do Direito Societrio durante sculos e, mesmo hoje,

    ainda fazem sentir seu peso. Com efeito, sob influncia direta do Direito Romano,

    defendeu-se por geraes a idia de que a retirada de qualquer scio, a qualquer ttulo e por

    menor que fosse a sua participao proporcional, acarretaria inelutavelmente o fim da

    respectiva sociedade2.

    Em Roma, a societas possua uma natureza personalssima e a ela aplicavam-se os cnones

    gerais do direito contratual daquele perodo (o qual era estranho noo de contrato

    plurilateral ou associativo). Como conseqncia, enquanto modificao de um dos dados

    elementares da avena, o afastamento de uma das partes seja por morte, ausncia,

    1 J. BORGES, Jurisprudencia do Contracto-Mercantil, e Arestos dos Codigos e Tribunais das Naes mais Cultas da Europa, p. VIII. 2 M. PERRINO, Le Tecniche di Esclusione del Socio dalla Societ, p. 60. H. ESTRELLA, Apurao dos Haveres de Scio, p. 25.

  • 9

    incapacidade superveniente ou simples ato (discricionrio) de vontade tinha como

    resultado inevitvel a dissoluo completa de todo o respectivo arranjo contratual3. A

    continuao das mesmas atividades pelos scios remanescentes era sempre vista como a

    formao de um contrato de sociedade absolutamente novo e no como sobrevivncia do

    contrato original.

    Foi apenas no perodo de Justiniano que se admitiu algum temperamento ao rigor de tal

    postulado, com o reconhecimento da possibilidade de continuao de uma sociedade em

    caso de acordo entre os herdeiros do scio falecido (que assumiriam seus direitos e

    obrigaes) e os scios suprstites4.

    Assim, os estudiosos da matria afirmam que o Direito Romano no teria conhecido sequer

    formas preliminares do instituto da excluso de scio, em nenhuma de suas fases5. Isso no

    significa, naturalmente, que a tradio romana no tenha exercido um relevante papel no

    desenvolvimento da excluso de scio. Ocorre, entretanto, que tal influncia foi

    essencialmente negativa e conservadora, quase que invariavelmente colocando-se como

    um obstculo admisso doutrinria de solues de cunho prtico, forjadas no quotidiano

    da atividade comercial (entre as quais a excluso de scio).

    De fato, toda a histria da excluso de scios marcada por um permanente embate entre,

    de um lado, a viso formalista e conservadora, que propugnava pelo trmino da sociedade

    como conseqncia lgica e necessria do afastamento de qualquer dos scios, e, do outro

    lado, um entendimento pragmtico, com origem predominantemente na prtica contratual

    quotidiana dos mercadores e em sua jurisprudncia corporativa, as quais atentavam mais

    soluo de dificuldades concretas do que reverncia aos preceitos clssicos.

    3 Se cierra de esta manera el paso a toda possibilidad de salida o, incluso, sustitucin de un socio de la sociedad, con la consequencia de que sta permanezca subsistiendo entre los restantes. in R. VILLAVERDE, La Exclusion de Socios Causas Legales, p. 30. 4 Lunico temperamento che il tardo diritto romano port al rigore di questa disciplina [dissoluo da sociedade por questes particulares a um dos scios], quello daver riconosciuto la validit dei patti di non scioglimento pel caso di morte del socio. in A. DALMARTELLO, LEsclusione del Socio dalle Societ Commerciali, p. 7. No mesmo sentido, R. VILLAVERDE, La Exclusion de Socios Causas Legales, p. 31. 5 Listituto della esclusione dei soci non ha traccia nel diritto privato romano, in A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 2.

  • 10

    Inicialmente, em um tempo em que as sociedades no possuam personalidade jurdica

    prpria e, sequer, formas preliminares de autonomia patrimonial, a aplicao dos preceitos

    clssicos romanos no representaria uma dificuldade insupervel. Com efeito, se a

    existncia de uma determinada sociedade projeta efeitos predominantemente na esfera

    patrimonial interna do prprio grupo de scios (tal como a moderna sociedade em conta de

    participao), o seu trmino e sua substituio por outra sociedade representam uma

    operao no sujeita a maiores dificuldades, extremamente prxima a um simples acerto de

    contas.

    Tratava-se, efetivamente, de uma operao com conseqncias lgicas e formais mais

    vistosas do que seus desdobramentos concretos e materiais; uma questo mais relevante e

    interessante para o jurista do que para o comerciante. Em tal hiptese, o recurso ao

    arcabouo terico e normativo aplicvel aos contratos bilaterais o qual determina o

    trmino do vnculo em funo da perda de um de seus elementos essenciais: (in casu) uma

    das partes no traria inconvenientes especialmente graves.

    Entretanto, na medida em que se intensifica a projeo dos efeitos externos da sociedade

    (projeo esta que seria eventualmente consagrada com a atribuio de personalidade

    jurdica prpria e autonomia patrimonial perfeita), a necessria extino do ente societrio

    em funo de qualquer alterao em seu quadro de scios se demonstra uma resposta cada

    vez mais indesejada e problemtica.

    Neste segundo cenrio, o trmino da sociedade deixa de ser uma mera questo de

    reorganizao de vnculos internos entre os scios remanescentes, um simples acerto de

    contas entre particulares, mas passa a afetar as relaes da sociedade com seus clientes,

    parceiros e credores. Com efeito, a sociedade personalizada age e comparece no mercado

    em nome prprio, obrigando e vinculando seu patrimnio exclusivo, distinto daquele dos

    scios, ainda que existam hipteses de comunicao entre ambas as esferas. Desse modo,

    as relaes com terceiros se formam diretamente com a prpria sociedade e no, como

    ocorria anteriormente, com um dos scios, que age em nome e no lugar da coletividade de

    conscios, amparando-se em uma comunho especial de bens inter partes.

    Em tal novo cenrio, a imposio do trmino da sociedade e sua substituio por outra tm

    como resultado a extino de um ente ativo, cuja prpria presena no mercado possui um

  • 11

    valor econmico a ser tutelado pelo Direito. A principal conseqncia, portanto, que a

    sobrevivncia e a permanncia do revestimento jurdico ou, melhor, ente titular da empresa

    coletiva a sociedade passaram a influir na continuidade e sucesso da atividade

    desenvolvida a empresa propriamente dita.

    A estreita vinculao entre a atividade empresarial e os efeitos nocivos da extino da

    sociedade somada ao espao propcio que o ordenamento corporativo dos mercadores

    oferecia para a atividade criadora e pragmtica de novos institutos jurdicos, margem e

    muitas vezes em coliso com os postulados clssicos explica a razo pela qual o

    desenvolvimento do instituto da excluso de scios ocorreu quase que exclusivamente no

    mbito da sociedade comercial. Na maioria dos ordenamentos, no se reconheceu

    expressamente a possibilidade de excluso de scios no mbito da sociedade civil salvo

    por emprstimo e transposio do Direito Comercial , sendo possvel citar como exemplo

    a prpria experincia brasileira anterior vigncia do Cdigo Civil de 2002.

    No perodo medieval, por outro lado, j no era tanto o peso da herana romanstica que

    impedia a aceitao do remdio da excluso, mas o escopo e uso das sociedades que no

    eram com ele de todo compatveis, no favorecendo a sua aplicao ou desenvolvimento.

    As sociedades em tal perodo eram, efetivamente, ou a continuao econmica de vnculos

    familiares tais como as embrionrias sociedades em nome coletivo , ou ento, estruturas

    destinadas a camuflar sob as vestes de lucro a vedada usura ou simplesmente encobrir o

    exerccio da atividade comercial por parte daqueles para quem esta era vedada ou tida

    como indigna caso das primeiras sociedades em comandita6.

    Na primeira hiptese, estavam marcadas por forte vnculo pessoal entre os scios7,

    enquanto na segunda os vnculos entre o comerciante que assumia a frente do negcio e o

    membro do clero ou da nobreza que figurava como capitalista oculto poderiam ser

    desfeitos de acordo com as regras aplicveis aos contratos bilaterais.

    Os primeiros passos em favor da explcita e irrestrita aceitao do instituto da excluso de

    scios foram tomados no universo do Direito Comercial germnico, ao final do perodo

    medieval, primeiramente em mbito contratual, mas com subseqente chancela da

    6 F. GALGANO, Lex Mercatoria, p. 44. 7 A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 5-6.

  • 12

    jurisprudncia. Dalmartello afirma que o pioneirismo germnico nesse campo se deve

    viso menos rgida e cristalizada dos cnones do Direito Romano que ento prevalecia

    naquela regio8.

