digesto econômico nº 458

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Maio de 2010

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3MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Os caminhos paraa construção deum novo Brasil Pa

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Chegamos à terceira edição da série P ro p o s t a spara o Próximo Presidente, de um total de seisedições que a revista Digesto Econômico está

publicando mensalmente; ou seja, já percorremos metadedo caminho que nos propusemos. O nosso objetivo é o delevantar e debater os grandes temas nacionais, mostrandoos problemas que o Brasil precisa enfrentar parase tornar uma nação desenvolvida. Mais do que fazerum diagnóstico, queremos também indicar soluções.Para tanto, contamos com a colaboração de mais de30 especialistas de renome, que estão dedicando partede seus tempos e compartilhando conhecimentos naelaboração de estudos aprofundados sobre os diversostemas em questão. Esperamos, dessa forma, contribuir aodebate eleitoral, para que ele seja de alto nível, abordandoquestões relevantes para o desenvolvimento do País.

Neste número, a economista Patricia Marrone propõenovas diretrizes para a política industrial. Em seu artigo, elaconta que, com a recente crise financeira, vários paísesdesenvolvidos, em particular a Inglaterra, Alemanha eEUA, voltaram a pensar em política industrial. Todos estãobuscando atuar em segmentos e produtos de maior valoradicionado. Muitos estão em posição de vantagem emrelação ao Brasil, pois têm mão de obra qualificada, e seusproblemas de infraestrutura e "custos de fazer negócios"são infinitamente menores que os nossos. Para ela, o Brasildeve buscar nichos de mercados mais dinâmicos de cadasetor, por meio da incorporação de tecnologias e deaumentos de produtividade.

A economista Lídia Goldenstein, por sua vez, aborda a"Economia Criativa". Para ela, no atual cenário, torna-secrucial o fomento à criatividade e à inovação, as quais,contando com adequados mecanismos de transmissão,são as chaves para que o resto da economia e sociedadepossam se beneficiar. Daí a importância das indústriascriativas ou, mais amplamente falando, da economiacriativa, entendida como um conjunto de setores com fortepotencial de inovação e criatividade a partir dos quais aeconomia ganha competitividade e sustentabilidade nomundo globalizado.

Alencar BurtiPresidente da Associação Comercial de

São Paulo e da Federação das AssociaçõesComerciais do Estado de São Paulo

Renato Casali Pavan e Josef Barat assinam o estudosobre os desafios do novo governo nas áreas de logísticae transporte. O artigo enfatiza a necessidade decompatibilizar os investimentos nestas áreas com uma visãosistêmica, bem como de dar maior eficiência na integração ecoordenação das cadeias de suprimentos (supply-chains)dispersas no território. É fundamental, segundo eles,promover maior conhecimento e preparar um capitalhumano compatível com o avanço tecnológico.

Na área financeira, o economista Carlos Antônio Roccapropõe em seu artigo medidas voltadas para a elevaçãoda taxa de poupança doméstica, em particular por meio daadoção de programas de ajuste fiscal de longo prazo,visando a recuperação da poupança do setor público,ao lado da criação de uma nova Previdência Social comregras iguais para os novos trabalhadores dos setorespúblico e privado e com respeito a direitos adquiridos.Ele defende ainda a ampliação do mercado de capitais,criando-se as condições regulatórias, tributárias ecambiais para o desenvolvimento do mercado de dívidaprivada, e mantendo os avanços de governança domercado de ações.

Por fim, Gustavo Krause, que foi Ministro da Fazenda,Secretário da Fazenda, vice-governador e governador dePernambuco, faz propostas de políticas ambientais parao futuro governo, um tema que tem criado conflitos entreruralistas e ambientalistas. Para Krause, o que está em jogonão é apenas a integridade da natureza, mas sim o futuroda vida humana.

Boa leitura!

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4 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

ÍNDICE

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3244-3030CEP 01014-911 - São Paulo - SP

home page: http://www.acsp.com.bre-mail: [email protected]

Pre s i d e nteAlencar Burti

Superintendente InstitucionalMarcel Domingos Solimeo

Coordenador da Série Especial Eleições 2010Roberto Macedo

ISSN 0101-4218

Diretor-Resp onsávelJoão de Scantimburgo

Diretor de RedaçãoMoisés Rabinovici

Ed i to r - Ch e feJosé Guilherme Rodrigues Ferreira

Ed i to re sCarlos Ossamu e Domingos Zamagna

Chefia de ReportagemJosé Maria dos Santos

Editor de FotografiaAlex Ribeiro

Pesquisa de ImagemMirian Pimentel

Editor de ArteJosé Coelho

Projeto Gráfico e DiagramaçãoEvana Clicia Lisbôa Sutilo

Ilustrações e InfográficosAlfer, Max e Zilberman

Gerente Executiva de PublicidadeSonia Oliveira ([email protected]) 3244-3029

Gerente de OperaçõesJosé Gonçalves de Faria Filho ([email protected])

I m p re s s ã oPrintcrom Gráfica e Editora Ltda.

REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E PUBLICIDADERua Boa Vista, 51, 6º andar CEP 01014-911

PABX (011) 3244-3030 REDAÇÃO (011) 3244-3055FAX (011) 3244-3046

w w w. d co m e rc i o. co m . b r

Capa impressa em papel ecoeficiente Lumimaxfosco 150g/m² e o miolo no papel ecoeficiente Starmax

fosco 80g/m² da Votorantim Celulose e Papel - VCP.

6Novas diretrizes para apolítica industrial no BrasilPatricia Marrone

30O desafio da Economia Criativa

Lídia Goldenstein

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46Logística e Transporte no Brasil -propostas para o novo Governo FederalRenato C. Pavan e Josef Barat

62Financiamento da economiabrasileira - Evolução recente,

desafios e oportunidadesCarlos A. Rocca Fo

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80Os Impactos Subversivosda Questão AmbientalGustavo Krause

CAPAFotomontagem: MAX

Foto Divulgação, com arte de Zilberman

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Page 5: Digesto Econômico nº 458

5MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Nas duas primeiras edições da série especial Propostas para o PróximoPresidente, da revista Digesto Econômico, dez especialistas apontaram

problemas do Brasil e apresentaram suas propostas. Foram eles:

Claudio de Moura CastroHélio ZylberstajnJosé Pastore Joaquim Elói Cirne de ToledoEthevaldo SiqueiraNelson Marconi ClóvisPanzarini José Roberto Afonso José RobertoMendonça de Barros Geraldo Biasoto Jr.

Acompanhe no site w w w. d c o m e r c i o . c o m . b r

Neste número, mais seis autores de renome fazemsuas análises em outros setores e apontam soluções:

Patricia Marrone Lídia Goldenstein Renato C. PavanJosef Barat Carlos A. Rocca Gustavo Krause

Próximos temas:

Programas Sociais, Segurança Pública,Esportes e Turismo, Comércio Exterior, PactoFederativo, Burocracia Antiempresarial,Política Externa, Petróleo e Pré-sal, Mercosul

Aos leitores: A sua revista Digesto Econômico (bimestral) será mensal até agosto, dedicada a um profundo balanço doBrasil pós-Lula. Chamada de "Propostas para o Próximo Presidente", esta série especial será posteriormente entregue a todos

os candidatos à Presidência da República, juntamente com um documento-síntese das propostas que a ACSP irá apoiar.

Apoio:

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6 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

Patricia MarroneEconomista e mestre emEconomia pela Universidadede São Paulo, com cursos deespecialização na Universidadede Chicago e na WhartonSchool (EUA). Ex-secretária doConselho de DesenvolvimentoEconômico da Secretariada Ciência, Tecnologia eDesenvolvimento Econômicodo Estado de São Paulo. Atuacomo consultora empresariale de entidades de classe,sendo sócia da consultoriaWebsetorial. Coordena oDepartamento de Economiade várias entidades de classe:ANIP Associação Nacional daIndústria de Pneumáticos;Abigraf - Associação Brasileirada Indústria Gráfica; Abrigraf-SP;Sindigraf, Sinafer - Sindicato daIndústria de Artefatos de Ferro,Metais e Ferramentas em Geraldo Estado de São Paulo, Abimed- Associação Brasileira dosImportadores de Equipamentos,Produtos e SuprimentosMédico-Hospitalares,Abraidi - Associação Brasileirade Importadores e Distribuidoresde Implantes; CBDL - CâmaraBrasileira de DiagnósticoLaboratorial; e Siamfesp-Sindicato da Indústria deArtefatos de Metais não Ferrososno Estado de São Paulo.

Luiz Prado/LUZ

Novas diretrizes

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7MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

para a políticaindustrial no Brasil

Foto Divulgação, com arte de Zilberman

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8 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

Resumo

Este artigo faz breve retrospectiva das visões de política industrial –especificamente, a voltada para a indústria de transformação –, e desuas versões adotadas no Brasil como pano de fundo para examinar otema no momento atual. Inclui uma análise crítica da iniciativa maisrecente, a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), propondo quese mantenha sua linha conceitual e o arcabouço institucional seguidosnos últimos anos, mas com novas diretrizes. Entre elas, a de adicionaraos quatro desafios e macrometas existentes outros quatro novos: umpara acompanhar odesenvolvimento de novosprodutos,preferencialmente osligados à construção civil eà economia sustentável dapequena empresa,destinados ao consumo dabase da pirâmide derenda, onde emergeparcela importante dariqueza nos BRICs; outro,para acompanhar oaumento de produtividadeda indústria; mais um queestimule a geração deemprego nesse setor paraparcela da mão de obraresidente em municípios eáreas urbanas debaixíssimo Índice deDesenvolvimento Humano(IDH); e finalmente um queestimule a incorporaçãopela indústria de parte docontingente de mão de obra pouco qualificada e dos jovens ociosos.

Para atingir essas oito diretrizes, as ações propostas são muitas,detalhadas na Tabela 7. Ela também inclui sugestões voltadaspara programas estruturantes de sistemas produtivos e para oaprimoramento de alguns mecanismos de coordenação e controleda política industrial. A análise não avalia especificamente cadainstrumento da PDP, nem cada projeto setorial, nem o "custo Brasil"e seus efeitos sobre a competitividade das empresas. Também nãoobjetiva rediscutir todo o sistema nacional de incentivo à inovação,pois esses temas, ou já estão adequadamente explorados, oumereceriam textos específicos.

Leonardo Rodrigues/Hype

No início da década, oBrasil era responsávelpor 1,66% dos bens

manufaturadosmundialmente, ocupando

a 12ª posição, subindopara 10ª em 2009.

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9MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Introdução

De acordo com estatísticas recentemente divulga-das pela Unido, a organização da ONU para o de-senvolvimento industrial, em 2008 o valor total daprodução industrial mundial era de US$ 6,8 tri-

lhões. Com a crise que se manifestou em 2008, em 2009 essevalor se reduziu em 10%.

No início da década, o Brasil era responsável por 1,66% dosbens manufaturados mundialmente, ocupando a 12ª posição.Nesse contexto mundial, o Brasil não avançou desde então. Em2009 a Unido mostrou nosso País como o décimo colocado, mascom parcela pouquíssimo maior (1,8%), e nesse ano foi supera-do pela Índia, que alcançou 2%. Em dez anos, a China dobrousua produção, e no mesmo ano teve 15,6% da fatia mundial, sen-

do o segundo maior pro-dutor de bens industriais.Do total, 19% vêm dosEUA. A Europa respondepor 27% e a Ásia, incluindoa China, já é responsávelpor 44%. A indústria brasi-leira de transformação em-prega cerca de 3,6 milhõesde pessoas, ou aproxima-damente 16% da popula-ção economicamente ativa(PEA) do País (21,7 mi-lhões de pessoas).

A atual política indus-trial brasileira objetivaampliar a competitivida-de e a capacidade de cres-cer e de inovar da indús-tria a partir de uma visãode longo prazo, adotandoa visão chamada "evolu-cionista" com a qual con-cordamos. Mas, entende-mos que deva também

tentar aproveitar o humano e capital fixo e disponíveis, inclu-sive com avanços tecnológicos, para aproveitar as oportunida-des abertas pelo ambiente nacional e internacional, tentandominimizar os efeitos das nossas fragilidades internas e dasameaças impostas pelos concorrentes internacionais.

Na sequência da recente crise econômico-financeira, vá-rios países desenvolvidos, em particular a Inglaterra, Alema-nha e EUA, voltaram a pensar em política industrial. Todosestão buscando atuar em segmentos e produtos de maior va-lor adicionado. Muitos estão em posição de vantagem em re-lação ao Brasil, pois têm mais mão de obra qualificada, e seusproblemas de infraestrutura e "custos de fazer negócios" sãoinfinitamente menores que os nossos. Dada a nossa desvan-tagem, teremos que "pensar por fora da caixa", ou seja, encon-trar soluções não convencionais.

Nesse sentido, propomos que a nossa política industrial con-tinue na linha evolucionista que tem sido adotada no Brasil na úl-

Vito Lee/Reuters

Em dez anos, a Chinadobrou sua produção,

e no mesmo anoteve 15,6% da fatiamundial, sendo o

segundo maior produtorde bens industriais.

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10 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

tima década. Propomos também que objetivemos ocupar posi-ção relevante no cenário global, buscando os nichos de mercadomais dinâmicos de cada setor, por meio da incorporação de tec-nologia e de aumentos de produtividade. Devemos buscar tam-bém absorver mais a mão de obra em idade ativa, mesmo partedaquela sem qualificação, para que assim possamos contribuirpara o crescimento econômico e o bem estar social do País.

Para tanto, entre outras iniciativas, teremos que especiali-zar rapidamente os nossos engenheiros para que atuem nessesnichos e incentivar nossos empresários a fazer o mesmo. E te-mos pressa, pois, conforme ressalta Arbache (2010), isso teráque ocorrer antes que o nosso perfil demográfico se altere nadireção do envelhecimento.

O texto foi estruturado em seis seções. A primeira trata dosaspectos conceituais junto com a questão da produtividade, e asegunda faz uma breve retrospectiva da política industrial noBrasil. A Seção 3 aborda as iniciativas tomadas no governo Lulae na seção seguinte é feita uma avaliação específica da PDP, emparticular dos seus quatro desafios e suas macrometas. A mes-ma seção inclui também uma avaliação do papel do BNDES. ASeção 5 repensa esses desafios, tendo como pano de fundo umareavaliação dos ambientes doméstico e internacional, por meiode uma análise que enfatiza forças, fraquezas, oportunidades eameaças. A Seção 6 conclui com propostas específicas.

1. Aspectos Conceituais

O papel do Estado na política industrial

Toda a polêmica em torno de uma política industrial decorrede concepções diferentes quanto às causas e formas de promovero desenvolvimento econômico e sobre como o Estado deve inter-vir na economia, com o objetivo de corrigir falhas de mercado.

A linha neoliberal ou neoclássica prega que as falhas de-correm do poder indevido dos agentes de mercado. Assim, amelhor forma de promover o desenvolvimento é deixar omercado se equilibrar, via forças naturais de oferta e procura.Nessa visão, o mercado é visto basicamente como competi-tivo e a intervenção só deverá ocorrer quando, por exemplo,algum agente estiver distorcendo esse equilíbrio. Desta for-ma, a melhor política industrial seria a de o governo "sair" domercado, só atuando para evitar que algum agente interfe-risse na sua competitividade.

Há outra linha, favorável ao mercado, mas que admite fa-lhas nas situações de atraso econômico e em face de um con-junto limitado de falhas de mercado. Aqui se permite algumaintervenção, cuidadosa e limitada, gerando condições para aacumulação de capital e o aumento da produtividade via for-talecimento do sistema educacional, do mercado de capitais edo acesso a informações.

Numa terceira linha, a revisionista, as falhas de mercado sãovistas como generalizadas, sobretudo num contexto de desen-volvimento e de progresso tecnológico, justificando políticasindustriais gerais e seletivas. Segundo esta concepção, as si-tuações de desenvolvimento tardio somente são superadasmediante a necessária intervenção do Estado, cuidadosa e li-mitada, mas não necessariamente mínima.

Nessas três visões, o referencial é a eficiência econômica ebusca-se a maximização de resultados e o equilíbrio entre osque atuam no mercado. O tratamento do desenvolvimentoeconômico e, nele, do papel do Estado e das políticas indus-triais, decorre do grau em que se percebe como o mercado falhaem cada uma dessas visões.

Existe ainda uma quarta visão, chamada evolucionista, cujafundamentação conceitual é mais sofisticada. Nela, as falhasde mercado – comportamentos oligopolistas e assimetrias –são vistos como fruto do processo natural do capitalismo, debusca por lucros e da apropriação dos ganhos da inovação, tec-nológica e mercadológica, entre outras formas. Assim, a con-corrência e a perspectiva de obtenção de rendas monopolistasmotivam a geração de inovações e acarretam o progresso. Esteúltimo é o resultado de um processo cumulativo, no qual o re-sultado alcançado num período depende do desenvolvimentoalcançado no período anterior.

As empresas, submetidas a pressões competitivas, vol-tam-se para atividades de desenvolvimento de novos pro-dutos, processos e novas formas de organização, criandouma certa diversidade. Ao mesmo tempo, o mercado atuacomo ambiente seletivo, excluindo rotinas e empresas nãogeradoras de lucros. As empresas dinâmicas atuam sobreoutras atividades, gerando padrões de especialização seto-riais e desdobramentos para o desenvolvimento econômico.Desta forma, a principal força explicativa do desenvolvi-mento econômico é a mudança tecnológica, inclusive sob oaspecto organizacional.

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Nessa linha, o desenvolvimento econômico decorre da evo-lução da competição em cada país e da possibilidade da supe-ração das suas defasagens tecnológicas e econômicas em relaçãoà fronteira mundial, por meio de um contínuo aprendizado.

Assim, somente alterações no padrão de especialização tec-nológica e produtiva geram o potencial para o engate de umpaís no dinamismo econômico mundial. Por isso, exige-se rup-turas nas rotinas e estruturas de mercado existentes. Quantomaior for a distância entre o padrão tecnológico das empresas,setores e países em relação à fronteira mundial, maior a inten-sidade de ruptura requerida.

Já a capacidade de aprendizado depende da forma pela qualas instituições das economias nacionais organizam a produ-ção. Assim, o aprendizado tecnológico depende da estrutura-ção e do funcionamento dos chamados sistemas nacionais deinovações, que incluem seus sistemas educacional e financei-ro, a capacidade de intervenção dos estados nacionais, o modode organização das atividades empresariais, da estruturaçãodas atividades de pesquisa e desenvolvimento e o padrão deinteração na cadeia produtiva entre fornecedores e usuários.Na síntese de Grabois Gadelha (1999), "... a dinâmica industrialocorre conjuntamente com a evolução institucional".

A questão da produtividadenum sentido mais amplo

Um estudo de Bart van Ark e Robert H. Mc. Guckin (1999), quenão perdeu atualidade, pois aborda questões estruturais e ins-

titucionais, ajuda a compreender como os padrões de vida e o de-sempenho econômico estão relacionados entre si. E, como estesaspectos são objeto de políticas públicas, em especial da políticaindustrial, a análise auxilia a identificar alguns parâmetros inter-nacionais para que políticas desse tipo devam atingir.

O mesmo estudo também mostra que a produtividade éapenas um dos fatores determinantes do nível de bem estar, oqual depende principalmente de "quantas bocas determinadaeconomia necessita alimentar", a partir daquilo que ela conse-gue produzir. Os autores observaram que, entre 1991 e 1997, ataxa de crescimento da produtividade do trabalho na indústriabrasileira havia aumentado cerca de 5,3% a.a., enquanto a depaíses como os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido e oJapão foi de 3,6%, 2,3%, 2,5% e 2,0%, respectivamente. Se essastaxas de crescimento fossem o único fator a ser considerado, oBrasil estaria então em uma posição de vantagem relativa, jáque aqui as taxas de crescimento da produtividade do trabalhosão bem acima da média.

Entretanto, para compreender como os padrões de vida e de-sempenho econômico estão relacionados, faz-se necessário de-senvolver medidas comparáveis de produtividade em valoresabsolutos. Assim, esses autores calcularam a produtividade apartir de comparações internacionais de PIB/hora trabalhada ede padrões de vida a partir de PIB/população (ou "per capita")em vários países e converteram os resultados a uma mesma pa-ridade de poder de compra (PPC), com dados de 1996.

Os resultados encontrados foram os seguintes: (a) os Esta-dos Unidos estão muito à frente da União Europeia (UE) e do

Lalo de Almeida/Folha Imagem

A principal forçaexplicativa do

desenvolvimentoeconômico é a mudança

tecnológica, inclusive sobo aspecto organizacional.

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12 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

Japão, tanto em termos de PIB "per capita" (renda), quanto emprodutividade do trabalho, com destaque para o fato de que naUE seus trabalhadores atuam com um menor número de ho-ras, as regras trabalhistas são mais rígidas e é mais baixa a par-ticipação da população em idade ativa; (b) no Japão, é o oposto,pois em geral a produtividade do trabalho é abaixo da médiada OCDE, mas o PIB "per capita" é superior, o que se explicapelo maior número de horas por trabalhador, menor desem-prego, maior participação da mão de obra em idade ativa e me-nor dependência da população em idade não ativa.

Os mesmos indicadores foram analisados para a Ásia e aAmérica do Sul, e comparados aos dos Estados Unidos. Nessesdois continentes, o PIB "per capita" e a produtividade do tra-balho em ambas as regiões estão muito aquém dos níveis nor-te-americanos, e importantes diferenças podem ser observa-das. Em primeiro lugar, a produtividade do trabalho e o PIB"per capita" são mais baixos na Ásia do que na América Latina.Em segundo lugar, o hiato de produtividade em relação aos Es-tados Unidos (em valores absolutos) é maior do que o hiato dePIB "per capita" no caso da Ásia, enquanto a produtividade dotrabalho na América do Sul está mais próxima do nível norte-americano do que do seu PIB "per capita".

Tanto na Ásia quanto na América Latina, as horas anual-mente trabalhadas são maiores do que nos EUA. Entretanto, abaixa participação da força de trabalho em idade ativa na mãode obra empregada anula esse efeito do número de horas tra-balhadas sobre o PIB "per capita". Quanto ao Brasil, sabe-seque mesmo crescendo, inclusive mais recentemente, a produ-tividade ainda é muito baixa.

Essas informações nos levam a concluir que as políticas pú-blicas devem ter como foco o número de horas trabalhadas, oaumento da participação da mão de obra em idade laboral, aqualificação da mão de obra para que o produto "per capita"aumente, os custos salariais, inclusive encargos, e os estímulosrelativos à opção entre o uso relativo de mais capital ou traba-lho, visando aumentar o nível de vida da população. Ou seja,fazer também com que o nível de produção atenda às neces-sidades do "número de bocas a alimentar".

2. Políticas Industriais no Brasil -Breve Retrospectiva

Nas diversas fases da industrialização brasileira até o finalda década de 90 foram adotados três instrumentos principais,não necessariamente simultâneos, de política industrial: pro-teção tarifária e não tarifária muito elevadas, controles de câm-bio e, em determinados períodos, até desvalorizações cam-biais, com a finalidade de elevar excedente exportável. Muitasvezes, importações consideradas essenciais foram subsidia-das e exportações foram prejudicadas devido ao imposto im-plícito no câmbio, quando sobrevalorizado. Para neutralizaresse viés, aplicaram-se, especialmente durante o período1965/85, diversos esquemas de apoio às exportações.

No governo Sarney (1985 a 1990), houve o ensaio de algu-mas políticas de âmbito setorial ("industrial targeting"), atra-vés dos PSIs – Programas Setoriais Integrados, negociados noâmbito das Câmaras Setoriais. A tarefa da formulação dos PSIs

foi atribuída às entidades de classe patronais representativasdos setores de atividade então eleitos.

Nesse sentido, cabe observar que o exercício de reflexão so-bre as demandas setoriais e formulação de pleitos, iniciadocom os PSIs, acabou por se internalizar em algumas entidadespatronais. O benefício disso é que essas entidades aprenderama organizar e manifestar de forma ainda mais contundente assuas demandas junto à sociedade e ao governo, e adotam estaprática, legítima em um regime democrático, até os dias de ho-je. Tal amadurecimento institucional tem viabilizado a condu-ção da política industrial do período Lula.

As políticas setoriais foram alteradas com a administraçãoCollor (1990 a 1992), que simplificou radicalmente o sistema depolítica industrial e de comércio exterior até então vigente, fa-zendo uma revisão da política de importações e abolindo vá-rios incentivos fiscais e/ou re-gionais. Entre 1990 e 1994, nes-se governo e no de Itamar Fran-co, a liberalização comercial e aprivatização foram pratica-mente os únicos novos instru-mentos da política industrial.

De acordo com a filosofia doPlano Real (1994), a criação deuma economia eficiente deve-ria se fundamentar em merca-dos livres e numa economiaaberta para o comércio. Dadoesse contexto, uma das priori-dades esteve em identificaráreas em que houvesse falhasde mercado. Entretanto, devidoà extensa lista de possíveis fa-lhas e à dificuldade de agir so-bre elas sem dispor das refor-mas constitucionais e das regu-lações necessárias, não se pôdeatuar muito nesse sentido.

De qualquer forma, forammantidas as linhas gerais daspolíticas industrial e de comércio exterior, inauguradas em 1990e baseadas em duas estratégias principais: uma política de com-petição, ou de concorrência, e uma política de competitividade.

A política de concorrência compreendia a liberalização co-mercial, que expôs a indústria brasileira à competição externa,e a política contra o abuso de poder de mercado visava melho-rar as condições de competição no mercado interno. Entretan-to, as alterações na estrutura e atribuições do Conselho Admi-nistrativo de Defesa Econômica (CADE) e da Secretaria de Di-reito Econômico (SDE) sugerem que o governo deu mais aten-ção a esses aspectos somente a partir de 1996.

Já em relação à política de competitividade, associada aoPCI (Programa de Competitividade Industrial), ao PBQP(Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade) e aoPACTI (Programa para o Aumento da Competitividade Tec-nológica Industrial), os resultados estiveram aquém do es-perado. O primeiro deveria propor as diretrizes gerais e ins-

Tanto na Ásia quantona América Latina,

as horas anualmentetrabalhadas são

maiores do que nosEUA. Entretanto, a

baixa participaçãoda força de trabalho

em idade ativa namão de obra

empregada anulaesse efeito do

número de horastrabalhadas sobre o

PIB "per capita".Quanto ao Brasil,

sabe-se que mesmocrescendo, inclusivemais recentemente,

a produtividadeainda é muito baixa.

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13MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

trumentos da política de competitividade, além de indicar asiniciativas de governo na área. No entanto, o programa nãoconseguiu articular diretrizes, ações e instituições envolvi-das para cumprir os seus objetivos.

O PBQP foi organizado em programas de conscientização emotivação, desenvolvimento e difusão de métodos modernosde gestão empresarial e capacitação de recursos humanos, en-tre outros. Esse programa foi razoavelmente bem-sucedido,dado o empenho das agências governamentais envolvidas e,principalmente, pela convergência de suas propostas com asnecessidades da indústria num quadro marcado pelo processode ajustamento induzido pela abertura comercial. Quanto aoPACTI, só a partir de 1997 os incentivos passaram a ser con-cedidos e utilizados de forma mais apreciável.

A questão do emprego caiu no âmbito da política industrial

foi denominada de etapa de reestruturação e expansão com-petitiva do sistema industrial.

Para concretizar seus objetivos gerais, a ação governamentalfoi formulada em duas principais linhas de ação. A primeiraconsistiria na criação e manutenção de um ambiente favorávelao desenvolvimento das estratégias empresariais, por meio docombate aos fatores que compõem o "custo Brasil", refletido nascarências de infraestrutura econômica e educacional, nas distor-ções do sistema tributário, no elevado custo do financiamento,no elevado custo da mão de obra (dados os pesados encargossociais que incidem sobre esses custos), e na regulamentação ex-cessiva e inadequada da atividade econômica, entre outros as-pectos. A segunda linha consistiria no apoio e estímulo a expan-são e modernização do parque industrial brasileiro.

Nesse sentido, pode-se notar que aumenta a preocupaçãocom a melhoria da compe-titividade, como meio pa-ra alcançar os objetivos decrescimento econômico,de maior inserção na eco-nomia internacional e doaumento do emprego. Emcomparação com o quin-quênio anterior, as políti-cas de competitividadetornaram-se mais diversi-ficadas, pela eliminaçãode parte do viés antiexpor-tador dos períodos ante-riores, por meio da desva-lorização cambial queveio em 1999.

No governo FHC, oprincipal documento ofi-c i a l d e e n u n c i a d o d eorientações e intençõesintitulava-se Política In-dustrial, Tecnológica e deComércio Exterior, e veioem setembro de 1995. Es-

se documento apontava como principal objetivo da políticaindustrial do governo a consolidação de um novo padrão deexpansão para o sistema industrial brasileiro. A ideia centralseria criar condições para que as empresas migrassem parauma etapa que deveria ser caracterizada por uma posturaofensiva, baseada no crescimento da capacidade de produ-ção e de inovação tecnológica.

Nesse contexto, as políticas industrial e de comércio exteriorforam formuladas com três objetivos: a) expandir a produção eo consumo interno de bens e serviços, com auxílio da expansãoe melhoria do intercâmbio com o exterior, b) desconcentrargeograficamente a produção industrial, mediante o apoio e es-tímulo ao fortalecimento dos polos industriais já existentes e oaproveitamento de novas oportunidades de investimento emnível regional; e c) aumentar e melhorar a qualidade das opor-tunidades de trabalho, com apoio no dinamismo da atividadeindustrial, na formação e capacitação da mão de obra e na cor-

dentro da visão do Plano Real. A argumentação foi de que achave para o emprego repousaria em políticas para o mercadode trabalho, políticas de treinamento, educação e saúde. Aquestão da infraestrutura também não foi considerada nessecontexto de política industrial, apesar da sua importância.

Portanto, o período 1990/95 resultou na adaptação das em-presas ao então novo contexto de liberalização do comércio ex-terno, no avanço do processo de desestatização e nas perspec-tivas de retomada em investimentos produtivos, principal-mente de capital estrangeiro. Houve pouco avanço nos esfor-ços de capacitação tecnológica e a política macroeconômicagerou fortes déficits na balança de transações correntes.

Nos anos 1995/96 veio um novo conjunto de medidas e mo-bilização de diversos novos instrumentos que introduziramuma certa ruptura em relação ao padrão de política vigente en-tre 1990 e 1995 sem, no entanto, ressuscitar o modelo protecio-nista vigente até a década de 80. Tal fase da indústria brasileira

Fábio Motta/AE

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reção de distorções no mercado de trabalho desestimuladorasda geração de empregos na atividade formal.

No campo da competitividade, o governo FHC parece ter en-veredado por uma linha de maior ativismo relativamente aosdois anteriores, ao mesmo tempo em que pretendeu corrigir al-guns excessos da liberalização comercial, seguindo os seguintesobjetivos: (a) fomentar a expansão dos investimentos, princi-palmente por meio de políticas horizontais de liberalização dosmercados e de desoneração das inversões e da produção, inclu-sive participando ativamente da competição para atrair novosinvestimentos externos; (b) dar sequência ao objetivo de mantera pressão da concorrência doméstica e externa sobre o parqueindustrial brasileiro, mas preservando os produtores locais depráticas comerciais não aceitas pela OMC (Organização Mun-dial do Comércio) e criando condições diferenciadas e mais fa-

cesso de privatização dos portos – aquele que poderia mais ra-pidamente produzir impactos favoráveis à competitividadedas exportações – foi o que avançou com maior lentidão.

As políticas subnacionais ou estaduais se aprofundaramnesse período em relação aos anteriores. A ênfase dessas ini-ciativas concentrou-se na concessão de incentivos ligados aoICMS, para a atração das empresas de grande porte, como asmontadoras de veículos.

Entre outros desdobramentos, vale destacar: (a) as ações pa-ra a redução do custo Brasil no quinquênio foram menos en-fáticas do que no período anterior, apesar do lançamento deprogramas como o Avança Brasil; (b) na arena das políticas se-toriais, apenas o Acordo Automotivo de 1995 sobreviveu; e (c)a convivência de países de tamanhos, estrutura produtiva esistemas tarifário-cambiais muito distintos trouxe grandes di-

ficuldades de convivência no Mercosul.Sob o ponto de vista macroeconômico, a

partir de meados dos anos 90, predominaramos esforços de consolidar a estabilização daeconomia ante os desafios representados pelascrises mexicana, asiática e russa, que exigiram,dado o recurso à âncora cambial então adota-da, ajustes via políticas monetárias, com forteelevação dos juros reais em momentos especí-ficos no tempo logo em seguida àquelas crises.Essa estratégia foi seguida até o começo de1999, quando o Brasil optou por desvalorizar ocâmbio e passou a adotar um regime de taxascambiais flutuantes. Um dos resultados dessesajustes foi o crescimento do PIB a taxas bem in-feriores às socialmente necessárias e desejá-veis. Outra das principais implicações dosajustes macroeconômicos com abertura co-mercial e reforma do Estado foi a escassa cria-ção de novos postos de trabalho, que fez comque a taxa de desemprego urbano aumentassede 1995 a 1999, depois de ter diminuído entre1992 e 1995. A abertura comercial e financeira ea privatização contribuíram para que ocorres-sem ganhos de produtividade durante boa

parte da década de 90. Entretanto, os ganhos de produtividadeda mão de obra industrial ocorreram com prejuízo da criaçãode novos postos de trabalho no setor.

Tais efeitos macro e microeconômicos modificaram a agen-da de políticas de competitividade e ampliaram a sua comple-xidade. Por um lado, acentuou-se a necessidade de gerar ex-portações. De outro, a necessidade de gerar novos empregostornou-se ainda mais aguda em face do aumento da taxa de de-semprego, aumento esse que decorreu, como vimos, da con-junção das forças da desaceleração econômica com as da revo-lução da produtividade. Isto colocou as empresas de pequenoe médio porte em posição mais central entre os objetivos daspolíticas de competitividade, em vista dos elevados volumesde emprego que geram.

Assim, a agenda do final da década de 90 apresentou novosdesafios, dado o novo entorno micro e macroeconômico, e veioa requerer novos instrumentos e estratégias. A palavra de or-

voráveis para a recuperação dos setores mais fortemente impac-tados pela liberalização comercial; (c) transferir para as instân-cias subnacionais , em especial, aos Estados da Federação, asfunções de desenho e implementação de instrumentos de po-lítica industrial e de gestão pública da infraestrutura.

Vale observar que a política de exportação, em que pese asua óbvia relevância para o programa de estabilização da eco-nomia, não se consolidou como prioridade de fato, na medidaem que iniciativas de fomento à exportação esbarravam nainadequada estrutura institucional responsável pelo setor,com funções e responsabilidades dispersas entre vários minis-térios. E estava sempre presente o problema da valorizaçãocambial, que se agravou com o Plano Real.

A pluralidade de comando resultou na baixa eficiência dasmedidas adotadas formalmente. As dificuldades encontradasnas áreas de financiamento e de promoção comercial parecemparadigmáticas deste ponto de vista. Da mesma forma, o pro-

No governodo presidenteFernandoHenrique Cardoso(foto), o principaldocumento oficialde enunciadode orientaçõese intençõesintitulava-sePolítica Industrial,Tecnológica e deComércio Exterior,e veio em setembrode 1995.

Lula Marques/Folha Imagem

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dem foi dar prioridade à geração de emprego e de renda, com-plementada com a da necessidade de gerar exportações parareduzir a limitação externa. As duas novas e principais orien-tações estratégicas foram as destinadas a aumentar o nível deemprego, e aí aparecem como atores privilegiados as PME e oapoio às exportações, com destaque para as iniciativas de aper-feiçoar os mecanismos de financiamento às vendas externas,tanto no âmbito do BNDES quanto fora dele.

A política industrial de fato praticada na década foi uma sín-tese de alguns instrumentos herdados das fases anteriores deindustrialização, mantidos muitas vezes por questões de or-dem política (Zona Franca de Manaus e outras políticas regio-nais do governo federal), com os instrumentos básicos do pe-ríodo de liberalização do início dos anos 90 e com novas po-líticas de fomento e de regulação introduzidas ou consolida-das nos dois últimos anos da década, nosníveis nacional e subnacional.

A principal medida de política industrial doperíodo foi de cunho marcadamente setorial, oreferido Acordo Automotivo de 1995. Houvetambém iniciativas de políticas horizontais,dentre as quais se destacam algumas medidaspara a redução do custo Brasil, legislação dedefesa comercial, política de financiamento doBNDES e a política de competição (antitruste).Entretanto, a prioridade recaiu sobre a políticamacroeconômica de estabilização e as açõespara a redução do custo Brasil mostraram-seesparsas e sem coordenação.

