digesto econômico nº 478

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MAIO/JUNHO 2014 – ANO LXIII Nº 478 – R$ 4,50 ENERGIA Setores buscam caminhos para desviar das armadilhas criadas pelo governo

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MAIO/JUNHO – 2014 – ANO LXIII – Nº 478 ENERGIA – Setores buscam caminhos para desviar das armadilhas criadas pelo governo

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MAIO/JUNHO2014 – ANO LXIIINº 478 – R$ 4,50

ENERGIASetores buscam

caminhos para desviardas armadilhas

criadas pelo governo

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3MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Apagão no setorenergético brasileiro

Energia é o que move o desenvolvimento de um país. Sem energiaas fábricas não produzem, os carros não andam, as pessoas nãocompram eletrodomésticos. O Brasil é rico em recursos naturais,

temos abundância em rios para as hidrelétricas, terras para o cultivo dacana-de-açúcar, que produz o etanol, vento para a energia eólica, solpara a energia solar e petróleo na Plataforma Continental e pré-sal.Mesmo assim, o País está à beira de uma crise energética.

Em 2008, o então presidente Lula anunciou com estardalhaço que oBrasil se tornaria a Arábia Saudita verde, incentivando o investimento noetanol. Muitos acreditaram, investiram, se endividaram e agora estão sedando mal. Este ano, entre 10 e 12 usinas devem fechar suas portas e 33estão em recuperação judicial, dos quais 14 em São Paulo. A informaçãofoi dada por Elizabeth Farina, presidente da Unica - União da Indústriade Cana-de-açúcar, que proferiu uma palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) no fimde maio e fez uma ampla radiografia do setor. Segundo ela, vários fatores contribuíram para estecenário negativo, como a crise financeira de 2008, o endividamento das usinas e fatores climáticosque afetaram as safras. Mas o pior inimigo hoje é o próprio governo, que para não impactar a inflação,vem concedendo subsídios à gasolina, afetando negativamente o setor de etanol e também aPetrobras, que compra gasolina a preços internacionais e vende mais barato no mercado interno.

Este subsídio é explicado detalhadamente por Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro deInfraestrutura (CBIE) e um dos maiores especialistas em energia do Brasil. Em seu artigo, ele contaque a partir de 2010 o governo aprofundou o uso da política de preços da energia com o objetivo decontrolar a inflação e assegurar a sua popularidade. Entre 2011 e 2013, as perdas com o represamentodos preços da energia no País somaram R$ 105,80 bilhões. Somente em 2013, ano em que se iniciouo aporte de recursos do Tesouro no setor elétrico, em função da MP 579, as perdas totais foram de R$50,39 bilhões, 174% superiores as de 2011, que foram da ordem de R$ 18,37 bilhões.

Outro grande especialista desta área de energia que participa desta edição é o professor JoséGoldemberg. Segundo ele, uma das razões para a atual crise no setor elétrico é que desde 1985 houvea opção por reservatórios menores nas novas hidrelétricas, por causa de pressões ambientais. Coma escassez de chuva em 2013 e este ano, só não está havendo racionamento porque o governoacionou as termoelétricas, cuja energia é mais cara. Goldemberg lembra que Itaipu inundou váriosmunicípios e ela agora se transformou em um fator de progresso, pois os municípios recebem royaltiesda energia vendida pela usina.

Boa leitura.

Rogério AmatoPresidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP),da Federação das Associações Comerciais do Estado deSão Paulo (FACESP) e da Confederação das Associações

Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB).

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4 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3180-3737CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteRogério Amato

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

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Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

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Editor de FotografiaAgliberto Lima

Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

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w w w. d co m e rc i o. co m . b r

ÍNDICE

6Quem é o Exército do PovoParaguaio e qual sua relaçãocom o Brasil?Graça Salgueiro

12O Foro de São Paulo, a Esquerdareal e a Nova esquerdaAntonio Sánchez

C A PAArte: Max, com fotos AE.

16A economia e a política do Brasilnos tempos do “nunca antes”Paulo Roberto de Almeida

28A energia que moveo desenvolvimentoCarlos Ossamu

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5MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

34Tinha tudo para dar certo

44Sinais econômicos equivocadosAdriano Pires

46Setor elétrico em estadode choque

50Mercado livre:

dificuldades paraderrubar a fronteira

de expansãoElbia Melo

54No meio de umcabo de guerra

58A destruição da

inteligênciaOlavo de Carvalho

62O Brasil e o mundo na

2ª Guerra MundialIves Gandra da Silva Martins

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6 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

Quem é o Exército doPovo Paraguaio e qual sua

relação com o Brasil?

Graça SalgueiroEstudiosa da estratégia e ações da esquerdalatino-americana lideradas pelo Foro de SãoPaulo no continente, com ênfase nos gruposnarco-terroristas, edita o blog Notalatina(http://notalatina.blogspot.com.br/), apresentao programa "Observatorio Latino" na Radio Vox(www.radiovox.org), colaboradora do site MídiaSem Máscara (www.midiasemmascara.org).

Mauricio Lima/The New York Times)

Soldados do Exército doPovo Paraguaio (EPP)

limpam suas armasem um acampamento.

Até 2012 o EPP era acusadode ter assassinado

28 pessoas e realizadodiversos sequestros.

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7MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

“OBanco Nacional deFomento de Chorésalvou-se de um bandode toupeiras”, lia-se no

título de uma matéria acanhada que apareciano jornal Última Hora, em 16 de dezembro de1997, da cidade de Choré, dando conta de quea Polícia havia conseguido desarticular umbando de assaltantes que pretendia assaltar obanco. Eles haviam alugado uma casa emfrente e, desde lá, começaram a cavar umsofisticado túnel que já estava com 60 metrosde extensão e 1,75 de diâmetro, com exaustorde ar e refletores, quando foram detidos.

A Polícia chegou ao bando ao deterGilberto Chamil Setrini que transportava nocarro sacos com terra extraída do túnel, e apartir deste à casa onde foram detidosCarmen María Villalba Ayala, Alcides OmarOviedo Brítez, Gustavo Lezcano, Lucio Silvae Pedro Maciel Cardozo. Na residênciaencontraram 9 pistolas 9 milímetros, com 24cartuchos, uma escopeta Winchester calibre12, com 50 cartuchos, além de perucas,exaustores de ar e lanternas. O bando sepreparava para assaltar o banco que no fimdaquela semana iria receber 700 milhões deguaranis para pagar salários de aposentados,ex-combatentes e professores.

Naquela altura, nem os policiais nem aimprensa sabiam que não se tratava de umbando de delinquentes comuns, mas de umaorganização guerrilheira clandestina quecomeçou a se formar cinco anos anos antes,em uma reunião secreta em Asunción, e queaquele frustrado golpe serviria para financiara luta armada. Tampouco sabiam que aquelegrupo inicial viria a se chamar, em 1º demarço de 2008, o Exército do Povo Paraguaio(EPP), que há décadas vem banhando desangue e terror o país vizinho.

Em janeiro de 2012, enquanto estava presana Colônia Penal de Mulheres do Bom Pastor,Carmen Villalba concedeu uma entrevista aMina Feliciángeli, diretora da Radio 1000, econfessou que o EPP é o braço armado doPartido Patria Libre: “Nos iniciamos lá eformamos o braço armado. Sempre fomosPatria Libre, por mais que sejamos negados

publicamente pelos dirigentes do partido”,conta ressentida. Villalba foi condenada a 18anos de prisão pelo sequestro de María Edithde Debernardi, ocorrido em 2001 e nessaentrevista contou a origem do bando.

Pedro Maciel, Alcides Oviedo e GilbertoSetrini eram amigos e haviam ingressado noSeminário da Congregação do VerboDivino, em Encarnación, nos anos 80, sendotransferidos em 1990 para o SeminarioMayor de Asunción para cursar teologia e sepreparar para a etapa final da ordenaçãosacerdotal. Em Asunción conheceram JuanArrom que era dirigente universitário emilitante de esquerda, que junto com outrosamigos frequentavam esse seminário.Dessa amizade, os três seminaristaspassaram a se politizar e reivindicar aideologia marxista, resultando da expulsão,junto com outros colegas, por participar deatividades políticas.

Juan Arrom vinha de uma trajetória contrao governo do General Alfredo Stroessner e jáliderava a “Corrente Patria Libre”,movimento de esquerda que logo depois seconverteria no Partido Patria Libre (PPL).

Carmen provinha de uma famílianumerosa da ala progressista da IgrejaCatólica da Diocese de Concepción, e já emAsunción, onde frequentava também omesmo seminário que Alcides Oviedo, comquem veio a casar-se, conheceu Juan Arrom.Nas reuniões que faziam estabeleceu-se que oPatria Libre seria um partido com existêncialegal e participação plena no sistema eleitoral,mas com um braço clandestino. AlcidesOviedo e Carmen Villalba realizaram viagenssecretas ao Chile em 1995 e 1996, ondefizeram contato com o bando terrorista FrentePatriótico Manuel Rodríguez, e com quemtiveram seu primeiro treinamento emtécnicas de guerrilha urbana e rural, inclusivesequestro de pessoas, construção deesconderijos, ataques a postos policiais,manejo de armas e explosivos.

Após sair da prisão, pelo frustrado assaltoao banco, os membros do grupo deram seuprimeiro golpe exitoso: o sequestro de MaríaEdith Bordón de Debernardi, esposa de um

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engenheiro pertencente a uma família rica epoderosa. María Edith foi sequestrada em 16de novembro de 2001, no Parque Ñu Guasu deAsunción. Foi mantida em cativeiro elibertada em 19 de janeiro de 2002, após opagamento do resgate no valor de um milhãode dólares. Foi considerado o início da“indústria do sequestro” no Paraguai e umdos maiores escândalos do país, quando aPolícia e o Ministério Público descobriramque entre os autores encontravam-se osconhecidos líderes do Partido Pátria Libre,Juan Arrom, Anuncio Martí e Victor ColmánOrtega, que foram declarados desaparecidosquando se decretou sua captura.

Arrom, Martí e Colmán foram ajulgamento nessa ocasião mas não ficaramdetidos, quando resolveram fugir para oBrasil. Segundo eles relatam, foramtorturados em seu país para confessar umcrime que não cometeram e com ajuda defamiliares conseguiram fugir para o Brasilatravessando, sem nenhum problema, aPonte da Amizade. Aqui chegando nãoprocuraram ajuda do governo, mas sim doadvogado Marcos César Santos Vasconcelos,que na ocasião trabalhava como assessortécnico da Comissão de Constituição eJustiça da Câmara dos Deputados, emBrasília, presidida pelo então deputado LuizEduardo Greenhalgh. Greenhalgh e MarcosCésar de imediato abraçaram a causa elevaram o caso ao CONARE (ComitêNacional para os Refugiados).

Segundo Marcos César, “ouvi a históriadeles e procurei a versão do Estadoparaguaio. Depois de três dias de conversa,decidi ajudá-los porque acreditei neles”. Ajustiça paraguaia apresentava provastestemunhais dadas por Marco Alvarez,pessoa que entregou o dinheiro do resgate aArrom; Francisco Griño, que reconheceuVictor Colmán que também estava presenteno recebimento do dinheiro; além das cópiasdas notas pagas pelo resgate que eram asmesmas dos US$ 50 mil apreendidos comArrom. Entretanto, Greenhalgh e seuassessor preferiram acreditar apenas napalavra dos criminosos.

O CONARE aceitou os argumentos deMarcos César e concedeu o refúgio aos trêscriminosos em dezembro de 2003, malgradotodos os esforços do então procurador-geraldo Ministério Público do Paraguai, OsmarGermán Latorre. A Procuradoria doParaguai contestou tais refúgios e pediu umarevisão, alegando que não se tratavam deperseguidos políticos, mas de criminososcomuns, enviando documentos aoMinistério das Relações Exteriores do Brasilem maio de 2004, em julho de 2005 efinalmente em 2006. Nesta últimasolicitação, o CONARE alegou que “osargumentos estabelecidos pelo Paraguai nãojustificavam a revisão” e manteve o status.Latorre queixou-se de que passado todo estetempo, as autoridades do Paraguai sequerforam informadas dos fundamentosutilizados para a concessão do refúgio.

O caso porém não se resume a apenas isto.Com a morte de Raúl Reyes e as descobertasdos seus computadores, encontrou-se váriascorrespondências trocadas entre os membrosdo Secretariado, uma das quais em 10 deoutubro de 2003 entre Rodrigo Granda eReyes, em que Granda dava a conhecer odestino de US$ 300 mil que fazia parte doresgate de María Edith Bordón, cujanegociação foi feita em território brasileiro.No item 3 da mensagem, diz Granda: “T i noajudou a trazer 60 mil e RT 20. Com Camilodeixaram 20, outros 20 ficaram em Asunción eos 30 para novo trabalho no futuro com os'contadores de piadas'. Na caixa de segurançaonde mora Albertão ficaram 150”.

Ocorre que “Camilo” é Oliverio Medina, o“embaixador das FARC no Brasil”, e tambémprotegido pelo CONARE, e “Albertão” é overeador Edson Albertão, ex-PT eposteriormente do PSOL, que “guardou” 150mil dólares resultantes de um sequestro quefora planejado no Brasil. Apesar de terconhecimento desses fatos, e de saber que noBrasil crime de sequestro é inafiançável, oCONARE não vê motivo para a revogaçãodo refúgio, mesmo estando provado queforam os três paraguaios que realizaram osequestro com ajuda das FARC.

Valter Campanato/ABr

O ex-deputado LuizEduardo Greenhalghpresidia na época a

Comissão de Constituiçãoe Justiça da Câmara

dos Deputados

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9MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Em 21 de setembro de 2004 outra notíciacomoveu o Paraguai quando Cecilia Cubas,filha do ex-presidente da República, RaúlCubas, foi sequestrada ao chegar em casa.Seus familiares pagaram o resgate exigidopelo EPP, mas Cecilia não foi libertada. Em 16de fevereiro de 2005 seu corpo foi encontradodepois de um mês de assassinada, em estadode decomposição. Foi cobrado e pago umresgate de US$ 3 milhões e Arrom ficou comU$ 1,3 milhão. O CONARE confirma queArrom pediu autorização para viajar à Fozjusto no segundo semestre de 2004 e, aindaassim, não crê nas provas.

Em diligências realizadas na casa de OsmarMartínez, presidente do PPL, para investigaro envolvimento de Arrom, Martí e Colman nosequestro e assassinato de Cecilia Cubas,encontrou-se duas coisas muito curiosas. Ume-mail escrito por Arrom a Martínez, pedindopara enviar US$ 2 mil para arcar com asdespesas dos três no Brasil, onde os dadospara depósito são a conta bancária de MarcosCésar Vasconcelos – o assessor de Greenhalgh–, inclusive seu CPF e endereço residencial emBrasília. E noutro e-mail, um encontro quehouve entre estes três personagens com

Osmar Martínez, mais um colombiano e aomenos um brasileiro, em Foz do Iguaçu (PR),em agosto de 2004.

O envolvimento do EPP e do PPL com asFARC vem desde fins de 2004, quando umgrupo de aproximadamente 20 pessoas,incluindo homens e mulheres, recebeutreinamento guerrilheiro nos montes deSidepar 3000, Canindeyú. Segundo RubénDario Bernal, um jovem camponês queafirma ter sido recrutado nessa data pelogrupo armado, e que em abril de 2006desertou e se entregou às autoridades. Eleafirma que a coluna armada com uniformemilitar tipo camuflagem e armamento decombate moderno (fuzis de assalto AK 47,FAL, M 16, AR 15, metralhadoras Uzi,pistolas 9 mm e lança-granadas), foitreinada e assessorada por doisguerrilheiros das FARC. O MinistérioPúblico acredita que os membros das FARCeram Orlay Jurado Palomino e RodrigoGranda, os mesmos que circulavamlivremente no Brasil com o conhecimentoda Polícia Federal e da ABIN e queplanejaram, em nosso território nacional, osequestro e assassinato de Cecilia Cubas.

/Rafael Urzua /Reuters

O ex-presidentedo Paraguai

Fernando Lugo é tidopor muitos como

um dos ideólogosdo Exército do Povo

Paraguaio, o EPP.

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10 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

Desde então, os sequestros não pararammais. Em 31 de julho de 2008, o criador degado e ex-intendente de Tacuatí, Luis AlbertoLindstron, foi sequestrado, e após opagamento de 130 mil dólares foi libertadoem 12 de setembro de 2008. Em 31 de maio de2013, entretanto, Lindstron foi assassinadopor haver “de s o b e de c i d o ” as “leisrevolucionárias” do pagamento de um“imposto revolucionário”, prática semdúvida alguma adquirida das FARC, queobriga os estancieiros e grandes produtoresda região a pagar mensalmente uma quantiaestipulada pelo bando terrorista. Quemdescumpre com a “lei”, paga com a vida. Em16 de outubro de 2009, outro fazendeiro foisequestrado. Fidel Zavala foi sequestrado nafazenda Mabel, de sua propriedade, elibertado em 17 de janeiro de 2010, após opagamento de 550 mil dólares.

Desde que o ex-presidente Fernando Lugoassumiu o governo do Paraguai, osassassinatos, justiçamentos e sequestrospromovidos pelo EPP se incrementaram nopaís e, hoje a luta contra o bando guerrilheirose vê bastante debilitada pela força queadquiriu durante seu governo. Em maio de2012 a fazenda “Campos Morombi” foiinvadida por uma centena de delinquentes quese diziam “camponeses”, que protestavampela reforma agrária prometida e até então nãocumprida por Lugo. Depois de três semanas deocupação, o Ministério do Interior ordenou adesocupação pela força, resultando emenfrentamentos que deixaram um saldo de 17mortos (onze camponeses e seis policiais),provocando fortes críticas dos socialistas.Lugo destituiu o ministro do Interior CarlosFilizzola e o Comandante da Polícia PaulinoRojas, dando apoio aos invasores.

Esta foi a gota d’água para a sua destituiçãoda presidência da República, em 22 de junhode 2012, cumprindo com o que reza aConstituição Nacional. Lugo é tido pormuitos como um dos ideólogos do EPP,inclusive seu vice-presidente Federico Franco,que aceitou participar da chapa sem saber deseus vínculos com o bando terrorista, oacusou publicamente várias vezes, e depois,

já como presidente, atribuiu à lassidão nocombate ao EPP por parte de Lugo, ocrescimento da guerrilha que naquela alturacontava com 100 membros ativos.

Até 2012 o EPP era acusado de haverassassinado umas 28 pessoas (17 civis e 11policiais), e de haver realizado mais de vinteataques, queimar propriedades, postospoliciais e militares, estâncias eestabelecimentos rurais. A Polícia Anti-Sequestro havia dado baixa em algunsguerrilheiros e prometeu segurança parauma informante, Eusebia Maíz, que era tia detrês integrantes do EPP. Através doparentesco com os guerrilheiros, Eusebiaforneceu informações sobre o sequestro deFidel Zavala, mas a Polícia não cumpriu comsua parte. Em setembro de 2012 seussobrinhos, Bernardo Bernal Maíz “Coco” eAntonio Ramón, foram à sua casa à noite e aassassinaram explodindo sua cabeça comuma bomba, deixando sete filhos menoresórfãos como vingança pelas delações.

Em 4 de abril de 2014, depois de ficardesaparecido por vários dias quando saiupara caçar, foi encontrado o corpo sem vidade Isaac Arce, em Paso Tuyá, no estado deConcepción, um município onde vivem umas75 famílias de emigrantes brasileirosdedicados à agricultura. Segundo o laudoforense, ele foi justiçado pelo EPP: primeirofoi posto de joelhos e depois deram três tiros,dois na nuca e um no ombro. No dia 2 de abril,na mesma localidade, os guerrilheiros do EPPsequestraram o brasileiro Arlan Fick Bremm,de 16 anos. Durante o sequestro houve umenfrentamento, deixando um saldo de doisguerrilheiros e um policial mortos.

No mesmo dia do sequestro, o EPP exigiuda família de Arlan o pagamento de 500 mildólares, que foi prontamente realizado. Nomomento da entrega do dinheiro osterroristas impuseram outras condições: queentregassem à imprensa um CD com umvídeo de propaganda do bando e quedistribuíssem 50 mil dólares em alimentospelas comunidades pobres. Tudo foicumprido no prazo de uma semana, mas háquase 70 dias do sequestro não há qualquer

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11MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

notícia sobre Arlan, nenhuma prova de vidafoi entregue.

O assessor de Luis Alberto Figueiredo,ministro de Relações Internacionais do Brasil,disse em entrevista que o governo brasileiropôs a estrutura da Polícia Federal à disposiçãodo governo do Paraguai, mas o MinistérioPúblico, o Ministério do Interior e Justiça e aPolícia do Paraguai dizem que solicitaram eestão dispostos a aceitar a ajuda brasileira,pois reconhecem que nós temos mais recursose tecnologia mais avançada, dando a entenderque a oferta não chegou a eles até o momento.

Mais de 60 vídeos gravados pelos membrosdo EPP ao longo de cinco anos, foramencontrados no dia 9 de junho em decorrênciada investigação do sequestro de Arlan. Não sesabe como esses vídeos vazaram para aimprensa, o que causou grande mal estar noMinistério Público, pois um dos vídeosdivulgados ia ser usado no julgamento oral de“Mat ungo”, um dos acusados do sequestro deFidel Zavala. O ministro do Interior,Francisco de Vargas, entretanto, não vêqualquer inconveniente mas o fato é que, comessa divulgação, não se sabe o que pode vir aacontecer com Arlan, caso ele ainda esteja

vivo, pois todas as exigências foramcumpridas há dois meses e nenhuma provade vida foi dada.

Agora, o deputado federal pelo PSDB doParaná, Luis Carlos Hauly, ao tomarconhecimento do caso Arlan, pôs o dedo naferida. Solicitou ao Ministério de RelaçõesExteriores e Defesa Nacional, que convoque ochanceler Luis Alberto Figueiredo e oministro da Justiça José Eduardo Cardozo,para esclarecer questões relativas aoParaguai. A principal delas é a concessão derefúgio dada aos terroristas Juan Arrom,Anuncio Martí e Victor Colmán, membros doPPL e EPP que vivem comodamente no Brasil,e desde nosso território nacional continuamcomandando operações de sequestro,lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.

O Brasil não pode continuar refém debandos terroristas como FARC, EPP e PCCque, ademais de se declararem marxistas-leninistas, anti-capitalistas e anti-imperialistas, atuam conjuntamente no nossocontinente, sem que o Parlamento brasileirotome uma atitude enérgica de denunciar ecooperar com os países vizinhos para o fim doterrorismo na região.

Jo‹o Wainer/Folha Imagem

O envolvimento doEPP e do PPL com as

FARC vem desde finsde 2004. Na foto,

guerrilheiro das FARCaponta um fuzil AK 47.

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12 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

Ricardo Stuckert/PR

A catalepsia ideológica e políticainduzida a partir do

Foro de São Paulo encontratrágicos ecos numa classe dirigente

inexperiente e fácil presa dementiras e trapaças.

O Foro de São Paulo, a EsqueO Foro de São Paulo, a Esque

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13MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Corria, no Brasil, o ano de 1990. Pou-quíssimos analistas políticos sederam conta, no momento de fun-dação do PT (Partido dos Traba-

lhadores), das verdadeiras intenções do sindi-calista Lula da Silva, ao organizar, conjunta-mente com Fidel Castro e o Partido ComunistaCubano, o chamado Foro de São Paulo.

O desmanche da União Soviética, consuma-do após a queda do Muro de Berlim, conduziuà precipitada e insólita convicção de que com odesaparecimento da URSS e a presumida hege-monia sem contrapesos dos Estados Unidoscomo única grande potência no cenário mun-dial, poriam fim como num passe de mágica

aos conflitos entre as Nações e, o que beirava oabsurdo, ao desaparecer os conflitos, desapare-ceria o motor da história. Foi o que levou o ana-lista Francis Fukuyama a declarar oficialmenteo fim da história num best seller altamente po-lêmico, com o mesmo nome.

Quais seriam esses propósitos? Preencher ovazio escatológico deixado pelo desapareci-mento da União Soviética como principal sus-tentáculo material do comunismo mundial edo PCUS, seu partido, como farol ideológico epolítico dos partidos afins na América Latina.

Uma operação de alto calibre, orientada adar resposta à freguesia dos partidos, centraissindicais, movimentos de massa, organizações

Antonio SánchezÉ historiador, filósofo, professor e

colunista de vários órgãos deimprensa venezuelanos. Dentre outros

títulos, é autor de: “Dictadura odemocracia: Venezuela em la

encrucijada” e “La isquierda real y lanueva isquierda en America Latina”.

(Tradução: Domingos Zamagna)

O sindicalista Lulada Silva (foto àesq.), Fidel Castroe o PartidoComunista deCuba foram oscriadores d ochamado Forode São Paulo.

rda real e a Nova esquerdarda real e a Nova esquerda

credito

Page 14: Digesto Econômico Nº 478

14 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

da sociedade civil e movimentos armados pro-cedentes da esquerda marxista até então admi-nistrados pelo eixo Havana-Moscou e órfãosde toda orientação estratégica.

Tal crise foi agudizada pela derrota sofridadesde os anos 60/70 pela política expansionistado regime cubano e seu controle dos fatoresmais radicalizados da esquerda socialista lati-no - a m e r i c a n a .

A importância de Lula da Silva e sua equipede assessores provenientes do trotskismo, en-raizava-se na compreensão de um fenômenocrucial imposto pela derrota da via armada: anecessidade de impor uma via pacífica, consti-tucional e eleitoral aparentemente anticomu-nista e imanente ao sistema, flexível e adequa-da às características específicas de cada nação,de modo a apoderar-se dos respectivos Esta-dos, a partir de suas instituições, e atuar emfunção do campo de manobra deixados pelascrises dos respectivos sistemas de dominaçãoque previam ou haviam decidido precipitar.

Lula o deixou expresso sem rodeios, ao indi-car em algumas entrevistas que – mesmo sendocomunista, aliás, como seu irmão – que tinhaperfeitamente a consciência de que, como comu-nista, seria imediatamente recusado pela socie-dade brasileira: criou então o Partido dos Traba-lhadores. Fantasiou-se de democrata impoluto,independente e progressista. Distante do mar-xismo e herói da pobreza, de onde provinha.Procurou pautar todas as suas ações de modo anão avançar, nas reivindicações populares, nemum centímetro a mais das coordenadas ditadaspelas instituições fortemente estabelecidas apósa queda da ditadura, particularmente as ForçasArmadas e o poderoso empresariado.