    1.2. A Positivao do Instituto

    1.2.1. Alemanha e ustria

    No perodo de consolidao dos estados nacionais europeus, institutos jurdicos como a

    excluso de scio, nascidos no seio do direito corporativo mercantil, foram absorvidos pelo

    ordenamento estatal e plasmados por algumas das primeiras codificaes. Nesse sentido,

    os primeiros diplomas a admitirem expressamente o instituto da excluso de scio foram o

    Cdigo Territorial Prussiano (Allgemeines Preuisches Landrecht) de 1794 e o Cdigo

    Civil Austraco de 18119.

    De fato, os pargrafos 273 e 274 da Parte I, Seo VII, Captulo I, do Cdigo Territorial

    Prussiano j estabeleciam a possibilidade de expulso, sempre sob superviso de

    autoridade estatal, dos scios que: (i) intencional e repetidamente agissem de forma

    contrria aos interesses sociais, (ii) atuassem de forma fraudulenta contra a sociedade, (iii)

    fossem condenados criminalmente ou (iv) fossem declarados ausentes10. Na mesma esteira,

    o pargrafo 1.210 do Cdigo Civil Austraco de 1811 admitia expressamente a hiptese de

    excluso de scio nos casos de: (i) inadimplemento de obrigaes essenciais estabelecidas

    no contrato social, (ii) falncia e (iii) quebra de confiana em relao a um dos scios,

    resultante de ao penal por crime doloso que pudesse sujeit-lo a pena superior a um

    ano11.

    8 Un ambiente giuridico del tutto diverso si venne, invece, creando nel moderno diritto germanico, in cui, com noto, gli istituti romanistici non furono accolti in forma rigida e cristallizzata, ma, per ragioni storiche e scientifiche particolari, vennero abbandonati a quella naturale evoluzione che trasforma listituto stesso e lo adatta alle sempre nuove esigenze pratiche. in A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 9. Miguel Reale tambm identifica a origem germnica do instituto, in M. REALE, A excluso de Scio das Sociedades e o Registro do Comrcio, p. 286. 9 M. PERRINO, Le Tecniche di Esclusione del Socio dalla Societ, p. 69. 10 273. Ein Mitglied, welches sich der Erfllung seiner Pflichten beharrlich entzieht, kann noch vor Ablauf der Zeit, oder vor Beendigung des Geschfts, von der Gesellschaft ausgeschlossen werden e 274. Noch mehr ist die Gesellschaft dazu berechtigt, wenn ein Mitglied betrglich gegen dieselbe gehandelt hat, als ein Verbrecher bestraft, oder zur einen Verschwender gerichtlich erklrt worden ist. 11 1210. Wenn ein Mitglied die wesentlichen Bedingungen des Vertrages nicht erfllt; wenn es in Konkurs verfllt; wenn es durch eine oder mehrere gerichtlich strafbare Handlungen, die nur vorstzlich begangen werden knnen und mit mehr als einjhriger Freiheitsstrafe bedroht sind, das Vertrauen verliert; so kann es

  • 13

    Contudo, a positivao inicial do instituto da excluso de scio no marcou a definitiva

    superao da herana formalista e personalista do perodo romano. A melhor ilustrao

    possvel para a resistncia de tais cnones na cultura jurdica europia reside no fato de as

    normas que sucederam a Lei Territorial Prussiana e o Cdigo Civil Austraco serem, quase

    sem exceo, mais conservadoras e restritivas em relao admisso da excluso de scio

    do que aqueles primeiros e inovadores diplomas.

    Nesse sentido, verifica-se que a admissibilidade da excluso nos Cdigos Comerciais

    alemes de 1861 e 189712 no apenas foi enquadrada como subespcie e alternativa

    subsidiria da dissoluo total, negando-se assim a sua qualidade de instituto autnomo13,

    como submetida ao requisito de entendimento unnime dos scios remanescentes. Este

    retrocesso normativo se explica em grande parte pela crescente influncia do movimento

    pandectista, que passou a orientar a formulao de vrias codificaes de tal perodo, em

    prejuzo da simples absoro das normas costumeiras e jurisprudenciais anteriormente

    vigentes.

    Ainda dentro do universo normativo germnico, a lei alem relativa s sociedades de

    responsabilidade limitada (GmbhG), de 20 de abril de 1892, tratou apenas da possibilidade

    de excluso do scio remisso (na forma de caducidade das quotas, conforme previsto no

    pargrafo 21) e da hiptese de resgate ou amortizao de quotas, quando expressamente

    prevista no contrato social (nos termos do pargrafo 34), sem tratar das questes do recesso

    ou da excluso por justa causa. Karsten Schmidt, baseando-se na exposio de motivos da

    referida lei, afirma que a ausncia de referncias s possibilidades de excluso e recesso

    no foi o resultado de desateno ou omisso acidental do legislador alemo, mas reflexo

    do deliberado propsito dos autores do respectivo projeto de lei de no conceder aos scios

    das sociedades limitadas a prerrogativa de unilateralmente romper os vnculos

    societrios14.

    vor Verlauf der Zeit von der Gesellschaft ausgeschlossen werden. Vale notar que o artigo no em questo no fala em efetiva condenao e refere-se apenas a ameaa de aplicao da pena de privao de liberdade, ao que tudo indica em violao do princpio de presuno de inocncia do ru. 12 Pargrafo 140, em combinao com o pargrafo 133. 13 A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 12. 14 Dagegen enthlt das Gesetz keine Vorschriften ber den Austritt von Gesellschaftern. Das ist kein Versehen, sondern gezetzgeberische Absicht. Die Begrndung von 1891 sagt: Den Gesellschaftern kann zwar nicht das Recht eingerumt werden, das Gesellschaftsverhltnis einseitig aufzukndigen und aus der Gesellschaft auszutreten in K. SCHMIDT, Gesellschaftsrecht, p. 797.

  • 14

    Como conseqncia, a confirmao da legitimidade da excluso por justa causa no mbito

    das sociedades limitadas alems ocorreu apenas por via de construo jurisprudencial,

    respeitando essencialmente dois caminhos diversos.

    O primeiro deles consistiu no reconhecimento judicial da validade da clusula de resgate

    explicitamente construda como clusula de excluso. Ou seja, graves violaes dos

    deveres de scio so estipuladas como uma condio suspensiva, cuja verificao enseja o

    nascimento do direito de a sociedade exigir o resgate da participao do scio

    inadimplente15. Em tal hiptese, em regra, deve-se seguir o procedimento para a

    amortizao de quotas, conforme disciplinado na lei alem, mas existem julgados que

    reconheceram a possibilidade de se efetivar a excluso de um scio por meio da compra

    compulsria da respectiva participao societria, desde que com base em expressa

    previso contratual16.

    Mais tardiamente, parte da jurisprudncia passou tambm a admitir, entre as sociedades

    limitadas alems com traos de sociedades de pessoas, a excluso de scios mesmo ante a

    ausncia de clusula expressa de resgate no contrato social17. Em tal caso, contudo,

    aplicam-se rgidos requisitos para a admisso do remdio da expulso, a qual deve se

    configurar como nico e ltimo recurso possvel, prefervel apenas em relao dissoluo

    da sociedade. A excluso deve ser o resultado de falta grave, atinente pessoa do scio,

    capaz de impossibilitar ou prejudicar gravemente a persecuo do objeto social18. Alm

    disso, entende-se que a deliberao de excluso deve ser aprovada por scios detentores de

    ao menos trs quartos do total de votos (no computados os votos do scio a ser excludo,

    nos termos da 4 alnea do pargrafo 47 da GmbhG). Chegou-se a tal critrio por analogia

    ao quorum exigido para a aprovao de alteraes no contrato social19 ou determinao da

    prpria dissoluo da sociedade20.

