digesto econômico 470 - nov/dez 2012

64
NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 ANO LXVII – Nº 470 – R$ 4,50

Upload: diario-do-comercio

Post on 07-Mar-2016

225 views

Category:

Documents


6 download

DESCRIPTION

A MP que pode apagar o Brasil

TRANSCRIPT

Page 1: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012ANO LXVII – Nº 470 – R$ 4,50

Page 2: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

202x266.indd 1202x266.indd 1 14/9/2012 22:29:0314/9/2012 22:29:03

Page 3: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

3NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Vitória da sociedade

Mas

ao G

oto

Filh

o/e-

SIM

AReceita Federal divulgou no fim de novembro que a carga tributáriabruta em 2011 subiu para 35,31% do PIB, equivalente a R$ 1,46 trilhão.Em 2010, esse percentual havia sido de 33,31%. É recorde atrás de

recorde. Embora sempre se procure apresentar alguma explicação parajustificar o contínuo crescimento da arrecadação, a realidade é que aumenta aparcela de tudo que a sociedade produz, que é transferida para o governo.

O contribuinte não tem como saber o quanto paga de impostos, emborasinta no bolso o peso dos tributos embutidos nos preços dos produtos eserviços que consome.

Essa realidade vai mudar porque o Congresso Nacional aprovou e apresidente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.741, que obriga as empresasa colocarem nas notas fiscais a estimativa dos impostos que incidem sobre osprodutos constantes das mesmas.

Trata-se de uma grande conquista da sociedade, que manifestou o seu desejo de saber quanto paga deimpostos através de mais de 1,5 milhão de assinaturas, coletadas pelo Movimento DE OLHO NO IMPOSTO,realizado pela ACSP e FACESP com a participação de um grande número de entidades.

Consciente dos impostos que paga, a sociedade poderá cobrar serviços públicos compatíveis com atributação e, também, fiscalizar como são gastos os recursos dela arrecadados através dos impostos.

Para facilitar não apenas aos técnicos, mas à população em geral, poder acompanhar os gastospúblicos, a ACSP e FACESP vão disponibilizar as informações bastante detalhadas da aplicação dosrecursos fiscais pelo governo federal, os estados e os municípios: o Gastômetro. Trata-se de um portal quemostrará ao contribuinte como os governos federal, estadual e municipal gastam o que arrecadam com osimpostos. Será uma espécie de Google do gasto público. O contribuinte poderá acompanhar, por exemplo,quanto a prefeitura de sua cidade gastou em uma determinada obra, ou com a compra de produtos.

Essa nova ferramenta complementa o Impostômetro, o painel eletrônico que estima a arrecadaçãotributária diária das três esferas governamentais e que já se acha consolidado como um instrumentoimportante de informação para a população. Com o Impostômetro, a sociedade sabe quanto transfere parao Estado pela via tributária. Com a estimativa do imposto na nota fiscal, verifica quanto está pagando pelosprodutos que consome e, com o Gastômetro, poderá saber como é gasto o seu dinheiro pelos governos.

Esta última edição do ano da revista Digesto Econômico traz como tema de capa toda a discussão quevem ocorrendo no setor elétrico por causa da Medida Provisória 579. Em setembro, a presidente DilmaRousseff anunciou uma redução no valor das contas de energia elétrica, que poderia chegar até 28% paraas indústrias. Essa MP vem sendo alvo de críticas severas, já recebeu quase 500 propostas de emendas emuitas ameaças de ações judiciais. Para debater o assunto, participam desta edição o jornalista eengenheiro Paulo Ludmer, Luiz Gonzaga Bertelli, vice-presidente da ACSP e presidente executivo do CIEE,e o ex-ministro José Goldemberg. Cada um tem a sua opinião, mas como especialistas com grandesconhecimentos nesta área, todos contribuem para enriquecer o debate.

Boa leitura.

Rogério AmatoPresidente da Associação Comercial de

São Paulo e da Federação das AssociaçõesComerciais do Estado de São Paulo.

Page 4: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

4 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3180-3737CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteRogério Amato

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

Ed i to re sCarlos Ossamu e Domingos Zamagna

Chefia de ReportagemJosé Maria dos Santos

Editor de FotografiaAlex Ribeiro

Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

Projeto GráficoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

D iagramaçãoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

Ar tesMax e Zilberman

Gerente Executiva de PublicidadeSonia Oliveira ([email protected]) 3180-3029

Gerente de OperaçõesValter Pereira de Souza

I m p re s s ã oLog & Print Gráfica e Logística S.A.

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADERua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911

PABX (011) 3180-3737 REDAÇÃO (011) 3180-3055FAX (011) 3180-3046

w w w. d co m e rc i o. co m . b r

ÍNDICE

6A origem das crises econômicasFrancisco J. F. Barbosa

10Na crise, convém incentivar o consumoou o investimento? ou ambos?Francisco J. F. Barbosa

12Como evitar as crisesFrancisco J. F. Barbosa

14Desempregados param de recebertratamento médico na GréciaLiz Alderman. NY Times

16O Brasil saindo do atoleiroCarlos Ossamu

18Gás combustível:ainda falta estratégiaCarlos Ossamu

CAPAArte: Zilberman

Vanderlei Almeida/AFP

Angelos Tzortzinis/NY Times

Foto: Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem - arte de Zilberman

SXC

Page 5: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

5NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

24Gás natural caro poderáviabilizar o xistoLuiz Gonzaga Bertelli

Milton Michida/AE

26Em estado de ChoqueCarlos Ossamu

SXC

28Curto-circuitono setor elétricoPaulo Ludmer

Patricia Santos/AE

30A medida da discórdiaCarlos Ossamu,Domingos Zamagna eJosé Maria dos Santos

Paulo Pampolin/Hype

34A política daenergia elétricaAntonio Dias Leite

Reprodução

40O mundo passapor um momentode introspecçãoCarlos Ossamu

48Arquipélago em disputaMarleine Cohen

Pichi Chuang/Reuters

51O pacto federativoe a guerra fiscalIves Gandra da Silva Martins

60Suborno e nepotismoem escolas chinesasDan Levin

Sim Chi Yin/ The New York Times

Patrí

cia

Cru

z/Lu

z

Page 6: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

6 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

A origem dascrises econômicas

Francisco J. F. Barbosa, economista

AFP

Foto datada de 1929mostra clientes emfrente a um bancoem Massachusetts

após o crash daBolsa de Nova York.

Page 7: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

7NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

A conjuntura internacional recentesugere que evitar crises econômicasé algo ainda impossível. Crisesacontecem em vários países, simul-

taneamente ou não. Acontecem mais ou menosgraves, mais ou menos demoradas, em econo-mias maiores e menores, desenvolvidas ou emdesenvolvimento. É um sinal de que a teoria e aprática econômicas ainda não asseguram a es-tabilidade das atividades e a sustentabilidadedo crescimento.

Impossível evitá-las certamente não é, poisvários países apresentaram, por muitos anos,bom desempenho mesmo quando importa-dores de parte expressivade seus produtos encon-travam-se em crise. Al-guns países não tiveramproblemas enquanto vá-rias economias do mes-mo bloco passavam pordificuldades.

Normalmente, os mo-tivos das crises formam-se nas expansões que asantecedem. O principaldeles é o excessivo endi-vidamento dos produto-res (entre estes os distri-buidores) e dos consumi-dores locais, combinadocom a correspondenteexcessiva alavancagem(relação depósitos/re-servas) dos bancos que osf i n a n c i a m . C o s t u m atambém ocorrer o exces-sivo endividamento dosgovernos, porém mais nafase adiantada das desa-tivações, em razão do au-mento, por algum tempo, das despesas ofi-ciais com programas sociais e estímulos prórecuperação, simultaneamente a perdas dearrecadações tributárias.

Para que haja crise não é necessário que tan-to produtores como consumidores e governosestejam muito endividados. Basta que a somadas suas dívidas tornem o sistema bancário ex-cessivamente alavancado.

Na expansão, os produtores se endividambuscando elevar ganhos que pressentem viá-veis, por conta de aumentos sucessivos de ven-das, de acumulação de estoques, de investi-mentos e de facilidade em repassar para clien-tes o custo financeiro crescente.

Os consumidores se endividam estimula-

dos por renda crescente, capacidade de paga-mento adicional, segurança no emprego, ex-pectativa de ganhos ou satisfação adicionalcom aquisições de bens de consumo ou de ati-vos diversos.

Os bancos, por seu turno, alavancam-se porse defrontarem com demanda crescente por re-cursos financeiros, com boa margem de ganho(spreads) nos empréstimos e com baixo nívelde inadimplência dos tomadores.

O elevado endividamento dos agentes, as-sim também considerada a alavancagem dosbancos, os deixa com a liquidez reduzida. Cabeaqui uma observação nem sempre entendida

pelos analistas. Os bancos perdem liquidezapós seus depósitos aumentarem bem maisque proporcionalmente às suas reservas. E de-pósitos aumentam mais que proporcional-mente às reservas porque os bancos, na expan-são, aumentam os seus empréstimos, e em-préstimos geram depósitos. Ao emprestar, osbancos deixam que os clientes saquem contraeles. Empréstimos crescentes, depósitos tam-bém. Depósitos sacados por algum pagamentose tornam depósitos em outro banco, ou nomesmo banco em outra conta. Simplesmentese transferem, não desaparecem.

Na adiantada expansão, a redução da liqui-dez dos produtores e consumidores, even-tualmente também a dos governos, implica

Vanderlei Almeida/AFP

Para que haja crise,não basta queprodutores,

consumidores egovernos estejam

muito endividados.

Page 8: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

8 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

crescente inadimplência desses agentes juntoaos bancos que, por consequência, constatamsua liquidez comprometida. Diante do eleva-do inadimplemento dos clientes, os bancos re-duzem a concessão de crédito, seja não apro-vando novos financiamentos, seja não reno-vando parcial ou totalmente os créditos vin-cendos, no momento da demanda de créditomaior. Por esse comportamento dos bancos, ainadimplência se espalha entre os produtorese consumidores. Em consequência, a liquidezgeral da economia se contrai. Diante da escas-sez de crédito, onda de atrasos de pagamentosse propaga entre os produtores. A solução pa-ra eles é reduzir vendas aos clientes inadim-plentes, reduzir estoques e investimentos. Pa-ra isso, reduzem compras. Assim, a produçãototal da economia é reduzida. Com ela, reduz-se o emprego e, em seguida, o consumo. Me-nos consumo leva a mais redução da produ-ção até que a contração das atividades se in-terrompa. Redução do consumo é etapaadiantada da desativação.

A desativação inicia-se sempre com crisebancária. Segue por dificuldades financeirasentre produtores e distribuidores. Depois, porcontração do consumo, ou seja, das vendas aovarejo. (Por isso, quem, ao fazer previsões,guia-se pelo comportamento do consumonunca antevê a crise.)

Pelo lado financeiro das atividades econô-micas, crise é uma corrida forçada dos agentespara a liquidez, ou seja, para recuperar o equi-líbrio financeiro perdido. Tomada pelo ladoreal da economia, é a fase em que produção econsumo diminuem, porém a primeira maisque o segundo. Isso porque, na crise, estoques einvestimentos são diminuídos. Entender isso éimportante para quem quer identificar o iníciode uma recuperação.

Detalhando mais a origem das crises, os pro-dutores, considerados como tais os distribuido-res atacadistas e varejistas, na expansão, endivi-dam-se crescentemente para aumentar esto-ques, financiar aumentos de vendas e investir.Financiamentos de vendas bancam estoques emmãos de clientes. São três os motivos para essesagentes manterem estoques: o operacional, omotivo segurança e o especulativo. Com vendasem expansão, produtores demandam estoquescrescentes para atender a mais negócios. É o mo-tivo operacional. Na fase adiantada da expan-são, prover-se de matérias primas, de partes pa-ra montagens, de produtos para distribuição,faz-se com dificuldade crescente, pois os forne-cedores, geralmente com a capacidade tomadapor algum tempo, encontram-se impossibilita-

dos de atender pedidos adicionais, pelo menosenquanto os novos investimentos não se com-pletam. Diante da dificuldade, os produtoresaumentam seus estoques de segurança, ou seja,estoques cuja função é reduzir o custo de faltados produtos. Estoques especulativos são for-mados com a finalidade exclusiva de ganho es-peculativo pela alta dos preços no tempo. Na ex-pansão, como os preços costumam aumentarmais que o custo financeiro de carregamento deestoques, as compras com a finalidade especu-lativa também aumentam. Aumentos das trêscategorias de estoques e investimentos dos pro-dutores requerem financiamentos crescentes.Tomando créditos crescentes, a categoria eleva oendividamento e, a partir de certo ponto, perde aliquidez. Na expansão, consumidores, além deconsumirem em valores superiores às suas ren-das, de certa forma também acumulam estoquesde segurança e, eventualmente, fazem aquisi-ções especulativas, pelo que se endividam.

Na expansão, diante de demanda crescente,produtores aprovam investimentos. Porém, amaior parcela dos desembolsos a eles referentescostuma se concentrar na fase adiantada da exe-cução, na qual a demanda para seu financia-mento se concentra. Como todos os produtoresdecidem investir mais ou menos ao mesmo tem-po, a demanda de financiamento de todos tendea se concentrar numa mesma época futura, quecoincide com o pico da demanda de financia-mento de capital de giro, isto é, da formação deestoques, de disponibilidade financeira e de fi-nanciamento de vendas. Nesta fase, não há re-cursos de crédito suficientes para todos. Em ra-zão disso, a inadimplência se eleva muito. A de-sativação, a partir desse ponto, inicia-se.

Pelo aspecto financeiro, a expansão é umacaminhada dos agentes em direção ao endivi-damento. Pela economia real, é a fase em que aprodução e o consumo aumentam, porém aprimeira mais que o segundo, porque os esto-ques e investimentos aumentam.

Outro motivo para haver crise é o país man-ter sua moeda sobrevalorizada por muito tem-po. Implica seus consumidores exercerem noexterior parcela substancial de sua renda gera-da em atividades internas. O efeito da moedasobrevalorizada é lento, gradual, demorado,porém destruidor. Coincidente com cenário deexcessivo endividamento dos agentes internosé devastador. A partir de certo tempo, os efeitosda sobrevalorização se tornam insuportáveis,razão de sua reversão inevitável, através deuma maxidesvalorização ou de desvaloriza-ção acelerada da moeda local. A reação da eco-nomia por conta dessa reversão costuma ser

Page 9: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

9NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

um tanto demorada e sacrificante, por conta dainflação que a acompanha.

Mais outro motivo para crise, ou pelo me-nos para alguma desativação, é o governoaplicar artificialmente na economia, atravésda política monetária, um choque de iliqui-dez e/ou de altas taxas de juros. Crise com talorigem costuma ser breve e sem gravidade,mas que traz de volta o motivo de sua adoção,a inflação. O efeito negativo da política émaior sobre a oferta que sobre a demanda deconsumo, criando um estado de escassez re-lativa mais adiante. Crise sem gravidade, po-rém com elevada frequência, razão para baixocrescimento a longo prazo.

Ultimamente, talvez por conta do amplo al-cance das comunicações, expectativas relevan-tes formadas, nem sempre realistas, têm pesa-do muito no comportamento dos agentes, por-tanto, no das economias. Não chegam a moti-var crises propriamente, porém por vezes asfazem antecipar-se, acentuar-se, e, quase sem-pre, prolongar-se.

Por fim, cabe observar que a prática, nos úl-timos 30 anos, do "just in time" na gestão de es-

toques dos produtores e distribuidores temefeito estabilizador nas atividades produti-vas por minimizar a variabilidade dos níveisgerais de estoques das economias. Já a forteatuação de grandes investidores instituciona-lizados e de outros nos mercados futuros e deopções de mercadorias tem efeito oposto, ouseja, desestabilizador.

Um estudioso dos ciclos econômicos obser-vou que, se o resultado das decisões de aumentarou reduzir a produção fosse imediato, não have-ria crise. Esta acontece porque, no período entredecidir e obter os resultados (time lag), os estímu-los se multiplicam e a soma das decisões tomadase executadas no mesmo sentido, no período, pro-duzem os excessos, ou seja, os desequilíbrios. Co-mo a hipótese de resultados imediatos após asdecisões é inviável e não se mede a acumulaçãodos desequilíbrios, as crises seguirão acontecen-do. Resta-nos, portanto, prevê-las.

Para obter boas previsões conjunturais, o ana-lista precisa considerar todos os seus prováveismotivos, cuja avaliação não é fácil. Não levá-lostodos em conta adequadamente é a principal ra-zão dos erros de muitos, inclusive dos nossos.

Toby Melville/Reuters

Pelo lado financeirodas atividades

econômicas, criseé uma corridaforçada dos

agentes para aliquidez.

Page 10: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

10 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Na crise, convém incentivar o consumoou o investimento? ou ambos?

Francisco J. F. Barbosa

Obtemos melhores respostas partindo das observaçõesseguintes.

Primeira, toda crise tem origem na expansão anterior: no ex-cessivo endividamento dos consumidores e empresas, por ve-zes do governo, e também na excessiva alavancagem (endivi-damento) dos bancos. Em economia aberta, moeda local man-tida sobrevalorizada por muito tempo também motiva crise,em geral, grave.

Segunda, a crise é uma corrida dos agentes privados citadospara recuperar a liquidez perdida. O oposto ocorre na expan-são, na qual os agentes se endividam. A crise é a correção dodesequilíbrio concebido ao longo da expansão anterior. Comoem uma disenteria: corrige-se uma ingestão não saudável e po-de-se levar a uma desidratação séria.

Terceira, numa crise, o investimento diminui relativamentemais que a produção e esta mais que o consumo. Consequente-mente, os estoques são diminuídos. Na crise, as taxas reais de ju-ros costumam aumentar, pois os preços se reduzem mais rapida-mente que os juros nominais, especialmente os preços no atacado.Na expansão, o contrário: os preços aumentam mais rapidamentedo que os juros nominais. As taxas reais de juros, por isso, dimi-

nuem, tornando-se muitas vezes negativas. O gradualismo nagestão das tais "taxas básicas de juros", moda que a muitos agrada,agrava essas distorções. Faz com que o reajuste das taxas nomi-nais se torne mais lento do que aconteceria naturalmente.

Quarta, na crise, enquanto as taxas de juros das aplicações fi-nanceiras diminuem, os títulos de renda prefixada do mercadoantes emitidos, em especial os de prazos mais longos, valori-zam-se. Em consequência, o rendimento real dos aplicadoresnesses títulos aumenta e alcança patamares até bastante eleva-dos. Na expansão, ocorre o oposto. As taxas de mercado se ele-vam, consequentemente os títulos de longo prazo existentes nomercado perdem valor. O rendimento dos aplicadores nestes tí-tulos diminuem, por vezes levando-os inclusive a perdas.

Quinta, normalmente, a desativação, na crise, é rápida porquea motivação para desativar a produção é sempre forte, e desativá-la é fácil. Desativa-se produção de um dia para outro. O reequi-líbrio (mais que isso, o desequilíbrio em sentido contrário) se fazem pouco tempo. A recuperação, por seu turno, embora possa sedar de forma acelerada, por alguns motivos muitas vezes se con-suma lentamente. Este fato deixa a impressão de que superar crisedemora. Por outro lado, a desativação motivada por moeda local

Stan Honda/AFP

Na crise, como em uma disenteria, corrige-se uma ingestão não saudável e pode-se levar a uma desidratação séria.

Page 11: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

11NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

muito sobrevalorizada costuma ser lenta, porém levando a eco-nomia à situação negativa grave e duradoura.

Nas respostas às questões do cabeçalho, devemos distinguirduas coisas: uma é o país crescer dentro da capacidade de pro-dução existente; outra é crescer com aumento da capacidade.A capacidade ociosa do setor produtivo aumenta na crise. Seuauge acontece ao final dela. Diminui na recuperação seguinte.A recuperação é sempre crescimento dentro da capacidadeexistente, pois o investimento total durante a crise, e mesmo naprimeira fase da recuperação, é sempre pouco expressivo.Crescimento com aumento de capacidade acontece na faseadiantada da expansão.

Incentivar o investimento produtivo na crise, primeiro, é difí-cil. Primeiro, porque as empresas ou estão passando por dificul-dades financeiras ou já se tornaram líquidas, já superaram o pior,mas suas margens de lucro estão reduzidas, senão negativas. Asempresas em dificuldades financeiras preferem não assumir no-vos compromissos, para evitar complicações financeiras adicio-nais. Reconhecem baixas as taxas de juros nominais, porém ele-vadas as reais. Segundo, diante de capacidade ociosa expressivanão se motivam para aumentá-la ainda mais. Além disso, mesmona recuperação já iniciada, há muita incerteza quanto ao compor-tamento do mercado a seguir e quanto à capacidade financeirados clientes. Costuma ser relevante o receio de vender e não re-ceber. As empresas com boa liquidez financeira, por sua vez, alémde dispor de capacidade ociosa elevada, auferem rendimentocrescente nas aplicações de prazo longo prefixadas no mercadofinanceiro. E mesmo diante de baixo rendimento no mercado fi-nanceiro, esse mercado é preferível à perda na empresa. É co-mum, na crise, empresas bem capitalizadas tomarem recursos in-centivados, geralmente a taxas subsidiadas, para aplica-los nomercado financeiro a taxas mais elevadas (arbitragem), embol-sando a diferença entre as taxas. Crédito subsidiado é prática pro-motora de concentração de renda e injustiça social.

Por outro lado, investimentos novos nem sempre concor-rem de fato para minimizar a crise. Levam tempo para seremexecutados, e os desembolsos maiores a eles referentes acon-tecem já na fase adiantada da execução, muitas vezes em plenaexpansão seguinte. Revelam-se, nessa fase, motivo perturba-dor, inflacionário.