Pelo menos no Brasil, baluarte do Foro e, des-de há muito, centro de ambições sub-imperiaisde sua elite dominante, o PT não ousaria recla-mar de imediato o controle absoluto, unidi-mensional e tendencialmente totalitário doaparelho estatal. Outra seria a cantilena para asnações do subcontinente nas quais o esforço fo-rista se encaminharia para subverter as estru-turas e avançar para uma nova roupagem desocialismo: a revolução bolivariana.

A primeira peça do xadrez regional a serconquistada pelo Foro de São Paulo seria a Ve-nezuela. Era a joia da coroa de ambições de Fi-del Castro devido à sua posição geoestratégicaprivilegiada em relação aos Estados Unidos eao Caribe. Venezuela é também o corredor na-tural para as regiões andina e amazônica. Ela é,ainda, dona de recursos petrolíferos que ser-vem para financiar a grande operação conquis-tadora planejada há tanto tempo, antes mesmo

do assalto ao Poder em 1959, em situação sufi-cientemente crítica para nocauteá-la com umgolpe mortal ao seu sistema político e assenho-rear-se dela, como foi feito em Cuba com umadúzia de aventureiros.

O golpe de Estado de 4 de fevereiro de 1992veio preencher seus pantagruélicos apetites depoder imperial com os clássicos lances fortuitosque acompanham os tiranos. Inconsciente dopano de fundo filo-castrista de seu principal pro-tagonista, começou por desautorizar o golpe,considerando-o uma piada dos cara-pintadas,dando respaldo ao socialdemocrata Carlos An-drés Perez, com quem forjara discreto relaciona-mento depois de décadas de antagonismos

Mas bem depressa se revelariam as gigan-tescas perspectivas que se abririam, a Fidel e aoForo, se o coronel de plantão fosse cooptado pa-ra a nova causa. Bastou um encontro em Hava-na para rapidamente decidir-se pela soltura dogolpista venezuelano para que, não só fosse co-optado, mas para que se convertesse num filhoputativo, graças aos seus megalomaníacostranstornos psicopáticos, manipulável até aodelírio, irresponsável e irracional, e disposto aentregar-lhes não só o petróleo venezuelano,mas a Venezuela por completo, incluída a so-berania. Até mesmo sua vida, como se efeti-vou. Nasceu assim o projeto estratégico do quealguns analistas chamaram de “C ub az ue la ”,ou “Venecuba”

Pouco importa se a concretização do rocam-bolesco engenho, inclusive constitucional, re-sultasse num irremediável fracasso. A oposi-ção venezuelana a tão delirante arremedo derefundação nacional foi obrigada a transitarpelos verdes caminhos do neofascismo forista.As decadentes elites políticas, artísticas e inte-lectuais do castrismo, congênito ao estamentovenezuelano, foram usadas para a defenestra-ção de Carlos Andrés Pérez; promovendo oafundamento do sistema político em questão: oassalto ao Poder da cria mais promissora doseu criador

Nem um segundo foi desperdiçado por Cas-tro e pelos líderes do Foro, inclusive Lula, chefeda suposta “nova esquerda", na cabeça de umaesquerda real comprometida com a estratégiacastro-comunista, em apoderar-se, em primei-ro lugar do petróleo venezuelano, em segundolugar das instituições jurídico-políticas e emterceiro lugar das Forças Armadas venezuela-nas. Foi montada uma ditadura com novo uni-forme, disfarçada de democracia da nova es-querda, para dar as braçadas consecutivas, se-guindo o mesmo esquema, convertido em as-salto ao Poder continental: produzir graves

A primeira peça doxadrez regional a serconquistada pelo Forode São Paulo seria aVenezuela. Era a joia dacoroa das ambições deFidel Castro devido à suaposição geoestratégicaprivilegiada em relaçãoaos Estados Unidos eao Caribe. Venezuelaé também o corredornatural para as regiõesandina e amazônica.

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crises de governabilidade, quebrar a estabilida-de institucional, dominar as alavancas do po-der mediante eleições plebiscitárias, estabele-cer assembleias constituintes, terminando pelaconstrução de um sistema de poder continental:partindo da conquista do Poder na Venezuela,graças ao uso de seus gigantescos recursos pe-trolíferos, expandi-lo à Bolívia, Nicarágua,Equador, Brasil, Argentina e Uruguai. Prestesa conquistar México, Peru e Colômbia. Inclusi-ve, pelas mãos do socialista chileno José MiguelInsulza, chegando a controlar a OEA, principalorganismo multinacional da região desde1947, marginalizando-a para implantar seupróprio balcão de poder regional; aUNASUR e a CELAC.

Esta vasta operação de alta políticageoestratégica desmente da formamais categórica a suposta existênciadas duas esquerdas e as diferenças defundo que se lhes pretende atribuir:uma democrática, lulista, e progres-sista; e outra ditatorial, repressiva,conservadora, real e castro-chavista.É mais que isso, o que se reveste deuma gravidade absolutamente igno-rada ou menosprezada pelos gran-des poderes do hemisfério. Essa rea-lidade bifronte, que é a esquerda la-tino-americana em qualquer dassuas duas caras (cada qual inerente àoutra, mas aparecendo de acordo com os requi-sitos de oportunidades e circunstâncias), hojeabsolutamente dominante na região, conseguiulixar as arestas, temores e inibições dos partidosautenticamente democráticos – de centro ou dedireita –, uma vez que permitiram serem ideo-logicamente manipulados e marginalizados docontexto regional. De bom grado eles aceitaramconviver sem hiatos e contradições com regi-mes tão abertamente ditatoriais e antidemocrá-ticos como os de Cuba, Nicarágua e Venezuela.Frente a eles, qualquer invocação à Carta Demo-crática da OEA, da UNASUR ou da CELAC é ri-sível e letra morta.

O insólito e absurdo dessa operação geoes-tratégica é o que expressa uma das mais rocam-bolescas e sufocantes situações da história re-cente da América Latina. Enquanto Cuba e Ve-nezuela (esta convertida em colônia dos Cas-t ro ) se preparavam para enfrentar osgravíssimos fatos que hoje sacodem toda a Ve-nezuela, que aliás bem poderiam convergir pa-ra uma escalada sem precedentes de tensõespré-bélicas num país latino-americano, tor-nando mais brutal e implacável a subordina-ção ditatorial do país petroleiro pelas forças cu-

banas de repressão, francamente interventorasem território venezuelano, 32 presidentes lati-no-americanos eleitos democraticamente emprocessos regulares, justos, equitativos e trans-parentes, abraçavam-se em Havana com RaúlCastro e o homem do governo cubano em Ca-racas, lugar-tenente de Fidel Castro para todosos efeitos, que escrevia no GRANMA sem a me-nor dissimulação: “Sem o petróleo venezuela-no a revolução fracassaria. Maduro é nosso ho-mem em Caracas...”

O abraço entre Sebastián Piñera e Raúl Cas-tro por ocasião da Cúpula dos presidentes daEspanha, América Latina e Caribe celebradoem Santiago do Chile após 40 anos do letal an-tagonismo que levou o país austral à pior tra-gédia vivida em sua história, pareceu apagaresse sórdido e paradigmático capítulo de en-

frentamentos entre a tirania cubanae a democracia chilena. Selou umacordo de imensas implicações: Cu-ba parecia encaminhada à reconci-liação com as democracias latino-americanas. Entretanto, bastouum soluço da oposição venezue-

lana para que despertasse o tirâni-co monstro caribenho, mais totalitá-

rio, mais repressivo e mais brutal do queantes. Mas ele o faz diante de um continente

controlado pela tirania, subserviente a todos osabusos totalitários do regime castrista, cego,surdo e mudo em face dos trágicos aconteci-mentos de Caracas. Com a exceção dos ex-pre-sidentes Uribe, Arias e Toledo, o resto pareceignorar a dimensão do que está em jogo. A apa-tia regional é tão desconcertante quanto a apa-tia europeia diante do assalto de Hitler ao Po-der na Alemanha.

Não houve diferença alguma entre as rea-ções dos governos abertamente autocráticos,representante da esquerda real e os suposta-mente democráticos da nova esquerda, desar-mando as supostas diferenças de fundo entreas duas faces da mesma moeda. O trágico é osilêncio daqueles em que um sensato observa-dor de nossas penúrias poderia encontrarideias de centro, de centro-direita ou direta-mente de direita.

Esta práxis de catalepsia ideológica e políticainduzida pelo Foro de São Paulo encontra trá-gicas reverberações nas práticas de governosinexperientes, ignorantes e presas fáceis dementiras e trapaças: os mais importantes líde-res da oposição venezuelana escolheram otrotskista Lula da Silva como exemplo a ser se-guido. Não perceberam ainda que ele é o car-rasco que os leva ao cadafalso.

Reprodução

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A economia e a políticado Brasil nos temposdo “nunca antes”

Paulo Whitaker/Reuters

A economia e a políticado Brasil nos temposdo “nunca antes”

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Enfim, em pouco mais demeio século, a economia brasileira deuuma volta completa, e hoje podemosproclamar com orgulho que o Brasil é,sim, um país essencialmente agrícola.

Para sua sorte, aliás...

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Na economia, a herança bendita da agricultura

No período imediatamente posterior à SegundaGuerra Mundial, quando se falava que o Brasilera um país essencialmente agrícola, se tratavaquase de uma expressão de culpa, algo como um

humilde pedido de desculpas. De fato, era com certo sentimen-to de vergonha que reconhecíamos essa condição, pois nossaagricultura era extremamente atrasada. Toda a nossa econo-mia, aliás, se encontrava numa situação bastante precária, commais de 60% da população espalhada em zonas rurais disper-sas, milhões de Jecas Tatus mal sobrevivendo às endemias, aopaludismo, ao bicho do pé.

Na indústria, a despeito do grande esforço feito nos anos 1950,persistia certo “complexo de vira-lata” quanto às suas chancesde competir com parceiros poderosos. A crer num panfleto mui-to popular nessa época, Um Dia na Vida de Brasilino – que aindapode ser encontrado no site do PCdoB –, parece que devíamostudo o que consumíamos às companhias estrangeiras, e pagá-vamos caro por isso. Esta era a mensagem do panfleto naciona-lista: da manhã até a noite, ininterruptamente, Brasilino pagavaroyalties aos imperialistas, acordando e dormindo com a Light,escovando os dentes com Kolynos, tomando banho com Palmo-live, fazendo a barba com Williams e Gillette, comendo cereaisamericanos, sua comida era feita com óleo americano, ele se mo-vimentava em carros americanos, consumia filmes de Hollywo-od e ainda lia a edição brasileira da Reader’s Digest, Seleções, jus-tificando a dominação imperialista.

Nessa concepção, nossa indústria estava fatalmente condena-da a viver sob a dominação do capital estrangeiro e praticamentenão se vislumbrava nenhuma salvação do lado da agricultura,que no entanto ainda representava boa parte da economia nacio-nal. Vale lembrar, a propósito, que até essa época o café ainda re-presentava mais da metade das exportações nacionais. O grandeimpulso industrializador ocorreria sob o regime militar, a um rit-mo tão intenso que se chegou a falar de stalinismo para os ricos. Aindústria subiu, chegou a representar quase dois quintos do PIB,para depois refluir na grande perda de competitividade e de pro-dutividade do Brasil no período recente.

Meio século depois, isto é, agora, o único setor verdadeira-mente moderno da economia brasileira parece ser a agricultu-ra, exportando milhões de toneladas de todos os tipos de pro-dutos, garantindo o equilíbrio das transações correntes, comseus saldos anuais de dezenas de bilhões de dólares, compen-sando assim, pelo menos em parte, os crescentes déficits do se-

Divulgação

Paulo Roberto de AlmeidaDiplomata de carreira e professoruniversitário; autor do livro: Nunca antesna diplomacia...: a política externabrasileira em tempos não convencionais(Curitiba: Editora Appris, 2014)

tor manufatureiro. De fato, os agricultores no Brasil são moder-nos, conectados permanentemente aos mercados de futuros deChicago e a outras bolsas de mercadores, para decidir, quaseum ano antes o que plantar, quando plantar e, sobretudo,quando vender, no melhor momento dos picos de preços.

Cabe registrar que a agricultura não chegou a essa posiçãopraticando o tipo de stalinismo industrial, protecionista e in-trovertido, a que esteve entregue, para o bem e para o mal, osetor secundário. A modernização das atividades agrícolas epecuárias do primário resultou de uma feliz combinação depesquisa agrícola de alta qualidade – consolidada gradual-mente sob os cuidados da Embrapa – com o tino empresarialdos próprios agricultores, que souberam se inserir nos merca-dos mundiais sem as amarras ou o apoio do governo. Sim,ocorreu aqui uma circunstância infeliz, que resultou ser emi-nentemente positiva para a agricultura: as grandes crises infla-cionárias, cambiais, de descontrole fiscal e de virtual paraliza-ção das políticas setoriais do governo, desde meados dos anos1980 até meados da seguinte. Em consequência, a própria ca-misa de força que o Estado colocava sobre as atividades agrí-colas – supostamente para evitar novos focos de pressão infla-cionária – teve de ser suspensa, o que liberou o setor para exer-cer suas melhores qualidades competitivas, sem todas asamarras de políticas equivocadas que vigoraram durante dé-cadas. Sem controles de preços e abrindo-se com mais vigor aocomércio internacional, a agricultura brasileira avançou comonunca e prosperou pelos anos seguintes, até ganhar preemi-nência internacional, tanto no plano da produtividade e da tec-nologia, quanto na conquista de novos mercados.

Atualmente, os únicos atrasados no campo são os militantesignaros do MST, na verdade, quase totalmente urbanos, ou su-burbanos, que são enganados criminosamente, usados comomassa de manobra por reacionários de um partido neobolche-vique que não tem nenhuma intenção de fazer reforma agrária,pois o que lhe interessa, de verdade, é viver das verbas do go-verno ou extrair dinheiro das ONGs estrangeiras ingênuas,que pensam estar financiado um movimento que se preocupacom a justiça social. De fato, a última coisa que interessa o MSTé a reforma agrária, já que ele é um dos muitos movimentos au-toproclamados sociais, que sobrevivem graças às riquezasproduzidas pelo capitalismo; o MST– que dispõe de amploapoio no próprio governo – se dedica apenas a dificultar a vidado agronegócio, que é, cabe repetir, o único setor verdadeira-mente avançado do Brasil atual. Enfim, em pouco mais de meioséculo, a economia brasileira deu uma volta completa, e hoje

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podemos proclamar com orgulho que o Brasil é, sim, um paísessencialmente agrícola. Para sua sorte, aliás...

Na política, a mentalidade sempreatrasada das elites

Não foi fácil essa volta às origens, pois as elites, sempre dementalidade atrasada, tentando mimetizar o que nos vinha doexterior, se contentaram apenas em abolir a escravidão, aliás,tardiamente, e acharam que já tinham feito muito. Elas despre-zaram as recomendações de Joaquim Nabuco, que queria osnegros libertos, mas com distribuição de terras e com educa-ção, o que não havia sequer para brancos pobres. Nabuco foium derrotado, como já o tinha sido, desde a independência, Jo-sé Bonifácio, e depois Irineu Evangelista de Souza, que conse-guiu apenas o título de Barão de Mauá, mas não a concretizaçãode suas ideias de progresso industrial e financeiro. Rui Barbosatambém tentou, à sua maneira, fazer o Brasil avançar, como ogigante do norte, mas tudo o que conseguiu foi estimular o es-pírito rentista das elites parasitárias.

Nada do que pregavam esses estadistas se fez, e os negroslibertos, os mestiços e todos os brasileiros pobres continuarama vegetar no interior do Brasil, ou às margens das grandes ci-dades, se empregando precariamente, sem educação e sem ca-pacidade de se inserir produtivamente numa economia que re-cém começava a se industrializar, aos soluços, aos trancos ebarrancos, ao sabor das políticas comerciais, que visavam mais

defender as receitas do Estado do que propriamente estimularuma indústria nacional. Sim, as elites preferiam importar agri-cultores brancos da Europa, e foram estes que, dotados de umaética que Max Weber pensava encontrar unicamente nos pro-testantes, verdadeiramente modernizaram o Brasil.

A modernidade se espalhou gradativamente pelo Brasil, aoritmo da urbanização e da industrialização, mas também com aexpansão das fronteiras agrícolas, graças ao trabalho de novosbandeirantes. Aqui é preciso fazer uma homenagem aos gaú-chos, filhos de imigrantes, que levaram a agricultura modernapara os mais diversos rincões do interior brasileiro. Os novosbandeirantes civilizaram o interior atrasado do Brasil, onde querque eles tenham tocado, com seu vigor no trabalho, seu espíritocooperativo, suas máquinas agrícolas e suas churrascarias. Fo-ram eles que venceram a linha de Tordesilhas econômica, quefazia a atividade produtiva do Brasil depender de uma estreitafaixa atlântica de não mais de 200 quilômetros a partir da costa.

Mas as elites, em geral, continuaram atrasadas, o que é ma-nifestamente patente na política e na educação. Incapazes de seentender sobre os rumos do País, os políticos provocaram maisde uma vez, aliás incontáveis vezes, intervenções dos militaresna vida política. Militares são típicos representantes da classemédia, amantes da ordem, inimigos da corrupção política – queeles desprezam fundamentalmente –, encarregados constitu-

Monalisa Lins/AE

Sem controles de preços e abrindo-se com maisvigor ao comércio internacional, a agriculturabrasileira avançou como nunca e prosperou.

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cionalmente da segurança da pátria e diretamente interessadosnum país poderoso, dotado de uma indústria moderna, que sejacapaz de assegurar a autonomia nacional no abastecimento prio-ritário e nos equipamentos que lhes são necessários. Foi por cau-sa das desordens civis, da inflação destruidora das poupançasdos cidadãos, do caos administrativo e da incapacidade da clas-se política em resolver, sem corrupção, os problemas básicos danacionalidade, que os militares intervieram tantas vezes na vidacivil, alegadamente para colocar o Brasil nos trilhos do desen-volvimento, como eles não se cansam de dizer.

A República começou com um golpe militar, porque o Im-pério já estaria carcomido, segundo se dizia. Depois de muitasturbulências, e revoltas militares e civis, foi a República que fi-cou carcomida em muito pouco tempo. Os militares voltarama se envolver nos assuntos públicos desde o início dos anos1920, em ondas sucessivas, até culminar, com apenas uma par-te das Forças Armadas, na revolução de 1930, que de fato al-terou o padrão das intervenções militares, como seria o casonovamente em 1964. A despeito de uma fratura em 1932, a vi-gilância contra a desordem civil e no caso de ameaças ao Estadocontinuaram a constituir prioridades da agenda política dosmilitares. A Intentona Comunista de novembro de 1935 seloudefinitivamente o anticomunismo como doutrina oficial do Es-tado brasileiro, estabelecendo um dos critérios básicos para aintervenção dos militares na política.

A história virtual das tentativas comunistase do autoritarismo brasileiro

Uma suposição plausível é cabível nessa conjuntura da histórianacional: se não tivesse havido a Intentona Comunista de novem-bro de 1935, provavelmente não teria havido a Lei de Segurança

Nacional do ano seguinte, e logo em seguida o golpe de novembrode 1937 e a implantação da longa ditadura do Estado Novo, bemmais repressiva e autoritária do que o regime militar dos anos1960 e 70. Devemos esses oito anos de ditadura completa, semCongresso e sem partidos políticos, aos ingênuos dirigentes daInternacional Comunista e aos equivocados bolcheviques tupi-niquins, entre eles o idiota do líder comunista Luis Carlos Prestes.Da mesma forma, se não tivesse havido ações de guerrilha urbanae rural, estimuladas pelos comunistas cubanos e chineses, prova-velmente não teríamos tido a descida numa verdadeira ditaduramilitar a partir de 1968, com todos os excessos da repressão po-licial e militar, muita tortura e muitos mortos e desaparecidos(mas muito longe dos números chilenos e argentinos). Devemosisso, mais uma vez, a “patriotas equivocados” – como o Partidãochamava os comunistas que foram para a guerrilha – e a um pu-nhado de maoístas deslocados no tempo e no espaço. Os atentadosda guerrilha, a mobilização para a luta armada, as provocaçõesaos militares, tudo isso antecedeu, não sucedeu, à descida para aditadura e o pior da repressão durante o longo regime militar de1964 a 1985 (que não foi uno, não foi uniforme, sobretudo não foiplanejado para ser dessa forma).

É simplesmente mentira alegar agora, como fazem os her-deiros daqueles que foram derrotados na luta armada, que, pormeio da guerrilha, se estava levando uma luta de resistênciacontra uma ditadura militar para trazer o Brasil de volta à de-mocracia. Eu estava dentro desses movimentos e posso dizerque não é verdade: ninguém ali estava lutando para trazer devolta a democracia burguesa, que desprezávamos. O que que-ríamos mesmo era uma bela ditadura do proletariado, ao estilocubano ou chinês, que inevitavelmente teria de começar fuzi-lando burgueses e latifundiários, para dar o exemplo, e talvezaté alguns acadêmicos de direita. Esse era o nosso projeto, e foi

Divulgação Folhaimgem

À esquerda, o presidente Jânio Quadros recebe em Brasíliao guerrilheiro Che Guevara; à direita, solenidade de

posse do presidente Humberto de Alencar Castello Branco.

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ele que afastou o Brasil durante vários anos da redemocratiza-ção, trazendo sofrimentos inúteis, por culpa de elites alterna-tivas, também atrasadas e até mesmo anacrônicas.

Obviamente, antes da guerrilha, seguida da repressão violentapor parte dos militares, nessa ordem, tínhamos tido o golpe mi-litar de 31 de março de 1964, aqui também por culpa das elites tra-dicionais. Incapazes de se entenderem sobre como encaminhar,pela via parlamentar e democrática, os muitos problemas do pro-cesso de modernização –a rápida urbanização, a industrialização,a incorporação das massas no jogo político, as reformas a seremfeitas para colocar o Brasil na nova ordem global, pós-colonial, asagruras da inflação, o caos administrativo criado por um presi-dente inepto, e vários outros problemas mais –as elites novamen-te apelam aos militares para resolver suas diferenças políticas.Havia militares de esquerda, poucos, havia militares de direita,também poucos, pois a maioria dos militares, como da populaçãocivil, queria apenas ordem, crescimento, baixa inflação, essas coi-sas corriqueiras e banais. Muitos deles se preocupavam com oscomunistas, bastante assanhados nesses tempos de Guerra Fria ede aparente ascensão da União Soviética. Mais uma vez, o idiotado Prestes, secretário-geral do comitê central do Partido Comu-nista, ainda teoricamente proibido, mas na prática fora da clan-destinidade, mostrava seu atrevimento, clamando que “a i nd anão somos governo, mas já estamos no poder”. O mesmo idiota,ao fugir da repressão que se abateu mais uma vez sobre os comu-nistas, deixou para trás, de presente para os militares, suas famo-sas cadernetas, onde estavam anotadas todas as discussões man-tidas com seus colegas do comitê central.

Também é mentira que o golpe começou em Washington, co-mo alegam muitos ainda hoje, a partir de um livro publicado pou-co depois do golpe militar. Obviamente que depois da “perda daCh ina” para Mao Tsé-tung, depois que Fidel Castro proclamou ocaráter marxista-leninista da Revolução Cubana, em abril de 1961,e sobretudo depois do episódio dos mísseis soviéticos em Cuba,em outubro de 1962, quando o mundo quase chegou à beira de

uma confrontação nuclear entre os dois gigantes da Guerra Fria,depois de tudo isso, é evidente que os americanos estavam preo-cupados com a possibilidade de uma nova Cuba no hemisfério, deuma nova China no mundo, logo ali abaixo. Eles conspiraramcom os militares brasileiros, por certo, vigiaram, espionaram, sealarmaram e se prepararam, mas não foram eles que deram o gol-pe, nem o sinal de partida. Aliás, mesmo sem qualquer conspi-ração americana, sem qualquer estímulo do exterior, os militaresbrasileiros tinham motivos de sobra para dar o golpe, de qualquerjeito; entre esses motivos, havia a quebra da hierarquia militar pe-lo próprio presidente. Não foi apenas o medo do comunismo e otemor da inflação que os moveu, e sim todo o caos político criadopor elites incompetentes e por dirigentes ineptos.

Do golpe à ditadura: acidentes de percurso

Não era a intenção inicial dos militares se instalar no poder einstaurar uma ditadura militar. Chamados pelos civis – inclu -sive três governadores candidatos a presidente nas eleições de1965 – os militares pretendiam apenas limpar o terreno, colocaro Brasil em ordem, e se afastar, como sempre o fizeram das vezesprecedentes. Só que desta vez, as coisas não aconteceram comono passado. Como eles pretendiam fazer um serviço completo,antes de entregar o poder novamente aos civis, eles tiveram de seesforçar mais um pouco, ao se deparar com um quadro aindamais caótico do que imaginavam anteriormente, tanto na frenteinterna, quanto na externa, aqui, inclusive, bem mais ameaça-dor, do ponto de vista da segurança nacional, um dos mais sa-grados princípios da doutrina militar.

Na frente interna, os militares estavam fartos dos políticosincompetentes e corruptos, que eles viam como o principalobstáculo a que o Brasil pudesse empreender o grande projeto

Domicio Pinheiro/AE

Os militares pretendiam apenas limpar oterreno, colocar o Brasil em ordem e se afastar,como sempre o fizeram das vezes precedentes.

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de desenvolvimento que eles tinham em mente, que sempre ti-veram, desde os anos 1930, quando foram chamados pela pri-meira vez para participar realmente dos destinos do País (ex-cluindo-se a fase inicial da República, quando eles não sabiamexatamente o que fazer e se dividiram quanto aos rumos doPaís). Na frente externa, a ameaça foi representada pela luta ar-mada, de inspiração cubana e maoísta. Os militares tratariamdesses dois problemas à sua maneira, isto é, com a mão forte,nem sempre bem dirigida. Atentados aos direitos democráti-cos e, mais tarde, violações dos direitos humanos se tornaraminevitáveis num contexto em que a extrema esquerda se lançouequivocadamente à luta armada.