    15 Der Gesellschaftsvertrag kann also wie geschildert durch eine Einziehungsklausel dafr Sorge tragen, dass ein Gesellschafter, in dessen Person ein wichtiger Grund liegt, aus der GmbH ausgeschlossen werden kann in B. GRUNEWALD, Gesellschaftsrecht, p. 398. 16 K. SCHMIDT, Gesellschaftsrecht, p. 798-799. 17 besteht aber Einigkeit darber, dass auch dann, wenn der Gesellschaftsvertrag keine entsprechende Regelung enthlt, ein Ausschluss mglich ist, wenn in der Person eines Gesellschafter ein wichtiger Grund liegt. in B. GRUNEWALD, Gesellschaftsrecht, p. 398. 18 K. SCHMIDT, Gesellschaftsrecht, p. 799. 19 K. SCHMIDT, Gesellschaftsrecht, p. 800. 20 De acordo com acrdo 173/02 da 2 Cmara Civil do Tribunal Federal Alemo (Bundesgerichtshof BGH II ZR 173/02).

  • 15

    1.2.2. Frana

    Uma dos diplomas legais europeus que mais influenciaram os esforos de codificao de

    outros pases e que se ateve mais fielmente aos cnones do pandectismo em matria de

    excluso , foi o Cdigo Civil Napolenico de 1804. De fato, a legislao francesa

    simplesmente desconsiderou o instituto da excluso de scio e adotou regime praticamente

    anlogo ao vigente nos tempos romanos. Mesmo para o caso da morte de um dos scios, o

    Cdigo Napolenico admitiu a continuao da sociedade somente mediante expressa

    conveno entre os remanescentes e os herdeiros do falecido (artigo 1.868). Ou seja,

    tratou-se meramente de repetir a soluo originalmente formulada pelo direito justinianeu.

    A valorizao do indivduo presente nos ideais revolucionrios, alinhada e somada com os

    cnones herdados do direito romano, fez com que o elemento personalista prevalecesse

    sobre o interesse coletivo de continuidade da sociedade (em prejuzo, conseqentemente,

    da preservao da empresa), nas hipteses de modificao superveniente e involuntria do

    quadro de scios.

    Apenas muitos anos mais tarde, com a promulgao da Lei de 24 de julho de 1867, que

    introduziu no Direito Francs o conceito de sociedade com capital varivel, verificou-se

    um reconhecimento expresso da possibilidade de excluso. Ainda assim, a permisso legal

    se restringiu apenas s prprias sociedades de capital varivel. Estas ltimas no

    representam propriamente um tipo societrio em separado, mas antes uma caracterstica

    com a qual uma sociedade qualquer (artigo 48 da referida lei) pode se revestir por meio de

    expressa estipulao em seu estatuto21, nos termos da permisso legislativa.

    A variabilidade do capital faz com que o ingresso e a sada de scios tenham lugar de

    forma similar ao que ocorre em uma sociedade cooperativa brasileira, dotada de capital

    social. Ao se adotar estatutariamente o princpio da variabilidade, o ingresso de um

    membro implica emisso de uma nova quota e aumento do capital social, enquanto a

    retirada do scio acarreta uma correspondente e automtica reduo do capital. As

    referidas operaes ocorrem sem a necessidade de alterao do contrato social ou expressa

    21 B. CAILLAUD, LExclusion dun Associ dans les Socits, p. 20-21.

  • 16

    aprovao dos demais scios e sem que ocorram quaisquer transaes de compra, venda ou

    cesso de quotas, de forma que o capital social pode variar constantemente.

    Nos termos do artigo 52 da lei de 1867, o estatuto social pode autorizar a assemblia geral

    de uma sociedade com capital varivel a, motivadamente, excluir scios da sociedade22. A

    sociedade de capital varivel representa evidentemente uma estrutura jurdica interessante,

    porm incompatvel com inmeros modelos de negcios e empreendimentos que exigem

    um mnimo de estabilidade do capital e nos quais os scios almejam certo controle sobre a

    circulao das participaes e sobre a identidade e qualidades de seus conscios. Por esta

    razo, trata-se de uma forma jurdica com reduzida aplicao prtica.

    Desse modo, a autorizao expressa para a admisso da excluso de scios no mbito das

    sociedades com capital varivel esteve longe de representar uma soluo definitiva para o

    problema no Direito Francs23; a despeito ser relevante para a construo da doutrina sobre

    o tema, na medida em que indica claramente que o legislador no repudia em absoluto o

    conceito de expulso de scios em si.

    Ante a inexistncia de amparo normativo expresso para a excluso de scios entre as

    sociedades com capital fixo, a doutrina francesa trilhou um caminho muito similar quele

    seguido pelos juristas brasileiros, buscando refgio no princpio da liberdade contratual.

    Defende-se, assim, a idia de que no havendo vedao explcita, no se poderia negar aos

    scios o direito de estipular a possibilidade de excluso por justa causa no contrato

    social24. Este entendimento parece ser compartilhado pela maioria dos autores franceses,

    ainda que no seja de todo pacfico25.

    22 Seules, peu importe leurs forme, les socits qui adoptent la variabilit du capital peuvent prvoir dans leurs status lexclusion de certains associes plus ou moins fautifs. in B. CAILLAUD, LExclusion dun Associ dans les Socits, p. 15. 23 Para um interessante e peculiar lamento sobre a situao geral do instituto da excluso de scios no Direito Francs: Dans les clubs et les associations, il existe des procdures dexclusion lencontre des membres devenus indsirables. Lglise nhsite ps excommunier ceux de se fidles quin et se plient pas sa doctrine. Ltat lui-mme peut retirer sa nationalit un citoyen titre de sanction dans des circonstances exceptionnelles. Peut-on de la mme faon retirer sa qualit de citoyen un associ ? La loi est muette sue ce point. in M. COZIAN, A. VIANDIER, F. DEBOISSY, Manuel Droit de Socits, p. 148. 24 Lorsque les fondateurs dune socit dsirent introduire dans les statuts un texte permettant lexclusion de certains associs dans de cas expressment dsigns, deux questions sont rsoudre : lexclusion est-elle valable et, cette validit admise, en quels termes doit-on rdiger la clause ? [...], le point central du dbat concerne linterprtation du silence du lgislateur ce sujet. Ce mutisme suscite des ractions contradictoires et catgoriques mais, pour notre part, nous estimons quil laisse aux associs le libre choix dans la rdaction de leurs conventions. (sem grifo no original) in B. CAILLAUD, LExclusion dun Associ dans les Socits, p. 239. No mesmo sentido e mais recentemente: Rien ninterdit dinsrer dans les status une clause

  • 17

    Muito mais delicada e problemtica, entretanto, a questo da excluso de scios sem o

    respaldo de clusula estaturia expressa. Bernard Caillaud confirma o entendimento

    essencialmente unnime dos juristas franceses no sentido de negar a pura e simples

    atribuio de tal prerrogativa maioria ou mesmo totalidade dos scios remanescentes,

    fora do amparo de explcita disposio do contrato social26. Ainda assim, restaria aberta

    uma possibilidade de excluso, na forma do recurso ao artigo 1.184 do Cdigo Civil

    Francs, que trata do princpio geral da resoluo contratual por inadimplemento27. De

    forma anloga doutrina brasileira da dissoluo parcial, os scios prejudicados pelo

    inadimplemento de um conscio poderiam solicitar em juzo o trmino no do vnculo

    contratual como um todo, mas apenas limitadamente a este ltimo, tendo em vista as

    caractersticas especficas do contrato de sociedade e a necessidade de preservao da

    empresa.