Aumentar o investimento público é a alternativa à falta do pri-vado. Porém, na crise, as rendas diminuem e, com elas, as arre-cadações. Nela também aumentam os gastos públicos com pro-gramas sociais. Muitas vezes, o governo não conta com sobras pa-ra financiar investimentos suficientes para motivar a reativação.Recorrer ao aumento do endividamento pode levar o governo àinsolvência, complicando o rearranjo econômico e o monitora-mento da inflação mais adiante. Por outro lado, nem sempre, noadiantado da crise, o governo tem os projetos prontos e aprova-dos para execução. Na expansão, as autoridades confiam na eter-nidade da boa fase, como se diz, será "sustentada". Não se pre-param para eventual fase negativa a seguir. Ocorre o mesmo pro-blema no investimento privado: o maior desembolso ocorre noadiantado das obras, provavelmente quando a crise já está supe-rada. Por exemplo, o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento)do governo brasileiro foi adotado para contornar a desativaçãoobservada em 2006-2007. Não serviu sequer para minimizar a de-

sativação de 2008-2010, nem mesmo a de 2011-2012.Por vezes, governos tomam medidas de caráter permanente

para solucionar problemas transitórios. Algumas experiên-cias nesse sentido tiveram final trágico, mundo afora (comu-nismo) e no Brasil (estatização de setores básicos).

O incentivo ao consumo no início da crise nem sempre ga-nha volume, pois os consumidores se acham endividados. In-centivá-los a tomar mais crédito empurra o problema para ofuturo, e o agrava (mas pode ajudar a vencer uma eleição antesdo seu agravamento).

Além disso, diante de desemprego, ou de risco de desem-prego, a propensão dos trabalhadores para tomar mais créditoé pequena. Na fase adiantada da crise, quando os consumido-res já recuperaram substancialmente a liquidez, o incentivo decrédito costuma ter resposta não desejada. Os recursos se adi-cionam às reservas acumuladas na fase anterior, fazendo comque a demanda seja exercida de forma mais acelerada do que serecompõe a oferta, realimentando a inflação. Não faltou mo-tivo, portanto, para a inflação ter mostrado as garras em todasas recuperações brasileiras. A última vez em 2010.

No caso de crise motivada pela moeda local ser mantida so-brevalorizada por muito tempo, quando parte substancial darenda interna é gasta no exterior, a resposta ao incentivo aoconsumo e/ou ao investimento costuma ser ainda pior.

Os incentivos ao consumo costumam ser direcionados aos se-tores que mais sentem a crise e, portanto, mais concorrem para asperdas de arrecadação tributária: geralmente aos produtores debens duráveis e de bens de capital. Os incentivos a tais setores im-plicam antecipação de demanda futura. Essa antecipação deixa aeles a impressão de demanda vigorosa, motivando-lhes novos oumesmo enormes investimentos. Num futuro adiante, a demandase contrai na proporção da antecipada e os setores se defrontamcom capacidade ociosa ainda maior. Diante dessa capacidadeociosa maior, é comum alguns desses setores buscarem as expor-tações, nem sempre viáveis, por questões internas ou externas.Neste caso, a capacidade ociosa expressiva costuma perdurar pormuito tempo, criando desbalanceamento duradouro do sistemaprodutor como um todo, causa de enorme desperdício de recur-sos. A experiência brasileira nessa ociosidade é antiga. Por exem-plo, a produção brasileira de caminhões de 1.980, incentivada, so-mente foi superada em 2004, portanto, vinte e quatro anos depois,e esteve a 1/3 por duas vezes nesse período. As característicasdesse setor não são hoje exatamente as mesmas, mas a produçãoobservada em 1980 poderá se repetir em 2012.

No Brasil, a excessiva volatilidade das atividades produti-vas, o retorno frequente de pressão inflacionária incômoda e odesbalanceamento do sistema produtor que, entre outros fa-tores também relevantes, implicam enormes desperdícios derecursos e baixo crescimento do País, decorrem da própria po-lítica econômica, inclusive a de incentivos.

Quando as políticas não levam aos resultados desejados, er-radas são as políticas, não os resultados. No Brasil, os resulta-dos nunca são os esperados e o País, por isso, cresce pouco, aossolavancos. Porque as mesmas políticas se repetem.

Portanto, não há que incentivar consumo nem investimen-to. Crise é como a concepção: quem não a quer, evita. É a melhoropção. Quem não evita "pari" uma.

Page 12: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

12 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Como evitar as crisesFrancisco J. F. Barbosa

Andrea Comas/Reuters

Os consumidores são mais sensíveis ao comportamento de emprego que às taxas de juros.

Crises são como a concepção: quem não quer, evita. Algu-mas evidências facilitam tratar o tema. Seguem abaixo.

1) Os consumidores são mais sensíveis ao comportamentode emprego que às taxas de juros. Os produtores, entre eles osdistribuidores, são sensíveis às taxas de juros em determina-das situações. Em outras, também não são. Os consumidoresrespondem às variações das taxas de juros após seu efeito noemprego, ou seja, seu efeito entre os produtores.

2) As crises são uma corrida dos agentes para a liquidez. Aofinal delas a liquidez é elevada e as taxas nominais de juros nor-malmente são muito baixas. Pode não ser baixas quando ma-nipuladas pelas autoridades monetárias.

3) Na expansão, os índices de preços subestimam a inflação,porque as condições comerciais ficam mais restritas, como pra-zos de pagamento mais curtos, menores descontos. Ocorre ooposto na crise.

4) As taxas de juros nominais costumam aumentar na expan-

são, porém mais lentamente que a elevação dos preços dos pro-dutos, ou seja, que a inflação, em especial os preços de atacado.Esse fato implica taxas reais de juros baixas ou mesmo negativasdesde o início até a adiantada expansão. Taxas de juros reais ne-gativas costumam motivar a busca especulativa de ativos reais.

5) A execução orçamentária dos governos centrais tem efei-to monetário importante. Dependendo de seu financiamento,a execução com déficit nominal pode adicionar demanda extrana economia; com superávit, pode subtrair parte dela, desdeque o valor do superávit seja em grande parte congelado, e nãodepositado em banco oficial para servir de lastro a seus aumen-tos de empréstimos.

6) Depósitos compulsórios dos bancos nos bancos centraistêm efeito monetário mais expressivo na contenção ou expan-são da demanda de crédito do que as variações nas taxas de ju-ros básicas. Primeiro, porque interferem tanto na disponibili-dade de crédito quanto nas taxas reais de juros; nestas, por efei-

Page 13: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

13NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

to da variação da disponibilidade. Segundo, porque as taxasde juros praticadas no mercado podem diferir muito da básica,e variações desta pouco interferem naquelas. Terceiro, porqueas alterações da taxa básica geralmente não acompanham as dainflação. Por isso, taxas reais costumam reduzir-se na expan-são e aumentar ao longo das crises, turbinando essas fases.Além disso, o mecanismo dos compulsórios é automático, temajuste imediato: mais empréstimos, mais depósitos, mais com-pulsórios, menos reservas nos bancos, menos empréstimos.Dispensa atas justificativas de elevado custo de elaboração nobanco central. Dispensa Copom e similares. A manipulação dataxa básica, por sua vez, não é automática, depende de avalia-ções e arbitragem, e não interfere na disponibilidade de crédi-to. A condição para os compulsórios funcionarem é a esterili-zação de seus valores.

7) Grandes diferenças entre as taxas reais de juros internas eas externas afetam o fluxo de capitais e este a taxa de câmbio,fazendo esta distanciar-se muito de seu ponto de equilíbrio.Manter a taxa de câmbio distante do equilíbrio por muito tem-po cria problemas para o bom andamento da economia real.

8) Incentivosfiscaisecreditícioscostumamsuperdimensionaros setores de produção incentivados, deixando-os mais tarde par-cialmente inativos por muito tempo, razão de desperdícios.

9) A análise conjuntural dos governos costuma ser deficien-te. Presumir, por exemplo, que controlar inflação é suficientepara estabilizar o nível de atividades é ingenuidade; que mi-nivariações na taxa básica de juro, esta distante das praticadasnos mercados de crédito, produzem efeito relevante no com-portamento da oferta e da demanda, também.

Essas evidências sugerem que, para evitar crises, ou pelomenos para minimizá-las, e para alongar a duração das expan-sões, o seguinte conjunto de medidas seria recomendável.

a) Regular a oferta monetária pelo mecanismo automáticodos compulsórios dos bancos, com esterilização dos valorescaptados.

b) Os governos adotarem execuções orçamentárias anticí-clicas, com esterilização ou liberação dos valores economiza-dos. Essa prática requer, para melhor aplicabilidade, baixo en-dividamento do setor público.

c) Os governos devem manter livres, isto é, em regime demercado, tanto taxas de juros como taxas de câmbio. Taxas dejuro e de câmbio são sensores naturais de regulação dos mer-cados relativamente eficientes. Presumir que sua arbitragempor burocratas é mais eficiente é mera pretensão. Crises emmuitos países demonstraram e ainda demonstram isso.

d) As crises, os governos devem deixar que se dissipem na-turalmente. Como nas expansões, cabe às autoridades infor-mar à comunidade por onde os desequilíbrios caminham e ca-minharão. As crises são automaticamente reversíveis, criamnaturalmente condições para a recuperação: reposição de es-toque minimizados, liquidez e oferta de crédito elevadas, ta-xas reais de juros muito baixas. E tais condições são criadasnum prazo relativamente curto, salvo no caso de crise devido àtaxa cambial mantida sobrevalorizada por muito tempo.

e) Não adotarem os governos, nas crises, medidas de exe-cução demorada, como grandes investimentos, pois os custose os desembolsos maiores a eles relativos costumam acontecer

já nas recuperações seguintes, após as crises superadas, comefeitos contrários aos desejados no pós-superação.

f) Disporem as autoridades de boa análise econômica, parapoderem oferecer aos agentes boa orientação sobre o andarcorrente e futuro da carruagem econômica local. Evitam-se, as-sim, desvios inconvenientes de suas expectativas e de suas de-cisões. Boa análise econômica serve também para tornar suasopiniões confiáveis. Com boa análise, os governos dispõem deelementos para se contrapor a opiniões que possam interferirno bom andamento das atividades. Boa análise econômica,contudo, requer bom conhecimento da origem das crises.

As economias se comportam como um pêndulo: em dese-quilíbrio, ganham forças capazes de fazê-las dirigir-se ao sen-tido oposto, passando pelo ponto de equilíbrio sem parar nele.Deixadas livres, as economias tendem a variar próximo desseponto. A arbitragem nos preços, como juros, câmbio e outros,costuma ampliar suas variações, causadoras de enormes des-perdícios, consequentemente, de menor crescimento. As reco-mendações acima minimizam tais variações. Evidentemente,bom desempenho das economias requer mais que isso. Re-quer, por exemplo, minimizar os desperdícios associados aquestões estruturais como burocracia, ineficiência do setor pú-blico, delinquência, sistemas de transportes, etc. Porém, mini-mizar as variações das atividades é um grande passo.

AFP

Setembro de 2008: manifestantes protestam em Wall Street.

Page 14: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

14 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Liz AldermanNew York Times News Service

Angelos Tzortzinis/N

Y Times

Ochefe do maior departamento de oncologia daGrécia, Dr. Kostas Syrigos, achava que já haviavisto de tudo. Mas nada poderia prepará-lo paraElena, uma mulher desempregada que recebeu

um diagnóstico de câncer um ano antes de vir até ele.Na época, o tumor havia chegado ao tamanho de uma laran-

ja e rompido sua pele, deixando uma ferida que a mulher se-cava com toalhas de papel.

"Quando a vimos, não sabíamos o que dizer", afirmou Sy-rigos, chefe de oncologia do Hospital Geral Sotiria, no centrode Atenas. "Todos ficaram chorando. Vemos esse tipo de coisanos manuais, mas nunca chegamos a ver isso na vida real, por-

que, pelo menos até agora, qualquer pessoa doente costumavareceber ajuda neste país." A vida na Grécia virou de cabeça parabaixo desde o início da crise da dívida pública. Mas em poucossetores a mudança foi tão dramática quanto na saúde. Até re-centemente, a Grécia possuía o típico sistema de saúde euro-peu, com empregadores e cidadãos contribuindo com um fun-do que, com a ajuda do governo, financiava a saúde pública euniversal. Os desempregados tinham acesso à saúde e ao se-guro desemprego durante um ano, mas continuavam a ser tra-tados pelos hospitais, caso não pudessem pagar pelo trata-mento após o fim do benefício.

Em julho de 2011 isso tudo mudou, quando a Grécia acei-

Desempregados paramde receber tratamento

médico na Grécia

Page 15: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

15NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

tou um empréstimo internacional para evitar o colapso fi-nanceiro do país. Agora, conforme estipulado pelo acordo,os gregos precisarão bancar todos os tratamentos após o fimdo seguro desemprego. Ou seja, aproximadamente metadedos 1,2 milhão de desempregados não possui acesso à saúdee esse número deve crescer dramaticamente em um paíscom uma economia moribunda, cuja taxa de desempregochega aos 25 por cento, afirmou Savas Robolis, diretor doInstituto do Trabalho da Confederação Geral dos Trabalha-dores Gregos. Um pacote de austeridade de 17,5 bilhões foirecentemente assinado com os credores da Grécia, impondonovos cortes orçamentários e aumentos de impostos, difi-cultando ainda mais a vida dessas pessoas, de acordo comos analistas.

As mudanças estão forçando um aumento no número depessoas em busca de ajuda fora do sistema de saúde tradi-cional. Elena, por exemplo, foi enviada a Syrigos por médi-cos em um movimento clandestino surgido no país para cui-dar dos necessitados.

"Neste momento, ser desempregado na Grécia é uma sen-tença de morte", afirmou Syrigos, um homem imponente e decomportamento severo, que se tornou cada vez mais doce àmedida que discutia a situação dos pacientes com câncer.

Essa situação é nova para os gregos – e, talvez, para o res-tante da Europa também.

"Estamos chegando à mesma situação dos Estados Uni-dos, onde os desempregados não têm acesso à saúde", afir-mou Syrigos.

Essa situação é especialmente delicada no tratamento con-tra o câncer, que é caro e demorado.

Quando pessoas sem seguro saúde recebem um diagnósticode câncer, "o sistema simplesmente as ignora", afirmou Syrigos.

"Não podem fazer quimioterapia nem cirurgias e não rece-bem medicamentos", afirmou.

O próprio sistema de saúde está entrando em colapso e a si-tuação pode piorar, caso o governo corte mais dois bilhões dedólares em gastos com a saúde, conforme proposto como partedo novo plano de austeridade, necessário para que o pais con-siga outro empréstimo. Com os cofres públicos esvaziados, osestoques de suprimentos estão tão baixos, que alguns pacien-tes foram forçados a trazer seus próprios equipamentos, comoendopróteses e seringas. Hospitais e ambulatórios agora co-bram pelos medicamentos, o que, no caso de pacientes comcâncer, pode significar dezenas de milhares de dólares, um di-nheiro que dificilmente possuem. Com o sistema em colapso,Syrigos e muitos de seus colegas decidiram resolver o proble-ma com as próprias mãos.

No começo do ano, criaram uma rede secreta para ajudar pa-cientes com câncer e outros enfermos sem plano de saúde, ope-rando fora do sistema oficial, com remédios doados por farmá-cias, indústrias farmacêuticas e famílias de pacientes que fa-leceram. Na Grécia, se um médico atende uma pessoa sem pla-no de saúde utilizando remédios do hospital, deve pagar oscustos do próprio bolso.

Na Clínica Social Metropolitana, um centro médico impro-visado próximo a uma base aérea americana abandonada nosarredores de Atenas, o Dr. Giorgios Vichas apontou recente-

mente para uma sacola plástica cheia de remédios doados nochão sujo em frente a seu consultório.

"Somos uma rede de Robin Hoods", afirmou Vichas, um car-diologista que fundou o movimento clandestino em janeiro.

"Mas nossas atividades estão com os dias contados", afir-mou. "Em breve, as pessoas não poderão mais fazer doaçõespor causa da crise. É por isso que estão pressionando o Estadoa tomar as rédeas da situação outra vez."

Na sala de suprimentos, um armário azul estava repleto demedicamentos para o tratamento de câncer. Mas eles não eramsuficientes para dar conta do número crescente de pacientesque recorrem à clínica. Muitos dos medicamentos são envia-dos a Syrigos, que criou há alguns meses uma enfermaria nohospital para tratar pacientes com câncer enviados por Vichase outros médicos da rede.

A equipe de Syrigos trabalha voluntariamente nos horáriosde folga e o número de pacientes cresceu de cinco para 35.

"Às vezes chego em casa exausta, vendo dobrado", afirmouKorina Liberopoulou, uma patologista que estava no local comcinco outros médicos e enfermeiros. "Mas enquanto tivermos ma-terial para trabalhar, a clínica vai continuar de portas abertas."

De volta ao centro médico, Vichas afirmou que nunca ima-ginou um número tão grande de pessoas necessitadas.

Quando falava, apareceu Elena, cobrindo a cabeça com umlenço cinza e vestindo uma camisa larga. Ela vinha pedir me-dicamentos para ajudar com os efeitos colaterais causados pe-la quimioterapia que acabava de receber de Syrigos.

Elena afirmou que ficou sem plano de saúde depois de dei-xar o emprego como professora para cuidar do câncer de seuspais e de um tio doente. Quando eles morreram, a crise finan-ceira havia atingido a Grécia e, aos 58 anos de idade, era im-possível encontrar um emprego.

Ela entrou em pânico quando descobriu que tinha o mesmotipo de câncer de mama que havia matado sua mãe. Os trata-mentos custariam ao menos 40 mil dólares, afirmou, e o dinhei-ro de sua família havia acabado. Ela tentou vender um peque-no terreno, mas ninguém está comprando.

O câncer se espalhou e ela não conseguia encontrar tratamentoaté alguns meses atrás, quando procurou a clínica clandestina deVichas, depois de ouvir a respeito dela pelo boca a boca.

"Se não pudesse vir para cá, não haveria mais nada a fazer",afirmou. "Hoje na Grécia, é preciso fazer um acordo consigomesmo para não ficar muito doente."

Elena ficou consternada com a maneira como o Estado gregofoi capaz de abrir mão de uma das principais proteções de sua po-pulação para conseguir um empréstimo. Mas ela fica esperanço-sa, quando pensa no fato de que os médicos e a população gregaestão se organizando para ajudá-la onde o Estado a abandonou.

"Veja, essa é uma pessoa que se importa", afirmou Elena.Para Vichas, a terapia mais poderosa pode não ser a medi-

cina, mas o otimismo que seu grupo de Robin Hoods traz àspessoas que estavam prestes a desistir.

"Essa crise nos aproximou", afirmou."Isto é a resistência", acrescentou, apontando os voluntários

e os pacientes que enchem a clínica. "Isto é uma nação, um povocapaz de se apoiar nos próprios pés com a ajuda que cada pes-soa dá e recebe."

Page 16: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

16 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

O Brasil saindo do atoleiroCarlos Ossamu

OBrasil vai crescer poucoacima de 1% este ano, umdesempenho fraco, masnão se vê, nem no gover-

no e nem na iniciativa privada, cara dedesânimo. Ao contrário, todo mundoparece otimista e confiante, inclusive osconsumidores e a população em geral.Para Octávio de Barros, economista-chefe do Banco Bradesco, todos os indi-cadores mostram que o Brasil vai darum salto em 2013, crescendo 4%, ou atémesmo 4,5%. "O Brasil vai crescer esteano o que o mundo está permitindo.Não faz sentido achar que o País pode-ria pisar no acelerador com o mundo pi-sando no freio", disse o economista empalestra na Associação Comercial deSão Paulo no fim de setembro. "2012 éum ano que já foi, é um ano para ser es-quecido – 1,6% é um crescimento possí-vel, mas para o ano que vem temos pelomenos 4%", afirmou na época.

Segundo Barros, basta olhar os dadosdo ICBr (Índice de Commodities), que éuma espécie de PIB mensal calculadopelo Banco Central do Brasil, e comparar com as exportaçõesmundiais para perceber que há uma relação intensa entre o queacontece globalmente e no Brasil. "A previsão é de que as ex-portações brasileiras tenham crescimento zero ou até negati-vo, parecido com as exportações mundiais – o comércio mun-dial terá crescimento zero este ano", afirmou.

Para o economista do Bradesco, no cenário global, até poucotempo atrás havia um ambiente recessivo, combinado com aaversão ao risco, configurando uma situação dramática. "O queestamos vendo agora é que essa aversão ao risco está sendo dis-sipada depois da intervenção do Banco Central Europeu. Os in-dicadores que mais bem traduzem isso são os papéis de curtoprazo dos Títulos do Tesouro da Alemanha, da França, da Ho-landa, da Suíça, que pagavam juros nominais negativos - é comose o cidadão europeu pagasse para o governo para que ele guar-de o seu dinheiro", exemplificou Barros. Depois da intervençãode Mario Draghi (presidente do Banco Central Europeu), estespapéis começaram a entrar no terreno positivo. Para Barros, esteé um sinal inequívoco que essa aversão ao risco está diminuin-do. "A mensagem dada pelos bancos centrais do mundo é bemclara: ponha o dinheiro para trabalhar, porque ele vai ficar trêsou quatro anos com rendimento negativo. O Ben Bernanke, do

BC dos EUA, já disse que mesmo que aeconomia americana retome o seu cresci-mento, a taxa de juros será zero nos EUAaté 2015", observou Barros.

"Temos indícios bastanteimportantes de mudança no

modelo chinês"

Em sua opinião, a crise americana,que começou em 2008, está em fase fi-nal, faltando ainda alguns ajustes fis-cais. Já a crise europeia, após a inter-venção de Mario Draghi, entrou em no-va fase, mas ainda longe de seu fim. "Adúvida que eu tenho é se está entrandono radar um terceiro elemento, que nãoclassifico como crise, mas uma certafraqueza chinesa. Temos indícios bas-tante importantes de mudança no mo-delo chinês, em grande medida pelaperda de seu principal mercado, que é aEuropa, que é mais importante para aChina que os EUA. Isso vem junto comuma mudança no modelo de desenvol-

vimento chinês, migrando gradualmente de um modelo es-sencialmente exportador para um modelo mais voltado parao consumo doméstico, com redução de poupança e um cres-cimento menor da economia", observou Barros.

Luiz Prado/Luz

Octávio de Barros: forte crescimentoda economia brasileira em 2013.