As preocupações com o desempenho ex-portador e com a insuficiência de geração depostos de trabalho relativamente ao cresci-mento da população economicamente ativa(PEA) estimularam o surgimento de um gran-de número de iniciativas e instrumentos depolítica econômica relacionadas com políticasde competitividade. Entretanto os resultadosobservados foram aquém do esperado.

Segundo Bonelli (2001), a falta de êxito daaplicação das políticas se deve principalmen-te à falta de correspondência entre as medidas e ao fato de queas principais iniciativas governamentais ficaram restritas àsáreas de crédito e financiamento e de isenções fiscais. O dis-curso e a prática oficial em matéria de política industrial e decomércio exterior são únicos apenas na medida em que os mi-nistérios relevantes justificaram suas medidas em nome danecessidade de equilíbrio na balança comercial e da manu-tenção de empregos nos setores da indústria mais afetadospela abertura comercial.

No dia a dia da condução da política econômica, no entanto,houve divergências quanto ao grau de estímulo necessário,qual setores estimular, qual o papel a ser atribuído à políticacambial e qual atribuir à política de crédito (sob controle doBanco Central e, em parte, do Banco do Brasil, ambos na órbitada Fazenda) e de financiamento do BNDES (então no âmbitodo Ministério do Planejamento e Orçamento).

O resultado foi a adoção de medidas aqui e ali, sem um traço

integrador em termos de política industrial. No todo, o conjun-to de medidas que teve maior impacto sobre a indústria con-tinuou a ser a liberalização comercial e financeira.

3. A Política Industrial no Governo Lula

Os programas de competitividade introduzidos no Brasilno início dos anos 90, de visão neoliberal, enfatizaram a dire-triz de exposição abrupta da indústria nacional à competiçãointernacional como meio de elevar sua competitividade nocurto prazo, relegando a um segundo plano os objetivos de ca-pacitação tecnológica e reduzindo assim sua capacidade de al-cançar uma eficiência dinâmica no médio e longo prazo.

Já o governo Lula desenvolveu dois programas de interven-ção que visaram a acelerar o processo de absorção tecnológica

Em março de 2004,no primeiro mandatodo presidente Lula(foto), foi lançadaa Política Industrial,Tecnológica e deComércio Exterior(PITCE), com ameta de promoverUS$ 100 bilhões emexportação e, comisso, a corrente decomércio ultrapassar35% do ProdutoInterno Bruto (PIB).

em alguns setores considerados essenciais para a matriz pro-dutiva e objetivando acelerar o seu processo de aprendizado.Essa política está conceitualmente melhor assentada, ao serfundamentada na visão evolucionista, mas requererá ajustes.

Em março de 2004, foi lançada a Política Industrial, Tecno-lógica e de Comércio Exterior (PITCE), com a meta de promo-ver US$ 100 bilhões em exportação e, com isso, a corrente decomércio ultrapassar 35% do Produto Interno Bruto (PIB). APITCE foi construída a partir da afirmação da inovação e doavanço científico-tecnológico como estratégia de enfrenta-mento da competição e ampliação da inserção externa.

Nessa etapa, a grande conquista foi o fortalecimento do ar-cabouço institucional que se capacitou para conduzir as açõesde política industrial no Brasil. Foi então criada a Agência Bra-sileira de Política Industrial (ABDI), responsável por articularas iniciativas com as entidades empresariais e executar as po-líticas, "juntando o desenvolvimento tecnológico com as ne-

Celso Júnio/AE

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cessidades da indústria, para produzir resultados na última li-nha da produção industrial".

Além disso, a Agência Brasileira de Promoção de Exporta-ções (APEX), que funcionava como uma Gerência Especial doSebrae Nacional, em março de 2003, passou a ser denominadaAPEX-Brasil, constituindo-se em um Serviço Social Autônomoligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér-cio Exterior, ganhando autonomia e passando a desempenhar,no Governo Federal, a função de coordenar e executar a políticade promoção comercial do País. Entre 2003 e 2004, a Agênciapassou por uma modernização gerencial, quando foram im-plantados sistemas de planejamento, gestão estratégica e de in-teligência comercial e aumentando significativamente o núme-ro de atividades e ações de promoção no Brasil e no exterior.

Na PITCE foram escolhidos quatrosetores prioritários para a política indus-trial: semicondutores, fármacos, softwa-re e bens de capital. As demais medidashorizontais, que, infelizmente, perde-ram força com a saída do Ministro Fur-lan, foram: o RECOF, que consistia numprograma do Ministério da Fazenda,que buscava agilizar o trabalho dasaduanas e o programa de reestruturaçãodo Instituto Nacional de PropriedadeIndustrial (INPI).

Em maio de 2008, num momento emque a conjuntura econômica interna eexterna mostravam-se extremamentefavoráveis, a PITCE foi reformulada edenominada de Política de Desenvolvi-mento Produtivo (PDP), com o objetivogeral de dar sustentabilidade ao ciclo deexpansão vivido naquele momento.

4. Os quatro desafios e asmacrometas da PDP - umaavaliação

Na PDP o governo federal definiuquatro desafios, relacionados ao cumprimento de grandes ob-jetivos, ou diretrizes, para o País, relacionados a quatro "ma-crometas" que deveriam ser alcançadas até 2010, a saber:

1º Desafio: Fortalecer MPEs - Macrometa: dinamiza-ção das micro e pequenas empresas via aumento de 10%no número de micro e pequenas empresas exportadoras,saindo de 11.792 empresas para 12.971 em 2010.Esta meta não foi atingida pois, com o dólar sobrevalorizado, a

pequena empresa percebe que exportar dá muito trabalho e pou-co lucro, e de um modo geral tem havido a redução de empresasindustriais exportadoras. Os principais instrumentos para alcan-çar a meta foram as desonerações fiscais e os financiamentos. Asdesonerações fiscais são muito complexas para o aproveitamentoda pequena empresa e não compensam a valorização do câmbioe os juros elevadíssimos. Quanto aos financiamentos às exporta-ções e aos investimentos oferecidos por bancos oficiais à pequena

empresa, o problema é o acesso ao crédito, conforme apresenta-remos no detalhamento da macrometa seguinte.

2º Desafio: Ampliar capacidade de oferta - Macro-meta: ampliação do investimento fixo de 17,6% do PIB, ouR$ 450 bilhões, para 21% do PIB, ou R$ 620 bilhões, viacrescimento médio anual de 11,3% entre 2008-2010Segundo documento da Fiesp, a meta não foi atingida de-

vido aos efeitos da crise que sobreveio em 2008. Mas, a questãoé que os estímulos ao investimento acabam surtindo efeito emsetores onde há maior concentração de grandes empresas, quegeram proporcionalmente menos empregos, estão mais con-centradas nas regiões mais desenvolvidas e têm maior poderde fixação de preços. As médias e pequenas, que mais absor-

As principais fontes de financiamento das MPEs são: a negociação de prazos (71%),o cheque especial/cartão de crédito (49%) e cheque pré-datado (45%).

vem mão de obra em idade ativa, proporcionalmente, e que es-tão mais dispersas regionalmente, ficam de fora.

Cabe assim uma avaliação da ação do BNDES. Ele tem exer-cido um papel importantíssimo na disponibilização de instru-mentos para a ampliação dos investimentos, a despeito documprimento ou não dessa meta no prazo estipulado. Em2009, o banco registrou o maior volume de desembolsos de suahistória (R$ 137,3 bilhões). O crescimento foi de 49% em relaçãoaos desembolsos de 2008. Incluindo repasses para operaçõesde giro a bancos federais, o valor vai a R$ 139,7 bilhões.

As liberações para o setor industrial atingiram R$ 60,1 bi-lhões, uma alta de 54% em relação a 2008. Os desembolsos parainfraestrutura totalizaram R$ 46,5 bilhões, um aumento de32% na comparação com o ano anterior.

Conforme citado anteriormente, há, entretanto, dois viesesno perfil de empresas que o BNDES financia. As liberações es-tão concentradas em indústrias de grande porte e o acesso

Newton Santos/Hype Leonardo Rodrigues/e-Sim

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ocorre em setores mais oligopolizados, que, por sua vez, ab-sorvem relativamente pouca mão de obra.

Apesar de um grande esforço, no sentido da ampliação daabrangência da atuação do BNDES para as empresas indus-triais de menor porte, através do cartão BNDES (1) , ainda háfortes limitações na atuação junto a esse segmento numeroso,porque muitas empresas pequenas não têm seus impostos emdia, e estão listadas no CADIN - Cadastro Informativo de Cré-ditos não Quitados do Setor Público Federal (2). Por isso, nãotêm acesso a financiamentos dos bancos oficiais.

Contudo, dos R$ 60,1 bilhões liberados para a indústria em2009, apenas R$ 2,9 bilhões foram destinados para financiarmicro, pequenas e médias empresas (MPEs) (3) do setor indus-trial, de acordo com o próprio BNDES.

equipamentos, produtos de metal, plástico e gráfico.Nesse sentido, o acesso do financiamento público ao investi-

mento nas empresas de setores menos concentrados precisa serampliado, para que a indústria como um todo possa investir econtribuir mais para a geração de oportunidades de emprego.

A Tabela 1 mostra os desembolsos do BNDES em 2008 e2009 e o emprego formal no final deste último ano, com ambasvariáveis discriminadas segundo os gêneros industriais.

O financiamento, por meio do BNDES, foi assim o instru-mento mais efetivo da PDP. O banco também atuou de maneiracomplementar à referida política, com o objetivo de formarmultinacionais brasileiras, financiando grupos nacionais nacompra de empresas no exterior. Até o final de 2009, concedeurecursos da ordem de R$ 8 bilhões por meio de sua linha de in-

ternacionalização (Oi /Telemar, Totvs,Fibria, BRF Brasil Foods e JBS). Tal ini-ciativa é válida, pois permite certa di-versificação de riscos ao fortalecer a ca-deia de fornecedores dessas empresas,além de permitir certa inversão do mo-vimento de remessa de lucros.

3º Desafio: Elevar capacida-de de inovação - Macrometa -elevação do gasto privado em Pes-quisa e Desenvolvimento (P&D) de0,51% do PIB, ou R$ 11,9 bilhõesem 2005 segundo a PINTEC,para 0,65% do PIB em 2010, ouR$ 18,2 bilhõesÉ comum, entre as várias linhas de

pensamento acadêmicas nacionais, apercepção de que o Brasil encontra-seem estágio intermediário de desen-volvimento tecnológico e que existe anecessidade de difusão de inovaçõesem vários setores. Somado a isso e se-guindo a lógica de pensamento de po-lítica industrial "evolucionista", amudança tecnológica, através da po-

lítica de inovação, é a alavanca para o desenvolvimento eco-nômico. Mas, muito ainda há que aprimorar quanto aos ins-trumentos oferecidos pelo Estado para estimular a inovação.Por exemplo, segundo pesquisa da Fiesp, 80% dos recursosdestinados a essa finalidade levantados pelas empresas in-dustriais, advém de recursos próprios (4).

Além disso, o principal instrumento desenvolvido no PDP pa-ra o fomento à inovação – e também para o aumento das expor-tações – foi a criação de regimes tributários especiais, através dachamada de Lei do Bem. No entanto, a adesão a esses regimes,cinco anos após a aprovação desses benefícios, foi muito baixa.

Especificamente no programa que, entre outros incentivos,concede descontos no pagamento de Imposto de Renda parapessoas jurídicas que realizam pesquisa e desenvolvimento(P&D), a adesão foi de 552 empresas até 2008, mas só 441 tive-ram o pedido de incentivo autorizado sem restrição pelo Mi-nistério da Ciência e Tecnologia. Esse número corresponde a

O Brasil encontra-se em estágio intermediário de desenvolvimento tecnológicoe há a necessidade de difusão de inovações em vários setores da economia.

Fábio D'Castro/Hype Rodolfo Buhrer/Divulgação

De acordo com a pesquisa do Sebrae/SP realizada em 2009,as principais fontes de financiamento ainda utilizadas pelasMPEs são: a negociação de prazos com os fornecedores (71%),o cheque especial/cartão de crédito (49%) e o cheque pré-da-tado (45%). Essas proporções superam em muito a de tomado-res de empréstimos em bancos que foi estimada em 22% .

Além disso, cinco setores da indústria de transformaçãoconsomem 66% dos recursos do BNDES, mas estes setoresempregam apenas 15% da mão de obra da mesma indústria.São eles: siderurgia, petroquímica, veículos/montadoras,veículos/autopeças eletroeletrônica e papel e celulose. Paracompletar, o poder de fixação de preços em setores produto-res de bens intermediários como: siderurgia, petroquímica epapel e celulose – que têm se tornado cada vez mais fortes emais concentrados – reduz a competitividade das empresasmenores, já que ditam as regras no fornecimento dos insumospara setores menos concentrados como os de máquinas e

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menos de 1% do universo das 6 mil empresas que poderiam secandidatar a receber o benefício. Nem as empresas maiores en-tendem muito bem a lei.

As desonerações fiscais são ainda mais complexas para o apro-veitamento da pequena empresa, que segundo o Sebrae (2009),inova essencialmente com recursos próprios. Em particular, agrande maioria dos instrumentos de desoneração se aplica ape-nas às empresas tributadas sob o regime de lucro real. Portanto, astributadas sob o regime de lucro presumido e sob o regime doSimples não podem usufruir dos benefícios fiscais disponibiliza-dos pelos mesmos. Portanto, os instrumentos de desoneraçãonão conseguem alcançar as micro, pequena e nem algumas mé-dias, um conjunto que abrange 90% do universo.

O uso das compras governamentais como instrumento de es-tímulo à inovação também tem sido pouco difundido no Brasil,

mas é aplicado com maior ênfase e com bons resultados nascompras de medicamentos junto ao setor farmacêutico. Outramodalidade de estímulo à inovação na indústria tem ocorridovia financiamento à aquisição de equipamentos. Entretanto, fo-mentar a compra de equipamentos não é a única forma de es-timular a inovação. A integração entre a universidade e a em-presa seria também um instrumento poderoso, mas até hoje nãorecebeu a ênfase suficiente para que ocorra. Por isso, com ou semcrise, esta meta seria dificilmente atingida.

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada - IPEA aponta que apenas 1,9% dos 26 mil doutoresempregados está na indústria, enquanto 66% permanecem nauniversidade, e outros 18% estão no setor público. Isso se devea fatores que devem ser corrigidos, com urgência (5).

Do lado da indústria, a dificuldade das empresas absorverem

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pesquisadores decorre das leis trabalhistas, que dificultam aformalização do trabalho temporário do pesquisador na mes-ma empresa e da falta de diálogo entre a indústria e a univer-sidade, o que dificulta especificação e o aprofundamento das li-nhas de formação e de pesquisa de interesse da primeira. Do la-do da academia, o sistema de avaliação da produção científica,apesar de a partir de 2004 ter passado a pontuar a produção depatentes, não tirou o viés de estímulo à produção de artigos noexterior. Em síntese, o pesquisador ainda não tem estímulos su-ficientes para se engendrar nos problemas da indústria.

Programas de extensionismo industrial, que envolvem a pre-sença de consultores (em geral mestres e doutores) em pequenasempresas com o objetivo de sugerir melhorias (inovação incre-mental) em gestão, em produtos e em processos industriais nãotem recebido a atenção que merecem. Nos Estados Unidos, aparticipação nesses programas pontua na avaliação da carreiraacadêmica, tanto quanto a produção científica.

No que tange ao estímulo à inovação, especificamente naárea industrial ambiental, percebemos, nas entidades patro-nais em que atuamos, a total inexistência de soluções em en-genharia ambiental voltadas para o desenvolvimento de "kits"que consistam no fornecimento de conjuntos de equipamen-tos (seja para o tratamento de efluentes na água, de emissão depoluentes no ar ou de redução do ruído) direcionados para apequena empresa, de acordo com o tipo de problema ambien-tal gerado em cada setor. Eles deveriam ser financiados peloBNDES, e a concessão dos recursos deveria estar totalmentedesvinculada da sua situação em termos de dívidas fiscais, ouseja, da sua presença ou não na listagem do CADIN.

4º Desafio: Preservar o balanço de pagamentos–Macrometa: ampliação das exportações e aumento daparticipação do Brasil nas exportações mundiais de1,18% em 2007, ou US$ 160,6 bilhões, para 1,25%, ouUS$ 208,8 bilhões em 2010Aqui vale observar que a sobrevalorização do real neutraliza

a força de todos os instrumentos governamentais desenvolvi-dos para o fomento à exportação, com ou sem crise. O que se viuno período foi o forte crescimento das importações de produtosindustrializados e o aumento da importância da indústria ex-trativa, que passou de 26% do PIB em 1991 para 34% em 2009,bem como das suas exportações. Segundo o Ministério do De-senvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC), cerca de580 empresas deixaram de exportar entre 2002 e 2009 e 8.491 no-vas empresas importadoras foram criadas nos últimos seteanos. Sem contar os hipermercados ,que deixaram de usar tra-dings e passaram a importar diretamente.

As exportações cresceram, mas ficaram concentradas emcommodities. No médio e longo prazos, depender de expor-tações de commodities (produtos básicos e alguns semimanu-faturados) torna as receitas externas mais vulneráveis às osci-lações de preços. Mais uma vez estamos estimulando o desen-volvimento de setores (como os produtores de commodities)que absorvem pouca mão de obra.

Muitas medidas de desoneração criadas para fomentar as ex-portações também tiveram baixa adesão devido à sua comple-xidade. Por exemplo, o RECAP- Regime Especial de Aquisição

de Bens de Capital para Empresas Preponderantemente Expor-tadoras isenta as empresas que exportam em mais de 60% da suaprodução de PIS e Cofins na compra de máquinas e equipamen-tos. Segundo dados da Receita Federal, até dezembro de 2009,apenas 222 empresas haviam aderido ao programa. Apenas asgrandes empresas conseguem entender essas medidas e lançarmão dos recursos disponibilizados pelas mesmas.

Além disso, os acúmulos de créditos fiscais não recuperadospelos exportadores agravam o problema da falta de competi-tividade das exportações imposto pelo câmbio. Estes represen-tam 5,8% da carga de 22,9% que recai sobre a receita de expor-tações no processo produtivo industrial, segundo o Depe-con/Fiesp. Estima-se que os exportadores tenham a receber R$32 bilhões em créditos acumulados. Destes, R$ 12 bilhões sãoda dívida federal e R$ 20 bilhões em ICMS dos Estados.

Passando ao plano das negociações comerciais, muitas ne-gociações de acordos bilaterais que o governo Lula promoveunos últimos anos não foram selecionadas a partir das priorida-des comerciais do setor produtivo brasileiro, mas foram dita-das pela agenda da política internacional do Itamaraty. Comoexemplos, podemos citar os acordos com países como Israel,

O financiamento, por meio do BNDES, foi oinstrumento mais efetivo da PDP. O banco financiou

grupos nacionais na compra de empresas no exterior.

Divulgação

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Egito, Guiana e Marrocos, com os quais temos pouco interessecomercial. A ordem deveria ser inversa: os interesses comer-ciais setoriais deveriam direcionar esses acordos.

Com relação ao nosso vizinho mais importante, a AgênciaBrasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) passou a li-derar iniciativas com o objetivo de discutir os setores conside-rados estratégicos para as relações entre Brasil e Argentina, ede identificar de complementaridades de produção entre asindústrias de ambos os países.

Os governos dos dois países estão comprometidos com oprograma e, como principal eixo de estratégia de integraçãoeconômica, deverão adotar para os próximosanos ações como: a promoção de investimen-tos bilaterais, a participação acionária cruza-da, consórcios e redes para compartilhamentoda logística, além de acordos de fornecimentode longo prazo e empreendimentos conjuntosde desenvolvimento tecnológico. Numa pri-meira fase, já identificaram oportunidades decomplementaridades em setores como: petró-leo e gás, aeronáutica, mineração, indústrianaval, material ferroviário, autopeças, bio-combustível, softwares e construção civil.

É iniciativa muito válida, dada a relevânciado continente latino-americano para os inte-resses políticos e estratégicos brasileiros e ogrande peso econômico do Brasil em relação àsnações vizinhas. Tal iniciativa, além de contri-buir para reduzir as assimetrias entre os países, contribuirátambém para manter a estabilidade e a segurança regionais.

Cabe também uma referência quanto à questão da desin-dustrialização. As mudanças no contexto macroeconômicoque ocorreram no Brasil de 2002 a 2009 exerceram impactosmuito fortes sobre a composição da produção na indústria detransformação como um todo, com impactos diferentes em de-terminados setores da indústria e sobre as linhas de produçãode muitas fábricas, principalmente as multinacionais.

Entre essas interferências sobre os preços relativos e sobre asquantidades demandadas de produtos da indústria de trans-formação, podemos citar a sobrevalorização do real, o ciclo deprosperidade que se viveu até final de 2008, a maior agressi-vidade dos chineses no seu direcionamento de exportaçõespara o Brasil, a partir de 2005, o crescimento da renda no mer-cado doméstico e a crise de 2008-2009. Somam-se a estes os

efeitos indiretos de estímulo às exportações da PITCE e doPDP, apesar de seu impacto ter sido menos relevante se com-parados aos fatos anteriormente citados.

A Tabela 2 traz informações interessantes sobre como talcomposição da produção doméstica da indústria de transfor-mação se alterou de 2002 até 2009. Não incluímos dados da in-dústria extrativa nessa tabela, porque distorcem muito as infor-mações. Ela descreve a participação das importações no consu-mo aparente na indústria de transformação brasileira e a par-ticipação das exportações no valor da produção nominal,convertidos ao dólar médio de cada ano considerado: 2002, 2007

e 2009. A tabela traz também informações sobreos percentuais que essa indústria agregava devalor sobre a produção em 2002 e em 2007, e adiferença verificada nesses cinco anos (6).

O que se verifica, quanto à participação dasimportações no consumo aparente, é que com asobrevalorização do real, enquanto as importa-ções dos produtos da indústria de transformaçãoaumentaram em 102% de 2002 para 2007, a par-ticipação dessas mesmas importações no consu-mo aparente desses produtos caiu cinco pontosporcentuais (p.p.). Ou seja, o efeito das importa-ções ficou diluído pelo crescimento da demandae da produção doméstica no mercado interno, es-timulados pelo aumento da renda. A questão éque a capacidade de absorver importações temum limite. E este limite já foi atingido em 2007, a

partir de quando as importações já começam ocupar mais doispontos porcentuais. Ademais, dados do primeiro trimestre de2010 já mostram que parcelas maiores da produção doméstica noconsumo aparente estão sendo ocupadas por importados em vá-rios setores (pneus, produtos editoriais e ferramentas). Quanto àparcela da produção da indústria de transformação exportada aqueda de 25% para 15% descrita na Tabela 2 não deixa dúvidassobre o fato que o câmbio desestimulou bastante as exportaçõesde produtos da indústria de transformação no período.

Já a questão da desindustrialização em si pode ser eviden-ciada a partir dos dados da terceira grande coluna da mesma,onde é calculada a parcela que a indústria de transformaçãoagrega de valor sobre o valor bruto da produção industrial. Da-dos mais detalhados do mesmo período demonstram que hou-ve queda no coeficiente de valor adicionado em quase todos os122 setores da indústria de transformação, estratificados pela

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Os acúmulos decréditos fiscais nãorecuperados pelosexportadoresagravam oproblema da faltade competitividadedas exportaçõesimpostopelo câmbio.

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classificação CNAE a três dígitos. As exceções ocorreram emapenas onze setores. O aumento no valor agregado foi supe-rior a 5% nas seguintes atividades: serviços de acabamentosem fios, tecidos e artigos têxteis, por terceiros (+6%); recondi-cionamento ou recuperação de motores para veículos automo-tores (+6%); fabricação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas eprodutos afins (+7%); reprodução de materiais gravados(+7%); fabricação de máquinas, aparelhos e equipamentos desistemas eletrônicos dedicados à automação industrial e con-trole do processo produtivo (+8%); fabricação de produtos far-macêuticos (+8%); fabricação de fibras, fios, cabos e filamentoscontínuos artificiais e sintéticos (+10%); fabricação de cronô-metros e relógios (+12%); processamento, preservação e pro-dução de conservas de frutas, legumes e outros vegetais(+13%); construção, montagem e reparação de veículos ferro-viários (+14%); fabricação de máquinas paraescritório (+16%). Em outros 21 setores, os au-mentos no valor transformado em relação aoproduzido foram positivos, mas bem poucosignificativos, entre 1% e 5%. Vale lembrar queestamos tratando de um período de cinco anosde grande prosperidade.

O efeito mais perverso ocorreu sobre as in-dústrias nacionais chamadas "terceiristas" (emusinagem, fundição, moldes e forjarias), queproduzem, sob encomenda, peças para as in-dústrias naval, de motores, de máquinas e equi-pamentos, de veículos e de autopeças. São seto-res importantes, que detêm estoque de equipa-mentos e conhecimento na área de engenhariade processo. Como resultado da taxa de câmbiosobrevalorizada, muitos desses produtos inter-mediários, partes, peças e componentes, foramgradualmente substituídos por conjuntos im-portados, já que a importação de bens de menorcusto melhora os resultados dos fabricantes debens finais. Em outras palavras, as propostas dedesoneração fiscal e os estímulos definidos paraos setores da PDP, quando aproveitados, foramúteis apenas para a ponta da cadeia produtiva, mas não bene-ficiaram setores como esses do complexo metalmecânico.

Nas empresas multinacionais, o efeito da desindustrializa-ção tem sido ambíguo. Muitas fecharam linhas de produtos erealocaram sua produção para plantas em outros países ao lon-go desses anos. Chamo este fenômeno de "efeito queijo suíço": afábrica está aqui, mas está cheia de "buracos" na linha de pro-dução. No sentido inverso, depois da crise, em 2009, com a que-da na demanda nos EUA e na Europa tem ocorrido a transfe-rência de linhas de produção de produtos finais de consumo pa-ra o Brasil, para aproveitar do aumento de renda da populaçãoque tem mantido o mercado local aquecido. O efeito líquido éque o Brasil gradualmente se transforma numa "montadora".

Mecanismos da PDP para a Implementaçãodas Macrometas

A as ações da PDP foram concebidas em três níveis: 1) as

ações sistêmicas, 2) destaques estratégicos e 3) programas cha-mados "estruturantes" ou setoriais.

As ações sistêmicas procuraram gerar externalidades posi-tivas para o conjunto da estrutura produtiva, mas dependemda ação de políticas em outras instâncias governamentais. Sãoelas: desoneração tributária do investimento, aprimoramentodo ambiente jurídico, ampliação dos recursos e redução docusto do financiamento ao investimento fixo e ampliação dosrecursos para inovação.

Os destaques estratégicos são temas de política pública queforam escolhidos em razão de sua importância para o desenvol-vimento produtivo do País no longo prazo, como a ampliaçãodas exportações, a integração produtiva com AL e Caribe, o for-talecimento das MPEs, a integração com a África, a regionaliza-ção e a produção limpa com desenvolvimento sustentável.

Já os programas estruturantes para os sistemas produtivos fo-ram desenvolvidos a partir de planos de ação específicos para di-versos setores da economia, com o objetivo de promover avanços,a partir da ótica evolucionista. Estes foram separados por gruposde setores de acordo com o objetivo que se almejou alcançar, a par-tir da aplicação da referida política industrial PDP: áreas estraté-gicas, fortalecimento de competitividade e liderança.

Os programas mobilizadores em áreas estratégicasabrangem atuação sobre os seguintes setores: Complexo daSaúde, Energia Nuclear, TICs, Indústria de Defesa, Nano-tecnologia e Biotecnologia.

Os programas para fortalecer a competitividade abrangeminiciativas de política industrial nestes setores: Complexo Au-tomotivo; Bens de Capital; Têxtil e Vestuário; Madeira e Móveis;Higiene, Perfumaria e Cosméticos; Construção Civil; Comple-xo de Serviços; Biodiesel; Indústria Marítima; Couro e Calçados;Sistema Agroindustrial; Plásticos; e Eletrônica de Consumo.

E os programas para consolidar e expandir a liderança reu-

O impasse político no Brasil atrasa as reformas estruturais, principalmenteas que afetam a competitividade, como a tributária e a trabalhista.

Renato Luiz Ferreira/Luz

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niram intervenções nos setores que se seguem: Indústria Ae-ronáutica, Mineração, Siderurgia, Papel e Celulose, Petróleo eGás, Carnes e Bioetanol.

Para alcançar esses grandes objetivos foram lançadas 66medidas de caráter horizontal. Destas, 31 medidas objetiva-ram ampliar o acesso ao crédito, nove visaram à desoneraçãodos investimentos e outras oito são medidas regulatórias.Além disso, segundo o relatório do IPEA, seis, das 66 medidas,até o final de 2009 não haviam sido regulamentadas.

O Plano Brasil 2022

Em outubro de 2009, o presidente da República encomen-dou à Secretaria de Assuntos Estratégicos a elaboração de umPlano para o Brasil para 2022, que indicasse e sintetizasse o queo Brasil aspira ser.

Nesse plano, o Ministério do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior, propõe novos desafios e macrome-tas para a PDP. Os desafios relacionam-se à inclusão daquestão da produção limpa e sustentável na PDP e à articu-lação da PDP com o Programa de Aceleração do Crescimen-to (PAC), com a Copa do Mundo, com a Olimpíada e com osinvestimentos no Pré-Sal. As novas macrometas relacio-nam-se ao aumento da produtividade e à formação de re-cursos humanos para a indústria, mas continuam a ser de-finidas apenas a partir da visão restrita do contexto econô-mico doméstico.

Nossa avaliação da PDP - uma síntese

Quanto às ações sistêmicas, principalmente quanto às me-didas para a desoneração tributária para o investimento –com exceção da medida anticíclica de redução do IPI, que foide fácil divulgação e aplicação – elas se tornaram uma "col-cha de retalhos". Ao invés de se simplificar com uma reformatributária abrangente, que incluísse a desoneração para osinvestimentos e a concessão clara e objetiva de incentivos pa-ra a inovação, o sistema está se tornando cada vez e mais in-compreensível. Quanto aos destaques estratégicos o quevier, de fato, a ser considerado relevante entre estes desta-ques, deve ser incluído entre os desafios e as macrometas, co-mo veremos a seguir em nossas propostas. Sobre os progra-mas estruturantes ou setoriais, devem ser mantidos, masreorientados na linha da especialização produtiva, a partirdo aproveitamento de oportunidades que se apresentamdentro do contexto da concorrência global, com empresas domesmo setor de outros países com diferentes dotações de re-cursos. Além disso, deve ser substancialmente ampliado oacesso aos programas por parte das pequenas e médias em-presas, e nesses casos deve haver em cada programa a clarainclusão de incentivos para a produção sustentável, desvin-culados da regularidade da empresa no CADIN.

Quanto à institucionalidade da política industrial, a ação daABDI tem contribuído para que as instituições gradualmentepassem a atuar de forma sistêmica, mas ainda há dificuldadesde coordenação, pois os papéis de algumas instituições se con-fundem e se sobrepõem algumas vezes.

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5. Repensando os desafios: uma reavaliação dosambientes doméstico e internacional

O impasse político no Brasil, há décadas, atrasa as reformasestruturais, principalmente as que afetam a competitividadedas empresas nacionais, como a tributária e a trabalhista. APDP tenta contornar o problema tributário, com desonerações.Outra questão é que nela os desafios a enfrentar e as macro-metas foram traçados olhando-se simplesmente as necessida-des da economia doméstica. Partiu-se da visão conceitual evo-lucionista e das demais macrometas, mas não foram conside-radas nem as oportunidades de mercado, nem as restrições im-postas pelo o resto do mundo, nem as iniciativas de outrospaíses em matéria de política industrial.

Nesse sentido, a crise internacional modificou as premis-sas que orientaram a concepção do PDP, mas mesmo sem quea crise se tivesse deflagrado, notamos o predomínio desta vi-são autocentrada. Ou seja, a PDP ficou descolada da compre-ensão do novo contexto internacional, que já havia despon-tado anteriormente à crise, pois a emergência dos RICs (Rús-sia, Índia e China), enquanto mercados consumidores deprodutos industriais e enquanto concorrentes do Brasil, sãofatos que a precedem.

Por isso, deve ser mantida a concepção evolucionista emque a nossa política industrial está fundamentada, mas as de-mais orientações gerais estratégicas – os desafios e as respostasa eles –, devem ser revistos: a) à luz do contexto doméstico emque se insere a indústria brasileira na atualidade, olhando-sefrontalmente o problema do câmbio – dado que as perspecti-vas são de continuidade de ingresso de capitais estrangeiros –,e as suas consequências sobre a rentabilidade operacional, emparticular nos ramos da indústria de menor valor agregado esobre o estímulo ao próprio investimento em inovação; e b) àluz do contexto internacional vigente.

Mostraremos esses e outros argumentos a partir de umaanálise SWOT voltada para a indústria brasileira (7). "Trata-sede ferramenta utilizada para a gestão e o planejamento estra-tégico a partir de uma análise de cenários, com o objetivo deperceber a posição estratégica de uma empresa no seu ambien-te para fundamentar as ações a serem tomadas. O termo é umasigla oriunda do inglês, e é um acrônimo de Pontos Fortes ouForças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades(Opportunities) e Ameaças (Threats)" (8).

Nossa análise é aplicada à indústria brasileira e desdobra-senuma análise do ambiente interno onde essa ferramenta focanas variáveis internas a concorrentes, e numa análise do am-biente externo, das suas oportunidades e as ameaças, da qualsão extraídas as perspectivas de evolução do mercado e de ou-tras circunstâncias externas à nossa capacidade de decisão.

Os pontos fontes e as fraquezas são determinados pelaposição atual da indústria e se relacionam, quase sempre, afatores internos. Já as oportunidades e ameaças são anteci-pações do futuro e estão fundamentalmente relacionadas afatores externos.

O ambiente interno pode ser controlado, uma vez que éresultado das estratégias de atuação definidas pelos pró-prios membros da organização. Desta forma, durante a aná-

lise, quando for percebido um ponto forte, ele deve ser res-saltado ao máximo; e quando for percebido um ponto fraco,a organização deve agir para controlá-lo ou, pelo menos, mi-nimizar seu efeito.

Já o ambiente externo está totalmente fora do controle. Mas,apesar disso, deve-se conhecê-lo e monitorá-lo com frequência,de forma a aproveitar as oportunidades e evitar as ameaças.

Começaremos pela Tabela 3 onde são apresentadas amea-ças identificadas no contexto internacional

Na Tabela 4, e no mesmo contexto internacional, são iden-tificadas oportunidades.

A Tabela 5 lista pontos fracos no contexto doméstico. Vá-rios desses e outros pontos fracos são detalhados em artigosque também integram esta série especial da revista Dig estoEconômico.

A Tabela 6 relaciona pontos fortes no contexto doméstico.

6. Propostas para adequação da política industrial

A PDP é um plano de longo prazo com uma visão corres-pondente. Trata-se de uma política permanente, que deve

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perpassar administrações de governo. Ou seja, deve seruma política de Estado. Se decidirmos alterar os seus obje-tivos, devemos fazê-lo não em função da conjuntura (crise),mas da percepção de que os problemas que ela trouxe se-riam bem menores se nossa política industrial tivesse umavisão mais abrangente. Ou seja, nessa política foram consi-derados corretamente os objetivos econômicos nacionais delongo prazo, mas sem levar em conta a atuação de outrospaíses. E, com crise ou sem ela, as nossas dotações e restri-ções de capital humano.

A grande questão que se coloca, olhando as oportunidadese ameaças descritas nos quadros acima, que tratam do cenáriointernacional é: se China, Índia, Estados Unidos e Reino Unidojá têm ou estão formulando políticas industriais, que tambémobjetivam produzir bens manufaturados de maior valor agre-gado, como poderemos nos diferenciar? Como agregar valor aprodutos, concorrendo com os países que estão buscando omesmo objetivo e têm vantagens sobre o Brasil?

Olhando as nossas forças e fraquezas descritas nas tabelasanteriores, que tratam do contexto doméstico, outras grandesquestões são: como aumentar a taxa de inovação nas empresas,incluindo as de médio e pequeno porte? Como fazer com queos estímulos ocorram rapidamente e em setores que absorvambastante mão de obra? Como qualificar rapidamente os nossos

engenheiros, para que contribuam com a taxa de inovação?Como incorporar na indústria, ao menos parte do contingentede 6,7 milhões de pessoas em idade ativa, sem qualificação?Que atributos humanos a maior parte deles teria para que fos-sem aproveitados no setor produtivo, mesmo que continuemsem se qualificar?

Nossas respostas ou propostas a essas e outras questões dis-cutidas ao longo deste artigo são apresentadas na Tabela 7.As justificativas são as próprias ameaças e fraquezas a mini-mizar e as oportunidades e forças que necessitamos salientar.Consideramos também válidas as propostas expressas no do-cumento Decontec/Fiesp (2009, pp. 29 a 41). Nossas propostassão mais voltadas para uma revisão da orientação geral da po-lítica do que à sua operacionalização, como ocorre nesse do-cumento da Fiesp.