    Tal possibilidade existiria apenas nas sociedades com claro carter contratual e, mesmo

    entre estas, acarretaria um grave risco para a continuao da sociedade. Com efeito,

    entendem os doutrinadores franceses que, em tal hiptese, sempre caberia ao juiz a

    faculdade de determinar a efetiva dissoluo e liquidao da sociedade, nos termos do

    artigo 1.871 do Cdigo Civil Francs28.

    autorisant lexclusion dun associ si certains vnements nettement prciss lavance vienent se raliser. in M. COZIAN, A. VIANDIER, F. DEBOISSY, Manuel Droit de Socits, p. 148-149. 25 A este respeito, Rafael Garcia Villaverde realizou extensa anlise de Direito Comparado e cita como autores franceses favorveis ao reconhecimento da validade da clusula de excluso o prprio Bernard Caillaud, alm de Escarra e Ripert (entre outros). Entre os contrrios validade da disposio, contudo, estariam Pic e Thaller. R. VILLAVERDE, La Exclusion de Socios Causas Legales, p. 60-61. 26 En labsence de clause statutaire prvoyant une telle mesure, un associ peut-il tre menac dexclusion dans une socit capital fixe ? Tous les auteurs sont daccord, et nous sommes avec eux, pour interdire aux seuls coassocis, mme unanimes, de prendre une dcision dexclusion, quelle que soit la gravit de la faute. Malgr ses graves inconvnients, la seule action possible de leur part demeure la demande en dissolution juduciaire de larticle 1871 du Code civil. (sem grifo no original) in B. CAILLAUD, LExclusion dun Associ dans les Socits, p. 261. 27 Cdigo Civil Francs, artigo 1184: La condition rsolutoire est toujours sous-entendue dans le contrats synallagmatiques, pour le cas o lune des deux parties ne satisfera point son engagement. Dans ce cas, le contract nest point rsolu de plein droit. La partie envers laquelle lengagement na point t excut a le choix ou de forcer lautre lexcution de la convention lorsquelle est possible, ou den demander la rsolution avec dommages et intrts. La rsolution doit tre demande en justice , et il peut tre accord dfendeur un dlai selon le circonstances. A aplicao do referido artigo ao contrato de sociedade, exige naturalmente uma compreenso ampla e no tcnica do termo signalgmatico empregado em tal artigo, entendendo-o no em distino e oposio aos contratos plurilaterais ou associativos, mas no sentido de oneroso. A este respeito B. CAILLAUD, LExclusion dun Associ dans les Socits, p. 262. 28 Cdigo Civil Francs, artigo 1871: La dissolution des socits terme ne peut tre demande par lun ds associs avant le terme convenu, quautant quil y en a de justes motifs, come lorsquun autre associ manque ses engagements, ou quune infirmit habituelle le rend inhabile aux affaires de la socit, ou autres cas semblable, dont la lgitimit et la gravit son laisses a larbitrage des juges. A este respeito,

  • 18

    importante, de qualquer modo, registrar uma tendncia do Direito francs

    contemporneo de favorecer a excluso de scios, como se verifica na disciplina dos tipos

    societrios mais recentes. Uma perfeita ilustrao de tal movimento a sociedade por

    aes simplificada (socit par actions simplifie ou S.A.S.), instituda pela Lei n 2001-

    420, de 15 de maio de 2001. De fato, graas redao imposta pela referida lei, os artigos

    227-16 e 227-17 do Cdigo de Comrcio Francs atribuem expressamente aos scios de

    uma sociedade por aes simplificada o poder de disciplinar, por meio do estatuto social:

    (i) a venda obrigatria de aes e (ii) a suspenso de direitos no-pecunirios do scio, (iii)

    bem como a sua excluso.

    A validade da clusula de excluso de scio tambm expressamente reconhecida no

    mbito da socite dexercice liberl ou S.E.L., uma sociedade de natureza civil que, como

    o prprio indica, destina-se ao exerccio coletivo das profisses liberais, e da socit

    europene, tipo societrio estabelecido pelas normas comunitrias29.

    1.2.3. Espanha

    O Direito Comercial espanhol destaca-se como um interessante exemplo histrico

    intermedirio entre os sistemas germnicos e a experincia francesa30. Por um lado, o

    Cdigo Comercial Espanhol de 1829 no privilegiou a continuao da sociedade,

    tampouco a preservao da empresa, ao arrolar como hipteses de dissoluo diversos

    fatos atinentes exclusivamente pessoa de um ou alguns dos conscios, tais como: morte,

    doena, interdio e falncia de scio, ou mesmo a mera vontade de um deles, no caso das

    sociedades constitudas por prazo indeterminado (artigos 329 e 333). Nesse aspecto,

    seguiu-se claramente o exemplo do artigo 1.865 do Cdigo Civil Napolenico.

    Caillaud afirma que Jusquici, lventualit dune exclusion en labsence de clause statutaire existe seulement dans les socits caractre contractuel, la suite dun manquement grave commis para un membre vis--vis de ses obligations sociales. Lapprciation souveraine appartient aux juges qui restent toujours libres de choisir entre lexclusion, vritable dissolution partielle fonde sur larticle 1184, et la dissolution totale de la socit, dissolution pour justes motifs de larticle 1871 du Code Civil qui demeure la solution de principe. in B. CAILLAUD, LExclusion dun Associ dans les Socits, p. 263. 29 M. COZIAN, A. VIANDIER, F. DEBOISSY, Manuel Droit de Socits, p. 149. 30 El Cdigo de comercio espaol de 1829, recibe probablemente influencia mltiple. En primer lugar, la francesa puede deducirse del vasto catlogo de causas de disolucin de la sociedade que se recogen en los textos legales, [...] Parece, por otra parte, que la influencia germnica puede haber determinado la acogida, haciendo excepcin a la lnea mantenida por el Derecho francs, de la institucin de la exclusion del socio. in R. VILLAVERDE, La Exclusion de Socios Causas Legales, p. 82.

  • 19

    Por outro lado, ao reconhecer expressamente a possibilidade de excluso de scios, o

    ordenamento espanhol aproximou-se da sistemtica prussiana. Nesse sentido, previu-se a

    possibilidade de excluso para os casos de: (i) uso de fundos da sociedade em interesse

    prprio, (ii) exerccio de poderes de administrao por parte de scio no autorizado

    contratualmente a faz-lo, (iii) fraude na administrao ou contabilidade da sociedade, (iv)

    no integralizao da prpria quota (aps ser instado a faz-lo), (v) concorrncia ilcita

    com a sociedade e (vi) ausncia injustificada do scio obrigado a prestar servios

    sociedade (aps ser instado a retornar)31.

    Um relevante passo adiante para a consolidao do instituto da excluso de scios na

    Espanha seria dado com a promulgao do Cdigo Comercial de 1885, o qual foi alm da

    fixao de um rol delimitado de hipteses de excluso, incluindo uma norma aberta,

    referente a quaisquer causas graves justificadoras da aplicao do remdio extremo da

    expulso, nos termos do pargrafo 7 do artigo 21832.

    Atualmente, porm, os dois principais tipos societrios espanhis sociedade annima e

    limitada so regulados por leis especiais. A sociedade annima regulada pela Lei n 19,

    de 25 de julho de 1989, que em seus artigos 43 a 45 estabelece as conseqncias da no

    integralizao de aes, prevendo a suspenso dos direitos do acionista remisso, a

    sucessiva tentativa de venda de suas aes (em bolsa, com interveno de corretor ou

    tabelio, conforme o caso) e, somente aps o eventual fracasso desta ltima, a amortizao

    das aes em questo.

    A disciplina das sociedades limitadas espanholas encontra-se na Lei n 2, de 23 de maro

    de 1995. O artigo 98 de tal lei prev a excluso do scio inadimplente em relao a

    obrigaes acessrias33 e do scio administrador que competir com a sociedade ou for

    condenado definitivamente a indeniz-la por perdas neste ltimo caso, os danos causados

    sociedade devem ser resultantes de (i) violao da lei ou do (ii) contrato social, ou (iii)

    desdia do administrador. Para scios com participao inferior a um quarto do capital 31 Artigos 300, 307, 312, 323, 316 e 326. 32 R. VILLAVERDE, La Exclusion de Socios Causas Legales, p. 87-88. interessante notar que se trata de movimento simetricamente contrrio quele verificado na Itlia, onde a referida norma aberta, presente no Cdigo Comercial de 1865, foi suprimida no Cdigo Comercial Italiano de 1882. 33 O artigo 22 da referida lei define obrigaes acessrias como todas aquelas estipuladas pelo contrato social que no se refiram integralizao de quotas.

  • 20

    social, a excluso pode ser pronunciada diretamente em juzo. Caso a participao seja

    superior, dever ocorrer por meio de deciso judicial, precedida de aprovao da

    assemblia geral (artigo 99).

    Ressalvada a rara possibilidade de acordo entre os scios remanescentes e o excludo, a lei

    espanhola atribui ao auditor de contas da sociedade o dever de avaliar os haveres do

    quotista expulso, ainda que a norma em questo no determine de antemo o mtodo a ser

    empregado em tal tarefa. Os haveres devem ser pagos em dinheiro pela sociedade, dentro

    do prazo de dois meses a contar do trmino da avaliao. Os honorrios do avaliador

    devem ser pagos pela sociedade, mas podem ser compensados do valor devido ao excludo.

    interessante notar que a lei espanhola determina expressamente a reduo do capital

    como parte da liquidao da participao e impe ao scio excludo (bem como ao que

    exerce o recesso), por remisso expressa, o mesmo regime de responsabilidade aplicvel

    hiptese de reduo do capital social com restituio de bens ou dinheiro aos scios (artigo

    103).