Foto de Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem com arte de Zilberman

Page 17: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

17NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Ele explicou que países que se voltam para fora, com ex-portação, apresentam o câmbio mais depreciado, os custossão menores e a inflação é mais baixa. Países que se voltamessencialmente para dentro, para o consumo interno, o setorde serviços é o que se desenvolve mais, tem pressão de sa-lários, redução de poupança e, portanto, um crescimentomenor. A China estaria nesta fase de transição. "A transiçãona China é muito lenta, mas já há sinais de que ela deveráconvergir para taxas menores de crescimento – a China cres-cendo de 5% a 6% é algo que parece simples, mas não é, poisafeta o mundo todo, estamos falando do maior compradorde bens e serviços do planeta. O Brasil é muito sensível à Chi-na, que é o nosso maior parceiro comercial na importação eexportação", alertou Barros.

"Todos os indicadores antecedentesestão mostrando que a economia brasileira

está em processo de recuperação"

No Bradesco, Octávio de Barros comanda uma equipe de 30economistas, que tem a tarefa de entender os cenários atuais eavaliar as tendências. Entre as pesquisas internas, há uma reali-zada desde 2005 com 2.500 empresas de todos os setores. "Nósnão temos dúvida nenhuma, pois todos os indicadores antece-dentes estão mostrando que a economia brasileira está em pro-cesso de recuperação – a questão agora é a intensidade desse pro-cesso. A metáfora que podemos usar é a de um carro no atoleiro,a roda girando em falso e de repente ela pega tração, sai muitoveloz e depois, eventualmente, terá até de frear. É exatamente issoque está acontecendo", disse.

Segundo Barros, de uma forma geral, o setor industrial estásatisfeito com o posicionamento do governo – o BNDES comjuro real negativo, a Selic com juro real abaixo de 2%, taxa decâmbio próxima do ideal para a comunidade empresarial, umprotecionismo ainda elegante, o anúncio da redução da tarifada energia elétrica, a desoneração dos tribu-tos, como IPI, a desoneração na folha depagamento etc. "Tem um conjunto de

iniciativas que foram conquistas dos setores produtivos, dosindustriais em particular. É isso que começa a dar alguma tra-ção para o carro sair do atoleiro".

Para ele, a indústria se recupera em 2013, a despeito do cenárioglobal ainda medíocre, graças aos estímulos concedidos e pelocâmbio desvalorizado, ainda que isso afete, no curto prazo, o se-tor industrial, já que 40% das indústrias brasileiras mudaram nosúltimos cinco anos sua estrutura de fornecedores, trabalhandocom fornecedores de fora do Brasil. Agora, com o câmbio depre-ciado, todos tentam recuperar os fornecedores domésticos. "Pas-sada essa fase mais crítica, a nossa visão é que o câmbio depre-ciado é sim um vetor de retomada da indústria. Os juros estão me-nores, temos ainda um protecionismo elegante – isso nos leva aum cenário de crescimento de 3,5% na produção industrial, pa-rece muito para alguns, mas não é", disse.

"A estimativa é que vamos ter um recordede produção e uma renda agrícola

bastante generosa no ano que vem"

Na agricultura, na opinião de Barros, 2013 será um dosmelhores anos no setor de grãos, por conta dos preços quevão se manter bons e também pelo fenômeno climático ElNiño, que garante chuvas regulares. "Isso não vale para acarne – quando o grão vai bem, a carne vai mal, porque é cus-to. Mas a estimativa é que vamos ter um recorde de produ-ção e uma renda agrícola bastante generosa, com o setor in-do muito bem no ano que vem", previu

Para o economista do Bradesco, o clima atual é de otimismo."Os estoques para toda a indústria estão voltando à normali-dade, não temos nenhum setor relevante que tenha estoqueelevado. O índice de confiança da CNI também mostrou umavirada em setembro; o índice de confiança dos empresários daconstrução civil já subiu em agosto, de acordo com a Abramat.A produção industrial cresceu, só no mês de agosto, 1,8%, um

crescimento muito forte. O índice de confiançado comércio da CNC também deu uma vi-

rada positiva", comentou.

Page 18: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

18 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Carlos Ossamu

SXC

GÁS COMBUSTÍVEL:ainda falta estratégia

Page 19: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

19NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

OGoverno Federa l não es táolhando para o que vem acon-tecendo no mercado interna-cional de gás, que sofreu gran-

des transformações nos últimos anos. O mer-cado brasileiro está estagnado há anos e o se-tor merecia uma política mais clara e até umpacote de incentivos, como os anunciadospara o setor elétrico, indústria automobilísti-ca e infraestrutura. Esta éa opinião de Adriano Pi-res, sócio-fundador e di-retor do Centro Brasilei-r o e I n f r a e s t r u t u r a(CBIE), que participou,no fim de setembro, deum seminário que deba-teu o crescimento e os ru-mos do setor de gás com-bustível no Brasil, reali-zado pelo Conselho deInfraestrutura da Asso-ciação Comercial de SãoPaulo (ACSP). Para Pi-res , a ofer ta mundialvem crescendo rapida-mente e o mundo viverá em breve um boomde consumo de gás, já que entre os combus-tíveis fósseis, ele é o menos poluente.

Acompanhe a seguir os principais trechosda palestra ministrada pelo diretor da CBIEno evento.

Falta de política pública

Parece-me que falta uma visão estratégicado governo em relação ao gás natural, quiçá, detodo o setor de energia no Brasil. O Brasil é umpaís privilegiado, porque tem uma grande di-versidade de fontes de energia, talvez seja opaís que tenha a maior diversidade dentre ospaíses emergentes. Talvez por falta de uma po-lítica pública mais consistente e que promovaesta interação entre as diversas fontes de ener-gia, o País não aproveite de maneira ideal as ri-quezas que a natureza nos proporcionou.

No tocante ao gás, por que falta visão estra-tégica? A minha percepção é que o GovernoFederal não está olhando o que está aconte-cendo no mundo do gás, que sofreu grandestransformações nos últimos anos. O gás na-tural, que não era uma commodity, cada vezmais se transforma em uma. Evidentementeque ainda não tem preço de commodity, pois

os preços ainda são muito regionais – preçosbaratos nos EUA, Colômbia, México; preçoscaros no mercado asiático, europeu e brasilei-ro –, mas eu acho que há uma tendência de tercada vez mais uma competição gás-gás e ogás ir se transformando numa verdadeiracommodity. Isso vem ocorrendo há algunsanos e tem feito com que a oferta de gás tenhaaumentado muito no mundo.

Seminário sobre osrumos do gás

combustível noBrasil, realizado naACSP: na foto, daesquerda para a

direita, Alencar Burti,Luiz Gonzaga Bertelli

e Adriano Pires.

L.C. Leite/Luz

Evolução tecnológica

Primeiro foi o movimento do GNL (Gás Na-tural Liquefeito), uma tecnologia com preçoscompetitivos para transformar o gás em um lí-quido, transportar por navio e levar até osgrandes centros consumidores. Até então,quando se descobria gás, tinha que ter um dutopara levá-lo. Com o GNL, se viabilizou uma sé-rie de reservas do mundo, que antes não erameconômicas e passaram a ser. Vemos hoje gran-des investimentos ocorrendo na África, empaíses como Moçambique, Tanzânia, Congo,Uganda, muito na direção de procurar gás.

Outra grande revolução que estamos vendoacontecer é o shale gas (gás de xisto) no merca-do norte-americano. Realmente é uma trans-formação sem tamanho, pois 23% do consumodo mercado americano vem do shale gas, a pre-ços absurdamente baixos – 2,2 a 3 dólares, e háprojeções para 2023 de 4 a 5 dólares o milhão deBTU. Isso está dando uma maior independên-cia energética para o mercado americano eatraindo de volta uma série de empresas, alémde gerar empregos.

Estes dois fatores, o GNL e o shale gas, pro-moveram uma grande oferta de gás no mundo,que está passando por grandes transformações

Page 20: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

20 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

– a gente está vendo a Argentina descobrindograndes reservas de shale gas, além de outrospaíses. Fala-se também que esse shale gas temgraves problemas ambientais, pois a sua ex-ploração poderia comprometer lençóis freáti-cos. Mas os americanos afirmam que, como eleé muito barato, se conseguirá resolver estasquestões de barreiras ambientais.

Combustíveis fósseis em alta

A gente está vendo o mundo não só indo pa-ra o shale gas, mas o próprio petróleo vemapresentando um boom de produção – petró-leo e gás natural. No início dos anos 2000, sefalava que estávamos vivendo o pico da pro-dução de óleo no mundo e parece que agoraisso não é mais verdade, pois se tem uma sériede reservas que podem ser exploradas – é o pe-tróleo no Ártico, o shale gas nos Estados Uni-dos, o pré-sal brasileiro, o pré-sal na costa daÁfrica, no Golfo do México. Parece que, maisuma vez a história se repete, parece que o pe-tróleo é que substitui o petróleo. Tem até gentefalando que as chamadas energias limpas es-tariam sendo adiadas a entrar na matriz ener-gética mundial em função dessas grandesdescobertas de gás e de petróleo.

No que se refere ao gás, me parece que omundo vai viver um grande boom de consu-mo, porque a oferta está crescendo muito e ogás tem uma característica que agrada, poisnão é tão poluente quanto o petróleo – dosfósseis, é o mais limpo. Acho então que va-mos viver, em nível planetário, um grandeboom de consumo de gás. Tecnologias comoGTL (Gas to Liquid) vão ser viabilizadas enos EUA o shale gas já começa a substituir odiesel nos caminhões.

Esta grande transformação no mercadomundial de gás não está sendo absorvida peloGoverno brasileiro. A gente olha para o Brasil evê o mercado de gás estagnado, ele não cresce.Tem uma série de razões, não é exclusivamenteuma questão de preço. Claro que preço é umaquestão importante – o preço do gás no Brasil émuito caro quando comparado a outros países.O fato é que temos o problema de falta de con-corrência na oferta de gás. Há uma legislaçãoque, em minha opinião, não funciona bem ain-da, não promove a concorrência na produçãode gás e não incentiva o seu consumo regular.Tudo isso tem atravancado o mercado de gásno Brasil e faz com que ele fique estagnado.

Pacote do gás

Acho que o governo deveria lançar um pa-cote para o setor de gás. Esse pacote deveria teralgumas providências. A primeira é trabalharo aumento da oferta de gás no Brasil. Para isso,precisamos voltar a ter leilão. Há quatro anos aANP não faz leilão de bloco de petróleo e gás.Em um evento no Rio de Janeiro, o ministro deMinas e Energia anunciou um leilão em maiono pós-sal, e provavelmente um em novembrono pré-sal, caso se esteja resolvida a questãodos royalties. Não está assegurado que irá ha-ver o leilão. Mas acho isso fundamental, pois oBrasil está perdendo muito espaço, muito in-vestimento por não realizar leilão.

Enquanto o Brasil fechou mercado depoisque anunciou a camada pré-sal, outros paísesabriram o mercado. Tem a Colômbia, que estáproduzindo 1 milhão de barris por dia (antes,em 2004, produzia 500 mil barris); tem leilõesacontecendo no Golfo americano; tem leilõesacontecendo na África. Essas empresas, que po-deriam colocar esses recursos no Brasil, estão in-vestindo em outros países pela falta de oportu-nidade no mercado brasileiro. Estamos perden-do dinheiro, não estamos gerando empregos,estamos perdendo a oportunidade de aumentaressa reserva de gás e petróleo e a produção.

Então, a primeira providência que deveriahaver em um pacote dessa natureza é promo-ver, urgentemente, a volta dos leilões, para queo Brasil participe dessa rota de investimentosdas empresas petroleiras. As supermajors em2012 devem investir algo em torno de 98 bi-lhões de dólares. Estou falando de Shell, ExxonMobil, ConocoPhilips, Total, Chevron. Desses98 bilhões de dólares, muito pouco vai ser noBrasil, ou quase nada. Isso porque a gente fe-chou o mercado, em minha opinião de formaequivocada, porque o governo achava na épo-ca que o pré-sal era a última grande fronteira deexploração de petróleo no mundo. A partir de2008, se mostrou que isso não era verdade, aocontrário, outras áreas do planeta descobriramgrandes reservas, principalmente dos chama-dos petróleo e gás não convencional.

Outro ponto do pacote é a questão do preço.Por que eu disse que tem de aumentar a oferta?Porque o preço só cai quando tem oferta maior.Por que o preço caiu nos EUA? Porque a ofertade gás está maior do que a demanda. Agora, omercado americano está tentando construiruma curva de demanda. Hoje se vê nos EUA

No que se referea gás, me parece que omundo vai viver umgrande boom deconsumo de gás, porquea oferta está crescendomuito e o gás tem umacaracterística queagrada, pois não é tãopoluente quanto opetróleo – dos fósseisé o mais limpo.

Page 21: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

21NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

usinas térmicas a carvão sendo convertidas pa-ra gás, a volta de empresas petroquímicas, alémde uma série de empresas em que o gás é maté-ria-prima, um insumo energético fundamental.Nós temos então que aumentar esta oferta.

O gás brasileiro

O Brasil tem características muito particula-res na produção de gás natural. Em sua grandemaioria é associado ao petróleo, como será ogás do pré-sal. No fundo é um subproduto dopetróleo, mas o que viabiliza o campo não é ogás, é o petróleo. Se formos bastante radicaisconceitualmente, poderíamos dizer que o cus-to marginal desse gás tende a zero. Mas a gentenão pode jogar fora esse gás por vários moti-vos, primeiro porque é um produto nobre, omundo todo está cada vez mais voltado a con-sumir gás e existem as razões ambientais. Emminha opinião, se deveria levar em conta noBrasil o fato de termos esse gás associado.

O Brasil importa gás e este ano em um volumeimportante por causa da grande seca que vematingindo o setor elétrico – as usinas térmicas agás estão todas sendo acionadas. Mas de qual-quer forma, acho que o Brasil poderia seguir oexemplo da Colômbia. Lá, a Ecopetrol vende gásassociado a petróleo 50% mais barato do que ogás não associado. Acho que esses investimen-tos para trazer o gás do mar – o gás brasileiro écaro porque vem lá do mar, a infraestrutura paratrazer o gás para o mercado consumidor é cara –,essa infraestrutura deveria ser financiada pelopetróleo e não pelo gás. É o petróleo que promo-ve a exploração daquele campo. Há um equívo-co aqui, que poderia ser corrigido, principal-mente se levarmos em consideração que o negó-cio gás na Petrobras é muito pequeno para o ta-manho da companhia. Será que vale a pena agente subsidiar gasolina e diesel e colocar preçode mercado internacional para o gás? Se a Petro-bras aumentasse 4 ou 5 centavos o preço do litroda gasolina ou do diesel, ela poderia tranquila-mente reduzir o preço desse gás associado, queno final das contas acho que ela ganharia receita,lucratividade, ao invés de perder. Então, é umequívoco, em minha opinião, o governo subsi-diar a gasolina e o diesel. E ainda tem o efeito co-lateral ruim de estarem acabando com o etanolpela segunda vez (a primeira foi na década de80), já tem 40 usinas fechando ou à venda em SãoPaulo. Isso é outra providência que deveria sertomada neste pacote do gás.

Shale gas

Um terceiro ponto é esta questão do gás dexisto, o shale gas, no Brasil. Acho que deveriase criar uma legislação específica para essatecnologia. Nos EUA, para se chegar a essaprodução que tem hoje, foram dadas algumasbenesses para os pequenos produtores. É in-teressante citar que o shale gas nos EUA foi de-senvolvido por pequenas e médias empresas,não foram as grandes petroleiras. Hoje, essasgrandes estão no mercado, em particular a Ex-xon Mobil, que comprou a maior produtorade sale gas, a XTO.

Acho que valia a pena pensar em fazer umalegislação e leilões específicos. Quem sabe ogás que vem on shore no Brasil ou gás de xistopudessem ter royalties diferenciados do queaquele produzido de forma convencional. Épreciso estudar esta questão. O governo preci-sa se debruçar sobre isso, pois é um evento queestá acontecendo no mundo inteiro, nós nãopodemos ficar para trás. O governo não podedizer que esse negócio de shale gas é bobagem,que tem país proibindo. A gente tem de estudarisso, ver até que ponto essa questão ambiental éum impeditivo, quais são as dificuldades.

Aumentar a oferta

Um quarto ponto é a criação de mercado. Temque criar mercado para gás; se não tiver mercado,não adianta produzir, vai vender para quem? Aempresa está produzindo gás, fura na Bacia do

José

Pau

lo La

cerd

a/A

E

A Petrobras,quando tem que

importar gás e levarpara as usinas

térmicas, tem umprejuízo enorme.

Se fosse umaempresa privadatinha quebrado.

Page 22: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

22 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

São Francisco, uma área promissora hoje em ter-ra, descobre gás e vende para quem? Primeiroque não tem duto; segundo, não tem mercado. Agente precisa criar mercado para incentivar umamaior oferta de gás e investimento. Acho queneste ponto, o setor elétrico tem um papel muitoimportante. É preciso rever essa regulação no se-tor elétrico no sentido de colocar algumas ter-moelétricas a gás na base do setor.

Por que é importante rever isso? Olhando ho-je o setor elétrico, sua expansão está se dandocom hidrelétrica fio d'água, com energia eólica,um pouco de biomassa. Mas, de qualquer for-ma, aquela função que a gente tinha antigamen-te de hidrelétricas com grandes reservatóriospara regularem o sistema elétrico, isso está aca-bando, pois as usinas a fio d'água não vão ter es-sa capacidade de regular o sistema elétrico. Umexemplo é Belo Monte, com capacidade de maisde 11 mil megawatts, mas de energia asseguradatem 4 mil megawatts. Em período de chuva elagera muita energia, em período de seca não vaigerar nada. E quem então vai exercer esse papelde regular a oferta de energia elétrica daqui parafrente? Não tem alternativa senão a usina térmi-ca. Eólica não faz isso, ela é ótima, é boa, mas nãotem essa característica; e nem o bagaço, a bio-massa. Então, em minha opinião, é o gás. Se vocêcoloca gás na base do sistema elétrico, se começaa ter um consumo regular de gás, que incentiva oinvestimento para descobrir gás, incentiva a dis-cutir outros preços. Hoje, há uma deturpação to-tal. A Petrobras, atualmente, quando tem queimportar esse genérico e trazer para as térmicas,tem um prejuízo enorme. Só a Petrobras pode teresse prejuízo, se fosse uma empresa privada ti-nha quebrado. Imagine fornecer gás a 6 ou 5 dó-lares por milhão de BTU, não dá. Essas coisasprecisam ser mudadas.

Vai, não vai

Outro mercado que me preocupa é o mercadoda cogeração. Brinco que a cogeração é aquelanovela que nunca vai ao ar, nunca estreia. Háanos que estou esperando a novela entrar no ar,mas ela não entra. Esse pacote de energia elétricalançado pelo governo é mais um complicadorpara a cogeração, pois se vai baixar preço daenergia elétrica, se vai mais uma vez trabalharno sentido de inviabilizar a cogeração a gás. Épreciso tomar providências em relação a isso.Nessa questão da cogeração, acho que não é sóreclamar para o Governo Federal – tem essa ma-

nia de só culpar o Governo Federal, até porque oBrasil neste sentido está muito atrasado. A gentecontinua tendo uma política energética centra-lizada em Brasília, como no regime militar, tudoé decido por três ou quatro cabeças privilegia-das. Acho que deveríamos descentralizar essapolítica energética, como acontece nos EUA. OBrasil é um país continental, somos muito pare-cidos com os EUA neste sentido, no entanto, agente continua centrado em Brasília.

Nesta questão de cogeração, nós devería-mos cobrar dos prefeitos um comprometimen-to com essa questão. Uma cidade como SãoPaulo não aguenta mais ligar na rede públicanovos shopping centers, novos empreendi-mentos comerciais e residenciais. Deveria seter uma legislação que dissesse que qualquerempreendimento acima de X megawatts, temque cogerar, se não o fizer, não tem alvará paraconstruir. Acho que a cogeração envolve mu-nicípio, governos estadual e federal.

Desinvestimentos

Outro ponto reside na distribuição, atualmen-te um pouco amarrada por essa questão de só terum ofertante. Hoje, a maior parte das distribui-doras no Brasil tem a presença, para o bem e parao mal, da Petrobras. A Petrobras tem anunciadoum programa de desinvestimento. Uma que eladeveria fazer é vender toda a sua participaçãonas distribuidoras de gás. Acho que não faz sen-tido a Petrobras ter participação em distribuido-ra de gás, até no sentido do crescimento dessemercado. A gente sabe que países onde o merca-do de gás está mais maduro, uma das medidastomadas foi o unbundling – quem distribui nãopode produzir e não pode transportar.

Aí eu chego na questão do transporte, na leido gás, que tanto trabalhamos para ser aprova-da. A questão transporte também precisa fazerparte desse pacote. É necessário criarmos umoperador nacional para o sistema de transportede gás no Brasil. Se não criarmos esse negócio,também não avançaremos no mercado nacionalde gás. Não quero dizer com isso que tem de de-sapropriar o patrimônio da Petrobras, longedisso. Acho apenas que poderíamos copiar oque acontece no setor elétrico, onde o dono dogasoduto continua sendo a Petrobras, masquem opera é uma entidade independente, paraque aí sim a gente consiga que funcione bem es-sa questão do livre acesso, de otimizar e incen-tivar a construção de gasodutos.

Mar

lene

Ber

gam

o/Fo

lhap

ress

Page 23: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

23NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Vontade política

Eu sempre coloco que a solução não é difícil,só é preciso ter vontade política, tem que ter po-lítica pública. O mais difícil o Brasil tem, que é aenergia primária. Temos água abundante naregião Norte, temos vento no Nordeste, bio-massa, gás e petróleo no Sudeste, temos vento ecarvão no Sul. O mais difícil a gente tem, o Ja-pão não tem nada, tem que comprar de todomundo. A Rússia tem muito petróleo, mas nãotem essa diversidade de fonte energética e nemtem essa dispersão regional como o Brasil. Essadispersão regional é que deveria servir de basepara descentralizar essas decisões de políticaenergética de Brasília na direção dos governosestaduais e até municípios.