Eles começaram por eliminar alguns dos líderes que eles jul-gavam corruptos (como Adhemar de Barros, por exemplo, o in-ventor da expressão “rouba mas faz”), outros por demais am-biciosos (Carlos Lacerda, dito “o corvo”, o homem que esteveatrás de todas as crises políticas da República de 1946), e algunsaté desejosos de voltar ao poder (JK era candidatíssimo nas elei-ções previstas para 1965, jamais realizadas). Vários deles tinhamincitado os militares ao golpe, esperando depois recolher os fru-tos de suas conspirações. Por um conjunto de circunstâncias for-tuitas, e também pela amplitude da reação, dos cassados e dosnovos opositores do governo militar, tornou-se difícil manter oprojeto original, ou seja, limpar o terreno e depois voltar aosquartéis. A presidência Castello Branco foi prolongada, refor-mulou-se totalmente o sistema partidário, com a criação pelo al-to de apenas dois partidos – um obrigatoriamente do governo, aArena, o outro artificialmente de oposição, o MDB – e se elabo-rou uma nova Constituição, a de 1967, eliminando-se o voto di-reto para presidente (e domando, de maneira conveniente, a es-colha para os demais cargos executivos na Federação). Radicaisde ambos os lados começaram então a se movimentar, nas es-querdas (pois havia muitas) e na direita, também bastante divi-dida, mas comprometida com o regime militar que então surgiacom sua nova institucionalidade formal, isto é, autoritária.

Os militares estavam unidos no combate à luta armada, masatenção, não foram eles que começaram a brincadeira. Não nosesqueçamos que logo em seguida ao golpe, Carlos Marighellaviaja a Cuba e de lá volta com a nova palavra de ordem: criardois, três, muitos Vietnãs, como proclamava Che Guevara, emsuas frustradas aventuras guerrilheiras na África e no coraçãoda América Latina, na Bolívia mais precisamente. Os comunis-tas cubanos deram todo o apoio logístico e financeiro ao em-preendimento guerrilheiro, não apenas de Marighella, comode outros líderes comunistas também. Isto precisa ficar bem

claro, para que não se confundam as coisas e não se inventeuma falsa história da resistência ao regime militar. O grosso darepressão, as torturas bárbaras que foram impostas à maioriados guerrilheiros, ou simples “sub versiv os” capturados, osdesaparecimentos, os assassinatos cometidos contra os guer-rilheiros não vieram antes, mas bem depois que os atentadosda luta armada começaram de forma algo improvisada e bas-tante ingênua: assaltos a bancos, atentados a quartéis, elimi-nação de “inimigos da revolução” e de “agentes do imperialis-mo”, mortes a sangue frio, cabe relembrar.

Não estou aqui escrevendo a história, apenas testemu-nhando o que vi, o que assisti, como aprendiz de guerrilheiroque nunca chegou a entrar em ação. Quando vi a precarieda-de de meios, a insanidade do projeto armado, a profunda de-bilidade política de todos esses movimentos, o total descola-mento dos grupos guerrilheiros de qualquer base social queeles pretendiam representar – e eu conheci três, a ALN, a VPRe a VAR-Palmares – decidi auto-exilar-me voluntariamente.Passei boa parte dos anos de chumbo na Europa, sempre lu-tando contra o regime militar, mas lendo, estudando, visitan-do todos os socialismos, refletindo sobre tudo aquilo, eaprendendo. Mas não pretendo oferecer agora um depoi-mento pessoal sobre o que se passou nos anos da luta armada.Vamos voltar ao nosso assunto principal.

Nossas elites continuaramseu percurso de atraso mental

As melhores elites que o Brasil teve, durante algum tempo emseu processo de modernização, foram as militares, tanto nos anos1930, quanto nos 60 e 70, mas com alguns pecados veniais, e al-guns outros mais graves. As elites civis, com poucas exceções –que se contam nos dedos superiores – se voltavam, como já men-cionado, para os militares, cada vez que tinham contradições in-ternas, como diriam os marxistas. Os militares vinham, com seuscavalos ou tanques, e depois se entendiam com os tribunos civis,os latifundiários, os burgueses mais destacados.

Mas essas elites também eram atrasadas sociologicamentefalando, sobretudo porque se acostumaram a delegar ao Es-tado funções e atribuições que poderiam, talvez, ter sido me-lhor encaminhadas pela via da própria sociedade civil e noâmbito dos mercados livres, como o financiamento da produ-ção, da realização de obras de infraestrutura, de muitos ser-viços coletivos, como comunicações, transportes, energia, sa-neamento urbano, etc., como aliás vinha se fazendo desde oImpério e até o começo da República. Não se diga, justamen-te, que tais serviços e empreendimentos não poderiam serrealizados por capitais privados, e que só um Estado forte,centralizado, dispondo de vastos recursos, teria de assumir oencargo exclusivo de fazê-los. Durante todo o Império e navelha República, todas, repito TODAS, as obras de infraestru-tura, de comunicações, de serviços urbanos, de transportes fo-ram realizadas em regime de concessões públicas, ou seja, porcapitais privados, geralmente estrangeiros, e na base de jointundertakings, ou seja, em regime de PPPs, as famosas parceriaspúblico-privadas, que alguns imaginam ser uma novidadeinventada recentemente. O Império contraía esses empreen-

Passei boa parte dos anosde chumbo na Europa,sempre lutando contra oregime militar, mas lendo,estudando, visitando todos ossocialismos, refletindo sobretudo aquilo, e aprendendo.

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dimentos já que carecia dos capitais e da capacidade técnicapara fazê-los, geralmente dando a partida em alguma com-panhia constituída na City de Londres, com alguns conselhei-ros brasileiros no board da empresa. Desde a ferrovia pionei-ra de Mauá, a Rio-Petrópolis, até as últimas railways pelo in-terior do Brasil já nos anos 1920, todos esses empreendimen-tos se constituíam ao abrigo de contratos de direito comercial,mercantil ou privado, regulando a concessão – algumas poraté 99 anos – para os quais o Império oferecia a famosa garan-tia de juros, em média de 6% ao ano, bem mais do que a médiahistórica do capitalismo, de apenas 3 ou 3,5%.

O Brasil era um bom negócio para a globalização da belle épo-que, junto com a Argentina, que o superou amplamente, e o Mé-xico, pelo menos até 1912 (quando os zapatistas mergulharamo país novamente no atraso). Depois as coisas se complicaramum pouco: os capitais se retraíram (teve o calote argentino dacrise do Barings, em 1891), o protecionismo comercial se ins-talou, os financiamentos internacionais se tornaram mais di-fíceis, os investimentos secaram um pouco, mas o desastremesmo veio com a Primeira Guerra Mundial, quando se sus-pende a conversibilidade e o padrão-ouro, e o Estado, ou me-lhor, os políticos, aprenderam a fabricar inflação e a intervir naeconomia. Os tempos nunca mais seriam os mesmos.

Tudo mudou então, na política, mas sobretudo na econo-mia. Os mercados se fecharam, as moedas se desvalorizaram, ea inflação se instalou, inclusive porque os governos, depois deesgotarem todas as possibilidades de financiamento voluntá-rio e compulsório, começaram a emitir moeda sem lastro me-tálico. Eles nunca mais pararam desde aqueles tempo, apenasrefreados por surtos repentinos de hiperinflação, quando en-tão se trocava a moeda e se seguia adiante, no mesmo ritmo. AAmérica Latina, mesmo sem guerra, fez melhor do que qual-quer governo dos demais continentes: os países produziraminflação praticamente em moto contínuo.

E as nossas elites? Não se pode culpar inteiramente as elitesbrasileiras por esses pecados veniais, partilhados igualmentecom os militares. Elas estavam acostumadas, desde sempre, aviver sob a sombra d’El Rey, o que começou nas sesmarias, pas-sou pela confirmação do tráfico e do escravismo na época daIndependência, continuou sob a Lei de Terras de 1850 e se pro-longou no nascimento da República. Não se pode dizer queelas não tenham sido correspondidas nesse amor involuntáriopor um Estado que ainda não era o ogro famélico que conhece-mos atualmente. O Estado brasileiro do início do século 20 de-veria se apropriar de no máximo 4 ou 5% do PIB (noção que ain-da não era conhecida nessa época, obviamente). A carga fiscaljá tinha subido para 12%, quando os militares deram o golpe echegou a 24% ao final do seu regime, e continuou subindo sem-pre, inapelavelmente: deve andar na casa de 35 a 38% do PIB,dependendo da metodologia aplicada. Na prática, o Estadogasta mais de dois quintos do produto, aqui incluídos os acrés-cimos ao estoque da dívida pública, não cobertos pelos jurosliberados pelo superávit primário (uma invenção convenientepara esconder uma contabilidade mais elementar).

Não se deve acreditar, por outro lado, quando adeptos dacontabilidade criativa disserem que a dívida pública líquida éde apenas 43% do PIB, e que a bruta não supera 70%, uma vez

que estes dados não medem toda a amplitude do problema,tanto o seu custo, de mais de 10% ao ano – quando os japoneses,por exemplo, que exibem uma dívida total de mais de 250% doPIB, a financiam internamente e a um custo próximo de zero –como o fato de que um quarto dela está de posse do Banco Cen-tral. Mas retornemos às nossas elites.

E as novas elites: quem são elas,o que fazem elas?

Qual a diferença entre as velhas elites, hoje submissas, e asnovas elites? As antigas elites brasileiras viviam SOB o Esta-do, ao passo que as novas elites, vivem DO Estado, PARA oEstado, PELO Estado, COM o Estado. A nova classe, a No-menklatura do partido neobolchevique, parece ter a intençãode manter indefinidamente o controle do Estado, se possívelexclusivamente, se não der, em coalizão, desde que ela man-tenha a hegemonia do processo decisório e dos mecanismospelos quais fluem os recursos. As antigas elites obtiveram doEstado o que necessitavam para sobreviver e prosperar: pro-teção à indústria infante, subsídios setoriais generosos, polí-ticas acomodatícias, como a lei do similar nacional, tarifas co-merciais sempre defensivas, em todo caso muito elevadas, fe-chamento quase completo da economia e, como consequên-cia de tudo isso, um grande mercado interno cativo, passivo,ao seu inteiro dispor. Elas desfrutaram do Estado varguista,que foi também o Estado dos militares, os mesmos que der-rubaram Vargas, mas que continuaram a sua obra econômi-ca, aperfeiçoaram o Estado interventor e o levaram aos seusextremos. Tem gente que adora esse tipo de coisa.

Os militares, tanto nos anos 1930-45, quanto no período 1964-85 fizeram no Brasil aquilo que Stalin estava fazendo na UniãoSoviética com o seu socialismo num só país: eles praticaram o

Reprodução

Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil entre1956 e 1961, era candidatíssimo nas eleições

previstas para 1965, jamais realizadas.

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que pode ser chamado de stalinismo industrial, e construíramum sistema integrado verticalmente, pouco dependente do ex-terior, com um índice de nacionalização da oferta interna poucasvezes visto em outras experiências desse tipo: ao final do regimemilitar, o “made in Brazil” representava provavelmente pertode 95% dos produtos de consumo. Os militares praticaram essecapitalismo num só país em benefício de grandes grupos nacio-nais, de algumas multinacionais integradas a esse espírito in-dustrial e em benefício do próprio Estado, obviamente.

E as nossas novas elites? Quem são, o que fazem, como vi-vem, do que vivem? Elas não são mais, obviamente, aquelescoronéis de chapelão, aqueles burgueses de cartola e charuto(mas as novas não dispensam os charutos cubanos), elas nãosão mais os industriais que se beneficiaram do stalinismo in-dustrial praticado tanto pelo Estado varguista quanto pelo re-gime militar. As novas elites, quando ainda não eram tão ricasquanto hoje – mas elas já eram, de certa forma, elites, aindaque do tipo da aristocracia operária que conhecemos bem, oucomo guerrilheiros reciclados que também sabemos quemsão –, nos velhos tempos do Ancien Régime burguês (descul-pem a contradição nos termos), essas novas elites que se tor-naram velhas antes do tempo viviam às turras com o Estadoburguês, com a sociedade capitalista, imaginem vocês. Antesdesses tempos de fim da História, elas pretendiam – v ej a mque pretensão – derrocar o Estado burguês, aplastar o capi-talismo perverso, e colocar em seus lugares respectivos o glo-rioso Estado proletário e o modo de produção socialista, comalgumas loucuras maoístas em complemento.

Patriotas equivocados, como diria o Partidão – e eu fui umdeles –, ou ainda, guerrilheiros improvisados, brincando democinho e bandido com os gorilas da ditadura militar. Fomosderrotados, obviamente, embora eu continuasse a lutar contrao regime militar até o final, ainda pensando em construir o so-cialismo, mas já numa feição mais democrática, à face humanacomo se dizia na ocasião, para distinguir do sovietismo já es-clerosado, não mais dos tempos do stalinismo com Gulag, quefuncionava apenas na base da repressão a dissidentes e inter-nação em clínicas psiquiátricas. Eu já tinha feito minhas obser-vações ao vivo, tendo morado num dos socialismos reais du-rante breve tempo, mas visitado todos os outros socialismos,do real ao surreal, e conhecia bastante bem os diversos capi-talismos, do ideal ao perverso, como se encontra na periferia.

Mesmo marxista, nunca fui fundamentalista, e sempre limeu Raymond Aron ao lado de Marx e Sartre, e Roberto Cam-pos para compensar os economistas estruturalistas e keynesia-

nos a que estávamos acostumados na faculdade. Ou seja, fiz omeu dever de casa, aquilo que os camaradas do Partido Sovié-tico chamavam de autocrítica, algo que os companheirosatuais nunca fizeram. Isso me habilitou a tirar certas conclu-sões, não apenas sobre o sentido da História, como gostam dedizer os marxistas, mas também sobre as políticas públicas,macroeconômicas ou setoriais, que funcionam e as que nãofuncionam. Minhas conclusões são muitas, mas eu vou me ateràs características das novas elites.

Nova classe, novo pensamento, nova língua,como nunca antes...

Para simplificar, pode-se retomar o padrão já descrito: as novaselites vivem do Estado, para o Estado, com o Estado, pelo Estado,e sem ele não conseguiriam mais sobreviver, já que não se podemais contar com mensalão cubano ou mesada chavista. A verda-de é que elas agora não mais precisam disso, pois possuem meiospróprios, inclusive uma vaca petrolífera para ordenhar à vontade.À diferença das antigas elites, que viviam em contubérnio com oEstado, mas que também produziam alguma coisa – que fossemprodutos rústicos para o mercado interno, ou um pouco de inte-ligência jurídica ou acadêmica –as novas elites não produzem na-da, sequer um grama de conhecimento, só marxismo rastaquera egramscismo de fancaria. Elas são, como já disse um jornalista, aburguesia do capital alheio, a nossa Nomenklatura, a nova classeque vive sugando o Estado e extorquindo a verdadeira burguesia,muitas vezes com a conivência da própria.

Elas sequer pensam em construir o socialismo; para quê?Nem o PCdoB acredita mais nisso, e seus panfletos só servempara enganar estudantes ingênuos e já iludidos. O capitalismoé muito melhor, já vem pronto para desfrutar: iPhone, iPad,fast food, viagens à Disneyworld, filmes de Hollywood e, so-bretudo, não tem aquela pobreza igualmente distribuída –me-nos para a Nomenklatura – de todos os regimes socialistas; oscompanheiros só precisam visitar a miséria cubana nas reve-rências rituais que eles prestam regularmente aos patrões ideo-lógicos (com alguma parada em paraísos fiscais). Essa coisa deprateleiras vazias, cartões de racionamento, penúria de dóla-res, isso é só para socialista estúpido economicamente, não pa-ra os companheiros da nova elite.

De fato, as novas elites companheiras não precisam mais vi-ver de mensalão cubano, como ocorria nos primeiros tempos;são elas, agora, que ajudam os hermanos da ilha caídos na lata delixo da História, por serem tão estúpidos a ponto de acreditarque uma economia socialista poderia funcionar. Não foi por faltade aviso: Ludwig von Mises já tinha dito que seria como fazeruma vaca voar, no seu Cálculo Econômico na Comunidade So-cialista, escrito em 1919. Os companheiros aprenderam que,mesmo periférico, deficiente e subdesenvolvido, como o brasi-leiro, o capitalismo é muito melhor, inclusive porque se pode tercharutos cubanos e vinhos franceses, se pode assinar sem medomanifestos em favor da “democratização da mídia”, e sobretu-do se pode ir fazer compras em Nova York ou Paris, sem aquelaburocracia socialista, chata, aborrecida, controladora, idiota, co-mo toda burocracia socialista (às vezes nem isso).

Tem mais: estando no poder, não precisa mais ficar improvi-

Mesmo marxista, nunca fuifundamentalista, e sempre li meuRaymond Aron ao lado de Marx eSartre, e Roberto Campos paracompensar os economistasestruturalistas e keynesianos a queestávamos acostumados na faculdade.

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sando maneiras de desviar umas merrecas no recolhimento delixo ou em transportes públicos de pequenos municípios de in-terior. Agora, o dinheiro chega sozinho, quase sem precisar fa-zer força, e por meios quase legais (mas os hábitos da clandes-tinidade persistem). Nem precisa mais extorquir banqueiros ecapitalistas industriais, são eles que agora se oferecem genero-samente para financiar campanhas eleitorais e datas festivas. Osmais pródigos, obviamente, são os donos de construtoras: essespossuem a corrupção no DNA, e não conseguem viver sem cor-romper um funcionário aqui, outro acolá, de preferência nosmais altos escalões. Claro, contrapartidas são de rigor: superfa-turamento garantido, com aditivos pré-agendados e rapida-mente aprovados, subsídios de mãezona para filhão do BNDES,gordos juros da dívida pública e expedientes do gênero.

Nem adianta esses técnicos do TCU apresentarem laudosarrasadores, capazes de impugnar até a compra de um prego;os conselheiros políticos sempre dão um jeito de salvar o pãodeles de cada dia. De outra forma, como seria possível explicara construção de uma refinaria que passa de 2 a 20 bilhões de dó-lares sem maiores contestações ou surpresas? Como justificar opreço final de uma outra refinaria que, na verdade, entra comoPilatos no Credo, não tem nada a ver com a verdadeira opera-ção, que transcorreu muito bem, deu resultados e constituiuum ótimo negócio para eles?

As novas elites foram extremamente bem sucedidas na neu-tralização mental do País, na operação de lobotomia das outraselites, inclusive a acadêmica, que não vê nada de errado na cons-trução do maior curral eleitoral do mundo, com quase um terço

da população colocada numa condição de assistida, com recursosextraídos da metade que trabalha e paga impostos. Atualmente,para esse tipo de dominação, não se requer nem mesmo algumadoutrina sofisticada, uma ideologia completa, sequer um pero-nismo de botequim; nada disso é preciso. Basta demonizar o neo-liberalismo, vilipendiar as privatizações, atacar os inimigos declasse – as tais das “ze l it e s” – e enganar os incautos com PACsimaginários, fazer muitas conferências nacionais de inclusão (dequalquer coisa) e fazer discursos na base do nunca antes.

De fato, pouca gente ficou ao relento: temos uma Argentinainteira vivendo aqui com cartão magnético, um imenso exér-cito de assistidos oficiais; a burguesia ficou com a Bolsa-BN-DES e os banqueiros continuam vivendo de déficit público e dadívida que segue junto. E a classe média? Depende: tem umaparte que paga mais impostos – 4 pontos do PIB a mais paracobrir a conta de todos esses favores – e tem a tal de nova classemédia, que ainda mora na favela, mas já está em ascensão, oupelo menos assim dizem, pois comprou uma TV de plasma (emdez vezes sem juros, obviamente) e tem direito a vaga numaFaculdade Tabajara, com subsídio público (ou seja, nosso).

As novas elites são realmente espertas: elas estão construin-do um tipo de fascismo corporativo, quase consensual, com aajuda da burguesia e das grandes massas encantadas com odiscurso do nunca antes. Tenho a impressão de já ter visto essefilme antes, e de fato já conheço a história, de leituras e visitas a

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Nem precisa mais extorquir banqueiros ecapitalistas industriais, são eles que agora se

oferecem para financiar campanhas eleitorais.

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museus. Ainda recentemente, morando em Paris para dar au-las na Sorbonne, fomos visitar, Carmen Lícia e eu, o museu doscongressos nazistas em Nuremberg, um prédio impressionan-te de concreto, aproveitando parte do altar cerimonial de ondeum outro guia genial do povo arengava as massas, que carre-gava tochas e bandeiras. No interior do museu, se pode assistira documentários da época, filmagens de ocasião: aquilo me re-lembrou o nunca antes, o mesmo discurso inflamado, as mes-mas invectivas contra as “zelites”, contra os inimigos do povo,os exploradores estrangeiros, enfim, todas essas coisas que vo-cês conhecem bem. Nunca antes eu tinha saído de um museucom tamanha sensação de desconforto, nem mesmo após vi-sitar Auschwitz, ou ao deixar o Museu do Holocausto.

Nunca antes mesmo: pode-se imaginar que os companhei-ros, se pudessem, praticariam o mesmo stalinismo industrialque eles tanto admiravam nos militares, e tentariam construir omesmo fascismo corporativo que deixou tão amargas lem-branças em outros povos. Claro, já não é mais preciso ir à guer-ra por qualquer espaço vital; este já foi conquistado. O Estado jáé deles: a partir do ogro famélico, eles disseminam o mais pos-sível esse gramcismo tupiniquim em todos os níveis de ensino,do jardim de infância ao pós-doc, com apoio naquela pedago-gia idiota que as saúvas freireanas instaladas no MEC apresen-tam sob a forma de diretrizes das educação nacional.

Existe saída do fascismo corporativojá instalado entre nós?

Não gostaria de terminar por uma nota pessimista, mas,leitor da História, sempre penso nos possíveis paralelos, ouanalogias em torno da decadência de certos países, aliás al-gumas grandes civilizações. Três exemplos contemporâ-neos me veem à mente – e deixo de lado a Roma dos Césarese o Império Otomano – e me detenho nos casos da China, daGrã-Bretanha e da Argentina.

A China foi, outrora, o Estado weberiano mais avançado domundo, muito antes de Weber obviamente, uns quatro milanos antes, a civilização mais refinada, na vanguarda das des-cobertas científicas e das invenções práticas: a bússola, o papel,a pólvora, o spaghetti e várias outras mais, sem esquecer okung fu. No entanto, a China decaiu, durante dois ou três sé-culos, sendo humilhada pelas potências ocidentais e esquarte-jada pelo militarismo japonês. Como isso foi acontecer? Pareceque bastou um imperador idiota, que resolveu fechar a Chinaaos estrangeiros, privando-a da revolução industrial e de ou-tras inovações importantes, sobretudo no terreno militar. A cu-pidez de hordas de mandarins empenhados em assaltar o Es-tado, e os camponeses, fez o resto. Bem, parece que nós já temosos mandarins, sem ter tido civilização sofisticada...

Pensem na Grã-Bretanha, não o império britânico, mas a pe-quena ilha que Deus na Mancha ancorou, como diria nossopoeta condoreiro. Depois de oferecer ao mundo o know-howda revolução industrial, ela estagnou, e foi ultrapassada pelaAlemanha e pelos Estados Unidos, e vários outros, inclusivepor sua colônia de Hong Kong. Não foram só os socialistas Fa-bianos que a inviabilizaram: conservadores também se rende-ram aos mitos do Estado de bem-estar social, da nacionaliza-

ção, ou estatização, dos serviços públicos, e por aí veio a deca-dência. Ela declinou durante o pós-guerra, até que uma damade ferro conseguisse resgatá-la de uma condição de terceiraclasse, invertendo um declínio que parecia inevitável.

Mirem os hermanos, aqui ao lado, que já foram muito ricos,cem anos atrás, aliás mais ricos do que vários europeus, com70% da renda per capita dos americanos, já então o povo maisrico do planeta (o que não é o caso atualmente). Primeiro, elesforam sequestrados por um caudilho fascista, depois pela es-posa, mesmo mumificada, e ainda hoje são reféns mentais dedois cadáveres, cultivados pelas máfias sindicais e por políti-cos medíocres, que continuam afundando a Argentina, contratoda lógica e contra toda racionalidade instrumental. Tambémtem o caso de um outro caudilho fascista, mais acima, que con-seguiu destruir a economia do país mais rico da região, mesmose à base de uma vaca petrolífera que só confirma a maldição dopetróleo, que espero não se abata sobre o Brasil.

Seriam capazes, os companheiros, de nos arrastar para trás,como o fizeram os mandarins chineses, os Fabianos britânicos,a máfia sindical do peronismo argentino e os socialistas ana-crônicos do chavismo moribundo? Talvez! Em todo caso, elessão tão incompetentes economicamente – ainda que espertospoliticamente – quanto os êmulos de outras decadências. Elesnão apenas sonham, como já praticam o fascismo tropical,qualquer que seja o rótulo sob o qual escondem os seus intentose instintos. Eles só não conseguiram, ainda, desmantelar o Bra-sil, como o fizeram esses companheiros de outras paragens,não porque não queiram, mas porque não podem, temporaria-mente, ao menos. Mas eles já conseguiram arrastar o Brasil pa-ra trás, atrasá-lo, em mais de uma vertente.

Economicamente, eles conseguiram a proeza de desmentirKeynes, produzindo inflação sem qualquer crescimento: oBrasil cresce hoje menos do que a média da região, e mundial, etrês vezes menos do que os emergentes dinâmicos. Politica-mente, eles conseguiram submeter vários órgãos do Estado: oCongresso, certamente, várias, ou todas, as agências públicas,sem nenhuma dúvida; eles avançam sobre o Judiciário e des-moralizaram até as Forças Armadas, acusadas de todos os cri-mes do período militar sem que eles assumam a responsabi-lidade pela precedência dos ataques a quartéis que provoca-ram a sanha dos militares contra si. Socialmente, estão criandoum Apartheid no País, com suas políticas racistas de divisão doPaís. Moralmente, também, conseguiram desmoralizar a éticapública, tentando colocar todo mundo na mesma indústria decorrupção que foi aperfeiçoada a partir da corrupção artesanalque era comum nos meios políticos. O retrocesso é mental, porfim, já que a própria burguesia industrial e os banqueiros depés juntos rendem visitas ao grande chefe, implorando que elecoloque um pouco de ordem na bagunça feita por companhei-ros menos competentes (e que na verdade tinha sido criadaexatamente pelo próprio guia genial dos povos).