    Cabe observar, por fim, que a lei espanhola adotou disciplina relativamente branda em

    relao aos scios remissos, na esfera das sociedades limitadas. A alnea d do artigo 16

    da Lei n 2, de 23 de maro de 1995, estabeleceu que a falta de plena integralizao do

    capital social da sociedade limitada em constituio representa causa de nulidade desta

    ltima. Em relao a aumentos do capital social de sociedade j constituda, o artigo 77 da

    mesma lei prev meramente a decadncia das quotas no integralizadas ou, caso a plena

    integralizao tenha sido expressamente colocada como condio prvia, o cancelamento

    da operao de aumento. No se coloca, portanto, como alternativa para a sociedade e para

    os demais scios, as clssicas opes de excluir o remisso, reduzir sua participao ou

    cobrar judicialmente o valor ou os bens prometidos por meio da subscrio.

    1.2.4. Itlia

    Na Itlia cuja evoluo normativa merece uma anlise relativamente menos apressada,

    no apenas pela relevncia e preponderncia que couberam a sua doutrina no

    desenvolvimento geral do instituto34, mas tambm pela influncia que exerceu sobre a

    34 Apenas como exemplo: El estudio del Derecho comparado presenta por una parte la possibilidad de empleo de legislaciones y doctrina bsicamente italianas como instrumento imprescindible de ayuda a la

  • 21

    formulao da legislao brasileira contempornea35 , o reconhecimento legal expresso do

    instituto da excluso de scios ocorreu com a promulgao do Cdigo Comercial de 1865.

    O artigo 124 do referido diploma reconhecia a possibilidade de excluso de scios nas

    hipteses de: (i) uso da firma ou do capital da sociedade pelo scio administrador para fins

    particulares, (ii) fraude na administrao da sociedade ou em sua contabilidade, (iii)

    ausncia injustificada do scio administrador, mesmo aps ser intimado a retornar, (iv)

    ingerncia do scio no administrador sem que tal prerrogativa esteja prevista nos atos

    constitutivos, (v) no integralizao de quotas, mesmo aps a devida constituio em mora,

    (vi) falncia do scio e (vii) qualquer situao de grave inadimplemento dos deveres de

    scio.

    O prprio artigo 124 ressalvava ainda o fato de que a consumao da excluso no isenta o

    scio excludo do dever de indenizao pelos danos que tenha causado sociedade. O

    artigo 125, a seu turno, afirmava expressamente com o presumvel intuito de impedir

    qualquer interpretao conservadora que levasse a um retorno ao sistema anterior, de

    inspirao romana que a excluso no implicava dissoluo da sociedade. O artigo 125

    tratou tambm, ainda que de forma sucinta, da apurao de haveres, imputando ao scio

    excludo a participao nas perdas sociais verificadas at a data da excluso e assegurando

    sociedade a possibilidade de reter os lucros a ele atribuveis at o levantamento do

    balano social sucessivo.

    Existem dois aspectos especialmente notveis no tratamento dado ao instituto da excluso

    de scios pelo Cdigo Comercial Italiano de 1865. O primeiro consiste na autonomia

    atribuda questo, dentro da organizao do texto do Cdigo. Ao invs abordar a

    excluso como parte do tema da dissoluo da sociedade por fatos atinentes pessoa de

    um dos scios, o legislador italiano no apenas tratou da excluso como um instituto em si,

    como tambm lhe atribuiu uma seo prpria no corpo de tal diploma legal (Ttulo VII,

    Captulo I, Seo IV). Para o Professor Dalmartello, tais fatos demonstram o inequvoco

    interpretacin directa de nuestros textos legales debido al paralelismo con los espaoles. (sem grifo no original) in R. VILLAVERDE, La Exclusion de Socios Causas Legales, p. 25. 35 W. BULGARELLI, A Teoria Jurdica da Empresa Anlise Jurdica da Empresarialidade, p. 7.

  • 22

    reconhecimento da importncia e da autonomia conceitual do instituto da excluso pela

    nova legislao36.

    Alm disso, e certamente com maior relevncia prtica, ocorre observar que o Cdigo de

    1865 (tal como o Cdigo Espanhol de 1885, mencionado anteriormente) continha uma

    norma aberta em relao excluso. Ao admitir o afastamento do scio por qualquer

    inadimplemento grave de seus deveres em relao sociedade37, o Cdigo de 1865 no se

    restringiu a um nmero predeterminado de possibilidades de excluso. Concedeu-se,

    assim, grande flexibilidade para a identificao do que seria inadimplemento grave

    dentro de cada realidade societria concreta, em uma clara valorizao do princpio da

    conservao da empresa.

    O Cdigo Comercial Italiano de 1882, entretanto, refletindo o fenmeno anteriormente

    mencionado de crescente influncia dos cnones romanistas e clssicos, recuou nesta

    matria e aboliu a norma que expressamente previa a excluso como um remdio genrico

    para quaisquer hipteses de inadimplemento grave, caminhando, portanto, na direo de

    um regime numerus clausus de hipteses de afastamento dos scios.

    Em seu artigo 186, o Cdigo de 1882 admitia a excluso de scios, nas sociedades em

    nome coletivo ou em comandita, nas hipteses de: (i) no integralizao de quotas, aps a

    constituio em mora do scio, (ii) ausncia injustificada de scio administrador que no

    retorna aps ser instado a faz-lo, (iii) fraude contbil ou na administrao por parte do

    scio administrador, (iv) uso indevido da firma ou de capitais da sociedade por parte do

    scio administrador, (v) ingerncia na administrao por parte do scio com

    responsabilidade ilimitada (desde que houvesse administrador nomeado), (vi) o no

    ressarcimento de danos ou diviso de vantagens conseguidas com o uso no autorizado da

    firma ou dos capitais sociais, por parte de scio no administrador com responsabilidade

    ilimitada e (vii) falncia, interdio ou inabilitao do scio.

    36 A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 15-16. 37 O artigo 124 do Cdigo Comercial Italiano de 1865 estabelecia, de fato, que: Pu essere escluso dalla societ: il socio amministratore, che si vale della firma e dei capitali sociali ad uso proprio, che commette frodi nellamministrazione o nella contabilit, che si assenta ed intimato non torna, n giustifica le ragioni dellassenza; il socio che prende ingerenza nellamministrazione senza averne facolt dallatto di societ; il socio che costituito in mora, non eseguisce il pagamento della sua quota sociale; il socio caduto in fallimento, e in generale quando concorrano fatti che costituiscono grave inadempimento delle obbligazioni del socio (sem grifo no original).

  • 23

    Especificamente no caso das sociedades em nome coletivo, representava ainda uma

    hiptese de excluso a concorrncia desleal ou a participao em sociedades concorrentes

    na qualidade de scio de responsabilidade ilimitada. Nas sociedades em comandita, a

    participao ainda que indireta (por exemplo, por meio de procurao) do comanditrio

    na administrao tambm ensejaria a sua excluso. A despeito da extensa lista de

    possibilidades de excluso e provavelmente em funo dela , a norma aberta de

    admisso expressa da excluso por inadimplemento grave teria sido considerada

    desnecessria pelos membros da comisso responsvel pela formulao do novo cdigo

    Comercial Italiano e simplesmente suprimida da legislao de tal pas38.

    Poderia ter ocorrido, desse modo, um marcante retrocesso na admissibilidade da excluso,

    similar ao que ocorreu entre as primeiras legislaes germnicas e aquelas promulgadas na

    segunda metade sculo XIX. Esta opo legislativa do Cdigo Comercial Italiano de 1882,

    primeira vista absolutamente restritiva, motivou, contudo, uma ampla discusso sobre o

    fundamento jurdico da excluso de scios39 que ecoou em inmeros estudos posteriores

    sobre o tema.

    O aspecto central de tal debate doutrinrio residia no fato de que, conforme o entendimento

    que se adotasse, seria ou no possvel admitir hipteses de excluso no expressamente

    previstas pelo Cdigo Comercial de 1882. Nesse contexto, seguindo a classificao que ao

    que tudo indica foi inicialmente formulada por Dalmartello, surgiram trs grupos principais

    de explicaes ou, teorias bsicas para a excluso de scio: (i) disciplina legal taxativa,

    (ii) poder corporativo disciplinar e (iii) resoluo do contrato por inadimplemento40.