Como foi dito, existe uma complementarie-dade entre o gás natural e o LP gás. Muita gentecoloca, de maneira equivocada, que existe umacompetição. Sempre defendi que existe umacomplementariedade – o próprio LP gás foi pio-neiro para abrir mercado para a chegada do gásnatural. É preciso que as entidades de gás natu-ral e do LP gás conversem mais. O Brasil tende aproduzir mais LP gás, as importações estão

caindo. É esse tipo de política que temos de pro-curar, uma política de complementariedade en-tre as fontes de energia que o Brasil possui. Agente não pode insistir em política energéticaque eleja a energia da vez – uma hora é o etanolque vai resolver o problema, outra hora é o ven-to e o solar começa agora a entrar na moda.

O Brasil é um país em que a demanda de ener-gia vai continuar crescendo. Estamos, porexemplo, impressionados com o mercado decombustível no Brasil. A gasolina cresceu noprimeiro semestre 13%, o diesel, 7%, para umPIB que não vai dar 1,5%. Nós não estamos apro-veitando a oportunidade de criar investimentocom esse crescimento de mercado. Imagine se ti-véssemos uma política de preços que seguissetendências do mercado internacional, os inves-timentos privados que já teriam acontecido noBrasil em construção de refinaria, construção determinais para importação de derivados de pe-tróleo, mas que não acontecem porque o gover-no resolveu fechar o mercado, prejudicandoprincipalmente a Petrobras, que é a grande ví-tima. A gente olha para o balanço da empresa noprimeiro semestre de 2012, o segmento de abas-tecimento, onde se contabilizam essas perdas,deu um prejuízo de mais de 11 bilhões de reais.Precisamos rever isso, estamos perdendo opor-tunidades de investimentos.

O mundo está procurando bons projetos, acrise não é de liquidez, o mundo está líquido.Conversando com investidores, todos estãoprocurando bons projetos para colocar dinhei-ro. E energia é um dos melhores projetos domundo. E num país que tem uma perspectivade demanda como o mercado brasileiro, é me-lhor ainda. Mas não temos política pública pa-ra atender isso. O setor de petróleo poderia daruma contribuição gigantesca para o cresci-mento do PIB, e o gás natural também. É pre-ciso que o governo volte a ter uma visão estra-tégica do setor, retome a questão do planeja-mento estratégico; não é criando empresa esta-tal que se planeja, é tendo política pública.Continuo otimista, porque este país é muito ri-co em recursos naturais, um dos mais ricos domundo, e se a gente tiver política pública e juí-zo, vamos chegar ao topo das grandes naçõesmundiais. Nos últimos três séculos, só um paísapresentou as características que o Brasil apre-senta hoje e ele se chama Estados Unidos daAmérica. Se quiser, o Brasil hoje poderia ter in-dependência alimentar e energética, pois te-mos os recursos naturais necessários.

No mundo, osinvestidores estãoprocurando bons

projetos para colocardinheiro. E energia é

um dos melhoresprojetos do mundo.

Na foto, duto dechegada de gás

natural na refinariade Paulínia, interior

de São Paulo.

Page 24: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

24 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Gás naturalcaro poderáviabilizar o xisto

Eule

r Pai

xão/

Hyp

e

Luiz Gonzaga BertelliConselheiro e diretor daFiesp-Ciesp; vice-presidenteda Associação Comercialde São Paulo (ACSP) epresidente executivo do CIEE

Opreço do gás natural no Brasil já alcança 9 dólares por milhãode BTUs, unidade usada para medir o combustível gasoso.Ao contrário, nos Estados Unidos, o preço já caiu 75%, de 12para em torno de 3 dólares por unidade.

Isto se deve, fundamentalmente, pela estrutura do mercado americano,competitiva e eficiente, composta de 6 mil distribuidoras espalhadaspelo País.

Para o preço diminuir, entre nós, haverá a necessidade de mudança dapolítica dos preços dos combustíveis, líquidos ou gasosos, praticada pelanossa principal estatal. Para o professor Adriano Pires, da UFRJ, a atualpolítica de preços já ultrapassou os limites do bom senso. O especialistalembra que desde 2009 a produção de petróleo da Petrobras está estagnada.

Muitas indústrias já estão adiando a implantação de seus projetos devidoao atual preço do gás, procedendo a sua transferência ao Méxicoou à grande Nação americana.

Da mesma forma, o gás natural no Brasil é mais caro que o gás adquiridopelos nossos competidores industriais diretos, no caso as organizações fabrisda cerâmica, vidro, papel, celulose, têxtil, alumínio e outras. Tais indústriasnacionais não possuem condições de concorrência com o similar estrangeiro,devido ao atual preço do insumo fornecido pela Petrobras, em todas as suasfases: extração, importação, distribuição e transporte.

Cresce, ademais, nos EUA, a extração do gás do xisto betuminoso (shalegas). As previsões, se confirmadas, permitirão o abastecimento regular dogás do xisto às indústrias americanas pelos próximos cem anos, com ageração de 1 milhão de empregos até 2035. Xisto é uma rocha metamórfica,

Milton Michida/AE

Page 25: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

25NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

de origem sedimentar e baixo teor de óleo. Dela se pode tirar o gás natural,injetando no solo uma mistura de água e outros produtos.

O Brasil dá os primeiros passos na exploração do gás de xisto. Em todos osEstados brasileiros existe a possibilidade de algum afloramento de xisto, porpequeno que seja. No Vale do Paraíba, já foi comercialmente explorado empequena escala. Hoje, a única extração existente é feita pela Petrobras em SãoMateus do Sul (PR).

A grande limitação do gás de xisto é o impacto sobre o entorno, tanto nasua extração quanto no seu manejo, prejudicando lençóis hídricos.

No tocante ao uso do gás natural no Brasil, no mês de outubro deste ano,cresceu exponencialmente, em mais de 40%, quando comparado com o igualperíodo de 2011.

Isto é decorrente do acionamento das usinas térmicas movidas com o gásnatural, a fim de suprir a menor produção das hidroelétricas, que seencontram, atualmente, devido à falta de chuvas, com os seus reservatóriosde água incompletos.

Essa situação repercute no aumento das importações do gás bolivianoe nos recordes da demanda, prestes a alcançar 100 milhões de m³ diários.As importações bolivianas já encontrar-se-iam em sua capacidade máxima.Ligadas, no sentido de evitar apagões, as usinas térmicas já estariamrespondendo por mais de um terço do uso total do combustível (38 milhõesde m³). Todas as térmicas produzem juntas perto de 8 mil MW, atualmente.

Se persistir a falta de chuvas nos tanques das hidroelétricas, haverá,ademais, a imprescindibilidade do acionamento das usinas térmicasmovidas a óleo combustível, derivado do petróleo, muito mais poluentee oneroso.

A grande esperança para as indústrias brasileiras, usuárias do gásnatural, é a exploração do pré-sal, que poderá duplicar a disponibilidade docombustível até 2020, o mesmo sucedendo quanto ao desenvolvimento dosparques térmicos nos próximos anos. Fundamental é a exploração, queexigirá investimentos de 250 bilhões de reais em dez anos, para reverter acurva de produção de petróleo e gás natural no Brasil, que está em declínio.

Falta-nos, outrossim, no planejamento da política energética, oaproveitamento de todas as fontes disponíveis: usinas eólicas, biomassa(bagaço de cana), solar e pequenas hidroelétricas.

Tudo isso aliado à implantação de uma estratégia de conservaçãoenergética e racionalidade do seu uso.

O crescimento da economia brasileira nos próximos anos vai exigir aimplantação de novos empreendimentos, voltados à geração deeletricidade, abundante e competitiva. Jeremy Rifkin pondera que o Brasilpoderá liderar uma terceira revolução industrial e uma sociedadepós-carbono sustentável.

A grande esperança para asindústrias brasileiras,usuárias do gás natural, é aexploração do pré-sal, que vaiduplicar a disponibilidade docombustível até 2020, omesmo sucedendo quanto aodesenvolvimento dos parquestérmicos nos próximos anos.

Page 26: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

26 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Em estado deCHOQUE

Carlos Ossamu

SXC

Ogoverno federal agiu rápido como um raio. Nodia 18 de dezembro, apenas cinco horas após osdeputados aprovarem a Medida Provisória 579,que prorroga as concessões do setor elétrico e re-

duz a conta de energia, ela também foi aprovada rapidamentepelo Senado sem alterações, indo direto para sanção da presi-dente Dilma Rousseff. A pressa na aprovação foi por causa dorecesso parlamentar, já que o governo quer que a conta de luzdos consumidores caia já em fevereiro de 2013.

Ainda falta definir como se alcançará a redução média de 20,2%prometida (16% para famílias e 28% para empresas), já que no iní-cio de dezembro, quatro geradoras recusaram, total ou parcial-mente, os termos de renovação de concessão proposto pela MP579. São elas: Cesp (São Paulo), Cemig (Minas Gerais), Copel (Pa-raná) e Celesc (Santa Catarina). Sem elas, estava garantida umaredução média de apenas 16,7% na conta de luz. A presidente Dil-ma Rousseff sinalizou que o Tesouro Nacional deverá bancar essadiferença, o que custaria R$ 7 bilhões aos cofres públicos.

Page 27: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

27NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Em entrevista à agência de notícias Reuters, o diretor-exe-cutivo da Abrate (Associação Brasileira das Grandes Empre-sas de Transmissão de Energia Elétrica), César de Barros Pinto,demonstrou preocupação com a possível queda na receita dasempresas transmissoras de energia que aceitaram renovar asconcessões, pois isso poderá comprometer os investimentos,sobretudo em manutenção, diante da necessidade de reduzircustos. A Reuters lembrou que pelo menos seis apagões ocor-reram no segundo semestre de 2012, a maioria deles por pro-blemas na transmissão de eletricidade.

Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura(CBIE), afirmou em entrevista ao jornal Diário do Comércio dodia 10/12, que essa estratégia do governo vai causar um danoenorme, não só ao sistema elétrico, mas também aos outros seto-res de serviços de infraestrutura que operam sob o regime de con-cessão. "A maneira como o governo conduziu o processo aumen-tou o risco regulatório. As ações podem até funcionar em curtoprazo, mas em longo prazo devem causar diminuição nos inves-timentos", alertou Pires. Segundo ele, é possível até que falte ener-gia, como na crise do racionamento de 2001, por conta da falta deinvestimentos em manutenção no sistema. "O objetivo de contri-buir para o aumento da competitividade do País é louvável; a ma-neira como foi montado e anunciado o pacote de energia é que foiequivocada. De imediato, as regras para a renovação das conces-sões podem se aproximar do efeito que o governo quer, mas a con-ta, alta, deve chegar em três ou quatro anos", previu.

Na opinião de Pires, o governo decidiu usar uma estatal, nocaso a Eletrobras, para atingir objetivos políticos, econômicos etambém partidários. "Mesmo que o governo achasse que em-presas como Cesp, Copel e Cemig devessem aderir à propostapara renovação de concessões de geração, a discussão deveriater sido técnica, mas ao contrário, as decisões do Executivo fo-ram autoritárias e unilaterais", afirmou. "Insisto em dizer que oprocesso foi todo equivocado, o que pode gerar graves conse-quências. Houve, por exemplo, erro em cálculo de indeniza-ções que deveriam ser pagas para transmissoras relativas a pe-ríodos anteriores a 2000. Eu acho estranho que um pacote dessaimportância para a economia seja divulgado com erros, é gra-víssimo". Segundo Pires, o consumidor também não está sen-do bem informado sobre a queda na conta de luz. "Na verdade,o custo da energia tende até a aumentar nos próximos anos, jáque a matriz de geração hidrelétrica, menos custosa, precisaráser complementada com fontes que exigem mais despesas, co-mo usinas termelétricas e eólicas", disse.

Retrocesso no setor

Em artigo publicado no dia 21/11 no jornal Valor Econômi-co, a economista e advogada especialista no setor elétrico Ele-na Landau comentou a MP 579:

Não perdem só as empresas. perde o País com a fuga de investidoresestrangeiros que há anos colocam recursos na infraestrutura brasileira. Oresultado final pode ser exatamente o oposto do desejado: menor investi-mento decorrente do maior risco de perdas regulatórias, provocando au-mento no custo da energia ou até mesmo restrições de oferta. O que está emrisco é a segurança energética do País. No momento em que assistimos acombinação de uma sequência de apagões e as usinas térmicas já estão pro-

duzindo no seu limite, esse é um risco real e imediato.Também grave é o retrocesso regulatório que acompanha a medida.

Em 1993, em função do uso de controle tarifário para o combate à in-flação, as empresas do setor elétrico estavam endividadas e incapaci-tadas de realizar investimentos. A Lei 8.631/93 eliminou a remune-ração pelo custo, introduziu a regulação por incentivos e realizou, naocasião, um encontro de contas que custou mais de US$ 20 bilhões aoscofres públicos. Desde então, o País passou por grandes reformas no se-tor, mas sempre respeitando os princípios básicos da boa regulação. AMP 579 é uma guinada de 360º – em 2013 corremos o risco de estar devolta a 1993, a um mundo de excessivo intervencionismo estatal, in-segurança jurídica e controle tarifário.

Viés político

Alvo de críticas e desconfianças, a MP 579 acabou se trans-formando também em um embate político. Editada em 11 desetembro, a MP obriga as concessionárias do setor a decidiragora se renovam ou não os contratos que vencem em 2015 e2017. Caso haja o interesse de renovação, as empresas se com-prometem a reduzir as tarifas cobradas. Quem não renovar,deverá devolver a concessão ao término do contrato. As com-panhias que ainda não recuperaram os valores investidos se-rão indenizadas por um valor estipulado pelo governo.

No dia 5 de dezembro, durante um evento na ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI), a presidente Dilma Rousseff enviouum recado aos opositores da MP. "Reduzir o preço da energia édecisão da qual o governo federal não recuará, apesar de lamen-tar profundamente a imensa insensibilidade daqueles que nãopercebem a importância disso agora para garantir que nosso Paíscresça de forma sustentável", disse. A mensagem foi endereçada,não apenas para os dirigentes das estatais elétricas que recusarama renovação das concessões, mas especialmente para os governa-dores de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, todos do PSDB (SantaCatarina é governado por Raimundo Colombo, do PSD)

O governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia, admitiuter conversado com o governador de São Paulo, Geraldo Alck-min, e do Paraná, Beto Richa, sobre a decisão de não aderir aostermos da MP 579, mas negou qualquer caráter político. O fato éque os governadores estavam alinhados com o posicionamentodo senador Aécio Neves (PSDB-MG), potencial candidato à Pre-sidência da República em 2014, sobre essa questão. Em discursono Congresso, Aécio Neves declarou que o governo federal quer"reduzir o preço da energia à custa da insolvência do setor elétri-co" e acusou o Planalto de não "cortar na própria carne". No dia 5de dezembro, o governador do Paraná, Beto Richa, acusou o go-verno federal de fazer cortesia com o chapéu alheio. "Estou de-fendendo interesses do meu Estado. Não dá mais para perder re-ceita", afirmou, referindo-se a cálculos efetuados que apontamperdas de R$ 8 bilhões para as companhias de energia.

Logo no dia 6, a presidente Dilma Rousseff anunciou que ogoverno vai usar recursos do Tesouro Nacional para bancar aredução média de 20,2% das contas de energia elétrica. "O quenós estamos fazendo é devolvendo aquilo que nos foi dado.Ninguém está fazendo graça com chapéu alheio", alfinetou apresidente, que voltou a criticar as concessionárias de Estadosgovernados pelo PSDB.

Page 28: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

28 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Curto-circuitono setor elétrico

D ia 11 de setembro, efeméride das torres gêmeas deNova York, o Palácio do Planalto abalroou a socieda-de brasileira impondo-lhe a Medida Provisória 579,aprovada às pressas pela Câmara e pelo Senado an-

tes do recesso parlamentar.Sob o pretexto – até eleitoreiro – de diminuir o preço final da

energia elétrica e reconstruir a competitividade da indústriabrasileira, o governo federal errou clamorosamente.

Além disso, sob a pressão de definir o futuro das concessõesvincendas de agentes do setor, o governo federal, com trucu-lência, infringiu comandos legais, agrediu contratos, oprimiuacionistas minoritários e fundos de pensão e, sem uma visãosistêmica de Nação, sem oitiva, esmagou inteligências capazesde cooperar com os mais elevados interesses do País.

Pior, no curto prazo, espocou fogos de artifício, cuja escuri-dão posterior atingirá seus próprios desideratos. Prometeu oque terá muita dificuldade de entregar. Tudo conspira paraque o preço final da energia elétrica suba nos próximos dois

anos ao invés de cair.Os motivos da pressão altista não são poucos. Em primeiro

lugar, a longa e profunda estiagem de 2012 obrigou o OperadorNacional do Sistema (ONS) a acionar preventivamente todas astérmicas existentes, inclusive a óleo combustível, óleo diesel ecarvão mineral, todas muitíssimo mais caras. A fatura virá em2013 sob a rubrica de encargos de serviço de sistemas.

Certamente serão engordados os encargos incidentes sobreas faturas dos consumidores, como o Proinfa (Programa Na-cional de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia), uma vezampliadas as operações de usinas eólicas, biomassa e peque-nas centrais. Também o encargo de energia de reserva se ofe-recerá à sociedade.

Por sua vez, subirá a Conta de Combustíveis (CCC), pelaqual todos os brasileiros subsidiam o preço da energia cobradonas regiões chamadas de Norte Isolado, áreas nas quais o sis-tema interligado nacional não se apresenta. Observe-se queManaus – capital que absorve 65% da ajuda – já está pagando

Wilson Dias/ABr

A presidente Dilma Rousseff na cerimônia que anunciou a redução nos custos da energia elétrica ano que vem

Page 29: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

29NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

US$ 37 por mmBTU pelo gás de Urucu direcionado às suas ter-melétricas, diante de US$ 14 no city gate da Comgás ou de US$2,5 do gás de xisto nos centros de carga do Texas (EUA).

Na otimista hipótese de caírem os preços finais da energiano Sudeste/Centro Oeste, Sul e Nordeste, portanto no siste-ma interligado, maior será então o encargo da CCC, obrigadaa cobrir a diferença entre o custo no Norte Isolado e o domi-cílio em Ipanema (RJ), Pinheiros (SP) e Savassi (BH), apenaspara ilustrar.

Ademais, os encargos aparentemente suprimidos da drena-gem dos bolsos dos usuários de energia elétrica sairão dosmesmos bolsos, pois os universos dos consumidores e contri-buintes, neste caso, praticamente se superpõem.

É ingênuo pensar que o retrofit e a repotenciação das usinasvelhas será barato como se prometeu ao usuário. É tonto suporque os valores de reposição de usinas e a construção de novasse fará a preços de liquidação, ou que serão atraídas pela merareposição de Operação e Manutenção (O&M). Alguém proje-tou os custos de manutenção no subsolo à jusante das barra-gens dos leitos dos rios erodidos?

Numa prosódia simplificada, a Esplanada dos Ministériosmudou as regras do jogo energético no meio da partida; der-rubou um modelo de competição por outro estatizante de re-muneração pelo serviço. Esse detalhe compôs o projeto socia-lista do programa de governo para eleição do presidente Lula,em 2001/2002. Foi abandonado pela então ministra DilmaRousseff, sendo agora revivido numa clara busca de um capi-talismo de estado fracassado na Rússia.

Brasília desta feita reduziu a atratividade dos negócios dacadeia energética; mudou a essência dos modelos de negócio ecanalizou a energia das concessões renovadas somente para omercado cativo, induzindo o mercado livre e a autogeração aoestado de anorexia. Veja-se que os consumidores livres tam-bém remuneraram por 30 ou 60 anos as concessões vincendas,mas a MP 579 não lhes dá isonomia.

Feriu os autoprodutores, proibindo-os de vender seus ex-cedentes no mercado livre e ampliou de seismeses para cinco anos a carência para migra-ção de consumidores especiais no retorno àcondição de cativo.

A pretexto de sigilo e segredo, não houvetransparência no processamento de medidas(que a sociedade discutia a pelo menos oitoanos). O resultado é que a MP 579 ergueu maisdúvidas do que certezas. Em consequência, osescritórios de advocacia estão bombando. Asconcessionárias lesadas vão a contencioso pelodesrespeito à correta remuneração de seus ati-vos; o desrespeito a compromissos contratuaisassumidos e subitamente expostos.

Os atropelos a prazos legais têm sido es-corchantes. O timing para que acionistas,conselheiros e dirigentes se pronunciassemsobre suas posições frente à MP 579 foram in-juriosos. As manifestações das empresas afe-tadas devem ser cheques em branco (só parailustrar, a MP 579 remete a pelo menos 15 pon-

tos de maiores detalhamentos futuros), ignorando-se, pois,ficou em aberto os valores das indenizações.

O jurista David Waltemberg mostrou que os textos da MP579, inclusive a exposição de motivos, são incoerentes. O Artigo62 da Constituição foi atropelado, pois não houve uma urgênciapara a MP (o assunto era estudado pelo governo desde 2008, em-bora se rasgassem seus papers na 579). Também o Artigo 175 exi-gia a licitação e não comportava a mera renovação das conces-sões. E o Artigo 21, no item XII, b, exigia a articulação com osestados hidroenergéticos, coisa que não foi realizada.

Vê-se que o governo brasileiro não dispõe de uma visão sis-têmica. Por exemplo, ele ignorou que os energéticos agem co-mo vasos comunicantes: quais serão os impactos sobre deriva-dos de petróleo, gás, fontes renováveis (estas últimas depen-dentes do déficit público crescente)? Como atrair investimen-tos futuros? Como o mercado livre sairá da zona cinzenta?

A teimosia do ministro Guido Mantega em modificar a MP579; a fala autocrática de Nelson Hubner, diretor geral da ANE-EL, que não submeteu o conjunto de teores da MP a audiênciaspúblicas; a subserviência da Eletrobras; e, a acusação de res-ponsabilidade a administradores das empresas que aceitaremprejudicá-las... tudo isso entra em imediato julgamento, cujosresultados ainda é cedo antever.

Divulgação

Paulo LudmerJornalista,

engenheiro,professor e escritor

(www.pauloludmer.com.br); conselheiro

de economia,sociologia e políticada Fecomércio-SP.