Além disso, entendemos que no plano macroeconômicopermanecem por serem enfrentados os problemas da sobreva-lorização cambial e das altas taxas de juros. E há, ainda, a im-periosa necessidade de os governos, nos seus vários níveis,adotarem procedimentos correspondentes aos que exigemdos contribuintes, devolvendo rápida e integralmente todo oenorme montante de créditos fiscais a que têm direito, os quaisincluem os ligados à política industrial, em particular no seufomento às exportações.

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Notas(1) Em 2009 o cartão BNDES financiou empresaspreponderantemente dos setores de móveis, calçadista,confecções, plásticos - hoje já são 250.181 cartõesemitidos, liberando R$ 2,2 bilhões em 152.074 operações.(2) Regulado pela Lei nº 10.522, de 19 de Julho de 2002, oCadastro Informativo de Créditos não Quitados do SetorPúblico Federal - CADIN é um banco de dados onde seencontram registrados os nomes de pessoas físicas ejurídicas em débito para com órgãos e entidades federais.(3) A classificação de porte de empresa adotada peloBNDES é aplicável a todos os setores segundo a receitaoperacional bruta anual: Microempresa (menor ou iguala R$ 2,4 milhões), Pequena Empresa (maior que o últimovalor e menor ou igual a R$ 16 milhões), Média Empresa(maior que o último valor e menor ou igual a R$ 90milhões), Média-grande Empresa (maior que o últimovalor e menor ou igual a R$ 300 milhões) e GrandeEmpresa (maior que R$ 300 milhões).(4) "Pesquisa FIESP sobre Intenção de Investimento2009: o Impacto da Crise", citada em FIESP/DECOMTEC (2009)(5) Paraguassu (2009).(6) O IBGE somente irá divulgar os dados de 2008 emjulho de 2010.(7) Wikipedia: disponível em:h t t p : / / p t . w i k i p e d i a . o rg / w i k i / A n % C 3 % A 1 l i s e _ S W O TAcesso em 05 Abril 2010.(8) "Não há registros precisos sobre a origem desse tipo deanálise, segundo PÚBLIO (2008) a análise SWOT foicriada por dois professores da Harvard Business School:Kenneth Andrews e Roland Christensen" (ver notaanterior).

Edua

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Dados do primeirotrimestre de 2010já mostram queparcelas maiores daprodução domésticano consumo aparenteestão sendo ocupadaspor importadosem vários setores.

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29MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

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Com o dólar sobrevalorizado, a pequenaempresa percebe que exportar dá muito trabalhoe pouco lucro, e de um modo geral tem havido aredução de empresas industriais exportadoras.

Carol Guedes/Hype

Cesar Diniz/Hype

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A criação de consumidorese produtores culturais é oque dará massa crítica

para o desenvolvimento deum setor de economia

criativa robusto e dinâmico.Entre outras propostas,

a autora sugere financiarlargamente centrosculturais, galerias

de arte, bibliotecas, salasde cinema como elementos

formadores de públicoconsumidor, mão de obra

qualificada, espaçosde conexão e trocas.

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O DESAFIO DA ECOO DESAFIO DA ECO

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NOMIA CRIATIVANOMIA CRIATIVA

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Zé Carlos Barretta/Hype

Resumo

Lídia GoldensteinFormada em Economiapela USP e doutorana mesma área pelaUnicamp. Foi analistada Fundação Seade,pesquisadora doCebrap e comentaristade vários programasde televisão. Exerceu ocargo de assessora daSecretaria de Economiae Planejamento doEstado do Rio deJaneiro, da Secretariade Planejamento doEstado de São Paulo eda presidência doBNDES. Foi docentede diversas instituições,entre as quais aUnicamp, a FundaçãoArmando ÁlvaresPenteado e o InstitutoRio Branco. Entre outraspublicações e estudos,é autora do livro"Repensando aDependência" (1994).É sócia da LGoldensteinConsultoria. A autoraagradece as críticas esugestões de StelaGoldenstein

O objetivo deste artigo é o de chamar atençãopara o setor denominado Economia Criativa esua importância para o desenvolvimento deuma estratégia que permita ao Brasilfinalmente conseguir uma inserçãointernacional competitiva e um crescimentosustentável, tanto do ponto de vista econômicocomo ambiental, e com mais equidade social.

Entre as várias propostas apresentadas, desta-cam-se o mapeamento do setor, para se ter a no-ção do seu tamanho e potencial no País, e a cria-ção de um fórum interministerial que conduza aformatação das políticas para o setor, uma vezque seu desenvolvimento depende de articula-ções que perpassem todo o governo na constru-ção de uma estratégia de longo prazo.

1. Introdução: o retorno aum crescimento sustentávele novos desafios

Depois de quase vinte anos de suces-sivas crises, com baixas taxas decrescimento, elevada inflação e re-correntes problemas no balanço de

pagamentos, o Brasil vive atualmente um ce-nário macroeconômico bastante positivo. Co-mo resultado de mais de duas décadas de ajus-tes difíceis, e beneficiada pelo crescimento daeconomia mundial, finalmente a economiavoltou a crescer.

A redução da vulnerabilidade externa –graças às elevadas exportações de commodi-ties como da percepção generalizada de que oBrasil continuará a ser um dos países maisatrativos para os investimentos externos –,garantiu a acumulação de reservas e permitiuque o País passasse pela última crise interna-cional sem os traumas que sempre nos abate-ram nas crises anteriores.

Internamente, a inflação não só foi contro-lada, como permanece em um nível baixo, per-mitindo a redução da taxa de juros a qual, ape-sar de ainda elevada e uma das mais altas domundo, já caiu significativamente, situando-se no menor nível desde os anos 80, mesmoapós a elevação implementada pelo BancoCentral em abril de 2010.

O controle da inflação e a queda dos jurosvêm permitindo uma elevação importante docrédito na economia a qual, somada à elevaçãoda renda proveniente do programa Bolsa Fa-

Márcia Foletto/O Globo

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mília, da elevação do salário mínimo como tal e como benefícioprevidenciário e assistencial e, mais recentemente, do aumen-to do emprego, geraram um círculo virtuoso, de aumento derenda, emprego e consumo.

Tudo junto vem finalmente permitindo não só a elevação dastaxas de crescimento, como também das taxas de investimento.Temos, assim, uma oportunidade única para pensarmos o fu-turo do País sem o peso das sucessivas crises, internas e exter-nas, que nos abateram por longos anos. É o momento, quando osmais variados indicadores macroeconômicos mostram-se bons,ou no mínimo razoáveis, de fortalecer as bases para que a eco-nomia brasileira consolide a atual fase de crescimento e final-mente entre em uma trajetória de crescimento sustentável.

Entretanto, apesar do inequívoco bom momento pelo qual aeconomia brasileira vem passando, no qual crescer a taxas ele-vadas por um ou dois anos está se revelando muito possível,não se pode contar para sempre com um cenário tão positivo.Não só ciclos e crises sempre existiram e continuarão a existir,como podem ser de tal magnitude que comprometam a sus-tentabilidade do crescimento.

A capacidade de o País passar por novas eventuais crisessem desarranjos mais profundos na economia, e de manteruma trajetória de crescimento de longo prazo, depende do en-frentamento de certas questões que ainda estão sendo perigo-samente postergadas, levando ao acúmulo de problemas quecedo ou tarde ameaçarão o desempenho da economia.

Alguns dos problemas já são muito conhecidos e discutidospela imprensa e diferentes analistas econômicos, quando não jásentidos pelos empresários e pelo público em geral. O baixo nívelde investimentos (1), em especial eminfraestrutura, é um deles, e vemafetando significativamente acompetitividade da economiabrasileira. O volume e perfil dosgastos públicos é outro, afetando a ca-pacidade de gasto público, sua qualida-de e seu custo de financiamento. Os im-pactos negativos da péssima estruturaeducacional do País no mercado detrabalho e no custo das empresas sãomais um dos problemas entre os queurgem serem enfrentados.

A consciência da necessidade dese enfrentar estas questões – casocontrário se tornarão um obstáculoà continuidade do bom desempe-nho da economia –, tem sido crescen-te. Para algumas delas já estãomapeados os investimentose ações prioritários, tantopúblicos como priva-dos. Infelizmente, exis-tem ainda outras ques-tões que estão longe deserem debatidas, quan-to mais enfrentadas.

Apesar da nítida re-

dução da vulnerabilidade externa brasileira, não se pode es-quecer que ela é fruto de um lado da imensa liquidez no mer-cado financeiro internacional e, de outro, da elevação dos pre-ços das commodities em decorrência da demanda chinesa. Areversão deste cenário poderá não trazer o nível de stress como qual convivemos por tanto tempo, mas, sem a menor dúvida,imporá limites às nossas taxas de crescimento.

Por mais sofisticado tecnologicamente que seja o agronegó-cio brasileiro e por maior que seja o volume de nossas exporta-ções de commodities, é perigoso que se escore o crescimento na-cional apenas nestes setores. Não só devido às suas suscetibili-dades aos preços internacionais, cujas oscilações estão atreladasa fatores os quais não controlamos, mas também ao fato de estesserem setores com uma capacidade de geração de empregos in-suficiente para as necessidades demográficas e sociais do País.

O Brasil, dadas as características de sua população – tamanho,escolaridade e estrutura etária –, e sua imensa desigualdade nadistribuição de renda, não pode dar-se ao luxo de prescindir deum setor manufatureiro, tanto por sua capacidade de gerar em-pregos, muito superior ao setor agrícola e aos setores produtoresde commodities em geral, como por sua capacidade de amorteceros ciclos decorrentes das vicissitudes do comércio internacional.

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No mundo atual, no qual a intensificação do processo de glo-balização graças às novas tecnologias continua provocando im-pactos profundos na distribuição geográfica mundial da pro-dução, a China, juntamente com outros pequenos países daÁsia, vem se transformando no grande supridor internacionalde manufaturados, ameaçando não só as estruturas produtivasdos países emergentes, como a de tradicionais produtores.

A forma como os diferentes países vêm enfrentando esse novocenário internacional não é única. Muitos, principalmente osemergentes, quer por dificuldades na sua estrutura produtiva,quer por dificuldades políticas, muitas vezes por ambas, têm con-seguido, a duras penas, agir apenas defensivamente.

A indústria brasileira tem conseguido sobreviver, massempre sob uma perspectiva defensiva, driblando as suces-sivas crises. No momento, graças ao crescimento do merca-do interno de baixa renda, a indústria tem crescido, masnem sempre se modernizando.

A atual retomada do crescimento da economiabrasileira vem sendo claramente lideradapor alguns setores altamente beneficia-dos pelas elevadas taxas de cresci-mento internacional – em espe-cial pelo fenômeno chinês, queprovocou um claro deslocamen-to da demanda nos setores demineração, papel e celulose, si-derúrgico e agronegócios em ge-ral –, e pelo consumo interno dasfamílias brasileiras, em especialas de baixa renda, cujo acesso àstransferências do governo e aocrédito farto e de prazos longospara os padrões brasileiros, vemliberando uma demanda histori-camente reprimida.

No caso dos setores de mineração, papel e celulose, siderúr-gico e agronegócios em geral, a retomada dos investimentosvem ocorrendo de forma significativa. São setores altamentecompetitivos, nos quais o Brasil se destaca com vantagens com-parativas óbvias, e nos quais, com exceção do siderúrgico, noqual a China investiu pesadamente nos últimos anos, dificil-mente teremos competidores que representem ameaça séria.Entretanto, esses setores ou são pouco intensivos em mão deobra, ou insuficientes para gerar os empregos que o País precisa,dadas as características sócio-econômicas de sua população.

No que se refere aos demais setores industriais, salvo ex-ceções, o principal foco das empresas tem sido o segmentodo mercado interno que está aquecido, o de baixa renda. Asempresas não só estão deixando de exportar, como se adap-tando à baixa exigência desse mercado em termos de pro-dutos e de tecnologia embarcada.

No médio e no longo prazo isso significa que, independen-temente do câmbio, dos gargalos de infraestrutura e da eleva-da carga tributaria atual, o Brasil não está se preparando paraenfrentar as mudanças que vêm ocorrendo no cenário interna-cional. Ao contrário, ao voltar-se novamente para o mercadointerno, perde-se espaço nos mercados externos e também,

com isso, um determinado tipo de empreendedorismo funda-mental para as empresas sobreviverem no mundo atual.

Por terem que competir no mercado internacional e teremmais contato com compradores e concorrentes mais sofistica-dos, as empresas exportadoras tendem a ser mais produtivas,pagar melhores salários, e a investir mais em inovação de pro-dutos e processos, tecnologia, padrões de qualidade, design emarcas do que as empresas exclusivamente voltadas para omercado interno ou para países menos desenvolvidos, commercados menos complexos (2).

Nesse contexto, a questão mais premente e simultaneamen-te mais difícil que se coloca hoje para o Brasil é como construirum caminho que resulte na sustentabilidade do crescimento.Como aproveitar o atual "bom momento" e não só consolidá-lo, mas ampliá-lo, ousando, rasgando fronteiras, colocando oBrasil no mapa do mundo de forma diferenciada, garantindouma inserção internacional privilegiada num mundo cada vezmais competitivo e complexo?

Para competir com a China, com suas escalas de produção emão de obra barata, é preciso muito mais. Para enfrentar este de-safio precisamos de empresas com uma mentalidade inovado-ra, capazes de construir marcas fortes, produtos com design, de-

No caso dos setoresde mineração,

papel e celulose,siderúrgico e

agronegócios emgeral, a retomadados investimentosvem ocorrendo de

forma significativa,porém, são pouco

intensivos emmão de obra, ou

insuficientes paragerar os empregosque o País precisa.

Paulo Pampolin/Hype

Valéria Gonçalvez/AE

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35MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

senvolver tecnologia e inovar,gerando maior valor agrega-do para seus produtos.

Em particular, é preciso in-trojetar na estrutura produti-va das empresas a capacida-de de inovar. Mas se esta men-talidade não floresce espon-taneamente, como fazê-lo?

2. A competitividade nomundo atual

As transformações são pro-fundas nas tecnologias e, con-sequentemente, na velocidadee intensidade do processo de globalização, abrindo mercadosmaiores e mais diversificados e facilitando a troca de ideias e tec-nologias entre os países. Novas gerações de tecnologias permi-tiram a queda de preços no lado da oferta, enquanto consumido-res mais ricos, diversificados e sofisticados sustentaram a deman-da por bens e serviços de maior valor agregado. Uma mão de obramais qualificada e educada passa a ser requisitada.

Neste processo, a manufatura "tradicional" também sofreugrandes transformações, as quais, entretanto, ficam menos vi-síveis dada a grande visibilidade das indústrias de alta tecno-logia. Na verdade, as velhas divisões entre manufatura e ser-viços, ou entre alta ou baixa tecnologia, estão se tornando ob-soletas. Mesmo indústrias consideradas de baixa intensidadetecnológica (low tech) foram altamente afetadas pela mudan-ça para a chamada "economia do conhecimento".

Trata-se de um novo paradigma produtivo que vem impondonovas formas de competição e uma nova divisão internacional da

produção, exigindo, tantodas economias desenvolvi-das como das em desenvol-vimento, respostas muitodiferentes das dadas no iní-cio dos processos de indus-trialização. A competitivi-dade e desempenho dasempresas e organizaçõessão crescentemente deter-minados pelo seu investi-mento em ativos baseadosno conhecimento, ou in-tangíveis, definidos comorecursos humanos, compe-tências organizacionais(tecnológicas, processos,cultura), software espe-ciais, rede de consumido-res, rede de fornecedores,pesquisa e desenvolvi-mento (P&D), design, emarcas (brand equity) enão tanto em ativos físicos,como máquinas, constru-ções e veículos.

Em uma economia ba-seada no conhecimento, opapel da inovação não tec-nológica é também impor-tante, especialmente nasindústrias que não são tipi-camente investidoras emP&D, mas que investemem outros intangíveis.Gastos em ativos de conhe-cimentos não científicospassaram a ser tão críticosquanto gastos em P&D.

Na verdade, as "frontei-ras convencionais entre serviços e manufatura estão esfuma-çando e deixando de ser relevantes à medida que as manufatu-ras estão incorporando serviços de alto valor agregado nos pro-cessos produtivos: manufatura e serviços estão ficando integra-dos em um processo produtivo comum." (3)

É muito mais do que uma transição de manufatura para ser-viços. Os investimentos das manufaturas em ativos físicos(plantas e máquinas) estão caindo como proporção do PIB e osinvestimentos em serviços e intangíveis crescendo. Tanto nosEUA como no Reino Unido (RU) os investimentos em ativosintangíveis tornaram-se iguais ou maiores que os investimen-tos em ativos físicos (4).

Em 2004, no RU, as manufaturas investiram £32 bilhões em in-tangíveis: duas vezes mais do que o investimento em ativos físi-cos. Em 1970, a proporção dos investimentos das empresas em in-tangíveis era de 40% dos tangíveis e em 2004 passou a 130% (5). Arazão entre investimentos em intangíveis e em tangíveis foi mais

Fábio Rossi/O Globo

AE

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36 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

elevada nas manufaturas (2,3/1) do que no resto da economia(1,3/1). Estimativas recentes mostram que para cada emprego namanufatura existem dois em serviços que lhe são relacionados.Ou seja, é cada vez mais difícil separar manufatura dos serviços:é arcaico e irrelevante graças à integração de ambos (6).

A distinção tradicional mascara mudanças fundamentaisque estão ocorrendo devido às novas tecnologias, novos pa-drões de demanda e comportamento social. Assim, uma estra-tégia industrial moderna tem que olhar para além da divisãoentre manufatura e serviços e focar no processo real de criaçãode valor, inovação e crescimento.

"As indústrias de baixa intensidade tecnológica têm sobrevi-vido nas principais economias da OCDE porque estão mais in-tensivas em conhecimento e mais aptas a respostas ao mercado.Os setores de sucesso não estão mais competindo simplesmenteatravés de custo unitário, mas oferecendo produtos e soluçõespersonalizados: serviços de pós vendas, lide-rança em responder a regulação do meio am-biente e mudanças no gosto dos consumidores.A oferta de produtos físicos tem que ser subs-tituída por oferta de um sistema de produtos eserviços capazes de preencher a demanda doconsumidor, reduzindo custos e impactos am-bientais. Design, logística, serviços de pós ven-das e marketing cresceram de importância co-mo parte do valor total dos produtos. Estes ser-viços, antes vistos como parte do setor de servi-ços, tornaram-se parte fundamental dasempresas de manufatura para mantê-las com-petitivas em um mundo globalizado." (7)

Nesse cenário, as estatísticas tradicionais so-bre os setores precisam ser revistas. Em algunspaíses desenvolvidos pode parecer que a ma-nufatura está diminuindo, porém o fato é que asempresas estão produzindo no exterior e man-tendo os serviços de alto valor agregado, P&D edesign, no próprio país. Além disso, a manufa-tura é tradicionalmente analisada pela sua pro-dução física e por seus investimentos em ativos físicos, porématualmente a manufatura investe duas vezes mais em ativos doconhecimento do que em fábricas, máquinas e veículos.

Na verdade, conhecimento e criatividade sempre tiveram pa-pel chave em qualquer momento econômico, mas o conceito de"economia do conhecimento" vai mais longe, pois permite cap-turar uma mudança marcante no paradigma atual no qual amassa crítica da atividade econômica passa a dar-se na categoriade produção com conhecimento e uso de novas tecnologias (8).Trata-se de uma evolução da concepção de crescimento histori-camente baseada no trinômio terra, capital e trabalho. A tecno-logia, que sempre foi importante, passa a ter um impacto maissistêmico e de maior transformação, assumindo, junto com acriatividade e a inovação, o papel central de serem simultanea-mente consequência e condutores destas transformações.

"Economia do conhecimento" é mais do que a intensificaçãodo uso de P&D. Trata-se de uma nova dinâmica, na qual, não sóo conhecimento é o coração do valor adicionado – o que exigeuma nova estrutura econômica mais baseada em ativos intan-

gíveis (conhecimento e inovação) –, como, além disso, o pro-cesso de retroalimentação entre produção e consumo ficoumais rápido e mais amplo, exigindo uma contínua e intensivacapacidade de adaptação por parte das empresas e das polí-ticas públicas. Existe uma permanente demanda para upgradee inovação não só do que está sendo produzido quanto de co-mo está sendo produzido. Faz parte desta nova dinâmica apermanente interação da tecnologia com os consumidoresmais sofisticados, criando uma economia com mais capacida-de e confiança na criação e transmissão do conhecimento.

Criatividade e inovação são conceitos que se sobrepõem.Criatividade é originar ideias, novas formas de olhar um pro-blema que já existe ou olhar novas oportunidades. Inovação é osucesso na exploração de novas ideias, é o processo que leva anovos produtos e serviços ou novas formas de fazer negócio.Portanto, no atual paradigma produtivo, torna-se crucial o fo-

mento à criatividade e à inovação, as quais, con-tando com adequados mecanismos de trans-missão, são as chaves para que o resto da econo-mia e sociedade possam se beneficiar. Daí a im-portância das indústrias criativas ou, maisamplamente falando, da economia criativa, en-tendida como um conjunto de setores com fortepotencial de inovação e criatividade a partir dosquais a economia ganha competitividade e sus-tentabilidade no mundo globalizado.

3. Economia criativa

Apesar do grande debate conceitual queexiste em torno da definição do que é a Econo-mia Criativa ( 9) , para efeitos dessa discussãopode-se considerá-la um conceito estritamenteligado ao impacto das novas tecnologias naprodução, nos mercados e na organização dasatividades não só econômicas, mas tambémsociais e culturais. São setores dinâmicos, quetêm mais capacidade de criar empregos, prin-

cipalmente entre os jovens, e que, se bem articulados e apoia-dos, tornam-se propulsores de inovação e da ampliação da ca-pacidade produtiva do conjunto da economia nacional, inclu-sive dos setores considerados mais tradicionais.

Trata-se de criar um ambiente no qual a chamada "economiado conhecimento" não se restrinja apenas à ciência e tecnolo-gia, mas amplie a capacidade de utilização dos benefícios dainovação através do conhecimento em todos os setores. Umambiente no qual os "ativos intangíveis", a geração de valoresatravés do capital intelectual, se disseminem e impulsionemos mais diferentes setores da economia, capacitando-a para en-frentar permanentemente os novos desafios.

A Unesco trabalha com o conceito de economia da cultura,que engloba atividades relacionadas "à criação, produção e co-mercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais emsua natureza e que estão protegidos pelo direito autoral e po-dem tomar a forma de bens e serviços. São intensivos em tra-balho e conhecimento e estimulam a criatividade e incentivama inovação dos processos de produção e comercialização."

Criatividade einovação são conceitosque se sobrepõem.Criatividade é originarideias, novas formasde olhar um problemaque já existe ou olharnovas oportunidades.Inovação é o sucesso naexploração de novasideias, é o processo queleva a novos produtos eserviços ou novas formasde fazer negócio.

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Para a Unctad, a economia criativa "é um dos setores maisdinâmicos do comércio internacional, gera crescimento, em-pregos, divisas, inclusão social e desenvolvimento humano. Éo ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de pro-dutos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e oativo intelectual como principais recursos produtivos."

O RU trabalha com o conceito de indústrias criativas, defi-nidas pelo seu Department of Culture, Media and Sport em2001 como "aquelas indústrias que têm sua origem na criati-vidade, na habilidade e nos talentos individuais e que têm opotencial para a geração de riqueza e de trabalho por intermé-dio da criação e da exploração da propriedade intelectual":propaganda, arquitetura, mercados de arte e antiguidades, ar-tesanato, design, design de moda, filme e vídeo, softwares in-terativos de lazer, música, artes performáticas, publicações,software e serviços de computação, televisão e rádio. É dife-rente de país para país.

Na verdade, todos esses conceitos não são excludentes.Muito pelo contrário, podem ser vistos como complementa-res e ajudam a entender uma nova dinâmica que se impõe àseconomias.

A vitalidade da economia criativa de um país estimula a cria-tividade e capacidade de inovação na economia como um todo.Mas esse forte vínculo depende dos mecanismos de transmis-são adequados para encorajar a conectividade e transportabi-lidade da economia criativa para o resto da economia.

Não existem receitas prontas para se construir estes mecanis-mos de transmissão. Entretanto, pode-se dizer que o próprio su-cesso da economia criativa vai criando estes mecanismos na me-dida em que engendra a demanda por uma população maiseducada e por empresários mais empreendedores e, conse-quentemente, por produtos e serviços mais sofisticados.

O desenvolvimento de um setor de economia criativa for-talece a capacidade das empresas do próprio setor e de outrossetores a criarem, lidarem e explorarem conhecimento, crian-do capacidade para interagir e responder à evolução da de-manda. Pode-se dizer que o sucesso da economia criativatransborda para os outros setores os quais, através dos inves-timentos em intangíveis (pesquisa e desenvolvimento, siste-mas organizacionais, software, design, marca, capital huma-no), passam a ter maior capacidade de criatividade e inovação,em novos produtos, processos, serviços além de sistemas maisdesenvolvidos dos que os já existentes.

O significativo poder de alavancagem dos setores da econo-mia criativa para a economia em geral decorre também de suamaior diversidade e abertura, de sua interdisciplinaridade, dasua capacidade de interação com arte e ciência. Mais ainda, aeconomia criativa cumpre um precioso papel, pois, além de sermais pró-cíclica que outros setores, reconhecidamente criamais empregos e de maior remuneração (10).

Obviamente, ao gerar tão profundas mudanças nos padrõesda atividade econômica, a economia do conhecimento impõemudanças importantes nos padrões de investimento.

Enquanto está cada vez mais difícil para as empresas se di-ferenciarem nos setores nos quais a rotina domina os processosque, além disso, podem ser codificados e transplantados paraoutras empresas, nos setores nos quais a parte principal dos ne-

gócios é mais difícil de ser roteirizada, onde se depende da ca-pacidade dos trabalhadores resolverem problemas e comunicarideias complexas, a capacidade competitiva se desenvolve. De-corre daí que "o desafio não é só encorajar as indústrias criativas,é encorajar todas as indústrias a se tornarem criativas".

Nesse novo paradigma o papel da demanda como fator de di-namismo das economias se acentua. O aumento do poder decompra permite o surgimento de um mercado consumidor maiscomplexo, poderoso e diverso. Consumidores mais ricos e bemeducados têm demanda maior por produtos mais sofisticados ebens e serviços mais individualizados sendo, muitas vezes, co-criadores da economia do conhecimento. A pressão da demandaacelera as melhorias de qualidade, a atualização e renovação dosprodutos e a customização (termo genérico para explicar as múl-tiplas formas nas quais os produtores buscam satisfazer a de-manda crescente de consumidores mais ricos, mais bem educa-dos, com preferências e gostos). Reduz-se a vida útil dos produ-tos (bens e serviços), que passam a ter uma contínua reapresen-tação para incorporar mais qualidade e desempenho.

Não só as novas tecnologias permitem às firmas ofereceremrespostas mais sofisticadas para as demandas, como os negó-cios tornam-se estimulantes da demanda de outras empresasque agem como consumidoras e provedoras de serviço, como

Fotos: Divulgação

A vitalidade da economia criativa de um país estimulaa criatividade e capacidade de inovação na economia comoum todo. Nas fotos, escritórios da norte-americana Google.

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por exemplo, as empresas de software que sustentam eficiên-cia em outros setores.

Portanto, a existência de uma classe média (e média alta) pas-sa a ser um grande diferencial para os países, dada sua capaci-dade muito forte de alavancar mais crescimento através de umademanda diferenciada. A pressão da demanda é que leva as em-presas a construir capacidade organizacional de criar e inovarpor meio da incessante renovação dos processos.

Do lado da oferta, torna-se imperativo abraçar a complexida-de e sofisticação da demanda moderna e inovar na cadeia, nosprocessos internos e no engajamento dos consumidores, o quesó é possível se a inovação tornar-se um processo sistêmico.

Tradicionalmente, inovação era concebida de forma hierár-quica e linear: uma elite de ciências nas universidades e nos la-boratórios das grandes corporações gerava fluxo de invençõese de tecnologia que eram comercializadas. Se a inovação nãoocorresse, ou ocorresse de forma insuficiente, a culpa era dauniversidade, dos laboratórios de pesquisa e das empresasque investiam pouco. Agora, a chave para a inovação não estárestrita à P&D e as habilidades (high skills) estão mais difusas.Espera-se que a força de trabalho participe, experimente, ofe-reça sugestões de como melhorar os processos de produção enão apenas aplique a informação em sequência mecânica.

No RU, um dos países que mais tem investido na chamadaeconomia criativa, a redução de sua estrutura produtiva tra-dicional com a ampliação da produção na China e na Índiafoi "compensada" pela geração de empregos e pela capaci-dade de exportação deste conjunto de setores que, depois domercado financeiro, é o maior do país e atualmente o que

mais cresce. São setores dinâmicos, que têm mais capacidadede criar empregos, principalmente entre os jovens, e que, sebem articulados e apoiados, tornam-se propulsores de ino-vação e da ampliação da capacidade produtiva do conjuntoda economia nacional.

A comprovada e elevada capacidade de geração de empre-gos de nível mais alto e maior remuneração permite à economiacriativa cumprir um papel extremamente relevante de amplia-ção de uma classe média e média alta, consumidoras de bens eserviços mais sofisticados. Consequentemente, ao mesmo tem-po em que se alavanca um mercado consumidor mais complexoe diversificado com a elevação do seu poder de compra, molda-se uma mão de obra mais preparada e educada para impulsio-nar a criatividade e inovação dentro das empresas.

Podemos considerar a economia criativa como sendo a es-sência da economia do conhecimento, onde consumidores ecriadores se confundem, assim como as empresas são ao mes-mo tempo provedoras e consumidoras de serviços e bens so-fisticados. Consumidores mais sofisticados obrigam as em-presas a se sofisticarem e, ao fazê-lo, as empresas geram em-pregos e renda que estimulam novas demandas.

O caminho para destravar o reconhecidamente baixo in-vestimento em inovação das empresas brasileiras passa pe-lo fortalecimento dos setores que compõem a chamada eco-nomia criativa, por sua capacidade de criar uma demandamais sofisticada, assim como as condições de resposta daoferta para suprir esta demanda. Dependentes de uma mãode obra mais educada, os setores que compõem a economiacriativa remuneram melhor seus trabalhadores os quais,

Divulgação

Espera-se que a força de trabalho participe, experimente, ofereça sugestões de como melhorar os processos de produção.

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39MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

consequentemente, têm demandas mais sofisticadas, rendapara exercê-las e capacidade para produzi-las.

Este é o caminho para solucionarmos um velho enigma queronda o debate sobre inovação no Brasil. Ora se culpam as em-presas por seus baixos investimentos, ora o isolamento das uni-versidades e, na prática, todas as tentativas de elevar o grau deinovação e de investimentos tecnológicos têm tido resultadosaquém das expectativas. É a falta de uma maior depressão dademanda por produtos melhores, mais modernos e tecnologi-camente mais avançados que leva à acomodação das empresasresultando no seu baixo grau de investimentos em inovação.

Quando a economia brasileira era fechada, todos consu-miam produtos de baixa qualidade e defasados tecnologica-mente. Com a abertura da economia, houve uma nítida melho-ra a qual, entretanto, não resultou em um processo profundo epermanente de inovação das empresas. A nosso ver, a grandeexplicação é a inexistência de uma classe média robusta comsuficiente poder aquisitivo para demandar produtos de maisvalor agregado e maior incorporação tecnológica. O tamanhodo mercado interno para esses produtos e as dificuldades deexportação (câmbio, infraestrutura e políticas comerciais doPaís), não justificam sua produção em ampla escala.

Portanto, a garantia não só de maior sustentabilidade, mas demaior equidade do crescimento atual, passa necessariamentepelo fortalecimento da economia criativa. É a economia criativaque pode garantir a geração de um ambiente inovador e robus-to, que se espraie para todos os setores da economia, criando ealavancando os instrumentos necessários para o fortalecimentodo setor manufatureiro brasileiro, o qual tem perdido espaço,quer nacionalmente para as importações, quer no mercado in-ternacional, para outros países exportadores.

Setores considerados tradicionais, como o têxtil, por exem-plo, articulados e "vitaminados" pela economia criativa, passama assumir a construção de "ativos intangíveis" como forma de

competição, ino-vando, quer em de-sign, em produtos,em processos ouem materiais, tor-nando-se setoresdinâmicos, comcapacidade deexportar, atrairinvestimentos, gerar empregos esobreviver à violência da atual concorrência inter-nacional. Indústrias tradicionais deixam de ser tradicionaisquando incorporam ao seu cotidiano o desenvolvimento de no-vos processos e produtos, novos materiais e design.

Setores tão diversos, como o financeiro, o automobilístico, ode cosméticos, o calçadista e o têxtil têm, na economia criativa,um mínimo denominador em comum que, se trabalhado con-juntamente, tem o poder de alavancar a capacidade de criaçãode bens intangíveis, os únicos, em um mundo cada vez mais"commoditizado", capazes de, através da diferenciação, cria-rem riqueza e garantirem crescimento.

Mais do que tudo, trata-se de fomentar a criação de um "cal-do de cultura", de um ambiente no qual a chamada "economiado conhecimento" não se restrinja apenas à ciência e tecnolo-gia, mas amplie a capacidade de utilização dos benefícios dainovação através do conhecimento em todos os setores. Umambiente no qual os "ativos intangíveis", a geração de valoresatravés do capital intelectual, se disseminem e impulsionem osmais diferentes setores da economia, capacitando-a para en-frentar os novos desafios que inevitavelmente surgirão. Sóatravés da economia criativa é que se pode encarar o desafio detornar todas as indústrias criativas.

As características culturais do Brasil representam umaimensa oportunidade de desenvolver suas indústrias criativas

Setores como o têxtil,"vitaminados" pelaeconomia criativa, criam"ativos intangíveis" comoforma de competição,inovando, quer emdesign, em produtos,em processos ou emmateriais, tornando-sesetores dinâmicos.

Image Source/Folha Imagem

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e, com elas, elevar o valor agregado do setor de serviços e seg-mentos do setor industrial.

Mas, para isso, é fundamental contarmos com um projetopró-ativo que envolva governos, agências de governo, setorprivado, empresários dos mais diferentes setores, economis-tas e representantes dos setores criativos e culturais.

4. Cultura e economia criativa

Ao transformar a dinâmica da competitividade entre eco-nomias e regiões e, consequentemente, a divisão geográfica in-ternacional da manufatura, o novo paradigma tecnológico re-sulta na necessidade de crescente competição através de novasarmas que não mais apenas baixos salários, abrindo enormesoportunidades para os setores culturais.

Pela primeira vez o setor cultural pode ser visto como umgrande diferencial de competitividade que permite cidades, re-giões ou países competirem, uma vez que a economia criativa é olugar no qual os mais contundentes instrumen-tos de diferenciação e competição podem serconstruídos. A economia criativa bebe e come dosetor cultural, nas suas mais diferentes manifes-tações: popular, clássica, nas mais diferentes tri-bos e grupos que constituem a sociedade.

Tradicionalmente o setor cultural ou as polí-ticas culturais são vistas como políticas de inclu-são para setores de baixa renda ou como políticasde preservação do exótico, do folclórico e popu-lar, ou ainda, no outro extremo, como políticas deproteção da produção cultural considerada de"alto nível" tais como sinfônicas e balés.

Agora, pela primeira vez, impõe-se a neces-sidade das atividades culturais estarem no cen-tro das preocupações políticas e econômicas enão em segundo plano. Na economia do conhe-cimento, as novas tecnologias introduzem umanova dinâmica, abrindo novos espaços para a cultura na suamais ampla definição, níveis e percepções. Cada vez mais o su-cesso de uma economia depende do sucesso do seu setor cria-tivo que, por sua vez, depende do sucesso do setor cultural.

O setor cultural passa a ter um momento especial no atual pa-radigma, abre-se uma grande oportunidade e um grande desa-fio, muitas vezes não percebido pelo próprio setor que teme e cri-tica o chamado mercado, mostrando-se preconceituoso com re-lação a ele. Há o medo de ser manipulado, medo de que "a pureza"da produção cultural seja apropriada pelo mercado.

Falando de uma forma caricata, mas não muito longe do dis-curso de várias pessoas ligadas aos setores culturais, o preconcei-to é decorrente do medo dessa possível manipulação, da utiliza-ção da cultura pelos setores empresariais, associados ao que ge-nericamente rotulam de "mercado", o qual é visto como uma en-tidade absoluta que, por definição, é uma força do "mal" e estáassociada a outras, como a globalização e o velho imperialismo.

É fato que mercado tem relação antropofágica com a cultu-ra, e isto é intrínseco a ele. Mas isto existe desde que mercadoexiste e a dinâmica sempre foi esta. Quais as ligações entre cul-tura e mercado? Quais as fronteiras? Elas não são claras.