Lamento ter de terminar assim, mas é um fato que eu vejosinais profundos de decadência institucional se espalhandopor vários poros do Estado, e se disseminando pela sociedade.Nunca antes eu tinha encontrado, nos meus retornos regularesao País, tal estado de desalento, de desconforto, de falta de ru-mos. Não existe outra conclusão possível: nosso País continua

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servido por elites incompetentes, inclusive na oposição. Nos-sas elites, as velhas e as novas – aliás aliadas na promiscuidadepolítica – seguem arrastando o Brasil para trás. O Brasil pre-cisaria de estadistas, mas o que temos até agora são apenas po-líticos tradicionais.

Até quando isso será possível? Sinceramente, eu não sei. To-da situação de crise, ou de retrocesso, requer, em primeiro lu-gar, um diagnóstico correto, para depois se pensar em aplicaras prescrições adequadas. Não pretendi oferecer aqui um diag-nóstico científico da situação brasileira, apenas quis transmitirminha percepção sobre o estado atual da nação. Meu diagnós-tico, por certo impressionista, é apenas este: nossas elites pa-decem de atraso mental. Isso se corrige, mas costuma passarpor algumas crises e um doloroso processo de reformas. Comoas elites empreendedoras parecem ter aderido, pelo menos nosúltimos doze anos, aos tempos do nunca antes, quando novaselites, menos produtivas mas altamente extrativas, mantive-ram um projeto de submissão das elites tradicionais, segundolinhas bem conhecidas da metodologia gramsciana, se deveriaagora esperar que o empresariado brasileiro se unisse para fi-nalmente remeter os partidários do nunca antes para um fu-turo de nunca mais. Que isso venha o quanto antes!

(Em voo, Bradley-Atlanta-Brasília, 17-18 de abril de 2014;revisto em Hartford, 4 de junho de 2014)

Outros textos do autor sobre os mesmos temas:

“Pequeno manual prático da decadência (recomendávelem caráter preventivo...)”, Digesto Econômico (AssociaçãoComercial de São Paulo (ano 62, n. 441, janeiro-fevereiro de2007, p. 38-47; ISSN: 0101-4218). Revista Espaço Acadê-mico (ano 6, n. 71, abril 2007; link: http://www.espacoa-cademico.com.br/071/71pra.htm).

“De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em mis-são”, Espaço Acadêmico (ano 9, n. 103, dezembro 2009,p. 130-138; ISSN: 1519-6186; http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/ar ticle/view/8822/4947). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 33, de-zembro 2009); disponível no blog Diplomatizzando(h tt p: // di pl om at iz za nd o. blo gs po t. co m/ 20 11 /0 7/ to cq ue-ville-de-novo-em-missao-o-brasil.html).

“A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desman-telamento institucional do Brasil contemporâneo”, em EspaçoAcadêmico (ano 9, n. 107, abril 2010, p. 143-148; ISSN:1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/in-dex.php/EspacoAcademico/ar ticle/view/9800/5484).

Marcello Casal Jr./ABr

Politicamente, eles conseguiram submetervários órgãos: o Congresso, certamente, várias,

ou todas, as agências públicas, sem dúvida.

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OBrasil é abundante em recursosnaturais e tem tudo para se tor-nar uma potência energética. Háo petróleo da Plataforma Conti-

nental e do pré-sal, o País desenvolveu o maiorprograma do mundo de etanol e as usinasainda produzem energia elétrica a partir daqueima do bagaço; temos ainda vento e solem abundância, principalmente na re-gião Nordeste. Porém, a situação energé-tica do País não é confortável. Para oprofessor José Goldemberg, as políticasgovernamentais são muito oscilantes.O programa do etanol, por exemplo,foi apresentado pelo próprio presi-dente Lula com estardalhaço. Ele di-zia que o Brasil seria uma Arábia Sau-dita de energia renovável, mas hojemuitas usinas que produziam etanolestão fechando as portas.

O professor Goldemberg é umadas maiores autoridades quando oassunto é energia. No governo fede-ral, foi secretário de Ciências e Tec-nologia, ministro da Educação e se-cretário de Meio Ambiente; no gover-no de São Paulo, foi secretário de MeioAmbiente. Nesta entrevista, ele traça

um panorama do setor de energia noBrasil, que serve como ponto de partida

para as demais matérias e artigos a se-guir, que abordarão com mais profundi-

dade segmentos específicos, como etanol,petróleo, eletricidade e energia eólica.

Diário do Comércio – Qual a importânciada energia no mundo?

José Goldemberg - Energia é como sangueno corpo de uma pessoa, é um insumo absolu-tamente fundamental para a produção e para onosso próprio organismo. O organismo huma-no converte o açúcar que ingerimos em ener-gia, que é o que nos permite usar os músculos.

A energia que move odesenvolvimento

Carlos Ossamu

Brun

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Bacia deCampos (RJ)

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A quantidade de energia necessária para que oorganismo funcione é pequena, está contidaem um copo de petróleo.

A civilização se desenvolveu de uma manei-ra tão tecnológica, que hoje nós usamos energiapara inúmeras atividades –usamos para nos lo-comover com automóveis, usamos eletricida-de para iluminação, para a geladeira, elevado-res etc. Hoje, no mundo, em média, cada pessoausa cem vezes mais energia do que a necessáriapara se manter viva e funcionando. Como exis-tem 7 bilhões de pessoas no mundo, imagine aquantidade necessária.

Com as fontes de energia foram sedesenvolvendo com o passar do tempo?

Os países têm, naturalmente, recursos natu-rais diferentes, então eles não se desenvolve-ram da mesma maneira. Até o começo do sécu-lo 19, por volta de 1800, a maior fonte de energiausada no mundo ainda era a madeira, usadapara cozinhar, por exemplo, como se faz aindano interior, ou para aquecimento dos lares empaíses de climas mais frios da Europa e Amé-rica do Norte.

Mas aos poucos, o carvão foi descoberto e foisendo utilizado em pequenas quantidades. Opetróleo também era conhecido pelos gregos,aquelas lamparinas que os gregos usavam con-tinham petróleo, que jorrava naturalmente,mas as quantidades eram pequenas. O carvãoera explorado principalmente na Inglaterra ese tornou uma fonte importante de energia.

Como foi o consumo na era industrial?No fim do século 18, começo do século 19, se

descobriu os motores da Revolução Industriale com isso houve uma explosão no consumo deenergia. O século 19 foi o século das ferrovias –a Europa e os EUA foram cobertos por ferro-vias usando carvão. No fim do século 19 se des-cobriu a eletricidade. As pessoas não se dãoconta que não existia eletricidade antes de 1880.E o Brasil foi um dos primeiros países a usareletricidade, pois aqui tem muitas quedasd’água. Logo que se começou a construir gera-dores de energia elétrica na Europa, os empre-endedores daqui o adotaram. Em Rio Claro(SP) tem uma pequena usina hidrelétrica, hojeconsiderada uma mini usina, com capacidadede 15 mil KWh, ainda em funcionamento.

O importante disso é que o Brasil, nesta épo-ca, com Dom Pedro II e com o Barão de Mauá,estava atravessando uma fase de dinamismo edesenvolvimento, e logo adotou a eletricidadepor razões óbvias, pois o Brasil possui muitasquedas d’água para gerar eletricidade.

Por volta de 1930, os canadenses construí-ram a represa Billings e começaram a gerar ele-tricidade, que foi a base da industrialização daGrande São Paulo, foi por isso que essa regiãose transformou na sede do grande desenvolvi-mento industrial do Brasil.

E o petróleo brasileiro?O petróleo está distribuído de uma forma

muito estranha no mundo, tem muito no Orien-te Médio, no Japão não tem nada e no Brasiltambém não tem em terra, depende da compo-sição da história geológica do país. O Brasil setornou um grande importador de petróleo.

Por volta de 1973/74 houve uma crise no for-necimento de petróleo e o preço subiu tremen-damente, o que afetou o Brasil de maneira dra-mática. Na balança de pagamentos do Brasil,metade das exportações brasileiras ficou com-prometida com a importação de petróleo. En-tão, temos dois setores no Brasil: o da eletrici-dade e o do petróleo. O da eletricidade funcio-nou muito bem, se expandiu - aqui em São Pau-lo sobretudo com a Cesp e em Minas Geraiscom a Cemig, outros Estados com a Eletrobrás.O suprimento de eletricidade no Brasil foi sem-pre moderno e muito eficiente. O de petróleonão, por mais que as campanhas nacionalistasfizessem propaganda, não se encontrou petró-leo aqui. Todo aquele esforço com MonteiroLobato, a criação da Petrobras com GetúlioVargas, não teve consequências importantes.Em 1973 se criou uma situação dramática, me-tade do que se exportava era gasto com impor-tações de petróleo. Era preciso fazer algumacoisa e foi feito. Primeiramente, a Petrobras

Tuca Vieira/Folhapress

José Goldemberg:na área de energia,

as políticasgovernamentais

são muitooscilantes.

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passou a procurar petróleo na Plataforma Con-tinental, onde teve mais sucesso. O programado álcool (Proálcool) ajudou um pouco tam-bém, reduzindo as importações. Foi uma res-posta a este desafio.

E depois disso?A situação do Brasil no que se refere à ele-

tricidade e ao petróleo acabou ficando razoa-velmente satisfatório até o ano 2000. Energianão era a causa de grandes problemas até oano 2000. A Petrobras conseguiu a autossu-ficiência de petróleo, mas havia problemascom refinarias, que tem até hoje, mas pelomenos tinha petróleo.

Mas com a eletricidade começou a surgir umproblema: para que as usinas hidrelétricas for-neçam eletricidade de maneira confiável, é pre-ciso ter reservatórios, pois há períodos em quenão chove. Os engenheiros que construíram asgrandes usinas do passado sabiam bem disso –quando se construiu esses reservatórios emSão Paulo era para permitir que as usinas fun-cionassem, mesmo que não chovesse por dois

ou três anos. Mas a partir de 1985, os reserva-tórios novos ficaram cada vez menores, poiscomeçaram as objeções de caráter ambiental.Além disso, construir reservatório custa caro,pois é preciso desapropriar pessoas. A conse-quência é que em 2001 houve uma grande seca ea população foi lançada no racionamento deenergia. Só não houve o corte de energia mes-mo porque a população reagiu e economizou.Mas o fato acendeu a luz amarela no setor. Po-rém, o governo continuou construindo usinassem grandes reservatórios e a consequência éque em 2013 também choveu pouco, este anotambém, e estamos na iminência de enfrentaruma situação parecida de 2001. A única razãode que a situação é um pouco melhor é porquea Petrobras tem usinas térmicas, onde ela uti-liza gás ou óleo diesel. Usinas térmica no Brasil,tradicionalmente, forneciam menos de 10% daeletricidade, hoje elas estão produzindo 30%,sendo que esta energia é muito mais cara que asproduzidas por hidrelétricas. Esta é a situaçãoque estamos passando, e se não chover até o fimdo ano, vamos enfrentar problemas graves,

Caio Coronel/Divulgacao

A hidrelétrica deItaipu inundou

vários municípios,mas ela agora se

transformou em umfator de progresso,pois os municípiosrecebem royalties

da energia vendidapela usina.

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não só de energia, mas de abastecimento deágua, sobretudo em São Paulo. Os reservató-rios foram calculados de forma pequena para otamanho da população.

A opção por pequenos reservatórios sedeve à pressão de ambientalistas,indigenistas etc. Se a opção fosse porgrandes reservatórios, com o grande númerode ações, as obras não andariam. Comoresolver isso?

É preciso coragem para se enfrentar isso. Euacho que uma boa parte dos problemas se ori-gina nos ambientalistas, mas há outro lado damoeda, em que as empresas não querem gastardinheiro. Dá trabalho, é preciso compensar aspessoas. Mas quando é bem-feito, não tem pro-blema nenhum: Itaipu inundou vários municí-pios e ela agora se transformou em um fator deprogresso, pois os municípios recebem royal-ties da energia vendida pela usina. Aquelesmunicípios que ficam em torno do lago de Itai-pu são todos municípios prósperos, então, osproblemas podem ser equacionados.

Como o senhor vê a área de petróleo?Na área de petróleo, o governo enveredou

um caminho, que é promissor, mas é cheio deameaças: ele entrou em um caminho de ir cadavez mais fundo na Plataforma Continental eagora está no pré-sal. É uma área em que amaioria das empresas de petróleo internacio-nais está entrando agora, não existe experiên-cia. Quando se fazia poços em terra ou em pe-quenas profundidades, a tecnologia estava dis-ponível, pois se utilizava a experiência de ou-tros, os engenheiros eram treinados aqui ou noexterior e aprendiam com a experiência dosoutros. Agora estamos enfrentando um terre-no que é virgem, estamos enfrentando proble-mas complicados, novos e o petróleo é muitomais caro para ser extraído do pré-sal e ser tra-zido para terra. Esses poços do pré-sal estão amais de 300 Km da costa. Toda a logística ficamais complicada.

Qual a sua avaliação sobre o pré-sal?O Brasil se envolveu em um caminho estrei-

to. O petróleo do pré-sal responde hoje por 22%da produção, que é um quinto do que o Brasilprecisa para consumo interno. Aquele sonhode exportar 4 milhões de barris por dia ainda es-tá muito distante, porque ele é caro – a gentenunca sabe com certeza quanto custou produ-zir, sabemos que em Londres o barril custa cemdólares. Na Arábia Saudita é muito barato,pois o petróleo é muito abundante lá e o custode produção está em torno de 10 dólares o bar-ril. É por isso que os países do Oriente Médiosão tão ricos, pois produzem a 10 dólares e ven-dem a 100 dólares. Estima-se que o petróleo dopré-sal deva estar entre 40 e 50 dólares o barril,a margem é muito menor. E se o petróleo, noplano internacional, começar a ficar muitoabundante, pois os EUA estão consumindomenos petróleo e importando menos, o seupreço irá cair. Há riscos de que a produção depetróleo no pré-sal fique inviabilizado ou pou-co atraente. A Petrobras está endividada emum caminho só e se houver problemas com opetróleo, a situação ficará muito difícil.

Quais as alternativas?A saída é diversificar. Até o fim do século 20,

o Brasil tinha eletricidade e petróleo produzidona Bacia de Campos. Agora, a eletricidade pre-cisa ser produzida na Amazônia, e fazer reser-vatório lá é complicado, e para produzir petró-leo é preciso ir para o pré-sal. Assim, é precisodiversificar, colocar na matriz energética ou-tras fontes de energia que ocupem o lugar dahidroeletricidade e do petróleo. Quais são as

O Brasil se envolveuem um caminho estreito.O petróleo do pré-salresponde hoje por 22%da produção, que é umquinto do que o Brasilprecisa para consumointerno. Aquele sonho deexportar 4 milhões debarris por dia ainda estámuito distante, porqueele é caro – a gentenunca sabe com certezaquanto custou produzir,sabemos que emLondres o barrilcusta cem dólares.

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que existem? Tem a energia eólica, mas que nãoé possível produzir em qualquer lugar, em SãoPaulo não tem. Tem no Nordeste, no Rio Gran-de do Norte, Piauí, Maranhão, e no Sul, no RioGrande do Sul e Santa Catarina. Mas tem havi-do problemas de interligação – um parque eó-lico fica pronto e não há maneiras de trazer aenergia para o consumo. Isso vai acabar se re-solvendo e eu acho que a energia eólica vai re-presentar um papel importante na matriz ener-gética brasileira.

Outra contribuição importante é com rela-ção aos produtos da cana. O etanol, que subs-titui a gasolina, estava expandindo no Brasil,mas a partir de 2010 começou a regredir, com ofechamento de várias usinas. Isso por causa dapolítica adotada pelo governo, que congelou ospreços dos derivados do petróleo – com medoda inflação, o governo congelou, o preço da ga-solina de hoje é igual o de 2007. Acontece que,para produzir etanol é preciso usar óleo diesel eoutros insumos do petróleo, cujos preços fo-ram reajustados. A equação econômica para oetanol ficou muito prejudicada. Se esse proble-ma fosse resolvido, o etanol poderia represen-tar um papel mais importante. Houve um mo-mento aqui no Brasil em que o etanol estavasubstituindo metade da gasolina usada, agoraé menos que isso.

E tem a eletricidade produzida dabiomassa, não é mesmo?

Sim, isso é outra coisa que está sendo feitopouco. Na produção do etanol sobra muitobagaço, que é praticamente lenha. Ele é usa-do atualmente para produzir eletricidade eenergia-motor para as moendas. Só que essesequipamentos foram instalados há 40 ou 50anos e são muito ineficientes. Muitas usinasmais antigas estão, na verdade, incinerandobagaço ao invés de utilizar todo o potencialque o bagaço tem. Se isso fosse feito, ajudariamuito na produção de eletricidade. A atualmatriz energética brasileira tem 120 milhõesde KW. A produção de eletricidade com ba-gaço poderia adicionar 15 milhões de KW.Vento (eólica) poderia adicionar outros 15milhões de KW. Ou seja, há saídas. Em rela-ção à energia eólica, os leilões que o governotêm feito mostraram que a energia eólica écompetitiva. Para os leilões de biomassa,usando bagaço, o governo fixou o preço mui-to baixo. Isso desencorajou toda a cadeia doálcool e do açúcar. Para resolver os proble-mas de energia elétrica no Brasil, o governoprecisaria tirar a indústria sucroalcooleirada situação difícil que ela se encontra hoje.

Não é uma defesa aos usineiros, que muitasvezes são vistos como conservadores. É usaros produtos agrícolas envolvidos para pro-duzir eletricidade e etanol.

E as outras fontes de energia disponíveis?A energia fotovoltaica é outra possibilida-

de, mas a quantidade de energia gerada aindaé muito pequena, precisamos continuar a de-senvolver essa tecnologia, pois a medida queela se desenvolve, os custos vão caindo. Hojeainda é cara, mas daqui a alguns anos poderáser mais acessível.

A energia nuclear tem seus problemas pró-prios. Apesar de ter virado uma energia lim-pa, pois não emite CO2, tem outros proble-mas, por exemplo, ninguém sabe o que fazercom o lixo radioativo. Se isso é lançado na at-mosfera, como ocorreu em Fukushima, seriaum desastre. Não que não ocorram acidentesem hidrelétricas e plataformas de petróleo, háacidentes, mas eles são limitados. Acidentesnucleares, quando ocorrem, atingem milhõesde pessoas. A cada dez a quinze anos têm ocor-rido acidentes de grande porte e os custos es-tão aumentando, porque é preciso melhoraros sistemas de controle de segurança. Mais se-gurança, maior o custo.

Todos dizem que o Brasil é um paísprivilegiado, que aqui tem recursos naturaisem abundância. O que está faltando então?

A brincadeira que fazem é que o Brasil é opaís do futuro, mas já era há cem anos. De fato,as políticas governamentais são muito oscilan-tes. O programa do etanol foi apresentado pelopróprio presidente Lula como um fato extraor-dinário, o Brasil seria uma Arábia Saudita re-novável, mas até mesmo no fim de seu governoo programa começou a ser abandonado comesse congelamento do preço da gasolina. É omaior programa de energia renovável do mun-do, cujo potencial está sendo abandonado.

Qual a sua opinião sobre os subsídios dogoverno em alguns setores de energia?

No setor elétrico, com esses problemas dasusinas não terem reservatórios e ter de acionaras térmicas, o cálculo que foi feito é que do anopassado para cá o governo teve de injetar R$ 20bilhões e esse valor não será suficiente para se-gurar o sistema até o fim do ano. A Petrobras,pelo o que vem sendo noticiado, deve perdercerca de R$ 2 bilhões por mês, pois ela importagasolina e diesel a preços internacionais e ven-de mais barato aqui. Todos esses recursos saemdo Tesouro e isso é ruim para o País.

Alexandre Brum/Ag. O DIA/AE

A atual matrizenergética brasileira tem120 milhões de KW. Aprodução de eletricidadecom bagaço poderiaadicionar 15 milhõesde KW. Vento (eólica)poderia adicionar outros15 milhões de KW.Ou seja, há saídas. Emrelação à energia eólica,os leilões que o governotêm feito mostraramque a energia eólicaé competitiva.

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No fim de 2012, o governo decretoua MP 579, que antecipava as concessõesdas empresas elétricas. Qual a sua opiniãosobre isso?

Foi uma medida demagógica, pois você nãopode baixar o preço em 20% em uma época emque se sabia que estava chovendo pouco. E o go-verno estava encorajando o consumo de produ-tos da linha branca, como geladeira e máquinade lavar roupa, reduzindo o IPI. Ao que tudo in-dica, o governo fez isso por razões eleitorais. Erasó esperar mais um pouco que as concessões ter-minavam. Ele antecipou o fim das concessões.Elas foram concedidas há 30 anos. Depois de 30anos, volta para o governo, que licita de novo,que é o que o governo deveria ter feito. Ele an-tecipou em dois anos, obrigando as empresas abaixarem os preços. Isso desorganizou comple-tamente o setor, que era relativamente organi-zado. E ainda ficou uma insegurança jurídica, ecom isso os investidores estrangeiros ficammais receosos. E para piorar, faltou chuva.

Como o senhor enxerga o futuro do setorde energia no Brasil?

Qualquer que seja o governo no ano quevem, será necessário reajustar o preço do pe-

tróleo em nível internacional para salvar aPetrobras. E com isso se vai salvar também oprograma do etanol. Isso vai ter impacto nainflação, mas tudo tem impacto na inflação,até a falta de água tem impacto. O governoprecisa enfrentar o problema e tentar reduzira inflação com outros mecanismos. No casoda eletricidade, é preciso abrir novos leilõespara atrair mais energia eólica e de biomassa.Com preços competitivos de etanol, as usinasvão plantar mais.

No caso do pré-sal, o governo endividouterrivelmente a Petrobrás, que está tendo di-ficuldades em conseguir mais empréstimos. Épreciso abrir mais o setor para as empresas es-trangeiras para elas fazerem parcerias com aPetrobras. No momento, são falsas parcerias,pois é a Petrobras quem faz a obra – a Petro-brás não está conseguindo fazer a obra, é gran-de demais. O governo fez recentemente umleilão, seria preciso fazer mais leilões paraatrair as empresas internacionais. O últimoleilão atraiu poucas empresas. O petróleo queestá no pré-sal seria extraído não só pela Petro-bras, mas também por outras empresas em as-sociação com a Petrobras, e o governo cobra-ria imposto sobre a produção.

Marcos de Paula/AE

Qualquer que sejao governo noano que vem,

será necessárioreajustar o preço dopetróleo em nível

internacional.Petrobras. E comisso se vai salvar

também oprograma do

etanol.

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Na metade de seu segundo man-dato, em 2008, o presidente Lulapreviu que o Brasil se transfor-maria em uma “Arábia Saudita”

verde, uma superpotência em energia renová-vel. Eram tempos em que o Cristo Redentoraparecia decolando na capa da revista britânicaThe Economist. Em setembro do ano passado, amesma revista publicou em sua capa o CristoRedentor despencando e o título perguntava:“O Brasil estragou tudo?”.

Da mesma forma, o sonho da Arábia Sauditaverde está se tornando um pesadelo. Este ano,entre 10 e 12 usinas podem fechar e 33 estão emrecuperação judicial, dos quais 14 em São Pau-lo. As usinas estão endividadas, o que reduziua capacidade de investimentos e consequente-mente a produtividade. Além disso, a quatrosafras o setor enfrenta problemas climáticos.Mas o pior inimigo vem do próprio governo,que para não impactar a inflação, vem conce-dendo subsídios à gasolina, afetando negativa-mente o setor de etanol e também a Petrobras,que compra gasolina a preços internacionais evende mais barato no mercado interno.

Para explicar tudo o que vem ocorrendocom este setor, Elizabeth Farina, presidente daUnica (União da indústria de Cana-de-açúcar)proferiu uma palestra na Associação Comer-cial de São Paulo (ACSP) no fim de maio. Veja aseguir os principais trechos desta palestra.Ti

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35MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

A indústria brasileira da cana-de-açúcar é composta hoje por 389usinas, organizadas em cerca de 200 grupos econômicos.

Paulo Lieber/AE

Um panorama do setorsucroenergético no Brasil

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A entidade

A Unica é a maior organização representati-va do setor produtor de açúcar, etanol e bioele-tricidade do Brasil, representamos a produçãode 60% da cana-de-açúcar, açúcar e etanol. Em-bora a Unica tenha nascido no Estado de SãoPaulo, que é o maior produtor e consumidor deetanol do País, as usinas paulistas têm se expan-dido para outros Estados. Isso fez com que aUnica passasse a atuar em outras regiões – nos -sas associadas têm usinas em Mato Grosso doSul, em Goiás e outros Estados. Basicamente, anossa atuação é de relações institucionais, faze-mos representação junto a órgãos públicos, sejano Brasil ou no exterior. Para tanto, produzimosestatísticas, informações técnicas, fazemos di-vulgação e comunicação para a sociedade.

Panorama do setor

A indústria brasileira da cana-de-açúcar éindutora de desenvolvimento econômico, so-cial e ambiental. Temos hoje 389 unidades pro-dutoras, organizadas em cerca de 200 gruposeconômicos. Então, é um setor muito pulveri-zado e extremamente competitivo. Temos porvolta de 70 mil fornecedores independentes,dos quais 14 mil estão em São Paulo. Um gran-de número desses fornecedores está no Nordes-te, que tem uma estrutura produtiva bastantediferente do que temos aqui.

Os postos formais de trabalho, segundo aRAIS, somam mais de 1 milhão de empregos di-retos. A receita na safra 2013/14 é estimada emUS$ 35 bilhões. No ano passado, as divisas ex-ternas geradas foram de US$ 15 bilhões. Nós re-presentamos 15,7% da matriz energética nacio-nal, combinando combustível e energia elétrica.É uma indústria que produz 38 milhões de tone-ladas de açúcar, somos o maior produtor e ex-portador mundial, respondemos por 22% daprodução global e 45% das exportações mun-diais. Produzimos 28 bilhões de litros de etanol,somos o segundo produtor global – o primeirosão os EUA –, respondemos por 25% da produ-ção e 37% das exportações mundiais.