    A primeira delas no representava mais do que a confirmao da interpretao mais

    restritiva possvel das disposies do Cdigo Comercial de 1882. A teoria da disciplina

    legal taxativa escorava-se no artigo 4 das disposizioni sullapplicazione delle leggi do

    Cdigo Civil de 1865 norma equivalente Lei de Introduo ao Cdigo Civil brasileira

    para afirmar que a excluso de scios, pelo seu carter punitivo e excepcional, apenas

    38 A. DALMARTELLO, LEsclusione dei Soci dalle Societ Commerciali, p. 18. 39 Tale mancata previsione e, per contro, la elencazione delle cause di esclusione nellart. 186 fecero sorgere, nel vigore del codice di commercio del 1882, un vivace dibattito in merito alla tassativit o meno delle cause di esclusione e alla possibilit per la societ di prevedere ulteriori ipotesi di applicazione dellistituto. in B. ACQUAS, C. LECIS, LEsclusione del Socio nelle Societ di Persone, p. 9. 40 Os argumentos de cada uma dessas teorias e seus desdobramentos so discutidos de forma mais detida no Captulo 3 do presente estudo.

  • 24

    poderia ter lugar quando explicitamente prevista pela legislao e sempre nos estritos

    limites desta.

    As duas outras posies doutrinrias, ainda que sob fundamentos marcadamente diferentes,

    concebem um campo muito mais amplo para a aplicao do remdio da excluso. Nos

    termos da teoria do poder disciplinar corporativo, a prerrogativa de excluir um scio seria

    intrnseca e inerente a todos os entes associativos, uma suposta decorrncia lgica do

    direito da sociedade de preservar a prpria existncia. Seria, assim, uma verdadeira

    expresso de uma ascendncia hierrquica ou poder da sociedade sobre a pessoa do scio.

    A explicao contratualista, a seu turno, identifica os fundamentos dogmticos da excluso

    de scio como uma forma muito peculiar de incidncia da regra geral da resoluo do

    contrato por inadimplemento grave de uma das partes. Nessa esteira, uma vez que se

    entendesse a sociedade como um contrato, seria possvel aplicar a ela a regra geral de

    trmino por inadimplemento, ainda que a falta do scio concretamente verificada no

    estivesse expressamente compreendida no rol de possibilidades de excluso do artigo 186

    do Cdigo Comercial de 1882.

    Exatamente pela necessidade de se dobrar s caractersticas prprias dos contratos

    plurilaterais ou associativos, o preceito geral deve ser de aplicado de forma particular aos

    vnculos societrios. Desse modo, ao invs de ter como conseqncia o rompimento

    completo do contrato, tal como naturalmente se verifica quando se recorre resoluo por

    inadimplemento em um contrato bilateral, o inadimplemento de um dos scios levaria ao

    trmino parcial do contrato de sociedade, afetando somente os vnculos entre um dos

    scios e a sociedade.

    Ainda que confrontada com a posio inicialmente contrria da maior parte da doutrina, a

    jurisprudncia italiana colocou-se a favor da interpretao extensiva das hipteses de

  • 25

    excluso, desde que houvesse previso contratual expressa a respeito41. Eventualmente, a

    viso contratualista da excluso de scios acabaria por prevalecer42.

    Cumpre observar, de qualquer modo, que apesar das mencionadas crticas o Cdigo

    Comercial Italiano de 1882 tambm introduziu relevantes avanos em matria de excluso

    de scios. De fato, a nova legislao estabeleceu o conceito de liquidao da quota e

    determinou o pagamento dos haveres devidos ao scio excludo unicamente em dinheiro43.

    Dessa forma, esclareceu-se definitivamente que ao excludo no caberia nada mais do que

    um crdito pecunirio contra a sociedade, sendo-lhe vedado exigir a entrega ou restituio

    de qualquer bem ou direito especfico com o qual tivesse contribudo para a formao do

    capital social. Trata-se de expresso do princpio da conservao da empresa, pois se

    impede assim que a sociedade seja privada de bens ou direitos essenciais sua atividade.

    O Cdigo Civil Italiano de 1942 disciplinou, em seu artigo 2.286, a possibilidade de

    excluso de scios de sociedades de pessoas nos casos de (i) grave inadimplemento de

    obrigaes derivadas da lei ou do contrato social, (ii) interdio e inabilitao de scio ou

    (iii) sua condenao a pena que vedasse o acesso a cargos pblicos. relevante o fato de

    que, nos termos do artigo 2.287, atribuiu-se maioria dos scios o poder de pronunciar a

    excluso extrajudicialmente44. Adicionalmente, o artigo 2.288 qualificou os eventos de

    falncia do scio ou liquidao de sua quota para a satisfao de credores pessoais como

    eventos de excluso de pleno direito45. A excluso de scios entre as sociedades

    cooperativas, por seu turno, foi regulada pelo artigo 2.533 do mesmo diploma.

    41 Esclarece Corrado Lecis a esse respeito que: La giurisprudenza formatasi nel vigore del codice di commercio del 1882 interpret le norme in modo difforme dallorientamento dottrinario richiamato segnalando come gli statuti sociali potessero aggiungere altri motivi di esclusione a quelli previsti dalla legge che, pertanto, non erano da considerarsi tassativi. in B. ACQUAS, C. LECIS, LEsclusione del Socio nelle Societ di Persone, p. 9. 42 possvel citar como exceo o trabalho de Innocenti, que entende que a excluso fundamenta-se em disciplina legal taxativa. O. INNOCENTI, LEsclusione del Socio, p. 190. 43 M. PERRINO, Le Tecniche di Esclusione del Socio dalla Societ, p. 71. 44 Qui [Cdigo de 1942] basti sottolineare come unautentica svolta [] lattribuzione alla maggioranza dei soci del potere di dar direttamente luogo allesclusione, rinviando lintervento giudiziale allaccertamento successivo, su opposizione dellescluso, delleffettiva ricorrenza delle cause addotte a giustificazione del provvedimento... in M. PERRINO, Le Tecniche di Esclusione del Socio dalla Societ, p. 74. 45 cause di esclusione di diritto, in cui cio l'esclusione conseguenza automatica del verificarsi di determinati fatti a carico del socio, senza necessit del ricorso all'autorit giudiziaria, n di una manifestazione di volont sociale. in M. PERRINO, Le Tecniche di Esclusione del Socio dalla Societ, p. 74.

  • 26

    O Cdigo Italiano serviu de evidente inspirao para as normas de Direito Comercial e, em

    especial, de Direito Societrio contidas no Cdigo Civil Brasileiro de 2002. Basta

    mencionar, como exemplos de maior destaque, a unificao parcial do Direito das

    Obrigaes, a adoo da Teoria da Empresa, a criao do tipo societrio sociedade

    simples e a organizao do texto tomando este ltimo como regime de base para as

    demais formas de sociedade.

    Contudo, exatamente em funo da influncia que a experincia italiana exerceu sobre a

    nova legislao brasileira, importante salientar tambm algumas das grandes diferenas

    que existem nos fundamentos do Direito Societrio em ambas as jurisdies, as quais

    limitaram sobremaneira a aplicao do instituto da excluso na Itlia ao longo do sculo

    XX.

    Em primeiro lugar, observa-se como a diviso entre sociedades de pessoa e de capitais

    possui, na Itlia, conseqncias muito mais profundas do que no ordenamento brasileiro,

    na medida em que no se atribui ou reconhece personalidade jurdica prpria no mbito das

    primeiras (sociedades simples, em nome coletivo e em comandita simples), mas apenas

    entre estas ltimas (sociedade annima, em comandita por aes e limitada, bem como as

    cooperativas). De fato, para os doutrinadores italianos, a imperfeita autonomia patrimonial

    existente nas sociedades simples, em nome coletivo e em comandita simples decorrente

    da responsabilidade ilimitada de ao menos parte dos scios em relao s dividas sociais

    impede que sejam consideradas entes plenamente dotados de personalidade jurdica

    prpria.