Mas esta indefinição é, talvez, exatamente uma das principaisfontes de dinamismo do setor cultural, querendo sempre "surpre-ender" o mercado, apesar de saber (e talvez querer), que o mer-cado se aproprie de sua produção. É do confronto entre "não parao lucro" e "só para lucro" que ambos os setores se alimentam.

Do outro lado, também existe o preconceito do setor econô-mico (empresários e autoridades) para quem o setor cultural évisto como marginal: ou como política social compensatóriapara as mazelas do País ou como preservação da "alta" cultura.As políticas culturais são vistas como "socialmente boas/cor-retas" ou atividades nobres e estéticas. Em suma, para muitosas indústrias culturais são menos importantes do ponto de vis-ta econômico e a economia criativa simplesmente não existe,não é reconhecida como um setor que deve ser desenvolvido e,mais ainda, de importância crescente por qualquer ângulo quese analise: geração de emprego, renda, exportações, atração deinvestimentos e turismo, em suma, uma das mais importantesalavancas da competitividade de um país no mundo atual.

Para avançar no entendimento da economiacriativa e de sua importância, antes de tudo é pre-ciso desfazer a confusão usual entre essa econo-mia e indústria cultural, ou indústria do entrete-nimento. A economia criativa é um conceito mui-to mais amplo, que engloba os produtos e servi-ços culturais, a indústria do entretenimento, achamada alta cultura e a cultura popular.

Como já dito anteriormente, existem atual-mente várias definições do que é a economia cria-tiva. Desde as primeiras definições, introduzidaspelo RU em 1997, muito se avançou. Mas, mesmoapesar dos avanços, a discussão do conceito mui-tas vezes ainda é realizada sob um ângulo pater-nalista, privilegiando seu caráter de promoçãode inclusão social, diversidade cultural e desen-volvimento humano, os quais são irrefutáveis,mas que ao serem destacados diluem a relevân-

cia do papel macro e microeconômico do setor e, ao fazê-lo, aca-bam por reduzir o assunto ao âmbito das políticas sociais. Perde-se assim, a capacidade de ungir o setor como uma das prioridadesdas políticas públicas que ditam as regras de financiamento, tri-butação e incentivo aos mais diferentes setores da economia, nemsempre tão relevantes em termos de criação de empregos, renda,valor adicionado e exportação, entre outros aspectos.

Obviamente a proposta que se segue não visa esconder o ca-ráter socialmente inclusivo da economia criativa, mas pretendeir além ao destacar também sua importância econômica e, por-tanto, a necessidade de o setor ser encarado pelos governos deuma forma mais sistêmica, com a construção de políticas públi-cas que dêem conta de sua complexidade e importância.

5. Estado e economia do conhecimento: frente a umanova economia e política

O debate sobre o papel do Estado e das políticas públicas épendular, sujeito a modismos e ideologias. É no final da Segun-da Guerra Mundial, durante a Guerra Fria, que podemos lo-calizar a raiz da distorção que sustenta a ideia de que Estado e

Para muitos, asindústrias culturaissão menosimportantes doponto de vistaeconômico e aeconomia criativasimplesmente nãoexiste, não éreconhecida comoum setor (...)

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41MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

nomia do conhecimento, impondo uma nova agenda.Se o Estado desenvolvimentista foi importante para o su-

cesso econômico no século 20, será muito mais importanteno século 21, no qual necessidades estratégicas das econo-mias e dos países demandam uma capacidade muito maiordo setor público (13).

Mas, para enfrentar esses desafios do desenvolvimento noséculo 21, as instituições do século 20 vão precisar passar porprofunda revisão. Para Evans, "o tipo especifico de envolvi-mento ou sinergia Estado/sociedade que foi crucial no proces-so do século 20 – densas redes de amarras conectando o Estadoàs elites industriais –, terá que ser substituído por vínculosmuito mais amplos para assegurar o sucesso desenvolvimen-tista no século atual" (14).

A mudança do perfil da atividade econômica – com a con-dução do crescimento passando a ser liderada mais por ideiase informação do que pela transformação física da natureza –,exige um novo tipo de arranjo institucional que melhor permi-ta às sociedades gerar habilidades, conhecimento, ideias e asredes necessárias para a difusão e obtenção de vantagens sobreestes conhecimentos.

Evans (15) mostra como a centralidade da produção de ideiasem lugar da acumulação de capital físico exige a reconstruçãodas conexões políticas com a sociedade para habilitar o Estadoa mudar suas estratégias.

Governos têm papel central no desenvolvimento de uma economia criativa estável, através de políticas públicas específicas.

mercado são conflitantes e, consequentemente, de que o Esta-do não pode, não faz e não deve se envolver na economia. Adicotomia entre Estado versus mercado emerge como claro re-sultado dos imperativos políticos e ideológicos ( 11 ) .

Linda Weiss (12) mostra como a associação com militarismo,comunismo e nazismo contribuíram de forma decisiva paraque a autonomia do Estado virasse uma ideia sinistra depoisda Segunda Guerra. Colocar desta forma a questão – dicoto-mia entre capitalismo/Estado fraco e comunismo/Estado for-te – servia para o propósito político de diferenciação do Oci-dente de "mercado livre" e o sistema soviético totalitário.

Entretanto, apesar do discurso enfático, nos países desenvol-vidos, a intervenção do Estado através de políticas as mais diver-sas foi sempre intensa desde o início de seus processos de indus-trialização. A sua condenação por organismos internacionais érelativamente recente e, em geral, não os impede de continuar aimplementá-las largamente em novos setores de ponta.

No Brasil, a "ressaca" do intervencionismo dos anos 50 e60 e a importação dos modismos, associada à pressão dos or-ganismos internacionais, interditaram o debate que, agora,começa a ressurgir.

Entretanto, atrelado às experiências do passado, no início daindustrialização do País, e retomado desde aquele ângulo, o de-bate envelheceu, pois não está levando em conta que a economiainternacional vem se transformando rapidamente em uma eco-

Moacyr Lopes Jr/Folha Imagem

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42 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

"No século 20, quando o projeto de desenvolvimento era fo-cado na manufatura, a simbiose entre a lucratividade privadae um projeto nacional compartilhado era mais fácil de ser exe-cutada. Projetos comuns em torno da industrialização depen-diam de se contrabalançar a aversão ao risco do setor privado,e empurrar as perspectivas privadas em direção a um horizon-te de tempo mais longo, mas a eventual capacidade produtivaservia facilmente na lógica de mercado focada na lucrativida-de. Quando a expansão das habilidades e conhecimentos pas-sa a ser a meta, os riscos e prazos não compensam a distânciaentre retornos públicos e privados. A expansão da habilida-de/conhecimento não se ajusta tão bem num projeto compar-tilhado com o capital privado." (16)

Em outras palavras, governos têm papel central no desenvol-vimento de uma economia criativa estável através de políticaspúblicas específicas. Ainda que só governos e agências governa-mentais possam representar, regular e aplicar os direitos de pro-priedade intelectual, seu papel não é apenas regulatório. O en-volvimento de todo o sistema educacional, por exemplo, estimu-lando gostos e cabeças criativas, é fundamental.

O investimento público é essencial para nutrir os talentoscriativos e dar espaço a experimentos. A importância do in-vestimento do Estado, não apenas através de subsídios, écondição sine qua non na viabilidade de uma economia cria-tiva competitiva e sustentável. Mas, as empresas indivi-duais e o investimento privado são importantes assim comoo investimento público em artes e educação. É essa econo-mia mista que oferece o modelo mais moderno e flexível pa-ra uma economia criativa robusta.

6. Propostas

Apresentaremos algumas propostas, umas mais genéricas,outras mais específicas, todas elas visando o fortalecimento daeconomia criativa e buscando dar-lhe o papel de destaque queachamos imprescindível para o Brasil construir uma políticaque viabilize uma economia balanceada, na qual a indústriamanufatureira e a indústria de serviços se complementem pa-ra moldar um parque produtivo competitivo, capaz de gerarempregos diferenciados e cadeias de valor integradas, da pes-quisa à comercialização, passando pela produção. Acredita-mos ser este o caminho para uma inserção internacional com-petitiva e um crescimento sustentável, tanto do ponto de vistaeconômico como ambiental e social.

São apenas algumas das inúmeras propostas que precisamser ampliadas, aprofundadas e articuladas. Muitas delas sãoinspiradas em experiências internacionais de sucesso, de paísesdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que já perceberam aimportância de uma estratégia baseada na economia criativa.

a) O ponto de partida para a formulação de uma política pa-ra a economia criativa é o mapeamento do setor de forma aconscientizar a sociedade da sua importância em termos eco-nômicos (17). Na cidade de São Paulo, um primeiro mapeamen-to está sendo realizado com uma metodologia especialmentedesenvolvida para abarcar os diferentes segmentos que com-põem o setor, e os primeiros dados já revelam o seu enorme po-

tencial para a economia da cidade e, consequentemente, para oPaís. Propomos expandir o mapeamento para o Brasil, apro-veitando a metodologia já desenvolvida.

b) Aplicar os esforços e recursos necessários para transfor-mar o setor em uma locomotiva do desenvolvimento, deixan-do de considerá-lo como algo marginal, secundário do pontode vista macroeconômico e "apenas" como política de inclusãosocial ou política cultural.

c) Explorar a transversalidade do tema, buscando identifi-car as conexões, sinergias e o alcance inter-setorial que possaalcançar. O exemplo do RU mostra a importância do compro-metimento de todas as instâncias do governo na idealização eimplementação das políticas para o setor, uma vez que suaagenda deverá perpassar todas as ações governamentais. Éfundamental a construção de um compromisso de governo, enão de um ministério isolado, pois se trata de uma agenda queenvolve praticamente todas as políticas governamentais: cul-tura, educação, esportes, turismo, fazenda, planejamento,meio ambiente, energia, governos estaduais e municipais,agências de governo, bancos públicos e agências de fomento.

Newton Santos/Hype

Proposta: criação de um centro de difusão e promoção deP&D&Design, que seria um hub para a indústria criativa...

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d) Dada a importância do setor privado no desenvolvimen-to da economia criativa, propõe-se a criação de fóruns adequa-dos, de alto nível institucional, a exemplo de um de ministrosdo governo, com a participação de empresários dos mais di-ferentes setores, para avaliar como as atuais políticas do gover-no influenciam a atividade das indústrias criativas, e que ou-tras medidas o governo poderia adotar para promover tal ati-vidade em diferentes partes do País. Caberia ainda ao fórumanalisar as necessidades com relação às políticas e investimen-tos governamentais, e identificar formas de maximizar o im-pacto econômico do setor, bem como verificar as ameaças aocrescimento contínuo das indústrias criativas no Brasil.

e) Introduzir a "cultura" em suas mais diferentes manifes-tações (artes plásticas, design, cinema, fotografia, teatro, dan-ça, música e outras) em todos os níveis de educação como áreacentral e não periférica. A criação de consumidores e produ-tores culturais é o que dará massa crítica para o desenvolvi-mento de um setor de economia criativa robusto e dinâmico.

f) Identificar os setores capazes de ter um maior efeito mul-tiplicador em termos de geração de emprego e renda e criar po-

líticas especificas de financiamento. O exemplo do cinema deanimação no Canadá, cuja capacidade de geração de empre-gos, renda e exportação é tão significativa quanto os de setoresconsiderados "nobres", como o setor automobilístico, deveriainspirar os formuladores de políticas os quais, em geral, con-tinuam privilegiando os setores tradicionais, em detrimentodos setores mais modernos, os quais simplesmente desconhe-cem ou não dão a necessária importância.

g) Adequar as políticas fiscais e tributárias às necessidadesdos setores criativos em geral muito diferentes dos chamadossetores tradicionais. Uma revisão das leis de incentivo à cul-tura (Lei Rouanet, Lei Mendonça e outras) deve ser realizadana perspectiva mais ampla de dar à economia criativa um pa-pel de relevância inexistente na estrutura atual.

h) Atrelar as políticas para o setor às políticas de renovaçãourbana que fomentem nas grandes cidades a sua capacidadede multiplicar e gerir redes de contato, circulação de informa-ções e formação de negócios.

i) Financiar largamente centros culturais, galerias de arte,bibliotecas, salas de cinema como elementos formadores depúblico consumidor, mão de obra qualificada, espaços de co-nexão e trocas.

j) Criação de um grande Centro de difusão e promoção deP&D&Design (18). O objetivo é estreitar a interação entre diver-sos atores envolvidos na promoção e representação dos setorescriativos e serviços. O local seria um hub para a indústria cria-tiva, com diversos programas para ajudar pequenas e médiasempresas a superarem sua falta de conhecimento sobre a im-portância e papel da criatividade. Um verdadeiro centro de ex-celência multidisciplinar que combine estudos e trabalhos deadministração, engenharia e tecnologia e artes criativas.

k) A articulação de políticas que alavanquem a capacidadede desenvolvimento de tecnologia no País é decisiva para acriação de uma estrutura de oferta competitiva no cenário in-ternacional. Neste sentido, apesar dos avanços recentes, é im-prescindível o desenvolvimento de parcerias mais sistemáti-cas entre o setor privado e os institutos de pesquisa/univer-sidades de modo a ampliar o leque de capacitação tecnológicadas empresas atuantes no Brasil.

l) Ampliar e modernizar o suporte do governo para inovaçãocanalizando fundos públicos para negócios voltados para ino-vação nas áreas nas quais existem as maiores oportunidades paracrescimento futuro: novas energias, biotecnologia, games,softwares e os mais diferentes segmentos da economia criativa.

m) A experiência internacional mostra que novos negócios,especialmente em áreas não tradicionais, têm dificuldadesenormes de acesso ao financiamento, uma vez que os bancosnão se dispõem a correr os riscos embutidos neste tipo de em-presa ou setor. A criação de mecanismos novos de financia-mento para esses setores é decisiva para a sua possibilidade de

leonardo Wen/Folha Imagem

... com diversos programas para ajudar pequenas e médiasempresas a superarem sua falta de conhecimento.

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florescimento. As possibilidades são inúmeras.( i) A política de compras do governo pode e deve ter um

enorme impacto no setor de economia criativa (19). As comprasgovernamentais podem ter poderoso papel em formatar mer-cados com o potencial para novas tecnologias, habilidades eprocessos: desde a compra de material didático, passando pelacompra de uniformes profissionais, militares e escolares, até acompra de material para o Exército, tudo pode passar por umapolítica de incentivo à inovação. (20)

(ii)BNDES,outros bancos públicos e agências de fomentoprecisam incorporar às suas políticas uma visão mais mo-derna, na qual os setores da economia criativa deixem de servistos como periféricos, e inovar nas condições de financia-mento que levem em conta as especificidades desse setor,muitas vezes baseado em pequenas e médias empresas e in-

vestimentos em ativos intangíveis.

n) A necessária mudança no padrão de consumo energéticovai requerer uma enorme transformação estrutural na geração euso de energia, criando uma enorme oportunidade de negóciosem decorrência da expansão da demanda por bens e serviços debaixo consumo de carbono e maior eficiência energética e de re-cursos. O governo tem um papel central em criar os incentivosque levarão a esta transformação. Políticas de regulação, taxaçãoe financiamento estão sendo usadas nos mais diferentes países.

o) ExercitarograndeimpactodopoderderegulaçãodoEstadopara moldar demandas ou condições de oferta nos mais diferen-tes setores como, por exemplo, através da imposição de requeri-mentos de baixo carbono na construção civil.

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2. Creative Industry performance - A statistical analysis for the DCMS.-- Frontier Economics Ltd, Londres, janeiro de 2008.

3. Staying ahead: the economic performance of the UK's creativeindustries. The Work Foundation. www.theworkfoundation.com/assets/do cs/public ations/176_stayingahead.p df

4. Ideopolis: Knowledge City-Regions. The Work Foundation. 2006.http://www.thewor kfoundation.com/research/publications/publicationdetail.aspx?oI temId=60

5. London's Creative Economy: an accidental success? - John Knell andKate Oakley. The Work Foundation, Provocation Series, Volume 3, Nº 3.

6. The state in the economy: neoliberal or neoactivist? Linda Weiss.Department of Government and International Relations. TheUniversity of Sydney. 2006.

7. In search of the 21st century developmental state. Peter B. Evans.Centre for Global Political Economy at The University of Sussex.

Working paper nº 4. Dezembro de 2008.

8. New industry new jobs: a strategic vision for Britain's recovery.UK dept for business, innovation and skills (BIS). Abril 2009.

9. Reshaping the UK economy: the role of public investment infinancing growth. Yannis Pierrakis and Stian Westlake. NESTAResearch report: Junho de 2009

10. Demanding growth - Why the UK needs a recovery plan basedon growth and innovation. NESTA Policy Report. Março 2009.

11. Manufacturing and the knowledge economy: A knowledgeEconomy programme Report. Work Foundation. Janeiro de 2009.

12. Creative Economy Report. UNCTAD. 2008

13. Attacking the Recession. How Innovation Can Fight theDownturn. Charles Leadbeater and James Meadway, com MikeHarris, Theresa Crowley, Sami Mahroum e Brune Poirson.Discussion Paper: Dezembro de 2008.

14. Manufacturing: new challenges, new opportunities. CabinetOffice Better Regulation Executive, UK Government Department forBusiness, enterprises & regulatory reform. Setembro de 2008.

Danilo Verpa/Folha Imagem

Cada vez mais o sucesso de uma economiadepende do sucesso do setor criativo que, porsua vez, depende do sucesso do setor cultural.

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Notas(1) Apesar da taxa de crescimento dos investimentos previstapara 2010 ser de 18,5% do PIB, mostrando um retorno dosinvestimentos se comparada com os 17,4% de 2009, aindaestamos longe dos 25% considerados necessários parasustentar uma taxa de crescimento de 5% ao ano do PIB sempressão inflacionária.(2) Ver Scheinkman, José Alexandre. "Aprendendo com aexportação", in Folha de São Paulo, Janeiro 2008.(3) Manufacturing and the Knowledge Economy. A knowledgeeconomy programme report. Preparado por Ian Brinkley, WorkFoundation, janeiro de 2009.(4) Segundo Carol Corrado, do Board do Sistema Federal deReserva dos EUA, de 1999 a 2003 os investimentos emintangíveis contribuíram para o crescimento da produtividadedo trabalho tanto quanto investimentos nos tangíveis. Ver:Staying ahead: the economic performance of the UK's creativeindustries. The Work Foundation.(5) Idem(6) Idem(7) Idem(8) Idem(9) A primeira oficina de trabalho para o projeto de "Estudo daEconomia Criativa no Estado de São Paulo", realizada naFundação Seade, fez uma boa síntese dos diferentes conceitosutilizados pelas diferentes instituições que vêm trabalhando otema. As definições aqui apresentadas foram baseadas nessasíntese.(10) É sabido que empregos crescem mais no setor de serviços doconhecimento (financeiro, negócios, informação e computaçãoe P&D) e indústrias do conhecimento (telecomunicações,saúde e educação).(11) Ver Weiss, Linda. The State in the Economy: Neoliberal orNeoactivist? In Oxford Handbook of ComparativeInstitutional Analysis, organizado por John Campbell, ColinCrouch, Peer Hull Kristensen, Glen Morgan, Ove KaiPedersen e Richard Whitley. Oxford: University Press.(12) Idem. Todas as citações em tradução livre.(13) Evans, Peter B. In search of the 21st Century DevelopmentState. Working Paaper nº 4. The Centre for Global PoliticalEconomy. Universidade de Sussex. Brighton, Reino Unido,dezembro de 2008.(14) Idem(15) Idem(16) Idem(17) Em 1999, foi realizado o primeiro mapeamento do setor noRU. Em 2001 foi realizado um segundo mapeamento maisabrangente, que revelou uma participação de 5% do PIB. Entre1997 e 2002 os empregos nas indústrias criativas cresceram3% ao ano, enquanto no país cresceu 1%. Em 2002, o setorgerava 1,1 milhões de empregos diretos e 800 mil empregoscriativos em outros setores (por exemplo, arquitetos naconstrução e designers nas indústrias manufatureiras). Entre1997 e 2002 os empregos nas indústrias criativas cresceram3% ao ano, enquanto na economia como um todo cresceu 1%.

Um novo mapeamento em 2004 mostrava que o setor eraresponsável por 8,2% do valor adicionado bruto de toda aeconomia, com um crescimento médio anual de 8%, comparadocom 2,6% da economia como um todo. Além disso, asexportações do setor cresceram 15% enquanto a da indústria deserviços cresceu 7% e a do país apenas 4%. Depois do mercadofinanceiro, já é o maior do país e atualmente o que mais cresce.(18) A China, por exemplo, vem realizando um esforço enorme,além de injetar muitos recursos, para criar uma capacidadeendógena de design. Vem repetindo o caminho dos EstadosUnidos e Alemanha no inicio do século 19, do Japão maisrecentemente e depois da Coreia e Taiwan. Depois de começarcopiando e produzindo grandes quantidades com custo baixo,vem investindo em desenvolver capacidade de pesquisa ecapacidade de transferir a competência tecnológica paraprodutos e serviços de maior valor adicionado. Tem investidoespecialmente em avançar sua capacidade de design paraconseguir transferir as possibilidades tecnológicas em produtose sistemas apropriados, usáveis e acessíveis, além de atrativospara pessoas em diferentes situações culturais e econômicas. AInglaterra, percebendo a ameaça que o avanço chinês nesta áreapode significar, vem desenvolvendo, através do Design Councile outras agências, programas específicos para ajudar pequenasempresas a identificar onde o conhecimento de criatividade edesign pode ajudar a melhorar suas performance e ações. ACoreia construiu o Korea Design Center, um complexo de 12andares em Songnam City, que serve de hub do KoreanInstitute of Design Promotion's. Chamado de Design Mecca ofKorea é um centro que trabalha para desenvolver acompetitividade nacional através do design. Taiwan tem umNational Design Center, aberto em 2004. Singapura tem oFusionopolis Creative Center aberto em junho de 2007, a umcusto de 158 milhões de libras.(19) No RU, o setor público é o maior consumidor de bens eserviços, gastando 175 bilhões de libras anualmente.(20) A inovação americana deve-se em grande parte aoscontratos do governo para comprar produtos e serviços do setorprivado que ainda não existem ou precisam ser adaptados parao uso público. O orçamento para compras do governo federal éde US$ 450 bilhões, ou US$1 trilhão se incluirmos os estados,tornando-se um grande instrumento para uma ação proativade incentivo à inovação, através de suas compras. Apesar domito do puro desenvolvimento de mercado, é sabido o papel dascompras governamentais na promoção do setor de tecnologia.O sucesso do Vale do Silício como hub internacional detecnologia deveu-se em parte ao desdobramento da indústria dedefesa americana subsidiada. Da mesma forma, os EstadosUnidos se manteve na liderança em setores como aeroespacial eenergia nuclear graças a uma expressiva ajuda e apoio dogoverno, muitas vezes através dos gastos militares. Maisainda, o governo americano foi o grande "anjo" queprovidenciou capital e demanda, o que explica odesenvolvimento inicial do setor de inovações, sem venturecapital privado ou mercado de capitais.

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LOGÍSTICAe

TRANSPORTEno Brasil

Fotos: Zé Carlos Barretta/Hype

Renato Casali PavanEngenheiro Civil formadopela UniversidadeMackenzie e diretor daempresa MacrologísticaConsultoria. Foi assessorespecial para assuntos detransporte e agriculturados ministros Dílson Funaro(Fazenda), Íris Rezende(Agricultura) e EliezerBatista (Secretaria deAssuntos Estratégicos daPresidência da República),e presidente da Fepasa-Ferrovia Paulista S.A.,no governo Mário Covas.

Propostas para o novoGoverno Federal

Josef BaratEconomista e Doutor Livre-Docente pela UFRJ. É consultorde entidades e empresaspúblicas e privadas, sócio-diretorda Planam Consult e articulistado jornal O Estado de S. Paulo.Foi superintendente da Área deProjetos do BNDES, Secretáriodos Transportes do Estadodo Rio de Janeiro nos governosFaria Lima e Moreira Franco,presidente da EmpresaMetropolitana de TransportesUrbanos do Estado de São Pauloe diretor da Agência Nacionalde Aviação Civil - ANAC.

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ALFER

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Resumo

O objetivo deste artigo é o de apresentar uma avaliaçãoe sugerir propostas para a superação dos gargalosde natureza institucional, tributária, infraestrutural eoperacional que comprometem o desenvolvimento dalogística e do transporte no Brasil.

O artigo obedece a uma sequência de seis seções, iniciandopela evolução no conceito de logística, seguida da análise dasmudanças ocorridas em função da globalização e dosavanços tecnológicos.

A terceira seção aborda os impactos sobre o mercado internoe as distorções na nossa matriz de transporte, enquanto aquarta oferece uma visão do sistema de transportes e enfatizaa necessidade de mudanças de paradigmas nas soluções.

A quinta seção apresenta as perspectivas e os papéis quedeverão ser desempenhados pela logística e o transporte,como fatores de apoio a um novo ciclo de desenvolvimento.

Finalmente, na sexta seção são apresentadas as propostas.

Entre outras propostas, o artigo enfatiza a necessidade decompatibilizar os investimentos em logística e transporte comuma visão sistêmica, bem como de dar maior eficiência naintegração e coordenação das cadeias de suprimentos(supply-chains) dispersas no território. É fundamental, também,promover maior conhecimento e preparar um capital humanocompatível com o avanço tecnológico.

Do ponto de vista governamental, há necessidade dedar maior eficiência e eficácia às ações governamentaisrelacionadas com: (i) planejamento estratégico,(ii) governança, (iii) diminuição de despesas, (iv) velocidadede decisão, (v) critérios econômicos e sociais para alocaçãode investimentos, e (vi) definição de regras mais claras para oslicenciamentos ambientais. Importante, também, será ofortalecimento das especializações regionais e dos arranjosprodutivos locais.

1. Conceituação

O conceito correto de logística vem do grego Lo-gistikós (aquele que sabe calcular racional-mente) e tem implícita a visão de custo. Por-tanto, a logística tem forçosamente uma abor-

dagem sistêmica da origem até o destino final dos produtos– interna e externamente – e está inserida na cadeia de su-primentos (supply chain), ou seja, matéria-prima, insumo,produção, transporte, impostos, distribuição, fluxo de in-formação, burocracia, gargalos institucionais e, principal-mente, a eficiência gerencial.

A aplicação da logística difundiu-se largamente após o tér-mino da Segunda Guerra Mundial. A partir da intensiva apli-cação militar no conflito, consolidou-se gradualmente o con-ceito de logística empresarial, abrangendo tanto as atividadesde suprimentos e de distribuição, quanto os métodos e proce-dimentos relacionados à logística interna das empresas. Poroutro lado, o conceito de uso militar evoluiu também para es-copos mais abrangentes no âmbito governamental, relaciona-dos às necessidades de escoamento de mercadorias destina-das às exportações, ao abastecimento do mercado interno e aosprocessos de estocagem e distribuição, inclusive aqueles vol-tados à segurança alimentar. Nestes casos, as concepções da lo-

Divulgação

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gística implicam em planejar alternativas, buscar a redução decustos e contornar as dificuldades causadas por gargalos físi-cos e ineficiências nas operações.

Os planos de governo passaram igualmente a dar atenção àsuperação dos obstáculos de natureza institucional, legal e bu-rocrática em cada uma das etapas do escoamento e distribui-ção. As infraestruturas de transporte, em seus diversos mo-dais, constituem o principal suporte para as atividades relacio-nadas com a logística.

Os estudos e ações de logística centraram-se, inicialmente,na administração das funções de transporte e estocagem. Nes-te estágio, as preocupações diziam respeito aos aumentos deprodutividade e às aplicações incipientes da informática. Estaabordagem intensificou-se com a globalização, a partir dosanos 70, na medida em que as empresas tornaram seus proces-sos produtivos cada vez mais globalizados – e com cadeiasprodutivas mais extensas e dispersas – na busca de suprimen-tos (ou frentes de exportação e importação) de matérias-pri-mas, peças e componentes.

Nos anos 90, num mercado caracterizado pela intensifica-ção da concorrência global, surgiram novas prioridades, tais

unidades de produção. (Para uma visão da evolução da logís-tica, v. Ballou, 2003).

Mais recentemente, com a globalização, os sistemas de pro-dução flexível e a sofisticação das técnicas mercadológicas, re-definiram-se os princípios da logística e alteraram-se as prio-ridades e estratégias. Surgiu uma preocupação maior com a ra-cionalização de tempo e custo, uma vez que a concorrênciaapenas em função de qualidade e preço já não garantia a sus-tentação de vantagens competitivas. A realidade atual é a deuma vastíssima gama de produtos demandados e ofertados,reduções nos ciclos de vida, maiores exigências dos consumi-dores e a variada segmentação de clientes, canais e mercados.(V. Ballou, 2003, cit.).

Hoje, os consumidores demandam flexibilidade crescente,disponibilidade e segurança da mercadoria procurada, tudoao menor custo final. Desta forma, a demanda pela utilizaçãode operadores logísticos tem aumentado, principalmente, de-vido à complexidade operacional e à sofisticação tecnológica.O conceito de logística já não diz respeito exclusivamente àscadeias de distribuição, mas sim a um processo estratégico deplanejamento e técnicas de controle de estoques e fluxos de

como as reestruturações organizacionais e os controles de cus-tos baseados em segmentos específicos de atividades. As preo-cupações passaram a ser relacionadas principalmente comtempo e qualidade. Os desafios voltaram-se para a integraçãointerna, acompanhada de esforços em terceirização e difusãodas tecnologias de informação. Ao longo de mais de trintaanos, portanto, a logística empresarial vem sendo tratada deforma sistemática, passando por abordagens inovadoras e aju-dando a resolver problemas complexos de armazenagem,transporte e cadeias de distribuição de produtos e insumos.Este tratamento também passou a dar suporte às decisões delocalização e de dimensionamento das instalações de novas

materiais, desde o ponto de origem da produção até o seu des-tino final, para fins de transformação, embarque ou consumo.(Para uma abordagem integrada do conceito de logística,v. Quayle e Jones, 2002).

A fragmentação dos sistemas produtivos induziu a especia-lização produtiva de regiões e países, com uma lógica de pro-dução orientada pela oferta de produtos diferenciados e per-sonalizados. Constatou-se a necessidade de respostas basea-das na demanda, estando a produção fortemente condiciona-da às exigências do mercado. É crescente, assim, a importânciada logística apoiada em cadeias de transporte cada vez maiscomplexas e altamente dependentes de novas tecnologias de

Newton Santos/Hype

Transporte eestocagem sãopontos básicos

em logística.

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informação, nas quais a estratégia das empresas é basicamentecentrada em aspectos ligados à localização e à comunicação.

Neste sentido, houve a intensificação da aplicação de tecno-logias de localização e transmissão de dados por meio de Sis-temas de Satélite de Navegação Globais (GNSS), assim comogrande avanço nas concepções dos chamados Sistemas deTransportes Inteligentes. As vantagens oferecidas pelas tecno-logias de satélites de observação, telecomunicações e navega-ção, passaram a ser adaptadas às necessidades específicas dosdiversos modais de transporte. Adquiriram, no entanto, espe-cial importância para as complexas cadeias logísticas basea-das no transporte multimodal. Tanto nos Estados Unidos co-mo na União Europeia, foram notáveis os avanços na aplicaçãodos sistemas de monitoração por satélites aos transportes in-teligentes, com informações em tempo real quanto à identifi-cação, por meio de "ID Tags", das cargas na sua movimentação,posicionamento dos veículos, monitoração de velocidade etc.– desde a origem até o destino final.

O atual estágio de evolução das tecnolo-gias de informação permite que bancos de da-dos sofisticados possam acompanhar "onli-ne" níveis de estoque, despachos e desloca-mentos de mercadorias em escala mundial,via internet. Por conseguinte, as tecnologiasassociadas às cadeias logísticas constituíramum dos segmentos de crescimento mais ace-lerado no vasto campo da telemática. Numaeconomia mundial cada vez mais integrada, ofator mais importante de diferenciação com-petitiva entre países e regiões é adequação dalogística das cadeias produtivas, racionali-zando rotas de abastecimento e escoamento,bem como reduzindo custos. Portanto, comomencionado anteriormente, a logística temque ter uma abordagem sistêmica da origematé o destino final dos produtos e deve estar inserida na ca-deia de suprimentos (supply chain). (V. Pavan, 2008).

2. Globalização, logística e transporte

Tornou-se lugar comum afirmar que a globalização – asso-ciada à evolução tecnológica acelerada – alterou radicalmenteas características da produção de bens e serviços. De fato, a glo-balização trouxe a fragmentação e o espalhamento das cadeiasprodutivas em escala mundial, dispersando-se a produção decomponentes, partes e montagens finais. A forte integraçãohorizontal estimulou a terceirização da produção e serviços aqual, por sua vez, ampliou o alcance dos deslocamentos dematérias-primas e produtos. As novas cadeias produtivas im-puseram, assim, o surgimento de novas logísticas de abaste-cimento e escoamento, por meio da utilização mais intensivados contêineres e do transporte multimodal.

A difusão no uso da internet e os sistemas de tecnologia deinformação trouxeram, por sua vez, mudanças radicais nas ca-deias logísticas, principalmente em decorrência das tendên-cias em direção à terceirização e ao "offshoring". Em conse-quência, as atividades de logística e transporte, incluindo o ge-

renciamento de cadeias de suprimento (supply chains), pro-cedimentos de compras (procurements) e distribuiçãotiveram grande expansão em escala mundial. Para assegurarcompetitividade nos mercados globais, produtores e varejis-tas, em todo o mundo, passaram a valer-se do estado da arte nogerenciamento das cadeias de suprimento para reduzir esto-ques e custos de armazenagem. Com isto, diminuíram, de for-ma vertiginosa, os tempos de estocagem e de entrega de insu-mos e produtos finais. (V. Quayle e Jones, 2002, cit.).

Note-se que a rápida adoção da terceirização e do "offsho-ring" levou muitas empresas, que tinham no deslocamento dassuas mercadorias um fator crucial para seus negócios, a se tor-narem também ofertantes de serviços de logística, inclusiveprovendo armazenagem e planejando serviços de abasteci-mento e distribuição. Assim, os serviços de logística, armaze-nagem, transporte, distribuição, bem como os de gerencia-mento de cadeias de suprimento e compras, tornaram-se de tal

forma entrelaçados, que acabaram por gerargraus de eficiência jamais imaginados há trêsdécadas. No entanto, como os gargalos nas in-fra-estruturas de transporte comprometem aeficiência dos sistemas de logística, obviamen-te a globalização impôs grandes desafios com-petitivos para sua superação por parte de go-vernos e empresas. Assim, a competitividadetem o seu principal suporte nos investimentosrealizados nas infraestruturas.

Na verdade, a globalização e formação dosgrandes blocos econômicos vêm sendo condu-zidas pelos grandes conglomerados transna-cionais. Eles detêm o comando da produção einduzem padrões inovadores de consumo. De-terminam, ainda, como se formam as cadeiasprodutivas e, portanto, os sistemas de logísticae os processos de distribuição de bens e servi-

ços pelo mundo. Como foi visto, as mudanças nas formas deprodução e de distribuição foram radicais, impulsionadas, so-bretudo, pelos grandes avanços nas comunicações, informa-tização, logística e transporte. Por outro lado, a maior partici-pação privada nas infraestruturas e o menor peso dos Estadosna sua provisão, corresponderam a um movimento que asso-ciou a liberalização à regulação.

Cabe acrescentar, por outro lado, que as grandes aglomera-ções industriais deixaram de ser relevantes para os processosprodutivos. Com isto, os conceitos tradicionais de territoria-lidade tendem a desaparecer e as localizações de atividadespautam-se pelos sistemas em rede. Isto porque tornou-se cadavez mais frequente a formação de amplas redes mundiais deempresas fornecedoras e produtoras, com o objetivo de enca-dear conjuntos de atividades voltadas para o atendimento dasnecessidades de mercados globalizados. (V. Barat, 2008).

O transporte maciço de granéis e a difusão do uso de con-têineres irromperam em rotas ou corredores regionalizados.Propiciou-se, assim, a integração de diversas funções e modaispara garantir deslocamentos porta a porta com níveis elevadosde produtividade e ao menor custo. Por rotas ou corredores,entende-se o conjunto de infraestruturas, sistemas operacio-

A difusão no usoda internet e os sistemasde tecnologia deinformação trouxerammudanças radicaisnas cadeias logísticas,principalmenteem decorrência dastendências em direçãoà terceirizaçãoe ao "offshoring".

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nais e meios logísticos que, em diferentesescalas e especializações, integram-se pa-ra propiciar a continuidade do transportedesde a origem da produção até o destinodo beneficiamento, transformação, con-sumo ou embarque nos portos.