Esta indústria foi se sofisticando e hoje a gen-te exporta para a rede 15 milhões de MWh, oque representa 3,3% do consumo total de ener-gia elétrica no Brasil, ou 38% da geração anualprevista para a usina de Belo Monte, portanto,uma produção respeitável. Este é um exemplode fonte energética que poderia ajudar na situa-ção que estamos passando hoje de muita seca,pois o pico de produção é justamente na seca,quando se está colhendo a safra da cana, moen-

do e produzindo bagaço e palha, que irão ali-mentar as caldeiras.

Em termos internacionais, somos o terceirosegmento na pauta de exportações do agrone-gócio, depois da soja e das carnes, mas basica-mente exportamos açúcar, com US$ 12,8 bi-lhões –o etanol responde por apenas US$ 1,9 bi-lhão em exportação.

Competitividade

Temos vantagens comparativas e competiti-vas importantes. A primeira são as condições desolo e clima, que são adequadas ao cultivo da ca-na-de-açúcar e com muita disponibilidade deterra. Hoje, menos de 2% das terras aráveis noBrasil são utilizadas para cultivo da cana-de-açúcar. Às vezes parece que o Brasil é um grandecanavial, mas são apenas 2%, a maioria para aprodução de etanol. Este sistema funciona combase no Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar, desenvolvido pelo Ministério daAgricultura. Segundo este zoneamento, nós po-demos utilizar 64,7 milhões de hectares (7,5% doterritório nacional) de áreas autorizadas ao cul-tivo da cana. Além disso, temos um know-howrespeitável, adquirido nestes últimos 30 anos –na verdade, adquirido desde que o Brasil foi des-coberto, pois a primeira grande atividade co-mercial produtiva brasileira foi a cana-de-açú-car, com os engenhos no Nordeste. Mas na his-tória moderna, nestes últimos 30 anos desenvol-vemos muito conhecimento.

Nos fóruns internacionais, as pessoas sem-pre perguntam se plantamos cana na Amazôniae se nós vamos desmatar a floresta para abaste-cer os carros. No mapa de produção, o Nordesteresponde por 10% da produção e moagem da ca-na e 90% se concentra no Estado de São Paulo eparte do Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás eMinas Gerais – a região fica a 2.500 Km da Flo-resta Amazônica. Lembrando que estas ques-tões de desmatamento e preservação do meioambiente é bem recente e a cana-de-açúcar estáno Brasil desde o seu descobrimento. Se fossebom plantar cana na Amazônia ela já estaria lá,sem dúvida. Hoje, a gente tem regras bem clarassobre onde e como a gente pode plantar cana. Es-te fato é importante para a nossa competitivida-de, pois o acesso aos mercados melhora quandoa gente mostra essas informações.

O Brasil tem 852 milhões de hectares de terra,dos quais 65% (554 milhões de hectares) de ve-getação nativa, um número bastante alto, e 30%para agricultura e pastagem, ou 258 milhões dehectares – deste, apenas 1% (9,6 milhões) é des-tinada a cana – para etanol é metade disso, 0,5%

Nos fórunsinternacionais, aspessoas sempreperguntam se nósplantamos cana naAmazônia e se nósvamos desmatar afloresta para abasteceros carros. No mapa deprodução, o Nordesteresponde por 10% daprodução e moagem dacana e 90% se concentraem São Paulo e partedo Paraná, MatoGrosso do Sul, Goiáse Minas Gerais.

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(4,9 milhões). Nós ainda temos muito chão paraplantar cana. E uma questão importante: a canacresceu sem substituir culturas alimentares oudesmatando a Amazônia. A cana tem crescidobasicamente em áreas de pastagem, com umadensidade de utilização baixíssima e em terrasdegradadas – ela é uma boa cultura para recu-peração do solo. Esta preocupação de substituirárea de cultivo de alimentos que se tem na Eu-ropa, nos EUA e outros países nós não enfren-taremos por um bom tempo. Mesmo em SãoPaulo, que é a região mais densamente utilizadapara o plantio da cana. Isso acaba nos dandovantagens competitivas.

Modelo vencedor

A cana-de-açúcar tem um estigma de mono-cultura, de ser destrutiva. É preciso entender quenós desenvolvemos uma cultura, um sistema deprodução e um modelo de negócio brasileiroque é vencedor. Se a gente mesmo não destruireste sistema, ele é vencedor. Este ZoneamentoAgroecológico se pode achar que é mais um re-gulamento, mais um custo Brasil. Ele é formal,exclui o cultivo em biomas sensíveis como aAmazônia e o Pantanal, ele exclui a expansãoem tipos de vegetações nativas, como cerrado ecampos, e permite a expansão da cana em 64 mi-lhões de hectares – autoriza excluindo essasáreas e também identificando as áreas maisadaptáveis a esta cultura. Isso acaba orientandoas decisões de órgãos ambientais para licencia-mentos e condiciona o financiamento públicopara a construção de novas usinas – não se con-segue ter uma usina e produzir etanol sem o re-gistro na ANP, a gente está dentro do Ministériodas Minas e Energia, regulado pela Agência Na-cional do Petróleo. É muito fácil monitorar ascondições do plantio, porque você tem queplantar cana no máximo até 60 Km da usina,pois em 48 horas a cana precisa ser processada,pois ela tem uma perda de qualidade muito rá-pida. É um processo just in time do agronegócio,porque você põe o etanol entre a colheita e a pro-dução em 14 horas. Ninguém faz estocagem decana, não existe isso. É uma dinâmica própria eisso faz com que o monitoramento de onde se es-tá plantando seja muito fácil, pois a área onde sefaz o suprimento é restrita e você tem todo anoque renovar as suas autorizações.

Vantagens da cana

A cana é uma cultura muito boa para regene-rar a terra, o balanço energético da cana é 9,3 – aenergia que eu uso para produzir e a energia que

tiro dessa cultura, é muito maior do que o do mi-lho, trigo e beterraba, que são os nossos concor-rentes mundiais em termos de produção de eta-nol. Olhando a produtividade, hoje a gente tem6.900 litros por hectares – em milho é de 3.800 li-tros, trigo de 2.500 e beterraba, 5.500. Nos EUAse tem feito progressos importantes com o mi-lho, eles realmente aumentaram a produtivida-de. Na Europa, a beterraba não é mais o primeirofeedstock (matéria-prima) de etanol, o primeiroé trigo. Então, a discussão alimento é muito fortelá, pois hoje é trigo, milho e depois beterraba,nesta ordem. Mas eles ganharam uma competi-tividade enorme com a beterraba, tanto paraprodução de etanol, como de açúcar, e eles vãoentrar pesado em exportação de açúcar em 2017,quando acabam as limitações da reforma agrí-cola –o etanol eles não vão exportar, eles produ-zem pouco e o mercado é muito pequeno. O açú-car a gente está de olho.

Além disso, o etanol de cana é reconhecidopelas metodologias dos EUA e da Europa co-mo o que mais reduz as emissões de gases deefeito estufa, quando comparado à gasolina, is-so em todo o ciclo de vida, desde a hora que seproduz, colhe, usa o trator etc.

A gente tem ainda um espaço enorme paraganhar produtividade, na verdade, a gente andapatinando nos últimos anos, mas existem pers-pectivas de ganhar produtividade, tanto no eta-nol de primeira geração, que é o que a gente pro-duz hoje a partir do caldo da cana, com 6.900 li-tros por hectare hoje e passando para 7.200 litrospor hectare, mas especialmente se a gente forbem no 2G, o etanol de segunda geração, que éproduzido a partir do bagaço, da palha e daponta, ou seja, da celulose. Então, a gente podeter produtividade de 10 mil litros por hectare.Nós crescemos muito a produtividade, 3% aoano ou até mais – nos anos 70 eram 2,5 mil litros,hoje são 6.900 por hectare. Mas tem oito anosque a gente anda patinando na produtividadepor várias razões, em parte associadas a razõesde perda de recursos para investimento.

Investimentos

Chegamos até aqui com muito investimentoe que é uma das razões do endividamento queas usinas enfrentam hoje. Estes investimentossão para otimização do processo produtivo,que incentivou os investimentos em mais decem novas usinas que foram feitas entre 2002 e2010. Tem dois tipos de investimentos funda-mentais: uma de uma usina greenfield (usinanova) e outra para explorar este ativo no qual seinvestiu – não dá para fazer uma usina nova e

É um processo just intime do agronegócio,porque você põe o etanolentre a colheita e aprodução em 14 horas.Ninguém faz estocagemde cana, não existe isso.É uma dinâmica própriae isso faz com que omonitoramento de ondese está plantando sejamuito fácil, pois a áreaonde se faz o suprimentoé restrita e você temtodo ano que renovaras suas autorizações.

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parar o investimento, tem de continuar.Tivemos um avanço na colheita mecanizada

por determinações ambientais, pois a colheitamanual exige que se faça a queima da palha.Tem uma legislação que determina o fim daqueima. Em São Paulo, esta legislação foi ante-cipada por um protocolo entre as usinas e o go-verno do Estado. Em São Paulo, nas áreas me-canizadas, já não há mais queima – 90% da pro-dução paulista é sem queima, com a colheitamecanizada, que exige investimentos. A colhei-tadeira é uma máquina com cinco metros de al-tura e que custa na ordem de R$ 1 milhão, temGPS, joystick, é toda moderna. Foram colocadosUS$ 4,5 bilhões em equipamentos entre 2006 e2012. Em 2012, a região Centro-Sul investiu maisde US$ 4 bilhões em renovação e expansão do ca-navial, que é uma cultura semiperene, leva seisanos, cada ano se planta uma parte, depois deseis anos é preciso fazer a renovação do primeiroano. Se renova mais ou menos 18% do canavialpor ano, de forma a ter um canavial jovem e pro-dutivo, com uma curva de produtividade alta.Quando não se faz investimento em renovaçãopor algum problema, como climático, a produ-tividade cai, porque envelhece o canavial. Mas

em 2012 foram investidos US$ 4 bilhões em re-novação e expansão de canavial, uma parte comrecursos do BNDES com taxa equalizada, quefoi uma luta para conseguir, mas saiu e foi muitoimportante para financiar as usinas.

Houve investimento estimado de US$ 4,5 bi-lhões em cogeração de energia elétrica para ven-da de excedentes à rede em mais de 80 unidadesprodutoras. Não tem nenhuma usina que nãoseja autossuficiente e 40% delas exportam pararede o excedente, 60% não, dá ainda para crescermuito. Ainda há investimentos em infraestrutu-ra da ordem de US$ 1,5 bilhão e um investimentoque vamos ver se vai se concretizar até 2017 –uma parte já foi entregue e está sendo usado –,que é o etanolduto, que vai ligar Jataí (GO) aosportos de Santos e Rio de Janeiro – tem uma par-te que é hidrovia e o resto é etanolduto. A parteinaugurada fica entre Paulínia e Ribeirão Preto,no interior de São Paulo. Isso vai tirar mais de 95mil caminhões de circulação e vai tornar aindamais sustentável essa produção, porque não vaiusar o diesel para transportar o etanol. A parteinaugurada está em operação, ainda tem ociosi-dade, pois foi inaugurada este ano. Quando forpara o Rio de Janeiro, ainda está em discussão

Joa Souza / Ag. A Tarde

Tivemos umavanço na colheitamecanizada pordeterminaçõesambientais, poisa colheita manual(foto) exige quese faça a queimada palha.

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39MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

questões tributárias, que é sempre uma preocu-pação para melhorar a infraestrutura.

Ascensão e queda

De 2002 a 2010 houve um crescimento verti-ginoso no número de usinas. O que estava acon-tecendo, o que era o back stage dos investimen-tos? Primeiro, tinha um preço do petróleo em al-ta no começo dos anos 2000 e isso levanta a ban-deira do abastecimento, que sempre está atrásdas energias renováveis – começa com o abas-tecimento e depois vai para a questão ambiental.Para aproveitar isso e superar a experiência ne-gativa que o consumidor teve com o carro a ál-cool – eventualmente ele ficava sem combustí-vel para abastecer –, foi lançado o carro flex, quefoi importante para superar esse trauma, pois aíninguém fica refém de ninguém, nem a usina érefém do consumidor e vice e versa. Acho quesomos o único país no mundo em que o consu-midor decide qual o combustível quer usar,olhando o preço relativo na bomba. Houve o in-centivo com a redução de IPI para a indústria au-tomobilística para o carro flex, foi um empurrãoimportante. Houve também uma decisão forte

do governo de chamar as montadoras, dar in-centivo e cobrar colaboração.

Neste período também, no início dos anos2000, foi estabelecida esta Contribuição de Inter-venção no Domínio Econômico (Cide). Este im-posto é interessante, porque tem um diferencialtributário entre a gasolina e o etanol. É um im-posto específico, pode ir até 89 centavos por litro,mas chegou a ser aplicado a 28 centavos por litroda gasolina, e o etanol zero. Este diferencial tri-butário funciona bem quando tem uma fonte deenergia renovável que não é poluente e é redu-tora de emissão, gera uma externalidade positi-va para a sociedade, que não é capturada no pre-ço de mercado. Este diferencial tributário corri-ge isso, tributando aquele que gera a emissão degás carbônico, aumentando os custos na saúdepública pela piora das condições ambientais. Odiferencial tributário é um bom instrumento nocaso. A literatura fala em taxar o carbono, quenão é tão trivial, pois precisa saber quanto se estáemitindo de carbono, mas no nosso caso acabasendo fácil porque se tem a gasolina, um com-bustível fóssil e poluente, e o etanol, uma ener-gia renovável, menos poluente. Quando põe oimposto na gasolina, se faz a taxação de um jeito

Caetano Barreira/Fotoarena/Folhapress

De 2002 a 2010houve um

crescimentovertiginoso no

número de usinas.Chegamos a ter

400 unidades, hojeestamos com 389.

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simples. Isso dava uma vantagem competitivade 28 centavos por litro neste período.

Então, tinha a Cide, tinha o preço do petróleoaumentando e tinha uma política de preço in-terno que refletia as condições de preços domercado internacional. Em São Paulo houve aredução do ICMS de 25% para 12%, um dife-rencial tributário que acaba dando competiti-vidade para a energia renovável. E tinha nesteperíodo uma explosão de interesse em biocom-bustível no mundo –nos EUA foi lançado o pro-grama de incorporação de etanol na matriz decombustíveis, na União Europeia também, e oLula falando que o Brasil ia ser a Arábia Sau-dita do etanol. O investidor tinha tudo paraacreditar que era um bom negócio.

Este era o ambiente de investimento de 2002,que colocou cem usinas novas em um períodode oito anos – foi incrível a capacidade de res-posta, quando se acredita no negócio ele vai.Trouxe autoalavancagem, endividamento etudo que se tem direito por conta desse entu-siasmo e aí veio a trombada de 2008, com umacrise que não tinha nada a ver com etanol, maso fato é que, com a crise financeira mundial, osrecursos ficaram escassos, o custo do dinheirocresceu e o endividamento explodiu.

Controle de preços

Veio a reação do governo, de transformar otsunami em marolinha. Teve o incentivo para aindústria automobilística, zerando o IPI, teve aexpansão do crédito para a compra de automó-veis, todo um esforço em amparar a indústriaautomobilística e reduzir o impacto no empre-go. E como parte do pacote entrou o combus-tível e começou o controle do preço da gasoli-na, que não tinha nada a ver com a inflação naépoca, tinha a ver com esse incentivo de usar ocarro. Pouco tempo depois começou a pressãoinflacionária. Isso emendou na pressão infla-cionária e para desmanchar o controle do preçoda gasolina, que tinha que ficar baixo para es-timular o consumo, passou a não dar para cor-rigir por conta da pressão da inflação. Eu acha-va que nunca mais veria o uso do controle depreços para baixar a inflação, não precisa sereconomista, basta ser brasileiro para saber queisso não dá certo. Quantos planos econômicosnós tivemos e sabemos qual é o fim dessa his-tória? Uma inflação maior, cada vez mais resis-tente. Você dá os anéis e perde os dedos.

Cria-se uma incerteza em relação aos combus-tíveis fósseis e o etanol hidratado é um competi-dor direto da gasolina. O consumidor conhece aeficiência energética do etanol, que é 30% menor

que a gasolina em media, e ele faz a conta –se pas-sar de 70% do preço da gasolina ele sabe que estácaro e não consome. Nós competimos direta-mente com o preço da gasolina, ninguém precisacontrolar o preço do etanol. Cria-se uma incerte-za e para suavizar o impacto sobre a Petrobras, aCide foi sendo reduzida a zero – se dava um pe-queno reajuste no preço da gasolina e ao mesmotempo reduzia a Cide. O preço líquido da Petro-bras ficava melhor, mas o preço do etanol quecompetia na bomba continuava sem poder serreajustado. A eliminação gradativa da Cide tira28 centavos de competitividade do etanol.

Tempestade perfeita

Este ambiente no Brasil começou a impactarmuito negativamente nas usinas, que já esta-vam endividadas. Se tem um problema de redu-ção de capacidade de investimento naqueles ele-mentos que otimizam o seu ativo. Então deu atempestade perfeita: o aumento do serviço dadívida, redução da capacidade de investimento,a renovação do canavial menor do que deveriapor incapacidade de fazer o investimento, o ca-navial envelhece e ainda se tem quatro safrascom problemas climáticos. É a tempestade per-feita. Tem problema de gestão misturado nisso?Sim, tem problema de gestão, mas tem políticaeconômica, tem problema climático, é um con-junto complicado de análise, mas certamente elefoi tremendamente aprofundado pela perda decompetitividade do seu principal mercado, queera o mercado brasileiro, seja pela eliminação daCide, seja pelo controle de preço da gasolina. Etem mais um elemento que está sempre escon-dido: tem uma aplicação de PIS/Cofins nos pro-dutos, que é de 9,25% do faturamento. Só quevocê transforma este imposto, que é ad valorem(conforme o valor) num imposto específico, adre m, isso lá em 2007, você congela ele. Hoje, oPIS/Cofin recolhido pela gasolina é por volta de7%. Retirou a Cide, desonerou a gasolina, não sózerando a Cide, mas reduzindo o PIS/Cofins.

Nas discussões ano passado conseguimos dogoverno a desoneração do PIS/Cofins para o eta-nol, que era de 12 centavos por litro e foi para zero(em maio de 2013). Só que tem alguns detalhesoperacionais que não conseguimos implementaraté agora, depois de um ano. Por exemplo, acú-mulo de crédito. Vário empresários devem terproblemas de acúmulo de crédito de PIS/Cofins,porque não é reconhecido como insumo. Os cré-ditos acumulados no setor de etanol de PIS/Co-fins é da ordem de R$ 1,4 bilhão e a gente não con-segue recuperar estes créditos. Dentro da MP quedesonerou o PIS/Cofins do etanol, tem lá uma

Então deu atempestade perfeita:o aumento do serviçoda dívida, redução dacapacidade deinvestimento, arenovação do canavialmenor do que deveriapor incapacidade defazer o investimento,o canavial envelhece eainda se tem quatrosafras com problemasclimáticos.

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provisão para dizer vocês podem usar os créditosou recuperar os créditos inclusive monetizados,só que levou um ano para sair o regulamento.Agora que saiu o regulamento, a gente descobriuque o governo tem um ano para analisar o pedidoe cinco anos para pagar. A única vantagem é queele não caduca – antes, a cada cinco anos se per-diam os créditos. Não tem correção, mas pelomenos para de caducar. Este é o ambiente que le-va à crise recente.

Não podemos ignorar que houve uma pres-são enorme de aumento nos custos do etanol,seja para cumprir as legislações ambientais,entre elas a mecanização e legislações traba-lhistas que encareceram o custo de produçãoda agricultura em geral, mas em particular dacana. E houve um aumento do endividamentodas despesas financeiras, além dos problemasclimáticos, que fizeram a produtividade cair.

Entrada dos gigantes

Neste período, primeiramente com inves-timentos e depois crise, ocorreu a entrada decapital internacional, que não existia ante-riormente. Era um setor de usinas adminis-

trada por famílias. Agora é um setor hetero-gêneo, entram trading como a Bunge quecomprou o Grupo Moema; a Glencore; a Bri-tish Petroleum, uma petroleira; a Tereos,uma cooperativa francesa, que entrou com aPetrobras e a Guarani; entrou a Cargill; aOdebrecht, uma empreiteira. Os horizontesde retorno são completamente diferentes,um enxerga seis meses, outro 20 anos. Hoje éum setor completamente internacionalizadodo ponto de vista financeiro e portanto muitosensível em questão de retorno, não é maispatrimônio da família.

De 2005 até hoje muitas usinas entraramem operação, mais de uma centena, muitasentraram só como produtoras de etanol por-que acreditaram nas promessas, mas hojetambém produzem açúcar, pois aprenderamque não dá para ficar só com etanol. Hoje, aconfiguração típica da usina é açúcar, etanolanidro, etanol hidratado e eletricidade, nessaordem. Mas existem usinas que só produzemetanol, têm aqueles que produzem mais açú-car, como a Guarani, existem as que produ-zem mais etanol, como a Odebrecht.

Temos então a entrada de cerca de 100 usinas

Marcos Peron / Virtual Photo

De 2005 até hojemuitas usinasentraram em

operação, mais deuma centena, muitas

delas só comoprodutoras de etanol,

porque acreditaramnas promessas.

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neste período após 2005. Quando chega a crise(2007/08), começa a ter usinas fechando. Até ofim do ano, o número pode chegar a 58 unida-des fechadas. Tínhamos mais de 400 usinas, ho-je temos 389, e estamos esperando entre 10 e 12fecharem este ano. Temos ainda 33 em recupe-ração judicial, dos quais 14 em São Paulo. O ní-vel médio de endividamento equivale ao fatu-ramento anual das indústrias nas safras2011/12 e 2012/13, antes era de um terço antesda crise. Em termos de serviço da dívida, quase15% da receita vem sendo absorvida pelo pa-gamento de juros da dívida.

O grande rival

O mercado mundial está complicado. Os EUAestão revendo para baixo o seu mandato, assimcomo a União Europeia, por causa das novas fon-tes de petróleo, que acabaram estendendo o ho-rizonte das reservas – teremos mais tempo paraestragar o meio ambiente, a custo mais barato.

O sistema americano é de incorporação deenergias renováveis na matriz de combustíveis.Eles fizeram uma estimativa da demanda, de co-mo ela iria evoluir, com um cronograma de 2009até 2022. Mas isso estava sendo discutido no pe-ríodo em que as nossas usinas estavam sendoimplantadas. O conjunto das distribuidoras ti-nham obrigação de comprar, em 2009, 39,7 bi-lhões de litros de etanol de milho, chamado con-vencional, e 1,89 bilhões de diesel de biomassa,feito de soja. Ano a ano se tem a entrada do etanolavançado, que é o etanol com menor emissão deCO2 em relação a gasolina, acima de 60%, que ébasicamente o etanol brasileiro. No etanol con-vencional, como eles têm uma visão ambiental,vai crescendo até 2014 e de 2015 em diante elecongela a obrigatoriedade de compra por partedas distribuidoras do etanol de milho america-no, pois tem a questão do uso da terra, por seralimento, e da emissão. Já o etanol avançado vaicrescendo – se a gente pegar 2014, nós podería-mos exportar para os EUA 3,79 bilhões de litros,pois lá não tem esse etanol. No ano passado, nósexportamos 2,4 bilhões, poderia ter chegado a2,84 bilhões, principalmente para a Califórnia,que é o Estado mais verde.

Tem o etanol celulósico, que em 2013 deveriater fornecido 3,78 bilhões de litros, mas está pro-duzindo praticamente zero. Isso foi um dos mo-tivos que levou a rediscussão desta estrutura,com uma pressão das petroleiras – tem um co-mercial na TV que mostra uma pessoa de manhãtentando ligar o carro, que não pega e ele recla-ma que a culpa é da porcaria deste etanol mis-turado na gasolina. Com a mistura de etanol na

gasolina, a demanda para veículos leves por es-se combustível nos EUA caiu aos níveis de 2001.Eles estão revendo este mandato, mas de qual-quer forma se tem um planejamento de consu-mo garantido de etanol até 2022.

Competindo contra o subsídio

Nós acompanhamos o preço de importação dagasolina e o preço líquido na refinaria. Torna-mos-nos um importador de gasolina. Só em 2012,a Petrobras teve um prejuízo de US$ 3 bilhões naimportação de 3,78 bilhões de litros de gasolina,vendendo abaixo do preço de importação. Em2013, o prejuízo foi de US$ 2,1 bilhões ao importar2,88 bilhões de litros de gasolina. O etanol com-pete contra este subsídio –além de zerar a Cide, dereduzir o PIS/Cofins, ainda vende abaixo do cus-to de importação. A conta combustíveis na Petro-bras é deficitária desde 2010. Se não houvesse estesubsídio, o etanol seria mais competitivo aqui.Nós somos a toda hora metralhados com decla-rações, ou do ministro da Fazenda, ou da presi-dente, que o setor de etanol não ganha produti-vidade, é ineficiente em relação aos americanos,não faz investimentos. Quando se tira a capaci-dade de investimento, fica difícil reagir. Mas mes-mo assim, os números de investimentos em oti-mização são importantes, tivemos ganhos emprodutividade, foram desenvolvidos variedadesde cana próprios para a colheita mecanizada paraas novas fronteiras de produção em Goiás e Mi-nas Gerais. Também tem investimentos em eta-nol celulósico. Fico muito irritada quando falamque é um setor ineficiente, tradicional, retrógra-do, que não investe.

O futuro

Até por dever de ofício, acredito que o etanoltem futuro, temos de acreditar nisso. As energiasrenováveis serão necessárias no mundo, pode terrevisão para baixo agora, mas elas serão necessá-rias. Do ponto de vista ambiental, não resta a me-nor dúvida de que serão necessárias. Um relató-rio recente do IPCC (Intergovernmental Panel onClimate Change) aponta para a necessidade deretomar a questão da substituição dos combus-tíveis. A questão climática e ambiental sempre écolocada de lado quando se tem uma crise eco-nômica, que foi o que aconteceu na Europa, queabafou a questão do uso do etanol.