    Para explicar a separao e especializao do patrimnio social em tais casos, mas tambm

    a prpria possibilidade de as mencionadas sociedades despersonalizadas atuarem no

    mercado sob a prpria denominao, os estudiosos italianos recorreram ao conceito de

    autonomia patrimonial imperfeita ou subjetividade jurdica46; que se pode

    grosseiramente traduzir como o reconhecimento normativo da sociedade de pessoas como

    46 Il codice attuale, [], ha distinto fra le societ di persone e le societ di capitali. Alle prime ha riconosciuto la semplice autonomia patrimoniale, in quanto ha reso il patrimonio sociale insensibile (in maggiore o minore misura a seconda dei casi) alle vicende relative ai patrimoni individuali dei soci; alle seconde invece ha mantenuto la personalit giuridica. in F. CORSI e F. FERRARA JR., Gli Imprenditori e Le Societ, p. 194.

  • 27

    um centro autnomo de interesses somado a um patrimnio separado, mesmo que

    desprovida de plena e perfeita personalidade jurdica.

    Mais importante para a presente anlise, entretanto, o fato de que a sociedade limitada

    italiana, nos anos sucessivos promulgao do Cdigo de 1942, ter sido tratada como uma

    mera verso simplificada da sociedade por aes, pertencendo expressamente ao universo

    das sociedades de capitais. Ocorre que a aplicao do remdio da excluso no Direito

    italiano, ressalvado o afastamento do scio remisso, era limitada esfera das sociedades de

    pessoas. Desse modo, no se admitiu durante longo perodo a hiptese de excluso de

    scios por justa causa nas sociedades limitadas, mas somente a decadncia de quotas por

    falta da devida integralizao. A sociedade limitada italiana foi inicialmente concebida

    como uma verso simplificada da sociedade annima47 e, portanto, a ela no se estendeu o

    instituto da excluso de scios, tido como ferramenta tpica das sociedades de pessoas.

    Admitia-se a excluso na sociedade limitada, portanto, somente em relao ao scio

    remisso, nos termos do artigo 2.466 do Cdigo Civil de 1942.

    Como conseqncia, a maior parte do debate sobre o instituto da excluso de scios no

    Direito italiano girou, durante longo tempo, em torno das sociedades com regime de

    responsabilidade ilimitada de ao menos parte dos scios.

    De qualquer modo, importante ressaltar que, como resultado da fixao de valores

    mnimos de capital social e patrimnio lquido para a constituio e operao das

    sociedades de capitais48, as sociedades baseadas no regime de responsabilidade ilimitada

    dos scios existem em grande nmero na Itlia e tm efetiva e ampla aplicao prtica ao

    contrrio do Brasil, onde possuem uma existncia substancialmente legislativa e terica.

    Assim, foi possvel a formao de um relevante arcabouo jurisprudencial e doutrinrio

    sobre o tema da excluso, ainda que tal hiptese no estivesse aberta s sociedades

    limitadas.

    47 La societ a responsabilit limitata era, nelloriginario disegno del codice civile, una sorta di societ per azioni in piccolo, diversa da questa, come si esprimeva la relazione ministeriale (n. 1015), per la struttura pi intima. in F. GALGANO, Le Nuove Societ di Capitali e Cooperative, p. 483. 48 As sociedades annimas italianas devem ter um capital social mnimo de cento e vinte mil euros, enquanto para as sociedades limitadas vigora o piso de dez mil euros (respectivamente artigos 2.327 e 2.464, pargrafo 4, do Cdigo Civil Italiano). Alm disso, caso se verifiquem perdas superiores a um tero do capital social, este deve ser obrigatoriamente reduzido e, atingindo patamar aqum dos limites mnimos da lei, deve ser imediatamente recomposto (artigo 2.446). Caso contrrio, a sociedade deve ser transformada em tipo societrio que admita aquele valor de capital social ou, alternativamente, ser dissolvida (artigo 2.447).

  • 28

    Foi apenas com a ampla reforma do Direito Societrio italiano, realizada por meio do

    Decreto Legislativo n 6, de 17 de janeiro de 2003, o qual introduziu o artigo 2.437-bis no

    Cdigo Civil Italiano49, que finalmente se admitiu a excluso de scios por justa causa

    entre as sociedades limitadas italianas. Por meio da referida reforma, reconheceu-se o

    carter intermedirio da sociedade limitada italiana (societ a responsabilit limitata),

    entre as sociedades de capitais e de pessoas50, e se promoveu deliberadamente uma

    aproximao entre e o regime destas ltimas e a disciplina da sociedade limitada51.

    Ainda assim, a possibilidade de excluso nas sociedades limitadas est sujeita a duas

    graves restries. A primeira evidentemente a necessidade de clusula expressa para a

    deliberao da excluso52. Alm disso, no que tange a apurao de haveres, o artigo 2.437-

    bis faz remisso ao regime fixado pelo artigo 2.437, concernente o direito de recesso, mas

    expressamente afasta a possibilidade de liquidao da quota do scio excludo por meio da

    reduo do capital social. A excluso de scio na sociedade limitada italiana, portanto,

    apenas poder ser consumada por meio uma das duas outras formas de liquidao da quota

    previstas para hipteses de recesso, quais sejam: a aplicao de reservas disponveis para a

    aquisio da quota do excludo pela prpria sociedade ou a aquisio da participao do

    scio excludo por outros scios ou por terceiros pelo valor fixado para o reembolso53.

    49 Artigo 2.437-bis: Latto costitutivo pu prevedere specifiche ipotesi di esclusione per giusta causa del socio. In tal caso si applicano le disposizioni del precedente articolo [relativo ao direito de recesso], esclusa la possibilit del rimborso della partecipazione mediante riduzione del capitale sociale. 50 Dalla riforma del 2003 emersa una diversa concezione di questo tipo di societ, che si presta ad essere piuttosto considerato come un tipo intermediario fra le societ di persone e la societ per azioni. Di questa c, fondatamente, la disciplina dei rapporti esterni, mentre i rapporti interni fra soci si possono modellare secondo lo schema delle societ di persone. in F. GALGANO, Le Nuove Societ di Capitali e Cooperative, p. 483. 51 Il processo di personalizzazione della struttura societaria della nuova s.r.l. ha portato allintroduzione dellistituto dellesclusione facoltativa del socio, consentita prima della riforma soltanto per le societ di persone e le societ cooperative; per le s.r.l. era prevista solo lipotesi di esclusione del socio moroso nei versamenti, quando erano falliti i tentativi di procedere alla vendita coattiva per mancanza di compratori in G. LO CASCIO (Coord.), Societ a Responsabilit Limitata, p. 155. 52 previsto un solo caso legale di esclusione: a norma del comma 3 dellart. 2466, devessere escluso il socio moroso quando sono falliti i tentativi di vendita della quota. Ampio , invece, lo spazio concesso in questo campo allautonomia dei soci: la norma dellart. 2473-bis stabilisce, cos introducendo un istituto finora riservato alle societ di persone e, in limiti assai pi contenuti, alle societ cooperative, che latto costitutivo pu prevedere specifiche ipotesi di esclusione per giusta causa in V. BUONOCORE, La Riforma del Diritto Societario, p. 181. 53 A differenza che nel recesso, non invece possibile il rimborso della quota mediante la riduzione del capitale sociale. La preclusione diretta a tutelare la integrit del patrimonio sociale, ma il divieto vuole forse esercitare anche un effetto dissuasivo nei confronti dei soci in relazione ad iniziative che potrebbero pregiudicare la stessa sopravvivenza della societ, spingendoli a ricercare soluzioni in grado di risolvere i conflitti interni o comunque le difficolt di funzionamento interno della societ, senza pregiudicare i creditori sociali e terzi. in G. LO CASCIO (Coord.), Societ a Responsabilit Limitata, p. 159.

  • 29

    1.2.5. Portugal

    No perodo anterior promulgao do seu Cdigo Civil de 1867 conhecido como o

    Cdigo Seabra , Portugal ainda estava sujeito s disposies de Direito Societrio das

    Ordenaes Filipinas54. De fato, em obra cuja primeira edio foi lanada em 1830, Jose

    Ferreira Borges denunciava exasperadamente o atraso das normas portuguesas em matria

    de direito das sociedades55.

    Contudo, no obstante o declarado propsito de aproximar o ordenamento lusitano da

    disciplina das naes mais avanadas da Europa, Borges previu em seus arestos a

    dissoluo da sociedade por questes pessoais dos scios, tais como morte, insanidade,

    abuso, falncia, mau comportamento ou mesmo, nas sociedades por prazo indeterminado,

    pela mera vontade de qualquer dos conscios56. O silncio do Cdigo Civil Portugus de

    1867 sobre o tema veio apenas confirmar tal tendncia conservadora do Direito Societrio

    portugus, relativamente ao instituto da excluso de scios. O Cdigo Comercial

    Portugus, de 28 de Junho de 1888, tambm no reconheceu expressamente a possibilidade

    de excluso por justa causa.