Desta forma, os fluxos de mercadoriasse materializam, de forma crescente, notransporte multimodal, sendo os portos eaeroportos os elos mais importantes dotransporte terrestre com as rotas de longocurso ou de cabotagem. Com a expansãodo comércio mundial, gerou-se grandediversidade de opções de rotas ou corre-dores, o que impôs acirrada concorrênciana atração de cargas. Os portos e aeropor-tos tornaram-se, assim, empreendimen-tos comerciais, com forte influência nodesenvolvimento regional.

Os grandes complexos portuários e ae-roportuários norte-americanos e euro-peus não competem mais como merospolos individuais de carga e descarga denavios, mas sim como polos cruciais de li-gação de complexas cadeias de supri-mento em escala mundial. Assim, a com-petitividade de um porto ou aeroportotornou-se cada vez mais dependente dacoordenação e controle por parte de ato-res exógenos às suas gestões (Para umavisão mais ampla do ambiente competi-tivo dos portos, v. OECD, 2008).

Por outro lado, ganharam importâncianovos fatores de gestão de custos, no con-texto de acirrada competição, quais sejam:(i) custo do tempo para a transferência demercadorias com maior valor agregado;(ii) confiabilidade e capacidade para aten-der as premências de tempo; e (iii) maiorflexibilidade na concepção de rotas alter-nativas disponíveis para o atendimentodas cadeias logísticas. Na globalização,portanto, a logística e o transporte passam a atuar como fatoresessenciais para uma inserção mais plena no comércio mundial,redução de assimetrias e adição de valor às cadeias produtivasnacionais. A existência de sistemas eficientes e empresas nacio-nais privadas de porte para a logística e o transporte é hoje con-dição essencial para que as negociações entre países e blocospossam ser feitas em bases de maior reciprocidade. (Para umaabordagem mais ampla do impacto da globalização na logísticae no transporte, v. Barat, 2007-B).

Em síntese, para que um país, região ou empresa possamcompetir nos mercados de um mundo globalizado, torna-seimperativo acompanhar as tendências mundiais da logística edo transporte, cuja permanente mudança envolve, entre ou-tros, os seguintes fatores (Sobre os fatores envolvidos na com-petitividade, v. Pavan, 2008, cit.):

- Intensificação da logística integrada porta a porta, para aten-der aos procedimentos "just in time" e diminuir os estoques;

- Evolução tecnológica nas etapas de produção, ao longo dascadeias produtivas;

- Agregação de valor nas cadeias produtivas, ou seja, maiorpeso da transformação, diminuição de custos e aumento dasescalas de produção;

- Geração de novos produtos – não tradicionais – a partir dasmatérias-primas, como, por exemplo, o que ocorre no Brasilcom as cadeias produtivas ligadas ao etanol, à alcoolquímica eo biodiesel;

- Globalização das empresas produtoras, com consequenteespalhamento das cadeias produtivas e aumento das escalasde produção;

- Evolução tecnológica dos modais de transporte, especial-

Luciana Rodrigues/Ag. O Globo

Para que um país, região ou empresa possam competir nos mercados, torna-seimperativo acompanhar as tendências mundiais da logística e do transporte.

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52 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

mente o marítimo de cabota-gem e transoceânico – com anova geração de navios Pós-Panamax – assim como osmodernos portos e aeropor-tos aglutinadores de cargas,como os que estão sendo im-plantados na Ásia;

- Maior desenvolvimentoda China e da Índia, com forteimpacto das estratégias destespaíses nas decisões de locali-zação da produção mundial;

- Maior instabilidade nomercado mundial de energiae aumento das perspectivasde escassez de recursos natu-rais, como petróleo, commo-dities agrícolas e água.

3. Mercado interno,logística e transporte

No Brasil, a evolução da lo-gística e dos sistemas combina-dos de transporte se deu demaneira tardia. Para se ter umaideia do quanto o setor ainda pode se desenvolver, o País encon-tra-se, na média, na transição entre as fases 2 e 3, de acordo com oprocesso evolutivo ilustrado na Tabela 1. Esta esquematizaçãopermite identificar as mudanças de paradigmas ocorridas nocampo da logística. Em cada uma das etapas, notam-se as rede-finições do escopo de atuação e do foco na prestação dos serviçoslogísticos. Os Estados Unidos, por exemplo, comparativamenteao Brasil, encontram-se atualmente entre as fases 5 e 6.

Somente a partir da segunda metade da década de 90, as em-presas brasileiras conseguiram integrar suas atividades deforma a difundir o uso e a aplicação dos conceitos da logística.Isto foi possível, sobretudo em decorrência da estabilização daeconomia decorrente do Plano Real. Mas o interesse maior pe-los serviços logísticos deveu-se, também, à busca pela compe-titividade da indústria nacional em decorrência dos desafiosimpostos, de início pela abertura comercial e, posteriormente,pela valorização cambial.

Em 1997, a receita anual do setor de logística era estimadaem cerca de R$ 1 bilhão e as empresas operadoras não passa-vam de 35. Dez anos depois, o faturamento saltou para próxi-mo de R$ 20 bilhões e as empresas, entre elas gigantes multi-nacionais, ultrapassavam 120. O crescimento acelerado do se-tor no Brasil começou, portanto, há pouco mais de uma década,período no qual se intensificou a diversificação do lançamentode produtos e quando ocorreram, também, reduções impor-tantes nos seus ciclos de vida. Dentre as operadoras de serviçoslogísticos, cerca de 70% atuam no mercado há menos de dezanos, contra apenas 30% que existiam anteriormente.

Com a abertura da economia e a inserção gradual no processode globalização, as atividades produtivas passaram a enfrentar

acirrada concorrência internacional, sendo obrigadas a se ajus-tar aos padrões de competição mundial. Criou-se a necessidadede aumentos da eficiência e da produtividade, bem como de es-forços na gestão da logística de distribuição. Por outro lado, valeinsistir, com a globalização estreitaram-se de tal maneira as dis-tâncias entre as nações e os novos mercados, que as dinâmicas decirculação de mercadorias alteraram-se radicalmente.

Apesar de o Brasil apresentar graves deficiências nas in-fraestruturas de transporte, armazenagem e distribuição –tendo como referência os países desenvolvidos – o setor de lo-gística ocupa posição importante na economia brasileira. Osprincipais usuários encontram-se nos setores químico e petro-químico, automotivo, alimentos, farmacêutico (englobandohigiene, limpeza e cosméticos), bem como de eletroeletrôni-cos, nesta ordem. Entre os principais serviços oferecidos pelasoperadoras logísticas destacam-se os de armazenagem, con-trole de estoques e transporte nas funções de coleta, transfe-rência e distribuição, compondo o núcleo central da gestão in-tegrada da logística.

Infelizmente, os sistemas de logística do País são dependen-tes de uma matriz do transporte de carga bastante distorcida.ATabela 2mostra que o transporte rodoviário é responsávelpor 61% da movimentação de cargas do País. Se excluído damatriz o minério de ferro (principal carga cativa da ferrovia) aparticipação do transporte por caminhões se aproxima dos70%, o que não tem paralelo em países com as dimensões con-tinentais do Brasil. Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália,Rússia e China, as ferrovias, dutos e navegação (fluvial ou cos-teira) têm participação muito mais expressiva, apesar do ine-vitável avanço do transporte rodoviário.

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A mesma tabela mostra, também, a baixa participação dacabotagem num país cuja extensão costeira é de mais de 8 milkm. Por outro lado, o modal rodoviário está saturado em tre-chos vitais e com infraestrutura deteriorada em grande exten-são da malha viária. Por seu turno, a malha ferroviária – comexceção do escoamento do minério de ferro – apresenta baixasvelocidades médias, graves deficiências de traçado ou satura-ção da capacidade física de transporte, tanto em termos da viapermanente, como de sistemas de apoio de comunicações e dematerial rodante e de tração.

Acrescente-se, por fim, que a precariedade do transporteafeta a confiabilidade e presteza dos sistemas de logística, umavez que ocorrem atrasos constantes e perdas devido a roubos,acidentes e avarias. A maneira que os operadores logísticos en-contram para se proteger dos riscos e incertezas decorrentes deatrasos, anulações de entregas, entre outros, é a constituição degrandes estoques. Comparado com o sistema norte america-no, o brasileiro carrega, em média, 22 dias adicionais de esto-que, equivalentes a um acréscimo desnecessário de investi-mento estimado em cerca de R$ 120 bilhões. Por outro lado, oscustos logísticos no Brasil são estimados em 12,6% do PIB, con-tra 8,6% nos Estados Unidos. O transporte é responsável por7,5% dos custos logísticos no Brasil, contra 5% dos custos nor-te-americanos. (V. Caleffi, 2008).

Por outro lado, a Tabela 3 faz um comparativo entre otransporte de cargas no Brasil e nos Estados Unidos. Toman-do-se como unidade a TKU (Tonelada Quilômetro Útil), nota-se que relativamente àquele país o desbalanceamento da nossamatriz de transporte onera o custo Brasil em cerca de US$ 10bilhões ao ano (1,0 Tri de TKU/ano x US$ 10,0/1000TKU, in-cluindo o minério de ferro), dada a diferença de custo médio detransporte apontada na última linha da tabela.

4. Mudanças de paradigma

No Brasil, como foi visto anteriormente, os sistemas de lo-gística estão baseadas em uma matriz de transporte (e, conse-quentemente, energética) distorcida. Esforços têm sido feitosno sentido de mudar o paradigma que prevaleceu por mais de

seis décadas. Por exemplo,as concessões das ferrovias,rodovias e instalações por-tuárias incentivaram a mi-gração de empresas detransporte para a atividadelogística. Muitas empresasrodoviárias (e algumas fer-roviárias), pressionadas pe-la acirrada disputa no mer-cado de fretes, tomaram es-sa decisão estratégica. Aoadotarem o conceito deOTM (Operador de Trans-porte Multimodal), adicio-naram novos serviços e ca-pacidades aos seus portfó-lios. Ocorreu, inclusive, um

processo de consolidação de empresas de transporte rodoviá-rio de cargas que, embora limitado, atenuou, em certa medida,a ainda grande fragmentação do setor.

O fato de a economia brasileira ter parte do seu dinamismocalcado no agronegócio torna a logística dos granéis o grandedesafio. Neste setor, o transporte responde por 60% ou maisdos custos logísticos. Muitos são os problemas de infraestru-tura que deverão ser sanados para facilitar o escoamento degranéis, reduzir custos e, em consequência, aumentar a com-petitividade das exportações. Por outro lado, no que diz res-peito à produção industrial, os principais usuários de logís-tica demandam serviços de armazenagem, controle de esto-ques e transporte de suprimentos, transferência e distribui-ção, que, como foi visto, constituem o núcleo da gestãointegrada da logística.

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Com o crescimento do agronegócio brasileiro, alogística dos granéis passou a ser o grande desafio.

Albari Rosa/AE

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A infraestrutura deficiente dos sistemas de logística é, toda-via, um problema grave que persiste. Em todos os modaisidentificam-se (em maior ou menor grau) problemas relacio-nados ao estado de degradação das infraestruturas e das ins-talações de apoio. Além disso, também são graves os proble-mas relacionados: (i) aos elevados custos operacionais dotransporte (insumos, combustíveis e pedágios); (ii) à lenta ab-sorção de inovações tecnológicas e de gestão (idade elevadadas frotas e equipamentos, assim como um baixo nível de au-tomação); (iii) à carga tributária elevada; (iv) à insegurança eroubo sistemático de cargas; e (v) às exigências crescentes (e,nem sempre coerentes) da legislação ambiental. Deste modo,as deficiências nas infraestruturas de suporte à logística e aotransporte acarretam a perda de competitividade e, portanto,a elevação do chamado "Custo Brasil".

São, portanto, amplos e profundos os problemas do trans-porte de cargas, podendo se destacar, em linhas gerais as ques-tões relacionadas com:

- A insuficiência de investimentos em manutenção das in-f r a e s t ru t u r a s ;

- A carga tributária, a burocracia estatal e as práticas dec o r ru p ç ã o ;

- As deficiências de fiscalização e controle;- A crônica escassez de informações;Apesar da persistência dos gargalos, cabe lembrar que

ocorreram grandes mudanças nos últimos quinze anos. To-da a malha ferroviária para o transporte de carga já é ope-rada por empresas privadas. Os programas de concessão ro-doviária avançaram bastante nos âmbitos da União e demuitos estados. A operação de terminais portuários é quaseinteiramente privada, muito embora o sistema de gestão pú-blica dos portos ainda permaneça muito centralizado. Nocaso dos portos, acrescente-se uma burocracia complexa, ca-ra e manipulada por interesses políticos, o que sobrecarregaos custos das operações.

Cabe chamar a atenção para o fato de que paradigmas que pre-valecem por longos períodos orientam a busca de soluções para odesenvolvimento posterior no âmbito das suas próprias premis-sas. Esta é a grande dificuldade que se interpõe às mudanças. Des-ta forma, no Brasil, o processo de mudança no paradigma dostransportes não é nada simples, tanto em função da persistênciade abordagens estanques e da defasagem tecnológica, quanto pe-la amplitude dos problemas e proporções significativas do setor.

Uma ideia das dimensões do setor de transportes pode serproporcionada pelos dados que se seguem:

A) Rodovias:- A extensão da malha rodoviária (somadas as malhas sob a

responsabilidade da União, Estados e municípios) era de cerca de1,75 milhão de quilômetros, em 2007. Trata-se da 4ª malha rodo-viária do mundo em extensão. No entanto, apenas 196,3 mil qui-lômetros são pavimentados, ou seja, 11,2% do total;

- A extensão da malha rodoviária concedida à exploração pri-vada, em 2007, era de 9,7 mil quilômetros, representando apenas5,6% do total das malhas pavimentadas sob a responsabilidadeda União e dos Estados, que é de 173,5 mil quilômetros;

- O número de veículos de carga e de transporte coletivo quecirculavam na extensão total da malha rodoviária, em 2006, era de3,2 milhões de caminhões, cavalos mecânicos, reboques e semi-reboques (com idade média de 15 anos) e 186 mil ônibus interes-taduais, intermunicipais, urbanos e de fretamento;

- O número de empresas transportadoras de carga é estima-do em aproximadamente 145 mil e o de caminhoneiros autô-nomos de 769,8 mil, o que evidencia a grande fragmentação domodal rodoviário.

B) Ferrovias:- A extensão da malha ferroviária brasileira útil, em 2006, era

de 29,3 mil quilômetros, operada por 11 concessionárias. Trata-se da 10ª maior malha ferroviária do mundo;

O número deempresastransportadoras éestimado em cercade 145 mil e o decaminhoneirosautônomos de769,8 mil, o queevidencia a grandefragmentação domodal rodoviário.

Luiz Ferreira/LUZ

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- O número de locomotivas que circulavam nos trilhos destamalha, em 2006, era de 2.492. Os vagões de todos os tipos emtráfego eram em número de 121.880 (sendo 62.744 vagões pró-prios das empresas concessionárias).

- Os vagões ferroviários transportaram, em 2006, 238,1 bi-lhões de toneladas-quilômetro úteis (TKU) e 389,1 milhões detoneladas úteis anuais. Predominaram no transporte ferroviá-rio o minério de ferro (66% do total) e o complexo de soja e fa-relo (aproximadamente 10% do total);

- O transporte de minério de ferro é realizado pelas duas fer-

rovias da Vale do Rio Doce(E.F.Vitória-Minas e E.F.Ca-rajás) e pela MRS Logística.As três concessionáriastransportaram, em 2006, na-da menos que 83% da cargaferroviária, expressa em to-neladas úteis.

- As ferrovias da Vale e aMRS Logística operam comníveis elevados de produti-vidade, comparativamente àferrovias norte-americanas ecanadenses. Sem estas ferro-vias, no entanto, os indica-dores ferroviários brasilei-ros são muito baixos, comopode ser visto na Tabela 4.

C) Portos marítimos:- O Brasil possui 40 portos

marítimos e 43 terminais pri-vados, que movimentaram,em 2007, 754,7 milhões de to-neladas, sendo 457,4 mi-lhões de carga granelizadasólida, 194,6 milhões de gra-nelizada liquida e 102,7 mi-lhões de carga geral.

- Somente os portos deTubarão (ES), Itaquí (MA) eItaguaí (RJ) movimentam280 milhões de toneladas –basicamente minério de fer-ro – representando 37,1%do total das toneladas mo-vimentadas e 61,2% dosgranéis sólidos.

- Os portos brasileiros mo-vimentam 4,2 milhões decontêineres (6,6 milhões deTEU; vide definição na Tabe-la 5) representando 68 mi-lhões de toneladas. A cabota-gem envolve apenas 16,4%do número de contêineres e12% da tonelagem.

- O porto de Santos movimenta sozinho cerca de 40%, tantodas unidades, quanto da tonelagem de toda a carga conteine-rizada do País.

- A participação do transporte por hidrovias é muito redu-zida, utilizando somente 20% dos rios navegáveis (RegiãoNorte 77% e Hidrovia Tietê-Paraná, 7,9%).

Uma visão da inexpressiva posição dos portos brasileirosno que diz respeito à movimentação de cargas em contêine-res, comparativamente aos maiores portos mundiais é dadapela Tabela 5.

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D) Dutos:- A extensão da malha dutoviária brasileira era, em 2007, de

22,2 mil quilômetros, sendo a 15ª do mundo.- A movimentação de cargas na malha dutoviária brasileira

foi de 251,3 mil toneladas nos oleodutos, 18,3 mil nos minero-dutos e de 14 mil nos gasodutos.

- Esta malha é constituída por oleodutos (que movimentampetróleo, óleo combustível, gasolina, diesel, álcool, GLP, que-rosene e nafta), minerodutos, (para o sal-gema, minério de fer-ro e concentrado fosfático e gasodutos (para o gás natural).

- O Gasoduto Brasil-Bolívia (com 3.150 km de extensão) éum dos maiores do mundo, abastecendo o Centro-Sul do Paíscom o gás natural importado.

E) Aeroportos:- O Brasil possui 4.263 aeroportos e aeródromos, sendo a se-

gunda maior rede do mundo, apenas superada pela dos Esta-dos Unidos, com 14.497.

- Dos 67 aeroportos operados pela Infraero, 31 são interna-cionais e 36 domésticos. Movimentaram, em 2007, um total de110, 5 milhões de passageiros e 1.318,6 mil toneladas de cargas.

- O número de passageiros em tráfego doméstico foi de 97,9milhões e no internacional de 12,6 milhões. Na movimentaçãode cargas, 697,7 mil toneladas corresponderam ao tráfego in-ternacional e 620,8 mil ao doméstico.

- Do total da movimentação de cargas, o aeroporto de Gua-rulhos respondeu por 32,2%, Viracopos por 18% e Manaus por12,6%. Os três aeroportos concentraram nada menos que 63%da carga aérea movimentada no País.

-No que diz respeito à movimentação de passageiros, os ae-roportos de Guarulhos e Congonhas concentraram, em 2007,31% do total do País (18,7 e 15,3 milhões de passageiros/ano,respectivamente). Agregando-se Brasília e Galeão, a concen-tração de passageiros elevou-se a 50% do total.

Uma visão da posição dos aeroportos brasileiros quanto àmovimentação de passageiros e cargas, comparativamente

aos maiores aeroportos mun-diais, é dada pela Tabela 6.

Dado este panorama geraldas dimensões e posiciona-mento do setor de transpor-tes brasileiro e voltando àquestão da mudança de pa-radigma, cabe lembrar queas transformações mundiaisnão foram somente de natu-reza tecnológica, gerencial ede métodos e escalas dasoperações. Diante do colap-so na capacidade de investi-mento público, novas formasde financiamento passarama ser buscadas. Com relação aeste aspecto, cabe lembrarque duas últimas décadastrouxeram profundas modi-ficações no sistema financei-

ro internacional e nos fluxos de recursos entre países.Os financiamentos dos investimentos nas infraestruturas por

parte de entidades multilaterais de fomento ou financiamentosde governo a governo, predominantes ao longo dos anos 70, ce-deram lugar às participações de grupos financeiros privados. Es-tes lideraram consórcios de investimentos para a exploração dasinfraestruturas, mediante concessões de longo prazo. As mudan-ças interferiram, também, na dinâmica dos investimentos emtransporte: saiu-se da perspectiva predominante da intervençãoestatal, para aquela dos interesses do mercado e da maior com-petitividade. (Para uma visão aprofundada do processo de con-cessões e parcerias, v. Hakim, Seidenstat e Bowman, 1996, assimcomo Estache e De Rus, 2000). A recente crise financeira interna-cional, todavia, pode reverter parcialmente esta tendência, namedida em que a carência de recursos privados e a instabilidadedo ambiente regulador podem exigir esforços adicionais de in-vestimentos estatais (Ver a esse respeito, Barat, 2008, cit.).

Na verdade, a junção dos fatores de mudança tecnológi-ca, gerencial e operacional, de um lado, e os de financiamen-to e planejamento, de outro, ocorrida nos países desenvol-vidos nos anos 80 e 90, teve uma consequência importante.As cadeias produtivas – cada vez mais complexas – engen-draram "sistemas de logística" igualmente complexos que,por sua vez, se materializaram, para o consumidor, no trans-porte porta a porta, resultante da combinação mais compe-titiva de modais em termos de custo final do transporte. Os"sistemas de logística" implicaram necessariamente na im-plementação de investimentos e sistemas operacionaiscombinados e coordenados.

Neste sentido, com a crise podem surgir novas oportunida-des para parcerias entre interesses privados e governamentaispara a configuração de sistemas de logística voltados para aconsolidação de infraestruturas e meios logísticos integradosem "Eixos de Transporte regionalizados". Tais Eixos podempropiciar o aumento da competitividade, no deslocamentodas cargas em níveis elevados de produtividade e custos mais

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baixos para os consumidores. (Para uma perspectiva amplaquanto ao planejamento e as mudanças nos transportes, v.Adams, 1981 e Nijkamp, Reichman e Aldershot, 1987).

Com relação às mudanças de paradigmas, um último aspec-to – mas não menos importante a ser lembrado – diz respeito aoforte entrelaçamento das infraestruturas e operações de logís-tica e transporte com a questão ambiental. Dois temas devemser ressaltados para uma reflexão mais aprofundada por partede governos e empresas. Primeiramente, a tendência recorren-te, no Brasil, por falta de uma fiscalização adequada a implan-tação principalmente de uma nova rodovia pode provocaruma ocupação desordenada do solo e impactos no meio am-biente. Cabe lembrar que o País carece de uma legislação maisrealista e rigorosa que, tanto coíba o impacto negativo das in-fraestruturas, quanto regule a ocupação e uso do solo nas áreaspróximas ou lindeiras principalmente às rodovias.

A segunda tendência é a da distorção da nossa matriz ener-gética em função do predomínio do modal rodoviário notransporte de cargas e passageiros, tanto interurbano, quantourbano, por consumir muito combustível em relação a cargatransportada e ser um grande emissor de poluentes. Neste ca-so, a mudança de paradigma aponta para dois caminhos si-multâneos a médio e longo prazo: a) o fortalecimento do papeldos modais não-rodoviários, especialmente em eixos regiona-lizados (ferrovias, dutos, e navegação); e b) a substituição (ouadição) de combustíveis oriundos da biomassa (etanol e bio-diesel) para movimentação do transporte rodoviário.

Note-se que, em escala mundial, o uso de biocombustiveisno transporte é ainda bastante baixo comparativamente aodos derivados do petróleo. Nos Estados Unidos, o etanol re-presenta menos de 2% do combustível utilizado no transpor-te, enquanto no Brasil ele representa aproximadamente 30 %.Toda a experiência brasileira na pesquisa e desenvolvimentode combustíveis da biomassa, assim como dos motores "flex",não só garantirá uma posição de destaque no cenário inter-nacional, como poderá dar suporte a uma mudança mais pro-funda na nossa matriz energética.

Cabe destacar, por fim que, enquanto os preços de produçãodos biocombustíveis são fáceis de medir, os benefícios de seu usosão difíceis de quantificar. Mas isto não significa que os benefíciosnão sejam substanciais e muito amplos, podendo ser citados: (a) amelhoria da segurança energética; (b) a redução de emissões depoluentes e, consequentemente, do efeito estufa; (c) a melhoria dedesempenho dos veículos; (d) o estímulo ao desenvolvimento ru-ral; e (e) a proteção de ecossistemas e dos solos, desde que a pro-dução obedeça a critérios ambientais corretos. Mas como essesbenefícios são difíceis de quantificar, o preço de mercado dos bio-combustíveis, por não refleti-los adequadamente, torna-se ainda"caro" frente aos derivados do petróleo, tornando mais difícil asua difusão em escala mundial. (V. a esse respeito OECD, 2004).No entanto, no Brasil os custos de produção dos biocombustíveis(especialmente do etanol) são muito mais baixos do que em paísesdesenvolvidos e mais próximos dos custos dos combustíveis depetróleo, o que nos abre perspectivas bastante promissoras.

5. Perspectivas

Num mundo em que a economia é crescentemente globali-zada, para competir no mercado internacional são necessáriosinvestimentos continuados e consistentes em aumentos de ca-pacidade, assim como em inovação tecnológica e gerencial. Noque diz respeito às políticas e ações relacionadas com as in-fraestruturas é importante levar-se em conta a tendência mun-dial de rápidos avanços tecnológicos e de escala em todos ossegmentos infraestruturais.

Apesar das restrições impostas pela estagnação econômi-ca prolongada que assolou o Brasil por 25 anos, houve avan-ços extraordinários na incorporação de novos padrões degestão e novas tecnologias ao processo produtivo em muitossetores da indústria, agricultura e serviços. Isto resultou deum esforço contínuo de empresários e trabalhadores, que nãodependeu, via de regra, de planos ou iniciativas governa-mentais Houve um crescimento significativo da produção fí-sica, foram gerados, direta e indiretamente, milhares de em-

Do total damovimentação decargas, o aeroportode Guarulhosrespondeupor 32,2%,Viracopos por 18% eManaus por 12,6%.Os três aeroportosconcentram63% da cargaaérea no País.

Rafael Neddermeyer/AE

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pregos e fez-se a prosperidade de centenas de cidades médiase pequenas. Alteraram-se as cadeias produtivas, assim comoas logísticas de abastecimento e escoamento, e surgiram"clusters" de especialização.

As infraestruturas de apoio, porém, não acompanharam es-te crescimento e diversificação da economia. Assim, as ativi-dades de produzir, armazenar, escoar e distribuir ou embarcara produção implicaram em redução da competitividade dasnossas exportações e encarecimento desnecessário do consu-mo interno (principalmente de alimentos e insumos indus-triais e agrícolas).

Não há dúvida, portanto, que é inadiável a provisão de umcomplexo de infraestruturas integradas, com os objetivos deaumentar os níveis de competitividade em geral e melhoraras condições de movimentação da produção. Mas como atin-gir tal objetivo, se a disponibilidade de recursos públicos érestrita e se as políticas públicas – apesar do alarde feito emtorno do Programa de Aceleração do Cresci-mento (PAC) continuam a contemplar visõesfragmentadas, com ênfase nas ações voltadaspara o curto prazo? É importante ressaltar,nesse sentido, que países como a China, Índia,Rússia investem de 3% à 5% do PIB nas in-fraestruturas de transporte, enquanto o Brasilinveste apenas 0,9% do PIB, considerando osinvestimentos do PAC.

O caminho possível passa, primeiramente,pela racionalização das aplicações dos recursospúblicos, por meio da implementação de pro-gramas que: (i) gerem sinergias entre os diver-sos segmentos infra-estruturais envolvidos; e(ii) integrem as ações dos três níveis de governo,valorizando da forma mais elevada o espírito fe-derativo. Em seguida, pelo envolvimento dainiciativa privada em programas conjuntos demelhorias e novos investimentos por meio, tanto de concessõesde longo prazo, como de parcerias confiáveis e duradouras.

Trata-se, na verdade, de programas que englobarão, desdeprovidências simples ou pequenas obras que garantam me-lhorias operacionais imediatas, até a execução de projetos degrande porte, estruturadores do processo de ocupação terri-torial e do desenvolvimento sustentável. A perspectiva básicadesta concepção é, antes de tudo, a da complementaridade eintegração entre as ações de planejamento, fixação de priori-dades e execução de projetos, por parte da União, Estados emunicípios. Além disso, a iniciativa privada prestará a sua co-laboração naquelas atividades em que pode (e deve) suple-mentar ou substituir a ação governamental.

A inserção da logística do transporte na agenda do desen-volvimento passa pelo planejamento estratégico, que leve emconsideração as questões sócio-econômicas e não apenas oplanejamento de longo prazo, formulação de políticas públi-cas consistentes e consolidação de projetos sinérgicos, quepropiciem a remoção de gargalos nas infraestruturas. Sem is-to, não se conseguirá atender as necessidades impostas pelasexportações e pelo abastecimento interno.

Cabe ressaltar que a logística e transporte devem ser vis-

tos como fatores de:- Suporte à competitividade e inserção mais plena no pro-

cesso de globalização;- Articulação da estrutura produtiva e indução do desenvol-

vimento tecnológico;- Geração de oportunidades de emprego nas infraestruturas

e operações;- Articulação de novas cadeias produtivas, clusters de espe-

cializações e integração regional;- Suporte à sustentabilidade ambiental;- Reestruturação da matriz energética.São tantos e tão complexos os problemas relacionados com a

definição de uma política de logística de transporte que cum-pre, na etapa atual de nosso desenvolvimento, mudar paradig-mas por meio da: (i) reformulação de conceitos; (ii) discussãode métodos; e (iii) revisão, em profundidade, da concepção tra-dicional centrada na ampliação extensiva (e compartimenta-

da) da infraestrutura viária. Trata-se basica-mente de olhar para os problemas de operação,no contexto mais amplo do manuseio, acondi-cionamento e armazenagem das cargas trans-portadas, bem como de conservação ambientale segurança do tráfego nas vias. Ou seja, trata-se de redirecionar políticas para uma visão desustentabilidade ambiental, eficiência econô-mica, incorporação e difusão de modernas tec-nologias e métodos de gestão, resultando emaumentos contínuos de produtividade.

Independentemente da atual crise financeiramundial em fase de superação – e, talvez, até emdecorrência – o novo ciclo de desenvolvimentoeconômico que se configura para o País se rela-cionará simultaneamente com a ampliação domercado interno e a inserção mais profunda damoderna agricultura e da indústria brasileiras no

mercado internacional. Esta nova dinâmica englobará, inclusive,as atividades agrícolas "industrializadas" (em grande escala ecom elevada produtividade), além dos serviços decorrentes dastecnologias de ponta. O suporte do transporte, em particular, e dalogística no seu sentido mais amplo, ao novo ciclo de desenvol-vimento, estará vinculado essencialmente à competitividade e aobarateamento da produção nacional, tanto internamente quantonos mercados consumidores externos.

Neste sentido, o planejamento e a política de transportes sepautarão em dar mais ênfase aos Eixos de Transporte forma-dos por modais mais competitivos, onde haverá a prevalênciada hidrovia sobre a ferrovia e desta sobre a rodovia, de modo aadequar a matriz de transporte brasileira e torná-la mais com-petitiva em relação aos nossos competidores.

6. Propostas

Em síntese, o Brasil necessita se desenvolver de forma integra-da e sustentável, para superar as desigualdades sociais, gerar em-pregos estáveis e reduzir drasticamente os danos ambientais. Pa-ra isto, torna-se inadiável desencadear ações coordenadas (V. Pa-van, 2008, cit.) no sentido de:

O planejamento ea política de transportesse pautarão em darmais ênfase aos Eixosde Transporte formadospor modais maiscompetitivos, ondehaverá a prevalência dahidrovia sobre a ferroviae desta sobre a rodovia.

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59MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

- Compatibilizar os investimen-tos em logística e transporte comuma visão sistêmica, com vistas aatender às necessidades dos merca-dos consumidores, tanto interno,quanto externo;

- Dar maior eficiência na integra-ção e coordenação de todas as cadeiasde suprimentos (supply-chains) es-palhadas geograficamente;

- Promover maior conhecimentoe preparar capital humano compatí-vel às vocações regionais;

- Dar maior eficiência e eficácia àsações governamentais relacionadas com: (i) planejamento es-tratégico, (ii) governança, (iii) diminuição de despesas, (iv) ve-locidade de decisão, (v) critérios econômicos e sociais para alo-cação de investimentos, (vi) definição de regras mais claras pa-ra os licenciamentos ambientais, entre outras;

- Definirestratégiasadequadasparacompetirnomercadoglo-balizado, principalmente se complementando com os grandesblocos econômicos, como com as economias da China e Índia;

- Viabilizar, institucionalizar, desburocratizar e criar regrasflexíveis que permitam às empresas nacionais se adaptarem aoambiente global altamente competitivo e volátil;

- Fortalecer as especializações regionais e os arranjos produ-tivos locais.

- É fundamental, para isso, que se retome o planejamento es-tratégico das infraestruturas, principalmente no que diz res-peito ao transporte de cargas, considerando, em linhas gerais,a seguinte metodologia:

- Identificação das principais cadeias produtivas, bem comoos fluxos de suprimento, escoamento e distribuição por elasgerados, tanto para o abastecimento interno, quanto para asexportações;

- Sobreposição desses fluxos, e suas projeções futuras, às in-fraestruturas existentes nos espaços nacional e regional;

- Identificação das deficiências nas infraestruturas de logís-tica e transporte existentes, suprimindo as inadequadas e com-plementando com soluções baseadas em modais de grande ca-pacidade e de menor custo;

- Transposição das fronteiras geográficas dos Estados, che-

gando aos principais portos marítimos e aeroportos, forman-do os Eixos de Transporte, com a função de integrar as econo-mias por onde passam (A respeito de eixos de transporte, v. Ba-rat, 1978 e Pavan, 2008, cit.)

Note-se que, pelo critério geoeconômico, a área de abran-gência econômica dos Eixos de Transporte competitivos, se es-trutura independentemente das fronteiras geopolíticas. Sãomacrorregiões estratégicas e econômicas, cada uma com umadensamento econômico próprio, que se transformarão emgrandes Eixos de Desenvolvimento, atraindo os investimen-tos, aumentando a produção, agregando valor aos produtos,gerando emprego e renda, elevando o Ìndice de Desenvolvi-mento Humano Regional, sendo, portanto, fundamentais pa-

É preciso umaporte em maiorescala de recursosprivados, uma vezque a escassezde recursospúblicos não tempermitido aadequação dosportos brasileirosà competitividadeinternacional.

ra direcionar as políticas públicas e prioridades de investimen-to. Os Eixos devem propiciar ainda a integração física, econô-mica e política dos Estados, a exemplo do que fizeram recen-temente os Estados de Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo.

É importante ressaltar, como parte importante dos problemasrelacionados com a logística e o transporte no Brasil, a questão dosgargalos de natureza institucional. A sua superação dependemuito mais de iniciativas da sociedade e do meio empresarial. Es-tes devem pressionar por mudanças, no sentido de alterar a inér-cia e os padrões tradicionais de comportamento dos governos. Éapresentada, a seguir, uma listagem das principais propostas pa-ra a eliminação dos gargalos de natureza institucional, tributária,infraestrutural e operacional, que comprometem o desenvolvi-mento da logística e do transporte no Brasil.

A) Rodovias:- Seleção por parte do Governo Federal, das rodovias de in-

teresse nacional, de forma a completá-las e mantê-las, transfe-rindo para os Estados as que forem dos seus interesses, junta-mente com os recursos da CIDE;

- Atualização do regulamento do Transporte Rodoviáriode Cargas e estabelecer requisitos adicionais para registro ehabilitação;

- Estabelecimento de critérios para frota mínima para finsde registro e escolha de responsável técnico;

- Definição de padrões de área mínima para os terminaisde carga;

- Reformulação dos critérios de vistoria anual;

Divulgação

Wannia Corredo/O Globo

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60 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

- Contingenciamento das autorizaçõese limitação da idade máxima da frota.

B) Ferrovias:- Liberação do tráfego mútuo e o di-

reito de passagem, em especial e princi-palmente no acesso aos terminais por-tuários;

- Redefinição de metas de produçãodas concessionárias;

- Estabelecimento de metas de desem-penho operacional;

- Eliminação das restrições de partici-pações acionárias;

- Permissão para a conversão do paga-mento da concessão em investimento na ferrovia.

C) Cabotagem:- Racionalização do relacionamento do OGMO com os sin-

dicatos na definição da remuneração, composição dos ternos edemais condições de trabalho;

- Desburocratização da liberação de recursos financeiros doFundo da Marinha Mercante, bem como disciplinamento doretorno de parte dos recursos arrecadados às empresas de na-vegação de cabotagem;

- Oferecimento às empresas de cabotagem nacionais dosmesmos custos e impostos que privilegiam as empresas debandeira estrangeira, em especial o combustível, bem como fa-cilitar o "transhipment" de cargas internacionais;

- Desvinculação dos estaleiros nacionais da política dotransporte por cabotagem, permitindo ao setor adquirir, emoutros países, navios usados e em excelentes condições, utili-zando a bandeira brasileira. O setor ferroviário faz isso com aslocomotivas, e o aéreo com as aeronaves;

- Adequação da infraestrutura dos portos brasileiros à evo-lução tecnológica, capacidade e calado dos navios.