Nos EUA, teve a entrada do shale gas e shale oil,que fez com que eles recuperassem a competiti-vidade de indústrias que estavam abandonadas.E lá é tudo muito rápido, ninguém atrapalha – seo gás está barato, já tem gente fazendo tecnologia

Precisamostrabalhar este mercado,mas depende muito depolítica pública, não temcomo, pois energiarenovável, queira ou nãoqueira, precisa disso –tem gente que diz que senão atrapalhar, já ajuda,mas acho ingenuidadeachar que não senecessita das políticaspúblicas em relação aoscombustíveis. Qual é opaís que não tratacombustíveis de maneiraestratégica?

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para caminhão a gás rapidamente. Aqui, os estí-mulos são todos ao contrário. Está com problemade congestionamento e poluição nas metrópoles,se reduz o preço dos carros e dos combustíveiscom desonerações de impostos.

Mesmo assim, acho que temos muitas opor-tunidades, todo mundo enxerga isso. Dependedo que vai acontecer com o mercado de açúcar,pois no modelo brasileiro, o açúcar é importan-te. Precisamos trabalhar este mercado, mas de-pende muito de política pública, não tem como,pois energia renovável, queira ou não, precisadisso – tem gente que diz que se não atrapalhar,já ajuda, mas acho ingenuidade achar que não senecessita das políticas públicas em relação aoscombustíveis. Qual é o país que não trata com-bustíveis de maneira estratégica? Mas é precisodefinir uma política para o etanol – se ele vai vi-rar só aditivo, então reduzimos em 30% o tama-nho da indústria, acabamos com o etanol hidra-tado, acabamos com o carro flex.

Na safra 2013/14 houve recorde em moa-gem, nunca se moeu tanta cana neste País. Nósaumentamos a oferta de etanol em 4,5 bilhõesde litros, foram 12% de aumento na safra em re-lação ao ano anterior, que foi todo para o etanol,pois produzimos a mesma quantidade de açú-

car, já que o mercado internacional estava comexcesso do produto. Houve aumento na pro-dução e redução das exportações para os EUA.Esse crescimento da oferta de etanol foi sufi-ciente para suprir todo o crescimento da de-manda de veículos leves, reduziu a necessida-de de importação de gasolina e reduziu os pre-juízos da Petrobras, que é a única petroleiraque, quanto mais vende, mais perde.

O que queremosReivindicamos, como agenda para retoma-

da dos investimentos:- Definição de objetivos claros para a parti-

cipação do etanol na matriz de combustíveis- Reestabelecimento e manutenção do dife-

rencial tributário entre etanol e gasolina, reco-nhecendo as externalidades positivas associa-das ao biocombustível

- Garantia de estímulo, via programa Inova-rAuto, para ganhos de eficiência dos veículosflex no uso do etanol hidratado e presença dobicombustível nos futuros modelos híbridos

- Melhoria das condições dos leilões para ab i o e l e t r i c i d a de

- Programas de incentivo à inovação tecno-lógica

Sergio Moraes/Reuters

Na safra 2013/14houve recorde em

moagem, nuncase moeu tanta

cana neste País.Nós aumentamos aoferta de etanol em4,5 bilhões de litros,

um aumento de 12%.

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Monalisa Lins/AE

Adriano PiresDiretor do Centro

Brasileiro deInfraestrutura (CBIE)

Apartir de 2010, o governo aprofun-dou o uso da política de preços daenergia com o objetivo de controlara inflação e assegurar a sua popula-

ridade. Primeiro, foram a gasolina e o diesel,que são vendidos no mercado doméstico a pre-ços inferiores aos do mercado internacional,gerando grandes perdas para a Petrobras eseus acionistas. Desde o ano passado, o setorelétrico foi incluído no conjunto dos instru-mentos de política econômica e passou, tam-bém, a fazer parte da agenda eleitoral.

Entre 2011 e 2013, as perdas com o represa-mento dos preços da energia no País somaram R$105,80 bilhões. Somente em 2013, ano em que seiniciou o aporte de recursos do Tesouro no setorelétrico, em função da MP 579, as perdas totais fo-ram de R$ 50,39 bilhões, 174% superiores as de2011, que foram da ordem de R$ 18,37 bilhões.

Em proporção do Produto Interno Bruto(PIB), as perdas de 2013 cresceram 0,60 pontoporcentual (p.p.) com relação a 2011, ao sair de0,44% para representar 1,04%. Para 2014, pro-jetamos que a manutenção do represamentodas tarifas de energia elétrica e dos preços dagasolina e do diesel totalizará R$ 80,50 bilhões,

ou seja, 1,52% do PIB previsto para 2014, valorque será gasto para manter essa política inter-vencionista e populista.

O valor das perdas com "subsídios" ao setorenergético previsto para 2014 supera os gastosgovernamentais em programas sociais. Em2013, o governo investiu R$ 63,2 bilhões emprogramas sociais, incluindo o Minha Casa,Minha Vida. As perdas com o setor de energiatambém são superiores aos programas de as-sistência social, que incluem o Programa BolsaFamília (R$ 62,5 bilhões), além de superarem osdesembolsos com seguro-desemprego e abonosalarial (R$ 46,4 bilhões), verificados em 2013.

O total de "subsídios" ao setor energético é es-timado considerando apenas as perdas com ga-solina e óleo diesel, entre 2011 e 2013, e o aportede recursos do Tesouro Nacional ao setor deenergia elétrica. Para os combustíveis, é utiliza-da a soma das perdas da Petrobras com gasolinae óleo diesel, o valor que o governo deixou de ar-recadar com a redução e posterior desoneraçãoda alíquota da Contribuição de Intervenção noDomínio Econômico (Cide) e com as variaçõesna tributação referente ao PIS/Cofins no preçoda gasolina e do óleo diesel.

Sinais econômicos

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45MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2013, aPetrobras deixou de arrecadar R$ 47,1 bilhões.Desse total, R$ 34,18 bilhões referem-se ao cus-to de oportunidade com o óleo diesel e R$ 12,96bilhões, à gasolina.

Desde maio de 2008 os preços da gasolina edo óleo diesel recebem o benefício de reduçõesprogressivas da Cide. Em junho de 2012, o go-verno reduziu a zero a incidência da contribui-ção nos combustíveis. Dessa forma, as perdascom o fim da Cide foram de R$ 25,5 bilhões, en-tre janeiro de 2011 e dezembro de 2013. Há aindaas variações da incidência da alíquota dePIS/Cofins sobre o preço da gasolina e do óleodiesel, que totalizaram um saldo negativo deR$ 23,2 bilhões, entre 2011 e 2013.

A ausência de planejamento de longo prazoe de soluções de cunho estrutural para o setorenergético está claramente refletida na opçãopolítica atual, que incentiva uma total má alo-

cação de recursos no setor, fornecendo sinaiseconômicos completamente equivocados,tanto para investidores como para os consu-midores. Isso se reflete na perda de competiti-vidade de outros energéticos, que não rece-bem tratamento semelhante por parte do go-verno, como é o caso do gás natural e do etanol.A título de exemplo, a alocação de R$ 1 bilhãono setor de gás natural poderia reduzir a tarifacobrada da indústria em R$ 0,10. Além disso,por que o governo não volta a cobrar a Cide dagasolina, aumentando a arrecadação gover-namental e trazendo de volta a competitivida-de do etanol? Não faz sentido econômico al-gum a Petrobras, por meio dos seus acionistas,bancar a diferença entre os preços dos com-bustíveis praticados no exterior e no Brasilnem o Tesouro Nacional injetar um grande vo-lume de dinheiro no setor elétrico para corrigirmais uma barbeiragem do governo.

Para 2014, amanutenção do

represamento dastarifas de energia

elétrica e dos preçosda gasolina e dodiesel totalizará

R$ 80,50 bilhões.Fabio Motta/Estadão Conteúdo

equivocados

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46 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

O setor elétrico brasileiro passa por um períododelicado, principalmente as empresas distribui-doras, que não conseguiram contratar nos lei-lões a quantidade de energia que precisavam e

tiveram de recorrer ao mercado de curto prazo, cujos preços es-tão inflacionados por causa dos reservatórios baixos e o acio-namento das termoelétricas. Sem recursos, foi necessário o so-corro do governo. A estimativa é que este ano o socorro chegueperto de R$ 20 bilhões. É um dinheiro que as distribuidoras têmpara pagar as geradoras e que só podem cobrar do consumidorno ano que vem. Quem explica toda essa situação é Claudio Sa-les, presidente do Instituto Acende Brasil, nesta entrevista.

Digesto Econômico – Após a promulgação da MP 579 nofim de 2012, parece que houve uma desorganização nosetor elétrico. Como o senhor vê esta situação?

Claudio Sales - A Medida Provisória 579 surpreendeu o se-tor pela maneira como foi promulgada: sem qualquer transpa-rência, discussão prévia, como até então era a prática do ritoregulatório do setor elétrico. É importante observar que em umsetor importante como este, com características do que os eco-nomistas chamam de monopólio natural, que portanto requer

uma forte regulação, que tem múltiplos agentes nos diversoselos da cadeia e que por isso promovem externalidades que afe-tam diferentemente cada um deles, em um setor como este, atransparência, a audiência pública, a consulta pública, são ins-trumentos de trabalho que o regulador ou legislador deve terpara assegurar que todas as novas normas e regulamentos le-vem em conta todos esses cenários para que as escolhas sejamfeitas da melhor forma possível.

Isso tudo tinha no setor elétrico até então. Um projeto de lei ouuma medida provisória tem prazos de tramitação em que sãosubmetidas emendas, que supostamente corrigem ou aprimo-ram o texto original, até que se tome a decisão de implementá-lona forma de lei, com aprovação no Congresso. Do mesmo jeito,na Aneel, que é a agência reguladora, toda mudança regulatóriasignificativa é submetida a consulta ou audiência pública, naqual os consumidores e agentes do setor apresentam suas aná-lises e contribuições para que só então a diretoria tome a decisãoà luz de todas as correções de rumo que eventualmente se façanecessário. No caso da MP 579 nada disso foi feito. Foi um textoproduzido intramuros por um número reduzido de pessoas eque deu no que deu: veio cheio de imperfeições, que estão dei-xando uma conta muito cara para a sociedade brasileira.

SETOR ELÉTRICO EM

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47MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

A MP 579 foi votada na Câmara e no Senado e setransformou na lei 12.783 de 11 de janeiro de 2013. Houve adiscussão no Congresso.

Ela foi para votação com muitas imperfeições. Elementos queatestam o volume de imperfeições são do próprio governo: umavez promulgada a MP, o governo teve que baixar uma série deoutras MPs e decretos para tentar corrigir ou mitigar os efeitosnegativos anteriores. No caso da votação no Congresso, não seobservou sequer o prazo para que os parlamentares pudessemapreciar as emendas. A medida provisória estabelecia que emuma data X as empresas que fizessem a opção (de renovação deconcessões) já teriam de assinar contratos. E essas datas eram an-teriores aos prazos de discussão das emendas. Veja o grau de ins-tabilidade que foi jogado o setor em um caso relevante dessa na-tureza. Sem falar no aspecto de que esta questão da renovação deconcessões já estava nos holofotes há anos. O próprio governodisse que teria designado um grupo de trabalho, liderado peloMinistério de Minas e Energia, para analisar a situação e proporsoluções. Nós mesmo, um ano antes da MP 579 – ela foi promul-gada em setembro de 2012 –, em novembro de 2011, publicamosum white paper (nº 5) sobre a questão das concessões com diag-nósticos, análises e sugestões de caminhos alternativos.

O que dizia este documento?No estudo, explicamos o fenômeno que estaria acontecen-

do em 2015 –seria a tempestade perfeita do bem, já que muitasconcessões estariam vencendo e, portanto, a maioria dos ati-vos já estariam amortizados e por isso eles não precisariamser remunerados mais. Este fenômeno é um dado da situação,não foi a MP 579 que criou. No documento, a gente chamavaa atenção a isso, quantificava e estabelecia caminhos. O go-verno teria mais de uma alternativa adequada para tratar estaquestão. Nós descrevemos ali as alternativas – licitação, a nãolicitação, prazos e a conta de cada um, os pontos de passagensobrigatórios, por exemplo estabelecer uma metodologia pa-ra definir o valor de reversão, o valor das indenizações. Essametodologia teria de ser submetida à Aneel, passar pelo crivodas consultas públicas etc., até que o órgão regulador eleges-se uma forma definitiva, tendo contemplado todas as exter-nalidades que a sociedade como um todo pudesse apontar,escolher uma e esta ser a definitiva para adoção. A gente co-locou tudo isso, como forma de sugestão para o governo. Masnada disso foi feito, fizeram por conta própria e veio cheio deerros. Como exemplo, as próprias indenizações até hoje estãosendo objetos de judicialização, tem indenizações que não fo-

ESTADO DE CHOQUE

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48 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

ram pagas, se discute o valor delas. A ordem de grandeza des-ses desvios, para lá e para cá, é sempre na casa de bilhão dereais, coisa inimaginável – como um setor pode conviver comtamanho nível de insegurança?

O senhor poderia explicar melhor a MP 579?É sobre a antecipação da renovação de concessões que va-

leriam apenas para empresas cujos contratos estão vencendoentre 2015 e 2017. Em empresas de geração, a maioria é do gru-po Eletrobrás – Furnas, Eletronorte, Chesf etc., e de empresasde transmissão, também do Grupo Eletrobrás. Em um segun-do momento, entravam outras empresas de transmissão, co-mo Cemig, Ceteep. Basicamente era isso. Tem uma ou outracessão no caso de geração de empresas que não são do GrupoEletrobrás, mas empresas menores, que também aceitaram.Tiveram grandes empresas que não aceitaram, como Copel,Cemig, Cesp, mas por uma razão objetiva, que do meu pontode vista, era razão para que empresas do Grupo Eletrobrástambém não deveriam ter aceito: a fórmula que foi propostana MP 579 era absolutamente destrutiva de valor dessas em-presas, tirou valor dessas empresas, como demonstrou o efei-to sobre a Eletrobrás, que hoje está tendo prejuízos grandes

por causa disso. O gestor responsável, que tem obrigação dezelar para que a empresa gere valor, não poderia ter aceito es-sa renovação de concessão antecipada nos termos que forampropostos na medida provisória.

Quais as consequências para as empresas de geração,transmissão, distribuição, comercializadores eco n s u m i d o re s ?

Até agora, falamos do texto da medida provisória e a meuver a maneira totalmente errada como ela foi promulgada.Falando agora das consequências, elas são de várias nature-zas: foi um conjunto de atropelos que se seguiu, que serviu depano de fundo para um problema conjuntural do setor ener-gético de falta de chuva que nos colocou em uma situação detempestade perfeita, mas no mau sentido – a tempestade per-feita no bom sentido era que várias concessões estavam ex-pirando e se o governo tratasse direito a questão, haveriauma economia para o consumidor sem perda de eficiência.Tratou errado e houve perda de eficiência.

Logo em seguida à MP, o governo tomou algumas medi-das, partindo talvez de premissas erradas: estou me referin-

do aos leilões de energia. As empresas distribuidoras deenergia só podem comprar energia nos leilões regulados pe-lo governo, realizados com cinco, três anos de antecedência,exatamente para dar tempo para construir uma usina, oucom um ano de antecedência para as distribuidoras trataremaquela energia que falta para o ano seguinte, pois ninguémconsegue acertar na mosca nas previsões. Pela primeira vezna história desde que foi criado em 2004, o governo em 2012não fez esse leilão A-1, como é chamado. Ao não fazer, dei-xou uma série de empresas distribuidoras com enormequantidade de energia descontratada – antes era energia decontratos que estavam vencendo por aquela época, que elapagava na ordem de R$ 100 por megawatt/hora nesse con-trato, deveria ter havido um leilão naquela época, o preço se-ria certamente mais caro que os R$ 100 originais, mas aindaum preço razoável por conta da competição do leilão. Mas asdistribuidoras não puderam fazer isso porque não teve lei-lão, isso em 2012.

Houve leilões em 2013?Em 2013, o governo fez duas tentativas, mas a meu ver tam-

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A Medida Provisória 579surpreendeu o setor pela maneiracomo foi promulgada: sem qualquertransparência e discussão prévia.

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49MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Há outros problemas no setor?Outra questão é que, por não ter resolvido de forma defini-

tiva e adequada a questão da indenização das empresas detransmissão que optaram pela renovação antecipada, essasempresas estão deixando de receber bilhões (de reais) a que ti-nham direito e portanto ficam impedidas de fazer os investi-mentos que tinham programado. Isso leva a ineficiência e in-sustentabilidade do setor.

Existe também um problema que afeta o elo da geração deenergia, que está se defrontando com a realidade anormal deestarmos a tanto tempo com o acionamento pleno das ter-moelétricas, fazendo com que as hidrelétricas deixem de ro-dar para poder guardar água nos reservatórios. O efeito fi-nanceiro desta situação por um longo tempo, como é o caso,gera um custo para as empresas geradoras, cuja ordem degrandeza pode chegar a R$ 20 bilhões. É um volume de recur-sos que as empresas não têm.

O que tem sido feito para contornar essa situação?Estamos enfrentando uma situação bastante crítica, que

vai requerer o esforço da sociedade como um todo para sercontornada. É importante que o governo reconheça isso – o

bém erradas, pois colocou o teto dos preços muito baixos,afastando a oferta. No primeiro leilão, os preços eram tão bai-xos que não teve sequer uma oferta, ninguém ofereceu e asdistribuidoras não conseguiram contratar. No segundo lei-lão eles melhoraram um pouco, o teto foi para R$ 192 o me-gawatt/hora, comprovando a tese de que preço baixo demaisafasta e a R$ 192 até que teve algumas ofertas. Precisava-secontratar cerca de 6 mil megawatts, se contratou cerca de 2,5mil. Mesmo assim, as distribuidoras continuaram com umvolume grande de energia descontratada. A consequênciadisso é que durante todo este período de 2012 para cá, as em-presas distribuidoras tiveram de contratar essa quantidadeenorme de energia ao preço de curto prazo, que está forte-mente afetado pelos baixos níveis dos reservatórios no mo-mento. Este volume de dinheiro é gigantesco. A estimativa éque este ano chegue perto de R$ 20 bilhões. É um dinheiro queas distribuidoras não têm para pagar as geradoras e cobrar doconsumidor só no ano seguinte. O montante é tão grande queas distribuidoras não têm como adiantar, por isso o governoestá se mobilizando, e é importante que o faça, para adiantareste dinheiro de alguma forma.

governo já começou a disponibilizar recursos para as distri-buidoras, para que elas possam pelo menos parcialmenteatender a sua compra de energia, mas também daqui parafrente olhar a questão como um todo, de forma a evitar que osetor entre em colapso.

Explique melhor as providências que o governo precisatomar agora para sair desta crise energética.

Primeiramente, ampliar o diálogo. Daqui a até o fim de ju-nho vão acontecer fatos marcantes. Aparentemente, o governoestá empenhado em buscar soluções. Até inicio de maio o go-verno tomou medidas para oxigenar o caixa das distribuidoraspara que elas atendessem os compromissos de compra de ener-gia para os primeiros meses do ano. Até o fim do ano, o setorprecisaria de mais R$ 8 bilhões.

O que pode ser feito nesta situação é reconhecer a crise e en-volver todos os agentes na construção de soluções, tratando oassunto com transparência e rigor na observação do rito regu-latório, sob pena de somar a uma instabilidade gerada por umacrise o risco regulatório, trazendo consequências muito nega-tivas à economia brasileira. (C.O.)

Alf Ribeiro/AE

O que pode ser feito é reconhecer acrise e envolver todos os agentes naconstrução de soluções, tratando o

assunto com transparência.

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50 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

Mercado livre:dificuldades para

derrubar a fronteirade expansão

Aevolução recente dos investimentos emenergia eólica no Brasil tem apresentadoimportantes resultados em termos de capa-cidade instalada, uma vez que esta fonte,

hoje com 2,8 GW e uma participação de 2% na matrizelétrica, vai chegar ao final de 2017 com 8,8 GW e5,5% da matriz. Esses representam dados reais decontratos resultantes principalmente dos leilões deenergia no ambiente de contratação regulada, ocor-ridos a partir de 2009. Desse montante, apenas 600MW correspondem ao mercado livre.

O sucesso da fonte eólica nos últimos anos no Brasilé resultado de sua competitividade, que desde o pri-meiro leilão realizado em 2009, os preços saíram do

patamar de R$ 180,00/MWh para a média de R$100,00/MWh nos leilões de 2011 e 2012.

Diante desde quadro, por que razão não tem evo-luído também no mercado livre, já que este mercadocorresponde a cerca de 30% do mercado elétrico bra-sileiro e que tem um potencial de crescimento da or-dem de 13 GW médios?

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51MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

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Elbia MeloEconomista, doutora pelaUniversidade Federal de

Santa Catarina, épresidente executiva da

ABEEólica.

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52 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

Há de se considerar que o mercado livre no Brasil, indepen-dentemente da fonte, por natureza encontra entraves impor-tantes para a atratividade de novos investimentos em geração,tendo em vista a financiabilidade reduzida deste mercado. Oscontratos no ambiente livre são contratos de curto prazo (5 anosem média), ao passo que os contratos de financiamentos paraempreendimentos são de longo prazo (15 anos em média).Neste aspecto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econô-mico e Social (BNDES), principal fonte de financiamento do se-tor elétrico, oferece poucas alternativas para este mercado,uma vez que nos desenhos propostos há financiamento no mer-cado livre, mas com uma parte da energia sendo vendida nomercado regulado.

No caso da Energia Eólica em particular há um segundo fa-tor e talvez o mais relevante, que é o risco de geração, associadaao risco de exposição aos preços do mercado de curto prazo, opreço spot. Pois de acordo com as regras do setor elétrico, ovendedor tem obrigação de entregar a energia vendida, deacordo com a curva de carga do comprador. Como a curva degeração da fonte eólica apresenta grandes diferenças da curvade carga dos consumidores, o risco de exposição é demasiada-mente alto, dada a grande volatilidade dos preços do mercadospot, desestimulando a venda desta energia no ACL.

Somado aos desafios acima colocados, hoje há um granderisco para a expansão das eólicas no Mercado Livre e a linha detransmissão, pois as linhas de transmissão são garantidas parao mercado regulado, e quando há atraso nestas linhas, o quetem ocorrido com grande frequência, os empreendedores domercado regulado têm sua receita garantida, ao passo que osgeradores do Mercado Livre ficam expostos aos preços domercado de curto prazo, que recentemente vem atingindo pa-tamares impagáveis.

Em termos de competitividade, não há dúvidas que a fonteeólica é competitiva e que hoje poderia ser comercializada emtorno de R$ 140,00/MWh em contratos de prazos de 3 a 5 anos.Em termos de potencial de mercado, como mencionado, esteultrapassa os 13 GW apenas para os consumidores especiais,sem contar os autoprodutores e grandes consumidores. Entre-tanto, este mercado tem alcançado uma expansão marginal,tendo em vista as dificuldades aqui apontadas, basicamenteapenas os geradores pertencentes a grandes holdings tem con-seguido entrar neste mercado, por terem uma capacidade defazer portfólio dos seus contratos com as demais fontes, a hi-drelétrica por exemplo, conseguindo mitigar o risco de expo-sição do mercado de curto prazo.

Além disso, essas holdings têm uma capacidade grande dealavancar empréstimos nos bancos na medida que apresentamgarantias em modalidade de “corporate finance” para fazer ofinanciamento.

Neste sentido, considerando os entraves acima apresentados,derrubar as barreiras para a expansão do mercado livre para aenergia eólica no Brasil, representa hoje um grande desafio.

Tempos de rediscutir a Matriz Energética Nacional?

Os recentes acontecimentos e as “a ca l o r ad a s ” d is c u s sõ e sem torno da oferta de energia elétrica no Brasil podem nos tra-

zer lições importantes, caso tenhamos a perspicácia e capaci-dade de percebê-las e aproveitá-las.

Desde a formulação e implementação de “um novo modelo pa-ra o setor elétrico brasileiro”, no biênio 2003/2004, já se passaram10 anos. De lá para cá, o Brasil evoluiu consideravelmente no sen-tido de propiciar um setor elétrico adequado, com um marco re-gulatório estável e sinais positivos aos investimentos. Os três pi-lares preconizados pelo modelo proposto: segurança no abaste-cimento, modicidade tarifária e universalização do serviço vêmsendo perseguidos pelo governo e têm alcançado sucesso.

A partir da realização dos leilões de energia para novos em-preendimentos, foram realizados 14 leilões de energia nova,dois leilões de fontes alternativas, quatro leilões de energia dereserva, além dos leilões das hidrelétricas de Jirau, Santo An-tonio e Belo Monte. Foram contratados 63,6 GW de capacidadeinstalada, sendo 43% de hidrelétrica, 40% de térmicas, 12% deeólica e 5% de biomassa. O preço destes recursos vem apresen-tando preço marginal da ordem de R$ 135,00/MWh, em mé-dia. Nestes 10 anos, o País acrescentou 42 GW de capacidadeinstalada de geração e 14.870 Km de linhas de transmissão.Além disso, o Programa Luz para Todos incluiu nos últimosanos cerca de 3 milhões de lares brasileiros, o que correspondea 14,7 milhões de pessoas.

A recente queda no nível de reservatórios e a necessidade dedespacho de usinas térmicas acendeu uma luz amarela para osrumos em que a matriz energética nacional vem seguindo. Taisfatos demonstram a importância de repensar o modelo elétricobrasileiro sob uma perspectiva mais ampliada.

O modelo de leilões, implementado a partir de 2004, está semostrando muitíssimo eficiente na medida em que permitemum alto grau de competição entre os players e, portanto, preçosde suprimento módicos para a energia elétrica. Tal modelovem sendo “c op i a d o ” por muitos outros países e vem influen-ciando o modo de pensar inclusive na contratação das energiasrenováveis não convencionais que, historicamente, foram con-tratadas por meio de subsídios.

O setor eólico no Brasil é emblemático, na medida em queesta fonte tem apresentado resultados importantes desde 2009,quando inserida no modelo competitivo de contratação, e atin-giu patamares de preços equivalentes a metade do que haviasido pago inicialmente no PROINFA, em 2004. Tal feito sina-lizou o potencial de crescimento desta fonte no mercado e, des-de então, os sucessivos leilões consolidaram sua competitivi-dade, quando essa a energia eólica atingiu patamares de preçosda ordem de R$ 100,00/MWh, tornando-se a segunda fontemais competitiva do Brasil. Neste período, no qual a fonte par-ticipou de sete leilões, foram contratados 7,1 GW de novos pro-jetos, os quais elevarão o volume de instalações de energia eó-lica para 8,8 GW até 2017.