O resultado é que a MP 579 ergueu mais dúvidas do que certezas.

Patrícia Santos/AE

Page 30: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

30 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

A medida da discórdiaCarlos Ossamu, Domingos Zamagna e José Maria dos Santos

Àsemelhança de artistas tipo grandesmestres da pintura ou da composiçãoclássica, cientistas, quando bem re-solvidos, atingem aquelas idades bí-

blicas, caracterizadas pela serenidade. Assim écom o físico José Goldemberg. Aos 85 anos, eledesfruta desse estado de bem-aventurança noInstituto de Eletrotécnica e Energia (IEE), da Uni-versidade de São Paulo, na Cidade Universitária.Olhando através das janelas de sua sala, descan-sará a vista numa paisagem de bosques e jardins,que formam ao seu redor um nicho de sossegoabsolutamente incompatível com a trepidaçãode São Paulo, particularmente do trânsito sufo-cante da Avenida Marginal Pinheiros, ali perto.

Certamente deve estar satisfeito consigo pró-prio, seu rico currículo já seria um bom motivo:

reitor da USP, presidente da Sociedade Brasileirade Física, secretário estadual paulista de gover-no em dois momentos – Ciência e Tecnologia eMeio Ambiente –, ministro da Educação. Alémdisso, o site oficial da cidade onde nasceu, SantoÂngelo, na zona missioneira do Rio Grande doSul, o coloca com destaque entre os 12 filhos maisilustres da sua história, numa lista em que apa-recem, entre outros, o escritor Fausto Wolf, o mú-sico Luiz Carlos Borges e o jornalista Carlos Hen-rique Schroder, alta figura da Rede Globo. Nestaentrevista sobre a Medida Provisória 579 e suapolêmica proposta de redução da tarifa elétricaem 20% em média, ele caminha por um terrenoque conhece bem – a exploração da energia – eseus meandros correlatos, particularmente omeio ambiente. Ele não está muito otimista.

Paulo Pampolin/Hype

Goldemberg: mesmoque o preço sejareduzido na geração,como agirá aempresa que atuacomo distribuidora?

Page 31: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

31NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Digesto Econômico - O senhor acumula vastoconhecimento e experiência na área de energiaem nosso País. Qual é seu entendimento arespeito da polêmica Medida Provisória 579, quepropõe a redução das tarifas elétricas?

José Goldemberg - Se vocês me permitem,para responder a essa pergunta talvez sejaoportuno apresentar um breve histórico sobreo tema. Como sabemos, a geração de energiaelétrica é dada em concessão pela União. Fo-mos um dos primeiros países do mundo a pro-duzir eletricidade por meio de hidrelétricas,desde l880. O Governo autorizava um empre-endedor a fazer o aproveitamento, dava-lhe 30anos de prazo para instalar os equipamentos,vender eletricidade, cobrir os gastos que teve ese remunerar. Findo o período, a concessãovoltaria à União, com possibilidade de renova-ção. E assim foi. Em l982 houve a renovação pormais 30 anos, que está expirando agora. Acom-panhei o processo porque na época era presi-dente da CESP. Ocorre que a eletricidade aca-bou se tornando muito cara no Brasil, prejudi-cando a competitividade da indústria e o Go-verno viu a necessidade de alterar o modelo.Daí a Medida Provisória 579.

Por que a energia encareceu a esse ponto?Temos os custos de gerar a eletricidade e de

recuperar o capital investido. Porém, há algomais perverso que são os impostos e taxas in-troduzidos na conta da energia elétrica. Umexemplo claro disso são os aproveitamentosisolados na região da Amazônia, que funcio-nam a base de motores diesel de grande porte.É extremamente dispendioso levar o combus-tível para lá. São pontos com acessos difíceis,senão problemáticos. De modo que a produçãoda energia é subsidiada e isto entra na conta doconsumidor – chama-se Conta de Consumo deCombustíveis - CCC. O tamanho dessa conta éem torno de R$ 5 bilhões/ano, distribuído à po-pulação. Todos nós pagamos essa taxa.

Paulo Skaf, presidente da Fiesp, propôssimplesmente que as concessões voltassem àUnião e se fizessem novas licitações. O que osenhor pensa disso?

Penso que surgiriam dois problemas. Prova-velmente as licitações seriam vencidas por em-presas estrangeiras. Os funcionários das em-presas de energia, a maioria estatais, iriam per-der as prerrogativas que empregados desse ti-po de empresa têm. Por isso repito que oGoverno tomou uma posição muito hábil ao

"Acredito que o Governofoi muito otimista no

cálculo da redução de 20%"

O senhor acredita que foi adequado o caminhoescolhido pelo Governo?

A maneira escolhida foi hábil. O Governo co-locou às empresas a opção de devolver a conces-são à União, que, no caso, abriria novo leilão, ourenovaria a concessão, desde que a concessioná-ria reduza o preço nos 20% propostos.

Page 32: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

32 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

transferir a decisão. Praticamente todas as con-cessionárias estão optando pela renovação.

Está sendo comentada a possibilidade detransformar a concessão em prestação de serviço.As empresas seriam remuneradas por uma tarifaestipulada pelo Governo, em vez de praticar ospreços de mercado?

Essa questão não foi definida. Eu acho quenão irá acontecer. Antigamente, era fixadauma tarifa e se remunerava pelo custo. As em-presas declaravam quanto custavam e ganha-vam 10% de remuneração sobre o montante.Era basicamente um sistema estatal, que davamargem a abusos. Abria caminho para despe-sas questionáveis. Porém, o Governo não fixamais tarifas desde l993. Hoje, vence os leilõesquem oferece a menor tarifa. O Governo ape-nas fixa uma tarifa de referência limite. Estesistema não está funcionando mal, mas eupergunto: será possível reduzir a tarifa em20%? Acho difícil. Entendo que o custo pagopelas pessoas ou indústrias não depende dequanto custa produzir a energia. Além da ge-ração, há o processo de distribuição. Mesmoque o preço seja reduzido na geração, comoagirá a empresa que atua apenas como distri-buidora? Não foi atingida pela medida. Émuito difícil que reduza em 20%. Creio que ocálculo do Governo no custo final da energiaelétrica foi otimista – a usina vai tentar reduziro preço, mas a Eletropaulo não é geradora, eladistribui e não foi atingida pela medida. Émuito difícil ela reduzir em 20%. Este cálculoque o governo fez, com redução de 20% nocusto final da energia, eu acho muito otimista.A desoneração anunciada pelo Governo serácom recursos do Tesouro. Mas retirada a CCC,colocam-se recursos do Tesouro, que é dinhei-ro dos contribuintes.

"As termoelétricas gerammais de 30% da nossa energia.

É uma distorção".

A distribuição faz lembrar a rede e a suamanutenção. Temos tido apagões frequentes e jáse detecta o temor de que a redução das tarifasresulte em piora na manutenção.

De fato, essa preocupação já foi levantada.O descuido da manutenção é como em umacasa. Um vidro quebrado não é consertado en-quanto não chover lá dentro; improvisa-secom um pedaço de plástico colado. A meu ver,os acidentes que têm ocorrido se devem à falta

de manutenção. Manutenção é algo que asempresas não gostam de fazer, principalmen-te nas estatais, por ser providência que nãotem exposição. E neste assunto tão sério, o úni-co instrumento do Governo é a multa. Em umdesses apagões, Furnas foi multada em R$ 53milhões. É uma quantia respeitável, mas pre-cisamos ter cautela. As empresas acabam nãopagando. Recorre-se à Justiça, protela-se. Éum problema brasileiro.

A propósito da rede, o senhor a consideraprecária? O País não está submetido à umasituação de ameaça?

A rede já foi melhor. Ao ser criada, nos anos50, a Eletrobras, à semelhança da Petrobras dehoje, era uma empresa rica. As linhas e a ma-nutenção eram muito boas. Aliás, muitos des-ses circuitos e usinas que estão ai datam das dé-cadas de 40 e 50. No momento, o sistema estátrabalhando no limite – toda semana tem umprobleminha. Veja o que ocorreu com o últimocapítulo da novela "Avenida Brasil", da TVGlobo. Houve grande tensão diante da sobre-carga provocada pela audiência e posterior ba-nho de chuveiro elétrico Mais de 30% da ener-gia está sendo gerada em usinas a gás, que sãobem mais caras. Elas deveriam cobrir flutua-ções e não operar 24 horas, como está ocorren-do. O mais claro atestado dessa insegurança é apreocupação com a carga do sistema durante aCopa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Essaperspectiva reforça a necessidade imperiosade mais investimentos. Sob este aspecto, até re-formulo minha avaliação da proposta de PauloSkaf. Talvez o governo devesse retomar as con-cessões e abrir nova licitação. Apareceriam no-vas empresas interessadas, talvez estrangei-ras. A concorrência seria salutar.

"Não vejo outra saída senãoa ampliação do parque.

É uma prioridade no País"

O senhor se referiu a investimentos, leia-senecessidade de atualização e ampliação doparque. Mas se fosse hoje, Itaipu dificilmente seriaconstruída, por conta das exigências ambientais.

Não vejo outra saída senão ampliar o par-que. Não tem jeito, quando há uma prioridademaior. Quando Secretário do Meio Ambientede São Paulo licenciei o Rodoanel. Havia co-munidades indígenas no traçado e outros pro-blemas. Nessas situações, defendo uma atitu-de firme do poder público em apresentar as ra-

Page 33: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

33NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

zões, no sentido de mostrar que o impedimen-to de uma obra que afetará cerca de 500pessoas, vai prejudicar um contingente de 500mil. Isto não significa retirar a assistência deminorias. Mas o poder público deveria ser per-feitamente transparente. Tome-se o exemplode Belo Monte. Penso que essa questão não temsido tratada com transparência. Há divergên-cias dentro do governo, com o Ministério deEnergia brigando com o do Meio Ambiente. Écomo no caso do Rodoanel – a todo momento

havia uma ação judicial que paralisava asobras. É necessário negociar com seriedadecom as pessoas que estão sendo atingidas e re-munerá-las. É um preço pequeno em compara-ção aos benefícios. Quando as usinas do Pontaldo Paranapanema foram construídas, nós rea-locamos com dignidade a população que ocu-pava a beira dos rios.

Em todo caso, não há outra solução senão ex-pandir o sistema. E já que tocamos no assunto,não podemos esquecer a sua duplicidade.

"A MP 579 tem umacomplexa zona de

turbulência pela frente"

O que vem a ser isso?Exceto Itaipu, as outras linhas de grande

porte não têm duplicidade. Quando o sistemacai, várias regiões ficam sem energia. Essesacidentes em geral ocorrem em áreas de aces-so difícil, que só se chega de helicóptero qua-tro ou cinco horas depois para se fazer repa-ros. A duplicidade equivale a um Plano B. In-sisto: não tem se dado atenção à manutenção;os problemas tendem a agravar.

O senhor acredita em batalha jurídica por causada MP 579?

Acho que há espaço para muitas interpela-ções judiciais. Por outro lado, a resposta dos in-vestidores a ela sinaliza uma zona de turbulên-cia. O valor das empresas caiu mais de 20%, nú-mero expressivo. Os donos das ações fizeramas contas, sentiram insegurança e venderam asações. A CPFL é uma excelente empresa. Masse o blecaute do sistema se ampliar, o dono deações pensaria em vendê-las enquanto o preçoestá em alta. Volto a repetir: parece-me difícilfazer a redução dos 20% proposta.

Por que?Como já disse, foi dado ao investidor o pra-

zo para instalar o equipamento, vender aenergia, se remunerar, recuperar o investi-mento realizado etc. Em princípio, pelo tem-po decorrido, o investimento já foi recupera-do, e teoricamente, a produção de energia sai-ria praticamente sem custos. Mas não é bemassim. Existem os funcionários, as obrigaçõestrabalhistas, os fundos de pensão, os custos deoperação, novos investimentos que devemser realizados, pois houve a renovação de má-quinas e outros equipamentos. A solução nãoé tão simples como parece.

Exceto Itaipu, asoutras linhas de

grande porte não têmduplicidade.

De modo que, quandoo sistema cai, váriasregiões atendidasficam sem energia.

A duplicidade equivalea um Plano B.

Tiago Queiroz/AE

Page 34: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

34 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

A política daenergia elétrica

AntonioDias Leite

Ministrode Minase Enegia

A inauguração da segunda etapa daUsina de Peixoto marca, também,uma etapa da nova política brasilei-ra de energia elétrica. Trata-se da

primeira obra iniciada após a Revolução demarço de 1964, e que se inaugura dentro dascondições da nova política. Propôs o meu an-tecessor na pasta de Minas e Energia, o minis-tro Costa Cavalcanti, que a ocasião servisse pa-ra uma dupla cerimônia. Na primeira, que orase realiza, inauguram-se oficialmente as novasinstalações, e as máquinas já estão produzindo300.000 KW adicionais. Na segunda, que serealizará dentro de instantes, inaugura-se aplaca comemorativa da nova designação daUsina, que passou a denominar-se MarechalMascarenhas de Moraes, em uma homena-gem, do Governo Federal, a um grande vultodas nossas Forças Armadas.

Estas e outras obras no setor de energia elé-trica estão sendo executadas em todo o Brasilcom regularidade e tranquilidade em conse-quência da nova política de energia elétrica.

Aqui mesmo, neste vale do Rio Grande, ul-timam-se os trabalhos da usina de Estreito ese acham em pleno andamento as obras dascentrais de Jaquara, Porto Colômbia e VoltaGrande, devendo ser iniciada no próximoano a construção da poderosa Usina de Ma-rimbondo. O conjunto dessas usinas, inclusi-ve a ampliação de Peixoto, representa maisde 3,5 milhões de KW.

Desejo antigo dos profissionais e adminis-tradores que se ocupavam do problema e queviviam o drama do desequilíbrio financeiro ca-racterístico do regime anterior à nova políticapor eles idealizada, só se tornou realidade apósa Revolução de março de 1964. Consolidou-seno segundo governo da Revolução.

A nova política ainda não está, infelizmente,integralmente implantada. Há, ainda, defeitoshistóricos a corrigir. Há infelizmente setores eregiões do País, que a ela ainda não aderiram.Não é, portanto, ocioso, no momento em que secomeça a colher frutos, como estes 300.000 KWda Usina Marechal Mascarenhas de Moraes,reafirmar essa política, assegurando a todos osinteressados no adequado suprimento deenergia para o desenvolvimento econômico esocial do País, que ela representa de fato, o úni-co caminho possível e que esse caminho seráseguido, de forma inflexível.

A nova política compreende, na realidade,três campos de ação distintos.

No campo econômico-financeiro, o objetivopode ser resumido em um único princípio fun-damental. Às empresas de energia elétrica de-ve ser assegurado nível de rentabilidade real,compatível com o esforço de investimento de-las exigido para que possam atender plena-mente a demanda crescente. Essa rentabilida-de deve assegurar, não só recursos próprios ca-pazes de cobrir parte substancial dos investi-mentos a realizar, mas também assegurar às

Texto publicado noDigesto Econômico n º 207 -

maio/junho de 1969

Page 35: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

35NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

empresas situação econômica e capacidade fi-nanceira que lhes permitam buscar, com segu-rança, recursos complementares no mercadofinanceiro interno e externo.

A adoção desse princípio traduziu-se, deinício, em elevação substancial do nível das ta-rifas. A partir do novo nível tarifário ele se tra-duz, agora, basicamente, na preservação dovalor real da tarifa e seu continuado ajusta-mento à elevação geral de preços. Os ajustes ta-rifários tenderão, pois, a se tornar cada vez me-nores à medida que o processo inflacionáriocrônico vai sendo controlado e amortecido.

Em um segundo campo de ação, onde a no-va política está apenas sendo iniciada, há queestabelecer-se a supervisão eficaz pelo poderpúblico, não só da qualidade dos investimen-tos, como também das despesas de operaçãodos sistemas elétricos, com o objetivo de pro-teger o usuário contra a eventual má adminis-tração das empresas concessionárias, públicasou privadas. Nesse segundo campo, a tarefa aexecutar é igual, se não maior, do que a já rea-lizada no primeiro.

Em um terceiro campo de ação, há que im-plementar, de forma progressiva, as definiçõesbásicas já estabelecidas pelo governo quanto àcoordenação dos serviços de eletricidade e a re-partição de responsabilidade entre os setorespúblico federal e estadual e o setor privado.

Tanto no domínio da supervisão das empre-sas, como no da coordenação e da divisão deresponsabilidades, papel predominante deve-rá ter o Departamento Nacional de Águas eEnergia Elétrica, que terá de ser provido de re-cursos humanos e materiais que permitam oexercício regular de sua importante missão.

A nova política pressupõe uma disciplinaque não está sendo, nem será, fácil de im-plantar. Mas é certo que as empresas conces-sionárias, sejam federais, estaduais ou parti-culares, estão agora e ficarão, cada vez mais,sob a observação crítica da opinião pública esob o controle efetivo do Ministério de Minas

Cada vez mais secompreende que para se

reduzir o preço da energia,mister se faz que o seu

custo se reduza.

Reprodução

Page 36: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

36 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

e Energia. Com efeito, a instituição do siste-ma tarifário, capaz de restabelecer o equilí-brio financeiro das empresas, criou para es-tas, em contrapartida, a obrigação de bem de-sempenhar a sua função, mediante a admi-nistração eficiente e condução racional, emtermos econômicos, das suas atividades.

Desde já, a tese simpática, porém frequente-mente irresponsável, tão em voga no passado

recente, na energia abundante e barata, passoua se traduzir em outros termos. Cada vez maisse compreende que para se reduzir o preço daenergia, mister se faz que o seu custo se reduza.E, para que este seja baixo, é necessário que oprojeto seja bom, que o investimento por KWinstalado seja, consequentemente, o menorpossível, em cada área, e, finalmente, que asoperações sejam conduzidas em função de cri-

Page 37: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

37NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

térios econômicos. Em lugar da preocupaçãode vender barato, qualquer que seja o custo,passa hoje a figurar o objetivo de produzir ba-rato para poder vender barato.

Felizmente, e honra seja atribuída à enge-nharia nacional no setor de energia elétrica, sãopoucos os projetos antieconômicos realizadosno Brasil. Ainda temos, porém, alguns que es-tão sendo concluídos a duras penas. Mas, com

raras exceções, a quase totalidade das empre-sas brasileiras de energia elétrica está imbuídada preocupação de economicidade dos proje-tos e, a longo prazo, isso resultará no menorcusto possível para o consumidor, dentro dascondições brasileiras.

É este o caso do cordão de usinas deste rio, to-das de custo inferior a US$ 200 por KW, todas re-sultantes de judicioso e cuidadoso planejamento

Usina Mascarenhas de Moraes, anteriormentedenominada Usina de Peixoto, data de 1947,

dez anos antes da fundação de FURNAS,quando a Companhia Paulista de Força e Luz

(CPFL) via ameaçada de esgotamento a suacapacidade de geração. Em 1968, a então

Usina de Peixoto alcançou sua capacidade finalde 476 MW, com dez unidades geradoras.

Andre Borges Lopes/Wikipédia

Page 38: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

38 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

conduzido pelas empresas interessadas, sob acoordenação do Ministério de Minas e Energia.

Mas ainda há um longo caminho a percorrerno que se refere à administração de empresas.

Para tal implantação do sistema será neces-sário complementar o tombamento e a regula-rização contábil de todos os bens das empre-sas, determinar, mediante critérios racionais eaplicáveis às condições brasileiras, as taxas dedepreciação, estabelecer, finalmente, padrõesde despesas de operação a fim de aferir a res-ponsabilidade das efetivamente realizadas pe-las empresas.

A expansão equilibrada e racional do siste-ma elétrico nacional exigirá, ainda, um intensotrabalho de coordenação dos planos das váriasempresas concessionárias federais, estaduais eprivadas, tarefa essa que se torna mais comple-xa e importante à medida que se vão integran-do os sistemas anteriormente isolados.

Em três níveis se realiza hoje, de forma rápida,a integração. Em cada Estado sucedem-se as li-nhas de transmissão tendentes à formação de sis-temas locais integrados. Grandes linhas de inter-ligação começam a unir os sistemas regionais. Es-tá prestes a realizar-se, finalmente, a interligaçãodos próprios sistemas regionais desde São Luizdo Maranhão até Porto Alegre, no Rio Grande doSul. Nessa rápida evolução só permanecerão iso-lados os serviços de eletricidade da Região Ama-zônica e da parte do Centro-Oeste, cuja densida-de de consumo ainda não justifica a adoção damesma diretriz de integração.

Neste contexto, é indispensável que as res-ponsabilidades executivas e operacionais se-jam bem definidas, a fim de que se tire plenoproveito, tanto do ponto de vista técnico, comodo econômico, da capacidade de transferênciade energia de uma para outra área, tornadapossível pela integração nacional.

Os princípios fundamentais dessa divisãode responsabilidade foram recentemente defi-nidos pelo Governo Federal.

Nessa definição é reservada, em primeiro

lugar, para a Eletrobrás e suas subsidiárias, aresponsabilidade pela construção das usinashidrelétricas de grande porte e de interessesupraestadual com o aproveitamento de re-cursos hidrelétricos de rios que interessam amais de um Estado. A estas empresas é atri-buída ainda a responsabilidade pelas novasusinas termoelétricas que devam fazer partedo sistema integrado, bem como, pela usinatermonuclear, cuja implantação está previstapara a Região Centro-Sul. Igualmente, com ogrupo da Eletrobrás ficarão os principaistroncos de transmissão e interligação relacio-nados com as usinas de âmbito federal.

Às empresas sob controle dos governos es-taduais e às empresas privadas serão reserva-das as linhas de transmissão de interesse regio-nal, as de subtransmissão, bem como, toda a re-de de distribuição de energia. Caberá ainda àsempresas estaduais a construção de centraiselétricas com o aproveitamento dos recursoshidráulicos de rios de âmbito estadual e de in-teresse primordialmente local. O acesso dasempresas estaduais à concessão de grandescentrais hidrelétricas, definidas como âmbitofederal, será admitido no caso de ficar demons-trada a existência de recursos financeiros pró-prios, capazes de sustentar a construção no rit-mo e continuidade exigida para tais obras.