D) Portos marítimos:- Revisão geral do modelo de gestão dos portos brasileiros.

A gestão portuária é pública (com exceção do porto de Imbi-tuba) e os terminais são privados, mas serviços como a infraes-trutura portuária, dragagem, água, energia elétrica, acesso aosterminais cabe à Administração Portuária, que é pública.

- Aporte em maior escala de recursos privados, uma vez quea escassez de recursos públicos não tem permitido a adequa-ção dos portos brasileiros à competitividade internacional;

- Urgência na modernização dos principais portos do País,para serem competitivos com os "benchmarks" internacionais,uma vez que os portos são os elos mais importantes dos sis-temas de logística.

- Adequação da Lei dos Portos, segundo modelo adotadonos países mais desenvolvidos, e transferir a gestão e a ope-ração dos portos para iniciativa privada, assim como foi feitocom o sistema ferroviário, e parte do rodoviário;

- Estadualização ou municipalização de alguns portos, oque é permitido pela lei n° 9.277/96, o que em alguns casos po-de melhorar a situação, porém sem resolvê-la totalmente.

E) Transporte fluvial:- Aporte de recursos por meio de parcerias publico-priva-

das, considerando que o transporte fluvial padece dos mes-mos problemas da navegação de cabotagem e dos portos ma-rítimos, que é a falta de recursos do poder público, para a ma-nutenção adequada da hidrovia;

- Adequação do planejamento e gerenciamento dos recur-sos hídricos pela ANA, para arbitrar a disputa da água parauso múltiplo em irrigação, geração de energia elétrica e trans-porte fluvial, obrigando a construção de eclusas quando seconstruir barragens em vias navegáveis ;

- Concessão para exploração do setor privado de algumashidrovias de relevância econômico-financeira. Isto é possívelpela lei n° 10.233/01 e este modelo pode ser viável, por exem-plo, para a hidrovia Tapajós -Teles Pires-Juruena;

- Desvinculação dos estaleiros nacionais da política dotransporte fluvial, permitindo ao setor adquirir barcaças, emexcelentes condições de outros países.

F) Aeroportos:- Adequação do planejamento e gestão do sistema de avia-

ção civil, como um todo, ao crescimento da demanda pelotransporte aéreo;

- Aprovação de projeto de lei específico, disciplinando a trans-ferência gradativa para a iniciativa privada, não apenas da admi-nistração aeroportuária, mas também da ampliação da sua in-f r a e s t ru t u r a ;

Eliandro Figueira/AE

Andrei Bonamin/Luz

Na adequaçãodo planejamentoda rede deaeroportos,é preciso definiros aeroportos"feeder"(alimentadores)e os aeroportos"hubs", que sãoconcentradores.

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61MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

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- Adequação do planejamento da rede de aeroportos, de for-ma a definir os aeroportos "feeder" (alimentadores), que levame trazem cargas para os aeroportos "hub" (concentradores)

G) Dutos:- Planejamento do crescimento do transporte dutoviário,

que tende a se expandir no Brasil, da mesma maneira que é uti-lizado nos países mais desenvolvidos;

- Consideração do transporte dutoviário como mais competi-tivo em termos de custos (dez vezes menor que o transporte ro-doviário), além das suas grandes vantagens em termos de pre-servação ambiental.

H) Legislação Tributária e de Incentivos Fiscais:- Adequação urgente das alíquotas de ICMS. Sua variação

entre 7% e 18%, e diversos incentivos fiscais estaduais dificul-tam o uso eficiente da logística ocasionando um passeio dosprodutos, desperdício de combustíveis e impedem o funcio-namento da multimodalidade.

I) Fiscalização:- Fortalecimentodafiscalizaçãorodoviária,umavezqueapul-

verização das origens e destinos, o uso múltiplo das rodovias e afalta de recursos financeiros dificultam a fiscalização do excessode velocidade, excesso de peso, sonegação fiscal e outras;

- Utilização de parte dos recursos vinculados à Contribui-ção de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) deve serutilizada por essa finalidade;

- Revisão da regulamentação do transporte voltada ao for-talecimento da fiscalização.

J) Questões Ambientais:- Aplicação da lei n° 9.433/97, que prevê o uso múltiplo das

águas;- Racionalização do licenciamento ambiental, reduzindo a

sua burocracia;- Criação na legislação ambiental, através de deliberação do

CONAMA, de metodologia específica para obras de infraes-trutura de logística e transporte.

Lalo

de

Alm

eida

/Fol

ha Im

agem

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Carlos A. RoccaEconomista e doutor em Economia pela Faculdade de Economia,Administração e Contabilidade da USP; foi secretário da Fazendado Estado de São Paulo. É consultor econômico-financeiro ediretor técnico do CEMEC - Centro de Estudos de Mercado deCapitais, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC).O autor agradece a contribuição do economista e professor LauroModesto dos Santos Júnior. A maioria dos dados utilizados nestetrabalho tem por fonte o CEMEC, do IBMEC, unidade que contacom o apoio da ANBIMA, da BM&F-Bovespa e suporte técnico eoperacional da FIPECAFI. Relatórios do CEMEC estão disponíveisno site do IBMEC em www.ibmec.org.br.

Patrícia Cruz/Luz

Financiamento da

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Foto: Paulo Pampolin/HypeArte: Ariane Zambaldi/Hype

economia brasileiraEvolução recente,

desafios eoportunidades

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64 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

Resumo

o desenvolvimento do mercado de dívida privada, emantendo os avanços de governança do mercado deações. Além disso, esse mercado poderá alavancara atuação do BNDES sem o comprometimento adicionalde recursos do Tesouro, os quais seriam limitadosà cobertura de subsídios à taxa de financiamentos,explicitados no orçamento da União.

Defende-se, ainda, a redução dos principaiscomponentes do "spread" bancário, incluindo a reduçãode depósitos compulsórios, de tributação e de aplicaçõescompulsórias. Na mesma linha, o cadastro positivo podecontribuir para a redução de custos de inadimplência epara melhorar padrões de concorrência.

O objetivo deste artigo é identificar ações de políticaeconômica voltadas para a elevação da taxa depoupança interna, a redução do custo de capital e acriação de condições para o desenvolvimento de umamplo mercado de capitais de dívida privada, tendocomo propósito elevar as taxas de crescimento daeconomia brasileira de modo sustentável e absorverpoupança externa minimizando riscos cambiais.

Nossas propostas incluem medidas voltadas para aelevação da taxa de poupança doméstica, em particularpor meio da adoção de programa de ajuste fiscal delongo prazo, visando a recuperação da poupança dosetor público, ao lado da criação de uma novaPrevidência Social com regras iguais para os novostrabalhadores dos setores público e privado, e comrespeito a direitos adquiridos.

Propõe-se também aampliação do mercado decapitais, criando-se ascondições regulatórias,tributárias e cambiais para

Introdução

Desde o início da década de 80, a eco-nomia brasileira perdeu o dinamis-mo que apresentava nas décadasanteriores. Mesmo nos últimos

anos, até a crise de 2008, em que uma gestãomais adequada da política macroeconômicapermitiu que se auferisse os benefícios de umaconjuntura excepcionalmente positiva da eco-nomia mundial, sucedida pelo dinamismo dademanda doméstica, o crescimento aindapermaneceu abaixo da maioria das econo-mias emergentes. Qualquer análise das ra-zões subjacentes a esse desempenho certa-

mente levaria a alguns fatores que atuaramnesse período e que resultaram numa quedaacentuada da taxa de investimento em relaçãoao PIB. De números em torno de 23% em médianas décadas de 70 e 80, a taxa de investimentocaiu para valores próximos de 18% em médiano período de 1990 a 2009, sendo mais próxi-mas de 17% no período de 2000 a 2009.

Depois de um período curto em que o fortecrescimento das exportações e a evoluçãomodesta da absorção doméstica produziramsuperávits em contas correntes, a aceleraçãodo crescimento rapidamente reverteu esse ci-

clo, revelando os limites da capacidade depoupança interna. Para que seja mantido ocrescimento da economia no nível esperado pe-lo governo, da ordem de 5,5% a.a de 2011 a 2014(1), a insuficiência da poupança interna implica-ria certamente em forte ampliação do déficit emconta corrente. As projeções do setor privadoindicam a permanência e eventual elevação dodéficit em contas correntes, mesmo quando asexpectativas de crescimento são mais modes-tas, em torno de 4,4% a.a.

Image Source/Folhapress

DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

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65MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Um breve exame das razões da queda da taxa de poupançainterna nas últimas décadas mostra que ela resulta integralmen-te da redução da poupança do setor público, que tem destinadatodo o aumento de carga tributária para a cobertura do aumentodas despesas correntes, complementado ainda pela redução dataxa de investimentos públicos. Dada a dificuldade de elevarem curto prazo a taxa doméstica de poupança, a manutenção docrescimento no ritmo esperado vai requerer a complementaçãoda poupança externa. Pelo menos enquanto prevalecer o atualcenário internacional de baixo crescimento dos países daOECD, existem razões para acreditar que uma parcela conside-rável do déficit em conta corrente poderá ser financiada pela en-trada de investimento direto estrangeiro. (2)

Estudo recente (3 ) sugere que a poupança interna é o fatormais limitante para a aceleração e sustentação do crescimento

bancos estatais, mediante aportes adicionais de recursos do te-souro, visando o financiamento de empreendimentos a taxasinferiores ao custo de captação da dívida pública.

Argumenta-se que em muitos casos a implementação depolíticas voltadas ao apoio dos denominados setores prio-ritários podem ser mais eficientes e transparentes, na medi-da em que os bancos estatais atuem de modo complementarao sistema privado e ao mercado de capitais, num contextoem que os eventuais subsídios sejam objeto de dotações es-pecíficas do orçamento federal.

Adicionalmente, existem razões para acreditar que o desen-volvimento do mercado de dívida privada em reais pode re-presentar alternativa da maior relevância para conduzir a ab-sorção do investimento estrangeiro adequado para financiar odéficit em contas correntes. O desenvolvimento desse merca-

Reinaldo Canato/Hype

A taxa deinvestimentos da

economia brasileira,que já atingiu cercade 23% do PIB nas

décadas de 70 e 80,reduziu-se para um

patamar médiopouco superior a

16% no período de2002 a 2006, para

iniciar um lento ciclode recuperação atéos 19% observados

em 2008.

da economia brasileira. Esse mesmo trabalho mostra que a taxade investimento do País é relativamente baixa em termos inter-nacionais, não por falta de oportunidades rentáveis de investi-mento, mas pela permanência de elevado custo de capital. O de-sempenho recente da economia brasileira de algum modo ra-tifica essa hipótese, na medida em que o aumento da oferta derecursos de financiamento que se seguiu à redução da taxa dejuros e aos avanços do mercado de capitais explicam boa parteda aceleração do crescimento observada a partir de 2004.

Esse processo sofreu uma interrupção com a crise interna-cional. Nesse momento, a forte ampliação das operações dosbancos públicos impediu que as dificuldades enfrentadas pelomercado de capitais e a redução da oferta de crédito por partedos bancos privados induzissem um movimento recessivo demaior intensidade da economia brasileira.

Entretanto, medidas adicionais adotadas têm sugerido aopção de dar continuidade ao aumento de participação dos

do abre a oportunidade de trazer o investimento estrangeiroem carteira para títulos denominados em reais, minimizandoportanto os riscos de descasamento de moedas das empresasnacionais, fatores relevantes no agravamento das crises asso-ciados a ciclos de menor liquidez internacional.

O objetivo deste trabalho é contribuir para o debate, bus-cando agregar alguns elementos e considerações voltadospara o equacionamento das duas questões mencionadas an-teriormente, relacionadas com a elevação da taxa de pou-pança interna e o papel do sistema financeiro nacional e es-pecialmente do mercado capitais, num contexto em que acomplementação da poupança externa será essencial para asustentação das taxas projetadas de crescimento.

A primeira questão, abordada na Seção 1, diz respeito prin-cipalmente à relevância da taxa de poupança interna como de-terminante da taxa de crescimento sustentável da economia bra-sileira, e ao alto custo de capital também como fator restritivo.

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Na Seção 2, busca-se mostrar o significativo crescimento que omercado de capitais tem apresentado na mobilização de pou-panças e no financiamento da economia, bem como no papelque o mesmo pode desempenhar na sustentação de maiores ta-xas de crescimento com menor risco de crises cambiais. A Seção3 apresenta algumas observações finais e sugestões de medidasligadas ao assunto.

1. Poupança interna insuficiente ealto custo de capital: os fatores mais restritivos

1.1. A poupança interna

Os modelos mais simples de crescimento econômico mos-tram que a taxa de crescimento da economia depende essen-cialmente da taxa de investimentos e de sua produtividade.A taxa de investimentos é a parcela do PIB destinada à am-pliação do estoque de capital. Embora seja mais correto con-siderar capital físico e capital humano, dada a ausência deindicadores relativos à mensuração de capital humano, nes-ses modelos é usual concentrar o foco em capital fixo, tais co-mo construções, equipamentos e estoques. Nesse modelo

simples, o efeito da acumulação de capital humano e deavanços tecnológicos é alocado usualmente para o parâme-tro de produtividade, na forma de elevação da relação mar-ginal produto/capital ou na forma de um componente au-tônomo para representar o progresso tecnológico.

A taxa de investimentos da economia brasileira, que já atin-giu cerca de 23% do PIB nas décadas de 70 e 80, reduziu-se paraum patamar médio pouco superior a 16% no período de 2002 a2006, para iniciar um lento ciclo de recuperação até os 19% ob-servados em 2008. Com a crise, em 2009 observou-se novo re-cuo para 17,3%. Não obstante o conceito e a medida de produtopotencial tenham limitações (4), a maioria das estimativas su-gere que uma taxa de investimentos de 19% poderia sustentarum crescimento da ordem de 4%. A manutenção de um ritmode crescimento como o anunciado, de 5.5% a.a., certamenteexigiria elevar os investimentos de modo significativo.

A realização de uma taxa de investimento mais elevada de-pende essencialmente da existência de oportunidades rentá-veis de investimento, de um quadro institucional e político fa-vorável, e da possibilidade de mobilizar recursos de poupan-ça, de modo a financiar o novo patamar de forma sustentável.Isso implica a necessidade de oferta de recursos com custo decapital e de demais condições compatíveis com a taxa de retor-no e os riscos desses empreendimentos.

Existem razões para acreditar que na atual situação da eco-nomia brasileira a poupança interna é o fator mais restritivo àaceleração sustentável de crescimento econômico. Embora a de-ficiência de poupança interna e o alto custo do capital sejammencionados há muito tempo como obstáculos ao crescimentobrasileiro (5), a hipótese de que esse é o fator mais restritivo nomomento é sustentada com base numa cuidadosa argumenta-ção apresentada no trabalho já citado de Hausmann (2009), me-diante utilização de metodologia que busca identificar as açõesque podem ter o maior impacto potencial sobre a taxa de cres-cimento econômico. O objetivo é identificar os fatores mais res-tritivos, ou seja, que oferecem a maior limitação ao crescimentode uma dada economia num dado período de tempo.

A ideia é muito simples. Trabalhos que se dedicam à análisedas experiências bem sucedidas de crescimento de economiasem desenvolvimento em geral conduzem à mesma lista de re-comendações. A receita típica recomenda um ambiente favorá-vel ao investimento privado, com estabilidade política, inflaçãocontrolada, instituições que garantam a proteção à propriedadee obediência a contratos, alto nível de poupança doméstica,complementadas por integração à economia mundial, investi-mento em qualificação de recursos humanos, avanços tecnoló-gicos, sistema tributário simples, baixa carga tributária, gover-no eficiente no suprimento de bens públicos e da rede de pro-teção social. O problema é que recomendações desse tipo aju-dam muito pouco na identificação das ações mais eficazes paraacelerar o crescimento em cada momento. Usualmente, essaseconomias apresentam insuficiências na maioria desses fatores,dificultando muito a definição de prioridades, ou seja, a iden-tificação de um número limitado de ações que realmente pro-duzam o maior impacto potencial de curto prazo sobre as taxasde crescimento. Se o diagnóstico estiver correto, uma ação vol-tada para deslocar positivamente o fator mais restritivo deverá

A economia brasileira oferece grandes oportunidadesde investimentos em consumo e habitações.

Leonardo Rodrigues/e-Sim

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gerar o maior impacto sobre o crescimento. Num contexto di-nâmico, superada essa restrição, certamente outros fatores pas-sarão a ser os mais limitantes, e assim por diante, como é naturalnum processo de desenvolvimento econômico.

No trabalho de Hausmann, são alinhados vários argumentose evidência empírica no sentido de demonstrar que atualmenteo fator mais limitante ao crescimento da economia brasileira é aoferta de poupança doméstica. Essa limitação, combinado comoutros fatores, tem conduzido à manutenção de custos de capi-tal muito elevados, que deprimem a taxa de investimento

Inicialmente é rejeitada a hipótese de que o investimento ébaixo pela ausência de oportunidades de investimento. Épraticamente consensual que atualmente a economia brasi-leira oferece grandes oportunidades. Além dos projetos re-lacionados com a expansão da demanda de consumo e habi-tações, estimulada também pela expansão do crédito, pode-se mencionar as oportunidades existentes em toda a cadeiade oferta ligada à exploração do petróleo do Pré-sal, aquelasligadas à enorme demanda reprimida de serviços de infraes-trutura (6), sem falar no potencial relacionado com commodi-ties agrícolas, minerais e de energia renovável (como etanol,biodiesel e bioquerosene).

Hausmann utiliza algumas comparações internacionais pa-ra argumentar que a eficiência marginal do investimento é re-lativamente alta no Brasil, rejeitando assim a hipótese de que ataxa de retorno seja baixa. Tomando os dados para algumas de-zenas de países, mostra-se que no período de 2005 a 2007, aoapresentar os maiores custos de financiamento entre todos os

países considerados, a taxa de investimentos ou de formaçãobruta de capital fixo (FBCF) observada no Brasil assume aindavalores superiores a alguns outros países com custos de finan-ciamento muito mais baixos. Outra indicação que aponta namesma direção resulta da comparação entre taxa de investimen-to e taxa de crescimento econômico. No Gráfico 1 , toma-se ovalor médio dessas duas variáveis no período de cinco anos,compreendidos ente 2004 e 2008, para uma amostra de países.

Neste gráfico, observa-se que a posição relativa do Brasil si-tua-se muito acima da reta que representa a relação média es-timada entre a taxa de investimento e a taxa de crescimento aolongo de cinco anos para os países considerados. Essa posiçãoé compatível com a ocorrência de uma relação produto/capitalacima da média na economia brasileira.

Se realmente existem grandes oportunidades de investimen-to, é importante identificar as razões pelas quais a taxa de inves-timento no Brasil é relativamente baixa quando comparada comoutras economias emergentes, e inferior àquela que provavel-mente seria necessária para manter crescimento mais próximode outras economias emergentes. Os números já mencionadossugerem que isso resulta do fato de que o custo de capital pra-ticado na economia brasileira tem se situado há vários anos en-tre os mais elevados do mundo, superando assim a taxa de re-torno de um grande número de projetos de investimento, pro-jetos esses que seriam economicamente viáveis com o custo decapital observado na maioria das outras economias.

Outra indicação da insuficiência da oferta de poupança in-terna resulta da observação de que a recente aceleração do

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crescimento da absorção doméstica em termos de consumo einvestimento já tem produzido a necessidade de se contarcom a importação de poupança externa. As projeções de mer-cado sinalizam um aumento do déficit em contas correntes deUS$ 24 bilhões em 2009 para U$ 50 bilhões em 2010, e cerca deU$ 60 bilhões em 2011 e 2012 (ou 3% do PIB), para um cres-cimento médio esperado de 5,5% em 2010, e 4,4% em 2011 e2012(7). A situação atual das contas externas é confortável, emfunção da forte redução da dívida externa ocorrida nos últi-mos anos e do alto nível de reservas. Pode-se até argumentarque a situação da economia brasileira no contexto da econo-mia mundial é hoje muito diferente daquela que no passadoconduziu à recorrência de crises do balanço de pagamentos(8). Entretanto, deve-se admitir que a poupança externa podeajudar, que o País deve preparar-se para extrair o máximoproveito desse ciclo favorável, mas ninguém questiona a im-portância de elevar a taxa de poupança interna.

O exame de alguns indicadores do comportamento dapoupança e do investimento na economia brasileira nas úl-timas décadas em relação ao PIB revela uma queda da ordemde cinco pontos porcentuais na taxa de investimentos e dequatro pontos porcentuais na taxa interna de poupança, co-mo mostrado na Tabela 1.

A queda da poupança do setor público nesse período expli-ca esse desempenho, como demonstrado na Tabela 2, de vezque a mesma reduziu-se em quase sete pontos porcentuais doPIB entre a década de 70 e o período de 2000 a 2009.

É relevante notar que essa queda da poupança do setor pú-blico em relação ao PIB ocorreu num período em que a parcelada renda apropriada pelos três níveis de governo, na forma decarga tributária, elevou-se em quase oito pontos porcentuaisdo PIB (de 25,4% para 33,1%). Nesse contexto, é interessanteverificar o que ocorreu com a relação entre a poupança do setorpúblico e sua receita tributária, ao mesmo tempo em que se po-de comparar a poupança do setor privado com o valor rema-nescente do PIB, abatida a parcela transferida ao governo naforma de impostos, como na Tabela 3.

Esses dados permitem dimensionar melhor a deterioraçãodas contas públicas ocorrida a partir da década de 80 sobre ataxa de poupança doméstica. Enquanto na década de 70 o setorpúblico poupava 17,4% dos impostos arrecadados do setorprivado, a partir de 1990, em média, seus gastos correntes sãomaiores que suas receitas tributária, conduzindo a uma taxa depoupança negativa superior a 7%. Ao mesmo tempo, ao se cal-cular a taxa de poupança do setor privado sobre a parcela doPIB restante após a dedução dos impostos, verifica-se que hou-ve um salto da ordem de oito pontos porcentuais na taxa depoupança assim calculada. É interessante notar ainda que nes-se critério de cálculo, a taxa de poupança do setor privadoapresenta uma notável estabilidade nas últimas três décadas,com média geral de 27,3% e o maior desvio porcentual em re-lação a essa média é de menos de um ponto.

Levando em conta também que nesse período não foi possívelmanter a complementação da poupança interna por poupançaexterna, até pela ausência de condições macroeconômicas con-sistentes, o resultado final foi a significativa redução da taxa deinvestimento da economia. Do lado do setor público, o aumentoda carga tributária foi ainda insuficiente para cobrir o crescimen-to das despesas correntes, do que se resultou a poupança nega-tiva, enquanto o investimento, embora em níveis mais reduzi-

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dos, passou a integrar o déficit público. Do lado do setor privado,além do impacto direto da elevação da carga tributária, as em-presas se defrontaram com elevados custos de capital, do que re-sultou também a redução de seus investimentos. No Gráfico 2é possível visualizar a evolução da taxa de investimento em re-lação ao PIB do setor público (no eixo à direita), e do setor privado(no eixo esquerdo), no período de 1970 a 2009.

Não obstante existam dificuldades de mensuração que in-troduzem limitações à qualidade das estimativas desses in-dicadores (9), até pela intensidade da inflação ocorrida espe-cialmente a partir da década de 80 e até o Plano Real em 1994,o Gráfico 2 sugere a identificação de alguns subperíodos,cuja delimitação coincide, a grosso modo, com as décadassob exame. Na década de 70 as taxas médias de investimentodo setor público (quase 4%) e do setor privado (cerca de 20%)atingem os maiores valores de todo o período. Nas duas dé-cadas seguintes, dos anos 80 e 90, ambas se reduzem, paraum valor médio de 2,3% do setor público e 15,8% do setor pri-vado. Finalmente, após o ano 2000, as taxas de investimentose reduzem ainda mais, para 1,7% do setor público e 14,8%do setor privado. O início de recuperação desses valores, ob-servado a partir de 2007, foi revertido em 2009, com o impac-to da crise internacional.

A análise da evolução histórica do nível e composição da taxade poupança doméstica sugere que sua elevação nos próximosanos dependerá principalmente do crescimento da poupança dosetor público. A redução da taxa de poupança do setor público,que já é clara quando é calculada em relação ao PIB, fica aindamais evidente quando a mesma é definida como uma proporçãoda carga tributária bruta, que se elevou fortemente no período

analisado, entre 1970 e 2009. Por outro lado, numa avaliação quetoma por base o conceito da taxa de poupança do setor privadoem relação ao valor do PIB líquido da carga tributária, verifica-seque seu valor tem permanecido praticamente constante nas úl-timas três décadas, em torno de 27%.

Ao se examinar em maior detalhe a composição do gasto pú-blico, é difícil encontrar razões de otimismo quanto à proba-bilidade de elevação significativa da poupança do setor públi-co nos próximos anos. Como vários trabalhos têm mostrado, amudança fundamental se deu com a implementação das mu-danças introduzidas na Constituição de 1988, cujo efeito foi aredução da flexibilidade da despesa pública, associada a um

Uma reforma do regime previdenciário para novostrabalhadores limitaria o crescimento dos gastos nesta área.

Paulo Pampolin/Hype

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forte aumento das transferências. Na Tabela 4, pode-se ob-servar a evolução da carga tributária e das transferências re-lativas a assistência social, previdência e subsídios.

Cabem algumas observações. No período mais longo, entre1970 e 2009, verifica-se que quase 80% do aumento da carga tri-butária bruta (+7,7 p.p.) pode ser atribuída ao aumento dastransferências de assistência e previdência social, que aumen-taram 5,9 p.p. Observa-se ainda aceleração de crescimentodessas transferências nas últimas três décadas: 1,7 p.p. na dé-cada de 80, 2,0 p.p na década de 90 e 2,4 p.p. entre 2000 e 2009.As projeções relativas a gastos previdenciários, que respon-dem por quase 80% dessas transferências, mostram tendênciacrescente nos próximos anos, seja pelos critérios de indexaçãodos benefícios, seja pelo envelhecimento da população.

A evolução dessas taxas no período mais recente, entre 2004e 2008, mostra que essas transferências mantêm a mesma ten-dência crescente ano após ano; entretanto, identifica-se duasmudanças significativas na direção de aumento de outros gas-tos correntes: o aumento do coeficiente das transferências re-presenta agora apenas 40% do aumento da carga tributária, en-

quanto a totalidade da redução do gas-to com juros foi alocado para o aumen-to de outros gastos correntes, fazendocom que o aumento da carga tributárialíquida menos juros (+2,9 p.p.) seja pra-ticamente igual ao aumento da cargatributária bruta (+3,0 p.p.). Também nocaso de outras despesas correntes, asindicações são as de que a tendência decrescimento seja mantida pelo menosem 2010 e 2011, em função de compro-missos já assumidos com o reajuste deservidores públicos, sem contar com apossibilidade de aprovação de novosaumentos, caso sejam aprovados vá-rios projetos em tramitação no Con-gresso Nacional (10).

A composição do gasto público esuas características representam obstá-culo considerável à possibilidade de re-verter sua tendência de crescimento, fa-zendo com que uma perspectiva maisrealista a médio e longo prazo, se o go-verno perseguir esse objetivo, será fazercom que seu aumento seja limitado aum porcentual inferior ao crescimentodo PIB durante um período suficiente-mente longo para elevar de modo signi-ficativo a taxa de poupança do setor pú-blico. Estudos relacionados com os ní-veis de produtividade dos serviços pú-blicos sugerem que essa meta pode seratingida sem qualquer prejuízo à quan-tidade e qualidade dos serviços públi-cos, mediante a obtenção aumentos deprodutividade a partir de elevação daqualidade de gestão.

Nesse contexto, dada a magnitude e os fatores subjacen-tes que promovem a tendência de crescimento dos gastosprevidenciários em relação ao PIB, é difícil visualizar umaestratégia bem sucedida nessa direção sem que se promovaa implementação de um novo regime previdenciário. Pro-posta feita nesse sentido ( 11 ) , de um novo regime previden-ciário para novos trabalhadores, abre a possibilidade de li-mitar o crescimento dos gastos previdenciários, ao mesmotempo em que se eleva o nível de poupança previdenciária,com respeito aos direitos adquiridos de todos aqueles hojeinseridos no atual sistema.

1.2. Custos de capital ainda elevados

Nos últimos anos, o equacionamento da vulnerabilidadeexterna e a redução do endividamento público em relação aoPIB têm permitido manter a tendência de redução da taxa bá-sica de juros, embora se mantenha ainda em níveis elevadosquando comparadas com outros países de classificação de ris-co semelhante ao Brasil.

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O custo de captação mediante a emissão de dívida privada nomercado de capitais tem acompanhado de perto a queda da taxade títulos públicos. No caso de crédito bancário, a redução maissensível tem ocorrido na taxa média de empréstimos a pessoasfísicas, bastante influenciada pela mudanças de composição emfavor de operações de menor risco, como é o caso de crédito con-signado e financiamento de aquisição de automóveis.

No Gráfico 3 é apresentada uma comparação entre o customédio de debêntures estimada a partir de dados do mercadosecundário (12) e a taxa de empréstimo divulgada pelo BancoCentral para empréstimos para pessoas jurídicas destinados àaquisição de bens (13), que é a modalidade com menor custofinanceiro, no período de 2004 a 2009. Para fins de compara-ção, são mostradas também as taxas do swap de DIxpré de 720dias. Pode-se observar que todas as taxas apresentam tendên-cia declinante, sendo que a taxa média das debêntures acom-panhada de perto as taxas do swap de 720 dias. Deve-se reco-nhecer, entretanto que para uma expectativa de inflação da or-dem de 4,5% a.a., os custos de capital dessas operações em ter-mos reais ainda são elevados. No caso de crédito bancáriopara empresas, note-se que a taxa média ainda se situava aci-ma dos 25% a.a. em fins de 2009.

Não é objeto deste trabalho aprofundar a análise do spreadbancário. É suficiente registrar que vários estudos têm demons-trado que sua dimensão, além de apresentar alta correlação coma taxa básica de juros (14) está menos relacionada com o grau deconcentração bancária e resulta principalmente do elevado ní-vel de depósitos compulsórios, carga tributária, inadimplênciaelevada e direcionamento de aplicações. Além disso, a ausênciade um cadastro positivo, além de elevar custos e dificultar a re-dução do risco de crédito, mantêm elevados os custos de des-locamento dos clientes entre os bancos, de certo modo moderan-

do os efeitos da competição. Tudo indica que, além da reduçãoda taxa básica de juros, a atuação sobre os citados componentesde custo e a criação do cadastro positivo podem reduzir signi-ficativamente o spread e o custo do crédito bancário.

2. Desenvolvimento do Sistema Financeiro,Mercado de Capitais e crescimento econômico

2.1. A experiência internacional

A experiência internacional tem demonstrado que mesmoem situação de igualdade em relação a outros fatores relevan-tes, países que dispõem de sistemas financeiros mais desenvol-vidos conseguem apresentar maiores taxas de crescimento.Embora o reconhecimento da importância do sistema financei-ro para o desenvolvimento econômico seja muito antigo, espe-cialmente a partir da década de 80 surgiram dezenas de estu-dos que dão sustentação (15) empírica à existência de uma re-lação causal no sentido de que um sistema financeiro desen-volvido pode alavancar crescimento econômico. Sistemasfinanceiros eficientes e adequadamente regulados melhorama qualidade das informações, reduzem custos de transação,promovem a mobilização de poupanças individuais e a me-lhor alocação de recursos, além de apoiar iniciativas de inova-ção tecnológica, do que resulta aumento da produtividade dosinvestimentos e aceleração do crescimento econômico.

De um lado, a institucionalização da poupança, com o au-mento de importância de fundos de pensão, planos de pre-vidência abertos e fundos de investimento, tem contribuídopara a mobilização de poupanças individuais, a profissiona-lização da gestão de recursos a democratização do capital e doacesso de um grande número de pequenos investidores a

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grandes projetos de investimento. Do outro lado, novos ins-trumentos e veículos do mercado de capitais (por exemplo,"seed money", "venture capital" e "private equity"), têm per-mitido o financiamento de ideias e de novos empreendimen-tos, além do crescimento de empresas individuais, promo-vendo aceleração do progresso tecnológico e à multiplicaçãode oportunidades. Avanços dos padrões de governança porsua vez reduzem a assimetria de informações e reforçam a co-brança de resultados das empresas.

A recente crise financeira não contradiz esses resultados.Trata-se do resultado da adoção da hipótese de que a adoção deum sistema de regulação prudencial mais restritiva seria dis-pensável, dada a capacidade de autorregulação dos mercados.Esse posicionamento coincidiu com a manutenção de taxas demuito baixas durante um período relativamente longo, que in-

duziu a adoção de excessos de alavancagem e aceitação de ris-cos por parte dos agentes de mercado, incentivado por siste-mas de remuneração atrelados exclusivamente a lucros de cur-to prazo sem adequada provisão para riscos. Quando a acu-mulação de desequilíbrios e excesso de valorização de ativosficou evidenciada, instalou-se a crise de confiança e a busca de-sesperada de liquidez, semelhante a uma corrida bancária tra-dicional, mas desta vez com seu impacto difuso em todos osmercados de ativos financeiros, cuja importância aumentoufortemente com os avanços da securitização de recebíveis.

Existe hoje considerável grau de consenso de que a lição aextrair dessa crise não é no sentido de abrir mão das moder-nas ferramentas criadas para mobilizar e alocar recursos depoupança e administrar riscos, que caracterizam um mer-cado de capitais eficaz. Na verdade, existe o reconhecimen-to de que parcela considerável da contribuição do desenvol-vimento do sistema financeiro para o excepcional cresci-mento da economia mundial nos anos anteriores à crise. Aquestão é cuidar para que o uso desses novos instrumentosfinanceiros seja adequadamente regulado, os sistemas deremuneração e de governança assegurem transparência eum conjunto de incentivos ao comportamento responsáveldos agentes, não mais baseados nos lucros de curto prazo,mas assegurada adequada provisão para cobertura de ris-cos. Por outro lado, tem sido reforçada a posição de que a po-lítica monetária não pode concentrar-se exclusivamente nomercado de bens e serviços e ignorar o que ocorre nos mer-cados de ativos, apesar da dificuldade prática de identifica-ção de bolhas nesses mercados.

2.2. O desenvolvimento do sistema financeironacional e a emergência do mercado de capitais

Durante muitos anos o sistema financeiro nacional teve seudesenvolvimento inibido e sua funcionalidade comprometidapela instabilidade macroeconômica, insegurança jurídica edeficiências institucionais. Nesse contexto, o mercado de ca-pitais não se desenvolveu, o sistema bancário buscava sobre-viver com operações de tesouraria, visando ganhos inflacioná-rios ou a segurança e a rentabilidade dos títulos públicos, emdetrimento das operações de crédito. A única fonte de recursospara financiamento e investimentos era proveniente de ban-cos estatais, com base em recursos de fundos de poupançacompulsória e transferências de recursos orçamentários, alémda captação de recursos externos, nos raros períodos em queesse acesso era viável.

Com a consolidação do processo de estabilização macro-econômica, iniciado em 1994, o sistema bancário começa a re-cuperar sua funcionalidade, ao mesmo tempo em que os avan-ços regulatórios implementados a partir de 2002 criam as con-dições para a expansão do crédito bancário e um crescimentosem precedentes do mercado de capitais, interrompido em finsde 2008 em função da crise internacional.

A relação entre ativos financeiros totais e o PIB é um indicadorfrequentemente utilizado para medir o desenvolvimento do sis-tema financeiro. Em trabalho produzido pelo CEMEC, verifica-se significativo crescimento desse indicador, especialmente a

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partir de 2005 (16). Esse crescimento émostrado pelo Gráfico 4.