A experiência do Brasil com a crise de suprimento no biênio2001-2002 trouxe lições importantes quanto à necessidade dediversificação da oferta de energia. Desde então houve umabusca para a transformação da matriz elétrica, ora fortementefundamentado em bases hidrelétricas, para um sistema hidro-térmico, além da introdução do PROINFA, que teve o objetivode inserir na matriz as fontes renováveis não convencionais deenergia, como eólica, biomassa e PCHs.

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cussão da matriz energética nacional, uma vez que um dos in-sumos para esta fonte, o gás natural, tem outros usos impor-tantes para a economia.

Do lado da demanda, o desenvolvimento tecnológico per-mite novos modelos de negócio, onde o consumo racional deenergia elétrica pode ser um importante componente do equi-líbrio de longo prazo da matriz, na medida em que sistemas co-mo Smart Grid e Net Metering podem permitir, por parte doconsumidor, o gerenciamento do consumo e, portanto, o usoracional desse escasso recurso.

A experiência recente do Brasil ao gerenciar a situação debaixo nível dos reservatórios, demonstra a grande importânciade uma boa combinação de todas as fontes de geração de ener-gia disponíveis e deixa claro a importância de se levar em contaa complementariedade entre essas fontes. Por isso, o País nãopode abrir mão de nenhuma fonte, mas deve sim calibrar eequilibrar sua matriz com o objetivo de alcançar o ótimo de lon-go prazo, traduzido em eficiência econômica e sustentabilida-de socioambiental. Neste contexto, observa-se atualmenteuma forte sinalização por parte do governo em rediscutir a ma-triz energética brasileira e o atual modelo de contratação deenergia, que vinha sendo pautado, nos últimos três anos, es-sencialmente em preços. Tal discussão, salutar para o País, semostra sensata e oportuna.

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O Brasil é o país mais renovável do mundo, pois a geração de energia efetiva provem de cerca de 90% de energia renovável.

Hoje o Brasil apresenta uma matriz elétrica com 123 GW ins-talados, composta por 69% de hidrelétricas, 27% de termelétri-cas, 2% de eólicas e 1,6% de nucleares. O País dispõe de diversasopções de geração de energia limpa para sua expansão, incluin-do a hidroeletricidade, a energia eólica, a cogeração, a biomas-sa e a energia solar.

Brasil é o país mais renovável do mundo, pois a geração deenergia efetiva provem de cerca de 90% de energia renová-vel, com 452 TWh de geração de energia elétrica em 2011 e444 TWh em 2012. Essa grande participação das fontes reno-váveis na matriz elétrica (e energética), nos permite buscar,no longo prazo, uma matriz diversificada e segura em ter-mos de suprimento.

Neste sentido é primordial calibrar a matriz de forma limpa,renovável e segura. Contudo, é fundamental levar em conta,em um processo de decisão otimizada e racional, a importanteparticipação dos empreendimentos termoelétricos como com-ponente da segurança energética, uma vez que os recursos re-nováveis por si só não são capazes de suprir as necessidades dosistema em situações adversas da natureza. Ademais, porquestões de política ambiental, o Brasil está, cada vez mais,abrindo mão de expandir o sistema hidrelétrico com reserva-tórios, o que torna o País dependente, de forma crescente, dastermelétricas, não podendo se eximir de uma importante dis-

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EFE

AUcrânia, uma ex-república soviéti-ca, que declarou independência em1991, vem ganhando o noticiáriodesde novembro passado, inicial-

mente por conta das gigantescas manifesta-ções populares, especialmente na capital Kiev,depois que o então presidente Viktor Yanuko-vich decidiu não assinar um acordo de coope-ração com a União Europeia, preferindo seaproximar da Rússia de Vladimir Putin. Em fe-vereiro, Yanukovich foi deposto, se refugiou naRússia e um governo interino foi empossado enovas eleições foram convocadas.

Em março, as atenções se voltaram para aregião da Crimeia, de maioria russa. O parla-mento local foi dominado por um comandopró-Rússia, que nomeou Sergei Axionov co-mo premiê. Esse novo governo, consideradoilegal pela Ucrânia, aprovou sua adesão à Fe-deração Russa e a realização de um referendosobre o status da região no dia 16 de março.

Gunther Rudzit: ainstabilidade na

Ucrânia está longede terminar.

A população doleste do país se

considera russa edificilmente

aceitarão ficar sobo comando de Kiev.

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Posteriormente, o Parlamento se declarou in-dependente da Ucrânia, sendo apoiado porrussos e criticado por ucranianos, europeu eno r t e - a m e r i c a no s .

Os Estados Unidos e a União Europeia im-puseram medidas relativamente brandas co-mo reação à anexação da Crimeia pela Rússia,como proibições de viagem e congelamentosde bens de autoridades russas. O G7 (grupoformado por Alemanha, França, Reino Uni-do, Itália, Canadá, EUA e Japão) vem amea-çando impor sanções econômicas mais durascontra a Rússia.

Nas eleições de 25 de março, o magnata PetroPoroshenko, conhecido como "rei do chocola-te", foi eleito presidente de uma Ucrânia divi-dida: a população do oeste querendo umaaproximação com a União Europeia e a regiãoleste pró-Rússia. Na região leste do pais vemocorrendo combates sangrentos entre solda-dos ucranianos e separatistas.

Nesta entrevista, Gunther Rudzit, doutorem Ciências Políticas pela USP, mestre pelaGeorgetown University de Washington(EUA) e coordenador de Relações Internacio-nais das Faculdades Integradas Rio Brancoexplica as raízes deste conflito na Ucrânia, osinteresses de Vladimir Putin na região e o de-senrolar desta crise.

Digesto Econômico – Como entender oconflito que vem se arrastando na Ucrâniadesde o início do ano?

Gunther Rudzit - O que se imaginou noOcidente era que, com o fim da Guerra Fria, aadoção do capitalismo, a democratização emmuitos Estados, todos já teriam aceitado essaordem internacional democrática liberal oci-dental e que não teríamos mais disputas geo-políticas. Ao longo dos anos 90, a Rússia pas-sou por uma crise profunda de transforma-ção e a China lutava para entrar na OMC (Or-

CABO DE GUERRA

EFE

Para os russos emuitos ucranianos,essa região leste

da Ucrânia semprefoi dos russos,principalmente

a Crimeia.

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ganização Mundial do Comércio). A partirde 2001, quando a China finalmente entrouna OMC, ela passou a crescer na casa dosdois dígitos. É justamente nesse período quetemos o boom das commodities, que favore-ceu muito o Brasil e também a Rússia. O quetivemos ao longo dos anos 2000 foi uma novaascensão da Rússia como uma grande potên-cia e a sua tentativa, com Vladimir Putin nopoder, de restabelecer a sua zona de influên-cia, o que os russos chamam de exterior pró-ximo. Principalmente naqueles territóriosque já haviam sido controlados pela UniãoSoviética. O caso ucraniano talvez seja omais significativo para a Rússia, porque aUcrânia sempre fez parte do Império Russo– a primeira capital do que iria se tornar o Im-pério Russo foi Kiev, hoje capital da Ucrânia.Ucrânia e Rússia sempre estiveram ligadas eos russos nunca aceitaram bem a sua inde-pendência (em 1991). A aproximação muitorápida da Ucrânia em direção à União Euro-peia sem haver uma coordenação grandecom Moscou é que fez o presidente Putin in-terferir nesse processo – a Ucrânia em umagrande crise econômica, Putin prometendo17 bilhões de euros para ajudar na crise euma grande revolta de uma parte da popula-ção contra essa aproximação com a Rússia.

Há uma clara divisão entre as regiõesoeste e leste, não é mesmo?

A Ucrânia é um país dividido. Para os rus-sos, a nacionalidade não é o território em quese nasce e sim os seus ancestrais, diferente-mente do que ocorre aqui no Brasil. Para osrussos e muitos ucranianos, essa região lesteda Ucrânia sempre foi dos russos, principal-mente a Crimeia.

Em março, a Crimeia foi anexada à Rússia.Por que isso ocorreu?

A Crimeia, até 1952/54, fazia parte da Re-pública Russa da União Soviética. NikitaKhrushchev, para celebrar os 200 anos deunião dos dois povos, transferiu a Penínsulada Crimeia para a República Ucraniana daUnião Soviética. A região sempre teve mui-tos russos. E há um grande interesse de Mos-cou na região, porque a base de Sebastopol éfundamental para a presença russa no MarNegro e consequentemente a saída dos na-vios para o Mar Mediterrâneo. Não pode-mos esquecer que, todos aqueles navios queforam para o litoral da Síria saíram dessesportos. Isso mostra a importância geopolíti-ca e militar que tem essa região.

Essa anexação deu grande popularidadepara Putin.

No início deste ano, o ministro da Fazendarusso já havia avisado Putin que a economiarussa cresceria pouco pelos próximos anos –isso gera um problema de política interna,fazendo com que Putin perdesse populari-dade por causa da desaceleração da econo-mia. Com tudo o que houve, ele conseguiurecuperar a Crimeia e hoje tem 90% de apro-vação popular.

A questão do conflito era: se aproximar daUnião Europeia ou da Rússia. Não dava parafazer acordos com os dois lados?

Primeiramente, tem aquela questão dosrussos acharem que a Ucrânia faz parte daRússia. Se tem uma elite econômica ucrania-na também dividida. O que se poderia fazer étalvez é um processo que a Finlândia fez: fa-zer parte da União Europeia, mas não fazerparte da Otan. O problema é que, em um mo-mento de instabilidade econômica, o interes-se imediato prevaleceu, um processo prati-camente a toque de caixa, que gerou toda es-sa desconfiança interna, tanto que a popula-ção ucraniana está muito descontente edesconfiada de todo o e st ab l i s h m e n t político.Não foi só uma repulsa ao primeiro ministro(Mykola Azarov) que caiu, tanto que a pre-decessora dele, Iulia Timochenko, que esta-va presa e foi libertada, quando foi para apraça discursar foi vaiada também. Há umaantipatia geral contra os políticos na Ucrâ-nia. Quem ganhou a eleição presidencial nofim de maio foi um não político, mas que fazparte dessa elite econômica – o empresárioPetro Poroshenko, conhecido como "rei dochocolate". Tem esse quadro interno de mui-ta instabilidade política e econômica, queacabou levando a decisões sem um planeja-mento de médio e longo prazo.

Quais as perspectiva com o novopresidente Petro Poroshenko?

Acho difícil retornar a um estado de paz etranquilidade que havia antes na Ucrânia. To-do esse processo de separação que houve comapoio de Moscou, essa população do leste quese considera russa e não ucraniana, dificil-mente eles vão aceitar continuar sob o coman-do de Kiev. Pode ser até que o governo centralucraniano consiga estabelecer o controle daregião, mas já se gerou uma instabilidadegrande, que não irá acabar tão cedo. Não po-demos esquecer que a Crimeia foi anexada àRússia, há ucranianos insatisfeitos também

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na Crimeia. A região toda é complicada. AMoldávia, do lado da Ucrânia, tem uma parteleste que também se declarou independente eage como se fosse um Estado autônomo. Exis-te uma instabilidade muito grande nesta re-gião. Pode ser até que Moscou não venha re-conhecer a independência do leste da Ucrânia,mas também não vai deixar a região se estabi-lizar, e se precisar, tem os instrumentos parafazer a intervenção que quiser, do mesmo jeitocomo foi na Georgia em 2008.

A rivalidade entre o Ocidente e a Rússiatem crescido. Como o senhor vê isso?

Hoje, apesar de todos serem capitalistas,existem diferentes modelos de capitalismo,principalmente o capitalismo de Estado, comum controle forte da economia por parte dogoverno, como é na China e na Rússia. Ape-sar de serem capitalistas, há interesses econô-micos divergentes. Agora ficou mais explíci-ta a divergência entre os interesses russos eocidentais. Isso faz com que a cooperação quevíamos nos anos 90 e até pouco tempo atrásentre os Estados vai diminuir, e a tensão e cri-se ente os Estados vai aumentar.

O fato de Putin ter sido agente da KGBexplica a forma como governa?

Sim e muito. Ele tem uma visão de Estado,diferentemente da Ucrânia e outras ex-repú-blicas Soviéticas. Teve a ascensão de oligarcaseconômicos, como foi inclusive na Rússia nosanos 90. Nos dois governos de Boris Yeltsin aeconomia russa estava um caos, dominada pe-los grandes oligarcas que hoje tem times de fu-tebol na Inglaterra e em outros países e que nãopensavam em Estado, só pensavam em si, nopróprio bolso. Putin, com essa visão e culturade Estado, restabelece o Estado russo. Ele eraum agente da KGB que pensava o Estado russoe por isso essa grande diferença.

Esse aumento na tensão entre a Rússiae o Ocidente pode resultar em um conflitomais grave?

Eu não vejo uma guerra entre o Ocidente e aRússia, da mesma forma que não podia ter umaguerra entre EUA e a União Soviética. As ar-mas atômicas ainda estão lá, os dois países têmquantidades suficientes para destruir a Terrauma vez cada lado. No auge da Guerra Fria,nos anos 70, cada lado podia destruir o planetasete vezes. Já diminuiu o potencial bélico, masmesmo assim a capacidade atômica é tão gran-de que se torna impossível um confronto diretoentre o Ocidente e Rússia.

E como o senhor vê o futuro da Ucrânia?Essa instabilidade de quase guerra civil que a

Ucrânia está vivendo hoje, infelizmente issodeve continuar por um bom tempo.

E a posição da União Europeia?Ficou claro para os europeu que essa visão

de cooperação, de que a economia aproxima ospaíses, que todos ganham com o livre comér-cio, isso foi colocado em xeque. A dependên-cia do gás que a Europa tem da Rússia se tor-nou uma grande armadilha e por isso eles es-tão querendo achar alternativas para pode-rem, se assim desejarem, tomar atitudes quepossam desagradar Putin sem o temor de umdesabastecimento de gás. A Europa acordou eestá vendo que terá de gastar novamente como setor de defesa.

Há outras regiões no mundo onde podemestourar conflitos?

Há tensões em várias partes do mundo, massem dúvida, devemos ficar de olho no Sudoesteda Ásia. A tensão entre China e seus vizinhos jáestá estabelecida e é crescente. Ali, com certeza,há chances de estourar um conflito rápido.

No início deste ano, oministro da Fazendarusso avisou que aeconomia ia crescer

pouco. Vladimir Putinconseguiu recuperar

a Crimeia e hojetem 90% de

aprovação popular.

Anton Pedko/EFE

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58 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

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Olavo de CarvalhoJornalista, escritor eprofessor de Filosofia

SXC

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59MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Aprender, imitar e introjetar o voca-bulário, os tiques e trejeitos mentaise verbais da escola de pensamentodominante na sua faculdade é, para

o jovem estudante, um desafio colossal e o car-tão de ingresso na comunidade dos seus maio-res, os tão admirados professores.

A aquisição dessa linguagem é tão dificulto-sa, apelando aos recursos mais sutis da memó-ria, da imaginação, da habilidade cênica e daautopersuasão, que seria tolo concebê-la comouma simples conquista intelectual. Ela é, naverdade, um rito de passagem, uma transfor-mação psicológica, a criação de um novo “per-sonagem”, apoiado no qual o estudante se des-pirá dos últimos resíduos da sentimentalidadedoméstica e ingressará no mundo adulto daparticipação social ativa.

É quase impossível que essa identificaçãoprofunda com o personagem aprendido nãoseja interpretada subjetivamente como umaconcordância intelectual, ao ponto de que, noinstante mesmo em que repete fielmente o dis-curso decorado, ou no máximo faz variaçõesem torno dele, o neófito jure estar “pensandocom a própria cabeça” e “exercendo o pensa-mento crítico”.

A imitação é, com certeza, o começo de todoaprendizado, mas ela só funciona porque vocêimita uma coisa, depois outra, depois uma in-finidade delas, e com a soma dos truques imi-tados compõe no fim a sua própria maneira desentir, pensar e dizer.

No aprendizado da arte literária isso é mais doque patente. O simples esforço de assimilar au-ditivamente a maneira, o tom, o ritmo, o estilo deum grande escritor já é uma imitação mental,uma reprodução interior daquilo que você estálendo. A imitação torna-se ainda mais visívelquando você decora e declama poemas, discur-sos, sermões ou capítulos de uma narrativa. Po-

rém nas suas primeiras investidas na arte da es-crita é impossível que você não copie, adaptan-do-os às suas necessidades expressivas, os girosde linguagem que aprendeu em Machado de As-sis, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Bal-zac, Stendhal e não sei mais quantos. Esse exer-cício, se você é um escritor sério, continua pela vi-da a fora. Quando conheci Herberto Sales – queOtto Maria Carpeaux julgava o escritor dotadode mais consciência artística já nascido neste País– ele estava sentado no saguão do Hotel Glóriacom um volume de Proust e um caderninho ondeanotava cada solução expressiva encontrada pe-lo romancista, para usá-la a seu modo quandoprecisasse. Já era um homem de setenta e tantosanos, e ainda estava praticando as lições do velhoAntoine Albalat(1). É assim, por acumulação e di-versificação dos recursos aprendidos, que se for-ma, pari passu com a evolução natural da perso-nalidade, o estilo pessoal que singulariza um es-critor entre todos. T. S. Eliot ensinava que um es-critor só é verdadeiramente grande quando nosseus escritos transparece, como em filigrana, to-da a história da arte literária.

Em outros tipos de aprendizado, a imitaçãoé ainda mais decisiva. Nas artes marciais e naginástica, quantas vezes você não tem de repe-tir o gesto do seu instrutor até aprender a pro-duzi-lo por si próprio! Na música, quantas per-formances magistrais o pianista não aprendede cor até produzir a sua própria!

Nas ciências e na tecnologia, o manejo deequipamentos complexos nunca se aprende sóem manuais de instrução: o aluno tem de ver eimitar o técnico mais experiente, num processode assimilação sutil que engloba, em doses con-sideráveis, a transmissão não-verbal (2).

Por que seria diferente na filosofia? Compre-ender uma filosofia não se resume nunca em leras obras de um filósofo e julgá-las segundo umareação imediata ou as opiniões de um professor.

A destruição dainteligência

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É impregnar-se de um modo de ver e pensar co-mo se ele fosse o seu próprio, é olhar o mundocom os olhos do filósofo, com ampla simpatia esem medo de contaminar-se dos seus possíveiserros. Se desde o início você já lê com olhos crí-ticos, buscando erros e limitações, o que vocêestá fazendo é reduzir o filósofo à escala dassuas próprias impressões, em vez de ampliar-seaté abranger o “u n i v e rs o ” dele. Erros e limita-ções não devem ser buscados, devem surgir na-turalmente à medida que você assimila novos enovos autores, novos e novos estilos de pensar,pesando cada um na balança da tradição filosó-fica e não da sua incultura de principiante. Nãoseria errado dizer que, entre outros critérios,um professor de filosofia deve ser julgado, so-bretudo, pelo número e variedade dos autores,das escolas de pensamento, das vias de conhe-cimento que abriu em leque para que seus es-tudantes as percorressem (3).

Não é preciso mais exemplos. Em todos es-ses casos, a imitação é o gatilho que põe em mo-vimento o aprendizado, e em todos esses casosela não se congela em repetição servil porque oaprendiz passa de modelo a modelo, incorpo-rando uma diversidade de percepções e estilosque acabarão espontaneamente se condensan-do numa fórmula pessoal, irredutível a qual-quer dos seus componentes aprendidos.

Mas o que acontece se, em vez disso, o alunoé submetido, por anos a fio, à influência mono-polística de um estilo de pensamento dominan-te, aliás muito limitado no seu escopo e na suaesfera de interesses, e adestrado para desinte-ressar-se de tudo o mais sob a desculpa de que“não é referência universitária”?

Se durante quatro, cinco ou seis anos você éobrigado a imitar sempre a mesma coisa, e ain-da temendo que o fracasso em adaptar-se a elamarque o fim da sua carreira universitária, aimitação deixa de ser um exercício temporárioe se torna o seu modo permanente de ser – um“hábito”, no sentido aristotélico.

É como um ator que, forçado a representarsempre um só personagem, não só no palcomas na vida diária, acabasse incapaz de se dis-tinguir dele e de representar qualquer outropersonagem, inclusive o seu próprio. Pirandel-lo explorou magistralmente essa situação ab-surda na peça Henrique IV, onde um milioná-rio louco, imaginando ser o rei, obriga os em-

pregados a comportar-se como funcionáriosda corte, até que eles acabam se convencendode que são mesmo isso.

Toda imitação depende de uma abertura daalma, de uma impregnação empática, de umasuspension of disbeliefem que o outro deixa de sero outro e se torna uma parte de nós mesmos,sentindo com o nosso coração e falando com anossa voz. Se praticamos isso com muitos mo-delos diversos, sem medo das contradições eperplexidades, nossa mente se enriquece aoponto do nihil humanum a me alienum, daquelauniversalidade de perspectivas que nos libertado ambiente mental imediato e nos torna juízesmelhores de tudo quanto chega ao nosso co-nhecimento. Não é errado dizer que o julga-mento honesto e objetivo depende inteiramen-te da variedade dos pontos de vista, contradi-tórios inclusive, que podemos adotar como“no s s o s ” no trato de qualquer questão.

Em contrapartida, o enrijecimento da almanum papel fixo abusa da capacidade de imita-ção até corrompê-la e extingui-la por comple-to, bloqueando toda possibilidade de aberturaempática a novos personagens, a novos estilos,a novos sentimentos e modos de ver.

Habituado a tomar como referência única oconjunto de livros e autores que compõe o uni-verso mental da esquerda militante, e a olharcom temerosa desconfiança tudo o mais, o es-tudante não só se fecha num provincianismoque se imagina o centro do mundo, mas perderealmente a capacidade de aprendizado, tor-nando-se um repetidor de tiques e chavões, ca-quético antes do tempo.

Quem não sabe que, no meio acadêmico bra-sileiro, a receita uniforme, há mais de meio sé-culo, é Marx-Nietzsche-Sartre-Foucault-Lacan-Derrida, não se admitindo outros acréscimossenão os que pareçam estender de algum modoessa tradição, como Slavoj Zizek, Istvan Mesza-ros ou os arremedos de pensamento que levam,nos EUA, o nome de “estudos culturais”?

Daí a reação de horror sacrossanto, de ódio ir-racional, não raro de repugnância física, comque tantos estudantes das nossas universidadesreagem a toda opinião ou atitude que lhes pare-ça antagônica ao que aprenderam de seus pro-fessores. Não que estejam realmente persuadi-dos, intelectualmente, daquilo que estes lhes en-sinaram. Se o estivessem, reagiriam com o inte-

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lecto, não com o estômago. O que os move não éuma convicção profunda, séria, refletida: é ape-nas a impossibilidade psicológica de desligar-se, mesmo por um momento, do “eu” artificialaprendido, cuja construção lhes custou tanto es-forço, tanto investimento emocional.

Justamente, a convicção intelectual genuínasó pode nascer da experiência, do demoradocontato com os aspectos contraditórios de umaquestão, o que é impossível sem uma longa re-signação ao estado de dúvida e perplexidade

A intensidade passional que se expressa emgritos de horror, em insultos, em afetações desuperioridade ilusória, marca, na verdade, afragilidade ou ausência completa de uma con-vicção intelectual. A construção em bloco deum personagem amoldado às exigências so-ciais e psicológicas de um ambiente ideologica-mente carregado e intelectualmente pobre fe-cha o caminho da experiência, portanto de todoaprendizado subseqüente.

A irracionalidade da situação é ainda maisenfatizada porque o discurso desse persona-gem o adorna com o prestígio de um rebelde, deum espírito independente em luta contra todosos conformismos. Poucas coisas são tão grotes-cas quanto a coexistência pacífica, insensível,inconsciente e satisfeita de si, da afetação de in-conformismo com a subserviência completa àautoridade de um corpo docente.

No auge da alienação, o garoto que passoucinco anos intoxicando-se de retórica marxista-feminista-multiculturalista-gayzista nas salasde aula, que reage com quatro pedras na mãoante qualquer palavra que antagonize a opi-

nião de seus professores esquerdistas, jura, de-pois de ler uns parágrafos de Bourdieu para aprova, que a universidade é o “aparato de re-produção da ideologia burguesa”. Aí já não setrata nem mesmo de “paralaxe cognitiva”, masde um completo e definitivo divórcio entre amente e a realidade, entre a máquina de falar e aexperiência viva.

Se, conforme se observou em pesquisa recen-te, cinquenta por cento dos nossos estudantesuniversitários são analfabetos funcionais (4) –não havendo razão plausível para supor que aquota seja menor entre seus professores mais jo-vens – isso não se deve somente a uma genéricae abstrata “má qualidade do ensino”, mas a umfechamento de perspectivas que é buscado e im-posto como um objetivo desejável.

Não que a presente geração de professoresque dá o tom nas universidades brasileiras te-nha buscado, de maneira consciente e delibera-da, a estupidificação de seus alunos. Apenas,iludidos pelo slogan que os qualificava desde osanos 60 do século XX como “a parcela mais es-clarecida da população”, tomaram-se a si pró-prios como modelos de toda vida intelectual su-perior e acharam que, impondo esses modelos aseus alunos, estavam criando uma plêiade de gê-nios. Medindo-se na escala de uma grandezailusória, incapazes de enxergar acima de suaspróprias cabeças, tornaram-se portadores en-dêmicos da síndrome de Dunning-Kruger (5) e atransmitiram às novas gerações. Os cinquentapor cento de analfabetos funcionais que elesproduziram são a imagem exata da sua síntesede incompetência e presunção.