O Governo Federal não poderá fornecer àsempresas estaduais, para obras classificadas,em princípio, como de âmbito federal, recursosoutros que não os já previstos nas cotas do Em-préstimo Compulsório, através de operaçõesde crédito com a Eletrobrás.

Em contrapartida, o Governo Federal trans-ferirá, progressivamente, das empresas sob oseu controle, para aquelas sob o controle esta-dual, os serviços de subtransmissão e distri-buição que, por motivos vários, estão hoje acargo das primeiras. Essa transferência só se fa-rá, no entanto, na medida em que as empresas,que devam receber os novos encargos, atinjamnível de capacidade técnico-administrativa

A expansãoequilibrada e racionaldo sistema elétriconacional exigirá, ainda,um intenso trabalho decoordenação dos planosdas várias empresasconcessionáriasfederais, estaduais eprivadas, tarefa essaque se torna maiscomplexa e importanteà medida que se vãointegrando os sistemasanteriormente isolados.

Page 39: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

39NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

igual ou superior à já alcançada pelas atuais de-tentoras desses serviços.

A simples enumeração sintética do que já sefez e do que há por fazer, a fim de que completea instituição de forte infraestrutura energéticapara o País, nos dá uma ideia do vulto da tarefaglobal a que se propôs o Governo da Revolu-ção. O sucesso final só será alcançado se as li-nhas de ação traçadas forem seguidas com con-tinuidade e firmeza, embora isso não signifi-que intransigência em relação a alguns de seusaspectos parciais ou eventuais.

O princípio fundamental do equilíbrio eco-nômico-financeiro do sistema é que não tem al-ternativa. Qualquer tentativa artificial de mo-dificá-lo com o intuito de reduzir as tarifas, sópoderá conduzir o País ao racionamento deenergia ou a uma solicitação crescente de ver-bas orçamentárias federais ou estaduais, parainvestimento em energia elétrica – ao que nãoé, nem será, fácil de atender. E mais, mesmoque esta última hipótese fosse viável, seria eladiscutível, pois que há outros setores de ativi-dade que estariam mais credenciados do que oda energia elétrica para solicitar recursos dosorçamentos governamentais. Não teria dúvi-da em apontar, como tais, os serviços de edu-cação e de saneamento básico, que, por muitomais forte razões, merecem ser distribuídos àpopulação do País de forma subsidiada.

Apesar de não haver alternativa para aatual política, há, no entanto, quem, na classeconsumidora industrial, considere excessi-vo o nível tarifário resultante da aplicaçãodessa nova política.

Em especial, um grupo de consumidores in-tensos recusa o seu apoio à nova política. Mas aatitude não é justificada. Quero lembrar, em pri-meiro lugar, que são raros os casos em que os cus-tos de energia sejam fator preponderante no cus-to final de produção, e que, em termos médios, asatuais tarifas brasileiras, com os adicionais de im-posto único e empréstimo compulsório, espe-cialmente àquelas que se aplicam às indústrias,

estão aproximadamente no nível das do Japão,país cuja indústria compete com vantagem emtodo o mundo. Estão essas tarifas, ainda, em nívelinferior ao vigorante na Comunidade Europeia.Estão sim, em nível superior ao que prevalece nosEstados Unidos e no Canadá, para os grandesblocos de consumo de energia e de demanda depotência. Para um país de grande área territorial ebaixo consumo per capita, em rápido desenvol-vimento e forte exigência de investimento, a si-tuação se apresenta, assim, satisfatória.

Quero lembrar, em segundo lugar, que aenergia mais cara é aquela que não existe, e queo Brasil precisa, para a sustentação de um forteritmo de desenvolvimento econômico, de umainfraestrutura de energia elétrica capaz de as-segurar, não só o pleno entendimento da de-manda crescente, como a perspectiva, a longoprazo, de que qualquer nova indústria será su-prida, com oportunidade, em termos de quan-tidade e segurança de serviço. Essa situação sópode ser alcançada, no caso brasileiro, atravésdo sistema ora em vigor. Essas afirmações nãosignificam que o Governo não se preocupa como problema do custo dos insumos básicos paraa produção industrial.

Ao contrário. Nas fases subsequentes da no-va política de energia elétrica, toda a atençãovai ser concentrada, como já afirmei anterior-mente, na área da eficiência do sistema e da re-dução de custo para que se possa, em conse-quência, reduzir tarifas. E mais, através do ma-nejo judicioso da própria estrutura da tarifa eda aplicação do Empréstimo Compulsório,pretende-se dar atenção especial ao problemados consumidores intensos de energia, para osquais o respectivo custo é parte substancial dovalor do produto.

Senhor presidente Costa e Silva. Sob a firmeorientação de V. Excia., com o apoio que temos ti-do a honra de merecer de V. Excia., e com o auxíliodesta grande equipe do setor energético do País,estou certo de que se consolidará, no seu gover-no, a nova política de energia elétrica.

O princípiofundamental doequilíbrio econômico-financeiro do sistema éque não tem alternativa.Qualquer tentativaartificial de modificá-locom o intuito de reduziras tarifas, só poderáconduzir o País aoracionamento de energiaou a uma solicitaçãocrescente de verbasorçamentárias federaisou estaduais, parainvestimentoem energia elétrica.

Page 40: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

40 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

O mundo passa por um

Formado em Direito pela Faculdade de Direi-to da Universidade de São Paulo (USP), Ru-bens Ricupero foi embaixador nos EstadosUnidos, Itália e junto à ONU e ao Acordo Ge-

ral de Comércio e Tarifas (GATT) em Genebra. Foitambém ministro da Fazenda no governo de Fer-nando Henrique Cardoso, cabendo-lhe o lançamen-to do Plano Real, que proporcionou a estabilizaçãoda economia e o controle da inflação. Também co-mandou o Ministério do Meio Ambiente. Atual-mente, é diretor da Faculdade de Economia e Rela-ções internacionais da Fundação Armando ÁlvaresPenteado (FAAP).

Nesta entrevista, Ricupero traça um panorama dapolítica internacional no mundo, observa que a criseeconômica vem impedindo que os países aprofun-dem temas importantes, como o aquecimento glo-bal e necessidade de regulação do sistema financei-ro, mas que em vários episódios de risco, seja nos Es-tados Unidos, Europa, Oriente Médio e Ásia, o mun-do conseguiu evitar o pior.

Digesto Econômico - Como o senhor está vendo omundo, ministro? O atual panorama internacional?

Rubens Ricupero - Este panorama é caracteriza-do por uma certa introspecção. Todos os grandes paí-

ses estão voltados para seus próprios problemas. Éum desses momentos em que a política internacio-

nal fica em segundo plano, já que há questõesmais imediatas e mais graves a resolver. Isso se

vê claramente nos principais focos do poder:EUA, Europa, China, Japão e até os Brics

(Brasil, Rússia, Índia, China e África doSul). A explicação é óbvia: a crise financei-

ra, que depois se transformou em umacrise econômica e hoje tem caráter de

crise social . Essa crise vai durar pro-vavelmente mais alguns anos.

O senhor acredita que a criseeconômica ainda está longedo fim?

Ela se assemelha à GrandeDepressão dos anos 30. É umacombinação de grave crise fi-

Patrí

cia

Cru

z/Lu

z

Rubens Ricupero: todosos grandes países

estão voltadospara seus próprios

problemas.A explicação é óbvia:

a crise financeira.

Page 41: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

41NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

nanceira com o estouro de uma bolha imobiliá-ria. Em geral, duram oito, dez anos para ser su-perada. No caso do Japão até mais, pois eles en-traram no começo dos anos 90. Repercutem emtodas as áreas. Inclusive, questões estratégicasreduzem de importância, já que os países nãotêm tantos recursos para a defesa. No momen-to, está mais concentrada na Europa do que nosEUA, onde, aliás, começou em agosto de 2007,com o estouro da bolha imobiliária A recupe-ração já se anuncia, inclusive no setor imobiliá-rio. Na Europa foi diferente. Após a necessida-de de resgatar bancos, as dívidas bancárias setransferiram para os governos, hoje profunda-mente endividados, com déficits orçamentá-rios sérios e um tipo de condução que está pro-duzindo mais problemas do que solução, jáque não ativou a economia.

O segundo mandato de Barack Obama serámais fácil, já que ele pegou o pepino da criseno primeiro?

O cenário é mais positivo, mas de maneiramitigada, já que Obama ainda não encontroua solução para a ameaça do Abismo Fiscal, queexigirá uma difícil negociação com os republi-canos. Ela começou relativamente bem, poisObama foi fortalecido com os resultados daseleições. Mas a definição de acordo ainda estádistante, talvez surja alguma luz até fevereiro.E pode ser que, mesmo se tudo correr bem,surja um fator que vá atrapalhar a recupera-ção americana: os cortes para reduzir a dívidapública, que está em mais de 100% do PIB. Namelhor das hipóteses, um terço desses cortesterá de ser feito. É considerável e pode desa-celerar a economia quando ela começa a con-valescer da crise.

O estado de introspecção referido valepara os EUA?

momento de introspecçãoCarlos Ossamu

O Pensador, de Auguste Rodin, retrataum homem em momento de meditação. Divulgação

Page 42: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

42 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Sim. É difícil imaginar Obama ocupando ocentro de sua agenda com questões internacio-nais, até porque anunciou em sua primeira en-trevista com a imprensa, que irá retomar aagenda doméstica que não conseguiu levaradiante, como um acordo para limitar a emis-são de gases de efeito estufa. Embora tenha co-meçado o segundo mandato com uma viagemà reunião do Sudeste da Ásia, não acredito emmudanças que façam dele um presidente maisinternacional do quedoméstico.

A secretária deEstado, HillaryClinton, deverá sairdo governo. Como osenhor avalia a suaatuação nessesquatro anos?

Sim, ela já anun-ciou sua saída. Elase saiu muito bemem suas funções.Talvez tenha sido asecretária de Estadocom menos interfe-rência da presidên-cia nas últimas dé-cadas. Há muitasdécadas que a presi-dência tem assesso-res que acabam setornando muito po-derosos, como Kis-singer e Brzezinski.Desta vez, nem sesabe o nome do as-sessor de segurançada Casa Branca, queé uma figura quenão aparece em pri-meiro plano.

E como o senhor estávendo a criseeurop eia?

Até agora, a Europa conseguiu evitar opior, que seria a crise mais profunda do euro, asaída da Grécia, um colapso da Espanha e daItália. O Banco Central Europeu anunciou quesustentaria a dívida pública desses países,acalmou um pouco o mercado. Mas eles pre-cisam avançar na união bancária, que nãoconseguiram. Não saíram da zona de perigo,2013 será um ano difícil. Provavelmente a Eu-ropa não irá crescer.

E em relação à China?Embora menos afetada pela crise, ela passa

por uma mudança de liderança, com sete novosmembros no Comitê Central. Mudou o presi-dente e o primeiro ministro. As previsões dosconhecedores são de que não haverá grandes al-terações. Os novos são personalidades cautelo-sas, não se prevê nenhum grande programa dereforma. A China também conseguiu evitar opior, que seria uma mudança brusca em seu

crescimento econô-mico: conseguiu umpouso suave ao sairde um crescimentoanual de 10% para7% a 8%. É razoável.Eles também passampor fase delicada naárea imobiliária e fi-nanceira. A Chinatambém estará volta-da para os seus pro-blemas internos.

O senhor identificaalguma ameaçaf u t u ra ?

Para os próximostrês anos, um hori-zonte previsível, nãovamos ter grandestransformações. Va-mos continuar tendouma situação maisd e i n t r o s p e c ç ã omundial, em que acrise econômica ain-da será a questãocentral . O perigomaior é que haja al-guma coisa fora doscript. Por exemplo,um ataque ao Irã.Existem problemasinternacionais laten-tes, que necessitamde atenção. Eu diria

que os três problemas mais graves e agudos são,primeiramente, as questões Israel-palestinos, aárea de envolvimento da Síria, Líbano, Egito, oOriente próximo. A segunda área de perigo é oIrã, com o seu programa nuclear, que tem na es-teira a ameaça de que Israel ou Estados Unidosataquem para abortar o programa. O terceiroproblema latente grave é a medição de forças en-tre China e seus vizinhos, principalmente com oJapão em torno daquelas ilhas no Mar da China

Philippe Huguen/AFP

Page 43: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

43NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

(veja matéria na pág. 48). Embora esses episódiostenham despertado emoções populares, têm si-do controlados. Mas, de repente pode haver umpasso imprudente. De todos os três, os dois maisperigosos, no curto prazo, são o caso do Irã e daFaixa de Gaza. Isso pode desencadear uma si-tuação difícil, como um grande aumento no pre-ço do petróleo, que seria um fator de agrava-mento da crise econômica mundial.

O Oriente Médio parece ser a região maispreocupante hoje.

Os problemas nesta região têm de ser acom-panhados com muita atenção, tanto assim, quea secretária de Estado do EUA tenta desempe-nhar um papel central – até então, os EUA ti-nham ficado mais discretos, mas agora, na ten-tativa de conseguir uma trégua na Faixa de Ga-za, voltou a política de shuttle diplomacy (in-

termediação diplomática) que os americanostiveram no passado, em que a própria secretá-ria de Estado vai a Jerusalém, vai ao Cairo, ten-tando ver se consegue um entendimento. OEgito também vem tendo um papel crucial, oque mostra que a Primavera Árabe, apesar dosreceios que despertou por ter levado ao poderpartidos islâmicos moderados, não foi umatragédia. Apesar de estar mais crítico a Israel, oEgito está desempenhando este papel de tentarpromover a paz entre os dois contendores.

E a posição dos americanos em relação aos outrosconflitos da região?

Acho que os EUA vão ter um papel impor-tante para evitar o pior no caso entre Israel e ospalestinos. Em relação à Síria, os EUA estãocautelosos, menos unilateral do que a Grã-Bre-tanha e sobretudo a França. Ambas já reconhe-

Jew

el S

amad

/AFP

Obama já disse queirá retomar a agenda

doméstica quenão conseguiu levaradiante, como um

acordo para limitara emissão de gases

de efeito estufa.

Page 44: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

44 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

ceram a oposição unificada como representan-te do povo sírio. Os americanos estão mais pru-dentes, com receio de que nessa oposição hajaelementos da Al Qaeda, terroristas, etc. Damesma forma, os americanos têm sido os mo-deradores de Israel no caso do Irã. Eles têmacentuado que as sanções econômicas come-çam a criar problemas sérios para o Irã. A de-cisão europeia de não comprar petróleo irania-no está atingindo muito a economia iraniana.Eles acham que o Irã, com isso, vai acabar acei-tando algum tipo de negociação.

Da mesma forma entre a China e o Japão, aChina e os vizinhos, os americanos têm tenta-do desempenhar um pouco esse papel de acal-mar os conflitos, mas é tudo extremamenteprecário. Pode haver, de repente, um cálculoerrado, mas se isso acontecer, será mais poruma perda de controle do que por uma políticadeliberada. A meu ver, no momento atual, nãohá nenhuma grande potência com uma políti-ca externa muito ativista.

O senhor teme eventos que desestabilizem aordem mundial?

Existe um contraste grande com a década de30. Com aquela enorme crise econômica, as po-tências nazifascistas, Alemanha e a Itália, ti-nham claramente um programa, que era dedestruir a ordem internacional vigente. Eraclaro que a realização do programa alemão eraincompatível com a Liga das Nações, com a so-berania dos países, pois envolvia anexações,expansões territoriais, etc. Hoje não há nadadisso. Nenhuma das grandes potências que te-nham armas nucleares tem uma política exter-na incompatível com a continuação do sistemainternacional tal como ele existe, nem os EUA,nem a China, nem a União Europeia, o Japão, aÍndia, nem a Rússia, ninguém. Para todos essespaíses, embora haja algum conflito, como osrussos naquela área em torno de seu país, a Ín-dia com o Paquistão, ou a China em relaçãoàquelas ilhas, mas nenhum deles faz disso umobjetivo que se sobrepõe à manutenção do sis-tema. A China, que é o país que está crescendomais e que tem mais condições de se transfor-mar numa potência cada vez mais forte, nãotem interesse em por em perigo um sistemaque lhe permitiu esse crescimento.

O senhor acha que os países estão fazendo a liçãode casa para resolver a crise econômica?

Os ambientes de crise exigem atenção paraapagar os incêndios imediatos. Não há climapara atacar problemas estruturais que estãoaflorando. Dois dos principais não tem avan-

çado. A reforma do sistema financeiro, do mo-netário, do câmbio, a questão do comércio es-tão paralisadas. Idem o problema do aqueci-mento global. Mesmo que a crise econômica se-ja superada, se não mudarmos o predomíniodas finanças e dos bancos sobre a economia; senão forem estabelecidos controles efetivos so-bre os derivativos, as operações de alto risco,cedo ou tarde isso provocará nova crise, quepoderá ser fatal. É uma situação complicada.Os bancos ganham muito com essas operaçõesde risco e os lobbies financeiros paralisam astentativas de controles. O G20, que sempre foiuma esperança, também se esvaziou, vamosdizer assim. As prioridades desses países têmsido domésticas.

E com relação ao referido aquecimento global?Estudo recente do Banco Mundial mostra

que se não houver medidas acordadas agoraou nos próximos anos, a temperatura do pla-neta poderá subir 4 graus centígrados até

Javier Etxezarreta/EFE

Na Europa, após anecessidade de

resgatar bancos,as dívidas bancáriasse transferiram para

os governos, hojeprofundamenteendividados,com déficits

orçamentários.

Page 45: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

45NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

2060. É a primeira vez que vejo data tão pró-xima. Até então se falava em 2100. Mesmo oaumento da temperatura de 2 graus já repre-sentaria uma catástrofe, pois estima-se que25% das espécies de vegetais e animais desa-pareceriam com essa marca. Imaginem 4graus! Pode haver consequências muito sé-rias, principalmente em cidades costeiras, co-mo Nova York, que, aliás, sofreu recentemen-te com um furacão. Apesar dos alarmes, ve-jam como foi fraca a repercussão da Rio+20.Não estamos vendo grandes avanços.

O senhor está pessimista quanto ao futuro?Esse panorama não é necessariamente pes-

simista. Em minha opinião, estamos evitandoo pior, tema de um artigo meu na Folha de S.Paulo. Teria sido ruim uma derrota de Obama.Se ela ocorresse, teríamos de cinco a seis mesesde incertezas até a posse e a formação do gover-no, circunstância que dimensionaria a criseeconômica. A eleição de Romney seria um re-trocesso em termos de políticas sociais, já queele havia anunciado a revogação do seguro desaúde, símbolo do esforço americano em rea-gir contra a desigualdade crescente. Romney

foi muito à direita e se cercou de assessores ex-tremamente agressivos, aqueles que na épocado Bush mais contribuíram para as aventurasunilaterais, querendo atacar o Irã e coisas dessetipo. Só o fato de se ter evitado isso, de se terpermitido a continuação de um governo expe-riente, já formado, não é de se desprezar. No ca-so da Europa, foi evitado o pior ao ser abortadaa saída da Grécia da Zona do Euro. Lembrei emmeu artigo que há um ano, em novembro, foi omomento em que a Europa esteve em seu mo-mento mais perigoso, quando o primeiro mi-nistro grego decidiu fazer um referendo, masdepois teve de recuar. Passou-se um ano e aGrécia não saiu da Zona do Euro. A subida deMario Monti e de Hollande ao poder, respecti-vamente na Itália e França, substituindo Ber-lusconi e Sarkozy, foi boa para o mundo em ge-ral, são figuras que ajudam na estabilização,trazem mais confiança.

No caso da Primavera Árabe, os pássaros estãocantando ou bateram asas?

Não foi uma maravilha, tampouco uma ca-tástrofe, conforme muita gente imaginava. ALíbia, Egito e Iêmen, países que tiveram mu-

Abir Sultan/EFE

Os problemasno Oriente Médio

têm de seracompanhados

com muita atenção,tanto assim, quea secretária de

Estado do EUA tentadesempenhar um

papel central.

Page 46: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

46 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

danças expressivas, estão com altos e baixosnaturais. Mas sabemos que esses processos sãodemorados. O Egito vem desempenhando umpapel crucial em busca de paz na região. Nãohouve invasão do Irã, não houve invasão da Sí-ria. Até agora se evitou o pior.

Mas no caso da Síria, só não houve umaintervenção porque a Rússia e a Chinaforam contra.

Já há certa intervenção velada, com forneci-mento de armas, voluntários de outras nacio-nalidades e por aí afora. Os países árabes suni-tas estão mais ativos. Mas a situação da Síria écomplicada, porque a oposição ao Assad é mis-turada. Há os que querem um regime demo-crático; outros, o islâmico, com seus nichos ex-tremistas. Por outro lado, Assad é da minoriaalauíta, que responde por 11% ou 12% da po-pulação. De modo que outras minorias se sen-tem mais protegidas com ele do que em relaçãoà maioria sunita do país. Daí a complexidadeda Síria, a qual se deve, penso eu, uma atitudemenos afirmativa dos EUA e mesmo de Israel.

Não há certeza se a saída de Assad não levará aalgo pior. Há vários países que também nãoquerem se precipitar.

E a América Latina no contexto mundial?A situação é de certa forma confortável. A

região não está ligada a focos de conflitos, éum lugar onde a questão islâmica não existe.No momento é uma área pacificada, excetopelo aumento da criminalidade. A própriaFarc decretou uma trégua, está querendo ne-gociar o seu ingresso na vida política. Eu achoboa essa situação. Muita gente acha negativa,porque significa que ela está fora da agendados programas internacionais, mas é bom es-tar fora da agenda, sobretudo quando ela re-presenta problemas graves, problemas mili-tares e de destruição.

E o nosso Brasil? Como está indo?Eu acho que o Brasil tem um modelo positi-

vo por reunir crescimento com inclusão social.Mas, para se sustentar, o modelo necessita dealgo que está faltando: taxa razoável de inves-

Hei

no K

alls/

Reut

ers

Os bancosganham muito

com essasoperações de risco

e os lobbiesfinanceiros

paralisam astentativas

de controles.