Do lado da mobilização de poupan-ça, verifica-se que os instrumentos eveículos do mercado de capitais res-pondem pela maior parcela do cresci-mento do estoque de ativos financeiros.Como se observa no Gráfico 5, os ati-vos adquiridos diretamente no merca-do (ações, títulos de dívida) ou median-te contribuições ou aquisição de quotasde instituições que constituem veículosdo mercado de capitais (fundos de pen-são, previdência aberta, fundos de in-vestimento e companhias de seguros)respondem por 91% do aumento de ati-vos entre 2000 e 2008. Note-se que em-bora esses números sejam muito in-fluenciados pela valorização das ações,mesmo excluindo a capitalização demercado, o coeficiente dos demais ati-vos do mercado de capitais em relaçãoao PIB elevou-se em 29,8 pontos por-centuais (de 64,5% para 94,5% do PIB).Nesse mesmo período, os ativos mais tradicionais, na forma dedepósitos bancários, títulos públicos e fundos de poupançacompulsória se elevaram em apenas 6,3 pontos porcentuais (de36,4 % para 42,7% do PIB)

É relevante notar que o avanço do mercado de capitais namobilização de poupança foi liderado pelos investidores nãofinanceiros, pessoas físicas e jurídicas, e investidores estran-geiros, enquanto os investidores institucionais ainda concen-traram sua carteira preferencialmente em títulos públicos eoperações compromissadas. Na Tabela 5, observa-se que em

dezembro de 2009 mais de 80% dos ativos de mercado de ca-pitais, na forma de ações e títulos de dívida corporativa, se con-centravam nas mãos de investidores nacionais não financeirose investidores estrangeiros, enquanto que quase 90% dos títu-los de dívida pública estavam na carteira dos investidores ins-titucionais. Mais recentemente, verifica-se uma tendência aoaumento de participação dos investidores institucionais nomercado de capitais, como resultado da redução das taxas deremuneração dos títulos públicos e a busca de maior nível derentabilidade via diversificação de carteiras.

Tânia Rego/Luz

Parcelaconsiderável dosrecursos captadosno mercado decapitais na formade capital dedívida se refere aoperações de prazomédio e até longo,como é o casodas debêntures,ou mesmo naforma de ações.

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Do lado da mobilização de recursos, o País tem assistido auma verdadeira revolução dos hábitos de poupança da popu-lação, caracterizada pela forte difusão da destinação da pou-pança privada para ações, quotas de fundos de investimento,planos de previdência aberta e fechada (fundos de pensão) ecompanhias de seguro. Ao mesmo tempo, os avanços da regu-lação e a consolidação da segurança jurídica do mercado de ca-pitais brasileiro tem assegurado forte participação dos investi-dores estrangeiros. A obtenção do "investment grade" certa-mente permitiu a inclusão de ativos adquiridos no mercado de

capitais brasileiro entre as alternativas de investimento de gran-des investidores institucionais e fundos soberanos, que usual-mente demandam essa qualificação para poder investir.

Do outro lado, com a queda da taxa de juros, ampliou-sede modo considerável o acesso das empresas brasileiras aocrédito bancário e às operações de dívida no mercado de ca-pitais. O crescimento da importância do mercado de capitaisno fornecimento de recursos para financiar o setor produti-vo tem sido muito rápido. Além do grande aumento da cap-tação de recursos pela colocação de ações, os números rela-

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tivos à composição do exigível financeiro das empresas bra-sileiras, aí incluídas as de capital aberto e capital fechado, re-vela que a partir de 2006 o saldo de operações de dívida nomercado de capitais tem superado o saldo de operações decrédito com o BNDES, tradicionalmente o maior fornecedorde recursos para o financiamento de investimento.

No Gráfico 6, pode-se verificar que em 2009, quando oexigível financeiro das empresas atingiu 38,3% do PIB, o sal-do de títulos colocados no mercado de capitais representou9,7% do PIB (ou 25% do exigível), contra 6,3% do BNDES (ou16% do exigível).

Nesse mesmo gráfico, fica evidenciado que a partir de2005/2006 houve forte crescimento do volume de emprésti-mos e financiamentos tomados pelas empresas brasileiras,concentrado exclusivamente em operações feitas no mercadodoméstico, de vez que a parcela captada nomercado internacional permaneceu pratica-mente constante (17).

Parcela considerável dos recursos capta-dos no mercado de capitais na forma de capi-tal de dívida se refere a operações de prazomédio e até longo, como é o caso das debên-tures, ou mesmo na forma de ações. Dessemodo, é razoável usar a relação desses valo-res com a formação bruta de capital fixo comoindicador de sua relevância no financiamen-to de investimentos. No Gráfico 7 esse indi-cador foi calculado para períodos de quatrotrimestres móveis, desde dezembro de 2001 adezembro de 2009. Verifica-se que a partir de2006, e até o impacto da crise de 2008, o valordas emissões primárias de dívida e de ações

no mercado de capitais chegaram a ultrapassar o nível de30% da formação bruta de capital fixo.

O impacto da crise sobre a oferta de recursos do mercado decapitais e dos bancos privados foi bastante significativo, mo-mento em que a atuação dos bancos públicos durante a crise (18)

teve o mérito de limitar seu impacto sobre o financiamento dosetor privado e o nível de atividade. Verifica-se que a partici-pação do saldo de operações com o BNDES no exigível finan-ceiro das empresas elevou-se de 17,5% em dezembro de 2007para 19,6% em dezembro de 2009.

Tomando-se a evolução dos saldos de crédito bancário, acomparação de desempenho entre bancos públicos e priva-dos, verifica-se que no período mais longo, de 2000 a 2009, aexpansão do crédito dos bancos privados foi maior, como severifica no Gráfico 8.

Entretanto, esse comportamento é reverti-do no período da crise, quando a expansão docrédito dos bancos públicos tem efeito com-pensatório à retração da oferta de recursospor parte dos bancos privados. No G ráfi co9, pode-se visualizar a evolução das taxas decrescimento em períodos de quatro trimes-tres móveis, desde o quarto trimestre de 2005até o quarto trimestre de 2009.

Em síntese, nesta seção foi ressaltada a am-pla evidência internacional de que em igual-dade de condições, países que dispõem de sis-temas financeiros mais desenvolvidos e maiseficientes apresentam taxas de crescimentomais elevadas. Verificou-se também que par-cela considerável da aceleração de crescimen-to observada nos últimos anos resulta da am-

Há indicações deque a taxa de poupançainterna tem constituídoo limite mais restritivoao crescimento daeconomia brasileira.Os dados sugerem quea redução da taxa depoupança internatem origem na quedada taxa de poupança dosetor público.

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pliação da oferta de recursos de origem doméstica para o fi-nanciamento do setor privado, via crédito bancário e merca-do de capitais, num movimento também influenciado pelaredução da carga da dívida pública e da taxa de juros. Des-tacou-se, ainda, que nas atuais circunstâncias da economiabrasileira, além de ações voltadas para a redução dosspreads bancários, o desenvolvimento recente do mercadode capitais mostra que o mesmo pode desempenhar papelimportante na mobilização e aumento da poupança privadae na redução dos custos de capital para o financiamento dosetor produtivo. Por exemplo, verifica-se que já a partir de2006 e até 2008 os recursos captados no mercado de capitaisbrasileiro superam o saldo de recursos captados junto aoBNDES e ao mercado internacional.

3. Observações finais e algumas propostas

A partir da análise realizada neste trabalho, é possível en-fatizar algumas conclusões e formular algumas propostas quecom outras podem compor um conjunto de medidas voltadaspara atingir o objetivo de elevar a taxa de crescimento susten-tável da economia brasileira.

3.1. Aumentar a taxa de poupança setor público

Existem indicações de que a taxa de poupança interna temconstituído nos últimos anos o limite mais restritivo ao cres-cimento da economia brasileira. Os dados sugerem que a re-dução da taxa de poupança interna tem origem na queda dataxa de poupança do setor público. Embora o setor público te-nha aumentado significativamente sua participação na renda,via aumento da carga tributária, destinou parcela ainda maiorde recursos na ampliação de despesas correntes, passando da

posição de poupador líquido de recursos nas décadas de 70 e80, para a geração de poupança negativa nas últimas duas dé-cadas. Quando a taxa a poupança do setor privado é compa-rada com o PIB líquido da carga tributária, ou seja, com aquelaparcela que permanece de posse do setor privado, verifica-seque nas últimas três décadas sua taxa de poupança tem per-manecido estável, em torno de 27%, nível ainda superior doobservado na década de 70.

A implicação da queda da poupança pública sobre o nível deinvestimentos é óbvia. Além da redução de recursos disponíveispara a realização de investimentos públicos, a deficiência depoupança pública conduz à necessidade de manter juros eleva-dos para rolagem da dívida pública, elevando os custos de ca-pital e inibindo também os investimentos privados. Desse mo-do, o esforço de elevação dos níveis de poupança interna deveconcentrar seus esforços na geração de poupança do setor pú-blico. O exame da composição dos gastos públicos revelou que édifícil ser otimista quanto à possibilidade de reversão do quadrono curto prazo, dada a grande e crescente participação comtransferências, especialmente aquelas com origem na previdên-cia social. Estas últimas devem manter tendência de aumento noatual sistema, em função do envelhecimento da população e au-mento da participação feminina no mercado de trabalho. Outrocomponente relevante nos últimos anos tem sido a parcela des-tinada à cobertura do pagamento de juros da dívida pública. En-tretanto, verifica-se que a margem resultante de sua redução nãofoi utilizada para ampliar a poupança, mas tem sido destinada afinanciar crescimento adicional de gastos correntes, cujo cresci-mento nos próximos dois anos está provavelmente asseguradopor pelo aumento projetado de despesas recorrentes.

Nesse contexto, um programa realista de geração e amplia-ção da poupança do setor público deve ter um horizonte de mé-dio e longo prazo, mediante a limitação de aumento das despe-

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sas correntes em ritmo inferior ao crescimento do PIB. Para tan-to, parece indispensável promover a implementação de um no-vo modelo previdenciário, por exemplo, nas linhas sugeridasem recente proposta formulada no âmbito do Plano Diretor doMercado de Capitais e já encaminhada ao Governo Federal. Re-ferida proposta preserva os direitos adquiridos de todos os quese inserem hoje no sistema previdenciário existente e sugere acriação de um novo modelo previdenciário dirigido aos traba-lhadores do setor público e privado que vierem a ingressar nomercado de trabalho a partir de sua adoção. Além da manuten-ção do sistema de repartição para os trabalhadores de menor ní-vel de renda e de assegurar cobertura universal de aposentado-ria por idade, a proposta prevê a adoção do regime de capita-lização compulsório para uma faixa de renda média e planos vo-luntários acima de um certo nível. Trata-se de proposta cujosresultados a médio e longo prazo atingem objetivos de evitar ainsolvência do modelo atual, reduzir a carga de despesas públi-ca e, ainda mais importante, incentivar o crescimento da pou-pança previdenciária. Deve-se registrar que as tendências já ob-servadas, de crescimento dos planos de previdência aberta e fe-chada seriam reforçadas, ampliando assim o volume de pou-pança previdenciária, que por sua natureza destina-seprincipalmente a projeto de longo prazo e investimentos, alémde promover a democratização de acesso ao capital.

3.2. O Papel do Mercado de Capitais

No exame do desempenho recente do sistema financeironacional, verificou-se que nos últimos anos foi possível pro-mover a recuperação de sua funcionalidade, com forte expan-são do crédito bancário. O desenvolvimento do mercado decapitais, viabilizado também pela redução da taxa de juros eos grandes avanços de natureza institucional e regulatória,fez com que os instrumentos e veículos desse mercado te-nham participação dominante na mobilização da poupançafinanceira, e desde 2006 forneçam recursos de empréstimos efinanciamentos para as empresas brasileiras em valor maiorque o próprio BNDES. Verificou-se que esse crescimento re-sulta essencialmente da mobilização de poupança de inves-tidores domésticos não financeiros, pessoas físicas e jurídi-cas, e investidores estrangeiros. Os investidores institucio-nais têm concentrado seus recursos em títulos públicos, ten-do iniciado a diversificação de suas carteiras recentemente,em função da queda da taxa de juros.

Existem razões para acreditar que o mercado de capitais po-de ter papel fundamental no esforço de elevação da taxa decrescimento sustentável da economia brasileira, pelo menosem função de sua funcionalidade na absorção de poupança ex-terna e como instrumento de atuação do BNDES.

Antonio Galdério/Folha Imagem

Com a entrada de investimentos estrangeiros, será possível crescer além dos limites impostos pela poupança doméstica.

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3.3. O financiamento do déficitexterno em conta corrente eo papel do mercado de capitais

A evolução recente do saldo em contas cor-rentes do balanço de pagamentos e todas asprojeções de mercado demonstram que, pelomenos nos próximos anos, a sustentação de ta-xas de crescimento esperadas, da ordem de4,4% a.a. (19) está condicionada à utilização dapoupança externa, cuja magnitude seria aindamaior para atingir crescimento de 5,5% a.a.anunciado pelo governo.

Depois de um longo período de melhoriados fundamentos macroeconômicos, reconhe-cidos pela comunidade internacional pela atri-buição do "investment grade" por parte das maiores agênciasde "rating", a economia brasileira se posiciona hoje, ao lado deum pequeno número de economias emergentes, como desti-nação preferencial para os investidores internacionais.

Desse modo, parece razoável admitir que durante algumtempo ( 20 ) será possível crescer além dos limites impostospela poupança doméstica, na medida em o financiamentodo déficit seja feito principalmente pela entrada de inves-timentos direto estrangeiro e pela captação de recursos porempresas nacionais, igualmente destinados ao financia-mento de seus investimentos (21). Na medida em que sejampreservadas e aperfeiçoadas as condições favoráveis para aparticipação dos investidores estrangeiros no mercado decapitais, a captação de recursos de investidoresexternos por parte das empresas brasi-leiras poderá ser feita em reais, nomercado doméstico, ao invésda colocação de seus títu-los de dívida e ações emmoeda estrangeira, nomercado internacio-nal. Nesse contexto, omercado de capitaiscumprirá papel funda-m e n t a l , e v i t a n d o oprincipal fator de risco,resultante do descasa-mento de moeda, como fi-cou evidenciado na recentecrise internacional naquelespaíses que se endividarame m m o e d a e s t r a n g e i r a .Além disso, o direcionamentodesses recursos para complemen-tar o financiamento de investimentosem infraestrutura pode representar umaoportunidade para reforçar mais rapida-mente a competitividade internacional daeconomia brasileira.

Nessa mesma direção, são as propostascontidas no Projeto Brain (22), criado em março

de 2010 por três entidades privadas, a saberANBIMA (Associação Brasileira das Entida-des dos Mercados Financeiro e de Capitais),BM&FBOVESPA (Bolsa de Valores, Mercado-rias e Futuros) e Febraban (Federação Brasilei-ra de Bancos). Essa associação tem a missão dearticular e catalisar a consolidação do Brasil co-mo um polo internacional de investimentos enegócios, com foco regional na América Lati-na, mas com projeção e conexões globais.

3.4. O Mercado de Capitaise a atuação do BNDES

Na recente crise mundial, ficou evidencia-da mais uma vez a importância da existência

de um sistema financeiro diversificado, constituído de ban-cos privados, bancos públicos e mercado de capitais. A atua-ção dos bancos públicos nesse período foi da maior impor-tância para evitar que a crise dos derivativos se propagassepelo sistema, ao mesmo tempo em que o forte crescimentode sua oferta de crédito serviu de compensação às restriçõesimplementadas pelos bancos privados e à inibição das ope-rações de mercado de capitais.

Além disso, o BNDES tem caracterizado sua atuação comparticipação significativa de capital e financiamentos emapoio à internacionalização de grandes grupos de empresasnacionais. Independentemente da avaliação que se façadessa estratégia, é relevante notar que essa atuação tem es-

tado na dependênciadireta do suprimen-

to de recursos porparte do Tesouro,até porque os re-

cursos do FAT têmmagnitude peque-

na face às dimensõesatingidas pelo banco, e

exigem a colocação adi-cional de dívida pública

com implicações tambémsobre taxas de juros.

Dada a reconhecida capaci-dade do BNDES na avaliação

de projetos, tudo indica que par-cela majoritária dos recursos necessá-

rios à sua atuação pode ser captada nomercado de capitais, mediante a colocação

de ações e títulos de dívida das empresas queviessem a ter seus projetos aprovados. Porexemplo, o programa de internacionalização

de empresas brasileiras, todas elas com escalae condições de acessar o mercado, poderá ser

implementado com recursos captados no merca-do de capitais, bastando para isso a chancela repre-sentada por uma participação minoritária do BN-DES ou da BNDESPAR.

Existem razõespara acreditarque o mercado decapitais pode terpapel fundamentalno esforço deelevação da taxade crescimentosustentável daeconomiabrasileira (...)

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79MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

Notas

(1) Projeção divulgada pelo Ministro da Fazenda por ocasiãodo lançamento do PAC-II, em 29/03/2010 . Jornal ValorEconômico: www.valoronline.com.br.(2) Na pesquisa FOCUS do Banco Central, a expectativa é a deque o fluxo de investimento direto estrangeiro financie emtorno de 70% do déficit em conta corrente projetado para operíodo de 2010 a 2012; dado o elevado nível de reservas e asexpectativas favoráveis para a economia brasileira nospróximos anos, o financiamento da parcela restante (US$ 12bilhões em 2010 e cerca de US$ 20 bilhões em 2011 e 2012),não indica maiores dificuldades.(3) Hausmann, Ricardo (2009). Um diagnóstico docrescimento econômico brasileiro. CLP Papers - Center forInternational Development , nº.1, julho. HarvardU n i v e r s i t y.(4) Embora todos possam concordar com a idéia de que ocrescimento tenha limites definidos pela taxa de crescimentodos fatores de produção e pelo aumento de produtividade totaldos fatores, deve-se admitir que sua mensuração enfrentavárias dificuldades práticas, até porque, pelo menos no curtoprazo, a própria definição de capacidade ociosa estácondicionada a uma particular estrutura de demanda .(5) V. por exemplo, Bacha, Edmar (2008) - Por que o juro é tãoalto e o crescimento tão baixo? Notas para um colóquio noCBPF, www.iepe/cdg.(6) A qual, por sua vez, já tem representado uma limitação aocrescimento e será agravada pelas demandas para atender aosprojetos ligados a eventos e internacionais, como a Copa doMundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.(7) Fonte: Pesquisa FOCUS - Banco Central de 26/03/2010;Bradesco- Compilação Sistemática das Projeções de Mercado .(8) É interessante examinar a experiência da Austrália, quetem convivido com déficits em conta corrente da ordem de 4%do PIB nos últimos 15 anos.e não teve maiores problemas narecente crise internacional. V. Analise Semanal - ConsultoriaTendências - de 29/03 a 02/04/2010 e também ConjunturaEconômica, fev 2010, n. 64 - Carta do IBRE.(9) Essas limitações estão implícitas nos procedimentosadotados para chegar a essas estimativas, conforme mençãonas fontes das tabelas apresentadas(10) Dados do Ministério do Planejamento (O Estado de SãoPaulo, 09/02/2010, pg. B5) mostram que o gasto com pessoaldo Governo Federal se elevou entre 2004 e 2010 de 4,4% para5,1% do PIB; mencionando-se também vários projetos dereajustes em trâmite no Congresso Nacional.(11) V. proposta encaminhada pelo Comitê Executivo doPlano Diretor do Mercado de Capitais: Um novo modeloprevidenciário para os novos trabalhadores, 2009.(12) Estimativas preliminares elaboradas pelo CEMEC.(13) Dentre as operações de recursos livres para os quaisexistem dados divulgados pelo Banco Central, trata-se dasoperações de maior prazo de vencimento, mais próximo do

prazo médio de debêntures.(14) V. Hausmann (2009) já citado.(15) Por exemplo Levine, R. (1997). Financial Developmentand Economic Growth: Views and Agenda. Journal ofEconomic Literature, vol. XXXV (Junho, 1997), pp. 688-726;e Jeong, Hyeok e Townsend, Robert M.(2007), Sources ofTotal Factor Productivity Growth: Occupational choiceand Financial Deepening. Economic Theory, vol. 32(1),pp. 179-221, Julho.(16) CEMEC do IBMEC: Relatório 01 - Participação domercado de capitais na mobilização de poupança e nofinanciamento da economia brasileira - 2000-2008.w w w. i b m e c . o rg . b r(17) Note se que a participação porcentual das operações dedívida externa foi calculada com base em seu contra valor emreais; dessa forma, o aumento do porcentual atribuído aomercado internacional entre 2007 e 2008 resultaessencialmente da elevação da taxa de câmbio entre os doisperíodos, movimento esse revertido em 2009.(18) O papel dos bancos públicos durante a crise foi examinadocom maior detalhe no Relatório CEMEC 03 - Financiamentoda Economia Brasileira, Impacto da Crise Internacional.w w w. i b m e c . o rg . b r(19) Expectativa do mercado segundo a pesquisa FOCUS doBanco Central de 26/03/2010.(20) Em relação a esse ponto é interessante lembrar aexperiência da Austrália, que tem utilizado poupançaexterna com déficit em contas correntes nas ultimas décadas,tendo apresentado desempenho modo positivo mesmo narecente crise internacional, sem crises de balanço depagamentos. V. por exemplo Revista Conjuntura Econômica,FGV, março 2010.(21) Deve-se lembrar que a realização desses investimentosnas áreas de maior potencial, relacionadas com infraestruturae os projetos do pré-sal devem reforçar de modo considerávela competitividade e as exportações futuras, mitigando assimos riscos futuros.(22) V. www.brainbrasil.org.

Paulo Pampolin/Hype

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Os Impactos Subversivosda Questão Ambiental

Gustavo KrauseGraduado em Ciências Jurídicas pelaFaculdade de Direito do Recife. Exerceuvários cargos públicos, entre eles os deSecretário da Fazenda do Estado dePernambuco, vice-governador e governadordo mesmo Estado. Foi vereador e prefeito dacidade do Recife, deputado federal e ministroda Fazenda. Exerceu também o magistérioe atualmente trabalha como consultor.

Rogério Cassimiro/Folha Imagem

"Desenvolvimento é a construção de uma civilizaçãodo ser na repartição equânime do ter".

(Padre Lebret)(1)

Danilo Ramos/e-Sim

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Se de um lado aeconomia gerou uma

afluência nunca vista nahistória da humanidade,

de outro, a política nãoconseguiu impedir a

devastação ambientalnem distribuir

equitativamente osbenefícios do progresso.

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82 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

Quanto a outras ações, propõe-se: (a) acelerar aimplementação da gestão hídrica, cuja lei completou 13 anos;(b) conceber um projeto de desenvolvimento da Amazônia,considerando suas forças endógenas, característicassocioambientais e o valor dos serviços ecológicos que a regiãopode prestar ao Brasil e à humanidade; (c) introduzir conceitose mecanismos desenvolvidos pela Economia Ambiental,escola de importância crescente, a partir de uma instânciapolítica interministerial, de modo que decisões de governopossam contribuir efetivamente para a realizaçãode um projeto de sociedade sustentável; e (d) entre essesmecanismos está o das compensações ambientais, por meiodo qual danos podem ser compensados de forma no mínimoequivalente ao que foi danificado.

Resumo

O artigo está dividido em cinco seções. A primeira dá ênfaseao passivo ambiental gerado pelo modelo industrialista, queconsagra a ideia de crescimento a qualquer custo; menciona aagonia dos recursos naturais; registra o impacto do fenômenono plano das ideias e a incorporação do tema na agendainternacional.

A segunda seção situa a questão ambiental como umaconsciência crítica e um propósito estratégico de civilização e,ao reforçar a persistência das velhas ideias, identifica nasreflexões da economia ecológica e no ativismo da ecologiapolítica novas possibilidades para uma saída da atualencruzilhada histórica.

A terceira seção explora a dinâmica da ecopolítica e seusefeitos no campo das tomadas de decisão que contemplempadrões sustentáveis de políticas e gestão ambiental.

A quarta defende a dimensão ambiental como elementoestratégico de um projeto nacional a partir da efetivação dealguns pressupostos, tais como a formação de uma culturade sustentabilidade, a capacidade de responder a desafiosmultidisciplinares na formulação de políticas econômicasque ultrapassem os parâmetros da economianeoclássica e forneçam ao gestor ambiental,politicamente fortalecido, mecanismos capazesde viabilizar uma sociedade sustentável.

A seção final apresenta várias sugestões quepermitiriam significativos avanços no marcoinstitucional da gestão ambiental, ao lado deoutras ações voltadas para questõesambientais.

Em particular, propõe-se a retomada devários projetos de lei que trariam avançosdesse tipo – que há anos tramitam noCongresso Nacional –, voltados para:(a) o exercício do "federalismoambiental", corrigindo a superposiçãode burocracias e contribuindo paraalcançar objetivo mais remoto, queé aperfeiçoar o pacto federativo;(b) a atualização do Código Florestalvisando, entre outros objetivos, dirimirvários pontos de conflitos entreambientalistas e ruralistas; (c) novasregras de licenciamento ambiental eregulamentação de dispositivoconstitucional que tem sido foco deconflitos com o setor privado e com opróprio governo; e (d) a criação do FundoNacional sobre Mudança do Clima.

AFP/Nasa

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83MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

1. A Natureza Escassa

A questão ambiental é um tema recente (2). Passou aocupar, com destaque, a agenda contemporâneahá, apenas, cinco décadas. Todavia, seu impacto so-bre a humanidade tem sido espetacular em todas as

dimensões. Virou o mundo de ponta-cabeça. Tornou-se lugar-comum afirmar que o impacto da questão ambiental é tão pro-fundo que vem mudando os paradigmas sobre os quais se as-senta a nossa civilização.

Neste sentido, cabe ressaltar a afirmação do filósofo francêsMichel Serres ao tratar do fenômeno ambiental: "O que está emrisco é a Terra em sua totalidade, e os homens em seu conjunto.A história global entra na natureza, a natureza global entra nahistória: isto é inédito na filosofia" (3).

De fato, uma observação serena sobre a relação entre o ho-mem e a natureza, a biosfera e a tecnoesfera (natura e cul-

tura), padrões da civilização industrial e o meioambiente, leva a duas lições.

A primeira lição: pouco mais de du-zentos anos foram suficientes pa-

ra demonstrar que a ideia deprogresso da civilização

industrial estava ergui-da sobre duas falá-

cias: (a) que o cres-cimento econô-

mico é sempreum bem; (b)

que os re-c u r s o s

n a t u-

rais, abundantes e inesgotáveis, atenderiam não somente asnecessidades, como também, a cobiça dos homens.

Se de um lado a economia gerou uma afluência nunca vistana história da humanidade, de outro, a política não conseguiuimpedir a devastação ambiental e nem distribuir equitativa-mente os benefícios do progresso.

Emergem, pois, como contraponto à riqueza produzida,dois enormes passivos, o ambiental, revelado pela agonia dosrecursos naturais, e o social, expresso pelos agudos indicado-res de desigualdade de renda entre regiões e pessoas.

A segunda lição: a natureza tornou-se ameaçadora-mente escassa.

Com efeito, esta ameaça à sobrevivência da humanidadeconstitui, também, impensável singularidade na combinaçãodos fatores de produção: dos quatro capitais que põem em fun-cionamento o processo produtivo, três – o financeiro, o tecno-lógico e o humano – por definição, escassos, tornaram-se maisabundantes e foram tratados como fluxos; o "capital natural",por definição abundante, mostrou-se escasso e foi tratado co-mo um estoque sem o cuidado mínimo da reposição, a pontode comprometer o futuro das próximas gerações.

Do primeiro alerta do Clube de Roma em "Os limites do cres-cimento, 1972", (em que se propunha o crescimento zero parasalvar o meio ambiente) à publicação do relatório do Painel Go-vernamental das Mudanças Climáticas e as Verdades Inconve-nientes, de autoria de Al Gore, agraciados com o Nobel da Paz,antevendo a catástrofe global, o que se avançou não foi suficien-te para assegurar um futuro auspicioso às novas gerações. (4)

No entanto, o tema tornou-se emblematicamente global edefinitivamente incorporado à agenda internacional. (5)

A partir de então, o debate tomou fôlego, assumiu múltiplasdimensões e variados matizes políticos e ideológicos. (6)

Sob a perspectiva contemporânea, é legítimo indagar: o de-bate é econômico? sociológico? filosófico? científico? político?ético? O debate abarca todas estas dimensões. Seu ponto de par-tida remonta reflexões sobre a relação homem/natureza, quevêm de longe e permanecem atuais. Hoje, é procedente afirmarque existe, para além da ecologia e do ecologismo, uma ecosso-cioeconomia, uma ecosofia, uma ecopolítica, uma ecoética. (7)

O importante, considerando a amplitude e a diversidade dopensamento ecológico, é buscar convergências mesmo quan-do elas parecem impossíveis do ponto de vista teórico, isto por-que, do ponto de vista prático, o que está em jogo é o futuro co-mum da humanidade.

De outra parte, é fundamental perceber o desdobramentopolítico da ciência ecológica a partir dos movimentos ambien-talistas e da importância que o tema assumiu na agenda inter-nacional.

Não são poucas as etiquetas que distinguem e separam asvertentes do pensamento ambientalista, como é o caso, porexemplo, do preservacionismo e do conservacionismo e que,de fato, divergem em conteúdo quando o primeiro confere va-lor instrumental à natureza e o segundo, valor intrínseco (8).

Todavia, estas vertentes se situam no espaço da ética am-biental, ou seja, no campo do dever ser, do comportamento hu-mano em relação ao meio ambiente, e preconizam, ainda queem graus diferenciados, a proteção da natureza (9).

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84 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

Como se pode observar, a raiz do debate está no tipo da re-lação homem/natureza. (10)

Para uma expressiva tendência, a mudança de rumo da so-ciedade industrial de modo a assegurar um planeta ecologi-camente equilibrado estaria na incorporação dos custos acar-retados pelo uso dos recursos naturais aos indicadores con-vencionais que medem o desempenho da economia e o idealde progresso, custos estes considerados meras externalidadespela racionalidade econômica predominante. Em outras pala-vras, a retórica da sustentabilidade, tão a gosto das promessaspolíticas, para produzir efeitos concretos resultaria na adoçãode políticas públicas que, efetivamente, valorizassem a variá-vel ambiental, punindo a sua degradação e incentivando aprática de processos produtivos capazes de respeitar a integri-dade dos recursos naturais.

Não é exatamente assim que pensam os adeptos da "ecolo-gia radical" (Ivan Illich) e da "ecologia profunda" (ArneNaess). Para eles, o modelo industrial, ainda que bem compor-tado em relação aos recursos naturais, continuará criando oproblema da escassez ( 11 ) .

2. O Persistente Desafio: Abandonar as VelhasIdeias e Adotar as Novas

Há quem afirme, com razão, que é mais difícil abandonarvelhas ideias do que adotar novas. É o que atesta a experiênciahistórica povoada de hereges sacrificados e transformados emgênios ou santos póstumos.

Na verdade, o século 21 continua governado, em grande par-te, pelos fantasmas ideológicos do século 19 e, em paralelo, pelaretórica política do desenvolvimento sustentável, inauguradano século 20, sem a correspondente efetividade dos mecanis-mos das políticas públicas, em especial, das políticas econômi-cas, que continuam privilegiando a insustentabilidade.

A meu juízo, a precisa definição para os impactos ambientaissobre a humanidade foi dada por Enrique Leff ao afirmar: "El sa-ber ambiental emerge así como una conciencia crítica y avanza

como un propósito estratégico, transformando los conceptos ymétodos de una constelación de disciplinas, y constituyendonuevos instrumentos para implementar proyecto y programasde gestión ambiental" (12), ou seja, a questão ambiental nos impõecombinar um olhar crítico sobre a encruzilhada histórica em quenos encontramos com uma visão estratégica capaz de articularum projeto de civilização sustentável para o futuro (13).

Neste sentido, a articulação do projeto não dispensa o am-plo ativismo – a ecopolítica – associada a uma resposta concre-ta aos desafios econômicos – a economia ecológica (14).

Com efeito, esta construção é um projeto de grande comple-xidade. Sugere, antes de tudo, que a ecopolítica envolva nãoapenas "ecologistas"; seja ampla, larga, includente e não con-sidere adversários aqueles que divirjam em tonalidades. Tra-ta-se de um projeto de civilização e não um projeto restrito adeterminada doutrina ou pensamento político.

É um projeto em movimento; não está pronto e acabado, aexemplo do que propõem as bíblias do pensamento políticoconvencional; não se limita a convicções absorvidas de fora pa-ra dentro, mas de dentro para fora das pessoas a partir do "ver-dejar do ser", na expressão poética de Petra Kelly.

Com efeito, esta "revolução interior" é o primeiro passo paramudar o rumo das coisas: o segundo é a compreensão de que asociedade industrial é energívora, voraz e perdulária. Paraperceber a gula do industrialismo, basta atentar para a produ-ção de qualquer bem industrializado: todo ele, ao longo do seupercurso, carrega pesada "mochila ecológica" e deixa, por on-de passa, enorme "pegada ecológica".

É fundamental, pois, atentar para o fato de que não está emjogo a integridade da natureza e do cosmos e, sim, a vida hu-mana. A natureza rebrotará em ciclos, eras e sobreviverá à es-pécie humana, não sem antes fazer com os seres humanos oque o ritual taoísta faz com os cachorros de palha (15).

Diante da magnitude do desafio, o terceiro passo é a açãoconsciente, individual e coletivamente, na tessitura de rela-ções de poder, compromissos, e responsabilidades capazes deconferir força transformadora aos propósitos da ecopolítica.

Rodrigo Baleia/Folha Imagem Marcos Vicentti/Folha Imagem

O que está emjogo não é aintegridade danatureza e docosmos, mas avida humana.

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85MAIO 2010 DIGESTO ECONÔMICO

3. Os Ecos da Ecopolítica

O primeiro eco ensina: o caminho não é o confronto. Me-lhor dizendo, não é o único caminho. O confronto tem sido oponto de partida comum aos movimentos sociais. Não foi di-ferente com o ambientalismo. Reativo e confrontacional nosprimórdios, o movimento ambientalista registra grandesconquistas e enormes avanços, embora, aquém do desejável.Por sua natureza transideológica, pluralista e suprapartidá-ria; por seu objetivo civilizatório e humanitário na busca deum futuro comum, o movimento ambientalista, motor daecopolítica, amadurece na medida em que tem por base a bus-ca de um pacto amplo entre os setores do sistema social – Es-tado, Mercado, Sociedade Civil –, e, por princípios, a solida-riedade e a cooperação.

Não significa que a busca da concertação de interesses emchoque arrefeça a capacidade de lutar. A propósito, o acirradoe atualíssimo debate entre "criacionistas" e "céticos", de um la-do e, de outro, "climatologistas", sobre os fatores determinan-tes do aquecimento global, não altera, independentemente deque lado esteja a verdade científica, a evidência, por exemplo,da explosão demográfica, movida por um processo de produ-ção, consumo e um estilo de vida tendentes, segundo abaliza-dos alertas, à catástrofe do ecocídio.

Luta e pactos, avanços e recuos, alianças estratégicas inte-gram a dinâmica da ecopolítica, cujo desafio, mais do que umprojeto de desenvolvimento, é, repita-se, construir uma civi-lização sustentável.

Outro eco aponta na direção dos novos papéis a serem exer-cidos pelos atores dentro do marco da ecopolítica.

O Estado e o Sistema Político

De um modo geral, a questão ambiental que, inquestiona-velmente, tornou-se um desafio central e estratégico para a hu-manidade, permanece, ainda, como preocupação periféricapara os Estados.

No plano internacional, a retórica da sustentabilidade en-che a boca dos governantes; a coreografia diplomática encenaum ritual dúbio para a plateia global.

No plano interno, há uma enorme distância entre discur-so e prática governamentais. Existem avanços nos mecanis-mos de comando e controle e, com eles, ampliam-se áreas defricção dentro do governo e do governo com o setor privado,em decorrência da função fiscalizadora e punitiva do apa-rato burocrático; em paralelo, pouco avançam os mecanis-mos capazes de desincentivar ações predadoras e incentivarpráticas econômicas sustentáveis. Daí, resulta o seguinte

No plano internacional, a retórica dasustentabilidade enche a boca dos

governantes; a coreografia diplomáticaencena um ritual dúbio para a plateia global.

Na foto acima, o ex-ministro do MeioAmbiente, Carlos Minc, mostrando númerosdo desmatamento na Amazônia; à esquerda,o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore,

ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007por sua luta contra o aquecimento global eas mudanças climáticas; à direita, cartaz do

grupo ambientalista Greenpeace divulgado naconferência de Copenhague ano passado.

Marcello Casal Jr/Abr AFP

Marlene Bergamo/Folha Imagem

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86 DIGESTO ECONÔMICO MAIO 2010

quadro: no interior dos governos eclodem conflitos interse-toriais e sobra para a gestão ambiental, justa ou injustamen-te, a responsabilidade pelos impasses; na sociedade, parti-cularmente no setor produtivo, a gestão ambiental se mos-tra uma burocracia lenta e, não raro, avessa ao empreendi-mento capitalista.

Por sua vez, nos embates político-eleitorais, os compromis-sos na área ambiental servem, apenas, como argumento canô-nico do politicamente correto.

Em síntese, a experiência tem demonstrado que os Estadossão os atores mais resistentes a assumir um papel proativo nocontexto da ecopolítica.