(1) V. Antoine Albalat, La Formation du Style par l'Assimilation des Auteurs (Paris, Alcan, 1901).(2) V. sobre isso as considerações de Theodore M. Porter em Trust in Numbers. The Pursuit of Objectivityin Science and Public Life, Princeton University Press, 1995, pp. 12-17.(3) Digo isso com a consciência tranqüila de haver cumprido esse dever. Ao longo dos anos, introduzi noespaço mental brasileiro mais livros e autores essenciais do que todos os corpos docentes de faculdades defilosofia neste país, somados aos “formadores de opinião” da mídia popular. Em vez de me agradecer, ou depelo menos ter a sua curiosidade despertada pela súbita abertura de perspectivas, estudantes e professores,com freqüência, me acusaram de “citar autores desconhecidos” – dando por pressuposto que tudo o que éignorado no seu ambiente imediato é desconhecido do resto do mundo e não tem a mais mínimaimportância.(4)V. http://www.folhapolitica.org/2014/02/pesquisador-conclui-que-mais-da-metade.html.(5) Efeito Dunning-Kruger: incapacidade de comparar objetivamente as próprias habilidades com as dosoutros. “Quanto menos você sabe sobre um assunto, menos coisas acredita que há para saber.” V. DavidMcRaney, You Are Not So Smart, London, Oneworld Publications, 2012, pp. 78-81.

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Luiz Prado/LUZ

Ives Gandra da Silva MartinsProfessor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO,UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas deComando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra -ESG e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região;Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martinde Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa dasUniversidades de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedráticoda Universidade do Minho (Portugal); Presidente do ConselhoSuperior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e PresidenteHonorário do Centro de Extensão Universitária – CEU-Escola deDireito/Instituto Internacional de Ciências Sociais - IICS.

Os únicosuniversitários doBrasil enviadospara a luta naItália foram osda Faculdade deDireito da USP,todos doúltimo ano.

Reprodução

O Brasil e o mundo na

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63MAIO/JUNHO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

A entrada do Brasil no conflito de1939-1945 deveu-se ao afunda-mento de navio brasileiro em nos-sos mares territoriais, no ano 1942,

o que levou o Governo Federal a declararguerra à Alemanha.

Tínhamos mantido neutralidade até aqueladata, visto que a ditadura Vargas, que abafarauma Intentona Comunista em 1935, não era in-teiramente contrária ao regime nazista, à épocacombatendo a Rússia em suas terras.

É bem verdade que Getúlio oferecera a baseaérea de Natal para trampolim dos aviões ame-ricanos, que assim atravessavam o Atlântico afim de serem utilizados pelas forças aliadas.

Houve, inclusive, um movimento nas escolasnacionais de entrega de donativos para a com-pra de um “avião patrulha” para as costas bra-

sileiras, o que me assegurou a função de oradorda minha classe (tinha então 7 anos), por ter si-do, entre os alunos, aquele que mais recursos ob-tivera, em prol do Governo brasileiro.

É que meu pai, português de Braga, já vinhacontribuindo com a “Ordem do Fole”, conse-guindo, assim, recursos para RAF, “Royal AirForce”da Inglaterra, de tal maneira que me aju-dou, apesar da pouca idade, na captação de re-cursos para o bem do Brasil.

Vivíamos, no País, um momento delicado.Getúlio Vargas, que, mediante um Golpe de Es-tado (1930), assumira o Governo, derrubando opresidente Washington Luis e não permitindo aposse do presidente eleito Júlio Prestes, pressio-nado pela Revolução Constitucionalista dosPaulistas, de 1932, outorgou uma Constituiçãodemocrática, em 1934. As eleições estavam pre-

2ª Guerra Mundial

AFP/Photos

O carismáticoAdolf Hitler

oferecia aosalemães a

opor tunidadede recuperarseu orgulho

nacional.

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64 DIGESTO ECONÔMICO MAIO/JUNHO 2014

vistas para 1937, mas Getúlio Vargas, em novogolpe, suspendeu as atividades do Congresso,tornou-se a suprema autoridade, com força, in-clusive, de alterar decisões do Poder Judiciário epromulgou uma Constituição tão ditatorial,que foi chamada de “A Polaca”.

Seu autor, o grande jurista Francisco Cam-pos, denominado “Chico Ciência”, foi quem aredigiu e, naquela ocasião, alguém pronun-ciou a frase, que se tornou histórica: “Quandoas luzes de inteligência de Francisco Camposacendem, provocam curto circuito em todos osfusíveis da democracia”.

Embora sob pressão, Getúlio Vargas gover-nou até ser deposto, em outubro de 1945. Eraum ditador e não abominava nem o fascismo,nem o nacional-socialismo.

Ocorre que, nos últimos anos, a pressão dopovo era grande. Chegou a proibir que as coresdas bandeiras dos Estados fossem hasteadasnas repartições públicas.

Lembro-me do episódio paradigmático derejeição ao ditador, na inauguração do Estádiodo Pacaembu (1940). Um pequeno clube, quedesde a sua refundação (1935) nunca fora cam-peão e que só mantinha a modalidade futebol(São Paulo Futebol Clube) foi um dos últimos aentrar no desfile para inauguração do MajestosoEstádio, com a presença do ditador. Quando ascores da bandeira paulista apareceram no uni-forme dos atletas, a multidão prorrompeu emaplausos que não pararam até o grupo perfilarna posição que lhe fora determinada no grama-do do Estádio. Tudo como forma de demonstra-rem, os paulistas, o descontentamento com o di-tador, que apenas observou: “certamente, este éo clube mais querido da cidade”. Percebeu, en-tretanto, que o povo já não o aceitava.

Pela pressão popular, entretanto, foi obriga-do a entrar na guerra, mas só enviou tropas pa-ra a Itália em 1944.

Ao enviar nossos soldados, vingou-se dos es-tudantes de Direito da Universidade de São Pau-lo, que se tinham rebelado contra o regime dita-torial em 1943, no Largo de São Francisco, algunstendo sido mortos na repressão pelo Governo.

Os únicos universitários do Brasil enviadospara a luta na Itália foram os da Faculdade de Di-reito da USP, todos do último ano, com o que per-deram um ano de Faculdade. Entre eles estavameu confrade em diversas Academias, jurista epoeta, introdutor do movimento literário no Bra-sil intitulado “Geração de 45” (Geraldo de Ca-margo Vidigal) e acadêmico correspondente daAcademia Internacional de Cultura Portuguesa,em Lisboa, cujo presidente de honra e seu funda-dor é o Prof. Adriano Moreira.

De qualquer forma, apesar das reticênciasdo ditador Getúlio Vargas, o povo brasileiroimpôs o envio de tropas à Itália que, sob o co-mando de Marechal Mascarenhas de Moraes,houve-se muito bem em inúmeras batalhas,principalmente na de Monte Castello.

Nesta batalha, ocorreu um episódio mar-cante: a decisiva atuação do maior geopolíticoda história brasileira, General Carlos MeiraMattos. Capitão a época, substituiu o capitãoanterior, que, à frente de um batalhão, recuara,no dia anterior, tendo os demais comandantesdo nosso Exército considerado que o fizera, porfalta de coragem e competência.

Com indiscutível liderança, Carlos MeiraMattos assumiu o novo comando e, depois deuma conversa com os soldados, em nova ten-tativa, conseguiu entrar na fortaleza nazista etomá-la, no dia seguinte.

Aberto o processo contra o Capitão que su-cedeu, foi Meira Mattos sua principal testemu-nha. No seu depoimento disse que, se a tropanão tivesse sido bem treinada pelo Comandoanterior, jamais, em um único dia, ele teria con-seguido obter a vitória que obteve. E declarouque, certamente, o recuo deveria ter sido porquestão de prudência, de oportunidade e de lo-gística, para permitir novo assalto.

O seu depoimento a favor do Capitão ante-rior foi decisivo para sua absolvição.

O certo é que a participação do Brasil naguerra foi importante, tendo nossas tropas re-cebido elogios especiais do Comandante emChefe das forças aliadas da área, o Generalamericano Marc Clark, assim como, posterior-mente, do Governo Americano. A entrada na

Arquivo/AE

Getúlio Vargas eraum ditador e não

abominava nem ofascismo, nem o

nacional-socialismo.

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guerra foi, contudo, uma exigência do povobrasileiro junto a um governo que, até o afun-damento do navio brasileiro em nossas costas,estava reticente e indeciso em tomar partido nogrande conflito mundial.

A estas reminiscências acrescento brevesconsiderações, em que analiso os fundamentosdas Primeira e Segunda Guerras Mundiais.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

O ambiente de tranquilidade e predomínio eu-ropeu dos primeiros anos do século XX terminoucom o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro e o início da Primeira Guerra Mundial.

Não foi uma guerra de defesa de princípios,como ocorreu durante as guerras das cruzadas,em que os ideais superavam os interesses.

Foi uma guerra que buscou definir a forçados diversos interlocutores, no predomínioe u r op e u .

Alemanha e Itália, unificadas no século an-terior, fortaleceram-se e França e Inglaterrauniram-se para enfrentar o crescente poderioalemão, guardando, os franceses, tanto a lem-brança da humilhante derrota na guerra de

1870, em que capitularam perante a melhor or-ganização militar alemã, quanto a nostalgiados saudosos tempos em que as táticas milita-res de Napoleão dominavam os melhores exér-citos de seus adversários.

É de se lembrar que Napoleão apenas per-deu a batalha de Waterloo – que já tinha ganho,encurralando Wellington contra morros, sempossibilidade de retirada – porque o GeneralGrouchy, que deveria perseguir as tropas ger-mânicas derrotadas em Ligny, perdeu seu ras-tro, permitindo que Blücher, seu comandante,chegasse a Waterloo, no fim do dia, e atacasse ovitorioso Napoleão pela retaguarda, o qual fi-cou sem condições de defender-se. Não foi Wel-lington, mas Blücher, quem ganhou Waterlooe decretou a derrota definitiva de Napoleão.

Os franceses, portanto, ao enfrentarem atentativa de hegemonia alemã pretendida porBismarck, procuraram dar o troco de duas der-rotas anteriores, enquanto os ingleses, decidi-damente, não viam com bons olhos o cresci-mento do poderio alemão.

Foi uma guerra objetivando dar um novoperfil ao mapa europeu, com definição da-quelas potências que deveriam dominá-lo,

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A Primeira GuerraMundial foi

exclusivamenteuma guerra de

interesseseconômicos e

políticos.

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mantendo seus controles além das fronteirasdo continente.

A Primeira Guerra Mundial é exclusivamenteuma guerra de interesses econômicos e políticospara conformar a nova Europa e atalhar o cres-cimento da influência alemã, que começava apreocupar, inclusive aos Estados Unidos, queacabaram por entrar no conflito europeu.

Foi uma guerra de trincheiras, em que amortalidade da soldadesca era brutal, sempreque se pretendia conquistar uma posição ini-miga, e que foi decidida, quando parecia quedeveria se prolongar indefinidamente, na 2ªbatalha do Marne. Nela, o general Foch con-seguiu que todos os veículos disponíveis deParis fossem utilizados para levar homens, ar-mas e instrumentos para a frente de batalha,dando-lhe força suficiente para que derrotas-se os alemães de forma tão contundente, queforam obrigados à rendição.

A preocupação de Clemenceau e Wilson deque novos conflitos desta natureza pudessemsurgir, após a derrota alemã, levou-os a defendera criação de uma Sociedade das Nações, para as-segurar o predomínio dos vencedores, mas coma participação de todos os países, sob sua tutela.

Wilson, que deu origem a criação do próprioorganismo e foi seu grande defensor, não conse-guiu fazer, todavia, com o que os Estados Unidosaderissem a uma supervisão internacional, o quedecretou o fracasso da instituição, incapaz de seopor a um segundo conflito mundial.

A Primeira Guerra Mundial estabeleceu umnovo conceito de forças, na Europa, mas a presen-ça americana demonstrou que o predomínio eu-ropeu começava a ceder terreno à nova potênciamundial, geograficamente longe dos conflitoseuropeus, mas política e economicamente maisforte que as nações do velho continente. Por essarazão, a história do século XX começou a ser de-finida como a do predomínio americano.

A grande contradição desta nova realidaderesidiu no fato de que a filosofia que aparente-mente determinara o fracasso da sociedade dasnações, isto é, o isolacionismo dos Estados Uni-dos, apenas serviu para não permitir o fortale-cimento de uma entidade em que a força maiorseria europeia, mas não afetou o sonho expan-sionista econômico dos Estados Unidos, já à al-tura a maior potência econômica do mundo.

A Primeira Guerra Mundial deu início à der-rocada dos grandes impérios. As colônias fran-cesas e britânicas mostravam-se de mais difícilcontrole. A Índia principiava seu movimentode libertação, que só ocorreu logo após a Se-gunda Guerra Mundial, e a China saia comple-tamente do controle ocidental, passando à gra-dativa influência japonesa, que, de um país ob-soleto do início do século XIX, começava a sur-gir como potência de respeito.

Destruiu, por outro lado, o maior império eu-ropeu, com o desmembramento da nação aus-tro-húngaro, e não impediu o surgimento do co-munismo na Rússia, durante o conflito, em ou-tubro de 1917, trazendo, pela primeira vez, naEuropa, concepção econômica e política que seconhecia apenas em livros ou em movimentosfrustrados, como a Intentona de Paris, de 1848.

As consequências da Primeira GrandeGuerra, embora tenham permitido o redese-nho do mapa europeu, transcenderam a meraluta de predomínio, a que o continente se acos-tumara, no curso de toda a sua história, princi-palmente após a queda do império romano.Mas gerou um novo período de relações inter-nacionais em todos os campos, como a certezade que o colonialismo estava chegando ao fim e

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A Primeira Guerrafoi uma guerra detrincheiras, emque a mortalidadeda soldadescaera brutal.

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de que o homem seria cada vez de mais difícilmanipulação pelas nações, por sua percepçãodos direitos que lhe são inerentes e que cabe aoEstado apenas reconhecer. A grande contradi-ção, portanto, foi a guerra ter sido feita paraconsolidar predomínios e ter servido para co-meçar a derrocada do predomínio europeu.

AS CRISES ECONÔMICAS

A derrota da Alemanha e o pesado ônus quelhe foi imposto, como dívida de guerra, numperíodo de consolidação das novas fronteiraseuropeias, coincidiu com uma expansão eco-nômica americana considerável e a sensação deque as crises cíclicas econômicas a queMarshall, no passado, fez menção, ficariam de-finitivamente esquecidas.

A economia americana expandiu-se, à luz deum sólido controle do sistema financeiro, queprovocara, na década de 10 a 20, uma reorga-nização da banca estadunidense, com o desa-parecimento de inúmeros estabelecimentos in-consistentes e uma expansão inédita do merca-do de capitais, considerado a “nova Eldorado”dos investimentos, para o cidadão comum.

Por outro lado, apesar das leis Sherman eClayton, o controle sobre o abuso do poder eco-

nômico era ainda precário e o denominado di-reito do consumidor, que ganhou consistênciaconsiderável a partir da Segunda Guerra Mun-dial, praticamente inexistia.

O quadrilátero em que uma economia se de-senvolve são: 1) sistema financeiro capaz de ala-vancar o desenvolvimento, dentro de uma polí-tica monetária e cambial voltada ao controle dainflação e das contas externas; 2) sólido mercadode capitais, com controle dos fluxos de investi-mentos e a fiscalização sobre empreendimentossem condições de ingressar na estrutura do se-tor; 3) legislação com condições de controlar asdistorções da competitividade, punindo o abusodo poder econômico e, na outra ponta, 4) legis-lação capaz de proteger o consumidor contra osexcessos dos que controlam o capital. Estas sãoas quatro estacas em que se alicerça o desenvol-vimento, pois possibilitam a atração de capitaismenos especulativos e mais destinados a inves-timentos de médio e longo prazos.

Os quatro elementos estavam desbalança-dos, nos Estados Unidos, a partir do início dadécada de 20, de tal maneira que o mercado decapitais, no final dela, recebeu uma crescenteonda de investimentos, com a valorização bru-tal de títulos sem consistência, pela escassez deoferta e excesso de demanda, provocando o

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O mundo inteirosofreu o impacto da

crise americanade 1929 – a crise do

café no Brasil,foi decorrência

dessa crise.

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“crash” de 1929, sem uma intervenção adequa-da do Governo americano, que não criara osmecanismos para impedir o desastre.

É interessante notar que, nesse período,eram lançados, no mercado americano, títulosde empreendimentos inexistentes, sem que“Wall Street” averiguasse a solidez daquelespapéis. Por essa razão, quando a verdade co-meçou a surgir e todos desejaram realizar seuslucros num mesmo momento, a queda impres-sionante do valor dos papéis mergulhou os Es-tados Unidos na grande depressão.

À época, não havia suficiente “t ec no lo g ia ”de mercado. É de se lembrar que, nas décadasde 80 e 90, houve pressão especulativa sobre osmercados de capitais do mundo inteiro, inclu-sive com crises sucessivas, a partir de 94. Mas asestruturas, as técnicas, os mecanismos para en-frentar as grandes variações tinham sido bas-tante aperfeiçoados, de tal maneira que, apesardos choques, o mercado se recompôs sempre,sem grandes traumas.

O mesmo está ocorrendo com a crise desenca-deada nos EUA e Europa, desde 2008, o que mos-tramos em nosso livro “Crise financeira interna-cional” (Fernando Alexandre, Ives Gandra Mar-tins, João Sousa Andrade, Paulo Rabello de Cas-tro e Pedro Bação, impresso pela Universidade deCoimbra, Setembro de 2009, Portugal).

Na depressão americana, há de se considerarque o Sistema de Reserva Federal não abriu mãodo controle da moeda e permitiu que aproxima-damente 3 mil instituições estourassem, sem ad-mitir que a solução americana passasse por umafrouxamento da política monetária.

Muitos analistas consideram que tal rígidapolítica do Banco Central americano foi res-ponsável pelo aprofundamento do período dedepressão, do qual os Estados Unidos apenassaíram com a Segunda Guerra Mundial, nemmesmo as teorias Keynesianas, expostas aoPresidente Roosevelt em 1933, tendo sido vito-riosas, no período de 1933 a 1939, já com a apli-cação do “New Deal”.

O mundo inteiro sofreu o impacto da criseamericana, não só os países emergentes –a crisedo café de 29, no Brasil, foi decorrência da criseame rica na— como os países desenvolvidos. AAlemanha ficou em situação dramática, pois, vi-vendo a recessão desde a Primeira Guerra Mun-dial e a aplicação de uma rígida política anti-in-flação, geradora de recessão e desemprego, tor-nou-se terreno fértil para o aparecimento de “sal -vadores da pátria”, no caso, o carismático Hitler,que prometeu aos alemães desesperançadosuma Alemanha vencedora e dominadora.

Na década de 30, portanto, as crises econô-

micas vividas pelo mundo e especialmente pe-los Estados Unidos e o desespero da economiaalemã fragilizada, propiciaram o aparecimen-to de duas ditaduras que investiram na recupe-ração do orgulho nacional de seu país e de suaeconomia. Hitler e Mussolini, aproveitando-sede uma certa mediocridade das liderançasmundiais, em enfrentar crises econômicas – ealgumas políticas –, conformaram um novosistema de forças, que acabou por desembocarna Segunda Grande Guerra.

E a contradição maior foi que, ao contrário deHitler, as nações não queriam a guerra. Mas de-veu-se a Hitler e ao pleno emprego nos EstadosUnidos por força da guerra, a consolidação daeconomia americana, como se verá a seguir.

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A Segunda Guerra Mundial foi uma conse-quência dos erros da política econômica dos paí-ses vencedores da Primeira Guerra para com aAlemanha, exigindo o cumprimento de uma dí-vida de guerra, que esgotou todo o esforço ger-mânico de recuperação, gerando as crises da hi-perinflação e da recessão após a implantação doMarco forte (15/11/1923), até o início da carreirapolítica de Hitler. Acresceu-se uma divisão insa-tisfatória dos despojos da Primeira Guerra, com apermanência de restrições entre as nações vence-doras, sobre ter havido a falência da Sociedadedas Nações e a depressão americana, que abaloua economia de todo o mundo.

O surgimento carismático de Hitler oferecen-

Life

Hitler cometeu omesmo erro de

Napoleão ao tentarinvadir a Rússia.

Chegou próximo aMoscou, mas em

pleno inverno.

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do aos alemães a oportunidade de recuperar seuorgulho nacional, pela reestruturação da econo-mia e dominação do mundo, foi o estopim, que afrágil política aliada não entendeu como sinaliza-ção perigosa para o Ocidente, ao ponto de fazervistas grossas ao início da perseguição judaica,ainda nos meados da década de 30.

A incompetência de Chamberlain, de Lavale dos demais líderes franceses, por outro lado –quando ficou claro que Hitler objetivava con-quistar a Europa, assinando um pacto que en-tregava a Tchecoslováquia para saciar a ambi-ção pantagruelesca do Führer de anexar outrospaíses –, terminou resultando na invasão daPolônia, após acordo de interesses entre Rússiae Alemanha. Acresce-se que a má preparaçãodos aliados para enfrentar, na guerra então de-clarada, a intelectualidade militar alemã, supe-rior à dos franceses e ingleses, decretou o des-tino do velho continente.

A monumental linha “M a g i no t ” não repre-sentou qualquer obstáculo ao avanço alemão,que, conquistando a Bélgica, contornou a defe-sa imóvel dos franceses, sem qualquer dificul-dade. Só não obteve uma vitória esmagadora,em Dunquerque, porque os sucessos da Wer-

macht geraram inveja na Luftwaffe, preten-dendo Goering liquidar os aliados ilhados nu-ma praia sem saída, com sua aviação.

Tal erro estratégico permitiu a heroica reti-rada e a recuperação parcial do orgulho inglês,desfigurado nos primeiros combates, emboraos franceses permanecessem humilhados, pelatomada do país e a criação da República de Vi-chy, com o Marechal Pétain dirigindo a França,em nome dos alemães.

Raymond Cartier, historiador francês da Se-gunda Guerra, declarou que a inferioridadedos aliados não estava em seu material bélico,idêntico ao dos alemães, no número de unida-des e no potencial agressivo, mas na “c ab e ç a ”de seus generais.

O domínio alemão na França, a batalha daInglaterra, a pirataria dos submarinos germâ-nicos, que destruíram os comboios aliados pa-ra que a Inglaterra não recebesse suprimentosde suas colônias, a correta substituição do fracoChamberlain pelo combativo Churchill, a des-truição da poderosa frota americana, em PearlHarbour, e a entrada dos americanos na guerracontra o Japão e contra a Alemanha – que seprecipitou em formalizar declaração contra os

AFP Photo

A destruição dapoderosa frotaamericana, em

Pearl Harbour, fezos EUA entrarem

na guerra.

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Estados Unidos, para obter o apoio japonês--foram ingredientes que conformaram os trêsprimeiros anos da 2ª conflagração mundial.

Dois eventos, todavia, liquidaram as preten-sões do III Reich. Hitler cometeu o mesmo erro deNapoleão, ao tentar invadir a Rússia, apesar deter sido atrapalhado pelos italianos, em sua infe-liz campanha na Grécia. Tal fato retardou a inva-são da Rússia e fez com que o General Van Gu-derian chegasse a 22 quilômetros de Moscou, empleno inverno, sendo obrigado a começar a reti-rada por falta de logística. A estratégia alemã re-velou-se inútil e a reação russa irreversível, pois aliquidação de sua população nos avanços germâ-nicos – os russos perderam mais vidas, na inva-são alemã, que os judeus, nos campos de concen-tração – gerou um desejo de vingança incapaz depermitir uma paz negociada. O ódio russo esgo-tou o exército da Alemanha e mostrou que o paísnão estava preparado para enfrentar duas frentes(a Ocidental, a partir da África) e a Oriental.

O segundo evento foi a batalha de Midway,em que a perda de três porta-aviões japonesesencerrou sua capacidade de expandir o domí-nio pela Ásia e deu o fôlego necessário aos Es-tados Unidos para começarem a recuperaçãodos povos dominados pelos japoneses.

A partir de 1943, o destino do III Reich e doJapão estava definido, restando apenas deter-minar o momento de sua queda, que nem asbombas voadoras, a busca desesperada de Hi-

tler por artefatos nucleares e o heroico desem-penho das forças japonesas, nos combates con-tra os americanos, puderam impedir.

A derrota do III Reich e do Japão foi seladaem 1945, com a rendição incondicional da Ale-manha e com uma rendição mais honrosa doJapão, após perceber a impossibilidade de en-frentar as bombas atômicas aliadas.

O aspecto interessante da capitulação japone-sa é que Mac Arthur compreendeu a importânciade não humilhar o adversário, preservando a au-toridade simbólica do Imperador e outorgandoao Japão uma Constituição tão maleável, que, noano 2014, ainda está em vigor.

A grande diferença da Segunda GuerraMundial em relação à Primeira é que, emboraas duas tenham representado choques de inte-resses e busca de domínios, a primeira teveapenas este escopo, enquanto a segunda con-verteu-se, em um determinado momento, naluta entre os ideais da liberdade e da democra-cia contra aqueles da ditadura (nacional socia-lismo e fascismo), os valores passando a repre-sentar elemento relevante, no choque entre osgovernos em conflito.

É interessante que esta luta pela liberdade,no final da Segunda Guerra Mundial, era o ele-mento matriz do conflito, ao ponto de Truman,vitorioso, ter pretendido estender a maneira deser dos americanos para todo o mundo, estimu-lado pelo sucesso de seu povo.

Certa vez, estive com o Presidente do Conse-lho de Ministros de Portugal (1964), Oliveira Sa-lazar, que me contava ter dito a Truman, em 1946,que tal objetivo era impossível de ser alcançado,pois, nem os americanos tinham recursos paraimpor seu estilo ao mundo inteiro, nem os paísesbeneficiados (Plano Marshall) reconheceriam de-verem sua recuperação aos americanos.

E concluiu, com aquele sorriso radiográfico,que o caracterizava: “Vê-se, hoje, professor,que eu tinha razão e não ele”.

O certo é que os ideais de liberdade e de de-mocracia foram a grande inspiração das forçasaliadas, a partir da metade da Segunda GuerraMundial, ao ponto de influenciarem as artes, aliteratura e até a filosofia.

No Brasil, a Geração de 45, que dá início a umnovo movimento literário e cultural, alicerça-senos ideais de liberdade para resgatar a forma clás-sica e inúmeros valores na produção artística. En-tre seus fundadores estão João Cabral de MeloNeto, Mário de Andrade, Geraldo Vidigal, Do-mingos Carvalho da Silva, Péricles Eugênio etc.

A grande ironia é que o III Reich, prepara-do para durar 1.000 anos, durou apenas 12( 1 9 3 3 - 1 9 45 ) .Re

prod

ução

Desfile deretorno da ForçaExpedicionáriaBrasileira, aotérmino da2ª Guerra Mundial,na Av. São João,em São Paulo.

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