    Portugal, por outro lado, foi um dos primeiros pases a seguir o exemplo alemo e a

    instituir o tipo societrio das sociedades com regime de responsabilidade limitada,

    denominadas sociedades por quotas, por meio da Lei de 11 de abril de 1901. O artigo 12

    da referida lei estabeleceu regime extremamente rigoroso em relao ao scio remisso, ao

    fixar no apenas a possibilidade de sua excluso, como tambm a perda em favor da

    sociedade dos pagamentos parciais eventualmente realizados, sem prejuzo de sua

    responsabilidade pelas perdas e danos causados pelo seu inadimplemento. Ainda sim, a lei

    portuguesa das sociedades por quotas no previu a aplicao da excluso em outras

    hipteses de violao dos deveres de scio.

    54 Tais disposies so discutidas no prximo tpico deste captulo, relativo ao desenvolvimento histrico do instituto da excluso no ordenamento brasileiro. 55 Eu tenho pois trabalhado para fazer conhecer qual fosse este contracto no tempo dos Romanos; como delles para a nossa Ordenao, aonde ficou estacionario ate oje, em quanto que todas as mais naoens se avantajaro e desinvolvero. In J. BORGES, Jurisprudencia do Contracto-Mercantil, e Arestos dos Codigos e Tribunais das Naes mais Cultas da Europa, p. X. 56 J. BORGES, Jurisprudencia do Contracto-Mercantil, e Arestos dos Codigos e Tribunais das Naes mais Cultas da Europa, p. 150, 153 e 154.

  • 30

    O silncio que ento prevalecia na legislao portuguesa em relao possibilidade de

    excluso de scios por justa causa motivou a elaborao da notvel monografia do

    Professor Avels Nunes sobre a matria57. Em sua obra, o autor construiu a tese de que o

    direito de excluso seria uma clusula geral, implcita nos atos constitutivos de quaisquer

    sociedades, uma vez que representa um instrumento de preservao da prpria sociedade e,

    por desdobramento, da empresa.

    De qualquer modo, o novo Cdigo Civil de Portugal, de 25 de novembro de 1966, superou

    em grande parte a questo. A nova lei, em seu artigo 1.003, no apenas autorizou a

    disciplina da excluso no contrato social da sociedade, como previu tal soluo para os

    casos de: (i) grave violao do scio nas obrigaes com a sociedade, (ii) interdio ou

    inabilitao, (iii) impossibilidade de prestao de servios, por parte do scio de indstria,

    e (iv) perecimento de bem conferido ao capital da sociedade, por causa no imputvel aos

    administradores.

    O artigo 1.005 da mesma lei fixou o procedimento de excluso, estabelecendo o critrio da

    deliberao majoritria, no computados os votos do excluendo. A eficcia da deliberao

    de excluso ocorre somente aps o decurso do prazo de trinta dias aps a notificao do

    scio que se busca excluir. Nesse perodo, cabe ao scio buscar a impugnao da deciso.

    Como exceo via extrajudicial, na sociedade composta por apenas dois scios, a

    excluso apenas pode ser solicitada em juzo.

    Em 02 de setembro de 1986, por meio do Decreto-Lei n 262/86, foi promulgado o Cdigo

    das Sociedades Comerciais Portugus, cujo artigo 186 tratou especificamente da excluso

    de scios no mbito das sociedades comerciais. O tratamento do tema foi um pouco mais

    extenso do que o do Cdigo Civil de 1966 e, alm das causas de excluso nele j previstas,

    foram tambm arrolados como motivos de expulso do scio: (i) o afastamento da

    administrao em funo de atos culposos prejudiciais sociedade, (ii) insolvncia e

    falncia e (iii) violao do dever de no concorrncia com a sociedade. Em relao a este

    ltimo ponto, convm observar que, de acordo com o artigo 180 do Decreto-Lei n 262/86,

    vedado ao scio realizar seja em nome prprio, na posio de scio de responsabilidade

    ilimitada de outra sociedade, ou como scio de responsabilidade limitada, mas com

    57 A. NUNES, O Direito de Excluso de Scios nas Sociedades Comerciais, p. 69.

  • 31

    participao superior a vinte por cento do capital atividade includa no objeto social da

    prpria sociedade, ainda que de fato no exercida naquele momento.

    O Cdigo das Sociedades Comerciais estabeleceu, outrossim, procedimento mais rigoroso

    para a excluso de scio, exigindo quorum mnimo de trs quartos dos votos excluda do

    cmputo, como de praxe, a participao do scio que se quer excluir. Alm disso, a lei

    sujeitou a deliberao de excluso a um prazo decadencial de noventa dias, cuja contagem

    inicia-se na data em que qualquer dos administradores tome cincia dos fatos capazes de

    ensejar a respectiva expulso do scio. Trata-se de uma verdadeira presuno ipso iure de

    tolerncia conduta do scio infrator.

    Ainda que sob certos aspectos seja discutvel a fixao de prazo relativamente breve para

    dar curso excluso58, foroso reconhecer que, se os scios e a sociedade podem tolerar

    uma determinada conduta ou omisso do scio faltoso por trs meses, provavelmente o

    fato no representa uma questo grave a ponto de justificar a aplicao de um remdio to

    extremo quanto a excluso. Cumpre observar, ademais, que a regra em questo impede que

    eventos antigos e j superados sejam, em outro momento e contexto, convenientemente

    trazidos tona por outros scios, como mero pretexto e instrumento de presso.

    1.2.6. Common Law

    Apenas a ttulo de breve nota, tendo em vista os percursos histricos marcadamente

    distintos, cumpre tambm fazer uma aluso aos traos mais relevantes do instituto da

    excluso de scios nos pases em que prevalece o Common Law.

    No Direito Societrio de tais jurisdies, existe uma diviso essencial, ainda que com

    nuances e zonas de sobreposio, entre as partnerships, de um lado, e as registered

    companies (Inglaterra) ou corporations (Estado Unidos), do outro. Grosso modo, tal

    diviso corresponde, mutatis mutandis, separao presente no Direito continental entre

    sociedades no-personificadas e sociedades personificadas, ou, ao menos no sentido

    atribudo a tais termos na Alemanha e na Itlia, sociedades de pessoas e de capitais. As 58 Pode-se argumentar, por exemplo, que tal disposio inibe os demais scios a tentarem convencer o conscio infrator a reformular sua conduta e impede que entendimentos e negociaes para a composio amigvel de dificuldades possam se prolongar pelo prazo que eventualmente se mostra necessrio ou adequado.

  • 32

    partnerships possuem estrutura institucional mais simples e presumem relaes mais

    estreitas entre os scios, bem como o engajamento direto destes nas atividades

    desenvolvidas59. no mbito destas ltimas, portanto, que a excluso de scios encontra

    efetiva aplicao, j que nas companies ou corporations costuma prevalecer a aplicao de

    instrumentos mais prximos aos da sociedade annima, tal a como a tutela do conflito de

    interesse.

    O Partnership Act britnico de 1890 permite em seu artigo 2560 via uma leitura contrario

    sensu a excluso de associados por deliberao da maioria, desde que tal prerrogativa

    lhes seja atribuda por prvia e expressa conveno61.

    Nos Estados Unidos, a disciplina das partnerships tambm foi marcadamente orientada

    pela promulgao de normas escritas expressas (diplomas legais ou statutes), fato peculiar

    para ordenamentos baseados principalmente na regra do precedente e no direito

    consuetudinrio62. Tratando-se, contudo, de matria sujeita majoritariamente

    competncia legislativa dos Estados-membros (ressalvadas as normas atinentes ao

    funcionamento do mercado de capitais), verificou-se um grande esforo na edio e

    divulgao de leis uniformes.

    Nesse sentido, merece destaque o Uniform Partnership Act - UPA, de 1914, que foi ao seu

    tempo adotado por todos Estados-membros daquele pas, com a exceo de Louisiana63. O

    referido diploma, que ainda se encontra em vigor em diversos Estados-membros, possui

    regime bastante conservador em relao a mudanas no quadro de scios, prevendo que a

    sada de qualquer scio da sociedade acarreta a sua dissoluo.

    59 Registered