No âmbito do sistema político, as décadas de setenta e oitentaviram o nascimento e a consolidação dos Partidos Verdes, as-sumindo a paternidade dos programas ambientais. Paulatina-mente, os partidos das mais diversas tendências ideológicas, nomundo e no Brasil, passaram a adotar semelhantes plataformas.Este fenômeno serviu para propagar a causa ambiental, infeliz-mente, em proporção significativamente menor do que a capa-cidade de exercer influência transformadora. No caso brasilei-ro, a explicação é simples: a fragilidade dos partidos reduz a for-ça dos programas partidários que, praticamente, passam ao lar-go das políticas públicas adotadas pelos governos quaisquerque sejam as agremiações que cheguem ao poder. Em contra-partida, as organizações ambientais e o setor privado passam aassumir papel relevante no jogo político.

O Mercado, as Empresas e os Consumidores

Em princípio, o mercado é governado por leis inflexíveis.Mas estas leis não são cegas. No funcionamento do mercado,as preferências mudam; a institucionalidade limita; os incen-

tivos direcionam; as novas responsabilidades agregam valor;as tecnologias contam; a qualidade diferencia.

Por sua vez, o modo capitalista de produção tem inúmerosdefeitos, mas é inegável sua capacidade de adaptação. Nestesentido, tanto a teoria econômica quanto o setor produtivo sederam conta de que a dimensão ambiental veio para ficar e in-tegrar os conceitos de custos, oportunidade, produtividade,competitividade e a produzir um novo ativo: o capital imate-rial chamado imagem.

Com efeito, as adaptações resultam, em certa medida, deinstrumentos coercitivos e mandatórios, emanados do poderestatal. No entanto, é fundamental destacar os avanços ocor-ridos em decorrência da adoção voluntária de padrões geren-ciais ambientalmente corretos, o que reflete as novas respon-sabilidades corporativas assumidas perante as partes interes-sadas (Stakeholders) na ação empresarial (16).

No passado, o modo capitalista de produção driblou a lutade classes e superou a promessa da utopia comunista; agora, odesafio está em respeitar os limites biofísicos do planeta e en-frentar a distopia ambiental. Nesta linha, respeitáveis vozespropõem uma nova revolução industrial sob a lógica concei-tual do que denominam capitalismo natural (17).

A Sociedade Civil, o Terceiro Setor e o MovimentoAmbientalista

À parte o debate teórico, há de se reconhecer que a sociedadecivil é uma emergência fundamental no funcionamento do mun-do moderno. Sua teia organizacional – o terceiro setor – ocupauma esfera distinta, ora em conflito, ora em cooperação com a so-ciedade política – a esfera estatal pública – e com a sociedade eco-nômica – a esfera privada do mercado e dos negócios. O terceiro

Agliberto Lima/DC

A experiência mostra que os Estados são os atores mais resistentes a assumir um papel proativo no contexto da ecopolítica.

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setor constitui uma instância pública não estatal.No conjunto dos movimentos sociais, o movimento am-

bientalista mobiliza a cidadania de modo a pressionar e in-fluenciar as esferas política e econômica na tomada de deci-sões e na adoção de políticas que viabilizem um projeto de so-ciedade sustentável.

No caso brasileiro, o percurso do movimento ambientalistatem sido marcado pelas diferentes fases do processo de con-solidação da democracia política e evoluído, quanto à suaperspectiva original de natureza conservacionista, para umavisão socioambientalista, mais politizada, alcançando um es-tágio neoconservacionista, conforme definem os analistas domovimento (18).

Do ponto de vista concreto, o saldo é positivo. Independen-temente de rótulos, a verdade é que o movimento ambienta-lista está à frente das tipologias ideológicas clássicas e, ora emconfronto ou cooperação, tem acolhimento na representaçãocongressual e nas esferas mais permeáveis do poder executi-vo, influenciando as propostas programáticas de partidos egovernos (19).

Por fim, cabe constatar que a atuação local e global dos mo-vimentos ambientalistas confere um papel protagônico à so-ciedade civil na arena política global.

O Ecocidadão

Este é um personagem típico da sociedade globalizada.Exerce direitos e deveres de "última geração" que ultrapassama territorialidade do Estado-Nação e somam à longa e penosaluta, direitos às diferenças, de proteção às minorias, de prote-ção aos avanços no campo da bioética e direitos a um ambienteem que possa desfrutar de vida saudável e sustentável.

A um só tempo, esta nova categoria de cidadão integra o es-paço local, conectado com a dimensão global, o que lhe permiteviver a sensação paradoxal de poder e vulnerabilidade frente aosavanços da ciência e da tecnologia. Este é um dos ecos da ecopo-lítica, que amplia a consciência das pessoas diante dos riscos,ameaças e oportunidades em relação ao futuro da humanidade.

4. Brasil: Um País de Vocação Ambiental? (20)

A empreitada do descobrimento de feições estatal, militar ereligiosa batizou o novo achado de "Terra de Santa Cruz". Umbreve triunfo da ideologia religiosa dos cavaleiros da Ordemde Cristo.

De fato, durou pouco. Sob protestos indignados de Frei Vi-cente do Salvador, a madeira de "cor abrasada e vermelha quetinge pano" rebatizou o nosso País com o nome de Brasil (21).

Uma vitória da ideologia da natureza? Não. Simplesmente,dois olhares coexistiam no ato fundador do Brasil: o olhar re-nascentista, a visão edênica de arrebatamento romântico pro-clamava o mito do paraíso perdido ( 2 2) ; o olhar mercantilistamovia o projeto de exploração econômica em nome dos inte-resses colonizadores.

A história certifica: o encantamento era retórico e a ação,p re d a d o r a .

É o que atesta a autoridade de Caio Prado: "Repetia-se maisuma vez o ciclo normal das atividades produtivas do Brasil. Auma fase de intensa e rápida prosperidade, seguia-se outra deestagnação e decadência. Já se vira isso, sem contar o longín-quo caso do pau-brasil, na lavoura da cana-de-açúcar e de al-godão no norte e nas minas de ouro e diamante no sul. A causaé semelhante: o acelerado esgotamento das reservas naturaispor um sistema de exploração descuidada e intensiva" (23).

Reinaldo Canato/AE

É preciso reinventar a noção tradicional de progresso que nos foi legada pela civilização industrial.

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Por justiça, cabe ressaltar o registro histórico de visões lú-cidas que enxergaram a natureza além do arrebatamento ro-mântico e laudatório, antecipando a centralidade dos recursosnaturais na formulação de um projeto nacional de desenvol-vimento. Entre estes autores, o ideal conservacionista propu-nha um novo relacionamento com a natureza como alicerce deum verdadeiro desenvolvimento econômico.

Com efeito, nesta linha de pensamento é possível identificarao longo do século 19 e nas primeiras décadas do século 20, aobra de José Bonifácio de Andrada, as vozes reformistas deJoaquim Nabuco e André Rebouças, a cosmovisão de um cien-tificismo humanista de Euclides da Cunha, o criticismo estra-tégico de Alberto Torres a uma noção linear de progresso e oecologismo sociológico avant la lettre de Gilberto Freyre (24).

De fato, o ideal de crescimento tracionou a civilização in-dustrial com tamanha força que, no Brasil, o balanço do pro-gresso não contrariou a regra ao revelar dados contraditórios:de um lado, um inegável avanço dos indicadores tradicionaisna medição quantitativa dos padrões de vida; de outro, umrastro de destruição e desigualdades que compromete a qua-lidade de vida e a sobrevivência da espécie humana; na edi-ficação da obra do progresso, prevalece a sensação de que amáquina do crescimento foi movida a "ferro e a fogo" (25).

Diante da dramaticidade dos impactos da questão ambien-tal nos contextos nacional e internacional, é possível manter aesperança quanto ao futuro da humanidade e, especificamen-te, a uma sociedade sustentável no Brasil?

É um desafio urgente e prioritário colocar a questão ambien-tal na agenda nacional, assim como fora e continua sendo con-solidar a estabilidade econômica e aprofundar a democraciapolítica, reconhecendo na temática ambiental significados epropósitos mais profundos, entre os quais reverter uma ten-dência antes que ela tome a forma irreversível de destino ereinventar a noção tradicional de progresso que nos foi legadapela civilização industrial.

O momento histórico favorece.

Por todas as razões, a questão ambiental assume excepcio-nal relevo, mais ainda, por conta do debate sobre as mudançasclimáticas. No plano interno, os avanços obtidos na política ena economia permitem ênfase especial na persistente questãodas desigualdades sociais e legitimam a inserção, por ocasiãodo debate sucessório, da questão ambiental na agenda do sé-culo 21, assumindo valor estratégico na formulação de umprojeto de nação.

Sob esta ótica, a ambição propositiva do debate deve estarcentrada em dois grandes objetivos:

I - Consolidar, aperfeiçoar e ampliar os avanços alcançadosno âmbito da sociedade, da economia e do Estado (26);

II - Contribuir, por meio de processos educativos, para a for-mação da ecocidadania e construção de uma "cultura de sus-tentabilidade" na qual se inserem os seguintes elementos:

- sólida consciência social em relação ao direito a um am-biente saudável e produtivo;

- reconhecimento universal quanto ao valor da diversidadebiológica, da heterogeneidade cultural e do pluralismo político;

- respeito e observância de uma ética intra e intergeracional;- prioridade à satisfação das necessidades básicas, à inclu-

são social e à qualidade de vida;- adoção de gestão participativa e práticas descentraliza-

doras;- visão cooperativa e solidária que, no plano interno e in-

ternacional, aproxime o particular do universal, o local doglobal.

Cabe, finalmente, um comentário específico sobre o papeldos governos nas definições de políticas e nas estratégias degestão ambiental pública de modo a complementar o primeiroobjetivo supracitado.

Historicamente, a tradição brasileira de planejamento go-vernamental seguiu a ideologia do obreirismo. Esta tem sido afita métrica do bom gestor e, não raro, do estadista.

De outra parte, duas sub-ideologias consagraram a visão se-torial das políticas públicas: o rodoviarismo e o barragismo.Esta constatação não nega a importância da ação governamen-tal diante da carência de infraestrutura do País. Tampouco, jus-tifica o rastro de destruição dos programas governamentaisinspirados pela obsessão do fazer. Serve, contudo, para cha-mar atenção das enormes dificuldades que se antepõem à ges-tão ambiental, cuja concepção é nitidamente matricial, ou seja,perpassa a organização setorial da administração e, paralela-mente, tem como missão impor limites aos impactos ambien-tais resultantes das obras do governo. Frequentemente, não é a

Daniel Aguilar/Reuters

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lei ambiental que prejudica ou retarda a realização de projetospúblicos ou privados; são os projetos que não atendem as pres-crições legais.

Vale dizer: a gestão ambiental é vista, dentro e fora do gover-no, como o "não" potencial e frequente à urgência e prioridadesdas ações que integram os "projetos de desenvolvimento". Éuma espécie de mecanismo interditório ao qual se atribui a res-ponsabilidade do "gendarme verde". E sobre ela recai, com pro-cedência ou não, o ônus de embargar o progresso.

Resultado: o gestor ambiental ocupa exatamente o vértice pa-ra onde convergem fortíssimas pressões. E mais: sofre de graveisolamento político, especialmente, se não atentar para a neces-sidade vital de alianças, negociação permanente, idas e vindas,avanços e recuos capazes de lograr um saldo positivo.

Com efeito, esta situação pode assim ser sintetizada: o ges-tor ambiental, ao defender interesses difusos e futuristas fren-te a interesses concretos e imediatos, terá, invariavelmente, ad-versários à vista e aliados a prazo.

Neste sentido, ou os governos assumem, como a humani-dade já assumiu, a centralidade do desafio ambiental, e os che-fes de governo arbitram com sabedoria e equilíbrio os confli-tos, ou os gestores ambientais seguem sofrendo da fraquezacongênita dos "patos mancos".

A bem da verdade, não se pode negar a importância e a forçados instrumentos de comando e controle de que dispõem, ho-je, os gestores ambientais: não se pode negar os investimentos

públicos que buscam combater e reparar danos ambientaisque contaminam o solo, o ar, a água, as florestas. Ressaltem-se,também, os avanços na gestão ambiental voluntária e o papelpolítico dos movimentos ambientalistas.

Entretanto, os mecanismos de política econômica conti-nuam privilegiando a insustentabilidade. Mudar o rumo sig-nifica identificar oportunidades a partir do diálogo economia-ecologia a despeito das restrições impostas pelos recursos na-turais cada vez mais escassos.

Ainda que timidamente, as novas possibilidades tomamcorpo. A viabilidade de um novo caminho está na capacidadede responder pertinentes perguntas que nos fazemos na con-dição de cidadãos de uma nova era. Eis algumas delas:

I - É possível tratar o capital natural como renda de modo aconservar sua capacidade produtiva?

II - É possível adotar critérios de ecoeficiência de modo a re-duzir a quantidade de insumos, desperdícios e, desta forma,aumentar a produtividade do capital natural e melhorar a qua-lidade de vida das pessoas?

III - É possível associar processos produtivos limpos e novosdesigns, de modo a permitir reciclagem constante de materiaise uma relação mais harmônica com a natureza?

IV - Épossívelcombinaromínimousodematerial comomá-ximo de durabilidade e manutenção de produtos, de modo aampliar a economia de serviços vis a vis a economia de bens?

V - É possível investir na manutenção, restauração e com-

A bem da verdade,não se pode negar aimportância e a forçados instrumentos decomando e controle deque dispõem, hoje, osgestores ambientais;não se pode negar osinvestimentos públicosque buscam combatere reparar danosambientais quecontaminam o solo, o ar,a água, as florestas.Ressaltem-se, também,os avanços na gestãoambiental voluntáriae o papel político dosmovimentosambientalistas.

Christian Charisius/Reuters

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pensação dos estoques de capital natural, agregando, inclusi-ve, o "capital natural cultivado"?

VI - Épossívelcriarumsistemadecontabilidadenacionaledeindicadores de sustentabilidade, de modo a substituir o conceitotradicional de PIB por um agregado macroeconômico em que se-jam internalizados custos ambientais da atividade econômica?

VII - É possível utilizar mecanismos de política econômica epolítica fiscal capazes de incentivar a sustentabilidade e desin-centivar padrões insustentáveis de produção e consumo?

VIII - É possível valorar os serviços dos ecossistemas paraeconomia e para a vida?

IX - É possível enfrentar a explosão demográfica, cujos da-nos para o planeta levaram James Lovelock denominar o fe-nômeno de "praga de gente"?

X - É possível ratificar a vocação ambiental do Brasil comouma vantagem competitiva, apesar dos prejuízos já causadosao nosso patrimônio natural?

As respostas estão em curso. O que não está em curso é aefetiva incorporação de um novo paradigma à vontade e àação política.

O mesmo se diga em relação à oportunidade de o Brasilexercer um protagonismo ambiental no cenário internacionalcompatível com suas potencialidades. Vem daí o paradoxo re-ferido no início do artigo: a questão ambiental é central para ahumanidade e periférica para os governos. Discurso e práticanão batem. E o tempo limita as possibilidades.

No entanto, renovam-se os compromissos no momentodo pleito presidencial. É hora de propor. Temas não faltam.Vão desde a simplificação das burocracias ambientais su-perpostas à formulação e execução de políticas públicas, cu-ja agenda articule gestão e manejo de florestas, gestão hídri-ca, o enfrentamento dos gravíssimos problemas de ecologiaurbana. Que se cuide da Amazônia como um "bem da vida",na feliz expressão de Thiago de Melo.

Neste processo, o fundamental é o respaldo que dê susten-tação aos gestores ambientais que sofrem menos pela carênciade meios do que pela debilidade da solidão política.

Em síntese, a abordagem de um temaque envolve gigantesca complexidade e sentimentos díspa-

res – do pessimismo catastrófico a um otimismo pueril – nãodeveria se afastar das lições deixadas por René Dubos, um dosautores do relatório da Conferência de Estocolmo (1972), li-ções sábias forjadas pelo vasto conhecimento e pelo exemplode superação pessoal às limitações impostas pelas sequelas dafebre reumática. Dubos nos ensina: "Tendência não é destino";"Muitas vezes é difícil manter a fé no destino dos homens, masé certamente uma atitude covarde desesperar dos fatos"; "Pen-se globalmente e aja localmente".

5. Propostas de Políticas Ambientais

Um novo governo, utilizando sua base de apoio parlamen-tar, lograria significativos avanços no marco institucional dagestão ambiental com a transformação em leis dos seguintesprojetos em tramitação no Congresso:

1. Projeto de Lei Complementar nº 12/03, que regulamentaas competências comuns do artigo 23, incisos VI e VII, de modo

a permitir que se exercite o "federalismo ambiental", corrigin-do a superposição de burocracias e contribuindo para alcançarobjetivo mais remoto que é aperfeiçoar o pacto federativo;

2. Projeto de Lei nº 1876/99, que atualiza o Código Flores-tal e pode dirimir vários pontos de conflitos entre ambien-talistas e ruralistas;

3. Projeto de Lei nº 3729/04, que dispõe sobre licenciamentoambiental e regulamenta o inciso IV parágrafo primeiro do ar-tigo 225 da Constituição Federal, matéria que é foco de confli-tos com o setor privado e com o próprio governo; e

4. Projeto de Lei nº 3820/08 que, entre outras providências,cria o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.

Sugere-se, ainda, ações voltadas para: (a) acelerar a imple-mentação da gestão hídrica, cuja lei completou 13 anos, con-siderando que a gestão hídrica é, por natureza, descentraliza-da, participativa e, por outro lado, a água é um elemento in-tegrador dos demais elementos da natureza; (b) conceber umprojeto de desenvolvimento da Amazônia, considerando suasforças endógenas, características socioambientais e o valor dosserviços ecológicos que a região pode prestar ao Brasil e à hu-manidade; (c) introduzir conceitos e mecanismos desenvolvi-dos pela Economia Ambiental, escola de importância crescen-te, a partir de uma instância política interministerial de modoque decisões de governo possam contribuir efetivamente paraa realização de um projeto de sociedade sustentável; (d) entreesses mecanismos está o das compensações ambientais, pormeio do qual danos podem ser compensados de forma no mí-nimo equivalente ao que foi danificado.

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Notas

(1) Citação em SACHS, Ignacy. A Terceira margem - Em buscado desenvolvimento. São Paulo: Nova Fronteira, 2009, p. 269.(2) A novidade histórica do tema pode ser referendada pelotestemunho do próprio Sachs, hoje, um dos maiores pensadores emilitantes do "ecodesenvolvimentismo", na obra citada: "Aproblemática do meio ambiente era, para mim, um tanto alheia.Foi em 1970 que participei em Tóquio do primeiro colóquiointernacional sobre meio ambiente como desafio às ciênciassociais". (p. 227)(3) SERRES, Michel. O contrato natural. Rio de Janeiro: NovaFronteira, 1991, p.15.(4) Em 1968, a Assembleia Geral das Nações Unidas convocou aConferência Sobre o Ambiente Humano para 1972 que foirealizada em Estocolmo. A partir de então, passou-se a analisar aintensa relação entre meio ambiente e desenvolvimento. Dentrodesta perspectiva, o relatório apresentado pelo Clube de Roma,intitulado Os limites do crescimento, previa um cenáriodramaticamente pessimista para o futuro da humanidade, o quefundamentou a proposta de crescimento zero. Esta propostarepresentava um bloqueio insuperável para os paísessubdesenvolvidos romperem como o círculo da pobreza e, destaforma, induzia a uma abordagem reducionista do problema quecolocava em radical oposição o que Ignacy Sachs chamou de"ecologismo intransigente e economicismo estreito e rigoroso"(V. Estratégia de transição para o século XXI - Desenvolvimento

e Meio Ambiente, Ed. Studio Nobel, São Paulo, 1993, p.11).(5) Em 1987, o Relatório Brundtland, Nosso Futuro Comum,elaborado pela Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, sob a presidência da norueguesa Gro HarlemBrundtland ampliou as conclusões da reunião de Founex (Suíça,1971) e da Conferência de Estocolmo (1972) ao construir oconceito de DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL comosendo aquele que "atende as necessidades das gerações presentessem comprometer o atendimento das necessidades das geraçõesfuturas". Em 1992, a RIO-92 consolidou a temática como umcompromisso estratégico da agenda internacional.(6) O primeiro impacto político-ideológico da questão ambientalfoi a desconfiança gerada e a conseqüente polarização entrepaíses ricos e países pobres na abordagem do novel conceito"desenvolvimento sustentável". A desconfiança e a polarizaçãodecorriam de uma constatação prática: as nações ricas atingirampatamares de riqueza sem respeitar os limites dos recursosnaturais; as nações pobres teriam que submeter suas aspiraçõesde crescimento aos novos limites da sustentabilidade. Istorecendia a um novo colonialismo. Impunha-se a observância doprincípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas,um belo princípio de difícil execução. De outra parte, a questãoambiental forneceu um painel de pensamentos que alimenta osmovimentos ecológicos e que não vêm da agora: remonta àsreflexões filosóficas sobre as relações entre o homem e a natureza.(7) Tomando-se como ponto de partida a relação homem naturezaé possível explorar o campo das ideias considerando: 1. OANTROPOCENTRISMO E O PARADIGMA DUALISTA(CARTESIANO/EUCLIDIANO/NEWTONIANO) quedefende a superioridade moral dos interesses humanos sobre ointeresse dos seres vivos e da natureza no seu conjunto; 2. OBIOCENTRISMO HOLISTA que defende a tese segundo a qualtodo ser vivo merece respeito moral e representa uma reação àsideias que privilegiam uma classe particular de ser vivo. Oantropocentrismo e o paradigma dualista refletem o afastamentodo homem, do mundo da natureza, a biosfera, e sua crescenteaproximação com o mundo da cultura, a tecnoesfera, colocandoem campos opostos natura e cultura. Vários autores identificamna tradição judaico-cristã e no racionalismo científico da eramoderna as bases do antropocentrismo. Todavia, a proposta decomunhão homem/natureza que tem como base filosófica ereligiosa [(re)ligação homem/natureza] uma espécie de eco-espiritualidade e que aponta na direção de uma mudança radicalno papel e nas relações dos seres vivos, vem do singular e beloexemplo dado por São Francisco de Assis, o santo ecológico daIgreja Católica. Para ele, a ecologia era muito menos a ciência dobem viver na casa planetária e, muito mais, a fraterna e sábiaconvivência entre todos os seres.(8) Neste contexto, é importante ressaltar que tomam corpo nodebate sobre ecologia os estudos sobre ecologia política e ecologiaeconômica. Este assunto está abordado com profundidade nolivro Ecologismo dos Pobres, de autoria de Joan Martinez,

Renovam-se oscompromissos nomomento do pleitopresidencial. Temasnão faltam. Vãodesde a simplificaçãodas burocraciasambientais àformulação eexecução de políticaspúblicas cuja agendaarticule gestão emanejo de florestas,gestão hídrica,o enfrentamentodos gravíssimosproblemas deecologia urbana.Que se cuide daAmazônia comoum "bem da vida",na feliz expressãode Thiago de Melo.

Alan Marques/Folha Imagem

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editora Contexto, São Paulo, 2007. Nele, o autor agrupa os"ismos", aqui já referidos, em duas correntes "o culto à vidasilvestre" ou "à vida selvagem" e no que chama de "credo daecoeficiência" e aprofunda a análise do que vem a ser umaterceira corrente, "o ecologismo dos pobres", como base domovimento pela justiça ambiental em função dos conflitosambientais causados pelo crescimento econômico e peladesigualdade social. O que une a ecologia política à economiaecológica é a discussão sobre a valoração ambiental.Paralelamente, o autor nomeia 24 conflitos distributivos queconstituem a agenda da ecologia política (vai do racismoambiental, passando pelo ecofeminismo e culminando comecologismo dos pobres). A leitura deste livro é imprescindívelpara aprofundar conhecimento e atualização da bandeiras queinspiram o ativismo ambiental contemporâneo.(9) Estas ideias ganharam relevo ao longo do século 19.Resultaram da reação ao efeito devastador do extraordinárioprogresso capitalista americano sobre os recursos naturais. Deum lado, R. Nash e John Muir defendiam, preservacionistas queeram, uma apreciação reverencial, estética e espiritual danatureza. Nesta linha, sofriam uma influência da notável obraanarcoambientalista de Thoreau que não só confrontou a lógicadominante na relação homem/natureza (A vida sem princípio eCaminhando), como também, construiu a base teórica(Desobedecendo) para Ghandi praticar os métodos pacifistas danão-violência ativa na sua luta pela emancipação da Índia. Deoutra parte, Gifford Pinchot, conservacionista, ao combater aidéia de progresso a qualquer custo e defender o uso eficiente dosrecursos naturais, antecipava a concepção do que, mais tarde,viria a ser o conceito de sustentabilidade.(10) De fato, as correntes ideológicas se distinguem a partir deuma cosmovisão, cuja questão central é a relação entrehomem/natureza. Não só se distinguem como se multiplicam emvários "ecologismos", atordoando aqueles que procuram estudara matéria. É possível identificar várias correntes dentro dopensamento ecológico como é o caso do já referidoanarcoambientalismo de Thoreau, da tríade ecológica de FelixGuattari (a humana, a ambiental, e a mental), da bioeconomia deGeorgescu-Roegen, do ecodesenvolvimentismo de Ignacy Sachs,do holismo de Pierre Weil, do humanismo desenvolvimentista deEdgar Morin, da ecologia profunda de Capra, da eco-espiritualidade inspirada na ética do cuidado de Leonardo Boff, epor aí vai.(11) O pensamento de Illich é profundamente crítico da sociedadeindustrial. Exerceu e exerce grande influência sobre opensamento ecológico. São criações suas os conceitos decontraprodutividade (exemplo: a congestão do espaço produzidopelo automóvel), "convivialidade" ("convivial é a sociedadeonde o homem controla o instrumento") e a noção de "ecologiaradical". Por sua vez, Arne Naess, filósofo norueguês, opõe avisão "ecocêntrica" ou de "igualitarismo biosférico" aopreconceito antropocêntrico segundo o qual o homem é o fim do

universo. É dele o conceito e a expressão "ecologia profunda".(12) Leff (comp.). Ciencias Sociales y formación ambiental.Gedisa Editorial; Barcelona, Espanha, 1994. P. 37. É importanteressaltar que o autor, renomado estudioso do temadesenvolvimento/meio ambiente, demonstra com pertinência edensidade, o significado e os efeitos da racionalidade ambiental.Neste sentido, aborda o tema da racionalidade nos seus aspectosteóricos e conceituais com ênfase nos tipos de racionalidade -formal ou teórica, instrumental e substantiva – segundo aconcepção weberiana. Incursiona na construção do conceito deracionalidade ambiental, seus desdobramentos e efeitos nosistema de valores, no sistema de conhecimento, processosprodutivos, tecnológicos, no sistema político e institucional,bases ideológicas e atores que, articulados com a racionalidadecultural, permeia o ideal das relações harmônicas entrehomem/natureza e da convivência respeitosa com a diversidade.Por fim merece destaque a análise sociológica de Leff sobre a"noção de qualidade de vida e a ecologia política e os movimentosambientalistas" ao que denomina de "temáticas ambientaise m e rg e n t e s " .(13) A expressão "impactos subversivos da questão ambiental"não é um exagero retórico. É importante considerar que o temaimpõe à teoria do conhecimento uma articulaçãomultidisciplinar dos saberes; faz prevalecer a noção de qualidadeà de quantidade e consagra valores da harmonia, da sobriedade,do equilíbrio sobre o desequilíbrio sistêmico dos "máximos";revaloriza uma estética contemplativa; acrescenta à éticaclássica a ética intergeracional; configura uma ecopolítica,alterando as relações entre atores que detêm parcelas de poder -Estado, Mercado, Sociedade Civil - e gerando efeitos sobre a"realpolitk" e os padrões de gestão ambiental pública e privada.(14) Sobre o "diálogo eco-eco" (economia e ecologia), o livro deautoria de José Eli da Veiga - Desenvolvimento sustentável -Desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. - é umareferência indispensável, seja pela amplitude acadêmica, sejaespecificamente pela densidade analítica da relação entre ospostulados da economia neoclássica e da economia ecológica. Porsua vez, Philippe Van Parijs, professor da cadeira de éticaeconômica e social da Universidade Católica de Louvain, advogauma visão de sociedade que vai além do ambientalismo e dasecologias "profunda" e "radical": a ecologia política que,segundo ele, "é a doutrina articulada com base na crítica dasociedade industrial e, assim fundamentada, pretende oferecerum projeto global de sociedade comparável e oponível às duasgrandes ideologias da era industrial: o liberalismo e osocialismo". Esta visão está estruturada nas seguintes bases: a.no equilíbrio entre as três esferas: estatal, privada e autônoma (éo terceiro setor ou sociedade civil); b. não se situa nem àesquerda, nem à direita (estaria além), não é um insípido "meiotermo", nem um feixe de reivindicações setoriais, mas umaresposta clara ao que consiste nos limites do crescimento; c. oslimites do crescimento seriam determinados por um "freio de

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arrumação" voluntário que não deteriorasse o potencialprodutivo total (não apenas, os recursos naturais), reorientasseparte da produção dos bens de consumo para os bens deinvestimentos e induzisse economicamente a preservação dosrecursos naturais, tudo de forma a permitir uma trajetória decrescimento menos onerosa para os recursos naturais; d.promover uma articulação entre trabalho e renda com atividadespositivas para o meio ambiente.(15) Este ritual deu nome a uma das obras mais instigantes daatualidade e de contundente descrença cujo autor John Gray éum dos mais renomados pensadores contemporâneo: Cachorrosde Palha: reflexões sobre humanos e outros animais. Rio deJaneiro: Record, 2005.(16) Tem avançado sistematicamente as estratégias e os modos degestão empresarial, adequando-se ao desafio da sustentabilidade.Além dos prejuízos ocasionados pelos grandes desastresambientais, as empresas têm buscado diminuir riscos e mitigardanos ambientais sem comprometer sua competitividade. Poroutro lado, a assunção das responsabilidades sociais eempresariais contribui para a imagem positiva das corporações.

Nesta linha, cabe registrar exemplos, em ordem cronológica, deiniciativas que vão ao encontro da adoção da gestão ambientalvoluntária. Em 1984, a Canadian Chemical ProducerAssociation foi precursora na elaboração de diretrizes paragestão ambiental; em 1991, o World Business Council forSustainable Development estruturou o conceito de ecoeficência;em 1994, a International Organization for Standardization(ISO) que estabeleceu requisitos gerenciais para gestãoambiental e obtenção de certificação por entidades credenciadas,mediante a família ISSO 14.000, em permanente atualização;em 1999 foi criada a Rede Brasileira de Produção mais Limpa(PmaisL), iniciada pelo Centro Nacional de Tecnologias Limpasdo Senai-RS (CNTL-RS), consolidada com a participação doSEBRAE nacional e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para oDesenvolvimento Sustentável (CEBDS); ainda em 1999, foicriada pelo MMA a Agenda Ambiental na AdministraçãoPública (A3P); em 2005, a Bolsa de São Paulo criou o Índice deSustentabilidade Empresarial (ISE) a exemplo do índice DowJones. Paralelamente, vários programas e institutos vêmdifundindo a atuação, ambiental e socialmente, responsável das

Jonne Roriz/AE

Há quem afirme, com razão, que é mais difícil abandonar velhas ideias do que adotar novas. É o que atestaa experiência histórica povoada de hereges sacrificados e transformados em gênios ou santos póstumos.

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empresas (Fundação Abrinq, Grupo de Institutos, Fundações eEmpresas-GIFE, Instituto Ethos, Instituto para oDesenvolvimento do Investimento Social-IDIS). No conjunto, ofaturamento das empresas mobilizadas em função da gestãoambiental voluntária representa cerca de 30% do PIB brasileiroe chegam a gerar 1 milhão de postos de trabalho.(17) HAWKEN, Paul; LOVINS Amory; LOVINS, L. Hunter.Capitalismo natural - Criando a próxima revolução industrial.São Paulo: Cultrix, 2005.(18) É possível identificar na formação do ativismo ambientalistatrês momentos que configuraram oportunidades históricas paraa formação e identidade do movimento social - o processo deredemocratização (dos anos setenta à promulgação daConstituição Federal), o período de funcionamento doCongresso Constituinte (87/88) e a RIO-92 - bem como as linhasideológicas da ação promovida pelas organizações ambientalistasem que predominou na origem uma orientação conservacionistacom ênfase numa lógica científica; por sua vez, o viéssocioambientalista jogou o movimento na arena política a partirdas conexões com outros canais de expressão na luta pelaredemocratização do país. Com efeito, estas tendências passarama concorrer e a se alternar em importância a depender danatureza do debate, da agenda e do contexto político em que searticulavam. Neste sentido, cabe anotar que a cada oportunidadepolítica correspondia um ciclo de protesto, um tipo demobilização, a ação adequada e, no cerne do movimento, tornou-se necessária a formação de redes, coalizões e, sobretudo, aestruturação de uma ideia força que conciliasse as tendênciasconservacionistas e socioambientalistas. De fato, as experiênciasvividas na Constituinte e na RIO-92 gestaram um pensamento,uma dicção e uma agenda comum aos movimentosambientalistas, conciliando temas e noções que abarcam odesenvolvimento sustentável, biodiversidade, agenda verde,questões sociais, gestão hídrica (agenda azul) e o meio ambienteurbano (agenda marrom).(19) Além de uma extensa e eclética rede, o movimentoambientalista conta com uma Frente Parlamentar constituídapor 12 senadores e 225 deputados.(20) O debate sobre a inserção do patrimônio natural comoelemento constitutivo de um projeto nacional vem de longe eprovoca a reflexão, cada dia mais atualizada, sobre as relações domodo de exploração econômica com a natureza e, mais a fundo,sobre o tipo de civilização que se pretende para o Brasil. Nestesentido, cabe destacar o texto produzido por José AugustoPádua, organizador da publicação Ecologia&Política no Brasil.Rio de Janeiro: Espaço e Tempo - IUPERJ (co-edição), 1987. Oreferido texto resgata preciosa trajetória do pensamentobrasileiro em que vários autores (do Brasil - colônia ao início doséculo XX) colocam a temática ambiental no centro das reflexõesque dão ênfase à concepção de um projeto nacional. Importantedestacar que a obra do Prof. José Augusto Pádua serviu comouma das fontes de referência e pesquisa na elaboração deste

artigo.(21) Idem, p.18.(22) Sobre o assunto vale registrar e consultar a densa obra deSergio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso - os motivosedênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo:Nacional, 1985.(23) Apud, JUNIOR, Caio Prado. In Ecologia&Política no Brasil.P. 19(24) José Augusto Pádua, na obra já citada, ao analisar opensamento crítico dos referidos autores menciona trechos deseus escritos que ilustram admirável consciência ambiental epercepção antecipada do que o terceiro quartel do século 20passaria a chamar de desenvolvimento sustentável. Em JoséBonifácio, a denúncia da ação predadora leva o autor à seguinteprofecia: "Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que aultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimescometidos" (Op. cit. p. 26). Para Rebouças e Nabuco, adevastação era um sintoma de atraso de um país arcaico e,especificamente para Nabuco, uma das obras da escravidão:"Onde ela [a escravidão] chega, queima as florestas, minera eesgota o solo, e quando levanta suas tendas deixa após si um Paísdevastado em que consegue vegetar uma população miserável deproprietários nômades" (Op. cit. p. 38). O vigoroso estilo deEuclides da Cunha não deixa por menos: "Temos sido um agentegeológico nefasto, e um elemento de antagonismo terrivelmentebárbaro da própria natureza que nos rodeia (...) não há exemplomais típico de um progresso às recuadas. Vamos para o futurosacrificando o futuro, como se andássemos às vésperas dodilúvio"(Op. cit. p. 44.). Na segunda década do século XX,Alberto Torres assim vislumbra os rumos do projetocivilizatório: "a civilização humana é um produto do sacrifícioda terra ao impulso das cobiças incontidas" (Op. cit. p. 51). Em1937, Gilberto Freyre assim define sua obra Nordeste: "Esteensaio é uma tentativa de estudo ecológico do Nordeste doBrasil", num rasgo de modéstia, eis que, no referido ensaio estãopresentes dimensões estruturais da ecologia: a ambiental, aeconômica, a humana e a espiritual.(25) Expressão que dá título à obra de autoria de Warren Dean: Aferro e fogo. São Paulo: Companhia da Letras, 1996, umimpressionante relato sobre a história e a devastação da mataatlântica brasileira.(26) Dois excelentes trabalhos se complementam e de modoexaustivo mostram um painel das políticas públicas ambientaisbrasileiras de 1930 aos dias atuais. São eles: Política e gestãoambiental, de autoria de Luis Henrique Cunha e Maria CéliaNunes Coelho no livro organizado por Sandra Batista da Cunhae Antonio José Teixeira Guerra, A questão ambiental - diferentesabordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003; e o textoOrigens mineiras do desenvolvimento sustentável do Brasil -idéias e práticas que integra Desenvolvimento, justiça e meioambiente, organizado por José Augusto Pádua, Belo Horizonte:UFMG; São Paulo - Peirópolis, 2009, p. 84-93.

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