Page 47: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

47NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

timento. O Brasil não consegue investir maisdo que 19% do PIB. É muito pouco e duvidosono sentido de que o País possa crescer e mantersimultaneamente os benefícios sociais. Tantoque não crescemos neste ano. Parte disso se de-ve à crise mundial, mas o problema fundamen-tal está na questão de poupança e do investi-mento. O setor público, a meu ver, fez algumascoisas boas, como a redução de 5,25% na taxade juros em sete meses. Hoje temos uma taxa dejuros que, descontada a inflação, está em me-nos de 2%. Isso, junto com outras coisas, comoa flexibilização do encaixe bancário, reduçãodo spread, a entrada no mercado do Banco doBrasil, Caixa Econômica Federal e bancos so-ciais, tudo isso ajudou na questão do custo docapital. Outro aspecto que acho positivo é a ta-xa de câmbio: houve uma correção bastante ra-zoável. O esforço de minorar a carga tributáriae a folha de pagamento de alguns setores tam-bém é bom, mas insuficiente, pois são por pra-zo limitado e contemplam apenas alguns seto-res, não é uma grande reforma. Mas parece queo governo está consciente de que precisa cami-nhar no sentido de uma reforma tributária, re-duzir a carga dos impostos. Terá também de

melhorar a infraestrutura e o governo já anun-ciou a melhoria da infraestrutura com recursosda iniciativa privada.

As previsões apontam que 2013 será um bom anopara o Brasil.

O curto prazo não é um problema, os sinaisindicam que após dois anos bem ruins em ter-mos de crescimento, o ano que vem será me-lhor, com crescimento entre 3% e 4%. Para mim,o problema não é nem o ano que vem e nem2014, que terá a Copa do Mundo e eleições. Oproblema é o médio e longo prazo, em que pre-cisamos mudar essa questão do investimento –o Brasil tem que investir 25% do PIB, ao invésde 19%, talvez não de uma vez só, mas gradual-mente tem que aumentar. Nós estamos vendoque, mesmo com esses estímulos todos, a in-dústria tem muita dificuldade em reagir. Eu te-nho impressão de que o governo está conscien-te disso, mas entre a intenção e a execução, háuma grande distância. Se levarmos em contaque no início da década de 70 se investia 6% doPIB em infraestrutura e agora se investe apenas2%, só isso mostra que tem um campo enormepara avançarmos.

Did

a Sa

mpa

io/A

E

Parece que ogoverno está

consciente de queprecisa caminhar no

sentido de umareforma tributária,reduzir a carga dosimpostos. Na foto,a presidente Dilma

Rousseff anunciandoinvestimentosem logística.

Page 48: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

48 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Pich

i Chu

ang/

Reut

ers

No início de novembro, o conflito,há anos latente, ganhou

intensidade, quando as forças deautodefesa do Japão e o exército

norte-americano iniciarammanobras militares nas imediaçõesdas ilhas de Okinawa, a província

japonesa que administra asilhas Senkaku/Diaoyu.

ARQUIPÉLAGOMarleine Cohen

Page 49: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

49NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

Um pequeno arquipélagocomposto por oito ilhasvulcânicas desabitadas erochosas, com uma área total

de sete quilômetros quadrados, temaumentado a temperatura política entreChina e Japão. Motivo de tensão cada vezmaior entre as duas principais potênciasasiáticas, as ilhas Senkaku (chamadasDiaoyu pelos chineses), localizadas no Marda China Oriental, vêm confrontando osdois países desde 1895, quando, na versãodos japoneses, o território teria sidocedido pela China ao ser derrotada na

guerra sino-japonesa. Aparentemente semimportância, o território ocupa posiçãoestratégica para embarque de mercadoria.Além disso, tem pesca farta e grandesreservas de petróleo e gás natural.

No início de novembro, o conflito, háanos latente, ganhou intensidade, quandoas forças de autodefesa do Japão e oexército norte-americano iniciarammanobras militares nas imediações dasilhas de Okinawa, a província japonesaque administra as ilhas Senkaku/Diaoyu.Inicialmente, estava previsto umdesembarque em uma das ilhas do

EM DISPUTA

Reut

ers

Page 50: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

50 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

arquipélago, mas ele foi cancelado pararefrear a tensão com Pequim. Dias antes,uma frota de quatro navios de vigilânciachineses expulsou embarcações japonesasque navegavam nas proximidades daregião, para "reiterar a soberania chinesa"sobre o território.

O confronto entre Pequim e Tóquio sereacendeu quando o governo japonêsdecidiu nacionalizar, em setembro passado,três das oito ilhotas do arquipélago situado200 quilômetros a Nordeste de Taiwan e 400quilômetros a Oeste de Okinawa, no Sul doJapão – o que gerou a imediata intervençãodos Estados Unidos, que pediu aos doispaíses "cabeça fria" e gerou a preocupaçãode um conflito armado por parte dacomunidade internacional, principalmentediante da crescente militarização chinesa.

A ideia de comprar a área resultou de umacampanha deflagrada pelo governador deTóquio, Shintaro Ishihara, conhecido escritorjaponês e nacionalista declarado, com longohistórico de ataques à China. Com aprovaçãodo governo japonês, Ishihara deu início a umbem-sucedido movimento na internet paraangariar fundos para resgatar as ilhas atéentão nas mãos de proprietários privadosjaponeses. Em troca do território, o governodesembolsou 2,05 bilhões de yens (cerca deR$ 52 milhões).

A reação da China foi imediata: enquantoenviava navios de patrulha à região, achancelaria chinesa classificava a tentativade aquisição das ilhas como "umairresp onsabilidade".

Paralelamente, uma onda de protestosantinipônicos ganhava a China, ondecentenas de manifestantes protestaram nasruas, atingindo fábricas, escritórios econsulados japoneses. Na ONU, o ministrochinês das Relações Exteriores, Yang Jiechi,acusou o Japão de roubo. "A China exortafirmemente o Japão a cessar imediatamentetodas as atividades que violam a soberaniaterritorial chinesa, a adotar ações paracorrigir seus erros e a voltar ao caminho pararesolver a disputa mediante negociações",declarou Yang. "O Japão roubou estas ilhasem 1895, ao final da guerra sino-japonesa, eforçou o governo chinês a firmar um tratadodesigual para ceder estes territórios",afirmou no plenário da ONU, lembrando queas ilhas "formam parte integrante doterritório chinês desde a Antiguidade".

Para a China, o Japão ocupou ilegalmente

o território ao forçar a dinastia Qing a assinaro Tratado de Shimonoseki. Para Pequim, asilhas Diaoyu fazem parte de seu territóriodesde tempos antigos, servindo como áreade pesca e são administradas pela provínciade Taiwan.

Durante a 2ª Guerra Mundial, oarquipélago permaneceu sob aadministração dos Estados, que odevolveram ao Japão em seguida. Depoisdo conflito, a China afirma ter recuperado asoberania das ilhas com a Proclamação dePotsdam, de 1945, mas o Japão advoga queelas não estavam incluídas em um acordoposterior, o Tratado de Paz de San Francisco,de 1951. Em 1971, China e Taiwandeclararam ter soberania sobre as ilhas e,desde então, a questão tem sido um barrilde pólvora diplomático.

O Japão, de seu lado, declara terdocumentos que provam que as ilhasSenkaku lhe pertencem - entre elas, umacarta datada de 1920, que teria sido assinadapelo cônsul chinês em Nagasaki, na qual eleagradece o resgate de pescadores chinesesque naufragaram perto das ilhas Senkaku:"(No total) 31 pescadores de Hui'an,província de Fujian, se perderam duranteuma tempestade de vento e foramempurrados para a ilha Wayo, uma das ilhasSenkaku, distrito de Yaeyama, província deOkinawa, império do Japão", diz um trecho.Para o governo japonês, esta é uma prova deque a China já reconhecia o arquipélagocomo parte de Okinawa no século passado.

Outra comprovação apresentada pelogoverno japonês diz respeito a um artigopublicado no People's Daily, a imprensaoficial da China, em 8 de janeiro de 1953.No texto, que fala da luta da população localcontra a ocupação americana, se fazreferência a Senkaku – e não Diaoyu, comoos chineses denominam o arquipélago.

A terceira prova é um mapa geográficopublicado pela China em 1933, no qual asilhas Senkaku/Diaoyu são apontadas comosendo do Japão. Todos estes documentoshistóricos foram divulgados pelo governojaponês em sua página oficial do Facebook.

No último dia 2 de novembro, o vice-chanceler chinês, Song Tao, publicou artigono jornal britânico The Daily Telegraph,batendo novamente na tecla da violação dasoberania de seu país sobre as ilhas Diaoyu econclamando o Japão a resolver a disputaatravés do diálogo.

Page 51: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

51NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

O PACTO FEDERATIVO

E A GUERRA FISCALE A GUERRA FISCAL

O PACTO FEDERATIVOMike Johnson/SXC

Page 52: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

52 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Luiz Prado/Luz

Ives Gandra da Silva MartinsProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP,UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO,das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME,Superior de Guerra - ESG e da Magistratura do TribunalRegional Federal - 1ª Região; Professor Honorário dasUniversidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru)e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa dasUniversidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, eCatedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidentedo Conselho Superior de Direito da Fecomércio - SP; Fundadore Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária -CEU/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.

Em 12 de abril do corrente ano, o Senado Federal no-meou Comissão, hoje constituída por treze especialis-tas, a saber: Nelson Jobim (presidente), Everardo Ma-ciel (relator), Bernard Appy, Fernando Rezende, João

Paulo dos Reis Velloso, Luís Roberto Barroso, Manoel FelipeRêgo Brandão, Marco Aurélio Marrafon, Michal Gartenkraut,Paulo Barros Carvalho, Sergio Roberto Rios do Prado e pormim, objetivando um estudo para repensar o pacto federativo,a começar pelos questões tributárias, que amarram o desen-volvimento nacional e atrasam a evolução do País, na certezade que, sem esses entraves, o Brasil já poderia ter atingido ní-veis muito mais elevados de progresso e competitividade.

Em diversas reuniões presenciais e em um número maior dereuniões virtuais, os treze participantes elaboraram doze textos,objetivando: eliminar a guerra fiscal ou reduzi-la a expressão in-significante quanto ao ICMS; definir o nível das dívidas dos Es-tados, sem provocar descompassos orçamentários para a União,Estados e Municípios; definir as novas regras do Fundo de Par-ticipação dos Estados, assim como reformular a partilha do ICMScom os Municípios; equacionar o problema dos royalties do pe-tróleo sem modificar as garantias, hoje outorgadas aos Estados eMunicípios, com base no artigo 20, § 1º, da CF, mas universalizan-do participações para as demais unidades da Federação; agravara punição de autoridades públicas que gerem o conflito tributá-rio, em patamar penal, estabelecendo outras regras simplificado-ras, como o cadastro único do contribuinte, medida esta tambémdiscutida e aprovada, ao lado de 19 outras soluções simplificado-ras, pelo Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP.

A linha mestra foi corrigir as desigualdades regionais, com omínimo de resistência das entidades federativas e o máximo deeficiência nos resultados pretendidos.

Sob a presidência de Nelson Jobim e relatoria de EverardoMaciel, que se mostrou um incansável coordenador das reu-niões virtuais, tem a Comissão a certeza de que, nas 12 propos-tas já articuladas de projetos de emendas constitucionais, leiscomplementares, ordinárias e resoluções do Senado, pela pri-meira vez, de forma coerente e sistemática, forjou-se um ver-dadeiro sistema equacionador dos problemas mais cruciais daquestão tributária.

O mais relevante é o que diz respeito à guerra fiscal doICMS.

Em recente editorial (16/10), O Estado de S. Paulo alertouque a luta dos Estados pela preservação de sua autonomia fi-nanceira sobre o ICMS dificulta a reforma tributária, no quetem razão, visto que o ICMS, tributo de vocação nacional foiregionalizado no Brasil, ao contrário do que ocorre na esma-gadora maioria dos países, que adotam o princípio do valoragregado. Tais países têm o IVA centralizado, mesmo nas fe-derações como Alemanha e Argentina.

A guerra fiscal, todavia, só aconteceu, por força da omissãoda União, que, desde a Constituição de 88, deixou de fazer po-líticas regionais reequilibradoras dos desníveis entre as unida-des da federação, visto que perdeu 14% da arrecadação do IPIe Imposto de Renda a favor de Estados e Municípios.

Esta perda, entretanto, foi recuperada com a elevação doFinsocial de 0,5%, para a Cofins de hoje, de 7,6%, assim como o

Page 53: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

53NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

sem preocupação de citações ou referências doutrinárias, a es-sência de nossos argumentos, mais longamente explicitadosnaquele livro da Editora Noeses.

Interessam-me, para este estudo, os incisos IV, V e VI do § 2ºdo artigo 155, assim redigidos:

"§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Re-dação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

..........".IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da

República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria ab-soluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às ope-rações e prestações, interestaduais e de exportação;

V - é facultado ao Senado Federal:a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante

resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absolutade seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolverconflito específico que envolva interesse de Estados, mediante reso-lução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços deseus membros;

VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Fe-deral, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas,nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações deserviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações in-t e re s t a d u a i s ;

..........".

Houve por bem, o constituinte, fortalecendo o princípio de-

PIS, de 0,65 para 1,65%, sob a alegação de permitir a compen-sação do tributo, em algumas hipóteses. Por ser, porém, um tri-buto não partilhável com as outras entidades federativas,transformou-se na estrela maior da arrecadação federal.

Tanto é assim que sua participação no bolo tributário atualfoi elevada para aproximadamente 60%, ficando as demaisunidades da Federação com apenas 40%.

No ponto mais agudo do "nó górdio" tributário, a Comissãopreservou a unanimidade do Confaz para a aprovação de estímu-los por meio de Convênios, no âmbito do ICMS, abrindo uma úni-ca exceção: a possibilidade de aprovação por de 2/3 dos Estadospara incentivos fiscais que atendam, simultaneamente, as se-guintes condições: 1) aplicação apenas a produtos que saiam dafábrica para outros Estados; 2) o Estado beneficiário tenha umarenda per capita abaixo da renda per capita nacional; 3) prazo deduração do incentivo não superior a 8 anos; e 4) alíquota interes-tadual de no mínimo de 4%. A nova proposta de lei complemen-tar contemplando esse regime substituiria a LC 24/75.

Paulo de Barros Carvalho e eu convergimos em todas as pro-postas, dentro da Comissão, apenas divergindo no que concer-ne à necessidade da unanimidade do Confaz para a aprovaçãode incentivos fiscais regionais.

Editamos, com as nossas posições divergentes, o livro"Guerra Fiscal - Reflexões sobre a concessão de benefícios noâmbito do ICMS" (Editora Noeses, 2012) para auxiliar uma re-flexão maior sobre a questão, como contribuição ao debate es-sencial na solução do problema.

Neste breve artigo, para o Digesto Econômico, resumirei,

Page 54: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

54 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

senhado na Lei Complementar 24/75 – de canhestra redação –,estabelecer, conforme o § 2º, incisos IV, V e VI do § 2º do artigo155 da CF, todo um sistema de controle da determinação de alí-quotas estaduais e interestaduais pelo Senado Federal, objeti-vando: a) eliminar os riscos de que incentivos outorgados porum Estado tivessem impacto de descompetitividade em rela-ção a Estados que dele recebessem mercadorias com ICM es-timulado, mediante a exigência de aprovação de alíquotas mí-nimas para as operações internas e máximas nas mesmas ope-rações, em caso de conflito entre os Estados; b) estabelecer asalíquotas aplicáveis para as operações interestaduais e de ex-portação; c) exigir a unanimidade de Estados e DF para apro-var tratamento mais favorável às operações internas – e, im-plicitamente, para as externas –; d) exigir que alíquotas inter-nas não fiquem abaixo das previstas para as operações interes-taduais, salvo acordo de todos os Estados e Distrito Federal.

E ao falar em Estados e Distrito Federal no que concerne aisenções, incentivos e benefícios, impôs a necessidade de vo-tação unânime, para não provocar favorecimento que desse aqualquer um deles maior competitividade, no mercado inter-no, o que resta reforçado pela disposição de que as alíquotasinternas não sejam inferiores às definidas para as operações in-terestaduais. E a unanimidade decorre de não ter o cons-tituinte estabelecido "quorum" menor para aprovaçãodos estímulos fiscais.

O inciso VI, portanto, determina que, só pela deliberaçãounânime dos Estados, as alíquotas internas podem ser inferio-res às interestaduais, muito embora para a definição das alí-

quotas interestaduais e de exportação – idênticas para Estadose Distrito Federal – o Senado, por maioria absoluta, determi-nará quais são as alíquotas aplicáveis.

Repito, para alíquotas internas diferenciadas, ou seja, esti-muladas entre Estados e Distrito Federal, falou o constituinteem "Estados e Distrito Federal", o que representa unanimida-de, pois não oferta exceções deliberativas, nem a possibilidadede exclusões de Estados ou do Distrito Federal. Não se referiua 2/3 ou maioria de tais entidades federativas, como ocorre nasdeliberações do Senado, quanto ao voto dos Senadores repre-sentantes dos Estados. Vale dizer, tal deliberação terá que serdos Estados, ou seja, todos eles mais o Distrito Federal. Istoocorre porque concedidos sem autorização unânime, pode-riam provocar descompetitividade. Para a definição de umaalíquota uniforme entre Estados, basta a maioria absoluta doSenado, pois nenhuma descompetitividade será gerada; nãohavendo mercadorias menos ou mais oneradas, por força deincentivos dados. As alíquotas seriam idênticas, mesmo levan-do em consideração a existência de regiões diversas de Estadose Distrito Federal, pois alíquotas uniformes para cada uma de-las. Para tal definição, basta, pois, a maioria do Senado, que é aCasa Legislativa da Federação, com representação equalitáriade todos os Estados.

Se houver, de qualquer forma, conflito entre os Estados paraalíquotas internas – não interestaduais –, apenas por 2/3 o Se-nado poderá deliberar para fixar ALÍQUOTAS MÁXIMAS, ouseja, as alíquotas válidas para todos os Estados e Distrito Fe-deral, que não poderão ser ultrapassadas, lembrando-se sem-

Page 55: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

55NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

pre que as alíquotas internas, não podem ser inferiores às apli-cáveis às operações interestaduais.

Neste caso, o Senado age em nome da Federação, prevalecen-do pois a possibilidade de "quorum" inferior à unanimidade.

No caso de acordo entre os Estados, não, pois cada Estadofala em nome próprio, razão pela qual a unanimidade é requi-sito essencial. É de se lembrar que o inciso VI referiu-se expres-samente à letra "g" do inciso XII do § 2º do artigo 155 referentea estímulos fiscais.

Por esta razão, interpreto que a unanimidade, que para in-centivos fiscais é exigida do Confaz, não é senão um reflexo in-fraconstitucional do regime de fixação de alíquotas, impostopela Constituição ao Senado Federal, ou seja, a) unanimidadedeliberativa dos Estados e Distrito Federal para alíquotas es-timuladas e diferenciadas internas, sem o piso das alíquotas in-terestaduais; b) maioria absoluta do Senado para as alíquotasaplicáveis às operações e prestações interestaduais e de expor-tação; c) maioria absoluta do Senado para estabelecer alíquo-tas interestaduais; d) 2/3 dos senadores para fixar alíquotasmáximas em caso de conflito; e e) as alíquotas internas não po-derão ser inferiores às interestaduais.

Em outras palavras, o inciso VI estabelece regra de unani-midade para evitar descompetitividade nas deliberações deEstados e Municípios. Por isto, o constituinte não fala em maio-ria, nem em 2/3, como nos incisos anteriores para definiçãodas alíquotas internas QUE PODERÃO SER INFERIORES ÀSALÍQUOTAS INTERESTADUAIS, mas em unanimidade, ouseja, a deliberação de todos os entes regionais.

Concluo esta parte do estudo, dizendo que o texto cons-titucional, quando se refere à deliberação dos Estados e Dis-trito Federal no tocante a estímulos fiscais outorgados, ne-cessariamente impõe a deliberação de todos os Estados eDistrito Federal, VISTO QUE NÃO ESTABELECEU QUAL-QUER "QUORUM" MÍNIMO.

Por esta linha de raciocínio, entendo que a unanimidade exi-gida pelo Confaz não decorre da legislação infraconstitucio-nal, mas decorre, à luz da Constituição de 1988, do próprio tex-to supremo, tese, aliás, fortalecida com a interpretação queagora darei do artigo 146-A da Lei Suprema.

Reza o artigo 146-A da CF:Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios espe-

ciais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da con-corrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecernormas de igual objetivo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº42, de 19.12.2003).

Embora aplicável a todos os tributos previstos na lei supre-ma, diz respeito especialmente ao ICMS, onde mais aguda sefaz a descompetitividade, e vem, definitivamente, reforçar ainterpretação que ofertei aos retro incisos IV, V e VI, ou seja, deque apenas a concordância unânime de todos os Estados e doDistrito Federal pode justificar isenções, incentivos ou bene-fícios fiscais diferenciados, a privilegiar um Estado, na compe-titividade de seus produtos, em relação a outros.

O artigo, porém, dá valor especial à lei complementar comoveículo de prevenção à "descompetitividade tributária", refor-

André Susin/PressDigital/AE

A guerra fiscal,todavia, só

aconteceu, porforça da omissão daUnião, que, desde aConstituição de 88,

deixou de fazerpolíticas regionaisreequilibradoras.

Page 56: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

56 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

çando a interpretação que desde a década de 60 tenho dado aesse instrumento legislativo de que, quando cuidando de nor-mas gerais em matéria tributária, obriga todas as entidades daFederação: é uma lei nacional, uma lei da Federação, produ-zida pelo aparelho legislativo da União e emprestado a todasas entidades federativas.

Tanto é que abre espaço, o constituinte, para a União esta-belecer lei federal com igual teor, à evidência, obrigando ape-nas à própria União.

Admitir que a lei federal produzida poderia, também, obri-gar Estados e Municípios nulificaria a produção de lei comple-mentar, pois tanto uma quanto outra poderiam ter a mesma efi-cácia no mesmo campo de abrangência. Vale dizer, promulga-ria a União, uma Lei Complementar ou uma lei ordinária e seusefeitos seriam os mesmos!!! Por respeito ao constituinte, nãoposso admitir tal exegese.

O que o dispositivo torna claro é que aos Estados, ao DistritoFederal e aos Municípios não foi outorgada a mesma faculda-de de produzir uma norma geral capaz de obrigar toda a fe-deração, a fim de evitar a descompetitividade.

Nitidamente, o artigo 146-A consagra o princípio da "livreconcorrência", esculpido no inciso IV, do artigo 170, assim re-digido:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalhohumano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existênciadigna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintesprincípios:

.........

IV - livre concorrência;que, à evidência, poderia desaparecer, - embora, a meu ver,

esteja implícito em vários pontos da lei suprema - se não fosseexplicitado pela Emenda Constitucional n. 45/05.

O artigo 146-A é principiológico, sendo, a meu ver, de apli-cação imediata, muito embora, com o advento da lei comple-mentar explicitadora, sua aplicação virá a ganhar forma pro-cedimental.

Ocorre com o artigo 146-A o que ocorreu com o artigo 102,inciso I, da Lei Suprema:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente,a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de leiou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucionalnº 3, de 1993)

.........",em que, apesar de a Lei 9868/99 só ter surgido 11 anos de-

pois de promulgada a Constituição, isso não impediu que maisde mil ações diretas fossem propostas e julgadas por rito regi-mental do próprio STF, dando à norma constitucional aplica-ção imediata. Só com a Lei 9868/99 é que o rito atual tornou-seobrigatório; mas a ausência de lei por 11 anos, não impediu aaplicação do preceito constitucional.

Assim, para o ICMS – antes ICM–, a própria Constituição an-terior, como demonstrei na primeira parte deste estudo, já proi-bia a descompetitividade, ao exigir a unanimidade dos Estados

Zé Carlos Barretta/H

ype

Paulo pampolin/H

ype

É de se lembrar que,qualquer política para

reequilibrar desequilíbriosregionais, em matéria

tributária, só pode ser deresponsabilidade da União.

Page 57: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

57NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

e Distrito Federal para autorização de instituição de incentivosfiscais. É que sua concessão por um Estado, sem o aval dos de-mais, poderia tornar seu produto menos oneroso, devido à car-ga de ICMS menor, por força da não cumulatividade, de obser-vância obrigatória pelo Estado receptor de mercadorias.

É de se lembrar que, qualquer política para reequilibrar de-sequilíbrios regionais, em matéria tributária, só pode ser deresponsabilidade da União, como se verifica da leitura do ar-tigo 151, inciso I, da Lei Suprema:

"Art. 151. É vedado à União:I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território na-

cional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado,ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admi-tida a concessão de incentivos fiscais destinados a promo-ver o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico en-tre as diferentes regiões do País; (grifos meus)

.......".

Nem Estados, nem Municípios têm tal responsabilidade, anão ser que concordem, por unanimidade, com uma políticacomum de incentivos.

Sabiamente assim agiu o constituinte, pois tem a União – eagora mais do que em 1988, por força das contínuas elevaçõesde alíquotas de COFINS e PIS, tributos não partilháveis – maio-res recursos tributários e pode fazer política nacional de estí-mulos, sendo ESTA A ÚNICA HIPÓTESE DE DESCOMPETI-TIVIDADE TRIBUTÁRIA admitida pela Lei Suprema, que nãofere o artigo 150, inciso II da CF, assim redigido:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao con-tribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aosMunicípios:

.........II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encon-

trem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razãode ocupação profissional ou função por eles exercida, independente-mente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direi-tos;......".

Em outras palavras, apenas e exclusivamente a União podefazer políticas que afetem a competitividade, em prol de de-senvolver regiões mais pobres do País. Essa é a única forma dedescompetitividade que é considerada constitucional e quenão fere nem o inciso II do art. 150, nem o inciso IV do artigo170, porque viabiliza alcançar o objetivo previsto no art. 3º, IIIda CF e se coaduna com as regras do artigo 155, § 2º, incisos IV,V e VI da Lei Maior.

Por esta razão, com sede na Constituição – e exclusivamen-te na Constituição – é que entendo que a unanimidade dos Es-tados para autorizar incentivos, estímulos e benefícios noICMS, que possam reduzir o peso do tributo nas operaçõesinternas e interestaduais, gerando, pois, descompetitividadetributária, é elemento fundamental. Está a Lei Complemen-tar 24/75, portanto, recepcionada. Qualquer outra que venhaa ser produzida DENTRO DAS FRONTEIRAS PREVIA-MENTE ESTABELECIDAS pela Lei Suprema, não poderá fu-gir deste preceito. A unanimidade do apoio de Estados e Dis-trito Federal a qualquer tipo de estímulo fiscal a ser instituído

Zé Carlos Barretta/H

ype

New

ton Santos/Hype

Em outras palavras,apenas e exclusivamente

a União pode fazerpolíticas que afetem a

competitividade, em prolde desenvolver regiõesmais pobres do País.

Page 58: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

58 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

no âmbito do ICMS é, a meu ver, princípio fundamental, por-que destinado a evitar a descompetitividade interestadual e apreservar a Federação.

O artigo 155, § 2º, letra "g" do inciso XII da Constituição Fe-deral, assim redigido:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir im-postos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3,de 1993)

................XII - cabe à lei complementar:........g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do

Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão con-cedidos e revogados.

.......",não pode, portanto, quebrar tal preceito fundamental, que per-

mitiu que um tributo de vocação nacional fosse regionalizado,sem que unidades federativas viessem a ser prejudicadas quandocontrárias à concessão de estímulos. Vale dizer, que não tenhamseus produtos sujeitos à concorrência predatória, em virtude deincentivos concedidos por outras unidades da federação, para osmesmos produtos nelas produzidos.

E isto me leva à observação final deste estudo, ou seja, de quetal preceito é uma cláusula pétrea.

Reza o artigo 60, § 4º, inciso I, da Lei Suprema, que:"Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados

ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades

da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativade seus membros.

............§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente

a abolir:I - a forma federativa de Estado;..........".

Como se pode verificar, o dispositivo falou em "abolir", sig-nificando que o sistema federativo é assegurado como cláusu-la imodificável da lei suprema.

É que o sistema federativo poderia restar modificado esensivelmente desfigurado, passando a ser apenas formal-mente federativo, se emendas constitucionais ou leis infra-constitucionais reduzissem à expressão quase nenhuma aautonomia política, financeira ou administrativa das unida-des federativas.

Na autonomia financeira é de se compreender inserta a li-berdade de decidir sobre seus destinos conforme as regrasconstitucionais. Não podem, a Constituição ou outras leis,criar condições que retirem das entidades federativas o direitode exercer tal autonomia.

Na autonomia financeira dos Estados, é o ICMS a sua gran-de fonte de receita, tributo cuja estadualização implica a exis-tência de regras na lei Suprema destinadas a evitar que os Es-tados sejam privados do direito de dirigir suas políticas regio-

Na atual guerrafiscal, são os

investidores queimpõem aosEstados sua

política, obtida, porse instalarem

naqueles que lhesoutorgarem

maioresvantagens.

Ed Ferreira/AE

Page 59: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

59NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

nais, ou que sejam pressionados a conceder benefícios, por au-tênticos "leilões" provocados por investidores que escolhem olocal de sua instalação em função dos benefícios que este ouaquele Estado lhes ofereçam.

Na atual guerra fiscal, são os investidores que negociam eimpõem às Secretarias dos Estados sua política, obtida, por seinstalarem naqueles que lhes outorgarem maiores vantagens.Tal fato representa, de rigor, que a verdadeira política financei-ra não é definida pelos governos, mas exclusivamente pelos in-vestidores. E, muitas vezes, gera descompetitividade no pró-prio Estado para estabelecimentos, já há longo tempo lá esta-belecidos, que não poderão dos estímulos se beneficiar.

Ora, é exatamente este tipo de "leilão" que a Suprema Cor-te atalhou recentemente, exigindo que, para a concessão deestímulos no âmbito do ICMS, haja unanimidade autoriza-tiva dos 26 Estados e do Distrito Federal, em clara sinaliza-ção de que, agir de forma contrária, sobre ferir a Constitui-ção, DIRETAMENTE, feriria, também, o sistema federativodo Estado Brasileiro.

É que sem autonomia financeira, a autonomia política ficareduzida e a administrativa limitada. A Federação, fragiliza-da, manter-se-ia apenas por força de um formalismo legal enão de uma autêntica realidade, construída, a duras penas,desde 1891 com a 1ª. Constituição Republicana.

Se um Estado sofre, na Federação, desfiguração tributáriadevido à sistemática não cumulativa do ICMS, sendo obrigadoa reconhecer créditos presumidos, mas inexistentes, concedi-dos por outros Estados, SEM A SUA CONCORDÂNCIA, as

empresas estabelecidas em seu território tornam-se descom-petitivas e sem condições concorrenciais, dada a invasão deprodutos estimulados, à margem do consenso unânime. Niti-damente, o pacto federativo torna-se uma farsa e a Federação,um sistema debilitado, restando a tríplice autonomia (política,administrativa e financeira) seriamente maculada.

Por esta razão, entendo que a expressão "abolir" deve ser en-tendida como abrangendo todas as situações em que o verda-deiro sistema federativo é fragilizado por atos que ponham emxeque a tríplice autonomia de que gozam as unidades federa-tivas, a ponto de se digladiarem, sem objetivo comum e fica-rem à mercê dos interesses dos investidores, e não de seu povoou seu governo para o atendimento do interesse público.

A meu ver, retirar o direito de dentro das regras constitucio-nais de que os Estados não estão obrigados a suportar políticasdestinadas a promover o reequilíbrio regional, cabendo estaatribuição exclusivamente à União? o Estado opor-se a incen-tivos fiscais de ICMS de outra unidade que lhe prejudiquemdiretamente, é abolir o verdadeiro pacto federativo, manten-do-se uma Federação apenas formal, o que, manifestamente,não desejaram os constituintes, ao instituírem a regra da una-nimidade em nível de Lei Suprema, hoje com conformação le-gislativa infraconstitucional e jurisprudencial.

A unanimidade exigida para a concessão de incentivos, estí-mulos ou benefícios fiscais de todos os Estados e Distrito Federalé, a meu ver, cláusula pétrea constitucional, não podendo ser al-terada nem por legislação inferior e nem por emenda constitucio-nal, por força do § 4º, inciso I, do artigo 60 da Constituição.

SXC

Page 60: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

60 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Para crianças chinesas e seus devotados pais, aeducação sempre foi vista como um elementofundamental para avançar em uma sociedadecada vez mais competitiva. Porém, assim como

dinheiro e poder facilitam a realização de negócios e apromoção de funcionários públicos, a corrida acadêmi-ca na China privilegia cada vez mais os ricos e influen-tes, que pagam enormes somas e usam seus contatos pa-ra dar aos filhos vantagens na briga pelas vagas no en-sino público do país.

Segundo pais e educadores, quase tudo tem um preço:da matrícula a vagas nas melhores salas, passando porposições de liderança em grupos de jovens comunistas.Até mesmo lugares na primeira fila e o posto de monitorde classe estão à venda.

Zhao Hua, migrante da província de Hebei e proprie-tária de uma pequena empresa de eletrônicos, afirmou tersido forçada a depositar 4.800 dólares em uma conta ban-cária para matricular a filha no ensino fundamental emPequim. No banco, foi surpreendida ao encontrar auto-ridades do comitê de educação do distrito armadas comuma lista, que incluía nomes de estudantes e o valor quecada família teve de pagar pela vaga. Os funcionários aobrigaram a assinar um documento afirmando que a taxaera uma "doação" voluntária.

"É claro que sabia que aquilo é ilegal", afirmou, "masquem não paga, não consegue vaga".

Suborno enepotismoem escolaschinesas

Dan LevinThe New York Times News Service

Page 61: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

61NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012 DIGESTO ECONÔMICO

A prática do suborno se tornou tão comum que Xi Jinpingdedicou o primeiro discurso como novo líder do partido co-munista para alertar os políticos chineses de que a corrupçãopode levar ao colapso do partido e do próprio Estado caso con-tinue impune. Os chineses estão cada vez mais acostumados acerto grau de corrupção nos negócios e na política.

Entretanto, a falta de integridade dos educadores e admi-nistradores escolares é especialmente desanimadora, afir-mou Li Mao, consultor de educação em Pequim. "É muito piorquando isso acontece com professores, porque nossas expec-tativas são muito mais altas em relação a eles", afirmou.

Obviamente, famílias abastadas nos Estados Unidos e emmuitos outros países procuram maneiras de privilegiar seusfilhos, incluindo a contratação de tutores e cursos de prepa-ração para provas de admissão, recorrendo frequentemente aescolas privadas que aceitem estudantes ricos, apesar de seubaixo rendimento escolar.

Contudo, críticos afirmam que o sistema público de edu-cação na China – considerado o ápice da meritocracia comu-nista – está sendo assolado por corrupção e nepotismo. Essacorrupção aumentou o abismo entre ricos e pobres, fazendocom que as famílias chinesas vejam a esperança de um futuromelhor sendo vendida a quem pode pagar mais.

"A corrupção é generalizada em todas as partes da socie-dade chinesa e a educação não é exceção", afirmou Li.

A extorsão começa antes do primeiro dia de aula e a com-petição por vagas nas melhores escolas transformou-se emum negócio lucrativo para autoridades escolares e outros fun-cionários públicos.

Todo ano, o Jardim de Infância da China Limpa, afiliado à

prestigiada Universidade de Tsinghua, em Pequim, recebepedidos de pais que veem a matrícula como a melhor forma degarantir a entrada dos filhos nas melhores universidades dopaís. Oficialmente, a escola está aberta apenas para os filhosdos professores da universidade. Porém, com cerca de 150.000iuanes, ou 24.000 dólares, algum professor da Tsinghua podeser convencido a "apadrinhar" um candidato, de acordo comum funcionário que falou sob condição de anonimato.

Pais com contatos menos diretos são obrigados a pagarsubornos a uma série de pessoas até que os filhos sejam acei-tos no jardim de infância. "Quanto mais distantes estiveremdas pessoas ligadas à escola, mais dinheiro precisarão gas-tar", afirmou o funcionário. "A brincadeira acaba custandomuito caro."

Contudo, autoridades negaram que seja possível pagar pa-ra entrar na escola.

Os custos podem aumentar na faculdade. A imprensa chi-nesa relatou recentemente que as atuais taxas cobradas porinstituições ligadas à renomada Universidade de Renmin, emPequim, ficam entre 80.000 e 130.000 dólares.

Autoridades do governo também encontraram uma formade tirar proveito do sistema. O jornal estatal 21st Century Bu-siness Herald anunciou que poderosas agências e empresaspúblicas frequentemente doam fundos para escolas de ponta,como parte de parcerias conhecidas como políticas de "desen-volvimento conjunto". Segundo críticos, em troca dos inves-timentos, filhos de funcionários recebem privilégios na horada matrícula.

A mesma prática tem sido adotada por empresas privadasque oferecem "patrocínios corporativos" para escolas de ponta.

Foto

s: S

im C

hi Y

in/

The

New

Yor

k Ti

mes

Críticosafirmam que osistema público

de educaçãona China -

consideradoo ápice da

meritocraciacomunista -está sendo

assolado porcorrupção.

Page 62: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

62 DIGESTO ECONÔMICO NOVEMBRO/DEZEMBRO 2012

Na China, o ensino médio é obrigatório e gratuito, mas arealidade é quase sempre mais complicada. À medida que osfilhos crescem, pais com menos conexões se veem obrigados apagar constantemente para garantirem melhores oportuni-dades educacionais aos filhos. Em todo o país, esses pagamen-tos são chamados de taxas de "alternativa escolar", que abremas portas das escolas localizadas fora do distrito ou da cidadeonde a família está oficialmente registrada.

Essas taxas ilegais são especialmente onerosas para os mi-lhões de famílias de trabalhadores migrantes que se muda-ram para cidades distantes. Oficialmente, o Ministério daEducação e o Gabinete de Estado da China baniram cinco ve-zes a "alternativa escolar" e outras taxas irregulares desde2005, mas as autoridades escolares e importantes departa-mentos do governo sempre encontram formas criativas decontinuarem a cobrá-las.

Entre algumas das universidades mais prestigiadas, estu-dantes com notas baixas podem "comprar" alguns pontos pa-ra serem aceitos. De acordo com uma política tácita, mas deconhecimento público, um dos colégios de Pequim oferecepontos extras a cada 4.800 dólares doados pelos pais à escola."Todos os meus colegas de classe sabem disso", afirmou PollyWang, uma estudante de 15 anos que pediu para que o nomeda escola não fosse divulgado.

Cercados por uma cultura onde o que importa é o dinheiro,professores sempre encontram formas de engordar seus salá-rios irrisórios. A jornalista educacional Qin Liwen afirmouque alguns professores criaram escolas paralelas e encorajama presença dos alunos deixando de ensinar partes fundamen-tais do currículo durante o horário normal.

"Por que fazer algo de graça, se todo mundo pode pagar?",

afirmou Qin. Com medo de que os filhos percam matérias im-portantes ou sejam vítimas da fúria dos professores, muitospais sentem-se obrigados a pagar pelos cursos extras, segun-do a jornalista.

A cultura da bajulação se transforma em uma cara compe-tição no Dia da Apreciação do Professor, um feriado nacionalcomemorado no mês de setembro, quando estudantes de to-das as idades levam presentes aos professores. Ficaram nopassado os dias em que um buquê de flores e uma cesta de fru-tas seriam o suficiente. De acordo com as reportagens da im-prensa chinesa, muitos professores esperam receber relógiosde marca, chás caros, vales-presente e até mesmo viagens. Se-gundo os pais, na Mongólia Interior alguns professores acei-tam cartões de débito ligados a contas correntes, que podemser reabastecidas ao longo do ano.

Segundo o Diário de Xangai, o valor desses presentes au-mentou em média 50 vezes ao longo da última década.

"É um círculo vicioso", afirmou Zhao, a proprietária daempresa de artigos eletrônicos e mãe de uma menina de 10anos. "Se não dermos um bom presente, e outros pais o fi-zerem, ficamos com medo de que o professor dê menosatenção à nossa filha."

Alguns pais descobriram que a única forma de preservar aintegridade é rejeitando o sistema de educação chinês. Ater-rorizada com a cultura de subornos, Wang Ping, de 37 anos,dona de um bar em Pequim, decidiu enviar o filho para estu-dar fora do país. Em agosto, despediu-se do filho único, quematriculou no ensino médio em uma escola pública de Iowa.

"O sistema educacional chinês é injusto com as criançasdesde o começo da vida", afirmou. "Não quero que meu filhotenha mais nada a ver com isso."

Sim C

hi Yin/ The New

York TimesAlguns pais

descobriramque a únicaforma de

preservar aintegridadeé rejeitandoo sistema

de educaçãochinês.

Page 63: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

Data Cadernos Setor 12 de março Construção Civil Constr.Civil/Imob. 01 de abril Energia Elétrica Energia 25 de abril Contabilidade, Auditoria & Consultoria Serviços 06 de maio Supermercados Comércio 21 de maio Saúde Saúde 03 de junho Pós-graduação Educação 12 de junho Franchising Comércio & Serviços 25 de junho Automação Comercial Tecnologia 16 de julho Dia do Comerciante Comércio 17 de julho Padarias Alimentos e Bebidas 14 de agosto Tecnologia, Software e Serviços Tecnologia 21 de agosto Previdência Privada Finanças 05 de setembro Turismo e Hotelaria Indústria e Serviços 17 de setembro Logística Logística 20 de setembro Contador Serviços 04 de Outubro Micro & Pequenas Empresas Empreendedorismo 11 de outubro Seguros Finanças 16 de outubro Shopping Centers Comércio 06 de novembro Responsabilidade Ambiental Sustentabilidade 12 de dezembro Natal Comércio

CADERNOS ESPECIAIS

2013

Fique de frente com o mercado.Anuncie no Diário do Comércio.

Visite o Diário do Comércionas redes sociais.

Redação/Administração/PublicidadeRua Boa Vista, 51 - 6º andar – CEP 01014-911São Paulo-SP – Tel.: 11 – [email protected] | www.dcomercio.com.br

AN REV ESPECIAIS 202x266.indd 1AN REV ESPECIAIS 202x266.indd 1 12/12/2012 19:36:1012/12/2012 19:36:10

Page 64: Digesto Econômico 470 - Nov/Dez 2012

Garanta maior retorno evisibilidade ao seu anúncio

A internet é o meio que mais cresce em difusão no Brasil. Já atinge aproximadamente 40% da população. Alcança 85% do público masculino, de 10 a 24 anos, das classes A e B.

O tempo de uso do computador com internet também continua crescendo. Em agosto de 2011, chegou a 69 horas por pessoa, representando um aumento de 6,4% em relação ao mês anterior. Também no mesmo período, o total de pessoas com acesso à internet atingiu 77,8 milhões.

Tabelade preçosWEB

www.dcomercio.com.brwww.dcomercio.com.br

Super Banner (leaderboard) - 1 Full Banner

Localizado na parte topo da home e de todas as páginas internas.Dimensões: 650 x 62 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kbBanner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.

Selo Lateral

Localizado na parte lateral direita. O conteúdo é o logotipo aplicado,preferencialmente, sobre um fundo branco.Dimensões: 300 x 250 pixels - Formatos: .gif - Peso máximo: 2 kbNão pode ter animação

Super Banner (leaderboard) - 2 Banners

Localizado na parte topo da home e de todas as páginas internas.Dimensões: 320 x 62 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kbBanner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.

Retângulo Lateral

Localizado na parte lateral da home e de todas as páginas internas.Dimensões: 300 x 90 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kbBanner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.

Retângulo Intermediário

Localizado na parte intermerdiária da home e de todas as páginas internasDimensões: 628 x 90 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kbBanner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.

Retângulo Inferior

Localizado na parte inferior da home e de todas as páginas internasDimensões: 300 x 90 pixels - Formatos: .swf .gif .jpg - Peso máximo: 50 kbBanner animado: até 15 segundos .swf, versão Flash Player 10 ou superior.

Anuncie em nosso siteLigue: (11) 3180-3197

Garanta maior.indd 1 10/12/2012 18:44:38